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Governo Federal Luiz Inácio Lula da Silva Presidente Ministério da Educação Fernando Haddad Ministro Secretaria de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Secretário Diretor do Departamento de Políticas em Educação a Distância Hélio Chaves Filho CAPES Jorge Almeida Guimarães Presidente Diretor de Educação a Distância Celso Costa Diretor de Educação Básica João Carlos Teatini Governo do Estado José Targino Maranhão Governador UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA Marlene Alves Sousa Luna Reitora Aldo Bezerra Maciel Vice-Reitor Pró-Reitora de Ensino de Graduação Eliana Maia Vieira Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEAD Eliane de Moura Silva Cecília Queiroz Assessora de EAD

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Governo FederalLuiz Inácio Lula da Silva

Presidente

Ministério da EducaçãoFernando Haddad

Ministro

Secretaria de Educação a DistânciaCarlos Eduardo Bielschowsky

Secretário

Diretor do Departamento de Políticas em Educação a DistânciaHélio Chaves Filho

CAPESJorge Almeida Guimarães

Presidente

Diretor de Educação a DistânciaCelso Costa

Diretor de Educação BásicaJoão Carlos Teatini

Governo do EstadoJosé Targino Maranhão

Governador

UnivErSiDADE EStADUAl DA PArAíBAMarlene Alves Sousa Luna

reitora

Aldo Bezerra Macielvice-reitor

Pró-reitora de Ensino de Graduação Eliana Maia Vieira

Coordenação institucional de Programas Especiais – CiPESecretaria de Educação a Distância – SEAD

Eliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBARua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500

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Editora da Universidade Estadual da Paraíba

DiretorCidoval Morais de Sousa

Coordenação de EditoraçãoArão de Azevedo Souza

Conselho EditorialCélia Marques Teles - UFBADilma Maria Brito Melo Trovão - UEPBDjane de Fátima Oliveira - UEPBGesinaldo Ataíde Cândido - UFCGJoviana Quintes Avanci - FIOCRUZRosilda Alves Bezerra - UEPBWaleska Silveira Lira - UEPB

Editoração EletrônicaJefferson Ricardo Lima Araujo Nunes Leonardo Ramos Araujo

Comercialização e DivulgaçãoJúlio Cézar Gonçalves PortoZoraide Barbosa de Oliveira Pereira

Revisão LinguísticaElizete Amaral de Medeiros

Normalização TécnicaElisabeth da Silva Araújo

Universidade Estadual da ParaíbaMarlene Alves Sousa LunaReitora

Aldo Bezerra MacielVice-Reitor

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Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE Secretaria de Educação a Distância – SEADEliane de Moura Silva

Cecília QueirozAssessora de EAD

Coordenador de TecnologiaÍtalo Brito Vilarim

Projeto GráficoArão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EADRossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão LinguísticaMaria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação Arão de Azevêdo SouzaGabriel Granja

Teorias Linguísticas I

Eneida Oliveira Dornellas de Carvalho

Campina Grande-PB2011

410 C331t Carvalho, Eneida Oliveira Dornellas de.

Teorias Linguísticas I / Eneida Oliveira Dornellas de Carvalho. – Campina Grande: EDUEPB, 2011.

178 p.: il.

ISBN 1. Linguística. 2. Língua Portuguesa. 3.Gramática. 4. Educação a

Distância. I. Titulo.

21. ed. CDD

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Sumário

I UnidadePercurso histórico da Linguística..........................................................7

II UnidadeDefinição de Linguística e de seu objeto de estudo.............................23

III UnidadePressupostos teóricos de Saussure.................................................... 45

IV UnidadeO método de análise da Linguística Estruturalista...............................65

V UnidadeOutros Estruturalismos.....................................................................81

VI UnidadeNovos percursos para a Linguística...................................................95

VII UnidadeA linguística da enunciação...........................................................111

VII UnidadeA enunciação na perspectiva de Benveniste......................................127

IX UnidadeO dialogismo de Mikhail Bakhtin....................................................145

X Unidade Outras perspectivas para o estudo da língua...................................163

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Percurso histórico da Linguística

I UNIDADE

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8 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 9

Apresentação

A disciplina Teorias Linguísticas se destina a fornecer um conhecimento sobre as principais teorias que têm abordado a língua como o objeto de estudo da Linguística. Esse objetivo compreende a observação dos estudos pré-estruturalistas até os estudos enunciativos da contemporaneidade, evidencian-do-se os fundamentos teórico-metodológicos que norteiam essas teorias.

A Linguística é uma ciência que se define, de forma ampla, como um campo de estudos sobre a língua, em seus mais variados aspectos: o modo de se estruturar, de evoluir, os seus usos, a maneira como ela é aprendida, o modo como se re-laciona com o social etc. É esta dimensão de estudos sobre a língua que será abordada na disciplina Teorias Linguísticas l. Consequentemente, o objetivo a ser alcançado é explicitar os pressupostos teóricos das correntes linguísticas mais represen-tativas dessa área de estudos, bem como suas metodologias de análise.

Seguindo esse propósito, iniciamos nosso estudo resga-tando a história da constituição de uma área de saber es-pecífica sobre a língua. Isso implica no conhecimento das ideias que embasaram as condições para o surgimento dessa área. São as teorias que compõem o que estamos chaman-do aqui de estudos pré-estruturalistas. Pois, até que tivesse claramente definido seu objeto de investigação e sido fun-dada como ciência, a Linguística trilhou um longo percurso histórico. Conhecer esse percurso facilitará a compreensão de como a atividade investigativa sobre a língua foi adqui-rindo proporções tais, a ponto de ser necessário delimitar um campo de saber específico para tratar de questões que envolvem a língua.

É sobre esse percurso que vamos ler nesta unidade. Ele será nosso ponto de partida para o conhecimento das vá-rias perspectivas de abordagem que o estudo científico da língua tem suscitado ao longo de seu desenvolvimento. As principais dessas abordagens linguísticas, as que tiveram

significativo impacto científico na área, formam justamente o conteúdo da disciplina que você começa agora a estudar, Teorias Linguísticas l.

Como fazendo parte de sua contribuição para essa cons-trução de um conhecimento novo e específico, sugerimos, fun-damentalmente, que você abrace essa tarefa com responsabi-lidade e compromisso. Essas atitudes se traduzem na prática, através de pequenas mas significativas ações, tais como:

Dedicar cotidianamente um tempo para suas leituras;•

Ler os textos de modo atento, refletindo sobre os no-•vos conceitos e informações apresentados;

Reler se necessário, fazendo anotações, marcando o •que julgar importante;

Responder as atividades propostas, com atenção;•

Não guardar para si as dúvidas, esclarecendo-as com •o professor ou o tutor;

Realizar com segurança a autoavaliação que se en-•contra ao final da unidade. Se você achar que sua avaliação não foi satisfatória, retome as leituras, pes-quise, reflita, discuta com o professor ou tutor, até que constate que aprendeu.

Objetivos

Esperamos que nesta unidade você tome conhecimen-•to de um conjunto de reflexões desenvolvidas sobre a língua, que antecederam e foram fundamentais para a instituição da ciência linguística;

A partir dessas reflexões, esperamos que você seja ca-•paz de situar historicamente os estudos sobre a língua;

Esperamos principalmente que você adquira uma base •de conhecimentos sobre a Linguística que lhe será ne-cessária para o aprofundamento de seus estudos.

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10 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 11

Puxando o fio do novelo... ...a linha do tempo da Linguística

Iniciando pela antiguidade grega

Mergulhando na história do Ocidente, situamos nossos primeiros estudos sobre a língua na Antiguidade grega, há mais de dois mil e qui-nhentos anos antes de Cristo. Foram os filósofos gregos os precursores dos atuais linguistas, e muitas das discussões que realizaram são ainda válidas para se pensar sobre a língua ainda hoje.

Uma discussão fundamental tratava de esclarecer a relação entre a língua e os conceitos designados por ela. Platão, um filósofo grego do século IV a.C. dedicou uma obra completa, em forma de diálogo, o Crátilo, a essa questão bastante instigante e polêmica: a relação entre língua e mundo é fruto de uma convenção? Ou a língua mantém uma relação natural com as coisas? Ou seja: a língua espelha o mundo?

São expressas assim duas teses para explicar a relação da língua com o mundo: a tese convencionalista e a tese naturalista1, que Platão sintetiza através da fala dos personagens: Crátilo, naturalista, que acre-dita que os nomes refletiam o mundo, e Hermógenes, convencionalista, defendia que os nomes das coisas lhes são atribuídos por convenção.

1 Tese convencionalista: a língua é produto de uma convenção humana; Tese naturalista: a língua representa, natu-ralmente, as coisas do mundo.

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12 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 13

Vamos conferir num fragmento da própria obra Crátilo, um exem-plo de como Platão expressou a questão:

Platão: importante filósofo grego da antiguidade.

“Hermógenes – ...Nenhum nome é dado por natureza a qualquer coisa, mas pela lei e o costume dos que se habituaram a chamá-la dessa maneira” (PLATÃO, 1988, p. 146).

“Crátilo – ... sou de parecer, Sócrates, que os nomes instruem, sendo-nos lícito afirmar com toda a simplicidade que quem conhe-ce as palavras conhece também as coisas”. (PLATÃO, 1988, p. 218)

Atividade ISócrates, mestre de Platão, é mais um personagem do diálogo,

e tem a função de mediador do embate entre Hermógenes e Crátilo, posicionando-se ora em favor de uma tese, ora em favor de outra.

Como atividade, propomos a você que identifique nos dois fragmentos de textos a seguir, a tese que está sendo explicitada por Sócrates.

“...tendo observado que a língua escorrega particularmente na pro-núncia do l, formou por imitação as palavras que designam o que é liso, (leion), escorregadio (olísthanos), gorduroso (liparón); grudento (kollôdes) e tudo o mais do mesmo gênero” (PLATÃO, 1988, p. 205).

“o que nós designamos por sklêrotês (asperidade) os eretrienses pronunciam sklêrotêr? (...) Então, o r e o s se assemelham entre si (...) E a letra l, inserta na palavra, não exprime o contrário de aspereza?” (PLATÃO, 1988, p. 217).

Atividade IIE agora emita sua opinião: que tipo de relação você acha que existe entre os nomes e as coisas nomeadas? Por quê?

A ideia de que não há de fato uma relação direta entre as coisas e as palavras já é um ponto pacífico nos estudos linguísticos, mas essa discussão precisou ser retomada tempos depois, como veremos na se-quência de nosso curso, para que fosse esclarecida a contento.

Um outro filósofo grego, Aristóteles, discípulo de Platão, concebia a língua como ferramenta que servia para traduzir o mundo. Faziam parte da natureza lógica da língua, as tarefas de nomear, qualificar, predicar etc. Assim, o conhecimento de sua estrutura lógica levaria ao conhecimento da realidade.

As categorias de classificação gramatical que adotamos para nossa língua hoje são baseadas nesse princípio aristotélico. Para comprovar, basta que tomemos algumas definições extraídas de uma gramática da língua portuguesa, para podemos verificar nelas a ideia de que a língua serve para designar ações que realizamos no mundo.

Vamos comprovar isso? Leia com bastante atenção as definições que transcrevemos a seguir:

“Substantivo é a palavra com que designamos ou nomeamos os seres em geral” (CUNHA E CINTRA, 1985, p. 171).

“O SUJEITO é o ser sobre o qual se faz uma declaração. O PRE-DICADO é tudo aquilo que se diz do sujeito (CUNHA E CINTRA, 1985, p. 119).

Atividade IIIApós ter lido as definições, você consegue perceber nelas o que dissemos sobre as categorias da língua estarem em relação direta com ações que pessoas realizam no mundo?

Disponível em: <http://api.ning.com/files/pq89zfzBJvOe0uc7ruR

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dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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14 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 15

Além dos gregos...Além dos gregos, outros povos da

Antiguidade também se detiveram a pensar sobre a língua. Fugindo um pou-co da tradição ocidental, por exemplo, não se pode deixar de citar o gramático hindu Pãnnini, que no séc. V a.C. desen-

volveu uma descrição notável dos sons da língua sagrada da Índia, o Sânscrito. Pãnnini estava movido por uma preocupação religiosa, a de preservar a pronúncia correta dos textos sagrados. Mas a propriedade de suas reflexões sobre este e vários outros temas ligados ao estudo da língua fez com que aquelas, quando descobertas, fossem valida-das pelos estudiosos do Ocidente. Assim é que no século XIX, como veremos adiante, terão importância fundamental para a constituição de uma linguística histórico-comparativa. Mas isto será visto adiante. Nesse momento vamos seguir nosso caminho...

Continuando com os romanosContinuando o percurso de investigações sobre a língua, encon-

tramos agora os romanos. Os romanos foram herdeiros da tradição grega, e foram mais transmissores dessa tradição, do que inovadores. De tal modo que se fala numa tradição greco-romana nos estudos linguísticos.

Mas os romanos também imprimiram sua particularidade ao discu-tirem a língua. Eles a estudavam sobretudo visando ao aprimoramen-to da Retórica2. Isto porque a educação do Império Romano estava voltada para a formação de oradores. Lembrando que é também nas especulações dos gregos que se encontra a base da Retórica como desenvolveram os romanos. Importa salientar aqui que, mais uma vez, vemos que o interesse de estudar a língua é conduzido com um objetivo exterior à própria língua. Isto é, não se estudava a língua com um fim em si mesma.

Ainda quanto à Retórica, vale o mesmo comentário anterior quando falamos da vitalidade, nos dias atuais, das questões gramaticais discuti-das pelos gregos. Facilmente, podemos também confirmar a vitalidade dos recursos da Retórica, por exemplo, nos discursos dos políticos ou no discurso da propaganda, apenas para ficarmos nos dois exemplos mais citados entre os discursos que se apoiam na arte do convenci-mento do ouvinte ou do leitor. Sem falar nos cursos de oratória que se baseiam nos princípios da Retórica.

Mas voltemos aos romanos. Dentre eles, destaca-se o trabalho do filósofo-historiador Varrão, na área da morfologia3.

Uma contribuição de Varrão sempre lembrada nos estudos da mor-fologia, é a que distingue com clareza o processo de flexão4 do pro-cesso de derivação5.

Varrão estabelece que o processo de flexão envolve formas variadas de uma mesma palavra. Assim, ao se considerar meninos em relação a menino, não há como distinguir palavras de significados diferentes. O que se tem em termos linguísticos, é a noção de singular e plural. O mesmo para menina em relação a menino. Temos a expressão das noções de feminino e masculino de uma mesma forma linguística.

Já quando acontece o processo de derivação na língua, surge uma palavra com significado próprio. Assim é, por exemplo, quando de feliz se cria a palavra felicidade. Nesse caso, podemos facilmente constatar que, embora pertencentes a um mesmo campo de significação, temos duas palavras diferentes. E o que dizer de pontapé que é formado de duas outras palavras?

Infelizmente essas noções não foram bem assimiladas por nossas gramáticas quando se trata de classificar o grau como um processo de flexão em língua portuguesa, sendo colocado ao lado das noções de número e o gênero. Porque na verdade, o grau é um processo de formação de palavra, ou seja, de derivação. É só examinar as caracte-rísticas desse processo. A expressão de grau não é obrigatória como a de número e gênero.

Pense bem: Ao dizer A menina está muito triste, ou a menina está tristíssima, a expressão do grau é voluntária. Poderia-se dizer também: a menina está tão tristinha.

O mesmo não se dá para a expressão de gênero. Em todas as fra-ses tenho que usar a desinência –a para marcar a ideia de feminino. E a ausência do –s nos substantivos, denota a ideia de singular em todas elas. No âmbito da linguística, não há dúvidas quanto à natureza deri-vacional do processo de grau em nossa língua.

Com esse exemplo podemos retomar nosso comentário acerca da representatividade dos estudos gregos e latinos na formação do conhe-cimento ocidental sobre a língua. Esses estudos são dotados de uma propriedade tal, que sua influência se faz sentir até hoje nas nossas gra-máticas. A base dos problemas linguísticos atuais, bem como a nomen-clatura que se emprega no estudo da língua se encontram nos estudos filosóficos dos gregos e romanos. Vale lembrar quanto a esse aspecto, que nossa língua descende diretamente do latim, e a descrição de sua estrutura segue a descrição que foi feita para o latim. O que resulta muitas vezes até em incoerências, como a apontada em relação à clas-sificação do processo de grau em português.

Nesse momento propomos uma pausa para que possamos refletir sobre tudo que foi dito até esse momento sobre gregos, latinos, hindus. E nossa proposta é que esta reflexão se dê no sentido de retomarmos, para que fique bem clara a motivação que esses povos antigos associa-vam à investigação de questões relacionadas à língua.

2 A Retórica se apresenta como o estudo das técnicas de convencimento dos ouvintes por aquele que fala, o orador.

3 A morfologia é o estudo da palavra, de sua estrutura interna. Por exemplo, faz parte do estudo morfológico dos substantivos em português, a descrição de como eles se fle-xionam em gênero masculino ou feminino, e de como se flexionam em número singular ou plural.

4 Pelo processo de flexão não se criam novas palavras. Por exemplo, a um mesmo verbo pode-se acrescentar diferentes flexões de modo, tempo, número e pessoa, sem que com isso novas palavras estejam sendo pro-duzidas. Continuamos com a mesma ideia expressa pelo verbo inicial.

5 A derivação diz respeito ao processo de for-mação de novas palavras dentro da língua. Vários são os modos de se conseguir isso. O mais produtivo em português é através do acréscimo de afixos às palavras. Por exem-plo, a partir de feliz, pode-se obter novas pa-lavras, como: felicidade, felicíssimo, infeliz

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16 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 17

Atividade IVAgora é sua vez. Você já pode concluir algo importante sobre algumas motivações que conduziram o estudo da língua por antigos estudiosos. Releia o texto, e analise o interesse de cada povo citado até aqui para estudar a língua. Registre sua análise nas linhas abaixo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

A resposta que você deu para o exercício leva à conclusão de que nesses contextos a língua não era estudada por si mesma, mas sim, to-mada como um meio importante e necessário para se chegar a elucidar questões relativas à filosofia, à religião, à condição do ser humano no mundo. E retomando nosso percurso histórico, podemos dizer que essa perspectiva continua durante a Idade Média.

As especulações sobre a língua na idade média

Por essa época, a ideia disseminada sobre a língua é que ela reflete o mundo, como um espelho. Já lemos algo parecido relativo a essa questão, não? Daí a designação de gramáticas especulativas6 para as gramáticas referentes ao latim, elaboradas nesse período. O latim é considerado a língua mãe de todas as línguas, a língua universal, de origem divina7.

O propósito então dos estudos gramaticais latinos era o de desco-brir como esse sistema linguístico conseguia significar o mundo, e assim deu-se muita atenção às questões de ordem semântica8 envolvidas na língua. Sendo impossível o acesso ao conhecimento das coisas do mun-

do através das próprias, os teóricos da Idade Média estudaram a língua porque viam nela esse meio de acesso. Nesse momento, você deve es-tar lembrando da tese naturalista de Platão: As palavras encontram-se numa relação direta com as coisas, como se fossem espelhos delas.

Mas, com o passar do tempo, já no fim da Idade Média, o interesse pela língua vai adquirindo novos aspectos. O latim vai perdendo ter-reno porque, como estão se formando as nações da Europa, é preciso estudar as línguas que vão dar identidade a essas nações. Esse é um fato muitíssimo interessante. E que estará colocado plenamente na or-dem do dia do Renascimento.

Um aspecto linguístico que se desenvolveu bastante no Renasci-mento foi a fonética9. Lembremos que esse período histórico foi mar-cado por contatos intensos com outros povos. Daí o interesse em se descrever as novas e muitas línguas com que os europeus se depara-vam. É a época dos dicionários, das enciclopédias, das gramáticas das línguas vernaculares10. Tudo isso facilitado pela invenção da imprensa de Gutenberg.

E no meio de tantas línguas, o desejo de encontrar uma origem comum para todas elas, uma língua universal. E o esforço de sistemati-zação, especificação de um saber gramatical que vai se sedimentando, vai proporcionando simultaneamente o estabelecimento de uma dis-ciplina autônoma, em caminho de se separar de especulações meta-físicas, filosóficas, religiosas. Estamos caminhando para um momento decisivo na história dos estudos sobre a língua: o século XIX.

Antes disso, porém, você precisa ratificar seu conhecimento sobre as informações obtidas através dessa leitura. Por isso, propomos a ati-vidade a seguir.

Atividade VExplique com suas palavras o que você assimilou sobre o estudo da língua durante a Idade Média e o Renascimento.

6 Especulativo se refere ao termo latino SPE-CULUM, que significa espelho.

7 “Conta a Bíblia, no livro de Gênesis, a his-tória da Torre de Babel. Num tempo remoto, ‘todo mundo se servia de uma mesma língua e das mesmas palavras’. Foi então que as pessoas

8 De modo amplo, a Semântica se define no âmbito dos estudos linguísticos como o es-tudo da significação, dos sentidos que são atribuídos às formas da língua.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

9 Dentro da tradição dos estudos Linguísti-cos, a Fonética é a parte em que se estudam os sons produzidos quando falamos, porque naturalmente emitimos sons quando fala-mos. E as propriedades desses sons são descritos pela Fonética.

10 Vernáculo é o nome que se dá à língua nacional, em contraposição à língua estran-geira.

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O século XIX O século XIX é marcado pela ideia

da evolução. Transposta essa ideia para o campo da língua, os estudiosos pre-tendem demonstrar que esta também está sujeita a esse princípio de evolu-ção. E foi a descoberta do Sânscrito, como já antecipamos quando falamos de Pãnnini, que serviu sobremaneira para comprovar essa tese. Isso porque,

através de um método de comparação do sistema fonético, estrutura gramatical e vocabulário das línguas, ficou constatado que o latim, o grego e o sânscrito, bem como outras línguas européias, tinham muito parentesco entre si.

A partir dessa constatação, e adotando-se o método de evolução biológica para as línguas, ergueu-se a tese de que elas descendiam de um tronco comum: o indo-europeu. Esse é o processo que dá origem às variadas línguas que, à maneira dos organismos vivos, passam por fases evolutivas de nascimento, crescimento e morte. E ainda: se agru-pam em famílias que são representadas através de árvores linguísticas, como a versão resumida a seguir:

Essas ideias evolucionistas formaram a base dos estudos das línguas que predominaram no século XIX a partir do método histórico: a Gra-mática Comparativa e a Linguística Histórica, e se mantiveram até que as investigações sobre a língua amadurecessem, e se encaminhassem numa outra perspectiva, a do estudo do funcionamento da língua.

Antes de concluirmos nossa unidade, propomos a você mais uma atividade que, como as outras, tem o propósito de ajudá-lo a fixar os conhecimentos adquiridos.

Atividade VIApós toda essa leitura, tenho certeza de que você é capaz de fazer um comentário explicando as ideias que estão subjacentes ao que disse o escritor francês Victor Hugo, do século XIX, a respeito da língua:

“A palavra, como se sabe, é um ser vivo.”

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Nesse momento, chegando ao fim desse percurso histórico, encer-ramos dizendo que a história da Linguística no século XX ganha contor-nos surpreendentes. Mas esse já é o tema de nossa próxima unidade.

Dessa maneira, só nos resta encerramos a discussão por aqui. Para aprofundar seus conhecimentos sobre o longo e instigante caminho trilhado pelos estudiosos para desvendar os enigmas da língua, do qual apresentamos apenas uma síntese, sugerimos a leitura dos seguintes autores e obras:

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20 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 21

Leituras recomendadas

FARACO, Carlos Alberto. Estudos pré-saussurianos. In: Anna Christina Bentes & Fernanda Mussalim (orgs.). Introdução à Linguística. Vol. III: Fundamentos epistemológicos. São Paulo, Cortez, 2004. pp. 27-52.

Neste texto, o autor traça um panorama sucin-to mas bastante informativo do que o mesmo define como estudos pré-saussurianos que se desenvolveram no século XIX. Sua leitura é es-sencial para quem quer ficar conhecedor das

origens de muitas das questões debatidas sobre a língua, mostrando em que direção esses estudos primeiros avançaram até figurarem nas discussões linguísticas atuais.

WEEDWOOD, Barbara. História concisa da Linguística. Trad.: Marcos Bagno. 2ª ed. São Paulo, Parábola Editorial, 2003.

Este é um dos mais recentes livros sobre histó-ria da linguística no Ocidente. Desde Platão, até Bakhtin, de quem ainda vamos falar. E, embora de forma concisa, essa história não é tratada de modo superficial. Com ela você poderá ter um panorama mais amplo do per-curso histórico da Linguística que realizamos de forma resumida nesta unidade.

ResumoPara a tradição ocidental, as discussões filosóficas dos gregos an-

tigos representam o ponto de partida do que veio a se constituir, muito tempo depois, como uma ciência autônoma para se estudar a língua. Para os gregos, a língua funcionava como janela para se conhecer o mundo. Além dos gregos, os indianos e os romanos também se detive-ram sobre a língua, e o fizeram por motivos diversos, como religiosos e políticos. Na Idade Média, os teóricos estudaram a língua porque viam nela o acesso ao conhecimento às coisas do mundo. Assim, ao longo da história, foram sendo edificadas as bases teóricas para que no sécu-lo XX, como vamos constatar na próxima unidade, a Linguística viesse a se firmar como o domínio científico dos estudos da língua.

AutovaliaçãoCom o propósito de que você acompanhe a evolução de seus co-

nhecimentos nesta disciplina tão importante para um profissional das letras, é que propomos esse momento em que você registra o que aprendeu. Sendo assim, reflita e teça um comentário sobre o fragmento abaixo do filósofo grego, Platão, acerca da língua. Para isso, utilize os conhecimentos adquiridos sobre a importância que os primeiros estu-diosos atribuíam ao estudo da língua.

“...as coisas belas são difíceis de aprender; o co-nhecimento dos nomes não é negócio de impor-tância somenos” (Platão)

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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22 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 23

II UNIDADEReferênciasBORBA, Francisco Silva. Introdução aos estudos linguísticos. Campinas: Pontes, 1991.

FARACO, Carlos Alberto. Estudos pré-saussurianos. In: Anna Christina Bentes & Fernanda Mussalim (orgs.). Introdução à Linguística. Vol. III: Fundamentos epistemológicos. São Paulo, Cortez, 2004. pp. 27-52.

MATTOSO CAMARA, Joaquim. História da linguística. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1975.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. O que é Linguística. São Paulo: Brasiliense, 2005.

PLATÃO. Diálogos: Teeteto e Crátilo. Trad. direta do grego por Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, Ed. Universitária, 1988.

ROBINS, R. H. Pequena história da linguística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983

WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de Marcos Bagno. 2. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

Definição de Linguística e de seu objeto de estudo

Definição de Linguística e de seu objeto de estudo

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24 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 25

Apresentação

Analisando-se a história do pensamento da humanidade, podemos constatar que desde cedo o homem começou a refletir sobre a impor-tância da língua em sua existência. E esta reflexão sobre a língua não se esgota, porque a todo momento ela está se modificando para aten-der às necessidades das pessoas se relacionarem na sociedade. Esta realidade provoca a necessidade de uma disciplina que possibilite sua análise a partir de várias perspectivas de investigação.

Assim, trataremos neste curso de apresentar as principais discus-sões teóricas sobre a língua que têm lastreado os fundamentos da Lin-guística. Partindo dessa princípio, iniciamos esta unidade apresentando várias possibilidades de definições para o que pode ser reconhecido como um estudo linguístico a partir do século XX, e a partir de então apresentar uma discussão acerca do objeto de estudo da Linguística, a língua.

Esse percurso é necessário porque ao nos depararmos com um campo de conhecimento novo, entramos em contato com conceitos básicos que definem esse conhecimento como um saber específico, di-ferente de outros conhecimentos afins.

Por exemplo, estamos acostumados a pensar a língua como o con-junto de regras que devem ser seguidas para alcançarmos a boa ex-pressão oral e escrita. Essa é uma visão de língua associada à Gramá-tica. E portanto, de ampla aceitação na sociedade, porque é difundida pelo sistema de ensino.

No entanto, a língua pode ser tomada como objeto de descrição e análise. Podemos refletir sobre o uso que fazemos da língua em di-versas situações. Esta já é uma perspectiva de estudo da língua como objeto da Linguística. É sobre a Linguística e a língua que vamos refletir nesta unidade.

Para que você comece a pensar sobre a língua nessa perspectiva científica, é necessário que:

Leia atentamente os textos, refletindo sobre os conteúdos apre-•sentados;

Releia se necessário, fazendo anotações, marcando o que jul-•gar importante;

Responda as atividades propostas, com bastante atenção; •

Tire as dúvidas com o professor ou o tutor;•

Realize a autoavaliação que se encontra ao final da unidade.•

Esse é só o início de um caminho que promoverá o desenvolvimento de seu espírito científico, e assim você passará a perceber a língua que você usa no dia-a-dia de um modo diferente, atentando para as diver-sas possibilidades de interpretação de seu uso.

ObjetivosCom esta unidade, esperamos que você

Reconheça o que pode ser caracterizado como um estudo lin-•guístico-científico sobre a língua;

Reconheça a concepção da língua enquanto objeto de estudo •passível de ser analisado cientificamente;

Faça suas próprias análises sobre a língua. •

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26 SEAD/UEPB I Teoria Linguísticas I Teoria Linguísticas I I SEAD/UEPB 27

Podemos iniciar então, com a pergunta:

O que é linguística?Começando pela apresentação da disciplina que leva o nome da

teoria, temos a opção de definir o que vem a ser a Linguística consul-tando um dicionário, como o Aurélio eletrônico, e extrair uma definição como a seguinte:

Linguística[Do fr. linguistique.]

Substantivo feminino.

1.E. Ling. A ciência da linguagem. O estudo da linguagem (8), da gra-mática das diferentes línguas, de sua história, bem como da aplicação dos resultados obtidos na solução de problemas práticos.

Ou mesmo poderíamos acessar a internet, e no site da wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Lingu%C3%ADstica), ler o que está lá escrito sobre o que vem a ser linguística:

LinguísticaOrigem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A Linguística (português brasileiro) ou Linguística (português euro-peu) (AO 1990: Linguística) é o estudo científico da linguagem verbal humana.

Temos com essas duas definições, a ideia mais geral para definir a Linguística. Como foi visto mesmo na primeira unidade. Mas como temos a intenção de familiarizar você com as teorias, bem como com as pessoas que têm produzido teoria sobre o que supomos ser uma nova área do saber para você, optamos por recorrer aos linguistas reconhe-cidos no nosso cenário acadêmico, pesquisadores, que têm investigado sobre diversos aspectos do fenômeno linguístico, e que têm levado suas recentes descobertas para serem apreciadas nos diversos congressos em que se discute intensamente variadas questões sobre a língua. Por-tanto, vamos ler o que dizem aqueles que se ocupam da Linguística e que fazem disso seu trabalho.

