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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 02 CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SETOR TÊXTIL EM JUNDIAI ENTRE OS ANOS 40 E 60 .................................................... 03 INDÚSTRIA E COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL: NOTAS SOBREA A CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA E A PRODUTIVIDADE DO TRABALHO A PARTIR DOS ANOS 90 ............................................................................................... 22 A FILOSOFIA NA FORMÇÃO DA CIDADANIA ..................................................... 32 STOCK OPTIONS NA REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS E O DISCLOSURE ........................................................................................................................................ 42 A TERCEIRIZAÇÃO COMO OPORTUNIDADE ...................................................... 59

SUMÁRIO - Faculdade Unianchieta · 2014-09-22 · capital financeiro sobre a dinâmica industrial e as consequências importantes na vida ... diminuição de 46,4% para 23,1% na

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................ 02

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO SETOR

TÊXTIL EM JUNDIAI ENTRE OS ANOS 40 E 60 .................................................... 03

INDÚSTRIA E COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL: NOTAS SOBREA A

CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA E A PRODUTIVIDADE DO TRABALHO A

PARTIR DOS ANOS 90 ............................................................................................... 22

A FILOSOFIA NA FORMÇÃO DA CIDADANIA ..................................................... 32

STOCK OPTIONS NA REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS E O DISCLOSURE

........................................................................................................................................ 42

A TERCEIRIZAÇÃO COMO OPORTUNIDADE ...................................................... 59

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APRESENTAÇÃO

A revista Análise chega ao seu décimo ano, os artigos desta edição contempla

todas as áreas do centro de ciências sociais aplicadas do Centro Universitário Padre

Anchieta.

O artigo do Prof. Polli desvenda as condições de trabalho no setor têxtil na

cidade de Jundiaí nos anos 40 a 60, período em que a política “nacionalista” de

expansão e modernização capitalista no Brasil se construía a partir da perspectiva do

discurso da valorização da indústria nacional, num cenário de extrema fragilidade

econômica do país em relação à dependência externa.

No artigo seguinte, o Prof. Cristiano Monteiro busca explicar a hegemonia do

capital financeiro sobre a dinâmica industrial e as consequências importantes na vida

social e econômica. Alessandro César Bigheto e o Prof. Aimar Martins Lopes discutem

a importância da filosofia na vida cotidiana em sala de ala como formação da cidadania.

O artigo Stock Options na remuneração dos empregados e o disclosre

desenvolvido pela Profa. Marcia A. Silveira e por Mauro Fernando Gallo trata

especificamente do pagamento de remuneração aos dirigentes com stock options, ato

sem dúvida muito complexo de ser reconhecido, mensurado e evidenciado pela

contabilidade.

Por fim, o discente Paulo César Speranza se propõe a fazer uma análise reflexiva

sobre a terceirização, resgatando o tema a partir do exame das fontes disponíveis de

acadêmicos e doutrinadores sobre o assunto versado, abordando desde seu surgimento,

transcorrendo pelas vantagens, desvantagens e os cuidados, tanto na implantação quanto

os legais, sendo este último composto pela legislação correlacionada e pelo atual

entendimento da jurisprudência.

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CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO

SETOR TÊXTIL EM JUNDIAI ENTRE OS ANOS 40 E 60

José Renato Polli*

Resumo: Este artigo constitui-se como uma análise parcial sobre experiências de

trabalho, militância sindical e condições de vida, de trabalhadores têxteis jundiaienses

no contexto dos anos 40 a 60, período em que a política “nacionalista” de expansão e

modernização capitalista no Brasil se construía a partir da perspectiva do discurso da

valorização da indústria nacional, num cenário de extrema fragilidade econômica do

país em relação à dependência externa. O período em questão é visto de uma maneira

aberta, mas recortado em dois momentos específicos que caracterizaram a dinâmica das

experiências de trabalhadores têxteis na cidade. Um vai de 1945 a 1953, marcado por

uma concepção de trabalho e ação sindical moldadas no espírito conciliador e

harmonizador de tensões e conflitos entre empregadores e trabalhadores. Outro vai de

1953 a 1964, caracterizado por uma abertura na militância operária na luta por direitos

sociais, reagindo à concepção anterior, até o rompimento estabelecido pelo golpe de

1964. Neste percurso, indica-se o total esquecimento histórico da experiência social

propriamente dita dos operários e operárias têxteis, tanto pelas organizações sindicais

como pelo empresariado.

Palavras-chave: trabalho têxtil, expansão e modernização capitalista, lutas operárias.

Introdução

A flexibilização de direitos sociais no campo das relações de trabalho a partir

dos anos 90 no Brasil, como consequência da modernização conservadora e neoliberal,

fez emergir uma série de reflexões e preocupações críticas em torno dos efeitos sociais

dessa tendência. Em tempos de financeirização da economia mundial, resgatar em

momentos históricos anteriores experiências de êxito e fracasso de setores da economia,

o contexto histórico que as motivou, ajuda a promover uma maior compreensão sobre o

* Licenciado em Filosofia e Pedagogia, Mestre em História Social (PUC-SP) e Doutor em Filosofia da

Educação (FEUSP). Professor de História Econômica Geral no curso de Ciências Econômicas do Centro

Universitário Padre Anchieta.

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momento presente. Recolocar em debate as experiências outrora existentes, os caminhos

percorridos em setores da economia não muito avaliados em âmbito regional e local.

Como afirmam os historiadores, o passado ganha significado e compreensão a

partir do olhar do presente e, o presente, se ressignifica a partir dessa compreensão, na

medida em que suas demandas e questões são pensadas com o auxílio da história como

ciência interpretativa.

Os dilemas provocados no movimento social, novos desafios em face da

intenção de repensar cláusulas trabalhistas antes intocáveis, aguçam a sensibilidade dos

que desejam imaginar novos cenários, nos quais apareça uma reação ao cerceamento

das conquistas sociais dos trabalhadores verificado nas últimas décadas.

Simone Weil (1979), ao abordar a questão do desenraizamento operário, nos

mostra o quanto os mecanismos de organização do trabalho e da produção podem levar

o trabalhador a condições de privação, não só de direitos legais, mas de sua própria

capacidade de controlar o seu destino.

Em muitos momentos da história do trabalho no Brasil, milhares de

trabalhadores foram reduzidos a uma obediência forçada em seus ambientes de trabalho,

sem possibilidades de participação ativa, através da capacidade criativa, da ação, dos

sentimentos, nas realizações cotidianas à sua volta. Em alguns momentos, para alguns, a

falta de domínio das forças físicas e dos “sentimentos impróprios como a indolência”

deveriam ser moralizados e purificados. (A COMARCA, 1950)

Revisitar as experiências de trabalhadores que desmistifiquem essa visão

moralizadora, higienizadora do social, avaliando de que maneiras os sujeitos a

concebem e vivenciam, sobretudo considerando as várias dimensões da vida urbana,

faz-se tarefa salutar para os historiadores econômicos e sociais. Em consonância com o

que afirma Maria Célia Paoli, “fazer emergir sentidos de vida que não foram

registrados, embarcando no fascínio que nos produz a força das lembranças e na

vontade de ajudar a dizer aquilo que foi silenciado” (PAOLI, 1992)

1. A expansão econômica e social brasileira e o crescimento de Jundiaí a

partir dos anos 40

Entre o final dos anos 40 e início dos anos 60, houve um crescimento

populacional no Brasil, da ordem de 35% e um aumento de cerca de 23% no

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contingente de trabalhadores operários industriais (de 1.325 mil para 1.610 mil, com

75% do total da mão de obra composta por homens e 25% por mulheres). (PEREIRA,

1981, p. 26)

Segundo o relatório de gestão da Prefeitura Municipal de Jundiaí, produzido

entre 1948 e 1951, a cidade possuía entre grandes e pequenas indústrias um total de 16

estabelecimentos, com uma população estimada em 70 mil habitantes, de acordo com a

sinopse estatística do IBGE de 1948 e num processo de urbanização que se expressava

na ampliação da rede de transportes, correios, logradouros públicos, serviço de água e

esgoto, iluminação, bibliotecas, escolas, jornais, cinemas e teatros. (PMJ, 1948-51)

Várias indústrias têxteis já haviam se consolidado no município em décadas

anteriores, como a Companhia Fiação e Tecidos São Bento, fundada em 1872, a Argos

Industrial – antiga Sociedade Industrial Jundiaiense, fundada em 1913 e que na década

de 50 já possuía cerca de dois mil trabalhadores.

Outras empresas, nas décadas posteriores, vieram a compor o parque industrial

têxtil da cidade, como a Fábrica de Tecidos Japy, a São Jorge, a São Luiz, o Cotonifício

Milani e Rappa, a Cia. Fiação e Tecelagem Jafé (do grupo Nami-Azém), a Tecelagem

Santana, a Fides, a Cosmopolita, a Fábrica de Tecidos Guapeva, entre outras.

Segundo dados da Federação dos Trabalhadores das Indústrias de Fiação e

Tecelagem do Estado de São Paulo, publicados em 1960, durante os anos 50 e início

dos anos 60, o número de trabalhadores têxteis em Jundiaí oscilou entre 5600 e 6000

operários, o que ajuda a dimensionar a importância deste setor, pois os índeces revelam

corresponder a cerca de 5 ou 6% da população da cidade. (FTIFT, 1960)

Com a política de nacionalização da economia, engendrada com a perspectiva de

“expansão e modernização do capitalismo” nos anos 30 e que repercutiu até início dos

anos 60, o Brasil teve um aumento considerável do mercado de produtos industriais,

ampliado pela substituição de importações. A indústria têxtil, no entanto, teve uma

diminuição de 46,4% para 23,1% na participação conjunta na produção nacional.

(PEREIRA, 1981, p.26-32)

A trajetória de algumas empresas de Jundiaí revela uma inadequação frente às

novas realidades econômicas, tecnológicas e financeiras que permearam esse processo.

Foi o caso da pioneira, Companhia de Fiação e Tecelagem São Bento, falida em 1972

devido a um projeto mal sucedido de importação de máquinas automáticas proposto em

1967, com financiamento de alto custo e demora na implantação. Durante os anos 40, a

empresa inseriu-se no chamado “esforço de guerra”, dizendo-se fiel cumpridora de suas

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obrigações fiscais e mantendo os preços de seus produtos. Até 1958 investiu na

modernização do maquinário, ganhou o mercado internacional para elevar a

produtividade e inserir-se no processo competitivo, tentando fazer frente aos

concorrentes. (IORIO, s/d)

Outra empresa, a Argos Industrial, teve um crescimento produtivo da ordem de

4,3 a 7 milhões de metros de tecidos entre 1945 e 1965, diminuindo o número de

funcionários e aumentando a produção em até 50%. Nos anos 50, os antigos

proprietários escolheram alguns funcionários para administrar a empresa, o que fez

aumentar a racionalização da produção e favorecer a ampliação do mercado. Esses

dados foram publicados no Álbum Histórico e documentário “100 anos de Jundiaí”, da

prefeitura da cidade, em 1965. (PMJ, 1965)

Os processos de racionalização do trabalho elaborados para enfrentar crises

econômicas e produtivas, já se constituíam como respostas do empresariado desde os

primórdios do século XX. Maria Antonieta Antonacci analisa essa questão em sua tese

de doutorado, quando aborda a atuação do IDORT (Instituto de Organização Racional

do Trabalho), criado em 1931. Em sua obra, cita Aldo Mário de Azevedo, da direção da

fábrica de tecidos Japy, de Jundiaí, como um dos ideólogos da implantação de modelos

tayloristas no meio industrial paulista. (ANTONACCI, 1993, p.62)

Dentro das perspectivas políticas e do “ímpeto modernizador” que vai se

caracterizando apenas pelos aspectos econômicos do país, são desconsideradas as

expectativas, sentimentos e experiências daqueles que vivenciaram como trabalhadores

a dinâmica que vinha sendo imaginada pelas elites empresariais. Uma modernização e

um progresso que como nos lembra Maria Célia Paoli, “vai sendo perseguido como uma

obsessão, que desvia o olhar da realidade e absolutizando os motivos do capital”

(PAOLI, 1992).

2. Lutas sindicais, mobilizações de trabalhadores a partir dos anos 40 e o

contexto político partidário em Jundiaí

As lutas e resistências operárias engendradas neste percurso da expansão têxtil

relevam muitas vezes uma distância entre as dificuldades dos trabalhadores e as

perspectivas das lideranças empresariais e sindicais.

Hélio da Costa (1995), em seu livro “Comissão de fábrica, partido e sindicato no

pós-guerra”, faz uma análise da situação dos trabalhadores e do movimento sindical na

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transição dos anos 40 para os anos 50, voltando-se para a dimensão das lutas mais

gerais engendradas neste período e a conjuntura política em questão.

Indica que diferentes perspectivas do que se convencionou chamar de

“redemocratização” e democracia após 1945 se confrontavam. A das elites pregava a

conciliação de interesses. A dos trabalhadores via uma luta entre grupos e classes se

consolidando.

Dentro desse processo, várias formas de interpretar o que significavam as lutas

dos trabalhadores foram construídas, desde aquelas que levaram a uma onda de greves e

formas de resistência ao paternalismo do Estado sobre o movimento sindical, até

propostas de alinhamento ao governo do General Eurico Gaspar Dutra.

Com a criação do MUT (Movimento Unificado de Trabalhadores) em 1945, e

sua perspectiva de conciliação de classe, apoio ao Estado e soluções pacíficas para os

conflitos entre grupos, inclusive com apoio de membros do Partido Comunista, surgia

uma tentativa de uniformização das práticas para desaconselhar greves e manifestações.

A rígida legislação dos anos 40, no entanto, não conseguiu impedir as lutas

organizadas, especialmente as promovidas por ativistas comunistas não presentes nos

quadros dirigentes. Na área industrial têxtil os empresários pressionavam para a

anulação de direitos trabalhistas. As organizações fabris de trabalhadores,

autonomamente, construíam formas de luta e politização, distanciando-se das lideranças

sindicais. Várias greves ocorrem a partir de 1945 e a radicalização repressiva do

governo Dutra fez aumentar o número de comissões de fábricas autônomas no seio da

categoria têxtil. O PCB, antes numa postura dúbia, passava a aceitar que as

mobilizações eram justas e se ajustou, numa tentativa de sobrevivência, às novas

condições interpostas pela história. A experiência social mais ampla dos trabalhadores,

como a que sempre pretendeu promover a historiografia econômica e social inglesa,

ficou relegada ao segundo plano, já que a prevalência da militância sindical se fazia

concretizar, em detrimento do cotidiano dos trabalhadores.

O PCB pensava a classe trabalhadora como algo mobilizável politicamente e não

como classe operária. Fez vistas grossas à CLT de 1943, com clara perspectiva de

exclusão de direitos. A ideia era tomar gradativamente espaços no aparelho sindical e

“não botar nada a perder”. A distância do operariado era enorme.

As correlações e múltiplas imbricações entre classes e grupos, davam contornos

à noção de Estado, ao perfil do patronato e à opinião pública. Na década de 50, o

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recrudescimento na flexibilização de direitos forçou a greve dos 300 mil, no ano de

1953, que durante 27 dias, marcou a conquista do direito social de greve.

A reação dos empresários veio sob várias formas, uma delas através do

movimento internacional denominado “Rearmamento moral”, com intuito moralizador,

pregando a cooperação, a ordem na produção, o “amor ao próximo”, tentando

individualizar conflitos e descaracterizar as lutas operárias.

Para denegrir a imagem das lutas operárias, entrava em cena uma intensa

propaganda anticomunista, o espírito modernizador, a moralização católica, a pressão da

imprensa.

Apesar do silêncio da imprensa jundiaiense, vários documentos e depoimentos

dão conta de recuperar as mobilizações ocorridas na cidade. Segundo o ex-dirigente

sindical Antonio Galdino1, entre 1953 e 1964, a mentalidade imperante no sindicalismo

têxtil era antiassistencialista. Antes disso, os editais do Sindicato dos Têxteis e

comunicados publicados na imprensa entre 1945 e 1955, revelavam preocupações

internalistas, como imposto sindical, eleições de diretoria, relatórios de gestão, etc. A

visão assistencial tomava conta das instituições existentes em Jundiaí, não apenas os

sindicatos, mas órgãos de imprensa, movimentos religiosos e associações de

trabalhadores. Os próprios trabalhadores, incorporando essa visão, a manifestavam

publicamente:

Os operários da Cia. Fiação e Tecelagem Fides, desta cidade, tendo

recebido um abono de natal, da firma em que trabalham, recolheram

entre si uma importância que pretendem destinar a algumas

instituições da cidade, para proporcionar aos mais necessitados um

melhor natal. Queremos apresentar os melhores agradecimentos à

direção da Cia. Fiação e Tecelagem Fides, pelo generoso gesto, que

vem demonstrar o verdadeiro reconhecimento aos operários. (A

COMARCA, 14.12.1946)

Ao mesmo tempo em que viam no gesto dos empregadores uma atitude

generosa, queriam retribuir da mesma forma. A condição passiva de recebedores de

favores reforçava o assistencialismo, não vislumbrando outras possibilidades nas

relações de trabalho. Órgãos como a Associação Humanitária Operária Jundiaiense,

atuavam na cidade fornecendo auxílio funeral e doença. Em 1951, congregava cerca de

900 sócios. (A COMARCA, 18.02.1951) O Círculo Operário Católico Jundiaiense

1 Depoimento concedido a Emerson Almeida em 1982, p. 6 da transcrição.

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também prestava serviços de assistência médica e ambulatorial, promovia reuniões

festivas, organizava bibliotecas, escolas e centros de puericultura. 2

As empresas também procuravam estimular a criação de associações internas de

trabalhadores, contornando-lhes o perfil para direcioná-las às perspectivas

assistencialistas. Através da influência sobre essas organizações, empresas com a São

Bento e a Argos industrial, infiltravam, através de jornais internos, ideais do movimento

de “Rearmamento Moral” junto aos trabalhadores. Esses jornais apelavam para o

discurso da doutrina social da igreja expressa na encíclica Rerum Novarum, do papa

Leão XIII. (A GAZETA ARGOS, 09/1953) Além disso, algumas empresas promoviam

doações para a construção de bairros, escolas e instituições assistenciais. (A

COMARCA, 23.07.1949)

A organização dos trabalhadores sofria com a propaganda anticomunista na

imprensa local, motivo pelo qual, a atuação dos sindicatos parece ter sido

predominantemente a da manutenção de uma “harmonia” nas relações de trabalho até

por volta de 1953. Entre janeiro e outubro de 1947, o Jornal “A Comarca” publicou uma

série de artigos, assinados por diversos autores, coincidindo com a cassação do registro

do PCB. O mesmo foi feito no Jornal “A Folha”, do Círculo Operário, entre 1951 e

1963 e no Jornal “Diário de Jundiaí” no ano de 1961.

