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Subjetividade e Intersubjetividade Recorte de uma visão brasileira e globalizada

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Este artigo visa descrever, de forma geral, alguns conceitos básicos no tocante à subjetividade e à intersubjetividade, seu conceito e sua ação. Tal proposta representa um recorte de uma entre muitas vertentes que buscam explicar um fenômeno tão complexo e, longe de esgotar o assunto, apenas apresentar um modelo teórico adotado para trabalhar o tema, tendo o cuidado de focar esta visão de subjetividade nas relações comunicativas.

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Subjetividade e Intersubjetividade:

Recorte de uma visão brasileira e globalizada

Marcos F. Santos Doutorando em Administração FACE-FUMEC Mestre em Administração PPGA-ADM UFES

MBA em Marketing pela ESPM-RJ Lattes: http://lattes.cnpq.br/3601723989446846

Referência: SANTOS, Marcos F. Subjetividade e Intersubjetividade: Recorte de uma visão brasileira e globalizada in: UNESC em Revista, V. 5, N.15, pp. 175-187, 2004. Resumo

Este artigo visa descrever, de forma geral, alguns conceitos básicos no tocante à

subjetividade e à intersubjetividade, seu conceito e sua ação. Tal proposta representa um recorte de uma entre muitas vertentes que buscam explicar um fenômeno tão complexo e, longe de esgotar o assunto, apenas apresentar um modelo teórico adotado para trabalhar o tema, tendo o cuidado de focar esta visão de subjetividade nas relações comunicativas.

O recorte trabalhado neste artigo tem uma construção dentro de um encadeamento lógico que não pretende, nem se permite, ser definitivo. Existem muitas formas de se interpretar a subjetividade, dentro de diferentes tradições como a psicológica, antropológica, filosófica, sociológica entre outras. No entanto, não é o objetivo deste artigo trabalhar com toda a gama de tradições e suas diferentes (e, às vezes, convergentes) definições de subjetividade.

Definições de outros campos do saber (Bourdieu, 2000) podem (ou não) ser utilizadas neste artigo. Se referidas, a intencionalidade é a de um contraponto ou de um esclarecimento, uma ampliação do prisma que permite formar uma modelagem que apreenda de forma mais ampla o sentido da subjetividade, sua interface com a comunicação e sua inserção na vida do brasileiro, bem como o reflexo da globalização neste processo de subjetivação. 1. Subjetividade e sociologia: uma visão

Pensar sociologicamente a subjetividade é pensá-la a partir de seus cânones. Marcado pela influência positivista (Takeuti, 2002; Habermas, 1987), o debate no métier conceituou suas explicações acerca do mundo a partir de uma visão fundamentada nas regras do método sociológico. Takeuti (2002, p. 43) constrói uma crítica à essa visão positiva da análise sociológica:

Evidentemente que uma certa Sociologia que se contenta em atingir o “real” restritamente pelos critérios da perceptibilidade, da visibilidade, da mensurabilidade e da palpabilidade abomina o vivido porque, para ela, esse é um material, em essência, absolutamente subjetivo, apenas sendo um obstáculo epistemológico ao conhecimento científico “puro”.

Esta visão puramente científica exclui de sua visão toda uma gama de espaços onde a

subjetividade pode ser investigada. Habermas (1987, p. 90) define a visão positivista da ciência como “à medida, porém, que o positivismo dogmatiza a fé das ciências nelas mesmas, ele assume a função proibitiva de blindar a pesquisa contra uma auto-reflexão em termos de teoria do conhecimento”.

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Mas não é só o método que se torna um fator complicador da pesquisa em subjetividade, também o pesquisador deve estar atento à sua condição dupla de objeto e sujeito do processo de construção de um saber, como define Takeuti (2002, p. 45):

Ao procurar conhecer o objeto na perspectiva de apreensão da subjetividade existente no social, interrogando sobre o lugar que ela ocupa nesse campo e desvendando suas relações complexas com seu funcionamento, o pesquisador não pode se furtar à reflexão do lugar da sua própria subjetividade no processo de conhecimento desse “objeto-sujeito” de suas investigações.

