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Tensões em torno do ensino religioso na educação adventista Isaac Malheiros Meira Junior 1 1. Introdução Desde seu início no século XIX, a rede adventista de educação tem mantido forte ênfase no ensino religioso. O ensino religioso adventista atravessou vários períodos de múltiplas abordagens pedagógicas sem sofrer grandes alterações na sua importância. Esse fenômeno é contrário ao que ocorreu com outras redes religiosas de educação, cujo processo de secularização tornou o ensino religioso algo desvinculado da pedagogia. Uma vez que a rede adventista de educação é uma das mais importantes e duradouras redes confessionais do mundo, é interessante entender como o ensino religioso permaneceu tão forte e relevante na pedagogia adventista, superando os obstáculos impostos pela busca da excelência acadêmica. Esse artigo tem como objetivo analisar a importância histórica do ensino religioso no desenvolvimento da pedagogia adventista, e analisar os atuais desafios e tensões enfrentados por uma rede confessional que tenta manter a identidade cristã num mundo de rápidas transformações. O ponto central é a tensão entre os interesses acadêmicos e os interesses religiosos/espirituais, presente na Educação Adventista desde o seu início. Para isso, foi realizada uma pesquisa explicativa com abordagem qualitativa e utilizados os seguintes instrumentos de coleta dados: análise documental e bibliográfica. Os dados foram analisados à luz do referencial teórico selecionado e apresentados aqui em forma de texto. 2. A origem do ensino religioso adventista Desde seu início em 1872, na cidade americana de Battle Creek (Michigan), a 1 Mestre em Teologia (EST – São Leopoldo), doutorando em Teologia (EST – São Leopoldo). Professor de Ensino Religioso no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. Bolsista da CAPES. Contato: <[email protected]>

Tensões em torno do ensino religioso na educação adventista · Adventista sustenta-se sobre o pensamento filosófico e pedagógico chamado pelos pedagogos ... disciplinares, que

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Tensões em torno do ensino religioso na educação adventista

Isaac Malheiros Meira Junior1

1. Introdução

Desde seu início no século XIX, a rede adventista de educação tem mantido forte

ênfase no ensino religioso. O ensino religioso adventista atravessou vários períodos de

múltiplas abordagens pedagógicas sem sofrer grandes alterações na sua importância. Esse

fenômeno é contrário ao que ocorreu com outras redes religiosas de educação, cujo

processo de secularização tornou o ensino religioso algo desvinculado da pedagogia.

Uma vez que a rede adventista de educação é uma das mais importantes e

duradouras redes confessionais do mundo, é interessante entender como o ensino religioso

permaneceu tão forte e relevante na pedagogia adventista, superando os obstáculos

impostos pela busca da excelência acadêmica.

Esse artigo tem como objetivo analisar a importância histórica do ensino religioso no

desenvolvimento da pedagogia adventista, e analisar os atuais desafios e tensões

enfrentados por uma rede confessional que tenta manter a identidade cristã num mundo de

rápidas transformações. O ponto central é a tensão entre os interesses acadêmicos e os

interesses religiosos/espirituais, presente na Educação Adventista desde o seu início.

Para isso, foi realizada uma pesquisa explicativa com abordagem qualitativa e

utilizados os seguintes instrumentos de coleta dados: análise documental e bibliográfica. Os

dados foram analisados à luz do referencial teórico selecionado e apresentados aqui em

forma de texto.

2. A origem do ensino religioso adventista

Desde seu início em 1872, na cidade americana de Battle Creek (Michigan), a

1 Mestre em Teologia (EST – São Leopoldo), doutorando em Teologia (EST – São Leopoldo). Professor de Ensino Religioso no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul. Bolsista da CAPES. Contato: <[email protected]>

Educação Adventista2 tem se caracterizado por sua visão cristã. Considerada a maior rede

educacional evangélica e a segunda maior rede confessional unificada do mundo, a Educação

Adventista sustenta-se sobre o pensamento filosófico e pedagógico chamado pelos

pedagogos adventistas de “bíblico-oriental” (ou hebraico-oriental), em contraposição ao que

eles chamam de “modelo greco-ocidental, que permeia grande parte da filosofia e a prática

pedagógica atual” (CUBIASD, 2004, p. 8).

