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Série Hathaways 05 – Apaixonados ao Entardecer (Enamorados al Atardecer – edição espanhola) (Love me in The Afternoon – título original) Lisa Kleypas Disponibilização: Lizzy Tradução e Revisão Inicial: Lizzy Revisão Final: Mima Leitura Final e Formatação: Gabi R

Série Hathaways · Depois de seis anos, os Hathaway tinham conseguido aprender o suficiente para acomodar–se na boa sociedade. Entretanto, nenhum deles tinha aprendido a pensar

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  • Série Hathaways

    05 – Apaixonados ao Entardecer

    (Enamorados al Atardecer – edição espanhola)

    (Love me in The Afternoon – título original)

    Lisa Kleypas

    Disponibilização: Lizzy Tradução e Revisão Inicial: Lizzy

    Revisão Final: Mima Leitura Final e Formatação: Gabi R

  • Informação da série

    01 – Minha a Meia-Noite – Revisão Final

    02 – Seduce Me at Sunrise - Tradução 03 – Tempt Me at Twilight – Na Lista 04 – Married by Morning – Na Lista

    05 – Apaixonados ao Entardecer - Distribuído

    Sinopse

    Como um amante dos animais e da natureza, Beatrix Hathaway sempre achou o ar livre mais confortável do que no salão. Mesmo tendo participado anteriormente da temporada de Londres, a beleza clássica de Beatrix de espírito livre nunca foi atrativa e por isso não foi seriamente cortejada ... e ela se resignou com o destino de nunca encontrar o amor. Chegou o momento da não convencional irmã Hathaway se contentar com um homem simples, apenas para evitar o celibato.

    O Capitão Christopher Phelan é um soldado bonito e ousado que planeja se casar com a amiga de Beatrix, a vivaz Prudence Mercer, quando retornar da guerra no exterior. Mas, como ele explica em suas cartas a Pru, a vida no campo de batalha escureceu a sua alma e está se tornando claro que Christopher não vai voltar como o mesmo homem. Quando Beatrix descobre a decepção de Pru, ela decide ajudar respondendo as cartas de Christopher para ela. Logo a correspondência entre Beatrix e Christopher se transforma em algo gratificante e profundo ... e quando Christopher chega em casa, ele está determinado a reivindicar a mulher que ele ama. O que começou como um engano inocente por parte de Beatrix resultou na agonia de um amor não correspondido e uma paixão que não pode ser negada...

  • Prólogo Capitão Christopher Phelan 1º Batalhão Brigada de Rifles Cabo Mapan Criméia Junho de 1855 Não posso te escrever de novo. Não sou quem crê que sou. Não era minha intenção te enviar cartas de amor, mas isso é no que se converteu. Em

    seu caminho para ti, minhas palavras se converteram nos batimentos do meu coração em cada página.

    Volta, por favor, vêm para casa e me encontre.

  • Capítulo Um

    Hampshire, Inglaterra

    Oito meses antes Tudo começou com uma carta. Para ser preciso, foi à menção do cão. – E o cão? – Perguntou Beatrix Hathaway – O que diz do cão? Sua amiga Prudence, a beleza reinante do condado de Hampshire,

    levantou a vista da carta que tinha sido enviada por seu pretendente, o capitão Christopher Phelan.

    Apesar de não ser próprio de um cavalheiro manter correspondência com uma moça solteira, dispôs–se o envio de cartas de ida e volta com a cunhada de Phelan como um intermediário.

    Prudence lhe enviou um gesto fingido. – Realmente, B, mostras muito mais interesse em um cão e nunca

    pelo capitão Phelan. – O Capitão Phelan não necessita de meu interesse – disse Beatrix

    pragmática – Ele tem a atenção de cada senhorita casadoura de Hampshire. Além disso, optou por ir à guerra, e estou segura de que ele está tendo um momento encantador pavoneando–se por aí com seu elegante uniforme.

    – Não é absolutamente elegante. – foi a resposta sombria de Prudence – De fato, seu novo regimento usa uniformes terríveis, muito ordinários, de cor verde escura com adornos negros, e não o ouro ou o cordão trançado absolutamente. E quando lhe perguntei por que, o capitão Phelan disse que era para ajudar aos fuzileiros a ficar escondidos, o que não tem sentido, pois como todo mundo sabe, um soldado britânico é muito valente e orgulhoso para ocultar–se durante a batalha. Mas Christopher, quer dizer, o capitão Phelan disse que tinha algo que ver com... OH! Usou uma palavra francesa.

    – Camouflage? – perguntou Beatrix, intrigada. – Sim, como soube? – Muitos animais têm formas de se camuflarem eles mesmos para

    não ser vistos. Camaleões, por exemplo. Ou a forma em plumagem de um mocho pintalgado é para ajudar a que se mesclem com a casca de sua árvore. Dessa maneira…

    – Céus, Beatrix, não inicie outra conferência sobre os animais. – Vou parar se me falar sobre o cão. Prudence lhe entregou a carta. –Lê você mesma. – Mas Pru – protestou Beatrix quando as pequenas páginas

    ordenadas foram empurradas para suas mãos. – O capitão Phelan pode ter escrito algo pessoal.

    – Devo ser tão afortunada! É totalmente sombrio. Nada mais que batalhas e más notícias.

    Embora Christopher Phelan fosse o último homem ao que Beatrix

  • queria defender, não pôde deixar de assinalar. – Está lutando na guerra da Crimea, Pru. Não estou segura de que

    haja muitas coisas agradáveis que escrever em tempos de guerra. – Bom, não tenho nenhum interesse no estrangeiro, e nunca

    pretendi o ter. Um divergente sorriso surgiu no rosto resistente de Beatrix. – Pru, está segura de que quer ser a esposa de um oficial? – Bom, é obvio a maioria dos soldados encarregados nunca vão à

    guerra. São homens muito na moda na cidade, e se estiverem de acordo para ir ao meio salário, que logo que têm direitos e não têm que passar nenhum tempo absolutamente com o regimento. E esse foi o caso do capitão Phelan, até que foi alertado ao serviço exterior – Prudence encolheu os ombros. – Suponho que as guerras sempre são inconvenientemente cronometradas. Graças a Deus o capitão Phelan voltará para Hampshire logo.

    – Fá–lo–á? Como sabe? – Meus pais dizem que a guerra se acabará antes do Natal. – Sim, ouvi isso também. Entretanto, alguém se pergunta se não

    seria muito subestimar a capacidade dos russos, e superestimar a nossa.

    – Como antipatriotas? – exclamou Prudence com burla em seus olhos.

    – O patriotismo não tem nada que ver com o fato de que o Escritório de Guerra, em seu entusiasmo, não fez o suficiente antes do planejamento que lançou trinta mil homens à guerra da Criméia. Não temos nem um conhecimento adequado do lugar, nem nenhuma estratégia sólida para sua captura.

    – Como sabe tanto sobre isso? – Do Time, que informa todos os dias. Não lê os periódicos? – Não a seção política. Meus pais dizem que é de má educação que

    uma jovem se interesse nessas coisas. – Minha família discute sobre política cada noite no jantar, e

    minhas irmãs e eu participamos. – Beatrix, fez uma pausa antes de acrescentar deliberadamente com um sorriso pícaro. – Inclusive temos opiniões a respeito.

    Prudence abriu os olhos como pratos – Meu Bom Deus, não deveria me surpreender. Todo mundo sabe

    que sua família é diferente. – Diferente. – Foi um adjetivo mais amável que a maioria utilizava

    frequentemente para descrever à família Hathaway. Os Hathaway se compunham de cinco irmãos, o mais velho Leo,

    seguido por Amélia, Winnifred, Poppy e Beatrix. Depois da morte de seus pais, os Hathaway tinham passado por uma assombrosa mudança de fortuna. Apesar de terem nascidos como pessoas comuns, tinham um parentesco longínquo com um ramo da família aristocrática. Através de uma série de acontecimentos inesperados, Leo tinha herdado um viscondado do que ele e suas irmãs não estavam, nem remotamente preparados. Eles tinham mudado de seu pequeno povoado Primrose Agrada ao imóvel Ramsay no condado do sul de New Hampshire.

  • Depois de seis anos, os Hathaway tinham conseguido aprender o suficiente para acomodar–se na boa sociedade. Entretanto, nenhum deles tinha aprendido a pensar como a nobreza, nem tinham adquirido valores aristocráticos ou maneirismos. Tinham a riqueza, que não era tão importante como a boa criação e as conexões. E enquanto que uma família em circunstâncias similares se teria esforçado por melhorar sua situação casando–se com pessoas de mais alta classe social, os Hathaway havia até o momento escolhido casar–se por amor.

    Quanto a Beatrix, não havia dúvidas sobre se casaria absolutamente. Ela era só a metade civilizada, passando a maior parte de seu tempo ao ar livre, a cavalo ou a caminhar pelos bosques, pântanos, prados de Hampshire. Beatrix preferia a companhia de animais a pessoas, recolhia a criaturas órfãs e feridas para sua reabilitação. As criaturas que não poderiam sobreviver por si mesmas na natureza as mantinham como mascotes, Beatrix se ocupava do cuidado delas. Fora da casa ela se sentia feliz e realizada. No interior, a vida não era tão perfeita.

    Cada vez mais, Beatrix tinha notado um sentimento de insatisfação, de desejo. O problema era que Beatrix nunca tinha conhecido a um homem correto para ela. Certamente, não estava nos pálidos espécimes dos salões de Londres que tinha frequentado. E embora os homens mais robustos do país fossem atrativos, nenhum deles tinha o que Beatrix desejava.

    Ela sonhava com um homem cuja força de vontade se igualasse à própria. Queria ser amada com paixão, desafiada, superada.

    Beatrix olhou à carta dobrada nas mãos. Não é que não gostasse de Christopher Phelan, reconheceu tão

    oposto a tudo o que ela era. Sofisticado e nascido com privilégios, era capaz de mover–se com facilidade no meio civilizado que era tão alheio a Beatrix. O segundo filho de uma acomodada família local, seu avô materno era um conde, a família de seu pai, distinguida por uma fortuna significativa de navios.

    Apesar de Phelan não estar na linha de sucessão para um título, o filho mais velho, John, herdaria o patrimônio Riverton no Warwickshire à morte do conde. John era um homem sóbrio e reflexivo, dedicado a sua esposa, Audrey.

    Mas o irmão mais novo, Christopher, era por completo outro tipo de homem. Como acontece frequentemente com filhos mais novos, Christopher tinha comprado uma comissão do exército à idade de vinte e dois. Com o grau de comandante, uma ocupação perfeita para um tipo tão de esplêndido aspecto, já que sua principal responsabilidade era levar as cores da cavalaria durante os desfiles e simulacros. Também foi o grande favorito entre as damas de Londres, onde constantemente sem uma permissão adequada, empregava seu tempo dançando, bebendo, jogando, comprando roupa fina, e caindo em escândalos amorosos.

