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Síndrome de Alienação Parental

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Prefacio de Eduardo Sa

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Prefácio

ITodos os divórcios se dão por mútuo consentimento. Ainda assim, se

em relação a uma criança, por força das clivagens que a relação dos pais foi clarificando, se torna muito doloroso assumir que, na procura de horizontes de felicidade, os pais magoem os filhos, do ponto de vista delas, e até se con-sumar uma separação ou um divórcio, podemos, em rigor, falar de diversas experiências abandónicas, protagonizadas por ambos os pais. Experiências que têm, inequivocamente, valores erosivos diferentes, consoante os recursos relacionais que os pais terão propiciado a cada um dos filhos, até aí. Muitas vezes, as omissões parentais tenderão, após um divórcio, a ser esbatidas, assim os pais aproveitem uma separação ou um divórcio para diluírem, significati-vamente, o stress cumulativo e traumático que todos terão vivido. Noutras circunstâncias, é o próprio acordo judicial que regula o poder paternal, intro-duzindo uma regra na relação de ambos os pais com os filhos, onde antes ela não existiria. No entanto, se os pais não reunirem competências parentais que os levem, apesar de tudo o que os afasta, a considerar, em sede judicial, um acordo que dê a uma criança o máximo possível de ambos os pais, todos os dias, então (seja qual for o estatuto social e o estrato económico onde se incluam) deve essa sua dificuldade ser tomada como, potencialmente, indu-tora de perigos para um filho, devendo a criança ser sinalizada junto de uma comissão de protecção de crianças e de jovens em perigo, e a decisão judicial (que venha a dar-se) condicionada por isso. Mesmo que um filho tenha mais de 12 ou de 14 anos (já que representa uma violência grave, que uma criança escolha as razões evocadas por um dos pais, contra o outro, quando ambos possam ter sido incompetentes ao não decidirem por ela, depois de a escuta-rem). Para mais, sempre que um magistrado suspende por uma hora o exercí-cio do poder paternal (ouvindo uma criança), contra a vontade dos seus pais, está a presumir a incompetência deles para decidir por ela, reconhecendo, implicitamente, que, ao permanecer sob os cuidados dos pais, poderá estar a criança em perigo.

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Tomando em consideração os interesses de uma criança (que - vinco - serão todos os menores até aos 18 anos de idade) outro regime de exercício do poder paternal que não seja a guarda conjunta merecerá as maiores reservas. No fundo, a guarda singular de uma criança pressupõe a inabilitação implícita de um dos pais para o exercício do poder paternal. Ora, é aqui que a maioria das decisões judiciais se torna confusa. Quando deviam inabilitar um dos pais para o exercício do poder paternal (seja em consequência de actos exuberantes ou de práticas cumulativas que exponham uma criança a perigo, ou em resul-tado de humilhações repetidas ou de exercícios parentais, esmagadoramente, egocêntricos) não o fazem. E sempre que deviam não aceder a outro ponto de partida, para o exercício do poder paternal, que não seja a guarda conjunta de uma criança, inabilitam um dos pais.

Ninguém ignora que entre a intenção de acordarem num exercício de guarda conjunta de uma criança e a inflexiblidade de muitos pais se vão sedi-mentando discrepâncias significativas. Tenho, todavia, para mim que toda a inflexiblidade parental que perpetue a indefinição de um regime de guarda sensato, que venha a organizar o quotidiano de uma criança, é compaginável com o que a Lei configura como uma exposição a um perigo. Como são peri-gosas as exposições a que inúmeras crianças são submetidas, sempre que se vêem a mediar clivagens entre os seus pais em relação aos incumprimentos dos acordos de regulação do poder paternal que terão assumido. Como deviam, didacticamente, ser consideradas em perigo (e ser protegidas de acordo com essa medida de protecção) todas as crianças cujo divórcio dos pais tenha sido litigioso. Se, em todas essas circunstâncias, um Tribunal de Família exercesse a mediação familiar, a par do exercício da justiça, as crianças passariam a ser sujeitos com direitos, em paridade com os de qualquer cidadão, o que está muito longe de acontecer.

