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Estruturas de Poisson Não Comutativas Marcos Alexandre Laudelino Orseli Dissertação apresentada ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Programa: Matemática Orientador: Prof. Dr. Cristián Ortiz Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu auxílio financeiro CNPQ, processo: 132975/2017-3 Sâo Paulo, Fevereiro de 2019

 · Sumário 0 Introdução 7 1 Geometria de Poisson 9 1.1 Variedades de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1.2 Bivetor de

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Estruturas de Poisson Não Comutativas

Marcos Alexandre Laudelino Orseli

Dissertação apresentadaao

Instituto de Matemática e Estatísticada

Universidade de São Paulopara

obtenção do títulode

Mestre em Ciências

Programa: MatemáticaOrientador: Prof. Dr. Cristián Ortiz

Durante o desenvolvimento deste trabalho o autor recebeu auxílio financeiro CNPQ, processo:132975/2017-3

Sâo Paulo, Fevereiro de 2019

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Estruturas de Poisson Não Comutativas

Esta é a versão original da dissertação elaborada pelocandidato Marcos Alexandre Laudelino Orseli, tal como

submetida à Comissão Julgadora.

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Agradecimentos

Agradeço ao CNPQ pelo financiamento e a todos que tornaram possível a produção destadissertação.

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Resumo

Introduzimos o conceito de estrutura de Poisson não comutativa em álgebras associativas emostra como este conceito se relaciona com o caso clássico, quando a álgebra em questão é aálgebra de funções em uma variedade de Poisson. Mostramos como quocientes simpléticos, nãonecessariamente suaves, fornecem exemplos de estruturas de Poisson não comutativas.

Palavras-chave: Cohomologia de Hochschild. Geometria de Poisson. Geometria Não Comu-tativa.

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Abstract

We introduce the concept of noncommutative Poisson structure on associative algebras andshows how this concept is related to the classical case, that is, the algebra under study isthe algebra of functions on a Poisson manifold. We also show how symplectic quotients, notnecessarily smooth, provides examples of noncommutative Poisson structures.

Keywords: Hochschild Cohomology. Poisson Geometry. Noncommutative Geometry.

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Sumário

0 Introdução 7

1 Geometria de Poisson 91.1 Variedades de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91.2 Bivetor de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.3 Colchete de Schouten . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.4 Ações de Grupo e Redução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161.5 Cohomologia de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161.6 Cohomologia de Poisson e Cohomologia de de Rham . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2 Geometria Não Comutativa 202.1 Grupoides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202.2 Álgebras de grupoides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3 Cohomologia de Hochschild 263.1 Definição de Homologia e Cohomologia de Hochschild . . . . . . . . . . . . . . . 263.2 Interpretação em Graus Baixos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303.3 Produto Cup . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.4 Colchete de Gerstenhaber . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.5 Versão Topológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323.6 Equivalência de Morita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343.7 Hochschild-Kostant-Rosenberg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4 Geometria de Poisson Não Comutativa 394.1 Estruturas de Poisson em Álgebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 394.2 Cohomologia de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 404.3 Redução de Poisson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 424.4 Toro não comutativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 464.5 Outras Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

4.5.1 Folheações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 534.5.2 Orbifolds . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 544.5.3 Dinâmica Hamiltoniana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

Referências Bibliográficas 55

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Capítulo 0

Introdução

Em Geometria Diferencial os objetos fundamentais de estudo são as variedades diferenciáveis.Muitas vezes, uma variedade M vem munida de uma noção de simetria a qual determina umarelação de equivalência R ⊆ M ×M . Por exemplo, a relação de equivalência pode ser dada pelaação de um grupo de Lie ou pelas folhas de uma folheação regular. Neste contexto, o problemaprincipal consiste em estudar o espaço topológico quociente M/ ∼ definido pela relação deequivalência R ⊆ M ×M . Este espaço quociente pode ser suave, mas em geral isto não acontecee o espaço quociente M/ ∼ pode ter singularidades, e.g. orbifolds. O Critério de Godementdá condições para que um quociente M/ ∼ seja suave. De forma precisa, se R ⊆ M × Mé uma subvariedade fechada e as projeções pr1, pr2 : R ⊆ M × M → M são submersõessobrejetoras, então M/ ∼ herda uma estrutura de variedade diferenciável carcaterizada pelaprojeçãoM → M/ ∼ ser uma submersão sobrejetora. Decorre deste resultado que seG×M → Mé uma ação livre e própria, então o espaço de órbitas M/G é uma variedade suave.

O critério de Godement pode ser interpretado em termos de grupoides de Lie. Um grupoidede Lie é um grupoide interno na categoria das variedades diferenciáveis. Toda submersão sobre-jetora p : M → N determina o grupoide de submersão M ×N M sobre M , que nada mais é doque o gráfico da relação de equivalência em M dada por x ∼ y se p(x) = p(y). Todo grupoide deLie tem um espaço de órbitas, o qual se reduz a N no caso do grupoide de submersão M ×NM .O critério de Godement de fato diz que todo quociente suave de uma variedade diferenciável érealizado como o espaço de órbitas de um grupoide de submersão.

Grupoides de Lie unificam várias estruturas, incluindo submersões, grupos de Lie, variedades,ações de grupos de Lie, folheações, entre outras. Em cada caso, temos um espaço de órbitas quepode não ser suave. Para lidarmos com estes quocientes não suaves, nesta dissertação usamosideias da Geometria não comutativa. A ideia é substituir a álgebra de funções no quociente poruma álgebra associativa canonicamente associada, tipicamente a álgebra de convolução de umgrupoide.

Outro problema que aparece no estudo de simetrias em variedades é o problema da redução deestruturas geométricas. Por exemplo, em geometria simplética muitas vezes precisamos estudarreduções simpléticas e reduções de Poisson, onde é essencial que a ação que temos na variedadeseja livre e própria para que os quocientes façam sentido como variedades simpléticas ou dePoisson. De forma precisa, se (M,π) é uma variedade de Poisson e G é um grupo de Lie que ageem M preservando a estrutura de Poisson, então a álgebra de funções invariantes C∞(M)G ⊆C∞(M) é uma subálgebra de Poisson. Em particular, se a ação é livre e própria, a variedadequociente M/G herda uma estrutura de Poisson através da identificação C∞(M)G ∼= C∞(M/G).

Porém as vezes precisamos encarar a situação em que os quocientes usuais no processo deredução não são suaves e gostaríamos de entender em que sentido o quociente M/G admite umaestrutura de Poisson. Esta pergunta é a motivação principal da presente dissertação, na qualestudamos o conceito de estrutura de Poisson não comutativa, i.e. uma estrutura de Poisson emuma álgebra não necessariamente comutativa. Veremos que um quociente não suave M/G de

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uma variedade de Poisson pode ser pensado como uma estrutura de Poisson não comutativa emuma álgebra produto cruzado.

O conceito de estrutura de Poisson não comutativa foi introduzido por Xu (Xu, 1994) e estu-dado por outros autores ((Halbout & Tang, 2010)(Tang, 2004), (Block & Getzler, 1992),(Kordyukov,2010)). A ideia central é a seguinte: uma versão do Teorema de Hochschild-Kostant-Rosenberg3.7.1 estabelece um isomorfismo

HH∗(C∞(M)) ∼= Γ∞(Λ∗TM),

entre a cohomologia de Hochschild da álgebra de funções C∞(M) em uma variedadeM e o espaçodos multivetores em M . Em particular, uma estrutura de Poisson π ∈ Γ(Λ2TM) correspondea um 2-cociclo de Hochschild π em C∞(M) tal que o colchete de Gerstenhaber Jπ, πK é um 3-cobordo de Hochschild. Desta forma, se A é uma álgebra associativa qualquer, uma estruturade Poisson não comutativa em A é definida por um 2-cociclo de Hochschild π em A tal que ocolchete de Gerstenhaber Jπ, πK = 0 é zero na cohomologia de Hochschild de grau 3.

Nesta dissertação estudamos estruturas de Poisson não comutativas e apresentamos as prin-cipais propriedades e exemplos. A dissertação esta organizada da seguinte forma. No Capítulo1 apresentamos os conceitos básicos da Geometria de Poisson, incluindo bivetores de Poisson,exemplos principais bem como a definição da cohomologia de Poisson de uma variedade de Pois-son. No capítulo 2, discutimos brevemente como a álgebras de convolução de um grupoidesserve como modelo para a álgebra de funções de um espaço singular. O Capítulo 3 apresenta deforma detalhada o complexo de Hochschild de uma álgebra associativa, bem como a descriçãoda cohomologia de Hochschild em termos de funtores derivados. Também é introduzido o col-chete de Gerstenhaber e a prova de uma versão do Teorema de Hochschild-Kostant-Rosenberg.O Capítulo 4 introduz o conceito de estrutura de Poisson não comutativa e representa a parteprincipal deste trabalho. Mostramos como um quociente de uma variedade de Poisson determinauma estrutura de Poisson não comutativa em uma álgebra produto cruzado (Teorema 4.3.3).Também provamos que o toro não comutativo possui uma estrutura de Poisson não comutativanatural (Teorema 4.4.2). Encerramos o trabalho apresentando brevemente outros resultadosexistentes em geometria de Poisson não comutativa.

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Capítulo 1

Geometria de Poisson

1.1 Variedades de PoissonEm mecânica clássica o estado de um sistema com n graus de liberdade no tempo t é dado

por um ponto (qi(t), pi(t)), i = 1, . . . , n em R2n, onde qi são chamadas coordenadas posição, picoordenadas momento e R2n é chamado espaço de fase do sistema. Temos que a evolução dosistema no tempo é governada por uma função H : R2n → R chamada Hamiltoniano no sentidode que o sistema satisfaz as equações de Hamilton:

qi = ∂H∂pi

(i = 1, . . . , n)pi = −∂H

∂qi

Definindo o colchetef, g :=

n∑i=1

∂f

∂pi

∂g

∂qi− ∂f

∂qi

∂g

∂pi,

vemos que dado um Hamiltoniano H : R2n → R as equações de Hamilton são dadas por:

xi = H,xi, (i = 1, . . . , n)

onde xi é uma das coordenadas pi ou qi.Este colchete possui as seguintes propriedades:

1. Antissimetria:f, g = −g, f

2. R-bilinearidade:f, ag + bh = af, g + bf, h

3. Identidade de Jacobi: f, g, h + g, h, f + h, f, g = 0

4. Identidade de Leibniz: f, gh = gf, h + f, gh

Note que a identidade de Leibniz nos dá que H, · é uma derivação ou seja, existe um campode vetores XH tal que

XH(f) = H, f,

tal campo é chamado de campo Hamiltoniano associado a H. Observe que o campo Hamiltonianoé escrito em coordenadas da seguinte maneira:

XH =n∑i=1

∂H

∂pi

∂qi− ∂H

∂qi

∂pi,

logo as equações de Hamilton são apenas as equações das curvas integrais de XH . Isto é,

x(t) = XH(x(t)).

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Desta forma nós escrevemos as equações de Hamilton de uma forma geométrica, dependendoapenas do colchete. O fato dos espaços de fase não serem sempre espaços euclidianos motiva aseguinte definição:

Definição 1.1.1. Um colchete de Poisson em uma variedade M é uma aplicação

·, · : C∞(M) × C∞(M) → C∞(M)

que satisfaz:

1. Antissimetria:f, g = −g, f

2. R-bilinearidade:f, ag + bh = af, g + bf, h

3. Identidade de Jacobi: f, g, h + g, h, f + h, f, g = 0

4. Identidade de Leibniz: f, gh = gf, h + f, gh

para f, g, h ∈ C∞(M).Uma variedade de Poisson (M, ·, ·) é uma variedade suave M com um colchete de Poisson

em C∞(M).

Exemplo 1.1.1. R2n com o colchete definido anteriormente é uma variedade de Poisson.

Exemplo 1.1.2. Toda variedade suave possui um colchete de Poisson trivial definido porf, g = 0, ∀f, g ∈ C∞(M).

Exemplo 1.1.3. O espaço dual de uma álgebra de Lie de dimensão finita possui uma estruturade Poisson canônica chamada estrutura de Lie-Poisson. Primeiramente observe que se g∗ é oespaço dual de uma álgebra de Lie g, podemos identificar o espaço tangente em cada ponto deg∗ com g∗. Assim, dada f ∈ C∞(g∗) temos que

dfα : Tαg∗ = g∗ → R

pode ser identificada com um elemento de g. Logo definimos o colchete de Poisson em g∗ daseguinte forma

f, g : g∗ → Rθ 7→ −θ[df, dg],

onde f, g ∈ C∞(g∗).

Exemplo 1.1.4. Suponha que (M,ω) é uma variedade simplética, isto é, uma variedade suaveM com uma 2-forma não degenerada ω. Podemos definir uma estrutura de Poisson em M daseguinte maneira

f, g = ω(Xg, Xf ),onde Xg é o campo Hamiltoniano associado a g, i.e, ω(Xg, •) = dg.

Uma função f ∈ C∞(M) é chamada integral primeira de um campo vetorial X se

d

dt(f(x(t))) = 0

para cada curva integral x(t) de X. Observe que f é integral primeira se, e somente se, X(f) = 0.Conhecer integrais primeiras nos permite reduzir o número de variáveis no problema de encontraras curvas integrais de um campo vetorial. Quando o campo for um campo Hamiltoniano Xh

temos que f é integral primeira se, e somente se,

Xh(f) = h, f = 0

disto segue imediatamente que o Hamiltoniano é uma quantidade conservada:

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Teorema 1.1.1. O Hamiltoniano h é uma integral primeira do campo Hamiltoniano Xh.

Demonstração. Pela antissimetria do colchete de Poisson temos que

Xh = h, h = 0.

O colchete de Poisson também nos permite encontrar mais integrais primeiras:

Teorema 1.1.2. Se f, g ∈ C∞(M) são integrais primeiras do campo Hamiltoniano Xh, h ∈C∞(M), então f, g também é uma integral primeira de Xh.

Demonstração. Da identidade de Jacobi segue que:

Xh(f, g) = h, f, g = g, h, f + h, f, g = 0.

1.2 Bivetor de PoissonNesta seção expressaremos as estruturas de Poisson em uma variedade suave M de uma

forma geométrica. Isto é, em termos de tensores.Sejam M uma variedade suave e q um inteiro positivo. Denotaremos por Λq(TM) o espaço

q-vetores em M . Λq(TM) é um fibrado vetorial sobre M cuja fibra sobre um ponto p ∈ M éo espaço vetorial Λq(TpM) que é o produto exterior de q cópias de TpM . Se (x1, . . . , xn) é umsistema de coordenadas locais em p ∈ M então os elementos ∂

∂xi1∧· · ·∧ ∂

∂xiq(p) com i1 < · · · < iq

formam uma base de Λq(TpM) e além disso, note que como TM é trivial sobre o domínio dequalquer sistema de coordenadas, o fibrado Λq(TM) também é.

Um campo suave de q-vetores em M é uma seção suave de Λq(TM). Isto é, uma funçãosuave Π: M → Λq(TM) que satisfaz Π(p) ∈ Λq(TpM) para todo p ∈ M . Em coordenadas locaisx = (x1, . . . , xn), Π tem a expressão

Π(x) =∑

i1<···<iqΠi1...iq (x) ∂

∂xi1∧ . . . ∧ ∂

∂xiq,

onde as componentes Πi1...iq são funções suaves que chamaremos de coeficientes de Π.Podemos interpretar os q-vetores como objetos duais às q-formas diferenciais da seguinte

maneira. Se Π é um q-vetor e ω é uma q-forma diferencial que são expressados em coordenadaspor Π(x) =

∑i1<···<iq Πi1...iq

∂∂xi1

∧ . . . ∧ ∂∂xiq

e ω(x) =∑i1<···<iq ωi1...iq dxi1 ∧ . . . ∧ dxiq , onde

Πi1...iq e ωi1...iq são funções suaves, então temos um pareamento

< ω,Π >=∑

i1<···<iqωi1...iq Πi1...iq .

Usaremos também a notação ω(Π) para < ω,Π >.Observe que a definição de < ω,Π > é independente da escolha de coordenadas. De fato, se

y = (y1, . . . , yn) é outro sistema de coordenadas no qual temos Π(y) =∑i1<···<iq Π′

i1...iq∂

∂yi1∧

. . . ∧ ∂∂yiq

e ω(y) =∑i1<···<iq ω

′i1...iq dyi1 ∧ . . . ∧ dyiq então

ωi1...iq = ω′i1...iq

∂(yi1 , . . . , yiq )∂(xi1 , . . . , xiq )

e Πi1 . . . iq = Π′i1...iq

∂(xi1 , . . . , xiq )∂(yi1 , . . . , yiq )

.

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Portanto

ωi1...iq Πi1 . . . iq = ω′i1...iq

∂(yi1 , . . . , yiq )∂(xi1 , . . . , xiq )

Π′i1...iq

∂(xi1 , . . . , xiq )∂(yi1 , . . . , yiq )

= ω′i1...iq Π′

i1...iq .

Desta discussão segue que podemos considerar os q-vetores como operadores C∞(M)-linearesde q-formas diferenciais para C∞(M) e as q-formas diferenciais como operadores C∞(M)-linearesde q-vetores para C∞(M).

Assim como campos vetoriais podem ser identificados com derivações da álgebra C∞(M),dado um q-vetor Π podemos definir uma aplicação R-multilinear anti-simétrica de C∞(M) × · · · ×︸ ︷︷ ︸

q-vezes

C∞(M)

em C∞(M) porΠ(f1, . . . , fq) := Π(df1 ∧ · · · ∧ dfq). (1.1)

De modo inverso temos

Lema 1.2.1. Uma aplicação R-multilinear Π: C∞(M) × · · · ×︸ ︷︷ ︸q-vezes

C∞(M) → C∞(M) vem de um

q-vetor pela fórmula 1.1 se, e somente se, Π é anti-simétrica e satisfaz a regra de Leibniz

Π(fg, f2, . . . , fq) = fΠ(g, f2, . . . , fq) + Π(f, f2, . . . , fq)g.