Vários órgãos governamentais, como o Ministério do Trabalho, o IAPI (Instituto

de Aposentadoria e previdência dos Industriários) e o SAMDU (Serviço de Assistência

Médica Domiciliar de urgência da Previdência Social), caracterizavam o

assistencialismo do Estado. O IAPI possuía programas de financiamento imobiliário e

de assistência maternidade através do SAMDU. Sorteava interessados em adquirir

financiamentos para a construção da casa própria.

Os governantes afirmavam desejar a conciliação nas relações com o

empresariado e os trabalhadores, para continuar a obra getulista “para a felicidade do

operariado e maior progresso da indústria nacional.” (A COMARCA, 21.10.45)

Afirmavam que sua prática “seria cerrar fileiras afim de que a ordem pudesse imperar e

a liberdade garantir direitos de todos os cidadãos.” (A COMARCA, 03.02.46) Na

prática, a repressão às lutas sociais desmontava esse discurso.

2 Paulo Roberto de Almeida, em sua dissertação de mestrado “Círculos Operários Católicos: práticas de

assistência e controle no Brasil” aponta que os Círculos Operários atuavam em escolas, voltando-se para a

preparação de mão de obra para as indústrias locais, de uma forma que, além disto, ajudavam a mediar

conflitos fora do local de trabalho, sedimentando experiências assistencialistas de controle a partir de uma

mentalidade religiosa.

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Várias agremiações partidárias como a UDN e o PSP reforçavam o caráter

conciliatório das relações entre trabalhadores e empregadores, inviabilizando espaços

para outras correntes. O PSB já havia conseguido, no final dos anos 40, eleger 3

vereadores e outras legendas menores compunham o quadro. As relações entre

instâncias sindicais e poder público eram costuradas por uma postura colaboracionista.

Em 02 de maio de 1946, o sindicato dos têxteis de Jundiaí publica uma carta na

imprensa endereçada ao prefeito, da UDN, solicitando sua colaboração na alteração do

horário da entrega de pães, alegando que o horário determinado estaria prejudicando o

descanso dos operários, que trabalhavam das 22 horas até às 5h. Afirmava que diante da

escassez mundial de trigo a necessidade de intensificar a produção era evidente,

principalmente a industrial e, sendo perturbados em seu descanso os operários não

poderiam colaborar adequadamente. (A COMARCA, 02.05.46) As forças deveriam

estar unidas em função dos “interesses do país”, mas nada se dizia sobre os abusos

cometidos contra os direitos dos trabalhadores. As posições políticas eram dúbias, como

a expressa pela UDN:

Tivemos a greve da Argos, felizmente levada a bom termo. É essa

fábrica a que melhor paga em Jundiaí. No entanto, os proventos dos

operários nunca ultrapassam o primeiro milhar de cruzeiros. Quer

dizer, um chefe de família numerosa, para fazer frente às necessidades

econômicas tem de por a mulher e os filhos no emprego, mal esses

completam 14 anos. (A COMARCA, 24.06.48)

Colocando as questões do operariado no campo moral, o partido sutilmente

poupava a empresa, que conforme anunciava a imprensa no mesmo período, não

cumpria cláusulas trabalhistas referentes aos salários dos trabalhadores, o que motivou a

formação de uma comissão de vereadores para entrar em entendimentos conciliatórios

com os empregadores, no sentido de garantir o aumento salarial dentro de suas

possibilidades. Boletins criticavam a ação do sindicato, por supostamente deixar de

cuidar dos interesses dos têxteis.

Neste campo de forças, embates, contradições, as lutas mais gerais se

construíam. As forças mais mobilizadoras no campo sindical só lograram êxito a partir

do início da década de 50. Um documento chamado “Organização sindical dos

trabalhadores da indústria de fiação e tecelagem do estado de São Paulo”, publicado

pela Federação dos Têxteis, em 1961, confirma essa realidade. Havia 30 sindicatos em

29 municípios do estado, compondo com o sindicato dos mestres e contramestres, uma

11

organização que se estendia a mais 21 municípios, atingindo, portanto, 50 no total.

Benedito de Camargo, do sindicato de Jundiaí, compunha em 1955 a diretoria da

federação. Dividida em 8 regiões (São Paulo, Paulista, Vale do Paraíba, Sorocabana,

Vale Médio do Tietê, Mantiqueira, Mogiana e Vale do Mogi Guaçu) a federação atingia

90% da categoria nas regiões próximas à capital.

Calculava-se em cerca de 195 mil o número de operários no setor em 1955, cifra

que teria caído para 183 mil em 1960. Jundiaí, pertencente á região da Paulista, teria

cerca de 5100 operários em 1955 e 5600 em 1960. No geral, entre 1955 e 1960 a

categoria teve uma redução de cerca de 9,47% no seu volume de trabalhadores.

A principal matéria prima utilizada na região Paulista era a do algodão e a mão

de obra constituída em sua maioria por mulheres (73% de mulheres contra 27% de

homens), com alta concentração de menores na produção (26,6% na região). (FTIFT,

1961)

Os sindicatos vivam do imposto sindical e das mensalidades dos associados. As

sedes pertenciam à federação, mas em Jundiaí havia sede própria. A diretoria era

afastada do trabalho, dedicando-se efetivamente à mobilização, ajudados por uma média

de 3 funcionários por sindicato. Essa atuação ajudou a eleger uma bancada têxtil em

todo o estado de São Paulo. Em Jundiaí houve a eleição de Antonio Galdino, pelo PSB.

Cerca de 50% da categoria era sindicalizada, mas nem todos participavam das

mobilizações. A média mais alta de participação nas assembleias chegava a 100

pessoas. A Federação, preocupada, procurou através de questionários, analisar os

motivos desse distanciamento. Os resultados ficaram mais na organização propriamente

dita da luta, sem nenhuma referência ao pensar e sentir dos trabalhadores sobre a luta

sindical. As empresas não cumpriam acordos e reforçavam práticas de represália ao

interesse dos trabalhadores em se mobilizar.

Havia também uma dificuldade relativa às lutas internas pelo poder de controle

do aparelho sindical. Por um lado, grupos de várias vertentes políticas que se

aglutinavam em favor das mobilizações e outros, cindindo-se em várias chapas,

formadas basicamente por católicos avessos à luta sindical, que utilizavam do discurso

anticomunista para generalizar a luta do grupo que dirigia o sindicato, formado por

pessoas de diversos espectros ideológicos. Os comunistas do PCB, atrelados ao poder

no estado, se faziam presentes na vida sindical local e eram combatidos tanto pela

imprensa como pela justiça do trabalho. A igreja, por sua vez, buscava soluções

baseadas no discurso espiritualista da caridade. O Jornal “A Folha”, do Círculo

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Operário Católico Jundiaiense, publicava peças assinadas pelo padre Adalberto de Paula

Nunes. Numa delas dizia:

Existem os sindicatos. Muitos deploram que o comunismo tinha

penetrado em tais organizações de classe, manobrando-as para o seu

interesse político ideológico. Por que, então os bons não fazem o

mesmo? Tendo o mesmo espírito combativo que seus adversários,

sacrificando-se pelo bem da sociedade e concorrendo às eleições da

diretoria? (A FOLHA, 06.06.56)

Neste discurso, ignora-se que o apelo da igreja também é político ideológico e

mistifica-se a luta social numa visão maniqueísta que separa bons e maus, apelando para

conceitos do imaginário religioso como a ideia de sacrifício, contraria à ideia de

compromisso social. O “Centro Católico São José”, instituição fundada por católicos

jundiaienses, dizia “combater no terreno religioso, social, todos os erros e tendências

subversivas e congregar homens de várias classes que labutam durante o dia, num

ambiente harmonioso e digno de nota”. (A FOLHA, 14.08.62) As diferenças se

acentuavam na medida de publicações constantes de panfletos, pelos dois grupos em

disputa.

No entanto, a luta sindical ganhou força com a ação de membros do Partido

Comunista e ganhou as ruas. Vitório Pessoto, em entrevista concedida a um jornal local

em 1986, militante sindical e trabalhador da Argos industrial entre 1940 e 1974,

referindo-se à conquista do sindicato pelo grupo mais mobilizador em 1953, fala da

intervenção branca da Federação, com mandado de segurança que institui uma junta

governativa provisória, impedindo a posse do presidente eleito, Benedito de Camargo.

Com recursos jurídicos, a posse foi garantida. Indica, em sua fala, que grande parte dos

trabalhadores demonstravam sentimentos de desconfiança quanto à luta sindical.

(JORNAL DA CIDADE, 06.05.86)

Enquanto a junta governativa administrava o sindicato, os militantes autônomos

organizaram uma grande greve na cidade, que atingiu cerca de 5 mil trabalhadores,

registrada pelo jornal “Notícias Hoje” do PCB, mas ignorada pela imprensa local..

Houve repressão policial, aviões contratados pelas empresas distribuindo panfletos

sobre a cidade conclamando os trabalhadores para o retorno ao trabalho. Neste

movimento, destacou-se autonomamente o trabalhador Onofre Canhedo. Diante do

quadro, não houve como o interventor sindical, Antonio Lopes, não negociar um

repasse de 10% sobre os salários, além de um abono salarial. Agentes policiais agiam

nas ruas tentando dispersar os grevistas, violências simbólicas e físicas, no entanto, não

13

foram suficientes para diminuir a intensidade do movimento. O Jornal “A Gazeta”

publicou os resultados das negociações entre dirigentes das empresas representados pela

FIESP local e o sindicato. Esta mobilização abriu caminho para outras que vieram

posteriormente. Algumas leis começavam a ser aprovadas, como a do 13º. Salário e a

Lei Orgânica da Previdência Social.

Em 1954, com o suicídio de Getúlio Vargas, e por decorrência do alto custo de

vida, outra mobilização eclodiu em 02 de setembro, engrossando a greve geral contra o

custo de vida, a famosa greve da “panela vazia”. As reações viriam através do empenho

de dirigentes empresariais locais ligados à Frente Nacional do Trabalho. Uma delas foi a

prisão de Antonio Galdino, dirigente sindical. Os trabalhadores da Argos paralisaram as

atividades ao saber da prisão do líder, que posteriormente foi solto em São Paulo, sem

recursos para voltar para Jundiaí. Ajudado por moradores no percurso da rodovia,

chegou a Jundiaí por volta de 9h da manhã do dia posterior à sua prisão. (ALMEIDA,

1982, p. 4)

Houve também uma mobilização na fábrica de tecidos Azém, no ano de 1959,

provocada pelo não cumprimento de uma decisão judicial pelos empregadores, que

estipulava um reajuste de 18% para a categoria. Uma cláusula previa a argumentação da

insuficiência financeira, que foi alegada pela empresa. Uma passeata arregimentou cerca

de 400 trabalhadores, provocando uma abertura de negociações, quando a justiça julgou

pela invalidade da argumentação da empresa. Várias outras mobilizações ocorreram até

1964, algumas na empresa de Tecidos Japy, em 1962, outras em conjunto, contra

ameaças e mudanças constitucionais referentes aos direitos sociais. Outras ainda por

criação em âmbito local, de mecanismos de debate público, como a proposta de criação

de um Conselho Municipal Sindical.

Benedito de Camargo foi preso após o golpe de 1964, cassado, torturado e

respondeu a processo criminal, conseguindo provar sua lisura (idem, ibidem, p. 9)

3. A condição operária têxtil em Jundiaí na década de 50

Como vimos, na fase anterior à década de 1950, a atuação sindical ia sendo

moldada numa perspectiva de harmonia e conciliação de interesses. Os governantes

queriam a continuidade da obra getulista “para a felicidade do operariado e maior

progresso da indústria nacional” e que sua prática “seria cerrar fileiras afim de que a

14

ordem pudesse imperar e a liberdade garantir direitos de todos os cidadãos.” (A

COMARCA, 21.10.45)

Os empresários, por sua vez, esforçavam-se em propagandear a ideia da

necessidade da conciliação das ações dentro da legalidade. A Federação das indústrias

de fiação e tecelagem do estado de São Paulo, falando sobre a justiça do trabalho e a

legalidade, defende “conciliar livre iniciativa com valorização do trabalho humano, num

momento em que devido à escassez de divisas, o Brasil deveria inserir-se num esforço

industrial e numa fecunda marcha pela industrialização.” (A COMARCA, 14 e

21.07.49) Imaginando que o progresso industrial em curso naquele período pudesse,

através de um esforço conjunto, beneficiar tanto trabalhadores quanto empregadores, os

empresários superdimensionavam o crescimento da indústria para justificar acordos de

seu interesse, ignorando crises que viriam nas décadas seguintes.

Em 1952, o jornal “A Comarca” noticia que dados do departamento de comércio

exterior dos Estados Unidos demonstravam que o segundo maior item de exportações

daquele país para o Brasil era o de máquinas industriais, com total de 11,2 bilhões de

dólares. A federação das indústrias dizia da necessidade de modernizar o maquinário do

parque manufatureiro, sendo dos mais importantes benefícios resultantes da

modernização do equipamento fabril. Dentro desta categoria, eram notórias as elevadas

taxas de exportação de máquinas têxteis. Ao mesmo tempo, no Brasil, a redução de mão

de obra atingia o patamar de 58% em determinadas empresas. (A COMARCA,

12.06.52)

Na verdade, o processo de industrialização e de “modernismo econômico”

gerava uma elevação do custo de vida, conforme os próprios jornais da época

confirmavam. As condições de vida dos trabalhadores agravavam-se na medida da

precarização do trabalho.

Além das mobilizações por direitos, as dimensões relativas à própria

organização do trabalho, a vida nos bairros, a escolaridade, o lazer, a família, não

apareciam nas preocupações mais amplas da luta sindical. Os próprios líderes sindicais

reconhecem que muitos trabalhadores não se reconheciam como parte integrante das

lutas e mobilizações. Talvez a engrenagem da produção e a luta pela sobrevivência não

proporcionasse a reflexão sobre o processo produtivo, as relações interpessoais no

ambiente das fábricas, as relações com os objetos e maquinários e a própria dinâmica da

vida pessoal, num contexto urbano em construção.

15

Um dado importante é que na região da Paulista, a cidade de Jundiaí contava

com a maior média salarial entre cinco grandes cidades, embora fosse uma das médias

mais baixas do estado. A categoria era formada por 80% de mão de obra feminina,

sendo que de um total de 5600 trabalhadores, no final dos anos 50, 40% eram menores.

(ALMEIDA, 1982, p.12) Através desses dados, pode-se imaginar o peso que a mulher

trabalhadora, menor de idade, possuía na composição da renda familiar.

A maioria delas iniciava como aprendiz em diversas empresas, como a Milani

Cortinas (São Luiz) e posteriormente migravam para outras que ofereciam melhores

salários e novas funções. A passagem para a situação de ajudante de espuladeira

(máquina produtora de fios que seriam utilizados posteriormente na tecelagem)

significava um salto salarial, para que, como numa espécie de arrimo de família,

ajudando a garantir a sobrevivência de todos os demais irmãos e irmãs. Muitas vezes,

seus salários eram maiores que os dos pais e irmãos mais velhos. Em alguns casos, os

pais impediam as filhas de se casarem cedo, para não perderem parte da renda familiar.

O trabalho cansativo em máquinas automáticas não garantia a quebra da

produção de fios nas espuladeiras. Os equipamentos paravam automaticamente quando

os fios quebravam. Era comum os proprietários visitarem as dependências da empresa, o

que significava que tudo deveria estar em ordem e organizado, aumentando a tensão dos

empregados.

Os bônus e brindes de natal, as festas nas dependências da empresa, a oferta de

cortes de tecido para confeccionar roupas próprias, eram artimanhas utilizadas pelos

empregadores para convencer as trabalhadoras de sua importância, proporcionando-lhes

o sentimento de agrado. Corroborando para o que indicamos na percepção de Simone

Weil (1979) no início deste texto, o destino pessoal escapava por entre os dedos, em

condições de opção muito restritas. Estudar era praticamente uma impossibilidade. No

máximo, frequentava-se até o quarto ano do ensino primário, nas duas principais e

praticamente únicas escolas da cidade.

O que pode ser dito da angústia e da solidão nas horas de trabalho noturnas?

Como administrar as intempestividades do ambiente familiar numa condição de

adolescência em atividade laboral? O que pensar da falta de recursos, do horizonte

matrimonial como solução possível para sair da condição de pressão familiar?

Os 23 ou 33 cruzeiros pagos por hora de trabalho compensavam o sofrimento? A

contribuição sindical significava exatamente o que para essas meninas trabalhadoras?

Como fugir do facilitamento da fuga das greves, quando os patrões favoreciam o

16

transporte? Como reagir à insalubridade? Aos ambientes úmidos, frios, quentes, das

batedeiras de fiação de algodão que desprendem poeira, do chuveirinho das espuladeiras

(borrifadores de água sobre os fios e corpos quentes das tecelãs)? Aos problemas de

saúde ignorados pelos médicos ambulatoriais das fábricas e registrados em vários

estudos sobre a produção têxtil no Brasil? Ao barulho ensurdecedor que provocava a

necessidade da mímica? Ao controle das chefias masculinas dos mestres e

contramestres, à vigilância e o autoritarismo? Ao discurso moralista que reservava à

mulher o papel de “rainha do lar” e submissa aos interesses masculinos? (COSTA,

1995)

Desde os anos 40 já se instalavam no ambiente fabril mecanismos de controle

(pontualidade, assiduidade, ordem, produtividade, eficiência) através de quadros

comparativos que supostamente demonstravam um aumento de salários em

contraposição à diminuição de horas trabalhadas. Os empregadores justificavam o

controle diante dos mecanismos de resistência empregados pelos trabalhadores, como a

cera, o fumo de cigarro de palha, as constantes necessidades fisiológicas, a simulação de

reparos em máquinas e ferramentas e as conversas no ambiente de trabalho. (A

COMARCA, 26.06.55)

Empresas de assessoria vendiam a necessidade de baratear custos e maximizar

rendimentos e a racionalização era apontada como forma de eficiência funcional. No

entanto, no olhar destes, não havia espaço para vislumbrar a longevidade das jornadas

de trabalho, os baixos salários recebidos pelas meninas trabalhadoras, cerca de metade

do salário do adulto, além da longa fase de cerca de três anos de aprendizagem das

funções. Muitas compunham o salário por produção, sem controle das horas

trabalhadas, além de complementarem sua renda familiar com outros afazeres no âmbito

da família, como o trabalho de empalhar e vender cadeiras.

