12
213 REVISTA DE DIREITO PÚBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007. Uma análise crítica de algumas decisões proferidas pelo STF, STJ e TRF da 4ª região no que diz respeito ao critério temporal do imposto de importação Bruna Carolina Tâmega 1 Resumo Este artigo versa sobre a regra matriz do imposto de importação: hipótese tributária (critério material, temporal e espacial) e relação jurídica tributária (critério pessoal – sujeito ativo e passivo – e critério quantitativo – base de cálculo vezes alíquota). Outrossim, discorre sobre alguns julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, no que diz respeito ao critério temporal do imposto em questão. Palavras-Chave: Imposto de importação; Entrada no território nacional; Registro da declaração de importação. 1 Introdução O imposto de importação encontra-se disciplinado no artigo 153 da Constituição Federal, nos artigos 19 a 22 do Código Tributário Nacional (CTN) e em diversas legislações infraconstitucionais esparsas, dentre as quais o Decreto-Lei nº 37/66, que, além de dispor sobre o imposto de importação, reorganiza os serviços aduaneiros e dá outras providências. O fim precípuo desse imposto, também conhecido por tarifa aduaneira, direitos de importação, tarifas das Alfândegas, direitos aduaneiros, dentre outras denominações, é proteger e incentivar a aplicação de capitais nas indústrias nacionais. Tem natureza regulatória porque objetiva regular o comércio exterior mais do que arrecadar recursos financeiros. Daí porque se fala mais em função extrafiscal do que arrecadadora. Com efeito, Hugo de Brito Machado (2006, p. 317) leciona que o imposto de importação “é muito mais importante como instrumento de proteção da indústria nacional do que como instrumento de arrecadação de recursos financeiros para o tesouro puro”. Por isso, o imposto de importação é livre do princípio da anterioridade e não precisa observar o prazo de 90 dias da publicação da lei (art. 150, II, c e §1º, CF), ou seja, pode ser 1 Formanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, e-mail [email protected].

Subsídios Ao Imposto de Importação

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Estudos: Análise sobre a aplicação do imposto sobre a importação

Citation preview

  • 213

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    Uma anlise crtica de algumas decises proferidas pelo STF, STJ e TRF da 4 regio no que diz respeito ao critrio temporal do imposto de

    importao

    Bruna Carolina Tmega1

    Resumo

    Este artigo versa sobre a regra matriz do imposto de importao: hiptese tributria (critrio material, temporal e espacial) e relao jurdica tributria (critrio pessoal sujeito ativo e passivo e critrio quantitativo base de clculo vezes alquota). Outrossim, discorre sobre alguns julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justia (STJ) e Tribunal Regional Federal (TRF) da 4 Regio, no que diz respeito ao critrio temporal do imposto em questo. Palavras-Chave: Imposto de importao; Entrada no territrio nacional; Registro da declarao de importao.

    1 Introduo

    O imposto de importao encontra-se disciplinado no artigo 153 da Constituio

    Federal, nos artigos 19 a 22 do Cdigo Tributrio Nacional (CTN) e em diversas legislaes

    infraconstitucionais esparsas, dentre as quais o Decreto-Lei n 37/66, que, alm de dispor

    sobre o imposto de importao, reorganiza os servios aduaneiros e d outras providncias.

    O fim precpuo desse imposto, tambm conhecido por tarifa aduaneira, direitos de

    importao, tarifas das Alfndegas, direitos aduaneiros, dentre outras denominaes,

    proteger e incentivar a aplicao de capitais nas indstrias nacionais. Tem natureza

    regulatria porque objetiva regular o comrcio exterior mais do que arrecadar recursos

    financeiros. Da porque se fala mais em funo extrafiscal do que arrecadadora. Com efeito,

    Hugo de Brito Machado (2006, p. 317) leciona que o imposto de importao muito mais

    importante como instrumento de proteo da indstria nacional do que como instrumento

    de arrecadao de recursos financeiros para o tesouro puro.

