121
Índice 1 Introdução 3 2 Fractais: breve historial e exemplos 7 2.1 Exemplos de fractais ....................... 8 2.1.1 O Conjunto de Cantor .................. 8 2.1.2 A Curva de Von Koch .................. 10 2.1.3 O Triângulo de Sierpinski ................ 12 2.1.4 O conjunto de Julia .................... 13 2.1.5 Gráfico de uma função .................. 13 2.1.6 Curva de Von Koch aleatória .............. 13 3 Fundamentos matemáticos 17 3.1 Conjuntos ............................. 17 3.2 Espaços métricos ......................... 19 3.3 Espaços topológicos ........................ 24 3.4 O conceito de sucessão ...................... 32 3.5 Medida ............................... 35 3.5.1 O conceito geral de medida ............... 35 3.5.2 Medida de Hausdorff ................... 36 4 O espaço dos fractais: (H(X),h) 41 5 Dimensão 47 5.1 Dimensão topológica ....................... 47 5.2 Dimensões fraccionárias ..................... 48 5.2.1 Dimensão de Hausdorff .................. 48 5.2.2 Dimensão fractal ..................... 55 5.2.3 A dimensão “Box Counting” ............... 57 1

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Índice

1 Introdução 3

2 Fractais: breve historial e exemplos 72.1 Exemplos de fractais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2.1.1 O Conjunto de Cantor . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82.1.2 A Curva de Von Koch . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102.1.3 O Triângulo de Sierpinski . . . . . . . . . . . . . . . . 122.1.4 O conjunto de Julia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132.1.5 Gráfico de uma função . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132.1.6 Curva de Von Koch aleatória . . . . . . . . . . . . . . 13

3 Fundamentos matemáticos 173.1 Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173.2 Espaços métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193.3 Espaços topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243.4 O conceito de sucessão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323.5 Medida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

3.5.1 O conceito geral de medida . . . . . . . . . . . . . . . 353.5.2 Medida de Hausdorff . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

4 O espaço dos fractais: (H(X), h) 41

5 Dimensão 475.1 Dimensão topológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 475.2 Dimensões fraccionárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

5.2.1 Dimensão de Hausdorff . . . . . . . . . . . . . . . . . . 485.2.2 Dimensão fractal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 555.2.3 A dimensão “Box Counting” . . . . . . . . . . . . . . . 57

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2 ÍNDICE

6 Auto-semelhança e auto-afinidade 616.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 616.2 Transformações afins no plano euclidiano . . . . . . . . . . . . 636.3 Aplicações contractantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 666.4 Generalidades sobre sistemas dinâmicos . . . . . . . . . . . . . 686.5 Sistemas de funções iteradas - IFS . . . . . . . . . . . . . . . . 69

6.5.1 Algoritmo determinista para a construção de fractaisvia IFS’s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

6.5.2 Algoritmo aleatório para a construção de fractais viaIFS’s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

6.6 O teorema da colagem de Barnsley . . . . . . . . . . . . . . . 736.7 Geração de fractais através de IFS . . . . . . . . . . . . . . . . 76

7 Exemplos e aplicações 837.1 Fracções contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 837.2 Conjuntos de Julia e de Mandelbrot . . . . . . . . . . . . . . . 85

7.2.1 Teoria geral de conjuntos de Julia . . . . . . . . . . . . 857.2.2 Funções quadráticas - o conjunto de Mandelbrot . . . . 947.2.3 Dos conjuntos de Julia ao conjunto de Mandelbrot . . . 97

7.3 As Sucessões e os fractais: algumas actividades . . . . . . . . . 1027.3.1 Soluções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

7.4 “Fractais” Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

8 Conclusão 117

9 Bibliografia 119

10 Anexo 121

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CAPÍTULO 1

Introdução

“As nuvens não são esferas, as montanhas não são cones, aslinhas costeiras não são círculos, e o latido do cão não é contínuo,nem os relâmpagos se propagam em linha recta”. (Mandelbrot,1983)

No passado, a Matemática esteve, em grande parte, preocupada com con-juntos e funções que podem ser estudados através dos métodos clássicos decálculo1. Por exemplo, na geometria, Havia o hábito de descrever os objectosatravés de formas regulares: rectas, circunferências, cones etc.. Mas, será queuma nuvem é formada por esferas, uma montanha por cones e continentes porcircunferências? Existem alguns objectos na natureza, nas ciências em gerale na matemática, em particular (conjuntos, funções), que não são suficiente-mente "lisos" e que tendiam a ser ignorados e rotulados como “patológicos”. Tais objectos foram considerados como curiosidades, e assim, estudados eanalisados por alguns investigadores ao longo dos tempos. Porém, em 1960,Benoit B. Mandelbrot2, trouxe essa matéria à agenda matemática da ac-tualidade, apresentando uma fundamentação coerente do que seriam essas"não-formas". Refazendo alguns estudos nessa área e conhecendo ideias deoutros autores apresentou estudos sobre fractais criando assim a teoria dosfractais ou a geometria fractal.

Os fractais caracterizam-se por terem uma aparência complexa e confusa,em certos casos, mas quando olhados matematicamente, sua análise denota

1Isto é, funções de classe Ck , k ∈∈ N0.2Matemático francês nascido na Polónia, que difundiu amplamente a chamada “geome-

tria fractal”

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4 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

figuras que apresentam regularidades e comportamentos curiosos, como o dese assemelharem a elas mesmas quando observadas a diferentes escalas, porexemplo. A geometria fractal é portanto o ramo da Matemática que estudaas propriedades dos fractais. Descreve muitas situações que não podem serexplicadas facilmente pela Geometria Euclidiana. A geometria fractal de-screve taambém como os fractais podem ser aplicados na ciência, tecnologia,arte, etc., sobretudo com recurso computadores.

A geometria fractal ainda não fez a sua entrada nos programas de matemáticano sistema educativo cabo-verdiano, sendo portanto, pouco conhecida nessemeio. Assim escolhemos essa geometria como tema do nosso trabalho, cujoobjectivo geral é divulgar o mundo dos fractais e as suas aplicações, na edu-cação.

Aprofundar os conhecimentos sobre a geometria fractal e suas aplicaçõespráticas e no ensino, integrar os conhecimentos de Álgebra Linear, Geometriae Topologia adquiridos no curso e aplicar os fractais ao estudo das sucessões(progressões geométricas) são os objectivos específicos.

A partir destes objectivos surgiram as nossas questões de investigação,que tentamos responder ao longo do estudo:

1. Como se fundamenta a geometria fractal?2. Quais são as principais aplicações?3. Como aplicar os fractais no ensino secundário (sucessões), de modo

a tornar o ensino de matemática mais interessante e motivador?Tais são as questões para as quais procuramos uma resposta ao longo do

desenvolvimento do projecto.

* * *

O presente trabalho encontra-se assim estruturado: para além desta intro-dução (capítulo I ), contém 6 capítulos. No capítulo II - Fractais: Breve his-torial e exemplos, apresentam-se exemplos de objectos matemáticos chama-dos fractais. O objectivo do capítulo é colocar o leitor perante os exemplosclássicos de fractais, sem porém definir esses objectos, o que será feito noscapítulos seguintes; ao mesmo tempo pretende-se inventariar uma lista depropriedades que servirão para caracterizar os fractais; no capítulo III - Fun-damentos matemáticos, é feita uma revisão dos conceitos fundamentais paradefinição dos fractais e ao desenvolvimento de uma geometria fractal. Con-ceitos de teoria de conjuntos, espaços topológicos e métricos, sucessões assim

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como da teoria da medida, são passados em revista. Embora o capítulo nãocontenha todas as bases necessárias, tendo-se deixado outras revisões para lo-calizações imediatas antes do seu uso, nele as principais notações são fixadas;O capítulo IV - O espaço dos fractais, é dedicado à caracterização topológicados conjuntos que serão denominados fractais; O capítulo V - Dimensão, édedicado exclusivamente ao estudo da dimensão, sendo esta uma das carac-terísticas fundamentais dos fractais: a de possuirem dimensão fraccionária.Neste capítulo são revistos, com base em fundamentos topológicos, os con-ceitos de dimensão topológica e de dimensão fraccionária, incluindo a impor-tante dimensão de Hausdorff-Besicovich; No capítulo VI - Auto-semelhançae auto-afinidade, estuda-se outra característica geral dos fractais, em par-ticular os gerados por sistemas de funções iteradas (IFS). Esses sistemassão definidos e caracterizados como sistemas dinâmicos e são revistos al-guns teoremas fundamentais à descrição de tais sistemas bem como dos seusatractores, os fractais resultantes; O capítulo VII é dedicado a aplicações,incluindo uma aplicação didáctica.

Tratando-se de uma investigação sobretudo bibliográfica, queriamos referiras principais obras que consultamos: em primeiro lugar o clássico e incon-tornável Falconer [3], para os aspectos fundacionais e geométricos. A maiorparte das imagens são provenientes dessa obra; em segundo lugar Barnsley [1]sobretudo para os aspectos dinâmicos, isto é, a geração dos fractais atravésdos IFS; Tricot [10] foi consultado com muito proveito para as questões dedimensão; outras referências também importantes são os trabalhos de TiagoOliveira [9], sobre os IFS e Paulino Fortes [4] para os aspectos métricos etopológicos. Efectuamos também extensa pesquisa bibliográfica através dainternet, cujas referências encontram-se na bibliografia.

É claro que um dos objectivos deste trabalho, devidamente referido norespectivo projecto, é o de colocar à disposição daqueles que se dedicam àmatemática e seu ensino em Cabo Verde, um texto de nível introdutório mastão completo e auto-sustentado possível. Como resultado o trabalho ficouum pouco extenso, mas se esse objectivo for alcançado terá merecido a pena.

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6 CAPÍTULO 1. INTRODUÇÃO

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CAPÍTULO 2

Fractais: breve historial eexemplos

O termo “fractal” foi usado pela primeira vez em 1975 por Benoît Mandel-brot. Etimologicamente, o vocábulo provém do verbo latino frangere (quesignifica quebrar, dilacerar, rachar, reduzir a partículas), de onde se deriva oadjectivo fractus, cujo sentido é o de algo diminuto, fragmentado.

Os fractais são formas geométricas1 abstractas de uma grande beleza, compadrões complexos que se repetem indifinidamente, mesmo quando limitadosa uma área finita. A construção de fractais demanda processos iterativos ourecursivos, por isso, não é possível sua representação fiel, acabada. As formasgeradas são caracterizadas por apresentarem características peculiares comosendo a auto-semelhança, complexidade infinita e dimensão não inteira.

Durante séculos, os objectos e os conceitos da Filosofia e da Geometriaclássica2 foram considerados como os que melhor descreviam o mundo em quevivemos. A descoberta de geometrias não-euclidianas introduziu novos mod-elos para representar com maior fidelidade certos objectos do Universo, comoos campos gravitacionais, por exemplo; o mesmo se passa com a geometriafractal.

Com a publicação de A Geometria Fractal na Natureza, em 1982, Man-delbrot conseguiu popularizar o termo recém criado, chamando a atenção dacomunidade científica para o novo conceito que trazia.

A geometria fractal de Mandelbrot oferece modelos para a compreensão de

1Num sentido a ser precisado no texto, a saber, no sentido da geometria fractal.2Geometria não fractal.

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8 CAPÍTULO 2. FRACTAIS: BREVE HISTORIAL E EXEMPLOS

formas complexas de que a natureza apresenta, seja na estrutura do átomo,nos arranjos moleculares das proteínas e dos aminoácidos, nas células doorganismo, sejam nos recortes geográficos das linhas costeiras, nas imagensabstraídas do movimento das nuvens, no sólido e harmónico contorno dasmontanhas, no trajecto percorrido pelo fumo do incenso, nas formações emestalactites e estalagmites encontradas nas cavernas. Foi essa a motivaçãooriginal de Mandelbrot: a Geometria clássica fornece apenas uma primeiraaproximação para a estrutura física dos objectos. A geometria fractal é umaextensão da primeira, e pode ser utilizada para construir modelos capazes derepresentar os aspectos mais complexos das formas da natureza.

O imenso avanço tecnológico na área da informática foi de grande im-portância para o desenvolvimento da teoria dos fractais. Com o aperfeiçoa-mento crescente dos computadores, a geometria fractal passou a destacar-se.O desenvolvimento da teoria dos fractais, ao lado do avanço da informática,permitiu o estudo e visualização de muitas situações e comportamentoos quenão eram possíveis anteriormente.

A importância da geometria fractal é bem evidente na Matemática, naEngenharia, nas comunicações telefónicas, na Química, na Arte e, até noestudo de doenças crónicas e noutros campos da Medicina. Por exemplo,alguns estudos revelaram que um coração saudável bate a um ritmo fractale, que um batimento cardíaco quase periódico é um sintoma de insuficiênciacardíaca.

2.1 Exemplos de fractais

Nesta secção apresentamos alguns exemplos dos chamados fractais, notandoalgumas das suas caracteríticas, que serão úteis para a definição do conceito.

2.1.1 O Conjunto de Cantor

O Conjunto de Cantor, apresentado por Georg Cantor3, é um dos fractaismais conhecidos e de fácil construção; não obstante exibe muitas caracterís-ticas de fractal típicas. É um subconjunto fechado do intervalo [0, 1] ⊂R, obtido como complemento de uma reunião de intervalos abertos. Paraconstruí-lo inicia-se com um intervalo unidade seguido de uma sucessão deoperações de apagamento (veja a figura 2.1) . Seja E0 o intervalo [0, 1] e

3Georg Cantor, matemático russo (1845-1918).

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2.1. EXEMPLOS DE FRACTAIS 9

devidámo-lo em três partes iguais. Seja E1o conjunto obtido apagando oterço médio de E0, isto é, o intervalo

]13, 23

[, de forma que E1 consiste nos

dois intervalos [0, 13] e [2

3, 1]. Apagando os terços médio destes intervalos

obtemos E2; assim E2 inclui os quatro intervalos [0, 19 ] , [29, 13] , [2

3, 79] , [8

9, 1].

Continuando do mesmo modo, encontramos Ek obtido apagando o terço mé-dio de cada intervalo em Ek−1. Assim Ek consiste em 2k intervalos, cada umde comprimento 3−k. O conjunto de Cantor do terço médio F é caracterizadopelos números que estão em Ek, para todo o k; F é a intersecção

⋂∞k=0Ek.

O Conjunto de Cantor do terço médio F, pode ser visto como o limite dasucessão dos conjuntos Ek com k tendendo para o infinito. É obviamenteimpossível desenhar conjunto F , com ínfimos detalhes (detalhes infinitesi-mais). Assim “imagens de F” são geralmente imagens dum Ek, que é umaboa aproximação para Fquando k se torna razoavelmente grande.

Figura 2.1: Construção do conjunto F de Cantor, pela repatidas remoçõesdo terço médio de intervalos. Nota-se que FE e FD, a parte esquerda e direitade F , são cópias de F, escalado por um factor 1

3.

À primeira vista poderia parecer que removemos tanto do intervalo [0, 1]durante a construção de F que nada ficou. Na realidade, F é um conjuntoinfinito (e de facto não numerável) que contém uma infinidade de pontos emtoda a vizinhança de cada um dos seus pontos. O conjunto de Cantor do terçomédio F consiste precisamente dos pontos a que correspondem abcissas em[0, 1] que são números reais cuja expansão de base 3 não contém o algarismo

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10 CAPÍTULO 2. FRACTAIS: BREVE HISTORIAL E EXEMPLOS

1, i.e.4 todos os números a13−1+ a23−2+ a33

−3 + · · · com ai = 0 ou 2 paracada i. Com efeito, note-se que para obter E1 de E0 removemos os númeroscom a1 = 1, para obter E2 de E1 removemos os números com a2 = 1, e assimpor diante.

Vejamos algumas características do conjunto F de Cantor:(i) F é “auto-semelhante”5. É claro que a parte de F em [0, 1

3] e a parte

de F em [23, 1] são geometricamente semelhantes a F , aplicando a razão de

semelhança 13. Novamente, as partes de F em cada um dos quatro intervalos

de E2 são semelhantes a F aplicando o factor de escala 19, e assim por diante.

O conjunto de Cantor contém cópias de si próprio a várias escalas diferentes.(ii) O conjunto F tem uma “estrutura fina”; isto é, pode ser detalhado a

infinitas escalas. Quanto mais aumentamos a imagem do conjunto de Cantor,mais detalhes aparecem.

(iii) Embora F tenha uma estrutura detalhada complicada, a definiçãode F , é bastante simples.

(iv) F é obtido por um processo iterativo. Passos sucessivos dão melhoresaproximações Ek para o conjunto F.

(v) A geometria de F não é descrita facilmente por uma função analíticaou em linguagem geometrica tradicional.

(vi) É difícil descrever a geometria local de F — Perto de cada pontode F está um grande número de outros pontos, separados por aberturas decomprimentos variados.

(vii) Embora F seja de algum modo um conjunto bastante grande (é in-finito não numerável), seu tamanho, quando medido pelas medidas habituais,como a de Lebesgue6, por exemplo, dá zero.

2.1.2 A Curva de Von Koch

O nosso segundo exemplo é a Curva de Von Koch, apresentada por NielsVon Koch7. É construído da seguinte maneira: seja E0 um segmento derecta de comprimento unitário. O conjunto E1 consiste nos quatro segmentosobtidos removendo o terço médio de E0 e substituindo-o por um triânguloequilátero sem a base. Construímos E2 aplicando o mesmo procedimento acada segmento em E1, e assim por diante. Assim Ek vem da substituição

4 i.e. é a abreviarura de “isto é”.5Num sentido a ser precisado mais adiante, capítulo 66Ver mais adiante, capítulo 37Niels Von Koch matemático sueco (1870-1924).

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2.1. EXEMPLOS DE FRACTAIS 11

o terço médio de cada segmento de recta de Ek−1 por triângulos equiláterossem a base. Quando k é grande, as curvas Ek−1 e Ek só diferem, em detalhesfinos e, como k tende para o infinito, a sucessão de curvas poligonais Ek

aproxima-se duma curva limite F , chamada a Curva de Von Koch.

Figura 2.2: (a) Construção da Curva de Von Koch F. (b) Três Curvas deVon Koch juntados para formar uma curva de floco de neve.

A Curva de Von Koch tem muitas características semelhantes ao Con-junto de Cantor. É composto por quatro quartos, cada um semelhante aotodo, aplicando um factor de escala 1

3. A estrutura fina é reflectida nas irreg-

ularidades à todas as escalas; contudo, estas estruturas complicados são deconstrução simples. Embora pareça razoável chamar curva a F , ela demasi-

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12 CAPÍTULO 2. FRACTAIS: BREVE HISTORIAL E EXEMPLOS

adamente irregular para ter tangentes no sentido clássico. Um cálculo simplesmostra que Ek é de comprimento

(43

)k; fazendo k tender para o infinito im-

plica que F tenha comprimento infinito. Por outro lado, F ocupa área zerono plano, assim nem o comprimento nem a área fornece uma descrição útildo tamanho de F .

Muitos outros conjuntos podem ser construídos usando processos recur-sivos. Vejamos o exemplo seguinte.

2.1.3 O Triângulo de Sierpinski

O Triângulo ou tapete de Sierpinski, apresentado por Waclaw Sierpinski8,é obtido removendo iteradamente triângulos equiláteros de um triânguloequilátero inicial de comprimento lateral unitário. Este exemplo tem pro-priedades semelhantes às mencionadas em relação ao conjunto de Cantor e acurva de Von Koch.

Figura 2.3: Construção do triângulo de Sierpinski

8Warsaw Sierpinski, matemático polonês (1882-1969).

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2.1. EXEMPLOS DE FRACTAIS 13

2.1.4 O conjunto de Julia

A estrutura altamente complexa do Conjunto de Julia9 é ilustrada na figuraabaixo, gerada através da função quadrática complexa f(z) = z2 + c, parauma determinada constante c ∈ C. Embora o conjunto não seja estritamenteauto-semelhante, no mesmo sentido em que o conjunto de Cantor e a curvade Von Koch o são, é “quase-auto-semelhante”10 em porções arbitrariamentepequenas.

Figura 2.4: Conjunto de Júlia

2.1.5 Gráfico de uma função

A figura 2.5 mostra o gráfico da função f(t) =∑∞

k=0

(32

)−k/2sin((

32

)kt). A

definição recorrendo à série conduz a um gráfico com estrutura fina, em vezde uma curva lisa, à qual o cálculo clássico seria aplicável.

2.1.6 Curva de Von Koch aleatória

Algumas das construções de fractais podem ser randomizadas, ou seja, alvosda introdrodução de um parâmetro aleatório. A figura seguinte mostra uma

9Gaston Maurice Julia, matemático Francês (1893-1978).10Ver adiante, capítulo 6

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14 CAPÍTULO 2. FRACTAIS: BREVE HISTORIAL E EXEMPLOS

Figura 2.5: Gráfico da função f(t) =∑∞

k=0

(32

)−k/2sin((

32

)kt).

curva de Von Koch aleatória - uma moeda foi lançada a cada passo na con-strução para determinar em qual lado da curva deve-se colocar o novo parde segmentos de recta. Esta curva aleatória certamente tem uma estruturafina, mas a auto-semelhança rigorosa da curva de von Koch foi substituídapor uma “auto-semelhança estatística”.

Figura 2.6: Uma versão da Curva de Von Koch aleatória.

* * *

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2.1. EXEMPLOS DE FRACTAIS 15

Estes são alguns dos exemplos de conjuntos que geralmente são chamadosfractais. Propriedades como as listadas para o conjunto de Cantor são car-acterísticas de fractais, e são conjuntos com essas propriedades que teremosem mente ao longo do trabalho.

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16 CAPÍTULO 2. FRACTAIS: BREVE HISTORIAL E EXEMPLOS

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CAPÍTULO 3

Fundamentos matemáticos

Neste capítulo vamos lançar as bases matemáticas para o tratamento dosfractais, e ao mesmo tempo fixar as notações a serem utilizadas. Por outraspalavras, neste capítulo vamos rever as bases matemáticas que permitirãocaracterizar os espaços onde vivem os fractais. Esses espaços terão umaestrutura algébrica de espaço vectorial e uma estrutura topológica de espaçométrico. Também serão espaços dotados de certas medidas.