A princípio, na década de 1850, onde houvesse uma comunidade suficiente, os

adventistas norte-americanos estabeleciam escolas nos lares sob a direção de um deles. Não

havia nenhum esforço sistemático oficial para encorajar tais escolas, até porque a Igreja

Adventista do Sétimo Dia (IASD) não existiria oficialmente como instituição organizada até

1863 (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 116)

A insatisfação dos adventistas pioneiros com o sistema público norte-americano de

ensino os levava a estabelecer insistentemente escolas nos lares, à medida que os crentes

percebiam a necessidade e estavam dispostos a arcar com os custos envolvidos. Essa

insatisfação era justificada por coisas como exposição à linguagem vulgar, querelas, brigas e

outras influências consideradas deletérias pelos pioneiros adventistas (SCHWARZ;

GREENLEAF, 2009, p. 116).

Os adventistas creem no dom de profecia, através do qual Deus se comunica com a

humanidade. E acreditam também que esse dom se manifestou no século XIX de forma

inequívoca na vida e obra de Ellen White (1827-1915). Ellen White escreveu fartamente

sobre educação, dentre outros assuntos. Assim, os escritos da Bíblia e de Ellen White

formam o fundamento básico do pensamento adventista sobre educação. Ellen White

escreveu e promoveu conceitos educacionais que servem de parâmetro para a Educação

Adventista até hoje. Nesses livros encontramos todas as principais diretrizes seguidas pela

2 O Movimento Adventista começou nos Estados Unidos, na década de 1830, quando o pregador batista William Miller (1782-1849), após estudar intensamente as profecias do livro de Daniel, começou a anunciar a iminente vinda de Jesus Cristo à terra. O nome “adventista” deve-se exatamente à crença nessa segunda vinda (ou advento) de Cristo. Miller acreditava que Cristo retornaria a terra na década de 1840. O retorno de Cristo não aconteceu como esperado e o grupo se dispersou. Uma ramificação do movimento adventista deu continuidade aos estudos bíblicos e deu origem à Igreja Adventista do Sétimo Dia (GAARDER, 2000, p. 205 e 209).

rede educacional adventista.3

O estabelecimento da primeira escola oficialmente adventista foi impulsionado pela

publicação de um sonho de Ellen White em 1872. Ela escreveu 30 páginas sobre o tema da

educação e sobre a necessidade do estabelecimento de uma escola: “Precisamos de uma

escola onde possam ser ensinados àqueles que acabam de entrar no ministério ao menos os

ramos comuns da educação e onde eles possam aprender mais perfeitamente as verdades

da palavra de Deus para este tempo” (WHITE apud SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 120).

Percebe-se, nessa orientação inicial de Ellen White, a íntima ligação entre a religião e

o sistema educacional adventista desde o nascimento. A educação correta, segundo White,

deveria contemplar a vida física, mental, moral e religiosa dos estudantes, princípios

seguidos até hoje. Em seus livros sobre educação, White (2000, p. 208) refere-se à

necessidade de substituir o que denomina de “ensino mundano” por um ensino sob

orientação religiosa: “Seja a escola regida de acordo com as normas das antigas escolas dos

profetas, achando-se a Palavra de Deus no fundamento de toda a educação dada”.

Para os hebreus, a aprendizagem e ensino repousavam, em última instância, no

temor do Senhor (Deuteronômio 4:10; 14:23; 17:19; 31:12, 13). Conforme acentuam Harris,

Archer e Waltke (1999, p. 791), “aprender (nessa compreensão) é aceitar a vontade e a lei de

Deus”. Por isso, para os adventistas, qualquer abordagem cristã ao ensino que isole a religião

em um compartimento separado da vida “secular” seria uma abordagem infiel à descrição

bíblica.

Como fruto dessa orientação, uma escola patrocinada denominacionalmente foi

inaugurada em 1872 na cidade de Battle Creek, com doze alunos sob os cuidados do

professor Goodloe Bell. Após um impressionante crescimento, em 1874 a Sociedade

Educacional Adventista do Sétimo Dia tornou-se uma entidade legal e um colégio maior foi

inaugurado, o Battle Creek College (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 123).