Chamaremos uma aplicação que satisfaz as condições acima de multi-derivação. O que olema acima nos diz é que podemos identificar campos de multi-vetores com multi-derivações.

Demonstração. Observe que o "somente se"segue diretamente da fórmula 1.1. Agora primei-ramente temos que mostrar que o valor de Π(f1, . . . , fq) em um ponto p ∈ M depende ape-nas do valor de df1, . . . , dfq em p. Equivalentemente basta verificar que se df1(p) = 0 entãoΠ(f1, . . . , fq) = 0. Se df1(p) = 0 temos, pelo teorema de Taylor, f1 = c+

∑i xigi, para alguma

constante c, onde xi e gi são funções suaves que se anulam em p. Pela regra de Leibniz temos

Π(1.1, . . . , fq) = Π(1, . . . , fq) + Π(1, . . . , fq) ⇒ Π(1, . . . , fq) = 0

e, portanto,

Π(f1, . . . , fq)(p) = Π(c+∑i

xigi, . . . , fq)(p) = Π(c, . . . , fq)(p) +∑i

Π(xigi, . . . , fq)(p)

= cΠ(1, . . . , fq)(p) +∑i

xi(p)Π(gi, . . . , fq)(p) +∑i

gi(p)Π(xi, . . . , fq)(p)

= 0.

Logo, uma multi-derivação é um operador C∞(M)-linear no espaço das formas diferenciais eportanto pode ser identificada com um multi-vetor.

Um caso particular do lema anterior são os colchetes de Poisson. Como um colchete dePoisson é uma aplicação R-multilinear ·, · : C∞(M) ×C∞(M) → C∞(M) anti-simétrica e quesatisfaz a regra de Leibniz segue do lema que

f, g = π(df ∧ dg)

para algum bivetor π, onde f, g ∈ C∞(M).Um bivetor π tal que o colchete f, g := π(df ∧ dg) é um colchete de Poisson é chamado

bivetor de Poisson.

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Dadas coordenadas (x1, . . . , xn), um bivetor de Poisson π é dado nessas coordenadas por

π =∑i<j

πij∂

∂xi∧ ∂

∂xj= 1

2∑i,j

πij∂

∂xi∧ ∂

∂xj,

onde πij ∈ C∞(M) é a função dada por πij = π(dxi ∧ dxj) = xi, xj, e

f, g =∑i<j

πij∂

∂xi∧ ∂

∂xj

∑i,j

∂f

∂xi

∂g

∂xjdxi ∧ dxj

=∑i,j

πij∂f

∂xi

∂g

∂xj.

1.3 Colchete de SchoutenNesta seção introduziremos um colchete para multivetores que estende de forma natural o

colchete de Lie de campos vetoriais. Este colchete nos dará uma condição geométrica para umbivetor ser um bivetor de Poisson.

Se A =∑i ai

∂∂xi

e B =∑i bi

∂∂xi

são dois campos de vetores escritos em um sistema decoordenadas (x1, . . . , xn), o colchete de Lie de A e B é dado por

[A,B] =∑i

ai(∑j

∂bj∂xi

∂xj) −

∑i

bi(∑j

∂aj∂xi

∂xj).

Escrevendo ζi = ∂∂xi

e tomando a álgebra gerada pelos ζi com as relações ζiζj = −ζjζi, podemosescrever formalmente os campos de vetores como A =

∑i aiζi e B =

∑i biζi e considerá-los como

funções das variáveis (xi, ζi), lineares em ζi. Desta forma o colchete de Lie de A e B se escrevecomo

[A,B] =∑i

∂A

∂ζi

∂B

∂xi−∑i

∂B

∂ζi

∂A

∂xi.

SeΠ =

∑i1<···<ip

Πi1...ip∂

∂xi1∧ . . . ∧ ∂

∂xip∈ Γ(ΛpTM)

é um p-multivetor dado nas coordenadas (x1, . . . , xn), escrevendo nas coordenadas (xi, ζi) obte-mos

Π =∑

i1<···<ipΠi1...ipζi1 . . . ζip.

Vamos utilizar a seguinte regra para derivadas nas variáveis ζi:

∂(ζi1 . . . ζip)∂ζik

:= (−1)p−kζi1 . . . ζik . . . ζip .

Se A =∑i1<···<ia Ai1...iaζi1 . . . ζia e B =

∑i1<···<ib Bi1...ibζi1 . . . ζib são dois multivetores, a

expressão que obtemos para o colchete de Lie nos motiva a definir

[A,B] =∑i

∂A

∂ζi

∂B

∂xi− (−1)(a−1)(b−1)∑

i

∂B

∂ζi

∂A

∂xi.

Temos que [A,B] é um polimômio homogêneo nas variáveis ζi de grau a + b − 1, e portanto[A,B] é um (a+ b− 1)-multivetor.

Teorema 1.3.1. O colchete definido anteriormente possui as seguintes propriedades:

1. Anti-comutatividade graduada: se A é um a-multivetor e B é um b-multivetor então

[A,B] = (−1)(a−1)(b−1)[B,A].

13

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2. Regra de Leibniz graduada: se A é um a-multivetor, B é um b-multivetor e C é um c-multivetor então

[A,B ∧ C] = [A,B] ∧ C + (−1)(a−1)bB ∧ [A,C],[A ∧B,C] = A ∧ [B,C] + (−1)(c−1)b[A,C] ∧B.

3. Identidade de Jacobi graduada: se A é um a-multivetor, B é um b-multivetor e C é umc-multivetor então

(−1)(a−1)(c−1)[A, [B,C]] + (−1)(b−1)(a−1)[B, [C,A]] + (−1)(c−1)(b−1)[C, [A,B]] = 0.

4. Se A é um campo de vetores e B é um b-multivetor então

[A,B] = LAB,

onde LA é a derivada de Lie por A. Em particular temos que se B é um campo de vetoresentão o colchete que definimos coincide com o colchete de Lie de campos. Se B = f é umafunção então [A, f ] = A(f) = df(A).

Demonstração. A demonstração de 1 segue diretamente da definição.2: A regra de derivação implica que

∂B ∧ C

∂ζi= B

∂C

∂ζi+ (−1)c∂B

∂ζiC.

Logo

[A,B ∧ C] =∑i

∂A

∂ζi

∂(B ∧ C)∂xi

− (−1)(a−1)(b+c−1)∑i

∂(B ∧ C)∂ζi

∂A

∂xi

=∑i

∂A

∂ζi

∂B

∂xiC +

∑i

∂A

∂ζiB∂C

∂xi− (−1)(a−1)(b+c−1)∑

i

B∂C

∂ζi

∂A

∂xi

− (−1)(a−1)(b+c−1)+c∑i

∂B

∂ζiC∂A

∂xi

=∑i

∂A

∂ζi

∂B

∂xiC − (−1)(a−1)(b+c−1)+c+ac∑

i

∂B

∂ζi

∂A

∂xiC

+ (−1)(a−1)b(

−(−1)(a−1)(c−1)∑i

B∂C

∂ζi

∂A

∂xi+∑i

B∂A

∂ζi

∂C

∂xi

)= [A,B] ∧ C + (−1)(a−1)bB ∧ [A,C]

e

[A ∧B,C] = −(−1)(c−1)(a+b−1)[C,A ∧B]= −(−1)(c−1)(a+b−1)[C,A] ∧B − (−1)(c−1)(a+b−1)(−1)(c−1)aA ∧ [C,B]= −(−1)(c−1)(a+b−1)(−(−1)(a−1)(c−1))[A,C] ∧B

− (−1)(c−1)(a+b−1)(−1)(c−1)a(−(−1)(b−1)(c−1))A ∧ [B,C]= A ∧ [B,C] + (−1)(c−1)b[A,C] ∧B.

3: Calculando diretamente temos

(−1)(a−1)(c−1)[A, [B,C]] = S1 + S2 + S3 + S4

14

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onde

S1 = (−1)(a−1)(c−1)∑i,j

∂A

∂ζj

∂2B

∂xj∂ζi

∂C

∂xi− (−1)(a−1)(b−1)∑

i,j

∂B

∂ζi

∂2C

∂xi∂ζj

∂A

∂xj,

S2 = (−1)(a−1)(c−1)∑i,j

∂A

∂ζj

∂B

∂ζi

∂2C

∂xixj− (−1)(c−1)(b−1)∑

i,j

∂C

∂ζi

∂A

∂ζj

∂2B

∂xi∂xj,

S3 = (−1)(b−1)(a−1)∑i,j

∂2B

∂ζj∂xi

∂C

∂ζi

∂A

∂xj− (−1)(c−1)(b−1)∑

i,j

∂2C

∂ζi∂xj

∂A

∂ζj

∂B

∂xi,

S4 = (−1)(b−1)(a+c)+b∑i,j

∂2C

∂ζi∂ζj

∂A

∂xi

∂B

∂xj− (−1)(a−1)(b−1)+c∑

i,j

∂2B

∂ζj∂ζi

∂C

∂xi

∂A

∂xj

= (−1)(b−1)(c−1)+a∑i,j

∂2C

∂ζj∂ζi

∂A

∂xi

∂B

∂xj− (−1)(a−1)(b−1)+c∑

i,j

∂2B

∂ζj∂ζi

∂C

∂xi

∂A

∂xj.

Cada um dos Si será zero quando somados com um termo similar de (−1)(b−1)(a−1)[B, [C,A]] e(−1)(c−1)(b−1)[C, [A,B]].

4: Se f é uma função e X =∑i ξi

∂∂xi

é um campo vetorial, então ∂f∂ζi

= 0 e [X, f ] =∑ ∂X∂ζi

∂f∂xi

=∑ξ ∂f∂xi

= X(f). Claramente da definição do colchete segue que ele coincide como colchete de Lie quando a = b = 1. Se A é um campo vetorial e B é um b-multivetor,[A,B] = LAB segue por indução usando a regra de Leibniz.

Observe que o colchete definido anteriormente depende de uma escolha de coordenadas locaisa princípio. Porém da regra de Leibniz segue que o cálculo do colchete de multivetores se reduzao cálculo de colchetes de Lie de campos de vetores. Como o colchete de Lie de campos devetores não depende da escolha de coordenadas locais segue que o colchete de multivetores nãodepende da escolha de coordenadas locais. Logo dados multivetores A,B tem-se que [A,B] éum multivetor bem definido.

Definição 1.3.1. Se M é uma variedade suave, A é um a-multivetor e B é um b-multivetor,então o único (a+b−1)-multivetor [A,B] definido anteriormente em cada sistema de coordenadaslocais é chamado o colchete de Schouten de A e B.

O colchete de Schouten nos dá uma forma muito conveniente de caracterizar estruturas dePoisson e campos Hamiltonianos.

Teorema 1.3.2. Um bivetor Π é um bivetor de Poisson se e somente se

[Π,Π] = 0 ∈ Γ(Λ3TM).

Se Π é um bivetor de Poisson e f ∈ C∞(M) é uma função, o campo Hamiltoniano associado af satisfaz

Xf = −[Π, f ].

Demonstração. Se em um sistema de coordenadas locais (x1, . . . , xn) temos

Π =∑i<j

Πij∂

∂xi∧ ∂

∂xj

então

−[Π, f ] = −[Π =∑i<j

Πij∂

∂xi∧ ∂

∂xj, f ] = −

∑ij

Πij∂

∂xi

∂f

∂xj=∑ij

Πij∂f

∂xi

∂xj= Xf .

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1.4 Ações de Grupo e ReduçãoLembre que uma ação à esquerda de um grupo de Lie G em uma variedade suave M é uma

aplicação suave ρ : G×M → M tal que

ρ(e, p) = p, ∀p ∈ M

onde e é a identidade do grupo G e

ρ(gh, p) = ρ(g, ρ(h, p)), ∀g, h ∈ G, ∀p ∈ M.

De forma análoga uma ação à direita de um grupo de Lie G em uma variedade suave M éuma aplicação suave ρ : M ×G → M tal que

ρ(p, e) = p, ∀p ∈ M

eρ(p, gh) = ρ(ρ(p, g), h), ∀g, h ∈ G, ∀p ∈ M.

Motivados pelo fato de os espaços de fase muitas vezes admitirem simetrias somos levadosao estudo de ações de grupos de Lie em variedades de Poisson. Se um grupo de Lie G age emuma variedade de Poisson (M,π) de forma que a ação preserva a estrutura de Poisson π então oespaço C∞(M)G de funções G-invariantes em M é uma álgebra de Poisson no seguinte sentido

Definição 1.4.1. Uma estrutura de Poisson em uma álgebra associativa comutativa A é umcolchete anti-simétrico ·, · : A×A → A que satisfaz a identidade de Leibniz e a identidade deJacobi. Dizemos que uma álgebra com uma estrutura de Poisson é uma álgebra de Poisson.

Lembre que uma ação de um grupo de Lie G em uma variedade suave M é própria se aaplicação ρ : G × M → M × M é própria. Em particular, se G é compacto a ação sempre éprópria. Se a ação for livre e própria sabemos que o quociente M/G é uma variedade e podemosidentificar C∞(M/G) com C∞(M)G através do pullback pela aplicação quociente M → M/G.Portanto se M é uma variedade de Poisson temos que M/G herda uma estrutura de Poissonde forma que a aplicação M → M/G é um morfismo de Poisson, esta estrutura é chamadaestrutura de Poisson reduzida. Observe que se tivermos um campo Hamiltoniano Xh em M ,com h ∈ C∞(M)G, podemos projetar este campo para um campo Hamiltoniano Xh em M/Gatravés da projeção M → M/G. Note que dim M/G = dim M − dim G e portanto paraencontrar as curvas integrais de Xh precisaremos resolver um número menor de equações commenos variáveis do que para encontrar as curvas integrais de Xh, e portanto uma simplificaçãodo sistema Hamiltoniano dado por h.

Exemplo 1.4.1. Suponha que S1 age em S2 por rotações em torno de um eixo fixado. Temosque essa ação é de Poisson pois ela preserva a estrutura simplética dada pela forma volume.Como esta ação não é livre (todos elementos do grupo fixam o ponto (0, 0)) temos que o espaçoquociente não é uma variedade suave. Neste caso, veremos no Capítulo 4 que não temos umaestrutura de Poisson no quociente porém teremos uma estrutura de Poisson não comutativa.

1.5 Cohomologia de PoissonVeremos nesta seção que podemos definir uma cohomologia para variedades de Poisson uti-

lizando o colchete de Schouten. No capítulo 4 veremos que também podemos definir umacohomologia de Poisson para estruturas de Poisson não comutativas de forma análoga,utilizando o colchete de Gerstenhaber.

Baseados no seguinte lema podemos definir uma cohomologia de variedades de Poisson.

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Lema 1.5.1. Seja (M,π) uma variedade de Poisson e A um a-campo multivetorial. Então

[π, [π,A]] = 0,

onde [·, ·] é o colchete de Schouten.

Demonstração. Pela identidade de Jacobi graduada temos

(−1)(a−1)[π, [π,A]] − [π, [A, π]] + (−1)(a−1)[A, [π, π]] = 0.

Observe que [A, π] = −(−1)(a−1)[π,A] e portanto [π, [π,A]] = −12 [A, [π, π]]. Como π é um

bivetor de Poisson temos [π, π] = 0 e portanto [π, [π,A]] = 0.

Seja (M,π) uma variedade de Poisson. Seja

δπ : Λ∗(TM) → Λ∗(TM)

a aplicação dada porδπ(A) = [π,A].

Do lema anterior segue queδπ δπ = 0.

O complexo

· · · Λk−1(TM) Λk(TM) Λk+1(TM) · · ·δπ δπ δπ δπ

é chamado complexo de Lichnerowicz e a cohomologia do complexo é chamada cohomologia dePoisson de (M,π). Denotaremos os grupos de cohomologia de Poisson de (M,π) por Hp

π(M).O grupo de cohomologia de Poisson de grau zero H0

π(M) é o grupo de funções f ∈ C∞(M)tais que Xf = −[π, f ] = 0, tais funções são chamadas funções de Casimir, observe que estasfunções são as primeiras integrais de campos Hamiltonianos.

O grupo de cohomologia de Poisson de grau 1 H1π(M) é o quociente do espaço dos campos

de vetores de Poisson, isto é, os campos de vetores X que satisfazem [π,X] = 0, pelos camposde vetores Hamiltonianos, isto é, campos X da forma X = [π, f ] para alguma f ∈ C∞(M).Dizemos que um campo vetorial X é um campo de Poisson se, e somente se, satisfaz Xf, g =Xf, g + f,Xg, isto é, se X é uma derivação do colchete de Poisson ou se [π,X] = 0. Notetambém que os campos Hamiltonianos são derivações internas do colchete.

O segundo grupo de cohomologia de Poisson H2π(M) é o quociente do espaço dos bivetores Λ

que satisfazem [π,Λ] = 0 pelo espaço dos bivetores Λ da forma Λ = [π,X], onde X é um campovetorial. Se [π,Λ] = 0 e ϵ é uma variável formal, então π + ϵΛ satisfaz

[π + ϵΛ, π + ϵΛ] = ϵ2[Λ,Λ] = 0 mod ϵ2.

Portanto podemos interpretar π + ϵΛ como uma deformação infinitesimal de π no espaço dosbivetores de Poisson. Por outro lado, temos que

(φϵY )∗π = π + ϵd

dϵφϵY + · · · = π + ϵ(−LY π) mod ϵ2 = π + ϵ[π, Y ] mod ϵ2,

onde (φϵY ) é o fluxo no tempo ϵ de um campo de vetores Y . Logo π+ ϵ[π, Y ] é uma deformaçãoinfinitesimal dada por um difeomorfismo e chamaremos essas deformações de triviais. LogoH2π(M) é o espaço de todas as deformações de π quocientado pelas deformações triviais.