3.1 Conjuntos

Definição 3.1 Uma partição de um conjunto A é um conjunto de conjuntosB1, B2, ...Bn tais que B1 ∩ B2 ∩ ... ∩ Bn = ∅ e B1 ∪B2 ∪ ... ∪ Bn = A

Definição 3.2 Seja dados num universo U dois conjuntos A,B. tem-se

A\B = {x ∈ U : x ∈ A ∧ x /∈ B}

isto é, A−B ou A\B é o conjunto dos elementos que pertencem a A e nãopertencem a B.

Definição 3.3 Dados A e B, chama-se diferença simétrica de A com B,A+B ou A∆B ao conjunto:

A B = (A−B) ∪ (B − A)

17

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18 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Proposição 3.1 (i) Comutativa, A B = B A

(ii) Associativa, (A B) C = A (B C)(iii) A A = ∅,(iv) A ∅ = A �

Definição 3.4 Se existe uma bijecção entre A e {1, 2, ..., n} ⊂ N, então diz-se que A tem n elementos, ou que o cardinal de A é n, e nota-se

n(A) = n

Definição 3.5 A é um conjunto infinito se existe uma bijecção entre A eum subconjunto próprio de A.

O número de elementos de N nota-se ℵ0 (aleph zero); o número de ele-mentos do conjunto R nota-se c.

Definição 3.6 Um conjunto A diz-se numerável (ou enumerável) se existiruma bijecção entre A e N (são equipotentes)

Definição 3.7 Uma classe é um conjunto de conjuntos. As classes serãonotadas com letras maiúsculas do tipo caligráfico, A, B, C,..., possívelmentecom índices.

Associado a todo o conjunto C definido num universo, está a classe P(C),que é o conjunto das partes ou subconjuntos de C.

Definição 3.8 Uma família de conjuntos é uma classe indexada.

As operações para os conjuntos podem ser generalizadas às famílias. As-sim, tem-se

A1 ∪A2 ∪ ... ∪ An =⋃ni=1Ai = {x ∈ U : existe i tal que x ∈ Ai}

A1 ∩A2 ∩ ... ∩ An =⋂ni=1Ai = {x ∈ U : para todo o i, x ∈ Ai}

A1 ×A2 × ...× An =∏n

i=1Ai = {(x1, .., xn) ∈ Un : xi ∈ Ai}

Definição 3.9 Se A ∩ B = ∅, A ∪ B diz-se união disjunta de A com B enota-se A � B.

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3.2. ESPAÇOS MÉTRICOS 19

Definição 3.10 Seja dado o conjunto A. Uma classe A = {Ai, i = 1, ..., n}de subconjuntos de A é uma partição de A se

A =n⊔

i=1

Ai.

Isto é,⋃ni=1Ai = A e

⋂ni=1Ai = ∅.

Definição 3.11 Uma ordem parcial num conjunto S é uma relação≤ definidaem S, tal que ∀r, s, t ∈ S:

(i) r ≤ r (reflexiva)(ii) r ≤ s ∧ s ≤ t⇒ r ≤ t (transitividade)(iii) r ≤ s ∧ s ≤ r =⇒ r = s (anti-simetria).Neste caso (S,≤) é dito um conjunto parcialmente ordenado.

Definição 3.12 O conjunto ordenado (S,≤) é totalmente ordenado, sim-plesmente ordenado, linearmente ordenado, ou uma cadeia, se a relação deordem parcial ≤ satisfizer

(iv) (r, s) ∈ S2 =⇒ r ≤ s � s ≤ r (� denota a disjunção exclusiva)

3.2 Espaços métricos

Definição 3.13 Chama-se métrica ou distância num conjunto E a umafunção d : E ×E → R+, tal que, ∀x, y, z ∈ E se tem:

D1. d(x, y) = 0⇔ x = yD2. d(x, y) = d(y, x) simetriaD3. d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z) desigualdade triangular

Nota 3.1 Considerando a desigualdade triangular, com y = x, e o axiomada simetria, tem-se a propriedade da não negatividade:

d(x, z) + d(x, z) ≥ 0

donde se conclui qued(x, y) ≥ 0,∀x, y

Definição 3.14 Chama-se um desvio num conjunto E a uma função

d : E × E → R+ ∪ {+∞},

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20 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

tal que, ∀x, y, z ∈ E se tem:D′1. x = y ⇒ d(x, y) = 0D2. d(x, y) = d(y, x)D3. d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z)

Nota 3.2 Se d é um desvio então d(x, y) pode ser nulo para x �= y.

Exemplo 3.1 Em qualquer conjunto E pode-se definir a métrica

d(x, y) =

{0⇐ x = y1⇐ x �= y

chamada métrica discreta.

Exemplo 3.2 Em Rn (n ∈ N), para x = (xi)i=1,...,n, y = (yi)i=1,...,n, definem-se as métricas

(i) d1(x, y) =∑n

i=1 |xi − yi| (métrica da soma, do taxista, do Plateau (daCidade da Praia)...)

(ii) d2(x, y) = (∑n

i=1(xi − yi)2)

1

2 (métrica euclidiana)(iii) d∞(x, y) = max(|xi − yi| , i = 1, ..., n) (métrica do máximo)

Exemplo 3.3 Sendo (X, d) e (Y, d′) espaços métricos, definem-se em X×Yas métricas

(i) d1(a, b) = d(x1, x2) + d′(y1, y2)

(ii) d2(a, b) = (d(x1, x2)2 + d′(y1, y2)

2)1

2

(iii) d∞(a, b) = max{d(x1, x2), d′(y1, y2)}onde a = (x1, x2), b = (y1, y2) ∈ X × Y

Definição 3.15 Chama-se espaço métrico a um par (E, d) onde E é umconjunto qualquer e d uma distância definida em E.

Definição 3.16 Se (E, d) é um espaço métrico e A ⊂ E, a restrição

dA : A× A→ R+

de d a A é uma métrica, dita a métrica induzida por d em A, e o espaço(A, dA) diz-se um subespaço métrico de (E, d).

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3.2. ESPAÇOS MÉTRICOS 21

Definição 3.17 Num espaço métrico (E, d), chama-se bola aberta de centrox ∈ E e raio r > 0, ao conjunto

Br(x) = B(x, r) = {y ∈ E : d(x, y) < r};

bola fechada de centro x ∈ E e raio r > 0, ao conjunto

Br(x) = B(x, r) = {y ∈ E : d(x, y) ≤ r};

esfera de centro x ∈ E e raio r > 0, ao conjunto

Bor(x) = Bo(x, r) = {y ∈ E : d(x, y) = r};

Exemplo 3.4 Em R, com a métrica discreta, tem-se

B 1

2

(0) = B 1

2

(0) = {0}

Exemplo 3.5 Em R, com a métrica usual, tem-se

B 1

2

(0) =]− 1

2,1

2[, B 1

2

(0) = [−1

2,1

2]

Exemplo 3.6 Em R, com a min(|x− y| ; 0, 2), tem-se

B 1

2

(0) = B 1

2

(0) = R.

Definição 3.18 Duas métricas d1 e d2 num conjunto E são equivalentes se,para todo o x ∈ E e todo r > 0, existem r1 > 0 e r2 > 0 tais que, a B1(x, r1)para d1, está contida na bola B2(x, r) para d2, e que a bola B2(x, r2) para d2,esteja contida na bola B1(x, r) para d1.

Exemplo 3.7 A métrica usual em R2, d é equivalente à métrica da somad′, definida por

d′((x1, y1), (x2, y2)) = |x1 − y1|+ |x2 − y2| .

Com efeito, basta verificar que em toda a d-bola de cada ponto de R2, existeuma d′-bola, e vice versa.

Definição 3.19 Sejam (E, d), (E′, d′) dois espaços métricos, f : E → E′,x �→ x′ uma bijecção. Diz-se que f é uma isometria se

(∀x, y ∈ E)(d(x, y) = d′(x′, y′)) = d′(f(x), f(y)).

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22 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Isto é, uma isometria é um isomorfismo para a estrutura de espaço métrico.

Definição 3.20 Seja X uma parte dum espaço métrico E. Chama-se diâmetrode X (diam(X)) ao limite superior (em [0,+∞]) das distâncias de dois pon-tos de X, ie,

diam(X) = supx,y∈X

d(x, y).

Definição 3.21 Seja f uma aplicação de um conjunto X num espaço métrico(E, d). Chama-se oscilação de f em Y ⊂ X ao diametro de f(Y ). Nota-se

Vf(Y ) = diam(f(Y )).

Exemplo 3.8 Sejam f, g : R\{0} → R, f(x) = x2; g(x) = 1x. A oscilação

de f em ]0, 2] é 4. A oscilação de g em ]0, 1] é +∞.

Definição 3.22 Num espaço métrico E, um conjunto U ⊂ E diz-se abertopara todo o x ∈ U existe uma bola aberta de centro em x e raio r > 0, contidaem U . Um conjunto F ⊂ E diz-se fechado, se F c é um conjunto aberto.

Definição 3.23 Seja F uma parte fechada não vazia do espaço métrico(E, d). Chama-se distancia de um ponto x ∈ E ao fechado F , ao númeronão negativo

d(x, F ) = infz∈F

d(x, z).

Teorema 3.1 A distância de um ponto x a um conjunto fechado F é nulasse1 x ∈ F.�

Teorema 3.2 Se x e y são pontos de um espaço métrico E, e F um fechadode E, tem-se

|d(x, F )− d(y, F )| ≤ d(x, y).�

A generalização a um subconjunto qualquer de um espaço métrico é ime-diata:

Definição 3.24 Seja E um espaço métrico e A,B ⊂ E. Chama-se distânciade A a B ao número

d(A,B) = infx∈A,y∈B

(d(x, y)).

1sse é a abreviarura de “se e só se”.

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3.2. ESPAÇOS MÉTRICOS 23

Nota 3.3 Apesar do nome, a distância entre dois conjuntos não é uma dis-tância, nem sequer um desvio.

Definição 3.25 Um conjunto A num espaço métrico (E, d) diz-se limitadose diam(A) < +∞, i.e., existe um número real M > 0 tal que d(x, y) ≤ M,∀x, y ∈ E.

Proposição 3.2 Seja (E, d) um espaço métrico e x0 ∈ E, fixo. Um sub-conjunto A de E é limitado sse existe r > 0 tal que A está contido na bolafechada B(x0, r).

Demonstração: Suponha-se que A é limitado e seja M > 0 tal que

d(x, y) ≤M, ∀x, y ∈ A.

Se A é vazio, então A está contido em qualquer bola de centro x0; no casocontrário, fixe-se um elemento x1 ∈ A e ponha-se r = d(x0, x1) + M . Paracada x ∈ A, tem-se,

d(x0, x) ≤ d(x0, x1) + d(x1, x) ≤ d(x0, x1) +M = r,

pelo que x ∈ B(x0, r), o que mostra que A ⊂ B(x0, r).Reciprocamente, suponha-se que existe r > 0 tal que A ⊂ B(x0, r).Quais-

quer que sejam x, y ∈ A, tem-se então d(x0, x) ≤ r e d(x0, y) ≤ r, pelo que,tendo em conta a desigualdade triangular e a simetria da métrica, vem

d(x, y) ≤ d(x, x0) + d(x0, y) ≤ r + r = 2r,

o que mostra que A é um conjunto limitado.�

Corolário 3.1 Um subconjunto A de R é limitado, relativamente à métricausual de R, sse é simultaneamente majorado e minorado.�

Nota 3.4 Se A ⊂ E, estando E provido das métricas d1, ..., dn (n ∈ N), Apode ser limitado para algumas dessas métricas e não o ser para outras. Porexemplo, para a métrica discreta, todo o conjunto é limitado.

Proposição 3.3 Seja (E, d) um espaço métrico e A, B dois conjuntos lim-itados de E. Então

(i) A ∪ B é um conjunto limitado(ii) Se for A ∩ B �= ∅ tem-se:

diam(A ∪B) ≤ diam(A) + diam(B).

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24 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Demonstração: (i) Se A e B são vazios o resultado é trivial. Considerem-se então os números positivos M e M ′, tais que d(x, y) ≤ M, quaisquer quesejam x e y em A, e que d(x, y) ≤ M ′ quaisquer que sejam x e y em B.Fixem-se também dois elementos x0 ∈ A e y0 ∈ B. Vai-se verificar que,quaisquer que sejam x e y em A ∪B, tem-se

d(x, y) ≤M + d(x0, y0) +M ′

o que provará que A ∪ B é limitado. Ora a desigualdade anterior é trivialno caso em que x e y estão ambos em A ou em B; no caso em que x ∈ A ey ∈ B ela resulta em que, aplicando duas vezes a desigualdade triangular,

d(x, y) ≤ d(x, x0) + d(x0, y) ≤ d(x, x0) + d(x0, y0) ≤M + d(x0, y0) +M ′

e no caso em que y ∈ A e x ∈ B, ela resulta do caso anterior, por simetria.(ii) Suponha-se agora que A ∩B �= ∅ e fixe-se x0 ∈ A ∩B. Uma vez que

o supremo de um conjunto de números reais é o menor dos seus majorantes,para se mostrar que se tem diam(A∪B) ≤ diam(A)+diam(B), basta mostarque diam(A) + diam(B) é um majorante do conjunto dos reais d(x, y), comx e y em A ∪B, isto é que,

(∀x, y ∈ A ∪ B)(d(x, y) ≤ diam(A) + diam(B)).

Esta desigualdade é evidente, no caso em que x e y estão ambos em A ou emB; no caso em que x ∈ A e y ∈ B, ela resulta do facto de que se tem

d(x, y) ≤ d(x, x0) + d(x0, y) ≤ diam(A) + diam(B)

e, no caso em que y ∈ a e x ∈ B, ela resulta do caso anterior, por simetria.�

3.3 Espaços topológicos

Definição 3.26 Chama-se espaço topológico a um par (E,O) formado porum conjunto E e uma classe O de subconjuntos de E, dita uma topologiasobre E, que satisfaz as seguintes propriedades (axiomática O):

O1. E, ∅ ∈ OO2. Se (Ai)i∈I ∈ O, então

⋂i∈I Ai ∈ O (I finito)

O3. Se (Ai)i∈I ∈ O, então⋃i∈I Ai ∈ O (I finito ou infinito)

Os conjuntos da topologia O dizem-se abertos.

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3.3. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS 25

Definição 3.27 Diz-se que um espaço topológico (E, T ) satisfaz o primeiroaxioma de numerabilidade se verifica o axioma

C1. Para qualquer x ∈ E, existe uma base numerável {U1(x), U2(x), U3(x), ...}de vizinhanças de x.

Neste caso E diz-se um espaço numerável de primeira espécie ou umespaço C1.

Definição 3.28 Diz-se que um espaço topológico (E,T ) satisfaz o segundoaxioma de numerabilidade se verifica

C2. (E, T ) possui uma base numerável.Neste caso E diz-se um espaço numerável de primeira espécie ou um

espaço C2.

Proposição 3.4 Se (E, T ) verifica o segundo axioma de numerabilidade,então E possui um subconjunto numerável denso por toda a parte (dptp).�

Proposição 3.5 Um espaço C2 é também um espaço C1.

Demonstração: Se X é C2 então possui uma base B contável. Sendo Bpconstituído pelos conjuntos de B que contém o ponto p ∈ X. Bp é uma baselocal contável em p. Logo X é C1.�

Nota 3.5 A recíproca da proposição é falsa. Com efeito R munido da topolo-gia discreta não é C2 sendo porém C1.

Definição 3.29 Diz-se que um espaço topológico (E,T ) é separável se Epossui um subconjunto numerável denso por toda a parte.

Exemplo 3.9 R munido da topologia usual é separável pois possui um sub-conjunto numerável dptp, a saber, Q.

Lema 3.1 Seja S(p, ε) uma esfera aberta num espaço métrico X e d(p, a) <13ε. Tem-se então que, se 1

3ε < δ < 2

3ε então

p ∈ S(a, δ) ⊂ S(p, ε).

Demonstração: Ora d(p, a) < 13ε < δ portanto p∈ S(a, δ). Consequente-

mente basta mostrar que S(a, δ) ⊂ S(p, ε). Seja x ∈ S(a, δ). Então d(a, x) < δe, pela desigualdade triangular tem-se:

d(p, x) < d(p, a) + d(a, x) <1

3ε+

2

3ε = ε.

Logo x ∈ S(p, ε) ou seja, S(a, δ) ⊂ S(p, ε).�

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26 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Teorema 3.3 Todo o espaço métrico separável é um espaço contável de se-gunda espécie.

Demonstração: Como X é separável, X contém um subconjunto enu-merável denso por toda a parte A. Seja B a classe de todas as esferas abertascom centros em A e raios racionais, i.e., B = {S(a, δ) : a ∈ A, δ ∈ Q}. Note-se que B é contável. Afirmamos que B é uma base para a topologia em X ,i.e., para todo o aberto G ⊂ X e todo o p ∈ G,

∃a0 ∈ A : d(p, a0) <1

3ε.

Seja δ0 o número racional tal que 13ε < δ0 <

23ε. Então pelo lema precedente,

p ∈ S(a0, δ0) ⊂ S(p, ε) ⊂ G.

Mas S(a0, δ0) ∈ B e assim, B é uma base numerável para a topologia emX.�

Definição 3.30 Uma família de partes R = (Oi)i∈I de um conjunto E édita uma cobertura de E se E =

⋃i∈I Oi, ie, se todo o ponto de E pertence

a pelo menos um dos Oi.

Teorema 3.4 Seja A um subconjunto de um espaço C2, E. Então, toda acobertura de A e redutível a uma cobertura enumerável.�

Teorema 3.5 Seja E um espaço topológico C2. Então toda a base B para Ee possui uma sub-base contável para E.�

Definição 3.31 Um espaço topológico E é dito um espaço de Lindeloff, setoda a cobertura aberta de E possui uma sub-cobertura contável.

Nota 3.6 Pela definição, todo o C2 é de Lindeloff.

Definição 3.32 Diz-se que um espaço topológico (E, T ) é T1 se para cadapar de pontos distintos, x, y ∈ X, existem vizinhanças V (x) e V (y) ∈ T taisque x /∈ V (y) e y /∈ V (x).

Teorema 3.6 Um espaço topológico E é um espaço T1 sse todo o subconjuntosingular {x}, x ∈ E, é fechado.�

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3.3. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS 27

Definição 3.33 Um espaço topológico (E,O) diz-se separado, de Hausdorffou T2, se, quaisquer que sejam x, y distintos de E, existem dois abertos dis-juntos U e V de O, tais que x ∈ U e y ∈ V.

Teorema 3.7 Todo o espaço métrico é separado.

Demonstração: Sejam x e y dois pontos distintos do espaço métrico (E, d).Se se notar δ = d(x, y) > 0, U = B(x, δ/2) e V = B(y, δ/2), U e V são abertosdisjuntos: com efeito, sendo z ∈ U ∩ V, tem-se

δ = d(x, y) ≤ d(x, z) + d(y, z) < δ/2 + δ/2 = δ

o que é absurdo.�

Definição 3.34 Num espaço topológico (E,O), um ponto a diz-se isolado se{a} é um conjunto aberto, isto é {a} ∈ O.

Proposição 3.6 Um espaço topológico E é discreto sse todos os seus pontossão isolados. �

Proposição 3.7 Todo o espaço topológico discreto é separado. �

Proposição 3.8 Todo o espaço topológico que admite uma base de abertosenumerável, é de Hausdorff (no sentido em que contém um conjunto dptp).

Demonstração: Com efeito, seja (Wn) a base dada; e para todo n tal queWn = Φ, seja xn um ponto de Wn. O conjunto X dos xn é dptp em E;pois se W é um aberto não vazio qualquer de E, W é reunião de alguns Wn

não-vazios, portanto contém os xn correspondentes, isto é, (X ∩W ) não évazio. �

Definição 3.35 Um espaço regular que também satisfaz o axioma de sepa-ração T1 é dito um espaço T3.

Definição 3.36 Um espaço topológico (E,O) é dito normal se e só se sat-isfaz o seguinte axioma:

Nu. Se F1 e F2 são fechados disjuntos, de E, então existem abertosdisjuntos G e H tais que F1 ⊂ G e F2 ⊂ H.

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28 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Teorema 3.8 Um espaço topológico E é normal sse para todo o fechado Fe todo o aberto H contendo F , existe um aberto G tal que F ⊂ G ⊂ G ⊂ H.

Demonstração: [⇒] Seja F ⊂ H com F fechado e H aberto. Então Hc éfechado e F ∩Hc = ∅. Mas X é normal; logo existem abertos G,G∗ tais queF ⊂ G, Hc ⊂ G∗ e G ∩G∗ = ∅.

MasG ∩G∗ = ∅⇒ G ⊂ G∗c e Hc ⊂ G∗ ⇒ G∗c ⊂ H.

Além disso, G∗c é fechado; logo F ⊂ G ⊂ G ⊂ G∗c ⊂ H.[⇐] Sejam F1 e F2 fechados disjuntos. Então F1 ⊂ F c

2 e Fc2 é aberto. Por

hipótese existe um aberto G tal que F1 ⊂ G ⊂ G ⊂ F c2 .

Mas G ⊂ F c2 ⇒ F2 ⊂ G

ce G ⊂ G ⇒ G ∩ G

c= ∅. Além disso, G

aberto. Assim, F1 ⊂ G e F2 ⊂ Gcabertos disjuntos; logo X é normal.�

Exemplo 3.10 Todo o espaço métrico é normal, em virtude de todo o espaçométrico ser um espaço separado.

Definição 3.37 Um espaço normal que também satisfaz o axioma de sepa-ração T1 e dito um espaço T4.

Em resumo, tem-se a seguinte cadeia de inclusões de espaços:

métricos ⊂ T4 ⊂ T3 ⊂ T2 ⊂ T1 ⊂ topológicos

Definição 3.38 Se R = (Oi)i∈I é uma cobertura de A ⊂ E, chama-se sub-cobertura de R a uma subfamília S = (Oi)i∈J , com J ⊂ I, que é uma cober-tura de A.

Definição 3.39 Chama-se cobertura aberta de um espaço topológico (E,O)a toda a família de abertos de E que é uma cobertura de E.

Definição 3.40 Um espaço topológico (E,O) é dito compacto se for sepa-rado e se toda a cobertura aberta de E tiver uma subcobertura finita.

