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.e- ""-'''_:_''':''. ''i' {.;. ...••. ~._""'." .. ,',.= CASES TELETRABALHO E ...., COMUNICAÇAO EM GRANDES CPDs * Angelo Soares Como o trabalho descentralizado pelo teletrabalho num CPD afeta a comunicação informal? Quais são suas semelhanças e diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento? How decentralized work by telework in a DPC affects the informal communication? Which are their similarities and differences between developed and developing countries? PALAVRAS-CHAVE: Teletrabalho, centros de processamento de dados, digitadores, taylorismo, co- municação informal, trabalho feminino, isolamento social, organização do trabalho, computadores, informati- zação, informática. KEYWORDS: Telework, data-processing centres, data-entry workers, taylorism, informal commu- nication, women work, social isolation, work organization, computers, informatization, informatics. <Doutorando em Sociologia na Université Lavai, Québec. 64 A utilização de computadores tornou-se uma rotina nos países de- senvolvidos e em desenvolvimento. Entretanto, todo esse desenvolvi- mento tecnológico acabou transformando o computador num objeto de culto nas sociedades, resgatando dos séculos XVI e XVIIo 11 culto das máquínas'", Dessa forma, os computadores, enquanto máquinas, são supervalorizados e o trabalho humano, que eles exigem, permanece oculto. Esse culto pode ser observado, por exemplo, em comentários como 11 o computador nunca erra", 11 no futuro o computador vai nos permitir 11 Falta comunicação, a gente fica muito isolado, parece até que a gente nem existe." Revista de Administração de Empresas Mar./Abr. 1995 São Paulo, v. 35, n. 2, p. 64-77

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CASES

TELETRABALHO E....,COMUNICAÇAO EMGRANDES CPDs

* Angelo Soares

Como o trabalho descentralizado pelo teletrabalho num CPD afeta a comunicação informal?Quais são suas semelhanças e diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento?

How decentralized work by telework in a DPC affects the informal communication? Which are theirsimilarities and differences between developed and developing countries?

PALAVRAS-CHAVE:Teletrabalho, centros deprocessamento de dados,digitadores, taylorismo, co-municação informal, trabalhofeminino, isolamento social,organização do trabalho,computadores, informati-zação, informática.

KEYWORDS:Telework, data-processingcentres, data-entry workers,taylorism, informal commu-nication, women work, socialisolation, work organization,computers, informatization,informatics.

<Doutorando em Sociologia naUniversité Lavai, Québec.

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A utilização de computadores tornou-se uma rotina nos países de-senvolvidos e em desenvolvimento. Entretanto, todo esse desenvolvi-mento tecnológico acabou transformando o computador num objeto deculto nas sociedades, resgatando dos séculos XVIe XVIIo 11 culto dasmáquínas'", Dessa forma, os computadores, enquanto máquinas, sãosupervalorizados e o trabalho humano, que eles exigem, permaneceoculto. Esse culto pode ser observado, por exemplo, em comentárioscomo 11 o computador nunca erra", 11 no futuro o computador vai nos permitir

11 Falta comunicação, a gentefica muito isolado, parece atéque a gente nem existe."

Revista de Administração de Empresas Mar./Abr. 1995São Paulo, v. 35, n. 2, p. 64-77

1. Nos séculos XVI e XVII haviaum grande entusiasmo em rela-ção às máquinas, um "culto àsmáquinas", como AgostinoRamelli, engenheiro do rei daFrança, por exemplo, mostra emseu livro Le diverse etartificiose macchine, publica-do em 1588, na França, ondeele descreve e ilustra o "órgãode flores", uma máquina quereproduzia o canto de um pás-saro que saía de um imenso bu-quê de flores. Na realidade, ocanto do pássaro era produzidopor um escravo que, de um cô-modo adjacente, soprava umpequeno tubo ligado ao órgão,que produzia o canto. Dessamaneira, o escravo produzia osom sem ser visto pelas pesso-as, que admiravam o belo can-to do pássaro.

2. TOFFLER,A. The third wave.London: Collins, 1980.

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o trabalho em casa". Alvin Toffler2 argumenta que, nas indústrias da "ter-ceira onda", que são baseadas nos computadores, o esforço humanoserá mental e não físico. Em vez de aumentar a força física, as novastecnologias vão aumentar o poder da mente, e os escritórios vão se trans-formar em "chalés eletrônicos" .

Por outro lado, os trabalhadores informáticos'' permanecem" escon-didos" do público. É importante salientar que os "feitos miraculosos"possibilitados pelos computadores necessitam uma grande quantida-de de trabalho humano. Os trabalhadores informáticos são freqüen-temente considerados como os profissionais do futuro e o trabalhoinformático é apresentado como moderno, racional, intelectual (umaprofissão para gênios), agradável e lucrativo. Essa imagem era verda-deira nos primórdios da informática, mas ainda mantém a sua popula-ridade, apesar de não ser mais verdadeira.

O computador tornou-se o expoente maior do moderno nas socieda-des contemporâneas. "O moderno é tomado como sendo 'bom em si' porqueé moderno e oferece-se como sinônimo de racional. Seu contraponto é o tradi-cional, o arcaico, isto é, o irracional'", Assim, sempre que se desejar atri-buir racionalidade, competência, modernidade a uma tarefa ou a umadecisão, certamente ela será confiada a um computador. Na verdade,somos" preparados para acreditar que vivemos numa Era da Informação, quefaz de todos os computadores ao nosso redor aquilo que as relíquias da Cruzsignificavam na Idade da Fé: emblemas de eaioação'",

Outra imagem preconizada é a do trabalho feito em casa, com com-putadores interligados através de redes de telecomunicações, que per-mitirá, principalmente às mulheres, trabalhar em casa, escolhendo li-vremente o horário de trabalho. A vida no trabalho e a vida privadaseriam integradas, resultando num aumento de produtividade, econo-mia de energia e menos stress. Mães poderiam tomar conta de seus fi-lhos e permanecer no mercado de trabalho. Sendo assim, as novas

Artigo publicado originalmente, sob o título "Telework and Communication in Data Processing Centers in Brazil",na Technology-Mediated Communication, Berlin, New York: Walter de Gruyter, 1992, p. 117-45.

3. Utilizamos o termo "trabalha-dores informáticos" para referirtodo trabalho humano que é ne-cessário à operação de compu-tadores: analistas, programado-res, digitadores, preparadoresde dados, fitotecários, operado-res de computadores etc.

4. CHAUí, M. O moderno comoideologia. Folha de S. Paulo,São Paulo, 21 out. 1985, p. 2.

5. ROSZACK, T. O culto da in-formação. São Paulo: Brasi-liense, 1988, p. 12.

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tecnologias parecem re-solver todos os proble-mas da vida contemporâ-nea. Todavia, s50 verda-deiras essas promessas?