A propalada automatização consistia num aumento do número de máquinas

utilizadas, ultrapassadas e inadequadas ao trabalho, que forçavam a redução do número

de trabalhadores para diminuir o custo da produção. A eficiência produtiva não

favorecia a produtividade. O tempo dos trabalhadores não comportava nenhuma outra

possibilidade de convívio social.

No entanto, o envolvimento das trabalhadoras nas lutas sindicais, contribuía para

o redimensionamento do olhar sobre o seu lugar na sociedade. O espaço da fábrica

proporcionava a construção de novas práticas e concepções relativas ao trabalho e novas

maneiras de interpretar as lutas mais amplas. As resistências e conformismos se

17

avizinham no fazer-se da experiência de trabalho. Os relacionamentos contribuíam para

consolidar histórias futuras e duradouras de vida a dois, a constituição de famílias.

O lazer, o footing na praça central da cidade, o cotidiano da vida nas vilas

operárias, o congraçamento e a consolidação de hábitos, a diversão, estavam restritos ao

tempo que sobrava. O próprio sindicato passou a prover festas, concursos, bailes,

atrelados ao trabalho da luta sindical, para estreitar laços entre as pessoas. As vilas

operárias foram sendo oficializadas no entorno das empresas como a Argos, São Jorge.

Nos jornais locais há registros de decretos de regulamentação de outras, por iniciativa

das empresas juntamente com o poder público, como é o caso da Vila São Bento, da

Vila Japy, da Vila Guapeva. (A COMARCA, 22.03.51) A ação da criação de vilas

operárias era vista pela imprensa como solução para o problema habitacional da cidade.

No entanto, a prática se inscrevia ainda nos resquícios da ideia de harmonia de

interesses entre patrões e empregados, que “aprisionavam” seus operários no entorno

das fábricas para controlar-lhes os hábitos.

4. Da expansão ao fracasso

Com a expansão da industrialização entre os anos de 1955 e 1959 em um cenário

de dependência econômica externa e com a presença cada vez maior do Estado na

economia, asseguraram-se a reprodução das relações de trabalho e a monopolização do

capital. As classes empresariais se empenhavam em conquistar o acesso direto ao

Estado, mas sem conquistar uma hegemonia.

As alianças do Estado com setores da direita e da esquerda, flexibilizaram sua

ação em função de diferentes demandas. As lideranças sindicais reproduziam esse

espírito conciliatório em suas organizações, agregando no mesmo campo de lutas

janistas, adhemaristas, getulistas, cristãos e comunistas. Os governantes, até 1964,

acabaram cedendo às pressões do movimento sindical, quando da aprovação da Lei

Orgânica da Previdência.

Essa conjuntura, marcada pela concentração de poderes nas mãos do Estado, não

limitou a ação reativa do movimento sindical. Em 1957, a greve de 400 mil

trabalhadores, costurada por setores populistas e por comunistas, teve o apoio amplo

dos trabalhadores. O discurso da flexibilidade proporcionou novas relações políticas e

concepções de luta sindical. O ideário do nacionalismo econômico e a estatização da

18

economia tornaram-se palavras de ordem e defendidos por “democratas” e por

comunistas.

No âmbito da cidade de Jundiaí, a alta do custo de vida, em fins dos anos 50,

fazia com que a alimentação representasse 54% do orçamento das famílias, seguida dos

custos de habitação (21%), vestuário (13%) e outros aspectos com índices menores. As

condições de vida se deterioravam e o cenário político acenava para um

recrudescimento do conservadorismo. O empresariado insistia no discurso das boas

relações entre capital e trabalho, negando as históricas mobilizações outrora ocorridas.

O clima de confronto entre grupos se acirrava. Com o golpe de 1964, a direção

do sindicato foi afastada, algumas lideranças presas, cassadas e torturadas. O

esfacelamento das indústrias têxteis se arrastou até os anos 70, com a falência das

pioneiras. O projeto político arquitetado pela burguesia industrial brasileira contras as

lutas operárias vencia, mas no bojo de sua vitória estava sua derrota econômica.

Permaneceram os silêncios dos silenciados. Experiências de milhares de

trabalhadores sem nenhuma oportunidade histórica de recuperação de sua memória,

suas vivências, seus sentimentos, formas de pensamento, modos de vida. Milhares de

mulheres, meninas e adolescentes relegadas às notas de rodapé do discurso histórico

oficial. A política econômica suprime a força que os historiadores tentam resgatar.

5. Os relatos e registros

Além das referências teóricas, algumas fontes imprescindíveis para o resgate de

parte dessa narrativa, foram proporcionadas por depoentes que disponibilizaram seus

arquivos pessoais. Esses arquivos são formados por panfletos, propagandas de chapas

concorrentes à diretoria do sindicato, acordos salariais, editais, livretos da federação dos

têxteis, artigos e matérias publicadas em vários jornais locais disponíveis no Museu

Histórico e Cultural de Jundiaí, além dos próprios depoimentos de alguns ex-militantes

sindicais. Entre os jornais estão A COMARCA (1945-1962), A FOLHA (1944-1957),

DIÁRIO DE JUNDIAÍ (1962-1964), NOTÍCIAS HOJE (órgão do PCB, 1953 e 1959),

JORNAL DA CIDADE (1983, 84 e 86), A GAZETA ARGOS (da empresa Argos

Industrial, setembro de 1953), além da REVISTA JUNDIAÍ (1952, 1961-62).

Várias outras publicações do poder público, relatórios de gestão, álbuns

históricos comemorativos, documentos da igreja católica, colaboraram para a tarefa de

resgatar dados sobre a realidade política, econômica e social da cidade de Jundiaí nas

19

décadas de 40 a 60. Como limite, o trabalho de pesquisa e investigação resvala na

indisponibilidade de fontes orais que ajudem a resgatar o cotidiano das fábricas e fazer

emergir o que foi vivido.

20

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22

INDÚSTRIA E COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL:

NOTAS SOBREA A CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA E A PRODUTIVIDADE

DO TRABALHO A PARTIR DOS ANOS 90

Cristiano Monteiro da Silva*

Introdução

Atualmente, no campo das Ciências Econômicas, muitos trabalhos acadêmicos

versam sobre a suposta “Desindustrialização” da economia brasileira. Em linhas gerais,

os defensores da tese apoiam-se nos indicadores macroeconômicos para comprovar a

retração da indústria. Por outro lado, a teoria crítica discute que tal fenômeno é comum

aos países onde a indústria alcançou certo nível de concentração produtiva e financeira.

Este artigo explica que no caso brasileiro, nos primórdios dos anos 90, muitos

setores da indústria ajudaram a consolidar o projeto estratégico da internacionalização

econômica, a partir de novas relações com o capital financeiro, que por sua vez

provocou as fusões e aquisições de empresas, determinando uma profunda

reorganização na estrutura produtiva.

A hegemonia do capital financeiro sobre a dinâmica industrial segue

determinando mudanças importantes na vida social e econômica. O exemplo maior é o

esforço redobrado pelo aumento da produtividade, sob o apelo do crescimento

econômico e da competitividade internacional.

Na primeira parte consta uma pesquisa bibliográfica que da conta da referida

dinâmica social da indústria. Na segunda o tema das fusões e aquisições de empresas.

Finalmente, a produtividade no setor industrial a partir de inferências sobre os dados

publicados por institutos de pesquisa.

1. Indústria e internacionalização no contexto dos anos 90

No Brasil, em fins da década de 80, o modelo nacional desenvolvimentista

baseado na industrialização enfrentava sua fase mais crítica. O processo de reprodução

ampliada do capital industrial convivia com sérios elementos de crise. Os reflexos

* Professor de Economia do Centro Universitário Padre Anchieta

23

podem ser vistos nos dados relativos a situação econômica do país. A participação da

indústria no PIB estava muito baixa quando comparada com as décadas anteriores

(IBGE, 2010). A formação bruta de capital fixo (FBCF) vinculada aos setores da

indústria declinava (IPEA, 2010).

Há muitas explicações para o problema visto a partir da década de 80. A posição

mais discutida é a tese da crise do financiamento público. Desse ponto de vista, o

Estado não reunia mais as condições para continuar financiando a industrialização

mediante as variadas formas que marcaram os anos anteriores, por exemplo: incentivos

fiscais, subsídios, prática de preços e tarifas especiais para o consumo de serviços

públicos, crédito, regulação no comércio internacional, entre outras. Portanto, o

problema do financiamento.

Independente da explicação que se possa fazer uso, o fundamental é notar que a

crise aguda do modelo nacional desenvolvimentista abriu um clima de disputa política

para um novo projeto estratégico no Brasil.

A internacionalização do capital financeiro3 que vinha sendo realizada a partir

dos anos 70, de vários modos passava a influenciar os setores industriais instalados no

Brasil. O capital industrial com certo nível de internacionalização detinha elevada

capacidade produtiva e financeira e se posicionava em favor do processo da abertura

econômica, isto é, os padrões de financiamento a partir dos capitais estrangeiros, tendo

em vista os ganhos de produtividade rumo ao arquétipo internacional.

Essa realidade levou a fundação de novas organizações representativas da

indústria, e um novo posicionamento daquelas já constituídas, como por exemplo, a

FIESP – Federação da Indústria do Estado de São Paulo. Na base social da FIESP

crescia a participação de empresas de capital estrangeiro e nacionais tendo fortes

vínculos com o mercado externo.

A FIESP seguiu promovendo debates sobre os rumos do desenvolvimento no

Brasil. Em agosto de 1990, durante o segundo mandato de Mário Amato, foi publicado

pela FIESP o documento Livre para Crescer, com o subtítulo Proposta para um Brasil

3 Hilferding (1985) se apoiou em categorias teóricas contidas na obra de Marx (1988) e investigou o

processo da concentração capitalista, dedicando atenção especial ao papel dos bancos, o funcionamento

das sociedades anônimas e as formas de valorização financeira. “Chamo de capital financeiro o capital

bancário, portanto, o capital em forma de dinheiro que, desse modo, é na realidade transformado em

capital industrial. Mantém sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é aplicado por eles em forma

de capital monetário – de capital rendoso e sempre pode ser retirado por eles em forma de dinheiro.

(HILFERDING, 1985, p. 219).

24

moderno, por meio do qual se apresentava várias críticas ao funcionamento do modelo

nacional desenvolvimentista. Nas orelhas do livro publicado consta uma síntese de seu

conteúdo, na qual se entende uma afirmação categórica pela liberalização,

desregulamentação e privatização (FILHO, 2004).

O debate no âmbito da FIESP se consolidou nas eleições de 1992. O eleito

Moreira Ferreira optou claramente pela liberalização econômica consolidada a partir de

relações internacionais. Seus argumentos expressavam uma crítica feroz à administração

pública, expressa em altos salários e endividamento, principalmente externo (FILHO,

2004).

A eleição do governo de Fernando Henrique Cardoso representou a criação de

condições sociais e políticas para avançar na aplicação do processo de abertura

econômica. A partir do Plano Real houve um crescimento substancial da participação do

capital financeiro no processo decisório da economia. Esse é o elemento novo da

contemporaneidade brasileira.

1.1. Fusões e aquisições de empresas

A abertura econômica gerou condições para a entrada de um grande fluxo de

capital financeiro, que na maioria dos casos se destinou a centralização da capacidade

produtiva instalada em vários setores, isto é, um grande processo de fusões e aquisições

envolvendo empresas estatais e privadas.

Nos governos de Fernando Henrique, as privatizações foram realizadas em duas

etapas. A primeira terminou com a participação do capital financeiro em setores cuja

propriedade era unicamente estatal, tais como: aeronáutica, mineração, ferro, aço,

química, petroquímica. Na segunda etapa passou-se para as empresas de utilidade

pública, como ferrovias, água e esgoto, telecomunicações e finanças (ALANO, 2007).

O processo de privatizações teve seu pico no biênio de 1997/1998. Os setores

que mais tiveram a participação do capital financeiro foram eletricidade, gás e água

quente, correio e telecomunicações, intermediação financeira. (LAPLANE & SARTI,

2000). No ano de 1996, a indústria recebeu apenas 22,70% do investimento direto

estrangeiro e o setor de serviços, 75,86%, o restante foi destinado à agricultura, pecuária

e extrativa mineral (SOBEET, 2007).

O enorme fluxo do capital financeiro na economia brasileira também se vincula

ao processo de fusões e aquisições de empresas privadas. Só no ano de 2006, enquanto

25

as aquisições entre empresas mostraram aumento de 50,2%, as aquisições de empresas

brasileiras por estrangeiras representaram elevação de 190,6% (KPMG, 2007). O

volume de transações envolvendo o capital financeiro no Brasil por meio de fusões e

aquisições cresceu mais de 44% ao longo da década de 90. Das 2.308 operações

realizadas no período, 61% envolveram capitais estrangeiros (KPMG, 2007).

O gráfico seguinte expõe o número de fusões e aquisições de empresas nos

diversos setores produtivos. A indústria de alimentos foi bastante impactada pela

internacionalização do capital financeiro, ocorrida nas últimas décadas. Diga-se de

passagem, resta-se conhecer os novos padrões de concorrência decorrentes deste

processo.

Os estudos da KPMG (2007) demonstram que ao longo da década de 1990

houve três grandes momentos envolvendo fusões e aquisições de empresas. O primeiro

deles compreende o período dos três primeiros anos, quando iniciou o processo de

abertura econômica, em cujo período aconteceram grandes fusões e aquisições em

setores considerados básicos, como produtos químicos e petroquímicos (22 negócios) e

metalurgia e siderurgia (24). O segundo momento, de 1994 a 1997, as operações de

fusões e aquisições aconteceram de forma mais expressiva nos segmentos financeiro

(107), eletroeletrônico (53) e autopeças (42). No terceiro e último momento, que

compreende o período de 1998 a 2000, as fusões e aquisições ocorreram envolvendo

empresas dos setores de telecomunicações (104 transações) e tecnologia da informação

(93).

26

Total acumulado de fusões e aquisições (1994-2007)

Fonte: Empresa de consultoria KPMG

Encerra-se o assunto demonstrando o saldo das operações de fusões e aquisições

no período de 1994 a 2010. Estudos da KPMG (2010) mostram que o saldo total dos

dezesseis anos é 6.574 operações, sendo 3.608 cross border e 2.966 domésticas. Em

termos mais específicos, foram contabilizadas 175 operações em 1994, ao passo que em

2010 o total foi de 726. Os anos mais recentes evidenciam a persistência do crescimento

das fusões e aquisições de empresas

2. Produtividade na indústria

No período de 2003 a 2010, a produção física de setores da indústria cresceu

mais do que o número de empregos. O único momento em que a produção física ficou

abaixo do pessoal ocupado foi em 2009, devido aos reflexos da grande crise de 2008. O

ano de 2010 teve a maior produção física da série histórica.

27

Fonte: Dados: PIMES – IBGE/IEDI. Base: Ano anterior – 2003 -2010. Elaboração própria.

O mesmo se nota na variação da produção física em relação às horas pagas na

indústria geral. Exceto no período posterior à crise internacional de 2008, os demais

anos apresentam uma taxa de crescimento da produção física maior do que a taxa de

horas pagas.

Fonte: Dados: PIMES – IBGE/IEDI. Base: Ano anterior – 2003 -2010. Elaboração própria.

A relação entre a variação da produção física e a variação das horas pagas nos

permite a análise da produtividade na indústria4. Podemos observar que no período

4 A produtividade pode ser definida como a medida da relação entre as horas efetivamente trabalhadas e

seus respectivos custos, e o resultado produtivo. Diga-se de passagem, há várias metodologias para

chegarmos aos cálculos da produtividade. Neste trabalho fazemos uso da produtividade física. Para

entender o caso da indústria geral vamos fazer uso da metodologia que considera o ano anterior como

base, a mesma empregada pelos Institutos de Pesquisa da própria Indústria.

28

considerado a produtividade cresceu. O ano de 2009 reflete os acontecimentos da crise

internacional, e 2010 também se destaca com nível alto de produtividade, alcançando

6,1% de aumento, o maior índice do período analisado.

Fonte: Dados: PIMES – IBGE/IEDI. Base: Ano anterior – 2003 -2010. Elaboração própria..

A conclusão geral é que a variação percentual do emprego e das horas pagas do

período se manteve abaixo da variação percentual da produção física, isto é, da variação

da quantidade de mercadorias produzidas. Grosso modo, segundo dados do IEDI

(2011), ao relacionarmos a variação da remuneração média real do trabalho na indústria

em 2010 com o aumento da produtividade de 6,1%, a conclusão é que houve uma

redução do custo do trabalho para a indústria de 2,7%.

Portanto, vê-se claramente que a indústria teve resultados positivos nos últimos

anos. Convém lembrar que os dados aqui apresentados não revelam as especificidades

de cada setor. Seria o caso de perceber o grande crescimento de setores mais intensivos

em tecnologia, enquanto os mais intensivos em trabalho tiveram maiores dificuldades,

devido a mencionada internacionalização econômica.

A retração industrial veio com a crise econômica internacional, que parece se

perpetuar e afeta inclusive a economia brasileira. Os dados recentes corroboram para o

entendimento da questão. Após o advento da crise econômica mundial, a maioria dos

setores da indústria passou a variação média anual da produção abaixo da variação do

PIB.

29

Fonte: Revista Exame (2012). Elaboração própria.

Os problemas apareceram a partir do estopim da crise econômica mundial,

determinando uma nova conjuntura para a produção e a exportação industrial.

Fonte: Revista Exame (2012). Elaboração própria.

Enfim, percebe-se que as soluções estratégicas perante o processo crítico não

pode desprezar dois fatores fundamentais: 1) hegemonia do capital financeiro

internacional sobre vários setores industriais, que por sua vez determina uma extração

do excedente econômico em favor de poucos; 2) a produtividade do trabalho sendo

elevada sem a contrapartida na formação bruta de capital fixo, o que evidencia o velho

paradoxo do financiamento.

30

Conclusão

O processo das fusões e aquisições de empresas consolidou a hegemonia do

capital financeiro em vários setores produtivos. As retrações no produto e nas

exportações da indústria devem ser consideradas a partir da nova base econômica

fundada nos anos 90.

O projeto estratégico de internacionalização da economia brasileira não é

desprovido de instabilidades e contradições. As políticas econômicas recentes no

sentido de ajudar a dinâmica industrial não estão considerando as distribuições em favor

da propriedade institucional.

Não é sincera a afirmativa de que os custos diretos dos salários foram

determinantes para a queda do produto da indústria residente no Brasil. De fato, os

salários reais cresceram ao longo do período, porém, abaixo da produtividade do

trabalho, o que comprova resultados médios positivos para os setores industriais.

Torna-se pertinente a reflexão se o caminho estratégico deve passar pelo

aprofundamento da produtividade do trabalho, no sentido da competitividade

internacional, como se prevê e desejam tantos líderes políticos e empresariais. Sem

dúvida, tal caminho desenharia na economia brasileira uma macroeconomia restrita

frente aos potenciais do produto, emprego e renda.

