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C | Teorias Linguísticas, Pesquisa e Ensino da Língua Portuguesa Gilvan Mateus Soares Liliane Pereira Barbosa Maria do Socorro Vieira Coelho Organizadores

Teorias Linguísticas, Pesquisa e Ensino da Língua Portuguesa · 2020. 11. 10. · de os educadores conhecerem as técnicas de elaboração dos itens, compreendendo o texto de suporte,

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Page 1: Teorias Linguísticas, Pesquisa e Ensino da Língua Portuguesa · 2020. 11. 10. · de os educadores conhecerem as técnicas de elaboração dos itens, compreendendo o texto de suporte,

C |

Teorias LinguiacutesticasPesquisa e Ensino da

Liacutengua Portuguesa

Gilvan Mateus SoaresLiliane Pereira Barbosa

Maria do Socorro Vieira CoelhoOrganizadores

Gilvan Mateus Soares Liliane Pereira Barbosa

Maria do Socorro Vieira Coelho(Organizadores)

AraraquaraLetraria

2020

Teorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesa

PROJETO EDITORIALLetraria

PROJETO GRAacuteFICO E DIAGRAMACcedilAtildeOLetraria

CAPALetraria

REVISAtildeOLetraria

SOARES Gilvan Mateus BARBOSA Liliane Pereira COELHO Maria do Socorro Vieira (org) Teorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesa Araraquara Letraria 2020

ISBN 978-65-86562-13-2

1 Linguiacutestica 2 Sociolinguiacutestica 3 Pesquisa 4 Ensino 5 Liacutengua Portuguesa

Os textos publicados neste e-book satildeo de inteira responsabilidade de seus autores Este e-book ou parte dele natildeo pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizaccedilatildeo escrita dos organizadores

APOIO

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Conselho EditorialAna Paula Antunes Rocha (UFF)Angela Heloiza Benedito Buxton (Unimontes)Caroline Rodrigues Cardoso (UnipSEEDF)Keli Cristiane Eugecircnio Souto (Unimontes)Maria Alice Mota (Unimontes) Maria de Lourdes Guimaratildees de Carvalho (Unimontes)Rita de Caacutessia da Silva Soares (GPDGUSP)Sandra Ramos de Oliveira Gonccedilalves Duarte (Unimontes)Sandra Patriacutecia de Faria do Nascimento (UnB)

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| SumaacuterioPrefaacutecioOs Organizadores

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O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

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A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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A escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa FilhoGilvan Mateus Soares

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Sobre os Autores 245

Sobre os Organizadores 248

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| Prefaacutecio

Esta obra surgiu da importacircncia de se ter uma maior divulgaccedilatildeo de pesquisas desenvolvidas sobre a Liacutengua Portuguesa sob o vieacutes teoacuterico e praacutetico em estreita relaccedilatildeo entre pesquisa formaccedilatildeo e ensino do Portuguecircs Nessa perspectiva a publicaccedilatildeo articula em um processo circular teorias linguiacutesticas descriccedilatildeo de aspectos da Liacutengua Portuguesa e ensino Tambeacutem oferece conhecimentos aos docentes que atuam no Ensino Fundamental e Meacutedio ao promover discussotildees teoacutericas e oferecer subsiacutedios para a aplicaccedilatildeo praacutetica das teorias e estudos descritos e discutidos Incluem-se trabalhos desenvolvidos por pesquisadores do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras)1 da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos (PosLin) da Faculdade de Letras (FALE)2 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

A organizaccedilatildeo do livro aponta para um ensino em que eacute fundamental a compreensatildeo das relaccedilotildees entre teoria e praacutetica permeadas pelas variadas linguagens Por isso a obra se orienta por trecircs dimensotildees (pesquisa teorias linguiacutesticas e ensino e praacutetica) sob o prisma da sua integraccedilatildeo mediante discussotildees teoacutericas que embasam trabalhos descritivo-analiacuteticos de aspectos linguiacutesticos da oralidade e da escrita do Portuguecircs e propostas de praacuteticas de ensino resultantes de pesquisas norteadas por teorias

Assim ldquoTeorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesardquo se alicerccedila em diferentes teorias das Ciecircncias da Linguagem como a Sociolinguiacutestica a Sociolinguiacutestica Educacional a Lexicologia a Lexicografia Pedagoacutegica e a Anaacutelise do Discurso e se desenvolve por meio de metodologias de pesquisa e estrateacutegias de ensino baseadas na pesquisa-accedilatildeo em instrumentos de avaliaccedilatildeo e no levantamento de dados por meio de questionaacuterios e entrevistas

1 Disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbr profletras2 Disponiacutevel em httpwwwposlinletrasufmgbr

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e em estrateacutegias de ensino como oficinas ou sequenciaccedilatildeo de atividades

Entendemos que a relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica deve ser um pressuposto para toda e qualquer accedilatildeo pedagoacutegica o que exige do professor uma postura de pesquisador de teorias de investigaccedilotildees mais gerais sobre o processo de ensino e aprendizagem ou mais especiacuteficas agrave sua aacuterea de atuaccedilatildeo de meacutetodos de estrateacutegias e de recursos que possam auxiliar ou embasar a praacutetica em sala de aula

Esse posicionamento do profissional de liacutenguas eacute ainda mais exigido em um contexto de diversidade de linguagens que aponta para um processo de ensino e aprendizagem que contemple tanto os letramentos tradicionais como tambeacutem os multiletramentos Torna-se assim importante promover um tratamento da liacutengua que contemple seus diferentes niacuteveis (do foneacutetico-fonoloacutegico ao discursivo) suas modalidades (oralidade e escrita) e seus registros (informais e formais) em variados contextos de comunicaccedilatildeo

A escola eacute o espaccedilo privilegiado para essa abordagem Consciente desse papel ela deve instrumentalizar o estudante para que ele possa por meio da liacutengua se movimentar em diferentes contextos sociais Para tanto os objetivos do ensino da liacutengua requerem do professor conhecimento competecircncia e sensibilidade para lidar com a variaccedilatildeo linguiacutestica para acompanhar os processos de tratamento da Liacutengua Portuguesa em sua interseccedilatildeo com a abordagem de outras linguagens como a Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) considerando o contexto sociocultural e etnograacutefico dos falantes e as diversas praacuteticas de letramento com as quais os estudantes se envolvem ou das quais deixam de participar Tudo isso influencia e contribui direta ou indiretamente para o sucesso ou o fracasso do aluno em sua trajetoacuteria escolar

Isso significa que a linguagem da escola natildeo pode se distanciar da linguagem do educando sob pena de imputaacute-lo agrave repetecircncia e agrave evasatildeo Nesse sentido eacute necessaacuterio atentarmos para o fato de

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que o professor natildeo deve focalizar o ensino da liacutengua somente na modalidade escrita em seus usos mais formaismonitorados diante de um aluno que muitas vezes participa de interaccedilotildees que se caracterizam essencialmente pela oralidade porquanto tal procedimento pode resultar em resistecircncia agraves praacuteticas pedagoacutegicas ofertadas pelo docente

A partir dessas orientaccedilotildees este e-book estaacute organizado em oito capiacutetulos que contemplam temaacuteticas variadas estudos do leacutexico e fraseologia elaboraccedilatildeo de itens de avaliaccedilatildeo ensino da Liacutengua Portuguesa e da LBS produccedilatildeo de glossaacuterio semibiliacutengue reflexatildeo sobre o discurso da identidade de pessoas surdas tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica anaacutelise de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas relaccedilotildees entre oralidade e escrita ensino da ortografia

Assim um dos temas aqui discutidos eacute o processo de avaliaccedilatildeo podendo ser contemplados os mais variados enfoques em diversas aacutereas do conhecimento como a Tecnologia Educacional Pedagogia e no que nos concerne o ensino de liacutenguas Nesse contexto pelo menos um questionamento emerge como avaliar Essa discussatildeo contempla um toacutepico que merece maior atenccedilatildeo durante a formaccedilatildeo de professores as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos dos alunos A esse respeito Bruno de Assis Freire de Lima em ldquoO lsquoitem de muacuteltipla escolharsquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeordquo discute o leacutexico e a fraseologia de questotildees de muacuteltipla escolha O autor fazendo uma breve retrospectiva dos procedimentos de avaliaccedilatildeo chama atenccedilatildeo para uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os ldquoitensrdquo de avaliaccedilotildees apontando para um entendimento que ultrapasse a percepccedilatildeo de que sejam meros instrumentos avaliativos concebendo-os como um produto especializado como um gecircnero textual de especialidade marcado por conhecimentos especiacuteficos Por isso possuem suas proacuteprias caracteriacutesticas concernentes agrave estrutura composicional ao conteuacutedo temaacutetico e ao estilo Daiacute a importacircncia de os educadores conhecerem as teacutecnicas de elaboraccedilatildeo dos itens compreendendo o texto de suporte o comando da questatildeo e as alternativas de resposta temas do referido capiacutetulo

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Outro trabalho da aacuterea do Leacutexico e da Lexicografia Pedagoacutegica eacute o de Cristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes em ldquoGlossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosrdquo A pesquisadora discute resultados de estudo realizado com estudantes de uma escola puacuteblica de Taquatinga ndash DF que culmina com a produccedilatildeo de um glossaacuterio digital de verbos O estudo por sua natureza se torna relevante para o protagonismo dos indiviacuteduos surdos ao incluir digitalmente os estudantes ao contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa como segunda liacutengua (L2) e paralelamente ao estimular os informantes a usarem a sua proacutepria liacutengua materna a LSB para refletir sobre conceitos e significados de vocaacutebulos do Portuguecircs Com esse procedimento os alunos introduziram novas palavras agrave sua escrita da Liacutengua Portuguesa e elaboraram um glossaacuterio agrave parte sobre as proacuteprias duacutevidas em um processo criativo de termossignificados Em decorrecircncia o trabalho possibilitou natildeo soacute a aprendizagem do Portuguecircs mas tambeacutem dos demais conteuacutedos das disciplinas que compotildeem o curriacuteculo escolar em uma proposta de ensino produtivo biliacutengue que proporcionou aprendizagem eficaz nas duas liacutenguas A autora incentiva a realizaccedilatildeo de outros trabalhos que possam ampliar o leacutexico de Liacutengua Portuguesa de pessoas surdas como um que por exemplo aborde o uso de expressotildees idiomaacuteticas

Ainda nessa perspectiva de inclusatildeo e da atuaccedilatildeo social dos indiviacuteduos surdos Maria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro em ldquoO fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezrdquo mostra que eacute fundamental que sejam desveladas e desmentidas representaccedilotildees estereotipadas sobre a surdez e os sujeitos surdos (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) o que requer a compreensatildeo de que as pessoas surdas satildeo sujeitos de direitos atores sociais com valores cultura e linguagem proacuteprios (discurso de fundamentaccedilatildeo surda) Nos discursos analisados pela autora os participantes da pesquisa sinalizam um posicionamento enunciativo ao reforccedilarem a imagem de valoraccedilatildeo igualitaacuteria diante

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de outros sujeitos e ao operarem na (des)construccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros em face de um discurso que se faz concorrente O entendimento dessa heterogeneidade discursiva a partir da abordagem dos discursos produzidos pelas pessoas surdas sobre si mesmas pode representar novas perspectivas para a promoccedilatildeo da inclusatildeo nas escolas e o delineamento e a elaboraccedilatildeo de estrateacutegias de ensino significativas

Uma abordagem discursivo-linguiacutestica tambeacutem eacute o foco do capiacutetulo de Ana Maacutercia Ruas de Aquino Carla Roselma Athayde Moraes e Daniela Imaculada Pereira Costa ao tematizarem o gecircnero ldquocrocircnica jornaliacutestica brasileirardquo em ldquoAspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeordquo As autoras chamando a atenccedilatildeo para a importacircncia da anaacutelise dos expedientes argumentativos e dos processos retoacutericos da persuasatildeo discorrem sobre as peculiaridades da crocircnica como uma atividade enunciativa essencialmente dialoacutegica intra e interdiscursivamente Por isso objetivam desvelar a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero como um exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea ao refletirem sobre as estrateacutegias utilizadas pelos cronistas Convidam dessa forma os leitores ao prosar poeacutetico da crocircnica inserindo-os no diaacutelogo como forccedila de accedilatildeo sobre o outro e sobre o mundo no jogo de seduccedilatildeo estabelecido entre cronista e leitor para que no desfrutar do texto ambos possam conhecer um pouco mais do outro mais da vida e por isso um pouco mais de si mesmos

O tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica e em especial a anaacutelise das crenccedilas e atitudes um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica satildeo discutidos por Gilvan Mateus Soares em ldquoCrenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticardquo O autor se baseia nas contribuiccedilotildees da Sociolinguiacutestica Educacional para realizar uma discussatildeo sobre crenccedilas atitudes e preconceitos com uma turma de 6ordm ano e uma de 8ordm de uma escola puacuteblica em Baratildeo de Cocais ndash MG O interesse do estudo partiu do silenciamento de um aluno do 8ordm ano que justificava natildeo participar das aulas

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porque ldquofalava erradordquo ldquoconsiderava-se burrordquo ou ldquoera da zona ruralrdquo Essas assertivas direcionaram o pesquisador a constatar que esse tipo de manifestaccedilatildeo sobre a liacutengua suas variedades e seus falantes eacute em muitos casos reproduzido e (re)construiacutedo na escola assim como no contexto social que vai processar ou reforccedilar ou ateacute perpetuar essa (re)construccedilatildeo Os resultados obtidos revelaram mudanccedila consideraacutevel de percepccedilotildees negativas para positivas sobre a variaccedilatildeo da liacutengua e sobre o proacuteprio aluno como falante do Portuguecircs passando ele a ter um maior grau de consciecircncia linguiacutestica e respeito pela diversidade que caracteriza qualquer liacutengua em uso elevando assim a autoestima linguiacutestica do educando

Em uma perspectiva da variaccedilatildeo linguiacutestica aliada agrave das crenccedilas e atitudes Zenilda Mendes Reis em ldquoA variaccedilatildeo de lsquotursquo e lsquovocecircrsquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra ndash MGrdquo descreveu e analisou baseando-se nos fundamentos da Sociolinguiacutestica as realizaccedilotildees dos pronomes de segunda pessoa ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em produccedilotildees orais e escritas de duas turmas de 8ordm ano do Ensino Fundamental em Lontra ndash MG Durante as etapas de desenvolvimento da pesquisa pocircde perceber usos mais especiacuteficos do ldquoturdquo ou do ldquovocecircrdquo (e suas variaccedilotildees ldquoocecircrdquo ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo) observando estigmatizaccedilatildeo em determinadas situaccedilotildees resultante do preconceito linguiacutestico Essa constataccedilatildeo apontou para o fato de que a intoleracircncia linguiacutestica natildeo pode ser mais ignorada exigindo do professor um ensino adequado em sala de aula Nessa direccedilatildeo tendo como suporte teoacuterico a Sociolinguiacutestica Educacional foi elaborada e desenvolvida uma proposta de ensino alicerccedilada em quatro oficinas que entre seus objetivos procurava natildeo soacute promover a conscientizaccedilatildeo dos alunos em relaccedilatildeo agrave variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem refletir sobre a trajetoacuteria e os contextos de uso dos pronomes em estudo Por meio das atividades os objetivos da pesquisa foram alcanccedilados contribuindo para que os estudantes aprimorassem conhecimentos e ampliassem sobremaneira sua competecircncia no uso do Portuguecircs especialmente na variedade

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padratildeo Os resultados mostraram como pode ser produtivo um trabalho sociolinguiacutestico na escola que permita aos alunos refletir sobre a liacutengua e suas variedades entendendo que a diferenccedila linguiacutestica natildeo pode ser vista como deficiecircncia

Tambeacutem eacute importante a discussatildeo das relaccedilotildees entre a fala a escrita e o registro ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa temas analisados por Clarice Nogueira Lopes em ldquoO fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritardquo A pesquisadora discorre sobre a transformaccedilatildeo de ditongos em monotongos na escrita de alunos de 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG O capiacutetulo ao contrastar a perspectiva da Gramaacutetica Tradicional e da Ciecircncia Linguiacutestica problematiza a compreensatildeo sobre o ldquoerrordquo ortograacutefico esclarecendo percepccedilotildees equivocadas sobre os ldquoerrosrdquo na fala e deslizes na escrita mostrando que satildeo entendimentos de naturezas bem distintas Aleacutem disso destaca que os ldquoerrosrdquo acabam recebendo forte avaliaccedilatildeo social negativa Por isso a pesquisadora ressalta a relevacircncia da aplicaccedilatildeo de instrumentos diagnoacutesticos e da elaboraccedilatildeo de atividades que possam contribuir para que os alunos tenham suas duacutevidas resolvidas e com isso possam aprender adequadamente Os resultados positivos no uso das estrateacutegias desenvolvidas levaram os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e passarem a adequar as produccedilotildees textuais agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo por meio da reduccedilatildeo da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos

Em diaacutelogo com essa discussatildeo Anagrey Barbosa em ldquoA segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirrdquo analisa a escrita de alunos de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG com foco no estudo da segmentaccedilatildeo e da juntura oferecendo aos professores subsiacutedios para a compreensatildeo desses aspectos e para uma abordagem condizente em sala de aula Para tanto o capiacutetulo discute as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e as influecircncias da fala no modo de escrever A autora chama a atenccedilatildeo para um redirecionamento

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do olhar sobre o ldquoerro ortograacuteficordquo pois o aluno empreende reflexatildeo ao ldquoerrarrdquo mostrando que os desvios que geralmente satildeo cometidos na escrita satildeo explicaacuteveis teoricamente e podem ser resolvidos por meio de estrateacutegias que contribuam para o aprimoramento da escrita Por isso a pesquisadora destaca que o docente natildeo deve ter uma reaccedilatildeo negativa diante do ldquoerrordquo de escrita do aluno sob o risco de promover sua exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo mas deve adotar uma perspectiva que compreenda e perceba os desvios ortograacuteficos como um rico material de investigaccedilatildeo e de planejamento para as aulas

Outro capiacutetulo que aborda essa temaacutetica eacute o de Gilvan Mateus Soares e Orando Antocircnio da Costa Filho em ldquoA escrita de alunos do Ensino Fundamental II os lsquoerrosrsquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertordquo Os autores rediscutem dados de pesquisa realizada com alunos de um 7ordm ano de uma escola puacuteblica de Salinas ndash MG analisando as aproximaccedilotildees e os distanciamentos entre a variedade falada pelos estudantes e o modo como escrevem ou mais especificamente entre fonemassons e grafemasletras Aleacutem disso mostram que eacute importante que o docente leve em conta a realidade sociocultural dos educandos e as praacuteticas de letramento de que participam ou deixam de participar pois a falta de vivecircncia de situaccedilotildees de fala escrita ou leitura de usos mais formais e monitorados da liacutengua pode acarretar dificuldades de aprendizagem exigindo por isso da comunidade escolar maior responsabilidade para o desenvolvimento de uma accedilatildeo pedagoacutegica eficiente Eacute importante nesse processo o incentivo agrave pesquisa e agrave leitura e a proposiccedilatildeo de atividades que insiram o estudante em praacuteticas reais de uso da liacutengua como a produccedilatildeo de ldquocartas de leitorrdquo abordando assuntos de publicaccedilotildees e com posterior envio dos textos a revistas ou jornais Esses procedimentos estrateacutegicos apontaram resultados significativos como relatam os pesquisadores

Esperamos com essa diversidade de pesquisas temas e conteuacutedos que esta publicaccedilatildeo ofereccedila conhecimentos de

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aspectos da Liacutengua Portuguesa falada e escrita em Minas Gerais e provoque discussotildees entre pesquisadores natildeo somente das aacutereas da Linguiacutestica e da Educaccedilatildeo Aleacutem disso pretendemos estimular a reflexatildeo e a pesquisa acadecircmica e profissional bem como agregar conhecimentos agrave formaccedilatildeo continuada de docentes natildeo apenas de Liacutengua Portuguesa e LSB agrave praacutetica pedagoacutegica dos professores e agrave aprendizagem dos estudantes ao inseri-los em praacuteticas efetivas de uso da liacutengua em suas modalidades oral e escrita em diferentes momentos de leitura produccedilatildeo de texto e pesquisa incluindo variados gecircneros textuais-discursivos em diferentes miacutedias e suportes e em diversas situaccedilotildees de interaccedilatildeo social

Os Organizadores

O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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1 Introduccedilatildeo

Natildeo haacute novidade no fato de que nossas relaccedilotildees cotidianas satildeo mediadas por gecircneros textuais3 Eles estatildeo em todos os lugares e fazem parte de todas as interaccedilotildees sociais das quais participamos Nesse sentido a escola eacute espaccedilo privilegiado de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e compreensatildeo de gecircneros dadas as muitas vivecircncias expectativas e experiecircncias que nela circulam Na escola ainda haacute a possibilidade de estudos e reflexotildees sobre os proacuteprios gecircneros principalmente nas aulas de Liacutengua Portuguesa o que torna o espaccedilo escolar ainda mais enriquecedor

Os professores de Liacutengua Portuguesa decerto jaacute perceberam que potencialmente qualquer gecircnero textual pode estar presente em suas praacuteticas inclusive nos processos avaliativos Da mesma forma qualquer gecircnero pode constituir-se como o proacuteprio instrumento de avaliaccedilatildeo O professor pode solicitar a produccedilatildeo de uma carta de um e-mail de uma bula de um debate de um seminaacuterio e assim por diante e avaliar essa produccedilatildeo mesmo que ela esteja sob o roacutetulo de redaccedilatildeo escolar ou produccedilatildeo textual O professor pode ainda exibir um documentaacuterio audiovisual promover pesquisas exposiccedilotildees orais e relatoacuterios As possibilidades satildeo muitas talvez infinitas

Apesar de toda essa possibilidade de trabalho com gecircneros nas salas de aula um deles tem tido tradicionalmente lugar de prestiacutegio nesses espaccedilos Trata-se do ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo (doravante item) ou como costuma ser conhecido no ambiente educacional ldquoquestatildeo de provardquo4 Ele circula nas praacuteticas avaliativas dos diferentes componentes curriculares natildeo apenas nas praacuteticas

3 Neste capiacutetulo natildeo se faz distinccedilatildeo entre ldquogecircnero textualrdquo e ldquogecircnero do discursordquo Considero gecircnero textual como uma classe de textos que possuem formas e funccedilotildees semelhantes Como nos recorda Marcuschi (2008) os gecircneros podem ser agrupados em categorias denominadas ldquocartas pessoaisrdquo ldquobilhetesrdquo ldquoartigos de opiniatildeordquo ldquoreceitasrdquo e assim por diante4 Haacute razotildees para distinguir os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo no entanto natildeo eacute objetivo deste texto levantar essa discussatildeo Assim sugere-se que o leitor compreenda os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo como sinocircnimos

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de Liacutengua Portuguesa Apesar de ldquonasceremrdquo para avaliar os itens tecircm migrado para outros usos na escola funcionando como exerciacutecios de fixaccedilatildeo e ateacute mesmo como atividades de treinamento para processos avaliativos como os vestibulares e o proacuteprio Exame Nacional do Ensino Meacutedio (ENEM)

Ainda sobre a utilizaccedilatildeo dos itens nas escolas existem pelo menos dois tipos de professores aqueles que ldquocopiamrdquo itens de provas antigas e fazem um ldquocompiladordquo para suas atividades e aqueles que criam (ou querem criar) os proacuteprios itens Talvez o segundo grupo se destaque em relaccedilatildeo ao primeiro pela iniciativa de criaccedilatildeo o que natildeo significa a elaboraccedilatildeo de itens consistentes Logo considerando que no caso do item o produtor textual natildeo eacute o aluno mas o professor uma questatildeo precisa ser posta seria o professor tatildeo bom elaborador de itens assim como se espera que os alunos sejam tatildeo bons produtores de outros gecircneros textuais Desconfio que natildeo

De modo geral a avaliaccedilatildeo eacute discutida como ldquotemardquo nos cursos de formaccedilatildeo de professores muitas vezes reduzido agrave dicotomia avaliaccedilatildeo quantitativa versus avaliaccedilatildeo qualitativa Natildeo haacute empenho na formaccedilatildeo de professores como profissionais avaliadores que conheccedilam as teacutecnicas subjacentes aos processos avaliativos e agrave proacutepria constituiccedilatildeo dos itens5 Alguns autores (CASTRO 2011 LUCKESI 2011 MORETO 2014) chamam a atenccedilatildeo sobre o desconhecimento teacutecnico de professores embora reconheccedilam que uma das funccedilotildees docentes seja avaliar Ora se o item eacute um produto criado especialmente para avaliar por quais razotildees os professores desconhecem suas teacutecnicas

Via de regra natildeo existe formaccedilatildeo especiacutefica para a funccedilatildeo de avaliador faltam profissionais com essa formaccedilatildeo (VIANNA 2015)

5 Existem diferentes formatos de item Este trabalho ocupa-se do item de muacuteltipla escolha talvez o formato mais popular de item Em Lima (2018) satildeo descritos detalhadamente todos os formatos conhecidos de item Tese disponiacutevel em httpsrepositorioufmgbrhandle1843LETR-B8NF6X

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Essa eacute uma realidade que nas escolas se reflete em avaliaccedilotildees mal elaboradas ou em avaliaccedilotildees cujos resultados satildeo distorcidos seja por serem tecnicamente fragilizadas6 ou simplesmente por serem produto de concepccedilotildees equivocadas de avaliaccedilatildeo como instrumento de troca ou mesmo como instrumento de chantagem e tortura (DEMO 2010 MORETO 2014) Afinal quem nunca ouviu a sentenccedila ldquoSe vocecircs natildeo ficarem quietos vou fazer uma prova bem difiacutecil para vocecircs aprenderem a se comportarrdquo

Este capiacutetulo eacute destinado principalmente para os professores leitores que buscam criar suas proacuteprias avaliaccedilotildees (e seus proacuteprios itens) e para professores em processo de formaccedilatildeo As discussotildees abordam o item como gecircnero textual especializado (HOFFMANN 2015) Eacute importante realccedilar esse adjetivo ldquoespecializadordquo pois conforme seraacute mostrado adiante o item eacute criado em um contexto de conhecimentos especiacuteficos e eacute formado por padrotildees teacutecnicos Elaborar um bom item portanto pressupotildee conhecimento e apropriaccedilatildeo apurada das teacutecnicas Assim o objetivo do capiacutetulo eacute contribuir para o aperfeiccediloamento dessa tarefa de elaboraccedilatildeo

Para desenvolver essas discussotildees aleacutem desta Introduccedilatildeo o capiacutetulo estaacute dividido nas seguintes seccedilotildees a) A histoacuteria do item b) Item como gecircnero e como texto de especialidade c) Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas e) Consideraccedilotildees finais e f) Referecircncias Boa leitura com desejo de que este texto possa provocar reflexotildees sobre processos avaliativos nas escolas

2 A histoacuteria do item

A avaliaccedilatildeo concebida como ldquovaler dar valor ardquo (CUNHA 2010) eacute uma praacutetica muito antiga que talvez remonte agraves primeiras atividades do homem Com a descoberta do fogo por exemplo o homem pocircde categorizar o que estava ao seu redor entre aquilo

6 Avaliaccedilotildees tecnicamente fragilizadas podem levar ao ldquoerrordquo ou ldquoacertordquo ao acaso Sobre o tema sugiro a leitura de Anderson e Morgan (2008)

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que podia ser queimado contra aquilo que natildeo podia Para tanto ele observava comparava avaliava os efeitos do fogo sobre os objetos Da mesma forma ndash pouco importando se era um mito ou natildeo ndash conforme ironizo em Lima (2018) Eva ao aceitar comer o fruto da aacutervore do conhecimento precisou ponderar avaliar tomar decisotildees a respeito das instruccedilotildees que recebera do seu criador e das vantagens mostradas por sua amiga a serpente

O que se ganha o que se perde Qual a vantagem que haacute em agir desta ou daquela forma Como usar menos ou mais tempo para executar uma atividade Todas essas decisotildees satildeo tomadas apoacutes diversas reflexotildees apoacutes se ponderar e valorar cada um dos resultados possiacuteveis Isso eacute avaliaccedilatildeo Note o leitor que a avaliaccedilatildeo existe de modo independente das praacuteticas pedagoacutegicas que conhecemos A avaliaccedilatildeo assim natildeo eacute produto de reflexotildees educacionais mas ldquomigrardquo para o espaccedilo escolar e pedagoacutegico como migra tambeacutem para outras (senatildeo todas) esferas de atividade humana (LIMA 2018 PILETTI PILETTI 2012)

No ambiente escolar a avaliaccedilatildeo tambeacutem eacute uma praacutetica muito antiga que se iniciou com as primeiras experiecircncias educacionais aristoteacutelicas (PILETTI PILETTI 2012) Naquela eacutepoca os mestres faziam questionamentos capazes de provocar reflexotildees e tomadas de decisatildeo por parte dos aprendizes Tempos mais tarde com a invenccedilatildeo do papel com o surgimento de novos suportes textuais e com a proacutepria institucionalizaccedilatildeo da escola as praacuteticas avaliativas escolares comeccedilaram a ganhar novos contornos Foram institucionalizados os exames escolares muitos dos quais permanecem do mesmo modo como conhecemos hoje

Piletti e Piletti (2012) relembram que os exames jaacute eram praticados haacute pelo menos 1200 anos aC pelos chineses para seleccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos para cargos de alta patente o que significa dizer que os exames tambeacutem natildeo satildeo criaccedilatildeo das escolas No espaccedilo escolar tradicionalmente criou-se um fetiche ao redor do exame eacute comum a realizaccedilatildeo de ldquosemanas de provasrdquo

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ldquoreuniotildees para entrega de boletinsrdquo e outras accedilotildees semelhantes Haacute um lugar de destaque para a avaliaccedilatildeo como exame o que certamente causa efeitos colaterais como a pressatildeo psicoloacutegica e a competitividade (nem sempre sadia) dentre outros (ARREDONDO DIAGO 2009)

Somente durante o periacuteodo da Revoluccedilatildeo Industrial eacute que a avaliaccedilatildeo ganhou ares de cientificidade o que causou impactos nos exames escolares Nesse periacuteodo a Psicologia estava interessada em acessar e conhecer componentes da mente humana como a atenccedilatildeo e o proacuteprio desenvolvimento cognitivo Esses componentes precisavam de alguma forma serem medidos quantificados meacutetodos ateacute entatildeo natildeo utilizados na aacuterea A Psicologia se viu portanto forccedilada a buscar na Estatiacutestica esses paracircmetros de mediccedilatildeo Foi quando surgiu a Psicometria7 aacuterea responsaacutevel pelo estudo cientiacutefico ou objetivo da avaliaccedilatildeo (PASQUALI 2013)

A Revoluccedilatildeo Industrial modificou consideravelmente a estrutura social A produccedilatildeo em larga escala reduziu a manufatura Surgiram novas demandas novas profissotildees novas relaccedilotildees sociais e ateacute novos gecircneros textuais No campo da Psicologia ateacute entatildeo natildeo se fazia distinccedilatildeo entre doentes mentais e deficientes mentais Todos eram tratados da mesma forma o que incluiacutea a privaccedilatildeo de viver em sociedade e em muitos casos meacutetodos absurdos de tortura como atesta o claacutessico de Anastasi (1908) Essas praacuteticas natildeo condiziam com o novo modelo de sociedade progressista que estava em ascensatildeo

Foi nesse contexto que Esquirol (1838) um dos precursores da Psicometria criou testes para distinguir doentes mentais de deficientes mentais Ele comprovou que nos casos de doenccedila mental a linguagem se desenvolve o que natildeo se observa nos casos

7 A Psicometria eacute o ramo da Psicologia que se orienta agrave mediccedilatildeo dos processos psiacutequicos dentre os quais estaacute a aprendizagem Para tanto desenvolve estudos que permitem atribuir uma quantificaccedilatildeo aos seus resultados possibilitando a comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas psicoloacutegicas de diversas pessoas ou grupos de pessoas de forma objetiva

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de deficiecircncias da mente Seus testes criados a partir de forte conteuacutedo verbal (ANASTASI 1908) eram formados por unidades avaliativas discretas os chamados ldquoitens avaliativosrdquo que logo foram aplicados em diferentes campos da atividade humana como na proacutepria seleccedilatildeo de trabalhadores para as induacutestrias que estavam em franca expansatildeo agrave eacutepoca

Como se nota a Psicometria eacute uma aacuterea relativamente nova Seu surgimento ocorre pouco antes da segunda metade do seacuteculo XIX o que significa dizer que apesar de a avaliaccedilatildeo ser uma praacutetica bastante antiga o item eacute um produto relativamente recente Ele nasceu em um contexto especializado eacute historicamente situado e possui uma funccedilatildeo bastante marcada medir componentes mentais como o desenvolvimento cognitivo a aprendizagem Como jaacute colocado somente algumas deacutecadas depois de sua criaccedilatildeo o item migrou para as praacuteticas escolares

O item eacute produto de uma atividade especializada que surge para cumprir uma funccedilatildeo social bem definida Ele eacute usado em um contexto bastante especiacutefico Em pouco mais de um seacuteculo de existecircncia o item vem sendo tratado como ldquoinstrumento de avaliaccedilatildeordquo como comprovam diversas definiccedilotildees encontradas na literatura especializada Em meu trabalho de doutorado (LIMA 2018) levantei vasta bibliografia sobre o tema totalizando 43 obras situadas entre 1908 e 2015 na busca de uma definiccedilatildeo que considerasse a face verbal do item tratando-o como unidade textual ou mesmo como gecircnero textual Em nenhuma obra houve algo nesse sentido

Apesar de a literatura especializada natildeo considerar o item como texto ou gecircnero ele tem todos os componentes necessaacuterios para ser enquadrado nessas categorias Mas isso eacute assunto para a proacutexima seccedilatildeo que aborda tambeacutem o conceito de gecircnero textual de especialidade categoria de gecircneros na qual se encontra o item

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3 Item como gecircnero e como texto de especialidade

Foi Hoffmann (2015) linguista alematildeo quem desenvolveu um importante conceito para a Linguiacutestica das Linguagens Especializadas Segundo o autor existe uma ldquoclasse especialrdquo de gecircneros textuais que comporta conhecimentos especializados componente que distingue essa classe dos demais gecircneros O conhecimento especializado por sua vez estaacute associado a aspectos das linguagens cientiacuteficas eou profissionais Assim haacute gecircneros que circulam livremente em diferentes contextos mas haacute aqueles que satildeo especiacuteficos de situaccedilotildees especializadas aos quais Hoffmann denomina ldquogecircneros de especialidaderdquo categoria na qual o item se encaixa

Os gecircneros de especialidade se distinguem dos demais gecircneros natildeo apenas a partir das caracteriacutesticas das situaccedilotildees comunicativas de onde emanam mas tambeacutem a partir das caracteriacutesticas estruturais da linguagem (como terminologias desenhos logomarcas etc) Conforme atesta a histoacuteria do item ele estaacute situado no contexto da Psicometria aacuterea resultante da interseccedilatildeo de duas especialidades Ele natildeo existia antes do surgimento dessa aacuterea de conhecimento foi criado com um propoacutesito especiacutefico Desde seu surgimento o item conteacutem os trecircs elementos essenciais aos gecircneros (BAKHTIN 2003) a estrutura composicional o conteuacutedo temaacutetico e o estilo

No que diz respeito agrave estrutura composicional o item costuma apresentar trecircs partes distintas8 um texto de suporte um comando e as alternativas de resposta O texto de suporte (geralmente um fragmento) conteacutem informaccedilotildees relevantes para a contextualizaccedilatildeo do item Como texto de suporte podem ser utilizados quaisquer textos receitas tirinhas mapas graacuteficos tabelas piadas e assim

8 Talvez essas partes possam ser gecircneros ou subgecircneros Ainda eacute necessaacuterio pesquisar a respeito

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por diante Eacute claro que o conteuacutedo do texto de suporte deve estar adequado ao puacuteblico ao qual o item se destina bem como precisa estar relacionado com o que se pretende avaliar

Quanto ao comando do item trata-se da parte que corresponde agrave instruccedilatildeo que eacute dada ao avaliando Eacute por meio do comando que o avaliando saberaacute como agir diante da situaccedilatildeo-problema a que eacute exposto Isso quer dizer que um comando mal formulado pode natildeo orientar ou pode ainda causar problemas interpretativos capazes de impactar negativamente nos resultados da avaliaccedilatildeo Finalmente as alternativas de resposta satildeo opccedilotildees (geralmente quatro ou cinco) que aparecem no item logo apoacutes o comando Cabe ao avaliando indicar aquela mais adequada a que ele julga ser a alternativa correta A Figura 1 apresenta essas partes da estrutura composicional do item

Figura 1 Partes que compotildeem o item

ALBUQUERQUE M M REIS A C F CARVALHO C D Atlas histoacuterico escolar Rio de Janeiro Fename 1977 (Adaptado)

TEXTO DE SUPORTE

Nos Estados Unidos durante o seacuteculo XIX tal como representada no mapa a relaccedilatildeo entre territoacuterio e naccedilatildeo foi reconfigurada por uma poliacutetica que

COMANDO

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A transferiu as populaccedilotildees indiacutegenas para territoacuterios de fronteira anexados protegendo a cultura protestante dos migrantes fundadores da naccedilatildeo norte-americana

B respondeu agraves ameaccedilas europeias pelo fim da escravidatildeo integrando a populaccedilatildeo de escravos ao projeto de expansatildeo por meio da doaccedilatildeo de terras

C assinou acordo com paiacuteses latino-americanos ajudando na reestruturaccedilatildeo da economia desses paiacuteses apoacutes suas independecircncias

D projetou o avanccedilo de populaccedilotildees excedentes para aleacutem da faixa atlacircntica reformulando fronteiras para o estabelecimento de um paiacutes continental

D instalou manufaturas nas aacutereas compradas e anexadas visando utilizar a matildeo de obra barata das posiccedilotildees em tracircnsito

ALTERNATIVAS DE RESPOSTA

Fonte ENEM 2016 1ordm dia Ciecircncias Humanas Caderno 1 Azul p 2

No que diz respeito ao conteuacutedo temaacutetico o item em contexto escolar estaacute associado aos componentes curriculares tradicionalmente conhecidos como Matemaacutetica Biologia Quiacutemica etc O tema estaacute relacionado ao assunto que eacute tratado no item o que se verifica por meio da linguagem utilizada em sua constituiccedilatildeo Haacute uso de recursos lexicais especiacuteficos e ateacute mesmo de gravuras desenhos dentre outros Por exemplo no item da Figura 1 aleacutem do mapa como texto de suporte haacute as expressotildees ldquoEstados Unidosrdquo ldquomapardquo ldquoterritoacuteriordquo ldquonaccedilatildeordquo dentre outras que auxiliam no reconhecimento de temas relacionados agrave geografia Como se nota no item o tema eacute em grande parte identificado por estruturas linguiacutesticas usadas em sua formulaccedilatildeo9

No que diz respeito ao estilo ele estaacute relacionado com as escolhas individuais dos produtores dos textos No caso do item

9 Em Lima (2018) argumenta-se sobre a existecircncia de trecircs categorias lexicais que compotildeem os itens leacutexico de liacutengua geral leacutexico de especialidade e leacutexico de gecircnero O primeiro grupo corresponde agraves palavras que ocorrem em qualquer texto da liacutengua (grupo formado pelas chamadas ldquopalavras gramaticaisrdquo) O segundo grupo eacute formado por palavras e expressotildees equivalentes aos conceitos das aacutereas avaliadas (terminologias e fraseologias especializadas) Quanto ao terceiro grupo comporta palavras e expressotildees que satildeo proacuteprias da constituiccedilatildeo do gecircnero item (como eacute o caso de ldquoalternativardquo ldquolacunardquo ldquocolunardquo etc)

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por se tratar de um produto especializado haacute uma flexibilidade menor Em outras palavras ainda que tenham liberdade para fazer suas escolhas os produtores dos itens dispotildeem de um conjunto limitado de recursos para desenvolverem novos itens

Os itens satildeo criados para atender a uma demanda especiacutefica promover a avaliaccedilatildeo Cada item em particular possibilita verificar se o avaliando possui (ou natildeo) determinadas habilidades mentais Nessa perspectiva de gecircnero de especialidade cada item corresponde a uma unidade textual especializada Como ocorre com os demais gecircneros elaborar criar e redigir um item pressupotildee conhecimentos especiacuteficos sobre o proacuteprio gecircnero item

Para Kress (1995) a noccedilatildeo de texto pode ser estendida a formas sistemaacuteticas e convencionais de comunicaccedilatildeo Um texto eacute portanto algo que comunica e que pode ser formado por vaacuterios modos semioacuteticos como imagens e sons Essa noccedilatildeo pode entatildeo chegar agrave multimodalidade na qual se incluem recursos linguiacutesticos natildeo linguiacutesticos e mistos Para o autor com o advento de materiais digitais multimiacutedias e interacionais a ressignificaccedilatildeo do conceito de texto como objeto multimodal se faz cada vez mais pertinente Nessa perspectiva os itens satildeo textos mesmo aqueles formados apenas por recursos natildeo linguiacutesticos ou apenas por recursos linguiacutesticos ou mesmo por ambos

Quanto agraves caracteriacutesticas dos textos de especialidade Hoffmann (2005) aponta que elas natildeo fogem daquelas de um texto comum Isso quer dizer que essa concepccedilatildeo de texto multimodal pode ser transposta para o conceito de texto de especialidade O autor poreacutem diz que o texto de especialidade apresenta restriccedilotildees relativas agrave especialidade agrave qual se vincula (e eacute exatamente nesse aspecto que o texto comum se difere do especializado) e por isso eacute frequentemente mais limitado mais riacutegido uma vez que a comunicaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica apresenta padrotildees mais especiacuteficos de linguagem o que claramente se confirma quanto aos estilos empregados nos itens Essa caracteriacutestica se reflete

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em uma linguagem enxuta objetiva sem marcas de pessoalidade Diante do exposto eacute possiacutevel formular esta definiccedilatildeo de item

Gecircnero textual de especialidade constituiacutedo por uma seacuterie de princiacutepios teacutecnicos proacuteprios da avaliaccedilatildeo da aprendizagem escolar Um item corresponde a uma unidade textual discreta capaz de constituir provas testes exames de modo a instrumentalizar a coleta de informaccedilotildees sobre aprendizagem escolar ou a afericcedilatildeo dos conhecimentos adquiridos ou desenvolvidos pelo avaliando (LIMA 2018 p 53)

Assim para elaborar bons itens eacute necessaacuterio conhecimento de suas teacutecnicas assunto para a seccedilatildeo seguinte

4 Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas

As orientaccedilotildees teacutecnicas para elaboraccedilatildeo de itens satildeo resultado de pesquisas na aacuterea de Psicometria e mesmo da proacutepria Linguiacutestica Essas orientaccedilotildees estatildeo relacionadas a aspectos da composiccedilatildeo das partes discretas que compotildeem o gecircnero e que jaacute foram apresentadas neste capiacutetulo Satildeo orientaccedilotildees sobre o texto de suporte sobre o comando e sobre as alternativas de resposta Aqui apresento um apanhado das principais orientaccedilotildees teacutecnicas legitimadas por diferentes autores como Baquero (1974) Grounlund (1974) Medeiros (1983) e Anderson e Morgan (2008)

a) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o texto de suporte

A necessidade de adaptaccedilatildeo de textos em funccedilatildeo do perfil do puacuteblico preferencial a que os textos se destinam natildeo eacute novidade nos estudos da linguagem No que diz respeito ao item deve haver a maacutexima atenccedilatildeo na escolha do texto de suporte Ele precisa conter informaccedilotildees suficientes para a problematizaccedilatildeo proposta no item Qualquer informaccedilatildeo que natildeo esteja relacionada ao que se avalia deve ser eliminada o que contribui para a objetividade do gecircnero

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O gecircnero a que pertence o texto de suporte tambeacutem deve ser considerado De nada adianta utilizar como texto de suporte um gecircnero que seja desconhecido para um determinado puacuteblico com o objetivo de avaliar esse puacuteblico Os gecircneros dos textos de suporte devem ser condizentes com o repertoacuterio de conhecimentos dos avaliandos Na mesma direccedilatildeo o assunto dos textos de suporte precisa ser minuciosamente observado para evitar polecircmicas como a ocorrida em 2012 no Instituto Federal do Espiacuterito Santo (IFES)

No processo seletivo para estudantes do Ensino Meacutedio Integrado do IFES (grupo formado por alunos que tecircm em meacutedia 14 anos) realizado em 2012 houve um texto de suporte polecircmico tratava-se de um item de Liacutengua Portuguesa que versava sobre os perigos da propaganda Ateacute aiacute nada demais a natildeo ser um pequeno detalhe o texto de suporte fazia uma clara apologia agrave praacutetica de sexo oral como mostra a Figura 2

Figura 2 Texto de suporte polecircmico em avaliaccedilatildeo do IFES

Fonte httpsgoogl3Zs3wZ Acesso em 25 mar 2018 Adaptado

Na eacutepoca o caso ganhou os noticiaacuterios A sociedade de modo geral externalizou profundo desagrado com o ocorrido alegando inadequaccedilatildeo do texto na prova de seleccedilatildeo Considerando o contexto avaliativo do IFES o texto de suporte era de fato inadequado o que natildeo quer dizer que ele natildeo pudesse ocorrer em outros itens de outros processos avaliativos Descuido Desinformaccedilatildeo Nesse caso faltou observar orientaccedilotildees teacutecnicas

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que recomendam a utilizaccedilatildeo de textos de suporte adequados ao puacuteblico destinataacuterio

b) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o comando

A denominaccedilatildeo ldquocomandordquo eacute autossugestiva Com a funccedilatildeo de ldquocomandarrdquo o avaliando essa parte do item precisa conter todas as informaccedilotildees necessaacuterias para que o avaliando saiba como agir diante do item Trata-se de uma instruccedilatildeo formada por caracteriacutesticas injuntivas como verbos de accedilatildeo como ldquoassocierdquo ldquorelacionerdquo e ldquopreenchardquo por exemplo Apesar dessa orientaccedilatildeo natildeo satildeo raros os itens cujos comandos natildeo comandam por mais estranho que isso possa parecer Eacute o que ocorre neste exemplo da Figura 3 retirado do vestibular 2019 do Instituto Federal de Minas Gerais

Figura 3 Item com comando insuficiente

Leia o texto a seguir

Documento do Matuto

Sol escaldante

A terra seca

E a sede de lascaacute

Sem ter jeito praacute vivecirc

Com dez fio praacute criaacute

Foi por isso seu moccedilo

Que eu saiacute em busca

De outro lugar

E com laacutegrimas nos oacuteio

Eu deixei meu torratildeo nata

Eu vim procurar trabalho

Natildeo foi riqueza que eu vim buscar

Peccedilo a Deus vida e sauacutede

Praacute famiacutelia pudecirc sustentaacute

Seu moccedilo o documento

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Que eu tenho pra mostraacute

Satildeo essas matildeo calejada

E a vonta de trabaiaacute

GONZAGA Luiz Disponiacutevel em httpswwwletrasmusbrluiz-gonzaga1561254 Acesso em 3 out 2018

A linguagem usada na canccedilatildeo

A) caracteriza o eu liacuterico como uma pessoa idosa pois o vocabulaacuterio empregado eacute proacuteprio dessa faixa etaacuteria

B) inferioriza a fala do caipira ao utilizar inuacutemeros vocaacutebulos e construccedilotildees verbais que ferem a norma culta padratildeo

C) poderia ser substituiacuteda pela variedade da norma culta padratildeo sem prejuiacutezo agrave expressividade da canccedilatildeo

D) reproduz um jeito de falar tiacutepico de uma regiatildeo e classe social que contribuiu para a marcaccedilatildeo do ritmo da canccedilatildeo

Fonte httpsbitly2GROza4 Acesso em 7 ago 2019

Observe que o suposto comando ldquoA linguagem usada na canccedilatildeordquo natildeo deixa claro o que deve ser analisado no item Eacute um comando que natildeo cumpre a funccedilatildeo de orientar procedimentos

Resolver esse problema pode ser tarefa simples desde que o elaborador do item saiba que eacute necessaacuteria a ocorrecircncia de pelo menos uma forma verbal no comando Assim o problema seria eliminado com uma nova redaccedilatildeo10 como ldquoQue caracteriacutestica predomina na linguagem utilizada na canccedilatildeordquo

Cumpre apontar que haacute diferentes tipos de item de muacuteltipla escolha Essas diferenccedilas satildeo perceptiacuteveis principalmente pelo modo como os comandos satildeo elaborados Haacute pelo menos nove tipos de itens de muacuteltipla escolha quais sejam afirmativa incompleta alternativas constantes asserccedilatildeo e razatildeo foco negativo interrogativa direta lacuna ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo resposta muacuteltipla e associaccedilatildeo

10 Obviamente outras adequaccedilotildees podem ser necessaacuterias principalmente nas alternativas de resposta

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bull Item de afirmativa incompleta

O item de afirmativa incompleta (Figura 4) eacute caracterizado por um comando afirmativo que consiste em um enunciado incompleto relacionado a algum aspecto do texto de suporte Por causa dessa relaccedilatildeo com o texto de suporte o comando nesse tipo de item eacute bastante variaacutevel e imprevisiacutevel A uacutenica caracteriacutestica previsiacutevel desse tipo de item satildeo as afirmativas incompletas que devem estar coerentemente relacionadas com cada uma das alternativas de resposta possiacutevel complemento para esse ldquocomando incompletordquo

Figura 4 Item de afirmativa incompleta

Esta eacute uma tirinha da Mafalda

Disponiacutevel em httpsgooglw2mhzw Acesso em 8 jun 2017

De acordo com o contexto da tirinha o inquilino da Mafalda sugeriu que ela

A) comprasse balas com o dinheiro que sobrou do patildeo

B) devolvesse todo o troco que ela recebeu da padaria

C) ficasse satisfeita mesmo sem ter comprado as balas

D) tivesse dor na consciecircncia por ter enganado a matildee

Fonte Lima (2018 p 72)

bull Item de alternativas constantes

O item de alternativas constantes (Figura 5) eacute utilizado quando se deseja avaliar um nuacutemero significativo de dados classificando-os em Certo ou Errado Verdadeiro ou Falso Pertinente ou Impertinente A expressatildeo ldquoClassifique como (V) Verdadeiras ou (F) Falsasrdquo eacute tipicamente encontrada nesse tipo de item

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Figura 5 Item de alternativas constantes

Esta eacute uma tirinha da turma do Peanuts

Disponiacutevel em httpsgooglPNCkEP Acesso em 8 jun 2017

Sobre a tirinha foram feitas algumas afirmaccedilotildees Classifique-as como (V) Verdadeiras ou (F) Falsas

( ) Os personagens possuem predileccedilotildees relacionadas aos gecircneros textuais

( ) Uma das falas da tirinha corresponde ao que se entende por ldquohipoacuteteserdquo

( ) Todos os balotildees da tira tecircm o objetivo de indicar a fala dos personagens

( ) Infere-se que a uacuteltima fala da tirinha corresponda ao tiacutetulo de uma notiacutecia

A sequecircncia correta de classificaccedilatildeo de cima para baixo eacute

A) (F) (V) (V) (F)

B) (F) (F) (F) (V)

C) (V) (F) (V) (F)

D) (V) (V) (F) (V)

Fonte Lima (2018 p 71)

bull Item asserccedilatildeo e razatildeo

O item de asserccedilatildeo e razatildeo (Figura 6) eacute caracterizado por apresentar duas afirmativas que podem ser verdadeiras ou falsas assim como podem ou natildeo estabelecer relaccedilotildees de significado entre si (causa e efeito fato e explicaccedilatildeo fato e consequecircncia etc) Esse tipo de item eacute recomendado para avaliar capacidades cognitivas complexas pois aleacutem de o avaliando ser solicitado a verificar a veracidade das afirmativas ele precisa demonstrar conhecimento sobre o significado de operadores argumentativos

O comando desse tipo de item eacute bastante previsiacutevel pois relaciona-se com a veracidade das asserccedilotildees feitas Em geral satildeo

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perguntas formadas por interrogativas diretas questionando qual das afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees As alternativas de resposta evocam muitas interpretaccedilotildees exigindo anaacutelise e concentraccedilatildeo do avaliando de modo que itens de asserccedilatildeo e razatildeo devem ser aplicados em avaliandos mais experientes

Figura 6 Item de asserccedilatildeo e razatildeo

TEXTO I

Segunda-feira natildeo eacute faacutecil para ningueacutem Mas cochilar no trabalho pode natildeo pegar muito bem Para lutar contra o sono no meio do expediente muita gente apela para aquele cafeacute extraforte ou qualquer variaccedilatildeo desta bebida Se vocecirc se identificou pode ser que se enquadre nesta lista de profissionais que mais precisam da ajuda do cafeacute para chegar acordados ao fim do dia

A lista eacute o resultado de uma pesquisa feita com 4700 trabalhadores norte-americanos entre agosto e setembro Confira a lista Cientistas e teacutecnicos de laboratoacuterios Profissionais de marketing e relaccedilotildees puacuteblicas Administradores de instituiccedilotildees de ensino Escritores e jornalistas Meacutedicos Cozinheiros Professores Trabalhadores autocircnomos braccedilais (encanadores carpinteiros etc)

Disponiacutevel em httpsgooglnAXTCy Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

TEXTO II

Estaacute cheio de motorista e baladeiro por aiacute que toma cafeacute com refrigerante agrave base de cola para varar uma noite acordado A crenccedila eacute de que misturando duas bebidas com alta concentraccedilatildeo de cafeiacutena o sono vai embora Mas quem disse que haacute tanta cafeiacutena assim nessa mistura

Uma lata do refrigerante segundo o fabricante tem algo entre 30 e 60 mg de cafeiacutena Jaacute uma xiacutecara de cafeacute apresenta entre 25 e 50 mg Agora faccedila as contas somando as duas doses vocecirc estaraacute ingerindo no maacuteximo 110 mg de cafeiacutena ndash pouco para espantar o sono de algueacutem Ateacute 400 mg por dia o consumo eacute considerado apenas moderado Portanto natildeo eacute uma xicarazinha de cafeacute com uma lata de refrigerante agrave base de cola que vatildeo ajudaacute-lo a passar uma noite inteira em claro

Disponiacutevel em httpgooglP5HFt Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

Sobre os textos foram feitas estas asserccedilotildees

ASSERCcedilAtildeO 1 Os dois textos tratam do mesmo tema e defendem o mesmo ponto de vista

PORQUE

ASSERCcedilAtildeO 2 ambos defendem o consumo do cafeacute como estimulante contra o sono

Qual destas afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees

A) A asserccedilatildeo 1 estaacute correta no entanto a asserccedilatildeo 2 estaacute incorreta

B) A relaccedilatildeo entre as asserccedilotildees estaacute incorreta poreacutem elas natildeo estatildeo

C) As asserccedilotildees estatildeo corretas logo a relaccedilatildeo entre elas tambeacutem estaacute

D) As asserccedilotildees estatildeo incorretas independentemente de sua relaccedilatildeo

Fonte Lima (2018 p 74)

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bull Item de foco negativo

Esse tipo de item eacute formado por vaacuterias alternativas na afirmativa e apenas uma delas relaciona-se coerentemente a algum aspecto negativo expresso no comando (Figura 7) Esse tipo de item natildeo eacute recorrente nos bancos de item pois sua elaboraccedilatildeo exige rigor teacutecnico apurado para natildeo orientar a busca pelo destoante que nem em todos os contextos significa avaliar conhecimento mas que pode enfatizar a busca pelo erro A educaccedilatildeo deve priorizar a busca pelo conhecimento natildeo pela ausecircncia dele Assim esse item eacute elaborado em casos em que realmente o conhecimento a ser avaliado implica na busca de algo com foco negativo o que nem sempre eacute claro para os elaboradores Casos em que o comando indica algo semelhante a ldquoMarque a alternativa INCORRETArdquo ou ldquoSobre o texto NAtildeO eacute correto afirmar querdquo satildeo claacutessicos exemplos de um item de foco no errado no destoante e natildeo no negativo

Figura 7 Item com foco negativo

Esta eacute uma notiacutecia que circulou na internet

Composto de uva pode combater doenccedila de Chagas

O resveratrol eacute um antioxidante encontrado na uva e utilizado como suplemento alimentar pela capacidade de produzir benefiacutecios cardiacuteacos semelhantes aos causados pela praacutetica de atividades fiacutesicas Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Oswaldo Cruz acreditam que a substacircncia tambeacutem possa ajudar o coraccedilatildeo de pacientes com doenccedila de Chagas Os efeitos foram detectados em ratos e detalhados na ediccedilatildeo de ontem da revista Plos Pathogens

Baseado em evidecircncias de que o protozoaacuterio causador da doenccedila de Chagas danifica o coraccedilatildeo por meio de estresse oxidativo o grupo de cientistas testou se o resveratrol poderia combater essa condiccedilatildeo No estudo ratos foram infectados com o parasita e desenvolveram rapidamente a fase crocircnica da doenccedila caracterizada pelos danos cardiacuteacos Os pesquisadores trataram as cobaias com resveratrol e monitoraram o coraccedilatildeo delas usando eletro e ecocardiogramas

Disponiacutevel em httpsgoogly6wbBM Acesso em 8 jun 2017 Adaptado

De acordo com o texto os cientistas NAtildeO tecircm certeza de que

A) a doenccedila de Chagas pode ser combatida pelo composto de uva

B) as cobaias precisam de tratamento com eletro e ecocardiogramas

C) o resveratrol pode ser usado como um suplemento na alimentaccedilatildeo

D) os ratos satildeo os hospedeiros do protozoaacuterio da doenccedila de Chagas

Fonte Lima (2018 p 69)

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No exemplo o foco negativo natildeo recai sobre o erro mas sobre um aspecto interpretativo do texto A partir de uma notiacutecia sobre a possibilidade de um composto de uva auxiliar no tratamento da doenccedila de Chagas o comando orienta a interpretaccedilatildeo do avaliando sobre as incertezas (foco negativo) dos cientistas em suas pesquisas Natildeo haacute entre as alternativas uma seacuterie de respostas corretas e apenas uma incorreta que deveria ser indicada pelo avaliando Ao contraacuterio haacute quatro respostas plausiacuteveis sendo que a correta eacute orientada por uma negaccedilatildeo

Em itens de foco negativo o comando deve conter sempre uma palavra de foco negativo como ldquonuncardquo ldquonatildeordquo ldquoexcetordquo

bull Item de interrogativa direta

Esse tipo de item eacute o que comporta o que se compreende por questatildeo ou seja uma pergunta diretamente formulada com a interrogaccedilatildeo expliacutecita no comando (Figura 8) Eacute um tipo de item bastante recorrente em processos avaliativos Esse tipo de item eacute formulado a partir de alternativas de resposta iniciadas por letras maiuacutesculas exatamente porque satildeo precedidas de uma interrogaccedilatildeo As alternativas nesse tipo de item natildeo completam o comando mas o respondem diretamente como uma nova sentenccedila

Figura 8 Item de interrogativa direta

Quem inventou o sanduiacuteche

Hoje mundialmente popular o sanduiacuteche foi inventado em uma mesa de bridge da Inglaterra no ano de 1762 John Edward Montague o 4ordm conde de Sandwich gostava tanto de jogar que natildeo parava nem para comer Refeiccedilotildees com garfo e faca poderiam prejudicar sua concentraccedilatildeo Por isso certo dia pediu que sua carne fosse servida entre dois pedaccedilos de patildeo Dessa forma Montague poderia comer com uma das matildeos e continuar jogando com a outra Natildeo demorou muito para que os conhecidos do conde pedissem ldquoo mesmo que o Sandwichrdquo e foi assim que o prato ganhou popularidade

A cidade de Sandwich no condado inglecircs de Kent preparou uma festa em 2012 para celebrar o aniversaacuterio de 250 anos da iguaria Sendo a praticidade uma qualidade cada vez mais valorizada nos dias de hoje o consumo de sanduiacuteches natildeo para de crescer eacute a opccedilatildeo de almoccedilo de 75 dos britacircnicos A induacutestria de sanduiacuteche do Reino Unido emprega hoje 300 mil pessoas (mais que o agronegoacutecio) e vende 3 bilhotildees de unidades anuais

Disponiacutevel em httpsgooglXyArZW Acesso em 17 jul 2017 Adaptado

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De acordo com o texto por qual motivo o sanduiacuteche eacute uma refeiccedilatildeo praacutetica

A) Por movimentar um grande sistema de produccedilatildeo e consumo

B) Por ser possiacutevel comecirc-lo utilizando apenas uma das matildeos

C) Por ter sido inventado por um homem viciado em jogos

D) Por transformar-se em um prato popular em toda a Europa

Fonte Lima (2018 p 70)

O comando nesse tipo de item eacute bastante imprevisiacutevel pois se relaciona muitas vezes com o conteuacutedo do texto de suporte A uacutenica previsibilidade que recai sobre ele eacute o fato de ser necessariamente uma interrogativa direta Nesse exemplo para responder agrave interrogativa o avaliando deve reconhecer no texto que Montague queria fazer sua refeiccedilatildeo sem parar de jogar Para isso solicitou carne entre dois pedaccedilos de patildeo Isso era praacutetico pois ele poderia comer com uma das matildeos e jogar com a outra

bull Item de lacuna

O item de lacuna (Figura 9) eacute caracterizado pela existecircncia de ldquoespaccedilosrdquo (lacunas) em frases ou textos que devem ser preenchidos pelo avaliando que indica as opccedilotildees de preenchimento oferecidas pelo elaborador do item O exemplo da Figura 9 foi elaborado a partir de um texto de suporte verbete de dicionaacuterio do qual foram retiradas palavras gerando essas lacunas

Figura 9 Item de lacuna

O Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss apresenta estas definiccedilotildees para ldquopratordquo

substantivo masculino

1 de louccedila metal etc ger circular e cocircncava em que se serve comida

2 Derivaccedilatildeo por metoniacutemia

conteuacutedo de um prato (acp 1)

3 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

conjunto de ingredientes preparado de determinada maneira _____

Ex pratos da cozinha japonesa

4 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

cada uma das preparaccedilotildees culinaacuterias servidas numa ______ entre a sopa e a sobremesa

5 qualquer ______ de maacutequina que lembre um prato

E os p de uma balanccedila

Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss Verbete Prato Adaptado

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As palavras que completam coerentemente as lacunas satildeo respectivamente

A) Iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash iguaria

B) Peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo

C) Refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria

D) Utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila

Fonte Lima (2018 p 73)

bull Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

O item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo (Figura 10) eacute aquele que apresenta uma seacuterie de elementos que devem ser ordenados de acordo com algum criteacuterio As alternativas de resposta correspondem a possiacuteveis organizaccedilotildees desses elementos As palavras ldquoorganizaccedilatildeordquo e ldquoordenaccedilatildeordquo e seus derivados comumente estatildeo presentes no comando desse tipo de item o que aponta a certa previsibilidade do comando No exemplo foi utilizado um texto de suporte sobre contos de fada Note que para resolver esse item o avaliando precisa compreender as sequecircncias coesivas que tecem a progressatildeo textual

Figura 10 Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

Estes trechos foram retirados de um texto chamado ldquoA origem dos contos de fadardquo

(I) Posteriormente os Irmatildeos Grimm e o dinamarquecircs Hans Christian Andersen deram segmento agrave proposta de Charles Perrault com narrativas mais suaves cujos desfechos culminavam em uma ldquomoral da histoacuteriardquo

(II) Isso porque hoje respeitamos e conhecemos o significado da palavra infacircncia e porque haacute algum tempo alguns escritores como o francecircs Charles Perrault adaptaram alguns contos para que eles pudessem ser mais bem aceitos pela sociedade

(III) Para citarmos um exemplo de como os contos foram modificados na histoacuteria ldquoCachinhos Douradosrdquo a menina que invade a casa de trecircs ursinhos e mexe em todas as coisas deles natildeo existia a personagem na verdade era uma raposa que ao final era jogada pela janela

(IV) No comeccedilo os contos ainda natildeo eram de fadas As histoacuterias originais pouco lembram as histoacuterias que conhecemos hoje e em sua maioria apresentavam enredos assustadores que dificilmente fariam sucesso nos tempos atuais

Disponiacutevel em httpescolakidsuolcombra-origem-dos-contos-de-fadashtm Acesso em 17 jul 2014 Adaptado

Para tornar o texto coerente como devem ser organizadas suas partes

A) (I) ndash (III) ndash (IV) ndash (II) B) (II) ndash (I) ndash (III) ndash (IV)

C) (III) ndash (IV) ndash (II) ndash (I) D) (IV) ndash (II) ndash (I) ndash (III)

Fonte Lima (2018 p 75)

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bull Item de resposta muacuteltipla

O item de resposta muacuteltipla (Figura 11) apresenta de trecircs a cinco afirmaccedilotildees sobre um assunto Essas afirmaccedilotildees podem ser corretas ou incorretas Cabe ao avaliando analisaacute-las e indicar o agrupamento de afirmaccedilotildees corretas Cada agrupamento corresponde a uma alternativa de resposta Esse tipo de item possui a vantagem de poder abordar diferentes toacutepicos sobre o mesmo tema

O comando nesse tipo de item eacute bastante previsiacutevel dada sua orientaccedilatildeo de anaacutelise para a pertinecircncia de afirmaccedilotildees muitas vezes relacionadas a um texto de suporte Assim satildeo comuns estruturas semelhantes a ldquoAnalise as afirmaccedilotildeesrdquo ldquoAnalise as afirmativasrdquo ldquoEstatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo e ldquoSatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo

As alternativas de resposta satildeo formadas a partir da numeraccedilatildeo previamente atribuiacuteda a cada uma das afirmaccedilotildees que satildeo objeto de anaacutelise O exemplo um item de Liacutengua Portuguesa parte de uma tirinha com material linguiacutestico que caracteriza regionalismo ambiguidade tipos de discurso e norma-padratildeo Esses toacutepicos satildeo objetos de avaliaccedilatildeo e estatildeo representados no item pelos numerais I II III e IV respectivamente

Figura 11 Item de resposta muacuteltipla

Esta eacute uma tirinha do Guri de Uruguaiana

Disponiacutevel em httpsgooglbdbgYy Acesso em 9 jun 2017

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Analise estas quatro afirmaccedilotildees sobre a tirinha

I ndash Haacute pelo menos um exemplo de regionalismo na fala do personagem

II ndash O duplo sentido da palavra ldquomalhaccedilatildeordquo causa o efeito de humor da tira

III ndash A fala do primeiro quadrinho apresenta um exemplo de discurso indireto

IV ndash O uso do verbo ldquoassistirrdquo no segundo quadro eacute proacuteprio do Portuguecircs padratildeo

Estatildeo corretas APENAS as afirmaccedilotildees

A) I II e IV B) II e IV C) III e IV D) I II e III

Fonte Lima (2018 p 77)

bull Item de associaccedilatildeo

O item de associaccedilatildeo (Figura 12) eacute constituiacutedo por elementos que por possuiacuterem relaccedilatildeo combinatoacuteria podem ser associados O item a seguir associado agrave capacidade de reconhecimento dos processos de formaccedilatildeo de palavras foi organizado em duas colunas que devem ser associadas

Figura 12 Item de associaccedilatildeo

A primeira coluna enumera processos de formaccedilatildeo de palavras A segunda coluna apresenta palavras formadas por esses processos Associe a segunda coluna de acordo com a primeira

PROCESSOS PALAVRAS

(1) derivaccedilatildeo sufixal ( ) desalmado

(2) derivaccedilatildeo prefixal ( ) preconceito

(3) derivaccedilatildeo prefixal e sufixal ( ) desempregado

(4) derivaccedilatildeo parassinteacutetica ( ) prensado

A associaccedilatildeo correta de cima para baixo eacute

A) (2) ndash (2) ndash (4) ndash (2) B) (2) ndash (3) ndash (1) ndash (3)

C) (3) ndash (4) ndash (3) ndash (1) D) (4) ndash (2) ndash (3) ndash (1)

Fonte Lima (2018 p 78)

A ldquoordem de classificaccedilatildeordquo e a ldquoassociaccedilatildeo corretardquo satildeo expressotildees tiacutepicas nos comandos de itens desse tipo o que lhes confere certa previsibilidade Predominam nesse tipo de item

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abordagens relacionadas a classificaccedilotildees e taxionomias o que nem sempre estaacute de acordo com as teorias educacionais vigentes

No item do exemplo o conhecimento sobre os processos de formaccedilatildeo pode ser visto (ou mesmo criticado) por ser conhecimento enciclopeacutedico Itens desse tipo com abordagem interpretativo-textual podem ser elaborados desde que haja textos de suporte mais extensos (o que oferece possibilidades de classificaccedilotildees mais aplicadas como trechos com ironia com linguagem denotativa ou conotativa variaccedilotildees linguiacutesticas etc) algo que nem sempre eacute recomendaacutevel nos itens11

c) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre as alternativas de resposta

Chama-se ldquoalternativas de respostardquo o conjunto de opccedilotildees que o avaliando dispotildee Ele deve indicar a ldquoresposta corretardquo As demais alternativas satildeo chamadas de ldquodistratoresrdquo Sua funccedilatildeo eacute ldquodistrairrdquo o avaliando desde que isso se decirc de modo plausiacutevel ou seja cada distrator deve ser potencialmente uma resposta correta Sobre as alternativas de resposta o paralelismo eacute a principal orientaccedilatildeo teacutecnica Ele eacute compreendido como um padratildeo harmocircnico ou homogecircneo entre as alternativas de resposta e estaacute relacionado agrave estrutura e ao significado dessas opccedilotildees Satildeo chamados de paralelismo gramatical paralelismo de conteuacutedo e paralelismo de extensatildeo

bull Paralelismo gramatical

Chama-se ldquoparalelismo gramaticalrdquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha por meio de um padratildeo gramatical homogecircneo Sua funccedilatildeo eacute garantir que natildeo haja alternativa(s) destoante(s) gramaticalmente a ponto

11 Eacute importante dizer que o professor avaliador pode a partir de um texto base uacutenico e mais extenso elaborar itens de diversos tipos e formatos o que incluiria o item de associaccedilatildeo com abordagem discursiva Em casos de itens de bancos de avaliaccedilatildeo externa a recomendaccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo de textos de suporte menores o que limita a possibilidade de itens de associaccedilatildeo com abordagens menos tradicionais

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de resultar no acerto ou no erro do item ao acaso Esse tipo de paralelismo relaciona-se com os aspectos da liacutengua padratildeo como concordacircncia verbo-nominal coordenaccedilotildees subordinaccedilotildees etc Por exemplo natildeo teraacute atendido ao criteacuterio do paralelismo gramatical o item que apresentar trecircs alternativas de resposta iniciadas por palavras no singular e apenas uma iniciada no plural Para alterar essa condiccedilatildeo basta que todas as alternativas estejam no singular ou todas estejam no plural ou metade esteja no singular e metade esteja no plural Isso vale para qualquer estrutura gramatical usada nas alternativas de resposta

Figura 13 Item sem paralelismo gramatical

Considere esta tirinha da Mafalda

Disponiacutevel httpsgooglZh6WmE Acesso em 18 jul 2017

Mafalda iniciou a leitura de ldquoO Pequeno Polegarrdquo porque

A) era necessaacuterio desenvolver haacutebitos de leitura desde a infacircncia

B) pensava que beijar sempre fosse adequado em qualquer idade

C) queria comparar o conteuacutedo traacutegico do livro com a cena na TV

D) sua matildee considerou o beijo na TV inapropriado para crianccedilas

Fonte Lima (2018 p 64)

No exemplo as alternativas A B e C satildeo iniciadas por verbo e apenas a alternativa D por um pronome Trata-se da alternativa correta gramaticalmente destoante das demais Um item como esse ainda que atenda a todas as outras recomendaccedilotildees teacutecnicas natildeo deve constar em um banco de itens a alternativa destoante eacute um chamariz para que o avaliando acerte o item ldquoao acasordquo Mesmo se a alternativa correta natildeo fosse a destoante o chamariz

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permaneceria induzindo o avaliando ao erro Em casos como do exemplo a recomendaccedilatildeo teacutecnica eacute que todas as alternativas fossem iniciadas por verbo ou duas delas com verbo e duas com pronome ou ainda cada uma delas com uma estrutura gramatical diferente

bull Paralelismo de conteuacutedo

Denomina-se ldquoparalelismo de conteuacutedordquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha a partir de um padratildeo de significado que garanta a plausibilidade de cada alternativa Ele garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao conteuacutedo a ponto de resultar tambeacutem no acerto ao acaso Esse tipo de paralelismo corresponde agrave compreensatildeo de cada alternativa de resposta e sua relaccedilatildeo com o comando Teraacute obedecido ao criteacuterio de paralelismo de conteuacutedo o item em que cada alternativa de resposta seja potencialmente uma resposta correta Aleacutem disso o conteuacutedo das alternativas precisa estar correlacionado de modo a evitar alternativas absurdas facilmente descartadas pelo avaliando O paralelismo de conteuacutedo estaacute relacionado a aspectos semacircnticos da construccedilatildeo das alternativas Por exemplo um item em que apenas uma das alternativas ressalta aspectos negativos de um determinado fatoassunto teraacute rompido com o paralelismo de conteuacutedo uma vez que as outras alternativas de resposta vatildeo em direccedilatildeo contraacuteria ressaltando aspectos positivos desse mesmo fatoassunto

Figura 14 Item sem paralelismo de conteuacutedo

TEXTO I

Este eacute um trecho do conto ldquoPerdoando Deusrdquo de Clarice Lispector

Eu ia andando pela avenida e olhava distraiacuteda edifiacutecios nesga de mar pessoas sem pensar em nada Via tudo e agrave toa Pouco a pouco eacute que fui percebendo que estava percebendo as coisas Minha liberdade entatildeo se intensificou um pouco mais sem deixar de ser liberdade E foi quando quase pisei num enorme rato morto Em menos de um segundo estava eu ericcedilada pelo terror de viver estilhaccedilava-me toda em pacircnico e controlava como podia o meu mais profundo grito Quase correndo de medo cega entre as pessoas terminei no outro quarteiratildeo encostada a um poste cerrando violentamente os olhos que natildeo queriam mais ver Mas a imagem colava-se agraves paacutelpebras um grande rato ruivo de cauda enorme com os peacutes esmagados e morto quieto ruivo O meu medo desmesurado de ratos

Disponiacutevel em httpwwwpasseiwebcomestudoslivrosperdoando_deus_conto_clarice Acesso em 18 jul 2017 Adaptado

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TEXTO II

Disponiacutevel em httpsfantasticocenariofileswordpresscom20120308gif Acesso em 18 jul 2017

Os dois textos satildeo semelhantes porque

A) apresentam ratos como animais que amedrontam

B) exemplificam o mesmo gecircnero textual narrativo

C) generalizam que as mulheres tecircm medo de ratos

D) tratam os ratos como seres com vontade proacutepria

Fonte Lima (2018 p 65)

No exemplo a alternativa B destoa das demais quanto ao conteuacutedo pois cobra uma anaacutelise metalinguiacutestica dos textos (e natildeo uma anaacutelise interpretativa) Aleacutem disso eacute a uacutenica que natildeo apresenta a palavra ldquoratosrdquo em sua composiccedilatildeo O rato nos textos eacute elemento importante que desencadeia accedilotildees de outros personagens e por isso foi elemento na anaacutelise interpretativa proposta nas alternativas A C e D Certamente natildeo haacute problema na solicitaccedilatildeo de anaacutelises metalinguiacutesticas desde que essa anaacutelise seja condizente com a habilidade cobrada e que mantenha o paralelismo Para que o item do exemplo atenda aos criteacuterios teacutecnicos a recomendaccedilatildeo eacute que a palavra ldquoratordquo esteja contida em todas as alternativas (ou em apenas duas delas) Tambeacutem seria necessaacuterio que uma anaacutelise metalinguiacutestica fosse proposta por todas as alternativas ou por duas delas

bull Paralelismo de extensatildeo

Entende-se por ldquoparalelismo de extensatildeordquo a organizaccedilatildeo que garante que cada alternativa de resposta tenha aproximadamente

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a mesma quantidade de caracteres isto eacute a mesma extensatildeo Seu emprego garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao tamanho evitando tambeacutem o acerto do item ao acaso No exemplo da Figura 15 a alternativa A eacute notadamente maior que as demais que tambeacutem apresentam diferenccedila de extensatildeo entre si Alternativas destoantes satildeo chamariz para o avaliando que tende a assinalaacute-la mesmo natildeo dominando aquilo que estaacute sendo avaliado

Figura 15 Item sem paralelismo de extensatildeo

Esta eacute uma tirinha da turma do ldquoNiacutequel Naacuteuseardquo

Disponiacutevel em httpsgooglRVR4MB Acesso em 18 jul 2017

O que causa o humor na tirinha

A) A ambiguidade da expressatildeo ldquoeacute um livro que prende o leitorrdquo que pode se referir ao aprisionamento do inseto-leitor ou ao interesse em terminar a leitura iniciada

B) A histoacuteria se passar em uma biblioteca lugar frequentado por leitores

C) O fato de o bibliotecaacuterio ter fechado o livro com rapidez

D) O inseto ser retratado como um leitor

Fonte Lima (2018 p 66)

Apesar dessa recomendaccedilatildeo teacutecnica natildeo eacute em todos os itens que o paralelismo de extensatildeo se aplica Por exemplo haacute itens cujas alternativas de resposta satildeo versos frases ou trechos retirados de textos o que dificulta a exatidatildeo da extensatildeo Para esses (e outros) casos a recomendaccedilatildeo teacutecnica refere-se agrave ordem crescente de extensatildeo das alternativas ou agrave ordem numeacuterica nos casos de disciplinas da aacuterea de exatas

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5 Consideraccedilotildees finais

Reduzir o item ao papel de instrumento de avaliaccedilatildeo eacute desconsiderar os aspectos que envolvem sua produccedilatildeo e sua constituiccedilatildeo como gecircnero textual e como texto especializado Essa condiccedilatildeo de produto especializado eacute confirmada pela teacutecnica que subjaz sua elaboraccedilatildeocomposiccedilatildeo e que muitas vezes eacute desconsiderada nos espaccedilos escolares local onde o item eacute usado natildeo apenas para avaliar mas adquire novas funccedilotildees (ou subfunccedilotildees)

Eacute contraditoacuterio pensar que professores que tambeacutem satildeo avaliadores desconhecem as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos o que inclui os conhecimentos sobre os gecircneros usados para avaliar dentre eles o item Mais do que desejar que os cursos de Licenciatura passem a enxergar a avaliaccedilatildeo tambeacutem pelo vieacutes da instrumentalizaccedilatildeo eacute necessaacuterio que os docentes tanto os atuantes quanto os em formaccedilatildeo busquem conhecer esses instrumentos Nesse sentido este capiacutetulo cumpre seu papel apresenta ainda que de modo sucinto as principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo do gecircnero item

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda pesquisa12 realizada com alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga instituiccedilatildeo puacuteblica de ensino localizada no Distrito Federal (DF) que oferece metodologia especiacutefica e adequada para o ensino da Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) como liacutengua materna

O objetivo principal deste trabalho eacute contribuir para o ensino e a aquisiccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa (LP) como segunda liacutengua (L2) por alunos surdos por meio da criaccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue Para tanto utilizamos o meacutetodo de natureza qualitativa pois de acordo com Bortoni-Ricardo (2011 p 34) a ldquopesquisa qualitativa procura entender interpretar fenocircmenos sociais inseridos em um contextordquo uma vez que eacute direcionada e que o pesquisador estaacute presente em todas as fases Tambeacutem nos apoiamos na metodologia da pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005) bem como nos princiacutepios metodoloacutegicos e nas aplicaccedilotildees da terminologia propostos por Krieger e Finatto (2004)

A partir dessas metodologias realizamos alguns ajustes necessaacuterios agrave elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP tendo em vista que trabalhamos com duas liacutenguas diferentes a primeira eacute viso-espacial a segunda oral

O presente texto estaacute organizado da seguinte maneira na seccedilatildeo Arcabouccedilo Teoacuterico apresentamos os Fundamentos da Linguiacutestica para o estudo das Liacutenguas de Sinais e da Linguiacutestica para o Estudo da Terminologia que traz conhecimento nas aacutereas de Lexicologia Lexicografia Terminologia e Lexicografia Pedagoacutegica Nos Procedimentos Metodoloacutegicos mostrados na

12 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbruploadssites14201811Final-2632017-Cristina-Bianchipdf

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seccedilatildeo seguinte discorremos sobre os caminhos seguidos e as questotildees metodoloacutegicas relacionadas aos aspectos praacuteticos usados para o levantamento e a anaacutelise dos dados desta pesquisa como por exemplo a seleccedilatildeo do corpus os processos adotados para seleccedilatildeo dos vocaacutebulos e a validaccedilatildeo de sinais Na seccedilatildeo denominada Resultados e anaacutelises retomamos a proposta inicial de nossa pesquisa discutimos os resultados alcanccedilados e apresentamos o produto e a conclusatildeo final da nossa pesquisa Na parte das Referecircncias relacionamos a bibliografia utilizada livros artigos dissertaccedilotildees teses e a paacutegina dos sites que deram suporte para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

2 Arcabouccedilo teoacuterico

Este estudo estaacute situado no acircmbito da Teoria da Linguagem e Ensino Isso significa dizer que utilizamos as abordagens teoacutericas baacutesicas dos estudos linguiacutesticos com foco nas liacutenguas de sinais segundo Quadros (2004) Nascimento (2009) e Brito (2010) Contamos tambeacutem com o suporte teoacuterico da Ciecircncia do Leacutexico com base em Biderman (2001a 2001b) Krieger e Finatto (2004) e Isquerdo e Finatto (2010) Como metodologia de pesquisa utilizamos a pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005)

Conforme Bagno (2014) a linguagem eacute proacutepria do ser humano e eacute utilizada para representar e expressar de forma simboacutelica as experiecircncias de vida como adquirir processar e transmitir conhecimento por exemplo A partir da definiccedilatildeo desse autor podemos considerar dois novos conceitos o de linguagem natildeo verbal e o de linguagem verbal

Entendemos por linguagem natildeo verbal aquela que natildeo se utiliza de palavras para a comunicaccedilatildeo e que recorre a outros meios comunicativos placas imagens figuras gestos etc Jaacute a linguagem verbal tem a palavra escrita (ou sinalizada) como o centro de sua comunicaccedilatildeo No caso da nossa pesquisa o foco eacute a linguagem

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verbal especificamente a modalidade comunicativa sinalizada que eacute a LSB13

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual isto eacute as relaccedilotildees entre os elementos se datildeo por meio do uso do espaccedilo na sintaxe na morfologia e na fonologia e segundo Ferreira (2010 p 11) ldquoeacute uma liacutengua natural com toda a complexidade que os sistemas linguiacutesticos que servem agrave comunicaccedilatildeo e de suporte de pensamento agraves pessoas dotadas da faculdade de linguagem possuemrdquo Portanto eacute uma liacutengua como qualquer outra poreacutem sua formaccedilatildeo se daacute de forma diferente agrave das liacutenguas orais conforme podemos visualizar na figura a seguir que ilustra as Configuraccedilotildees de Matildeo em LSB

Figura 1 Configuraccedilotildees de Matildeo em Liacutengua de Sinais Brasileira

13 A Liacutengua de Sinais Brasileira eacute conhecida por duas siglas Libras e LSB A primeira eacute a mais difundida no Brasil eacute reconhecida por lei e refere-se agrave Liacutengua Brasileira de Sinais A segunda segue a convenccedilatildeo internacional que preconiza que as liacutenguas de sinais devem ser identificadas por meio de trecircs letras sendo tambeacutem a mais empregada em trabalhos cientiacuteficos e acadecircmicos Por essa razatildeo optamos por utilizar a sigla LSB

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Fonte Nascimento (2009 p 178)

As Configuraccedilotildees de Matildeo satildeo as possiacuteveis formas que as matildeos podem assumir para a realizaccedilatildeo dos sinais em LSB Nascimento (2009) sistematizou no total 75 Configuraccedilotildees de Matildeo A execuccedilatildeo da LSB se daacute por meio do espaccedilo Por sua vez os sinais satildeo compostos por cinco paracircmetros Configuraccedilatildeo de Matildeo (CM) Expressatildeo Natildeo Manual (ENM) Movimento (M) Orientaccedilatildeo da Palma da Matildeo (OR) e Ponto de Articulaccedilatildeo (PA)

Na Figura 1 anterior estatildeo representadas todas as CM observadas e registradas ateacute o momento presente Com essas configuraccedilotildees a LSB ldquoganha vidardquo Algumas delas satildeo utilizadas para representar as letras do alfabeto e os nuacutemeros no entanto a maioria eacute empregada para a realizaccedilatildeo do sinal Geralmente as CM satildeo acompanhadas de Movimentos a saber ENM OR e PA

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Os Movimentos acompanham as CM atraveacutes dos dedos da direccedilatildeo e da sequecircncia Uma mesma CM pode ter dois ou mais sinais a depender do movimento que eacute feito como em ldquoproacuteximo anordquo e ldquoano passadordquo por exemplo Nesse caso o primeiro movimento com as matildeos eacute para frente jaacute o segundo para traacutes

As ENM satildeo os movimentos realizados pela cabeccedila pelos olhos pelas bochechas pelas sobrancelhas pelo nariz pelo tronco pelos laacutebios e pela liacutengua Normalmente essas expressotildees estatildeo associadas agraves funccedilotildees gramaticais da LSB

A OR por sua vez eacute a maneira pela qual a matildeo executaraacute o sinal podendo ser para cima para baixo para dentro para fora ou em disposiccedilatildeo contralateral

Por fim o PA eacute o local em que se realiza o sinal (em frente ao corpo ou em sua superfiacutecie) podendo ser na cabeccedila nos ombros na cintura enfim em vaacuterias partes do corpo (ou proacuteximas a ele)

Como eacute possiacutevel observar a LSB possui estrutura proacutepria e neste trabalho eacute considerada a primeira liacutengua (L1) de uma pessoa surda pois nossos informantes a utilizam como tal uma vez que a adquiriram espontaneamente e sem a necessidade de cursos ou treinamentos formais comunicando-se com fluecircncia e de forma satisfatoacuteria por meio dela Segundo Fernandes (2008 p 31)

[] a liacutengua oral-auditiva que serve como meio de comunicaccedilatildeo da comunidade ouvinte deve ser aprendida como segunda liacutengua [pelos surdos] jaacute preservado o domiacutenio da liacutengua de sinais que garante a curto prazo natildeo soacute um meio de comunicaccedilatildeo eficaz mas tambeacutem o instrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual ou seja realiza-se natildeo por meio do canal oral-auditivo mas mediante visatildeo e utilizaccedilatildeo do espaccedilo As liacutenguas orais-auditivas satildeo assim denominadas

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quando a forma de recepccedilatildeo natildeo grafada eacute a audiccedilatildeo e quando a forma de reproduccedilatildeo natildeo escrita eacute a oralizaccedilatildeo

3 Metodologia

Para a elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP proposto por este trabalho seguimos um roteiro metodoloacutegico ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa cuja finalidade principal foi a confecccedilatildeo de um material didaacutetico que pudesse subsidiar o ensino de Portuguecircs para estudantes surdos a partir da compilaccedilatildeo dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico utilizado em sala de aula

Eacute importante destacar que utilizamos a pesquisa bibliograacutefica natildeo soacute para embasar teoricamente este estudo mas tambeacutem para realizarmos o levantamento dos termos que jaacute possuiacuteam equivalentes em LSB Dessa forma compilamos os termos presentes no livro didaacutetico adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) e constituiacutemos o corpus do glossaacuterio para a gravaccedilatildeo dos sinais

De acordo com Krieger e Finatto (2004) o primeiro passo para se elaborar um glossaacuterio eacute identificar se a obra proposta atenderaacute a um puacuteblico especiacutefico (reconhecimento terminoloacutegico) Apoacutes essa etapa eacute necessaacuterio determinar pelas caracteriacutesticas de seus termos se ele faraacute parte de um dicionaacuterio terminoloacutegico ou de liacutengua geral e agrave qual aacuterea do conhecimento pertenceraacute aquela terminologia Aleacutem disso segundo as autoras o registro dos termos deveraacute ser feito em uma ficha individual que contenha todos os dados possiacuteveis pertinentes a cada um dos termos

Aleacutem dos passos metodoloacutegicos supracitados Krieger e Finatto (2004) apresentam mais algumas questotildees a serem consideradas no acircmbito do estudo de textos especializados que trabalham com tecnologias e apoio informatizado satildeo elas i) identificar as

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terminologias considerando a fonte o corpus a frequecircncia14 os aspectos linguiacutesticos (gramaticais semacircnticos pragmaacuteticos) das unidades lexicais do texto a frequecircncia de associaccedilotildees de elementos em sintagmas e os aspectos pragmaacuteticos-comunicativos ii) proceder ao tratamento de bases textuais em formato digital iii) observar aspectos tais como a repeticcedilatildeo da palavra o estudo dos sintagmas terminoloacutegicos a anaacutelise de fraseologias e o estudo da adjetivaccedilatildeo e dos verbos

Ressaltamos que todos esses aspectos apontados por Krieger e Finatto (2004) foram considerados para a criaccedilatildeo do glossaacuterio semibiliacutengue digital em LSB e LP proposto por este estudo A seguir vejamos as etapas seguidas para que pudeacutessemos alcanccedilar o objetivo principal deste trabalho

31 Etapa 1 Seleccedilatildeo do corpus de LP

A seleccedilatildeo para a composiccedilatildeo do glossaacuterio em LSB foi realizada a partir do corpus da compilaccedilatildeo em ordem alfabeacutetica dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico de Liacutengua Portuguesa Portuguecircs linguagens CEREJA Roberto William MAGALHAtildeES Thereza Cochar Satildeo Paulo Atual 2014 a fim de subsidiar o ensino de LP aos aprendizes surdos

A coleta de dados se deu da seguinte maneira em um primeiro momento foram selecionados 205 verbos dos comandos das questotildees do livro didaacutetico supracitado pesquisando-se quais deles jaacute tinham sido lexicografados Em um segundo momento aplicamos um questionaacuterio aos alunos por meio do qual tinham de responder qual sinal correspondia a cada um dos verbos apresentados (se soubessem a resposta deveriam sinalizar em LSB) Por fim analisamos os dados obtidos e entatildeo selecionamos 42 termos desconhecidos pelos alunos e que natildeo estavam registrados em dicionaacuterios consultados

14 Na seleccedilatildeo do corpus optamos pela relevacircncia do termo para o aprendizado do estudante surdo e natildeo pela frequecircncia com que aparece em seu contexto

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Apoacutes a constituiccedilatildeo do corpus do glossaacuterio buscamos nos dicionaacuterios Novo Deit-Libras Dicionaacuterio Enciclopeacutedico Ilustrado Triliacutengue da Liacutengua de Sinais Brasileira (2013) e Dicionaacuterio On-line Acesso Brasil da Liacutengua Brasileira de Sinais os sinais existentes em LSB Nesse procedimento realizado apenas pela pesquisadora consideramos somente os termos que jaacute haviam sido lexicografados Dos 205 verbos encontrados 154 eram dicionarizados pelo Novo Deit-Libras e 146 pelo Acesso Brasil Desse universo de 205 verbos selecionados 42 natildeo foram lexicografados por nenhum dos dois dicionaacuterios

Dos 154 verbos dicionarizados pelo Novo Deit-Libras sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no Distrito Federal (Brasiacutelia e cidades sateacutelites)15 e 32 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico Dos 146 verbos dicionarizados pelo ldquoAcesso Brasilrdquo sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no DF e 26 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico

32 Etapa 2 Seleccedilatildeo dos verbos para o glossaacuterio

Optamos inicialmente por trabalhar com os verbos natildeo dicionarizados Os demais jaacute estavam registrados em dicionaacuterios ainda que os estudantes natildeo conhecessem o respectivo sinal ou os significados natildeo correspondessem ao contexto do livro

Classificamos para nosso corpus os 42 verbos que compunham o comando de questotildees do livro didaacutetico em dois tipos os termos de comando e os termos que integram o comando Termos de comandos satildeo os que determinam o que o aluno deve fazer na questatildeo Nesse grupo estatildeo os termos da LP que natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido e os verbos da LSB que tambeacutem natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido Satildeo eles identificar e justificar

15 Esclarecemos que embora a pesquisa tenha sido realizada com alunos da Escola Biliacutengue de Taguatinga nossos discentes moram em diversas cidades sateacutelites do DF como Asa Sul Gama Satildeo Sebastiatildeo e outras cidades Essa constataccedilatildeo foi fruto de investigaccedilatildeo realizada por esta pesquisadora em parceria com trecircs consultoras surdas e uma CODA fluentes em LSB

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Os termos que integram o comando do livro didaacutetico satildeo os verbos que auxiliam na compreensatildeo da questatildeo e estatildeo presentes nos comandos por noacutes selecionados Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder citar comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar exercer expressar farejar identificar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler reproduzir ressaltar restringir retratar rever sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

Nesse conjunto de verbos temos os que satildeo do leacutexico comum da LP mas quando criado um sinal correspondente em LSB ele passa a ser termo em LSB pois soacute pode ser usado naquele contexto em que se apresenta no texto do comando do livro didaacutetico Satildeo eles exercer expressar e rever Os demais verbos pertencem ao leacutexico comum de ambas as liacutenguas Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar expressar farejar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

33 Etapa 3 Estudo dos verbos em LP

Formamos dois grupos de estudo para verificarmos os vaacuterios significados dos termos em LP e os possiacuteveis sinais em LSB Esses dois grupos foram criados para que fornecessem suporte agrave pesquisadora em relaccedilatildeo a possiacuteveis sinais que poderiam ser utilizados pelos alunos e em grupo estudar o significado do termo em LSB no contexto

O primeiro grupo era formado por duas professoras A primeira eacute surda contratada temporariamente pela Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo do Distrito Federal (SEEDF) e mestranda em Linguiacutestica pela Universidade de Brasiacutelia (UnB) A segunda eacute professora efetiva da SEEDF filha de surdos formada em Pedagogia e LetrasLibras e especialista em ensino de LP como segunda liacutengua para surdos

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O segundo grupo era formado por duas professoras Uma eacute surda trabalha como contrato temporaacuterio na SEEDF e eacute formada em LetrasLibras A outra eacute efetiva na SEEDF formada em LetrasLibras e proficiente em LSB

34 Etapa 4 Estudo dos termos em LP discussatildeo e criaccedilatildeo dos sinais em LSB

Verificamos os sinais dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees que natildeo possuem correspondentes em LSB Apresentamos aos alunos os comandos das questotildees do livro didaacutetico e o contexto em que se encontravam para que os discentes se inteirassem do trabalho Em um primeiro momento explicamos os possiacuteveis contextos em que a palavra poderia se apresentar e em seguida o contexto do livro didaacutetico Logo a seguir os estudantes discutiram o significado da palavra e os possiacuteveis sinais que o verbo poderia ter Nesse instante para nossa surpresa os alunos comeccedilaram a pesquisar os significados das palavras em dicionaacuterios on-line por meio de seus proacuteprios celulares

Durante o processo de discussatildeo dos sinais nossa interferecircncia foi miacutenima Soacute era feita alguma intervenccedilatildeo se percebecircssemos que os discentes natildeo tinham entendido o significado da palavra no contexto ou que estavam utilizando um sinal jaacute existente para designar outra palavra

Essa foi uma etapa riquiacutessima pois notamos a maturidade e o niacutevel de comprometimento dos alunos surdos com a pesquisa Anteriormente tiacutenhamos receio de que a proposta natildeo fosse bem recebida por englobar um trabalho diferente do que os estudantes jaacute haviam realizado em sala de aula contudo percebemos o interesse e a vontade de aprender o conceito das palavras em LP e de criar e propor um sinal para elas uma vez que ainda natildeo existia nos dicionaacuterios pesquisados

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Apoacutes constatarmos que os sinais criados pelos alunos surdos do 9deg ano e validados pelos discentes surdos do 3deg ano do ensino meacutedio natildeo condiziam com o contexto empregado no livro didaacutetico propusemos uma intervenccedilatildeo imediata objetivando a criaccedilatildeo de novos sinais Assim retomamos nossos estudos junto aos alunos acompanhados de uma professora surda e de um sujeito proficiente em LSB Nesse processo de intervenccedilatildeo explicamos novamente os contextos do livro didaacutetico e com o auxiacutelio da professora surda os estudantes criaram novos sinais para aqueles que natildeo estavam condizentes com o significado do texto

35 Etapa 5 Validaccedilatildeo dos sinais

Validamos junto aos discentes surdos do ensino meacutedio os sinais criados pelos alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF)

Para a realizaccedilatildeo desse processo escolhemos a turma do 3ordm ano do ensino meacutedio da escola em questatildeo A escolha se deu por ser uma turma concluinte e na qual todos os estudantes satildeo surdos e fluentes em LSB

Em princiacutepio apresentamos o texto em LP para que fosse lido Em seguida os alunos analisaram se os sinais elaborados pelos estudantes do 9deg ano estavam de acordo com o contexto e os paracircmetros da LSB Para nossa surpresa os discentes da turma do ensino meacutedio natildeo compreenderam o texto escrito isto eacute os comandos das questotildees do livro didaacutetico

Dessa forma tivemos de mudar nossa estrateacutegia inicial Optamos entatildeo pela explicaccedilatildeo em LSB de todos os comandos das questotildees do livro didaacutetico a fim de que pudessem entender o contexto de cada verbo ndash ateacute mesmo os vaacuterios contextos em que a palavra poderia aparecer Nesse grupo de validaccedilatildeo dos sinais percebemos que os participantes estavam menos motivados em relaccedilatildeo ao trabalho do que os do primeiro grupo

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36 Etapa 6 Gravaccedilatildeo dos sinais elaborados pelos alunos

Iniciamos o processo de confecccedilatildeo fiacutesica do glossaacuterio que se deu em duas etapas A primeira delas foi a filmagem dos sinais no estuacutedio da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga com os estudantes do 9ordm ano das seacuteries finais Apresentamos como ilustraccedilatildeo dessa fase a Figura 2 a seguir

Figura 2 Sinal gravado

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

E a segunda denominada etapa teacutecnica foi a elaboraccedilatildeo fiacutesica do site (Figura 3) a seguir no qual estaacute hospedado glossaacuterio wwwglossariosemibilinguewordpresscom

Figura 3 Paacutegina inicial do site

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

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4 Resultados e anaacutelises

Com esta investigaccedilatildeo tivemos a intenccedilatildeo de dedicar ao estudo de novas possibilidades didaacuteticas que possam auxiliar no processo de ensino e aprendizagem de LP de alunos surdos falantes de LSB Para tanto propusemos a confecccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP Nosso objetivo principal ao produzir esse material didaacutetico eacute que ele possa ser utilizado em sala de aula pelos aprendizes surdos de LP como segunda liacutengua de maneira a fornecer maior autonomia a esses alunos em seus estudos

Apoacutes a finalizaccedilatildeo do nosso trabalho observamos que o entendimento dos comandos das questotildees do livro didaacutetico por parte dos discentes surdos melhorou consideravelmente Podemos afirmar tambeacutem que o glossaacuterio possibilitou a ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP pois durante o processo de produccedilatildeo desse material didaacutetico os estudantes foram ldquointernalizandordquo os significados das palavras

Ao desenvolvermos nossa pesquisa junto aos alunos durante a qual discutiacuteamos em LSB o significado do verbo em LP percebemos que esse processo de aquisiccedilatildeo estava acontecendo de maneira diferente agravequela que geralmente ocorre em sala de aula

Uma diferenccedila notada foi que os estudantes surdos procuravam nos dicionaacuterios on-line utilizando seus proacuteprios aparelhos celulares o significado do verbo apresentado Dois motivos os levaram a realizar esse procedimento eles natildeo sabiam o significado do verbo e buscavam um significado que se adaptasse ao contexto do livro didaacutetico Nesse momento iniciou-se entre os alunos uma discussatildeo sobre o significado da palavra em LP em seu contexto Essa constataccedilatildeo nos deixou muito satisfeitos porque testemunhamos a seriedade com que conduziram esse processo de criaccedilatildeo Como os estudantes satildeo adolescentes pensamos inicialmente que teriacuteamos de interferir no trabalho a todo momento mas isso natildeo foi necessaacuterio

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Durante esse processo verificamos o verdadeiro bilinguismo educacional em funcionamento alunos surdos utilizando-se de sua proacutepria liacutengua (LSB) para discutir conceitos definiccedilotildees e significados de termos de outra liacutengua (LP) Isso nos fez repensar nossa praacutetica diaacuteria que eacute o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua Nesse sentido outro aspecto positivo da produccedilatildeo do glossaacuterio foi suscitar reflexotildees e releituras sobre a proacutepria praacutexis pedagoacutegica

No decorrer da realizaccedilatildeo deste trabalho notamos ainda um avanccedilo gradual na aprendizagem de nossos discentes Chegamos agrave sala de aula com 42 termos cujos significados eram desconhecidos pelos estudantes e ao teacutermino da pesquisa essas palavras (termos) comeccedilaram a fazer parte do Portuguecircs escrito desses alunos Isso foi comprovado quando os professores de outras disciplinas comeccedilaram a comentar que nossos estudantes estavam empregando em seus textos escritos algumas palavras que antes natildeo utilizavam

O niacutevel de interesse dos discentes surdos tambeacutem ficou constatado quando comeccedilaram a estabelecer uma relaccedilatildeo de significado com outros termos bem como pelas constantes perguntas que faziam como por exemplo querer saber se determinada palavra tinha um significado semelhante ao de outra Aleacutem disso durante as aulas tomaram a iniciativa de criar um glossaacuterio ldquoparticularrdquo no final do caderno em que anotavam as palavras cujo significado desconheciam (para depois perguntarem seu sentido ao professor) Acreditamos que nesse momento os alunos comeccedilaram a despertar para a utilizaccedilatildeo mais frequente de dicionaacuterio em sala de aula

Por outro lado eacute necessaacuterio destacar que a criaccedilatildeo de novos sinais natildeo ocorreu com todos os verbos Para a maioria deles os estudantes surdos acabaram optando por utilizar um sinal jaacute existente (que possuiacutea um significado semelhante na LSB) estabelecendo uma associaccedilatildeo entre a palavra e os significados que possuem em seus diversos contextos

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No entanto natildeo consideramos essa estrateacutegia como insatisfatoacuteria porque mesmo natildeo criando sinais novos os alunos trabalharam com seu significado tanto em LP quanto em LSB

Notamos ainda que os discentes surdos assim como qualquer outro estudante possuem caracteriacutesticas proacuteprias em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo do leacutexico de LP Por essa razatildeo para o surdo esse leacutexico em LP tem de ser apresentado de maneira concreta e contextualizada em LSB

Para finalizar nossa reflexatildeo esperamos que o glossaacuterio criado inspire profissionais de outras aacutereas do conhecimento a produzir outros materiais desse modelo que possam expandir o leacutexico de LP dos alunos surdos concorrendo para a melhoria da escrita nessa sua segunda liacutengua

Durante todo o processo de confecccedilatildeo do nosso glossaacuterio percebemos muitas reaccedilotildees positivas dos estudantes em relaccedilatildeo ao desenvolvimento desta pesquisa No tocante agrave ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP temos a convicccedilatildeo de que isso realmente ocorreu entre os alunos conforme explicado anteriormente pois nas etapas de elaboraccedilatildeo do glossaacuterio os estudantes surdos tiveram contato com as vaacuterias possibilidades de uso dos verbos selecionados em diferentes contextos

Por fim eacute necessaacuterio destacar que para que seja utilizado em sua totalidade o corpus do glossaacuterio proposto por este trabalho precisa ser ampliado para outras classes de palavras expressotildees idiomaacuteticas e aspectos da liacutengua

5 Consideraccedilotildees finais

Tendo em vista o exposto ateacute aqui podemos afirmar que o objetivo definido no iniacutecio desta pesquisa foi alcanccedilado pois elaboramos um glossaacuterio digital semibiliacutengue (wwwglossariosemibilinguewordpresscom) como suporte didaacutetico para a compreensatildeo dos comandos das questotildees presentes no

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livro didaacutetico de LP adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) promovendo-se dessa maneira uma inclusatildeo digital mais efetiva dos alunos surdos dessa instituiccedilatildeo de ensino

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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1 Introduccedilatildeo

Em nossos dias haacute distintas formas de se conceber e caracterizar a populaccedilatildeo surda brasileira Naturalmente as imagens que ouvintes produzem de surdos satildeo bastante distintas das autoimagens que surdos produzem de si Na perspectiva do senso-comum surdos satildeo vistos pelas lentes do exotismo da anormalidade e da necessidade de reabilitaccedilatildeo enquanto na perspectiva da comunidade surda surdos satildeo definidos pela visualidade e pelas especificidades decorrentes dessa forma de experimentar o mundo como informa Ribeiro (2008) Tais posicionamentos como se veraacute delimitam-se reciprocamente constituindo o que se convencionou chamar de polecircmica discursiva

A partir desta constataccedilatildeo este texto16 aborda a gecircnese ou constituiccedilatildeo de discursos sobre os surdos produzidos pelos proacuteprios surdos Objetiva-se com isso por um lado compreender que relaccedilotildees interdiscursivas possibilitam e fundamentam a emergecircncia desses discursos de si e por outro delinear quem satildeo os surdos para a proacutepria comunidade surda

Para tanto elege-se o aporte teoacuterico da Anaacutelise do Discurso de orientaccedilatildeo francesa (particularmente dos estudos de Dominique Maingueneau alocados na obra Gecircnese dos Discursos) para guiar a anaacutelise do espaccedilo interdiscursivo recortado por noacutes As anaacutelises partem do estudo do fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva e detecircm-se especificamente no modo como discursos polecircmicos delimitam-se reciprocamente a partir da produccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros do seu outro discursivo

Entendemos os temas da polecircmica discursiva e da interincompreensatildeo como expedientes analiacuteticos ricos e altamente produtivos uma vez que eacute possiacutevel considerar que grande parte dos conflitos sociais de pequeno ou grande porte deriva-se

16 Este texto foi originalmente publicado na revista Estudos da Liacutengua(gem) v 13 em 2015

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natildeo apenas do esquecimento do sujeito quanto agrave opacidade da linguagem seguido da consequente ilusatildeo de que aquilo que se diz chega ao interlocutor tal qual engendrado no ponto de partida mas sobretudo da nossa capacidade de compreender a fala do outro sempre a partir do nosso proacuteprio sistema de restriccedilotildees semacircnticas ou melhor a partir de um simulacro construiacutedo do outro a partir de nossas proacuteprias discordacircncias Assim partiremos do estudo do campo discursivo da surdez constituiacutedo por dois posicionamentos ou formaccedilotildees discursivas (FD) polecircmicas que ao mesmo tempo se atraem e repulsam no espaccedilo discursivo aqui recortado

A seguir apresentaremos o campo e o espaccedilo recortados (com suas FD) para posteriormente deter-nos na interincompreensatildeo discursiva que seraacute estabelecida entre os discursos de cada FD Como veremos parece que produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro ou compreendecirc-lo a partir de seus proacuteprios enquadres satildeo facetas de um mesmo fenocircmeno

2 Definindo o campo e o espaccedilo discursivos

Maingueneau (2005 p 3) postula que em meio a um conjunto de discursos de todos os tipos que interagem em dada conjuntura (denominada universo discursivo) eacute possiacutevel construir via recorte temaacutetico domiacutenios suscetiacuteveis de serem estudados pelo analista os campos discursivos em que posicionamentos diversos se encontram em concorrecircncia e se delimitam em determinada regiatildeo do universo discursivo Para ilustrar lembremos por exemplo de estudos realizados a partir do campo devoto por Maingueneau (2005) focalizando um espaccedilo discursivo constituiacutedo pelos discursos jansenista e humanista devoto ou os estudos de Lara (2008) sobre o campo da liacutengua em que se elegeu para estudo uma FD escolar (da gramaacutetica normativa) e outra cientiacutefica (da Linguiacutestica)

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Maingueneau esclarece que o recorte em campos e espaccedilos natildeo define zonas isoladas Os campos acabam por evidenciar ao contraacuterio as muacuteltiplas redes de trocas discursivas que os constituem Para entender a constituiccedilatildeo de dado campo discursivo pois o analista precisa recortar subconjuntos de FD apreensiacuteveis no campo os espaccedilos discursivos constituiacutedos por pelo menos duas FD ou dois posicionamentos discursivos distintos que mantecircm relaccedilotildees constitutivas privilegiadas uma vez que de acordo com Maingueneau (2005) espaccedilos discursivos satildeo recortados de campos determinados

Ao longo do tempo os discursos sobre a surdez vecircm se renovando e modificando constantemente Atualmente haacute pelo menos duas importantes e diferentes formas de se conceber (discursivamente) as pessoas surdas na contemporaneidade A primeira concepccedilatildeo se origina do domiacutenio cliacutenico-terapecircutico e compreende os surdos a partir da disfunccedilatildeo do natildeo-ouvir uma vez que se baseia sobretudo em argumentos princiacutepios e posturas que intencionam fazer o surdo ldquosuperarrdquo contornar a surdez como forma de alavancar o seu desenvolvimento linguiacutestico e social Assume-se aqui um discurso que pode ser considerado como de fundamentaccedilatildeo ouvintista17 visto que a surdez eacute considerada uma patologia que precisa ser tratada (RIBEIRO 2008) A segunda concepccedilatildeo que adveacutem do domiacutenio linguiacutestico-antropoloacutegico postula que os surdos podem viver e se desenvolver na e pela surdez sem combatecirc-la Ancora-se em princiacutepios linguiacutesticos culturais e identitaacuterios que especificam povos surdos pelo mundo ostentando um discurso que pode ser considerado de fundamentaccedilatildeo surda pois compreende a surdez a partir de seu reconhecimento linguiacutestico e cultural abolindo o estigma da deficiecircncia e proclamando a marca da diferenccedila linguiacutestica

17 Ouvintismo termo proposto por Skliar (1998) costuma ser entendido como um conjunto de representaccedilotildees estereotipadas dos ouvintes sobre os surdos a partir do qual o proacuteprio surdo ldquoestaacute obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR 1998 p 15)

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Como se vecirc trata-se de FD que se opotildeem e que como veremos estabelecem entre si uma relaccedilatildeo de polecircmica discursiva Posicionando-nos a partir do campo teoacuterico da anaacutelise do discurso de orientaccedilatildeo francesa eacute possiacutevel compreender que tais discursos instituem um espaccedilo discursivo especiacutefico apreensiacutevel via recorte do campo discursivo da surdez

Assim no campo discursivo da surdez vislumbramos um espaccedilo constituiacutedo por um conjunto de FD que se opotildeem uma FD cliacutenico-terapecircutica (de fundamentaccedilatildeo ouvintista) e uma FD linguiacutestico-antropoloacutegica (de fundamentaccedilatildeo surda) como postulado Compreendemos a primeira FD como resultante do discurso da ldquodeficiecircnciardquo da ldquofaltardquo do ldquodesviordquo enquanto na segunda percebemos o discurso da ldquodiferenccedilardquo da ldquoidentidaderdquo da ldquoliacutengua e da cultura especiacuteficasrdquo Veremos entatildeo as manifestaccedilotildees discursivas que dialogam no campo da surdez serem reordenadas a partir do espaccedilo discursivo da surdez como deficiecircncia sensitiva ou como diferenccedila linguiacutestica

Segundo Maingueneau (2005) dado discurso natildeo interage com outro discurso como tal mas sim com o simulacro que constroacutei desse discurso Neste estudo entatildeo partimos desse espaccedilo para abordar o fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva E como dito nosso objetivo foi observar a interaccedilatildeo que se estabelece no campo da surdez entre os discursos polecircmicos citados (discursos de fundamentaccedilatildeo surda versus discursos de fundamentaccedilatildeo ouvintista) focalizando como satildeo estabelecidos os movimentos de construccedilatildeo e negaccedilatildeo desses discursos e de seus simulacros no campo em questatildeo

O subcorpus que seraacute analisado foi coletado em 2008 agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo da pesquisa de mestrado da autora18 e eacute composto

18 RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2018

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por textos escritos por surdos universitaacuterios sobre a proacutepria condiccedilatildeo da surdez

3 A polecircmica como interincompreensatildeo algumas anaacutelises

Nesta pesquisa recortamos do campo da surdez um espaccedilo constituiacutedo por posicionamentos divergentes a surdez como deficiecircncia e a surdez como diferenccedila

Quando se recorta um espaccedilo discursivo eacute preciso pensar na hierarquia da constituiccedilatildeo desse espaccedilo isto eacute hipoteticamente tem-se um discurso primeiro ndash com algum status de discurso fundador ndash e um discurso considerado segundo ndash que se erige justamente para contrapor o discurso chamado primeiro Assim eacute possiacutevel prever qual(is) discurso(s) do campo pode(m) ser citado(s) ou recusado(s) pelo discurso dito primeiro eou pelo segundo Isso nos indica que a delimitaccedilatildeo em espaccedilos natildeo exclui outras referecircncias discursivas mas ao contraacuterio as evidenciam como sustentamos Isso quer dizer que quando se pensa ldquono niacutevel das possibilidades semacircnticasrdquo admite-se um espaccedilo de trocas discursivas natildeo de identidade fechada Nas palavras do autor

Na medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando ldquosegundordquo que se constitui atraveacutes do discurso primeiro parece loacutegico pensar entatildeo que esse discurso primeiro eacute o Outro do discurso segundo [mas] o discurso primeiro natildeo permite a constituiccedilatildeo de discursos segundos sem ser por eles ameaccedilado em seus proacuteprios fundamentos (MAINGUENEAU 2005 p 41)

Vemos portanto que as FD que constituem um espaccedilo evocam-se e constituem-se reciprocamente seja pela refutaccedilatildeo seja pelo endosso Lara (2008 p 113-114) referindo-se aos estudos desenvolvidos pelo autor ressalta que natildeo cabe ao analista ldquoestudar

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as diferentes formaccedilotildees discursivas que atravessam um dado discurso de forma independente e isolada mas sim apreendecirc-las nas relaccedilotildees que estabelecem umas com as outrasrdquo ou seja para a autora ldquoa identidade discursiva se constroacutei na interaccedilatildeo com o outrordquo (grifo nosso)

No espaccedilo que delimitamos para este estudo lanccedilamos a hipoacutetese de que o discurso primeiro eacute o discurso da surdez como deficiecircncia ou melhor o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista (doravante DFO) uma vez que este eacute ldquocientificamenterdquo e historicamente determinado Cientificamente porque durante muito tempo ldquoas verdadesrdquo sobre a surdez estavam alocadas exclusivamente nos livros de medicina que diagnosticavam a ausecircncia de um sentido e supunham as consequecircncias dessa falta de acordo com a visatildeo da eacutepoca Historicamente porque desde a Antiguidade a ideia de surdez estaacute atrelada a representaccedilotildees e estereotipias negativas sendo esta a primeira ndash e durante muito tempo uacutenica ndash forma de se conceber os surdos

O discurso aqui chamado segundo ndash o discurso de fundamentaccedilatildeo surda (DFS) ndash erige-se justamente como forccedila desestabilizadora e contra-argumentativa frente ao discurso primeiro considerado arcaico e desatualizado uma vez que a proacutepria ciecircncia veio a negar uma seacuterie de crenccedilas perpetuadas no passado ndash como a hipoacutetese de os surdos terem ldquolimitaccedilotildeesrdquo no exerciacutecio da faculdade da linguagem ou das liacutenguas sinalizadas serem inferiores agraves orais Portanto a esse discurso da surdez como uma diferenccedila linguiacutestica e cultural reserva-se o lugar da reaccedilatildeo e da resistecircncia contra o discurso primeiro

Os fragmentos a seguir escritos por surdos universitaacuterios e coletados por esta pesquisadora na ocasiatildeo de sua pesquisa de mestrado19 (RIBEIRO 2008) podem ser considerados representativos dessa organizaccedilatildeo hieraacuterquica Observemos20

19 Os participantes da pesquisa satildeo surdos universitaacuterios do sudeste do Brasil Os sujeitos escreveram a partir da seguinte demanda ldquoEscreva livremente sobre a questatildeo a seguir Para vocecirc qual eacute o significado de ser surdo O que vocecirc tem a dizer a respeito da surdez na sua vida Escreva sobre a experiecircncia de vida surdardquo20 Trechos transcritos ipsis litteris

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01 Eacute muito importante para o surdo os surdos satildeo igualdade ouvintes

02 A vida pessoal minha eacute verdade viver difiacutecil mas eacute normal como outros

03 Na vida surda eacute normal como outra pessoa ouvinte capaz fazer qualquer coisaouvintes

04 Eu sou surda eacute normal como ouvinte mas nossa diferenccedila mas soacute tem um problema ouvindo surdo e ouvinte satildeo iguais

05 Pra mim surdo eacute como comum como noacutes humano acho entre ouvinte e surdo satildeo quase iguais Como menos ouvir Somos humano

06 Sou surda normal natildeo tem diferenccedila como ouvinte somos iguais porque soacute que natildeo podia ouvir mas tenho os olhos (visual) [] Essas as pessoas natildeo entende porque ser surdo e acha que ele (surdo) satildeo problema e defeito como as pessoas ldquodeficienterdquo esse eu natildeo concordo precisamos respeitar que o surdo somos iguais soacute eacute diferenccedila da audiccedilatildeo natildeo o corpo defeito e capaz estuda e trabalhar normal como ouvinte

Nesses fragmentos o termo ldquonormalrdquo parece estar sendo utilizado em sua faceta de comparaccedilatildeo pois visa evidenciar o caraacuteter ldquocomumrdquo de mesmo ldquopeso e medidardquo e de ldquoigualdaderdquo dos sujeitos surdos perante os ouvintes Os locutores buscam reafirmar essa valoraccedilatildeo igualitaacuteria Observemos que a conjunccedilatildeo comparativa como ou o adjetivo igual sempre acompanham tal termo no intuito de reforccedilar esse efeito de sentido de equivalecircncia (vide excertos de 01 a 06 grifos nossos)

Examinando mais de perto a ocorrecircncia do lexema ldquonormalrdquo nos trechos de (01) a (06) acreditamos que os sujeitos produtores

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possivelmente anteciparam a representaccedilatildeo que ouvintes em geral fazem dos surdos ndash representaccedilatildeo essa que costuma ser estereotipada e que se baseia no DFO uma vez que esse discurso eacute o mais difundido socialmente Representaccedilotildees preacutevias tecircm sido tratadas na Anaacutelise do Discurso como eacutethos preacute-discurso isto eacute como a imagem de si que o sujeito manifesta antes mesmo do seu turno de fala em uma manifestaccedilatildeo da memoacuteria discursiva dos sujeitos (AMOSSY 2005)

E se nos trechos acima os sujeitos se antecipam como normais eacute justo perguntar se algueacutem os acusou do contraacuterio A partir desse questionamento chegamos agrave nossa segunda e complementar hipoacutetese interpretativa acreditamos que os excertos acima configuram uma espeacutecie de contradiscurso Se nos lembrarmos que o espaccedilo discursivo deve ser considerado como uma rede de interaccedilatildeo semacircntica e que o DFO se baseia sobretudo em preceitos meacutedicos sobre a surdez que tomam o natildeo-ouvir como uma disfunccedilatildeo veremos que os fragmentos acima contra-argumentam o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista21 uma vez que como afirma Maingueneau (2005 p 41) ldquona medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando lsquosegundorsquo que se constitui atraveacutes do discurso lsquoprimeirorsquordquo parece loacutegico supor entatildeo que esse discurso primeiro (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) eacute o outro do discurso segundo (discurso de fundamentaccedilatildeo surda)

Vemos assim no DFS a construccedilatildeo e a negaccedilatildeo de simulacros do discurso concorrente isto eacute do DFO uma vez que a compreensatildeo da surdez como uma patologia ou uma disfunccedilatildeo eacute entendida como tributo ofensivo de aberraccedilatildeo e anormalidade no DFS

21 Seguem exemplos de manifestaccedilotildees discursivas (meacutedicas) do DFO Todos os grifos satildeo nossos 1 ldquoProtetizar os deficientes auditivos [] para que os portadores dessa patologia sejam efetivamente beneficiados com a uacuteltima taacutebua de salvaccedilatildeo que a equipe tem a oferecerrdquo (CARVALHO 2003) 2 ldquo[] o sentido da audiccedilatildeo sem o qual natildeo eacute possiacutevel qualquer contato verdadeiramente humano Simpaacutetico ou antipaacutetico [o surdo] eacute uma pessoa que sofre por tatildeo humilhante patologiardquo (CARVALHO 2002) 3 ldquoO surdo-mudo congecircnito tem a face paacutelida a physionomia morta o olhar fixo a caixa toraacutexica deprimenterdquo (LEITE 1881 p 4)

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Presenciamos aqui entatildeo a construccedilatildeo e negaccedilatildeo da categoria surdez segundo o DFO aos olhos do DFS de forma a se construir um ldquoeurdquo a partir da negaccedilatildeo de um ldquonatildeo-eurdquo

Ainda assim poreacutem seria justo pensar ao afirmar a igualdade natildeo se estaria negando a diferenccedila que teoricamente eacute um dos lemas do DFS Parece-nos que natildeo A diferenccedila que eacute negada pelos locutores do DFS eacute a diferenccedila como anormalidade ldquoA normalidade surda e a normalidade ouvinte satildeo equivalentes natildeo haacute diferenccedilas que nos coloquem na linha da insuficiecircnciardquo Eacute isso que os fragmentos de (01) a (06) buscam dizer E se confrontarmos essa posiccedilatildeo enunciativa com os desdobramentos histoacutericos vividos pela comunidade surda entenderemos a importacircncia de se mostrar normal no sentido humano da equivalecircncia Refutam-se portanto a partir da traduccedilatildeo feita pelo DFS os traccedilos que o DFO atribui aos surdos nesse caso o traccedilo da deficiecircncia que eacute traduzido como anormalidade

Os sujeitos negam assim as postulaccedilotildees do seu outro no espaccedilo discursivo Antecipam-se como ldquoiguaisrdquo para negar o caraacuteter ldquoanormalrdquo que pelo menos hipoteticamente costuma ser evocado por esse outro O outro aqui claro eacute o DFO que aloca o ser surdo em lugares desprivilegiados Nega-se portanto o simulacro que o discurso concorrente (DFO) possivelmente constroacutei dos surdos

Na relaccedilatildeo que se estabelece entre discurso tradutor e discurso traduzido Maingueneau (2005) propotildee que se distinga discurso-agente de discurso-paciente reservando ao primeiro termo a posiccedilatildeo de tradutor e ao segundo a de traduzido Vale lembrar que eacute sempre a partir do discurso chamado primeiro (no presente estudo DFO) que se exerce a atividade tradutoacuteria uma vez que foi a partir dele que o discurso segundo (DFS) se constituiu

Eacute preciso natildeo perder de vista no entanto que as afirmaccedilotildees que o DFS (discurso-agente) combate natildeo satildeo as afirmaccedilotildees empiacutericas produzidas pelo DFO (discurso-paciente) Combate-se uma traduccedilatildeo um simulacro (entendido de maneira simplificada

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como uma espeacutecie de projeccedilatildeo ou representaccedilatildeo) do discurso contraacuterio ldquopois para construir e preservar a sua identidade no espaccedilo discursivo o discurso natildeo pode haver-se com o outro como tal mas somente com o simulacro que constroacutei delerdquo nos lembra Maingueneau (2005 p 103)

Produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro parecem ser portanto facetas do mesmo fenocircmeno ou seja para se produzirem enunciados condizentes com as regras da sua FD eacute preciso entender o outro a partir da sua proacutepria competecircncia discursiva Segundo Lara (2008) a traduccedilatildeo e a construccedilatildeo de simulacros satildeo mecanismos necessaacuterios ligados agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD Natildeo se trata assim de um arranjo isolado mas de um dispositivo que faz parte da gecircnese dos discursos Sobre esse processo de traduccedilatildeo do outro esclarece a autora (LARA 2008 p 115) inspirada em Maingueneau

O que ocorre entatildeo eacute que cada discurso interpreta os enunciados de seu Outro ndash ou do simulacro que dele constroacutei ndash atraveacutes da sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo Tenderaacute pois a ldquotraduzirrdquo esses enunciados nas categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema mostrando-se dessa forma a ldquotraduccedilatildeordquo como um mecanismo necessaacuterio e regular ligado agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD

Em curso ministrado na ABRALIN o professor Siacuterio Possenti (2007) assim apresentou o processo de traduccedilatildeo do outro e da construccedilatildeo de simulacros entre discursos que dividem o mesmo espaccedilo discursivo se o discurso S1 fala A e o discurso S2 fala B por exemplo S1 tenderaacute a ler B como um natildeo A expliacutecito isto eacute como a negaccedilatildeo de seu proacuteprio princiacutepio donde se pode concluir que cada FD concebe o outro a partir de si mesmo postulando que ldquose o outro natildeo estaacute por mim estaacute contra mimrdquo e deveraacute pois ser combatido Ilustrando com a nossa proacutepria pesquisa podemos supor que quando o DFO classifica o surdo como ldquoportador de necessidade especialrdquo por exemplo adeptos do DFS traduziratildeo

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essa informaccedilatildeo como uma acusaccedilatildeo de ldquoanormalidaderdquo de ldquoaberraccedilatildeordquo um quesito de ldquonatildeo-humanidaderdquo que precisa ser combatido

Nos trechos a seguir de (07) a (09) essa relaccedilatildeo pode ser percebida pelo caraacuteter conflituoso dos enunciados que parecem querer negar algum tipo de afirmaccedilatildeo (anterior) ou conhecimento partilhado Dessa vez a negaccedilatildeo se tornaraacute expliacutecita atraveacutes do uso do operador de negaccedilatildeo (um iacutendice de polifonia como explica Ducrot (1987)) Vejamos

07 Ser surdo eacute a pessoa natildeo ouve poreacutem sente feliz Ser surdo natildeo eacute sub-humano como exemplo os animais A vida dos surdezes essa faz parte classe superior por que existe a inteligecircncia e a sabedoria [] O que acontece minha prosperidade sou estudante no ensino superior ateacute sou orador isso natildeo eacute a pessoa falta QI ou inferioridade

08 Para mim o significado de ser surdo eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Ser surdo eacute orgulhosamente respeitado e um cidadatildeo como todos

09 Minha opiniatildeo significado de ser Surdo a diferenccedila Surdo Surdo eacute natildeo tem direito liacutengua22 ausecircncia de sons cliacutenica obrigaccedilatildeo meacutetodo oral incapacidade para articular a palavra Surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila

Defendemos nas ocorrecircncias acima como viacutenhamos procedendo que o discurso-agente (DFS) determina ao mesmo

22 Esse enunciado pode induzir a erros interpretativos se natildeo for compreendido a partir de uma abordagem contrastiva com a Liacutengua Brasileira de Sinais O texto na iacutentegra assim como a compreensatildeo de sua semacircntica global e algum conhecimento sobre a Libras permitem-nos entender que o locutor procurou realizar uma dupla negaccedilatildeo no enunciado que abre o texto no caso ldquoser surdo [natildeo] eacute natildeo ter direitordquo

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tempo em que combate o simulacro de seu outro (DFO) segundo a sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo para usar aqui um termo empregado por Lara (2008) que nos lembra que a compreensatildeo do discurso do outro eacute feita a partir das categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema como ilustrou o exemplo apresentado por Possenti (2007)

O DFS portanto embora seja um discurso segundo porque se erige posteriormente e em resposta ao discurso primeiro (o DFO) eacute tambeacutem discurso-agente porque eacute ele (o DFS) que produz operaccedilotildees dialoacutegicas de transformaccedilatildeo sobre o DFO nesse caso discurso-paciente

Esse processo de traduccedilatildeo do outro caracteriza com propriedade o fenocircmeno da interincompreensatildeo proposto por Maingueneau e retomado por Lara (2008) Tal fenocircmeno pode ser compreendido como ldquoa proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade das diversas posiccedilotildees enunciativasrdquo como sustenta Maingueneau (2005 p 103) uma vez que enunciar em conformidade com as regras de sua proacutepria FD e natildeo ldquocompreenderrdquo o discurso de outrem satildeo ldquoduas facetas do mesmo fenocircmenordquo estatildeo interligadas e satildeo interdependentes Como temos percebido a polecircmica discursiva que apresentamos aqui (DFS versus DFO) se baseia nesse princiacutepio

Nesse processo de ldquotraduccedilatildeordquo notemos que o ser surdo nos trechos de (07) a (09) pode ser definido por seu avesso ou seja por aquilo que ele natildeo eacute ou melhor pela negaccedilatildeo daquilo que o ser surdo parece ser (pelo menos por meio do simulacro produzido pelo DFS) no DFO sub-humano imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica falta QI ou inferioridade obrigaccedilatildeo meacutetodo oral etc

Mas ao expor o seu ldquonatildeo serrdquo negando traccedilos do DFO os locutores acabam por definir o seu ldquoserrdquo apresentando traccedilos que compotildeem o seu proacuteprio discurso humano original que natildeo se ldquotratardquo inteligente e igual usuaacuterio de sinais etc Ora semanticamente quando digo o que natildeo sou atesto o que sou Tal estrateacutegia

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discursiva mostra que os conteuacutedos impliacutecitos agrave negaccedilatildeo natildeo constituem em princiacutepio o verdadeiro objeto do dizer e eacute essa caracteriacutestica que dota os enunciados de eficaacutecia argumentativa O ldquoser surdordquo natildeo estaacute aqui exposto de maneira direta mas pode ser recuperado a partir de uma manobra semacircntica relativamente simples Compreendemos assim que a surdez nos discursos anteriores eacute definida sobretudo pela conduta do sujeito diante dela isto eacute o ser surdo aqui eacute definido como um cidadatildeo como todos que estabelece a sua vida a partir da sua diferenccedila que natildeo procura viver como se fosse ouvinte e tampouco se importa com o preconceito A imagem que se constroacutei a partir desses fragmentos eacute a imagem de sujeitos independentes e libertos de amarras sociais que possam ditar comportamentos no caso comportamentos considerados tiacutepicos aos sujeitos tidos como ldquodeficientesrdquo

Enquanto (07) e (09) parecem querer combater o simulacro do discurso sobre o ser surdo corrente no DFO investindo contra uma representaccedilatildeo social que costuma se alicerccedilar em saberes meacutedicos como em (07) natildeo eacute sub-humano ou em (09) natildeo eacute deficiecircncia o trecho (08) ao contraacuterio busca ldquogolpearrdquo um discurso sobre o surdo corrente na proacutepria comunidade surda Nesse trecho o locutor combate uma forma de ser surdo que estaria em consonacircncia com o DFO que seria aquele que se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Aqui o surdo projeta um outro para si natildeo apenas para o seu discurso

Notemos portanto que os trechos citados se ancoram na negaccedilatildeo de proposiccedilotildees que parecem ser de alguma forma previamente conhecidas se natildeo pelos interlocutores-leitores pelo menos pelo locutor que representa a comunidade surda

Ducrot (1987 p 203) como afirmamos anteriormente considera a negaccedilatildeo um iacutendice de polifonia que por sua vez compotildee a noccedilatildeo de heterogeneidade discursiva nesse caso a de heterogeneidade mostrada (marcada) De acordo com esse autor eacute preciso distinguir em um enunciado negativo duas proposiccedilotildees ou dois pontos de

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vistas opostos (atribuiacutedos portanto a enunciadores distintos23) o primeiro positivo e um outro que o nega Daiacute o caraacuteter polifocircnico do fenocircmeno

Numa primeira formulaccedilatildeo Ducrot (1987) divide a negaccedilatildeo em descritiva que representa um estado de coisas ldquosem que o autor apresente sua fala como se opondo a um discurso contraacuteriordquo e polecircmica ldquodestinada a opor-se a uma opiniatildeo inversardquo sendo essa uacuteltima a parte da teoria que nos interessa aqui Nas ocorrecircncias de (07) a (09) notamos portanto que a negaccedilatildeo pode ser considerada polecircmica uma vez que o enunciador refuta enunciados (virtuais) contraacuterios como sabemos advindos do DFO

Em (08) apesar de o operador negativo incidir diretamente apenas sobre o primeiro termo da enumeraccedilatildeo (eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc) pode-se perceber que o efeito de sentido negativo se estende tambeacutem sobre os demais termos da enumeraccedilatildeo Tais termos isoladamente poderiam ser considerados enunciados afirmativos inseridos no discurso no entanto eles se tornam discursivamente negativos ldquo[natildeo eacute] ficar imitando os ouvintesrdquo ldquo[natildeo eacute] ir sempre para a cliacutenicardquo

O mesmo fenocircmeno pode ser percebido em (09) apoacutes apresentar o que a surdez no DFS natildeo eacute ndash [natildeo eacute] ausecircncia de sons [natildeo eacute] ir para a cliacutenica [natildeo eacute] obrigaccedilatildeo meacutetodo oral ndash apresenta-se o que ela eacute surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila A figura da ldquodiferenccedilardquo aparece aqui como oposta agrave ldquodeficiecircnciardquo sendo considerada como um argumento positivo para a compreensatildeo da surdez como defendemos neste estudo

23 Lembramos que para Ducrot (1987 p 192-193) o locutor eacute o responsaacutevel pelo enunciado enquanto os enunciadores satildeo perspectivas pontos de vista com os quais o locutor se identifica ou natildeo

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4 Consideraccedilotildees finais

Neste estudo vimos que a identidade de um discurso pode ser definida a partir da negaccedilatildeo ndash e da construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de simulacros ndash do seu outro discursivo Pudemos averiguar que entre as FD do campo apresentado parece haver uma fronteira porosa que possibilita trocas pois foi sobretudo a partir da negaccedilatildeo do DFO que o DFS se constituiu O DFS foi aqui caracterizado como a ocorrecircncia de uma ideologia surda que se fundamenta tanto em princiacutepios libertaacuterios do direito de escolha quanto em questotildees filosoacuteficas que questionam o conceito de norma Com isso combate-se o DFO e a ideologia hegemocircnica na sociedade que produzem dicotomias maniqueiacutestas entre os surdos e natildeo surdos

Por fim podemos afirmar que o DFS constituiu-se por meio da antecipaccedilatildeo e da negaccedilatildeo daquilo que poderia ser o seu simulacro na visatildeo do outro ou seja do DFO O DFS assim define-se justamente a partir do que ele natildeo eacute ou melhor a partir da negaccedilatildeo daquilo que ele parece ser aos olhos do discurso concorrente de forma a construir um ldquoeurdquo a partir de um ldquonatildeo eurdquo Trata-se de construir e negar simulacros de si mesmo como forma de preservar a sua identidade discursiva no espaccedilo em questatildeo Este estudo por fim faz reverberar o postulado pela normalidade surda reafirmando a necessidade de difusatildeo de discursos que descontroem imagens estereotipadas sobre os surdos e a surdez

Referecircncias

CARVALHO I Protetizaccedilatildeo auditiva Jornal do Conselho Federal de Medicina Satildeo Paulo n 156 Ano XVIII 2003 Disponiacutevel em http wwwportalmedicoorgbrjornaljornais2002Dezembropag_13htm Acesso em 4 set 2014

DUCROT O O dizer e o dito Campinas Pontes 1987

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LARA G M P Aplicando alguns conceitos de Gecircnese dos Discursos In POSSENTI S BARONAS R L (org) Contribuiccedilotildees de Dominique Maingueneau para a anaacutelise do discurso do Brasil Satildeo Carlos Pedro amp Joatildeo Editores 2008 p 110-132

LEITE T Compecircndio para ensino dos surdos-mudos 3 ed Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1881

MAINGUENEAU D Gecircnese dos discursos Traduccedilatildeo Siacuterio Possenti Satildeo Paulo Criar Ediccedilotildees 2005

PERLIN G T T Prefaacutecio In QUADROS R M PERLIN G T T (org) Estudos Surdos II Petroacutepolis Arara Azul 2007 Disponiacutevel em http wwweditora-arara-azulcombrestudos2pdf Acesso em 5 jun 2008

POSSENTI S Elementos de anaacutelise do discurso (Minicurso) XVIII Instituto de Linguiacutestica da ABRALIN Belo Horizonte UFMG 2007

RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2014

Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircnea o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Este capiacutetulo apresenta uma abordagem linguiacutestico-discursiva do gecircnero textual crocircnica jornaliacutestica brasileira com o propoacutesito de ampliar os estudos em torno das especificidades entre a argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero A crocircnica vem em tempos atuais aumentando a sua forccedila com o surgimento entre noacutes de novos cronistas e de um nuacutemero cada vez maior de textos divulgados natildeo soacute em dispositivo jornaliacutestico (impresso ou on-line) como em coletacircneas editadas especialmente para esse fim

Gecircneros como a crocircnica praticados no discurso jornaliacutestico encontram densidade e forccedila no processo retoacuterico da persuasatildeo Optar pois pela crocircnica de jornal eacute reconhecer que a sua veiculaccedilatildeo nesse suporte possui as suas peculiaridades tendo os cronistas jornaliacutesticos um papel social legitimado O cronista estabelece em sua escrita um olhar ldquoavaliativordquo ao voltar-se para o homem e o seu fazer social Perguntamo-nos entatildeo como se fundam as bases desse discurso persuasivo que ndash atestamos ndash eacute tatildeo bem aceito em nosso meio social sendo um discurso que deitou raiacutezes as quais vecircm se sustentando por mais de um seacuteculo no Brasil

Essas questotildees justificam a necessidade de aprofundar o nosso estudo em torno dos expedientes argumentativos e opinativos desse gecircnero textual A crocircnica eacute orientada pelos saberes que jaacute se constituem como um objeto de acordo entre os sujeitos sociais os cidadatildeos Seraacute traccedilado para selar o compromisso de estudar os aspectos formais discursivos e socioculturais que nos ajudem a delinear um perfil da crocircnica produzida em nosso paiacutes um breve percurso da sua origemhistoacuteria aliando a isso a pretensatildeo de sobretudo obter e mostrar novas luzes a respeito de categorias ainda polecircmicas no meio acadecircmico como o status genoloacutegico da crocircnica as suas relaccedilotildees com o par argumentaccedilatildeoconfiguraccedilatildeo da opiniatildeo Demonstraremos tambeacutem assim o retrato construiacutedo discursivamente pelo cronista dos modos e concepccedilotildees de vida da sociedade do povo brasileiro

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Do ponto de vista metodoloacutegico o corpus eacute composto por amostragem tendo em vista na medida do possiacutevel a diversidade temaacutetica do conteuacutedo dos textos a exploraccedilatildeo de dados autobiograacuteficos o grau de envolvimento com o fato relatadocomentado e o modo de conduccedilatildeo da operaccedilatildeo argumentativa com os seus efeitos de caraacuteter opinativo

A partir da seleccedilatildeo do corpus para a realizaccedilatildeo de um estudo coerente com a concepccedilatildeo da linguagem verbal contemplada como discurso caracterizada como veiacuteculo de manifestaccedilatildeo das formas como o homem constroacutei social e historicamente a sua existecircncia napela interaccedilatildeo com o outro e capaz de nos fazer alcanccedilar os objetivos pretendidos foram eleitas como suporte teoacuterico as linhas voltadas para o processamento discursivo em especial a Anaacutelise do Discurso que oferece subsiacutedios para o tratamento das categorias de anaacutelise aqui propostas

Assim seratildeo consultados especialistas consagrados (linguistas ou natildeo) entre os quais Charaudeau (2008 2015) Meyer (1993) Bakhtin (2000) Bally (1965) Perrone-Moiseacutes (2006) Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) Reboul (1984) Parret (1998) Ricoeur (2007) e Certeau (2007)

1 Retoacuterica da seduccedilatildeo nas crocircnicas

Embora vista pela maioria dos autores como um dos componentes intriacutensecos agrave linguagem humana a argumentatividade natildeo deixa de suscitar entre noacutes a polecircmica em torno da questatildeo da prevalecircncia de uma das forccedilas que movem o ser humano razatildeo e emoccedilatildeo Em defesa da conjunccedilatildeo das duas Bally (1965 p 15-16 traduccedilatildeo nossa) assim se manifesta a esse respeito ldquo[] aqueles entre meus pensamentos que germinam em plena vida nunca satildeo de ordem essencialmente intelectual satildeo movimentos acompanhados de emoccedilatildeo []rdquo24

24 No original ldquo[] celles de mes penseacutees qui germent en plein vie ne sont jamais drsquoordre essentiellment intellectuel ce sont des mouvements acompagneacutes drsquoeacutemotion []rdquo

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Nas trilhas desse autor fica perceptiacutevel aqui que o uso da palavra se daacute no interior de uma atividade enunciativa que por si soacute implica a atuaccedilatildeo de um sujeito caracterizado como ser de pensamento e de emoccedilatildeo ndash o que significa que esse processo nunca ocorre separadamente das pulsotildees vitais proacuteprias ao ser humano

Inferimos daiacute que o desejo a esperanccedila a crenccedila a indiferenccedila o descreacutedito etc tambeacutem integram a operaccedilatildeo que envolve o pensar mesclando-se a ele em maior ou menor grau de intensidade Em outras palavras o pensamento natildeo se sedimenta puramente na razatildeo o ser humano sempre tem a intenccedilatildeo de convencer o outro de encantaacute-lo de manipular os seus sentimentos de impulsionaacute-lo a realizar determinadas accedilotildees

Certamente esse modo de conceber o pensamento nos leva a perguntar o seguinte que tipo(s) de relaccedilatildeo o ldquojogo de seduccedilatildeordquo manteria com a linguagem Em ensaio Perrone-Moiseacutes (2006 p 13) afirma que ldquo[] as liacutenguas estatildeo carregadas de amavios de filtros amatoacuterios []rdquo o que nos leva a concluir que a linguagem por si e em si mesma revela-nos traccedilos daqueles que a utilizam e criam Assim ela proacutepria nos fornece os meios de seduzir o outro por intermeacutedio de estrateacutegias como a ironia a metaacutefora a metoniacutemia os eufemismos o pleonasmo os torneios como a liacutetotes etc Eacute possiacutevel fascinar o outro ateacute mesmo por meio do emprego de um determinado gecircnero textual como por exemplo a crocircnica Escrevendo-a ou lendo-a vamos aos poucos sendo envolvidos num jogo de seduccedilatildeo passando a ser ldquocuacutemplicesrdquo da sua construccedilatildeo juntamente com o seu autor

Uma consequecircncia importante desse jeito de pensar a liacutengua eacute descobrir que a figuratividade natildeo eacute uma prerrogativa do discurso literaacuterio visto por muitos estudiosos como a uacutenica modalidade passiacutevel de produzir esse tipo de ldquojogordquo executado entre outras coisas pela oscilaccedilatildeo ambiguidade e volubilidade proacuteprias agrave liacutengua Diferentemente pensamos que por mais ldquobanaisrdquo que sejam

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nossas falas cotidianas natildeo deixam de contar com elementos de natureza figurativa tambeacutem explorados em discursos institucionais como o acadecircmico o juriacutedico o jornaliacutestico o religioso etc de que costumeiramente satildeo exigidas objetividade e imparcialidade

Em suma queremos dizer que a capacidade de seduccedilatildeo de enredamento de persuasatildeo eacute interna agrave proacutepria linguagem vista pelo linguista dinamarquecircs Hjelmslev (2006) como um tecido urdido nas proacuteprias tramas do pensamento

No caso particular da crocircnica gecircnero aqui investigado cumpre-nos alertar para o fato de que a sua brevidade leveza e volatilidade natildeo significam que seja desprovida do espiacuterito reflexivo e criacutetico do seu autor Nela vemos esboccedilada a figura de um ethos com seu projeto de fala de um logos com possibilidade de conduzir o raciociacutenio a accedilatildeo do outro alvejando-lhe o pathos Dessa sorte acreditamos no caraacuteter dialoacutegico da linguagem o que nos leva a citar mais uma vez Bakhtin (2000 p 354) que nos faz a seguinte recomendaccedilatildeo

[] natildeo conveacutem compreender a relaccedilatildeo dialoacutegica de modo simplista e uniacutevoco e resumi-la a um processo de refutaccedilatildeo de controveacutersia de discordacircncia A concordacircncia eacute uma das formas mais importantes da relaccedilatildeo dialoacutegica A concordacircncia eacute rica em diversidade e em matizes

Em face dessas caracteriacutesticas e papeacuteis proacuteprios agrave linguagem cabe-nos considerar as crocircnicas produzidas entre noacutes buscando identificar e analisar as peccedilas utilizadas pelo cronista no jogo de seduccedilatildeo que estabelece com o leitor peccedilas essas que incluem o diaacutelogo com o seu leitor Veria aquele o seu puacuteblico-alvo como um adversaacuterio ou como um parceiro de criaccedilatildeo Quem seria esse puacuteblico ao qual a crocircnica se destina

Para responder a essas questotildees recorremos a Meyer (1993 p 22 traduccedilatildeo nossa) que define a retoacuterica como ldquo[] a negociaccedilatildeo da distacircncia entre os sujeitos []rdquo distacircncia essa que ldquo[] pode ser

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reduzida aumentada ou mantida segundo o casordquo25 Da nossa parte acreditamos que o objetivo do cronista eacute diminuir a distacircncia entre si e seu interlocutor O seu desejo eacute obter a anuecircncia do leitor e se possiacutevel ldquoa comunhatildeo de almasrdquo conforme nos deixa entrever um de nossos cronistas de maior renome Rubem Braga ldquoAgraves vezes tambeacutem a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou algueacutem a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia []rdquo (BRAGA 1999 p 157)

Essa incorporaccedilatildeo do leitor no texto pode funcionar como um mecanismo criador de identidade de familiaridade e consequentemente de haacutebito de leitura Por se sentir proacuteximo ao cronista o ldquohomem das ruasrdquo natildeo se sente excluiacutedo do universo da escrita mas sim faz parte do cotidiano do escritor do jornal que veicula a sua criaccedilatildeo

2 O processo de argumentaccedilatildeo na crocircnica a configuraccedilatildeo da opiniatildeo

Prosseguindo nesta seccedilatildeo com as nossas reflexotildees sobre especificidades das relaccedilotildees entre a argumentaccedilatildeo e a escrita de crocircnicas gostariacuteamos de explicitar aspectos relativos agrave configuraccedilatildeo da opiniatildeo na crocircnica como exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea Nesse caso encontramo-nos forccedilosamente no campo das apreciaccedilotildees valorizaccedilotildees e julgamentos tornados tangiacuteveis pela materialidade textual que visa ndash expliacutecita e tambeacutem muitas vezes implicitamente no esconderijo das entrelinhas ndash agrave adesatildeo de um determinado auditoacuterio influenciando-o em suas posturas visotildees de mundo e mesmo em suas accedilotildees cotidianas

Nesse caso o auditoacuterio a quem o cronista dirige a sua argumentaccedilatildeo se caracteriza pelo conjunto de leitores de determinado jornal conforme vemos satildeo grupos de natureza

25 No original ldquo[] la neacutegociation de la distance entre les sujets [] peut ecirctre reduite accrue ou maintenue selon les casrdquo

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heterogecircnea uma vez constituiacutedos por sujeitos de idade posiccedilatildeo social niacutevel intelectual etc diversificados Esses aspectos demandam eacute claro do cronista uma justa preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao ato de argumentar e o conduzem a uma permanente busca da melhor forma de estabelecer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) designaram como ldquoO contato de espiacuteritosrdquo

De fato a crocircnica eacute por excelecircncia e por natureza um gecircnero que pratica a opiniatildeo argumenta a favor de (ou contra) algo apresentando em prol disso justificativas provaacuteveis verossiacutemeis por vias argumentativas que falem ao intelecto ao espiacuterito e agrave alma Por que tornaacute-los antagocircnicos opostos Nem sempre eacute preciso como lemos em Reboul (1984 p 86 traduccedilatildeo nossa) ldquoA persuasatildeo deve agir tanto sobre a afetividade quanto sobre a inteligecircncia sendo isso a marca da retoacutericardquo26 Mesmo sob a manifestaccedilatildeo do seu mais recorrente modo de organizaccedilatildeo do discurso ndash o modo narrativo ndash os eventos relatados satildeo comumente expedientes para a manifestaccedilatildeo de teses e propostas sobre o mundo

Consideramos agrave vista disso que o fenocircmeno de manifestaccedilatildeo de discurso que designamos como opiniatildeo eacute fruto das relaccedilotildees inter-humanas da consciecircncia que os sujeitos possuem de natildeo estarem soacutes no mundo de que o que os outros fazem ou pensam nos interessa (e muito) e que aquilo que pensamos ou fazemos eacute tambeacutem objeto de atenccedilatildeo do outro Advecircm daiacute os fenocircmenos de modalizaccedilatildeo de nossos discursos e tambeacutem o que Bakhtin (2000) denominou de ldquotomrdquo percebido apreendido num dado discurso

Esse tom eacute pois determinado na troca intersubjetiva nas atitudes reveladas ou insinuadas pelo locutor quando das relaccedilotildees que busca estabelecer com seu interlocutor A opiniatildeo configura-se no gecircnero crocircnica sobre esta dupla base a da pessoa do cronista o qual sabe que se ele possui a sua proacutepria palavra as suas experiecircncias o leitor (ou possiacutevel leitor) da crocircnica igualmente

26 No original ldquoLa persuasion doit agir agrave la fois sur lrsquoaffectiviteacute et sur lrsquointelligence cet a la fois eacutetant la marque de la rheacutetoriquerdquo

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as possui Essa escrita processa-se portanto considerando as relaccedilotildees de um eu que estaacute para o outro e tambeacutem de um outro que deveraacute voltar-se para um eu

O cronista possui a consciecircncia de que participa de um processo interacional em que o seu discurso deve visar com a maior eficaacutecia possiacutevel ao acordo agrave concordacircncia a respeito das teses e dos motivos por que eacute preciso defendecirc-las Eacute necessaacuterio entatildeo ldquo[] ter apreccedilo pela adesatildeo do interlocutor pelo seu consentimento pela sua participaccedilatildeo mentalrdquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999 p 18)

Temos por conseguinte que uma das premissas agrave qual deve estar atento o cronista na qualidade de defensor de pontos de vista acerca de ocorrecircncias fazeres praacuteticas do cotidiano dos sujeitos que habitam as cidades eacute buscar continuamente obter informaccedilotildees a respeito do que pensam esses sujeitos sobre que valores advogam outorgam para que possa assim defendecirc-los qual a natureza das experiecircncias por que passam que tipo de laccedilos estabelecem com o seu proacuteximo o que lhes agrada ou desagrada enfim eacute buscar dados o mais proacuteximo possiacutevel dos indiviacuteduos concretos aos quais procura o cronista persuadir com asnas suas crocircnicas

Eacute claro que a partir do conhecimento de tais dados ndash muitos dos quais satildeo fornecidos pelos proacuteprios leitores dos jornais pois a miacutedia hoje procura por meio de expedientes como comentaacuterios de internautas e-mails e outros verificar os graus de adesatildeo dos leitores agrave palavra de seus profissionais ndash o sujeito argumentante o cronista constroacutei e reconstroacutei em seu discurso a imagem do ldquoauditoacuterio presumidordquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999)

A imagem construiacuteda desse auditoacuterio possui o meacuterito de abarcar discursivamente crenccedilas mais gerais do que as conhecidas aqui e ali do auditoacuterio concreto e tambeacutem mais baacutesicas que tentam encontrar eco em leitores ou possiacuteveis leitores cujas posturas diante do mundo o cronista desconhece mas como a proacutepria

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designaccedilatildeo do auditoacuterio permite revelar pode presumir Nessa empreitada geralmente o cronista obteacutem sucesso como comprova o status de que goza esse gecircnero em nossa sociedade

A respeito desses dados concernentes a essa relaccedilatildeo sujeito argumentante e auditoacuterio deixamos ao leitor esta crocircnica do cronista poliacutetico do jornal Folha de Satildeo Paulo Cloacutevis Rossi que exemplarmente ratifica a nossa exposiccedilatildeo

Naacuteufragos (texto integral)Cloacutevis Rossi

Sou de um tempo em que o trabalho do jornalista assemelhava-se ao ato do naacuteufrago que coloca uma mensagem na garrafa e a lanccedila ao mar Natildeo sabe se a garrafa chegou a algum lugar a qual lugar se a mensagem foi lida se foi entendida como foi entendida

A comparaccedilatildeo esclareccedilo natildeo eacute minha Ouvi-a 30 anos atraacutes de Joseacute Antocircnio Novaes entatildeo correspondente do ldquoEstadatildeordquo e do jornal francecircs ldquoLe Monderdquo em Madri

Hoje graccedilas agrave internet os naacuteufragos jaacute sabemos o que acontece com algumas de nossas garrafas Jaacute sabemos o que antes apenas intuiacuteamos o leitor inteligente natildeo eacute o destinataacuterio passivo da mensagem mas o parceiro do naacuteufrago na observaccedilatildeo das coisas do mundo

O leitor tambeacutem lanccedila suas garrafas ndash natildeo ao mar mas na rede sabendo que chegaraacute ao destinataacuterio mas sem saber se a mensagem seraacute ou natildeo lida ou como seraacute entendida De minha parte como prestaccedilatildeo de contas informo que nos primeiros dias apoacutes a Folha ter decidido publicar o endereccedilo ao peacute de muitas colunas queixei-me de que estava perdendo duas horas por dia em meacutedia para ler e responder a correspondecircncia

Logo revi o verbo Em vez de ldquoperderrdquo sei agora que ldquoinvistordquo duas horas nesse diaacutelogo Descobri tambeacutem que na troca de ideacuteias com o leitor ganho eu Eacute claro que haacute alguns idiotas de