Teorema 3.9 Um espaço topológico separado é compacto sse toda a famíliade fechados não vazios, estável para a intersecção finita, possui uma inter-secção não vazia.

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3.3. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS 29

Demonstração: Se E é compacto, e se (Fi)i∈I é uma família de fechadosnão vazios estável para a intersecção finita e de intersecção vazia, a famíliados complementares Oi = E − Fi é uma cobertura aberta de E. Então deveexistir uma parte finita J de I tal que E =

⋃i∈J Oi, i.e.,

⋂i∈J Fi = ∅. Mas

se a família (Fi) é estável para a intersecção finita, existem j ∈ I tal queFj =

⋂i∈J Fi = ∅, o que contradiz a hipótese.

Inversamente, se E não é compacto, existe uma cobertura aberta (Oi)i∈I ,sem sub-cobertura finita. Se se definir, para toda a parte finita J de I,Fj = E − ⋃i∈J Oi, a família dos (Fj) é formada por fechados não vazios, éestável para a intersecção finita, e possui intersecção vazia.�

Teorema 3.10 Se E é um compacto e se F é um fechado de E, F é com-pacto.

Demonstração: Notemos em 1o lugar que F é separado: se x e y são doispontos distintos de F , existem duas vizinhanças abertas, disjuntas, U e V dex e y respectivamente, em E. Então U ∩F e V ∩ F, são vizinhanças abertasdisjuntas de x e y em F .

Se (Ai)i∈I é uma família de fechados não vazios de F , estável para aintersecção finita, cada Ai, intersecção de F com um fechado de E, é elepróprio fechado de E. E por compacidade de E, a família (Ai) deve terintersecção vazia, o que prova a compacidade de F .�

Exemplo 3.11 Em (R,U) o conjunto {(−1)n/n : n ∈ N} ∪ {0} é compactopois é um fechado em [−1, 1], que é compacto.

Teorema 3.11 Se E é um espaço topológico separado, e se o sub-espaço Xde E é compacto, X é um fechado de E.

Demonstração: Seja a um ponto de E\X. Quer-se demonstrar que existeuma vizinhança de a disjunta de X, para todo o x de X, x �= a. Existementão abertos disjuntos Ux e Vx contendo respectivamente a e x. Isso leva aque X ⊂ ⋃

x∈X Vx, portanto os (X ∩ Vx)x∈X formam uma cobertura de X.Deve então existir uma parte finita Y de X tal que

⋃x∈Y (X ∩ Vx) = X. Mas

então⋂x∈Y Ux, intersecção finita de abertos que contêm a, é uma vizinhança

aberta de a. E como

U ∩X ⊂⋃

x∈Y

(U ∩ Vx) ⊂⋃

x∈Y

(Ux ∩ Vx) = ∅,

U é a vizinhança procurada.�

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30 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Teorema 3.12 Se E é um compacto separado, K1 e K2 duas partes com-pactas de E, K1 ∪K2 é compacto.

Demonstração: Seja (Ui)i∈I uma cobertura aberta de K1 ∪K2 . Com osabertos Ui ∩ K1 de K1 cobrem o compacto K1, existe uma parte finita J1de I tal que K1 ⊂

⋃i∈J1

Ui. Do mesmo modo, existe uma parte finita J2 talK2 ⊂

⋃i∈J2

. Então J = J1 ∪ J2 é finito e K1 ∪K2 ⊂⋃i∈J Ui.�

Teorema 3.13 Seja E um espaço compacto e f uma sobrejecção contínuade E no espaço separado F . Então F é compacto.

Demonstração: Se (Oi)i∈I é uma cobertura aberta de F , e se se puserUi = f−1(Oi), os (Ui) são abertos em E e

i∈I

Ui =⋃

i∈I

f−1(Oi) = f−1(⋃

i∈I

Oi) =

= f−1(F ) = E

o que mostra que (Ui) é uma cobertura aberta de E. E se J é uma partefinita de I tal que E =

⋃i∈I Ui tem-se que

F = f(E) = f(⋃

i∈J

Ui =⋃

i∈J

f(Ui) =⋃

i∈J

Oi

o que mostra que os (Oi)i∈J é uma subcobertura finita de F .�

Definição 3.41 Uma família {Ai} de conjuntos diz-se ter a propriedade daintersecção finita se toda a sub-família finita {Ai1 , ..., Aim} tem intersecçãonão vazia, i.e.,

Ai1 ∩ ... ∩ Aim �= ∅

Exemplo 3.12 Seja A a seguinte família de intervalos abertos

A = {]0, 1[, ]0, 1/2[, ]0, 1/3[, ]0, 1/4[, ...}.

A tem a propriedade da intersecção finita, pois

]0, a1[∩]0, a2[∩]0, a3[∩...∩]0, am[=]0, b[,

onde b = min(a1, ..., am) > 0. Repare-se que, não obstante, A tem intersecçãovazia.

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3.3. ESPAÇOS TOPOLÓGICOS 31

Agora vai-se exprimir a compacidade em termos da propriedade de inter-secção finita:

Teorema 3.14 Um espaço topológico X é compacto sse toda a família {Fi}de subconjuntos fechados de X, que satisfaz a propriedade da intersecçãofinita, tem intersecção não vazia.

Definição 3.42 Num espaço topológico (X, T ), A ⊂ X é deconexo se exis-tem abertos G e H de X, tais que A ∩ G e A ∩ H são conjuntos disjuntosnão vazios, cuja união é A. Neste caso G ∪H diz-se uma desconexão de A.A ⊂ X é conexo se não for deconexo.

Definição 3.43 Um espaço topológico (X, T ) é conexo sse X é um conjuntoconexo.

Teorema 3.15 Seja A ⊂ (X, T ). Então A é conexo em relação a T (A éT -conexo) sse A é conexo em relação à topologia induzida TA.

Teorema 3.16 Um espaço topológico (X,T ) é conexo sse(i) X não é a união de dois abertos disjuntos não vaziosou, equivalentemente(ii) X e∅ são os únicos subconjuntos abertos e fechados simultaneamente.

Demonstração: Seja X um espaço topológico desconexo. Então existeuma desconexão de X, digamos G ∪H, e tem-se

X = (X ∩G) ∪ (X ∩H);

∅ = (X ∩G) ∩ (X ∩H).

Mas, como G,H ⊂ X, tem-se que X ∩ G = G e X ∩ H = H. Assim X édesconexo sse existirem abertos não vazios G e H tais que

X = G ∪H

eG ∩H = ∅.

�.

Teorema 3.17 Seja (R,U). A ⊂ R, contendo pelo menos dois pontos dis-tintos, é conexo sse A é um intervalo real.

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32 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Teorema 3.18 Seja f : X → R uma função real contínua definida num con-junto conexo X. Então f toma como valor cada número entre dois quaisquerdos seus valores.�

Corolário 3.2 Seja I = [0, 1], f : I → I. Então f tem um ponto fixo, i.e.,existe p ∈ I tal que f(p) = p.�

3.4 O conceito de sucessão

Definição 3.44 Seja a um inteiro natural. Designa-se por Na = {a, a+ 1, a+ 2, ...}de naturais maiores ou iguais a a. Chama-se sucessão de elementos de umconjunto A qualquer, a uma aplicação u de Na em A, onde u(n), a imagemde n, nota-se da seguinte forma: un. Chama-se sucessão numérica umaaplicação de Na num conjunto numérico, em particular no conjunto R.

O real un é um termo da sucessão; neste caso, é o termo de ordem n.O termo ua é o primeiro termo da sucessão.E u = (un)n≥a ou u = (un)n∈Na representa a sucessão u:

u = (un)n≥a = (ua, ua+1, ..., un, ...).

Nota 3.7 Quando a = 0 a sucessão pode ser representada das seguintesmaneiras: (un) = (un)n≥0.

Nota 3.8 Às vezes, quando precisamos da forma dos termos sucessivos, no-tamos a sucessão da seguinte forma:

(1

n

)

n≥1

=

(1,

1

2,1

3, . . . ,

1

n, . . .

)

Representa-se uma sucessão finita da seguinte forma:

(un)a≤n≥b = (ua, ua+1, ..., ub)

É importante saber determinar a posição dum termo. Por exemplo, ua+3é o quarto termo da sucessão (un)n≥a.

As sucessões são representadas, na maioria das vezes, por: u, v, w, ...

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3.4. O CONCEITO DE SUCESSÃO 33

Exemplo 3.13 A sucessão u definida por

un =1

n (n− 1)

pode ser representada das seguintes maneiras:

u =

(1

n (n− 1)

)

n≥2

=

(1

n (n− 1)

)=

(1

2;1

6;1

12; . . . ;

1

n (n− 1); . . .

)

v =

(1

n (n− 1)

)

n≥5

=

(1

20;1

30;1

42; . . . ;

1

n (n− 1); . . .

)

Como para qualquer função a definição de uma sucessão depende dodomínio, conjunto de chegada e do processo de transformar objectos em im-agens. Assim definir uma sucessão consiste em fornecer meios para calcularos seus termos. Uma das formas de definir uma sucessão é por recorrên-cia: conhecendo o(s) primeiro(s) termo(s), obtêm-se os seguintes à custa dosanteriores.

Exemplo 3.14 Seja a sucessão (vn)n≥1 . Para satisfazer a relação de recor-rência

vn = vn−1 +1

vn−2ter-se-á que conhecer v1 e v2 para definir a sucessão. Se v1 = v2 = 1 então:v3 = 2; v4 = 3; etc.

Entretanto, este processo nem sempre é possível.

Definição 3.45 Diz que sucessão u é crescente se e só se

∀n ∈ N, m ∈ N, n ≤ m⇒ un ≤ um

ou decrescente quando

∀n ∈ N, m ∈ N, n ≤ m⇒ un ≥ um

Definição 3.46 Uma sucessão é crescente, a partir do termo nb se e só se,para qualquer inteiro n ≥ nb, tem-se un+1 ≥ un.

Uma sucessão é decrescente, a partir de nb se e só se, para qualquer inteiron ≥ nb, tem-se un+1 ≤ un.

Uma sucessão é constante, a partir de nb se e só se, para qualquer inteiron ≥ nb, tem-se un+1 = un.

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34 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Definição 3.47 (sucessão monótona) Uma sucessão (un)n∈N diz-se monó-tona quando ela for crescente ou decrescente.

Definição 3.48 A sucessão (un)n∈N é constante quando, para qualquer n ∈N, un+1 = un.

Definição 3.49 Majorante de uma sucessão é um número maior ou igual atodos os termos da ssucessão. Se M for um majorante de (un), verifica-sesempre: un ≤M, ∀n ∈ N.

Definição 3.50 Minorante de uma sucessão é um número menor ou iguala todos os termos da ssucessão. Se m for um minorante de (un), verifica-sesempre: un ≥ m, ∀n ∈ N.

Definição 3.51 Uma sucessão diz-se limitada se tiver majorante e mino-rante.

Definição 3.52 Progressão aritmética é uma sucessão (un)n∈N em que , adiferença entre cada termo (a partir do segundo) e o seu precedente é iguala uma constante r chamada razão da progressão aritmética.

un+1 − un = r

O termo geral de uma progressão aritmética obtêm-se da seguinte forma

un = u1 + r (n− 1) ,

se for conhecido o primeiro termo e a razão.A soma dos primeiros termos é igual a média do primeiro com o último,

a multiplicar pelo número de termos.

Sn =u1 + un

2× n

Definição 3.53 Progressão geométrica é uma sucessão (un)n∈N em que , adivisão entre cada termo (a partir do segundo) e o seu precedente é igual auma constante r chamada razão da progressão geométrica.

un+1un

= r

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3.5. MEDIDA 35

O termo geral de uma progressão geométrica obtêm-se da seguinte forma

un = u1.rn−1,

se for conhecido o primeiro termo e a razão.A soma dos primeiros termos é igual a média do primeiro com o último,

a multiplicar pelo número de termos.

Sn = u1 ×1− rn

1− r.

Nota 3.9 No caso de uma progressão geométrica infinita (un)n∈N de razãor, − 1 < r < 1 representa-se por

S∞ = u1 + u2 + · · ·+ un + · · ·

o limitelimn→∞

u1 ×1− rn

1− r

3.5 Medida

3.5.1 O conceito geral de medida

Definição 3.54 Uma classe F de subconjuntos de um conjunto X é chamadauma álgebra-σ em X se:

(1) ∅, X ∈ F.(2) se A ∈ F , então X \ A ∈ F .(3) se A1, A2, ..., An ∈ F , então

⋃i∈NAi ∈ F .

Definição 3.55 Seja A ⊆ S. A é conjunto de Borel se A ∈ álgebra-σ em Sgerados pelos conjuntos abertos.

Definição 3.56 Seja X um conjunto, e seja F uma álgebra-σ de subconjun-tos de X. Uma medida em F é uma função M : F −→ [0,∞[, tal que:

(1) M(∅) = 0.(2) Se An ∈ F é uma sucessão separada de conjuntos, então

M

(⋃

n∈N

An

)=

∞∑

n=1

M (An) (aditividade finita).

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36 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Definição 3.57 Seja X um conjunto, uma medida exterior em X é umafunção M definida em todos os subconjuntos de X com valores estendidos nointervalo [0,∞[, satisfazendo.

(1) M (∅) = 0.(2) Se A ⊂ B, então M (A) ≤ M (B).

(3) M

(⋃

n∈N

An

)≤

∞∑

n=1

M (An) (sub-aditividade finita)

Teorema 3.19 Existe uma única medida exterior M em X, tal que:(1) M (A) ≤ C (A) , ∀A ∈ A(2) SeN é qualquer medida exterior em X comN (A) ≤ C (A) , ∀A ∈ A,

então N (B) ≤M (B) , ∀B ⊆ X.

3.5.2 Medida de Hausdorff

Definição 3.58 Seja {Ai} uma colecção contável (ou finita) de conjunto de

diâmetro máximo ε que “cobrem” A, ou seja: Ai ⊂ A, tal que A =∞⋃

i=1

Ai com

0 ≤ |Ai| ≤ ε cada i, diz-se que {Ai} é uma cobertura-ε de A.

Exemplo 3.15 Usando a nomenclatura acima pode-se dizer que os conjun-tos Ni do exemplo 5.6 são uma cobertura- ε = 1 do triângulo de Sierpinski.

Definição 3.59 Seja p um número não negativo. Para algum ε > 0 definimos

Hpε (A) = inf

∞∑

i=1

|Ai|p

onde Ai é uma cobertura-ε de A para i = 1, 2, 3... e o ínfimo é considerandosobre todas as coberturas possíveis de A. Usa-se a convenção:

|Ai|0 = (diam (Ai))0 = 0

quando Ai for vazio.

Ainda para os conjuntos Ni do exemplo 5.6, seus diâmetros e as somasde seus diâmetros para a cobertura-ε do triângulo de Sierpinski serão:

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3.5. MEDIDA 37

n = 1, N1 = A1, |A1| = 1 =1

2n−1, e só uma parte = 3n−1 cobreA;

n = 2, N2 = A2, |A2| = 1/2 =1

2n−1, e 3 = 3n−1 partes cobrem A;

n = 3, N3 = A3, |A3| = 1/4 =1

2n−1, e 9 = 3n−1 partes cobrem A;

n = 4, N4 = A4, |A4| = 1/8 =1

2n−1, e 27 = 3n−1 partes cobrem A;

ou seja o somatório terá sempre: 3n−1 ×(

12n−1

)pou seja depende de n = i e

da potência p.Assim estuda-se todas as coberturas de A por conjuntos de diâmetros

máximo ε e procura-se minimizar a soma das potências p dos diâmetros,Hpε(A) é um número que pode variar entre [0,+∞], seu valor pode ser zero,

finito ou infinito.Quando ε decresce, a classe de coberturas possíveis de A na equação

anterior se reduz. Portanto, o ínfimo de Hpε(A) aumenta, e se aproxima de

um limite quando ε −→ 0.Para chegar a medida de Hausdorff de dimensão p, de A faz-se ε −→ 0 e

define-se:

Definição 3.60

Hp(A) = limε−→0

Hpε(A) = sup {Hp

ε(A) : ε > 0}

Então para cada p ∈ [0,∞] tem-se Hp(A) ∈ [0,+∞]. Se este limite existepara algum subconjunto A, (mesmo que seja 0 ou +∞ , o que ocorre geral-mente) então chama-se Hp(A) de medida de Hausdorff p-dimensional de A.

Exemplo 3.16 Considerando o exemplo de A = Triângulo de Sierpinski queestamos desenvolvendo, observa-se que:

H0(A) = limε−→0

H0ε = lim

n−→+∞3n−1 ×

(1

2n−1

)0=

H1(A) = limε−→0

H1ε = lim

n−→+∞3n−1 ×

(1

2n−1

)1= +∞

H2(A) = limε−→0

H2ε = lim

n−→+∞3n−1 ×

(1

2n−1

)2= 0

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38 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

Exemplo 3.17 Se A for o conjunto de 3 pontos distintos do (R2, dE), entãoH0(A) = 3 e Hp(A) = 0 para p > 0.

Nota 3.10 A medida de Hausdorff p-dimensional de A, Hp(A), se com-porta de maneira típica. Seus valores possíveis consistem de um, dois ou trêsnúmeros: zero, um valor finito, ou infinito.

Proposição 3.9 Seja S uma transformação de semelhança de factor de es-cala λ > 0. Se A ⊂ Rn, então

Hp(S (A)) = λpHp(A)

Demonstração: Se {Ai} é uma cobertura-ε de A então {S(Ai)} é umacobertura-λε de S(A), assim

∑|S(Ai)|p = λp

∑|Ai|p

assim

Hpλε(S (A)) ≤ λpHp

λ(A)

tomando o ínfimo. Fazendo ε −→ 0 tem-se que Hp(S (A)) ≤ λpHp(A).Substituindo S por S−1, λ por 1

λ,e A por S(A) tem-se a desigualdade oposta

requerida.

Proposição 3.10 Sejam A ⊂ Rn e f : A −→ Rm uma transformação talque

|f(x)− f(y)| ≤ c|x− y|α (x, y ∈ A)

para constantes c > 0 e α > 0. Então para cada p

Hp/α(f (A)) ≤ cp/αHp(A)

Demonstração: Se {Ai} é uma cobertura-ε de A então, desde

|f(A ∩Ai)| ≤ c|A ∩ Ai|α ≤ c |Ai|α ,

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3.5. MEDIDA 39

segue que {f(A ∩ Ai)} é uma cobertura-δ de f(A), onde δ = cεα. Assim

i

|f(A ∩ Ai)|p/α ≤ cp/α∑

i

|Ai|p ,

de forma queHp/αδ (f (A)) ≤ cp/αHp

δ(A). Como ε −→ 0, assim δ −→ 0, dando

Hp/α(f (A)) ≤ cp/αHp(A).

A Condição |f(x)− f(y)| ≤ c|x− y|α (x, y ∈ A) é conhecida como umacondição de Holder de expoente α; tal condição implica que f é contínua.Particularmente importante é o caso α = 1, isto é:

|f(x)− f(y)| ≤ c|x− y| (x, y ∈ A)

quando f é chamada uma transformação de Lipschitz , e

Hp(f (A)) ≤ cpHp(A).

Em particular Hp(f (A)) ≤ cpHp(A) é verdadeira para qualquer funçãodiferenciável com derivada limitada; tal função é necessariamente Lipschitziana2

como consequência do teorema do valor médio. Se f é uma isometria, istoé, |f(x) − f(y)| = |x − y|, então Hp(f (A)) = Hp(A). Assim, as medidasde Hausdorff são invariantes por translação (isto é: Hp(A + z) = Hp(A),onde A+ z = {x + z : x ∈ A}), e invariantes por rotação, como certamenteseria de esperar.

2Recorde-se que uma função f : A→ B é k-Lipschitziana se existir k �= 0 tal que

∀x, y ∈ A, |f(x)− f(y)| = k |x− y|

e k diz-se a constante de Lipschitz.

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40 CAPÍTULO 3. FUNDAMENTOS MATEMÁTICOS

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CAPÍTULO 4

O espaço dos fractais: (H(X), h)

Neste capítulo vamos caracterizar os espaços onde vivem os fractais. Começarãopor ser espaços métricos, munidos da chamada distância de Hausdorff. Al-gumas propriedades adicionais serão necessárias. Comecemos por introduzira

Definição 4.1 Seja (X, d) um espaço métrico completo, e

h(A,B) = max {d(A,B), d(B,A)} .

h(A,B) é a distância de Hansdorff em (X, d).

Nota 4.1 A métrica de Hausdorff h é definida à custa da métrica d doespaço (X, d). Tem-se então h = h(d), mas só escreveremos h.

Proposição 4.1 A distância de Hausdorff é uma métrica em H(X).

Demonstração: Seja (X, d) um espaço métrico completo e A,B ∈ H(X).a) h(A,B) = h(B,A), ∀ A,B ∈ H(A), por definição, pois

h(A,B) = max {d(A,B), d(B,A)} = max {d(B,A), d(A,B)} = h(B,A)

b) h(A,B) ≥ 0 pois d(A,B), d(B,A) ≥ 0 por ser d uma métrica.c) h(A,A) = 0 pois

d(A,A) = max {d(a,A), a ∈ A} = max {min {d(a, a), a ∈ A}} = 0

já que d(a, a) = 0

41

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42 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO DOS FRACTAIS: (H(X), H)

d) Provemos que h(A,B) ≤ d(A,C) + d(C,B), ∀A,B,C ∈ H(X)Com efeito, por serem A,B,C compactos não vazios tem-se que

∃a ∈ A,∃b ∈ B : d(A,B) = d(a, b)

∃a′ ∈ A,∃c ∈ C : d(A,C) = d(a′, c)

∃b′ ∈ A,∃c′′ ∈ B : d(C,B) = d(c′, b′)

Sabemos que d(a′, c) = d(A,C) ≥ d(x, C),∀x ∈ AEm particular, d(A,C) ≥ d(a, C)Seja C ′′ ∈ C : d(a, C) ≥ d(a, c′′) = min {d(a, z) : z ∈ C})Analogamente:

d(c′, b′) = d(C,B) ≥ d(z,B), ∀z ∈ C.