    Beatrix esteve com o Christopher Phelan em duas ocasiões, a primeira em um baile local, onde ela o tinha julgado como o homem mais arrogante do Hampshire. A segunda vez foi em um piquenique, onde tinha trocado de opinião: ele era o homem mais arrogante no

  • mundo inteiro. –Essa garota Hathaway é uma criatura peculiar – Beatrix, o

    escutou dizer a um dos superiores a seu companheiro. – Acho–a encantadora e original – seu companheiro tinha

    protestado – E pode falar de cavalos melhor que qualquer mulher que conheci

    –Naturalmente – foi a réplica seca de Phelan. – Ela se adapta mais aos estábulos que à sala.

    A partir de então, Beatrix tinha evitado–o sempre que possível. Não é que lhe incomodasse a comparação implícita a um cavalo, já que os cavalos eram animais encantadores com espírito generoso e nobre. E sabia que, embora não fosse uma beleza, tinha seu próprio encanto. Mais de um homem tinha feito comentários favoráveis sobre seu cabelo castanho escuro e seus olhos azuis.

    Estas atrações moderadas, entretanto, não eram nada em comparação com o esplendor dourado de Christopher Phelan. Era tão belo como Lancelot, Gabriel. Talvez Lúcifer, se a gente acreditar que ele tinha sido o anjo mais bonito do céu. Phelan era alto e de olhos chapeados, com o cabelo da cor do trigo de inverno escuro meio dourado pelo sol. Sua figura era forte e militar, os ombros retos e fortes, os quadris magros. Inclusive enquanto se movia com a graça indolente, havia algo inegavelmente potente a seu redor, algo egoísta, depredador.

    Recentemente Phelan tinha sido um dos poucos escolhidos a ser selecionado em vários regimentos para formar parte da Brigada de Rifle. “The Rifles" como lhes chamava, era uma marca incomum de soldados, treinados para usar sua própria iniciativa. Animou–lhe a tomar posições por diante de suas próprias linhas de frente e recolher aos oficiais e os cavalos que geralmente estavam fora da fila objetiva. Devido a suas singulares habilidades de tiro, Phelan tinha sido promovido a capitão na Brigada Rifle.

    Beatrix se divertiu ao fato que Phelan provavelmente não tivesse querido tal honra absolutamente. Especialmente desde que se viu obrigado a trocar seu uniforme de húsares bonito, com seu casaco negro e abundante ouro trançado, por uma plana cor verde escura.

    –Convido–te a lê–la – disse Prudence enquanto estava sentada em sua penteadeira. – Tenho que arrumar meu penteado antes de sair a passeio.

    – Seu cabelo já está bonito– protestou Beatrix, incapaz de ver qualquer engano em suas tranças loiras que rodeavam sua cabeça de uma maneira muito elaborada. – E só caminhar até a aldeia. Nenhum dos habitantes do povoado sabe, nem lhes importa se seu penteado não é perfeito.

    –Eu saberei. Além disso, nunca se sabe a quem poderemos encontrar.

    Acostumada como estava à elegância incessante de sua amiga, Beatrix sorriu e negou com a cabeça.

    – Muito bem. Se estiver segura de que não te importa que eu olhe a carta do capitão Phelan, só vou ler a parte sobre o cão.

    – Vais dormir muito antes de chegar ao cão – disse Prudence,

  • inserindo uma forquilha em uma trança retorcida. Beatrix olhou as linhas rabiscadas. As palavras pareciam estreitas,

    os círculos apertados das letras dispostas a saltar da página. Querida Prudence: Estou sentado nesta carpa poeirenta, tratando de pensar em algo eloquente de escrever,

    e estou ao final desesperado. Merece belas palavras, mas só tenho estas: penso em ti constantemente. Imagino esta carta em sua mão e o aroma do perfume em seus pulsos. Quero o silêncio e o ar limpo, e uma cama com um travesseiro branco e suave. . .

    Beatrix levantou as sobrancelhas e sentiu uma ascensão rápida de

    calor sob a gola alta de seu vestido. Fez uma pausa e olhou para Prudence.

    – Encontra isto aborrecido? – Perguntou brandamente, enquanto que seu rubor manchava suas bochechas como vinho derramado sobre a roupa.

    –O princípio é a única parte boa. – disse Prudence – Adiante. ...Faz dois dias, em nossa marcha pela costa até o Sebastopol, lutamos contra os

    russos no rio Alma. Estes disseram que era uma vitória para nosso lado. Não se sente como tal. Perdemos ao menos dois terços dos soldados de nosso regimento, e uma quarta parte dos suboficiais. Ontem cavamos tumbas. O chamam a recontagem final de mortos e feridos “Bill o açougueiro” Trezentos e sessenta britânicos mortos até o momento, e mais soldados sucumbem a suas feridas.

    Um dos caídos, o capitão Brighton, trouxe um terrier chamado Albert, que é sem dúvida o exemplo do pior mau comportamento canino na existência. Depois que Brighton morreu, o cão se sentou junto a sua tumba e se queixou por horas, e tratou de morder a qualquer que lhe aproximasse. Cometi o engano de lhe dar a parte de uma bolacha, e agora a criatura ignorante me segue a todas as partes. Neste momento está sentado em minha barraca, me olhando meio enlouquecido. A choramingação estranha às vezes se detém. Sempre que me aproximo, trata de afundar seus dentes em meu braço. Quero lhe dar um tiro, mas estou muito cansado de matar.

    As famílias estão de duelo por quão vistas tomei. Filhos, irmãos, pais. Ganhei um lugar no inferno pelas coisas que tenho feito, e a guerra que participo. Estou mudando, e não para melhor. O homem ao que conhecia desapareceu para sempre, e temo que você não goste de seu substituto tão bem.

    O aroma da morte, Pru está por toda parte. O campo de batalha está semeado de partes de cadáveres, roupas, reveste das botas.

    Imagina uma explosão que poderia destruir as solas de seus sapatos. Dizem que depois de uma batalha, as flores silvestres são mais abundantes na próxima temporada a terra está tão revolta e rota, que dará oportunidade às novas sementes de jogar raízes. Quero chorar, mas não há lugar para isso. Não há tempo. Tenho que pôr os sentimentos em alguma parte.

    Existe ainda um lugar pacífico no mundo? Por favor, me escreva. Fale–me de algum fragmento do trabalho que está fazendo com a agulha, ou sua canção favorita. Está

  • chovendo em Stony Cross? Começaram as folhas a mudar de cor?

    Atentamente, Christopher Phelan

    No momento Beatrix tinha terminado a carta, ela era consciente de

    uma sensação peculiar, um sentido de compaixão a surpreendeu e fez pressão contra as paredes de seu coração.

    Não parecia possível que essa carta poderia ter vindo do arrogante Christopher Phelan. Não era absolutamente o que tinha esperado. Havia vulnerabilidade, uma tranquila necessidade, que a tinha comovido.

    –Deve lhe escrever Pru – disse ela, fechando a carta com muito mais cuidado do que a tinha dirigido anteriormente.

    –Não vou fazer tal coisa. Isso só respiraria mais queixa. Vou estar em silêncio, e talvez assim o incentivo para escrever algo mais alegre da próxima vez.

    Beatrix franziu o cenho. – Como bem sabe, não tenho grande simpatia pelo capitão Phelan,

    mas esta carta merece a sua simpatia, Pru. Só tem que escrever umas linhas. Umas palavras de consolo. Faria falta muito pouco tempo. E sobre o cão, tenho alguns conselhos.

    –Eu não escreverei nada sobre o maldito cão. – Prudence deu um suspiro de impaciência - Você escreve para ele.

    –Eu? Não quer saber de mim. Ele pensa que sou peculiar. –Não posso imaginar o porquê. O fato de que levasse a Medusa ao

    piquenique. –Ela é um ouriço com muito boa conduta. – disse Beatrix à

    defensiva. –O cavalheiro cuja mão foi transpassada por seus espinhos não

    parece pensar assim. –Isso foi só porque tratou de segurá–la de forma incorreta. Quando

    você toma a um ouriço... –Não, não tem sentido que me diga, já que nunca vou dirigir um.

    Quanto ao capitão Phelan se você sentir fortemente comovida por sua carta escreve uma resposta e assina com meu nome.

    –Não reconheceria que a escritura é diferente? –Não, porque eu não lhe tenho escrito ainda. –Mas não é meu pretendente. – protestou Beatrix – Não sei nada

    dele. – Sabe tanto como eu, em realidade. Está familiarizada com sua

    família, e que é muito próxima de sua cunhada. E eu não diria que o capitão Phelan é meu pretendente, tampouco. Ao menos não é o único. Certamente, não lhe prometo me casar com ele até que retorne da guerra com todos seus membros intactos. Eu não quero um marido que teria que pressionar muito em uma cadeira de inválido para o resto de minha vida.

    –Pru, tem a profundidade de um atoleiro. Prudence sorriu.

  • – Pelo menos sou honesta. Beatrix lhe dirigiu um olhar duvidoso. – Em realidade está delegando a redação de uma carta de amor a

    uma de suas amigas? Prudence agitou a mão em um gesto desdenhoso. – Não é uma carta de amor. Não havia nada de amor em sua carta

    para mim. Só tem que escrever algo alegre e esperançado. Beatrix abriu o bolso de seu vestido de caminhar e guardou a carta

    em seu interior. Discutiu consigo mesma, o que refletiu que nunca se termina bem, quando a gente faz algo moralmente questionável pelas razões corretas. Por outra parte ela não podia livrar–se da imagem que sua mente tinha conjurado, de um soldado exausto rabiscando uma carta apressada na intimidade de sua barraca, com as mãos cheias de bolhas de cavar as tumbas de seus companheiros. E um cão andrajoso gemendo na esquina.

    Sentia–se totalmente inadequada para a tarefa de escrever para ele. E suspeitava que Prudence também o pensasse.

    Tratou de imaginar o que foi para o Christopher, deixar sua vida elegante para trás, para se encontrar em um mundo no qual sua sobrevivência estava ameaçada dia a dia, minuto a minuto. Era impossível imaginar um mimado e bonito homem como Christopher Phelan enfrentar o perigo e a penúria, a fome e a solidão.

    Beatrix olhou pensativa a sua amiga contemplando–se frente ao espelho.

    – Qual é sua canção favorita, Pru? –Não tenho uma, em realidade. Diga–lhe a tua. –Devemos falar disto com Audrey? – Beatrix, perguntou, referindo–

    se à cunhada de Phelan – É obvio que não. Audrey tem um problema com honestidade. Não

    ia enviar a carta se ela soubesse que eu não a tinha escrito. Beatrix fez um ruído que poderia ter sido ou uma risada ou um

    gemido. – Eu não chamaria a isso um problema com honestidade. Ai, Pru,

    por favor, troca de opinião e escreve para ele. Seria muito mais fácil. Mas Prudence, quando lhe propunha fazer algo, pelo geral se

    voltava intransigente, e esta situação não foi exceção. – É mais fácil para todos, pois eu. – disse com aspereza – Estou

    segura de que não sei como responder a dita carta. Provavelmente inclusive esqueceria que estou escrevendo – Voltando sua atenção ao espelho, aplicou–se um toque de bálsamo de pétalas de rosa nos lábios.