As soluções estratégicas passam pela construção do planejamento que se

enfrente com a centralização produtiva, recupere as potencialidades do pequeno é médio

produtor, sob a ótica do emprego e a renda, em favor da população brasileira.

31

Referências Bibliográficas

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SOBEET - Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização

Econômica. Carta da SOBEET. Vários números.

32

A FILOSOFIA NA FORMÇÃO DA CIDADANIA

Alessandro César Bigheto

Aimar Martins Lopes *

1. Os equívocos em se desprezar a filosofia na formação humana.

O objetivo desse artigo é circunscrito. Pretende-se discutir alguns aspectos da

importância da filosofia na formação do cidadão. O intento é discorrer sobre o assunto

sob a perspectiva de alguém que está trabalhando com essa disciplina no dia-a-dia da

sala de aula. O ensino da filosofia no Brasil, ao longo do tempo, seja nas escolas ou na

academia, desenvolveu-se gradativamente, passando por diversas crises, avanços,

insucessos e sucessos. A primeira imagem que vem a cabeça de muitas pessoas quando

se fala em filosofia ou filósofo é de alguém com a cabeça nas nuvens, pensando em

coisas inúteis ou sem sentido, distante da realidade em que vive. Em nossa sociedade,

muitas vezes, a visão que se tem da filosofia ou do filósofo é de inutilidade.

Geralmente, pensa-se no filósofo como um sujeito incapaz de lidar com algo prático da

vida, alguém que consegue explicar situações complexas, mas vive atrapalhado com as

coisas cotidianas.

A análise da importância do ensino da filosofia nos remete a uma denominação da

filosofia como “a mãe de todas as ciências”, como tem sido vista desde a antiguidade.

Considerando esse significado, é pertinente mencionar que a filosofia é a base de todo o

conhecimento científico. Nesse caso, não seria nenhuma pretensão descabida afirmar

que qualquer formação de cunho científico exigiria uma base filosófica. Isso por uma

razão muito simples: a filosofia leva o homem a refletir, analisar, investigar,

fundamentar... e não há conhecimento que prescinda disso. Apesar disso, há um

conceito equivocado que infelizmente, povoa a mente de muitas pessoas em nosso país.

Tal crença é de que a filosofia é um saber inútil. No século XXI, costumou-se pensar

que para alguma coisa ter utilidade, precisa produzir algum benefício material para a

vida humana. Pensa-se com uma cabeça pragmática formada pela sociedade capitalista

que está sempre querendo resultados numéricos, monetários e quantitativos. Em geral,

acredita-se que a conhecimento ajuda apenas a satisfazer as necessidades concretas dos

seres humanos. Em todas as épocas da humanidade, a filosofia foi vista como

* Professor e coordenador do curso de Administração do Centro Universitário Padre Anchieta

33

conhecimento fundamental e os filósofos tiveram um papel decisivo na vida pública: na

educação das pessoas, no cenário político, no conselho da vida comunitário, nas

orientações éticas. Nos últimos cento e cinquenta anos, a ciência tecnicista foi ocupando

esse espaço da filosofia, ao menos em parte. O século XIX foi decisivo nesse sentido,

pois a mentalidade positivista defendida por Auguste Comte saiu-se vitoriosa ao

afirmar que o conhecimento técnico-científico era o conhecimento por excelência, com

o aperfeiçoamento todos os problemas humanos seriam resolvidos. O ser humano passa

a ser compreendido apenas pela ciência de um tipo tecnicista pragmática, sendo que a

filosofia reflexiva e contemplativa é deixada de lado. A base do conhecimento tornam-

se as descobertas e conquistas de tal ciência. O ensino da filosofia consequentemente,

perdeu muito espaço.

Infelizmente, herdou-se muito desse tipo de pensamento. O ser humano de hoje,

corre o risco de sofrer com um tipo de ciência reducionista, que entende que as

conquistas humanas que valem a pena são a do cientificismo técnico quantitativo. Nesse

caso, o sentido da ciência é reduzido, quase que integralmente ao que tem utilidade

prática. Deve-se pensar que esse tipo de ciência tem severas limitações e é perigosa. As

mentalidades mais arejadas não questionam que uma ciência pragmática de um tipo

tecnicista, sem consciência e valores, dificilmente se sustenta. Vários pensadores do

século XX, viram isso, Gaston Bachelard, alerta que as ciências não resolveriam todas

as necessidades humanas e que a filosofia atende a uma profunda carência do ser, que é

carência de sentido, de explicação dos primeiros e últimos porquês. Bachelard ainda

afirmou que qualquer conhecimento científico tem por fundamento último a filosofia.

Há um ensinamento muito profundo nisso: não é possível pensar a ciência desconectada

da filosofia. Continuando na mesma linha de raciocínio de Bachelard, mas

desenvolvendo um pensamento próprio, o pensar filosófico permite a formação de um

espírito crítico, a apropriação de faculdades de comunicação e argumentação e a

aquisição de modos de interpretação da realidade, que são fundamentais para que as

novas gerações possam se apropriar dos saberes científicos, desenvolver plenamente sua

humanidade e sua cidadania.

A experiência tem mostrado que a filosofia contribui de forma decisiva na

formação humana. Não reconhecer isso seria um absurdo. Felizmente, nos últimos anos,

ocorre um debate na sociedade brasileira, sobretudo nos meios intelectuais, referente à

importância da filosofia na formação acadêmica do jovem brasileiro.

34

Pode-se dizer que no Brasil algumas questões contribuíram para essa imagem: 1)

A primeira dificuldade é que temos pouca tradição filosófica no Brasil. Em nossa

história, quase não tivemos filósofos e principalmente originalidade na filosofia; 2)

Outra questão é que a palavra filosofia na língua portuguesa tem sentido amplo e

impreciso. Por exemplo, é comum ouvir-se dizer, cada pessoa tem a sua filosofia de

vida, o técnico de vôlei tem a sua filosofia, a filosofia de trabalho de fulano. Nesse

caso, a palavra filosofia se refere a uma perspectiva geral de vida ou de trabalho,

aparece num sentido de vaga ideia das coisas. 3) Quando a Ditadura militar estava no

auge no Brasil, e estava em vigor o Ato Institucional nº 5 (1968), sob o governo do

General Garrastazu Médici, era proibido pensar. Naturalmente, num regime desses, a

filosofia era muito mal vista, porque era uma porta de crítica e reflexão, de pensamento

autônomo e plural. Foi justamente durante esse governo que a filosofia foi retirada da

escola brasileira. A lei 5.692 de 1971 aboliu a disciplina filosofia na educação do Brasil.

Apenas em 1982, ela entrou de novo no currículo, mas como matéria optativa, que as

escolas poderiam oferecer ou não. Já que em nossas escolas, pouco se estuda a filosofia,

o assunto nos parece distante. 4) A desvalorização, no entanto, não acontece apenas em

regimes políticos autoritários. A sociedade capitalista atual também menospreza a

filosofia e com isso ela não ganha lugar de relevo na escola. Isso porque na escola de

hoje, o que mais se valoriza é o preparo do indivíduo para o mercado de trabalho, quase

sempre sem nenhuma preocupação com seu espírito critico, com sua capacidade de

pensar e com sua realização pessoal. Ora, a filosofia pode ser um bom instrumento

crítico contra essa anulação do sujeito perante a sociedade de consumo.

Exatamente por essas razões, é fundamental que os alunos brasileiros, seja do

ensino médio ou seja da academia, independente de sua formação, aprendam o conteúdo

da filosofia. A filosofia, nesse sentido, é uma base do exercício da cidadania. Recuperar

Platão nessa discussão é interessante. O discípulo de Sócrates, em seu livro a República,

defendia que a filosofia tem um papel essencial na formação do cidadão entre outras,

porque ela pode contribuir significativamente para formar uma mentalidade mais

questionadora, crítica e participativa do ponto de vista social e político das pessoas.

Essa formação é o ponto central na formação da cidadania de um ser humano. Para o

filósofo grego, a filosofia não era algo apenas teórico, mas era um modo de estar no

mundo, uma maneira de pensar a vida, uma atitude intelectual e existencial. Aliás, pode-

se afirmar que a ausência ou mesmo a desvalorização da filosofia na escola brasileira

35

durante toda a nossa história podem ter contribuído significativamente para uma postura

pouco questionadora e crítica do povo brasileiro, sobretudo nas últimas décadas.

Geralmente, é dito aos alunos em sala de aula, que a visão de que a filosofia é um

saber inútil, é um verdadeiro crime do ponto de vista cultural e cidadam, porque uma

sociedade que considera que para algo ter utilidade, precisa produzir algum benefício

material, desconsidera a profundidade da vida humana. Cada vez mais vê-se uma

tendência em se reconhecer a importância da filosofia na formação dos alunos que estão

nas escolas e nas faculdades brasileiras. A formação de um administrador, de um

contador, de um economista, de um pedagogo, de um engenheiro, por exemplo, não

envolve apenas saberes específicos de suas áreas, mas é fundamental que tenham

formação crítica, reflexiva, humanística e é certo que a formação filosófica contribui de

forma decisiva para essa formação. Qualquer tipo de formação profissional específica,

dada pelo ensino superior, ganha muito maior consistência e significado se o sujeito tem

referências da tradição filosófica e, ao mesmo tempo, aprendeu a construir a própria

visão da realidade com autonomia e consciência. Isso porque precisa aprender a

participar como cidadão consciente. Também a relação consigo, com o outro, a inserção

existencial no mundo alcança mais maturidade, se forem perpassadas pelo hábito da

reflexão filosófica. Como nos informa Bochenski:

A Filosofia é a ciência dos fundamentos da realidade. Lá onde as

outras ciências param, onde, sem mais indagar, aceitam os

pressupostos, aí entra o filósofo e começa a investigar. As ciências

conhecem – mas o filósofo pergunta o que é o conhecimento; as outras

ciências estabelecem leis – ela põe a questão do que seja uma lei; o

homem comum e o político falam do fim e da utilidade – o filósofo

pergunta o que se deve entender por fim e utilidade. Já se vê que a

filosofia é uma ciência radical, no sentido em que ela vai às raízes das

questões muito mais profundamente que qualquer outra ciência; lá

onde as outras se dão por satisfeitas, ela continua a indagar e a

perscrutar. (BOCHENSKI, 1977, p. 29 e 30)

Pode-se nos indagar o seguinte, mas afinal por que não formar nossos alunos para

que sejam apenas de executores de funções e técnicos? Por uma razão muito simples, as

conseqüências da ação desse sujeito quando se tornar um profissional escaparão dos

limites restritos do campo de atuação, terão efeitos profundos na sociedade e na

realidade em que está inserido. O profissional não é uma ilha isolada no mundo, sua

ação está ligada a uma rede de interrelações inseparáveis, isso porque esta interligada

com as pessoas sociedade e com o meio ambiente, não existe atuação de qualquer

36

profissional que não tenha implicações profundas com a vida. Há necessariamente, uma

profunda dimensão humana, social e ambiental nos seres humanos que atuam

profissionalmente. Se isso for desprezado corre-se sérios riscos humanos e ambientais.

Nesse sentido, a formação universitária não pode se esquivar de contribuir para que os

profissionais que ela forma tenham compromisso com outros seres humanos e com o

planeta Terra. Portanto, qualquer formação deve partir do pressuposto de que é

essencial formar para o dever com a responsabilidade e com valores e virtudes

essenciais para a vida social, para o respeito com a nossa morada comum: o planeta

Terra e, consequentemente, para a nossa realização como seres humanos.

Assim, a formação profissional não supõe uma formação apenas teórico-prático,

mas é fundamental o dever com o ecossistema, com a sociedade e com os seus

semelhantes. A conduta do profissional deve ter obrigações e responsabilidades com a

verdadeira cidadania. Atualmente, é possível observar uma preocupação constante de se

praticar o respeito ao outro a fim de garantir-se o futuro. O conhecimento filosófico

deve proporcionar aos alunos uma dimensão da sua responsabilidade diante de um

projeto global de respeito à vida, de preservação da integridade da natureza e do futuro

do ser humano. Como diz o pensador Paul Ricoeur: “A responsabilidade, na idade

tecnológica, estendendo-se tão longe quanto o fazem nossos poderes no espaço e no

tempo, e nas profundezas da vida(…)” (RICOEUR, 1983, p.283)

A nossa sociedade capitalista está sempre querendo resultados numéricos,

monetários, quantitativos. Por essa mentalidade que impera na sociedade

contemporânea, costuma-se atribuir um papel preponderante à ciência e à tecnologia, na

formação dos cidadãos, uma vez que essas atendem às necessidades concretas dos seres

humanos. Porém, as necessidades humanas não são apenas materiais e a filosofia atende

a uma profunda carência do ser, que é carência de sentido, de explicação dos primeiros

e últimos porquês. O filósofo Karl Jaspers, em seu livro Introdução ao pensamento

filosófico afirma:

O objetivo do pensar filosófico é levar a uma forma de pensamento

capaz de iluminar-nos interiormente e de iluminar o caminho diante

de nós, permitindo-nos apreender o fundamento onde encontraremos

significado e orientação. (…) A filosofia é universal. Nada existe que

a ela não diga respeito. Quem se dedica à filosofia interessa-se por

tudo. Mas não há homem que possa tudo conhecer. Que distingue a

vã pretensão de tudo saber do propósito filosófico de apreender o

todo? O saber é infinito e difuso; dele se valendo, procura a filosofia

aquele centro a que fazíamos referência. O simples saber é uma

37

acumulação, a filosofia é uma unidade. O saber é racional e

igualmente acessível a qualquer inteligência. A filosofia é o modo de

que pensamento que termina por constituir a essência mesma de um

ser humano. (JASPERS, 1980, p. 11 e 13)

A filosofia contribui em viver uma vida pensada, com exercício da cidadania

crítica e engajada. Ela nos ajuda a pensar de maneira rigorosa sobre vários assuntos. Os

métodos do pensamento filosófico podem nos servir em variadas situações, uma vez que

nos ensinam a avaliar argumentos a favor e contra qualquer posição. A filosofia nos

ajuda a desenvolver capacidades que podem ser utilizadas em diversas áreas da vida.

Muitas pessoas estudam filosofia e podem usar o que aprenderam e desenvolveram em

profissões, em que é preciso poder de análise, capacidade de julgamento e

argumentação.

Assim, resumindo, o pensamento filosófico se estrutura como um pensamento

rigorosamente investigativo, pois traz na sua essência uma atitude radical de reflexão,

de exame de compreensão do conhecimento, dos sentimentos e dos pensamentos. A

filosofia indaga, quer saber de forma profunda o que são as coisas, interroga as estrutura

e as relações do que se quer descobrir, a causa e a finalidade de tudo. A atitude

filosófica não se contenta com explicações simplistas e superficiais. O filósofo procura

a lógica e a coerência das coisas, recusa-se a trabalhar com ideias ou hipóteses sem

fundamentos racionais, tudo deve ser demonstrado e validado. É por isso que tem-se

que usar a filosofia como um poderoso instrumento da formação do cidadão. Nesse

caso, o estudo da filosofia e dos filósofos é essencial.

Aqui cabe uma importante reflexão: o projeto visa a trabalhar o conteúdo

filosófico na formação cidadã dos alunos, deve escapar dos dogmatismos das posições

filosóficas prontas e acabadas, as posições filosóficas não podem ser como “últimas

palavras” sobre o assunto. Recorremos ao conselho do filósofo alemão Kant:

o autor filosófico em que se baseamos no ensino, deve ser considerado,

não como o modelo do juiz, mas apenas como ensejo de julgarmos nós

próprios sobre ele e até mesmo contra ele; e o método de refletir e

concluir por conta própria é aquilo cujo o domínio o aprendiz está a

rigor buscando, o qual também é o único que lhe pode ser útil, de tal

sorte que os discernimentos decidicos, que por ventura se tenham

obtido, ao mesmo tempo têm que ser considerado como conseqüência

contingentes dele, conseqüências estas para cuja plena a abundância ele

só tem de plantar, em si mesmo, a raiz fecunda (KANT, 1992, p.173)

38

Nesse caso, o conteúdo de filosofia deve possibilitar que o aluno exerça a

capacidade crítica, investigativa, reflexiva e aprenda a elaborar minimamente um

pensamento autônomo e a capacidade de formular questões. Kant afirma que não é

apenas importante aprender a filosofia, mas também se apropriar do ato de filosofar, é

nesse sentido que se deve ensinar filosofia objetivando a cidadania. O filósofo alemão,

diz que é necessário se trabalhar para que o aluno investigue, em vez de só lhe oferecer

conteúdos prontos e acabados, o aluno não pode se tornar, “portador de uma ciência de

empréstimo, que nele estará, por assim dizer, apenas grudada e não desenvolvida, ao

passo que suas aptidões mentais permanecerão tão estéreis como dantes…” (KANT,

1992:173). A orientação pedagógica de tal projeto não deve lançar o aluno numa esfera

distante, pois que, “o filósofo não se afasta de modo algum da realidade cotidiana, mas

sim das interpretações e valorações cotidianas do mundo(…)” (LAUAND, 1988:68).

Desse modo, o conteúdo de filósofo: 1) Entender que o ser humano necessita ter

crenças que orientem sua ação e tomada de decisões, fundamentando seu conhecimento;

2) Despertar o espírito crítico-filosófico, estimulando o debate e o raciocínio; 3)

Aumentar o horizonte cultural dos alunos; 3) trazer elementos artísticos, como ganchos

culturais e também como estímulo à produção dos alunos; 4) Conhecer e compreender

algumas características do pensamento filosófico. Assim como o papel desempenhado

na cultura ocidental. 5) Adotar uma postura de compreensão e de crítica. E das diversas

formas que o homem criou e cria para enfrentar os problemas colocados pela realidade.

6) Adotar uma atitude de valorização do pensamento racional, vontade de investigar e

comportamento crítico.

Desse modo, o ensino de filosofia é essencial para a cidadania. O pensador Karl

Marx escreveu em suas famosas Teses sobre Feuerbach, que os filósofos tinham

passado muito tempo interpretando e estudando e o mundo sem procurar transformá-lo.

Podemos dizer que o papel do filosofo ou do cidadão formado pela filosofia é o de

assumir a sua responsabilidade em relação à coletividade e trabalhar por um mundo

melhor. Exercer a crítica, a capacidade de pensar e refletir não para ficar tranquilo

sentado em casa, mas dar uma contribuição por uma sociedade melhor, mais justa.