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Definição 1.5.1. Uma deformação de Poisson de um bivetor de Poisson π é uma série depotências formal

πϵ = π +∞∑i=1

ϵiπi,

tal que [πϵ, πϵ] = 0, onde πi, para cada i, é um bivetor em M . Chamamos π1 de infinitesimalassociado à deformação.

Tomando π0 = π temos

[πϵ, πϵ] =∞∑n=0

ϵn

∑i+j=n

[πi, πj ]

.Logo

[πϵ, πϵ] = 0 ⇐⇒∑i+j=n

[πi, πj ] = 0, para todo n

⇐⇒ 2δππn = −∑

i+j=n,i≥1,j≥1[πi, πj ], para todo n. (1.2)

Desta equação segue que δπ(π1) = 0 e temos a seguinte proposição que nos permite interpretarH3π(M) como obstruções para existência de deformações de π

Proposição 1.5.2. Dado π1 bivetor em M tal que δπ(π1) = 0 a obstrução para existência deuma deformação de Poisson com infinitesimal π1 é H3

π(M). Isto é, se H3π(M) = 0 então existe

uma deformação de Poisson com infinitesimal π1.

Demonstração. Vamos mostrar a existência de uma sequência πn∞n=2 que satisfaz a equação

1.2 por indução. Suponha que encontramos π2, . . . , πk−1 que satifazem 1.2. Seja

Ek = −∑

i+j=k,i≥1,j≥1[πi, πj ].

Para mostrar que existe um πk que satisfaz a equação 1.2 basta mostrar que δπ(Ek) = 0 poisH3π(M) = 0. Temos

δπ(Ek) =∑

i+j=k,i≥1,j≥1([πi, δππj ] + [πj , δππi])

= 2∑

i+j=k,i≥1,j≥1[πj , δππi]

= −∑

i+j=k,i≥1,j≥1

∑α+β=i,α≥1,β≥1

[πj , [πα, πβ]]

= −

∑α+β+j=k,α≥1,β≥1,j≥1

[πj , [πα, πβ]]

= −13

∑α+β+j=k,α≥1,β≥1,j≥1

([πj , [πα, πβ]] + [πα, [πβ, πj ]] + [πβ, [πj , πα]])

= 0.

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1.6 Cohomologia de Poisson e Cohomologia de de RhamNote que uma estrutura de Poisson π em uma variedade M nos dá um homomorfismo de

fibrados vetoriais♯ : T ∗M → TM

que associa a cada forma α o vetor ♯(α) que satisfaz a seguinte identidade para cada forma β

π(α, β) = β(♯(α)).

Este homomorfismo é um isomorfismo se, e somente se, π é não degenerada, isto é, se π éuma estrutura simplética em M .

Podemos estender este homomorfismo a um homomorfismo

♯ : Λk(T ∗M) → Λk(TM)

tomando potências exteriores e a uma aplicação C∞(M)-linear

♯ : Ωk(M) → Vk(M)

de formas diferenciais suaves em M para campos de multivetores suaves em M . Se k = 0 ♯ é aidentidade.

Temos o seguinte lema que relaciona o complexo de de Rham com o complexo de Lichnerowicz

Lema 1.6.1. Dada uma forma diferencial ω em uma variedade de Poisson (M,π) vale

♯(dω) = −[π, ♯(ω)] = −δπ(♯(ω)). (1.3)

Demonstração. Provaremos este lema por indução no grau de ω. Se ω é uma função temos♯(ω) = ω e ♯(dω) = Xω, onde Xω é o campo Hamiltoniano associado a ω, logo ♯(dω) = −[π, ω] =−[π, ♯(ω)] e portanto a equação 1.3 é satisfeita. Se ω = df é uma 1-forma exata temos ♯(dω) = 0e [π, ♯(ω)] = [π,Xf ] = 0 e portanto satisfaz a equação 1.3.

Agora se a equação 1.3 é satisfeita por uma p-forma η e uma q-forma ω então η ∧ω tambémsatisfaz a equação. De fato, temos

♯(d(η ∧ ω)) = ♯(dη ∧ ω + (−1)pη ∧ dω) = ♯(dη) ∧ ♯(ω) + (−1)p♯(η) ∧ ♯(dω)= −[π, ♯(η)] ∧ ♯(ω) − (−1)p♯(η) ∧ [π, ♯(ω)] = −[π, ♯(η) ∧ ♯(ω)]= −[π, ♯(η ∧ ω)].

O lema acima nos mostra que exceto por um sinal a aplicação ♯ leva o operador diferencial ddo complexo de de Rham no operador δπ do complexo de Lichnerowicz. Em particular ♯ induzum homomorfismo em cohomologia. Portanto temos

Teorema 1.6.2. Seja (M,π) uma variedade de Poisson. Existe um homomorfismo natural

♯∗ : H∗dR(M) → H∗

π(M)

da cohomologia de de Rham para a cohomologia de Poisson induzido pela aplicação ♯. Se M foruma variedade simplética ♯∗ é um isomorfismo.

Demonstração. Note que quando M é simplética, ♯ é um isomorfismo e portanto ♯∗ tambémé.

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Capítulo 2

Geometria Não Comutativa

Do ponto de vista de conjuntos, para formar um espaço quociente X/ ∼ precisamos apenasde uma relação de equivalência ∼ em um conjunto X. Se X for um espaço topológico temosuma topologia canônicamente associada ao espaço quociente. Se X possuir mais estrutura,por exemplo se X for uma variedade suave, queremos que o espaço quociente também possua amesma estrutura. Quando isso ocorre dizemos que temos um bom quociente, caso contrário temosum quociente ruim. O quociente de uma variedade suave facilmente pode não ser uma variedadesuave, em particular quando este quociente é por uma ação de grupo. Então o problema que ageometria não comutativa procura atacar é como lidar com estes quocientes ruins.

A solução do problema, proposta por Connes (Connes, 1994), é aumentar a categoria deespaços clássicos para espaços não comutativos. Esta proposta é baseada no fato de que umarelação de equivalência é normalmente obtida de uma estrutura mais complexa esquecendo partedesta estrutura. Por exemplo, uma relação de equivalência ∼ vem de uma ação de um grupoG em um espaço X onde x ∼ y se, e somente se, gx = y para algum g ∈ G. Note que podemexistir muitos g que satisfazem gx = y, em particular podem existir muitos g que satisfazemgx = x. Quando formamos a relação de equivalência esta informação é perdida. A ideia paraorganizar toda esta informação é guardá-la em um grupoide, que pode ser topologico, suave,discreto. Desta forma o quociente não comutativo será dado pela álgebra do grupoide associado.

Dependendo da aplicação que temos em mente podemos utilizar a álgebra de grupoide pu-ramente algébrica, suave, contínua, mensurável, C∗-algébrica, etc. A escolha será ditada peloproblema que temos em mente. No nosso caso estaremos interessados na álgebra de grupoidesuave.

O motivo desta abordagem ser razoável é o fato de que quando temos um bom quociente, aálgebra de funções no quociente é Morita equivalente à álgebra de grupoide. Como sabemos queálgebras Morita equivalentes possuem cohomologia de Hochschild, cohomologia cíclica, K-teoriaisomorfas temos que invariantes topológicos definidos usando geometria não comutativa são osmesmos para quocientes classicos e não comutativos.

2.1 GrupoidesDefinição 2.1.1. Um grupoide é uma categoria pequena em que todos os morfismos são iso-morfismos.

Lembre que dizemos que uma categoria é pequena quando seus objetos e morfismos formamum conjunto e não uma classe.

Seja G um grupoide, denotaremos o conjunto de objetos de G por G (0) e também usaremoso símbolo G para denotar o conjunto de morfismos de G .

Temos as funçõess : G → G (0), t : G → G (0) e i : G → G

20

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que levam cada morfismo em sua origem, seu destino e seu inverso, respectivamente.Também temos a função

u : G (0) → G

que leva cada objeto ao morfismo unitário deste objeto em si mesmo.Note que a composição de morfismos só está definida no conjunto

G (2) = (γ1, γ2); s(γ1) = t(γ2).

Exemplo 2.1.1. Seja G a categoria com um único objeto ∗ e com

HomG (∗, ∗) = G

onde G é um grupo e a composição de morfismos é dada pela multiplicação do grupo. Entãotemos que G é um grupoide.

Exemplo 2.1.2. SejaG×X → X, (g, x) 7→ gx

a ação de um grupo G em um conjunto X.Defina o grupoide

G = X ⋊G

chamado grupoide de ação tomando

G (0) = X e HomG (x, y) = g ∈ G; gx = y

e a composição de morfismos como a multiplicação do grupo.Observe que podemos identificar o conjunto de morfismos de G com X×G com a composição

de morfismos dada por(gx, h) (x, g) = (x, hg).

Note que o exemplo 2.1.1 corresponde à ação do grupo G em um ponto.

Exemplo 2.1.3. Seja X um conjunto e ∼ uma relação de equivalência em X. Definimos ogrupoide G chamado gráfico de ∼ da seguinte maneira. Seja

G (0) = X,

e seja

HomG (x, y) =

(x, y) se x ∼ y,∅ caso contrário.

Note que o conjunto de morfismo se identifica com o gráfico da relação ∼:

G = (x, y); x ∼ y ⊂ X ×X

Exemplo 2.1.4. Um caso particular do exemplo anterior é dado pelo grupoide dos pares. SejaX um conjunto finito, definiremos o grupoide dos pares G da seguinte maneira: temos G (0) = Xe G = X ×X, e as aplicações s, t são dadas pelas projeções.

Para falar de exemplos interessantes como grupoides associados a ações contínuas de grupose a folheações precisaremos falar de grupoides topológicos e suaves.

21

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Definição 2.1.2. Um grupoide G é um grupoide topológico se G (0) e o conjunto de morfismosG são espaços topológicos e a composição, a função origem, a função destino e a função inversãosão contínuas.

Dizemos que um grupoide topológico G é um grupoide étale se G (0) é um espaço Hausdorfflocalmente compacto e a função origem s é uma função étale, i.e. é um homeomorfismo local.Observe que se s for étale então t também é.

Um grupoide de Lie é um grupoide G tal que G (0) e o conjunto de morfismos G são variedadessuaves, as funções u, s, t, i e a composição G (2) → G são suaves e s e t são submersões. Noteque a última condição garante que G (2) é uma variedade suave.

Exemplo 2.1.5. SejaG um grupo discreto agindo em um espaço Hausdorff localmente compactoX. Seja G = X ⋊ G o grupoide de transformação. Podemos colocar a topologia produtoem G = X × G. Temos facilmente que s, t e a composição são contínuas e as s-fibras sãosubconjuntos discretos de X ×G, portanto s é étale e G é um grupoide étale.

Exemplo 2.1.6. Seja X um espaço topológico. Definimos o grupoide Π1(X), chamado grupoidefundamental de X, da seguinte maneira. O conjunto de objetos de Π1(X) é X e, para todox, y ∈ X, os morfismos de x para y são as classes de homotopia de caminhos contínuos dex para y. Isto define um grupoide com a composição sendo o concatenamento de caminhos.Usando a topologia compacto-aberto no conjunto das aplicações [0, 1] → X podemos colocaruma topologia em Π1(X) tomando o quociente da topologia compacto-aberto pela relação deequivalência definida pela homotopia.

2.2 Álgebras de grupoidesÀ uma relação de equivalência em um espaço podemos associar um grupoide e a idéia da

geometria não comutativa é tomar a álgebra de grupoide deste grupoide associado como a álgebrade funções no espaço quociente.

Nesta seção veremos o que é a álgebra de grupoide de um grupoide e calcular alguns exemplos.Seja G um grupoide discreto e seja

CG =⊕γ∈G

o espaço vetorial gerado por G . Portanto um elemento de CG é uma soma∑aγγ onde γ ∈ G e

aγ = 0 para quase todo γ.A fórmula

γ1γ2 =γ1 γ2 se γ1 γ2 está definido,0 caso contrário,

define uma estrutura de álgebra associativa em CG .

Exemplo 2.2.1. Se o grupoide G possui apenas um objeto, com grupo de automorfismos G,temos que a álgebra de grupoide é apenas a álgebra de grupo

CG = CG.

Exemplo 2.2.2. Seja X um conjunto finito e G o grupoide dos pares sobre X. Neste casotemos

CG ∼= End V,

onde V é o espaço vetorial gerado por X. Para ver isso, assuma que X = 1, 2, . . . , n é umconjunto de n elementos. Podemos escrever os morfismos de G da seguinte forma

G = (i, j); i, j = 1, . . . , n,

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com a composição dada por

(l, k) (j, i) = (l, i), se j = k.

A aplicação ∑ai,j(i, j) 7→

∑ai,jEi,j ,

onde Ei,j é a matriz com 1 na entrada (i, j) e 0 nas outras, define um isomorfismo de álgebrasentre CG e a álgebra de matrizes Mn(C).

Exemplo 2.2.3. Neste exemplo veremos que a álgebra de grupoide de qualquer grupoide dis-creto é dada em termos dos dois exemplos anteriores.

Dizemos que um grupoide G é transitivo se para quaisquer dois objetos x, y de G existe ummorfismo de x para y. Podemos ver facilmente que cada grupoide pode ser decomposto comouma união de grupoides transitivos

G =∪i

Gi.

Com essa decomposição obtemosCG ∼=

⊕i

CGi.

Agora, seja T um grupoide transitivo e seja x0 um objeto de T . Tome

G = HomT (x0, x0),

o grupo de isotropia de x0. Note que se x1 é outro objeto de T e f ∈ HomT (x0, x1) temosque a aplicação φ 7→ f φ f−1 é um isomorfismo entre G e HomT (x1, x1). Logo a classe deisomorfismo de G independe do objeto x0 escolhido.

Temos então um isomorfismo de grupoides

T ∼= T1 × T2

onde T1 é um grupoide com um objeto com grupo de automorfismo G e T2 é o grupoide dospares sobre o conjunto de objetos de T . Assumindo que o conjunto de objetos de T é finitotemos

CT ∼= CT1 ⊗ CT2 ∼= CG⊗Mn(C),

onde n é o número de elementos de T .Logo segue que dado um grupoide discreto G temos, quando cada componente transitiva de

G é finita,CG ∼=

⊕i

CGi ⊗Mni(C),

onde a soma é tomada sobre as componentes transitivas de G , ni é a cardinalidade da componentee Gi é o grupo de isotropia correspondente.

A seguir daremos outra forma de descrever a álgebra de grupoide que é mais propícia àgeneralização ao caso topológico. Temos um isomorfismo

CG ∼= f : G → C; f tem suporte finito

e sob este isomorfismo o produto será o produto de convolução

(f ∗ g)(γ) =∑

γ1γ2=γf(γ1)g(γ2) =

∑γ1∈t−1(γ)

f(γ1)g(γ−11 γ)

Com esta definição podemos, dependendo da estrutura do grupoide, tomar a álgebra de gru-poide correspondente. Por exemplo, se G for um grupoide topológico podemos tomar a álgebra

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de grupoide Cc(G) = f : G → C; f é contínua e tem suporte compacto. Onde o produto serádado por

(f ∗ g)(γ) =∫γ1γ2=γ

f(γ1)g(γ2) :=∫γ1∈t−1(γ)

f(γ1)g(γ−11 γ)dµt(γ),

onde µt(γ) é uma medida de Haar no grupoide G (ver (Renault, 1980)).Quando G é o grupoide de ação associado à uma ação de grupo temos que a álgebra de

grupoide é dada por uma álgebra de produto cruzado(ver (Khalkhali, 2009)). A seguir vamosver como definimos esta álgebra. Primeiro vamos definir o que é o produto cruzado no casopuramente algébrico.

Seja Aut(A) o grupo de automorfismos da álgebra A. Uma ação de um grupo G em A é umhomomorfismo de grupo

α : G → Aut(A).

Usaremos a notação g(a) := α(g)(a).A álgebra de produto cruzado A⋊αG é definida da seguinte maneira. Como C-espaço vetorial

A⋊α G é o espaçoA⊗ CG.

O produto é definido pela regra

(a⊗ g)(b⊗ h) = ag(b) ⊗ gh,

para a, b ∈ A e g, h ∈ G. Note que a associatividade desta álgebra segue diretamente daassociatividade de A e que A ⋊α G é unital se e somente se A é unital e G age preservando aunidade.

Equivalentemente podemos definir A ⋊α G como a álgebra universal gerada pelas álgebrasA e CG quocientada pela relação

gag−1 = g(a),

para a ∈ A e g ∈ G. De fato, observe que

agbh = agbg−1gh = ag(b)gh,

para a, b ∈ A e g, h ∈ G.Note que dada uma representação A ⋊α G → End(V ), onde V é um C-espaço vetorial,

obtemos um par de representações π : A → End(V ) e ρ : G → GL(V ) que satisfazem

ρ(g)π(a)ρ(g)−1 = π(g(a)), (2.1)

onde a ∈ A e g ∈ G.Inversamente temos que dado um par de representações π : A → End(V ) e ρ : G → GL(V )

em um espaço vetorial V que satisfazem a equação 2.1 obtemos uma representação ρ ⋊ π deA⋊α G em V tomando

(ρ⋊ π)(a⊗ g) = π(a)ρ(g).

Desta forma obtemos uma correspondência entre representações de A⋊αG e representaçõesde A e G que satisfazem a equação 2.1.

Agora vamos descrever o análogo da construção acima para C∗-álgebras.

Definição 2.2.1. Um sistema covariante é uma tripla (A,G, α), onde A é uma C∗-álgebra, G éum grupo localmente compacto e α : G → Aut(A) é um homomorfismo contínuo, onde Aut(A)é o grupo de ∗-automorfismos de A com a topologia da convergência pontual.