    Por isso, o imposto de importao livre do princpio da anterioridade e no precisa

    observar o prazo de 90 dias da publicao da lei (art. 150, II, c e 1, CF), ou seja, pode ser

    1 Formanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, e-mail [email protected].

  • Bruna Carolina Tmega

    214

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    cobrado no mesmo exerccio em que seja publicada lei que o instituir ou aumentar, a partir

    do momento de sua vigncia. Alm disso, facultado ao Poder Executivo alterar a alquota

    do imposto de importao (art. 153, 1, CF) por meio de Decreto - Leis que carece de

    agilidade nas reformulaes legislativas.

    Dentro desse contexto, o presente artigo, alm de discorrer sobre os elementos que

    compem a regra matriz do imposto de importao hiptese tributria (critrio material,

    espacial e temporal) e relao jurdica tributria (critrio pessoal e quantitativo) tem por

    objetivo principal analisar algumas decises proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,

    Superior Tribunal de Justia e Tribunal Regional Federal da 4 Regio (que engloba os

    Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran) no que diz respeito ao critrio

    temporal do imposto de importao.

    2 Hiptese tributria do imposto de importao

    O artigo 19 do Cdigo Tributrio Nacional estabelece o fato gerador do imposto de

    importao, qual seja, a entrada do produto estrangeiro no territrio nacional. O imposto de

    importao grava, portanto, a introduo no territrio nacional de produtos estrangeiros,

    considerados estes como qualquer bem material procedente de outro pas e dotado de valor

    econmico.

    O critrio material consiste em importar, trazer do exterior, fazer vir de outro pas

    produto estrangeiro ou desnacionalizado (aquele que perdeu a caracterstica de nacional ao

    ser exportado) destinado a permanecer definitivamente no Brasil uma vez que no incide

    imposto de importao, conforme preceitua o Decreto-Lei n 37/66, sobre mercadorias que

    apenas fazem escala no Brasil por embarcao ou aeronave ou mercadorias estrangeiras que

    ingressam no territrio nacional to somente para participar de feiras ou exposies,

    retornando origem aps cumprida sua finalidade. Afora isso, o Decreto n 2.412/97

    permite a importao, com suspenso do pagamento de tributos, de mercadorias que sero

    submetidas industrializao e, em seguida, destinadas exportao.

    O critrio espacial o territrio nacional, entendido como todo o espao em que o

    Brasil exerce sua soberania nacional. A Lei n 8.617/93 dispe sobre os componentes do

    territrio nacional, a saber: mar territorial (faixa de 12 milhas martimas medidas a partir da

    linha de base da costa continental em mar baixa); zona contgua (faixa adjacente ao mar

  • Uma anlise crtica de algumas decises proferidas pelo STF, STJ e TRF da 4 regio no que diz respeito ao critrio temporal do imposto de importao

    215

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    territorial, de igual largura); zona econmica exclusiva (faixa que se estende das 12 s 200

    milhas martimas) e plataforma continental (leito e o subsolo das reas submarinas que se

    estendem alm do mar territorial at 200 milhas martimas da linha de base).

    No entanto, s at o fim da zona contgua que o Brasil pode tomar medidas de

    fiscalizao para evitar infraes aos regulamentos aduaneiros (art. 5, I, Lei n 8.671/93). O

    critrio espacial abrange, portanto, todo o territrio nacional at as 24 milhas martimas

    contadas da linha de base da costa continental em mar baixa, excludo, entretanto, o

    territrio brasileiro abarcado por zonas francas, onde no h incidncia do imposto de

    importao nem habitual controle aduaneiro.

    J o critrio temporal a data da entrada da mercadoria ou produto no territrio

    nacional, nos termos dos artigos 19 do CTN e 1 do Decreto-Lei n 37/66. Contudo, os

    artigos 23 e 44 do Decreto-Lei n 37/66 estabelecem que, em se tratando de mercadoria

    despachada para consumo, considera-se como ocorrido o fato gerador na data do registro,

    na repartio aduaneira competente, da declarao feita para o desembarao da

    mercadoria. Esse ponto vai ser analisado mais a frente.