Este conceito relativiza a noção de neutralidade científica, pois ela perde o aspecto

metodológico, desprovido de significado e transforma-se em um valor moral, preso à subjetividade do produtor do conhecimento. Logo, a neutralidade, em seu sentido literal, torna-se insustentável. A questão se coloca a partir de um olhar, de uma interpretação acerca de outro olhar. Subjetividades na intenção de se comunicar, de se intercruzar, ou intersubjetividades.

Neste sentido, Takeuti (2002, p. 68) cita Bouilloud 1:

Se nos reportarmos à linguagem, vemos que compreender, é, para além da simples utilização da linguagem, enquanto produção histórica da intersubjetividade, fazer verdadeiramente a “experiência” dessa intercompreensão, dessa “revelação do sentido” que aparece com o “consensus”. (Bouilloud, 1997, p. 230)

A questão, a partir desta definição, se torna clara. Não se trata mais de um método

monológico de interpretação da subjetividade, como proposto pelo positivismo (Habermas, 1987), mas sim de uma construção intersubjetiva, de um método dialógico, de intercompreensão e reflexão (Takeuti, 2002). 2. O papel da família na formação da subjetividade: uma visão da relação da sociologia

e psicanálise

Pierre Bourdieu (1997) vê a questão da subjetividade a partir da transmissão de uma herança representada pela figura do pai, à continuação de uma linhagem, através da figura do filho. Nesta visão o conatus 2 contém as disposições herdadas da figura paterna, transmitindo-se ao filho de forma inconsciente na e pela maneira de ser, mas também por ações educativas orientadas.

Esta transmissão pode gerar, ou não, projeções da figura do pai sobre o filho, que pode, por sua vez, adotá-las e superá-las; o que gera um conflito com a figura paterna. Outro processo é o do filho que não atende às expectativas paternas e, ao falhar em atingir a projeção do pai, entra em rota de choque com as projeções. Um terceiro caminho seria o do filho que rejeita todos os valores familiares, uma possibilidade temerária, porque anula todo o projeto paterno de transmissão de sua linhagem (Bourdieu, 1997).

Logo: (...) embora não tenha o monopólio da produção dos dilemas sociais e o mundo multiplique as posições que produzem efeitos inteiramente semelhantes, a família impõe muito freqüentemente injunções contraditórias, seja em si mesma, seja em relação às condições oferecidas para sua realização (Bourdieu, 1997, p.14).

Neste ponto o autor indica que não se deve fazer da família a instância última destes

mal-estares e das formações totais da subjetividade. É feita uma importante separação entre a psicanálise e a sociologia, no tocante à subjetividade. A visão apresentada é a de uma relação de estudo com objetos por vezes superpostos, tanto na sociologia quanto na psicanálise; não

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baseada em uma relação de substituição entre os dois campos do saber, mas em uma relação de complementaridade, onde o saber sociológico estaria buscando “(...) aspectos da realidade que a psicanálise descarta como secundários e ou insignificantes (...)” (Bourdieu, 1997, p. 15).

Na visão de Bourdieu (Opt. Citem, p. 15):

Uma verdadeira sociogênese das disposições constitutivas do habitus deveria dedicar-se a compreender como a ordem social capta, canaliza, reforça ou contraria processos psíquicos segundo haja homologia, redundância e reforço entre as duas lógicas ou, ao contrário, contradição, tensão. É evidente que as estruturas mentais não são o simples reflexo das estruturas sociais. O habitus mantém com o campo uma relação de solicitação mútua, e a illusio é determinada do interior com base nas pulsões que impelem ao investimento do objeto; mas também do exterior, com base em um universo particular de objetos socialmente oferecidos ao investimento.

