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CRIME SOCIEDADE S e pensa que as principais vítimas dos cigarros são apenas os fumadores, engana-se. Os roubos em armazéns, de máquinas de venda e carrinhas de transporte não param de crescer e tornam-se cada vez mais perigosos para os profissionais deste ramo: os sequestros estão a banalizar- -se, no dia-a-dia destes funcionários, confor- me confirma à VISÃO o tenente-general Le- onel de Carvalho, 64 anos, responsável pelo Gabinete Coordenador de Segurança. Os números concretos encontram-se diluídos nas estatísticas de assaltos à mão armada mas os grossistas contactados men- cionam «largas dezenas» de ocorrências, só no último ano. João Passos, 44 anos, presi- dente da Associação de Grossistas de Taba- co do Sul (AGTSUL), diz que existem redes criminosas e fala no carácter «poderoso, or- ganizado e extremamente violento» destas organizações. «O modus operandi é, regra geral, o mes- mo. Os criminosos seguem a carrinha de transporte, fazem-na parar e, com a ameaça de uma arma, obrigam o condutor a sair. De- pois sequestram-no e levam a carrinha para um local ermo, descarregando o tabaco para os seus carros, que, muitas vezes, são rouba- dos propositadamente para realizar esses assaltos», explica Leonel de Carvalho. Tabaco (quase) mata Os assaltos a armazenistas e distribuidores têm aumentado em número e em violência POR PATRÍCIA FONSECA E PEDRO SANTOS algemaram, levando todo o carregamen- to do dia. «Ando sempre a olhar para a sombra…», con- fessa. «Há muita gen- te que não quer voltar a sair para a rua», confirma Jor- ge Duarte, 58 anos, presidente da Asso- ciação Nacional de Grossistas de Taba- co (ANGT). «Agora é também mais difícil contratar pessoal para este serviço.» O comércio de tabaco envolve grandes somas de dinheiro. «Só a AGTSUL contri- bui com 80 milhões de euros em impostos», diz João Passos, acreditando que, «cada vez que o tabaco aumenta, aumenta também a criminalidade». E o valor das mercadorias roubadas «é de tal ordem que já nos recusam seguros», adianta o presidente da ANGT. PREJUÍZO DE MILHÕES Ricardo Manroc, 36 anos, grossista de taba- co no distrito de Setúbal, uma das regiões mais fustigadas pelos assaltantes, já perdeu 178 mil euros em quatro roubos às suas car- rinhas e a três dezenas de máquinas de ven- da de tabaco. Desde 2000, os grossistas do Sul já contaram mais de um milhão de euros em prejuízos. O empresário acusa as autori- dades de terem medo e de «não estarem pre- paradas para esta onda de violência». Laura Passos, 68 anos, já chegou a estar sequestrada dentro do seu próprio arma- zém. «Até hoje, não tive qualquer resposta das autoridades», lamenta. Talvez por esse motivo, a sua empresa pareça hoje uma pri- são – grades em todas as janelas e barras de ferro nas portas. Em 2007, gastou mais de 100 mil euros em medidas de segurança. Esta é uma situação que preocupa o Gabi- nete Coordenador de Segurança. «Criámos um programa para combater o problema, em conjunto com as associações e empre- sas do sector, designado Transporte Segu- ro de Tabaco», adianta Leonel de Carvalho. Esta é, diz, «uma investigação prioritária das forças de segurança». 112 v24 DE ABRIL DE 2008 Reinaldo Abreu, 67 anos, distribuidor na zona de Setúbal há quase um ano, foi vítima de tentativa de assalto, em Março. Duas vezes, no mesmo dia, no mesmo café. Uma semana depois, seguiram-no de car- ro e tentaram de novo. «Tenho medo. Há uma pressão muito grande e estou sempre a pensar nisto», diz Reinaldo, que substi- tuiu, na empresa, um colega assaltado e sequestrado, no Verão de 2007, e que, até hoje, se encontra de baixa psiquiátrica. Também Manuela Gomes, 45 anos, ain- da treme quando se recorda do dia, em 2000, em que dois homens encapuzados entraram no armazém onde trabalhava e a FOTO: MARCOS BORGA A última técnica Uma nova «arma» tem sido utilizada, este ano, nos roubos de máquinas de tabaco si- tuadas dentro de cafés: os extintores. Com eles, os assaltantes lançam uma nuvem de pó para gerarem a confusão e evitarem ser reconhecidos – e captados por eventuais câmaras de vigilância. Nalguns casos, o acto é precedido pelo abalroamento com um veículo (geralmente roubado) das vitri- nas dos estabelecimentos. LAURA PASSOS Mais de 100 mil euros gastos em medidas de segurança para proteger o seu negócio

tabaco quase mata

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SOCIEDADE PREJUÍZO DE MILHÕES Uma nova «arma» tem sido utilizada, este ano, nos roubos de máquinas de tabaco si- tuadas dentro de cafés: os extintores. Com eles, os assaltantes lançam uma nuvem de pó para gerarem a confusão e evitarem ser reconhecidos – e captados por eventuais câmaras de vigilância. Nalguns casos, o acto é precedido pelo abalroamento com um veículo (geralmente roubado) das vitri- nas dos estabelecimentos. 112 v 24 DE ABRIL DE 2008 FOTO: MARCOS BORGA