Comecemos por Carlos Alberto Faraco (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 66), que distingue uma explicação estrita de uma explicação abrangente para mostrar que a Linguística pode ser definida em rela-ção ao aspecto que se está focalizando quando se estuda a língua. Leia o que ele diz:

“Grosso modo, podemos citar uma definição de manual. A linguística é uma ciência que tem como objeto a linguagem verbal ou as línguas naturais. Mas para sair do manual, talvez fosse bom pen-sar que o termo linguística tem uma designação ampla e uma designação estrita. No sentido am-plo, poderíamos dizer que a linguística congrega as diferentes atividades de estudo sistemático da linguagem verbal e das línguas naturais que são desenvolvidas nos departamentos de linguística e nos programas de pós-graduação em linguística, seja no Brasil, seja no mundo (...) E, nesse senti-do estrito, o termo linguística estaria abrangendo com certeza as teorias fonológicas e sintáticas, e talvez também (isso a discutir com quem faz) as te-orias semânticas e aquelas que nós chamamos de semântico-pragmáticas”.

A pesquisadora Ingedore Koch (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 125) também recorre a uma explicação ampla e a uma explicação res-trita para definir linguística, como podemos ler abaixo.

“Bom, para mim a linguística é exatamente isso, é a teoria da linguagem verbal. É a ciência da linguagem verbal. Então, a linguística para mim estuda esse sistema de que eu falei antes, o siste-ma linguístico, como dizia Saussure na metáfora do jogo de xadrez, o tabuleiro, as peças, as regras de combinação em todos os níveis. Mas a linguís-tica estuda também a maneira como essa língua é posta em prática no seio da sociedade. Então, é importante haver sempre essa focalização muito grande na prática social”.

Ao falar sobre o que vem a ser a Linguística, Bernadete Abaur-re (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 16) já demonstra uma opção claramente definida em direção à abrangência das possibilidades de pesquisa que esta ciência comporta, quando diz:

“A linguística para mim é hoje um campo de estudos muito amplo, que toma por objeto de estudo, de investigação, os mais variados aspectos associados às questões da linguagem. Então tenho um pouco de problema em aceitar simplesmente uma defini-ção de linguística como ciência da linguagem”.

E para finalizar, transcrevemos o que diz Mary Kato (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 116). A autora oferece uma definição ampla de linguística, apontando para seu objeto. A partir dessa definição, ela

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Passemos agora ao segundo termo objeto de nossas indagações nesta unidade.

O que é a língua?

Atividade III

Antes que iniciemos nossa investigação, escreva o que você pensa sobre o que vem a ser a língua.

lança a questão sobre o modo de abordagem desse objeto. E aí então, utilizando a imagem de um elefante, ela sinaliza para as diferentes ma-neiras como se pode definir um elefante, animal tão grande, tomando um aspecto em particular. Do mesmo modo podemos proceder em relação à língua.

Confira essa solução que Mary Kato adota para definir a Linguísti-ca, lendo o trecho a seguir:

“Você pode dizer que a linguística é a ciência que estuda as línguas humanas, as línguas naturais. Agora, a abordagem, o ângulo é que diferem. Como é que você aborda um elefante? Seguran-do pelo rabo, pela tromba, pela orelha, quer dizer, cada um tem uma perspectiva. É um objeto muito complexo”.

Dadas todas essas definições, é a sua vez de refletir sobre a Linguís-tica. Você deve ter lido todas com bastante atenção, pensado no que essas definições têm de particular em relação a uma perspectiva de tra-balho com a língua, esse objeto de que nos ocuparemos a seguir. Mas antes, realize a primeira proposta de atividade de nossa unidade.

Atividade I

Resuma com suas palavras o que vem a ser uma definição ampla e uma definição restrita de Linguística, considerando o que disseram os linguistas.

Atividade IICompare as definições dadas por Carlos Alberto Faraco, Ingedore Koch e Bernadete Abaurre. O que elas têm de semelhante e no que diferem? Confronte o resultado de sua comparação com o que diz Mary Kato. Você já pode se posicionar nesse momento. Qual a ideia de Linguística que lhe parece mais satisfatória? Por quê?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Certamente a resposta que você deu na atividade acima correspon-de a uma dentre as muitas concepções de língua que podem ser em-pregadas para defini-la. Provavelmente, essa definição está associada ao conhecimento que você adquiriu sobre a língua durante vários anos de estudo no sistema escolar.

Recorrendo mais uma vez aos linguistas, veja o que eles dizem quando instigados a dar uma definição de língua:

Comecemos agora por Eleonora Albano (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 26) que se expressou sobre a língua nos seguintes termos:

“Bom, vou dizer uma coisa que acho que ninguém costuma dizer: a língua é literal mesmo. Quase to-das as línguas usam a palavra que designa o órgão para designar a língua que é falada”.

Francisco Gomes de Matos (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 92), assumindo um outro ponto de vista, diz que a língua é

“Um sistema de comunicação intra/inter pessoal e intra/intercultural, compartilhado e usado por membros de uma ou mais comunidades, através de variedades individuais, geográficas e sociais”.

Ingedore Koch (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 124) diz:

“A língua é um conjunto de elementos inter-relacio-nados em vários níveis, no nível morfológico, no nível fonológico-morfológico, sintático. Mas ela só se realiza enquanto prática social”.

Veja bem, essas são apenas três definições de língua. Várias outras, de outros estudiosos, poderiam ser reportadas aqui. Isso demonstra que se pode estudar a língua a partir de diversos pontos de vista. De-pendendo do aspecto específico que se quer desvendar ao estudar esse objeto, adota-se uma definição que seja coerente com o objetivo que norteia esse estudo. Disso resultam variadas definições, apenas aparen-temente desconexas entre si.

Para refletir um pouco mais sobre esse fato, releia mais uma vez o que disseram Eleonora Albano, Francisco Gomes de Matos e Ingedore Koch, e responda a atividade a seguir.

Atividade IVRetome o que você escreveu ao expressar sua concepção de língua. Do que você escreveu, alguma ideia se aproxima de uma, ou mesmo de mais de uma das definições dos autores citados acima? De qual delas, e em que aspecto específico?

As três definições apresentadas lhe parecem adequadas? Algum aspecto citado nas definições lhe chamou a atenção? Por quê?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Você já havia parado antes para pensar desse modo mais reflexivo sobre a língua? Sobre a sua importância para a vida em sociedade? Essa atitude é o que estamos tentando fazer emergir nessa unidade, para que você se torne um observador e um estudioso da língua.

Dando prosseguimento ao seu aprendizado, é importante dizer que das espécies que habitam a Terra, o homo sapiens foi a única que desenvolveu esse complexo sistema de signos. Esse é um fato notável da evolução dos homens, pois sua convivência em sociedade e suas consequentes conquistas só foram consolidadas porque fizeram uso so-bremaneira desse sistema. E nem nos damos conta dessa realidade, visto que a língua hoje está totalmente incorporada ao nosso dia-a-dia. Quando nascemos já somos inseridos num mundo repleto de signos linguísticos.

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Mas o que são signos? Antes de responder essa pergunta, observe as imagens abaixo.

Podemos chamar essas imagens de signos. Signos não verbais. Va-mos pensar um pouco sobre eles.

Atividade V

1) Dentre os signos acima, quais você identifica?

2) O que faz com que você reconheça esses signos?

3) Descreva o que eles significam.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Certamente você identificou senão todos, pelo menos a maioria desses signos1. Sabe por quê? Como você mesmo deve ter respondido, o significado deles é convencional, ou seja, o significado de cada sig-no, um gesto, uma imagem, já está previamente definido e aceito pela comunidade em que são empregados. Não há uma relação natural entre essas imagens e o que elas significam. Foram os homens que determinaram os significados atribuídos a essas imagens.

Isso também acontece com relação à língua. Mas, qual a natureza dos signos que compõem a língua que os diferencia dos demais? Va-mos descobrir.

Sobre a natureza dos signos linguísticos

Dissemos em momento anterior que vivemos atualmente rodea-dos de signos. Santaella (1985) diz que “as invenções de máquinas capazes de produzir, armazenar e difundir linguagens (...) povoaram nosso cotidiano com mensagens e informações que nos espreitam e nos esperam”.

Atividade VIReflita sobre o meio através do qual você recebe a maior parte das “mensagens e informações que nos espreitam e nos esperam”. Enumere alguns desses meios.

Qual a substância de que são feitas essas mensagens?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

1 Saussure anunciou a necessidade de uma ciência para explicitar em que consistem esses signos, quais as leis que os regem. E definiu essa ciência como sendo a Semiolo-gia, do grego semeiîon, signo

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A maioria das mensagens que circulam em nossa sociedade nos chega através dos olhos ou dos ouvidos. E são escritas ou são faladas. Assim, estão traduzidas em forma de signos linguísticos. E como disse-mos antes, é preciso que o sentido atribuído a estes signos tenha sido resultado de acordo prévio entre os membros da comunidade que faz uso desses signos, para que eles possam ser compreendidos. Ou seja, em algum momento os falantes da língua se põem de acordo quanto ao que vai significar cada pedaço da corrente sonora, a fim de que assim cada um em particular possa reconhecer que realidade está sen-do referida ao se utilizar determinados signos. Esse é um princípio da constituição da língua fundamentado na convenção social.

Traduzindo de forma bem prática o que isso tudo quer dizer, pode-mos pensar, por exemplo, na palavra MESA.

Ao ouvir essa sequência de sons, / m e z a /, os falantes de por-tuguês podem associá-la a uma ideia, como à ideia de móvel sobre o qual se come, se trabalha etc. Importante é frisar que só essa sequ-ência de sons, e não outra, é capaz de evocar no falante de língua portuguesa, o significado de ‘mesa’, e que esse significado se dissocia de qualquer outro. Preenchidas essas condições, podemos dizer que a sequência / m e z a / configura um signo linguístico.

Ainda sobre a natureza do signo linguístico, vamos pensar agora sobre o que você escreveu na terceira pergunta da atividade 5, quanto ao significado daquelas imagens. Para isso, responda a pergunta da atividade a seguir.

Atividade VIIDe que forma você traduziu o significado?

Você expressou o significado das imagens através de um outro sis-tema de signos, o linguístico. Esse sistema, portanto, encerra a possi-bilidade de traduzir, além dele próprio, outros signos. Essa é mais uma de suas características.

Veja o que diz Lopes (1995, p.45) a esse respeito:

“O que precisamente aparta, de modo definitivo, os signos verbais das demais espécies de signos ar-tificiais é o fato de que estes últimos serão sempre traduzidos pelos primeiros (...); e estes, os signos verbais, só são traduzíveis com adequabilidade por outros signos linguístico-verbais”.

Nesse ponto, é importante que você retome as informações dadas a respeito do signo linguístico. Sendo assim, propomos a você mais uma atividade:

Atividade VIIIIdentifique as características do signo linguístico apresentadas ao longo dessa discussão, explicando-as resumidamente.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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É necessário estar com essas características muito bem sistematiza-das, porque precisamos ter clareza do que estamos tratando quando nos referirmos a partir de agora, ao signo linguístico.

Exercitando sua atitude observadora, pare para refletir:

Você percebeu que já estamos operando com uma definição de língua? Isso quer dizer que já estamos nos posicionando sobre a língua a partir de uma perspectiva teórica. Essa perspectiva teórica de estudos linguísticos é o Estruturalismo2.

E antes de continuarmos, é importante que você retome o início de nossa unidade, quando tratamos de definir a Linguística. E responda a mais uma atividade.

Atividade IXReleia aquelas definições e tente identificar em que momento os autores apresentam uma definição de Linguística que está sendo pensada a partir de uma perspectiva estruturalista. Transcreva os trechos que denotam essa perspectiva, explicitando o que há neles que permite identificá-los assim.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Retomando nossa unidade, podemos dizer que se identificam como estruturalistas todas as pesquisas sobre a língua que dão relevância à observação do caráter estrutural, sistemático, do código linguístico. Daí a designação estruturalismo.

O emprego do termo signo linguístico, como é adotado dentro des-se enfoque estruturalista para designar os elementos da língua, está

associado ao linguista suiço Ferdinand de Saussure3, que, no século XX, teve o mérito de desencadear a instituição da Linguística como ciência autônoma, dotada de um objeto próprio e de métodos específicos para análise desse objeto.

Veja o que diz Albano (apud CORTEZ E XAVIER, 2003, p. 30) ao se referir a Saussure e seu papel de fundador da Linguística:

“Acho que o papel de Saussure em anunciar, com a sua obra, o que viria a ser a linguística foi muito importante e gerou muitos manifestos. (...) Então, é um discurso científico que nasceu na virada do século XX, a partir de outros discursos que já havia por aí, que falavam sobre a linguagem e que real-mente eram muito heterogêneos. E Saussure teve o papel de peneirar e de saber puxar um fio lógico: vamos separar isso aqui de tal forma que a gen-te consiga mapear um certo recorte com métodos claros e possa fazer distinções. Então, a linguística é esse conhecimento da linguagem que se quer científico e que, para mim, está sempre entrelaça-do com essas outras coisas aí, essas outras formas de saber sobre a linguagem”.

Essa obra trata-se do Curso de Linguística Geral e foi publicada postumamente por alunos de Saussure, que a organizaram a partir de anotações de suas unidades durante três anos de cursos sobre Linguís-tica geral. Não se tinha ideia, à época, da importância que esse livro teria para a Linguística moderna.

Considerando o que Saussure1 diz sobre a língua nesse curso, po-de-se defini-la de forma simples e direta como:

“o conjunto de todas as regras (fonológicas, mor-fológicas, sintáticas e semânticas) que determinam o emprego dos sons, das formas e relações sintáti-cas, necessárias para a produção dos significados” (LOPES, 1935, p. 77).

Mas vamos beber na fonte e buscar Saussure por ele mesmo. Para explicar seu conceito de língua, Saussure estabeleceu um paralelo inte-ligente entre a língua e o jogo de xadrez, que podemos resumir assim:

No xadrez, não importa o material de que são feitas as peças do jogo, mas as relações que elas mantêm entre si. Assim, as peças podem ser de madeira ou de metal, o que vai definir as possíveis jogadas são essas relações e o fato de haver regras para o jogo, predeterminadas e aceitas pelos jogadores.

2 O “Compreende-se por Linguística Estrutu-ral um conjunto de pesquisas que repousa sobre a hipótese de que é cientificamente legítimo descrever a linguagem como sendo essencialmente uma entidade autônoma de dependências internas, em uma palavra, uma estrutura (...) A análise dessa entida-de permite constantemente isolar partes que se condicionam reciprocamente, cada uma delas dependendo de algumas outras, sendo inconcebível e indefinível sem essas outras partes” (Hjelmslev, apud Lopes, 1995, p. 39).

3 Saussure é considerado o fundador da Linguística. Isso porque, a partir de suas indagações teóricas, a Linguística foi reco-nhecida como ciência autônoma. Definitivo para isso foi sua asserção de que a língua, enquanto sistema, evidentemente, era de fato o objeto da Linguística. E sua teoria sobre a língua terminou influenciando toda uma geração de correntes linguísticas que ficou conhecida sob o rótulo de Estrutura-lismo.

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Transpondo a dinâmica do funcionamento do jogo de xadrez para o sistema da língua, podemos dizer que os elementos desse sistema, os signos linguísticos, só funcionam se estiverem em relação uns com os outros. Assim, um signo linguístico, como uma peça do xadrez, só adquire valor e função quando entra em relação com demais signos, formando então o sistema da língua.

E então Saussure (1998, p. 17) explica o que vem a ser a língua:

“Mas o que é a língua? Para nós, ela não se con-funde com a linguagem; é somente uma parte de-terminada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao

mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções neces-sárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem e multiforme e heteró-clita; (...) A língua é um todo por si e um princípio de classificação”.

Vamos esmiuçar esse conceito de língua de Saussure.

Ao perguntar o que é a língua, ele responde que ela não se confun-de com a linguagem. A língua é uma parte da linguagem, a parte so-cial, que, segundo o próprio Saussure (1998, p. 22), “não existe senão em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade”. E não pode ser modificada pelo indivíduo falante, porque só é susceptível a modificações se estas resultarem de acordo entre todos os membros da comunidade.

Quanto à relação língua ÑÒ linguagem, entendemos que para Saus-sure a faculdade de linguagem é algo mais amplo e que a engloba. A linguagem é heterogênea, multiforme. A língua seria então uma das expressões da linguagem, a parte homogênea, por isso passível de análise. E em função dessa propriedade é que foi adotada para ser o objeto da Linguística.

Só para finalizar: tendo em vista o que acabamos de ler sobre língua e linguagem, que parte dessa relação caberia à Semiologia estudar? A resposta você pode incluir no exercício proposto a seguir, em que sugerimos que você retome o que aprendeu até aqui sobre Saussure e suas ideias.

Atividade XDiga quem é Saussure, qual a sua importância para o que se conhece como Linguística, como ele definiu aquilo que tomou por objeto da Linguística, enfim, registre o que aprendeu.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Encerrando a discussão por aqui, chegamos ao final desta unidade. Espero que você tenha se entusiasmado para saber mais sobre essa ciência tão ampla que teve e tem um papel fundamental para a discus-são de questões as mais diversas, como as relacionadas ao ensino de línguas, ao desenvolvimento de tecnologias da comunicação, às ques-tões de identidade nacional, entre tantas outras sempre envolvendo o uso da língua. E sendo a Linguística a ciência que vai se ocupar desse objeto, será sobre ela e sobre seu objeto que vamos continuar discutin-do. Apresentaremos novos pontos fundamentais da teoria de Saussure, nosso divisor de águas. Mas esse já é o tema de nossa próxima unida-de, por isso encerramos nossa discussão por aqui.

Leituras recomendadasPara aprofundar seus conhecimentos sobre os temas que discutimos

nessa unidade, sugerimos a leitura dos seguintes autores:

LOPES, E. Fundamentos da Linguística Contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1995.

O autor apresenta os fundamentos da Linguística Estrutural, inicia-da por Saussure. Portanto, é uma obra básica para quem quer conhecer os prin-cípios em que se assentaram os primeiros estudos científicos sobre a língua. E que permanecem válidos para quem a obser-va como estrutura. Atenção para o termo “Contemporânea” que neste caso não equivale a “atual”.

SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1985.Neste livro encontra-se uma teoria dos signos, e através dela a au-

tora promove a compreensão do leitor acerca da importância do estudo dos signos em nossa sociedade. Através de sua leitura se adquire o conhecimento do que é a Semiótica, ciência que es-tuda toda e qualquer linguagem, e sua relação com a Linguística, que estuda a linguagem verbal.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998.Embora não sendo de leitura fácil, esta obra é fundamental para todo

estudioso da Linguística. Nela está definido o signo linguístico como objeto de estudo científico, e as teses que deram início à fase dita contemporânea dessa ciência. Sua lei-tura garante ao leitor, portanto, o trabalho e o prazer de “beber na fonte”. Especialmente para esta unidade, é importante a leitura do

capítulo I – Natureza do signo linguístico.

XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com linguistas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003.

Os organizadores reúnem neste livro o resultado de entrevistas re-alizadas com 18 linguistas brasileiros de diversas correntes teóricas, sobre questões relacionadas à área. Entre elas, o conceito de língua e linguística, dentre eles, os que utilizamos aqui. Sua leitura, portanto, vai lhe

proporcionar a ideia que tivemos preocupa-ção em demonstrar nessa unidade, de que esse é um campo de estu-do marcado pela pluralidade de pontos de vista, e esse é um fato que não pode ser desconsiderado quando se trabalha com língua.

Recomendamos também a leitura das revistas Língua Portugue-sa, Editora Segmento e Discutindo Língua Portuguesa, Editora Escala Educacional. Ambas tratam de temas muito diversos sobre a língua, de modo bastante acessível, assim oferecem uma leitura descontraída para quem tem interesse em começar a pesquisar sobre a língua.

ResumoA Linguística conquistou sua autonomia como ciência, independente de outras áreas do saber, no início do século XX, sob o legado do movimento estruturalista. Em função disso, seu objeto de estudo, a língua, foi definido tendo por parâmetro o que havia nele de mais sistemático, que pudesse ser observado estritamente do ponto de vista linguístico, a sua estrutura interna. Era a necessidade de se definir um objeto próprio que justificasse o estabelecimento de uma ciência para investigá-lo. Assim, foi definida a língua como um conjunto complexo de signos, de natureza convencional. E todo esse legado se deve a Ferdinand de Saussure, o linguista que siste-matizou esses conhecimentos nos cursos que ministrava, lançando assim as bases para o desenvolvimento de uma ciência que hoje é marcada pela multiplicidade de abordagens e pontos de vista sobre seu objeto.

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AutovaliaçãoNesse momento você tem a oportunidade de avaliar o seu apren-

dizado, considerando os novos conhecimentos que lhe foram apresen-tados, e os aspectos que ainda precisam ser melhor esclarecidos para a compreensão desejada do assunto. Para isso, proceda da seguinte forma:

Retome e escreva aqui o que você disse sobre a língua na atividade 2. • Escreva agora sua compreensão do que vem a ser língua.• Compare o que você pensava sobre a língua antes de mergulhar nessa • leitura, com o que você pensa agora.A partir da comparação, avalie sua aquisição inicial de uma compreensão • científica da língua.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Referências

BOUQUET, S. Introdução à leitura de Saussure. Trad. Carlos Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo, SP: Cultrix, 2004.

CAMARA JR., J. Mattoso (1980), Princípios de Linguística Geral. Padrão: Rio de Janeiro.

CARVALHO, C. de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1991.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1993.

FIORIN, José Luiz (org). Introdução à Linguística: I Objetos Teóricos. S. Paulo: Contexto, 2003.

______. Introdução à Linguística: II Princípios de Análise. S.Paulo: Contexto, 2003.

KRISTEVA, Júlia, História da Linguagem. Lisboa: Edições 70, 1980.

LOPES, E. Fundamentos a Linguística Contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1995.

SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1985.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1988 (1916).

XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com linguistas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003.

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III UNIDADE

Pressupostos teóricos de Saussure

Pressupostos teóricos de Saussure

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Apresentação

Esta é a nossa terceira unidade, o terceiro momento de discussão sobre a língua fundamentada numa perspectiva especializada, para além do conhecimento geral que as pes-soas têm, em maior ou menor grau, sobre ela. Como estu-diosos da língua, estamos construindo um saber específico, apoiados em reflexões teóricas e em métodos científicos.

Assim, na primeira unidade você ficou sabendo dos ques-tionamentos que povos antigos fizeram acerca da língua e que resultaram na formação de um campo de saber especí-fico: a Linguística. Partimos então na segunda unidade para um exame mais profundo do que vem a ser a Linguística e de seu objeto de estudo, através da palavra dos próprios linguistas. E então chegamos à noção de signo e você deve ter se dado conta de que as discussões aqui apresentadas se baseiam num modo de pensar científico sobre a língua. Isso é importante, porque pretendemos que você desenvolva essa visão de língua, para além do senso comum.

Nesse sentido, nossa tarefa nessa terceira unidade será a de apreender os princípios fundamentais sobre os quais se assenta a teoria de Saussure. Para isso iniciaremos pelo que já conhecemos sobre o signo. Esse será nosso ponto de partida. Ao final da unidade, você mesmo poderá explicitar nosso ponto de chegada. Comecemos então pelo primeiro passo, sabendo que a caminhada exige: disciplina, constân-cia, caídas e retomadas. Sendo assim, é importante manter em mente seu objetivo: aprender.

E para favorecer sua aprendizagem, relembramos as orientações que demos na primeira unidade:

Dedicar cotidianamente um tempo para suas leituras.•

Ler os textos de modo atento, refletindo sobre os no-•vos conceitos, informações, apresentados;

Reler se necessário, fazendo anotações, marcando o •que julgar importante;

Responder as atividades propostas, com atenção.•

Não guardar para si as dúvidas, esclarecendo-as com •o professor ou o tutor.

Ao agir dessa forma, alcançaremos nossos objetivos com esta unidade, que estão explicitados a seguir:

Objetivos:

É nosso propósito com esta unidade fazer com que você:

Amplie seus conhecimentos sobre a teoria de Saussure, o pai •da Linguística;

Adquira o conhecimento dos conceitos básicos que fundamen-•tam os estudos linguísticos inaugurados pelo fundador da Lin-guística.

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Continuando nossa conversa sobre Saussure...

Já sabemos que foi Saussure quem promoveu o rompimento com o méto-do histórico-comparativo de estudo da língua, que predominou em todo o sé-culo XIX. E é interessante saber que ele mesmo realizou investigações nessa perspectiva, como um estudo das vo-gais nas línguas indo-européias. Per-cebemos com isso sua capacidade de ir além, de vislumbrar novas possibili-dades de análise para um objeto de estudo. Assim, desenvolve todo um

olhar novo sobre os fatos linguísticos. Você já teve um conhecimento inicial de suas ideias, quando lhe foi apresentado o conceito de signo com suas características, a definição de língua a partir da noção de signo, e o lugar que ela ocupa nos fatos de linguagem.

Convidamos você então para, nesta unidade, conhecer mais sobre a teoria linguística de Saussure. Obviamente aceito o convite, vamos começar retomando o conceito de signo linguístico, para aprofundá-lo.

O signo linguísticoVocê lembra do que dissemos na unidade anterior a respeito da

sequência de sons que compõem a palavra mesa e o significado que esses sons adquire para o falante da língua? Naquela ocasião, disse-mos tratar-se essa palavra de um signo da língua.

Um aprofundamento do conceito de signo implica considerá-lo, se-gundo Saussure, como o resultado da associação entre um conceito e uma imagem acústica.

Vamos examinar esse conceito mais de perto, porque a compreen-são do signo linguístico, como o definiu Saussure, é fundamental para se entender todo o desdobramento de sua teoria, bem como o desdo-bramento dos estudos estruturalistas que lhe seguiram.

Orientando nossa proposta de estudar Saussure por ele mesmo, começamos por transcrever o que ele diz a respeito do signo, no trecho a seguir:

“O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa

puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial, e, se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente nesse sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o concei-to, geralmente mais abstrato” (SAUSSURE, 1998, p. 80).

Tomando o primeiro enunciado do trecho, nós temos que “O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra...”. Essa ideia lhe soa fa-miliar? Antes de prosseguirmos com nossa explicação do signo, já lhe propomos que explicite o porquê de Saussure começar sua definição de signo dizendo o que ele não une. Essa é a primeira atividade desta uni-dade. E para realizá-la, talvez você precise retomar a discussão sobre o desenvolvimento histórico da Linguística, matéria da primeira unidade.

Atividade IResponda à questão: Partindo da tradição dos questionamentos que já se fez sobre a língua, desde os gregos, o que Saussure está propondo para o seu estudo quando diz que a língua não é expressão da realidade?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Certamente você respondeu com propriedade à questão proposta. Já sabe portanto, que Saussure supera a ideia vulgar de língua como algo que simplesmente nomeia as coisas da realidade. Vamos então continuar trocando em miúdos as palavras do autor, que em seguida diz que na língua estão unidos um conceito e uma imagem acústica.

Entender a ideia de conceito é relativamente fácil para nós que já nos familiarizamos com o modo como as ideias são expressas nessa área do saber. É só lembrarmos mais uma vez do que dissemos na unidade anterior sobre o que a comunidade de falantes aceita e en-tende quando está diante da palavra mesa, como explicitamos, para reconhecer na ideia de conceito, o termo significado.

E é este mesmo o termo que Saussure adota para o conceito, pas-sando a chamá-lo significado. Para estabelecer o paralelismo de ter-mos, consequentemente, a imagem acústica passa a ser o significante. E o que vem a ser isso? Mais uma vez Saussure define pela negação.

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O significante não é o som, a matéria fônica. É a impressão psíqui-ca desse som, aquilo que evoca o significado. Como assim? O próprio Saussure (1998, p. 80) nos dá a chave para entendermos a questão:

“O caráter psíquico de nossas imagens acústicas aparece clara-mente quando observamos nossa própria linguagem. Sem movermos os lábios nem a língua, podemos falar conosco ou recitar mentalmente um poema”.

Está claro então que o significante não se confunde com o som produzido quando se fala? é de fato algo que se encontra na mente dos falantes, segundo a perspectiva saussuriana de língua. Saussure ainda demonstra que essas duas faces do signo são inseparáveis, que uma reclama a outra, como nas imagens abaixo, retiradas de seu livro (SAUSSURE, 1988, p. 80, 81):

E agora, se você compreendeu o signo de Saussure, pode realizar a atividade a seguir.

Atividade II

A partir do exemplo “mesa” como um signo da língua, propomos a você que descreva os componentes dos signos linguísticos a seguir:

SIGNO

Mar

Saudade

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Havendo compreendido como funcionam o significado e o signifi-cante para comporem um signo, vamos estudar suas características: a arbitrariedade e a linearidade. Vejamos em que consistem.

Características do signo linguísticoO conceito de arbitrariedade, para Saussure, está ligado ao fato de

que não existe uma relação intrínseca e necessária entre o significante e o significado. E ele exemplifica essa noção dizendo que:

“a ideia de ‘mar’ não está ligada por relação al-guma interior, à sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante, poderia ser representada igualmente bem por outra sequência” (SAUSSURE, 1988, p. 81).

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Nesse momento você já deve ter associado o que acabou de ler aqui com o que já leu na segunda unidade a respeito da convenção social. É nisso mesmo que consiste a arbitrariedade. E Saussure ressalta que a palavra arbitrário:

“não deve dar a ideia de que o significado dependa da livre escolha do que fala (ver-se-á, mais adiante, que não está ao alcance do indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao signifi-cado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade” (SAUSSURE, 1988, p. 83).

Ele utiliza mais um termo para expressar essa relação não natural, e diz que o significante é imotivado em relação ao significado.

Agora vamos à outra característica do signo linguístico de Saussure: a linearidade, que é explicada a partir da dimensão temporal, e perce-bida claramente quando o significante é expresso através da fala, pois os elementos significantes são emitidos uns após os outros, formando uma cadeia. Para resumir, podemos dizer que a linearidade diz respeito ao fato de os significantes serem de natureza auditiva e se sucederem no tempo.

Após essas considerações, vamos pensar um pouco e realizar mais uma atividade.

Atividade IIIDe acordo com o que você leu até aqui sobre o signo linguístico de Saussure, aponte qual das sequências a seguir pode ser considerada um signo linguístico na nossa língua, e explique o porquê. Explore bem as características do signo.

a. BTICWIN

b. TUNDRA

c.

Se você respondeu sem maiores dificuldades a atividade 2, é por-que compreendeu bem o conceito de signo. Então, convidamos você a conhecer outros pilares-mestres da teoria de Saussure, representados nas suas famosas dicotomias.