    3 Relao jurdica tributria

    No que atine ao critrio pessoal, o sujeito ativo, ente competente para instituir,

    fiscalizar, exigir/cobrar e arrecadar o imposto de importao a Unio (art. 153, CF). O

    sujeito passivo pode ser o contribuinte (aquele tem relao pessoal e direta com o fato

    gerador) ou o responsvel (aquele que no pratica o fato gerador, mas responsvel pelo

    cumprimento da obrigao tributria).

    Preceitua o artigo 22 do CTN que contribuinte do imposto de importao o

    importador ou quem a ele a lei equiparar e o arrematante de produtos apreendidos ou

    abandonados. O art. 31 do Decreto Lei 37/66 arrola como contribuinte o importador e os

    equiparados a ele: o destinatrio de remessa postal internacional indicado pelo respectivo

    remetente e o adquirente de mercadoria entrepostada.

    Considera-se importador qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria

    estrangeira no Territrio Nacional. Pode estar regularmente estabelecida ou no, pois a

    capacidade tributria passiva independe de formalismos (art.126 CTN). O destinatrio de

    remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente sujeito passivo da relao

  • Bruna Carolina Tmega

    216

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    jurdica tributria sempre que a encomenda revele destinao comercial ou exceda o

    mnimo para efeito de desonerao fiscal. Por fim, o adquirente de mercadorias

    entrepostadas aquele que adquire mercadorias que foram importadas e esto depositadas

    no entreposto aduaneiro ou em feira, congresso, mostra ou evento semelhante, com a

    suspenso do pagamento do imposto e sob controle fiscal (artigos 356 e 357 do Decreto n

    4.543/02).

    De acordo com o art. 32 do Decreto-Lei n 37/66, so responsveis pelo imposto de

    importao o transportador, quando transportar mercadoria procedente do exterior ou sob

    controle aduaneiro, inclusive em percurso interno; e, o depositrio, assim considerada

    qualquer pessoa incumbida da custdia de mercadoria sob controle aduaneiro. O pargrafo

    nico desse artigo traz os responsveis solidrios: o adquirente ou cessionrio de

    mercadoria beneficiada com iseno ou reduo do imposto; o representante, no Pas, do

    transportador estrangeiro; o adquirente de mercadoria de procedncia estrangeira, no caso

    de importao realizada por sua conta e ordem, por intermdio de pessoa jurdica

    importadora; e, o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedncia

    estrangeira de pessoa jurdica importadora.

    O critrio quantitativo possibilita a preciso exata da quantia devida a ttulo de

    tributo. explicitado pela conjugao da base de clculo com a alquota. O imposto de

    importao calculado pela aplicao das alquotas previstas na Tarifa Aduaneira sobre a

    base de clculo, de acordo com o Decreto-Lei n 37/66.

    A base de clculo , conforme Maria Helena Diniz, a medida padro ou grandeza

    econmica adotada pela lei tributria que indica o modo de apurao do valor da prestao

    pecuniria a ser arrecadada (apud CDIGO TRIBUTRIO NACIONAL: comentado e anotado,

    2003, p. 52). So trs as formas legais, indicadas no art. 20 do CTN, para caracterizar a base

    de clculo:

    a) a unidade de medida adotada pela lei tributria quando a alquota for especfica.

    A lei ordinria estabelece que a base de clculo do imposto nesse caso a quantidade de

    mercadoria, expressa na unidade de medida indicada na tarifa, v.g., quilos, litros, metros,

    volume, unidades etc;

    b) o preo normal que o produto ou seu similar alcanaria, ao tempo da

    importao, em uma venda em condies de livre concorrncia para a entrega no porto ou

  • Uma anlise crtica de algumas decises proferidas pelo STF, STJ e TRF da 4 regio no que diz respeito ao critrio temporal do imposto de importao

    217

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    lugar de entrada do produto no pas quando a alquota for ad valorem. Esse valor

    geralmente consta na fatura comercial do lugar da expedio da mercadoria, acrescentando-

    se ao custo, as despesas de frete e seguro, at a entrega no porto ou local de destino no

    Brasil (BALEEIRO, 1985, p. 132), mas pode ser desconsiderado se houver motivos para

    dvidas quanto exatido desse valor. O art. 2, II, do Decreto-Lei n 37/66 preceitua que,

    quando a alquota for ad valorem, a base de clculo o valor aduaneiro apurado segundo

    as normas do art.7 do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comrcio GATT; e,

    c) o preo da arrematao, quando se trata de produto apreendido ou abandonado

    levado a leilo.