Até recentemente. asexperiências de teletr a-ba Iho estavam restritasaos países desenvolvi-dos, onde se instaurouum grande debate sobreseus aspectos positivos enegativos. Mas serão asímplicaçôes e os padrõesde introd uçâo cio tele-trabalho os mesmos para

os países desenvolvidos e em desenvolvimento? Um caso brasileiro deteletrabalho, que será discutido nesse artigo, permite-nos revelar al-guns aspectos ligados a essa questão. Utilizando uma abordagem qua-litativa, analisamos a questão da comunicaçào horizontal nos grandesCPDs e como a dcscentralizaçào, feita através do teletrabalho, afeta essaforma de comunicação. Finalmente, mostramos como trabalhadores eadministradores têm vivenciado essa nova forma de organizaçào dotrabalho.

6. Para uma discussão mais de-talhada sobre a organização e ascondições de trabalho nos gran-des CPOs brasileiros, ver SOA-RES, A. A organização do tra-ba/lJO informático. São Paulopue, 1989. (dissertação demestrado); SOARES, A. lhehard lile of the unskilled workersin new technologies: data-entryclerks in Brazil - a case study In.BULLlNGER, H.J (Ed.). Humanaspects in camputing: designand use of interactive systemsand information management.Amsterdam: Elsevier Science,1991, p 1219-23.

7. LlTILER, e. R. Understandingtaylorisrn. British Journa/ otSocio/agy, v. 29, n. 2, 1978. p.185-202.

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Apesar de os trabalhadores informáticos serem considerados comotrabalhadores de "colarinho branco", que desempenhariam tarefasamenas, limpas, intelectuais e não-cansativas do ponto de vista físico,podemos considerá-los como trabalhadores de uma h'Tande fábrica ondea matéria-prima sáo os documentos que devem ser processados e quepassam através de uma linha de montagem (ver figura 1). O produtofinal são os relatórios e outros documentos que devem ser enviados aoclientes.

;\ organização do trabalho nos grandes CPDs brasileiros segue cla-ramente os pressupostos do taylorismo". que será considerado aqui nãocomo um conjunto de idéias ul-trapassadas por ou tras escolasda teoria das organizaçfJes, mascomo um conjunto de idéias quesustentam a organização do tra-balho. Littlcr nos propõe trêscategorias para analisar umaorganização do trabalhotaylorista: 1. a divisão do traba-lho; 2. a relação implícita de tra-balho; e 3_ a estrutura do con-trole sobre a tarefa desempe-nhada.

A fragmentação do trabalhoinformático teve seu início já nametade dos anos 50 e resultounum processo de polarização

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TELETRABALHO E COMUNICAÇÃO EM GRANDES CPOS

controle corrrtrnro sobre lOS

trabalhadores, írrrpondo urnadtsctpltna sever-a e um rtrrnode t.rabalho padronjzado, que

limitam a corrumícaçãohorizontal.

das qualificações. Nos CPDs brasileiros, por exemplo, a maioria dostrabalhadores informáticos (83.5%)desempenham tarefas pouco quali-ficadas (ver quadro 1). Essa fragmentação, segundo Greenbaum", ocor-re dentro de uma hierarquia rígida, criada para reforçar os efeitos dapadronização do trabalho e pagar, assim, os salários mais baixos pos-síveis.

O trabalho num CPD pode ser bem descrito por um modelo 11 em quehá uma conexão mínima entre o indivíduo e a organização em termos de qua-lificação, treinamento, envolvimento e complexidade de sua contribuição, emtroca de uma flexibilidade máxima e independência por parte da organizaçãona utilização de sua mão-de-obra'", Os programas de treinamento são ra-ros'" e a maioria dos trabalhadores informáticos exprimem o seu des-contentamento quanto a esse aspecto. O treinamento é feito no duranteo trabalho (on the job), onde um(a) trabalhador(a) mais experiente ensi-na o(a) novato(a).

Essa estratégia de deixar o treinamento para ser feitodurante o trabalho, em grupos informais, é muito comumnos CPDs brasileiros, segundo dois operadores: 11 Treina-mento? Não. Na hora você aprende levando cacetada. Trabalhoeu e uma outra pessoa mais nova, então eu passo pra ele o ser-viço que ele vai aprender com o tempo". 11 Até agora não tevecurso nenhum de preparação, e vai mudar agora! Entãoa gente vai ter que aprender na raça." 11

Finalmente, o controle sobre o desempenho das tare-fas é rígido. No setor de digitação esse controle muitasvezes é duplo: supervisor & computador. O trabalho écontrolado eletronicamente, e mesmo o tempo gasto nosbanheiros é controlado. Dessa maneira, temos, nos CPDs, o apareci-mento de um "tempo integralmente útil,,12.A vigilância eletrônica nosetor de digitação é um claro exemplo de que todo o tempo é, de fato,transformado em tempo de trabalho. A vigilância eletrônica do traba-lho exerce um controle contínuo sobre os trabalhadores, impondo umadisciplina severa e um ritmo de trabalho padronizado, que eliminamnão somente as individualidades, mas também a comunicação hori-zontal. O trabalhador não pode parar de trabalhar, por alguns minutos,a fim de pensar, tomar um cafezinho, ou conversar com um(a) colegade trabalho.

Nos grandes CPDs, a organização do trabalho taylorista produz di-visões entre os trabalhadores, mesmo quando eles compartilham asmesmas condições de trabalho, ritmo e disciplina. Ela aumenta a soli-dão por diminuir sobremaneira a comunicação horizontal. SegundoDejours'", as restrições feitas à comunicação durante o horário de tra-balho desorganizam a vida emocional e impedem o aparecimento dosgrupos informais, fazendo com que os trabalhadores vivenciem a frus-tração e a ansiedade de forma solitária e, por isso, mais intensamente.

Outro aspecto que impede a comunicação horizontal é a distribuiçãoespacial dos trabalhadores no ambiente de trabalho. Segundo Foucault,a disciplina semanifesta, em primeiro lugar, na distribuição espacial dosindivíduos. 11 Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar um indivíduo.Evitar as distribuições por grupos; decompor as implantações coletivas; anali-sar as pluralidades confusas, maciças ou fugidias. O espaço disciplinar tende ase dividir em tantas parcelas quantos corpos ou elementos há a repartir. ,,14

Essa técnica de fragmentação e de isolamento espacial no ambientede trabalho é freqüente nos grandes CPDs, onde é comum a distribui-

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A vigilância eletrônicado tr-abalho exerce um

8. GREENBAUM, J. M. In thename of efticiency. Philadel-phia: Temple University, 1979.

9. DAVIES, L. E., TAYLOR, J. C.Design of jobs: selectedreadings. London: PenguinBooks, 1972, p. 302.

10. Exceção feita aos analistase, assim mesmo, se analisarmoshistoricamente, podemos obser-var uma redução dos programasde treinamento.

11. As falas que utilizamos sãomantidas num português colo-quial, tal como nos foi reporta-do nas entrevistas com trabalha-dores e gerência, pois acredita-mos que se trata de um aspectosociocultural importante.