Desta forma Bourdieu (1997) situa as relações sociais em uma relação dialógica com

psicanálise. Não se trata da primazia de um ou outro, mas de um enriquecimento da visão da última a partir da ótica sociológica. 3. Interpretações da formação de uma subjetividade à brasileira

Luís Cláudio Figueiredo, em sua obra Modos de Subjetivação no Brasil e Outros Escritos (1995), aponta para uma interpretação focada em aspectos simbólicos brasileiros da construção de nossa subjetividade.

Segundo Figueiredo (1995), Heidegger elaborou uma visão moderna da subjetividade quando afirmou que “todas as formas de falar, pensar, sentir ou lidar com algo estão pré-condicionadas por uma compreensão implícita do que é significa” (Figueiredo, 1995, p. 31). Para complementar esta noção Figueiredo afirma (1995, p.32) que “é a própria “realidade” das coisas que se sustenta na capacidade deste sujeito trazer para diante de si (se representar) as coisas, mediante idéias claras e distintas”.

Daí advém a visão moderna do sujeito, definida pelo autor (opt. citem) como uma forma de tornar o mundo administrável. Esse sujeito soberano, moderno, é visto como indivisível, nas palavras de Figueiredo (1995, p. 34), “no sentido próprio do que não se divide, coincidindo ou vindo sempre a coincidir consigo mesmo, ou seja, identificando-se”. Ao atomizar o sujeito, passa a existir uma visão de singularidade, que aliada a outros princípios modernos constitui o individualismo liberal (Figueiredo, 1995).

A visão da construção da subjetividade dar-se-ia, então, a partir de um movimento de oposições. Da personalização, definida como um retorno à formas primitivas de subjetivação, uma forma mais fluida, mas mesmo possível na modernidade. O outro processo é o assujeitamento, sendo este o modo mais apropriado para designar o modo moderno, na visão de Figueiredo (1995, p. 39):

(...) o mero indivíduo se constitui como sujeito auto-subsistente e auto-sustentado, ou bem enquanto autonomia racional diante de um mundo de objetos plenamente “objetivos”, ou bem enquanto autonomia expressiva de forças naturais e / ou históricas.

Como pressuposto para a existência deste assujeitamento deve existir um momento

anterior, aonde dispositivos sociais pré-modernos fornecem referenciais significativos que deflagram o processo do assujeitamento. Figueiredo (1995) afirma que esta é a razão da separação moderna entre a esfera pública e a privada, necessária para a formação do processo de assujeitamento.

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Na visão de Figueiredo (1995), sem esquecer da influência seminal de Buarque de Hollanda 3 (1936), dois autores são fundamentais quando se fala de interpretação do Brasil: Roberto daMatta e Roberto Schwarz.

Para Figueiredo (1995), DaMatta vê um país preso em uma dialética de um modo de subjetivação tradicional, holístico e hierárquico, familiar e com resquícios de clientelismo, que gera uma entidade que ele chama de pessoas. Pessoas para DaMatta estariam dentro da indicação desta sociedade relacional como alguém que é definido dentro da rede de relações pelo que é ou por quem conhece. Por outro lado, haveria o modo de subjetivação “moderno” e urbano, poderia-se dizer burocrático, no sentido indicado por Max Weber 4 da burocracia, marcado pela impessoalidade e pela igualdade em todos os critérios, ótica esta contrária à primeira, que gera, portanto, um outro ente, o indivíduo. Os espaços marcados por estes dois entes, personificados por todo brasileiro, seriam reflexos de dois conjuntos de valores e formas complementares de vida brasileira. Eles seriam a divisão entre a casa e a rua. Casa no sentido do mundo relacional, da proximidade e do valor da pessoalidade. Rua no sentido burocrático, direto da avaliação dirigida por normas e leis na qual o valor da pessoa inexiste, o mundo do indivíduo.

Percebe-se que, segundo Figueiredo (1995), esta separação entre casa e rua em determinados momentos é ultrapassada, sendo utilizada de forma oportunista e para propósitos particulares.

