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PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Comentários: Pichon-Rivière ressalta a necessidade de complementar a investigação psicanalítica com a investigação social, que orienta em uma tríplice direção: psicossocial, sociodinâmica e institucional. Aborda o homem concebendo-o em uma só dimensão, a humana; mas ao mesmo tempo concebe a pessoa como uma totalidade integrada por três dimensões: a mente, o corpo e o mundo exterior. A teoria do vínculo considera o indivíduo como resultante do interjogo entre o sujeito e os objetos internos e externos, em relação de interação dialética, que se expressa através de certas condutas. O vínculo é concebido como uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que engloba tanto o sujeito quanto o objeto, tendo esta estrutura características consideradas normais e alterações interpretadas como patológicas. Nunca existe um só tipo de vínculo, pois as relações que o sujeito estabelece com o mundo são mistas e o paciente e o terapeuta são concebidos como uma unidade dialética, atuando um sobre o outro. O indivíduo é estudado basicamente dentro do grupo familiar, por sua vez analisado dentro da sociedade na qual está inserido (investigação institucional). De acordo com Pichon, para compreender o delírio é fundamental investigar o conjunto de forças que atuam no meio familiar do qual emerge a doença mental. O delírio, assim, é compreendido como uma tentativa de solucionar um conflito e reconstruir seu mundo individual, principalmente o familiar, e o social. O vínculo configura uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, acionada por motivações psicológicas, cujo resultado é determinada conduta que tende a se repetir tanto na relação interna quanto externa com o objeto. É o vínculo interno que condiciona muitos dos aspectos externos e visíveis da conduta do sujeito. Os vínculos internos e externos se integram. ................. 1

Teoria do Vínculo - fichamento

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PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Comentários:

Pichon-Rivière ressalta a necessidade de complementar a investigação psicanalítica com a investigação social, que orienta em uma tríplice direção: psicossocial, sociodinâmica e institucional. Aborda o homem concebendo-o em uma só dimensão, a humana; mas ao mesmo tempo concebe a pessoa como uma totalidade integrada por três dimensões: a mente, o corpo e o mundo exterior.

A teoria do vínculo considera o indivíduo como resultante do interjogo entre o sujeito e os objetos internos e externos, em relação de interação dialética, que se expressa através de certas condutas. O vínculo é concebido como uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que engloba tanto o sujeito quanto o objeto, tendo esta estrutura características consideradas normais e alterações interpretadas como patológicas.

Nunca existe um só tipo de vínculo, pois as relações que o sujeito estabelece com o mundo são mistas e o paciente e o terapeuta são concebidos como uma unidade dialética, atuando um sobre o outro.

O indivíduo é estudado basicamente dentro do grupo familiar, por sua vez analisado dentro da sociedade na qual está inserido (investigação institucional). De acordo com Pichon, para compreender o delírio é fundamental investigar o conjunto de forças que atuam no meio familiar do qual emerge a doença mental. O delírio, assim, é compreendido como uma tentativa de solucionar um conflito e reconstruir seu mundo individual, principalmente o familiar, e o social.

O vínculo configura uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, acionada por motivações psicológicas, cujo resultado é determinada conduta que tende a se repetir tanto na relação interna quanto externa com o objeto. É o vínculo interno que condiciona muitos dos aspectos externos e visíveis da conduta do sujeito. Os vínculos internos e externos se integram..................

A investigação que se queira fazer de uma situação precisa ser realizada dentro do contexto social em que as coisas acontecem. Para construir uma teoria da enfermidade psíquica é necessário referência permanente do homem em seu contexto real e exterior. A maneira particular pela qual cada indivíduo se relaciona com outro(s), criando uma estrutura particular a cada momento, é o que chamamos vínculo.

Existem três dimensões de investigação, que se integram sucessivamente – a investigação do indivíduo, a do grupo e a da instituição ou sociedade, permitindo três tipos de análise: a psicossocial (parte do indivíduo para fora), a sociodinâmica (analisa o grupo como estrutura) e a institucional (toma todo um grupo, instituição ou país como objeto de investigação). As alterações do vínculo chamado patológico podem ser assim caracterizadas:

O vínculo paranóico caracteriza-se pela desconfiança; o depressivo pela carga de culpa e expiação; o hipocondríaco é estabelecido por meio do corpo, da saúde e da queixa; o vínculo histérico é baseado na representação, caracterizado pela plasticidade e dramaticidade (o paciente está representando alguma coisa com a sintomatologia).