    As alquotas podem classificar-se, consoante Leo Krakowiak e Ricardo Krakowiak

    (apud MELO, 2003, p. 61), como gerais, convencionais ou diferenciais: as gerais so as

    previstas na Tarifa Externa Comum e aplicveis s importaes em geral; convencionais so

    as objeto de acordos internacionais, bilaterais ou multilaterais, prevalecendo sobre as gerais;

    e diferenciais, em percentual superior s gerais, visam retaliao aduaneira.

    O Cdigo Tributrio Nacional menciona, em seu art. 20, a classificao das alquotas

    em especfica (quantia fixa em dinheiro referente a uma unidade de medida) e ad valorem

    (determinado percentual a ser aplicado base de clculo, que varia de produto para

    produto). Segundo Edivaldo Ravenna Picazo (apud CDIGO TRIBUTRIO NACIONAL:

    comentado e anotado, 2003, p. 54), as alquotas especficas encontram-se em desuso. As

    alquotas ad valorem esto previstas na Tarifa Externa Comum (TEC), instituda pelo Tratado

    de Assuno (Decreto Legislativo n 350/91) e devem ser adotadas pelos 04 Estados

    membros do MERCOSUL Mercado Comum do Sul - (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).

    Com referncia aos produtos oriundos de terceiros pases, de acordo com Jos Eduardo

    Soares de Melo (2003, p. 61), o Brasil assumiu o compromisso junto ao GATT de aplicar

    determinadas alquotas.

    4 Critrio temporal nos tribunais

    Em consonncia com o art. 19 do CTN, o Decreto-Lei n 37/66, em seu artigo 1,

    estabelece que o imposto de importao incide sobre mercadoria estrangeira e tem como

    fato gerador a sua entrada no territrio nacional. Contudo, em seu artigo 23, dispe que, em

    se tratando de mercadoria despachada para consumo, considera-se como ocorrido o fato

  • Bruna Carolina Tmega

    218

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    gerador na data do registro, na repartio aduaneira competente, da declarao feita para o

    desembarao da mercadoria.

    Em face disso, no que atine ao momento da ocorrncia do fato gerador, dvidas

    poderiam surgir sobre se o fato gerador seria a entrada da mercadoria no territrio nacional

    ou a data do registro da declarao de importao porquanto entre tais datas poderiam

    decorrer vrios dias, sendo que nesse perodo haveria a possibilidade de ser a alquota do

    imposto de importao majorada, prejudicando o sujeito passivo.

    Os Tribunais vm decidindo reiteradamente que, no caso de importao de

    mercadoria despachada para consumo, o fato gerador, para o imposto de importao,

    consuma-se na data do registro da declarao de importao, inexistindo incompatibilidade

    entre o art. 23 do Decreto-lei 27/66 e o art. 19 do CTN, sendo irrelevante o regime fiscal

    vigente na data da emisso da guia de importao, ou quando do desembarque da

    mercadoria.

    O STF proclamou inexistir incompatibilidade do art. 19 do CTN com os arts. 23 e 24

    do D.L. 37/66 e, no julgamento da ADI (ao direta de inconstitucionalidade) n 1293-DF,

    manifestou-se, in verbis:

    O imposto de importao tem como fato gerador a entrada de produtos estrangeiros no territrio (CTN-66, art. 19). Tratando-se de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro, na repartio competente, da declarao apresentada pelo importador (DEL-37/66), art. 23 c/c art. 44), sendo irrelevante para esse efeito especfico, a data da celebrao do contrato de compra e venda ou a do embarque ou a do ingresso no pas de mercadoria importada.