    Que bonita era Prudence, com o rosto em forma de coração, as sobrancelhas finas e delicadamente arqueadas sobre os olhos redondos de cor verde. Mas, como muito pouco de uma pessoa o espelho refletia, era impossível adivinhar o que realmente sentia Prudence por Christopher Phelan. Só uma coisa era certa: que era melhor uma resposta, não importa quão torpe fora, era melhor que a retenção de uma resposta. Porque às vezes o silêncio podia ferir alguém quase tanto como uma bala.

    Na intimidade de sua habitação em Ramsay House, Beatrix se

  • sentou a sua mesa e molhou sua pluma em um poço de tinta de cor azul escura. Um gato cinza de três patas chamado Lucky descansava na esquina da mesa, olhando–a alerta. O ouriço mascote de Beatrix, Medusa, ocupava o outro lado da mesa. Lucky, sendo uma criatura sensível por natureza, nunca se incomodou pela presença do ouriço espinhoso.

    Prévia consulta à carta de Phelan, Beatrix escreveu: Capitão Christopher Phelan 1º Batalhão Brigada de Rifles 2 ª Divisão de Campo, Criméia 17 de outubro 1854 Pausa, Beatrix alargou a mão para acariciar a pata dianteira de

    Lucky com um dedo suave. – Como iniciaria Pru uma carta? – perguntou–se em voz alta. –

    Chama-o meu amor? Querido? – enrugou o nariz ante a ideia. A escritura de cartas não era o forte de Beatrix, embora proviesse

    de uma família muito articulada, que sempre tinha valorado o instinto e a ação mais que as palavras. De fato, ela poderia aprender muito mais a respeito de uma pessoa durante um curto passeio na natureza em vez do pouco que poderia ao sentar–se e conversar durante horas.

    Depois de considerar várias coisas que se poderiam escrever a um completo desconhecido, fazendo–se passar por outra pessoa, Beatrix finalmente se rendeu.

    –Enfim, só vou escrever o que quiser. Provavelmente vai estar muito cansado pela batalha para notar que a carta não soa como Pru.

    Lucky colocou o queixo ao lado de sua pata e fechou os olhos. Um suspiro lhe escapou ronronando.

    Beatrix começou a escrever. Estimado Christopher, Estive lendo as notícias sobre a batalha de Alma. Segundo o relato escrito pelo Sr.

    Russell do Time, a Brigada de Rifles foram diante da Guarda Coldstream, e dispararam a vários oficiais inimigos, com o que suas colunas se desordenaram. O Sr. Russell também comentou com admiração que nunca se retiraram os Rifles, ou inclusive balançavam a cabeça quando as balas vinham voando.

    Embora compartilhe sua estima, prezado senhor, desejo assinalar que, em minha opinião, não iria a detrimento de sua valentia que escondesse a cabeça quando os disparos vêm. Esquive–os, evite–os ou, preferivelmente, esconda–se detrás de uma rocha, prometo–lhe que não vou pensar menos de você!

    Albert segue com você? Até está empenhado em morder? Segundo minha amiga Beatrix (a que traz ouriços nos piquenique), este cão estimulado está com medo. Como os cães são lobos no fundo e requerem um líder, tem que estabelecer um domínio sobre ele. Cada vez que trate de morder, tome o focinho na mão, faça uma ligeira pressão, e lhe diga "não" com voz firme.

    Minha canção favorita é “Over the Hills and Far Away”.

  • Choveu em Hampshire ontem, foi uma tormenta de outono suave que provocou a queda de algumas folhas. As dálias já não estão no caule, e a geada murchou os crisântemos, mas o ar cheira divino, como as folhas velhas e úmidas cascas, e as maçãs amadurecidas. Alguma vez notou que cada mês tem seu próprio aroma? Maio e outubro são os meses mais agradáveis de aroma, em minha opinião.

    Você pergunta se há um lugar pacífico no mundo, e lamento lhe dizer que não é Stony Cross. Recentemente o burro do Sr. Mawdsley escapou que seu posto, correu pelo caminho, e de algum jeito encontrou seu caminho em uma pradaria fechada. A égua apreciada do Sr. Caird foi inocentemente a pastar quando o sedutor mal educado do burro se saiu com a sua com ela. Agora parece que a égua concebeu, e se está liberando uma briga entre o Caird, que exige uma compensação econômica, e Mawdsley, quem insiste que se o pasto tivesse sido cercado, a reunião clandestina nunca teria ocorrido. Pior ainda, sugeriu–se que a égua é uma descarada e não lutou o suficiente para conservar sua virtude.

    De verdade acredita que ganhou um lugar no inferno? Não acredito no inferno, menos no mais à frente. Acredito que o inferno é provocado pelo homem aqui na terra.

    Você diz que o cavalheiro que eu conhecia foi substituído. Como eu gostaria de poder lhe oferecer um melhor consolo ao dizer que não importa quanto tenha mudado, igual lhe darei as boas vindas a sua volta. Faça o que deva. Se lhe ajudar a suportar, ponha os sentimentos a distância por agora, fecha a porta e não os deixe passar. Talvez algum dia, tomemos ar juntos.

    Atenciosamente, Prudence.

    Beatrix jamais tinha enganado a ninguém intencionalmente. Ela

    teria se sentido, imensamente mais cômoda escrevendo ao Phelan como ela mesma. Mas ainda recordava os comentários depreciativos que tinha feito uma vez dela. Ele não quereria uma carta dessa “peculiar” Beatrix Hathaway. Tinha pedido uma carta da bonita loira Prudence Mercer. E não era uma carta escrita de maneira fraudulenta melhor que nada? Um homem na situação de Christopher necessitava todas as palavras de fôlego que se pudessem oferecer.

    Precisava saber que a alguém importava. E por alguma razão, depois de ter lido sua carta, Beatrix descobriu que, efetivamente, importava–lhe.

  • Capítulo Dois A lua da colheita trouxe um clima seco, claro, os inquilinos e os

    trabalhadores de Ramsay tiveram uma das colheitas mais abundantes das que tinham tido memória. Como todo mundo no imóvel, Beatrix estava ocupada com a colheita e o festival local que lhe seguiu.

    Um jantar maciço ao ar livre e um baile que se levou a cabo nos jardins de Ramsay House com a assistência de mais de mil convidados, entre os inquilinos, serventes e gente do povo.

    Para decepção de Beatrix, Audrey Phelan não tinha podido assistir às festas, já que seu marido John tinha desenvolvido uma tosse persistente. Ela tinha ficado em casa para assisti–lo.

    “O médico nos deixou um medicamento que ajudou ao John com grande efeito”,

    tinha–lhe escrito Audrey, “mas advertiu que devia repousar na cama sem interrupções para que tenha uma recuperação completa”.

    Por volta do final do mês de novembro, Beatrix se dirigiu a casa

    dos Phelan, tomando a rota direta através de bosques povoados de carvalhos e bagos retorcidos com grande gesto.

    A escura folhagem das árvores assemelhava às figuras que se formavam quando o açúcar se esquenta para usá–lo no pudim e quando frio, formam grotescas caretas. Quando o sol gretado através da capa de densas nuvens, golpeou seu brilho sobre a geada.

    As solas pouco resistentes dos sapatos de Beatrix ficaram congeladas pela capa de folhas secas e musgo.

    Aproximou–se da casa Phelan, um antigo pavilhão de caça real coberta de hera em conjunto com os dez hectares de bosques. Chegando a um caminho pavimentado com esmero, Beatrix contornou a lateral da casa e se dirigiu para a parte dianteira.

    –Beatrix. Ao escutar a voz tranquila, virou para contemplar Audrey Phelan

    sentada só, em um banco de pedra. –Oh, olá – disse Beatrix alegremente – Não te vi em dias, assim

    pensei que seria…– sua voz se desvaneceu enquanto dirigia um olhar mais próximo a sua amiga.

    Audrey levava um vestido simples de dia, a combinação de tecido cinza contrastava com o fundo do bosque detrás dela. Estava tão quieta e silenciosa que Beatrix nem sequer tinha reparado em sua presença.

    Tinham sido amigas durante três anos, desde que Audrey se casou com John e se transladou a viver em Stony Cross.

    Havia certas classes de amigos: os que lhe visitam quando não tem nenhum problema, essa era Prudence. Mas há outra classe que são os que estão contigo nos momentos difíceis, essa era Audrey.

    Beatrix franziu o cenho ao ver a tez pálida de Audrey, tinha perdido sua cor saudável de costume, seus olhos e o nariz avermelhado.

    Beatrix franziu o cenho, preocupada. – Não está usando uma capa ou manto.

  • –Estou bem – murmurou Audrey, apesar de que seus ombros tremiam. Sacudiu a cabeça e fez um gesto quando Beatrix tirou sua capa de lã pesada e se dirigiu para ela colocando ao redor de sua forma esbelta – Não, B, Não o…

    – Estou quente pelo esforço da caminhada – insistiu Beatrix sentando–se junto a sua amiga no banco de pedra geada. Passado um momento sem palavras, enquanto que a garganta de Audrey trabalhava visivelmente. Algo andava muito mal. Beatrix esperou com forçada paciência – Audrey – pergunto finalmente – passou algo com o capitão Phelan?

    Audrey respondeu com o olhar em branco, como se estivesse tratando de decifrar uma língua estrangeira.

    –O Capitão Phelan – repetiu em voz baixa, logo sacudiu a cabeça. – Não, até onde sei, Christopher está bem. De fato, chegou um pacote de cartas dele ontem. Uma delas é para Prudence.

    Beatrix suspirou com alívio. – Levo–a, se quiser – se ofereceu, tratando de parecer tímida. –Sim. Isso seria muito útil – os dedos pálidos Audrey se torceram

    em seu regaço. Pouco a pouco Beatrix se aproximou e pôs sua mão sobre a de Audrey.

    – A tosse de seu marido está pior? – O médico foi cedo – tomou uma inspiração profunda, logo disse

    aturdida – John tem tuberculose. A mão de Beatrix se esticou. As duas ficaram em silêncio, enquanto um vento gelado correu

    entre as árvores. A enormidade da injustiça era difícil de entender. John Phelan era

    um homem decente, sempre dos primeiros a ir a alguém quando escutava que necessitavam ajuda. Tinha pagado um tratamento médico para a esposa de um aldeão quando o casal não podia pagar, tinha comprado um piano para sua casa onde dava aulas aos meninos da localidade, tinha investido na reconstrução da loja de bolos de Stony Cross quando esta estava perto de ficar reduzida a cinzas. Fez tudo com muita discrição, como se estivesse envergonhado de estar realizando boas ações. Por que alguém como John tinha que sofrer?

    –Não é uma sentença de morte – disse Beatrix finalmente – Algumas pessoas conseguem sobreviver.

    –Uma de cada cinco – conveio Audrey. –Seu marido é jovem e forte. E se alguém deve ser o um dos cinco

    será John – Audrey fez um movimento de cabeça, mas não respondeu. As duas sabiam que a tuberculose era uma enfermidade

    especialmente virulenta, devastava os pulmões, causando a perda drástica de peso e muita fadiga. O pior de tudo eram os ataques de tosse, voltando–se cada vez mais persistentes e com sangue, até que os pulmões estavam tão afetados que impediam à vítima respirar por mais tempo.

    –Meu cunhado Cam é conhecedor de ervas e remédios – ofereceu Beatrix – Sua avó era uma curandeira em sua tribo.