Na histeria de angústia o vínculo se caracteriza pelo medo; na fobia o medo pode ser do interior (claustrofobia) ou exterior (agorafobia). Na histeria de conversão a expressão de fantasia se dá pela linguagem do corpo, ou seja, através dos órgãos e suas funções podem ser expressos conteúdos inconscientes. Na neurose obsessiva o vínculo se caracteriza pelo controle do outro; na psicose os vínculos paranóide, depressivo ou maníaco também são vínculos de controle, porém mais rápidos e operantes quanto à paralisação do objeto.

Na esquizofrenia todos esses tipos de vínculos podem aparecer juntos, alternadamente ou com predominância de um deles. Nas perversões (tentativa de resolução de determinadas ansiedades através de mecanismos perversos) também são encontrados vários tipos de vínculos.

Nenhum paciente se apresenta com um único tipo de vínculo; todas as relações de objeto e estabelecidas com o mundo são mistas. Pode ser estabelecido, por um lado, um vínculo paranóico, e por outro um vínculo normal, ou tendente à depressão etc. Por meio de um estudo psicossocial, sociodinâmico e institucional da família de um paciente podemos inferir a estrutura mental e os motivos ou causas que provocaram a ruptura de um equilíbrio relativamente estável.

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A investigação psicossocial analisa a parte do sujeito que se expressa para fora, que se dirige aos diferentes membros que o rodeiam. O estudo sociodinâmico analisa as diversas tensões existentes entre todos os membros do grupo familiar do paciente. A análise institucional investiga os grandes grupos, sua estrutura, origem, composição, história, economia, política, ideologia etc. Assim, são analisadas as tensões do paciente com os vários membros do grupo, o grupo como uma totalidade em si e as funções do intergrupo, como as lideranças (do pai, da mãe e outros membros do grupo familiar e agregados), uma vez que às vezes a ruptura ou da perde de prestígio de um líder familiar acarreta a doença de um dos membros do grupo, pouco resistente a certo tipo de tensão.

O surgimento de uma psicose dentro de um grupo familiar está relacionado com a perda de prestígio do líder e com o que ocorre no grupo. É o emergente que surge em conseqüência da ruptura do equilíbrio familiar e pouco a pouco o psicótico acaba por assumir, em certa medida, funções de liderança no grupo familiar em razão de sua doença (tudo gira em torno do indivíduo).

Através das manifestações pessoais do paciente, compreendemos a totalidade de sua estrutura. As tensões que provocaram sua doença, embora distorcidas, surgem novamente no contexto do delírio, pelo qual o indivíduo procura solucionar um conflito, reconstruindo primeiramente a estrutura familiar e depois a social. Através de seus familiares o paciente manda uma parte de si mesmo, colocada nos outros, para indagar sobre seu estado psíquico. Trabalhar o grupo como totalidade e a doença como emergente dessa totalidade torna possível um manejo dinâmico da situação médico-paciente. É necessário, portanto, estudar as tensões internas do grupo familiar e analisar em que momento ocorreu a ruptura do equilíbrio do grupo e os motivos dessa ruptura.

O emergente mental (quadro psiquiátrico) não terá apenas uma relação causal, mas também uma relação significativa com a estrutura que o determinou. É um todo que está atuando através de um dos membros da família (causalidade gestáltica), que se torna um porta-voz das tensões do grupo.

O vínculo epiléptico tem como característica o controle, através do corpo, de uma situação persecutória externa, e pode levar o controle do objeto ao máximo até a imobilidade. Quando o controle fracassa, surge a agressão, em forma de ataque convulsivo (ao colocar dentro de si a situação persecutória), pelo qual tenta destruir o objeto.

O vínculo depressivo tem no centro a aflição moral, a culpa e a expiação. Caracteriza-se pelo fato de toda relação de objeto estar no campo da culpa, na preocupação com o que o outro pensa e como irá aplicar o castigo. O caráter depressivo é aquele cuja visão e concepção do mundo é triste. Sempre sentindo e vivenciando culpa e tentando reparar.

O caráter histérico é aquele caracterizado pela representação, expressando através do corpo situações, fantasias e emoções. A linguagem histérica é a linguagem do corpo.

A negativa do vínculo leva à despersonalização, que pode ser definida como uma tentativa de perda do ser, do si-mesmo ou do eu, uma tentativa de não ser aquele que quer se vincular mas de ser outro. Ou de não ser ninguém para não ter compromisso no vínculo. Qualquer vínculo de qualquer classe (paranóide, depressivo, histérico, inclusive o normal) em dada momento pode recorrer à despersonalização como defesa contra o vínculo que se está configurando. Ou seja, quando considerada em termos de vínculo, a despersonalização é um recurso para o qual o eu apela para se defender, negar o si-mesmo. A despersonalização não é permanente.