Em particular d(C,B) ≥ d(c′′, B).Seja b′′ ∈ B : d(c′′, B) = d(c′′, b′′) = min {d(c′′, y) : ∀y ∈ B} .Então tem-se d(A,C) + d(C,B) ≥ d(a, C) + d(c′′, B) =d(a, c′′) + d(c′′, b′′) ≥ d(a, b′′) ≥ min {d(a, y) : ∀y ∈ B} == d(a, b) = d(A,B), donde

d(A,B) ≤ d(A,C) + d(C,B), ∀A,B,C ∈ H(X).

De forma análoga se prova que

d(B,A) ≤ d(B,C) + d(C,A), ∀A,B,C ∈ H(X).

Então

h(A,B) = max {d(A,B), d(B,A)} ≤≤ max {d(A,C) + d(C,B), d(B,C) + d(C,A)} ≤≤ max {d(A,C), d(C,B)}+max {d(B,C), d(C,B)} == h(A,C) + h(C,B)

donde

h(A,B) ≤ h(A,C) + h(C,B),∀A,B,C ∈ H(X)

donde a distância de Hausdorff é de facto uma métrica.�

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43

Definição 4.2 Seja (X, d) um espaço métrico completo. (H(X), h) será oespaço cujos pontos são os subconjuntos compactos não vazios de X, munidoda métrica h. Chamaremos a (H(X), h), ou mais simplesmente H(X), oespaço fractal sobre X.

H(X) é fechado para a união finita dos seus pontos, por definição decompacidade; ao contrário, não o é para a intersecção e a união infinita.

A forma que temos, neste momento, de evitar a dificuldade devida àinexistência de uma definição geral de fractal na literatura, é considerar quequalquer subconjunto H de é um fractal. Face aos exemplos conhecidos, adefinição é “boa demais”: todos os fractais intuitivos satisfazem-na. Mastambém alguns objectos geométricos não fractais.

Definição 4.3 Seja S ⊂ X e Γ ≥ 0.Então

S + Γ = {y ∈ X : d(x, y) ≤ Γ, para algum x ∈ S} .

S + Γ é chamada a dilatação de X para uma bola de raio Γ.

Definição 4.4 Seja S ⊂ X. Dizemos que S é um totalmente limitado se∀ε > 0, existe um conjunto finito de pontos {y1, y2, . . . , yn} ⊂ S tal que∀x ∈ X, ∃yi : d (x, yi) < ε.

Ao conjunto {y1, y2, . . . , yn} chamamos rede-ε.

Lema 4.1 Seja A,B ∈ H(X), em que (X, d) é um espaço métrico e sejaε > 0. Então, h(A,B) ≤ ε⇔ A ⊂ B + ε ∧ B ⊂ A+ ε.

Podemos agora prosseguir no sentido de provar que os H(X) são espaçosmétricos completos, a partir das sucessões de Cauchy.

Seja [An : n = 1, 2, ...] uma sequência de Cauchy de conjuntos em (H(X), h).Ou seja, dado ε > 0, existe N tal que n,m ≥ N implica An − ε ⊃ Am eAm + ε ⊃ An.

Exemplificamos com a figura 4.1, ilustrando a convergência de uma se-quência de Cauchy do conjunto [An] no espaço H(R2) convergindo para aimagem de um feto.

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44 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO DOS FRACTAIS: (H(X), H)

Lema 4.2 (de Extensão) Seja (X, d) um espaço métrico e [An : n = 1, 2, ...,+∞]uma sucessão de Cauchy de pontos em (H(X), h). Seja

{nπj}uma sequência

infinita de inteiros 0 < n1 < n2 < ... . Suponhamos que temos a subsequên-cia de Cauchy Xn ∈ An em (X, d). Então existe uma sequência de CauchyXn ∈ An tal que Xn := Xn para todos os j.

Teorema 4.1 (da completude do espaço dos fractais) Seja (X, d) um espaçométrico completo. Então (H(X), h) é também um espaço métrico completo.

Para além disso, se {An ∈ (X)}∞n=1 é uma sucessão de Cauchy, entãoA = limn→+∞ An ∈ H(X) é caracterizado por A = {x ∈ X : existe umasucessão de Cauchy {xn ∈ An} convergente para X}.

A Demonstração (Barsnley, 1993) procede pelas seguintes etapas:(a) A �= ∅ (A diferente do vazio)(b) A é fechado, logo completo, pois X é completo(c) ∀ ε > 0, ∃N : ∀ n ≥ N , A ⊂ An + ε(d) A é totalmente limitado, logo, por (b), é compacto;(e) limAn = A ,isto é, h(An, Am) ≤ ε.�

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45

Algumas das propriedades de X prolongam-se em H.Foi visto acima que H é completo. É também compacto (Barnsley, 1993,

ex. 7.6, pag. 429).Enunciamos a seguir a sequência de resultados que levam a provar que

H(X) é conexo por arcos: as demonstrações encontram-se em Barnsley(1993).

Teorema 4.2 A função f : →H dada por f(x) = (x) é contínua.

Teorema 4.3 As funções fx : [0, 1] → H dadas por fx(a) = [x, x + a],0 ≤ a < 1 são contínuas, o que significa haver um arco em H dum intervalopara um dos seus extremos.

Teorema 4.4 Se A é um subconjunto compacto de R, então a função fA :[0, b]→H dada por fA(a) =

⋃[x, x+ a] de forma que x ∈ A é contínua.

Teorema 4.5 Se A é um subconjunto compacto de R então [x, x+b] (x ∈ A)é um intervalo para b, suficientemente grande.

Teorema 4.6 Se A e B são compactos em R existe um arco em H que osconecta.

É também verdade, o que prova a conexão por arcos em H(R).Mas é mais complicado provar que se X é conexo, H(X) também o é.Completo, compacto, conexo por arcos, serão as características do es-

paço (H(X), h) que vão permitir o tratamento analítico necessário à efectivaconstrução dos fractais.

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46 CAPÍTULO 4. O ESPAÇO DOS FRACTAIS: (H(X), H)

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CAPÍTULO 5

Dimensão

Neste capítulo vamos passar em revista uma introdução à teoria da dimen-são, iniciando com a topológica (inteira, por definição) e terminando com asdimensões fraccionárias.

5.1 Dimensão topológica

Definição 5.1 Seja X um espaço topológico normal. Se toda a coberturafinita de X possui uma subcobertura aberta de ordem n + 1, isto é se paraquaisquer conjuntos abertos Gi, i = 1...s, tal que X = G1 ∪ ... ∪Gs existemconjuntos abertos Hi, i = 1...s, tais que Hi ⊂ Gi , X = H1 ∪ ... ∪ Hs equaisquer n+2 dos Hi não têm pontos comuns, então escreve-se dim X ≤ n.Se dim X ≤ n e dimX ≤ n − 1 for falso, então diz-se que dim X = n, é adimensão de cobertura, de Lebesgue ou topológica de X.

Outras definições são dadas indutivamente:

Definição 5.2 Define-se Ind X = −1 se X = ∅.Se para todo o par formado por um conjunto fechado F e um conjunto

aberto G, F ⊂ G ⊂ X existe um conjunto aberto V tal que F ⊂ V ⊂ G eInd(V −V ) ≤ n− 1 define-se Ind X ≤ n. X tem grande dimensão indutivan se Ind X ≤ n e não for Ind X ≤ n− 1

Põe-se ind ∅ = −1 e para cada ponto p de X e cada vizinhança G dep, suponha-se que existe uma vizinhança aberta V tal que p ∈ V ⊂ G eind(V − V ) = n − 1. Define-se então ind X como acima. ind X diz-se apequena dimensão indutiva de X.

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48 CAPÍTULO 5. DIMENSÃO

Definição 5.3 Se não existe n tal que dim X ≤ n então a dimensão de Xdiz-se infinita.

Nos espaços métricos, não necessariamente normais, verificam-se algunsresultados suplementares:

Proposição 5.1 Sejam X e Y espaços métricos. Então tem-se(i) dim X = Ind X(ii) Se X ⊂ Y então dim X ≤ dimY(iii) Se X é uma união enumerável de conjuntos Fi então

dim X = max(dim Fi)

(iv) dim(X ∪ Y ) ≤ dimX + dimY + 1

(v) Se dim X = n então X é a união de n+ 1 conjuntos de dimensão 0

dim(X × Y ) ≤ dimX + dimY,X �= ∅

Em Rn, espaço euclidiano, a dimensão topológica dos conjuntos é exac-tamente igual à intuitiva.

5.2 Dimensões fraccionárias

Nesta secção introduziremos duas medidas, que coincidirão frequentemente,de como os fractais ocupam o espaço.

5.2.1 Dimensão de Hausdorff

Definição e propriedades

Das diversas “dimensões fractais” usuais, a de Hausdorff é a mais antigae possivelmente a mais importante. Para entender a geometria fractal seuentendimento é essencial. Uma vantagem desta dimensão é que é definidapara qualquer conjunto. A maior desvantagem é ser sofisticada, e em muitoscasos, de difícil estimativa por métodos numéricos. É mais difícil de serutilizada que as anteriores e geralmente não usada para procedimentos ex-perimentais. Alguns autores se referem a esta dimensão como dimensão deHausdorff-Besicovitch.

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5.2. DIMENSÕES FRACCIONÁRIAS 49

Neste desenvolvimento trabalharemos com o espaço métrico (Rn, dE),onde n é um inteiro positivo, embora o que se dirá seja válido em espaçosmétricos genéricos e dE é a métrica euclidiana.

Sendo assim, só nos interessa as medidas em subconjuntos de Rn.

Considerando a equação Hpε (A) = inf

∞∑

i=1

|Ai|p (referida na secção medidade Hausdorff no capítulo 3) é claro que para qualquer conjunto A ⊂ Rn eε < 1, Hp

ε (A) é não crescente com p, assim por Hp(A) = limε−→0

Hpε(A),

Hp(A) também é não crescente. Deste modo, podemos ainda dizer que: set > s e {Ai} é uma cobertura-ε de A temos

i

|Ai|t ≤∑

i

|Ai|t−p |Ai|p ≤ εt−p∑

i

|Ai|p

assim, tomando o ínfimo, Htε(A) ≤ εt−pHp

ε(A). Fazendo ε −→ 0 vemos que seHp(A) < +∞ entãoHt(A) = 0 para t > p. Assim um gráfico deHp(A) versusp (figura seguinte) mostra que há um valor crítico de p a qual Hp(A) "salta"de +∞ para 0. Este valor crítico é chamado dimensão de Hausdorff deA, e escreve-se dimHA ou DHA; é definido para qualquer conjunto A ⊂ Rn.Formalmente

DHA = inf{p ≥ 0 : Hp(A) = 0} = sup{s : Hp(A) = +∞}

(tomando o supremo do conjunto vazio ser 0), de forma que

Hp(A) ={+∞ se 0 ≤ p < DHA0 se p > DHA

se p = DHA,

entãoHp(A) pode ser zero ou infinito, ou pode satisfazer 0 < Hp(A) < +∞

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50 CAPÍTULO 5. DIMENSÃO

Gráfico de Hp(A) versus p para um conjunto A. A dimensão de Hausdorff éo valor de p a qual o salto de ∞ para 0 ocorre.

Para entender a dimensão de Hausdorff consideremos uma linha de com-primento L e outra de comprimento u, de modo que L > u. Sobrepondoa linha u sobre a linha L até cobri-la completamente, encontra-se um valorN = L/u, que nada mais é do que uma medida da linha. Do mesmo modoque foi feito para a linha, pode-se medir um quadrado de lado L cobrindo-ocom pequenos quadrados de lado u, obtendo-se a mesma relação N = (L/u)2.

Esse processo leva a uma relação do tipo N = (L/u)D ou, se aplicandologaritmo de ambos os lados,

D =ln(N)

ln(Lu

)

ondeD é a dimensão fraccionária de Hausdorff do objecto analisado. Para umobjecto uniforme1 e compacto, D é um inteiro igual à dimensão topológica.Mas, para um fractal, tem-se que D é um número fraccionário.

Dimensão de Hausdorff satisfaz as propriedades seguintes (o que é de seesperar de qualquer definição razoável de dimensão).

Monotonia: Se E ⊂ F então DHE ≤ DHF .Demonstração: Imediato a partir da propriedade de medida queHp(E) ≤

Hp(F ) para cada p.

1Refere-se ao objecto geométrico clássico.

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5.2. DIMENSÕES FRACCIONÁRIAS 51

Estabilidade de Contáveis: Se A1, A2... são sucessões contáveis de

conjuntos então DH

∞⋃

i=1

Ai = sup1≤ i<+∞

{DHAi}.

Demonstração: Com efeito,DH

∞⋃

i=1

Ai ≥ DHAj para cada j da propriedade

da monotonia. Por outro lado, se p > DHAi para todo o i, entãoHp(Ai) = 0,

de forma que Hp

(+∞⋃

i=1

Ai

)= 0, dando a desigualdade oposta.

Conjuntos contáveis : Se A é contável então DHA = 0.Demonstração: De facto se Ai é um único ponto, H0(Ai) = 1 eDHAi = 0,

assim através da estabilidade de contável DH

∞⋃

i=1

Ai = 0.

Conjuntos abertos: Se A ⊂ Rn2 é aberto, então DHA = n.Demonstração: Para A, desde que contenha uma bola de volume n-

dimensional positivo, DHA ≥ n, mas desde que A está contido em muitasbolas contáveis, DHA ≤ n usando estabilidade de contáveis e monotonia.

Conjuntos lisos: Se A é uma superfície lisa (isto é continuamente difer-enciável) m-dimensional de Rn então DHA = m. Em particular curvas lisastêm dimensão 1 e superfícies lisas têm dimensão 2.

Proposição 5.2 Seja A ⊂ Rn e suponha que f : A −→ Rm satisfaz umacondição de Holder,

|f(x)− f(y)| ≤ c|x− y|α (x, y ∈ A).

Então DHf(A) ≤ (1/α)DHA.

Demonstração: Se p > DHA então através de Proposição 3.10

Hp/α(f (A)) ≤ cp/αHp(A) = 0

, implica que DHf(A) ≤ p/α para todo o p > DHA.�

Corolário 5.1 (a) Se f : A −→ Rm é uma transformação Lipschitzianaentão DHf(A) ≤ DHA.

(b) Se f : A −→ Rm é uma transformação bi-Lipschitziana, i.e.

c1|x− y| ≤ |f(x)− f(y)| ≤ c2|x− y| (x, y ∈ A)

onde 0 < c1 ≤ c2 < +∞, então DHf(A) = DHA.

2E A �⊂ Rn−1

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52 CAPÍTULO 5. DIMENSÃO

Demonstração: Parte (a) segue de Proposição 5.2 tomando α = 1. Apli-cando isto a f−1: f(A) −→ A dá a outra desigualdade requerida para (b).�

Este corolário revela uma propriedade fundamental de dimensão de Haus-dorff: a dimensão de Hausdorff é invariante sob transformações bi-Lipschitzianas.Assim se dois conjuntos têm dimensões diferentes não pode existir uma trans-formação bi-Lipschitziana de um sobre o outro. Isto é rememorativo dasituação em topologia onde há vários "invariantes" (tal como homotopia ouhomologia de grupos): se os invariantes topológicos de dois conjuntos diferementre si então não pode existir um homeomorfismo entre esses conjuntos.

Na topologia são considerados dois conjuntos como ‘o mesmo ’ se houverum homeomorfismo entre eles. Uma aproximação para geometria fractal éconsiderar dois conjuntos como ‘o mesmo ’ se há uma transformação bi-Lipschitziana entre eles. Da mesma maneira que invariantes topológicos sãousados para distinguir entre conjuntos não homeomorfos, podemos buscarparâmetros, inclusive dimensão, para distinguir entre conjuntos que são nãobi-Lipschitzianos.

Em geral, a dimensão de um conjunto diz-nos pouco sobre suas pro-priedades topológicas. Porém, qualquer conjunto de dimensão menor que 1é necessariamente tão disperso que pode ser totalmente desconexo; Isto é,quaisquer dois dos seus pontos não ficam na mesma componente conexa.

Proposição 5.3 Um conjunto A ⊂ Rn com DHA < 1 é totalmente de-sconexo.

Demonstração: Sejam x e y pontos distintos de A. Definimos uma trans-formação f : Rn −→ [0, 8[ para f(z) = |z − x|. Desde que f não aumentedistâncias, como

|f(z)− f(w)| = |z − x| − |w − x| ≤ |(z − x)− (w − x)| = |z − w|,

temos do Corolário 5.1(a) que DHf(A) ≤ DHA < 1. Assim f(A) é umsubconjunto de de medida- H1ou comprimento zero, e assim tem um com-plemento denso. Escolhendo r /∈ f(A) e 0 < r < f(y) segue que:

A = {z ∈ A : |z − x| < r} ∪ {z ∈ A : |z − x| > r}.Assim A está contido em dois conjuntos abertos separados com x num

conjunto e y no outro, de forma que x e y fiquem em componentes conexasdiferentes de A.�

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5.2. DIMENSÕES FRACCIONÁRIAS 53

Cálculo da dimensão de Hausdorff

Esta subsecção indica como calcular a dimensão de Hausdorff de alguns frac-tais simples tais como alguns dos mencionados no capítulo 2. É importantenotar que a maioria dos cálculos da dimensão envolvem uma estimativa supe-rior e uma estimativa inferior, que no limite são certamente iguais. Cada umadestas estimativas normalmente envolve uma observação geométrica seguidapor um cálculo.

Exemplo 5.1 Seja F o do conjunto de Cantor do terço médio (veja figura2.1). Se s = log2

log3= 0.6309... então dimHF = s e 1

2≤ Hp(F ) ≤ 1.

Cálculo heurístico: O conjunto F de Cantor divide-se numa parte es-querda FE = F ∩

[0, 1

3

]e numa parte direita FD = F ∩

[23, 1]. É Claro

que ambas as partes são geometricamente semelhantes a F , mas escaladaspor uma razão 1/3, e F = FE ∪ FD com esta união separada. Assim paraqualquer p

Hp(F ) = Hp(FE) +Hp(FD) = (1

3)pHp(F ) + (

1

3)pHp(F )

pela proposição de escalonamento 3.9 de medidas de Hausdorff. Assumindoque ao valor crítico p = dimHF temos 0 < Hp(F ) < +∞ (uma grandesuposição, mas que pode ser justificada) podemos dividir por Hp(F ) para ter1 = 2(1

3)p ou p = log2

log3.

Cálculo rigoroso: Chamamos os intervalos que compõem os conjuntosEk na construção de intervalos de nível k de F . Assim Ek consiste em 2k

intervalos de nível k cada um de comprimento 3−k.Tomando os intervalos de Ek como uma cobertura-3−k de F temos que

Hp3−k

(F ) ≤ 2k3−kp = 1 se p = log2log3. Deixando k → +∞ tem-se Hp(F ) ≤ 1.

Para provar que Hp(F ) ≥ 12mostremos que

∑|Ui|p ≥

1

2= 3−p

para qualquer cobertura {Ui} de F . Claramente, isso é o suficiente paraassumir que os {Ui} são intervalos, e ampliando-os ligeiramente e usando adensidade de F , precisamos apenas verificar

∑ |Ui|p ≥ 12= 3−p se {Ui} é

uma colecção finita de subintervalos fechados de [0, 1]. Para cada Ui, seja kum inteiro tal que

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54 CAPÍTULO 5. DIMENSÃO

3−(k+1) ≤ |Ui| < 3−k.

Então Ui pode intersectar no máximo um intervalo de nível k dado quea separação destes intervalos de nível k são pelo menos 3−k. Se j ≥ k então,pela construção, Ui intersecta no máximo 2j−k = 2j3−pk ≤ 2j3p|Ui|p intervalosde nível jde Ej, usando 3−(k+1) ≤ |Ui| < 3−k. Se escolhermos j suficiente-mente grande de forma que 3−(j+1) ≤ |Ui| para todo o Ui então, como os {Ui}intersectam todos os 2j intervalos básicos de comprimento 3−j, contando in-tervalos tem-se 2j ≤∑i 2

j3p|Ui|p que reduz a∑ |Ui|p ≥ 1

2= 3−p.�

O cálculo pode ser adaptado para mostrar que Hp(F ) = 1.

Exemplo 5.2 Seja F a poeira de Cantor, construída a partir do quadradounitário: em cada passo da construção os quadrados são divididos em 16quadrados com lado igual a um quarto do comprimento do lado do quadradoda fase anterior, donde se retiram alguns quadrados, mantendo-se sempre omesmo padrão, como na figura abaixo, por exemplo:

Construção da poeira de Cantor (dimH F = dimB F = 1)

Tem-se então1 ≤ H1(F ) ≤

√2

pelo que dimH F = 1. Para os cálculos, observe-se que Ek, a k-ésima faseda construção, consiste de 4k quadrados de lado 4−k e portanto de diâmetro

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5.2. DIMENSÕES FRACCIONÁRIAS 55

4−k√2. Tomando os quadrados de Ek como uma cobertura-δ, com δ = 4−k

√2,

temos uma estimativaH1δ(F ) ≤ 4k4−k

√2

para o ínfimo em Hpε (A) = inf

∞∑

i=1

|Ai|p , da definição 3.59. Quando k → +∞,

δ → 0, ficandoH1(F ) ≤√2. Para a estimativa inferior, notemos proj a

projecção ortogonal sobre o eixo dos xde F . Essa projecção não aumenta asdistâncias i.e.,

|projx− projy| ≤ |x− y| ,∀x, y ∈ R2

pelo que proj é uma aplicação lipschitziana. Então, por construção de F ,tem-se

projF = [0, 1] ,

pelo que fica

1 = diam [0, 1] = H1([0, 1]) = H1(projF ) ≤ H1(F ).

Já está se tornando evidente que o cálculo de medidas e dimensões deHausdorff podem ser complexas, até mesmo para conjuntos simples. Nor-malmente é a menor estimativa que é difícil obter.

5.2.2 Dimensão fractal

Generalidades

O facto de a dimensão fractal ser um valor fraccionário se deve a ela repre-sentar o nível de ocupação do espaço pela forma e não o espaço em si ondea forma está inserida. Sendo assim, quanto maior a irregularidade de umaforma, maior é a sua dimensão fractal. Essa característica da dimensão frac-tal a torna uma ferramenta muito útil para a comparação de duas formasfractais.