    –Uma curandeira cigana – repetiu Audrey em tom duvidoso.

  • –Deve provar algo – insistiu Beatrix – Por exemplo, curandeiros ciganos. Os ROM convivem diariamente com a natureza, e sabem tudo a respeito de seu poder de cura. Pedirei a Cam que faça um tônico para que ajude aos pulmões do senhor Phelan, e...

    –John não o quererá tomar – disse Audrey – E sua mãe se oporia. Os Phelan são pessoas muito convencionais. Se não vir receitado por um médico, ou da loja do farmacêutico, não o vão provar.

    – Trarei o tônico do Cam em um frasco parecido. Audrey inclinou a cabeça para um lado até que se deteve

    brevemente no ombro de Beatrix. – É uma boa amiga, B. vou necessitar–te muito nos próximos

    meses. – Aqui estarei – prometeu Beatrix, simplesmente. Outra brisa geada se agitou ao redor delas, transpassando através

    das mangas do vestido de Beatrix. Audrey se sacudiu com sua miséria ficando aturdida, devolveu o manto.

    – Entremos na casa, vou procurar essa carta para Pru. O interior da casa era quente e acolhedor, as habitações largas,

    com tetos baixos de madeira, janelas de espesso cristal que admitiam a luz invernal. Parecia que cada candelabro da casa estava aceso, o calor rodava brandamente através das habitações. Tudo na casa Phelan estava silencioso e decorado com bom gosto, com mobiliário senhorial que tinha alcançado uma idade consideravelmente cômoda.

    Uma donzela de aspecto etéreo veio tomar a capa Beatrix. –Onde está sua sogra? – pergunto Beatrix acompanhando Audrey à

    escada. –Foi descansar em sua habitação. A notícia foi especialmente difícil

    para ela – houve uma pausa curta – John sempre foi seu favorito. Beatrix era muito consciente, igual à maioria no Stony Crossm, de

    que a Sra. Phelan adorava a seus dois filhos, os únicos que ficavam depois de que dois de seus outros filhos, tinham morrido na infância, assim como uma filha que tinha nascido morta. Mas foi John Phelan, em quem a senhora tinha investido todo seu orgulho e ambição. Infelizmente nenhuma mulher era o suficientemente boa para John aos olhos de sua mãe. Audrey tinha tido que suportar uma grande quantidade de críticas durante os três anos de seu matrimônio, especialmente em sua incapacidade para conceber filhos.

    Beatrix e Audrey subiram pela escada, fileiras de retratos de família emoldurados em ouro maciço adornavam o trajeto. A maioria era dos Beauchamps, a parte aristocrática da família. A gente não podia deixar de notar que as gerações representadas dos Beauchamps eram um povo de extraordinária beleza, com o nariz estreito, os olhos brilhantes e grossos cabelos soltos.

    Ao chegar à parte superior da escada, escutou uma tosse afogada que provinha de uma habitação ao final do corredor. Beatrix se estremeceu ao escutá–lo.

    –B, se importa esperar um momento? – perguntou Audrey com ansiedade – Tenho que ir dar o remédio a John, é a hora.

    –Claro que posso.

  • –Vá à habitação de Christopher, fica aí quando nos visita. Pus a carta sobre a cômoda.

    –Vou procurá–la. Audrey se dirigiu a seu marido, enquanto que Beatrix entrava

    cautelosamente à habitação de Christopher, olhando primeiro ao redor da porta.

    A habitação estava em penumbra. Beatrix abriu uma das pesadas cortinas, deixando passar a luz do dia a todo o piso atapetado que parecia um retângulo brilhante. A carta estava sobre a penteadeira. Beatrix a levantou com impaciência, sentindo enorme ansiedade de romper o selo.

    Entretanto, admoestou–se a si mesmo dizendo que ia dirigida a Prudence.

    Com um suspiro de impaciência, deslizou a carta sem abrir no bolso de seu vestido. Ordenando logo os artigos que estavam sobre a cômoda cuidadosamente em uma bandeja de madeira.

    Uma escova pequena com cabo de prata de barbear, uma navalha dobradiça de folha, uma saboneteira vazia, uma caixa com tampa de porcelana. Incapaz de resistir, Beatrix levantou a tampa e olhou dentro. Encontrou–se três pares de abotoaduras, duas de prata, uma de ouro, um relógio, e um botão de bronze. Beatrix agarrou a broxa de barbear e tocou a bochecha com a mesma. As cerdas eram sedosas e suaves. Como o movimento de fibras suaves e um agradável aroma liberado de sabão de barbear.

    Sustentando o pincel mais perto de seu nariz, Beatrix se concentrou no aroma puramente masculino cedro, lavanda, folhas de louro. Imaginou Christopher ficando a espuma sobre o rosto, estirando a boca para um lado, todas as contorções masculinas que tinha visto fazer seu pai e irmão ao realizar o ato da eliminação dos pelos de suas faces.

    –Beatrix? – Sentindo–se culpada soltou de lado o pincel e saiu ao corredor.

    –Encontrei a carta – disse – Abri as cortinas, fecharei um pouco delas para…

    –OH, não se preocupe por isso, deixa que entre a luz, aborrece–me os quartos escuros – lhe disse Audrey com um sorriso forçado – John tomou seu remédio, está sonolento. Enquanto descansa, vou abaixo a falar com a cozinheira. John acredita que poderia ser capaz de comer um pouco de pudim negro.

    Procederam a baixar as escadas juntas. –Obrigado por levar a carta a Prudence – disse Audrey –É muito amável ao facilitar uma correspondência entre eles. –OH, não é moléstia. É por amor a Christopher que estou de

    acordo. Vou admitir que me surpreende que Prudence se tome o tempo de lhe escrever.

    –Por que diz isso? –Não acredito que o ame. Adverti a Christopher sobre ela antes de

    ir. Mas estava tão impressionado com sua beleza e seu bom humor que terminou por se convencer de que entre eles havia algo verdadeiro.

  • –Acreditei que te agradava Prudence. –Sim a quero. Ou pelo menos estou tratando de querê–la graças a

    ti – Audrey sorriu com ironia ante a expressão de Beatrix – decidi ser mais como você, B.

    –Mais como eu? OH, eu não faria isso. Não notou quão estranha sou?

    O sorriso de Audrey se alargou e por um momento pareceu a mulher despreocupada e jovem que tinha sido antes da enfermidade de John.

    – Aceita às pessoas pelo que são. Acredito que os trata como o faz com seus animais, observa seus hábitos e desejos, jamais os julga.

    – Julguei a seu cunhado severamente – assinalou Beatrix com sentimento de culpabilidade.

    – Mais pessoas deveriam julgar a Christopher – disse Audrey com seu sorriso persistente – Poderia melhorar seu caráter.

    A carta lacrada no bolso de Beatrix era nada menos que uma tortura. Apressou–se a retornar a casa, selou um cavalo e cavalgou até Mercer House, uma casa com um elaborado desenho de torres, intrincados postos de terraços e janelas com vidraças.

    Tendo surto depois de assistir a um baile que durou até as três da manhã, Pru recebeu Beatrix em bata de veludo adornado com volantes de encaixe branco.

    – OH, B, deveria ter ido ao baile de ontem à noite! Havia tantos homens bonitos ali, incluindo um destacamento de cavalaria que irá a Crimea em dois dias, viam–se tão esplêndidos com seus uniformes.

    –Acabo de ver Audrey – disse Beatrix sem fôlego, entrando na sala privada e fechando a porta – O pobre senhor Phelan não está bem, contarei sobre ele em um minuto, mas aqui está uma carta do capitão Phelan.

    Prudence sorriu e tomou a carta. –Muito obrigado, B. Agora, sobre os militares que se reuniram

    ontem à noite havia um tenente de cabelo negro que me tirou para dançar, e ele…

    –Não a vai abrir? – perguntou, olhando com consternação como Prudence deixava a carta sobre uma mesa auxiliar.

    Prudence lhe dedicou um sorriso zombador. –Vá, que tem pressa hoje. Quer abri–la neste mesmo momento? –Sim – Beatrix, rapidamente se sentou em uma cadeira estofada

    com tecido de flores impressas. –Mas eu quero te falar do tenente. –Não dou a mínima a esse tenente, quero escutar sobre o capitão

    Phelan. Prudence lhe disse com uma risada baixa. – Jamais te tinha visto tão excitada desde que roubou a essa

    raposa que Lorde Campdon importou da França o ano passado. –Eu não o roubei, resgatei–lhe. A importação de uma raposa para a

    caça é antiesportiva – Beatrix fez um gesto à carta – Abre–a! Prudence rompeu o selo, desdobrando a carta e sacudiu a cabeça

    com incredulidade divertida.

  • –Agora está escrevendo sobre mulas – pôs os olhos em branco e deu a carta a Beatrix.

    Senhorita Prudence Mercer Stony Cross Hampshire, Inglaterra 07 de novembro 1854 Querida Prudence: Independentemente dos informes que descrevem aos soldados britânicos como

    inquebráveis, asseguro–lhe que quando os carabineiros estão sob fogo, sem dúvida alguma devem procurar um refúgio. Em minha opinião, a velha fábula foi desmentida: há momentos na vida quando a gente definitivamente quer ser a lebre, não a tartaruga.

    Lutamos no porto meridional da Balaklava no vigésimo quarto dia do mês de outubro. A Brigada Ligeira se ordenou cobrar diretamente em uma bateria de canhões russos sem nenhuma razão compreensível. Cinco regimentos de cavalaria foram destruídos sem apoio. Duzentos homens e perto de quatrocentos cavalos perdidos em vinte minutos. Mais a luta contra em cinco de novembro, às Inkerman.

    Fomos resgatar aos soldados perdidos no campo antes que os russos pudessem chegar a eles. Albert saiu comigo sob uma tormenta de balas e lascas e ajudou a identificar aos feridos para poder levá–los fora do alcance dos canhões. Meu melhor amigo no regimento foi assassinado.

    Por favor, agradeça sua amiga Beatrix por seu assessoramento sobre Albert. Sua mordida é menos frequente, já não me ataca, embora ele tenha dado algumas mordidas aos visitantes do alojamento.

    Maio e outubro, os meses mais cálidos? Vou fazer um caso para dezembro: de folha perene, geladas, fumaça de madeira, canela. Quanto a sua canção favorita esta consciente de que "Over The Hills And Far Away" é a música oficial da Brigada Rifle?

    Parece que aqui quase todo mundo foi vítima de algum tipo de enfermidade, exceto eu. Não tive sintomas de cólera nem nenhuma das outras enfermidades que varreram com ambas as divisões. Sinto que deveria ao menos fingir algum tipo de problema digestivo pelo bem da decência.

    Quanto à disputa do burro: enquanto tenha simpatia por Caird e a égua, sinto–me obrigado a assinalar que o nascimento de uma mula não é absolutamente um mal resultado. As mulas são mais resistentes que os cavalos a um passo seguro, mais saudáveis em geral, e o melhor de tudo, têm muito expressivos ouvidos. Não são excessivamente difíceis, se forem bem atendidas. Se te perguntar por minha afeição aparente às mulas, devo explicar que quando era menino, tive uma mula de mascote chamada Hector, em honra ao personagem da Ilíada.

