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SURTO DE TOXOPLASMOSE EM UM SEMINÁRIO DE BRAGANÇA PAULISTA (ESTADO DE SÃO PAULO). ASPECTOS CLÍNICOS, SOROLÓGICOS E EPIDEMIOLÓGICOS (1) Cecília MAGALDI (2) Henrique ELKIS (2) Diño PATTOLI (3) José Cavalcante de QUEIRÓZ (3) Antonio Lauro COSCINA (4) José Maria FERREIRA (2) Nove casos de toxoplasmose adquirida comprovada (forma linfoglandular), ocorridos em um Seminário de Bragança Paulista, motivaram uma investigação clínica e sorológica. De acordo com os dados assim obtidos, pelo menos 30 pes- soas (em um total de 81) apresentavam toxoplasmose na ocasião. Ao todo, fo- ram realizadas 314 reações de Sabin-Feldman e de imunofluorescência indireta. O inquérito sorológico pela prova do corante extendeu-se também a algumas es- pécies animais da localidade. Em vista das limitações relativas à investigação epidemiológica, foi possível apenas a colocação de várias hipóteses, nada se po- dendo concluir quanto aos aspectos epidemiológicos do surto. Registrando, pela primeira vez, na literatura médica esta ocorrência, os autores alertam para a possibilidade destes surtos em instituições fechadas ou zona rural. Insistem na necessidade de pesquisas mais profundas, em situações similares, para o reco- nhecimento das fontes de infecção e mecanismos de transmissão, a despeito das dificuldades decorrentes dos escassos conhecimentos sobre a história natural da toxoplasmose e do ciclo biológico do parasita. Recebido para publicação em 19-10-1967. (1) Da Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP; do Departamento de Parasitologia da Faculdade de Higiene e Saú- de Pública da USP e do Serviço de Laboratório Clínico do Hospital do Servidor Públi- co Estadual. (2) Da Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas do Hospital das Clínicas da F.M. (3) Do Departamento de Parasitologia da F.H.S.P. (4) Do Hospital do Servidor Público Estadual. INTRODUÇÃO Em novembro de 1965, por solicitação do Dr. José Themistocles de Aguiar Tar- tari, foram internados na Clínica de Doen- ças Tropicais e Infectuosas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 9 jovens seminaristas, proceden- tes da cidade de Bragança Paulista, a fim de que, com maiores recursos, fosse in- vestigada a natureza da doença infeccio- sa que então apresentavam. Confirmada a toxoplasmose como etiologia do proces- so, iniciou-se uma investigação epidemio- lógica que se prolongou desde novembro de 1965 até agosto de 1966, no local de procedência dos pacientes. De acordo com os dados obtidos, pelo menos 30 pessoas em um total de 81 indivíduos, em toda a área estudada, foram acometidas pela to-

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SURTO DE TOXOPLASMOSE EM UM SEMINÁRIO DE BRAGANÇAPAULISTA (ESTADO DE SÃO PAULO). ASPECTOS CLÍNICOS,

SOROLÓGICOS E EPIDEMIOLÓGICOS (1)

Cecília MAGALDI (2)

Henrique ELKIS (2)

Diño PATTOLI (3)

José Cavalcante de QUEIRÓZ (3)

Antonio Lauro COSCINA (4)

José Maria FERREIRA (2)

Nove casos de toxoplasmose adquirida comprovada (forma linfoglandular),ocorridos em um Seminário de Bragança Paulista, motivaram uma investigaçãoclínica e sorológica. De acordo com os dados assim obtidos, pelo menos 30 pes-soas (em um total de 81) apresentavam toxoplasmose na ocasião. Ao todo, fo-ram realizadas 314 reações de Sabin-Feldman e de imunofluorescência indireta.O inquérito sorológico pela prova do corante extendeu-se também a algumas es-pécies animais da localidade. Em vista das limitações relativas à investigaçãoepidemiológica, foi possível apenas a colocação de várias hipóteses, nada se po-dendo concluir quanto aos aspectos epidemiológicos do surto. Registrando, pelaprimeira vez, na literatura médica esta ocorrência, os autores alertam para apossibilidade destes surtos em instituições fechadas ou zona rural. Insistem nanecessidade de pesquisas mais profundas, em situações similares, para o reco-nhecimento das fontes de infecção e mecanismos de transmissão, a despeito dasdificuldades decorrentes dos escassos conhecimentos sobre a história natural datoxoplasmose e do ciclo biológico do parasita.

Recebido para publicação em 19-10-1967.(1) Da Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas do Hospital das Clínicas da Faculdade de

Medicina da USP; do Departamento de Parasitologia da Faculdade de Higiene e Saú-de Pública da USP e do Serviço de Laboratório Clínico do Hospital do Servidor Públi-co Estadual.

(2) Da Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas do Hospital das Clínicas da F.M.(3) Do Departamento de Parasitologia da F.H.S.P.(4) Do Hospital do Servidor Público Estadual.

INTRODUÇÃO

Em novembro de 1965, por solicitaçãodo Dr. José Themistocles de Aguiar Tar-tari, foram internados na Clínica de Doen-ças Tropicais e Infectuosas da Faculdadede Medicina da Universidade de SãoPaulo, 9 jovens seminaristas, proceden-tes da cidade de Bragança Paulista, a fimde que, com maiores recursos, fosse in-vestigada a natureza da doença infeccio-

sa que então apresentavam. Confirmadaa toxoplasmose como etiologia do proces-so, iniciou-se uma investigação epidemio-lógica que se prolongou desde novembrode 1965 até agosto de 1966, no local deprocedência dos pacientes. De acordo comos dados obtidos, pelo menos 30 pessoasem um total de 81 indivíduos, em toda aárea estudada, foram acometidas pela to-

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xoplasmose quase sempre na forma linfo-glandular, caracterizando-se, assim, umsurto epidêmico que atingiu aquela comu-nidade, na qual até então nenhum casosimilar fora assinalado.

Embora nos últimos 10 anos, tenha-serealizado apreciável número de pesquisassobre vários aspectos da toxoplasmose eo conhecimento de suas diversas formasclínicas se encontre bastante difundido emcertos ramos da Medicina, muitos pontospermanecem ainda obscuros, sobretudo noque respeita à epidemiologia desta pro-tozoose ( a r a u j o 2 , 1964; beattie4, 1959;HARTLEY13, 1966).

Casos comprovados de toxoplasmoseocorrendo no mesmo grupamento familiartêm sido registrados, com certa freqüên-cia, na literatura médica (amato NETO,RIVETTI, MALHEIROS Jr.1, 1967; BEVER-LEY & BEATTIE6, 1958; SIIM 25, 1951).Não encontramos, todavia, referências asurtos epidêmicos cujo agente etiológicofosse indubitavelmente identificado comoToxoplasma gondii. Na comunicação deSINGH et alii27 (1965) relatando a ocor-rência, em caráter epidêmico, de doençahemorrágica provocada por picada de car-rapato, persistiu a suspeita de toxoplas-mose, não tendo sido possível aos autorescomprovar essa etiologia.

O interesse que a toxoplasmose vem des-pertando nos dias atuais, a necessidade deconhecimentos mais amplos e profundos,a oportunidade que se nos apresentou deobservar casos simultâneos, além da ine-xistência de registro semelhante ao destesurto, constituem a nosso ver, motivos váli-dos para justificar a presente publicaçãoainda que tenhamos encontrado inúmerasdificuldades no decurso do trabalho e aseu término, reconhecido falhas relaciona-das principalmente aos aspectos epidemio-lógicos.