IISerá compreensível que se considere que a mediação da parentalidade sig-

nificará uma assumpção implícita de falhas parentais? De certo modo, sim.. Será essa assumpção sinónimo de uma incompetência essencial para a parenta-lidade, associável a uma qualquer presunção de limitações do poder paternal? Não. Porquê? Porque o exercício sério da parentalidade não tem de ser um exercício omnipotente, e pode ser associado a recomendações e auxílios que potenciem os recursos que existam nos pais. Nesse sentido a mediação familiar deve, inclusive, ser entendida, sempre que dela resultem consensos parentais

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que esbatam divergências existentes, como um auxílio precioso de apoio à parentalidade.

Já a mediação judicial da parentalidade deve, por inerência, ser acompa-nhada pela sinalização das crianças cujos compromissos educativos estejam à discussão (devendo, para tanto, ser consideradas em risco) por forma a que a monitorização dos seus direitos seja constante e, desse modo, possam ser protegidas.

Se o exercício da justiça, no âmbito da criança e da família, pode – com benevolência - ser considerada do âmbito da mediação familiar, se da mediação judicial resultar uma efectiva judicialização da parentalidade, uma criança deve ser considerada em perigo. Porquê?

Judicializar a parentalidade será limitar, por inerência, o poder pater-nal? Sim. Porquê? Porque pressupõe que - ou como forma de proteger uma criança dos desempenhos de um dos seus pais ou como forma de mediação de conflitos insanáveis entre ambos – só a deliberação judicial garante os direitos de uma criança que, transitoriamente, e de forma grave, possam estar em perigo, a ponto de não poderem ser representados pelos seus pais. Judicializar a parentalidade é limitar, por inerência, o poder paternal. E se, só com a repetida tutela judicial, os pais consigam garantir as coordenadas relacionais que viabilizem os supremos interesses de uma criança, o que se deverá pôr à consideração – pelos danos resultantes da violência cumulativa que essa incapacidade releva – é a própria confiança judicial inerente ao poder paternal que, dessa forma, deve ser limitada ou, até, inibida, dado que tamanhas maldades são maus-tratos cumulativos, rigorosamente irre-paráveis.

Judicializar a parentalidade será proteger ou desamparar? Será protec-ção sempre que um dos pais tome os recursos judiciais como forma de pro-mover medidas que, em consciência, vislumbre como essenciais para prote-ger uma criança dos desempenhos parentais do outro, no sentido de serem estabelecidas práticas educativas consonantes com os supremos interesses do seu filho. Neste caso, a urgência da protecção prevalece sobre a limitação implícita do poder paternal, inerente ao pedido de mediação judicial da parentalidade. Ainda assim, e de forma cautelar, a criança deve ser conside-rada em risco.

Será desamparo quando, em função de conflitos insanáveis, mais do que a mediação, só uma decisão judicial parece enquadrar uma fractura de interes-ses parentais numa moldura de cuidados – muitas vezes, minimalista – que,

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efectivamente, proteja uma criança. Nestas circunstâncias, da incompetência continuada dos pais para a parentalidade, resultam danos cumulativos com-pagináveis com maus-tratos, a partir dos quais deve considerar-se uma criança em perigo, e a própria confiança judicial inerente ao poder paternal colocada em consideração.

IIIUma decisão judicial deve condensar, a este propósito, os supremos inte-

resses de uma criança e os dos seus pais colocando-os, a todos, tendencial-mente, em paridade. Sendo assim, deve, inevitavelmente, uma criança, por mais pequena que seja, ser confiada, preferencialmente, à sua mãe? Não. As competências relacionais do feto e do bebé obrigam-nos a reformular muitos dos lugares-comuns que foram acompanhando a nossa formação. Daí que se afirme que, desde o início da sua vida mental (algures, por defeito, entre os quatro e os cinco meses de gestação), é a competência para assimilar (e se transformar) com a alteridade dos laços, que cruza as rotinas da sua vida, que faz da diversidade um factor, potencialmente, maturante para a vida dum bebé. Como o é, também, a triangulação que a presença, mais ou menos permanente, da mãe e do pai (nos cuidados que lhe prestam) que estruturam a sua identidade.