    Não me atreveria a te pedir que me espere, Pru, mas vou pedir-te que me escreva mais. Tenho lido sua última carta mais vezes das que posso contar. De algum jeito é mais real para mim agora, a dois mil quilômetros de distância, do que jamais foi.

  • Sempre teu, Christopher .

    PD Sketch de Albert incluídos À medida que lia, Beatrix se preocupava, movia–se inquieta sobre

    seus pés. –Deixe–me responder–lhe e assinar com seu nome – suplicou –

    Uma carta a mais. Por favor, Pru. Mostro–lhe antes de enviar–lhe. Prudence se pôs a rir. – Honestamente, é a coisa mais parva que hei... OH, muito bem,

    lhe escreva outra vez se te diverte. Pela próxima meia hora Beatrix participou de uma conversação

    sem sentido sobre o baile, quantos convidados tinham assistido, e as últimas intrigas de Londres. Deslizou a carta de Christhopher Phelan no bolso e congelou quando sentiu o roce de um objeto desconhecido. Algo metálico e a seda de cerdas de uma broxa de barbear. Empalidecendo, se deu conta de que tinha tomado involuntariamente a broxa de barbear de penteadeira de Christopher. Seu problema estava de volta. De algum modo conseguiu continuar sorrindo e conversando tranquilamente com Prudence, enquanto dentro dela reinava a confusão.

    Algumas vezes, quando Beatrix estava nervosa ou preocupada, embolsava algum objeto pequeno de uma loja ou residência. O fazia desde que seus pais tinham morrido. Às vezes, não era consciente de que tinha tomado algo, enquanto que em outras ocasiões a compulsão era tão irresistível que começava a suar e a tremer, até que finalmente cedia a seu impulso.

    O roubo de objetos nunca representou um problema. Não era se não até que pensavam em devolvê–los quando se topavam com verdadeiras dificuldades. Beatrix e sua família sempre tinham conseguido restaurar os objetos a seus lugares apropriados. Mas em algumas ocasiões, requeriam medidas extremas para aparecer por alguma casa a uma hora inadequada do dia, ou inventar desculpas inverossímeis para vagar pela casa de alguém o que só aumentava a reputação de excentricidade dos Hathaways.

    Felizmente, não seria tão difícil devolver a broxa de barbear. Poderia fazê–lo a próxima vez que visitasse Audrey.

    –Suponho que devo me vestir agora – disse Prudence ao fim. Beatrix tomou o sinal sem duvidá–lo. –É obvio. É hora de ir para casa, devo atender algumas tarefas –

    sorriu e acrescentou à ligeira – Incluindo a de escrever outra carta. – Não ponha nada peculiar – lhe pediu Prudence – Tenho uma

    reputação, já sabe.

  • Capítulo Três Capitão Christopher Phelan Primeira Brigada de Rifles Battalian Domicilio Acampamento Ridge Inkerman, Crimea 03 de dezembro 1854 Estimado Christopher, Esta manhã li que mais de dois mil de nossos homens morreram em um combate

    recente. Um oficial de Rifle disse que tinha sido ferido por uma baioneta. Não era você, verdade? Está ferido? Tenho tanto medo por você. E sinto muito que seu amigo tenha sido assassinado.

    Estamos decorando para as festas, pendurando os acerbos e os viscos. Mando junto um cartão de Natal realizado por um artista local. Tenha em conta a espiga e a cadeia na parte inferior quando o devorar, os senhores da esquerda festejam apurando suas taças de vinho. ("Apurar" é uma palavra tão estranha, não? Mas é uma de minhas favoritas).

    Eu adoro a velha e conhecida canção de Natal. Eu adoro a identidade de cada Natal. Eu adoro comer o bolo de ameixas, embora eu não goste muito do bolo de ameixas. É a comodidade do ritual, não?

    Albert me parece um cão adorável, talvez não se pareça um cavalheiro no exterior, mas dentro dele há um companheiro leal e comovedor.

    Preocupa–me que algo lhe tenha passado. Espero que estejas seguro. Acendo uma vela por você na árvore cada noite. Responda–me o antes que possa.

    Atenciosamente, Prudence.

    PD: Compartilho seu afeto pelas mulas. Muito modestas criaturas que nunca se gabam de sua ascendência. Desejaria que certas pessoas fossem um pouco mais teimosas

    nesse sentido. Miss Prudence Mercer Stony Cross Hampshire 01 de fevereiro 1855 Estimada Pru, Temo que o ferido a baioneta fosse eu. Como o adivinhaste? Aconteceu quando

    estávamos subindo uma costa diante a uma bateria de canhões russos. É uma ferida

  • pequena no ombro, não merece a pena a apresentação de informe. Houve uma tormenta em quatorze de novembro que acabou com os campos e afundou

    navios franceses e britânicos no porto. Mais perda de vidas, e por desgraça a maioria das provisões para o inverno e a equipe se foram. Acredito que isto é o que se conhece como "campanha em bruto." Tenho fome. Ontem à noite sonhei com mantimentos. Normalmente sonho contigo, mas ontem à noite sinto dizer que esses sonhos foram eclipsados pelo cordeiro com molho de hortelã.

    Faz um frio glacial. Agora estou dormindo com Albert. Somos um par de companheiros de cama ariscos, mas os dois estão dispostos a suportar o esforço para não morrer congelados. Albert se converteu em indispensável para a empresa que transporta as mensagens sob o fogo e corre muito mais rápido que um homem. Ele é também um excelente sentinela e explorador.

    Aqui estão alguns costumes que aprendi com Albert: 1. Qualquer alimento é um jogo útil até que não seja ingerido por outra pessoa. 2. Toma uma sesta quando pode. 3. Não ladra a menos que seja importante. 4. Perseguir a cauda de um é às vezes inevitável. Espero que seu Natal seja esplêndido. Obrigado pelo cartão que chegou dia vinte e

    quatro de dezembro, o mostrei a toda minha companhia, a maioria deles nunca tinham visto antes um cartão de Natal. Antes que me fosse devolvido o cartão, os senhores tinham feito uma grande quantidade de brinde.

    Também eu gosto da palavra "apurar". Como questão de fato, eu sempre gostei de palavras incomuns. Aqui está uma para ti: "soléate", que se refere à shodding de um cavalo. Ou "nidifique," um ninho. A égua do Sr. Caird já deu a luz? Talvez peça a meu irmão para fazer uma oferta. A gente nunca sabe quando pode ser que necessite uma boa mula.

    Estimado Christopher, É muito prosaico enviar uma carta pelo correio. Eu gostaria de encontrar uma forma

    mais interessante. . . Atar–lhe um livrinho na perna a um pássaro, ou lhe enviar uma mensagem em uma garrafa. Entretanto, em altares da eficiência, vou ter que me conformar com o Royal Mails. Acabo de ler no Time que estiveram até mais envoltos em atos heroicos. Por que deve você correr esse risco? O dever de um soldado ordinário é bastante perigoso. Tome cuidado por sua segurança, Christopher, não por mim, mas sim por você mesmo. Minha solicitude é totalmente egoísta não podia suportar que suas cartas deixassem de vir.

  • Estou tão longe, Pru. Estou de pé fora de minha própria vida e olhando para dentro. Em meio de toda esta

    brutalidade, tenho descoberto os prazeres simples de acariciar a um cão, ler uma carta, e olhar fixamente o céu noturno. Esta noite quase me pareceu ver a constelação antiga chamada Argo. Depois de que o navio que Jasão e sua tripulação navegou em sua busca para encontrar o velo de ouro. Não se supõe que seja capaz de ver Argo a menos que esteja na Austrália, mas ainda assim, eu estava quase seguro de que havia um vislumbre dela. Rogo–te que esqueça o que escrevi antes: quero que me aguarde. Não te case com alguém antes que volte para casa.

    Espera por mim. Estimado Christopher, Este é o perfume de março: a chuva, o barro, as plumas, a hortelã. Cada manhã e

    tarde bebo chá de hortelã fresca adoçada com mel. Fiz um grande esforço de caminhar os últimos tempos. Parece que penso melhor ao ar livre.

    Ontem à noite o céu esteve muito claro. Olhei–o para encontrar Argo. Sou terrível em constelações. Nunca posso distinguir nenhuma delas à exceção de Orión e seu cinturão. Mas quanto mais olhava, mais parecia o céu como um oceano, e então vi uma frota inteira de navios feitos de estrelas. Uma frota estava ancorada na lua, enquanto que outros estavam indo embora. Imaginei que estávamos em um desses navios, que navegam na lua.

    Na verdade, me parece inquietante o oceano. Muito extenso. Eu gosto muito mais dos bosques ao redor de Stony Cross. São sempre fascinantes e cheios de milagres comuns teias de aranhas brilhantes com a chuva, as novas árvores crescendo dos troncos de carvalhos cansados. Eu gostaria que pudesse ver comigo. E juntos escutar o vento que sopra entre as folhas acima, uma melodia encantadora seria como uma árvore da música!

    Enquanto estou aqui sentada lhe escrevendo, apoiei minhas meias muito perto da chaminé. De fato, queimei–as em ocasiões, e uma vez tive que pisar em meus pés quando começaram a jogar fumaça. Inclusive depois disso, ainda me parece que não posso me liberar do hábito. Não, agora você poderia me encontrar entre uma multidão com os olhos enfaixados. Só tem que seguir o aroma das meias queimadas.

    Junto se encontra uma pluma de Robin que encontrei durante meu passeio desta manhã. É para a sorte. Guarde–a em seu bolso.

    Faz um momento tive uma estranha sensação ao escrever esta carta, como se você estivesse de pé na habitação comigo. Como se minha pluma se convertesse em uma varinha mágica, e eu lhe tinha invocado aqui, se o desejar o suficiente.

  • Querida Prudence, Tenho a pluma de Robin no bolso. Como sabia que eu necessitava um símbolo para

    levar a batalha? Para as últimas duas semanas estive em uma fossa de fuzil, franco–atiradores de ida e volta com os russos. Já não é uma guerra de cavalaria, que é todos os engenheiros e artilharia. Albert permaneceu na trincheira comigo, só leva mensagens acima e abaixo da linha.

    Durante os momentos de calma, trato de imaginar estar em outro lugar. Imagino com os pés apoiados perto da chaminé, e seu doce fôlego com chá de hortelã. Imagino caminhando pelos bosques de Stony Cross contigo. Eu adoraria ver alguns milagres comuns, mas não acredito que possa encontrá–los sem ti. Necessito sua ajuda, Pru. Acredito que poderia ser minha única oportunidade de ser parte do mundo outra vez.

    Sinto como se tivesse mais lembranças de ti do que realmente tenho. Estive contigo só um punhado de ocasiões. Um baile, uma conversação, um beijo. Eu gostaria de poder reviver esses momentos. Agradecer-te-ia se tivesse mais deles, apreciaria algo mais. Ontem à noite sonhei contigo outra vez. Não podia ver sua cara, mas te senti perto de mim. Estava me sussurrando..