As dicotomias saussurianas

Língua / fala

Vamos começar com a dicotomia língua/fala, visto que já temos alguma ideia do primeiro elemento desse par. Lembra-se do que disse-mos sobre a língua quando tratamos de sua relação com a linguagem? Para incluir a fala aqui, podemos imaginar a seguinte representação dessa relação linguagem < língua / fala:

Essa imagem se resume no enunciado de Saussure (1988, p. 92): “A língua é para nós a linguagem menos a fala”. Estão portanto em oposição língua e fala. Já dissemos que a língua é homogênea e social. Se opomos essas características às da fala, podemos deduzir que a fala é heterogênea e individual, não é verdade?

E assim, a homogeneidade e o fato de ter sua existência vinculada ao social são determinantes para que a língua seja tomada como o objeto de estudo da Linguística. Por ser homogênea, ela representa um sistema passível de ser analisado em seus elementos, o que não é possível de ser feito com a fala. Por ser a realização concreta de cada falante, a fala é marcada pela assistematicidade, pela imprevisibilida-de, comporta uma gama de variação. Portanto, não constitui um objeto de estudo confiável.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Como seria possível analisar uma realidade como esta?

Fazendo uso de mais uma metáfora, Saussure (1988, 27) diz que:

“A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indiví-duos”.

É importante observar que, mesmo dando realce à língua, pelas razões que explicitamos, Saussure não descarta a fala. Ele diz que

“esses dois objetos estão estreitamente ligados e se implicam mutuamente; a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos; mas esta é necessária para que a língua se estabeleça” (SAUSSURE, 1988, p. 27).

Contudo, temos que frisar: entre língua e fala, a primeira é que é o objeto da nova ciência que está se firmando. E continuando nosso estu-do das dicotomias, vamos verificar que Saussure escolhe um elemento de cada par dicotômico, e assim ele amarra muito bem um objeto e uma metodologia de análise. E nisso vamos perceber o quanto ele foi coerente ao fundar sua teoria. Não é à toa que ele é considerado o pai da Linguística.

Atividade IV

Para sistematizar seu conhecimento sobre a dicotomia língua/fala, sugerimos que enumere as características que são próprias da língua numa coluna, e as que são próprias da fala, numa coluna oposta.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Passemos a uma outra dicotomia de Saussure

Sincronia / diacronia

A sincronia diz respeito a um estudo do fato linguístico num mo-mento específico. Por exemplo, se tomamos a palavra você, verificamos a forma atual que essa palavra assume na língua. E podemos dizer que é composta de um radical, é oxítona, possui duas sílabas, é emprega-da para se referir à segunda pessoa. Todas essas são informações que podem ser observadas simultaneamente:

referente à segunda pessoa: Você vem hoje?

oxítonacomposta dos sons / v o s e /

VOCÊ dissílaba composta por um radical.

Por isso, Saussure (1988, p 95) insere a sincronia no eixo das si-multaneidades, “concernente às relações entre coisas co-existentes, de onde toda intervenção do tempo se exclui”. Portanto, a via da sincronia é a que permite a descrição linguística.

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Já a diacronia estuda a evolução histórica que se verifica quando os fatos linguísticos são estudados numa sucessão temporal. Assim, conti-nuando com o exemplo de você, se pesquisamos a história da língua, encontramos os seguintes registros que atestam diversas fases no seu percurso evolutivo, até se fixar na forma atual você.

Vossa mercê > vossemecê > vosmecê > você

Estamos observando, nessas formas, vários estágios de um fato lin-guístico, que se sucederam no tempo. Portanto, seu lugar é no eixo das sucessividades, “sobre o qual não se pode considerar mais que uma coisa por vez”. Mas, continua Saussure, “onde estão situadas todas as coisas do primeiro eixo com suas respectivas transformações” (SAUSSU-RE, 1988, p. 95).

Mais uma vez, ao explicar sua proposta teórica com base numa dicotomia, Saussure declara a existência e a relevância de dois pontos de vista. Ele diz:

“A cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição atual e um produto do passado” (SAUSSURE, 1988, p. 16).

Mas, assim como reservou à fala um lugar secundário nos estudos linguísticos, Saussure também o faz em relação a um elemento dessa dicotomia. Você até já pode deduzir qual elemento foi escolhido. Va-mos verificar o que diz o próprio Saussure:

“Tudo quanto seja diacrônico na língua, não o é senão pela fala. É na fala que se acha o germe de todas as modificações: cada uma delas é lançada, a princípio, por um certo número de indivíduos, an-tes de entrar em uso” (SAUSSURE, 1988, p. 115).

Atividade VAgora é a sua vez. Pare para pensar um pouco e realizar a atividade a seguir. Reflita sobre o trecho de Saussure que transcrevemos acima, fazendo uma relação com o que você já conhece de sua teoria. Para ajudá-lo nessa tarefa, lançamos as seguintes perguntas:

1) Que elemento da dicotomia língua/fala Saussure definiu como sendo objeto da linguística?

2) Em que Saussure se baseou para definir esse objeto?

Atividade VISe você já tem as respostas para as perguntas, fica fácil explicar por que a sincronia é priorizada na análise estruturalista.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Vamos passar agora à última dicotomia:

Sintagma / paradigma.

Saussure (1988, p. 142) diz que “tudo na língua se baseia em re-lações”. E essas relações são de dois tipos: sintagmáticas e paradig-máticas. Assim, os elementos da língua se apresentam em dois eixos: o eixo sintagmático e o eixo paradigmático. Vamos explicar em que essa ideia consiste.

As relações sintagmáticas dizem respeito ao encadeamento dos ele-mentos na língua. Tem a ver com um fato de que já tratamos anterior-mente: a linearidade. Os elementos linguísticos se sucedem linearmen-te na língua, sendo impossível a pronúncia de mais de um num mesmo intervalo de tempo.

É fácil verificar. Ao pronunciar algo bem simples como: As crian-ças correm, está claro que cada palavra foi dita de cada vez, senão não compreenderíamos o que foi dito. Não podemos também alterar a ordem em que as sílabas são pronunciadas, evidentemente, porque não seria possível recuperar o sentido que se convencionou para essa sequência.

A representação desse enunciado no eixo sintagmático da língua, como de todas as sequências faladas, é feita da seguinte maneira (SAUSSURE, 1988, p. 95):

Essa é a relação sintagmática que se estabelece no eixo horizontal, estando todos os elementos na presença uns dos outros e segundo as regras da língua. Cada elemento estando em contraste com os que vem antes e os que vem depois dele.

Essa condição atesta a função delimitadora da relação sintagmática. Não podemos dizer tudo, de uma só vez, do contrário não seria possível para o falante expressar suas ideias em uma sequência organizada.

Quanto ao outro tipo de relação, que chamamos paradigmática ou associativa, desenvolve-se no eixo vertical. O que isso quer dizer? Isso quer dizer que quando um elemento linguístico é utilizado na língua, automaticamente, os outros elementos que poderiam igualmente ocu-par esse espaço, estão excluídos. Tomemos mais uma vez o enunciado as crianças correm. Para sua representação no eixo paradigmático, po-demos escolher um dos elementos que compõe o enunciado. Escolhen-do o verbo correr, por exemplo, há a possibilidade de substituí-lo por outros verbos, como: brincar, pular, espernear, saltar, escapulir, só para ficar em poucos exemplos. E então temos (SAUSSURE, 1988, p. 95):

E a substituição pode se prolongar indefinidamente. Mas, a cada vez que pronunciamos um elemento, todos os demais que poderiam ser falados são excluídos, ficando ausentes. Existindo, no entanto, como possibilidade.

Você já havia pensado nisso?

Que a cada vez que você diz algo está escolhendo uma forma de dizer, entre tantas outras possíveis? E o que dizer sobre as tantas vezes em que quisemos expressar uma coisa e dissemos outra? Saussure não se deteve sobre esses fatos, mas lançou as sementes de temas de in-vestigação importantes para serem explorados bem mais tarde, com o desenvolvimento da linguística.

Voltando ao eixo vertical da língua, outro dado importante para se destacar é que operamos nele por associação. Daí a nomenclatura relações associativas. Nesse sentido, Saussure (1988, p. 143) expressa que “as palavras que oferecem algo de comum se associam na memó-ria e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diversas”.

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Dessa forma, palavras que apresentam algum ponto de semelhan-ça vão se associando. Assim, para nosso exemplo, poderíamos formar um grupo dos verbos de 2ª conjugação, outro grupo referente aos seres animados, outro grupo com as palavras da língua que podem anteceder o substantivo crianças, e assim por diante.

Todas essas possibilidades atestam a liberdade do falante ao operar no eixo paradigmático, em oposição à restrição das relações sintagmá-ticas. Atesta também que o sentido do que é dito não se esgota na line-aridade, na superfície da língua. Saussure também não explorou esse fato. Lembramos que naquele momento sua preocupação era fundar a linguística, portanto, direcionou todas as suas observações para o estu-do da língua como sistema a ser descrito. Mas não podemos deixar de salientar que Saussure apontou caminhos para possibilidades de estudo da língua, até então impensados em sua época.

Chegando a esse ponto, percebemos que já está na hora de você participar mais ativamente dessa discussão. Nossa proposta é que você, num primeiro momento, apresente as características das relações sintagmática e paradigmática que marcam a diferença entre as duas. E num segundo momento, exercite um pouco sua capacidade de combi-nar e selecionar signos, executando a atividade a seguir.

Atividade VII

Coloque numa coluna os termos empregados nessa parte da unidade, para identificar a relação sintagmática. Ao lado, você deve escrever os termos que, por oposição, caracterizam a relação paradigmática.

Pense numa combinação de signos. Distribua esses signos na cadeia horizontal da língua. Depois, para a cadeia vertical, escolha um desses signos e crie três agrupamentos a partir dele.

Há ainda algo importante a acrescentar sobre essa dicotomia. É que, embora essas relações sejam diferentes, elas não são exclusivas. As duas se combinam para fazer acontecer o mecanismo da língua. Saussure (1988, p. 149) diz que a ligação que existe entre essas duas relações é de interdependência, de modo que, por um lado, a relação sintagmática contribui para criar a relação paradigmática. E por outro lado, esta última possibilita a análise das partes da primeira. Assim, realizam-se em conjunto, possibilitando o funcionamento da língua.

Encerrando temporariamente nossa conversa sobre saussure

Falamos em encerramento temporário porque chegamos a um pon-to em que o essencial da teoria de Saussure foi demonstrado. A partir daqui, você pode aprofundar seu conhecimento tomando a própria obra do autor para estudá-la. Mas certamente, nas discussões que apresentaremos adiante, você identificará reflexos da teoria de Saussu-re porque nela estão as bases de todo estudo que se desenvolveu pos-teriormente acerca da língua. Nisso consiste a genialidade de Saussure. E a identificação dos diversos aportes teóricos que são subjacentes a toda nova teoria é importante porque amplia e facilita sua compreen-são. Assim, chamaremos sempre sua atenção para as contribuições saussurianas que se fazem presentes nos estudos linguísticos pós-saus-surianos, como veremos na próxima unidade, em que vamos explorar o método estruturalista de descrição das línguas.

Considerando importante que você se torne autônomo para buscar mais informações quando sentir a necessidade de aprofundar seus co-nhecimentos, relacionamos abaixo algumas leituras que lhe poderão ser úteis. Essa busca pode continuar ainda com as referências ao final desta unidade, com as quais você deve se familiarizar para adquirir também um conhecimento das obras e autores que tratam dos temas aqui estudados e portanto, estão inscritos nessa área de saber.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. Trad. brasileira de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo, Cultrix, 2000.

Esta obra de Simon Bouquet atesta a vitalida-de da teoria de Saussure, porque ela se insere num movimento de redescoberta de seus escri-tos, que está acontecendo de uns tempos pra cá nos meios acadêmicos. Portanto, é uma lei-tura que vai lhe proporcionar uma visão mais crítica do fundador da linguística, mostrando suas influências teóricas, e sua importância

para os estudos da língua.

CARVALHO, C. de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1991.

Nesse livro o autor explica de forma simplifica-da a teoria de Saussure. Portanto, é um texto básico, que servirá para você retomar e fixar o que já estudou aqui. E então, nós o apresen-tamos como mais uma opção de leitura. Veja que a proposta não é desafiadora como a de Simon Bouquet. Evidentemente, o objetivo de leitura aqui é outro, mas tem sua validade.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998.Já fizemos uma apresentação desse livro na unidade anterior, e o fazemos de novo aqui pelas mesmas razões. Nada se compara a es-tudar a teoria lendo o próprio autor. E agora que você já está mais familiarizado com a teo-

ria de Saussure, vai ser bem mais fácil entendê-lo. Para retomar o que discutimos nesta unidade, recomendamos especialmente os capítulos que tratam das diacronias, e o capítulo VI da segunda parte: Mecanismo da língua. Você vai se deparar com muitas reflexões que o farão pensar sobre a variedade de pon-tos de vista que podem associar-se ao estudo da língua.

ResumoSaussure postulou um objeto de estudo e sistematizou uma me-

todologia de análise desse objeto, que culminaram na fundação da Linguística enquanto ciência autônoma de estudo da língua, definida como um sistema de signos. Em sua definição de signo já se encontra o par opositivo significado/significante, unidos por uma relação arbi-trária. Esse jogo de oposições se encontra na base das dicotomias fun-damentais de sua teoria: língua (social, homogênea) /fala (individual, heterogênea); sincronia (descrição num dado momento) /diacronia (evolução histórica); sintagma (sequência linear) /paradigma (associa-ção por semelhanças). E a adoção do primeiro elemento de cada par dicotômico é que vai caracterizar a análise formalista da língua, como preconizou Saussure.

AutovaliaçãoPara verificar se você apreendeu os conteúdos apresentados nesta

unidade, propomos, como auto-avaliação, que você reflita sobre a se-guinte indagação: Será possível pensar que a sequência de sons / k a z a / nos possibilita pensar em outro conceito que não o de “casa”? Após refletir sobre a questão e levantar hipóteses sobre ela, você poderá dis-cutir com seus colegas no nosso fórum de debates. Não se esqueça de retomar o que disse Saussure sobre isso.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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IV UNIDADEReferências

BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. Trad. brasileira de Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia Franco. São Paulo, Cultrix, 2000.

CARVALHO, C. de. Para compreender Saussure. Rio de Janeiro: Presença, 1991.

FIORIN, J.L. (Org.). Introdução à linguística. São Paulo: Contexto, 2002.

LOPES, E. Fundamentos a Linguística Contemporânea. São Paulo, Cultrix, 1995.

LYONS, John. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro, Guanabara, 1987

MARTELOTTA, Mário Eduardo et al. Manual de linguística. São Paulo, Contexto, 2008.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998.

O método de análise da Linguística Estruturalista

O método de análise da Linguística Estruturalista

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Apresentação

Esta é a nossa quarta unidade. Se você chegou até esse ponto, podemos dizer que você já possui um conhecimento mais especializado sobre a língua, ultrapassando o conheci-mento do senso comum.

Nas duas unidades anteriores, você fez descobertas sobre a língua a partir da perspectiva saussuriana. Nesta unidade, continuamos com essa perspectiva de estudo, mas agora do ponto de vista da análise de nossa língua. Assim, você vai adquirir conhecimentos básicos para poder apreender a me-todologia de análise da perspectiva estruturalista que define a língua como um sistema de oposições. Você vai apreender uma metodologia de análise da língua observando como ela se estrutura em diversos níveis, através de procedimentos de associação e distribuição. Trata-se de uma análise da lín-gua pela por ela mesma, sem considerar qualquer aspecto que lhe seja exterior. É essa opção que caracteriza as aná-lises estruturalistas da língua. Você vai perceber que o mé-todo de análise estruturalista não lhe é totalmente estranho, parecido mesmo com a análise que você fazia na escola, nas unidades de língua portuguesa. Isso porque o ensino de línguas absorveu muitos dos preceitos dessa perspectiva.

Nosso convite nesta unidade, portanto, é orientado no sentido de que você descubra os mecanismos da análise estruturalista da língua, de uma análise interna da língua, apreenda os métodos dessa corrente linguística, para então começar a desenvolver sua competência de analista, que irá desembocar numa análise da língua considerando fatores externos, como a sociedade, a história, o contexto em que a língua está inserida. Mas para chegar a esse ponto, precisa-mos começar do começo. Então vamos lá!

Objetivos

Esperamos que durante o desenvolvimento desta unidade, e ao fi-nal dela, você:

Reflita sobre a importância de conhecer e dominar uma teoria 1. de análise da língua;

Entenda o princípio do mecanismo estruturalista de análise lin-2. guística;

Adquira uma metodologia de análise que lhe permita reconhe-3. cer e analisar a estrutura de uma língua natural.

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A análise estruturalista da língua

A Linguística se constituiu enquanto ciência no início do século XX. Foi quando se chegou, com Saussure, à definição de seu objeto, aquilo que parecia mais estruturado, o sistema linguístico estudado a partir de suas relações internas, e à definição dos métodos de abordagem desse objeto. Aqui se incluem todos aqueles conceitos que você estudou na unidade anterior.

Após o Curso de Linguística Geral de Saussure, surgiram várias es-colas linguísticas. Uma das mais importantes foi o Círculo Linguístico de Praga, que teve um notável representante: o linguista Roman Jako-bson. Foi ele que empregou pela primeira vez o termo estrutura, para expressar a ideia de um sistema, cujo interior é constituído de relações. Saussure empregava a palavra sistema.

Os conceitos apresentados no Curso de Linguística Geral de Saus-sure foram resultantes de um rigor e grau de formalização tal, que outras disciplinas se valeram do método de análise linguística para de-senvolver suas próprias análises, considerando, claro, seu objeto de estudo específico. Assim, por ocupar essa posição central, a Linguística foi considerada ciência-piloto para outras disciplinas, como a Antro-pologia, a Filosofia, a Psicanálise, a Literatura, dentre os mais impor-tantes, desencadeando um amplo movimento nas ciências, que ficou conhecido como Estruturalismo1.

Nesta unidade veremos como o método estruturalista de análise foi aplicado na descrição da nossa língua.

Níveis de análise estruturalista da línguaDiferenciando-se de uma abordagem histórica da língua, o novo

modo de investigação linguística se firmou estabelecendo como ob-jetivo, a descrição do sistema da língua. Com o desenvolvimento dos métodos de descrição, chegou-se à ideia de língua como sistema de elementos interrelacionados em vários níveis: fonético/fonológico, mor-fológico, sintático. Diante desse sistema, a tarefa do linguista, bastante prática por sinal, constitui-se da análise da língua, descrevendo-se os níveis que a compõem e os princípios gerais que regem o funcionamen-to do sistema linguístico.

Em termos práticos, vamos conhecer a descrição da nossa língua seguindo os pressupostos estruturalistas. Comecemos pela descrição dos sons que fazem parte do nível fonético/fonológico.

Fonética / fonologia A Fonologia se define como o estudo dos sons da língua, a partir

de sua distribuição e função. Essa definição se deve a Roman Jako-bson e Nikolay Trubetzkoy, outro componente do Círculo Linguístico de Praga. Eles aprimoraram a doutrina de Saussure, centrada na Fo-nologia, e precisaram a diferença entre Fonética, ciência dos sons da fala, e Fonologia, ciência dos sons da língua. Esses são denominados fonemas. O fonema é a menor unidade fonológica de uma língua. Foi Trubetzkoy quem precisou o conceito de fonema como um conjunto de traços fonológicos que opõe o fonema a todos os outros fonemas da língua. Assim, eles se combinam e distinguem signos, ou seja, têm função distintiva. Por exemplo, as palavras mar e par do português são distinguidas por causa dos fonemas / m / e / p /. Através de outras combinações descobrem-se outros fonemas da língua, como / d /, / b /, / l /, ao se comutarem as palavras dar, bar, lar. Esse é o método da comutação, muito empregado na linguística estruturalista.

Já os sons estudados pela Fonética são os sons concretos que ouvi-mos quando falamos. Portanto, trata-se de um estudo das propriedades físicas do som: o modo como são produzidos no aparelho fonador de quem fala2, o modo como são percebidos por quem escuta.

Você pode perceber a diferença entre as duas perspectivas de estu-do, a partir os dos exemplos a seguir em forma de diálogo:

Diálogo 1

_ Quando foi que você viu minha tia?

_ Ah, eu vi no dia em que cheguei de viagem.

Ao dizer as palavras tia e dia, os falantes estão distinguindo palavras com significados diferentes. E essa diferença é estabelecida em função dos fonemas da língua: / t / e / d /. Já sabemos que combinando-se esses com outros fonemas, formam-se novas e diferentes palavras. A fonologia estuda então as regras que determinam essas combinações.

Já no diálogo 2, abaixo, temos:

Diálogo 2

_ Você sabe onde tá minha tia?

_ Tua txia já saiu bem cedo.

2 Você se lembra da preocupação dos hindus com a correta pronúncia dos textos sagra-dos? Em função dessa preocupação eles descreveram muito bem a produção dos sons do Sânscrito. A Fonética, portanto, já tem uma tradição no estudo da língua.

1 “Compreende-se por Linguística Estrutu-ral um conjunto de pesquisas que repousa sobre a hipótese de que é cientificamente legítimo descrever a linguagem como sendo essencialmente uma entidade autônoma de dependências internas, em uma palavra, uma estrutura (...) A análise dessa entida-de permite constantemente isolar partes que se condicionam reciprocamente, cada uma delas dependendo de algumas outras, sendo inconcebível e indefinível sem essas outras partes” (HJELMSLEV, apud LOPES, 1995, p. 39)..

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Você percebeu que a palavra tia foi grafada de duas formas diferen-tes. Na primeira pergunta, temos tia como ela teria sido pronunciada por um nordestino. Já na resposta do diálogo, temos txia, representan-do a fala de um carioca. No entanto, as duas realizações sonoras da palavra estão se referindo ao mesmo significado. Com essa ilustração podemos mostrar que houve apenas uma alteração na pronúncia dos falantes, portanto, uma variação de sons, sem que isso significasse uma mudança de significado.

Estamos, portanto, no domínio da Fonética, onde se estudam os sons da fala, quer dizer, o suporte material do significante, os sons que as pessoas produzem e combinam numa sequência, quando falam. E esses sons são chamados de fones.

Atividade I

Para fixar o que você acabou de ler sobre Fonética e Fonologia, leia o que é dito a seguir:

Ao pronunciar os enunciados:

a) Eu gosto muito

e

b) Eu gosto mutcho,

o falante está utilizando sons variantes da língua. Dessa forma, não está distinguindo significados.

Agora é sua vez. Responda:

Os sons produzidos diferentemente nos enunciados a e b são fonemas da língua? Por quê? Neste caso, esses sons são descritos pela Fonética ou pela Fonologia? Justifique.

Qualquer língua pode ter seu sistema fonológico descrito3. A seguir, apresentamos os fonemas que fazem parte do sistema fonológico do português falado no Brasil.

Sistema fonológico do português do BrasilEsse sistema se compõe de sons vocálicos, e consonantais. As vo-

gais são fonemas resultantes da livre passagem do ar para a boca (vogais orais) ou para as fossas nasais (vogais nasais). Elas assumem o centro da sílaba. Temos sete fonemas vocálicos orais e cinco fone-mas vocálicos nasais:

/ a / faz / ã / lã

/ e / fez / ẽ / vêm

/ Fé /

/ i / fiz / ĩ / vim/ o / for / õ / dom

/ ɔ / foz

/ u / furo / ũ / tumba

Temos ainda as semivogais, assim chamadas porque não figuram no centro da sílaba. São elas o / w / e o / j /, que aparecem por exemplo, em pai / paj / e pau / paw /.

São consonantais os sons produzidos quando alguma barreira impede a livre passagem do ar. Assim, temos as 19 consoantes em português4:

/ p / pato / t / rota / k / roca

/ b / bato / d / roda / g / roga

/ f / mofo / s / assa / / queixo

/ v / movo / z / aza / / queijo

/ m / má / n / nu / / sonho

/ R / erra / r / era

/ l / mala / / malha

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

4 Existe um alfabeto fonético internacional baseado no alfabeto latino, criado para re-presentar os sons de um idioma falado.

3 Existe um Alfabeto Fonético Internacional para se uniformizar as transcrições fonéti-cas, que foi estabelecido pela Associação Fonética Internacional.

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Atividade IIAgora que você já sabe como representar os sons através do alfabeto fonético, propomos a você que transcreva foneticamente as palavras acima. Lembre-se de que deve usar barras para indicar que se trata de uma transcrição fonética. Para exemplificar, transcrevemos a primeira palavra.

pato / p a t u /

Agora é com você. Continue...

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

MorfologiaA Fonologia representa um nível de organização da língua definido

como segunda articulação, composta dos fonemas que constituem as línguas naturais. Ao se combinarem, esses fonemas resultam em uni-dades linguísticas que constituem a primeira articulação da língua, os chamados morfemas. É deles que se ocupa a Morfologia.

Para entender o conceito de morfema, fazemos um paralelo com o conceito de fonema. O fonema é a menor unidade da língua que distingue signos. Sua função, portanto, é distintiva. Já o morfema é de-finido como a menor unidade que tem uma significação linguística.

Vamos exemplificar isso.

Pense em como revelamos, na maioria das vezes, o plural na nossa língua. Certamente você pensou que se faz o plural acrescentando um –s à palavra5. Isso quer dizer que esse –s funciona como um morfema na língua portuguesa. Se representamos os morfemas indicadores de

plural na língua portuguesa no eixo paradigmático, veremos que seu número é bem restrito. Você pode pesquisar e descobrir isso. Por en-quanto, vamos continuar descobrindo morfemas. Vamos tomar a pa-lavra meninas. Já sabemos que –s é o morfema indicador de plural. Segmentando mais a palavra, descobrimos –a. Este é o morfema que indica o gênero feminino. Sobra menin–, uma forma mínima que tam-bém tem um sentido na língua. Trata-se do radical, que encerra a ideia básica da palavra.

Podemos dizer então que a palavra meninas está estruturada em três partes, e cada uma dessas partes encerra um significado. E se de-compomos essas partes, vamos encontrar as unidades que não signi-ficam, são os fonemas que combinados formam o signo meninas: / m e n i n a s /.

Foi um outro linguista estruturalista, André Martinet, quem sistema-tizou essa propriedade de articulação da língua em dois níveis, que foi denominada dupla articulação. Ela é de extrema importância para a língua porque representa um fator extraordinário de economia, ao pos-sibilitar uma infinidade de combinações através de um número finito de elementos linguísticos. Isso graças às características da arbitrariedade e linearidade dos elementos do sistema linguístico.

Antes de propormos uma atividade para que você fixe os conheci-mentos apresentados na parte da Morfologia, vamos a mais um exem-plo. Tomemos a palavra falávamos. Decompondo essa palavra, des-cobrimos que ela contém quatro morfemas. Vamos depreender esses morfemas através da segmentação.

Falávamos

Fal- : é o radical do verbo

-a- : é a vogal temática dos verbos de 1ª conjugação

-va- : é a desinência que indica o modo e o tempo do verbo

-mos : é a desinência que indica a pessoa verbal.

Veja que aqui o morfema –a– adquire uma significação diferen-te daquela que vimos em menina. Isso porque ele está inserido num ou-tro contexto linguístico, contrastando com outros elementos da língua, considerando-se a relação sintagmática.

Está pronto agora para você mesmo realizar uma análise mor-fológica da língua? Se achar necessário, releia o conteúdo de morfolo-gia antes de realizar as atividades a seguir.

5 Convencionou-se indicar o morfema por meio de um traço que o liga às outras partes da palavra. Como se convencionou indicar o fonema entre barras oblíquas.

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Atividade IIIA exemplo de como segmentamos a forma verbal falávamos, propomos a você que segmente as demais formas desse tempo e modo verbal. Assim você estará descobrindo morfemas verbais de nossa língua. Não se esqueça de indicar que se tratam de morfemas.

Atividade IVA dupla articulação é uma característica fundamental da língua para a perspectiva estruturalista. Por isso, pedimos que você explique em que ela consiste e exemplifique essa propriedade linguística.

Sintaxe No nível sintático da língua é analisada a maneira como as pala-

vras se combinam linearmente para formarem enunciados. Como você pode verificar no exemplo a seguir, no qual se observa que elementos linguísticos se unem formando um enunciado, de acordo com o que se reconhece ser a ordem canônica do português: sujeito + predicado + complemento:

Exemplo : A costureira consertou o vestido.

Verifica-se ainda nesse enunciado que ele é composto de dois sintagmas nominais6: o primeiro, composto de um adjunto, A, e de um núcleo, costureira. O segundo, composto de outro adjunto, o, e outro núcleo, vestido. Esse sintagma faz parte do sintagma verbal consertou o vestido, que tem o verbo como núcleo.

Na língua portuguesa há várias outras possibilidades de combina-ção de palavras resultando em enunciados com estruturas diferentes. Assim é que também são várias as funções sintáticas exercidas pelos sintagmas.

Para que você realize uma análise sintática precisa, é importante que você reconheça os grupos sintagmáticos do enunciado. Por isso propo-

mos a você que atualize seu conhecimento de análise sintática adquirido nas unidades de língua portuguesa, realizando a atividade seguinte:

Atividade VIdentifique os sintagmas que compõem os enunciados:

a) A criança cansada adormeceu.

b) Os alunos gostaram da prova.

(Nesse caso você vai marcar a presença da preposição de que se junta ao determinante, compondo o sintagma nominal)

As palavras se combinam para formar sintagmas na língua de acor-do com critérios de distribuição. Assim é que o substantivo em portu-guês geralmente vem precedido de artigo. Também pode vir precedido de pronome demonstrativo ou pronome indefinido. Outra classe que acompanha o substantivo é o adjetivo. Verifique se não é isso que se dá nas frases a seguir:

As rosas vermelhas estão no vaso

Eu comprei um vestido longo.

Atividade VI

Faça o teste. Identifique, em cada uma das frases acima, a palavra que representa o substantivo, a partir das que estão relacionados com ele. Identifique a classe dessas palavras.

6 Para a linguística estrutural, o sintagma é um grupo de elementos linguísticos que forma uma unidade.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Ao responder esse exercício você está aplicando a teoria da distri-buição sintática das classes de palavras da língua portuguesa. Veja que já estamos conseguindo fazê-lo alcançar os objetivos propostos para esta nossa unidade: entender o princípio do mecanismo estruturalista de análise linguística e adquirir uma metodologia de análise que lhe permite reconhecer e analisar a estrutura de uma língua natural.

É interessante observar que o nível sintático da língua tem grande relação com seu nível morfológico. Isso porque o modo como as pala-vras se distribuem e combinam no enunciado se estabelece a partir de sua classificação morfológica.

Vamos verificar o que acabamos de dizer observando os sintagmas que você separou no exercício acima.

Tome as palavras criança e alunos. Quais são as palavras que vem antes delas? a e os. Esses são artigos na nossa língua. Os artigos sem-pre precedem substantivos, formando com eles um sintagma nominal. Podemos concluir então que criança e alunos são substantivos.