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plantatildeo que escrevem toneladas de asneiras mas a estes parei de responder faz tempo ndash e os que identifico parei tambeacutem de ler

Mas a grande maioria aporta informaccedilotildees que estatildeo fora do radar da miacutedia vecirc acircngulos que mesmo olhos treinados de socioacutelogos deixam passar e acima de tudo expressa sentimentos que o mundo poliacutetico parou de processar faz tempo

Tudo somado aviso ao leitor que saio hoje de feacuterias (por 15 dias) com a sensaccedilatildeo de que a tecnologia libertou o jornalista da solidatildeo do naacuteufrago mas colocou-o em contato com uma multidatildeo de outros naacuteufragos Da poliacutetica (ROSSI 2006)

O processo que visa ao conhecimento do auditoacuterio tem como alvo persuadir melhor a fim de obter uma maior adesatildeo agraves ideias que satildeo professadas pelo cronista Ele consegue essa adesatildeo por meio dos proacuteprios mecanismos que utiliza para sustentar o sistema de crenccedilas de saberes que estatildeo envolvidos em sua escrita

O cronista lida diariamente efetivamente com saberes de crenccedila que segundo Charaudeau (2015 p 45) ldquoSatildeo saberes que resultam da atividade humana quando esta se aplica a comentar o mundo isto eacute fazer com que o mundo natildeo exista mais por si mesmo mas sim atraveacutes do olhar que o sujeito lanccedila sobre elerdquo Aleacutem disso como jaacute dissemos estabelece um julgamento um olhar ldquoapreciativordquo em relaccedilatildeo a esses elementos daiacute a possibilidade de estetizaccedilatildeo do cotidiano

Enfim o sujeito argumentante na crocircnica acata e constroacutei a sua argumentaccedilatildeo privilegiando em termos mais amplos a linguagem comum ateacute celebrando-a ao desenvolver sua argumentaccedilatildeo a partir do lugar-comum De fato eacute na escrita da crocircnica em sua globalidade que a linguagem comum faz fluir dela a leitura Aliaacutes natildeo eacute proacuteprio dos cronistas cometer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999 p 173) citando Quintiliano e Ciacutecero dizem ser o defeito ldquotalvezrdquo mais grave do orador ldquo[] seja o de recuar ante a linguagem comum e ante as ideacuteias geralmente aceitasrdquo

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Isso constitui inclusive um acordo jaacute celebrado tacitamente entre as partes cronistas e leitores observamos a praacutetica escrituriacutestica de um discurso veiculado em linguagem que privilegia o fluir da leitura a recepccedilatildeo mais clara das ideias fala leve clara explicitamente dialoacutegica heranccedila desse gecircnero em suas bases antigas

Assim no que se refere agrave interaccedilatildeo pela leitura das crocircnicas o interlocutor eacute convidado a participar ativamente de uma troca mediada pelo texto Seu papel eacute ativar seus saberes e colocaacute-los em interaccedilatildeo com o universo discursivo de que faz parte Os textos que manifestam opiniatildeo dentro do jornal entre eles a crocircnica fazem da argumentaccedilatildeo um exerciacutecio corrente de demonstraccedilatildeo de praacuteticas sociodiscursivas O exerciacutecio da crocircnica estaacute pois associado ao diaacutelogo com forccedila de accedilatildeo caracteriacutestico da fala explicitamente retoacuterica

A contemporaneidade como construccedilatildeo do pensamento humano caracteriza-se entre outros aspectos pela reflexatildeo a respeito da possibilidade de subjetividade poreacutem subjetividade esta que sente em si mesma a necessidade de ndash ao tomar como foco aspectos de uma interioridade ndash abrir espaccedilos em graus variaacuteveis a uma intersubjetividade jaacute que o que determina a percepccedilatildeo que temos da vida interior eacute a fronteira que estabelecemos entre esta vida e a vida que estaacute ldquovoltada para forardquo (BAKHTIN 2000 p 119) ou seja voltada para a convivecircncia que manifesta o desejo e mesmo a necessidade de que o outro valide as nossas accedilotildees participe da nossa vida no tempo que se estende entre nascimento e morte em que a nossa histoacuteria eacute construiacuteda

Sobre essa tendecircncia geral explica-nos Bakhtin (2000 p 35-36)

A bem dizer na vida agimos [] julgando-nos do ponto de vista dos outros tentando compreender levar em conta o que eacute transcendente agrave nossa proacutepria consciecircncia [] em suma estamos constantemente agrave espreita dos reflexos de nossa vida tais como se manifestam na consciecircncia dos outros quer se trate de aspectos isolados quer do todo da nossa vida

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Em termos mais amplos a crocircnica se compotildee em seu conteuacutedo das ocorrecircncias contempladas no cotidiano de tudo o que alimenta o tempo da vida dos homens em seu fluir em sua transitoriedade de questotildees sobre a vida e sua contraposiccedilatildeo a morte das nossas relaccedilotildees mesquinhas terriacuteveis ou enriquecedoras dos espaccedilos comuns em que circulamos socialmente Ela natildeo pode ser a vida de apenas um homem como bem atesta Parret (1998 p 157 traduccedilatildeo nossa) ldquo[] a vida cotidiana [] eacute puacuteblica ela exige uma interpretaccedilatildeo uma compreensatildeo enfim uma semioacuteticardquo27

Os homens na sua vida em sociedade instituem ldquoinventamrdquo no dizer de Certeau (2007) o habitual a cotidianidade posturas formas de ser de agir e de falar ritualizadas axiologizadas iterativas Conviver compartilhar accedilotildees e discursos eacute que proporciona sentido agrave vida cotidiana O habitual seria entatildeo uma garantia de estabilidade para os homens Parret (1998 p 19) fala da cotidianidade como ldquo[] um princiacutepio de organizaccedilatildeo da comunidade []rdquo Nesse sentido seria o caraacuteter habitual iterativo das formas de agir e falar o que torna possiacuteveis as identidades e o viacutenculo social entre os seres elementos que contribuem decisivamente para a reduccedilatildeo da incerteza e da possibilidade de ruptura do homem com os seus proacuteximos

As relaccedilotildees sociais nesse sentido tornam o ser um agente capaz de buscar a coordenaccedilatildeo o equiliacutebrio entre a sua vida individual e a sua vida social ou como diz Ricoeur (2007 p 141) ldquo[] entre o indiviacuteduo solitaacuterio e o cidadatildeo definido pela sua contribuiccedilatildeo agrave politeia agrave vida e agrave accedilatildeo da polis []rdquo Desse trabalho executado pelos homens derivam as relaccedilotildees ditas de pertencimento como as conjugais filiais e outros viacutenculos sociais mais ou menos dispersos entre os indiviacuteduos O que esperamos entatildeo como indiviacuteduos ou cidadatildeos desses seres com os quais travamos relaccedilotildees tecemos nossa vida diaacuteria os quais fabulam conosco e com os quais fabulamos Ao tomar como base Santo Agostinho Ricoeur (2007)

27 No original ldquo[hellip] la vie quotidienne [] elle est publique elle exige une interpretation une compreacuteehension donc une seacutemiotiquerdquo

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responde que possam muitas vezes desaprovar nossas accedilotildees mas que aprovem a nossa existecircncia

Quando discutimos ldquoaspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircneardquo pensamos nas formas como ela se (re)configura influenciando e ao mesmo tempo sendo influenciada pela dinacircmica da vida social no espaccedilo da miacutedia impressa e on-line nos motivos pelos quais sua praacutetica foi e eacute tatildeo respeitada Tanto que nos jornais os cronistas satildeo sempre ldquoescolhidos a dedordquo eacute um espaccedilo de prestiacutegio Muitos jornais importam crocircnicas de outros Processa-se uma ldquolutardquo de um gecircnero para manter-se vivo

O Brasil paiacutes com tantos problemas em relaccedilatildeo agrave leitura em diversos aspectos tem na crocircnica a oportunidade de um exerciacutecio do ato de ler que compreendemos como significativo ela eacute benquista lida por camadas relativamente variadas da populaccedilatildeo Temos como pretensatildeo justamente aprofundar os estudos e a compreensatildeo da crocircnica apresentando aspectos mais densos que realmente demonstrem a pertinecircncia de a termos como um gecircnero que ocupa lugar de destaque na realidade sociocultural da atualidade no Brasil

Com isso observamos tambeacutem a proacutepria coerecircncia da vida do gecircnero crocircnica em nossa sociedade em como e por que tem ldquose garantidordquo ateacute agora ou seja com tantas transformaccedilotildees soacutecio-histoacutericas como se comportou e comporta a essecircncia a integridade do gecircnero quando sabemos que ele influencia e ao mesmo tempo sofre influecircncia das formas de accedilatildeo e de discurso em sociedade

Aprendemos com as leituras de Bakhtin que para que um gecircnero se desintegre eacute preciso que se perca a sua essecircncia Senatildeo ele eacute capaz de reaparecer transfigurado de alguma maneira por meio de formas renovadas de vida e de circulaccedilatildeo social dos textos

Em geral a vida cultural na sociedade permite o acesso dos indiviacuteduos a protoacutetipos e ateacute a fragmentos dos gecircneros o que torna possiacutevel a sua assimilaccedilatildeo o seu aprendizado tanto da leitura

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quanto da escrita A cada funccedilatildeo social comunicativa corresponde um ou mais gecircneros que designam essas funccedilotildees por meio dos quais interagimos com aqueles que nos rodeiam Eacute certo que os gecircneros evoluem transformam-se porque atendem ao dinamismo comum da vida social poreacutem conservam na sua composiccedilatildeo orgacircnica na sua ldquomemoacuteria objetivardquo traccedilos de composiccedilatildeo que nos permitem com eles lidar utilizaacute-los em nossa comunicaccedilatildeo

O estilo de liacutengua da prosa no gecircnero crocircnica na escrita guarda o traccedilo do despojamento da simplicidade do linguajar do apelo a um vocabulaacuterio composto por termos em sua maioria de faacutecil alcance quanto ao sentido caracteriacutesticos das narrativas orais desde as mais antigas que a humanidade tratou de divulgar tiacutepicas do cotidiano Eacute oacutebvio que a crocircnica contemporacircnea nessa passagem do cotidiano ao jornal busca neutralizar traccedilos muito tiacutepicos particulares de comunidades restritas pela proacutepria procedecircncia do seu puacuteblico o cidadatildeo urbano A linguagem nesse caso como em todos os outros eacute percebida e trabalhada pelo cronista como um material genuinamente socioideoloacutegico portadora de pontos de vista sobre o mundo numa tentativa de uniatildeo harmoniosa com a instacircncia cidadatilde

No que diz respeito ao gecircnero e agrave sua estruturaccedilatildeo configuracional observamos que a crocircnica eacute um texto curto Eacute um discurso que no jornal natildeo pode ldquoocuparrdquo muito o leitor Pelo menos natildeo deve preencher um demasiado tempoespaccedilo real concreto de leitura Eacute uma leitura a ser feita a fim de se usufruir dela no espaccedilotempo de um breve momento Mas nessa brevidade de espaccedilotempo ela deve deixar o leitor satisfeito

O jornal eacute diaacuterio a crocircnica eacute diaacuteria e deve aleacutem disso levar o leitor a procuraacute-la todos os dias nesse jornal (de preferecircncia) em busca de um tema novo de mais um motivo para uma prosa uma conversa Vivemos o evento da leitura da crocircnica ocupando-nos do papel de coparticipantes a partir da nossa subjetividade Tomamos postura realizamos juiacutezos valoraccedilotildees enfim a nossa

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posiccedilatildeo eacute atuante O conjunto desse mundo discursivo percebido vivenciado pelo cronista revive diante do nosso olhar da nossa presenccedila da apreciaccedilatildeo que realizamos do seu conteuacutedo

O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com prudecircncia astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e de ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui como nos diz Charaudeau (2015) num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

No caso dos jornais brasileiros o cronista poliacutetico jaacute trabalha efetivamente na formaccedilatildeo da opiniatildeo embora de formas diferenciadas a depender da postura ideoloacutegica desse ou daquele jornal Por outro lado nos jornais brasileiros um cronista literato poderiacuteamos dizer com criatividade artiacutestica de escritor eacute o que institui entre outras coisas o espaccedilo do ldquorespirarrdquo de cessaccedilatildeo ainda que momentacircnea da secura ou do sensacionalismo da reportagem por exemplo ainda que ele esteja fazendo a criacutetica social ou poliacutetica

Temos por convicccedilatildeo que as reflexotildees realizadas neste trabalho contribuiratildeo para a sistematizaccedilatildeo de elementos baacutesicos que conferiram e conferem agrave crocircnica jornaliacutestica brasileira o estatuto de gecircnero textual para a sistematizaccedilatildeo das razotildees por que tomou e toma como objeto primordial de seu discurso os temas do cotidiano dos cidadatildeos

O espaccedilo midiaacutetico em que ela figura o jornal impresso ou on-line mais do que o suporte em que a crocircnica circula eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Por outro lado a proacutepria crocircnica determina outras formas de surgimento de outros textos que figuram no jornal Ou ainda

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manifesta-se sempre como espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social

3 Qual eacute o status genoloacutegico da crocircnica

Hospedeira de vaacuterios gecircneros textuais tiacutepicos tanto do discurso oral quanto do escrito a crocircnica serve a dois ldquosenhoresrdquo ou domiacutenios discursivos caracterizando-se em sua concisatildeo como texto jornaliacutestico e em seu lirismo como texto literaacuterio Por seu caraacuteter essencialmente mesclado a crocircnica ndash no que toca agrave diversidade de gecircneros que por ela perpassam assim como na variedade de formas de organizaccedilatildeo do discurso utilizadas em sua produccedilatildeo ndash continua ateacute hoje a desafiar os estudiosos a definir-lhe de vez o status genoloacutegico Esse desafio vem de longa data em nosso meio jaacute que se estendia ao ldquofolhetimrdquo seu ancestral

Vemos no caso que embora constante das diversas modalidades de discurso o hibridismo se manifesta de um modo especial no texto croniacutestico configurando-se pois como um de seus traccedilos peculiares manifestados quer na relaccedilatildeo entre o discurso e a praacutetica social a que se encontra ligado quer entre as diversas praacuteticas sociais e as instituiccedilotildees que as regem

Vejamos por exemplo neste excerto da crocircnica de Caio Fernando Abreu como a prosa se mescla agrave poesia e agrave interpelaccedilatildeo direta sendo uma proposta expliacutecita de diaacutelogo

Deus eacute naja (excerto)

Caio Fernando AbreuDia seguinte meu amigo Dark contou ndash ldquotive um sonho lindo Imagina soacute uma jamanta toda douradardquo Rimos ateacute ficar com dor na barriga E eu lembrei dum poema antigo de Drummond Aquele Consolo na Praia sabe qual lsquoVamos natildeo chores A infacircncia estaacute perdida A mocidade estaacute perdida Mas a vida natildeo se perdeursquo ndash ele comeccedila antes de enumerar as perdas

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irreparaacuteveis perdeste o amigo perdeste o amor natildeo tens nada aleacutem da maacutegoa e solidatildeo E quando o desejo da jamanta ameaccedila invadir o poema Drummond o Carlos pergunta lsquoMas e o humorrsquo Porque esse talvez seja o uacutenico remeacutedio quando ameaccedila doer demais [] Porque tambeacutem me acontece ndash como pode estar acontecendo a vocecirc que quem sabe me lecirc agora ndash de achar que tudo isso talvez natildeo tenha a menor graccedila Pode ser Deus eacute naja nunca esqueccedila baby Segure seu humor Seguro o meu mesmo dark vou dormir profundamente e sonhar com uma linda e fatal jamanta A mil por hora (ABREU 2007 p 242-243)

Acerca dessa duplicidade basilar da crocircnica e da extensatildeo e variaccedilatildeo do hibridismo que a constitui em seu trabalho a respeito da produccedilatildeo croniacutestica de Cony Andrade (2005 p 299) assim se manifesta

Como se sabe a crocircnica eacute um gecircnero que apresenta dupla filiaccedilatildeo jaacute que o tempo e o espaccedilo curtos permitem o tratamento literaacuterio a temas jornaliacutesticos Assim ela tem do jornal a concisatildeo e a pressa e da literatura a magia e a poeticidade que recriam o cotidiano Nela se podem apresentar pequenos contos artigos ensaios ou poemas em prosa ou seja tudo aquilo que informe o leitor sobre os acontecimentos diaacuterios O cronista faz descriccedilotildees comentaacuterios a partir da observaccedilatildeo direta de fatos ou situaccedilotildees sujeitos agraves marcas do subjetivismo Desse modo registrar o elemento circunstancial passa a ser o princiacutepio baacutesico da crocircnica Por essas caracteriacutesticas e principalmente por sua brevidade a crocircnica torna-se um gecircnero peculiar para que o leitor possa ainda que indiretamente construir sua opiniatildeo a respeito dos principais temas do noticiaacuterio nacional ou internacional []

Foi justamente esse caraacuteter hiacutebrido da crocircnica ndash de um modo particular da que eacute produzida e veiculada nos jornais de maior circulaccedilatildeo no Brasil ndash um dos moacuteveis que nos levaram a elegecirc-la como objeto de estudo do presente trabalho

Como resistir pois agraves colunas de jornais que abrem espaccedilo para a apresentaccedilatildeo de relatos os quais escritos hoje ldquoao correr

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do teclado do computadorrdquo notificam-nos em tom avaliativo sobre os grandes e pequenos acontecimentos que recheiam o nosso dia a dia Como desprezar o tom de pilheacuteria de chalaccedila conferido por nossos cronistas no tratamento de assuntos seacuterios como os desmandos de nossos poliacuteticos que lutam tatildeo bravamente em prol de seu bolso Como ignorar o DNA de escritores que conforme ilustrado no fragmento abaixo fazem do humor uma verdadeira arma pedagoacutegica em prol do estabelecimento de uma eacutetica precisa e justa entre noacutes

Quando a histoacuteria daacute bode (excerto)

Affonso Romano de SantrsquoAnnaUm candidato a presidente da repuacuteblica com 94 anos E cego Eacute ver para crer Isto ocorreu haacute poucos dias na Repuacuteblica Dominicana Esse senhor se chama Joaquim Balaguer Detalhe jaacute foi presidente umas seis vezes Claro que perdeu Os eleitores agraves vezes enxergam de longe

Quando li essa notiacutecia achei que estava lendo um romance de Garciacutea Maacuterquez puro realismo fantaacutestico latino-americano No entanto estava diante de jornais venezuelanos estava ali no Caribe pois havia ido fazer uma conferecircncia na Universidade de Caracas E estar no Caribe daacute um colorido especial ao fato pois neste continente a realidade supera qualquer alucinaccedilatildeo [] (SANTrsquoANNA 2006 p 194)

Nas trilhas de especialistas como Charaudeau (2008) e outros a organizaccedilatildeo composicional da crocircnica compreende os seguintes modos discursivos narraccedilatildeo descriccedilatildeo dissertaccedilatildeo argumentaccedilatildeo e injunccedilatildeo variaacutevel conforme o grau de saliecircncia conferido a cada uma dessas possibilidades Embora no tocante agrave crocircnica a maioria de nossos autores privilegiem o modo narrativo natildeo deixam de explorar os demais destacando sempre um deles A constacircncia na escolha de um mesmo destaque serve como elemento de distinccedilatildeo estiliacutestica entre os autores Assim por exemplo Machado

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de Assis eacute considerado por seus pares e pelos estudiosos da sua crocircnica como o cronista ldquoformador de leitoresrdquo Joatildeo do Rio como o ldquocronista da reportagemrdquo Rubem Braga como ldquoo magoartesatildeo da palavrardquo ou como o ldquocronista liacutericordquo Otto Lara Rezende como o ldquoperdulaacuterio verbalrdquo Clarice Lispector como a ldquoautoplagiaacuteriardquo etc

A respeito do liacuterico Rubem Braga leiamos

Recado ao senhor 903 (excerto)

Rubem Braga[] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo em que um homem batesse agrave porta do outro e dissesse ldquovizinho satildeo trecircs horas da manhatilde e ouvi muacutesica em tua casa Aqui estourdquo E o outro respondesse ldquoEntra vizinho e come do meu patildeo e bebe do meu vinho Aqui estamos todos a bailar e a cantar pois descobrimos que a vida eacute curta e a lua eacute belardquo [] (BRAGA 1991 p 74)

Certamente a concessatildeo de privileacutegio a um dos modos de organizaccedilatildeo do discurso natildeo implica a exclusatildeo automaacutetica dos demais Na verdade embora menos destacados esses coatuam com o mais proeminente servindo como componentes indispensaacuteveis para a operaccedilatildeo levada a termo pelo autor Por conseguinte natildeo nos estranha a presenccedila de ingredientes descritivos e dissertativos na narrativa efetuada pelo escritor mineiro Affonso Romano no fragmento correspondente ao excerto a esse anteriormente apresentado

Natildeo obstante esse ldquojeito camaleocircnico de serrdquo da crocircnica da sua fugacidade do seu caraacuteter mais popular longe de noacutes julgaacute-la inferior a gecircneros elitistas conforme o faz ateacute hoje uma parte de nossos criacuteticos Ao contraacuterio conforme jaacute dito aqui a nosso ver satildeo justamente esses traccedilos que juntamente com outros fizeram da crocircnica um dos gecircneros mais cultuados no Brasil tanto do ponto de vista da instacircncia produtora quanto da receptora

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Isso sem falar que esses e outros elementos mais como a heterogeneidade temaacutetica e formal a dialogicidade intra e interdiscursiva o tipo e grau de interaccedilatildeo entre o escritor e o leitor o estilo do escritor etc podem refletir especularmente a praacutetica social que determina a crocircnica bem como o quadro poliacutetico econocircmico histoacuterico e sociocultural em que se acha inserida

Inferimos disso tudo que aleacutem de instrumento de lazer de informaccedilatildeo de fruiccedilatildeo do prazer esteacutetico a crocircnica tem o poder de nos revelar fatos acontecimentos haacutebitos costumes e a proacutepria mentalidade vigentes nos variados grupos humanos cujos sujeitos como seres sociais buscam interagir uns com os outros Tudo isso num espaccedilo miacutenimo e num aacutetimo de tempo

Outro tipo de hibridismo a mencionar aqui eacute o que diz respeito agrave sua temaacutetica cujas possibilidades de variaccedilatildeo satildeo inestimaacuteveis No caso dos cronistas brasileiros surpreende-nos a capacidade que tecircm de tratar de assuntos tatildeo corriqueiros e tatildeo inesperados Expert nesse quesito Luiacutes Fernando Veriacutessimo por exemplo assim subverte em operaccedilatildeo metalinguiacutestica e intertextual ldquoo aparelho formal da enunciaccedilatildeordquo o subjetivismo na linguagem estudados por teoacutericos como Benveniste (1989) e o mito da criaccedilatildeo constante do Livro do Gecircnesis

A primeira pessoa (excerto)

Luiacutes Fernando VeriacutessimoNo comeccedilo era eu Soacute eu Eu eu eu eu eu eu Natildeo existia nem a segunda pessoa do singular porque eu natildeo podia chamar Deus de ldquoturdquo Tinha que chamaacute-lo de ldquoSenhorrdquo Natildeo existia ldquoelerdquo Natildeo existia ldquonoacutesrdquo Nem ldquovoacutesrdquo Nem ldquoelesrdquo Soacute existia eu Eu eu eu eu Natildeo que eu fosse um egocecircntrico Eacute que natildeo havia alternativa

Eu natildeo podia pensar nos outros porque natildeo havia outros O mundo era uma gramaacutetica em branco Soacute havia eu e todos os verbos eram na primeira pessoa Eu abri os olhos Eu olhei em volta Eu vi que estava num Paraiacuteso (do grego paradeisos um

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jardim de prazeres ou do persa paridaiza o parque de um nobre mas isso soacute se soube depois) Eu perguntei ldquoO que devo fazer Senhorrdquo e Deus responde ldquoNada apenas existardquo E eu fui tomado pelo teacutedio A primeira sensaccedilatildeo humana [] (VERIacuteSSIMO 2005 p 107)

Como consequecircncia do hibridismo do domiacutenio discursivo da crocircnica outros tipos de miscigenaccedilatildeo podem ser instaurados na qualidade de texto do suporte jornal que abriga gecircneros textuais diferentes instauram-se desde as colunas sociais agraves colunas de notiacutecias de reportagens de editoriais de informaccedilotildees cientiacuteficas de missivas dirigidas ao leitor e ao jornal etc Isso sem falar nos obituaacuterios nos anuacutencios nos classificados na mateacuteria dirigida especialmente a crianccedilas jovens adultos etc A crocircnica se aproveita desse manancial trazendo em seu bojo notiacutecias reportagens anuacutencios chegando a assumir por vezes a forma de missiva de editorial de coluna social etc

4 Consideraccedilotildees finais

A pretensatildeo deste trabalho foi observar como se comporta o gecircnero textual crocircnica em seu espaccedilo costumeiro no jornal O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e do ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

O espaccedilo midiaacutetico em que a crocircnica figura mais do que um suporte eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Esse gecircnero constitui-se sempre como um espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de

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retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social em operaccedilotildees que visam agrave concordacircncia na troca interlocutiva por isso mesmo os cronistas satildeo instauradores de uma empatia entre os interlocutores

Este trabalho procurou ir ao encontro dessa forma de enxergar o discurso da crocircnica em que observaacutessemos o conjunto de forccedilas que contribuiacuteram e continuam contribuindo para a conquista do espaccedilo de prestiacutegio que o gecircnero possui em que o cronista precisa conjugar posiccedilatildeo institucional forccedila argumentativa persuasiva e talento na arte da escrita do seu discurso a fim de que o seu interlocutor se veja a cada crocircnica lida mais seduzido pelo gecircnero mesmo porque afinal nesse processo de persuasatildeo se o cronista obteacutem sucesso eacute pelo fato de que de alguma maneira o leitor se encontra ali inscrito pois o orador arguto natildeo negligencia o seu auditoacuterio antes respeita os seus saberes de conhecimento de crenccedila e sabe que precisa angariar a sua simpatia a sua predisposiccedilatildeo para ldquoouvirrdquo acatar ideias modificar posturas

Enfim essa posiccedilatildeo de legitimidade institucional do cronista repousa na imagem que ele daacute a entender de si mesmo a do cidadatildeo tal qual o outro que o lecirc

Referecircncias

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VERIacuteSSIMO L F A primeira pessoa In VERIacuteSSIMO L F Orgias Rio de Janeiro Objetiva 2005 p 107-110

Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

Somos movidos por diferentes convicccedilotildees crenccedilas e valores que orientam nossas condutas e atitudes na sociedade Esse conjunto de concepccedilotildees abrange diferentes assuntos como poliacutetica e religiatildeo ou diversas aacutereas do conhecimento como a Sociologia ou a Histoacuteria ora com embasamento cientiacutefico ora com ideias disseminadas pelo senso comum Entre os variados temas que levantam discussotildees encontra-se a liacutengua Rejeitada criticada ou amada muitas satildeo as percepccedilotildees e avaliaccedilotildees sobre ela e seus usuaacuterios

Em relaccedilatildeo agrave Liacutengua Portuguesa variados mitos conforme Bagno (2013) percorrem o imaginaacuterio social Podemos citar por exemplo aqueles que consideram que o brasileiro fala mal sua proacutepria liacutengua que o idioma eacute muito difiacutecil e que o aluno fala ldquoerradordquo Essas manifestaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave liacutengua ou a seus usuaacuterios natildeo soacute satildeo muitas vezes construiacutedas na escola mas tambeacutem no aparato social que vai (re)construiacute-las sustentaacute-las ou perpetuaacute-las (CYRANKA 2014) Por isso a importacircncia de compreendermos as crenccedilas e atitudes sobre a liacutengua toacutepicos de um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica

Se os falantes podem ter diferentes percepccedilotildees sobre a linguagem e sobre o outro pelo uso que este faz da liacutengua eacute pertinente analisar essas percepccedilotildees e empreender esforccedilos para um entendimento sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica descortinando crenccedilas e preconceitos Sob essa perspectiva neste capiacutetulo abordamos o estudo ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014)

Assim em um primeiro momento contextualizamos a pesquisa descrevendo o cenaacuterio escolar em que se desenvolveu e o puacuteblico participante Em seguida discutimos os pressupostos teoacutericos que embasaram as reflexotildees e trilhamos o percurso do estudo levantando hipoacuteteses definindo objetivos e delineando

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os procedimentos metodoloacutegicos Na sequecircncia analisamos e levantamos questotildees sobre os resultados gerais que alcanccedilamos tecemos nossas consideraccedilotildees finais e arrolamos as referecircncias

2 Contexto da pesquisa e perfil de informantes

A pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo foi realizada com duas turmas do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica municipal de Baratildeo de Cocais ndash Minas Gerais Participaram do estudo 42 alunos dos quais 23 de uma turma do 6ordm ano e 19 de uma do 8ordm ano Para levantarmos informaccedilotildees sobre esses estudantes e traccedilarmos um perfil dos informantes aplicamos um questionaacuterio a eles e a seus responsaacuteveis analisamos documentos da escola e dados fornecidos pelas Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo e consideramos informaccedilotildees do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e da Prova Brasil (2011)

Esse conjunto de dados e de informaccedilotildees foi relevante porque acreditamos que para ser significativo o tratamento da Liacutengua Portuguesa precisa considerar as demandas dificuldades potencialidades e interesses dos alunos de modo que seja fundamental levar em conta suas particularidades socioculturais e analisar documentos da escola e resultados de avaliaccedilotildees externas e internas

Por meio do levantamento dessas informaccedilotildees pudemos constatar em relaccedilatildeo aos 42 alunos que a) a faixa etaacuteria dos informantes oscilava entre 11 e 18 anos b) a maioria dos alunos da turma do 6ordm ano (61) se enquadrava na faixa etaacuteria esperada para se cursar essa etapa enquanto apenas um aluno da turma do 8ordm ano estava em idade prevista ao ano escolar que cursava o que apontava no caso dessa uacuteltima turma haver um alto iacutendice de distorccedilatildeo idade-ano escolar (95) indicativo de que muitos alunos

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haviam repetido algum ano escolar inclusive o proacuteprio 8ordm ano (60) c) 785 dos estudantes informaram que natildeo tinham biblioteca ou livros para leitura em casa o que demonstrou a necessidade de a escola desenvolver praacuteticas de leitura e d) grande parte dos alunos das duas turmas reside na zona urbana 87 dos 23 alunos do 6ordm ano e 79 do 8o ano

A obtenccedilatildeo desses e de outros dados nos permitiu compilar caracteriacutesticas dos estudantes natildeo soacute escolares mas tambeacutem sociais e culturais (QUEIROZ PEREIRA 2013) o que foi primordial para um adequado encaminhamento de nossa proposta de intervenccedilatildeo porque sabemos que esses diferentes fatores podem exercer influecircncia no sucesso (ou no fracasso) dos estudantes (CAPOVILLA CAPOVILLA 2000)

Com base nesses princiacutepios a motivaccedilatildeo de nosso estudo partiu de avaliaccedilotildees negativas de alguns dos alunos sobre determinados usos linguiacutesticos que resultaram no silenciamento de um estudante que justificava sua natildeo participaccedilatildeo em aula entre outros motivos ao modo como falava uma variedade rural que ele considerava ldquoerradardquo

A partir disso julgamos ser urgente uma abordagem condizente sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula para natildeo soacute mostrar aos alunos que uma grande diversidade caracteriza o Portuguecircs mas sobretudo para desfazer imagens negativas sobre essa variaccedilatildeo e consequentemente elevar a autoestima linguiacutestica e social dos estudantes Para atingirmos essa meta alicerccedilamos nosso estudo em fundamentos que abordamos na proacutexima seccedilatildeo

3 Pressupostos teoacutericos

O foco de nosso estudo foi trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula desfazendo mitos preconceitos e imagens negativas dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa e sobre os proacuteprios falantes Nesse intuito fizemos um levantamento bibliograacutefico de diferentes

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trabalhos e pesquisas sobre o ensino de Portuguecircs em especial o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica Nesse sentido definimos como principais contribuiccedilotildees os construtos da Sociolinguiacutestica e da Sociolinguiacutestica Educacional

Assumimos primeiramente a concepccedilatildeo sociointeracionista da liacutengua porque eacute por meio dela que interagimos estabelecemos relaccedilotildees dialoacutegicas exercemos influecircncia e somos influenciados Assim sendo nosso conceito de liacutengua ultrapassa a mera noccedilatildeo de coacutedigo ou de conjunto de regras a serem seguidas para bem falar e escrever para passar a se referir a um instrumento ou mecanismo de accedilatildeo social heterogecircneo variaacutevel e situado que se manifesta nos mais diferentes gecircneros textuais orais ou escritos (MARCUSCHI 2000) Entender a liacutengua nessa perspectiva pressupotildee levar em conta suas interseccedilotildees com o contexto social em que eacute utilizada e com o qual estabelece os mais variados tipos de relaccedilatildeo aspectos que nos direcionam para os estudos sociolinguiacutesticos

A Sociolinguiacutestica eacute um campo da Linguiacutestica que comeccedilou a tomar corpo pelas contribuiccedilotildees de diferentes pesquisadores como Meillet e Bernstein e que surgiu a partir da iniciativa de Bright ao reunir em 1964 em Los Angeles um grupo para discutir questotildees relacionadas a essa ciecircncia como por exemplo a etnologia da variaccedilatildeo linguiacutestica (CALVET 2002) Mas Labov se tornaria o principal precursor dessa linha de pesquisa Com o estudo e a valorizaccedilatildeo da variedade linguiacutestica e do entendimento das condiccedilotildees socioculturais em que ela se desenvolve foram legitimados os diferentes modos de dizer um mesmo conteuacutedo em uma mesma situaccedilatildeo com o mesmo valor de verdade (TARALLO 1997)

A partir das discussotildees de Faraco (1998) e de Bortoni-Ricardo (2014) entendemos que a Sociolinguiacutestica faz uma relaccedilatildeo entre usos linguiacutesticos e fatores sociais como o grau de escolaridade e o niacutevel socioeconocircmico do falante Ainda que sejam distintos a liacutengua e o contexto social se correlacionam o que significa que

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regras variaacuteveis podem estar condicionadas a fatos linguiacutesticos como o contexto na palavra ou no texto em que ocorrem ou a fatos extralinguiacutesticos como a faixa etaacuteria e a situaccedilatildeo de formalidade ou informalidade da interaccedilatildeo Com base em Cezario e Votre (2013) podemos citar em relaccedilatildeo ao primeiro caso a realizaccedilatildeo ou natildeo do fonema [R] final em verbos conforme o contexto fonoloacutegico seguinte a ele a presenccedila de uma vogal favorece a pronuacutencia do [ɾ] reorganizando a siacutelaba (como em ldquopegar a crianccedilardquo) enquanto a consoante acaba desfavorecendo (ldquotomar banhordquo) Acerca da segunda situaccedilatildeo ainda na ocorrecircncia ou natildeo do [R] final de infinitivo falantes com menor grau de escolaridade tendem a apagaacute-lo ao contraacuterio daqueles que tecircm maior grau

Assim trata-se de uma aacuterea de pesquisa que procura analisar os eventos linguiacutesticos tanto interna quanto externamente em sua relaccedilatildeo com fatores sociais culturais e histoacutericos que influenciam e caracterizam a liacutengua estudada como ela ocorre em seus diferentes usos diversa como o proacuteprio ser humano A variaccedilatildeo com isso torna-se uma caracteriacutestica constitutiva das liacutenguas em uso

Essa variaccedilatildeo com base em Castilho (2014) pode por exemplo ser temporal (analisar o Portuguecircs de periacuteodos passados em relaccedilatildeo ao mais atual) geograacutefica (verificar as relaccedilotildees entre origem do falante e os usos especiacuteficos que faz da liacutengua) sociocultural (como correlacionar determinados usos da liacutengua com segmentos da sociedade) individual (considerar caracteriacutesticas proacuteprias do falante como idade e gecircnero) de registro (levar em conta a formalidade ou informalidade) ou de canal (estudar usos escritos ou falados) Acresccedila-se a isso que a variaccedilatildeo pode se processar em qualquer niacutevel da liacutengua como o fonoloacutegico (por exemplo as diferentes realizaccedilotildees do ldquoerdquo da palavra ldquoescolardquo [i] [e] ou [ε]) o lexical (como tangerina ou mexerica) e o sintaacutetico (ldquoo pai cujo filho eacute meacutedicordquo ou ldquoo pai que o filho eacute meacutedicordquo)

Se a variaccedilatildeo eacute intriacutenseca agrave liacutengua como abordaacute-la em sala de aula Para responder a essa indagaccedilatildeo buscamos subsiacutedios na

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Sociolinguiacutestica Educacional que no Brasil estaacute muito vinculada aos importantes trabalhos da professora e pesquisadora Stella Maris Bortoni-Ricardo Trata-se de uma vertente que procura natildeo soacute analisar a variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem trazer para o contexto da sala de aula suas aplicaccedilotildees (e implicaccedilotildees) (BORTONI-RICARDO 1999)

Para tanto Bortoni-Ricardo (2005) propotildee entender e trabalhar a ecologia do Portuguecircs Brasileiro ao considerar trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica Por se tratar de contiacutenuos eacute importante concebecirc-los como processos ou eventos os quais contemplam diferentes usos que muitas vezes se entrelaccedilam e por isso podem natildeo ter fronteiras bem demarcadas No primeiro caso podemos pensar em usos rurais mais isolados em um dos polos e no outro em usos urbanos que sofreram maior padronizaccedilatildeo perpassados pelo ldquorurbanordquo que podem englobar por exemplo usos por falantes que migraram de uma regiatildeo para outra mas que ainda preservam seus antecedentes culturais e linguiacutesticos Em relaccedilatildeo agrave oralidade-letramento de um lado se enquadram os usos falados sem influecircncia direta da escrita e do outro os usos sob a mediaccedilatildeo da escrita enquanto a monitoraccedilatildeo estiliacutestica se refere aos usos mais monitorados e planejados de um lado do contiacutenuo e do outro usos mais espontacircneos e menos monitorados

Eacute importante em sala considerar esses contiacutenuos pois conforme Bagno (2017) ao se ampliar o repertoacuterio do aluno e ao inseri-lo cada vez mais em eventos da cultura letrada ele teraacute mais subsiacutedios para participar eficientemente das situaccedilotildees de interaccedilatildeo Nesse sentido eacute oportuno que a escola desenvolva atividades que possam levar os estudantes a dominar a liacutengua em praacuteticas sociais operando assim sobre as variadas dimensotildees da linguagem (gramatical semacircntica pragmaacutetica) (BRASIL 1998)

Nesse processo cabe ldquoinstrumentalizar o aprendiz para que ele possa descobrir com seus camaradas as determinaccedilotildees sociais

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das situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo assim como o valor das unidades linguiacutesticas no quadro de seu uso efetivordquo (DOLZ SCHNEUWLY 2004 p 47) Isso significa que no caso do tratamento da variaccedilatildeo em sala o foco deve ser refletir sobre os diferentes usos da linguagem conforme o contexto comunicativo avaliando as intenccedilotildees discursivas e os efeitos de sentido pretendidos e alcanccedilados

A perspectiva eacute trabalhar a diversidade que caracteriza a liacutengua contemplando os variados gecircneros textuais-discursivos orais ou escritos e contribuir consequentemente para ampliar a competecircncia linguiacutestico-comunicativa do estudante por meio de praacuteticas efetivas de uso da linguagem elevando a autoestima do aluno como falante da Liacutengua Portuguesa e conscientizando-o de que a variaccedilatildeo pode envolver avaliaccedilatildeo A esse respeito Cyranka (2014) pontua que a avaliaccedilatildeo linguiacutestica eacute um tema que deve ser discutido porque estaacute relacionado agraves atitudes em relaccedilatildeo agrave liacutengua e ao proacuteprio falante

Assim se crenccedilas imagens e percepccedilotildees sobre a liacutengua podem influenciar o comportamento linguiacutestico e social eacute necessaacuteria uma proposta pedagoacutegica que se oriente natildeo somente pela identificaccedilatildeo de que a liacutengua varia mas que ao constatar essa variaccedilatildeo envolva tambeacutem reflexatildeo conscientizaccedilatildeo e especialmente respeito e aceitaccedilatildeo da diversidade linguiacutestica Adotamos essa perspectiva com base em Bortoni-Ricardo (2005) porque ldquoa compreensatildeo indevida a natildeo compreensatildeo ou a subversatildeo [de] normas valores e atitudes podem resultar em atitudes violentas comportamentos agressivos atos preconceituosos diante da imposiccedilatildeo (e da natildeo aceitaccedilatildeo) autoritaacuteria de formas de ser pensar e agirrdquo (SOARES 2014 p 105)

Diante disso a partir do momento em que o aluno compreende o que eacute a variaccedilatildeo linguiacutestica e passa a aceitar a diversidade de usos poderaacute agir respeitosamente com relaccedilatildeo aos diferentes falares e aos usuaacuterios da linguagem e elevar sua autoestima como falante o que poderaacute resultar na geraccedilatildeo de avaliaccedilotildees positivas e

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no combate ao preconceito linguiacutestico Esse aliaacutes foi um de nossos objetivos ao levantarmos as imagens (negativas) de alguns alunos sobre o modo como eles proacuteprios se avaliavam como falantes da Liacutengua Portuguesa e a partir disso desmitificar crenccedilas e conscientizaacute-los sobre a diversidade linguiacutestica

Com base nesses pressupostos desenvolvemos a pesquisa cujo percurso de realizaccedilatildeo detalhamos no proacuteximo toacutepico

4 Percurso do estudo

A pesquisa que ora sintetizamos partiu de nossa experiecircncia em sala de aula especialmente pela observaccedilatildeo sobre as imagens negativas que os alunos da turma do 8ordm ano tinham da liacutengua dentre os quais destacamos um estudante que pouco participava das aulas devido agrave avaliaccedilatildeo que ele proacuteprio fazia de sua fala a qual considerava ldquoerradardquo por sua origem rural Tornou-se necessaacuterio assim compreendermos o fenocircmeno agrave luz de teorias pertinentes orientando-nos pelos pressupostos da Sociolinguiacutestica Educacional

Isso posto levantamos duas hipoacuteteses para a pesquisa observando se (1) os alunos demonstrariam ter imagens equivocadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica e a partir disso se (2) o tratamento da variaccedilatildeo poderia ser favorecido por meio do desenvolvimento de atividades Consideramos essas hipoacuteteses muito importantes porque a primeira focalizava o levantamento de imagens enquanto a segunda consequecircncia da outra referia-se ao tratamento dessas imagens em sala de aula

Por isso guiaram as metas da pesquisa sendo objetivo geral fazer uma abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com os alunos o que pressupunha tanto compreender como eles percebiam a diversidade da liacutengua quanto a partir dessas percepccedilotildees desenvolver atividades que priorizassem a abordagem da variaccedilatildeo em sala de aula e contribuiacutessem para o afloramento de imagens

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positivas em relaccedilatildeo agrave liacutengua agraves suas variedades e aos falantes no caso os proacuteprios estudantes

Com base nesse propoacutesito traccedilamos os objetivos especiacuteficos intencionando levantar as imagens dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa transformar a variaccedilatildeo linguiacutestica em componente curricular esclarecer sobre o preconceito linguiacutestico e desenvolver atividades que contemplassem o Portuguecircs padratildeo Esses objetivos se nortearam pela necessidade de os alunos terem imagens mais positivas sobre a liacutengua e de desenvolvermos em sala uma abordagem adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica assim como pela importacircncia de ensinarmos a variedade padratildeo do Portuguecircs a que eles tecircm direito dada a sua relevacircncia social

Para alcanccedilarmos esses objetivos orientamo-nos pela pesquisa etnograacutefica e pela pesquisa-intervenccedilatildeo Os estudos etnograacuteficos procuram analisar a natureza das relaccedilotildees entre as pessoas e o comportamento que adotam (TELLES 2002) no nosso caso a relaccedilatildeo professor-alunos e alunos-alunos no contexto da sala de aula O propoacutesito entatildeo foi procurar desvelar processos e eventos que poderiam por se tornarem rotineiros passar despercebidos (BORTONI-RICARDO 2008) principalmente por noacutes professores

Dessa forma nossa intenccedilatildeo foi com base em Feltran e Filho (1991) levantar dados sobre os alunos para que nossa praacutetica pedagoacutegica se tornasse adequada selecionando conteuacutedos e delineando estrateacutegias para o sucesso do processo educativo Para tanto analisamos a rotina da sala de aula avaliando a estrutura que a caracterizava na busca por situaccedilotildees que pudessem desencadear ressignificaccedilotildees do planejamento de aulas o que resultou na detecccedilatildeo de imagens negativas dos proacuteprios alunos sobre a variedade da liacutengua que usavam

Utilizamos dois procedimentos metodoloacutegicos para um entendimento da etnografia da sala de aula a) questionaacuterio b) atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica O primeiro recurso foi aplicado tanto a alunos quanto aos seus responsaacuteveis e continha questotildees

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que abordavam entre outros aspectos as praacuteticas de letramento e a avaliaccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa O Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de alunos era composto por 45 questotildees enquanto o Questionaacuterio Nordm 2 ndash Responsaacutevel por Aluno tinha 37 toacutepicos a serem respondidos As atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica foram quatro abordando as muacutesicas ldquoSaudosa Malocardquo ldquoAsa Brancardquo e ldquoChopis Centisrdquo e dois episoacutedios da novela ldquoAlma Gecircmeardquo O foco dessas atividades foi verificar a reaccedilatildeo dos alunos ao tipo de linguagem empregado e suscitar e levantar as avaliaccedilotildees positivas ou negativas que poderiam fazer desses usos

A partir disso pautamo-nos pela pesquisa-intervenccedilatildeo uma vez que pela reinterpretaccedilatildeo da sala de aula procuramos intervir socioanaliticamente (ROCHA AGUIAR 2003) ou seja com o entendimento da realidade dos alunos com base nas respostas dos questionaacuterios e das atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica propusemos uma accedilatildeo que pudesse transformaacute-la Consideramos entatildeo natildeo soacute o contexto escolar dos estudantes mas tambeacutem o social e assumimos um compromisso eacutetico-poliacutetico de implementar uma praacutetica inovadora (GABRE 2012) com o objetivo de contribuir para o entendimento da variaccedilatildeo linguiacutestica para a produccedilatildeo de imagens positivas sobre a Liacutengua Portuguesa e suas variedades e para a elevaccedilatildeo da autoestima dos alunos

Para promover essa intervenccedilatildeo elaboramos uma sequenciaccedilatildeo de atividades que se baseou no modelo em espiral da sequecircncia didaacutetica proposta por Dolz e Schneuwly (2004) e dos trecircs contiacutenuos da ecologia do Portuguecircs Brasileiro discutidos por Bortoni-Ricardo (2005) O objetivo dessa sequenciaccedilatildeo foi promover a reflexatildeo linguiacutestica problematizar o preconceito linguiacutestico e caracterizar a variaccedilatildeo linguiacutestica

Procuramos pois fomentar a reflexatildeo nos alunos Para tanto tomamos por base textos de diferentes gecircneros procedemos a atitudes e delineamos procedimentos para instigar e valorizar os conhecimentos preacutevios dos estudantes partindo de situaccedilotildees

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mais amplas ateacute chegar a um contexto mais especiacutefico abordando fenocircmenos linguiacutesticos mais conhecidos e provaacuteveis ateacute eventos de fala ou de escrita que poderiam ser de pouco entendimento dos estudantes ou de ocorrecircncia menos frequente em seus usos da linguagem

Estruturamos essa sequecircncia de atividades em 10 moacutedulos 1) ldquoNas sendas do patrimocircniordquo 2) ldquoA liacutengua como patrimocircniordquo 3) ldquoA liacutengua e a histoacuteria de Baratildeo de Cocaisrdquo 4) ldquoOs olhares sobre Baratildeo sobre si sobre a liacutenguardquo 5) ldquoO modo como eu falo eacute errado Eu sou um errordquo 6) ldquoSou da roccedila E daiacute O outro jaacute mora na cidade Mas todos somos cocaienses 7) ldquoA liacutengua que falamos e a liacutengua que escrevemosrdquo 8) ldquoNoacuteis vai Noacutes vamos E aiacuterdquo 9) ldquoO texto literaacuterio e a liacutenguardquo e 10) ldquoFim de um comeccedilo as variedades da liacutengua e a escolardquo

Depois do desenvolvimento de cada um dos moacutedulos aplicamos uma ldquoFicha de Avaliaccedilatildeordquo por meio da qual os alunos poderiam avaliar as atividades e dar sugestotildees Como instrumento de verificaccedilatildeo da aprendizagem aplicamos 3 atividades 1) reflexatildeo sobre o viacutedeo ldquoChico Bento no Shoppingrdquo 2) anaacutelise de trecho do ldquoLivro de Juiacutezes (12 46)rdquo 3) discussatildeo do viacutedeo ldquoPreconceito Linguiacutesticordquo

Os resultados desses procedimentos e tarefas satildeo apresentados e analisados na seccedilatildeo que se segue

5 Resultados gerais

Aplicamos aos alunos na fase diagnoacutestica de levantamento de dados o Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de Alunos Entre as diferentes questotildees que compunham o instrumento a ldquo42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo deteve nossa atenccedilatildeo As respostas dos 42 alunos apontaram que deles 405 tinham imagens negativas sobre a variedade da liacutengua que usavam tatildeo

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bem para se comunicarem no dia a dia Satildeo exemplos dessas percepccedilotildees28

1) ldquomais ou menos porque tem vezes que eu falo muitas coisas erradasrdquo (informante 6A8)

2) ldquoeu sou igual aos meus pais agraves vezes falo errado eu eacute porque falo errado mesmo eu puxei a minha famiacutelia eles tambeacutem falam erradordquo (informante 6A7)

3) ldquomuito ruim porque a minha liacutengua eacute presardquo (informante 6A4)

4) ldquomuito mal falo muito coisa erradardquo (informante 8A13)

5) ldquomais ou menos porque tem vezes que falo erradordquo (informante 8A8)

Esses e outros comentaacuterios dos alunos nos mostraram que a cultura do ldquoerrordquo era recorrente em suas percepccedilotildees estando muitas vezes relacionada agrave fala Em decorrecircncia dela os estudantes avaliavam negativamente o modo como usam a liacutengua instrumento por meio do qual se comunicam eficientemente no cotidiano Comprovamos assim a nossa hipoacutetese de que os educandos poderiam ter imagens equivocadas ou deturpadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica Esses dados obtidos estatildeo relacionados ao mito discutido por Bagno (2013) o usuaacuterio julga que natildeo sabe a proacutepria liacutengua da qual faz uso e considera que fala ldquoerradordquo

Diante dessas imagens iniciais procuramos obter dados mais sistematizados a partir das 4 atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica Observamos que foram geradas de modo geral avaliaccedilotildees negativas sobre alguns usos da Liacutengua Portuguesa sobretudo acerca de falares de pessoas de origem rural e com menos escolaridade Satildeo exemplos dessas avaliaccedilotildees

28 A transcriccedilatildeo de todos os comentaacuterios dos informantes foi revista de acordo com a ortografia oficial Foram utilizados coacutedigos para manter em sigilo o nome dos participantes conforme normas eacuteticas da pesquisa

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6) ldquopor causa do jeito que ele falou as palavras estava erradordquo (informante 6A12)

7) ldquoo modo de falar que eacute esquisitordquo (informante 6A23)

8) ldquoeacute muito estranhordquo (6A5)

9) ldquoporque eacute feia a conversa delesrdquo (informante 8A18)

10) ldquoeu consertaria a pessoa e falava o jeito certordquo (informante 8A2)

Foi necessaacuterio diante dessas percepccedilotildees trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica identificar usos da liacutengua e esclarecer o que eacute preconceito linguiacutestico combatendo-o por meio da abordagem dos trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica (BORTONI-RICARDO 2005)

Aplicamos entatildeo a sequenciaccedilatildeo de atividades Em relaccedilatildeo agrave qualidade da proposta desenvolvida os alunos de modo geral fizeram uma avaliaccedilatildeo positiva os 10 moacutedulos tiveram meacutedia de 40 para ldquobomrdquo e 47 para ldquoexcelenterdquo Jaacute em referecircncia agraves aprendizagens dos estudantes os trecircs exerciacutecios que aplicamos apresentaram interessantes iacutendices descritos na Tabela 1

Tabela 1 Resultados dos exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem

Exerciacutecio Questotildees objetivas

Meacutedia do iacutendice das respostas esperadas

ou adequadas das questotildees

Meacutedia do iacutendice das respostas

natildeo esperadas ou adequadas das

questotildees1 1 2 e 3 87 852 Uacutenica 865 1153 2 e 3 84 12

Fonte Dados obtidos a partir dos resultados de Soares (2014)

Os dados obtidos apontam mudanccedila significativa na percepccedilatildeo dos alunos Se antes por exemplo 405 dos 42 alunos

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apresentavam visotildees negativas sobre a proacutepria liacutengua que falavam ou sobre determinados usos especialmente os relacionados a situaccedilotildees de informalidade ou a falantes com menos escolaridade ou de aacutereas mais rurais percebemos que a grande maioria (mais de 84) reviu suas concepccedilotildees e passou a ter uma maior consciecircncia linguiacutestica compreendendo a variaccedilatildeo e respeitando a diversidade de usos Com isso a proposta de intervenccedilatildeo atingiu os objetivos propostos a) desmitificar crenccedilas negativas e preconceitos b) trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica conscientizando sobre os usos diversos da linguagem c) elevar a autoestima linguiacutestica dos alunos Podemos citar como exemplos de avaliaccedilotildees positivas os seguintes comentaacuterios dos estudantes

11) ldquoA valorizar a linguagem da roccedilardquo (informante 8A2)

12) ldquoQue natildeo devemos ter vergonha de nossa falardquo (informante 6A9)

13) ldquoSim eu falo a liacutengua muito bem porque eacute meu patrimocircniordquo (informante 6A17)

14) ldquoQue a gente tem que ter orgulho da nossa liacutenguardquo (informante 8A12)

15) ldquoA importacircncia de nossa liacutenguardquo (informante 8A11)

A reflexatildeo do informante 6A16 tambeacutem chamou nossa atenccedilatildeo

16) ldquoNatildeo existe linguagem errada Se noacutes falamos que a linguagem eacute errada noacutes somos erradosrdquo O estudante entatildeo natildeo soacute aponta para a conclusatildeo de que eacute incorreto afirmar que a liacutengua que falamos eacute ldquoerradardquo mas tambeacutem direciona para uma importante discussatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e identidade do falante Se a liacutengua eacute considerada ldquoerradardquo o falante estaacute agindo para caracterizar a si ou ao outro como um ldquoerrordquo o que na percepccedilatildeo do aluno natildeo pode ocorrer Corroboram essa reflexatildeo do educando outros comentaacuterios que repudiam o preconceito linguiacutestico

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17) ldquoEu acho muito ruim o racismo com as pessoas soacute pelo jeito que ela fala o sotaque pode ser diferente natildeo precisa ser racista pelo jeito de falarrdquo (informante 6A16)

18) ldquoEu acho que natildeo [se] deve julgar algueacutem pelo jeito que ela fala [pois] isto magoa as pessoasrdquo (informante 6A16)

19) ldquoUm preconceito linguiacutestico e isso eacute um crime graverdquo (informante 8A14)

20) ldquoNatildeo acho certo porque ningueacutem tem o direito de julgar o proacuteximo por causa de liacutenguardquo (informante 6A17)

21) ldquoOs preconceitos As pessoas devem ser respeitadasrdquo (informante 6A22)

Um exemplo tambeacutem interessante eacute o relato do estudante 8A5 que nas atividades apontou que 22) ldquoeacute a liacutengua que falamos ela representa riqueza e valorrdquo quando anteriormente havia respondido no Questionaacuterio do Aluno para a ldquoQuestatildeo 42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo 23) ldquoNatildeo gostordquo (informante 8A5) O aluno modificou consideravelmente sua percepccedilatildeo sobre a liacutengua que usa

Esses resultados e comentaacuterios sinalizam que trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica por meio dos contiacutenuos propostos por Bortoni-Ricardo (2005) pode ser uma proposta produtiva natildeo soacute porque desmitifica preconceitos e crenccedilas negativas sobre a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem porque contribui para que os alunos compreendam sistematicamente a variaccedilatildeo linguiacutestica Diante dessas observaccedilotildees tecemos nossas conclusotildees

6 Consideraccedilotildees finais

Nosso propoacutesito com a pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014) foi captar e analisar o modo como os alunos percebiam a si mesmos

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como falantes do Portuguecircs Brasileiro e a partir disso propor uma abordagem de ensino adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica

Nesse intuito aplicamos um questionaacuterio aos estudantes e constatamos que boa parte deles tinha uma imagem negativa da liacutengua que usavam Para obtermos dados mais precisos sobre essa questatildeo desenvolvemos quatro atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica cujos resultados confirmaram nossa hipoacutetese de que os estudantes apresentavam imagens negativas sobre determinados usos da liacutengua sobretudo daqueles falares de pessoas com origem rural ou com menos escolaridade

A partir disso delineamos uma proposta de intervenccedilatildeo estruturada em 10 moacutedulos e baseada nos pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos da Sociolinguiacutestica Educacional em especial nas discussotildees de Bortoni-Ricardo (2005) sobre os trecircs contiacutenuos (rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica) que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro

Os resultados dos moacutedulos desenvolvidos e dos trecircs exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem aplicados apontam que foi muito positiva a estrateacutegia de abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com base nesses contiacutenuos Por um lado inferimos a partir de Pastorelli (2012) e Orsi (2011) que valores e comportamentos linguiacutesticos natildeo se alteram rapidamente porque jaacute fazem parte da identidade dos falantes e da cultura na qual essa personalidade foi se formando e que influencia sobremaneira o jeito de cada um de ser pensar e agir

Poreacutem por outro lado ao entenderem os fatores que influenciam a diversidade linguiacutestica e ao aceitarem e respeitarem essa variedade os alunos criaram imagens mais positivas da liacutengua que usam e consequentemente poderatildeo adotar comportamentos linguiacutesticos e sociais tambeacutem mais positivos inclusive sobre si mesmos na condiccedilatildeo de falantes competentes da Liacutengua Portuguesa elevando assim a sua autoestima

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Uma abordagem da liacutengua nessa perspectiva pressupotildee que seja essencial o professor considerar a realidade linguiacutestico-social dos alunos refletir sobre a relevacircncia social poliacutetica e cultural de uma abordagem quase exclusiva da norma-padratildeo e planejar atividades que contemplem a gama de variedades que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro A anaacutelise da liacutengua sob esses paracircmetros contribui para o descarte de preconceitos para o entendimento de que natildeo haacute liacutengua ou variedade melhor do que outra pois satildeo funcionalmente equivalentes e para a aceitaccedilatildeo de que a variaccedilatildeo eacute um fenocircmeno inerente agrave linguagem em decorrecircncia da proacutepria natureza humana notadamente marcada por uma grande diversidade sociocultural

Assim o estudo da variaccedilatildeo linguiacutestica se torna ao mesmo tempo socializado e socializante porque ao discutir e problematizar a diversidade da linguagem instrumentaliza o aluno para usar a liacutengua de acordo com a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo o gecircnero textual-discursivo o interlocutor e o propoacutesito comunicativo Com isso ao desenvolver propostas que abordem os diferentes usos linguiacutesticos o docente poderaacute contribuir para que os conhecimentos dos estudantes sobre a liacutengua se ampliem o que consequentemente poderaacute colaborar para o aperfeiccediloamento de sua competecircncia comunicativa potencializando dessa forma sua atuaccedilatildeo na sociedade

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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1 Introduccedilatildeo

Apresentamos neste capiacutetulo os resultados de uma pesquisa29 realizada no municiacutepio de Lontra localidade interiorana com alguns usos linguiacutesticos peculiares que motivaram esta investigaccedilatildeo sendo um deles em especial a alternacircncia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos moradores daquele lugar O municiacutepio localiza-se na regiatildeo do norte de Minas Gerais e conta com uma populaccedilatildeo estimada de 9008 habitantes segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)30 Iniciou seu processo de povoamento agraves margens de uma lagoa (habitada pelo animal lontra daiacute o nome do lugar) que era ponto de parada para descanso de tropeiros e viajantes que por ali passavam transportando mercadorias em lombos de animais e carros de boi Por sua localizaccedilatildeo estrateacutegica alguns viajantes foram fixando morada naquele ponto surgindo entatildeo as primeiras famiacutelias que deram origem agrave comunidade

A escola locus da pesquisa eacute a Escola Estadual Guimaratildees Rosa instituiccedilatildeo onde atuamos como docente Eacute a uacutenica da rede estadual do municiacutepio atende cerca de 900 alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental ao 3ordm ano do ensino meacutedio com funcionamento nos trecircs turnos Escolhemos como puacuteblico-alvo duas turmas do 8ordm ano do Ensino Fundamental totalizando 48 alunos sendo 27 meninas e 21 meninos

Assim nossas observaccedilotildees empiacutericas e aleatoacuterias na lida diaacuteria como professora e tambeacutem como moradora da cidade somadas ao ineditismo do estudo do fenocircmeno linguiacutestico em questatildeo especificamente em Lontra-MG direcionaram nosso trabalho

Durante a investigaccedilatildeo sobre o fenocircmeno percebemos a estigmatizaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos visto que a forma de

29 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly381yRFu30 Dados obtidos no siacutetio httpscidadesibgegovbrbrasilmglontrapanorama Acesso em 15 jul 2019

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tratamento ao interlocutor nos diaacutelogos travados entre os falantes nem sempre era por meio do ldquovocecircrdquo forma pronominal de uso corriqueiro entre os usuaacuterios da Liacutengua Portuguesa do Brasil Em situaccedilotildees de informalidadeintimidadeproximidade com seu interlocutor o morador da comunidade pesquisada usa o ldquoturdquo (pronome de segunda pessoa) poreacutem sem proceder agrave concordacircncia verbal conforme exige a variedade padratildeo do Portuguecircs brasileiro ou seja o falante usa o ldquoturdquo entretanto o verbo eacute conjugado na terceira pessoa do singular (Exemplo ldquoTu foi laacuterdquo) fenocircmeno que gera preconceito linguiacutestico entre os moradores do lugar Lontra e os das localidades vizinhas

Por essas razotildees propusemo-nos a descrever e analisar o uso das duas formas pelos alunos informantes em contextos variados de interlocuccedilatildeo e tambeacutem investigar se o que acontecia com esses usos linguiacutesticos era um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e em caso afirmativo quais fatores motivavam essa alternacircncia de uso quais os reflexos da fala na escrita e que percepccedilotildees no que concerne agraves crenccedilas e atitudes linguiacutesticas tal fenocircmeno despertava nos sujeitosinformantes

Formulamos para esta proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses que seriam comprovadas ou refutadas ao final da pesquisa a saber a) a alternacircncia no uso das variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e fatores estruturais e natildeo estruturais influenciam essa alternacircncia b) a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo em liacutengua materna baseada nas propostas teoacutericas para o ensino e a aprendizagem das variedades linguiacutesticas brasileiras leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada (BAGNO 2004)

Isso posto supondo a existecircncia de variaccedilatildeo no uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo sendo o ldquoturdquo usado como variante regional que coocorre com o ldquovocecircrdquo e que esse uso gera preconceito e

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ainda que a linguagem oral estaria influenciando a escrita dos alunos definimos como objetivo principal pesquisar a alternacircncia de uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo em contextos variados de interlocuccedilatildeo identificados na fala e na escrita daqueles alunos bem como as crenccedilas e atitudes negativas consequentes do uso dessa variaccedilatildeo Definimos tambeacutem os seguintes objetivos especiacuteficos a) atualizar nossos conhecimentos natildeo soacute sobre algumas teorias que tratam da variaccedilatildeo e mudanccedilas linguiacutesticas mas tambeacutem da educaccedilatildeo linguiacutestica das crenccedilas e atitudes diante da linguagem b) descrever os usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos sujeitos participantes da pesquisa c) apontar possiacuteveis influecircncias de fatores estruturais e natildeo estruturais no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na fala dos participantes da pesquisa d) verificar possiacuteveis interferecircncias da oralidade no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na escrita dos alunos e) elaborar e desenvolver uma proposta de ensino cujo conteuacutedo contribua para o ensino da Liacutengua Portuguesa focando o estudo das variaccedilotildees linguiacutesticas e com isso promover uma educaccedilatildeo linguiacutestica e uma aprendizagem condizente com o ensino da gramaacutetica normativa especialmente no que concerne ao uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Nesse contexto considerando que a pesquisa visava ao registro dos usos das formas de tratamento em tela e tambeacutem agrave elaboraccedilatildeo de alternativas para trabalhar via ensino o problema detectado dividimos o trabalho em duas etapas denominadas ldquoEtapa Diagnoacutesticardquo e ldquoProposta de Ensinordquo A primeira teve como objetivos quantificar e analisar o uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes com a finalidade de verificar se o aspecto linguiacutestico ocorrido em Lontra se tratava de um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica A segunda etapa tratou da elaboraccedilatildeo e desenvolvimento de uma proposta de ensino cujas atividades intencionavam promover a educaccedilatildeo linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

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2 Pressupostos teoacutericos

Este estudo teve como aparato teoacuterico a Sociolinguiacutestica (LABOV 2008 [1972]) a Dialetologia e a Geografia Linguiacutestica (BRANDAtildeO 1991) a vertente Sociolinguiacutestica Educacional (BORTONI-RICARDO 2004 SCHERRE 2005) e ainda Crenccedilas e Atitudes Linguiacutesticas (LEITE 2008 SCHERRE 2008 2009 2015) entre outros autores que subsidiaram a abordagem do assunto

Baseada nos princiacutepios labovianos Alkmin (2005) reporta que a Sociolinguiacutestica eacute a aacuterea de estudo que investiga a relaccedilatildeo entre liacutengua e sociedade sendo elas indissociaacuteveis porquanto deram origem agrave base que constitui o homem Assim a linguagem estaacute intrinsecamente atrelada a diversos fatores sociais que permeiam a vida do ser humano como idade sexo classe social niacutevel de escolaridade profissatildeo dentre outros Logo compreender essa relaccedilatildeo implica entender os interlocutores e todo o contexto em que se estabelece uma interaccedilatildeo verbal

Labov (2008 [1972]) precursor da Sociolinguiacutestica considera o contexto de fala e o uso social da liacutengua materna como aspectos essenciais para a compreensatildeo de diversas situaccedilotildees que envolvem os usos linguiacutesticos Por isso defende que natildeo se pode dissociar os estudos de uma liacutengua de seu uso pelos falantes Afirma o autor que em toda comunidade de fala satildeo comuns formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo o que corrobora a heterogeneidade linguiacutestica porquanto variaccedilatildeo implica dinamismo e vivacidade imbricados no conceito de liacutengua natural humana

Nessa linha Brandatildeo (1991) complementa que quando se expressa o indiviacuteduo transmite natildeo soacute o que estaacute inserido em seu discurso mas tambeacutem um conjunto de muitos outros dados que permite conhecer seu idioleto e ainda filiaacute-lo a um determinado grupo uma comunidade linguiacutestica composta por membros que interagem verbalmente e compartilham as mesmas regras linguiacutesticas Diante disso as variaccedilotildees da liacutengua satildeo assimiladas

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pelos falantes no conviacutevio com seus pares que se expressam pelas caracteriacutesticas peculiares proacuteprias de seu grupo ou da regiatildeo em que vivem Assim sendo tais variaccedilotildees natildeo podem ser vistas como negativas ou problemaacuteticas pelo contraacuterio manifestam-se como parte da diversidade linguiacutestica inerente a quaisquer sistemas linguiacutesticos caracterizando-se como mecanismos que compotildeem o todo constitutivo da liacutengua

Tarallo (1994 p 8) com base na teoria laboviana pondera que se haacute formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo haacute variantes linguiacutesticas que satildeo ldquodiversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdaderdquo Se investigamos um possiacutevel caso de variaccedilatildeo linguiacutestica pressupomos a investigaccedilatildeo das variantes coocorrentes no caso desta pesquisa as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Segundo a abordagem gramatical normativa a partir de Cunha e Cintra (2001) e Bechara (2009) os dois pronomes pertencem ao campo da segunda pessoa logo com quem se fala de modo que os primeiros autores inserem o ldquovocecircrdquo como verdadeiro pronome pessoal natildeo soacute de tratamento Entretanto pelo histoacuterico diacrocircnico demarcativo de classes (principalmente o ldquoturdquo) ao longo da evoluccedilatildeo das duas formas pronominais adotamos o termo forma de tratamento quando nos referimos aos dois pronomes em nosso trabalho

Biderman (1972-73) traccedila um breve percurso do ldquoturdquo afirmando haver registro da forma desde a Idade Meacutedia Segundo a autora a histoacuteria desse pronome assim como a de seu par plural no paradigma pronominal do Portuguecircs o ldquovoacutesrdquo sempre esteve relacionada agraves estruturas sociais que representam O ldquovoacutesrdquo de um lado indicando a forccedila e o poder da alta sociedade e em contrapartida o ldquoturdquo caracterizando a fala das pessoas das camadas socioeconomicamente desprivilegiadas Em sociedades de diferentes lugares do mundo as formas de tratamento sempre se comportaram como divisores de classes separando quem fazia

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parte da elite daqueles que pertenciam agraves camadas populares Na atualidade no Brasil o pronome ldquovoacutesrdquo apesar de continuar integrando o quadro dos pronomes pessoais tornou-se forma arcaizada visto que ldquovocecircsrdquo acabou por assumir o papel de plural da segunda pessoa

Por sua vez a forma ldquovocecircrdquo segundo a mesma autora passou por diversas transformaccedilotildees foneacuteticas ao longo de seu processo evolutivo desde a sua forma primitiva lsquovossa mercecircrsquo Novamente notamos a influecircncia das formas de tratamento representativas de segmentos da sociedade como causa de mudanccedilas de uso da liacutengua haja vista que ldquovossa mercecircrdquo apoacutes perder seu prestiacutegio honoriacutefico popularizou-se e passou por diversas mudanccedilas ateacute chegar a ldquovocecircrdquo inclusive jaacute com registro no Brasil da forma reduzida lsquocecircrsquo

Nessa trilha tendo o ldquovocecircrdquo surgido posteriormente ao ldquoturdquo no Brasil segundo Coelho (2008 p 5) aquela forma ldquoeacute hoje amplamente usada por noacutes tanto em situaccedilotildees formais quanto informais em substituiccedilatildeo a lsquotursquo de emprego cada vez mais restritordquo Contrassenso em algumas regiotildees do paiacutes as duas formas passaram a disputar o mesmo espaccedilo em relaccedilotildees de maior proximidade entre as pessoas O diferencial eacute que lsquovocecircrsquo forma dominante eacute usada em situaccedilotildees de relativa proximidade talvez ainda heranccedila de sua forma arcaica e do seu contexto de uso representando a hierarquizaccedilatildeo portuguesa enquanto o ldquoturdquo como advogam Scherre et al (2015 p 162) ldquotrata-se de um lsquotursquo brasileiro que em muitas comunidades instaura-se sem concordacircncia expressa na forma verbal (tu fala) de forma diferente do que registra a tradiccedilatildeo gramatical (tu falas)rdquo

Retomando o campo das variaccedilotildees da liacutengua Alkmin (2005) assegura que formas distintas de se dizer uma mesma coisa satildeo facilmente encontradas no Portuguecircs Brasileiro (PB) marcas do Portuguecircs padratildeo e natildeo padratildeo alternando-se equivalendo-se linguisticamente Como jaacute discutido anteriormente variabilidade

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perfeitamente aceitaacutevel visto que todas as liacutenguas satildeo passiacuteveis de variaccedilatildeo

No entanto percebemos ainda uma linha tecircnue entre essa equivalecircncia padratildeo e natildeo padratildeo preconizada pela Linguiacutestica Bortoni-Ricardo (2004) uma das pesquisadoras da vertente Sociolinguiacutestica Educacional assevera que as variedades linguiacutesticas existem satildeo reais e estatildeo por toda parte representadas pelasnas manifestaccedilotildees comunicativas das mais diversas vozes e lugares Contudo muitos creem em uma pseudossuperioridade linguiacutestica ou seja que haacute determinadas variaccedilotildees que se sobrepotildeem a outras mesmo na ausecircncia de fundamentaccedilatildeo linguiacutestico-teoacuterica que explique a assertiva Para a autora eacute inadmissiacutevel que uma variedade seja considerada melhor mais aceitaacutevel ou mais recomendaacutevel que outra Por isso propotildee que se desenvolvam praacuteticas educativas para o envolvimento de todos os falantes de todas as classes jaacute que somos igualmente partiacutecipes de praacuteticas sociais que demandam diversos conhecimentos linguiacutesticos para que se desmitifiquem tais crenccedilas

Sabemos que algumas variedades gozam de prestiacutegio linguiacutestico todavia satildeo juiacutezos de valor em torno de determinados falares que consoante Bortoni-Ricardo (2004) geram preconceitos linguiacutesticos que devem ser veementemente combatidos Para Leite (2008) a sociedade tem insistido em ignorar a intoleracircncia linguiacutestica por ser um mal que atinge o ser humano em sua subjetividadeindividualidade A autora complementa que a natildeo toleracircncia linguiacutestica pode estar imiscuiacuteda em outras intoleracircncias tatildeo nefastas quanto ela contudo natildeo menos condenaacutevel do que qualquer outra Scherre (2005 p 89) enfatiza que ldquopraticar preconceito linguiacutestico expliacutecito ou impliacutecito eacute sem duacutevida atentar contra a cidadaniardquo Em funccedilatildeo disso no sentido de assegurar o legiacutetimo direito de o homem se manifestar foi criada em junho de 1996 a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos31 com o fim de formalizar um documento

31 ORGANIZACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA A EDUCACcedilAtildeO A CIEcircNCIA E A CULTURA Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos 1996

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que permitisse ldquocorrigir os desequiliacutebrios linguiacutesticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as liacutenguas e estabelecer os princiacutepios de uma paz linguiacutestica planetaacuteria justa e equitativa como fator fundamental da convivecircncia socialrdquo

3 Metodologia

Por ser a metodologia o estudo dos caminhos a serem seguidos para se conseguir os melhores meacutetodos para produzir conhecimento adotamos como propostas norteadoras deste trabalho a pesquisa descritiva sociolinguiacutestica laboviana (quantitativa e qualitativa) na primeira etapa da pesquisa quando quantificamos e analisamos o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes na segunda etapa a vertente Sociolinguiacutestica Educacional e a pesquisa-accedilatildeo

Para Abdalla (2005) a pesquisa-accedilatildeo eacute uma alternativa possiacutevel de anaacutelise e avaliaccedilatildeo das praacuteticas docentes e nas palavras de Tripp (2005 p 443) seria ldquotoda alternativa continuada sistemaacutetica e empiricamente fundamentada de aprimorar a praacuteticardquo No entanto Thiollent (2011) adverte que natildeo se trata de uma metodologia mas de uma estrateacutegia de pesquisa que agrega vaacuterios outros meacutetodos ou teacutecnicas

Antes de iniciarmos a anaacutelise dos dados coletados apresentamos a variaacutevel linguiacutestica de segunda pessoa do singular (variaacutevel dependente) com a qual trabalhamos bem como suas variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e suas variantes foneacuteticas ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) Essas duas formas de tratamento usadas pelos informantesmoradores de Lontra de um modo geral alternam entre si se substituem em um mesmo contexto de fala por isso as escolhemos como variantes linguiacutesticas

Relacionamos ainda os fatores estruturais e natildeo estruturais que apontamos e analisamos neste trabalho

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a) Os fatores estruturais observados nos dados coletados foram

i) Funccedilatildeo sintaacutetica da forma (posiccedilatildeo de sujeito posiccedilatildeo de objeto sem preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento com preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento de nome)

ii) Tipo de frase em que a forma ocorre (afirmativa negativa interrogativa)

iii) Ambiente fonoloacutegico precedente (pausa vogal consoante)

iv) Morfologia da forma verbal (forma simples locuccedilatildeo verbal)

v) Paradigma flexional do verbo (verbo regular verbo irregular)

vi) Contexto de interpretaccedilatildeo (forma definida e forma indefinida)

b) Os fatores natildeo estruturais observados

i) Classe social privilegiada e natildeo privilegiada

ii) Grau de intimidade + proacuteximo - proacuteximo (entre colegas professores e diretor)

iii) Procedecircncia geograacutefica rural e urbana

iv) Sexo masculino e feminino

Conforme jaacute mencionado esta pesquisa foi dividida em duas etapas Na primeira realizamos a coleta dos dados da fala e da escrita dos sujeitos informantes quantificamos e analisamos esses dados a fim de verificar se o fenocircmeno ocorrido em Lontra apontava para um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Na segunda com base nos resultados obtidos na primeira etapa e tendo como premissa o respeito e a aceitaccedilatildeo das variaccedilotildees crenccedilas e atitudes linguiacutesticas e ainda verificando se o uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo seguia a tradiccedilatildeo gramatical do Portuguecircs Brasileiro elaboramos

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e desenvolvemos uma proposta de ensino estruturada em quatro oficinas cujas atividades objetivavam a promoccedilatildeo da educaccedilatildeo linguiacutestica dos conhecimentos sobre diversidade linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

4 Descriccedilatildeo da proposta de ensino e anaacutelise dos dados

Nesta seccedilatildeo apresentamos a metodologia das duas etapas proposta de ensino e diagnose os dados coletados tanto de oralidade quanto de escrita nas duas etapas Procedemos agrave anaacutelise e na sequecircncia apresentamos os resultados obtidos

41 Primeira etapa diagnoacutestica

Os dados analisados nesta etapa foram extraiacutedos de dois corpora um de escrita e outro de oralidade Os que compotildeem o corpus de escrita foram coletados em duas atividades aplicadas 1ordf atividade ndash uma entrevista ao colega (Fato acontecido ndash Creche Gente Inocente) e 2ordf atividade ndash um bilhete (Um bilhete para um amigo) Jaacute o corpus de oralidade eacute composto por dados coletados em duas gravaccedilotildees de aacuteudios via celular utilizando a ferramenta WhatsApp por meio da qual duas mensagens foram enviadas (uma para algueacutem especial ndash amigo irmatildeo matildee madrinha ndash e outra para a professora de Portuguecircs) Escolhemos a ferramenta WhatsApp por acreditarmos na eficiecircncia desse veiacuteculo moderno atual de faacutecil acesso e manuseio para fazer as gravaccedilotildees o que poderia nos garantir a coleta do vernaacuteculo o mais proacuteximo possiacutevel do real

Apoacutes a aplicaccedilatildeo das duas atividades escritas mencionadas apresentamos a seguir duas tabelas (1 e 2) que trazem os resultados obtidos nessa parte da primeira etapa Mostram as ocorrecircncias de registro das formas de tratamento pelos alunos das duas turmas 8ordm ano 4 e 8ordm ano 5

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Tabela 1 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 1ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (1ordf atividade escrita ndash ldquoFato acontecido ndash Creche Gente

Inocenterdquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 55 - - 2 57

965 - - 35 100

8ordm ano 5N Oc 19 6 3 22 50

38 12 6 44 100Totais N Oc 74 6 3 24 107

Percentuais 691 56 28 224 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

A siacutentese sobre o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo nas duas turmas do 8ordm ano nessa primeira atividade escrita conforme a Tabela 1 aponta os seguintes nuacutemeros do total das 107 referecircncias ao interlocutor usando uma forma pronominal tivemos 83 ocorrecircncias (775) da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes e 24 (225) da forma ldquoturdquo Em todos os casos a referecircncia foi feita a um colega de sala de conviacutevio diaacuterio Assim percebemos quatildeo variadas foram as formas de se dirigir ao interlocutor mesmo que em alguns momentos se tenha percebido grau de monitoramento da linguagem creditado talvez ao ambiente sala de aula escola A seguir apresentamos alguns exemplos das ocorrecircncias das formas de tratamento registradas

a) ldquoQuando tu passocirc laacute na frente quem cecirc viu laacute na hora ou perto de laacuterdquo (FMS-S8T5)

b) ldquoComo vocecirc ficou sabendo de tudo como ficou bem informadardquo (FRL-S6T4)

Tabela 2 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 2ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (2ordf atividade escrita ndash ldquoUm bilhete para um amigordquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ocecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 12 1 - - 4 17

705 59 - - 236 100

8ordm ano 5N Oc 6 1 1 1 8 17

353 59 59 59 47 100Totais N Oc 18 2 1 1 12 34

Percentuais 53 59 29 29 353 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

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Conforme a Tabela 2 nessa atividade do total de 34 ocorrecircncias de uso das formas de tratamento referentes agraves duas turmas obtivemos 22 casos da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes ou seja 647 e 12 ocorrecircncias do ldquoturdquo 353 Em resumo temos entatildeo na escrita as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo duas variantes duas alternativas de referecircncia ao interlocutor nos usos que os sujeitos da pesquisa fazem delas as quais chamamos variaacutevel dependente As outras formas variantes de ldquovocecircrdquo (ldquoucecircrdquo ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) aparecem com menor ocorrecircncia Registramos em seguida alguns exemplos dos dados coletados

a) ldquoR porque vocecirc natildeo foi na praccedila aquele dia que agente marcourdquo (JVFS-S13T4)

b) ldquoF por que tu natildeo foi hoje laacute em casa Fiquei te esperando laacuterdquo (GAQ-S7T4)

Os dados da escrita revelaram que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na escrita influenciada por fatores natildeo estruturais como o sexo uma vez que a turma com maior nuacutemero de alunos do sexo feminino (turma 4 ndash 70 de mulheres) fez mais uso da variedade padratildeo enquanto a outra (turma 5) com maioria de alunos do sexo masculino (62) utilizou com mais recorrecircncia a variedade natildeo padratildeo tanto no uso das variantes foneacuteticas de ldquovocecircrdquo quanto no uso do ldquoturdquo sem a concordacircncia com o verbo e o grau de intimidade haja vista que foi comprovado o uso do pronome ldquoturdquo por 353 do total de alunos das duas turmas conforme a Tabela 2 O uso de tal forma de tratamento pelos moradores de Lontra representados pelos sujeitos da pesquisa soacute eacute feito com quem se tem intimidade no caso foi utilizado em referecircncia a pessoas proacuteximas como colegas de sala

Apresentamos na sequecircncia os resultados obtidos com os dados da oralidade coletados por meio de gravaccedilotildees de mensagens via WhatsApp

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A Tabela 3 a seguir mostra os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT232) que compotildeem o corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 4 constando nela a gravaccedilatildeo de um recadinho para uma pessoa querida e uma curiosidade sobre a professora de Portuguecircs Tratamos do uso das formas utilizadas nas duas atividades separadamente

Tabela 3 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 4 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras

FormasTotalCR

TotalSR

AT1 - (Amigo matildee tia irmatilde)

N Oc 11 - - 10 8 - 2929 0231 38 - - 345 276 - 100 64

AT2 - (Professora)

N Oc 23 - - 6 - 1 3030 0636 767 - - 20 - 33 100 167

Totais - AT1 e AT2

N Oc 34 - - 16 8 1 5959 0867 576 - - 271 135 17 100 12

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Do total de textos analisados nessa turma foram registradas na AT1 29 referecircncias diretas ao interlocutor utilizando uma das formas investigadas Desse nuacutemero obtivemos 21 ocorrecircncias (724) da variante ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e 8 (276) da forma ldquoturdquo Em dois textos do corpus (64) os informantes natildeo fizeram uso de forma de tratamento alguma Jaacute na AT2 foram registradas 30 referecircncias diretas ao interlocutor usando uma forma de tratamento Desse total 29 informantes (967) utilizaram a forma ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) um aluno (33) utilizou a forma ldquosenhorardquo Eacute possiacutevel perceber que nenhum informante se referiu agrave professora utilizando a forma ldquoturdquo diferentemente das referecircncias ao amigo na AT1 Registra-se que seis informantes (167) natildeo utilizaram diretamente nenhuma das formas de tratamento Seguem alguns exemplos desses dados O primeiro retirado da AT1 e o segundo da AT2

32 AT1 e AT2 leem-se Atividade 1 e Atividade 2

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a) ldquoM tu vai no jogo amanhatilde se tu focirc eu passo aiacute na tua casardquo (JVFS-S13T4)

b) ldquo soacute vim agradececirc por vocecirc secirc uma professora maravilhosa te amordquo (RGBR-S22T4)

A Tabela 4 a seguir apresenta os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT2) do corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 5

Tabela 4 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 5 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras Total

CRTotalSR

AT1 (Amigo familiar)

N Oc - - 1 4 11 - 1616 0822

- - 62 25 688 - 100 363

AT2 (Professora)

N Oc 12 - - 4 - 4 2020 323

60 - - 20 - 20 100 13

Totais N Oc 12 - 1 8 11 4 3636 1145

Percentuais 333 - 27 194 305 111 100 244

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Na primeira atividade (AT1) do total de alunos participantes (21) apenas 13 informantes fizeram referecircncia direta aos seus interlocutores usando uma forma de tratamento Como dois informantes repetiram a mesma forma e um usou duas das formas (ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) em um mesmo dado de fala contabilizamos entatildeo 16 ocorrecircncias Das formas usadas para se referir ao amigopessoa especial (ldquoocecircucecircrdquo ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) o uso do ldquoturdquo foi o mais detectado porque a maioria 11 informantes (688) fez uso dessa forma pronominal Salientamos que nenhum informante utilizou a forma padratildeo ldquovocecircrdquo mas contabilizamos cinco ocorrecircncias das variantes ldquocecircrdquo e ldquoucecircrdquo (312) Oito informantes (363) natildeo registraram forma

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de tratamento alguma expliacutecita Jaacute na AT2 das 20 ocorrecircncias das formas de tratamento analisadas (dois informantes usaram mais de uma forma) em referecircncia direta agrave professora foram usadas as formas de tratamento ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e ldquosenhorardquo Desse total 16 informantes (80) enviaram o recadinho referindo-se agrave professora como ldquovocecircrdquo (e ldquocecircrdquo) e quatro correspondendo a 20 fizeram uso da forma ldquosenhorardquo Assim como na outra turma ningueacutem se referiu agrave professora utilizando o pronome ldquoturdquo Seguem alguns exemplos desses dados analisados O primeiro retirado da AT1 o segundo da AT2

a) ldquo mas tu sumiu comeacute qui foi tuas feacuterias mininardquo (MCA-S16T5)

b) ldquoZenilda vocecirc poderia me dizer como estaacute meu comportamento dentro da sala de aulardquo (SHLB-S19T5)

Numa anaacutelise geral da primeira parte do corpus de oralidade (AT1) do total de 48 amostras das duas turmas em 38 delas ou seja 792 os participantes se referiram ao seu interlocutor usando uma forma de tratamento num total de 45 ocorrecircncias jaacute que alguns informantes fizeram uso de mais de uma forma Desse total houve 19 ocorrecircncias ou seja 422 de uso do ldquoturdquo para se referir ao amigo e 26 ocorrecircncias que correspondem a 578 do ldquovocecircrdquo (e suas variantes)

Na segunda parte do corpus de oralidade (AT2) de 46 amostras em 37 delas correspondendo a 804 apareceram as formas de tratamento num total de 50 ocorrecircncias uma vez que um mesmo informante repetiu ou fez uso de mais de uma forma em uma mesma amostra Desse total de ocorrecircncias em 45 delas ou seja 90 aparece o uso da forma pronominal ldquovocecircrdquo (e a variante ldquocecircrdquo) para se referir agrave professora e em 5 que correspondem a 10 dos casos foi registrado o uso da forma de tratamento correspondente ldquosenhorardquo Ressalta-se aqui um dado relevante natildeo houve caso algum de referecircncia agrave professora com o uso da forma pronominal ldquoturdquo o que revela distanciamento ausecircncia de intimidade respeito apesar do conviacutevio quase diaacuterio

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Sendo assim pelos dados de fala eacute possiacutevel afirmar que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na oralidade dos alunos do 8ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Guimaratildees Rosa ndash LontraMG

Comprovada a influecircncia dos fatores natildeo estruturais sexo (a turma com um nuacutemero maior de meninas (70) 8ordm ano 4 fez mais usos da forma padratildeo ldquovocecircrdquo e menos usos do ldquoturdquo sem concordacircncia com o verbo) e grau de intimidade constatamos tambeacutem a influecircncia do fator classe social Comparando os usos das formas feitos pelas duas turmas nas atividades de fala e de escrita analisando o perfil dos discentes foi possiacutevel perceber que a turma de classe social menos privilegiada (8ordm ano 5) fez mais usos da variedade natildeo padratildeo da liacutengua Foi a turma que mais utilizou o pronome ldquoturdquo (na referecircncia ao colega nas atividades de oralidade fez uso do ldquoturdquo em 688 das ocorrecircncias e nenhum uso de ldquovocecircrdquo mas de suas variantes ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo em 312) Natildeo detectamos a influecircncia do fator procedecircncia geograacutefica

Foi analisada ainda a atuaccedilatildeo dos grupos de fatores estruturais funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia verbal paradigma flexional do verbo contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre em relaccedilatildeo ao comportamento da variaacutevel dependente ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) Chegamos aos seguintes resultados do total geral de 231 dados 90 de oralidade e 141 de escrita obtivemos 176 ocorrecircncias do ldquovocecircrdquo (e variantes) e 55 do ldquoturdquo

Percebemos que prevalece na maioria dos usos dos pronomes de segunda pessoa a funccedilatildeo sintaacutetica das formas de tratamento em posiccedilatildeo de sujeito (oralidade 90 dos casos e escrita 978 dos casos) na fusatildeo quantitativa das duas turmas Quanto ao tipo de frase em que as formas ocorrem prevalece o tipo de frase interrogativa (oralidade 689 e escrita 907 dos casos)

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Em relaccedilatildeo ao fator estrutural ambiente fonoloacutegico precedente na oralidade natildeo houve influecircncia relevante de nenhum dos fatores no uso das variantes no quantitativo das duas turmas (pausa 42 casos ndash 466 vogal 38 casos ndash 422) Jaacute nos dados de escrita houve favorecimento da pausa precedendo as duas variantes 92 casos (652) No tocante ao fator morfologia da forma verbal houve influecircncia da forma simples do verbo tanto na oralidade quanto na escrita (72 casos ndash 80 e 102 casos ndash 723 respectivamente) Concernente ao fator paradigma flexional do verbo houve a influecircncia do verbo irregular no uso das variantes tanto na oralidade quanto na escrita (67 casos ndash 744 e 08 casos ndash 766 respectivamente)

a) ldquo F vocecirc eacute meu melhor amigordquo (HEFA-S9T4)

b) ldquoe aiacute P como tu e sua famiacutelia estaacuterdquo (DSL-S5T5)

Ainda na primeira fase da pesquisa a fim de captarmos crenccedilas e atitudes linguiacutesticas dos sujeitos informantes em relaccedilatildeo ao modo de agir sentir ver e perceber seus usos linguiacutesticos e verificarmos o comportamento concernente ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em diferentes situaccedilotildees de interlocuccedilatildeo aplicamos dois questionaacuterios Questionaacuterio de Atitudes e Percepccedilatildeo Linguiacutesticas 1 e 2 O primeiro abordava a questatildeo das crenccedilas atitudes e do preconceito linguiacutestico o segundo questionava o fenocircmeno linguiacutestico de uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos informantes em situaccedilotildees que envolviam variados interlocutores em diferentes contextos e interaccedilotildees verbais

Os resultados extraiacutedos dos dois questionaacuterios apontaram que os sujeitos informantes tecircm consciecircncia dos usos linguiacutesticos diferenciados ocorridos em Lontra entretanto sentem o preconceito linguiacutestico advindo de pessoas de outros lugares decorrente da alternacircncia dos pronomes de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo para se referir ao seu interlocutor especialmente quando da escolha do ldquoturdquo visto que eacute usado sem a conjugaccedilatildeo do verbo como preconiza a tradiccedilatildeo gramatical Quanto ao fenocircmeno linguiacutestico

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de uso das formas de tratamento percebeu-se uma caracteriacutestica importante e peculiar da variaccedilatildeo quando o informante se refere a algueacutem de sua intimidadefamiliaridade (amigo colega irmatildeo etc) a forma preferida eacute ldquoturdquo Contudo se o interlocutor eacute algueacutem que exige determinado distanciamento respeito eacute pessoa mais velha a forma usada eacute o ldquovocecircrdquo ou ldquosenhor(a)rdquo Notamos pelos dados coletados nos questionaacuterios que em Lontra curiosamente conservam-se em relaccedilatildeo agrave forma ldquoturdquo caracteriacutesticas de uso desse pronome semelhantes ao seu uso no seacuteculo XIX com registros similares tambeacutem na Idade Meacutedia ou seja o uso do pronome revelando intimidade entre pessoas conhecidas proacuteximas

42 Segunda etapa proposta de ensino

Como jaacute mencionado a segunda etapa do nosso trabalho traz uma proposta de ensino cujo principal objetivo eacute contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa focando as variaccedilotildees linguiacutesticas promovendo uma educaccedilatildeo linguiacutestica conhecimentos sobre a diversidade linguiacutestica e uma aprendizagem condizente da variedade padratildeo da liacutengua

Para Faraco (2008) toda liacutengua em uso por ser dinacircmica eacute constituiacuteda por um conjunto de variedades passiacutevel de manutenccedilatildeo variaccedilatildeo e mudanccedila sendo portanto heterogecircnea e natildeo unitaacuteria e homogecircnea como se pensava no passado Logo as variedades natildeo podem estar em oposiccedilatildeo agrave liacutengua visto que um todo (a liacutengua) natildeo se separa de seus elementos constitutivos (as variedades)

Dessa forma foi pensando no conjunto que compotildee nosso sistema linguiacutestico intencionando desmitificar crenccedilas e atitudes que levam ao preconceito linguiacutestico e promover o respeito e a aceitaccedilatildeo da liacutengua com suas variedades e o ensino das regras preconizadas pela Gramaacutetica Tradicional Normativa (GTN) que elaboramos esta proposta de ensino Estaacute organizada em oficinas33 trazendo atividades que foram elaboradas tendo em mente

33 Adotamos o termo oficina segundo Santiago-Almeida (2011 p 507) que o denomina como ldquo[] um curso intensivo de curta duraccedilatildeo em que teacutecnicas habilidades artes etc satildeo demonstradas e aplicadas workshoprdquo

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os seguintes objetivos a) conscientizar os alunos em relaccedilatildeo agrave diversidade linguiacutestica do Portuguecircs Brasileiro e assim fazer frente aos efeitos nocivos de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas negativas sobre as variaccedilotildees da liacutengua b) disponibilizar aos discentes o conhecimento sobre a origemtrajetoacuteria do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo bem como seus usos em diferentes lugares do Brasil c) ensinar ao aluno como acessar o Atlas Linguiacutestico do Brasil e as cartas linguiacutesticas d) conceituar e esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica e) levar agrave reflexatildeo sobre mudanccedilas linguiacutesticas ocorridas nas formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo f) apontar a importacircncia de se valorizar e se respeitar as diferenccedilas linguiacutesticas passo importante para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia linguiacutestica que rechaccedilaraacute avaliaccedilotildees subjetivas feitas em relaccedilatildeo agraves variaccedilotildees g) conhecer os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular do PB adaptaccedilotildees do sistema linguiacutestico vigente dos pronomes de segunda pessoa que os usuaacuterios da liacutengua fazem conforme necessidade interlocutor e circunstacircncia de uso h) ensinar os usos dos dois pronomes e de sua concordacircncia verbal conforme dispotildee a GTN para que os discentes utilizem esse conhecimento em momentos oportunos e necessaacuterios e de acordo com sua funccedilatildeo social como apregoa Faraco (2008) jaacute que o acesso agraves variedades cultas da liacutengua pode ampliar a mobilidade linguiacutestica o tracircnsito amplo pela heterogeneidade linguiacutestica do falante

A proposta de ensino compotildee-se de quatro oficinas assim estruturadas

Oficina 1 Diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 1 ndash Origens do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo

Oficina 2 Sincronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Atividade 1 ndash Conhecendo a Dialetologia e a Geografia LinguiacutesticaAtividade 2 ndash Onde o ldquoturdquo e o ldquovocecircrdquo satildeo usados no BrasilAtividade 3 ndash Usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo na cidade de LontraMG

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Oficina 3 Educaccedilatildeo linguiacutesticaAtividade 1 ndash Reconhecendo a importacircncia das variedades linguiacutesticasAtividade 2 ndash As vozes representadas pelas variedades linguiacutesticasOficina 4 Conhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 1 ndash Subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 2 ndash Usos do lsquoldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo segundo a norma-padratildeo Concordacircncia verbal ndash ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 3 ndash Mensagem ao diretorAtividade 4 ndash Sobre a pesquisa uma avaliaccedilatildeo

A primeira oficina ldquoDiacronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por uma atividade teve como objetivo subsidiar os sujeitos da pesquisa com conhecimentos acerca da diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo tendo em vista o interlocutor O intuito foi que os alunos conhecessem a histoacuteria desses dois pronomes sua evoluccedilatildeo e as semelhanccedilas entre a variedade linguiacutestica dos moradores de Lontra e os usos que dela faziam quando de seus primeiros registros da Idade Meacutedia aos dias atuais Priorizamos uma abordagem teoacuterica com o uso de textos histoacuterico-cientiacuteficos por entendermos necessaacuterios para a finalidade pretendida a saber a aquisiccedilatildeo do conhecimento sobre diacronia das duas formas de tratamento pesquisadas

A segunda ldquoSincronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por trecircs atividades objetivou mostrar aos discentes em que lugares do Brasil tambeacutem se alternavaria o uso das duas formas de tratamento investigadas por meio de mapas linguiacutesticos e geograacuteficos ajudar os alunos a acessarem as cartas linguiacutesticas no Atlas Linguiacutestico do Brasil aleacutem de esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica O trabalho com a sincronia

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das duas formas de tratamento apoacutes o conhecimento de sua origem (Oficina 1) visou a comprovar que a cidade de Lontra eacute somente mais uma no paiacutes em que em sua realizaccedilatildeo linguiacutestica o falante materializa a variaccedilatildeo das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo quando se dirige ao interlocutor No trabalho com as cartas linguiacutesticas priorizamos a M02 ndash ldquoTratamento do interlocutor lsquotursquo e lsquovocecircrsquo nas capitaisrdquo porquanto especificamente aborda os usos das formas de tratamento ora pesquisadas em diferentes lugares do paiacutes

A oficina seguinte a 3ordf ldquoEducaccedilatildeo linguiacutesticardquo composta por duas atividades teve como objetivos mostrar aos alunos mediante exemplos e argumentos teoacutericos que todas as variedades satildeo legiacutetimas e proacuteprias de uma liacutengua heterogecircnea exemplificar atitudes que conduzam agrave formaccedilatildeo da consciecircncia linguiacutestica discutir sobre avaliaccedilotildees subjetivas de alguns indiviacuteduos de certos grupos sociais a respeito das variedades linguiacutesticas As atividades eram direcionadas especificamente agrave conscientizaccedilatildeo do aluno sobre a legitimidade das variaccedilotildees da liacutengua determinadas por normas que atendem agraves necessidades de seus usuaacuterios e que devem ser respeitadas jaacute que satildeo parte da histoacuteria e da representatividade linguiacutestica de seus falantes Aleacutem disso aquelas atividades abordavam as reaccedilotildees crenccedilas e atitudes negativas das pessoas em relaccedilatildeo agraves variedades linguiacutesticas posto que a estigmatizaccedilatildeo na maioria das vezes ocorre com as vozes oprimidas e socialmente desprestigiadas Era nossa pretensatildeo que o aluno tambeacutem se apercebesse de parte dessa variaccedilatildeo assumindo sua condiccedilatildeo de usuaacuterio de uma liacutengua que se manifesta por diferentes variaccedilotildees mas com comunicabilidade independentemente do interlocutor e do contexto de interlocuccedilatildeo

A quarta e uacuteltima ldquoConhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs Brasileirordquo compotildee-se de quatro atividades sendo duas com a escrita e duas com a oralidade modalidades com as quais previacuteramos trabalhar Apresentamos e esclarecemos o quadro dos seis subsistemas dos pronomes de segunda pessoa de que dispotildee nosso sistema

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linguiacutestico categorizados por Scherre (2009) para que o aluno tivesse conhecimento do seu funcionamento respeitada a sua maturidade linguiacutestica

Objetivamos com as atividades dessa oficina levar ao conhecimento dos aprendizes aleacutem dos subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do Portuguecircs Brasileiro os mecanismos de concordacircncia verbal para que o discente use adequadamente as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo conforme a GTN Com tais metas corroboramos o que reporta Bortoni-Ricardo (2004) quando afirma que eacute na escola onde o indiviacuteduo aprende os usos linguiacutesticos adequados agraves tarefas comunicativas e ao tipo de interaccedilatildeo para atender agraves convenccedilotildees sociais Nessa trilha as atividades de oralidade visavam agrave observaccedilatildeo do comportamento linguiacutestico do falante em contextos de uso mais formal e menos formal da liacutengua em relaccedilatildeo agraves regras de concordacircncia verbal com as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo Para tanto trabalhamos novamente com a ferramenta WhatsApp enviando mensagens para interlocutores diferentes como o diretor da escola e um colega de sala arguindo-os sobre o tema da nossa pesquisa

Finalizada a aplicaccedilatildeo das oficinas os resultados apontaram que conseguimos alcanccedilar os objetivos pretendidos haja vista que cada atividade foi executada como planejamos dentro do tempo previsto tudo convergindo para o mesmo propoacutesito

Conseguimos despertar o interesse nos alunos por apresentarmos atividades diferenciadas utilizando textos acadecircmicoscientiacuteficos histoacutericos e diversos gecircneros multimodais no decorrer de todo o trabalho com informaccedilotildees pertinentes e necessaacuterias para a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e ampliaccedilatildeo da competecircncia comunicativa dos estudantes Isso porque sabemos que constitui um direito do educando o contato com tais textos como apregoa Faraco (2008 p 176) quando nos lembra que eacute tarefa fundamental da escola oferecer gecircneros e textos para aleacutem da ldquoinsubstituiacutevel experiecircncia da literaturardquo ou seja a instituiccedilatildeo natildeo deve ignorar a gama de outros textos que tecircm vasta circulaccedilatildeo sociocultural

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Ao final atingimos nosso objetivo maior qual seja contribuir para o ensino da Liacutengua Portuguesa em suas diversas variedades e modalidades

5 Consideraccedilotildees finais

A investigaccedilatildeo sobre a alternacircncia das duas formas de tratamento os pronomes lsquoldquoturdquo e ldquovocecircrdquo utilizadas pelos moradores do municiacutepio de Lontra ndash Minas Gerais levou-nos aos seguintes resultados

Comprovamos por meio da pesquisa quantitativa e qualitativa sociolinguiacutestica laboviana que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) tanto na oralidade quanto na escrita dos sujeitos-colaboradores

Verificamos ainda que fatores estruturais (funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia da forma verbal paradigma flexional verbal contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre) e natildeo estruturais (sexo grau de intimidade e classe social) influenciam o uso da variaccedilatildeo em maior ou menor grau de ocorrecircncia

Confirmamos a hipoacutetese 1 de que o que acontece em Lontra eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Aleacutem disso o uso de atividades diversas diferenciadas e inovadoras aleacutem dos estudos desenvolvidos possibilitou-nos a comprovaccedilatildeo da hipoacutetese 2 confirmando que a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico e subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada

Uma vez alicerccedilada em vaacuterias teorias e leituras que ampliaram sobremaneira nossos conhecimentos e nossa confianccedila para desenvolvermos a contento esta pesquisa e nos tornarmos agentes multiplicadores do conhecimento adquirido atingimos tanto o

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objetivo geral quanto os especiacuteficos definidos para este trabalho que reputamos consistente e importante Eacute nosso desejo que ele seja uacutetil para futuros estudos sociolinguiacutesticos e dialetoloacutegicos sobre o Portuguecircs Brasileiro

Acreditamos ter contribuiacutedo para atender aos anseios de uma sociedade moderna plural que a cada dia exige mais do sujeito a proficiecircncia nas habilidades de leitura e escrita enfim a compreensatildeo do sistema linguiacutestico do qual eacute usuaacuterio

Referecircncias

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FARACO C A Norma culta brasileira desatando alguns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

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PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS Desenvolvido pela Diretoria de Tecnologia da Informaccedilatildeo 2013 Apresenta as atividades desenvolvidas pelo ProfLetras da Universidade Estadual de Montes Claros Disponiacutevel em httpwwwcchunimontesbrprofletras Acesso em 20 jul 2017

REIS Z M dos A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG 2019 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2019

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SCHERRE M M P O preconceito linguiacutestico deveria ser crime Revista Galileu dez 2009 Disponiacutevel em httprevistagalileuglobocom Acesso em 22 set 2018

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SCHERRE M M P Doa-se lindos filhotes de poodle variaccedilatildeo linguiacutestica miacutedia e preconceito Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

SCHERRE M M P Entrevista sobre preconceito linguiacutestico variaccedilatildeo e ensino concedida a Jussara Abraccedilado Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Preconceito linguiacutestico e cacircnone literaacuterio n 361 p 11-26 sem 2008

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THIOLLENT M Metodologia da pesquisa-accedilatildeo 18 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

TRIPP D Pesquisa-accedilatildeo uma introduccedilatildeo metodoloacutegica Educaccedilatildeo e pesquisa Satildeo Paulo v 31 n 3 p 443-446 setdez 2005

O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo contempla os resultados da pesquisa de mestrado que realizamos34 A partir da observaccedilatildeo das dificuldades ortograacuteficas dos alunos decidimo-nos por empreender uma investigaccedilatildeo no sentido de analisar a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo presente na fala para os textos escritos dos estudantes aleacutem de elaborar uma proposta de intervenccedilatildeo com a finalidade de minimizar essa dificuldade no sentido de promover o desenvolvimento das suas habilidades ortograacuteficas

Assim objetivamos analisar o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo transposto para a escrita dos alunos do 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica localizada na zona urbana da cidade de Montes Claros (MG)

Para alcanccedilar o objetivo proposto nesta pesquisa foi adotada a pesquisa-accedilatildeo sendo definidos como atores da intervenccedilatildeo os alunos do 7ordm ano X Para que as accedilotildees fossem direcionadas agrave realidade investigada inicialmente realizou-se uma pesquisa exploratoacuteria em que foi analisado o campo de pesquisa a partir de um diagnoacutestico da situaccedilatildeo

Esta pesquisa foi tambeacutem quantitativa uma vez que os dados foram medidos quantificados e depois traduzidos em nuacutemeros as informaccedilotildees e os resultados e qualitativa pois apresenta caraacuteter interpretativo Foi utilizada tambeacutem a pesquisa bibliograacutefica que buscou ancoragem em trabalhos cientiacuteficos no acircmbito da linguiacutestica jaacute produzidos sobre o tema A reflexatildeo sobre a praacutetica pedagoacutegica possibilitou a intervenccedilatildeo a partir do embasamento teoacuterico unindo a teoria e a praacutetica uma vez que a experiecircncia docente muitas vezes ocorre desvinculada da teoria

No que concerne agrave anaacutelise do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos foram consideradas as seguintes variaacuteveis linguiacutesticas

34 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3dAE2gG

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1) Ditongo ltougt no interior e no final de palavra como robaram e fecho no lugar de ldquoroubaramrdquo e ldquofechourdquo

2) Ditongo lteigt antes de [ɾ] como em fera em vez de ldquofeirardquo

3) Ditongo ltaigt antes de [] como caxa em vez de ldquocaixardquo

4) Categoria gramatical (substantivos verbos pronomes e adjetivos)

Aleacutem dessas variaacuteveis linguiacutesticas considerou-se tambeacutem variaacuteveis natildeo linguiacutesticas a saber

5) Sexo dos alunos

6) Faixa etaacuteria

7) Escolaridade

8) Aacuterea geograacutefica (os estudantes participantes desta pesquisa residem na aacuterea urbana)

Verificamos que todos os informantes vivem na zona urbana quatro informantes satildeo do sexo feminino e 17 do sexo masculino quatro tecircm 12 anos 11 tecircm 13 anos quatro tecircm 14 anos um tem 15 anos e um tem 17 anos

Para a definiccedilatildeo do objeto de estudo foram aplicadas duas atividades diagnoacutesticas para 21 alunos na turma do 7ordm ano X de uma escola puacuteblica no mecircs de abril de 2016 com o objetivo de identificar a influecircncia da oralidade na escrita desses alunos O diagnoacutestico apontou um grande nuacutemero de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na produccedilatildeo de texto dos alunos decorrentes da influecircncia da oralidade na escrita A partir do diagnoacutestico foi entatildeo elaborado um plano de intervenccedilatildeo para ser aplicado nessa turma com o objetivo de tentar minimizar as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos do Ensino Fundamental II

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As atividades de intervenccedilatildeo propostas foram direcionadas para a observaccedilatildeo da escrita das palavras tendo em vista o desenvolvimento ortograacutefico nas produccedilotildees de texto dos alunos tomando como base as postulaccedilotildees de Morais (2000) acerca do ensino da ortografia

Apoacutes a aplicaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi proposta uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo para 19 alunos dessa mesma turma no mecircs de maio de 2018 Nessa data os alunos cursavam o 8ordm Ano do Ensino Fundamental II Dessa maneira os dados obtidos nessa etapa puderam ser comparados com aqueles colhidos na fase diagnoacutestica atraveacutes da seleccedilatildeo descriccedilatildeo categorizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

A pesquisa portanto foi desenvolvida em diferentes fases diagnoacutestica intervenccedilatildeo e poacutes-intervenccedilatildeo Todavia a discussatildeo a seguir tem o seu enfoque na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos participantes especificamente na comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo

A anaacutelise promovida desenvolveu-se a partir das consideraccedilotildees feitas principalmente por Mollica (2016) Bortoni-Ricardo (2004 2005 2006) e Bagno (2006 2007)

Inicialmente foi feita uma discussatildeo sobre o conceito de ldquoerrordquo35 adotado nesta pesquisa em seguida eacute descrito o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo e a transposiccedilatildeo de tal fenocircmeno para a escrita Estatildeo presentes tambeacutem sugestotildees de Morais (2000) para o trabalho com a ortografia em sala de aula que nortearam as atividades de intervenccedilatildeo desenvolvidas Logo apoacutes foi feita a anaacutelise comparativa do diagnoacutestico e da poacutes-intervenccedilatildeo em

35 No presente trabalho o conceito de ldquoerrordquo eacute baseado na discussatildeo apontada por Bortoni-Ricardo (2005 2006) que faz uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrosrdquo da fala (que natildeo representam uma transgressatildeo da liacutengua jaacute que satildeo uma variedade linguiacutestica) e ldquoerrosrdquo da escrita (transgressatildeo de um coacutedigo convencionado e prescrito pelas regras ortograacuteficas pois a ortografia natildeo prevecirc variaccedilatildeo)

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relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos por fim apresentamos as consideraccedilotildees finais sobre o trabalho aqui proposto

2 A discussatildeo sobre o ldquoerrordquo

Bagno (2007) aponta que a Gramaacutetica Tradicional (GT) considera como ldquoerrordquo as construccedilotildees que estatildeo em desacordo com as prescriccedilotildees da norma-padratildeo sendo que essa concepccedilatildeo influencia a propagaccedilatildeo do preconceito linguiacutestico Entretanto de acordo com Bagno (2007 p 124) ldquoNingueacutem comete erros ao falar sua proacutepria liacutengua materna assim como ningueacutem comete erros ao andar ou respirarrdquo O falante eacute capaz de identificar se uma sentenccedila obedece agraves regras de funcionamento da liacutengua Nesse prisma os ldquoerrosrdquo de Portuguecircs existem mas natildeo satildeo produzidos por falantes nativos de uma liacutengua

Na fala a noccedilatildeo de ldquoerrordquo tambeacutem estaacute relacionada agrave natildeo observacircncia das regras determinadas pela GT Nesse sentido a visatildeo tradicionalista considera ldquoerradasrdquo estas duas sentenccedilas ldquoA Joana eacute uma menina que ela sabe o que fazrdquo e ldquoA Joana que ela sabe eacute uma menina o que fazrdquo Por sua vez Bagno (2007 p 127) afirma ser agramatical apenas a segunda que natildeo eacute identificada na fala dos brasileiros

Jaacute na escrita a noccedilatildeo de ldquoerrordquo estaacute relacionada aleacutem de a outros aspectos linguiacutesticos aos desvios ortograacuteficos As questotildees concernentes ao ensino da ortografia satildeo motivo de duacutevida para o professor que encontra dificuldades em trabalhar com atividades que apresentem de fato resultados positivos Essa duacutevida estaacute intimamente relacionada agrave noccedilatildeo do ldquoerrordquo que eacute discutida por Bortoni-Ricardo (2005) a seguir

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21 Bortoni-Ricardo (2005 2006) e o ldquoerrordquo ortograacutefico

Ao discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Bortoni-Ricardo (2006) realiza uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrordquo da fala e da escrita Segundo a autora o ldquoerrordquo na liacutengua falada natildeo transgride regras da liacutengua no sentido de que representa uma variedade linguiacutestica diferente da variedade de prestiacutegio sendo um fato social ldquoNa liacutengua oral portanto o indiviacuteduo tem a variaccedilatildeo ao seu dispor cabendo-lhe aprender na escola e na vida a ajustar a variante adequada a cada contexto de usordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2006) o ldquoerrordquo ortograacutefico apresenta uma natureza distinta do ldquoerrordquo da fala posto que a ortografia eacute um coacutedigo que natildeo aceita variaccedilatildeo Assim o ldquoerrordquo representa a transgressatildeo de um coacutedigo convencionado pelas regras ortograacuteficas Nessa perspectiva o ldquoerrordquo eacute um componente de forte avaliaccedilatildeo social pois eacute avaliado de maneira negativa pela sociedade Poreacutem a autora esclarece que ldquoConsiderar uma transgressatildeo agrave ortografia como erro natildeo significa consideraacute-la uma deficiecircncia do aluno que decirc ensejo a criacuteticas ou a um tratamento que o deixe humilhadordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273) A aprendizagem da ortografia eacute gradativa e necessita de um contato permanente com a liacutengua escrita

Haacute um equiacutevoco envolto a essa questatildeo do ldquoerrordquo que faz com que se deduza que todas as construccedilotildees satildeo sempre vaacutelidas na liacutengua A despeito dessa concepccedilatildeo Bortoni-Ricardo (2005) aponta que na perspectiva da Sociolinguiacutestica Educacional o falante deve utilizar a liacutengua de maneira apropriada De acordo com a autora ldquoA competecircncia comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstacircnciasrdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73) ou seja o falante segue regras de adequaccedilatildeo estabelecidas culturalmente que norteiam a monitoraccedilatildeo do seu estilo Assim o falante

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seleciona estilos mais monitorados em situaccedilotildees que exigem certa formalidade ao passo que em situaccedilotildees menos formais nas quais haacute um grau maior de intimidade com os interlocutores o indiviacuteduo utiliza estilos menos monitorados ldquoEm todos esses processos ele tem sempre de levar em conta o papel social que estaacute desempenhandordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73)

Ao analisar os ldquoerrosrdquo de escrita Bortoni-Ricardo (2005) discute uma metodologia para a anaacutelise e diagnose de ldquoerrosrdquo pertinente em ambientes nos quais as pessoas possuem pouco acesso agrave norma-padratildeo e utilizam variedades estigmatizadas ldquoOs lsquoerrosrsquo que cometem satildeo sistemaacuteticos e previsiacuteveis quando satildeo conhecidas as caracteriacutesticas do dialeto em questatildeordquo (BORTONI-RICARDO 2005 p 53) Sendo assim a autora postula as categorias de ldquoerrosrdquo especificadas no Quadro 1

Quadro 1 Categoriassubcategorias de ldquoerrosrdquo

1 ndash Erros decorrentes da proacutepria natureza arbitraacuteria do sistema de convenccedilotildees da escrita2 ndash Erros decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita

21 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas categoacutericas no dialeto estudado

22 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais

23 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas

Fonte Adaptado de Bortoni-Ricardo (2005 p 54)

O Quadro 1 demonstra duas categorias de ldquoerrosrdquo sendo que a categoria 1 compreende os ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita devido principalmente ao fato de haver um fonema com diferentes representaccedilotildees graacuteficas ou uma letra que represente dois ou mais fonemas

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A categoria 2 indica ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita A subcategoria 21 diz respeito a regras fonoloacutegicas categoacutericas que existem independentemente do contexto situacional e das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas do falante Por exemplo a junccedilatildeo de certas palavras (levalo em vez de ldquolevaacute-lordquo) e a nasalizaccedilatildeo do ditongo como em muinto em vez de ldquomuitordquo A subcategoria 22 refere-se agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais que satildeo percebidas em vaacuterios grupos sociais (categoria em que se insere nosso objeto de estudo e de intervenccedilatildeo) p e a monotongaccedilatildeo de ditongos crescentes (bera em vez de ldquobeirardquo) e a desnasalizaccedilatildeo das vogais aacutetonas finais (homi em vez de ldquohomemrdquo) Jaacute a subcategoria 23 diz respeito agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas que estatildeo presentes em alguns grupos por isso satildeo comumente estigmatizadas pelas pessoas que dominam a norma culta Por exemplo a supressatildeo do ditongo crescente em siacutelaba final (vei em vez de ldquoveiordquo)

A categorizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo adotada neste trabalho eacute a proposta por Bortoni-Ricardo (2005) segundo a qual haacute ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita e ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita sendo que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo objeto desta pesquisa enquadra-se neste uacuteltimo

Um motivo que leva os alunos a cometerem transgressotildees ortograacuteficas eacute a sustentaccedilatildeo da ideia de que a escrita eacute a representaccedilatildeo da fala Eacute o que ocorre quando o aluno transpotildee a monotongaccedilatildeo para escrita fenocircmeno que eacute discutido na seccedilatildeo seguinte

3 O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo

Segundo Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015 p 148) a monotongaccedilatildeo trata da supressatildeo da semivogal de um ditongo p e em [pe] a semivogal i foi suprimida Segundo Silva (2008 p 73) ditongos satildeo uma sequecircncia de segmentos sendo que um

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deles eacute uma vogal e o outro eacute uma semivocoide semivogal vogal assilaacutebica ou glide (a partir de agora adotamos o termo glide para se referir agrave semivogal por ser terminologia neutra)

No Portuguecircs Brasileiro (PB) as siacutelabas satildeo constituiacutedas por vogais que satildeo o nuacutecleo e por consoantes ou glides que ocupam as partes perifeacutericas Dessa forma as vogais satildeo sempre obrigatoacuterias e o pico de qualquer siacutelaba do PB enquanto as consoantes e os glides satildeo opcionais e ainda prevocaacutelicos ou posvocaacutelicos Foneticamente a diferenccedila entre um segmento vocaacutelico e um consonantal eacute a obstruccedilatildeo da passagem da corrente de ar pelo trato vocal no caso de consoantes e a natildeo obstruccedilatildeo no caso das vogais

Silva (2008 p 73 itaacutelico nosso) afirma que ldquo[] glides podem apresentar caracteriacutesticas foneacuteticas de segmentos vocaacutelicos ou consonantaisrdquo ao se comportarem de maneira parecida agraves consoantes na siacutelaba Nesse sentido Cacircmara Jr (1997) classifica o glide como vogal assilaacutebica pois em vez de ser o centro da siacutelaba fica agrave margem dela assim como as consoantes resultando no ditongo Silva (2008 p 171 itaacutelico nosso) afirma que no PB ldquo[] os glides correspondem agraves vogais altas i u em posiccedilatildeo aacutetona que se manifestam foneticamente como segmentos assilaacutebicos Os glides satildeo sempre associados a uma vogal e nunca podem ser nuacutecleo de siacutelabardquo

Coutinho (1976 p 108) afirma que havia em latim ldquosomente quatro ditongos ae oe au e eu (raro)rdquo O nuacutemero maior de ditongos no Portuguecircs deve-se a alguns motivos tais como a siacutencope ou queda de fonema medial como malu que passou a ser mau a vocalizaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo de consoante em vogal como conceptu que se transformou em conceito e a epecircntese de uma vogal para desfazer o hiato como em creogtcredogtcreio Ao discutir esse assunto Aragatildeo (2014) discorre sobre os ditongos latinos e afirma que seguiram dois caminhos diferentes no Portuguecircs ou se transformaram em novos ditongos ou se monotongaram

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Bortoni-Ricardo (2004) ao tecer consideraccedilotildees a respeito da monotongaccedilatildeo salienta que se trata de um fenocircmeno antigo na liacutengua como se observa p e na mudanccedila de paucumgtpoucogtpoco e aurumgtourogtoro No processo de evoluccedilatildeo do latim para o Portuguecircs a vogal ltagt transformou-se em ltogt tornando-se posterior assim como a vogal ltugt que eacute o segmento seguinte De acordo com Bagno (2006) essa transformaccedilatildeo do ditongo ltaugt para ltougt ocorreu devido ao processo de assimilaccedilatildeo

Aleacutem dessa transformaccedilatildeo houve ainda a reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt Essa mudanccedila representa a monotongaccedilatildeo que foi registrada jaacute no seacuteculo XVIII e perdura ateacute os dias hodiernos ldquoA regra estaacute tatildeo avanccedilada que praticamente natildeo pronunciamos o ditongo ou Ateacute em siacutelabas tocircnicas finais que satildeo mais resistentes agrave mudanccedila reduzimos este ditongordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 95) Aragatildeo (2014) afirma que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo natildeo eacute regional uma vez que foram realizados estudos nesse sentido em diversas regiotildees do paiacutes que registraram a ocorrecircncia desse fenocircmeno

Bortoni-Ricardo (2004) ressalta que a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai ocorre em apenas alguns contextos fonoloacutegicos ldquoA reduccedilatildeo do ei e do ai eacute condicionada pelo segmento consonacircntico seguinterdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 96) Dessa maneira os segmentos consonacircnticos posteriores que favorecem a monotongaccedilatildeo desses ditongos satildeo ʒ e como em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo Segundo Bortoni-Ricardo (2004 p 96) isso ocorre devido ao fato de serem ldquo[] fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca o palato assim como a vogal i Dizemos entatildeo que essas consoantes e a vogal i satildeo sons homorgacircnicos (quanto ao ponto de articulaccedilatildeo)rdquo

Nesse sentido Bagno (2006) afirma que quando dois sons parecidos se encontram eles tendem a se fundir devido agrave assimilaccedilatildeo ldquoNo caso do nosso ditongo EI a assimilaccedilatildeo lsquoaproveitarsquo o caraacuteter palatal da semivogal I e das consoantes J e X para reuni-las num uacutenico som Assim o que acontece natildeo eacute exatamente a

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reduccedilatildeo do ditongo EI em E mas a reduccedilatildeo de -IJ- e -IX- em -J- e -X-rdquo (BAGNO 2006 p 91-92)

Bortoni-Ricardo (2004) acrescenta tambeacutem que houve uma expansatildeo dessa regra para outros ambientes como p e monotongaccedilatildeo antes de [ɾ] Esse fenocircmeno ocorre porque segundo Bagno (2006) o som [ɾ] natildeo eacute palatal da mesma forma que [ʒ] ou [ʃ] poreacutem trata-se de um som que tambeacutem eacute produzido na parte anterior da boca entre os alveacuteolos e os dentes ldquoPor terem este ponto de articulaccedilatildeo comum eacute que os sons da semivogal I e da consoante R sofrem os efeitos da assimilaccedilatildeo e se transformam num soacuterdquo (BAGNO 2006 p 92)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2004) as consoantes oclusivas [] e [] e as fricativas [] e [] desfavorecem a aplicaccedilatildeo da regra da monotongaccedilatildeo dos ditongos [a] e [e ] No entanto a reduccedilatildeo do ditongo [e] pode ocorrer devido agrave variedade regional como na Paraiacuteba e Pernambuco em que haacute p e reduccedilatildeo do ditongo [e ] de ldquoAlmeidardquo para Almecircda

De acordo com Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015) os ditongos que se monotongam satildeo aqueles seguidos de fricativas como em ldquodepoisrdquo ldquoqueijordquo e ldquopeixerdquo e seguidos de tepe como em ldquoroteirordquo e ldquofreirardquo Bortoni-Ricardo (2004 p 95) afirma que o fator que mais contribui para a monotongaccedilatildeo eacute a influecircncia articulatoacuteria do segmento seguinte Assim eacute muito comum a reduccedilatildeo do ditongo ou tanto em siacutelabas finais como falocirc socirc e jogocirc em vez de ldquofalourdquo ldquosourdquo e ldquojogourdquo quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas como em besoro tesoro loco dotocirc e ropa em vez de ldquobesourordquo ldquotesourordquo ldquoloucordquo ldquodoutorrdquo e ldquoroupardquo

Verifica-se tambeacutem a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai mas nesses casos Bortoni-Ricardo (2004) afirma que a regra de monotongaccedilatildeo estaacute menos avanccedilada pois ela se aplica apenas em alguns contextos fonoloacutegicos Assim nas palavras ldquojeitordquo ldquoPaivardquo ldquoseivardquo ldquoraivardquo ldquogaitardquo e ldquobeiccedilordquo natildeo se verifica a monotongaccedilatildeo ao passo que em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo os ditongos satildeo monotongados pois

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os segmentos ʒ e ʃ satildeo fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca assim como i o que favorece a monotongaccedilatildeo Quando a monotongaccedilatildeo ocorre no radical dos verbos a tendecircncia eacute a abertura da vogal por exemplo em roacuteba e doacutera em vez de ldquoroubardquo e ldquodourardquo

Apoacutes essa explanaccedilatildeo a respeito da monotongaccedilatildeo na subseccedilatildeo a seguir abordaremos a transposiccedilatildeo desse fenocircmeno para a escrita conforme estudos jaacute realizados sobre o assunto

31 Monotongaccedilatildeo da fala para a escrita

Nesta subseccedilatildeo satildeo apresentadas discussotildees sobre a transposiccedilatildeo da fala para a escrita em relaccedilatildeo ao fenocircmeno da monotongaccedilatildeo de acordo com pesquisas desenvolvidas pelos autores citados a seguir

Mollica (2016) realizou uma pesquisa em escolas puacuteblicas e particulares na cidade do Rio de Janeiro e Niteroacutei (RJ) a fim de verificar a ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental A autora concluiu que as turmas nas quais foi promovida uma discussatildeo acerca da influecircncia da fala na escrita foi identificada menor ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo nos textos escritos sendo que o grafema ltugt apresentou assimilaccedilatildeo mais difiacutecil do que o grafema ltigt uma vez que eacute mais comum na fala dos alunos pesquisados a monotongaccedilatildeo do ditongo [oU9] como em otro em detrimento do ditongo [ej] como em pexe Dessa forma segundo Mollica (2016 p 102) ldquoQuanto mais afetada na fala a mudanccedila maior a resistecircncia agrave instruccedilatildeo aplicada como estrateacutegia pedagoacutegica em sala de aula no processo de letramentordquo

Hora e Ribeiro (2006) desenvolveram uma pesquisa com alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental em uma escola particular e uma puacuteblica na cidade de Joatildeo Pessoa (PB) com o intuito de observar a monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes Percebeu-se que houve ocorrecircncia maior de monotongaccedilatildeo em textos dos

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alunos do sexo masculino confirmando a hipoacutetese inicial dos autores de que ldquo[] os falantes do sexo feminino tendem a usar mais a variante padratildeo ou de prestiacutegio social do que aqueles do sexo masculinordquo (HORA RIBEIRO 2006 p 218) Nessa pesquisa houve ainda a constataccedilatildeo de que os estudantes das escolas puacuteblicas escrevem mais palavras monotongadas do que os alunos de escolas particulares possivelmente pelo fato de estes possuiacuterem maior contato com textos escritos em norma culta

Aleacutem disso os autores identificaram que alunos com niacutevel de escolaridade maior apresentaram menor iacutendice de monotongaccedilatildeo corroborando os estudos de Mollica (2016 p 102) ao concluir que ldquo[] o aprendiz necessita de um grau de amadurecimento tal que seja capaz de entender instruccedilotildees complexas como a possiacutevel influecircncia da variaccedilatildeo na liacutengua falada sobre a liacutengua escritardquo

Barbosa (2016 p 39-40) aponta que ldquo[] a monotongaccedilatildeo e a ditongaccedilatildeo satildeo evidecircncias do continuum entre fala e escrita ocasionadas por assimilaccedilotildees sonorasrdquo Assim a monotongaccedilatildeo eacute um tipo de variaccedilatildeo fonoloacutegica mas que ocorre tambeacutem na escrita como observado nas pesquisas descritas acima De acordo com Coelho et al (2015 p 18) ldquoEm um caso de variaccedilatildeo as formas variantes costumam receber valores distintos pela comunidaderdquo Dessa maneira enquanto a variante padratildeo eacute a variante de prestiacutegio a natildeo padratildeo eacute normalmente estigmatizada No caso especiacutefico da monotongaccedilatildeo segundo Mollica (2016) por ser comum no Brasil natildeo demonstra ser um fenocircmeno tatildeo estigmatizado o que poderia explicar sua forte influecircncia nos textos escritos

Bagno (2006) destaca que a liacutengua escrita natildeo reproduz fielmente a fala pois a liacutengua falada passa por constantes transformaccedilotildees Dessa maneira ldquo[] ateacute hoje a gente tem que escrever pouco louro roupa embora fale haacute bastante tempo poco loro ropardquo (BAGNO 2006 p 84) Portanto ldquoerrosrdquo ortograacuteficos decorrentes da influecircncia da fala na escrita especialmente no que diz respeito agrave monotongaccedilatildeo satildeo recorrentes

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Dada a ocorrecircncia de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos na escrita dos alunos aqui investigados especificamente da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a sua escrita e a necessidade de uma proposta de intervenccedilatildeo nesse caso adotamos as propostas de atividades pedagoacutegicas elaboradas por Morais (2000) que contribuem para o ensino da ortografia conforme discussatildeo na seccedilatildeo a seguir

4 Morais (2000) sugestotildees de atividades

Morais (2000) apresenta sugestotildees de atividades para serem trabalhadas em sala de aula com o intuito de melhorar os conhecimentos ortograacuteficos dos alunos p e

1) Ditado interativo o ditado eacute uma atividade muito usada para a verificaccedilatildeo ortograacutefica contudo trata-se de um exerciacutecio realizado de maneira tradicional considerando a ortografia como um objeto de verificaccedilatildeo e natildeo de ensino

Contrapondo-se ao ditado tradicional que apenas verifica os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos o ditado interativo conduz a uma reflexatildeo acerca da ortografia ldquoDitamos agrave turma um texto jaacute conhecido fazendo pausas diversas nas quais convidamos os alunos a focalizar e discutir certas questotildees ortograacuteficas previamente selecionadas ou levantadas durante a atividaderdquo (MORAIS 2000 p 77) Durante a realizaccedilatildeo do ditado o professor aponta reflexotildees sobre algumas palavras que considera mais pertinentes para o momento seguindo as dificuldades ortograacuteficas apresentadas pelos alunos solicitando a eles que faccedilam transgressotildees mentalmente discutindo a forma ldquocorretardquo e ldquoerradardquo de grafia

2) Releitura com focalizaccedilatildeo semelhante ao ditado interativo a releitura coletiva com focalizaccedilatildeo na escrita de determinadas palavras leva os alunos a refletirem acerca da ortografia ldquoMais ainda que no ditado interativo eacute faacutecil o professor controlar as palavras sobre as quais deseja refletir com os alunosrdquo (MORAIS 2000 p 82)

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3) Reescrita com correccedilatildeo Morais (2000) sugere que os alunos leiam textos que contenham transgressotildees ortograacuteficas e pontua ainda que essa proposta enfrenta resistecircncia por muitos educadores pois haacute o pensamento de que os estudantes ao entrarem em contato com esses ldquoerrosrdquo poderiam considerar essas ocorrecircncias corretas No entanto o autor supracitado ressalta a importacircncia de os alunos perceberem que indiviacuteduos de grupos sociais e regiotildees diferentes possuem maneiras distintas de falar aleacutem disso deve-se discutir a maneira como se fala sendo que a linguagem precisa se adequar agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Segundo Morais (2000) as atividades de reescrita com correccedilatildeo e transgressatildeo ortograacutefica podem contribuir para a reflexatildeo sobre a ortografia

5 Anaacutelise dos dados

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos alunos e na atividade poacutes-intervenccedilatildeo os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados conforme proposta de Bortoni-Ricardo (2005) descrita no Quadro 1 Analisamos a seguir as atividades diagnoacutesticas demonstrando o percentual de ldquoerrosrdquo dos alunos em cada tipo categorizado na sequecircncia destacamos a anaacutelise feita no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos participantes ainda na fase diagnoacutestica Por fim comparamos os dados obtidos no diagnoacutestico com os dados colhidos na fase poacutes-intervenccedilatildeo

51 Anaacutelise das atividades diagnoacutesticas

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos 21 alunos participantes conforme descriccedilatildeo anterior os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados sendo possiacutevel obter uma visatildeo geral dos ldquoerrosrdquo no Graacutefico 1

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Graacutefico 1 Porcentagem dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos ndash fase diagnoacutestica

0 10 20 30 40

Troca de letrasMonotongaccedilatildeo

JunturaAlccedilamento

ApoacutecopeHipercorreccedilatildeoSegmentaccedilatildeoDesnasalaccedilatildeo

SiacutencopeAfeacuterese

Harmonia vocaacutelicaAssimilaccedilatildeoDitongaccedilatildeo

Demais subcategorias

Grupo 1

Grupo 2 - A

Grupo 2 - B

Grupo 2 - C

Demais subcategorias

Fonte Lopes (2018)

No Graacutefico 1 incluem-se na legenda ldquodemais subcategoriasrdquo ldquoerrosrdquo provenientes dos Grupos 1 e 2 que apresentaram menos de 1 de ocorrecircncia a saber inserccedilatildeo de letras (Grupo 1) epecircntese (Grupo 2 ndash A) nasalizaccedilatildeo (Grupo 2 ndash B) apoacutecope epecircntese sacircndi externo nasalizaccedilatildeo afeacuterese e paragoge (Grupo C)

Os ldquoerrosrdquo identificados nas atividades diagnoacutesticas demonstraram o elevado grau de dificuldades enfrentadas pelos alunos em relaccedilatildeo agrave ortografia ao compor seus textos Destaca-se nesse sentido a dificuldade apresentada em relaccedilatildeo ao uso indevido de letras com 29 A troca de letras feita no momento da escrita representa casos possiacuteveis dentro do sistema linguiacutestico

O ldquoerrordquo ortograacutefico de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita para o qual se direciona esta pesquisa apresentou o segundo maior percentual de ldquoerrosrdquo No entanto entre os ldquoerrosrdquo

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decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita (Grupo 2) a monotongaccedilatildeo apresentou o maior nuacutemero de ocorrecircncias

Ainda que o uso indevido de letras tenha sido demonstrado como o ldquoerrordquo mais recorrente considerando-se o total dos ldquoerrosrdquo trata-se de troca de letras diferentes O porcentual de 29 para essa subcategoria do Grupo 1 representa 14 tipos de troca de letras diferentes que totalizam as 84 ocorrecircncias identificadas nos dados Se considerado cada tipo de troca de letra isoladamente eles apresentam um menor percentual de ocorrecircncia quando comparados agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Em razatildeo de o objeto de estudo desta pesquisa ser a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita uma subseccedilatildeo especiacutefica trataraacute desse ldquoerrordquo ortograacutefico

52 Monotongaccedilatildeo transposiccedilatildeo para a escrita

Esta subseccedilatildeo aborda especificamente a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita na fase diagnoacutestica No Quadro 2 estatildeo elencadas as palavras que representam a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita encontradas nos dois textos produzidos pelos alunos na fase diagnoacutestica organizado de maneira a se estabelecer correspondecircncia entre o ldquoerrordquo e o aluno que dele fez uso

Quadro 2 Casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ndash fase diagnoacutestica

Aluno Monotongaccedilatildeo

A1 robu (ldquoroubordquo) robaro (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) coguero (ldquocoqueirordquo) atiro (ldquoatirourdquo)

A2 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A3 outro (ldquooutrordquo) robaram (ldquoroubaramrdquo)A4 fera (ldquofeirardquo)A6 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A9 robaraum (ldquoroubaramrdquo) otos (ldquooutrosrdquo)

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A10 cacha (ldquocaixardquo) ropinha (ldquoroupinhardquo)A11 arrumo (ldquoarrumourdquo)

A12 robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A13 ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo) deito (ldquodeitourdquo) comeia (ldquocolmeiardquo) utimo (ldquouacuteltimordquo)

A15 roba (ldquoroubarrdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) acho (ldquoachourdquo) ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A16 vera (ldquofeirardquo)A17 fera (ldquofeirardquo) cheo (ldquocheiordquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A18 robaram (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) comeia (ldquocolmeiardquo)A19 robaram (ldquoroubaramrdquo) vera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A20 robaram (ldquoroubaramrdquo) atiro (ldquoatirourdquo) cacha (ldquocaixardquo)A21 fera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)

Fonte Lopes (2018)

Verifica-se com base no Quadro 2 que dos 21 informantes que participaram das atividades propostas 17 (81) apresentaram na escrita ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo atraveacutes da reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt e dos ditongos lteigt e ltaigt para ltegt e ltagt respectivamente

Contrariando a forma ortograacutefica oficial foram verificadas nas produccedilotildees analisadas palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo tanto em siacutelabas tocircnicas finais quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas Em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo do ditongo [oU9] para [o] puderam ser observadas as seguintes ocorrecircncias

a) Reduccedilatildeo do ditongo em siacutelabas tocircnicas finais como em atiro arrumo comeso deito fecho e acho em vez de ldquoatirourdquo ldquoarrumourdquo comeccedilourdquo ldquodeitourdquordquo fechourdquo e ldquoachourdquo

b) Transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo no final das siacutelabas no interior das palavras como em robo robaram otros comeia e ropinha grafadas no lugar de ldquoroubordquo ldquoroubaramrdquo ldquooutrosrdquo ldquocolmeiardquo e ldquoroupinhardquo No caso da escrita de comeia e utimo a

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transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo ocorre porque haacute um ditongo [ow] na fala que natildeo eacute registrado na forma escrita

Verificou-se ainda o apagamento do glide dos ditongos [a] e [e] que se reduziram para [a] e [e] respectivamente Nas produccedilotildees de texto analisadas a reduccedilatildeo desses ditongos ocorreu nos contextos fonoloacutegicos descritos a seguir

c) O ditongo [e] passou por monotongaccedilatildeo antes de consoante tepe alveolar sonora [] como em fera coquero e cadera em vez de ldquofeirardquo ldquocoqueirordquo e ldquocadeirardquo

d) Houve reduccedilatildeo do ditongo [a] antes de consoante fricativa alveopalatal surda [] como em cacha em vez de ldquocaixardquo

Natildeo houve reduccedilatildeo dos ditongos [a] e [e] diante de oclusivas e fricativas nas produccedilotildees textuais dos alunos Identificou-se o natildeo favorecimento de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo quando o ditongo antecede as consoantes [v] e [t] pois natildeo satildeo sons palatais assim natildeo haacute assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 e A12 grafaram a palavra ldquoraivardquo sem transposiccedilatildeo da reduccedilatildeo do ditongo [a ] Natildeo foram encontrados registros nos textos analisados de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo neste contexto fonoloacutegico ditongo seguido de consoante fricativa labiodental sonora [v] O mesmo ocorreu com os ditongos seguidos de consoante oclusiva dental-alveolar surda [t] (p e ldquodeitourdquo e geito) Foi possiacutevel analisar ainda que o ditongo [e] natildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nos finais de palavra como ocorreu com o ditongo [oU9]

No caso de [a] e [e] a reduccedilatildeo do ditongo estaacute condicionada ao segmento seguinte que sendo um som palatal favorece a monotongaccedilatildeo uma vez que haacute a assimilaccedilatildeo do glide com a consoante Assim enquanto as consoantes [ʒ] e [ʃ] favorecem a monotongaccedilatildeo como em bejo e caxa em vez de ldquobeijordquo e ldquocaixardquo por serem palatais o mesmo natildeo acontece com as consoantes

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[v] e [t] que desfavorecem a monotongaccedilatildeo por natildeo serem sons palatais natildeo havendo portanto assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 A3 e A21 escreveram ldquodeitourdquo geito e ldquodeitadordquo respectivamente sem transpor para a escrita a monotongaccedilatildeo dos ditongos uma vez que conforme jaacute comentado anteriormente esse contexto fonoloacutegico natildeo favorece a reduccedilatildeo do ditongo [e]

No texto do aluno A3 notou-se que as palavras ldquoentreirdquo e axei que possuem um ditongo [e ] no final da palavra tambeacutem natildeo passaram por monotongaccedilatildeo diferentemente do que ocorreu com o ditongo [oU9] no final de palavras

A anaacutelise do diagnoacutestico permitiu chegar aos seguintes resultados

bull Os contextos fonoloacutegicos de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foram ditongo ltougt no interior e final de palavra ditongo lteigt antes de [] e ditongo ltaigt antes de []

bull 81 dos alunos participantes escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

bull O ditongo ltougt foi mais produtivo em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita seguido pelos ditongos lteigt e ltaigt respectivamente

bull Os informantes do sexo masculino escreveram mais palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em comparaccedilatildeo aos informantes do sexo feminino

bull Os participantes com mais idade registraram menor ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita do que os participantes com menos idade

Apoacutes anaacutelise do diagnoacutestico foi elaborado o plano de intervenccedilatildeo e aplicado aos alunos Em seguida os alunos realizaram uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo com o intuito de avaliar a intervenccedilatildeo

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realizada A comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo eacute feita na subseccedilatildeo a seguir

53 Comparaccedilatildeo dos resultados e resultado geral

A fim de avaliar os efeitos da intervenccedilatildeo torna-se necessaacuterio realizar nesta subseccedilatildeo uma anaacutelise comparativa entre os resultados colhidos na fase diagnoacutestica e na fase poacutes-intervenccedilatildeo referentes agraves produccedilotildees de texto redigidas pelos alunos

Na Tabela 1 a seguir eacute feita a comparaccedilatildeo do total de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Tabela 1 Comparativo geral de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

16 4

Fonte Lopes (2018)

Segundo a Tabela 1 houve uma reduccedilatildeo de 12 das ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos produzidos pelos alunos da fase diagnoacutestica para a fase poacutes-intervenccedilatildeo Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo correspondeu a 16 do total de ldquoerrosrdquo enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo esse percentual foi de 4

Ao discutir a transposiccedilatildeo da fala para a escrita Mollica (2016 p 18) afirma que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e que ldquoOs sistemas de escrita possuem um caraacuteter normatizador de tal modo que muitos traccedilos variaacuteveis da fala desaparecemrdquo

Dessa maneira durante a intervenccedilatildeo foi feita a discussatildeo com os alunos no sentido de que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e os resultados demonstram que houve essa compreensatildeo por

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parte dos estudantes uma vez que a ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos reduziu consideravelmente apoacutes a intervenccedilatildeo desenvolvida evidenciando que as atividades propostas minimizaram essa dificuldade ortograacutefica

Para melhor visualizaccedilatildeo o Graacutefico 2 conteacutem a comparaccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 2 Comparativo alunos com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

81

105

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 2 ilustra a reduccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram em seu texto escrito a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo durante as fases diagnoacutestica (81) e poacutes-intervenccedilatildeo (105) Ou seja houve uma reduccedilatildeo de mais de 70 demonstrando que os alunos compreenderam tal fenocircmeno que ocorre na fala e eacute transposto para a escrita

Mollica (2016) defende a elaboraccedilatildeo de trabalhos orientados na abordagem de dificuldades de escrita de natureza ortograacutefica ou gramatical sendo essa uma funccedilatildeo essencial da escola ldquoAssumo que a escola tem o papel preciacutepuo de exercitar a liacutengua padratildeo quer na modalidade escrita quer na modalidade faladardquo (MOLLICA 2016 p 17)

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O trabalho orientado no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita obteve resultados satisfatoacuterios nesta pesquisa de acordo com leitura feita do Graacutefico 2

O Quadro 3 a seguir compara as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa considerando dois informantes que apresentaram a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na atividade de avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo

Quadro 3 Comparativo casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Aluno Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

A11 arrumo (ldquoarrumourdquo) chego (ldquochegourdquo)

A12robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso

(ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)falo (ldquofalourdquo)

Fonte Lopes (2018)

Constatamos a partir da observaccedilatildeo do Quadro 3 que o informante A11 escreveu o mesmo nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa (1 ocorrecircncia em cada) ambas com reduccedilatildeo do ditongo ltougt no final de palavra Jaacute o informante A12 ainda que tenha registrado na fase poacutes-intervenccedilatildeo uma palavra com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apresentou reduccedilatildeo desse fenocircmeno na escrita em relaccedilatildeo agrave fase diagnoacutestica (6 ocorrecircncias) Aleacutem disso enquanto na fase diagnoacutestica esse aluno registrou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo dos ditongos ltougt e lteigt na poacutes-intervenccedilatildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo somente do ditongo ltougt

A reduccedilatildeo do ditongo ltougt pelo fato de natildeo depender do segmento consonantal seguinte para ocorrer monotongaccedilatildeo (ao contraacuterio do que acontece com os ditongos ltaigt e lteigt) torna-se mais frequente e consequentemente mais difiacutecil reduzir a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo desse ditongo na escrita

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O Quadro 4 compara os contextos fonoloacutegicos da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Quadro 4 Comparativo contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

ltougt no final de palavraltougt no interior de palavra

lteigt antes de []ltaigt antes de []

ltougt em final de palavra

Fonte Lopes (2018)

Comparando os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nessas duas fases da pesquisa observamos que houve reduccedilatildeo uma vez que na fase diagnoacutestica os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo foram ditongo ltougt no interior e final de palavra lteigt antes de [] e ltaigt antes de [] Na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi registrada apenas transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com o ditongo ltougt no final de palavra

Corroborando os dados colhidos na fase diagnoacutestica desta pesquisa a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt eacute mais produtiva motivo pelo qual esse contexto fonoloacutegico persistiu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Assim a reduccedilatildeo de contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas produccedilotildees dos alunos demonstra que houve a compreensatildeo no que tange a esse ldquoerrordquo A comparaccedilatildeo entre os tipos de ditongos que apresentaram maior ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo estaacute representada no Graacutefico 3

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Graacutefico 3 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo por tipo de ditongo

62

33

5

100

Ditongo ltougt Ditongo lteigt Ditongo ltaigt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt foi mais produtiva com 62 seguida pelo ditongo lteigt (33) e ditongo ltaigt (5) Jaacute na fase poacutes-intervenccedilatildeo somente ocorreu a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Possivelmente a permanecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apenas do ditongo ltougt na fase poacutes-intervenccedilatildeo deve-se tambeacutem ao fato de que esse eacute um fenocircmeno consolidado na fala tornando mais resistente sua aplicaccedilatildeo

Bortoni-Ricardo e Rocha (2014 p 42) confirmam essa hipoacutetese

[] o curso evolutivo de reduccedilatildeo do ditongo ow estaacute mais avanccedilado a regra parece aplicar-se quase categoricamente em todos os ambientes foneacuteticos Esse ditongo eacute de fato o uacutenico que se reduz nas siacutelabas finais

Mollica (2016 p 91) tambeacutem explica a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico ao afirmar que ldquoA correccedilatildeo ortograacutefica para

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o ditongo com a semivogal posterior por ser mudanccedila operada na fala eacute mais lenta que a verificada para o ditongo com a semivogal anteriorrdquo Logo a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt registrada nesta pesquisa tambeacutem indicou ser mais lento o seu apagamento na escrita por se tratar de fenocircmeno consolidado na fala como demonstrado no Quadro 4 que evidenciou a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico nesta pesquisa na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Ainda assim a anaacutelise dos dados obtidos demonstra que as atividades desenvolvidas para a orientaccedilatildeo de uma dificuldade ortograacutefica especiacutefica foram satisfatoacuterias para a aprendizagem dos alunos posto que foi observada a reduccedilatildeo de ldquoerrosrdquo ocasionados pela transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita

A comparaccedilatildeo das classes de palavras mais produtivas em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases desta pesquisa estaacute especificada no Graacutefico 4 que representa apenas o ditongo ltougt por ter sido o uacutenico recorrente na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 4 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

24

64

12

100

Substantivo Verbo Pronome

Diagnoacutestico Poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

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Identificamos apoacutes comparar a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt no diagnoacutestico e na poacutes-intervenccedilatildeo a prevalecircncia na fase diagnoacutestica de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (64) seguida por substantivos (24) e pronomes (12) enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo soacute houve transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (100)

Os gecircneros textuais escolhidos para as atividades por terem a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo contribuiacuteram para a ocorrecircncia maior da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt com verbos Isso ocorreu tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo momento em que foi solicitada aos alunos a escrita de uma paroacutedia de um conto de fadas

O Graacutefico 5 compara a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos em relaccedilatildeo ao sexo dos participantes Os dados referentes ao diagnoacutestico foram considerados por amostragem Pelo fato de haver no 7ordm ano X prevalecircncia de alunos do sexo masculino (81) fizemos um recorte no diagnoacutestico comparando os ldquoerrosrdquo de 4 informantes do sexo feminino e 4 informantes do sexo masculino entre 12 e 13 anos com o intuito de verificar se a variaacutevel sexo interfere no resultado da pesquisa

Essa anaacutelise por amostragem eacute utilizada neste trabalho na medida em que haacute a necessidade de ser mantido o equiliacutebrio entre as ceacutelulas das variaacuteveis consideradas Apesar de a amostra ser reduzida ela permite avaliar os dados sem diferenccedilas quantitativas nessa variaacutevel demonstrando resultados mais confiaacuteveis pois informantes de sexos diferentes podem apresentar resultados tambeacutem distintos

Reafirmamos que a comparaccedilatildeo eacute feita considerando o ditongo ltougt que na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi o uacutenico que ocorreu

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Graacutefico 5 Comparativo variaacutevel sexo e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

130

87100

Feminino Masculino

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 5 demonstra que na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foi mais produtiva com informantes do sexo masculino (87) O mesmo ocorreu na fase poacutes-intervenccedilatildeo em que apenas informantes do sexo masculino escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Assim a variaacutevel sexo demonstrou influenciar o fenocircmeno aqui estudado ratificando a informaccedilatildeo discutida por Mollica (2016 p 85) segundo a qual

O fator sexo influencia na forma relevante com relaccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo de ow e ey uma vez que as meninas apresentam enorme facilidade no aprendizado de formas linguiacutesticas prestigiadas socialmente O inverso ocorre com os meninos nos quais costuma prevalecer a ocorrecircncia de formas linguiacutesticas de baixo prestiacutegio social

Ainda segundo a autora ldquoEssas diferenccedilas costumam ser maiores em turmas onde o niacutevel socioeconocircmico eacute mais baixordquo (MOLLICA 2016 p 85) sendo essa tambeacutem a mesma condiccedilatildeo socioeconocircmica do puacuteblico-alvo dessa pesquisa

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A comparaccedilatildeo entre a fase diagnoacutestica e a fase poacutes-intervenccedilatildeo no que diz respeito agrave variaacutevel faixa etaacuteria estaacute representada no Graacutefico 6 no qual foi feito um recorte na fase diagnoacutestica para essa variaacutevel Tambeacutem satildeo contempladas as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt que foi o uacutenico identificado na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 6 Comparativo variaacutevel faixa etaacuteria e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutesca Fase poacutes-intervenccedilatildeo

80

50

20

50

12 anos 14 anos

Fonte Lopes (2018)

Percebe-se que no diagnoacutestico o ditongo ltougt foi mais produtivo em textos escritos por alunos de 12 anos (80) que possuem idade recomendada para o 7ordm ano enquanto os alunos de 14 anos escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em 20 das vezes identificadas

Jaacute na poacutes-intervenccedilatildeo a porcentagem foi a mesma para alunos de 12 e 14 anos (50) Apesar de o desempenho dos alunos mais velhos na fase diagnoacutestica ter sido mais satisfatoacuterio (20) o resultado referente a essa variaacutevel na fase poacutes-intervenccedilatildeo (50) deve-se provavelmente ao que afirma Mollica (2016) Segundo essa estudiosa ainda que a inserccedilatildeo do glide no ditongo seja mais facilmente assimilada por alunos mais velhos essa regra eacute ldquo[] compreendida e apreendida quanto mais os alunos se tornam conscientes das diferenccedilas entre fala e escritardquo

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Portanto na poacutes-intervenccedilatildeo os alunos mais novos demonstraram evoluccedilatildeo significativa da consciecircncia das diferenccedilas entre a fala e a escrita sendo mais maduros nesse aspecto do que os alunos mais velhos

A comparaccedilatildeo dos dados colhidos no diagnoacutestico com os dados da poacutes-intervenccedilatildeo demonstrou que

bull Houve reduccedilatildeo significativa da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos dos alunos registrando 16 dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos durante o diagnoacutestico e 4 na poacutes-intervenccedilatildeo

bull O percentual de alunos que escreveram palavras com a reduccedilatildeo do glide do ditongo diminuiu passando de 81 do total de alunos participantes para 105

bull A transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt para a escrita foi mais produtiva (devido agrave sua consolidaccedilatildeo na fala e resistecircncia na escrita e ao fato de ser um ditongo que independe do segmento consonacircntico seguinte para ocorrer transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo) uma vez que foi o uacutenico contexto de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo que permaneceu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

bull A reduccedilatildeo do glide no ditongo ltougt foi mais recorrente com verbos tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo devido agrave influecircncia dos gecircneros textuais trabalhados em que haacute a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo

bull Participantes do sexo masculino escreveram maior nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases da pesquisa analisadas evidenciando que as mulheres monitoraram mais a linguagem e demonstraram maior preocupaccedilatildeo em escrever de acordo com as regras ortograacuteficas