    A última vez que te sustentei, eu não sabia quem era realmente. Ou quem eu era, isso não importa. Nunca olho debaixo da superfície. Talvez seja melhor que não o fizesse antes, pois não acredito que tivesse podido te deixar, não teria sentido por ti o que sinto agora.

    Contar-te-ei pelo que estou lutando. Não é pela Inglaterra, nem seus aliados, nem nenhuma causa patriótica. Tudo se reduz à esperança de estar contigo.

    Estimado Christopher, Você tem feito me dar conta de que as palavras são as coisas mais importantes no

    mundo. E nunca tanto como agora. No momento em que Audrey me deu sua última carta, meu coração começou a pulsar mais rápido, e tive que correr a minha casa secreta para lê–la em privado.

    Ainda não lhe hei dito. A primavera passada em um de meus passeios encontrei, a mais estranha estrutura no bosque, uma única torre de tijolo e pedra, coberta de hera e de musgo. Foi em uma parte longínqua da massa de Stony Cross que pertence lorde Westcliff. Mais tarde, quando perguntei a lady Westcliff a respeito, disse que a manutenção de uma casa secreta era um costume local na época medieval. O senhor da casa poderia havê–la utilizado como um lugar para manter a sua amante. Uma vez um antepassado Westcliff em realidade se escondeu ali de seus criados sedentos de seu próprio sangue. Lady Westcliff me disse que podia visitar a casa secreta sempre que quisesse, já que foi abandonada durante muito tempo. Vou ali frequentemente. É meu refúgio, meu santuário. . . E agora que sabe

  • sobre ela, é sua também. Acabo de acender uma vela e a pus em uma janela. Uma estrela polar muito

    pequena, para que você a siga de volta a casa. Querida Prudence, Em meio de todo o ruído, a fome e a loucura, eu trato de pensar em ti em sua casa

    secreta. Minha princesa em uma torre. E minha estrela polar na janela. As coisas que alguém tem que ver na guerra pensei que tudo ia ser mais fácil à

    medida que passasse o tempo. E sinto dizer que eu tinha razão. Temo por minha alma. As coisas que tenho feito Pru. As coisas que ainda tenho que fazer. Se não esperar que Deus me perdoe, como posso lhe pedir que o faça?

    Estimado Christopher, O amor perdoa todas as coisas. Nem sequer tem que perguntar. Desde que você me escreveu a respeito de Argos, estive lendo a respeito das estrelas. Vi

    um montão de livros sobre elas, já que era um tema de particular interesse para meu pai. Aristóteles ensinou que as estrelas são feitas de uma matéria diferente aos quatro elementos terrestres – uma quinta essência, que também passa a ser o que parece a psique humana. Por isso o espírito do homem corresponde às estrelas. Talvez isso não seja um ponto de vista muito científico, mas eu gosto da ideia de que há um pouco de luz das estrelas em cada um de nós.

    Levo lembranças suas como minha constelação pessoal. Que tão longe está querido amigo, mas não mais longe que as estrelas fixas em minha alma.

    Estimada Pru, Estamos nos preparando para um comprido ataque. Não sei quando vou ter a

    oportunidade de escrever outra vez. Esta não é minha última carta, só a última por um tempo. Não duvide de que vou retornar de novo há ti algum dia.

  • Até posso te ter em meus braços, estas palavras gastas e desmanteladas são a única forma de chegar. O que é uma má tradução do amor. As palavras nunca poderiam te fazer justiça, ou capturar o que significa para mim.

    Mesmo assim Amo–te. Juro pela luz estelar não vou deixar esta terra até que ouça estas palavras de mim.

    Sentada em um carvalho maciço caído nas profundidades do

    bosque, Beatrix levantou a vista da carta. Não se deu conta que estava chorando até que sentiu o golpe da brisa contra suas bochechas úmidas. Os músculos de sua face lhe doíam enquanto tratava de recuperar a compostura.

    Tinha–lhe escrito em trinta de junho, sem saber que lhe tinha escrito o mesmo dia. A gente não podia deixar de tomar isto como um sinal.

    Não tinha experimentado tal profundidade de amarga perda, de nostalgia agônica, desde que seus pais tinham morrido. Era um tipo diferente de dor, é obvio, mas que levava o mesmo sabor da necessidade desesperada.

    – O que tenho feito? Ela, que sempre tinha ido pela vida com honestidade implacável,

    tinha levado a cabo um engano imperdoável. E a verdade só pioraria as coisas. Se Christopher Phelan descobrisse que lhe tinha escrito falsas pretensões, ele a desprezaria. E se nunca se inteirasse, Beatrix sempre seria "a garota que pertencia aos estábulos." Nada mais.

    "Não duvide de que retornarei a ti...”. Aquelas palavras tinham sido destinadas a Beatrix, não importa

    que as tivesse enviado para Prudence. –Amo–te – sussurrou, e suas lágrimas se derramaram mais rápido. Como tinham surgido estes sentimentos nela? Meu Deus, não

    podia recordar como era Christopher Phelan, e, entretanto, seu coração se rompia por ele. O pior de tudo era extremamente provável que as declarações de Christopher se inspiraram nas penúrias da guerra. Christopher sabia das cartas o homem que amava poderia desaparecer uma vez que retornasse a sua casa.

    Nada bom podia sair desta situação. Tinha que pôr fim à mesma. Ela não podia pretender ser Prudence por mais tempo. Não era justo para nenhum, sobre tudo para Christopher.

    Beatrix foi para casa lentamente. Ao entrar em Ramsay House, encontrou–se com Amélia, que estava levando a seu pequeno filho Rye para fora.

    – Aqui está – exclamou Amélia. – Você gostaria de ir ao estábulo conosco? Rye vai montar seu pônei.

    –Não, obrigado. – Beatrix sentiu como se seu sorriso estivesse cravado com alfinetes. Todos os membros de sua família se apressaram a pô–la em sua vida. Todos foram extraordinariamente generosos nesse sentido. E, entretanto ela se sentia excluída, de forma incremental e

  • inexoravelmente, como a tia solteirona. Sentia–se sozinha e excêntrica. Uma antissocial, como os animais

    que cuidava. Sua mente deu um salto desarticulado, evocou as lembranças dos

    homens que tinha conhecido durante os bailes e os jantares e veladas. Ela nunca tinha carecido da atenção masculina. Talvez devesse animar a um deles. Só devia escolher um candidato provável para o matrimônio e acabar de uma vez. Talvez se tivesse sua própria vida valeria a pena estar casada com um homem que não amava.

    Mas isso seria outra forma de miséria. Seus dedos se deslizaram no bolso de seu vestido para tocar a

    carta de Christopher Phelan. A sensação do pergaminho, dobrado em seu estômago causou uma pontada quente, agradável.

    –Estive muito tranquila nos últimos tempos – disse Amélia, seus olhos azuis a estudavam. – Parece que tivesse estado chorando. É algo mau, querida?

    Beatrix se encolheu de ombros com inquietação – Suponho que estou triste pela enfermidade de senhor Phelan.

    Segundo Audrey, esta pior. –OH... – Foi a expressão da Amélia com preocupação. – Eu gostaria

    que houvesse algo que se pudesse fazer. Encherei uma cesta com licor de ameixa e manjar branco, o levará a eles?

    –É obvio. Vou esta tarde. Retirando–se à privacidade de sua habitação, Beatrix se sentou em

    seu escritório e tirou a carta. Ela escreveria a Christopher pela última vez, algo impessoal, um retiro aprazível. Melhor isso que seguir enganando–o.

    Cuidadosamente, sem nivelar o tinteiro molhou a pluma e ficou a escrever.

    Estimado Christopher, Por muito que lhe aprecio, querido amigo, não seria prudente para nenhum dos nos

    precipitar enquanto você ainda este longe. Desejo–lhe sinceramente seu bem–estar e segurança. Entretanto, acredito que o melhor é que qualquer menção dos sentimentos mais pessoais entre nós se deve deter até que você volte. De fato, provavelmente é melhor que terminemos nossa correspondência. . .

    Com cada frase, fez–se mais difícil fazer que os dedos

    funcionassem corretamente. A pluma se estremeceu em seu agarre feroz, e ela sentiu suas lágrimas outra vez.

    – Lixo. – disse. Era, literalmente, doloroso escrever este tipo de engano. Sua

    garganta se apertou muito para respirar. Decidiu que antes que pudesse terminá–lo, ela poderia escrever a

    verdade, a carta que desejava enviar a ele, e logo destruí-la. A respiração tornou–se pesada, Beatrix arrancou outro pedaço de

  • papel e escreveu apressadamente umas poucas linhas, só para seus olhos, esperando que aliviassem a dor intensa que tinha fixado ao redor de seu coração.

    Querido Christopher, Não posso te escrever de novo. Não sou quem crê que sou. Não era minha intenção te enviar cartas de amor, mas isso é no que se converteu. Em

    seu caminho para ti, minhas palavras se converteram nos batimentos do meu coração em cada página.

    Volta, por favor, vêm para casa e me encontre. Beatrix tinha os olhos imprecisos pelas lágrimas. Pôs a página a

    um lado, e retornou a sua carta original, terminou–a, expressando seus desejos e orações por sua volta.

    Quanto à carta de amor, ela a enrugou e a meteu na gaveta. Mais tarde ela a queimaria em sua própria cerimônia privada, e veria todas suas palavras voltar–se cinzas.

  • Capítulo Quatro

    À tarde, Beatrix se dirigiu a casa Phelan. Levava uma cesta cheia

    de viandas como brandy, uma ronda de queijo branco suave e um pequeno bolo caseiro ligeiramente doce. Fossem ou não para os Phelan artigos necessários não importava o que se tomava em conta era o próprio gesto.

    Amélia a tinha insistido que fosse à casa Phelan em um carro, já que a cesta era um pouco pesada para levá–la carregando. Entretanto, Beatrix acreditava que o esforço de caminhar, ajudaria a acalmar sua alma em pena. Pôs seus pés a um ritmo estável, e aspirou o ar do princípio do verão em seus pulmões. Este é o aroma de junho, queria escrever ao Christhopher madressilva, feno verde, roupa molhada posta a secar.

    No momento em que chegou a seu destino, os dois braços lhe doíam por ter carregado a cesta durante tanto tempo.

    A casa, vestida de hera espessa, parecia–se com um homem acorçoado em seu casaco. Beatrix sentiu um toque de apreensão quando se dirigiu à porta principal e chamou. Introduziu–se ao interior quando um mordomo de rosto solene lhe abriu a porta liberando a da cesta e lhe mostrando a habitação das visitas.

    A casa parecia calorosa especialmente depois de seu passeio. Beatrix sentiu como aflorava a transpiração debaixo das capas de seu vestido e dentro das botas de cano longo resistentes.

    Audrey entrou na habitação, magra e desalinhada, seu cabelo penteado para acima. Levava um avental com manchas avermelhadas escuras.

    Manchas de sangue. Quando Audrey se reuniu com Beatrix tentou um sorriso. –Como pode ver, não estou de ânimo para receber a ninguém. Mas

    é uma das poucas pessoas com quem não terei que manter a aparência – consciente de que ainda levava o avental, desatou–o e o jogo em um pequeno tamborete – Obrigado pela cesta. Pedi–lhe ao mordomo que servisse uma taça de licor de ameixa e a levasse a Sra. Phelan. Ela está de cama.