Os dados obtidos incialmente já foramapresentados, como nota prévia, (1) no63.° Seminário do Instituto de MedicinaTropical de São Paulo, em 24 de março

de 1966 e no 1.° Congresso Latino-Ameri-cano de Parasitologia, em Santiago doChile, em janeiro de 1967.

MATERIAL E MÉTODOS

Seminaristas internados — Nove semi-naristas, de cor branca, cuja idade va-riava de 12 a 22 anos (1 com 22 anos e8 com 12 a 16 anos) e que residiam noSeminário Santo Agostinho, desde 9 me-ses até há 5 anos em relação ao início dosurto, adoeceram mais ou menos subita-mente, entre os dias 18 a 22 de outubrode 1965. O quadro clínico manifestadopor todos consistiu em: febre, cefaléia,tonturas, astenia, dores musculares, linfa-denopatia generalizada e hepatoesplenome-galia moderada. Em 5 casos foi referidadiarréia aquosa, nos primeiros dias. Nafase aguda da infecção permaneceramhospitalizados em Bragança Paulista, du-rante 12 dias, tendo sido tratados com clo-ranfenicol. Em 4 pacientes foi tambémempregada a prednisona.

Ao serem internados na Clínica de Doen-ças Tropicais e Infectuosas, com cerca de20 dias de doença, já estavam quase semsintomas, mas apresentando, ao exame fí-sico, infartamento ganglionar difuso, fíga-do e baço palpáveis e a maioria dos ca-sos com elevação de temperatura, aindaque moderada e irregular.

A análise das curvas térmicas de todaa evolução evidenciou que a febre, desdeo início da infecção, foi diária quase sem-pre do tipo remitente, às vezes intermi-tente, com elevação vespertina, duranteum período de tempo que variou de 6 a32 dias. Para 3 casos o período de febrediária de 37°, 7C a 39°, 5C teve duraçãode 26, 31 e 32 dias. E para os outros 6casos, a febre de 37°, 5C a 39°, 8C duroude 6 a 10 dias.

Após o período de febre diária, excluin-do-se um paciente, os 8 restantes passarama apresentar picos febris irregulares de37°, 2C a 37°, 8C, durante 15 a 55 dias,

(1) Dados inéditos.

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com intervalos de apirexia. 0 período deobservação na enfermaria da Clínica deDoenças Tropicais e Infectuosas foi de45 dias para 3 casos e de 40 dias para osoutros 6 casos. A Tabela 1 expõe os sin-tomas e sinais apresentados pelos 9 pa-cientes.

Caracterização da área estudada — OSeminário Santo Agostinho situa-se nobairro Bom Retiro, no distrito sede do

Município de Bragança Paulista (Fig. 1),ocupando uma área de 90 alqueires.(1) Asede do Município está localizada a 22°58'de latitude sul e 46°32' de longitude, dis-tando, em linha reta, 88 km da Capitalde São Paulo. A altitude é de 850 m; oclima é quente e o inverno é menos seco.A média da temperatura máxima é de22°C e a da mínima é de 16°C, com médiacompensada de 19,4°C. A altura total dasprecipitações pluviais ao ano é de 1.368mm.

(1) Um alqueire igual a 24.200 m2.

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O Seminário localiza-se à entrada da se-de do Município, em região com eleva-ções e declives; há terras cultivadas comcana, café, hortaliças, pastos (capimgordura, soja perene, colonião), matas,eucaliptais, coleções de água e áreas cons-truídas. (Fig. 2).

População do Seminário — Na épocado surto e do inquérito, viviam no Semi-nário 5 padres, os outros 3 incluídos noestudo moravam no Colégio São Luís, masestavam ligados ao Seminário em suas ta-refas. Com exceção de um irmão leigo,todos eram de nacionalidade espanhola.

Os seminaristas eram ao todo 37, pro-cedentes do Município de Bragança Pau-lista ou regiões adjacentes, de outras ci-dade do interior do Estado de São Pauloou de outros Estados (Goiás, Minas Ge-rais, Guanabara e Mato Grosso). Dos 28seminaristas incluídos no inquérito, 13 in-gressaram em 1965, sendo de 4 meses otempo de permanência mais curto no Se-minário. Quinze (15) cursavam aqueleestabelecimento há mais de 1 ano. Dos

8 padres, apenas 2 estavam no Semináriohá 6 e 8 meses. Os demais viviam no lo-cal há mais de 2 anos.

Além de interrogatório e exame físico,foi efetuada em jejum colheita de sanguepara provas sorológicas específicas de 28seminaristas e 8 padres, um mês após oinício do surto de toxoplasmose. A idademédia dos alunos foi calculada em 14,5e a dos padres em 38,7 anos. Todos osexaminados, com exceção de um, eram decor branca. Executando-se o aluno 16A eo padre 7A, 8 indivíduos que apresenta-vam reações sorológicas positivas a 1:1024forneceram uma segunda amostra de san-gue para repetição das provas, cerca de 3meses após a primeira colheita. O aluno20A, embora tivesse reações negativas, re-petiu as provas em 14-3-66, porque nes-sa data se apresentava febril e com esple-nomegalia; o diagnóstico feito foi de re-caída de malária por P. vivax. Foramtambém repetidas as reações em 3 alunoscujas provas sorológicas iniciais eram po-sitivas em título 1:4000.

Serviam como funcionários sem residirna instituição 3 pessoas: 1 homem e 2mulheres.

Na fazenda do Seminário residiam 41pessoas, sendo 25 adultos e 16 criançasmenores de 12 anos. Estes moradoresconstituiam 7 famílias ou agregados, as-sim distribuídos: família S com 10 mem-bros, família C com 9, família P com 7,família T com 6, família OP com 5 eduas famílias L e M com 2 membros. To-tal de indivíduos em toda área: 86.

Trinta e seis (36) pessoas ligadas à fa-zenda do Seminário foram também ficha-das, examinadas e forneceram amostrasde sangue, em jejum, para as provas so-rológicas. Neste grupo, 13 eram meno-res de 12 anos.

Na primeira colheita, realizada cercade 1 mês após a eclosão do surto, com-pareceram 29 pessoas; das 7 restantes con-seguimos colher material, apenas 4 mesesdepois. As reações foram repetidas em 10indivíduos tanto com títulos iniciais de

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1:1024 como de 1:4000 ou mais; nãopudemos realizar uma segunda colheitaem 2 casos (25B e 31B), cujas reaçõesprimeiras foram, respectivamente, de1:1024 e 1:4000, em 17-2-66.

Condições de vida

1 — PADRES E SEMINARISTAS — Habi-tação — O edifício do Seminário SantoAgostinho é de construção recente e do-tado de energia elétrica, água encanadae telefone. As instalações sanitárias con-sistem em 18 aparelhos (8 anexos ao dor-mitório) e 13 chuveiros (8 anexos ao dor-mitório), para uso dos alunos e padres(Fig. 3). Os seminaristas ocupam umúnico dormitório, onde há 40 camas, 8janelas e 1 porta (Fig. 4). A salade refeições é dotada de 4 mesas para 40lugares. Há ainda 5 salas de aula, on-de se distribue um número não superiora 40 estudantes e a capela.