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bull A variaacutevel faixa etaacuteria demonstrou que os alunos mais novos apresentaram evoluccedilatildeo na aprendizagem do fenocircmeno estudado pois reduziram o percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 80 para 50 na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo respectivamente enquanto os participantes mais velhos natildeo demonstraram evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave aprendizagem da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita posto que houve aumento do percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 20 para 50

6 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa analisou o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo com o objetivo de verificar a sua transposiccedilatildeo para a escrita dos alunos do 7ordm ano X do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica O resultado do diagnoacutestico apontou a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo como sendo um ldquoerrordquo recorrente na escrita demonstrando que a escrita dos alunos eacute influenciada pela monotongaccedilatildeo levando-os a se desviar da forma ortograacutefica convencional do Portuguecircs

A avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi obtida atraveacutes de uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo que demonstrou reduccedilatildeo de ocorrecircncias da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes participantes Portanto concluiacutemos que o entendimento do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo pelo aluno influencia positivamente na aprendizagem e desenvolvimento da sua escrita ortograacutefica e que a intervenccedilatildeo a partir de atividades sugeridas por Morais (2000) contribuiu para o desenvolvimento da escrita ortograacutefica dos alunos

Dessa forma constatamos a necessidade de o professor considerar a dificuldade do aluno no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ao propor as atividades ortograacuteficas em sala de aula por diversas vezes natildeo se fala o que parece ser oacutebvio em relaccedilatildeo agrave ortografia todavia faz-se necessaacuterio observar

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a realidade linguiacutestica do aluno pois o coacutedigo ortograacutefico precisa ser ensinado Devido a isso as atividades propostas em sala devem estar de acordo com as necessidades do puacuteblico-alvo

Esta pesquisa pode suscitar reflexotildees e conjecturas e consequentemente o desenvolvimento de pesquisas sobre a maneira como a monotongaccedilatildeo ocorre na fala dos participantes posto que nosso objeto de estudo consistiu na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita sendo oportuno ampliar a amostra em estudos posteriores

Eacute oportuno ressaltar que iniciativas do professor que consistem na aplicaccedilatildeo de um diagnoacutestico e posteriormente na elaboraccedilatildeo de atividades que objetivem sanar as duacutevidas identificadas satildeo necessaacuterias em se tratando do ensino de Liacutengua Portuguesa no Ensino Fundamental II O professor-pesquisador pode transformar a realidade do aluno e fazer a diferenccedila no desenvolvimento de sua aprendizagem

Referecircncias

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BORTONI-RICARDO S M Educaccedilatildeo em liacutengua materna a sociolinguiacutestica na sala de aula Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2004

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COELHO I L GOumlRSKI E M SOUZA C M N MAY G H Para conhecer sociolinguiacutestica Satildeo Paulo Contexto 2015

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LAZZAROTTO-VOLCAtildeO C NUNES V G SEARA I C Para conhecer foneacutetica e fonologia do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Contexto 2015

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LOPES C N A monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos do ensino fundamental II 2018 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras Universidade Estadual de Montes Claros 2018

MOLLICA M C Influecircncia da fala na alfabetizaccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 2016

MORAIS A G de Ortografia ensinar e aprender Satildeo Paulo Aacutetica 2000

SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios 9 ed Satildeo Paulo Contexto 2008

A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda os resultados obtidos na pesquisa sobre a segmentaccedilatildeo e a juntura36 registradas na escrita de alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio na cidade de Montes Claros Minas Gerais em 2015 O estudo teve como objetivos arrolar as possiacuteveis causas do fenocircmeno elaborar propostas de ensino para resolver o problema detectado bem como oferecer subsiacutedios teoacuterico-praacuteticos para professores alfabetizadores e de Liacutengua Materna uma vez que tais problemas perpetuam-se ateacute os anos finais de escolaridade mesmo sendo um fenocircmeno peculiar agrave etapa da alfabetizaccedilatildeo

A metodologia utilizada na pesquisa foi a da pesquisa-accedilatildeo que alia a teoria agrave praacutetica com o propoacutesito de oferecer contribuiccedilotildees para melhorar o ensino e a aprendizagem Nesse sentido ratifica-se a relevacircncia de agregar os postulados teoacutericos imprescindiacuteveis ao exerciacutecio docente agraves estrateacutegias de ensino que possam ser executadas em sala de aula pois eacute comum os professores natildeo encontrarem materiais que os auxiliem nas dificuldades de escrita de seus alunos As investigaccedilotildees aqui delineadas promoveram um novo olhar diante de tais entraves pois foi possiacutevel constatar que os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos natildeo satildeo aleatoacuterios isto eacute existem explicaccedilotildees que justificam suas ocorrecircncias e eacute por isso que o embasamento teoacuterico eacute fundamental para uma praacutetica docente de qualidade

Como se sabe as atividades de leitura e escrita satildeo de grande preocupaccedilatildeo sobretudo para professores de Liacutengua Portuguesa cuja meta eacute formar cidadatildeos natildeo apenas alfabetizados mas principalmente capazes de ler e escrever de forma autocircnoma e com criticidade Vaacuterios satildeo os obstaacuteculos que dificultam essa meta entre eles podemos destacar o alto grau de abstraccedilatildeo que a escrita e a leitura exigem diferente da fala que eacute aprendida de forma

36 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa

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mais espontacircnea no meio familiar as peculiaridades do alfabeto Portuguecircs as dificuldades ortograacuteficas a falta de haacutebito de leitura bem como questotildees de ordem social econocircmica e cultural que natildeo seratildeo destacadas neste trabalho mas que de certo modo interferem nesse processo

Contudo entre esses obstaacuteculos merecem tratamento cuidadoso as dificuldades ortograacuteficas como por exemplo hipercorreccedilatildeo uso indevido de letras utilizaccedilatildeo inadequada de letras maiuacutesculas e minuacutesculas e o que eacute o objeto de interesse deste texto a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Segundo Cagliari (2009) quando a crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros textos de um modo espontacircneo costuma unir as palavras o que configura a juntura Por sua vez devido agrave acentuaccedilatildeo tocircnica das palavras pode ocorrer uma segmentaccedilatildeo que eacute uma separaccedilatildeo na escrita que configura um desvio da ortografia Eacute importante ressaltar que devido ao seu vasto trabalho na aacuterea de Alfabetizaccedilatildeo e Linguiacutestica a nomenclatura de Cagliari (2009) segmentaccedilatildeo e juntura eacute a que foi utilizada ao longo desta pesquisa

Embora sejam processos fonoloacutegicos peculiares agrave fase de alfabetizaccedilatildeo foi possiacutevel perceber que ao chegarem aos anos iniciais do Ensino Fundamental II mais especificamente no 6ordm ano um nuacutemero consideraacutevel de alunos ainda traz registros de junturas e segmentaccedilotildees em seus textos tais como ldquocom noscordquo em vez de ldquoconoscordquo ldquoa legrerdquo em vez de ldquoalegrerdquo como exemplos de segmentaccedilotildees ldquoderrepenterdquo em vez ldquode repenterdquo ldquosenquererrdquo em vez de ldquosem quererrdquo como exemplos de junturas Nessa fase escolar tais ocorrecircncias jaacute deveriam teoricamente ser inexistentes Contudo se persistem eacute necessaacuterio investigar as causas e encarar tais registros como possibilidades de escrita que natildeo satildeo desprovidas de loacutegica ou seja satildeo ldquoerrosrdquo37 que podem ser compreendidos e trabalhados mas sem dar-lhes o caraacuteter

37 Usamos o termo ldquoerrordquo entre aspas para natildeo ferir os postulados linguiacutesticos mas tambeacutem o reconhecendo como tal por se apresentar como um desvio que difere do que aponta a norma-padratildeo Destacamos o conceito de ldquoerrordquo na seccedilatildeo teoacuterica

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pejorativo que revela muitas vezes preconceito linguiacutestico Eacute papel do professor evitar a perpetuaccedilatildeo de qualquer tipo discriminaccedilatildeo da liacutengua visto que haacute outras variantes que merecem ser respeitadas e satildeo vaacutelidas dentro dos seus contextos de uso

No entanto tambeacutem eacute funccedilatildeo do profissional de Liacutengua Materna estar atento agraves duacutevidas de seus alunos e procurar recursos para que sejam elucidadas pois haacute uma ortografia oficial que rege a escrita e eacute fundamental propiciar aos alunos o conhecimento dela Diferentemente da variaccedilatildeo linguiacutestica oral que eacute um evento de fala inserido dentro de uma cultura as dificuldades ortograacuteficas precisam ser esclarecidas a fim de que o aluno tenha acesso agrave variedade padratildeo da escrita para se inserir nas praacuteticas que exigem essa modalidade Como estabelecem Faraco e Tezza (2001 p 52) ldquo[] na rede das linguagens de uma dada sociedade a liacutengua padratildeo ocupa um espaccedilo privilegiado ela eacute o conjunto de formas consideradas como o modo correto socialmente aceitaacutevel de falar ou escreverrdquo Portanto eacute na escola que essa variedade padratildeo precisa ser ensinada sem desprezar evidentemente o que o aluno traz de sua vivecircncia fora dela permitindo-lhe melhor acesso aos meios em que a variedade padratildeo se faz presente

No contexto desta pesquisa eacute importante estabelecer algumas consideraccedilotildees acerca do termo ldquonorma-padratildeordquo utilizado ao longo deste trabalho Conforme salienta Faraco (2008 p 75) apoiado em Bagno (2007) ldquo[] a norma-padratildeo natildeo eacute propriamente uma variedade da liacutengua mas [] um construto soacutecio-histoacuterico que serve de referecircncia para estimular um processo de uniformizaccedilatildeordquo O autor destaca ainda que a norma-padratildeo natildeo conseguiraacute em momento algum impedir o avanccedilo da diversidade linguiacutestica porque natildeo eacute possiacutevel homogeneizar a sociedade e a cultura tampouco paralisar o movimento da histoacuteria humana Contudo ressalva que o padratildeo teraacute sempre um efeito de uniformizar unificar as demais normas

Conforme Barbosa (2015) cabe agrave escola portanto proporcionar ao aluno um estudo adequado que o leve agrave percepccedilatildeo de que a

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escrita tem formas de realizaccedilotildees diferentes da fala e que haacute um registro considerado padratildeo para a escrita das palavras aleacutem do registro natildeo padratildeo que ele jaacute domina de modo que ele saiba circular entre as diversas variedades com autonomia e seguranccedila em funccedilatildeo do contexto Omitir-se diante disso eacute uma praacutetica de exclusatildeo inadmissiacutevel

Aleacutem dos exemplos jaacute citados anteriormente na amostra seguinte exemplificamos as segmentaccedilotildees e junturas comuns retiradas de uma produccedilatildeo de texto diagnoacutestica realizada em uma turma do 6ordm ano no iniacutecio do ano letivo de 2013 quando da elaboraccedilatildeo do projeto de pesquisa

1 Casos de segmentaccedilatildeo

a) com nosco em vez de ldquoconoscordquo (Inf1)

b) a legre es capa em vez de ldquoalegrerdquo e ldquoescaparrdquo respectivamente (Inf2)

c) com migo em vez de ldquocomigordquo (Inf5)

2 Casos de junturas

a) derrepente em vez de ldquode repenterdquo (Inf5)

b) senquere em vez de ldquosem quererrdquo (Inf6)

c) uminino em vez de ldquoum meninordquo (Inf7)

Os aspectos da segmentaccedilatildeo e da juntura permanecem mesmo apoacutes cinco anos de escolaridade embora seja um traccedilo tiacutepico da fase de alfabetizaccedilatildeo Conforme atesta Cagliari (2009 p 119-120) ldquo[] os alunos ao aprenderem a escrever produzindo textos espontacircneos aplicam nessa tarefa um trabalho significativo de reflexatildeo e se apegam a regras que revelam usos possiacuteveis do sistema de escrita do Portuguecircsrdquo Quando natildeo trabalhados de forma adequada os alunos continuam com esses usos na escrita ao longo do Ensino Fundamental Esta pesquisa encontra respaldo

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na possiacutevel contribuiccedilatildeo que poderaacute trazer tanto para os discentes quanto para os docentes Para o professor estar munido de um embasamento teoacuterico que alcance suas duacutevidas e anseios em face das dificuldades de escrita que seus alunos apresentam eacute um passo importante para intervir em tais problemas Para o aluno ao permitir que o educador tenha um olhar mais atento e compreensivo para perceber a sua dificuldade de escrita seja quando segmenta seja quando faz uma juntura natildeo convencionada e possa orientaacute-lo em vez de estigmatizaacute-lo como um discente que natildeo sabe escrever conforme a variedade padratildeo

Ao tratar dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas e de quais fatores estatildeo implicados em sua realizaccedilatildeo e tendo em vista a nossa proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses foram formuladas i) Tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas E ii) A forma como se pronuncia grande parte das palavras na fala vernacular ou seja a linguagem coloquial cria na mente da crianccedila uma ideia de que algumas palavras satildeo juntas e outras satildeo separadas o que demonstra a influecircncia da oralidade na escrita Essas hipoacuteteses denotam a influecircncia da oralidade na escrita como fator preponderante cujas investigaccedilotildees teoacutericas permitiram ratificaacute-las por meio de vasta leitura sobre o tema Nesses estudos foi possiacutevel perceber explicaccedilotildees plausiacuteveis para a ocorrecircncia das junturas e das segmentaccedilotildees levando-se em conta o papel fundamental da linguagem na vida da humanidade

2 Fundamentaccedilatildeo teoacuterica

A necessidade de se expressar por meio de uma linguagem sempre acompanhou o homem Conforme Faraco (2012) entendemos como linguagem um amplo conjunto de formas de

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comunicaccedilatildeo e significaccedilatildeo que pode ser expresso por meio da linguagem verbal oral ou escrita os gestos as expressotildees faciais a pintura a muacutesica o desenho entre outras vaacuterias manifestaccedilotildees que servem ao homem como meio de se exprimir enquanto ser social

Certamente a linguagem verbal eacute o grande avanccedilo que possibilitou ao homem seu desenvolvimento como indiviacuteduo Por meio dela nos diferenciamos diante dos outros seres ao produzirmos signos que estatildeo carregados de significados Ainda segundo Faraco (2012 p 33) ldquo[] a linguagem verbal eacute marca forte constitutiva distintiva da nossa espeacutecierdquo Muito se tem discutido acerca de sua origem de quando o homem adquiriu a capacidade de se comunicar por meio da palavra e ainda haacute muito que se pesquisar sobre o assunto uma vez que a linguagem verbal eacute um ldquobem imaterialrdquo pois natildeo haacute registros ou provas de suas mais remotas manifestaccedilotildees que possam retratar aos estudiosos atuais as pistas que remontam suas origens

A linguagem verbal manifesta-se tanto na modalidade oral quanto na escrita A primeira acompanha o homem desde eacutepocas bem antigas Jaacute a linguagem escrita eacute uma realidade linguiacutestica relativamente recente na histoacuteria da humanidade tendo surgido haacute cinco mil anos A escrita originou-se de necessidades praacuteticas do cotidiano As demandas da vida em sociedade e as complexidades das relaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas exigiram a criaccedilatildeo de um sistema de registro das atividades humanas Faraco (2012) destaca que aleacutem dessas utilizaccedilotildees de caraacuteter pragmaacutetico o crescente desenvolvimento da escrita tambeacutem propiciou o registro permanente da cultura oral o que permitiu a escrita de poemas narrativas eacutepicas e religiosas e uma diversidade de saberes que antes soacute se vivenciavam pela oralidade criando assim uma cultura letrada

A escrita alfabeacutetica tal qual a conhecemos foi precedida de outras fases a pictoacuterica e a ideograacutefica Os pictogramas eram

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associaccedilotildees com imagens e natildeo com sons Os ideogramas satildeo representaccedilotildees que podem significar uma palavra ou ateacute uma frase inteira muitos jaacute caiacuteram em desuso mas os ideogramas chineses satildeo utilizados ateacute os dias atuais No contiacutenuo da evoluccedilatildeo a fase alfabeacutetica surge de um processo de maior abstraccedilatildeo da escrita adquirindo a caracteriacutestica de uma representaccedilatildeo fonograacutefica Com isso o signo passa a conter aleacutem de sua funccedilatildeo logograacutefica uma funccedilatildeo fonoloacutegica Essa escrita alfabeacutetica passou por diversas transformaccedilotildees ao longo do tempo das quais resultaram os silabaacuterios que satildeo representaccedilotildees silaacutebicas A partir deles foram feitas novas adaptaccedilotildees o que permitiu que se tornassem mais precisos e funcionais pois uma escrita silaacutebica necessita de um menor nuacutemero de signos para registros do que nas formas anteriores como os ideogramas

Interessante destacar que as letras natildeo podem ser consideradas como representaccedilatildeo direta dos sons da fala mas sim como representaccedilatildeo das unidades funcionais da liacutengua que hoje conhecemos como fonemas que satildeo representaccedilotildees abstratas Elas tecircm portanto um caraacuteter fonoloacutegico como aponta Faraco (2012 p 56)

A escrita alfabeacutetica eacute assim uma escrita de base fonoloacutegica ou seja toma como referecircncia uma representaccedilatildeo abstrata da articulaccedilatildeo sonora da liacutengua e natildeo propriamente sua pronuacutencia Considerando que a pronuacutencia varia muito entre regiotildees grupos sociais estilos de fala e mesmo na linha do tempo uma escrita estritamente foneacutetica seria de pouco alcance e baixa funcionalidade

Cagliari (2009) tambeacutem destaca esse caraacuteter funcional e fonoloacutegico da escrita quando afirma ser uma ilusatildeo pensar nela como um reflexo da fala Enfatiza ainda que a uacutenica forma escrita que consegue fazer essa relaccedilatildeo uniacutevoca entre som e letra eacute a transcriccedilatildeo foneacutetica que apresenta um siacutembolo graacutefico para cada som para fins de aprofundamento dos estudos da liacutengua

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Com o passar do tempo a escrita foi tendo uma importacircncia cada vez maior nas relaccedilotildees sociais A aplicaccedilatildeo da escrita avolumou-se e passou a integrar diversas aacutereas da atividade humana dando ecircnfase a uma cultura letrada ou seja estabelecida por meio de registros escritos que permitem ao homem se apropriar do conhecimento Faraco (2012) exemplifica bem isso ao mostrar por meio da escrita como a vida humana foi transformada de modo intenso e irrevogaacutevel Dessa maneira a partir dela foi possiacutevel a organizaccedilatildeo da sociedade por meio da inscriccedilatildeo de leis as religiotildees conseguiram estruturar melhor seus preceitos e crenccedilas por grandes espaccedilos geograacuteficos houve uma maior transmigraccedilatildeo intercultural de siacutembolos valores que ampliaram sobremaneira a criatividade humana ela possibilitou ainda manter viva a memoacuteria de um povo e de seus valores intriacutensecos com o uso do registro permanente e mais importante elevou de forma significativa o avanccedilo do conhecimento favorecendo a organizaccedilatildeo intelectual e as praacuteticas cognitivas mais abstratas como a Matemaacutetica as Ciecircncias e as Tecnologias

Nesse sentido podemos afirmar que a escrita mesmo tendo sido criada muitos seacuteculos depois que a linguagem oral adquiriu um elevado poder poliacutetico social econocircmico e cultural que predomina ateacute hoje Ateacute aqueles que natildeo a dominam estatildeo permeados por ela e mais do que alfabetizar a escola deve criar condiccedilotildees de letrar E o que eacute ser letrado Embora jaacute tenham sido feitas inuacutemeras definiccedilotildees por diferentes vertentes teoacutericas destacamos a definiccedilatildeo apresentada por Soares (2001 p 18) do termo letramento ldquo[] eacute pois o resultado da accedilatildeo de ensinar ou de aprender a ler e escrever o estado ou a condiccedilatildeo que adquire um grupo social ou um indiviacuteduo como consequecircncia de ter-se apropriado da escritardquo

Nessa perspectiva somente ldquoler e escreverrdquo natildeo satildeo requisitos que garantem de maneira absoluta essa apropriaccedilatildeo da escrita de que fala Soares (2001) Esse aprendizado tem caraacuteter social e funcional ou seja ler e escrever envolve muito mais do que

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decodificar signos A sociedade cria demandas de uso de leitura e escrita que exigem que o usuaacuterio da liacutengua saiba lanccedilar matildeo dessas habilidades nas mais variadas situaccedilotildees comunicativas E esse apropriar-se da escrita requer o desenvolvimento de uma gama de habilidades que nem sempre a escola consegue oferecer aos alunos embora a relaccedilatildeo entre escola escrita e cultura letrada seja entrelaccedilada e indissociaacutevel como atesta Faraco (2012)

Longe de parar na alfabetizaccedilatildeo a praacutetica da escrita numa perspectiva de letramento eacute um exerciacutecio constante que deve ser calcado num avanccedilo crescente dos domiacutenios cognitivos do aprendiz Como reitera Faraco (2012) eacute uma complexa experiecircncia de caraacuteter cognitivo que natildeo implica somente o domiacutenio do alfabeto pois a alfabetizaccedilatildeo eacute apenas uma fase especiacutefica do aprendizado do sistema de escrita

Embora a escrita tenha adquirido uma importacircncia significativa ao longo da histoacuteria dado o seu caraacuteter de permanecircncia natildeo podemos deixar de ressaltar tambeacutem a relevacircncia da oralidade uma vez que eacute ela que acompanha o indiviacuteduo nas suas mais variadas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo quer seja ele escolarizado quer natildeo Aleacutem disso a oralidade conta com vaacuterios recursos que a escrita tenta parcialmente reproduzir como a entonaccedilatildeo a intensidade e duraccedilatildeo das pronuacutencias que satildeo extremamente significativos no contexto comunicativo pois muitas vezes eacute o tom que daacute a um enunciado o caraacuteter de urgecircncia alegria emoccedilatildeo raiva ordem tristeza entre outros aspectos Marcuschi (2010) corrobora para uma visatildeo natildeo dicotocircmica entre fala e escrita acentuando na verdade suas contribuiccedilotildees e peculiaridades igualmente importantes para o trato comunicativo

Nessa direccedilatildeo eacute fundamental abordar a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila Kato (1999) estabelece uma comparaccedilatildeo entre a histoacuteria da escrita da humanidade e a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila como fenocircmenos parecidos ou seja pode-se dizer que em ambos os casos dadas as devidas proporccedilotildees haacute em seu percurso um caminho de descobertas ou seja seguindo etapas

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que dependem de estiacutemulos do ambiente onde estaacute inserida como tambeacutem passaram seus ancestrais em outras eacutepocas remotas

Dentro desse intricado processo que eacute a aquisiccedilatildeo da escrita Lemle (1998) estabelece cinco capacidades ou saberes e percepccedilotildees que satildeo necessaacuterios para a alfabetizaccedilatildeo Destaca a importacircncia em primeiro lugar da ideia de siacutembolo pois cada letra eacute uma espeacutecie de siacutembolo que remete a algum som da fala Essa relaccedilatildeo natildeo eacute necessariamente regular ou direta Lemle (1998 p 8) afirma que ldquouma crianccedila que ainda natildeo consiga compreender o que seja uma relaccedilatildeo simboacutelica entre dois objetos natildeo conseguiraacute aprender a lerrdquo Diante disso cabe ao professor trabalhar com o universo simboacutelico dos variados contextos do dia a dia como siacutembolos de times sinais de tracircnsito o significado simboacutelico de certas cores etc para propiciar ao aluno uma noccedilatildeo compatiacutevel com suas experiecircncias praacuteticas

Outro ponto importante assinalado por Lemle (1998) eacute a discriminaccedilatildeo dos formatos das letras uma vez que haacute vaacuterias letras de nosso alfabeto que se diferenciam por traccedilados muitos sutis na grafia como as letras p b e q por exemplo que se distinguem conforme a posiccedilatildeo de suas hastes ou da ldquobarriguinhardquo Aleacutem dessa percepccedilatildeo visual segundo a autora o aluno precisa aprender a ter discriminaccedilatildeo auditiva uma vez que as letras simbolizam sons da fala

Entender o conceito de palavra tambeacutem eacute um ponto que merece destaque Essa capacidade de entendimento do que eacute palavra quando natildeo alcanccedilada pelo aprendiz pode acarretar dificuldades de segmentaccedilatildeo em que o aluno natildeo consegue na escrita determinar os limites entre uma palavra e outra Esses obstaacuteculos ilustram os fenocircmenos que nos interessam neste trabalho a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Sobre isso Lemle (1998 p 10-11) esclarece

O tipo de dificuldade na depreensatildeo de unidades vocabulares que se observa muitas vezes na praacutetica do ensino satildeo coisas

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como umavez nonavio minhavoacute ou seja falta de separaccedilatildeo onde existe uma fronteira vocabular O inverso ndash a colocaccedilatildeo de um espaccedilo onde natildeo haacute fronteiras vocabulares ndash eacute mais raro A alocaccedilatildeo errada de fronteiras vocabulares onde existem acontece por exemplo com palavras femininas que comeccedilam com [a] ndash minha miga em vez de minha amiga ndash ou com palavras masculinas que comeccedilam com [u] ndash oniverso em vez de o universo

E por uacuteltimo Lemle (1998) enfatiza a importacircncia de se mostrar ao alfabetizando a noccedilatildeo da organizaccedilatildeo espacial da paacutegina Por mais banal que isso possa parecer nem todo sistema de escrita se estrutura como o nosso com a ordem das palavras da esquerda para a direita e de cima para baixo

Dessa forma a alfabetizaccedilatildeo ultrapassa a simplicidade do b com a = ba ou da escolha deste ou daquele meacutetodo E o professor precisa estar munido de um embasamento teoacuterico consistente ter sensibilidade diante das dificuldades dos alunos bem como ter disposiccedilatildeo e criatividade para alcanccedilar ecircxito no ensino da aquisiccedilatildeo da escrita Por isso ressaltamos a importacircncia de se conhecer o sistema de escrita do Portuguecircs uma vez que seu conhecimento eacute essencial para um ensino sistematizado e contribui muito para auxiliar os alunos em relaccedilatildeo agraves inuacutemeras duacutevidas referentes agrave escrita que os acompanham ao longo de sua trajetoacuteria escolar

Diante dessas caracteriacutesticas eacute preciso que o aluno saiba que no processo de aquisiccedilatildeo da escrita as relaccedilotildees ou correspondecircncias entre letras e sons natildeo satildeo biuniacutevocas em que cada letra representaria sempre o mesmo som ou vice-versa mas pelo contraacuterio nem toda letra tem um som diretamente relacionado a ela Lemle (1998) preconiza que nas etapas seguintes de alfabetizaccedilatildeo os casos mais complexos tambeacutem devem ser apresentados e cabe ao professor conforme os avanccedilos percebidos em sala de aula determinar quanto tempo deveraacute ficar nessa abordagem das relaccedilotildees biuniacutevocas em que cada som possui uma letra correspondente para depois partir para fases mais complexas

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Lemle (1998) salienta a importacircncia de o alfabetizador conhecer claramente essas especificidades do sistema de escrita do Portuguecircs para estar pronto para os questionamentos dos alunos quando se deparam com as dificuldades de um mesmo som representado por vaacuterias letras por exemplo Dizer que falamos errado eacute simplificar demais e demonstra desconhecimento das particularidades da escrita que se pretende ensinar Lemle (1998) argumenta ainda que apelar para esse tipo de resposta eacute um ldquo[] equiacutevoco linguiacutestico um desrespeito humano e um erro poliacuteticordquo No que diz respeito ao equiacutevoco linguiacutestico a autora destaca que tachar de erro eacute demonstrar ignoracircncia ao fato de que as unidades de som satildeo afetadas pela posiccedilatildeo em que ocorrem Eacute um desrespeito humano segundo ela porque eacute um ato de humilhaccedilatildeo e de desvalorizaccedilatildeo para aquele que eacute apontado como quem fala errado E eacute um erro poliacutetico porque essa desvalorizaccedilatildeo contribui para amedrontar diminuir o outro e o impede de manifestar sua linguagem uma vez que eacute considerada errada Em suma o professor que recorre a essa resposta preconceituosa acaba contribuindo para a marginalizaccedilatildeo de seus alunos (LEMLE 1998)

Faraco (2012 p 113) destaca a duplicidade que caracteriza a ortografia portuguesa pois ldquo[] ela eacute basicamente fonoloacutegica mas com memoacuteria etimoloacutegicardquo Essa memoacuteria etimoloacutegica diz respeito a criteacuterios que levam em conta natildeo apenas as unidades sonoras funcionais das palavras mas tambeacutem sua origem Como exemplifica o autor escrevemos homem com h porque em latim se grafa homo com h influecircncia de escritas antigas da histoacuteria do Latim nas quais havia uma consoante antes do o Por isso nem sempre eacute a base fonoloacutegica que dita a escrita oficial de uma palavra mas tambeacutem suas origens mais remotas Haacute no entanto estrateacutegias que o professor pode utilizar a fim de que o aluno compreenda melhor essas relaccedilotildees como recorrer agrave morfologia com o trabalho de famiacutelias de palavras como orienta Faraco (2012) e outras atividades ortograacuteficas para tentar minimizar as dificuldades

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21 Processos Fonoloacutegicos em estudo - juntura e segmentaccedilatildeo

Antes de abordarmos as anaacutelises sob a perspectiva linguiacutestica acerca da juntura e da segmentaccedilatildeo destacamos a visatildeo das gramaacuteticas normativas tradicionais sobre o assunto Nos autores pesquisados natildeo encontramos muitas consideraccedilotildees a respeito do fenocircmeno Cegalla (2002) faz uma alusatildeo ao que podemos chamar de possiacuteveis junturas nos casos de emprego do apoacutestrofo em que os elementos se aglutinaram numa soacute unidade foneacutetica e semacircntica cujo sinal de pontuaccedilatildeo referido natildeo precisaria mais ser utilizado Embora natildeo sejam tratados como junturas o autor menciona suas ocorrecircncias como nos exemplos de destarte esconjuro vivalma

Cunha e Cintra (2001) apresentam um toacutepico denominado ldquoEncontros intraverbais e interverbaisrdquo em que tratam de encontros vocaacutelicos que podem ocorrer em dois vocaacutebulos no entanto natildeo apresenta exemplos disso Os autores Faraco e Moura (2003) apresentam o assunto natildeo com a nomenclatura aqui utilizada mas apresentam o fenocircmeno como ldquoBarbarismosrdquo na seccedilatildeo de ldquoViacutecios de linguagemrdquo o qual eacute tachado de erro e fere os postulados gramaticais Em suma os poucos gramaacuteticos que discorrem sobre o toacutepico natildeo o tratam como hipoacuteteses possiacuteveis de escrita mas como ldquoerrosrdquo desvios de escrita que precisam ser corrigidos

Vimos ao longo do percurso teoacuterico vaacuterios indiacutecios que mostram como haacute uma distacircncia entre fala e escrita Por isso conforme Faraco (2012) a escrita alfabeacutetica relaciona-se agrave realidade fonoloacutegica e natildeo agrave realidade foneacutetica Essa configuraccedilatildeo tem caraacuteter praacutetico e funcional uma vez que se a escrita fosse seguir as vaacuterias peculiaridades de pronuacutencia teriacuteamos que criar uma gama maior de grafemas para representaacute-la ateacute porque como afirma Cacircmara Jr (1997) a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo fiel da fala Contudo esse distanciamento entre o oral e o escrito acarreta dificuldades que satildeo refletidas na escrita e que muitas vezes os alunos carregam pela vida afora

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Faraco (2012) por sua vez trata do tema destacando a influecircncia da oralidade pois escrevemos cada palavra separada por um espaccedilo em branco usando para isso um criteacuterio de segmentaccedilatildeo com base lexical Jaacute na fala o que ocorre eacute uma segmentaccedilatildeo que se daacute por blocos foneacutetico-fonoloacutegicos que unem numa soacute emissatildeo de voz um conjunto de palavras O criteacuterio de segmentaccedilatildeo na fala portanto eacute de caraacuteter prosoacutedico ou seja segue padrotildees que estatildeo relacionados ao ritmo e agrave meacutetrica

A juntura conforme afirma Cagliari (2009) relaciona-se com os criteacuterios que a crianccedila utiliza para analisar a fala afinal na oralidade natildeo existe separaccedilatildeo de palavras a menos que estejam marcadas pela entonaccedilatildeo do falante Bortoni-Ricardo (2005) apoiada em Cacircmara Jr (1975) apresenta a ideia de ldquovocaacutebulos fonoloacutegicos constituiacutedos de duas ou mais formas livres ou dependentes grafados como um uacutenico vocaacutebulo formal Ex ldquouquerdquo (o que) ldquolevalordquo (levaacute-lo) ldquojanoteirdquo (jaacute notei)rdquo

Koch e Elias (2014 p 28) tambeacutem abordam o tema aqui estudado mas tratam os dois casos com a denominaccedilatildeo ldquosegmentaccedilatildeo graacuteficardquo Salientam que esse tipo de problema que as crianccedilas demonstram em seus textos natildeo eacute desprovido de loacutegica ou seja natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios pois haacute criteacuterios analiacuteticos feitos por elas que as fazem escrever ora juntando tudo ora separando o que natildeo eacute convencionalmente separado ou junto respectivamente As autoras argumentam que a segmentaccedilatildeo graacutefica nos textos das crianccedilas ocorre com base nos vocaacutebulos fonoloacutegicos Ao tentar segmentar de forma apropriada os aprendizes podem ldquopicarrdquo ou emendar vocaacutebulos de acordo com a pronuacutencia deles Nesse processo estatildeo formulando hipoacuteteses e testando sua escrita do mesmo modo como fazem com a grafia convencional das palavras Soares Aroeira e Porto (2010) justificam essas ocorrecircncias pelo desconhecimento sobre o sistema de espaccedilamento da escrita e reiteram que para os alunos dominarem esse espaccedilamento precisam descobrir com o auxiacutelio do professor que existe um sistema ideograacutefico que se sobrepotildee ao sistema graacutefico Aleacutem

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disso Soares Aroeira e Porto (2010 p 79) ponderam que ldquo[] a linearidade da escrita tem caracteriacutesticas diferentes da linearidade da fala Assim na fala de todo dia que a crianccedila domina emendamos palavras mas quando escrevemos grafamos palavras por inteiro observando as convenccedilotildees ortograacuteficas separando-as por espaccedilo em brancordquo

Percebe-se que haacute entre os autores citados a tendecircncia de chamar tanto a segmentaccedilatildeo quanto a juntura apenas de segmentaccedilatildeo Mas eacute possiacutevel constatar que esses estudiosos levam em conta que esses ldquoerrosrdquo natildeo satildeo feitos aleatoriamente ou seja o aprendiz tem duacutevidas e diante delas formula hipoacuteteses de como as palavras poderiam ser grafadas Haacute tambeacutem certo consenso entre esses autores sobre a influecircncia do oral no escrito que afeta ora a separaccedilatildeo ora a junccedilatildeo de palavras na escrita pelos alunos Faraco (2012) amparado em Abaurre e Cagliari (1985) argumenta que escrevemos de um jeito mas falamos de outro isto eacute na escrita os vocaacutebulos estatildeo devidamente separados mas na fala pronunciamos emendado Em face disso quando os alunos juntam as palavras na escrita natildeo o fazem fortuitamente Na verdade estatildeo levando em consideraccedilatildeo a cadeia sonora como referecircncia para a escrita Desse modo natildeo estatildeo cometendo ldquoerrosrdquo mas sim lidando com possibilidades que remetem diretamente agrave fala Para o domiacutenio efetivo da escrita essa hipoacutetese ao longo do processo precisa ser superada o que levaraacute progressivamente agrave desvinculaccedilatildeo entre escrita e fala

3 Metodologia

O percurso teoacuterico empreendido ateacute aqui foi relevante para orientar o professor na elaboraccedilatildeo da proposta de ensino adequada que deve ser feita quando se depararem com os fenocircmenos pois auxilia para uma melhor compreensatildeo de como as segmentaccedilotildees e as junturas acontecem Acreditamos que a adoccedilatildeo de uma mentalidade que vecirc natildeo apenas a segmentaccedilatildeo e a juntura mas

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tambeacutem outros problemas de escrita como ldquoerrosrdquo e anomalias sem sentido natildeo ajudaraacute a contornar a situaccedilatildeo e muito menos encontrar uma soluccedilatildeo eficaz

Por isso neste trabalho adotamos a metodologia da pesquisa-accedilatildeo procedimento de caraacuteter social e com fundamentaccedilatildeo teoacuterica que visa ao aprimoramento da praacutetica O projeto foi realizado na Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio onde foi feita uma pesquisa piloto com os alunos do 6ordm ano Y mas em virtude do iniacutecio do curso do mestrado no 2ordm semestre de 2013 uma nova coleta de dados foi realizada em 2014 pois recebemos novas turmas e a turma da pesquisa piloto foi para o 7ordm ano no turno matutino A coleta de dados foi feita por meio de produccedilotildees textuais realizadas pelos alunos a fim de detectar a ocorrecircncia dos fenocircmenos aqui estudados

4 Proposta de ensino desenvolvimento anaacutelise e resultados

Apoacutes o trabalho de coleta de dados foi possiacutevel ter um panorama das reais dificuldades de escrita dos alunos Detectamos nos 17 textos do corpus 12 tipos de problemas de escrita entre os quais a falta de pontuaccedilatildeo e o uso indevido de maiuacutesculas e minuacutesculas com a maior incidecircncia com 233 e 149 casos respectivamente Esses dois problemas de escrita satildeo muito recorrentes em textos de alunos e a falta de pontuaccedilatildeo incide diretamente na questatildeo do uso de maiuacutesculas e minuacutesculas pois quando natildeo haacute ponto final natildeo haacute tambeacutem iniacutecio de frase com letra maiuacutescula por isso o nuacutemero tatildeo alto entre os dois

A escrita foneacutetica ou seja escrever semelhante ao modo como se fala tambeacutem apresenta uma incidecircncia muito grande 99 casos E em alguns textos como os de VG8 e M11 a ocorrecircncia foi bem elevada No entanto destacamos que tais transcriccedilotildees natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios Na verdade tratam de hipoacuteteses criadas pelos

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alunos a fim de registrar a escrita ortograacutefica Eacute forte a influecircncia da oralidade na escrita pois eacute a partir dela que eles se orientam Segundo Cagliari (1999 p 126) ldquo[] pode-se tambeacutem elaborar hipoacuteteses aliaacutes mais provaacutevel de que diante desses fatos do sistema de escrita o aprendiz teve de fazer uma opccedilatildeo ndash que infelizmente natildeo correspondeu agrave forma ortograacutefica estabelecida []rdquo Embora o referido autor tratasse mais especificamente de alunos em processo de alfabetizaccedilatildeo acreditamos que essa influecircncia da oralidade na escrita permanece ao longo do Ensino Fundamental como comprovam os exemplos dos corpora

Em seguida na ordem decrescente de nuacutemero de ocorrecircncias para cada caso temos o nuacutemero indevido de letras sendo encontrados em 89 casos Ressaltamos que esse problema foi detectado nas 17 amostras Houve um elevado nuacutemero para o caso de omissatildeo de letras com 82 casos A troca de letras vem logo em seguida um registro de 69 casos A hipercorreccedilatildeo tambeacutem apresenta um nuacutemero significativo 46 ocorrecircncias Conforme Cagliari (2009 p 123-124) esse tipo de ldquoerrordquo se caracteriza quando o aluno jaacute tem noccedilatildeo da forma ortograacutefica de determinadas palavras e sabe tambeacutem que a pronuacutencia destas eacute diferente mas nem sempre tem certeza da escrita e pode escrever ateacute do jeito mais incomum do que do mais usual um exemplo muito recorrente nos textos eacute o final ldquolrdquo nos verbos em vez do ldquourdquo como em ldquovoltolrdquo uma vez que essas duas letras nessas posiccedilotildees representam o mesmo fone w

A falta de concordacircncia nominal e verbal embora seja uma dificuldade que alunos do Ensino Fundamental apresentam com frequecircncia natildeo foi tatildeo acentuada como nos casos anteriores tendo um registro de 41 ocorrecircncias Contudo mesmo que o nuacutemero de ocorrecircncias tenha sido mais baixo do que de outras categorias de ldquoerrosrdquo podemos afirmar que haacute influecircncia forte da oralidade pois eacute comum a natildeo concordacircncia de verbos e nomes na fala cotidiana e informal das pessoas E tal incidecircncia recai na escrita

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Os fenocircmenos que nos interessam a segmentaccedilatildeo e a juntura contam com 20 e 31 registros respectivamente Notamos que como jaacute foi destacado no referencial teoacuterico satildeo fenocircmenos que costumam fazer parte da alfabetizaccedilatildeo nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental I Portanto consideramos o nuacutemero de ocorrecircncias aqui encontrado bem elevado uma vez que os alunos da pesquisa se encontravam no 6ordm ano e tais dificuldades pelo menos em tese jaacute deveriam estar sanadas Por fim temos o acreacutescimo de letras como o caso de menor incidecircncia com 16 registros nas amostras

No que diz respeito ao desempenho geral dos alunos destacamos que nem todos apresentam problemas em todas as categorias e aferimos um percentual de 82 do total Notamos que 17 demonstraram o menor nuacutemero de ldquoerrosrdquo inclusive sem a ocorrecircncia de casos de segmentaccedilotildees e nem junturas o que revela que esses alunos tecircm um maior domiacutenio de normas ortograacuteficas do que os demais Os alunos que apresentaram ldquoerrosrdquo em todas as categorias foram AS1 MB14 e IF17 que representam 17 da amostra Ressaltamos tambeacutem que haacute ldquoerrosrdquo repetidos em todas as categorias mas para sermos fiel contabilizamos todas as vezes que eles ocorrem em cada texto

Percebemos por essa amostra que as dificuldades de escrita satildeo muitas e exigem um trabalho de pesquisa minucioso para uma intervenccedilatildeo eficaz Ponderamos que tais ldquoerrosrdquo precisam ser vistos como rico material de investigaccedilatildeo linguiacutestica pois a partir da caracterizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo detectados o professor pode elaborar alternativas de intervenccedilatildeo que podem auxiliar seu trabalho com o ensino da modalidade escrita Como atesta Cagliari (1999 p 77) ldquoanaacutelises das incongruecircncias podem ajudar o professor a dosar e a programar as suas aulas e a alertar-se contra possiacuteveis confusotildees que os alunos possam cometerrdquo

Aleacutem das dificuldades especificadas na coleta percebemos nas amostras problemas de translineaccedilatildeo maacute estruturaccedilatildeo dos paraacutegrafos ausecircncia de tiacutetulo incoerecircncias e falta de coesatildeo

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natildeo atendimento agrave proposta de produccedilatildeo textual repeticcedilotildees desnecessaacuterias e falta de progressatildeo das ideias Como se vecirc o trabalho com produccedilatildeo escrita exige um amplo empenho do professor pois a atividade escrita requer dos alunos diversas habilidades as quais natildeo podem passar indiferentes ao olhar docente Natildeo atentamos a esses aspectos uma vez que nossa investigaccedilatildeo eacute outra mas natildeo poderiacuteamos deixar de apontaacute-los visto que satildeo imprescindiacuteveis como fatores de textualidade

No Quadro 1 a seguir estatildeo expostos os casos de junturas e segmentaccedilotildees encontrados e logo apoacutes a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo mostramos um exemplo de produccedilatildeo escrita de um dos alunos seguida da transcriccedilatildeo Esclarecemos que o nuacutemero de ocorrecircncias das junturas e segmentaccedilotildees contabilizado no quadro natildeo leva em conta exemplos repetidos nos textos produzidos pelos alunos

Quadro 1 Exemplos de junturas e segmentaccedilotildees extraiacutedos dos textos dos alunos

COacuteDIGO DO ALUNO EXEMPLO DE JUNTURA EXEMPLO DE

SEGMENTACcedilAtildeOCF Encontrala -AS porutimo dinovo Em fimCG - Tem pestade a sinLG - em cantado com fiante a teNL agente (a gente) -

NOabrigar (a brigar) domenino

omenino ifoi abruxa ielis nomenino muitaraiva iseu

an dado cum do (quando) com mesou com fessar a i

is tavaVG denoite derepente -CE Comedo -M Derepete -

MB

ummenino novaso porquausa celtime (seu

time) evalo (e falou) aora (a hora)

Edu caccedilatildeo

CD Abruxa A cordou ir a (ia)

IFalmeacutedico pratanto televo

purisso medeita sofalando nomedico agarganta

a cordou a cordei em tatildeo en quanto de pois com migo

Fonte Barbosa (2015 p 7438)

38 Disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa Acesso em 14 abr 2020

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Exemplo 1 MB 14

Fonte Barbosa (2015 p 68)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 1

Era uma vez unmenino chamado Rafaelque estava trenamdo para jogar bolana escolar Ele ficolmuinto triste porquausaos ceuscolegeporque eles ficaram falando que elenatildeo ia jogar na Escola mais elefico trenando muito ele chutoa bola e garrou novazo de plantae sua matildee bateu e poz de carti-go na Escola teve e ducaccedilatildeofiscaele fico de procima e chego a suavez e os colegas fiu ele jogando bolaevaloque ele vaijoga no canpionatoe chego aora ele marca um gole celtimeganhol e seus quolegafico muito feliz e saiu do cartigo

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Os casos de segmentaccedilotildees e de junturas apresentados no Exemplo 1 satildeo diversificados vatildeo desde exemplos jaacute previsiacuteveis para noacutes educadores como ldquoderrepenterdquo ou ldquoem fimrdquo cujas ocorrecircncias satildeo bem comuns a casos como ldquoe ducaccedilatildeordquo e ldquoalmeacutedicordquo que satildeo menos usuais Haacute alunos que apresentaram mais dificuldades do que outros com registros tanto de juntura como de segmentaccedilatildeo eacute o caso de NL NO MB CD e IF Jaacute os demais apresentaram poucas ocorrecircncias ora em uma ora em outra categoria

Houve maior ocorrecircncia de junturas (31 casos) do que de segmentaccedilotildees (20) Notamos que entre as segmentaccedilotildees haacute vaacuterios casos que podem ser explicados pela analogia com formas dependentes como em ldquode poisrdquo ldquoen quantordquo ldquocom migordquo ldquoa cordourdquo que se associam agraves preposiccedilotildees ldquoderdquo ldquoemrdquo ldquocomrdquo e ldquoardquo respectivamente as quais aparecem acompanhando outros vocaacutebulos mas natildeo unidas a eles39 Poreacutem o mais importante eacute que das 17 amostras 12 apresentam junturas eou segmentaccedilotildees ou seja mais da metade dos textos Esse percentual aponta a relevacircncia desta pesquisa e comprova como um problema das seacuteries iniciais de alfabetizaccedilatildeo persiste nos textos dos alunos do 6ordm ano revelando uma alfabetizaccedilatildeo natildeo consolidada No entanto verifica-se que as relaccedilotildees entre o falado e o escrito natildeo satildeo de faacutecil apreensatildeo mesmo porque conforme atesta Fayol (2014) eacute relativamente recente a escrita com espaccedilamento pois no passado havia uma escrita contiacutenua sem demarcaccedilatildeo de espaccedilo entre as palavras Cabe portanto ao professor ter um olhar menos preconceituoso e mais compreensivo quando o aluno comete esses ldquoerrosrdquo Evidentemente que se eles persistem nas seacuteries finais do Ensino Fundamental justifica-se a elaboraccedilatildeo de uma proposta de ensino que venha sanar essas dificuldades Como atesta Cagliari (1999 p 94)

39 Segundo Cacircmara Jr (1997 p 70) formas dependentes em Liacutengua Portuguesa satildeo as partiacuteculas procliacuteticas aacutetonas como o artigo as preposiccedilotildees a partiacutecula ldquoquerdquo entre outras Satildeo ainda as variaccedilotildees pronominais aacutetonas junto ao verbo

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[] o professor pode saber como andam seus alunos quais as dificuldades maiores que estatildeo enfrentando o que acertam ou erram com menos frequecircncia e desse modo pode programar melhor suas aulas dando explicaccedilotildees e exerciacutecios especiacuteficos sobre questotildees particulares de ortografia

Por meio da coleta de dados foi possiacutevel elaborar as atividades de intervenccedilatildeo com foco nas dificuldades pontuais dos alunos A anaacutelise de todos os moacutedulos aplicados revelou pontos importantes o trabalho de aprimoramento da escrita e ensino da forma ortograacutefica requer planejamento pelo professor atendimento individualizado aos alunos e envolvimento de toda a turma e de alguns membrosfuncionaacuterios da escola ou seja da comunidade escolar Eacute um trabalho em equipe

41 Siacutentese da proposta de ensino

Para a proposta de ensino de natureza interventiva foram elaborados sete moacutedulos que permearam todo o trajeto teoacuterico aqui abordado objetivando por meio deles solucionaramenizar os problemas das junturas e das segmentaccedilotildees A seguir no Quadro 2 sintetizamos os moacutedulos realizados com seus respectivos objetivos

Quadro 2 Siacutentese da proposta de ensino

MOacuteDULO OBJETIVOS

1) Tabela de Coacutedigos de Correccedilatildeo Textual

Propiciar aos alunos por meio de uma tabela com siacutembolos uma base de problemas de escrita presentes nas suas produccedilotildees para a partir disso realizar a refacccedilatildeo dos seus textos

2) Correccedilatildeo de texto com vaacuterios problemas de escrita

Fazer com que os alunos detectassem num texto propositalmente carregado de problemas de escrita quais desvios aparecem nele a fim de ampliar a capacidade de autocorreccedilatildeo

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3) Ditado de texto Aferir a interferecircncia da oralidade na escrita isto eacute se o modo como escutam afeta a forma de escrever as palavras

4) Para natildeo tropeccedilar na escrita

Eliminar duacutevidas quanto ao toacutepico especiacutefico do uso de pronomes ligados a verbos

5) Aponte suas duacutevidas

Levar os alunos a refletirem sobre as palavras que oferecem maiores duacutevidas quanto agrave escrita individualizando cada caso para sanar o maior nuacutemero de dificuldades

6) Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilhete

Interpretar e produzir o gecircnero textual trabalhado para aprimoramento da escrita e eliminaccedilatildeo do fenocircmeno estudado

7) Junturas e Segmentaccedilotildees em praccedilas puacuteblicas

Pesquisar ocorrecircncias do fenocircmeno em outras esferas sociais natildeo apenas no meio escolar e utilizar o aparato tecnoloacutegico para isso

Fonte Barbosa (2015)

A atividade do ldquoMoacutedulo 6 ndash Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilheterdquo foi bastante significativa pois nela foi possiacutevel constatar na praacutetica como os alunos foram desenvolvendo sua capacidade de escrita e a importacircncia da refacccedilatildeo dos textos para seu aprimoramento O Exemplo 2 da primeira versatildeo do bilhete da aluna AS transcrito a seguir exemplifica como o cuidado com a escrita requer anaacutelise correccedilatildeo e aperfeiccediloamento por parte dos alunos

Exemplo 2 AS

Fonte Barbosa (2015 p 142)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 2 ndash AS

Anagrey Hoje vocecirc estaacute muito bonitav - como sempre

Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha com migo

Embora poucos problemas tenham sido identificados no bilhete 2 ndash AS mostrado anteriormente o caso da segmentaccedilatildeo ldquocom migordquordquocomigordquo chama a atenccedilatildeo pois comprova a ocorrecircncia do aspecto em anos finais do Ensino Fundamental II e que a influecircncia da oralidade sobre a escrita eacute determinante para sua incidecircncia Outra possibilidade de explicaccedilatildeo eacute a de que a analogia com a preposiccedilatildeo ldquocomrdquo que aparece separada em vaacuterios contextos tenha influenciado a escrita de AS Na refacccedilatildeo do texto Exemplo 3 a seguir aleacutem de ter corrigido o problema a aluna acrescentou uma pequena mensagem ao bilhete ampliando seu texto

Exemplo 3 AS

Fonte Barbosa (2015 p 143)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 3

Anagrey

Hoje vocecirc estaacute muito bonita como sempre Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha comigo

A extrema dificuldade da vida eacute sorrir quando mais se tem vontadede chorar

Diante do exposto observa-se que trabalhar as dificuldades da escrita dos alunos apenas por meio de exerciacutecios de preencher lacunas com ldquosrdquo ou ldquozrdquo ldquoxrdquo ou ldquochrdquo natildeo favorece o acesso agrave norma-padratildeo da liacutengua nem promove a melhoria de sua escrita portanto natildeo resolve o problema Notamos que agrave medida que os moacutedulos eram desenvolvidos os alunos melhoravam significativamente suas produccedilotildees e percebiam a importacircncia de revisar o texto para conseguirem escrever melhor Foi um trabalho dispendioso que exigiu estudo tempo e paciecircncia mas os resultados foram satisfatoacuterios Prova disso satildeo os bilhetes por eles produzidos nos quais foi mantida a liberdade de expressatildeo dos alunos mas com a orientaccedilatildeo e a revisatildeo adequadas da escrita Isso foi possiacutevel porque conhecemos os alunos o contexto em que vivem e aliamos a teoria agrave praacutetica por meio da metodologia da pesquisa-accedilatildeo buscando natildeo somente os aspectos teoacutericos mas tambeacutem a incidecircncia desse conhecimento nas praacuteticas em sala de aula

Registramos no bilhete de CE Exemplo 4 a falta ou inadequaccedilatildeo do uso do acento graacutefico a troca de letras e a ausecircncia de ponto final O aluno aproveitou o texto para manifestar entendimento da mateacuteria aleacutem de ressaltar que estaacute com bom comportamento na aula Na revisatildeo do texto ele corrigiu os problemas detectados e

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acrescentou mais uma frase para finalizar o bilhete (Ateacute a proacutexima aula) como vemos logo adiante

Exemplo 4 CE

Fonte Barbosa (2015 p 146)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 4

Para AnaGrey

Eu estou comeccedilando a entender sua mateacuteria eacute muito boa e eu natildeo estou atentando na sua aula

Ateacute a proacutexima aula

Constatamos ao final dos moacutedulos que grande parte desses alunos aumentou sua capacidade de interpretar e produzir textos percebendo que a escrita demanda certos cuidados e que com dedicaccedilatildeo e compromisso conseguimos avanccedilos nas produccedilotildees escritas dos alunos Dos 24 alunos da amostra aqui utilizada 22 foram promovidos para o 7ordm ano apenas um foi reprovado e um evadiu da escola antes do teacutermino do ano letivo

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Certificamos que o estudo acerca da aquisiccedilatildeo da escrita bem como do seu sistema repleto de peculiaridades da foneacutetica e da fonologia foram fatores determinantes para toda a elaboraccedilatildeo deste trabalho e para a anaacutelise de cada ldquoerrordquo O conhecimento teoacuterico nos deu uma nova visatildeo para os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos pois foi a partir dele que estruturamos nossa pesquisa Conforme Cagliari (1999 p 133)

Eacute nesse momento que o bom professor com bom preparo teacutecnico torna-se um pesquisador Analisa o que o aluno faz e o que deixa de fazer o que jaacute sabe e o que ainda falta saber e vai buscar nos conhecimentos teacutecnicos que tem a respeito da linguagem oral e escrita dos sistemas de escrita etc as informaccedilotildees necessaacuterias uacuteteis e adequadas para passar ao aluno para que este decirc um passo agrave frente supere uma barreira a mais e aos poucos vaacute construindo aquela bagagem de conhecimentos de que necessita para se alfabetizar

Diante disso fica claro que os professores de Portuguecircs e os de Alfabetizaccedilatildeo precisam estar munidos de informaccedilotildees consistentes e atualizadas para saber contornar com autoridade e eficiecircncia os desafios que surgem na praacutetica pedagoacutegica Isso elucida nossa primeira hipoacutetese para este estudo a desconfianccedila de que tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura intervocabular

Conscientizamo-nos de que um dos objetivos da anaacutelise de ldquoerrosrdquo relacionados agrave aquisiccedilatildeo da escrita e leitura nas escolas do Ensino Fundamental natildeo exige apenas verificar como e por qual motivo os alunos os cometem mas tambeacutem como noacutes professores necessitamos estudar atualizar frequentemente as teorias de certas aacutereas como a Foneacutetica e Fonologia Esses satildeo conhecimentos que fazem parte do arcabouccedilo de disciplinas da graduaccedilatildeo e satildeo

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relacionados muitas vezes agrave praacutetica da pesquisa cientiacutefica na aacuterea de Linguiacutestica natildeo sendo aliados agrave praacutetica dos licenciados ou seja ao ambiente de trabalho dos professores ao ensino e agrave escola

Reiteramos tambeacutem que a pesquisa forneceu um olhar diversificado para os fenocircmenos de segmentaccedilatildeo e juntura antes vistos como meros ldquoerrosrdquo mas apoacutes a investigaccedilatildeo apurada vimos em cada caso a reflexatildeo a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e analogias que indicam que o aluno natildeo comete ldquoerrosrdquo ao acaso Ao contraacuterio tais ldquoerrosrdquo satildeo reveladores e comprovam que os alunos analisam sua escrita

5 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa oportunizou-nos a oportunidade de conhecer e estudar as peculiaridades dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura bem como outros aspectos atrelados agrave escrita e sua aquisiccedilatildeo agrave Foneacutetica e Fonologia ao ensino e agrave aprendizagem agrave forma como os alunos lidam com a escrita para a partir disso analisar e discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Neste trabalho todos os ldquoerrosrdquo detectados foram produtivos uma vez que foi a partir deles que delineamos nossa fundamentaccedilatildeo teoacuterica e a metodologia e encontramos as explicaccedilotildees para a ocorrecircncia dos fenocircmenos estudados

Constatamos que as duas hipoacuteteses traccediladas no iniacutecio deste estudo foram ratificadas ao longo da pesquisa A primeira que diz respeito ao desconhecimento de aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos da liacutengua tanto por parte do professor alfabetizador quanto do de Liacutengua Portuguesa foi confirmada porque percebemos a necessidade desse conhecimento para entendermos os caminhos que os alunos percorrem quando escrevem Apreendemos os fatores que influenciam a ocorrecircncia dos fenocircmenos e concluiacutemos que o aluno natildeo escreve aleatoriamente pois quando segmenta ou junta palavras o faz com o intuito de acertar com o propoacutesito de chegar agrave forma ortograacutefica Essa consciecircncia da importacircncia

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da pesquisa constante foi crucial para o crescimento desta pesquisadora na condiccedilatildeo de docente

A partir da investigaccedilatildeo teoacuterica foi possiacutevel lanccedilar um novo olhar sobre as dificuldades dos alunos e com base nessa orientaccedilatildeo pautada em estudos consistentes repensar e remodelar a praacutetica da sala de aula visando a um ensino e a uma aprendizagem mais consistentes e eficazes a fim de desconstruir preconceitos em relaccedilatildeo ao ldquoerrordquo linguiacutestico que longe de ser um problema indesejado tornou-se para noacutes objeto de pesquisa e ponto de partida para estudos criteriosos E isso foi alcanccedilado por meio das leituras e anotaccedilotildees bem como da observaccedilatildeo atenta dos textos dos alunos o que nos permitiu a elaboraccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo para o problema investigado como tambeacutem de outros

A segunda hipoacutetese que diz respeito agrave influecircncia da oralidade na escrita foi crucial para entendermos as escritas segmentadas ou juntadas por se pautarem na fala e suas pausas e natildeo pausas Por outro lado percebemos que os alunos tambeacutem estabelecem analogias com formas ortograacuteficas conhecidas que se refletem nas segmentaccedilotildees e nas junturas Se existe a expressatildeo ldquocom vocecircrdquo logo o aluno associa que pode haver tambeacutem um ldquocom migordquo se haacute o vocaacutebulo ldquodevagarrdquo pode haver tambeacutem o ldquodenovordquo Isso prova que o aluno natildeo constroacutei essas escritas a partir do nada ou seja ele se apoia em elementos jaacute existentes e conhecidos sendo a forma como ouve os vocaacutebulos um fator importante na sua escrita juntural ou segmentada uma vez que na fala natildeo haacute pausas marcadas pelo espaccedilo em branco como ocorre na escrita Na verdade fala-se de um jeito e escreve-se de outro pois a escrita se pauta na ortografia e natildeo eacute uma transcriccedilatildeo foneacutetica conforme Cagliari (1998)

Os objetivos traccedilados no iniacutecio deste trabalho foram alcanccedilados pois conseguimos relacionar um problema da praacutetica agraves teorias linguiacutesticas do campo da Foneacutetica e da Fonologia as quais foram suporte imprescindiacutevel para a investigaccedilatildeo do assunto e elucidaram as causas para os fenocircmenos

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Sabemos que o professor de Liacutengua Portuguesa se depara com muitos obstaacuteculos e que eacute extenso o conjunto de habilidades para com a linguagem a ser apresentado aos alunos mas eacute preciso estabelecer prioridades Escrever conforme a norma-padratildeo sem produzir situaccedilotildees preconceituosas que gerem constrangimento eacute uma forma de proporcionar autonomia linguiacutestica aos alunos uma vez que eacute atraveacutes dessa norma que geralmente eles podem alcanccedilar melhores condiccedilotildees de ascensatildeo social em nosso paiacutes

Estamos conscientes de que esta eacute apenas uma investigaccedilatildeo inicial pois novas contribuiccedilotildees podem surgir a partir dessas anaacutelises e elas seratildeo muito necessaacuterias em todo o acircmbito da linguagem Poreacutem se essas anaacutelises e as reflexotildees teoacutericas aqui feitas vierem pelo menos a instigar um ponto de partida sobre a soluccedilatildeo desses problemas principalmente no sentido de auxiliar os docentes de Liacutengua Portuguesa e as pessoas que trabalham com a liacutengua em geral jaacute teratildeo cumprido honestamente o seu papel

Referecircncias

ABAURRE M B M CAGLIARI L C Textos espontacircneos na primeira seacuterie evidecircncia da utilizaccedilatildeo pela crianccedila de sua percepccedilatildeo foneacutetica para representar e segmentar a escrita v 14 Cadernos Cedes Satildeo Paulo Cortez 1985

BARBOSA A A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita dos alunos do ensino fundamental eacute possiacutevel intervir 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

BAGNO M Nada na liacutengua eacute por acaso por uma pedagogia da variaccedilatildeo linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2007

BORTONI-RICARDO S M Noacutes cheguemu na escola e agora Sociolinguiacutestica e educaccedilatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

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CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2009

CAGLIARI L C Alfabetizando sem o baacute-beacute-bi-boacute-bu Satildeo Paulo Scipione 1998

CAGLIARI L C MASSINI-CAGLIARI G Diante das letras a escrita na alfabetizaccedilatildeo Campinas Mercado das Letras 1999

CEGALLA D P Noviacutessima gramaacutetica da liacutengua portuguesa 45 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2002

CAcircMARA JR J M Estrutura da liacutengua portuguesa 26 ed Petroacutepolis Vozes 1997

CUNHA C CINTRA L Nova gramaacutetica do portuguecircs contemporacircneo 3 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

FARACO C A Linguagem escrita e alfabetizaccedilatildeo Satildeo Paulo Contexto 2012

FARACO C A Norma culta brasileira desatando alguns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

FARACO C E MOURA F Gramaacutetica 19 ed 6 reimp Satildeo Paulo Aacutetica 2003

FARACO C A TEZZA C Praacutetica de texto para estudantes universitaacuterios 8 ed Petroacutepolis Vozes 2001

FAYOL M Aquisiccedilatildeo da escrita Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2014

KATO M A O aprendizado da leitura 5 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

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KOCH I V ELIAS V M Ler e escrever estrateacutegias de produccedilatildeo textual 2 ed 2014

LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador 13 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1998

MARCUSCHI L A Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo 10 ed Satildeo Paulo Cortez 2010

SOARES M B Letramento um tema em trecircs gecircneros 2 ed Belo Horizonte Autecircntica 2001

SOARES M I B AROEIRA M L PORTO A Alfabetizaccedilatildeo linguiacutestica da teoria agrave praacutetica Belo Horizonte Dimensatildeo 2010

Escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa Filho

Gilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

O processo de ensino e aprendizagem do Portuguecircs pressupotildee mostrar como a liacutengua funciona suas propriedades nas modalidades oral e escrita treinando usos e considerando o comportamento dos falantes em diferentes situaccedilotildees do cotidiano (CAGLIARI 2010)

Por isso eacute importante inserir o estudante em situaccedilotildees efetivas de uso da linguagem por meio da leitura e da escrita de diferentes textos dos mais variados gecircneros textuais e nos diversos contextos sociais O foco eacute pois o desenvolvimento das habilidades comunicativas dos estudantes

Nessa linha de raciociacutenio um dos toacutepicos de ensino eacute a ortografia cujo estudo eacute essencial por ela ser mecanismo facilitador da comunicaccedilatildeo por meio da escrita (MORAIS 2010) Esse estudo requer dentre outros aspectos discutir as relaccedilotildees entre grafemas e fonemas40 apropriar-se de princiacutepios e regras que norteiam essas relaccedilotildees propor atividades de escrita que operem com a liacutengua em funcionamento analisar o modo como os alunos registram as palavras e detectar e analisar os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos que eles cometem ao escrever

Especificamente acerca dos ldquoerrosrdquo cabe entender sua natureza adotando um posicionamento que os perceba sob a perspectiva da tentativa de acerto (BAGNO 2012 2013) Ao escrever o estudante faz uso de seus conhecimentos preacutevios sobre o sistema de escrita ao mesmo tempo em que a variedade da liacutengua que fala pode influenciar seu modo de escrever Por isso o professor precisa conhecer bem o sistema de escrita os tipos de relaccedilatildeo entre sons e letras para a partir disso compreender as hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para entatildeo delinear estrateacutegias capazes de contribuir para o desenvolvimento de suas habilidades comunicativas

40 Neste capiacutetulo ldquofonemardquo e ldquosomrdquo satildeo considerados sinocircnimos

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Com base nesses pressupostos procurou-se neste trabalho fazer uma releitura das discussotildees de Costa Filho (2015)41 com o objetivo de enfatizar que eacute fundamental inserir os alunos em praacuteticas efetivas de escrita conferindo-lhes liberdade para escrever e nesse processo verificar suas dificuldades no registro das palavras

2 A escrita alfabeacutetica e o processo de ensino e aprendizagem

O sistema de escrita do Portuguecircs Brasileiro (PB) eacute essencialmente alfabeacutetico e sua base eacute a letra embora sejam utilizados tambeacutem na escrita sinais de pontuaccedilatildeo e nuacutemeros (CAGLIARI 2010) Nesse sistema a grafia das palavras natildeo eacute a transcriccedilatildeo da fala (FERRAREZI JR 2007) Por essa razatildeo eacute importante no ensino mostrar ao aluno as relaccedilotildees entre fala e escrita e enfatizar que o modo como eacute registrada a grande maioria das palavras natildeo pode ser alterado Nesse sentido afirma Cagliari (2010 p 27)

A escola naturalmente deve fazer os alunos verem que eles falam natildeo de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias segundo os dialetos de cada um e que se todos escrevessem as palavras como as falam usando das possibilidades do sistema de escrita como quisessem haveria uma confusatildeo muito grande quanto agrave forma de grafar as palavras e isso dificultaria em muito a leitura entre os falantes de tantos dialetos

Daiacute a importacircncia da ortografia oficial para possibilitar a leitura e a comunicaccedilatildeo entre os falantes de diferentes variedades linguiacutesticas que podem fazer os mais variados usos da liacutengua escrita orientando-se por regras de ortografia e natildeo de combinaccedilatildeo e uso da escrita seja para argumentar solicitar reivindicar elogiar ou fazer rir por exemplo

41 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3i2MOHZ

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Aleacutem disso haacute que se deixar claro que natildeo se pode nem se deve escrever como se fala e que natildeo eacute preciso falar como se escreve (BAGNO 2012) uma vez que em alguns casos as letras satildeo grafadas seguindo as normas da ortografia oficial mas natildeo satildeo pronunciadas (como em ldquohomemrdquo ldquohorardquo ldquohonrardquo) ou elas podem apresentar outra realizaccedilatildeo sonora um fonema diferente da letra grafada (como em ldquoanimalrdquo ldquotalrdquo ldquodocerdquo) Essas ocorrecircncias demonstram a importacircncia de os estudantes compreenderem as relaccedilotildees que podem ser estabelecidas entre letrasgrafemas e sonsfonemas base de um sistema escrito alfabeacutetico como o do PB abordando para tanto a liacutengua em seu efetivo funcionamento

Um primeiro aspecto a se considerar no processo de ensino e aprendizagem da escrita eacute segundo Cagliari (2010) levar o aluno a conhecer as regras que regem o uso das letras que podem variar conforme a situaccedilatildeo de emprego pois haacute em relaccedilatildeo agrave sua forma normas diferentes para se usarem letras maiuacutesculas e minuacutesculas ou ainda para grafar a escrita no modo cursivo ou no registro de formapalitobastatildeoimprensa Aleacutem disso o estudante precisa perceber o uso alfabeacutetico das letras ou seja cada letra representa um som responsaacutevel pela distinccedilatildeo das palavras como por exemplo em ldquofalardquo ldquomalardquo ldquosalardquo e ldquobalardquo em que as letras ldquofrdquo ldquomrdquo ldquosrdquo e ldquobrdquo representam respectivamente os sons [f] [m] [s] e [b] que distinguem os vocaacutebulos

O autor aponta tambeacutem que eacute importante o aprendiz compreender que os sons conforme o contexto podem ter valor linguiacutestico isto eacute funccedilatildeo ou atribuiccedilatildeo que um fonema tem no sistema linguiacutestico para distingui-lo ou natildeo de outro Eacute o caso por exemplo de [p] e [b] se eacute efetuado o teste de comutaccedilatildeo ou seja de troca de um som pelo outro (ldquopatobatordquo) o resultado seraacute obviamente uma nova palavra com outro significado

Um terceiro fator a ser considerado se refere mais especificamente agraves relaccedilotildees entre sons e letras que podem ser variadas a) duas letras podem representar um uacutenico som como

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ldquogurdquo em ldquoguerrardquo b) uma letra pode ser usada no registro de um vocaacutebulo mas natildeo representa nenhum som caso do ldquohrdquo em ldquohojerdquo c) uma mesma letra pode representar mais de um som como ldquoxrdquo em ldquoproacuteximordquo ldquoexamerdquo e ldquotaacutexirdquo d) um mesmo som pode ser representando por mais de uma letra como [s] em ldquocedordquo ldquosapordquo e ldquopasseiordquo

Sobre essas relaccedilotildees Lemle (1997) explica que uma letra pode representar um uacutenico fonema ou conforme a posiccedilatildeo uma letra pode se referir a uma unidade sonora e um som eacute representado por uma determinada letra ou ainda mais de uma letra pode representar o mesmo fonema na mesma posiccedilatildeo No primeiro caso podemos citar a letra ldquotrdquo para o fonema [t] como em ldquotudordquo Na segunda situaccedilatildeo uma letra pode representar um determinado som conforme a posiccedilatildeo que ela ocupa como por exemplo a letra ldquosrdquo que representa o fonema [s] em comeccedilo de palavra (ldquosalardquo) ou [z] quando intervocaacutelica (ldquocasardquo) ou por outro lado um mesmo som ser registrado com letras diferentes tambeacutem de acordo com a posiccedilatildeo caso do fonema [k] que pode ser representando pela letra ldquocrdquo diante de ldquoardquo ldquoordquo ou ldquourdquo como em ldquocasardquo ldquococcedilardquo ou ldquocucardquo ou por ldquoqrdquo diante de ldquoerdquo e ldquoirdquo como em ldquoesquinardquo ldquoporquerdquo O terceiro tipo de relaccedilatildeo eacute quando haacute concorrecircncia entre letras para representar o mesmo som no mesmo contexto como o registro do fonema [z] entre vogais em palavras como ldquomesardquo ldquocertezardquo e ldquoexemplordquo

Segundo a pesquisadora essa natureza das relaccedilotildees entre letras e sons se processa por meio de uma gradaccedilatildeo no primeiro tipo a relaccedilatildeo eacute perfeita pois cada letra representa um soacute som e o mesmo som eacute representado por uma soacute letra ao passo que no segundo caso a motivaccedilatildeo foneacutetica da relaccedilatildeo eacute estabelecida conforme a posiccedilatildeo do som ou da letra e no terceiro essa motivaccedilatildeo da seleccedilatildeo da letra jaacute se perde porque mais de uma letra pode representar um mesmo som no mesmo contexto

Consequentemente no processo de ensino e aprendizagem essa gradaccedilatildeo para a autora natildeo pode ser desconsiderada pois indica igualmente os niacuteveis de facilidade com que a aprendizagem

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das letras pode ocorrer Assim no ensino o aconselhaacutevel seria comeccedilar por aquilo que eacute mais regular para em seguida mergulhar nas irregularidades do sistema ou nas relaccedilotildees mais complexas

Nesse sentido Morais (2010) discute que haacute regularidades diretas contextuais e morfoloacutegico-gramaticais Nas regulares diretas uma letra natildeo compete com outra para representar um som caso de ldquofrdquo ldquovrdquo ldquoprdquo ldquobrdquo ldquotrdquo e ldquodrdquo como o ldquofrdquo para [f] em ldquofivelardquo Nas regulares contextuais o registro de uma letra ou outra vai depender do contexto da palavra como o som do ldquor forterdquo [h]42 com um ldquorrdquo soacute em iniacutecio de palavra como em ldquoratordquo ou ldquorrrdquo em posiccedilatildeo intervocaacutelica como em ldquocarrordquo enquanto se for o ldquor brandordquo [ɾ] soacute seraacute usada uma letra como em ldquocaretardquo As regulares morfoloacutegico-gramaticais se referem agrave relaccedilatildeo entre letras e sons que se orientam pela categoria gramatical das palavras como por exemplo registrar ldquoesardquo para adjetivos paacutetrios (ldquoportuguesardquo ldquofrancesardquo ldquonorueguesardquo)

Em relaccedilatildeo agraves irregularidades Morais (2010) cita como exemplo o caso do som do ldquosrdquo em palavras como ldquosegurordquo ldquocidaderdquo ldquoauxiacuteliordquo ldquocassinordquo ldquopiscinardquo ldquocresccedilardquo ldquogizrdquo ldquoforccedilardquo e ldquoexcetordquo situaccedilotildees para as quais natildeo haacute uma regra que oriente o uso de uma letra ou de outra

Aleacutem dessas relaccedilotildees entre sons e letras cabe ao professor conhecer os criteacuterios que conforme Bagno (2013) podem estar envolvidos na definiccedilatildeo do registro de uma palavra como a) foneacutetico caso por exemplo de uma letra sempre representar um mesmo som e vice-versa como as letras ldquobrdquo e ldquoprdquo e respectivamente os fonemas [b] e [p] b) fonecircmico situaccedilatildeo da letra ldquolrdquo constituir uma abstraccedilatildeo pois a realizaccedilatildeo do fonema conforme sua posiccedilatildeo no vocaacutebulo e a origem do usuaacuterio da liacutengua pode se realizar como [l] [ɫ] [ɹ] ou [ʊ] (ldquolatardquo ldquoleiterdquo ldquotalrdquo ldquoanimalrdquo) c) morfofonecircmico como por exemplo o morfema marcador de plural ldquo-srdquo ser pronunciado [s] em ldquomeus catildeesrdquo mas jaacute ser falado como [z] em ldquomeus gatosrdquo

42 Representaccedilatildeo baseada em Silva (2017) para o dialeto de Belo Horizonte

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d) etimoloacutegico como registrar ldquomaurdquo e ldquomalrdquo por terem origem respectivamente de ldquomalurdquo e ldquomalerdquo e) anacroniacutestico como ainda registrar ldquochrdquo para vocaacutebulos que tinham a consoante [ʧ] ateacute o seacuteculo XV e que atualmente poderiam ser registradas com ldquoxrdquo f) sociolinguiacutestico pois devido ao fato de que a grafia oficializada se baseia em alguma variedade da liacutengua alguns registros na escrita corrente natildeo existem como o ldquor caipirardquo [ɹ]

Por isso a aparente neutralidade que a ortografia faz pressupor ao sugerir uma forma exclusiva de se registrarem as palavras acaba conforme Bagno (2012 2013) constituindo um mito pois satildeo vaacuterios os criteacuterios que podem nortear a grafia de um termo Ao mesmo tempo uma anaacutelise mais detida das regras aponta em alguns casos para uma arbitrariedade na definiccedilatildeo do registro de determinados vocaacutebulos como o uso do acento agudo e do circunflexo em que o primeiro seria usado para representar vogal aberta e o segundo para indicar vogal fechada mas escrevemos ldquouacutenicordquo e natildeo ldquoucircnicordquo

Outra questatildeo levantada por Ferrarezi Jr (2007 p 41) eacute que ldquoo aluno natildeo deve ser massacrado pela responsabilidade de saber a ortografia de todas as palavras da liacutengua Ele deveria ser ensinado a recorrer sempre que necessaacuterio a uma obra de referecircnciardquo Eacute fundamental assim desenvolver o haacutebito de pesquisa de maneira que o aprendiz por exemplo consulte rotineiramente um bom dicionaacuterio

Os estudantes desse modo devem estar envolvidos de acordo com Cagliari (2010 p 105) em atividades de escrita em que tenham ldquoa liberdade para tentar questionar perguntar comparar corrigirrdquo cabendo ao professor orientar a produccedilatildeo textual (gecircnero tipo objetivo comunicativo organizaccedilatildeo das ideias) e os processos de revisatildeo do texto Para tanto o docente precisa conhecer as complexas relaccedilotildees entre letrasgrafemas e sonsfonemas e como funciona de fato o sistema de escrita do PB Dessa forma ele teraacute subsiacutedios para analisar os ldquoerrosrdquo de ortografia dos alunos foco da proacutexima seccedilatildeo

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3 ldquoErrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva do acerto

Assume-se neste capiacutetulo que os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever precisam ser reanalisados sob o prisma da ldquotentativa de acertordquo porquanto

[] seria pedagogicamente mais proveitoso substituir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo pela de tentativa de acerto Embora possa soar como simples eufemismo do tipo ldquopoliticamente corretordquo na verdade eacute possiacutevel obter um efeito significativo ao trocar um termo de conteuacutedo negativo (erro) por outro de conteuacutedo positivo (acerto) Afinal a liacutengua escrita eacute uma anaacutelise da liacutengua falada e essa anaacutelise seraacute feita pelo usuaacuterio da escrita no momento de grafar seu texto em sintonia com seu perfil sociolinguiacutestico (BAGNO 2012 p 353)

Esse direcionamento implica compreender os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem como na verdade tentativas de escrever ldquocertordquo sendo desvios que podem ser explicados significando que haacute loacutegica no ldquoerrordquo ortograacutefico cometido

Se natildeo se pode desprezar o valor que o ldquoerrordquo pode adquirir nas diferentes relaccedilotildees sociais (BAGNO 2012) eacute necessaacuterio por outro lado analisar no processo de ensino e aprendizagem da liacutengua escrita a natureza dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos nas produccedilotildees dos alunos e a partir disso desenvolver estrateacutegias adequadas de intervenccedilatildeo Conforme Bagno (2013) os ldquoerrosrdquo podem ser de dois tipos a) situaccedilotildees em que o aluno levanta hipoacuteteses sobre a relaccedilatildeo entre fala e escrita e registra uma palavra em comparaccedilatildeo a outra escrevendo de modo diferente da ortografia oficial b) influecircncia da variedade linguiacutestica falada pelo estudante na escrita O aprendiz portanto ao escrever eacute guiado por seus conhecimentos preacutevios sobre a liacutengua escrita e suas relaccedilotildees com a fala ao mesmo tempo em que a variedade linguiacutestica que ele usa no dia a dia influencia o modo como escreve

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Dessa forma na primeira categoria de ldquoerrosrdquo o falante grafa uma palavra de maneira diferente da oficial porque lanccedila hipoacuteteses ou faz analogias com base nas regras que sistematizou em relaccedilatildeo ao sistema de escrita como por exemplo escrever conforme Bagno (2013) ldquoMaurisiordquo dada a complexidade das relaccedilotildees entre o fonema [s] e suas representaccedilotildees graacuteficas usando nesse caso por analogia a letra ldquosrdquo habitualmente a mais utilizada para registrar tal som

O segundo tipo de ldquoerrosrdquo engloba aqueles que se referem agrave incidecircncia da variedade linguiacutestica do estudante em sua escrita Podem ser citados com base no autor o rotacismo (troca de ldquolrdquo por ldquorrdquo como em ldquobrocordquo) a paragoge (registro de ldquoerdquo ou ldquoirdquo em seguida a ldquolrdquo final de vocaacutebulo como em ldquosolerdquo ou ldquosolirdquo) e a deslateralizaccedilatildeo de [ʎ] (como em ldquotrabaiordquo para ldquotrabalhordquo)

Como se pode perceber muitos podem ser os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos dos alunos Consequentemente o professor em sala precisa entender a natureza desses ldquoerrosrdquo procurar explicaccedilotildees para isso e a partir deles desenvolver estrateacutegias de intervenccedilatildeo

A esse respeito Cagliari (2010) discute que na escrita espontacircnea os alunos desenvolvem um processo de reflexatildeo aplicando regras que satildeo possiacuteveis no sistema para registrar um vocaacutebulo mas natildeo outro Assim o aluno ldquoerrardquo porque ao refletir sobre o modo de escrever determinada palavra baseia-se em regras do sistema ortograacutefico que se aplicam a outros contextos Haacute portanto reflexatildeo e loacutegica em seus usos ainda que considerados ldquoerradosrdquo Ao professor cabe reconhecer essa loacutegica que envolve esses ldquoerrosrdquo

Nesse sentido o pesquisador enumera os tipos de ldquoerrosrdquo encontrados em produccedilotildees escritas de estudantes

a) transcriccedilatildeo foneacutetica em que o aluno na escrita transcreve a proacutepria fala como registrar na escrita duas vogais em vez de uma porque fala dessa forma caso de ldquorapaisrdquo para ldquorapazrdquo

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b) uso indevido de letras quando seleciona uma letra possiacutevel para registrar na escrita um som mas o sistema ortograacutefico indica outra como em ldquoxatardquo para ldquochatardquo c) hipercorreccedilatildeo que ocorre quando o aprendiz jaacute conhece a grafia de alguns vocaacutebulos percebe que o modo de pronunciaacute-los eacute diferente e passa a generalizar essa regra para outras palavras como escrever ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo porque assimilou que como geralmente todo ldquolrdquo final de siacutelaba eacute pronunciado [u] ele aplica essa regra em todos os contextos e por isso usa a letra ldquolrdquo e natildeo o ldquourdquo d) modificaccedilatildeo da estrutural segmental das palavras situaccedilatildeo em que o aprendiz realiza troca supressatildeo inversatildeo ou acreacutescimo de letras como escrever ldquobidardquo para ldquovidardquo ou ldquososatordquo para ldquosustordquo e) juntura intervocabular e segmentaccedilatildeo quando o estudante junta ou separa palavras como respectivamente em ldquojalicoteirdquo para ldquojaacute lhe conteirdquo e em ldquoa gorardquo para ldquoagorardquo f) forma morfoloacutegica diferente que acontece quando o falante por influecircncia de sua variedade linguiacutestica registra as palavras com caracteriacutesticas diferentes da ortografia oficial como escrever ldquopaciardquo para ldquopassearrdquo g) forma estranha de traccedilar as letras que indica no caso da escrita cursiva uma forma diferente com que o aluno faz o registro de determinado vocaacutebulo causando dificuldade no seu entendimento como escrever ldquosaberdquo para ldquosaberdquo parecendo ldquosaverdquo para o leitor h) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas quando o aluno grafa inadequadamente as palavras usando letras maiuacutesculas no lugar de minuacutesculas ou vice-versa como registrar o pronome ldquoEurdquo com letras maiuacutesculas em analogia ao uso em nomes proacutepriosi) acentos graacuteficos usando em contextos natildeo esperados ou

deixando de usar como ldquovoacuterdquo para ldquovourdquo e ldquovocerdquo para ldquovocecircrdquo

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j) sinais de pontuaccedilatildeo em que os alunos podem usar equivocadamente os sinais como em ldquoEraumavezrdquo ou ldquoEra-uma-vezrdquo talvez em decorrecircncia de conhecimentos assimilados de outras atividades k) problemas sintaacuteticos relativos por exemplo agrave concordacircncia ou agrave regecircncia indicando muitas vezes influecircncia da variedade linguiacutestica do falante em seu modo de escrever sendo por isso desvios em relaccedilatildeo agraves formas sugeridas pela normas em que se baseia a ortografia oficial como escrever ldquodois coeliordquo para ldquodois coelhosrdquo

Oliveira (2005) por sua vez aponta a necessidade de compreender os ldquoerrosrdquo na escrita dos alunos observando as relaccedilotildees com a fala pois segundo ele o conjunto de conhecimentos que o estudante tem sobre a fala acaba controlando a aprendizagem da escrita Costa Filho (2015 p 41-42) em anaacutelise do autor afirma que o estudante ldquoem suas primeiras produccedilotildees escritas se guia pelos sons da fala muito embora tambeacutem no processo de aprendizagem a escrita vaacute incorporando outros aspectos que o aprendiz poderaacute superar ao longo desse processordquo Daiacute a importacircncia de um entendimento das hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para escrever principalmente quando se trata de momentos espontacircneos de produccedilatildeo textual

Nessa direccedilatildeo Oliveira (2005) faz interessante discussatildeo sobre os possiacuteveis ldquoproblemasrdquo que podem ser verificados nas produccedilotildees escritas dos estudantes que Costa Filho (2015 p 42) assim sintetiza43

a) escrita preacute-alfabeacutetica como em ldquomviaembardquo para ldquominha vizinha eacute muito boardquo

b) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como a troca entre ldquoprdquo e ldquobrdquo

43 Os exemplos constantes na siacutentese de Costa Filho (2015) foram extraiacutedos de Oliveira (2005)

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c) escrita trocada com correspondecircncia trocada pela mudanccedila de sons como a troca entre sons sonoros e surdos

d) violaccedilatildeo das relaccedilotildees biuniacutevocas entre os sons e os grafemas como em escrita [muito difiacutecil de acontecer como afirma o autor] de ldquofavardquo para ldquomolardquo

e) violaccedilatildeo das regras invariantes que controlam a representaccedilatildeo de alguns sons ou seja os ldquocasos de escrita que se baseiam na pauta sonora e que ao mesmo tempo satildeo regidos por regrardquo como em ldquogerardquo para ldquoguerrardquo

f) violaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre os sons e os grafemas por interferecircncia das caracteriacutesticas estruturais do dialeto do aprendiz como por exemplo na produccedilatildeo especiacutefica de um falante de Belo Horizonte ser escrito ldquoo sou brilhardquo para ldquoo sol brilhardquo em decorrecircncia de no dialeto belo-horizontino o som [l] natildeo ocorrer em final de siacutelaba embora ocorra em outros dialetos

g) violaccedilatildeo de formas dicionarizadas em que o autor enquadra as grafias de natureza totalmente arbitraacuterias e nos afirma que somente a consulta a um dicionaacuterio ou a familiaridade com a palavra podem resolver a questatildeo da grafia Os casos relacionados a esse problema satildeo de dois tipos duas formas existem mas cada uma remete a conceito diferente como ldquocestardquo e ldquosextardquo uma forma existe embora a outra possa ser possiacutevel como em ldquogelordquo (ldquojelordquo)

h) violaccedilatildeo na escrita de sequecircncias de palavras que se referem aos ldquocasos em que a particcedilatildeo da fala natildeo corresponde agrave particcedilatildeo da escritardquo como em ldquoopaturdquo para ldquoo patordquo

i) outros casos categoria aberta que inclui por exemplo casos de hipercorreccedilatildeo ou casos acidentais

Acredita-se que a partir do entendimento desses ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever em sua tentativa de acerto o professor poderaacute compreender melhor as hipoacuteteses formuladas e os conhecimentos utilizados por eles o que colabora para o delineamento de estrateacutegias e praacuteticas pedagoacutegicas que possam contribuir para melhorar o registro escrito de suas produccedilotildees

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Nessa direccedilatildeo Costa Filho (2015) desenvolveu um estudo sobre os ldquoerrosrdquo cometidos por alunos em escrita espontacircnea cujos dados satildeo reanalisados na seccedilatildeo que se segue

4 ldquoErrosrdquo na escrita de alunos do Ensino Fundamental II

Costa Filho (2015) realizou seu estudo com 17 alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II em escola puacuteblica do municiacutepio de Salinas ndash MG A pesquisa objetivou detectar e discutir as hipoacuteteses que os alunos formulam quando usam a escrita verificando se a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem satildeo em decorrecircncia da interferecircncia da oralidade na escrita ou do natildeo conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico oficial

Para alcanccedilar esse propoacutesito foi necessaacuterio compreender a realidade cultural e social dos alunos e sua possiacutevel influecircncia no modo como usam a liacutengua observando especificamente se havia relaccedilatildeo entre a variedade falada pelo estudante e a maneira como escrevia Foi entatildeo aplicado inicialmente um questionaacuterio procedimento que permitiu obter dados sobre o contexto sociocultural dos estudantes e conhecer suas experiecircncias de letramento

As informaccedilotildees obtidas indicam que a minoria dos alunos tem acesso a computador com internet (10) televisatildeo (10) e raacutedio (10) o que levou agrave hipoacutetese de que o tipo de participaccedilatildeo dos estudantes em eventos de letramentos poderia interferir na utilizaccedilatildeo da variedade culta escrita da liacutengua por eles Isso significa que o pouco ou nenhum contato com outras variedades da liacutengua em especial a padratildeo na modalidade escrita faz com que o aprendiz em textos escritos formais reproduza a variedade que fala e cometa ldquoerrosrdquo ortograacuteficos Daiacute a importacircncia da escola e da pesquisa em delinear estrateacutegias para promover o acesso do aluno a outros usos da liacutengua Ao fazer isso acaba contribuindo para ampliar a competecircncia comunicativa do aluno e para que em decorrecircncia possa atuar e intervir efetivamente na sociedade

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Com o objetivo de confirmar essa hipoacutetese e de ampliar os dados sobre os eventos de letramentos dos quais participam foi perguntado aos 17 estudantes se tinham o haacutebito de visitar bibliotecas de ler jornais revistas em geral histoacuterias em quadrinhos e livros literaacuterios e de acessar a internet Os resultados indicaram que a maioria dos alunos visita bibliotecas (82) e natildeo lecirc jornal (94) revistas em geral (59) e histoacuterias em quadrinhos (47) e apontaram que poucos alunos leem livros literaacuterios e o fazem apenas uma vez ao ano (24) duas vezes por ano (41) ou natildeo leem livro de literatura algum (29) embora grande parte dos estudantes afirme que tenha acesso agrave internet (91) o que poderia possibilitar por exemplo acessar e-books e proceder agrave leitura desses livros Acresccedila-se a esses dados o fato de que a famiacutelia pouco lecirc (53) ou nunca lecirc (29) e que nunca escreve textos (47) e aqueles que fazem essa atividade redigem listas ou cartas apenas de vez em quando (47)

A partir das informaccedilotildees socioculturais obtidas do questionaacuterio Costa Filho (2015 p 27) concluiu que os participantes de sua pesquisa

[] satildeo provenientes de famiacutelias com baixo poder aquisitivo e com poucas oportunidades de participaccedilatildeo em eventos de letramentos o que restringe o acesso agrave variedade culta da liacutengua seja na modalidade oral seja sobretudo na escrita o que consequentemente nos permite relacionar esses eventos agrave presenccedila de marcas da oralidade na escrita culta e pode justificar desviosdeslizes na norma escrita que dificultam a aprendizagem e aumentam a responsabilidade da escola

Foi necessaacuterio assim compreender a natureza dos ldquoerrosrdquo que os alunos cometiam Para isso foram aplicadas trecircs atividades com os gecircneros textuais ldquobilheterdquo ldquocomentaacuteriordquo e ldquofaacutebulardquo com as seguintes instruccedilotildees

a) produccedilatildeo de um bilhete por meio do qual um aluno deveria convidar seu colega para passarem juntos um final de semana

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b) comentaacuterios sobre um filme exibido para os estudantes c) produccedilatildeo de uma faacutebula

Essas atividades foram selecionadas para ampliar a compreensatildeo da influecircncia da fala na escrita dos alunos permitindo levantar os ldquoerrosrdquo nas produccedilotildees e verificar as hipoacuteteses levantadas pelos alunos ao escreverem subsidiando assim uma accedilatildeo pedagoacutegica mais eficiente O foco com essas atividades foi justamente obter uma escrita espontacircnea sem a interferecircncia do professor ainda que esse momento tenha sido marcado por certa artificialidade uma vez que os textos escritos natildeo foram inseridos em uma situaccedilatildeo real de comunicaccedilatildeo

Por meio desses procedimentos os ldquoerrosrdquo detectados nas produccedilotildees escritas dos alunos foram classificados com base em Cagliari (2010) e Oliveira (2005) e divididos em dois grupos a) ldquoerrosrdquo que decorrem da influecircncia da fala (variedade do aluno) na escrita e b) ldquoerrosrdquo decorrentes da falta de conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema de escrita Os resultados obtidos estatildeo listados na Tabela 1

Tabela 1 Classificaccedilatildeo geral dos ldquoerrosrdquo

NATUREZA DO ldquoERROrdquo

NUacuteMERO DE OCORREcircNCIAS TOTAL

Influecircncia da fala (variedade do aluno) na

escrita319 48

665Falta de conhecimento

das convenccedilotildees do sistema de escrita

346 52

Fonte Costa Filho (2015 p 53)

Os dados da tabela permitem inferir que o iacutendice de ldquoerrosrdquo por influecircncia da fala na escrita padratildeo (48) quase se equipara ao dos desvios por falta de conhecimento das convenccedilotildees ortograacuteficas (52) Se somados esses dados agravequeles obtidos na aplicaccedilatildeo

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do questionaacuterio pode-se deduzir que eles satildeo indicativos da necessidade de promover eventos de letramento que contribuam para a ampliaccedilatildeo das praacuteticas de leitura e escrita em especial de usos mais monitorados da liacutengua por meio de um trabalho que aborde sistematicamente os tipos de ldquoerrosrdquo verificados nas produccedilotildees dos estudantes

Como exemplos de ldquoerrosrdquo decorrentes da influecircncia da variedade linguiacutestica que o aluno usa nos seus textos escritos podem ser citados

a) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante como em ldquoseus brinquedordquo para ldquoseus brinquedosrdquo (Informante 05) b) rotacismo como em ldquoarnosordquo para ldquoalmoccedilordquo (Informante 07) c) metaacutetese como em ldquopredardquo para ldquopedrardquo (Informante 10)d) deslateralizaccedilatildeo de λ como em ldquobieterdquo para ldquobilheterdquo (Informante 05) e) desnasalizaccedilatildeo de ɲ como em ldquomiardquo para ldquominhardquo (Informante 06) Em relaccedilatildeo aos desvios da ortografia oficial satildeo exemplos a) uso indevido de letras (escolha de uma letra possiacutevel quando a ortografia usa outra letra) como em ldquoprinsezinhardquo para ldquoprincesinhardquo (Informante 01)b) hipercorreccedilatildeo como em ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo (Informante 05) c) segmentaccedilatildeo (troca supressatildeo acreacutescimo ou inversatildeo de letras) como em ldquoirmansrdquo para ldquoirmatildesrdquo (Informante 07) d) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas como em ldquojoseacuterdquo para ldquoJoseacuterdquo (Informante 10)e) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como em ldquoanicardquo para ldquoamigardquo (Informante 05)

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Com base nesses ldquoerrosrdquo foi desenvolvida uma proposta de intervenccedilatildeo baseada na produccedilatildeo de ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo envolvendo assim os alunos em um contexto real de leitura escrita e circulaccedilatildeo do gecircnero textual No trabalho de produccedilatildeo e revisatildeo das cartas os alunos utilizaram a escrita em situaccedilatildeo efetiva de comunicaccedilatildeo o que possibilitou uma reflexatildeo linguiacutestica sobre as convenccedilotildees da escrita em sua relaccedilatildeo com a fala ateacute mesmo para atender agraves normas de publicaccedilatildeo da revista

Essa produccedilatildeo de cartas se fundamentou em um roteiro de atividades a partir da noccedilatildeo da sequecircncia didaacutetica que segundo Dolz Noverraz e Schneuwly (2004) se refere a atividades que satildeo planejadas sistematicamente a partir de um gecircnero seja ele oral ou escrito Com isso foram sistematizados seis moacutedulos de produccedilatildeo das cartas englobando a primeira versatildeo sua revisatildeo e a versatildeo final

Apoacutes a aplicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo Costa Filho (2015) verificou progressos dos estudantes nas produccedilotildees escritas seja na reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre a variedade falada por eles e sua escrita seja no reconhecimento da importacircncia de escreverem conforme as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico Os alunos dessa forma passaram a analisar o modo como escreviam refletindo sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita e percebendo a importacircncia de adequaccedilatildeo da linguagem ao contexto de uso

Podem ser citados como exemplos desses progressos os seguintes casos relacionados ao percurso de produccedilatildeo oral ou falada de carta gt produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo gt produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final

a) deslateralizaccedilatildeo de λ gt lateralizaccedilatildeo de λ ndash Informante A 1 ldquocompartilordquo para ldquocompartilhordquo (produccedilatildeo textual sobre as caracteriacutesticas do gecircnero ldquocarta do leitorrdquo)

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2 ldquofamiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquofamilhiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquofamiacuteliardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)b) monotongaccedilatildeo gt ditongaccedilatildeo ndash Informante B1 ldquoTexerardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)3 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)c) rotacismo gt l ndash Informante A1 ldquosortourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo) 3 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)d) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante gt marcaccedilatildeo de plural redundante ndash Informante D1 ldquoos bisouro coveiros alimanta-se de corpos em decomposiccedilatildeordquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoos bisouros lenhadores se ocupa em trabalhar nas aacutervorerdquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquoos coveiros se ocupa dos mortosrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquoos besouros que se alimenta dos corposrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)5 ldquoaprendi que os jardineiros se ocupam em levar uma semente de um lado para outrordquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

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6 ldquoos lenhadores trabalham no tronco das aacutervores ou melhor se alimentam delasrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

Pelos exemplos apresentados percebe-se a importacircncia da intervenccedilatildeo pedagoacutegica com atividades direcionadas para um trabalho que levou os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e sobre os desvios das convenccedilotildees da ortografia oficial

5 Consideraccedilotildees finais

Procurou-se neste trabalho rediscutir dados da pesquisa realizada por Costa Filho (2015) cujos objetivos foram investigar as hipoacuteteses formuladas pelos alunos quando usam a escrita padratildeo e detectar a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem ao escrever analisando as possiacuteveis interferecircncias da variedade falada pelo aluno ou o desconhecimento sobre as convenccedilotildees da ortografia oficial na sua escrita Participaram do estudo alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica no municiacutepio de Salinas ndash MG

Inicialmente foi importante o entendimento sobre a realidade sociocultural dos alunos por meio da aplicaccedilatildeo de um questionaacuterio Os resultados apontaram dentre outros aspectos que os alunos participavam de poucos eventos de letramento principalmente de praacuteticas de leitura e escrita de gecircneros mais formais ou monitorados

A partir disso foram aplicadas atividades para ampliar a compreensatildeo sobre as marcas da oralidade na escrita para que ao identificar os tipos de ldquoerrosrdquo presentes nas produccedilotildees dos alunos fosse possiacutevel analisar as hipoacuteteses levantadas por eles possibilitando uma adequada intervenccedilatildeo pedagoacutegica

Com base nesses conhecimentos dos estudantes foi elaborado um roteiro de atividades em torno do gecircnero ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo abordando

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assuntos dessa publicaccedilatildeo Como resultados os estudantes em suas produccedilotildees passaram a refletir sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita analisando o modo como escreviam e seguindo as regras da ortografia oficial

Assim ao articular teoria e praacutetica Costa Filho (2015) demonstrou a importacircncia de ressignificaccedilatildeo do olhar do professor sobre os ldquoerrosrdquo na escrita espontacircnea dos alunos Eacute necessaacuterio pois que os docentes percebam que os estudantes fazem profunda reflexatildeo ao escrever utilizando conhecimentos aprendidos e internalizados sobre as relaccedilotildees entre fala e escrita e norma ortograacutefica que orientam o modo como escrevem

Por isso cabe ao professor identificar os ldquoerrosrdquo nos textos dos alunos e propor atividades de intervenccedilatildeo adequadas agraves hipoacuteteses por eles formuladas ao escreverem avaliando esses ldquoerrosrdquo como deslizes em suas ldquotentativas de acertosrdquo e natildeo como incapacidade dos estudantes durante o processo de escrita

Diante disso constata-se que o trabalho de leitura escrita e reescrita de textos a partir de um gecircnero selecionado pode ressignificar o processo de produccedilatildeo textual no espaccedilo escolar instrumentalizando os alunos para o uso da liacutengua no meio social e natildeo os direcionando para a identificaccedilatildeo de classes de palavras e funccedilotildees da gramaacutetica normativa ou como atividade para a mera correccedilatildeo dos ldquoerrosrdquo

Consciente desse processo a escola precisa repensar suas estrateacutegias de ensino para desenvolver uma proposta que considere a realidade sociocultural do aluno e no caso da produccedilatildeo de texto as relaccedilotildees que o aluno estabelece ao escrever compreendendo que o contexto sociocultural e os eventos de letramento de que o estudante participa ou deixa de participar podem influenciar na qualidade daquilo que escreve

Eacute oportuno pois compreender esse contexto e essas praacuteticas para um melhor entendimento das relaccedilotildees entre fala e escrita

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para que se possa a partir disso proceder agrave elaboraccedilatildeo e ao desenvolvimento de estrateacutegias mais adequadas em sala de aula que contribuam para a reflexatildeo do aluno para a sistematizaccedilatildeo dos conhecimentos e para a ampliaccedilatildeo de sua competecircncia comunicativa Por isso eacute urgente a criaccedilatildeo de mecanismos para vencer os elevados iacutendices de evasatildeo e repetecircncia e auxiliar os estudantes no domiacutenio da Liacutengua Portuguesa sem apontar os ldquoerrosrdquo como declaraccedilatildeo peremptoacuteria de fracasso no domiacutenio da liacutengua

Referecircncias

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CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2010

COSTA FILHO O A da Marcas de oralidade na escrita de alunos do ensino fundamental gecircnero carta do leitor 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

DOLZ J NOVERRAZ M SCHNEUWLY B Sequecircncias didaacuteticas para o oral e para o escrito apresentaccedilatildeo de um procedimento In SCHNEUWLY B DOLZ J Gecircneros orais e escritos na escola Traduccedilatildeo e organizaccedilatildeo Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro Campinas Mercado de Letras 2004

FERRAREZI JR C Ensinar o brasileiro respostas a 50 perguntas de professores de liacutengua materna Satildeo Paulo Paraacutebola 2007

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LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador Satildeo Paulo Aacutetica 1997

MORAIS A G Ortografia ensinar e aprender Satildeo Paulo Aacutetica 2010

OLIVEIRA M A de Conhecimento linguiacutestico e apropriaccedilatildeo do sistema de escrita caderno do formador Belo Horizonte CealeFaEUFMG 2005

SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios Satildeo Paulo Contexto 2017

Sobre os Autores

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Ana Maacutercia Ruas de AquinoDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail anamarciaaquinogmailcom ORCID httpsorcidorg0000-0001-5639-5257

Anagrey BarbosaMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora das redes Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail anakrillgreyyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000000268812115

Bruno de Assis Freire de LimaDoutor em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Docente no Instituto Federal Minas Gerais ndash Congonhas E-mail brunoaflimagmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-7526-1921

Carla Roselma Athayde MoraesDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail carlaathaydeyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000-0002-4684-8424

Clarice Nogueira LopesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail claricenogueiragmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0840-6139

Cristina Aparecida Bianchi de Souza GomesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga ndash DFE-mail cristinasbianchihotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-29223753

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Daniela Imaculada Pereira CostaMestre em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail danielaespanhol79gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-1549-2901

Gilvan Mateus SoaresDoutor em Estudos Linguiacutesticos pelo POSLIN ndash FALE ndash UFMG Professor na Rede Municipal de Ensino em Baratildeo de Cocais ndash MG E-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Maria Clara Maciel de Arauacutejo RibeiroDoutora em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail mclaramacielhotmailcomORCID 0000-0001-9205-5858

Orando Antocircnio da Costa FilhoMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professor na Rede Estadual de Ensino em Salinas ndash MGE-mail orandomghotmailcombrORCID httpsorcidorg0000-0001-7209-442X

Zenilda Mendes dos ReisMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual de Ensino em Lontra ndash MG E-mail zenildareis06gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3318-976

Sobre os Organizadores

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Gilvan Mateus SoaresGraduaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs pela Universidade Federal de Minas Gerais Graduaccedilatildeo em Pedagogia pela Universidade de Uberaba Especializaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs e Literatura pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguaacute Especializaccedilatildeo em Praacuteticas Pedagoacutegicas pela Universidade Federal de Ouro Preto Mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros Doutorado em Estudos Linguiacutesticos pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas GeraisE-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Liliane Pereira BarbosaDoutora e Mestre em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora efetiva da Unimontes Atua como professora permanente no PROFLETRAS Tem experiecircncia na aacuterea de Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica com ecircnfase em Teoria e Anaacutelise Linguiacutestica principalmente nos seguintes temas Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica Variaccedilatildeo Linguiacutestica e EnsinoE-mail lilianepebhotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0558-6592

Maria do Socorro Vieira CoelhoProfessora de Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 Mestre em Linguiacutestica pela Universidade Federal de Minas Gerais Doutora em Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais Poacutes-Doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015) e pela Universidade de Satildeo Paulo (2018) Suas linhas de pesquisa tecircm sido em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash diacronia e sincronia Liacutengua Portuguesa e Ensino Literatura de Autoria FemininaE-mail soccoelhohotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3732-467X

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Page 2: Teorias Linguísticas, Pesquisa e Ensino da Língua Portuguesa · 2020. 11. 10. · de os educadores conhecerem as técnicas de elaboração dos itens, compreendendo o texto de suporte,

Gilvan Mateus Soares Liliane Pereira Barbosa

Maria do Socorro Vieira Coelho(Organizadores)

AraraquaraLetraria

2020

Teorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesa

PROJETO EDITORIALLetraria

PROJETO GRAacuteFICO E DIAGRAMACcedilAtildeOLetraria

CAPALetraria

REVISAtildeOLetraria

SOARES Gilvan Mateus BARBOSA Liliane Pereira COELHO Maria do Socorro Vieira (org) Teorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesa Araraquara Letraria 2020

ISBN 978-65-86562-13-2

1 Linguiacutestica 2 Sociolinguiacutestica 3 Pesquisa 4 Ensino 5 Liacutengua Portuguesa

Os textos publicados neste e-book satildeo de inteira responsabilidade de seus autores Este e-book ou parte dele natildeo pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizaccedilatildeo escrita dos organizadores

APOIO

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Conselho EditorialAna Paula Antunes Rocha (UFF)Angela Heloiza Benedito Buxton (Unimontes)Caroline Rodrigues Cardoso (UnipSEEDF)Keli Cristiane Eugecircnio Souto (Unimontes)Maria Alice Mota (Unimontes) Maria de Lourdes Guimaratildees de Carvalho (Unimontes)Rita de Caacutessia da Silva Soares (GPDGUSP)Sandra Ramos de Oliveira Gonccedilalves Duarte (Unimontes)Sandra Patriacutecia de Faria do Nascimento (UnB)

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| SumaacuterioPrefaacutecioOs Organizadores

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O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

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A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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A escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa FilhoGilvan Mateus Soares

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Sobre os Autores 245

Sobre os Organizadores 248

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| Prefaacutecio

Esta obra surgiu da importacircncia de se ter uma maior divulgaccedilatildeo de pesquisas desenvolvidas sobre a Liacutengua Portuguesa sob o vieacutes teoacuterico e praacutetico em estreita relaccedilatildeo entre pesquisa formaccedilatildeo e ensino do Portuguecircs Nessa perspectiva a publicaccedilatildeo articula em um processo circular teorias linguiacutesticas descriccedilatildeo de aspectos da Liacutengua Portuguesa e ensino Tambeacutem oferece conhecimentos aos docentes que atuam no Ensino Fundamental e Meacutedio ao promover discussotildees teoacutericas e oferecer subsiacutedios para a aplicaccedilatildeo praacutetica das teorias e estudos descritos e discutidos Incluem-se trabalhos desenvolvidos por pesquisadores do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras)1 da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos (PosLin) da Faculdade de Letras (FALE)2 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

A organizaccedilatildeo do livro aponta para um ensino em que eacute fundamental a compreensatildeo das relaccedilotildees entre teoria e praacutetica permeadas pelas variadas linguagens Por isso a obra se orienta por trecircs dimensotildees (pesquisa teorias linguiacutesticas e ensino e praacutetica) sob o prisma da sua integraccedilatildeo mediante discussotildees teoacutericas que embasam trabalhos descritivo-analiacuteticos de aspectos linguiacutesticos da oralidade e da escrita do Portuguecircs e propostas de praacuteticas de ensino resultantes de pesquisas norteadas por teorias

Assim ldquoTeorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesardquo se alicerccedila em diferentes teorias das Ciecircncias da Linguagem como a Sociolinguiacutestica a Sociolinguiacutestica Educacional a Lexicologia a Lexicografia Pedagoacutegica e a Anaacutelise do Discurso e se desenvolve por meio de metodologias de pesquisa e estrateacutegias de ensino baseadas na pesquisa-accedilatildeo em instrumentos de avaliaccedilatildeo e no levantamento de dados por meio de questionaacuterios e entrevistas

1 Disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbr profletras2 Disponiacutevel em httpwwwposlinletrasufmgbr

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e em estrateacutegias de ensino como oficinas ou sequenciaccedilatildeo de atividades

Entendemos que a relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica deve ser um pressuposto para toda e qualquer accedilatildeo pedagoacutegica o que exige do professor uma postura de pesquisador de teorias de investigaccedilotildees mais gerais sobre o processo de ensino e aprendizagem ou mais especiacuteficas agrave sua aacuterea de atuaccedilatildeo de meacutetodos de estrateacutegias e de recursos que possam auxiliar ou embasar a praacutetica em sala de aula

Esse posicionamento do profissional de liacutenguas eacute ainda mais exigido em um contexto de diversidade de linguagens que aponta para um processo de ensino e aprendizagem que contemple tanto os letramentos tradicionais como tambeacutem os multiletramentos Torna-se assim importante promover um tratamento da liacutengua que contemple seus diferentes niacuteveis (do foneacutetico-fonoloacutegico ao discursivo) suas modalidades (oralidade e escrita) e seus registros (informais e formais) em variados contextos de comunicaccedilatildeo

A escola eacute o espaccedilo privilegiado para essa abordagem Consciente desse papel ela deve instrumentalizar o estudante para que ele possa por meio da liacutengua se movimentar em diferentes contextos sociais Para tanto os objetivos do ensino da liacutengua requerem do professor conhecimento competecircncia e sensibilidade para lidar com a variaccedilatildeo linguiacutestica para acompanhar os processos de tratamento da Liacutengua Portuguesa em sua interseccedilatildeo com a abordagem de outras linguagens como a Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) considerando o contexto sociocultural e etnograacutefico dos falantes e as diversas praacuteticas de letramento com as quais os estudantes se envolvem ou das quais deixam de participar Tudo isso influencia e contribui direta ou indiretamente para o sucesso ou o fracasso do aluno em sua trajetoacuteria escolar

Isso significa que a linguagem da escola natildeo pode se distanciar da linguagem do educando sob pena de imputaacute-lo agrave repetecircncia e agrave evasatildeo Nesse sentido eacute necessaacuterio atentarmos para o fato de

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que o professor natildeo deve focalizar o ensino da liacutengua somente na modalidade escrita em seus usos mais formaismonitorados diante de um aluno que muitas vezes participa de interaccedilotildees que se caracterizam essencialmente pela oralidade porquanto tal procedimento pode resultar em resistecircncia agraves praacuteticas pedagoacutegicas ofertadas pelo docente

A partir dessas orientaccedilotildees este e-book estaacute organizado em oito capiacutetulos que contemplam temaacuteticas variadas estudos do leacutexico e fraseologia elaboraccedilatildeo de itens de avaliaccedilatildeo ensino da Liacutengua Portuguesa e da LBS produccedilatildeo de glossaacuterio semibiliacutengue reflexatildeo sobre o discurso da identidade de pessoas surdas tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica anaacutelise de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas relaccedilotildees entre oralidade e escrita ensino da ortografia

Assim um dos temas aqui discutidos eacute o processo de avaliaccedilatildeo podendo ser contemplados os mais variados enfoques em diversas aacutereas do conhecimento como a Tecnologia Educacional Pedagogia e no que nos concerne o ensino de liacutenguas Nesse contexto pelo menos um questionamento emerge como avaliar Essa discussatildeo contempla um toacutepico que merece maior atenccedilatildeo durante a formaccedilatildeo de professores as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos dos alunos A esse respeito Bruno de Assis Freire de Lima em ldquoO lsquoitem de muacuteltipla escolharsquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeordquo discute o leacutexico e a fraseologia de questotildees de muacuteltipla escolha O autor fazendo uma breve retrospectiva dos procedimentos de avaliaccedilatildeo chama atenccedilatildeo para uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os ldquoitensrdquo de avaliaccedilotildees apontando para um entendimento que ultrapasse a percepccedilatildeo de que sejam meros instrumentos avaliativos concebendo-os como um produto especializado como um gecircnero textual de especialidade marcado por conhecimentos especiacuteficos Por isso possuem suas proacuteprias caracteriacutesticas concernentes agrave estrutura composicional ao conteuacutedo temaacutetico e ao estilo Daiacute a importacircncia de os educadores conhecerem as teacutecnicas de elaboraccedilatildeo dos itens compreendendo o texto de suporte o comando da questatildeo e as alternativas de resposta temas do referido capiacutetulo

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Outro trabalho da aacuterea do Leacutexico e da Lexicografia Pedagoacutegica eacute o de Cristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes em ldquoGlossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosrdquo A pesquisadora discute resultados de estudo realizado com estudantes de uma escola puacuteblica de Taquatinga ndash DF que culmina com a produccedilatildeo de um glossaacuterio digital de verbos O estudo por sua natureza se torna relevante para o protagonismo dos indiviacuteduos surdos ao incluir digitalmente os estudantes ao contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa como segunda liacutengua (L2) e paralelamente ao estimular os informantes a usarem a sua proacutepria liacutengua materna a LSB para refletir sobre conceitos e significados de vocaacutebulos do Portuguecircs Com esse procedimento os alunos introduziram novas palavras agrave sua escrita da Liacutengua Portuguesa e elaboraram um glossaacuterio agrave parte sobre as proacuteprias duacutevidas em um processo criativo de termossignificados Em decorrecircncia o trabalho possibilitou natildeo soacute a aprendizagem do Portuguecircs mas tambeacutem dos demais conteuacutedos das disciplinas que compotildeem o curriacuteculo escolar em uma proposta de ensino produtivo biliacutengue que proporcionou aprendizagem eficaz nas duas liacutenguas A autora incentiva a realizaccedilatildeo de outros trabalhos que possam ampliar o leacutexico de Liacutengua Portuguesa de pessoas surdas como um que por exemplo aborde o uso de expressotildees idiomaacuteticas

Ainda nessa perspectiva de inclusatildeo e da atuaccedilatildeo social dos indiviacuteduos surdos Maria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro em ldquoO fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezrdquo mostra que eacute fundamental que sejam desveladas e desmentidas representaccedilotildees estereotipadas sobre a surdez e os sujeitos surdos (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) o que requer a compreensatildeo de que as pessoas surdas satildeo sujeitos de direitos atores sociais com valores cultura e linguagem proacuteprios (discurso de fundamentaccedilatildeo surda) Nos discursos analisados pela autora os participantes da pesquisa sinalizam um posicionamento enunciativo ao reforccedilarem a imagem de valoraccedilatildeo igualitaacuteria diante

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de outros sujeitos e ao operarem na (des)construccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros em face de um discurso que se faz concorrente O entendimento dessa heterogeneidade discursiva a partir da abordagem dos discursos produzidos pelas pessoas surdas sobre si mesmas pode representar novas perspectivas para a promoccedilatildeo da inclusatildeo nas escolas e o delineamento e a elaboraccedilatildeo de estrateacutegias de ensino significativas

Uma abordagem discursivo-linguiacutestica tambeacutem eacute o foco do capiacutetulo de Ana Maacutercia Ruas de Aquino Carla Roselma Athayde Moraes e Daniela Imaculada Pereira Costa ao tematizarem o gecircnero ldquocrocircnica jornaliacutestica brasileirardquo em ldquoAspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeordquo As autoras chamando a atenccedilatildeo para a importacircncia da anaacutelise dos expedientes argumentativos e dos processos retoacutericos da persuasatildeo discorrem sobre as peculiaridades da crocircnica como uma atividade enunciativa essencialmente dialoacutegica intra e interdiscursivamente Por isso objetivam desvelar a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero como um exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea ao refletirem sobre as estrateacutegias utilizadas pelos cronistas Convidam dessa forma os leitores ao prosar poeacutetico da crocircnica inserindo-os no diaacutelogo como forccedila de accedilatildeo sobre o outro e sobre o mundo no jogo de seduccedilatildeo estabelecido entre cronista e leitor para que no desfrutar do texto ambos possam conhecer um pouco mais do outro mais da vida e por isso um pouco mais de si mesmos

O tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica e em especial a anaacutelise das crenccedilas e atitudes um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica satildeo discutidos por Gilvan Mateus Soares em ldquoCrenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticardquo O autor se baseia nas contribuiccedilotildees da Sociolinguiacutestica Educacional para realizar uma discussatildeo sobre crenccedilas atitudes e preconceitos com uma turma de 6ordm ano e uma de 8ordm de uma escola puacuteblica em Baratildeo de Cocais ndash MG O interesse do estudo partiu do silenciamento de um aluno do 8ordm ano que justificava natildeo participar das aulas

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porque ldquofalava erradordquo ldquoconsiderava-se burrordquo ou ldquoera da zona ruralrdquo Essas assertivas direcionaram o pesquisador a constatar que esse tipo de manifestaccedilatildeo sobre a liacutengua suas variedades e seus falantes eacute em muitos casos reproduzido e (re)construiacutedo na escola assim como no contexto social que vai processar ou reforccedilar ou ateacute perpetuar essa (re)construccedilatildeo Os resultados obtidos revelaram mudanccedila consideraacutevel de percepccedilotildees negativas para positivas sobre a variaccedilatildeo da liacutengua e sobre o proacuteprio aluno como falante do Portuguecircs passando ele a ter um maior grau de consciecircncia linguiacutestica e respeito pela diversidade que caracteriza qualquer liacutengua em uso elevando assim a autoestima linguiacutestica do educando

Em uma perspectiva da variaccedilatildeo linguiacutestica aliada agrave das crenccedilas e atitudes Zenilda Mendes Reis em ldquoA variaccedilatildeo de lsquotursquo e lsquovocecircrsquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra ndash MGrdquo descreveu e analisou baseando-se nos fundamentos da Sociolinguiacutestica as realizaccedilotildees dos pronomes de segunda pessoa ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em produccedilotildees orais e escritas de duas turmas de 8ordm ano do Ensino Fundamental em Lontra ndash MG Durante as etapas de desenvolvimento da pesquisa pocircde perceber usos mais especiacuteficos do ldquoturdquo ou do ldquovocecircrdquo (e suas variaccedilotildees ldquoocecircrdquo ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo) observando estigmatizaccedilatildeo em determinadas situaccedilotildees resultante do preconceito linguiacutestico Essa constataccedilatildeo apontou para o fato de que a intoleracircncia linguiacutestica natildeo pode ser mais ignorada exigindo do professor um ensino adequado em sala de aula Nessa direccedilatildeo tendo como suporte teoacuterico a Sociolinguiacutestica Educacional foi elaborada e desenvolvida uma proposta de ensino alicerccedilada em quatro oficinas que entre seus objetivos procurava natildeo soacute promover a conscientizaccedilatildeo dos alunos em relaccedilatildeo agrave variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem refletir sobre a trajetoacuteria e os contextos de uso dos pronomes em estudo Por meio das atividades os objetivos da pesquisa foram alcanccedilados contribuindo para que os estudantes aprimorassem conhecimentos e ampliassem sobremaneira sua competecircncia no uso do Portuguecircs especialmente na variedade

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padratildeo Os resultados mostraram como pode ser produtivo um trabalho sociolinguiacutestico na escola que permita aos alunos refletir sobre a liacutengua e suas variedades entendendo que a diferenccedila linguiacutestica natildeo pode ser vista como deficiecircncia

Tambeacutem eacute importante a discussatildeo das relaccedilotildees entre a fala a escrita e o registro ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa temas analisados por Clarice Nogueira Lopes em ldquoO fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritardquo A pesquisadora discorre sobre a transformaccedilatildeo de ditongos em monotongos na escrita de alunos de 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG O capiacutetulo ao contrastar a perspectiva da Gramaacutetica Tradicional e da Ciecircncia Linguiacutestica problematiza a compreensatildeo sobre o ldquoerrordquo ortograacutefico esclarecendo percepccedilotildees equivocadas sobre os ldquoerrosrdquo na fala e deslizes na escrita mostrando que satildeo entendimentos de naturezas bem distintas Aleacutem disso destaca que os ldquoerrosrdquo acabam recebendo forte avaliaccedilatildeo social negativa Por isso a pesquisadora ressalta a relevacircncia da aplicaccedilatildeo de instrumentos diagnoacutesticos e da elaboraccedilatildeo de atividades que possam contribuir para que os alunos tenham suas duacutevidas resolvidas e com isso possam aprender adequadamente Os resultados positivos no uso das estrateacutegias desenvolvidas levaram os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e passarem a adequar as produccedilotildees textuais agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo por meio da reduccedilatildeo da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos

Em diaacutelogo com essa discussatildeo Anagrey Barbosa em ldquoA segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirrdquo analisa a escrita de alunos de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG com foco no estudo da segmentaccedilatildeo e da juntura oferecendo aos professores subsiacutedios para a compreensatildeo desses aspectos e para uma abordagem condizente em sala de aula Para tanto o capiacutetulo discute as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e as influecircncias da fala no modo de escrever A autora chama a atenccedilatildeo para um redirecionamento

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do olhar sobre o ldquoerro ortograacuteficordquo pois o aluno empreende reflexatildeo ao ldquoerrarrdquo mostrando que os desvios que geralmente satildeo cometidos na escrita satildeo explicaacuteveis teoricamente e podem ser resolvidos por meio de estrateacutegias que contribuam para o aprimoramento da escrita Por isso a pesquisadora destaca que o docente natildeo deve ter uma reaccedilatildeo negativa diante do ldquoerrordquo de escrita do aluno sob o risco de promover sua exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo mas deve adotar uma perspectiva que compreenda e perceba os desvios ortograacuteficos como um rico material de investigaccedilatildeo e de planejamento para as aulas

Outro capiacutetulo que aborda essa temaacutetica eacute o de Gilvan Mateus Soares e Orando Antocircnio da Costa Filho em ldquoA escrita de alunos do Ensino Fundamental II os lsquoerrosrsquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertordquo Os autores rediscutem dados de pesquisa realizada com alunos de um 7ordm ano de uma escola puacuteblica de Salinas ndash MG analisando as aproximaccedilotildees e os distanciamentos entre a variedade falada pelos estudantes e o modo como escrevem ou mais especificamente entre fonemassons e grafemasletras Aleacutem disso mostram que eacute importante que o docente leve em conta a realidade sociocultural dos educandos e as praacuteticas de letramento de que participam ou deixam de participar pois a falta de vivecircncia de situaccedilotildees de fala escrita ou leitura de usos mais formais e monitorados da liacutengua pode acarretar dificuldades de aprendizagem exigindo por isso da comunidade escolar maior responsabilidade para o desenvolvimento de uma accedilatildeo pedagoacutegica eficiente Eacute importante nesse processo o incentivo agrave pesquisa e agrave leitura e a proposiccedilatildeo de atividades que insiram o estudante em praacuteticas reais de uso da liacutengua como a produccedilatildeo de ldquocartas de leitorrdquo abordando assuntos de publicaccedilotildees e com posterior envio dos textos a revistas ou jornais Esses procedimentos estrateacutegicos apontaram resultados significativos como relatam os pesquisadores

Esperamos com essa diversidade de pesquisas temas e conteuacutedos que esta publicaccedilatildeo ofereccedila conhecimentos de

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aspectos da Liacutengua Portuguesa falada e escrita em Minas Gerais e provoque discussotildees entre pesquisadores natildeo somente das aacutereas da Linguiacutestica e da Educaccedilatildeo Aleacutem disso pretendemos estimular a reflexatildeo e a pesquisa acadecircmica e profissional bem como agregar conhecimentos agrave formaccedilatildeo continuada de docentes natildeo apenas de Liacutengua Portuguesa e LSB agrave praacutetica pedagoacutegica dos professores e agrave aprendizagem dos estudantes ao inseri-los em praacuteticas efetivas de uso da liacutengua em suas modalidades oral e escrita em diferentes momentos de leitura produccedilatildeo de texto e pesquisa incluindo variados gecircneros textuais-discursivos em diferentes miacutedias e suportes e em diversas situaccedilotildees de interaccedilatildeo social

Os Organizadores

O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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1 Introduccedilatildeo

Natildeo haacute novidade no fato de que nossas relaccedilotildees cotidianas satildeo mediadas por gecircneros textuais3 Eles estatildeo em todos os lugares e fazem parte de todas as interaccedilotildees sociais das quais participamos Nesse sentido a escola eacute espaccedilo privilegiado de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e compreensatildeo de gecircneros dadas as muitas vivecircncias expectativas e experiecircncias que nela circulam Na escola ainda haacute a possibilidade de estudos e reflexotildees sobre os proacuteprios gecircneros principalmente nas aulas de Liacutengua Portuguesa o que torna o espaccedilo escolar ainda mais enriquecedor

Os professores de Liacutengua Portuguesa decerto jaacute perceberam que potencialmente qualquer gecircnero textual pode estar presente em suas praacuteticas inclusive nos processos avaliativos Da mesma forma qualquer gecircnero pode constituir-se como o proacuteprio instrumento de avaliaccedilatildeo O professor pode solicitar a produccedilatildeo de uma carta de um e-mail de uma bula de um debate de um seminaacuterio e assim por diante e avaliar essa produccedilatildeo mesmo que ela esteja sob o roacutetulo de redaccedilatildeo escolar ou produccedilatildeo textual O professor pode ainda exibir um documentaacuterio audiovisual promover pesquisas exposiccedilotildees orais e relatoacuterios As possibilidades satildeo muitas talvez infinitas

Apesar de toda essa possibilidade de trabalho com gecircneros nas salas de aula um deles tem tido tradicionalmente lugar de prestiacutegio nesses espaccedilos Trata-se do ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo (doravante item) ou como costuma ser conhecido no ambiente educacional ldquoquestatildeo de provardquo4 Ele circula nas praacuteticas avaliativas dos diferentes componentes curriculares natildeo apenas nas praacuteticas

3 Neste capiacutetulo natildeo se faz distinccedilatildeo entre ldquogecircnero textualrdquo e ldquogecircnero do discursordquo Considero gecircnero textual como uma classe de textos que possuem formas e funccedilotildees semelhantes Como nos recorda Marcuschi (2008) os gecircneros podem ser agrupados em categorias denominadas ldquocartas pessoaisrdquo ldquobilhetesrdquo ldquoartigos de opiniatildeordquo ldquoreceitasrdquo e assim por diante4 Haacute razotildees para distinguir os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo no entanto natildeo eacute objetivo deste texto levantar essa discussatildeo Assim sugere-se que o leitor compreenda os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo como sinocircnimos

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de Liacutengua Portuguesa Apesar de ldquonasceremrdquo para avaliar os itens tecircm migrado para outros usos na escola funcionando como exerciacutecios de fixaccedilatildeo e ateacute mesmo como atividades de treinamento para processos avaliativos como os vestibulares e o proacuteprio Exame Nacional do Ensino Meacutedio (ENEM)

Ainda sobre a utilizaccedilatildeo dos itens nas escolas existem pelo menos dois tipos de professores aqueles que ldquocopiamrdquo itens de provas antigas e fazem um ldquocompiladordquo para suas atividades e aqueles que criam (ou querem criar) os proacuteprios itens Talvez o segundo grupo se destaque em relaccedilatildeo ao primeiro pela iniciativa de criaccedilatildeo o que natildeo significa a elaboraccedilatildeo de itens consistentes Logo considerando que no caso do item o produtor textual natildeo eacute o aluno mas o professor uma questatildeo precisa ser posta seria o professor tatildeo bom elaborador de itens assim como se espera que os alunos sejam tatildeo bons produtores de outros gecircneros textuais Desconfio que natildeo

De modo geral a avaliaccedilatildeo eacute discutida como ldquotemardquo nos cursos de formaccedilatildeo de professores muitas vezes reduzido agrave dicotomia avaliaccedilatildeo quantitativa versus avaliaccedilatildeo qualitativa Natildeo haacute empenho na formaccedilatildeo de professores como profissionais avaliadores que conheccedilam as teacutecnicas subjacentes aos processos avaliativos e agrave proacutepria constituiccedilatildeo dos itens5 Alguns autores (CASTRO 2011 LUCKESI 2011 MORETO 2014) chamam a atenccedilatildeo sobre o desconhecimento teacutecnico de professores embora reconheccedilam que uma das funccedilotildees docentes seja avaliar Ora se o item eacute um produto criado especialmente para avaliar por quais razotildees os professores desconhecem suas teacutecnicas

Via de regra natildeo existe formaccedilatildeo especiacutefica para a funccedilatildeo de avaliador faltam profissionais com essa formaccedilatildeo (VIANNA 2015)

5 Existem diferentes formatos de item Este trabalho ocupa-se do item de muacuteltipla escolha talvez o formato mais popular de item Em Lima (2018) satildeo descritos detalhadamente todos os formatos conhecidos de item Tese disponiacutevel em httpsrepositorioufmgbrhandle1843LETR-B8NF6X

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Essa eacute uma realidade que nas escolas se reflete em avaliaccedilotildees mal elaboradas ou em avaliaccedilotildees cujos resultados satildeo distorcidos seja por serem tecnicamente fragilizadas6 ou simplesmente por serem produto de concepccedilotildees equivocadas de avaliaccedilatildeo como instrumento de troca ou mesmo como instrumento de chantagem e tortura (DEMO 2010 MORETO 2014) Afinal quem nunca ouviu a sentenccedila ldquoSe vocecircs natildeo ficarem quietos vou fazer uma prova bem difiacutecil para vocecircs aprenderem a se comportarrdquo

Este capiacutetulo eacute destinado principalmente para os professores leitores que buscam criar suas proacuteprias avaliaccedilotildees (e seus proacuteprios itens) e para professores em processo de formaccedilatildeo As discussotildees abordam o item como gecircnero textual especializado (HOFFMANN 2015) Eacute importante realccedilar esse adjetivo ldquoespecializadordquo pois conforme seraacute mostrado adiante o item eacute criado em um contexto de conhecimentos especiacuteficos e eacute formado por padrotildees teacutecnicos Elaborar um bom item portanto pressupotildee conhecimento e apropriaccedilatildeo apurada das teacutecnicas Assim o objetivo do capiacutetulo eacute contribuir para o aperfeiccediloamento dessa tarefa de elaboraccedilatildeo

Para desenvolver essas discussotildees aleacutem desta Introduccedilatildeo o capiacutetulo estaacute dividido nas seguintes seccedilotildees a) A histoacuteria do item b) Item como gecircnero e como texto de especialidade c) Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas e) Consideraccedilotildees finais e f) Referecircncias Boa leitura com desejo de que este texto possa provocar reflexotildees sobre processos avaliativos nas escolas

2 A histoacuteria do item

A avaliaccedilatildeo concebida como ldquovaler dar valor ardquo (CUNHA 2010) eacute uma praacutetica muito antiga que talvez remonte agraves primeiras atividades do homem Com a descoberta do fogo por exemplo o homem pocircde categorizar o que estava ao seu redor entre aquilo

6 Avaliaccedilotildees tecnicamente fragilizadas podem levar ao ldquoerrordquo ou ldquoacertordquo ao acaso Sobre o tema sugiro a leitura de Anderson e Morgan (2008)

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que podia ser queimado contra aquilo que natildeo podia Para tanto ele observava comparava avaliava os efeitos do fogo sobre os objetos Da mesma forma ndash pouco importando se era um mito ou natildeo ndash conforme ironizo em Lima (2018) Eva ao aceitar comer o fruto da aacutervore do conhecimento precisou ponderar avaliar tomar decisotildees a respeito das instruccedilotildees que recebera do seu criador e das vantagens mostradas por sua amiga a serpente

O que se ganha o que se perde Qual a vantagem que haacute em agir desta ou daquela forma Como usar menos ou mais tempo para executar uma atividade Todas essas decisotildees satildeo tomadas apoacutes diversas reflexotildees apoacutes se ponderar e valorar cada um dos resultados possiacuteveis Isso eacute avaliaccedilatildeo Note o leitor que a avaliaccedilatildeo existe de modo independente das praacuteticas pedagoacutegicas que conhecemos A avaliaccedilatildeo assim natildeo eacute produto de reflexotildees educacionais mas ldquomigrardquo para o espaccedilo escolar e pedagoacutegico como migra tambeacutem para outras (senatildeo todas) esferas de atividade humana (LIMA 2018 PILETTI PILETTI 2012)

No ambiente escolar a avaliaccedilatildeo tambeacutem eacute uma praacutetica muito antiga que se iniciou com as primeiras experiecircncias educacionais aristoteacutelicas (PILETTI PILETTI 2012) Naquela eacutepoca os mestres faziam questionamentos capazes de provocar reflexotildees e tomadas de decisatildeo por parte dos aprendizes Tempos mais tarde com a invenccedilatildeo do papel com o surgimento de novos suportes textuais e com a proacutepria institucionalizaccedilatildeo da escola as praacuteticas avaliativas escolares comeccedilaram a ganhar novos contornos Foram institucionalizados os exames escolares muitos dos quais permanecem do mesmo modo como conhecemos hoje

Piletti e Piletti (2012) relembram que os exames jaacute eram praticados haacute pelo menos 1200 anos aC pelos chineses para seleccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos para cargos de alta patente o que significa dizer que os exames tambeacutem natildeo satildeo criaccedilatildeo das escolas No espaccedilo escolar tradicionalmente criou-se um fetiche ao redor do exame eacute comum a realizaccedilatildeo de ldquosemanas de provasrdquo

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ldquoreuniotildees para entrega de boletinsrdquo e outras accedilotildees semelhantes Haacute um lugar de destaque para a avaliaccedilatildeo como exame o que certamente causa efeitos colaterais como a pressatildeo psicoloacutegica e a competitividade (nem sempre sadia) dentre outros (ARREDONDO DIAGO 2009)

Somente durante o periacuteodo da Revoluccedilatildeo Industrial eacute que a avaliaccedilatildeo ganhou ares de cientificidade o que causou impactos nos exames escolares Nesse periacuteodo a Psicologia estava interessada em acessar e conhecer componentes da mente humana como a atenccedilatildeo e o proacuteprio desenvolvimento cognitivo Esses componentes precisavam de alguma forma serem medidos quantificados meacutetodos ateacute entatildeo natildeo utilizados na aacuterea A Psicologia se viu portanto forccedilada a buscar na Estatiacutestica esses paracircmetros de mediccedilatildeo Foi quando surgiu a Psicometria7 aacuterea responsaacutevel pelo estudo cientiacutefico ou objetivo da avaliaccedilatildeo (PASQUALI 2013)

A Revoluccedilatildeo Industrial modificou consideravelmente a estrutura social A produccedilatildeo em larga escala reduziu a manufatura Surgiram novas demandas novas profissotildees novas relaccedilotildees sociais e ateacute novos gecircneros textuais No campo da Psicologia ateacute entatildeo natildeo se fazia distinccedilatildeo entre doentes mentais e deficientes mentais Todos eram tratados da mesma forma o que incluiacutea a privaccedilatildeo de viver em sociedade e em muitos casos meacutetodos absurdos de tortura como atesta o claacutessico de Anastasi (1908) Essas praacuteticas natildeo condiziam com o novo modelo de sociedade progressista que estava em ascensatildeo

Foi nesse contexto que Esquirol (1838) um dos precursores da Psicometria criou testes para distinguir doentes mentais de deficientes mentais Ele comprovou que nos casos de doenccedila mental a linguagem se desenvolve o que natildeo se observa nos casos

7 A Psicometria eacute o ramo da Psicologia que se orienta agrave mediccedilatildeo dos processos psiacutequicos dentre os quais estaacute a aprendizagem Para tanto desenvolve estudos que permitem atribuir uma quantificaccedilatildeo aos seus resultados possibilitando a comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas psicoloacutegicas de diversas pessoas ou grupos de pessoas de forma objetiva

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de deficiecircncias da mente Seus testes criados a partir de forte conteuacutedo verbal (ANASTASI 1908) eram formados por unidades avaliativas discretas os chamados ldquoitens avaliativosrdquo que logo foram aplicados em diferentes campos da atividade humana como na proacutepria seleccedilatildeo de trabalhadores para as induacutestrias que estavam em franca expansatildeo agrave eacutepoca

Como se nota a Psicometria eacute uma aacuterea relativamente nova Seu surgimento ocorre pouco antes da segunda metade do seacuteculo XIX o que significa dizer que apesar de a avaliaccedilatildeo ser uma praacutetica bastante antiga o item eacute um produto relativamente recente Ele nasceu em um contexto especializado eacute historicamente situado e possui uma funccedilatildeo bastante marcada medir componentes mentais como o desenvolvimento cognitivo a aprendizagem Como jaacute colocado somente algumas deacutecadas depois de sua criaccedilatildeo o item migrou para as praacuteticas escolares

O item eacute produto de uma atividade especializada que surge para cumprir uma funccedilatildeo social bem definida Ele eacute usado em um contexto bastante especiacutefico Em pouco mais de um seacuteculo de existecircncia o item vem sendo tratado como ldquoinstrumento de avaliaccedilatildeordquo como comprovam diversas definiccedilotildees encontradas na literatura especializada Em meu trabalho de doutorado (LIMA 2018) levantei vasta bibliografia sobre o tema totalizando 43 obras situadas entre 1908 e 2015 na busca de uma definiccedilatildeo que considerasse a face verbal do item tratando-o como unidade textual ou mesmo como gecircnero textual Em nenhuma obra houve algo nesse sentido

Apesar de a literatura especializada natildeo considerar o item como texto ou gecircnero ele tem todos os componentes necessaacuterios para ser enquadrado nessas categorias Mas isso eacute assunto para a proacutexima seccedilatildeo que aborda tambeacutem o conceito de gecircnero textual de especialidade categoria de gecircneros na qual se encontra o item

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3 Item como gecircnero e como texto de especialidade

Foi Hoffmann (2015) linguista alematildeo quem desenvolveu um importante conceito para a Linguiacutestica das Linguagens Especializadas Segundo o autor existe uma ldquoclasse especialrdquo de gecircneros textuais que comporta conhecimentos especializados componente que distingue essa classe dos demais gecircneros O conhecimento especializado por sua vez estaacute associado a aspectos das linguagens cientiacuteficas eou profissionais Assim haacute gecircneros que circulam livremente em diferentes contextos mas haacute aqueles que satildeo especiacuteficos de situaccedilotildees especializadas aos quais Hoffmann denomina ldquogecircneros de especialidaderdquo categoria na qual o item se encaixa

Os gecircneros de especialidade se distinguem dos demais gecircneros natildeo apenas a partir das caracteriacutesticas das situaccedilotildees comunicativas de onde emanam mas tambeacutem a partir das caracteriacutesticas estruturais da linguagem (como terminologias desenhos logomarcas etc) Conforme atesta a histoacuteria do item ele estaacute situado no contexto da Psicometria aacuterea resultante da interseccedilatildeo de duas especialidades Ele natildeo existia antes do surgimento dessa aacuterea de conhecimento foi criado com um propoacutesito especiacutefico Desde seu surgimento o item conteacutem os trecircs elementos essenciais aos gecircneros (BAKHTIN 2003) a estrutura composicional o conteuacutedo temaacutetico e o estilo

No que diz respeito agrave estrutura composicional o item costuma apresentar trecircs partes distintas8 um texto de suporte um comando e as alternativas de resposta O texto de suporte (geralmente um fragmento) conteacutem informaccedilotildees relevantes para a contextualizaccedilatildeo do item Como texto de suporte podem ser utilizados quaisquer textos receitas tirinhas mapas graacuteficos tabelas piadas e assim

8 Talvez essas partes possam ser gecircneros ou subgecircneros Ainda eacute necessaacuterio pesquisar a respeito

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por diante Eacute claro que o conteuacutedo do texto de suporte deve estar adequado ao puacuteblico ao qual o item se destina bem como precisa estar relacionado com o que se pretende avaliar

Quanto ao comando do item trata-se da parte que corresponde agrave instruccedilatildeo que eacute dada ao avaliando Eacute por meio do comando que o avaliando saberaacute como agir diante da situaccedilatildeo-problema a que eacute exposto Isso quer dizer que um comando mal formulado pode natildeo orientar ou pode ainda causar problemas interpretativos capazes de impactar negativamente nos resultados da avaliaccedilatildeo Finalmente as alternativas de resposta satildeo opccedilotildees (geralmente quatro ou cinco) que aparecem no item logo apoacutes o comando Cabe ao avaliando indicar aquela mais adequada a que ele julga ser a alternativa correta A Figura 1 apresenta essas partes da estrutura composicional do item

Figura 1 Partes que compotildeem o item

ALBUQUERQUE M M REIS A C F CARVALHO C D Atlas histoacuterico escolar Rio de Janeiro Fename 1977 (Adaptado)

TEXTO DE SUPORTE

Nos Estados Unidos durante o seacuteculo XIX tal como representada no mapa a relaccedilatildeo entre territoacuterio e naccedilatildeo foi reconfigurada por uma poliacutetica que

COMANDO

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A transferiu as populaccedilotildees indiacutegenas para territoacuterios de fronteira anexados protegendo a cultura protestante dos migrantes fundadores da naccedilatildeo norte-americana

B respondeu agraves ameaccedilas europeias pelo fim da escravidatildeo integrando a populaccedilatildeo de escravos ao projeto de expansatildeo por meio da doaccedilatildeo de terras

C assinou acordo com paiacuteses latino-americanos ajudando na reestruturaccedilatildeo da economia desses paiacuteses apoacutes suas independecircncias

D projetou o avanccedilo de populaccedilotildees excedentes para aleacutem da faixa atlacircntica reformulando fronteiras para o estabelecimento de um paiacutes continental

D instalou manufaturas nas aacutereas compradas e anexadas visando utilizar a matildeo de obra barata das posiccedilotildees em tracircnsito

ALTERNATIVAS DE RESPOSTA

Fonte ENEM 2016 1ordm dia Ciecircncias Humanas Caderno 1 Azul p 2

No que diz respeito ao conteuacutedo temaacutetico o item em contexto escolar estaacute associado aos componentes curriculares tradicionalmente conhecidos como Matemaacutetica Biologia Quiacutemica etc O tema estaacute relacionado ao assunto que eacute tratado no item o que se verifica por meio da linguagem utilizada em sua constituiccedilatildeo Haacute uso de recursos lexicais especiacuteficos e ateacute mesmo de gravuras desenhos dentre outros Por exemplo no item da Figura 1 aleacutem do mapa como texto de suporte haacute as expressotildees ldquoEstados Unidosrdquo ldquomapardquo ldquoterritoacuteriordquo ldquonaccedilatildeordquo dentre outras que auxiliam no reconhecimento de temas relacionados agrave geografia Como se nota no item o tema eacute em grande parte identificado por estruturas linguiacutesticas usadas em sua formulaccedilatildeo9

No que diz respeito ao estilo ele estaacute relacionado com as escolhas individuais dos produtores dos textos No caso do item

9 Em Lima (2018) argumenta-se sobre a existecircncia de trecircs categorias lexicais que compotildeem os itens leacutexico de liacutengua geral leacutexico de especialidade e leacutexico de gecircnero O primeiro grupo corresponde agraves palavras que ocorrem em qualquer texto da liacutengua (grupo formado pelas chamadas ldquopalavras gramaticaisrdquo) O segundo grupo eacute formado por palavras e expressotildees equivalentes aos conceitos das aacutereas avaliadas (terminologias e fraseologias especializadas) Quanto ao terceiro grupo comporta palavras e expressotildees que satildeo proacuteprias da constituiccedilatildeo do gecircnero item (como eacute o caso de ldquoalternativardquo ldquolacunardquo ldquocolunardquo etc)

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por se tratar de um produto especializado haacute uma flexibilidade menor Em outras palavras ainda que tenham liberdade para fazer suas escolhas os produtores dos itens dispotildeem de um conjunto limitado de recursos para desenvolverem novos itens

Os itens satildeo criados para atender a uma demanda especiacutefica promover a avaliaccedilatildeo Cada item em particular possibilita verificar se o avaliando possui (ou natildeo) determinadas habilidades mentais Nessa perspectiva de gecircnero de especialidade cada item corresponde a uma unidade textual especializada Como ocorre com os demais gecircneros elaborar criar e redigir um item pressupotildee conhecimentos especiacuteficos sobre o proacuteprio gecircnero item

Para Kress (1995) a noccedilatildeo de texto pode ser estendida a formas sistemaacuteticas e convencionais de comunicaccedilatildeo Um texto eacute portanto algo que comunica e que pode ser formado por vaacuterios modos semioacuteticos como imagens e sons Essa noccedilatildeo pode entatildeo chegar agrave multimodalidade na qual se incluem recursos linguiacutesticos natildeo linguiacutesticos e mistos Para o autor com o advento de materiais digitais multimiacutedias e interacionais a ressignificaccedilatildeo do conceito de texto como objeto multimodal se faz cada vez mais pertinente Nessa perspectiva os itens satildeo textos mesmo aqueles formados apenas por recursos natildeo linguiacutesticos ou apenas por recursos linguiacutesticos ou mesmo por ambos

Quanto agraves caracteriacutesticas dos textos de especialidade Hoffmann (2005) aponta que elas natildeo fogem daquelas de um texto comum Isso quer dizer que essa concepccedilatildeo de texto multimodal pode ser transposta para o conceito de texto de especialidade O autor poreacutem diz que o texto de especialidade apresenta restriccedilotildees relativas agrave especialidade agrave qual se vincula (e eacute exatamente nesse aspecto que o texto comum se difere do especializado) e por isso eacute frequentemente mais limitado mais riacutegido uma vez que a comunicaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica apresenta padrotildees mais especiacuteficos de linguagem o que claramente se confirma quanto aos estilos empregados nos itens Essa caracteriacutestica se reflete

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em uma linguagem enxuta objetiva sem marcas de pessoalidade Diante do exposto eacute possiacutevel formular esta definiccedilatildeo de item

Gecircnero textual de especialidade constituiacutedo por uma seacuterie de princiacutepios teacutecnicos proacuteprios da avaliaccedilatildeo da aprendizagem escolar Um item corresponde a uma unidade textual discreta capaz de constituir provas testes exames de modo a instrumentalizar a coleta de informaccedilotildees sobre aprendizagem escolar ou a afericcedilatildeo dos conhecimentos adquiridos ou desenvolvidos pelo avaliando (LIMA 2018 p 53)

Assim para elaborar bons itens eacute necessaacuterio conhecimento de suas teacutecnicas assunto para a seccedilatildeo seguinte

4 Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas

As orientaccedilotildees teacutecnicas para elaboraccedilatildeo de itens satildeo resultado de pesquisas na aacuterea de Psicometria e mesmo da proacutepria Linguiacutestica Essas orientaccedilotildees estatildeo relacionadas a aspectos da composiccedilatildeo das partes discretas que compotildeem o gecircnero e que jaacute foram apresentadas neste capiacutetulo Satildeo orientaccedilotildees sobre o texto de suporte sobre o comando e sobre as alternativas de resposta Aqui apresento um apanhado das principais orientaccedilotildees teacutecnicas legitimadas por diferentes autores como Baquero (1974) Grounlund (1974) Medeiros (1983) e Anderson e Morgan (2008)

a) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o texto de suporte

A necessidade de adaptaccedilatildeo de textos em funccedilatildeo do perfil do puacuteblico preferencial a que os textos se destinam natildeo eacute novidade nos estudos da linguagem No que diz respeito ao item deve haver a maacutexima atenccedilatildeo na escolha do texto de suporte Ele precisa conter informaccedilotildees suficientes para a problematizaccedilatildeo proposta no item Qualquer informaccedilatildeo que natildeo esteja relacionada ao que se avalia deve ser eliminada o que contribui para a objetividade do gecircnero

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O gecircnero a que pertence o texto de suporte tambeacutem deve ser considerado De nada adianta utilizar como texto de suporte um gecircnero que seja desconhecido para um determinado puacuteblico com o objetivo de avaliar esse puacuteblico Os gecircneros dos textos de suporte devem ser condizentes com o repertoacuterio de conhecimentos dos avaliandos Na mesma direccedilatildeo o assunto dos textos de suporte precisa ser minuciosamente observado para evitar polecircmicas como a ocorrida em 2012 no Instituto Federal do Espiacuterito Santo (IFES)

No processo seletivo para estudantes do Ensino Meacutedio Integrado do IFES (grupo formado por alunos que tecircm em meacutedia 14 anos) realizado em 2012 houve um texto de suporte polecircmico tratava-se de um item de Liacutengua Portuguesa que versava sobre os perigos da propaganda Ateacute aiacute nada demais a natildeo ser um pequeno detalhe o texto de suporte fazia uma clara apologia agrave praacutetica de sexo oral como mostra a Figura 2

Figura 2 Texto de suporte polecircmico em avaliaccedilatildeo do IFES

Fonte httpsgoogl3Zs3wZ Acesso em 25 mar 2018 Adaptado

Na eacutepoca o caso ganhou os noticiaacuterios A sociedade de modo geral externalizou profundo desagrado com o ocorrido alegando inadequaccedilatildeo do texto na prova de seleccedilatildeo Considerando o contexto avaliativo do IFES o texto de suporte era de fato inadequado o que natildeo quer dizer que ele natildeo pudesse ocorrer em outros itens de outros processos avaliativos Descuido Desinformaccedilatildeo Nesse caso faltou observar orientaccedilotildees teacutecnicas

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que recomendam a utilizaccedilatildeo de textos de suporte adequados ao puacuteblico destinataacuterio

b) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o comando

A denominaccedilatildeo ldquocomandordquo eacute autossugestiva Com a funccedilatildeo de ldquocomandarrdquo o avaliando essa parte do item precisa conter todas as informaccedilotildees necessaacuterias para que o avaliando saiba como agir diante do item Trata-se de uma instruccedilatildeo formada por caracteriacutesticas injuntivas como verbos de accedilatildeo como ldquoassocierdquo ldquorelacionerdquo e ldquopreenchardquo por exemplo Apesar dessa orientaccedilatildeo natildeo satildeo raros os itens cujos comandos natildeo comandam por mais estranho que isso possa parecer Eacute o que ocorre neste exemplo da Figura 3 retirado do vestibular 2019 do Instituto Federal de Minas Gerais

Figura 3 Item com comando insuficiente

Leia o texto a seguir

Documento do Matuto

Sol escaldante

A terra seca

E a sede de lascaacute

Sem ter jeito praacute vivecirc

Com dez fio praacute criaacute

Foi por isso seu moccedilo

Que eu saiacute em busca

De outro lugar

E com laacutegrimas nos oacuteio

Eu deixei meu torratildeo nata

Eu vim procurar trabalho

Natildeo foi riqueza que eu vim buscar

Peccedilo a Deus vida e sauacutede

Praacute famiacutelia pudecirc sustentaacute

Seu moccedilo o documento

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Que eu tenho pra mostraacute

Satildeo essas matildeo calejada

E a vonta de trabaiaacute

GONZAGA Luiz Disponiacutevel em httpswwwletrasmusbrluiz-gonzaga1561254 Acesso em 3 out 2018

A linguagem usada na canccedilatildeo

A) caracteriza o eu liacuterico como uma pessoa idosa pois o vocabulaacuterio empregado eacute proacuteprio dessa faixa etaacuteria

B) inferioriza a fala do caipira ao utilizar inuacutemeros vocaacutebulos e construccedilotildees verbais que ferem a norma culta padratildeo

C) poderia ser substituiacuteda pela variedade da norma culta padratildeo sem prejuiacutezo agrave expressividade da canccedilatildeo

D) reproduz um jeito de falar tiacutepico de uma regiatildeo e classe social que contribuiu para a marcaccedilatildeo do ritmo da canccedilatildeo

Fonte httpsbitly2GROza4 Acesso em 7 ago 2019

Observe que o suposto comando ldquoA linguagem usada na canccedilatildeordquo natildeo deixa claro o que deve ser analisado no item Eacute um comando que natildeo cumpre a funccedilatildeo de orientar procedimentos

Resolver esse problema pode ser tarefa simples desde que o elaborador do item saiba que eacute necessaacuteria a ocorrecircncia de pelo menos uma forma verbal no comando Assim o problema seria eliminado com uma nova redaccedilatildeo10 como ldquoQue caracteriacutestica predomina na linguagem utilizada na canccedilatildeordquo

