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_______________________________________________________________________________________ A suposta existência Carlos Drummond de Andrade Como é o lugar quando ninguém passa por ele? Existem as coisas sem ser vistas? O interior do apartamento desabitado, a pinça esquecida na gaveta, os eucaliptos à noite no caminho três vezes deserto, a formiga sob a terra no domingo, os mortos, um minuto depois de sepultados, nós, sozinhos no quarto sem espelho? Que fazem, que são as coisas não testadas como coisas, minerais não descobertos - e algum dia o serão? Estrela não pensada, palavra rascunhada no papel que nunca ninguém leu? Existe, existe o mundo apenas pelo olhar que o cria e lhe confere espacialidade? Concretitude das coisas: falácia de olho enganador, ouvido falso, mão que brinca de pegar o não e pegando-o concede-lhe a ilusão de forma e, ilusão maior, a de sentido? Ou tudo vige planturosamente, à revelia de nossa judicial inquirição e esta apenas existe consentida pelos elementos inquiridos?

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Drummond de Andrade

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    A suposta existncia

    Carlos Drummond de Andrade

    Como o lugar quando ningum passa por ele?

    Existem as coisas sem ser vistas?

    O interior do apartamento desabitado,

    a pina esquecida na gaveta, os eucaliptos noite no caminho

    trs vezes deserto, a formiga sob a terra no domingo,

    os mortos, um minuto depois de sepultados,

    ns, sozinhos no quarto sem espelho?

    Que fazem, que so

    as coisas no testadas como coisas, minerais no descobertos - e algum dia

    o sero?

    Estrela no pensada, palavra rascunhada no papel

    que nunca ningum leu? Existe, existe o mundo

    apenas pelo olhar que o cria e lhe confere

    espacialidade?

    Concretitude das coisas: falcia de olho enganador, ouvido falso, mo que brinca de pegar o no

    e pegando-o concede-lhe a iluso de forma

    e, iluso maior, a de sentido?

    Ou tudo vige planturosamente, revelia de nossa judicial inquirio

    e esta apenas existe consentida pelos elementos inquiridos?

  • Ser tudo talvez hipermercado de possveis e impossveis possibilssimos que geram minha fantasia de conscincia

    enquanto exercito a mentira de passear

    mas passeado sou pelo passeio, que o sumo real, a divertir-se

    com esta bruma-sonho de sentir-me e fruir peripcias de passagem?

    Eis se delineia

    espantosa batalha entre o ser inventado e o mundo inventor. Sou fico rebelada

    contra a mente Universal e tento construir-me

    de novo a cada instante, a cada clica, na faina de traar meu incio s meu

    e distender um arco de vontade para cobrir todo o depsito

    de circunstantes coisas soberanas.

    A guerra sem merc, indefinida prossegue,

    feita de negao, armas de dvida, tticas a se voltarem contra mim,

    teima interrogante de saber se existe o inimigo, se existimos ou somos todos uma hiptese

    de luta ao sol do dia curto em que lutamos. _______________________________________________________________________________________

    Dra. Eliane Pietroluongo Vianna