Às vezes existe um clima de despersonalização que se expressa para fora (desrealização). Quando produzida dentro, projeta-se em qualquer vínculo no mundo exterior; nesse caso já não é a própria pessoa que surge como sendo distinta, mas sim o mundo. Esse é o início de uma atividade delirante: o mundo já não é como antes, não sou eu, são eles, é o mundo que está mudando; então as coisas começam a voltar (reintrojeção) mas diferentes, desrealizadas. Quando as palavras do sujeito entram de novo, provindas de fora, não são reconhecidas como próprias, criando-se o estado alucinatório. O momento em que o sujeito recebe o eco de suas próprias palavras, como palavras distintas, porque as despersonalizou dentro de si e as desrealizou fora de si, é a situação alucinatória (como o paranóico que se queixa do que conhecem dele, depositando em objetos externos coisas próprias).

O vínculo normal é um vínculo cujo objeto é diferenciado (relação de independência entre o sujeito e o objeto), tanto o objeto quanto o sujeito têm livre eleição de objeto.

Relação de objeto é a estrutura interna do vínculo. A relação de objeto é constituída por uma estrutura que funciona de uma determinada maneira, acionada por fatores instintivos e motivações psicológicas. O vínculo é, então, um tipo particular de relação com o objeto, que tem como conseqüência uma conduta

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mais ou menos fixa com esse objeto, que tende a se repetir automaticamente, tanto na relação interna quanto externa.

Podemos definir o caráter de um sujeito em termos de vínculo dizendo que a sua maneira habitual de se comportar, pode ser compreendida por uma relação de objeto interno; por um vínculo mais ou menos estável e permanente, que dá as características do modo de ser do sujeito visto de fora. Assim, o caráter de uma pessoa é a maneira que ela tem de se relacionar com o objeto interno.

À medida que o sujeito regressa a posições mais primitivas, as relações de objeto são predominantemente estabelecidas com objetos internos. O autismo é a posição mais extrema, pois o sujeito se retira do mundo exterior e perde suas relações com a realidade, ou a transfere para um cenário interna. Os personagens que existiam fora dele agora estão dentro, estabelecendo vínculos particulares que condicionam toda sua atuação.

A atividade alucinatória, assim pode ser compreendida como um vínculo mais forte com um objeto interno que é reprojetado no mundo exterior (primeiro projeção, depois introjeção e reprojeção). O que o paciente ouve em suas alucinações é esse diálogo interno, que em seguida é colocado fora.

O suicídio, ao contrário de se relacionar com a situação depressiva, está mais vinculado à situação paranóide, pois se trata da destruição do objeto internalizado, ou seja, a aniquilação do objeto interno perseguidor. Por aparecer no momento em que procura resolver a situação depressiva, é erroneamente relacionado a ela.

O estupor catatônico é a tentativa do sujeito controlar dentro do corpo os objetos internos perseguidores, com os quais estabelece uma relação particular. A estereotipia, por sua vez, é uma espécie de ritual obsessivo com relação a um objeto que pode estar localizado em qualquer lugar do corpo ou da mente. A hipocondria resulta do sentir-se invadido por objetos maus. A alienação aparece, então, como vivência, na medida em que a relação do vínculo interno com o objeto interno se torna cada vez mais forte.Toda a investigação e todo o destino da psicoterapia do psicótico estão centrados no conhecimento minucioso e sistemático da psicose transferencial. É a repetição dos conflitos com o analista na situação transferencial que possibilita a ruptura da estrutura psicótica estereotipada. O psicótico conseguiu um equilíbrio para si mesmo dentro da economia de seu sofrimento, valendo-se de defesas particulares. A primeira coisa que se rompe, causando ansiedade, é essa estrutura estereotipada com a qual promovera uma adaptação psicótica a seu mundo interno e ao mundo externo.

A teoria do vínculo é um tipo de conhecimento que funciona como um critério operacional, um instrumento de trabalho com o qual se pode abordar o paciente psicótico e compreende-lo. Um dos objetivos do trabalho psicoterápico é captar o vínculo que o paciente estabelece com o terapeuta, para inferir o tipo de relação de objeto e a natureza dos processos internos que funcionam dentro do paciente, por isso na análise é fundamental descobrir qual a representação que cada um tem do seu mundo interno.