Note que a topologia em Aut(A) é tal que para cada a ∈ A a aplicação

G ∋ g 7→ g(a) ∈ A

é contínua.

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Exemplo 2.2.4. Um exemplo de sistema covariante é obtido tomando A = C0(X) e a ação deG induzida por uma ação em X dada por (g · f)(x) := f(g−1x).

Definição 2.2.2. Uma representação covariante de um sistema covariante (A,G, α) é uma tripla(H,π, ρ), onde (H,π) é uma C∗-representação de A e (H, ρ) é uma representação unitária de Gque satisfazem

ρ(g)π(a)ρ(g)−1 = π(g(a)),

para todo a ∈ A e g ∈ G.

A ideia para definir o produto cruzado C∗ é construir uma C∗-álgebra cujas representaçõesestejam em correspondência com as representações covariantes de (A,G, α), de forma análogaao caso puramente algébrico. Este problema possui uma solução que vamos indicar a seguir.

Seja µ uma medida de Haar à esquerda em G, vamos definir um produto e uma involução noespaço Cc(G,A) de funções de G para A contínuas com suporte compacto. Dados f, g ∈ Cc(G,A)e t ∈ G defina

(f × g)(t) =∫Gf(s)α(s)g(s−1t)dµ(s)

ef∗(t) = ∆(t)−1α(t)(f(t−1)∗).

Computando diretamente temos que essas definições nos dão um produto associativo e umainvolução em Cc(G,A).

Com a norma ∥f∥1 =∫G ∥f(t)∥dµ(t), Cc(G,A) é uma álgebra normada involutiva, deno-

taremos por L1(G,A) seu completamento que é uma álgebra de Banach, porém não é umaC∗-álgebra. Dada uma representação covariante (H,π, ρ) de (A,G, α) podemos definir umarepresentação π ⋊ ρ de L1(G,A) por

(π ⋊ ρ)(f) =∫Gπ(f(t))ρ(t)dµ(t).

Definimos então a norma∥f∥ = sup∥(π ⋊ ρ)(f)∥,

onde o supremo é tomado sobre todas representações covariantes (H,π, ρ) de (A,G, α) e a normaà direita é a norma de operador. Esta norma é chamada de norma universal, o completamentode Cc(G,A) com respeito à norma universal é chamado produto cruzado C∗ de A por G e édenotado por A⋊α G.

O seguinte teorema pode ser encontrado em (Williams, 2006)(Proposition 2.40).

Teorema 2.2.1. Seja α : G → Aut(A) uma ação de um grupo localmente compacto em uma C∗-álgebra A e H um espaço de Hilbert. Então temos uma bijeção entre representações de A⋊α Gem H e representações covariantes de (A,G, α) em H.

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Capítulo 3

Cohomologia de Hochschild

3.1 Definição de Homologia e Cohomologia de HochschildSeja A uma álgebra com 1 sobre um corpo k. Denotaremos por Aop a álgebra oposta de A, istoé, Aop=A como k-espaços vetoriais e a ·op b := ba para todos a, b em A. Caso não esteja indicado,os produtos tensoriais serão sobre k, isto é, ⊗ = ⊗k.

Seja Ae = A⊗Aop com a multiplicação

(a1 ⊗ b1) · (a2 ⊗ b2) = a1a2 ⊗ b2b1

para todos a1, a2, b1, b2 em A. Chamamos Ae de álgebra envelopante de A.Por A-bimódulo entendemos um espaço vetorial M sobre k que é ao mesmo tempo um A-

módulo à esquerda e à direita de forma que vale

(a1m)a2 = a1(ma2)

para todos a1, a2 ∈ A e m ∈ M , e as ações à esquerda e à direita de k em M , induzidas pelaaplicação k → A dada por c 7→ c · 1, coincidem.

Exemplo 3.1.1. A possui uma estrutura de A-bimódulo dada pelas multiplicações à direita eà esquerda.

Observe que um A-bimódulo M pode ser identificado com um Ae-módulo à esquerda defi-nindo

(a⊗ b) ·m = amb,

também podemos identificar M com um Ae-módulo à direita definindo

m · (a⊗ b) = bma.

A partir de agora quando nos referirmos a um módulo estaremos querendo dizer módulo àesquerda caso não seja especificado o contrário.

Note que a álgebra A é um Ae-módulo à esquerda ou à direita, de fato se A⊗n = A⊗ · · · ⊗Atemos que

(a⊗ b) · (c1 ⊗ c2 ⊗ · · · ⊗ cn−1 ⊗ cn) = ac1 ⊗ c2 ⊗ · · · ⊗ cn−1 ⊗ cnb

para todo a, b, c1, . . . , cn ∈ A define uma estrutura de Ae-módulo em A⊗n.Considere a seguinte sequência de A-bimódulos:

· · · A⊗4 A⊗3 A⊗A A 0d3 d2 d1 π (3.1)

onde π é a multiplicação , d1(a⊗ b⊗ c) = ab⊗ c− a⊗ bc para a, b, c ∈ A e em geral

dn(a0 ⊗ · · · ⊗ an+1) =n∑i=0

(−1)ia0 ⊗ · · · ⊗ aiai+1 ⊗ · · · ⊗ an+1

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para todos a0, . . . , an+1 em A. Pode-se verificar diretamente que esta sequencia é um complexode A-bimódulos, isto é, dn−1dn = 0 para todo n.

Usaremos o seguinte lema para mostrar que o complexo 3.1 é exato.

Lema 3.1.1. Considere o seguinte complexo

· · · Ck+1 Ck Ck−1 · · ·dk+2 dk+1 dk dk−1

Agora suponha que exista uma contração do complexo, isto é, um conjunto de morfismos

sn : Cn → Cn+1

tais quedn+1sn + sn−1dn = id.

Então o complexo é exato.

Demonstração. Seja a ∈ ker dn−1. Temos a = dnsn−1(a) + sn−2dn−1(a) = dn(sn−1(a)), portantoIm dn = ker dn−1

Agora tome a contração do complexo 3.1 dada por

sn(a0 ⊗ · · · ⊗ an+1) = 1 ⊗ a0 ⊗ · · · ⊗ an+1

para todo n e todos a0, . . . , an+1 ∈ A. Observe que sn é de fato uma contração pois

dn+1sn(ao ⊗ · · · ⊗ an+1) = dn+1(1 ⊗ ao ⊗ · · · ⊗ an+1)

= ao ⊗ · · · ⊗ an+1 −n∑i=0

(−1)i1 ⊗ a0 ⊗ · · · ⊗ aiai+1 ⊗ · · · ⊗ an+1

e

sn−1dn(ao ⊗ · · · ⊗ an+1) = sn−1(n∑i=0

(−1)ia0 ⊗ · · · ⊗ aiai+1 ⊗ · · · ⊗ an+1)

=n∑i=0

(−1)i1 ⊗ a0 ⊗ · · · ⊗ aiai+1 ⊗ · · · ⊗ an+1.

Portanto dn+1sn + sn−1dn = id para todo n e o complexo 3.1 é exato.Definimos Bn(A) := A⊗n+2 e chamaremos o complexo truncado

B(A) : · · · A⊗4 A⊗3 A⊗A 0d3 d2 d1 (3.2)

o complexo bar associado ao Ae-módulo A.Note que a homologia do complexo 3.2 está concentrada em grau 0, onde ela é simplesmente

A.Ocasionalmente usaremos o isomorfismo de Ae-módulos à esquerda

A⊗(n+2) ∼−→ Ae ⊗An

dado pora0 ⊗ a1 ⊗ · · · ⊗ an ⊗ an+1 7→ (a0 ⊗ an+1) ⊗ (a1 ⊗ · · · ⊗ an),

para todo a0, . . . , an+1 ∈ A, onde a ação de Ae em Ae ⊗ An é dada pela multiplicação no fatorà esquerda.

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Seja M um A-bimódulo e considere o complexo

M ⊗Ae B(A) (3.3)

de k-espaços vetoriais com os diferenciais 1M⊗dn. Usaremos o isomorfismo de k-espaços vetoriais

M ⊗Ae Bn(A) ∼−→ M ⊗A⊗n

dado porm⊗Ae a0 ⊗ · · · ⊗ an+1 7→ an+1ma0 ⊗ a1 ⊗ · · · ⊗ an,

para todos m ∈ M e a0, . . . , an+1 ∈ A. Com esse isomorfismo temos que o diferencial emM ⊗A⊗n que corresponde a 1M ⊗Ae dn em M ⊗Ae A⊗(n+2) é

δn(m⊗ a1 ⊗ a2 ⊗ · · · ⊗ an) = ma1 ⊗ a2 ⊗ · · · ⊗ an

+n−1∑i=1

(−1)im⊗ a1 ⊗ a2 ⊗ · · · ⊗ aiai+1 ⊗ · · · ⊗ an

+ (−1)nanm⊗ a1 ⊗ a2 ⊗ · · · ⊗ an−1.

Definição 3.1.1. A homologia de Hochschild HH∗(A,M) de A com coeficientes em um A-bimódulo M é a homologia do complexo 3.3. Equivalentemente

HHn(A,M) = Hn(M ⊗A⊗·),

isto é, HHn(A,M) = ker(δn)/ Im(δn+1) para todo n ≥ 0. DefinaHH∗(A,M) = ⊕n≥0HHn(A,M).

Agora considere o complexoHomAe(B(A),M) (3.4)

de k-módulos com os diferenciais d∗n, onde d∗

n(f) = fdn para toda f ∈ Hom(A⊗(n+2),M).Observe que temos o seguinte isomorfismo de k-módulos

HomAe(Bn(A),M) ∼−→ Homk(A⊗n,M) (3.5)

dado porg 7→ (a1 ⊗ . . .⊗ an 7→ g(1 ⊗ a1 ⊗ · · · ⊗ an ⊗ 1))

para toda g ∈ HomAe(Bn(A),M) e a1, . . . , an ∈ A.Usando este isomorfismo temos que o diferencial em Homk(A⊗n,M) que corresponde a d∗

n

em HomAe(Bn(A),M) é

∂n(f)(a1 ⊗ · · · ⊗ an) = a1f(a2 ⊗ · · · ⊗ an)

+n−1∑i=1

(−1)if(a1 ⊗ · · · ⊗ aiai+1 ⊗ · · · ⊗ an)

+ (−1)nf(a1 ⊗ · · · ⊗ an−1)an

Definição 3.1.2. A Cohomologia de Hochschild HH∗(A,M) de A com coeficientes no A-bimódulo M é a cohomologia do complexo 3.4, equivalentemente

HHn(A,M) = Hn(Homk(A⊗·,M)),

isto é, HHn(A,M) = ker(∂n+1)/ Im(∂n) para todo n ≥ 0.

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Quando tomamos M = A usaremos a seguinte notação

HH∗(A) = HH∗(A,A) e HH∗(A) = HH∗(A,A).

A proposição a seguir permite calcularmos a homologia e cohomologia de Hochschild usandooutras resoluções da álgebra A além do complexo bar. A vantagem disto é que dependendo daálgebra A existem resoluções projetivas de A como Ae-módulo que são mais convenientes que ocomplexo bar, que é muito grande.

Proposição 3.1.2. Seja M um A-bimódulo, então

HH∗(A,M) ∼= TorAe

n (A,M) e HH∗(A,M) ∼= ExtAe

n (A,M).

Demonstração. Mostraremos apenas o isomorfismoHH∗(A,M) ∼= TorAe

n (A,M), a demonstraçãodo outro é análoga.

Como k é um corpo temos que todo k-módulo é livre, em particular A⊗n é um k-módulolivre e A⊗(n+2) ∼= Ae ⊗ A⊗n é um Ae-módulo livre. Logo o complexo bar é uma resolução livrede A como um Ae-módulo.

Tomando o produto tensorial desta resolução livre com M nos dá o complexo de Hochschilde portanto temos HH∗(A,M) ∼= TorAe

n (A,M).

O exemplo a seguir nos mostrará como o fato de podermos usar outras resoluções podeajudar a calcular a cohomologia de Hochschild.

Exemplo 3.1.2. Seja A = k[x]. Considere a seguinte sequência

0 k[x] ⊗ k[x] k[x] ⊗ k[x] k[x] 0x⊗1−1⊗x π (3.6)

onde π é a multiplicação e (x⊗ 1 − 1 ⊗ x) é a multiplicação pelo elemento x⊗ 1 − 1 ⊗ x.Note que este complexo é isomorfo ao seguinte complexo

0 k[x, y] k[x, y] k[x] 0ϵ δ (3.7)

onde ϵ(f(x, y)) = (x − y)f(x, y) e δ(f(x, y)) = f(x, x), e portanto 3.6 é uma resolução livre dek[x].

Aplicando o funtor Homk[x]e(−, k[x]) na sequência obtida deletando o termo k[x] em 3.6obtemos o complexo

0 Homk[x]e(k[x] ⊗ k[x], k[x]) Homk[x]e(k[x] ⊗ k[x], k[x]) 0

Tomando o isomorfismo Homk[x]e(k[x]⊗k[x], k[x]) → k[x] dado por f 7→ f(1⊗1) o complexoobtemos o complexo

0 k[x] k[x] 0ψ

Agora basta calcularmos qual é o morfismo ψ. Seja a ∈ k[x], identificado com a função fa ∈Homk[x]e(k[x] ⊗ k[x], k[x]), onde fa(1 ⊗ 1) = a. Compondo com (x⊗ 1 − 1 ⊗ x) temos

fa((x⊗ 1 − 1 ⊗ x)(1 ⊗ 1)) = xfa(1 ⊗ 1) − fa(1 ⊗ 1)x = xa− ax = 0,

pois k[x] é comutativo. Portanto ψ = 0 e

HH0(k[x]) ∼= k[x],HH1(k[x]) ∼= k[x] e HHn(k[x]) = 0

para n ≥ 2.

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3.2 Interpretação em Graus BaixosAs definições de homologia e cohomologia de Hochschild através do complexo bar nos per-

mitem as seguintes observações em graus baixos.

Grau 0: Por definição temos HH0(A,M) = ker(d∗1). Suponha que f ∈ HomAe(A⊗A,M) é tal

que d∗1(f) = 0, isto é, para cada a ∈ A temos

0 = d∗1(f)(1 ⊗ a⊗ 1) = f(d1(1 ⊗ a⊗ 1)) = f(a⊗ 1) − f(1 ⊗ a) = af(1 ⊗ 1) − f(1 ⊗ 1)a.

Portanto f(1 ⊗ 1) é um elemento m ∈ M tal que am = ma para todo a ∈ A e f é determinadapor esse elemento m pois f(b⊗ c) = bf(1 ⊗ 1)c = bmc para todo b, c ∈ A. Reciprocamente, dadoum m ∈ M tal que am = ma para todo a ∈ A podemos definir fm ∈ HomAe(A ⊗ A,M) porfm(b⊗ c) = bmc para todo b, c ∈ A, temos que vale d∗

1(fm) = 0. Logo, como um espaço vetorial,

HH0(A,M) ∼= m ∈ M ; am = ma para todo a ∈ A.

Observe que se M = A então HH0(A) ∼= Z(A), o centro de A. Note que isto está de acordocom o que calculamos no caso A = k[x].

Grau 1: Por definição HH1(A,M) = ker(d∗2)/ Im(d∗

1). Seja f ∈ ker(d∗2), isto é,

f ∈ HomAe(A⊗3,M) e

0 =d∗2(f)(1 ⊗ a⊗ b⊗ 1)= f(a⊗ b⊗ 1 − 1 ⊗ ab⊗ 1 + 1 ⊗ a⊗ b)= af(1 ⊗ b⊗ 1) − f(1 ⊗ ab⊗ 1) + f(1 ⊗ a⊗ 1)b.

Escrevendo f para a imagem de f sob o isomorfismo HomAe(A⊗3,M) ∼−→ Homk(A,M) dadopor f 7→ (a 7→ f(1 ⊗ a⊗ 1), temos que a equação acima fica

0 = af(b) − f(ab) + f(a)b,

ouf(ab) = af(b) + f(a)b

para todos a, b ∈ A, que é a condição para f ser uma k-derivação.Suponha agora que f ∈ Im(d∗

1), isto é, f = d∗1(g) para alguma g ∈ HomAe(A⊗2,M). Como

no exemplo anterior temos que g é dada por seu valor em 1 ⊗ 1, seja m = g(1 ⊗ 1). Então

d∗1(g)(1 ⊗ a⊗ 1) = g(a⊗ 1 − 1 ⊗ a)

= ag(1 ⊗ 1) − g(1 ⊗ 1)a = am−ma.

Logo d∗1(g) é a k-derivação interna dada por m ∈ M , e toda derivação interna é dada por um

elemento de Im(d∗1).

Denotando o espaço das k-derivações de A para M por

Der(A,M)

e o espaço das k-derivações internas de A para M por

InnDer(A,M)

temosHH1(A,M) ∼= Der(A,M)/InnDer(A,M).

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3.3 Produto CupNesta seção veremos que HH∗(A) além de ser um espaço vetorial graduado, também possui

um produto associativo que lhe dá a estrutura de uma álgebra graduada. Definiremos esteproduto no nivel de cadeias usando o complexo bar.

A partir de agora estaremos usando o isomorfismo 3.5 que identifica HomAe(A⊗(n+2),M) eHomk(A⊗n,M). Seja

C∗(A,M) =⊕n≥0

Homk(A⊗n,M),

o espaço das cocadeias de Hochschild em A com coeficientes em M.