12. Conforme FOUCAULT,M. Vi-giar e punir. Petropólis: Vozes,1977.

13. DEJOURS, C. A loucura dotrabalho. São Paulo: Oboré,1987.

14. FOUCAULT, M. Op. cit., p,131.

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11~1ECASES

o teletrabaUlO tem

ção dos trabalhadores em "baias" individuais e! ou em frente de umterminal de vídeo. "Os postos de trabalho são separados por grandes parti-ções, que criam um efeito de cubículo em torno do espaço de trabalho de cadaempregado. A instalação dessas partições foi o último passo que completou asubmissão dos empregados ao domínio da máquina. Exilado de seu mundo

interpessoal, das rotinas do escritório, cada funcionário torna-se isolado e solitário,,15. Essa fragmentação rígida do espaçode trabalho cria não somente um isolamento no ambientede trabalho, mas também intensifica o ritmo de trabalho,tornando as relações informais e a comunicação horizon-tal ainda mais difíceis. Os trabalhadores são cada vez maisisolados em seus "cubículos", onde há uma vigilânciaconstante e ininterrupta de seu comportamento.

Restrições feitas à comunicação dos trabalhadores nosgrandes CPDs brasileiros são generalizadas e atingemdesde digitadores até analistas: "Você às vezes está cansada,sabe? Está a fim de bater um papo com alguém, com um colegateu de trabalho. Está querendo descontrair, mas você vai lá, e derepente passa alguém lá efica te olhando, passa uma, duas vezese te olha porque sabe que você está conversando, sabe? São esses

olhares que você sente que tem alguém te vigiando. Tem alguém te olhando, oque você está fazendo. Que você não pode fazer isso. De repente você começa ase castrar (...) Sempre tem alguém te controlando!" (Analista de sistemas).

Todavia, devemos salientar que a falta de comunicação é mais seve-ra na digitação, onde estão concentrados 36,2% da mão-de-obrainformática. Os digitadores não podem conversar durante o período detrabalho. O trabalho de digitação é repetitivo, monótono, além de pos-suir um conteúdo restrito, limitado, e não exigir quase nenhumacriatividade por parte do(a) trabalhador(a). Na maior parte do tempo,os digitadores são pagos por produção, "quanto mais você digita, maisvocê recebe", o que induz a um ritmo frenético de trabalho, que acabadiminuindo ainda mais a comunicação no trabalho. Assim, o apareci-mento de grupos informais no setor de digitação só é possível duranteas pausas, no período das refeições ou antes! após o trabalho ou duran-te as viagens de ida e volta ao trabalho. Ésomente nesses curtos perío-dos de tempo que os digitadores podem conversar sobre problemasrelacionados às suas tarefas. Digitadores, hoje, são os trabalhadores de"segunda classe" descritos por Taylor,que devem ser isolados e contro-lados rigidamente a fim de se evitar a "cera" no trabalho.

Um aspecto fundamental a ser considerado é que existe uma claradivisão sexual do trabalho nos CPDs: enquanto o trabalho de análise éfeito quase na sua totalidade por homens, na dígítação" a maioria dostrabalhadores são mulheres. Segundo Braverman'", o trabalho dedigitação foi considerado um trabalho feminino em virtude de suasbaixas exigências de qualificação. Esse aspecto é importante, pois comonos mostra Humphrey'", a extensão do controle sobre o tempo e o espa-ço, assim como as tarefas desempenhadas, diferenciam-se segundo osexo. Na verdade, uma das razões pelas quais a gestão é tão preocupa-da em restrinw a comunicação entre digitadores é que, pelo fato deserem mulheres, as digitadoras estariam mais interessadas em conver-sar que em trabalhar.

Finalmente, em virtude dos baixos salários e das más condições detrabalho no Brasil, o sindicato está concentrado no setor da digitação. Onúmero de greves aumentou de maneira drástica entre 1983 e 198819

sido apresentado comouma solução "competente",racional, fruto de urnaadministração moderna, afim de solucionar palrtedos problemasadmlni.strativos.

15. ZUBOFF,S.ln the age ofthesmart machines. New York:Basic Books, 1988, p. 125.

16. Não só na digitação, masnos outros cargos de pouca qua-lificação, a maioria dos trabalha-dores também são mulheres.

17. BRAVERMAN, H. Trabalho ecapital monopolista. Rio de Ja-neiro: Zahar, 1981.

18. HUMPHREY, J. Gender andwork in the third world - sexualdivisions in Brazilian industry.London: Tavistock, 1987.

19. Em 1983 ocorreram duasgreves em CPDs, segundo oDIEESE (Departamento Inter-sindical de Estatística e EstudosEconômicos). Já em 1987, se-gundo a mesma fonte, ocorre-ram 23 greves em CPDs.

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TELETRABALHO E COMUNICAÇÃO EM GRANDES CPDs

Em 1987,2.281 horas de trabalho foram perdidas por esse motivo. Nes-se mesmo ano, os empregadores decidiram utilizar uma nova forma deorganização de trabalho para enfrentar essas dificuldades, descentrali-zando o setor de digitação: o teletrabalho.

o QUE É TElETRABALHO?

Segundo Huws'", as definições de teletrabalho existentes são impre-cisas e ilógicas. Ela sugere que o teletrabalho seja definido não comoum fenômeno unitário, mas como o produto de uma convergência devárias tendências que têm afetado a organização do trabalho. Essa ten-dências, segundo Huws, são: 1. mudança geográfica do emprego; 2.exterioração do trabalho; 3. mudanças nas relações contratuais entreempregadores e empregados; 4. aumento do trabalho feito em casa; e 5.mudanças no job designo Neste artigo, utilizamos o conceito deteletrabalho para denotar uma forma de organização do trabalho ondeele é mediado por computadores e telecomunicação, de modo a ser rea-lizado fora da organização central".

Existem diferentes tipos de teletrabalho que, segundo Monodr', po-dem ser classificados como experiências coletivas ou individuais. Naprimeira categoria, enquadram-se os centros de trabalho em vizinhan-ça23

, sucursais ligadas a uma organização central, e na categoria indivi-dual encontram-se todos os tipos de pessoas que por meio de um ter-minal ou microcomputador, trabalham em casa ligadas à organizaçãopor um modem e uma linha telefônica, representação de televendas, porexemplo. A maior parte da literatura sobre o teletrabalho está concen-trada nas experiências individuais. Este artigo concentra-se nos resul-tados de uma experiência coletiva de teletrabalho.

O teletrabalho apareceu nos países desenvolvidos na metade dos anos70 por causa da crise de energia, e a partir de então várias questões têmsido apresentadas e debatidas quanto à sua utilização.

O conhecimento de experiências de teletrabalho é limitado, mas al-gumas das principais razões para sua difusão têm sido indicadas. Porexemplo, entre as razões econômicas está a economia que seria feita emtermos de despesas gerais: redução do custo com os aluguéis, que sãomais baixos quando os edifícios se encontram em zonas Jeriféricas dasgrandes cidades ou mesmo em outras áreas ou cidades . Algumas or-ganizações chegam mesmo a transferir seus escritórios e/ou departa-mentos de digitação para outros países onde uma mão-de-obra seja dis-ponível para tarefas menos qualificadas a um salário mais baixo.