Alguns pensadores no século XX, secundando a crítica de Marx, principalmente a

após a segunda Guerra mundial, reprovaram os muitos intelectuais que se limitavam a

pensar e analisar sem agir e sem assumir responsabilidades de atuar no mundo. O

filósofo Francês, Jean Paul Sartre, pode ser citado como um exemplo de pensador que

exerceu esse tipo de crítica. Para ele, o ser humano deve assumir suas responsabilidades

39

e adotar um determinado tipo de conduta real. A responsabilidade é a base da

moralidade para Sartre. O filósofo francês fez parte de várias ações sociais, foi um

crítico mordaz do sistema capitalista e atuou politicamente no sentido de transformá-lo.

Participou de movimentos em prol da causa dos trabalhadores, das mulheres, dos

oprimidos etc.

Outro filósofo do século XX, Bertrand Russel, defendeu que toda a moralidade

deve estar ligada ao mundo real. Assim como Sartre, ele foi um crítico do sistema

capitalista e também dos sistemas totalitários. Dedicou-se incansavelmente a causas

sociais, ecológicas e pacifistas. Russel dedicou a vida à construção de um mundo em

que a crueldade desse lugar a relações de afeto e altruísmo. No Brasil também houve

intelectuais que dedicaram a vida a causas humanitárias. Pode-se citar a figura

extraordinária de Herbert de Souza, conhecido como Betinho. Sociólogo que escreveu

muitos livros, mas acima de tudo se dedicou a diminuir o sofrimento das pessoas.

Trabalhou para construir uma sociedade com menos pobreza, para minimizar a

exploração de um ser humano pelo outro, para erradicar a violência e o analfabetismo,

para moralizar a política, e pelos direitos humanos. Esse é o papel do cidadão.

2. Conclusão

O intento de deflagrar um processo filosofante, porém, se faz ainda mais

problemático, diríamos quase dramático, quando consideramos que o nosso público é de

adolescentes e jovens, que estão imersos numa cultura de massa, bombardeados por

imagens, que engolem apressados, sem nenhuma reflexão. A nossa sociedade rápida,

descartável, consumista, não propicia a concentração mental necessária ao ato

filosófico. Então, como vencer esse abismo e fazer o jovem leitor se interessar pela

filosofia? Que ela não seja apenas letra morta, mas tenha significado existencial e

suscite questionamentos em relação a essa própria sociedade, desinteressada em refletir

sobre si mesma?

Consideramos que a primeira resposta está na própria Filosofia – quando a

tratamos como um modo de questionar a existência do homem, enraizado na realidade;

quando superamos a visão de descrição fria e monótona de sistemas filosóficos difíceis,

que não dialogam com as pessoas comuns. A Filosofia nasce sempre de questões

radicais, que dizem respeito a humanidade enquanto humanidade e ninguém deveria se

sentir excluído da capacidade de filosofar. Assim, tratá-la em conexão com seus

40

contextos históricos e ao mesmo tempo com a atemporalidade de seus temas, sempre

pertinentes ao ser humano – é uma forma de aproximá-la das pessoas. Mostrar,

sobretudo ao adolescente e ao jovem, que a filosofia tem perguntas e procura respostas a

respeito de problemas e condições que estão sempre atuais e que lhes tocam de perto.

Obviamente que trazer a Filosofia para a vida pessoal de cada um e para a vida

social do momento presente, não significa ignorar o que a tradição filosófica criou no

decorrer dos milênios. Porque justamente o que nos é fornecido pelos filósofos é o

instrumental para realizarmos um filosofar atual, mas consistente.

Desse modo, o verdadeiro papel da filosofia é ajudar a contribuir com o cidadão e,

nesse sentido, ela tem um papel único. Deve ser incluída em todo programa

educacional, seja ele do ensino médio ou superior. Contudo, O ensino da filosofia não

pode ser morto, inerte, desconectado da vida, seja acadêmica, profissional ou pessoal. A

participação do cidadão como agente ativo e engajado politicamente, não considera a

filosofia uma coleção de sistemas sem vida, sem sentido existencial, sem outro

propósito que o de propor respostas prontas. A filosofia é capaz de formar um cidadão

com uma postura filosófica. Isto se traduz numa atitude indagadora, investigativa,

inquieta, nunca passiva ou conformista, diante de respostas prontas e das realidades

estabelecidas.

41

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RUSSEL, Bertrand. História do pensamento Ocidental. Rio de janeiro, Ediouro,

2004.

42

STOCK OPTIONS NA REMUNERAÇÃO DOS EMPREGADOS E O

DISCLOSURE

Márcia Adriana Silveira*

Mauro Fernando Gallo**

RESUMO

As empresas veem incrementando o uso de contratos que utilizam o sistema de

pagamento em ações ou opções de ações, seja para fornecedores, prestadores de

serviços e até mesmo na remuneração de empregados. Este estudo trata especificamente

do pagamento de remuneração aos dirigentes com stock options, ato sem dúvida muito

complexo de ser reconhecido, mensurado e evidenciado pela contabilidade.

Internacionalmente, os próprios organismos reguladores da contabilidade nas últimas

três décadas não tomaram uma posição firme e definitiva quanto aos procedimentos a

serem utilizados. Como no Brasil este assunto ainda é muito pouco debatido,

acreditamos que este estudo pode colaborar para provocar uma ampliação do debate,

necessário não só no meio acadêmico mas também profissional, pois trata-se de tema de

vital importância para aperfeiçoamento do disclosure das demonstrações financeiras.

Palavras-chave: opções, opções de ações, remuneração de empregados.

ABSTRACT

Companies have been increasing the use of contracts under the payment system by

stocks or stock options, to suppliers and also for employees’ remuneration. The main

proposal of this Paper is analyzing specifically the remuneration payment to the

company executives with stock options, an act very complex to be recognized,

measured and evidenced by accounting. In an international level, even the accounting

regulating entities during the last three decades did not adopted a firm and definitive

* Contadora, Mestre em Educação e Doutoranda em Contabilidade FEA-USP.

**

Economista, Mestre em Controladoria e Contabilidade Estratégica e Doutorando em Contabilidade

FEA-USP.

43

position with regarding to the procedures to be used. As in Brazil this matter is not

much discussed yet, we believe that this study may contribute to a discussion

enlargement, necessary both in the academic environment and the professional, since is

a matter of essential importance to the perfection of the financial statement disclosure.

Key words: options, stock options, employees’ remuneration.

Introdução

A adoção da prática de planos de remuneração para dirigentes de alto nível,

incluindo stock options, apresentou um significativo crescimento nas últimas décadas.

Em nível internacional, este assunto é tido como complexo, existindo vários pontos que

são extremamente discutíveis. Neste artigo será tratado o que consideramos

fundamental - o disclosure - para que a contabilidade possa fornecer boas informações

aos seus usuários.

Na realidade, existem vários tipos de acordos de pagamentos baseados em ações,

opções de ações e outros instrumentos patrimoniais, seja com fornecedores de

mercadorias ou prestadores de serviços, podendo até mesmo incluir empregados. Neste

estudo estaremos tratando dos contratos de remuneração de dirigentes empresariais

mediante stock options.

As opções de ações dão o direito - mas não a obrigação - a seus portadores de

comprar ou vender certa quantidade de ações, por um preço pré-determinado,

denominado preço de exercício, por um período de tempo ou em uma data especifica.

Normalmente, os compradores das stock options pagam um prêmio pela aquisição de tal

direito.

Quando se trata de planos de remuneração de empregados temos as chamadas

employee share options, que apresentam algumas características distintas, tais como:

a) O valor do prêmio, normalmente, não será pago monetariamente e à vista, mas sim

com a prestação de serviços pelo empregado;

b) Geralmente não podem ser transferidas como as demais opções; há um período

mínimo a ser cumprido para que possa exercer a opção, como as opções do tipo

européia, enquanto as demais normalmente são do tipo americanas, podendo ser

negociadas a qualquer momento;

44

c) O prazo contratual destas opções geralmente é longo, ou seja, é comum que seja de

10 anos, enquanto nas opções normais os prazos são curtos como 90 ou até 180 dias;

d) Há também o chamado período de blackout, ou seja, um período de restrição, o qual

não ocorre nas opções normais no mercado;

e) As employees stock options não podem ser utilizadas como hedge enquanto nas

opções normais do mercado é comum a utilização em hedge.

As corporações freqüentemente usam as opções de ações para remunerarem seus

empregados mais qualificados, ou seja, conforme cita Mantzke e Clinton (2003), esta forma

de remuneração permite aos dirigentes o direito de comprar ações de sua corporação

empregadora por um preço específico fixado a priori, chamado de preço de exercício, em

uma data ou período de tempo, determinado no futuro. Historicamente, continuam os

autores, somente os executivos de alto nível recebiam a maior parcela de seus honorários

por meio de opções de ações, mas com o passar do tempo percebe-se que empregados de

vários níveis de uma corporação começaram a ser remunerados desta forma também.

Motivar os empregados a maximizar o valor da empresa é um antigo problema das

companhias; a Teoria da Agência visa, com a remuneração por stock options, se não

solucionar, ao menos minimizá-lo, alinhando os objetivos do agente com o do principal,

ou seja, o investidor - acionista ou quotista - da entidade, fazendo com que os

administradores pensem e ajam como proprietários do negócio. Com isto, a companhia

visa aumentar a eficácia ampliando seus resultados ao longo do tempo, gerando valor

para a entidade; essa postura melhora o valor de suas ações no mercado, aumentando,

portanto, a riqueza dos investidores da companhia.

Com o aumento do preço das ações, a remuneração baseada em ações torna-se muito

mais valorizada. Entretanto, no caso de gerentes que são remunerados somente com

salários fixos, eles freqüentemente sentem pouco incentivo para gerar valor para a

corporação. Por essa razão, atualmente as empresas têm usado mais a remuneração por

meio de ações ou opções de ações para gerentes de nível mais baixo e outros

empregados das empresas.

Ao tratar do disclosure das stock options, alguns questionamentos são recorrentes e

nos últimos anos vêm preocupando as organizações normativas da Contabilidade

mundialmente, bem como os empresários, tais como: estas operações devem ser

registradas nas demonstrações financeiras? Devem constar apenas nas Notas

Explicativas? Quando devem ser reconhecidas? Por qual valor?

45

A intenção deste trabalho é debater o que vem ocorrendo nos últimos anos com

relação a estes questionamentos e confrontar com a Teoria da Contabilidade.

Aparentemente, são questões simples, mas os detalhes operacionais poderão confirmar a

complexidade do assunto.

O principal objetivo é verificar se os procedimentos até aqui adotados estão

devidamente apoiados na Teoria da Contabilidade, analisando e verificando o

estabelecido quanto a estes aspectos e à forma de disclosure.

Considerando como primeira pergunta a ser respondida – se deve ou não constar das

demonstrações financeiras –, em caso afirmativo estarão implícitas as seguintes

questões: como a contabilidade reconhece este tipo de remuneração? No passivo ou

patrimônio líquido? É ou não um custo?

Estas questões, em conjunto com outras, inquietam os pesquisadores e estudiosos da

ciência contábil; o objetivo principal é, assim, dar uma colaboração analisando as

normas e confrontando-as com a Teoria da Contabilidade. Não houve, contudo a

intenção de pretender esgotar o assunto, mas principalmente motivar o debate no meio

acadêmico e profissional no País, que ainda encontra-se muito acomodado em relação

aos debates internacionais que ocorrem atualmente.

Os objetivos alcançados pela remuneração dos empregados por meio da emissão de

opções de ações são muitos, tais como: aumentar o fluxo de caixa líquido, conservar o

caixa para novos investimentos da empresa, reduzir custos e satisfazer os empregados,

alinhando o comportamento dos gerentes com os objetivos dos acionistas; assim, os

empregados ficam mais motivados ou incentivados, entre outros motivos positivos deste

meio de pagamento de funcionários.

Estas vantagens têm provocado um incremento contínuo na utilização das stock

options ou share options como importante forma de remuneração aos dirigentes

empresariais das maiores corporações mundiais. É importante observar que a não

contabilização dessas operações pode até gerar em algumas situações mais específicas

grandes escândalos administrativo-financeiro-contábeis no mundo empresarial.

No entanto, o hábito de não registrar essas remunerações é generalizado, conforme

mostra um estudo de Pat McConnell (1999), apud Mantzke e Clinton (2003), indicando

que apenas duas companhias do Standard Poor’s (S&P) 500 Index registravam em suas

demonstrações financeiras as despesas incorridas com a remuneração em stock options.

Com o fim de avaliar o impacto representado por tal situação em termos econômicos

e financeiros, é importante lembrar que, caso todas as empresas do S&P 500

46

registrassem em suas contabilidades o montante total dos planos de remuneração pagos

com stock options, o somatório dos lucros dessas empresas em conjunto seria reduzido

em vinte e três bilhões de dólares, o que significaria uma redução de 6% nos resultados

totais obtidos.

Apenas três anos depois, em 2002, a Merrill Lynch realizou uma estimativa de que

os valores que representavam tais remunerações e não constavam das demonstrações

financeiras haviam se elevado e já representavam 10% dos lucros totais alcançado pelas

companhias da S&P 500, o que registrou um significativo incremento de 66%.

Os pesquisadores e a comunidade contábil em geral têm visto com maior interesse a

contabilização das opções de ações de empregados, pois um debate vem se instalando

nos meios empresariais sobre o lançamento ou não das opções de ações nas

demonstrações financeiras. Esta prática é muito intensa em vários países; no Brasil,

porém, ainda é inexpressiva, contanto apenas com a adesão de algumas grandes

organizações, principalmente as multinacionais.

Mesmo com esses montantes envolvidos e com um amplo debate internacional sobre

o tema, no Brasil não tem havido publicações em quantidade significativa sobre um

assunto de tamanha importância. A hipótese que se apresenta é se os planos de

remuneração de altos dirigentes com stock options ou share options, como também são

conhecidas, não devem ser registrados na contabilidade.

A metodologia utilizada neste trabalho compreende a pesquisa bibliográfica através

de artigos científicos, das publicações dos organismos reguladores da Contabilidade,

tais como IASB – International Accounting Standards Board, FASB – Financial

Accounting Standards Board, e livros de Teoria da Contabilidade.

O ponto central da pesquisa foi o debate estabelecido pelo G4+1 Position Paper:

Accounting for Share-based Payment – material para discussão emitido para

comentários e sugestões pelo staff do IASB, analisando as principais posições ao redor

do mundo e confrontando-as com a Teoria da Contabilidade.

A escolha deste tema deve-se à necessidade de provocar a ampliação do debate sobre

o assunto no Brasil, pois, conforme já destacamos anteriormente, muito pouco tem se

discutido no País, até o momento.

Não podemos esquecer que quando estamos falando de opções estamos tratando de

derivativos que são instrumentos financeiros extremamente recentes no mundo

empresarial, os quais ainda são pouco conhecidos por boa parte dos profissionais e

47

estudiosos da contabilidade, mas que mundialmente vem apresentando crescimento no

volume de negociações não só no exterior, como no Brasil.

Somente alguns poucos profissionais, e normalmente da área ou setor financeiro, é

que tem um bom conhecimento sobre os derivativos e mesmo assim restrito a

operacionalização dos respectivos produtos, sem dominarem tanto a parte contábil como

a tributária destes instrumentos.

Desta forma, a discussão aqui estabelecida poderá ajudar a promover um maior

conhecimento tanto do instrumento como de sua contabilização e tributação a um dos

tipos específicos de derivativos que são as stock options, como forma de remuneração

de dirigentes corporativos.

Tratamento contábil-financeiro: Um histórico

O tratamento contábil-financeiro das remunerações por meio de opções de ações

tem passado por mudanças nas últimas três décadas. Em 1972, o grupo decisor dos

padrões contábeis resolveu não obrigar as corporações a lançarem como despesa a

emissão de opções de ações utilizadas como remuneração. Vinte anos mais tarde, o

FASB resolveu revisar este assunto - passaram a considerar mais atentamente a questão

dada sua grande importância.

No ano de 1993, o FASB, num esforço de fazer as demonstrações financeiras

mais transparentes, decidiu que as companhias deveriam reconhecer como despesa a

remuneração de empregados por meio de opções de ações. Entretanto, havendo uma

corrente contrária a essa idéia, então o grupo de decisores do FASB resolveu emitir o

Statement of Financial Accounting Standards (SFAS) n.º 123, em dezembro de 1994 -

um compromisso entre o que o FASB originalmente propunha e o que os opositores

desejavam. Este padrão recomendou, mas não obrigou as companhias a lançarem as

remunerações de empregados por meio de opções de ações como despesa no cálculo do

resultado das operações da empresa.

Para Ciccotello e Grant (1995), o Accounting Principles Board Opinion n.º 25

(APB 25), substituído pela nova proposta do FASB com relação à contabilização da

remuneração baseada em opção de ações, deveria mudar os demonstrativos financeiros

drasticamente, especialmente o de pequenas companhias que adotam este tipo de

remuneração para seus empregados. Esta era a opinião do autor na época; nascia então

uma controvérsia entre as entidades, pois as mudanças propostas envolviam a

48

mensuração e o reconhecimento da despesa de remuneração de empregados por meio de

opções de ações, o que afetaria principalmente as pequenas empresas.

Na realidade não se deveria considerar a possibilidade do não reconhecimento de

tais operações pela contabilidade, pois são situações que afetam economicamente as

entidades. O IASB no Concepts Statement n.º 1, no parágrafo 39, diz: “....Financial

reporting should provide information to help investors, creditors, and others assess the

amount, timing, and uncertainty of prospective net cash inflows to the relate

enterprise…”

A alternativa dada pelo APB 25 quanto a reconhecer a despesa com stock

options no resultado da empresa, ou relatar nas Notas Explicativas, acabou contribuindo

para deixar ainda mais indefinida esta situação, dificultando de forma significativa a

análise comparativa das demonstrações financeiras, uma vez que cada empresa adotou

livremente uma forma de procedimento. Ademais, como visto anteriormente, os valores

envolvidos nessas operações são bem elevados, podendo comprometer boa parte dos

resultados das corporações.

O APB 25 relata sobre o custo da remuneração de empregados com opções de

ações, o qual corresponde à diferença entre o preço de mercado das ações e o preço de

exercício das opções, multiplicada pela quantidade de ações a que o dirigente tem

direito. A despesa ou custo é medido pelo excesso, ou seja, enquanto o preço de

mercado é maior do que o preço de exercício, considerando o montante total do lote de

ações adquirido pelo empregado, no caso de aquisição das ações diretamente da

empresa, pois esta diferença não será recebida pela companhia. O valor do conjunto das

opções de ações também corresponde a remuneração por serviços prestados.