Definição 3.3.1. Sejam f ∈ Homk(A⊗m,M) e g ∈ Homk(A⊗n,M). O produto cup f g é oelemento de Homk(A⊗(m+n),M) dado por

(f g)(a1 ⊗ · · · ⊗ am+n) = f(a1 ⊗ · · · ⊗ am)g(am+1 ⊗ · · · ⊗ am+n)

para todos a1, . . . , am+n ∈ A. Se m = 0 devemos interpretar essa fórmula da seguinte maneira

(f g)(a1 ⊗ · · · ⊗ an) = f(1)g(a1 ⊗ · · · ⊗ an)

e análogamente caso n = 0.

Da definição segue que o produto cup é associativo em cadeias e segue também o seguintelema

Lema 3.3.1.d∗m+n+1(f g) = (d∗

m+1(f)) g + (−1)mf (dn+1(g)).

Deste lema segue que o produto cup definido em cadeias induz um produto bem definido aonível de cohomologia que também chamaremos de produto cup e usaremos a mesma notação

: HHm(A) ×HHn(A) → HHm+n(A).

3.4 Colchete de GerstenhaberAlém do produto cup, o anel de cohomologia de Hochschild HH∗(A) possui outra operação

que é uma derivação graduada com respeito ao produto cup. Definiremos este produto ao nívelde cocadeias utilizando o complexo bar.

Nesta seção suponha que k é um corpo e A é uma álgebra sobre este corpo.

Definição 3.4.1. Sejam f ∈ Homk(A⊗m, A) e g ∈ Homk(A⊗n, A). O colchete de GerstenhaberJf, gK é definido como o elemento de Homk(A⊗(m+n−1), A) dado por

Jf, gK = f g − (−1)(m−1)(n−1)g f

onde f g é definido como

f g(a1 ⊗· · ·⊗am+n−1) =m∑i=1

(−1)jf(a1 ⊗· · ·⊗ai−1 ⊗g(ai⊗· · ·⊗ai+n−1)⊗ai+n⊗· · ·⊗am+n−1),

onde j = (i− 1)(n− 1). Se m = 0 temos f g = 0 pois a soma será vazia e se n = 0 a fórmuladeve ser interpretada tomando o valor g(1) no lugar de g(ai ⊗ · · · ⊗ ai+n−1).

Os lemas a seguir nos dão algumas propriedades que o colchete de Gerstenhaber satisfaz,todas as demonstrações podem ser feitas calculando diretamente no complexo bar.

31

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Lema 3.4.1. Sejam f ∈ Homk(A⊗m, A), g ∈ Homk(A⊗n, A) e h ∈ Homk(A⊗p, A). Entãovalem as seguintes propriedades

1. Jf, gK = −(−1)(m−1)(n−1)Jg, fK,2. (−1)(m−1)(p−1)Jf, Jg, hKK + (−1)(n−1)(m−1)Jg, Jh, fKK + (−1)(p−1)(n−1)Jh, Jf, gKK = 0,

3. d∗(Jf, gK) = (−1)(n−1)Jd∗f, gK + Jf, d∗gK.Lema 3.4.2. Sejam π : A⊗A → A a multiplicação, f ∈ Homk(A⊗m, A) e g ∈ Homk(A⊗n, A).Então

1. f g − (−1)mng f = (d∗g) f + (−1)md∗(g f) + (−1)m−1g (d∗f),

2. [f, π] = −d∗(f).Como consequência desses dois lemas temos os seguintes fatos

Teorema 3.4.3. 1. O produto cup é comutativo graduado em HH∗(A),

2. O colchete de Gerstenhaber induz um colchete em HH∗(A) que também chamaremos decolchete de Gerstenhaber

Demonstração. 1 segue do lema 3.4.2(1) observando que o lado direito da igualdade vale zeroem cohomologia. 2 segue diretamente do lema 3.4.1(3).

O lema a seguir nos dá outra propriedade que o colchete de Gerstenhaber satisfaz a nivel decohomologia, uma demonstração se encontra em (Gerstenhaber, 1963), onde é mostrado que adiferença dos lados esquerdo e direito da equação é igual a um certo cobordo.Lema 3.4.4. Sejam U ∈ HHu(A), V ∈ HHv(A) e W ∈ HHw(A). EntãoJU V,W K = JU,W K V + (−1)u(w−1)U JV,W K3.5 Versão Topológica

Para aplicações da cohomologia de Hochschild em geometria será necessário que conside-remos álgebras topológicas, bimódulos topológicos, cadeias e cocadeias contínuas e resoluçõestopológicas. De fato, enquanto os grupos de cohomologia algébrica de Hochschild da álgebrade funções suaves em uma variedade suave não foram calculados, os grupos de cohomologiacontínua de Hochschild podem ser calculados.

A seguir faremos uma breve adaptação do conteúdo da seção anterior ao caso contínuo,seguindo (Connes, 1994). A classe correta de álgebras topológicas que nos dão uma teoriainteressante é a classe de álgebras localmente convexas.

Assumiremos nesta seção que A é uma álgebra localmente convexa tal que a multiplicaçãoA × A → A é contínua. Isto é, para cada seminorma contínua ρ em A existe uma seminormacontínua ρ′ tal que ρ(ab) ≤ ρ′(a)ρ′(b) para a, b ∈ A.Definição 3.5.1. Seja A uma álgebra localmente convexa. Diremos que M é um A-módulotopológico se M é um espaço vetorial localmente convexo que também é um A-módulo tal quea multiplicação (a,m) 7→ am é contínua.

Dizemos que uma álgebra localmente convexa A é de Fréchet se sua topologia é metrizávele completa. Muitos exemplos que iremos encontrar são álgebras de Fréchet, como a álgebra defunções suaves em uma variedade.

Dados dois espaços vetoriais localmente convexos V1 e V2, o produto tensorial projetivo deV1 e V2 é o espaço vetorial localmente convexo V1 ⊗V2 com uma aplicação contínua bilinearV1 ×V2 → V1 ⊗V2 que é universal no seguinte sentido, para cada espaço localmente convexo Wexiste um isomorfismo entre aplicações bilineares contínuas V1 × V2 → W e aplicações linearescontínuas V1 ⊗V2 → W .

32

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Definição 3.5.2. Diremos que um A-módulo topológico M é projetivo se existe um A-módulotopológico N tal que M⊕N = A ⊗E, onde E é um espaço vetorial localmente convexo completo.

Para calcular a cohomologia de Hochschild no caso topológico há uma pequena diferença docaso algébrico no uso de resoluções projetivas. Para mostrar que a cohomologia independe daresolução usada precisaremos que as resoluções possuam uma contração contínua.

Usaremos a notação Ae = A ⊗Aop.

Definição 3.5.3. Seja A uma álgebra localmente convexa sobre C e M um Ae-módulo topoló-gico. Uma resolução projetiva topológica de M é uma sequência exata de Ae-módulos projetivose aplicações Ae-lineares contínuas

· · · M2 M1 M0 Mb3 b2 b1 ϵ

que admite uma homotopia C-linear contínua si : Mi → Mi+1

bi+1si + si−1bi = id, ∀i.

Definição 3.5.4. Seja A uma álgebra localmente convexa sobre C e M um Ae-módulo topoló-gico. Seja

· · · M2 M1 M0 Ab3 b2 b1 ϵ

uma resolução projetiva topológica de A.A cohomologia de Hochschild contínua de A com coeficientes em M , H∗

c (A,M) é a cohomo-logia do complexo

HomAe(M0,M) HomAe(M1,M) HomAe(M2,M) · · ·b∗

1 b∗2 b∗

3

onde HomAe quer dizer aplicações Ae-lineares e contínuas.

Observe que para esta definição fazer sentido é necessário que os grupos de cohomologia nãodependam da resolução escolhida. De fato, em (Connes, 1994) temos o seguinte lema

Lema 3.5.1. Dadas duas resoluções projetivas topológicas (Mn, bn) e Nn, cn do módulo A sobreAe e um Ae-módulo M temos que os grupos de cohomologia dos complexos

HomAe(M0,M) HomAe(M1,M) HomAe(M2,M) · · ·b∗

1 b∗2 b∗

3

eHomAe(N0,M) HomAe(N1,M) HomAe(N2,M) · · ·

c∗1 c∗

2 c∗3

são isomorfos.

Exemplo 3.5.1. Observe que se A é unital temos a seguinte resolução projetiva topológica.

• Mn = Ae ⊗En, com En = A ⊗ · · · ⊗A︸ ︷︷ ︸n fatores

• ϵ : M0 → A é dado por ϵ(a⊗ b) = ab, ∀a, b ∈ A

bn((1 ⊗ 1) ⊗ (a1 ⊗ · · · ⊗ an)) = (a1 ⊗ 1) ⊗ (a2 ⊗ · · · ⊗ an)

+n−1∑j=1

(−1)j(1 ⊗ 1) ⊗ (a1 ⊗ · · · ⊗ aiai+1 ⊗ · · · ⊗ an)

+ (−1)n(1 ⊗ an) ⊗ (a1 ⊗ · · · ⊗ an−1)

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• sn((a⊗ b) ⊗ (a1 ⊗ · · · ⊗ an)) = (1 ⊗ b) ⊗ (a⊗ a1 ⊗ · · · ⊗ an)

Exemplo 3.5.2. Seja A = C∞(S1) a álgebra de funções complexas no círculo S1. Observeque C∞(S1) ⊗C∞(S1)op ∼= C∞(S1) ⊗C∞(S1). A é uma álgebra localmente convexa e temos aseguinte resolução topológica de C∞(S1)

0 C∞(S1) C∞(S1) ⊗C∞(S1) C∞(S1) ⊗C∞(S1) ⊗ C 0,ϵ d

onde ϵ(1 ⊗ 1) = 1 e d(1 ⊗ 1 ⊗ 1) = x ⊗ 1 − 1 ⊗ x. Para verificar a exatidão deste complexoprimeiramente observe que é trivial que Im d ⊂ ker ϵ, logo basta verificar que ker ϵ ⊂ Im d. Noteque

C∞(S1) ⊗C∞(S1) ∼= C∞(S1 × S1).

Usando este isomorfismo obtemos o complexo

0 C∞(S1) C∞(S1 × S1) C∞(S1 × S1) 0,ϵ d

onde(ϵf)(x) = f(x, x) e (df)(x, y) = (x− y)f(x, y).

A fórmulaf(x, y) = f(x, x) − (x− y)

∫ 1

0

∂yf(x, y + t(x− y))dt

nos mostra que ker ϵ ⊂ Im d.Aplicando o funtor HomA ⊗A(·, A) à resolução anterior, onde estamos considerando apenas

homomorfismos contínuos, obtemos o complexo

0 HomA ⊗A(C∞(S1 × S1), A) HomA ⊗A(C∞(S1 × S1), A) 0,d∗

que é isomorfo ao complexo

0 C∞(S1) C∞(S1) 0.d∗

É facíl ver que neste complexo d∗=0 e portanto temos

HH0(C∞(S1)) = C∞(S1),HH1(C∞(S1)) = C∞(S1) e HH i(C∞(S1)) = 0, para i = 0, 1.

3.6 Equivalência de MoritaCom suas origens na teoria de representações de álgebras, a teoria de Morita também é útil

em geometria não comutativa. As álgebras Morita equivalentes possuem K-teoria, cohomologiade Hochschild e cohomologia cíclica isomorfas. Além disso, para quocientes bons, a álgebra defunções no quociente é Morita equivalente ao quociente não comutativo.

Nesta seção toda álgebra A será associativa e unital sobre C. Todos os módulos serãounitários, isto é, a unidade de A agirá nos módulos como o operador unitário. Sejam A e Bálgebras, denotaremos por MA, AM e AMB as categorias de A-módulos à direita, A-módulosà esquerda e A−B-bimódulos, respectivamente.

Assumiremos a seguir que as equivalências de categorias são dadas por funtores aditivos.

Definição 3.6.1. As álgebras A e B são ditas Morita equivalentes se existe uma equivalênciade categorias

MA ≃ MB.

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Note que se existe um funtor aditivo F : MA → MB que é exato à direita e comuta comsomas diretas arbitrárias então existe um único A−B-bimódulo X(X = F (A)), tal que

F (M) = M ⊗A X, para todo M ∈ MA.

A afirmação oposta é verdade, isto é, o funtor F : MA → MB dado por F (M) = M ⊗AX, paraalgum A−B-bimódulo X, é um funtor aditivo, exato à direita e que comuta com somas diretasarbitrárias. Portanto temos o seguinte lema.

Lema 3.6.1. As álgebras A e B são Morita equivalentes se, e somente se, existe um A − B-bimódulo X e um B −A-bimódulo Y tal que temos isomorfismos de bimódulos

X ⊗B Y ∼= A, Y ⊗A X ∼= B,

onde a estrutura de A-bimódulo em A é dada por a(b)c = abc e análogamente para B.

Os bimódulos do Lema anterior são chamados bimódulos de equivalência. Segue do Lemaque A e B são Morita equivalentes se, e somente se, temos uma equivalência de categorias

AM ≃B M,

e também que A e B são Morita equivalentes se, e somente se, temos uma equivalência decategorias

AMA ≃B MB.

Exemplo 3.6.1. Toda álgebra A é Morita equivalente à Mn(A), a álgebra de matrizes n × ncom coeficientes em A. Os A − Mn(A)-bimódulos de equivalência são dados por espaços devetores linha e vetores coluna. Seja X = An considerado como espaço de vetores linha com aação óbvia à esquerda de A e a ação à direita de Mn(A) a multiplicação matrizes e seja Y = An

considerado como espaço de vetores coluna com a ação usual de Mn(A) à esquerda e a açãousual de A à direita.

As aplicações(a1, . . . , an) ⊗ (b1, . . . , bn) 7→

∑aibi

e(a1, . . . , an) ⊗ (b1, . . . , bn) 7→ (aibj)

induzem os isomorfismos

X ⊗Mn(A) Y ∼= A, Y ⊗A X ∼= Mn(A),

respectivamente.Observe que este exemplo nos mostra que uma álgebra comutativa pode ser Morita equiva-

lente à uma álgebra não comutativa.

Precisaremos do seguinte lema:

Lema 3.6.2. Suponha que AXB e BYA são bimódulos induzindo uma equivalência de Moritaentre A e B. Então X é um A-módulo à esquerda projetivo finitamente gerado e um B-móduloà direita finitamente gerado..

Demonstração. Como Y ⊗AX ∼= B podemos escrever 1 = y1 ⊗x1 + · · ·+ym⊗xm para algum m.Defina e : X → Am por e(x) = (x ⊗ y1, . . . , x ⊗ ym) e h : Am → X por h(a1, . . . , am) =

∑aixi.

As aplicações e e h são homomorfismos de A-módulos à esquerda. Como he(x) =∑

(x⊗yi)xi =∑x(yi ⊗ xi) = x. Logo X é um somando direto de Am em A − mod. A demonstração de que

P é um somando direto de Bn em mod − S é análoga.

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Suponha agora que A e B são álgebras Morita equivalentes com A−B-bimódulo de equiva-lência X e B − A-bimódulo de equivalência Y . Defina o funtor Φ da categoria de A-bimódulospara a categoria de B-bimódulos por

Φ(M) = Y ⊗AM ⊗A X

e, analogamente, defina o funtor Ψ da categoria de B-bimódulos para a categoria de A-bimódulospor

Φ(M) = X ⊗B M ⊗B Y.

Pelo lema anterior temos que X e Y são projetivos como A-módulos e B-módulos, respec-tivamente. Vemos facilmente que este funtor leva módulos projetivos em módulos projetivos,portanto Φ leva resoluções projetivas de A-bimódulos em resoluções projetivas de B-bimódulose Ψ leva resoluções projetivas de B-bimódulos em resoluções projetivas de A-bimódulos.

O seguinte teorema nos dá a invariância da cohomologia de Hochschild por equivalência deMorita.

Teorema 3.6.3. Suponha que AXB e BYA são bimódulos induzindo uma equivalência de Moritaentre A e B. Então para cada A-bimódulo M temos

HHn(A,M) ∼= HHn(Y ⊗AM ⊗A X) e HHn(A,M) ∼= HHn(Y ⊗AM ⊗A X).

Em particular, HHn(A) ∼= HHn(B) e HHn(A) ∼= HHn(B).

Demonstração. Temos o seguinte isomorfismo

HomA(X ⊗B •, •) ∼= HomB(Y ⊗A X ⊗B •, Y ⊗A •) ∼= HomB(B ⊗B •, Y ⊗A •)∼= HomB(•, Y ⊗A •).

Da mesma forma obtemos

HomA(•, X ⊗B •) ∼= HomB(Y ⊗A •, •).

E, portanto,ExtnA(X ⊗B •, •) ∼= ExtnB(•, Y ⊗A •),

ExtnA(•, X ⊗B •) ∼= ExtnB(Y ⊗A •, •).

Logo

HHn(A,M) ∼= ExtnAe(A,M) ∼= ExtnAe(X ⊗B Y,M)∼= ExtnB⊗Aop(Y, Y ⊗AM) ∼= ExtnBe(B, Y ⊗AM ⊗A X)∼= HHn(B, Y ⊗AM ⊗A X).

A demonstração dual desta, isto é, usando o funtor Tor, funciona para demonstrar o mesmopara homologia.

Exemplo 3.6.2. Seja M uma variedade suave compacta na qual o grupo de Lie compacto Gage suavemente e a ação é livre.

Vamos mostrar que as álgebras A = C∞(M) ⋊α G = C∞(G,C∞(M)) e B = C∞(M/G) sãoMorita equivalentes.

Tome X = C∞(M) o A − B-bimódulo onde a ação de B é dada pela multiplicação pontoa ponto, usando o isomorfismo C∞(M/G) ∼= C∞(M)G. A ação de A em X será dada pelaseguinte fórmula

φ · f =∫Gφ(s)αsf ds,

36

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para φ ∈ A e f ∈ C∞(M). Observe que

φ · (ψ · f) =∫Gφ(s)αs(ψ · f) ds =

∫G

∫Gφ(s)αs(ψ(r)αrf) ds dr

=∫G

∫Gφ(s)αsψ(r)αsrf ds dr

e

(φψ) · f =∫G

(φψ)(r)αrf dr =∫G

∫Gφ(s)αsψ(s−1r)αrf ds dr

=∫G

∫Gφ(s)αsψ(r)αsrf ds dr.