Alimentação — Os produtos como hor-taliças e legumes provêm da horta local;o leite de vaca, ordenhado de modo rudi-mentar, é consumido pelos padres, enquan-to os alunos recebem leite em pó. A car-ne de vaca vem, quase sempre, do mata-

douro da fazenda onde não há instalaçõese condições de higiene adequadas; a carnede carneiro, por outro lado, é de pouco con-sumo atualmente, tendo sido fornecida commaior regularidade em anos anteriores aosurto. Raramente se consome carne deporco. Os sub-produtos da carne são ad-quiridos na cidade de Bragança, assimcomo peixes de mar, que são servidos umavez por semana. Peixes de água doce,inclusive pescados na lagoa da fazenda,são comidos esporadicamente. Os ovosprovêm da fazenda e de granjas do Mu-nicípio e são servidos fritos e cozidos, nãohavendo indicação de seu consumo emestado natural. A carne é apresentadaassada, frita ou cozida e a informação deque os alunos não costumam comer carnecrua ou mal passada foi quase unânime.Vez por outra era servido caldo de cana;alguns dias antes da eclosão da doença,os alunos foram tomar caldo de cana emcasa de uma família da colônia, em cujocanavial localizado nos fundos da casa, al-guns membros dessa família costumamfazer suas necessidads fisiológicas.

Água — A água de abastecimento doSeminário é tratada (clorada), vem dacidade, fica depositada em caixa nova

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adequada e serve às dependências da co-zinha, copa e banheiros. A água do la-go e da piscina, entre os quais há inter-comunicação, não é potável. Além daágua de abastecimento citada, há cercade 10 bicas ou nascentes, quase todas comágua poluída e segundo as informaçõesde um padre, era costume servirem-se osalunos e moradores da colonia da águade uma das bicas perto do estábulo, ondeas vacas e ovelhas também bebem (Fig.5).

Esgotos — Existem duas fossas sépticasde grande capacidade, sem vazamento. Ossanitários são providos de sistema hi-dráulico moderno.

Atividades e hábitos — Os padres têmfunção administrativa e didática. Os se-minaristas recebem aulas do curso de ad-missão e das 4 séries ginasiais pela ma-nhã, nas dependências do Colégio SãoLuís, situado a menos de 1 km do Se-minário, onde à tarde, há aulas de latim,instrução religiosa e recreação. A pardessas atividades há tarefas de limpezainterna, (incluindo os banheiros) e prá-tica de esportes. Costumam fazer excur-sões aos arredores. Em 28-8-65 (50 diasantes do surto), foram todos a Perdões

(Município de Atibaia), onde jogaramfutebol, nadaram no rio Atibaia (todosmenos 3 dos seminaristas que adoeceram)e comeram salame do frigorífico de Bra-gança. Em 10-10-65, o passeio foi emuma estrada próxima ao trevo da rodo-via Fernão Dias, junto à entrada de Bra-gança. Em 17-10-65, foram a Coquinhos,localidade que dista 500 m do trevo men-cionado. Finalmente, um dia antes decairem doentes também andaram pela ma-ta da fazenda (Fig. 2), onde beberamágua de brejo que é utilizada por ani-mais. O contato com cães, carneiros ecoelhos tem sido eventual. Um dos alu-nos (n.° 34A) era encarregado de cui-dar dos coelhos, que na ocasião eram emnúmero de 19.

Em resumo, os seminaristas mantématividades e práticas em comum, dormin-do em um único aposento, ocupando osmesmos banheiros, salas de aula e refei-tório e banhando-se nas mesmas cole-ções de água. É importante assinalarque a grande maioria dos alunos proce-de da zona rural, vivendo em fazendasde gado onde tiveram, portanto, ante-rior contato com diversas espécies de ani-mais domésticos.

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Com referência ao Colégio São Luís,105 alunos cursavam aquele estabeleci-mento de ensino em 1965, não tendo ha-vido nenhum caso clínico de toxoplasmo-se. Em 7 alunos foi levantada suspeitadessa infecção; na realidade 3 eram por-tadores de parotidite epidêmica e nos ou-tros 4, as queixas vagas foram atribuí-das a processo gripal, sendo negativos osresultados do teste do corante e da imu-nofluorescência para toxoplasmose.

2 — COLONOS DA FAZENDA — Habita-ção — As 7 famílias que residiam naárea do Seminário viviam em casas de al-venaria, com cobertura de telhas, semforro, em geral com 2 cômodos, com pi-so de terra batida ou cimento, sem águaencanada e a maioria sem instalação elé-trica. Excluindo-se a família do admi-nistrador de origem espanhola, que aívive desde fevereiro de 1965, as demaisfamílias moravam na fazenda há mais de3 anos e são originárias do interior doEstado de São Paulo.

Alimentação — É deficiente sobretudono tocante à qualidade e ao valor proteicodos alimentos, pois mesmo carne, leite e

peixe de procedência interna são consu-midos muito raramente.

Água e Esgotos — Com exceção deuma família que recebe água encanada emcasa, as demais se servem de água denascente e afloramento, a qual recebe en-xurrada da zona mais alta da fazenda,de mistura com águas servidas, que vêmdos estábulos e pocilgas. A água é be-bida sem filtração ou fervura e é utili-zada também para lavagem de utensí-lios, roupa, banho, etc. Quanto ao desti-no dos excreta, não há qualquer tipo desistema de esgotos, sendo hábito evacuardiretamente no solo, entre matas ou cana-viais.

Atividades e hábitos — Vinte e cinco(25) adultos, dentre os 41 residentes nafazenda, ocupavam-se em serviços de lim-peza, manutenção, lavoura e pecuária.Quase todas as famílias criavam galinhase possuiam cães e gatos. Na família T,um menino de 13 anos cuidava das ove-lhas. Possuia dois cães que foram mortospor parecerem raivosos, um deles "Duque"tendo sido anteriormente sangrado paraexame.

A situação sócio-econômica dos colonos éprecária: além de não terem alimentaçãoe condições sanitárias adequadas, andamsem calçado e sofrem de verminose. Pou-cos se alfabetizaram.

Dos 3 empregados do Seminário, 2 tra-balhavam na copa e na cozinha, além decuidarem do dormitório e costura. O ter-ceiro, que trabalhava como cozinheiro eresidia no Seminário, há 1 ano e meio,deixou o emprego em janeiro de 1966.

3 — ANIMAIS — Cães — Existiam emnúmero de 15 a 20 por toda a fazenda,alguns sem dono. Segundo informaçõesobtidas, antes do surto, 3 cães morreramdoentes. Um deles vinha sendo tratadopor veterinário, por apresentar paralisia.Outros dois foram sacrificados por teremconvulsões, secreção ocular e salivaçãoabundante. Depois de ter sido iniciada apresente investigação, o cão "Dique", da

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família T, foi morto por parecer raivosoe, mais recentemente, em fevereiro de1966, o cão "Duque" que guardava asovelhas e cuja reação de Sabin-Feldmanpoi positiva a 1:4000, também foi sacri-ficado por ter apresentado agitação. Ne-nhum deles foi examinado.

Roedores — Há um número extrema-mente grande de ratos, tanto nos estábu-los, celeiros e hortas, como dentro do edi-fício do Seminário, incluindo a cozinha.

Coelhos — A criação de coelhos cons-tava de 19 exemplares, todos aparente-mente sadios. Durante nosso estudo, fo-mos informados de que morreram 2, umprematuro e outro adulto que se mostroudoente.

Suínos — Eram em número de 21,criados em pocilgas fechadas e sem águacorrente. Não se apresentavam doentes.(Fig. 6A).

Bovinos — Existiam aproximadamente60 bois de corte e 5 vacas leiteiras.