    Para o STJ, o desembarao aduaneiro, por completar a importao, representa,

    para efeitos fiscais, a entrada no territrio da mercadoria, inclusive quando se trata de

    mercadoria de bens de capital/de produo porque entende que o termo mercadoria para

    consumo tem sentido amplo, conforme as seguintes ementas:

    IMPORTAO. FATO GERADOR. COMPATIBILIDADE DO ART. 23 DO DECRETO-LEI N. 37/66 COM O ART. 19 DO CTN. DISSDIO PRETORIANO. SMULA N. 83/STJ. PRECEDENTES. [...] 3. O STJ j pacificou o entendimento de que inexiste incompatibilidade entre o art. 19 do Cdigo Tributrio Nacional e o art. 23, pargrafo nico, do Decreto-Lei n. 37/66, visto que o desembarao aduaneiro completa a importao e, conseqentemente, representa, para efeitos fiscais, a entrada no territrio nacional da mercadoria. [...] (STJ RESP 184861, Processo

  • Uma anlise crtica de algumas decises proferidas pelo STF, STJ e TRF da 4 regio no que diz respeito ao critrio temporal do imposto de importao

    219

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    199800584900/RJ, rgo Julgador SEGUNDA TURMA, DJ DATA 16/05/2005, p. 273, Relator JOO OTVIO DE NORONHA).

    TRIBUTRIO. IMPOSTO DE IMPORTAO. BENS DE CAPITAL. FATO GERADOR. REGISTRO. REPARTIO ADUANEIRA. DECLARAO DE IMPORTAO. "MERCADORIA PARA CONSUMO". INTERPRETAO GENRICA. DECRETO-LEI N 37/66. I - Esta Corte j possui entendimento assentado no sentido de que o fato gerador do imposto de importao ocorre na data do registro, na repartio aduaneira, da declarao de importao, consubstanciado pelo desembarao aduaneiro, no havendo que se falar em incompatibilidade entre o art. 23 do Decreto-lei n 37/66 e o art. 19 do CTN. Precedentes: REsp n 157.162/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 01/08/05 e REsp n 184.861/RJ, Rel. Min. JOO OTVIO DE NORONHA, DJ de 16/05/05. II - O argumento no sentido de que, no caso de bens de capital, o fato gerador do imposto de importao se realiza com a entrada do produto no territrio nacional no se sustenta, eis que o termo "mercadoria para consumo", previsto no Decreto-lei n 37/66 tem sentido genrico, aplicando-se inclusive aos bens de produo. Precedente: EDcl no REsp n 313.117/PE, Relatora Ministra DENISE ARRUDA, DJ de 10/05/04. [...] (STJ AGRESP 412220, Processo 200200161906/RS, rgo Julgador PRIMEIRA TURMA, DJ DATA 19/12/2005, p. 211, Relator FRANCISCO FALCO).

    Por outro lado, o STJ tambm reconhece que o imposto de importao tem como

    fato gerador a entrada da mercadoria de procedncia estrangeira no territrio nacional,

    sendo esta regra a que prevalece na importao de bens de capital, o que vai de encontro

    com o entendimento acima demonstrado:

    TRIBUTRIO. IMPOSTO DE IMPORTAO. FATO GERADOR. COMPATIBILIDADE DO ARTIGO 19 DO CDIGO TRIBUTRIO NACIONAL COM O ARTIGO 23 DO DECRETO-LEI N 37/66. BENS DE CAPITAL. FATO GERADOR. MOMENTO DA OCORRNCIA. ENTRADA. TERRITRIO NACIONAL. 1. A regra geral prevista nos artigos 19 do Cdigo Tributrio Nacional e 1 do Decreto-Lei n 37/66 dispem que o imposto de importao tem como fato gerador a entrada da mercadoria de procedncia estrangeira no territrio nacional. 2. Quando se tratar de mercadoria destinada ao consumo considera-se ocorrido o fato gerador do imposto de importao a data da do registro na repartio aduaneira da declarao feita para fins de desembarao aduaneiro, consoante o disposto no artigo 23 do Decreto-Lei n 37/66, o qual compatvel com o artigo 19 do Cdigo Tributrio Nacional. Precedentes. 3. Prevalece a regra geral insculpida no artigo 19 do Cdigo Tributrio Nacional na importao de bens de capital - o fato gerador do imposto de importao ocorre na entrada dos produtos estrangeiros no territrio nacional. 4. Recurso especial improvido (STJ RESP 328835, Processo 200100697108/SC, rgo Julgador SEGUNDA TURMA, DJ DATA 14/11/2005, p. 236, Relator CASTRO MEIRA).