Outro incentivo para difusão e utilização do teletrabalho seria a eli-minação das viagens, demoradas e cansativas, de ida e volta ao traba-lho, durante as horas de tráfego intenso, o que resultaria numa dimi-nuição de stress e de economia de energía'".

O teletrabalho também pode melhorar a lucratividade das organiza-ções pela redução dos custos socíaís". Várias experiências de te-letrabalho reportaram um aumento de produtívídade'", Na Suécia, oteletrabalho tem sido utilizado para resolver problemas regionais defalta de emprego, transferindo empr~os para áreas onde há uma es-cassez de oportunidades de emprego .

O teletrabalho também tem sido utilizado, em diversos-países, comouma política de recrutamento de pessoal, uma vez que facilita a alocaçãoe a retenção de uma mão-de-obra altamente qualificada, por exemplo:analistas de software. É mais fácil também, com o teletrabalho, recrutar

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20. HUWS, U. Remote possi-bilities: some difficulties in theanalysis and quantification oftelework in the U. K. In: KORTE,W. B. (Ed.) Telework: presentsituation and future deve-lopment of a new form of workorganization. Amsterdam: EI-sevier Science, 1988, p. 61-76.

21. Tal como proposto em:EMPIRICA. Telework: the viewsand standpoints of the socialpartners and the workforce andpotential for decentralizedelectronic working in theEuropean oftice. Bonn: EFILWC,1986. Também em OLSON, M.H. Remote office work: changingwork patterns in space and time.Communication of the ACM, v.26, n. 3, 1983, p. 182-87.

22. MONOD, E. Telecommuting- a new work, but still the sameold story. In: OLERUP, A. et aI.(ed.) Women, work and com-puterization. Amsterdam: Else-vier Science, 1985, p. 135-47.

23. Em inglês neighbourhoodcenters.

24.0LSON, M. H. Telework:practical experience and futuresprospects.ln: KRAUT,R. E. (Ed.)Technology and the transfor-mation of white-collar work.Hillsdale: Lawrence Erlbaum,1987, p. 135-52.

25. EMPIRICA. Op, cit.

26. OLSON, M. H. Technologyand the transformation ... Op.cit.

27. KRAUT, R. E. Predicting theuse of technology: the case oftelework. In: KRAUT, R. E. (Ed.)Op. cit, p. 113-33.

28. ELLlNG, M. Remote workltelecommuting - means toenhance quality of life or justanother method to makebusiness more brisk? In:OLERUP,A. et. aI. (Ed.) Op. cit,p, 111-17.

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l1~lÉCASES

29. ELLlNG, M. Op. cit.

30. HEDBERG,B., MEHLMANN,M. Computer power to people:computer resource centers arhome terminais? Two scenarios.Behaviour and InformationTechnology, v. 3, n. 3, 1984, p.235-48.

31. RENFRO, W. L. Secondthoughts on moving the officehome. In: FORESTER, T. (Ed.)The information technologyrevolution. Cambridge: Mass.The MIT Press, 1985, p. 209-15.

32. NILLES, J. Teleworking fromhome. In: FORESTER,T. (Ed.)Op. cit., p, 202-8.

33. HUWS, U. New technologyhomeworkers. EmploymentGazette, Jan. 1984a., p.13-7.

34. Conforme HUWS, U. Em-ployment Gazette, Op. cit.,ELLlNG, M. Op. cit.

35. OLSON, M. H. Technologyand the transformation ... Op.cit.

36. O custo das redes de teleco-municação vem decrescendocom o tempo, mas mesmo as-sim as experiências de te-letrabalho, salvo algumas exce-ções, ainda enfrentam proble-mas e seus resultados são mo-destos. Ver sobre essa questão,EMPIRICA, Op. cit.

37. KRAUT, R.E. Op. cit.

38. Conforme EMPIRICA, op.cit., OLSON, M. H. Technologyand the transformation ... Op.cit.

39. BLOMBERG, J. L. Socialinteraction and office com-munication - effects on user'sevaluation of new technologies.In: KRAUT. R. E (ed.). Op. cit.,p. 195-210; ver também HUWS,U.Employment Gazette, Op. cit.

40. KRAUT, R. E. Op. cit.

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trabalhadores em tempo parcial ou em contratos temporários, para co-brir períodos de pico de produção, o que tem sido denominado de es-tratégia buffe?9. Além disso, o teletrabalho possibilita alcançar uma mão-de-obra que de outra maneira seria inacessível, como, por exemplo, aspessoas deficientes e as mulheres com crianças.

Finalmente, o teletrabalho tem sido apontado como a base para umapossível integração entre as tarefas domésticas, o cuidado das criançase o trabalho tradicional de escritório'". O horário de teletrabalho podeser flexível, o que proporcionaria mais tempo para a família e relaçõesmais harmoniosas entre homens e mulheres. Mães poderiam educar ecuidar de seus filhos sem deixar suas atividades profissionais. Entre-tanto, a literatura sobre o teletrabalho levanta vários aspectos proble-máticos relacionados a essa nova forma de organização do trabalho.Segundo Renfro", a suposta economia de energia é enganosa, porque,embora as pessoas economizem dinheiro no combustível utilizado parair e voltar ao trabalho, gastam mais energia para aquecer ou resfriarsuas casas. Outro aspecto problemático, relacionado ao teletrabalho fei-to em casa, é a falta de uma distinção clara entre as atividades de traba-lho e não-trabalho que podem intensificar o workaholism32

, pois as pes-soas podem passar a trabalhar de uma maneira compulsiva para resol-ver dado problema, sucumbindo à "síndrome da última tentativa". Se-gundo HUWS

33, outra desvantagem do teletrabalho feito em casa é a

usurpação da vida social e familiar pelo trabalho.O teletrabalho tem sido visto também como fonte de deterioração

das relações de trabalho, pois pode limitar oportunidades de carreiras,estimular formas de pagamentos retrógradas, como o pagamento porprodução, e diminuir os níveis salariais34

. Por outro lado, segundoOlson'", os teletrabalhadores devem aceitar salários mais baixos, poisincorrem em custos mais baixos com transporte, creches, roupas e ou-tros itens relacionados ao trabalho fora de casa.

Outro fator limitante à difusão do teletrabalho nos países desenvol-vidos é o alto custo das redes de telecomunicaçâo'". O aumento de pro-dutividade proveniente do teletrabalho também tem sido contestadopor Kraue7

, que critica as amostragens seletivas e as metodologias daspesquisas realizadas. Finalmente, outro aspecto problemáticodo teletrabalho é o problema da supervisão remota. Muitossupervisores se mostram preocupados com o controle dostrabalhadores à distância. Mesmo quando a gerência re-conhece que o desempenho de um (a) trabalhador(a) ésatisfatório, ainda expressa preocupação quanto a essaquestão".