Ovinos — O rebanho de ovelhas e car-neiros constava de cerca de 70 cabeças.Ultimamente, perderam-se numerosas ove-lhas, com fraqueza intensa, diarréia e semcapacidade de reprodução. Em 10-2-66,foi encaminhado 1 carneiro para o Ins-tituto Biológico de São Paulo, para exa-me. Posteriormente, foi autopsiado outroexemplar, verificando-se apenas vermino-se maciça. Com o tratamento anti-hel-míntico instituído, o rebanho começou aser recuperado. (Fig. 6B).

Aves — Não havia criação de pombasou pássaros de gaiola. Aves campestres,comuns no interior do Estado, eram aliencontradiças.

Artrópodes — Além de enorme quanti-dade de moscas junto à lavandaria, cozi-nha e estabules, foi referida a existênciade baratas, pulgas, carrapatos e reduví-deos, estes vivendo principalmente nas"barbas de bode", não longe do edifíciodo Seminário.

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As reações sorológicas, para o diagnós-tico de toxoplasmose realizadas com cadaamostra de sangue coletado, consistiramna prova do corante e na reação de imu-nofluorescência indireta. Os soros obti-dos por centrifugação adequada, após aretração do coágulo, foram congeladosa — 20°C. Antes de se iniciarem as rea-ções, os soros foram inativados a 56°C, du-rante 30 minutos, e depois diluídos emsolução de cloreto de sódio a 0,85%. Asdiluições praticadas foram 1:16, 1:64,1:128, 1:256, 1:1024, 1:4000, 1:8000,1:16000, 1:32000, 1:64000, etc.

O método empregado para a primeirareação foi o mesmo descrito por SABIN &FELDMAN 23 (1948), sem modificações,usando-se toxoplasmas da cepa M.

Para a reação de imunofluorescência in-direta foi adotada a técnica de KELEN,AYLLON-CLEINOL, LABZOFFSKY17 (1962),com algumas alterações introduzidas porCamargo7 (1966). Foi utilizada a mes-ma cepa citada è sôro anti-globulina hu-mana conjugado ao isotiocianato de fluo-

resceina produzido pela "Silvana Co",diluído a 1:40.

A leitura foi feita mediante microscó-pio "Zeiss" binocular, com objetiva deimersão 100x, diafragma iris, oculares10x, campo escuro e condensador cardiói-de. A fonte de iluminação foi constituí-da por lâmpada HBO-200, filtro excita-dor BG 12 de 3 mm e filtro barreira n.°50 "Zeiss". A fim de facilitar a leitu-ra das reações foi empregada coloração decontraste pelo azul de Evans, segundo des-criação de NICHOLS & mccomb 19 (1962).

A inoculação de macerado de gângliolinfático no peritôneo de camundongosobedeceu, em linhas gerais, à técnica ha-bitual, sem introdução de corticoesterói-des (JONES et alii16, 1958). Imediata-mente após sua ressecção, o gânglio foicolocado em solução fisiológica, em baixatemperatura e remetido ao laboratório.

Para as fezes, a técnica consistiu no se-guinte: suspensão de, aproximadamente,1 parte de fezes em 10 partes de soluçãode CINa a 0,85%, contendo 1.000 unida-des de penicilina e 1.000 microgramas

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de sulfato de estreptomicina por ml. Um(1) ml de suspensão foi injetado intra-peritonealmente em 3 camundongos. Noquarto dia da inoculação os animais fo-ram anestesiados, sendo então injetados2 ml de solução salina fisiológica conten-do os antibióticos, sendo feita a passa-gem para novos camundongos. Os ani-mais da primeira inoculação foram obser-vados ainda durante 10 dias e, no casode se apresentarem negativos, foram sa-crificados. Os camundongos inoculadosna primeira passagem foram observados

por mais uma semana, finda a qual foifeita a coleta do exsudato peritoneal comuma segunda passagem para camundon-gos. Os animais inoculados na primeirae segunda passagens foram observados pormais uma semana sendo feita nova coletae exame do material peritoneal. Confir-mada a negatividade, os mesmos foramsacrificados, retirados os cérebros e feitoum triturado em solução salina fisiológi-ca com antibióticos, seguida de nova ino-culação intraperitoneal de 1 ml da sus-pensão em 3 camundongos. Estes ani-mais foram observados a intervalos de 4dias, quando foi retirado o material pe-ritoneal. Mantendo-se negativa a pes-quisa de toxoplasmas ao fim de 10 dias,os animais foram sacrificados e conside-rada negativa a pesquisa para aquelaamostra.

Fêz-se também inoculação com umasuspensão de triturado de fígado, baçoe cérebro obtidos de um exemplar deRattus rattus rattus. Outra suspensãofoi feita usando-se o conteúdo intestinaldo animal. Foi adotada a mesma técnicade inoculação anteriormente descrita pa-ra as amostras de fezes.

R E S U L T A D O S

Seminaristas internados — Os nove se-minaristas foram submetidos a diversosexames subsidiários cujos resultados,enunciados de modo global e sintético,são os seguintes: a) hemograma — ane-mia moderada em 6 casos, leucocitose(10.500 a 11.200 leucocitos/mm3) em 6casos, sem neutrofilía, com desvio à es-querda em 6 casos, linfocitose em todos,com linfocitos atípicos (em 5 casos — 45a 65% de linfocitos, em 4 casos — 39 a41%), monocitose em 5 pacientes (7 a11%), eosinofilia em 4 casos (10 a16%) ; b) dosagem da transaminase glu-tamico-oxalacética — em 7 casos, entre45 e 72 u/ml de sôro e em 2 casos foinormal (22 a 33 u/ml) ; c) dosagem deproteínas séricas e frações — somente li-geira elevação das globulinas em 6 casos;d) hemossedimentação — em 7 casos foielevada entre 15 e 39 mm na 1.a hora(normal para os casos entre 6 e 12 mm) ;e) provas de turvação e floculação do ti-mol, realizadas em 2 casos apenas, reve-laram turvação 6,3 e 7,9 u e flocula-ção ++ e +++ respectivamente; f) exa-me parasitológico de fezes (pelo método deFaust & col.) — positivo em 7 casos, comancilostomíase 6 casos, ascaridíase 2 ca-sos, tricocefalíase 1 caso e giardíase 2casos.

A radiografia de torax, assim como oexame de fundo de olho, nada revelou deanormal, em todos os 9 seminaristas.

Quanto ao eletrocardiograma, o traça-do foi normal em 5 alunos; em 4 foramassinalados sinais de miocardiopatia, as-sim distribuídos: em 3 havia alteraçõesda repolarização ventricular, em 2, sobre-carga do ventrículo E, em 1, sobrecargada aurícula e do ventrículo E e em outroarritmia sinusal (Dr. Domingos AlvesMeira (1)). Não foi possível, posteriormen-te, uma reavaliação das condições do mio-cárdio, através do E.C.G.

(1) Docente-livre da Clínica de Doenças Tropicais e Infectuosas do Hospital das Clíni-cas da FMUSP.

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Em relação às provas sorológicas espe-cíficas, reação de Sabin-Feldman e deimunofluorescência indireta, os resulta-dos obtidos, relacionados aos dias dedoença, em 7 oportunidades em que asmesmas foram realizadas, encontram-sena Tabela 2.

À observação dos dados da Tabela 2,verificam-se os seguintes fatos: a) emtodos os casos a prova do corante foipositiva em diluições 1:4000; b) noscasos 2 e 3 a positividade na diluição

1 :4000, considerada como indicativa dedoença em atividade, foi evidenciada tar-diamente; c) o seguimento sorológico atéao redor do 140.o dia de doença mostrouque em 3 casos os títulos elevados no iní-cio cairam, em 2 aumentaram e em 4houve oscilação de queda e ascensão du-rante o período; d) os resultados dasduas provas foram quase sempre concor-dantes, havendo no máximo diferença deapenas um tubo.