Um exemplo muito prático para determinar a dimensão de um fractal éo seguinte: se considerar um pedaço de papel de alumínio novo; qual é adimensão? Tem comprimento e largura, assim é bidimensional. Se amaçar opapel transformando-o numa bola; qual é a dimensão da bola ? É uma esferaque tem três dimensões. Desembrulhando a bola, que dimensão se tornou?.A resposta está em algum lugar entre dois e três. Vejamos a figura seguinte.

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56 CAPÍTULO 5. DIMENSÃO

Formas de medir a dimensão fractal

Seja (X, d) um espaço métrico completo, e um conjunto A ∈ H(X) não vazio.Se ε > 0 então B(x, ε) será a bola fechada de raio ε centrada em x (comodefinido no capítulo 3). Vamos chamar N (A, ε) o menor número de bo-las fechadas de raio ε necessárias para cobrir A. O conjunto A terá “in-tuitivamente” uma dimensão D se N (A, ε) ∼= C−D para algum C positivo.Resolvendo em D temos:

D ∼= lnN (A, ε) − lnC

ln (1/ ε)

Note-se que lnC/ ln(1/ε) se aproxima de zero quando ε −→ 0.Para exemplificar, vejamos como calcular N (A, ε) para o triângulo de

Sierpinski. O número de bolas necessárias para cobrir o triângulo de Sierpin-ski, depende do raio das bolas:

ε = x1, N (A, ε) = 1ε = x2, N (A, ε) = 2ε = x3, N (A, ε) = 3

Definição 5.4 Se D = limε→0

lnN(A,ε)ln(1/ ε)

existe, então D é chamado de dimen-

são fractal de A : D(A)

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5.2. DIMENSÕES FRACCIONÁRIAS 57

Esta fórmula é interessante para propósitos experimentais pois o limitede D pode ser estimado pelo gradiente em um gráfico log − log e plotadopara uma variação adequada de ε.

Exemplo 5.3 Considere o plano real com sua métrica usual: (R2, Euclidi-ana), α ∈ R2 A = {α} . Qual a dimensão de α?

Resposta.: Para qualquer ε > 0, tem-se que: N (A, ε) = 1, assim:

D = limε→0

1

1/ ε= 0⇒ D(A) = 0

Exemplo 5.4 (X, d), X = {a, b, c} e A = {a, b, c}, então:N (A, ε) = 3 ∀ ε e D = lim

ε→0

31/ ε

= 0⇒ D(A) = 0

Teorema 5.1 Seja A ∈ H(X) onde (X, d) é um espaço métrico. Considereuma sequência de raios: εn = Crn associado a um número real 0 < r < 1por um parâmetro C > 0 e inteiros n = 1, 2, 3, . . . . Se existe D tal que:

D = limn→+∞

lnNn (A, εn)

ln (1/ εn)

então A tem dimensão D.

5.2.3 A dimensão “Box Counting”

O teorema da contagem das caixas fornece outra dimensão fraccionária: adimensão fractal proveniente da contagem de caixas:

Teorema 5.2 (The Box Counting Theorem) Seja A ∈ H (Rm) e d = dE.“Cubra”Rm por “quadrados”, que apenas se toquem de lado: (1/2n). Se Nn(A) in-dicar o número de “quadrados” de lados (1/2n) que têm intersecção não nulacom A, então D = lim

n→+∞

ln(Nn(A))ln(2n)

representa a dimensão fractal de A.

Exemplo 5.5 Considere um quadrado unitário, Q ⊂ R2, que dimensão eletem?

se n = 1, lado do quadrado: 1/2 ⇒ N1(Q) = 4 = 41

se n = 2, lado do quadrado: 1/22 = 1/4 ⇒ N2(Q) = 16 = 42

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58 CAPÍTULO 5. DIMENSÃO

se n = 3, lado do quadrado: 1/23 = 1/8 ⇒ N3(Q) = 64 = 43

ou seja Nn(Q) = 4n. Assim

D = limn→+∞

ln (4n)

ln (2n)= lim

n→+∞

n × ln 4

n × ln 2=

ln 4

ln 2= 2

Exemplo 5.6 Se (R2, Euclidiana) e A = de Sierpinski com centro (0,0)(0,1) (1,0) ; qual o valor de D(A)?

Usando a mesma construção do exemplo anterior:

se n = 1, lado do quadrado: 1/2 ⇒ N1(A) = 3 = 31

se n = 2, lado do quadrado: 1/4 ⇒ N2(A) = 9 = 32

se n = 3, lado do quadrado: 1/8 ⇒ N3(A) = 27 = 33

ou seja Nn(A) = 3n. Logo

D = limn→+∞

ln (3n)

ln (2n)= lim

n→+∞

n × ln 3

n × ln 2=

ln 3

ln 2= 1.585

A “box-counting” ou “box dimension” é uma das dimensões mais us-adas. Sua grande popularidade deve-se a sua facilidade de uso em cálculosmatemáticos e em estimativas experimentais. Sua definição foi introduzidaem torno de 1930, e tem tido várias denominações: dimensão de entropia,entropia de Kolmogorov, dimensão métrica, densidade logarítmica, dimensãode informação, dimensão de Minkowski dentre outras. É também apresen-tada na forma de limites superiores e inferiores, como veremos a seguir, depoisde relembrarmos a definição de limites.

Suponha que f : (R+) −→ (R) seja uma função crescente, a medida quex diminua, então lim

x→0f(x) pode existir tanto como um valor finito quanto

como∞. E, analogamente, se f(x) decresce a medida que x também decresce,então lim

x→0f(x) pode existir tanto como um valor finito quanto como − ∞ .

Pode ocorrer que f(x) flutue cada vez mais rápido para pequenos x, de modoque f(x) não tenha limite, como na função da figura seguinte.

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5.2. DIMENSÕES FRACCIONÁRIAS 59

O limite superior e inferior da função

Neste caso, usa-se limites superiores e inferiores para descrever esta flu-tuação. Define-se limite superior como:

limx→0

f(x) = limx→0

(sup {f(x) : 0 < x < ε})e limite inferior como:

limx→0

f(x) = limx→0

(inf {f(x) : 0 < x < ε})

onde ε delimita uma vizinhança de x próxima de zero. Se limx→0

f(x) ≡ limx→0

f(x)

então o limite de f(x) existe em x = 0 e é igual a este valor comum. Damesma maneira é possível defluir o limite superior e inferior para qualquerx −→ a.

Os limites superiores e inferiores da dimensão box-counting são definidoscomo:

D = limn→+∞

ln (Nn (A))

ln (2n)

D = limn→+∞

ln (Nn (A))

ln (2n)

se eles forem iguais, o valor comum representa a dimensão fractal de A.Se esta existe, todas as dimensões fractais vistas até aqui são equivalentes.

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60 CAPÍTULO 5. DIMENSÃO

Teorema 5.3 Seja X = (Rm, métrica euclidiana). D(A) existe para todoA ∈ H(Rm). Seja B ∈ H(Rm) tal que A ⊂ B. Então D(A) ≤ D(B) e, emparticular 0 ≤ D(A) ≤ m.

Teorema 5.4 Seja A,B ∈ H(Rm). Seja

D(A) = limε→0

ln(N(A, ε))

ln 1ε

.

Se D(B) < D(A) então D(A ∪ B) = D(A).

Teorema 5.5 Seja (X1, d1) e (X2, d2) espaços métricos equivalentes. Se θ :X1 −→ X2 é a função que transforma X1 e X2 em espaços equivalentes e,se A1 ∈ X (x2) tem dimensão fractal D, então A2 = θ(A2) também tem amesma dimensão D.

Ou seja: D(A2) = D(θ(A2))

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CAPÍTULO 6

Auto-semelhança eauto-afinidade

6.1 Introdução

Para Falconer [3] a definição de um “fractal” deveria ser considerada domesmo modo como um biólogo considera a definição de “vida”: não há nen-huma definição mais sintética, mas só uma lista de propriedades característi-cos de um objecto vivo, tal como, a habilidade para reproduzir ou mover ouexistir, até certo ponto, independentemente do ambiente. A maioria dos ob-jectos vivos têm a maioria das características na lista, entretanto há objectosvivos que são excepções a cada característica. Do mesmo modo, parece mel-hor considerar um fractal como um conjunto que tem que ter propriedadestal como as listadas abaixo (definição 6.1), em vez de procurar uma definiçãoprecisa que vai quase certamente excluir alguns casos interessantes.

Definição 6.1 (fractal segundo Falconer) F é um fractal se(i) F tem uma estrutura fina, i.e. detalhes em escalas arbitrariamente

pequenas.(ii) F é demasiadamente irregular para ser descrito em linguagem ge-

ométrica tradicional, quer localmente, quer globalmente.(iii) F pode apresentar alguma forma de auto-semelhança, exacta, aprox-

imada ou estatística.(iv) Normalmente, a “ dimensão fractal” de F é maior que sua dimensão

de topológica.

61

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62 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

(v) Na maioria dos casos de interesse F está definido de um modo muitosimples, muitas vezes, recursivamente.

Por seu turno Mandelbrot oferece a definição seguinte de um fractal:

Definição 6.2 (fractal, segundo Mandelbrot) Um fractal é um conjuntopara o qual a dimensão de Hausdorff-Besicovitch excede sua dimensão topológ-ica.

Esta definição, embora correcta e precisa, é muito restritiva, visto queexclui muitos fractais úteis em aplicações.

Uma definição alternativa é dada por Mandelbrot:

Definição 6.3 (fractal, segundo Mandelbrot) Um fractal é uma formafeita de partes semelhantes ao todo.

Esta definição usa o conceito de auto-semelhança. A auto-semelhançaé uma ideia antiga. Contudo, e apesar de ser uma propriedade geométricasimples, apenas no início da década de 70 o homem se apercebeu da suaexistência na Natureza. Se olharmos para o mundo à nossa volta, vemosuma infinita variedade de objectos com uma estrutura geométrica complexae intrincada: uma folha de feto, um cristal de neve, a superfície irregular deuma montanha, ou até mesmo uma descarga eléctrica num meio dieléctrico(de que o caso mais conhecido é o relâmpago). Se observarmos a estruturamicroscópica destes objectos o que vemos? Algo bastante surpreendente: aparte é muito semelhante ao todo. Um fractal possui um número infinitode pequeninas cópias dele próprio: é a esta propriedade que se chama auto-semelhança e que será definida de forma rigorosa nas secções seguintes.

Três tipos de auto-semelhança são encontrados em fractais:• Auto-semelhança exacta: é a forma em que a auto-semelhança é mais

marcante, evidente. O fractal é idêntico em diferentes escalas. Neste caso,dizemos que o fractal é geométrico. Entre estes encontram-se o conjunto deCantor (figura 2.1), a curva do floco de neve (figura 2.2) e o triângulo deSierpinski(figura 2.3);• Quase-auto-semelhança: o fractal aparenta ser aproximadamente (mas

não exatamente) idêntico em escalas diferentes. Fractais quase-auto-semelhantescontém pequenas cópias do fractal inteiro de maneira distorcida ou degen-erada. Fractais definidos por relações de recorrência são geralmente quase-auto-semelhantes, mas não exactamente auto-semelhantes.

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6.2. TRANSFORMAÇÕES AFINS NO PLANO EUCLIDIANO 63

•Auto-semelhança estatística: é a forma menos evidente de auto-semelhança.O fractal possui medidas numéricas ou estatísticas que são preservadas emdiferentes escalas. As definições de fractais geralmente implicam algumaforma de auto-semelhança estatística (mesmo a dimensão fractal é uma me-dida numérica preservada em diferentes escalas). Fractais aleatórios (tambémchamados de fractais naturais) são exemplos de fractais que possuem auto-semelhança estatística, mas não são exatamente nem quase auto-semelhantes.

Os fractais podem ser agrupados em três categorias principais. Estascategorias são determinadas pelo modo como o fractal é formado ou gerado:• Sistema de funções iteradas – Estas possuem regras fixas de sub-

stituição geométrica. Conjunto de Cantor, triângulo de Sierpinski e floco deneve de Koch, são alguns exemplos deste tipo de fractal.• Fractais definidos por uma relação de recorrência em cada ponto do

espaço (tal como o plano complexo). Exemplos deste tipo são o conjunto deMandelbrot e o fractal de Lyapunov.• Fractais aleatórios, gerados por processos estocásticos ao invés de

determinísticos, por exemplo, terrenos fractais.Nas secções seguintes trataremos da geração de fractais através de IFS.

Para tanto necessário se torna rever os conceitos de transformação afim esistema dinâmico. Comecemos pelo primeiro:

6.2 Transformações afins no plano euclidiano

Definição 6.4 Uma transformação w : R2 → R2 da forma

w(x1, x2) = (ax1 + bx2 + e, cx1 + dx2 + f)

em que a, b, c, d, e e f são reais, é uma transformação afim bidimensional.

Utilizar-se-á a notação equivalente

W (x) =

[x1x2

]=

[a bc d

] [x1x2

]+

[ef

]= Ax+ t.

A pode escrever-se sempre[

a bc d

]=

[r1 cos θ1 r2 sin θ2r1 cos θ2 r2 cos θ2

]r1, r2 ∈ R, θ1, θ2 ∈ [0, 2π] .

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64 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

Uma transformação afim transforma um paralelogramo noutro paralel-ogramo, sendo que a razão das áreas é o determinante da parte linear datransformação.

A condição necessária e suficiente para a inversibilidade de[

a bc d

]×[

x1x2

]+

[ef

]= Ax+ t

é detA �= 0.

A transformação afim inversa é, para[

x1x2

]= 1

detA

[d −b−c a

] [y1 − ey2 − f

]

A composta de 2 transformações afins,

f 1[

xy

]=

[a bc d

] [xy

]+

[ef

]

f 2[

xy

]=

[a′ b′

c′ d′

] [xy

]+

[e′

f ′

]

é f 3 = f 1 ◦ f2 =[

a bc d

]{[a′ b′

c′ d′

] [xy

]+

[e′

f ′

]}+

[ef

]=

=

[aa′ + bc′ ab′ + bd′

ca′ + dc′ cb′ + dd′

] [xy

]+

[ae′ + bf ′ + ece′ + df ′ + f

], donde, fazendo

a′′ = aa′ + bc′

b′′ = ab′ + bd′

c′′ = ca′ + dc′

d′′ = cb′ + dd′

e′′ = ae′ + bf ′ + e

f ′′ = ce′ + df ′ + f

se tem:

f 3[

xy

]=

[a′′ b′′

c′′ d′′

] [xy

]+

[e′′

f ′′

]

Uma transformação afim w pode ser reescrita na forma abaixo, com w :R2 → R2 é afim, w(x) = Ax+ t

w(x) =

[r1 00 r2

]Rθ

[r3 00 r4

] [x1x2

]+ t

para r real e um ângulo θ.

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6.2. TRANSFORMAÇÕES AFINS NO PLANO EUCLIDIANO 65

Definição 6.5 Chama-se a uma expressão da forma

w(x) =

[r1 00 r2

]Rθ

[r3 00 r4

] [x1x2

]+ t

um reescalamento das coordenadas.

A definição é boa, pois[

r1 00 r2

] [cos θ − sin θsin θ cos θ

] [r3 00 r4

]

=

[r1 cos θ −r1 sin θr2 sin θ r2 cos θ

] [r3 00 r4

]

=

[r1r3 cos θ −r1r4 sin θr2r3 sin θ r2r4 cos θ

]

Sendo este resultado a parte limitada de uma transformação afim geral,já que os quatro termos são linearmente independentes.

Notemos que o segundo reescalamento (envolvendo r1r2) que ocorre de-pois da rotação é o que altera o ângulo dos eixos, por eles já não estaremalinhados com a horizontal e vertical.

Como caso particular de transformações afins, temos as semelhanças –as únicas que mantêm os ângulos:

Definição 6.6 Chama-se uma semelhança a uma transformação afim comuma das formas:

a) w

[x1x2

]=

[r cos θ −r sin θr sin θ r cos θ

] [x1x2

]+

[ef

]

b) w

[x1x2

]=

[r cos θ r sin θr sin θ −r cos θ

] [x1x2

]+

[ef

]para alguma translação

[ef

], algum número r �= 0 e algum ângulo θ ∈ [0, 2π]. θ é o ângulo de ro-

tação e r o factor de escala.Uma transformação de tipo a) é uma rotação e escreve-se

[x1x2

]=

[r cos θ −r sin θr sin θ r cos θ

] [x1x2

].

Uma transformação de tipo b) é uma reflexão e pode escrever-se RRθ,para

R

[x1x2

]=

[1 00 −1

] [x1x2

].

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66 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

6.3 Aplicações contractantes

Definição 6.7 Seja f : X −→ X uma aplicação de um espaço métrico nelepróprio. xf ∈ X é um ponto fixo de f se f (xf ) = xf

Definição 6.8 Uma aplicação f : X → X num espaço métrico (X, d) é ditacontractante, ou uma contracção, se existir uma constante 0 ≤ k < 1 tal que

∀x, y ∈ X, d(f(x), f(y)) ≤ k · d(x, y).

A constante k é dita de Lipschitz ou factor de contracção de f .

O conjunto das contracções num espaço dado é um semi-grupo para acomposição, isto é, a composta das duas contracções é uma contracção.

Proposição 6.1 Se f, g : X −→ X são contracções de factores de con-tracção k e l, respectivamente, então f ◦ g é uma contracção de factor decontracção kl.�

Teorema 6.1 Seja f : X → X uma contracção em (X, d). Então f possuium único ponto fixo xX em X.�

Para qualquer ponto x em X, a sucessão 〈f ◦n(x) : n = 0, 1, 2, ...〉 convergepara Xf .

A figura seguinte ilustra a ideia duma tal contracção num espaço métrico.

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6.3. APLICAÇÕES CONTRACTANTES 67

Lema 6.1 Seja w : X → X uma contracção em (X, d). Então w é contínuo.

Demonstração: Seja dado ε > 0 e k > 0 um factor da contracção. En-tão d(w(x), w(y)) ≤ kd(x, y) < ε sempre que d(x, y) < ε

k, o que prova a

continuidade.�

Lema 6.2 Seja w : X → X uma aplicação contínua em (X, d). Então waplica H(X) em si próprio.

Demonstração: Barnsley (1993).�

Lema 6.3 Seja w : X → X uma contracção em (X, d) de factor k.

Então, w : H(X) → H(X), definida por w(B) = {w(x) : x ∈ B}, ∀B ∈H(X) é uma contracção em (H(X), h(d)), com factor de contracção k.

Demonstração: Em virtude do lema 6.1, w é contínuo, logo, pelo lema6.2, aplica H(X) em si próprio. Sendo B,C ∈ H(X), tem-se

d(w(B), w(C)) = maxx∈B

{miny∈C{d(w(x, y), w(y))}}

≤ maxx∈B

{miny∈C{k d(x, y)}} = k d(B,C).

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68 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

Identicamente, d(w(C), w(B)) ≤ k d(C,B). Logo

h(w(B), w(C)) = d(w(B), w(C) ∨ d(w(C), w(B)

≤ k d(B,C) ∨ d(C,B) ≤ k d(B,C),

o que acaba a demonstração.�

Lema 6.4 Para todos B,C,D,E em H(X),

h(B ∪ C,D ∪E) ≤ h(B,D) ∨ h(C,E).�

O próximo Lema indica um novo método para combinar contracções:

Lema 6.5 Seja (X, d) um espaço métrico. Sejam {wn : n = 1, 2, ..., N},N ∈ N contracções em (H(X), h). Seja, para cada wn, o factor de contracçãokn. Define-se W (B) = w1(B)∪ ...∪wn(B) =

⋃Nn=1wn, para cada B ∈ H(X).

Então W é uma aplicação contractante, de factor k = max{kn}

Demonstração: (Para N = 2; proceder-se por indução para N maior).Sejam B,C ∈ H(X) . Temos

h(W (B),W (C)) = h(w1(B) ∪ w2(B), w1(C) ∪ w2(C))

≤ h(w1(B), w1(C)) ∨ h(w2(B), w2(C))

≤ k1 h(B,C) ∨ k2 h(B,C).

6.4 Generalidades sobre sistemas dinâmicos

Definição 6.9 Um sistema dinâmico é uma transformação 〈X; f〉,f : X → X, num espaço métrico (X, d). A órbita dum ponto é asequência {f◦n(X)}∞n=0.

Definição 6.10 Um ponto periódico num sistema dinâmico 〈X, f〉 é umponto x ∈ X tal que f ◦n(x) = x. O menor inteiro n que verifica a igualdadeacima é o período mínimo. A órbita dum ponto periódico chama-se ciclo. Operíodo minimal dum ciclo é o número de pontos que contém.

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6.5. SISTEMAS DE FUNÇÕES ITERADAS - IFS 69

Definição 6.11 Seja xf um ponto fixo do sistema dinâmico 〈X; f〉. xf diz-se atractor se existir ε > 0 tal

f(B(xf , ε)) ⊂ B(xf , ε)

para B bola de centro xf e raio ε, sendo uma contracção em B. xf é ditorepulsivo se existe ε > 0 e C > 1 e tais que

d(f(xf), f(y)) ≥ Cd(xf , y))

para todos os y ∈ B(xf , ε).

Definição 6.12 Sendo 〈X; f〉 um sistema dinâmico, x ∈ X é dito eventual-mente periódico para f se f◦m(x) é periódico, para algum n.

Definição 6.13 Seja (X, d) um espaço métrico. B ⊂ X é denso se o seufecho é X. Uma sucessão 〈X, σn〉∞n=0 é densa em X se, por cada a ∈ X, existeuma subsequência convergente para a. Uma órbita é densa se a sequência dosseus pontos o for.

Definição 6.14 Um sistema dinâmico 〈X; f〉 é transitivo se, para dois con-juntos U, V existe n > 0 tal que U ∧ f ◦n(V ) �= ∅.

Definição 6.15 O sistema dinâmico 〈X; f〉 é sensível às condições iniciaisquando existe δ > 0 tal que para qualquer x ∈ X e qualquer B(x, ε) existemy ∈ B(X, ε) e n ≥ 0 tal que

d(f ◦n(x), f ◦n(y)) > δ.

Definição 6.16 Um sistema dinâmico 〈X; f〉 diz-se caótico se:1. é transitivo2. é sensível às condições iniciais3. o conjunto de órbitas periódicas é caótico em X.