Para prêmios fixos, a despesa deve ser medida quando a opção é concedida –

Grant date. O resultado não corresponde diretamente à despesa com remuneração,

desde de que a opção de ação do empregado não tenha valor intrínseco, quando

concedido. No plano variável, a despesa não é finalizada na data da concessão, ou seja,

o número de ações que um empregado recebe deve depender do alcance do desempenho

futuro ou de flutuações futuras do valor das ações. Para remunerações variáveis, a

despesa deve ser estimada e reconhecida entre a data da concessão e a data final de

mensuração.

Ainda para Ciccotello e Grant (1995), a APB Opinion n.º 25 teve um

efeito negativo em vários aspectos na remuneração por ações. O mais

significante para o FASB foi o não reconhecimento do custo de

49

remuneração de um empregado quando as opções de ações são

concedidas.

Com relação ao reconhecimento ou não das opções de ações pela

contabilidade das entidades, alguns estudiosos defendem que o

pagamento efetuado com tais instrumentos não deveria resultar como

despesa, por não haver o consumo de bens da companhia e nem a

ocorrência de obrigações.

Nessa linha, representando o European Commission Internal Market, Karel Van

Hulle (2001), participando do debate do G4+1 Position Paper, no que tange ao

reconhecimento de custo, afirma:

“So as long as the Grant of the option is recorded as a credit to equity

and not as a liability, there is no cost to be recognized in the income

statement. It is at most only an opportunity cost of the company, which

is weathered by the owners by way of dilution.”

Desde que uma opção dilui a propriedade existente do acionista, sua emissão é

vista como uma transação entre os acionistas, o que não deveria ser objeto de

reconhecimento nas demonstrações financeiras.

Já o SFAS n.º 148, de 31 de dezembro de 2002, comenta Mantzke e Clinton

(2003), diz que as companhias devem escolher em lançar as opções em despesas,

devendo estimar seus custos desde a data original efetiva do SFAS n.º 123. O efeito do

resultado desta discussão nos relatórios financeiros das empresas e a reação de mercado

deixa uma situação dúbia quanto às demonstrações financeiras, dificultando suas

análises e comparações.

Em março de 2003, o FASB anunciou que estava elaborando um projeto

buscando melhorar a contabilização e a evidenciação das remunerações baseadas em

opções de ações; em abril de 2003, o Grupo votou unanimemente para que a

remuneração baseada em opções de ações aos empregados resultasse em um custo a ser

reconhecido como despesa na demonstração de resultados. Essa decisão converge para o

que o IASB - International Accounting Standards Board já defendia - o lançamento da

remuneração a empregados, baseada em ações, como despesa.

Segundo Cai (2004), em julho de 2004 os Estados Unidos emitiram o

Stock Options Accounting Reform Act, House Representatives - H.R.

3574; esta legislação deveria efetivamente proibir a remuneração de

empregados com opções de ações, exceto para executivos da firma.

Isto é visto por muitos observadores como contrário aos argumentos

do FASB, uma organização independente responsável por estabelecer

as regras contábeis americanas. É muito clara sua posição de que a

remuneração de empregados por meio de opções de ações é vista

como salário ou bônus, isto é, uma despesa, e como tal influencia os

resultados, pois subtrai o lucro da empresa.

50

Sob a ótica de Cai (2004), por outro lado tem-se uma visão distinta das opções de

ações, ou seja, tal instrumento é diferente de outras formas de remuneração, constituindo-

se portanto de incentivos para um futuro desempenho do empregado na companhia em

que trabalha.

As opções de ações, continua o autor, no momento em que é dado o direito ao

funcionário de exercê-las numa data futura, não têm custos apurados, nem geram saída

de caixa. Com isto, pode-se dizer que a opção é um custo potencial ou contingencial,

que não deveria ser considerado como despesa antes de incorrer. Este é um dos pontos

que alimentam o debate internacional sobre a contabilização da remuneração de

funcionários por meio de opções de ações.

Para Beams (2004), o colapso da Enron, o escândalo da Worldcom e outras

companhias em 2002, levaram o FASB a repensar sobre as regras contábeis existentes.

Em 1995, o FASB havia criado o SFAS n.º 123, segundo o qual a companhia poderia

escolher se as remunerações de empregados por meio de opções de ações seriam ou não

consideradas como despesa pelo valor de mercado das opções de ações, ou continuava a

seguir o APB n.º 25 e somente evidenciava o fato nas notas explicativas dos relatórios

financeiros.

Em março de 2003, o FASB anunciou sua intenção de rever o assunto das

remunerações com opção de ações. O novo projeto exposto pelo FASB - o SFAS 123

revisado, que obriga as empresas a lançarem as opções de ações como despesa - entrou

em vigor em 15 de junho de 2005. Este SFAS 123 revisado eliminou a alternativa

constante do APB Option n.º 25.

Houve uma forte oposição a essa decisão – os lobistas continuaram a pressionar

o Congresso para fazer com que o FASB parasse de exigir que as companhias

assumissem as opções de ações como despesas.

Após vários anos de debate e a ocorrência de inúmeros escândalos que envolviam tais

situações, o FASB e o IASB convergiram para um ponto comum - o reconhecimento

pela contabilidade das remunerações mediante opções de ações.

Para Cai (2004), - que pergunta: despesa ou não despesa? - antes de responder a

questão, é preciso primeiramente conceituar despesa, que para Hendriksen e Van Breda

(1999) é o uso ou o consumo de bens ou serviços para a obtenção de receitas futuras.

Para Cai (2004), entretanto, a resposta desta questão depende de saber se a opção dada a

um funcionário é uma transação financeira que trará para a empresa uma despesa no

51

futuro ou apenas um mecanismo de incentivo para melhorar o desempenho da

companhia a longo prazo. Opções de ações no mundo real é uma combinação de ambos,

ou seja, a remuneração de empregados por meio de opção de ações deveria ter sempre a

função de incentivo também.

A mensuração do custo das opções de ações

Questiona-se por que as opções de ações que remuneram dirigentes empresariais

têm valor; somente se tiverem valor faz sentido falar em sua mensuração. Fica claro que

tais instrumentos devem ser precificados, pois seus portadores têm direito aos

benefícios oriundos dos incrementos nos preços à vista das ações da companhia no

mercado durante o período contratado.

Qual é esse valor que as stock options representam? Para analisar esta situação

devemos supor algumas hipóteses. Assim, se tivermos opções de ações da mesma

empresa negociadas normalmente no mercado, podemos nos deparar com a seguinte

situação, por exemplo: suponha-se que o preço à vista das ações no mercado seja de R$

25,00 e que as opções estejam sendo negociadas com o valor do prêmio de R$ 5,00 por

ação, com preço de exercício de R$ 35,00, no prazo de dois anos. Caso a empresa

vendesse no mercado opções de ações com o prazo de dois anos e com o preço de

exercício de R$ 35,00 também, qual seria na realidade a importância paga pela empresa

em contrapartida pelos serviços prestados por seus dirigentes? Neste exemplo, seria

apenas os R$ 5,00 do valor do prêmio por ação que o empregado estaria recebendo

como pagamento por seus serviços, enquanto o adquirente de uma opção de compra de

ação da empresa desembolsaria para adquirir o mesmo direito.

Quando do exercício da opção, supondo que o preço das ações no mercado à

vista seja de R$ 42,00, como o preço de exercício é de R$ 35,00, pode-se dizer que o

dirigente estará obtendo um resultado positivo de R$ 7,00 por ação adquirida, mas

jamais poderíamos dizer que esta diferença positiva represente uma remuneração por

serviços prestados, vez que um adquirente de opção de compra da mesma companhia

receberia o mesmo benefício sem ter prestado nenhum serviço à empresa.

Dessa forma, fica claro que as únicas possibilidades de valores a serem

considerados como remuneração pelos serviços prestados, a serem mensurados, seriam

o valor do prêmio das opções, que não é desembolsado pelos empregados e a eventual

52

diferença existente pela fixação de um preço de exercício inferior ao das opções de

ações da mesma companhia, negociadas no mercado, para o mesmo vencimento,

constituindo-se assim em uma vantagem ao dirigente. Na prática, esta caracterização

fica muito difícil pelas próprias distinções existentes entre as opções de ações,

normalmente negociadas no mercado, e aquelas referentes a planos de remuneração de

empregados, como prazo de vencimento, restrições etc.

Segundo Hendriksen e Van Breda (1999), a remuneração de empregados por

meio de opções de ações tem sido um método amplamente utilizado pelas companhias

devido a possíveis vantagens fiscais para seus beneficiários em diversas épocas, uma

vez que, não sendo deduzido como despesa na empresa, também não é tributado como

receita dos seus dirigentes.

Um argumento que é utilizado pelas entidades e gera muita discussão contábil, é

que, os serviços recebidos em troca dos quais as opções de compra de ações são

concedidas, não custam nada às companhias e, portanto, não deveriam ser

contabilizados. Entretanto, este argumento é fraco, porque se baseia na hipótese de que

os custos das empresas devem resultar numa redução de seus ativos. O APB 25 já

reconhecia claramente que os contratos de opções de ações representam uma forma de

remuneração.

Na opinião de Hendriksen e Van Breda (1999), o método mais lógico de

mensuração das opções de ações é o valor monetário dos serviços, medido pelo valor da

opção na data da concessão, mas este método é evitado pelos contadores, pois o

consideram muito subjetivo e dependente de especulação a respeito do futuro, com toda

sua volatilidade.

Os assuntos contábeis relativos aos planos de pagamentos de funcionários por

meio de ações são complexos e controversos, principalmente quando se refere ao

tratamento contábil deste ato. Algumas jurisdições têm alguns conceitos errados sobre este

tema e defendem que as transações envolvendo a compra de serviços de empregados, por

meio de ações ou opções de ações, não têm custo e não deveriam ser reconhecidas nas

demonstrações financeiras das empresas, mas o G4+1 (2000) conclui que estas transações

devem ser reconhecidas.

Segundo os autores do G4+1 (2000), o uso de pagamento de funcionários por

meio de ações tem aumentado muito nos últimos anos. Ações ou opções de ações são

comumente incluídas como remuneração de diretores e outros executivos de empresas.

53

Nos Estados Unidos, o APB 25 (“Contabilizando a emissão de ações para

empregados”) requer uma distinção entre os planos não relacionados com o

desempenho do funcionário ou fixos e os planos relacionados com o desempenho ou

variáveis.

A respeito dos planos não relacionados com o desempenho (fixos), seu custo é

medido pelo valor intrínseco na data em que é dado o direito ao executivo de exercer a

opção em alguma data futura, a qual dá-se o nome de grant date. No caso de planos

relacionados ao desempenho (variáveis), o custo é medido pela diferença entre o preço

de mercado e o preço de exercício de uma ação na data da mensuração - data em que os

empregados são investidos do direito de receber as ações ou opções. Como esta data de

mensuração provavelmente será após o grant date, qualquer custo está sujeito a

incertezas e, assumindo que o preço da ação está subindo, esta incerteza seria maior no

caso de planos relacionados com o desempenho. Isto tem tido um efeito perverso nas

companhias, desencorajando-as a emitir planos de ações relacionados ao desempenho

dos empregados.

O SFAS 123 (“Contabilizando as remunerações com base em ações”) requer que

seu custo seja feito por meio do valor justo (fair value) de ações ou opções concedidas

como pagamento de mercadorias ou serviços, ou até mesmo empregados. As

companhias estão mais aptas a aplicar o SFAS 123 do que a APB 25 para transações

com empregados. Se aplicado, o SFAS 123 requer que a concessão de ações ou opções

aos empregados seja medida pelo fair value na data da concessão, independente do tipo

de plano concernente.

O SFAS 123 não estabelece regras com respeito à data de mensuração para

transações com não-empregados. O SFAS 123 é superior ao APB 25, entretanto, poucas

companhias têm escolhido adotar o SFAS 123 para transações com empregados.

O G4+1(2000) ainda trata das transações entre as entidades e seus empregados

(incluindo diretores), a partir do momento em que estes fornecem serviços em

contrapartida à emissão de ações ou opções de ações pela entidade; recomenda que

essas transações deveriam ser reconhecidas nas demonstrações financeiras das

companhias, para refletir o recebimento e o consumo de serviços dos empregados e a

emissão de instrumentos patrimoniais.

A grande dificuldade após o reconhecimento pela contabilidade, conforme já

definido pelo SFAS 123 revisado, que entrou em vigor em 15 de junho de 2005, passa a

54

ser a mensuração do valor das opções de ações dadas em troca da remuneração por

serviços prestados pelos empregados.

Conforme já verificamos, estas opções possuem valor econômico, pois podem

conceder a seus possuidores benefícios na compra de ações ou mesmo serem negociadas

no mercado após sua liberação. Quando as opções de ações são negociadas em bolsa, o

valor é facilmente conhecido, pois é o valor de mercado; mas as opções negociadas no

mercado normalmente são as de curto prazo, e não as referentes à remuneração de

empregados que correspondem a opções com prazo longo para exercício.

Por outro lado, muitas vezes temos empresas que, apesar de terem ações em

bolsa, não têm suas ações negociadas no mercado de opções, tornando bem mais

complexa a avaliação das opções entregues a seus dirigentes como remuneração pelos

serviços prestados. O fair-value, ou justo valor, é o que deve ser utilizado na

mensuração das stock options, porém não se tem estabelecida uma metodologia e

conceituação clara quanto a este tipo de preço.

Os modelos mais utilizados na precificação das stock options são o Black-Sholes

e o Binomial; entretanto não devemos nos esquecer que, quando tais instrumentos são

negociados no mercado, geralmente os preços praticados são superiores aos teóricos

apurados pelos modelos.

Datas possíveis de mensuração

Uma vez decidido qual será o modo de reconhecimento e a forma de

mensuração, a nova questão que se apresenta diz respeito à data a ser utilizada para a

mensuração. Existem algumas alternativas a serem consideradas, apresentando cada

uma delas vantagens e desvantagens.

Para o G4+1 (2000), existe uma gama de datas possíveis de mensuração das

opções de ações emitidas como remuneração de empregados; qualquer uma pode ser

usada para calcular o fair value das ações ou opções de ações emitidas. O fair value das

opções de ações para empregados deve ser avaliado para os propósitos contábeis em

uma destas datas:

Grant date (data de concessão): é a data na qual o empregado ou empregador

faz um contrato que intitulará o empregado como recebedor de uma opção em uma data

futura, sob certas condições.

55

Service date (data da prestação do serviço): é a data, normalmente período,

em que o empregado desempenha os serviços necessários para tornar-se

incondicionalmente titular da opção. Entretanto, os serviços relevantes são geralmente

desempenhados num período de tempo ou até mesmo em uma única data;

conceitualmente, a mensuração do service date é medida pelo fair value da data de cada

opção quando os serviços são desempenhados.

Por razões pragmáticas, uma aproximação pode ser usada para calcular o custo

dos serviços recebidos durante um período contábil em particular. Por exemplo, o fair

value de uma opção no final de um período contábil pode ser usado, desde que

considerado com uma razoável aproximação, ou, ainda, o fair value pode ser baseado

numa média do preço da ação durante o período.

Vesting date (data da aquisição de direitos): é a data na qual o empregado,

após satisfazer todas as condições necessárias, torna-se incondicionalmente titular da

opção. Em muitos casos, desde que uma opção esteja investida, ela pode ser exercida

imediatamente.

Exercise date (data de exercício da opção): é a data na qual a opção é

exercida; normalmente corresponde à data de seu vencimento.

As mensurações nas respectivas grant date, service date e vesting date são todas

baseadas no pressuposto de que a emissão da opção pela entidade é um instrumento

patrimonial que deve ser contabilizado como crédito de patrimônio liquido no momento

do recebimento ou da emissão.

Entretanto, se a mensuração a ser usada pelas opções de ações para remuneração

de empregados for a chamada exercise date, esta deve ser usada para todas as opções

de ações, o que significa mensurar todas as outras formas de direitos de subscrição de

ação na exercise date. Por exemplo, se uma opção de ação é emitida pelo valor à vista, a

aplicação da mensuração pela data de exercício deveria resultar no reconhecimento de

um ganho ou perda na demonstração do resultado pela diferença entre o caixa recebido

na emissão da opção e o fair value na data de exercício da opção.

A decisão entre a mensuração pela grant date, de um lado, e a service date ou a

vesting date de outro, torna-se uma condição natural que o empregado deve conhecer.

Além do mais, uma vantagem pela mensuração pela vesting date é que o serviço do

empregado é valorizado pelo preço que reflete o desempenho da ação alcançado no final

do contrato.

56

O valor das stock options apurado pelo fair-value nas diversas épocas ou datas

apresentam variações, que em linha geral podem demonstrar valores crescentes à

medida que vai se alterando da grant date até a data de exercício, afetando as

demonstrações financeiras de forma variada.

Conclusão

Este estudo buscou mostrar uma evolução histórica dos pronunciamentos do

FASB e do IASB sobre um tema bastante complexo que é a remuneração dos

empregados por meio das opções de ações. Este tema gera várias discussões; uma delas

é estabelecer se este fato contábil deve ser lançado como despesa ou apenas ser

evidenciado em notas explicativas.

O FASB recentemente anunciou o SFAS 123 revisado, no qual a entidade

procura dar um enfoque mais sustentável à sua posição contábil sobre o tema, pois o

mesmo tem seu impacto econômico relevante e está sujeito a pressões políticas de seus

opositores. A grande novidade entre o SFAS 123 original e o revisado é a obrigação das

empresas de lançarem a opção de ações como despesa, o que já estava sendo atendido

pelas grandes companhias; o maior impacto desta resolução quem sofrerá são as

pequenas empresas que terão que se adequar à nova proposta do FASB.

A remuneração de empregados por meio de opções de ações é um assunto muito

controverso, porque tem um impacto significativo nas demonstrações financeiras. O

conceito de opções de ações é difícil e muitas soluções alternativas têm seus méritos;

em virtude da enorme oposição, principalmente aos pronunciamentos do FASB, as

empresas devem ficar atentas ao direcionamento dos projetos para os próximos meses.

Constatamos que inicialmente ocorria o não reconhecimento e evidenciação pela

contabilidade; posteriormente veio uma fase em que tais aspectos eram opcionais, até

chegarmos aos dias atuais, nos quais, após vários e significativos escândalos, os

registros contábeis de reconhecimento das despesas passaram a ser obrigatórios.

É interessante notar que eventos econômicos que provocam e representam

parcela significativa na alteração dos resultados operacionais das companhias são

deixados de fora do balanço e da demonstração de resultados.

57

Para correção desta situação, a recente convergência entre o FASB e o IASB

obrigando o reconhecimento contábil das remunerações de empregados com opções de

ações é de fundamental importância no aperfeiçoamento do disclosure nas

demonstrações financeiras.