A loucura pode ser descrita como o resultado da colocação de um vínculo interno sobre um externo, em relação ao qual adquire prioridade. À medida que o vínculo interno se fortalece, vai passando da neurose à psicose. O mundo interno e o externo, então, aparecem sem noção de limites, já não existe o insight nem consciência da doença porque, para o sujeito, o que ele vivencia é a realidade.

A introspecção é um vínculo particular com um objeto particular e uma finalidade particular. A introspecção é um diálogo com um conteúdo manifesto, do mesmo modo que a psicanálise é o diálogo com o conteúdo latente. Aquilo que um paciente diz sobre si mesmo e sobre os outros são juízos que nos permitem investigar os vínculos externos e internos com outros objetos que são inconscientes.

O irracional de uma conduta é dado pelo grau de latência ou de inconsciência do vínculo interno estabelecido com um objeto interno, que é operante sobre a conduta do indivíduo no momento. Um vínculo racional com alguém sempre inclui uma situação latente (irracional), que se tornará racional durante a análise. A psicoterapia tem por finalidade tornar racional um vínculo irracional; durante uma regressão há uma atualização de estratos profundos que se tornam operantes através de uma conduta reativada, entendendo-se conduta como a expressão de um vínculo em termos daquilo que se vê.

O objetivo central das investigações psicológicas é o campo psicológico, onde se estabelecem as interações entre a personalidade e o mundo. Segundo Lagache, o campo psicológico oferece ao investigador 5 classes de dados: 1) entourage (contorno) – conglomerado de situações e fatores humanos e físicos que estão em permanente interação; 2) conduta exterior espontânea ou provocada acessível ao observador; 3) vivência (experiência vivida), comunicada verbalmente pelo sujeito; 4) modificações somáticas objetivas surgidas em determinada situação; 5) produtos da atividade do sujeito. Na formulação

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de uma interpretação, os elementos fornecidos por esses elementos são tomados como indícios permanentes de uma atividade latente, cabendo ao psicoterapeuta retraduzir essas informações.

A psicopatia pode ser definia em termos de um vínculo particular com determinados objetos, em que as fantasias inconscientes são atuadas aí, nesse contexto, sem que o sujeito tenha consciência. O psicopata estrutura um tipo de conduta transferencial em sua relação com o mundo, relação esta excessivamente rígida e estereotipada, porque quando organiza um tipo de adaptação, dificilmente a abandona.

Os conceitos de papel e vínculo são dois conceitos que se misturam muito. O papel se caracteriza por ser transitório (mais ou menos) e por ter uma função determinada, que aparece em uma situação também determinada e em cada pessoa em particular. A assunção desses papéis pode ser feita consciente e voluntariamente ou involuntariamente.

Cada papel tem uma história pessoal. Geralmente o papel é retomado na situação analítica e pode chegar a funcionar com certa autonomia na psicose. Na medida em que um papel anterior, superado, reprimido, ou elaborado de outro modo volta a se recriar, ocupando a atividade central do eu e determinando no sujeito uma conduta desconhecida para ele mesmo, nesse momento surge a vivência de enlouquecer.

Cada um de nós desempenha papéis múltiplos, ou seja, maneja diversos modos de lidar com os problemas, pois os papéis que assumimos e os que nos adjudicam podem ser muito contraditórios. O sujeito mais integrado é aquele cujos papéis têm uma seqüência e uma coerência interna, o que acontece quando o sujeito centralizou seus diversos papéis no que pode ser denominado núcleo existencial. Em pessoas com profundas divisões da personalidade (personalidades histéricas p. ex., nas quais existe uma personalidade e fundo esquizóide), as divisões podem ser trabalhadas em termos de representações de diversos papéis.

Entre a assunção de um determinado papel e a adjudicação de um papel a outra pessoa existe sempre um interjogo dialético em forma permanente. Na medida em que um adjudica e o outro recebe, estabelece-se entre ambos uma relação que denominamos vínculo. Uma pessoa normal é, portanto, aquela que mantém um determinado papel em uma determinada situação e não está dividida, repelindo por um lado e assumindo por outro, embora possa desempenhar vários papéis em diversas situações.

Se o analisando adjudica um papel ao analista e o analista assume esse papel, nesse momento se produz a base mais importante da situação analítica, a comunicação. Quando o analista não aceita o papel dado pelo paciente, a comunicação falha, o que acontece frequentemente quando há a inversão do sexo na atribuição do papel, o que costumeiramente produz um fenômeno contratransferencial negativo.