Utilizando os eixos sintagmático e paradigmático da língua, pode-mos encontrar outras palavras que também podem se posicionar antes dos substantivos, formando com eles sintagmas. É o caso dos prono-mes demonstrativos, como esta ou aqueles, formando:

esta criança

e

aqueles alunos;

e dos pronomes indefinidos, como em:

alguma criança

e

alguns alunos.

Continuando com essa análise, o linguista pode chegar a estabe-lecer a teoria de distribuição sintática de uma língua, bem como as classes de palavras que compõem essa língua.

Você deve ter notado que do ponto de vista morfológico, todas as palavras consideradas aqui, artigos, substantivos, pronomes, apresen-tam idêntica variação morfológica. Ou se encontram no singular ou apresentam o morfema de plural –s. Isso acontece porque essas pala-vras estão estabelecendo relações sintáticas entre si.

Passemos agora à última atividade desta unidade, para concluirmos nosso estudo sobre a aplicação da teoria estruturalista na descrição de um sistema linguístico.

Atividade VIIIdentifique os sintagmas que formam os enunciados abaixo, e as classes de palavras que compõem esses sintagmas, observando quais se encontram em relação de combinação.

1) As rosas vermelhas estão no vaso.

2) Eu comprei um vestido longo.

3) O planeta está muito poluído.

Na análise estruturalista como proposta por Saussure não se separa a rigor a morfologia da sintaxe, dadas as relações de interdependência entre esses dois níveis de análise. Fala-se então em análise morfossintá-tica da língua. No entanto, como disciplinas, geralmente são separados os estudos morfológicos dos estudos sintáticos. Isto será feito também nas disciplinas de língua portuguesa, quando você aprofundará seu conhecimento sobre a estrutura morfológica e sintática do português.

Por ora, ficamos por aqui, pois nosso intuito foi o de fornecer a você o conhecimento básico de como os princípios da linguística es-truturalista podem ser empregados na análise de uma língua natural. Esses conhecimentos serão úteis para seu desempenho nas disciplinas de Morfologia e Sintaxe.

A seguir indicamos três das muitas obras em que você pode mergu-lhar para buscar mais conhecimentos sobre o modo de se fazer análise estruturalista da língua.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein. São Paulo, Cultrix, 1993.

Não sugerimos evidentemente a leitura inte-gral do dicionário, mas recomendamos tê-lo ao lado porque sua consulta é sempre escla-recedora para quem começa a se familiarizar com os termos da área que estuda. E neste, dificilmente você não encontrará o termo que procura.

LOPES, Edward. Fundamentos da linguística contemporânea. 14ª. ed., São Paulo, Cultrix, 1995.

Indicamos esta obra porque nela você encon-tra todos os conceitos empregados pela Lin-guística Estrutural. Bem como as divisões que apresentamos dos níveis de análise da língua. A partir de uma seleção do que lhe interessa neste livro, ele vai lhe servir como um verda-deiro manual.

CABRAL, L. Scliar. Introdução à linguística. 6ª ed., Porto Alegre, Rio de Janeiro, Globo, 1985.

Este é mais um livro que funciona como manu-al para você ter uma ideia geral de como se constitui o corpo teórico da Linguística estrutu-ral. Junto com o livro de Edward Lopes citado acima, você tem uma bibliografia suficiente para compreender a aplicação dos princípios

estruturalistas na análise de uma língua natural.

Resumo

O estudo da língua herdeiro do estruturalismo de Saussure se faz a partir de sua definição enquanto sistema regulado por regras e valo-res. Assim, a análise de uma língua seguindo o modelo estruturalista está necessariamente voltada para a observação do que está posto no sistema. Isto compreende principalmente os níveis fonético/fonológico, em que se estudam os sons, morfológico, em que se estuda a forma que os signos assumem em determinada língua, e sintático, em que se estuda a distribuição das palavras formando grupos sintagmáticos. A apreensão desses três níveis de análise de uma língua é suficiente para a descrição de sua estrutura.

AutovaliaçãoPara que você avalie seu aprendizado nesta unidade, sugerimos que

relacione os termos apresentados que são específicos da área científica que estamos estudando. Apresente uma definição para esses termos e procure dar uma exemplificação para cada um deles. Ao final, você pode voltar à unidade e completar o que faltou. Dessa forma, você estará retomando os conceitos estudados, demonstrando que conse-guiu entende-los, ao exemplifica-los, e assim, atingindo os objetivos propostos para esta unidade: entendendo o princípio do mecanismo estruturalista da análise linguística; e adquirindo uma metodologia de análise que lhe permite reconhecer e analisar a estrutura de uma língua natural.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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V UNIDADEReferências

CÂMARA Jr., J. Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis, RJ, Vozes, 1985.

LOPES, Edward. Fundamentos da linguística contemporânea. 14ª. ed., São Paulo, Cultrix, 1995.

SILVA, Mª Cecília e KOCH, Ingedore. Linguística aplicada ao português: morfologia. 2ªed, São Paulo, Cortez, 1985.

_____ . Linguística aplicada ao português: sintaxe. 2ª ed. São Paulo, Cortez, 1986.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998 (1916).

WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de Marcos Bagno. 2. Ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

Outros EstruturalismosOutros Estruturalismos

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Apresentação

À medida que for acompanhando nossos comentários, você se dará conta de que esta quinta unidade significará a ampliação de um horizonte, mas também o encerramento de um ciclo. Falamos em ampliação porque vamos tomar conhecimento de estudos que deram continuidade ao que estava estabelecido pelo estruturalismo e que ao mesmo tempo representaram avanços significativos em termos de compreensão do objeto linguístico.

Certamente você se lembra de nossa primeira unidade, quando ficou sabendo das primeiras especulações que os estudiosos antigos fizeram sobre a língua. Essas especula-ções nos parecem hoje muito evidentes, como em geral tudo o que se disse antes, nos outros domínios, parece ser. Mas na verdade não é bem assim. Aquelas especulações foram resultado de muito esforço de reflexão por parte dos estu-diosos. E elas forneceram as bases para que pudéssemos amadurecer nosso conhecimento atual.

Assim também aconteceu com o Estruturalismo. A partir dele, os estudiosos deram um salto muito grande no que se refere à compreensão do modo de funcionamento de uma língua. E ao darem sua contribuição, os estudos estruturalis-tas abriram espaço para novas perguntas que começavam a ser feitas sobre este nosso objeto de estudo. Nesse momento é que situamos o fechamento de um ciclo. Mas antes de fechar o ciclo estruturalista, cabe ainda conhecer um pouco mais sobre essa tão importante corrente linguística. Esta é nossa proposta para esta quinta unidade, e assim estabele-cemos alguns objetivos a serem alcançados após sua con-clusão. São eles:

Objetivos

Esperamos com esta unidade, que você:

Conheça mais sobre o estruturalismo linguístico e sobre os au-•tores filiados a essa corrente;

Conheça as principais contribuições teóricas de Jakobson e •Chomsky.

Compreenda o desdobramento das ideias linguísticas ao mes-•mo tempo em que desenvolve a consciência de que a linguística é uma ciência e como tal é evolutiva;

Desenvolva a atitude crítica do analista que domina um deter-•minado conhecimento específico sobre seu objeto de estudo.

Esses objetivos serão alcançados a partir da leitura e reflexão dos textos que apresentamos a seguir.

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Ainda o Estruturalismo

Você percebeu que quando tratamos do Estruturalismo, o fizemos sempre associando essa corrente linguística à figura de Saussure. No entanto, o Estruturalismo foi um movimento científico amplo, que al-cançou outras áreas do saber. Isso também já dissemos.

Mas sempre vale a pena relembrar idéias fundamentais, elas nos ajudam a sedimentar nosso conhecimento sobre os temas que estamos estudando. Sendo assim, repetimos essa idéia dizendo que os conceitos apresentados no Curso de Linguística Geral de Saussure foram resul-tantes de um rigor e grau de formalização tal, que outras disciplinas se valeram do método de análise linguística para desenvolver suas pró-prias análises, considerando, claro, seu objeto de estudo específico.

Pois, como bem disse Saussure em seu Curso de Lingüística Geral (pág. 15), “bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto”.

Assim, por ocupar essa posição central, a linguística foi considerada ciência-piloto para outras disciplinas, como a Antropologia, a Filosofia, a Psicanálise, a Literatura, dentre os mais importantes, desencadeando um amplo movimento nas ciências, o Estruturalismo.

Pois bem, o Estruturalismo não só se expandiu alcançando diversos domínios científicos, como também se desenvolveu internamente em várias direções. Assim, a linguística estruturalista, que adquiriu status científico com o lançamento do Curso Geral de Saussure, pelo seu rigor científico à época, pelos novos problemas que levantou para se pensar sobre a língua, favoreceu um desdobramento de suas teses que resultou em outros estruturalismos. Esses são herdeiros, contudo, dos postulados saussurianos básicos que redirecionaram o olhar lingüístico sobre a língua. Como o procedimento de generalização, por abstra-ção, de aspectos comuns a toda uma categoria de fatos linguísticos.

Os postulados básicos da linguística estruturalista são tão produ-tivos que ainda hoje essa tradição permanece sendo explorada com bastante vigor. Ela é indispensável, por exemplo, quando o linguista está diante da tarefa de descrever uma língua que não possui escrita. Faz-se necessário nesse caso, que o linguista lance mão das técnicas de descrição fonológica, morfológica, sintática, para apreender o sistema linguístico que pretende descrever.

Aliás, já que estamos encerrando um ciclo, você mesmo pode dar sua contribuição e mostrar que sabe muito bem do que estamos falan-do, realizando a atividade a seguir:

Atividade IReleia as unidades anteriores, se preciso, e responda: o que significou o Estruturalismo para a linguística? Quais os postulados saussurianos que definiram esse novo ponto de vista sobre a língua? Você pode unir suas considerações sobre essas duas questões numa mesma resposta.

Mas é sobre outros estruturalismos que pretendemos tratar netsa unidade. Então mãos à obra. Foram muitos os desdobramentos estrutu-ralistas em linguística, de modo que vamos nos limitar àqueles que não podemos deixar de conhecer, mesmo sem um aprofundamento teórico, porque estabeleceram marcos no campo das ideias linguísticas. Essa restrição é necessária tendo em vista nossos limites de espaço e de tem-po. Mas isso não significa que se alguma delas lhe chamar a atenção, você não terá como conhecê-la mais a fundo. É só você buscar outras fontes de pesquisa para aprofundar seus conhecimentos. Um percurso para isso já lhe fornecemos com a indicação de uma bibliografia ao final dessa unidade.

Aliás, devemos chamar sua atenção para esse procedimento didá-tico imprescindível ao estudante de nível superior que pretende adquirir sua autonomia, conduzindo sua própria busca de conhecimento. Esta-mos falando da pesquisa bibliográfica. Observe que nós indicamos a cada unidade, leituras úteis e agradáveis para quem começa a se aven-turar no tema específico de conhecimento que estamos explorando.

E se você tiver acesso a alguns dos livros que apresentamos aqui nas referências bibliográficas, você encontrará no final deles uma lista, por ordem alfabética, dos autores que o próprio autor do livro que você está lendo já leu ou consultou, para escrever seu próprio livro. Esse é um modo acadêmico de fazer progredir a ciência. Trata-se de buscar o que outros já disseram a respeito do que tema que se quer discutir, acrescentando novas descobertas, novos pontos de vista.

Você já começou a fazer parte desse movimento e nossa intenção é que não saia dele. Não sinta vontade de sair. Porque certamente seu esforço vai lhe render bons frutos. Só lembramos que nada se consegue sem algum esforço. Portanto, faça sua parte como já dissemos:

Reserve umas horas de seu dia para se dedicar aos estudos;•

Leia com bastante atenção o material que foi preparado para •você;

Visite sua sala de unidade na internet e discuta com o tutor o •que você leu, o que não entendeu, as descobertas que fez.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Comente até mesmo sobre o prazer de estar se dando conta de as-pectos sobre a língua que lhe passavam despercebidos, claro, porque é muito natural fazer uso de uma língua. Mas melhor ainda é ter cons-ciência do que estamos realizando quando usamos a língua. Aliás, essa é uma tese cara aos estudos linguísticos atuais. Chegaremos lá. Por enquanto, vamos seguindo os passos dos que já deram sua contribui-ção e fizeram evoluir essa ciência. Comecemos pelo Círculo Linguístico de Praga, que tem em Roman Jakobson, esse nome já lhe deve soar familiar, seu mais conhecido representante entre nós.

O Círculo Linguístico de PragaDentre os sucessores do estruturalismo saussuriano, o Círculo Lin-

guístico de Praga, fundado em 1928, foi uma escola que se destacou pelas suas contribuições. Você está lembrado de que quando explicita-mos alguns conceitos necessários à descrição fonológica das línguas, citamos os nomes de Nikolai Trubetskoi e Roman Jakobson? São eles os dois representantes russos desse círculo, que dominaram a cena ao lado de outros eminentes linguistas, como os franceses Benveniste, de quem falaremos em uma próxima unidade, e André Martinet de quem já falamos na unidade anterior.

Os linguistas desse círculo assumiram as teses estruturalistas, mas a enriqueceram com alguma especificidade. A mais importante delas é que esses linguistas creditavam um caráter funcional à língua1, ao lado de seu caráter formal. Lembra da noção de fonema estabelecida por Trubetzkoi?

Como a resposta a essa pergunta é indicadora desse caráter fun-cional que está sendo ressaltado aqui, pedimos que você a responda por escrito.

Atividade IIRetome a definição de fonema, explicitando em que essa definição revela o caráter funcional da língua.

O caráter funcional da língua foi explorado sobremaneira por Ro-man Jakobson. Nesse sentido, é exemplar a teoria que ele desenvolveu para explicar o processo de comunicação partindo dos seis elementos: emissor, receptor, canal, código, referente, mensagem, para estabelecer uma função correspondente a cada um deles, na medida em que no circuito da comunicação, um desses elementos está sendo privilegiado. São as respectivas funções: expressiva, conativa, fática, metalinguística, referencial, poética, a que estão relacionados diferentes recursos gra-maticais e estilísticos para expressá-las.

Hoje esse modelo está visivelmente ultrapassado. Nós teremos oportunidade de discutir o que as novas teorias têm a dizer sobre o que as pessoas fazem quando usam a língua. Mas as ideias de Jako-bson representaram um salto substancial em relação à ideia de língua como apenas um sistema formal passível de descrição em unidades mínimas. A ideia de que à língua se associava uma função primordial, comunicar, foi amplamente aceita nos meios acadêmicos, de modo a figurar nos programas universitários da disciplina linguística e influen-ciar o ensino da língua portuguesa. Seu livro Linguística e Comunicação foi traduzido e bastante estudado no Brasil. Nele, explica que os atos de comunicação verbal envolvendo fatores como “o remetente, a men-sagem, o destinatário, o contexto, o canal e o código” prendem-se a uma das funções da linguagem – emotiva, conativa, referencial, poéti-ca, fática e metalinguística. Portanto, a estrutura verbal da mensagem passa a depender da função da linguagem que nela predomina. É esse ponto de vista sobre a língua que determina a denominação de funcio-nalista para tal perspectiva. Jakobson se notabilizou ainda porque foi um teórico que soube agrupar várias outras disciplinas aos seus estudos linguísticos, como a patologia da linguagem, a antropologia, a teoria da informação, a estilística, o folclore.

Atividade IIIReflita sobre o que você leu acerca das propostas do Círculo Linguístico de Praga e sobre o processo de comunicação proposto por Jakobson. Perceba que a própria palavra comunicação aparece como um dado novo na linguística. Você pode identificar que outros elementos novos estão presentes nessa teoria? Você pode explicitar o avanço que representa a consideração desses elementos para a linguística, até então muito marcada pelo sistema saussuriano?

1 PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI (2006, p. 114) esclarecem que “De fato, o funcionalis-mo tem seu lugar no conjunto do movimento estruturalista; é e um estruturalismo espe-cífico que se pode chamar de estruturalismo funcional. (...) o ponto de vista funcionalista privilegia as constantes transformações das formas da linguagem na sociedade (...)

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O estruturalismo americanoCom esse título estamos lhe apresentando um dado novo. Até ago-

ra situamos a linguística no espaço físico europeu. Mas também na América se fez linguística. Estamos falando de pesquisas estruturalistas que se desenvolveram com bastante propriedade nos Estados Unidos, a ponto de se caracterizar um estruturalismo americano, caracterizado como a vertente formalista2, no que se opõe ao funcionalismo da Es-cola de Praga.

Uma corrente desse estruturalismo surgiu de uma necessidade bem prática: a descrição de línguas indígenas ágrafas americanas, que es-tavam em vias de serem extintas. Como dissemos anteriormente, o mé-todo estruturalista é bastante eficaz para esse objetivo. E então, linguis-tas como Franz Boas (1858-1942), Edward Sapir (1884-1939), aluno de Boas, e Lee Whorf (1897-1941), discípulo de Sapir, estabeleceram como objetivo de suas investigações, aprimorar um método formal de análise dessas línguas. E esse objetivo estava associado a um interesse antropológico, visto que esses linguistas eram também antropólogos. O estudo da língua nesse caso esteve associado a objetivos mais amplos, ligados à compreensão da sua relação com a cultura e a sociedade. Esses trabalhos marcam a primeira fase do estruturalismo americano, da metade do século XIX aos anos 20 do século XX.

Atividade IVComparados aos linguistas do Círculo de Praga, os linguistas americanos dessa primeira fase estruturalista podem ser considerados essencialmente descritivistas. Isso porque, como sabemos, de acordo com o que pretende o analista ao estudar seu objeto, uma determinada metodologia será adotada. Explicite assim, a opção metodológica desses estruturalistas americanos.

O gerativismo de Noam ChomskyO linguista Noam Chomsky é o representante da segunda fase do

estruturalismo americano. Sua teoria ultrapassa o estágio descritivo da primeira fase, pretendendo alcançar agora uma explicação para o porquê das línguas serem como são. Suas ideias explicativas sobre a língua foram tão pertinentes que influenciaram muitos dos estudiosos que o sucederam.

Veja o que diz Ilari (2007, p. 85) sobre a teoria de Chomsky:

A linguística chomskyana é em si mesma um ca-pítulo fascinante da história das ideias; suas rea-lizações são tão amplamente reconhecidas que as resistências e as polêmicas que lhe foram opostas pelos estruturalistas americanos nos anos 1960 aparecem, hoje, como um episódio menor.

Como não temos fôlego para numa unidade nos determos apenas a esse “capítulo fascinante da história das ideias”, nesta nossa unidade vamos nos deter na explicitação dos principais pressupostos teóricos de Chomsky, o que será suficiente para você perceber por que seus pressupostos resulta-ram em novos direcionamentos às investigações sobre a língua.

Chomsky postulou que todo falante possui, já ao nascer, uma ca-pacidade universal de desenvolver uma língua particular. Isso explica-ria a extraordinária competência que as crianças tem para desenvolver a língua falada na sociedade em que ela vive. Dessa forma, conclui-se que qualquer língua pode vir a ser a língua materna. E o que explicaria esse fato? Chomsky postula que as línguas possuem algumas regras que são comuns a todas elas. Haveria uma gramática universal a to-das as línguas, e a partir dela, formam-se as gramáticas particulares a cada língua.

Seria então o objetivo da linguística, a explicitação dessa gramática formada por um conjunto finito de regras, a partir das quais são geradas todas as frases possíveis de serem elaboradas na língua. Essa gramática ficou conhecida como gramática gerativa. Através dela se explica porque um falante competente da língua é capaz de produzir e compreender fra-ses que ele nunca escutou antes. A essa capacidade do falante, Chomsky deu o nome de competência. E é a partir dela, da competência de um falante ideal, de uma comunidade linguística ideal, que são extraídas as regras da gramática da língua interna de todo falante.

Ao lado da competência, formando um par dicotômico, Chomsky estabelece o desempenho ou performance, ou seja, a realização con-creta, externa da língua, pelo falante. Por ser uma realização concreta, o desempenho está sujeito às diversas variáveis sociais e individuais que afetam a língua. Por isso, não é levada em consideração na teoria de Chomsky. Outra dicotomia da teoria gerativa é a que se estabelece entre uma estrutura profunda e uma estrutura de superfície. Esta última pode sempre ser reduzida à estrutura profunda. Para isso, definem-se as regras gramaticais de reescrita e, através delas se percebe como se

2 PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI (2006, p. 114) afirmam que “em oposição ao funcio-nalismo, o ponto de vista formalista tem no centro de suas preocupações o funciona-mento interno do sistema linguageiro”.

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dá a transformação de uma frase no nível profundo, para uma frase no nível superficial da língua. As regras de reescrita, como já dissemos, são limitadas. Mas com elas o falante produz infinitas frases superficiais. Apenas para exemplificar: a partir de um simples sintagma nominal como “o menino” e de um sintagma verbal como “correu”, há infinitas possibilidades de construção de outras frases na superfície da língua.

As ideias de Chomsky foram amplamente difundidas nos meios aca-dêmicos, e os cursos de Letras em geral adotaram seu modelo de análise sintática. A sintaxe é o ponto central de sua teoria, e ele a define como:

“o estudo dos princípios e dos processos segun-do os quais as frases são construídas nas línguas particulares. O estudo sintático de uma língua tem como objetivo a construção de uma gramática que pode ser considerada uma espécie de mecanismo que produz as frases da língua tomada para análi-se” (CHOMSKY, apud PAVEAU, 2003, p. 168).

A primazia da sintaxe é um pressuposto para que o gerativismo seja definido como formalista, em oposição aos estudos de cunho fun-cionalista, como o de Jakobson. Essa discussão é bastante produtiva e você pode saber mais sobre ela lendo alguns artigos de Bentes e Mussalim (2007).

Lembramos ainda, para concluir nossa pequena incursão sobre a teoria gerativa, que seu foco recai sobre as frases gramaticais, quer dizer, as frases bem formadas de acordo com o sistema da língua, produzidas pelo falante ideal. Nesse sentido, ficou célebre sua frase: As ideias verdes sem cor dormem furiosamente, como exemplo de frase totalmente aceita do ponto de vista gramatical, embora não do ponto de vista semântico. Este será um ponto bastante criticado da teoria de Chomsky, entre outros, e que teremos oportunidade de discutir mais adiante em nosso curso.

Agora vamos fixar o que foi aprendido acerca dessa teoria tão ino-vadora para a época.

Atividade VExplicitando uma das evidências que ancoram a teoria de Chomsky,

Carboni (2008, p. 57) afirma que:

“mesmo quando uma pessoa aprende uma língua estrangeira e a fala de modo aparentemente perfei-to, é incapaz de proferir os juízos de gramaticalida-de com a mesma sutileza dos locutores nativos”.

Como exercício de reflexão, propomos a você que justifique a afirmação de Carboni com base no que você leu sobre a teoria de Chomsky.

Só para comprovarmos que você compreendeu mesmo o principal da teoria gerativa, pedimos que reflita um pouco mais e responda a questão que segue.

Atividade VIEssa atividade é para refletir mesmo sobre a nossa língua. Você

sabe que em nossa sociedade algumas camadas da população não dominam a língua padrão que é ensinada nas escolas. No entanto, acreditamos que você nunca ouviu alguém dizer algo em português parecido com: ônibus de vou eu.

Tomando por base o que acabou de aprender sobre a teoria gerativa, como você pode explicar que frases como essa não são produzidas na nossa língua?

Aproveite e faça uso dos conceitos explicitados aqui e que são próprios da teoria. Assim você começa a produzir uma escrita mais diferenciada, própria de quem conhece os termos usados no campo teórico que está estudando.

No momento, encerramos nossa sucinta apresentação sobre o gera-tivismo, não deixando de esclarecer que este modelo teórico não parou de evoluir desde a publicação do primeiro livro de Chomsky, em 1957: Syntactic structures. De modo que, a quem interessa aprofundar-se no conhecimento da teoria gerativista, faz-se necessário buscar as recentes publicações do autor. Este é um trabalho para especialistas e portanto, poderá ser feito numa outra fase de sua caminhada acadêmica.

Por ora, sugerimos a leitura de algumas obras para que você te-nha conhecimento de outros ramos de pesquisa de cunho estruturalista que compuseram esse grande movimento na linguística no século XX. Agindo assim você também terá oportunidade de aprofundar o conhe-cimento dos teóricos e das teorias que apresentamos aqui. Lembramos que não temos espaço para mostrar mais do que a ponta do iceberg. Portanto, cabe a você mergulhar e descobrir as riquezas que se escon-dem na profundidade.

Só temos a lhe desejar boas leituras!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Leituras recomendadas

CARBONI, Florence. Introdução à Linguística. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

Indicamos este livro porque a autora trata dos temas linguísticos que trabalhamos aqui com muita clareza e simplicidade. Não há dificul-dade para você compreender os temas tra-tados, porque ao mesmo tempo em que os descreve, a autora comenta sua validade, suas

controvérsias. Você pode até relembrar o que já estudou sobre a evolução da linguística, é por aí que a autora introduz o leitor nessa correnteza linguística.

BENTES, Anna Christina & MUSSALIM, Fernanda (orgs.). Introdução à Linguística. Fundamentos epistemológicos. São Paulo, Cortez, 2004. Vol. III.

Nesse livro você encontrará textos que apro-fundam o conhecimento das teorias de que tratamos aqui. Também são apresentados ou-tros teóricos que deram sua contribuição às investigações linguísticas. Portanto, são textos

mais densos, ricos em dados, que exigem uma leitura atenciosa. Mas lembramos que essa é um percurso indispensável para quem quer saber mais sobre os temas estudados.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

Essa é mais uma outra obra para aprofunda-mento das leituras. Cada capítulo trata de uma teoria específica, e como abrange um período longo da linguística, da gramática comparada às teorias pragmáticas, temos uma visão da evolução dos estudos linguísticos, das origens

intelectuais desses estudos, das relações entre teóricos. Portanto, trata-se de um texto essencial para se ter uma visão atualizada de muito do que foi feito no século XX em Linguísitica.

Como referência específica a Chomsky, indicamos o link da revista DELTA que você pode acessar através do endereço: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0102-445019970003&lng=pt&nrm=isso

Neste endereço você encontrará textos do autor e entrevistas que ele con-cedeu na época em que esteve no Brasil. Nesse ponto, podemos dizer que é sempre mais interessante conhecer o autor através dele mesmo.

ResumoA partir dos postulados primeiros de Saussure, o Estruturalismo linguís-tico se expandiu e tomou outras direções, suscitando novos problemas para se pensar sobre a língua. Vários grupos de estudiosos foram for-mados a partir de então, destacando-se como herdeiros dessa tradição, os linguistas do Círculo Linguístico de Praga, que teve em Jakobson seu maior expoente. Sua teoria sobre as funções da linguagem inaugura-ram uma nova vertente de investigação da língua, a vertente funciona-lista. Nos Estados Unidos, a tradição estruturalista se manteve forte com a necessidade de descrição e registro das línguas ágrafas dos indíge-nas. Até que esse modelo começasse a dar sinais de esgotamento, e surgisse a figura de Chomsky, chamando a atenção para os processos mentais envolvidos com a capacidade linguística. A preocupação desse linguista estava voltada então para a formulação de um modelo teórico capaz de explicar e não apenas descrever línguas.

AutovaliaçãoChegou o momento de você avaliar os conhecimentos adquiridos

nesta unidade. Propomos a você que pense sobre o que você apren-deu a mais sobre a língua, sobretudo em se tratando das proposições teóricas de Jakobson e de Chomsky. Para isso, responda as questões a seguir:

1) Por que a perspectiva de estudo da língua formulada por Jakobson ficou conhecida como funcionalismo?

2) Por que a gramática proposta por Chomsky foi denominada gerativa?

Ao responder essas perguntas você estará retrabalhando os concei-tos já estudadas do estruturalismo. Se preciso, faça uma nova leitura da unidade, revendo suas anotações, as dúvidas que surgiram desde nossa primeira unidade, reveja as discussões realizadas no ambiente virtual de estudo.

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VI UNIDADEReferênciasCARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

BENTES, Anna Christina & MUSSALIM, Fernanda (orgs.). Introdução à Linguística. Fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2007. Vol. III.

LEPSCHY, Giulio C. A Linguística Estrutural. Tradução de Nites Therezinha Feres. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1975.

MARTELLOTA, Mario et alii (Orgs.) Manual de Linguística. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

Saussure, Jakobson, Hjelmeslev, Chomsky. Os pensadores. Traduções de Carlos Vogt et al. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com linguistas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003.

Novos percursos para a Linguística

Novos percursos para a Linguística

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Apresentação

Com a unidade anterior dissemos que estávamos fechan-do o ciclo estruturalista nos estudos da língua. Um fecha-mento temporário, bem entendido, porque sabemos que as ideias inovadoras não se esgotam em sua época. Elas são aproveitadas e tomam formas diferentes nas épocas poste-riores. Não é assim com os estudos da Antiguidade grega e latina?

Pois bem, vamos agora apresentar as críticas que foram feitas aos estudos estruturalistas e que, a partir da análise cuidadosa do que constituía uma fragilidade teórica, deram condições de formulação de novas considerações sobre o estudo da língua. Afinal, é assim que avança a ciência. Essas novas formulações também serão apresentadas nesta uni-dade. Ao revelar no que a perspectiva estruturalista estava falhando, estaremos mostrando como o que chamaremos as novas correntes da Linguística, de que começaremos a tratar a partir de então, puderam ser forjadas nesse grande caldeirão do pensamento científico.

Vamos começar então pelo grande nome fundador da Linguística, Saussure, para depois falar de Chomsky, com quem fechamos a unidade anterior e de quem afirmamos o mérito de alçar a Linguística, na época inserida no campo meramente descritivo, para o campo explicativo.

Objetivos

Levando em consideração o que está dito na apresentação, espera-mos que você alcançar nesta unidade, os seguintes:

Reflita sobre as considerações feitas até agora sobre a língua.1.

Examine nessas considerações o que pode representar uma fal-2. ta levando em consideração o avanço das discussões linguísti-cas.

Debata as novas perspectivas de investigação da língua.3.

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Pronto para pensar um pouco e abrir mão das certezas firmadas com os conhecimentos adquiridos até aqui, para se aventurar no cami-nho da reflexão e crítica do que já estava tão bem assentado em sua cabeça? É essa a nossa proposta. Não deixar a ideia se sedimentar a ponto de não responder mais aos problemas do momento. Estamos só começando. Temos muito o que aprender até chegarmos ao final desse curso de Linguística.

Comecemos então pelo começo, os limites do modelo estruturalista.

Limites do modelo estruturalista

São inquestionáveis os méritos de Saussure. No entanto, analisan-do-se mais de perto suas asserções, percebemos que alguns conceitos são passíveis de crítica. E muito criticados são a separação que Saussu-re faz entre língua, linguagem e fala, o próprio conceito de língua como sistema convencional depositado na mente de cada um dos indivíduos como um tesouro, como diz o próprio Saussure, a exclusão do aspecto diacrônico na consideração dos fatos linguísticos. Sobretudo se critica a negação do sujeito como elemento imprescindível para a realização da língua, como se o objeto tivesse existência por si só.