Curiosamente, na primeira escola adventista não havia nenhum curso bíblico regular

3 Três livros de Ellen White tratam inteiramente de educação: Educação (1903), Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes (1913) e Fundamentos da Educação Cristã (1923), sendo este último uma compilação póstuma de artigos anteriormente publicados. Outras compilações sobre educação foram feitas posteriormente, mas essas são as obras principais.

oferecido em seus primeiros anos de funcionamento. O primeiro professor de Bíblia foi Uriah

Smith, um dos líderes pioneiros da IASD e editor de Review and Herald, revista oficial da

IASD. Ele morava próximo do colégio e sempre que podia fazia palestras sobre temas bíblicos

para os alunos.

No início, as escolas adventistas funcionavam em sistema de internato ou semi-

internato. Ofereciam um ensino que se aproximava do ensino técnico profissionalizante,

com intensas atividades agrícolas e manuais. Os alunos eram quase sempre filhos de

adventistas, e supria uma demanda interna na igreja, já que o ensino público era

considerado inadequado. Segundo White (1976, p. 154), os colégios adventistas,

especialmente os internatos deveriam prover uma “atmosfera doméstica” aos jovens, para

resguardá-los “de tentações à imoralidade”.

3. A constante tensão entre o acadêmico e o religioso

No início da Educação Adventista no colégio de Battle Creek, o estudo da Bíblia e a

religião encontraram pouco espaço no programa da escola. Não havia aulas regulares de

religião e as aulas não eram obrigatórias. George Knight relata que os catálogos do colégio

anunciavam: “Não existe coisa alguma nas matérias, ou nos regulamentos e práticas

disciplinares, que tenham algo de denominacional ou sectário. As preleções bíblicas são

apresentadas apenas para aqueles que as assistem por livre escolha” (KNIGHT, 2010a).

Ainda não havia uma filosofia adventista de educação clara e formalmente

estabelecida. As escolas eram iniciativas particulares e não oficialmente institucionais. No

entanto, desde o início já havia uma tendência “reformadora” na Educação Adventista.

No seu primeiro ensaio escrito especificamente sobre educação, em 1872, Ellen

White deixou bem claro: “somos reformadores” (SCHWARZ; GREENLEAF, 2009, p. 117).

Nesse mesmo ano, Goodloe Bell organizou a primeira escola oficialmente patrocinada em

Battle Creek. E assim surgiu um debate cujos efeitos perduram até hoje: a Educação

Adventista deve priorizar a sua missão religiosa ou a sua visão acadêmica de excelência? Em

1881, Ellen White (2004, p. 21-25) apresentou o risco de o colégio cair na irrelevância se

abrisse mão de sua confissão religiosa nos seguintes termos:

[...] há risco de nosso colégio ser desviado de seu desígnio original. [...] Não é o propósito da instituição dar aos estudantes o mero conhecimento de livros. Essa espécie de educação pode ser obtida em qualquer colégio da região. [...] Se uma influência mundana tiver que dominar nossa escola, seja ela vendida aos mundanos, e assumam eles o total controle.

E assim, o ensino religioso teve o seu lugar garantido na Educação Adventista, e não

apenas nas aulas de ensino religioso, mas em toda a vida escolar, cujo parâmetro era a Bíblia

e os princípios deduzidos a partir dela. Aos poucos, Ellen White desfazia a noção de

incompatibilidade entre a fé e a razão (WHITE, 2000, p. 394-395).

Ellen White (2004, p. 21-22) alertou claramente quanto ao resultado desastroso que

seria “deixar a influência moral e religiosa para trás”, e ainda estabeleceu que o propósito de

Deus era que “nosso povo tenha a oportunidade de estudar ciências, aprendendo ao mesmo

tempo os reclamos de Sua Palavra”.

A respeito do desenvolvimento intelectual, Ellen White (2000, p. 394) escreveu que

os alunos deveriam se esforçar para avançarem o mais rápido e irem o mais longe possível,

sendo o seu campo de estudo “tão vasto quanto possam alcançar suas faculdades”, e que a

intelectualidade promove a espiritualidade, pois “as verdades da Palavra divina podem ser

melhor apreciadas pelo cristão intelectual” (WHITE, 1996, p. 45).