Portanto esta ação à esquerda está bem definida.Vamos tomar Y = C∞(M) o B−A-bimódulo oposto de X, isto é, a ação à esquerda de B é

a multiplicação e a ação à direita de A é dada por f · φ := ψ · f , onde ψ(g) = φ(g−1), ψ,φ ∈ Ae f ∈ C∞(M).

Queremos mostrar que

C∞(M) ⊗C∞(M)⋊αG C∞(M) ∼= C∞(M/G)

eC∞(M) ⊗C∞(M/G) C

∞(M) ∼= C∞(M) ⋊α G.

Primeiramente observe que

C∞(M) ⊗C∞(M)⋊αG C∞(M) ∼= C∞(M) ⊗C⋊αG C

através da aplicação dada por f ⊗ h 7→ fh⊗ 1. Dado h ∈ G temos que fh⊗ 1 = f(1 ⊗ h) ⊗ 1 =f ⊗ (1 ⊗h)1 = f ⊗ 1, para f ⊗ 1 ∈ C∞(M) ⊗C⋊αGC, logo podemos identificar C∞(M) ⊗C⋊αGCcom o espaço de coinvariantes H0(G,C∞(M)). Como podemos identificar H0(G,C∞(M)) comC∞(M/G) temos

C∞(M) ⊗C∞(M)⋊αG C∞(M) ∼= C∞(M/G).

Como M ×M/GM ∼= M ×G temos

C∞(M) ⊗C∞(M/G) C∞(M) ∼= C∞(M) ⊗ C∞(G)

e C∞(M) ⊗ C∞(G) ∼= C∞(M) ⋊α G como C∞(M) ⋊α G-módulo. Portanto

C∞(M) ⊗C∞(M/G) C∞(M) ∼= C∞(M) ⋊α G.

3.7 Hochschild-Kostant-RosenbergO teorema de Hochschild-Kostant-Rosenberg identifica o anel de cohomologia de Hochschild

da álgebra de funções suaves em uma variedade suave M , HH∗(C∞(M)), com o anel dos camposmultivetoriais em M , Γ(Λ∗TM).

Teorema 3.7.1. Seja M uma variedade suave compacta sem bordo. A aplicação Φ: Γ(Λ∗TM) ∧−→HH∗(C∞(M)) dada por

X1 ∧ · · · ∧Xn 7→ 1n!

∑σ∈Sn

sgn(σ)Xσ(1) · · · Xσ(n),

onde X(f) = df(X) para f ∈ C∞(M) e X ∈ Γ(Λ1TM), é um isomorfismo de anéis graduadose leva o produto wedge ao produto cup e o colchete de Schouten ao colchete de Gerstenhaber.

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Demonstração. Do lema 1.2.1 segue que a aplicação Φ é uma bijeção.Sejam X1, . . . , Xn n campos de vetores em M . Temos que se

U ∈ HHu(C∞(M)) e V ∈ HHv(C∞(M)) então U V = (−1)uvV U , disto segue que

1n!

∑σ∈Sn

sgn(σ)Xσ(1) · · · Xσ(n) = 1n!

∑σ∈Sn

sgn(σ−1)sgn(σ)X1 · · · ∧ Xn

= X1 · · · Xn,

portanto Φ preserva os produtos.Da regra de Leibniz

[A,B ∧ C] = B ∧ [A,C] + (−1)(a−1)b[A,B] ∧ C

e do fato que Φ preserva produtos segue que para verificar que Φ preserva os colchetes sóprecisamos mostrar que Φ([A,B]) = JA, BK, para A,B campos vetoriais em M .

SejamA =

∑ai

∂xie B =

∑bi∂

∂xi

dois campos vetoriais em M . Temos que

Φ([A,B])(f) =∑j

aj∑i

∂bi∂xj

∂f

∂xi−∑j

bj∑i

∂ai∂xj

∂f

∂xi

e JA, BK = A ∗ B − B ∗ A.

De

A ∗ B(f) = A(∑i

bi∂f

∂xi) =

∑j

aj∂

∂xj(∑i

bi∂f

∂xi) =

∑j

aj∑i

∂bi∂xj

∂f

∂xi+∑j

aj∑i

bi∂2f

∂xjxi

eB ∗ A(f) =

∑j

bj∑i

∂ai∂xj

∂f

∂xi+∑j

bj∑i

ai∂2f

∂xjxi

segue que JA, BK(f) =∑j

aj∑i

∂bi∂xj

∂f

∂xi−∑j

bj∑i

∂ai∂xj

∂f

∂xi= Φ([A,B])(f)

Observação. Note que se considerarmos C∞(M) como um espaço de Fréchet temos que os camposde multivetores que correspondem a uma aplicação contínua são campos suaves. Desta formatemos o seguinte isomorfismo

HH∗cont(C∞(M)) ∼−→ Γ∞(Λ∗(TM)).

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Capítulo 4

Geometria de Poisson NãoComutativa

4.1 Estruturas de Poisson em ÁlgebrasNo presente capítulo introduzimos os objetos de estudo principais deste trabalho, as estru-

turas de Poisson não comutativas. Os resultados principais do capítulo são os teoremas4.3.3 e 4.4.2, os quais nos mostram que temos uma estrutura de Poisson não comutativa nosquocientes de variedades de Poisson e no toro não comutativo, respectivamente.

Do teorema 3.7.1 segue que podemos identificar um bivetor em uma variedade M com umaclasse de grau 2 da cohomologia de Hochschild de C∞(M), também segue que se π é um bivetorde Poisson e Π é sua imagem pela aplicação Φ do teorema então JΠ,ΠK = 0.

Desta forma podemos identificar bivetores de Poisson em uma variedade M com classesem HH2(C∞(M)) que satisfazem uma certa condição. Baseados neste fato fazemos a seguintedefinição

Definição 4.1.1. Seja A uma álgebra topológica localmente convexa. Uma estrutura de Poissonnão comutativa em A é um elemento Π em HH2(A) que satisfaz

JΠ,ΠK = 0.

Com essa definição podemos introduzir muitos dos objetos que vimos no Capítulo 1 emálgebras associativas.

Dada uma estrutura de Poisson não comutativa Π em uma álgebra associativa A definimoso campo Hamiltoniano associado a um elemento c ∈ HH0(A) como

Xc = JΠ, cK ∈ HH1(A).

Definimos um colchete de Poisson HH0(A) da seguinte forma

c, e := JXe, cK ∈ HH0(A)

Proposição 4.1.1. Sejam c, e ∈ HH0(A). Valem as seguintes propriedades

1. JXc,ΠK = 0

2. JXc, XeK = −Xc,e

3. HH0(A) com o colchete definido anteriormente é uma álgebra de Poisson no sentido usual.

Demonstração. Pela identidade de Jacobi temos

(−1)(2−1)(0−1)JΠ, JΠ, cKK + (−1)(2−1)(2−1)JΠ, Jc,ΠKK + (−1)(0−1)(2−1)Jc, JΠ,ΠKK = 0,

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logo−JΠ, JΠ, cKK − JΠ, Jc,ΠKK = 0.

Como Jc,ΠK = −(−1)(2−1)(0−1)JΠ, cK = JΠ, cK, temos

JΠ, JΠ, cKK = 0 ⇒ JXc,ΠK = 0.

Novamente pela identidade de Jacobi, temos

(−1)(2−1)(0−1)JΠ, JXe, cKK + (−1)(1−1)(2−1)JXe, Jc,ΠKK + (−1)(0−1)(1−1)Jc, JΠ, XeKK = 0.

Como JXe,ΠK = 0, temos

−JΠ, JXe, cKK + JXe, Jc,ΠKK = 0 ⇒ −JΠ, e, cK = JXe, XcK ⇒ JXc, XeK = −Xc,e.

Com estas definições podemos falar de dinâmica Hamiltoniana não comutativa em álgebrasassociativas de forma análoga ao caso comutativo.

A seguir vamos dar alguns exemplos de álgebras de Poisson não comutativas.

Exemplo 4.1.1. Seja A = C∞(M) a álgebra de funções de uma variedade de Poisson M . Peloteorema 3.7.1 o bivetor de Poisson pode ser identificado com um elemento Π ∈ HH2(A) que nosdá uma estrutura de Poisson não comutativa em A.

Exemplo 4.1.2. Seja M uma variedade de Poisson e tome A = C∞(M) ⊗ Mk(C). Podemosdefinir Π,uma estrutura de Poisson não comutativa em A da seguinte forma

Π(f ⊗ a, g ⊗ b) = f, g ⊗ ab.

Exemplo 4.1.3. Nas seções 4.3 e 4.4 veremos mais dois exemplos, uma estrutura de Poissonnão comutativa em um quociente de Poisson e no toro não comutativo, respectivamente.

4.2 Cohomologia de PoissonPodemos definir cohomologia de Poisson para estruturas de Poisson não comutativas de

forma muito similar ao caso clássico, usando o colchete de Gerstenhaber.O seguinte lema nos permite definir um complexo associado a uma estrutura de Poisson não

comutativa.

Lema 4.2.1. Seja U ∈ HHu(A), então

JΠ, JΠ, UKK = 0.

Demonstração. Segue diretamente da identidade de Jacobi e do fato que JΠ,ΠJ= 0, assim comono caso clássico.

SejadΠ : HH i(A) → HH i+1(A)

a aplicação dada pordΠ(U) = JΠ, UK.

Do lema 4.2.1 segue que dΠdΠ = 0. Chamaremos a cohomologia do complexo (HH∗(A), dΠ)de cohomologia de Poisson de (A,Π) e vamos denotá-la por H∗

Π(A).Podemos interpretar a cohomologia de Poisson de uma álgebra de Poisson (A,Π) de forma

análoga à cohomologia de Poisson de variedades de Poisson.

40

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Definição 4.2.1. Uma deformação de Poisson de uma álgebra de Poisson (A,Π) é uma sérieformal

Πλ =∞∑i=0

λiΠi

tal que JΠλ,ΠλK = 0, onde Πi ∈ HH2(A) para todo i e Π0 = Π.

Temos

JΠλ,ΠλK =∞∑j=0

λj

∑i+j=n

JΠi,ΠjK .

Logo

JΠλ,ΠλK = 0 ⇐⇒∑i+j=n

JΠi,ΠjK = 0, para todo n

⇐⇒ 2dΠΠn = −∑

i+j=k,i≥1,j≥1JΠi,ΠjK, para todo n. (4.1)

Da equação 4.1 segue que dΠ(Π1) = 0 e, portanto, Π1 é um cociclo em H2Π(A) que chamare-

mos de infinitesimal da deformação Πλ. Temos a seguinte proposição

Proposição 4.2.2. Dado Π1 ∈ HH2(A) tal que dΠ(Π1) = 0 a obstrução para existência de umadeformação de Poisson com infinitesimal π1 é H3

Π(M). Isto é, se H3Π(M) = 0 então existe uma

deformação de Poisson com infinitesimal Π1.

Demonstração. A demonstração é a mesma da proposição 1.5.2, basta apenas trocar o colchetede Schouten pelo colchete de Gerstenhaber.

Vamos mostrar a existência de uma sequência Πn∞n=2 que satisfaz a equação 4.1 por indu-

ção. Suponha que encontramos Π2, . . . ,Πk−1 que satifazem 4.1. Seja

Ek = −∑

i+j=k,i≥1,j≥1JΠi,ΠjK.

Para mostrar que existe um Πk que satisfaz a equação 4.1 basta mostrar que dΠ(Ek) = 0 poisH3

Π(M) = 0. Temos

dΠ(Ek) =∑

i+j=k,i≥1,j≥1(JΠi, dΠΠjK + JΠj , dΠΠiK)

= 2∑

i+j=k,i≥1,j≥1JΠj , dΠΠiK

= −∑

i+j=k,i≥1,j≥1

∑α+β=i,α≥1,β≥1

JΠj , JΠα,ΠβKK

= −∑

α+β+j=k,α≥1,β≥1,j≥1JΠj , JΠα,ΠβKK

= −13

∑α+β+j=k,α≥1,β≥1,j≥1

(JΠj , JΠα,ΠβKK + JΠα, JΠβ,ΠjKK + JΠβ, JΠj ,ΠαKK)= 0.

Observação. Deformações de estruturas de Poisson aparecem em problemas de quantização.Veja (Tang, 2004).

41

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4.3 Redução de PoissonUm dos principais motivos para nós introduzirmos estas estruturas de Poisson não comu-

tativas é estudar a redução quando temos um quociente ruim. Como vimos no Capítulo 2quando temos uma ação de um grupo de Lie G em uma variedade suave M devemos substituiro quociente usual pela álgebra C∞

c (G,C∞c (M)) com o produto

(f × g)(t) =∫Gf(s)αsg(s−1t)ds.

A partir de agora vamos assumir que (M,π) é uma variedade de Poisson compacta e G é umgrupo de Lie que age em M preservando a estrutura de Poisson. Seja A = C∞

c (G,C∞(M)).Temos a seguinte proposição sobre a álgebra A.

Proposição 4.3.1. O complexo bar associado à álgebra A é exato.

Demonstração. Observe que podemos identificar o complexo bar com o seguinte complexo

0 C∞c (G,C∞

c (M)) C∞c (G×G,C∞

c (M)) C∞c (G3, C∞

c (M)) · · · ,b b

onde b é dado por

(bf)(g1, . . . , gn) =n∑i=1

(−1)i−1f(g1, . . . , gi, gi, . . . , gn),

para f ∈ C∞c (Gn+1, C∞

c (M)).Defina a aplicação s : C∞

c (Gn, C∞c (M)) → C∞

c (Gn+1, C∞c (M)) da seguinte maneira

(sf)(g1, . . . , gn+1) = f(g2, . . . , gn+1).

Temos

b(sf)(g1, . . . , gn) =n∑i=1

(−1)i−1(sf)(g1, . . . , gi, gi, . . . , gn)

= f(g1, . . . , gn) +n∑i=2

(−1)i−1f(g2, . . . , gi, gi, . . . , gn)

es(bf)(g1, . . . , gn) = (bf)(g2, . . . , gn) =

n∑i=2

(−1)if(g2, . . . , gi, gi, . . . , gn),

logo sb+ bs = 1 e portanto s é uma contração do complexo. Concluímos assim que o complexoé exato e portanto o complexo bar associado à álgebra A é exato.

Defina a seguinte aplicação bilinear contínua Π: A×A → A por

Π(f, g)(t) =∫G

f(s), αsg(s−1t)ds

onde f, g ∈ A, t ∈ G.

Proposição 4.3.2. Π é um cociclo de Hochschild.

Demonstração. Temos

∂Π(f, g, h) = f × Π(g, h) − Π(f × g, h) + Π(f, g × h) − Π(f, g) × h

42

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e

f × Π(g, h) =∫G

∫Gf(s)αsg(s−1u), αuh(u−1t)duds

Π(f × g, h) =∫G

∫Gf(s)αsg(s−1u), αuh(u−1t)duds

+∫G

∫Gαsg(s−1u)f(s), αuh(u−1t)duds

Π(f, g × h) =∫G

∫G

f(s), αsg(s−1u)αuh(u−1t)duds

+∫G

∫G

f(s), αuh(u−1t)αsg(s−1u)duds

Π(f, g) × h =∫G

∫G

f(s), αsg(s−1u)αuh(u−1t)duds.

Logo ∂Π = 0.

Para este Π definido anteriormente ser uma estrutura de Poisson em A falta verificar queJΠ,ΠK = 0. Veremos que sob uma certa condição isto de fato acontece.Como π é uma estrutura de Poisson em M temos que [π, π] = 0, pelo Teorema 3.7.1 segue que

D : C∞(M) ⊗C∞(M) → C∞(M) dada por D(f ⊗ g) = π(df ∧ dg) = f, g satisfaz JD,DK = 0em cohomologia. Isto é, existe uma 2-cocadeia de Hochschild B2 tal que JD,DK = ∂B2.

Teorema 4.3.3. Seja (M,π) uma variedade de Poisson, G um grupo de Lie que age em Mpreservando a estrutura de Poisson e D : C∞(M) ⊗ C∞(M) → C∞(M) dada por D(f ⊗ g) =π(df ∧ dg) = f, g. Seja A = C∞

c (G,C∞(M)) e Π: A × A → A a seguinte aplicação bilinearcontínua

Π(f, g)(t) =∫G

f(s), αsg(s−1t)ds.

Se existir uma 2-cocadeia G-invariante B2 : C∞(M)⊗C∞(M) → C∞(M) tal que JD,DK = ∂B2então JΠ,ΠK = 0. Isto é, sob esta condição Π é uma estrutura de Poisson não comutativa emA.

Demonstração. Observe que

JD,DK(f, g, h) = 2D(D(f, g), h) − 2D(f,D(g, h))= 2f, g, h − 2f, g, h.

Temos

JΠ,ΠK(f, g, h)(t) = 2Π(Π(f, g), h)(t) − 2Π(f,Π(g, h))(t)

=∫G

∫G

2f(s), αsg(s−1u), αuh(u−1t)dsdu

−∫G

∫G

2f(s), αsg(s−1u), αuh(u−1t)dsdu

=∫G

∫GJD,DK(f(s), αsg(s−1u), αuh(u−1t))dsdu

=∫G

∫G

(∂B2)(f(s), αsg(s−1u), αuh(u−1t))dsdu.

DefinaA2(f, g)(t) =

∫GB2(f(s), αsg(s−1t))ds.