A obra de Roberto Schwarz, na análise de Figueiredo (1995), trata da análise do Brasil e sua ambigüidade na unidade brasileira, que se autocontradiz, na luta de ser moderna sem deixar de ser pré-moderna. Seu viés é claramente econômico e político acerca do Brasil, apontando para um outra relação dialética, diferente da vista por DaMatta. Neste ponto onde DaMatta indica a questão da rua, da impessoalidade burocrática weberiana, Schwarz identifica a lógica econômica, eminentemente capitalista e onde DaMatta vê a casa, o lado da pessoalidade e relações, Schwarz vê no apadrinhamento e clientelismo o espaço para a lei da transgressão 5.

A partir destas visões, Figueiredo (1995) aponta para diversas instâncias que servem de passagens entre os modos de subjetivação, no sentido indicado por DaMatta. Estas passagens seriam o carnaval; um espaço de inversão dos valores e papéis sociais onde as pessoas deixam-se levar pela possibilidade de serem meros indivíduos e os indivíduos procuram a personalização, o destaque. Outra passagem seria a frase “Você sabe com quem está falando?”. Esta sendo uma tentativa de realizar a passagem do tratamento do indivíduo para a pessoa (DaMatta) ou a de transgredir o espaço (Schwarz) visando uma agregação de valor, conquistada ao se retorcer a ótica capitalista até que se adeqüe à lógica do apadrinhamento (Figueiredo, 1995).

Esta característica brasileira gera, na visão de Figueiredo (1995, p. 86):

(...) uma instauração nostálgica em que o mero indivíduo pede um retorno ou uma ascensão à condição de pessoa como tudo o que ela promete de integração a uma ordem, de diferenciação qualitativa, de sentido denso para a existência social dos homens.

Esta visão da subjetividade, marcada por traços culturais e históricos brasileiros,

encaminha para uma relação dupla na visão de Figueiredo (1995) na qual há quem não queira abdicar do aspecto relacional e pré-moderno da sociedade brasileira e há quem deseje cada vez mais introduzir-se na visão individualista e moderna. 4. Identidade e Subjetividade

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A formação da identidade é um ponto importante da subjetividade, já que ela é uma tentativa de explicar o conceito de si, tanto em termos pessoais quando em termos sociais (Machado e Kopittke, 2001). Neste aspecto, as experiências de socialização constituem uma fonte muito importante para a formação da subjetividade, sendo a socialização primária já referida na análise de Bourdieu.

Machado e Kopittke (2001), no entanto, referem-se a outros espaços para a formação da identidade, sendo estes os grupos sociais, estes surgindo a partir da família e estendendo-se a relações com diferentes grupos sociais, ao trabalho e, finalmente, até a identidade organizacional. A identidade social seria então formada pela vinculação a grupos e atividades diversas, sendo que quando se vincula aos grupos e atividades que executa no trabalho forma um recorte desta identidade, de particular interesse para os estudos organizacionais. Por fim a identidade organizacional vincula-se à organização em que se trabalha, ao reflexo dos grupos e das ações e interações sociais que a constituem e reconstituem. Importante é salientar que este é um processo dinâmico, formado por interações sociais e fortemente caracterizado pela comunicação como meio de interação intersubjetiva, logo, um processo de construção e desconstrução de uma identidade que é um processo, nunca um fim.

Bauman (1998) salientou que o projeto moderno de libertar o individuo da identidade herdada só lhe entregou outro, de formar e construir sua identidade. Mas em um mundo pós-moderno de incertezas múltiplas... essa formação da identidade é cada vez mais percebida como o processo de construção e desconstrução salientado por Machado e Kopittke (2001). Segundo Bauman (1998, p. 114, grifo do autor) “O eixo da estratégia de vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que se fixe”.