Sob as orientações de Ellen White, a Educação Adventista tornou-se rapidamente

uma forte e crescente rede mundial de escolas e universidades. As orientações divinas dadas

através de Ellen White também garantiram uma padronização da abordagem religiosa nas

instituições adventistas de ensino. O principal legado das instruções de Ellen White é a

centralidade da Bíblia e a sua atuação como fator de integração das diversas áreas do

conhecimento.

A tensão entre os objetivos acadêmicos e os objetivos espirituais existe ainda hoje.

Aproximando-se alternadamente de um extremo e outro ao longo de sua história, a

Educação Adventista busca constantemente o equilíbrio entre a sua missão espiritual e sua

visão acadêmica. No entanto, ao contrário do que possa parecer, “essa tensão, apesar de

desconfortável, é saudável e necessária a fim de evitar que a Educação Adventista caia na

irrelevância por falta de uma distinta ênfase adventista ou por uma inadequação às

necessidades acadêmicas do século XXI” (KNIGHT, 2010a, p. 17).

Uma nova onda de pressão sobre a Educação Adventista foi trazida pelas rápidas

mudanças ocorridas no século XXI. Alguns setores da igreja sugerem que é tempo de

abandonar as características religiosas e tomar posição no cenário acadêmico, “pois os

alunos da rede não são mais exclusivamente adventistas e os colégios não são mais

instituições de treinamento para obreiros denominacionais” (RICE, 2010, p. 6).

Apesar da tensão entre os aspectos acadêmicos e religiosos, igreja e a escola mantêm

uma relação muito próxima. O Departamento de Educação da IASD descreve essa relação

com as seguintes palavras: “A escola adventista é uma instituição da Igreja Adventista do

Sétimo Dia, por isso os vínculos entre ambas são estreitos e de apoio mútuo, mas mediados

pelo respeito, sem perder de vista a finalidade formativa da escola” (DE, 2004, p. 82).

No entanto, Rice (2010, p. 6) alerta que enfraquecer o perfil religioso da rede

educacional adventista seria “irônico”, pois “esse é o principal fator que poderia aumentar

nossa atratividade para possíveis alunos”. Assim, manter a identidade e a fidelidade aos

históricos princípios norteadores da Educação Adventista é o que garantiria a sua relevância

diante de um mar de instituições academicamente excelentes, mas sem nenhum

compromisso com a cosmovisão cristã. Em suma, manter o ensino religioso adventista em

evidência é o que torna a Educação Adventista forte.

4. Entre o ensino religioso e a doutrinação proselitista

Como foi visto neste artigo, a Educação Adventista nasceu com o objetivo de atender

as famílias adventistas, preservando os seus filhos do que os adventistas consideravam más

influências da sociedade (WHITE, 2000, p. 173). No entanto, com o crescimento da rede

educacional adventista, um número cada vez mais crescente de alunos que não são

adventistas passou a estudar na rede:

Apesar de a Educação Adventista ter mantido uma posição fundamental na criação

de uma igreja mundial unificada, ela não tem mantido um crescimento proporcional ao do

número de membros da igreja. Cada vez mais alunos não adventistas se matriculam nessas

escolas, o que fez baixar a proporção de estudantes adventistas (KNIGHT, 2006).

Isso acirrou uma tensão que afetou diretamente o ensino religioso: como continuar

abordando o ensino religioso sem caracterizar proselitismo manipulador e, por outro lado,

sem perder a identidade adventista? A Educação Adventista não esconde seu objetivo de

impactar a vida dos alunos com a mensagem cristã, e, se possível, torná-los cristãos. Ellen

White (1996, p. 436) escreveu claramente que “a coisa mais importante” na educação “deve

ser a conversão dos alunos”. No entanto, como conseguir isso sem parecer ofensivo ou

agressivo?

Desde que as escolas adventistas aceitaram alunos não adventistas, o ensino religioso

procura trabalhar com eles a fé e os valores cristãos, sem receio ou vergonha de lhes

mostrar a visão adventista do cristianismo. No entanto, alguns adventistas sugeriram uma

abordagem mais branda, neutra, quase disfarçada, da religião. Mas foram duramente

confrontados por White (1976, p. 130), que afirmou: “não devemos encobrir nossa fé para

assegurar mais alunos”.