    Diante disso, verifica-se que o STJ, muito embora afirme que o fato gerador do

    imposto de importao a data da entrada da mercadoria no territrio nacional, considera

    que, quando se trata de mercadoria para consumo (em sentido amplo), para fins fiscais, a tal

  • Bruna Carolina Tmega

    220

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    entrada representada pela declarao de importao e ora decide que isto se aplica aos

    bens de capital (deciso da 1 Turma), ora sustenta que no (deciso da 2 Turma).

    O TRF da 4 Regio caminha na mesma direo, entende que o fato gerador do

    imposto de importao ocorre com a declarao da importao e no com a entrada fsica

    da mercadoria no territrio nacional, sendo irrelevantes as datas de embarque da

    mercadoria, de celebrao do contrato de compra e venda e do momento do ingresso fsico

    dos bens em territrio nacional:

    TRIBUTRIO. IMPORTAO. TRIBUTOS. OCORRNCIA DO FATO GERADOR. DESEMBARAO ADUANEIRO. TAXA DE CMBIO. LEGALIDADE. 1. A legislao tributria aplicvel operao de importao aquela vigente poca do fato gerador, nos termos do art. 105, do CTN, e art. 150, III, a, da Constituio Federal. 2. O fato gerador do Imposto de Importao ocorre por ocasio do registro da Declarao de Importao, momento que se d o desembarao aduaneiro da mercadoria, e no com a simples entrada fsica desta no territrio nacional. O desembarao aduaneiro completa a importao e, conseqentemente, representa, para efeitos fiscais, a entrada no territrio nacional da mercadoria. 3. O art. 106, da Lei n 8 .981/95, autorizou o Poder Executivo a alterar a forma de fixao e a periodicidade da taxa de cmbio, no havendo que se falar na existncia de direito adquirido utilizao de determinada taxa de cmbio fixa. Ademais, a variao do cmbio da moeda estrangeira no representa majorao do tributo, nem alterao da base de clculo ou da alquota. Ao contrrio, a base de clculo ser simplesmente o resultado aritmtico da converso do valor expresso em moeda estrangeira com a taxa vigente. Portanto, no agiu com excesso de poder o Executivo ao alterar a taxa de cmbio, submetendo-a livre flutuao do mercado, em coerncia com a poltica econmica global adotada poca (TRIBUNAL - QUARTA REGIO, MAS, Processo 200004010444968/PR, rgo Julgador PRIMEIRA TURMA, DJU DATA 26/04/2006, p. 848, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEO CAMINHA). TRIBUTRIO. IMPOSTO DE IMPORTAO. BENEFCIO PARA OS PASES DO MERCOSUL. MAJORAO DA ALQUOTA. FATO GERADOR. REGISTRO DA DECLARAO DE IMPORTAO. A Portaria n 115, de 28 de maro de 1995, que beneficia a importao entre os pases do Mercosul no extensvel aos produtos originrios de terceiros pases. A majorao de alquota de imposto de importao por Portaria Interministerial atende necessidade de controle da atividade econmica. O imposto de importao tem por alquota aquela vigente no momento de ocorrncia de seu fato gerador, que no caso de mercadoria pronta para consumo, o registro da declarao de importao na repartio aduaneira. Irrelevante as datas de embarque da mercadoria, de celebrao do contrato de compra e venda e do momento do ingresso fsico dos bens em territrio nacional. Havendo julgamento simultneo dos feitos, desacolhendo-se, no mrito, a pretenso do autor, na ao principal, deve a ao cautelar ser julgada igualmente improcedente face a ausncia de fumus boni iuris. Apelao improvida e remessa oficial provida (TRIBUNAL - QUARTA REGIO, AC, Processo 199804010338540/PR, rgo Julgador SEGUNDA TURMA, DJU DATA 26/07/2000, p. 75/76, Relator JOO PEDRO GEBRAN NETO).