Um aspecto problemático, que a literatura sobreteletrabalho é unânime em ressaltar, é a questão do isola-mento social. Esse problema é o mais citado pelosteletrabalhadores, seguido das queixas sobre o empo-brecimento das comunicações, que conduz a um traba-lho de qualidade mais baíxa'". ~

O aprendizado no trabalho deixa de ser possível quan-do se trabalha em casa, e os trabalhadores se ressentem não apenas dafalta de contato com outras pessoas, mas sobretudo do contato com co-legas, com quem passam a discutir questões relacionadas ao trabalho.Nessa mesma direção, Kraut40 ressalta a importância da interação soci-al como fonte de satisfação e de apoio, especialmente relações face aface com colegas de trabalho e/ ou clientes.

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TELETRABALHO E COMUNICAÇÃO EM GRANDES CPDs

A literatura sobre teletrabalho está repleta de exemplos detrabalhadores que se queixam do isolamento social. HUWS41

nos dá o exemplo de uma teletrabalhadora que dirigia 23quilômetros para ver uma colega, também teletrabalhadora,quando ficava realmente desesperada em virtude do isola-mento social. Renfro42 nos fornece um outro exemplo: umjornalista voltou a trabalhar na redação do seu jornal quandoo computador de casa quebrou e se disse rejuvenescido pelainteração com seus colegas de redação. Percebeu claramenteo significado da falta de companheirismo e de união no am-biente de trabalho.

Uma solução proposta para o problema do isolamento so-cial tem sido os centros de trabalho na vizinhança. Hedberge Mehlmann43 argumentam que centros de trabalho são umasolução que combina efeitos positivos do teletrabalho cominteração social. Todavia, outros estudos contestam a adequa-ção dessa solução. Olson 44, baseado num estudo exploratóriosobre essa questão, indica que os centros de trabalho na vizinhançanão proporcionam necessariamente o contato entre colegas de uma mes-ma especialização, essencial para o desenvolvimento profissional.

Outro aspecto levantado quanto à utilização do teletrabalho é a ve-lha questão da (des)centralização do processo de trabalho e seus efei-tos45

• Deve-se ter cuidado ao analisar a (des)centralização do processode trabalho mediada pelo teletrabalho, porque uma descentralizaçãoreal envolve não somente transferência geográfica de uma parte da or-ganização, mas sobretudo delegação de autoridade. Em outras pala-vras, deve haver uma transferência de poder do centro para a periferia.Além disso, deve se ter claro que a tecnologia em si não é fatordeterminante do processo de descentralizaçào'".

As experiências dos países desenvolvidos nos indicam que há doisconjuntos principais de tarefas que estão utilizando o teletrabalho: 1.tarefas altamente qualificadas de analistas, programadores, executivosseniores, pesquisadores e especialistas em software; e 2. tarefas menosqualificadas, como digitação e processamento de textos. Dessa forma,temos uma polarização das qualificações: de um lado, trabalhadoresaltamente qualificados e de outro, trabalhadores que desempenham ta-refas monótonas e repetitivas, que requerem pouca qualificação. Asprincipais tarefas descentralizadas com o teletrabalho têm sido a pro-gramação, a digitação e o processamento de textos (ver quadro 2).

Nos países desenvolvidos, os sindicatos argumentam que oteletrabalho feito em casa dificulta a ação sindical. Eles estão preocupa-dos com a deterioração das condições de trabalho, a difusão do paga-mento por produção e a falta de conteúdo e de condições ergonômicas

47 • 48do teletrabalho . Outro ponto preocupante, mencionado pelo TUC(Trade Union Congress), é o potencial de se fazer o processamento dedados e a entrada de dados ultramar. Um aspecto importante aponta-do por Olson 49 é que a maioria dos trabalhadores potencialmente con-siderados para o teletrabalho feito em casa não são sindicalizados, aomenos nos Estados Unidos. Os sindicatos também têm se preocupadocom a perda de direitos trabalhistas, a diminuição do número de em-pregos, a diminuição das perspectivas de promoção e de treinamento,bem como com a eliminação dos benefícios sociais, tais como o tíquete-refeição e as atividades sociais.

Finalmente, outro aspecto de grande importância no debate sobre o

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41. HUWS, U. The new home-wotkers. London: The Low PayUnit, 19S4b.

42. RENFRO,W L Op, cit,

43. HEDBERG,B, MEHLMANN,M.Op cit.

44. OLSON, M. H. Communi-cation of the ACM Op. cit,

45. MONOD, E. Op. cit,

46. Conforme ARDNSSON, G.Stress, skill demands health incomputer mediated work.Displays, Jan, 1988, p.14-6; vertambém HUWS, U. Telework:present situation and futuredevelopment ... Op, cit,

47. MORAN, R., TANSEY, J.Telework: women and environ-ments. Dublin EFILWC, 1986.

48. TUC. Homeworking. Lon-don: Trade Union Congress,1985, (central sindical inglesa).Ver também sobre a questão sin-dical EMPIRICA, Op. cít.

49.0LSON, M. H. Tectmoto-gy and the transformation ...ou cit.

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l1~lECASES

teletrabalho: o gênero do teletrabalho. As mulheres têm sido considera-das o grupo social mais afetado pelo teletrabalho. As obrigações famili-ares são uma das principais razões pelas quais as mulheres aceitam oteletrabalho feito em casa. Além disso, a imposição cultural da sociali-zação das crianças às mulheres associada à falta de creches a um preçorazoável, contribuem para que elas acabem aceitando essas condiçõesmesmo quando desejam trabalhar no escritório.

Na verdade, um dos principais argumentos utilizados para a intro-dução e a difusão do teletrabalho feito em casa era que ele ajudaria asmulheres a resolverem o problema da dupla jornada de trabalho. Toda-via, esse argumento tem sido contestado, pois os períodos de pico deteletrabalho freqüentemente coincidem com os horários em que as mu-lheres devem estar à disposição das críanças'".

No Brasil, a utilização do teletrabalho em grandes CPDs é recente.No momento desta pesquisa'", havia dois CPDs utilizando essa nova

forma de organização do trabalho, queaparecia como uma nova tendência nosetor. Visitamos também o outro CPDque utilizava teletrabalho, mas nossademanda de acesso aos digitadores foinegada e pudemos entrevistar somen-te a gerência52

; por isso, nessa análisenão utilizamos os dados relativos aesse CPD.

Analisaremos a expenencia detele trabalho num grande centro deprocessamento de dados estatal, loca-lizado na cidade de São Paulo, quechamaremos ORGl neste artigo. A

partir de 1987, a empresa ORGl tem descentralizado seu setor dedigitação por meio do tclctrabalho, Nessa época, dez grupos de traba-lho foram criados para avaliar e modernizar a ORGl e fornecer, assim,uma base para a modernização da administração pública. Os princi-pais problemas encontrados pelos dez grupos de trabalho foram: faltade recursos materiais, estrutura organizacional muito centralizada, fal-ta de recursos humanos e estrutura extremamente burocratizada. Pro-blemas de comunicação, ou relacionados à organização do trabalho,não foram considerados ou mencionados pelos dez grupos de trabalho.