A partir deste ponto de formação da identidade e da subjetividade que se investe neste processo, percebe-se a influência da família (Bourdieu, 2001), do ambiente de estímulos culturais brasileiros (Figueiredo, 1995), do trabalho e da identidade organizacional (Machado e Kopittke, 2001). Como o objetivo deste artigo é o foco na formação da subjetividade e intersubjetividade em uma visão tupiniquim, torna-se importante perceber a influência do ambiente, que pode ou não influir grandemente na conformação do processo de identidade, mas dificilmente deixará de influir. Este ambiente, ou estrutura simbólica que cerca e no qual se insere a formação da identidade dos indivíduos participantes do universo social brasileiro torna-se uma referência, que serve como fonte, como contraponto, como espelho ou como o reverso do espelho da identidade que está a se formar, pelo tempo que durar, na eterna dança pós-moderna de formação e reformação da identidade. 5. Subjetividade e globalização

Suely Rolnik em sua série de artigos no livro Cultura e Subjetividade (1997) aponta para uma outra visão da subjetividade. Segundo a autora, neste mundo marcado pela globalização e os avanços tecnológicos que a desencadearam fazem com que universos de toda a espécie se choquem, gerando uma mestiçagem de forças que força uma cambialidade na subjetividade.

Esta visão de universos e de subjetividades cambiáveis é mais bem explicada em Machado (1999), que contesta a idéia da separação do aspecto interior e exterior na formação da subjetividade. Na sua visão é necessária a distinção entre modos de subjetivação e formas-subjetividade, que é:

A subjetividade nos fala de territórios existenciais que podem tornar-se herméticos às transformações possíveis, como mapas, ou podem tornar-se abertos a outras formas de ser, como nas cartografias. Os modos de subjetivação referem-se à própria força das transformações, ao devir, ao intempestivo, aos processos de dissolução das formas dadas e cristalizadas, uma espécie de movimento “instituinte” que, ao se instituir, ao configurar um território, assumiria uma dada forma-subjetividade. Os

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modos de subjetivação também são históricos, contudo, têm para com a história uma relação de processualidade e por isso não cessam de engendrar outras formas. (Machado, 1999, p. 212)

Retornando à visão de Rolnik (1999), pode-se perceber esta formação do interior a

partir do exterior, em uma rede globalizada e moderna, mas histórica; onde perfis padrão estão disponíveis achatando as identidades locais e as substituindo por uma identidade global e flexível, determinada pela fluidez histórica da rede. Nas palavras de Machado (1999, p.212) “pensemos que essa rede faça dobras aproximando pontos distanciados e distanciando pontos próximos”. Estas dobras se fariam e desfariam mediante o movimento de redes globalizadas e históricas em um fluxo infinito e mediatizado pelas relações sociais e suas peculiaridades ao longo do tempo e espaço.

Neste sentido poderíamos pensar a subjetividade como as dobras formadas por esta rede, que nunca são fixas (Rolnik, 1999), mas flexíveis, ao sabor das mudanças da rede. Ou, como define Machado (1999, p.213): “As dobras não são nem interiores e nem exteriores mas formações provisórias de um entre que mistura finitos materiais de expressão em ilimitadas combinações”.

Acontece que hoje existem dois processos opostos: o enrijecimento da identidade local e a ameaça de pulverização de toda e qualquer identidade (Rolnik, 1997). Ou, na problematização da autora:

O que se coloca para as subjetividades hoje não é a defesa de identidades locais contra identidades globais, nem tampouco da identidade em geral contra a pulverização; é a própria referência identitária que deve ser combatida, não em nome da pulverização (o fascínio niilista pelo caos), mas para dar lugar aos processos de singularização, de criação existencial, movidos pelo vento dos acontecimentos. (Rolnik, 1997, p.23)

Na visão de Rolnik (1997) a subjetividade é um processo permanentemente inacabado,

que, por esse motivo, é rico, pois permite sempre a criação e a evolução. O niilismo e os vazios de sentido devem ser combatidos, pois eles estagnam a riqueza desta evolução imobilizando-a, assim como a permanência engessada em uma visão local e ultrapassada, uma vez que a rede ampliou-se e gerou novas cartografias a serem usadas pelo sujeito.