6.5 Sistemas de funções iteradas - IFS

Definição 6.17 Um sistema de funções iteradas (IFS) consiste de um espaçométrico completo (X, d) munido de um conjunto finito de contracções wn :X → X, com os respectivos factores de contracção kn, n = 1, ..., N, N ∈ N.

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70 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

Um IFS é claramente um sistema dinâmico.A notação será {X;wn, n = 1, 2, ...,N}, N ∈ N, ou simplesmente {X;wn},

e o factor de contracção k = max kn.

Teorema 6.2 Seja {X;wn} um IFS , com factor de contracção k. Então atransformação W : H(X)→H(X) definida por

W (B) =N⋃

n=1

wn,

para todos os B ∈ H(X), é uma contracção em (H(X), h)), de factor k. Ouseja,

h(W (B),W (C)) ≤ k h(B,C), ∀B,C ∈ H(X).

O único ponto fixo de W , digamos A ∈ H(X), verifica a condição

A = W (A) =N⋃

n=1

wn(A)

e é dado por A = limn→+∞W ◦n(B), para todo o B ∈ H(X) .�

Definição 6.18 O ponto fixo A acima descrito é chamado o atractor do IFS{X;wn}.

Exemplo 6.1 Seja o IFS {R; 14x+ 3

4, 12x, 1

4x+ 1

4}.

Difere do clássico conjunto de Cantor porque contém intervalos e lacunascom cardinalidade numerável (w2 cobre w3) wn(ni) = wn(a) = a ∈ A.

Perguntar-se-á, como construir um atractor? Nas sub-secções seguintesvamos apresentar algoritmos devidos a Barnsley (1993) para a sua con-strução.

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6.5. SISTEMAS DE FUNÇÕES ITERADAS - IFS 71

6.5.1 Algoritmo determinista para a construção de frac-tais via IFS’s

Teorema 6.3 (algoritmo determinista) Seja {X;w1, ..., wN} um IFS. Escolhe-se arbitrariamente um conjunto compacto A0 ⊂ R2. Calcula-se sucessiva-mente An = W ◦n(A) a partir de An+1 =

⋃nj=1wj(An), para n = 1, 2, .....

Em virtude do teorema 6.2, a sequência {An} converge para o atractordo IFS na métrica de Hausdorff.

A expressão de um IFS em R2 é {R2,W = w1, ..., wN}, com

wi(x) = wi

[x1x2

]=

[ai bici di

] [x1x2

]+

[eifi

]= Aix+ ti

Exemplo 6.2 O triângulo de Sierpinski (figura seguinte) tem por IFS,

W = {w1, w2, w3}, com

w1

[x1x2

]=

[0.5 00 0.5

] [x1x2

]+

[11

],

w2

[x1x2

]=

[0.5 00 0.5

] [x1x2

]+

[150

],

w3

[x1x2

]=

[0.5 00 0.5

] [x1x2

]+

[2550

].

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72 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

A comparação das duas figuras mostra a irrelevância de A0: o atractor éapenas função do IFS.

6.5.2 Algoritmo aleatório para a construção de fractaisvia IFS’s

Por consideração de ordem prática – a implementação computacional – ascontracções wi de um IFS são usualmente associadas a probabilidades pi, pi >0 e

∑Ni=1 pi = 1 cujo valor é desejavelmente proporcional ao determinante da

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6.6. O TEOREMA DA COLAGEM DE BARNSLEY 73

parte linear de wi:

pi ≈|detAi|∑Ni=1 |Ai|

para i = 1, 2, ....,N . Se, para algum i, detAi = 0, então deve-se lhe associarum número positivo muito pequeno: pi = 0, 001, por exemplo (probabilidadepequena mas não nula).

Teorema 6.4 (algoritmo aleatório) Seja {X;wn} um IFS, com as probabil-idades pi atribuídas aos wi como acima. Escolha-se x0 ∈ X e recursivamentee independentemente,

xn ∈ {w1(xn−1, w2(xn−1), ..., wN (xn−1)}.

para n = 1, 2, ..., onde a probabilidade do acontecimento xn = wi(xn−1) é pi.Então constrói-se a sequência {xn : n = 0, 1, ...} ⊂ X.

Exemplo 6.3 O código IFS associado ao triângulo de Sierpinski poderá ser:

w a b c d e f p1 0.5 0 0 0.5 1 1 0.332 0.5 0 0 0.5 1 50 0.333 0.5 0 0 0.5 50 50 0.34

Não se desenvolverá aqui o aspecto probabilístico dos algoritmos fractais.

6.6 O teorema da colagem de Barnsley

A construção de atractores próximos de um conjunto dado é obviada atravésda aplicação do teorema da colagem (Barnsley 1993). O teorema decorre dosseguintes lemas:

Lema 6.6 Seja (X, d) um espaço métrico completo. Seja f uma contracçãoem X, de factor 0 ≤ k < 1, e seja o ponto fixo de f , xf ∈ X. Então, paratodo o x de X

d(x, xf ) ≤ (1− k)−1.d(x, f(x)).

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74 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

Demonstração: A função distância d(a, b), para a fixo, é contínua paratodo o b ∈ X. Logo

d(x, xf) = d(x, limn→+∞

f◦n(x)) = limn→+∞

d(x, limn→+∞

f◦n(x)

≤ limn→+∞

n∑

m=1

d(f ◦(m−1)(x), f ◦(m)(x))

≤ limn→+∞

d(x, f(x))(1 + k + ...+ kn−1)

≤ (1− k)−1d(x, f(x)).

Lema 6.7 Sejam (Y, d) e (X, d) espaços métricos, sendo este completo. Sejaw : Y ×X → X uma família de contracções em X com factor de contracção0 ≤ k < 1. Isto é, para todo o p ∈ P, w(p, .) é uma contracção em X. Paracada x ∈ X fixo, seja w contínua em Y . Então o ponto fixo de w dependecontinuamente de p. Isto é, xf : Y → X é contínua.

Demonstração: Seja xf(p) o ponto fixo de w, para um dado ponto p ∈ Y.Sejam dados p ∈ Y e ε > 0. Então, para todo o q ∈ Y,

d(xf(p), xf (q)) = d(w(p, xf (p)), w(q, xf(q)))

≤ d(w(p, xf(p)), w(q, xf (p)))

+ d(w(q, xf (p)), w(q, xf (q)))

≤ d(w(p, xf(p)), w(q, xf (p))) + kd(xf(p), xf(q))

⇒ d(xf (p), xf(q)) ≤ (1− k)−1d(w(p, xf (p)), w(q, xf (p))).

Tornando q suficientemente próximo de p, pode-se tornar

(1− k)−1d(w(p, xf (p)), w(q, xf(p)))

tão pequeno quanto se queira.�Deduz-se então o

Teorema 6.5 (da colagem) Seja (X, d) um espaço métrico completo. Sejamdados ε > 0 e L ∈ H(X). Arbitre-se um IFS {X; (w0), w1, ..., wn}, com factorde contracção 0 ≤ k < 1, tal que

h(L,n⋃

n=1(n=0)

wn(L)) ≤ ε.

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6.6. O TEOREMA DA COLAGEM DE BARNSLEY 75

Entãoh(L,A) ≤ ε

1− k,

onde A é o atractor do IFS. Equivalentemente

h(L,A) ≤ (1− k)−1h(L,n⋃

n=1

wn(L)), ∀L ∈ H(X).

O teorema da colagem permite, portanto, aproximar um objecto dado.Este objecto é tecnicamente coberto por um número finito de réplicas portransformação afimwi, usando a aproximação na métrica Hausdorff do fractalgerado por esses wi.

Exemplo 6.4 O exemplo seguinte é a aproximação de uma folha de videira,com semelhanças, de cada uma delas é dada pelo seu ponto fixo a e pelo numexemplo equivalente à rotação com contracção:

s aw1 0.6 0.45 + 0.9iw2 0.6 0.45 + 0.3iw3 0.4− 0.3i 0.60 + 0.3iw4 0.4 + 0.3i 0.30 + 0.3i

onde i é a unidade imaginária (figura abaixo):

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76 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

6.7 Geração de fractais através de IFS

A figura seguinte apresenta o atractor do IFS no plano complexo:

{C;w1(z) = (0.13 + 0.64i)z,w2(z) = (0, 13 + 064i)z + 1} .

Este atractor, A, compõe-se de 2 conjuntos disjuntos w1(A) e w2(A), dosdois lados da linha ab. Por sua vez, cada um deles é feito da união de 2conjuntos disjuntos

w1(A) = w1(w1(A)) ∪ w2(w1(A)),

w2(A) = w2(w2(A)) ∪ w2(w2(A)).

Esta constatação permite, para cada ponto do atractor, associar umasequência correspondente aos índices dos wi que a ele acedem.

Do mesmo modo, temos a seguinte figura, de novo um triângulo de Sier-pinski, gerado pelo IFS

{C;w1(z) =

1

2z, w2(z) =

1

2z +

1

2, w3(z) =

1

2z +

1

2i

}.

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6.7. GERAÇÃO DE FRACTAIS ATRAVÉS DE IFS 77

Há uma diferença entre os IFS associados às duas figuras anteriores: no 1.o

caso, cada ponto tem um único endereço. Trata-se de um conjunto totalmentedesconexo; no 2.o caso, um conjunto de medida nula de pontos têm doisendereços (assinalados na figura); outros (por exemplo, os 3 vértices), 1 sóendereço. O IFS é então dito “just-touching”.

Enfim, existe um 3.o caso. Para o IFS o atractor é{[0, 1]; 1

2x, 3

4x+ 1

4

}.

A = [0, 1], mas

w1(A) ∩ w2(A) = [0,1

2] ∩ [

1

4, 1] = [

1

4,1

2];

isto é, existe um intervalo acedido simultaneamente por w1 e w2. Neste caso,o IFS é “overlapping”.

São dadas as coordenadas de quatro pontos. Como encontrar as coorde-nadas dos outros três, a, b, c?

Tais endereços são a = 2121122, b = 333 e c = 12231222. A altura, emetade da largura, dependendo do mapa, movem-se para o canto apropriadodo quadrado. Para diminuir o quadrado para metade em cada lado, definimoso mapa

w1

[xy

]=

[0, 5 00 0, 5

] [xy

]= A

[xy

]

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78 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

e associamos o símbolo 0 a uma interacção deste mapa. Par se dividirem quatro, é necessário fazer a mesma operação, e mover o canto inferioresquerdo para meio na direcção x, o que dá

w2

[xy

]= A

[xy

]+

[0, 50

]

Uma interacção w2 por corresponde a um endereço do símbolo 1. Oterceiro mapa tem que mover o canto inferior esquerdo para (0, 5; 0, 5), con-sequentemente definimos

w3

[xy

]= A

[xy

]+

[0, 50, 5

]

Uma interacção por w3 corresponde a um endereço do símbolo 2. Final-mente, o último mapa move o canto inferior esquerdo acima 0, 5, tendo comoresultado

w3

[xy

]= A

[xy

]+

[00, 5

]

e uma interacção por este mapa dá o endereço do 3.

Exemplo 6.5 Figura seguinte

Caracterização dos endereços das “peças que faltam”:

Respectivamente, da esquerda para a direita, 222; 223; 231; 311.

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6.7. GERAÇÃO DE FRACTAIS ATRAVÉS DE IFS 79

A forma mais fácil de ver este problema é olhar para um subconjunto dosmapas do IFS que têm como atractor um dos lados do triângulo de Sierpinski.Considerando o IFS e dando só os endereços que contêm 3’s. Se um pontoestá no eixo x, nenhum dos dois IFS

w1

[xy

]=

[0, 5 00 0, 5

] [xy

]

w2

[xy

]=

[0, 5 00 0, 5

]+

[0, 50

]

ou um destes dois voltará a um ponto do eixo x, e o seu atractor é a linhaentre 11 e 22. Por outro lado, qualquer ponto com um componente y diferentede zero terá numa única iteração um novo valor y igual a metade do original,que continua a não ser zero. Por isso, a aresta do triângulo de Sierpinskiconsiste em todos os endereços que contêm apenas 1 e 2.

Podemos utilizar argumentos idênticos para verificar que os pontos aolongo da aresta esquerda do triângulo têm endereços que contêm só 1’s e 3’s.A aresta final contém todos os endereços com 2’s e 3’s.

Definição 6.19 Seja {X;w1, ..., wN} um IFS. O espaço de códigos associa-dos (Σ, dC) é definido como o semi-grupo livre sobre os N índices {1, 2, ..., N}com a métrica

dc{w, σ} =∞∑

n=1

|wn − σn|(N + 1)n

para todo w, σ ∈ Σ.

Lema 6.8 Seja o IFS {X,wn}. Seja K ∈ H(X). Então existe um compostoK ∈ H(X) tal que K ⊂ K e wn : K → K.

Lema 6.9 Seja {X;wn} um IFS de contractividade k, sobre (X, d). Seja(Σ, dC) o espaço de código associado. Para cada σ ∈ Σ, n ∈ N, x ∈ X, édefinido φ(σ, n, x) = wσ1 ◦ wσ2 ◦ ... ◦ wσn(x).

Seja K um compacto não vazio contido em X. Então existe D ∈ R talque

d(φ(σ,m, x), φ(σ, n, x)) ≤ Dkm∧n

para todo σ ∈ Σ, todo m,n ∈ N e todo x1, x2 ∈ K.

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80 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

Teorema 6.6 Seja {X;wn} um IFS, A seu atractor e (Σ, dC) o espaço decódigo associado φ(σ, n, x) = wσ1 ◦ wσ2 ◦ ... ◦ wσn(x). Então

φ(σ) = limn→+∞

(σ,m, x)

existe, pertence a A e é independente de X. Se K ⊂ X for compacto, aconvergência é uniforme em x ∈ K. A função

φ : Σ→ A é contínua e sobrejectiva.

Definição 6.20 Seja {X,wn} um IFS e o seu espaço de códigos Σ. Seja φ :Σ→ A a função contínua assim construída. Um endereço é um membro doconjunto φ−1(A) = {w ∈ Σ;φ(w) = a}. φ−1(A) é o conjunto dos endereçosde todos os a ∈ A.

O IFS é totalmente desconexo se cada ponto possui um endereço.O IFS é “just-touching” quando, não sendo totalmente desconexo, o seu

atractor contém um conjunto aberto O tal que:1) wi(O) ∩ wj(O) = φ,∀i, j ∈ {1, 2, ..., N}, i �= j;

2)⋃N limi=1wi(O) ⊂ O

O IFS é “overlapping” se não for totalmente desconexo nem just-touching.

Teorema 6.7 Um IFS {X,wn} com atractor A é totalmente desconexo se esó se

wi(A) ∩ wj(A) = ∅, ∀i �= j.

Teorema 6.8 Seja Σ o espaço de códigos de N símbolos. Definam-se duasmétricas diferentes em Σ:

d1(x, y) =∞∑

i=1

|xi − yi|(N + 1)i

d2(x, y) =

∣∣∣∣∣

∞∑

i=1

xi − yi(N + 1)i

∣∣∣∣∣

então (Σ, d1) e (Σ, d2) são espaços métricos equivalentes.

Teorema 6.9 O atractor dos IFS é o fecho dos seus pontos periódicos.

Definição 6.21 Seja o IFS {X,wn} com atractor A. Um ponto a ∈ A éperiódico se existe uma sucessão σn tal que

a = wσ(P ) ◦ wσ(P−1) ◦ ... ◦ wσ(1)(a),

O número inteiro P que verifica a fórmula acima é o período.

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6.7. GERAÇÃO DE FRACTAIS ATRAVÉS DE IFS 81

Definição 6.22 Um ponto no espaço códigos cujos símbolos se repetem échamado um endereço periódico. Um ponto cujos símbolos são periódicosapós um segmento inicial diz-se eventualmente periódico.

Teorema 6.10 São equivalentes as seguintes afirmações, para {X,wi} , comatractor A:

– X ∈ A é ponto periódico;– X ∈ A possui um endereço periódico;– X ∈ A é um ponto fixo para o semi-grupo de transformação gerado

por wi

Lema 6.10 Seja 〈X;wn〉 um IFS com atractor A, totalmente desconexo.Então por cada n, wn : A→ A é bijectiva.

Demonstração: (a partir do espaço de códigos) Suponhamos que existe ntal que wn(ni) = wn(a) = a ∈ A. Nesse caso, teria dois endereços diferentes,correspondendo a1 e a2, o que é contraditório com a desconexão total.�

Definição 6.23 Seja {X;wn} um IFS de atractor A. A transformação shifts : A → A definida por s(a) = w−1n (a), 〈A; s〉 é chamado sistema dinâmicoshift associado ao IFS.

Teorema 6.11 Seja um IFS de atractor A. Seja kn o factor de contracçãode cada wn. Se o IFS for totalmente desconexo ou just-touching,

D(A) = DH(A) = D.

Neste caso, M(A,DH(A)) é um número positivo.

Demonstração: (Barnsley, 1993).�

Teorema 6.12 (Dimensão de fractais auto-semelhantes) Seja 〈Rm;wn〉n =1, N um IFS, de atractor A. Seja kn o factor de escala por cada semelhançawn. Se o IFS for totalmente desconexo ou “just-touching” então a dimensãodo atractor é D(A) tal que

N∑

n=1

|kn|D(A) = 1, D(A) ∈ [0,m].

Se o IFS for overlapping D ≥ D(A) onde D é solução deN∑

n=1

|kn|D = 1, 0 < D ≤ +∞

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82 CAPÍTULO 6. AUTO-SEMELHANÇA E AUTO-AFINIDADE

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CAPÍTULO 7

Exemplos e aplicações

Os fractais aparecem muitas vezes em termos de teoria dos números. Comefeito, como se viu acima, no estudo do conjunto de Cantor do terço médio(Capítulo II), vimos que tal conjunto pode ser representado como sequênciasde números na base 3, apenas com os algarismos 0 e 1. Neste capítulo vamosnos deter um pouco nas perspectivas teoria dos números, numérica, gráfica ecomputacional sobre os fractais, com o objectivo de ilustrar a sua abrangênciateórica, por um lado, e as potencialidades pedagógicas, por outro.

7.1 Fracções contínuas

Os números podem ser definidos em termos de fracções contínuas, em vez deexpansões de base m (m ∈ N). De facto, os números x não inteiros podemser escritos na forma

x = a0 +1

x1

com a0 ∈ Z e 1 < x1. Se x1 não é inteiro, então

x1 = a1 +1

x2

com 1 < x2, donde

x = a0 +1

a1 +1x2

.

83

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84 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Assim tem-se

x = a0 +1

a1 +1

a2+1

...+ 1

ak−1+1xk

para todo o k, desde que em nenhuma iteração xk seja um inteiro. Tem-se a

Definição 7.1 Chama-se à sucessão de inteiros a0, a1, a2, ... os quocientesparciais de x, e escreve-se

x = a0 +1

a1+

1

a2+

1

a3 + ...

para a expansão em fracção contínua de x.

Notemos que a expansão termina se e só se x for racional. No casocontrário, tomando um número finito de termos, a expansão fornece umasucessão de aproximações racionais a x, convergente para x quando k tendepara ∞. Vejamos algumas ilustrações:

Exemplo 7.1√2 = 1 +

1

2+

1

2+

1

2 + ...

Exemplo 7.2√3 = 1 +

1

1+

1

2+

1

1+

1

2 + ...

Duma maneira geral, toda a raiz de uma equação do segundo grau comcoeficientes inteiros possui quocientes parciais periódicos.

Conjuntos de números definidos através de condições sobre os seus quo-cientes parciais podem ser encarados como atractores fractais de certos IFS,como se mostra no seguinte

Exemplo 7.3 Seja F o conjunto dos números reais positivos x com expansãoem fracção contínua infinita, com todos os quocientes parciais iguais a 0 ou2. Então F é um fractal tal que

0.44 < dimHF < 0.66.

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 85

Com efeito F é um conjunto compacto, isto é, fechado (pois o seu comple-mentar é aberto) e limitado (F ⊂ [1, 3]). Além disso,

x ∈ F ⇔ x = 1 +1

you x = 2 +

1

y, y ∈ F.

Fazendo S1(x) = 1 + 1x

e S2(x) = 2 + 1x

vem que F = S1(F ) + S2(F ),o que mostra que F é o atractor do IFS {S1, S2}. De facto F é o conjuntoconsiderado no exemplo (Conjunto de Cantor não linear) que tinha dimensãode Hausdorff entre 0.44 e 0.66.

7.2 Conjuntos de Julia e de Mandelbrot

Os conjuntos de Julia dão-nos uma ilustração notável de como um pro-cesso (sistema dinâmico) aparentemente simples pode conduzir a conjun-tos altamente complicados. Funções no plano complexo, C, tão simplescomo f(z) = z2 + c, com c uma constante, podem dar origem a fractaisde uma aparência bastante complexa mas bela e exótica.

Os conjuntos de Julia surgem durante a iteração de uma função de umavariável complexa f , portanto resultantes de dinâmicas em C. Assim vamosconsiderar funções analíticas no plano complexo1, o que vai-nos permitir usaras potentes técnicas de teoria das variáveis complexas para obter informaçãodetalhada sobre a estrutura de tais conjuntos.

7.2.1 Teoria geral de conjuntos de Julia

Por simplicidade, tomamos f : C −→ C como um polinómio de grau n ≥ 2com coeficientes complexos, f(z) = anz

n + an−1zn−1 + · · ·+ a0.2

1Recordemos que uma função complexa f é analítica se

f(z) = limw→0

f(z +w)− f(z)w

existe, z,w ∈ C.2É claro que com ligeiras modificações tudo o que se vai referir permanece válido se f

for uma função racional f(z) = p(z) / q(z)(onde p e q são polinómios) no plano complexoestendido C ∪ {∞}, e muito mais que isto acontece se f for qualquer função meromorfa(isto é, uma função analítica em C excepto em pólos isolados).

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86 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Como normalmente escrevemos fk para notar a composição f ◦ · · · ◦ f dek vezes função f , de forma que fk(w) é a k-ésima iterada f(f(· · · (f(w)) · · · ))de w.