Localização Oíga!li~ão Suoursalcentral 1*-

Distribuição dos digítadO(~a tmG1

1986198719881989

419393195124

50. VEDEL, G., GUNNARSSON,E. Flexibility in women's remateoffice work. In: OLERUP, A. Oo.cít. p. 127·3.

51. Esta pesquisa foi realizadaem 1990.

52. Nesse grande CPD privado,a gerência nos reportou que emabril1988, para um nível de pro-dução equivalente a 100, axis-tiam 25 digitadores. Após o pro-cesso de descentralização medi-ado pelo teletrabalho, em agos-to 1989, o nível de produção ti-nha aumentado para 180, comapenas 5 digitadores.

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144133"

TELETRABAlHO NO CPD

A partir de 1988, os digitadores tinham sido transferidos fisi-camente p.ara junto dos clientes da ORGI (ver quadro 3). A su-curs.al da ORGI estudada nesta pesquisa (SUCI) encontra-se nomesmo edifício, no centro velho da cidade de São Paulo, onde selocaliza o principal cliente da ORGI.

As mulheres foram o grupo mais afetado por esse processo dedescentralização devido à segregação ocupacional existente nosetor de digitação. Na ORGI 87% da digitação era composta detrabalhadoras e na SUCl essa porcentagem era de 56%. Deve-selembrar que as mudanças geográficas são freqüentemente mais

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TELETRABALHO E COMUNICAÇÃO EM GRANDES CPDs

problemáticas para as mulheres devido às suas obrigações e res-trições familiares.

A atividade sindical tomou-se mais difícil após a introduçãodo teletrabalho. AComissão de Representantes dos Empregados(CRE) foi criticada várias vezes durante as entrevistas com osdigitadores devido à sua incapacidade de disseminar a informa-ção sobre suas atividades na SUCI. No momento desta pesqui-sa, a organização do CRE na SUCI era difícil e problemática.

A visão dos trabalhadoresAs principais questões levantadas pelos digitadores na SUCI

foram o isolamento social e a falta de comunicação informal.Quando interrogados sobre as dificuldades que estavam enfren-tando, a questão do isolamento social apareceu em quase todasas respostas, como yodemos observar, por exemplo, nos seguin-tes comentários: "E muita falta de informação, acho que é isso, faltacomunicação, a gente fica muito isolado, parece até que a gente nemexiste."

liA única coisa que eu sinto assim, não só pela parte doCRE, é a informação, falta de informação, só chega atrasa-da, o pessoalfica desinformado, nãofica sabendo o que acon-tece; na sede às vezes acontece festinha, a gente não ficasabendo, não participa de nada (...) às vezes o pessoal estáfazendo uma manifestação e a gente não está sabendo. "

"0 que a gente sente mais aqui é afalta de informação.A gente fica isolada, e o essencial é afalta de informação,não s6 digitadores, nem operadores, até a chefia, eu já sen-ti isso. Uma vez houve um problema aqui e eu fui pergun-tar para a pessoa como fazia e ela disse eu não sei (...) Temmilfestas aí, mil coisas que acontecem e que a gente s6ficasabendo depois pelo jorttaltínho, que já está com ofoco doque aconteceu (...) é o que eu sinto mais assim entre uni-dade e sede:falta informação, falta união. "

Podemos observar tatnbém o aparecimento deduas dassesdistintas de trabaihadores:aq,uE!les quetra.balham llél. sede da ORGI e-os qlle trabalham naSUeI. Os .digitadores da St]CI senti.am uma ~ande rejeição,comopodemc;>s observar no comentário 110 local lá é maravilhoso.Nt! isso é! Nada como ser a.sede. Parece qUita gerrte.é diferente. (...)Quando a gente era .de14, se voeI! vai no departamento médico, fazerum tratamento, se vocl!sai daqui para ir lávoCl VI!que tem diferençade tratamento, não é a mesma coisa se voei! estivesse lá (...) Dizer quea sucursal 1, a sucursal 2 é tudo igualzinho à sede? Não é, não éisso, miol1

Esse sentimento de rejeição estava presente em quase todas asentrE!vistas. Ostrabalhadores sentiam que não trabalhavam maisna ORGI em virtude do deslocamento geográfico. Além disso,não eram percebidos como trabalhadores da ORGI na sede emvirtude da alocação remota. As principais queixas eobjeçõesquanto ao isolamento social em virtude do teletrabalho podems~r resumidas em cinco pontos: 1. isolamento do CREi 2. falta deinformação sobre atividades sociais; 3. falta deumçlube<ie fun-

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o teletrabalhotorriou-se mais um

"emblema de salvação"com o duplo papel de

descentralizar e [nforrnattzaro trabalho. Tratado de

maneira "neutra". sem aresisrêncía sindical. o

tele trabalho acaboui.ntensificando problemas etransformou-se numa outra

fonte de sofrimento eansiedade para os

trabalhadores.

73

CASES

cionários; 4. falta de informação sobre outros colegas de traba-lho; 5. falta de cantina e de restaurante na SUCI.

Todavia, os trabalhadores expressavam sua preferência por tra-balhar na SUCI em virtude da sua localização central. Houveum decréscimo nas horas de viagens de ida e volta ao trabalhoem virtude da facilidade de transportes coletivos, como estaçõesde metrô e pontos de ônibus.

Após o processo de descentralização não houve mais grevesna ORGI (ver quadro 4). Vários fato-res podem ter contribuído para a au-sência de greves, mas acreditamos quea introdução do teletrabalho ocupauma posição importante entre essesfatores.

53. Ver sobre a relação cliente xCPDs. MUSIO, P. Introdução àinformátíca. Rio de Janeiro: Vo-zes. 1987.

A visão gerencialO principal problema mencionado

pelos gerentes na SUCI era relaciona-do às novas formas de controle neces-sárias numa organização descentrali-zada. A administração de lutas rela-

cionadas aos salários, horas extras e eventuais greves, e as máscondições de trabalho no velho edifício onde estava localizada aSUCI (falta de banheiros, cantina etc.), também foram mencio-nadas como problemas. Outro importante problema ressaltadofoi o aumento da pressão exercida pelo cliente, em virtude dasua identidade geográfica, da SUCI com a do cliente. Dessa for-ma, o contato tornou-se direto e mais intenso, como nos diz estegerente: "A pressão maior é interna, do cliente. O cliente cobra muitoo cumprimento dos cronogramas, e eles estão vivendo isso aqui, estãopróximos. Tanto que a gente recebe um relatório diário de como é queestá o andamento do serviço. E acontece um pouco o contrário, se even-tualmente o cliente reclamasse para a ORGl alguma coisa, certamentea gente seria pressionado, agora é o inverso. "

A estrutura burocrática da OReI funcionava como um amor-tecedor da pressão feita pelo cliente com relação à produção. Tra-balhando dessa forma descentralizada dentro do edifício do pró-prio cliente, a pressão sobre a gerência da SUCI é concentrada emais intensa. Dessa maneira, a relação entre o CPD e o cliente,que nunca é fáci153

, torna-se ainda mais problemática. Natural-mente, essa pressão adicional, devido à localização espacial daSUC1, também era sentida pelos digitadores de forma mais in-tensa.