A atitude do terapeuta deve ser a se um depositário desapreensivo e capaz de aceitar qualquer coisa que o paciente queira colocar nele (boa ou má, materna ou paterna, feminina ou masculina etc), pois esse depositar confiança tem uma expressão concreta na vida mental do paciente, cuja atividade mental está empenhada em estabelecer uma comunicação, seja qual for, e para estabelecer a comunicação precisa depositar parte dele no outro.

O trabalho do analista reside em captar a comunicação, encarregar-se dela e trabalhar com ela como um trilho. Para isso o analista deve ser colocar de modo particular, como um recipiente aberto, disposto a controlar e cuidar (encarregar-se) daquilo que foi depositado nele. Pode-se dizer que o paciente organiza e repete um padrão de conduta que representa toda a sua vida mental, buscando alguém que seja capaz de compreender a significação de sua mensagem.

O trabalho analítico se realiza baseado na construção de fantasias sobre o acontecer psíquico do outro. O conhecimento psicológico baseia-se fundamentalmente na analogia e a descoberta da configuração do outro com base na analogia consigo mesmo aumenta a ansiedade.

Se uma pessoa analisa um psicótico e o interpreta, assimila a situação psicótica com a sua própria e, para poder se colocar dentro do outro, tem que admitir ansiedades semelhantes nela mesma, ou seja, a presença de ansiedades psicóticas análogas às do paciente. Assim, quanto mais entende um psicótico mais o analista se aproxima de sua própria ansiedade psicótica, sendo seu medo fundamental o de ficar misturado ou confundido com o outro.

É necessário que o analista tenha consciência de que trabalha com um esquema referencial que tem um caráter instrumental e deve ser permanentemente confrontado no campo operacional, para ser retificado ou ratificado. Este esquema referencial deve ser analisado como um todo, uma gestalt que tem uma história própria que vai influenciar a maneira de interpretar do terapeuta.

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O VÍNCULO E SEUS ATRIBUTOS

Vínculo pode ser definido como uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mútua interelação com processos de comunicação e aprendizagem. Enrique Pichón-Riviére nos diz:“... a maneira particular pela qual cada indivíduo se relaciona com outro ou outros, criando uma estrutura particular a cada caso e a cada momento, que chamamos de vínculo”. (PICHÓN-RIVIÉRE -1998, p. 3).

Um vínculo pode ser normal ou patológico. Considera-se normal quando o sujeito não alimenta relação de dependência com o objeto do vínculo nem ele em relação ao sujeito. Há uma livre eleição de objeto e ambos encontram-se diferenciados: nenhum dos dois pólos toma o outro como parte integrante de si mesmo.

O vínculo patológico pode ser, dentre outros: paranóico, depressivo, hipocondríaco, histérico, esquizofrênico, maníaco. A análise de um vínculo é feita com base em seus atributos, quais sejam: a função predominante, a multidimensionalidade, a reciprocidade, a intensidade, a freqüência dos contatos e a sua história.

A função (ou funções) predominante caracteriza um vínculo e a multidimensionalidade diz quantas funções um dado vínculo desempenha na vida do sujeito. O grau de expectativa e confiança que depositamos em um vínculo depende muito da maneira como ele foi estabelecido e das experiências anteriores de ativação do mesmo.

Em seus estudos, o psiquiatra Enrique Pichon-Rivière coloca, desde o início, a necessidade de orientar suas investigações no campo social para uma tríplice direção: psicossocial, sociodinâmica e institucional, abordando o indivíduo e concebendo-o em sua dimensão humana mas, ao mesmo tempo, comouma totalidade integrada por 3 dimensões: a mente, o corpo e o mundo exterior no qual se integra dialeticamente, percebendo e revisando cada percepção deste mundo, em cooperação com os demais indivíduos com os quais ele compartilha a realidade.

Com a teoria do vínculo, o autor consegue dar o salto qualitativo de uma teoria predominantemente intrapsíquica para outra da ordem prática e social, onde o indivíduo é um ser de cultura resultante não da ação dos instintos e dos objetos interiorizados, mas do interjogo estabelecido entre sujeito e os objetos internos e externos, em uma predominante relação de interação dialética, a qual se expressa através de comportamentos claramente observáveis.

Nesse sentido, Pichon-Rivière (1983) desenvolveu um escopo de trabalho que denominou processo grupal. Nele, o autor demonstra como um grupo interage para atingir uma meta comum, onde cada participante procura relacionar-se com os demais com vistas à busca de solução de um problema comum a todos.