Nos casos 1, 3 e 6 a inoculação de gân-glios em camungondos adultos, via intra-peritoneal, examinados após 10 dias, noDepartamento de Parasitologia da F. M.U. S. P., foi positiva para toxoplasmose.

Os alunos foram submetidos a trata-mento com sulfadiazina na dose de 6,0 gdiárias e daraprim 1 comp. de 25 mg aodia, durante 14 dias. Ao receberem alta,iniciaram terapêutica com espiramicina,na dose de 50 mgAg de peso, por dia,durante 10 dias. Durante a internaçãofoi observada regressão lenta das dimen-sões dos gânglios, do fígado e do baço.

Padres e demais seminaristas — NaTabela 3, estão registrados os dados clí-nicos e resultados das reações obtidos nes-se grupo, cujos indivíduos estão numera-dos de 1A a 36A, sendo padres os n.°s 1Aa 8A.

Como se pode verificar, 2 padres e 8seminaristas tiveram reações positivas a1:1024 no 1.° exame e 3 alunos (n.°s 34A,35A e 36A) apresentaram títulos de

1:4000, para o teste do corante e parareação de imunofluorescência iniciais. Osdemais tiveram reações positivas em tí-tulo 1:256.

Apenas em 1 caso (n.° 27A), dentreos que reagiram a 1:1024, o título se ele-vou no 2.° exame; nos outros, os títulosforam mais baixos. Em relação aos 3casos positivos a 1:4000, o título se man-teve até 3 meses depois em um único se-minarista (n.° 35A), tendo ocorrido níti-da queda nos 2 outros. Quanto aos acha-dos clínicos, resumidos na Tabela 3, ob-servamos em 13 seminaristas aumento degânglios cervicais, axilares e inguinais,atingindo as dimensões de 1 a 1,5 cm.Em 3 outros alunos não havia infartamen-to ganglionar, mas o fígado e o baço erampalpáveis. Em 2 casos, o exame físico foiinteiramente negativo e nos 10 restanteshavia apenas micropoliadenopatia genera-lizada. É interessante verificar que o n.°34A nada apresentava ao exame físico na1.a vez e 3 meses depois, além de adeno-patia cervical e axilar, o fígado e o baçoestavam aumentados. No entanto, não tevequalquer sintomatologia e os títulos dasreações específicas tiveram pronunciadaqueda. Quanto ao n.° 35A, em que o re-sultado de 1:4000 se manteve, não houvealterações do primeiro ao segundo exame.Este aluno queixou-se de tonturas e des-maios em meados de novembro de 1965.O caso n.° 36A, cujos títulos também so-freram sensível diminuição, apresentou umgânglio axilar esquerdo bem aumentadoe uma hepatomegalia moderada. Relati-vamente à queixas, o aluno n.° 9A tevecefaléia e febre em outubro de 1965; on.° 16A, em meados de novembro tevefebre alta, o n.° 18A referiu astenia; on.° 19A teve quadro febril e cefaléia emfins de outubro; o n.° 20A vinha apre-sentando picos febris há 2 meses (maistarde constatou-se malária) e os demais23 alunos não relataram sintomas suges-tivos de processo infeccioso. Não foi pos-sível obter dados mais pormenorizados.Dentre os padres examinados nada seapurou do ponto de vista clínico. Em 3

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seminaristas com reação positiva a 1:4000em que foi tentado o isolamento do toxo-plasma nas fezes, o resultado foi negativo.Nas visitas realizadas posteriormente aoSeminário, (a última foi em 11-8-1966,quase 10 meses após o surto), fomos in-formados de que não apareceram casosnovos de toxoplasmose.

Colonos da fazenda — Os resultadosdas reações de Sabin-Feldman e imuno-fluorescência e os achados de exame fí-sico estão consignados na Tabela 4, ondeagrupamos os indivíduos numerados de1B a 36B, segundo os respectivos agre-gados familiares. Os números 1B e 4Bsão empregados do Seminário, o número

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1B também trabalhava na lavoura e resi-dia na Colônia.

Em 8 casos, os resultados para uma ouambas reações foram positivas a 1:1024.Em 9, encontramos títulos 1:4000.Dentre os inicialmente positivos a 1:1024,apenas no caso 22B o título se manteve,havendo queda de título em 4 casos queforam examinados pela segunda vez. Em9 indivíduos com títulos 1:4000, ob-servamos os seguintes fatos: em 2 casos(n.° 1B e 18B) o título não se manteve,em 2 casos (4B e 32B) não foi possível arepetição das provas e em 4 casos (17B,26B, 27B e 35B) o título continuou ele-vado. Resta ainda informar que o núme-ro 34B, cujas reações em 20-11-65 forampositivas a 1:256, em 28-1-66 e 25-2-66foram positivas em título de 1:4000. Nes-se caso, as reações foram refeitas em vir-tude de ter sido referida febre em fins dedezembro de 1965 e início de janeiro de1966. Conforme será adiante menciona-do, este caso foi internado para estudo,assim como os n.°s 17B e 35B.

Ao lado do encontro bastante comumde gânglios palpáveis não aumentados, emtodos setores e hepatomegalia discreta emalguns casos, certos achados de exame sãointeressantes e merecem ser comentados,principalmente naqueles casos em que sepôde realizar um segundo exame clínicoou em que as reações foram positivas emtítulo diagnóstico. Assim, no caso 4B ao2.° exame palpou-se fígado aumentado; nocaso 8B cujas provas foram feitas só em17-2-66, notou-se infartamento gânglionarde vulto, mormente nas axilas; no caso25B, além de hipertermia e amidalite, pal-pou-se um gânglio axilar bastante aumen-tado e o fígado a 2 dedos da reborda eno caso 26B, o baço apresentou-se palpá-vel no 2.° exame. Os casos 26B e 27B são2 irmãos de 5 a 4 anos que, embora semqueixas, apresentavam micropoliadenopa-tia difusa e hepatomegalia, além de rea-ções que continuaram positivas a 1:4000,até 3 meses depois do 1.° exame. Por ou-tro lado, em um adulto (n.° 31B), comreações positivas a 1:4000 e queixas su-

gestivas de toxoplasmose, o exame físicofoi completamente negativo. É curiosoobservar que a única família com criançasem que nada se apurou ao exame físico eem que não houve nenhum caso positivo,é a constituída pelos números 19B e 24Be que vive em condições sócio-econômi-cas algo melhores do que as demais fa-mílias.

Em 8 colonos (4 com reações em título1:4000 e 4 com títulos inferiores) a ino-culação de fezes em camundongo não en-sejou o isolamento de toxoplasmas.