Um aspecto curioso, levando em consideração nossa condiçãoeconômica de país em desenvolvimento, foi a ausência de consi-derações sobre o custo elevado do projeto, assim como sobre oretorno do investimento, que são questões vitais, discutidas naimplementação do tele trabalho nos países desenvolvidos. Umaspecto que reforça essa contradição é que muitos dos proble-mas apontados pelos dez grupos de trabalho estavam diretamenteligados à falta de condições econômicas: falta de recursos mate-riais e de recursos humanos, mas nenhuma restrição ao custo doteletrabalho foi mencionada.

74 RAE • v. 35 • n. 2 • Mar./Abr. 1995

TELóTRABALHO E COMUNICAÇÃO EM GRANDES CPDs

A gerência da SUCI reportou um aumento na produtividadecomparando-se com a sede. Entretanto, não nos foi possível ob-ter nenhum dado sobre isso. Um problema percebido foi o au-mento do número de digitadores com problemas músculo-esquelétícos'l', apesar do respeito às normas da ergonomia naconstrução do local de trabalho da SUCI.

Problemas de comunicação não foram mencionados ou perce-bidos nem pelos grupos de discussão nem pela gerência duranteas entrevistas. Um gerente na SUCI afirmou ter sido" obrigado"a tirar os telefones públicos, pois formavam-se filas para a utili-zação do telefone. "Então o telefone está aí e a liberdade do pessoal étotal para telefonar, só que a gente vai avaliar, vai ver, então um dia euentrei tinha fila, o intervalo já tinha acabado, a chefia estava sedescabelando( ...) então eu chamei o pessoal, tentei conversar, tentei ex-plicar, que eu gostaria de continuar com aquele telefone, só que nãofuncionou, então a minha atitude foi retirar o telefone, e aí eu fui cobra-do por retirar o telefone. Então você tem que ser autoritário, uma coisamuito distante do que eu sou. Eu coloquei, eu tirei, e é uma coisa quenão se discute mais.", afirmou o gerente.

Finalmente, outro ponto que vale mencionar é que problemascom o sindicato por causa do teletrabalho também não forammencionados pela gerência. Deve-se ressaltar que os sindicatosnessa época não estavam sensibilizados para questões relativasao teletrabalho, embora sua utilização já estivesse começando aser difundida.

TELETRABALHO À BRASILEIRA

Existe toda uma mitologia em torno da utilização de computadoresnas sociedades contemporâneas. Segundo Barthes'", um mito é um dis-curso pelo qual se tenta estabelecer um tipo de ação compensatória/reparatória, mostrando a realidade tal como ela poderia ou deveria ser,ocultando-se os conflitos, problemas e injustiça existentes. Dessa ma-neira, o mito da profissão do futuro 56, assim como o mito do "chaléeletrônico", traz-nos uma imagem confusa e enganosa do trabalhoinformático e do teletrabalho.

Quando analisamos como o trabalho informático é organizado nosgrandes CPDs brasileiros, podemos observar uma realidade bem dife-rente da "profissão do futuro" .A organização do trabalho é construídasegundo padrões tayloristas, o que nos leva a uma contradição: o tra-balho que faz funcionar uma das máquinas mais modernas da nossaera (computador) é administrado segundo uma tecnologia orga-nizacional retrógrada e ultrapassada. Muitos problemas advêm dessacontradição: problemas de saúde ocupacional, alto absenteísmo, baixaprodutividade, isolamento social, falta de comunicação na organiza-ção, insatisfação e sofrimento no trabalho.

Por outro lado, o teletrabalho tem sido apresentado como uma solu-ção "competente", racional, fruto de uma administração moderna, afim de solucionar uma parcela dos problemas administrativos da ORGI.O teletrabalho é visto como a solução ideal, pois conjuga a utilização decomputadores com a descentralização. Segundo Líebling", a alta ge-rência sempre responde às crises internas e às mudanças de conjuntura

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54. No Brasil os problemas mús-culo-esqueléticos são mais co-nhecidos, por uma razão histó-rica, como tenossinovite. Entre-tanto, a tElnossinovite é apenasuma das doenças desse grupo.Para uma discussão sobre ques-tões de nomenclatu ra e proble-mas músculo-esqueléticos,ver BAMMER, G. Occupationdisease and social struggle: tnecase of work-related neck andupper limb disorders. Camberra:NCEPH, 1990.

55. BARTHES, R. Mitologias.São Paulo: Difel, 1985.

56. Ver SOARES, A. A organi-zação do trabalho... Op. cit.,SOARES, A. O que é informá-tica-segunda visão. São Paulo:Brasiliense, 1988, em que discu-timos o mito da profissão do fu-turo com mais detalhes.

57. LlEBLlNG, B. A. Is it time to(de)centralize? ManagementReview, v. 70, n. 9, 1981, p. 14-20

75

l1~lÉCASES

58. O gerente geral do CPO pri-vado que utiliza o teletrabalhonos disse textualmente que umadas razões para a sua implanta-ção e utilização era porque "émais seguro não ter todos osovos na mesma cesta".

59. Ver SUCHMAN, L., WYNN.E. Procedures and problems inthe office. Office: technologyand people, v. 2, 1984, p. 133-54.

60. Conforme KATZ, D., KAHN,R. The social psychology oforganizations. New York: JohnWiley & Sons, 1967.

61. KRAUT, R. E. Op. cit.

62. DAVIS, K. Human relationsat work - the dynamics oforganization behaviour. NewYork: McGraw-Hill, 1967.

63. KARASEK, R., THEORELL, T.Healthy work: stress, pro-ductivity and the recons-truction of working life. NewYork: Basic Books, 1990.

64. Segundo Zuboff, as novastecnologias possuem uma natu-reza dual: automatização/infor-mação. A automatização é defi-nida como uma forma de subs-tituir o trabalho humano qualifi-cado a fim de se obter a execu-ção de tarefas a um menor cus-to, com um maior controle so-bre a mão-de-obra. A infor-matização, por outro lado, vaialém da automatização, sendoutilizada pelas organizaçõescomo uma forma de acompa-nhar e criar informações sobreo processo produtivo.

76

econômica, numa organização centralizada, por um processo dedescentralização. Dessa maneira, como a digitação é o setor mais pro-blemático num grande CPD (alto absenteísmo, inúmeras greves, pro-blemas de saúde etc.), foi o setor escolhido para a descentralização me-diada pelo teletrabalho.

Dentro deste contexto, o teletrabalho representa o atual estágio dadegradação do trabalho informático, pois impõe uma fragmentação es-pacial do trabalho informático e uma nova disciplina, baseada clara-mente numa política do "dividir para reinar=".