58

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59

A TERCEIRIZAÇÃO COMO OPORTUNIDADE

Paulo César Speranza*

RESUMO:

Por ser a terceirização uma prática administrativa e estratégica extensamente utilizada

nos dias contemporâneos e de clara visualização na conjuntura social, estando presente,

portanto, no cotidiano da grande maioria dos cidadãos, seja direta ou indiretamente e,

sobretudo, nas empresas, demonstra-se sua relevância de modo geral, pela falta de

conhecimento sobre seus aspectos. Tendo em vista a brutal concorrência que assola a

sobrevivência das organizações, com a indubitável necessidade de se concentrar no

planejamento e na operacionalização dos produtos ou serviços, e de essencialmente ter

focalização no mercado e nos anseios dos consumidores, a terceirização surge, em

suma, como uma oportunidade de as empresas se concentrarem na realização das

atividades principais do seu objeto social, mormente aquelas que agregam valor,

deixando as acessórias para terceiros especializados. Este trabalho se propõe a fazer

uma análise reflexiva, resgatando o tema a partir do exame das fontes disponíveis de

acadêmicos e doutrinadores sobre o assunto versado, abordando desde seu surgimento,

transcorrendo pelas vantagens, desvantagens e os cuidados, tanto na implantação quanto

os legais, sendo este último composto pela legislação correlacionada e pelo atual

entendimento da jurisprudência. Importante trabalho tanto para os que cogitam em

implantar a terceirização quanto para as empresas operantes com terceiros. O tipo de

pesquisa adotado é a dissertativa.

PALAVRAS-CHAVES: Terceirização; Vantagens e Desvantagens; Cuidados.

ABSTRACT:

Currently outsourcing is an administrative and strategic tactic intensely used and clearly

exposed in the social setting. It has wide implications and universal relevance mainly

because of a lack of knowledge about it, and it`s subtleties. Due to the intense

competition and an urgent need to concentrate on planning and management companies

must concentrate on market expectations, consumer demands, value aggregation, etc

thus outsourcing comes as an attractive alternative, which permits companies to

concentrate on their prime activity and be less distracted by secondary entrepreneur

structures. Having this in mind this thesis intends to analyze the advantages and

disadvantages of implementing such symbiotic structures and also its legal implications

with the aid of intense research done by scholars and professionals in all relevant fields.

As such it is an important paper both, for enterprises and those wishing to implement

outsourcing.

KEYWORDS: Outsourcing; Advantages and Disadvantages; Care

* Graduando em Administração de Empresas pelo Centro Universitário Padre Anchieta.

60

Introdução

Vive-se em um mundo no âmbito empresarial que se apresenta gradativamente

ao longo de sua história, imbuído pela competitividade predatória e pelo desafio de

sobreviver no mercado sem precedentes. Isto é secular.

Em um período contemporâneo de rapidez vertiginosa e de grandes

transformações tecnológicas, econômicas, políticas e sociais, as empresas que não

conseguirem acompanhar as tendências que se apresentam no mercado e se mostrarem

estagnadas, estarão com seus dias contados. Antigas virtudes como conhecer as

necessidades do mercado, buscar incessantes reduções de custo, agregar valor ao

produto e aumentar sua qualidade indefinidamente se tornaram mais que essenciais,

compulsório a todo negócio.

Ademais, indispensável a toda empresa pela própria dinâmica da história

organizacional é o imperativo das inovações acerca do desenvolvimento de novos

produtos e serviços frente à concorrência que se apresenta, tanto no cenário doméstico

quanto internacional, pelas constantes mutações e as prematuras obsolescências de

mercadorias. Na perspectiva do meio presente que legitima e induz o empresariado a se

atentar ao mercado e a se preocupar indiferentemente do seu porte ou localização,

refere-se à globalização, conforme já salientado:

Em um estado supremo do capitalismo, surge a globalização que se apresenta

no cotidiano empresarial sob duas vertentes distintas: uma caracterizada pela

oportunidade global de novos mercados em potencial e no outro extremo, a

nítida ameaça para as empresas mundiais que passam a estarem sujeitas às

disputas internacionais longínquas por mercados locais. Atualmente, em um

momento indubitável e sem precedentes, as empresas de nossa sociedade

precisam estar preparadas para competições mundiais, onde os clientes se

localizam nas mais divergentes e remotas localidades existentes. (SPERANZA,

2011, s/p.).

A partir da globalização e a consequente internacionalização da economia,

informática e telecomunicações, surgem práticas para alavancar desempenhos

empresariais. Como alternativa de algumas empresas mundiais à globalização, passou a

ocorrer um movimento de transferência para diversos países a produção de mercadorias

e prestação de serviços, objetivando tanto a conquista de novos mercados quanto a

possibilidade de exercer atividades, mormente em países sem limites para a exploração.

Diferentemente de épocas anteriores em que produtos e serviços eram impostos

ao mercado com foco exclusivo no produto, sem a devida adequação às necessidades,

61

gostos e exigências do consumidor, como no caso do Ford T preto fomentado pelo

americano Henry Ford (1863-1947), empreendedor fundador da Ford Motor Company e

precursor da famosa frase: “O cliente pode ter o carro da cor que quiser, contanto que

seja preto” (apud KUNDE, 2010, s/p.), o período atual é caracterizado pela focalização

no cliente, com a indispensável customização, segmentação dos produtos e

posicionamento adequado no mercado.

A terceirização se apresenta neste cenário não como uma “receita” para a

solução dos problemas, mas como uma ferramenta contingencial que afeta primordial e

diretamente a dicotomia vigente no mercado: qualidade e custo, como compreende Leite

(1994, p. 12), que “Como resultado da combinação das pressões de custo e qualidade, as

empresas começaram a transferir para terceiros tudo aquilo que não fazia parte da cerne

de seu negócio”, em um momento em que empresas mundiais apresentavam um novo

ritmo de competição. Atualmente, nesse momento contemporâneo, constata-se que

terceirizar é muito mais do que transferir para terceiros atividade-meio da empresa, é

uma metodologia administrativa e estratégica que contribui para a consecução dos

objetivos organizacionais.

O surgimento da terceirização

Para inicializar a exploração da terceirização é necessário entender o processo de

downsizing, palavra inglesa de significado literal “achatamento”. Foi um dos primeiros

esforços posteriores aos do engenheiro francês Henry Fayol (1841-1925), criador da

Teoria Clássica, no processo analítico da reestruturação organizacional.

Downsizing surgiu para racionalizar o escopo estrutural no que se refere a

hierarquização das empresas americanas que tinham uma estrutura tradicional, ou seja,

claramente verticalizada, em um período, não diferente dos dias atuais, no qual

precisavam reduzir custos, obter flexibilização e produzir com qualidade, devido a

ameaça iminente da concorrência, tanto no âmbito do crescimento interno quanto da

invasão dos produtos internacionais aos mercados locais.

Na análise do fator humano, sob o prisma dos colaboradores, as organizações

acomodavam os mais variados cargos e departamentos (rightsizing), formando uma

grande pirâmide no organograma institucional, aportando em seu bojo empresarial o

maior número de atividades que pudessem desenvolver da sua cadeia de valor para o

imperativo da auto-suficiência, inflando a estrutura e conduzindo a uma vagarosidade na

62

tomada de decisões e fatalmente, comprometendo o desempenho da empresa. Como

resultado, ocorreu a demissão de pessoal para achatar a hierarquia e onde, conforme

aponta Tomasko (1992), não tinham alternativas a não ser o seu enxugamento.

A prática do downsizing ocorreu primordialmente nas empresas de metodologia

ortodoxa, deste modo, conforme Prado (s/a) foi subproduto de um período de relativa

abundância de recursos, principalmente financeiros, permitindo às companhias carregar

uma estrutura obesa, com altos custos fixos, grandes estoques e prazos de entrega

dilatados. Tinham dificuldades para operacionalizar as decisões estratégicas

consolidadas pela cúpula da empresa, exatamente no momento de prover a implantação,

pois é essencial a capacidade flexível para a eficácia das organizações. Além disso:

A interiorização, na estrutura própria, de atividades acessórias, não proporciona

nenhum incremento na qualidade e nem na operação dos produtos de empresas.

A verticalização só faz aumentar a estrutura organizacional e os

comprometimentos das empresas com atividades-meio, que não contribuem

para com a produtividade e nem com a rentabilidade (QUEIROZ, 1998b, p. 27).

Em virtude da possibilidade de uma nova realidade no perfil das necessidades e

anseios dos consumidores, poderia gerar a consequente necessidade de reação para a

adequação das exigências dos consumidores, culminando na necessidade de efetivar um

encurtamento da distância entre os níveis de decisão e operacionalização fabril, para

achatar a hierarquia, provocando maior agilidade e podendo consumar mais

rapidamente as devidas alterações mercadológicas. As estruturas menores e mais ágeis

foram privilegiadas, pois conforme Prado (s/a p. 13) “[...] Já foi o tempo em que a

verticalização das atividades de uma empresa era sinônimo de eficiência”.

O surgimento da prática do downsizing possibilitou uma reorientação

empresarial no sentido de indagar outro paradigma: a empresa deve executar todas as

atividades internamente ou concentrar seus esforços nas tarefas da verdadeira missão da

empresa? Entenda missão empresarial, conforme Costa (2007) como a razão de ser da

empresa, da sua existência. É oportuno mencionar que o principal obstáculo no passado

foi a difícil identificação de fornecedores aptos para atenderem novas demandas das

empresas, sendo o único escape o desenvolvimento de parceiros para suprir esta

necessidade, e isso dificultava o processo. A partir do momento que esse empecilho foi

suprimido, com a presença de prestadores de serviços qualificados, passou-se a

considerar a terceirização como meio de novos avanços no desenvolvimento

63

empresarial e com a oportunidade de concentrar-se no core business ou coração do

negócio.

Quanto ao surgimento, existem autores que manifestam que remonta para antes

da revolução industrial, em um período conforme aponta Huberman (1986, p. 54) onde

“[...] As mercadorias, que antes eram feitas não para serem vendidas comercialmente,

mas apenas para atenderem as necessidades da casa, passaram a ser vendidas num

mercado externo”, caracterizado pela confecção de artigos leves, especialmente têxteis,

vestuários e calçados, mediante pagamento por peça, sendo inicialmente produzidos na

própria casa dos artesãos, que possuíam a propriedade dos instrumentos de trabalho,

contudo dependiam do fornecimento de matérias-primas pelo expropriador, que

terceirizava sua produção. Posteriormente, os empregadores transferiram os

trabalhadores para galpões, facilitando o monitoramento da produção e assegurando a

disciplina dos trabalhadores, dessa vez, entretanto, com o fornecimento dos fatores de

produção pelo empregador, causando a total dependência dos trabalhadores, que tinham

apenas sua mão de obra para oferecer, passando a receber salários como

contraprestação. Contudo, no período citado não havia a constituição das empresas,

tanto dos empregadores como dos trabalhadores domésticos por relação de empresa

interposta, além dos objetivos e forma de execução serem totalmente divergentes dos

métodos atualmente praticados, pois se considerar aquela época, deveria se considerar

qualquer atividade na história transferida para a execução de outrem, como o início da

terceirização.

O período de surgimento melhor aceito pelos autores consolida-se para durante a

Segunda Grande Guerra quando o país estadunidense precisava concentrar seus esforços

na produção de armamentos para suprir as necessidades próprias e dos Aliados, e então

passaram a delegar atividades de suporte e produção, mediante contratação, para

terceiros.

No cenário nacional, conforme Martins (2000, p. 16) “[...] a noção de

terceirização foi trazida por multinacionais na década de cinqüenta, pelo interesse que

tinham em se preocupar apenas com a essência do seu negócio”, contudo, conforme

Queiroz (1998a) a terceirização só foi sendo implantada com a chegada das empresas

multinacionais, principalmente as automobilísticas no início da década de oitenta.

64

Terceirização

Várias palavras são usadas como sinônimas para qualificar a terceirização. Fala-

se em terceirização, subcontratação, filialização, desverticalização, exteriorização do

emprego, entretanto o mais aplicado e comumente conhecido seria a terceirização, que

tem origem pelo neologismo do latim terciariu, proveniente do ordinal três. Conforme

Martins (2009 p. 176), “Argumenta-se que o correto seria o termo terceirização, em

razão do setor terciário na atividade produtiva ser o setor de serviços, pois o primário

corresponderia à agricultura e o segundo, à indústria” e a define como:

[...] uma técnica administrativa que possibilita o estabelecimento de um

processo gerenciado de transferência, a terceiros, das atividades acessórias e de

apoio ao escopo das empresas que é a sua atividade-fim, permitindo a estas se

concentrarem no seu negócio, ou seja, no objetivo final (MARTINS, 1995, p.

53).

No processo de terceirização, parte-se do pressuposto, conforme Prado (s/a, p.

14) “de que não é possível uma empresa ser ótima em todas as suas atividades, uma vez

que a capacidade necessária para atender aos picos de trabalho se transforme em

ociosidade, nos momentos de menor volume”. Constata-se no meio atual o crescente e

gradativo surgimento de uma série de empresas altamente especializadas e flexíveis na

produção de itens, essencialmente acessórios, para empresas que geralmente não

demandam escala suficiente para compensar montar equipes para o fomento da

atividade. Dentro do princípio de racionalização, a idéia é repassar para empresas

especializadas que possuem essas atividades, pela qualidade, e que tenham condições de

produzirem em escala, pelo custo.

Conforme aponta Leiria (1992), exemplos facilmente identificáveis, até mesmo

por leigos de terceirização, são as grandes redes mundiais de lanches rápidos. Com

exceção da comercialização, sob a responsabilidade estrita de cada franqueado, tudo o

mais é entregue para terceiros – desde a produção dos pães, hambúrgueres, batatas

fritas, até as embalagens de alimentos.

Para a identificação das áreas que podem ser terceirizadas, deve-se analisar

criteriosamente o contrato social, a fim de definir acertadamente as atividades-fim, pois

dentro da doutrina vigente ainda não existe convergência, mas apenas uma inclinação de

mérito para a definição dessas atividades, como salienta:

65

[...] a doutrina tem encontrado muita dificuldade em caminhar de forma

convergente. [...]. Para alguns, a atividade-fim está relacionada à essencialidade

do serviço, o que permitiria a conclusão absurda de que atividade-meio não

seria essencial. Outros doutrinadores propugnam que a atividade-fim está

intrinsecamente relacionada com o objeto social da pessoa jurídica, o que

permitiria dizer, por outras palavras, que as demais atividades, ainda que ligadas

indiretamente a seu objeto, e todas são, salvo casos específicos e isolados, não

seriam caracterizados como atividade-fim (POLONIO, 2000, p. 34-35).

De forma a contribuir na definição de atividade-fim, no art. 581 parágrafo 2º da

CLT, esclarece que “Entende-se por atividade preponderante a que caracterizar a

unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais

atividades convirjam, exclusivamente em regime de conexão funcional”. Assim, por

exemplo, uma empresa cuja atividade-fim é a produção de determinada mercadoria,

poderá terceirizar os serviços de assistência jurídica e contábil, assistência médica,

seleção de pessoal, auditoria, informática, transporte, telefonia, alimentação dos

empregados, segurança, limpeza, entre outros, ou seja, as atividades-meio.

Vantagens e desvantagens da Terceirização

São várias as vantagens da utilização de uma terceirização bem conduzida,

entretanto possuem desvantagens que são equivalentes e podem comprometer o

desempenho organizacional. A partir de um planejamento prévio numa hipótese de

terceirização, o maior impacto tende e precisa ser na qualidade das atividades, pois se

trata de transferir para terceiros, uma empresa especializada e cujo objetivo social se

configura para tal prática, a realização de determinados afazeres, sendo provavelmente

um perito na atividade em questão. Entretanto, o ponto crucial é localizar empresas

capazes de oferecer qualidade inquestionável aos serviços transferidos.

Outra questão que precisa ser ponderada refere-se à preocupação com o custo.

Uma grande transformação que pode ocorrer no processo de terceirização é a

possibilidade de mudança de certos custos fixos para variáveis de produtividade,

principalmente naquelas que possuem produtividade sazonal. As atividades-meio que

não compensam serem executadas internamente, com a mesma qualidade e

produtividade do terceiro devem ser terceirizadas. Possibilitaria para a empresa se

concentrar na competência do seu produto ou serviço e nas suas atividades principais,

resultando no melhor conhecimento do mercado, dos clientes e naquelas atividades que

agregam valor ao cliente.

66

[...] valor para o cliente é a diferença entre as percepções do cliente quanto aos

benefícios da compra e uso dos produtos e serviços e os custos em que eles

incorrem para obtê-los. [...] O marketing voltado para o valor não vê os clientes

como máquinas que calculam precisamente a soma de todos os benefícios e

subtraem desse número a soma de todos os custos de uma transação. A equação

de valor é simplesmente uma representação útil da idéia de que benefícios têm

efeitos positivos e custos têm efeitos negativos sobre o valor (CHURCHILL JR.

e PETER, 2000, p. 14).

Seguindo no aspecto do custo, as reduções continuariam nos desembolsos

pecuniários vinculados à rotatividade de funcionários ou turnover, em inglês, devido

aos custos incorridos em comuns demissões e contratações, quando o pagamento

despendido somente se configuraria a partir do uso do serviço do terceiro; no

investimento em treinamento que deixaria de fazer ou apenas complementar, na

preocupação com uniforme, na praticidade existente em substituição rápida e eficaz de

funcionários, motivado por férias, afastamentos, licenças, entre outros. Desde que

observadas algumas condições, não geram vínculo empregatício e por este fator,

proporcionam economia tanto tributária como previdenciária.

Analisando o cenário neste quesito, vale a pena comentar sobre a gênese e o

desenvolvimento do direito do trabalho no Brasil que se originou a partir da Carta Del

Lavoro, de 1927 na Itália, como um sistema constitucional organizador da sociedade,

adotado por Portugal, Espanha e, especialmente, pelo Brasil. Antigamente, diante da

situação, conforme Martins (2009) em que o expropriador era o detentor dos meios de

produção e tendo assim o poder de direção sobre o trabalhador, gerando uma relação

desigual, havia, portanto, a necessidade de regular as atuações das empresas com a

intervenção do Estado, principalmente para a realização do bem estar social e de

melhoraria nas condições de trabalho. O trabalhador posteriormente passou a ser

privilegiado e estar protegido jurídica e economicamente como orienta Folch (1936),

mencionando que se deve assegurar a superioridade jurídica ao empregado em razão de

sua inferioridade econômica.

Divergente do normalmente divulgado e distante do conteúdo da Carta Del

Lavoro, atualizada e invejável para muitos países, a Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT) do Brasil, fruto de décadas de conquistas pela classe trabalhadora proporciona

aos funcionários com vínculo trabalhista amplos direitos, inclusive sendo compulsórios

e irrenunciáveis. Ademais, as leis podem ser flexibilizadas de certa forma por estarem

intimamente relacionadas com os aspectos cotidianos vigentes da conjuntura

econômica, podendo proporcionar alterações que podem ser temporárias ou

67

permanentes, dependendo do cenário econômico-social que se apresentar, por meio de

medida provisória, minimizando distorções do mercado.