Cumpre comentar os casos 17B, 34B e35B que foram internados na Clínica deDoenças Tropicais e Infectuosas do Hos-pital das Clínicas da F.M.U.S.P. O nú-mero 17B é um menino de 7 anos (E.C.)que ao primeiro exame, em 24-11-65.apresentava micropoliadenopatia cervical,submaxilar e axilar e fígado a 2 dedos dareborda. Nessa ocasião, as reações forampositivas a 1:16000. Reexaminado em17-2-1966, estava com 37°C, taquicardia,adenopatia difusa, com gânglios bem maio-res e fígado nas mesmas dimensões. Ten-do sido referida uma história de febreesporádica, cefaléia, dor abdominal, ano-rexia e emagrecimento, foi internado paraobservação. A segunda reação de Sabin-Feldman em 18-2-1966 foi positiva a1:8000. A inoculação de gânglio em ca-mundongo permitiu o isolamento de toxo-plasmas. A inoculação de fezes foi negati-va. Foi assinalada hiperplasia reticularao exame histológico do gânglio. Este casoapresentou um quadro clínico, radiológi-co e eletrocardiográfico de miocardite, pe-lo que permaneceu internado até agostode 1966. O pai do paciente teve reaçõesiniciais positivas a 1:1024 e em uma ir-mã de 3 anos, com discreta hepatomega-lia e sem história sugestiva, os primeirosresultados foram positivos a 1:4000. Odoente em questão vivia em condiçõessócio-econômicas precárias, comia carne devaca e ovos muito raramente e não bebialeite. Tinha contato com cães, gato e ga-linhas. O cão "Hélio" de sua casa tevereação a 1:256, nunca exibindo sinais de

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doença. O caso 34B (J.A.T.) de 13 anosfoi considerado como suspeito de toxo-plasmose em 20-11-65, quando foi colhi-do sangue pela 1.a vez, em virtude de con-tato diário com carneiros doentes e cães.Ao exame, notava-se micropoliadenopatiacervical e axilar e fígado palpado a 1 dedoe meio. Referia apenas cefaléia esporá-dica e dor no ombro esquerdo. As rea-ções iniciais foram positivas a 1:256. Em27-1-66 foi internado por apresentar as-tenia e febre moderada. Nessa data, oteste do corante foi positivo a 1:4000 eum mês após esse título se manteve. Foiretirado um gânglio e a sua inoculaçãoem camundongo, resultou positiva paratoxoplasmas. O exame histopatológico re-velou hiperplasia linfática e reticular dogânglio. Além de contato com ovinos ti-nha hábito de tomar água de bicas ondevacas e carneiros também matam a sede.,O cão "Duque", de sua propriedade, quevivia junto ao rebanho teve reação deSabin-Feldman positiva a 1:4000. Emfevereiro de 1966, este mesmo cão foi mor-to por parecer raivoso. Entre os familia-res do paciente houve mais 2 casos posi-tivos a 1:4000, um dos quais com examefísico negativo e outro que foi internado.O caso 35B, uma moça de 18 anos, irmãdo caso anterior, internada também para

observação em 27-1-1966, não referiuqualquer sintomatologia e ao exame clí-niconico apresentava alguns gânglios axi-lares pouco aumentados e fígado a 1 dedo.Neste caso não foi efetuada a biópsia deinoculação de gânglio. As reações soro-lógicas mantiveram-se em título de 1:4000em 28-1-66. Em 30-11-65 a paciente ha-via se casado e estava residindo longe doSeminário.

Na Tabela 5, referente ao inquérito so-rológico abrangendo padres, alunos, fun-cionários, colonos e familiares, os títulosdas reações de Sabin-Feldman e imuno-fluorescência estão distribuídos em gruposde 1 a 7, afim de proporcionar uma fá-cil e rápida apreciação desses dados, emconjunto.

Animais — Em 6-12-65, com a valio-sa colaboração do DR. A. F. PESTANA DECASTRO (1), foram retiradas amostras desangue de 20 carneiros e ovelhas, 5 por-cos e 5 cães, para o teste do corante. Paraos ovinos, numerados de I a XX, obtive-ram-se os seguintes resultados:

(1) Médico Veterinário do Instituto Biológico — São Paulo.

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rial colhido dos carneiros I, III, XI, XII,XIV, XVI, XVIII e XIX foi perdido aci-dentalmente.

Para os cães sangrados em 6-12-65, osresultados são os seguintes:

Em relação aos porcos, numerados de 1a 5P, temos os seguintes resultados:

Em 14-3-66 foram sangrados 5 cães,com repetição das provas nos cães "Mar-fim" e "Chucho". Resultados das reações:

Os cães "Duque amarelo", "Duque pre-to" e "Pintada" são de propriedade dafamília O.P. Foi enviado ao InstitutoBiológico de São Paulo, aos cuidados doDr. Waldir George, em 10-2-66, um car-neiro doente. O exame histopatológico ea inoculação de órgãos do animal foramnegativos para toxoplasmose. Foi verifi-cada apenas uma miíase. Posteriormente,foi autopsiado, outro carneiro recém-mor-to em início de decomposição, para exa-me helmintológico o qual se revelou posi-

tivo (infestação maciça) para Haemonchuscontortus. Dos mesmos 5 cães sangradosem 14-3-66 foi colhido material fecal pa-ra inoculação e pesquisa de toxoplasmaem camundongo, com resultado negativo.Foi capturado um exemplar de R. rattusrattus, em armadilha colocada junto aoabrigo dos carneiros. As fezes foram ino-culadas, assim como o macerado dos vís-ceras e cérebro obtidos do animal, nãotendo sido isolado o parasita, após ob-servação de 30 dias. Em virtude dos mi-lharais e da abundância de alimentos es-parsos na zona, foi impossível a capturade maior número de ratos.

Inquérito sorológico entre seminaris-tas admitidos em 1966 — Com a finalida-de de verificar a situação imunológica deestudantes admitidos no início do ano le-tivo de 1966, frente à toxoplasmose e sur-preender possíveis alterações de anticor-pos específicos, após alguns meses de per-manência no Seminário, fichamos, exami-namos e colhemos sangue de 21 alunosnovos. A idade média do grupo, foi de12,9 anos, todos de cor branca. A proce-dência deles coincide quase com a dosalunos mais antigos: São Paulo, Capital einterior do Estado, adjacências de Bra-gança, Goiás, Minas Gerais e Mato Gros-so, em geral de zona rural e com conta-to anterior com gado bovino e outras es-pécies animais. A data do ingresso va-riou de 25-1-66 até 6-3-66.

A primeira colheita foi em 14-3-66 e asegunda em 11-8-66, por conseguinte qua-se 5 meses depois. Nas férias de julho osalunos regressaram às suas casas. NaTabela 6, estão expressos os resultados dasprovas sorológicas e dos dados de examefísico. Apenas 2 seminaristas tiveram rea-ções iniciais positivas a 1:1024 e em 4os títulos foram de 1:4000. Destes, apenas2 casos (P.P. e J.C.G.) tinham infarta-mento ganglionar nítido; nos 2 restantes,verificou-se adenopatia submaxilar e dis-creta hepatomegalia (caso L.A.G.) e exa-me físico sem sinais de comprometimentoganglionar ou visceral (caso J.R.L.). Oaluno T.F.B. desenvolveu quadro febril,

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em agôsto de 1966, após ter voltado deGoiás onde passara as férias. Apresentou,nessa ocasião, anemia e esplenomegalia.A reação de Widal e a prova de agluti-nação rápida para brucelose foram nega-tivas. Não foi pesquisada a presença dehematozoários em tempo útil, pois a febrecedeu e o facultativo que observou o pa-ciente aguardou momento oportuno paraa realização desse exame. Em relação aosresultados obtidos 5 meses depois, pode-seperceber que em 12 alunos houve aumen-to de título em ambas as provas, sendoque, em 5 esse aumento foi bem evidente,incluindo-se 3 casos em que a positivida-de atingiu a diluição de 1:4000. Êstes 3últimos (F.C., L.B.P. e A.A.G.) não re-feriram qualquer sintomatologia no decur-so de 5 meses, mas apresentavam desde afase inicial de observação adenopatia eesplenomegalia moderadas, o 1.° e o 2.°e micropoliadenopatia e hepatomegalia, o3.° caso. Não foi possível, entretanto, areavaliação clínica destes casos assim co-mo daqueles 4 que já tinham provas po-sitivas a 1:4000, ao primeiro exame so-rológico. Quanto aos 4 que acabamos demencionar, à repetição das provas, verifi-cou-se queda de títulos em 3 e ascensão detítulo em 1 (caso J.C.G.).