Os administradores não devem considerar o teletrabalho umatecnologia" solta no tempo e no espaço", mas uma nova forma de orga-nização do trabalho moldada pelo contexto social, político, econômico,cultural e organizacional. Nessa experiência brasileira, em que essesaspectos não foram adequadamente considerados, fica claro que oteletrabalho acaba por reforçar problemas já existentes, principalmenteos relacionados ao isolamento social e à falta de comunicação informal.Aumentaram a ansiedade e o sofrimento dos trabalhadores, e o apare-cimento dos grupos informais tornou-se quase impossível, nessa novaforma de organização do trabalho. A solução de problemas em grupo'",que se dava nas pausas, na cantina ou restaurante, no clube dos fun-cionários, na Comissão de Representantes dos Empregados tornou-semuito difícil na SUCI. Os sentimentos de isolamento social, falta decomunicação e insatisfação aumentaram sobremaneira com oteletrabalho.

Devemos lembrar que a comunicação é um elemento essencial dasorganizações e serve de apoio socioemocional para os indivíduos60

Nesse sentido, o teletrabalho na SUCI destruiu ainda mais esse ele-mento essencial, a comunicação, assim como parte da culturaorganizacional. Segundo Kraut'", devemos lembrar que a comunicaçãoinformal promove a colaboração entre os indivíduos e, assim, é respon-sável por uma parcela importante da criatividade organizacional.

A criação de grupos informais tornou-se mais difícil na ORGI, espe-cialmente na SUCI. Segundo Davis62

, grupos informais são uma dasprincipais fontes de satisfação, de estabilidade e de sentimentos de se-gurança para os trabalhadores. É precisamente a falta de grupos infor-mais que nos possibilita compreender o sentimento de "exclusão", sen-tido por exemplo pela digitadora que dizia "você se sente inconfortável(.. .) Não podemos dizer que a SUC1 e a sede é a mesma coisa". Os digitadorespercebem e sentem que não pertencem a nenhum grupo informal naorganização central, e este é um dos principais problemas que elesvivenciam.

Segundo Karasek e Theorell'", a eliminação do grupo de trabalhoelimina o apoio social do posto de trabalho, o potencial para o aprendi-zado no trabalho e a flexibilidade para reestruturar a organização dotrabalho de acordo com as exigências provenientes das mudançastecnológicas e do mercado. Utilizando a terminologia empregada porZuboff4, embora a gerência tentasse informatizar a ORGI, na verdade,conseguiu apenas automatizar a ORGl. Resumindo, a estruturaorganizacional da ORGI tornou-se mais rígida e estática após a intro-dução do teletrabalho, embora o contrário fosse o desejado.

A utilização do teletrabalho no Brasil também nos sugere algumasdiferenças e similitudes quando comparada às experiências dos paísesdesenvolvidos. Entre as similitudes, temos o fato de que as mulheres

RAE • v. 35 • n. 2 • Mar./Abr. 1995

Em vez de se investir

TELETRABALHO E COMUNICAÇÃO EM GRANDES CPDs

rnaoíçarnerrte em novastecnologias com o objetivo deIutar corrrra os trabalhadores

e suas olrganizações, numaclara poUtka do "di.vi.dirpara

rernar", a gerência deveriarerirar rnelhorar a qualidade

e a ]produtividade de

foram o grupo mais afetado pelo teletrabalho, em virtude da segrega-ção sexual existente no setor estudado. Também podemos observar umaumento da produtividade com a introdução do teletrabalho. A ativi-dade sindical tornou-se mais difícil e o isolamento social foi percebidocomo um problema central pelos trabalhadores.

Um aspecto curioso e contraditório, considerando-seo estado de desenvolvimento do Brasil, é o fato de nãoter sido mencionado o alto custo relativo do teletrabalho,que é um dos fatores apresentados como problemáticopara a sua difusão nos países desenvolvidos. Até o mo-mento desta pesquisa, o teletrabalho tinha sido usadosomente como uma forma de descentralizar o setor dedigitação, não sendo utilizado nem como uma políticade recrutamento, nem de economia de energia, etampouco como uma política para resolver problemasregionais relacionados ao desemprego. Outro aspectointeressante e contraditório é que o teletrabalho tem sidousado para transferir uma parte do setor de digitação daperiferia para o centro da cidade de São Paulo. Clara-mente, o custo do aluguel dos escritórios não foi consi-derado nessa decisão.

O caso da ORGl sugere que o teletrabalho pode agra-var os problemas de comunicação e criar uma estruturaorganizacional mais rígida. Segundo Howard'", isso acon-tece porque administradores armados com princípios econceitos tayloristas concentram seus esforços nos procedimentos e es-truturas formais da organização e tentam eliminar, ou simplesmenteignorar, os aspectos informais da organização através da utilização denovas tecnologias.

Essa é exatamente a maneira como os administradores brasileirostêm enfrentado os problemas existentes nos CPDs brasileiros. Oteletrabalho tornou-se mais um "emblema de salvação", com o duplopapel de descentralizar e informatizar o trabalho. Tratado dessa ma-neira "neutra", sem a resistência sindical e sendo introduzido num se-tor em que os problemas de comunicação já existiam, o teletrabalhoacabou intensificando esses problemas, transformando-os numa outrafonte de sofrimento e ansiedade para os trabalhadores.

Finalmente, acreditamos que a comunicação informal deveria ser con-siderada não como um problema de "fofoca" ou "cera" no trabalho,mas como uma forma de resolução de problemas no trabalho. Em vezde se investir maciçamente em novas tecnologias com o objetivo delutar contra os trabalhadores e suas organizações, numa clara políticado "dividir para reinar", a gerência deveria tentar melhorar a qualida-de e a produtividade de seus serviços. Uma maneira eficiente de alcan-çar tais objetivos passa necessariamente por uma mudança na organi-zação do trabalho, onde, em vez de utilizar soluções caras como oteletrabalho, dever-se-ia descartar os princípios tayloristas que susten-tam a organização do trabalho nos grandes CPDs e busca-se soluçõeslocais e individuais que considerem a cultura organizacional e que en-corajem uma maior participação e envolvimento dos trabalhadores noprocesso de trabalho. O® 0950208

seus serviços.

65. HOWARD, R. Brave newworkplace. New York: PenguinBooks, 1985.

Gostaria de agradecer a Urso E.Gattiker pela atenção e paciên-cia com esse trabalho, MarizildaFaia, prof. Michael P. Zeitlin,Gabriele Bammer, GunnJohansson, Tim Webb, UrsulaHuws e Ruth Milkman.

Este texto foi originalmente pu-blicado em GATTlKER, U. E. (Ed.)Technology-Mediated Comu-nnication, p. 117-145, Berlim,New York: Walter de Gruyter,1992, sob o título de Teleworkand Communicatíon in DataProcessing Centres in Brazil.

Artigo recebido pela Redação da RAE em março/1993, avaliado em março/1993, junho, outubro/1994 e aprovado para publicação em outubro/1994. 77