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CRIME SOCIEDADE

Se pensa que as principais vítimas dos cigarros são apenas os fumadores, engana-se. Os roubos em armazéns, de máquinas de venda e carrinhas de

transporte não param de crescer e tornam-se cada vez mais perigosos para os profi ssionais deste ramo: os sequestros estão a banalizar--se, no dia-a-dia destes funcionários, confor-me confi rma à VISÃO o tenente-general Le-onel de Carvalho, 64 anos, responsável pelo Gabinete Coordenador de Segurança.

Os números concretos encontram-se diluídos nas estatísticas de assaltos à mão armada mas os grossistas contactados men-cionam «largas dezenas» de ocorrências, só no último ano. João Passos, 44 anos, presi-dente da Associação de Grossistas de Taba-co do Sul (AGTSUL), diz que existem redes criminosas e fala no carácter «poderoso, or-ganizado e extremamente violento» destas organizações.

«O modus operandi é, regra geral, o mes-mo. Os criminosos seguem a carrinha de transporte, fazem-na parar e, com a ameaça de uma arma, obrigam o condutor a sair. De-pois sequestram-no e levam a carrinha para um local ermo, descarregando o tabaco para os seus carros, que, muitas vezes, são rouba-dos propositadamente para realizar esses assaltos», explica Leonel de Carvalho.

Tabaco (quase) mataOs assaltos a armazenistas e distribuidores têm aumentado em número e em violência

POR PATRÍCIA FONSECA E PEDRO SANTOS

algemaram, levando todo o carregamen-to do dia. «Ando sempre a olhar para a sombra…», con-fessa.

«Há muita gen-te que não quer voltar a sair para a rua», confi rma Jor-ge Duarte, 58 anos, presidente da Asso-ciação Nacional de Grossistas de Taba-

co (ANGT). «Agora é também mais difícil contratar pessoal para este serviço.»

O comércio de tabaco envolve grandes somas de dinheiro. «Só a AGTSUL contri-bui com 80 milhões de euros em impostos», diz João Passos, acreditando que, «cada vez que o tabaco aumenta, aumenta também a criminalidade». E o valor das mercadorias roubadas «é de tal ordem que já nos recusam seguros», adianta o presidente da ANGT.

PREJUÍZO DE MILHÕESRicardo Manroc, 36 anos, grossista de taba-co no distrito de Setúbal, uma das regiões mais fustigadas pelos assaltantes, já perdeu 178 mil euros em quatro roubos às suas car-rinhas e a três dezenas de máquinas de ven-da de tabaco. Desde 2000, os grossistas do Sul já contaram mais de um milhão de euros em prejuízos. O empresário acusa as autori-dades de terem medo e de «não estarem pre-paradas para esta onda de violência».

Laura Passos, 68 anos, já chegou a estar sequestrada dentro do seu próprio arma-zém. «Até hoje, não tive qualquer resposta das autoridades», lamenta. Talvez por esse motivo, a sua empresa pareça hoje uma pri-são – grades em todas as janelas e barras de ferro nas portas. Em 2007, gastou mais de 100 mil euros em medidas de segurança.

Esta é uma situação que preocupa o Gabi-nete Coordenador de Segurança. «Criámos um programa para combater o problema, em conjunto com as associações e empre-sas do sector, designado Transporte Segu-ro de Tabaco», adianta Leonel de Carvalho. Esta é, diz, «uma investigação prioritária das forças de segurança».

112 v 24 DE ABRIL DE 2008

Reinaldo Abreu, 67 anos, distribuidor na zona de Setúbal há quase um ano, foi vítima de tentativa de assalto, em Março. Duas vezes, no mesmo dia, no mesmo café. Uma semana depois, seguiram-no de car-ro e tentaram de novo. «Tenho medo. Há uma pressão muito grande e estou sempre a pensar nisto», diz Reinaldo, que substi-tuiu, na empresa, um colega assaltado e sequestrado, no Verão de 2007, e que, até hoje, se encontra de baixa psiquiátrica.

Também Manuela Gomes, 45 anos, ain-da treme quando se recorda do dia, em 2000, em que dois homens encapuzados entraram no armazém onde trabalhava e a

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A última técnicaUma nova «arma» tem sido utilizada, este ano, nos roubos de máquinas de tabaco si-tuadas dentro de cafés: os extintores. Com eles, os assaltantes lançam uma nuvem de pó para gerarem a confusão e evitarem ser reconhecidos – e captados por eventuais câmaras de vigilância. Nalguns casos, o acto é precedido pelo abalroamento com um veículo (geralmente roubado) das vitri-nas dos estabelecimentos.

LAURA PASSOSMais de 100 mil euros gastos em medidas de segurança para proteger o seu negócio