  • Uma anlise crtica de algumas decises proferidas pelo STF, STJ e TRF da 4 regio no que diz respeito ao critrio temporal do imposto de importao

    221

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    Assim, constata-se que o entendimento desses tribunais est, de certa forma, em

    consonncia. Contudo, data vnia, no parece ser essa a melhor interpretao da lei

    tributria. Hugo de Brito Machado (2006, p. 318) leciona que a entrada do produto

    estrangeiro no territrio nacional constitui a ocorrncia do fato gerador e o desembarao

    aduaneiro a forma pela qual tal ocorrncia se exterioriza ou documentada e, apenas por

    questo de ordem prtica, para fins de determinao da taxa de cmbio a ser utilizada na

    converso do valor das mercadorias importadas para a moeda nacional, considera-se a data

    da declarao para o desembarao aduaneiro.

    O mesmo doutrinador (MACHADO, 2006, p. 319) afirma, ainda, que a entrada da

    mercadoria no territrio nacional no pode ser vista como fato isolado, de maneira que se o

    sujeito passivo obtm a guia de importao (ou forma equivalente de autorizao da

    importao) ou efetua o contrato de cmbio e efetiva a aquisio do bem no exterior, tem

    direito a que a importao se complete no regime jurdico ento vigente (art. 150, III, a c/c

    o art. 5, XXXVI de CF). Isso porque, se assim no fosse, a importao como atividade

    empresarial seria invivel uma vez que o governo poderia levar runa qualquer

    importador com um simples ato de elevao de alquota do imposto de importao, o que

    efetivamente no compatvel com o Estado de Direito que assegura a livre iniciativa

    econmica (MACHADO, 2006, p. 319).

    Para Edivaldo Ravenna Picazo, o momento da ocorrncia do fato gerador do

    imposto de importao apresenta-se em destaque vista do princpio da no surpresa e, ao

    examinar a deciso do STF acima exposta aduz que

    este silogismo tem levado muitos empresrios a sofrer irrecuperveis prejuzos financeiros em decorrncia de aumentos inesperados e muitas vezes abusivos, de alquotas, exatamente no momento em que mercadorias importadas estariam sendo descarregadas em reas aduaneiras, sem que ainda se estivesse expedida a declarao de importao. A melhor soluo no nos parece aquela aplicada pela Excelsa Corte, pois desconsidera o princpio da no surpresa. De acordo com nosso entendimento dever-se-ia optar por uma interpretao teleolgica e extensiva do dispositivo, permitindo, sem prejuzo da legalidade, que o importador que j houvesse concludo os atos preparatrios para o recebimento da mercadoria, no sofresse os efeitos da mudana extraordinria de alquotas. Isso daria a devida segurana jurdica a qualquer negcio internacional, numa rea de mercado na qual se espera plena estabilidade e regras claras de transio (apud CDIGO TRIBUTRIO NACIONAL: comentado e anotado, 2003, p. 51-52).

  • Bruna Carolina Tmega

    222

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    Sabe-se que facultado ao Poder Executivo alterar as alquotas do imposto de

    importao e aplic-las de imediato ao sujeito passivo porque o objetivo maior proteger o

    mercado interno brasileiro. No entanto, deve-se observar o critrio temporal desse imposto

    fixado em lei.

    Ora, o entendimento dos tribunais acima mencionados fere, data venia, o

    ordenamento jurdico brasileiro porque est expresso tanto no Cdigo Tributrio Nacional

    (art. 1) como no Decreto-Lei n 37/66 (art. 1) que o fato gerador do imposto de

    importao a data da entrada da mercadoria no territrio nacional. Alm disso, o artigo

    150, III, a, da Magna Carta brasileira preceitua que, sem prejuzo de outras garantias

    asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

    Municpios cobrar tributos em relao a fatos geradores ocorridos antes do incio da vigncia

    da lei que os houver institudo ou aumentado.