A mãe deveria ser vista como uma protagonista exclusiva dos primeiros cuidados em relação ao bebé, se a feminilidade fundasse a maternalidade. E se esta, mais do que uma qualidade estritamente materna, não fosse, como é, uma qualidade fundamental do Ser Humano, que se organiza como um precipitado de experiências vinculativas que concretizam - na mulher como no homem - a disponibilidade para a vinculação.

Quererá isto, então, dizer que um pai pode reunir os requisitos de mater-nalidade essenciais ao desenvolvimento saudável de uma criança? Sem dúvida que sim. Pode, uma tal afirmação, pressupor que, em muitas circunstâncias, serão os requisitos maternantes do pai (se pretendermos preservar a noção tra-dicional, associada aos cuidados parentais) a equilibrar ou a compensar falhas ou omissões continuadas da mãe, em função das transformações que se possam operar no seu psiquismo? Sim.

Todavia, os números globais acerca da confiança judicial do poder pater-nal talvez nos indiciem uma outra perspectiva. Assim, no decurso de 2002, ter-se-ão dado, em Portugal, 16 606 regulações do exercício do poder pater-nal. Nelas terão estado envolvidas 24 670 crianças (9 701 das quais, com

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menos de 7 anos) tendo elas sido, em 84% destas situações, confiadas à mãe.

Por que motivo terão sido os tribunais, tão maioritariamente favoráveis ao poder maternal? Porque se foi criando a ideia de que uma mãe seria um produto de “primeira necessidade” para uma criança (ao contrário do pai). E porque se foi assumindo que os pais que se separam ou se divorciam fica-riam, ainda, mais demissionários ou irresponsáveis, depois do divórcio, o que colocaria em perigo a vida de uma criança. Em quaisquer uma destas situ-ações receio que estejamos a ser injustos para muitos homens e para muitas mulheres.

Confiar (invariavelmente) uma criança à sua mãe não é um acto tão genero-so como pode parecer. Muitas vezes, é reconhecer que o pai tem o direito a ficar mais liberto para reconstruir a sua vida amorosa enquanto uma mulher fica, assim, mais disponível para ser… mãe. Prender uma mulher à maternidade pode ser uma forma de lhe criar um obstáculo para ser mulher.

Será indiferente, para um bebé (ou para uma criança), que quem faz de mãe tenha… barba e gravata? Se o pai for capaz de lhe falar com os olhos e de o escutar com o coração, é. Mas, sendo assim, pode um Tribunal exercer a justiça tomando como critério de diferenciação entre o bem e o mal, o género sexual? Não. De outro modo, isso faria de um homem um presumível arguido, sem culpa formada. Aliás, se um Tribunal pretende avaliar a qualidade dos cuida-dos de uma mãe e de um pai isso poderia levar a que concluísse que muitos pais serão melhores mães que muitas mulheres. Mas deve ser esse o papel de um Tribunal? Não.

E porque é que tantas vezes os tribunais não castigam as mães “batotei-ras”, que se vingam de um divórcio, com que nunca concordaram, castigando o pai através de um afastamento progressivo do seu filho (que, rapidamente, o transformam num estranho)? E não deveria inibi-las desse exercício, quando, por anos seguidos, encontram os estratagemas mais inacreditáveis para criar uma fractura irreparável na relação de uma criança com o pai? Não será o des-respeito dos supremos interesses de uma criança, condensados numa decisão judicial, um mau trato grave e, tantas vezes, um caso de polícia que não pode merecer uma condescendência sem fim?

Também entre os pais que reclamam pelo direito de ter os filhos por mais tempo, haverá muitos que só depois de uma separação reparam nas crianças e nos benefícios da paternidade. Alguns, reclamam-nas não porque as queiram mas porque encontram nesse protesto uma forma de prolongar um litígio

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para além do divórcio. Mas muitos outros também querem participar na vida diária de uma criança. E recusam ser telepais (disfarçando a lonjura com um telefonema de circunstância, todos os dias) ou pais em “suaves prestações” quinzenais.