O vínculo é o conceito central da teoria de Pichon-Rivière (1982), o qual é entendido como uma estrutura dinâmica em contínua evolução, que engloba tanto o sujeito como o objeto. A todo momento, o vínculo é estabelecido pela totalidade da pessoa que

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interpretará os significantes percebidos da realidade como uma gestalt em constante processo de evolução

Para este autor, o processo de aprendizagem cooperativa é denominado grupo operativo, porque situa o enfoque do grupo centrado na ação de cada indivíduo na relação com os demais. Um grupo operativo trabalha centrado na tarefa e todas as ações do grupo devem ser observadas pelo exercício dos papéis, sendo que o que mais importante é o grau de coesão alcançado, de modo que o grupo possa atuar em equipe.

Para Pichon, grupo operativo é um instrumento de trabalho, um método de investigação e cumpre, além disso, uma função terapêutica, pois, se caracteriza por estar centrado, de forma explícita, em uma tarefa que pode ser o aprendizado, a cura, o diagnóstico de dificuldades, etc...Sua teoria tem como premissa principal o indivíduo inserido em um grupo, percebendo a intersecção entre sua história pessoal até o momento de sua afiliação a este grupo (verticalidade), com a história social deste grupo até o momento (horizontalidade).

Pichon caracteriza grupo como um conjunto restrito de pessoas, que, ligadas por constantes de tempo e espaço e articuladas por sua mútua representação interna, propõe-se, em forma explícita ou implícita, à uma tarefa que constitui sua finalidade. Dentro deste processo, o indivíduo é visto como um resultante dinâmico no interjogo estabelecido entre o sujeito e os objetos internos e externos, e sua interação dialética através de uma estrutura dinâmica que Pichon denomina de vínculo. Vínculo é definido como "uma estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto, e sua mútua interelação com processos de comunicação e aprendizagem." (Pichon, 1988)

Ao elaborar a teoria do vínculo, Pichon a diferencia da teoria das relações de objeto concebida pela Psicanálise (que descreve as possíveis relações de um sujeito com o objeto sem levar em conta a volta do objeto sobre o sujeito, isto é, uma relação linear), propondo, então, o estudo da relação como uma espiral dialética onde tanto o sujeito como o objeto se realimentam mutuamente.

É sempre uma situação em forma de espiral contínua, onde o que se diz ao paciente por exemplo-interpretação, no caso de um vínculo terapêutico- determina uma certa reação do paciente que é assimilada pelo terapeuta que, por sua vez , a reintroduz em uma nova interpretação.

A teoria do vínculo também pode ser enunciada como uma estrutura triangular, ou seja, todo o vínculo é bi-corporal, mas como em toda a relação humana, há um terceiro interferindo, olhando, corrigindo e vigiando (alguns aspectos do que Freud chamou como complexo superego). Esta estrutura inclui no esquema de referência o conceito de um mundo interno em interação contínua, origem das fantasias inconscientes.

" A fantasia inconsciente é então produto de interações de vínculos entre os objetos do grupo interno, que pode condicionar uma imagem distorcida em distintos graus do mundo exterior, particularmente do papel do outro cuja percepção está portanto determinada por situações de reencontro de objetos desse grupo interno."

À partir daí e do processo de interação grupal que surgem as fantasias básicas universais do grupo, que segundo Pichon, bloqueiam a atividade grupal no momento da pré-tarefa, determinando a utilização de técnicas defensivas (à partir da presença dos medos básicos, ansiedade de perda e ataques) que estruturam o que se denomina resistência à mudança. É então no momento da tarefa que acontece a abordagem e

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elaboração das ansiedades, e que se efetua um salto por somação quantitativa de insight através do qual se personifica e se estabelece uma relação com o outro (diferenciado).

O grupo operativo age então de forma a fornecer aos participantes, através da técnica operativa, a possibilidade de sedarem conta e explorar suas fantasias básicas, criando condições de mobilizar e romper suas estruturas estereotipadas. Daí a importância da análise da vínculo tanto em termos intersubjetivos como intra-subjetivos para permitir um aprofundamento no estudo da interação grupal.

Pichon, concebe o vínculo como uma estrutura dinâmica em contínuo movimento, que engloba tanto o sujeito como o objeto e afirma que está estrutura dinâmica apresenta características consideradas normais e alterações interpretadas como patológicas. Considera um vínculo normal aquele que se estabelece entre o sujeito e um objeto quando ambos têm possibilidades de fazer uma escolha livre de um objeto, como resultado de uma boa diferenciação entre ambos.