Temos

(∂A2)(f, g, h)(t) = (f ×A2(g, h))(t) − (A2(f × g, h))(t) + (A2(f, g × h))(t) − (A2(f, g) × h)(t)

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e como B2 é G-invariante segue que

(f ×A2(g, h))(t) =∫Gf(s)αsA2(g, h)(s−1t)ds =

∫G

∫Gf(s)B2(αsg(u), αsuh(u−1s−1t)duds

A2(f × g, h)(t) =∫GB2(f × g(u))αuh(u−1t)du =

∫G

∫GB2(f(s)αsg(s−1u), αuh(u−1t))duds

A2(f, g × h)(t) =∫GB2(f(s), αs(g × h)(s−1t))ds =

∫G

∫GB2(f(s), αsg(u)αuh(u−1s−1t))duds

(A2(f, g) × h)(t) =∫GA2(f, g)(u)αuh(u−1t)du =

∫G

∫GB2(f(s), αsg(s−1u))αuh(u−1t)duds.

Como du é uma medida invariante à esquerda temos

(f ×A2(g, h))(t) =∫G

∫Gf(s)B2(αsg(u), αsuh(u−1s−1t)duds

=∫G

∫Gf(s)B2(αsg(s−1u), αuh(u−1t)duds

e

A2(f, g × h)(t) =∫G

∫GB2(f(s), αsg(u)αuh(u−1s−1t))duds

=∫G

∫GB2(f(s), αsg(s−1u)αuh(u−1t)duds.

Disto segue que

(∂A2)(f, g, h)(t) =∫G

∫G

(∂B2)(f(s), αsg(s−1u), αuh(u−1t)duds

e portanto JΠ,ΠK = ∂A2.

Se G é um grupo compacto, sempre existe uma 2-cocadeia B2 G-invariante tal que JD,DK =∂B2. De fato, sabemos que existe uma 2-cadeia B2 tal que JD,DK = ∂B2. Seja B2 : C∞(M) ⊗C∞(M) → C∞(M) dada por

B2(f, g) =∫GαuB2(αu−1f, αu−1g)du,

onde du é a medida unimodular em G que satisfaz∫G du = 1. Temos

αsB2(f, g) =∫GαsuB2(αu−1f, αu−1g)du

=∫GαuB2(αu−1sf, αu−1sg)du

e

B2(αsf, αsg) =∫GαuB2(αu−1sf, αu−1sg)du.

Logo B2 é G-invariante.Como D é G-invariante temos

∂(B2)(f, g, h) =∫GfαuB2(αu−1g, αu−1h)du−

∫GαuB2(αu−1fg, αu−1h)du

+∫GαuB2(αu−1f, αu−1gh)du−

∫GαuB2(αu−1f, αu−1g)hdu

=∫Gαu(∂B2)(αu−1f, αu−1g, αu−1h)du

=∫GαuJD,DK(αu−1f, αu−1g, αu−1h)du

=∫GJD,DK(f, g, h)du

= JD,DK(f, g, h).

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Logo JD,DK = ∂(B2).Desta forma concluimos

Corolário 4.3.4. Se G é compacto então Π é uma estrutura de Poisson em A.

Demonstração. Segue diretamente da proposição 4.3.3 que Π é uma estrutura de Poisson nãocomutativa em A.

No caso em que M/G é suave, temos o seguinte

Corolário 4.3.5. Se a ação de G em M for livre e própria, Π é uma estrutura de Poisson nãocomutativa em A.

Demonstração. Sob estas condições temos que M/G é uma variedade de Poisson com a estruturaD induzida pela estrutura D em M . Logo existe uma 2-cadeia B2 : C∞

c (M/G) ⊗ C∞c (M/G) →

C∞c (M/G), tal que JD, DK = ∂B2.

Seja Uαα∈Λ um atlas em M/G que trivializa o fibrado principal π : M → M/G, isto é,para cada α ∈ Λ temos π−1(Uα) ∼= Uα×G. Suponha que φαα∈Λ seja uma partição da unidadesubordinada à cobertura Uαα∈Λ. Para cada α ∈ Λ defina Bα

2 : C∞(M) ⊗ C∞(M) → C∞(M)da seguinte maneira. Para cada x ∈ π−1(Uα) seja (y, s) ∈ Uα × G o elemento que correspondea x. Defina

Bα2 (f, g)(x) = B2(f ξαs , g ξαs )(π(x)), ∀ f, g ∈ C∞

c (M),

onde ξαs : Uα → π−1(Uα) ∼= Uα × G, para cada s ∈ G, é a seção dada por ξαs (z) = (z, s),∀z ∈ Uα. Observe que f ξαs , g ξαs são funções suaves em Uα. Usaremos a mesma notação paradenotar uma extensão suave de f ξαs , g ξαs para C∞

c (M/G).Defina B2 da seguinte forma

B2(f, g)(x) =∑α∈Λ

φα(π(x))Bα2 (f, g)(x), ∀ f, g ∈ C∞

c (M).

Como Bα2 é G-invariante segue pela construção anterior que B2 é G-invariante e

(∂Bα2 )(f, g, h)(x) = f(x)B2(g ξαs , h ξαs )(π(x)) − B2(fg ξαs , h ξαs )(π(x))

+ B2(f ξαs , gh ξαs )(π(x)) − B2(f ξαs , g ξαs )(π(x))h(x)= ∂B2(f ξαs , g ξαs , h ξαs )(π(x))= JD, DKB2(f ξαs , g ξαs , h ξαs )(π(x))= JD,DK(f, g, h)(x).

Portanto,

(∂B2)(f, g, h)(x) =∑α∈Λ

φα(π(x))(∂Bα2 )(f, g, h)(x)

=∑α∈Λ

φα(π(x))JD,DK(f, g, h)(x)

= JD,DK(f, g, h)(x).

Logo JD,DK = ∂B2 e como ∂B2 é G-invariante a conclusão segue da proposição 4.3.3.

No que segue iremos assumir que G é um grupo compacto com uma ação de Poisson de Gem uma variedade de Poisson compacta M e que tal ação é livre.

De acordo com o corolário 4.3.5 a álgebra de produto cruzado suave A = C∞(M) ⋊α Gpossui uma estrutura de Poisson não comutativa dada pelo cociclo Π ∈ HH2(A) do Teorema4.3.3. Por outro lado, neste caso temos que M/G é uma variedade de Poisson, como vimos nocapítulo 1.

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Temos que, como álgebras topológicas, A é Morita equivalente a C∞(M/G), onde a equi-valência é dada pelo bimódulo C∞(M). Portanto seus grupos de cohomologia de Hochschildsão isomorfos, mais do que isso eles são isomorfos a Γ∞(Λ∗(M/G)), o espaço de campos demultivetores suaves em M/G.

O teorema a seguir de (Xu, 1994) diz que Π ∈ HH2(A) corresponde ao tensor de Poissonreduzido π ∈ HH2(C∞(M/G)) sob o isomorfismo induzido pela equivalência de Morita.

Teorema 4.3.6. Sob o isomorfismo entre HH2(A) e HH2(C∞(M/G)) induzido pela equiva-lência de Morita, a estrutura de Poisson Π em A corresponde ao tensor de Poisson reduzido π,considerado como um elemento em HH2(C∞(M/G)).

Demonstração. A demonstração pode ser vista em (Xu, 1994) e se baseia no fato de podermoscalcular tudo localmente pois Π e π são seções de um fibrado vetorial. Desta forma podemosassumir que M ∼= M/G × G e com isso a álgebra de produto cruzado assume uma forma maissimples e assim podemos fazer os cálculos necessários.

Desta forma temos que os dois processos de redução, clássico e o não comutativo, se equivalemde certo modo.

4.4 Toro não comutativoUm dos exemplos mais importantes em geometria não comutativa é o toro não comutativo.

Ele surge no estudo da folheação de Kronecker do 2-toro usual. Nesta seção introduziremos umaestrutura de Poisson não comutativa no toro não comutativo e computar sua cohomologia dePoisson.

Denotaremos por S(Z2) o espaço das sequências (an,m) que decaem rapidamente, isto é,(|n| + |m|)q|an,m| é limitada para cada q ∈ N.

Definição 4.4.1. Para cada θ ∈ Q, seja λ = exp(2πiθ). Dado θ ∈ Q, o toro não comutativoassociado a θ é a álgebra Aθ que é definida da seguinte forma. Aθ é a álgebra cujo elementogenérico é a soma formal ∑

n,m

an,mUn1 U

m2 ,

com (an,m) ∈ S(Z2) e o produto dado pela relação

U2U1 = λU1U2.

Aθ possui uma topologia gerada pelas seminormas

Pq(a) = supn,m∈N

((1 + |n| + |m|)q|an,m|)

que a torna uma álgebra localmente convexa.Podemos definir duas derivações δ1 e δ2 em Aθ da seguinte maneira

δ1(Un1 Um2 ) = 2πinUn1 Um2

eδ2(Un1 Um2 ) = 2πimUn1 Um2 .

Lema 4.4.1. Jδ1, δ2K = 0, Jδ1, δ1K = 0 e Jδ2, δ2K = 0.

Demonstração.

Jδ1, δ2K(Un1 Um2 ) = δ1δ2(Un1 Um2 ) − δ2δ1(Un1 Um2 ) = −4πmn(Un1 Um2 ) + 4πmn(Un1 Um2 ) = 0.

As outras identidades seguem da super-comutatividade do colchete de Gerstenhaber.

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Teorema 4.4.2. Seja Π = δ1 ∧ δ2 ∈ HH2(Aθ). Temos que Π é uma estrutura de Poisson emAθ.

Demonstração. Utilizando a regra de Leibniz temos

Jδ1 ∧ δ2, δ1 ∧ δ2K = −Jδ1 ∧ δ2, δ1K ∧ δ2 + δ1 ∧ Jδ2, δ1 ∧ δ2K= Jδ1, δ1K ∧ δ2 ∧ δ2 + δ1 ∧ Jδ1, δ2K ∧ δ2 − δ1 ∧ Jδ2, δ1K ∧ δ2 − δ1 ∧ δ1 ∧ Jδ2, δ2K= 0.

Agora vamos calcular a cohomologia de Hochschild topológica de Aθ. Para isso vamosprecisar de uma resolução projetiva topológica de Aθ.

Lema 4.4.3. Seja Ω = Ω0 ⊗ Ω1 ⊗ Ω2 a álgebra exterior gerada pelo conjunto e1, e2. Então

Aθ Aeθ ⊗ Ω0(= M0) Aeθ ⊗ Ω1(= M1) Aeθ ⊗ Ω2(= M2) 0ϵ b1 b2

é uma resolução projetiva topológica de Aθ, onde ϵ(a⊗ b) = ab,

b1(1 ⊗ ej) = 1 ⊗ Uj − Uj ⊗ 1

eb2(1 ⊗ (e1 ∧ e2)) = (U2 ⊗ 1 − λ⊗ U2) ⊗ e1 − (λU1 ⊗ 1 − 1 ⊗ U1) ⊗ e2.

Demonstração. Para ν = (n1, n2) ∈ Z2, seja Uν = Un11 Un2

2 ∈ Aθ, Xν = Uν ⊗ 1 ∈ Aeθ eY ν = 1 ⊗Uν ∈ Aeθ. Então Xν e Y ν′ comutam para todo ν, ν ′ e cada elemento de Aeθ é da formaa =

∑aν,ν′XνY ν′ , onde a sequência (aν,ν′) é um elemento arbitrário de S(Z4).

Temos XνXν′ = λn2n′1Xν+ν′ e Y νY ν′ = λn

′2n1Y ν+ν′ .

Vamos verificar que ker ϵ = Im b1. A inclusão Im b1 ⊂ ker ϵ segue diretamente da de-finição. Para a =

∑aν,ν′XνY ν′ , ϵ(a) = 0 implica que vale

∑aν,ν′XνXν′ = 0 e portanto

a =∑aν,ν′Xν(Y ν′ −Xν′). Usando a igualdade

(1 ⊗ Un22 )(1 ⊗ Un1

1 ) − (Un11 ⊗ 1)(Un2

2 ⊗ 1) = (1 ⊗ Un22 )(

n1−1∑j=0

U j1 ⊗ Un1−1−j1 )(1 ⊗ U1 − U1 ⊗ 1)

+ (Un11 ⊗ 1)(

n2−1∑j=0

U j2 ⊗ Un2−1−j2 )(1 ⊗ U2 − U2 ⊗ 1),

e observando que

Xν(Y ν′ −Xν′) = Xν(1⊗Un′

11 U

n′2

2 −Un′

11 U

n′2

2 ⊗1) = Xν((1⊗Un′

22 )(1⊗U

n′1

1 )− (Un′1

1 ⊗1)(Un′2

2 ⊗1)),

temos que ker ϵ é gerado por 1 ⊗ U1 − U1 ⊗ 1 e 1 ⊗ U2 − U2 ⊗ 1 e portanto é igual a Im b1.Checamos diretamente que b1b2 = 0. Dado a = a1 ⊗ e1 − a2 ⊗ e2 ∈ ker b1, temos a1(1 ⊗U1 −

U1 ⊗ 1) = a2(1 ⊗ U2 − U2 ⊗ 1). Observe que para a pertencer a Im b2 basta encontrar y ∈ Aeθque satisfaz a1 = y(U2 ⊗ 1 − λ⊗ U2).

Tomando Z = λU−12 ⊗ U2, mostramos que a1(

∞∑−∞

Zk) = 0 usando a identidade

a1(∞∑

−∞Zk)(1 ⊗ U1 − U1 ⊗ 1) = a1(1 ⊗ U1 − U1 ⊗ 1)(

∞∑−∞

(U−12 ⊗ U2)k)

= a2(1 ⊗ U2 − U2 ⊗ 1)(∞∑

−∞(U−1

2 ⊗ U2)k)

= 0.

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Escrevendo a1 =∑xkZ

k, onde xk é um elemento da subálgebra de Aeθ gerada pelos elementos1 ⊗ U1, U1 ⊗ 1 e U2 ⊗ 1, temos

∑xk = 0 e portanto

a1 =∑

xk(Zk − 1) =∑

xk(k−1∑j=0

Zj)(Z − 1) = y1(Z − 1).

Segue que

a1 = −y1(U−12 ⊗ 1)(U2 ⊗ 1)(Z − 1) = y1(U−1

2 ⊗ 1)(U2 ⊗ 1 − λ⊗ U2).

Por fim basta apenas verificar que b2 é injetora, porém isto segue diretamente da definição.

Usando a resolução anterior podemos calcular HH∗(Aθ). Diremos a seguir que θ satisfazuma condição Diofantina se a sequência (|1 −λn|−1) é O(nk) para algum k (lembre que dizemosque uma sequência (an) é O(nk) se existe n0 tal que para cada n ≥ n0 vale |an| ≤ Mnk paraalguma constante M).

Proposição 4.4.4. Seja θ ∈ Q.

• HH0(Aθ) = C e HH i(Aθ) = 0, para i ≥ 3.

• Se θ satisfaz uma condição Diofantina, então HH1(Aθ) tem dimensão 2 e HH2(Aθ) temdimensão 1.

• Se θ não satisfaz uma condição Diofantina, então HH1(Aθ) e HH2(Aθ) possuem dimensãoinfinita.

Demonstração. Primeiramente observe que é óbvio que HH i(Aθ) = 0 para i ≥ 0 devido aotamanho da resolução de Aθ que temos.

Queremos calcular o cohomologia do complexo

0 HomAe(M0, Aθ) HomAe(M1, Aθ) HomAe(M2, Aθ) 0.b∗

1 b∗2 (4.2)

Sabemos que

HomAe(M0, Aθ) ∼= Hom(Ω0, Aθ) ∼= Ω∗0 ⊗Aθ ∼= C∗ ⊗Aθ ∼= Aθ;

HomAe(M1, Aθ) ∼= Hom(Ω1, Aθ) ∼= Ω∗0 ⊗Aθ ∼= (C2)∗ ⊗Aθ ∼= Aθ ⊕Aθ;

eHomAe(M2, Aθ) ∼= Hom(Ω2, Aθ) ∼= Ω∗

2 ⊗Aθ ∼= C∗ ⊗Aθ ∼= Aθ.

Sob estes isomorfismos o complexo 4.2 fica

0 Aθ Aθ ⊕Aθ Aθ 0.α1 α2 (4.3)

Calculamos diretamente que α1(a) = (aU1 − U1a, aU2 − U2a) e α2(a1, a2) = U2a1 − λa1U2 −λU1a2 + a2U1. Temos que C ⊂ kerα1 e dado a ∈ Aθ tal que a ∈ C temos

α1(a) = 0 ⇐⇒ aU1 = U1a e aU2 = U2a ⇐⇒ λU1a = U1a e λU2a = U2a ⇐⇒ λ = 1.

Porém, como θ ∈ Q temos que λ = 1 e portanto ker(α1) = C. Logo HH0(Aθ) = C.A partir de agora usaremos a notação fi =

∑aim,nU

m1 U

n2 , para i = 1, 2, e f =

∑am,nU

m1 U

n2 .

Suponha que (f1, f2) ∈ ker(α2), temos U2f1 − λf1U2 = λU1f2 − f2U1 e disto segue que

(1 − λn2)a1n1+1,n2 = (λn1 − 1)a2

n1,n2+1 ∀n1, n2.

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Se α1(f) = (f1, f2) temos que f satisfaz fU1 − U1f = f1 e fU2 − U2f = f2 e portanto

(1 − λn2)an1,n2 = a1n1+1,n2 e (λn1 − 1)an1,n2 = a2

n1,n2+1.