Apesar dessa ênfase evangelística, e ao contrário do que se possa supor, o ensino

religioso adventista não se resume à doutrinação (mesmo contendo estudo sistematizado de

doutrinas bíblicas). Para Knight (2010b, p. 169), “é errado pensar que a função das aulas de

religião é ensinar teologia, mas é igualmente errado pensar que teologia não deva ter

importância nas aulas de religião.” A abordagem crítica ao conhecimento, mesmo o religioso,

também está presente nas orientações de Ellen White (1977, p. 17): “Cada ser humano

criado à imagem de Deus, é dotado de certa faculdade própria do Criador – a individualidade

– faculdade esta de pensar e agir. [...] É a obra da verdadeira educação desenvolver essa

faculdade”. Assim, o ensino religioso adventista também se submete a essa abordagem

crítica. Mas essa abordagem não é tudo, o ensino religioso pretende ir além do plano

intelectual.

Frequentemente, os adventistas de todos os níveis educacionais têm enfatizado um

ensino da religião meramente no plano intelectual. Para Knight (2010b, p. 169), “o engano

está em supor que ensinar teologia equivale a ensinar religião.” A pedagogia adventista

estabelece que “um bom ensino da Bíblia imita o ensino de Jesus que foi reconhecido como

um inovador positivo quando se acercava das pessoas. Finalmente, o ensino da Bíblia

estimula uma aplicação sólida dos princípios bíblicos nas relações interpessoais e na própria

vida” (DE, 2004, p. 107).

Há que se destacar a importância da Bíblia na Educação Adventista. Apesar de não ser

encarada como um livro didático, a Bíblia é considerada como a fonte da auto-revelação de

Deus. Na sua epistemologia, a Educação Adventista reconhece a Bíblia como a base do

entendimento nos diversos campos de estudo (CUBIASD, 2004, p. 41). Segundo Unglaub

(2005, p. 21), a Educação Adventista tem na Bíblia “a sua fonte maior de revelação de Deus,

de sua natureza, do universo, e do ser humano como criação direta de suas mãos”.

Segundo White (2003, p. 56): “A Bíblia é nosso compêndio. Pais, professores e alunos

precisam conhecer melhor as preciosas verdades contidas tanto no Antigo como no Novo

Testamento.” O estudo cuidadoso da Bíblia, de modo a tornar os alunos em instrutores

bíblicos, é fortemente incentivado por White (1999, p. 474), e é recomendado a todas as

faixas etárias (WHITE, 1977, p. 188).

O objetivo do ensino religioso é levar a uma experiência com Deus, o que nem

sempre é garantido meramente com a teologia, ou o conhecimento sobre Deus e a Bíblia.

Como destaca Knight (2010b, p. 170), “o conhecimento de Deus é muito distante do amor a

Ele”. O mero conhecimento intelectual divorciado da espiritualidade sadia é um risco, pois

pode ser utilizado para o mal (WHITE, 2005, p. 422).

Discutindo sobre o ensino religioso nas escolas adventistas, Reuben Hilde (apud

KNIGHT, 2010b, p. 170), da Universidade de Loma Linda, afirma que “uma das puras

realidades que enfrentamos na Igreja Adventista do Sétimo Dia é que em muitos casos a

educação provida em nossas escolas não tem mudado sensivelmente os jovens”.

Segundo Hilde (apud KNIGHT, 2010b, p. 171), se uma escola cristã “não causa

transformação de vidas, o propósito dessa escola se torna absurdo”. A obtenção de

conhecimento é desejável, mas não é o objetivo único e nem máximo da Educação

Adventista. Segundo Knight (2001, p. 213), a aquisição de conhecimento – mesmo o

conhecimento cristão – não deve ser vista como um fim em si mesmo, mas tem como

objetivo principal o servir melhor a Deus e aos semelhantes.

Os objetivos do ensino religioso, de acordo com Carnack (apud KNIGHT, 2010b, p.

171), devem ser: (1) “traga o aluno a Cristo”, (2) “firme-o em Cristo”, e (3) “envie-o a

trabalhar por Cristo”. Percebe-se aí uma abordagem que se aproxima do proselitismo

cristão, cujo objetivo também é atrair, converter e enviar o convertido como missionário.