Podemos encontrar uma sistematização dessas críticas em Mikhail Bakhtin, na obra Marxismo e filosofia da linguagem publicada em 1929. Bakhtin foi um teórico russo que teve suas obras traduzidas para o Ocidente a partir da década de 60, e no Brasil tem sido bastante citado em trabalhos acadêmicos a partir da década de 90. A repercus-são de sua teoria se faz também sentir pela significativa quantidade de publicações que vem sendo realizadas tratando dos temas explorados pelo autor. Dada a propriedade de suas ideias para a Linguística atual, preocupada com a maneira como o homem age na sociedade, dedi-caremos mais a frente toda uma unidade à discussão dos seus pressu-postos teóricos.

Críticas bakhtinianas ao estruturalismo linguístico

Pelo que já adiantamos acima, você deve então aproveitar esse momento para já se familiarizar com as ideias do autor. Começamos dizendo que Bakhtin denomina a corrente estruturalista de objetivismo abstrato e sistematiza as críticas a essa corrente nos itens que apresen-tamos a seguir:

“Nas formas linguísticas, o fator 1. normativo e estável prevalece sobre o caráter mutável.

O 2. abstrato prevalece sobre o concreto.

O 3. sistemático abstrato prevalece sobre a verdade histórica.

As formas dos 4. elementos prevalecem sobre as do conjunto.

A 5. reificação do elemento linguístico isolado substitui a dinâmica da fala.

Univocidade6. da palavra mais do que polissemia e plurivalência vivas1.

Representação da linguagem como um 7. produto acabado, que se transmite de geração a geração.

Incapacidade de compreender o processo gerativo 8. interno da língua”.

(BAKHTIN, 2002, p. 103)

Atividade IEm conformidade ao explicitado no nosso objetivo, vamos propor a você nessa primeira atividade, que reflita sobre as críticas acima. Para isso, é preciso ler atentamente cada uma delas. Depois de ler atentamente cada uma, tente identificar que pontos da teoria de Saussure estão sendo criticados por Bakhtin. Como fazer isso? Retomando as unidades em que falamos sobre Saussure, retomando os exercícios que você fez, discutindo com os colegas em sua sala virtual. Escreva o que você consegue identificar. Não tem problema se algo ficou ainda em suspenso. Vamos continuar com Bakhtin e seus comentários a respeito do objetivismo abstrato.

1 Observe os conceitos de polissemia e plu-rivalência: “Chama-se polissemia à proprie-dade do signo linguístico que possui vários sentidos” (DUBOIS, Jean et al., 1993, p. 471). “Chama-se plurivalência à proprie-dade que possui uma unidade linguística (palavra ou frase) de poder receber várias interpretações, de possuir vários sentidos ou valores” (DUBOIS, Jean et al., 1993, p. 470). Em oposição a esses conceitos, o de univocidade remete para a ideia de atribui-ção de um único sentido para o signo.

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Bakhtin (2002) aponta o que ele considera falho nessa teoria. Na primeira crítica, é clara a objeção à escolha de Saussure pelo estudo do aspecto sincrônico em detrimento do aspecto diacrônico no estudo da língua. E à consideração da língua como sistema de normas. Vamos ler o que ele disse.

A compreensão que o indivíduo tem da língua não está orientado para a identificação de elementos nor-mativos do discurso, mas para a apreciação de sua nova qualidade contextual. (...) aquilo que constitui a descodificação da forma linguística não é o reconhe-cimento do sinal, mas a compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orien-tação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do imobilismo (p. 94).

Atividade IILendo o comentário de Bakhtin, você percebe a inclusão de alguns elementos que não são familiares ao Estruturalismo linguístico? Relacione os elementos que você percebe como estranhos a essa teoria. Você concorda com Bakhtin? Escreva expondo seu ponto de vista sobre a crítica do autor.

Quanto à afirmação do abstrato sobre o concreto, o autor defende que

“A enunciação monológica fechada constitui, de fato, uma abstração. A concretização da palavra só é possível com a inclusão dessa palavra no con-texto histórico real de sua realização primitiva. Na enunciação monológica isolada, os fios que ligam a palavra a toda a evolução histórica concreta fo-ram cortados” (p. 103).

Para entender essa crítica é preciso lembrar que Saussure dizia ser a língua concreta, mas essa concretude só existia na cabeça dos indi-víduos. Você está lembrado que os signos linguísticos são de ordem psíquica? Vamos retomar o que diz o próprio Saussure:

“Os signos linguísticos, embora sendo essencial-mente psíquicos, não são abstrações; as associa-ções, ratificadas pelo consentimento coletivo e cujo conjunto constitui a língua, são realidades que têm sua sede no cérebro” (1998, p. 23).

Vê-se que Bakhtin discorda totalmente da visão de língua de Saus-sure. Para Bakhtin, a língua é o que está em uso, é o que se vê, o que se fala, o que se ouve, e por estar em uso, está sujeita a todas as varia-ções e faz parte da vida social. Por isso que ele diz que o que Saussure chama de língua é uma abstração, pertence apenas a um indivíduo, é monológica.

A terceira crítica trata da abstração em relação ao histórico, e Bakhtin a justifica dizendo que

“A reflexão linguística de caráter formal-sistemático foi inevitavelmente coagida a adotar em relação às línguas vivas uma posição conservadora e aca-dêmica, isto é, a tratar a língua viva como se fosse algo acabado, o que implica uma atitude hostil em relação a todas as inovações linguísticas. A refle-xão linguística de caráter formal-sistemático é in-compatível com uma abordagem histórica e viva da língua” (p. 104).

Atividade IIIApós este terceiro comentário, você identifica qual o aspecto essencial que para Bakhtin determina o estudo de uma língua? Ao responder você poderá dizer que já conhece algo do posicionamento teórico de Bakhtin.

Na quarta crítica, Bakhtin já trata mais especificamente da língua, ao falar dos elementos em relação ao conjunto. Vamos entender isso lendo o comentário do próprio autor:

O trabalho de pesquisa reduz-se ao estudo das relações imanentes no interior do terreno da enun-ciação. Todos os problemas daquilo que se poderia chamar de “política externa” da enunciação ficam excluídos do campo da observação. (...) não há relação nem transição progressiva alguma entre as formas dos elementos constituintes da enunciação e as formas do todo no qual ele se insere (p. 103).

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Esse comentário é bastante rico, porque aqui Bakhtin diz muito sobre o método e as categorias de análise adotadas pela Linguística estrutural. Certamente você lembra das categorias que mostramos como sendo alvo da investigação dessa corrente linguística. Se não, o conselho é: retome essa unidade para “saber onde o galo está cantando”. Pois bem, Bakhtin critica justamente o estudo atomizado da língua, o estudo de seus elementos internos, morfemas, fonemas, o que se convencionou chamar de estudo “imanentista” da língua e que é muito criticado por-que considerado redutor.

Certamente ficam de fora desse estudo o que Bakhtin está cha-mando de “política externa”, o que resumimos aqui como o contexto maior em que todo enunciado se insere. Como exemplo, o autor cita o exemplo do estudo da sintaxe, dizendo que “existe um abismo entre a sintaxe e os problemas de composição do discurso” (BAKHTIN, 2002, p. 104). E mais adiante dá o exemplo notável do que não deve ser feito no estudo dos textos literários: “Se encerrarmos a obra literária na uni-cidade da língua como sistema, se a estudarmos como um monumento linguístico, destruiremos o acesso a suas forma como formas da litera-tura como um todo” (p. 105). É preciso que os professores de língua e literatura leiam Bakhtin.

A quinta crítica retoma algo do que já está exposto na anterior, ampliando-a agora para a realização concreta da língua, os diálogos, os discursos, as unidades, um romance literário, todas as manifestações do uso da língua que são desconsideradas pela análise estruturalista. Leia o que o autor diz a seguir:

“A forma linguística somente constitui um elemento abstratamente isolado do todo dinâmico da fala, da enunciação. (...) A enunciação como um todo não existe para a linguística. Consequentemente, apenas subsistem os elementos do sistema, isso é, as formas linguísticas isoladas. (...) (fonética, mor-fologia, etc.) que se desenvolvem independente-mente do sistema como um todo e sem qualquer referência à enunciação concreta”.

E que por isso são estáticas, porque não são analisadas no mo-mento em que tomam parte da “dinâmica da fala” que, para Bakhtin, é eminentemente social. Ele ainda diz que ao afirmar que o ato de fala é individual, o objetivismo abstrato está produzindo seu proton pseudos, sua “primeira mentira”.

Univocidade X polissemia. Agora é a vez da palavra. Bakhtin diz que

“O sentido da palavra é totalmente determinado pelo seu contexto. De fato, há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis. No entanto, nem por isso a palavra deixa de ser una. Ela não se desagrega em tantas palavras quantos forem os contextos nos quais ela pode se inserir” (p. 106).

Um exemplo para isso se encontra num trecho de Bakhtin em que ele fala da expressão da fome que pode ganhar matizes diferentes: de deprecação, de raiva, de lamento ou de indignação, o que dependerá da situação imediata em que foi expressa a sensação de fome, e da situação social do indivíduo que a expressou. De fato percebe-se que a palavra é a mesma enquanto forma linguística, mas que ela adquire significados diversos em função do momento em que for pronunciada.

São essas considerações que escaparam aos estruturalistas porque estavam muito preocupados em desvendar os meandros do sistema em si. Mas estando o sistema linguístico descrito, era necessário avançar o conhecimento da língua. Nesse sentido, Bakhtin foi um precursor. Muito do que ele disse ainda no segundo decênio do século vinte está sendo hoje amplamente demonstrado pelas correntes linguísticas da atualidade.

Com a sétima crítica, Bakhtin se posiciona mais uma vez contra a ideia da língua como um sistema pronto que resta ao falante assimilar para então fazer uso. Para Bakhtin,

“Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo con-tínuo. Os indivíduos não recebem a língua pron-ta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (p. 108).

Vamos dar uma paradinha em nossos comentários para que você exercite sua atitude reflexiva.

Atividade IVNessas considerações sobre a língua, é citado um elemento bastante importante para a Linguística atual e que foi ignorado na perspectiva estruturalista. Nós o citamos no início desta unidade, quando começamos a falar sobre os limites do modelo estruturalista. Se necessário, releia o primeiro parágrafo dessa parte. Tendo identificado esse elemento, o que você poderia dizer sobre seu papel em relação à língua nessa perspectiva bakhtiniana em contraposição à perspectiva estruturalista?

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Chegamos à última crítica bakhtiniana ao objetivismo abstrato. Aqui é claramente criticada a separação dicotômica sincronia/diacronia, e a primazia da primeira para a análise da língua. Para Bakhtin, a língua é dinâmica, não sendo possível estudá-la excluindo-a da história. “A língua é um fenômeno puramente histórico” (p. 109). Também está evidente a crítica ao social como o entende Saussure, porque para ele o social na língua se limita ao fato dela ser um código comum a todos os falantes de uma comunidade. Ao passo que Bakhtin só concebe a existência da língua a partir do social.

É importante ainda ao se confrontar teorias, levar em conta a defini-ção de termos próprios a cada uma delas. Saussure separa nitidamente, como vimos, a língua, o verdadeiro objeto da Linguística, da linguagem e da fala. Já Bakhtin não faz essa distinção, e muitas vezes, em seus escritos, esses termos aparecem como equivalentes. Mas teremos opor-tunidade de falar mais detidamente sobre Bakhtin mais adiante. Nesse momento, diante de todas essas constatações, só resta inferir que

O objetivismo abstrato, como vimos, não sabe ligar a existência da língua na sua abstrata dimensão sincrônica com sua evolução. (...) A língua, como sistema de formas que remetem a uma norma, não passa de uma abstração, que só pode ser demons-trada no plano teórico e prático do ponto de visa do deciframento de uma língua morta e do seu en-sino. Esse sistema não pode servir de base para a compreensão e explicação dos fatos linguísticos enquanto fatos vivos e em evolução. Ao contrário, ele nos distancia da realidade evolutiva e viva da língua e de suas funções sociais... (p. 108).

Podemos dizer que as críticas de Bakhtin aqui apresentadas são razoáveis quando se começa a analisar a língua de um outro ponto de vista. Na época em que as elaborou, Bakhtin estava certo ao afirmar que “A linguística estuda somente a relação existente entre os elementos dentro do sistema da língua, e não a relação existente entre o enun-ciado e a realidade...” (BAKHTIN, 2000, p. 346). Foi então o ponto de vista que mudou. E também a Linguística, alimentada por essas novas ideias que contradizem o que estava estabelecido.

Vamos ver o que se assinalou também em Chomsky que não res-pondia mais aos anseios de linguistas que queriam dotar o estudo da língua de um matiz mais funcional. Para isso, vamos à discussão a seguir.

Crítica à perspectiva chomskiana

Já que vínhamos falando do fator social, podemos começar dizendo que também Chomsky trabalhou com a língua isolada do social, das situações concretas de uso. O sujeito, embora apareça em sua teoria, mas aparece como um sujeito falante ideal, de uma língua ideal, longe do indivíduo real que fala sua língua e está condicionado por fatores sociais. E é sobre a intuição desse sujeito, a sua competência para distinguir as frases bem formadas na língua, que ele ergue sua teoria. Essa é uma crítica recorrente que se faz a Chomsky. Como também o fato de haver radicalizado a separação entre sistema e uso ao estabe-lecer a dicotomia competência/ performance, relegando esta última porque, sendo individual, não é de interesse para o estudo do sistema linguístico.

Vemos aqui, portanto, uma radicalização da dicotomia língua/fala, proposta por Saussure. Sendo assim não é difícil deduzir o que Chomsky considera então o objeto da Linguística. E certamente você já deduziu. Só que para Chomsky a língua é uma faculdade mental inata do indivíduo, é geneticamente constituída e portanto transmitida pela espécie. Nesse ponto vale a pena voltar à unidade anterior e reler o que dissemos lá sobre a teoria de Chomsky. Vale a pena também parar um pouco para inserir seu momento de reflexão.

Ao ler que para Chomsky a língua é transmitida geneticamente, você deve ter lembrado de alguma das críticas de Bakhtin a Saussure. Veja como é interessante esse movimento das ideias. Bakhtin evidente-mente não conhecia o trabalho de Chomsky quando publicou o Mar-xismo e filosofia da linguagem em 1929, obviamente. Mas como ele próprio diz em sua teoria, as ideias dialogam entre si, tanto com as que lhes antecederam, quanto com as que ainda estão por vir. Esse é um princípio básico para Bakhtin. Vamos falar dele mais adiante, como já prometido. Por ora, pedimos que você faça o exercício a seguir.

Atividade VVamos pedir agora algo muito simples em vista do que você já realizou. Pedimos que identifique qual das críticas de Bakhtin se aplicaria à ideia de transmissão genética da língua de Chomsky. Em seguida, explique o conceito de língua dos dois autores, que faz com que haja um embate entre as duas teorias.

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Continuando com Chomsky, verificamos que os críticos julgam sua teoria inadequada por ela não englobar aspectos que se consideram essenciais para o funcionamento da língua. Sem desmerecer a impor-tância de se observar a competência gramatical do falante, por exem-plo, é importante além disso verificar como e em que situações sociais o falante faz uso de sua competência. Isso já remete para uma outra questão que é a da heterogeneidade da língua, um fator hoje indis-cutível em qualquer vertente da linguística. E do modo como a veem Saussure e Chomsky, a língua seria um objeto homogêneo. Aliás, como você deve estar lembrado, para o primeiro essa é uma condição essen-cial para que a mesma seja tomada como objeto da Linguística.

Concluída a discussão sobre Chomsky, passamos agora ao nosso último exercício.

Atividade VIComo último exercício dessa unidade, pedimos que você sistematize o que foi criticado na Linguística estruturalista. Você pode fazer isso através de um levantamento das categorias criticadas, identificando o que no conceito de tais categorias foi suscetível de crítica.

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Para finalizar, apenas um pouco mais de discussão sobre os caminhos da linguística

A definição de um objeto formal foi necessário para firmar a Linguís-tica no cenário científico da época em que Saussure lançou as bases da nova ciência. E isso foi alcançado com êxito. Questões relativas aos processos evolutivos por que passaram as línguas, às diferenças entre elas, à estrutura morfo-fonológica, a descrição das línguas indígenas, o reconhecimento das estruturas sintáticas que são bem formadas e as que não são aceitas pelo falante da língua, todas essas e muitas outras questões foram eficazmente exploradas pela Linguística estruturalista que, seguindo esse caminho, tornava-se cada vez mais formal e menos humana e social.

Permanecendo nessa perspectiva, o modelo estruturalista não dava conta de aspectos que começavam a ser considerados pelos linguistas como fazendo parte intrinsecamente da língua. Porque a língua é muito mais complexa do que o que deixa transparecer em sua estrutura. E os linguistas começaram a ampliar seu campo de observação para além do próprio objeto linguístico, constatando que para analisá-la em uso faz-se necessário a consideração de fatores de natureza muito diversa. Assim, novos parâmetros começaram a ser estabelecidos para se com-preender esse objeto sempre em aberto, submetido às intempéries do tempo, do lugar, do contexto histórico em que está inserida. Também nesse sentido contribuições de outras ciências foram sendo agregadas à análise da língua. Lembremos do estruturalismo norte-americano em sua primeira fase que, apesar de adotar uma metodologia bastante formalista, já apontava um direcionamento da Linguística rumo à An-tropologia, porque seus teóricos já apontavam uma relação da língua com a cultura do povo que a falava. Ou seja, percebemos já a con-sideração de um elemento exterior para estudar a língua. O próprio Jakobson, como já sabemos, transitava por diversas áreas do saber, demonstrando uma interdisciplinaridade possível.

A Linguística então, já dava sinais de haver adquirido um grau de autonomia que a permitia dialogar com outras disciplinas, e esta vem sendo uma tendência que cada vez mais tem se firmado nos estudos da atualidade. Você terá oportunidade para constatar o que acaba de ser dito, continuando seu curso e observando os avanços da Linguística e seus efeitos, por exemplo, na prática de ensino. Na próxima unidade você já terá contato com uma corrente de estudos linguísticos, e seus maiores representantes teóricos, evidentemente, que se firmou após o “esgotamento” do modelo estruturalista, a Linguística Enunciativa.

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Leituras recomendadasBAKHTIN, Mikhail. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad. de M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo, Hucitec, (1986) (1929). ISBN 852710041X

Bakhtin é hoje reconhecidamente um teó-rico que figura entre os grandes nomes da Linguística. Indicamos sua leitura porque nele encontramos a crítica pertinente ao es-tudos estruturalistas da língua, nosso tema nessa unidade. Além disso, o conhecimen-to de suas ideias hoje é indispensável para quem ensina, estuda, gosta de discutir lín-

gua. Estaremos falando de Bakhtin em uma próxima unidade, como prometido, mas sua leitura nesse momento não seria vã, se é que existe tal leitura. Seria uma forma também de já conhecer o estilo de escrita do autor, que se distancia da tradicional escrita acadêmica.

CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

Já indicamos a leitura de Carboni na unidade anterior. Repetimos a recomendação aqui por sua linguagem fácil que faz a leitura fluir. Sua apresentação da teoria seguida de comentários favorece a compreensão dos temas discutidos. Não podemos deixar de levar em considera-

ção, claro, que ela faz uma introdução à Linguística.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

Essa é nossa indicação para a busca do aprofundamento teórico. Indicamos aqui especialmente o capítulo 5, em que a au-tora apresenta a recepção crítica à obra de Saussure, trazendo ao conhecimento do leitor o que disseram vários linguistas que concordaram ou se opuseram ao empreen-

dimento saussuriano. Mas o capítulo 8 é também elucidativo para a compreensão do que foi o formalismo. Vale a pena se aventurar em uma leitura desafiadora.

ResumoO modelo estruturalista para o estudo da língua esteve centrado sobre a concepção de código linguístico, e na descrição formal dos com-ponentes fonológicos, morfológicos, e posteriormente sintáticos, desse código, realizando a análise imanente da língua. Esse modelo, no en-tanto, começou a ser alvo de críticas por parte de linguistas que não mais viam a língua dissociada da realidade social em que ela estivesse inserida. Assim, noções como a de sujeito, contexto, situação de enun-ciação, começaram a fazer parte da ordem do dia das especulações linguísticas, e sinalizaram para um redirecionamento da Linguística em busca de um objeto que estivesse mais relacionado ao homem e à so-ciedade, seguindo pelo caminho do diálogo com outras disciplinas.

AutovaliaçãoEsse momento da autoavaliação foi planejado no sentido de ofere-

cer a você a oportunidade de avaliar seu desempenho quanto à apren-dizagem dos conceitos que lhe foram apresentados. É um momento também para fixar o que há de mais importante a ser retido.

Portanto, encerramos agora essa discussão querendo saber de você. Queremos ouvir sua palavra. O que você acha de todas essas mudanças no modo como a língua passa a ser vista pelos que propuseram um ponto de vista diferente do estruturalismo? Qual a sua opinião acerca desse processo? O que foi válido nesse percurso? O que merece ainda ser tratado com cautela? Pense e expresse sua opinião a seguir.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. (Trad. de Mª. E. Pereira). São Paulo: Martins Fontes, 2000.

BAKHTIN, Mikhail. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad. de M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo, Hucitec, (1986) (1929).

CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1993.

BENTES, Anna Christina & MUSSALIM, Fernanda (orgs.). Introdução à Linguística. Fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2007. Vol. III.

MARCUSCHI, Luis Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. (Trad. de Mª do Rosário Gregolin, Vanice Sargentini, Cleudemar Fernandes). Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1998 (1916).

A linguística da enunciação

A linguística da enunciação

VII UNIDADE

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Apresentação

Finalizamos a unidade anterior indicando uma nova perspectiva nos estudos linguísticos a partir da insuficiência da linguística estrutural para explicar certos fenômenos na língua que só poderiam ser explicados a partir do exterior.

Esse fato define uma nova fase da linguística, que passa então a ser marcada por uma diversidade muito grande de perspectivas de estudo da língua. Isso porque são vários os fatores que passam a ser levados em consideração para se analisar até mesmo um simples enunciado. Que pode até ser simples do ponto de vista estruturalista da língua, considerando-se sua forma. Mas e do ponto de vista de sua função? O que pode estar implicado num enunciado como “está chovendo” quando ele é considerado a partir do sujeito que o pronunciou, da cir-cunstância em que ele fez isso, a partir da pessoa a quem o enunciado foi dirigido? Até o modelo de comunicação proposto por Jakobson parece agora muito simplificado para responder questões tão variadas. Retomaremos Jakobson nesta unidade porque ele foi um precursor da linguística enunciativa. Também Bally, aluno de Sausssure.

A partir de agora só podemos dizer que um campo ainda mais vasto de observação da língua começa a se revelar. Temos certeza de que você só irá se beneficiar com tantas possibilidades de escolha para se posicionar em um ou outro ponto de vista e a partir dele começar a fazer suas próprias análises da língua. Mas para alcançar esse grau de conhecimento e autonomia, reafirmamos a necessidade de coopera-ção e empenho de sua parte.

Nesse sentido:

Leia com bastante atenção os textos;•

Estude sozinho primeiramente, para levantar os pontos que não •ficaram claros, para fazer suas observações, marcar o que lhe chama atenção naquela teoria;

Faça os exercícios. Mesmo para os que você achar difíceis escre-•va alguma coisa, é importante não deixar espaços em branco.

Após o estudo individual é importante a socialização. Conver-•sando com os outros colegas você vai se dar conta de questões que você não tinha percebido. Isso porque cada leitor seleciona uma direção para sua leitura.

Sempre que possível, recorra aos textos que indicamos como •referências. Essa atitude é necessária para um maior aprofun-damento dos conhecimentos adquiridos nas unidades.

E o que é muito importante: não guarde dúvidas. Recorra ao •professor tutor até que elas sejam suficientemente esclarecidas.

Adotando esses procedimentos, temos certeza de que você fará bom uso do tempo dedicado aos estudos. Só temos a lhe desejar muito sucesso e o alcance dos objetivos que estabelecemos a seguir, a partir dessa nova fase de ampliação do campo de estudo da linguística.

ObjetivosEsperamos que você:

Apreenda as bases teóricas sobre as quais se firmou a Linguís-•tica da Enunciação;

Defina a língua na abordagem enunciativa;•

Reflita sobre a metodologia da Linguística da Enunciação;•

Apreenda as categorias linguísticas abordadas nos estudos •enunciativos;

Compreenda a importância desses estudos enunciativos para •as perspectivas contemporâneas de estudo da língua.

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A linguística da enunciação

Começamos esse texto pelo título da unidade: A linguística da enunciação. E destacamos um termo novo que até então não havia sido empregado, enunciação. E isso por uma razão muito simples: até agora estivemos lidando com a perspectiva estruturalista. E a unidade de análise nessa perspectiva não vai além da consideração da frase em seus aspectos formais, a partir de um modelo de análise descritivo ou explicativo.

Outra é a direção dos estudos que seguem a vertente funcionalista, em que se enquadra a linguística da enunciação. Seu objeto de análi-se passa a ser considerado a língua em uso. E nós sabemos que nem sempre quando usamos a língua o fazemos através de frases completas e bem formadas. Portanto, fez-se necessário adotar um outro conceito para definir a unidade de análise numa perspectiva enunciativa. Essa unidade passou a ser o enunciado. O enunciado concreto, realizado em situações concretas por pessoas que estão interagindo através da lín-gua. E que portanto, o que dizem está sujeito a condicionantes sociais, culturais, históricos. Em última instância, esses fatores são preponderan-tes para que os falantes digam o que dizem de determinada maneira em particular, e não de outra. Porque a língua é sobretudo um fenômeno social, resultado de uma atividade de construção sócio-histórica realiza-da pelos falantes. Nesse sentido ela é um objeto concreto.

Fica evidente que para analisar a língua sob tal perspectiva, os con-ceitos de morfema, fonema, ou de frases bem formadas segundo uma gramática ideal não ajudam muito. Assim, os linguistas foram lançando mão de outras categorias para a análise da língua. Detalharemos essas categorias com o desenrolar da unidade.

Por ora, propomos a você que sistematize as diferenças que expu-semos entre o modo estruturalista e enunciativo de analisar a língua. Para isso vamos ajudá-lo, fornecendo os itens relativos ao estrutura-lismo e então você explicita os que, por oposição, dizem respeito ao funcionalismo.

São preceitos da linguística estrutural a consideração do código em sua imanência, independente de qualquer fator que diga respeito à exterioridade da língua; a consideração das línguas como potencial-mente iguais, assentadas em uma estrutura comum; a adoção da nor-ma como equivalendo ao uso da língua; a adoção da homogeneidade como característica do código e da comunidade linguística.

Agora é sua vez.

Atividade IA partir do resumo que fizemos acima para a identificação de pressupostos estruturalistas, você deve identificar como são considerados esses mesmos pressupostos, agora pela linguística enunciativa.

Pressupostos básicos da linguística da enunciação

Trouxemos para esse momento a explicação do termo enunciação, com que iniciamos essa unidade. E expandimos para a explicitação de seu correlato enunciado. Essas são duas noções básicas para se enten-der a linguística enunciativa.

Partindo de nosso conhecimento geral de falantes/ouvintes de lín-gua portuguesa, bem como do conhecimento adquirido em nossas uni-dades de português, podemos dizer que reconhecemos em “Hoje está chovendo”, uma frase bem formada na língua portuguesa.

Mas se pensarmos num momento de produção para essa frase, num falante que a pronunciou numa situação específica, vamos dizer que estamos diante de um enunciado para o que antes chamaríamos uma frase da língua. E assim, cada vez que outro falante pronuncia essa mesma estrutura formal, está produzindo um novo enunciado. O mesmo falante está também produzindo enunciados diferentes a cada momento que repete a estrutura formal. Esse é um tema caro aos es-tudos enunciativos: a forma é repetível, mas o enunciado jamais se repete. É sempre um novo enunciado a cada vez que é produzido.

Você está percebendo que não estamos tratando aqui apenas de uma troca de termos? Lembre-se disso: os termos que utilizo para falar de determinado objeto definem de que ponto de vista eu estou falando desse objeto. Assim, cada vertente teórica constrói seus conceitos e os termos que são empregados para isso passam a identificar a teoria.

Em se tratando da linguística da enunciação, ao lado do termo enunciado, com ele formando um par, tem-se o termo enunciação que dá o título à vertente linguística. Koch (1995, p. 14) define o conceito de enunciação como sendo “o evento único e jamais repetido de pro-dução do enunciado”.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Para exemplificar como pode ser entendido o termo enunciado, a au-tora procede de maneira semelhante a Bakhtin, como vimos na unidade anterior, ao demonstrar seu conceito de língua através dos vários matizes que a sensação da fome poderia adquirir quando expressa por palavras. A teoria de Bakhtin é um dos pilares da linguística da enunciação.

Koch (1995, p. 14) recorre ao exemplo de um enunciado simples:

“Tomemos um exemplo. O enunciado ‘O dia está bonito’, em diversas situações de enunciação, pode ter sentidos bastante diferentes: pode tratar-se de uma asserção (uma simples constatação), de uma pergunta (O dia está bonito?), de uma demonstra-ção de surpresa (O dia está bonito!)...”

E assim continua, levantando outras situações passíveis de corres-ponder à situação de produção do enunciado O dia está bonito, para então concluir que:

“a par daquilo que efetivamente é dito, há o modo como o que se diz é dito: a enunciação deixa no enunciado marcas que indicam (‘mostram’) a que título o enunciado é proferido” (Idem, Ibidem).

Chegou o seu momento. O momento de exercício criativo e reflexivo.

Atividade II

Pense em um enunciado e crie para ele duas situações de enunciação, de modo que o resultado sejam dois enunciados diferentes. Descreva os elementos que você utilizou para fazer parte da enunciação.

Outros conceitos formam os fundamentos da linguística enunciati-va. Vamos retomar a citação acima de Koch (1995, p. 14), porque ela nos revela uma noção recorrente nos estudos de cunho enunciativo. Interessa-nos sobretudo o seguinte trecho: “a enunciação deixa no enunciado marcas que indicam (‘mostram’) a que título o enunciado é proferido”.

A palavra “marcas” está em itálico e não é à toa. Ela aparece bas-tante nos trabalhos filiados a essa vertente linguística. Flores e Teixeira (2008, p. 11) dizem que “as teorias da enunciação estudam as marcas

do sujeito no enunciado...” e mais à frente, página 12, “As marcas de enunciação no enunciado têm a especificidade de remeter à instância em que os enunciados são produzidos, fazendo irromper o sujeito da enunciação”.