Cumpre apontar que haacute diferentes tipos de item de muacuteltipla escolha Essas diferenccedilas satildeo perceptiacuteveis principalmente pelo modo como os comandos satildeo elaborados Haacute pelo menos nove tipos de itens de muacuteltipla escolha quais sejam afirmativa incompleta alternativas constantes asserccedilatildeo e razatildeo foco negativo interrogativa direta lacuna ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo resposta muacuteltipla e associaccedilatildeo

10 Obviamente outras adequaccedilotildees podem ser necessaacuterias principalmente nas alternativas de resposta

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bull Item de afirmativa incompleta

O item de afirmativa incompleta (Figura 4) eacute caracterizado por um comando afirmativo que consiste em um enunciado incompleto relacionado a algum aspecto do texto de suporte Por causa dessa relaccedilatildeo com o texto de suporte o comando nesse tipo de item eacute bastante variaacutevel e imprevisiacutevel A uacutenica caracteriacutestica previsiacutevel desse tipo de item satildeo as afirmativas incompletas que devem estar coerentemente relacionadas com cada uma das alternativas de resposta possiacutevel complemento para esse ldquocomando incompletordquo

Figura 4 Item de afirmativa incompleta

Esta eacute uma tirinha da Mafalda

Disponiacutevel em httpsgooglw2mhzw Acesso em 8 jun 2017

De acordo com o contexto da tirinha o inquilino da Mafalda sugeriu que ela

A) comprasse balas com o dinheiro que sobrou do patildeo

B) devolvesse todo o troco que ela recebeu da padaria

C) ficasse satisfeita mesmo sem ter comprado as balas

D) tivesse dor na consciecircncia por ter enganado a matildee

Fonte Lima (2018 p 72)

bull Item de alternativas constantes

O item de alternativas constantes (Figura 5) eacute utilizado quando se deseja avaliar um nuacutemero significativo de dados classificando-os em Certo ou Errado Verdadeiro ou Falso Pertinente ou Impertinente A expressatildeo ldquoClassifique como (V) Verdadeiras ou (F) Falsasrdquo eacute tipicamente encontrada nesse tipo de item

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Figura 5 Item de alternativas constantes

Esta eacute uma tirinha da turma do Peanuts

Disponiacutevel em httpsgooglPNCkEP Acesso em 8 jun 2017

Sobre a tirinha foram feitas algumas afirmaccedilotildees Classifique-as como (V) Verdadeiras ou (F) Falsas

( ) Os personagens possuem predileccedilotildees relacionadas aos gecircneros textuais

( ) Uma das falas da tirinha corresponde ao que se entende por ldquohipoacuteteserdquo

( ) Todos os balotildees da tira tecircm o objetivo de indicar a fala dos personagens

( ) Infere-se que a uacuteltima fala da tirinha corresponda ao tiacutetulo de uma notiacutecia

A sequecircncia correta de classificaccedilatildeo de cima para baixo eacute

A) (F) (V) (V) (F)

B) (F) (F) (F) (V)

C) (V) (F) (V) (F)

D) (V) (V) (F) (V)

Fonte Lima (2018 p 71)

bull Item asserccedilatildeo e razatildeo

O item de asserccedilatildeo e razatildeo (Figura 6) eacute caracterizado por apresentar duas afirmativas que podem ser verdadeiras ou falsas assim como podem ou natildeo estabelecer relaccedilotildees de significado entre si (causa e efeito fato e explicaccedilatildeo fato e consequecircncia etc) Esse tipo de item eacute recomendado para avaliar capacidades cognitivas complexas pois aleacutem de o avaliando ser solicitado a verificar a veracidade das afirmativas ele precisa demonstrar conhecimento sobre o significado de operadores argumentativos

O comando desse tipo de item eacute bastante previsiacutevel pois relaciona-se com a veracidade das asserccedilotildees feitas Em geral satildeo

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perguntas formadas por interrogativas diretas questionando qual das afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees As alternativas de resposta evocam muitas interpretaccedilotildees exigindo anaacutelise e concentraccedilatildeo do avaliando de modo que itens de asserccedilatildeo e razatildeo devem ser aplicados em avaliandos mais experientes

Figura 6 Item de asserccedilatildeo e razatildeo

TEXTO I

Segunda-feira natildeo eacute faacutecil para ningueacutem Mas cochilar no trabalho pode natildeo pegar muito bem Para lutar contra o sono no meio do expediente muita gente apela para aquele cafeacute extraforte ou qualquer variaccedilatildeo desta bebida Se vocecirc se identificou pode ser que se enquadre nesta lista de profissionais que mais precisam da ajuda do cafeacute para chegar acordados ao fim do dia

A lista eacute o resultado de uma pesquisa feita com 4700 trabalhadores norte-americanos entre agosto e setembro Confira a lista Cientistas e teacutecnicos de laboratoacuterios Profissionais de marketing e relaccedilotildees puacuteblicas Administradores de instituiccedilotildees de ensino Escritores e jornalistas Meacutedicos Cozinheiros Professores Trabalhadores autocircnomos braccedilais (encanadores carpinteiros etc)

Disponiacutevel em httpsgooglnAXTCy Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

TEXTO II

Estaacute cheio de motorista e baladeiro por aiacute que toma cafeacute com refrigerante agrave base de cola para varar uma noite acordado A crenccedila eacute de que misturando duas bebidas com alta concentraccedilatildeo de cafeiacutena o sono vai embora Mas quem disse que haacute tanta cafeiacutena assim nessa mistura

Uma lata do refrigerante segundo o fabricante tem algo entre 30 e 60 mg de cafeiacutena Jaacute uma xiacutecara de cafeacute apresenta entre 25 e 50 mg Agora faccedila as contas somando as duas doses vocecirc estaraacute ingerindo no maacuteximo 110 mg de cafeiacutena ndash pouco para espantar o sono de algueacutem Ateacute 400 mg por dia o consumo eacute considerado apenas moderado Portanto natildeo eacute uma xicarazinha de cafeacute com uma lata de refrigerante agrave base de cola que vatildeo ajudaacute-lo a passar uma noite inteira em claro

Disponiacutevel em httpgooglP5HFt Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

Sobre os textos foram feitas estas asserccedilotildees

ASSERCcedilAtildeO 1 Os dois textos tratam do mesmo tema e defendem o mesmo ponto de vista

PORQUE

ASSERCcedilAtildeO 2 ambos defendem o consumo do cafeacute como estimulante contra o sono

Qual destas afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees

A) A asserccedilatildeo 1 estaacute correta no entanto a asserccedilatildeo 2 estaacute incorreta

B) A relaccedilatildeo entre as asserccedilotildees estaacute incorreta poreacutem elas natildeo estatildeo

C) As asserccedilotildees estatildeo corretas logo a relaccedilatildeo entre elas tambeacutem estaacute

D) As asserccedilotildees estatildeo incorretas independentemente de sua relaccedilatildeo

Fonte Lima (2018 p 74)

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bull Item de foco negativo

Esse tipo de item eacute formado por vaacuterias alternativas na afirmativa e apenas uma delas relaciona-se coerentemente a algum aspecto negativo expresso no comando (Figura 7) Esse tipo de item natildeo eacute recorrente nos bancos de item pois sua elaboraccedilatildeo exige rigor teacutecnico apurado para natildeo orientar a busca pelo destoante que nem em todos os contextos significa avaliar conhecimento mas que pode enfatizar a busca pelo erro A educaccedilatildeo deve priorizar a busca pelo conhecimento natildeo pela ausecircncia dele Assim esse item eacute elaborado em casos em que realmente o conhecimento a ser avaliado implica na busca de algo com foco negativo o que nem sempre eacute claro para os elaboradores Casos em que o comando indica algo semelhante a ldquoMarque a alternativa INCORRETArdquo ou ldquoSobre o texto NAtildeO eacute correto afirmar querdquo satildeo claacutessicos exemplos de um item de foco no errado no destoante e natildeo no negativo

Figura 7 Item com foco negativo

Esta eacute uma notiacutecia que circulou na internet

Composto de uva pode combater doenccedila de Chagas

O resveratrol eacute um antioxidante encontrado na uva e utilizado como suplemento alimentar pela capacidade de produzir benefiacutecios cardiacuteacos semelhantes aos causados pela praacutetica de atividades fiacutesicas Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Oswaldo Cruz acreditam que a substacircncia tambeacutem possa ajudar o coraccedilatildeo de pacientes com doenccedila de Chagas Os efeitos foram detectados em ratos e detalhados na ediccedilatildeo de ontem da revista Plos Pathogens

Baseado em evidecircncias de que o protozoaacuterio causador da doenccedila de Chagas danifica o coraccedilatildeo por meio de estresse oxidativo o grupo de cientistas testou se o resveratrol poderia combater essa condiccedilatildeo No estudo ratos foram infectados com o parasita e desenvolveram rapidamente a fase crocircnica da doenccedila caracterizada pelos danos cardiacuteacos Os pesquisadores trataram as cobaias com resveratrol e monitoraram o coraccedilatildeo delas usando eletro e ecocardiogramas

Disponiacutevel em httpsgoogly6wbBM Acesso em 8 jun 2017 Adaptado

De acordo com o texto os cientistas NAtildeO tecircm certeza de que

A) a doenccedila de Chagas pode ser combatida pelo composto de uva

B) as cobaias precisam de tratamento com eletro e ecocardiogramas

C) o resveratrol pode ser usado como um suplemento na alimentaccedilatildeo

D) os ratos satildeo os hospedeiros do protozoaacuterio da doenccedila de Chagas

Fonte Lima (2018 p 69)

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No exemplo o foco negativo natildeo recai sobre o erro mas sobre um aspecto interpretativo do texto A partir de uma notiacutecia sobre a possibilidade de um composto de uva auxiliar no tratamento da doenccedila de Chagas o comando orienta a interpretaccedilatildeo do avaliando sobre as incertezas (foco negativo) dos cientistas em suas pesquisas Natildeo haacute entre as alternativas uma seacuterie de respostas corretas e apenas uma incorreta que deveria ser indicada pelo avaliando Ao contraacuterio haacute quatro respostas plausiacuteveis sendo que a correta eacute orientada por uma negaccedilatildeo

Em itens de foco negativo o comando deve conter sempre uma palavra de foco negativo como ldquonuncardquo ldquonatildeordquo ldquoexcetordquo

bull Item de interrogativa direta

Esse tipo de item eacute o que comporta o que se compreende por questatildeo ou seja uma pergunta diretamente formulada com a interrogaccedilatildeo expliacutecita no comando (Figura 8) Eacute um tipo de item bastante recorrente em processos avaliativos Esse tipo de item eacute formulado a partir de alternativas de resposta iniciadas por letras maiuacutesculas exatamente porque satildeo precedidas de uma interrogaccedilatildeo As alternativas nesse tipo de item natildeo completam o comando mas o respondem diretamente como uma nova sentenccedila

Figura 8 Item de interrogativa direta

Quem inventou o sanduiacuteche

Hoje mundialmente popular o sanduiacuteche foi inventado em uma mesa de bridge da Inglaterra no ano de 1762 John Edward Montague o 4ordm conde de Sandwich gostava tanto de jogar que natildeo parava nem para comer Refeiccedilotildees com garfo e faca poderiam prejudicar sua concentraccedilatildeo Por isso certo dia pediu que sua carne fosse servida entre dois pedaccedilos de patildeo Dessa forma Montague poderia comer com uma das matildeos e continuar jogando com a outra Natildeo demorou muito para que os conhecidos do conde pedissem ldquoo mesmo que o Sandwichrdquo e foi assim que o prato ganhou popularidade

A cidade de Sandwich no condado inglecircs de Kent preparou uma festa em 2012 para celebrar o aniversaacuterio de 250 anos da iguaria Sendo a praticidade uma qualidade cada vez mais valorizada nos dias de hoje o consumo de sanduiacuteches natildeo para de crescer eacute a opccedilatildeo de almoccedilo de 75 dos britacircnicos A induacutestria de sanduiacuteche do Reino Unido emprega hoje 300 mil pessoas (mais que o agronegoacutecio) e vende 3 bilhotildees de unidades anuais

Disponiacutevel em httpsgooglXyArZW Acesso em 17 jul 2017 Adaptado

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De acordo com o texto por qual motivo o sanduiacuteche eacute uma refeiccedilatildeo praacutetica

A) Por movimentar um grande sistema de produccedilatildeo e consumo

B) Por ser possiacutevel comecirc-lo utilizando apenas uma das matildeos

C) Por ter sido inventado por um homem viciado em jogos

D) Por transformar-se em um prato popular em toda a Europa

Fonte Lima (2018 p 70)

O comando nesse tipo de item eacute bastante imprevisiacutevel pois se relaciona muitas vezes com o conteuacutedo do texto de suporte A uacutenica previsibilidade que recai sobre ele eacute o fato de ser necessariamente uma interrogativa direta Nesse exemplo para responder agrave interrogativa o avaliando deve reconhecer no texto que Montague queria fazer sua refeiccedilatildeo sem parar de jogar Para isso solicitou carne entre dois pedaccedilos de patildeo Isso era praacutetico pois ele poderia comer com uma das matildeos e jogar com a outra

bull Item de lacuna

O item de lacuna (Figura 9) eacute caracterizado pela existecircncia de ldquoespaccedilosrdquo (lacunas) em frases ou textos que devem ser preenchidos pelo avaliando que indica as opccedilotildees de preenchimento oferecidas pelo elaborador do item O exemplo da Figura 9 foi elaborado a partir de um texto de suporte verbete de dicionaacuterio do qual foram retiradas palavras gerando essas lacunas

Figura 9 Item de lacuna

O Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss apresenta estas definiccedilotildees para ldquopratordquo

substantivo masculino

1 de louccedila metal etc ger circular e cocircncava em que se serve comida

2 Derivaccedilatildeo por metoniacutemia

conteuacutedo de um prato (acp 1)

3 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

conjunto de ingredientes preparado de determinada maneira _____

Ex pratos da cozinha japonesa

4 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

cada uma das preparaccedilotildees culinaacuterias servidas numa ______ entre a sopa e a sobremesa

5 qualquer ______ de maacutequina que lembre um prato

E os p de uma balanccedila

Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss Verbete Prato Adaptado

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As palavras que completam coerentemente as lacunas satildeo respectivamente

A) Iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash iguaria

B) Peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo

C) Refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria

D) Utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila

Fonte Lima (2018 p 73)

bull Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

O item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo (Figura 10) eacute aquele que apresenta uma seacuterie de elementos que devem ser ordenados de acordo com algum criteacuterio As alternativas de resposta correspondem a possiacuteveis organizaccedilotildees desses elementos As palavras ldquoorganizaccedilatildeordquo e ldquoordenaccedilatildeordquo e seus derivados comumente estatildeo presentes no comando desse tipo de item o que aponta a certa previsibilidade do comando No exemplo foi utilizado um texto de suporte sobre contos de fada Note que para resolver esse item o avaliando precisa compreender as sequecircncias coesivas que tecem a progressatildeo textual

Figura 10 Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

Estes trechos foram retirados de um texto chamado ldquoA origem dos contos de fadardquo

(I) Posteriormente os Irmatildeos Grimm e o dinamarquecircs Hans Christian Andersen deram segmento agrave proposta de Charles Perrault com narrativas mais suaves cujos desfechos culminavam em uma ldquomoral da histoacuteriardquo

(II) Isso porque hoje respeitamos e conhecemos o significado da palavra infacircncia e porque haacute algum tempo alguns escritores como o francecircs Charles Perrault adaptaram alguns contos para que eles pudessem ser mais bem aceitos pela sociedade

(III) Para citarmos um exemplo de como os contos foram modificados na histoacuteria ldquoCachinhos Douradosrdquo a menina que invade a casa de trecircs ursinhos e mexe em todas as coisas deles natildeo existia a personagem na verdade era uma raposa que ao final era jogada pela janela

(IV) No comeccedilo os contos ainda natildeo eram de fadas As histoacuterias originais pouco lembram as histoacuterias que conhecemos hoje e em sua maioria apresentavam enredos assustadores que dificilmente fariam sucesso nos tempos atuais

Disponiacutevel em httpescolakidsuolcombra-origem-dos-contos-de-fadashtm Acesso em 17 jul 2014 Adaptado

Para tornar o texto coerente como devem ser organizadas suas partes

A) (I) ndash (III) ndash (IV) ndash (II) B) (II) ndash (I) ndash (III) ndash (IV)

C) (III) ndash (IV) ndash (II) ndash (I) D) (IV) ndash (II) ndash (I) ndash (III)

Fonte Lima (2018 p 75)

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bull Item de resposta muacuteltipla

O item de resposta muacuteltipla (Figura 11) apresenta de trecircs a cinco afirmaccedilotildees sobre um assunto Essas afirmaccedilotildees podem ser corretas ou incorretas Cabe ao avaliando analisaacute-las e indicar o agrupamento de afirmaccedilotildees corretas Cada agrupamento corresponde a uma alternativa de resposta Esse tipo de item possui a vantagem de poder abordar diferentes toacutepicos sobre o mesmo tema

O comando nesse tipo de item eacute bastante previsiacutevel dada sua orientaccedilatildeo de anaacutelise para a pertinecircncia de afirmaccedilotildees muitas vezes relacionadas a um texto de suporte Assim satildeo comuns estruturas semelhantes a ldquoAnalise as afirmaccedilotildeesrdquo ldquoAnalise as afirmativasrdquo ldquoEstatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo e ldquoSatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo

As alternativas de resposta satildeo formadas a partir da numeraccedilatildeo previamente atribuiacuteda a cada uma das afirmaccedilotildees que satildeo objeto de anaacutelise O exemplo um item de Liacutengua Portuguesa parte de uma tirinha com material linguiacutestico que caracteriza regionalismo ambiguidade tipos de discurso e norma-padratildeo Esses toacutepicos satildeo objetos de avaliaccedilatildeo e estatildeo representados no item pelos numerais I II III e IV respectivamente

Figura 11 Item de resposta muacuteltipla

Esta eacute uma tirinha do Guri de Uruguaiana

Disponiacutevel em httpsgooglbdbgYy Acesso em 9 jun 2017

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Analise estas quatro afirmaccedilotildees sobre a tirinha

I ndash Haacute pelo menos um exemplo de regionalismo na fala do personagem

II ndash O duplo sentido da palavra ldquomalhaccedilatildeordquo causa o efeito de humor da tira

III ndash A fala do primeiro quadrinho apresenta um exemplo de discurso indireto

IV ndash O uso do verbo ldquoassistirrdquo no segundo quadro eacute proacuteprio do Portuguecircs padratildeo

Estatildeo corretas APENAS as afirmaccedilotildees

A) I II e IV B) II e IV C) III e IV D) I II e III

Fonte Lima (2018 p 77)

bull Item de associaccedilatildeo

O item de associaccedilatildeo (Figura 12) eacute constituiacutedo por elementos que por possuiacuterem relaccedilatildeo combinatoacuteria podem ser associados O item a seguir associado agrave capacidade de reconhecimento dos processos de formaccedilatildeo de palavras foi organizado em duas colunas que devem ser associadas

Figura 12 Item de associaccedilatildeo

A primeira coluna enumera processos de formaccedilatildeo de palavras A segunda coluna apresenta palavras formadas por esses processos Associe a segunda coluna de acordo com a primeira

PROCESSOS PALAVRAS

(1) derivaccedilatildeo sufixal ( ) desalmado

(2) derivaccedilatildeo prefixal ( ) preconceito

(3) derivaccedilatildeo prefixal e sufixal ( ) desempregado

(4) derivaccedilatildeo parassinteacutetica ( ) prensado

A associaccedilatildeo correta de cima para baixo eacute

A) (2) ndash (2) ndash (4) ndash (2) B) (2) ndash (3) ndash (1) ndash (3)

C) (3) ndash (4) ndash (3) ndash (1) D) (4) ndash (2) ndash (3) ndash (1)

Fonte Lima (2018 p 78)

A ldquoordem de classificaccedilatildeordquo e a ldquoassociaccedilatildeo corretardquo satildeo expressotildees tiacutepicas nos comandos de itens desse tipo o que lhes confere certa previsibilidade Predominam nesse tipo de item

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abordagens relacionadas a classificaccedilotildees e taxionomias o que nem sempre estaacute de acordo com as teorias educacionais vigentes

No item do exemplo o conhecimento sobre os processos de formaccedilatildeo pode ser visto (ou mesmo criticado) por ser conhecimento enciclopeacutedico Itens desse tipo com abordagem interpretativo-textual podem ser elaborados desde que haja textos de suporte mais extensos (o que oferece possibilidades de classificaccedilotildees mais aplicadas como trechos com ironia com linguagem denotativa ou conotativa variaccedilotildees linguiacutesticas etc) algo que nem sempre eacute recomendaacutevel nos itens11

c) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre as alternativas de resposta

Chama-se ldquoalternativas de respostardquo o conjunto de opccedilotildees que o avaliando dispotildee Ele deve indicar a ldquoresposta corretardquo As demais alternativas satildeo chamadas de ldquodistratoresrdquo Sua funccedilatildeo eacute ldquodistrairrdquo o avaliando desde que isso se decirc de modo plausiacutevel ou seja cada distrator deve ser potencialmente uma resposta correta Sobre as alternativas de resposta o paralelismo eacute a principal orientaccedilatildeo teacutecnica Ele eacute compreendido como um padratildeo harmocircnico ou homogecircneo entre as alternativas de resposta e estaacute relacionado agrave estrutura e ao significado dessas opccedilotildees Satildeo chamados de paralelismo gramatical paralelismo de conteuacutedo e paralelismo de extensatildeo

bull Paralelismo gramatical

Chama-se ldquoparalelismo gramaticalrdquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha por meio de um padratildeo gramatical homogecircneo Sua funccedilatildeo eacute garantir que natildeo haja alternativa(s) destoante(s) gramaticalmente a ponto

11 Eacute importante dizer que o professor avaliador pode a partir de um texto base uacutenico e mais extenso elaborar itens de diversos tipos e formatos o que incluiria o item de associaccedilatildeo com abordagem discursiva Em casos de itens de bancos de avaliaccedilatildeo externa a recomendaccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo de textos de suporte menores o que limita a possibilidade de itens de associaccedilatildeo com abordagens menos tradicionais

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de resultar no acerto ou no erro do item ao acaso Esse tipo de paralelismo relaciona-se com os aspectos da liacutengua padratildeo como concordacircncia verbo-nominal coordenaccedilotildees subordinaccedilotildees etc Por exemplo natildeo teraacute atendido ao criteacuterio do paralelismo gramatical o item que apresentar trecircs alternativas de resposta iniciadas por palavras no singular e apenas uma iniciada no plural Para alterar essa condiccedilatildeo basta que todas as alternativas estejam no singular ou todas estejam no plural ou metade esteja no singular e metade esteja no plural Isso vale para qualquer estrutura gramatical usada nas alternativas de resposta

Figura 13 Item sem paralelismo gramatical

Considere esta tirinha da Mafalda

Disponiacutevel httpsgooglZh6WmE Acesso em 18 jul 2017

Mafalda iniciou a leitura de ldquoO Pequeno Polegarrdquo porque

A) era necessaacuterio desenvolver haacutebitos de leitura desde a infacircncia

B) pensava que beijar sempre fosse adequado em qualquer idade

C) queria comparar o conteuacutedo traacutegico do livro com a cena na TV

D) sua matildee considerou o beijo na TV inapropriado para crianccedilas

Fonte Lima (2018 p 64)

No exemplo as alternativas A B e C satildeo iniciadas por verbo e apenas a alternativa D por um pronome Trata-se da alternativa correta gramaticalmente destoante das demais Um item como esse ainda que atenda a todas as outras recomendaccedilotildees teacutecnicas natildeo deve constar em um banco de itens a alternativa destoante eacute um chamariz para que o avaliando acerte o item ldquoao acasordquo Mesmo se a alternativa correta natildeo fosse a destoante o chamariz

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permaneceria induzindo o avaliando ao erro Em casos como do exemplo a recomendaccedilatildeo teacutecnica eacute que todas as alternativas fossem iniciadas por verbo ou duas delas com verbo e duas com pronome ou ainda cada uma delas com uma estrutura gramatical diferente

bull Paralelismo de conteuacutedo

Denomina-se ldquoparalelismo de conteuacutedordquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha a partir de um padratildeo de significado que garanta a plausibilidade de cada alternativa Ele garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao conteuacutedo a ponto de resultar tambeacutem no acerto ao acaso Esse tipo de paralelismo corresponde agrave compreensatildeo de cada alternativa de resposta e sua relaccedilatildeo com o comando Teraacute obedecido ao criteacuterio de paralelismo de conteuacutedo o item em que cada alternativa de resposta seja potencialmente uma resposta correta Aleacutem disso o conteuacutedo das alternativas precisa estar correlacionado de modo a evitar alternativas absurdas facilmente descartadas pelo avaliando O paralelismo de conteuacutedo estaacute relacionado a aspectos semacircnticos da construccedilatildeo das alternativas Por exemplo um item em que apenas uma das alternativas ressalta aspectos negativos de um determinado fatoassunto teraacute rompido com o paralelismo de conteuacutedo uma vez que as outras alternativas de resposta vatildeo em direccedilatildeo contraacuteria ressaltando aspectos positivos desse mesmo fatoassunto

Figura 14 Item sem paralelismo de conteuacutedo

TEXTO I

Este eacute um trecho do conto ldquoPerdoando Deusrdquo de Clarice Lispector

Eu ia andando pela avenida e olhava distraiacuteda edifiacutecios nesga de mar pessoas sem pensar em nada Via tudo e agrave toa Pouco a pouco eacute que fui percebendo que estava percebendo as coisas Minha liberdade entatildeo se intensificou um pouco mais sem deixar de ser liberdade E foi quando quase pisei num enorme rato morto Em menos de um segundo estava eu ericcedilada pelo terror de viver estilhaccedilava-me toda em pacircnico e controlava como podia o meu mais profundo grito Quase correndo de medo cega entre as pessoas terminei no outro quarteiratildeo encostada a um poste cerrando violentamente os olhos que natildeo queriam mais ver Mas a imagem colava-se agraves paacutelpebras um grande rato ruivo de cauda enorme com os peacutes esmagados e morto quieto ruivo O meu medo desmesurado de ratos

Disponiacutevel em httpwwwpasseiwebcomestudoslivrosperdoando_deus_conto_clarice Acesso em 18 jul 2017 Adaptado

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TEXTO II

Disponiacutevel em httpsfantasticocenariofileswordpresscom20120308gif Acesso em 18 jul 2017

Os dois textos satildeo semelhantes porque

A) apresentam ratos como animais que amedrontam

B) exemplificam o mesmo gecircnero textual narrativo

C) generalizam que as mulheres tecircm medo de ratos

D) tratam os ratos como seres com vontade proacutepria

Fonte Lima (2018 p 65)

No exemplo a alternativa B destoa das demais quanto ao conteuacutedo pois cobra uma anaacutelise metalinguiacutestica dos textos (e natildeo uma anaacutelise interpretativa) Aleacutem disso eacute a uacutenica que natildeo apresenta a palavra ldquoratosrdquo em sua composiccedilatildeo O rato nos textos eacute elemento importante que desencadeia accedilotildees de outros personagens e por isso foi elemento na anaacutelise interpretativa proposta nas alternativas A C e D Certamente natildeo haacute problema na solicitaccedilatildeo de anaacutelises metalinguiacutesticas desde que essa anaacutelise seja condizente com a habilidade cobrada e que mantenha o paralelismo Para que o item do exemplo atenda aos criteacuterios teacutecnicos a recomendaccedilatildeo eacute que a palavra ldquoratordquo esteja contida em todas as alternativas (ou em apenas duas delas) Tambeacutem seria necessaacuterio que uma anaacutelise metalinguiacutestica fosse proposta por todas as alternativas ou por duas delas

bull Paralelismo de extensatildeo

Entende-se por ldquoparalelismo de extensatildeordquo a organizaccedilatildeo que garante que cada alternativa de resposta tenha aproximadamente

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a mesma quantidade de caracteres isto eacute a mesma extensatildeo Seu emprego garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao tamanho evitando tambeacutem o acerto do item ao acaso No exemplo da Figura 15 a alternativa A eacute notadamente maior que as demais que tambeacutem apresentam diferenccedila de extensatildeo entre si Alternativas destoantes satildeo chamariz para o avaliando que tende a assinalaacute-la mesmo natildeo dominando aquilo que estaacute sendo avaliado

Figura 15 Item sem paralelismo de extensatildeo

Esta eacute uma tirinha da turma do ldquoNiacutequel Naacuteuseardquo

Disponiacutevel em httpsgooglRVR4MB Acesso em 18 jul 2017

O que causa o humor na tirinha

A) A ambiguidade da expressatildeo ldquoeacute um livro que prende o leitorrdquo que pode se referir ao aprisionamento do inseto-leitor ou ao interesse em terminar a leitura iniciada

B) A histoacuteria se passar em uma biblioteca lugar frequentado por leitores

C) O fato de o bibliotecaacuterio ter fechado o livro com rapidez

D) O inseto ser retratado como um leitor

Fonte Lima (2018 p 66)

Apesar dessa recomendaccedilatildeo teacutecnica natildeo eacute em todos os itens que o paralelismo de extensatildeo se aplica Por exemplo haacute itens cujas alternativas de resposta satildeo versos frases ou trechos retirados de textos o que dificulta a exatidatildeo da extensatildeo Para esses (e outros) casos a recomendaccedilatildeo teacutecnica refere-se agrave ordem crescente de extensatildeo das alternativas ou agrave ordem numeacuterica nos casos de disciplinas da aacuterea de exatas

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5 Consideraccedilotildees finais

Reduzir o item ao papel de instrumento de avaliaccedilatildeo eacute desconsiderar os aspectos que envolvem sua produccedilatildeo e sua constituiccedilatildeo como gecircnero textual e como texto especializado Essa condiccedilatildeo de produto especializado eacute confirmada pela teacutecnica que subjaz sua elaboraccedilatildeocomposiccedilatildeo e que muitas vezes eacute desconsiderada nos espaccedilos escolares local onde o item eacute usado natildeo apenas para avaliar mas adquire novas funccedilotildees (ou subfunccedilotildees)

Eacute contraditoacuterio pensar que professores que tambeacutem satildeo avaliadores desconhecem as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos o que inclui os conhecimentos sobre os gecircneros usados para avaliar dentre eles o item Mais do que desejar que os cursos de Licenciatura passem a enxergar a avaliaccedilatildeo tambeacutem pelo vieacutes da instrumentalizaccedilatildeo eacute necessaacuterio que os docentes tanto os atuantes quanto os em formaccedilatildeo busquem conhecer esses instrumentos Nesse sentido este capiacutetulo cumpre seu papel apresenta ainda que de modo sucinto as principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo do gecircnero item

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda pesquisa12 realizada com alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga instituiccedilatildeo puacuteblica de ensino localizada no Distrito Federal (DF) que oferece metodologia especiacutefica e adequada para o ensino da Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) como liacutengua materna

O objetivo principal deste trabalho eacute contribuir para o ensino e a aquisiccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa (LP) como segunda liacutengua (L2) por alunos surdos por meio da criaccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue Para tanto utilizamos o meacutetodo de natureza qualitativa pois de acordo com Bortoni-Ricardo (2011 p 34) a ldquopesquisa qualitativa procura entender interpretar fenocircmenos sociais inseridos em um contextordquo uma vez que eacute direcionada e que o pesquisador estaacute presente em todas as fases Tambeacutem nos apoiamos na metodologia da pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005) bem como nos princiacutepios metodoloacutegicos e nas aplicaccedilotildees da terminologia propostos por Krieger e Finatto (2004)

A partir dessas metodologias realizamos alguns ajustes necessaacuterios agrave elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP tendo em vista que trabalhamos com duas liacutenguas diferentes a primeira eacute viso-espacial a segunda oral

O presente texto estaacute organizado da seguinte maneira na seccedilatildeo Arcabouccedilo Teoacuterico apresentamos os Fundamentos da Linguiacutestica para o estudo das Liacutenguas de Sinais e da Linguiacutestica para o Estudo da Terminologia que traz conhecimento nas aacutereas de Lexicologia Lexicografia Terminologia e Lexicografia Pedagoacutegica Nos Procedimentos Metodoloacutegicos mostrados na

12 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbruploadssites14201811Final-2632017-Cristina-Bianchipdf

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seccedilatildeo seguinte discorremos sobre os caminhos seguidos e as questotildees metodoloacutegicas relacionadas aos aspectos praacuteticos usados para o levantamento e a anaacutelise dos dados desta pesquisa como por exemplo a seleccedilatildeo do corpus os processos adotados para seleccedilatildeo dos vocaacutebulos e a validaccedilatildeo de sinais Na seccedilatildeo denominada Resultados e anaacutelises retomamos a proposta inicial de nossa pesquisa discutimos os resultados alcanccedilados e apresentamos o produto e a conclusatildeo final da nossa pesquisa Na parte das Referecircncias relacionamos a bibliografia utilizada livros artigos dissertaccedilotildees teses e a paacutegina dos sites que deram suporte para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

2 Arcabouccedilo teoacuterico

Este estudo estaacute situado no acircmbito da Teoria da Linguagem e Ensino Isso significa dizer que utilizamos as abordagens teoacutericas baacutesicas dos estudos linguiacutesticos com foco nas liacutenguas de sinais segundo Quadros (2004) Nascimento (2009) e Brito (2010) Contamos tambeacutem com o suporte teoacuterico da Ciecircncia do Leacutexico com base em Biderman (2001a 2001b) Krieger e Finatto (2004) e Isquerdo e Finatto (2010) Como metodologia de pesquisa utilizamos a pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005)

Conforme Bagno (2014) a linguagem eacute proacutepria do ser humano e eacute utilizada para representar e expressar de forma simboacutelica as experiecircncias de vida como adquirir processar e transmitir conhecimento por exemplo A partir da definiccedilatildeo desse autor podemos considerar dois novos conceitos o de linguagem natildeo verbal e o de linguagem verbal

Entendemos por linguagem natildeo verbal aquela que natildeo se utiliza de palavras para a comunicaccedilatildeo e que recorre a outros meios comunicativos placas imagens figuras gestos etc Jaacute a linguagem verbal tem a palavra escrita (ou sinalizada) como o centro de sua comunicaccedilatildeo No caso da nossa pesquisa o foco eacute a linguagem

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verbal especificamente a modalidade comunicativa sinalizada que eacute a LSB13

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual isto eacute as relaccedilotildees entre os elementos se datildeo por meio do uso do espaccedilo na sintaxe na morfologia e na fonologia e segundo Ferreira (2010 p 11) ldquoeacute uma liacutengua natural com toda a complexidade que os sistemas linguiacutesticos que servem agrave comunicaccedilatildeo e de suporte de pensamento agraves pessoas dotadas da faculdade de linguagem possuemrdquo Portanto eacute uma liacutengua como qualquer outra poreacutem sua formaccedilatildeo se daacute de forma diferente agrave das liacutenguas orais conforme podemos visualizar na figura a seguir que ilustra as Configuraccedilotildees de Matildeo em LSB

Figura 1 Configuraccedilotildees de Matildeo em Liacutengua de Sinais Brasileira

13 A Liacutengua de Sinais Brasileira eacute conhecida por duas siglas Libras e LSB A primeira eacute a mais difundida no Brasil eacute reconhecida por lei e refere-se agrave Liacutengua Brasileira de Sinais A segunda segue a convenccedilatildeo internacional que preconiza que as liacutenguas de sinais devem ser identificadas por meio de trecircs letras sendo tambeacutem a mais empregada em trabalhos cientiacuteficos e acadecircmicos Por essa razatildeo optamos por utilizar a sigla LSB

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Fonte Nascimento (2009 p 178)

As Configuraccedilotildees de Matildeo satildeo as possiacuteveis formas que as matildeos podem assumir para a realizaccedilatildeo dos sinais em LSB Nascimento (2009) sistematizou no total 75 Configuraccedilotildees de Matildeo A execuccedilatildeo da LSB se daacute por meio do espaccedilo Por sua vez os sinais satildeo compostos por cinco paracircmetros Configuraccedilatildeo de Matildeo (CM) Expressatildeo Natildeo Manual (ENM) Movimento (M) Orientaccedilatildeo da Palma da Matildeo (OR) e Ponto de Articulaccedilatildeo (PA)

Na Figura 1 anterior estatildeo representadas todas as CM observadas e registradas ateacute o momento presente Com essas configuraccedilotildees a LSB ldquoganha vidardquo Algumas delas satildeo utilizadas para representar as letras do alfabeto e os nuacutemeros no entanto a maioria eacute empregada para a realizaccedilatildeo do sinal Geralmente as CM satildeo acompanhadas de Movimentos a saber ENM OR e PA

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Os Movimentos acompanham as CM atraveacutes dos dedos da direccedilatildeo e da sequecircncia Uma mesma CM pode ter dois ou mais sinais a depender do movimento que eacute feito como em ldquoproacuteximo anordquo e ldquoano passadordquo por exemplo Nesse caso o primeiro movimento com as matildeos eacute para frente jaacute o segundo para traacutes

As ENM satildeo os movimentos realizados pela cabeccedila pelos olhos pelas bochechas pelas sobrancelhas pelo nariz pelo tronco pelos laacutebios e pela liacutengua Normalmente essas expressotildees estatildeo associadas agraves funccedilotildees gramaticais da LSB

A OR por sua vez eacute a maneira pela qual a matildeo executaraacute o sinal podendo ser para cima para baixo para dentro para fora ou em disposiccedilatildeo contralateral

Por fim o PA eacute o local em que se realiza o sinal (em frente ao corpo ou em sua superfiacutecie) podendo ser na cabeccedila nos ombros na cintura enfim em vaacuterias partes do corpo (ou proacuteximas a ele)

Como eacute possiacutevel observar a LSB possui estrutura proacutepria e neste trabalho eacute considerada a primeira liacutengua (L1) de uma pessoa surda pois nossos informantes a utilizam como tal uma vez que a adquiriram espontaneamente e sem a necessidade de cursos ou treinamentos formais comunicando-se com fluecircncia e de forma satisfatoacuteria por meio dela Segundo Fernandes (2008 p 31)

[] a liacutengua oral-auditiva que serve como meio de comunicaccedilatildeo da comunidade ouvinte deve ser aprendida como segunda liacutengua [pelos surdos] jaacute preservado o domiacutenio da liacutengua de sinais que garante a curto prazo natildeo soacute um meio de comunicaccedilatildeo eficaz mas tambeacutem o instrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual ou seja realiza-se natildeo por meio do canal oral-auditivo mas mediante visatildeo e utilizaccedilatildeo do espaccedilo As liacutenguas orais-auditivas satildeo assim denominadas

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quando a forma de recepccedilatildeo natildeo grafada eacute a audiccedilatildeo e quando a forma de reproduccedilatildeo natildeo escrita eacute a oralizaccedilatildeo

3 Metodologia

Para a elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP proposto por este trabalho seguimos um roteiro metodoloacutegico ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa cuja finalidade principal foi a confecccedilatildeo de um material didaacutetico que pudesse subsidiar o ensino de Portuguecircs para estudantes surdos a partir da compilaccedilatildeo dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico utilizado em sala de aula

Eacute importante destacar que utilizamos a pesquisa bibliograacutefica natildeo soacute para embasar teoricamente este estudo mas tambeacutem para realizarmos o levantamento dos termos que jaacute possuiacuteam equivalentes em LSB Dessa forma compilamos os termos presentes no livro didaacutetico adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) e constituiacutemos o corpus do glossaacuterio para a gravaccedilatildeo dos sinais

De acordo com Krieger e Finatto (2004) o primeiro passo para se elaborar um glossaacuterio eacute identificar se a obra proposta atenderaacute a um puacuteblico especiacutefico (reconhecimento terminoloacutegico) Apoacutes essa etapa eacute necessaacuterio determinar pelas caracteriacutesticas de seus termos se ele faraacute parte de um dicionaacuterio terminoloacutegico ou de liacutengua geral e agrave qual aacuterea do conhecimento pertenceraacute aquela terminologia Aleacutem disso segundo as autoras o registro dos termos deveraacute ser feito em uma ficha individual que contenha todos os dados possiacuteveis pertinentes a cada um dos termos

Aleacutem dos passos metodoloacutegicos supracitados Krieger e Finatto (2004) apresentam mais algumas questotildees a serem consideradas no acircmbito do estudo de textos especializados que trabalham com tecnologias e apoio informatizado satildeo elas i) identificar as

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terminologias considerando a fonte o corpus a frequecircncia14 os aspectos linguiacutesticos (gramaticais semacircnticos pragmaacuteticos) das unidades lexicais do texto a frequecircncia de associaccedilotildees de elementos em sintagmas e os aspectos pragmaacuteticos-comunicativos ii) proceder ao tratamento de bases textuais em formato digital iii) observar aspectos tais como a repeticcedilatildeo da palavra o estudo dos sintagmas terminoloacutegicos a anaacutelise de fraseologias e o estudo da adjetivaccedilatildeo e dos verbos

Ressaltamos que todos esses aspectos apontados por Krieger e Finatto (2004) foram considerados para a criaccedilatildeo do glossaacuterio semibiliacutengue digital em LSB e LP proposto por este estudo A seguir vejamos as etapas seguidas para que pudeacutessemos alcanccedilar o objetivo principal deste trabalho

31 Etapa 1 Seleccedilatildeo do corpus de LP

A seleccedilatildeo para a composiccedilatildeo do glossaacuterio em LSB foi realizada a partir do corpus da compilaccedilatildeo em ordem alfabeacutetica dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico de Liacutengua Portuguesa Portuguecircs linguagens CEREJA Roberto William MAGALHAtildeES Thereza Cochar Satildeo Paulo Atual 2014 a fim de subsidiar o ensino de LP aos aprendizes surdos

A coleta de dados se deu da seguinte maneira em um primeiro momento foram selecionados 205 verbos dos comandos das questotildees do livro didaacutetico supracitado pesquisando-se quais deles jaacute tinham sido lexicografados Em um segundo momento aplicamos um questionaacuterio aos alunos por meio do qual tinham de responder qual sinal correspondia a cada um dos verbos apresentados (se soubessem a resposta deveriam sinalizar em LSB) Por fim analisamos os dados obtidos e entatildeo selecionamos 42 termos desconhecidos pelos alunos e que natildeo estavam registrados em dicionaacuterios consultados

14 Na seleccedilatildeo do corpus optamos pela relevacircncia do termo para o aprendizado do estudante surdo e natildeo pela frequecircncia com que aparece em seu contexto

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Apoacutes a constituiccedilatildeo do corpus do glossaacuterio buscamos nos dicionaacuterios Novo Deit-Libras Dicionaacuterio Enciclopeacutedico Ilustrado Triliacutengue da Liacutengua de Sinais Brasileira (2013) e Dicionaacuterio On-line Acesso Brasil da Liacutengua Brasileira de Sinais os sinais existentes em LSB Nesse procedimento realizado apenas pela pesquisadora consideramos somente os termos que jaacute haviam sido lexicografados Dos 205 verbos encontrados 154 eram dicionarizados pelo Novo Deit-Libras e 146 pelo Acesso Brasil Desse universo de 205 verbos selecionados 42 natildeo foram lexicografados por nenhum dos dois dicionaacuterios

Dos 154 verbos dicionarizados pelo Novo Deit-Libras sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no Distrito Federal (Brasiacutelia e cidades sateacutelites)15 e 32 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico Dos 146 verbos dicionarizados pelo ldquoAcesso Brasilrdquo sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no DF e 26 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico

32 Etapa 2 Seleccedilatildeo dos verbos para o glossaacuterio

Optamos inicialmente por trabalhar com os verbos natildeo dicionarizados Os demais jaacute estavam registrados em dicionaacuterios ainda que os estudantes natildeo conhecessem o respectivo sinal ou os significados natildeo correspondessem ao contexto do livro

Classificamos para nosso corpus os 42 verbos que compunham o comando de questotildees do livro didaacutetico em dois tipos os termos de comando e os termos que integram o comando Termos de comandos satildeo os que determinam o que o aluno deve fazer na questatildeo Nesse grupo estatildeo os termos da LP que natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido e os verbos da LSB que tambeacutem natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido Satildeo eles identificar e justificar

15 Esclarecemos que embora a pesquisa tenha sido realizada com alunos da Escola Biliacutengue de Taguatinga nossos discentes moram em diversas cidades sateacutelites do DF como Asa Sul Gama Satildeo Sebastiatildeo e outras cidades Essa constataccedilatildeo foi fruto de investigaccedilatildeo realizada por esta pesquisadora em parceria com trecircs consultoras surdas e uma CODA fluentes em LSB

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Os termos que integram o comando do livro didaacutetico satildeo os verbos que auxiliam na compreensatildeo da questatildeo e estatildeo presentes nos comandos por noacutes selecionados Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder citar comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar exercer expressar farejar identificar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler reproduzir ressaltar restringir retratar rever sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

Nesse conjunto de verbos temos os que satildeo do leacutexico comum da LP mas quando criado um sinal correspondente em LSB ele passa a ser termo em LSB pois soacute pode ser usado naquele contexto em que se apresenta no texto do comando do livro didaacutetico Satildeo eles exercer expressar e rever Os demais verbos pertencem ao leacutexico comum de ambas as liacutenguas Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar expressar farejar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

33 Etapa 3 Estudo dos verbos em LP

Formamos dois grupos de estudo para verificarmos os vaacuterios significados dos termos em LP e os possiacuteveis sinais em LSB Esses dois grupos foram criados para que fornecessem suporte agrave pesquisadora em relaccedilatildeo a possiacuteveis sinais que poderiam ser utilizados pelos alunos e em grupo estudar o significado do termo em LSB no contexto

O primeiro grupo era formado por duas professoras A primeira eacute surda contratada temporariamente pela Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo do Distrito Federal (SEEDF) e mestranda em Linguiacutestica pela Universidade de Brasiacutelia (UnB) A segunda eacute professora efetiva da SEEDF filha de surdos formada em Pedagogia e LetrasLibras e especialista em ensino de LP como segunda liacutengua para surdos

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O segundo grupo era formado por duas professoras Uma eacute surda trabalha como contrato temporaacuterio na SEEDF e eacute formada em LetrasLibras A outra eacute efetiva na SEEDF formada em LetrasLibras e proficiente em LSB

34 Etapa 4 Estudo dos termos em LP discussatildeo e criaccedilatildeo dos sinais em LSB

Verificamos os sinais dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees que natildeo possuem correspondentes em LSB Apresentamos aos alunos os comandos das questotildees do livro didaacutetico e o contexto em que se encontravam para que os discentes se inteirassem do trabalho Em um primeiro momento explicamos os possiacuteveis contextos em que a palavra poderia se apresentar e em seguida o contexto do livro didaacutetico Logo a seguir os estudantes discutiram o significado da palavra e os possiacuteveis sinais que o verbo poderia ter Nesse instante para nossa surpresa os alunos comeccedilaram a pesquisar os significados das palavras em dicionaacuterios on-line por meio de seus proacuteprios celulares

Durante o processo de discussatildeo dos sinais nossa interferecircncia foi miacutenima Soacute era feita alguma intervenccedilatildeo se percebecircssemos que os discentes natildeo tinham entendido o significado da palavra no contexto ou que estavam utilizando um sinal jaacute existente para designar outra palavra

Essa foi uma etapa riquiacutessima pois notamos a maturidade e o niacutevel de comprometimento dos alunos surdos com a pesquisa Anteriormente tiacutenhamos receio de que a proposta natildeo fosse bem recebida por englobar um trabalho diferente do que os estudantes jaacute haviam realizado em sala de aula contudo percebemos o interesse e a vontade de aprender o conceito das palavras em LP e de criar e propor um sinal para elas uma vez que ainda natildeo existia nos dicionaacuterios pesquisados

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Apoacutes constatarmos que os sinais criados pelos alunos surdos do 9deg ano e validados pelos discentes surdos do 3deg ano do ensino meacutedio natildeo condiziam com o contexto empregado no livro didaacutetico propusemos uma intervenccedilatildeo imediata objetivando a criaccedilatildeo de novos sinais Assim retomamos nossos estudos junto aos alunos acompanhados de uma professora surda e de um sujeito proficiente em LSB Nesse processo de intervenccedilatildeo explicamos novamente os contextos do livro didaacutetico e com o auxiacutelio da professora surda os estudantes criaram novos sinais para aqueles que natildeo estavam condizentes com o significado do texto

35 Etapa 5 Validaccedilatildeo dos sinais

Validamos junto aos discentes surdos do ensino meacutedio os sinais criados pelos alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF)

Para a realizaccedilatildeo desse processo escolhemos a turma do 3ordm ano do ensino meacutedio da escola em questatildeo A escolha se deu por ser uma turma concluinte e na qual todos os estudantes satildeo surdos e fluentes em LSB

Em princiacutepio apresentamos o texto em LP para que fosse lido Em seguida os alunos analisaram se os sinais elaborados pelos estudantes do 9deg ano estavam de acordo com o contexto e os paracircmetros da LSB Para nossa surpresa os discentes da turma do ensino meacutedio natildeo compreenderam o texto escrito isto eacute os comandos das questotildees do livro didaacutetico

Dessa forma tivemos de mudar nossa estrateacutegia inicial Optamos entatildeo pela explicaccedilatildeo em LSB de todos os comandos das questotildees do livro didaacutetico a fim de que pudessem entender o contexto de cada verbo ndash ateacute mesmo os vaacuterios contextos em que a palavra poderia aparecer Nesse grupo de validaccedilatildeo dos sinais percebemos que os participantes estavam menos motivados em relaccedilatildeo ao trabalho do que os do primeiro grupo

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36 Etapa 6 Gravaccedilatildeo dos sinais elaborados pelos alunos

Iniciamos o processo de confecccedilatildeo fiacutesica do glossaacuterio que se deu em duas etapas A primeira delas foi a filmagem dos sinais no estuacutedio da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga com os estudantes do 9ordm ano das seacuteries finais Apresentamos como ilustraccedilatildeo dessa fase a Figura 2 a seguir

Figura 2 Sinal gravado

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

E a segunda denominada etapa teacutecnica foi a elaboraccedilatildeo fiacutesica do site (Figura 3) a seguir no qual estaacute hospedado glossaacuterio wwwglossariosemibilinguewordpresscom

Figura 3 Paacutegina inicial do site

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

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4 Resultados e anaacutelises

Com esta investigaccedilatildeo tivemos a intenccedilatildeo de dedicar ao estudo de novas possibilidades didaacuteticas que possam auxiliar no processo de ensino e aprendizagem de LP de alunos surdos falantes de LSB Para tanto propusemos a confecccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP Nosso objetivo principal ao produzir esse material didaacutetico eacute que ele possa ser utilizado em sala de aula pelos aprendizes surdos de LP como segunda liacutengua de maneira a fornecer maior autonomia a esses alunos em seus estudos

Apoacutes a finalizaccedilatildeo do nosso trabalho observamos que o entendimento dos comandos das questotildees do livro didaacutetico por parte dos discentes surdos melhorou consideravelmente Podemos afirmar tambeacutem que o glossaacuterio possibilitou a ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP pois durante o processo de produccedilatildeo desse material didaacutetico os estudantes foram ldquointernalizandordquo os significados das palavras

Ao desenvolvermos nossa pesquisa junto aos alunos durante a qual discutiacuteamos em LSB o significado do verbo em LP percebemos que esse processo de aquisiccedilatildeo estava acontecendo de maneira diferente agravequela que geralmente ocorre em sala de aula

Uma diferenccedila notada foi que os estudantes surdos procuravam nos dicionaacuterios on-line utilizando seus proacuteprios aparelhos celulares o significado do verbo apresentado Dois motivos os levaram a realizar esse procedimento eles natildeo sabiam o significado do verbo e buscavam um significado que se adaptasse ao contexto do livro didaacutetico Nesse momento iniciou-se entre os alunos uma discussatildeo sobre o significado da palavra em LP em seu contexto Essa constataccedilatildeo nos deixou muito satisfeitos porque testemunhamos a seriedade com que conduziram esse processo de criaccedilatildeo Como os estudantes satildeo adolescentes pensamos inicialmente que teriacuteamos de interferir no trabalho a todo momento mas isso natildeo foi necessaacuterio

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Durante esse processo verificamos o verdadeiro bilinguismo educacional em funcionamento alunos surdos utilizando-se de sua proacutepria liacutengua (LSB) para discutir conceitos definiccedilotildees e significados de termos de outra liacutengua (LP) Isso nos fez repensar nossa praacutetica diaacuteria que eacute o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua Nesse sentido outro aspecto positivo da produccedilatildeo do glossaacuterio foi suscitar reflexotildees e releituras sobre a proacutepria praacutexis pedagoacutegica

No decorrer da realizaccedilatildeo deste trabalho notamos ainda um avanccedilo gradual na aprendizagem de nossos discentes Chegamos agrave sala de aula com 42 termos cujos significados eram desconhecidos pelos estudantes e ao teacutermino da pesquisa essas palavras (termos) comeccedilaram a fazer parte do Portuguecircs escrito desses alunos Isso foi comprovado quando os professores de outras disciplinas comeccedilaram a comentar que nossos estudantes estavam empregando em seus textos escritos algumas palavras que antes natildeo utilizavam

O niacutevel de interesse dos discentes surdos tambeacutem ficou constatado quando comeccedilaram a estabelecer uma relaccedilatildeo de significado com outros termos bem como pelas constantes perguntas que faziam como por exemplo querer saber se determinada palavra tinha um significado semelhante ao de outra Aleacutem disso durante as aulas tomaram a iniciativa de criar um glossaacuterio ldquoparticularrdquo no final do caderno em que anotavam as palavras cujo significado desconheciam (para depois perguntarem seu sentido ao professor) Acreditamos que nesse momento os alunos comeccedilaram a despertar para a utilizaccedilatildeo mais frequente de dicionaacuterio em sala de aula

Por outro lado eacute necessaacuterio destacar que a criaccedilatildeo de novos sinais natildeo ocorreu com todos os verbos Para a maioria deles os estudantes surdos acabaram optando por utilizar um sinal jaacute existente (que possuiacutea um significado semelhante na LSB) estabelecendo uma associaccedilatildeo entre a palavra e os significados que possuem em seus diversos contextos

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No entanto natildeo consideramos essa estrateacutegia como insatisfatoacuteria porque mesmo natildeo criando sinais novos os alunos trabalharam com seu significado tanto em LP quanto em LSB

Notamos ainda que os discentes surdos assim como qualquer outro estudante possuem caracteriacutesticas proacuteprias em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo do leacutexico de LP Por essa razatildeo para o surdo esse leacutexico em LP tem de ser apresentado de maneira concreta e contextualizada em LSB

Para finalizar nossa reflexatildeo esperamos que o glossaacuterio criado inspire profissionais de outras aacutereas do conhecimento a produzir outros materiais desse modelo que possam expandir o leacutexico de LP dos alunos surdos concorrendo para a melhoria da escrita nessa sua segunda liacutengua

Durante todo o processo de confecccedilatildeo do nosso glossaacuterio percebemos muitas reaccedilotildees positivas dos estudantes em relaccedilatildeo ao desenvolvimento desta pesquisa No tocante agrave ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP temos a convicccedilatildeo de que isso realmente ocorreu entre os alunos conforme explicado anteriormente pois nas etapas de elaboraccedilatildeo do glossaacuterio os estudantes surdos tiveram contato com as vaacuterias possibilidades de uso dos verbos selecionados em diferentes contextos

Por fim eacute necessaacuterio destacar que para que seja utilizado em sua totalidade o corpus do glossaacuterio proposto por este trabalho precisa ser ampliado para outras classes de palavras expressotildees idiomaacuteticas e aspectos da liacutengua

5 Consideraccedilotildees finais

Tendo em vista o exposto ateacute aqui podemos afirmar que o objetivo definido no iniacutecio desta pesquisa foi alcanccedilado pois elaboramos um glossaacuterio digital semibiliacutengue (wwwglossariosemibilinguewordpresscom) como suporte didaacutetico para a compreensatildeo dos comandos das questotildees presentes no

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livro didaacutetico de LP adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) promovendo-se dessa maneira uma inclusatildeo digital mais efetiva dos alunos surdos dessa instituiccedilatildeo de ensino

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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1 Introduccedilatildeo

Em nossos dias haacute distintas formas de se conceber e caracterizar a populaccedilatildeo surda brasileira Naturalmente as imagens que ouvintes produzem de surdos satildeo bastante distintas das autoimagens que surdos produzem de si Na perspectiva do senso-comum surdos satildeo vistos pelas lentes do exotismo da anormalidade e da necessidade de reabilitaccedilatildeo enquanto na perspectiva da comunidade surda surdos satildeo definidos pela visualidade e pelas especificidades decorrentes dessa forma de experimentar o mundo como informa Ribeiro (2008) Tais posicionamentos como se veraacute delimitam-se reciprocamente constituindo o que se convencionou chamar de polecircmica discursiva

A partir desta constataccedilatildeo este texto16 aborda a gecircnese ou constituiccedilatildeo de discursos sobre os surdos produzidos pelos proacuteprios surdos Objetiva-se com isso por um lado compreender que relaccedilotildees interdiscursivas possibilitam e fundamentam a emergecircncia desses discursos de si e por outro delinear quem satildeo os surdos para a proacutepria comunidade surda

Para tanto elege-se o aporte teoacuterico da Anaacutelise do Discurso de orientaccedilatildeo francesa (particularmente dos estudos de Dominique Maingueneau alocados na obra Gecircnese dos Discursos) para guiar a anaacutelise do espaccedilo interdiscursivo recortado por noacutes As anaacutelises partem do estudo do fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva e detecircm-se especificamente no modo como discursos polecircmicos delimitam-se reciprocamente a partir da produccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros do seu outro discursivo

Entendemos os temas da polecircmica discursiva e da interincompreensatildeo como expedientes analiacuteticos ricos e altamente produtivos uma vez que eacute possiacutevel considerar que grande parte dos conflitos sociais de pequeno ou grande porte deriva-se

16 Este texto foi originalmente publicado na revista Estudos da Liacutengua(gem) v 13 em 2015

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natildeo apenas do esquecimento do sujeito quanto agrave opacidade da linguagem seguido da consequente ilusatildeo de que aquilo que se diz chega ao interlocutor tal qual engendrado no ponto de partida mas sobretudo da nossa capacidade de compreender a fala do outro sempre a partir do nosso proacuteprio sistema de restriccedilotildees semacircnticas ou melhor a partir de um simulacro construiacutedo do outro a partir de nossas proacuteprias discordacircncias Assim partiremos do estudo do campo discursivo da surdez constituiacutedo por dois posicionamentos ou formaccedilotildees discursivas (FD) polecircmicas que ao mesmo tempo se atraem e repulsam no espaccedilo discursivo aqui recortado

A seguir apresentaremos o campo e o espaccedilo recortados (com suas FD) para posteriormente deter-nos na interincompreensatildeo discursiva que seraacute estabelecida entre os discursos de cada FD Como veremos parece que produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro ou compreendecirc-lo a partir de seus proacuteprios enquadres satildeo facetas de um mesmo fenocircmeno

2 Definindo o campo e o espaccedilo discursivos

Maingueneau (2005 p 3) postula que em meio a um conjunto de discursos de todos os tipos que interagem em dada conjuntura (denominada universo discursivo) eacute possiacutevel construir via recorte temaacutetico domiacutenios suscetiacuteveis de serem estudados pelo analista os campos discursivos em que posicionamentos diversos se encontram em concorrecircncia e se delimitam em determinada regiatildeo do universo discursivo Para ilustrar lembremos por exemplo de estudos realizados a partir do campo devoto por Maingueneau (2005) focalizando um espaccedilo discursivo constituiacutedo pelos discursos jansenista e humanista devoto ou os estudos de Lara (2008) sobre o campo da liacutengua em que se elegeu para estudo uma FD escolar (da gramaacutetica normativa) e outra cientiacutefica (da Linguiacutestica)

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Maingueneau esclarece que o recorte em campos e espaccedilos natildeo define zonas isoladas Os campos acabam por evidenciar ao contraacuterio as muacuteltiplas redes de trocas discursivas que os constituem Para entender a constituiccedilatildeo de dado campo discursivo pois o analista precisa recortar subconjuntos de FD apreensiacuteveis no campo os espaccedilos discursivos constituiacutedos por pelo menos duas FD ou dois posicionamentos discursivos distintos que mantecircm relaccedilotildees constitutivas privilegiadas uma vez que de acordo com Maingueneau (2005) espaccedilos discursivos satildeo recortados de campos determinados

Ao longo do tempo os discursos sobre a surdez vecircm se renovando e modificando constantemente Atualmente haacute pelo menos duas importantes e diferentes formas de se conceber (discursivamente) as pessoas surdas na contemporaneidade A primeira concepccedilatildeo se origina do domiacutenio cliacutenico-terapecircutico e compreende os surdos a partir da disfunccedilatildeo do natildeo-ouvir uma vez que se baseia sobretudo em argumentos princiacutepios e posturas que intencionam fazer o surdo ldquosuperarrdquo contornar a surdez como forma de alavancar o seu desenvolvimento linguiacutestico e social Assume-se aqui um discurso que pode ser considerado como de fundamentaccedilatildeo ouvintista17 visto que a surdez eacute considerada uma patologia que precisa ser tratada (RIBEIRO 2008) A segunda concepccedilatildeo que adveacutem do domiacutenio linguiacutestico-antropoloacutegico postula que os surdos podem viver e se desenvolver na e pela surdez sem combatecirc-la Ancora-se em princiacutepios linguiacutesticos culturais e identitaacuterios que especificam povos surdos pelo mundo ostentando um discurso que pode ser considerado de fundamentaccedilatildeo surda pois compreende a surdez a partir de seu reconhecimento linguiacutestico e cultural abolindo o estigma da deficiecircncia e proclamando a marca da diferenccedila linguiacutestica

17 Ouvintismo termo proposto por Skliar (1998) costuma ser entendido como um conjunto de representaccedilotildees estereotipadas dos ouvintes sobre os surdos a partir do qual o proacuteprio surdo ldquoestaacute obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR 1998 p 15)

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Como se vecirc trata-se de FD que se opotildeem e que como veremos estabelecem entre si uma relaccedilatildeo de polecircmica discursiva Posicionando-nos a partir do campo teoacuterico da anaacutelise do discurso de orientaccedilatildeo francesa eacute possiacutevel compreender que tais discursos instituem um espaccedilo discursivo especiacutefico apreensiacutevel via recorte do campo discursivo da surdez

Assim no campo discursivo da surdez vislumbramos um espaccedilo constituiacutedo por um conjunto de FD que se opotildeem uma FD cliacutenico-terapecircutica (de fundamentaccedilatildeo ouvintista) e uma FD linguiacutestico-antropoloacutegica (de fundamentaccedilatildeo surda) como postulado Compreendemos a primeira FD como resultante do discurso da ldquodeficiecircnciardquo da ldquofaltardquo do ldquodesviordquo enquanto na segunda percebemos o discurso da ldquodiferenccedilardquo da ldquoidentidaderdquo da ldquoliacutengua e da cultura especiacuteficasrdquo Veremos entatildeo as manifestaccedilotildees discursivas que dialogam no campo da surdez serem reordenadas a partir do espaccedilo discursivo da surdez como deficiecircncia sensitiva ou como diferenccedila linguiacutestica

Segundo Maingueneau (2005) dado discurso natildeo interage com outro discurso como tal mas sim com o simulacro que constroacutei desse discurso Neste estudo entatildeo partimos desse espaccedilo para abordar o fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva E como dito nosso objetivo foi observar a interaccedilatildeo que se estabelece no campo da surdez entre os discursos polecircmicos citados (discursos de fundamentaccedilatildeo surda versus discursos de fundamentaccedilatildeo ouvintista) focalizando como satildeo estabelecidos os movimentos de construccedilatildeo e negaccedilatildeo desses discursos e de seus simulacros no campo em questatildeo

O subcorpus que seraacute analisado foi coletado em 2008 agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo da pesquisa de mestrado da autora18 e eacute composto

18 RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2018

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por textos escritos por surdos universitaacuterios sobre a proacutepria condiccedilatildeo da surdez

3 A polecircmica como interincompreensatildeo algumas anaacutelises

Nesta pesquisa recortamos do campo da surdez um espaccedilo constituiacutedo por posicionamentos divergentes a surdez como deficiecircncia e a surdez como diferenccedila

Quando se recorta um espaccedilo discursivo eacute preciso pensar na hierarquia da constituiccedilatildeo desse espaccedilo isto eacute hipoteticamente tem-se um discurso primeiro ndash com algum status de discurso fundador ndash e um discurso considerado segundo ndash que se erige justamente para contrapor o discurso chamado primeiro Assim eacute possiacutevel prever qual(is) discurso(s) do campo pode(m) ser citado(s) ou recusado(s) pelo discurso dito primeiro eou pelo segundo Isso nos indica que a delimitaccedilatildeo em espaccedilos natildeo exclui outras referecircncias discursivas mas ao contraacuterio as evidenciam como sustentamos Isso quer dizer que quando se pensa ldquono niacutevel das possibilidades semacircnticasrdquo admite-se um espaccedilo de trocas discursivas natildeo de identidade fechada Nas palavras do autor

Na medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando ldquosegundordquo que se constitui atraveacutes do discurso primeiro parece loacutegico pensar entatildeo que esse discurso primeiro eacute o Outro do discurso segundo [mas] o discurso primeiro natildeo permite a constituiccedilatildeo de discursos segundos sem ser por eles ameaccedilado em seus proacuteprios fundamentos (MAINGUENEAU 2005 p 41)

Vemos portanto que as FD que constituem um espaccedilo evocam-se e constituem-se reciprocamente seja pela refutaccedilatildeo seja pelo endosso Lara (2008 p 113-114) referindo-se aos estudos desenvolvidos pelo autor ressalta que natildeo cabe ao analista ldquoestudar

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as diferentes formaccedilotildees discursivas que atravessam um dado discurso de forma independente e isolada mas sim apreendecirc-las nas relaccedilotildees que estabelecem umas com as outrasrdquo ou seja para a autora ldquoa identidade discursiva se constroacutei na interaccedilatildeo com o outrordquo (grifo nosso)

No espaccedilo que delimitamos para este estudo lanccedilamos a hipoacutetese de que o discurso primeiro eacute o discurso da surdez como deficiecircncia ou melhor o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista (doravante DFO) uma vez que este eacute ldquocientificamenterdquo e historicamente determinado Cientificamente porque durante muito tempo ldquoas verdadesrdquo sobre a surdez estavam alocadas exclusivamente nos livros de medicina que diagnosticavam a ausecircncia de um sentido e supunham as consequecircncias dessa falta de acordo com a visatildeo da eacutepoca Historicamente porque desde a Antiguidade a ideia de surdez estaacute atrelada a representaccedilotildees e estereotipias negativas sendo esta a primeira ndash e durante muito tempo uacutenica ndash forma de se conceber os surdos

O discurso aqui chamado segundo ndash o discurso de fundamentaccedilatildeo surda (DFS) ndash erige-se justamente como forccedila desestabilizadora e contra-argumentativa frente ao discurso primeiro considerado arcaico e desatualizado uma vez que a proacutepria ciecircncia veio a negar uma seacuterie de crenccedilas perpetuadas no passado ndash como a hipoacutetese de os surdos terem ldquolimitaccedilotildeesrdquo no exerciacutecio da faculdade da linguagem ou das liacutenguas sinalizadas serem inferiores agraves orais Portanto a esse discurso da surdez como uma diferenccedila linguiacutestica e cultural reserva-se o lugar da reaccedilatildeo e da resistecircncia contra o discurso primeiro

Os fragmentos a seguir escritos por surdos universitaacuterios e coletados por esta pesquisadora na ocasiatildeo de sua pesquisa de mestrado19 (RIBEIRO 2008) podem ser considerados representativos dessa organizaccedilatildeo hieraacuterquica Observemos20

19 Os participantes da pesquisa satildeo surdos universitaacuterios do sudeste do Brasil Os sujeitos escreveram a partir da seguinte demanda ldquoEscreva livremente sobre a questatildeo a seguir Para vocecirc qual eacute o significado de ser surdo O que vocecirc tem a dizer a respeito da surdez na sua vida Escreva sobre a experiecircncia de vida surdardquo20 Trechos transcritos ipsis litteris

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01 Eacute muito importante para o surdo os surdos satildeo igualdade ouvintes

02 A vida pessoal minha eacute verdade viver difiacutecil mas eacute normal como outros

03 Na vida surda eacute normal como outra pessoa ouvinte capaz fazer qualquer coisaouvintes

04 Eu sou surda eacute normal como ouvinte mas nossa diferenccedila mas soacute tem um problema ouvindo surdo e ouvinte satildeo iguais

05 Pra mim surdo eacute como comum como noacutes humano acho entre ouvinte e surdo satildeo quase iguais Como menos ouvir Somos humano

06 Sou surda normal natildeo tem diferenccedila como ouvinte somos iguais porque soacute que natildeo podia ouvir mas tenho os olhos (visual) [] Essas as pessoas natildeo entende porque ser surdo e acha que ele (surdo) satildeo problema e defeito como as pessoas ldquodeficienterdquo esse eu natildeo concordo precisamos respeitar que o surdo somos iguais soacute eacute diferenccedila da audiccedilatildeo natildeo o corpo defeito e capaz estuda e trabalhar normal como ouvinte

Nesses fragmentos o termo ldquonormalrdquo parece estar sendo utilizado em sua faceta de comparaccedilatildeo pois visa evidenciar o caraacuteter ldquocomumrdquo de mesmo ldquopeso e medidardquo e de ldquoigualdaderdquo dos sujeitos surdos perante os ouvintes Os locutores buscam reafirmar essa valoraccedilatildeo igualitaacuteria Observemos que a conjunccedilatildeo comparativa como ou o adjetivo igual sempre acompanham tal termo no intuito de reforccedilar esse efeito de sentido de equivalecircncia (vide excertos de 01 a 06 grifos nossos)

Examinando mais de perto a ocorrecircncia do lexema ldquonormalrdquo nos trechos de (01) a (06) acreditamos que os sujeitos produtores

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possivelmente anteciparam a representaccedilatildeo que ouvintes em geral fazem dos surdos ndash representaccedilatildeo essa que costuma ser estereotipada e que se baseia no DFO uma vez que esse discurso eacute o mais difundido socialmente Representaccedilotildees preacutevias tecircm sido tratadas na Anaacutelise do Discurso como eacutethos preacute-discurso isto eacute como a imagem de si que o sujeito manifesta antes mesmo do seu turno de fala em uma manifestaccedilatildeo da memoacuteria discursiva dos sujeitos (AMOSSY 2005)

E se nos trechos acima os sujeitos se antecipam como normais eacute justo perguntar se algueacutem os acusou do contraacuterio A partir desse questionamento chegamos agrave nossa segunda e complementar hipoacutetese interpretativa acreditamos que os excertos acima configuram uma espeacutecie de contradiscurso Se nos lembrarmos que o espaccedilo discursivo deve ser considerado como uma rede de interaccedilatildeo semacircntica e que o DFO se baseia sobretudo em preceitos meacutedicos sobre a surdez que tomam o natildeo-ouvir como uma disfunccedilatildeo veremos que os fragmentos acima contra-argumentam o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista21 uma vez que como afirma Maingueneau (2005 p 41) ldquona medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando lsquosegundorsquo que se constitui atraveacutes do discurso lsquoprimeirorsquordquo parece loacutegico supor entatildeo que esse discurso primeiro (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) eacute o outro do discurso segundo (discurso de fundamentaccedilatildeo surda)

Vemos assim no DFS a construccedilatildeo e a negaccedilatildeo de simulacros do discurso concorrente isto eacute do DFO uma vez que a compreensatildeo da surdez como uma patologia ou uma disfunccedilatildeo eacute entendida como tributo ofensivo de aberraccedilatildeo e anormalidade no DFS

21 Seguem exemplos de manifestaccedilotildees discursivas (meacutedicas) do DFO Todos os grifos satildeo nossos 1 ldquoProtetizar os deficientes auditivos [] para que os portadores dessa patologia sejam efetivamente beneficiados com a uacuteltima taacutebua de salvaccedilatildeo que a equipe tem a oferecerrdquo (CARVALHO 2003) 2 ldquo[] o sentido da audiccedilatildeo sem o qual natildeo eacute possiacutevel qualquer contato verdadeiramente humano Simpaacutetico ou antipaacutetico [o surdo] eacute uma pessoa que sofre por tatildeo humilhante patologiardquo (CARVALHO 2002) 3 ldquoO surdo-mudo congecircnito tem a face paacutelida a physionomia morta o olhar fixo a caixa toraacutexica deprimenterdquo (LEITE 1881 p 4)

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Presenciamos aqui entatildeo a construccedilatildeo e negaccedilatildeo da categoria surdez segundo o DFO aos olhos do DFS de forma a se construir um ldquoeurdquo a partir da negaccedilatildeo de um ldquonatildeo-eurdquo

Ainda assim poreacutem seria justo pensar ao afirmar a igualdade natildeo se estaria negando a diferenccedila que teoricamente eacute um dos lemas do DFS Parece-nos que natildeo A diferenccedila que eacute negada pelos locutores do DFS eacute a diferenccedila como anormalidade ldquoA normalidade surda e a normalidade ouvinte satildeo equivalentes natildeo haacute diferenccedilas que nos coloquem na linha da insuficiecircnciardquo Eacute isso que os fragmentos de (01) a (06) buscam dizer E se confrontarmos essa posiccedilatildeo enunciativa com os desdobramentos histoacutericos vividos pela comunidade surda entenderemos a importacircncia de se mostrar normal no sentido humano da equivalecircncia Refutam-se portanto a partir da traduccedilatildeo feita pelo DFS os traccedilos que o DFO atribui aos surdos nesse caso o traccedilo da deficiecircncia que eacute traduzido como anormalidade

Os sujeitos negam assim as postulaccedilotildees do seu outro no espaccedilo discursivo Antecipam-se como ldquoiguaisrdquo para negar o caraacuteter ldquoanormalrdquo que pelo menos hipoteticamente costuma ser evocado por esse outro O outro aqui claro eacute o DFO que aloca o ser surdo em lugares desprivilegiados Nega-se portanto o simulacro que o discurso concorrente (DFO) possivelmente constroacutei dos surdos

Na relaccedilatildeo que se estabelece entre discurso tradutor e discurso traduzido Maingueneau (2005) propotildee que se distinga discurso-agente de discurso-paciente reservando ao primeiro termo a posiccedilatildeo de tradutor e ao segundo a de traduzido Vale lembrar que eacute sempre a partir do discurso chamado primeiro (no presente estudo DFO) que se exerce a atividade tradutoacuteria uma vez que foi a partir dele que o discurso segundo (DFS) se constituiu

Eacute preciso natildeo perder de vista no entanto que as afirmaccedilotildees que o DFS (discurso-agente) combate natildeo satildeo as afirmaccedilotildees empiacutericas produzidas pelo DFO (discurso-paciente) Combate-se uma traduccedilatildeo um simulacro (entendido de maneira simplificada

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como uma espeacutecie de projeccedilatildeo ou representaccedilatildeo) do discurso contraacuterio ldquopois para construir e preservar a sua identidade no espaccedilo discursivo o discurso natildeo pode haver-se com o outro como tal mas somente com o simulacro que constroacutei delerdquo nos lembra Maingueneau (2005 p 103)

Produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro parecem ser portanto facetas do mesmo fenocircmeno ou seja para se produzirem enunciados condizentes com as regras da sua FD eacute preciso entender o outro a partir da sua proacutepria competecircncia discursiva Segundo Lara (2008) a traduccedilatildeo e a construccedilatildeo de simulacros satildeo mecanismos necessaacuterios ligados agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD Natildeo se trata assim de um arranjo isolado mas de um dispositivo que faz parte da gecircnese dos discursos Sobre esse processo de traduccedilatildeo do outro esclarece a autora (LARA 2008 p 115) inspirada em Maingueneau

O que ocorre entatildeo eacute que cada discurso interpreta os enunciados de seu Outro ndash ou do simulacro que dele constroacutei ndash atraveacutes da sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo Tenderaacute pois a ldquotraduzirrdquo esses enunciados nas categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema mostrando-se dessa forma a ldquotraduccedilatildeordquo como um mecanismo necessaacuterio e regular ligado agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD

Em curso ministrado na ABRALIN o professor Siacuterio Possenti (2007) assim apresentou o processo de traduccedilatildeo do outro e da construccedilatildeo de simulacros entre discursos que dividem o mesmo espaccedilo discursivo se o discurso S1 fala A e o discurso S2 fala B por exemplo S1 tenderaacute a ler B como um natildeo A expliacutecito isto eacute como a negaccedilatildeo de seu proacuteprio princiacutepio donde se pode concluir que cada FD concebe o outro a partir de si mesmo postulando que ldquose o outro natildeo estaacute por mim estaacute contra mimrdquo e deveraacute pois ser combatido Ilustrando com a nossa proacutepria pesquisa podemos supor que quando o DFO classifica o surdo como ldquoportador de necessidade especialrdquo por exemplo adeptos do DFS traduziratildeo

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essa informaccedilatildeo como uma acusaccedilatildeo de ldquoanormalidaderdquo de ldquoaberraccedilatildeordquo um quesito de ldquonatildeo-humanidaderdquo que precisa ser combatido

Nos trechos a seguir de (07) a (09) essa relaccedilatildeo pode ser percebida pelo caraacuteter conflituoso dos enunciados que parecem querer negar algum tipo de afirmaccedilatildeo (anterior) ou conhecimento partilhado Dessa vez a negaccedilatildeo se tornaraacute expliacutecita atraveacutes do uso do operador de negaccedilatildeo (um iacutendice de polifonia como explica Ducrot (1987)) Vejamos

07 Ser surdo eacute a pessoa natildeo ouve poreacutem sente feliz Ser surdo natildeo eacute sub-humano como exemplo os animais A vida dos surdezes essa faz parte classe superior por que existe a inteligecircncia e a sabedoria [] O que acontece minha prosperidade sou estudante no ensino superior ateacute sou orador isso natildeo eacute a pessoa falta QI ou inferioridade

08 Para mim o significado de ser surdo eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Ser surdo eacute orgulhosamente respeitado e um cidadatildeo como todos

09 Minha opiniatildeo significado de ser Surdo a diferenccedila Surdo Surdo eacute natildeo tem direito liacutengua22 ausecircncia de sons cliacutenica obrigaccedilatildeo meacutetodo oral incapacidade para articular a palavra Surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila

Defendemos nas ocorrecircncias acima como viacutenhamos procedendo que o discurso-agente (DFS) determina ao mesmo

22 Esse enunciado pode induzir a erros interpretativos se natildeo for compreendido a partir de uma abordagem contrastiva com a Liacutengua Brasileira de Sinais O texto na iacutentegra assim como a compreensatildeo de sua semacircntica global e algum conhecimento sobre a Libras permitem-nos entender que o locutor procurou realizar uma dupla negaccedilatildeo no enunciado que abre o texto no caso ldquoser surdo [natildeo] eacute natildeo ter direitordquo

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tempo em que combate o simulacro de seu outro (DFO) segundo a sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo para usar aqui um termo empregado por Lara (2008) que nos lembra que a compreensatildeo do discurso do outro eacute feita a partir das categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema como ilustrou o exemplo apresentado por Possenti (2007)

O DFS portanto embora seja um discurso segundo porque se erige posteriormente e em resposta ao discurso primeiro (o DFO) eacute tambeacutem discurso-agente porque eacute ele (o DFS) que produz operaccedilotildees dialoacutegicas de transformaccedilatildeo sobre o DFO nesse caso discurso-paciente

Esse processo de traduccedilatildeo do outro caracteriza com propriedade o fenocircmeno da interincompreensatildeo proposto por Maingueneau e retomado por Lara (2008) Tal fenocircmeno pode ser compreendido como ldquoa proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade das diversas posiccedilotildees enunciativasrdquo como sustenta Maingueneau (2005 p 103) uma vez que enunciar em conformidade com as regras de sua proacutepria FD e natildeo ldquocompreenderrdquo o discurso de outrem satildeo ldquoduas facetas do mesmo fenocircmenordquo estatildeo interligadas e satildeo interdependentes Como temos percebido a polecircmica discursiva que apresentamos aqui (DFS versus DFO) se baseia nesse princiacutepio

Nesse processo de ldquotraduccedilatildeordquo notemos que o ser surdo nos trechos de (07) a (09) pode ser definido por seu avesso ou seja por aquilo que ele natildeo eacute ou melhor pela negaccedilatildeo daquilo que o ser surdo parece ser (pelo menos por meio do simulacro produzido pelo DFS) no DFO sub-humano imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica falta QI ou inferioridade obrigaccedilatildeo meacutetodo oral etc

Mas ao expor o seu ldquonatildeo serrdquo negando traccedilos do DFO os locutores acabam por definir o seu ldquoserrdquo apresentando traccedilos que compotildeem o seu proacuteprio discurso humano original que natildeo se ldquotratardquo inteligente e igual usuaacuterio de sinais etc Ora semanticamente quando digo o que natildeo sou atesto o que sou Tal estrateacutegia

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discursiva mostra que os conteuacutedos impliacutecitos agrave negaccedilatildeo natildeo constituem em princiacutepio o verdadeiro objeto do dizer e eacute essa caracteriacutestica que dota os enunciados de eficaacutecia argumentativa O ldquoser surdordquo natildeo estaacute aqui exposto de maneira direta mas pode ser recuperado a partir de uma manobra semacircntica relativamente simples Compreendemos assim que a surdez nos discursos anteriores eacute definida sobretudo pela conduta do sujeito diante dela isto eacute o ser surdo aqui eacute definido como um cidadatildeo como todos que estabelece a sua vida a partir da sua diferenccedila que natildeo procura viver como se fosse ouvinte e tampouco se importa com o preconceito A imagem que se constroacutei a partir desses fragmentos eacute a imagem de sujeitos independentes e libertos de amarras sociais que possam ditar comportamentos no caso comportamentos considerados tiacutepicos aos sujeitos tidos como ldquodeficientesrdquo

Enquanto (07) e (09) parecem querer combater o simulacro do discurso sobre o ser surdo corrente no DFO investindo contra uma representaccedilatildeo social que costuma se alicerccedilar em saberes meacutedicos como em (07) natildeo eacute sub-humano ou em (09) natildeo eacute deficiecircncia o trecho (08) ao contraacuterio busca ldquogolpearrdquo um discurso sobre o surdo corrente na proacutepria comunidade surda Nesse trecho o locutor combate uma forma de ser surdo que estaria em consonacircncia com o DFO que seria aquele que se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Aqui o surdo projeta um outro para si natildeo apenas para o seu discurso

Notemos portanto que os trechos citados se ancoram na negaccedilatildeo de proposiccedilotildees que parecem ser de alguma forma previamente conhecidas se natildeo pelos interlocutores-leitores pelo menos pelo locutor que representa a comunidade surda

Ducrot (1987 p 203) como afirmamos anteriormente considera a negaccedilatildeo um iacutendice de polifonia que por sua vez compotildee a noccedilatildeo de heterogeneidade discursiva nesse caso a de heterogeneidade mostrada (marcada) De acordo com esse autor eacute preciso distinguir em um enunciado negativo duas proposiccedilotildees ou dois pontos de

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vistas opostos (atribuiacutedos portanto a enunciadores distintos23) o primeiro positivo e um outro que o nega Daiacute o caraacuteter polifocircnico do fenocircmeno

Numa primeira formulaccedilatildeo Ducrot (1987) divide a negaccedilatildeo em descritiva que representa um estado de coisas ldquosem que o autor apresente sua fala como se opondo a um discurso contraacuteriordquo e polecircmica ldquodestinada a opor-se a uma opiniatildeo inversardquo sendo essa uacuteltima a parte da teoria que nos interessa aqui Nas ocorrecircncias de (07) a (09) notamos portanto que a negaccedilatildeo pode ser considerada polecircmica uma vez que o enunciador refuta enunciados (virtuais) contraacuterios como sabemos advindos do DFO

Em (08) apesar de o operador negativo incidir diretamente apenas sobre o primeiro termo da enumeraccedilatildeo (eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc) pode-se perceber que o efeito de sentido negativo se estende tambeacutem sobre os demais termos da enumeraccedilatildeo Tais termos isoladamente poderiam ser considerados enunciados afirmativos inseridos no discurso no entanto eles se tornam discursivamente negativos ldquo[natildeo eacute] ficar imitando os ouvintesrdquo ldquo[natildeo eacute] ir sempre para a cliacutenicardquo

O mesmo fenocircmeno pode ser percebido em (09) apoacutes apresentar o que a surdez no DFS natildeo eacute ndash [natildeo eacute] ausecircncia de sons [natildeo eacute] ir para a cliacutenica [natildeo eacute] obrigaccedilatildeo meacutetodo oral ndash apresenta-se o que ela eacute surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila A figura da ldquodiferenccedilardquo aparece aqui como oposta agrave ldquodeficiecircnciardquo sendo considerada como um argumento positivo para a compreensatildeo da surdez como defendemos neste estudo

23 Lembramos que para Ducrot (1987 p 192-193) o locutor eacute o responsaacutevel pelo enunciado enquanto os enunciadores satildeo perspectivas pontos de vista com os quais o locutor se identifica ou natildeo

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4 Consideraccedilotildees finais

Neste estudo vimos que a identidade de um discurso pode ser definida a partir da negaccedilatildeo ndash e da construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de simulacros ndash do seu outro discursivo Pudemos averiguar que entre as FD do campo apresentado parece haver uma fronteira porosa que possibilita trocas pois foi sobretudo a partir da negaccedilatildeo do DFO que o DFS se constituiu O DFS foi aqui caracterizado como a ocorrecircncia de uma ideologia surda que se fundamenta tanto em princiacutepios libertaacuterios do direito de escolha quanto em questotildees filosoacuteficas que questionam o conceito de norma Com isso combate-se o DFO e a ideologia hegemocircnica na sociedade que produzem dicotomias maniqueiacutestas entre os surdos e natildeo surdos

Por fim podemos afirmar que o DFS constituiu-se por meio da antecipaccedilatildeo e da negaccedilatildeo daquilo que poderia ser o seu simulacro na visatildeo do outro ou seja do DFO O DFS assim define-se justamente a partir do que ele natildeo eacute ou melhor a partir da negaccedilatildeo daquilo que ele parece ser aos olhos do discurso concorrente de forma a construir um ldquoeurdquo a partir de um ldquonatildeo eurdquo Trata-se de construir e negar simulacros de si mesmo como forma de preservar a sua identidade discursiva no espaccedilo em questatildeo Este estudo por fim faz reverberar o postulado pela normalidade surda reafirmando a necessidade de difusatildeo de discursos que descontroem imagens estereotipadas sobre os surdos e a surdez

Referecircncias

CARVALHO I Protetizaccedilatildeo auditiva Jornal do Conselho Federal de Medicina Satildeo Paulo n 156 Ano XVIII 2003 Disponiacutevel em http wwwportalmedicoorgbrjornaljornais2002Dezembropag_13htm Acesso em 4 set 2014

DUCROT O O dizer e o dito Campinas Pontes 1987

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MAINGUENEAU D Gecircnese dos discursos Traduccedilatildeo Siacuterio Possenti Satildeo Paulo Criar Ediccedilotildees 2005

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RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2014

Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircnea o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Este capiacutetulo apresenta uma abordagem linguiacutestico-discursiva do gecircnero textual crocircnica jornaliacutestica brasileira com o propoacutesito de ampliar os estudos em torno das especificidades entre a argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero A crocircnica vem em tempos atuais aumentando a sua forccedila com o surgimento entre noacutes de novos cronistas e de um nuacutemero cada vez maior de textos divulgados natildeo soacute em dispositivo jornaliacutestico (impresso ou on-line) como em coletacircneas editadas especialmente para esse fim

Gecircneros como a crocircnica praticados no discurso jornaliacutestico encontram densidade e forccedila no processo retoacuterico da persuasatildeo Optar pois pela crocircnica de jornal eacute reconhecer que a sua veiculaccedilatildeo nesse suporte possui as suas peculiaridades tendo os cronistas jornaliacutesticos um papel social legitimado O cronista estabelece em sua escrita um olhar ldquoavaliativordquo ao voltar-se para o homem e o seu fazer social Perguntamo-nos entatildeo como se fundam as bases desse discurso persuasivo que ndash atestamos ndash eacute tatildeo bem aceito em nosso meio social sendo um discurso que deitou raiacutezes as quais vecircm se sustentando por mais de um seacuteculo no Brasil

Essas questotildees justificam a necessidade de aprofundar o nosso estudo em torno dos expedientes argumentativos e opinativos desse gecircnero textual A crocircnica eacute orientada pelos saberes que jaacute se constituem como um objeto de acordo entre os sujeitos sociais os cidadatildeos Seraacute traccedilado para selar o compromisso de estudar os aspectos formais discursivos e socioculturais que nos ajudem a delinear um perfil da crocircnica produzida em nosso paiacutes um breve percurso da sua origemhistoacuteria aliando a isso a pretensatildeo de sobretudo obter e mostrar novas luzes a respeito de categorias ainda polecircmicas no meio acadecircmico como o status genoloacutegico da crocircnica as suas relaccedilotildees com o par argumentaccedilatildeoconfiguraccedilatildeo da opiniatildeo Demonstraremos tambeacutem assim o retrato construiacutedo discursivamente pelo cronista dos modos e concepccedilotildees de vida da sociedade do povo brasileiro

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Do ponto de vista metodoloacutegico o corpus eacute composto por amostragem tendo em vista na medida do possiacutevel a diversidade temaacutetica do conteuacutedo dos textos a exploraccedilatildeo de dados autobiograacuteficos o grau de envolvimento com o fato relatadocomentado e o modo de conduccedilatildeo da operaccedilatildeo argumentativa com os seus efeitos de caraacuteter opinativo

A partir da seleccedilatildeo do corpus para a realizaccedilatildeo de um estudo coerente com a concepccedilatildeo da linguagem verbal contemplada como discurso caracterizada como veiacuteculo de manifestaccedilatildeo das formas como o homem constroacutei social e historicamente a sua existecircncia napela interaccedilatildeo com o outro e capaz de nos fazer alcanccedilar os objetivos pretendidos foram eleitas como suporte teoacuterico as linhas voltadas para o processamento discursivo em especial a Anaacutelise do Discurso que oferece subsiacutedios para o tratamento das categorias de anaacutelise aqui propostas

Assim seratildeo consultados especialistas consagrados (linguistas ou natildeo) entre os quais Charaudeau (2008 2015) Meyer (1993) Bakhtin (2000) Bally (1965) Perrone-Moiseacutes (2006) Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) Reboul (1984) Parret (1998) Ricoeur (2007) e Certeau (2007)

1 Retoacuterica da seduccedilatildeo nas crocircnicas

Embora vista pela maioria dos autores como um dos componentes intriacutensecos agrave linguagem humana a argumentatividade natildeo deixa de suscitar entre noacutes a polecircmica em torno da questatildeo da prevalecircncia de uma das forccedilas que movem o ser humano razatildeo e emoccedilatildeo Em defesa da conjunccedilatildeo das duas Bally (1965 p 15-16 traduccedilatildeo nossa) assim se manifesta a esse respeito ldquo[] aqueles entre meus pensamentos que germinam em plena vida nunca satildeo de ordem essencialmente intelectual satildeo movimentos acompanhados de emoccedilatildeo []rdquo24

24 No original ldquo[] celles de mes penseacutees qui germent en plein vie ne sont jamais drsquoordre essentiellment intellectuel ce sont des mouvements acompagneacutes drsquoeacutemotion []rdquo

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Nas trilhas desse autor fica perceptiacutevel aqui que o uso da palavra se daacute no interior de uma atividade enunciativa que por si soacute implica a atuaccedilatildeo de um sujeito caracterizado como ser de pensamento e de emoccedilatildeo ndash o que significa que esse processo nunca ocorre separadamente das pulsotildees vitais proacuteprias ao ser humano

Inferimos daiacute que o desejo a esperanccedila a crenccedila a indiferenccedila o descreacutedito etc tambeacutem integram a operaccedilatildeo que envolve o pensar mesclando-se a ele em maior ou menor grau de intensidade Em outras palavras o pensamento natildeo se sedimenta puramente na razatildeo o ser humano sempre tem a intenccedilatildeo de convencer o outro de encantaacute-lo de manipular os seus sentimentos de impulsionaacute-lo a realizar determinadas accedilotildees

Certamente esse modo de conceber o pensamento nos leva a perguntar o seguinte que tipo(s) de relaccedilatildeo o ldquojogo de seduccedilatildeordquo manteria com a linguagem Em ensaio Perrone-Moiseacutes (2006 p 13) afirma que ldquo[] as liacutenguas estatildeo carregadas de amavios de filtros amatoacuterios []rdquo o que nos leva a concluir que a linguagem por si e em si mesma revela-nos traccedilos daqueles que a utilizam e criam Assim ela proacutepria nos fornece os meios de seduzir o outro por intermeacutedio de estrateacutegias como a ironia a metaacutefora a metoniacutemia os eufemismos o pleonasmo os torneios como a liacutetotes etc Eacute possiacutevel fascinar o outro ateacute mesmo por meio do emprego de um determinado gecircnero textual como por exemplo a crocircnica Escrevendo-a ou lendo-a vamos aos poucos sendo envolvidos num jogo de seduccedilatildeo passando a ser ldquocuacutemplicesrdquo da sua construccedilatildeo juntamente com o seu autor

Uma consequecircncia importante desse jeito de pensar a liacutengua eacute descobrir que a figuratividade natildeo eacute uma prerrogativa do discurso literaacuterio visto por muitos estudiosos como a uacutenica modalidade passiacutevel de produzir esse tipo de ldquojogordquo executado entre outras coisas pela oscilaccedilatildeo ambiguidade e volubilidade proacuteprias agrave liacutengua Diferentemente pensamos que por mais ldquobanaisrdquo que sejam

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nossas falas cotidianas natildeo deixam de contar com elementos de natureza figurativa tambeacutem explorados em discursos institucionais como o acadecircmico o juriacutedico o jornaliacutestico o religioso etc de que costumeiramente satildeo exigidas objetividade e imparcialidade

Em suma queremos dizer que a capacidade de seduccedilatildeo de enredamento de persuasatildeo eacute interna agrave proacutepria linguagem vista pelo linguista dinamarquecircs Hjelmslev (2006) como um tecido urdido nas proacuteprias tramas do pensamento

No caso particular da crocircnica gecircnero aqui investigado cumpre-nos alertar para o fato de que a sua brevidade leveza e volatilidade natildeo significam que seja desprovida do espiacuterito reflexivo e criacutetico do seu autor Nela vemos esboccedilada a figura de um ethos com seu projeto de fala de um logos com possibilidade de conduzir o raciociacutenio a accedilatildeo do outro alvejando-lhe o pathos Dessa sorte acreditamos no caraacuteter dialoacutegico da linguagem o que nos leva a citar mais uma vez Bakhtin (2000 p 354) que nos faz a seguinte recomendaccedilatildeo

[] natildeo conveacutem compreender a relaccedilatildeo dialoacutegica de modo simplista e uniacutevoco e resumi-la a um processo de refutaccedilatildeo de controveacutersia de discordacircncia A concordacircncia eacute uma das formas mais importantes da relaccedilatildeo dialoacutegica A concordacircncia eacute rica em diversidade e em matizes

Em face dessas caracteriacutesticas e papeacuteis proacuteprios agrave linguagem cabe-nos considerar as crocircnicas produzidas entre noacutes buscando identificar e analisar as peccedilas utilizadas pelo cronista no jogo de seduccedilatildeo que estabelece com o leitor peccedilas essas que incluem o diaacutelogo com o seu leitor Veria aquele o seu puacuteblico-alvo como um adversaacuterio ou como um parceiro de criaccedilatildeo Quem seria esse puacuteblico ao qual a crocircnica se destina

Para responder a essas questotildees recorremos a Meyer (1993 p 22 traduccedilatildeo nossa) que define a retoacuterica como ldquo[] a negociaccedilatildeo da distacircncia entre os sujeitos []rdquo distacircncia essa que ldquo[] pode ser

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reduzida aumentada ou mantida segundo o casordquo25 Da nossa parte acreditamos que o objetivo do cronista eacute diminuir a distacircncia entre si e seu interlocutor O seu desejo eacute obter a anuecircncia do leitor e se possiacutevel ldquoa comunhatildeo de almasrdquo conforme nos deixa entrever um de nossos cronistas de maior renome Rubem Braga ldquoAgraves vezes tambeacutem a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou algueacutem a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia []rdquo (BRAGA 1999 p 157)

Essa incorporaccedilatildeo do leitor no texto pode funcionar como um mecanismo criador de identidade de familiaridade e consequentemente de haacutebito de leitura Por se sentir proacuteximo ao cronista o ldquohomem das ruasrdquo natildeo se sente excluiacutedo do universo da escrita mas sim faz parte do cotidiano do escritor do jornal que veicula a sua criaccedilatildeo

2 O processo de argumentaccedilatildeo na crocircnica a configuraccedilatildeo da opiniatildeo

Prosseguindo nesta seccedilatildeo com as nossas reflexotildees sobre especificidades das relaccedilotildees entre a argumentaccedilatildeo e a escrita de crocircnicas gostariacuteamos de explicitar aspectos relativos agrave configuraccedilatildeo da opiniatildeo na crocircnica como exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea Nesse caso encontramo-nos forccedilosamente no campo das apreciaccedilotildees valorizaccedilotildees e julgamentos tornados tangiacuteveis pela materialidade textual que visa ndash expliacutecita e tambeacutem muitas vezes implicitamente no esconderijo das entrelinhas ndash agrave adesatildeo de um determinado auditoacuterio influenciando-o em suas posturas visotildees de mundo e mesmo em suas accedilotildees cotidianas

Nesse caso o auditoacuterio a quem o cronista dirige a sua argumentaccedilatildeo se caracteriza pelo conjunto de leitores de determinado jornal conforme vemos satildeo grupos de natureza

25 No original ldquo[] la neacutegociation de la distance entre les sujets [] peut ecirctre reduite accrue ou maintenue selon les casrdquo

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heterogecircnea uma vez constituiacutedos por sujeitos de idade posiccedilatildeo social niacutevel intelectual etc diversificados Esses aspectos demandam eacute claro do cronista uma justa preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao ato de argumentar e o conduzem a uma permanente busca da melhor forma de estabelecer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) designaram como ldquoO contato de espiacuteritosrdquo

De fato a crocircnica eacute por excelecircncia e por natureza um gecircnero que pratica a opiniatildeo argumenta a favor de (ou contra) algo apresentando em prol disso justificativas provaacuteveis verossiacutemeis por vias argumentativas que falem ao intelecto ao espiacuterito e agrave alma Por que tornaacute-los antagocircnicos opostos Nem sempre eacute preciso como lemos em Reboul (1984 p 86 traduccedilatildeo nossa) ldquoA persuasatildeo deve agir tanto sobre a afetividade quanto sobre a inteligecircncia sendo isso a marca da retoacutericardquo26 Mesmo sob a manifestaccedilatildeo do seu mais recorrente modo de organizaccedilatildeo do discurso ndash o modo narrativo ndash os eventos relatados satildeo comumente expedientes para a manifestaccedilatildeo de teses e propostas sobre o mundo

Consideramos agrave vista disso que o fenocircmeno de manifestaccedilatildeo de discurso que designamos como opiniatildeo eacute fruto das relaccedilotildees inter-humanas da consciecircncia que os sujeitos possuem de natildeo estarem soacutes no mundo de que o que os outros fazem ou pensam nos interessa (e muito) e que aquilo que pensamos ou fazemos eacute tambeacutem objeto de atenccedilatildeo do outro Advecircm daiacute os fenocircmenos de modalizaccedilatildeo de nossos discursos e tambeacutem o que Bakhtin (2000) denominou de ldquotomrdquo percebido apreendido num dado discurso

Esse tom eacute pois determinado na troca intersubjetiva nas atitudes reveladas ou insinuadas pelo locutor quando das relaccedilotildees que busca estabelecer com seu interlocutor A opiniatildeo configura-se no gecircnero crocircnica sobre esta dupla base a da pessoa do cronista o qual sabe que se ele possui a sua proacutepria palavra as suas experiecircncias o leitor (ou possiacutevel leitor) da crocircnica igualmente

26 No original ldquoLa persuasion doit agir agrave la fois sur lrsquoaffectiviteacute et sur lrsquointelligence cet a la fois eacutetant la marque de la rheacutetoriquerdquo

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as possui Essa escrita processa-se portanto considerando as relaccedilotildees de um eu que estaacute para o outro e tambeacutem de um outro que deveraacute voltar-se para um eu

O cronista possui a consciecircncia de que participa de um processo interacional em que o seu discurso deve visar com a maior eficaacutecia possiacutevel ao acordo agrave concordacircncia a respeito das teses e dos motivos por que eacute preciso defendecirc-las Eacute necessaacuterio entatildeo ldquo[] ter apreccedilo pela adesatildeo do interlocutor pelo seu consentimento pela sua participaccedilatildeo mentalrdquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999 p 18)

Temos por conseguinte que uma das premissas agrave qual deve estar atento o cronista na qualidade de defensor de pontos de vista acerca de ocorrecircncias fazeres praacuteticas do cotidiano dos sujeitos que habitam as cidades eacute buscar continuamente obter informaccedilotildees a respeito do que pensam esses sujeitos sobre que valores advogam outorgam para que possa assim defendecirc-los qual a natureza das experiecircncias por que passam que tipo de laccedilos estabelecem com o seu proacuteximo o que lhes agrada ou desagrada enfim eacute buscar dados o mais proacuteximo possiacutevel dos indiviacuteduos concretos aos quais procura o cronista persuadir com asnas suas crocircnicas

Eacute claro que a partir do conhecimento de tais dados ndash muitos dos quais satildeo fornecidos pelos proacuteprios leitores dos jornais pois a miacutedia hoje procura por meio de expedientes como comentaacuterios de internautas e-mails e outros verificar os graus de adesatildeo dos leitores agrave palavra de seus profissionais ndash o sujeito argumentante o cronista constroacutei e reconstroacutei em seu discurso a imagem do ldquoauditoacuterio presumidordquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999)

A imagem construiacuteda desse auditoacuterio possui o meacuterito de abarcar discursivamente crenccedilas mais gerais do que as conhecidas aqui e ali do auditoacuterio concreto e tambeacutem mais baacutesicas que tentam encontrar eco em leitores ou possiacuteveis leitores cujas posturas diante do mundo o cronista desconhece mas como a proacutepria

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designaccedilatildeo do auditoacuterio permite revelar pode presumir Nessa empreitada geralmente o cronista obteacutem sucesso como comprova o status de que goza esse gecircnero em nossa sociedade

A respeito desses dados concernentes a essa relaccedilatildeo sujeito argumentante e auditoacuterio deixamos ao leitor esta crocircnica do cronista poliacutetico do jornal Folha de Satildeo Paulo Cloacutevis Rossi que exemplarmente ratifica a nossa exposiccedilatildeo

Naacuteufragos (texto integral)Cloacutevis Rossi

Sou de um tempo em que o trabalho do jornalista assemelhava-se ao ato do naacuteufrago que coloca uma mensagem na garrafa e a lanccedila ao mar Natildeo sabe se a garrafa chegou a algum lugar a qual lugar se a mensagem foi lida se foi entendida como foi entendida

A comparaccedilatildeo esclareccedilo natildeo eacute minha Ouvi-a 30 anos atraacutes de Joseacute Antocircnio Novaes entatildeo correspondente do ldquoEstadatildeordquo e do jornal francecircs ldquoLe Monderdquo em Madri

Hoje graccedilas agrave internet os naacuteufragos jaacute sabemos o que acontece com algumas de nossas garrafas Jaacute sabemos o que antes apenas intuiacuteamos o leitor inteligente natildeo eacute o destinataacuterio passivo da mensagem mas o parceiro do naacuteufrago na observaccedilatildeo das coisas do mundo

O leitor tambeacutem lanccedila suas garrafas ndash natildeo ao mar mas na rede sabendo que chegaraacute ao destinataacuterio mas sem saber se a mensagem seraacute ou natildeo lida ou como seraacute entendida De minha parte como prestaccedilatildeo de contas informo que nos primeiros dias apoacutes a Folha ter decidido publicar o endereccedilo ao peacute de muitas colunas queixei-me de que estava perdendo duas horas por dia em meacutedia para ler e responder a correspondecircncia

Logo revi o verbo Em vez de ldquoperderrdquo sei agora que ldquoinvistordquo duas horas nesse diaacutelogo Descobri tambeacutem que na troca de ideacuteias com o leitor ganho eu Eacute claro que haacute alguns idiotas de

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plantatildeo que escrevem toneladas de asneiras mas a estes parei de responder faz tempo ndash e os que identifico parei tambeacutem de ler

Mas a grande maioria aporta informaccedilotildees que estatildeo fora do radar da miacutedia vecirc acircngulos que mesmo olhos treinados de socioacutelogos deixam passar e acima de tudo expressa sentimentos que o mundo poliacutetico parou de processar faz tempo

Tudo somado aviso ao leitor que saio hoje de feacuterias (por 15 dias) com a sensaccedilatildeo de que a tecnologia libertou o jornalista da solidatildeo do naacuteufrago mas colocou-o em contato com uma multidatildeo de outros naacuteufragos Da poliacutetica (ROSSI 2006)

O processo que visa ao conhecimento do auditoacuterio tem como alvo persuadir melhor a fim de obter uma maior adesatildeo agraves ideias que satildeo professadas pelo cronista Ele consegue essa adesatildeo por meio dos proacuteprios mecanismos que utiliza para sustentar o sistema de crenccedilas de saberes que estatildeo envolvidos em sua escrita

O cronista lida diariamente efetivamente com saberes de crenccedila que segundo Charaudeau (2015 p 45) ldquoSatildeo saberes que resultam da atividade humana quando esta se aplica a comentar o mundo isto eacute fazer com que o mundo natildeo exista mais por si mesmo mas sim atraveacutes do olhar que o sujeito lanccedila sobre elerdquo Aleacutem disso como jaacute dissemos estabelece um julgamento um olhar ldquoapreciativordquo em relaccedilatildeo a esses elementos daiacute a possibilidade de estetizaccedilatildeo do cotidiano

Enfim o sujeito argumentante na crocircnica acata e constroacutei a sua argumentaccedilatildeo privilegiando em termos mais amplos a linguagem comum ateacute celebrando-a ao desenvolver sua argumentaccedilatildeo a partir do lugar-comum De fato eacute na escrita da crocircnica em sua globalidade que a linguagem comum faz fluir dela a leitura Aliaacutes natildeo eacute proacuteprio dos cronistas cometer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999 p 173) citando Quintiliano e Ciacutecero dizem ser o defeito ldquotalvezrdquo mais grave do orador ldquo[] seja o de recuar ante a linguagem comum e ante as ideacuteias geralmente aceitasrdquo

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Isso constitui inclusive um acordo jaacute celebrado tacitamente entre as partes cronistas e leitores observamos a praacutetica escrituriacutestica de um discurso veiculado em linguagem que privilegia o fluir da leitura a recepccedilatildeo mais clara das ideias fala leve clara explicitamente dialoacutegica heranccedila desse gecircnero em suas bases antigas

Assim no que se refere agrave interaccedilatildeo pela leitura das crocircnicas o interlocutor eacute convidado a participar ativamente de uma troca mediada pelo texto Seu papel eacute ativar seus saberes e colocaacute-los em interaccedilatildeo com o universo discursivo de que faz parte Os textos que manifestam opiniatildeo dentro do jornal entre eles a crocircnica fazem da argumentaccedilatildeo um exerciacutecio corrente de demonstraccedilatildeo de praacuteticas sociodiscursivas O exerciacutecio da crocircnica estaacute pois associado ao diaacutelogo com forccedila de accedilatildeo caracteriacutestico da fala explicitamente retoacuterica

A contemporaneidade como construccedilatildeo do pensamento humano caracteriza-se entre outros aspectos pela reflexatildeo a respeito da possibilidade de subjetividade poreacutem subjetividade esta que sente em si mesma a necessidade de ndash ao tomar como foco aspectos de uma interioridade ndash abrir espaccedilos em graus variaacuteveis a uma intersubjetividade jaacute que o que determina a percepccedilatildeo que temos da vida interior eacute a fronteira que estabelecemos entre esta vida e a vida que estaacute ldquovoltada para forardquo (BAKHTIN 2000 p 119) ou seja voltada para a convivecircncia que manifesta o desejo e mesmo a necessidade de que o outro valide as nossas accedilotildees participe da nossa vida no tempo que se estende entre nascimento e morte em que a nossa histoacuteria eacute construiacuteda

Sobre essa tendecircncia geral explica-nos Bakhtin (2000 p 35-36)

A bem dizer na vida agimos [] julgando-nos do ponto de vista dos outros tentando compreender levar em conta o que eacute transcendente agrave nossa proacutepria consciecircncia [] em suma estamos constantemente agrave espreita dos reflexos de nossa vida tais como se manifestam na consciecircncia dos outros quer se trate de aspectos isolados quer do todo da nossa vida

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Em termos mais amplos a crocircnica se compotildee em seu conteuacutedo das ocorrecircncias contempladas no cotidiano de tudo o que alimenta o tempo da vida dos homens em seu fluir em sua transitoriedade de questotildees sobre a vida e sua contraposiccedilatildeo a morte das nossas relaccedilotildees mesquinhas terriacuteveis ou enriquecedoras dos espaccedilos comuns em que circulamos socialmente Ela natildeo pode ser a vida de apenas um homem como bem atesta Parret (1998 p 157 traduccedilatildeo nossa) ldquo[] a vida cotidiana [] eacute puacuteblica ela exige uma interpretaccedilatildeo uma compreensatildeo enfim uma semioacuteticardquo27

Os homens na sua vida em sociedade instituem ldquoinventamrdquo no dizer de Certeau (2007) o habitual a cotidianidade posturas formas de ser de agir e de falar ritualizadas axiologizadas iterativas Conviver compartilhar accedilotildees e discursos eacute que proporciona sentido agrave vida cotidiana O habitual seria entatildeo uma garantia de estabilidade para os homens Parret (1998 p 19) fala da cotidianidade como ldquo[] um princiacutepio de organizaccedilatildeo da comunidade []rdquo Nesse sentido seria o caraacuteter habitual iterativo das formas de agir e falar o que torna possiacuteveis as identidades e o viacutenculo social entre os seres elementos que contribuem decisivamente para a reduccedilatildeo da incerteza e da possibilidade de ruptura do homem com os seus proacuteximos

As relaccedilotildees sociais nesse sentido tornam o ser um agente capaz de buscar a coordenaccedilatildeo o equiliacutebrio entre a sua vida individual e a sua vida social ou como diz Ricoeur (2007 p 141) ldquo[] entre o indiviacuteduo solitaacuterio e o cidadatildeo definido pela sua contribuiccedilatildeo agrave politeia agrave vida e agrave accedilatildeo da polis []rdquo Desse trabalho executado pelos homens derivam as relaccedilotildees ditas de pertencimento como as conjugais filiais e outros viacutenculos sociais mais ou menos dispersos entre os indiviacuteduos O que esperamos entatildeo como indiviacuteduos ou cidadatildeos desses seres com os quais travamos relaccedilotildees tecemos nossa vida diaacuteria os quais fabulam conosco e com os quais fabulamos Ao tomar como base Santo Agostinho Ricoeur (2007)

27 No original ldquo[hellip] la vie quotidienne [] elle est publique elle exige une interpretation une compreacuteehension donc une seacutemiotiquerdquo

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responde que possam muitas vezes desaprovar nossas accedilotildees mas que aprovem a nossa existecircncia

Quando discutimos ldquoaspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircneardquo pensamos nas formas como ela se (re)configura influenciando e ao mesmo tempo sendo influenciada pela dinacircmica da vida social no espaccedilo da miacutedia impressa e on-line nos motivos pelos quais sua praacutetica foi e eacute tatildeo respeitada Tanto que nos jornais os cronistas satildeo sempre ldquoescolhidos a dedordquo eacute um espaccedilo de prestiacutegio Muitos jornais importam crocircnicas de outros Processa-se uma ldquolutardquo de um gecircnero para manter-se vivo

O Brasil paiacutes com tantos problemas em relaccedilatildeo agrave leitura em diversos aspectos tem na crocircnica a oportunidade de um exerciacutecio do ato de ler que compreendemos como significativo ela eacute benquista lida por camadas relativamente variadas da populaccedilatildeo Temos como pretensatildeo justamente aprofundar os estudos e a compreensatildeo da crocircnica apresentando aspectos mais densos que realmente demonstrem a pertinecircncia de a termos como um gecircnero que ocupa lugar de destaque na realidade sociocultural da atualidade no Brasil

Com isso observamos tambeacutem a proacutepria coerecircncia da vida do gecircnero crocircnica em nossa sociedade em como e por que tem ldquose garantidordquo ateacute agora ou seja com tantas transformaccedilotildees soacutecio-histoacutericas como se comportou e comporta a essecircncia a integridade do gecircnero quando sabemos que ele influencia e ao mesmo tempo sofre influecircncia das formas de accedilatildeo e de discurso em sociedade

Aprendemos com as leituras de Bakhtin que para que um gecircnero se desintegre eacute preciso que se perca a sua essecircncia Senatildeo ele eacute capaz de reaparecer transfigurado de alguma maneira por meio de formas renovadas de vida e de circulaccedilatildeo social dos textos

Em geral a vida cultural na sociedade permite o acesso dos indiviacuteduos a protoacutetipos e ateacute a fragmentos dos gecircneros o que torna possiacutevel a sua assimilaccedilatildeo o seu aprendizado tanto da leitura

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quanto da escrita A cada funccedilatildeo social comunicativa corresponde um ou mais gecircneros que designam essas funccedilotildees por meio dos quais interagimos com aqueles que nos rodeiam Eacute certo que os gecircneros evoluem transformam-se porque atendem ao dinamismo comum da vida social poreacutem conservam na sua composiccedilatildeo orgacircnica na sua ldquomemoacuteria objetivardquo traccedilos de composiccedilatildeo que nos permitem com eles lidar utilizaacute-los em nossa comunicaccedilatildeo

O estilo de liacutengua da prosa no gecircnero crocircnica na escrita guarda o traccedilo do despojamento da simplicidade do linguajar do apelo a um vocabulaacuterio composto por termos em sua maioria de faacutecil alcance quanto ao sentido caracteriacutesticos das narrativas orais desde as mais antigas que a humanidade tratou de divulgar tiacutepicas do cotidiano Eacute oacutebvio que a crocircnica contemporacircnea nessa passagem do cotidiano ao jornal busca neutralizar traccedilos muito tiacutepicos particulares de comunidades restritas pela proacutepria procedecircncia do seu puacuteblico o cidadatildeo urbano A linguagem nesse caso como em todos os outros eacute percebida e trabalhada pelo cronista como um material genuinamente socioideoloacutegico portadora de pontos de vista sobre o mundo numa tentativa de uniatildeo harmoniosa com a instacircncia cidadatilde

No que diz respeito ao gecircnero e agrave sua estruturaccedilatildeo configuracional observamos que a crocircnica eacute um texto curto Eacute um discurso que no jornal natildeo pode ldquoocuparrdquo muito o leitor Pelo menos natildeo deve preencher um demasiado tempoespaccedilo real concreto de leitura Eacute uma leitura a ser feita a fim de se usufruir dela no espaccedilotempo de um breve momento Mas nessa brevidade de espaccedilotempo ela deve deixar o leitor satisfeito

O jornal eacute diaacuterio a crocircnica eacute diaacuteria e deve aleacutem disso levar o leitor a procuraacute-la todos os dias nesse jornal (de preferecircncia) em busca de um tema novo de mais um motivo para uma prosa uma conversa Vivemos o evento da leitura da crocircnica ocupando-nos do papel de coparticipantes a partir da nossa subjetividade Tomamos postura realizamos juiacutezos valoraccedilotildees enfim a nossa

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posiccedilatildeo eacute atuante O conjunto desse mundo discursivo percebido vivenciado pelo cronista revive diante do nosso olhar da nossa presenccedila da apreciaccedilatildeo que realizamos do seu conteuacutedo

O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com prudecircncia astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e de ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui como nos diz Charaudeau (2015) num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

No caso dos jornais brasileiros o cronista poliacutetico jaacute trabalha efetivamente na formaccedilatildeo da opiniatildeo embora de formas diferenciadas a depender da postura ideoloacutegica desse ou daquele jornal Por outro lado nos jornais brasileiros um cronista literato poderiacuteamos dizer com criatividade artiacutestica de escritor eacute o que institui entre outras coisas o espaccedilo do ldquorespirarrdquo de cessaccedilatildeo ainda que momentacircnea da secura ou do sensacionalismo da reportagem por exemplo ainda que ele esteja fazendo a criacutetica social ou poliacutetica

Temos por convicccedilatildeo que as reflexotildees realizadas neste trabalho contribuiratildeo para a sistematizaccedilatildeo de elementos baacutesicos que conferiram e conferem agrave crocircnica jornaliacutestica brasileira o estatuto de gecircnero textual para a sistematizaccedilatildeo das razotildees por que tomou e toma como objeto primordial de seu discurso os temas do cotidiano dos cidadatildeos

O espaccedilo midiaacutetico em que ela figura o jornal impresso ou on-line mais do que o suporte em que a crocircnica circula eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Por outro lado a proacutepria crocircnica determina outras formas de surgimento de outros textos que figuram no jornal Ou ainda

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manifesta-se sempre como espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social

3 Qual eacute o status genoloacutegico da crocircnica

Hospedeira de vaacuterios gecircneros textuais tiacutepicos tanto do discurso oral quanto do escrito a crocircnica serve a dois ldquosenhoresrdquo ou domiacutenios discursivos caracterizando-se em sua concisatildeo como texto jornaliacutestico e em seu lirismo como texto literaacuterio Por seu caraacuteter essencialmente mesclado a crocircnica ndash no que toca agrave diversidade de gecircneros que por ela perpassam assim como na variedade de formas de organizaccedilatildeo do discurso utilizadas em sua produccedilatildeo ndash continua ateacute hoje a desafiar os estudiosos a definir-lhe de vez o status genoloacutegico Esse desafio vem de longa data em nosso meio jaacute que se estendia ao ldquofolhetimrdquo seu ancestral

Vemos no caso que embora constante das diversas modalidades de discurso o hibridismo se manifesta de um modo especial no texto croniacutestico configurando-se pois como um de seus traccedilos peculiares manifestados quer na relaccedilatildeo entre o discurso e a praacutetica social a que se encontra ligado quer entre as diversas praacuteticas sociais e as instituiccedilotildees que as regem

Vejamos por exemplo neste excerto da crocircnica de Caio Fernando Abreu como a prosa se mescla agrave poesia e agrave interpelaccedilatildeo direta sendo uma proposta expliacutecita de diaacutelogo

Deus eacute naja (excerto)

Caio Fernando AbreuDia seguinte meu amigo Dark contou ndash ldquotive um sonho lindo Imagina soacute uma jamanta toda douradardquo Rimos ateacute ficar com dor na barriga E eu lembrei dum poema antigo de Drummond Aquele Consolo na Praia sabe qual lsquoVamos natildeo chores A infacircncia estaacute perdida A mocidade estaacute perdida Mas a vida natildeo se perdeursquo ndash ele comeccedila antes de enumerar as perdas

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irreparaacuteveis perdeste o amigo perdeste o amor natildeo tens nada aleacutem da maacutegoa e solidatildeo E quando o desejo da jamanta ameaccedila invadir o poema Drummond o Carlos pergunta lsquoMas e o humorrsquo Porque esse talvez seja o uacutenico remeacutedio quando ameaccedila doer demais [] Porque tambeacutem me acontece ndash como pode estar acontecendo a vocecirc que quem sabe me lecirc agora ndash de achar que tudo isso talvez natildeo tenha a menor graccedila Pode ser Deus eacute naja nunca esqueccedila baby Segure seu humor Seguro o meu mesmo dark vou dormir profundamente e sonhar com uma linda e fatal jamanta A mil por hora (ABREU 2007 p 242-243)

Acerca dessa duplicidade basilar da crocircnica e da extensatildeo e variaccedilatildeo do hibridismo que a constitui em seu trabalho a respeito da produccedilatildeo croniacutestica de Cony Andrade (2005 p 299) assim se manifesta

Como se sabe a crocircnica eacute um gecircnero que apresenta dupla filiaccedilatildeo jaacute que o tempo e o espaccedilo curtos permitem o tratamento literaacuterio a temas jornaliacutesticos Assim ela tem do jornal a concisatildeo e a pressa e da literatura a magia e a poeticidade que recriam o cotidiano Nela se podem apresentar pequenos contos artigos ensaios ou poemas em prosa ou seja tudo aquilo que informe o leitor sobre os acontecimentos diaacuterios O cronista faz descriccedilotildees comentaacuterios a partir da observaccedilatildeo direta de fatos ou situaccedilotildees sujeitos agraves marcas do subjetivismo Desse modo registrar o elemento circunstancial passa a ser o princiacutepio baacutesico da crocircnica Por essas caracteriacutesticas e principalmente por sua brevidade a crocircnica torna-se um gecircnero peculiar para que o leitor possa ainda que indiretamente construir sua opiniatildeo a respeito dos principais temas do noticiaacuterio nacional ou internacional []

Foi justamente esse caraacuteter hiacutebrido da crocircnica ndash de um modo particular da que eacute produzida e veiculada nos jornais de maior circulaccedilatildeo no Brasil ndash um dos moacuteveis que nos levaram a elegecirc-la como objeto de estudo do presente trabalho

Como resistir pois agraves colunas de jornais que abrem espaccedilo para a apresentaccedilatildeo de relatos os quais escritos hoje ldquoao correr

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do teclado do computadorrdquo notificam-nos em tom avaliativo sobre os grandes e pequenos acontecimentos que recheiam o nosso dia a dia Como desprezar o tom de pilheacuteria de chalaccedila conferido por nossos cronistas no tratamento de assuntos seacuterios como os desmandos de nossos poliacuteticos que lutam tatildeo bravamente em prol de seu bolso Como ignorar o DNA de escritores que conforme ilustrado no fragmento abaixo fazem do humor uma verdadeira arma pedagoacutegica em prol do estabelecimento de uma eacutetica precisa e justa entre noacutes

Quando a histoacuteria daacute bode (excerto)

Affonso Romano de SantrsquoAnnaUm candidato a presidente da repuacuteblica com 94 anos E cego Eacute ver para crer Isto ocorreu haacute poucos dias na Repuacuteblica Dominicana Esse senhor se chama Joaquim Balaguer Detalhe jaacute foi presidente umas seis vezes Claro que perdeu Os eleitores agraves vezes enxergam de longe

Quando li essa notiacutecia achei que estava lendo um romance de Garciacutea Maacuterquez puro realismo fantaacutestico latino-americano No entanto estava diante de jornais venezuelanos estava ali no Caribe pois havia ido fazer uma conferecircncia na Universidade de Caracas E estar no Caribe daacute um colorido especial ao fato pois neste continente a realidade supera qualquer alucinaccedilatildeo [] (SANTrsquoANNA 2006 p 194)

Nas trilhas de especialistas como Charaudeau (2008) e outros a organizaccedilatildeo composicional da crocircnica compreende os seguintes modos discursivos narraccedilatildeo descriccedilatildeo dissertaccedilatildeo argumentaccedilatildeo e injunccedilatildeo variaacutevel conforme o grau de saliecircncia conferido a cada uma dessas possibilidades Embora no tocante agrave crocircnica a maioria de nossos autores privilegiem o modo narrativo natildeo deixam de explorar os demais destacando sempre um deles A constacircncia na escolha de um mesmo destaque serve como elemento de distinccedilatildeo estiliacutestica entre os autores Assim por exemplo Machado

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de Assis eacute considerado por seus pares e pelos estudiosos da sua crocircnica como o cronista ldquoformador de leitoresrdquo Joatildeo do Rio como o ldquocronista da reportagemrdquo Rubem Braga como ldquoo magoartesatildeo da palavrardquo ou como o ldquocronista liacutericordquo Otto Lara Rezende como o ldquoperdulaacuterio verbalrdquo Clarice Lispector como a ldquoautoplagiaacuteriardquo etc

A respeito do liacuterico Rubem Braga leiamos

Recado ao senhor 903 (excerto)

Rubem Braga[] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo em que um homem batesse agrave porta do outro e dissesse ldquovizinho satildeo trecircs horas da manhatilde e ouvi muacutesica em tua casa Aqui estourdquo E o outro respondesse ldquoEntra vizinho e come do meu patildeo e bebe do meu vinho Aqui estamos todos a bailar e a cantar pois descobrimos que a vida eacute curta e a lua eacute belardquo [] (BRAGA 1991 p 74)

Certamente a concessatildeo de privileacutegio a um dos modos de organizaccedilatildeo do discurso natildeo implica a exclusatildeo automaacutetica dos demais Na verdade embora menos destacados esses coatuam com o mais proeminente servindo como componentes indispensaacuteveis para a operaccedilatildeo levada a termo pelo autor Por conseguinte natildeo nos estranha a presenccedila de ingredientes descritivos e dissertativos na narrativa efetuada pelo escritor mineiro Affonso Romano no fragmento correspondente ao excerto a esse anteriormente apresentado

Natildeo obstante esse ldquojeito camaleocircnico de serrdquo da crocircnica da sua fugacidade do seu caraacuteter mais popular longe de noacutes julgaacute-la inferior a gecircneros elitistas conforme o faz ateacute hoje uma parte de nossos criacuteticos Ao contraacuterio conforme jaacute dito aqui a nosso ver satildeo justamente esses traccedilos que juntamente com outros fizeram da crocircnica um dos gecircneros mais cultuados no Brasil tanto do ponto de vista da instacircncia produtora quanto da receptora

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Isso sem falar que esses e outros elementos mais como a heterogeneidade temaacutetica e formal a dialogicidade intra e interdiscursiva o tipo e grau de interaccedilatildeo entre o escritor e o leitor o estilo do escritor etc podem refletir especularmente a praacutetica social que determina a crocircnica bem como o quadro poliacutetico econocircmico histoacuterico e sociocultural em que se acha inserida

Inferimos disso tudo que aleacutem de instrumento de lazer de informaccedilatildeo de fruiccedilatildeo do prazer esteacutetico a crocircnica tem o poder de nos revelar fatos acontecimentos haacutebitos costumes e a proacutepria mentalidade vigentes nos variados grupos humanos cujos sujeitos como seres sociais buscam interagir uns com os outros Tudo isso num espaccedilo miacutenimo e num aacutetimo de tempo

Outro tipo de hibridismo a mencionar aqui eacute o que diz respeito agrave sua temaacutetica cujas possibilidades de variaccedilatildeo satildeo inestimaacuteveis No caso dos cronistas brasileiros surpreende-nos a capacidade que tecircm de tratar de assuntos tatildeo corriqueiros e tatildeo inesperados Expert nesse quesito Luiacutes Fernando Veriacutessimo por exemplo assim subverte em operaccedilatildeo metalinguiacutestica e intertextual ldquoo aparelho formal da enunciaccedilatildeordquo o subjetivismo na linguagem estudados por teoacutericos como Benveniste (1989) e o mito da criaccedilatildeo constante do Livro do Gecircnesis

A primeira pessoa (excerto)

Luiacutes Fernando VeriacutessimoNo comeccedilo era eu Soacute eu Eu eu eu eu eu eu Natildeo existia nem a segunda pessoa do singular porque eu natildeo podia chamar Deus de ldquoturdquo Tinha que chamaacute-lo de ldquoSenhorrdquo Natildeo existia ldquoelerdquo Natildeo existia ldquonoacutesrdquo Nem ldquovoacutesrdquo Nem ldquoelesrdquo Soacute existia eu Eu eu eu eu Natildeo que eu fosse um egocecircntrico Eacute que natildeo havia alternativa

Eu natildeo podia pensar nos outros porque natildeo havia outros O mundo era uma gramaacutetica em branco Soacute havia eu e todos os verbos eram na primeira pessoa Eu abri os olhos Eu olhei em volta Eu vi que estava num Paraiacuteso (do grego paradeisos um

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jardim de prazeres ou do persa paridaiza o parque de um nobre mas isso soacute se soube depois) Eu perguntei ldquoO que devo fazer Senhorrdquo e Deus responde ldquoNada apenas existardquo E eu fui tomado pelo teacutedio A primeira sensaccedilatildeo humana [] (VERIacuteSSIMO 2005 p 107)

Como consequecircncia do hibridismo do domiacutenio discursivo da crocircnica outros tipos de miscigenaccedilatildeo podem ser instaurados na qualidade de texto do suporte jornal que abriga gecircneros textuais diferentes instauram-se desde as colunas sociais agraves colunas de notiacutecias de reportagens de editoriais de informaccedilotildees cientiacuteficas de missivas dirigidas ao leitor e ao jornal etc Isso sem falar nos obituaacuterios nos anuacutencios nos classificados na mateacuteria dirigida especialmente a crianccedilas jovens adultos etc A crocircnica se aproveita desse manancial trazendo em seu bojo notiacutecias reportagens anuacutencios chegando a assumir por vezes a forma de missiva de editorial de coluna social etc

4 Consideraccedilotildees finais

A pretensatildeo deste trabalho foi observar como se comporta o gecircnero textual crocircnica em seu espaccedilo costumeiro no jornal O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e do ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

O espaccedilo midiaacutetico em que a crocircnica figura mais do que um suporte eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Esse gecircnero constitui-se sempre como um espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de

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retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social em operaccedilotildees que visam agrave concordacircncia na troca interlocutiva por isso mesmo os cronistas satildeo instauradores de uma empatia entre os interlocutores

Este trabalho procurou ir ao encontro dessa forma de enxergar o discurso da crocircnica em que observaacutessemos o conjunto de forccedilas que contribuiacuteram e continuam contribuindo para a conquista do espaccedilo de prestiacutegio que o gecircnero possui em que o cronista precisa conjugar posiccedilatildeo institucional forccedila argumentativa persuasiva e talento na arte da escrita do seu discurso a fim de que o seu interlocutor se veja a cada crocircnica lida mais seduzido pelo gecircnero mesmo porque afinal nesse processo de persuasatildeo se o cronista obteacutem sucesso eacute pelo fato de que de alguma maneira o leitor se encontra ali inscrito pois o orador arguto natildeo negligencia o seu auditoacuterio antes respeita os seus saberes de conhecimento de crenccedila e sabe que precisa angariar a sua simpatia a sua predisposiccedilatildeo para ldquoouvirrdquo acatar ideias modificar posturas

Enfim essa posiccedilatildeo de legitimidade institucional do cronista repousa na imagem que ele daacute a entender de si mesmo a do cidadatildeo tal qual o outro que o lecirc

Referecircncias

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CHARAUDEAU P Linguagem e discurso Satildeo Paulo Contexto 2008

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REBOUL O La rheacutetorique-Que sais-je Paris PUF 1984

RICOEUR P A memoacuteria a histoacuteria o esquecimento Traduccedilatildeo Alain Franccedilois et al Campinas Editora da UNICAMP 2007

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VERIacuteSSIMO L F A primeira pessoa In VERIacuteSSIMO L F Orgias Rio de Janeiro Objetiva 2005 p 107-110

Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

Somos movidos por diferentes convicccedilotildees crenccedilas e valores que orientam nossas condutas e atitudes na sociedade Esse conjunto de concepccedilotildees abrange diferentes assuntos como poliacutetica e religiatildeo ou diversas aacutereas do conhecimento como a Sociologia ou a Histoacuteria ora com embasamento cientiacutefico ora com ideias disseminadas pelo senso comum Entre os variados temas que levantam discussotildees encontra-se a liacutengua Rejeitada criticada ou amada muitas satildeo as percepccedilotildees e avaliaccedilotildees sobre ela e seus usuaacuterios

Em relaccedilatildeo agrave Liacutengua Portuguesa variados mitos conforme Bagno (2013) percorrem o imaginaacuterio social Podemos citar por exemplo aqueles que consideram que o brasileiro fala mal sua proacutepria liacutengua que o idioma eacute muito difiacutecil e que o aluno fala ldquoerradordquo Essas manifestaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave liacutengua ou a seus usuaacuterios natildeo soacute satildeo muitas vezes construiacutedas na escola mas tambeacutem no aparato social que vai (re)construiacute-las sustentaacute-las ou perpetuaacute-las (CYRANKA 2014) Por isso a importacircncia de compreendermos as crenccedilas e atitudes sobre a liacutengua toacutepicos de um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica

Se os falantes podem ter diferentes percepccedilotildees sobre a linguagem e sobre o outro pelo uso que este faz da liacutengua eacute pertinente analisar essas percepccedilotildees e empreender esforccedilos para um entendimento sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica descortinando crenccedilas e preconceitos Sob essa perspectiva neste capiacutetulo abordamos o estudo ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014)

Assim em um primeiro momento contextualizamos a pesquisa descrevendo o cenaacuterio escolar em que se desenvolveu e o puacuteblico participante Em seguida discutimos os pressupostos teoacutericos que embasaram as reflexotildees e trilhamos o percurso do estudo levantando hipoacuteteses definindo objetivos e delineando

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os procedimentos metodoloacutegicos Na sequecircncia analisamos e levantamos questotildees sobre os resultados gerais que alcanccedilamos tecemos nossas consideraccedilotildees finais e arrolamos as referecircncias

2 Contexto da pesquisa e perfil de informantes

A pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo foi realizada com duas turmas do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica municipal de Baratildeo de Cocais ndash Minas Gerais Participaram do estudo 42 alunos dos quais 23 de uma turma do 6ordm ano e 19 de uma do 8ordm ano Para levantarmos informaccedilotildees sobre esses estudantes e traccedilarmos um perfil dos informantes aplicamos um questionaacuterio a eles e a seus responsaacuteveis analisamos documentos da escola e dados fornecidos pelas Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo e consideramos informaccedilotildees do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e da Prova Brasil (2011)

Esse conjunto de dados e de informaccedilotildees foi relevante porque acreditamos que para ser significativo o tratamento da Liacutengua Portuguesa precisa considerar as demandas dificuldades potencialidades e interesses dos alunos de modo que seja fundamental levar em conta suas particularidades socioculturais e analisar documentos da escola e resultados de avaliaccedilotildees externas e internas

Por meio do levantamento dessas informaccedilotildees pudemos constatar em relaccedilatildeo aos 42 alunos que a) a faixa etaacuteria dos informantes oscilava entre 11 e 18 anos b) a maioria dos alunos da turma do 6ordm ano (61) se enquadrava na faixa etaacuteria esperada para se cursar essa etapa enquanto apenas um aluno da turma do 8ordm ano estava em idade prevista ao ano escolar que cursava o que apontava no caso dessa uacuteltima turma haver um alto iacutendice de distorccedilatildeo idade-ano escolar (95) indicativo de que muitos alunos

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haviam repetido algum ano escolar inclusive o proacuteprio 8ordm ano (60) c) 785 dos estudantes informaram que natildeo tinham biblioteca ou livros para leitura em casa o que demonstrou a necessidade de a escola desenvolver praacuteticas de leitura e d) grande parte dos alunos das duas turmas reside na zona urbana 87 dos 23 alunos do 6ordm ano e 79 do 8o ano

A obtenccedilatildeo desses e de outros dados nos permitiu compilar caracteriacutesticas dos estudantes natildeo soacute escolares mas tambeacutem sociais e culturais (QUEIROZ PEREIRA 2013) o que foi primordial para um adequado encaminhamento de nossa proposta de intervenccedilatildeo porque sabemos que esses diferentes fatores podem exercer influecircncia no sucesso (ou no fracasso) dos estudantes (CAPOVILLA CAPOVILLA 2000)

Com base nesses princiacutepios a motivaccedilatildeo de nosso estudo partiu de avaliaccedilotildees negativas de alguns dos alunos sobre determinados usos linguiacutesticos que resultaram no silenciamento de um estudante que justificava sua natildeo participaccedilatildeo em aula entre outros motivos ao modo como falava uma variedade rural que ele considerava ldquoerradardquo

A partir disso julgamos ser urgente uma abordagem condizente sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula para natildeo soacute mostrar aos alunos que uma grande diversidade caracteriza o Portuguecircs mas sobretudo para desfazer imagens negativas sobre essa variaccedilatildeo e consequentemente elevar a autoestima linguiacutestica e social dos estudantes Para atingirmos essa meta alicerccedilamos nosso estudo em fundamentos que abordamos na proacutexima seccedilatildeo

3 Pressupostos teoacutericos

O foco de nosso estudo foi trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula desfazendo mitos preconceitos e imagens negativas dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa e sobre os proacuteprios falantes Nesse intuito fizemos um levantamento bibliograacutefico de diferentes

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trabalhos e pesquisas sobre o ensino de Portuguecircs em especial o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica Nesse sentido definimos como principais contribuiccedilotildees os construtos da Sociolinguiacutestica e da Sociolinguiacutestica Educacional

Assumimos primeiramente a concepccedilatildeo sociointeracionista da liacutengua porque eacute por meio dela que interagimos estabelecemos relaccedilotildees dialoacutegicas exercemos influecircncia e somos influenciados Assim sendo nosso conceito de liacutengua ultrapassa a mera noccedilatildeo de coacutedigo ou de conjunto de regras a serem seguidas para bem falar e escrever para passar a se referir a um instrumento ou mecanismo de accedilatildeo social heterogecircneo variaacutevel e situado que se manifesta nos mais diferentes gecircneros textuais orais ou escritos (MARCUSCHI 2000) Entender a liacutengua nessa perspectiva pressupotildee levar em conta suas interseccedilotildees com o contexto social em que eacute utilizada e com o qual estabelece os mais variados tipos de relaccedilatildeo aspectos que nos direcionam para os estudos sociolinguiacutesticos

A Sociolinguiacutestica eacute um campo da Linguiacutestica que comeccedilou a tomar corpo pelas contribuiccedilotildees de diferentes pesquisadores como Meillet e Bernstein e que surgiu a partir da iniciativa de Bright ao reunir em 1964 em Los Angeles um grupo para discutir questotildees relacionadas a essa ciecircncia como por exemplo a etnologia da variaccedilatildeo linguiacutestica (CALVET 2002) Mas Labov se tornaria o principal precursor dessa linha de pesquisa Com o estudo e a valorizaccedilatildeo da variedade linguiacutestica e do entendimento das condiccedilotildees socioculturais em que ela se desenvolve foram legitimados os diferentes modos de dizer um mesmo conteuacutedo em uma mesma situaccedilatildeo com o mesmo valor de verdade (TARALLO 1997)

A partir das discussotildees de Faraco (1998) e de Bortoni-Ricardo (2014) entendemos que a Sociolinguiacutestica faz uma relaccedilatildeo entre usos linguiacutesticos e fatores sociais como o grau de escolaridade e o niacutevel socioeconocircmico do falante Ainda que sejam distintos a liacutengua e o contexto social se correlacionam o que significa que

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regras variaacuteveis podem estar condicionadas a fatos linguiacutesticos como o contexto na palavra ou no texto em que ocorrem ou a fatos extralinguiacutesticos como a faixa etaacuteria e a situaccedilatildeo de formalidade ou informalidade da interaccedilatildeo Com base em Cezario e Votre (2013) podemos citar em relaccedilatildeo ao primeiro caso a realizaccedilatildeo ou natildeo do fonema [R] final em verbos conforme o contexto fonoloacutegico seguinte a ele a presenccedila de uma vogal favorece a pronuacutencia do [ɾ] reorganizando a siacutelaba (como em ldquopegar a crianccedilardquo) enquanto a consoante acaba desfavorecendo (ldquotomar banhordquo) Acerca da segunda situaccedilatildeo ainda na ocorrecircncia ou natildeo do [R] final de infinitivo falantes com menor grau de escolaridade tendem a apagaacute-lo ao contraacuterio daqueles que tecircm maior grau

Assim trata-se de uma aacuterea de pesquisa que procura analisar os eventos linguiacutesticos tanto interna quanto externamente em sua relaccedilatildeo com fatores sociais culturais e histoacutericos que influenciam e caracterizam a liacutengua estudada como ela ocorre em seus diferentes usos diversa como o proacuteprio ser humano A variaccedilatildeo com isso torna-se uma caracteriacutestica constitutiva das liacutenguas em uso

Essa variaccedilatildeo com base em Castilho (2014) pode por exemplo ser temporal (analisar o Portuguecircs de periacuteodos passados em relaccedilatildeo ao mais atual) geograacutefica (verificar as relaccedilotildees entre origem do falante e os usos especiacuteficos que faz da liacutengua) sociocultural (como correlacionar determinados usos da liacutengua com segmentos da sociedade) individual (considerar caracteriacutesticas proacuteprias do falante como idade e gecircnero) de registro (levar em conta a formalidade ou informalidade) ou de canal (estudar usos escritos ou falados) Acresccedila-se a isso que a variaccedilatildeo pode se processar em qualquer niacutevel da liacutengua como o fonoloacutegico (por exemplo as diferentes realizaccedilotildees do ldquoerdquo da palavra ldquoescolardquo [i] [e] ou [ε]) o lexical (como tangerina ou mexerica) e o sintaacutetico (ldquoo pai cujo filho eacute meacutedicordquo ou ldquoo pai que o filho eacute meacutedicordquo)

Se a variaccedilatildeo eacute intriacutenseca agrave liacutengua como abordaacute-la em sala de aula Para responder a essa indagaccedilatildeo buscamos subsiacutedios na

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Sociolinguiacutestica Educacional que no Brasil estaacute muito vinculada aos importantes trabalhos da professora e pesquisadora Stella Maris Bortoni-Ricardo Trata-se de uma vertente que procura natildeo soacute analisar a variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem trazer para o contexto da sala de aula suas aplicaccedilotildees (e implicaccedilotildees) (BORTONI-RICARDO 1999)

Para tanto Bortoni-Ricardo (2005) propotildee entender e trabalhar a ecologia do Portuguecircs Brasileiro ao considerar trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica Por se tratar de contiacutenuos eacute importante concebecirc-los como processos ou eventos os quais contemplam diferentes usos que muitas vezes se entrelaccedilam e por isso podem natildeo ter fronteiras bem demarcadas No primeiro caso podemos pensar em usos rurais mais isolados em um dos polos e no outro em usos urbanos que sofreram maior padronizaccedilatildeo perpassados pelo ldquorurbanordquo que podem englobar por exemplo usos por falantes que migraram de uma regiatildeo para outra mas que ainda preservam seus antecedentes culturais e linguiacutesticos Em relaccedilatildeo agrave oralidade-letramento de um lado se enquadram os usos falados sem influecircncia direta da escrita e do outro os usos sob a mediaccedilatildeo da escrita enquanto a monitoraccedilatildeo estiliacutestica se refere aos usos mais monitorados e planejados de um lado do contiacutenuo e do outro usos mais espontacircneos e menos monitorados

Eacute importante em sala considerar esses contiacutenuos pois conforme Bagno (2017) ao se ampliar o repertoacuterio do aluno e ao inseri-lo cada vez mais em eventos da cultura letrada ele teraacute mais subsiacutedios para participar eficientemente das situaccedilotildees de interaccedilatildeo Nesse sentido eacute oportuno que a escola desenvolva atividades que possam levar os estudantes a dominar a liacutengua em praacuteticas sociais operando assim sobre as variadas dimensotildees da linguagem (gramatical semacircntica pragmaacutetica) (BRASIL 1998)

Nesse processo cabe ldquoinstrumentalizar o aprendiz para que ele possa descobrir com seus camaradas as determinaccedilotildees sociais

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das situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo assim como o valor das unidades linguiacutesticas no quadro de seu uso efetivordquo (DOLZ SCHNEUWLY 2004 p 47) Isso significa que no caso do tratamento da variaccedilatildeo em sala o foco deve ser refletir sobre os diferentes usos da linguagem conforme o contexto comunicativo avaliando as intenccedilotildees discursivas e os efeitos de sentido pretendidos e alcanccedilados

A perspectiva eacute trabalhar a diversidade que caracteriza a liacutengua contemplando os variados gecircneros textuais-discursivos orais ou escritos e contribuir consequentemente para ampliar a competecircncia linguiacutestico-comunicativa do estudante por meio de praacuteticas efetivas de uso da linguagem elevando a autoestima do aluno como falante da Liacutengua Portuguesa e conscientizando-o de que a variaccedilatildeo pode envolver avaliaccedilatildeo A esse respeito Cyranka (2014) pontua que a avaliaccedilatildeo linguiacutestica eacute um tema que deve ser discutido porque estaacute relacionado agraves atitudes em relaccedilatildeo agrave liacutengua e ao proacuteprio falante

Assim se crenccedilas imagens e percepccedilotildees sobre a liacutengua podem influenciar o comportamento linguiacutestico e social eacute necessaacuteria uma proposta pedagoacutegica que se oriente natildeo somente pela identificaccedilatildeo de que a liacutengua varia mas que ao constatar essa variaccedilatildeo envolva tambeacutem reflexatildeo conscientizaccedilatildeo e especialmente respeito e aceitaccedilatildeo da diversidade linguiacutestica Adotamos essa perspectiva com base em Bortoni-Ricardo (2005) porque ldquoa compreensatildeo indevida a natildeo compreensatildeo ou a subversatildeo [de] normas valores e atitudes podem resultar em atitudes violentas comportamentos agressivos atos preconceituosos diante da imposiccedilatildeo (e da natildeo aceitaccedilatildeo) autoritaacuteria de formas de ser pensar e agirrdquo (SOARES 2014 p 105)

Diante disso a partir do momento em que o aluno compreende o que eacute a variaccedilatildeo linguiacutestica e passa a aceitar a diversidade de usos poderaacute agir respeitosamente com relaccedilatildeo aos diferentes falares e aos usuaacuterios da linguagem e elevar sua autoestima como falante o que poderaacute resultar na geraccedilatildeo de avaliaccedilotildees positivas e

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no combate ao preconceito linguiacutestico Esse aliaacutes foi um de nossos objetivos ao levantarmos as imagens (negativas) de alguns alunos sobre o modo como eles proacuteprios se avaliavam como falantes da Liacutengua Portuguesa e a partir disso desmitificar crenccedilas e conscientizaacute-los sobre a diversidade linguiacutestica

Com base nesses pressupostos desenvolvemos a pesquisa cujo percurso de realizaccedilatildeo detalhamos no proacuteximo toacutepico

4 Percurso do estudo

A pesquisa que ora sintetizamos partiu de nossa experiecircncia em sala de aula especialmente pela observaccedilatildeo sobre as imagens negativas que os alunos da turma do 8ordm ano tinham da liacutengua dentre os quais destacamos um estudante que pouco participava das aulas devido agrave avaliaccedilatildeo que ele proacuteprio fazia de sua fala a qual considerava ldquoerradardquo por sua origem rural Tornou-se necessaacuterio assim compreendermos o fenocircmeno agrave luz de teorias pertinentes orientando-nos pelos pressupostos da Sociolinguiacutestica Educacional

Isso posto levantamos duas hipoacuteteses para a pesquisa observando se (1) os alunos demonstrariam ter imagens equivocadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica e a partir disso se (2) o tratamento da variaccedilatildeo poderia ser favorecido por meio do desenvolvimento de atividades Consideramos essas hipoacuteteses muito importantes porque a primeira focalizava o levantamento de imagens enquanto a segunda consequecircncia da outra referia-se ao tratamento dessas imagens em sala de aula

Por isso guiaram as metas da pesquisa sendo objetivo geral fazer uma abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com os alunos o que pressupunha tanto compreender como eles percebiam a diversidade da liacutengua quanto a partir dessas percepccedilotildees desenvolver atividades que priorizassem a abordagem da variaccedilatildeo em sala de aula e contribuiacutessem para o afloramento de imagens

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positivas em relaccedilatildeo agrave liacutengua agraves suas variedades e aos falantes no caso os proacuteprios estudantes

Com base nesse propoacutesito traccedilamos os objetivos especiacuteficos intencionando levantar as imagens dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa transformar a variaccedilatildeo linguiacutestica em componente curricular esclarecer sobre o preconceito linguiacutestico e desenvolver atividades que contemplassem o Portuguecircs padratildeo Esses objetivos se nortearam pela necessidade de os alunos terem imagens mais positivas sobre a liacutengua e de desenvolvermos em sala uma abordagem adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica assim como pela importacircncia de ensinarmos a variedade padratildeo do Portuguecircs a que eles tecircm direito dada a sua relevacircncia social

Para alcanccedilarmos esses objetivos orientamo-nos pela pesquisa etnograacutefica e pela pesquisa-intervenccedilatildeo Os estudos etnograacuteficos procuram analisar a natureza das relaccedilotildees entre as pessoas e o comportamento que adotam (TELLES 2002) no nosso caso a relaccedilatildeo professor-alunos e alunos-alunos no contexto da sala de aula O propoacutesito entatildeo foi procurar desvelar processos e eventos que poderiam por se tornarem rotineiros passar despercebidos (BORTONI-RICARDO 2008) principalmente por noacutes professores

Dessa forma nossa intenccedilatildeo foi com base em Feltran e Filho (1991) levantar dados sobre os alunos para que nossa praacutetica pedagoacutegica se tornasse adequada selecionando conteuacutedos e delineando estrateacutegias para o sucesso do processo educativo Para tanto analisamos a rotina da sala de aula avaliando a estrutura que a caracterizava na busca por situaccedilotildees que pudessem desencadear ressignificaccedilotildees do planejamento de aulas o que resultou na detecccedilatildeo de imagens negativas dos proacuteprios alunos sobre a variedade da liacutengua que usavam

Utilizamos dois procedimentos metodoloacutegicos para um entendimento da etnografia da sala de aula a) questionaacuterio b) atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica O primeiro recurso foi aplicado tanto a alunos quanto aos seus responsaacuteveis e continha questotildees

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que abordavam entre outros aspectos as praacuteticas de letramento e a avaliaccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa O Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de alunos era composto por 45 questotildees enquanto o Questionaacuterio Nordm 2 ndash Responsaacutevel por Aluno tinha 37 toacutepicos a serem respondidos As atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica foram quatro abordando as muacutesicas ldquoSaudosa Malocardquo ldquoAsa Brancardquo e ldquoChopis Centisrdquo e dois episoacutedios da novela ldquoAlma Gecircmeardquo O foco dessas atividades foi verificar a reaccedilatildeo dos alunos ao tipo de linguagem empregado e suscitar e levantar as avaliaccedilotildees positivas ou negativas que poderiam fazer desses usos

A partir disso pautamo-nos pela pesquisa-intervenccedilatildeo uma vez que pela reinterpretaccedilatildeo da sala de aula procuramos intervir socioanaliticamente (ROCHA AGUIAR 2003) ou seja com o entendimento da realidade dos alunos com base nas respostas dos questionaacuterios e das atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica propusemos uma accedilatildeo que pudesse transformaacute-la Consideramos entatildeo natildeo soacute o contexto escolar dos estudantes mas tambeacutem o social e assumimos um compromisso eacutetico-poliacutetico de implementar uma praacutetica inovadora (GABRE 2012) com o objetivo de contribuir para o entendimento da variaccedilatildeo linguiacutestica para a produccedilatildeo de imagens positivas sobre a Liacutengua Portuguesa e suas variedades e para a elevaccedilatildeo da autoestima dos alunos

Para promover essa intervenccedilatildeo elaboramos uma sequenciaccedilatildeo de atividades que se baseou no modelo em espiral da sequecircncia didaacutetica proposta por Dolz e Schneuwly (2004) e dos trecircs contiacutenuos da ecologia do Portuguecircs Brasileiro discutidos por Bortoni-Ricardo (2005) O objetivo dessa sequenciaccedilatildeo foi promover a reflexatildeo linguiacutestica problematizar o preconceito linguiacutestico e caracterizar a variaccedilatildeo linguiacutestica

Procuramos pois fomentar a reflexatildeo nos alunos Para tanto tomamos por base textos de diferentes gecircneros procedemos a atitudes e delineamos procedimentos para instigar e valorizar os conhecimentos preacutevios dos estudantes partindo de situaccedilotildees

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mais amplas ateacute chegar a um contexto mais especiacutefico abordando fenocircmenos linguiacutesticos mais conhecidos e provaacuteveis ateacute eventos de fala ou de escrita que poderiam ser de pouco entendimento dos estudantes ou de ocorrecircncia menos frequente em seus usos da linguagem

Estruturamos essa sequecircncia de atividades em 10 moacutedulos 1) ldquoNas sendas do patrimocircniordquo 2) ldquoA liacutengua como patrimocircniordquo 3) ldquoA liacutengua e a histoacuteria de Baratildeo de Cocaisrdquo 4) ldquoOs olhares sobre Baratildeo sobre si sobre a liacutenguardquo 5) ldquoO modo como eu falo eacute errado Eu sou um errordquo 6) ldquoSou da roccedila E daiacute O outro jaacute mora na cidade Mas todos somos cocaienses 7) ldquoA liacutengua que falamos e a liacutengua que escrevemosrdquo 8) ldquoNoacuteis vai Noacutes vamos E aiacuterdquo 9) ldquoO texto literaacuterio e a liacutenguardquo e 10) ldquoFim de um comeccedilo as variedades da liacutengua e a escolardquo

Depois do desenvolvimento de cada um dos moacutedulos aplicamos uma ldquoFicha de Avaliaccedilatildeordquo por meio da qual os alunos poderiam avaliar as atividades e dar sugestotildees Como instrumento de verificaccedilatildeo da aprendizagem aplicamos 3 atividades 1) reflexatildeo sobre o viacutedeo ldquoChico Bento no Shoppingrdquo 2) anaacutelise de trecho do ldquoLivro de Juiacutezes (12 46)rdquo 3) discussatildeo do viacutedeo ldquoPreconceito Linguiacutesticordquo