"Em nenhum paciente apresenta um tipo único de vínculo: todas as relações de objeto e todas as relações estabelecidas com o mundo são mistas. Existe uma divisão que é mais ou menos universal, no sentido de que por um lado se estabelecem relações de um tipo, e por outro, de um tipo diverso". ( Pichon-Riviére, 1991) Sendo assim, uma pessoa pode estabelecer um vínculo paranóico por um lado, e por outro um vínculo normal ou ainda um vínculo tendendo à hipocondria, isso porque as relações que o sujeito estabelece com o mundo são variadas, bem como as estruturas vinculares que utiliza.

O vínculo se expressa em dois campos psicológicos: interno e externo. É o interno que condiciona muito dos aspectos externos e visíveis da conduta do sujeito. O processo de aprendizagem da realidade externa é determinado pelos aspectos ou características obtidas da aprendizagem prévia da realidade interna, a qual se dá entre o sujeito e seus objetos internos.

O vínculo não necessariamente se dá de forma individual (duas pessoas), ele pode se dar de forma grupal, chegando a se estender a uma nação, o qual pode ser influenciado pelas mesmas características as quais influenciam um vínculo estabelecido com duas pessoas ( vínculo individual ).

A respeito dos conceitos de papel e vínculo, Pichon (1991) afirma que esses conceitos se entrecruzam e por isso uma terapia centrada nesse sentido deve abordar tanto a estrutura do vínculo, como os diversos papéis, os quais terapeuta e paciente se atribuem. Logo, o papel se inclui na situação do vínculo. Ele se caracteriza por ser transitório e possuir uma função determinada, a qual pode aparecer em um determinada situação e em cada pessoa de forma particular. Ou seja, a forma como lidamos com determinados contextos concretos influenciará a nossa atitude; de uma maneira mais simples as várias formas de lidarmos com os problemas, a isso Pichon atribui a denominação de papéis. Dessa forma, para Pichon o papel do coordenador no grupo operativo é o de " coopensor", isto é aquele que pensa junto com o grupo, ao mesmo tempo que integra o pensamento grupal, facilitando a dinâmica da comunicação grupal.

Dessa forma, com a Teoria do Vínculo, Pichon considera o indivíduo como uma resultante dinâmica, não da ação dos instintos e objetos interiorizados, mas sim do interjogo estabelecido entre sujeito e os objetos internos e externos por meio de uma interação dialética, a qual pode ser observada através de certas condutas.

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Bibliografia

PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Processo Grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1988. ZIMERMAN, David e OSÓRIO, Luis Carlos. Como Trabalhamos com Grupos.

Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. BAREMBLITT, Gregório. Grupos, Teoria e Técnica. Graal/Ibrapsi: Rio de

Janeiro, 1982.

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Pichón Rivière começou a trabalhar com grupos a medida que observava a influência do grupo familiar em seus pacientes. Sua primeira experiência com grupo foi a Experiência Rosário (1958), onde Pichón dirigiu grupos heterogêneos através de uma didática interdisciplinar. Seguindo os conceitos da psicologia social, afirmou que o homem desde seu nascimento encontra-se inserido em grupos, o primeiro deles a família se ampliando a amigos, escola e sociedade.

Portanto é impossível conceber uma interpretação de ser humano sem levar em conta seu contexto, ou a influência do mesmo na constituição de diferentes papéis que se assume nos diferentes grupos por que passamos. Pichón desenvolveu, então, a técnica dos grupos operativos. Ele entende por grupo operativo aquele centrado em uma tarefa de forma explícita ( ex.: aprendizado, cura, diagnóstico de dificuldade), e uma outra tarefa de forma implícita, subjacente à primeira.

Dentro desta concepção, desenvolveu conceitos e instrumentos que possibilitam a compreensão do campo grupal como estrutura em movimento, o que deixa claro o caráter dinâmico do grupo, que pode ser vertical, horizontal, homogêneo, heterogêneo, primário ou secundário. O objetivo da técnica é abordar, através da tarefa, da aprendizagem, os problemas pessoais relacionados com a tarefa, levando o indivíduo a pensar; o indivíduo "aprende a pensar", passando de um pensar vulgar para um pensar científico.

A execução da tarefa implica em enfrentar alguns obstáculos que se referem a uma desconstrução de conceitos estabelecidos - desconstrução de certezas adquiridas. Para o grupo implica em trabalhar sobre o objeto-objetivo (tarefa explícita) e sobre si (tarefa implícita), buscando romper com estereótipos e integrar pensamento e conhecimento. Assim, entrar em tarefa significa o grupo assumir o desafio de conquistar o desejo na produção e a produção no desejo. Desafio a partir do momento que nossa sociedade vê como dissociados trabalho e prazer (Baremblitt,1982)

Antes de entrar em tarefa o grupo passa por um período de "resistência", onde o verdadeiro objetivo, da conclusão da tarefa, não é alcançado. Essa postura paralisa o prosseguimento do grupo. Realizam-se tarefas apenas para passar o tempo, o que acaba por gerar um insatisfação entre os integrantes (tal período denomina-se pré-tarefa). São tarefas sem sentido onde faltam-lhe a revelação de si mesmo. Somente passado este período, o grupo, com o auxílio do coordenador, entra em tarefa, onde serão trabalhadas as ansiedades e questões do grupo. A partir dessas, elabora-se o que Pichón chamou de projeto, onde aplicam-se estratégias e táticas para produzir mudança.