Esse é um tema central para a linguística da enunciação: o sujeito. Essa categoria que esteve ausente nos estudos estruturalistas passa a ocupar agora uma posição central nos estudos enunciativos. Saussure não se interessava pelo sujeito, estava ocupado com o objeto enquanto sistema formal, absoluto. Também para Chomsky a categoria do su-jeito, entidade mental, não tem importância para sua teoria. De forma que falamos em apagamento do sujeito no estruturalismo.

Assim, será uma reviravolta nos estudos linguísticos a aparição do sujeito. E será Benveniste o teórico fundador da enunciação, que vai colocar em cena a questão do sujeito, da subjetividade, da intersubjeti-vidade. Trataremos de explicitar os pontos fundamentais de sua teoria na próxima unidade. Mas antecipamos o novo direcionamento que ele imprimiu aos estudos linguísticos a partir do momento em que cha-mou a atenção para aquele que produz a linguagem. Esse fato resultou numa maior amplitude dos rumos na investigação sobre os fatos rela-tivos ao uso da língua. Veja que se define uma nova linguística. Agora da enunciação, não mais da “língua”. Flores e Teixeira (2008, p. 12) afirmam que com o conceito de enunciação “consolida-se o estudo que busca evidenciar as relações da língua não apenas como sistema combinatório, mas como linguagem assumida por um sujeito”.

Note o emprego da palavra linguagem. Esta vai agora também ter espaço garantido. Você deve lembrar que para Saussure a linguagem se apresentava por demais heterogênea. Já sabemos no que resultou tal constatação. Então, a linguagem, que também ficou de fora do es-truturalismo, igualmente será resgatada pela teoria da enunciação.

A partir da consideração desses elementos, define-se então o obje-to da linguística como essencialmente heterogêneo, e naturalmente fa-tores de diversas ordens vão fazer parte dele, como as irregularidades, os inesperados, as subversões etc.

Agora é sua vez. É preciso retomar esses novos conceitos para tê-los fixados como conteúdos aprendidos. E para fixá-los, propomos a resolução da atividade a seguir.

Atividade IIIIdentifique em que categoria especialmente a linguística da enunciação se fundamenta e que a diferencia essencialmente do estruturalismo. E claro, justifique.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Precursores da enunciaçãoCharles Ballly, o fundador de uma nova estilística1

Bally foi aluno de Saussure e um dos organizadores do seu Curso de Linguística Geral. E embora sendo seguidor de muitos dos postu-lados do mestre, elaborou suas próprias reflexões, tendo antecipado ideias que foram mais tarde abarcadas pela linguística da enunciação. Por isso, é considerado um pioneiro nessa perspectiva de abordagem da língua.

No prefácio que fez para o Curso de Linguística Geral, ao justificar suas lacunas, já antecipa sua visão sobre temas que ele julga importan-tes para fazerem parte de um programa de linguística,

Ele diz: “A ausência de uma ‘Linguística da fala’ é mais sensível. Prometida aos ouvintes do terceiro curso, esse estudo teria tido, sem dúvida, lugar de honra nos seguintes”; (SAUSSURE, 1988, p. 4)

Pela importância que credita ao estudo da fala, já percebemos um direcionamento no sentido de autonomia no percurso teórico de Bally, ao colocá-la numa posição de destaque, sobretudo se pensamos na dicotomia língua/fala proposta por Saussure. Esse já é um ponto que o indica como precursor da linguística da enunciação. O ponto de vista sobre a fala como o lugar legítimo para observação do funcionamento da língua. O que ele deixa claro ao definir esta última:

“[...] se a língua é o acervo dos signos e das rela-ções entre os signos, enquanto todos os indivíduos lhes atribuem os mesmos valores, a fala é o fun-cionamento desses signos e de suas relações para expressar o pensamento individual: é a língua em ação, a língua realizada” (AUROUX, apud FLORES e TEIXEIRA, 2008, p. 17).

Tomando sua definição de Estilística como sendo o “Estudo dos fatos de expressão da linguagem organizada do ponto de vista de seu conteúdo afetivo”, e somando a parte de sua definição de língua como ação, realização, podemos claramente deduzir que em sua visão de língua está inserida a questão da subjetividade. Claramente temos um sujeito aí que, para expressar em situações concretas de fala sua afeti-vidade, mobiliza os recursos que a língua lhe oferece.

Em se tratando de recursos linguísticos, é notável a ênfase que o au-tor dá à observação de todo e qualquer aspecto empregado pelo usuário da língua que possa revelar a singularidade desse uso. Isso fica explícito quando lemos, por exemplo, o que ele diz a seguir sobre a estilística:

“a estilística abarca toda a linguagem. Todos os fenômenos linguísticos, desde os sons até as com-binações sintáticas mais complexas podem revelar algum caráter fundamental da língua estudada” (BALLY, apud FLORES e TEIXEIRA, 2008, p. 16).

A partir de um torneio de ideias dedutivas, Flores e Teixeira (2008, p. 16) introduzem os conceitos de enunciado e enunciação na estilística de Bally. Veja como os autores sintetizam as ideias de Bally:

“O autor parte de um princípio: a linguagem é apta a expressar sentimentos e pensamentos, e é próprio da estilística estudar a expressão dos sentimentos. Isso significa que a estilística deve se preocupar com a presença da enunciação no enunciado e não apenas com o enunciado propriamente dito”.

Outros comentários de Flores e Teixeira (2008, p. 16) dão conta do pioneirismo de Bally. Vale a pena conferir o que os autores dizem:

“Bally distingue, ainda, os efeitos naturais e os efeitos de evocação do meio para diferenciar a informação sobre os sentimentos experenciados pelo locutor – normalmente, marcados na escolha lexical – daquela sobre o seu meio linguístico, ou seja, certas palavras e/ou construções sintáticas que podem ser percebidas como identificadoras do meio no qual são mais frequentes. Em ambos, há formas semelhantes de expressão do pensamento, mas distinta expressividade afetiva”.

“A estilística desse autor é um estudo que busca, na investigação dos processos linguísticos por meio dos quais o falante se expressa, dar conta do cará-ter coletivo da expressividade linguística”.

Desses comentários retemos a noção de que há expressões que são específicas a determinados meios, e que portanto os identificam, e ain-da a ideia de que a expressão do falante tem caráter coletivo. Essas são noções que vão ganhar uma dimensão tamanha na linguística, a ponto de se definir uma linha de estudos apenas para analisar essa relação entre os fatos da língua e o social. Certamente trataremos dessa linguís-tica e no momento, automaticamente, você se lembrará de Bally.

Nesse momento agora, encerramos nossa apresentação do teórico para falar de um outro não menos importante. Mas antes temos um convite.

1 “CH. BALLY definiu deste modo a estilís-tica: ‘Estudo dos fatos de expressão da lin-guagem organizada do ponto de vista de seu conteúdo afetivo, isto é, expressão dos fatos da sensibilidade pela linguagem e ação dos fatos de linguagem sobre a sensibilidade” (DUBOIS et al. 1993, p. 237).

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Atividade IVNós achamos que ficou suficientemente justificada a presença de Bally numa unidade sobre linguística da enunciação. Você pode dizer em que nos ancoramos para poder afirmar isso? Sua resposta deve explicitar em que medida as ideias de Bally podem ser aproveitadas para, por exemplo, fundamentar uma análise da língua numa perspectiva enunciativa. Bom trabalho!

Roman Jakobson, o linguista da comunicação

A partir de agora vamos identificar as bases teóricas sobre as quais se firmaram os fundamentos da linguística enunciativa. Começaremos pelo nosso já conhecido teórico da comunicação, Roman Jakobson

Para fazermos a ligação entre Jakobson e a linguística enunciativa seguiremos pela via de sua teoria da comunicação. Já falamos dessa teoria anteriormente, mas veremos agora o motivo de sua importância para a linguística da enunciação.

Sabemos que Jakobson era um seguidor das teses estruturalistas, mas sabemos também que delas se distanciou ao introduzir o caráter funcional ao conceito de língua. É nesse ponto que o aproximamos da linguística enunciativa. Porque para falar das funções da linguagem ele introduz o conceito de sujeito emissor de uma mensagem. Nesse mo-mento já se pode considerar que o sujeito está ocupando um lugar na língua. Vejamos como se deu isso através das próprias palavras do autor, ao falar sobre seu modelo da comunicação. Jakobson (s/d 123) diz:

“Para se ter uma ideia geral dessas funções, é mis-ter uma perspectiva sumária dos fatores constitu-tivos de todo processo linguístico, de todo ato de comunicação verbal. O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Par ser eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se re-fere (ou “referente”, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja

verbal ou suscetível de verbalização; um CÓDIGO total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um CONTATO, um canal físico e uma conexão psi-cológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. Todos estes fatores inalienavelmente envolvidos na comunicação verbal podem ser es-quematizados como segue:

CONTEXTO

REMETENTE MENSAGEM DESTINATÁRIO

..................................

CONTACTO

CÓDIGO”

Correspondendo a cada um desses elementos, temos uma função predominante da linguagem. Veja que o termo linguagem vai ser muito mais empregado quando se está inserido nessa teoria, do que língua.

Flores e Teixeira (2008, p. 23) apresentam recursos linguísticos que são comumente empregados para se enfatizar uma determinada fun-ção: “a) função emotiva (as interjeições são o estrato puramente emotivo da linguagem); função conativa (expressa no vocativo e no imperativo); c) função referencial (quando se tem a criação de contextos comuns mediante a representação, serve para transmitir uma informação sobre o contexto); d) função fática (trocas linguísticas por meio de fórmulas ritualizadas: ‘Alô, está me ouvindo?’); e) função metalinguística (glosas como ‘não estou compreendendo – que quer dizer?’); f) função poética (aquela em que a mensagem se volta para si mesma)”

Naturalmente esse modelo recebeu críticas. Ele supõe uma comu-nicação homogênea, direta e sem percalços. O código aparece como um elemento exterior, ao lado do contexto e do canal. Aqui, vale res-saltar, permanece a concepção estruturalista de língua como código. Não são considerados elementos como cultura, contexto, situação de comunicação.

Mas o importante das formulações de Jakobson para a perspecti-va enunciativa, é que aparece aqui o sujeito. Um sujeito que mantêm relações com um destinatário, que imprime um real sobre o elemento da comunicação, e a função da linguagem, que deseja priorizar. Um sujeito que fala e que está envolvido nessa atividade. É justamente no reconhecimento das marcas que o sujeito reproduz no enunciado que consiste o objetivo do trabalho do linguista.

Que tal exercitarmos o que foi aprendido sobre Jakobson e a rela-ção entre seus conceitos e a linguística enunciativa?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Atividade VVocê já conhece o modelo de comunicação de Jakobson, já conhece suas falhas. Mas também já conhece suas virtudes. O que propomos para você é que analise o enunciado a seguir do ponto de vista da teoria de Jakobson e em seguida teça as considerações que seriam pertinentes às contribuições da linguística da enunciação que aprimorariam sua análise.

Este é um exercício básico para quem estuda língua. Tomar um objeto para análise, utilizando para isso uma teoria condizente. Mãos à obra!

Enunciado:

Eu quero que você preste atenção no que digo agora!•

Concluindo nossos estudos, podemos dizer que alcançamos o obje-tivo proposto de fazê-lo conhecer as bases teóricas que dão sustentação à construção da teoria enunciativa. Apresentamos a você dois grandes nomes que estão nessa base, Charles Bally e Roman Jakobson.

Bally não é um teórico muito citado em trabalhos atuais, exceto no campo da Estilística, em que realmente ele figura merecidamente como alguém que inaugurou um novo percurso para a disciplina. Portanto, deixamos aqui como sugestão pra você, fazer suas próprias leituras sobre Bally. Certamente você deverá encontrar temas interessantes a discutir.

Quanto a Jakobson, lembramos que foi um escritor muito profícuo. Qualquer manual de linguística vai se referir a sua capacidade de tran-sitar em diversas teorias, realizando uma verdadeira interdisciplinarida-de. Portanto, insistimos mais uma vez na necessidade de mais leituras, o máximo que você puder fazer, porque ainda há muito para descobrir. E veja que a partir de agora a linguística abre um leque de possibilidades inimagináveis de pesquisas em torno da língua.

Nesse sentido, oferecemos a você no momento uma bibliografia básica. Mas através dela, você chega à bibliografia que é apresentada no final de cada livro, e aí você tem uma quantidade de indicações de autores suficiente para aprofundar seu conhecimentos. Já demos a dica. Agora é com você.

Leituras recomendadasFLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

Como o próprio título indica, o livro é uma introdução. Portanto, é bastante útil para quem vai se iniciar nos conceitos, no modo de abordagem de uma teoria. É um livro bastante didático. Para ter uma ideia, ele traz uma parte em que apresenta sob forma de questões e respostas os temas básicos da teoria, bem como apresenta uma cronolo-

gia dos estudos enunciativos. Você também encontrará nele a apre-sentação de outros teóricos que trabalham nessa perspectiva.

JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes São Paulo: Cultrix, s/d.

Recomendamos a leitura de Linguística e Comunicação por dois motivos: um diz respeito ao que já falamos sobre a importância de descobrir o autor lendo ele mesmo. O outro é que nesse livro você constata a capacidade de Jakob-son de “passear” por diversos campos de conhecimento. Você vai sentir como é prazeroso o contato com a escrita do

autor, como ele expõe seu ponto de vista sobre temas tão variados e com bastante propriedade, o que é preciso salientar.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

Este então é o livro indicado para o apro-fundamento, mas podemos dizer que ele completa o anterior. O ideal portanto é ler o primeiro e aqui você terá os temas com mais detalhamento. Na verdade esses dois

autores já vem nos acompanhando e vão nos acompanhar ainda. São leituras essenciais para seguir um curso de linguística.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Resumo

A linguística da enunciação se firma sobre uma necessidade que os es-tudiosos sentiam de observar a língua/linguagem não só como código, o sistema formal do modelo estruturalista, mas como o resultado que aparece quando alguém faz uso da língua. Sob esse novo prisma há necessidade de se fazer em análise linguística, não só análise das rela-ções internas da língua, mas da sua relação com o que lhe é exterior. Nesse sentido, autores dentro do próprio estruturalismo já sinalizavam suas limitações. Entre eles, tratamos aqui de apresentar Bally e Jakob-son que apontaram o sujeito, suas intenções, a situação de produção dos enunciados, como elementos inerentes à atividade de fala, à situ-ação de enunciação. E justamente a fala, renegada por sua heteroge-neidade, que passa a ser vista como lugar ideal para a realização e, portanto, para observação da língua.

AutovaliaçãoTivemos a pretensão de iniciar você numa nova perspectiva de

observação dos fatos ligados ao uso da língua. Diante disso, nossa proposta de autoavaliação é para que você reflita sobre os conceitos apreendidos nesta unidade. Para isso, leia o que dizem Flores e Teixeira (2008, p. 108):

“o ponto de vista da enunciação busca ancoragem em uma concepção de ciência menos comprome-tida com a ideia de repetição e mais aberta à irre-petibilidade do uso da língua”.

Agora, expresse por escrito o que você entende por uma concepção de língua segunda uma abordagem enunciativa; e de uma metodologia de análise da língua na perspectiva da Linguística da Enunciação. Lembre-se de que você poderá compartilhar sua autoavalição no ambiente virtual, com seus colegas e seu professor. Portanto, faça bom uso dessa ferramenta.

Referências

CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1993.

FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

FLORES, Valdir do Nascimento et al. (org.). Dicionário de linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.

JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes São Paulo: Cultrix, s/d.

KOCH, I.G. VILLAÇA. A inter-ação pela linguagem., São Paulo: Contexto, 1995.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1988 (1916).

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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VIII UNIDADE

A enunciação na perspectiva de Benveniste

A enunciação na perspectiva de Benveniste

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Apresentação

Podemos dizer que nesta unidade damos prosseguimento ao tema tratado na unidade anterior, que é a linguística da enunciação. Mas vamos fazer isso especificamente através dos estudos do teórico francês Émile Benveniste sobre a lín-gua. Neste momento, você pode se perguntar: por que va-mos falar de um autor em especial se o que estava em foco é toda uma teoria? A resposta é que, assim como Saussure e Chomsky, Benveniste também é considerado um divisor de águas na linguística. Foram seus trabalhos sobre a sub-jetividade que abriram espaço para o desenvolvimento de uma ampla gama de estudos que se abrigou sob a capa da linguística da enunciação. E assim penetraram no domínio do estudo científico da língua.

Portanto, Benveniste é um teórico que merece toda nos-sa atenção. Por isso, a partir de agora vamos estudar sua teoria, conhecer seus conceitos fundamentais que determi-naram o estabelecimento de uma perspectiva de estudo da língua para além do sistema linguístico. Suas reflexões te-óricas são de tal maneira relevantes que continuam a ser atualizadas em muitos trabalhos de linguistas da atualidade. Nesses trabalhos se percebe a filiação teórica de seus au-tores aos pressupostos teóricos lançados por ele nos anos 1950 -1960.

Certamente você está lembrado do conceito de enun-ciação que foi mostrado na unidade anterior. Se não estiver bem lembrado, reveja esse conceito. Aliás, releia e estude os pontos principais da unidade anterior. Não adiante seus estudos sem tê-la compreendido bem. Ela é importante para que a leitura desta unidade prossiga com bastante fluidez.

Desejamos a você uma boa leitura e um bom proveito dos conhecimentos que serão adquiridos.

Objetivos

Com esta unidade, esperamos que você:

Reconheça a importância da perspectiva enunciativa no desen-•volvimento dos estudos linguísticos;

Reconheça o pioneirismo de Émile Benveniste como linguista •fundador da teoria enunciativa;

Compreenda os conceitos básicos da teoria de Benveniste, •como o de enunciação, de subjetividade da linguagem, de lín-gua enquanto aparelho formal da enunciação;

Reconheça uma análise enunciativa da língua a partir da identi-•ficação das categorias enunciativas exploradas na análise.

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A introdução da enunciação na linguística

Para falar da entrada da enunciação no cenário dos estudos linguís-ticos, é importante lembrar que o estruturalismo, dominante na época, assentava-se na ideia de língua como sistema de signos, analisável em função de suas relações internas que definiam as leis de organização desse sistema. Dessa forma, a opção pela língua se deu em função de um caráter de objetividade necessária para que o estudo do objeto linguístico fosse reconhecido pelo seu grau de cientificidade. Nesse as-pecto, Benveniste reconhecia a importância dos trabalhos de Saussure para a Linguística do século XX. Reconhecia a necessidade de se definir a língua como sistema formal que pode ser analisada em níveis.

Já que falamos em Saussure, propomos fazer uma pausa antes de prosseguirmos. Mas essa pausa não deve ficar esvaziada. E então pedi-mos a você que a preencha. Esse será seu primeiro exercício.

Atividade IJá que falamos da língua como o lugar da objetividade para Saussure, relembre as ideias do autor para o que significa ser a fala, considerando o par dicotômico. Registre essas ideias nas linhas abaixo.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Você deve ter respondido que Saussure dicotomiza a relação fala/escrita, relegando à fala tudo o que é assistemático, heterogêneo, por-que ela é de ordem individual. A fala seria o domínio do falante, com todas as suas idiossincrasias. Assim, a língua em sua imanência é que ganhou o status de objeto da linguística. Vimos que essa ideia se man-teve por muito tempo predominando nos estudos linguísticos.

Voltando a Benveniste, dissemos anteriormente que ele não se opõe à ideia de língua de Saussure, mas também não é um estruturalista dogmático. E então propõe uma perspectiva inovadora de investiga-ção dos fenômenos linguísticos, porque associa teses do estruturalismo a uma perspectiva subjetiva da língua. Benveniste mostra ser possível uma análise da língua para além de seus traços formais, mostra que a língua pode ser analisada também levando-se em conta os fenômenos da enunciação. Certamente essa nova proposta se dava em sentido contrário ao que propunham os primeiros estruturalistas. Mas era tam-bém um sinal do que já falamos sobre o esgotamento do modelo estru-turalista. E a enunciação então entra definitivamente no domínio da lin-guística. Assim, vamos estudar nesta unidade os pressupostos teóricos principais de Benveniste que definem esse novo olhar sobre a língua. Para isso vamos apresentar o máximo possível, as próprias palavras do autor, através de seus Problemas de Linguística Geral I e II. Comecemos pelo seu conceito fundamental de enunciação.

A enunciação em BenvenisteComeçamos pela definição canônica de enunciação como a con-

cebe Benveniste:

“A enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (1989, p. 82).

Vamos pensar nesta definição de enunciação que envolve o concei-to de língua. Primeiramente Benveniste diz que através da enunciação é que surge a possibilidade de funcionamento da língua. A língua portan-to, está atrelada a uma função. Jakobson já antecipara esse fato. Mas e quanto à língua? Você percebe o deslocamento que se opera nessa definição, se tomamos seu conceito clássico como sistema de signos? A língua em Benveniste é um sistema que se atualiza no momento em que é posta para funcionar. E o que é necessário para a ativação da língua? Vamos ao que falta da definição: o “ato individual de utilização”. Para a língua funcionar é preciso alguém que o faça. É preciso um sujeito. Vamos tratar desse sujeito mais adiante para pensar nesse momento um pouco mais sobre a língua e a enunciação.

1 Resumindo: Na perspectiva de Benveniste, a Semiótica está para o intralinguístico, enquanto a Semântica está para o extralin-guístico.

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Mais adiante, Benveniste (1989, p. 82) diz que:

“A enunciação supõe a conversão individual da língua em discurso”.

E agora, o que aparece de novo que precisamos entender? O ter-mo discurso. O que seria então esse discurso que se engendra a partir da língua? Para responder a essa questão precisamos seguir a sequên-cia do raciocínio de Benveniste. E para isso vamos utilizar suas próprias palavras. Ele retoma a ideia de língua de Saussure que você já sistema-tizou anteriormente. Vamos ler o que diz Benveniste (1989, p. 229):

“Instauramos na língua uma divisão fundamental, em tudo diferente daquela que Saussure tentou instaurar entre língua e fala. Parece-nos que se deve traçar, através da língua inteira, uma linha que dis-tingue duas espécies e dois domínios do sentido e da forma (...)”

Com esta afirmação, Benveniste propõe uma nova divisão para a análise da língua segundo dois níveis que vamos explicitar abaixo: um é o nível da semiótica e o outro é o nível da semântica1.

Para esclarecer o que entende pela função da língua no nível semi-ótico, Benveniste (1989, p. 227) explica:

“Tudo o que é do domínio do semiótico tem por critério necessário e suficiente que se possa identificá-lo no interior e no uso da língua. Cada signo entra numa rede de relações e de oposições com os outros signos que os definem, que o delimitam no interior da língua. Quem diz ‘semiótico’ diz ‘intralinguístico”.

Para identificar o que está inserido no domínio da semântica, o autor esclarece que:

“A noção de semântica nos introduz no domínio da língua em em-prego e em ação; vemos desta vez na língua sua função mediadora entre o homem e o homem, entre o homem e o mundo, entre o espírito e as coisas, transmitindo a informação, comunicando a ex-periência, impondo a adesão, suscitando a resposta, implorando, constrangendo; em resumo, organizando toda a vida dos homens”.

Releia a proposta de Benveniste para a diferenciação dos dois ní-veis de observação da língua e responda as questões a seguir. Assim você estará refletindo sobre o que está lendo e, consequentemente, apreendendo os novos conceitos que estão sendo apresentados nesta unidade.

Atividade II

1) Fazendo um paralelo com a dicotomia língua/fala de Saussure, onde você identificaria o lugar da língua e o lugar da fala na proposta de Benveniste?

2) Explique por que você identificou esses lugares.

3) Levando em consideração a definição de enunciação, ela está para a semiótica ou para a semântica? Por quê?

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Um resumo da questão envolvendo a semiótica e a semântica está bem formulado no seguinte trecho:

“Eis aí verdadeiramente dois universos diferentes, embora abarquem a mesma realidade, e possibili-tem duas linguísticas diferentes, embora os seus ca-minhos se cruzem a todo instante. Há de um lado a língua, conjunto de signos formais, destacados pelos procedimentos rigorosos, escalonados por classes, combinados em estruturas e em sistemas; de outro, a manifestação da língua na comunica-ção viva” (BENVENISTE,1995, p. 39)

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Com esse comentário, Benveniste deixa claro que não há separa-ção estrita entre língua e fala. Pela enunciação essas duas realidades se combinam, são constitutivas uma da outra, tendo em vista que pela definição de enunciação, enunciar significa transformar a língua em frases no ato de comunicação.

Propomos ainda mais uma questão sobre a semântica de Benveniste.

Atividade IIISe necessário releia mais uma vez o que foi dito anteriormente sobre a semântica. Chama nossa atenção o que está escrito sobre usar a linguagem com diversas finalidades. O que se pode dizer sobre isso em comparação ao que Jakobson estabeleceu para as funções da linguagem?

Continuando com a reflexão sobre a semântica, Benveniste diz: “Ora, a expressão semântica por excelência é a frase” (1989, p. 229). E mais adiante, na página 231:

“A frase é então cada vez um acontecimento diferente; ela não existe senão no instante em que é proferida se apaga neste ins-tante; é um acontecimento que desaparece”.

Pelo que lemos acima, pela definição de enunciação que apresen-tamos na unidade anterior, percebemos que a noção de enunciação para Benveniste se concretiza na frase. Você deve lembrar de que a frase também era a unidade máxima de análise do gerativismo. Nesse ponto requisitamos sua contribuição para a nossa unidade realizando a atividade a seguir, tendo em vista o que você já aprendeu de teoria linguística. Se preciso, volte à unidade 5 Outros estruturalismos, para responder a atividade a seguir:

Atividade IVNesse momento pedimos a você que explicite em que se diferencia o conceito de frase proposto por Benveniste em relação ao conceito empregado por Chomsky.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

E então continuemos com a frase:

“A frase, criação indefinida, variedade sem limite, é a pró-pria vida da linguagem em ação. Concluímos que se deixa com a frase o domínio da língua como sistema de signos e se entra num outro universo, o da língua como instrumento de comunica-ção, cuja expressão é o discurso.

(...)

A frase pertence bem ao discurso. É por aí mesmo que se pode defini-la: a frase é a unidade do discurso” (BENVENISTE, 1995, p.39).

E para finalizar essa parte da unidade sobre a língua em sua rela-ção com a enunciação, propomos o exercício a seguir:

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Atividade VFinalmente, você pode explicitar o que Benveniste considera discurso?

A enunciação implica a subjetividade

Retomamos agora o tema da subjetividade que deixamos em sus-penso no início desta unidade. Antes, porém, vamos apresentar uma definição importante que Benveniste estabelece para a linguagem, en-globando aí o conceito de língua. Essa definição é importante porque, ao propor uma teoria em que estão conjugados estrutura e sujeito, o autor vai demonstrar como se opera a subjetividade através da lingua-gem, especificando duas realidades distintas, mas concatenadas, a do sistema e a do uso da língua. Veja então o que ele diz:

“O hábito nos torna facilmente insensíveis a essa diferença profunda entre a linguagem como siste-ma se signos e a linguagem assumida como exercí-cio pelo indivíduo. Quando o indivíduo se apropria dela, a linguagem se torna em instâncias de discur-so, caracterizadas por esse sistema de referências internas cuja chave é eu, e que define o indivíduo pela construção linguística particular de que ele se serve quando se enuncia como locutor” (BENVE-NISTE, 1995, p. 281).

Benveniste faz claramente referência, neste comentário, à enuncia-ção. É através dela que se estabelece a subjetividade. Por isso, vamos retomar neste momento a definição de enunciação, nosso ponto de partida para o estudo de toda teoria de Benveniste.

“A enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (1989, p. 82).

Veja bem: se estamos falando em uso, esse uso pressupõe um usuá-rio. Quem seria esse usuário da língua? O falante, aquele que se indivi-dualiza através da linguagem: “O ato individual de apropriação da lín-gua introduz aquele que fala em sua fala” (BENVENISTE, 1989, p. 84).

Essa é uma propriedade fundamental da linguagem: fazer emergir o sujeito. Língua e sujeito portanto, não estão necessariamente disso-ciados, mas, ao contrário, indissoluvelmente ligados.

A esse respeito Benveniste (1995, p. 285) é categórico. Ele diz:

“Não atingimos nunca o homem separado da lin-guagem e não o vemos nunca inventando-a. Não atingimos jamais o homem reduzido a si mesmo e procurando conceber a existência do outro. É um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição de homem”

Atividade VI Nesse momento, gostaríamos de saber sua opinião. Lembre-se de nossa segunda unidade, quando discutimos alguns conceitos de língua. O que você acha desse conceito de língua como linguagem? Como fazendo parte intrinsecamente da condição humana? Você acha que esse é um conceito mais completo de língua? Sua resposta já esboçará o direcionamento teórico com que você mesmo está começando a se orientar para refletir sobre a língua. Por isso, pense bem para dar sua resposta.

Do que vimos até aqui, podemos concluir que a linguagem é o meio que possibilita ao falante tornar-se sujeito. E mais radicalmente: “É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” (BENVENISTE, 1995, p. 286). Como acontece isso? Vamos descobrir continuando nossa leitura.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Da subjetividade à intersubjetividadeDecidimos começar essa parte requisitando sua participação mais

efetiva.

Atividade VIILeia novamente a última citação que transcrevemos de Benveniste. Repare que nela há um aspecto novo e importante para precisar o conceito de subjetividade. Você deve identificá-lo e transcrevê-lo no espaço abaixo.

Havendo identificado esse novo aspecto, leia mais esta citação de Benveniste (1989, p. 84):

“Mas imediatamente, desde que ele se declara locutor e assu-me a língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que seja o grau de presença que ele atribua a este outro. Toda enunciação é, explicita ou implicitamente, uma alocução, ela postula em alocutário”.

Com isto, fica definido que a subjetividade da linguagem, como a concebe Benveniste, pressupõe a presença do tu. Ele ainda diz: “A lin-guagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso [...]” (BENVENISTE, 1995, p. 286).

Passamos assim da subjetividade à intersubjetividade. E para com-preender bem esse conceito, é preciso entender o funcionamento dos pronomes pessoais, o que vamos fazer no item a seguir estudando so-bre o aparelho formal que constitui a língua.

O aparelho formal da enunciação2

A enunciação portanto, prevê a presença de um locutor e um alo-cutário para o discurso. E suas presenças são expressas através de uma representação linguística formal. Ou seja, o sujeito é marcado formal-mente através de categorias linguísticas. E é a análise dessas marcas, que constitui o objetivo da linguística enunciativa. É esse o objetivo

de Benveniste (1989, p. 84) quando afirma: “Tentaremos esboçar, no interior da língua, os caracteres formais da enunciação a partir da ma-nifestação individual que ela atualiza”.

Assim, vamos para uma parte bem prática da teoria de Benveniste, a apresentação dos elementos formais da língua, reveladores da sub-jetividade. Começamos pelos pronomes eu e tu, as formas linguísticas que expressam as pessoas envolvidas na enunciação. Essas duas for-mas se singularizam pelo fato de identificarem-se apenas na instância do discurso, só aí tem valor.