Ou, nas palavras de Machado (1999, p. 225): Desnaturalizar a idéia da subjetividade, seria pensar na constituição do desejo atravessada por todo um conjunto de aspectos econômicos, culturais políticos, etc. Ao datarmos o que vivemos, ao pensarmos em outras sociedades e em outros momentos históricos, podemos perceber que nem sempre foi assim e nem sempre será. Não cabe aqui nenhuma nostalgia e sim a possibilidade de pensarmos a subjetividade como um processo em constante transformação.

Então, em um mundo marcado pelo signo da mudança, a subjetividade é uma entidade em

movimento (Machado, 1999), com uma identidade em reconstrução, que pode ser viciada em um dos modelos que a globalização nos apresenta, fixando-se e fazendo sua dobra (Rolnik, 1997) ou não, seguindo em frente, sempre aberta a possibilidades. 6. Comunicação e subjetividade nas empresas

Philippe Zarifian (2001) indica a dificuldade da formação da comunicação na empresa. Isto acontece porque muitas formas diferentes e contraditórias convivem na empresa e pela

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tendência a instrumentalizar a comunicação, submetendo a uma ótica de princípio funcional, que remete à administração científica 6.

A partir desta apresentação Zarifian (2001, p. 155) avalia o efeito da técnica Taylorista como “(...) privação de toda palavra legítima, expressa a propósito da organização de seu próprio trabalho e da cooperação com seus companheiros, representa um fator de alienação considerável para o operário (...)”. Esta afirmação prevê que a organização pode considerar este um regime que leva à eficiência produtiva, bem como os operários considerarem que, por não envolverem sua subjetividade na produção, “salvam suas almas”.

O grande problema atualmente na comunicação são as aplicações da técnica taylorista à linguagem. Para ilustrar esta aplicação, Zarifian identifica o exemplo do call center, onde o funcionário deve falar um roteiro de atendimento. Para Zarifian (2001, p.156) “a alienação, neste caso, é ainda mais forte, a princípio, do que em uma cadeira de produção operária. Com efeito, a pessoa tende a perder a capacidade de dominar sua própria linguagem”. O problema desta atividade é que exige a comunicação, a interação com outra pessoa, o que implica em uma certa dimensão subjetiva. Percebemos agora que a subjetividade é invadida pelo modo de produção, em nível comunicacional.

Outro exemplo de interface entre processos de subjetivação é quando da ocorrência daquilo que o autor define como evento7. Quando o evento ocorre é provocada uma reação no funcionário (ou funcionários) que é afetado pelo mesmo. Ele passará a envolver-se com este evento, a tentar compreendê-lo e buscar uma solução para o mesmo. Ou seja, ele o traz para sua subjetividade. No caso deste evento estar localizado dentro de um processo de produção (e ele normalmente está) então há um aspecto de troca intersubjetiva entre vários funcionários afetados pelo evento, em busca de uma solução para o mesmo.

Isto nas palavras de Zarifian (2001, p. 161, grifo do autor):

(...) todo evento, e a pane não é senão um exemplo de evento entre uma multiplicidade de outros possíveis, apela para a comunicação e para a subjetivação,

e de maneira que não poderá ser reduzida à execução de uma ordem, de maneira

ortogonal à prescrição de natureza taylorista. De maneira que ele apela para a iniciativa dos sujeitos interessados.

Outro ponto importante é a necessidade da comunicação no processo produção de

serviço. Pela necessidade de compreender a expectativa do destinatário do serviço, a comunicação precisa ser autêntica, sem barreiras e precisa envolver intersubjetivamente os envolvidos na mesma. Para Zarifian (2001, p.163, grifo do autor) :

“(...) o valor de um serviço não pode ser reduzido à objetivação de uma necessidade. Ele toma forma e consistência em um julgamento subjetivo que mobiliza os valores

do destinatário (mesmo quando esses valores se limitarem a um julgamento de

utilidade)”.