Os conjuntos de Julia estão definidos em termos do comportamento dasiteradas fk(z), para k grande. Em primeiro lugar, temos a

Definição 7.2 Chama-se conjunto de Julia preenchido do polinómio f , aoconjunto

K(f) = {z ∈ C : fk(z)� +∞}.O conjunto de Julia de f é o bordo do conjunto de Julia preenchido, J(f) =∂K(f). (Escrevemos K para K(f) e J para J(f) quando se pode subentendera função sem qualquer perigo de confusão). Assim z ∈ J(f) se em todavizinhança de z existem pontos w e v com fk(w)→ +∞ e fk(v)� +∞.

Definição 7.3 O complemento do conjunto de Julia é chamado o conjuntode Fatou3 ou conjunto estável F (f).

Nesta secção pretendemos compreender a geometria e a estrutura do con-junto de Julia de polinómios; em particular J normalmente é um fractal.

Vejamos um exemplo simples:

Exemplo 7.4 Seja f(z) = z2, de forma que fk(z) = z2k

. Claramentefk(z) → 0, a medida que k → +∞, se |z| < 1 e fk(z) → +∞ se |z| > 1,mas com fk(z) permanecendo no círculo |z| = 1 para todo o k se |z| = 1.Assim, o conjunto de Julia preenchido k é o disco unitário |z| ≤ 1, e oconjunto de Julia J é seu limite, o círculo unitário, |z| = 1. O conjunto deJulia J é o limite entre os conjuntos de pontos que repetem para 0 e +∞.Claro que, neste caso especial J não é um fractal.

Exemplo 7.5 Modificamos ligeiramente o primeiro exemplo, tomando f(z) =z2 + c onde c é um número complexo pequeno. É fácil ver que ainda temosfk(z) → w se z for pequeno, onde w é o ponto fixo de f perto de 0, e quefk(z) → +∞ se z for grande. Novamente, o conjunto de Julia é o limiteentre estes dois tipos de comportamentos, mas mostra-se que agora J é umacurva fractal; (veja figura seguinte).

3Pierre Fatou, matemático Francês (1878-1929).

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 87

(a) O conjunto de Julia de f(z) = z2 é o círculo |z| = 1, com as iteradasfk(z)→ 0 se z está dentro de J , e |fk(z)| → ∞ se z está fora de J . (b) Sef é perturbado para a função f(z) = z2 + c para c pequeno esta imagemdistorcida ligeiramente, com uma curva J separando esses pontos z para

que fk(z) converge para o ponto fixo w de f se aproximar 0 desses pontos zcom |fk(z)| → ∞. A curva J é agora um fractal.

Precisaremos de alguma terminologia sobre pontos fixos e periódicos def . Recordemos que se f(w) = w chamamos w um ponto fixo de f , e sefp(w) = w para algum inteiro p ≥ 1 chamamos w um ponto periódico def ; ao menor p é chamado o período de w. Chamamos w, f(w), . . . , fp(w)uma órbita de período p. Seja w um ponto periódico de período p, com(fp) (w) = λ onde o principal denota diferenciação complexa. O ponto w échamado atractor se 0 ≤ |λ| < 1 no caso de pontos pertos serem atraídosà órbita sob iteração por f , e repelidos se |λ| > 1 em que pontos pertos daórbita mudam -se (deslocam-se). O estudo de sucessões fk(z) para váriosz iniciais é conhecido como dinâmica complexa. A posição de z relativo aoconjunto de Julia J(f) é uma chave para este comportamento.

O lema seguinte é extremamente útil para verificar se uma sucessão iterapara infinito, isto é se pontos estão fora do conjunto Julia preenchido.

Lema 7.1 Dado um polinómio f(z) = anzn+an−1z

n−1+· · ·+a0 com an �= 0,existe um número r tal que se |z| ≥ r então |f(z)| ≥ 2|z|. Em particular, se|fm(z)| ≥ r para algum m ≥ 0 então fk(z)→ +∞ a medida que k → +∞.Assim fk(z)→ +∞ ou {fk(z) : k = 0, 1, 2, . . .} é um conjunto limitado.

Demonstração: Escolhendo r suficientemente grande de modo a assegurar

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88 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

que se |z| ≥ r então 12|an| |z|n ≥ 2 |z| e (|an−1||z|n−1 + · · ·+ |a1||z|+ |a0|) ≤

12|an| |z|n. Então se |z| ≥ r,

|f(z)| ≥ |an||z|n − (|an−1||z|n−1 + · · ·+ |a1||z|+ |a0|)

≥ 1

2|an| |z|n ≥ 2 |z|

Além disso, se |fm(z)| ≥ r para algumm, então, aplicando indutivamenteesse resultado, temos |fm+k(z)| ≥ 2m|fk(z)| ≥ r, pelo que fk(z)→ +∞.�

Proposição 7.1 Seja f(z) um polinómio. Então o conjunto de Julia preenchidoK(f) e o conjunto de Julia J(f) são não vazios e compactos, com J(f) ⊂K(f). Além disso, J(f) tem interior vazio.

Demonstração: Com r dado pelo lema 7.1, é imediato que K está contidono disco B(0, r) e portanto é limitado, com limite J .

Se z �= K, então fk(z)→ +∞, pelo que |fm(z)| > r para algum inteirom. Pela continuidade de fm, |fm(w)| > r para todo o w num disco sufi-cientemente pequeno centrado em z, pelo que para tal w, fk(w)→ +∞ pelolema 7.1, dado que w �= K. Deste modo, o complementar de K é aberto,donde K é fechado. Como o limite de K, o conjunto de Julia J é fechadoe está contido em K. Assim K e J são fechados e limitados, sendo assimcompactos.

A equação f(z) = z tem, pelo menos, uma solução z0, fk(z0) = z0 paratodo k, donde z0 ∈ K e K �= ∅. Seja z1 ∈ C\ K. Então o ponto λz0 +(1− λ) z1 na linha de ligação z0 e z1 ficará no limite de K para algum 0 ≤λ ≤ 1; tomando λ como o valor ínfimo para que λz0 + (1− λ) z1 ∈ K tenhalugar. Assim, J = ∂K é não vazio.

Finalmente, se U for um subconjunto aberto não vazio de J ⊂ K, entãoU fica no interior de K e então tem intersecção vazia com seu limite J , o queé uma contradição. �

Proposição 7.2 O conjunto de Julia J = J(f) de f é invariante para frentee para trás sob f , isto é, J = f(J) = f−1(J).

Demonstração: Seja z ∈ J . Então fk(z)�+∞, e podemos acharwn → zcom fk(wn)→+∞ a medida que k →+∞ para todo o n. Então, fk(f (z))�

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 89

+∞ e fk(f (wn)) → +∞ onde por continuidade de f , os f(wn) podem serescolhidos tão próximos quanto quisermos de f(z). Assim f(z) ∈ J,e f(J) ⊂J que implica também J ⊂ f−1(f(J)) ⊂ f−1(J).

Semelhantemente, com z e wn como acima, se f(z0) = z então pode-mos achar vn → z0 com f(vn) = wn, pelas propriedades de transformaçõespolinomiais em C. Consequentemente,

fk(z0) = fk−1(z)� +∞

efk(vn) = fk−1(vn)→ +∞

a medida que k → +∞, pelo que z0 ∈ J . Deste modo, f−1(J) ⊂ J o queimplica J = f(f−1(J)) ⊂ f(J).�

Proposição 7.3 J(fp) = J(f), para todo o inteiro positivo p.

Demonstração: Segue-se do lema 7.1 que fk(z)→ θ se e só se

(fp)k (z) = fkp(z).

Assim f e fp têm idênticos conjuntos de Julia preenchido e portanto idênticosconjuntos de Julia. �

Para desenvolver um pouco mais a teoria de conjuntos de Julia com vistaa chegarmos ao conjunto de Mandelbrot, não podemos evitar introduzir al-gumas ferramentas técnicas de teoria de variável complexa, em particular asfamílias normais de funções analíticas e teorema de Montel4.

Definição 7.4 Seja U um subconjunto aberto de C, e seja gk : U −→ k =1, 2, . . . uma família de funções analíticas complexas. A família {gk} é ditanormal em U se toda sucessão de funções seleccionadas de {gk} tem umasubsucessão que converge uniformemente em todo subconjunto compacto deU , ou para uma função analítica limitada ou ainda para +∞.

Nota-se que pela teoria da variável complexa, a definição significa que asubsucessão converge ou para uma função analítica finita ou para∞, em cadacomponente conexa de U . Neste último caso, as derivadas da subsucessãotêm que convergir para a derivada da função de limite.

4Paul Antoine Aristide Montel, matemático Francês (1876-1975).

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90 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Definição 7.5 A família {gk} é normal ao ponto w de U se há algum sub-conjunto aberto V de U que contém w tal que {gk} é uma família normal emV .

Observemos que esta definição é equivalente à existência de uma vizin-hança V de w em que toda a sucessão {gk} tem uma subsucessão convergentepara uma função analítica limitada ou para +∞.

O resultado fundamental que usaremos no nosso desenvolvimento do con-junto de Julia é o teorema de Montel que afirma que famílias de funções nãonormais tomam virtualmente todos os valores complexos:

Teorema 7.1 (Montel) Seja {gk} uma família de funções analíticas com-plexas num domínio aberto U . Se {gk} não é uma família normal, entãopara todo o w ∈ C com, no máximo, uma excepção temos gk(z) = w paraalgum z ∈ U e algum k.�

O teorema de Montel conduz rapidamente à caracterização seguinte deum conjunto de Julia, que é tomado frequentemente como definição:

Proposição 7.4

J(f) = {z ∈ C : a família {fk} não é normal a z}.

Demonstração: Se z ∈ J , então em toda vizinhança V de z existempontos w tal que fk(w) −→ +∞, ainda fk(z) permanecem limitados. Assimnenhuma subsucessão de {fk} é uniformemente convergente em V , de formaque {fk} não é normal a z.

Suponha que z /∈ J . Ou z ∈ intK, nesse caso, tomando um conjuntoaberto V com, z ∈ V ∈ intK, temos fk(w) ∈ K para todo o ∈ V e todo o k,assim pelo teorema de Montel {fk} é normal a w. Caso contrário, z ∈ C\K,assim |fk(z)| > r para algum k, onde r é determinado pelo lema 7.1, assim|fk(w)| > r para todo o w em alguma vizinhança V de z, deste modo pelolema 7.1, fk(w) −→ +∞ uniformemente em V , assim novamente {fk} é

normal a w. �A expressão da proposição 7.4 é usada como a definição do conjunto de

Júlia para as funções complexas gerais, como funções racionais ou funçõesmeromorfas.

O objectivo agora é obter uma caracterização adicional do conjunto deJulia J(f) como o fecho do conjunto dos pontos periódicos repulsores de f .

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 91

Lema 7.2 Seja f um polinómio, seja w ∈ J(f) e seja U qualquer vizinhançade w. Então para cada j = 1, 2, . . . , o conjunto w=

⋃∞

k=j fk (U) é o todo de C,

excepto, possivelmente, para um único ponto. Qualquer tal ponto excepcionalnão está em J(f), e é independente de w e U .

Demonstração: Pela Proposição 7.4, a família {fk}∞k=j não é normal a w,assim a primeira parte é imediata do teorema de Montel.

Suponhamos v �= W . Se f(z) = v, então, como f(W ) ⊂ W , segue-seque z �= W . Como C\W consiste de, no máximo, um ponto, então z = v.Consequentemente f é um polinómio de grau n tal que a única solução def(z) − v = 0 é v o que implica que f(z) − v = c(z − v)n para algum cconstante.

Se z está suficientemente próximo de v, então, fk(z)− v −→ 0 a medidaque k → +∞, em convergência uniforme, digamos,

{z : |z − v| < (2c)−1/(n−1)}.

Assim {fk} é normal a v, e o ponto excepcional v /∈ J(f). Claramente vsó depende do polinómio f . (De facto, se W omite um ponto v de C, entãoJ(f) é o círculo com centro v e rádio c−1/(n−1))

O corolário seguinte é a base de muitas imagens computadorizadas doconjunto de Julia:

Corolário 7.1 (a) A proposição seguinte é verdadeira para todo o z, com nomáximo uma excepção: se U é um conjunto aberto que intersecta J(f) entãof−k(z) intersecta U para infinitos valores de k.

(b) Se z ∈ J(f) então J(f) é o fecho de⋃∞

k=1 f−k (z) .

Demonstração:(a) Contanto que z não é o ponto excepcional do lema 6.2, z ∈ fk (U), e

assim f−k (z) intersecta U , para infinitos k.(b) Se z ∈ J(f) então f−k (z) ⊂ J(f), pela proposição7.2, tal que

⋃∞k=1 f

−k (z)e, consequentemente, seu fecho está contido no conjunto fechado J(f). Poroutro lado, se U é um conjunto aberto contendo z ∈ J(f), então f−k (z)intersecta U para algum k, por (a) ; z não pode ser o ponto excepcional pelolema 6.2, assim z está no fecho de

⋃∞

k=1 f−k (z).

Proposição 7.5 J(f) é um conjunto perfeito5 (isto é, fechado e sem pontosisolados) e é consequentemente não contável.

5Denominação devida a Cantor.

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92 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Demonstração: Sejam v ∈ J(f) e U uma vizinhança de v. Precisamosmostrar que U contém outros pontos de J(f). Consideramos três casos sep-aradamente.

(i) v não é um ponto fixo nem periódico de f . Pelo corolário 7.1(b) eproposição 7.2, U contém um ponto de f−k (v) ⊂ J(f) para algum k ≥ 1, eeste ponto deve ser diferente de v.

(ii) f(v) = v. Se f(z) = v não tem solução diferente de v, então, damesma maneira que na demonstração do lema 7.2, v /∈ J(f). Assim, existew = v com f(w) = v. Pelo corolário 7.1(b), U contém um ponto u def−k(w) = f−k−1(v) para algum k ≥ 1. Qualquer tal u está em J(f) pelainvariância oposta e é distinto de v, como fk (v) = v �= w = fk (u).

(iii) fp(v) = v para algum p > 1. Pela proposição 7.3, J(f) = J(fp),pelo que aplicando (ii) a fp vemos que U contém pontos de J(fp) = J(f)diferentes de v.

Assim J(f) não tem pontos isolados; considerando que é fechado, é per-feito. Finalmente, todo o conjunto perfeito é não contável.

Podemos agora provar o resultado principal desta subsecção, que o con-junto de Julia J(f) é fecho dos pontos periódicos repulsores de f .

Teorema 7.2 Se f é um polinómio, J(f) é o fecho dos pontos periódicosrepulsores de f .

Demonstração: seja w um ponto periódico repulsor de f de período p,assim w é um ponto fixo repulsor de g = fp. Suponhamos que {gk} é normala w; então w tem uma vizinhança aberta V no qual uma subsucessão {gki}converge para uma função analítica finita g0 (não pode convergir para o+∞ como gk(w) = w para todo o k). Por um resultado padrão de análisecomplexa, as derivadas também convergem, (gki)(z) −→ g0(z) se z ∈ V .Porém, pela regra de cadeia, |(gki)(w)| = |(g(w))ki| −→ +∞ como w é umponto fixo repulsor e |g(w)| > 1. Isto contradiz a finitude de g0(w), assim{gk} não pode ser normal a w. Assim w ∈ J(g) = J(fp) = J(f), pelaproposição 7.3. Como J(f) é fechado, segue-se que o fecho do conjunto dospontos periódicos repulsores está em J(f).

Seja E = {w ∈ J(f) tal que existem v �= w com f(v) = w e f(v) �= 0}.Suponhamos que w ∈ E. Então existe uma vizinhança aberta V de w noqual pode achar um inverso analítico local f−1 : V¨−→ C\V de forma quef−1(w) = v �= w (apenas escolhe valores de f−1(z) de umamaneira contínua).Definamos uma família de funções analíticas {hk} em V por

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 93

hk(z) =(fk(z)− z)

(f−1(z)− z).

Seja U qualquer vizinhança aberta de w com U ⊂ V . Desde w ∈ J(f) afamília {fk} e assim, da definição, a família {hk} não é normal em U . Peloteorema de Montel 7.1, hk(z) tem que tomar o valor 0 ou 1 para algum ke z ∈ U . No primeiro caso fk(z) = z para algum z ∈ U ; no segundo casofk(z) = f−1(z) assim fk+1(z) = z para algum z ∈ U. Deste modo, U contémum ponto periódico de f , w está no fecho dos pontos periódicos repulsorespara todo o w ∈ E.

Considerando que f é um polinómio, E contém tudo de J(f) com ex-cepção de um número finito de pontos. Como J(f) não contém nenhumponto isolado, pela Proposição 7.5, J(f) ⊂ E é um subconjunto do fecho dospontos periódicos repulsores. �

Se w for um ponto fixo atractor de f , escrevemos

A(w) = {z ∈ C : fk(z) −→ w a a medida que k −→ +∞} (7.2)

para a bacia de atracção de w. Definimos a bacia de atração de infinito,A(∞), do mesmo modo. Considerando que w é atractor, existe um conjuntoaberto V contendo w em A(w) (se w = +∞, podemos tomar {z : |z| > r},para r suficientemente grande). Isto implica que A(w) é aberto, desde entãose fk(z) ∈ V para algum k, então z ∈ f−k(V ), que é aberto.

A caracterização seguinte de J como o limite de qualquer bacia de atracçãoé extremamente útil para determinar o conjunto de Julia. Recorde a anotação∂A para o bordo de um conjunto A.

Lema 7.3 Seja w um atractor do ponto fixo de f. Então ∂A(w) = J(f).Omesmo acontece se w = +∞.

Demonstração: Se z ∈ J(f) então fk(z) ∈ J(f) para todo o k assim nãopode convergir para um ponto fixado atractor, e z /∈ A(w). Porém, se U équalquer vizinhança de z, o conjunto, fk(U) contém pontos de A(w) paraalgum k por lema 7.2, assim existem pontos arbitrariamente próximos de zque se repetem para w. Deste modo z ∈ A(w) e assim z ∈ ∂A(w).

Suponha z ∈ ∂A(w) mas z /∈ J(f). Então z tem uma vizinhança abertaconexa V em que {fk} tem uma subsucessão convergente para uma funçãoanalítica ou para +∞. A subsucessão converge para w em V ∩ A(w) que

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94 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

é aberto e ão vazio, e portanto em V , desde então uma função analíticaé constante em um conjunto conexo se for constante em qualquer subcon-junto aberto. Todos os pontos de V são transformados dentro de A(w) porrepetições de f , assim V ⊂ A(w), contradizendo que z ∈ ∂A(w). �

Para uma ilustração deste lema, recordemos o caso f(z) = z2. O conjuntode Julia é o círculo unitário que é o limite de A(0) e A(∞).

7.2.2 Funções quadráticas - o conjunto de Mandelbrot

Agora, focalizemos a nossa atenção no caso de funções quadráticas em C.Estudamos o conjunto de Julia de polinómios da forma

fc(z) = z2 + c. (7.3)

Tal não é tão restritivo como aparece à priori: se h(z) = αz + β(α �= 0)então

h−1(fc(h(z))) = (α2z2 + 2αβz + β2 + c− β)/α.

Escolhendo valores apropriados de α, β e c podemos transformar estaexpressão em qualquer função quadrática f . Então h−1 ◦ fc ◦h = f , pelo queh−1 ◦ fkc ◦ h = fk para todo o k. Isto significa que a sucessão das iteradas{fk(z)} de um ponto z sob f é apenas a imagem sob h−1da sucessão dasiteradas {fkc (h (z))} do ponto h (z) sob fc. A transformação h transformaa imagem dinâmica de f na de fc. Em particular, fk(z) −→ +∞ se e sóse fkc (z) −→ +∞ ; assim o conjunto de Julia de f é a imagem por h−1 doconjunto de Julia de fc.

A transformação h é chamada uma conjugação entre f e fc. Qualquerfunção quadrática é conjugada a fc para algum c, assim estudando os con-juntos de Julia de fc para c ∈ C, estudamos efetivamente os conjuntos deJulia de todos os polinómios quadráticos. Como h é uma transformação desemelhança, o conjunto de Julia de qualquer polinómio quadrático é geomet-ricamente semelhante ao de fc para algum c ∈ C.

É claro que f−1c (z) toma dois valores distintos ± (z − c)1/2, chamados osdois ramos de f−1c (z), excepto quando z = c. Assim se U é um conjuntoaberto pequeno com c /∈ U , então a pré-imagem f−1c (U) tem duas partes,ambas são transformadas bijectivamente e suavemente por fc sobre U .

Definimos o conjunto de Mandelbrot,M , para ser o conjunto de parâmet-ros c para qual o conjunto de Julia de fc é conexo

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 95

M = {c ∈ C : J(fc) é conexo}. (7.4)

À priori, M parece estar relacionado com uma propriedade bastante es-pecífica de J(fc). Na realidade, como veremos, M contém uma quantiaenorme de informação sobre a estrutura de conjuntos de Julia.

A definição (7.4) é ineficaz para propósitos computacionais. Derivamosuma definição equivalente que é muito mais útil para determinar se umparâmetro c fica em M e para investigar a forma extraordinariamente com-plicada de M ; veja a figura seguinte: mostramos que c ∈ M sse fkc (0) �+∞.

O conjunto de Mandelbrot M no plano complexo

Para fazer isto, precisamos conhecer primeiro um pouco sobre o efeito datransformação fc em curvas lisas. Para sermos breves, consideramos umacurva lisa (diferenciável), fechada, simples (sem auto-intersecções) no planocomplexo um loop. Referimo-nos ás partes de C dentro semelhante a umacurva como o interior e exterior do loop. Uma figura de oito é uma curva lisafechada com um único ponto de auto-intersecção.

Lema 7.4 Seja C um loop no plano complexo.(a) Se c está então dentro de C então f−1c (C) é um loop, com a imagem

inversa do interior de C como o interior de f−1c (C).

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96 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

(b) Se c fica em C, então f−1c (C) é uma figura de oito com auto-interseçãoá 0, tal que a imagem inversa do interior de C é o interior dos dois loops.

(c) Se c está fora de C, então f−1c (C) inclui dois loops separados, com aimagem invera do interior de C o interior dos dois loops.

Demonstração: Notemos que

f−1c (C) = ± (z − c)1/2

e(f−1c

)(C) = ±1

2(z − c)−1/2 ,

é finito e diferente de zero se z �= c. Consequentemente, se seleccionamos umdos dois ramos de f−1c (C), o conjunto f−1c (C) é localmente uma curva lisa,contanto que c /∈ C.