Foram nas atividades e análise de grupos que Pichón desenvolveu os conceitos de verticalidade e horizontalidade. O primeiro se trata da história pessoal de cada integrante, história essa que faz parte da determinação dos fenômenos no campo

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grupal, por horizontalidade entende-se como a dimensão grupal atual, elementos que caracterizam o grupo.

A intersecção entre a verticalidade e a horizontalidade dá origem aos diferentes papéis que o indivíduo assume no grupo. Os papéis se formam de acordo com a representação que cada um tem de si mesmo que responde as expectativas que os outros têm de nós. Constata-se a manifestação de vários papéis no campo grupal, destacando-se o papel do porta-voz, bode expiatório, líder e sabotador.

Porta-voz: é aquele que expressa as ansiedades do grupo, ele é o emergente que denuncia a ansiedade predominante no grupo a qual está impedindo a tarefa;

Bode expiatório: é aquele que expressa a ansiedade do grupo, mas diferente do porta-voz, sua opinião não é aceita pela grupo, de modo que este não se identifica com a questão levantada gerando uma segregação no grupo, pode-se dizer dele como depositário de todas as dificuldades do grupo e culpado de cada um de seus fracassos;

Líder: A estrutura e função do grupo se configuram de acordo com os tipos de liderança assumidos pelo coordenador, apesar de a concepção de líder ser muito singular e flutuante. O grupo corre o risco de ficar dependente e agir somente de acordo com o líder e não como grupo;

Sabotador: é aquele que conspira para a evolução e conclusão da tarefa podendo levar a segregação do grupo;

No início do grupo, os papéis tendem a ser fixos, até que se configure a situação de lideranças funcionais.

Todo grupo denuncia, mesmo na mais simples tarefa, um emergente grupal. Este é exatamente aquilo que numa situação ou outra se enche de sentido para aquele que observa, para quem escuta. O observador observa o existente segundo a equação elaborada por Pichón :

EXISTENTE ===>> INTERPRETAÇÃO ===>> EMERGENTE ===>> EXISTENTE

O existente só ocorre a medida que faz sentido ( para o observador) e a partir de uma interpretação se torna o emergente do grupo. este novo emergente leva à um novo existente, o qual por sua vez requer uma nova interpretação, que levará à outro emergente. O coordenador toma um papel muito importante a medida que é dele que emana as interpretações, ele é quem dá o sentido ao grupo, e é este sentido que mobilizará uma aprendizagem, uma transformação grupal. Ele atua primariamente como um orientador que favorece a comunicação intergrupal e tenta evitar a discussão frontal.

É um esquema constituído por vários vetores na base das quais se fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise irrelacionada destes vetores se chega a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza.

A eleição do cone invertido se deve a que em sua parte superior estariam os conteúdos manifestos e em sua parte inferior ,as fantasias latentes grupais. Pichon propõe que o movimento de espiral, que vai fazer explícito o que é implícito, atua ante os medos básicos subjacentes, permitindo enfrentar o temor à mudança.

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Têm-se como vetores:

FILIAÇÃO E PERTENÊNCIA: a filiação é uma aproximação não fixa com a tarefa. Tradicionalmente, é a medida em relação à presença no grupo, à pontualidade do seu início, às intervenções etc.

PERTINÊNCIA: é a realização da tarefa estratégica. Um grupo pertinente pode ser descrito como aquele que sexualidade e tarefa aparecem em um mesmo movimento, no qual coincidem produção desejante e produção social.

APRENDIZAGEM: a aprendizagem operativa no grupo, através da tarefa, permite novas abordagens ao objeto e o esclarecimento dos fantasmas que impedem sua penetração, permitindo a operação grupal.

COMUNICAÇÃO: esse vetor é tomado por Pichon como o lugar privilegiado pelo qual se expressam os transtornos e dificuldades do grupo para enfrentar a tarefa.

TELE: o grau de empatia positiva ou negativa que se dá entre os membros do grupo.

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