D I S C U S S Ã O

A forma linfoglandular da toxoplasmo-se descrita por SiiM 2 5 , 2 6 (1951, 1956)ficou bem caracterizada, sob o ponto devista clínico e hematológico, em 11 casosinternados. O período de incubação dadoença não pôde ser calculado porquantoa fonte de infecção e a data do contágiopermaneceram no terreno das hipóteses.A evolução foi favorável, sem sinais delocalização em outros órgãos e sem recaí-das. A mononucleose infecciosa, doençaque ocorre com certa freqüência em ins-tituições e comunidades ( R E M I N G T O N etalii21,22, 1962, 1963) foi lembrada nodiagnóstico diferencial, mas diante dosexpressivos resultados sorológicos e doisolamento do T. gondii, não foi necessá-

rio realizar a pesquisa de anticorpos he-terófilos. Em uma criança de 7 anos, foiverificado um quadro de miocardite, commanifestações clínicas, eletrocardiográfi-cas e radiológicas, tendo havido recupera-ção quase completa, por ocasião da alta.

O diagnóstico definitivo foi possibilita-do pelo isolamento do agente, ao lado dosresultados da sorologia; cumpre, porém,tecer alguns comentários acerca dos tí-tulos positivos registrados e do compor-tamento sorológico em 9 casos. Segundodemonstrou CAMARGO 7 (1966), os resulta-dos obtidos com as reações de Sabin-Feld-man e de imunofluorescência indireta são,em geral, superponíveis. Nesta casuística,encontramos, via de regra, resultados con-cordantes, havendo, quando muito, diferen-ça de apenas 1 tubo de diluição. Confir-mando o que tem sido observado em nos-so meio, o título positivo mínimo consi-derado na prática como diagnóstico de to-xoplasmose — doença é 1 :4000 e este foio critério que adotamos neste inquérito,não deixando de valorizar, todavia, títu-los algo inferiores a 1:4000 quando esta-vam relacionados a indivíduos com histó-ria sugestiva e quadro clínico compatível.No que diz respeito às flutuações de títu-los observadas em alguns dos pacientesestudados por período prolongado, EICHEN-WALD 12 (1956), já as havia observado,em adultos com infecção prévia masnão com doença ativa, não encontran-do uma explicação definitiva para ofenômeno. Por outro lado, o aparecimen-to tardio de anticorpos detectáveis em di-luições mais altas, registrado em pelomenos 3 indivíduos desta casuística, de-penderia de um comportamento imunobio-lógico excepcional, pois via de regra, osanticorpos para a prova do corante surgemde 2 a 3 semanas após a infecção e atin-gem títulos 1:256, persistindo eleva-dos por meses e anos (sabin et alii24,1952). Tais ocorrências ainda não bemelucidadas, devem ser lembradas na prá-tica, quando se suspeita de toxoplasmoseaguda e segundo TALHAMMER 28 (1959),

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um caso agudo, na fase de diluições posi-tivas baixas ou médias, excluindo-se aidentificação do agente, só poderá serdiagnosticado através de curva de títulosobtidos a longo prazo, portanto com con-siderável perda de tempo. Nessas even-tualidades, a intradermo-reação traria ime-diato subsídio, pois que a prova do coran-te em títulos inexpressivos, com prova detoxoplasmina negativa, observa-se exclu-sivamente nas 2 ou 3 primeiras semanasde doença ficando afastada a hipótese deinfecção pregressa para explicar a positi-vidade da reação. No presente inquéritonão empregamos o teste cutâneo ou ou-tras provas sorológicas auxiliares, comohemaglutinação ou fixação do complemen-to, preferindo estudar o comportamentosorológico relativo às provas do corantee imunofluorescência. Estas considera-ções, aliadas aos fatos observados na prá-tica diária, apontam como melhor con-duta, nos casos clinicamente sugestivos, aobtenção de curva de títulos de uma dasreações em aprêço, realizadas periodica-mente. É claro que o diagnóstico defini-tivo é fornecido pelo isolamento do toxo-plasma na fase aguda ou sub aguda dainfecção (siim 25, 1956). Em relação aocomportamento sorológico observado em21 alunos admitidos no ano seguinte aodo surto, os dados não foram concluden-tes no sentido de indicar, indiretamente,que esses alunos estariam entrando emcontato com uma fonte de infecção nãoidentificada. O número de casos estuda-dos sorològicamente foi pequeno, o tempode observação deveria ser mais longo, nãofoi possível uma reavaliação clínica em to-dos eles e não houve referência a mani-festações clínicas no período de 5 meses.Admite-se que certas intercorrências pos-sam modificar a resposta imunobiológicaem alguns indivíduos infectados, determi-nando pequenas variações do título semexpressão diagnóstica. REMINGTON etalii212 (1963) investigando a presença deanticorpos anti-toxoplasma entre colegiais,nos E.U.A., referem que um aumento sig-nificativo (mais do que 4 x) no nível deanticorpos pode ser explicado pela reex-

posição ao antígeno ou por infecção agu-da, não havendo ainda evidências da 1.a

hipótese, no ser humano. É possível que,em 3 seminaristas novos (F.C., L.B.P. eA.A.G.), os achados clínicos, ao 1.° exa-me, corressem por conta de toxoplasmose,só considerada provável à repetição dasprovas, 5 meses mais tarde.

Quanto aos aspectos epidemiológicos,salientam-se inicialmente, dois meios: a co-letividade de estudantes e padres vivendoem comum, dentro de uma instituição e oambiente rural, onde aqueles, eventual-mente e os colonos repetidamente, entra-vam em contato com animais domésticose artrópodes e cujas condições sanitáriaseram más. Inúmeras são as possibilidadesteóricas de contrair a toxoplasmose, nosmeios acima referidos, desde que se admi-ta serem o homem e os animais domésti-cos fontes potenciais de infecção ( ARAÚ-JO 2, 1964; beattie5, 1960; COUVREURet alii9, 1961).

Quando a princípio se pensou estar osurto confinado ao Seminário propria-mente dito, onde as condições de higieneeram satisfatórias, aventou-se a hipótesede contágio inter-humano, através de go-tículas de Flügge. O primeiro isolamentodo T. gondii, da saliva humana comuni-cado à literatura médica, deve-se a CATHIE8

(1954); entre nós LEVI et alii18 (1967)registraram o isolamento do protozoárioda saliva em 9 dentre 10 pacientes comtoxoplasmose, por inoculação intraperito-neal em camundongo. É interessante re-ferir as conclusões a que chegou WAAIJ 29

(1964) recentemente, após elaboração ma-temática dos dados obtidos em inquéritossorológicos humanos realizados em 6 cen-tros. De acôrdo com esse autor, os cál-culos matemáticos demonstraram a proba-bilidade de que a toxoplasmose seja umainfecção amplamente difundida, propa-gando-se de homem para homem por go-tícuias de Flügge, através de inalação.Esta hipótese, no entanto, não explicariaos casos verificados na fazenda do Semi-nário, motivo pelo qual não incluímos es-ta pesquisa na presente investigação. As-