Se existir, por parte dos pais de uma criança, um clima de conflitualidade, por mais que se desenrole de forma latente - seja a propósito das dissonâncias exuberantes nos seus desempenhos parentais, seja, porventura, acerca do res-peito obsessivo do acordo sobre o poder paternal (prejudicando rotinas que sejam estruturantes para ela), ou da forma como possam sobrepor os ressen-timentos que os separam à sua responsabilidade de pais - esses desempenhos parentais poderão ser configurados como, potencialmente, maltrantes. Por outras palavras: judicializar a educação é maltratar. Será, numa continuidade dessas, que a judicialização da educação de uma criança será um mau trato que, a banalizar-se, a transforma, por inerência, numa criança em perigo? Sem dúvida que sim. Como o serão, também, todas as atitudes parentais que as façam sentir que gostar do pai possa significar um acto de traição em relação à mãe (ou vice versa). Ou aquelas que, repetidamente, empurrem as crianças para atitudes parentificadas, como se se invertessem, sem reversibilidade, os papéis de pai ou mãe e o de filho ou de filha. Como o são, ainda, os investimen-tos claramente diferenciados que prejudiquem um dos filhos em benefício doutro, que terão como sequela uma erosão, potencialmente irreparável, da relação da fratria.

Em quaisquer destas circunstâncias, não provocando estes procedimentos as lesões que são, habitualmente, associadas aos maus-tratos, e podendo não ser essa a intenção dos pais, poderão configurar, no plano das sequelas que acarretam, uma situação dessa natureza. Será, então, saudável, que - no con-texto de um divórcio - e até que se organizem rotinas relacionais consistentes, que cada uma das crianças de uma fratria, seja confiada a pais diferentes? Não. E é natural que, pensada na singularidade das suas reacções, que reaja, a cada um dos seus pais, de forma diferente? Sem dúvida. Poderá isso representar níveis de tolerância à dor distintos, em cada uma delas? Porventura. Mas também pressupõe que a exuberância da reacção emocional a uma experiência traumática nem sempre representa um indício de preocupação acrescida. Por exemplo, uma adequação excessiva, em relação a tudo o que de turbulento possa existir, pode ser muito mais preocupante. Por isso, não deve ser a reac-ção de cada uma das crianças, num dado momento, a pautar cada atitude dos seus pais, já que o seu apelo, subjacente a uma imensa pluralidade de atitu-

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des, testa a qualidade empática dos seus pais e discrimina a sensatez dos seus desempenhos parentais.

IVPartindo daqui, e tomando em consideração os interesses de uma criança,

poderá ser relevante o tempo de cuidados que um dos pais possa levar “de avan-ço” em relação ao outro? Não. Porque, nem sempre, mais cuidados significam melhor parentalidade. Não, porque não poderão ser ignoradas as motivações reparadoras que um dos pais possa ter em relação às omissões de cuidados que tenha tido. Não, ainda, porque cabe aos técnicos, em quem um Tribunal se apoie, despistar motivações fundadas para a parentalidade e conflitualidade estéril, centrada nos cuidados que os pais reclamem para os menores.

Será, ainda, razoável que afirmemos que é a identidade de género que pauta a construção da identidade? Não. Para que uma criança se sinta rapariga ou rapaz interage o seu género sexual e, sobretudo, a forma como consegue com-patibilizar, dentro de si, uma mãe e um pai que, para tanto, não precisam estar juntos por fora. Aliás, muitas das perturbações da personalidade estruturam--se na convivência com dois pais que, apesar de juntos por fora, são sentidos como, irreparavelmente, divorciados por dentro.