Os resultados desses procedimentos e tarefas satildeo apresentados e analisados na seccedilatildeo que se segue

5 Resultados gerais

Aplicamos aos alunos na fase diagnoacutestica de levantamento de dados o Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de Alunos Entre as diferentes questotildees que compunham o instrumento a ldquo42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo deteve nossa atenccedilatildeo As respostas dos 42 alunos apontaram que deles 405 tinham imagens negativas sobre a variedade da liacutengua que usavam tatildeo

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bem para se comunicarem no dia a dia Satildeo exemplos dessas percepccedilotildees28

1) ldquomais ou menos porque tem vezes que eu falo muitas coisas erradasrdquo (informante 6A8)

2) ldquoeu sou igual aos meus pais agraves vezes falo errado eu eacute porque falo errado mesmo eu puxei a minha famiacutelia eles tambeacutem falam erradordquo (informante 6A7)

3) ldquomuito ruim porque a minha liacutengua eacute presardquo (informante 6A4)

4) ldquomuito mal falo muito coisa erradardquo (informante 8A13)

5) ldquomais ou menos porque tem vezes que falo erradordquo (informante 8A8)

Esses e outros comentaacuterios dos alunos nos mostraram que a cultura do ldquoerrordquo era recorrente em suas percepccedilotildees estando muitas vezes relacionada agrave fala Em decorrecircncia dela os estudantes avaliavam negativamente o modo como usam a liacutengua instrumento por meio do qual se comunicam eficientemente no cotidiano Comprovamos assim a nossa hipoacutetese de que os educandos poderiam ter imagens equivocadas ou deturpadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica Esses dados obtidos estatildeo relacionados ao mito discutido por Bagno (2013) o usuaacuterio julga que natildeo sabe a proacutepria liacutengua da qual faz uso e considera que fala ldquoerradordquo

Diante dessas imagens iniciais procuramos obter dados mais sistematizados a partir das 4 atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica Observamos que foram geradas de modo geral avaliaccedilotildees negativas sobre alguns usos da Liacutengua Portuguesa sobretudo acerca de falares de pessoas de origem rural e com menos escolaridade Satildeo exemplos dessas avaliaccedilotildees

28 A transcriccedilatildeo de todos os comentaacuterios dos informantes foi revista de acordo com a ortografia oficial Foram utilizados coacutedigos para manter em sigilo o nome dos participantes conforme normas eacuteticas da pesquisa

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6) ldquopor causa do jeito que ele falou as palavras estava erradordquo (informante 6A12)

7) ldquoo modo de falar que eacute esquisitordquo (informante 6A23)

8) ldquoeacute muito estranhordquo (6A5)

9) ldquoporque eacute feia a conversa delesrdquo (informante 8A18)

10) ldquoeu consertaria a pessoa e falava o jeito certordquo (informante 8A2)

Foi necessaacuterio diante dessas percepccedilotildees trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica identificar usos da liacutengua e esclarecer o que eacute preconceito linguiacutestico combatendo-o por meio da abordagem dos trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica (BORTONI-RICARDO 2005)

Aplicamos entatildeo a sequenciaccedilatildeo de atividades Em relaccedilatildeo agrave qualidade da proposta desenvolvida os alunos de modo geral fizeram uma avaliaccedilatildeo positiva os 10 moacutedulos tiveram meacutedia de 40 para ldquobomrdquo e 47 para ldquoexcelenterdquo Jaacute em referecircncia agraves aprendizagens dos estudantes os trecircs exerciacutecios que aplicamos apresentaram interessantes iacutendices descritos na Tabela 1

Tabela 1 Resultados dos exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem

Exerciacutecio Questotildees objetivas

Meacutedia do iacutendice das respostas esperadas

ou adequadas das questotildees

Meacutedia do iacutendice das respostas

natildeo esperadas ou adequadas das

questotildees1 1 2 e 3 87 852 Uacutenica 865 1153 2 e 3 84 12

Fonte Dados obtidos a partir dos resultados de Soares (2014)

Os dados obtidos apontam mudanccedila significativa na percepccedilatildeo dos alunos Se antes por exemplo 405 dos 42 alunos

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apresentavam visotildees negativas sobre a proacutepria liacutengua que falavam ou sobre determinados usos especialmente os relacionados a situaccedilotildees de informalidade ou a falantes com menos escolaridade ou de aacutereas mais rurais percebemos que a grande maioria (mais de 84) reviu suas concepccedilotildees e passou a ter uma maior consciecircncia linguiacutestica compreendendo a variaccedilatildeo e respeitando a diversidade de usos Com isso a proposta de intervenccedilatildeo atingiu os objetivos propostos a) desmitificar crenccedilas negativas e preconceitos b) trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica conscientizando sobre os usos diversos da linguagem c) elevar a autoestima linguiacutestica dos alunos Podemos citar como exemplos de avaliaccedilotildees positivas os seguintes comentaacuterios dos estudantes

11) ldquoA valorizar a linguagem da roccedilardquo (informante 8A2)

12) ldquoQue natildeo devemos ter vergonha de nossa falardquo (informante 6A9)

13) ldquoSim eu falo a liacutengua muito bem porque eacute meu patrimocircniordquo (informante 6A17)

14) ldquoQue a gente tem que ter orgulho da nossa liacutenguardquo (informante 8A12)

15) ldquoA importacircncia de nossa liacutenguardquo (informante 8A11)

A reflexatildeo do informante 6A16 tambeacutem chamou nossa atenccedilatildeo

16) ldquoNatildeo existe linguagem errada Se noacutes falamos que a linguagem eacute errada noacutes somos erradosrdquo O estudante entatildeo natildeo soacute aponta para a conclusatildeo de que eacute incorreto afirmar que a liacutengua que falamos eacute ldquoerradardquo mas tambeacutem direciona para uma importante discussatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e identidade do falante Se a liacutengua eacute considerada ldquoerradardquo o falante estaacute agindo para caracterizar a si ou ao outro como um ldquoerrordquo o que na percepccedilatildeo do aluno natildeo pode ocorrer Corroboram essa reflexatildeo do educando outros comentaacuterios que repudiam o preconceito linguiacutestico

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17) ldquoEu acho muito ruim o racismo com as pessoas soacute pelo jeito que ela fala o sotaque pode ser diferente natildeo precisa ser racista pelo jeito de falarrdquo (informante 6A16)

18) ldquoEu acho que natildeo [se] deve julgar algueacutem pelo jeito que ela fala [pois] isto magoa as pessoasrdquo (informante 6A16)

19) ldquoUm preconceito linguiacutestico e isso eacute um crime graverdquo (informante 8A14)

20) ldquoNatildeo acho certo porque ningueacutem tem o direito de julgar o proacuteximo por causa de liacutenguardquo (informante 6A17)

21) ldquoOs preconceitos As pessoas devem ser respeitadasrdquo (informante 6A22)

Um exemplo tambeacutem interessante eacute o relato do estudante 8A5 que nas atividades apontou que 22) ldquoeacute a liacutengua que falamos ela representa riqueza e valorrdquo quando anteriormente havia respondido no Questionaacuterio do Aluno para a ldquoQuestatildeo 42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo 23) ldquoNatildeo gostordquo (informante 8A5) O aluno modificou consideravelmente sua percepccedilatildeo sobre a liacutengua que usa

Esses resultados e comentaacuterios sinalizam que trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica por meio dos contiacutenuos propostos por Bortoni-Ricardo (2005) pode ser uma proposta produtiva natildeo soacute porque desmitifica preconceitos e crenccedilas negativas sobre a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem porque contribui para que os alunos compreendam sistematicamente a variaccedilatildeo linguiacutestica Diante dessas observaccedilotildees tecemos nossas conclusotildees

6 Consideraccedilotildees finais

Nosso propoacutesito com a pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014) foi captar e analisar o modo como os alunos percebiam a si mesmos

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como falantes do Portuguecircs Brasileiro e a partir disso propor uma abordagem de ensino adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica

Nesse intuito aplicamos um questionaacuterio aos estudantes e constatamos que boa parte deles tinha uma imagem negativa da liacutengua que usavam Para obtermos dados mais precisos sobre essa questatildeo desenvolvemos quatro atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica cujos resultados confirmaram nossa hipoacutetese de que os estudantes apresentavam imagens negativas sobre determinados usos da liacutengua sobretudo daqueles falares de pessoas com origem rural ou com menos escolaridade

A partir disso delineamos uma proposta de intervenccedilatildeo estruturada em 10 moacutedulos e baseada nos pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos da Sociolinguiacutestica Educacional em especial nas discussotildees de Bortoni-Ricardo (2005) sobre os trecircs contiacutenuos (rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica) que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro

Os resultados dos moacutedulos desenvolvidos e dos trecircs exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem aplicados apontam que foi muito positiva a estrateacutegia de abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com base nesses contiacutenuos Por um lado inferimos a partir de Pastorelli (2012) e Orsi (2011) que valores e comportamentos linguiacutesticos natildeo se alteram rapidamente porque jaacute fazem parte da identidade dos falantes e da cultura na qual essa personalidade foi se formando e que influencia sobremaneira o jeito de cada um de ser pensar e agir

Poreacutem por outro lado ao entenderem os fatores que influenciam a diversidade linguiacutestica e ao aceitarem e respeitarem essa variedade os alunos criaram imagens mais positivas da liacutengua que usam e consequentemente poderatildeo adotar comportamentos linguiacutesticos e sociais tambeacutem mais positivos inclusive sobre si mesmos na condiccedilatildeo de falantes competentes da Liacutengua Portuguesa elevando assim a sua autoestima

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Uma abordagem da liacutengua nessa perspectiva pressupotildee que seja essencial o professor considerar a realidade linguiacutestico-social dos alunos refletir sobre a relevacircncia social poliacutetica e cultural de uma abordagem quase exclusiva da norma-padratildeo e planejar atividades que contemplem a gama de variedades que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro A anaacutelise da liacutengua sob esses paracircmetros contribui para o descarte de preconceitos para o entendimento de que natildeo haacute liacutengua ou variedade melhor do que outra pois satildeo funcionalmente equivalentes e para a aceitaccedilatildeo de que a variaccedilatildeo eacute um fenocircmeno inerente agrave linguagem em decorrecircncia da proacutepria natureza humana notadamente marcada por uma grande diversidade sociocultural

Assim o estudo da variaccedilatildeo linguiacutestica se torna ao mesmo tempo socializado e socializante porque ao discutir e problematizar a diversidade da linguagem instrumentaliza o aluno para usar a liacutengua de acordo com a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo o gecircnero textual-discursivo o interlocutor e o propoacutesito comunicativo Com isso ao desenvolver propostas que abordem os diferentes usos linguiacutesticos o docente poderaacute contribuir para que os conhecimentos dos estudantes sobre a liacutengua se ampliem o que consequentemente poderaacute colaborar para o aperfeiccediloamento de sua competecircncia comunicativa potencializando dessa forma sua atuaccedilatildeo na sociedade

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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1 Introduccedilatildeo

Apresentamos neste capiacutetulo os resultados de uma pesquisa29 realizada no municiacutepio de Lontra localidade interiorana com alguns usos linguiacutesticos peculiares que motivaram esta investigaccedilatildeo sendo um deles em especial a alternacircncia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos moradores daquele lugar O municiacutepio localiza-se na regiatildeo do norte de Minas Gerais e conta com uma populaccedilatildeo estimada de 9008 habitantes segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)30 Iniciou seu processo de povoamento agraves margens de uma lagoa (habitada pelo animal lontra daiacute o nome do lugar) que era ponto de parada para descanso de tropeiros e viajantes que por ali passavam transportando mercadorias em lombos de animais e carros de boi Por sua localizaccedilatildeo estrateacutegica alguns viajantes foram fixando morada naquele ponto surgindo entatildeo as primeiras famiacutelias que deram origem agrave comunidade

A escola locus da pesquisa eacute a Escola Estadual Guimaratildees Rosa instituiccedilatildeo onde atuamos como docente Eacute a uacutenica da rede estadual do municiacutepio atende cerca de 900 alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental ao 3ordm ano do ensino meacutedio com funcionamento nos trecircs turnos Escolhemos como puacuteblico-alvo duas turmas do 8ordm ano do Ensino Fundamental totalizando 48 alunos sendo 27 meninas e 21 meninos

Assim nossas observaccedilotildees empiacutericas e aleatoacuterias na lida diaacuteria como professora e tambeacutem como moradora da cidade somadas ao ineditismo do estudo do fenocircmeno linguiacutestico em questatildeo especificamente em Lontra-MG direcionaram nosso trabalho

Durante a investigaccedilatildeo sobre o fenocircmeno percebemos a estigmatizaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos visto que a forma de

29 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly381yRFu30 Dados obtidos no siacutetio httpscidadesibgegovbrbrasilmglontrapanorama Acesso em 15 jul 2019

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tratamento ao interlocutor nos diaacutelogos travados entre os falantes nem sempre era por meio do ldquovocecircrdquo forma pronominal de uso corriqueiro entre os usuaacuterios da Liacutengua Portuguesa do Brasil Em situaccedilotildees de informalidadeintimidadeproximidade com seu interlocutor o morador da comunidade pesquisada usa o ldquoturdquo (pronome de segunda pessoa) poreacutem sem proceder agrave concordacircncia verbal conforme exige a variedade padratildeo do Portuguecircs brasileiro ou seja o falante usa o ldquoturdquo entretanto o verbo eacute conjugado na terceira pessoa do singular (Exemplo ldquoTu foi laacuterdquo) fenocircmeno que gera preconceito linguiacutestico entre os moradores do lugar Lontra e os das localidades vizinhas

Por essas razotildees propusemo-nos a descrever e analisar o uso das duas formas pelos alunos informantes em contextos variados de interlocuccedilatildeo e tambeacutem investigar se o que acontecia com esses usos linguiacutesticos era um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e em caso afirmativo quais fatores motivavam essa alternacircncia de uso quais os reflexos da fala na escrita e que percepccedilotildees no que concerne agraves crenccedilas e atitudes linguiacutesticas tal fenocircmeno despertava nos sujeitosinformantes

Formulamos para esta proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses que seriam comprovadas ou refutadas ao final da pesquisa a saber a) a alternacircncia no uso das variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e fatores estruturais e natildeo estruturais influenciam essa alternacircncia b) a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo em liacutengua materna baseada nas propostas teoacutericas para o ensino e a aprendizagem das variedades linguiacutesticas brasileiras leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada (BAGNO 2004)

Isso posto supondo a existecircncia de variaccedilatildeo no uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo sendo o ldquoturdquo usado como variante regional que coocorre com o ldquovocecircrdquo e que esse uso gera preconceito e

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ainda que a linguagem oral estaria influenciando a escrita dos alunos definimos como objetivo principal pesquisar a alternacircncia de uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo em contextos variados de interlocuccedilatildeo identificados na fala e na escrita daqueles alunos bem como as crenccedilas e atitudes negativas consequentes do uso dessa variaccedilatildeo Definimos tambeacutem os seguintes objetivos especiacuteficos a) atualizar nossos conhecimentos natildeo soacute sobre algumas teorias que tratam da variaccedilatildeo e mudanccedilas linguiacutesticas mas tambeacutem da educaccedilatildeo linguiacutestica das crenccedilas e atitudes diante da linguagem b) descrever os usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos sujeitos participantes da pesquisa c) apontar possiacuteveis influecircncias de fatores estruturais e natildeo estruturais no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na fala dos participantes da pesquisa d) verificar possiacuteveis interferecircncias da oralidade no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na escrita dos alunos e) elaborar e desenvolver uma proposta de ensino cujo conteuacutedo contribua para o ensino da Liacutengua Portuguesa focando o estudo das variaccedilotildees linguiacutesticas e com isso promover uma educaccedilatildeo linguiacutestica e uma aprendizagem condizente com o ensino da gramaacutetica normativa especialmente no que concerne ao uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Nesse contexto considerando que a pesquisa visava ao registro dos usos das formas de tratamento em tela e tambeacutem agrave elaboraccedilatildeo de alternativas para trabalhar via ensino o problema detectado dividimos o trabalho em duas etapas denominadas ldquoEtapa Diagnoacutesticardquo e ldquoProposta de Ensinordquo A primeira teve como objetivos quantificar e analisar o uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes com a finalidade de verificar se o aspecto linguiacutestico ocorrido em Lontra se tratava de um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica A segunda etapa tratou da elaboraccedilatildeo e desenvolvimento de uma proposta de ensino cujas atividades intencionavam promover a educaccedilatildeo linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

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2 Pressupostos teoacutericos

Este estudo teve como aparato teoacuterico a Sociolinguiacutestica (LABOV 2008 [1972]) a Dialetologia e a Geografia Linguiacutestica (BRANDAtildeO 1991) a vertente Sociolinguiacutestica Educacional (BORTONI-RICARDO 2004 SCHERRE 2005) e ainda Crenccedilas e Atitudes Linguiacutesticas (LEITE 2008 SCHERRE 2008 2009 2015) entre outros autores que subsidiaram a abordagem do assunto

Baseada nos princiacutepios labovianos Alkmin (2005) reporta que a Sociolinguiacutestica eacute a aacuterea de estudo que investiga a relaccedilatildeo entre liacutengua e sociedade sendo elas indissociaacuteveis porquanto deram origem agrave base que constitui o homem Assim a linguagem estaacute intrinsecamente atrelada a diversos fatores sociais que permeiam a vida do ser humano como idade sexo classe social niacutevel de escolaridade profissatildeo dentre outros Logo compreender essa relaccedilatildeo implica entender os interlocutores e todo o contexto em que se estabelece uma interaccedilatildeo verbal

Labov (2008 [1972]) precursor da Sociolinguiacutestica considera o contexto de fala e o uso social da liacutengua materna como aspectos essenciais para a compreensatildeo de diversas situaccedilotildees que envolvem os usos linguiacutesticos Por isso defende que natildeo se pode dissociar os estudos de uma liacutengua de seu uso pelos falantes Afirma o autor que em toda comunidade de fala satildeo comuns formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo o que corrobora a heterogeneidade linguiacutestica porquanto variaccedilatildeo implica dinamismo e vivacidade imbricados no conceito de liacutengua natural humana

Nessa linha Brandatildeo (1991) complementa que quando se expressa o indiviacuteduo transmite natildeo soacute o que estaacute inserido em seu discurso mas tambeacutem um conjunto de muitos outros dados que permite conhecer seu idioleto e ainda filiaacute-lo a um determinado grupo uma comunidade linguiacutestica composta por membros que interagem verbalmente e compartilham as mesmas regras linguiacutesticas Diante disso as variaccedilotildees da liacutengua satildeo assimiladas

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pelos falantes no conviacutevio com seus pares que se expressam pelas caracteriacutesticas peculiares proacuteprias de seu grupo ou da regiatildeo em que vivem Assim sendo tais variaccedilotildees natildeo podem ser vistas como negativas ou problemaacuteticas pelo contraacuterio manifestam-se como parte da diversidade linguiacutestica inerente a quaisquer sistemas linguiacutesticos caracterizando-se como mecanismos que compotildeem o todo constitutivo da liacutengua

Tarallo (1994 p 8) com base na teoria laboviana pondera que se haacute formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo haacute variantes linguiacutesticas que satildeo ldquodiversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdaderdquo Se investigamos um possiacutevel caso de variaccedilatildeo linguiacutestica pressupomos a investigaccedilatildeo das variantes coocorrentes no caso desta pesquisa as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Segundo a abordagem gramatical normativa a partir de Cunha e Cintra (2001) e Bechara (2009) os dois pronomes pertencem ao campo da segunda pessoa logo com quem se fala de modo que os primeiros autores inserem o ldquovocecircrdquo como verdadeiro pronome pessoal natildeo soacute de tratamento Entretanto pelo histoacuterico diacrocircnico demarcativo de classes (principalmente o ldquoturdquo) ao longo da evoluccedilatildeo das duas formas pronominais adotamos o termo forma de tratamento quando nos referimos aos dois pronomes em nosso trabalho

Biderman (1972-73) traccedila um breve percurso do ldquoturdquo afirmando haver registro da forma desde a Idade Meacutedia Segundo a autora a histoacuteria desse pronome assim como a de seu par plural no paradigma pronominal do Portuguecircs o ldquovoacutesrdquo sempre esteve relacionada agraves estruturas sociais que representam O ldquovoacutesrdquo de um lado indicando a forccedila e o poder da alta sociedade e em contrapartida o ldquoturdquo caracterizando a fala das pessoas das camadas socioeconomicamente desprivilegiadas Em sociedades de diferentes lugares do mundo as formas de tratamento sempre se comportaram como divisores de classes separando quem fazia

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parte da elite daqueles que pertenciam agraves camadas populares Na atualidade no Brasil o pronome ldquovoacutesrdquo apesar de continuar integrando o quadro dos pronomes pessoais tornou-se forma arcaizada visto que ldquovocecircsrdquo acabou por assumir o papel de plural da segunda pessoa

Por sua vez a forma ldquovocecircrdquo segundo a mesma autora passou por diversas transformaccedilotildees foneacuteticas ao longo de seu processo evolutivo desde a sua forma primitiva lsquovossa mercecircrsquo Novamente notamos a influecircncia das formas de tratamento representativas de segmentos da sociedade como causa de mudanccedilas de uso da liacutengua haja vista que ldquovossa mercecircrdquo apoacutes perder seu prestiacutegio honoriacutefico popularizou-se e passou por diversas mudanccedilas ateacute chegar a ldquovocecircrdquo inclusive jaacute com registro no Brasil da forma reduzida lsquocecircrsquo

Nessa trilha tendo o ldquovocecircrdquo surgido posteriormente ao ldquoturdquo no Brasil segundo Coelho (2008 p 5) aquela forma ldquoeacute hoje amplamente usada por noacutes tanto em situaccedilotildees formais quanto informais em substituiccedilatildeo a lsquotursquo de emprego cada vez mais restritordquo Contrassenso em algumas regiotildees do paiacutes as duas formas passaram a disputar o mesmo espaccedilo em relaccedilotildees de maior proximidade entre as pessoas O diferencial eacute que lsquovocecircrsquo forma dominante eacute usada em situaccedilotildees de relativa proximidade talvez ainda heranccedila de sua forma arcaica e do seu contexto de uso representando a hierarquizaccedilatildeo portuguesa enquanto o ldquoturdquo como advogam Scherre et al (2015 p 162) ldquotrata-se de um lsquotursquo brasileiro que em muitas comunidades instaura-se sem concordacircncia expressa na forma verbal (tu fala) de forma diferente do que registra a tradiccedilatildeo gramatical (tu falas)rdquo

Retomando o campo das variaccedilotildees da liacutengua Alkmin (2005) assegura que formas distintas de se dizer uma mesma coisa satildeo facilmente encontradas no Portuguecircs Brasileiro (PB) marcas do Portuguecircs padratildeo e natildeo padratildeo alternando-se equivalendo-se linguisticamente Como jaacute discutido anteriormente variabilidade

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perfeitamente aceitaacutevel visto que todas as liacutenguas satildeo passiacuteveis de variaccedilatildeo

No entanto percebemos ainda uma linha tecircnue entre essa equivalecircncia padratildeo e natildeo padratildeo preconizada pela Linguiacutestica Bortoni-Ricardo (2004) uma das pesquisadoras da vertente Sociolinguiacutestica Educacional assevera que as variedades linguiacutesticas existem satildeo reais e estatildeo por toda parte representadas pelasnas manifestaccedilotildees comunicativas das mais diversas vozes e lugares Contudo muitos creem em uma pseudossuperioridade linguiacutestica ou seja que haacute determinadas variaccedilotildees que se sobrepotildeem a outras mesmo na ausecircncia de fundamentaccedilatildeo linguiacutestico-teoacuterica que explique a assertiva Para a autora eacute inadmissiacutevel que uma variedade seja considerada melhor mais aceitaacutevel ou mais recomendaacutevel que outra Por isso propotildee que se desenvolvam praacuteticas educativas para o envolvimento de todos os falantes de todas as classes jaacute que somos igualmente partiacutecipes de praacuteticas sociais que demandam diversos conhecimentos linguiacutesticos para que se desmitifiquem tais crenccedilas

Sabemos que algumas variedades gozam de prestiacutegio linguiacutestico todavia satildeo juiacutezos de valor em torno de determinados falares que consoante Bortoni-Ricardo (2004) geram preconceitos linguiacutesticos que devem ser veementemente combatidos Para Leite (2008) a sociedade tem insistido em ignorar a intoleracircncia linguiacutestica por ser um mal que atinge o ser humano em sua subjetividadeindividualidade A autora complementa que a natildeo toleracircncia linguiacutestica pode estar imiscuiacuteda em outras intoleracircncias tatildeo nefastas quanto ela contudo natildeo menos condenaacutevel do que qualquer outra Scherre (2005 p 89) enfatiza que ldquopraticar preconceito linguiacutestico expliacutecito ou impliacutecito eacute sem duacutevida atentar contra a cidadaniardquo Em funccedilatildeo disso no sentido de assegurar o legiacutetimo direito de o homem se manifestar foi criada em junho de 1996 a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos31 com o fim de formalizar um documento

31 ORGANIZACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA A EDUCACcedilAtildeO A CIEcircNCIA E A CULTURA Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos 1996

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que permitisse ldquocorrigir os desequiliacutebrios linguiacutesticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as liacutenguas e estabelecer os princiacutepios de uma paz linguiacutestica planetaacuteria justa e equitativa como fator fundamental da convivecircncia socialrdquo

3 Metodologia

Por ser a metodologia o estudo dos caminhos a serem seguidos para se conseguir os melhores meacutetodos para produzir conhecimento adotamos como propostas norteadoras deste trabalho a pesquisa descritiva sociolinguiacutestica laboviana (quantitativa e qualitativa) na primeira etapa da pesquisa quando quantificamos e analisamos o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes na segunda etapa a vertente Sociolinguiacutestica Educacional e a pesquisa-accedilatildeo

Para Abdalla (2005) a pesquisa-accedilatildeo eacute uma alternativa possiacutevel de anaacutelise e avaliaccedilatildeo das praacuteticas docentes e nas palavras de Tripp (2005 p 443) seria ldquotoda alternativa continuada sistemaacutetica e empiricamente fundamentada de aprimorar a praacuteticardquo No entanto Thiollent (2011) adverte que natildeo se trata de uma metodologia mas de uma estrateacutegia de pesquisa que agrega vaacuterios outros meacutetodos ou teacutecnicas

Antes de iniciarmos a anaacutelise dos dados coletados apresentamos a variaacutevel linguiacutestica de segunda pessoa do singular (variaacutevel dependente) com a qual trabalhamos bem como suas variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e suas variantes foneacuteticas ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) Essas duas formas de tratamento usadas pelos informantesmoradores de Lontra de um modo geral alternam entre si se substituem em um mesmo contexto de fala por isso as escolhemos como variantes linguiacutesticas

Relacionamos ainda os fatores estruturais e natildeo estruturais que apontamos e analisamos neste trabalho

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a) Os fatores estruturais observados nos dados coletados foram

i) Funccedilatildeo sintaacutetica da forma (posiccedilatildeo de sujeito posiccedilatildeo de objeto sem preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento com preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento de nome)

ii) Tipo de frase em que a forma ocorre (afirmativa negativa interrogativa)

iii) Ambiente fonoloacutegico precedente (pausa vogal consoante)

iv) Morfologia da forma verbal (forma simples locuccedilatildeo verbal)

v) Paradigma flexional do verbo (verbo regular verbo irregular)

vi) Contexto de interpretaccedilatildeo (forma definida e forma indefinida)

b) Os fatores natildeo estruturais observados

i) Classe social privilegiada e natildeo privilegiada

ii) Grau de intimidade + proacuteximo - proacuteximo (entre colegas professores e diretor)

iii) Procedecircncia geograacutefica rural e urbana

iv) Sexo masculino e feminino

Conforme jaacute mencionado esta pesquisa foi dividida em duas etapas Na primeira realizamos a coleta dos dados da fala e da escrita dos sujeitos informantes quantificamos e analisamos esses dados a fim de verificar se o fenocircmeno ocorrido em Lontra apontava para um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Na segunda com base nos resultados obtidos na primeira etapa e tendo como premissa o respeito e a aceitaccedilatildeo das variaccedilotildees crenccedilas e atitudes linguiacutesticas e ainda verificando se o uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo seguia a tradiccedilatildeo gramatical do Portuguecircs Brasileiro elaboramos

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e desenvolvemos uma proposta de ensino estruturada em quatro oficinas cujas atividades objetivavam a promoccedilatildeo da educaccedilatildeo linguiacutestica dos conhecimentos sobre diversidade linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

4 Descriccedilatildeo da proposta de ensino e anaacutelise dos dados

Nesta seccedilatildeo apresentamos a metodologia das duas etapas proposta de ensino e diagnose os dados coletados tanto de oralidade quanto de escrita nas duas etapas Procedemos agrave anaacutelise e na sequecircncia apresentamos os resultados obtidos

41 Primeira etapa diagnoacutestica

Os dados analisados nesta etapa foram extraiacutedos de dois corpora um de escrita e outro de oralidade Os que compotildeem o corpus de escrita foram coletados em duas atividades aplicadas 1ordf atividade ndash uma entrevista ao colega (Fato acontecido ndash Creche Gente Inocente) e 2ordf atividade ndash um bilhete (Um bilhete para um amigo) Jaacute o corpus de oralidade eacute composto por dados coletados em duas gravaccedilotildees de aacuteudios via celular utilizando a ferramenta WhatsApp por meio da qual duas mensagens foram enviadas (uma para algueacutem especial ndash amigo irmatildeo matildee madrinha ndash e outra para a professora de Portuguecircs) Escolhemos a ferramenta WhatsApp por acreditarmos na eficiecircncia desse veiacuteculo moderno atual de faacutecil acesso e manuseio para fazer as gravaccedilotildees o que poderia nos garantir a coleta do vernaacuteculo o mais proacuteximo possiacutevel do real

Apoacutes a aplicaccedilatildeo das duas atividades escritas mencionadas apresentamos a seguir duas tabelas (1 e 2) que trazem os resultados obtidos nessa parte da primeira etapa Mostram as ocorrecircncias de registro das formas de tratamento pelos alunos das duas turmas 8ordm ano 4 e 8ordm ano 5

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Tabela 1 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 1ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (1ordf atividade escrita ndash ldquoFato acontecido ndash Creche Gente

Inocenterdquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 55 - - 2 57

965 - - 35 100

8ordm ano 5N Oc 19 6 3 22 50

38 12 6 44 100Totais N Oc 74 6 3 24 107

Percentuais 691 56 28 224 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

A siacutentese sobre o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo nas duas turmas do 8ordm ano nessa primeira atividade escrita conforme a Tabela 1 aponta os seguintes nuacutemeros do total das 107 referecircncias ao interlocutor usando uma forma pronominal tivemos 83 ocorrecircncias (775) da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes e 24 (225) da forma ldquoturdquo Em todos os casos a referecircncia foi feita a um colega de sala de conviacutevio diaacuterio Assim percebemos quatildeo variadas foram as formas de se dirigir ao interlocutor mesmo que em alguns momentos se tenha percebido grau de monitoramento da linguagem creditado talvez ao ambiente sala de aula escola A seguir apresentamos alguns exemplos das ocorrecircncias das formas de tratamento registradas

a) ldquoQuando tu passocirc laacute na frente quem cecirc viu laacute na hora ou perto de laacuterdquo (FMS-S8T5)

b) ldquoComo vocecirc ficou sabendo de tudo como ficou bem informadardquo (FRL-S6T4)

Tabela 2 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 2ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (2ordf atividade escrita ndash ldquoUm bilhete para um amigordquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ocecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 12 1 - - 4 17

705 59 - - 236 100

8ordm ano 5N Oc 6 1 1 1 8 17

353 59 59 59 47 100Totais N Oc 18 2 1 1 12 34

Percentuais 53 59 29 29 353 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

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Conforme a Tabela 2 nessa atividade do total de 34 ocorrecircncias de uso das formas de tratamento referentes agraves duas turmas obtivemos 22 casos da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes ou seja 647 e 12 ocorrecircncias do ldquoturdquo 353 Em resumo temos entatildeo na escrita as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo duas variantes duas alternativas de referecircncia ao interlocutor nos usos que os sujeitos da pesquisa fazem delas as quais chamamos variaacutevel dependente As outras formas variantes de ldquovocecircrdquo (ldquoucecircrdquo ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) aparecem com menor ocorrecircncia Registramos em seguida alguns exemplos dos dados coletados

a) ldquoR porque vocecirc natildeo foi na praccedila aquele dia que agente marcourdquo (JVFS-S13T4)

b) ldquoF por que tu natildeo foi hoje laacute em casa Fiquei te esperando laacuterdquo (GAQ-S7T4)

Os dados da escrita revelaram que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na escrita influenciada por fatores natildeo estruturais como o sexo uma vez que a turma com maior nuacutemero de alunos do sexo feminino (turma 4 ndash 70 de mulheres) fez mais uso da variedade padratildeo enquanto a outra (turma 5) com maioria de alunos do sexo masculino (62) utilizou com mais recorrecircncia a variedade natildeo padratildeo tanto no uso das variantes foneacuteticas de ldquovocecircrdquo quanto no uso do ldquoturdquo sem a concordacircncia com o verbo e o grau de intimidade haja vista que foi comprovado o uso do pronome ldquoturdquo por 353 do total de alunos das duas turmas conforme a Tabela 2 O uso de tal forma de tratamento pelos moradores de Lontra representados pelos sujeitos da pesquisa soacute eacute feito com quem se tem intimidade no caso foi utilizado em referecircncia a pessoas proacuteximas como colegas de sala

Apresentamos na sequecircncia os resultados obtidos com os dados da oralidade coletados por meio de gravaccedilotildees de mensagens via WhatsApp

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A Tabela 3 a seguir mostra os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT232) que compotildeem o corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 4 constando nela a gravaccedilatildeo de um recadinho para uma pessoa querida e uma curiosidade sobre a professora de Portuguecircs Tratamos do uso das formas utilizadas nas duas atividades separadamente

Tabela 3 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 4 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras

FormasTotalCR

TotalSR

AT1 - (Amigo matildee tia irmatilde)

N Oc 11 - - 10 8 - 2929 0231 38 - - 345 276 - 100 64

AT2 - (Professora)

N Oc 23 - - 6 - 1 3030 0636 767 - - 20 - 33 100 167

Totais - AT1 e AT2

N Oc 34 - - 16 8 1 5959 0867 576 - - 271 135 17 100 12

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Do total de textos analisados nessa turma foram registradas na AT1 29 referecircncias diretas ao interlocutor utilizando uma das formas investigadas Desse nuacutemero obtivemos 21 ocorrecircncias (724) da variante ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e 8 (276) da forma ldquoturdquo Em dois textos do corpus (64) os informantes natildeo fizeram uso de forma de tratamento alguma Jaacute na AT2 foram registradas 30 referecircncias diretas ao interlocutor usando uma forma de tratamento Desse total 29 informantes (967) utilizaram a forma ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) um aluno (33) utilizou a forma ldquosenhorardquo Eacute possiacutevel perceber que nenhum informante se referiu agrave professora utilizando a forma ldquoturdquo diferentemente das referecircncias ao amigo na AT1 Registra-se que seis informantes (167) natildeo utilizaram diretamente nenhuma das formas de tratamento Seguem alguns exemplos desses dados O primeiro retirado da AT1 e o segundo da AT2

32 AT1 e AT2 leem-se Atividade 1 e Atividade 2

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a) ldquoM tu vai no jogo amanhatilde se tu focirc eu passo aiacute na tua casardquo (JVFS-S13T4)

b) ldquo soacute vim agradececirc por vocecirc secirc uma professora maravilhosa te amordquo (RGBR-S22T4)

A Tabela 4 a seguir apresenta os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT2) do corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 5

Tabela 4 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 5 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras Total

CRTotalSR

AT1 (Amigo familiar)

N Oc - - 1 4 11 - 1616 0822

- - 62 25 688 - 100 363

AT2 (Professora)

N Oc 12 - - 4 - 4 2020 323

60 - - 20 - 20 100 13

Totais N Oc 12 - 1 8 11 4 3636 1145

Percentuais 333 - 27 194 305 111 100 244

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Na primeira atividade (AT1) do total de alunos participantes (21) apenas 13 informantes fizeram referecircncia direta aos seus interlocutores usando uma forma de tratamento Como dois informantes repetiram a mesma forma e um usou duas das formas (ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) em um mesmo dado de fala contabilizamos entatildeo 16 ocorrecircncias Das formas usadas para se referir ao amigopessoa especial (ldquoocecircucecircrdquo ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) o uso do ldquoturdquo foi o mais detectado porque a maioria 11 informantes (688) fez uso dessa forma pronominal Salientamos que nenhum informante utilizou a forma padratildeo ldquovocecircrdquo mas contabilizamos cinco ocorrecircncias das variantes ldquocecircrdquo e ldquoucecircrdquo (312) Oito informantes (363) natildeo registraram forma

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de tratamento alguma expliacutecita Jaacute na AT2 das 20 ocorrecircncias das formas de tratamento analisadas (dois informantes usaram mais de uma forma) em referecircncia direta agrave professora foram usadas as formas de tratamento ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e ldquosenhorardquo Desse total 16 informantes (80) enviaram o recadinho referindo-se agrave professora como ldquovocecircrdquo (e ldquocecircrdquo) e quatro correspondendo a 20 fizeram uso da forma ldquosenhorardquo Assim como na outra turma ningueacutem se referiu agrave professora utilizando o pronome ldquoturdquo Seguem alguns exemplos desses dados analisados O primeiro retirado da AT1 o segundo da AT2

a) ldquo mas tu sumiu comeacute qui foi tuas feacuterias mininardquo (MCA-S16T5)

b) ldquoZenilda vocecirc poderia me dizer como estaacute meu comportamento dentro da sala de aulardquo (SHLB-S19T5)

Numa anaacutelise geral da primeira parte do corpus de oralidade (AT1) do total de 48 amostras das duas turmas em 38 delas ou seja 792 os participantes se referiram ao seu interlocutor usando uma forma de tratamento num total de 45 ocorrecircncias jaacute que alguns informantes fizeram uso de mais de uma forma Desse total houve 19 ocorrecircncias ou seja 422 de uso do ldquoturdquo para se referir ao amigo e 26 ocorrecircncias que correspondem a 578 do ldquovocecircrdquo (e suas variantes)

Na segunda parte do corpus de oralidade (AT2) de 46 amostras em 37 delas correspondendo a 804 apareceram as formas de tratamento num total de 50 ocorrecircncias uma vez que um mesmo informante repetiu ou fez uso de mais de uma forma em uma mesma amostra Desse total de ocorrecircncias em 45 delas ou seja 90 aparece o uso da forma pronominal ldquovocecircrdquo (e a variante ldquocecircrdquo) para se referir agrave professora e em 5 que correspondem a 10 dos casos foi registrado o uso da forma de tratamento correspondente ldquosenhorardquo Ressalta-se aqui um dado relevante natildeo houve caso algum de referecircncia agrave professora com o uso da forma pronominal ldquoturdquo o que revela distanciamento ausecircncia de intimidade respeito apesar do conviacutevio quase diaacuterio

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Sendo assim pelos dados de fala eacute possiacutevel afirmar que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na oralidade dos alunos do 8ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Guimaratildees Rosa ndash LontraMG

Comprovada a influecircncia dos fatores natildeo estruturais sexo (a turma com um nuacutemero maior de meninas (70) 8ordm ano 4 fez mais usos da forma padratildeo ldquovocecircrdquo e menos usos do ldquoturdquo sem concordacircncia com o verbo) e grau de intimidade constatamos tambeacutem a influecircncia do fator classe social Comparando os usos das formas feitos pelas duas turmas nas atividades de fala e de escrita analisando o perfil dos discentes foi possiacutevel perceber que a turma de classe social menos privilegiada (8ordm ano 5) fez mais usos da variedade natildeo padratildeo da liacutengua Foi a turma que mais utilizou o pronome ldquoturdquo (na referecircncia ao colega nas atividades de oralidade fez uso do ldquoturdquo em 688 das ocorrecircncias e nenhum uso de ldquovocecircrdquo mas de suas variantes ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo em 312) Natildeo detectamos a influecircncia do fator procedecircncia geograacutefica

Foi analisada ainda a atuaccedilatildeo dos grupos de fatores estruturais funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia verbal paradigma flexional do verbo contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre em relaccedilatildeo ao comportamento da variaacutevel dependente ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) Chegamos aos seguintes resultados do total geral de 231 dados 90 de oralidade e 141 de escrita obtivemos 176 ocorrecircncias do ldquovocecircrdquo (e variantes) e 55 do ldquoturdquo

Percebemos que prevalece na maioria dos usos dos pronomes de segunda pessoa a funccedilatildeo sintaacutetica das formas de tratamento em posiccedilatildeo de sujeito (oralidade 90 dos casos e escrita 978 dos casos) na fusatildeo quantitativa das duas turmas Quanto ao tipo de frase em que as formas ocorrem prevalece o tipo de frase interrogativa (oralidade 689 e escrita 907 dos casos)

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Em relaccedilatildeo ao fator estrutural ambiente fonoloacutegico precedente na oralidade natildeo houve influecircncia relevante de nenhum dos fatores no uso das variantes no quantitativo das duas turmas (pausa 42 casos ndash 466 vogal 38 casos ndash 422) Jaacute nos dados de escrita houve favorecimento da pausa precedendo as duas variantes 92 casos (652) No tocante ao fator morfologia da forma verbal houve influecircncia da forma simples do verbo tanto na oralidade quanto na escrita (72 casos ndash 80 e 102 casos ndash 723 respectivamente) Concernente ao fator paradigma flexional do verbo houve a influecircncia do verbo irregular no uso das variantes tanto na oralidade quanto na escrita (67 casos ndash 744 e 08 casos ndash 766 respectivamente)

a) ldquo F vocecirc eacute meu melhor amigordquo (HEFA-S9T4)

b) ldquoe aiacute P como tu e sua famiacutelia estaacuterdquo (DSL-S5T5)

Ainda na primeira fase da pesquisa a fim de captarmos crenccedilas e atitudes linguiacutesticas dos sujeitos informantes em relaccedilatildeo ao modo de agir sentir ver e perceber seus usos linguiacutesticos e verificarmos o comportamento concernente ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em diferentes situaccedilotildees de interlocuccedilatildeo aplicamos dois questionaacuterios Questionaacuterio de Atitudes e Percepccedilatildeo Linguiacutesticas 1 e 2 O primeiro abordava a questatildeo das crenccedilas atitudes e do preconceito linguiacutestico o segundo questionava o fenocircmeno linguiacutestico de uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos informantes em situaccedilotildees que envolviam variados interlocutores em diferentes contextos e interaccedilotildees verbais

Os resultados extraiacutedos dos dois questionaacuterios apontaram que os sujeitos informantes tecircm consciecircncia dos usos linguiacutesticos diferenciados ocorridos em Lontra entretanto sentem o preconceito linguiacutestico advindo de pessoas de outros lugares decorrente da alternacircncia dos pronomes de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo para se referir ao seu interlocutor especialmente quando da escolha do ldquoturdquo visto que eacute usado sem a conjugaccedilatildeo do verbo como preconiza a tradiccedilatildeo gramatical Quanto ao fenocircmeno linguiacutestico

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de uso das formas de tratamento percebeu-se uma caracteriacutestica importante e peculiar da variaccedilatildeo quando o informante se refere a algueacutem de sua intimidadefamiliaridade (amigo colega irmatildeo etc) a forma preferida eacute ldquoturdquo Contudo se o interlocutor eacute algueacutem que exige determinado distanciamento respeito eacute pessoa mais velha a forma usada eacute o ldquovocecircrdquo ou ldquosenhor(a)rdquo Notamos pelos dados coletados nos questionaacuterios que em Lontra curiosamente conservam-se em relaccedilatildeo agrave forma ldquoturdquo caracteriacutesticas de uso desse pronome semelhantes ao seu uso no seacuteculo XIX com registros similares tambeacutem na Idade Meacutedia ou seja o uso do pronome revelando intimidade entre pessoas conhecidas proacuteximas

42 Segunda etapa proposta de ensino

Como jaacute mencionado a segunda etapa do nosso trabalho traz uma proposta de ensino cujo principal objetivo eacute contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa focando as variaccedilotildees linguiacutesticas promovendo uma educaccedilatildeo linguiacutestica conhecimentos sobre a diversidade linguiacutestica e uma aprendizagem condizente da variedade padratildeo da liacutengua

Para Faraco (2008) toda liacutengua em uso por ser dinacircmica eacute constituiacuteda por um conjunto de variedades passiacutevel de manutenccedilatildeo variaccedilatildeo e mudanccedila sendo portanto heterogecircnea e natildeo unitaacuteria e homogecircnea como se pensava no passado Logo as variedades natildeo podem estar em oposiccedilatildeo agrave liacutengua visto que um todo (a liacutengua) natildeo se separa de seus elementos constitutivos (as variedades)

Dessa forma foi pensando no conjunto que compotildee nosso sistema linguiacutestico intencionando desmitificar crenccedilas e atitudes que levam ao preconceito linguiacutestico e promover o respeito e a aceitaccedilatildeo da liacutengua com suas variedades e o ensino das regras preconizadas pela Gramaacutetica Tradicional Normativa (GTN) que elaboramos esta proposta de ensino Estaacute organizada em oficinas33 trazendo atividades que foram elaboradas tendo em mente

33 Adotamos o termo oficina segundo Santiago-Almeida (2011 p 507) que o denomina como ldquo[] um curso intensivo de curta duraccedilatildeo em que teacutecnicas habilidades artes etc satildeo demonstradas e aplicadas workshoprdquo

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os seguintes objetivos a) conscientizar os alunos em relaccedilatildeo agrave diversidade linguiacutestica do Portuguecircs Brasileiro e assim fazer frente aos efeitos nocivos de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas negativas sobre as variaccedilotildees da liacutengua b) disponibilizar aos discentes o conhecimento sobre a origemtrajetoacuteria do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo bem como seus usos em diferentes lugares do Brasil c) ensinar ao aluno como acessar o Atlas Linguiacutestico do Brasil e as cartas linguiacutesticas d) conceituar e esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica e) levar agrave reflexatildeo sobre mudanccedilas linguiacutesticas ocorridas nas formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo f) apontar a importacircncia de se valorizar e se respeitar as diferenccedilas linguiacutesticas passo importante para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia linguiacutestica que rechaccedilaraacute avaliaccedilotildees subjetivas feitas em relaccedilatildeo agraves variaccedilotildees g) conhecer os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular do PB adaptaccedilotildees do sistema linguiacutestico vigente dos pronomes de segunda pessoa que os usuaacuterios da liacutengua fazem conforme necessidade interlocutor e circunstacircncia de uso h) ensinar os usos dos dois pronomes e de sua concordacircncia verbal conforme dispotildee a GTN para que os discentes utilizem esse conhecimento em momentos oportunos e necessaacuterios e de acordo com sua funccedilatildeo social como apregoa Faraco (2008) jaacute que o acesso agraves variedades cultas da liacutengua pode ampliar a mobilidade linguiacutestica o tracircnsito amplo pela heterogeneidade linguiacutestica do falante

A proposta de ensino compotildee-se de quatro oficinas assim estruturadas

Oficina 1 Diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 1 ndash Origens do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo

Oficina 2 Sincronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Atividade 1 ndash Conhecendo a Dialetologia e a Geografia LinguiacutesticaAtividade 2 ndash Onde o ldquoturdquo e o ldquovocecircrdquo satildeo usados no BrasilAtividade 3 ndash Usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo na cidade de LontraMG

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Oficina 3 Educaccedilatildeo linguiacutesticaAtividade 1 ndash Reconhecendo a importacircncia das variedades linguiacutesticasAtividade 2 ndash As vozes representadas pelas variedades linguiacutesticasOficina 4 Conhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 1 ndash Subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 2 ndash Usos do lsquoldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo segundo a norma-padratildeo Concordacircncia verbal ndash ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 3 ndash Mensagem ao diretorAtividade 4 ndash Sobre a pesquisa uma avaliaccedilatildeo

A primeira oficina ldquoDiacronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por uma atividade teve como objetivo subsidiar os sujeitos da pesquisa com conhecimentos acerca da diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo tendo em vista o interlocutor O intuito foi que os alunos conhecessem a histoacuteria desses dois pronomes sua evoluccedilatildeo e as semelhanccedilas entre a variedade linguiacutestica dos moradores de Lontra e os usos que dela faziam quando de seus primeiros registros da Idade Meacutedia aos dias atuais Priorizamos uma abordagem teoacuterica com o uso de textos histoacuterico-cientiacuteficos por entendermos necessaacuterios para a finalidade pretendida a saber a aquisiccedilatildeo do conhecimento sobre diacronia das duas formas de tratamento pesquisadas

A segunda ldquoSincronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por trecircs atividades objetivou mostrar aos discentes em que lugares do Brasil tambeacutem se alternavaria o uso das duas formas de tratamento investigadas por meio de mapas linguiacutesticos e geograacuteficos ajudar os alunos a acessarem as cartas linguiacutesticas no Atlas Linguiacutestico do Brasil aleacutem de esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica O trabalho com a sincronia

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das duas formas de tratamento apoacutes o conhecimento de sua origem (Oficina 1) visou a comprovar que a cidade de Lontra eacute somente mais uma no paiacutes em que em sua realizaccedilatildeo linguiacutestica o falante materializa a variaccedilatildeo das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo quando se dirige ao interlocutor No trabalho com as cartas linguiacutesticas priorizamos a M02 ndash ldquoTratamento do interlocutor lsquotursquo e lsquovocecircrsquo nas capitaisrdquo porquanto especificamente aborda os usos das formas de tratamento ora pesquisadas em diferentes lugares do paiacutes

A oficina seguinte a 3ordf ldquoEducaccedilatildeo linguiacutesticardquo composta por duas atividades teve como objetivos mostrar aos alunos mediante exemplos e argumentos teoacutericos que todas as variedades satildeo legiacutetimas e proacuteprias de uma liacutengua heterogecircnea exemplificar atitudes que conduzam agrave formaccedilatildeo da consciecircncia linguiacutestica discutir sobre avaliaccedilotildees subjetivas de alguns indiviacuteduos de certos grupos sociais a respeito das variedades linguiacutesticas As atividades eram direcionadas especificamente agrave conscientizaccedilatildeo do aluno sobre a legitimidade das variaccedilotildees da liacutengua determinadas por normas que atendem agraves necessidades de seus usuaacuterios e que devem ser respeitadas jaacute que satildeo parte da histoacuteria e da representatividade linguiacutestica de seus falantes Aleacutem disso aquelas atividades abordavam as reaccedilotildees crenccedilas e atitudes negativas das pessoas em relaccedilatildeo agraves variedades linguiacutesticas posto que a estigmatizaccedilatildeo na maioria das vezes ocorre com as vozes oprimidas e socialmente desprestigiadas Era nossa pretensatildeo que o aluno tambeacutem se apercebesse de parte dessa variaccedilatildeo assumindo sua condiccedilatildeo de usuaacuterio de uma liacutengua que se manifesta por diferentes variaccedilotildees mas com comunicabilidade independentemente do interlocutor e do contexto de interlocuccedilatildeo

A quarta e uacuteltima ldquoConhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs Brasileirordquo compotildee-se de quatro atividades sendo duas com a escrita e duas com a oralidade modalidades com as quais previacuteramos trabalhar Apresentamos e esclarecemos o quadro dos seis subsistemas dos pronomes de segunda pessoa de que dispotildee nosso sistema

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linguiacutestico categorizados por Scherre (2009) para que o aluno tivesse conhecimento do seu funcionamento respeitada a sua maturidade linguiacutestica

Objetivamos com as atividades dessa oficina levar ao conhecimento dos aprendizes aleacutem dos subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do Portuguecircs Brasileiro os mecanismos de concordacircncia verbal para que o discente use adequadamente as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo conforme a GTN Com tais metas corroboramos o que reporta Bortoni-Ricardo (2004) quando afirma que eacute na escola onde o indiviacuteduo aprende os usos linguiacutesticos adequados agraves tarefas comunicativas e ao tipo de interaccedilatildeo para atender agraves convenccedilotildees sociais Nessa trilha as atividades de oralidade visavam agrave observaccedilatildeo do comportamento linguiacutestico do falante em contextos de uso mais formal e menos formal da liacutengua em relaccedilatildeo agraves regras de concordacircncia verbal com as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo Para tanto trabalhamos novamente com a ferramenta WhatsApp enviando mensagens para interlocutores diferentes como o diretor da escola e um colega de sala arguindo-os sobre o tema da nossa pesquisa

Finalizada a aplicaccedilatildeo das oficinas os resultados apontaram que conseguimos alcanccedilar os objetivos pretendidos haja vista que cada atividade foi executada como planejamos dentro do tempo previsto tudo convergindo para o mesmo propoacutesito

Conseguimos despertar o interesse nos alunos por apresentarmos atividades diferenciadas utilizando textos acadecircmicoscientiacuteficos histoacutericos e diversos gecircneros multimodais no decorrer de todo o trabalho com informaccedilotildees pertinentes e necessaacuterias para a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e ampliaccedilatildeo da competecircncia comunicativa dos estudantes Isso porque sabemos que constitui um direito do educando o contato com tais textos como apregoa Faraco (2008 p 176) quando nos lembra que eacute tarefa fundamental da escola oferecer gecircneros e textos para aleacutem da ldquoinsubstituiacutevel experiecircncia da literaturardquo ou seja a instituiccedilatildeo natildeo deve ignorar a gama de outros textos que tecircm vasta circulaccedilatildeo sociocultural

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Ao final atingimos nosso objetivo maior qual seja contribuir para o ensino da Liacutengua Portuguesa em suas diversas variedades e modalidades

5 Consideraccedilotildees finais

A investigaccedilatildeo sobre a alternacircncia das duas formas de tratamento os pronomes lsquoldquoturdquo e ldquovocecircrdquo utilizadas pelos moradores do municiacutepio de Lontra ndash Minas Gerais levou-nos aos seguintes resultados

Comprovamos por meio da pesquisa quantitativa e qualitativa sociolinguiacutestica laboviana que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) tanto na oralidade quanto na escrita dos sujeitos-colaboradores

Verificamos ainda que fatores estruturais (funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia da forma verbal paradigma flexional verbal contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre) e natildeo estruturais (sexo grau de intimidade e classe social) influenciam o uso da variaccedilatildeo em maior ou menor grau de ocorrecircncia

Confirmamos a hipoacutetese 1 de que o que acontece em Lontra eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Aleacutem disso o uso de atividades diversas diferenciadas e inovadoras aleacutem dos estudos desenvolvidos possibilitou-nos a comprovaccedilatildeo da hipoacutetese 2 confirmando que a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico e subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada

Uma vez alicerccedilada em vaacuterias teorias e leituras que ampliaram sobremaneira nossos conhecimentos e nossa confianccedila para desenvolvermos a contento esta pesquisa e nos tornarmos agentes multiplicadores do conhecimento adquirido atingimos tanto o

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objetivo geral quanto os especiacuteficos definidos para este trabalho que reputamos consistente e importante Eacute nosso desejo que ele seja uacutetil para futuros estudos sociolinguiacutesticos e dialetoloacutegicos sobre o Portuguecircs Brasileiro

Acreditamos ter contribuiacutedo para atender aos anseios de uma sociedade moderna plural que a cada dia exige mais do sujeito a proficiecircncia nas habilidades de leitura e escrita enfim a compreensatildeo do sistema linguiacutestico do qual eacute usuaacuterio

Referecircncias

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BIDERMAN M T C Formas de tratamento e estruturas sociais Mariacutelia Alfa 1972-1973

BORTONI-RICARDO S M Educaccedilatildeo em liacutengua materna a sociolinguiacutestica em sala de aula Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2004

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FARACO C A Norma culta brasileira desatando alguns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

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LEITE M Q Preconceito e intoleracircncia na linguagem Satildeo Paulo Contexto 2008

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PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS Desenvolvido pela Diretoria de Tecnologia da Informaccedilatildeo 2013 Apresenta as atividades desenvolvidas pelo ProfLetras da Universidade Estadual de Montes Claros Disponiacutevel em httpwwwcchunimontesbrprofletras Acesso em 20 jul 2017

REIS Z M dos A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG 2019 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2019

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SCHERRE M M P O preconceito linguiacutestico deveria ser crime Revista Galileu dez 2009 Disponiacutevel em httprevistagalileuglobocom Acesso em 22 set 2018

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SCHERRE M M P Doa-se lindos filhotes de poodle variaccedilatildeo linguiacutestica miacutedia e preconceito Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

SCHERRE M M P Entrevista sobre preconceito linguiacutestico variaccedilatildeo e ensino concedida a Jussara Abraccedilado Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Preconceito linguiacutestico e cacircnone literaacuterio n 361 p 11-26 sem 2008

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THIOLLENT M Metodologia da pesquisa-accedilatildeo 18 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

TRIPP D Pesquisa-accedilatildeo uma introduccedilatildeo metodoloacutegica Educaccedilatildeo e pesquisa Satildeo Paulo v 31 n 3 p 443-446 setdez 2005

O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo contempla os resultados da pesquisa de mestrado que realizamos34 A partir da observaccedilatildeo das dificuldades ortograacuteficas dos alunos decidimo-nos por empreender uma investigaccedilatildeo no sentido de analisar a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo presente na fala para os textos escritos dos estudantes aleacutem de elaborar uma proposta de intervenccedilatildeo com a finalidade de minimizar essa dificuldade no sentido de promover o desenvolvimento das suas habilidades ortograacuteficas

Assim objetivamos analisar o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo transposto para a escrita dos alunos do 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica localizada na zona urbana da cidade de Montes Claros (MG)

Para alcanccedilar o objetivo proposto nesta pesquisa foi adotada a pesquisa-accedilatildeo sendo definidos como atores da intervenccedilatildeo os alunos do 7ordm ano X Para que as accedilotildees fossem direcionadas agrave realidade investigada inicialmente realizou-se uma pesquisa exploratoacuteria em que foi analisado o campo de pesquisa a partir de um diagnoacutestico da situaccedilatildeo

Esta pesquisa foi tambeacutem quantitativa uma vez que os dados foram medidos quantificados e depois traduzidos em nuacutemeros as informaccedilotildees e os resultados e qualitativa pois apresenta caraacuteter interpretativo Foi utilizada tambeacutem a pesquisa bibliograacutefica que buscou ancoragem em trabalhos cientiacuteficos no acircmbito da linguiacutestica jaacute produzidos sobre o tema A reflexatildeo sobre a praacutetica pedagoacutegica possibilitou a intervenccedilatildeo a partir do embasamento teoacuterico unindo a teoria e a praacutetica uma vez que a experiecircncia docente muitas vezes ocorre desvinculada da teoria

No que concerne agrave anaacutelise do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos foram consideradas as seguintes variaacuteveis linguiacutesticas

34 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3dAE2gG

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1) Ditongo ltougt no interior e no final de palavra como robaram e fecho no lugar de ldquoroubaramrdquo e ldquofechourdquo

2) Ditongo lteigt antes de [ɾ] como em fera em vez de ldquofeirardquo

3) Ditongo ltaigt antes de [] como caxa em vez de ldquocaixardquo

4) Categoria gramatical (substantivos verbos pronomes e adjetivos)

Aleacutem dessas variaacuteveis linguiacutesticas considerou-se tambeacutem variaacuteveis natildeo linguiacutesticas a saber

5) Sexo dos alunos

6) Faixa etaacuteria

7) Escolaridade

8) Aacuterea geograacutefica (os estudantes participantes desta pesquisa residem na aacuterea urbana)

Verificamos que todos os informantes vivem na zona urbana quatro informantes satildeo do sexo feminino e 17 do sexo masculino quatro tecircm 12 anos 11 tecircm 13 anos quatro tecircm 14 anos um tem 15 anos e um tem 17 anos

Para a definiccedilatildeo do objeto de estudo foram aplicadas duas atividades diagnoacutesticas para 21 alunos na turma do 7ordm ano X de uma escola puacuteblica no mecircs de abril de 2016 com o objetivo de identificar a influecircncia da oralidade na escrita desses alunos O diagnoacutestico apontou um grande nuacutemero de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na produccedilatildeo de texto dos alunos decorrentes da influecircncia da oralidade na escrita A partir do diagnoacutestico foi entatildeo elaborado um plano de intervenccedilatildeo para ser aplicado nessa turma com o objetivo de tentar minimizar as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos do Ensino Fundamental II

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As atividades de intervenccedilatildeo propostas foram direcionadas para a observaccedilatildeo da escrita das palavras tendo em vista o desenvolvimento ortograacutefico nas produccedilotildees de texto dos alunos tomando como base as postulaccedilotildees de Morais (2000) acerca do ensino da ortografia

Apoacutes a aplicaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi proposta uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo para 19 alunos dessa mesma turma no mecircs de maio de 2018 Nessa data os alunos cursavam o 8ordm Ano do Ensino Fundamental II Dessa maneira os dados obtidos nessa etapa puderam ser comparados com aqueles colhidos na fase diagnoacutestica atraveacutes da seleccedilatildeo descriccedilatildeo categorizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

A pesquisa portanto foi desenvolvida em diferentes fases diagnoacutestica intervenccedilatildeo e poacutes-intervenccedilatildeo Todavia a discussatildeo a seguir tem o seu enfoque na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos participantes especificamente na comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo

A anaacutelise promovida desenvolveu-se a partir das consideraccedilotildees feitas principalmente por Mollica (2016) Bortoni-Ricardo (2004 2005 2006) e Bagno (2006 2007)

Inicialmente foi feita uma discussatildeo sobre o conceito de ldquoerrordquo35 adotado nesta pesquisa em seguida eacute descrito o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo e a transposiccedilatildeo de tal fenocircmeno para a escrita Estatildeo presentes tambeacutem sugestotildees de Morais (2000) para o trabalho com a ortografia em sala de aula que nortearam as atividades de intervenccedilatildeo desenvolvidas Logo apoacutes foi feita a anaacutelise comparativa do diagnoacutestico e da poacutes-intervenccedilatildeo em

35 No presente trabalho o conceito de ldquoerrordquo eacute baseado na discussatildeo apontada por Bortoni-Ricardo (2005 2006) que faz uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrosrdquo da fala (que natildeo representam uma transgressatildeo da liacutengua jaacute que satildeo uma variedade linguiacutestica) e ldquoerrosrdquo da escrita (transgressatildeo de um coacutedigo convencionado e prescrito pelas regras ortograacuteficas pois a ortografia natildeo prevecirc variaccedilatildeo)

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relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos por fim apresentamos as consideraccedilotildees finais sobre o trabalho aqui proposto

2 A discussatildeo sobre o ldquoerrordquo

Bagno (2007) aponta que a Gramaacutetica Tradicional (GT) considera como ldquoerrordquo as construccedilotildees que estatildeo em desacordo com as prescriccedilotildees da norma-padratildeo sendo que essa concepccedilatildeo influencia a propagaccedilatildeo do preconceito linguiacutestico Entretanto de acordo com Bagno (2007 p 124) ldquoNingueacutem comete erros ao falar sua proacutepria liacutengua materna assim como ningueacutem comete erros ao andar ou respirarrdquo O falante eacute capaz de identificar se uma sentenccedila obedece agraves regras de funcionamento da liacutengua Nesse prisma os ldquoerrosrdquo de Portuguecircs existem mas natildeo satildeo produzidos por falantes nativos de uma liacutengua

Na fala a noccedilatildeo de ldquoerrordquo tambeacutem estaacute relacionada agrave natildeo observacircncia das regras determinadas pela GT Nesse sentido a visatildeo tradicionalista considera ldquoerradasrdquo estas duas sentenccedilas ldquoA Joana eacute uma menina que ela sabe o que fazrdquo e ldquoA Joana que ela sabe eacute uma menina o que fazrdquo Por sua vez Bagno (2007 p 127) afirma ser agramatical apenas a segunda que natildeo eacute identificada na fala dos brasileiros

Jaacute na escrita a noccedilatildeo de ldquoerrordquo estaacute relacionada aleacutem de a outros aspectos linguiacutesticos aos desvios ortograacuteficos As questotildees concernentes ao ensino da ortografia satildeo motivo de duacutevida para o professor que encontra dificuldades em trabalhar com atividades que apresentem de fato resultados positivos Essa duacutevida estaacute intimamente relacionada agrave noccedilatildeo do ldquoerrordquo que eacute discutida por Bortoni-Ricardo (2005) a seguir

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21 Bortoni-Ricardo (2005 2006) e o ldquoerrordquo ortograacutefico

Ao discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Bortoni-Ricardo (2006) realiza uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrordquo da fala e da escrita Segundo a autora o ldquoerrordquo na liacutengua falada natildeo transgride regras da liacutengua no sentido de que representa uma variedade linguiacutestica diferente da variedade de prestiacutegio sendo um fato social ldquoNa liacutengua oral portanto o indiviacuteduo tem a variaccedilatildeo ao seu dispor cabendo-lhe aprender na escola e na vida a ajustar a variante adequada a cada contexto de usordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2006) o ldquoerrordquo ortograacutefico apresenta uma natureza distinta do ldquoerrordquo da fala posto que a ortografia eacute um coacutedigo que natildeo aceita variaccedilatildeo Assim o ldquoerrordquo representa a transgressatildeo de um coacutedigo convencionado pelas regras ortograacuteficas Nessa perspectiva o ldquoerrordquo eacute um componente de forte avaliaccedilatildeo social pois eacute avaliado de maneira negativa pela sociedade Poreacutem a autora esclarece que ldquoConsiderar uma transgressatildeo agrave ortografia como erro natildeo significa consideraacute-la uma deficiecircncia do aluno que decirc ensejo a criacuteticas ou a um tratamento que o deixe humilhadordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273) A aprendizagem da ortografia eacute gradativa e necessita de um contato permanente com a liacutengua escrita

Haacute um equiacutevoco envolto a essa questatildeo do ldquoerrordquo que faz com que se deduza que todas as construccedilotildees satildeo sempre vaacutelidas na liacutengua A despeito dessa concepccedilatildeo Bortoni-Ricardo (2005) aponta que na perspectiva da Sociolinguiacutestica Educacional o falante deve utilizar a liacutengua de maneira apropriada De acordo com a autora ldquoA competecircncia comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstacircnciasrdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73) ou seja o falante segue regras de adequaccedilatildeo estabelecidas culturalmente que norteiam a monitoraccedilatildeo do seu estilo Assim o falante

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seleciona estilos mais monitorados em situaccedilotildees que exigem certa formalidade ao passo que em situaccedilotildees menos formais nas quais haacute um grau maior de intimidade com os interlocutores o indiviacuteduo utiliza estilos menos monitorados ldquoEm todos esses processos ele tem sempre de levar em conta o papel social que estaacute desempenhandordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73)

Ao analisar os ldquoerrosrdquo de escrita Bortoni-Ricardo (2005) discute uma metodologia para a anaacutelise e diagnose de ldquoerrosrdquo pertinente em ambientes nos quais as pessoas possuem pouco acesso agrave norma-padratildeo e utilizam variedades estigmatizadas ldquoOs lsquoerrosrsquo que cometem satildeo sistemaacuteticos e previsiacuteveis quando satildeo conhecidas as caracteriacutesticas do dialeto em questatildeordquo (BORTONI-RICARDO 2005 p 53) Sendo assim a autora postula as categorias de ldquoerrosrdquo especificadas no Quadro 1

Quadro 1 Categoriassubcategorias de ldquoerrosrdquo

1 ndash Erros decorrentes da proacutepria natureza arbitraacuteria do sistema de convenccedilotildees da escrita2 ndash Erros decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita

21 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas categoacutericas no dialeto estudado

22 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais

23 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas

Fonte Adaptado de Bortoni-Ricardo (2005 p 54)

O Quadro 1 demonstra duas categorias de ldquoerrosrdquo sendo que a categoria 1 compreende os ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita devido principalmente ao fato de haver um fonema com diferentes representaccedilotildees graacuteficas ou uma letra que represente dois ou mais fonemas

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A categoria 2 indica ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita A subcategoria 21 diz respeito a regras fonoloacutegicas categoacutericas que existem independentemente do contexto situacional e das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas do falante Por exemplo a junccedilatildeo de certas palavras (levalo em vez de ldquolevaacute-lordquo) e a nasalizaccedilatildeo do ditongo como em muinto em vez de ldquomuitordquo A subcategoria 22 refere-se agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais que satildeo percebidas em vaacuterios grupos sociais (categoria em que se insere nosso objeto de estudo e de intervenccedilatildeo) p e a monotongaccedilatildeo de ditongos crescentes (bera em vez de ldquobeirardquo) e a desnasalizaccedilatildeo das vogais aacutetonas finais (homi em vez de ldquohomemrdquo) Jaacute a subcategoria 23 diz respeito agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas que estatildeo presentes em alguns grupos por isso satildeo comumente estigmatizadas pelas pessoas que dominam a norma culta Por exemplo a supressatildeo do ditongo crescente em siacutelaba final (vei em vez de ldquoveiordquo)

A categorizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo adotada neste trabalho eacute a proposta por Bortoni-Ricardo (2005) segundo a qual haacute ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita e ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita sendo que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo objeto desta pesquisa enquadra-se neste uacuteltimo

Um motivo que leva os alunos a cometerem transgressotildees ortograacuteficas eacute a sustentaccedilatildeo da ideia de que a escrita eacute a representaccedilatildeo da fala Eacute o que ocorre quando o aluno transpotildee a monotongaccedilatildeo para escrita fenocircmeno que eacute discutido na seccedilatildeo seguinte

3 O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo

Segundo Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015 p 148) a monotongaccedilatildeo trata da supressatildeo da semivogal de um ditongo p e em [pe] a semivogal i foi suprimida Segundo Silva (2008 p 73) ditongos satildeo uma sequecircncia de segmentos sendo que um

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deles eacute uma vogal e o outro eacute uma semivocoide semivogal vogal assilaacutebica ou glide (a partir de agora adotamos o termo glide para se referir agrave semivogal por ser terminologia neutra)

No Portuguecircs Brasileiro (PB) as siacutelabas satildeo constituiacutedas por vogais que satildeo o nuacutecleo e por consoantes ou glides que ocupam as partes perifeacutericas Dessa forma as vogais satildeo sempre obrigatoacuterias e o pico de qualquer siacutelaba do PB enquanto as consoantes e os glides satildeo opcionais e ainda prevocaacutelicos ou posvocaacutelicos Foneticamente a diferenccedila entre um segmento vocaacutelico e um consonantal eacute a obstruccedilatildeo da passagem da corrente de ar pelo trato vocal no caso de consoantes e a natildeo obstruccedilatildeo no caso das vogais

Silva (2008 p 73 itaacutelico nosso) afirma que ldquo[] glides podem apresentar caracteriacutesticas foneacuteticas de segmentos vocaacutelicos ou consonantaisrdquo ao se comportarem de maneira parecida agraves consoantes na siacutelaba Nesse sentido Cacircmara Jr (1997) classifica o glide como vogal assilaacutebica pois em vez de ser o centro da siacutelaba fica agrave margem dela assim como as consoantes resultando no ditongo Silva (2008 p 171 itaacutelico nosso) afirma que no PB ldquo[] os glides correspondem agraves vogais altas i u em posiccedilatildeo aacutetona que se manifestam foneticamente como segmentos assilaacutebicos Os glides satildeo sempre associados a uma vogal e nunca podem ser nuacutecleo de siacutelabardquo

Coutinho (1976 p 108) afirma que havia em latim ldquosomente quatro ditongos ae oe au e eu (raro)rdquo O nuacutemero maior de ditongos no Portuguecircs deve-se a alguns motivos tais como a siacutencope ou queda de fonema medial como malu que passou a ser mau a vocalizaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo de consoante em vogal como conceptu que se transformou em conceito e a epecircntese de uma vogal para desfazer o hiato como em creogtcredogtcreio Ao discutir esse assunto Aragatildeo (2014) discorre sobre os ditongos latinos e afirma que seguiram dois caminhos diferentes no Portuguecircs ou se transformaram em novos ditongos ou se monotongaram

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Bortoni-Ricardo (2004) ao tecer consideraccedilotildees a respeito da monotongaccedilatildeo salienta que se trata de um fenocircmeno antigo na liacutengua como se observa p e na mudanccedila de paucumgtpoucogtpoco e aurumgtourogtoro No processo de evoluccedilatildeo do latim para o Portuguecircs a vogal ltagt transformou-se em ltogt tornando-se posterior assim como a vogal ltugt que eacute o segmento seguinte De acordo com Bagno (2006) essa transformaccedilatildeo do ditongo ltaugt para ltougt ocorreu devido ao processo de assimilaccedilatildeo

Aleacutem dessa transformaccedilatildeo houve ainda a reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt Essa mudanccedila representa a monotongaccedilatildeo que foi registrada jaacute no seacuteculo XVIII e perdura ateacute os dias hodiernos ldquoA regra estaacute tatildeo avanccedilada que praticamente natildeo pronunciamos o ditongo ou Ateacute em siacutelabas tocircnicas finais que satildeo mais resistentes agrave mudanccedila reduzimos este ditongordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 95) Aragatildeo (2014) afirma que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo natildeo eacute regional uma vez que foram realizados estudos nesse sentido em diversas regiotildees do paiacutes que registraram a ocorrecircncia desse fenocircmeno

Bortoni-Ricardo (2004) ressalta que a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai ocorre em apenas alguns contextos fonoloacutegicos ldquoA reduccedilatildeo do ei e do ai eacute condicionada pelo segmento consonacircntico seguinterdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 96) Dessa maneira os segmentos consonacircnticos posteriores que favorecem a monotongaccedilatildeo desses ditongos satildeo ʒ e como em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo Segundo Bortoni-Ricardo (2004 p 96) isso ocorre devido ao fato de serem ldquo[] fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca o palato assim como a vogal i Dizemos entatildeo que essas consoantes e a vogal i satildeo sons homorgacircnicos (quanto ao ponto de articulaccedilatildeo)rdquo

Nesse sentido Bagno (2006) afirma que quando dois sons parecidos se encontram eles tendem a se fundir devido agrave assimilaccedilatildeo ldquoNo caso do nosso ditongo EI a assimilaccedilatildeo lsquoaproveitarsquo o caraacuteter palatal da semivogal I e das consoantes J e X para reuni-las num uacutenico som Assim o que acontece natildeo eacute exatamente a

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reduccedilatildeo do ditongo EI em E mas a reduccedilatildeo de -IJ- e -IX- em -J- e -X-rdquo (BAGNO 2006 p 91-92)

Bortoni-Ricardo (2004) acrescenta tambeacutem que houve uma expansatildeo dessa regra para outros ambientes como p e monotongaccedilatildeo antes de [ɾ] Esse fenocircmeno ocorre porque segundo Bagno (2006) o som [ɾ] natildeo eacute palatal da mesma forma que [ʒ] ou [ʃ] poreacutem trata-se de um som que tambeacutem eacute produzido na parte anterior da boca entre os alveacuteolos e os dentes ldquoPor terem este ponto de articulaccedilatildeo comum eacute que os sons da semivogal I e da consoante R sofrem os efeitos da assimilaccedilatildeo e se transformam num soacuterdquo (BAGNO 2006 p 92)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2004) as consoantes oclusivas [] e [] e as fricativas [] e [] desfavorecem a aplicaccedilatildeo da regra da monotongaccedilatildeo dos ditongos [a] e [e ] No entanto a reduccedilatildeo do ditongo [e] pode ocorrer devido agrave variedade regional como na Paraiacuteba e Pernambuco em que haacute p e reduccedilatildeo do ditongo [e ] de ldquoAlmeidardquo para Almecircda

De acordo com Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015) os ditongos que se monotongam satildeo aqueles seguidos de fricativas como em ldquodepoisrdquo ldquoqueijordquo e ldquopeixerdquo e seguidos de tepe como em ldquoroteirordquo e ldquofreirardquo Bortoni-Ricardo (2004 p 95) afirma que o fator que mais contribui para a monotongaccedilatildeo eacute a influecircncia articulatoacuteria do segmento seguinte Assim eacute muito comum a reduccedilatildeo do ditongo ou tanto em siacutelabas finais como falocirc socirc e jogocirc em vez de ldquofalourdquo ldquosourdquo e ldquojogourdquo quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas como em besoro tesoro loco dotocirc e ropa em vez de ldquobesourordquo ldquotesourordquo ldquoloucordquo ldquodoutorrdquo e ldquoroupardquo

Verifica-se tambeacutem a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai mas nesses casos Bortoni-Ricardo (2004) afirma que a regra de monotongaccedilatildeo estaacute menos avanccedilada pois ela se aplica apenas em alguns contextos fonoloacutegicos Assim nas palavras ldquojeitordquo ldquoPaivardquo ldquoseivardquo ldquoraivardquo ldquogaitardquo e ldquobeiccedilordquo natildeo se verifica a monotongaccedilatildeo ao passo que em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo os ditongos satildeo monotongados pois

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os segmentos ʒ e ʃ satildeo fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca assim como i o que favorece a monotongaccedilatildeo Quando a monotongaccedilatildeo ocorre no radical dos verbos a tendecircncia eacute a abertura da vogal por exemplo em roacuteba e doacutera em vez de ldquoroubardquo e ldquodourardquo

Apoacutes essa explanaccedilatildeo a respeito da monotongaccedilatildeo na subseccedilatildeo a seguir abordaremos a transposiccedilatildeo desse fenocircmeno para a escrita conforme estudos jaacute realizados sobre o assunto

31 Monotongaccedilatildeo da fala para a escrita

Nesta subseccedilatildeo satildeo apresentadas discussotildees sobre a transposiccedilatildeo da fala para a escrita em relaccedilatildeo ao fenocircmeno da monotongaccedilatildeo de acordo com pesquisas desenvolvidas pelos autores citados a seguir

Mollica (2016) realizou uma pesquisa em escolas puacuteblicas e particulares na cidade do Rio de Janeiro e Niteroacutei (RJ) a fim de verificar a ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental A autora concluiu que as turmas nas quais foi promovida uma discussatildeo acerca da influecircncia da fala na escrita foi identificada menor ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo nos textos escritos sendo que o grafema ltugt apresentou assimilaccedilatildeo mais difiacutecil do que o grafema ltigt uma vez que eacute mais comum na fala dos alunos pesquisados a monotongaccedilatildeo do ditongo [oU9] como em otro em detrimento do ditongo [ej] como em pexe Dessa forma segundo Mollica (2016 p 102) ldquoQuanto mais afetada na fala a mudanccedila maior a resistecircncia agrave instruccedilatildeo aplicada como estrateacutegia pedagoacutegica em sala de aula no processo de letramentordquo

Hora e Ribeiro (2006) desenvolveram uma pesquisa com alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental em uma escola particular e uma puacuteblica na cidade de Joatildeo Pessoa (PB) com o intuito de observar a monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes Percebeu-se que houve ocorrecircncia maior de monotongaccedilatildeo em textos dos

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alunos do sexo masculino confirmando a hipoacutetese inicial dos autores de que ldquo[] os falantes do sexo feminino tendem a usar mais a variante padratildeo ou de prestiacutegio social do que aqueles do sexo masculinordquo (HORA RIBEIRO 2006 p 218) Nessa pesquisa houve ainda a constataccedilatildeo de que os estudantes das escolas puacuteblicas escrevem mais palavras monotongadas do que os alunos de escolas particulares possivelmente pelo fato de estes possuiacuterem maior contato com textos escritos em norma culta

Aleacutem disso os autores identificaram que alunos com niacutevel de escolaridade maior apresentaram menor iacutendice de monotongaccedilatildeo corroborando os estudos de Mollica (2016 p 102) ao concluir que ldquo[] o aprendiz necessita de um grau de amadurecimento tal que seja capaz de entender instruccedilotildees complexas como a possiacutevel influecircncia da variaccedilatildeo na liacutengua falada sobre a liacutengua escritardquo

Barbosa (2016 p 39-40) aponta que ldquo[] a monotongaccedilatildeo e a ditongaccedilatildeo satildeo evidecircncias do continuum entre fala e escrita ocasionadas por assimilaccedilotildees sonorasrdquo Assim a monotongaccedilatildeo eacute um tipo de variaccedilatildeo fonoloacutegica mas que ocorre tambeacutem na escrita como observado nas pesquisas descritas acima De acordo com Coelho et al (2015 p 18) ldquoEm um caso de variaccedilatildeo as formas variantes costumam receber valores distintos pela comunidaderdquo Dessa maneira enquanto a variante padratildeo eacute a variante de prestiacutegio a natildeo padratildeo eacute normalmente estigmatizada No caso especiacutefico da monotongaccedilatildeo segundo Mollica (2016) por ser comum no Brasil natildeo demonstra ser um fenocircmeno tatildeo estigmatizado o que poderia explicar sua forte influecircncia nos textos escritos

Bagno (2006) destaca que a liacutengua escrita natildeo reproduz fielmente a fala pois a liacutengua falada passa por constantes transformaccedilotildees Dessa maneira ldquo[] ateacute hoje a gente tem que escrever pouco louro roupa embora fale haacute bastante tempo poco loro ropardquo (BAGNO 2006 p 84) Portanto ldquoerrosrdquo ortograacuteficos decorrentes da influecircncia da fala na escrita especialmente no que diz respeito agrave monotongaccedilatildeo satildeo recorrentes

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Dada a ocorrecircncia de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos na escrita dos alunos aqui investigados especificamente da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a sua escrita e a necessidade de uma proposta de intervenccedilatildeo nesse caso adotamos as propostas de atividades pedagoacutegicas elaboradas por Morais (2000) que contribuem para o ensino da ortografia conforme discussatildeo na seccedilatildeo a seguir

4 Morais (2000) sugestotildees de atividades

Morais (2000) apresenta sugestotildees de atividades para serem trabalhadas em sala de aula com o intuito de melhorar os conhecimentos ortograacuteficos dos alunos p e

1) Ditado interativo o ditado eacute uma atividade muito usada para a verificaccedilatildeo ortograacutefica contudo trata-se de um exerciacutecio realizado de maneira tradicional considerando a ortografia como um objeto de verificaccedilatildeo e natildeo de ensino

Contrapondo-se ao ditado tradicional que apenas verifica os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos o ditado interativo conduz a uma reflexatildeo acerca da ortografia ldquoDitamos agrave turma um texto jaacute conhecido fazendo pausas diversas nas quais convidamos os alunos a focalizar e discutir certas questotildees ortograacuteficas previamente selecionadas ou levantadas durante a atividaderdquo (MORAIS 2000 p 77) Durante a realizaccedilatildeo do ditado o professor aponta reflexotildees sobre algumas palavras que considera mais pertinentes para o momento seguindo as dificuldades ortograacuteficas apresentadas pelos alunos solicitando a eles que faccedilam transgressotildees mentalmente discutindo a forma ldquocorretardquo e ldquoerradardquo de grafia

2) Releitura com focalizaccedilatildeo semelhante ao ditado interativo a releitura coletiva com focalizaccedilatildeo na escrita de determinadas palavras leva os alunos a refletirem acerca da ortografia ldquoMais ainda que no ditado interativo eacute faacutecil o professor controlar as palavras sobre as quais deseja refletir com os alunosrdquo (MORAIS 2000 p 82)

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3) Reescrita com correccedilatildeo Morais (2000) sugere que os alunos leiam textos que contenham transgressotildees ortograacuteficas e pontua ainda que essa proposta enfrenta resistecircncia por muitos educadores pois haacute o pensamento de que os estudantes ao entrarem em contato com esses ldquoerrosrdquo poderiam considerar essas ocorrecircncias corretas No entanto o autor supracitado ressalta a importacircncia de os alunos perceberem que indiviacuteduos de grupos sociais e regiotildees diferentes possuem maneiras distintas de falar aleacutem disso deve-se discutir a maneira como se fala sendo que a linguagem precisa se adequar agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Segundo Morais (2000) as atividades de reescrita com correccedilatildeo e transgressatildeo ortograacutefica podem contribuir para a reflexatildeo sobre a ortografia

5 Anaacutelise dos dados

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos alunos e na atividade poacutes-intervenccedilatildeo os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados conforme proposta de Bortoni-Ricardo (2005) descrita no Quadro 1 Analisamos a seguir as atividades diagnoacutesticas demonstrando o percentual de ldquoerrosrdquo dos alunos em cada tipo categorizado na sequecircncia destacamos a anaacutelise feita no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos participantes ainda na fase diagnoacutestica Por fim comparamos os dados obtidos no diagnoacutestico com os dados colhidos na fase poacutes-intervenccedilatildeo

51 Anaacutelise das atividades diagnoacutesticas

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos 21 alunos participantes conforme descriccedilatildeo anterior os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados sendo possiacutevel obter uma visatildeo geral dos ldquoerrosrdquo no Graacutefico 1

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Graacutefico 1 Porcentagem dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos ndash fase diagnoacutestica

0 10 20 30 40

Troca de letrasMonotongaccedilatildeo

JunturaAlccedilamento

ApoacutecopeHipercorreccedilatildeoSegmentaccedilatildeoDesnasalaccedilatildeo

SiacutencopeAfeacuterese

Harmonia vocaacutelicaAssimilaccedilatildeoDitongaccedilatildeo

Demais subcategorias

Grupo 1

Grupo 2 - A

Grupo 2 - B

Grupo 2 - C

Demais subcategorias

Fonte Lopes (2018)

No Graacutefico 1 incluem-se na legenda ldquodemais subcategoriasrdquo ldquoerrosrdquo provenientes dos Grupos 1 e 2 que apresentaram menos de 1 de ocorrecircncia a saber inserccedilatildeo de letras (Grupo 1) epecircntese (Grupo 2 ndash A) nasalizaccedilatildeo (Grupo 2 ndash B) apoacutecope epecircntese sacircndi externo nasalizaccedilatildeo afeacuterese e paragoge (Grupo C)

Os ldquoerrosrdquo identificados nas atividades diagnoacutesticas demonstraram o elevado grau de dificuldades enfrentadas pelos alunos em relaccedilatildeo agrave ortografia ao compor seus textos Destaca-se nesse sentido a dificuldade apresentada em relaccedilatildeo ao uso indevido de letras com 29 A troca de letras feita no momento da escrita representa casos possiacuteveis dentro do sistema linguiacutestico

O ldquoerrordquo ortograacutefico de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita para o qual se direciona esta pesquisa apresentou o segundo maior percentual de ldquoerrosrdquo No entanto entre os ldquoerrosrdquo

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decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita (Grupo 2) a monotongaccedilatildeo apresentou o maior nuacutemero de ocorrecircncias

Ainda que o uso indevido de letras tenha sido demonstrado como o ldquoerrordquo mais recorrente considerando-se o total dos ldquoerrosrdquo trata-se de troca de letras diferentes O porcentual de 29 para essa subcategoria do Grupo 1 representa 14 tipos de troca de letras diferentes que totalizam as 84 ocorrecircncias identificadas nos dados Se considerado cada tipo de troca de letra isoladamente eles apresentam um menor percentual de ocorrecircncia quando comparados agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Em razatildeo de o objeto de estudo desta pesquisa ser a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita uma subseccedilatildeo especiacutefica trataraacute desse ldquoerrordquo ortograacutefico

52 Monotongaccedilatildeo transposiccedilatildeo para a escrita

Esta subseccedilatildeo aborda especificamente a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita na fase diagnoacutestica No Quadro 2 estatildeo elencadas as palavras que representam a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita encontradas nos dois textos produzidos pelos alunos na fase diagnoacutestica organizado de maneira a se estabelecer correspondecircncia entre o ldquoerrordquo e o aluno que dele fez uso

Quadro 2 Casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ndash fase diagnoacutestica

Aluno Monotongaccedilatildeo

A1 robu (ldquoroubordquo) robaro (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) coguero (ldquocoqueirordquo) atiro (ldquoatirourdquo)

A2 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A3 outro (ldquooutrordquo) robaram (ldquoroubaramrdquo)A4 fera (ldquofeirardquo)A6 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A9 robaraum (ldquoroubaramrdquo) otos (ldquooutrosrdquo)

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A10 cacha (ldquocaixardquo) ropinha (ldquoroupinhardquo)A11 arrumo (ldquoarrumourdquo)

A12 robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A13 ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo) deito (ldquodeitourdquo) comeia (ldquocolmeiardquo) utimo (ldquouacuteltimordquo)

A15 roba (ldquoroubarrdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) acho (ldquoachourdquo) ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A16 vera (ldquofeirardquo)A17 fera (ldquofeirardquo) cheo (ldquocheiordquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A18 robaram (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) comeia (ldquocolmeiardquo)A19 robaram (ldquoroubaramrdquo) vera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A20 robaram (ldquoroubaramrdquo) atiro (ldquoatirourdquo) cacha (ldquocaixardquo)A21 fera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)

Fonte Lopes (2018)

Verifica-se com base no Quadro 2 que dos 21 informantes que participaram das atividades propostas 17 (81) apresentaram na escrita ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo atraveacutes da reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt e dos ditongos lteigt e ltaigt para ltegt e ltagt respectivamente

Contrariando a forma ortograacutefica oficial foram verificadas nas produccedilotildees analisadas palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo tanto em siacutelabas tocircnicas finais quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas Em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo do ditongo [oU9] para [o] puderam ser observadas as seguintes ocorrecircncias

a) Reduccedilatildeo do ditongo em siacutelabas tocircnicas finais como em atiro arrumo comeso deito fecho e acho em vez de ldquoatirourdquo ldquoarrumourdquo comeccedilourdquo ldquodeitourdquordquo fechourdquo e ldquoachourdquo

b) Transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo no final das siacutelabas no interior das palavras como em robo robaram otros comeia e ropinha grafadas no lugar de ldquoroubordquo ldquoroubaramrdquo ldquooutrosrdquo ldquocolmeiardquo e ldquoroupinhardquo No caso da escrita de comeia e utimo a

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transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo ocorre porque haacute um ditongo [ow] na fala que natildeo eacute registrado na forma escrita

Verificou-se ainda o apagamento do glide dos ditongos [a] e [e] que se reduziram para [a] e [e] respectivamente Nas produccedilotildees de texto analisadas a reduccedilatildeo desses ditongos ocorreu nos contextos fonoloacutegicos descritos a seguir

c) O ditongo [e] passou por monotongaccedilatildeo antes de consoante tepe alveolar sonora [] como em fera coquero e cadera em vez de ldquofeirardquo ldquocoqueirordquo e ldquocadeirardquo

d) Houve reduccedilatildeo do ditongo [a] antes de consoante fricativa alveopalatal surda [] como em cacha em vez de ldquocaixardquo

Natildeo houve reduccedilatildeo dos ditongos [a] e [e] diante de oclusivas e fricativas nas produccedilotildees textuais dos alunos Identificou-se o natildeo favorecimento de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo quando o ditongo antecede as consoantes [v] e [t] pois natildeo satildeo sons palatais assim natildeo haacute assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 e A12 grafaram a palavra ldquoraivardquo sem transposiccedilatildeo da reduccedilatildeo do ditongo [a ] Natildeo foram encontrados registros nos textos analisados de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo neste contexto fonoloacutegico ditongo seguido de consoante fricativa labiodental sonora [v] O mesmo ocorreu com os ditongos seguidos de consoante oclusiva dental-alveolar surda [t] (p e ldquodeitourdquo e geito) Foi possiacutevel analisar ainda que o ditongo [e] natildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nos finais de palavra como ocorreu com o ditongo [oU9]

No caso de [a] e [e] a reduccedilatildeo do ditongo estaacute condicionada ao segmento seguinte que sendo um som palatal favorece a monotongaccedilatildeo uma vez que haacute a assimilaccedilatildeo do glide com a consoante Assim enquanto as consoantes [ʒ] e [ʃ] favorecem a monotongaccedilatildeo como em bejo e caxa em vez de ldquobeijordquo e ldquocaixardquo por serem palatais o mesmo natildeo acontece com as consoantes

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[v] e [t] que desfavorecem a monotongaccedilatildeo por natildeo serem sons palatais natildeo havendo portanto assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 A3 e A21 escreveram ldquodeitourdquo geito e ldquodeitadordquo respectivamente sem transpor para a escrita a monotongaccedilatildeo dos ditongos uma vez que conforme jaacute comentado anteriormente esse contexto fonoloacutegico natildeo favorece a reduccedilatildeo do ditongo [e]

No texto do aluno A3 notou-se que as palavras ldquoentreirdquo e axei que possuem um ditongo [e ] no final da palavra tambeacutem natildeo passaram por monotongaccedilatildeo diferentemente do que ocorreu com o ditongo [oU9] no final de palavras

A anaacutelise do diagnoacutestico permitiu chegar aos seguintes resultados

bull Os contextos fonoloacutegicos de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foram ditongo ltougt no interior e final de palavra ditongo lteigt antes de [] e ditongo ltaigt antes de []

bull 81 dos alunos participantes escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

bull O ditongo ltougt foi mais produtivo em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita seguido pelos ditongos lteigt e ltaigt respectivamente

bull Os informantes do sexo masculino escreveram mais palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em comparaccedilatildeo aos informantes do sexo feminino

bull Os participantes com mais idade registraram menor ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita do que os participantes com menos idade

Apoacutes anaacutelise do diagnoacutestico foi elaborado o plano de intervenccedilatildeo e aplicado aos alunos Em seguida os alunos realizaram uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo com o intuito de avaliar a intervenccedilatildeo

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realizada A comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo eacute feita na subseccedilatildeo a seguir

53 Comparaccedilatildeo dos resultados e resultado geral

A fim de avaliar os efeitos da intervenccedilatildeo torna-se necessaacuterio realizar nesta subseccedilatildeo uma anaacutelise comparativa entre os resultados colhidos na fase diagnoacutestica e na fase poacutes-intervenccedilatildeo referentes agraves produccedilotildees de texto redigidas pelos alunos

Na Tabela 1 a seguir eacute feita a comparaccedilatildeo do total de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Tabela 1 Comparativo geral de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

16 4

Fonte Lopes (2018)

Segundo a Tabela 1 houve uma reduccedilatildeo de 12 das ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos produzidos pelos alunos da fase diagnoacutestica para a fase poacutes-intervenccedilatildeo Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo correspondeu a 16 do total de ldquoerrosrdquo enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo esse percentual foi de 4

Ao discutir a transposiccedilatildeo da fala para a escrita Mollica (2016 p 18) afirma que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e que ldquoOs sistemas de escrita possuem um caraacuteter normatizador de tal modo que muitos traccedilos variaacuteveis da fala desaparecemrdquo

Dessa maneira durante a intervenccedilatildeo foi feita a discussatildeo com os alunos no sentido de que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e os resultados demonstram que houve essa compreensatildeo por

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parte dos estudantes uma vez que a ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos reduziu consideravelmente apoacutes a intervenccedilatildeo desenvolvida evidenciando que as atividades propostas minimizaram essa dificuldade ortograacutefica

Para melhor visualizaccedilatildeo o Graacutefico 2 conteacutem a comparaccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 2 Comparativo alunos com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

81

105

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 2 ilustra a reduccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram em seu texto escrito a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo durante as fases diagnoacutestica (81) e poacutes-intervenccedilatildeo (105) Ou seja houve uma reduccedilatildeo de mais de 70 demonstrando que os alunos compreenderam tal fenocircmeno que ocorre na fala e eacute transposto para a escrita

Mollica (2016) defende a elaboraccedilatildeo de trabalhos orientados na abordagem de dificuldades de escrita de natureza ortograacutefica ou gramatical sendo essa uma funccedilatildeo essencial da escola ldquoAssumo que a escola tem o papel preciacutepuo de exercitar a liacutengua padratildeo quer na modalidade escrita quer na modalidade faladardquo (MOLLICA 2016 p 17)

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O trabalho orientado no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita obteve resultados satisfatoacuterios nesta pesquisa de acordo com leitura feita do Graacutefico 2

O Quadro 3 a seguir compara as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa considerando dois informantes que apresentaram a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na atividade de avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo

Quadro 3 Comparativo casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Aluno Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

A11 arrumo (ldquoarrumourdquo) chego (ldquochegourdquo)

A12robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso

(ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)falo (ldquofalourdquo)

Fonte Lopes (2018)

Constatamos a partir da observaccedilatildeo do Quadro 3 que o informante A11 escreveu o mesmo nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa (1 ocorrecircncia em cada) ambas com reduccedilatildeo do ditongo ltougt no final de palavra Jaacute o informante A12 ainda que tenha registrado na fase poacutes-intervenccedilatildeo uma palavra com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apresentou reduccedilatildeo desse fenocircmeno na escrita em relaccedilatildeo agrave fase diagnoacutestica (6 ocorrecircncias) Aleacutem disso enquanto na fase diagnoacutestica esse aluno registrou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo dos ditongos ltougt e lteigt na poacutes-intervenccedilatildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo somente do ditongo ltougt

A reduccedilatildeo do ditongo ltougt pelo fato de natildeo depender do segmento consonantal seguinte para ocorrer monotongaccedilatildeo (ao contraacuterio do que acontece com os ditongos ltaigt e lteigt) torna-se mais frequente e consequentemente mais difiacutecil reduzir a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo desse ditongo na escrita

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O Quadro 4 compara os contextos fonoloacutegicos da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Quadro 4 Comparativo contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

ltougt no final de palavraltougt no interior de palavra

lteigt antes de []ltaigt antes de []

ltougt em final de palavra

Fonte Lopes (2018)

Comparando os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nessas duas fases da pesquisa observamos que houve reduccedilatildeo uma vez que na fase diagnoacutestica os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo foram ditongo ltougt no interior e final de palavra lteigt antes de [] e ltaigt antes de [] Na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi registrada apenas transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com o ditongo ltougt no final de palavra

Corroborando os dados colhidos na fase diagnoacutestica desta pesquisa a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt eacute mais produtiva motivo pelo qual esse contexto fonoloacutegico persistiu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Assim a reduccedilatildeo de contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas produccedilotildees dos alunos demonstra que houve a compreensatildeo no que tange a esse ldquoerrordquo A comparaccedilatildeo entre os tipos de ditongos que apresentaram maior ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo estaacute representada no Graacutefico 3

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Graacutefico 3 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo por tipo de ditongo

62

33

5

100

Ditongo ltougt Ditongo lteigt Ditongo ltaigt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt foi mais produtiva com 62 seguida pelo ditongo lteigt (33) e ditongo ltaigt (5) Jaacute na fase poacutes-intervenccedilatildeo somente ocorreu a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Possivelmente a permanecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apenas do ditongo ltougt na fase poacutes-intervenccedilatildeo deve-se tambeacutem ao fato de que esse eacute um fenocircmeno consolidado na fala tornando mais resistente sua aplicaccedilatildeo

Bortoni-Ricardo e Rocha (2014 p 42) confirmam essa hipoacutetese

[] o curso evolutivo de reduccedilatildeo do ditongo ow estaacute mais avanccedilado a regra parece aplicar-se quase categoricamente em todos os ambientes foneacuteticos Esse ditongo eacute de fato o uacutenico que se reduz nas siacutelabas finais

Mollica (2016 p 91) tambeacutem explica a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico ao afirmar que ldquoA correccedilatildeo ortograacutefica para

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o ditongo com a semivogal posterior por ser mudanccedila operada na fala eacute mais lenta que a verificada para o ditongo com a semivogal anteriorrdquo Logo a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt registrada nesta pesquisa tambeacutem indicou ser mais lento o seu apagamento na escrita por se tratar de fenocircmeno consolidado na fala como demonstrado no Quadro 4 que evidenciou a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico nesta pesquisa na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Ainda assim a anaacutelise dos dados obtidos demonstra que as atividades desenvolvidas para a orientaccedilatildeo de uma dificuldade ortograacutefica especiacutefica foram satisfatoacuterias para a aprendizagem dos alunos posto que foi observada a reduccedilatildeo de ldquoerrosrdquo ocasionados pela transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita

A comparaccedilatildeo das classes de palavras mais produtivas em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases desta pesquisa estaacute especificada no Graacutefico 4 que representa apenas o ditongo ltougt por ter sido o uacutenico recorrente na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 4 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

24

64

12

100

Substantivo Verbo Pronome

Diagnoacutestico Poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

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Identificamos apoacutes comparar a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt no diagnoacutestico e na poacutes-intervenccedilatildeo a prevalecircncia na fase diagnoacutestica de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (64) seguida por substantivos (24) e pronomes (12) enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo soacute houve transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (100)

Os gecircneros textuais escolhidos para as atividades por terem a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo contribuiacuteram para a ocorrecircncia maior da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt com verbos Isso ocorreu tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo momento em que foi solicitada aos alunos a escrita de uma paroacutedia de um conto de fadas

O Graacutefico 5 compara a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos em relaccedilatildeo ao sexo dos participantes Os dados referentes ao diagnoacutestico foram considerados por amostragem Pelo fato de haver no 7ordm ano X prevalecircncia de alunos do sexo masculino (81) fizemos um recorte no diagnoacutestico comparando os ldquoerrosrdquo de 4 informantes do sexo feminino e 4 informantes do sexo masculino entre 12 e 13 anos com o intuito de verificar se a variaacutevel sexo interfere no resultado da pesquisa

Essa anaacutelise por amostragem eacute utilizada neste trabalho na medida em que haacute a necessidade de ser mantido o equiliacutebrio entre as ceacutelulas das variaacuteveis consideradas Apesar de a amostra ser reduzida ela permite avaliar os dados sem diferenccedilas quantitativas nessa variaacutevel demonstrando resultados mais confiaacuteveis pois informantes de sexos diferentes podem apresentar resultados tambeacutem distintos

Reafirmamos que a comparaccedilatildeo eacute feita considerando o ditongo ltougt que na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi o uacutenico que ocorreu

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Graacutefico 5 Comparativo variaacutevel sexo e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

130

87100

Feminino Masculino

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 5 demonstra que na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foi mais produtiva com informantes do sexo masculino (87) O mesmo ocorreu na fase poacutes-intervenccedilatildeo em que apenas informantes do sexo masculino escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Assim a variaacutevel sexo demonstrou influenciar o fenocircmeno aqui estudado ratificando a informaccedilatildeo discutida por Mollica (2016 p 85) segundo a qual

O fator sexo influencia na forma relevante com relaccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo de ow e ey uma vez que as meninas apresentam enorme facilidade no aprendizado de formas linguiacutesticas prestigiadas socialmente O inverso ocorre com os meninos nos quais costuma prevalecer a ocorrecircncia de formas linguiacutesticas de baixo prestiacutegio social

Ainda segundo a autora ldquoEssas diferenccedilas costumam ser maiores em turmas onde o niacutevel socioeconocircmico eacute mais baixordquo (MOLLICA 2016 p 85) sendo essa tambeacutem a mesma condiccedilatildeo socioeconocircmica do puacuteblico-alvo dessa pesquisa

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A comparaccedilatildeo entre a fase diagnoacutestica e a fase poacutes-intervenccedilatildeo no que diz respeito agrave variaacutevel faixa etaacuteria estaacute representada no Graacutefico 6 no qual foi feito um recorte na fase diagnoacutestica para essa variaacutevel Tambeacutem satildeo contempladas as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt que foi o uacutenico identificado na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 6 Comparativo variaacutevel faixa etaacuteria e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutesca Fase poacutes-intervenccedilatildeo

80

50

20

50

12 anos 14 anos

Fonte Lopes (2018)

Percebe-se que no diagnoacutestico o ditongo ltougt foi mais produtivo em textos escritos por alunos de 12 anos (80) que possuem idade recomendada para o 7ordm ano enquanto os alunos de 14 anos escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em 20 das vezes identificadas

Jaacute na poacutes-intervenccedilatildeo a porcentagem foi a mesma para alunos de 12 e 14 anos (50) Apesar de o desempenho dos alunos mais velhos na fase diagnoacutestica ter sido mais satisfatoacuterio (20) o resultado referente a essa variaacutevel na fase poacutes-intervenccedilatildeo (50) deve-se provavelmente ao que afirma Mollica (2016) Segundo essa estudiosa ainda que a inserccedilatildeo do glide no ditongo seja mais facilmente assimilada por alunos mais velhos essa regra eacute ldquo[] compreendida e apreendida quanto mais os alunos se tornam conscientes das diferenccedilas entre fala e escritardquo

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Portanto na poacutes-intervenccedilatildeo os alunos mais novos demonstraram evoluccedilatildeo significativa da consciecircncia das diferenccedilas entre a fala e a escrita sendo mais maduros nesse aspecto do que os alunos mais velhos

A comparaccedilatildeo dos dados colhidos no diagnoacutestico com os dados da poacutes-intervenccedilatildeo demonstrou que

bull Houve reduccedilatildeo significativa da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos dos alunos registrando 16 dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos durante o diagnoacutestico e 4 na poacutes-intervenccedilatildeo

bull O percentual de alunos que escreveram palavras com a reduccedilatildeo do glide do ditongo diminuiu passando de 81 do total de alunos participantes para 105

bull A transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt para a escrita foi mais produtiva (devido agrave sua consolidaccedilatildeo na fala e resistecircncia na escrita e ao fato de ser um ditongo que independe do segmento consonacircntico seguinte para ocorrer transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo) uma vez que foi o uacutenico contexto de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo que permaneceu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

bull A reduccedilatildeo do glide no ditongo ltougt foi mais recorrente com verbos tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo devido agrave influecircncia dos gecircneros textuais trabalhados em que haacute a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo

bull Participantes do sexo masculino escreveram maior nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases da pesquisa analisadas evidenciando que as mulheres monitoraram mais a linguagem e demonstraram maior preocupaccedilatildeo em escrever de acordo com as regras ortograacuteficas

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bull A variaacutevel faixa etaacuteria demonstrou que os alunos mais novos apresentaram evoluccedilatildeo na aprendizagem do fenocircmeno estudado pois reduziram o percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 80 para 50 na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo respectivamente enquanto os participantes mais velhos natildeo demonstraram evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave aprendizagem da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita posto que houve aumento do percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 20 para 50

6 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa analisou o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo com o objetivo de verificar a sua transposiccedilatildeo para a escrita dos alunos do 7ordm ano X do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica O resultado do diagnoacutestico apontou a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo como sendo um ldquoerrordquo recorrente na escrita demonstrando que a escrita dos alunos eacute influenciada pela monotongaccedilatildeo levando-os a se desviar da forma ortograacutefica convencional do Portuguecircs

A avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi obtida atraveacutes de uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo que demonstrou reduccedilatildeo de ocorrecircncias da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes participantes Portanto concluiacutemos que o entendimento do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo pelo aluno influencia positivamente na aprendizagem e desenvolvimento da sua escrita ortograacutefica e que a intervenccedilatildeo a partir de atividades sugeridas por Morais (2000) contribuiu para o desenvolvimento da escrita ortograacutefica dos alunos

Dessa forma constatamos a necessidade de o professor considerar a dificuldade do aluno no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ao propor as atividades ortograacuteficas em sala de aula por diversas vezes natildeo se fala o que parece ser oacutebvio em relaccedilatildeo agrave ortografia todavia faz-se necessaacuterio observar

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a realidade linguiacutestica do aluno pois o coacutedigo ortograacutefico precisa ser ensinado Devido a isso as atividades propostas em sala devem estar de acordo com as necessidades do puacuteblico-alvo

Esta pesquisa pode suscitar reflexotildees e conjecturas e consequentemente o desenvolvimento de pesquisas sobre a maneira como a monotongaccedilatildeo ocorre na fala dos participantes posto que nosso objeto de estudo consistiu na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita sendo oportuno ampliar a amostra em estudos posteriores

Eacute oportuno ressaltar que iniciativas do professor que consistem na aplicaccedilatildeo de um diagnoacutestico e posteriormente na elaboraccedilatildeo de atividades que objetivem sanar as duacutevidas identificadas satildeo necessaacuterias em se tratando do ensino de Liacutengua Portuguesa no Ensino Fundamental II O professor-pesquisador pode transformar a realidade do aluno e fazer a diferenccedila no desenvolvimento de sua aprendizagem

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189 |

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A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda os resultados obtidos na pesquisa sobre a segmentaccedilatildeo e a juntura36 registradas na escrita de alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio na cidade de Montes Claros Minas Gerais em 2015 O estudo teve como objetivos arrolar as possiacuteveis causas do fenocircmeno elaborar propostas de ensino para resolver o problema detectado bem como oferecer subsiacutedios teoacuterico-praacuteticos para professores alfabetizadores e de Liacutengua Materna uma vez que tais problemas perpetuam-se ateacute os anos finais de escolaridade mesmo sendo um fenocircmeno peculiar agrave etapa da alfabetizaccedilatildeo

A metodologia utilizada na pesquisa foi a da pesquisa-accedilatildeo que alia a teoria agrave praacutetica com o propoacutesito de oferecer contribuiccedilotildees para melhorar o ensino e a aprendizagem Nesse sentido ratifica-se a relevacircncia de agregar os postulados teoacutericos imprescindiacuteveis ao exerciacutecio docente agraves estrateacutegias de ensino que possam ser executadas em sala de aula pois eacute comum os professores natildeo encontrarem materiais que os auxiliem nas dificuldades de escrita de seus alunos As investigaccedilotildees aqui delineadas promoveram um novo olhar diante de tais entraves pois foi possiacutevel constatar que os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos natildeo satildeo aleatoacuterios isto eacute existem explicaccedilotildees que justificam suas ocorrecircncias e eacute por isso que o embasamento teoacuterico eacute fundamental para uma praacutetica docente de qualidade

Como se sabe as atividades de leitura e escrita satildeo de grande preocupaccedilatildeo sobretudo para professores de Liacutengua Portuguesa cuja meta eacute formar cidadatildeos natildeo apenas alfabetizados mas principalmente capazes de ler e escrever de forma autocircnoma e com criticidade Vaacuterios satildeo os obstaacuteculos que dificultam essa meta entre eles podemos destacar o alto grau de abstraccedilatildeo que a escrita e a leitura exigem diferente da fala que eacute aprendida de forma

36 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa

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mais espontacircnea no meio familiar as peculiaridades do alfabeto Portuguecircs as dificuldades ortograacuteficas a falta de haacutebito de leitura bem como questotildees de ordem social econocircmica e cultural que natildeo seratildeo destacadas neste trabalho mas que de certo modo interferem nesse processo

Contudo entre esses obstaacuteculos merecem tratamento cuidadoso as dificuldades ortograacuteficas como por exemplo hipercorreccedilatildeo uso indevido de letras utilizaccedilatildeo inadequada de letras maiuacutesculas e minuacutesculas e o que eacute o objeto de interesse deste texto a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Segundo Cagliari (2009) quando a crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros textos de um modo espontacircneo costuma unir as palavras o que configura a juntura Por sua vez devido agrave acentuaccedilatildeo tocircnica das palavras pode ocorrer uma segmentaccedilatildeo que eacute uma separaccedilatildeo na escrita que configura um desvio da ortografia Eacute importante ressaltar que devido ao seu vasto trabalho na aacuterea de Alfabetizaccedilatildeo e Linguiacutestica a nomenclatura de Cagliari (2009) segmentaccedilatildeo e juntura eacute a que foi utilizada ao longo desta pesquisa

Embora sejam processos fonoloacutegicos peculiares agrave fase de alfabetizaccedilatildeo foi possiacutevel perceber que ao chegarem aos anos iniciais do Ensino Fundamental II mais especificamente no 6ordm ano um nuacutemero consideraacutevel de alunos ainda traz registros de junturas e segmentaccedilotildees em seus textos tais como ldquocom noscordquo em vez de ldquoconoscordquo ldquoa legrerdquo em vez de ldquoalegrerdquo como exemplos de segmentaccedilotildees ldquoderrepenterdquo em vez ldquode repenterdquo ldquosenquererrdquo em vez de ldquosem quererrdquo como exemplos de junturas Nessa fase escolar tais ocorrecircncias jaacute deveriam teoricamente ser inexistentes Contudo se persistem eacute necessaacuterio investigar as causas e encarar tais registros como possibilidades de escrita que natildeo satildeo desprovidas de loacutegica ou seja satildeo ldquoerrosrdquo37 que podem ser compreendidos e trabalhados mas sem dar-lhes o caraacuteter

37 Usamos o termo ldquoerrordquo entre aspas para natildeo ferir os postulados linguiacutesticos mas tambeacutem o reconhecendo como tal por se apresentar como um desvio que difere do que aponta a norma-padratildeo Destacamos o conceito de ldquoerrordquo na seccedilatildeo teoacuterica

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pejorativo que revela muitas vezes preconceito linguiacutestico Eacute papel do professor evitar a perpetuaccedilatildeo de qualquer tipo discriminaccedilatildeo da liacutengua visto que haacute outras variantes que merecem ser respeitadas e satildeo vaacutelidas dentro dos seus contextos de uso

No entanto tambeacutem eacute funccedilatildeo do profissional de Liacutengua Materna estar atento agraves duacutevidas de seus alunos e procurar recursos para que sejam elucidadas pois haacute uma ortografia oficial que rege a escrita e eacute fundamental propiciar aos alunos o conhecimento dela Diferentemente da variaccedilatildeo linguiacutestica oral que eacute um evento de fala inserido dentro de uma cultura as dificuldades ortograacuteficas precisam ser esclarecidas a fim de que o aluno tenha acesso agrave variedade padratildeo da escrita para se inserir nas praacuteticas que exigem essa modalidade Como estabelecem Faraco e Tezza (2001 p 52) ldquo[] na rede das linguagens de uma dada sociedade a liacutengua padratildeo ocupa um espaccedilo privilegiado ela eacute o conjunto de formas consideradas como o modo correto socialmente aceitaacutevel de falar ou escreverrdquo Portanto eacute na escola que essa variedade padratildeo precisa ser ensinada sem desprezar evidentemente o que o aluno traz de sua vivecircncia fora dela permitindo-lhe melhor acesso aos meios em que a variedade padratildeo se faz presente

No contexto desta pesquisa eacute importante estabelecer algumas consideraccedilotildees acerca do termo ldquonorma-padratildeordquo utilizado ao longo deste trabalho Conforme salienta Faraco (2008 p 75) apoiado em Bagno (2007) ldquo[] a norma-padratildeo natildeo eacute propriamente uma variedade da liacutengua mas [] um construto soacutecio-histoacuterico que serve de referecircncia para estimular um processo de uniformizaccedilatildeordquo O autor destaca ainda que a norma-padratildeo natildeo conseguiraacute em momento algum impedir o avanccedilo da diversidade linguiacutestica porque natildeo eacute possiacutevel homogeneizar a sociedade e a cultura tampouco paralisar o movimento da histoacuteria humana Contudo ressalva que o padratildeo teraacute sempre um efeito de uniformizar unificar as demais normas

Conforme Barbosa (2015) cabe agrave escola portanto proporcionar ao aluno um estudo adequado que o leve agrave percepccedilatildeo de que a

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escrita tem formas de realizaccedilotildees diferentes da fala e que haacute um registro considerado padratildeo para a escrita das palavras aleacutem do registro natildeo padratildeo que ele jaacute domina de modo que ele saiba circular entre as diversas variedades com autonomia e seguranccedila em funccedilatildeo do contexto Omitir-se diante disso eacute uma praacutetica de exclusatildeo inadmissiacutevel

Aleacutem dos exemplos jaacute citados anteriormente na amostra seguinte exemplificamos as segmentaccedilotildees e junturas comuns retiradas de uma produccedilatildeo de texto diagnoacutestica realizada em uma turma do 6ordm ano no iniacutecio do ano letivo de 2013 quando da elaboraccedilatildeo do projeto de pesquisa

1 Casos de segmentaccedilatildeo

a) com nosco em vez de ldquoconoscordquo (Inf1)

b) a legre es capa em vez de ldquoalegrerdquo e ldquoescaparrdquo respectivamente (Inf2)

c) com migo em vez de ldquocomigordquo (Inf5)

2 Casos de junturas

a) derrepente em vez de ldquode repenterdquo (Inf5)

b) senquere em vez de ldquosem quererrdquo (Inf6)

c) uminino em vez de ldquoum meninordquo (Inf7)

Os aspectos da segmentaccedilatildeo e da juntura permanecem mesmo apoacutes cinco anos de escolaridade embora seja um traccedilo tiacutepico da fase de alfabetizaccedilatildeo Conforme atesta Cagliari (2009 p 119-120) ldquo[] os alunos ao aprenderem a escrever produzindo textos espontacircneos aplicam nessa tarefa um trabalho significativo de reflexatildeo e se apegam a regras que revelam usos possiacuteveis do sistema de escrita do Portuguecircsrdquo Quando natildeo trabalhados de forma adequada os alunos continuam com esses usos na escrita ao longo do Ensino Fundamental Esta pesquisa encontra respaldo

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na possiacutevel contribuiccedilatildeo que poderaacute trazer tanto para os discentes quanto para os docentes Para o professor estar munido de um embasamento teoacuterico que alcance suas duacutevidas e anseios em face das dificuldades de escrita que seus alunos apresentam eacute um passo importante para intervir em tais problemas Para o aluno ao permitir que o educador tenha um olhar mais atento e compreensivo para perceber a sua dificuldade de escrita seja quando segmenta seja quando faz uma juntura natildeo convencionada e possa orientaacute-lo em vez de estigmatizaacute-lo como um discente que natildeo sabe escrever conforme a variedade padratildeo

Ao tratar dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas e de quais fatores estatildeo implicados em sua realizaccedilatildeo e tendo em vista a nossa proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses foram formuladas i) Tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas E ii) A forma como se pronuncia grande parte das palavras na fala vernacular ou seja a linguagem coloquial cria na mente da crianccedila uma ideia de que algumas palavras satildeo juntas e outras satildeo separadas o que demonstra a influecircncia da oralidade na escrita Essas hipoacuteteses denotam a influecircncia da oralidade na escrita como fator preponderante cujas investigaccedilotildees teoacutericas permitiram ratificaacute-las por meio de vasta leitura sobre o tema Nesses estudos foi possiacutevel perceber explicaccedilotildees plausiacuteveis para a ocorrecircncia das junturas e das segmentaccedilotildees levando-se em conta o papel fundamental da linguagem na vida da humanidade

2 Fundamentaccedilatildeo teoacuterica

A necessidade de se expressar por meio de uma linguagem sempre acompanhou o homem Conforme Faraco (2012) entendemos como linguagem um amplo conjunto de formas de

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comunicaccedilatildeo e significaccedilatildeo que pode ser expresso por meio da linguagem verbal oral ou escrita os gestos as expressotildees faciais a pintura a muacutesica o desenho entre outras vaacuterias manifestaccedilotildees que servem ao homem como meio de se exprimir enquanto ser social

Certamente a linguagem verbal eacute o grande avanccedilo que possibilitou ao homem seu desenvolvimento como indiviacuteduo Por meio dela nos diferenciamos diante dos outros seres ao produzirmos signos que estatildeo carregados de significados Ainda segundo Faraco (2012 p 33) ldquo[] a linguagem verbal eacute marca forte constitutiva distintiva da nossa espeacutecierdquo Muito se tem discutido acerca de sua origem de quando o homem adquiriu a capacidade de se comunicar por meio da palavra e ainda haacute muito que se pesquisar sobre o assunto uma vez que a linguagem verbal eacute um ldquobem imaterialrdquo pois natildeo haacute registros ou provas de suas mais remotas manifestaccedilotildees que possam retratar aos estudiosos atuais as pistas que remontam suas origens

A linguagem verbal manifesta-se tanto na modalidade oral quanto na escrita A primeira acompanha o homem desde eacutepocas bem antigas Jaacute a linguagem escrita eacute uma realidade linguiacutestica relativamente recente na histoacuteria da humanidade tendo surgido haacute cinco mil anos A escrita originou-se de necessidades praacuteticas do cotidiano As demandas da vida em sociedade e as complexidades das relaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas exigiram a criaccedilatildeo de um sistema de registro das atividades humanas Faraco (2012) destaca que aleacutem dessas utilizaccedilotildees de caraacuteter pragmaacutetico o crescente desenvolvimento da escrita tambeacutem propiciou o registro permanente da cultura oral o que permitiu a escrita de poemas narrativas eacutepicas e religiosas e uma diversidade de saberes que antes soacute se vivenciavam pela oralidade criando assim uma cultura letrada

A escrita alfabeacutetica tal qual a conhecemos foi precedida de outras fases a pictoacuterica e a ideograacutefica Os pictogramas eram

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associaccedilotildees com imagens e natildeo com sons Os ideogramas satildeo representaccedilotildees que podem significar uma palavra ou ateacute uma frase inteira muitos jaacute caiacuteram em desuso mas os ideogramas chineses satildeo utilizados ateacute os dias atuais No contiacutenuo da evoluccedilatildeo a fase alfabeacutetica surge de um processo de maior abstraccedilatildeo da escrita adquirindo a caracteriacutestica de uma representaccedilatildeo fonograacutefica Com isso o signo passa a conter aleacutem de sua funccedilatildeo logograacutefica uma funccedilatildeo fonoloacutegica Essa escrita alfabeacutetica passou por diversas transformaccedilotildees ao longo do tempo das quais resultaram os silabaacuterios que satildeo representaccedilotildees silaacutebicas A partir deles foram feitas novas adaptaccedilotildees o que permitiu que se tornassem mais precisos e funcionais pois uma escrita silaacutebica necessita de um menor nuacutemero de signos para registros do que nas formas anteriores como os ideogramas

Interessante destacar que as letras natildeo podem ser consideradas como representaccedilatildeo direta dos sons da fala mas sim como representaccedilatildeo das unidades funcionais da liacutengua que hoje conhecemos como fonemas que satildeo representaccedilotildees abstratas Elas tecircm portanto um caraacuteter fonoloacutegico como aponta Faraco (2012 p 56)

A escrita alfabeacutetica eacute assim uma escrita de base fonoloacutegica ou seja toma como referecircncia uma representaccedilatildeo abstrata da articulaccedilatildeo sonora da liacutengua e natildeo propriamente sua pronuacutencia Considerando que a pronuacutencia varia muito entre regiotildees grupos sociais estilos de fala e mesmo na linha do tempo uma escrita estritamente foneacutetica seria de pouco alcance e baixa funcionalidade

Cagliari (2009) tambeacutem destaca esse caraacuteter funcional e fonoloacutegico da escrita quando afirma ser uma ilusatildeo pensar nela como um reflexo da fala Enfatiza ainda que a uacutenica forma escrita que consegue fazer essa relaccedilatildeo uniacutevoca entre som e letra eacute a transcriccedilatildeo foneacutetica que apresenta um siacutembolo graacutefico para cada som para fins de aprofundamento dos estudos da liacutengua

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Com o passar do tempo a escrita foi tendo uma importacircncia cada vez maior nas relaccedilotildees sociais A aplicaccedilatildeo da escrita avolumou-se e passou a integrar diversas aacutereas da atividade humana dando ecircnfase a uma cultura letrada ou seja estabelecida por meio de registros escritos que permitem ao homem se apropriar do conhecimento Faraco (2012) exemplifica bem isso ao mostrar por meio da escrita como a vida humana foi transformada de modo intenso e irrevogaacutevel Dessa maneira a partir dela foi possiacutevel a organizaccedilatildeo da sociedade por meio da inscriccedilatildeo de leis as religiotildees conseguiram estruturar melhor seus preceitos e crenccedilas por grandes espaccedilos geograacuteficos houve uma maior transmigraccedilatildeo intercultural de siacutembolos valores que ampliaram sobremaneira a criatividade humana ela possibilitou ainda manter viva a memoacuteria de um povo e de seus valores intriacutensecos com o uso do registro permanente e mais importante elevou de forma significativa o avanccedilo do conhecimento favorecendo a organizaccedilatildeo intelectual e as praacuteticas cognitivas mais abstratas como a Matemaacutetica as Ciecircncias e as Tecnologias

Nesse sentido podemos afirmar que a escrita mesmo tendo sido criada muitos seacuteculos depois que a linguagem oral adquiriu um elevado poder poliacutetico social econocircmico e cultural que predomina ateacute hoje Ateacute aqueles que natildeo a dominam estatildeo permeados por ela e mais do que alfabetizar a escola deve criar condiccedilotildees de letrar E o que eacute ser letrado Embora jaacute tenham sido feitas inuacutemeras definiccedilotildees por diferentes vertentes teoacutericas destacamos a definiccedilatildeo apresentada por Soares (2001 p 18) do termo letramento ldquo[] eacute pois o resultado da accedilatildeo de ensinar ou de aprender a ler e escrever o estado ou a condiccedilatildeo que adquire um grupo social ou um indiviacuteduo como consequecircncia de ter-se apropriado da escritardquo

Nessa perspectiva somente ldquoler e escreverrdquo natildeo satildeo requisitos que garantem de maneira absoluta essa apropriaccedilatildeo da escrita de que fala Soares (2001) Esse aprendizado tem caraacuteter social e funcional ou seja ler e escrever envolve muito mais do que

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decodificar signos A sociedade cria demandas de uso de leitura e escrita que exigem que o usuaacuterio da liacutengua saiba lanccedilar matildeo dessas habilidades nas mais variadas situaccedilotildees comunicativas E esse apropriar-se da escrita requer o desenvolvimento de uma gama de habilidades que nem sempre a escola consegue oferecer aos alunos embora a relaccedilatildeo entre escola escrita e cultura letrada seja entrelaccedilada e indissociaacutevel como atesta Faraco (2012)

Longe de parar na alfabetizaccedilatildeo a praacutetica da escrita numa perspectiva de letramento eacute um exerciacutecio constante que deve ser calcado num avanccedilo crescente dos domiacutenios cognitivos do aprendiz Como reitera Faraco (2012) eacute uma complexa experiecircncia de caraacuteter cognitivo que natildeo implica somente o domiacutenio do alfabeto pois a alfabetizaccedilatildeo eacute apenas uma fase especiacutefica do aprendizado do sistema de escrita

Embora a escrita tenha adquirido uma importacircncia significativa ao longo da histoacuteria dado o seu caraacuteter de permanecircncia natildeo podemos deixar de ressaltar tambeacutem a relevacircncia da oralidade uma vez que eacute ela que acompanha o indiviacuteduo nas suas mais variadas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo quer seja ele escolarizado quer natildeo Aleacutem disso a oralidade conta com vaacuterios recursos que a escrita tenta parcialmente reproduzir como a entonaccedilatildeo a intensidade e duraccedilatildeo das pronuacutencias que satildeo extremamente significativos no contexto comunicativo pois muitas vezes eacute o tom que daacute a um enunciado o caraacuteter de urgecircncia alegria emoccedilatildeo raiva ordem tristeza entre outros aspectos Marcuschi (2010) corrobora para uma visatildeo natildeo dicotocircmica entre fala e escrita acentuando na verdade suas contribuiccedilotildees e peculiaridades igualmente importantes para o trato comunicativo

Nessa direccedilatildeo eacute fundamental abordar a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila Kato (1999) estabelece uma comparaccedilatildeo entre a histoacuteria da escrita da humanidade e a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila como fenocircmenos parecidos ou seja pode-se dizer que em ambos os casos dadas as devidas proporccedilotildees haacute em seu percurso um caminho de descobertas ou seja seguindo etapas

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que dependem de estiacutemulos do ambiente onde estaacute inserida como tambeacutem passaram seus ancestrais em outras eacutepocas remotas

Dentro desse intricado processo que eacute a aquisiccedilatildeo da escrita Lemle (1998) estabelece cinco capacidades ou saberes e percepccedilotildees que satildeo necessaacuterios para a alfabetizaccedilatildeo Destaca a importacircncia em primeiro lugar da ideia de siacutembolo pois cada letra eacute uma espeacutecie de siacutembolo que remete a algum som da fala Essa relaccedilatildeo natildeo eacute necessariamente regular ou direta Lemle (1998 p 8) afirma que ldquouma crianccedila que ainda natildeo consiga compreender o que seja uma relaccedilatildeo simboacutelica entre dois objetos natildeo conseguiraacute aprender a lerrdquo Diante disso cabe ao professor trabalhar com o universo simboacutelico dos variados contextos do dia a dia como siacutembolos de times sinais de tracircnsito o significado simboacutelico de certas cores etc para propiciar ao aluno uma noccedilatildeo compatiacutevel com suas experiecircncias praacuteticas

Outro ponto importante assinalado por Lemle (1998) eacute a discriminaccedilatildeo dos formatos das letras uma vez que haacute vaacuterias letras de nosso alfabeto que se diferenciam por traccedilados muitos sutis na grafia como as letras p b e q por exemplo que se distinguem conforme a posiccedilatildeo de suas hastes ou da ldquobarriguinhardquo Aleacutem dessa percepccedilatildeo visual segundo a autora o aluno precisa aprender a ter discriminaccedilatildeo auditiva uma vez que as letras simbolizam sons da fala

Entender o conceito de palavra tambeacutem eacute um ponto que merece destaque Essa capacidade de entendimento do que eacute palavra quando natildeo alcanccedilada pelo aprendiz pode acarretar dificuldades de segmentaccedilatildeo em que o aluno natildeo consegue na escrita determinar os limites entre uma palavra e outra Esses obstaacuteculos ilustram os fenocircmenos que nos interessam neste trabalho a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Sobre isso Lemle (1998 p 10-11) esclarece

O tipo de dificuldade na depreensatildeo de unidades vocabulares que se observa muitas vezes na praacutetica do ensino satildeo coisas

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como umavez nonavio minhavoacute ou seja falta de separaccedilatildeo onde existe uma fronteira vocabular O inverso ndash a colocaccedilatildeo de um espaccedilo onde natildeo haacute fronteiras vocabulares ndash eacute mais raro A alocaccedilatildeo errada de fronteiras vocabulares onde existem acontece por exemplo com palavras femininas que comeccedilam com [a] ndash minha miga em vez de minha amiga ndash ou com palavras masculinas que comeccedilam com [u] ndash oniverso em vez de o universo

E por uacuteltimo Lemle (1998) enfatiza a importacircncia de se mostrar ao alfabetizando a noccedilatildeo da organizaccedilatildeo espacial da paacutegina Por mais banal que isso possa parecer nem todo sistema de escrita se estrutura como o nosso com a ordem das palavras da esquerda para a direita e de cima para baixo

Dessa forma a alfabetizaccedilatildeo ultrapassa a simplicidade do b com a = ba ou da escolha deste ou daquele meacutetodo E o professor precisa estar munido de um embasamento teoacuterico consistente ter sensibilidade diante das dificuldades dos alunos bem como ter disposiccedilatildeo e criatividade para alcanccedilar ecircxito no ensino da aquisiccedilatildeo da escrita Por isso ressaltamos a importacircncia de se conhecer o sistema de escrita do Portuguecircs uma vez que seu conhecimento eacute essencial para um ensino sistematizado e contribui muito para auxiliar os alunos em relaccedilatildeo agraves inuacutemeras duacutevidas referentes agrave escrita que os acompanham ao longo de sua trajetoacuteria escolar

Diante dessas caracteriacutesticas eacute preciso que o aluno saiba que no processo de aquisiccedilatildeo da escrita as relaccedilotildees ou correspondecircncias entre letras e sons natildeo satildeo biuniacutevocas em que cada letra representaria sempre o mesmo som ou vice-versa mas pelo contraacuterio nem toda letra tem um som diretamente relacionado a ela Lemle (1998) preconiza que nas etapas seguintes de alfabetizaccedilatildeo os casos mais complexos tambeacutem devem ser apresentados e cabe ao professor conforme os avanccedilos percebidos em sala de aula determinar quanto tempo deveraacute ficar nessa abordagem das relaccedilotildees biuniacutevocas em que cada som possui uma letra correspondente para depois partir para fases mais complexas

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Lemle (1998) salienta a importacircncia de o alfabetizador conhecer claramente essas especificidades do sistema de escrita do Portuguecircs para estar pronto para os questionamentos dos alunos quando se deparam com as dificuldades de um mesmo som representado por vaacuterias letras por exemplo Dizer que falamos errado eacute simplificar demais e demonstra desconhecimento das particularidades da escrita que se pretende ensinar Lemle (1998) argumenta ainda que apelar para esse tipo de resposta eacute um ldquo[] equiacutevoco linguiacutestico um desrespeito humano e um erro poliacuteticordquo No que diz respeito ao equiacutevoco linguiacutestico a autora destaca que tachar de erro eacute demonstrar ignoracircncia ao fato de que as unidades de som satildeo afetadas pela posiccedilatildeo em que ocorrem Eacute um desrespeito humano segundo ela porque eacute um ato de humilhaccedilatildeo e de desvalorizaccedilatildeo para aquele que eacute apontado como quem fala errado E eacute um erro poliacutetico porque essa desvalorizaccedilatildeo contribui para amedrontar diminuir o outro e o impede de manifestar sua linguagem uma vez que eacute considerada errada Em suma o professor que recorre a essa resposta preconceituosa acaba contribuindo para a marginalizaccedilatildeo de seus alunos (LEMLE 1998)

Faraco (2012 p 113) destaca a duplicidade que caracteriza a ortografia portuguesa pois ldquo[] ela eacute basicamente fonoloacutegica mas com memoacuteria etimoloacutegicardquo Essa memoacuteria etimoloacutegica diz respeito a criteacuterios que levam em conta natildeo apenas as unidades sonoras funcionais das palavras mas tambeacutem sua origem Como exemplifica o autor escrevemos homem com h porque em latim se grafa homo com h influecircncia de escritas antigas da histoacuteria do Latim nas quais havia uma consoante antes do o Por isso nem sempre eacute a base fonoloacutegica que dita a escrita oficial de uma palavra mas tambeacutem suas origens mais remotas Haacute no entanto estrateacutegias que o professor pode utilizar a fim de que o aluno compreenda melhor essas relaccedilotildees como recorrer agrave morfologia com o trabalho de famiacutelias de palavras como orienta Faraco (2012) e outras atividades ortograacuteficas para tentar minimizar as dificuldades

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21 Processos Fonoloacutegicos em estudo - juntura e segmentaccedilatildeo

Antes de abordarmos as anaacutelises sob a perspectiva linguiacutestica acerca da juntura e da segmentaccedilatildeo destacamos a visatildeo das gramaacuteticas normativas tradicionais sobre o assunto Nos autores pesquisados natildeo encontramos muitas consideraccedilotildees a respeito do fenocircmeno Cegalla (2002) faz uma alusatildeo ao que podemos chamar de possiacuteveis junturas nos casos de emprego do apoacutestrofo em que os elementos se aglutinaram numa soacute unidade foneacutetica e semacircntica cujo sinal de pontuaccedilatildeo referido natildeo precisaria mais ser utilizado Embora natildeo sejam tratados como junturas o autor menciona suas ocorrecircncias como nos exemplos de destarte esconjuro vivalma

Cunha e Cintra (2001) apresentam um toacutepico denominado ldquoEncontros intraverbais e interverbaisrdquo em que tratam de encontros vocaacutelicos que podem ocorrer em dois vocaacutebulos no entanto natildeo apresenta exemplos disso Os autores Faraco e Moura (2003) apresentam o assunto natildeo com a nomenclatura aqui utilizada mas apresentam o fenocircmeno como ldquoBarbarismosrdquo na seccedilatildeo de ldquoViacutecios de linguagemrdquo o qual eacute tachado de erro e fere os postulados gramaticais Em suma os poucos gramaacuteticos que discorrem sobre o toacutepico natildeo o tratam como hipoacuteteses possiacuteveis de escrita mas como ldquoerrosrdquo desvios de escrita que precisam ser corrigidos

Vimos ao longo do percurso teoacuterico vaacuterios indiacutecios que mostram como haacute uma distacircncia entre fala e escrita Por isso conforme Faraco (2012) a escrita alfabeacutetica relaciona-se agrave realidade fonoloacutegica e natildeo agrave realidade foneacutetica Essa configuraccedilatildeo tem caraacuteter praacutetico e funcional uma vez que se a escrita fosse seguir as vaacuterias peculiaridades de pronuacutencia teriacuteamos que criar uma gama maior de grafemas para representaacute-la ateacute porque como afirma Cacircmara Jr (1997) a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo fiel da fala Contudo esse distanciamento entre o oral e o escrito acarreta dificuldades que satildeo refletidas na escrita e que muitas vezes os alunos carregam pela vida afora

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Faraco (2012) por sua vez trata do tema destacando a influecircncia da oralidade pois escrevemos cada palavra separada por um espaccedilo em branco usando para isso um criteacuterio de segmentaccedilatildeo com base lexical Jaacute na fala o que ocorre eacute uma segmentaccedilatildeo que se daacute por blocos foneacutetico-fonoloacutegicos que unem numa soacute emissatildeo de voz um conjunto de palavras O criteacuterio de segmentaccedilatildeo na fala portanto eacute de caraacuteter prosoacutedico ou seja segue padrotildees que estatildeo relacionados ao ritmo e agrave meacutetrica

A juntura conforme afirma Cagliari (2009) relaciona-se com os criteacuterios que a crianccedila utiliza para analisar a fala afinal na oralidade natildeo existe separaccedilatildeo de palavras a menos que estejam marcadas pela entonaccedilatildeo do falante Bortoni-Ricardo (2005) apoiada em Cacircmara Jr (1975) apresenta a ideia de ldquovocaacutebulos fonoloacutegicos constituiacutedos de duas ou mais formas livres ou dependentes grafados como um uacutenico vocaacutebulo formal Ex ldquouquerdquo (o que) ldquolevalordquo (levaacute-lo) ldquojanoteirdquo (jaacute notei)rdquo

Koch e Elias (2014 p 28) tambeacutem abordam o tema aqui estudado mas tratam os dois casos com a denominaccedilatildeo ldquosegmentaccedilatildeo graacuteficardquo Salientam que esse tipo de problema que as crianccedilas demonstram em seus textos natildeo eacute desprovido de loacutegica ou seja natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios pois haacute criteacuterios analiacuteticos feitos por elas que as fazem escrever ora juntando tudo ora separando o que natildeo eacute convencionalmente separado ou junto respectivamente As autoras argumentam que a segmentaccedilatildeo graacutefica nos textos das crianccedilas ocorre com base nos vocaacutebulos fonoloacutegicos Ao tentar segmentar de forma apropriada os aprendizes podem ldquopicarrdquo ou emendar vocaacutebulos de acordo com a pronuacutencia deles Nesse processo estatildeo formulando hipoacuteteses e testando sua escrita do mesmo modo como fazem com a grafia convencional das palavras Soares Aroeira e Porto (2010) justificam essas ocorrecircncias pelo desconhecimento sobre o sistema de espaccedilamento da escrita e reiteram que para os alunos dominarem esse espaccedilamento precisam descobrir com o auxiacutelio do professor que existe um sistema ideograacutefico que se sobrepotildee ao sistema graacutefico Aleacutem

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disso Soares Aroeira e Porto (2010 p 79) ponderam que ldquo[] a linearidade da escrita tem caracteriacutesticas diferentes da linearidade da fala Assim na fala de todo dia que a crianccedila domina emendamos palavras mas quando escrevemos grafamos palavras por inteiro observando as convenccedilotildees ortograacuteficas separando-as por espaccedilo em brancordquo

Percebe-se que haacute entre os autores citados a tendecircncia de chamar tanto a segmentaccedilatildeo quanto a juntura apenas de segmentaccedilatildeo Mas eacute possiacutevel constatar que esses estudiosos levam em conta que esses ldquoerrosrdquo natildeo satildeo feitos aleatoriamente ou seja o aprendiz tem duacutevidas e diante delas formula hipoacuteteses de como as palavras poderiam ser grafadas Haacute tambeacutem certo consenso entre esses autores sobre a influecircncia do oral no escrito que afeta ora a separaccedilatildeo ora a junccedilatildeo de palavras na escrita pelos alunos Faraco (2012) amparado em Abaurre e Cagliari (1985) argumenta que escrevemos de um jeito mas falamos de outro isto eacute na escrita os vocaacutebulos estatildeo devidamente separados mas na fala pronunciamos emendado Em face disso quando os alunos juntam as palavras na escrita natildeo o fazem fortuitamente Na verdade estatildeo levando em consideraccedilatildeo a cadeia sonora como referecircncia para a escrita Desse modo natildeo estatildeo cometendo ldquoerrosrdquo mas sim lidando com possibilidades que remetem diretamente agrave fala Para o domiacutenio efetivo da escrita essa hipoacutetese ao longo do processo precisa ser superada o que levaraacute progressivamente agrave desvinculaccedilatildeo entre escrita e fala

3 Metodologia

O percurso teoacuterico empreendido ateacute aqui foi relevante para orientar o professor na elaboraccedilatildeo da proposta de ensino adequada que deve ser feita quando se depararem com os fenocircmenos pois auxilia para uma melhor compreensatildeo de como as segmentaccedilotildees e as junturas acontecem Acreditamos que a adoccedilatildeo de uma mentalidade que vecirc natildeo apenas a segmentaccedilatildeo e a juntura mas

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tambeacutem outros problemas de escrita como ldquoerrosrdquo e anomalias sem sentido natildeo ajudaraacute a contornar a situaccedilatildeo e muito menos encontrar uma soluccedilatildeo eficaz

Por isso neste trabalho adotamos a metodologia da pesquisa-accedilatildeo procedimento de caraacuteter social e com fundamentaccedilatildeo teoacuterica que visa ao aprimoramento da praacutetica O projeto foi realizado na Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio onde foi feita uma pesquisa piloto com os alunos do 6ordm ano Y mas em virtude do iniacutecio do curso do mestrado no 2ordm semestre de 2013 uma nova coleta de dados foi realizada em 2014 pois recebemos novas turmas e a turma da pesquisa piloto foi para o 7ordm ano no turno matutino A coleta de dados foi feita por meio de produccedilotildees textuais realizadas pelos alunos a fim de detectar a ocorrecircncia dos fenocircmenos aqui estudados

4 Proposta de ensino desenvolvimento anaacutelise e resultados

Apoacutes o trabalho de coleta de dados foi possiacutevel ter um panorama das reais dificuldades de escrita dos alunos Detectamos nos 17 textos do corpus 12 tipos de problemas de escrita entre os quais a falta de pontuaccedilatildeo e o uso indevido de maiuacutesculas e minuacutesculas com a maior incidecircncia com 233 e 149 casos respectivamente Esses dois problemas de escrita satildeo muito recorrentes em textos de alunos e a falta de pontuaccedilatildeo incide diretamente na questatildeo do uso de maiuacutesculas e minuacutesculas pois quando natildeo haacute ponto final natildeo haacute tambeacutem iniacutecio de frase com letra maiuacutescula por isso o nuacutemero tatildeo alto entre os dois

A escrita foneacutetica ou seja escrever semelhante ao modo como se fala tambeacutem apresenta uma incidecircncia muito grande 99 casos E em alguns textos como os de VG8 e M11 a ocorrecircncia foi bem elevada No entanto destacamos que tais transcriccedilotildees natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios Na verdade tratam de hipoacuteteses criadas pelos

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alunos a fim de registrar a escrita ortograacutefica Eacute forte a influecircncia da oralidade na escrita pois eacute a partir dela que eles se orientam Segundo Cagliari (1999 p 126) ldquo[] pode-se tambeacutem elaborar hipoacuteteses aliaacutes mais provaacutevel de que diante desses fatos do sistema de escrita o aprendiz teve de fazer uma opccedilatildeo ndash que infelizmente natildeo correspondeu agrave forma ortograacutefica estabelecida []rdquo Embora o referido autor tratasse mais especificamente de alunos em processo de alfabetizaccedilatildeo acreditamos que essa influecircncia da oralidade na escrita permanece ao longo do Ensino Fundamental como comprovam os exemplos dos corpora

Em seguida na ordem decrescente de nuacutemero de ocorrecircncias para cada caso temos o nuacutemero indevido de letras sendo encontrados em 89 casos Ressaltamos que esse problema foi detectado nas 17 amostras Houve um elevado nuacutemero para o caso de omissatildeo de letras com 82 casos A troca de letras vem logo em seguida um registro de 69 casos A hipercorreccedilatildeo tambeacutem apresenta um nuacutemero significativo 46 ocorrecircncias Conforme Cagliari (2009 p 123-124) esse tipo de ldquoerrordquo se caracteriza quando o aluno jaacute tem noccedilatildeo da forma ortograacutefica de determinadas palavras e sabe tambeacutem que a pronuacutencia destas eacute diferente mas nem sempre tem certeza da escrita e pode escrever ateacute do jeito mais incomum do que do mais usual um exemplo muito recorrente nos textos eacute o final ldquolrdquo nos verbos em vez do ldquourdquo como em ldquovoltolrdquo uma vez que essas duas letras nessas posiccedilotildees representam o mesmo fone w

A falta de concordacircncia nominal e verbal embora seja uma dificuldade que alunos do Ensino Fundamental apresentam com frequecircncia natildeo foi tatildeo acentuada como nos casos anteriores tendo um registro de 41 ocorrecircncias Contudo mesmo que o nuacutemero de ocorrecircncias tenha sido mais baixo do que de outras categorias de ldquoerrosrdquo podemos afirmar que haacute influecircncia forte da oralidade pois eacute comum a natildeo concordacircncia de verbos e nomes na fala cotidiana e informal das pessoas E tal incidecircncia recai na escrita

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Os fenocircmenos que nos interessam a segmentaccedilatildeo e a juntura contam com 20 e 31 registros respectivamente Notamos que como jaacute foi destacado no referencial teoacuterico satildeo fenocircmenos que costumam fazer parte da alfabetizaccedilatildeo nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental I Portanto consideramos o nuacutemero de ocorrecircncias aqui encontrado bem elevado uma vez que os alunos da pesquisa se encontravam no 6ordm ano e tais dificuldades pelo menos em tese jaacute deveriam estar sanadas Por fim temos o acreacutescimo de letras como o caso de menor incidecircncia com 16 registros nas amostras

No que diz respeito ao desempenho geral dos alunos destacamos que nem todos apresentam problemas em todas as categorias e aferimos um percentual de 82 do total Notamos que 17 demonstraram o menor nuacutemero de ldquoerrosrdquo inclusive sem a ocorrecircncia de casos de segmentaccedilotildees e nem junturas o que revela que esses alunos tecircm um maior domiacutenio de normas ortograacuteficas do que os demais Os alunos que apresentaram ldquoerrosrdquo em todas as categorias foram AS1 MB14 e IF17 que representam 17 da amostra Ressaltamos tambeacutem que haacute ldquoerrosrdquo repetidos em todas as categorias mas para sermos fiel contabilizamos todas as vezes que eles ocorrem em cada texto

Percebemos por essa amostra que as dificuldades de escrita satildeo muitas e exigem um trabalho de pesquisa minucioso para uma intervenccedilatildeo eficaz Ponderamos que tais ldquoerrosrdquo precisam ser vistos como rico material de investigaccedilatildeo linguiacutestica pois a partir da caracterizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo detectados o professor pode elaborar alternativas de intervenccedilatildeo que podem auxiliar seu trabalho com o ensino da modalidade escrita Como atesta Cagliari (1999 p 77) ldquoanaacutelises das incongruecircncias podem ajudar o professor a dosar e a programar as suas aulas e a alertar-se contra possiacuteveis confusotildees que os alunos possam cometerrdquo

Aleacutem das dificuldades especificadas na coleta percebemos nas amostras problemas de translineaccedilatildeo maacute estruturaccedilatildeo dos paraacutegrafos ausecircncia de tiacutetulo incoerecircncias e falta de coesatildeo

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natildeo atendimento agrave proposta de produccedilatildeo textual repeticcedilotildees desnecessaacuterias e falta de progressatildeo das ideias Como se vecirc o trabalho com produccedilatildeo escrita exige um amplo empenho do professor pois a atividade escrita requer dos alunos diversas habilidades as quais natildeo podem passar indiferentes ao olhar docente Natildeo atentamos a esses aspectos uma vez que nossa investigaccedilatildeo eacute outra mas natildeo poderiacuteamos deixar de apontaacute-los visto que satildeo imprescindiacuteveis como fatores de textualidade

No Quadro 1 a seguir estatildeo expostos os casos de junturas e segmentaccedilotildees encontrados e logo apoacutes a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo mostramos um exemplo de produccedilatildeo escrita de um dos alunos seguida da transcriccedilatildeo Esclarecemos que o nuacutemero de ocorrecircncias das junturas e segmentaccedilotildees contabilizado no quadro natildeo leva em conta exemplos repetidos nos textos produzidos pelos alunos

Quadro 1 Exemplos de junturas e segmentaccedilotildees extraiacutedos dos textos dos alunos

COacuteDIGO DO ALUNO EXEMPLO DE JUNTURA EXEMPLO DE

SEGMENTACcedilAtildeOCF Encontrala -AS porutimo dinovo Em fimCG - Tem pestade a sinLG - em cantado com fiante a teNL agente (a gente) -

NOabrigar (a brigar) domenino

omenino ifoi abruxa ielis nomenino muitaraiva iseu

an dado cum do (quando) com mesou com fessar a i

is tavaVG denoite derepente -CE Comedo -M Derepete -

MB

ummenino novaso porquausa celtime (seu

time) evalo (e falou) aora (a hora)

Edu caccedilatildeo

CD Abruxa A cordou ir a (ia)

IFalmeacutedico pratanto televo

purisso medeita sofalando nomedico agarganta

a cordou a cordei em tatildeo en quanto de pois com migo

Fonte Barbosa (2015 p 7438)

38 Disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa Acesso em 14 abr 2020

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Exemplo 1 MB 14

Fonte Barbosa (2015 p 68)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 1

Era uma vez unmenino chamado Rafaelque estava trenamdo para jogar bolana escolar Ele ficolmuinto triste porquausaos ceuscolegeporque eles ficaram falando que elenatildeo ia jogar na Escola mais elefico trenando muito ele chutoa bola e garrou novazo de plantae sua matildee bateu e poz de carti-go na Escola teve e ducaccedilatildeofiscaele fico de procima e chego a suavez e os colegas fiu ele jogando bolaevaloque ele vaijoga no canpionatoe chego aora ele marca um gole celtimeganhol e seus quolegafico muito feliz e saiu do cartigo

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Os casos de segmentaccedilotildees e de junturas apresentados no Exemplo 1 satildeo diversificados vatildeo desde exemplos jaacute previsiacuteveis para noacutes educadores como ldquoderrepenterdquo ou ldquoem fimrdquo cujas ocorrecircncias satildeo bem comuns a casos como ldquoe ducaccedilatildeordquo e ldquoalmeacutedicordquo que satildeo menos usuais Haacute alunos que apresentaram mais dificuldades do que outros com registros tanto de juntura como de segmentaccedilatildeo eacute o caso de NL NO MB CD e IF Jaacute os demais apresentaram poucas ocorrecircncias ora em uma ora em outra categoria

Houve maior ocorrecircncia de junturas (31 casos) do que de segmentaccedilotildees (20) Notamos que entre as segmentaccedilotildees haacute vaacuterios casos que podem ser explicados pela analogia com formas dependentes como em ldquode poisrdquo ldquoen quantordquo ldquocom migordquo ldquoa cordourdquo que se associam agraves preposiccedilotildees ldquoderdquo ldquoemrdquo ldquocomrdquo e ldquoardquo respectivamente as quais aparecem acompanhando outros vocaacutebulos mas natildeo unidas a eles39 Poreacutem o mais importante eacute que das 17 amostras 12 apresentam junturas eou segmentaccedilotildees ou seja mais da metade dos textos Esse percentual aponta a relevacircncia desta pesquisa e comprova como um problema das seacuteries iniciais de alfabetizaccedilatildeo persiste nos textos dos alunos do 6ordm ano revelando uma alfabetizaccedilatildeo natildeo consolidada No entanto verifica-se que as relaccedilotildees entre o falado e o escrito natildeo satildeo de faacutecil apreensatildeo mesmo porque conforme atesta Fayol (2014) eacute relativamente recente a escrita com espaccedilamento pois no passado havia uma escrita contiacutenua sem demarcaccedilatildeo de espaccedilo entre as palavras Cabe portanto ao professor ter um olhar menos preconceituoso e mais compreensivo quando o aluno comete esses ldquoerrosrdquo Evidentemente que se eles persistem nas seacuteries finais do Ensino Fundamental justifica-se a elaboraccedilatildeo de uma proposta de ensino que venha sanar essas dificuldades Como atesta Cagliari (1999 p 94)

39 Segundo Cacircmara Jr (1997 p 70) formas dependentes em Liacutengua Portuguesa satildeo as partiacuteculas procliacuteticas aacutetonas como o artigo as preposiccedilotildees a partiacutecula ldquoquerdquo entre outras Satildeo ainda as variaccedilotildees pronominais aacutetonas junto ao verbo

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[] o professor pode saber como andam seus alunos quais as dificuldades maiores que estatildeo enfrentando o que acertam ou erram com menos frequecircncia e desse modo pode programar melhor suas aulas dando explicaccedilotildees e exerciacutecios especiacuteficos sobre questotildees particulares de ortografia

Por meio da coleta de dados foi possiacutevel elaborar as atividades de intervenccedilatildeo com foco nas dificuldades pontuais dos alunos A anaacutelise de todos os moacutedulos aplicados revelou pontos importantes o trabalho de aprimoramento da escrita e ensino da forma ortograacutefica requer planejamento pelo professor atendimento individualizado aos alunos e envolvimento de toda a turma e de alguns membrosfuncionaacuterios da escola ou seja da comunidade escolar Eacute um trabalho em equipe

41 Siacutentese da proposta de ensino

Para a proposta de ensino de natureza interventiva foram elaborados sete moacutedulos que permearam todo o trajeto teoacuterico aqui abordado objetivando por meio deles solucionaramenizar os problemas das junturas e das segmentaccedilotildees A seguir no Quadro 2 sintetizamos os moacutedulos realizados com seus respectivos objetivos

Quadro 2 Siacutentese da proposta de ensino

MOacuteDULO OBJETIVOS

1) Tabela de Coacutedigos de Correccedilatildeo Textual

Propiciar aos alunos por meio de uma tabela com siacutembolos uma base de problemas de escrita presentes nas suas produccedilotildees para a partir disso realizar a refacccedilatildeo dos seus textos