    Sendo assim, o imposto de importao deve ser sempre calculado de acordo com as

    regras vigentes no momento da entrada da mercadoria no territrio nacional. No porque

    a mercadoria se destina ao consumo que deveria receber tratamento diferenciado. O artigo

    23 do Decreto-Lei n 37/66 revela-se, portanto, imbudo de ilegalidade e

    inconstitucionalidade ao considerar como ocorrido o fato gerador na data da declarao de

    importao, quando se tratar de mercadorias destinadas ao consumo.

    5 Concluso

    O fim precpuo de imposto de importao proteger a indstria nacional e o

    secundrio arrecadar recursos financeiros aos tesouros pblicos. Em vista disso, livre do

    princpio da anterioridade e no precisa observar o prazo de 90 dias da publicao da lei (art.

    150, II, c e 1, CF). Faculta-se, ainda, ao Poder Executivo alterar a alquota do imposto de

    importao (art. 153, 1, CF), sem depender das reformulaes legislativas, cujos

    procedimentos so normalmente morosos.

    A regra matriz desse imposto pode ser formulada da forma que segue. Hiptese

    Tributria critrio material: importar produto estrangeiro; critrio espacial: territrio

    nacional at o limite da zona contgua (24 milhas martimas); critrio temporal: momento da

    entrada da mercadoria no territrio nacional.

  • Uma anlise crtica de algumas decises proferidas pelo STF, STJ e TRF da 4 regio no que diz respeito ao critrio temporal do imposto de importao

    223

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    Relao Jurdica Tributria critrio pessoal: o sujeito ativo a Unio e o sujeito

    passivo o importador ou quem a ele a lei equiparar; critrio quantitativo: a base de clculo,

    dependendo do caso, pode ser a unidade de medida adotada pela lei tributria, o preo

    normal do produto importado ou o preo da arrematao do produto importado e leiloado;

    a alquota a fixada na tabela e pode ser especfica, ad valorem ou convencional (tambm

    depende de cada caso em concreto).

    Quanto ao critrio temporal, merece ser o entendimento dos tribunais modificado

    no sentido de que o momento do fato gerador do imposto de importao deve ser

    considerado como a data da entrada do produto estrangeiro no territrio nacional, inclusive

    no que diz respeito s mercadorias destinadas ao consumo, devendo ser declara a

    ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 23 c/c o artigo 44 do Decreto-Lei n 37/66.

    Isso porque, a entrada do produto estrangeiro no territrio nacional constitui o

    momento da realizao do fato gerador do imposto de importao e o desembarao

    aduaneiro apenas a forma pela qual tal ocorrncia se exterioriza ou documentada, razo

    pela qual deve ser aplicada a alquota vigente ao tempo da entrada fsica da mercadoria no

    territrio nacional, sob pena de ofensa aos artigos 19 do CTN e 150, III, a c/c o art. 5,

    XXXVI da CF.

    Referncias

    BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributrio Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

    CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 17. ed. So Paulo: Saraiva, 2005.

    CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito Tributrio. 8. ed. So Paulo: Saraiva, 2005.

    CDIGO Tributrio Nacional: lei 5.172, de 25 de outubro de 1966: comentado e anotado. Coordenado por Volney Zamenhof de Oliveira Silva. 3. ed. Campinas: CS Edies, 2003.

    MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributrio. 27. ed. rev. atual. e ampl. So Paulo: Malheiros, 2006.

    MARTINS, Ives Gandra da Silva. Questes Atuais de Direito Tributrio. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.

  • Bruna Carolina Tmega

    224

    REVISTA DE DIREITO PBLICO, LONDRINA, V. 2, N. 1, P. 213-224, JAN./ABR. 2007.

    MELO, Jos Eduardo Soares de. A Importao no Direito Tributrio: impostos, taxas e contribuies. So Paulo: RT, 2003.