Sendo assim, mais importante do que a necessidade de nutrição, uma família representa uma necessidade básica, porque é da alteridade dos gestos da relação com a mãe e com o pai, da diversidade dos ritmos e da pluralidade dos cuidados, que uma criança cria as bases que lhe permitem - ao ser “igual à mãe e ao pai”, em simultâneo - mobilizar os recursos de saúde, para que, partindo deles, passe a reconhecer-se em si própria. Por outras palavras: a «guarda conjunta» terá colocado em “letra de Lei” os requisitos mais ade-quados ao desenvolvimento integral duma criança. Mas a diversidade das opiniões de um e de outro pais, em relação à qualidade dos cuidados a prestar a uma criança, poderá provocar, no caso de um divórcio, uma turbulência disruptiva para ela. Quer quando, entre os dois pais se registam clivagens (ou, até, fracturas) em relação a regras ou a cuidados a ter, quer quando um deles tenta deslocalizar uma criança. Em quaisquer circunstâncias, quando os pais não se conseguem descentrar dos ressentimentos ou das clivagens de uma relação, elegendo os legítimos interesses do menor como factor de transformação das situações traumáticas a que tenha sido exposto, é legítimo que ele seja sinalizável como criança em perigo, junto de uma comissão de protecção de crianças e de jovens.

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VComo nos deveremos colocar diante de um progenitor que, embora se

assuma como pai de diversas crianças, tome o acordo para uma delas, recusan-do o contacto ou negligenciando, continuadamente, uma outra (ou outras)? Assumindo o poder paternal, em quaisquer circunstâncias, como um exercício de indivisibilidade da fratria, o que fará com que todas as tentativas, subtis ou declaradas, para dividir os irmãos, entre famílias ou instituições, pelas seque-las irreparáveis que (caso isso sucedesse) perdurariam pelo tempo, e que são compagináveis com maus-tratos graves, devem merecer as adequadas medidas de protecção das crianças, limitação ou inibição do poder paternal incluídas. O mesmo deverá suceder quando a discrepância dos gestos de parentalidade, sejam quais forem as atenuantes referidas, se dão entre irmãos de diferentes relações dos seus pais.

E como nos deveremos colocar diante dos progenitores que, reclamando sobre a sua legitimidade de assumirem o poder paternal, se declaram, para efeitos de incumprimento das prestações mensais que seriam da sua respon-sabilidade (no âmbito de um acordo), estudantes ou desempregados? Como deverá entender-se o comportamento de algumas progenitoras (será a situação mais banal) que, assumindo a sua maternidade em dedicação exclusiva, vivem (por vezes, faustosamente) à custa da pensão mensal que negociaram num acordo de divórcio?

Se os pais não assumem, em toda a sua amplitude, as responsabilidades que decorrem da assumpção da sua parentalidade, manifestando - a par dos direitos que reclamam - uma negligência continuada, não reunindo os recursos com que façam face às necessidades de uma criança, devem - para efeitos do exercí-cio do poder paternal, e considerando as sequelas psicológicas dos seus actos que sobrevêem para os seus filhos - ser tomados como negligentes (devendo decorrer daí as medidas judiciais de protecção de uma criança). Por outras palavras, deve qualquer incumprimento das responsabilidades parentais ser compaginável com uma situação de mau-trato, com a consequente limitação do poder paternal? Sim.

Já no caso de um progenitor subsistir, de forma continuada, e seja qual for o regime de guarda acordada, unicamente em função da compartici-pação mensal para face fazer às necessidades de uma criança, deve merecer uma medida do género da anterior. Por outras palavras, sempre que uma pensão mensal corra o risco de se transformar num meio de subsistência para um dos seus pais (não havendo limitações nem na saúde desse pro-

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genitor nem na da criança, nem sendo inequívocos os esforços que tenha feito para reunir recursos económicos doutra forma) essa comparticipação mensal pode correr o risco de ser compaginável com um exercício de explo-ração infantil.

VISerá, neste contexto, legítimo que, num dado momento, um dos pais de

um menor o proteja do outro, sem o aval de um Tribunal? Se, em consciência, teme que o outro exponha, de forma continuada, o filho de ambos a um peri-go, é sensato que essa protecção se dê. Será razoável que, depois desse acto de presumível protecção, o pai que promoveu a separação do menor, em relação ao seu ambiente familiar, leve por diante esse acto sem que, entretanto, solici-te uma medida de protecção judicial que o configure e o enquadre? Não. Se o fizer, correrá o risco de sobrepor, de forma unilateral, uma avaliação individual ao exercício da justiça sobre o menor, com tudo o que isso poderia ter de per-nicioso, transformando um gesto que seria, inicialmente, de protecção, numa consequência – potencialmente – maltratante.