Em verdade, a linha que separa o ensino religioso do proselitismo é tênue. Não há um

esforço aberto e oficial na Educação Adventista de converter os alunos em cristãos

adventistas. No entanto, no ambiente escolar há pregação, apelos evangelísticos e o

oferecimento de estudos bíblicos mais aprofundados. Em eventos especiais, como nas

“Semanas de Oração”, é oferecida ao aluno a oportunidade de se preparar para o batismo

cristão, tornando-se um adventista, se o aluno desejar.

O que é aberta e oficialmente assumido na Educação Adventista é que seu objetivo é

influenciar a vida dos alunos com os valores e princípios cristãos, ainda que o aluno não se

batize e nem se torne formalmente um cristão adventista. O ensino religioso na rede

adventista não se resume ao ensino da Bíblia como um fim em si mesmo. Na escola

adventista não se estuda a Bíblia despretensiosamente, apenas por curiosidade. O que

acontece nas escolas adventistas é o ensino da Bíblia e da verdade cristã como um recurso

para uma finalidade: a aplicação do conhecimento à existência diária. O ideal do ensino

religioso adventista não é o sucesso acadêmico, mas o envolvimento ativo nas questões da

vida.

Ellen White deixou claro esse conceito ao escrever que a educação não é o mero

conhecimento intelectual, mas “um conhecimento experimental do plano da salvação”

(WHITE, 2000, p. 434). De acordo com ela, o conhecimento deve ser “experimentado no

caráter em vez de apenas na mente” (WHITE, 2000, p. 37). Discutindo a separação

dicotômica entre a intelectualidade e a espiritualidade, White (2000, p. 540) escreveu:

Uma religião meramente intelectual não satisfará o coração. Não deve ser negligenciado o preparo intelectual, mas não é ele suficiente. Aos estudantes deve-se ensinar que estão no mundo para prestarem um serviço a Deus. Devem ser ensinados a pôr sua vontade ao lado da vontade divina.

Para Knight (2010b, p. 172), o professor de ensino religioso enfrenta o perigo de

“sucumbir à tentação de viver em dois níveis – um da teoria, em que a expressão verbal não

pode ser separada da prática, e outro no mundo diário da sala de aula, onde a separação

realmente ocorre”.

5. Vislumbrando soluções equilibradas

O ensino religioso adventista não deveria “degenerar-se numa forma de doutrinação

que tenta contornar o julgamento crítico do estudante para obter a aceitação de certo ponto

de vista” (KNIGHT, 2010b, p. 176). No entanto, o ensino religioso deveria “ajudar os

estudantes a desenvolver suas habilidades de senso crítico e, ao mesmo tempo, providenciar

uma filosofia cristã para a avaliação dos fragmentos do conhecimento” (KNIGHT, 2010b, p.

176). Em suma, o ensino religioso deve ajudar os jovens a aprender a pensar de forma cristã,

a formar uma cosmovisão cristã.

Esse objetivo pode ser facilmente confundido com proselitismo manipulador. E, na

realidade, pode se degenerar em proselitismo. A Educação Adventista convive com essa

tensão constante: ser fiel à sua missão de influenciar toda a vida do aluno com os princípios

cristãos e ao mesmo tempo ser sensível às crenças particulares das famílias que contratam

seus serviços educacionais, não ultrapassando os limites da doutrinação e da manipulação

das mentes jovens.

O equilíbrio é conseguido ao relacionar o conhecimento bíblico com a vida cotidiana,

fazendo o ensino religioso ultrapassar os limites da sala de aula. Ellen White (2000, p. 545)

observa que os jovens precisam de oportunidades para desenvolverem o “trabalho

missionário – tempo para se relacionar com as necessidades espirituais das famílias da

vizinhança”. Para Knight (2001, p. 212), “esse desenvolvimento do caráter cristão nos alunos

se impõe como o maior objetivo dos professores cristãos.” No entanto, não é tarefa fácil

perceber a diferença prática entre alcançar esse objetivo e conseguir novos conversos para a

denominação.

Diante de tal desafio, o professor de ensino religioso deve ser bem preparado.