(a) Suponha que c está dentro de C. Toma um Ponto inicial w em C eescolhe um dos dois valores para f−1c (w). Permitindo f−1c (C) variar contin-uamente como z movimentos ao redor C, o ponto f−1c (C) localiza fora umacurva lisa. Quando z volta para w, f−1c (C) toma seu segundo valor. Comoz atravessa C, novamente, f−1c (C) continua em sua trajectória lisa que fechaa medida que z volta para w o segundo momento. Como c /∈ C, tem-se0 /∈ f−1c (C), assim fc(C) �= 0 em f−1c (C). Deste modo, fc é localmente umatransformação bijectiva lisa próximo dos pontos em f−1c (C). Em particu-lar z ∈ f−1c (C) não pode ser um ponto de auto-interseção de f−1c (C), casocontrário fc(C) seria uma auto-interseção de C, assim f−1(C) é um loop.

Como fc é uma função contínua que transforma o loop f−1c (C) e nãooutros pontos sobre o loop C, o polinómio fc têm que transformar o inte-rior e o exterior de f−1c (C) no interior e no exterior de C respectivamente.Consequentemente f−1c transforma o interior de C para o interior de f−1c (C).

(b) Prova-se de modo semelhante para (a), notando que se C0 é um pedaçoliso de curva por intermédio de c, então f−1c (C) consiste em dois pedaçoslisos de curva por causa de 0 que cruza em ângulos certos, provendo a auto-intersecção da figura de oito.

(c) Também é semelhante para (a), notando que desta vez, f−1c (C) sópode apanhar um dos dois valores a medida que z movimento ao redor de C,assim adquirimos duas loops.

Provemos agora o ‘teorema fundamental do conjunto de Mandelbrot’ quedá uma caracterização alternativa em termos de iteradas de fc.

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 97

Teorema 7.3

M = {c ∈ C : {fkc (0)}k≥1 é limitado} (7.5)

= {c ∈ C : fkc (0)� +∞ a medida que k −→ +∞}. (7.6)

Demonstração: Pelo lema 7.1 está claro que fkc (0) � +∞ se e só se{fkc (0)} é limitado, assim (7.5) e (7.6) são iguais.

(a) Mostramos primeiro que se {fkc (0)} é limitado então J(fc) é conectado.Seja C um círculo grande em C tal que todos os pontos {fkc (0)} ficam dentrode C, tal que f−1c (C) é interior a C e tal que pontos fora de iterada de Cpara +∞ sob fkc . Como c = fc(0) está dentro de C, lema 7.4(a) dá quef−1c (C) é um loop contida no interior de C. fc(c) = f 2c (0) também estádentro de C e f−1c transforma o exterior de C sobre o exterior de f−1c (C),assim c está dentro de f−1c (C). Aplicando o lema 7.4(a) novamente, f−2c (C)é um loop contido no interior de f−1c (C). Procedendo deste modo, vemos que{f−kc (C)

}consiste numa sucessão de loops, cada um contendo o próximo no

seu interior Seja K a notação do conjunto fechado de pontos que estão sobreou dentro das loops f−kc (C) para todo o k. Se z ∈ C\K alguma iterada fkc (z)fica fora de C e assim fkc (z) −→ +∞. Deste modo

A(∞) = {Z : fkc (z) −→ +∞ a medida que k −→ +∞} = C\K

assim K é o conjunto de Julia preenchido de fc. Pelo Lema 7.3 J(fc) é olimite de C\K que é, claro, igual ao limite de K. Mas K é a intersecçãode uma sucessão decrescente de conjuntos simplesmente conexos fechados(conjuntos que são conexos e tem complementos conexos), assim, por umsimples argumento topológico, K é simplesmente conexo e consequentementetem limite conexo. Assim J(fc) é conexo.(veja a figura seguinte)

7.2.3 Dos conjuntos de Julia ao conjunto de Mandel-brot

Vamos ver como a estrutura do conjunto de Julia J(fc) muda conforme oparâmetro c varia no conjunto C.

Com efeito, os pontos periódicos atractores de fc são cruciais para formaro conjunto J(fc). Demonstra-se que se w �= + ∞ for um ponto periódicoatractor do polinómio f então existe um ponto crítico z, com f ′(z) = 0, tal

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98 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Figura 7.1: Iteradas inversas de círculo c sob fc, ilustrando as duas partes dademonstração do teorema 7.3(a) c = −0.3 + 0.3i; (b) c = −0.9 + 0.5i

que fk(z) é atraído para a órbita periódica que contém w. Como o únicoponto crítico de fc é zero, fc tem no máximo uma órbita periódica atractora.Ademais, se c /∈M então, pelo teorema 7.3, fkc (0)→ +∞, portanto fc podenão ter órbitas periódicas atractoras.

Há uma conjectura segundo a qual o conjunto c, para o qual fc tem umaórbita periódica atractora, preenche o interior de M .

É natural classificar fc através do período p da órbita atractora finita, seexistirem; os valores de c correspondentes aos diferentes p podem ser identi-ficadas como as diferentes regiões do conjunto de Mandelbrot M .

Tem-se o seguinte resultado

Teorema 7.4 Seja |c| > 14

(5 + 2

√6)= 2.475... então J(fc) é totalmente

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 99

desconexo e é o atractor das contracções dadas por dois ramos de

f−1c (z) = ±(z − c)1

2

para z próximo de J . Quando |c| é grande e

dimB J(fc) = dimH J(fc) 12 log 2

log 4 |c| .

Como ilustração da demonstração, tem-se a figura abaixo:

�.

Teorema 7.5 Se |c| < 14então J(fc) é uma curva simples fechada.

Mostremos uma ilustração da demonstração:

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100 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Os conjuntos de julia J(fc) para c em vários pontos do conjunto de Man-delbrot podem ser analisados através de programas de computador, entre osquais o bastante difundido FRACTINT. Na figura abaixo exibimos a corre-

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7.2. CONJUNTOS DE JULIA E DE MANDELBROT 101

spondência J(fc)↔M para alguns pontos notáveis de M :

Para terminar esta secção exibimos uma selecção de conjuntos de Juliapara a função quadrática fc = z2 + c,

(a) c = −0.1 + 0.1i; fc tem um ponto fixo, e J é um quase círculo

(b) c = −0.5+0.5i; fc têm um ponto fixo atractor ,e J é um quase círculo

(c) c = −1 + 0.05i; fc tem uma órbita de período 2 atractora.

(d) c = −0.2 + 0.75i; fc tem uma órbita de período 3 atractora

(e) c = 0.25 + 0.52i; fc tem uma órbita de período 4 atractora

(f) c = −0.5 + 0.55i; fc tem uma órbita de período 5 atractora

(g) c = 0.66i; fc não tem qualquer órbita e J é totalmente desconexo

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102 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

(h) c = −i, fc2(0) é periódica e J é um “dendride”.

7.3 As Sucessões e os fractais: algumas ac-tividades

O nosso objectivo, nesta secção, é levar os fractais para a sala de aula demodo a tornar o ensino de matemática mais interessante e motivador com oauxílio da beleza e da curiosidade que estes despertam. Sendo assim, escolhe-mos as sucessões (no ensino secundário), mas especificamente, as progressõesgeométricas, visto que elas se mostram presentes de forma clara e harmoniosanos fractais.

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7.3. AS SUCESSÕES E OS FRACTAIS: ALGUMAS ACTIVIDADES 103

Vejamos um dos paradoxos6 de Zenão7o de Aquiles e a Tartaruga comoexemplo.

Aquiles, Herói grego que se destacou no cerco da Tróia, vai disputar umacorrida com uma Tartaruga. A Tartaruga parte em primeiro lugar.

Zenão argumenta que Aquiles antes de ultrapassar a tartaruga, tem dechegar ao ponto onde esta se encontrava quando ele partiu. Vamos designaresse ponto por T0.

Mas, quando Aquiles alcança o ponto T0, a Tartaruga já andou mais umbocado, encontrando-se agora em T1.

E quando Aquiles alcança o ponto T1, a Tartaruga já se adiantou outravez encontrando-se em T2.

E assim sucessivamente...

Esquematicamente:

Deste modo, Zenão concluiu: Aquiles não conseguirá ultrapassar a Tar-taruga, se sequer alcançá-la.

Convenhamos que é um pouco humilhante para um herói como Aquiles.Veremos se isso é mesmo verdade.

Por uma questão prática, suponhamos que Aquiles dá 100 metros deavanço a Tartaruga e que, em cada segundo percorre 10 metros enquantoque a tartaruga percorre apenas 1.

Assim:- ao fim de 10 segundos alcança o ponto T0,mas a Tartaruga já se adiantou

10 metros;- passando mais um 1 segundo alcança o ponto T1, mas a Tartaruga já se

adiantou 1 metro;

6Podemos definir um paradoxo ou uma situação paradoxal como uma situação que éaparentemente contraditório.

7Zenão de Eleia é um matemático grego que viveu no século V a.c.

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104 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

- 0, 1 segundo depois chega ao ponto T2, mas a Tartaruga ainda leva 0, 1metro de avanço,

- ....Podemos concluir que o tempo que Aquiles leva a alcançar é dado pela

soma:

10 + 1 +1

10+

1

100+

1

1000+ · · · segundos

Novamente estamos em presença da soma de todos os termos de umaprogressão geométrica em que o primeiro termo é 10 e a razão é 1

10. Para a

calcularmos vamos começar por determinar a soma dos n primeiros termos daprogressão, ou seja, o tempo gasto nos n primeiros deslocamentos de Aquiles.

Sn = 10× 1−(110

)n

1− 110

=100

9×[1−

(1

10

)n]

Como limn→∞

Sn = 1009, a soma de todos os termos da sucessão converge para

1009.Isto significa que Aquiles leva 11 segundos e 1

9a alcançar a Tartaruga.

De seguida, apresentamos uma sequência de actividades que podem serusadas para motivar o estudo da soma de todos os termos de uma progressãogeométrica.

I - Árvores

Árvore A

A figura ilustra uma sequência – a sequência de construção da árvore –apresentando três gerações sucessivas. A geração zero é constituída por umsegmento de medida 1.

Para se obter a primeira geração, divide-se o segmento inicial ao meio, eno seu ponto médio, acrescenta-se um novo segmento com metade do compri-

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7.3. AS SUCESSÕES E OS FRACTAIS: ALGUMAS ACTIVIDADES 105

mento do inicial, de modo a formar um ângulo de 60o com o segmento inicial.A geração 1 fica assim constituída por três segmentos de dimensão 1/2.

Para se obter a geração 2, segue-se o mesmo processo. Divide-se cadasegmento anterior ao meio, e no seu ponto médio, acrescenta-se um novosegmento com metade do comprimento do anterior, formando ângulos de60◦. Obtém-se então a geração 2, que fica constituída por nove segmentosde dimensão 1/4.

1. Considera agora as duas sequências seguintes e explica, para cada umadelas, a regra de construção das sucessivas gerações.

Árvore B

Árvore C

2. Para cada uma das árvores, preenche a seguinte tabela.

NS CS CTgeração 0geração 1geração 2geração 3

... ... ... ...n-ésima geração

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106 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

NS - Números de segmentos na n-ésima geração

CS - Comprimentos de segmentos na n-ésima geração

CT - Comprimento total na n-ésima geração

II - Floco de neve

A figura seguinte mostra três gerações da sequência de construção dofloco. O comprimento do lado do triângulo da geração 0 é uma unidade.

1. Preencha o seguinte quadro, observando a figura.

NL CL perímetro áreageração 0geração 1geração 2geração 3

... ... ... ... ...n-ésima geração

NL - Numero de lados

CL - Comprimento dos lados

2. O floco de neve pode inscrever-se numa circunferência, conforme sepode observar na seguinte figura.

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7.3. AS SUCESSÕES E OS FRACTAIS: ALGUMAS ACTIVIDADES 107

• Consegues calcular a área do círculo?• Compara a área do círculo com a do fractal. Qual é a sua relação?3. Será possível encontrar uma figura geométrica que mais se aproxime

do floco de neve? Caracteriza-a e relaciona a sua área com a do fractal.III - Fractais de papelActividade 1 — Construção de fractaisEsta actividade tem como principal objectivo aplicar o conceito de auto

semelhança, já que os alunos vão construir fractais cujas partes são semel-hantes ao todo. Como se pode observar, esta actividade é bastante moti-vadora, inovadora e por não dinâmica.

Com alguma habilidade para cortar e dobrar, podes construir tu mesmoum bonito fractal de papel. Sendo assim, apresentamos duas propostas deconstrução:

- Na primeira precisarás de um esquema e algumas indicações de con-strução (em anexo), um x-acto, uma régua, uma cartolina e uma cola.

- Na segunda, através de instruções simples constroirás fractais com a uti-lização de folhas coloridas, régua, lápis, borracha e tesoura. A construção serápor fase, que serão as gerações dos fractais, conforme descrito nas orientaçõesem anexo. O objectivo desta proposta é fazer com que o aluno identifiqueperceba que em cada dobradura construída as transformações mostram umasemelhança geração a geração, isto é, apresenta uma forma cuja nova geraçãose assemelha ao seu todo sob o aspecto da repetição dos elementos.

Actividade 2Os objectivos desta actividade são: estabelecer generalizações a partir

da observação da relação parte/todo dos fractais construídos, para assim

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108 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

compreender as fórmulas do termo geral e da soma dos n termos de umaProgressão Geométrica; estabelecer generalizações a partir da observação dasdimensões dos fractais apresentados. Para isso, após a construção do fractalpreencha o quadro a seguir.

número de elementos dimensão de cada elementogeração 0geração 1geração 2geração 3

... ... ...n-ésima geração

7.3.1 Soluções

I - ÁrvoresNS CS CT

B 5n 13n

(53

)n

C{1 , n=03.2n−2 , n�=0

12n

n+ 1

D 7n 14n

(74

)n

NS - Números de segmentos na n-ésima geraçãoCS - Comprimentos de segmentos na n-ésima geraçãoCT - Comprimento total na n-ésima geraçãoII - Floco de neve1.NL CL Perímetro Áreas

3× 4n 13n

4n

3n−1

{A , n=0

A+ 3

5A[1−( 49)

n] , n�=0

NL - Numero de ladosCL - Comprimento dos lados2.Área do fractal

limn→++∞

An = 0, 704

Área do circulo

raio r =

√3

3Acırculo =

π

3⇔ Acırculo

∼= 1, 047

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7.3. AS SUCESSÕES E OS FRACTAIS: ALGUMAS ACTIVIDADES 109

RazãoAFractal

Acırculo

∼= 0, 67

3.Área do hexágono

Ahexagono =

√3

2⇐⇒ Ahexagono

∼= 0, 866

RazãoAFractal

Ahexagono

∼= 0, 813

A figura geométrica que mais se aproxima do floco de neve é um hexágono.

III - Fractais de Papel

NE DE DNECascata Triangular 3n+1−1

2A×B × C 1

2nA× 1

2nB × 1

2nC

Degraus Alternados 2n+1 − 1 A×B × C 12nA× 1

2nB × 1

2nC

Cubos Invertidos n+ 1 A× A× A 12nA× 1

2nA× 1

2nA

Fractal Central 2n+1 − 1 A×B × C 12nA× 1

2nB × 1

2nC

NE - Números de elementos na n-ésima geraçãoDE - Dimensões do elemento da geração 0DNE - Dimensões de cada novo elemento na n-ésima geraçãoA - comprimento; B - largura; C - altura

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110 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

7.4 “Fractais” Naturais

Historicamente, o interesse pela geometria foi estimulado por suas aplicaçõespara Natureza. A elipse assumiu importância como a forma de órbitas plan-etárias, como fez a esfera como a forma da Terra. A geometria da elipsee da esfera podem ser aplicadas a estas situações físicas. Claro que, ór-bitas não são bastante elípticas, e a terra não é realmente esférica, mas paramuitos propósitos, como a predição de movimento planetário ou o estudo docampo gravitacional da terra, estas aproximações podem ser perfeitamenteadequadas.

O mesmo acontece para com os fractais. Um olhar para a recente lit-eratura de físicas mostra a variedade de objectos naturais que são descritoscomo fractais — fronteiras da nuvem, superfícies topográficas, litorais, tur-bulência em fluidos, e assim por diante. Mas segundo Falconer, nenhumdesses são verdadeiros fractais - suas características fractais desaparecem seeles forem visto a escalas suficientemente pequenas. Contudo, sobre certasgamas de escala eles se aparecem muito com fractais, e para tais escalaspodem ser utilmente considerados como tal. A diferença entre “fractais nat-urais” e os “conjuntos fractais” matemático que poderia ser usado para osdescrever foi enfatizado em composição original de Mandelbrot, mas estadistinção parece ter-se tornado um pouco obscurecida. Não há nenhum ver-dadeiro fractal na natureza, mas sim aproximações de fractais (Fractais nat-urais). Estes objectos exibem uma estrutura complexa próxima aos objectosmatemáticos, porém finitas se as observarmos em maiores escalas.

Os fractais naturais estão à nossa volta, basta observarmos as nuvens,as montanhas, os rios e seus afluentes, os sistemas de vasos sanguíneos, osfeixes nervosos, etc. Sendo assim, apresentamos de seguida alguns exemplosdos considerados fractais naturais.

Começamos pelo reino vegetal, por ser uma das fontes mais ricas de es-truturas fractais:

Feto

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7.4. “FRACTAIS” NATURAIS 111

Brócolos

Mandelbróculos... ahem! Uma qualidade especial de brócolos chamadaromanesco.

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112 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Baobabe: árvore da África tropical, de tronco enorme, também conhecidapor embondeiro.

As estruturas fractais aparecem igualmente nas formações geológicas eoutros fenómenos naturais:

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7.4. “FRACTAIS” NATURAIS 113

Fotografia da érea de uma porção da costa da Ilha de Santiago

Relâmpago

Até mesmo no reino animal as estruturas fractais estão presentes:

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114 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

Sistema arterial do coração

Pulmões, sistema respiratório

Cymbiola Imperialis (a concha dos moluscos desta espécie apresenta padrões

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7.4. “FRACTAIS” NATURAIS 115

que se assemelham aos triângulos de Sierpinski)

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116 CAPÍTULO 7. EXEMPLOS E APLICAÇÕES

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CAPÍTULO 8

Conclusão

O trabalho consistiu de uma investigação bibliográfica sobre os fractais, suacaracterização, geração e algumas aplicações. As bases necessárias à leituraproveitosa deste texto, são também aquelas que nos serviram de fundamen-tos para a sua elaboração: álgebra e geometria lineares e topologia. Osconceitos aprendidos ao longo da nossa formação foram mais que suficientes,mesmo em relação a matérias que nunca abordamos nas aulas, tal como ateoria da medida, por exemplo. Aliás a geometria fractal não foi um tematratado formalmente no curso, donde o nosso grande interesse em enriquecera nossa formação com esse tema, que se revelou integrador de várias áreasde conhecimento adquiridas no curso.

Ao longo da feitura do trabalho fomo-nos apercebendo da complexidadede alguns resultados, mas sobretudo da sua beleza e interesse. Assim, re-comendamos a introdução da geometria fractal como matéria formal in-tegrada numa disciplina do curso, assim como a possibilidade de, no Lab-oratório de Matemática do ISE se proceder a experimentações nessa área. Orecurso a computadores e a programas de geração e estudo dos fractais tam-bém deve ter lugar, na disciplina de computadores no ensino da matemática,ou na didáctica da geometria, por exemplo.

Tudo para que os formados tenham habilidades na matéria e possam uti-lizar os fractais no ensino da matemática no secundário. Dado ao alto podermotivador - devida às várias questões que suscita - os fractais constituemuma ferramenta didáctica excelente.

* * *

Apesar da nossa motivação em apresentar, como dissemos na introdução,

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118 CAPÍTULO 8. CONCLUSÃO

um trabalho de nível introdutório mas tão completo quanto possível e auto-suficiente como texto, e do nosso grande esforço nesse sentido, por se tratarde um trabalho de fim de curso, mantivemo-nos limitados - embora tendoexcedido a paginação recomendada. Naturalmente muitos tópicos ficarampor tratar e constituirão a continuidade do presente trabalho: alguns con-cernentes aos fundamentos, tais como projecção, intersecção e produto defractais; outros concernentes a desenvolvimentos e aplicações, tais como frac-tais aleatórios, aplicações à Física, à Mineralogia e a outras ciências. Ficoutambém de fora a exploração de softwares, como por exemplo FRACTINT.

Finalmente resta-nos referir que o presente projecto representou para nósmais uma grande oportunidade de formação, para que possamos mais e mel-hor contribuir como profissionais para o desenvolvimento do sistema educa-tivo caboverdiano.

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CAPÍTULO 9

Bibliografia

[1] Barnsley, M. F. - Fractals everywhere, Academic Press, Boston, 1993.[2] Canavarro, Ana Paula; Nunes, Claúdia; Alves, Diogo, Alves, Sofia -

Fractais no ensino secundário, Associação dos professores de Matemática,Lisboa.

[3] Falconer, Kenneth - Fractal geometry, mathematical foundations andaplications, Wiley, London, 2003.

[4] Fortes, Paulino Lima - Topologia, abordagem métrica, Apontamentosda disciplina de Topologia, ISE, 2004 (não publicado).

[5] Gonçalves, Andrea Gomes - Uma sequência de ensino para o estudo deprogressões geométricas via fractais, Pontifícia Universidade Católicas, SãoPaulo, 2007.

[6] Lopes, Ana Vieira (et al) - Matemática 11o sucessões, Edições con-traponto, Porto.

[7] Mandelbrot, Benoit - Objectos fractais: forma, acaso e dimensão,Gradiva Pulblicações, Lisboa, 1991.

[8] Pereira, António Barbosa - Fractais: caracterização e leis de formação,Universidade Estadual Vale do Acaraú, Ceará, 2007.

[9] Santos, Célia - Fractais e sistemas de funções iteradas, Seminário dematemática para o ensino, Falculdade de ciências da universidade de Lisboa.

[10] Tiago de Oliveira, J. C. - O lugar dos fractais, in Caos e Metapsi-cologia, Fenda, Coimbra, 1994.

[11] Tricot, Claude - Courbes et dimension fractale, Springer-Verlag, Que-bec, 1993

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120 CAPÍTULO 9. BIBLIOGRAFIA

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CAPÍTULO 10

Anexo

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