Admitindo que, sejam quais tenham sido os motivos que evoque, o pai que subtrai o menor tenha guiado o seu acto pela ânsia de o proteger de algum mau-trato, a bondade desse gesto desmorona-se no momento em que, de forma continuada, não só não terá procurado legitimar judi-cialmente o seu acto, como foi privando, de forma ininterrupta, o pai de ter acesso à menor. Ao fazê-lo, mais do que incorrer numa presumível sub-tracção do menor, com as consequências que a Lei configura para o acto, expõe-a - mesmo que baseada numa presunção de bondade – a maus-tratos cumulativos. Porquê? Porque, de forma abrupta e encadeada, quebra as ligações do menor com os seus vínculos significativos, com os seus espaços de referência e com as suas rotinas, sendo essa cascata de acontecimentos, potencialmente, associável a um estado de choque psicológico que só muito tempo depois se expressará por diversos sintomas, exigindo (mais tarde) muitas gestos securizantes e reparadores, por parte do pai a quem a menor foi subtraída (que, apesar disso, continuará – pelo menos, em parte, e em virtude da sua presumível omissão protectora neste processo – a ser sentido como misteriosamente mau).

Numa circunstância como essa, será razoável que, depois de contornada a presumível subtracção, o poder paternal seja reposto na forma que preva-lecia antes de um acto como este se ter dado? Não! Quer os pais acordem,

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em conjunto, nesse sentido, quer prevaleça uma fractura, entre eles, em relação ao formato que o poder paternal venha a ter. Porquê? Porque desse modo estaria a branquear-se um conjunto de acontecimentos maltratantes para uma criança. E porque se estaria, sobretudo, a ignorar a incapacida-de (fracturante) dos pais para responderem, num determinado momento, aos cuidados que ela exige. Será legítimo, então, que, em consequência de uma subtracção, o pai que a tenha promovido, pelos danos que provocou a uma criança, seja, no mínimo, objecto de uma limitação do poder paternal? Sem dúvida que sim.

VIIComo pode, à luz destes pressupostos, compreender-se uma queixa de

abuso sobre um dos pais de uma criança, protagonizada pelo outro? Como uma imputação de responsabilidades que, pela sua desmesurada gravidade, deve ser sustentada em actos inequívocos. Sendo assim, a limitação do poder paternal deve dar-se ao mesmo tempo que essa queixa é formalizada, como forma de proteger, urgentemente, uma criança de um dos seus pais. E se, porventura, dessa queixa se conclui a existência de má-fé do pai/mãe que denunciou, em relação ao outro? Sejam quais forem os outros motivos que possam estar sub-jacentes a uma denúncia como essa, ao correr o risco de instrumentalizar uma criança, sujeitando-a a inúmeros exames periciais e ao fracturá-la entre os seus pais, o pai/denunciante expõe uma criança a um perigo que, pela sua gravida-de, deve desencadear uma medida imediata de protecção que poderá incluir a inibição do poder paternal.

Será razoável que, depois de contornada a presumível fractura entre os pais de um menor, o poder paternal seja reposto na forma que prevalecia antes de um acto como este se ter dado? Não. Uma criança deve ser consi-derada em perigo, devendo merecer o acompanhamento que essa situação torna exigível.

VIIIA alienação filial é uma mau-trato grave que deve merecer medidas judi-

ciais de protecção das crianças, e a respectiva limitação do poder paternal, a alienação parental representa um processo de uma enorme perversidade, pois faz-se com dolo para um dos pais e a pretexto da vontade expressa ou sob o consentimento tácito de uma criança. Tamanha instrumentalização - que faz com que, sob os mais diversos argumentos, se evoquem (de forma populista,

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demagógica e malévola) os supremos interesses de uma criança e a pertinência da sua protecção - é uma forma de lhe cercear o direito a usufruir de ambos os pais e, pior, impõe-lhe conflitos de lealdade sem fim, uma vez que aproximar--se de um dos pais a leva a trair o outro, e vice-versa, numa esmagamento de identidade sem fim.

Eduardo Sá