Segundo White (1977, p. 475), as escolas adventistas deveriam dispor de professores “bem

competentes no ensino da Bíblia, e que possuam profunda experiência cristã. Os melhores

talentos do ministério devem ser empregados em nossas escolas”.

Porém, isso nem sempre ocorre, visto que, em muitos casos, essa é uma função

desempenhada por pastores recém-formados que não tiveram nenhum tipo de preparo

acadêmico para o magistério. O professor de ensino religioso deveria ser valorizado como

um profissional de importância fundamental da educação cristã, e não ter o seu papel

minado e encarado como uma segunda classe de atividade profissional. Esse é um desafio

com o qual o ensino religioso adventista tem de lidar.

Ter sempre os melhores talentos do ministério adventista empregados nas escolas é

um ideal ainda a ser alcançado. No entanto, não há dúvidas de que White não estava

exagerando nesse ponto, visto que ela orienta que os “professores de Bíblia” sejam

sustentados pelo dízimo, da mesma forma que os pastores de igreja (WHITE, 1984, p. 473).

Outro desafio, destacado pelo professor universitário adventista Richard Rice, é:

como integrar a religião à vida escolar? Quão religiosos devemos ser e como devemos ser?

Rice (2010, p. 7) reconhece que é indesejável um afastamento da identidade religiosa, mas

que deve haver uma reestruturação da abordagem da religião na Educação Adventista. Para

Rice (2010, p. 7), o modelo educacional que visa à doutrinação não é mais uma opção viável

devido ao aumento da diversidade religiosa dos alunos da rede adventista. Para ele, a

abordagem à religião deve levar em conta esse tipo de diversidade.

Rice sugere algumas diretrizes para a abordagem da religião nesse novo cenário

educacional. Em primeiro lugar, os educadores adventistas devem ensinar como

representantes da comunidade religiosa, de dentro para fora, e não apenas como estudiosos

do assunto, de um ponto de vista externo à religião. Isso leva o ensino religioso a todas as

aulas, nas diferentes áreas, e não apenas nas classes específicas de ensino religioso. O

objetivo dessa abordagem é “ajudar os alunos a refletirem cuidadosamente sobre as

alegações do cristianismo” (RICE, 2010, p. 7-8).

Recomendar essa “perspectiva religiosa” significa relacionar as ideias e valores

cristãos com as crenças e valores refletidos em todas as disciplinas oferecidas. Segundo Rice

(2010, p. 8): “Isso envolve todo o corpo docente, não somente os professores de religião. E

pede que os professores sejam sensíveis às necessidades religiosas dos alunos, e

compartilhem suas próprias convicções com eles, tanto dentro como fora da sala de aula”.

Para eliminar a falsa dicotomia entre a religião e o aspecto acadêmico, a Educação

Adventista deveria intencionalmente proporcionar espaços e oportunidades para que os

alunos expressem e explorem a religião em ambientes diferentes. Capelas, cultos, classes

bíblicas, atividades artísticas e esportivas, reuniões sociais e serviços comunitários são

diferentes cenários onde o ensino religioso pode acontecer além das salas de aulas (RICE,

2010).

Acima de todas as propostas apresentadas, um ponto fica claro: deixar a Bíblia de

lado, e deixar de oferecer uma visão adventista dos princípios bíblicos são apontados como

fatores que podem levar à perda de identidade e uma inevitável secularização.

Além desses desafios, existem as pressões sociais e legais sobre o currículo

adventista. Pais que julgam ser excessiva a carga de ensino religioso ainda não

compreenderam a filosofia adventista de educação e a importância integrativa da Bíblia no

currículo adventista. No Brasil, algumas famílias já tentaram, sem sucesso, apelar para as

disposições legais a fim de enquadrar seus filhos num programa opcional de ensino religioso.

Reagindo a essas pressões, a liderança da rede educacional adventista na América do

Sul desenvolveu um projeto para reafirmar nas escolas o “compromisso total com Deus, com

sua igreja e com o evangelismo integrado”. Trata-se do “Plano Mestre de Desenvolvimento

Espiritual”, que coloca de forma bem clara os princípios, crenças e valores cristãos no centro

da vida escolar. A forte ênfase no aspecto espiritual fica clara nas palavras introdutórias do

PMDE (2008), que busca ajudar cada aluno “a se desenvolver espiritualmente, confirmando

as Instituições Educacionais Adventistas como lugar de evangelização [...]”.