Os benefícios conquistados pelos trabalhadores são extensos, presentes tanto em

parte no art. 7º da Constituição Federal de 1988, como mais detalhados na CLT.

Existem também as convenções coletivas que regulam as atividades das categorias, com

definição de piso salarial correspondente, a possibilidade de associações sindicais, como

fonte de luta por melhores condições, além dos benefícios tradicionalmente conhecidos

como o décimo terceiro salário, terço constitucional de férias, trinta dias anuais de férias

para preservar a saúde do trabalhador, fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS),

indenização de quarenta por cento do saldo atual do fundo de garantia do empregado,

em caso de dispensa arbitrária do empregador etc.

Outro impacto positivo da terceirização refere-se aos investimentos no

aprimoramento e desenvolvimento tecnológico da empresa, pois implica mencionar que,

em muitos casos, os fornecedores participam dos projetos da empresa, com

recomendações de componentes, materiais e funcionalidades dos produtos, e isso pode

significar um aumento do montante investido em pesquisa, paralelamente à diminuição

dos gastos efetivos exercidos pela empresa.

Quanto às desvantagens, a principal e a mais preocupante é a dificuldade de

encontrar um parceiro ideal e relação essa que [...] pressupõe a atuação conjunta e

direcionada para o crescimento mútuo dos parceiros no negócio, predominando a ética,

lealdade e o compromisso com êxito nos resultados, visando a sobrevivência e

competitividade recíproca (ARAUJO; MERIGHI, 1993).

A terceirização não pode implicar em abandono completo do controle e das

atividades exercidas pelo terceiro, pois se faz necessário um acompanhamento de

supervisão de forma a assegurar a qualidade em monitoria constante, apenas

resguardando o cuidado com a não pessoalidade e subordinação ao trabalhador, pois

conforme aponta o art. 2º parágrafo 6º da Instrução Normativa nº. 3, “Os empregados da

empresa de serviços a terceiros não estão subordinados ao poder diretivo, técnico e

disciplinar da empresa contratante”, pois no art. 5º parágrafo único da mesma instrução,

esclarece que:

Presentes os requisitos configuradores da relação de emprego entre a contratante

e os empregados da empresa de prestação de serviços a terceiros ou desvio de

função destes, lavrar-se-á, em desfavor da contratante, o competente auto de

infração, pela caracterização do vínculo empregatício.

68

A Súmula nº. 331 expressa que legalmente as empresas não podem contrair

terceiras para a realização de atividade-fim, conforme aponta: “I - A contratação de

trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o

tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário”. Entretanto, na mesma

Súmula, esclarece que: “III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a

contratação de serviços [...] especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde

que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”, que caracterizaria vínculo

empregatício com o tomador.

Segundo Martins (2009) pessoalidade diz respeito à pessoa que presta serviços,

pessoa esta que não pode ser substituída por outra, sob pena de formar vínculo

empregatício com o último e nem ser pessoa jurídica, já que os contratos de trabalho

acolhem apenas pessoas físicas. Subordinação é a dependência ao empregador, sob seu

poder diretivo.

Na implantação da terceirização, quando se decide por sua efetivação, pode-se

encontrar resistências e barreiras internas dos colaboradores, informados pelos

convívios informais, como aponta:

[...] o simples desejo de terceirizar por parte da cúpula, gera um sentimento

negativo ainda que esteja tão somente e apenas no campo das idéias. E surge,

consequentemente, uma resistência natural à implantação do processo na

Empresa, mesmo que ele (o processo de terceirização) não esteja oficialmente

deflagrado. (FONTANELLA; TAVARES; LEIRIA, 1995, p. 60).

No circuito da implantação poderá acarretar em demissões em massa dos

trabalhadores do setor ou área correspondente. Algumas empresas até conseguem

realocar os colaboradores para outros setores ou funções, ou mesmo no auxílio aos

terceiros no próprio setor, mas comumente demissões são quase inevitáveis. A partir

desta constatação, poderá ocorrer intervenção do sindicato, na defesa dos trabalhadores,

gerando mais uma barreira a ser transposta pela empresa.

Normalmente o sindicato é avesso e reagente à terceirização e poderá, em alguns

casos, ser um inimigo ferrenho. Com amparo legal previsto na Constituição Federal,

poderá intervir nas relações de trabalho, de forma a contribuir para a defesa dos

trabalhadores. Poderá alegar, além das demissões, a precarização dos direitos

trabalhistas, aumento da rotatividade dos trabalhadores, redução da remuneração

percebida pelo trabalhador e a contribuição ao sub-emprego e ao mercado informal.

Alguns defensores da terceirização poderão entender essas alegações como a

69

fragmentação da unicidade do sindicato, com diminuição de funcionários da categoria,

de possíveis sindicalizações e representatividade da entidade, atrelada aos ganhos

financeiros, necessários para o funcionamento da atividade.

Outro ponto que precisa ser ponderado é o consequente aumento do grau de

dependência da empresa ao transferir para terceiros atividades da empresa. Conforme já

salientado, possíveis terceirizações devem transcorrer apenas em atividades que não

configurem sua atividade principal e que, na passagem, não transfiram segredos

industriais ou vestígios de tecnologias desenvolvidas pela empresa, caso contrário,

poderá estar fomentando um potencial concorrente. Mesmo porque, explica Martins

(1995, p. 39) que "será difícil admitir a terceirização da atividade-fim do

empreendimento, pois a empresa não estaria prestando serviços, mas fazendo

arrendamento do próprio negócio".

Os cuidados legais

Existem diversos cuidados a proceder em caso de terceirização. Inicialmente,

convém apresentar as definições dos participantes da relação trilateral, constituindo-se

do empregador (contratante), a empresa prestadora de serviços (contratada) e o

empregado, numa relação interposta. Conforme artigo 2° da CLT considera-se

empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade

econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. O art. 2º da

Instrução Normativa nº. 3 salienta que empresa prestadora de serviços é “[...] a pessoa

jurídica de direito privado, de natureza comercial, legalmente constituída, que se destina

a realizar determinado e específico serviço a outra empresa fora do âmbito das

atividades-fim”. Esclarece o artigo 3° da CLT que “Considera-se empregado toda

pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a

dependência deste e mediante salário”.

Em uma relação com terceiro o monitoramento deve ser periódico e permanente,

sempre exigindo a nota fiscal da prestação dos serviços e todos os recibos pertinentes

aos direitos do trabalhador da contratada, pois caso o contratante não cumpra seu papel

fiscalizador, passará a assumir o risco potencial da assunção da responsabilidade

subsidiária.

No ordenamento jurídico a idéia de responsabilidade subsidiária encontra-se

totalmente interligada com a culpa do agente, sendo de suma relevância para a

70

responsabilização pelos atos. Culpa no sentido lato, abrangendo tanto culpa quanto

dolo. O conceito de responsabilidade subsidiária pressupõe um benefício de ordem, ou

seja, somente é possível atingir o responsável secundário quando esgota a possibilidade

de responsabilizar o principal, mediante comprovação da inadimplência e insolvência

do devedor. Portanto, a subsidiariedade envolve dois agentes em face de um

beneficiário, observando que o agente secundário será sempre a ultima hipótese

possivelmente exigível.

Recentemente o Tribunal Superior do Trabalho aprovou alterações

jurisprudenciais na Súmula nº. 331, da legalidade da prestação de serviços, instrumento

jurídico regulador que revogou, atualizando e revisando a Súmula nº. 256, que regula as

questões relativas à terceirização, dando nova redação ao item IV e acrescentando os

incisos V e VI que tratam da responsabilização e penalização na relação com terceiros,

definindo em configuração de responsabilidade subsidiária e a obrigação do desembolso

de todos os custos decorrentes. Menciona-se no item “IV – O inadimplemento das

obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária

do tomador de serviços quanto aquelas obrigações, desde que haja participado da

relação processual e conste também do título executivo judicial” e complementa no item

“VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas

decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.

Para exemplificar quanto à extensão ou limites da responsabilização subsidiária,

em maio deste ano, em caso relatado pelo ministro José Roberto Freire Pimenta, a

empresa na condição de tomadora de serviços foi condenada de forma subsidiária, a

pagar pelas diferenças salariais devidas a ex-empregado pela empresa contratada.

Entretanto, ao recorrer ao TRT-15, foi liberada do pagamento referente às multas

convencionais, pois se concluiu que a responsabilidade subsidiária deve incidir apenas

sobre os direitos trabalhistas, e não sobre multas de índole punitiva e recolhimentos

fiscais e previdenciários. Inconformado com esse resultado, o trabalhador entrou com

recurso de revista no TST com argumento baseado na Súmula nº. 331, itens IV e VI, no

qual o relator observou que de fato o empregado tinha razão, pois a jurisprudência do

Tribunal entende que a condenação subsidiária do tomador de serviços abrange todas as

verbas devidas pelo devedor principal, inclusive as multas e verbas rescisórias ou

indenizatórias. O ministro esclareceu que o trabalhador não pode arcar com os prejuízos

decorrentes da falta de pagamento por parte da prestadora de serviços, cuja contratação

e fiscalização não lhe competiam. Assim, se a prestadora de serviços não efetuar o

71

pagamento do crédito ao trabalhador, essa responsabilidade é transferida, na sua

totalidade, à tomadora de serviço (ESPAÇO VITAL, 2011).

Em uma relação contratual de prestação de serviços, o contribuinte via de regra é

a empresa prestadora de serviços, pois segundo art. 2º parágrafo 5º da Instrução

Normativa nº. 3. “A empresa de prestação de serviços a terceiros contrata, remunera e

dirige o trabalho realizado por seus empregados”, contudo em situações específicas que

configurem ou não vínculo empregatício o legislador atribui ao contratante a condição

de co-responsável, assegurando o poder tributante ao adimplemento da obrigação.

Manifestam-se outras considerações, dentro da Instrução Normativa nº. 3, no

qual prevê o art. 2º parágrafo 4º que “Dependendo da natureza dos serviços contratados,

a prestação dos mesmos poderá se desenvolver nas instalações físicas da empresa

contratante ou em outro local por ela determinado”, e no art. 3º parágrafo 4º acrescenta

que “O contrato de prestação de serviços a terceiros pode abranger o fornecimento de

serviços, materiais e equipamentos”.

Quanto à fiscalização das atividades, compete ao ministério do trabalho

inspecionar a empresa de prestação de serviços a terceiros, observando as alíneas

previstas no art. 5º da Instrução Normativa nº. 3, que regulamenta a atividade do

terceiro. Segundo o artigo, as alíneas prevêem que o registro de empregado deverá

permanecer no local da prestação de serviços, salvo quando o empregado tiver cartão de

identificação, tipo crachá, contendo nome completo, função, data de admissão e número

do PIS/PASEP, hipótese em que a fiscalização fará a verificação do registro na sede da

empresa prestadora de serviços. O controle da jornada de trabalho deverá ser feito no

local da prestação de serviços. Ademais, o agente de inspeção do trabalho irá observar

as tarefas executadas pelo trabalhador a fim de constatar se estão ligadas às atividades-

fim ou essenciais do contratante e se há compatibilidade entre o objeto do contrato de

prestação de serviços e as tarefas desenvolvidas com o objetivo de averiguar se ocorre

desvio de função do trabalhador, além de analisar o contrato social das empresas para

verificar se as mesmas se propõem a explorar as mesmas atividades-fim, o que

consumaria vínculo empregatício com a contratante.

É importante mencionar que a contratação de terceiros, por empresa interposta,

não configura vínculo empregatício com os órgãos da administração pública direta,

indireta ou fundacional, entretanto as administrações podem responder

subsidiariamente, caso seja evidenciado conduta culposa na fiscalização do

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cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviços como

empregadora, conforme apontam os itens II e V da Súmula nº. 331 e como orienta a Lei

nº. 8.666, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal sobre as

normas para licitações e contratos da administração pública.

Quanto ao aspecto tributário relacionado à terceirização, vale considerar que os

impostos abrangem ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), IR (Imposto de

Renda), PIS (Programa de Integração Social), COFINS (Contribuição para o

Financiamento da Seguridade Social), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido) e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), sendo que este último

varia de acordo com a categoria de ocupação e com o município prestado. Nos federais,

dependendo do valor total da nota fiscal da prestação dos serviços e em alguns casos

específicos, poderá haver isenção. A empresa contratante será responsável pela retenção

e recolhimento de todos os impostos supracitados e, caso efetivamente não os recolha,

caracterizar-se-á ato ilícito presente no código penal de “apropriação indébita”, devendo

arcar com a responsabilização penal.

Os cuidados na implantação

Antes de tecer uma explicação sobre a implantação da terceirização, é essencial

mencionar os procedimentos que a antecedem. Como é sabido, a terceirização não se

aplica indistintamente a todas as atividades acessórias da empresa, pois primeiramente

se faz necessário um planejamento holístico das atividades, com levantamento das

funções e uma análise interna para a identificação das áreas com necessidade de

melhorias. O planejamento deverá responder quais as atividades a terceirizar, o porquê

da escolha, quais foram os critérios adotados e quais as formas de acompanhar e

mensurar os resultados. O planejamento é a parte mais importante e sensível da

preparação de um projeto de terceirização, no qual improvisação e precipitação não se

enquadram.

Para que a implantação da terceirização tenha os resultados esperados é

importante desenvolver um projeto de viabilidade, ponderando as questões financeiras,

estratégicas e de aplicabilidade. Para demonstrar a viabilidade financeira é necessário

levantar todos os custos incorridos e compará-los na relação com o terceiro, além de

necessariamente ponderar, durante a decisão, a questão da aplicabilidade, ou seja,

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imaginar a operacionalização e a funcionalidade da terceirização. A estratégica visa

identificar se a empresa percorre em direção aos objetivos determinados. Ademais,

torna-se necessário a formação de um grupo de trabalho, como um comitê de

terceirização, não sendo soberano, contudo com autonomia, formado por especialistas

das áreas de recursos humanos, acessoria jurídica e de planejamento estratégico

essencialmente. Esta equipe deverá ser responsável por estudar, analisar e definir a

empresa prestadora que melhor se enquadra nas necessidades da empresa contratante.

Conforme aponta Queiroz (1988b) a maioria das terceirizações brasileiras

acontecem sem o devido planejamento, decorrentes quase sempre pressionadas por

momentos de dificuldade econômica ou ameaçadas pela concorrência. Complementa

que esta postura tem levado as empresas a selecionarem prestadores sem os devidos

cuidados e acabam por contratar fornecedor, independente da sua qualificação,

competência, idoneidade ou capacidade, apenas se preocupando com o preço ofertado.

Nas cotações para a seleção do prestador de serviços é importante atentar para

precificações propostas muito abaixo da realidade do mercado, pois pode denotar fraude

ou ilegalidade e, com isso, poderá resultar em maiores custos, problemas legais,

trabalhistas e previdenciários, além de poder resultar numa qualidade duvidosa.

Complementa Queiroz (1998b) que não existem projetos de terceirização isentos de

riscos, entretanto a probabilidade pode ser minimizada dependendo da forma adotada

para o seu gerenciamento.

É essencial ser firmado um contrato, sob o qual deverão estabelecer-se

claramente as responsabilidades das partes, com as exigências de qualidade e

parâmetros de precificação, no qual deverá ser amplamente discutido, avaliado e

principalmente equilibrado, com cláusulas exeqüíveis e sem a preponderância unilateral,

ou seja, sem submissão de uma das partes. Conforme Prado (s/a, p. 30) “[...] O melhor

contrato é aquele que aproxima os interesses entre contratantes e contratados”.

Posteriormente ao recrutamento criterioso da empresa terceira para a prestação

dos serviços é importante verificar paralelamente sua idoneidade por meio da

solicitação de certidões atualizadas e negativas de débito junto ao Instituto da

Previdência Social, Receita Federal, Prefeitura Municipal e do Fundo de Garantia por

Tempo de Serviços, além de solicitar o contrato social para maiores averiguações e

conhecimentos.

Conforme já salientado, existem alguns atos configuradores de vínculo

empregatício como a pessoalidade e a subordinação, entretanto é importante sempre

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acompanhar as atividades do terceiro contemplando a mensuração do seu desempenho,

além de ser imprescindível a preocupação do tomador de serviços em comunicar,

explicar e alentar aos empregados sobre as ações que podem serem executadas e as

legalmente proibitivas, principalmente na fase de adaptação, que poderia conduzir ao

insucesso da terceirização.

Conclusão

Em decorrência da competitividade maçante que se apresenta e a necessidade de

prover a sobrevivência e o desenvolvimento organizacional é que alternativas surgem

como metodologia para auxiliar administrativa e estrategicamente as empresas. Dentre

elas, a terceirização, que não implica na resolução plena das disfunções da burocracia,

mas possibilita para a empresa, a concentração nas atividades da cerne do seu negócio,

naquelas que agregam valor e que consumarão, principalmente, o desempenho

organizacional. No momento em que o terceiro passa a assumir funções que antes eram

realizadas internamente pela empresa, deve haver harmonia e até certa cumpricidade

entre as duas empresas, configurando uma relação sinérgica e objetivando o benefício

comum.

Verifica-se nos dias contemporâneos que existem variadas motivações para a

implantação da terceirização nas empresas, desde as que seguem os “modismos” da

administração, as que aderem pela existência no concorrente, algumas por defasagem

em alguma área, pela tentativa de redução de custos ou pela constante procura de

kaizen, ou melhoria contínua, que justificaria o estudo e o planejamento para a

implantação.

As grandes preocupações da terceirização devem centrar-se na localização de

parceiro ideal, aquele que atenderá às necessidades da empresa, e na atenção à

legislação correlacionada, pois com a não observação das regulamentações jurídicas,

pode-se configurar, por diversas causas, vínculo empregatício com o tomador de

serviços, além de poder motivar a responsabilização subsidiaria, em caso de

inadimplência dos direitos do trabalhador, pela insolvência da contratada. Outro aspecto

deriva do desempenho da contratada que poderá contribuir, tanto negativamente, com

atuações despreparadas e desqualificadas, quanto transcorrer de forma eficiente e eficaz,

que conforme explicita Prado (s/a) o suporte especializado e competente de

fornecedores terceirizados permite ao tomador de serviços que se dedique com mais

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afinco e inteiramente às atividades principais e essenciais da empresa, gerando produtos

atrativos, eficazes e qualificados para os consumidores, perenizando a sua atividade

empresarial e podendo significar a consolidação de uma vantagem competitiva. A

terceirização surge como oportunidade.

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