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sim, passamos a suspeitar também doscães, dentre os quais 5 haviam apresen-tado doença nervosa e dos carneiros e ove-lhas, antes de se conhecer a natureza dadoença que estava dizimando o rebanho.As reações de Sabin-Feldman foram po-sitivas em título nitidamente mais eleva-dos entre os cães do que entre os carnei-ros, ressaltando o resultado de 1:4000 ob-tido no cão "Duque", que pertencia aocaso 34B, com toxoplasmose comprovadae que, junto ao dono, convivia com as ove-lhas. Estes dados vêm fortalecer a suspei-ta de que os cães constituíram fonte de in-fecção; infelizmente não houve oportuni-dade para autopsiar os animais mortos com"doença nervosa" e a inoculação de fezesde cães resultou negativa. Os carneirossofriam de verminose maciça e uma au-tópsia feita não confirmou a suspeita detoxoplasmose. Além do mais, ainda sãomuito discutidas as relações entre achadospositivos em inquéritos sorológicos de ovi-nos e a epidemiologia da toxoplasmose hu-mana (JACOBS, REMINGTON, MELTON 14,1960). Restam outras hipóteses: ingestãode carne bovina ou de porco infectada comcistos e mal cozida, ingestão de águas po-luídas e caldo de cana contaminado comfezes, contendo formas de resistência dotoxoplasma e, finalmente, transmissão atra-vés de artrópodes vetores. Quanto à in-gestão de carne bovina ou suína semi-crua,na literatura encontram-se referências àdeglutição de cistos que resistiriam aosuco gástrico e infectariam o homem, porvia oral (DESMONTS et alii11, 1965; JA-COBS, REMINGTON, MELTON 14, 1960;JAMRA, DEANE, GUIMARÃES 15, 1966; WEI-NMAN & CHANDLER 30, 1956). Lamentavel-mente, não tivemos facilidades e condi-ções para tentar o isolamento dos cistos apartir dos fragmentos de carne de vaca ouporco, obtida do matadouro do Seminário,não podendo por isso afastar definitiva-mente esta hipótese. O inquérito sorológicoentre suínos não trouxe nenhum subsídio,dado o pequeno número de animais exa-minados. A labilidade do toxoplasma, mes-mo em sua forma cística, é bastante reco-

nhecida, razão por que julgando ser difícilou impossível sua sobrevivência em águaspoluídas ou caldo de cana, não tentamosisolá-lo desses veículos líquidos. Segundohartley13 (1966), ainda são escassasas observações sobre a presença de cistosnos excreta de animais infectados e a pos-sibilidade de que as excreções fossem in-fectadas e contaminassem a água nos pa-receu muito remota. Deve ser lembrado,nesse sentido, que os alunos não faziamuso freqüente e sistemático de águas po-luídas como os colonos. Em relação aosartrópodes vetores, como em outros ân-gulos da epidemiologia já abordados, oproblema ainda está em aberto, longe deserem esgotadas as experimentações sobreo tema. BEATTIE 4 (1959) não acha pro-vável a transmissão através de artrópodese hartley13 (1966), revendo a epide-miologia da toxoplasmose, declara nuncater sido demonstrada a multiplicação doparasita no vetor, nem provada a trans-missão por picada. O que ocorre, afirmaele, é a ingestão do toxoplasma por ar-trópodes hematófagos, observada experi-mentalmente, podendo o parasita sobrevi-ver nestes por prazo não superior a 10dias. Em nosso meio, NUSSENZWEIG &deane20 (1958) provaram a possibilida-de de transmissão mecânica dos toxoplas-mas, por meio de picada de triatomíneose deane10 (1958) relatou uma experiên-cia em que foi inoculado o T. gondii porpicada de carrapato Amblyomma cajen-nense, não podendo excluir, todavia, a pro-babilidade de contaminação por fezes oulíquido coxal do carrapato. Diante de da-dos mais ponderáveis entre os vários ele-mentos de importância epidemiológica queentraram em nossas cogitações e que aca-bamos de discutir, consideramos dispen-sável, na ocasião, a pesquisa de infec-ção em artrópodes, nem mesmo nos preo-cupando com a identificação de reduví-deos e carrapatos mencionados pelos mo-radores do Seminário.

Em vista dos obstáculos inerentes à epi-demiologia da toxoplasmose e das lacunasdecorrentes de dificuldades de ordem téc-

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nica, chegamos ao final desta investigaçãosem nada concluirmos ou comprovarmosa respeito das fontes de infecção ou dasvias de transmissão, no presente surto detoxoplasmose. Acreditamos que, se con-tássemos com a oportunidade de isolar oagente etiológico da saliva humana, de te-cidos de animais (principalmente cãesdoentes) e da carne bovina, obteríamosdados mais objetivos para confirmar umaou mais hipóteses de trabalho. E comocomplementação, pesquisa de infecçãoem insetos, carrapatos e triatomíneosda área e ainda tentativa de isola-mento a partir de líquidos e do solo conta-minados por dejecções de animais. Nasituação presente, secundando opinião deBEATTIE 3 (1957), é lícito também supor,que, mais do que um mecanismo de trans-missão considerado pudesse estar em jogo.

Uma vez assinalada a possibilidade desurtos de toxoplasmose em instituições fe-chadas ou em zona rural, insistimos nanecessidade de investigações mais com-pletas e profundas em situações similares,para o reconhecimento das fontes de infec-ção e mecanismos de transmissão, aindaque tais pesquisas sejam dificultadas pelacarência de conhecimentos acerca da his-tória natural da toxoplasmose e do ciclobiológico do parasita.

C O N C L U S Õ E S

— A toxoplasmose (forma linfoglan-dular) foi diagnosticada, através de rea-ção de Sabin-Feldman e de imunofluores-ciência indireto e de isolamento do T. gon-dii de gânglios linfáticos.

— O estudo da evolução sorológica em9 alunos desde o 33.o até o 140.o dia dedoença, evidenciou em alguns casos, flu-tuações de títulos positivos no período e,em 2 casos, aparecimento tardio de anti-corpos em diluições elevadas, compatíveiscom doença em atividade.

— Os dados obtidos no estudo soroló-gico em 21 alunos novos, não concorrerampara esclarecimento de hipóteses relativasà epidemiologia.

— Os dados e informações obtidos nainvestigação epidemiológica permitiramapenas aventar diversas hipóteses sobrea transmissão, admitindo-se a possibilida-de de mais de um mecanismo em jogo.

— A ocorrência de surto de toxoplas-mose é pela primeira vez relatada, na li-teratura médica. Em vista da problemá-tica que envolve ainda a epidemiologiadesta protozoose, em situações análogastorna-se absoluta a necessidade de inves-tigações mais amplas e profundas, em tor-no da fontes de infecção e das vias detransmissão.

S U M M A R Y

Nine cases of comproved acquired to-xoplasmosis (lymphatic form), from aSeminary in Bragança Paulista, (Brazil)motivated a clinical and serological survey.According to the data, at least 30 people(in a total of 81) presented, then, toxo-plasmosis. Three hundred fourteen (314)dye-tests and indirect immunofluorescenttests were performed in all. The serologicalsurvey based on dye-test antibodies wasextended to some local animal species. Inview of the epidemiological survey limi-tations and notwithstanding the fact that anumber of hipothesis have been suggested,no conclusions have been drawn, as faras the epidemiological aspects of the epi-demics are concerned. Reporting thisoccurrence for the first time in the medicalliterature, the authors point out to thepossibility of these outbreaks in closed ins-titutions and in the rural area. They insiston the need for more complete researches,in similar situations, for the recognition ofthe sources and transmission mechanismsof the infection. Research work must becarried out in spite of the difficultiesinherent to this subject.

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