Ao ser assumida a necessidade de uma comunicação autêntica na empresa, pelos motivos demonstrados acima, adentra-se no terreno da compreensão recíproca, que somente é compreensão e recíproca quando estabelece-se diretamente entre subjetividades, no processo chamado de inter-subjetividade, descrito por Habermas (2002, p.61):

Como membros de um grupo social, participam de práticas e orientações de valores determinadas, reconhecem normas comuns determinadas, estão acostumados a convenções determinadas, etc.. Em casos do uso regulativo da linguagem, os falantes se apóiam em um complexo reconhecido intersubjetivamente ou habitual de costumes, instituições ou regras, que as relações interpessoais de um coletivo ordenam, de tal modo que os partidários sabem qual conduta deveriam esperar de modo legítimo um do outro.

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A partir desta definição de Habermas (2002) percebe-se que o universo social é constituído pela totalidade das relações interpessoais, reguladas e legitimadas pelo grupo. Para situar a subjetividade no contexto da comunicação, Habermas (2002, p.63) define que:

O mundo subjetivo abarca todas as vivências que um falante pode fazer, no modo expressivo da auto-apresentação do conteúdo das sentenças da primeira pessoa, quando deseja abandonar algo de si diante de um público.

Ao reconhecimento da expressividade intersubjetiva como condição sine qua non da

comunicação autêntica descrito por Habermas (2002), Zarifian (2001) acrescenta a dimensão política, segundo a qual o poder de iniciativa dos funcionários deve mais do que se expressar, deve propor ações e assumir a responsabilidade por estas ações, fazendo com que o seu agir seja causado e realizado por sua compreensão subjetiva do ocorrido.

Tal noção choca-se com a atualidade das práticas na maioria das empresas, notadamente as brasileiras, onde o processo comunicativo ainda está instrumentalizado, em um viés claramente Taylorista. Trata-se então de uma batalha pela expressão e por uma maior liberdade de ação e entendimento em todos os níveis da empresa, que poderia se resumir à uma palavra, democracia. Conclusão

Muitos são os caminhos e representações de subjetividade. Este artigo apresentou uma modelagem, um recorte que propõe a visão do autor acerca do tema.

As empresas modernas e a sociedade brasileira são marcadas pelo processo de globalização, processo este que produz impactos nas subjetividades produzidas (Rolnik, 1997; Machado, 1999), subjetividades estas formadas por aspectos referentes à socialização da família, da cultura local (Bourdieu, 1997; Figueiredo, 1995) e também do próprio ambiente de trabalho (Zarifian, 2001).

A subjetividade, enquanto processo comunicativo (Habermas, 2002), traz este viés e o soma em um caldeirão de valores e normas partilhados intersubjetivamente, gerando um indivíduo complexo, composto por múltiplas influências, mutante e único, mas ainda assim capaz de escolher em alguns momentos compartilhar suas particulares com o próximo, para gerar algo novo e assim levar adiante sua vida (Rolnik, 1997), seu trabalho (Zarifian, 2001) e o mundo. Notas:

1. BOUILLOUD, Jean P. Sociologie et société – Epistémologie de le réception. Paris. PUF, 1997.

2. Termo cunhado por Bourdieu (1997) para evitar uma lógica de intenção consciente ligada

à palavra projeto.

3. BUARQUE DE HOLLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. 25ª Edição. Rio de Janeiro. Ed. José Olympio. 1982. Nota: A obra original deste autor é de 1936.

4. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 1ª edição. São Paulo. Ed.

Pioneira. 1967. 5. Segundo Figueiredo (1995, p. 48) “(...) não se trata apenas de uma generalizada tendência

a transgredir (...) mas de uma verdadeira lei da transgressão que regula e legitima, num

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plano meta-cultural, as inúmeras ocorrências transgressivas de que nossas vidas são feitas”.

6. Administração científica ou Taylorismo. 7. Segundo Zarifian (2001) o evento é um acontecimento aleatório, quando a produção não

acontece como o previsto.

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