2) Correccedilatildeo de texto com vaacuterios problemas de escrita

Fazer com que os alunos detectassem num texto propositalmente carregado de problemas de escrita quais desvios aparecem nele a fim de ampliar a capacidade de autocorreccedilatildeo

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3) Ditado de texto Aferir a interferecircncia da oralidade na escrita isto eacute se o modo como escutam afeta a forma de escrever as palavras

4) Para natildeo tropeccedilar na escrita

Eliminar duacutevidas quanto ao toacutepico especiacutefico do uso de pronomes ligados a verbos

5) Aponte suas duacutevidas

Levar os alunos a refletirem sobre as palavras que oferecem maiores duacutevidas quanto agrave escrita individualizando cada caso para sanar o maior nuacutemero de dificuldades

6) Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilhete

Interpretar e produzir o gecircnero textual trabalhado para aprimoramento da escrita e eliminaccedilatildeo do fenocircmeno estudado

7) Junturas e Segmentaccedilotildees em praccedilas puacuteblicas

Pesquisar ocorrecircncias do fenocircmeno em outras esferas sociais natildeo apenas no meio escolar e utilizar o aparato tecnoloacutegico para isso

Fonte Barbosa (2015)

A atividade do ldquoMoacutedulo 6 ndash Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilheterdquo foi bastante significativa pois nela foi possiacutevel constatar na praacutetica como os alunos foram desenvolvendo sua capacidade de escrita e a importacircncia da refacccedilatildeo dos textos para seu aprimoramento O Exemplo 2 da primeira versatildeo do bilhete da aluna AS transcrito a seguir exemplifica como o cuidado com a escrita requer anaacutelise correccedilatildeo e aperfeiccediloamento por parte dos alunos

Exemplo 2 AS

Fonte Barbosa (2015 p 142)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 2 ndash AS

Anagrey Hoje vocecirc estaacute muito bonitav - como sempre

Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha com migo

Embora poucos problemas tenham sido identificados no bilhete 2 ndash AS mostrado anteriormente o caso da segmentaccedilatildeo ldquocom migordquordquocomigordquo chama a atenccedilatildeo pois comprova a ocorrecircncia do aspecto em anos finais do Ensino Fundamental II e que a influecircncia da oralidade sobre a escrita eacute determinante para sua incidecircncia Outra possibilidade de explicaccedilatildeo eacute a de que a analogia com a preposiccedilatildeo ldquocomrdquo que aparece separada em vaacuterios contextos tenha influenciado a escrita de AS Na refacccedilatildeo do texto Exemplo 3 a seguir aleacutem de ter corrigido o problema a aluna acrescentou uma pequena mensagem ao bilhete ampliando seu texto

Exemplo 3 AS

Fonte Barbosa (2015 p 143)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 3

Anagrey

Hoje vocecirc estaacute muito bonita como sempre Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha comigo

A extrema dificuldade da vida eacute sorrir quando mais se tem vontadede chorar

Diante do exposto observa-se que trabalhar as dificuldades da escrita dos alunos apenas por meio de exerciacutecios de preencher lacunas com ldquosrdquo ou ldquozrdquo ldquoxrdquo ou ldquochrdquo natildeo favorece o acesso agrave norma-padratildeo da liacutengua nem promove a melhoria de sua escrita portanto natildeo resolve o problema Notamos que agrave medida que os moacutedulos eram desenvolvidos os alunos melhoravam significativamente suas produccedilotildees e percebiam a importacircncia de revisar o texto para conseguirem escrever melhor Foi um trabalho dispendioso que exigiu estudo tempo e paciecircncia mas os resultados foram satisfatoacuterios Prova disso satildeo os bilhetes por eles produzidos nos quais foi mantida a liberdade de expressatildeo dos alunos mas com a orientaccedilatildeo e a revisatildeo adequadas da escrita Isso foi possiacutevel porque conhecemos os alunos o contexto em que vivem e aliamos a teoria agrave praacutetica por meio da metodologia da pesquisa-accedilatildeo buscando natildeo somente os aspectos teoacutericos mas tambeacutem a incidecircncia desse conhecimento nas praacuteticas em sala de aula

Registramos no bilhete de CE Exemplo 4 a falta ou inadequaccedilatildeo do uso do acento graacutefico a troca de letras e a ausecircncia de ponto final O aluno aproveitou o texto para manifestar entendimento da mateacuteria aleacutem de ressaltar que estaacute com bom comportamento na aula Na revisatildeo do texto ele corrigiu os problemas detectados e

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acrescentou mais uma frase para finalizar o bilhete (Ateacute a proacutexima aula) como vemos logo adiante

Exemplo 4 CE

Fonte Barbosa (2015 p 146)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 4

Para AnaGrey

Eu estou comeccedilando a entender sua mateacuteria eacute muito boa e eu natildeo estou atentando na sua aula

Ateacute a proacutexima aula

Constatamos ao final dos moacutedulos que grande parte desses alunos aumentou sua capacidade de interpretar e produzir textos percebendo que a escrita demanda certos cuidados e que com dedicaccedilatildeo e compromisso conseguimos avanccedilos nas produccedilotildees escritas dos alunos Dos 24 alunos da amostra aqui utilizada 22 foram promovidos para o 7ordm ano apenas um foi reprovado e um evadiu da escola antes do teacutermino do ano letivo

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Certificamos que o estudo acerca da aquisiccedilatildeo da escrita bem como do seu sistema repleto de peculiaridades da foneacutetica e da fonologia foram fatores determinantes para toda a elaboraccedilatildeo deste trabalho e para a anaacutelise de cada ldquoerrordquo O conhecimento teoacuterico nos deu uma nova visatildeo para os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos pois foi a partir dele que estruturamos nossa pesquisa Conforme Cagliari (1999 p 133)

Eacute nesse momento que o bom professor com bom preparo teacutecnico torna-se um pesquisador Analisa o que o aluno faz e o que deixa de fazer o que jaacute sabe e o que ainda falta saber e vai buscar nos conhecimentos teacutecnicos que tem a respeito da linguagem oral e escrita dos sistemas de escrita etc as informaccedilotildees necessaacuterias uacuteteis e adequadas para passar ao aluno para que este decirc um passo agrave frente supere uma barreira a mais e aos poucos vaacute construindo aquela bagagem de conhecimentos de que necessita para se alfabetizar

Diante disso fica claro que os professores de Portuguecircs e os de Alfabetizaccedilatildeo precisam estar munidos de informaccedilotildees consistentes e atualizadas para saber contornar com autoridade e eficiecircncia os desafios que surgem na praacutetica pedagoacutegica Isso elucida nossa primeira hipoacutetese para este estudo a desconfianccedila de que tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura intervocabular

Conscientizamo-nos de que um dos objetivos da anaacutelise de ldquoerrosrdquo relacionados agrave aquisiccedilatildeo da escrita e leitura nas escolas do Ensino Fundamental natildeo exige apenas verificar como e por qual motivo os alunos os cometem mas tambeacutem como noacutes professores necessitamos estudar atualizar frequentemente as teorias de certas aacutereas como a Foneacutetica e Fonologia Esses satildeo conhecimentos que fazem parte do arcabouccedilo de disciplinas da graduaccedilatildeo e satildeo

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relacionados muitas vezes agrave praacutetica da pesquisa cientiacutefica na aacuterea de Linguiacutestica natildeo sendo aliados agrave praacutetica dos licenciados ou seja ao ambiente de trabalho dos professores ao ensino e agrave escola

Reiteramos tambeacutem que a pesquisa forneceu um olhar diversificado para os fenocircmenos de segmentaccedilatildeo e juntura antes vistos como meros ldquoerrosrdquo mas apoacutes a investigaccedilatildeo apurada vimos em cada caso a reflexatildeo a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e analogias que indicam que o aluno natildeo comete ldquoerrosrdquo ao acaso Ao contraacuterio tais ldquoerrosrdquo satildeo reveladores e comprovam que os alunos analisam sua escrita

5 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa oportunizou-nos a oportunidade de conhecer e estudar as peculiaridades dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura bem como outros aspectos atrelados agrave escrita e sua aquisiccedilatildeo agrave Foneacutetica e Fonologia ao ensino e agrave aprendizagem agrave forma como os alunos lidam com a escrita para a partir disso analisar e discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Neste trabalho todos os ldquoerrosrdquo detectados foram produtivos uma vez que foi a partir deles que delineamos nossa fundamentaccedilatildeo teoacuterica e a metodologia e encontramos as explicaccedilotildees para a ocorrecircncia dos fenocircmenos estudados

Constatamos que as duas hipoacuteteses traccediladas no iniacutecio deste estudo foram ratificadas ao longo da pesquisa A primeira que diz respeito ao desconhecimento de aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos da liacutengua tanto por parte do professor alfabetizador quanto do de Liacutengua Portuguesa foi confirmada porque percebemos a necessidade desse conhecimento para entendermos os caminhos que os alunos percorrem quando escrevem Apreendemos os fatores que influenciam a ocorrecircncia dos fenocircmenos e concluiacutemos que o aluno natildeo escreve aleatoriamente pois quando segmenta ou junta palavras o faz com o intuito de acertar com o propoacutesito de chegar agrave forma ortograacutefica Essa consciecircncia da importacircncia

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da pesquisa constante foi crucial para o crescimento desta pesquisadora na condiccedilatildeo de docente

A partir da investigaccedilatildeo teoacuterica foi possiacutevel lanccedilar um novo olhar sobre as dificuldades dos alunos e com base nessa orientaccedilatildeo pautada em estudos consistentes repensar e remodelar a praacutetica da sala de aula visando a um ensino e a uma aprendizagem mais consistentes e eficazes a fim de desconstruir preconceitos em relaccedilatildeo ao ldquoerrordquo linguiacutestico que longe de ser um problema indesejado tornou-se para noacutes objeto de pesquisa e ponto de partida para estudos criteriosos E isso foi alcanccedilado por meio das leituras e anotaccedilotildees bem como da observaccedilatildeo atenta dos textos dos alunos o que nos permitiu a elaboraccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo para o problema investigado como tambeacutem de outros

A segunda hipoacutetese que diz respeito agrave influecircncia da oralidade na escrita foi crucial para entendermos as escritas segmentadas ou juntadas por se pautarem na fala e suas pausas e natildeo pausas Por outro lado percebemos que os alunos tambeacutem estabelecem analogias com formas ortograacuteficas conhecidas que se refletem nas segmentaccedilotildees e nas junturas Se existe a expressatildeo ldquocom vocecircrdquo logo o aluno associa que pode haver tambeacutem um ldquocom migordquo se haacute o vocaacutebulo ldquodevagarrdquo pode haver tambeacutem o ldquodenovordquo Isso prova que o aluno natildeo constroacutei essas escritas a partir do nada ou seja ele se apoia em elementos jaacute existentes e conhecidos sendo a forma como ouve os vocaacutebulos um fator importante na sua escrita juntural ou segmentada uma vez que na fala natildeo haacute pausas marcadas pelo espaccedilo em branco como ocorre na escrita Na verdade fala-se de um jeito e escreve-se de outro pois a escrita se pauta na ortografia e natildeo eacute uma transcriccedilatildeo foneacutetica conforme Cagliari (1998)

Os objetivos traccedilados no iniacutecio deste trabalho foram alcanccedilados pois conseguimos relacionar um problema da praacutetica agraves teorias linguiacutesticas do campo da Foneacutetica e da Fonologia as quais foram suporte imprescindiacutevel para a investigaccedilatildeo do assunto e elucidaram as causas para os fenocircmenos

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Sabemos que o professor de Liacutengua Portuguesa se depara com muitos obstaacuteculos e que eacute extenso o conjunto de habilidades para com a linguagem a ser apresentado aos alunos mas eacute preciso estabelecer prioridades Escrever conforme a norma-padratildeo sem produzir situaccedilotildees preconceituosas que gerem constrangimento eacute uma forma de proporcionar autonomia linguiacutestica aos alunos uma vez que eacute atraveacutes dessa norma que geralmente eles podem alcanccedilar melhores condiccedilotildees de ascensatildeo social em nosso paiacutes

Estamos conscientes de que esta eacute apenas uma investigaccedilatildeo inicial pois novas contribuiccedilotildees podem surgir a partir dessas anaacutelises e elas seratildeo muito necessaacuterias em todo o acircmbito da linguagem Poreacutem se essas anaacutelises e as reflexotildees teoacutericas aqui feitas vierem pelo menos a instigar um ponto de partida sobre a soluccedilatildeo desses problemas principalmente no sentido de auxiliar os docentes de Liacutengua Portuguesa e as pessoas que trabalham com a liacutengua em geral jaacute teratildeo cumprido honestamente o seu papel

Referecircncias

ABAURRE M B M CAGLIARI L C Textos espontacircneos na primeira seacuterie evidecircncia da utilizaccedilatildeo pela crianccedila de sua percepccedilatildeo foneacutetica para representar e segmentar a escrita v 14 Cadernos Cedes Satildeo Paulo Cortez 1985

BARBOSA A A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita dos alunos do ensino fundamental eacute possiacutevel intervir 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

BAGNO M Nada na liacutengua eacute por acaso por uma pedagogia da variaccedilatildeo linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2007

BORTONI-RICARDO S M Noacutes cheguemu na escola e agora Sociolinguiacutestica e educaccedilatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

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CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2009

CAGLIARI L C Alfabetizando sem o baacute-beacute-bi-boacute-bu Satildeo Paulo Scipione 1998

CAGLIARI L C MASSINI-CAGLIARI G Diante das letras a escrita na alfabetizaccedilatildeo Campinas Mercado das Letras 1999

CEGALLA D P Noviacutessima gramaacutetica da liacutengua portuguesa 45 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2002

CAcircMARA JR J M Estrutura da liacutengua portuguesa 26 ed Petroacutepolis Vozes 1997

CUNHA C CINTRA L Nova gramaacutetica do portuguecircs contemporacircneo 3 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

FARACO C A Linguagem escrita e alfabetizaccedilatildeo Satildeo Paulo Contexto 2012

FARACO C A Norma culta brasileira desatando alguns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

FARACO C E MOURA F Gramaacutetica 19 ed 6 reimp Satildeo Paulo Aacutetica 2003

FARACO C A TEZZA C Praacutetica de texto para estudantes universitaacuterios 8 ed Petroacutepolis Vozes 2001

FAYOL M Aquisiccedilatildeo da escrita Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2014

KATO M A O aprendizado da leitura 5 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

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KOCH I V ELIAS V M Ler e escrever estrateacutegias de produccedilatildeo textual 2 ed 2014

LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador 13 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1998

MARCUSCHI L A Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo 10 ed Satildeo Paulo Cortez 2010

SOARES M B Letramento um tema em trecircs gecircneros 2 ed Belo Horizonte Autecircntica 2001

SOARES M I B AROEIRA M L PORTO A Alfabetizaccedilatildeo linguiacutestica da teoria agrave praacutetica Belo Horizonte Dimensatildeo 2010

Escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa Filho

Gilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

O processo de ensino e aprendizagem do Portuguecircs pressupotildee mostrar como a liacutengua funciona suas propriedades nas modalidades oral e escrita treinando usos e considerando o comportamento dos falantes em diferentes situaccedilotildees do cotidiano (CAGLIARI 2010)

Por isso eacute importante inserir o estudante em situaccedilotildees efetivas de uso da linguagem por meio da leitura e da escrita de diferentes textos dos mais variados gecircneros textuais e nos diversos contextos sociais O foco eacute pois o desenvolvimento das habilidades comunicativas dos estudantes

Nessa linha de raciociacutenio um dos toacutepicos de ensino eacute a ortografia cujo estudo eacute essencial por ela ser mecanismo facilitador da comunicaccedilatildeo por meio da escrita (MORAIS 2010) Esse estudo requer dentre outros aspectos discutir as relaccedilotildees entre grafemas e fonemas40 apropriar-se de princiacutepios e regras que norteiam essas relaccedilotildees propor atividades de escrita que operem com a liacutengua em funcionamento analisar o modo como os alunos registram as palavras e detectar e analisar os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos que eles cometem ao escrever

Especificamente acerca dos ldquoerrosrdquo cabe entender sua natureza adotando um posicionamento que os perceba sob a perspectiva da tentativa de acerto (BAGNO 2012 2013) Ao escrever o estudante faz uso de seus conhecimentos preacutevios sobre o sistema de escrita ao mesmo tempo em que a variedade da liacutengua que fala pode influenciar seu modo de escrever Por isso o professor precisa conhecer bem o sistema de escrita os tipos de relaccedilatildeo entre sons e letras para a partir disso compreender as hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para entatildeo delinear estrateacutegias capazes de contribuir para o desenvolvimento de suas habilidades comunicativas

40 Neste capiacutetulo ldquofonemardquo e ldquosomrdquo satildeo considerados sinocircnimos

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Com base nesses pressupostos procurou-se neste trabalho fazer uma releitura das discussotildees de Costa Filho (2015)41 com o objetivo de enfatizar que eacute fundamental inserir os alunos em praacuteticas efetivas de escrita conferindo-lhes liberdade para escrever e nesse processo verificar suas dificuldades no registro das palavras

2 A escrita alfabeacutetica e o processo de ensino e aprendizagem

O sistema de escrita do Portuguecircs Brasileiro (PB) eacute essencialmente alfabeacutetico e sua base eacute a letra embora sejam utilizados tambeacutem na escrita sinais de pontuaccedilatildeo e nuacutemeros (CAGLIARI 2010) Nesse sistema a grafia das palavras natildeo eacute a transcriccedilatildeo da fala (FERRAREZI JR 2007) Por essa razatildeo eacute importante no ensino mostrar ao aluno as relaccedilotildees entre fala e escrita e enfatizar que o modo como eacute registrada a grande maioria das palavras natildeo pode ser alterado Nesse sentido afirma Cagliari (2010 p 27)

A escola naturalmente deve fazer os alunos verem que eles falam natildeo de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias segundo os dialetos de cada um e que se todos escrevessem as palavras como as falam usando das possibilidades do sistema de escrita como quisessem haveria uma confusatildeo muito grande quanto agrave forma de grafar as palavras e isso dificultaria em muito a leitura entre os falantes de tantos dialetos

Daiacute a importacircncia da ortografia oficial para possibilitar a leitura e a comunicaccedilatildeo entre os falantes de diferentes variedades linguiacutesticas que podem fazer os mais variados usos da liacutengua escrita orientando-se por regras de ortografia e natildeo de combinaccedilatildeo e uso da escrita seja para argumentar solicitar reivindicar elogiar ou fazer rir por exemplo

41 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3i2MOHZ

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Aleacutem disso haacute que se deixar claro que natildeo se pode nem se deve escrever como se fala e que natildeo eacute preciso falar como se escreve (BAGNO 2012) uma vez que em alguns casos as letras satildeo grafadas seguindo as normas da ortografia oficial mas natildeo satildeo pronunciadas (como em ldquohomemrdquo ldquohorardquo ldquohonrardquo) ou elas podem apresentar outra realizaccedilatildeo sonora um fonema diferente da letra grafada (como em ldquoanimalrdquo ldquotalrdquo ldquodocerdquo) Essas ocorrecircncias demonstram a importacircncia de os estudantes compreenderem as relaccedilotildees que podem ser estabelecidas entre letrasgrafemas e sonsfonemas base de um sistema escrito alfabeacutetico como o do PB abordando para tanto a liacutengua em seu efetivo funcionamento

Um primeiro aspecto a se considerar no processo de ensino e aprendizagem da escrita eacute segundo Cagliari (2010) levar o aluno a conhecer as regras que regem o uso das letras que podem variar conforme a situaccedilatildeo de emprego pois haacute em relaccedilatildeo agrave sua forma normas diferentes para se usarem letras maiuacutesculas e minuacutesculas ou ainda para grafar a escrita no modo cursivo ou no registro de formapalitobastatildeoimprensa Aleacutem disso o estudante precisa perceber o uso alfabeacutetico das letras ou seja cada letra representa um som responsaacutevel pela distinccedilatildeo das palavras como por exemplo em ldquofalardquo ldquomalardquo ldquosalardquo e ldquobalardquo em que as letras ldquofrdquo ldquomrdquo ldquosrdquo e ldquobrdquo representam respectivamente os sons [f] [m] [s] e [b] que distinguem os vocaacutebulos

O autor aponta tambeacutem que eacute importante o aprendiz compreender que os sons conforme o contexto podem ter valor linguiacutestico isto eacute funccedilatildeo ou atribuiccedilatildeo que um fonema tem no sistema linguiacutestico para distingui-lo ou natildeo de outro Eacute o caso por exemplo de [p] e [b] se eacute efetuado o teste de comutaccedilatildeo ou seja de troca de um som pelo outro (ldquopatobatordquo) o resultado seraacute obviamente uma nova palavra com outro significado

Um terceiro fator a ser considerado se refere mais especificamente agraves relaccedilotildees entre sons e letras que podem ser variadas a) duas letras podem representar um uacutenico som como

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ldquogurdquo em ldquoguerrardquo b) uma letra pode ser usada no registro de um vocaacutebulo mas natildeo representa nenhum som caso do ldquohrdquo em ldquohojerdquo c) uma mesma letra pode representar mais de um som como ldquoxrdquo em ldquoproacuteximordquo ldquoexamerdquo e ldquotaacutexirdquo d) um mesmo som pode ser representando por mais de uma letra como [s] em ldquocedordquo ldquosapordquo e ldquopasseiordquo

Sobre essas relaccedilotildees Lemle (1997) explica que uma letra pode representar um uacutenico fonema ou conforme a posiccedilatildeo uma letra pode se referir a uma unidade sonora e um som eacute representado por uma determinada letra ou ainda mais de uma letra pode representar o mesmo fonema na mesma posiccedilatildeo No primeiro caso podemos citar a letra ldquotrdquo para o fonema [t] como em ldquotudordquo Na segunda situaccedilatildeo uma letra pode representar um determinado som conforme a posiccedilatildeo que ela ocupa como por exemplo a letra ldquosrdquo que representa o fonema [s] em comeccedilo de palavra (ldquosalardquo) ou [z] quando intervocaacutelica (ldquocasardquo) ou por outro lado um mesmo som ser registrado com letras diferentes tambeacutem de acordo com a posiccedilatildeo caso do fonema [k] que pode ser representando pela letra ldquocrdquo diante de ldquoardquo ldquoordquo ou ldquourdquo como em ldquocasardquo ldquococcedilardquo ou ldquocucardquo ou por ldquoqrdquo diante de ldquoerdquo e ldquoirdquo como em ldquoesquinardquo ldquoporquerdquo O terceiro tipo de relaccedilatildeo eacute quando haacute concorrecircncia entre letras para representar o mesmo som no mesmo contexto como o registro do fonema [z] entre vogais em palavras como ldquomesardquo ldquocertezardquo e ldquoexemplordquo

Segundo a pesquisadora essa natureza das relaccedilotildees entre letras e sons se processa por meio de uma gradaccedilatildeo no primeiro tipo a relaccedilatildeo eacute perfeita pois cada letra representa um soacute som e o mesmo som eacute representado por uma soacute letra ao passo que no segundo caso a motivaccedilatildeo foneacutetica da relaccedilatildeo eacute estabelecida conforme a posiccedilatildeo do som ou da letra e no terceiro essa motivaccedilatildeo da seleccedilatildeo da letra jaacute se perde porque mais de uma letra pode representar um mesmo som no mesmo contexto

Consequentemente no processo de ensino e aprendizagem essa gradaccedilatildeo para a autora natildeo pode ser desconsiderada pois indica igualmente os niacuteveis de facilidade com que a aprendizagem

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das letras pode ocorrer Assim no ensino o aconselhaacutevel seria comeccedilar por aquilo que eacute mais regular para em seguida mergulhar nas irregularidades do sistema ou nas relaccedilotildees mais complexas

Nesse sentido Morais (2010) discute que haacute regularidades diretas contextuais e morfoloacutegico-gramaticais Nas regulares diretas uma letra natildeo compete com outra para representar um som caso de ldquofrdquo ldquovrdquo ldquoprdquo ldquobrdquo ldquotrdquo e ldquodrdquo como o ldquofrdquo para [f] em ldquofivelardquo Nas regulares contextuais o registro de uma letra ou outra vai depender do contexto da palavra como o som do ldquor forterdquo [h]42 com um ldquorrdquo soacute em iniacutecio de palavra como em ldquoratordquo ou ldquorrrdquo em posiccedilatildeo intervocaacutelica como em ldquocarrordquo enquanto se for o ldquor brandordquo [ɾ] soacute seraacute usada uma letra como em ldquocaretardquo As regulares morfoloacutegico-gramaticais se referem agrave relaccedilatildeo entre letras e sons que se orientam pela categoria gramatical das palavras como por exemplo registrar ldquoesardquo para adjetivos paacutetrios (ldquoportuguesardquo ldquofrancesardquo ldquonorueguesardquo)

Em relaccedilatildeo agraves irregularidades Morais (2010) cita como exemplo o caso do som do ldquosrdquo em palavras como ldquosegurordquo ldquocidaderdquo ldquoauxiacuteliordquo ldquocassinordquo ldquopiscinardquo ldquocresccedilardquo ldquogizrdquo ldquoforccedilardquo e ldquoexcetordquo situaccedilotildees para as quais natildeo haacute uma regra que oriente o uso de uma letra ou de outra

Aleacutem dessas relaccedilotildees entre sons e letras cabe ao professor conhecer os criteacuterios que conforme Bagno (2013) podem estar envolvidos na definiccedilatildeo do registro de uma palavra como a) foneacutetico caso por exemplo de uma letra sempre representar um mesmo som e vice-versa como as letras ldquobrdquo e ldquoprdquo e respectivamente os fonemas [b] e [p] b) fonecircmico situaccedilatildeo da letra ldquolrdquo constituir uma abstraccedilatildeo pois a realizaccedilatildeo do fonema conforme sua posiccedilatildeo no vocaacutebulo e a origem do usuaacuterio da liacutengua pode se realizar como [l] [ɫ] [ɹ] ou [ʊ] (ldquolatardquo ldquoleiterdquo ldquotalrdquo ldquoanimalrdquo) c) morfofonecircmico como por exemplo o morfema marcador de plural ldquo-srdquo ser pronunciado [s] em ldquomeus catildeesrdquo mas jaacute ser falado como [z] em ldquomeus gatosrdquo

42 Representaccedilatildeo baseada em Silva (2017) para o dialeto de Belo Horizonte

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d) etimoloacutegico como registrar ldquomaurdquo e ldquomalrdquo por terem origem respectivamente de ldquomalurdquo e ldquomalerdquo e) anacroniacutestico como ainda registrar ldquochrdquo para vocaacutebulos que tinham a consoante [ʧ] ateacute o seacuteculo XV e que atualmente poderiam ser registradas com ldquoxrdquo f) sociolinguiacutestico pois devido ao fato de que a grafia oficializada se baseia em alguma variedade da liacutengua alguns registros na escrita corrente natildeo existem como o ldquor caipirardquo [ɹ]

Por isso a aparente neutralidade que a ortografia faz pressupor ao sugerir uma forma exclusiva de se registrarem as palavras acaba conforme Bagno (2012 2013) constituindo um mito pois satildeo vaacuterios os criteacuterios que podem nortear a grafia de um termo Ao mesmo tempo uma anaacutelise mais detida das regras aponta em alguns casos para uma arbitrariedade na definiccedilatildeo do registro de determinados vocaacutebulos como o uso do acento agudo e do circunflexo em que o primeiro seria usado para representar vogal aberta e o segundo para indicar vogal fechada mas escrevemos ldquouacutenicordquo e natildeo ldquoucircnicordquo

Outra questatildeo levantada por Ferrarezi Jr (2007 p 41) eacute que ldquoo aluno natildeo deve ser massacrado pela responsabilidade de saber a ortografia de todas as palavras da liacutengua Ele deveria ser ensinado a recorrer sempre que necessaacuterio a uma obra de referecircnciardquo Eacute fundamental assim desenvolver o haacutebito de pesquisa de maneira que o aprendiz por exemplo consulte rotineiramente um bom dicionaacuterio

Os estudantes desse modo devem estar envolvidos de acordo com Cagliari (2010 p 105) em atividades de escrita em que tenham ldquoa liberdade para tentar questionar perguntar comparar corrigirrdquo cabendo ao professor orientar a produccedilatildeo textual (gecircnero tipo objetivo comunicativo organizaccedilatildeo das ideias) e os processos de revisatildeo do texto Para tanto o docente precisa conhecer as complexas relaccedilotildees entre letrasgrafemas e sonsfonemas e como funciona de fato o sistema de escrita do PB Dessa forma ele teraacute subsiacutedios para analisar os ldquoerrosrdquo de ortografia dos alunos foco da proacutexima seccedilatildeo

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3 ldquoErrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva do acerto

Assume-se neste capiacutetulo que os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever precisam ser reanalisados sob o prisma da ldquotentativa de acertordquo porquanto

[] seria pedagogicamente mais proveitoso substituir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo pela de tentativa de acerto Embora possa soar como simples eufemismo do tipo ldquopoliticamente corretordquo na verdade eacute possiacutevel obter um efeito significativo ao trocar um termo de conteuacutedo negativo (erro) por outro de conteuacutedo positivo (acerto) Afinal a liacutengua escrita eacute uma anaacutelise da liacutengua falada e essa anaacutelise seraacute feita pelo usuaacuterio da escrita no momento de grafar seu texto em sintonia com seu perfil sociolinguiacutestico (BAGNO 2012 p 353)

Esse direcionamento implica compreender os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem como na verdade tentativas de escrever ldquocertordquo sendo desvios que podem ser explicados significando que haacute loacutegica no ldquoerrordquo ortograacutefico cometido

Se natildeo se pode desprezar o valor que o ldquoerrordquo pode adquirir nas diferentes relaccedilotildees sociais (BAGNO 2012) eacute necessaacuterio por outro lado analisar no processo de ensino e aprendizagem da liacutengua escrita a natureza dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos nas produccedilotildees dos alunos e a partir disso desenvolver estrateacutegias adequadas de intervenccedilatildeo Conforme Bagno (2013) os ldquoerrosrdquo podem ser de dois tipos a) situaccedilotildees em que o aluno levanta hipoacuteteses sobre a relaccedilatildeo entre fala e escrita e registra uma palavra em comparaccedilatildeo a outra escrevendo de modo diferente da ortografia oficial b) influecircncia da variedade linguiacutestica falada pelo estudante na escrita O aprendiz portanto ao escrever eacute guiado por seus conhecimentos preacutevios sobre a liacutengua escrita e suas relaccedilotildees com a fala ao mesmo tempo em que a variedade linguiacutestica que ele usa no dia a dia influencia o modo como escreve

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Dessa forma na primeira categoria de ldquoerrosrdquo o falante grafa uma palavra de maneira diferente da oficial porque lanccedila hipoacuteteses ou faz analogias com base nas regras que sistematizou em relaccedilatildeo ao sistema de escrita como por exemplo escrever conforme Bagno (2013) ldquoMaurisiordquo dada a complexidade das relaccedilotildees entre o fonema [s] e suas representaccedilotildees graacuteficas usando nesse caso por analogia a letra ldquosrdquo habitualmente a mais utilizada para registrar tal som

O segundo tipo de ldquoerrosrdquo engloba aqueles que se referem agrave incidecircncia da variedade linguiacutestica do estudante em sua escrita Podem ser citados com base no autor o rotacismo (troca de ldquolrdquo por ldquorrdquo como em ldquobrocordquo) a paragoge (registro de ldquoerdquo ou ldquoirdquo em seguida a ldquolrdquo final de vocaacutebulo como em ldquosolerdquo ou ldquosolirdquo) e a deslateralizaccedilatildeo de [ʎ] (como em ldquotrabaiordquo para ldquotrabalhordquo)

Como se pode perceber muitos podem ser os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos dos alunos Consequentemente o professor em sala precisa entender a natureza desses ldquoerrosrdquo procurar explicaccedilotildees para isso e a partir deles desenvolver estrateacutegias de intervenccedilatildeo

A esse respeito Cagliari (2010) discute que na escrita espontacircnea os alunos desenvolvem um processo de reflexatildeo aplicando regras que satildeo possiacuteveis no sistema para registrar um vocaacutebulo mas natildeo outro Assim o aluno ldquoerrardquo porque ao refletir sobre o modo de escrever determinada palavra baseia-se em regras do sistema ortograacutefico que se aplicam a outros contextos Haacute portanto reflexatildeo e loacutegica em seus usos ainda que considerados ldquoerradosrdquo Ao professor cabe reconhecer essa loacutegica que envolve esses ldquoerrosrdquo

Nesse sentido o pesquisador enumera os tipos de ldquoerrosrdquo encontrados em produccedilotildees escritas de estudantes

a) transcriccedilatildeo foneacutetica em que o aluno na escrita transcreve a proacutepria fala como registrar na escrita duas vogais em vez de uma porque fala dessa forma caso de ldquorapaisrdquo para ldquorapazrdquo

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b) uso indevido de letras quando seleciona uma letra possiacutevel para registrar na escrita um som mas o sistema ortograacutefico indica outra como em ldquoxatardquo para ldquochatardquo c) hipercorreccedilatildeo que ocorre quando o aprendiz jaacute conhece a grafia de alguns vocaacutebulos percebe que o modo de pronunciaacute-los eacute diferente e passa a generalizar essa regra para outras palavras como escrever ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo porque assimilou que como geralmente todo ldquolrdquo final de siacutelaba eacute pronunciado [u] ele aplica essa regra em todos os contextos e por isso usa a letra ldquolrdquo e natildeo o ldquourdquo d) modificaccedilatildeo da estrutural segmental das palavras situaccedilatildeo em que o aprendiz realiza troca supressatildeo inversatildeo ou acreacutescimo de letras como escrever ldquobidardquo para ldquovidardquo ou ldquososatordquo para ldquosustordquo e) juntura intervocabular e segmentaccedilatildeo quando o estudante junta ou separa palavras como respectivamente em ldquojalicoteirdquo para ldquojaacute lhe conteirdquo e em ldquoa gorardquo para ldquoagorardquo f) forma morfoloacutegica diferente que acontece quando o falante por influecircncia de sua variedade linguiacutestica registra as palavras com caracteriacutesticas diferentes da ortografia oficial como escrever ldquopaciardquo para ldquopassearrdquo g) forma estranha de traccedilar as letras que indica no caso da escrita cursiva uma forma diferente com que o aluno faz o registro de determinado vocaacutebulo causando dificuldade no seu entendimento como escrever ldquosaberdquo para ldquosaberdquo parecendo ldquosaverdquo para o leitor h) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas quando o aluno grafa inadequadamente as palavras usando letras maiuacutesculas no lugar de minuacutesculas ou vice-versa como registrar o pronome ldquoEurdquo com letras maiuacutesculas em analogia ao uso em nomes proacutepriosi) acentos graacuteficos usando em contextos natildeo esperados ou

deixando de usar como ldquovoacuterdquo para ldquovourdquo e ldquovocerdquo para ldquovocecircrdquo

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j) sinais de pontuaccedilatildeo em que os alunos podem usar equivocadamente os sinais como em ldquoEraumavezrdquo ou ldquoEra-uma-vezrdquo talvez em decorrecircncia de conhecimentos assimilados de outras atividades k) problemas sintaacuteticos relativos por exemplo agrave concordacircncia ou agrave regecircncia indicando muitas vezes influecircncia da variedade linguiacutestica do falante em seu modo de escrever sendo por isso desvios em relaccedilatildeo agraves formas sugeridas pela normas em que se baseia a ortografia oficial como escrever ldquodois coeliordquo para ldquodois coelhosrdquo

Oliveira (2005) por sua vez aponta a necessidade de compreender os ldquoerrosrdquo na escrita dos alunos observando as relaccedilotildees com a fala pois segundo ele o conjunto de conhecimentos que o estudante tem sobre a fala acaba controlando a aprendizagem da escrita Costa Filho (2015 p 41-42) em anaacutelise do autor afirma que o estudante ldquoem suas primeiras produccedilotildees escritas se guia pelos sons da fala muito embora tambeacutem no processo de aprendizagem a escrita vaacute incorporando outros aspectos que o aprendiz poderaacute superar ao longo desse processordquo Daiacute a importacircncia de um entendimento das hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para escrever principalmente quando se trata de momentos espontacircneos de produccedilatildeo textual

Nessa direccedilatildeo Oliveira (2005) faz interessante discussatildeo sobre os possiacuteveis ldquoproblemasrdquo que podem ser verificados nas produccedilotildees escritas dos estudantes que Costa Filho (2015 p 42) assim sintetiza43

a) escrita preacute-alfabeacutetica como em ldquomviaembardquo para ldquominha vizinha eacute muito boardquo

b) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como a troca entre ldquoprdquo e ldquobrdquo

43 Os exemplos constantes na siacutentese de Costa Filho (2015) foram extraiacutedos de Oliveira (2005)

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c) escrita trocada com correspondecircncia trocada pela mudanccedila de sons como a troca entre sons sonoros e surdos

d) violaccedilatildeo das relaccedilotildees biuniacutevocas entre os sons e os grafemas como em escrita [muito difiacutecil de acontecer como afirma o autor] de ldquofavardquo para ldquomolardquo

e) violaccedilatildeo das regras invariantes que controlam a representaccedilatildeo de alguns sons ou seja os ldquocasos de escrita que se baseiam na pauta sonora e que ao mesmo tempo satildeo regidos por regrardquo como em ldquogerardquo para ldquoguerrardquo

f) violaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre os sons e os grafemas por interferecircncia das caracteriacutesticas estruturais do dialeto do aprendiz como por exemplo na produccedilatildeo especiacutefica de um falante de Belo Horizonte ser escrito ldquoo sou brilhardquo para ldquoo sol brilhardquo em decorrecircncia de no dialeto belo-horizontino o som [l] natildeo ocorrer em final de siacutelaba embora ocorra em outros dialetos

g) violaccedilatildeo de formas dicionarizadas em que o autor enquadra as grafias de natureza totalmente arbitraacuterias e nos afirma que somente a consulta a um dicionaacuterio ou a familiaridade com a palavra podem resolver a questatildeo da grafia Os casos relacionados a esse problema satildeo de dois tipos duas formas existem mas cada uma remete a conceito diferente como ldquocestardquo e ldquosextardquo uma forma existe embora a outra possa ser possiacutevel como em ldquogelordquo (ldquojelordquo)

h) violaccedilatildeo na escrita de sequecircncias de palavras que se referem aos ldquocasos em que a particcedilatildeo da fala natildeo corresponde agrave particcedilatildeo da escritardquo como em ldquoopaturdquo para ldquoo patordquo

i) outros casos categoria aberta que inclui por exemplo casos de hipercorreccedilatildeo ou casos acidentais

Acredita-se que a partir do entendimento desses ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever em sua tentativa de acerto o professor poderaacute compreender melhor as hipoacuteteses formuladas e os conhecimentos utilizados por eles o que colabora para o delineamento de estrateacutegias e praacuteticas pedagoacutegicas que possam contribuir para melhorar o registro escrito de suas produccedilotildees

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Nessa direccedilatildeo Costa Filho (2015) desenvolveu um estudo sobre os ldquoerrosrdquo cometidos por alunos em escrita espontacircnea cujos dados satildeo reanalisados na seccedilatildeo que se segue

4 ldquoErrosrdquo na escrita de alunos do Ensino Fundamental II

Costa Filho (2015) realizou seu estudo com 17 alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II em escola puacuteblica do municiacutepio de Salinas ndash MG A pesquisa objetivou detectar e discutir as hipoacuteteses que os alunos formulam quando usam a escrita verificando se a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem satildeo em decorrecircncia da interferecircncia da oralidade na escrita ou do natildeo conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico oficial

Para alcanccedilar esse propoacutesito foi necessaacuterio compreender a realidade cultural e social dos alunos e sua possiacutevel influecircncia no modo como usam a liacutengua observando especificamente se havia relaccedilatildeo entre a variedade falada pelo estudante e a maneira como escrevia Foi entatildeo aplicado inicialmente um questionaacuterio procedimento que permitiu obter dados sobre o contexto sociocultural dos estudantes e conhecer suas experiecircncias de letramento

As informaccedilotildees obtidas indicam que a minoria dos alunos tem acesso a computador com internet (10) televisatildeo (10) e raacutedio (10) o que levou agrave hipoacutetese de que o tipo de participaccedilatildeo dos estudantes em eventos de letramentos poderia interferir na utilizaccedilatildeo da variedade culta escrita da liacutengua por eles Isso significa que o pouco ou nenhum contato com outras variedades da liacutengua em especial a padratildeo na modalidade escrita faz com que o aprendiz em textos escritos formais reproduza a variedade que fala e cometa ldquoerrosrdquo ortograacuteficos Daiacute a importacircncia da escola e da pesquisa em delinear estrateacutegias para promover o acesso do aluno a outros usos da liacutengua Ao fazer isso acaba contribuindo para ampliar a competecircncia comunicativa do aluno e para que em decorrecircncia possa atuar e intervir efetivamente na sociedade

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Com o objetivo de confirmar essa hipoacutetese e de ampliar os dados sobre os eventos de letramentos dos quais participam foi perguntado aos 17 estudantes se tinham o haacutebito de visitar bibliotecas de ler jornais revistas em geral histoacuterias em quadrinhos e livros literaacuterios e de acessar a internet Os resultados indicaram que a maioria dos alunos visita bibliotecas (82) e natildeo lecirc jornal (94) revistas em geral (59) e histoacuterias em quadrinhos (47) e apontaram que poucos alunos leem livros literaacuterios e o fazem apenas uma vez ao ano (24) duas vezes por ano (41) ou natildeo leem livro de literatura algum (29) embora grande parte dos estudantes afirme que tenha acesso agrave internet (91) o que poderia possibilitar por exemplo acessar e-books e proceder agrave leitura desses livros Acresccedila-se a esses dados o fato de que a famiacutelia pouco lecirc (53) ou nunca lecirc (29) e que nunca escreve textos (47) e aqueles que fazem essa atividade redigem listas ou cartas apenas de vez em quando (47)

A partir das informaccedilotildees socioculturais obtidas do questionaacuterio Costa Filho (2015 p 27) concluiu que os participantes de sua pesquisa

[] satildeo provenientes de famiacutelias com baixo poder aquisitivo e com poucas oportunidades de participaccedilatildeo em eventos de letramentos o que restringe o acesso agrave variedade culta da liacutengua seja na modalidade oral seja sobretudo na escrita o que consequentemente nos permite relacionar esses eventos agrave presenccedila de marcas da oralidade na escrita culta e pode justificar desviosdeslizes na norma escrita que dificultam a aprendizagem e aumentam a responsabilidade da escola

Foi necessaacuterio assim compreender a natureza dos ldquoerrosrdquo que os alunos cometiam Para isso foram aplicadas trecircs atividades com os gecircneros textuais ldquobilheterdquo ldquocomentaacuteriordquo e ldquofaacutebulardquo com as seguintes instruccedilotildees

a) produccedilatildeo de um bilhete por meio do qual um aluno deveria convidar seu colega para passarem juntos um final de semana

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b) comentaacuterios sobre um filme exibido para os estudantes c) produccedilatildeo de uma faacutebula

Essas atividades foram selecionadas para ampliar a compreensatildeo da influecircncia da fala na escrita dos alunos permitindo levantar os ldquoerrosrdquo nas produccedilotildees e verificar as hipoacuteteses levantadas pelos alunos ao escreverem subsidiando assim uma accedilatildeo pedagoacutegica mais eficiente O foco com essas atividades foi justamente obter uma escrita espontacircnea sem a interferecircncia do professor ainda que esse momento tenha sido marcado por certa artificialidade uma vez que os textos escritos natildeo foram inseridos em uma situaccedilatildeo real de comunicaccedilatildeo

Por meio desses procedimentos os ldquoerrosrdquo detectados nas produccedilotildees escritas dos alunos foram classificados com base em Cagliari (2010) e Oliveira (2005) e divididos em dois grupos a) ldquoerrosrdquo que decorrem da influecircncia da fala (variedade do aluno) na escrita e b) ldquoerrosrdquo decorrentes da falta de conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema de escrita Os resultados obtidos estatildeo listados na Tabela 1

Tabela 1 Classificaccedilatildeo geral dos ldquoerrosrdquo

NATUREZA DO ldquoERROrdquo

NUacuteMERO DE OCORREcircNCIAS TOTAL

Influecircncia da fala (variedade do aluno) na

escrita319 48

665Falta de conhecimento

das convenccedilotildees do sistema de escrita

346 52

Fonte Costa Filho (2015 p 53)

Os dados da tabela permitem inferir que o iacutendice de ldquoerrosrdquo por influecircncia da fala na escrita padratildeo (48) quase se equipara ao dos desvios por falta de conhecimento das convenccedilotildees ortograacuteficas (52) Se somados esses dados agravequeles obtidos na aplicaccedilatildeo

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do questionaacuterio pode-se deduzir que eles satildeo indicativos da necessidade de promover eventos de letramento que contribuam para a ampliaccedilatildeo das praacuteticas de leitura e escrita em especial de usos mais monitorados da liacutengua por meio de um trabalho que aborde sistematicamente os tipos de ldquoerrosrdquo verificados nas produccedilotildees dos estudantes

Como exemplos de ldquoerrosrdquo decorrentes da influecircncia da variedade linguiacutestica que o aluno usa nos seus textos escritos podem ser citados

a) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante como em ldquoseus brinquedordquo para ldquoseus brinquedosrdquo (Informante 05) b) rotacismo como em ldquoarnosordquo para ldquoalmoccedilordquo (Informante 07) c) metaacutetese como em ldquopredardquo para ldquopedrardquo (Informante 10)d) deslateralizaccedilatildeo de λ como em ldquobieterdquo para ldquobilheterdquo (Informante 05) e) desnasalizaccedilatildeo de ɲ como em ldquomiardquo para ldquominhardquo (Informante 06) Em relaccedilatildeo aos desvios da ortografia oficial satildeo exemplos a) uso indevido de letras (escolha de uma letra possiacutevel quando a ortografia usa outra letra) como em ldquoprinsezinhardquo para ldquoprincesinhardquo (Informante 01)b) hipercorreccedilatildeo como em ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo (Informante 05) c) segmentaccedilatildeo (troca supressatildeo acreacutescimo ou inversatildeo de letras) como em ldquoirmansrdquo para ldquoirmatildesrdquo (Informante 07) d) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas como em ldquojoseacuterdquo para ldquoJoseacuterdquo (Informante 10)e) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como em ldquoanicardquo para ldquoamigardquo (Informante 05)

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Com base nesses ldquoerrosrdquo foi desenvolvida uma proposta de intervenccedilatildeo baseada na produccedilatildeo de ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo envolvendo assim os alunos em um contexto real de leitura escrita e circulaccedilatildeo do gecircnero textual No trabalho de produccedilatildeo e revisatildeo das cartas os alunos utilizaram a escrita em situaccedilatildeo efetiva de comunicaccedilatildeo o que possibilitou uma reflexatildeo linguiacutestica sobre as convenccedilotildees da escrita em sua relaccedilatildeo com a fala ateacute mesmo para atender agraves normas de publicaccedilatildeo da revista

Essa produccedilatildeo de cartas se fundamentou em um roteiro de atividades a partir da noccedilatildeo da sequecircncia didaacutetica que segundo Dolz Noverraz e Schneuwly (2004) se refere a atividades que satildeo planejadas sistematicamente a partir de um gecircnero seja ele oral ou escrito Com isso foram sistematizados seis moacutedulos de produccedilatildeo das cartas englobando a primeira versatildeo sua revisatildeo e a versatildeo final

Apoacutes a aplicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo Costa Filho (2015) verificou progressos dos estudantes nas produccedilotildees escritas seja na reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre a variedade falada por eles e sua escrita seja no reconhecimento da importacircncia de escreverem conforme as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico Os alunos dessa forma passaram a analisar o modo como escreviam refletindo sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita e percebendo a importacircncia de adequaccedilatildeo da linguagem ao contexto de uso

Podem ser citados como exemplos desses progressos os seguintes casos relacionados ao percurso de produccedilatildeo oral ou falada de carta gt produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo gt produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final

a) deslateralizaccedilatildeo de λ gt lateralizaccedilatildeo de λ ndash Informante A 1 ldquocompartilordquo para ldquocompartilhordquo (produccedilatildeo textual sobre as caracteriacutesticas do gecircnero ldquocarta do leitorrdquo)

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2 ldquofamiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquofamilhiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquofamiacuteliardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)b) monotongaccedilatildeo gt ditongaccedilatildeo ndash Informante B1 ldquoTexerardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)3 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)c) rotacismo gt l ndash Informante A1 ldquosortourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo) 3 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)d) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante gt marcaccedilatildeo de plural redundante ndash Informante D1 ldquoos bisouro coveiros alimanta-se de corpos em decomposiccedilatildeordquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoos bisouros lenhadores se ocupa em trabalhar nas aacutervorerdquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquoos coveiros se ocupa dos mortosrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquoos besouros que se alimenta dos corposrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)5 ldquoaprendi que os jardineiros se ocupam em levar uma semente de um lado para outrordquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

241 |

6 ldquoos lenhadores trabalham no tronco das aacutervores ou melhor se alimentam delasrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

Pelos exemplos apresentados percebe-se a importacircncia da intervenccedilatildeo pedagoacutegica com atividades direcionadas para um trabalho que levou os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e sobre os desvios das convenccedilotildees da ortografia oficial

5 Consideraccedilotildees finais

Procurou-se neste trabalho rediscutir dados da pesquisa realizada por Costa Filho (2015) cujos objetivos foram investigar as hipoacuteteses formuladas pelos alunos quando usam a escrita padratildeo e detectar a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem ao escrever analisando as possiacuteveis interferecircncias da variedade falada pelo aluno ou o desconhecimento sobre as convenccedilotildees da ortografia oficial na sua escrita Participaram do estudo alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica no municiacutepio de Salinas ndash MG

Inicialmente foi importante o entendimento sobre a realidade sociocultural dos alunos por meio da aplicaccedilatildeo de um questionaacuterio Os resultados apontaram dentre outros aspectos que os alunos participavam de poucos eventos de letramento principalmente de praacuteticas de leitura e escrita de gecircneros mais formais ou monitorados

A partir disso foram aplicadas atividades para ampliar a compreensatildeo sobre as marcas da oralidade na escrita para que ao identificar os tipos de ldquoerrosrdquo presentes nas produccedilotildees dos alunos fosse possiacutevel analisar as hipoacuteteses levantadas por eles possibilitando uma adequada intervenccedilatildeo pedagoacutegica

Com base nesses conhecimentos dos estudantes foi elaborado um roteiro de atividades em torno do gecircnero ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo abordando

242 |

assuntos dessa publicaccedilatildeo Como resultados os estudantes em suas produccedilotildees passaram a refletir sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita analisando o modo como escreviam e seguindo as regras da ortografia oficial

Assim ao articular teoria e praacutetica Costa Filho (2015) demonstrou a importacircncia de ressignificaccedilatildeo do olhar do professor sobre os ldquoerrosrdquo na escrita espontacircnea dos alunos Eacute necessaacuterio pois que os docentes percebam que os estudantes fazem profunda reflexatildeo ao escrever utilizando conhecimentos aprendidos e internalizados sobre as relaccedilotildees entre fala e escrita e norma ortograacutefica que orientam o modo como escrevem

Por isso cabe ao professor identificar os ldquoerrosrdquo nos textos dos alunos e propor atividades de intervenccedilatildeo adequadas agraves hipoacuteteses por eles formuladas ao escreverem avaliando esses ldquoerrosrdquo como deslizes em suas ldquotentativas de acertosrdquo e natildeo como incapacidade dos estudantes durante o processo de escrita

Diante disso constata-se que o trabalho de leitura escrita e reescrita de textos a partir de um gecircnero selecionado pode ressignificar o processo de produccedilatildeo textual no espaccedilo escolar instrumentalizando os alunos para o uso da liacutengua no meio social e natildeo os direcionando para a identificaccedilatildeo de classes de palavras e funccedilotildees da gramaacutetica normativa ou como atividade para a mera correccedilatildeo dos ldquoerrosrdquo

Consciente desse processo a escola precisa repensar suas estrateacutegias de ensino para desenvolver uma proposta que considere a realidade sociocultural do aluno e no caso da produccedilatildeo de texto as relaccedilotildees que o aluno estabelece ao escrever compreendendo que o contexto sociocultural e os eventos de letramento de que o estudante participa ou deixa de participar podem influenciar na qualidade daquilo que escreve

Eacute oportuno pois compreender esse contexto e essas praacuteticas para um melhor entendimento das relaccedilotildees entre fala e escrita

243 |

para que se possa a partir disso proceder agrave elaboraccedilatildeo e ao desenvolvimento de estrateacutegias mais adequadas em sala de aula que contribuam para a reflexatildeo do aluno para a sistematizaccedilatildeo dos conhecimentos e para a ampliaccedilatildeo de sua competecircncia comunicativa Por isso eacute urgente a criaccedilatildeo de mecanismos para vencer os elevados iacutendices de evasatildeo e repetecircncia e auxiliar os estudantes no domiacutenio da Liacutengua Portuguesa sem apontar os ldquoerrosrdquo como declaraccedilatildeo peremptoacuteria de fracasso no domiacutenio da liacutengua

Referecircncias

BAGNO M Gramaacutetica de bolso do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Paraacutebola 2013

BAGNO M Gramaacutetica pedagoacutegica do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Paraacutebola 2012

CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2010

COSTA FILHO O A da Marcas de oralidade na escrita de alunos do ensino fundamental gecircnero carta do leitor 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

DOLZ J NOVERRAZ M SCHNEUWLY B Sequecircncias didaacuteticas para o oral e para o escrito apresentaccedilatildeo de um procedimento In SCHNEUWLY B DOLZ J Gecircneros orais e escritos na escola Traduccedilatildeo e organizaccedilatildeo Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro Campinas Mercado de Letras 2004

FERRAREZI JR C Ensinar o brasileiro respostas a 50 perguntas de professores de liacutengua materna Satildeo Paulo Paraacutebola 2007

244 |

LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador Satildeo Paulo Aacutetica 1997

MORAIS A G Ortografia ensinar e aprender Satildeo Paulo Aacutetica 2010

OLIVEIRA M A de Conhecimento linguiacutestico e apropriaccedilatildeo do sistema de escrita caderno do formador Belo Horizonte CealeFaEUFMG 2005

SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios Satildeo Paulo Contexto 2017

Sobre os Autores

246 |

Ana Maacutercia Ruas de AquinoDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail anamarciaaquinogmailcom ORCID httpsorcidorg0000-0001-5639-5257

Anagrey BarbosaMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora das redes Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail anakrillgreyyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000000268812115

Bruno de Assis Freire de LimaDoutor em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Docente no Instituto Federal Minas Gerais ndash Congonhas E-mail brunoaflimagmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-7526-1921

Carla Roselma Athayde MoraesDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail carlaathaydeyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000-0002-4684-8424

Clarice Nogueira LopesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail claricenogueiragmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0840-6139

Cristina Aparecida Bianchi de Souza GomesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga ndash DFE-mail cristinasbianchihotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-29223753

247 |

Daniela Imaculada Pereira CostaMestre em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail danielaespanhol79gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-1549-2901

Gilvan Mateus SoaresDoutor em Estudos Linguiacutesticos pelo POSLIN ndash FALE ndash UFMG Professor na Rede Municipal de Ensino em Baratildeo de Cocais ndash MG E-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Maria Clara Maciel de Arauacutejo RibeiroDoutora em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail mclaramacielhotmailcomORCID 0000-0001-9205-5858

Orando Antocircnio da Costa FilhoMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professor na Rede Estadual de Ensino em Salinas ndash MGE-mail orandomghotmailcombrORCID httpsorcidorg0000-0001-7209-442X

Zenilda Mendes dos ReisMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual de Ensino em Lontra ndash MG E-mail zenildareis06gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3318-976

Sobre os Organizadores

249 |

Gilvan Mateus SoaresGraduaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs pela Universidade Federal de Minas Gerais Graduaccedilatildeo em Pedagogia pela Universidade de Uberaba Especializaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs e Literatura pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguaacute Especializaccedilatildeo em Praacuteticas Pedagoacutegicas pela Universidade Federal de Ouro Preto Mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros Doutorado em Estudos Linguiacutesticos pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas GeraisE-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Liliane Pereira BarbosaDoutora e Mestre em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora efetiva da Unimontes Atua como professora permanente no PROFLETRAS Tem experiecircncia na aacuterea de Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica com ecircnfase em Teoria e Anaacutelise Linguiacutestica principalmente nos seguintes temas Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica Variaccedilatildeo Linguiacutestica e EnsinoE-mail lilianepebhotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0558-6592

Maria do Socorro Vieira CoelhoProfessora de Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 Mestre em Linguiacutestica pela Universidade Federal de Minas Gerais Doutora em Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais Poacutes-Doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015) e pela Universidade de Satildeo Paulo (2018) Suas linhas de pesquisa tecircm sido em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash diacronia e sincronia Liacutengua Portuguesa e Ensino Literatura de Autoria FemininaE-mail soccoelhohotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3732-467X

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Page 3: Teorias Linguísticas, Pesquisa e Ensino da Língua Portuguesa · 2020. 11. 10. · de os educadores conhecerem as técnicas de elaboração dos itens, compreendendo o texto de suporte,

Teorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesa

PROJETO EDITORIALLetraria

PROJETO GRAacuteFICO E DIAGRAMACcedilAtildeOLetraria

CAPALetraria

REVISAtildeOLetraria

SOARES Gilvan Mateus BARBOSA Liliane Pereira COELHO Maria do Socorro Vieira (org) Teorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesa Araraquara Letraria 2020

ISBN 978-65-86562-13-2

1 Linguiacutestica 2 Sociolinguiacutestica 3 Pesquisa 4 Ensino 5 Liacutengua Portuguesa

Os textos publicados neste e-book satildeo de inteira responsabilidade de seus autores Este e-book ou parte dele natildeo pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizaccedilatildeo escrita dos organizadores

APOIO

5 |

Conselho EditorialAna Paula Antunes Rocha (UFF)Angela Heloiza Benedito Buxton (Unimontes)Caroline Rodrigues Cardoso (UnipSEEDF)Keli Cristiane Eugecircnio Souto (Unimontes)Maria Alice Mota (Unimontes) Maria de Lourdes Guimaratildees de Carvalho (Unimontes)Rita de Caacutessia da Silva Soares (GPDGUSP)Sandra Ramos de Oliveira Gonccedilalves Duarte (Unimontes)Sandra Patriacutecia de Faria do Nascimento (UnB)

6 |

| SumaacuterioPrefaacutecioOs Organizadores

8

O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

17

Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

49

O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

67

Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

84

Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

108

A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

129

7 |

O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

156

A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

190

A escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa FilhoGilvan Mateus Soares

223

Sobre os Autores 245

Sobre os Organizadores 248

8 |

| Prefaacutecio

Esta obra surgiu da importacircncia de se ter uma maior divulgaccedilatildeo de pesquisas desenvolvidas sobre a Liacutengua Portuguesa sob o vieacutes teoacuterico e praacutetico em estreita relaccedilatildeo entre pesquisa formaccedilatildeo e ensino do Portuguecircs Nessa perspectiva a publicaccedilatildeo articula em um processo circular teorias linguiacutesticas descriccedilatildeo de aspectos da Liacutengua Portuguesa e ensino Tambeacutem oferece conhecimentos aos docentes que atuam no Ensino Fundamental e Meacutedio ao promover discussotildees teoacutericas e oferecer subsiacutedios para a aplicaccedilatildeo praacutetica das teorias e estudos descritos e discutidos Incluem-se trabalhos desenvolvidos por pesquisadores do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras)1 da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos (PosLin) da Faculdade de Letras (FALE)2 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

A organizaccedilatildeo do livro aponta para um ensino em que eacute fundamental a compreensatildeo das relaccedilotildees entre teoria e praacutetica permeadas pelas variadas linguagens Por isso a obra se orienta por trecircs dimensotildees (pesquisa teorias linguiacutesticas e ensino e praacutetica) sob o prisma da sua integraccedilatildeo mediante discussotildees teoacutericas que embasam trabalhos descritivo-analiacuteticos de aspectos linguiacutesticos da oralidade e da escrita do Portuguecircs e propostas de praacuteticas de ensino resultantes de pesquisas norteadas por teorias

Assim ldquoTeorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesardquo se alicerccedila em diferentes teorias das Ciecircncias da Linguagem como a Sociolinguiacutestica a Sociolinguiacutestica Educacional a Lexicologia a Lexicografia Pedagoacutegica e a Anaacutelise do Discurso e se desenvolve por meio de metodologias de pesquisa e estrateacutegias de ensino baseadas na pesquisa-accedilatildeo em instrumentos de avaliaccedilatildeo e no levantamento de dados por meio de questionaacuterios e entrevistas

1 Disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbr profletras2 Disponiacutevel em httpwwwposlinletrasufmgbr

9 |

e em estrateacutegias de ensino como oficinas ou sequenciaccedilatildeo de atividades

Entendemos que a relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica deve ser um pressuposto para toda e qualquer accedilatildeo pedagoacutegica o que exige do professor uma postura de pesquisador de teorias de investigaccedilotildees mais gerais sobre o processo de ensino e aprendizagem ou mais especiacuteficas agrave sua aacuterea de atuaccedilatildeo de meacutetodos de estrateacutegias e de recursos que possam auxiliar ou embasar a praacutetica em sala de aula

Esse posicionamento do profissional de liacutenguas eacute ainda mais exigido em um contexto de diversidade de linguagens que aponta para um processo de ensino e aprendizagem que contemple tanto os letramentos tradicionais como tambeacutem os multiletramentos Torna-se assim importante promover um tratamento da liacutengua que contemple seus diferentes niacuteveis (do foneacutetico-fonoloacutegico ao discursivo) suas modalidades (oralidade e escrita) e seus registros (informais e formais) em variados contextos de comunicaccedilatildeo

A escola eacute o espaccedilo privilegiado para essa abordagem Consciente desse papel ela deve instrumentalizar o estudante para que ele possa por meio da liacutengua se movimentar em diferentes contextos sociais Para tanto os objetivos do ensino da liacutengua requerem do professor conhecimento competecircncia e sensibilidade para lidar com a variaccedilatildeo linguiacutestica para acompanhar os processos de tratamento da Liacutengua Portuguesa em sua interseccedilatildeo com a abordagem de outras linguagens como a Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) considerando o contexto sociocultural e etnograacutefico dos falantes e as diversas praacuteticas de letramento com as quais os estudantes se envolvem ou das quais deixam de participar Tudo isso influencia e contribui direta ou indiretamente para o sucesso ou o fracasso do aluno em sua trajetoacuteria escolar

Isso significa que a linguagem da escola natildeo pode se distanciar da linguagem do educando sob pena de imputaacute-lo agrave repetecircncia e agrave evasatildeo Nesse sentido eacute necessaacuterio atentarmos para o fato de

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que o professor natildeo deve focalizar o ensino da liacutengua somente na modalidade escrita em seus usos mais formaismonitorados diante de um aluno que muitas vezes participa de interaccedilotildees que se caracterizam essencialmente pela oralidade porquanto tal procedimento pode resultar em resistecircncia agraves praacuteticas pedagoacutegicas ofertadas pelo docente

A partir dessas orientaccedilotildees este e-book estaacute organizado em oito capiacutetulos que contemplam temaacuteticas variadas estudos do leacutexico e fraseologia elaboraccedilatildeo de itens de avaliaccedilatildeo ensino da Liacutengua Portuguesa e da LBS produccedilatildeo de glossaacuterio semibiliacutengue reflexatildeo sobre o discurso da identidade de pessoas surdas tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica anaacutelise de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas relaccedilotildees entre oralidade e escrita ensino da ortografia

Assim um dos temas aqui discutidos eacute o processo de avaliaccedilatildeo podendo ser contemplados os mais variados enfoques em diversas aacutereas do conhecimento como a Tecnologia Educacional Pedagogia e no que nos concerne o ensino de liacutenguas Nesse contexto pelo menos um questionamento emerge como avaliar Essa discussatildeo contempla um toacutepico que merece maior atenccedilatildeo durante a formaccedilatildeo de professores as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos dos alunos A esse respeito Bruno de Assis Freire de Lima em ldquoO lsquoitem de muacuteltipla escolharsquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeordquo discute o leacutexico e a fraseologia de questotildees de muacuteltipla escolha O autor fazendo uma breve retrospectiva dos procedimentos de avaliaccedilatildeo chama atenccedilatildeo para uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os ldquoitensrdquo de avaliaccedilotildees apontando para um entendimento que ultrapasse a percepccedilatildeo de que sejam meros instrumentos avaliativos concebendo-os como um produto especializado como um gecircnero textual de especialidade marcado por conhecimentos especiacuteficos Por isso possuem suas proacuteprias caracteriacutesticas concernentes agrave estrutura composicional ao conteuacutedo temaacutetico e ao estilo Daiacute a importacircncia de os educadores conhecerem as teacutecnicas de elaboraccedilatildeo dos itens compreendendo o texto de suporte o comando da questatildeo e as alternativas de resposta temas do referido capiacutetulo

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Outro trabalho da aacuterea do Leacutexico e da Lexicografia Pedagoacutegica eacute o de Cristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes em ldquoGlossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosrdquo A pesquisadora discute resultados de estudo realizado com estudantes de uma escola puacuteblica de Taquatinga ndash DF que culmina com a produccedilatildeo de um glossaacuterio digital de verbos O estudo por sua natureza se torna relevante para o protagonismo dos indiviacuteduos surdos ao incluir digitalmente os estudantes ao contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa como segunda liacutengua (L2) e paralelamente ao estimular os informantes a usarem a sua proacutepria liacutengua materna a LSB para refletir sobre conceitos e significados de vocaacutebulos do Portuguecircs Com esse procedimento os alunos introduziram novas palavras agrave sua escrita da Liacutengua Portuguesa e elaboraram um glossaacuterio agrave parte sobre as proacuteprias duacutevidas em um processo criativo de termossignificados Em decorrecircncia o trabalho possibilitou natildeo soacute a aprendizagem do Portuguecircs mas tambeacutem dos demais conteuacutedos das disciplinas que compotildeem o curriacuteculo escolar em uma proposta de ensino produtivo biliacutengue que proporcionou aprendizagem eficaz nas duas liacutenguas A autora incentiva a realizaccedilatildeo de outros trabalhos que possam ampliar o leacutexico de Liacutengua Portuguesa de pessoas surdas como um que por exemplo aborde o uso de expressotildees idiomaacuteticas

Ainda nessa perspectiva de inclusatildeo e da atuaccedilatildeo social dos indiviacuteduos surdos Maria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro em ldquoO fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezrdquo mostra que eacute fundamental que sejam desveladas e desmentidas representaccedilotildees estereotipadas sobre a surdez e os sujeitos surdos (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) o que requer a compreensatildeo de que as pessoas surdas satildeo sujeitos de direitos atores sociais com valores cultura e linguagem proacuteprios (discurso de fundamentaccedilatildeo surda) Nos discursos analisados pela autora os participantes da pesquisa sinalizam um posicionamento enunciativo ao reforccedilarem a imagem de valoraccedilatildeo igualitaacuteria diante

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de outros sujeitos e ao operarem na (des)construccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros em face de um discurso que se faz concorrente O entendimento dessa heterogeneidade discursiva a partir da abordagem dos discursos produzidos pelas pessoas surdas sobre si mesmas pode representar novas perspectivas para a promoccedilatildeo da inclusatildeo nas escolas e o delineamento e a elaboraccedilatildeo de estrateacutegias de ensino significativas

Uma abordagem discursivo-linguiacutestica tambeacutem eacute o foco do capiacutetulo de Ana Maacutercia Ruas de Aquino Carla Roselma Athayde Moraes e Daniela Imaculada Pereira Costa ao tematizarem o gecircnero ldquocrocircnica jornaliacutestica brasileirardquo em ldquoAspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeordquo As autoras chamando a atenccedilatildeo para a importacircncia da anaacutelise dos expedientes argumentativos e dos processos retoacutericos da persuasatildeo discorrem sobre as peculiaridades da crocircnica como uma atividade enunciativa essencialmente dialoacutegica intra e interdiscursivamente Por isso objetivam desvelar a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero como um exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea ao refletirem sobre as estrateacutegias utilizadas pelos cronistas Convidam dessa forma os leitores ao prosar poeacutetico da crocircnica inserindo-os no diaacutelogo como forccedila de accedilatildeo sobre o outro e sobre o mundo no jogo de seduccedilatildeo estabelecido entre cronista e leitor para que no desfrutar do texto ambos possam conhecer um pouco mais do outro mais da vida e por isso um pouco mais de si mesmos

O tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica e em especial a anaacutelise das crenccedilas e atitudes um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica satildeo discutidos por Gilvan Mateus Soares em ldquoCrenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticardquo O autor se baseia nas contribuiccedilotildees da Sociolinguiacutestica Educacional para realizar uma discussatildeo sobre crenccedilas atitudes e preconceitos com uma turma de 6ordm ano e uma de 8ordm de uma escola puacuteblica em Baratildeo de Cocais ndash MG O interesse do estudo partiu do silenciamento de um aluno do 8ordm ano que justificava natildeo participar das aulas

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porque ldquofalava erradordquo ldquoconsiderava-se burrordquo ou ldquoera da zona ruralrdquo Essas assertivas direcionaram o pesquisador a constatar que esse tipo de manifestaccedilatildeo sobre a liacutengua suas variedades e seus falantes eacute em muitos casos reproduzido e (re)construiacutedo na escola assim como no contexto social que vai processar ou reforccedilar ou ateacute perpetuar essa (re)construccedilatildeo Os resultados obtidos revelaram mudanccedila consideraacutevel de percepccedilotildees negativas para positivas sobre a variaccedilatildeo da liacutengua e sobre o proacuteprio aluno como falante do Portuguecircs passando ele a ter um maior grau de consciecircncia linguiacutestica e respeito pela diversidade que caracteriza qualquer liacutengua em uso elevando assim a autoestima linguiacutestica do educando

Em uma perspectiva da variaccedilatildeo linguiacutestica aliada agrave das crenccedilas e atitudes Zenilda Mendes Reis em ldquoA variaccedilatildeo de lsquotursquo e lsquovocecircrsquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra ndash MGrdquo descreveu e analisou baseando-se nos fundamentos da Sociolinguiacutestica as realizaccedilotildees dos pronomes de segunda pessoa ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em produccedilotildees orais e escritas de duas turmas de 8ordm ano do Ensino Fundamental em Lontra ndash MG Durante as etapas de desenvolvimento da pesquisa pocircde perceber usos mais especiacuteficos do ldquoturdquo ou do ldquovocecircrdquo (e suas variaccedilotildees ldquoocecircrdquo ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo) observando estigmatizaccedilatildeo em determinadas situaccedilotildees resultante do preconceito linguiacutestico Essa constataccedilatildeo apontou para o fato de que a intoleracircncia linguiacutestica natildeo pode ser mais ignorada exigindo do professor um ensino adequado em sala de aula Nessa direccedilatildeo tendo como suporte teoacuterico a Sociolinguiacutestica Educacional foi elaborada e desenvolvida uma proposta de ensino alicerccedilada em quatro oficinas que entre seus objetivos procurava natildeo soacute promover a conscientizaccedilatildeo dos alunos em relaccedilatildeo agrave variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem refletir sobre a trajetoacuteria e os contextos de uso dos pronomes em estudo Por meio das atividades os objetivos da pesquisa foram alcanccedilados contribuindo para que os estudantes aprimorassem conhecimentos e ampliassem sobremaneira sua competecircncia no uso do Portuguecircs especialmente na variedade

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padratildeo Os resultados mostraram como pode ser produtivo um trabalho sociolinguiacutestico na escola que permita aos alunos refletir sobre a liacutengua e suas variedades entendendo que a diferenccedila linguiacutestica natildeo pode ser vista como deficiecircncia

Tambeacutem eacute importante a discussatildeo das relaccedilotildees entre a fala a escrita e o registro ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa temas analisados por Clarice Nogueira Lopes em ldquoO fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritardquo A pesquisadora discorre sobre a transformaccedilatildeo de ditongos em monotongos na escrita de alunos de 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG O capiacutetulo ao contrastar a perspectiva da Gramaacutetica Tradicional e da Ciecircncia Linguiacutestica problematiza a compreensatildeo sobre o ldquoerrordquo ortograacutefico esclarecendo percepccedilotildees equivocadas sobre os ldquoerrosrdquo na fala e deslizes na escrita mostrando que satildeo entendimentos de naturezas bem distintas Aleacutem disso destaca que os ldquoerrosrdquo acabam recebendo forte avaliaccedilatildeo social negativa Por isso a pesquisadora ressalta a relevacircncia da aplicaccedilatildeo de instrumentos diagnoacutesticos e da elaboraccedilatildeo de atividades que possam contribuir para que os alunos tenham suas duacutevidas resolvidas e com isso possam aprender adequadamente Os resultados positivos no uso das estrateacutegias desenvolvidas levaram os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e passarem a adequar as produccedilotildees textuais agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo por meio da reduccedilatildeo da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos

Em diaacutelogo com essa discussatildeo Anagrey Barbosa em ldquoA segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirrdquo analisa a escrita de alunos de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG com foco no estudo da segmentaccedilatildeo e da juntura oferecendo aos professores subsiacutedios para a compreensatildeo desses aspectos e para uma abordagem condizente em sala de aula Para tanto o capiacutetulo discute as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e as influecircncias da fala no modo de escrever A autora chama a atenccedilatildeo para um redirecionamento

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do olhar sobre o ldquoerro ortograacuteficordquo pois o aluno empreende reflexatildeo ao ldquoerrarrdquo mostrando que os desvios que geralmente satildeo cometidos na escrita satildeo explicaacuteveis teoricamente e podem ser resolvidos por meio de estrateacutegias que contribuam para o aprimoramento da escrita Por isso a pesquisadora destaca que o docente natildeo deve ter uma reaccedilatildeo negativa diante do ldquoerrordquo de escrita do aluno sob o risco de promover sua exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo mas deve adotar uma perspectiva que compreenda e perceba os desvios ortograacuteficos como um rico material de investigaccedilatildeo e de planejamento para as aulas

Outro capiacutetulo que aborda essa temaacutetica eacute o de Gilvan Mateus Soares e Orando Antocircnio da Costa Filho em ldquoA escrita de alunos do Ensino Fundamental II os lsquoerrosrsquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertordquo Os autores rediscutem dados de pesquisa realizada com alunos de um 7ordm ano de uma escola puacuteblica de Salinas ndash MG analisando as aproximaccedilotildees e os distanciamentos entre a variedade falada pelos estudantes e o modo como escrevem ou mais especificamente entre fonemassons e grafemasletras Aleacutem disso mostram que eacute importante que o docente leve em conta a realidade sociocultural dos educandos e as praacuteticas de letramento de que participam ou deixam de participar pois a falta de vivecircncia de situaccedilotildees de fala escrita ou leitura de usos mais formais e monitorados da liacutengua pode acarretar dificuldades de aprendizagem exigindo por isso da comunidade escolar maior responsabilidade para o desenvolvimento de uma accedilatildeo pedagoacutegica eficiente Eacute importante nesse processo o incentivo agrave pesquisa e agrave leitura e a proposiccedilatildeo de atividades que insiram o estudante em praacuteticas reais de uso da liacutengua como a produccedilatildeo de ldquocartas de leitorrdquo abordando assuntos de publicaccedilotildees e com posterior envio dos textos a revistas ou jornais Esses procedimentos estrateacutegicos apontaram resultados significativos como relatam os pesquisadores

Esperamos com essa diversidade de pesquisas temas e conteuacutedos que esta publicaccedilatildeo ofereccedila conhecimentos de

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aspectos da Liacutengua Portuguesa falada e escrita em Minas Gerais e provoque discussotildees entre pesquisadores natildeo somente das aacutereas da Linguiacutestica e da Educaccedilatildeo Aleacutem disso pretendemos estimular a reflexatildeo e a pesquisa acadecircmica e profissional bem como agregar conhecimentos agrave formaccedilatildeo continuada de docentes natildeo apenas de Liacutengua Portuguesa e LSB agrave praacutetica pedagoacutegica dos professores e agrave aprendizagem dos estudantes ao inseri-los em praacuteticas efetivas de uso da liacutengua em suas modalidades oral e escrita em diferentes momentos de leitura produccedilatildeo de texto e pesquisa incluindo variados gecircneros textuais-discursivos em diferentes miacutedias e suportes e em diversas situaccedilotildees de interaccedilatildeo social

Os Organizadores

O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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1 Introduccedilatildeo

Natildeo haacute novidade no fato de que nossas relaccedilotildees cotidianas satildeo mediadas por gecircneros textuais3 Eles estatildeo em todos os lugares e fazem parte de todas as interaccedilotildees sociais das quais participamos Nesse sentido a escola eacute espaccedilo privilegiado de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e compreensatildeo de gecircneros dadas as muitas vivecircncias expectativas e experiecircncias que nela circulam Na escola ainda haacute a possibilidade de estudos e reflexotildees sobre os proacuteprios gecircneros principalmente nas aulas de Liacutengua Portuguesa o que torna o espaccedilo escolar ainda mais enriquecedor

Os professores de Liacutengua Portuguesa decerto jaacute perceberam que potencialmente qualquer gecircnero textual pode estar presente em suas praacuteticas inclusive nos processos avaliativos Da mesma forma qualquer gecircnero pode constituir-se como o proacuteprio instrumento de avaliaccedilatildeo O professor pode solicitar a produccedilatildeo de uma carta de um e-mail de uma bula de um debate de um seminaacuterio e assim por diante e avaliar essa produccedilatildeo mesmo que ela esteja sob o roacutetulo de redaccedilatildeo escolar ou produccedilatildeo textual O professor pode ainda exibir um documentaacuterio audiovisual promover pesquisas exposiccedilotildees orais e relatoacuterios As possibilidades satildeo muitas talvez infinitas

Apesar de toda essa possibilidade de trabalho com gecircneros nas salas de aula um deles tem tido tradicionalmente lugar de prestiacutegio nesses espaccedilos Trata-se do ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo (doravante item) ou como costuma ser conhecido no ambiente educacional ldquoquestatildeo de provardquo4 Ele circula nas praacuteticas avaliativas dos diferentes componentes curriculares natildeo apenas nas praacuteticas

3 Neste capiacutetulo natildeo se faz distinccedilatildeo entre ldquogecircnero textualrdquo e ldquogecircnero do discursordquo Considero gecircnero textual como uma classe de textos que possuem formas e funccedilotildees semelhantes Como nos recorda Marcuschi (2008) os gecircneros podem ser agrupados em categorias denominadas ldquocartas pessoaisrdquo ldquobilhetesrdquo ldquoartigos de opiniatildeordquo ldquoreceitasrdquo e assim por diante4 Haacute razotildees para distinguir os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo no entanto natildeo eacute objetivo deste texto levantar essa discussatildeo Assim sugere-se que o leitor compreenda os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo como sinocircnimos

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de Liacutengua Portuguesa Apesar de ldquonasceremrdquo para avaliar os itens tecircm migrado para outros usos na escola funcionando como exerciacutecios de fixaccedilatildeo e ateacute mesmo como atividades de treinamento para processos avaliativos como os vestibulares e o proacuteprio Exame Nacional do Ensino Meacutedio (ENEM)

Ainda sobre a utilizaccedilatildeo dos itens nas escolas existem pelo menos dois tipos de professores aqueles que ldquocopiamrdquo itens de provas antigas e fazem um ldquocompiladordquo para suas atividades e aqueles que criam (ou querem criar) os proacuteprios itens Talvez o segundo grupo se destaque em relaccedilatildeo ao primeiro pela iniciativa de criaccedilatildeo o que natildeo significa a elaboraccedilatildeo de itens consistentes Logo considerando que no caso do item o produtor textual natildeo eacute o aluno mas o professor uma questatildeo precisa ser posta seria o professor tatildeo bom elaborador de itens assim como se espera que os alunos sejam tatildeo bons produtores de outros gecircneros textuais Desconfio que natildeo

De modo geral a avaliaccedilatildeo eacute discutida como ldquotemardquo nos cursos de formaccedilatildeo de professores muitas vezes reduzido agrave dicotomia avaliaccedilatildeo quantitativa versus avaliaccedilatildeo qualitativa Natildeo haacute empenho na formaccedilatildeo de professores como profissionais avaliadores que conheccedilam as teacutecnicas subjacentes aos processos avaliativos e agrave proacutepria constituiccedilatildeo dos itens5 Alguns autores (CASTRO 2011 LUCKESI 2011 MORETO 2014) chamam a atenccedilatildeo sobre o desconhecimento teacutecnico de professores embora reconheccedilam que uma das funccedilotildees docentes seja avaliar Ora se o item eacute um produto criado especialmente para avaliar por quais razotildees os professores desconhecem suas teacutecnicas

Via de regra natildeo existe formaccedilatildeo especiacutefica para a funccedilatildeo de avaliador faltam profissionais com essa formaccedilatildeo (VIANNA 2015)

5 Existem diferentes formatos de item Este trabalho ocupa-se do item de muacuteltipla escolha talvez o formato mais popular de item Em Lima (2018) satildeo descritos detalhadamente todos os formatos conhecidos de item Tese disponiacutevel em httpsrepositorioufmgbrhandle1843LETR-B8NF6X

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Essa eacute uma realidade que nas escolas se reflete em avaliaccedilotildees mal elaboradas ou em avaliaccedilotildees cujos resultados satildeo distorcidos seja por serem tecnicamente fragilizadas6 ou simplesmente por serem produto de concepccedilotildees equivocadas de avaliaccedilatildeo como instrumento de troca ou mesmo como instrumento de chantagem e tortura (DEMO 2010 MORETO 2014) Afinal quem nunca ouviu a sentenccedila ldquoSe vocecircs natildeo ficarem quietos vou fazer uma prova bem difiacutecil para vocecircs aprenderem a se comportarrdquo

Este capiacutetulo eacute destinado principalmente para os professores leitores que buscam criar suas proacuteprias avaliaccedilotildees (e seus proacuteprios itens) e para professores em processo de formaccedilatildeo As discussotildees abordam o item como gecircnero textual especializado (HOFFMANN 2015) Eacute importante realccedilar esse adjetivo ldquoespecializadordquo pois conforme seraacute mostrado adiante o item eacute criado em um contexto de conhecimentos especiacuteficos e eacute formado por padrotildees teacutecnicos Elaborar um bom item portanto pressupotildee conhecimento e apropriaccedilatildeo apurada das teacutecnicas Assim o objetivo do capiacutetulo eacute contribuir para o aperfeiccediloamento dessa tarefa de elaboraccedilatildeo

Para desenvolver essas discussotildees aleacutem desta Introduccedilatildeo o capiacutetulo estaacute dividido nas seguintes seccedilotildees a) A histoacuteria do item b) Item como gecircnero e como texto de especialidade c) Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas e) Consideraccedilotildees finais e f) Referecircncias Boa leitura com desejo de que este texto possa provocar reflexotildees sobre processos avaliativos nas escolas

2 A histoacuteria do item

A avaliaccedilatildeo concebida como ldquovaler dar valor ardquo (CUNHA 2010) eacute uma praacutetica muito antiga que talvez remonte agraves primeiras atividades do homem Com a descoberta do fogo por exemplo o homem pocircde categorizar o que estava ao seu redor entre aquilo

6 Avaliaccedilotildees tecnicamente fragilizadas podem levar ao ldquoerrordquo ou ldquoacertordquo ao acaso Sobre o tema sugiro a leitura de Anderson e Morgan (2008)

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que podia ser queimado contra aquilo que natildeo podia Para tanto ele observava comparava avaliava os efeitos do fogo sobre os objetos Da mesma forma ndash pouco importando se era um mito ou natildeo ndash conforme ironizo em Lima (2018) Eva ao aceitar comer o fruto da aacutervore do conhecimento precisou ponderar avaliar tomar decisotildees a respeito das instruccedilotildees que recebera do seu criador e das vantagens mostradas por sua amiga a serpente

O que se ganha o que se perde Qual a vantagem que haacute em agir desta ou daquela forma Como usar menos ou mais tempo para executar uma atividade Todas essas decisotildees satildeo tomadas apoacutes diversas reflexotildees apoacutes se ponderar e valorar cada um dos resultados possiacuteveis Isso eacute avaliaccedilatildeo Note o leitor que a avaliaccedilatildeo existe de modo independente das praacuteticas pedagoacutegicas que conhecemos A avaliaccedilatildeo assim natildeo eacute produto de reflexotildees educacionais mas ldquomigrardquo para o espaccedilo escolar e pedagoacutegico como migra tambeacutem para outras (senatildeo todas) esferas de atividade humana (LIMA 2018 PILETTI PILETTI 2012)

No ambiente escolar a avaliaccedilatildeo tambeacutem eacute uma praacutetica muito antiga que se iniciou com as primeiras experiecircncias educacionais aristoteacutelicas (PILETTI PILETTI 2012) Naquela eacutepoca os mestres faziam questionamentos capazes de provocar reflexotildees e tomadas de decisatildeo por parte dos aprendizes Tempos mais tarde com a invenccedilatildeo do papel com o surgimento de novos suportes textuais e com a proacutepria institucionalizaccedilatildeo da escola as praacuteticas avaliativas escolares comeccedilaram a ganhar novos contornos Foram institucionalizados os exames escolares muitos dos quais permanecem do mesmo modo como conhecemos hoje

Piletti e Piletti (2012) relembram que os exames jaacute eram praticados haacute pelo menos 1200 anos aC pelos chineses para seleccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos para cargos de alta patente o que significa dizer que os exames tambeacutem natildeo satildeo criaccedilatildeo das escolas No espaccedilo escolar tradicionalmente criou-se um fetiche ao redor do exame eacute comum a realizaccedilatildeo de ldquosemanas de provasrdquo

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ldquoreuniotildees para entrega de boletinsrdquo e outras accedilotildees semelhantes Haacute um lugar de destaque para a avaliaccedilatildeo como exame o que certamente causa efeitos colaterais como a pressatildeo psicoloacutegica e a competitividade (nem sempre sadia) dentre outros (ARREDONDO DIAGO 2009)

Somente durante o periacuteodo da Revoluccedilatildeo Industrial eacute que a avaliaccedilatildeo ganhou ares de cientificidade o que causou impactos nos exames escolares Nesse periacuteodo a Psicologia estava interessada em acessar e conhecer componentes da mente humana como a atenccedilatildeo e o proacuteprio desenvolvimento cognitivo Esses componentes precisavam de alguma forma serem medidos quantificados meacutetodos ateacute entatildeo natildeo utilizados na aacuterea A Psicologia se viu portanto forccedilada a buscar na Estatiacutestica esses paracircmetros de mediccedilatildeo Foi quando surgiu a Psicometria7 aacuterea responsaacutevel pelo estudo cientiacutefico ou objetivo da avaliaccedilatildeo (PASQUALI 2013)

A Revoluccedilatildeo Industrial modificou consideravelmente a estrutura social A produccedilatildeo em larga escala reduziu a manufatura Surgiram novas demandas novas profissotildees novas relaccedilotildees sociais e ateacute novos gecircneros textuais No campo da Psicologia ateacute entatildeo natildeo se fazia distinccedilatildeo entre doentes mentais e deficientes mentais Todos eram tratados da mesma forma o que incluiacutea a privaccedilatildeo de viver em sociedade e em muitos casos meacutetodos absurdos de tortura como atesta o claacutessico de Anastasi (1908) Essas praacuteticas natildeo condiziam com o novo modelo de sociedade progressista que estava em ascensatildeo

Foi nesse contexto que Esquirol (1838) um dos precursores da Psicometria criou testes para distinguir doentes mentais de deficientes mentais Ele comprovou que nos casos de doenccedila mental a linguagem se desenvolve o que natildeo se observa nos casos

7 A Psicometria eacute o ramo da Psicologia que se orienta agrave mediccedilatildeo dos processos psiacutequicos dentre os quais estaacute a aprendizagem Para tanto desenvolve estudos que permitem atribuir uma quantificaccedilatildeo aos seus resultados possibilitando a comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas psicoloacutegicas de diversas pessoas ou grupos de pessoas de forma objetiva

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de deficiecircncias da mente Seus testes criados a partir de forte conteuacutedo verbal (ANASTASI 1908) eram formados por unidades avaliativas discretas os chamados ldquoitens avaliativosrdquo que logo foram aplicados em diferentes campos da atividade humana como na proacutepria seleccedilatildeo de trabalhadores para as induacutestrias que estavam em franca expansatildeo agrave eacutepoca

Como se nota a Psicometria eacute uma aacuterea relativamente nova Seu surgimento ocorre pouco antes da segunda metade do seacuteculo XIX o que significa dizer que apesar de a avaliaccedilatildeo ser uma praacutetica bastante antiga o item eacute um produto relativamente recente Ele nasceu em um contexto especializado eacute historicamente situado e possui uma funccedilatildeo bastante marcada medir componentes mentais como o desenvolvimento cognitivo a aprendizagem Como jaacute colocado somente algumas deacutecadas depois de sua criaccedilatildeo o item migrou para as praacuteticas escolares

O item eacute produto de uma atividade especializada que surge para cumprir uma funccedilatildeo social bem definida Ele eacute usado em um contexto bastante especiacutefico Em pouco mais de um seacuteculo de existecircncia o item vem sendo tratado como ldquoinstrumento de avaliaccedilatildeordquo como comprovam diversas definiccedilotildees encontradas na literatura especializada Em meu trabalho de doutorado (LIMA 2018) levantei vasta bibliografia sobre o tema totalizando 43 obras situadas entre 1908 e 2015 na busca de uma definiccedilatildeo que considerasse a face verbal do item tratando-o como unidade textual ou mesmo como gecircnero textual Em nenhuma obra houve algo nesse sentido

Apesar de a literatura especializada natildeo considerar o item como texto ou gecircnero ele tem todos os componentes necessaacuterios para ser enquadrado nessas categorias Mas isso eacute assunto para a proacutexima seccedilatildeo que aborda tambeacutem o conceito de gecircnero textual de especialidade categoria de gecircneros na qual se encontra o item

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3 Item como gecircnero e como texto de especialidade

Foi Hoffmann (2015) linguista alematildeo quem desenvolveu um importante conceito para a Linguiacutestica das Linguagens Especializadas Segundo o autor existe uma ldquoclasse especialrdquo de gecircneros textuais que comporta conhecimentos especializados componente que distingue essa classe dos demais gecircneros O conhecimento especializado por sua vez estaacute associado a aspectos das linguagens cientiacuteficas eou profissionais Assim haacute gecircneros que circulam livremente em diferentes contextos mas haacute aqueles que satildeo especiacuteficos de situaccedilotildees especializadas aos quais Hoffmann denomina ldquogecircneros de especialidaderdquo categoria na qual o item se encaixa

Os gecircneros de especialidade se distinguem dos demais gecircneros natildeo apenas a partir das caracteriacutesticas das situaccedilotildees comunicativas de onde emanam mas tambeacutem a partir das caracteriacutesticas estruturais da linguagem (como terminologias desenhos logomarcas etc) Conforme atesta a histoacuteria do item ele estaacute situado no contexto da Psicometria aacuterea resultante da interseccedilatildeo de duas especialidades Ele natildeo existia antes do surgimento dessa aacuterea de conhecimento foi criado com um propoacutesito especiacutefico Desde seu surgimento o item conteacutem os trecircs elementos essenciais aos gecircneros (BAKHTIN 2003) a estrutura composicional o conteuacutedo temaacutetico e o estilo

No que diz respeito agrave estrutura composicional o item costuma apresentar trecircs partes distintas8 um texto de suporte um comando e as alternativas de resposta O texto de suporte (geralmente um fragmento) conteacutem informaccedilotildees relevantes para a contextualizaccedilatildeo do item Como texto de suporte podem ser utilizados quaisquer textos receitas tirinhas mapas graacuteficos tabelas piadas e assim

8 Talvez essas partes possam ser gecircneros ou subgecircneros Ainda eacute necessaacuterio pesquisar a respeito

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por diante Eacute claro que o conteuacutedo do texto de suporte deve estar adequado ao puacuteblico ao qual o item se destina bem como precisa estar relacionado com o que se pretende avaliar

Quanto ao comando do item trata-se da parte que corresponde agrave instruccedilatildeo que eacute dada ao avaliando Eacute por meio do comando que o avaliando saberaacute como agir diante da situaccedilatildeo-problema a que eacute exposto Isso quer dizer que um comando mal formulado pode natildeo orientar ou pode ainda causar problemas interpretativos capazes de impactar negativamente nos resultados da avaliaccedilatildeo Finalmente as alternativas de resposta satildeo opccedilotildees (geralmente quatro ou cinco) que aparecem no item logo apoacutes o comando Cabe ao avaliando indicar aquela mais adequada a que ele julga ser a alternativa correta A Figura 1 apresenta essas partes da estrutura composicional do item

Figura 1 Partes que compotildeem o item

ALBUQUERQUE M M REIS A C F CARVALHO C D Atlas histoacuterico escolar Rio de Janeiro Fename 1977 (Adaptado)

TEXTO DE SUPORTE

Nos Estados Unidos durante o seacuteculo XIX tal como representada no mapa a relaccedilatildeo entre territoacuterio e naccedilatildeo foi reconfigurada por uma poliacutetica que

COMANDO

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A transferiu as populaccedilotildees indiacutegenas para territoacuterios de fronteira anexados protegendo a cultura protestante dos migrantes fundadores da naccedilatildeo norte-americana

B respondeu agraves ameaccedilas europeias pelo fim da escravidatildeo integrando a populaccedilatildeo de escravos ao projeto de expansatildeo por meio da doaccedilatildeo de terras

C assinou acordo com paiacuteses latino-americanos ajudando na reestruturaccedilatildeo da economia desses paiacuteses apoacutes suas independecircncias

D projetou o avanccedilo de populaccedilotildees excedentes para aleacutem da faixa atlacircntica reformulando fronteiras para o estabelecimento de um paiacutes continental

D instalou manufaturas nas aacutereas compradas e anexadas visando utilizar a matildeo de obra barata das posiccedilotildees em tracircnsito

ALTERNATIVAS DE RESPOSTA

Fonte ENEM 2016 1ordm dia Ciecircncias Humanas Caderno 1 Azul p 2

No que diz respeito ao conteuacutedo temaacutetico o item em contexto escolar estaacute associado aos componentes curriculares tradicionalmente conhecidos como Matemaacutetica Biologia Quiacutemica etc O tema estaacute relacionado ao assunto que eacute tratado no item o que se verifica por meio da linguagem utilizada em sua constituiccedilatildeo Haacute uso de recursos lexicais especiacuteficos e ateacute mesmo de gravuras desenhos dentre outros Por exemplo no item da Figura 1 aleacutem do mapa como texto de suporte haacute as expressotildees ldquoEstados Unidosrdquo ldquomapardquo ldquoterritoacuteriordquo ldquonaccedilatildeordquo dentre outras que auxiliam no reconhecimento de temas relacionados agrave geografia Como se nota no item o tema eacute em grande parte identificado por estruturas linguiacutesticas usadas em sua formulaccedilatildeo9

No que diz respeito ao estilo ele estaacute relacionado com as escolhas individuais dos produtores dos textos No caso do item

9 Em Lima (2018) argumenta-se sobre a existecircncia de trecircs categorias lexicais que compotildeem os itens leacutexico de liacutengua geral leacutexico de especialidade e leacutexico de gecircnero O primeiro grupo corresponde agraves palavras que ocorrem em qualquer texto da liacutengua (grupo formado pelas chamadas ldquopalavras gramaticaisrdquo) O segundo grupo eacute formado por palavras e expressotildees equivalentes aos conceitos das aacutereas avaliadas (terminologias e fraseologias especializadas) Quanto ao terceiro grupo comporta palavras e expressotildees que satildeo proacuteprias da constituiccedilatildeo do gecircnero item (como eacute o caso de ldquoalternativardquo ldquolacunardquo ldquocolunardquo etc)

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por se tratar de um produto especializado haacute uma flexibilidade menor Em outras palavras ainda que tenham liberdade para fazer suas escolhas os produtores dos itens dispotildeem de um conjunto limitado de recursos para desenvolverem novos itens

Os itens satildeo criados para atender a uma demanda especiacutefica promover a avaliaccedilatildeo Cada item em particular possibilita verificar se o avaliando possui (ou natildeo) determinadas habilidades mentais Nessa perspectiva de gecircnero de especialidade cada item corresponde a uma unidade textual especializada Como ocorre com os demais gecircneros elaborar criar e redigir um item pressupotildee conhecimentos especiacuteficos sobre o proacuteprio gecircnero item

Para Kress (1995) a noccedilatildeo de texto pode ser estendida a formas sistemaacuteticas e convencionais de comunicaccedilatildeo Um texto eacute portanto algo que comunica e que pode ser formado por vaacuterios modos semioacuteticos como imagens e sons Essa noccedilatildeo pode entatildeo chegar agrave multimodalidade na qual se incluem recursos linguiacutesticos natildeo linguiacutesticos e mistos Para o autor com o advento de materiais digitais multimiacutedias e interacionais a ressignificaccedilatildeo do conceito de texto como objeto multimodal se faz cada vez mais pertinente Nessa perspectiva os itens satildeo textos mesmo aqueles formados apenas por recursos natildeo linguiacutesticos ou apenas por recursos linguiacutesticos ou mesmo por ambos

Quanto agraves caracteriacutesticas dos textos de especialidade Hoffmann (2005) aponta que elas natildeo fogem daquelas de um texto comum Isso quer dizer que essa concepccedilatildeo de texto multimodal pode ser transposta para o conceito de texto de especialidade O autor poreacutem diz que o texto de especialidade apresenta restriccedilotildees relativas agrave especialidade agrave qual se vincula (e eacute exatamente nesse aspecto que o texto comum se difere do especializado) e por isso eacute frequentemente mais limitado mais riacutegido uma vez que a comunicaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica apresenta padrotildees mais especiacuteficos de linguagem o que claramente se confirma quanto aos estilos empregados nos itens Essa caracteriacutestica se reflete

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em uma linguagem enxuta objetiva sem marcas de pessoalidade Diante do exposto eacute possiacutevel formular esta definiccedilatildeo de item

Gecircnero textual de especialidade constituiacutedo por uma seacuterie de princiacutepios teacutecnicos proacuteprios da avaliaccedilatildeo da aprendizagem escolar Um item corresponde a uma unidade textual discreta capaz de constituir provas testes exames de modo a instrumentalizar a coleta de informaccedilotildees sobre aprendizagem escolar ou a afericcedilatildeo dos conhecimentos adquiridos ou desenvolvidos pelo avaliando (LIMA 2018 p 53)

Assim para elaborar bons itens eacute necessaacuterio conhecimento de suas teacutecnicas assunto para a seccedilatildeo seguinte

4 Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas

As orientaccedilotildees teacutecnicas para elaboraccedilatildeo de itens satildeo resultado de pesquisas na aacuterea de Psicometria e mesmo da proacutepria Linguiacutestica Essas orientaccedilotildees estatildeo relacionadas a aspectos da composiccedilatildeo das partes discretas que compotildeem o gecircnero e que jaacute foram apresentadas neste capiacutetulo Satildeo orientaccedilotildees sobre o texto de suporte sobre o comando e sobre as alternativas de resposta Aqui apresento um apanhado das principais orientaccedilotildees teacutecnicas legitimadas por diferentes autores como Baquero (1974) Grounlund (1974) Medeiros (1983) e Anderson e Morgan (2008)

a) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o texto de suporte

A necessidade de adaptaccedilatildeo de textos em funccedilatildeo do perfil do puacuteblico preferencial a que os textos se destinam natildeo eacute novidade nos estudos da linguagem No que diz respeito ao item deve haver a maacutexima atenccedilatildeo na escolha do texto de suporte Ele precisa conter informaccedilotildees suficientes para a problematizaccedilatildeo proposta no item Qualquer informaccedilatildeo que natildeo esteja relacionada ao que se avalia deve ser eliminada o que contribui para a objetividade do gecircnero

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O gecircnero a que pertence o texto de suporte tambeacutem deve ser considerado De nada adianta utilizar como texto de suporte um gecircnero que seja desconhecido para um determinado puacuteblico com o objetivo de avaliar esse puacuteblico Os gecircneros dos textos de suporte devem ser condizentes com o repertoacuterio de conhecimentos dos avaliandos Na mesma direccedilatildeo o assunto dos textos de suporte precisa ser minuciosamente observado para evitar polecircmicas como a ocorrida em 2012 no Instituto Federal do Espiacuterito Santo (IFES)

No processo seletivo para estudantes do Ensino Meacutedio Integrado do IFES (grupo formado por alunos que tecircm em meacutedia 14 anos) realizado em 2012 houve um texto de suporte polecircmico tratava-se de um item de Liacutengua Portuguesa que versava sobre os perigos da propaganda Ateacute aiacute nada demais a natildeo ser um pequeno detalhe o texto de suporte fazia uma clara apologia agrave praacutetica de sexo oral como mostra a Figura 2

Figura 2 Texto de suporte polecircmico em avaliaccedilatildeo do IFES

Fonte httpsgoogl3Zs3wZ Acesso em 25 mar 2018 Adaptado

Na eacutepoca o caso ganhou os noticiaacuterios A sociedade de modo geral externalizou profundo desagrado com o ocorrido alegando inadequaccedilatildeo do texto na prova de seleccedilatildeo Considerando o contexto avaliativo do IFES o texto de suporte era de fato inadequado o que natildeo quer dizer que ele natildeo pudesse ocorrer em outros itens de outros processos avaliativos Descuido Desinformaccedilatildeo Nesse caso faltou observar orientaccedilotildees teacutecnicas

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que recomendam a utilizaccedilatildeo de textos de suporte adequados ao puacuteblico destinataacuterio

b) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o comando

A denominaccedilatildeo ldquocomandordquo eacute autossugestiva Com a funccedilatildeo de ldquocomandarrdquo o avaliando essa parte do item precisa conter todas as informaccedilotildees necessaacuterias para que o avaliando saiba como agir diante do item Trata-se de uma instruccedilatildeo formada por caracteriacutesticas injuntivas como verbos de accedilatildeo como ldquoassocierdquo ldquorelacionerdquo e ldquopreenchardquo por exemplo Apesar dessa orientaccedilatildeo natildeo satildeo raros os itens cujos comandos natildeo comandam por mais estranho que isso possa parecer Eacute o que ocorre neste exemplo da Figura 3 retirado do vestibular 2019 do Instituto Federal de Minas Gerais

Figura 3 Item com comando insuficiente

Leia o texto a seguir

Documento do Matuto

Sol escaldante

A terra seca

E a sede de lascaacute

Sem ter jeito praacute vivecirc

Com dez fio praacute criaacute

Foi por isso seu moccedilo

Que eu saiacute em busca

De outro lugar

E com laacutegrimas nos oacuteio

Eu deixei meu torratildeo nata

Eu vim procurar trabalho

Natildeo foi riqueza que eu vim buscar

Peccedilo a Deus vida e sauacutede

Praacute famiacutelia pudecirc sustentaacute

Seu moccedilo o documento

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Que eu tenho pra mostraacute

Satildeo essas matildeo calejada

E a vonta de trabaiaacute

GONZAGA Luiz Disponiacutevel em httpswwwletrasmusbrluiz-gonzaga1561254 Acesso em 3 out 2018

A linguagem usada na canccedilatildeo

A) caracteriza o eu liacuterico como uma pessoa idosa pois o vocabulaacuterio empregado eacute proacuteprio dessa faixa etaacuteria

B) inferioriza a fala do caipira ao utilizar inuacutemeros vocaacutebulos e construccedilotildees verbais que ferem a norma culta padratildeo

C) poderia ser substituiacuteda pela variedade da norma culta padratildeo sem prejuiacutezo agrave expressividade da canccedilatildeo

D) reproduz um jeito de falar tiacutepico de uma regiatildeo e classe social que contribuiu para a marcaccedilatildeo do ritmo da canccedilatildeo

Fonte httpsbitly2GROza4 Acesso em 7 ago 2019

Observe que o suposto comando ldquoA linguagem usada na canccedilatildeordquo natildeo deixa claro o que deve ser analisado no item Eacute um comando que natildeo cumpre a funccedilatildeo de orientar procedimentos

Resolver esse problema pode ser tarefa simples desde que o elaborador do item saiba que eacute necessaacuteria a ocorrecircncia de pelo menos uma forma verbal no comando Assim o problema seria eliminado com uma nova redaccedilatildeo10 como ldquoQue caracteriacutestica predomina na linguagem utilizada na canccedilatildeordquo

Cumpre apontar que haacute diferentes tipos de item de muacuteltipla escolha Essas diferenccedilas satildeo perceptiacuteveis principalmente pelo modo como os comandos satildeo elaborados Haacute pelo menos nove tipos de itens de muacuteltipla escolha quais sejam afirmativa incompleta alternativas constantes asserccedilatildeo e razatildeo foco negativo interrogativa direta lacuna ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo resposta muacuteltipla e associaccedilatildeo

10 Obviamente outras adequaccedilotildees podem ser necessaacuterias principalmente nas alternativas de resposta

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bull Item de afirmativa incompleta

O item de afirmativa incompleta (Figura 4) eacute caracterizado por um comando afirmativo que consiste em um enunciado incompleto relacionado a algum aspecto do texto de suporte Por causa dessa relaccedilatildeo com o texto de suporte o comando nesse tipo de item eacute bastante variaacutevel e imprevisiacutevel A uacutenica caracteriacutestica previsiacutevel desse tipo de item satildeo as afirmativas incompletas que devem estar coerentemente relacionadas com cada uma das alternativas de resposta possiacutevel complemento para esse ldquocomando incompletordquo

Figura 4 Item de afirmativa incompleta

Esta eacute uma tirinha da Mafalda

Disponiacutevel em httpsgooglw2mhzw Acesso em 8 jun 2017

De acordo com o contexto da tirinha o inquilino da Mafalda sugeriu que ela

A) comprasse balas com o dinheiro que sobrou do patildeo

B) devolvesse todo o troco que ela recebeu da padaria

C) ficasse satisfeita mesmo sem ter comprado as balas

D) tivesse dor na consciecircncia por ter enganado a matildee

Fonte Lima (2018 p 72)

bull Item de alternativas constantes

O item de alternativas constantes (Figura 5) eacute utilizado quando se deseja avaliar um nuacutemero significativo de dados classificando-os em Certo ou Errado Verdadeiro ou Falso Pertinente ou Impertinente A expressatildeo ldquoClassifique como (V) Verdadeiras ou (F) Falsasrdquo eacute tipicamente encontrada nesse tipo de item

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Figura 5 Item de alternativas constantes

Esta eacute uma tirinha da turma do Peanuts

Disponiacutevel em httpsgooglPNCkEP Acesso em 8 jun 2017

Sobre a tirinha foram feitas algumas afirmaccedilotildees Classifique-as como (V) Verdadeiras ou (F) Falsas

( ) Os personagens possuem predileccedilotildees relacionadas aos gecircneros textuais

( ) Uma das falas da tirinha corresponde ao que se entende por ldquohipoacuteteserdquo

( ) Todos os balotildees da tira tecircm o objetivo de indicar a fala dos personagens

( ) Infere-se que a uacuteltima fala da tirinha corresponda ao tiacutetulo de uma notiacutecia

A sequecircncia correta de classificaccedilatildeo de cima para baixo eacute

A) (F) (V) (V) (F)

B) (F) (F) (F) (V)

C) (V) (F) (V) (F)

D) (V) (V) (F) (V)

Fonte Lima (2018 p 71)

bull Item asserccedilatildeo e razatildeo

O item de asserccedilatildeo e razatildeo (Figura 6) eacute caracterizado por apresentar duas afirmativas que podem ser verdadeiras ou falsas assim como podem ou natildeo estabelecer relaccedilotildees de significado entre si (causa e efeito fato e explicaccedilatildeo fato e consequecircncia etc) Esse tipo de item eacute recomendado para avaliar capacidades cognitivas complexas pois aleacutem de o avaliando ser solicitado a verificar a veracidade das afirmativas ele precisa demonstrar conhecimento sobre o significado de operadores argumentativos

O comando desse tipo de item eacute bastante previsiacutevel pois relaciona-se com a veracidade das asserccedilotildees feitas Em geral satildeo

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perguntas formadas por interrogativas diretas questionando qual das afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees As alternativas de resposta evocam muitas interpretaccedilotildees exigindo anaacutelise e concentraccedilatildeo do avaliando de modo que itens de asserccedilatildeo e razatildeo devem ser aplicados em avaliandos mais experientes

Figura 6 Item de asserccedilatildeo e razatildeo

TEXTO I

Segunda-feira natildeo eacute faacutecil para ningueacutem Mas cochilar no trabalho pode natildeo pegar muito bem Para lutar contra o sono no meio do expediente muita gente apela para aquele cafeacute extraforte ou qualquer variaccedilatildeo desta bebida Se vocecirc se identificou pode ser que se enquadre nesta lista de profissionais que mais precisam da ajuda do cafeacute para chegar acordados ao fim do dia

A lista eacute o resultado de uma pesquisa feita com 4700 trabalhadores norte-americanos entre agosto e setembro Confira a lista Cientistas e teacutecnicos de laboratoacuterios Profissionais de marketing e relaccedilotildees puacuteblicas Administradores de instituiccedilotildees de ensino Escritores e jornalistas Meacutedicos Cozinheiros Professores Trabalhadores autocircnomos braccedilais (encanadores carpinteiros etc)

Disponiacutevel em httpsgooglnAXTCy Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

TEXTO II

Estaacute cheio de motorista e baladeiro por aiacute que toma cafeacute com refrigerante agrave base de cola para varar uma noite acordado A crenccedila eacute de que misturando duas bebidas com alta concentraccedilatildeo de cafeiacutena o sono vai embora Mas quem disse que haacute tanta cafeiacutena assim nessa mistura

Uma lata do refrigerante segundo o fabricante tem algo entre 30 e 60 mg de cafeiacutena Jaacute uma xiacutecara de cafeacute apresenta entre 25 e 50 mg Agora faccedila as contas somando as duas doses vocecirc estaraacute ingerindo no maacuteximo 110 mg de cafeiacutena ndash pouco para espantar o sono de algueacutem Ateacute 400 mg por dia o consumo eacute considerado apenas moderado Portanto natildeo eacute uma xicarazinha de cafeacute com uma lata de refrigerante agrave base de cola que vatildeo ajudaacute-lo a passar uma noite inteira em claro

Disponiacutevel em httpgooglP5HFt Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

Sobre os textos foram feitas estas asserccedilotildees

ASSERCcedilAtildeO 1 Os dois textos tratam do mesmo tema e defendem o mesmo ponto de vista

PORQUE

ASSERCcedilAtildeO 2 ambos defendem o consumo do cafeacute como estimulante contra o sono

Qual destas afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees

A) A asserccedilatildeo 1 estaacute correta no entanto a asserccedilatildeo 2 estaacute incorreta

B) A relaccedilatildeo entre as asserccedilotildees estaacute incorreta poreacutem elas natildeo estatildeo

C) As asserccedilotildees estatildeo corretas logo a relaccedilatildeo entre elas tambeacutem estaacute

D) As asserccedilotildees estatildeo incorretas independentemente de sua relaccedilatildeo

Fonte Lima (2018 p 74)

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bull Item de foco negativo

Esse tipo de item eacute formado por vaacuterias alternativas na afirmativa e apenas uma delas relaciona-se coerentemente a algum aspecto negativo expresso no comando (Figura 7) Esse tipo de item natildeo eacute recorrente nos bancos de item pois sua elaboraccedilatildeo exige rigor teacutecnico apurado para natildeo orientar a busca pelo destoante que nem em todos os contextos significa avaliar conhecimento mas que pode enfatizar a busca pelo erro A educaccedilatildeo deve priorizar a busca pelo conhecimento natildeo pela ausecircncia dele Assim esse item eacute elaborado em casos em que realmente o conhecimento a ser avaliado implica na busca de algo com foco negativo o que nem sempre eacute claro para os elaboradores Casos em que o comando indica algo semelhante a ldquoMarque a alternativa INCORRETArdquo ou ldquoSobre o texto NAtildeO eacute correto afirmar querdquo satildeo claacutessicos exemplos de um item de foco no errado no destoante e natildeo no negativo

Figura 7 Item com foco negativo

Esta eacute uma notiacutecia que circulou na internet

Composto de uva pode combater doenccedila de Chagas

O resveratrol eacute um antioxidante encontrado na uva e utilizado como suplemento alimentar pela capacidade de produzir benefiacutecios cardiacuteacos semelhantes aos causados pela praacutetica de atividades fiacutesicas Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Oswaldo Cruz acreditam que a substacircncia tambeacutem possa ajudar o coraccedilatildeo de pacientes com doenccedila de Chagas Os efeitos foram detectados em ratos e detalhados na ediccedilatildeo de ontem da revista Plos Pathogens

Baseado em evidecircncias de que o protozoaacuterio causador da doenccedila de Chagas danifica o coraccedilatildeo por meio de estresse oxidativo o grupo de cientistas testou se o resveratrol poderia combater essa condiccedilatildeo No estudo ratos foram infectados com o parasita e desenvolveram rapidamente a fase crocircnica da doenccedila caracterizada pelos danos cardiacuteacos Os pesquisadores trataram as cobaias com resveratrol e monitoraram o coraccedilatildeo delas usando eletro e ecocardiogramas

Disponiacutevel em httpsgoogly6wbBM Acesso em 8 jun 2017 Adaptado

De acordo com o texto os cientistas NAtildeO tecircm certeza de que

A) a doenccedila de Chagas pode ser combatida pelo composto de uva

B) as cobaias precisam de tratamento com eletro e ecocardiogramas

C) o resveratrol pode ser usado como um suplemento na alimentaccedilatildeo

D) os ratos satildeo os hospedeiros do protozoaacuterio da doenccedila de Chagas

Fonte Lima (2018 p 69)

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No exemplo o foco negativo natildeo recai sobre o erro mas sobre um aspecto interpretativo do texto A partir de uma notiacutecia sobre a possibilidade de um composto de uva auxiliar no tratamento da doenccedila de Chagas o comando orienta a interpretaccedilatildeo do avaliando sobre as incertezas (foco negativo) dos cientistas em suas pesquisas Natildeo haacute entre as alternativas uma seacuterie de respostas corretas e apenas uma incorreta que deveria ser indicada pelo avaliando Ao contraacuterio haacute quatro respostas plausiacuteveis sendo que a correta eacute orientada por uma negaccedilatildeo

Em itens de foco negativo o comando deve conter sempre uma palavra de foco negativo como ldquonuncardquo ldquonatildeordquo ldquoexcetordquo

bull Item de interrogativa direta

Esse tipo de item eacute o que comporta o que se compreende por questatildeo ou seja uma pergunta diretamente formulada com a interrogaccedilatildeo expliacutecita no comando (Figura 8) Eacute um tipo de item bastante recorrente em processos avaliativos Esse tipo de item eacute formulado a partir de alternativas de resposta iniciadas por letras maiuacutesculas exatamente porque satildeo precedidas de uma interrogaccedilatildeo As alternativas nesse tipo de item natildeo completam o comando mas o respondem diretamente como uma nova sentenccedila

Figura 8 Item de interrogativa direta

Quem inventou o sanduiacuteche

Hoje mundialmente popular o sanduiacuteche foi inventado em uma mesa de bridge da Inglaterra no ano de 1762 John Edward Montague o 4ordm conde de Sandwich gostava tanto de jogar que natildeo parava nem para comer Refeiccedilotildees com garfo e faca poderiam prejudicar sua concentraccedilatildeo Por isso certo dia pediu que sua carne fosse servida entre dois pedaccedilos de patildeo Dessa forma Montague poderia comer com uma das matildeos e continuar jogando com a outra Natildeo demorou muito para que os conhecidos do conde pedissem ldquoo mesmo que o Sandwichrdquo e foi assim que o prato ganhou popularidade

A cidade de Sandwich no condado inglecircs de Kent preparou uma festa em 2012 para celebrar o aniversaacuterio de 250 anos da iguaria Sendo a praticidade uma qualidade cada vez mais valorizada nos dias de hoje o consumo de sanduiacuteches natildeo para de crescer eacute a opccedilatildeo de almoccedilo de 75 dos britacircnicos A induacutestria de sanduiacuteche do Reino Unido emprega hoje 300 mil pessoas (mais que o agronegoacutecio) e vende 3 bilhotildees de unidades anuais

Disponiacutevel em httpsgooglXyArZW Acesso em 17 jul 2017 Adaptado

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De acordo com o texto por qual motivo o sanduiacuteche eacute uma refeiccedilatildeo praacutetica

A) Por movimentar um grande sistema de produccedilatildeo e consumo

B) Por ser possiacutevel comecirc-lo utilizando apenas uma das matildeos

C) Por ter sido inventado por um homem viciado em jogos

D) Por transformar-se em um prato popular em toda a Europa

Fonte Lima (2018 p 70)

O comando nesse tipo de item eacute bastante imprevisiacutevel pois se relaciona muitas vezes com o conteuacutedo do texto de suporte A uacutenica previsibilidade que recai sobre ele eacute o fato de ser necessariamente uma interrogativa direta Nesse exemplo para responder agrave interrogativa o avaliando deve reconhecer no texto que Montague queria fazer sua refeiccedilatildeo sem parar de jogar Para isso solicitou carne entre dois pedaccedilos de patildeo Isso era praacutetico pois ele poderia comer com uma das matildeos e jogar com a outra

bull Item de lacuna

O item de lacuna (Figura 9) eacute caracterizado pela existecircncia de ldquoespaccedilosrdquo (lacunas) em frases ou textos que devem ser preenchidos pelo avaliando que indica as opccedilotildees de preenchimento oferecidas pelo elaborador do item O exemplo da Figura 9 foi elaborado a partir de um texto de suporte verbete de dicionaacuterio do qual foram retiradas palavras gerando essas lacunas

Figura 9 Item de lacuna

O Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss apresenta estas definiccedilotildees para ldquopratordquo

substantivo masculino

1 de louccedila metal etc ger circular e cocircncava em que se serve comida

2 Derivaccedilatildeo por metoniacutemia

conteuacutedo de um prato (acp 1)

3 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

conjunto de ingredientes preparado de determinada maneira _____

Ex pratos da cozinha japonesa

4 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

cada uma das preparaccedilotildees culinaacuterias servidas numa ______ entre a sopa e a sobremesa

5 qualquer ______ de maacutequina que lembre um prato

E os p de uma balanccedila

Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss Verbete Prato Adaptado

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As palavras que completam coerentemente as lacunas satildeo respectivamente

A) Iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash iguaria

B) Peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo

C) Refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria

D) Utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila

Fonte Lima (2018 p 73)

bull Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

O item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo (Figura 10) eacute aquele que apresenta uma seacuterie de elementos que devem ser ordenados de acordo com algum criteacuterio As alternativas de resposta correspondem a possiacuteveis organizaccedilotildees desses elementos As palavras ldquoorganizaccedilatildeordquo e ldquoordenaccedilatildeordquo e seus derivados comumente estatildeo presentes no comando desse tipo de item o que aponta a certa previsibilidade do comando No exemplo foi utilizado um texto de suporte sobre contos de fada Note que para resolver esse item o avaliando precisa compreender as sequecircncias coesivas que tecem a progressatildeo textual

Figura 10 Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

Estes trechos foram retirados de um texto chamado ldquoA origem dos contos de fadardquo

(I) Posteriormente os Irmatildeos Grimm e o dinamarquecircs Hans Christian Andersen deram segmento agrave proposta de Charles Perrault com narrativas mais suaves cujos desfechos culminavam em uma ldquomoral da histoacuteriardquo

(II) Isso porque hoje respeitamos e conhecemos o significado da palavra infacircncia e porque haacute algum tempo alguns escritores como o francecircs Charles Perrault adaptaram alguns contos para que eles pudessem ser mais bem aceitos pela sociedade

(III) Para citarmos um exemplo de como os contos foram modificados na histoacuteria ldquoCachinhos Douradosrdquo a menina que invade a casa de trecircs ursinhos e mexe em todas as coisas deles natildeo existia a personagem na verdade era uma raposa que ao final era jogada pela janela

(IV) No comeccedilo os contos ainda natildeo eram de fadas As histoacuterias originais pouco lembram as histoacuterias que conhecemos hoje e em sua maioria apresentavam enredos assustadores que dificilmente fariam sucesso nos tempos atuais

Disponiacutevel em httpescolakidsuolcombra-origem-dos-contos-de-fadashtm Acesso em 17 jul 2014 Adaptado

Para tornar o texto coerente como devem ser organizadas suas partes

A) (I) ndash (III) ndash (IV) ndash (II) B) (II) ndash (I) ndash (III) ndash (IV)

C) (III) ndash (IV) ndash (II) ndash (I) D) (IV) ndash (II) ndash (I) ndash (III)

Fonte Lima (2018 p 75)

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bull Item de resposta muacuteltipla

O item de resposta muacuteltipla (Figura 11) apresenta de trecircs a cinco afirmaccedilotildees sobre um assunto Essas afirmaccedilotildees podem ser corretas ou incorretas Cabe ao avaliando analisaacute-las e indicar o agrupamento de afirmaccedilotildees corretas Cada agrupamento corresponde a uma alternativa de resposta Esse tipo de item possui a vantagem de poder abordar diferentes toacutepicos sobre o mesmo tema

O comando nesse tipo de item eacute bastante previsiacutevel dada sua orientaccedilatildeo de anaacutelise para a pertinecircncia de afirmaccedilotildees muitas vezes relacionadas a um texto de suporte Assim satildeo comuns estruturas semelhantes a ldquoAnalise as afirmaccedilotildeesrdquo ldquoAnalise as afirmativasrdquo ldquoEstatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo e ldquoSatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo

As alternativas de resposta satildeo formadas a partir da numeraccedilatildeo previamente atribuiacuteda a cada uma das afirmaccedilotildees que satildeo objeto de anaacutelise O exemplo um item de Liacutengua Portuguesa parte de uma tirinha com material linguiacutestico que caracteriza regionalismo ambiguidade tipos de discurso e norma-padratildeo Esses toacutepicos satildeo objetos de avaliaccedilatildeo e estatildeo representados no item pelos numerais I II III e IV respectivamente

Figura 11 Item de resposta muacuteltipla

Esta eacute uma tirinha do Guri de Uruguaiana

Disponiacutevel em httpsgooglbdbgYy Acesso em 9 jun 2017

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Analise estas quatro afirmaccedilotildees sobre a tirinha

I ndash Haacute pelo menos um exemplo de regionalismo na fala do personagem

II ndash O duplo sentido da palavra ldquomalhaccedilatildeordquo causa o efeito de humor da tira

III ndash A fala do primeiro quadrinho apresenta um exemplo de discurso indireto

IV ndash O uso do verbo ldquoassistirrdquo no segundo quadro eacute proacuteprio do Portuguecircs padratildeo

Estatildeo corretas APENAS as afirmaccedilotildees

A) I II e IV B) II e IV C) III e IV D) I II e III

Fonte Lima (2018 p 77)

bull Item de associaccedilatildeo

O item de associaccedilatildeo (Figura 12) eacute constituiacutedo por elementos que por possuiacuterem relaccedilatildeo combinatoacuteria podem ser associados O item a seguir associado agrave capacidade de reconhecimento dos processos de formaccedilatildeo de palavras foi organizado em duas colunas que devem ser associadas

Figura 12 Item de associaccedilatildeo

A primeira coluna enumera processos de formaccedilatildeo de palavras A segunda coluna apresenta palavras formadas por esses processos Associe a segunda coluna de acordo com a primeira

PROCESSOS PALAVRAS

(1) derivaccedilatildeo sufixal ( ) desalmado

(2) derivaccedilatildeo prefixal ( ) preconceito

(3) derivaccedilatildeo prefixal e sufixal ( ) desempregado

(4) derivaccedilatildeo parassinteacutetica ( ) prensado

A associaccedilatildeo correta de cima para baixo eacute

A) (2) ndash (2) ndash (4) ndash (2) B) (2) ndash (3) ndash (1) ndash (3)

C) (3) ndash (4) ndash (3) ndash (1) D) (4) ndash (2) ndash (3) ndash (1)

Fonte Lima (2018 p 78)

A ldquoordem de classificaccedilatildeordquo e a ldquoassociaccedilatildeo corretardquo satildeo expressotildees tiacutepicas nos comandos de itens desse tipo o que lhes confere certa previsibilidade Predominam nesse tipo de item

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abordagens relacionadas a classificaccedilotildees e taxionomias o que nem sempre estaacute de acordo com as teorias educacionais vigentes

No item do exemplo o conhecimento sobre os processos de formaccedilatildeo pode ser visto (ou mesmo criticado) por ser conhecimento enciclopeacutedico Itens desse tipo com abordagem interpretativo-textual podem ser elaborados desde que haja textos de suporte mais extensos (o que oferece possibilidades de classificaccedilotildees mais aplicadas como trechos com ironia com linguagem denotativa ou conotativa variaccedilotildees linguiacutesticas etc) algo que nem sempre eacute recomendaacutevel nos itens11

c) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre as alternativas de resposta

Chama-se ldquoalternativas de respostardquo o conjunto de opccedilotildees que o avaliando dispotildee Ele deve indicar a ldquoresposta corretardquo As demais alternativas satildeo chamadas de ldquodistratoresrdquo Sua funccedilatildeo eacute ldquodistrairrdquo o avaliando desde que isso se decirc de modo plausiacutevel ou seja cada distrator deve ser potencialmente uma resposta correta Sobre as alternativas de resposta o paralelismo eacute a principal orientaccedilatildeo teacutecnica Ele eacute compreendido como um padratildeo harmocircnico ou homogecircneo entre as alternativas de resposta e estaacute relacionado agrave estrutura e ao significado dessas opccedilotildees Satildeo chamados de paralelismo gramatical paralelismo de conteuacutedo e paralelismo de extensatildeo

bull Paralelismo gramatical

Chama-se ldquoparalelismo gramaticalrdquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha por meio de um padratildeo gramatical homogecircneo Sua funccedilatildeo eacute garantir que natildeo haja alternativa(s) destoante(s) gramaticalmente a ponto

11 Eacute importante dizer que o professor avaliador pode a partir de um texto base uacutenico e mais extenso elaborar itens de diversos tipos e formatos o que incluiria o item de associaccedilatildeo com abordagem discursiva Em casos de itens de bancos de avaliaccedilatildeo externa a recomendaccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo de textos de suporte menores o que limita a possibilidade de itens de associaccedilatildeo com abordagens menos tradicionais

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de resultar no acerto ou no erro do item ao acaso Esse tipo de paralelismo relaciona-se com os aspectos da liacutengua padratildeo como concordacircncia verbo-nominal coordenaccedilotildees subordinaccedilotildees etc Por exemplo natildeo teraacute atendido ao criteacuterio do paralelismo gramatical o item que apresentar trecircs alternativas de resposta iniciadas por palavras no singular e apenas uma iniciada no plural Para alterar essa condiccedilatildeo basta que todas as alternativas estejam no singular ou todas estejam no plural ou metade esteja no singular e metade esteja no plural Isso vale para qualquer estrutura gramatical usada nas alternativas de resposta

Figura 13 Item sem paralelismo gramatical

Considere esta tirinha da Mafalda

Disponiacutevel httpsgooglZh6WmE Acesso em 18 jul 2017

Mafalda iniciou a leitura de ldquoO Pequeno Polegarrdquo porque

A) era necessaacuterio desenvolver haacutebitos de leitura desde a infacircncia

B) pensava que beijar sempre fosse adequado em qualquer idade

C) queria comparar o conteuacutedo traacutegico do livro com a cena na TV

D) sua matildee considerou o beijo na TV inapropriado para crianccedilas

Fonte Lima (2018 p 64)

No exemplo as alternativas A B e C satildeo iniciadas por verbo e apenas a alternativa D por um pronome Trata-se da alternativa correta gramaticalmente destoante das demais Um item como esse ainda que atenda a todas as outras recomendaccedilotildees teacutecnicas natildeo deve constar em um banco de itens a alternativa destoante eacute um chamariz para que o avaliando acerte o item ldquoao acasordquo Mesmo se a alternativa correta natildeo fosse a destoante o chamariz

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permaneceria induzindo o avaliando ao erro Em casos como do exemplo a recomendaccedilatildeo teacutecnica eacute que todas as alternativas fossem iniciadas por verbo ou duas delas com verbo e duas com pronome ou ainda cada uma delas com uma estrutura gramatical diferente

bull Paralelismo de conteuacutedo

Denomina-se ldquoparalelismo de conteuacutedordquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha a partir de um padratildeo de significado que garanta a plausibilidade de cada alternativa Ele garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao conteuacutedo a ponto de resultar tambeacutem no acerto ao acaso Esse tipo de paralelismo corresponde agrave compreensatildeo de cada alternativa de resposta e sua relaccedilatildeo com o comando Teraacute obedecido ao criteacuterio de paralelismo de conteuacutedo o item em que cada alternativa de resposta seja potencialmente uma resposta correta Aleacutem disso o conteuacutedo das alternativas precisa estar correlacionado de modo a evitar alternativas absurdas facilmente descartadas pelo avaliando O paralelismo de conteuacutedo estaacute relacionado a aspectos semacircnticos da construccedilatildeo das alternativas Por exemplo um item em que apenas uma das alternativas ressalta aspectos negativos de um determinado fatoassunto teraacute rompido com o paralelismo de conteuacutedo uma vez que as outras alternativas de resposta vatildeo em direccedilatildeo contraacuteria ressaltando aspectos positivos desse mesmo fatoassunto

Figura 14 Item sem paralelismo de conteuacutedo

TEXTO I

Este eacute um trecho do conto ldquoPerdoando Deusrdquo de Clarice Lispector

Eu ia andando pela avenida e olhava distraiacuteda edifiacutecios nesga de mar pessoas sem pensar em nada Via tudo e agrave toa Pouco a pouco eacute que fui percebendo que estava percebendo as coisas Minha liberdade entatildeo se intensificou um pouco mais sem deixar de ser liberdade E foi quando quase pisei num enorme rato morto Em menos de um segundo estava eu ericcedilada pelo terror de viver estilhaccedilava-me toda em pacircnico e controlava como podia o meu mais profundo grito Quase correndo de medo cega entre as pessoas terminei no outro quarteiratildeo encostada a um poste cerrando violentamente os olhos que natildeo queriam mais ver Mas a imagem colava-se agraves paacutelpebras um grande rato ruivo de cauda enorme com os peacutes esmagados e morto quieto ruivo O meu medo desmesurado de ratos

Disponiacutevel em httpwwwpasseiwebcomestudoslivrosperdoando_deus_conto_clarice Acesso em 18 jul 2017 Adaptado

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TEXTO II

Disponiacutevel em httpsfantasticocenariofileswordpresscom20120308gif Acesso em 18 jul 2017

Os dois textos satildeo semelhantes porque

A) apresentam ratos como animais que amedrontam

B) exemplificam o mesmo gecircnero textual narrativo

C) generalizam que as mulheres tecircm medo de ratos

D) tratam os ratos como seres com vontade proacutepria

Fonte Lima (2018 p 65)

No exemplo a alternativa B destoa das demais quanto ao conteuacutedo pois cobra uma anaacutelise metalinguiacutestica dos textos (e natildeo uma anaacutelise interpretativa) Aleacutem disso eacute a uacutenica que natildeo apresenta a palavra ldquoratosrdquo em sua composiccedilatildeo O rato nos textos eacute elemento importante que desencadeia accedilotildees de outros personagens e por isso foi elemento na anaacutelise interpretativa proposta nas alternativas A C e D Certamente natildeo haacute problema na solicitaccedilatildeo de anaacutelises metalinguiacutesticas desde que essa anaacutelise seja condizente com a habilidade cobrada e que mantenha o paralelismo Para que o item do exemplo atenda aos criteacuterios teacutecnicos a recomendaccedilatildeo eacute que a palavra ldquoratordquo esteja contida em todas as alternativas (ou em apenas duas delas) Tambeacutem seria necessaacuterio que uma anaacutelise metalinguiacutestica fosse proposta por todas as alternativas ou por duas delas

bull Paralelismo de extensatildeo

Entende-se por ldquoparalelismo de extensatildeordquo a organizaccedilatildeo que garante que cada alternativa de resposta tenha aproximadamente

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a mesma quantidade de caracteres isto eacute a mesma extensatildeo Seu emprego garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao tamanho evitando tambeacutem o acerto do item ao acaso No exemplo da Figura 15 a alternativa A eacute notadamente maior que as demais que tambeacutem apresentam diferenccedila de extensatildeo entre si Alternativas destoantes satildeo chamariz para o avaliando que tende a assinalaacute-la mesmo natildeo dominando aquilo que estaacute sendo avaliado

Figura 15 Item sem paralelismo de extensatildeo

Esta eacute uma tirinha da turma do ldquoNiacutequel Naacuteuseardquo

Disponiacutevel em httpsgooglRVR4MB Acesso em 18 jul 2017

O que causa o humor na tirinha

A) A ambiguidade da expressatildeo ldquoeacute um livro que prende o leitorrdquo que pode se referir ao aprisionamento do inseto-leitor ou ao interesse em terminar a leitura iniciada

B) A histoacuteria se passar em uma biblioteca lugar frequentado por leitores

C) O fato de o bibliotecaacuterio ter fechado o livro com rapidez

D) O inseto ser retratado como um leitor

Fonte Lima (2018 p 66)

Apesar dessa recomendaccedilatildeo teacutecnica natildeo eacute em todos os itens que o paralelismo de extensatildeo se aplica Por exemplo haacute itens cujas alternativas de resposta satildeo versos frases ou trechos retirados de textos o que dificulta a exatidatildeo da extensatildeo Para esses (e outros) casos a recomendaccedilatildeo teacutecnica refere-se agrave ordem crescente de extensatildeo das alternativas ou agrave ordem numeacuterica nos casos de disciplinas da aacuterea de exatas

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5 Consideraccedilotildees finais

Reduzir o item ao papel de instrumento de avaliaccedilatildeo eacute desconsiderar os aspectos que envolvem sua produccedilatildeo e sua constituiccedilatildeo como gecircnero textual e como texto especializado Essa condiccedilatildeo de produto especializado eacute confirmada pela teacutecnica que subjaz sua elaboraccedilatildeocomposiccedilatildeo e que muitas vezes eacute desconsiderada nos espaccedilos escolares local onde o item eacute usado natildeo apenas para avaliar mas adquire novas funccedilotildees (ou subfunccedilotildees)

Eacute contraditoacuterio pensar que professores que tambeacutem satildeo avaliadores desconhecem as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos o que inclui os conhecimentos sobre os gecircneros usados para avaliar dentre eles o item Mais do que desejar que os cursos de Licenciatura passem a enxergar a avaliaccedilatildeo tambeacutem pelo vieacutes da instrumentalizaccedilatildeo eacute necessaacuterio que os docentes tanto os atuantes quanto os em formaccedilatildeo busquem conhecer esses instrumentos Nesse sentido este capiacutetulo cumpre seu papel apresenta ainda que de modo sucinto as principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo do gecircnero item

Referecircncias

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda pesquisa12 realizada com alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga instituiccedilatildeo puacuteblica de ensino localizada no Distrito Federal (DF) que oferece metodologia especiacutefica e adequada para o ensino da Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) como liacutengua materna

O objetivo principal deste trabalho eacute contribuir para o ensino e a aquisiccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa (LP) como segunda liacutengua (L2) por alunos surdos por meio da criaccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue Para tanto utilizamos o meacutetodo de natureza qualitativa pois de acordo com Bortoni-Ricardo (2011 p 34) a ldquopesquisa qualitativa procura entender interpretar fenocircmenos sociais inseridos em um contextordquo uma vez que eacute direcionada e que o pesquisador estaacute presente em todas as fases Tambeacutem nos apoiamos na metodologia da pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005) bem como nos princiacutepios metodoloacutegicos e nas aplicaccedilotildees da terminologia propostos por Krieger e Finatto (2004)

A partir dessas metodologias realizamos alguns ajustes necessaacuterios agrave elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP tendo em vista que trabalhamos com duas liacutenguas diferentes a primeira eacute viso-espacial a segunda oral

O presente texto estaacute organizado da seguinte maneira na seccedilatildeo Arcabouccedilo Teoacuterico apresentamos os Fundamentos da Linguiacutestica para o estudo das Liacutenguas de Sinais e da Linguiacutestica para o Estudo da Terminologia que traz conhecimento nas aacutereas de Lexicologia Lexicografia Terminologia e Lexicografia Pedagoacutegica Nos Procedimentos Metodoloacutegicos mostrados na

12 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbruploadssites14201811Final-2632017-Cristina-Bianchipdf

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seccedilatildeo seguinte discorremos sobre os caminhos seguidos e as questotildees metodoloacutegicas relacionadas aos aspectos praacuteticos usados para o levantamento e a anaacutelise dos dados desta pesquisa como por exemplo a seleccedilatildeo do corpus os processos adotados para seleccedilatildeo dos vocaacutebulos e a validaccedilatildeo de sinais Na seccedilatildeo denominada Resultados e anaacutelises retomamos a proposta inicial de nossa pesquisa discutimos os resultados alcanccedilados e apresentamos o produto e a conclusatildeo final da nossa pesquisa Na parte das Referecircncias relacionamos a bibliografia utilizada livros artigos dissertaccedilotildees teses e a paacutegina dos sites que deram suporte para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

2 Arcabouccedilo teoacuterico

Este estudo estaacute situado no acircmbito da Teoria da Linguagem e Ensino Isso significa dizer que utilizamos as abordagens teoacutericas baacutesicas dos estudos linguiacutesticos com foco nas liacutenguas de sinais segundo Quadros (2004) Nascimento (2009) e Brito (2010) Contamos tambeacutem com o suporte teoacuterico da Ciecircncia do Leacutexico com base em Biderman (2001a 2001b) Krieger e Finatto (2004) e Isquerdo e Finatto (2010) Como metodologia de pesquisa utilizamos a pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005)

Conforme Bagno (2014) a linguagem eacute proacutepria do ser humano e eacute utilizada para representar e expressar de forma simboacutelica as experiecircncias de vida como adquirir processar e transmitir conhecimento por exemplo A partir da definiccedilatildeo desse autor podemos considerar dois novos conceitos o de linguagem natildeo verbal e o de linguagem verbal

Entendemos por linguagem natildeo verbal aquela que natildeo se utiliza de palavras para a comunicaccedilatildeo e que recorre a outros meios comunicativos placas imagens figuras gestos etc Jaacute a linguagem verbal tem a palavra escrita (ou sinalizada) como o centro de sua comunicaccedilatildeo No caso da nossa pesquisa o foco eacute a linguagem

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verbal especificamente a modalidade comunicativa sinalizada que eacute a LSB13

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual isto eacute as relaccedilotildees entre os elementos se datildeo por meio do uso do espaccedilo na sintaxe na morfologia e na fonologia e segundo Ferreira (2010 p 11) ldquoeacute uma liacutengua natural com toda a complexidade que os sistemas linguiacutesticos que servem agrave comunicaccedilatildeo e de suporte de pensamento agraves pessoas dotadas da faculdade de linguagem possuemrdquo Portanto eacute uma liacutengua como qualquer outra poreacutem sua formaccedilatildeo se daacute de forma diferente agrave das liacutenguas orais conforme podemos visualizar na figura a seguir que ilustra as Configuraccedilotildees de Matildeo em LSB

Figura 1 Configuraccedilotildees de Matildeo em Liacutengua de Sinais Brasileira

13 A Liacutengua de Sinais Brasileira eacute conhecida por duas siglas Libras e LSB A primeira eacute a mais difundida no Brasil eacute reconhecida por lei e refere-se agrave Liacutengua Brasileira de Sinais A segunda segue a convenccedilatildeo internacional que preconiza que as liacutenguas de sinais devem ser identificadas por meio de trecircs letras sendo tambeacutem a mais empregada em trabalhos cientiacuteficos e acadecircmicos Por essa razatildeo optamos por utilizar a sigla LSB

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Fonte Nascimento (2009 p 178)

As Configuraccedilotildees de Matildeo satildeo as possiacuteveis formas que as matildeos podem assumir para a realizaccedilatildeo dos sinais em LSB Nascimento (2009) sistematizou no total 75 Configuraccedilotildees de Matildeo A execuccedilatildeo da LSB se daacute por meio do espaccedilo Por sua vez os sinais satildeo compostos por cinco paracircmetros Configuraccedilatildeo de Matildeo (CM) Expressatildeo Natildeo Manual (ENM) Movimento (M) Orientaccedilatildeo da Palma da Matildeo (OR) e Ponto de Articulaccedilatildeo (PA)

Na Figura 1 anterior estatildeo representadas todas as CM observadas e registradas ateacute o momento presente Com essas configuraccedilotildees a LSB ldquoganha vidardquo Algumas delas satildeo utilizadas para representar as letras do alfabeto e os nuacutemeros no entanto a maioria eacute empregada para a realizaccedilatildeo do sinal Geralmente as CM satildeo acompanhadas de Movimentos a saber ENM OR e PA

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Os Movimentos acompanham as CM atraveacutes dos dedos da direccedilatildeo e da sequecircncia Uma mesma CM pode ter dois ou mais sinais a depender do movimento que eacute feito como em ldquoproacuteximo anordquo e ldquoano passadordquo por exemplo Nesse caso o primeiro movimento com as matildeos eacute para frente jaacute o segundo para traacutes

As ENM satildeo os movimentos realizados pela cabeccedila pelos olhos pelas bochechas pelas sobrancelhas pelo nariz pelo tronco pelos laacutebios e pela liacutengua Normalmente essas expressotildees estatildeo associadas agraves funccedilotildees gramaticais da LSB

A OR por sua vez eacute a maneira pela qual a matildeo executaraacute o sinal podendo ser para cima para baixo para dentro para fora ou em disposiccedilatildeo contralateral

Por fim o PA eacute o local em que se realiza o sinal (em frente ao corpo ou em sua superfiacutecie) podendo ser na cabeccedila nos ombros na cintura enfim em vaacuterias partes do corpo (ou proacuteximas a ele)

Como eacute possiacutevel observar a LSB possui estrutura proacutepria e neste trabalho eacute considerada a primeira liacutengua (L1) de uma pessoa surda pois nossos informantes a utilizam como tal uma vez que a adquiriram espontaneamente e sem a necessidade de cursos ou treinamentos formais comunicando-se com fluecircncia e de forma satisfatoacuteria por meio dela Segundo Fernandes (2008 p 31)

[] a liacutengua oral-auditiva que serve como meio de comunicaccedilatildeo da comunidade ouvinte deve ser aprendida como segunda liacutengua [pelos surdos] jaacute preservado o domiacutenio da liacutengua de sinais que garante a curto prazo natildeo soacute um meio de comunicaccedilatildeo eficaz mas tambeacutem o instrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual ou seja realiza-se natildeo por meio do canal oral-auditivo mas mediante visatildeo e utilizaccedilatildeo do espaccedilo As liacutenguas orais-auditivas satildeo assim denominadas

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quando a forma de recepccedilatildeo natildeo grafada eacute a audiccedilatildeo e quando a forma de reproduccedilatildeo natildeo escrita eacute a oralizaccedilatildeo

3 Metodologia

Para a elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP proposto por este trabalho seguimos um roteiro metodoloacutegico ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa cuja finalidade principal foi a confecccedilatildeo de um material didaacutetico que pudesse subsidiar o ensino de Portuguecircs para estudantes surdos a partir da compilaccedilatildeo dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico utilizado em sala de aula

Eacute importante destacar que utilizamos a pesquisa bibliograacutefica natildeo soacute para embasar teoricamente este estudo mas tambeacutem para realizarmos o levantamento dos termos que jaacute possuiacuteam equivalentes em LSB Dessa forma compilamos os termos presentes no livro didaacutetico adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) e constituiacutemos o corpus do glossaacuterio para a gravaccedilatildeo dos sinais

De acordo com Krieger e Finatto (2004) o primeiro passo para se elaborar um glossaacuterio eacute identificar se a obra proposta atenderaacute a um puacuteblico especiacutefico (reconhecimento terminoloacutegico) Apoacutes essa etapa eacute necessaacuterio determinar pelas caracteriacutesticas de seus termos se ele faraacute parte de um dicionaacuterio terminoloacutegico ou de liacutengua geral e agrave qual aacuterea do conhecimento pertenceraacute aquela terminologia Aleacutem disso segundo as autoras o registro dos termos deveraacute ser feito em uma ficha individual que contenha todos os dados possiacuteveis pertinentes a cada um dos termos

Aleacutem dos passos metodoloacutegicos supracitados Krieger e Finatto (2004) apresentam mais algumas questotildees a serem consideradas no acircmbito do estudo de textos especializados que trabalham com tecnologias e apoio informatizado satildeo elas i) identificar as

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terminologias considerando a fonte o corpus a frequecircncia14 os aspectos linguiacutesticos (gramaticais semacircnticos pragmaacuteticos) das unidades lexicais do texto a frequecircncia de associaccedilotildees de elementos em sintagmas e os aspectos pragmaacuteticos-comunicativos ii) proceder ao tratamento de bases textuais em formato digital iii) observar aspectos tais como a repeticcedilatildeo da palavra o estudo dos sintagmas terminoloacutegicos a anaacutelise de fraseologias e o estudo da adjetivaccedilatildeo e dos verbos

Ressaltamos que todos esses aspectos apontados por Krieger e Finatto (2004) foram considerados para a criaccedilatildeo do glossaacuterio semibiliacutengue digital em LSB e LP proposto por este estudo A seguir vejamos as etapas seguidas para que pudeacutessemos alcanccedilar o objetivo principal deste trabalho

31 Etapa 1 Seleccedilatildeo do corpus de LP

A seleccedilatildeo para a composiccedilatildeo do glossaacuterio em LSB foi realizada a partir do corpus da compilaccedilatildeo em ordem alfabeacutetica dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico de Liacutengua Portuguesa Portuguecircs linguagens CEREJA Roberto William MAGALHAtildeES Thereza Cochar Satildeo Paulo Atual 2014 a fim de subsidiar o ensino de LP aos aprendizes surdos

A coleta de dados se deu da seguinte maneira em um primeiro momento foram selecionados 205 verbos dos comandos das questotildees do livro didaacutetico supracitado pesquisando-se quais deles jaacute tinham sido lexicografados Em um segundo momento aplicamos um questionaacuterio aos alunos por meio do qual tinham de responder qual sinal correspondia a cada um dos verbos apresentados (se soubessem a resposta deveriam sinalizar em LSB) Por fim analisamos os dados obtidos e entatildeo selecionamos 42 termos desconhecidos pelos alunos e que natildeo estavam registrados em dicionaacuterios consultados

14 Na seleccedilatildeo do corpus optamos pela relevacircncia do termo para o aprendizado do estudante surdo e natildeo pela frequecircncia com que aparece em seu contexto

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Apoacutes a constituiccedilatildeo do corpus do glossaacuterio buscamos nos dicionaacuterios Novo Deit-Libras Dicionaacuterio Enciclopeacutedico Ilustrado Triliacutengue da Liacutengua de Sinais Brasileira (2013) e Dicionaacuterio On-line Acesso Brasil da Liacutengua Brasileira de Sinais os sinais existentes em LSB Nesse procedimento realizado apenas pela pesquisadora consideramos somente os termos que jaacute haviam sido lexicografados Dos 205 verbos encontrados 154 eram dicionarizados pelo Novo Deit-Libras e 146 pelo Acesso Brasil Desse universo de 205 verbos selecionados 42 natildeo foram lexicografados por nenhum dos dois dicionaacuterios

Dos 154 verbos dicionarizados pelo Novo Deit-Libras sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no Distrito Federal (Brasiacutelia e cidades sateacutelites)15 e 32 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico Dos 146 verbos dicionarizados pelo ldquoAcesso Brasilrdquo sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no DF e 26 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico

32 Etapa 2 Seleccedilatildeo dos verbos para o glossaacuterio

Optamos inicialmente por trabalhar com os verbos natildeo dicionarizados Os demais jaacute estavam registrados em dicionaacuterios ainda que os estudantes natildeo conhecessem o respectivo sinal ou os significados natildeo correspondessem ao contexto do livro

Classificamos para nosso corpus os 42 verbos que compunham o comando de questotildees do livro didaacutetico em dois tipos os termos de comando e os termos que integram o comando Termos de comandos satildeo os que determinam o que o aluno deve fazer na questatildeo Nesse grupo estatildeo os termos da LP que natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido e os verbos da LSB que tambeacutem natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido Satildeo eles identificar e justificar

15 Esclarecemos que embora a pesquisa tenha sido realizada com alunos da Escola Biliacutengue de Taguatinga nossos discentes moram em diversas cidades sateacutelites do DF como Asa Sul Gama Satildeo Sebastiatildeo e outras cidades Essa constataccedilatildeo foi fruto de investigaccedilatildeo realizada por esta pesquisadora em parceria com trecircs consultoras surdas e uma CODA fluentes em LSB

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Os termos que integram o comando do livro didaacutetico satildeo os verbos que auxiliam na compreensatildeo da questatildeo e estatildeo presentes nos comandos por noacutes selecionados Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder citar comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar exercer expressar farejar identificar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler reproduzir ressaltar restringir retratar rever sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

Nesse conjunto de verbos temos os que satildeo do leacutexico comum da LP mas quando criado um sinal correspondente em LSB ele passa a ser termo em LSB pois soacute pode ser usado naquele contexto em que se apresenta no texto do comando do livro didaacutetico Satildeo eles exercer expressar e rever Os demais verbos pertencem ao leacutexico comum de ambas as liacutenguas Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar expressar farejar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

33 Etapa 3 Estudo dos verbos em LP

Formamos dois grupos de estudo para verificarmos os vaacuterios significados dos termos em LP e os possiacuteveis sinais em LSB Esses dois grupos foram criados para que fornecessem suporte agrave pesquisadora em relaccedilatildeo a possiacuteveis sinais que poderiam ser utilizados pelos alunos e em grupo estudar o significado do termo em LSB no contexto

O primeiro grupo era formado por duas professoras A primeira eacute surda contratada temporariamente pela Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo do Distrito Federal (SEEDF) e mestranda em Linguiacutestica pela Universidade de Brasiacutelia (UnB) A segunda eacute professora efetiva da SEEDF filha de surdos formada em Pedagogia e LetrasLibras e especialista em ensino de LP como segunda liacutengua para surdos

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O segundo grupo era formado por duas professoras Uma eacute surda trabalha como contrato temporaacuterio na SEEDF e eacute formada em LetrasLibras A outra eacute efetiva na SEEDF formada em LetrasLibras e proficiente em LSB

34 Etapa 4 Estudo dos termos em LP discussatildeo e criaccedilatildeo dos sinais em LSB

Verificamos os sinais dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees que natildeo possuem correspondentes em LSB Apresentamos aos alunos os comandos das questotildees do livro didaacutetico e o contexto em que se encontravam para que os discentes se inteirassem do trabalho Em um primeiro momento explicamos os possiacuteveis contextos em que a palavra poderia se apresentar e em seguida o contexto do livro didaacutetico Logo a seguir os estudantes discutiram o significado da palavra e os possiacuteveis sinais que o verbo poderia ter Nesse instante para nossa surpresa os alunos comeccedilaram a pesquisar os significados das palavras em dicionaacuterios on-line por meio de seus proacuteprios celulares

Durante o processo de discussatildeo dos sinais nossa interferecircncia foi miacutenima Soacute era feita alguma intervenccedilatildeo se percebecircssemos que os discentes natildeo tinham entendido o significado da palavra no contexto ou que estavam utilizando um sinal jaacute existente para designar outra palavra

Essa foi uma etapa riquiacutessima pois notamos a maturidade e o niacutevel de comprometimento dos alunos surdos com a pesquisa Anteriormente tiacutenhamos receio de que a proposta natildeo fosse bem recebida por englobar um trabalho diferente do que os estudantes jaacute haviam realizado em sala de aula contudo percebemos o interesse e a vontade de aprender o conceito das palavras em LP e de criar e propor um sinal para elas uma vez que ainda natildeo existia nos dicionaacuterios pesquisados

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Apoacutes constatarmos que os sinais criados pelos alunos surdos do 9deg ano e validados pelos discentes surdos do 3deg ano do ensino meacutedio natildeo condiziam com o contexto empregado no livro didaacutetico propusemos uma intervenccedilatildeo imediata objetivando a criaccedilatildeo de novos sinais Assim retomamos nossos estudos junto aos alunos acompanhados de uma professora surda e de um sujeito proficiente em LSB Nesse processo de intervenccedilatildeo explicamos novamente os contextos do livro didaacutetico e com o auxiacutelio da professora surda os estudantes criaram novos sinais para aqueles que natildeo estavam condizentes com o significado do texto

35 Etapa 5 Validaccedilatildeo dos sinais

Validamos junto aos discentes surdos do ensino meacutedio os sinais criados pelos alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF)

Para a realizaccedilatildeo desse processo escolhemos a turma do 3ordm ano do ensino meacutedio da escola em questatildeo A escolha se deu por ser uma turma concluinte e na qual todos os estudantes satildeo surdos e fluentes em LSB

Em princiacutepio apresentamos o texto em LP para que fosse lido Em seguida os alunos analisaram se os sinais elaborados pelos estudantes do 9deg ano estavam de acordo com o contexto e os paracircmetros da LSB Para nossa surpresa os discentes da turma do ensino meacutedio natildeo compreenderam o texto escrito isto eacute os comandos das questotildees do livro didaacutetico