Essas condições são compatíveis se, e somente se, a11,0 = a2

0,1 = 0.Logo se (f1, f2) ∈ ker(α2) e satisfaz as condições anteriores podemos definir f utilizando

a identidade (1 − λn2)an1,n2 = a1n1+1,n2 . Se θ satisfaz uma condição Diofantina a sequência

an,m definida de fato está em Aθ e portanto HH1(Aθ) = C2. Se θ não satisfaz uma condiçãoDiofantina podemos encontrar infinitas sequências a1

n,m que decrescem rapidamente enquantoan,m = a1

n,m(1 − λ)−1 não decresce rapidamente, neste caso HH1(Aθ) tem dimensão infinita. Ademonstração para HH2 é similar.

Com isso podemos calcular a cohomologia de Poisson de (Aθ,Π).

Proposição 4.4.5. • H0Π(Aθ) = C e H i

Π(Aθ) = 0 para i ≥ 3.

• Se θ satisfaz uma condição Diofantina, então

H1Π(Aθ) = C ⊕ C e H2

Π(Aθ) = C.

• Se θ não satisfaz uma condição Diofantina, então H1Π(Aθ) e H2

Π(Aθ) possuem dimensãoinfinita.

Observe que a estrutura de Poisson em Aθ está definida utilizando a resolução usual M ′k =

Aeθ ⊗A⊗kθ . Para ver com o que esta estrutura de Poisson se corresponde na resolução Mk =

Aeθ ⊗ Ωk precisamos comparar as duas resoluções, isto é, precisamos encontrar dois morfismosde complexos de Ae-módulos h : M → M

′ e k : M ′ → M que são a identidade em grau 0.

Lema 4.4.6. As aplicações de complexos de Ae-módulos h : M → M′ e k : M ′ → M descritas

acima podem ser escolhidas de forma que

h1(1 ⊗ ej) = −1 ⊗ Uj , j = 1, 2;

h2(1 ⊗ (e1 ∧ e2)) = λ1 ⊗ U1 ⊗ U2 − 1 ⊗ U2 ⊗ U1;

ek1(1 ⊗ Uj) = −1 ⊗ ej , j = 1, 2.

Demonstração. Lembre que

b′n(1 ⊗ a1 ⊗ · · · ⊗ an) = (a1 ⊗ 1) ⊗ (a2 ⊗ · · · ⊗ an)

+n−1∑j=1

(−1)j1 ⊗ a1 ⊗ · · · ⊗ ajaj+1 ⊗ · · · ⊗ an

+ (−1)n(1 ⊗ an) ⊗ (a1 ⊗ · · · ⊗ an−1).

A aplicação h1 é determinada por h1(1 ⊗ ej) e deve satisfazer

b′1h1(1 ⊗ ej) = b1(1 ⊗ ej) = 1 ⊗ Uj − Uj ⊗ 1,

portanto podemos tomar h1(1 ⊗ ej) = −1 ⊗ Uj .Temos que h2 é determinada por h2(1 ⊗ (e1 ∧ e2)) e satisfaz

b′2h2(1 ⊗ (e1 ∧ e2)) = h1b2(1 ⊗ (e1 ∧ e2))

= h1((U2 ⊗ 1 − λ⊗ U2) ⊗ e1 − (λU1 ⊗ 1 − 1 ⊗ U1) ⊗ e2)= −(U2 ⊗ 1 − λ⊗ U2)(1 ⊗ U1) + (λU1 ⊗ 1 − 1 ⊗ U1)(1 ⊗ U2).

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Logo podemos tomar h2(1 ⊗ (e1 ∧ e2)) = λ1 ⊗ U1 ⊗ U2 − 1 ⊗ U2 ⊗ U1.Podemos escolher k1 de forma análoga. Temos que k1 é determinado pelo valor de

k1(1 ⊗ Uj) e deve satisfazer

b1k1(1 ⊗ Uj) = b′1(1 ⊗ Uj) = Uj ⊗ 1 − 1 ⊗ Uj ,

portanto podemos tomar k1(1 ⊗ Uj) = −1 ⊗ ej .

Usando o complexo 4.3 temos:

Lema 4.4.7. Para cada (a1, a2) ∈ kerα2/ Imα1 = HH1(Aθ), temos que dΠ(a1, a2) é a classedo elemento a ∈ HH2(Aθ) = Aθ/ Imα2 dado por

a = 2πiλ[(2πia1 − δ1a1)U2 + U1(2πia2 − δ2a2)]

Demonstração. Temos as identificações (a1, a2) 7→ T 7→ δ 7→ δ, onde (a1, a2) ∈ Aθ ⊕ Aθ, T ∈HomAe(Ae ⊗ Ω1, Aθ), δ ∈ HomAe(Ae ⊗ Aθ, Aθ) e δ ∈ Hom(Aθ, Aθ). Estas aplicações estãorelacionadas da seguinte maneira: T (1 ⊗ ei) = ai, δ(Ui) = δ(1 ⊗ Ui) e δ = T k1. Sob essasidentificações temos

dΠ(a1, a2) = dΠ(T )(1 ⊗ (e1 ∧ e2))= dΠ(δ)(h2(1 ⊗ (e1 ∧ e2)))= dΠ(δ)(λ1 ⊗ U1 ⊗ U2 − 1 ⊗ U2 ⊗ U1)= λdπ(δ)(U1, U2) − dΠ(U2, U1)= λJδ1 ∧ δ2, δK(U1, U2) − Jδ1 ∧ δ2, δK(U2, U1)= −λ(Jδ, δ1K ∧ δ2(U1, U2) + δ1 ∧ Jδ, δ2K(U1, U2))= −λ[(δδ1U1 − δ1δU1)(δ2U2) + (δ1U1)(δδ2U2 − δ2δU2)]= −λ[(2πiδU1 − δ1δU1)(2πiU2) + (2πiU1)(2πiδU2 − δ2δU2)]

eδUi = δ(1 ⊗ Ui) = T k1(1 ⊗ Ui) = T (−1 ⊗ ei) = −ai.

PortantodΠ(a1, a2) = 2πiλ[(2πia1 − δ1a1)U2 + U1(2πia2 − δ2a2)].

Demonstração da proposição 4.4.5. Note que os dois primeiros itens da proposição segue dire-tamente do cálculo da cohomologia de Hochschild de Aθ.

Perceba que H2Π(Aθ) = Aθ/(Imα2 + dΠ(kerα2)). Seja

ai =∑n,m

ain,mUn1 U

m2 , i = 1, 2.

Então,dΠ(a1, a2) =

∑n,m

4π2λ(a1n,m−1(n− 1) + a2

n−1,m(m− 1))Un1 Um2 .

Dado b ∈ (Imα2 + dΠ(kerα2)), assuma que b =∑n,m bn,mU

n1 U

m2 . Então bn,m pode ser escrito

da seguinte forma

bn,m = a1n,m−1(λn − λ) − a2

n−1,m(λ− λm)+ a1

n,m−1(n− 1) − a2n−1,m(m− 1),

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para algum (a1, a2) ∈ Aθ ⊕Aθ e (a1, a2) ∈ kerα2. De α2(a1, a2) = 0 segue que

a1n,m−1(λn − λ) = a2

n−1,m(λ− λm).

Tomando m = 1 temos a1n,0(λn − λ) = 0. Portanto, a1

n,0 = 0 se n = 1. Tomando m = 1 temosbn,1 = a1

n,0(λn − λ), para n = 1.Logo uma condição necessária para b ∈ (Imα2 + dΠ(kerα2)) é que bn,1(λn − λ)−1 decresce

rapidamente. Como θ não satisfaz uma condição Diofantina, podemos encontrar um númeroinfinito de sequências (bn,m) com a propriedade que (bn,1) decresce rapidamente e bn,1(λn−λ)−1

não. Disto segue que H2(Aθ) possui dimensão infinita. A demonstração para H1(Aθ) é similar.

Sejaω = U−1

2 U−11 ⊗ U1 ⊗ U2 − U−1

1 U−12 ⊗ U2 ⊗ U1.

Temos

∂(ω) = U−12 ⊗U2 −U−1

2 U−11 ⊗U1U2 +U−1

1 ⊗U1 −U−11 ⊗U1 +U−1

1 U−12 ⊗U2U1 −U−1

2 ⊗U2 = 0,

logo ω é um 2-ciclo de Hochschild na álgebra Aθ e portanto define um elemento em HH2(Aθ).A seguir vamos ver que este elemento ω em muitos aspectos se comporta como uma forma

simplética em uma variedade.Note que a contração induz uma aplicação ωb : HH1(Aθ) → HH1(Aθ) dada por

ωb(δ) = iδω = −δ(U2)U−12 U−1

1 ⊗ U1 + δ(U1)U−11 U−1

2 ⊗ U2.

Temos o seguinte resultado análogo ao que temos em geometria simplética:

Proposição 4.4.8. Para i = 0, 1, 2, as aplicações

(ωb)i : HH i(Aθ) → HH2−i(Aθ)U → iUω

são isomorfismos.

Para demonstrar essa proposição precisamos computar a homologia de Hochschild de Aθ.Aplicando o funtor Aθ ⊗Ae

θ· na resolução projetiva topológica (Mk, bk) que vimos anteriormente

obtemos o complexo

0 Aθ ⊗AeθM2 Aθ ⊗Ae

θM1 Aθ ⊗Ae

θM0 0,α2 α1

com αi = 1 ⊗ bi.Temos

α1(a⊗ (1Ae ⊗ ei)) = a⊗ (1 ⊗ Ui − Ui ⊗ 1)

eα2(a⊗ (1Ae ⊗ (e1 ∧ e2))) = a⊗ (U2 ⊗ 1 − λ⊗ U2) ⊗ e1 − (λU1 ⊗ 1 − 1 ⊗ U1) ⊗ e2).

Sob as identificações Aθ ⊗Ae Ae ∼= Aθ dada por a⊗ (b⊗ c) 7→ cab, Aθ ⊗Ωi∼= Aθ, para i = 0, 2

e Aθ ⊗ Ω1 ∼= Aθ ⊕Aθ o complexo anterior é mapeado para o complexo a seguir

0 Aθ Aθ ⊕Aθ Aθ 0,β2 β1 (4.4)

ondeβ1(a1, a2) = U1a1 − a1U1 + U2a2 − a2U2

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eβ2(a) = (aU2 − λU2a, U1a− λaU1).

Portanto a homologia de Hochschild HH∗(Aθ) pode ser computada como a homologia do com-plexo anterior.

Como as aplicações (ωb)i estão definidas utilizando a resolução bar (M ′k, b

′k) precisaremos

comparar as duas resoluções para escrever as aplicações (ωb)i com respeito à resolução (Mk, bk).Denotando as aplicações correspondentes a (ωb)i na resolução (Mk, bk) por hi obtemos o

seguinte diagrama0 Aθ Aθ ⊕Aθ Aθ 0

0 Aθ Aθ ⊕Aθ Aθ 0

h0

α1

h1

α2

h2

β2 β1

(4.5)

onde o complexo na linha superior é o complexo 4.3 que usamos para computar a cohomologiaHH∗(Aθ).

Temos o seguinte lema:

Lema 4.4.9. h0, h1 e h2 são isomorfismos. Além disso, temos

1. h0(a) = aU−11 U−1

2 ;

2. h1(a1, a2) = (a2U−12 U−1

1 ,−a1U−11 U−1

2 );

3. h2(a) = −aU−11 U−1

2 .

E temos também que o diagrama 4.5 comuta.

Demonstração. Suponha que (a1, a2) ∈ Aθ ⊕ Aθ se corresponde com δ ∈ Hom(Aθ, Aθ) sobas identificações usadas no 4.4.7. Então temos δ(U1) = −a1 e δ(U2) = −a2. Além dissotemos que h1(a1, a2) ∈ Aθ ⊕ Aθ corresponde a (ωb)1(δ) ∈ Aθ ⊗Aθ pela definição de h1. Como(ωb)1(δ) = δ(U2)U−1

2 U−11 ⊗ U1 − δ(U1)U−1

1 U−12 ⊗ U2 corresponde a

δ(U2)U−12 U−1

1 ⊗ (1 ⊗ U1) − δ(U1)U−11 U−1

2 ⊗ (1 ⊗ U2),

temos

h(a1, a2) = −δ(U2)U−12 U−1

1 ⊗ (1 ⊗ e1) + δ(U1)U−11 U−1

2 ⊗ (1 ⊗ e2)= −δ(U2)U−1

2 U−11 ⊗ e1 + δ(U1)U−1

1 U−12 ⊗ e2

= (−δ(U2)U−12 U−1

1 , δ(U1)U−11 U−1

2 )= (a2U

−12 U−1

1 ,−a1U−11 U−1

2 ).

Observe que h1 possui uma inversa dada por

(a1, a2) 7→ (−a2U2U1, a1U1U2),

portanto h1 é um isomorfismo.Podemos obter h0 e h2 de forma similar e segue que o diagrama comuta com um cálculo

direto usando as fórmulas encontradas.

Demonstração da Proposição 4.4.8. A demonstração da proposição segue diretamente do lemaanterior, isto é, do fato das aplicações hi serem isomorfismos.

Seja d : HHn(A) → HHn+1(A) a aplicação definida a nível de cadeias por

d(a0 ⊗ · · · ⊗ an) =∑σ∈Sn

(sgn σ)(1 ⊗ aσ(1) ⊗ · · · ⊗ aσ(n) − (−1)n+1aσ(1) ⊗ · · · ⊗ aσ(n) ⊗ 1).

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Lema 4.4.10. Vale d(U−1i ⊗ Ui) = 0, para i = 1, 2.

Demonstração. Temos

∂(U−1i ⊗ Ui ⊗ 1 ⊗ 1) = 1 ⊗ 1 ⊗ 1 − U−1

i ⊗ Ui ⊗ 1 + U−1i ⊗ Ui ⊗ 1 − U−1

i ⊗ Ui ⊗ 1,

da mesma forma temos ∂(Ui⊗U−1i ⊗1⊗1) = 1⊗1⊗1−Ui⊗U−1

i ⊗1. Logo a nível de homologiatemos

Ui ⊗ U−1i ⊗ 1 − U−1

i ⊗ Ui ⊗ 1 = 0.

Da mesma maneira temos

∂(U−1i ⊗ Ui ⊗ U−1

i ⊗ Ui) = 1 ⊗ U−1i ⊗ Ui − U−1

i ⊗ 1 ⊗ Ui + U−1i ⊗ Ui ⊗ 1 − 1 ⊗ Ui ⊗ U−1

i ,

e∂(U−1

i ⊗ Ui ⊗ U−1i ⊗ Ui) = U−1

i ⊗ 1 ⊗ Ui + Ui ⊗ U−1i ⊗ 1.

Portanto, a nível de homologia temos

1 ⊗ U−1i ⊗ Ui − Ui ⊗ U−1

i ⊗ 1 + U−1i ⊗ Ui ⊗ 1 − 1 ⊗ Ui ⊗ U−1

i = 0.

Das equações anteriores temos 1 ⊗ U−1i ⊗ Ui − 1 ⊗ Ui ⊗ U−1

i = 0. Logo,

d(U−1i ⊗ Ui) = 1 ⊗ U−1

i ⊗ Ui − U−1i ⊗ Ui ⊗ 1 − 1 ⊗ Ui ⊗ U−1

i + Ui ⊗ U−1i ⊗ 1 = 0.

Proposição 4.4.11. Temos as seguintes identidades

Lδ1ω = 0 e Lδ2ω = 0.

Demonstração. Como dω = 0, temos Lδ1 = (diδ1 + ideltajd)ω = diδ1ω. Por outro lado,

iδ1ω = iδ1(U−12 U−1

1 ⊗ U1 ⊗ U2 − U−11 U−1

2 ⊗ U2 ⊗ U1)= δ1(U2)U−1

2 U−11 ⊗ U1 − δ1(U1)U−1

1 U−12 ⊗ U2

= −2πiU−12 ⊗ U2.

Logo, pelo lema 4.4.10, vale Lδ1 = −2πid(U−12 ⊗U2) = 0. Da mesma forma obtemos Lδ2 = 0.

Observação. Apesar das similaridades que vimos agora entre ω e uma estrutura simplética,ainda assim temos que a cohomologia de Poisson não comutativa é diferente da cohomologiade de Rham não comutativa(cohomologia cíclica, ver (Connes, 1994)), diferente do fato quevimos no capítulo 1 que a cohomologia de Poisson de variedades simpléticas coincide com acohomologia de de Rham.

4.5 Outras Aplicações

4.5.1 Folheações

Suponha que (M,ω) é uma variedade pré-simplética. Isto é, M é uma variedade suaveequipada com uma 2-forma ω. Sabemos que ω define uma folheação em M dada pelo seu kernele também que à cada folheação podemos associar uma álgebra de convolução que pode serpensada como a álgebra de funções do espaço quociente da folheação.

Em (Block & Getzler, 1992) é introduzida uma estrutura de Poisson não comutativa nestaálgebra de convolução associada à uma variedade pré-simplética (M,ω). Um exemplo de varie-dade pré-simplética é dado por variedades de contato, neste caso temos que kerω tem dimensão1 e a álgebra de convolução é uma álgebra de produto cruzado onde a ação é dada por um fluxo.

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4.5.2 Orbifolds

Suponha que um grupo finito G age em uma variedade suave M . Sabemos que quando estaação não é livre o espaço M/G não é uma variedade mas sim um orbifold, assim como substitutoda álgebra de funções no quociente tomamos o produto cruzado C∞(M) ⋊G.

Em (Halbout & Tang, 2010) é calculado o colchete de Gerstenhaber na cohomologia deHochschild HH∗(C∞(M) ⋊ G) neste caso em que o grupo G é finito. Com isso é feita umadescrição de todas as estruturas de Poisson não comutativas em C∞(M)⋊G no caso em que Mé uma variedade simplética.

4.5.3 Dinâmica Hamiltoniana

Em (Kordyukov, 2010) é discutida a noção de fluxo Hamiltoniano no espaço de folhas deuma folheação transversalmente simplética de uma variedade compacta M e é construída umaclasse de campos Hamiltonianos.

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