Novamente, percebe-se um esforço aqui em não permitir que a religião perca a

centralidade na Educação Adventista. Ao que parece, para os educadores adventistas, voltar

à religião parece sempre ser a opção mais segura em face de desafios, pressões e riscos de

secularização. A religião e a centralidade do ensino religioso parecem funcionar como

âncoras da educação adventista, dando segurança e estabilidade em tempos de turbulência.

Considerações finais

O ensino religioso permaneceu forte e relevante na pedagogia adventista

primeiramente por causa da cosmovisão cristã que possibilitou a formulação de uma

filosofia educacional adventista onde a religião é onipresente. Os adventistas não acreditam

na dicotomia entre “secular” e “sagrado”. Não há dicotomia entre fé e razão, nem entre

ciência e religião. Para os adventistas, tudo vem de Deus e deve ser usado para servi-lo.

Devido a essa visão, a educação religiosa adventista não se limita às aulas de Ensino

Religioso, mas permeia todas as disciplinas e atividades da escola, dentro e fora da sala de

aula.

Desde o início, White deixou claro que a educação adventista é centralizada em Deus

e na Bíblia, e suas orientações foram fundamentais para que o ensino religioso não perdesse

espaço na educação adventista. Por influência de Ellen White, a Bíblia assumiu (e não

perdeu) o lugar central na pedagogia adventista. É o livro sobre o qual todo o conhecimento

se constrói. Da Bíblia os adventistas formulam o pano de fundo diante do qual todo

conhecimento se desenvolve. Da Bíblia os adventistas deduzem os princípios normativos de

sua pedagogia.

Em suma, os adventistas valorizam o ensino religioso por causa de sua cosmovisão

cristã, sua filosofia bíblica de educação e por causa das insistentes e claras orientações de

Ellen White a esse respeito.

Esses fatores geraram uma educação com duas preocupações principais: a sua missão

religiosa e a sua visão acadêmica de excelência. Essas preocupações geraram uma tensão

que jamais foi superada. A educação adventista vive andando no fio da navalha entre essas

duas questões. Porém, para alguns teóricos (Knight e Rice), essa tensão é saudável e

possibilita renovação de métodos e abordagens.

Outra questão conflituosa na educação adventista é o crescente número de alunos

não adventistas nas escolas. As pressões aumentam, e a abordagem religiosa inicial, que

tendia à doutrinação, está constantemente sendo revista. A educação adventista não abre

mão de seus valores bíblico-cristãos e nem do direito de transmitir tais valores aos alunos. O

ensino religioso está no centro dessa polêmica: não seria uma forma de manipulação

proselitista?

O ensino religioso contribuiu para o crescimento e solidificação da rede educacional

adventista como uma das maiores do mundo. O ensino religioso adventista foi o que

manteve a identidade confessional da rede ao longo de sua história, evitando que o ensino

adventista passasse pelo processo natural de secularização pelo qual outras redes

confessionais passaram. Os adventistas acreditam que a secularização neutralizaria o

diferencial da educação adventista, tornando-a irrelevante. Essa manutenção da missão

religiosa da educação adventista talvez tenha sido a maior contribuição do ensino religioso.

Certo ou errado, o fato é que a educação adventista sobreviveu a modismos pedagógicos, a

períodos de intenso ceticismo e ataque ao assim chamado fundamentalismo cristão.

Ao longo deste artigo, evitou-se fazer algum juízo de valor a respeito do ensino

religioso adventista, pois esse não era o objetivo da pesquisa. No entanto, nestas

considerações finais, algumas perguntas podem ser feitas: O fato de um ensino tão marcado

pela religião ter tanta procura não seria um indicativo de que uma grande parcela da

sociedade ainda busca princípios morais rígidos e até absolutos? O crescimento da rede

adventista de educação num tempo em que o ceticismo e relativismo ganham espaço não

parece indicar que há uma grande fatia das famílias que quer reagir à onda de ceticismo e

relativismo? Essas perguntas podem ser o ponto de partida para futuras reflexões.

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