Dessa forma tivemos de mudar nossa estrateacutegia inicial Optamos entatildeo pela explicaccedilatildeo em LSB de todos os comandos das questotildees do livro didaacutetico a fim de que pudessem entender o contexto de cada verbo ndash ateacute mesmo os vaacuterios contextos em que a palavra poderia aparecer Nesse grupo de validaccedilatildeo dos sinais percebemos que os participantes estavam menos motivados em relaccedilatildeo ao trabalho do que os do primeiro grupo

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36 Etapa 6 Gravaccedilatildeo dos sinais elaborados pelos alunos

Iniciamos o processo de confecccedilatildeo fiacutesica do glossaacuterio que se deu em duas etapas A primeira delas foi a filmagem dos sinais no estuacutedio da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga com os estudantes do 9ordm ano das seacuteries finais Apresentamos como ilustraccedilatildeo dessa fase a Figura 2 a seguir

Figura 2 Sinal gravado

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

E a segunda denominada etapa teacutecnica foi a elaboraccedilatildeo fiacutesica do site (Figura 3) a seguir no qual estaacute hospedado glossaacuterio wwwglossariosemibilinguewordpresscom

Figura 3 Paacutegina inicial do site

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

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4 Resultados e anaacutelises

Com esta investigaccedilatildeo tivemos a intenccedilatildeo de dedicar ao estudo de novas possibilidades didaacuteticas que possam auxiliar no processo de ensino e aprendizagem de LP de alunos surdos falantes de LSB Para tanto propusemos a confecccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP Nosso objetivo principal ao produzir esse material didaacutetico eacute que ele possa ser utilizado em sala de aula pelos aprendizes surdos de LP como segunda liacutengua de maneira a fornecer maior autonomia a esses alunos em seus estudos

Apoacutes a finalizaccedilatildeo do nosso trabalho observamos que o entendimento dos comandos das questotildees do livro didaacutetico por parte dos discentes surdos melhorou consideravelmente Podemos afirmar tambeacutem que o glossaacuterio possibilitou a ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP pois durante o processo de produccedilatildeo desse material didaacutetico os estudantes foram ldquointernalizandordquo os significados das palavras

Ao desenvolvermos nossa pesquisa junto aos alunos durante a qual discutiacuteamos em LSB o significado do verbo em LP percebemos que esse processo de aquisiccedilatildeo estava acontecendo de maneira diferente agravequela que geralmente ocorre em sala de aula

Uma diferenccedila notada foi que os estudantes surdos procuravam nos dicionaacuterios on-line utilizando seus proacuteprios aparelhos celulares o significado do verbo apresentado Dois motivos os levaram a realizar esse procedimento eles natildeo sabiam o significado do verbo e buscavam um significado que se adaptasse ao contexto do livro didaacutetico Nesse momento iniciou-se entre os alunos uma discussatildeo sobre o significado da palavra em LP em seu contexto Essa constataccedilatildeo nos deixou muito satisfeitos porque testemunhamos a seriedade com que conduziram esse processo de criaccedilatildeo Como os estudantes satildeo adolescentes pensamos inicialmente que teriacuteamos de interferir no trabalho a todo momento mas isso natildeo foi necessaacuterio

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Durante esse processo verificamos o verdadeiro bilinguismo educacional em funcionamento alunos surdos utilizando-se de sua proacutepria liacutengua (LSB) para discutir conceitos definiccedilotildees e significados de termos de outra liacutengua (LP) Isso nos fez repensar nossa praacutetica diaacuteria que eacute o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua Nesse sentido outro aspecto positivo da produccedilatildeo do glossaacuterio foi suscitar reflexotildees e releituras sobre a proacutepria praacutexis pedagoacutegica

No decorrer da realizaccedilatildeo deste trabalho notamos ainda um avanccedilo gradual na aprendizagem de nossos discentes Chegamos agrave sala de aula com 42 termos cujos significados eram desconhecidos pelos estudantes e ao teacutermino da pesquisa essas palavras (termos) comeccedilaram a fazer parte do Portuguecircs escrito desses alunos Isso foi comprovado quando os professores de outras disciplinas comeccedilaram a comentar que nossos estudantes estavam empregando em seus textos escritos algumas palavras que antes natildeo utilizavam

O niacutevel de interesse dos discentes surdos tambeacutem ficou constatado quando comeccedilaram a estabelecer uma relaccedilatildeo de significado com outros termos bem como pelas constantes perguntas que faziam como por exemplo querer saber se determinada palavra tinha um significado semelhante ao de outra Aleacutem disso durante as aulas tomaram a iniciativa de criar um glossaacuterio ldquoparticularrdquo no final do caderno em que anotavam as palavras cujo significado desconheciam (para depois perguntarem seu sentido ao professor) Acreditamos que nesse momento os alunos comeccedilaram a despertar para a utilizaccedilatildeo mais frequente de dicionaacuterio em sala de aula

Por outro lado eacute necessaacuterio destacar que a criaccedilatildeo de novos sinais natildeo ocorreu com todos os verbos Para a maioria deles os estudantes surdos acabaram optando por utilizar um sinal jaacute existente (que possuiacutea um significado semelhante na LSB) estabelecendo uma associaccedilatildeo entre a palavra e os significados que possuem em seus diversos contextos

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No entanto natildeo consideramos essa estrateacutegia como insatisfatoacuteria porque mesmo natildeo criando sinais novos os alunos trabalharam com seu significado tanto em LP quanto em LSB

Notamos ainda que os discentes surdos assim como qualquer outro estudante possuem caracteriacutesticas proacuteprias em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo do leacutexico de LP Por essa razatildeo para o surdo esse leacutexico em LP tem de ser apresentado de maneira concreta e contextualizada em LSB

Para finalizar nossa reflexatildeo esperamos que o glossaacuterio criado inspire profissionais de outras aacutereas do conhecimento a produzir outros materiais desse modelo que possam expandir o leacutexico de LP dos alunos surdos concorrendo para a melhoria da escrita nessa sua segunda liacutengua

Durante todo o processo de confecccedilatildeo do nosso glossaacuterio percebemos muitas reaccedilotildees positivas dos estudantes em relaccedilatildeo ao desenvolvimento desta pesquisa No tocante agrave ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP temos a convicccedilatildeo de que isso realmente ocorreu entre os alunos conforme explicado anteriormente pois nas etapas de elaboraccedilatildeo do glossaacuterio os estudantes surdos tiveram contato com as vaacuterias possibilidades de uso dos verbos selecionados em diferentes contextos

Por fim eacute necessaacuterio destacar que para que seja utilizado em sua totalidade o corpus do glossaacuterio proposto por este trabalho precisa ser ampliado para outras classes de palavras expressotildees idiomaacuteticas e aspectos da liacutengua

5 Consideraccedilotildees finais

Tendo em vista o exposto ateacute aqui podemos afirmar que o objetivo definido no iniacutecio desta pesquisa foi alcanccedilado pois elaboramos um glossaacuterio digital semibiliacutengue (wwwglossariosemibilinguewordpresscom) como suporte didaacutetico para a compreensatildeo dos comandos das questotildees presentes no

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livro didaacutetico de LP adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) promovendo-se dessa maneira uma inclusatildeo digital mais efetiva dos alunos surdos dessa instituiccedilatildeo de ensino

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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1 Introduccedilatildeo

Em nossos dias haacute distintas formas de se conceber e caracterizar a populaccedilatildeo surda brasileira Naturalmente as imagens que ouvintes produzem de surdos satildeo bastante distintas das autoimagens que surdos produzem de si Na perspectiva do senso-comum surdos satildeo vistos pelas lentes do exotismo da anormalidade e da necessidade de reabilitaccedilatildeo enquanto na perspectiva da comunidade surda surdos satildeo definidos pela visualidade e pelas especificidades decorrentes dessa forma de experimentar o mundo como informa Ribeiro (2008) Tais posicionamentos como se veraacute delimitam-se reciprocamente constituindo o que se convencionou chamar de polecircmica discursiva

A partir desta constataccedilatildeo este texto16 aborda a gecircnese ou constituiccedilatildeo de discursos sobre os surdos produzidos pelos proacuteprios surdos Objetiva-se com isso por um lado compreender que relaccedilotildees interdiscursivas possibilitam e fundamentam a emergecircncia desses discursos de si e por outro delinear quem satildeo os surdos para a proacutepria comunidade surda

Para tanto elege-se o aporte teoacuterico da Anaacutelise do Discurso de orientaccedilatildeo francesa (particularmente dos estudos de Dominique Maingueneau alocados na obra Gecircnese dos Discursos) para guiar a anaacutelise do espaccedilo interdiscursivo recortado por noacutes As anaacutelises partem do estudo do fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva e detecircm-se especificamente no modo como discursos polecircmicos delimitam-se reciprocamente a partir da produccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros do seu outro discursivo

Entendemos os temas da polecircmica discursiva e da interincompreensatildeo como expedientes analiacuteticos ricos e altamente produtivos uma vez que eacute possiacutevel considerar que grande parte dos conflitos sociais de pequeno ou grande porte deriva-se

16 Este texto foi originalmente publicado na revista Estudos da Liacutengua(gem) v 13 em 2015

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natildeo apenas do esquecimento do sujeito quanto agrave opacidade da linguagem seguido da consequente ilusatildeo de que aquilo que se diz chega ao interlocutor tal qual engendrado no ponto de partida mas sobretudo da nossa capacidade de compreender a fala do outro sempre a partir do nosso proacuteprio sistema de restriccedilotildees semacircnticas ou melhor a partir de um simulacro construiacutedo do outro a partir de nossas proacuteprias discordacircncias Assim partiremos do estudo do campo discursivo da surdez constituiacutedo por dois posicionamentos ou formaccedilotildees discursivas (FD) polecircmicas que ao mesmo tempo se atraem e repulsam no espaccedilo discursivo aqui recortado

A seguir apresentaremos o campo e o espaccedilo recortados (com suas FD) para posteriormente deter-nos na interincompreensatildeo discursiva que seraacute estabelecida entre os discursos de cada FD Como veremos parece que produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro ou compreendecirc-lo a partir de seus proacuteprios enquadres satildeo facetas de um mesmo fenocircmeno

2 Definindo o campo e o espaccedilo discursivos

Maingueneau (2005 p 3) postula que em meio a um conjunto de discursos de todos os tipos que interagem em dada conjuntura (denominada universo discursivo) eacute possiacutevel construir via recorte temaacutetico domiacutenios suscetiacuteveis de serem estudados pelo analista os campos discursivos em que posicionamentos diversos se encontram em concorrecircncia e se delimitam em determinada regiatildeo do universo discursivo Para ilustrar lembremos por exemplo de estudos realizados a partir do campo devoto por Maingueneau (2005) focalizando um espaccedilo discursivo constituiacutedo pelos discursos jansenista e humanista devoto ou os estudos de Lara (2008) sobre o campo da liacutengua em que se elegeu para estudo uma FD escolar (da gramaacutetica normativa) e outra cientiacutefica (da Linguiacutestica)

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Maingueneau esclarece que o recorte em campos e espaccedilos natildeo define zonas isoladas Os campos acabam por evidenciar ao contraacuterio as muacuteltiplas redes de trocas discursivas que os constituem Para entender a constituiccedilatildeo de dado campo discursivo pois o analista precisa recortar subconjuntos de FD apreensiacuteveis no campo os espaccedilos discursivos constituiacutedos por pelo menos duas FD ou dois posicionamentos discursivos distintos que mantecircm relaccedilotildees constitutivas privilegiadas uma vez que de acordo com Maingueneau (2005) espaccedilos discursivos satildeo recortados de campos determinados

Ao longo do tempo os discursos sobre a surdez vecircm se renovando e modificando constantemente Atualmente haacute pelo menos duas importantes e diferentes formas de se conceber (discursivamente) as pessoas surdas na contemporaneidade A primeira concepccedilatildeo se origina do domiacutenio cliacutenico-terapecircutico e compreende os surdos a partir da disfunccedilatildeo do natildeo-ouvir uma vez que se baseia sobretudo em argumentos princiacutepios e posturas que intencionam fazer o surdo ldquosuperarrdquo contornar a surdez como forma de alavancar o seu desenvolvimento linguiacutestico e social Assume-se aqui um discurso que pode ser considerado como de fundamentaccedilatildeo ouvintista17 visto que a surdez eacute considerada uma patologia que precisa ser tratada (RIBEIRO 2008) A segunda concepccedilatildeo que adveacutem do domiacutenio linguiacutestico-antropoloacutegico postula que os surdos podem viver e se desenvolver na e pela surdez sem combatecirc-la Ancora-se em princiacutepios linguiacutesticos culturais e identitaacuterios que especificam povos surdos pelo mundo ostentando um discurso que pode ser considerado de fundamentaccedilatildeo surda pois compreende a surdez a partir de seu reconhecimento linguiacutestico e cultural abolindo o estigma da deficiecircncia e proclamando a marca da diferenccedila linguiacutestica

17 Ouvintismo termo proposto por Skliar (1998) costuma ser entendido como um conjunto de representaccedilotildees estereotipadas dos ouvintes sobre os surdos a partir do qual o proacuteprio surdo ldquoestaacute obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR 1998 p 15)

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Como se vecirc trata-se de FD que se opotildeem e que como veremos estabelecem entre si uma relaccedilatildeo de polecircmica discursiva Posicionando-nos a partir do campo teoacuterico da anaacutelise do discurso de orientaccedilatildeo francesa eacute possiacutevel compreender que tais discursos instituem um espaccedilo discursivo especiacutefico apreensiacutevel via recorte do campo discursivo da surdez

Assim no campo discursivo da surdez vislumbramos um espaccedilo constituiacutedo por um conjunto de FD que se opotildeem uma FD cliacutenico-terapecircutica (de fundamentaccedilatildeo ouvintista) e uma FD linguiacutestico-antropoloacutegica (de fundamentaccedilatildeo surda) como postulado Compreendemos a primeira FD como resultante do discurso da ldquodeficiecircnciardquo da ldquofaltardquo do ldquodesviordquo enquanto na segunda percebemos o discurso da ldquodiferenccedilardquo da ldquoidentidaderdquo da ldquoliacutengua e da cultura especiacuteficasrdquo Veremos entatildeo as manifestaccedilotildees discursivas que dialogam no campo da surdez serem reordenadas a partir do espaccedilo discursivo da surdez como deficiecircncia sensitiva ou como diferenccedila linguiacutestica

Segundo Maingueneau (2005) dado discurso natildeo interage com outro discurso como tal mas sim com o simulacro que constroacutei desse discurso Neste estudo entatildeo partimos desse espaccedilo para abordar o fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva E como dito nosso objetivo foi observar a interaccedilatildeo que se estabelece no campo da surdez entre os discursos polecircmicos citados (discursos de fundamentaccedilatildeo surda versus discursos de fundamentaccedilatildeo ouvintista) focalizando como satildeo estabelecidos os movimentos de construccedilatildeo e negaccedilatildeo desses discursos e de seus simulacros no campo em questatildeo

O subcorpus que seraacute analisado foi coletado em 2008 agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo da pesquisa de mestrado da autora18 e eacute composto

18 RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2018

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por textos escritos por surdos universitaacuterios sobre a proacutepria condiccedilatildeo da surdez

3 A polecircmica como interincompreensatildeo algumas anaacutelises

Nesta pesquisa recortamos do campo da surdez um espaccedilo constituiacutedo por posicionamentos divergentes a surdez como deficiecircncia e a surdez como diferenccedila

Quando se recorta um espaccedilo discursivo eacute preciso pensar na hierarquia da constituiccedilatildeo desse espaccedilo isto eacute hipoteticamente tem-se um discurso primeiro ndash com algum status de discurso fundador ndash e um discurso considerado segundo ndash que se erige justamente para contrapor o discurso chamado primeiro Assim eacute possiacutevel prever qual(is) discurso(s) do campo pode(m) ser citado(s) ou recusado(s) pelo discurso dito primeiro eou pelo segundo Isso nos indica que a delimitaccedilatildeo em espaccedilos natildeo exclui outras referecircncias discursivas mas ao contraacuterio as evidenciam como sustentamos Isso quer dizer que quando se pensa ldquono niacutevel das possibilidades semacircnticasrdquo admite-se um espaccedilo de trocas discursivas natildeo de identidade fechada Nas palavras do autor

Na medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando ldquosegundordquo que se constitui atraveacutes do discurso primeiro parece loacutegico pensar entatildeo que esse discurso primeiro eacute o Outro do discurso segundo [mas] o discurso primeiro natildeo permite a constituiccedilatildeo de discursos segundos sem ser por eles ameaccedilado em seus proacuteprios fundamentos (MAINGUENEAU 2005 p 41)

Vemos portanto que as FD que constituem um espaccedilo evocam-se e constituem-se reciprocamente seja pela refutaccedilatildeo seja pelo endosso Lara (2008 p 113-114) referindo-se aos estudos desenvolvidos pelo autor ressalta que natildeo cabe ao analista ldquoestudar

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as diferentes formaccedilotildees discursivas que atravessam um dado discurso de forma independente e isolada mas sim apreendecirc-las nas relaccedilotildees que estabelecem umas com as outrasrdquo ou seja para a autora ldquoa identidade discursiva se constroacutei na interaccedilatildeo com o outrordquo (grifo nosso)

No espaccedilo que delimitamos para este estudo lanccedilamos a hipoacutetese de que o discurso primeiro eacute o discurso da surdez como deficiecircncia ou melhor o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista (doravante DFO) uma vez que este eacute ldquocientificamenterdquo e historicamente determinado Cientificamente porque durante muito tempo ldquoas verdadesrdquo sobre a surdez estavam alocadas exclusivamente nos livros de medicina que diagnosticavam a ausecircncia de um sentido e supunham as consequecircncias dessa falta de acordo com a visatildeo da eacutepoca Historicamente porque desde a Antiguidade a ideia de surdez estaacute atrelada a representaccedilotildees e estereotipias negativas sendo esta a primeira ndash e durante muito tempo uacutenica ndash forma de se conceber os surdos

O discurso aqui chamado segundo ndash o discurso de fundamentaccedilatildeo surda (DFS) ndash erige-se justamente como forccedila desestabilizadora e contra-argumentativa frente ao discurso primeiro considerado arcaico e desatualizado uma vez que a proacutepria ciecircncia veio a negar uma seacuterie de crenccedilas perpetuadas no passado ndash como a hipoacutetese de os surdos terem ldquolimitaccedilotildeesrdquo no exerciacutecio da faculdade da linguagem ou das liacutenguas sinalizadas serem inferiores agraves orais Portanto a esse discurso da surdez como uma diferenccedila linguiacutestica e cultural reserva-se o lugar da reaccedilatildeo e da resistecircncia contra o discurso primeiro

Os fragmentos a seguir escritos por surdos universitaacuterios e coletados por esta pesquisadora na ocasiatildeo de sua pesquisa de mestrado19 (RIBEIRO 2008) podem ser considerados representativos dessa organizaccedilatildeo hieraacuterquica Observemos20

19 Os participantes da pesquisa satildeo surdos universitaacuterios do sudeste do Brasil Os sujeitos escreveram a partir da seguinte demanda ldquoEscreva livremente sobre a questatildeo a seguir Para vocecirc qual eacute o significado de ser surdo O que vocecirc tem a dizer a respeito da surdez na sua vida Escreva sobre a experiecircncia de vida surdardquo20 Trechos transcritos ipsis litteris

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01 Eacute muito importante para o surdo os surdos satildeo igualdade ouvintes

02 A vida pessoal minha eacute verdade viver difiacutecil mas eacute normal como outros

03 Na vida surda eacute normal como outra pessoa ouvinte capaz fazer qualquer coisaouvintes

04 Eu sou surda eacute normal como ouvinte mas nossa diferenccedila mas soacute tem um problema ouvindo surdo e ouvinte satildeo iguais

05 Pra mim surdo eacute como comum como noacutes humano acho entre ouvinte e surdo satildeo quase iguais Como menos ouvir Somos humano

06 Sou surda normal natildeo tem diferenccedila como ouvinte somos iguais porque soacute que natildeo podia ouvir mas tenho os olhos (visual) [] Essas as pessoas natildeo entende porque ser surdo e acha que ele (surdo) satildeo problema e defeito como as pessoas ldquodeficienterdquo esse eu natildeo concordo precisamos respeitar que o surdo somos iguais soacute eacute diferenccedila da audiccedilatildeo natildeo o corpo defeito e capaz estuda e trabalhar normal como ouvinte

Nesses fragmentos o termo ldquonormalrdquo parece estar sendo utilizado em sua faceta de comparaccedilatildeo pois visa evidenciar o caraacuteter ldquocomumrdquo de mesmo ldquopeso e medidardquo e de ldquoigualdaderdquo dos sujeitos surdos perante os ouvintes Os locutores buscam reafirmar essa valoraccedilatildeo igualitaacuteria Observemos que a conjunccedilatildeo comparativa como ou o adjetivo igual sempre acompanham tal termo no intuito de reforccedilar esse efeito de sentido de equivalecircncia (vide excertos de 01 a 06 grifos nossos)

Examinando mais de perto a ocorrecircncia do lexema ldquonormalrdquo nos trechos de (01) a (06) acreditamos que os sujeitos produtores

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possivelmente anteciparam a representaccedilatildeo que ouvintes em geral fazem dos surdos ndash representaccedilatildeo essa que costuma ser estereotipada e que se baseia no DFO uma vez que esse discurso eacute o mais difundido socialmente Representaccedilotildees preacutevias tecircm sido tratadas na Anaacutelise do Discurso como eacutethos preacute-discurso isto eacute como a imagem de si que o sujeito manifesta antes mesmo do seu turno de fala em uma manifestaccedilatildeo da memoacuteria discursiva dos sujeitos (AMOSSY 2005)

E se nos trechos acima os sujeitos se antecipam como normais eacute justo perguntar se algueacutem os acusou do contraacuterio A partir desse questionamento chegamos agrave nossa segunda e complementar hipoacutetese interpretativa acreditamos que os excertos acima configuram uma espeacutecie de contradiscurso Se nos lembrarmos que o espaccedilo discursivo deve ser considerado como uma rede de interaccedilatildeo semacircntica e que o DFO se baseia sobretudo em preceitos meacutedicos sobre a surdez que tomam o natildeo-ouvir como uma disfunccedilatildeo veremos que os fragmentos acima contra-argumentam o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista21 uma vez que como afirma Maingueneau (2005 p 41) ldquona medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando lsquosegundorsquo que se constitui atraveacutes do discurso lsquoprimeirorsquordquo parece loacutegico supor entatildeo que esse discurso primeiro (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) eacute o outro do discurso segundo (discurso de fundamentaccedilatildeo surda)

Vemos assim no DFS a construccedilatildeo e a negaccedilatildeo de simulacros do discurso concorrente isto eacute do DFO uma vez que a compreensatildeo da surdez como uma patologia ou uma disfunccedilatildeo eacute entendida como tributo ofensivo de aberraccedilatildeo e anormalidade no DFS

21 Seguem exemplos de manifestaccedilotildees discursivas (meacutedicas) do DFO Todos os grifos satildeo nossos 1 ldquoProtetizar os deficientes auditivos [] para que os portadores dessa patologia sejam efetivamente beneficiados com a uacuteltima taacutebua de salvaccedilatildeo que a equipe tem a oferecerrdquo (CARVALHO 2003) 2 ldquo[] o sentido da audiccedilatildeo sem o qual natildeo eacute possiacutevel qualquer contato verdadeiramente humano Simpaacutetico ou antipaacutetico [o surdo] eacute uma pessoa que sofre por tatildeo humilhante patologiardquo (CARVALHO 2002) 3 ldquoO surdo-mudo congecircnito tem a face paacutelida a physionomia morta o olhar fixo a caixa toraacutexica deprimenterdquo (LEITE 1881 p 4)

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Presenciamos aqui entatildeo a construccedilatildeo e negaccedilatildeo da categoria surdez segundo o DFO aos olhos do DFS de forma a se construir um ldquoeurdquo a partir da negaccedilatildeo de um ldquonatildeo-eurdquo

Ainda assim poreacutem seria justo pensar ao afirmar a igualdade natildeo se estaria negando a diferenccedila que teoricamente eacute um dos lemas do DFS Parece-nos que natildeo A diferenccedila que eacute negada pelos locutores do DFS eacute a diferenccedila como anormalidade ldquoA normalidade surda e a normalidade ouvinte satildeo equivalentes natildeo haacute diferenccedilas que nos coloquem na linha da insuficiecircnciardquo Eacute isso que os fragmentos de (01) a (06) buscam dizer E se confrontarmos essa posiccedilatildeo enunciativa com os desdobramentos histoacutericos vividos pela comunidade surda entenderemos a importacircncia de se mostrar normal no sentido humano da equivalecircncia Refutam-se portanto a partir da traduccedilatildeo feita pelo DFS os traccedilos que o DFO atribui aos surdos nesse caso o traccedilo da deficiecircncia que eacute traduzido como anormalidade

Os sujeitos negam assim as postulaccedilotildees do seu outro no espaccedilo discursivo Antecipam-se como ldquoiguaisrdquo para negar o caraacuteter ldquoanormalrdquo que pelo menos hipoteticamente costuma ser evocado por esse outro O outro aqui claro eacute o DFO que aloca o ser surdo em lugares desprivilegiados Nega-se portanto o simulacro que o discurso concorrente (DFO) possivelmente constroacutei dos surdos

Na relaccedilatildeo que se estabelece entre discurso tradutor e discurso traduzido Maingueneau (2005) propotildee que se distinga discurso-agente de discurso-paciente reservando ao primeiro termo a posiccedilatildeo de tradutor e ao segundo a de traduzido Vale lembrar que eacute sempre a partir do discurso chamado primeiro (no presente estudo DFO) que se exerce a atividade tradutoacuteria uma vez que foi a partir dele que o discurso segundo (DFS) se constituiu

Eacute preciso natildeo perder de vista no entanto que as afirmaccedilotildees que o DFS (discurso-agente) combate natildeo satildeo as afirmaccedilotildees empiacutericas produzidas pelo DFO (discurso-paciente) Combate-se uma traduccedilatildeo um simulacro (entendido de maneira simplificada

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como uma espeacutecie de projeccedilatildeo ou representaccedilatildeo) do discurso contraacuterio ldquopois para construir e preservar a sua identidade no espaccedilo discursivo o discurso natildeo pode haver-se com o outro como tal mas somente com o simulacro que constroacutei delerdquo nos lembra Maingueneau (2005 p 103)

Produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro parecem ser portanto facetas do mesmo fenocircmeno ou seja para se produzirem enunciados condizentes com as regras da sua FD eacute preciso entender o outro a partir da sua proacutepria competecircncia discursiva Segundo Lara (2008) a traduccedilatildeo e a construccedilatildeo de simulacros satildeo mecanismos necessaacuterios ligados agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD Natildeo se trata assim de um arranjo isolado mas de um dispositivo que faz parte da gecircnese dos discursos Sobre esse processo de traduccedilatildeo do outro esclarece a autora (LARA 2008 p 115) inspirada em Maingueneau

O que ocorre entatildeo eacute que cada discurso interpreta os enunciados de seu Outro ndash ou do simulacro que dele constroacutei ndash atraveacutes da sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo Tenderaacute pois a ldquotraduzirrdquo esses enunciados nas categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema mostrando-se dessa forma a ldquotraduccedilatildeordquo como um mecanismo necessaacuterio e regular ligado agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD

Em curso ministrado na ABRALIN o professor Siacuterio Possenti (2007) assim apresentou o processo de traduccedilatildeo do outro e da construccedilatildeo de simulacros entre discursos que dividem o mesmo espaccedilo discursivo se o discurso S1 fala A e o discurso S2 fala B por exemplo S1 tenderaacute a ler B como um natildeo A expliacutecito isto eacute como a negaccedilatildeo de seu proacuteprio princiacutepio donde se pode concluir que cada FD concebe o outro a partir de si mesmo postulando que ldquose o outro natildeo estaacute por mim estaacute contra mimrdquo e deveraacute pois ser combatido Ilustrando com a nossa proacutepria pesquisa podemos supor que quando o DFO classifica o surdo como ldquoportador de necessidade especialrdquo por exemplo adeptos do DFS traduziratildeo

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essa informaccedilatildeo como uma acusaccedilatildeo de ldquoanormalidaderdquo de ldquoaberraccedilatildeordquo um quesito de ldquonatildeo-humanidaderdquo que precisa ser combatido

Nos trechos a seguir de (07) a (09) essa relaccedilatildeo pode ser percebida pelo caraacuteter conflituoso dos enunciados que parecem querer negar algum tipo de afirmaccedilatildeo (anterior) ou conhecimento partilhado Dessa vez a negaccedilatildeo se tornaraacute expliacutecita atraveacutes do uso do operador de negaccedilatildeo (um iacutendice de polifonia como explica Ducrot (1987)) Vejamos

07 Ser surdo eacute a pessoa natildeo ouve poreacutem sente feliz Ser surdo natildeo eacute sub-humano como exemplo os animais A vida dos surdezes essa faz parte classe superior por que existe a inteligecircncia e a sabedoria [] O que acontece minha prosperidade sou estudante no ensino superior ateacute sou orador isso natildeo eacute a pessoa falta QI ou inferioridade

08 Para mim o significado de ser surdo eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Ser surdo eacute orgulhosamente respeitado e um cidadatildeo como todos

09 Minha opiniatildeo significado de ser Surdo a diferenccedila Surdo Surdo eacute natildeo tem direito liacutengua22 ausecircncia de sons cliacutenica obrigaccedilatildeo meacutetodo oral incapacidade para articular a palavra Surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila

Defendemos nas ocorrecircncias acima como viacutenhamos procedendo que o discurso-agente (DFS) determina ao mesmo

22 Esse enunciado pode induzir a erros interpretativos se natildeo for compreendido a partir de uma abordagem contrastiva com a Liacutengua Brasileira de Sinais O texto na iacutentegra assim como a compreensatildeo de sua semacircntica global e algum conhecimento sobre a Libras permitem-nos entender que o locutor procurou realizar uma dupla negaccedilatildeo no enunciado que abre o texto no caso ldquoser surdo [natildeo] eacute natildeo ter direitordquo

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tempo em que combate o simulacro de seu outro (DFO) segundo a sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo para usar aqui um termo empregado por Lara (2008) que nos lembra que a compreensatildeo do discurso do outro eacute feita a partir das categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema como ilustrou o exemplo apresentado por Possenti (2007)

O DFS portanto embora seja um discurso segundo porque se erige posteriormente e em resposta ao discurso primeiro (o DFO) eacute tambeacutem discurso-agente porque eacute ele (o DFS) que produz operaccedilotildees dialoacutegicas de transformaccedilatildeo sobre o DFO nesse caso discurso-paciente

Esse processo de traduccedilatildeo do outro caracteriza com propriedade o fenocircmeno da interincompreensatildeo proposto por Maingueneau e retomado por Lara (2008) Tal fenocircmeno pode ser compreendido como ldquoa proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade das diversas posiccedilotildees enunciativasrdquo como sustenta Maingueneau (2005 p 103) uma vez que enunciar em conformidade com as regras de sua proacutepria FD e natildeo ldquocompreenderrdquo o discurso de outrem satildeo ldquoduas facetas do mesmo fenocircmenordquo estatildeo interligadas e satildeo interdependentes Como temos percebido a polecircmica discursiva que apresentamos aqui (DFS versus DFO) se baseia nesse princiacutepio

Nesse processo de ldquotraduccedilatildeordquo notemos que o ser surdo nos trechos de (07) a (09) pode ser definido por seu avesso ou seja por aquilo que ele natildeo eacute ou melhor pela negaccedilatildeo daquilo que o ser surdo parece ser (pelo menos por meio do simulacro produzido pelo DFS) no DFO sub-humano imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica falta QI ou inferioridade obrigaccedilatildeo meacutetodo oral etc

Mas ao expor o seu ldquonatildeo serrdquo negando traccedilos do DFO os locutores acabam por definir o seu ldquoserrdquo apresentando traccedilos que compotildeem o seu proacuteprio discurso humano original que natildeo se ldquotratardquo inteligente e igual usuaacuterio de sinais etc Ora semanticamente quando digo o que natildeo sou atesto o que sou Tal estrateacutegia

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discursiva mostra que os conteuacutedos impliacutecitos agrave negaccedilatildeo natildeo constituem em princiacutepio o verdadeiro objeto do dizer e eacute essa caracteriacutestica que dota os enunciados de eficaacutecia argumentativa O ldquoser surdordquo natildeo estaacute aqui exposto de maneira direta mas pode ser recuperado a partir de uma manobra semacircntica relativamente simples Compreendemos assim que a surdez nos discursos anteriores eacute definida sobretudo pela conduta do sujeito diante dela isto eacute o ser surdo aqui eacute definido como um cidadatildeo como todos que estabelece a sua vida a partir da sua diferenccedila que natildeo procura viver como se fosse ouvinte e tampouco se importa com o preconceito A imagem que se constroacutei a partir desses fragmentos eacute a imagem de sujeitos independentes e libertos de amarras sociais que possam ditar comportamentos no caso comportamentos considerados tiacutepicos aos sujeitos tidos como ldquodeficientesrdquo

Enquanto (07) e (09) parecem querer combater o simulacro do discurso sobre o ser surdo corrente no DFO investindo contra uma representaccedilatildeo social que costuma se alicerccedilar em saberes meacutedicos como em (07) natildeo eacute sub-humano ou em (09) natildeo eacute deficiecircncia o trecho (08) ao contraacuterio busca ldquogolpearrdquo um discurso sobre o surdo corrente na proacutepria comunidade surda Nesse trecho o locutor combate uma forma de ser surdo que estaria em consonacircncia com o DFO que seria aquele que se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Aqui o surdo projeta um outro para si natildeo apenas para o seu discurso

Notemos portanto que os trechos citados se ancoram na negaccedilatildeo de proposiccedilotildees que parecem ser de alguma forma previamente conhecidas se natildeo pelos interlocutores-leitores pelo menos pelo locutor que representa a comunidade surda

Ducrot (1987 p 203) como afirmamos anteriormente considera a negaccedilatildeo um iacutendice de polifonia que por sua vez compotildee a noccedilatildeo de heterogeneidade discursiva nesse caso a de heterogeneidade mostrada (marcada) De acordo com esse autor eacute preciso distinguir em um enunciado negativo duas proposiccedilotildees ou dois pontos de

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vistas opostos (atribuiacutedos portanto a enunciadores distintos23) o primeiro positivo e um outro que o nega Daiacute o caraacuteter polifocircnico do fenocircmeno

Numa primeira formulaccedilatildeo Ducrot (1987) divide a negaccedilatildeo em descritiva que representa um estado de coisas ldquosem que o autor apresente sua fala como se opondo a um discurso contraacuteriordquo e polecircmica ldquodestinada a opor-se a uma opiniatildeo inversardquo sendo essa uacuteltima a parte da teoria que nos interessa aqui Nas ocorrecircncias de (07) a (09) notamos portanto que a negaccedilatildeo pode ser considerada polecircmica uma vez que o enunciador refuta enunciados (virtuais) contraacuterios como sabemos advindos do DFO

Em (08) apesar de o operador negativo incidir diretamente apenas sobre o primeiro termo da enumeraccedilatildeo (eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc) pode-se perceber que o efeito de sentido negativo se estende tambeacutem sobre os demais termos da enumeraccedilatildeo Tais termos isoladamente poderiam ser considerados enunciados afirmativos inseridos no discurso no entanto eles se tornam discursivamente negativos ldquo[natildeo eacute] ficar imitando os ouvintesrdquo ldquo[natildeo eacute] ir sempre para a cliacutenicardquo

O mesmo fenocircmeno pode ser percebido em (09) apoacutes apresentar o que a surdez no DFS natildeo eacute ndash [natildeo eacute] ausecircncia de sons [natildeo eacute] ir para a cliacutenica [natildeo eacute] obrigaccedilatildeo meacutetodo oral ndash apresenta-se o que ela eacute surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila A figura da ldquodiferenccedilardquo aparece aqui como oposta agrave ldquodeficiecircnciardquo sendo considerada como um argumento positivo para a compreensatildeo da surdez como defendemos neste estudo

23 Lembramos que para Ducrot (1987 p 192-193) o locutor eacute o responsaacutevel pelo enunciado enquanto os enunciadores satildeo perspectivas pontos de vista com os quais o locutor se identifica ou natildeo

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4 Consideraccedilotildees finais

Neste estudo vimos que a identidade de um discurso pode ser definida a partir da negaccedilatildeo ndash e da construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de simulacros ndash do seu outro discursivo Pudemos averiguar que entre as FD do campo apresentado parece haver uma fronteira porosa que possibilita trocas pois foi sobretudo a partir da negaccedilatildeo do DFO que o DFS se constituiu O DFS foi aqui caracterizado como a ocorrecircncia de uma ideologia surda que se fundamenta tanto em princiacutepios libertaacuterios do direito de escolha quanto em questotildees filosoacuteficas que questionam o conceito de norma Com isso combate-se o DFO e a ideologia hegemocircnica na sociedade que produzem dicotomias maniqueiacutestas entre os surdos e natildeo surdos

Por fim podemos afirmar que o DFS constituiu-se por meio da antecipaccedilatildeo e da negaccedilatildeo daquilo que poderia ser o seu simulacro na visatildeo do outro ou seja do DFO O DFS assim define-se justamente a partir do que ele natildeo eacute ou melhor a partir da negaccedilatildeo daquilo que ele parece ser aos olhos do discurso concorrente de forma a construir um ldquoeurdquo a partir de um ldquonatildeo eurdquo Trata-se de construir e negar simulacros de si mesmo como forma de preservar a sua identidade discursiva no espaccedilo em questatildeo Este estudo por fim faz reverberar o postulado pela normalidade surda reafirmando a necessidade de difusatildeo de discursos que descontroem imagens estereotipadas sobre os surdos e a surdez

Referecircncias

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DUCROT O O dizer e o dito Campinas Pontes 1987

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LARA G M P Aplicando alguns conceitos de Gecircnese dos Discursos In POSSENTI S BARONAS R L (org) Contribuiccedilotildees de Dominique Maingueneau para a anaacutelise do discurso do Brasil Satildeo Carlos Pedro amp Joatildeo Editores 2008 p 110-132

LEITE T Compecircndio para ensino dos surdos-mudos 3 ed Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1881

MAINGUENEAU D Gecircnese dos discursos Traduccedilatildeo Siacuterio Possenti Satildeo Paulo Criar Ediccedilotildees 2005

PERLIN G T T Prefaacutecio In QUADROS R M PERLIN G T T (org) Estudos Surdos II Petroacutepolis Arara Azul 2007 Disponiacutevel em http wwweditora-arara-azulcombrestudos2pdf Acesso em 5 jun 2008

POSSENTI S Elementos de anaacutelise do discurso (Minicurso) XVIII Instituto de Linguiacutestica da ABRALIN Belo Horizonte UFMG 2007

RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2014

Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircnea o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Este capiacutetulo apresenta uma abordagem linguiacutestico-discursiva do gecircnero textual crocircnica jornaliacutestica brasileira com o propoacutesito de ampliar os estudos em torno das especificidades entre a argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero A crocircnica vem em tempos atuais aumentando a sua forccedila com o surgimento entre noacutes de novos cronistas e de um nuacutemero cada vez maior de textos divulgados natildeo soacute em dispositivo jornaliacutestico (impresso ou on-line) como em coletacircneas editadas especialmente para esse fim

Gecircneros como a crocircnica praticados no discurso jornaliacutestico encontram densidade e forccedila no processo retoacuterico da persuasatildeo Optar pois pela crocircnica de jornal eacute reconhecer que a sua veiculaccedilatildeo nesse suporte possui as suas peculiaridades tendo os cronistas jornaliacutesticos um papel social legitimado O cronista estabelece em sua escrita um olhar ldquoavaliativordquo ao voltar-se para o homem e o seu fazer social Perguntamo-nos entatildeo como se fundam as bases desse discurso persuasivo que ndash atestamos ndash eacute tatildeo bem aceito em nosso meio social sendo um discurso que deitou raiacutezes as quais vecircm se sustentando por mais de um seacuteculo no Brasil

Essas questotildees justificam a necessidade de aprofundar o nosso estudo em torno dos expedientes argumentativos e opinativos desse gecircnero textual A crocircnica eacute orientada pelos saberes que jaacute se constituem como um objeto de acordo entre os sujeitos sociais os cidadatildeos Seraacute traccedilado para selar o compromisso de estudar os aspectos formais discursivos e socioculturais que nos ajudem a delinear um perfil da crocircnica produzida em nosso paiacutes um breve percurso da sua origemhistoacuteria aliando a isso a pretensatildeo de sobretudo obter e mostrar novas luzes a respeito de categorias ainda polecircmicas no meio acadecircmico como o status genoloacutegico da crocircnica as suas relaccedilotildees com o par argumentaccedilatildeoconfiguraccedilatildeo da opiniatildeo Demonstraremos tambeacutem assim o retrato construiacutedo discursivamente pelo cronista dos modos e concepccedilotildees de vida da sociedade do povo brasileiro

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Do ponto de vista metodoloacutegico o corpus eacute composto por amostragem tendo em vista na medida do possiacutevel a diversidade temaacutetica do conteuacutedo dos textos a exploraccedilatildeo de dados autobiograacuteficos o grau de envolvimento com o fato relatadocomentado e o modo de conduccedilatildeo da operaccedilatildeo argumentativa com os seus efeitos de caraacuteter opinativo

A partir da seleccedilatildeo do corpus para a realizaccedilatildeo de um estudo coerente com a concepccedilatildeo da linguagem verbal contemplada como discurso caracterizada como veiacuteculo de manifestaccedilatildeo das formas como o homem constroacutei social e historicamente a sua existecircncia napela interaccedilatildeo com o outro e capaz de nos fazer alcanccedilar os objetivos pretendidos foram eleitas como suporte teoacuterico as linhas voltadas para o processamento discursivo em especial a Anaacutelise do Discurso que oferece subsiacutedios para o tratamento das categorias de anaacutelise aqui propostas

Assim seratildeo consultados especialistas consagrados (linguistas ou natildeo) entre os quais Charaudeau (2008 2015) Meyer (1993) Bakhtin (2000) Bally (1965) Perrone-Moiseacutes (2006) Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) Reboul (1984) Parret (1998) Ricoeur (2007) e Certeau (2007)

1 Retoacuterica da seduccedilatildeo nas crocircnicas

Embora vista pela maioria dos autores como um dos componentes intriacutensecos agrave linguagem humana a argumentatividade natildeo deixa de suscitar entre noacutes a polecircmica em torno da questatildeo da prevalecircncia de uma das forccedilas que movem o ser humano razatildeo e emoccedilatildeo Em defesa da conjunccedilatildeo das duas Bally (1965 p 15-16 traduccedilatildeo nossa) assim se manifesta a esse respeito ldquo[] aqueles entre meus pensamentos que germinam em plena vida nunca satildeo de ordem essencialmente intelectual satildeo movimentos acompanhados de emoccedilatildeo []rdquo24

24 No original ldquo[] celles de mes penseacutees qui germent en plein vie ne sont jamais drsquoordre essentiellment intellectuel ce sont des mouvements acompagneacutes drsquoeacutemotion []rdquo

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Nas trilhas desse autor fica perceptiacutevel aqui que o uso da palavra se daacute no interior de uma atividade enunciativa que por si soacute implica a atuaccedilatildeo de um sujeito caracterizado como ser de pensamento e de emoccedilatildeo ndash o que significa que esse processo nunca ocorre separadamente das pulsotildees vitais proacuteprias ao ser humano

Inferimos daiacute que o desejo a esperanccedila a crenccedila a indiferenccedila o descreacutedito etc tambeacutem integram a operaccedilatildeo que envolve o pensar mesclando-se a ele em maior ou menor grau de intensidade Em outras palavras o pensamento natildeo se sedimenta puramente na razatildeo o ser humano sempre tem a intenccedilatildeo de convencer o outro de encantaacute-lo de manipular os seus sentimentos de impulsionaacute-lo a realizar determinadas accedilotildees

Certamente esse modo de conceber o pensamento nos leva a perguntar o seguinte que tipo(s) de relaccedilatildeo o ldquojogo de seduccedilatildeordquo manteria com a linguagem Em ensaio Perrone-Moiseacutes (2006 p 13) afirma que ldquo[] as liacutenguas estatildeo carregadas de amavios de filtros amatoacuterios []rdquo o que nos leva a concluir que a linguagem por si e em si mesma revela-nos traccedilos daqueles que a utilizam e criam Assim ela proacutepria nos fornece os meios de seduzir o outro por intermeacutedio de estrateacutegias como a ironia a metaacutefora a metoniacutemia os eufemismos o pleonasmo os torneios como a liacutetotes etc Eacute possiacutevel fascinar o outro ateacute mesmo por meio do emprego de um determinado gecircnero textual como por exemplo a crocircnica Escrevendo-a ou lendo-a vamos aos poucos sendo envolvidos num jogo de seduccedilatildeo passando a ser ldquocuacutemplicesrdquo da sua construccedilatildeo juntamente com o seu autor

Uma consequecircncia importante desse jeito de pensar a liacutengua eacute descobrir que a figuratividade natildeo eacute uma prerrogativa do discurso literaacuterio visto por muitos estudiosos como a uacutenica modalidade passiacutevel de produzir esse tipo de ldquojogordquo executado entre outras coisas pela oscilaccedilatildeo ambiguidade e volubilidade proacuteprias agrave liacutengua Diferentemente pensamos que por mais ldquobanaisrdquo que sejam

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nossas falas cotidianas natildeo deixam de contar com elementos de natureza figurativa tambeacutem explorados em discursos institucionais como o acadecircmico o juriacutedico o jornaliacutestico o religioso etc de que costumeiramente satildeo exigidas objetividade e imparcialidade

Em suma queremos dizer que a capacidade de seduccedilatildeo de enredamento de persuasatildeo eacute interna agrave proacutepria linguagem vista pelo linguista dinamarquecircs Hjelmslev (2006) como um tecido urdido nas proacuteprias tramas do pensamento

No caso particular da crocircnica gecircnero aqui investigado cumpre-nos alertar para o fato de que a sua brevidade leveza e volatilidade natildeo significam que seja desprovida do espiacuterito reflexivo e criacutetico do seu autor Nela vemos esboccedilada a figura de um ethos com seu projeto de fala de um logos com possibilidade de conduzir o raciociacutenio a accedilatildeo do outro alvejando-lhe o pathos Dessa sorte acreditamos no caraacuteter dialoacutegico da linguagem o que nos leva a citar mais uma vez Bakhtin (2000 p 354) que nos faz a seguinte recomendaccedilatildeo

[] natildeo conveacutem compreender a relaccedilatildeo dialoacutegica de modo simplista e uniacutevoco e resumi-la a um processo de refutaccedilatildeo de controveacutersia de discordacircncia A concordacircncia eacute uma das formas mais importantes da relaccedilatildeo dialoacutegica A concordacircncia eacute rica em diversidade e em matizes

Em face dessas caracteriacutesticas e papeacuteis proacuteprios agrave linguagem cabe-nos considerar as crocircnicas produzidas entre noacutes buscando identificar e analisar as peccedilas utilizadas pelo cronista no jogo de seduccedilatildeo que estabelece com o leitor peccedilas essas que incluem o diaacutelogo com o seu leitor Veria aquele o seu puacuteblico-alvo como um adversaacuterio ou como um parceiro de criaccedilatildeo Quem seria esse puacuteblico ao qual a crocircnica se destina

Para responder a essas questotildees recorremos a Meyer (1993 p 22 traduccedilatildeo nossa) que define a retoacuterica como ldquo[] a negociaccedilatildeo da distacircncia entre os sujeitos []rdquo distacircncia essa que ldquo[] pode ser

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reduzida aumentada ou mantida segundo o casordquo25 Da nossa parte acreditamos que o objetivo do cronista eacute diminuir a distacircncia entre si e seu interlocutor O seu desejo eacute obter a anuecircncia do leitor e se possiacutevel ldquoa comunhatildeo de almasrdquo conforme nos deixa entrever um de nossos cronistas de maior renome Rubem Braga ldquoAgraves vezes tambeacutem a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou algueacutem a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia []rdquo (BRAGA 1999 p 157)

Essa incorporaccedilatildeo do leitor no texto pode funcionar como um mecanismo criador de identidade de familiaridade e consequentemente de haacutebito de leitura Por se sentir proacuteximo ao cronista o ldquohomem das ruasrdquo natildeo se sente excluiacutedo do universo da escrita mas sim faz parte do cotidiano do escritor do jornal que veicula a sua criaccedilatildeo

2 O processo de argumentaccedilatildeo na crocircnica a configuraccedilatildeo da opiniatildeo

Prosseguindo nesta seccedilatildeo com as nossas reflexotildees sobre especificidades das relaccedilotildees entre a argumentaccedilatildeo e a escrita de crocircnicas gostariacuteamos de explicitar aspectos relativos agrave configuraccedilatildeo da opiniatildeo na crocircnica como exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea Nesse caso encontramo-nos forccedilosamente no campo das apreciaccedilotildees valorizaccedilotildees e julgamentos tornados tangiacuteveis pela materialidade textual que visa ndash expliacutecita e tambeacutem muitas vezes implicitamente no esconderijo das entrelinhas ndash agrave adesatildeo de um determinado auditoacuterio influenciando-o em suas posturas visotildees de mundo e mesmo em suas accedilotildees cotidianas

Nesse caso o auditoacuterio a quem o cronista dirige a sua argumentaccedilatildeo se caracteriza pelo conjunto de leitores de determinado jornal conforme vemos satildeo grupos de natureza

25 No original ldquo[] la neacutegociation de la distance entre les sujets [] peut ecirctre reduite accrue ou maintenue selon les casrdquo

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heterogecircnea uma vez constituiacutedos por sujeitos de idade posiccedilatildeo social niacutevel intelectual etc diversificados Esses aspectos demandam eacute claro do cronista uma justa preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao ato de argumentar e o conduzem a uma permanente busca da melhor forma de estabelecer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) designaram como ldquoO contato de espiacuteritosrdquo

De fato a crocircnica eacute por excelecircncia e por natureza um gecircnero que pratica a opiniatildeo argumenta a favor de (ou contra) algo apresentando em prol disso justificativas provaacuteveis verossiacutemeis por vias argumentativas que falem ao intelecto ao espiacuterito e agrave alma Por que tornaacute-los antagocircnicos opostos Nem sempre eacute preciso como lemos em Reboul (1984 p 86 traduccedilatildeo nossa) ldquoA persuasatildeo deve agir tanto sobre a afetividade quanto sobre a inteligecircncia sendo isso a marca da retoacutericardquo26 Mesmo sob a manifestaccedilatildeo do seu mais recorrente modo de organizaccedilatildeo do discurso ndash o modo narrativo ndash os eventos relatados satildeo comumente expedientes para a manifestaccedilatildeo de teses e propostas sobre o mundo

Consideramos agrave vista disso que o fenocircmeno de manifestaccedilatildeo de discurso que designamos como opiniatildeo eacute fruto das relaccedilotildees inter-humanas da consciecircncia que os sujeitos possuem de natildeo estarem soacutes no mundo de que o que os outros fazem ou pensam nos interessa (e muito) e que aquilo que pensamos ou fazemos eacute tambeacutem objeto de atenccedilatildeo do outro Advecircm daiacute os fenocircmenos de modalizaccedilatildeo de nossos discursos e tambeacutem o que Bakhtin (2000) denominou de ldquotomrdquo percebido apreendido num dado discurso

Esse tom eacute pois determinado na troca intersubjetiva nas atitudes reveladas ou insinuadas pelo locutor quando das relaccedilotildees que busca estabelecer com seu interlocutor A opiniatildeo configura-se no gecircnero crocircnica sobre esta dupla base a da pessoa do cronista o qual sabe que se ele possui a sua proacutepria palavra as suas experiecircncias o leitor (ou possiacutevel leitor) da crocircnica igualmente

26 No original ldquoLa persuasion doit agir agrave la fois sur lrsquoaffectiviteacute et sur lrsquointelligence cet a la fois eacutetant la marque de la rheacutetoriquerdquo

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as possui Essa escrita processa-se portanto considerando as relaccedilotildees de um eu que estaacute para o outro e tambeacutem de um outro que deveraacute voltar-se para um eu

O cronista possui a consciecircncia de que participa de um processo interacional em que o seu discurso deve visar com a maior eficaacutecia possiacutevel ao acordo agrave concordacircncia a respeito das teses e dos motivos por que eacute preciso defendecirc-las Eacute necessaacuterio entatildeo ldquo[] ter apreccedilo pela adesatildeo do interlocutor pelo seu consentimento pela sua participaccedilatildeo mentalrdquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999 p 18)

Temos por conseguinte que uma das premissas agrave qual deve estar atento o cronista na qualidade de defensor de pontos de vista acerca de ocorrecircncias fazeres praacuteticas do cotidiano dos sujeitos que habitam as cidades eacute buscar continuamente obter informaccedilotildees a respeito do que pensam esses sujeitos sobre que valores advogam outorgam para que possa assim defendecirc-los qual a natureza das experiecircncias por que passam que tipo de laccedilos estabelecem com o seu proacuteximo o que lhes agrada ou desagrada enfim eacute buscar dados o mais proacuteximo possiacutevel dos indiviacuteduos concretos aos quais procura o cronista persuadir com asnas suas crocircnicas

Eacute claro que a partir do conhecimento de tais dados ndash muitos dos quais satildeo fornecidos pelos proacuteprios leitores dos jornais pois a miacutedia hoje procura por meio de expedientes como comentaacuterios de internautas e-mails e outros verificar os graus de adesatildeo dos leitores agrave palavra de seus profissionais ndash o sujeito argumentante o cronista constroacutei e reconstroacutei em seu discurso a imagem do ldquoauditoacuterio presumidordquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999)

A imagem construiacuteda desse auditoacuterio possui o meacuterito de abarcar discursivamente crenccedilas mais gerais do que as conhecidas aqui e ali do auditoacuterio concreto e tambeacutem mais baacutesicas que tentam encontrar eco em leitores ou possiacuteveis leitores cujas posturas diante do mundo o cronista desconhece mas como a proacutepria

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designaccedilatildeo do auditoacuterio permite revelar pode presumir Nessa empreitada geralmente o cronista obteacutem sucesso como comprova o status de que goza esse gecircnero em nossa sociedade

A respeito desses dados concernentes a essa relaccedilatildeo sujeito argumentante e auditoacuterio deixamos ao leitor esta crocircnica do cronista poliacutetico do jornal Folha de Satildeo Paulo Cloacutevis Rossi que exemplarmente ratifica a nossa exposiccedilatildeo

Naacuteufragos (texto integral)Cloacutevis Rossi

Sou de um tempo em que o trabalho do jornalista assemelhava-se ao ato do naacuteufrago que coloca uma mensagem na garrafa e a lanccedila ao mar Natildeo sabe se a garrafa chegou a algum lugar a qual lugar se a mensagem foi lida se foi entendida como foi entendida

A comparaccedilatildeo esclareccedilo natildeo eacute minha Ouvi-a 30 anos atraacutes de Joseacute Antocircnio Novaes entatildeo correspondente do ldquoEstadatildeordquo e do jornal francecircs ldquoLe Monderdquo em Madri

Hoje graccedilas agrave internet os naacuteufragos jaacute sabemos o que acontece com algumas de nossas garrafas Jaacute sabemos o que antes apenas intuiacuteamos o leitor inteligente natildeo eacute o destinataacuterio passivo da mensagem mas o parceiro do naacuteufrago na observaccedilatildeo das coisas do mundo

O leitor tambeacutem lanccedila suas garrafas ndash natildeo ao mar mas na rede sabendo que chegaraacute ao destinataacuterio mas sem saber se a mensagem seraacute ou natildeo lida ou como seraacute entendida De minha parte como prestaccedilatildeo de contas informo que nos primeiros dias apoacutes a Folha ter decidido publicar o endereccedilo ao peacute de muitas colunas queixei-me de que estava perdendo duas horas por dia em meacutedia para ler e responder a correspondecircncia

Logo revi o verbo Em vez de ldquoperderrdquo sei agora que ldquoinvistordquo duas horas nesse diaacutelogo Descobri tambeacutem que na troca de ideacuteias com o leitor ganho eu Eacute claro que haacute alguns idiotas de

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plantatildeo que escrevem toneladas de asneiras mas a estes parei de responder faz tempo ndash e os que identifico parei tambeacutem de ler

Mas a grande maioria aporta informaccedilotildees que estatildeo fora do radar da miacutedia vecirc acircngulos que mesmo olhos treinados de socioacutelogos deixam passar e acima de tudo expressa sentimentos que o mundo poliacutetico parou de processar faz tempo

Tudo somado aviso ao leitor que saio hoje de feacuterias (por 15 dias) com a sensaccedilatildeo de que a tecnologia libertou o jornalista da solidatildeo do naacuteufrago mas colocou-o em contato com uma multidatildeo de outros naacuteufragos Da poliacutetica (ROSSI 2006)

O processo que visa ao conhecimento do auditoacuterio tem como alvo persuadir melhor a fim de obter uma maior adesatildeo agraves ideias que satildeo professadas pelo cronista Ele consegue essa adesatildeo por meio dos proacuteprios mecanismos que utiliza para sustentar o sistema de crenccedilas de saberes que estatildeo envolvidos em sua escrita

O cronista lida diariamente efetivamente com saberes de crenccedila que segundo Charaudeau (2015 p 45) ldquoSatildeo saberes que resultam da atividade humana quando esta se aplica a comentar o mundo isto eacute fazer com que o mundo natildeo exista mais por si mesmo mas sim atraveacutes do olhar que o sujeito lanccedila sobre elerdquo Aleacutem disso como jaacute dissemos estabelece um julgamento um olhar ldquoapreciativordquo em relaccedilatildeo a esses elementos daiacute a possibilidade de estetizaccedilatildeo do cotidiano

Enfim o sujeito argumentante na crocircnica acata e constroacutei a sua argumentaccedilatildeo privilegiando em termos mais amplos a linguagem comum ateacute celebrando-a ao desenvolver sua argumentaccedilatildeo a partir do lugar-comum De fato eacute na escrita da crocircnica em sua globalidade que a linguagem comum faz fluir dela a leitura Aliaacutes natildeo eacute proacuteprio dos cronistas cometer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999 p 173) citando Quintiliano e Ciacutecero dizem ser o defeito ldquotalvezrdquo mais grave do orador ldquo[] seja o de recuar ante a linguagem comum e ante as ideacuteias geralmente aceitasrdquo

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Isso constitui inclusive um acordo jaacute celebrado tacitamente entre as partes cronistas e leitores observamos a praacutetica escrituriacutestica de um discurso veiculado em linguagem que privilegia o fluir da leitura a recepccedilatildeo mais clara das ideias fala leve clara explicitamente dialoacutegica heranccedila desse gecircnero em suas bases antigas

Assim no que se refere agrave interaccedilatildeo pela leitura das crocircnicas o interlocutor eacute convidado a participar ativamente de uma troca mediada pelo texto Seu papel eacute ativar seus saberes e colocaacute-los em interaccedilatildeo com o universo discursivo de que faz parte Os textos que manifestam opiniatildeo dentro do jornal entre eles a crocircnica fazem da argumentaccedilatildeo um exerciacutecio corrente de demonstraccedilatildeo de praacuteticas sociodiscursivas O exerciacutecio da crocircnica estaacute pois associado ao diaacutelogo com forccedila de accedilatildeo caracteriacutestico da fala explicitamente retoacuterica

A contemporaneidade como construccedilatildeo do pensamento humano caracteriza-se entre outros aspectos pela reflexatildeo a respeito da possibilidade de subjetividade poreacutem subjetividade esta que sente em si mesma a necessidade de ndash ao tomar como foco aspectos de uma interioridade ndash abrir espaccedilos em graus variaacuteveis a uma intersubjetividade jaacute que o que determina a percepccedilatildeo que temos da vida interior eacute a fronteira que estabelecemos entre esta vida e a vida que estaacute ldquovoltada para forardquo (BAKHTIN 2000 p 119) ou seja voltada para a convivecircncia que manifesta o desejo e mesmo a necessidade de que o outro valide as nossas accedilotildees participe da nossa vida no tempo que se estende entre nascimento e morte em que a nossa histoacuteria eacute construiacuteda

Sobre essa tendecircncia geral explica-nos Bakhtin (2000 p 35-36)

A bem dizer na vida agimos [] julgando-nos do ponto de vista dos outros tentando compreender levar em conta o que eacute transcendente agrave nossa proacutepria consciecircncia [] em suma estamos constantemente agrave espreita dos reflexos de nossa vida tais como se manifestam na consciecircncia dos outros quer se trate de aspectos isolados quer do todo da nossa vida

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Em termos mais amplos a crocircnica se compotildee em seu conteuacutedo das ocorrecircncias contempladas no cotidiano de tudo o que alimenta o tempo da vida dos homens em seu fluir em sua transitoriedade de questotildees sobre a vida e sua contraposiccedilatildeo a morte das nossas relaccedilotildees mesquinhas terriacuteveis ou enriquecedoras dos espaccedilos comuns em que circulamos socialmente Ela natildeo pode ser a vida de apenas um homem como bem atesta Parret (1998 p 157 traduccedilatildeo nossa) ldquo[] a vida cotidiana [] eacute puacuteblica ela exige uma interpretaccedilatildeo uma compreensatildeo enfim uma semioacuteticardquo27

Os homens na sua vida em sociedade instituem ldquoinventamrdquo no dizer de Certeau (2007) o habitual a cotidianidade posturas formas de ser de agir e de falar ritualizadas axiologizadas iterativas Conviver compartilhar accedilotildees e discursos eacute que proporciona sentido agrave vida cotidiana O habitual seria entatildeo uma garantia de estabilidade para os homens Parret (1998 p 19) fala da cotidianidade como ldquo[] um princiacutepio de organizaccedilatildeo da comunidade []rdquo Nesse sentido seria o caraacuteter habitual iterativo das formas de agir e falar o que torna possiacuteveis as identidades e o viacutenculo social entre os seres elementos que contribuem decisivamente para a reduccedilatildeo da incerteza e da possibilidade de ruptura do homem com os seus proacuteximos

As relaccedilotildees sociais nesse sentido tornam o ser um agente capaz de buscar a coordenaccedilatildeo o equiliacutebrio entre a sua vida individual e a sua vida social ou como diz Ricoeur (2007 p 141) ldquo[] entre o indiviacuteduo solitaacuterio e o cidadatildeo definido pela sua contribuiccedilatildeo agrave politeia agrave vida e agrave accedilatildeo da polis []rdquo Desse trabalho executado pelos homens derivam as relaccedilotildees ditas de pertencimento como as conjugais filiais e outros viacutenculos sociais mais ou menos dispersos entre os indiviacuteduos O que esperamos entatildeo como indiviacuteduos ou cidadatildeos desses seres com os quais travamos relaccedilotildees tecemos nossa vida diaacuteria os quais fabulam conosco e com os quais fabulamos Ao tomar como base Santo Agostinho Ricoeur (2007)

27 No original ldquo[hellip] la vie quotidienne [] elle est publique elle exige une interpretation une compreacuteehension donc une seacutemiotiquerdquo

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responde que possam muitas vezes desaprovar nossas accedilotildees mas que aprovem a nossa existecircncia

Quando discutimos ldquoaspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircneardquo pensamos nas formas como ela se (re)configura influenciando e ao mesmo tempo sendo influenciada pela dinacircmica da vida social no espaccedilo da miacutedia impressa e on-line nos motivos pelos quais sua praacutetica foi e eacute tatildeo respeitada Tanto que nos jornais os cronistas satildeo sempre ldquoescolhidos a dedordquo eacute um espaccedilo de prestiacutegio Muitos jornais importam crocircnicas de outros Processa-se uma ldquolutardquo de um gecircnero para manter-se vivo

O Brasil paiacutes com tantos problemas em relaccedilatildeo agrave leitura em diversos aspectos tem na crocircnica a oportunidade de um exerciacutecio do ato de ler que compreendemos como significativo ela eacute benquista lida por camadas relativamente variadas da populaccedilatildeo Temos como pretensatildeo justamente aprofundar os estudos e a compreensatildeo da crocircnica apresentando aspectos mais densos que realmente demonstrem a pertinecircncia de a termos como um gecircnero que ocupa lugar de destaque na realidade sociocultural da atualidade no Brasil

Com isso observamos tambeacutem a proacutepria coerecircncia da vida do gecircnero crocircnica em nossa sociedade em como e por que tem ldquose garantidordquo ateacute agora ou seja com tantas transformaccedilotildees soacutecio-histoacutericas como se comportou e comporta a essecircncia a integridade do gecircnero quando sabemos que ele influencia e ao mesmo tempo sofre influecircncia das formas de accedilatildeo e de discurso em sociedade

Aprendemos com as leituras de Bakhtin que para que um gecircnero se desintegre eacute preciso que se perca a sua essecircncia Senatildeo ele eacute capaz de reaparecer transfigurado de alguma maneira por meio de formas renovadas de vida e de circulaccedilatildeo social dos textos

Em geral a vida cultural na sociedade permite o acesso dos indiviacuteduos a protoacutetipos e ateacute a fragmentos dos gecircneros o que torna possiacutevel a sua assimilaccedilatildeo o seu aprendizado tanto da leitura

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quanto da escrita A cada funccedilatildeo social comunicativa corresponde um ou mais gecircneros que designam essas funccedilotildees por meio dos quais interagimos com aqueles que nos rodeiam Eacute certo que os gecircneros evoluem transformam-se porque atendem ao dinamismo comum da vida social poreacutem conservam na sua composiccedilatildeo orgacircnica na sua ldquomemoacuteria objetivardquo traccedilos de composiccedilatildeo que nos permitem com eles lidar utilizaacute-los em nossa comunicaccedilatildeo

O estilo de liacutengua da prosa no gecircnero crocircnica na escrita guarda o traccedilo do despojamento da simplicidade do linguajar do apelo a um vocabulaacuterio composto por termos em sua maioria de faacutecil alcance quanto ao sentido caracteriacutesticos das narrativas orais desde as mais antigas que a humanidade tratou de divulgar tiacutepicas do cotidiano Eacute oacutebvio que a crocircnica contemporacircnea nessa passagem do cotidiano ao jornal busca neutralizar traccedilos muito tiacutepicos particulares de comunidades restritas pela proacutepria procedecircncia do seu puacuteblico o cidadatildeo urbano A linguagem nesse caso como em todos os outros eacute percebida e trabalhada pelo cronista como um material genuinamente socioideoloacutegico portadora de pontos de vista sobre o mundo numa tentativa de uniatildeo harmoniosa com a instacircncia cidadatilde

No que diz respeito ao gecircnero e agrave sua estruturaccedilatildeo configuracional observamos que a crocircnica eacute um texto curto Eacute um discurso que no jornal natildeo pode ldquoocuparrdquo muito o leitor Pelo menos natildeo deve preencher um demasiado tempoespaccedilo real concreto de leitura Eacute uma leitura a ser feita a fim de se usufruir dela no espaccedilotempo de um breve momento Mas nessa brevidade de espaccedilotempo ela deve deixar o leitor satisfeito

O jornal eacute diaacuterio a crocircnica eacute diaacuteria e deve aleacutem disso levar o leitor a procuraacute-la todos os dias nesse jornal (de preferecircncia) em busca de um tema novo de mais um motivo para uma prosa uma conversa Vivemos o evento da leitura da crocircnica ocupando-nos do papel de coparticipantes a partir da nossa subjetividade Tomamos postura realizamos juiacutezos valoraccedilotildees enfim a nossa

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posiccedilatildeo eacute atuante O conjunto desse mundo discursivo percebido vivenciado pelo cronista revive diante do nosso olhar da nossa presenccedila da apreciaccedilatildeo que realizamos do seu conteuacutedo

O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com prudecircncia astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e de ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui como nos diz Charaudeau (2015) num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

No caso dos jornais brasileiros o cronista poliacutetico jaacute trabalha efetivamente na formaccedilatildeo da opiniatildeo embora de formas diferenciadas a depender da postura ideoloacutegica desse ou daquele jornal Por outro lado nos jornais brasileiros um cronista literato poderiacuteamos dizer com criatividade artiacutestica de escritor eacute o que institui entre outras coisas o espaccedilo do ldquorespirarrdquo de cessaccedilatildeo ainda que momentacircnea da secura ou do sensacionalismo da reportagem por exemplo ainda que ele esteja fazendo a criacutetica social ou poliacutetica

Temos por convicccedilatildeo que as reflexotildees realizadas neste trabalho contribuiratildeo para a sistematizaccedilatildeo de elementos baacutesicos que conferiram e conferem agrave crocircnica jornaliacutestica brasileira o estatuto de gecircnero textual para a sistematizaccedilatildeo das razotildees por que tomou e toma como objeto primordial de seu discurso os temas do cotidiano dos cidadatildeos

O espaccedilo midiaacutetico em que ela figura o jornal impresso ou on-line mais do que o suporte em que a crocircnica circula eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Por outro lado a proacutepria crocircnica determina outras formas de surgimento de outros textos que figuram no jornal Ou ainda

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manifesta-se sempre como espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social

3 Qual eacute o status genoloacutegico da crocircnica

Hospedeira de vaacuterios gecircneros textuais tiacutepicos tanto do discurso oral quanto do escrito a crocircnica serve a dois ldquosenhoresrdquo ou domiacutenios discursivos caracterizando-se em sua concisatildeo como texto jornaliacutestico e em seu lirismo como texto literaacuterio Por seu caraacuteter essencialmente mesclado a crocircnica ndash no que toca agrave diversidade de gecircneros que por ela perpassam assim como na variedade de formas de organizaccedilatildeo do discurso utilizadas em sua produccedilatildeo ndash continua ateacute hoje a desafiar os estudiosos a definir-lhe de vez o status genoloacutegico Esse desafio vem de longa data em nosso meio jaacute que se estendia ao ldquofolhetimrdquo seu ancestral

Vemos no caso que embora constante das diversas modalidades de discurso o hibridismo se manifesta de um modo especial no texto croniacutestico configurando-se pois como um de seus traccedilos peculiares manifestados quer na relaccedilatildeo entre o discurso e a praacutetica social a que se encontra ligado quer entre as diversas praacuteticas sociais e as instituiccedilotildees que as regem

Vejamos por exemplo neste excerto da crocircnica de Caio Fernando Abreu como a prosa se mescla agrave poesia e agrave interpelaccedilatildeo direta sendo uma proposta expliacutecita de diaacutelogo

Deus eacute naja (excerto)

Caio Fernando AbreuDia seguinte meu amigo Dark contou ndash ldquotive um sonho lindo Imagina soacute uma jamanta toda douradardquo Rimos ateacute ficar com dor na barriga E eu lembrei dum poema antigo de Drummond Aquele Consolo na Praia sabe qual lsquoVamos natildeo chores A infacircncia estaacute perdida A mocidade estaacute perdida Mas a vida natildeo se perdeursquo ndash ele comeccedila antes de enumerar as perdas

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irreparaacuteveis perdeste o amigo perdeste o amor natildeo tens nada aleacutem da maacutegoa e solidatildeo E quando o desejo da jamanta ameaccedila invadir o poema Drummond o Carlos pergunta lsquoMas e o humorrsquo Porque esse talvez seja o uacutenico remeacutedio quando ameaccedila doer demais [] Porque tambeacutem me acontece ndash como pode estar acontecendo a vocecirc que quem sabe me lecirc agora ndash de achar que tudo isso talvez natildeo tenha a menor graccedila Pode ser Deus eacute naja nunca esqueccedila baby Segure seu humor Seguro o meu mesmo dark vou dormir profundamente e sonhar com uma linda e fatal jamanta A mil por hora (ABREU 2007 p 242-243)

Acerca dessa duplicidade basilar da crocircnica e da extensatildeo e variaccedilatildeo do hibridismo que a constitui em seu trabalho a respeito da produccedilatildeo croniacutestica de Cony Andrade (2005 p 299) assim se manifesta

Como se sabe a crocircnica eacute um gecircnero que apresenta dupla filiaccedilatildeo jaacute que o tempo e o espaccedilo curtos permitem o tratamento literaacuterio a temas jornaliacutesticos Assim ela tem do jornal a concisatildeo e a pressa e da literatura a magia e a poeticidade que recriam o cotidiano Nela se podem apresentar pequenos contos artigos ensaios ou poemas em prosa ou seja tudo aquilo que informe o leitor sobre os acontecimentos diaacuterios O cronista faz descriccedilotildees comentaacuterios a partir da observaccedilatildeo direta de fatos ou situaccedilotildees sujeitos agraves marcas do subjetivismo Desse modo registrar o elemento circunstancial passa a ser o princiacutepio baacutesico da crocircnica Por essas caracteriacutesticas e principalmente por sua brevidade a crocircnica torna-se um gecircnero peculiar para que o leitor possa ainda que indiretamente construir sua opiniatildeo a respeito dos principais temas do noticiaacuterio nacional ou internacional []

Foi justamente esse caraacuteter hiacutebrido da crocircnica ndash de um modo particular da que eacute produzida e veiculada nos jornais de maior circulaccedilatildeo no Brasil ndash um dos moacuteveis que nos levaram a elegecirc-la como objeto de estudo do presente trabalho

Como resistir pois agraves colunas de jornais que abrem espaccedilo para a apresentaccedilatildeo de relatos os quais escritos hoje ldquoao correr

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do teclado do computadorrdquo notificam-nos em tom avaliativo sobre os grandes e pequenos acontecimentos que recheiam o nosso dia a dia Como desprezar o tom de pilheacuteria de chalaccedila conferido por nossos cronistas no tratamento de assuntos seacuterios como os desmandos de nossos poliacuteticos que lutam tatildeo bravamente em prol de seu bolso Como ignorar o DNA de escritores que conforme ilustrado no fragmento abaixo fazem do humor uma verdadeira arma pedagoacutegica em prol do estabelecimento de uma eacutetica precisa e justa entre noacutes

Quando a histoacuteria daacute bode (excerto)

Affonso Romano de SantrsquoAnnaUm candidato a presidente da repuacuteblica com 94 anos E cego Eacute ver para crer Isto ocorreu haacute poucos dias na Repuacuteblica Dominicana Esse senhor se chama Joaquim Balaguer Detalhe jaacute foi presidente umas seis vezes Claro que perdeu Os eleitores agraves vezes enxergam de longe

Quando li essa notiacutecia achei que estava lendo um romance de Garciacutea Maacuterquez puro realismo fantaacutestico latino-americano No entanto estava diante de jornais venezuelanos estava ali no Caribe pois havia ido fazer uma conferecircncia na Universidade de Caracas E estar no Caribe daacute um colorido especial ao fato pois neste continente a realidade supera qualquer alucinaccedilatildeo [] (SANTrsquoANNA 2006 p 194)

Nas trilhas de especialistas como Charaudeau (2008) e outros a organizaccedilatildeo composicional da crocircnica compreende os seguintes modos discursivos narraccedilatildeo descriccedilatildeo dissertaccedilatildeo argumentaccedilatildeo e injunccedilatildeo variaacutevel conforme o grau de saliecircncia conferido a cada uma dessas possibilidades Embora no tocante agrave crocircnica a maioria de nossos autores privilegiem o modo narrativo natildeo deixam de explorar os demais destacando sempre um deles A constacircncia na escolha de um mesmo destaque serve como elemento de distinccedilatildeo estiliacutestica entre os autores Assim por exemplo Machado

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de Assis eacute considerado por seus pares e pelos estudiosos da sua crocircnica como o cronista ldquoformador de leitoresrdquo Joatildeo do Rio como o ldquocronista da reportagemrdquo Rubem Braga como ldquoo magoartesatildeo da palavrardquo ou como o ldquocronista liacutericordquo Otto Lara Rezende como o ldquoperdulaacuterio verbalrdquo Clarice Lispector como a ldquoautoplagiaacuteriardquo etc

A respeito do liacuterico Rubem Braga leiamos

Recado ao senhor 903 (excerto)

Rubem Braga[] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo em que um homem batesse agrave porta do outro e dissesse ldquovizinho satildeo trecircs horas da manhatilde e ouvi muacutesica em tua casa Aqui estourdquo E o outro respondesse ldquoEntra vizinho e come do meu patildeo e bebe do meu vinho Aqui estamos todos a bailar e a cantar pois descobrimos que a vida eacute curta e a lua eacute belardquo [] (BRAGA 1991 p 74)

Certamente a concessatildeo de privileacutegio a um dos modos de organizaccedilatildeo do discurso natildeo implica a exclusatildeo automaacutetica dos demais Na verdade embora menos destacados esses coatuam com o mais proeminente servindo como componentes indispensaacuteveis para a operaccedilatildeo levada a termo pelo autor Por conseguinte natildeo nos estranha a presenccedila de ingredientes descritivos e dissertativos na narrativa efetuada pelo escritor mineiro Affonso Romano no fragmento correspondente ao excerto a esse anteriormente apresentado

Natildeo obstante esse ldquojeito camaleocircnico de serrdquo da crocircnica da sua fugacidade do seu caraacuteter mais popular longe de noacutes julgaacute-la inferior a gecircneros elitistas conforme o faz ateacute hoje uma parte de nossos criacuteticos Ao contraacuterio conforme jaacute dito aqui a nosso ver satildeo justamente esses traccedilos que juntamente com outros fizeram da crocircnica um dos gecircneros mais cultuados no Brasil tanto do ponto de vista da instacircncia produtora quanto da receptora

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Isso sem falar que esses e outros elementos mais como a heterogeneidade temaacutetica e formal a dialogicidade intra e interdiscursiva o tipo e grau de interaccedilatildeo entre o escritor e o leitor o estilo do escritor etc podem refletir especularmente a praacutetica social que determina a crocircnica bem como o quadro poliacutetico econocircmico histoacuterico e sociocultural em que se acha inserida

Inferimos disso tudo que aleacutem de instrumento de lazer de informaccedilatildeo de fruiccedilatildeo do prazer esteacutetico a crocircnica tem o poder de nos revelar fatos acontecimentos haacutebitos costumes e a proacutepria mentalidade vigentes nos variados grupos humanos cujos sujeitos como seres sociais buscam interagir uns com os outros Tudo isso num espaccedilo miacutenimo e num aacutetimo de tempo

Outro tipo de hibridismo a mencionar aqui eacute o que diz respeito agrave sua temaacutetica cujas possibilidades de variaccedilatildeo satildeo inestimaacuteveis No caso dos cronistas brasileiros surpreende-nos a capacidade que tecircm de tratar de assuntos tatildeo corriqueiros e tatildeo inesperados Expert nesse quesito Luiacutes Fernando Veriacutessimo por exemplo assim subverte em operaccedilatildeo metalinguiacutestica e intertextual ldquoo aparelho formal da enunciaccedilatildeordquo o subjetivismo na linguagem estudados por teoacutericos como Benveniste (1989) e o mito da criaccedilatildeo constante do Livro do Gecircnesis

A primeira pessoa (excerto)

Luiacutes Fernando VeriacutessimoNo comeccedilo era eu Soacute eu Eu eu eu eu eu eu Natildeo existia nem a segunda pessoa do singular porque eu natildeo podia chamar Deus de ldquoturdquo Tinha que chamaacute-lo de ldquoSenhorrdquo Natildeo existia ldquoelerdquo Natildeo existia ldquonoacutesrdquo Nem ldquovoacutesrdquo Nem ldquoelesrdquo Soacute existia eu Eu eu eu eu Natildeo que eu fosse um egocecircntrico Eacute que natildeo havia alternativa

Eu natildeo podia pensar nos outros porque natildeo havia outros O mundo era uma gramaacutetica em branco Soacute havia eu e todos os verbos eram na primeira pessoa Eu abri os olhos Eu olhei em volta Eu vi que estava num Paraiacuteso (do grego paradeisos um

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jardim de prazeres ou do persa paridaiza o parque de um nobre mas isso soacute se soube depois) Eu perguntei ldquoO que devo fazer Senhorrdquo e Deus responde ldquoNada apenas existardquo E eu fui tomado pelo teacutedio A primeira sensaccedilatildeo humana [] (VERIacuteSSIMO 2005 p 107)

Como consequecircncia do hibridismo do domiacutenio discursivo da crocircnica outros tipos de miscigenaccedilatildeo podem ser instaurados na qualidade de texto do suporte jornal que abriga gecircneros textuais diferentes instauram-se desde as colunas sociais agraves colunas de notiacutecias de reportagens de editoriais de informaccedilotildees cientiacuteficas de missivas dirigidas ao leitor e ao jornal etc Isso sem falar nos obituaacuterios nos anuacutencios nos classificados na mateacuteria dirigida especialmente a crianccedilas jovens adultos etc A crocircnica se aproveita desse manancial trazendo em seu bojo notiacutecias reportagens anuacutencios chegando a assumir por vezes a forma de missiva de editorial de coluna social etc

4 Consideraccedilotildees finais

A pretensatildeo deste trabalho foi observar como se comporta o gecircnero textual crocircnica em seu espaccedilo costumeiro no jornal O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e do ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

O espaccedilo midiaacutetico em que a crocircnica figura mais do que um suporte eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Esse gecircnero constitui-se sempre como um espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de

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retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social em operaccedilotildees que visam agrave concordacircncia na troca interlocutiva por isso mesmo os cronistas satildeo instauradores de uma empatia entre os interlocutores

Este trabalho procurou ir ao encontro dessa forma de enxergar o discurso da crocircnica em que observaacutessemos o conjunto de forccedilas que contribuiacuteram e continuam contribuindo para a conquista do espaccedilo de prestiacutegio que o gecircnero possui em que o cronista precisa conjugar posiccedilatildeo institucional forccedila argumentativa persuasiva e talento na arte da escrita do seu discurso a fim de que o seu interlocutor se veja a cada crocircnica lida mais seduzido pelo gecircnero mesmo porque afinal nesse processo de persuasatildeo se o cronista obteacutem sucesso eacute pelo fato de que de alguma maneira o leitor se encontra ali inscrito pois o orador arguto natildeo negligencia o seu auditoacuterio antes respeita os seus saberes de conhecimento de crenccedila e sabe que precisa angariar a sua simpatia a sua predisposiccedilatildeo para ldquoouvirrdquo acatar ideias modificar posturas

Enfim essa posiccedilatildeo de legitimidade institucional do cronista repousa na imagem que ele daacute a entender de si mesmo a do cidadatildeo tal qual o outro que o lecirc

Referecircncias

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Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

Somos movidos por diferentes convicccedilotildees crenccedilas e valores que orientam nossas condutas e atitudes na sociedade Esse conjunto de concepccedilotildees abrange diferentes assuntos como poliacutetica e religiatildeo ou diversas aacutereas do conhecimento como a Sociologia ou a Histoacuteria ora com embasamento cientiacutefico ora com ideias disseminadas pelo senso comum Entre os variados temas que levantam discussotildees encontra-se a liacutengua Rejeitada criticada ou amada muitas satildeo as percepccedilotildees e avaliaccedilotildees sobre ela e seus usuaacuterios

Em relaccedilatildeo agrave Liacutengua Portuguesa variados mitos conforme Bagno (2013) percorrem o imaginaacuterio social Podemos citar por exemplo aqueles que consideram que o brasileiro fala mal sua proacutepria liacutengua que o idioma eacute muito difiacutecil e que o aluno fala ldquoerradordquo Essas manifestaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave liacutengua ou a seus usuaacuterios natildeo soacute satildeo muitas vezes construiacutedas na escola mas tambeacutem no aparato social que vai (re)construiacute-las sustentaacute-las ou perpetuaacute-las (CYRANKA 2014) Por isso a importacircncia de compreendermos as crenccedilas e atitudes sobre a liacutengua toacutepicos de um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica

Se os falantes podem ter diferentes percepccedilotildees sobre a linguagem e sobre o outro pelo uso que este faz da liacutengua eacute pertinente analisar essas percepccedilotildees e empreender esforccedilos para um entendimento sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica descortinando crenccedilas e preconceitos Sob essa perspectiva neste capiacutetulo abordamos o estudo ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014)

Assim em um primeiro momento contextualizamos a pesquisa descrevendo o cenaacuterio escolar em que se desenvolveu e o puacuteblico participante Em seguida discutimos os pressupostos teoacutericos que embasaram as reflexotildees e trilhamos o percurso do estudo levantando hipoacuteteses definindo objetivos e delineando

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os procedimentos metodoloacutegicos Na sequecircncia analisamos e levantamos questotildees sobre os resultados gerais que alcanccedilamos tecemos nossas consideraccedilotildees finais e arrolamos as referecircncias

2 Contexto da pesquisa e perfil de informantes

A pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo foi realizada com duas turmas do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica municipal de Baratildeo de Cocais ndash Minas Gerais Participaram do estudo 42 alunos dos quais 23 de uma turma do 6ordm ano e 19 de uma do 8ordm ano Para levantarmos informaccedilotildees sobre esses estudantes e traccedilarmos um perfil dos informantes aplicamos um questionaacuterio a eles e a seus responsaacuteveis analisamos documentos da escola e dados fornecidos pelas Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo e consideramos informaccedilotildees do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e da Prova Brasil (2011)

Esse conjunto de dados e de informaccedilotildees foi relevante porque acreditamos que para ser significativo o tratamento da Liacutengua Portuguesa precisa considerar as demandas dificuldades potencialidades e interesses dos alunos de modo que seja fundamental levar em conta suas particularidades socioculturais e analisar documentos da escola e resultados de avaliaccedilotildees externas e internas

Por meio do levantamento dessas informaccedilotildees pudemos constatar em relaccedilatildeo aos 42 alunos que a) a faixa etaacuteria dos informantes oscilava entre 11 e 18 anos b) a maioria dos alunos da turma do 6ordm ano (61) se enquadrava na faixa etaacuteria esperada para se cursar essa etapa enquanto apenas um aluno da turma do 8ordm ano estava em idade prevista ao ano escolar que cursava o que apontava no caso dessa uacuteltima turma haver um alto iacutendice de distorccedilatildeo idade-ano escolar (95) indicativo de que muitos alunos

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haviam repetido algum ano escolar inclusive o proacuteprio 8ordm ano (60) c) 785 dos estudantes informaram que natildeo tinham biblioteca ou livros para leitura em casa o que demonstrou a necessidade de a escola desenvolver praacuteticas de leitura e d) grande parte dos alunos das duas turmas reside na zona urbana 87 dos 23 alunos do 6ordm ano e 79 do 8o ano

A obtenccedilatildeo desses e de outros dados nos permitiu compilar caracteriacutesticas dos estudantes natildeo soacute escolares mas tambeacutem sociais e culturais (QUEIROZ PEREIRA 2013) o que foi primordial para um adequado encaminhamento de nossa proposta de intervenccedilatildeo porque sabemos que esses diferentes fatores podem exercer influecircncia no sucesso (ou no fracasso) dos estudantes (CAPOVILLA CAPOVILLA 2000)

Com base nesses princiacutepios a motivaccedilatildeo de nosso estudo partiu de avaliaccedilotildees negativas de alguns dos alunos sobre determinados usos linguiacutesticos que resultaram no silenciamento de um estudante que justificava sua natildeo participaccedilatildeo em aula entre outros motivos ao modo como falava uma variedade rural que ele considerava ldquoerradardquo

A partir disso julgamos ser urgente uma abordagem condizente sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula para natildeo soacute mostrar aos alunos que uma grande diversidade caracteriza o Portuguecircs mas sobretudo para desfazer imagens negativas sobre essa variaccedilatildeo e consequentemente elevar a autoestima linguiacutestica e social dos estudantes Para atingirmos essa meta alicerccedilamos nosso estudo em fundamentos que abordamos na proacutexima seccedilatildeo

3 Pressupostos teoacutericos

O foco de nosso estudo foi trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula desfazendo mitos preconceitos e imagens negativas dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa e sobre os proacuteprios falantes Nesse intuito fizemos um levantamento bibliograacutefico de diferentes

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trabalhos e pesquisas sobre o ensino de Portuguecircs em especial o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica Nesse sentido definimos como principais contribuiccedilotildees os construtos da Sociolinguiacutestica e da Sociolinguiacutestica Educacional

Assumimos primeiramente a concepccedilatildeo sociointeracionista da liacutengua porque eacute por meio dela que interagimos estabelecemos relaccedilotildees dialoacutegicas exercemos influecircncia e somos influenciados Assim sendo nosso conceito de liacutengua ultrapassa a mera noccedilatildeo de coacutedigo ou de conjunto de regras a serem seguidas para bem falar e escrever para passar a se referir a um instrumento ou mecanismo de accedilatildeo social heterogecircneo variaacutevel e situado que se manifesta nos mais diferentes gecircneros textuais orais ou escritos (MARCUSCHI 2000) Entender a liacutengua nessa perspectiva pressupotildee levar em conta suas interseccedilotildees com o contexto social em que eacute utilizada e com o qual estabelece os mais variados tipos de relaccedilatildeo aspectos que nos direcionam para os estudos sociolinguiacutesticos

A Sociolinguiacutestica eacute um campo da Linguiacutestica que comeccedilou a tomar corpo pelas contribuiccedilotildees de diferentes pesquisadores como Meillet e Bernstein e que surgiu a partir da iniciativa de Bright ao reunir em 1964 em Los Angeles um grupo para discutir questotildees relacionadas a essa ciecircncia como por exemplo a etnologia da variaccedilatildeo linguiacutestica (CALVET 2002) Mas Labov se tornaria o principal precursor dessa linha de pesquisa Com o estudo e a valorizaccedilatildeo da variedade linguiacutestica e do entendimento das condiccedilotildees socioculturais em que ela se desenvolve foram legitimados os diferentes modos de dizer um mesmo conteuacutedo em uma mesma situaccedilatildeo com o mesmo valor de verdade (TARALLO 1997)

A partir das discussotildees de Faraco (1998) e de Bortoni-Ricardo (2014) entendemos que a Sociolinguiacutestica faz uma relaccedilatildeo entre usos linguiacutesticos e fatores sociais como o grau de escolaridade e o niacutevel socioeconocircmico do falante Ainda que sejam distintos a liacutengua e o contexto social se correlacionam o que significa que

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regras variaacuteveis podem estar condicionadas a fatos linguiacutesticos como o contexto na palavra ou no texto em que ocorrem ou a fatos extralinguiacutesticos como a faixa etaacuteria e a situaccedilatildeo de formalidade ou informalidade da interaccedilatildeo Com base em Cezario e Votre (2013) podemos citar em relaccedilatildeo ao primeiro caso a realizaccedilatildeo ou natildeo do fonema [R] final em verbos conforme o contexto fonoloacutegico seguinte a ele a presenccedila de uma vogal favorece a pronuacutencia do [ɾ] reorganizando a siacutelaba (como em ldquopegar a crianccedilardquo) enquanto a consoante acaba desfavorecendo (ldquotomar banhordquo) Acerca da segunda situaccedilatildeo ainda na ocorrecircncia ou natildeo do [R] final de infinitivo falantes com menor grau de escolaridade tendem a apagaacute-lo ao contraacuterio daqueles que tecircm maior grau

Assim trata-se de uma aacuterea de pesquisa que procura analisar os eventos linguiacutesticos tanto interna quanto externamente em sua relaccedilatildeo com fatores sociais culturais e histoacutericos que influenciam e caracterizam a liacutengua estudada como ela ocorre em seus diferentes usos diversa como o proacuteprio ser humano A variaccedilatildeo com isso torna-se uma caracteriacutestica constitutiva das liacutenguas em uso

Essa variaccedilatildeo com base em Castilho (2014) pode por exemplo ser temporal (analisar o Portuguecircs de periacuteodos passados em relaccedilatildeo ao mais atual) geograacutefica (verificar as relaccedilotildees entre origem do falante e os usos especiacuteficos que faz da liacutengua) sociocultural (como correlacionar determinados usos da liacutengua com segmentos da sociedade) individual (considerar caracteriacutesticas proacuteprias do falante como idade e gecircnero) de registro (levar em conta a formalidade ou informalidade) ou de canal (estudar usos escritos ou falados) Acresccedila-se a isso que a variaccedilatildeo pode se processar em qualquer niacutevel da liacutengua como o fonoloacutegico (por exemplo as diferentes realizaccedilotildees do ldquoerdquo da palavra ldquoescolardquo [i] [e] ou [ε]) o lexical (como tangerina ou mexerica) e o sintaacutetico (ldquoo pai cujo filho eacute meacutedicordquo ou ldquoo pai que o filho eacute meacutedicordquo)

Se a variaccedilatildeo eacute intriacutenseca agrave liacutengua como abordaacute-la em sala de aula Para responder a essa indagaccedilatildeo buscamos subsiacutedios na

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Sociolinguiacutestica Educacional que no Brasil estaacute muito vinculada aos importantes trabalhos da professora e pesquisadora Stella Maris Bortoni-Ricardo Trata-se de uma vertente que procura natildeo soacute analisar a variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem trazer para o contexto da sala de aula suas aplicaccedilotildees (e implicaccedilotildees) (BORTONI-RICARDO 1999)

Para tanto Bortoni-Ricardo (2005) propotildee entender e trabalhar a ecologia do Portuguecircs Brasileiro ao considerar trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica Por se tratar de contiacutenuos eacute importante concebecirc-los como processos ou eventos os quais contemplam diferentes usos que muitas vezes se entrelaccedilam e por isso podem natildeo ter fronteiras bem demarcadas No primeiro caso podemos pensar em usos rurais mais isolados em um dos polos e no outro em usos urbanos que sofreram maior padronizaccedilatildeo perpassados pelo ldquorurbanordquo que podem englobar por exemplo usos por falantes que migraram de uma regiatildeo para outra mas que ainda preservam seus antecedentes culturais e linguiacutesticos Em relaccedilatildeo agrave oralidade-letramento de um lado se enquadram os usos falados sem influecircncia direta da escrita e do outro os usos sob a mediaccedilatildeo da escrita enquanto a monitoraccedilatildeo estiliacutestica se refere aos usos mais monitorados e planejados de um lado do contiacutenuo e do outro usos mais espontacircneos e menos monitorados

Eacute importante em sala considerar esses contiacutenuos pois conforme Bagno (2017) ao se ampliar o repertoacuterio do aluno e ao inseri-lo cada vez mais em eventos da cultura letrada ele teraacute mais subsiacutedios para participar eficientemente das situaccedilotildees de interaccedilatildeo Nesse sentido eacute oportuno que a escola desenvolva atividades que possam levar os estudantes a dominar a liacutengua em praacuteticas sociais operando assim sobre as variadas dimensotildees da linguagem (gramatical semacircntica pragmaacutetica) (BRASIL 1998)

Nesse processo cabe ldquoinstrumentalizar o aprendiz para que ele possa descobrir com seus camaradas as determinaccedilotildees sociais

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das situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo assim como o valor das unidades linguiacutesticas no quadro de seu uso efetivordquo (DOLZ SCHNEUWLY 2004 p 47) Isso significa que no caso do tratamento da variaccedilatildeo em sala o foco deve ser refletir sobre os diferentes usos da linguagem conforme o contexto comunicativo avaliando as intenccedilotildees discursivas e os efeitos de sentido pretendidos e alcanccedilados

A perspectiva eacute trabalhar a diversidade que caracteriza a liacutengua contemplando os variados gecircneros textuais-discursivos orais ou escritos e contribuir consequentemente para ampliar a competecircncia linguiacutestico-comunicativa do estudante por meio de praacuteticas efetivas de uso da linguagem elevando a autoestima do aluno como falante da Liacutengua Portuguesa e conscientizando-o de que a variaccedilatildeo pode envolver avaliaccedilatildeo A esse respeito Cyranka (2014) pontua que a avaliaccedilatildeo linguiacutestica eacute um tema que deve ser discutido porque estaacute relacionado agraves atitudes em relaccedilatildeo agrave liacutengua e ao proacuteprio falante

Assim se crenccedilas imagens e percepccedilotildees sobre a liacutengua podem influenciar o comportamento linguiacutestico e social eacute necessaacuteria uma proposta pedagoacutegica que se oriente natildeo somente pela identificaccedilatildeo de que a liacutengua varia mas que ao constatar essa variaccedilatildeo envolva tambeacutem reflexatildeo conscientizaccedilatildeo e especialmente respeito e aceitaccedilatildeo da diversidade linguiacutestica Adotamos essa perspectiva com base em Bortoni-Ricardo (2005) porque ldquoa compreensatildeo indevida a natildeo compreensatildeo ou a subversatildeo [de] normas valores e atitudes podem resultar em atitudes violentas comportamentos agressivos atos preconceituosos diante da imposiccedilatildeo (e da natildeo aceitaccedilatildeo) autoritaacuteria de formas de ser pensar e agirrdquo (SOARES 2014 p 105)

Diante disso a partir do momento em que o aluno compreende o que eacute a variaccedilatildeo linguiacutestica e passa a aceitar a diversidade de usos poderaacute agir respeitosamente com relaccedilatildeo aos diferentes falares e aos usuaacuterios da linguagem e elevar sua autoestima como falante o que poderaacute resultar na geraccedilatildeo de avaliaccedilotildees positivas e

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no combate ao preconceito linguiacutestico Esse aliaacutes foi um de nossos objetivos ao levantarmos as imagens (negativas) de alguns alunos sobre o modo como eles proacuteprios se avaliavam como falantes da Liacutengua Portuguesa e a partir disso desmitificar crenccedilas e conscientizaacute-los sobre a diversidade linguiacutestica

Com base nesses pressupostos desenvolvemos a pesquisa cujo percurso de realizaccedilatildeo detalhamos no proacuteximo toacutepico

4 Percurso do estudo

A pesquisa que ora sintetizamos partiu de nossa experiecircncia em sala de aula especialmente pela observaccedilatildeo sobre as imagens negativas que os alunos da turma do 8ordm ano tinham da liacutengua dentre os quais destacamos um estudante que pouco participava das aulas devido agrave avaliaccedilatildeo que ele proacuteprio fazia de sua fala a qual considerava ldquoerradardquo por sua origem rural Tornou-se necessaacuterio assim compreendermos o fenocircmeno agrave luz de teorias pertinentes orientando-nos pelos pressupostos da Sociolinguiacutestica Educacional

Isso posto levantamos duas hipoacuteteses para a pesquisa observando se (1) os alunos demonstrariam ter imagens equivocadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica e a partir disso se (2) o tratamento da variaccedilatildeo poderia ser favorecido por meio do desenvolvimento de atividades Consideramos essas hipoacuteteses muito importantes porque a primeira focalizava o levantamento de imagens enquanto a segunda consequecircncia da outra referia-se ao tratamento dessas imagens em sala de aula

Por isso guiaram as metas da pesquisa sendo objetivo geral fazer uma abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com os alunos o que pressupunha tanto compreender como eles percebiam a diversidade da liacutengua quanto a partir dessas percepccedilotildees desenvolver atividades que priorizassem a abordagem da variaccedilatildeo em sala de aula e contribuiacutessem para o afloramento de imagens

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positivas em relaccedilatildeo agrave liacutengua agraves suas variedades e aos falantes no caso os proacuteprios estudantes

Com base nesse propoacutesito traccedilamos os objetivos especiacuteficos intencionando levantar as imagens dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa transformar a variaccedilatildeo linguiacutestica em componente curricular esclarecer sobre o preconceito linguiacutestico e desenvolver atividades que contemplassem o Portuguecircs padratildeo Esses objetivos se nortearam pela necessidade de os alunos terem imagens mais positivas sobre a liacutengua e de desenvolvermos em sala uma abordagem adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica assim como pela importacircncia de ensinarmos a variedade padratildeo do Portuguecircs a que eles tecircm direito dada a sua relevacircncia social

Para alcanccedilarmos esses objetivos orientamo-nos pela pesquisa etnograacutefica e pela pesquisa-intervenccedilatildeo Os estudos etnograacuteficos procuram analisar a natureza das relaccedilotildees entre as pessoas e o comportamento que adotam (TELLES 2002) no nosso caso a relaccedilatildeo professor-alunos e alunos-alunos no contexto da sala de aula O propoacutesito entatildeo foi procurar desvelar processos e eventos que poderiam por se tornarem rotineiros passar despercebidos (BORTONI-RICARDO 2008) principalmente por noacutes professores

Dessa forma nossa intenccedilatildeo foi com base em Feltran e Filho (1991) levantar dados sobre os alunos para que nossa praacutetica pedagoacutegica se tornasse adequada selecionando conteuacutedos e delineando estrateacutegias para o sucesso do processo educativo Para tanto analisamos a rotina da sala de aula avaliando a estrutura que a caracterizava na busca por situaccedilotildees que pudessem desencadear ressignificaccedilotildees do planejamento de aulas o que resultou na detecccedilatildeo de imagens negativas dos proacuteprios alunos sobre a variedade da liacutengua que usavam

Utilizamos dois procedimentos metodoloacutegicos para um entendimento da etnografia da sala de aula a) questionaacuterio b) atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica O primeiro recurso foi aplicado tanto a alunos quanto aos seus responsaacuteveis e continha questotildees

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que abordavam entre outros aspectos as praacuteticas de letramento e a avaliaccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa O Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de alunos era composto por 45 questotildees enquanto o Questionaacuterio Nordm 2 ndash Responsaacutevel por Aluno tinha 37 toacutepicos a serem respondidos As atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica foram quatro abordando as muacutesicas ldquoSaudosa Malocardquo ldquoAsa Brancardquo e ldquoChopis Centisrdquo e dois episoacutedios da novela ldquoAlma Gecircmeardquo O foco dessas atividades foi verificar a reaccedilatildeo dos alunos ao tipo de linguagem empregado e suscitar e levantar as avaliaccedilotildees positivas ou negativas que poderiam fazer desses usos

A partir disso pautamo-nos pela pesquisa-intervenccedilatildeo uma vez que pela reinterpretaccedilatildeo da sala de aula procuramos intervir socioanaliticamente (ROCHA AGUIAR 2003) ou seja com o entendimento da realidade dos alunos com base nas respostas dos questionaacuterios e das atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica propusemos uma accedilatildeo que pudesse transformaacute-la Consideramos entatildeo natildeo soacute o contexto escolar dos estudantes mas tambeacutem o social e assumimos um compromisso eacutetico-poliacutetico de implementar uma praacutetica inovadora (GABRE 2012) com o objetivo de contribuir para o entendimento da variaccedilatildeo linguiacutestica para a produccedilatildeo de imagens positivas sobre a Liacutengua Portuguesa e suas variedades e para a elevaccedilatildeo da autoestima dos alunos

Para promover essa intervenccedilatildeo elaboramos uma sequenciaccedilatildeo de atividades que se baseou no modelo em espiral da sequecircncia didaacutetica proposta por Dolz e Schneuwly (2004) e dos trecircs contiacutenuos da ecologia do Portuguecircs Brasileiro discutidos por Bortoni-Ricardo (2005) O objetivo dessa sequenciaccedilatildeo foi promover a reflexatildeo linguiacutestica problematizar o preconceito linguiacutestico e caracterizar a variaccedilatildeo linguiacutestica

Procuramos pois fomentar a reflexatildeo nos alunos Para tanto tomamos por base textos de diferentes gecircneros procedemos a atitudes e delineamos procedimentos para instigar e valorizar os conhecimentos preacutevios dos estudantes partindo de situaccedilotildees

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mais amplas ateacute chegar a um contexto mais especiacutefico abordando fenocircmenos linguiacutesticos mais conhecidos e provaacuteveis ateacute eventos de fala ou de escrita que poderiam ser de pouco entendimento dos estudantes ou de ocorrecircncia menos frequente em seus usos da linguagem

Estruturamos essa sequecircncia de atividades em 10 moacutedulos 1) ldquoNas sendas do patrimocircniordquo 2) ldquoA liacutengua como patrimocircniordquo 3) ldquoA liacutengua e a histoacuteria de Baratildeo de Cocaisrdquo 4) ldquoOs olhares sobre Baratildeo sobre si sobre a liacutenguardquo 5) ldquoO modo como eu falo eacute errado Eu sou um errordquo 6) ldquoSou da roccedila E daiacute O outro jaacute mora na cidade Mas todos somos cocaienses 7) ldquoA liacutengua que falamos e a liacutengua que escrevemosrdquo 8) ldquoNoacuteis vai Noacutes vamos E aiacuterdquo 9) ldquoO texto literaacuterio e a liacutenguardquo e 10) ldquoFim de um comeccedilo as variedades da liacutengua e a escolardquo

Depois do desenvolvimento de cada um dos moacutedulos aplicamos uma ldquoFicha de Avaliaccedilatildeordquo por meio da qual os alunos poderiam avaliar as atividades e dar sugestotildees Como instrumento de verificaccedilatildeo da aprendizagem aplicamos 3 atividades 1) reflexatildeo sobre o viacutedeo ldquoChico Bento no Shoppingrdquo 2) anaacutelise de trecho do ldquoLivro de Juiacutezes (12 46)rdquo 3) discussatildeo do viacutedeo ldquoPreconceito Linguiacutesticordquo

Os resultados desses procedimentos e tarefas satildeo apresentados e analisados na seccedilatildeo que se segue

5 Resultados gerais

Aplicamos aos alunos na fase diagnoacutestica de levantamento de dados o Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de Alunos Entre as diferentes questotildees que compunham o instrumento a ldquo42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo deteve nossa atenccedilatildeo As respostas dos 42 alunos apontaram que deles 405 tinham imagens negativas sobre a variedade da liacutengua que usavam tatildeo

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bem para se comunicarem no dia a dia Satildeo exemplos dessas percepccedilotildees28

1) ldquomais ou menos porque tem vezes que eu falo muitas coisas erradasrdquo (informante 6A8)

2) ldquoeu sou igual aos meus pais agraves vezes falo errado eu eacute porque falo errado mesmo eu puxei a minha famiacutelia eles tambeacutem falam erradordquo (informante 6A7)

3) ldquomuito ruim porque a minha liacutengua eacute presardquo (informante 6A4)

4) ldquomuito mal falo muito coisa erradardquo (informante 8A13)

5) ldquomais ou menos porque tem vezes que falo erradordquo (informante 8A8)

Esses e outros comentaacuterios dos alunos nos mostraram que a cultura do ldquoerrordquo era recorrente em suas percepccedilotildees estando muitas vezes relacionada agrave fala Em decorrecircncia dela os estudantes avaliavam negativamente o modo como usam a liacutengua instrumento por meio do qual se comunicam eficientemente no cotidiano Comprovamos assim a nossa hipoacutetese de que os educandos poderiam ter imagens equivocadas ou deturpadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica Esses dados obtidos estatildeo relacionados ao mito discutido por Bagno (2013) o usuaacuterio julga que natildeo sabe a proacutepria liacutengua da qual faz uso e considera que fala ldquoerradordquo

Diante dessas imagens iniciais procuramos obter dados mais sistematizados a partir das 4 atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica Observamos que foram geradas de modo geral avaliaccedilotildees negativas sobre alguns usos da Liacutengua Portuguesa sobretudo acerca de falares de pessoas de origem rural e com menos escolaridade Satildeo exemplos dessas avaliaccedilotildees

28 A transcriccedilatildeo de todos os comentaacuterios dos informantes foi revista de acordo com a ortografia oficial Foram utilizados coacutedigos para manter em sigilo o nome dos participantes conforme normas eacuteticas da pesquisa

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6) ldquopor causa do jeito que ele falou as palavras estava erradordquo (informante 6A12)

7) ldquoo modo de falar que eacute esquisitordquo (informante 6A23)

8) ldquoeacute muito estranhordquo (6A5)

9) ldquoporque eacute feia a conversa delesrdquo (informante 8A18)

10) ldquoeu consertaria a pessoa e falava o jeito certordquo (informante 8A2)

Foi necessaacuterio diante dessas percepccedilotildees trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica identificar usos da liacutengua e esclarecer o que eacute preconceito linguiacutestico combatendo-o por meio da abordagem dos trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica (BORTONI-RICARDO 2005)

Aplicamos entatildeo a sequenciaccedilatildeo de atividades Em relaccedilatildeo agrave qualidade da proposta desenvolvida os alunos de modo geral fizeram uma avaliaccedilatildeo positiva os 10 moacutedulos tiveram meacutedia de 40 para ldquobomrdquo e 47 para ldquoexcelenterdquo Jaacute em referecircncia agraves aprendizagens dos estudantes os trecircs exerciacutecios que aplicamos apresentaram interessantes iacutendices descritos na Tabela 1

Tabela 1 Resultados dos exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem

Exerciacutecio Questotildees objetivas

Meacutedia do iacutendice das respostas esperadas

ou adequadas das questotildees

Meacutedia do iacutendice das respostas

natildeo esperadas ou adequadas das

questotildees1 1 2 e 3 87 852 Uacutenica 865 1153 2 e 3 84 12

Fonte Dados obtidos a partir dos resultados de Soares (2014)

Os dados obtidos apontam mudanccedila significativa na percepccedilatildeo dos alunos Se antes por exemplo 405 dos 42 alunos

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apresentavam visotildees negativas sobre a proacutepria liacutengua que falavam ou sobre determinados usos especialmente os relacionados a situaccedilotildees de informalidade ou a falantes com menos escolaridade ou de aacutereas mais rurais percebemos que a grande maioria (mais de 84) reviu suas concepccedilotildees e passou a ter uma maior consciecircncia linguiacutestica compreendendo a variaccedilatildeo e respeitando a diversidade de usos Com isso a proposta de intervenccedilatildeo atingiu os objetivos propostos a) desmitificar crenccedilas negativas e preconceitos b) trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica conscientizando sobre os usos diversos da linguagem c) elevar a autoestima linguiacutestica dos alunos Podemos citar como exemplos de avaliaccedilotildees positivas os seguintes comentaacuterios dos estudantes

11) ldquoA valorizar a linguagem da roccedilardquo (informante 8A2)

12) ldquoQue natildeo devemos ter vergonha de nossa falardquo (informante 6A9)

13) ldquoSim eu falo a liacutengua muito bem porque eacute meu patrimocircniordquo (informante 6A17)

14) ldquoQue a gente tem que ter orgulho da nossa liacutenguardquo (informante 8A12)

15) ldquoA importacircncia de nossa liacutenguardquo (informante 8A11)

A reflexatildeo do informante 6A16 tambeacutem chamou nossa atenccedilatildeo

16) ldquoNatildeo existe linguagem errada Se noacutes falamos que a linguagem eacute errada noacutes somos erradosrdquo O estudante entatildeo natildeo soacute aponta para a conclusatildeo de que eacute incorreto afirmar que a liacutengua que falamos eacute ldquoerradardquo mas tambeacutem direciona para uma importante discussatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e identidade do falante Se a liacutengua eacute considerada ldquoerradardquo o falante estaacute agindo para caracterizar a si ou ao outro como um ldquoerrordquo o que na percepccedilatildeo do aluno natildeo pode ocorrer Corroboram essa reflexatildeo do educando outros comentaacuterios que repudiam o preconceito linguiacutestico

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17) ldquoEu acho muito ruim o racismo com as pessoas soacute pelo jeito que ela fala o sotaque pode ser diferente natildeo precisa ser racista pelo jeito de falarrdquo (informante 6A16)

18) ldquoEu acho que natildeo [se] deve julgar algueacutem pelo jeito que ela fala [pois] isto magoa as pessoasrdquo (informante 6A16)

19) ldquoUm preconceito linguiacutestico e isso eacute um crime graverdquo (informante 8A14)

20) ldquoNatildeo acho certo porque ningueacutem tem o direito de julgar o proacuteximo por causa de liacutenguardquo (informante 6A17)

21) ldquoOs preconceitos As pessoas devem ser respeitadasrdquo (informante 6A22)

Um exemplo tambeacutem interessante eacute o relato do estudante 8A5 que nas atividades apontou que 22) ldquoeacute a liacutengua que falamos ela representa riqueza e valorrdquo quando anteriormente havia respondido no Questionaacuterio do Aluno para a ldquoQuestatildeo 42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo 23) ldquoNatildeo gostordquo (informante 8A5) O aluno modificou consideravelmente sua percepccedilatildeo sobre a liacutengua que usa

Esses resultados e comentaacuterios sinalizam que trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica por meio dos contiacutenuos propostos por Bortoni-Ricardo (2005) pode ser uma proposta produtiva natildeo soacute porque desmitifica preconceitos e crenccedilas negativas sobre a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem porque contribui para que os alunos compreendam sistematicamente a variaccedilatildeo linguiacutestica Diante dessas observaccedilotildees tecemos nossas conclusotildees

6 Consideraccedilotildees finais

Nosso propoacutesito com a pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014) foi captar e analisar o modo como os alunos percebiam a si mesmos

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como falantes do Portuguecircs Brasileiro e a partir disso propor uma abordagem de ensino adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica

Nesse intuito aplicamos um questionaacuterio aos estudantes e constatamos que boa parte deles tinha uma imagem negativa da liacutengua que usavam Para obtermos dados mais precisos sobre essa questatildeo desenvolvemos quatro atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica cujos resultados confirmaram nossa hipoacutetese de que os estudantes apresentavam imagens negativas sobre determinados usos da liacutengua sobretudo daqueles falares de pessoas com origem rural ou com menos escolaridade

A partir disso delineamos uma proposta de intervenccedilatildeo estruturada em 10 moacutedulos e baseada nos pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos da Sociolinguiacutestica Educacional em especial nas discussotildees de Bortoni-Ricardo (2005) sobre os trecircs contiacutenuos (rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica) que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro

Os resultados dos moacutedulos desenvolvidos e dos trecircs exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem aplicados apontam que foi muito positiva a estrateacutegia de abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com base nesses contiacutenuos Por um lado inferimos a partir de Pastorelli (2012) e Orsi (2011) que valores e comportamentos linguiacutesticos natildeo se alteram rapidamente porque jaacute fazem parte da identidade dos falantes e da cultura na qual essa personalidade foi se formando e que influencia sobremaneira o jeito de cada um de ser pensar e agir

Poreacutem por outro lado ao entenderem os fatores que influenciam a diversidade linguiacutestica e ao aceitarem e respeitarem essa variedade os alunos criaram imagens mais positivas da liacutengua que usam e consequentemente poderatildeo adotar comportamentos linguiacutesticos e sociais tambeacutem mais positivos inclusive sobre si mesmos na condiccedilatildeo de falantes competentes da Liacutengua Portuguesa elevando assim a sua autoestima

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Uma abordagem da liacutengua nessa perspectiva pressupotildee que seja essencial o professor considerar a realidade linguiacutestico-social dos alunos refletir sobre a relevacircncia social poliacutetica e cultural de uma abordagem quase exclusiva da norma-padratildeo e planejar atividades que contemplem a gama de variedades que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro A anaacutelise da liacutengua sob esses paracircmetros contribui para o descarte de preconceitos para o entendimento de que natildeo haacute liacutengua ou variedade melhor do que outra pois satildeo funcionalmente equivalentes e para a aceitaccedilatildeo de que a variaccedilatildeo eacute um fenocircmeno inerente agrave linguagem em decorrecircncia da proacutepria natureza humana notadamente marcada por uma grande diversidade sociocultural

Assim o estudo da variaccedilatildeo linguiacutestica se torna ao mesmo tempo socializado e socializante porque ao discutir e problematizar a diversidade da linguagem instrumentaliza o aluno para usar a liacutengua de acordo com a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo o gecircnero textual-discursivo o interlocutor e o propoacutesito comunicativo Com isso ao desenvolver propostas que abordem os diferentes usos linguiacutesticos o docente poderaacute contribuir para que os conhecimentos dos estudantes sobre a liacutengua se ampliem o que consequentemente poderaacute colaborar para o aperfeiccediloamento de sua competecircncia comunicativa potencializando dessa forma sua atuaccedilatildeo na sociedade

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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1 Introduccedilatildeo

Apresentamos neste capiacutetulo os resultados de uma pesquisa29 realizada no municiacutepio de Lontra localidade interiorana com alguns usos linguiacutesticos peculiares que motivaram esta investigaccedilatildeo sendo um deles em especial a alternacircncia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos moradores daquele lugar O municiacutepio localiza-se na regiatildeo do norte de Minas Gerais e conta com uma populaccedilatildeo estimada de 9008 habitantes segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)30 Iniciou seu processo de povoamento agraves margens de uma lagoa (habitada pelo animal lontra daiacute o nome do lugar) que era ponto de parada para descanso de tropeiros e viajantes que por ali passavam transportando mercadorias em lombos de animais e carros de boi Por sua localizaccedilatildeo estrateacutegica alguns viajantes foram fixando morada naquele ponto surgindo entatildeo as primeiras famiacutelias que deram origem agrave comunidade

A escola locus da pesquisa eacute a Escola Estadual Guimaratildees Rosa instituiccedilatildeo onde atuamos como docente Eacute a uacutenica da rede estadual do municiacutepio atende cerca de 900 alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental ao 3ordm ano do ensino meacutedio com funcionamento nos trecircs turnos Escolhemos como puacuteblico-alvo duas turmas do 8ordm ano do Ensino Fundamental totalizando 48 alunos sendo 27 meninas e 21 meninos

Assim nossas observaccedilotildees empiacutericas e aleatoacuterias na lida diaacuteria como professora e tambeacutem como moradora da cidade somadas ao ineditismo do estudo do fenocircmeno linguiacutestico em questatildeo especificamente em Lontra-MG direcionaram nosso trabalho

Durante a investigaccedilatildeo sobre o fenocircmeno percebemos a estigmatizaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos visto que a forma de

29 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly381yRFu30 Dados obtidos no siacutetio httpscidadesibgegovbrbrasilmglontrapanorama Acesso em 15 jul 2019

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tratamento ao interlocutor nos diaacutelogos travados entre os falantes nem sempre era por meio do ldquovocecircrdquo forma pronominal de uso corriqueiro entre os usuaacuterios da Liacutengua Portuguesa do Brasil Em situaccedilotildees de informalidadeintimidadeproximidade com seu interlocutor o morador da comunidade pesquisada usa o ldquoturdquo (pronome de segunda pessoa) poreacutem sem proceder agrave concordacircncia verbal conforme exige a variedade padratildeo do Portuguecircs brasileiro ou seja o falante usa o ldquoturdquo entretanto o verbo eacute conjugado na terceira pessoa do singular (Exemplo ldquoTu foi laacuterdquo) fenocircmeno que gera preconceito linguiacutestico entre os moradores do lugar Lontra e os das localidades vizinhas

Por essas razotildees propusemo-nos a descrever e analisar o uso das duas formas pelos alunos informantes em contextos variados de interlocuccedilatildeo e tambeacutem investigar se o que acontecia com esses usos linguiacutesticos era um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e em caso afirmativo quais fatores motivavam essa alternacircncia de uso quais os reflexos da fala na escrita e que percepccedilotildees no que concerne agraves crenccedilas e atitudes linguiacutesticas tal fenocircmeno despertava nos sujeitosinformantes

Formulamos para esta proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses que seriam comprovadas ou refutadas ao final da pesquisa a saber a) a alternacircncia no uso das variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e fatores estruturais e natildeo estruturais influenciam essa alternacircncia b) a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo em liacutengua materna baseada nas propostas teoacutericas para o ensino e a aprendizagem das variedades linguiacutesticas brasileiras leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada (BAGNO 2004)

Isso posto supondo a existecircncia de variaccedilatildeo no uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo sendo o ldquoturdquo usado como variante regional que coocorre com o ldquovocecircrdquo e que esse uso gera preconceito e

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ainda que a linguagem oral estaria influenciando a escrita dos alunos definimos como objetivo principal pesquisar a alternacircncia de uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo em contextos variados de interlocuccedilatildeo identificados na fala e na escrita daqueles alunos bem como as crenccedilas e atitudes negativas consequentes do uso dessa variaccedilatildeo Definimos tambeacutem os seguintes objetivos especiacuteficos a) atualizar nossos conhecimentos natildeo soacute sobre algumas teorias que tratam da variaccedilatildeo e mudanccedilas linguiacutesticas mas tambeacutem da educaccedilatildeo linguiacutestica das crenccedilas e atitudes diante da linguagem b) descrever os usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos sujeitos participantes da pesquisa c) apontar possiacuteveis influecircncias de fatores estruturais e natildeo estruturais no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na fala dos participantes da pesquisa d) verificar possiacuteveis interferecircncias da oralidade no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na escrita dos alunos e) elaborar e desenvolver uma proposta de ensino cujo conteuacutedo contribua para o ensino da Liacutengua Portuguesa focando o estudo das variaccedilotildees linguiacutesticas e com isso promover uma educaccedilatildeo linguiacutestica e uma aprendizagem condizente com o ensino da gramaacutetica normativa especialmente no que concerne ao uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Nesse contexto considerando que a pesquisa visava ao registro dos usos das formas de tratamento em tela e tambeacutem agrave elaboraccedilatildeo de alternativas para trabalhar via ensino o problema detectado dividimos o trabalho em duas etapas denominadas ldquoEtapa Diagnoacutesticardquo e ldquoProposta de Ensinordquo A primeira teve como objetivos quantificar e analisar o uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes com a finalidade de verificar se o aspecto linguiacutestico ocorrido em Lontra se tratava de um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica A segunda etapa tratou da elaboraccedilatildeo e desenvolvimento de uma proposta de ensino cujas atividades intencionavam promover a educaccedilatildeo linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

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2 Pressupostos teoacutericos

Este estudo teve como aparato teoacuterico a Sociolinguiacutestica (LABOV 2008 [1972]) a Dialetologia e a Geografia Linguiacutestica (BRANDAtildeO 1991) a vertente Sociolinguiacutestica Educacional (BORTONI-RICARDO 2004 SCHERRE 2005) e ainda Crenccedilas e Atitudes Linguiacutesticas (LEITE 2008 SCHERRE 2008 2009 2015) entre outros autores que subsidiaram a abordagem do assunto

Baseada nos princiacutepios labovianos Alkmin (2005) reporta que a Sociolinguiacutestica eacute a aacuterea de estudo que investiga a relaccedilatildeo entre liacutengua e sociedade sendo elas indissociaacuteveis porquanto deram origem agrave base que constitui o homem Assim a linguagem estaacute intrinsecamente atrelada a diversos fatores sociais que permeiam a vida do ser humano como idade sexo classe social niacutevel de escolaridade profissatildeo dentre outros Logo compreender essa relaccedilatildeo implica entender os interlocutores e todo o contexto em que se estabelece uma interaccedilatildeo verbal

Labov (2008 [1972]) precursor da Sociolinguiacutestica considera o contexto de fala e o uso social da liacutengua materna como aspectos essenciais para a compreensatildeo de diversas situaccedilotildees que envolvem os usos linguiacutesticos Por isso defende que natildeo se pode dissociar os estudos de uma liacutengua de seu uso pelos falantes Afirma o autor que em toda comunidade de fala satildeo comuns formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo o que corrobora a heterogeneidade linguiacutestica porquanto variaccedilatildeo implica dinamismo e vivacidade imbricados no conceito de liacutengua natural humana

Nessa linha Brandatildeo (1991) complementa que quando se expressa o indiviacuteduo transmite natildeo soacute o que estaacute inserido em seu discurso mas tambeacutem um conjunto de muitos outros dados que permite conhecer seu idioleto e ainda filiaacute-lo a um determinado grupo uma comunidade linguiacutestica composta por membros que interagem verbalmente e compartilham as mesmas regras linguiacutesticas Diante disso as variaccedilotildees da liacutengua satildeo assimiladas

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pelos falantes no conviacutevio com seus pares que se expressam pelas caracteriacutesticas peculiares proacuteprias de seu grupo ou da regiatildeo em que vivem Assim sendo tais variaccedilotildees natildeo podem ser vistas como negativas ou problemaacuteticas pelo contraacuterio manifestam-se como parte da diversidade linguiacutestica inerente a quaisquer sistemas linguiacutesticos caracterizando-se como mecanismos que compotildeem o todo constitutivo da liacutengua

Tarallo (1994 p 8) com base na teoria laboviana pondera que se haacute formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo haacute variantes linguiacutesticas que satildeo ldquodiversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdaderdquo Se investigamos um possiacutevel caso de variaccedilatildeo linguiacutestica pressupomos a investigaccedilatildeo das variantes coocorrentes no caso desta pesquisa as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Segundo a abordagem gramatical normativa a partir de Cunha e Cintra (2001) e Bechara (2009) os dois pronomes pertencem ao campo da segunda pessoa logo com quem se fala de modo que os primeiros autores inserem o ldquovocecircrdquo como verdadeiro pronome pessoal natildeo soacute de tratamento Entretanto pelo histoacuterico diacrocircnico demarcativo de classes (principalmente o ldquoturdquo) ao longo da evoluccedilatildeo das duas formas pronominais adotamos o termo forma de tratamento quando nos referimos aos dois pronomes em nosso trabalho

Biderman (1972-73) traccedila um breve percurso do ldquoturdquo afirmando haver registro da forma desde a Idade Meacutedia Segundo a autora a histoacuteria desse pronome assim como a de seu par plural no paradigma pronominal do Portuguecircs o ldquovoacutesrdquo sempre esteve relacionada agraves estruturas sociais que representam O ldquovoacutesrdquo de um lado indicando a forccedila e o poder da alta sociedade e em contrapartida o ldquoturdquo caracterizando a fala das pessoas das camadas socioeconomicamente desprivilegiadas Em sociedades de diferentes lugares do mundo as formas de tratamento sempre se comportaram como divisores de classes separando quem fazia

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parte da elite daqueles que pertenciam agraves camadas populares Na atualidade no Brasil o pronome ldquovoacutesrdquo apesar de continuar integrando o quadro dos pronomes pessoais tornou-se forma arcaizada visto que ldquovocecircsrdquo acabou por assumir o papel de plural da segunda pessoa

Por sua vez a forma ldquovocecircrdquo segundo a mesma autora passou por diversas transformaccedilotildees foneacuteticas ao longo de seu processo evolutivo desde a sua forma primitiva lsquovossa mercecircrsquo Novamente notamos a influecircncia das formas de tratamento representativas de segmentos da sociedade como causa de mudanccedilas de uso da liacutengua haja vista que ldquovossa mercecircrdquo apoacutes perder seu prestiacutegio honoriacutefico popularizou-se e passou por diversas mudanccedilas ateacute chegar a ldquovocecircrdquo inclusive jaacute com registro no Brasil da forma reduzida lsquocecircrsquo

Nessa trilha tendo o ldquovocecircrdquo surgido posteriormente ao ldquoturdquo no Brasil segundo Coelho (2008 p 5) aquela forma ldquoeacute hoje amplamente usada por noacutes tanto em situaccedilotildees formais quanto informais em substituiccedilatildeo a lsquotursquo de emprego cada vez mais restritordquo Contrassenso em algumas regiotildees do paiacutes as duas formas passaram a disputar o mesmo espaccedilo em relaccedilotildees de maior proximidade entre as pessoas O diferencial eacute que lsquovocecircrsquo forma dominante eacute usada em situaccedilotildees de relativa proximidade talvez ainda heranccedila de sua forma arcaica e do seu contexto de uso representando a hierarquizaccedilatildeo portuguesa enquanto o ldquoturdquo como advogam Scherre et al (2015 p 162) ldquotrata-se de um lsquotursquo brasileiro que em muitas comunidades instaura-se sem concordacircncia expressa na forma verbal (tu fala) de forma diferente do que registra a tradiccedilatildeo gramatical (tu falas)rdquo

Retomando o campo das variaccedilotildees da liacutengua Alkmin (2005) assegura que formas distintas de se dizer uma mesma coisa satildeo facilmente encontradas no Portuguecircs Brasileiro (PB) marcas do Portuguecircs padratildeo e natildeo padratildeo alternando-se equivalendo-se linguisticamente Como jaacute discutido anteriormente variabilidade

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perfeitamente aceitaacutevel visto que todas as liacutenguas satildeo passiacuteveis de variaccedilatildeo

No entanto percebemos ainda uma linha tecircnue entre essa equivalecircncia padratildeo e natildeo padratildeo preconizada pela Linguiacutestica Bortoni-Ricardo (2004) uma das pesquisadoras da vertente Sociolinguiacutestica Educacional assevera que as variedades linguiacutesticas existem satildeo reais e estatildeo por toda parte representadas pelasnas manifestaccedilotildees comunicativas das mais diversas vozes e lugares Contudo muitos creem em uma pseudossuperioridade linguiacutestica ou seja que haacute determinadas variaccedilotildees que se sobrepotildeem a outras mesmo na ausecircncia de fundamentaccedilatildeo linguiacutestico-teoacuterica que explique a assertiva Para a autora eacute inadmissiacutevel que uma variedade seja considerada melhor mais aceitaacutevel ou mais recomendaacutevel que outra Por isso propotildee que se desenvolvam praacuteticas educativas para o envolvimento de todos os falantes de todas as classes jaacute que somos igualmente partiacutecipes de praacuteticas sociais que demandam diversos conhecimentos linguiacutesticos para que se desmitifiquem tais crenccedilas

Sabemos que algumas variedades gozam de prestiacutegio linguiacutestico todavia satildeo juiacutezos de valor em torno de determinados falares que consoante Bortoni-Ricardo (2004) geram preconceitos linguiacutesticos que devem ser veementemente combatidos Para Leite (2008) a sociedade tem insistido em ignorar a intoleracircncia linguiacutestica por ser um mal que atinge o ser humano em sua subjetividadeindividualidade A autora complementa que a natildeo toleracircncia linguiacutestica pode estar imiscuiacuteda em outras intoleracircncias tatildeo nefastas quanto ela contudo natildeo menos condenaacutevel do que qualquer outra Scherre (2005 p 89) enfatiza que ldquopraticar preconceito linguiacutestico expliacutecito ou impliacutecito eacute sem duacutevida atentar contra a cidadaniardquo Em funccedilatildeo disso no sentido de assegurar o legiacutetimo direito de o homem se manifestar foi criada em junho de 1996 a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos31 com o fim de formalizar um documento

31 ORGANIZACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA A EDUCACcedilAtildeO A CIEcircNCIA E A CULTURA Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos 1996

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que permitisse ldquocorrigir os desequiliacutebrios linguiacutesticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as liacutenguas e estabelecer os princiacutepios de uma paz linguiacutestica planetaacuteria justa e equitativa como fator fundamental da convivecircncia socialrdquo

3 Metodologia

Por ser a metodologia o estudo dos caminhos a serem seguidos para se conseguir os melhores meacutetodos para produzir conhecimento adotamos como propostas norteadoras deste trabalho a pesquisa descritiva sociolinguiacutestica laboviana (quantitativa e qualitativa) na primeira etapa da pesquisa quando quantificamos e analisamos o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes na segunda etapa a vertente Sociolinguiacutestica Educacional e a pesquisa-accedilatildeo

Para Abdalla (2005) a pesquisa-accedilatildeo eacute uma alternativa possiacutevel de anaacutelise e avaliaccedilatildeo das praacuteticas docentes e nas palavras de Tripp (2005 p 443) seria ldquotoda alternativa continuada sistemaacutetica e empiricamente fundamentada de aprimorar a praacuteticardquo No entanto Thiollent (2011) adverte que natildeo se trata de uma metodologia mas de uma estrateacutegia de pesquisa que agrega vaacuterios outros meacutetodos ou teacutecnicas

Antes de iniciarmos a anaacutelise dos dados coletados apresentamos a variaacutevel linguiacutestica de segunda pessoa do singular (variaacutevel dependente) com a qual trabalhamos bem como suas variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e suas variantes foneacuteticas ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) Essas duas formas de tratamento usadas pelos informantesmoradores de Lontra de um modo geral alternam entre si se substituem em um mesmo contexto de fala por isso as escolhemos como variantes linguiacutesticas

Relacionamos ainda os fatores estruturais e natildeo estruturais que apontamos e analisamos neste trabalho

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a) Os fatores estruturais observados nos dados coletados foram

i) Funccedilatildeo sintaacutetica da forma (posiccedilatildeo de sujeito posiccedilatildeo de objeto sem preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento com preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento de nome)

ii) Tipo de frase em que a forma ocorre (afirmativa negativa interrogativa)

iii) Ambiente fonoloacutegico precedente (pausa vogal consoante)

iv) Morfologia da forma verbal (forma simples locuccedilatildeo verbal)

v) Paradigma flexional do verbo (verbo regular verbo irregular)

vi) Contexto de interpretaccedilatildeo (forma definida e forma indefinida)

b) Os fatores natildeo estruturais observados

i) Classe social privilegiada e natildeo privilegiada

ii) Grau de intimidade + proacuteximo - proacuteximo (entre colegas professores e diretor)

iii) Procedecircncia geograacutefica rural e urbana

iv) Sexo masculino e feminino

Conforme jaacute mencionado esta pesquisa foi dividida em duas etapas Na primeira realizamos a coleta dos dados da fala e da escrita dos sujeitos informantes quantificamos e analisamos esses dados a fim de verificar se o fenocircmeno ocorrido em Lontra apontava para um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Na segunda com base nos resultados obtidos na primeira etapa e tendo como premissa o respeito e a aceitaccedilatildeo das variaccedilotildees crenccedilas e atitudes linguiacutesticas e ainda verificando se o uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo seguia a tradiccedilatildeo gramatical do Portuguecircs Brasileiro elaboramos

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e desenvolvemos uma proposta de ensino estruturada em quatro oficinas cujas atividades objetivavam a promoccedilatildeo da educaccedilatildeo linguiacutestica dos conhecimentos sobre diversidade linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

4 Descriccedilatildeo da proposta de ensino e anaacutelise dos dados

Nesta seccedilatildeo apresentamos a metodologia das duas etapas proposta de ensino e diagnose os dados coletados tanto de oralidade quanto de escrita nas duas etapas Procedemos agrave anaacutelise e na sequecircncia apresentamos os resultados obtidos

41 Primeira etapa diagnoacutestica

Os dados analisados nesta etapa foram extraiacutedos de dois corpora um de escrita e outro de oralidade Os que compotildeem o corpus de escrita foram coletados em duas atividades aplicadas 1ordf atividade ndash uma entrevista ao colega (Fato acontecido ndash Creche Gente Inocente) e 2ordf atividade ndash um bilhete (Um bilhete para um amigo) Jaacute o corpus de oralidade eacute composto por dados coletados em duas gravaccedilotildees de aacuteudios via celular utilizando a ferramenta WhatsApp por meio da qual duas mensagens foram enviadas (uma para algueacutem especial ndash amigo irmatildeo matildee madrinha ndash e outra para a professora de Portuguecircs) Escolhemos a ferramenta WhatsApp por acreditarmos na eficiecircncia desse veiacuteculo moderno atual de faacutecil acesso e manuseio para fazer as gravaccedilotildees o que poderia nos garantir a coleta do vernaacuteculo o mais proacuteximo possiacutevel do real

Apoacutes a aplicaccedilatildeo das duas atividades escritas mencionadas apresentamos a seguir duas tabelas (1 e 2) que trazem os resultados obtidos nessa parte da primeira etapa Mostram as ocorrecircncias de registro das formas de tratamento pelos alunos das duas turmas 8ordm ano 4 e 8ordm ano 5

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Tabela 1 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 1ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (1ordf atividade escrita ndash ldquoFato acontecido ndash Creche Gente

Inocenterdquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 55 - - 2 57

965 - - 35 100

8ordm ano 5N Oc 19 6 3 22 50

38 12 6 44 100Totais N Oc 74 6 3 24 107

Percentuais 691 56 28 224 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

A siacutentese sobre o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo nas duas turmas do 8ordm ano nessa primeira atividade escrita conforme a Tabela 1 aponta os seguintes nuacutemeros do total das 107 referecircncias ao interlocutor usando uma forma pronominal tivemos 83 ocorrecircncias (775) da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes e 24 (225) da forma ldquoturdquo Em todos os casos a referecircncia foi feita a um colega de sala de conviacutevio diaacuterio Assim percebemos quatildeo variadas foram as formas de se dirigir ao interlocutor mesmo que em alguns momentos se tenha percebido grau de monitoramento da linguagem creditado talvez ao ambiente sala de aula escola A seguir apresentamos alguns exemplos das ocorrecircncias das formas de tratamento registradas

a) ldquoQuando tu passocirc laacute na frente quem cecirc viu laacute na hora ou perto de laacuterdquo (FMS-S8T5)

b) ldquoComo vocecirc ficou sabendo de tudo como ficou bem informadardquo (FRL-S6T4)

Tabela 2 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 2ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (2ordf atividade escrita ndash ldquoUm bilhete para um amigordquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ocecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 12 1 - - 4 17

705 59 - - 236 100

8ordm ano 5N Oc 6 1 1 1 8 17

353 59 59 59 47 100Totais N Oc 18 2 1 1 12 34

Percentuais 53 59 29 29 353 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

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Conforme a Tabela 2 nessa atividade do total de 34 ocorrecircncias de uso das formas de tratamento referentes agraves duas turmas obtivemos 22 casos da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes ou seja 647 e 12 ocorrecircncias do ldquoturdquo 353 Em resumo temos entatildeo na escrita as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo duas variantes duas alternativas de referecircncia ao interlocutor nos usos que os sujeitos da pesquisa fazem delas as quais chamamos variaacutevel dependente As outras formas variantes de ldquovocecircrdquo (ldquoucecircrdquo ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) aparecem com menor ocorrecircncia Registramos em seguida alguns exemplos dos dados coletados

a) ldquoR porque vocecirc natildeo foi na praccedila aquele dia que agente marcourdquo (JVFS-S13T4)

b) ldquoF por que tu natildeo foi hoje laacute em casa Fiquei te esperando laacuterdquo (GAQ-S7T4)

Os dados da escrita revelaram que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na escrita influenciada por fatores natildeo estruturais como o sexo uma vez que a turma com maior nuacutemero de alunos do sexo feminino (turma 4 ndash 70 de mulheres) fez mais uso da variedade padratildeo enquanto a outra (turma 5) com maioria de alunos do sexo masculino (62) utilizou com mais recorrecircncia a variedade natildeo padratildeo tanto no uso das variantes foneacuteticas de ldquovocecircrdquo quanto no uso do ldquoturdquo sem a concordacircncia com o verbo e o grau de intimidade haja vista que foi comprovado o uso do pronome ldquoturdquo por 353 do total de alunos das duas turmas conforme a Tabela 2 O uso de tal forma de tratamento pelos moradores de Lontra representados pelos sujeitos da pesquisa soacute eacute feito com quem se tem intimidade no caso foi utilizado em referecircncia a pessoas proacuteximas como colegas de sala

Apresentamos na sequecircncia os resultados obtidos com os dados da oralidade coletados por meio de gravaccedilotildees de mensagens via WhatsApp

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A Tabela 3 a seguir mostra os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT232) que compotildeem o corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 4 constando nela a gravaccedilatildeo de um recadinho para uma pessoa querida e uma curiosidade sobre a professora de Portuguecircs Tratamos do uso das formas utilizadas nas duas atividades separadamente

Tabela 3 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 4 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras

FormasTotalCR

TotalSR

AT1 - (Amigo matildee tia irmatilde)

N Oc 11 - - 10 8 - 2929 0231 38 - - 345 276 - 100 64

AT2 - (Professora)

N Oc 23 - - 6 - 1 3030 0636 767 - - 20 - 33 100 167

Totais - AT1 e AT2

N Oc 34 - - 16 8 1 5959 0867 576 - - 271 135 17 100 12

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Do total de textos analisados nessa turma foram registradas na AT1 29 referecircncias diretas ao interlocutor utilizando uma das formas investigadas Desse nuacutemero obtivemos 21 ocorrecircncias (724) da variante ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e 8 (276) da forma ldquoturdquo Em dois textos do corpus (64) os informantes natildeo fizeram uso de forma de tratamento alguma Jaacute na AT2 foram registradas 30 referecircncias diretas ao interlocutor usando uma forma de tratamento Desse total 29 informantes (967) utilizaram a forma ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) um aluno (33) utilizou a forma ldquosenhorardquo Eacute possiacutevel perceber que nenhum informante se referiu agrave professora utilizando a forma ldquoturdquo diferentemente das referecircncias ao amigo na AT1 Registra-se que seis informantes (167) natildeo utilizaram diretamente nenhuma das formas de tratamento Seguem alguns exemplos desses dados O primeiro retirado da AT1 e o segundo da AT2

32 AT1 e AT2 leem-se Atividade 1 e Atividade 2

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a) ldquoM tu vai no jogo amanhatilde se tu focirc eu passo aiacute na tua casardquo (JVFS-S13T4)

b) ldquo soacute vim agradececirc por vocecirc secirc uma professora maravilhosa te amordquo (RGBR-S22T4)

A Tabela 4 a seguir apresenta os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT2) do corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 5

Tabela 4 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 5 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras Total

CRTotalSR

AT1 (Amigo familiar)

N Oc - - 1 4 11 - 1616 0822

- - 62 25 688 - 100 363

AT2 (Professora)

N Oc 12 - - 4 - 4 2020 323

60 - - 20 - 20 100 13

Totais N Oc 12 - 1 8 11 4 3636 1145

Percentuais 333 - 27 194 305 111 100 244

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Na primeira atividade (AT1) do total de alunos participantes (21) apenas 13 informantes fizeram referecircncia direta aos seus interlocutores usando uma forma de tratamento Como dois informantes repetiram a mesma forma e um usou duas das formas (ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) em um mesmo dado de fala contabilizamos entatildeo 16 ocorrecircncias Das formas usadas para se referir ao amigopessoa especial (ldquoocecircucecircrdquo ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) o uso do ldquoturdquo foi o mais detectado porque a maioria 11 informantes (688) fez uso dessa forma pronominal Salientamos que nenhum informante utilizou a forma padratildeo ldquovocecircrdquo mas contabilizamos cinco ocorrecircncias das variantes ldquocecircrdquo e ldquoucecircrdquo (312) Oito informantes (363) natildeo registraram forma

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de tratamento alguma expliacutecita Jaacute na AT2 das 20 ocorrecircncias das formas de tratamento analisadas (dois informantes usaram mais de uma forma) em referecircncia direta agrave professora foram usadas as formas de tratamento ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e ldquosenhorardquo Desse total 16 informantes (80) enviaram o recadinho referindo-se agrave professora como ldquovocecircrdquo (e ldquocecircrdquo) e quatro correspondendo a 20 fizeram uso da forma ldquosenhorardquo Assim como na outra turma ningueacutem se referiu agrave professora utilizando o pronome ldquoturdquo Seguem alguns exemplos desses dados analisados O primeiro retirado da AT1 o segundo da AT2

a) ldquo mas tu sumiu comeacute qui foi tuas feacuterias mininardquo (MCA-S16T5)

b) ldquoZenilda vocecirc poderia me dizer como estaacute meu comportamento dentro da sala de aulardquo (SHLB-S19T5)

Numa anaacutelise geral da primeira parte do corpus de oralidade (AT1) do total de 48 amostras das duas turmas em 38 delas ou seja 792 os participantes se referiram ao seu interlocutor usando uma forma de tratamento num total de 45 ocorrecircncias jaacute que alguns informantes fizeram uso de mais de uma forma Desse total houve 19 ocorrecircncias ou seja 422 de uso do ldquoturdquo para se referir ao amigo e 26 ocorrecircncias que correspondem a 578 do ldquovocecircrdquo (e suas variantes)

Na segunda parte do corpus de oralidade (AT2) de 46 amostras em 37 delas correspondendo a 804 apareceram as formas de tratamento num total de 50 ocorrecircncias uma vez que um mesmo informante repetiu ou fez uso de mais de uma forma em uma mesma amostra Desse total de ocorrecircncias em 45 delas ou seja 90 aparece o uso da forma pronominal ldquovocecircrdquo (e a variante ldquocecircrdquo) para se referir agrave professora e em 5 que correspondem a 10 dos casos foi registrado o uso da forma de tratamento correspondente ldquosenhorardquo Ressalta-se aqui um dado relevante natildeo houve caso algum de referecircncia agrave professora com o uso da forma pronominal ldquoturdquo o que revela distanciamento ausecircncia de intimidade respeito apesar do conviacutevio quase diaacuterio

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Sendo assim pelos dados de fala eacute possiacutevel afirmar que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na oralidade dos alunos do 8ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Guimaratildees Rosa ndash LontraMG

Comprovada a influecircncia dos fatores natildeo estruturais sexo (a turma com um nuacutemero maior de meninas (70) 8ordm ano 4 fez mais usos da forma padratildeo ldquovocecircrdquo e menos usos do ldquoturdquo sem concordacircncia com o verbo) e grau de intimidade constatamos tambeacutem a influecircncia do fator classe social Comparando os usos das formas feitos pelas duas turmas nas atividades de fala e de escrita analisando o perfil dos discentes foi possiacutevel perceber que a turma de classe social menos privilegiada (8ordm ano 5) fez mais usos da variedade natildeo padratildeo da liacutengua Foi a turma que mais utilizou o pronome ldquoturdquo (na referecircncia ao colega nas atividades de oralidade fez uso do ldquoturdquo em 688 das ocorrecircncias e nenhum uso de ldquovocecircrdquo mas de suas variantes ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo em 312) Natildeo detectamos a influecircncia do fator procedecircncia geograacutefica

Foi analisada ainda a atuaccedilatildeo dos grupos de fatores estruturais funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia verbal paradigma flexional do verbo contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre em relaccedilatildeo ao comportamento da variaacutevel dependente ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) Chegamos aos seguintes resultados do total geral de 231 dados 90 de oralidade e 141 de escrita obtivemos 176 ocorrecircncias do ldquovocecircrdquo (e variantes) e 55 do ldquoturdquo

Percebemos que prevalece na maioria dos usos dos pronomes de segunda pessoa a funccedilatildeo sintaacutetica das formas de tratamento em posiccedilatildeo de sujeito (oralidade 90 dos casos e escrita 978 dos casos) na fusatildeo quantitativa das duas turmas Quanto ao tipo de frase em que as formas ocorrem prevalece o tipo de frase interrogativa (oralidade 689 e escrita 907 dos casos)

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Em relaccedilatildeo ao fator estrutural ambiente fonoloacutegico precedente na oralidade natildeo houve influecircncia relevante de nenhum dos fatores no uso das variantes no quantitativo das duas turmas (pausa 42 casos ndash 466 vogal 38 casos ndash 422) Jaacute nos dados de escrita houve favorecimento da pausa precedendo as duas variantes 92 casos (652) No tocante ao fator morfologia da forma verbal houve influecircncia da forma simples do verbo tanto na oralidade quanto na escrita (72 casos ndash 80 e 102 casos ndash 723 respectivamente) Concernente ao fator paradigma flexional do verbo houve a influecircncia do verbo irregular no uso das variantes tanto na oralidade quanto na escrita (67 casos ndash 744 e 08 casos ndash 766 respectivamente)

a) ldquo F vocecirc eacute meu melhor amigordquo (HEFA-S9T4)

b) ldquoe aiacute P como tu e sua famiacutelia estaacuterdquo (DSL-S5T5)

Ainda na primeira fase da pesquisa a fim de captarmos crenccedilas e atitudes linguiacutesticas dos sujeitos informantes em relaccedilatildeo ao modo de agir sentir ver e perceber seus usos linguiacutesticos e verificarmos o comportamento concernente ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em diferentes situaccedilotildees de interlocuccedilatildeo aplicamos dois questionaacuterios Questionaacuterio de Atitudes e Percepccedilatildeo Linguiacutesticas 1 e 2 O primeiro abordava a questatildeo das crenccedilas atitudes e do preconceito linguiacutestico o segundo questionava o fenocircmeno linguiacutestico de uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos informantes em situaccedilotildees que envolviam variados interlocutores em diferentes contextos e interaccedilotildees verbais

Os resultados extraiacutedos dos dois questionaacuterios apontaram que os sujeitos informantes tecircm consciecircncia dos usos linguiacutesticos diferenciados ocorridos em Lontra entretanto sentem o preconceito linguiacutestico advindo de pessoas de outros lugares decorrente da alternacircncia dos pronomes de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo para se referir ao seu interlocutor especialmente quando da escolha do ldquoturdquo visto que eacute usado sem a conjugaccedilatildeo do verbo como preconiza a tradiccedilatildeo gramatical Quanto ao fenocircmeno linguiacutestico

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de uso das formas de tratamento percebeu-se uma caracteriacutestica importante e peculiar da variaccedilatildeo quando o informante se refere a algueacutem de sua intimidadefamiliaridade (amigo colega irmatildeo etc) a forma preferida eacute ldquoturdquo Contudo se o interlocutor eacute algueacutem que exige determinado distanciamento respeito eacute pessoa mais velha a forma usada eacute o ldquovocecircrdquo ou ldquosenhor(a)rdquo Notamos pelos dados coletados nos questionaacuterios que em Lontra curiosamente conservam-se em relaccedilatildeo agrave forma ldquoturdquo caracteriacutesticas de uso desse pronome semelhantes ao seu uso no seacuteculo XIX com registros similares tambeacutem na Idade Meacutedia ou seja o uso do pronome revelando intimidade entre pessoas conhecidas proacuteximas

42 Segunda etapa proposta de ensino

Como jaacute mencionado a segunda etapa do nosso trabalho traz uma proposta de ensino cujo principal objetivo eacute contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa focando as variaccedilotildees linguiacutesticas promovendo uma educaccedilatildeo linguiacutestica conhecimentos sobre a diversidade linguiacutestica e uma aprendizagem condizente da variedade padratildeo da liacutengua

Para Faraco (2008) toda liacutengua em uso por ser dinacircmica eacute constituiacuteda por um conjunto de variedades passiacutevel de manutenccedilatildeo variaccedilatildeo e mudanccedila sendo portanto heterogecircnea e natildeo unitaacuteria e homogecircnea como se pensava no passado Logo as variedades natildeo podem estar em oposiccedilatildeo agrave liacutengua visto que um todo (a liacutengua) natildeo se separa de seus elementos constitutivos (as variedades)

Dessa forma foi pensando no conjunto que compotildee nosso sistema linguiacutestico intencionando desmitificar crenccedilas e atitudes que levam ao preconceito linguiacutestico e promover o respeito e a aceitaccedilatildeo da liacutengua com suas variedades e o ensino das regras preconizadas pela Gramaacutetica Tradicional Normativa (GTN) que elaboramos esta proposta de ensino Estaacute organizada em oficinas33 trazendo atividades que foram elaboradas tendo em mente

33 Adotamos o termo oficina segundo Santiago-Almeida (2011 p 507) que o denomina como ldquo[] um curso intensivo de curta duraccedilatildeo em que teacutecnicas habilidades artes etc satildeo demonstradas e aplicadas workshoprdquo

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os seguintes objetivos a) conscientizar os alunos em relaccedilatildeo agrave diversidade linguiacutestica do Portuguecircs Brasileiro e assim fazer frente aos efeitos nocivos de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas negativas sobre as variaccedilotildees da liacutengua b) disponibilizar aos discentes o conhecimento sobre a origemtrajetoacuteria do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo bem como seus usos em diferentes lugares do Brasil c) ensinar ao aluno como acessar o Atlas Linguiacutestico do Brasil e as cartas linguiacutesticas d) conceituar e esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica e) levar agrave reflexatildeo sobre mudanccedilas linguiacutesticas ocorridas nas formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo f) apontar a importacircncia de se valorizar e se respeitar as diferenccedilas linguiacutesticas passo importante para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia linguiacutestica que rechaccedilaraacute avaliaccedilotildees subjetivas feitas em relaccedilatildeo agraves variaccedilotildees g) conhecer os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular do PB adaptaccedilotildees do sistema linguiacutestico vigente dos pronomes de segunda pessoa que os usuaacuterios da liacutengua fazem conforme necessidade interlocutor e circunstacircncia de uso h) ensinar os usos dos dois pronomes e de sua concordacircncia verbal conforme dispotildee a GTN para que os discentes utilizem esse conhecimento em momentos oportunos e necessaacuterios e de acordo com sua funccedilatildeo social como apregoa Faraco (2008) jaacute que o acesso agraves variedades cultas da liacutengua pode ampliar a mobilidade linguiacutestica o tracircnsito amplo pela heterogeneidade linguiacutestica do falante

A proposta de ensino compotildee-se de quatro oficinas assim estruturadas

Oficina 1 Diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 1 ndash Origens do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo

Oficina 2 Sincronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Atividade 1 ndash Conhecendo a Dialetologia e a Geografia LinguiacutesticaAtividade 2 ndash Onde o ldquoturdquo e o ldquovocecircrdquo satildeo usados no BrasilAtividade 3 ndash Usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo na cidade de LontraMG

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Oficina 3 Educaccedilatildeo linguiacutesticaAtividade 1 ndash Reconhecendo a importacircncia das variedades linguiacutesticasAtividade 2 ndash As vozes representadas pelas variedades linguiacutesticasOficina 4 Conhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 1 ndash Subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 2 ndash Usos do lsquoldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo segundo a norma-padratildeo Concordacircncia verbal ndash ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 3 ndash Mensagem ao diretorAtividade 4 ndash Sobre a pesquisa uma avaliaccedilatildeo

A primeira oficina ldquoDiacronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por uma atividade teve como objetivo subsidiar os sujeitos da pesquisa com conhecimentos acerca da diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo tendo em vista o interlocutor O intuito foi que os alunos conhecessem a histoacuteria desses dois pronomes sua evoluccedilatildeo e as semelhanccedilas entre a variedade linguiacutestica dos moradores de Lontra e os usos que dela faziam quando de seus primeiros registros da Idade Meacutedia aos dias atuais Priorizamos uma abordagem teoacuterica com o uso de textos histoacuterico-cientiacuteficos por entendermos necessaacuterios para a finalidade pretendida a saber a aquisiccedilatildeo do conhecimento sobre diacronia das duas formas de tratamento pesquisadas

A segunda ldquoSincronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por trecircs atividades objetivou mostrar aos discentes em que lugares do Brasil tambeacutem se alternavaria o uso das duas formas de tratamento investigadas por meio de mapas linguiacutesticos e geograacuteficos ajudar os alunos a acessarem as cartas linguiacutesticas no Atlas Linguiacutestico do Brasil aleacutem de esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica O trabalho com a sincronia