    –Está doente? – perguntou Beatrix quando Audrey se sentou a seu lado.

    Audrey sacudiu a cabeça como resposta. – Só angustiada. –E seu marido? –Está morrendo – disse Audrey rotundamente – Não falta muito

    tempo. É questão de dias, diz o doutor. Beatrix tentou aproximar–se dela, desejava lhe dar consolo na

    forma em que o fazia com suas criaturas feridas. Audrey se estremeceu e pôs as mãos evitando–a. – Não, não o faça. Não me toque. Vou romper–me em pedaços.

    Tenho que ser forte para o John. Vamos falar rapidamente. Só tenho uns minutos.

  • Imediatamente Beatrix cruzou as mãos sobre o regaço. – Permita–me fazer algo – disse, com voz baixa – Deixa que fique

    com ele enquanto descansa. Pelo menos durante uma hora. Audrey obteve um leve sorriso. – Obrigado, querida. Mas não posso deixar que ninguém se sente

    com ele. Tenho que ser eu. – Então vou com sua mãe? Audrey se esfregou os olhos. – É muito amável em oferecê–lo. Mas não acredito que ela queira

    companhia, entretanto – suspirou –Ela prefere morrer junto ao John que seguir adiante sem ele.

    –Mas ainda tem outro filho. –Jamais teve afeto a Christopher. Tudo foi para John. Beatrix tratou de assimilar o dito, o relógio marcou a hora e soou

    como um sinal de desaprovação, o pêndulo oscilava, como o negativo movimento de uma cabeça.

    –Isso não pode ser verdade – disse finalmente. –Pois o é – disse Audrey, com um leve sorriso, compungida. –

    Algumas pessoas têm uma fonte infinita de amor para dar a toda sua família. Mas para outros é um recurso limitado. A Sra. Phelan tinha o amor suficiente para seu marido e John – encolheu–se de ombros com um gesto esgotado – É indiferente no que se refere a Christopher. Nada parece importante neste momento.

    Beatrix procurou em seu bolso e retirou a carta. – Tenho isto para ele – disse – Para o Capitão Phelan é da Pru. Audrey tomou com uma expressão indecifrável. – Obrigado. Vou enviar junto com uma carta a respeito da condição

    de John. Ele quererá saber. Pobre Christopher tão longe. Beatrix se perguntou se deveria tomar a carta de volta. Seria o pior

    momento possível para distanciar–se de Christopher. Por outra parte, talvez fosse o melhor momento. Uma pequena lesão infligida ao mesmo tempo dói menos que uma muito maior.

    Audrey observava o jogo de emoção em seu rosto. – Alguma vez o vais dizer? – perguntou–lhe brandamente. Beatrix piscou. – Dizer–lhe o que? – Não sou idiota, B. está Prudence em Londres neste mesmo

    momento, assistindo a bailes, reuniões e todos aqueles eventos tolos, corriqueiros da temporada. Ela não pôde ter escrito essa carta.

    Beatrix se sentia de uma vez tinta e pálida. –Deu–me isso antes de ir–se. –Devido a sua devoção pelo Christopher? – os lábios de Audrey se

    torceram – A última vez que a vi, nem sequer se lembrou de perguntar por ele. E por que é você quem está sempre entregando e procurando as cartas? – dirigiu–lhe um olhar agudo de reprimenda. – Por isso Christopher nos tem escrito em suas cartas a John e a mim, é óbvio que ele toma muito a sério Prudence. Devido a suas cartas. E se terminar com essa menina tola como cunhada, B, será tua culpa.

    Ao ver o tremor do queixo de Beatrix e o brilho em seus olhos,

  • Audrey tomou a mão e a apertou. – Sei que suas intenções são boas. Mas duvido bastante que os

    resultados o sejam, mas – suspirou – Tenho que voltar com o John. Beatrix seguiu Audrey para o hall de entrada, afligida pelo

    conhecimento de que sua amiga logo teria que suportar a morte de seu marido.

    –Audrey – disse vacilante – Desejaria poder fazer isso por ti. Audrey a olhou durante um bom momento, com o rosto pleno de

    emoção. – Isso, Beatrix, é o que te faz uma verdadeira amiga.

    Dois dias depois, os Hathaways recebiam a notícia de que John

    Phelan havia falecido na noite. Movidos pela compaixão, os Hathaways pensavam na maneira de ajudar às mulheres. Normalmente teria recaído em Leo, como senhor da casa, fazer uma chamada aos Phelan e oferecer seus serviços. Entretanto, Leo se encontrava em Londres, o Parlamento estava ainda em sessão. Na atualidade um debate político estava em seu apogeu sobre a incompetência e a indiferença que tinha dado lugar a que as tropas da Crimea tivessem sido tão terrivelmente mal apoiadas e abastecidas.

    Decidiu–se que Merripen, o marido de Win, iria à casa dos Phelan em nome da família. Ninguém tinha a menor expectativa de como seria recebido, já que a família, sem dúvida, estaria sofrendo muito para falar com ninguém. Entretanto, Merripen enviaria uma carta para oferecer qualquer tipo de assistência que poderia ser necessário.

    –Merripen – falou Beatrix, antes de ir–se – Transmite meu carinho a Audrey, e lhe pergunte se poderia ajudar com qualquer dos acertos funerários. Ou se só necessita que alguém fique com ela.

    – É obvio – respondeu Merripen, seus olhos escuros cheios de calidez. Depois de ter crescido com os Hathaways desde a infância, Merripen era como um irmão para todos eles – por que não escreve uma nota? A entregarei em seu nome.

    – Só será um minuto – Beatrix se precipitou para a escada, atirando punhados grandes de suas saias para não tropeçar enquanto se apressava a sua habitação.

    Aproximou–se de sua mesa e tirou seus papéis por escrever e plumas, alcançou o topo do tinteiro. Sua mão se congelou no ar ao ver uma carta meio enrugada na gaveta.

    Era a carta formal, de distanciamento que tinha escrito a Christopher Phelan.

    Nunca tinha sido enviada. Beatrix se congelou no ato, sentia os joelhos débeis. – OH, Deus – sussurrou sentando–se na cadeira próxima com tal

    força que cambaleou perigosamente.

  • Deve haver dado a Audrey a carta equivocada. A que tinha escrito sem assinar e que iniciava com

    "Não posso escrever de novo. Eu não sou quem crê que sou...”. O coração lhe pulsava com força, com a força de pânico. Tratou de

    acalmar–se para pensar. Se a carta não tivesse sido entregue ainda? Talvez houvesse tempo para recuperá–la. Pediria a Audrey, mas não, seria o cúmulo do egoísmo e a desconsideração. O marido de Audrey acabava de morrer. Não merecia que lhe incomodasse com tolices em um momento assim.

    Já era muito tarde. Beatrix teria que deixá–lo como estava, deixar que Christopher Phelan interpretasse essa nota estranha.

    – Volta, por favor, veem para casa e me encontre. Gemendo, Beatrix se inclinou para frente e apoiou a cabeça sobre a

    mesa. O suor na frente se pegava à madeira polida. Foi consciente de quando Lucky saltou sobre a mesa e acariciou seu cabelo ronronando.

    Por favor, Meu Deus, pensou com desespero, não permita que Christopher responda. Deixa que tudo termine aqui. Não permita que saiba que fui eu.

  • Capítulo Cinco Scutari, Crimea – Me ocorre– disse Christopher ao levantar uma taça de caldo aos

    lábios de um homem ferido. – Que um hospital pode ser o pior lugar possível para um homem que trata de melhorar.

    O jovem soldado ao que estava dando de comer, quem tinha não mais de dezenove ou vinte anos de idade, fez um leve som de diversão enquanto bebia.

    Christopher tinha sido levado aos quartéis do hospital de Scutari três dias antes. Tinha sido ferido durante um ataque a Redan em um cerco interminável em Sebastopol. Ocorreu no momento que tinha estado acompanhando a um grupo de soldados enquanto levavam uma escada para um bunker Russo, e então se produziu uma explosão e teve a sensação de ser golpeado de forma simultânea no flanco e a perna direita.

    Os quartéis estavam cheios de vítimas, ratos e insetos. A única fonte de água provinha de uma fonte da qual os assistentes faziam fila para pegar um jorro fétido em seus baldes. A água não era apta para beber, e foi utilizada para a lavagem e encharcamento de ataduras.

    Christopher tinha subornado os enfermeiros para que lhe trouxessem uma taça de licor forte. Derramava álcool sobre as feridas com a esperança de impedir que supurassem. A primeira vez que o tinha feito, a rajada de fogo lhe tinha causado uma dor imensa e tinha estado a ponto de desmaiar caindo da cama ao chão, um espetáculo que tinha causado a hilaridade dos outros pacientes da sala.

    Christopher tinha suportado de bom grau suas brincadeiras depois, sabendo que um momento de frivolidade era muito necessário neste lugar tão sórdido.

    A bala de metralha tinha sido removida de seu flanco e sua perna, mas as lesões não saravam apropriadamente. Esta manhã tinha descoberto que a pele ao redor de suas feridas era de cor vermelha e estava endurecida. A perspectiva de cair gravemente doente nesse lugar era aterradora.

    Ontem, apesar dos protestos dos indignados soldados na larga fila de camas, os enfermeiros tinham começado a costurar a um homem na manta manchada de seu próprio sangue, e o levaram a fossa de enterro comum antes que ele tivesse terminado de morrer. Em resposta os pacientes zangados pegavam de gritos, os enfermeiros responderam que o homem não sentia nada e que só faltavam uns minutos para que morresse e a cama se necessitava desesperadamente. Todo o qual era certo. Entretanto, como um dos poucos homens capazes de levantar–se da cama, Christopher tinha intercedido, lhes dizendo que ele esperaria com o homem no chão até que tivesse seu último suspiro. Durante uma hora se sentou sobre a pedra dura, espantando os insetos, deixando descansar a cabeça do homem na perna não lesada.

    – Crê que faz algo bom por ele? – Um dos enfermeiros perguntou

  • ironicamente, quando o pobre homem tinha passado desta para a melhor, e Christopher lhes tinha permitido levar–lhe.

    – Não por ele – disse Christopher em voz baixa. – Mas possivelmente por eles. – Ele assinalou com a cabeça em direção às filas de camas de armar desiguais onde os pacientes os observavam. Era importante que eles acreditassem que quando o tempo de morrer chegasse, seriam tratados com ao menos um pingo de humanidade.

    O jovem soldado na cama junto a Christopher não podia fazer nada por si mesmo, tinha perdido um braço inteiro e a mão do outro. Posto que não haviam enfermeiras de sobra, Christopher tinha se comprometido a lhe dar de comer. Fazendo uma careta ao dobrar a perna ferida se ajoelhou junto à cama, levantou a cabeça do homem e o ajudou a tomar a taça de caldo.

    – Capitão Phelan, – disse a voz nítida de uma das Irmãs da Caridade. Com seu porte severo e de expressão dura, a monja era tão intimidante que alguns dos soldados tinham sugerido que se mantivesse fora de sua vista, é obvio que se fosse enviada a lutar contra os russos, a guerra ganharia em questão de horas.