Assim Benveniste (1995, p. 280-281) se expressa:

“É identificando-se como pessoa única pronunciando eu que cada um dos locutores se propõe alternadamente como ‘sujei-to’. Assim, o emprego tem como condição a situação de discur-so e nenhuma outra”.

Nesse momento parece muito evidente que sempre que se usa a língua ocorra a expressão de subjetividade. E que são os pronomes pessoais o ponto de partida dessa expressão. Através deles, o locu-tor eu se enuncia enquanto tal, e institui um outro como alocutário, designando-o tu. Essa é uma condição para se definir os pronomes ditos pessoais.

Mas há uma particularidade quanto ao pronome eu. Esse é o pro-nome subjetivo por excelência, porque através dele a pessoa que fala é designada e ao mesmo tempo diz algo sobre si mesma. Já o pronome tu é designado por eu e o que é dito sobre tu é proposto a partir do eu. Portanto, eu é a pessoa subjetiva e tu é apenas pessoa.

Ao eu e tu Benveniste opõe ele, a “não-pessoa”, que remete para uma situação objetiva. Esse pronome é usado, por exemplo, para expri-mir a impessoalidade. Assim, “A ‘terceira pessoa’ tem por característica e por função constantes representar, sob a relação da própria forma, um invariante não pessoal, e nada mais que isso” (BENVENISTE, 1995, p. 254). Nesta perspectiva, portanto, é incoerente classificar esse pro-nome como pessoal, porque sua função de fato é de substituir um outro elemento.

Para explicitar como esses conceitos se aplicam no discurso, resolva a atividade proposta a seguir. Releia o texto, discuta com colegas, peça mais esclarecimentos ao professor-tutor, se preciso. Mas não deixe de fazer a atividade.

2 Esse é o próprio título de artigo datado de 1970 e publicado em Problemas de linguís-tica geral II.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Atividade VIIILendo o enunciado: “Eu te proponho um encontro amanhã“, que análise pode ser feita das suas marcas pessoais do ponto de vista da enunciação como a propõe Benveniste?

Outra forma de evidência dessa subjetividade pode ser observada em enunciados como: eu juro, eu prometo. Verifica-se nesses casos, que enunciação e ato confundem-se no momento em que o sujeito se inscreve no enunciado.

A título de atividade, propomos a você que substitua o pronome pessoa eu, pelo pronome não-pessoa ele nesses enunciados.

Atividade IXQue diferença de sentido acarreta para o enunciado se procedermos a substituição de eu por ele em “Eu juro”?

Correlacionados aos pronomes pessoais e de igual estatuto, existem os pronomes demonstrativos (este, isto, aquele etc), os advérbios de lugar (aqui, lá etc), de tempo (hoje, agora etc), indicadores das instâncias espaço-temporais que se organizam em torno do sujeito, o ponto de referência, que se estabelece no aqui e agora da enunciação. Esses elementos linguísticos apontam para os objetos, localizando-os em referência ao eu, cumprindo portanto uma função dêitica3. Cumpre-se assim também, a necessidade que Benveniste reclama para toda língua, que é a de referir através do discurso.

“A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada ins-tância de discurso constitua um centro de referência interno. Esta situação vai se manifestar por um jogo de formas específicas cuja função é de colocar o locutor em relação constante e necessária com sua enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 84).

Você está percebendo que esse critério enunciativo de análise dos elementos linguísticos ultrapassa a mera classificação? Dirigindo-se para o modo e significado de seu funcionamento em enunciados reais?

Para exercitar a compreensão desse novo ponto de vista sobre os elementos da língua, realize a atividade a seguir.

Atividade XFaça uma análise dos elementos dêiticos4 que aparecem nos enunciados a seguir. Você deve utilizar os conhecimentos adquiridos sobre seu funcionamento do ponto de vista enunciativo. Mãos à obra!

1. Espero que você venha aqui logo cedo

2. Traga este móvel para cá.

3. Não vi você ontem.

Há que se considerar ainda que quando o eu se instala no discurso, isso acontece também, a partir de uma perspectiva temporal. E essa perspectiva, segundo Benveniste, é a do presente, o agora, “o tempo em que se fala” (BENVENISTE, 1995, p. 289). Dessa forma, e “em últi-ma análise, a temporalidade humana com todo o seu aparato linguís-tico revela a subjetividade inerente ao próprio exercício da linguagem” (idem, ibidem).

O estudo da subjetividade na linguagem não se esgota obviamente nesses aspectos que exploramos aqui. Não tivemos mesmo como inserir nesse espaço limitado de uma unidade, outros aspectos revelados por Benveniste como importantes para a análise da língua como enuncia-ção. Observar a língua na situação de uso, por um enunciador, faz sur-girem muitas questões que se “escondem” sob a linearidade da língua. Questões como: quem disse isso? por que disse? como disse? Uma análise da língua que leve em consideração tais questões implica que ela não mais seja vista como um instrumento neutro de comunicação. Tal atitude demanda mais leitura, mais estudo. Portanto, reiteramos o convite para que você continue com seus estudos e deixamos agora por sua conta a tarefa de se aprofundar nos temas que apenas apontamos aqui. É esse o objetivo com que recomendamos as leituras a seguir.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

3 Dêixis é palavra grega e significa o ato de mostrar.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

4 “Dêitico é todo elemento linguístico que, num enunciado, faz referência: (1) à situa-ção em que esse enunciado é produzido; (2) ao momento do enunciado (tempo e aspecto do verbo); (3) ao falante (modalização). As-sim, os demonstrativos, os advérbios de lu-gar e de tempo, em geral deles derivados, os pronomes pessoais, os artigos (“o que está próximo” oposto a ‘o que está distante’) são dêiticos, constituem os aspectos indiciais da linguagem” (DUBOIS, Jean et al., 1993, p. 167).

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Leituras recomendadasBENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral. Volumes I e II 4 ed. Campinas, SP: Pontes, 1995/ 1989.

Nesses dois volumes estão reunidos os ar-tigos em que Benveniste fundamenta sua teoria enunciativa da linguagem. Portanto, é o caminho mais direto para se tornar co-nhecedor de suas ideias. Dos dois volumes recomendamos principalmente os textos O aparelho formal da enunciação e Da subjeti-vidade na linguagem, dos quais foram feitas

muitas citações nessa unidade. Com essa indicação repetimos mais uma vez nossa recomendação de ler sempre que possível o próprio autor. Além disso, se você é dos que pensa na língua como algo além de um código para transmitir mensagens, certamente gostará de entrar em encontrar com as ideias inovadoras de Benveniste.

FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

Esta referência você já conhece. E se a repeti-mos aqui é porque certamente tem algum va-lor. Como sendo uma introdução, torna-se um livro sempre útil para quem dá os primeiros passos na teoria. Mas o retomamos aqui em função do capítulo dedicado especialmente a Benveniste, que ajudará você a aprofundar seu conhecimento sobre as ideias do autor.

ResumoA teoria da enunciação tem em Benveniste o seu principal represen-tante, e mesmo seu fundador. O estudo da língua como um aparelho formal que permite a expressão subjetividade na enunciação foi fun-damental para fazer emergir o sujeito, categoria excluída das análises estruturalistas da língua. Assim, a anuência da presença de um sujeito na língua, e a constatação de marcas linguísticas que atestam a pre-sença desse sujeito, foi determinante para a tomada de um novo rumo nas investigações linguísticas. Estas foram ideias que fundamentaram a possibilidade de um estudo da estrutura considerando ao mesmo tem-po o processo enunciativo. Por isso, Benveniste é justificadamente um precursor da nascente linguística enunciativa.

AutovaliaçãoO momento de auto-avaliação se insere sempre no final de cada uni-

dade para dar a você a oportunidade de avaliar o que conseguiu apre-ender após tanta leitura, exercício, discussões. E é também um momento em que, ao estudar as teorias, você consiga formular uma reflexão crítica acerca do que lê. Isso porque você já começa a se definir em relação aos conceitos apresentados, aos caminhos de análise desse objeto do qual você está se tornando especialista. Nesse sentido, propomos que você reflita sobre os novos rumos que após o estruturalismo, começam a defi-nir um novo modo de se analisar a língua. Sua reflexão deverá contem-plar os conceitos de Benveniste estudados nesta unidade. Como ponto de partida, você pode considerar o que diz o autor a respeito da língua.

“É no uso da língua que um signo tem existência; o que não é usado não é signo; e fora do uso o signo não existe. Não há estágio intermediário; ou está na língua, ou está fora da língua, [...] (BENVENIS-TE, 1989, p. 227).

Lembre-se de socializar esse conhecimento com seus colegas no fórum de debates.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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IX UNIDADEReferências

BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989 (1902-1976).

BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral I. Campinas, SP: Pontes, 1995 (1902-1976).

CARBONI, Florence. Introdução à linguística. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1993.

FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

FLORES, Valdir do Nascimento et al. (org.). Dicionário de linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.

KOCH, I.G. VILLAÇA. A inter-ação pela linguagem., São Paulo: Contexto, 1995.

PAVEAU, Marie-Anne & SARFATI, Georges-Élia. As grandes teorias da linguística. Da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

O dialogismo de Mikhail BakhtinO dialogismo de Mikhail Bakhtin

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ApresentaçãoContinuando com nossa proposta de apresentar as teses

fundamentais que deram impulso a uma nova perspectiva aos estudos linguísticos, dedicamos esta unidade a um teórico que é reconhecidamente um precursor das correntes linguísticas que se denominam enunciativa, textual e discursiva. Trata-se de Mikhail Bakhtin, que já conhecemos em outros momentos nesse curso. Voltamos a ele para demonstrar os principais pon-tos de sua teoria, que estão na origem da linguística enunciati-va, bem como nos quais se embasam muitos dos pressupostos das correntes linguísticas atuais, de vertente discursiva.

Como Jakobson, Bakhtin também participou, no início do século passado, na antiga União Soviética, de um grupo de discussões de temas variados, entre eles a linguística. Este grupo levava seu nome: O Círculo de Bakhtin. Nos trabalhos resultantes das discussões desse grupo encontram-se muitos conceitos que foram aproveitados pelas novas correntes lin-guísticas, como o de enunciação, por exemplo. Outros con-ceitos, amplamente empregados hoje na linguística, foram nomeados a partir da ideia que já se encontrava em Bakhtin, como os de heterogeneidade e intertextualidade.

Primeiramente na literatura, percebemos a riqueza das discussões empreendidas por Bakhtin. Posteriormente, é que se descobriu uma diversidade de temas tratados pelo autor e a propriedade com que o autor os tratava, de modo que seu nome terminou por figurar em referências teóricas de tra-balhos de orientações as mais diversas. Assim, Bakhtin é ci-tado na área da semiótica, da literatura, da psicologia, do ensino-aprendizagem de línguas, da filosofia da linguagem e tantas outras. E isso porque sua teoria parte de um princí-pio considerado hoje fundamental nas ciências humanas de modo geral e, principalmente, na linguística, que é o princípio dialógico da linguagem, como se convencionou nomear sua concepção de que tudo o que é dito tem relação com algo que foi dito anteriormente ou que ainda será dito. Fazendo do dialogismo o fio condutor desta unidade, discutiremos outros

conceitos igualmente imprescindíveis para a compreensão da proposta teórica de Bakhtin. Conhecendo Bakhtin você iden-tificará muito de sua teoria nos fundamentos de diversas dis-ciplinas que serão estudadas no seu curso. Temos certeza de que você vai se surpreender com a visão de língua do autor, do que ela representa na vida social dos falantes. Uma vi-são muito diferente da proposta pela linguística estrutural que ainda hoje predomina no senso comum das pessoas e certa-mente de muitos profissionais que trabalham com a língua, a exemplo dos professores de português.

O percurso da unidade será feito seguindo-se as ideias apresentadas em dois livros, Estética da criação verbal, edita-do após sua morte, e o clássico Marxismo e Filosofia da Lin-guagem, todo dedicado à apresentação da proposta teórica de Bakhtin para o esboço de uma linguística que considere a língua viva, falada pelas pessoas nas situações cotidianas, como seu objeto de estudo. Uma linguística que só bem mais tarde, com o declínio do estruturalismo, teve a sua vez.

ObjetivosEsperamos com esta unidade que você

Conheça os principais conceitos da proposta teórica •de Bakhtin;

Situe Bakhtin no campo de estudos enunciativos da lin-•guagem;

Reflita sobre os principais temas desenvolvidos pelo •autor;

Reflita sobre a língua sob o ponto de vista do dialo-•gismo;

Compreenda a nova perspectiva de análise da língua a •partir da enunciação.

Esperamos que nesta unidade você leia, reflita, realize as atividades, discuta com seus colegas, com seu tutor, para as-sim poder alcançar esses objetivos. Vamos partir da concep-ção de signo que Bakhtin propõe em seus escritos.

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O que é o signo para Bakhtin

Comecemos a conhecer Bakhtin por meio do conceito que ele for-mula para o signo, bastante diferente do conceito saussuriano de que já temos noção. Compreendemos o conceito bakhtiniano opondo sig-no ao que Bakhtin identifica como sendo sinal, o sistema abstrato de formas linguísticas. Signo e sinal referem-se a dois pontos de vista anta-gônicos sobre a língua, que Bakhtin explicita através da própria atitude do falante:

“Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas normativas (admitamos, por enquanto, a legitimidade destas) num dado contex-to concreto. Para ele, o centro de gravidade da lín-gua não reside na conformidade à norma da forma utilizada, mas na nova significação que essa forma adquire no contexto. O que importa não é o aspec-to da forma linguística que, em qualquer caso em que esta é utilizada, permanece sempre idêntico. Não; para o locutor o que importa é aquilo que permite que a forma linguística figure num dado contexto, aquilo que a torna um signo adequado às condições de uma situação concreta dada. Para o locutor, a forma linguística não tem importância enquanto sinal estável e sempre igual a si mesmo, mas somente enquanto signo sempre variável e fle-xível. Este é o ponto de vista do locutor” (BAKHTIN, 2002, p. 92-3),

E para manifestar suas “necessidades enunciativas concretas”, não escapa ao teórico o fato de que o locutor faz uso também de outros meios de “interação de natureza semiótica”, como “a mímica, a lingua-gem gestual, os gestos condicionados, etc” (idem, p. 42). Considerar a importância desses elementos para a análise dos atos de comunicação é hoje inquestionável. A esse respeito, Santaella (1985, p. 10) diz:

“Cumpre notar que a ilusória exclusividade da lín-gua, como forma de linguagem e meio de comu-nicação privilegiados, é muito intensamente devida a um condicionamento histórico que nos levou à crença de que as únicas formas de conhecimento, de saber e de interpretação do mundo são aquelas veiculadas pela língua, na sua manifestação como linguagem verbal, oral ou escrita”.

Veja que Bakhtin falou disso em 1929. Mas como nossa atenção está voltada no momento para os signos verbais, vamos tentar esque-matizar os conceitos de signo e sinal. Agora é com você.

Atividade ISepare em duas colunas os termos que são referentes a signo e os que são referentes ao conceito de sinal.

O conceito de sinal é formulado por Bakhtin para fazer a crítica à linguística saussuriana, que ele denomina objetivismo abstrato, e ao seu objeto, o signo linguístico considerado em sua imanência, enquan-to sistema de formas desvinculado das situações reais de uso. Nesse sentido, no modo de dizer de Bakhtin, é feita a análise de uma língua que “ainda não se tornou língua” (idem, p. 94). O contrário disso é o signo em sua mobilidade específica, orientado no sentido da enuncia-ção da fala.

Aqui já entramos no terreno da enunciação. É preciso explicitar o que esta significa para Bakhtin porque este conceito adquire contornos específicos dentro de sua teoria como um todo. Para Bakhtin,

“A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala de-terminado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguísti-ca” (idem, p. 121).

O que há de específico na definição de Bakhtin? Não se trata da enunciação como a conhecemos em Benveniste, ancorada pelas pes-soas verbais, pelos indicadores de tempo e lugar, como o aqui e o ago-ra. O que há de específico é que para Bakhtin o contexto é intrínseco à enunciação, é parte constitutiva, e não algo exterior ligado à enun-ciação, mas mantendo-se de fora. Estamos vendo que para Bakhtin é impossível separar a enunciação de seu exterior, como se fossem realidades distintas.

Na definição anterior de enunciação é importante ressaltar a pre-sença dos termos interação social, comunidade linguística. No subtítulo de Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin anuncia a orientação que será dada ao seu trabalho: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. De fato, a relação entre lingua-gem e sociedade é o tema que perpassa todo o livro. Para Bakhtin,

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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assim como a enunciação, também o signo está plenamente imbuído da situação histórico-social. “[...] o signo linguístico, vê-se marcado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social determinado” (idem, p. 44). Voltamos ao signo.

Já dissemos que Bakhtin contesta o signo saussuriano, que no final das contas é sinal e não verdadeiramente signo. Como sinal ele é imu-tável, e assim não está sujeito às transformações sociais. Está vendo por que Saussure prioriza a sincronia ? É seu ponto de vista sobre o objeto. Ao que Bakhtin se opõe, dizendo que “o sistema linguístico, único e sin-cronicamente imutável transforma-se, evolui no processo de evolução histórica de uma determinada comunidade linguística, [...] Em poucas palavras, a língua tem sua história”. (idem, p.79).

Nesse momento vamos fazer uma pausa para que você reflita.

Atividade IIReleia o que você identificou como características do signo bakhtiniano e tente explicar por que Bakhtin faz a crítica à opção de Saussure pela sincronia. Lembre-se de que o signo, para Bakhtin, é indissociável da sociedade em que ele vive.

Ao realizar esta atividade, você estará se assegurando de que compreendeu a amplitude do conceito de signo em Bakhtin. Portanto, não deixe o espaço em branco.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Assim como critica a dicotomia sincronia/ diacronia, Bakhtin tam-bém critica a dicotomia língua/ fala. É fácil entender o motivo da crítica. Não já sabemos que para Bakhtin a língua é essencialmente social? Nesse mesmo sentido, a fala, o ato concreto de utilização da língua, realizada num contexto e numa situação definida, também é social. Leia o que diz Bakhtin:

“A enunciação individual (a ”parole”), contraria-mente à teoria do objetivismo abstrato, não é de maneira alguma um fato individual que, pela sua individualidade, não se presta à análise socioló-gica” (idem, p. 121). E por ser social, a fala é suscetível, evidentemente, às mudanças.

Se Bakhtin prioriza a fala, a enunciação, atestando sua natureza social, onde é que fica o indivíduo que excluído por tanto tempo da língua foi resgatado pela linguística enunciativa? Vamos discutir sobre isso no item a seguir.

Qual a condição do sujeito para Bakhtin?

Ao reler a primeira citação que transcrevemos de Bakhtin para ex-plicar o signo, verificamos que ele inclui nesta o locutor: “Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas necessidades enunciativas con-cretas...” O locutor é elemento imprescindível para operar a transfor-mação do sinal em signo na enunciação concreta. Portanto, o locutor, o sujeito, não está excluído de suas reflexões. Mas qual a natureza desse sujeito?

Ele explica:

“Na realidade, o ato de fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma al-guma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante” (idem, p. 109).

Nesse sentido, não cabe em sua teoria a figura do locutor como único responsável pela enunciação. Ao usar o termo palavra como

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equivalente de enunciação, Bakhtin diz mais à frente em Marxismo e filosofia da linguagem, que

“Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da inte-ração do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu inter-locutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor” (idem, p. 113).

Ou seja, Bakhtin esboça o papel do ouvinte como fundamental para orientar a fala do locutor, isso porque ele procede de modo a estabelecer uma atitude que o autor denomina responsiva ativa, em relação ao que o locutor lhe propõe.

Bakhtin diz:

“Ele concorda ou discorda (total ou parcialmen-te) completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às ve-zes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor” (BAKHTIN, 2000, 290).

E isso acontece, não podemos esquecer, dentro de um contexto es-pecífico. “Tomemos, por exemplo, o seguinte enunciado: ‘Já saiu o sol. Vamos! Levante-se! Está na hora’, cuja compreensão responsiva (ou a resposta fônica) poderia ser: ‘É, realmente, está na hora’, embora tam-bém possa ser: ‘O sol já saiu, mas ainda é cedo, vou dormir de novo’. Aqui há outro sentido do enunciado e outra resposta” (idem, p. 307).

Atividade IIISabendo agora como Bakhtin concebe a presença do sujeito na enunciação, explicite em que sua concepção de subjetividade se diferencia daquela de Benveniste e que o faz ser tomado como referência para as modernas teorias linguísticas.

Sobre a relação locutor-ouvinte, Bakhtin ainda diz que:

“O ouvinte dotado de uma compreensão passiva, tal como é representado como parceiro do locutor nas figuras esquemáticas da linguística geral, não corresponde ao protagonista real da comunicação verbal” (idem, 291).

A releitura das três citações acima de Bakhtin nos possibilita re-pensar o modelo de comunicação proposto por Jakobson que você já conhece. Essa é uma proposta de exercício para você.

Atividade IVEm que aspectos o modelo de comunicação de Jakobson demonstra ser falho, levando-se em consideração esta nova perspectiva de comunicação revelada por Bakhtin?

Para responder a essa questão, pense ainda a respeito das funções da linguagem a partir do que Bakhtin expressa sobre o que fazemos com as palavras: “Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc” (2002, p. 95).

É justamente a partir da relação entre eu e tu, eu e o outro, que se pode falar de uma intersubjetividade em Bakhtin. Não há dúvida de que o sujeito em Bakhtin é eminentemente social, constituído das mui-tas outras vozes que circulam na sociedade e das quais ele é portador. Esse encontro de vozes é o resultado do que Bakhtin considera ser o princípio que rege toda relação comunicativa que acontece na socie-dade, que é o dialogismo.

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Veja como ele utiliza a imagem bíblica do primeiro homem para falar sobre isso.

“O locutor não é um Adão, e por isso o objeto de seu discurso se torna, inevitavelmente, o pon-to onde se encontram as opiniões de interlocuto-res imediatos (numa conversa ou numa discussão acerca de qualquer acontecimento da vida cotidia-na) ou então as visões do mundo, as tendências, as teorias, etc” (BAKHTIN, 2000, p. 319).

Já que Bakhtin trouxe a palavra bíblica para a ela contrapor sua palavra, vamos fazer o mesmo, utilizando o dialogismo na atividade a seguir. Vamos promover o encontro de Bakhtin com Platão que já conhecemos de nossa primeira unidade. Você deve estar lembrado do que Platão pensava a respeito da língua, não? Se a resposta for nega-tiva, vale a pena reler o que está dito lá. Já dissemos que esse exercício de idas e vindas ao texto é um bom caminho para a aprendizagem.

Atividade VNossa proposta é a seguinte: leia o que Platão diz a seguir sobre quem seria o fundador da linguagem e faça um comentário levando em consideração a posição teórica de Bakhtin. Você será o promotor desse encontro de vozes. E só para nos certificarmos de que você está mesmo aprendendo, perguntamos: sobre que princípio você está se firmando para fazer isso?

“Sócrates – Por conseguinte, Hermógenes, nem todos os homens têm capacidade para impor nomes, mas apenas o fazedor de nomes, e esse, ao que tudo indica, é o legislador, de todos os artistas o mais raro” (PLATÃO, 1988, p. 153).

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O modo como estamos construindo esta unidade, pondo em con-fronto, num mesmo espaço, ideias de teóricos que nunca se encontra-ram, nem fizeram referência um ao outro em seus textos, só é possível em função desse princípio que Bakhtin tão bem formulou, o princípio dialógico.

Outra forma de pensar esse princípio é quando reconhecemos que nossas palavras estão atravessadas sempre por outras que circulam na sociedade. Esse aspecto em particular vai ser fundamental para as modernas linguísticas discursivas construírem suas teorias. É muito cla-ro hoje para as teorias linguísticas de perpectiva discursiva, que não existe neutralidade no discurso, que o que dizemos está impregnado do que outros disseram e dizem ao nosso redor. Seja a família, a igre-ja, o estado, os amigos etc. Nesse sentido podemos atestar a incrível capacidade que teve Bakhtin de antever pontos de vista sobre a língua que só vieram a ser devidamente esclarecidos muito mais tarde pelos teóricos da linguística.

Vale a pena ler algo mais sobre como ele pensava que acontecia o encontro da palavra própria com a palavra alheia, em texto editado após sua morte no livro Estética da criação verbal:

“Por palavra do outro (enunciado, produção ver-bal) entendo qualquer palavra de qualquer outra pessoa, pronunciada ou escrita em minha língua (minha língua materna), ou em qualquer outra lín-gua, ou seja: qualquer outra palavra que não seja a minha. Nesse sentido, todas as palavras (os enun-ciados, as produções verbais, assim como a litera-tura), são palavras do outro. Vivo no universo das palavras do outro. E toda a minha vida consiste em conduzir-me nesse universo, em reagir às palavras do outro (as reações podem variar infinitamente), a começar pela minha assimilação delas (durante o andamento do processo do domínio original da fala), para terminar pela assimilação das riquezas da cultura humana (verbal ou outra). A palavra do outro impõe ao homem a tarefa de compreender esta palavra” (BAKHTIN, 2000, p. 383)

Atividade VIPedimos a você agora que contribui com a exposição da teoria de Bakhtin e exemplifique com situações do cotidiano como acontece o encontro dialógico das palavras, das enunciações.

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O diálogo em BakhtinO conceito de diálogo se insere no que Bakhtin compreende ser a

realidade fundamental da língua, a interação. Bakhtin diz que:

“A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua pro-dução, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, se-não uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja” (BAKHTIN, 2002, p. 123).

Ou seja, na perspectiva de Bakhtin, toda comunicação verbal, na verdade, faz parte de um grande diálogo. E todo e qualquer enunciado, todo e qualquer ato de fala mantém relações dialógicas com outros enunciados, com outros atos de fala. Para ele,

“Não pode haver enunciado isolado. Um enuncia-do sempre pressupõe enunciados que o precede-ram e que lhe sucederão; ele nunca é o primeiro, nem o último; é apenas o elo de uma cadeia e não pode ser estudado fora dessa cadeia” (BAKHTIN, 2000, p.375).

Esse é mais um aspecto que comprova o princípio dialógico como constitutivo de toda forma de comunicação, de interação entre as pes-soas, e mesmo condição para que ela possa ter existência. Bakhtin vai tão a fundo na afirmação do dialogismo que ele o reconhece mesmo em um monólogo. Ele diz:

“Toda enunciação monológica, inclusive uma ins-crição num monumento, constitui um elemento ina-lienável da comunicação verbal. Toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo na cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precede-ram, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão, antecipa-as (idem, p. 98).”

Outro argumento contundente para a afirmação de que o dialo-gismo domina toda interação que se faça por meio da língua vamos encontrar em Estética da Criação Verbal. Trata-se do fato de que enun-ciados para os quais não se pensasse ser possível estabelecer qualquer ligação entre eles, podem vir a ser inseridos numa mesma situação de comunicação e assim empreenderem uma relação dialógica.

Leia abaixo como Bakhtin expressa essa ideia.

“Dois enunciados distintos confrontados um com o outro, ignorando tudo um do outro, apenas ao tra-tar superficialmente um único e mesmo tema enta-bulam, inevitavelmente, uma relação dialógica entre si. Ficam em contato, no território de um tema co-mum, de um pensamento comum” (idem, p. 342).

O conceito bakhtiniano de dialogismo, de que todo enunciado re-mete para outros que o antecederam e mesmo outros que estão por vir está na base do conceito de intertextualidade que você já deve ter estudado em seus livros de língua portuguesa ou de literatura. Certa-mente você já viu confrontados os versos do Hino Nacional Brasileiro e da Canção do Exílio de Gonçalves Dias, em que há claramente a re-tomada de um pelo outro. Podemos constatar isso relembrando alguns versos dos dois textos, como os seguintes:

Do que a terra mais garridaTeus risonhos, lindos campos têm mais flores;“Nossos bosques têm mais vida”“Nossa vida”, no teu seio, “mais amores”(Hino Nacional Brasileiro)

Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores,Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores.(Dias, Gonçalves. Canção do Exílio)

Que tal aproveitar sua leitura sobre Bakhtin e fazer então uma aná-lise sobre o encontro desses versos segundo a perspectiva do dialogis-mo? Essa é nossa proposta para você realizar na atividade a seguir.

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Atividade VIIEscreva um comentário demonstrando a aplicação do princípio dialógico proposto por Bakhtin a partir dos versos do hino e do poema acima.

Não há como ler a letra do Hino Nacional e não perceber que ele retoma versos do poema de Gonçalves Dias. Isso é muito claro. A rela-ção entre esses dois textos é explícita. Mas nem sempre os textos fazem referência a outros de modo tão explícito. O que não quer dizer que a relação não exista. Pois como vimos, não há possibilidade para o falante de se manter em sua individualidade. Toda vez que alguém faz uso da língua mergulha no que Bakhtin chama de “o fluxo da comunicação ver-bal”. Aqui Bakhtin cria uma imagem para a comunicação como sendo uma “correnteza”. E partindo dessa imagem faz uma observação bastan-te inovadora sobre como se adquire a língua materna. Ele diz que

“Na verdade, a língua não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo con-tínuo. Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comu-nicação verbal; ou melhor, somente quando mergu-lham nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar” (BAKHTIN, 2002, p. 108).

Se parássemos para pensar sobre o que Bakhtin diz aqui, certamen-te iríamos reavaliar todo nosso ensino-aprendizagem de língua ma-terna. Você tem a oportunidade de fazer isso nesse seu curso que está voltado para sua formação como professor de língua portuguesa. É um bom caminho para começar a se pensar sobre o que significa ensinar uma língua para os falantes dessa língua.

Vamos finalizar esta unidade fazendo apenas referência a um as-pecto do signo que não pode ser desconsiderado nas reflexões de Bakhtin, mas não o fizemos aqui porque isso demanda uma discussão muito longa. Essa discussão do signo como ideológico pode ser vista, por exemplo, na perspectiva da Análise do discurso, que você deverá estudar mais adiante. Por ora, vamos tão somente ressaltar que Bakhtin não ficou alheio a essa particularidade do signo. E assim ele a expressa logo no início do Marxismo e filosofia da linguagem: “tudo que é ide-ológico é um signo. Sem signos não existe ideologia (2002, p. 31)”. E mais adiante: “As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios” (idem, p. 41).

Bakhtin não se esgota aqui, nem em poucas leituras. Esperamos que você tenha se surpreendido com as teses desse autor sobre a lín-gua que a mostram tão viva, tão fazendo parte ativamente da vida do homem. Esperamos que você esteja com muita vontade de conhecer mais desse autor. Aqui não conseguimos mostrar nem um décimo de suas reflexões. Por isso, sugerimos as leituras a seguir:

Leituras recomendadasBAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad. de M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo: Hucitec. 2002, 1929.