    Suas cinzas e espessas sobrancelhas se elevaram quando viu Christopher ajoelhado ao lado do paciente.

    – Criando problemas outra vez? – perguntou. – Voltará para sua própria cama, meu capitão. E não o faça de novo a menos que sua intenção seja ficar tão mal que nos veremos obrigados a mantê–lo aqui indefinidamente.

    Obediente, Christopher subiu de novo a sua cama. Ela lhe aproximou e lhe pôs uma mão fria na frente. – Febre – ouviu–a anunciar. – Não se mova desta cama, ou me

    obrigará a atá–lo a ela, capitão. – retirou a mão e a levo para o peito. Com os olhos muito abertos, Christopher viu que lhe tinha dado

    um pacote de cartas. Prudence. Ele tomou com entusiasmo, pinçando em seu afã de romper o selo. Havia duas cartas no pacote. Esperou até que a irmã se foi antes de abrir a de Prudence. A vista

    de seu punho e letra o encheu de emoção. Ele a queria necessitava–a, com uma intensidade que não podia conter.

    De algum jeito, ao meio mundo de distância, apaixonou–se por Prudence. Não importava que apenas a conhecesse. O pouco que sabia dela, amava.

    Christopher leu as linhas. As palavras pareciam como misturas no jogo de alfabeto de um

    menino. As olhou desconcertado até que se voltaram coerentes. “. . . Não sou quem crê que sou, por favor, vem para casa e me encontre. . .”. Seus lábios formaram seu nome em silêncio. Pôs a mão sobre o

    peito, apanhando a carta contra seu ritmo cardíaco.

  • O que tinha ocorrido com Prudence? A estranha e impulsiva nota despertou um tumulto nele. – Não sou quem crê quem sou. – encontrou–se repetindo em voz

    baixa. Não, é obvio, ela não o era. Nem ele era. Não era esta criatura rota

    com febre em uma cama de armar de hospital, e ela não era a garota insossa que paquerava com todos. Através de suas cartas, tinham encontrado a promessa de mais de um ao outro.

    “. . . Por favor, vem para casa e me encontre. . .”. Suas mãos se sentiam inchadas e mais duras já que tinha perdido

    a força com a outra carta, de Audrey. A febre o fazia torpe. Sua cabeça tinha começado a doer tinha que ler as palavras em meio dos impulsos de dor.

    Estimado Christopher, Não há maneira para mim de expressar isto com cuidado. A condição de John

    piorou. Ele enfrenta à perspectiva da morte com a mesma paciência e a graça que tem feito ornamente durante sua vida. No momento em que esta carta te chegue, não há dúvida de que ele já se foi...

    A mente de Christopher se fechou contra o resto da carta. Mais

    tarde haveria tempo para ler mais. Tempo de chorar. John não deveria ter adoecido. Supunha–se que devia estar a salvo

    em Stony Cross e engendrar filhos com Audrey. Supunha–se que devia estar ali quando Christopher voltasse para casa.

    Christopher conseguiu acomodar–se de lado. Atirou da manta o suficiente para o alto para criar um refúgio para si mesmo. A seu redor, outros soldados seguiram acontecendo o tempo falando, jogando às cartas quando era possível. Graças a Deus, deliberadamente, os meninos não faziam conta, o que lhe permitiu a intimidade que necessitava.

  • Capítulo Seis

    Não houve correspondência de Christopher Phelan nos dez meses

    posteriores à última carta de Beatrix. Tinha intercambiado as cartas com Audrey, mas em sua dor pela morte de John, a esta era difícil falar com ninguém, nem sequer Beatrix.

    Christopher tinha sido ferido, Audrey lhe informou, mas se recuperou no hospital e retornou à batalha. À caça constante sobre qualquer menção de Christopher nos periódicos, Beatrix tinha encontrado inumeráveis fontes de seu valor. Durante o cerco de meses de duração no Sebastopol, converteu–se no soldado mais condecorado da artilharia. Não só tinha sido galardoado com a Ordem de Bath, e a medalha de campanha da Crimea com broches para Alma, Inkerman, Balaklava, e Sebastopol, também tinham sido condecorados cavalheiros da Legião de Honra pelos franceses, e tinha recebido a Medjidie dos turcos.

    Para desgosto de Beatrix, sua amizade com Prudence se esfriou, começando pelo dia em que Beatrix lhe havia dito que já não podia lhe escrever mais.

    – Mas por quê? – tinha protestado Prudence – Pensei que desfrutava de sua correspondência com ele.

    – Pois já não. – respondeu Beatrix com uma voz sufocada. Sua amiga lhe tinha dirigido um olhar incrédulo. – Logo que posso acreditar que o abandone desta maneira. O que

    vai pensar quando as cartas deixem de chegar? – perguntá-lo fez que o estômago de Beatrix se sentisse pesado com a culpa e o desejo.

    – Não posso seguir lhe escrevendo sem lhe dizer a verdade. Está se convertendo em algo muito pessoal. Eu meus sentimentos estão envoltos. Entende o que estou tratando de dizer?

    – Quão único entendo é que está sendo egoísta. Moveste isto de tal maneira que não poderia lhe enviar uma carta, porque se daria conta da diferença entre sua caligrafia e a minha. O menos que poderia fazer é mantê–lo interessado até que volte por mim.

    – Por que o quer? – perguntou Beatrix com o cenho franzido. Não gostou da frase – Mantê–lo interessado como se Christopher fora um peixe morto. Tem muitos pretendentes.

    –Sim, mas o capitão Phelan se converteu em um herói de guerra. Inclusive a rainha pode convidá–lo para jantar a sua volta. E agora que seu irmão está morto, herdará os bens Riverton. Tudo isto o faz tão bom partido como qualquer outro.

    Embora a Beatrix antes a teria divertido a superficialidade de Prudence, agora sentia uma pontada de chateio. Christopher merecia muito mais que ser valorado por coisas tão superficiais.

    – Pensou que ele poderia sofrer alguma lesão como consequência da guerra? E não só fisicamente… – perguntou–lhe em voz baixa.

    – Bom, ainda pode ser ferido, mas espero que não. – Refiro a algo que possa modificar seu caráter. – Por que esteve na batalha? – encolheu–se de ombros – Suponho

  • que se, que teve algum efeito sobre ele. – Tem lido algum dos informes a respeito dele? – Estive muito ocupada – disse Prudence à defensiva. – O Capitão Phelan ganhou a medalha do Medjidie cuidando de um

    oficial turco ferido. Uma semana mais tarde arrastou–se até uma base que acabava de ser bombardeada, com dez soldados franceses mortos, decapitados e cinco armas de fogo. Tomou posse das pistolas restantes e ocupou o cargo sozinho, contra o inimigo, durante oito horas. Em outra ocasião...

    – Não preciso saber tudo isso – protestou Prudence – Qual é o ponto, B?

    – O fato de que pode voltar um homem muito diferente. E se quer estar com ele deve tratar de entender o que aconteceu – entregou a Prudence um pacote de cartas atadas com uma cinta azul estreita – Para começar, deve ler isto. Devia ter copiado as cartas que lhe escrevi, para que pudesse saber o que lhe dizia, mas temo que não pensei.

    Prudence aceitou a contra gosto. – Muito bem, vou lê–las. Mas estou segura de que Christopher não

    quererá falar das cartas a sua volta. – Deve tratar de conhecê–lo melhor – disse Beatrix – Acredito que o

    quer pelas razões equivocadas quando há tantas razões mais para amá–lo. O ganhou. Não por seu valor no campo de batalha e todas essas medalhas brilhantes de fato, essa parte é menor do que parece. – guardou silêncio por um momento, sabendo que tinha refletido mais de seus sentimentos do que queria mostrar, decidiu que devia evitar às pessoas e voltar a passar o tempo com os animais – O Capitão Phelan escreveu que quando você e ele se conheceram, nenhum dos dois olhou debaixo da superfície.

    – A superfície do que? Beatrix lhe dirigiu um olhar sombrio, dando–se conta de que quão

    único havia debaixo da superfície de Prudence era mais superfície. – Ele disse que poderia ser sua única oportunidade de pertencer ao

    mundo de novo. Prudence a olhou com estranheza. – Talvez seja melhor, depois de tudo que deixe de lhe escrever.

    Parece muito interessada nele. Espero que não tenha pensado que Christopher. . . – fez uma pausa com delicadeza – Não importa.

    – Já sei o que foste dizer – terminou Beatrix por ela – É obvio que não me faço ilusões a respeito. Não esqueci que alguma vez me comparou com um cavalo.

    – Não te comparou com um cavalo – disse Prudence – Limitou–se a dizer que passava muito tempo nos estábulos. Entretanto, é um homem sofisticado, e nunca se conformaria com uma garota que passa a maior parte de seu tempo com os animais.

    – Prefiro a companhia dos animais a de qualquer pessoa que conheço – replicou Beatrix a suas costas. Imediatamente se arrependeu de sua declaração e sua falta de tato, sobre tudo ao ver que Prudence o tinha tomado como uma afronta pessoal. – Sinto muito. Não quis dizê–lo.

  • – Talvez seja melhor que vá e te divirta com suas mascotes – disse Prudence, com tom gélido – Será mais feliz conversando com alguém que não pode te responder.

    Humilhada e triste Beatrix tinha deixado Mercer House. Mas não sem antes que Prudence lhe advertisse.

    – Pelo bem de todos, B, tem que me prometer não dizer ao Capitão Phelan que você escreveu as cartas. Não teria nenhum sentido para ele. Inclusive se o dissesse, não poderia chegar a te querer. Só lhe causaria vergonha, e ressentimento. Um homem assim nunca perdoaria um engano.

    Desde aquele dia, Beatrix e Prudence não se viram, exceto ao passar. E nenhuma carta mais foi escrita.

    Beatrix se atormentava, perguntando–se como estaria Christopher, se Albert estava com ele, se as feridas tinham cicatrizado corretamente, mas já não era seu direito a fazer perguntas sobre ele. Nunca o tinha sido.

    Para júbilo de toda a Inglaterra, Sebastopol caiu em setembro de 1855, e as negociações de paz se iniciaram em fevereiro do ano seguinte. O cunhado de Beatrix, Cam assinalou que apesar de que a Grã–Bretanha tinha ganhado a guerra sempre era uma vitória empírica, já que nunca se poderia pôr preço a cada uma das vidas que se perderam. Era um sentimento cigano com o que Beatrix estava de acordo. Em total, mais de cento e cinquenta mil dos soldados aliados tinham morrido de feridas em batalha ou de enfermidades, assim como mais de cem mil russos.

    Quando se deu a ordem tão esperada aos regimentos de voltar para casa, Audrey e a senhora Phelan se inteiraram de que a Brigada Rifle de Christopher chegaria ao Dover em meados de abril, e daí iria a Londres. A chegada dos rifles se antecipou com entusiasmo, Christopher era considerado um herói nacional. Sua fotografia tinha sido recortada dos periódicos e se publicava em todas as cristaleiras, os relatos de seu valor se repetiam nos botequins e cafeterias. Foram escritos largos pergaminhos com testemunho de povos e comarcas para que o fora a apresentar