Vamos fazer nossas as palavras de Marina Yaguello na introdução ao livro. Ela diz: “o conteúdo do livro é muito mais rico do que a capa deixa entrever”. É Mesmo, só lendo Bakhtin, e muitas vezes, para des-cobrir sua riqueza. Além de ser um prazer. Fora essas duas razões, asseguramos que grande parte do que se lê hoje em linguís-

tica tem em Bakhtin uma referência certa.

Clark K.; Holquist, M. Mikhail Bakhtin. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008.

Recentemente essa obra foi traduzida do inglês e representa uma boa oportunidade de conhecer a vida de Bakhtin que desperta interesse especial pela sua resistência e fi-delidade a suas ideias num momento crítico

de cerceamento da livre expressão na antiga União Soviética. Além disso, os autores discutem com propriedade os vários temas abor-dados por Bakhtin, além de traduzirem muito bem o sentido do que vem a ser dialogismo para o autor.

FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

Indicamos novamente essa Introdução por-que nela encontra-se um capítulo só de-dicado a Bakhtin. E os autores fazem refe-rência aos temas de Bakhtin que estão nos fundamentos da linguística da enunciação. Realizam assim uma proposta que julgamos essencial no estudo de uma vertente teórica, que é relacioná-la aos que a precederam ou

que lhe vieram posteriormente.

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ResumoFirmar as bases de uma linguística mais comprometida com o homem e sua vida na sociedade. Essa é uma preocupação da linguística moder-na e que tem em Bakhtin certamente um de seus maiores expoentes. Em suas reflexões, Bakhtin não concebe um estudo da língua que não se dê a partir de sua utilização efetiva pelos membros da sociedade. Só aí ela funciona em sua plenitude de língua. Fora disso, o que se faz é uma análise de uma língua que só existe na abstração do analista. Ao con-trário disso, Bakhtin aponta para a relação entre a língua e a socieda-de, com toda a complexidade que essa relação abarca. No mais, não há possibilidade para a individualidade na utilização da língua, toda enunciação proferida passa a fazer parte da grande correnteza verbal que possibilita o diálogo entre locutores e interlocutores próximas ou afastados no tempo ou no espaço. Basta apenas que sejam em algum momento confrontados para que cumpram o que autor institui como princípio maior que rege a utilização da palavra: a dialogicidade.

AutovaliaçãoPara se certificar de que você compreendeu os pressupostos de

Bakhtin, realize a seguinte atividade: imagine que alguém dissesse a palavra “Fogo”. Pense no que seria necessário para que essa palavra chegasse a se constituir um signo segundo a perspectiva bakhtiniana de língua. Sua resposta poderá servir para uma interessante discussão no nosso fórum de debates. Não deixe de dar sua contribuição.

Referências

BARROS, Diana Luz Pessoa de & FIORIN, José Luiz. (orgs.) Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. São Paulo: EDUSP, 1994.

BAKHTIN, M. (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. (Trad. de M. Lahud e Y. Vieira). São Paulo: Hucitec. 2002, 1929.

BAKHTIN, M. (1992) (1922). Estética da Criação Verbal. (Trad. de Mª. E. Pereira). São Paulo: Martins Fontes, 2000, 1979.

BRAIT, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, São Paulo: Editora da Unicamp, 1997.

CLARK K.; HOLQUIST, M. Mikhail Bakhtin. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2008.

FARACO, C. A. , TEZZA, C., CASTRO, G. (Orgs.). Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 2001.

FIORIN, José Luiz de. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006.

FLORES, Valdir do Nascimento e TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2008.

FLORES, Valdir do Nascimento et al. (org.). Dicionário de linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2009.

SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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X UNIDADE

Outras perspectivas para o estudo da língua

Outras perspectivas para o estudo da língua

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ApresentaçãoEsta já é a décima unidade de nosso curso e isto significa

que estamos encerrando esse ciclo de estudos sobre a linguís-tica. Nas duas unidades anteriores tratamos de apresentar as ideias de dois grandes teóricos sobre a língua, que represen-tam, sob muitos aspectos, um contraponto ao pensamento estruturalista que determinou por muito tempo o modo de se refletir as questões nesse campo de estudo. As considerações desses autores apontam para o fato de que novos ângulos de observação da língua já estavam sendo levados em conside-ração, para além da perspectiva estruturalista.

Lembramos que a grande obra de referência para a lin-guística moderna, o Cours de linguistique générale de Saus-sure, foi publicado em 1916. Portanto, início do século XX. Sua proposta de análise da língua, então alçada à condição de objeto da linguística, foi determinante para uma mudan-ça de perspectiva no modo de se estudar a língua, e tal é a coerência que Saussure imprimiu na escolha de seu per-curso de análise, que sua teoria permanece como válida para os estudos da língua que se definem por uma aborda-gem formal ou estrutural. Vale lembrar que nos últimos anos Saussure tem sido revisitado e obras tem sido publicadas mostrando aspectos importantes de sua teoria que haviam passado despercebidos. Isso demonstra a vitalidade de uma teoria firmada em princípios bastante sólidos.

Mas todo o século vinte não se caracterizou apenas por uma predominância absoluta do saussurianismo. Muitas vertentes de estudos se fizeram presentes para compor o pa-norama dos estudos linguísticos, que só se ampliou e tem se ampliado cada vez mais a partir de então. Assim, já tendo relembrado a importância de Saussure para a linguística, passemos então a verificar nesta unidade os rumos que a linguística foi tomando à medida que adotava outros pa-radigmas para a análise da língua, como o de contexto, situação, e função envolvidos em situações de uso concreto da língua. Sobretudo, podemos verificar que a linguística, definitivamente instituída como ciência autônoma, a partir

da segunda metade do século XX passa a se filiar a outros ramos do saber, tendendo cada vez mais para uma interdis-ciplinaridade crescente.

É justamente dessa interdisciplinaridade que cada vez mais caracteriza a linguística, que nos ocuparemos nesta unidade. Assim, vamos verificar como se dá o diálogo entre a linguística e outros ramos do saber. Entre eles, a Sociolo-gia, a Antropologia, a Psicologia etc. Diálogo que resultou, nos anos 50-60, em interdisciplinas como a Sociolinguística, a Psicolinguística, a Neurolinguística, entre outras.

Para finalizar a conversa

Sendo esta nossa última unidade, estamos certos de que você seguiu nossas recomendações de estudo, leitura, discus-são com os colegas, com o professor. Portanto, estamos certos também de que você já possui o domínio de um conhecimento teórico específico sobre a ciência que estuda a língua.

Dessa forma, desenvolveremos a unidade partindo da re-tomada de algumas ideias fundamentais apresentadas neste curso de Linguística I. Relembraremos de conceitos que já foram explorados nas unidades anteriores e ampliaremos a discussão para uma compreensão da língua no momen-to em que ela se realiza em contextos reais. Portanto, em sua relação com o social. Mas para chegarmos até aqui, você sabe quanto tempo e trabalho investigativo de teóri-cos interessados nas questões que envolviam a língua, foram despendidos. E você deve estar lembrado igualmente, de que era nosso propósito fazer você também participar desta grande corrente de estudo. Sendo esta nossa proposta, con-figura-se essencial neste último momento, sua participação ativa. Isso porque estaremos requisitando sobremaneira os conhecimentos adquiridos durante o percurso teórico que traçamos para você até aqui.

E neste momento de encerramento de um ciclo, espera-mos sinceramente que você tenha, de fato, adquirido um novo olhar, um olhar contemplativo, investigativo, específi-co, sobre esse objeto que estivemos investigando e do qual fazemos uso constantemente em nossa vida: a língua.

Em função disso que dissemos, estabelecemos os seguin-tes objetivos para esta última unidade de Linguística I.

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ObjetivosPara finalizar nosso curso, propomos para esta unidade dois objeti-

vos que refletem a culminância de nossos propósitos ao longo de todo este curso. Sendo assim, é nosso propósito que você:

Explicite um entendimento sobre as concepções que defendem a •existência de relações entre Linguagem, Sociedade e Cultura;

Compreenda o fenômeno linguístico como um fenômeno so-•ciocultural dinâmico e inesgotável, um processo em constante transformação.

Em nossa primeira unidade sugerimos que você abraçasse a tarefa de construir um conhecimento novo e específico, com responsabilidade e compromisso. E isso através de atitudes que se traduziam na prática, por meio de ações significativas, como:

Dedicar cotidianamente um tempo para as leituras;•Ler os textos de modo atento, refletindo sobre os novos concei-•tos e informações apresentados;Reler se necessário, fazendo anotações, marcando o que julga-•va importante;Responder as atividades propostas, com atenção;•Não guardar para si as dúvidas, esclarecendo-as com o profes-•sor ou o tutor;Realizar com segurança a autoavaliação que se encontra ao •final da unidade. Considerando esta insatisfatória, recomenda-mos a retomada das leituras, a pesquisa, a reflexão, a discussão com o professor ou tutor, até que constatasse a aprendizagem desejada.

Pois bem. Reforçamos a observação dessas atitudes para que o rit-mo de estudos continue a garantir o nível de aprendizagem alcançado até aqui. Portanto, ânimo e bom trabalho!

Retomando e ampliando conceitos

Você já sabe que a linguística é a ciência que estuda a língua cien-tificamente, e que o estruturalista Ferdinand de Saussure foi o responsá-vel pela delimitação do objeto de estudo desta ciência e pela descrição/construção do seu método de análise, a partir dos quais se estabeleceu uma análise para a estrutura das línguas naturais.

Ao afirmar que a língua é um sistema de convenções partilhadas coletivamente, Saussure demonstra reconhecer a importância de outros fatores não propriamente linguísticos para o estudo da língua, sinali-zando a existência de uma relação entre esta e o falante, em sua comu-nidade. Mas sua intenção era a de empreender uma análise científica da língua independente de fatores externos localizados na sociedade. E ao se preocupar em destacar o objeto de estudo da linguística, ele estabeleceu a diferença entre uma linguística interna e uma linguísti-ca externa. Sabemos que Saussure priorizou o caminho da linguística interna, que significa a possibilidade de analisar os aspectos formais da língua no interior da sua estrutura, independentemente dos fatores externos que a influenciam.

Um contraponto à perspectiva interna pode ser exemplificado no comentário de Alkimim (2001, p. 33), ao priorizar uma perspectiva mais ampla de observação do objeto da linguística:

“Qualquer tentativa de buscar apreender apenas o invariável, o sistema subjacente – se valer de opo-sições como “língua e fala”, [...] – significa uma redução na compreensão do fenômeno linguístico. O aspecto formal e estruturado do fenômeno lin-guístico é apenas parte do fenômeno total”.

Essa citação aponta em direção ao que Saussure legou a seus se-

guidores, a tarefa relacionada ao estudo da linguística externa ou con-textual, que deveria levar em consideração fatores históricos, sociais, culturais, envolvidos na análise da língua.

Vimos ao longo deste curso, como essa tarefa foi sendo realizada à medida em que vários teóricos iam contribuindo para a ampliação da compreensão do objeto da linguística. E assim, a partir do momento em que a linguística se constituiu como ciência, os seus limites foram se ampliando a ponto desta ciência se desdobrar em várias ramificações provenientes de diferentes enfoques. Seguindo essas ramificações, de-sembocaremos numa interdisciplinaridade entre a linguística e outras ciências que tem na língua um ponto em comum para estabelecimento de um diálogo.

Passamos então a falar dessa interdisciplinaridade. Antes, porém, solicitamos sua colaboração para contribuir com o desenrolar desta unidade, realizando o exercício abaixo:

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Atividade IPedimos a você que localize nas unidades anteriores, a partir da quinta unidade, mais especificamente, autores e ideias que já sinalizavam a necessidade de observação de outros fatores para uma maior compreensão dos fenômenos relacionados à língua. Registre suas descobertas no espaço abaixo.

Atividade II

O caráter interdisciplinar da linguística

Antes mesmo que comecemos a discutir o tema da linguística em relação a outros ramos de conhecimento, sugerimos que você pare um pouco para pensar: Por que será que o estudo da língua possibilita à linguística manter uma interdisciplinaridade com outras ciências? Esta é uma questão que pode parecer óbvia, mas é bastante interessante. Por isso, pedimos a você que pense sobre isso e discuta com colegas e professor no ambiente virtual, para saber o que eles também pensam a respeito. Com certeza, muitas ideias bastante relevantes serão apresentadas. Registre a conclusão a que você chegou no espaço abaixo. Esta será sua segunda atividade nesta unidade.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Agora que você já discutiu e já descobriu por que o estudo da língua pode se beneficiar de conceitos que se desenvolvem em outros campos de saber que não propriamente o linguístico, vamos observar em que direções se estabeleceu a interdisciplinaridade.

Começamos retornando ao que dissemos na seção Retomando e am-pliando conceitos, sobre a preponderância da vertente estruturalista nas análises que se fez da língua a partir dos pressupostos de Saussure. Ao lado dessa preponderância sabemos, no entanto, que a partir dos anos 50-60, a linguística assumiu uma postura clara de diálogo com outras disciplinas, encaminhando-se visivelmente para a interdisciplinaridade.

Você deve estar lembrado que em nossa primeira unidade, quando apresentamos um percurso histórico da linguística, dissemos que as primeiras considerações sobre a língua não foram de natureza essen-cialmente linguística. Se preciso, releia essa unidade para se certificar de que esse movimento da língua em direção a outros campos de saber não é de todo inusitado no percurso da linguística. Mas podemos dizer que esse diálogo ganhou força a partir do momento em que a análise imanentista da língua não dava mais conta dos aspectos relacionados ao seu uso. Para isso, se fazia necessária a consideração de fatores que extrapolam a condição da língua como sistema, e a consideração da língua como mecanismo presente em várias esferas da atividade do homem, cumprindo papéis específicos a cada momento de uso.

Assim, surge a necessidade, para a linguística, de compartilhar con-ceitos que se situavam na fronteira dos seus domínios e de outras ciên-cias. Desse encontro resultou um grande campo de estudo interdisciplinar para a língua. E esse campo se firmou definitivamente, conquistando um espaço próprio de investigação. Isso aconteceu por exemplo, a partir do encontro entre a linguística e a sociologia, a psicologia, a antropologia, a filosofia, entre outras áreas de estudo que de alguma forma tratam de questões referentes à língua. De forma que hoje temos disciplinas como a sociolinguística, a psicolinguística, a antropolinguística, a filosofia da linguagem, a neurolingiuística, entre outras, consagradas como discipli-nas autônomas, ainda que resultantes da contribuição de duas áreas de saber. Este encontro é possível porque, no final das contas, estudar o homem envolve também estudar a língua de que ele faz uso.

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Portanto, ao lado dos estudos reconhecidos como fazendo parte do núcleo duro da linguística, como a fonética, a sintaxe, a morfologia, porque atendem perfeitamente bem à análise imanente da língua, ou-tras possibilidades de estudo se descortinaram a partir do diálogo de que vamos falar a seguir. Mas antes, uma parada para fixar o que está sendo discutido.

Atividade IIIPedimos a você nesta atividade, que teça um comentário sobre o que fez a linguística se abrir para outras perspectivas teóricas de investigação de seu objeto. As respostas dadas às atividades 1 e 2 já trazem indícios desta questão. Nesse caso, uma releitura destas respostas certamente facilitará seu trabalho neste momento.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

O diálogo entre a linguística e outras ciências

Se após o primado do estruturalismo como método de análise e descrição dos dados linguísticos, a linguística tomou definitivamente o rumo da interdisciplinaridade para alargar suas fronteiras, é certo que essa tendência só tem evoluído. De modo que a linguística, um campo de saber hoje de fronteiras bastante móveis, está cada vez mais aberta a contribuições teóricas diversas que promovem uma renovação na forma de considerar seu objeto. Este, por sua vez, não se configura mais como um objeto tão somente restrito a aspectos morfológicos, sintáticos, fonéticos, mas ao contrário, o signo linguístico tem sido cada vez mais analisado levando-se em consideração aspectos sociais, histó-ricos, culturais, envolvidos em seu uso.

É disso que falam os linguistas na atualidade, como Faraco (apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 70), quando declara que:

“pelo menos dois itens deveriam estar na agenda dos desafios da linguística para o século XXI. O primeiro é cultivar acirradamente a pluralidade teórica. Deixar que essa imensa diversidade fru-tifique; que essa imensa diversidade que os estu-dos linguísticos agregam ou congregam, que essa diversidade teórica , essa pluralidade de objetos, objetivos e interesses, de concepções de ciência, de linguagem etc., realmente frutifique”.

Outro linguista, Francisco Gomes de Matos, chama a atenção para áreas até então impensadas para fazer ponte com a linguística, como “a ecologia, os direitos humanos, a educação para a paz, a psicologia da paz, a pedagogia crítica, a diplomacia, estudos de gênero (sociocul-tural)” (apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 95).

Sem esquecer o compromisso com a descrição das línguas, da gra-mática interna de todo falante, Koch (apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 128) lembra que é também tarefa do linguista,

“acompanhar todas as evoluções sociais,ver como é que esse sistema de cada língua se insere nas práticas sociais e se modifica através das práticas sociais, como é que aparecem esses novos gêneros, que tipo de expressão linguística vai ser usada nes-ses novos gêneros, que tipo de expressão linguística vai ser a mais adequada e inclusive que alterações em termos da própria interação, vão acontecer em função dessas alterações (...) Mas também acom-panhar a própria evolução humana nas sociedades, da cultura e abrir caminhos também para o conhe-cimento do que se passa na mente das pessoas”.

Barros (apud XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 157) aponta para uma outra perspectiva, muito prática, em que são indispensáveis as con-tribuições da linguística: a elaboração de obras de referência, como dicionários e gramáticas. Podemos pensar ainda na elaboração de ma-teriais didáticos, um trabalho que teria um impacto importante no nosso ensino de níveis fundamental e médio. A autora ressalta ainda que

“é preciso contribuir, cada vez mais, para que se conheça melhor o funcionamento da sociedade brasileira através dos seus discursos, através dos mecanismos linguísticos. E conseguir que os cami-nhos tão distintos da linguística dialoguem mais e realmente assumam um papel complementar no conhecimento da linguagem, no conhecimento do homem, no conhecimento da sociedade, no conhe-cimento da cultura, e no do Brasil, em particular”.

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Constatamos, a partir do que lemos nos autores citados, que as tarefas que se impõem à linguística hoje, requerem que seus limites de fato sejam ampliados, e isso só poderá ser feito a partir da articula-ção com outras ciências. Nesse sentido, apresentamos sucintamente a seguir, duas disciplinas que estão entre as primeiras resultantes desse intercâmbio: a sociolinguística e a antropolinguística. Dessa forma você terá ideia de como conceitos de dois campos de saber podem entrar em conformidade para responder a questões que não seriam satisfato-riamente esclarecidas se fossem discutidas sob uma só perspectiva.

A sociolinguística vai merecer um curso todo voltado para a apre-sentação de seus pressupostos. Isso porque esta é uma área que tem revelado aspectos bastante pertinentes ao se pensar sobre as questões que resultam da relação entre a sociedade e a língua. Questões im-portantes, como as que envolvem o ensino-aprendizagem da língua materna. Por isso, neste momento vamos nos ater apenas à apreensão de seus principais postulados.

O diálogo entre a língua e a sociedade

Já é certo que os limites da linguística foram se ampliando a ponto de ela se desdobrar em várias ramificações provenientes de diferentes enfoques teóricos. Uma dessas ramificações deu origem ao importante estudo da relação entre língua e sociedade, relação esta aceita hoje como inquestionável e da qual surgiu a vertente sociolinguística de es-tudo da língua.

A sociolinguística, como o próprio nome sugere, funde as relações entre sociedade e língua em um mesmo campo de estudo, estabelecen-do um diálogo consensual da linguística com a sociologia, cuja tarefa se realiza no plano coletivo.

Para que você compreenda os motivos dessa fusão de trabalhos no campo da linguagem, cabe aqui apresentar algumas palavras sobre a tarefa da sociologia na área das Ciências Sociais. Grosso modo, po-demos dizer que os sociólogos tem como foco de interesse o sujeito em suas relações com outros sujeitos, as atividades de interação que eles constroem entre si em uma comunidade, bem como os fatores sociais que as influenciam; os mecanismos de sobrevivência adotados pelos indivíduos nos grupos em que se inserem, e também os mecanismos de sobrevivência dos próprios grupos frente a outros. Tal é o fundamento da Sociologia.

Nesse aspecto, se a linguagem é um meio pelo qual as pessoas estabelecem suas relações de interação nas comunidades de que fazem parte, a descrição do modo como a língua é realizada nas diferentes situações de interação acaba por refletir a própria sociedade e, nes-se sentido, a língua falada socialmente torna-se um instrumento ade-

quado não somente à descrição da experiência social mas também à descrição da própria língua, no que concerne a sua dinâmica, ao seu caráter movente, bem como à pluralidade de formas que apresenta nos contextos variados de comunicação.

Desse modo, atuando no campo da sociolinguística, desenvolve-se um estudo da língua em suas relações com o meio sociocultural. Nesse aspecto, a realização da fala dos indivíduos adquire importância fundamental frente a sua capacidade de expressar o dinamismo e a heterogeneidade da língua, em um processo inacabado de evolução, à maneira do que acontece na sociedade.

Sendo assim, o que interessa a partir de então são as relações entre a língua e os sujeitos que a falam; relações estas em que se configuram variações de uso, implicadas com as diferenças próprias do falante e do contexto social de realização de sua fala, em um dado momento histórico da vida da língua. Já deu para perceber que há muito o que falar sobre tudo isso. E você terá oportunidade de saber mais sobre a sociolinguística, já que haverá um curso só para tratar desta disciplina. Podemos suspen-der neste instante esta discussão. Já é momento de uma parada para você fixar o que foi dito até aqui, através do exercício proposto a seguir.

Atividade IVCom o texto você acabou de ler, você já pode explicitar uma concepção desse ramo da linguística denominado sociolinguística. Portanto, é isso que propomos a você com esta atividade.

Um outro viés de observação de como a língua se relaciona com a sociedade pode se dar através da compreensão de que a língua é a maior responsável pela transmissão de saberes acumulados pela coletividade que a fala. Através da observação da língua falada pela comunidade, podemos perceber como uma sociedade se organiza em termos de experiências, costumes, crenças, ritos, tradições, modos de agir e interagir em sociedade. Ou seja, tudo que é manifestação da cultura de um povo, é representado através da língua.

Em função de tudo isso, parece evidente pensar que não há como separar, como fenômenos distanciados, cultura e língua. Portanto, é indispensável tomar em consideração conceitos desenvolvidos pela an-tropologia para, juntamente com os conceitos próprios da linguística, promover uma compreensão dos fatos da língua como portadores de significações culturais. Exatamente nesse momento de globalização, em que as culturas estão constantemente em confronto, percebemos

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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sobremaneira a necessidade e a urgência de se conhecer os aspectos culturais envolvidos nas interações. Levando em consideração tal con-juntura, é certo que a antropolinguística tem muito a contribuir. Vamos então conhecer um pouco sobre essa disciplina. E quem sabe, seu de-sejo de conhecer mais sobre o tema seja aguçado.

Começamos dizendo que a antropologia preocupa-se em estudar o comportamento do homem e os efeitos de seu comportamento no ambiente em que ele interage. Assim, se pretendemos descrever a cul-tura de um povo, a consideração da língua que ele fala permitirá uma descrição mais rica e detalhada do que significam seus comportamen-tos. Por outro lado, se pretendemos estudar a língua, a consideração dos comportamentos culturais próprios de cada sociedade nos permite maior clareza das leis que regem o uso dessa língua. Basta pensar nas diversas formas de se dirigir ao outro em cada sociedade. O estudioso Dell Hymes apresenta como problemas para a investigação no cam-po da linguagem o comportamento linguístico de homens, mulheres e crianças em uma comunidade específica; o momento adequado para os usos da fala em uma comunidade. Assim, o questionamento sobre os fenômenos antropológicos podem ser tomados como pontos de par-tida em pesquisas que relacionam o modo como as pessoas usam a língua, e o contexto cultural.

Podemos dizer que a antropolinguística tem sua origem no afã de estudiosos em desvendar o funcionamento de sociedades étnicas des-conhecidas. Como essas sociedades eram ágrafas, naturalmente surgiu a necessidade de um trabalho conjunto entre linguistas e antropólogos. Você já leu algo sobre isso em nossa quinta unidade, por isso iniciamos esse parágrafo fazendo referência a um conhecimento já adquirido. Se-ria mesmo interessante que você resgatasse esse conhecimento. Assim, deixamos pra você essa incumbência.

Mas de qualquer forma, vamos refrescar sua memória ao dizer que a relação entre língua, sociedade e cultura começou a se de-linear como indissociável, a partir das pesquisas pioneiras de Franz Boas, Edward Sapir e Benjamin L. Whorf, realizadas no campo da Antropologia Linguística. Nesse momento, a nova área da linguís-tica, voltada para a abordagem dos fatos da língua no contexto so-cial, define o seu caráter interdisciplinar, resultante da integração de trabalho nas áreas das ciências sociais e da linguística. E essa nova área não parou de dar frutos. De modo que, partindo inicialmente da observação de sociedades desconhecidas, os enlaces entre antropo-logia e linguística são hoje sentidos, por exemplo, em investigações das formas apropriadas do falante se comunicar em sociedade, de acordo com variáveis como sexo, classe social, região. Nesse contex-to, a questão da identidade cultural é fator importantíssimo para se discutir temas de políticas públicas nacionais, bem como de relações internacionais. Um outro espaço em que o conhecimento da cultura é fator determinante, é o espaço escolar. Questões culturais são deci-sivas para o bom relacionamento entre professor e aluno, para o uso de metodologias de ensino adequadas, para a elaboração de livros didáticos etc.

Enfim, é imensurável a influência que fatores de ordem linguístico-culturais exercem nas diversas áreas em que a interação entre os ho-mens é uma realidade. Pensando nisso, percebemos que já é hora de você parar um pouco para refletir e sedimentar conhecimentos. Uma das formas de fazer isso, você já sabe, é através da realização de uma atividade.

Atividade VNossa última proposta de atividade deve ser realizada no fórum de debates. A ideia é que, após a leitura sobre a antropolinguística, você pense em alguma situação do dia a dia em que se observa a confluência de fatores linguísticos e culturais interferindo na condução de uma interação social entre indivíduos. Você deve discutir como esses fatores são determinantes para a boa condução da interação.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

Após realizar essa última atividade, podemos suspender temporaria-mente nossa conversa sobre a linguística. Vamos dar uma pausa para retornarmos com toda energia em nosso próximo curso. Antes, porém, lembramos que o que fizemos aqui foi relatar brevemente como se deu a passagem de uma linguística restrita ao estudo de fenômenos que se dão no interior de seus domínios, para uma linguística interessada em explorar outros domínios a fim de ter uma visão mais ampla de seu obje-to. Nesse sentido, apresentamos sucintamente um exemplo de como se efetivou o diálogo entre a linguística e duas outras disciplinas. Mas isso é só uma pequena amostra de um grande movimento teórico que irá definir os novos rumos da linguística, como veremos no nosso próximo curso. Portanto, faz-se necessário seu empenho para aprender mais. É nesse sentido que apresentamos a seção a seguir. Boas leituras!

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Leituras recomendadas Você poderá ampliar seus conhecimentos no campo das relações

entre língua, sociedade e cultura, em muitas e diversas obras contem-porâneas. Como sugestão, recomendamos a leitura dos autores lista-dos abaixo, para, a partir deles, buscar o aprofundamento teórico ne-cessário a quem pretende especializar-se num ramo de conhecimento.

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. São Paulo: Contexto, 1997.

Com essa “novela sociolinguística”, Bagno apresenta a teoria so-ciolinguística através do gênero narrativo lú-dico. Dessa forma, proporciona ao leitor uma dupla experiência: uma relacionada ao pra-zer da leitura; outra, ao prazer de conhecer os postulados básicos da sociolinguística, que são discutidos por meio dos diálogos entre a professora Irene e as estudantes universitárias Emília, Sílvia e Vera. Destes diálogos, surgem

as oportunidades para a reflexão de muitos aspectos que giram em torno da relação entre a língua e a sociedade. E isso a partir de uma leitura fácil e agradável. Portanto, essa obra de Bagno não pode ser dispensada para as primeiras incursões na área da socio-linguística.

RIBEIRO, B. T. & P. M. GARCEZ (orgs.) (1998) Sociolinguística Interacional: antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto Alegre: AGE.

Como se pode ler no título, neste trabalho encontramos artigos de-senvolvidos com base nos pressupostos teóri-cos das três áreas de conhecimento que esti-vemos tratando nesta unidade: antropologia, linguística e sociologia. São textos fundadores de autores consagrados. Assim, você terá com sua leitura, a possibilidade de conhecer como

se faz pesquisa sobre a língua segundo uma perspectiva interdisci-plinar. Este sem dúvida é um bom motivo para que você não deixe de ler o livro.

XAVIER, Antônio Carlos e CORTEZ, Suzana (orgs.). Conversas com linguis-tas: Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2003.

Mais uma vez recomendamos a leitura dessa obra. Isso denota que de fato, conhecê-la faz diferença. Exploramos nesta unidade as res-postas dadas às questões: Como a linguística se insere na pós-modernidade? e Quais os desafios para a linguística no século XXI? A recomendação se dá no sentido de que você possa ler todas as respostas, na íntegra, dos

linguistas. E assim tenha um conhecimento bastante amplo das novas perspectivas dos estudos linguísticos.

ResumoA existência de correlações inescapáveis entre língua, sociedade e cul-tura remetem para a necessidade de se estudar a língua em um con-texto social concreto, a partir do qual é possível realizar uma descrição ampla da língua, para além de uma análise imanente, centrada no próprio objeto. Esta tomada de posição da linguística em relação ao seu objeto significou a ampliação do campo de análise linguística, que, extrapolando os limites do estruturalismo, passou a incorporar saberes provenientes de outras áreas. Como resultado, configurou-se um cam-po teórico marcado pela interdisciplinaridade, da qual são exemplos a sociolinguística e a antropolinguística, ramos da linguística que surge da intersecção de conceitos desenvolvidos em três grandes áreas de conhecimento: a sociologia, a antropologia e a linguística.

AutovaliaçãoComo atividade para última autoavaliação, propomos a você que

reflita e registre um comentário sobre a relação entre língua, sociedade e cultura. Considere que a atividade linguística se dá concomitante-mente à atividade social e, por isso, as variações e mudanças que ocor-rem no plano sociocultural refletem-se no plano da linguagem.

dica. utilize o bloco de anotações para responder as atividades!

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Referências

ALKIMIM, Tânia M. Sociolinguística. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. V. 1. São Paulo: Cortez, 2001.

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolinguística. São Paulo: Contexto, 1997.

CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de Linguística. Tradução Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1993.

MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. V. 1. São Paulo: Cortez, 2001.

RIBEIRO, B. T. & P. M. GARCEZ (orgs.). Sociolinguística Interacional: antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto Alegre: AGE, 1998.