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das duas formas de tratamento apoacutes o conhecimento de sua origem (Oficina 1) visou a comprovar que a cidade de Lontra eacute somente mais uma no paiacutes em que em sua realizaccedilatildeo linguiacutestica o falante materializa a variaccedilatildeo das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo quando se dirige ao interlocutor No trabalho com as cartas linguiacutesticas priorizamos a M02 ndash ldquoTratamento do interlocutor lsquotursquo e lsquovocecircrsquo nas capitaisrdquo porquanto especificamente aborda os usos das formas de tratamento ora pesquisadas em diferentes lugares do paiacutes

A oficina seguinte a 3ordf ldquoEducaccedilatildeo linguiacutesticardquo composta por duas atividades teve como objetivos mostrar aos alunos mediante exemplos e argumentos teoacutericos que todas as variedades satildeo legiacutetimas e proacuteprias de uma liacutengua heterogecircnea exemplificar atitudes que conduzam agrave formaccedilatildeo da consciecircncia linguiacutestica discutir sobre avaliaccedilotildees subjetivas de alguns indiviacuteduos de certos grupos sociais a respeito das variedades linguiacutesticas As atividades eram direcionadas especificamente agrave conscientizaccedilatildeo do aluno sobre a legitimidade das variaccedilotildees da liacutengua determinadas por normas que atendem agraves necessidades de seus usuaacuterios e que devem ser respeitadas jaacute que satildeo parte da histoacuteria e da representatividade linguiacutestica de seus falantes Aleacutem disso aquelas atividades abordavam as reaccedilotildees crenccedilas e atitudes negativas das pessoas em relaccedilatildeo agraves variedades linguiacutesticas posto que a estigmatizaccedilatildeo na maioria das vezes ocorre com as vozes oprimidas e socialmente desprestigiadas Era nossa pretensatildeo que o aluno tambeacutem se apercebesse de parte dessa variaccedilatildeo assumindo sua condiccedilatildeo de usuaacuterio de uma liacutengua que se manifesta por diferentes variaccedilotildees mas com comunicabilidade independentemente do interlocutor e do contexto de interlocuccedilatildeo

A quarta e uacuteltima ldquoConhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs Brasileirordquo compotildee-se de quatro atividades sendo duas com a escrita e duas com a oralidade modalidades com as quais previacuteramos trabalhar Apresentamos e esclarecemos o quadro dos seis subsistemas dos pronomes de segunda pessoa de que dispotildee nosso sistema

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linguiacutestico categorizados por Scherre (2009) para que o aluno tivesse conhecimento do seu funcionamento respeitada a sua maturidade linguiacutestica

Objetivamos com as atividades dessa oficina levar ao conhecimento dos aprendizes aleacutem dos subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do Portuguecircs Brasileiro os mecanismos de concordacircncia verbal para que o discente use adequadamente as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo conforme a GTN Com tais metas corroboramos o que reporta Bortoni-Ricardo (2004) quando afirma que eacute na escola onde o indiviacuteduo aprende os usos linguiacutesticos adequados agraves tarefas comunicativas e ao tipo de interaccedilatildeo para atender agraves convenccedilotildees sociais Nessa trilha as atividades de oralidade visavam agrave observaccedilatildeo do comportamento linguiacutestico do falante em contextos de uso mais formal e menos formal da liacutengua em relaccedilatildeo agraves regras de concordacircncia verbal com as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo Para tanto trabalhamos novamente com a ferramenta WhatsApp enviando mensagens para interlocutores diferentes como o diretor da escola e um colega de sala arguindo-os sobre o tema da nossa pesquisa

Finalizada a aplicaccedilatildeo das oficinas os resultados apontaram que conseguimos alcanccedilar os objetivos pretendidos haja vista que cada atividade foi executada como planejamos dentro do tempo previsto tudo convergindo para o mesmo propoacutesito

Conseguimos despertar o interesse nos alunos por apresentarmos atividades diferenciadas utilizando textos acadecircmicoscientiacuteficos histoacutericos e diversos gecircneros multimodais no decorrer de todo o trabalho com informaccedilotildees pertinentes e necessaacuterias para a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e ampliaccedilatildeo da competecircncia comunicativa dos estudantes Isso porque sabemos que constitui um direito do educando o contato com tais textos como apregoa Faraco (2008 p 176) quando nos lembra que eacute tarefa fundamental da escola oferecer gecircneros e textos para aleacutem da ldquoinsubstituiacutevel experiecircncia da literaturardquo ou seja a instituiccedilatildeo natildeo deve ignorar a gama de outros textos que tecircm vasta circulaccedilatildeo sociocultural

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Ao final atingimos nosso objetivo maior qual seja contribuir para o ensino da Liacutengua Portuguesa em suas diversas variedades e modalidades

5 Consideraccedilotildees finais

A investigaccedilatildeo sobre a alternacircncia das duas formas de tratamento os pronomes lsquoldquoturdquo e ldquovocecircrdquo utilizadas pelos moradores do municiacutepio de Lontra ndash Minas Gerais levou-nos aos seguintes resultados

Comprovamos por meio da pesquisa quantitativa e qualitativa sociolinguiacutestica laboviana que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) tanto na oralidade quanto na escrita dos sujeitos-colaboradores

Verificamos ainda que fatores estruturais (funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia da forma verbal paradigma flexional verbal contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre) e natildeo estruturais (sexo grau de intimidade e classe social) influenciam o uso da variaccedilatildeo em maior ou menor grau de ocorrecircncia

Confirmamos a hipoacutetese 1 de que o que acontece em Lontra eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Aleacutem disso o uso de atividades diversas diferenciadas e inovadoras aleacutem dos estudos desenvolvidos possibilitou-nos a comprovaccedilatildeo da hipoacutetese 2 confirmando que a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico e subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada

Uma vez alicerccedilada em vaacuterias teorias e leituras que ampliaram sobremaneira nossos conhecimentos e nossa confianccedila para desenvolvermos a contento esta pesquisa e nos tornarmos agentes multiplicadores do conhecimento adquirido atingimos tanto o

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objetivo geral quanto os especiacuteficos definidos para este trabalho que reputamos consistente e importante Eacute nosso desejo que ele seja uacutetil para futuros estudos sociolinguiacutesticos e dialetoloacutegicos sobre o Portuguecircs Brasileiro

Acreditamos ter contribuiacutedo para atender aos anseios de uma sociedade moderna plural que a cada dia exige mais do sujeito a proficiecircncia nas habilidades de leitura e escrita enfim a compreensatildeo do sistema linguiacutestico do qual eacute usuaacuterio

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo contempla os resultados da pesquisa de mestrado que realizamos34 A partir da observaccedilatildeo das dificuldades ortograacuteficas dos alunos decidimo-nos por empreender uma investigaccedilatildeo no sentido de analisar a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo presente na fala para os textos escritos dos estudantes aleacutem de elaborar uma proposta de intervenccedilatildeo com a finalidade de minimizar essa dificuldade no sentido de promover o desenvolvimento das suas habilidades ortograacuteficas

Assim objetivamos analisar o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo transposto para a escrita dos alunos do 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica localizada na zona urbana da cidade de Montes Claros (MG)

Para alcanccedilar o objetivo proposto nesta pesquisa foi adotada a pesquisa-accedilatildeo sendo definidos como atores da intervenccedilatildeo os alunos do 7ordm ano X Para que as accedilotildees fossem direcionadas agrave realidade investigada inicialmente realizou-se uma pesquisa exploratoacuteria em que foi analisado o campo de pesquisa a partir de um diagnoacutestico da situaccedilatildeo

Esta pesquisa foi tambeacutem quantitativa uma vez que os dados foram medidos quantificados e depois traduzidos em nuacutemeros as informaccedilotildees e os resultados e qualitativa pois apresenta caraacuteter interpretativo Foi utilizada tambeacutem a pesquisa bibliograacutefica que buscou ancoragem em trabalhos cientiacuteficos no acircmbito da linguiacutestica jaacute produzidos sobre o tema A reflexatildeo sobre a praacutetica pedagoacutegica possibilitou a intervenccedilatildeo a partir do embasamento teoacuterico unindo a teoria e a praacutetica uma vez que a experiecircncia docente muitas vezes ocorre desvinculada da teoria

No que concerne agrave anaacutelise do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos foram consideradas as seguintes variaacuteveis linguiacutesticas

34 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3dAE2gG

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1) Ditongo ltougt no interior e no final de palavra como robaram e fecho no lugar de ldquoroubaramrdquo e ldquofechourdquo

2) Ditongo lteigt antes de [ɾ] como em fera em vez de ldquofeirardquo

3) Ditongo ltaigt antes de [] como caxa em vez de ldquocaixardquo

4) Categoria gramatical (substantivos verbos pronomes e adjetivos)

Aleacutem dessas variaacuteveis linguiacutesticas considerou-se tambeacutem variaacuteveis natildeo linguiacutesticas a saber

5) Sexo dos alunos

6) Faixa etaacuteria

7) Escolaridade

8) Aacuterea geograacutefica (os estudantes participantes desta pesquisa residem na aacuterea urbana)

Verificamos que todos os informantes vivem na zona urbana quatro informantes satildeo do sexo feminino e 17 do sexo masculino quatro tecircm 12 anos 11 tecircm 13 anos quatro tecircm 14 anos um tem 15 anos e um tem 17 anos

Para a definiccedilatildeo do objeto de estudo foram aplicadas duas atividades diagnoacutesticas para 21 alunos na turma do 7ordm ano X de uma escola puacuteblica no mecircs de abril de 2016 com o objetivo de identificar a influecircncia da oralidade na escrita desses alunos O diagnoacutestico apontou um grande nuacutemero de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na produccedilatildeo de texto dos alunos decorrentes da influecircncia da oralidade na escrita A partir do diagnoacutestico foi entatildeo elaborado um plano de intervenccedilatildeo para ser aplicado nessa turma com o objetivo de tentar minimizar as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos do Ensino Fundamental II

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As atividades de intervenccedilatildeo propostas foram direcionadas para a observaccedilatildeo da escrita das palavras tendo em vista o desenvolvimento ortograacutefico nas produccedilotildees de texto dos alunos tomando como base as postulaccedilotildees de Morais (2000) acerca do ensino da ortografia

Apoacutes a aplicaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi proposta uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo para 19 alunos dessa mesma turma no mecircs de maio de 2018 Nessa data os alunos cursavam o 8ordm Ano do Ensino Fundamental II Dessa maneira os dados obtidos nessa etapa puderam ser comparados com aqueles colhidos na fase diagnoacutestica atraveacutes da seleccedilatildeo descriccedilatildeo categorizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

A pesquisa portanto foi desenvolvida em diferentes fases diagnoacutestica intervenccedilatildeo e poacutes-intervenccedilatildeo Todavia a discussatildeo a seguir tem o seu enfoque na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos participantes especificamente na comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo

A anaacutelise promovida desenvolveu-se a partir das consideraccedilotildees feitas principalmente por Mollica (2016) Bortoni-Ricardo (2004 2005 2006) e Bagno (2006 2007)

Inicialmente foi feita uma discussatildeo sobre o conceito de ldquoerrordquo35 adotado nesta pesquisa em seguida eacute descrito o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo e a transposiccedilatildeo de tal fenocircmeno para a escrita Estatildeo presentes tambeacutem sugestotildees de Morais (2000) para o trabalho com a ortografia em sala de aula que nortearam as atividades de intervenccedilatildeo desenvolvidas Logo apoacutes foi feita a anaacutelise comparativa do diagnoacutestico e da poacutes-intervenccedilatildeo em

35 No presente trabalho o conceito de ldquoerrordquo eacute baseado na discussatildeo apontada por Bortoni-Ricardo (2005 2006) que faz uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrosrdquo da fala (que natildeo representam uma transgressatildeo da liacutengua jaacute que satildeo uma variedade linguiacutestica) e ldquoerrosrdquo da escrita (transgressatildeo de um coacutedigo convencionado e prescrito pelas regras ortograacuteficas pois a ortografia natildeo prevecirc variaccedilatildeo)

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relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos por fim apresentamos as consideraccedilotildees finais sobre o trabalho aqui proposto

2 A discussatildeo sobre o ldquoerrordquo

Bagno (2007) aponta que a Gramaacutetica Tradicional (GT) considera como ldquoerrordquo as construccedilotildees que estatildeo em desacordo com as prescriccedilotildees da norma-padratildeo sendo que essa concepccedilatildeo influencia a propagaccedilatildeo do preconceito linguiacutestico Entretanto de acordo com Bagno (2007 p 124) ldquoNingueacutem comete erros ao falar sua proacutepria liacutengua materna assim como ningueacutem comete erros ao andar ou respirarrdquo O falante eacute capaz de identificar se uma sentenccedila obedece agraves regras de funcionamento da liacutengua Nesse prisma os ldquoerrosrdquo de Portuguecircs existem mas natildeo satildeo produzidos por falantes nativos de uma liacutengua

Na fala a noccedilatildeo de ldquoerrordquo tambeacutem estaacute relacionada agrave natildeo observacircncia das regras determinadas pela GT Nesse sentido a visatildeo tradicionalista considera ldquoerradasrdquo estas duas sentenccedilas ldquoA Joana eacute uma menina que ela sabe o que fazrdquo e ldquoA Joana que ela sabe eacute uma menina o que fazrdquo Por sua vez Bagno (2007 p 127) afirma ser agramatical apenas a segunda que natildeo eacute identificada na fala dos brasileiros

Jaacute na escrita a noccedilatildeo de ldquoerrordquo estaacute relacionada aleacutem de a outros aspectos linguiacutesticos aos desvios ortograacuteficos As questotildees concernentes ao ensino da ortografia satildeo motivo de duacutevida para o professor que encontra dificuldades em trabalhar com atividades que apresentem de fato resultados positivos Essa duacutevida estaacute intimamente relacionada agrave noccedilatildeo do ldquoerrordquo que eacute discutida por Bortoni-Ricardo (2005) a seguir

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21 Bortoni-Ricardo (2005 2006) e o ldquoerrordquo ortograacutefico

Ao discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Bortoni-Ricardo (2006) realiza uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrordquo da fala e da escrita Segundo a autora o ldquoerrordquo na liacutengua falada natildeo transgride regras da liacutengua no sentido de que representa uma variedade linguiacutestica diferente da variedade de prestiacutegio sendo um fato social ldquoNa liacutengua oral portanto o indiviacuteduo tem a variaccedilatildeo ao seu dispor cabendo-lhe aprender na escola e na vida a ajustar a variante adequada a cada contexto de usordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2006) o ldquoerrordquo ortograacutefico apresenta uma natureza distinta do ldquoerrordquo da fala posto que a ortografia eacute um coacutedigo que natildeo aceita variaccedilatildeo Assim o ldquoerrordquo representa a transgressatildeo de um coacutedigo convencionado pelas regras ortograacuteficas Nessa perspectiva o ldquoerrordquo eacute um componente de forte avaliaccedilatildeo social pois eacute avaliado de maneira negativa pela sociedade Poreacutem a autora esclarece que ldquoConsiderar uma transgressatildeo agrave ortografia como erro natildeo significa consideraacute-la uma deficiecircncia do aluno que decirc ensejo a criacuteticas ou a um tratamento que o deixe humilhadordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273) A aprendizagem da ortografia eacute gradativa e necessita de um contato permanente com a liacutengua escrita

Haacute um equiacutevoco envolto a essa questatildeo do ldquoerrordquo que faz com que se deduza que todas as construccedilotildees satildeo sempre vaacutelidas na liacutengua A despeito dessa concepccedilatildeo Bortoni-Ricardo (2005) aponta que na perspectiva da Sociolinguiacutestica Educacional o falante deve utilizar a liacutengua de maneira apropriada De acordo com a autora ldquoA competecircncia comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstacircnciasrdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73) ou seja o falante segue regras de adequaccedilatildeo estabelecidas culturalmente que norteiam a monitoraccedilatildeo do seu estilo Assim o falante

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seleciona estilos mais monitorados em situaccedilotildees que exigem certa formalidade ao passo que em situaccedilotildees menos formais nas quais haacute um grau maior de intimidade com os interlocutores o indiviacuteduo utiliza estilos menos monitorados ldquoEm todos esses processos ele tem sempre de levar em conta o papel social que estaacute desempenhandordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73)

Ao analisar os ldquoerrosrdquo de escrita Bortoni-Ricardo (2005) discute uma metodologia para a anaacutelise e diagnose de ldquoerrosrdquo pertinente em ambientes nos quais as pessoas possuem pouco acesso agrave norma-padratildeo e utilizam variedades estigmatizadas ldquoOs lsquoerrosrsquo que cometem satildeo sistemaacuteticos e previsiacuteveis quando satildeo conhecidas as caracteriacutesticas do dialeto em questatildeordquo (BORTONI-RICARDO 2005 p 53) Sendo assim a autora postula as categorias de ldquoerrosrdquo especificadas no Quadro 1

Quadro 1 Categoriassubcategorias de ldquoerrosrdquo

1 ndash Erros decorrentes da proacutepria natureza arbitraacuteria do sistema de convenccedilotildees da escrita2 ndash Erros decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita

21 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas categoacutericas no dialeto estudado

22 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais

23 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas

Fonte Adaptado de Bortoni-Ricardo (2005 p 54)

O Quadro 1 demonstra duas categorias de ldquoerrosrdquo sendo que a categoria 1 compreende os ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita devido principalmente ao fato de haver um fonema com diferentes representaccedilotildees graacuteficas ou uma letra que represente dois ou mais fonemas

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A categoria 2 indica ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita A subcategoria 21 diz respeito a regras fonoloacutegicas categoacutericas que existem independentemente do contexto situacional e das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas do falante Por exemplo a junccedilatildeo de certas palavras (levalo em vez de ldquolevaacute-lordquo) e a nasalizaccedilatildeo do ditongo como em muinto em vez de ldquomuitordquo A subcategoria 22 refere-se agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais que satildeo percebidas em vaacuterios grupos sociais (categoria em que se insere nosso objeto de estudo e de intervenccedilatildeo) p e a monotongaccedilatildeo de ditongos crescentes (bera em vez de ldquobeirardquo) e a desnasalizaccedilatildeo das vogais aacutetonas finais (homi em vez de ldquohomemrdquo) Jaacute a subcategoria 23 diz respeito agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas que estatildeo presentes em alguns grupos por isso satildeo comumente estigmatizadas pelas pessoas que dominam a norma culta Por exemplo a supressatildeo do ditongo crescente em siacutelaba final (vei em vez de ldquoveiordquo)

A categorizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo adotada neste trabalho eacute a proposta por Bortoni-Ricardo (2005) segundo a qual haacute ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita e ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita sendo que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo objeto desta pesquisa enquadra-se neste uacuteltimo

Um motivo que leva os alunos a cometerem transgressotildees ortograacuteficas eacute a sustentaccedilatildeo da ideia de que a escrita eacute a representaccedilatildeo da fala Eacute o que ocorre quando o aluno transpotildee a monotongaccedilatildeo para escrita fenocircmeno que eacute discutido na seccedilatildeo seguinte

3 O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo

Segundo Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015 p 148) a monotongaccedilatildeo trata da supressatildeo da semivogal de um ditongo p e em [pe] a semivogal i foi suprimida Segundo Silva (2008 p 73) ditongos satildeo uma sequecircncia de segmentos sendo que um

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deles eacute uma vogal e o outro eacute uma semivocoide semivogal vogal assilaacutebica ou glide (a partir de agora adotamos o termo glide para se referir agrave semivogal por ser terminologia neutra)

No Portuguecircs Brasileiro (PB) as siacutelabas satildeo constituiacutedas por vogais que satildeo o nuacutecleo e por consoantes ou glides que ocupam as partes perifeacutericas Dessa forma as vogais satildeo sempre obrigatoacuterias e o pico de qualquer siacutelaba do PB enquanto as consoantes e os glides satildeo opcionais e ainda prevocaacutelicos ou posvocaacutelicos Foneticamente a diferenccedila entre um segmento vocaacutelico e um consonantal eacute a obstruccedilatildeo da passagem da corrente de ar pelo trato vocal no caso de consoantes e a natildeo obstruccedilatildeo no caso das vogais

Silva (2008 p 73 itaacutelico nosso) afirma que ldquo[] glides podem apresentar caracteriacutesticas foneacuteticas de segmentos vocaacutelicos ou consonantaisrdquo ao se comportarem de maneira parecida agraves consoantes na siacutelaba Nesse sentido Cacircmara Jr (1997) classifica o glide como vogal assilaacutebica pois em vez de ser o centro da siacutelaba fica agrave margem dela assim como as consoantes resultando no ditongo Silva (2008 p 171 itaacutelico nosso) afirma que no PB ldquo[] os glides correspondem agraves vogais altas i u em posiccedilatildeo aacutetona que se manifestam foneticamente como segmentos assilaacutebicos Os glides satildeo sempre associados a uma vogal e nunca podem ser nuacutecleo de siacutelabardquo

Coutinho (1976 p 108) afirma que havia em latim ldquosomente quatro ditongos ae oe au e eu (raro)rdquo O nuacutemero maior de ditongos no Portuguecircs deve-se a alguns motivos tais como a siacutencope ou queda de fonema medial como malu que passou a ser mau a vocalizaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo de consoante em vogal como conceptu que se transformou em conceito e a epecircntese de uma vogal para desfazer o hiato como em creogtcredogtcreio Ao discutir esse assunto Aragatildeo (2014) discorre sobre os ditongos latinos e afirma que seguiram dois caminhos diferentes no Portuguecircs ou se transformaram em novos ditongos ou se monotongaram

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Bortoni-Ricardo (2004) ao tecer consideraccedilotildees a respeito da monotongaccedilatildeo salienta que se trata de um fenocircmeno antigo na liacutengua como se observa p e na mudanccedila de paucumgtpoucogtpoco e aurumgtourogtoro No processo de evoluccedilatildeo do latim para o Portuguecircs a vogal ltagt transformou-se em ltogt tornando-se posterior assim como a vogal ltugt que eacute o segmento seguinte De acordo com Bagno (2006) essa transformaccedilatildeo do ditongo ltaugt para ltougt ocorreu devido ao processo de assimilaccedilatildeo

Aleacutem dessa transformaccedilatildeo houve ainda a reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt Essa mudanccedila representa a monotongaccedilatildeo que foi registrada jaacute no seacuteculo XVIII e perdura ateacute os dias hodiernos ldquoA regra estaacute tatildeo avanccedilada que praticamente natildeo pronunciamos o ditongo ou Ateacute em siacutelabas tocircnicas finais que satildeo mais resistentes agrave mudanccedila reduzimos este ditongordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 95) Aragatildeo (2014) afirma que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo natildeo eacute regional uma vez que foram realizados estudos nesse sentido em diversas regiotildees do paiacutes que registraram a ocorrecircncia desse fenocircmeno

Bortoni-Ricardo (2004) ressalta que a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai ocorre em apenas alguns contextos fonoloacutegicos ldquoA reduccedilatildeo do ei e do ai eacute condicionada pelo segmento consonacircntico seguinterdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 96) Dessa maneira os segmentos consonacircnticos posteriores que favorecem a monotongaccedilatildeo desses ditongos satildeo ʒ e como em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo Segundo Bortoni-Ricardo (2004 p 96) isso ocorre devido ao fato de serem ldquo[] fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca o palato assim como a vogal i Dizemos entatildeo que essas consoantes e a vogal i satildeo sons homorgacircnicos (quanto ao ponto de articulaccedilatildeo)rdquo

Nesse sentido Bagno (2006) afirma que quando dois sons parecidos se encontram eles tendem a se fundir devido agrave assimilaccedilatildeo ldquoNo caso do nosso ditongo EI a assimilaccedilatildeo lsquoaproveitarsquo o caraacuteter palatal da semivogal I e das consoantes J e X para reuni-las num uacutenico som Assim o que acontece natildeo eacute exatamente a

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reduccedilatildeo do ditongo EI em E mas a reduccedilatildeo de -IJ- e -IX- em -J- e -X-rdquo (BAGNO 2006 p 91-92)

Bortoni-Ricardo (2004) acrescenta tambeacutem que houve uma expansatildeo dessa regra para outros ambientes como p e monotongaccedilatildeo antes de [ɾ] Esse fenocircmeno ocorre porque segundo Bagno (2006) o som [ɾ] natildeo eacute palatal da mesma forma que [ʒ] ou [ʃ] poreacutem trata-se de um som que tambeacutem eacute produzido na parte anterior da boca entre os alveacuteolos e os dentes ldquoPor terem este ponto de articulaccedilatildeo comum eacute que os sons da semivogal I e da consoante R sofrem os efeitos da assimilaccedilatildeo e se transformam num soacuterdquo (BAGNO 2006 p 92)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2004) as consoantes oclusivas [] e [] e as fricativas [] e [] desfavorecem a aplicaccedilatildeo da regra da monotongaccedilatildeo dos ditongos [a] e [e ] No entanto a reduccedilatildeo do ditongo [e] pode ocorrer devido agrave variedade regional como na Paraiacuteba e Pernambuco em que haacute p e reduccedilatildeo do ditongo [e ] de ldquoAlmeidardquo para Almecircda

De acordo com Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015) os ditongos que se monotongam satildeo aqueles seguidos de fricativas como em ldquodepoisrdquo ldquoqueijordquo e ldquopeixerdquo e seguidos de tepe como em ldquoroteirordquo e ldquofreirardquo Bortoni-Ricardo (2004 p 95) afirma que o fator que mais contribui para a monotongaccedilatildeo eacute a influecircncia articulatoacuteria do segmento seguinte Assim eacute muito comum a reduccedilatildeo do ditongo ou tanto em siacutelabas finais como falocirc socirc e jogocirc em vez de ldquofalourdquo ldquosourdquo e ldquojogourdquo quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas como em besoro tesoro loco dotocirc e ropa em vez de ldquobesourordquo ldquotesourordquo ldquoloucordquo ldquodoutorrdquo e ldquoroupardquo

Verifica-se tambeacutem a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai mas nesses casos Bortoni-Ricardo (2004) afirma que a regra de monotongaccedilatildeo estaacute menos avanccedilada pois ela se aplica apenas em alguns contextos fonoloacutegicos Assim nas palavras ldquojeitordquo ldquoPaivardquo ldquoseivardquo ldquoraivardquo ldquogaitardquo e ldquobeiccedilordquo natildeo se verifica a monotongaccedilatildeo ao passo que em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo os ditongos satildeo monotongados pois

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os segmentos ʒ e ʃ satildeo fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca assim como i o que favorece a monotongaccedilatildeo Quando a monotongaccedilatildeo ocorre no radical dos verbos a tendecircncia eacute a abertura da vogal por exemplo em roacuteba e doacutera em vez de ldquoroubardquo e ldquodourardquo

Apoacutes essa explanaccedilatildeo a respeito da monotongaccedilatildeo na subseccedilatildeo a seguir abordaremos a transposiccedilatildeo desse fenocircmeno para a escrita conforme estudos jaacute realizados sobre o assunto

31 Monotongaccedilatildeo da fala para a escrita

Nesta subseccedilatildeo satildeo apresentadas discussotildees sobre a transposiccedilatildeo da fala para a escrita em relaccedilatildeo ao fenocircmeno da monotongaccedilatildeo de acordo com pesquisas desenvolvidas pelos autores citados a seguir

Mollica (2016) realizou uma pesquisa em escolas puacuteblicas e particulares na cidade do Rio de Janeiro e Niteroacutei (RJ) a fim de verificar a ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental A autora concluiu que as turmas nas quais foi promovida uma discussatildeo acerca da influecircncia da fala na escrita foi identificada menor ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo nos textos escritos sendo que o grafema ltugt apresentou assimilaccedilatildeo mais difiacutecil do que o grafema ltigt uma vez que eacute mais comum na fala dos alunos pesquisados a monotongaccedilatildeo do ditongo [oU9] como em otro em detrimento do ditongo [ej] como em pexe Dessa forma segundo Mollica (2016 p 102) ldquoQuanto mais afetada na fala a mudanccedila maior a resistecircncia agrave instruccedilatildeo aplicada como estrateacutegia pedagoacutegica em sala de aula no processo de letramentordquo

Hora e Ribeiro (2006) desenvolveram uma pesquisa com alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental em uma escola particular e uma puacuteblica na cidade de Joatildeo Pessoa (PB) com o intuito de observar a monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes Percebeu-se que houve ocorrecircncia maior de monotongaccedilatildeo em textos dos

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alunos do sexo masculino confirmando a hipoacutetese inicial dos autores de que ldquo[] os falantes do sexo feminino tendem a usar mais a variante padratildeo ou de prestiacutegio social do que aqueles do sexo masculinordquo (HORA RIBEIRO 2006 p 218) Nessa pesquisa houve ainda a constataccedilatildeo de que os estudantes das escolas puacuteblicas escrevem mais palavras monotongadas do que os alunos de escolas particulares possivelmente pelo fato de estes possuiacuterem maior contato com textos escritos em norma culta

Aleacutem disso os autores identificaram que alunos com niacutevel de escolaridade maior apresentaram menor iacutendice de monotongaccedilatildeo corroborando os estudos de Mollica (2016 p 102) ao concluir que ldquo[] o aprendiz necessita de um grau de amadurecimento tal que seja capaz de entender instruccedilotildees complexas como a possiacutevel influecircncia da variaccedilatildeo na liacutengua falada sobre a liacutengua escritardquo

Barbosa (2016 p 39-40) aponta que ldquo[] a monotongaccedilatildeo e a ditongaccedilatildeo satildeo evidecircncias do continuum entre fala e escrita ocasionadas por assimilaccedilotildees sonorasrdquo Assim a monotongaccedilatildeo eacute um tipo de variaccedilatildeo fonoloacutegica mas que ocorre tambeacutem na escrita como observado nas pesquisas descritas acima De acordo com Coelho et al (2015 p 18) ldquoEm um caso de variaccedilatildeo as formas variantes costumam receber valores distintos pela comunidaderdquo Dessa maneira enquanto a variante padratildeo eacute a variante de prestiacutegio a natildeo padratildeo eacute normalmente estigmatizada No caso especiacutefico da monotongaccedilatildeo segundo Mollica (2016) por ser comum no Brasil natildeo demonstra ser um fenocircmeno tatildeo estigmatizado o que poderia explicar sua forte influecircncia nos textos escritos

Bagno (2006) destaca que a liacutengua escrita natildeo reproduz fielmente a fala pois a liacutengua falada passa por constantes transformaccedilotildees Dessa maneira ldquo[] ateacute hoje a gente tem que escrever pouco louro roupa embora fale haacute bastante tempo poco loro ropardquo (BAGNO 2006 p 84) Portanto ldquoerrosrdquo ortograacuteficos decorrentes da influecircncia da fala na escrita especialmente no que diz respeito agrave monotongaccedilatildeo satildeo recorrentes

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Dada a ocorrecircncia de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos na escrita dos alunos aqui investigados especificamente da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a sua escrita e a necessidade de uma proposta de intervenccedilatildeo nesse caso adotamos as propostas de atividades pedagoacutegicas elaboradas por Morais (2000) que contribuem para o ensino da ortografia conforme discussatildeo na seccedilatildeo a seguir

4 Morais (2000) sugestotildees de atividades

Morais (2000) apresenta sugestotildees de atividades para serem trabalhadas em sala de aula com o intuito de melhorar os conhecimentos ortograacuteficos dos alunos p e

1) Ditado interativo o ditado eacute uma atividade muito usada para a verificaccedilatildeo ortograacutefica contudo trata-se de um exerciacutecio realizado de maneira tradicional considerando a ortografia como um objeto de verificaccedilatildeo e natildeo de ensino

Contrapondo-se ao ditado tradicional que apenas verifica os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos o ditado interativo conduz a uma reflexatildeo acerca da ortografia ldquoDitamos agrave turma um texto jaacute conhecido fazendo pausas diversas nas quais convidamos os alunos a focalizar e discutir certas questotildees ortograacuteficas previamente selecionadas ou levantadas durante a atividaderdquo (MORAIS 2000 p 77) Durante a realizaccedilatildeo do ditado o professor aponta reflexotildees sobre algumas palavras que considera mais pertinentes para o momento seguindo as dificuldades ortograacuteficas apresentadas pelos alunos solicitando a eles que faccedilam transgressotildees mentalmente discutindo a forma ldquocorretardquo e ldquoerradardquo de grafia

2) Releitura com focalizaccedilatildeo semelhante ao ditado interativo a releitura coletiva com focalizaccedilatildeo na escrita de determinadas palavras leva os alunos a refletirem acerca da ortografia ldquoMais ainda que no ditado interativo eacute faacutecil o professor controlar as palavras sobre as quais deseja refletir com os alunosrdquo (MORAIS 2000 p 82)

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3) Reescrita com correccedilatildeo Morais (2000) sugere que os alunos leiam textos que contenham transgressotildees ortograacuteficas e pontua ainda que essa proposta enfrenta resistecircncia por muitos educadores pois haacute o pensamento de que os estudantes ao entrarem em contato com esses ldquoerrosrdquo poderiam considerar essas ocorrecircncias corretas No entanto o autor supracitado ressalta a importacircncia de os alunos perceberem que indiviacuteduos de grupos sociais e regiotildees diferentes possuem maneiras distintas de falar aleacutem disso deve-se discutir a maneira como se fala sendo que a linguagem precisa se adequar agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Segundo Morais (2000) as atividades de reescrita com correccedilatildeo e transgressatildeo ortograacutefica podem contribuir para a reflexatildeo sobre a ortografia

5 Anaacutelise dos dados

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos alunos e na atividade poacutes-intervenccedilatildeo os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados conforme proposta de Bortoni-Ricardo (2005) descrita no Quadro 1 Analisamos a seguir as atividades diagnoacutesticas demonstrando o percentual de ldquoerrosrdquo dos alunos em cada tipo categorizado na sequecircncia destacamos a anaacutelise feita no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos participantes ainda na fase diagnoacutestica Por fim comparamos os dados obtidos no diagnoacutestico com os dados colhidos na fase poacutes-intervenccedilatildeo

51 Anaacutelise das atividades diagnoacutesticas

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos 21 alunos participantes conforme descriccedilatildeo anterior os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados sendo possiacutevel obter uma visatildeo geral dos ldquoerrosrdquo no Graacutefico 1

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Graacutefico 1 Porcentagem dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos ndash fase diagnoacutestica

0 10 20 30 40

Troca de letrasMonotongaccedilatildeo

JunturaAlccedilamento

ApoacutecopeHipercorreccedilatildeoSegmentaccedilatildeoDesnasalaccedilatildeo

SiacutencopeAfeacuterese

Harmonia vocaacutelicaAssimilaccedilatildeoDitongaccedilatildeo

Demais subcategorias

Grupo 1

Grupo 2 - A

Grupo 2 - B

Grupo 2 - C

Demais subcategorias

Fonte Lopes (2018)

No Graacutefico 1 incluem-se na legenda ldquodemais subcategoriasrdquo ldquoerrosrdquo provenientes dos Grupos 1 e 2 que apresentaram menos de 1 de ocorrecircncia a saber inserccedilatildeo de letras (Grupo 1) epecircntese (Grupo 2 ndash A) nasalizaccedilatildeo (Grupo 2 ndash B) apoacutecope epecircntese sacircndi externo nasalizaccedilatildeo afeacuterese e paragoge (Grupo C)

Os ldquoerrosrdquo identificados nas atividades diagnoacutesticas demonstraram o elevado grau de dificuldades enfrentadas pelos alunos em relaccedilatildeo agrave ortografia ao compor seus textos Destaca-se nesse sentido a dificuldade apresentada em relaccedilatildeo ao uso indevido de letras com 29 A troca de letras feita no momento da escrita representa casos possiacuteveis dentro do sistema linguiacutestico

O ldquoerrordquo ortograacutefico de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita para o qual se direciona esta pesquisa apresentou o segundo maior percentual de ldquoerrosrdquo No entanto entre os ldquoerrosrdquo

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decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita (Grupo 2) a monotongaccedilatildeo apresentou o maior nuacutemero de ocorrecircncias

Ainda que o uso indevido de letras tenha sido demonstrado como o ldquoerrordquo mais recorrente considerando-se o total dos ldquoerrosrdquo trata-se de troca de letras diferentes O porcentual de 29 para essa subcategoria do Grupo 1 representa 14 tipos de troca de letras diferentes que totalizam as 84 ocorrecircncias identificadas nos dados Se considerado cada tipo de troca de letra isoladamente eles apresentam um menor percentual de ocorrecircncia quando comparados agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Em razatildeo de o objeto de estudo desta pesquisa ser a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita uma subseccedilatildeo especiacutefica trataraacute desse ldquoerrordquo ortograacutefico

52 Monotongaccedilatildeo transposiccedilatildeo para a escrita

Esta subseccedilatildeo aborda especificamente a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita na fase diagnoacutestica No Quadro 2 estatildeo elencadas as palavras que representam a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita encontradas nos dois textos produzidos pelos alunos na fase diagnoacutestica organizado de maneira a se estabelecer correspondecircncia entre o ldquoerrordquo e o aluno que dele fez uso

Quadro 2 Casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ndash fase diagnoacutestica

Aluno Monotongaccedilatildeo

A1 robu (ldquoroubordquo) robaro (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) coguero (ldquocoqueirordquo) atiro (ldquoatirourdquo)

A2 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A3 outro (ldquooutrordquo) robaram (ldquoroubaramrdquo)A4 fera (ldquofeirardquo)A6 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A9 robaraum (ldquoroubaramrdquo) otos (ldquooutrosrdquo)

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A10 cacha (ldquocaixardquo) ropinha (ldquoroupinhardquo)A11 arrumo (ldquoarrumourdquo)

A12 robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A13 ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo) deito (ldquodeitourdquo) comeia (ldquocolmeiardquo) utimo (ldquouacuteltimordquo)

A15 roba (ldquoroubarrdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) acho (ldquoachourdquo) ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A16 vera (ldquofeirardquo)A17 fera (ldquofeirardquo) cheo (ldquocheiordquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A18 robaram (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) comeia (ldquocolmeiardquo)A19 robaram (ldquoroubaramrdquo) vera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A20 robaram (ldquoroubaramrdquo) atiro (ldquoatirourdquo) cacha (ldquocaixardquo)A21 fera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)

Fonte Lopes (2018)

Verifica-se com base no Quadro 2 que dos 21 informantes que participaram das atividades propostas 17 (81) apresentaram na escrita ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo atraveacutes da reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt e dos ditongos lteigt e ltaigt para ltegt e ltagt respectivamente

Contrariando a forma ortograacutefica oficial foram verificadas nas produccedilotildees analisadas palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo tanto em siacutelabas tocircnicas finais quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas Em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo do ditongo [oU9] para [o] puderam ser observadas as seguintes ocorrecircncias

a) Reduccedilatildeo do ditongo em siacutelabas tocircnicas finais como em atiro arrumo comeso deito fecho e acho em vez de ldquoatirourdquo ldquoarrumourdquo comeccedilourdquo ldquodeitourdquordquo fechourdquo e ldquoachourdquo

b) Transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo no final das siacutelabas no interior das palavras como em robo robaram otros comeia e ropinha grafadas no lugar de ldquoroubordquo ldquoroubaramrdquo ldquooutrosrdquo ldquocolmeiardquo e ldquoroupinhardquo No caso da escrita de comeia e utimo a

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transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo ocorre porque haacute um ditongo [ow] na fala que natildeo eacute registrado na forma escrita

Verificou-se ainda o apagamento do glide dos ditongos [a] e [e] que se reduziram para [a] e [e] respectivamente Nas produccedilotildees de texto analisadas a reduccedilatildeo desses ditongos ocorreu nos contextos fonoloacutegicos descritos a seguir

c) O ditongo [e] passou por monotongaccedilatildeo antes de consoante tepe alveolar sonora [] como em fera coquero e cadera em vez de ldquofeirardquo ldquocoqueirordquo e ldquocadeirardquo

d) Houve reduccedilatildeo do ditongo [a] antes de consoante fricativa alveopalatal surda [] como em cacha em vez de ldquocaixardquo

Natildeo houve reduccedilatildeo dos ditongos [a] e [e] diante de oclusivas e fricativas nas produccedilotildees textuais dos alunos Identificou-se o natildeo favorecimento de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo quando o ditongo antecede as consoantes [v] e [t] pois natildeo satildeo sons palatais assim natildeo haacute assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 e A12 grafaram a palavra ldquoraivardquo sem transposiccedilatildeo da reduccedilatildeo do ditongo [a ] Natildeo foram encontrados registros nos textos analisados de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo neste contexto fonoloacutegico ditongo seguido de consoante fricativa labiodental sonora [v] O mesmo ocorreu com os ditongos seguidos de consoante oclusiva dental-alveolar surda [t] (p e ldquodeitourdquo e geito) Foi possiacutevel analisar ainda que o ditongo [e] natildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nos finais de palavra como ocorreu com o ditongo [oU9]

No caso de [a] e [e] a reduccedilatildeo do ditongo estaacute condicionada ao segmento seguinte que sendo um som palatal favorece a monotongaccedilatildeo uma vez que haacute a assimilaccedilatildeo do glide com a consoante Assim enquanto as consoantes [ʒ] e [ʃ] favorecem a monotongaccedilatildeo como em bejo e caxa em vez de ldquobeijordquo e ldquocaixardquo por serem palatais o mesmo natildeo acontece com as consoantes

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[v] e [t] que desfavorecem a monotongaccedilatildeo por natildeo serem sons palatais natildeo havendo portanto assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 A3 e A21 escreveram ldquodeitourdquo geito e ldquodeitadordquo respectivamente sem transpor para a escrita a monotongaccedilatildeo dos ditongos uma vez que conforme jaacute comentado anteriormente esse contexto fonoloacutegico natildeo favorece a reduccedilatildeo do ditongo [e]

No texto do aluno A3 notou-se que as palavras ldquoentreirdquo e axei que possuem um ditongo [e ] no final da palavra tambeacutem natildeo passaram por monotongaccedilatildeo diferentemente do que ocorreu com o ditongo [oU9] no final de palavras

A anaacutelise do diagnoacutestico permitiu chegar aos seguintes resultados

bull Os contextos fonoloacutegicos de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foram ditongo ltougt no interior e final de palavra ditongo lteigt antes de [] e ditongo ltaigt antes de []

bull 81 dos alunos participantes escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

bull O ditongo ltougt foi mais produtivo em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita seguido pelos ditongos lteigt e ltaigt respectivamente

bull Os informantes do sexo masculino escreveram mais palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em comparaccedilatildeo aos informantes do sexo feminino

bull Os participantes com mais idade registraram menor ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita do que os participantes com menos idade

Apoacutes anaacutelise do diagnoacutestico foi elaborado o plano de intervenccedilatildeo e aplicado aos alunos Em seguida os alunos realizaram uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo com o intuito de avaliar a intervenccedilatildeo

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realizada A comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo eacute feita na subseccedilatildeo a seguir

53 Comparaccedilatildeo dos resultados e resultado geral

A fim de avaliar os efeitos da intervenccedilatildeo torna-se necessaacuterio realizar nesta subseccedilatildeo uma anaacutelise comparativa entre os resultados colhidos na fase diagnoacutestica e na fase poacutes-intervenccedilatildeo referentes agraves produccedilotildees de texto redigidas pelos alunos

Na Tabela 1 a seguir eacute feita a comparaccedilatildeo do total de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Tabela 1 Comparativo geral de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

16 4

Fonte Lopes (2018)

Segundo a Tabela 1 houve uma reduccedilatildeo de 12 das ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos produzidos pelos alunos da fase diagnoacutestica para a fase poacutes-intervenccedilatildeo Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo correspondeu a 16 do total de ldquoerrosrdquo enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo esse percentual foi de 4

Ao discutir a transposiccedilatildeo da fala para a escrita Mollica (2016 p 18) afirma que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e que ldquoOs sistemas de escrita possuem um caraacuteter normatizador de tal modo que muitos traccedilos variaacuteveis da fala desaparecemrdquo

Dessa maneira durante a intervenccedilatildeo foi feita a discussatildeo com os alunos no sentido de que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e os resultados demonstram que houve essa compreensatildeo por

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parte dos estudantes uma vez que a ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos reduziu consideravelmente apoacutes a intervenccedilatildeo desenvolvida evidenciando que as atividades propostas minimizaram essa dificuldade ortograacutefica

Para melhor visualizaccedilatildeo o Graacutefico 2 conteacutem a comparaccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 2 Comparativo alunos com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

81

105

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 2 ilustra a reduccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram em seu texto escrito a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo durante as fases diagnoacutestica (81) e poacutes-intervenccedilatildeo (105) Ou seja houve uma reduccedilatildeo de mais de 70 demonstrando que os alunos compreenderam tal fenocircmeno que ocorre na fala e eacute transposto para a escrita

Mollica (2016) defende a elaboraccedilatildeo de trabalhos orientados na abordagem de dificuldades de escrita de natureza ortograacutefica ou gramatical sendo essa uma funccedilatildeo essencial da escola ldquoAssumo que a escola tem o papel preciacutepuo de exercitar a liacutengua padratildeo quer na modalidade escrita quer na modalidade faladardquo (MOLLICA 2016 p 17)

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O trabalho orientado no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita obteve resultados satisfatoacuterios nesta pesquisa de acordo com leitura feita do Graacutefico 2

O Quadro 3 a seguir compara as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa considerando dois informantes que apresentaram a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na atividade de avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo

Quadro 3 Comparativo casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Aluno Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

A11 arrumo (ldquoarrumourdquo) chego (ldquochegourdquo)

A12robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso

(ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)falo (ldquofalourdquo)

Fonte Lopes (2018)

Constatamos a partir da observaccedilatildeo do Quadro 3 que o informante A11 escreveu o mesmo nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa (1 ocorrecircncia em cada) ambas com reduccedilatildeo do ditongo ltougt no final de palavra Jaacute o informante A12 ainda que tenha registrado na fase poacutes-intervenccedilatildeo uma palavra com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apresentou reduccedilatildeo desse fenocircmeno na escrita em relaccedilatildeo agrave fase diagnoacutestica (6 ocorrecircncias) Aleacutem disso enquanto na fase diagnoacutestica esse aluno registrou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo dos ditongos ltougt e lteigt na poacutes-intervenccedilatildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo somente do ditongo ltougt

A reduccedilatildeo do ditongo ltougt pelo fato de natildeo depender do segmento consonantal seguinte para ocorrer monotongaccedilatildeo (ao contraacuterio do que acontece com os ditongos ltaigt e lteigt) torna-se mais frequente e consequentemente mais difiacutecil reduzir a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo desse ditongo na escrita

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O Quadro 4 compara os contextos fonoloacutegicos da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Quadro 4 Comparativo contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

ltougt no final de palavraltougt no interior de palavra

lteigt antes de []ltaigt antes de []

ltougt em final de palavra

Fonte Lopes (2018)

Comparando os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nessas duas fases da pesquisa observamos que houve reduccedilatildeo uma vez que na fase diagnoacutestica os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo foram ditongo ltougt no interior e final de palavra lteigt antes de [] e ltaigt antes de [] Na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi registrada apenas transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com o ditongo ltougt no final de palavra

Corroborando os dados colhidos na fase diagnoacutestica desta pesquisa a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt eacute mais produtiva motivo pelo qual esse contexto fonoloacutegico persistiu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Assim a reduccedilatildeo de contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas produccedilotildees dos alunos demonstra que houve a compreensatildeo no que tange a esse ldquoerrordquo A comparaccedilatildeo entre os tipos de ditongos que apresentaram maior ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo estaacute representada no Graacutefico 3

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Graacutefico 3 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo por tipo de ditongo

62

33

5

100

Ditongo ltougt Ditongo lteigt Ditongo ltaigt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt foi mais produtiva com 62 seguida pelo ditongo lteigt (33) e ditongo ltaigt (5) Jaacute na fase poacutes-intervenccedilatildeo somente ocorreu a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Possivelmente a permanecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apenas do ditongo ltougt na fase poacutes-intervenccedilatildeo deve-se tambeacutem ao fato de que esse eacute um fenocircmeno consolidado na fala tornando mais resistente sua aplicaccedilatildeo

Bortoni-Ricardo e Rocha (2014 p 42) confirmam essa hipoacutetese

[] o curso evolutivo de reduccedilatildeo do ditongo ow estaacute mais avanccedilado a regra parece aplicar-se quase categoricamente em todos os ambientes foneacuteticos Esse ditongo eacute de fato o uacutenico que se reduz nas siacutelabas finais

Mollica (2016 p 91) tambeacutem explica a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico ao afirmar que ldquoA correccedilatildeo ortograacutefica para

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o ditongo com a semivogal posterior por ser mudanccedila operada na fala eacute mais lenta que a verificada para o ditongo com a semivogal anteriorrdquo Logo a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt registrada nesta pesquisa tambeacutem indicou ser mais lento o seu apagamento na escrita por se tratar de fenocircmeno consolidado na fala como demonstrado no Quadro 4 que evidenciou a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico nesta pesquisa na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Ainda assim a anaacutelise dos dados obtidos demonstra que as atividades desenvolvidas para a orientaccedilatildeo de uma dificuldade ortograacutefica especiacutefica foram satisfatoacuterias para a aprendizagem dos alunos posto que foi observada a reduccedilatildeo de ldquoerrosrdquo ocasionados pela transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita

A comparaccedilatildeo das classes de palavras mais produtivas em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases desta pesquisa estaacute especificada no Graacutefico 4 que representa apenas o ditongo ltougt por ter sido o uacutenico recorrente na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 4 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

24

64

12

100

Substantivo Verbo Pronome

Diagnoacutestico Poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

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Identificamos apoacutes comparar a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt no diagnoacutestico e na poacutes-intervenccedilatildeo a prevalecircncia na fase diagnoacutestica de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (64) seguida por substantivos (24) e pronomes (12) enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo soacute houve transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (100)

Os gecircneros textuais escolhidos para as atividades por terem a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo contribuiacuteram para a ocorrecircncia maior da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt com verbos Isso ocorreu tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo momento em que foi solicitada aos alunos a escrita de uma paroacutedia de um conto de fadas

O Graacutefico 5 compara a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos em relaccedilatildeo ao sexo dos participantes Os dados referentes ao diagnoacutestico foram considerados por amostragem Pelo fato de haver no 7ordm ano X prevalecircncia de alunos do sexo masculino (81) fizemos um recorte no diagnoacutestico comparando os ldquoerrosrdquo de 4 informantes do sexo feminino e 4 informantes do sexo masculino entre 12 e 13 anos com o intuito de verificar se a variaacutevel sexo interfere no resultado da pesquisa

Essa anaacutelise por amostragem eacute utilizada neste trabalho na medida em que haacute a necessidade de ser mantido o equiliacutebrio entre as ceacutelulas das variaacuteveis consideradas Apesar de a amostra ser reduzida ela permite avaliar os dados sem diferenccedilas quantitativas nessa variaacutevel demonstrando resultados mais confiaacuteveis pois informantes de sexos diferentes podem apresentar resultados tambeacutem distintos

Reafirmamos que a comparaccedilatildeo eacute feita considerando o ditongo ltougt que na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi o uacutenico que ocorreu

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Graacutefico 5 Comparativo variaacutevel sexo e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

130

87100

Feminino Masculino

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 5 demonstra que na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foi mais produtiva com informantes do sexo masculino (87) O mesmo ocorreu na fase poacutes-intervenccedilatildeo em que apenas informantes do sexo masculino escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Assim a variaacutevel sexo demonstrou influenciar o fenocircmeno aqui estudado ratificando a informaccedilatildeo discutida por Mollica (2016 p 85) segundo a qual

O fator sexo influencia na forma relevante com relaccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo de ow e ey uma vez que as meninas apresentam enorme facilidade no aprendizado de formas linguiacutesticas prestigiadas socialmente O inverso ocorre com os meninos nos quais costuma prevalecer a ocorrecircncia de formas linguiacutesticas de baixo prestiacutegio social

Ainda segundo a autora ldquoEssas diferenccedilas costumam ser maiores em turmas onde o niacutevel socioeconocircmico eacute mais baixordquo (MOLLICA 2016 p 85) sendo essa tambeacutem a mesma condiccedilatildeo socioeconocircmica do puacuteblico-alvo dessa pesquisa

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A comparaccedilatildeo entre a fase diagnoacutestica e a fase poacutes-intervenccedilatildeo no que diz respeito agrave variaacutevel faixa etaacuteria estaacute representada no Graacutefico 6 no qual foi feito um recorte na fase diagnoacutestica para essa variaacutevel Tambeacutem satildeo contempladas as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt que foi o uacutenico identificado na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 6 Comparativo variaacutevel faixa etaacuteria e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutesca Fase poacutes-intervenccedilatildeo

80

50

20

50

12 anos 14 anos

Fonte Lopes (2018)

Percebe-se que no diagnoacutestico o ditongo ltougt foi mais produtivo em textos escritos por alunos de 12 anos (80) que possuem idade recomendada para o 7ordm ano enquanto os alunos de 14 anos escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em 20 das vezes identificadas

Jaacute na poacutes-intervenccedilatildeo a porcentagem foi a mesma para alunos de 12 e 14 anos (50) Apesar de o desempenho dos alunos mais velhos na fase diagnoacutestica ter sido mais satisfatoacuterio (20) o resultado referente a essa variaacutevel na fase poacutes-intervenccedilatildeo (50) deve-se provavelmente ao que afirma Mollica (2016) Segundo essa estudiosa ainda que a inserccedilatildeo do glide no ditongo seja mais facilmente assimilada por alunos mais velhos essa regra eacute ldquo[] compreendida e apreendida quanto mais os alunos se tornam conscientes das diferenccedilas entre fala e escritardquo

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Portanto na poacutes-intervenccedilatildeo os alunos mais novos demonstraram evoluccedilatildeo significativa da consciecircncia das diferenccedilas entre a fala e a escrita sendo mais maduros nesse aspecto do que os alunos mais velhos

A comparaccedilatildeo dos dados colhidos no diagnoacutestico com os dados da poacutes-intervenccedilatildeo demonstrou que

bull Houve reduccedilatildeo significativa da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos dos alunos registrando 16 dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos durante o diagnoacutestico e 4 na poacutes-intervenccedilatildeo

bull O percentual de alunos que escreveram palavras com a reduccedilatildeo do glide do ditongo diminuiu passando de 81 do total de alunos participantes para 105

bull A transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt para a escrita foi mais produtiva (devido agrave sua consolidaccedilatildeo na fala e resistecircncia na escrita e ao fato de ser um ditongo que independe do segmento consonacircntico seguinte para ocorrer transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo) uma vez que foi o uacutenico contexto de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo que permaneceu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

bull A reduccedilatildeo do glide no ditongo ltougt foi mais recorrente com verbos tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo devido agrave influecircncia dos gecircneros textuais trabalhados em que haacute a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo

bull Participantes do sexo masculino escreveram maior nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases da pesquisa analisadas evidenciando que as mulheres monitoraram mais a linguagem e demonstraram maior preocupaccedilatildeo em escrever de acordo com as regras ortograacuteficas

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bull A variaacutevel faixa etaacuteria demonstrou que os alunos mais novos apresentaram evoluccedilatildeo na aprendizagem do fenocircmeno estudado pois reduziram o percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 80 para 50 na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo respectivamente enquanto os participantes mais velhos natildeo demonstraram evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave aprendizagem da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita posto que houve aumento do percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 20 para 50

6 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa analisou o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo com o objetivo de verificar a sua transposiccedilatildeo para a escrita dos alunos do 7ordm ano X do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica O resultado do diagnoacutestico apontou a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo como sendo um ldquoerrordquo recorrente na escrita demonstrando que a escrita dos alunos eacute influenciada pela monotongaccedilatildeo levando-os a se desviar da forma ortograacutefica convencional do Portuguecircs

A avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi obtida atraveacutes de uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo que demonstrou reduccedilatildeo de ocorrecircncias da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes participantes Portanto concluiacutemos que o entendimento do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo pelo aluno influencia positivamente na aprendizagem e desenvolvimento da sua escrita ortograacutefica e que a intervenccedilatildeo a partir de atividades sugeridas por Morais (2000) contribuiu para o desenvolvimento da escrita ortograacutefica dos alunos

Dessa forma constatamos a necessidade de o professor considerar a dificuldade do aluno no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ao propor as atividades ortograacuteficas em sala de aula por diversas vezes natildeo se fala o que parece ser oacutebvio em relaccedilatildeo agrave ortografia todavia faz-se necessaacuterio observar

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a realidade linguiacutestica do aluno pois o coacutedigo ortograacutefico precisa ser ensinado Devido a isso as atividades propostas em sala devem estar de acordo com as necessidades do puacuteblico-alvo

Esta pesquisa pode suscitar reflexotildees e conjecturas e consequentemente o desenvolvimento de pesquisas sobre a maneira como a monotongaccedilatildeo ocorre na fala dos participantes posto que nosso objeto de estudo consistiu na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita sendo oportuno ampliar a amostra em estudos posteriores

Eacute oportuno ressaltar que iniciativas do professor que consistem na aplicaccedilatildeo de um diagnoacutestico e posteriormente na elaboraccedilatildeo de atividades que objetivem sanar as duacutevidas identificadas satildeo necessaacuterias em se tratando do ensino de Liacutengua Portuguesa no Ensino Fundamental II O professor-pesquisador pode transformar a realidade do aluno e fazer a diferenccedila no desenvolvimento de sua aprendizagem

Referecircncias

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A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda os resultados obtidos na pesquisa sobre a segmentaccedilatildeo e a juntura36 registradas na escrita de alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio na cidade de Montes Claros Minas Gerais em 2015 O estudo teve como objetivos arrolar as possiacuteveis causas do fenocircmeno elaborar propostas de ensino para resolver o problema detectado bem como oferecer subsiacutedios teoacuterico-praacuteticos para professores alfabetizadores e de Liacutengua Materna uma vez que tais problemas perpetuam-se ateacute os anos finais de escolaridade mesmo sendo um fenocircmeno peculiar agrave etapa da alfabetizaccedilatildeo

A metodologia utilizada na pesquisa foi a da pesquisa-accedilatildeo que alia a teoria agrave praacutetica com o propoacutesito de oferecer contribuiccedilotildees para melhorar o ensino e a aprendizagem Nesse sentido ratifica-se a relevacircncia de agregar os postulados teoacutericos imprescindiacuteveis ao exerciacutecio docente agraves estrateacutegias de ensino que possam ser executadas em sala de aula pois eacute comum os professores natildeo encontrarem materiais que os auxiliem nas dificuldades de escrita de seus alunos As investigaccedilotildees aqui delineadas promoveram um novo olhar diante de tais entraves pois foi possiacutevel constatar que os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos natildeo satildeo aleatoacuterios isto eacute existem explicaccedilotildees que justificam suas ocorrecircncias e eacute por isso que o embasamento teoacuterico eacute fundamental para uma praacutetica docente de qualidade

Como se sabe as atividades de leitura e escrita satildeo de grande preocupaccedilatildeo sobretudo para professores de Liacutengua Portuguesa cuja meta eacute formar cidadatildeos natildeo apenas alfabetizados mas principalmente capazes de ler e escrever de forma autocircnoma e com criticidade Vaacuterios satildeo os obstaacuteculos que dificultam essa meta entre eles podemos destacar o alto grau de abstraccedilatildeo que a escrita e a leitura exigem diferente da fala que eacute aprendida de forma

36 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa

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mais espontacircnea no meio familiar as peculiaridades do alfabeto Portuguecircs as dificuldades ortograacuteficas a falta de haacutebito de leitura bem como questotildees de ordem social econocircmica e cultural que natildeo seratildeo destacadas neste trabalho mas que de certo modo interferem nesse processo

Contudo entre esses obstaacuteculos merecem tratamento cuidadoso as dificuldades ortograacuteficas como por exemplo hipercorreccedilatildeo uso indevido de letras utilizaccedilatildeo inadequada de letras maiuacutesculas e minuacutesculas e o que eacute o objeto de interesse deste texto a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Segundo Cagliari (2009) quando a crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros textos de um modo espontacircneo costuma unir as palavras o que configura a juntura Por sua vez devido agrave acentuaccedilatildeo tocircnica das palavras pode ocorrer uma segmentaccedilatildeo que eacute uma separaccedilatildeo na escrita que configura um desvio da ortografia Eacute importante ressaltar que devido ao seu vasto trabalho na aacuterea de Alfabetizaccedilatildeo e Linguiacutestica a nomenclatura de Cagliari (2009) segmentaccedilatildeo e juntura eacute a que foi utilizada ao longo desta pesquisa

Embora sejam processos fonoloacutegicos peculiares agrave fase de alfabetizaccedilatildeo foi possiacutevel perceber que ao chegarem aos anos iniciais do Ensino Fundamental II mais especificamente no 6ordm ano um nuacutemero consideraacutevel de alunos ainda traz registros de junturas e segmentaccedilotildees em seus textos tais como ldquocom noscordquo em vez de ldquoconoscordquo ldquoa legrerdquo em vez de ldquoalegrerdquo como exemplos de segmentaccedilotildees ldquoderrepenterdquo em vez ldquode repenterdquo ldquosenquererrdquo em vez de ldquosem quererrdquo como exemplos de junturas Nessa fase escolar tais ocorrecircncias jaacute deveriam teoricamente ser inexistentes Contudo se persistem eacute necessaacuterio investigar as causas e encarar tais registros como possibilidades de escrita que natildeo satildeo desprovidas de loacutegica ou seja satildeo ldquoerrosrdquo37 que podem ser compreendidos e trabalhados mas sem dar-lhes o caraacuteter

37 Usamos o termo ldquoerrordquo entre aspas para natildeo ferir os postulados linguiacutesticos mas tambeacutem o reconhecendo como tal por se apresentar como um desvio que difere do que aponta a norma-padratildeo Destacamos o conceito de ldquoerrordquo na seccedilatildeo teoacuterica

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pejorativo que revela muitas vezes preconceito linguiacutestico Eacute papel do professor evitar a perpetuaccedilatildeo de qualquer tipo discriminaccedilatildeo da liacutengua visto que haacute outras variantes que merecem ser respeitadas e satildeo vaacutelidas dentro dos seus contextos de uso

No entanto tambeacutem eacute funccedilatildeo do profissional de Liacutengua Materna estar atento agraves duacutevidas de seus alunos e procurar recursos para que sejam elucidadas pois haacute uma ortografia oficial que rege a escrita e eacute fundamental propiciar aos alunos o conhecimento dela Diferentemente da variaccedilatildeo linguiacutestica oral que eacute um evento de fala inserido dentro de uma cultura as dificuldades ortograacuteficas precisam ser esclarecidas a fim de que o aluno tenha acesso agrave variedade padratildeo da escrita para se inserir nas praacuteticas que exigem essa modalidade Como estabelecem Faraco e Tezza (2001 p 52) ldquo[] na rede das linguagens de uma dada sociedade a liacutengua padratildeo ocupa um espaccedilo privilegiado ela eacute o conjunto de formas consideradas como o modo correto socialmente aceitaacutevel de falar ou escreverrdquo Portanto eacute na escola que essa variedade padratildeo precisa ser ensinada sem desprezar evidentemente o que o aluno traz de sua vivecircncia fora dela permitindo-lhe melhor acesso aos meios em que a variedade padratildeo se faz presente

No contexto desta pesquisa eacute importante estabelecer algumas consideraccedilotildees acerca do termo ldquonorma-padratildeordquo utilizado ao longo deste trabalho Conforme salienta Faraco (2008 p 75) apoiado em Bagno (2007) ldquo[] a norma-padratildeo natildeo eacute propriamente uma variedade da liacutengua mas [] um construto soacutecio-histoacuterico que serve de referecircncia para estimular um processo de uniformizaccedilatildeordquo O autor destaca ainda que a norma-padratildeo natildeo conseguiraacute em momento algum impedir o avanccedilo da diversidade linguiacutestica porque natildeo eacute possiacutevel homogeneizar a sociedade e a cultura tampouco paralisar o movimento da histoacuteria humana Contudo ressalva que o padratildeo teraacute sempre um efeito de uniformizar unificar as demais normas

Conforme Barbosa (2015) cabe agrave escola portanto proporcionar ao aluno um estudo adequado que o leve agrave percepccedilatildeo de que a

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escrita tem formas de realizaccedilotildees diferentes da fala e que haacute um registro considerado padratildeo para a escrita das palavras aleacutem do registro natildeo padratildeo que ele jaacute domina de modo que ele saiba circular entre as diversas variedades com autonomia e seguranccedila em funccedilatildeo do contexto Omitir-se diante disso eacute uma praacutetica de exclusatildeo inadmissiacutevel

Aleacutem dos exemplos jaacute citados anteriormente na amostra seguinte exemplificamos as segmentaccedilotildees e junturas comuns retiradas de uma produccedilatildeo de texto diagnoacutestica realizada em uma turma do 6ordm ano no iniacutecio do ano letivo de 2013 quando da elaboraccedilatildeo do projeto de pesquisa

1 Casos de segmentaccedilatildeo

a) com nosco em vez de ldquoconoscordquo (Inf1)

b) a legre es capa em vez de ldquoalegrerdquo e ldquoescaparrdquo respectivamente (Inf2)

c) com migo em vez de ldquocomigordquo (Inf5)

2 Casos de junturas

a) derrepente em vez de ldquode repenterdquo (Inf5)

b) senquere em vez de ldquosem quererrdquo (Inf6)

c) uminino em vez de ldquoum meninordquo (Inf7)

Os aspectos da segmentaccedilatildeo e da juntura permanecem mesmo apoacutes cinco anos de escolaridade embora seja um traccedilo tiacutepico da fase de alfabetizaccedilatildeo Conforme atesta Cagliari (2009 p 119-120) ldquo[] os alunos ao aprenderem a escrever produzindo textos espontacircneos aplicam nessa tarefa um trabalho significativo de reflexatildeo e se apegam a regras que revelam usos possiacuteveis do sistema de escrita do Portuguecircsrdquo Quando natildeo trabalhados de forma adequada os alunos continuam com esses usos na escrita ao longo do Ensino Fundamental Esta pesquisa encontra respaldo

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na possiacutevel contribuiccedilatildeo que poderaacute trazer tanto para os discentes quanto para os docentes Para o professor estar munido de um embasamento teoacuterico que alcance suas duacutevidas e anseios em face das dificuldades de escrita que seus alunos apresentam eacute um passo importante para intervir em tais problemas Para o aluno ao permitir que o educador tenha um olhar mais atento e compreensivo para perceber a sua dificuldade de escrita seja quando segmenta seja quando faz uma juntura natildeo convencionada e possa orientaacute-lo em vez de estigmatizaacute-lo como um discente que natildeo sabe escrever conforme a variedade padratildeo

Ao tratar dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas e de quais fatores estatildeo implicados em sua realizaccedilatildeo e tendo em vista a nossa proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses foram formuladas i) Tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas E ii) A forma como se pronuncia grande parte das palavras na fala vernacular ou seja a linguagem coloquial cria na mente da crianccedila uma ideia de que algumas palavras satildeo juntas e outras satildeo separadas o que demonstra a influecircncia da oralidade na escrita Essas hipoacuteteses denotam a influecircncia da oralidade na escrita como fator preponderante cujas investigaccedilotildees teoacutericas permitiram ratificaacute-las por meio de vasta leitura sobre o tema Nesses estudos foi possiacutevel perceber explicaccedilotildees plausiacuteveis para a ocorrecircncia das junturas e das segmentaccedilotildees levando-se em conta o papel fundamental da linguagem na vida da humanidade

2 Fundamentaccedilatildeo teoacuterica

A necessidade de se expressar por meio de uma linguagem sempre acompanhou o homem Conforme Faraco (2012) entendemos como linguagem um amplo conjunto de formas de

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comunicaccedilatildeo e significaccedilatildeo que pode ser expresso por meio da linguagem verbal oral ou escrita os gestos as expressotildees faciais a pintura a muacutesica o desenho entre outras vaacuterias manifestaccedilotildees que servem ao homem como meio de se exprimir enquanto ser social

Certamente a linguagem verbal eacute o grande avanccedilo que possibilitou ao homem seu desenvolvimento como indiviacuteduo Por meio dela nos diferenciamos diante dos outros seres ao produzirmos signos que estatildeo carregados de significados Ainda segundo Faraco (2012 p 33) ldquo[] a linguagem verbal eacute marca forte constitutiva distintiva da nossa espeacutecierdquo Muito se tem discutido acerca de sua origem de quando o homem adquiriu a capacidade de se comunicar por meio da palavra e ainda haacute muito que se pesquisar sobre o assunto uma vez que a linguagem verbal eacute um ldquobem imaterialrdquo pois natildeo haacute registros ou provas de suas mais remotas manifestaccedilotildees que possam retratar aos estudiosos atuais as pistas que remontam suas origens

A linguagem verbal manifesta-se tanto na modalidade oral quanto na escrita A primeira acompanha o homem desde eacutepocas bem antigas Jaacute a linguagem escrita eacute uma realidade linguiacutestica relativamente recente na histoacuteria da humanidade tendo surgido haacute cinco mil anos A escrita originou-se de necessidades praacuteticas do cotidiano As demandas da vida em sociedade e as complexidades das relaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas exigiram a criaccedilatildeo de um sistema de registro das atividades humanas Faraco (2012) destaca que aleacutem dessas utilizaccedilotildees de caraacuteter pragmaacutetico o crescente desenvolvimento da escrita tambeacutem propiciou o registro permanente da cultura oral o que permitiu a escrita de poemas narrativas eacutepicas e religiosas e uma diversidade de saberes que antes soacute se vivenciavam pela oralidade criando assim uma cultura letrada

A escrita alfabeacutetica tal qual a conhecemos foi precedida de outras fases a pictoacuterica e a ideograacutefica Os pictogramas eram

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associaccedilotildees com imagens e natildeo com sons Os ideogramas satildeo representaccedilotildees que podem significar uma palavra ou ateacute uma frase inteira muitos jaacute caiacuteram em desuso mas os ideogramas chineses satildeo utilizados ateacute os dias atuais No contiacutenuo da evoluccedilatildeo a fase alfabeacutetica surge de um processo de maior abstraccedilatildeo da escrita adquirindo a caracteriacutestica de uma representaccedilatildeo fonograacutefica Com isso o signo passa a conter aleacutem de sua funccedilatildeo logograacutefica uma funccedilatildeo fonoloacutegica Essa escrita alfabeacutetica passou por diversas transformaccedilotildees ao longo do tempo das quais resultaram os silabaacuterios que satildeo representaccedilotildees silaacutebicas A partir deles foram feitas novas adaptaccedilotildees o que permitiu que se tornassem mais precisos e funcionais pois uma escrita silaacutebica necessita de um menor nuacutemero de signos para registros do que nas formas anteriores como os ideogramas

Interessante destacar que as letras natildeo podem ser consideradas como representaccedilatildeo direta dos sons da fala mas sim como representaccedilatildeo das unidades funcionais da liacutengua que hoje conhecemos como fonemas que satildeo representaccedilotildees abstratas Elas tecircm portanto um caraacuteter fonoloacutegico como aponta Faraco (2012 p 56)

A escrita alfabeacutetica eacute assim uma escrita de base fonoloacutegica ou seja toma como referecircncia uma representaccedilatildeo abstrata da articulaccedilatildeo sonora da liacutengua e natildeo propriamente sua pronuacutencia Considerando que a pronuacutencia varia muito entre regiotildees grupos sociais estilos de fala e mesmo na linha do tempo uma escrita estritamente foneacutetica seria de pouco alcance e baixa funcionalidade

Cagliari (2009) tambeacutem destaca esse caraacuteter funcional e fonoloacutegico da escrita quando afirma ser uma ilusatildeo pensar nela como um reflexo da fala Enfatiza ainda que a uacutenica forma escrita que consegue fazer essa relaccedilatildeo uniacutevoca entre som e letra eacute a transcriccedilatildeo foneacutetica que apresenta um siacutembolo graacutefico para cada som para fins de aprofundamento dos estudos da liacutengua

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Com o passar do tempo a escrita foi tendo uma importacircncia cada vez maior nas relaccedilotildees sociais A aplicaccedilatildeo da escrita avolumou-se e passou a integrar diversas aacutereas da atividade humana dando ecircnfase a uma cultura letrada ou seja estabelecida por meio de registros escritos que permitem ao homem se apropriar do conhecimento Faraco (2012) exemplifica bem isso ao mostrar por meio da escrita como a vida humana foi transformada de modo intenso e irrevogaacutevel Dessa maneira a partir dela foi possiacutevel a organizaccedilatildeo da sociedade por meio da inscriccedilatildeo de leis as religiotildees conseguiram estruturar melhor seus preceitos e crenccedilas por grandes espaccedilos geograacuteficos houve uma maior transmigraccedilatildeo intercultural de siacutembolos valores que ampliaram sobremaneira a criatividade humana ela possibilitou ainda manter viva a memoacuteria de um povo e de seus valores intriacutensecos com o uso do registro permanente e mais importante elevou de forma significativa o avanccedilo do conhecimento favorecendo a organizaccedilatildeo intelectual e as praacuteticas cognitivas mais abstratas como a Matemaacutetica as Ciecircncias e as Tecnologias

Nesse sentido podemos afirmar que a escrita mesmo tendo sido criada muitos seacuteculos depois que a linguagem oral adquiriu um elevado poder poliacutetico social econocircmico e cultural que predomina ateacute hoje Ateacute aqueles que natildeo a dominam estatildeo permeados por ela e mais do que alfabetizar a escola deve criar condiccedilotildees de letrar E o que eacute ser letrado Embora jaacute tenham sido feitas inuacutemeras definiccedilotildees por diferentes vertentes teoacutericas destacamos a definiccedilatildeo apresentada por Soares (2001 p 18) do termo letramento ldquo[] eacute pois o resultado da accedilatildeo de ensinar ou de aprender a ler e escrever o estado ou a condiccedilatildeo que adquire um grupo social ou um indiviacuteduo como consequecircncia de ter-se apropriado da escritardquo

Nessa perspectiva somente ldquoler e escreverrdquo natildeo satildeo requisitos que garantem de maneira absoluta essa apropriaccedilatildeo da escrita de que fala Soares (2001) Esse aprendizado tem caraacuteter social e funcional ou seja ler e escrever envolve muito mais do que

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decodificar signos A sociedade cria demandas de uso de leitura e escrita que exigem que o usuaacuterio da liacutengua saiba lanccedilar matildeo dessas habilidades nas mais variadas situaccedilotildees comunicativas E esse apropriar-se da escrita requer o desenvolvimento de uma gama de habilidades que nem sempre a escola consegue oferecer aos alunos embora a relaccedilatildeo entre escola escrita e cultura letrada seja entrelaccedilada e indissociaacutevel como atesta Faraco (2012)

Longe de parar na alfabetizaccedilatildeo a praacutetica da escrita numa perspectiva de letramento eacute um exerciacutecio constante que deve ser calcado num avanccedilo crescente dos domiacutenios cognitivos do aprendiz Como reitera Faraco (2012) eacute uma complexa experiecircncia de caraacuteter cognitivo que natildeo implica somente o domiacutenio do alfabeto pois a alfabetizaccedilatildeo eacute apenas uma fase especiacutefica do aprendizado do sistema de escrita

Embora a escrita tenha adquirido uma importacircncia significativa ao longo da histoacuteria dado o seu caraacuteter de permanecircncia natildeo podemos deixar de ressaltar tambeacutem a relevacircncia da oralidade uma vez que eacute ela que acompanha o indiviacuteduo nas suas mais variadas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo quer seja ele escolarizado quer natildeo Aleacutem disso a oralidade conta com vaacuterios recursos que a escrita tenta parcialmente reproduzir como a entonaccedilatildeo a intensidade e duraccedilatildeo das pronuacutencias que satildeo extremamente significativos no contexto comunicativo pois muitas vezes eacute o tom que daacute a um enunciado o caraacuteter de urgecircncia alegria emoccedilatildeo raiva ordem tristeza entre outros aspectos Marcuschi (2010) corrobora para uma visatildeo natildeo dicotocircmica entre fala e escrita acentuando na verdade suas contribuiccedilotildees e peculiaridades igualmente importantes para o trato comunicativo

Nessa direccedilatildeo eacute fundamental abordar a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila Kato (1999) estabelece uma comparaccedilatildeo entre a histoacuteria da escrita da humanidade e a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila como fenocircmenos parecidos ou seja pode-se dizer que em ambos os casos dadas as devidas proporccedilotildees haacute em seu percurso um caminho de descobertas ou seja seguindo etapas

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que dependem de estiacutemulos do ambiente onde estaacute inserida como tambeacutem passaram seus ancestrais em outras eacutepocas remotas

Dentro desse intricado processo que eacute a aquisiccedilatildeo da escrita Lemle (1998) estabelece cinco capacidades ou saberes e percepccedilotildees que satildeo necessaacuterios para a alfabetizaccedilatildeo Destaca a importacircncia em primeiro lugar da ideia de siacutembolo pois cada letra eacute uma espeacutecie de siacutembolo que remete a algum som da fala Essa relaccedilatildeo natildeo eacute necessariamente regular ou direta Lemle (1998 p 8) afirma que ldquouma crianccedila que ainda natildeo consiga compreender o que seja uma relaccedilatildeo simboacutelica entre dois objetos natildeo conseguiraacute aprender a lerrdquo Diante disso cabe ao professor trabalhar com o universo simboacutelico dos variados contextos do dia a dia como siacutembolos de times sinais de tracircnsito o significado simboacutelico de certas cores etc para propiciar ao aluno uma noccedilatildeo compatiacutevel com suas experiecircncias praacuteticas

Outro ponto importante assinalado por Lemle (1998) eacute a discriminaccedilatildeo dos formatos das letras uma vez que haacute vaacuterias letras de nosso alfabeto que se diferenciam por traccedilados muitos sutis na grafia como as letras p b e q por exemplo que se distinguem conforme a posiccedilatildeo de suas hastes ou da ldquobarriguinhardquo Aleacutem dessa percepccedilatildeo visual segundo a autora o aluno precisa aprender a ter discriminaccedilatildeo auditiva uma vez que as letras simbolizam sons da fala

Entender o conceito de palavra tambeacutem eacute um ponto que merece destaque Essa capacidade de entendimento do que eacute palavra quando natildeo alcanccedilada pelo aprendiz pode acarretar dificuldades de segmentaccedilatildeo em que o aluno natildeo consegue na escrita determinar os limites entre uma palavra e outra Esses obstaacuteculos ilustram os fenocircmenos que nos interessam neste trabalho a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Sobre isso Lemle (1998 p 10-11) esclarece

O tipo de dificuldade na depreensatildeo de unidades vocabulares que se observa muitas vezes na praacutetica do ensino satildeo coisas

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como umavez nonavio minhavoacute ou seja falta de separaccedilatildeo onde existe uma fronteira vocabular O inverso ndash a colocaccedilatildeo de um espaccedilo onde natildeo haacute fronteiras vocabulares ndash eacute mais raro A alocaccedilatildeo errada de fronteiras vocabulares onde existem acontece por exemplo com palavras femininas que comeccedilam com [a] ndash minha miga em vez de minha amiga ndash ou com palavras masculinas que comeccedilam com [u] ndash oniverso em vez de o universo

E por uacuteltimo Lemle (1998) enfatiza a importacircncia de se mostrar ao alfabetizando a noccedilatildeo da organizaccedilatildeo espacial da paacutegina Por mais banal que isso possa parecer nem todo sistema de escrita se estrutura como o nosso com a ordem das palavras da esquerda para a direita e de cima para baixo

Dessa forma a alfabetizaccedilatildeo ultrapassa a simplicidade do b com a = ba ou da escolha deste ou daquele meacutetodo E o professor precisa estar munido de um embasamento teoacuterico consistente ter sensibilidade diante das dificuldades dos alunos bem como ter disposiccedilatildeo e criatividade para alcanccedilar ecircxito no ensino da aquisiccedilatildeo da escrita Por isso ressaltamos a importacircncia de se conhecer o sistema de escrita do Portuguecircs uma vez que seu conhecimento eacute essencial para um ensino sistematizado e contribui muito para auxiliar os alunos em relaccedilatildeo agraves inuacutemeras duacutevidas referentes agrave escrita que os acompanham ao longo de sua trajetoacuteria escolar

Diante dessas caracteriacutesticas eacute preciso que o aluno saiba que no processo de aquisiccedilatildeo da escrita as relaccedilotildees ou correspondecircncias entre letras e sons natildeo satildeo biuniacutevocas em que cada letra representaria sempre o mesmo som ou vice-versa mas pelo contraacuterio nem toda letra tem um som diretamente relacionado a ela Lemle (1998) preconiza que nas etapas seguintes de alfabetizaccedilatildeo os casos mais complexos tambeacutem devem ser apresentados e cabe ao professor conforme os avanccedilos percebidos em sala de aula determinar quanto tempo deveraacute ficar nessa abordagem das relaccedilotildees biuniacutevocas em que cada som possui uma letra correspondente para depois partir para fases mais complexas

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Lemle (1998) salienta a importacircncia de o alfabetizador conhecer claramente essas especificidades do sistema de escrita do Portuguecircs para estar pronto para os questionamentos dos alunos quando se deparam com as dificuldades de um mesmo som representado por vaacuterias letras por exemplo Dizer que falamos errado eacute simplificar demais e demonstra desconhecimento das particularidades da escrita que se pretende ensinar Lemle (1998) argumenta ainda que apelar para esse tipo de resposta eacute um ldquo[] equiacutevoco linguiacutestico um desrespeito humano e um erro poliacuteticordquo No que diz respeito ao equiacutevoco linguiacutestico a autora destaca que tachar de erro eacute demonstrar ignoracircncia ao fato de que as unidades de som satildeo afetadas pela posiccedilatildeo em que ocorrem Eacute um desrespeito humano segundo ela porque eacute um ato de humilhaccedilatildeo e de desvalorizaccedilatildeo para aquele que eacute apontado como quem fala errado E eacute um erro poliacutetico porque essa desvalorizaccedilatildeo contribui para amedrontar diminuir o outro e o impede de manifestar sua linguagem uma vez que eacute considerada errada Em suma o professor que recorre a essa resposta preconceituosa acaba contribuindo para a marginalizaccedilatildeo de seus alunos (LEMLE 1998)

Faraco (2012 p 113) destaca a duplicidade que caracteriza a ortografia portuguesa pois ldquo[] ela eacute basicamente fonoloacutegica mas com memoacuteria etimoloacutegicardquo Essa memoacuteria etimoloacutegica diz respeito a criteacuterios que levam em conta natildeo apenas as unidades sonoras funcionais das palavras mas tambeacutem sua origem Como exemplifica o autor escrevemos homem com h porque em latim se grafa homo com h influecircncia de escritas antigas da histoacuteria do Latim nas quais havia uma consoante antes do o Por isso nem sempre eacute a base fonoloacutegica que dita a escrita oficial de uma palavra mas tambeacutem suas origens mais remotas Haacute no entanto estrateacutegias que o professor pode utilizar a fim de que o aluno compreenda melhor essas relaccedilotildees como recorrer agrave morfologia com o trabalho de famiacutelias de palavras como orienta Faraco (2012) e outras atividades ortograacuteficas para tentar minimizar as dificuldades

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21 Processos Fonoloacutegicos em estudo - juntura e segmentaccedilatildeo

Antes de abordarmos as anaacutelises sob a perspectiva linguiacutestica acerca da juntura e da segmentaccedilatildeo destacamos a visatildeo das gramaacuteticas normativas tradicionais sobre o assunto Nos autores pesquisados natildeo encontramos muitas consideraccedilotildees a respeito do fenocircmeno Cegalla (2002) faz uma alusatildeo ao que podemos chamar de possiacuteveis junturas nos casos de emprego do apoacutestrofo em que os elementos se aglutinaram numa soacute unidade foneacutetica e semacircntica cujo sinal de pontuaccedilatildeo referido natildeo precisaria mais ser utilizado Embora natildeo sejam tratados como junturas o autor menciona suas ocorrecircncias como nos exemplos de destarte esconjuro vivalma

Cunha e Cintra (2001) apresentam um toacutepico denominado ldquoEncontros intraverbais e interverbaisrdquo em que tratam de encontros vocaacutelicos que podem ocorrer em dois vocaacutebulos no entanto natildeo apresenta exemplos disso Os autores Faraco e Moura (2003) apresentam o assunto natildeo com a nomenclatura aqui utilizada mas apresentam o fenocircmeno como ldquoBarbarismosrdquo na seccedilatildeo de ldquoViacutecios de linguagemrdquo o qual eacute tachado de erro e fere os postulados gramaticais Em suma os poucos gramaacuteticos que discorrem sobre o toacutepico natildeo o tratam como hipoacuteteses possiacuteveis de escrita mas como ldquoerrosrdquo desvios de escrita que precisam ser corrigidos

Vimos ao longo do percurso teoacuterico vaacuterios indiacutecios que mostram como haacute uma distacircncia entre fala e escrita Por isso conforme Faraco (2012) a escrita alfabeacutetica relaciona-se agrave realidade fonoloacutegica e natildeo agrave realidade foneacutetica Essa configuraccedilatildeo tem caraacuteter praacutetico e funcional uma vez que se a escrita fosse seguir as vaacuterias peculiaridades de pronuacutencia teriacuteamos que criar uma gama maior de grafemas para representaacute-la ateacute porque como afirma Cacircmara Jr (1997) a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo fiel da fala Contudo esse distanciamento entre o oral e o escrito acarreta dificuldades que satildeo refletidas na escrita e que muitas vezes os alunos carregam pela vida afora

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Faraco (2012) por sua vez trata do tema destacando a influecircncia da oralidade pois escrevemos cada palavra separada por um espaccedilo em branco usando para isso um criteacuterio de segmentaccedilatildeo com base lexical Jaacute na fala o que ocorre eacute uma segmentaccedilatildeo que se daacute por blocos foneacutetico-fonoloacutegicos que unem numa soacute emissatildeo de voz um conjunto de palavras O criteacuterio de segmentaccedilatildeo na fala portanto eacute de caraacuteter prosoacutedico ou seja segue padrotildees que estatildeo relacionados ao ritmo e agrave meacutetrica

A juntura conforme afirma Cagliari (2009) relaciona-se com os criteacuterios que a crianccedila utiliza para analisar a fala afinal na oralidade natildeo existe separaccedilatildeo de palavras a menos que estejam marcadas pela entonaccedilatildeo do falante Bortoni-Ricardo (2005) apoiada em Cacircmara Jr (1975) apresenta a ideia de ldquovocaacutebulos fonoloacutegicos constituiacutedos de duas ou mais formas livres ou dependentes grafados como um uacutenico vocaacutebulo formal Ex ldquouquerdquo (o que) ldquolevalordquo (levaacute-lo) ldquojanoteirdquo (jaacute notei)rdquo

Koch e Elias (2014 p 28) tambeacutem abordam o tema aqui estudado mas tratam os dois casos com a denominaccedilatildeo ldquosegmentaccedilatildeo graacuteficardquo Salientam que esse tipo de problema que as crianccedilas demonstram em seus textos natildeo eacute desprovido de loacutegica ou seja natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios pois haacute criteacuterios analiacuteticos feitos por elas que as fazem escrever ora juntando tudo ora separando o que natildeo eacute convencionalmente separado ou junto respectivamente As autoras argumentam que a segmentaccedilatildeo graacutefica nos textos das crianccedilas ocorre com base nos vocaacutebulos fonoloacutegicos Ao tentar segmentar de forma apropriada os aprendizes podem ldquopicarrdquo ou emendar vocaacutebulos de acordo com a pronuacutencia deles Nesse processo estatildeo formulando hipoacuteteses e testando sua escrita do mesmo modo como fazem com a grafia convencional das palavras Soares Aroeira e Porto (2010) justificam essas ocorrecircncias pelo desconhecimento sobre o sistema de espaccedilamento da escrita e reiteram que para os alunos dominarem esse espaccedilamento precisam descobrir com o auxiacutelio do professor que existe um sistema ideograacutefico que se sobrepotildee ao sistema graacutefico Aleacutem

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disso Soares Aroeira e Porto (2010 p 79) ponderam que ldquo[] a linearidade da escrita tem caracteriacutesticas diferentes da linearidade da fala Assim na fala de todo dia que a crianccedila domina emendamos palavras mas quando escrevemos grafamos palavras por inteiro observando as convenccedilotildees ortograacuteficas separando-as por espaccedilo em brancordquo

Percebe-se que haacute entre os autores citados a tendecircncia de chamar tanto a segmentaccedilatildeo quanto a juntura apenas de segmentaccedilatildeo Mas eacute possiacutevel constatar que esses estudiosos levam em conta que esses ldquoerrosrdquo natildeo satildeo feitos aleatoriamente ou seja o aprendiz tem duacutevidas e diante delas formula hipoacuteteses de como as palavras poderiam ser grafadas Haacute tambeacutem certo consenso entre esses autores sobre a influecircncia do oral no escrito que afeta ora a separaccedilatildeo ora a junccedilatildeo de palavras na escrita pelos alunos Faraco (2012) amparado em Abaurre e Cagliari (1985) argumenta que escrevemos de um jeito mas falamos de outro isto eacute na escrita os vocaacutebulos estatildeo devidamente separados mas na fala pronunciamos emendado Em face disso quando os alunos juntam as palavras na escrita natildeo o fazem fortuitamente Na verdade estatildeo levando em consideraccedilatildeo a cadeia sonora como referecircncia para a escrita Desse modo natildeo estatildeo cometendo ldquoerrosrdquo mas sim lidando com possibilidades que remetem diretamente agrave fala Para o domiacutenio efetivo da escrita essa hipoacutetese ao longo do processo precisa ser superada o que levaraacute progressivamente agrave desvinculaccedilatildeo entre escrita e fala

3 Metodologia

O percurso teoacuterico empreendido ateacute aqui foi relevante para orientar o professor na elaboraccedilatildeo da proposta de ensino adequada que deve ser feita quando se depararem com os fenocircmenos pois auxilia para uma melhor compreensatildeo de como as segmentaccedilotildees e as junturas acontecem Acreditamos que a adoccedilatildeo de uma mentalidade que vecirc natildeo apenas a segmentaccedilatildeo e a juntura mas

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tambeacutem outros problemas de escrita como ldquoerrosrdquo e anomalias sem sentido natildeo ajudaraacute a contornar a situaccedilatildeo e muito menos encontrar uma soluccedilatildeo eficaz

Por isso neste trabalho adotamos a metodologia da pesquisa-accedilatildeo procedimento de caraacuteter social e com fundamentaccedilatildeo teoacuterica que visa ao aprimoramento da praacutetica O projeto foi realizado na Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio onde foi feita uma pesquisa piloto com os alunos do 6ordm ano Y mas em virtude do iniacutecio do curso do mestrado no 2ordm semestre de 2013 uma nova coleta de dados foi realizada em 2014 pois recebemos novas turmas e a turma da pesquisa piloto foi para o 7ordm ano no turno matutino A coleta de dados foi feita por meio de produccedilotildees textuais realizadas pelos alunos a fim de detectar a ocorrecircncia dos fenocircmenos aqui estudados

4 Proposta de ensino desenvolvimento anaacutelise e resultados

Apoacutes o trabalho de coleta de dados foi possiacutevel ter um panorama das reais dificuldades de escrita dos alunos Detectamos nos 17 textos do corpus 12 tipos de problemas de escrita entre os quais a falta de pontuaccedilatildeo e o uso indevido de maiuacutesculas e minuacutesculas com a maior incidecircncia com 233 e 149 casos respectivamente Esses dois problemas de escrita satildeo muito recorrentes em textos de alunos e a falta de pontuaccedilatildeo incide diretamente na questatildeo do uso de maiuacutesculas e minuacutesculas pois quando natildeo haacute ponto final natildeo haacute tambeacutem iniacutecio de frase com letra maiuacutescula por isso o nuacutemero tatildeo alto entre os dois

A escrita foneacutetica ou seja escrever semelhante ao modo como se fala tambeacutem apresenta uma incidecircncia muito grande 99 casos E em alguns textos como os de VG8 e M11 a ocorrecircncia foi bem elevada No entanto destacamos que tais transcriccedilotildees natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios Na verdade tratam de hipoacuteteses criadas pelos

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alunos a fim de registrar a escrita ortograacutefica Eacute forte a influecircncia da oralidade na escrita pois eacute a partir dela que eles se orientam Segundo Cagliari (1999 p 126) ldquo[] pode-se tambeacutem elaborar hipoacuteteses aliaacutes mais provaacutevel de que diante desses fatos do sistema de escrita o aprendiz teve de fazer uma opccedilatildeo ndash que infelizmente natildeo correspondeu agrave forma ortograacutefica estabelecida []rdquo Embora o referido autor tratasse mais especificamente de alunos em processo de alfabetizaccedilatildeo acreditamos que essa influecircncia da oralidade na escrita permanece ao longo do Ensino Fundamental como comprovam os exemplos dos corpora

Em seguida na ordem decrescente de nuacutemero de ocorrecircncias para cada caso temos o nuacutemero indevido de letras sendo encontrados em 89 casos Ressaltamos que esse problema foi detectado nas 17 amostras Houve um elevado nuacutemero para o caso de omissatildeo de letras com 82 casos A troca de letras vem logo em seguida um registro de 69 casos A hipercorreccedilatildeo tambeacutem apresenta um nuacutemero significativo 46 ocorrecircncias Conforme Cagliari (2009 p 123-124) esse tipo de ldquoerrordquo se caracteriza quando o aluno jaacute tem noccedilatildeo da forma ortograacutefica de determinadas palavras e sabe tambeacutem que a pronuacutencia destas eacute diferente mas nem sempre tem certeza da escrita e pode escrever ateacute do jeito mais incomum do que do mais usual um exemplo muito recorrente nos textos eacute o final ldquolrdquo nos verbos em vez do ldquourdquo como em ldquovoltolrdquo uma vez que essas duas letras nessas posiccedilotildees representam o mesmo fone w

A falta de concordacircncia nominal e verbal embora seja uma dificuldade que alunos do Ensino Fundamental apresentam com frequecircncia natildeo foi tatildeo acentuada como nos casos anteriores tendo um registro de 41 ocorrecircncias Contudo mesmo que o nuacutemero de ocorrecircncias tenha sido mais baixo do que de outras categorias de ldquoerrosrdquo podemos afirmar que haacute influecircncia forte da oralidade pois eacute comum a natildeo concordacircncia de verbos e nomes na fala cotidiana e informal das pessoas E tal incidecircncia recai na escrita

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Os fenocircmenos que nos interessam a segmentaccedilatildeo e a juntura contam com 20 e 31 registros respectivamente Notamos que como jaacute foi destacado no referencial teoacuterico satildeo fenocircmenos que costumam fazer parte da alfabetizaccedilatildeo nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental I Portanto consideramos o nuacutemero de ocorrecircncias aqui encontrado bem elevado uma vez que os alunos da pesquisa se encontravam no 6ordm ano e tais dificuldades pelo menos em tese jaacute deveriam estar sanadas Por fim temos o acreacutescimo de letras como o caso de menor incidecircncia com 16 registros nas amostras

No que diz respeito ao desempenho geral dos alunos destacamos que nem todos apresentam problemas em todas as categorias e aferimos um percentual de 82 do total Notamos que 17 demonstraram o menor nuacutemero de ldquoerrosrdquo inclusive sem a ocorrecircncia de casos de segmentaccedilotildees e nem junturas o que revela que esses alunos tecircm um maior domiacutenio de normas ortograacuteficas do que os demais Os alunos que apresentaram ldquoerrosrdquo em todas as categorias foram AS1 MB14 e IF17 que representam 17 da amostra Ressaltamos tambeacutem que haacute ldquoerrosrdquo repetidos em todas as categorias mas para sermos fiel contabilizamos todas as vezes que eles ocorrem em cada texto

Percebemos por essa amostra que as dificuldades de escrita satildeo muitas e exigem um trabalho de pesquisa minucioso para uma intervenccedilatildeo eficaz Ponderamos que tais ldquoerrosrdquo precisam ser vistos como rico material de investigaccedilatildeo linguiacutestica pois a partir da caracterizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo detectados o professor pode elaborar alternativas de intervenccedilatildeo que podem auxiliar seu trabalho com o ensino da modalidade escrita Como atesta Cagliari (1999 p 77) ldquoanaacutelises das incongruecircncias podem ajudar o professor a dosar e a programar as suas aulas e a alertar-se contra possiacuteveis confusotildees que os alunos possam cometerrdquo

Aleacutem das dificuldades especificadas na coleta percebemos nas amostras problemas de translineaccedilatildeo maacute estruturaccedilatildeo dos paraacutegrafos ausecircncia de tiacutetulo incoerecircncias e falta de coesatildeo

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natildeo atendimento agrave proposta de produccedilatildeo textual repeticcedilotildees desnecessaacuterias e falta de progressatildeo das ideias Como se vecirc o trabalho com produccedilatildeo escrita exige um amplo empenho do professor pois a atividade escrita requer dos alunos diversas habilidades as quais natildeo podem passar indiferentes ao olhar docente Natildeo atentamos a esses aspectos uma vez que nossa investigaccedilatildeo eacute outra mas natildeo poderiacuteamos deixar de apontaacute-los visto que satildeo imprescindiacuteveis como fatores de textualidade

No Quadro 1 a seguir estatildeo expostos os casos de junturas e segmentaccedilotildees encontrados e logo apoacutes a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo mostramos um exemplo de produccedilatildeo escrita de um dos alunos seguida da transcriccedilatildeo Esclarecemos que o nuacutemero de ocorrecircncias das junturas e segmentaccedilotildees contabilizado no quadro natildeo leva em conta exemplos repetidos nos textos produzidos pelos alunos

Quadro 1 Exemplos de junturas e segmentaccedilotildees extraiacutedos dos textos dos alunos

COacuteDIGO DO ALUNO EXEMPLO DE JUNTURA EXEMPLO DE

SEGMENTACcedilAtildeOCF Encontrala -AS porutimo dinovo Em fimCG - Tem pestade a sinLG - em cantado com fiante a teNL agente (a gente) -

NOabrigar (a brigar) domenino

omenino ifoi abruxa ielis nomenino muitaraiva iseu

an dado cum do (quando) com mesou com fessar a i

is tavaVG denoite derepente -CE Comedo -M Derepete -

MB

ummenino novaso porquausa celtime (seu

time) evalo (e falou) aora (a hora)

Edu caccedilatildeo

CD Abruxa A cordou ir a (ia)

IFalmeacutedico pratanto televo

purisso medeita sofalando nomedico agarganta

a cordou a cordei em tatildeo en quanto de pois com migo

Fonte Barbosa (2015 p 7438)

38 Disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa Acesso em 14 abr 2020

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Exemplo 1 MB 14

Fonte Barbosa (2015 p 68)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 1

Era uma vez unmenino chamado Rafaelque estava trenamdo para jogar bolana escolar Ele ficolmuinto triste porquausaos ceuscolegeporque eles ficaram falando que elenatildeo ia jogar na Escola mais elefico trenando muito ele chutoa bola e garrou novazo de plantae sua matildee bateu e poz de carti-go na Escola teve e ducaccedilatildeofiscaele fico de procima e chego a suavez e os colegas fiu ele jogando bolaevaloque ele vaijoga no canpionatoe chego aora ele marca um gole celtimeganhol e seus quolegafico muito feliz e saiu do cartigo

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Os casos de segmentaccedilotildees e de junturas apresentados no Exemplo 1 satildeo diversificados vatildeo desde exemplos jaacute previsiacuteveis para noacutes educadores como ldquoderrepenterdquo ou ldquoem fimrdquo cujas ocorrecircncias satildeo bem comuns a casos como ldquoe ducaccedilatildeordquo e ldquoalmeacutedicordquo que satildeo menos usuais Haacute alunos que apresentaram mais dificuldades do que outros com registros tanto de juntura como de segmentaccedilatildeo eacute o caso de NL NO MB CD e IF Jaacute os demais apresentaram poucas ocorrecircncias ora em uma ora em outra categoria

Houve maior ocorrecircncia de junturas (31 casos) do que de segmentaccedilotildees (20) Notamos que entre as segmentaccedilotildees haacute vaacuterios casos que podem ser explicados pela analogia com formas dependentes como em ldquode poisrdquo ldquoen quantordquo ldquocom migordquo ldquoa cordourdquo que se associam agraves preposiccedilotildees ldquoderdquo ldquoemrdquo ldquocomrdquo e ldquoardquo respectivamente as quais aparecem acompanhando outros vocaacutebulos mas natildeo unidas a eles39 Poreacutem o mais importante eacute que das 17 amostras 12 apresentam junturas eou segmentaccedilotildees ou seja mais da metade dos textos Esse percentual aponta a relevacircncia desta pesquisa e comprova como um problema das seacuteries iniciais de alfabetizaccedilatildeo persiste nos textos dos alunos do 6ordm ano revelando uma alfabetizaccedilatildeo natildeo consolidada No entanto verifica-se que as relaccedilotildees entre o falado e o escrito natildeo satildeo de faacutecil apreensatildeo mesmo porque conforme atesta Fayol (2014) eacute relativamente recente a escrita com espaccedilamento pois no passado havia uma escrita contiacutenua sem demarcaccedilatildeo de espaccedilo entre as palavras Cabe portanto ao professor ter um olhar menos preconceituoso e mais compreensivo quando o aluno comete esses ldquoerrosrdquo Evidentemente que se eles persistem nas seacuteries finais do Ensino Fundamental justifica-se a elaboraccedilatildeo de uma proposta de ensino que venha sanar essas dificuldades Como atesta Cagliari (1999 p 94)

39 Segundo Cacircmara Jr (1997 p 70) formas dependentes em Liacutengua Portuguesa satildeo as partiacuteculas procliacuteticas aacutetonas como o artigo as preposiccedilotildees a partiacutecula ldquoquerdquo entre outras Satildeo ainda as variaccedilotildees pronominais aacutetonas junto ao verbo

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[] o professor pode saber como andam seus alunos quais as dificuldades maiores que estatildeo enfrentando o que acertam ou erram com menos frequecircncia e desse modo pode programar melhor suas aulas dando explicaccedilotildees e exerciacutecios especiacuteficos sobre questotildees particulares de ortografia

Por meio da coleta de dados foi possiacutevel elaborar as atividades de intervenccedilatildeo com foco nas dificuldades pontuais dos alunos A anaacutelise de todos os moacutedulos aplicados revelou pontos importantes o trabalho de aprimoramento da escrita e ensino da forma ortograacutefica requer planejamento pelo professor atendimento individualizado aos alunos e envolvimento de toda a turma e de alguns membrosfuncionaacuterios da escola ou seja da comunidade escolar Eacute um trabalho em equipe

41 Siacutentese da proposta de ensino

Para a proposta de ensino de natureza interventiva foram elaborados sete moacutedulos que permearam todo o trajeto teoacuterico aqui abordado objetivando por meio deles solucionaramenizar os problemas das junturas e das segmentaccedilotildees A seguir no Quadro 2 sintetizamos os moacutedulos realizados com seus respectivos objetivos

Quadro 2 Siacutentese da proposta de ensino

MOacuteDULO OBJETIVOS

1) Tabela de Coacutedigos de Correccedilatildeo Textual

Propiciar aos alunos por meio de uma tabela com siacutembolos uma base de problemas de escrita presentes nas suas produccedilotildees para a partir disso realizar a refacccedilatildeo dos seus textos

2) Correccedilatildeo de texto com vaacuterios problemas de escrita

Fazer com que os alunos detectassem num texto propositalmente carregado de problemas de escrita quais desvios aparecem nele a fim de ampliar a capacidade de autocorreccedilatildeo

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3) Ditado de texto Aferir a interferecircncia da oralidade na escrita isto eacute se o modo como escutam afeta a forma de escrever as palavras

4) Para natildeo tropeccedilar na escrita

Eliminar duacutevidas quanto ao toacutepico especiacutefico do uso de pronomes ligados a verbos

5) Aponte suas duacutevidas

Levar os alunos a refletirem sobre as palavras que oferecem maiores duacutevidas quanto agrave escrita individualizando cada caso para sanar o maior nuacutemero de dificuldades

6) Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilhete

Interpretar e produzir o gecircnero textual trabalhado para aprimoramento da escrita e eliminaccedilatildeo do fenocircmeno estudado

7) Junturas e Segmentaccedilotildees em praccedilas puacuteblicas

Pesquisar ocorrecircncias do fenocircmeno em outras esferas sociais natildeo apenas no meio escolar e utilizar o aparato tecnoloacutegico para isso

Fonte Barbosa (2015)

A atividade do ldquoMoacutedulo 6 ndash Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilheterdquo foi bastante significativa pois nela foi possiacutevel constatar na praacutetica como os alunos foram desenvolvendo sua capacidade de escrita e a importacircncia da refacccedilatildeo dos textos para seu aprimoramento O Exemplo 2 da primeira versatildeo do bilhete da aluna AS transcrito a seguir exemplifica como o cuidado com a escrita requer anaacutelise correccedilatildeo e aperfeiccediloamento por parte dos alunos

Exemplo 2 AS

Fonte Barbosa (2015 p 142)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 2 ndash AS

Anagrey Hoje vocecirc estaacute muito bonitav - como sempre

Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha com migo

Embora poucos problemas tenham sido identificados no bilhete 2 ndash AS mostrado anteriormente o caso da segmentaccedilatildeo ldquocom migordquordquocomigordquo chama a atenccedilatildeo pois comprova a ocorrecircncia do aspecto em anos finais do Ensino Fundamental II e que a influecircncia da oralidade sobre a escrita eacute determinante para sua incidecircncia Outra possibilidade de explicaccedilatildeo eacute a de que a analogia com a preposiccedilatildeo ldquocomrdquo que aparece separada em vaacuterios contextos tenha influenciado a escrita de AS Na refacccedilatildeo do texto Exemplo 3 a seguir aleacutem de ter corrigido o problema a aluna acrescentou uma pequena mensagem ao bilhete ampliando seu texto

Exemplo 3 AS

Fonte Barbosa (2015 p 143)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 3

Anagrey

Hoje vocecirc estaacute muito bonita como sempre Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha comigo

A extrema dificuldade da vida eacute sorrir quando mais se tem vontadede chorar

Diante do exposto observa-se que trabalhar as dificuldades da escrita dos alunos apenas por meio de exerciacutecios de preencher lacunas com ldquosrdquo ou ldquozrdquo ldquoxrdquo ou ldquochrdquo natildeo favorece o acesso agrave norma-padratildeo da liacutengua nem promove a melhoria de sua escrita portanto natildeo resolve o problema Notamos que agrave medida que os moacutedulos eram desenvolvidos os alunos melhoravam significativamente suas produccedilotildees e percebiam a importacircncia de revisar o texto para conseguirem escrever melhor Foi um trabalho dispendioso que exigiu estudo tempo e paciecircncia mas os resultados foram satisfatoacuterios Prova disso satildeo os bilhetes por eles produzidos nos quais foi mantida a liberdade de expressatildeo dos alunos mas com a orientaccedilatildeo e a revisatildeo adequadas da escrita Isso foi possiacutevel porque conhecemos os alunos o contexto em que vivem e aliamos a teoria agrave praacutetica por meio da metodologia da pesquisa-accedilatildeo buscando natildeo somente os aspectos teoacutericos mas tambeacutem a incidecircncia desse conhecimento nas praacuteticas em sala de aula

Registramos no bilhete de CE Exemplo 4 a falta ou inadequaccedilatildeo do uso do acento graacutefico a troca de letras e a ausecircncia de ponto final O aluno aproveitou o texto para manifestar entendimento da mateacuteria aleacutem de ressaltar que estaacute com bom comportamento na aula Na revisatildeo do texto ele corrigiu os problemas detectados e

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acrescentou mais uma frase para finalizar o bilhete (Ateacute a proacutexima aula) como vemos logo adiante

Exemplo 4 CE

Fonte Barbosa (2015 p 146)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 4

Para AnaGrey

Eu estou comeccedilando a entender sua mateacuteria eacute muito boa e eu natildeo estou atentando na sua aula

Ateacute a proacutexima aula

Constatamos ao final dos moacutedulos que grande parte desses alunos aumentou sua capacidade de interpretar e produzir textos percebendo que a escrita demanda certos cuidados e que com dedicaccedilatildeo e compromisso conseguimos avanccedilos nas produccedilotildees escritas dos alunos Dos 24 alunos da amostra aqui utilizada 22 foram promovidos para o 7ordm ano apenas um foi reprovado e um evadiu da escola antes do teacutermino do ano letivo

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Certificamos que o estudo acerca da aquisiccedilatildeo da escrita bem como do seu sistema repleto de peculiaridades da foneacutetica e da fonologia foram fatores determinantes para toda a elaboraccedilatildeo deste trabalho e para a anaacutelise de cada ldquoerrordquo O conhecimento teoacuterico nos deu uma nova visatildeo para os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos pois foi a partir dele que estruturamos nossa pesquisa Conforme Cagliari (1999 p 133)

Eacute nesse momento que o bom professor com bom preparo teacutecnico torna-se um pesquisador Analisa o que o aluno faz e o que deixa de fazer o que jaacute sabe e o que ainda falta saber e vai buscar nos conhecimentos teacutecnicos que tem a respeito da linguagem oral e escrita dos sistemas de escrita etc as informaccedilotildees necessaacuterias uacuteteis e adequadas para passar ao aluno para que este decirc um passo agrave frente supere uma barreira a mais e aos poucos vaacute construindo aquela bagagem de conhecimentos de que necessita para se alfabetizar

Diante disso fica claro que os professores de Portuguecircs e os de Alfabetizaccedilatildeo precisam estar munidos de informaccedilotildees consistentes e atualizadas para saber contornar com autoridade e eficiecircncia os desafios que surgem na praacutetica pedagoacutegica Isso elucida nossa primeira hipoacutetese para este estudo a desconfianccedila de que tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura intervocabular

Conscientizamo-nos de que um dos objetivos da anaacutelise de ldquoerrosrdquo relacionados agrave aquisiccedilatildeo da escrita e leitura nas escolas do Ensino Fundamental natildeo exige apenas verificar como e por qual motivo os alunos os cometem mas tambeacutem como noacutes professores necessitamos estudar atualizar frequentemente as teorias de certas aacutereas como a Foneacutetica e Fonologia Esses satildeo conhecimentos que fazem parte do arcabouccedilo de disciplinas da graduaccedilatildeo e satildeo

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relacionados muitas vezes agrave praacutetica da pesquisa cientiacutefica na aacuterea de Linguiacutestica natildeo sendo aliados agrave praacutetica dos licenciados ou seja ao ambiente de trabalho dos professores ao ensino e agrave escola

Reiteramos tambeacutem que a pesquisa forneceu um olhar diversificado para os fenocircmenos de segmentaccedilatildeo e juntura antes vistos como meros ldquoerrosrdquo mas apoacutes a investigaccedilatildeo apurada vimos em cada caso a reflexatildeo a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e analogias que indicam que o aluno natildeo comete ldquoerrosrdquo ao acaso Ao contraacuterio tais ldquoerrosrdquo satildeo reveladores e comprovam que os alunos analisam sua escrita

5 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa oportunizou-nos a oportunidade de conhecer e estudar as peculiaridades dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura bem como outros aspectos atrelados agrave escrita e sua aquisiccedilatildeo agrave Foneacutetica e Fonologia ao ensino e agrave aprendizagem agrave forma como os alunos lidam com a escrita para a partir disso analisar e discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Neste trabalho todos os ldquoerrosrdquo detectados foram produtivos uma vez que foi a partir deles que delineamos nossa fundamentaccedilatildeo teoacuterica e a metodologia e encontramos as explicaccedilotildees para a ocorrecircncia dos fenocircmenos estudados

Constatamos que as duas hipoacuteteses traccediladas no iniacutecio deste estudo foram ratificadas ao longo da pesquisa A primeira que diz respeito ao desconhecimento de aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos da liacutengua tanto por parte do professor alfabetizador quanto do de Liacutengua Portuguesa foi confirmada porque percebemos a necessidade desse conhecimento para entendermos os caminhos que os alunos percorrem quando escrevem Apreendemos os fatores que influenciam a ocorrecircncia dos fenocircmenos e concluiacutemos que o aluno natildeo escreve aleatoriamente pois quando segmenta ou junta palavras o faz com o intuito de acertar com o propoacutesito de chegar agrave forma ortograacutefica Essa consciecircncia da importacircncia

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da pesquisa constante foi crucial para o crescimento desta pesquisadora na condiccedilatildeo de docente

A partir da investigaccedilatildeo teoacuterica foi possiacutevel lanccedilar um novo olhar sobre as dificuldades dos alunos e com base nessa orientaccedilatildeo pautada em estudos consistentes repensar e remodelar a praacutetica da sala de aula visando a um ensino e a uma aprendizagem mais consistentes e eficazes a fim de desconstruir preconceitos em relaccedilatildeo ao ldquoerrordquo linguiacutestico que longe de ser um problema indesejado tornou-se para noacutes objeto de pesquisa e ponto de partida para estudos criteriosos E isso foi alcanccedilado por meio das leituras e anotaccedilotildees bem como da observaccedilatildeo atenta dos textos dos alunos o que nos permitiu a elaboraccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo para o problema investigado como tambeacutem de outros

A segunda hipoacutetese que diz respeito agrave influecircncia da oralidade na escrita foi crucial para entendermos as escritas segmentadas ou juntadas por se pautarem na fala e suas pausas e natildeo pausas Por outro lado percebemos que os alunos tambeacutem estabelecem analogias com formas ortograacuteficas conhecidas que se refletem nas segmentaccedilotildees e nas junturas Se existe a expressatildeo ldquocom vocecircrdquo logo o aluno associa que pode haver tambeacutem um ldquocom migordquo se haacute o vocaacutebulo ldquodevagarrdquo pode haver tambeacutem o ldquodenovordquo Isso prova que o aluno natildeo constroacutei essas escritas a partir do nada ou seja ele se apoia em elementos jaacute existentes e conhecidos sendo a forma como ouve os vocaacutebulos um fator importante na sua escrita juntural ou segmentada uma vez que na fala natildeo haacute pausas marcadas pelo espaccedilo em branco como ocorre na escrita Na verdade fala-se de um jeito e escreve-se de outro pois a escrita se pauta na ortografia e natildeo eacute uma transcriccedilatildeo foneacutetica conforme Cagliari (1998)

Os objetivos traccedilados no iniacutecio deste trabalho foram alcanccedilados pois conseguimos relacionar um problema da praacutetica agraves teorias linguiacutesticas do campo da Foneacutetica e da Fonologia as quais foram suporte imprescindiacutevel para a investigaccedilatildeo do assunto e elucidaram as causas para os fenocircmenos

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Sabemos que o professor de Liacutengua Portuguesa se depara com muitos obstaacuteculos e que eacute extenso o conjunto de habilidades para com a linguagem a ser apresentado aos alunos mas eacute preciso estabelecer prioridades Escrever conforme a norma-padratildeo sem produzir situaccedilotildees preconceituosas que gerem constrangimento eacute uma forma de proporcionar autonomia linguiacutestica aos alunos uma vez que eacute atraveacutes dessa norma que geralmente eles podem alcanccedilar melhores condiccedilotildees de ascensatildeo social em nosso paiacutes

Estamos conscientes de que esta eacute apenas uma investigaccedilatildeo inicial pois novas contribuiccedilotildees podem surgir a partir dessas anaacutelises e elas seratildeo muito necessaacuterias em todo o acircmbito da linguagem Poreacutem se essas anaacutelises e as reflexotildees teoacutericas aqui feitas vierem pelo menos a instigar um ponto de partida sobre a soluccedilatildeo desses problemas principalmente no sentido de auxiliar os docentes de Liacutengua Portuguesa e as pessoas que trabalham com a liacutengua em geral jaacute teratildeo cumprido honestamente o seu papel

Referecircncias

ABAURRE M B M CAGLIARI L C Textos espontacircneos na primeira seacuterie evidecircncia da utilizaccedilatildeo pela crianccedila de sua percepccedilatildeo foneacutetica para representar e segmentar a escrita v 14 Cadernos Cedes Satildeo Paulo Cortez 1985

BARBOSA A A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita dos alunos do ensino fundamental eacute possiacutevel intervir 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

BAGNO M Nada na liacutengua eacute por acaso por uma pedagogia da variaccedilatildeo linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2007

BORTONI-RICARDO S M Noacutes cheguemu na escola e agora Sociolinguiacutestica e educaccedilatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

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CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2009

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SOARES M I B AROEIRA M L PORTO A Alfabetizaccedilatildeo linguiacutestica da teoria agrave praacutetica Belo Horizonte Dimensatildeo 2010

Escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa Filho

Gilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

O processo de ensino e aprendizagem do Portuguecircs pressupotildee mostrar como a liacutengua funciona suas propriedades nas modalidades oral e escrita treinando usos e considerando o comportamento dos falantes em diferentes situaccedilotildees do cotidiano (CAGLIARI 2010)

Por isso eacute importante inserir o estudante em situaccedilotildees efetivas de uso da linguagem por meio da leitura e da escrita de diferentes textos dos mais variados gecircneros textuais e nos diversos contextos sociais O foco eacute pois o desenvolvimento das habilidades comunicativas dos estudantes

Nessa linha de raciociacutenio um dos toacutepicos de ensino eacute a ortografia cujo estudo eacute essencial por ela ser mecanismo facilitador da comunicaccedilatildeo por meio da escrita (MORAIS 2010) Esse estudo requer dentre outros aspectos discutir as relaccedilotildees entre grafemas e fonemas40 apropriar-se de princiacutepios e regras que norteiam essas relaccedilotildees propor atividades de escrita que operem com a liacutengua em funcionamento analisar o modo como os alunos registram as palavras e detectar e analisar os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos que eles cometem ao escrever

Especificamente acerca dos ldquoerrosrdquo cabe entender sua natureza adotando um posicionamento que os perceba sob a perspectiva da tentativa de acerto (BAGNO 2012 2013) Ao escrever o estudante faz uso de seus conhecimentos preacutevios sobre o sistema de escrita ao mesmo tempo em que a variedade da liacutengua que fala pode influenciar seu modo de escrever Por isso o professor precisa conhecer bem o sistema de escrita os tipos de relaccedilatildeo entre sons e letras para a partir disso compreender as hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para entatildeo delinear estrateacutegias capazes de contribuir para o desenvolvimento de suas habilidades comunicativas

40 Neste capiacutetulo ldquofonemardquo e ldquosomrdquo satildeo considerados sinocircnimos

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Com base nesses pressupostos procurou-se neste trabalho fazer uma releitura das discussotildees de Costa Filho (2015)41 com o objetivo de enfatizar que eacute fundamental inserir os alunos em praacuteticas efetivas de escrita conferindo-lhes liberdade para escrever e nesse processo verificar suas dificuldades no registro das palavras

2 A escrita alfabeacutetica e o processo de ensino e aprendizagem

O sistema de escrita do Portuguecircs Brasileiro (PB) eacute essencialmente alfabeacutetico e sua base eacute a letra embora sejam utilizados tambeacutem na escrita sinais de pontuaccedilatildeo e nuacutemeros (CAGLIARI 2010) Nesse sistema a grafia das palavras natildeo eacute a transcriccedilatildeo da fala (FERRAREZI JR 2007) Por essa razatildeo eacute importante no ensino mostrar ao aluno as relaccedilotildees entre fala e escrita e enfatizar que o modo como eacute registrada a grande maioria das palavras natildeo pode ser alterado Nesse sentido afirma Cagliari (2010 p 27)

A escola naturalmente deve fazer os alunos verem que eles falam natildeo de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias segundo os dialetos de cada um e que se todos escrevessem as palavras como as falam usando das possibilidades do sistema de escrita como quisessem haveria uma confusatildeo muito grande quanto agrave forma de grafar as palavras e isso dificultaria em muito a leitura entre os falantes de tantos dialetos

Daiacute a importacircncia da ortografia oficial para possibilitar a leitura e a comunicaccedilatildeo entre os falantes de diferentes variedades linguiacutesticas que podem fazer os mais variados usos da liacutengua escrita orientando-se por regras de ortografia e natildeo de combinaccedilatildeo e uso da escrita seja para argumentar solicitar reivindicar elogiar ou fazer rir por exemplo

41 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3i2MOHZ

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Aleacutem disso haacute que se deixar claro que natildeo se pode nem se deve escrever como se fala e que natildeo eacute preciso falar como se escreve (BAGNO 2012) uma vez que em alguns casos as letras satildeo grafadas seguindo as normas da ortografia oficial mas natildeo satildeo pronunciadas (como em ldquohomemrdquo ldquohorardquo ldquohonrardquo) ou elas podem apresentar outra realizaccedilatildeo sonora um fonema diferente da letra grafada (como em ldquoanimalrdquo ldquotalrdquo ldquodocerdquo) Essas ocorrecircncias demonstram a importacircncia de os estudantes compreenderem as relaccedilotildees que podem ser estabelecidas entre letrasgrafemas e sonsfonemas base de um sistema escrito alfabeacutetico como o do PB abordando para tanto a liacutengua em seu efetivo funcionamento

Um primeiro aspecto a se considerar no processo de ensino e aprendizagem da escrita eacute segundo Cagliari (2010) levar o aluno a conhecer as regras que regem o uso das letras que podem variar conforme a situaccedilatildeo de emprego pois haacute em relaccedilatildeo agrave sua forma normas diferentes para se usarem letras maiuacutesculas e minuacutesculas ou ainda para grafar a escrita no modo cursivo ou no registro de formapalitobastatildeoimprensa Aleacutem disso o estudante precisa perceber o uso alfabeacutetico das letras ou seja cada letra representa um som responsaacutevel pela distinccedilatildeo das palavras como por exemplo em ldquofalardquo ldquomalardquo ldquosalardquo e ldquobalardquo em que as letras ldquofrdquo ldquomrdquo ldquosrdquo e ldquobrdquo representam respectivamente os sons [f] [m] [s] e [b] que distinguem os vocaacutebulos

O autor aponta tambeacutem que eacute importante o aprendiz compreender que os sons conforme o contexto podem ter valor linguiacutestico isto eacute funccedilatildeo ou atribuiccedilatildeo que um fonema tem no sistema linguiacutestico para distingui-lo ou natildeo de outro Eacute o caso por exemplo de [p] e [b] se eacute efetuado o teste de comutaccedilatildeo ou seja de troca de um som pelo outro (ldquopatobatordquo) o resultado seraacute obviamente uma nova palavra com outro significado

Um terceiro fator a ser considerado se refere mais especificamente agraves relaccedilotildees entre sons e letras que podem ser variadas a) duas letras podem representar um uacutenico som como

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ldquogurdquo em ldquoguerrardquo b) uma letra pode ser usada no registro de um vocaacutebulo mas natildeo representa nenhum som caso do ldquohrdquo em ldquohojerdquo c) uma mesma letra pode representar mais de um som como ldquoxrdquo em ldquoproacuteximordquo ldquoexamerdquo e ldquotaacutexirdquo d) um mesmo som pode ser representando por mais de uma letra como [s] em ldquocedordquo ldquosapordquo e ldquopasseiordquo

Sobre essas relaccedilotildees Lemle (1997) explica que uma letra pode representar um uacutenico fonema ou conforme a posiccedilatildeo uma letra pode se referir a uma unidade sonora e um som eacute representado por uma determinada letra ou ainda mais de uma letra pode representar o mesmo fonema na mesma posiccedilatildeo No primeiro caso podemos citar a letra ldquotrdquo para o fonema [t] como em ldquotudordquo Na segunda situaccedilatildeo uma letra pode representar um determinado som conforme a posiccedilatildeo que ela ocupa como por exemplo a letra ldquosrdquo que representa o fonema [s] em comeccedilo de palavra (ldquosalardquo) ou [z] quando intervocaacutelica (ldquocasardquo) ou por outro lado um mesmo som ser registrado com letras diferentes tambeacutem de acordo com a posiccedilatildeo caso do fonema [k] que pode ser representando pela letra ldquocrdquo diante de ldquoardquo ldquoordquo ou ldquourdquo como em ldquocasardquo ldquococcedilardquo ou ldquocucardquo ou por ldquoqrdquo diante de ldquoerdquo e ldquoirdquo como em ldquoesquinardquo ldquoporquerdquo O terceiro tipo de relaccedilatildeo eacute quando haacute concorrecircncia entre letras para representar o mesmo som no mesmo contexto como o registro do fonema [z] entre vogais em palavras como ldquomesardquo ldquocertezardquo e ldquoexemplordquo

Segundo a pesquisadora essa natureza das relaccedilotildees entre letras e sons se processa por meio de uma gradaccedilatildeo no primeiro tipo a relaccedilatildeo eacute perfeita pois cada letra representa um soacute som e o mesmo som eacute representado por uma soacute letra ao passo que no segundo caso a motivaccedilatildeo foneacutetica da relaccedilatildeo eacute estabelecida conforme a posiccedilatildeo do som ou da letra e no terceiro essa motivaccedilatildeo da seleccedilatildeo da letra jaacute se perde porque mais de uma letra pode representar um mesmo som no mesmo contexto

Consequentemente no processo de ensino e aprendizagem essa gradaccedilatildeo para a autora natildeo pode ser desconsiderada pois indica igualmente os niacuteveis de facilidade com que a aprendizagem

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das letras pode ocorrer Assim no ensino o aconselhaacutevel seria comeccedilar por aquilo que eacute mais regular para em seguida mergulhar nas irregularidades do sistema ou nas relaccedilotildees mais complexas

Nesse sentido Morais (2010) discute que haacute regularidades diretas contextuais e morfoloacutegico-gramaticais Nas regulares diretas uma letra natildeo compete com outra para representar um som caso de ldquofrdquo ldquovrdquo ldquoprdquo ldquobrdquo ldquotrdquo e ldquodrdquo como o ldquofrdquo para [f] em ldquofivelardquo Nas regulares contextuais o registro de uma letra ou outra vai depender do contexto da palavra como o som do ldquor forterdquo [h]42 com um ldquorrdquo soacute em iniacutecio de palavra como em ldquoratordquo ou ldquorrrdquo em posiccedilatildeo intervocaacutelica como em ldquocarrordquo enquanto se for o ldquor brandordquo [ɾ] soacute seraacute usada uma letra como em ldquocaretardquo As regulares morfoloacutegico-gramaticais se referem agrave relaccedilatildeo entre letras e sons que se orientam pela categoria gramatical das palavras como por exemplo registrar ldquoesardquo para adjetivos paacutetrios (ldquoportuguesardquo ldquofrancesardquo ldquonorueguesardquo)

Em relaccedilatildeo agraves irregularidades Morais (2010) cita como exemplo o caso do som do ldquosrdquo em palavras como ldquosegurordquo ldquocidaderdquo ldquoauxiacuteliordquo ldquocassinordquo ldquopiscinardquo ldquocresccedilardquo ldquogizrdquo ldquoforccedilardquo e ldquoexcetordquo situaccedilotildees para as quais natildeo haacute uma regra que oriente o uso de uma letra ou de outra

Aleacutem dessas relaccedilotildees entre sons e letras cabe ao professor conhecer os criteacuterios que conforme Bagno (2013) podem estar envolvidos na definiccedilatildeo do registro de uma palavra como a) foneacutetico caso por exemplo de uma letra sempre representar um mesmo som e vice-versa como as letras ldquobrdquo e ldquoprdquo e respectivamente os fonemas [b] e [p] b) fonecircmico situaccedilatildeo da letra ldquolrdquo constituir uma abstraccedilatildeo pois a realizaccedilatildeo do fonema conforme sua posiccedilatildeo no vocaacutebulo e a origem do usuaacuterio da liacutengua pode se realizar como [l] [ɫ] [ɹ] ou [ʊ] (ldquolatardquo ldquoleiterdquo ldquotalrdquo ldquoanimalrdquo) c) morfofonecircmico como por exemplo o morfema marcador de plural ldquo-srdquo ser pronunciado [s] em ldquomeus catildeesrdquo mas jaacute ser falado como [z] em ldquomeus gatosrdquo

42 Representaccedilatildeo baseada em Silva (2017) para o dialeto de Belo Horizonte

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d) etimoloacutegico como registrar ldquomaurdquo e ldquomalrdquo por terem origem respectivamente de ldquomalurdquo e ldquomalerdquo e) anacroniacutestico como ainda registrar ldquochrdquo para vocaacutebulos que tinham a consoante [ʧ] ateacute o seacuteculo XV e que atualmente poderiam ser registradas com ldquoxrdquo f) sociolinguiacutestico pois devido ao fato de que a grafia oficializada se baseia em alguma variedade da liacutengua alguns registros na escrita corrente natildeo existem como o ldquor caipirardquo [ɹ]

Por isso a aparente neutralidade que a ortografia faz pressupor ao sugerir uma forma exclusiva de se registrarem as palavras acaba conforme Bagno (2012 2013) constituindo um mito pois satildeo vaacuterios os criteacuterios que podem nortear a grafia de um termo Ao mesmo tempo uma anaacutelise mais detida das regras aponta em alguns casos para uma arbitrariedade na definiccedilatildeo do registro de determinados vocaacutebulos como o uso do acento agudo e do circunflexo em que o primeiro seria usado para representar vogal aberta e o segundo para indicar vogal fechada mas escrevemos ldquouacutenicordquo e natildeo ldquoucircnicordquo

Outra questatildeo levantada por Ferrarezi Jr (2007 p 41) eacute que ldquoo aluno natildeo deve ser massacrado pela responsabilidade de saber a ortografia de todas as palavras da liacutengua Ele deveria ser ensinado a recorrer sempre que necessaacuterio a uma obra de referecircnciardquo Eacute fundamental assim desenvolver o haacutebito de pesquisa de maneira que o aprendiz por exemplo consulte rotineiramente um bom dicionaacuterio

Os estudantes desse modo devem estar envolvidos de acordo com Cagliari (2010 p 105) em atividades de escrita em que tenham ldquoa liberdade para tentar questionar perguntar comparar corrigirrdquo cabendo ao professor orientar a produccedilatildeo textual (gecircnero tipo objetivo comunicativo organizaccedilatildeo das ideias) e os processos de revisatildeo do texto Para tanto o docente precisa conhecer as complexas relaccedilotildees entre letrasgrafemas e sonsfonemas e como funciona de fato o sistema de escrita do PB Dessa forma ele teraacute subsiacutedios para analisar os ldquoerrosrdquo de ortografia dos alunos foco da proacutexima seccedilatildeo

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3 ldquoErrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva do acerto

Assume-se neste capiacutetulo que os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever precisam ser reanalisados sob o prisma da ldquotentativa de acertordquo porquanto

[] seria pedagogicamente mais proveitoso substituir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo pela de tentativa de acerto Embora possa soar como simples eufemismo do tipo ldquopoliticamente corretordquo na verdade eacute possiacutevel obter um efeito significativo ao trocar um termo de conteuacutedo negativo (erro) por outro de conteuacutedo positivo (acerto) Afinal a liacutengua escrita eacute uma anaacutelise da liacutengua falada e essa anaacutelise seraacute feita pelo usuaacuterio da escrita no momento de grafar seu texto em sintonia com seu perfil sociolinguiacutestico (BAGNO 2012 p 353)

Esse direcionamento implica compreender os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem como na verdade tentativas de escrever ldquocertordquo sendo desvios que podem ser explicados significando que haacute loacutegica no ldquoerrordquo ortograacutefico cometido

Se natildeo se pode desprezar o valor que o ldquoerrordquo pode adquirir nas diferentes relaccedilotildees sociais (BAGNO 2012) eacute necessaacuterio por outro lado analisar no processo de ensino e aprendizagem da liacutengua escrita a natureza dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos nas produccedilotildees dos alunos e a partir disso desenvolver estrateacutegias adequadas de intervenccedilatildeo Conforme Bagno (2013) os ldquoerrosrdquo podem ser de dois tipos a) situaccedilotildees em que o aluno levanta hipoacuteteses sobre a relaccedilatildeo entre fala e escrita e registra uma palavra em comparaccedilatildeo a outra escrevendo de modo diferente da ortografia oficial b) influecircncia da variedade linguiacutestica falada pelo estudante na escrita O aprendiz portanto ao escrever eacute guiado por seus conhecimentos preacutevios sobre a liacutengua escrita e suas relaccedilotildees com a fala ao mesmo tempo em que a variedade linguiacutestica que ele usa no dia a dia influencia o modo como escreve

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Dessa forma na primeira categoria de ldquoerrosrdquo o falante grafa uma palavra de maneira diferente da oficial porque lanccedila hipoacuteteses ou faz analogias com base nas regras que sistematizou em relaccedilatildeo ao sistema de escrita como por exemplo escrever conforme Bagno (2013) ldquoMaurisiordquo dada a complexidade das relaccedilotildees entre o fonema [s] e suas representaccedilotildees graacuteficas usando nesse caso por analogia a letra ldquosrdquo habitualmente a mais utilizada para registrar tal som

O segundo tipo de ldquoerrosrdquo engloba aqueles que se referem agrave incidecircncia da variedade linguiacutestica do estudante em sua escrita Podem ser citados com base no autor o rotacismo (troca de ldquolrdquo por ldquorrdquo como em ldquobrocordquo) a paragoge (registro de ldquoerdquo ou ldquoirdquo em seguida a ldquolrdquo final de vocaacutebulo como em ldquosolerdquo ou ldquosolirdquo) e a deslateralizaccedilatildeo de [ʎ] (como em ldquotrabaiordquo para ldquotrabalhordquo)

Como se pode perceber muitos podem ser os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos dos alunos Consequentemente o professor em sala precisa entender a natureza desses ldquoerrosrdquo procurar explicaccedilotildees para isso e a partir deles desenvolver estrateacutegias de intervenccedilatildeo

A esse respeito Cagliari (2010) discute que na escrita espontacircnea os alunos desenvolvem um processo de reflexatildeo aplicando regras que satildeo possiacuteveis no sistema para registrar um vocaacutebulo mas natildeo outro Assim o aluno ldquoerrardquo porque ao refletir sobre o modo de escrever determinada palavra baseia-se em regras do sistema ortograacutefico que se aplicam a outros contextos Haacute portanto reflexatildeo e loacutegica em seus usos ainda que considerados ldquoerradosrdquo Ao professor cabe reconhecer essa loacutegica que envolve esses ldquoerrosrdquo

Nesse sentido o pesquisador enumera os tipos de ldquoerrosrdquo encontrados em produccedilotildees escritas de estudantes

a) transcriccedilatildeo foneacutetica em que o aluno na escrita transcreve a proacutepria fala como registrar na escrita duas vogais em vez de uma porque fala dessa forma caso de ldquorapaisrdquo para ldquorapazrdquo

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b) uso indevido de letras quando seleciona uma letra possiacutevel para registrar na escrita um som mas o sistema ortograacutefico indica outra como em ldquoxatardquo para ldquochatardquo c) hipercorreccedilatildeo que ocorre quando o aprendiz jaacute conhece a grafia de alguns vocaacutebulos percebe que o modo de pronunciaacute-los eacute diferente e passa a generalizar essa regra para outras palavras como escrever ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo porque assimilou que como geralmente todo ldquolrdquo final de siacutelaba eacute pronunciado [u] ele aplica essa regra em todos os contextos e por isso usa a letra ldquolrdquo e natildeo o ldquourdquo d) modificaccedilatildeo da estrutural segmental das palavras situaccedilatildeo em que o aprendiz realiza troca supressatildeo inversatildeo ou acreacutescimo de letras como escrever ldquobidardquo para ldquovidardquo ou ldquososatordquo para ldquosustordquo e) juntura intervocabular e segmentaccedilatildeo quando o estudante junta ou separa palavras como respectivamente em ldquojalicoteirdquo para ldquojaacute lhe conteirdquo e em ldquoa gorardquo para ldquoagorardquo f) forma morfoloacutegica diferente que acontece quando o falante por influecircncia de sua variedade linguiacutestica registra as palavras com caracteriacutesticas diferentes da ortografia oficial como escrever ldquopaciardquo para ldquopassearrdquo g) forma estranha de traccedilar as letras que indica no caso da escrita cursiva uma forma diferente com que o aluno faz o registro de determinado vocaacutebulo causando dificuldade no seu entendimento como escrever ldquosaberdquo para ldquosaberdquo parecendo ldquosaverdquo para o leitor h) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas quando o aluno grafa inadequadamente as palavras usando letras maiuacutesculas no lugar de minuacutesculas ou vice-versa como registrar o pronome ldquoEurdquo com letras maiuacutesculas em analogia ao uso em nomes proacutepriosi) acentos graacuteficos usando em contextos natildeo esperados ou

deixando de usar como ldquovoacuterdquo para ldquovourdquo e ldquovocerdquo para ldquovocecircrdquo

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j) sinais de pontuaccedilatildeo em que os alunos podem usar equivocadamente os sinais como em ldquoEraumavezrdquo ou ldquoEra-uma-vezrdquo talvez em decorrecircncia de conhecimentos assimilados de outras atividades k) problemas sintaacuteticos relativos por exemplo agrave concordacircncia ou agrave regecircncia indicando muitas vezes influecircncia da variedade linguiacutestica do falante em seu modo de escrever sendo por isso desvios em relaccedilatildeo agraves formas sugeridas pela normas em que se baseia a ortografia oficial como escrever ldquodois coeliordquo para ldquodois coelhosrdquo

Oliveira (2005) por sua vez aponta a necessidade de compreender os ldquoerrosrdquo na escrita dos alunos observando as relaccedilotildees com a fala pois segundo ele o conjunto de conhecimentos que o estudante tem sobre a fala acaba controlando a aprendizagem da escrita Costa Filho (2015 p 41-42) em anaacutelise do autor afirma que o estudante ldquoem suas primeiras produccedilotildees escritas se guia pelos sons da fala muito embora tambeacutem no processo de aprendizagem a escrita vaacute incorporando outros aspectos que o aprendiz poderaacute superar ao longo desse processordquo Daiacute a importacircncia de um entendimento das hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para escrever principalmente quando se trata de momentos espontacircneos de produccedilatildeo textual

Nessa direccedilatildeo Oliveira (2005) faz interessante discussatildeo sobre os possiacuteveis ldquoproblemasrdquo que podem ser verificados nas produccedilotildees escritas dos estudantes que Costa Filho (2015 p 42) assim sintetiza43

a) escrita preacute-alfabeacutetica como em ldquomviaembardquo para ldquominha vizinha eacute muito boardquo

b) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como a troca entre ldquoprdquo e ldquobrdquo

43 Os exemplos constantes na siacutentese de Costa Filho (2015) foram extraiacutedos de Oliveira (2005)

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c) escrita trocada com correspondecircncia trocada pela mudanccedila de sons como a troca entre sons sonoros e surdos

d) violaccedilatildeo das relaccedilotildees biuniacutevocas entre os sons e os grafemas como em escrita [muito difiacutecil de acontecer como afirma o autor] de ldquofavardquo para ldquomolardquo

e) violaccedilatildeo das regras invariantes que controlam a representaccedilatildeo de alguns sons ou seja os ldquocasos de escrita que se baseiam na pauta sonora e que ao mesmo tempo satildeo regidos por regrardquo como em ldquogerardquo para ldquoguerrardquo

f) violaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre os sons e os grafemas por interferecircncia das caracteriacutesticas estruturais do dialeto do aprendiz como por exemplo na produccedilatildeo especiacutefica de um falante de Belo Horizonte ser escrito ldquoo sou brilhardquo para ldquoo sol brilhardquo em decorrecircncia de no dialeto belo-horizontino o som [l] natildeo ocorrer em final de siacutelaba embora ocorra em outros dialetos

g) violaccedilatildeo de formas dicionarizadas em que o autor enquadra as grafias de natureza totalmente arbitraacuterias e nos afirma que somente a consulta a um dicionaacuterio ou a familiaridade com a palavra podem resolver a questatildeo da grafia Os casos relacionados a esse problema satildeo de dois tipos duas formas existem mas cada uma remete a conceito diferente como ldquocestardquo e ldquosextardquo uma forma existe embora a outra possa ser possiacutevel como em ldquogelordquo (ldquojelordquo)

h) violaccedilatildeo na escrita de sequecircncias de palavras que se referem aos ldquocasos em que a particcedilatildeo da fala natildeo corresponde agrave particcedilatildeo da escritardquo como em ldquoopaturdquo para ldquoo patordquo

i) outros casos categoria aberta que inclui por exemplo casos de hipercorreccedilatildeo ou casos acidentais

Acredita-se que a partir do entendimento desses ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever em sua tentativa de acerto o professor poderaacute compreender melhor as hipoacuteteses formuladas e os conhecimentos utilizados por eles o que colabora para o delineamento de estrateacutegias e praacuteticas pedagoacutegicas que possam contribuir para melhorar o registro escrito de suas produccedilotildees

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Nessa direccedilatildeo Costa Filho (2015) desenvolveu um estudo sobre os ldquoerrosrdquo cometidos por alunos em escrita espontacircnea cujos dados satildeo reanalisados na seccedilatildeo que se segue

4 ldquoErrosrdquo na escrita de alunos do Ensino Fundamental II

Costa Filho (2015) realizou seu estudo com 17 alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II em escola puacuteblica do municiacutepio de Salinas ndash MG A pesquisa objetivou detectar e discutir as hipoacuteteses que os alunos formulam quando usam a escrita verificando se a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem satildeo em decorrecircncia da interferecircncia da oralidade na escrita ou do natildeo conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico oficial

Para alcanccedilar esse propoacutesito foi necessaacuterio compreender a realidade cultural e social dos alunos e sua possiacutevel influecircncia no modo como usam a liacutengua observando especificamente se havia relaccedilatildeo entre a variedade falada pelo estudante e a maneira como escrevia Foi entatildeo aplicado inicialmente um questionaacuterio procedimento que permitiu obter dados sobre o contexto sociocultural dos estudantes e conhecer suas experiecircncias de letramento

As informaccedilotildees obtidas indicam que a minoria dos alunos tem acesso a computador com internet (10) televisatildeo (10) e raacutedio (10) o que levou agrave hipoacutetese de que o tipo de participaccedilatildeo dos estudantes em eventos de letramentos poderia interferir na utilizaccedilatildeo da variedade culta escrita da liacutengua por eles Isso significa que o pouco ou nenhum contato com outras variedades da liacutengua em especial a padratildeo na modalidade escrita faz com que o aprendiz em textos escritos formais reproduza a variedade que fala e cometa ldquoerrosrdquo ortograacuteficos Daiacute a importacircncia da escola e da pesquisa em delinear estrateacutegias para promover o acesso do aluno a outros usos da liacutengua Ao fazer isso acaba contribuindo para ampliar a competecircncia comunicativa do aluno e para que em decorrecircncia possa atuar e intervir efetivamente na sociedade

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Com o objetivo de confirmar essa hipoacutetese e de ampliar os dados sobre os eventos de letramentos dos quais participam foi perguntado aos 17 estudantes se tinham o haacutebito de visitar bibliotecas de ler jornais revistas em geral histoacuterias em quadrinhos e livros literaacuterios e de acessar a internet Os resultados indicaram que a maioria dos alunos visita bibliotecas (82) e natildeo lecirc jornal (94) revistas em geral (59) e histoacuterias em quadrinhos (47) e apontaram que poucos alunos leem livros literaacuterios e o fazem apenas uma vez ao ano (24) duas vezes por ano (41) ou natildeo leem livro de literatura algum (29) embora grande parte dos estudantes afirme que tenha acesso agrave internet (91) o que poderia possibilitar por exemplo acessar e-books e proceder agrave leitura desses livros Acresccedila-se a esses dados o fato de que a famiacutelia pouco lecirc (53) ou nunca lecirc (29) e que nunca escreve textos (47) e aqueles que fazem essa atividade redigem listas ou cartas apenas de vez em quando (47)

A partir das informaccedilotildees socioculturais obtidas do questionaacuterio Costa Filho (2015 p 27) concluiu que os participantes de sua pesquisa

[] satildeo provenientes de famiacutelias com baixo poder aquisitivo e com poucas oportunidades de participaccedilatildeo em eventos de letramentos o que restringe o acesso agrave variedade culta da liacutengua seja na modalidade oral seja sobretudo na escrita o que consequentemente nos permite relacionar esses eventos agrave presenccedila de marcas da oralidade na escrita culta e pode justificar desviosdeslizes na norma escrita que dificultam a aprendizagem e aumentam a responsabilidade da escola

Foi necessaacuterio assim compreender a natureza dos ldquoerrosrdquo que os alunos cometiam Para isso foram aplicadas trecircs atividades com os gecircneros textuais ldquobilheterdquo ldquocomentaacuteriordquo e ldquofaacutebulardquo com as seguintes instruccedilotildees

a) produccedilatildeo de um bilhete por meio do qual um aluno deveria convidar seu colega para passarem juntos um final de semana

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b) comentaacuterios sobre um filme exibido para os estudantes c) produccedilatildeo de uma faacutebula

Essas atividades foram selecionadas para ampliar a compreensatildeo da influecircncia da fala na escrita dos alunos permitindo levantar os ldquoerrosrdquo nas produccedilotildees e verificar as hipoacuteteses levantadas pelos alunos ao escreverem subsidiando assim uma accedilatildeo pedagoacutegica mais eficiente O foco com essas atividades foi justamente obter uma escrita espontacircnea sem a interferecircncia do professor ainda que esse momento tenha sido marcado por certa artificialidade uma vez que os textos escritos natildeo foram inseridos em uma situaccedilatildeo real de comunicaccedilatildeo

Por meio desses procedimentos os ldquoerrosrdquo detectados nas produccedilotildees escritas dos alunos foram classificados com base em Cagliari (2010) e Oliveira (2005) e divididos em dois grupos a) ldquoerrosrdquo que decorrem da influecircncia da fala (variedade do aluno) na escrita e b) ldquoerrosrdquo decorrentes da falta de conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema de escrita Os resultados obtidos estatildeo listados na Tabela 1

Tabela 1 Classificaccedilatildeo geral dos ldquoerrosrdquo

NATUREZA DO ldquoERROrdquo

NUacuteMERO DE OCORREcircNCIAS TOTAL

Influecircncia da fala (variedade do aluno) na

escrita319 48

665Falta de conhecimento

das convenccedilotildees do sistema de escrita

346 52

Fonte Costa Filho (2015 p 53)

Os dados da tabela permitem inferir que o iacutendice de ldquoerrosrdquo por influecircncia da fala na escrita padratildeo (48) quase se equipara ao dos desvios por falta de conhecimento das convenccedilotildees ortograacuteficas (52) Se somados esses dados agravequeles obtidos na aplicaccedilatildeo

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do questionaacuterio pode-se deduzir que eles satildeo indicativos da necessidade de promover eventos de letramento que contribuam para a ampliaccedilatildeo das praacuteticas de leitura e escrita em especial de usos mais monitorados da liacutengua por meio de um trabalho que aborde sistematicamente os tipos de ldquoerrosrdquo verificados nas produccedilotildees dos estudantes

Como exemplos de ldquoerrosrdquo decorrentes da influecircncia da variedade linguiacutestica que o aluno usa nos seus textos escritos podem ser citados

a) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante como em ldquoseus brinquedordquo para ldquoseus brinquedosrdquo (Informante 05) b) rotacismo como em ldquoarnosordquo para ldquoalmoccedilordquo (Informante 07) c) metaacutetese como em ldquopredardquo para ldquopedrardquo (Informante 10)d) deslateralizaccedilatildeo de λ como em ldquobieterdquo para ldquobilheterdquo (Informante 05) e) desnasalizaccedilatildeo de ɲ como em ldquomiardquo para ldquominhardquo (Informante 06) Em relaccedilatildeo aos desvios da ortografia oficial satildeo exemplos a) uso indevido de letras (escolha de uma letra possiacutevel quando a ortografia usa outra letra) como em ldquoprinsezinhardquo para ldquoprincesinhardquo (Informante 01)b) hipercorreccedilatildeo como em ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo (Informante 05) c) segmentaccedilatildeo (troca supressatildeo acreacutescimo ou inversatildeo de letras) como em ldquoirmansrdquo para ldquoirmatildesrdquo (Informante 07) d) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas como em ldquojoseacuterdquo para ldquoJoseacuterdquo (Informante 10)e) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como em ldquoanicardquo para ldquoamigardquo (Informante 05)

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Com base nesses ldquoerrosrdquo foi desenvolvida uma proposta de intervenccedilatildeo baseada na produccedilatildeo de ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo envolvendo assim os alunos em um contexto real de leitura escrita e circulaccedilatildeo do gecircnero textual No trabalho de produccedilatildeo e revisatildeo das cartas os alunos utilizaram a escrita em situaccedilatildeo efetiva de comunicaccedilatildeo o que possibilitou uma reflexatildeo linguiacutestica sobre as convenccedilotildees da escrita em sua relaccedilatildeo com a fala ateacute mesmo para atender agraves normas de publicaccedilatildeo da revista

Essa produccedilatildeo de cartas se fundamentou em um roteiro de atividades a partir da noccedilatildeo da sequecircncia didaacutetica que segundo Dolz Noverraz e Schneuwly (2004) se refere a atividades que satildeo planejadas sistematicamente a partir de um gecircnero seja ele oral ou escrito Com isso foram sistematizados seis moacutedulos de produccedilatildeo das cartas englobando a primeira versatildeo sua revisatildeo e a versatildeo final

Apoacutes a aplicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo Costa Filho (2015) verificou progressos dos estudantes nas produccedilotildees escritas seja na reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre a variedade falada por eles e sua escrita seja no reconhecimento da importacircncia de escreverem conforme as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico Os alunos dessa forma passaram a analisar o modo como escreviam refletindo sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita e percebendo a importacircncia de adequaccedilatildeo da linguagem ao contexto de uso

Podem ser citados como exemplos desses progressos os seguintes casos relacionados ao percurso de produccedilatildeo oral ou falada de carta gt produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo gt produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final

a) deslateralizaccedilatildeo de λ gt lateralizaccedilatildeo de λ ndash Informante A 1 ldquocompartilordquo para ldquocompartilhordquo (produccedilatildeo textual sobre as caracteriacutesticas do gecircnero ldquocarta do leitorrdquo)

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2 ldquofamiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquofamilhiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquofamiacuteliardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)b) monotongaccedilatildeo gt ditongaccedilatildeo ndash Informante B1 ldquoTexerardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)3 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)c) rotacismo gt l ndash Informante A1 ldquosortourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo) 3 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)d) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante gt marcaccedilatildeo de plural redundante ndash Informante D1 ldquoos bisouro coveiros alimanta-se de corpos em decomposiccedilatildeordquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoos bisouros lenhadores se ocupa em trabalhar nas aacutervorerdquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquoos coveiros se ocupa dos mortosrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquoos besouros que se alimenta dos corposrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)5 ldquoaprendi que os jardineiros se ocupam em levar uma semente de um lado para outrordquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

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6 ldquoos lenhadores trabalham no tronco das aacutervores ou melhor se alimentam delasrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

Pelos exemplos apresentados percebe-se a importacircncia da intervenccedilatildeo pedagoacutegica com atividades direcionadas para um trabalho que levou os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e sobre os desvios das convenccedilotildees da ortografia oficial

5 Consideraccedilotildees finais

Procurou-se neste trabalho rediscutir dados da pesquisa realizada por Costa Filho (2015) cujos objetivos foram investigar as hipoacuteteses formuladas pelos alunos quando usam a escrita padratildeo e detectar a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem ao escrever analisando as possiacuteveis interferecircncias da variedade falada pelo aluno ou o desconhecimento sobre as convenccedilotildees da ortografia oficial na sua escrita Participaram do estudo alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica no municiacutepio de Salinas ndash MG

Inicialmente foi importante o entendimento sobre a realidade sociocultural dos alunos por meio da aplicaccedilatildeo de um questionaacuterio Os resultados apontaram dentre outros aspectos que os alunos participavam de poucos eventos de letramento principalmente de praacuteticas de leitura e escrita de gecircneros mais formais ou monitorados

A partir disso foram aplicadas atividades para ampliar a compreensatildeo sobre as marcas da oralidade na escrita para que ao identificar os tipos de ldquoerrosrdquo presentes nas produccedilotildees dos alunos fosse possiacutevel analisar as hipoacuteteses levantadas por eles possibilitando uma adequada intervenccedilatildeo pedagoacutegica

Com base nesses conhecimentos dos estudantes foi elaborado um roteiro de atividades em torno do gecircnero ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo abordando

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assuntos dessa publicaccedilatildeo Como resultados os estudantes em suas produccedilotildees passaram a refletir sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita analisando o modo como escreviam e seguindo as regras da ortografia oficial

Assim ao articular teoria e praacutetica Costa Filho (2015) demonstrou a importacircncia de ressignificaccedilatildeo do olhar do professor sobre os ldquoerrosrdquo na escrita espontacircnea dos alunos Eacute necessaacuterio pois que os docentes percebam que os estudantes fazem profunda reflexatildeo ao escrever utilizando conhecimentos aprendidos e internalizados sobre as relaccedilotildees entre fala e escrita e norma ortograacutefica que orientam o modo como escrevem

Por isso cabe ao professor identificar os ldquoerrosrdquo nos textos dos alunos e propor atividades de intervenccedilatildeo adequadas agraves hipoacuteteses por eles formuladas ao escreverem avaliando esses ldquoerrosrdquo como deslizes em suas ldquotentativas de acertosrdquo e natildeo como incapacidade dos estudantes durante o processo de escrita

Diante disso constata-se que o trabalho de leitura escrita e reescrita de textos a partir de um gecircnero selecionado pode ressignificar o processo de produccedilatildeo textual no espaccedilo escolar instrumentalizando os alunos para o uso da liacutengua no meio social e natildeo os direcionando para a identificaccedilatildeo de classes de palavras e funccedilotildees da gramaacutetica normativa ou como atividade para a mera correccedilatildeo dos ldquoerrosrdquo

Consciente desse processo a escola precisa repensar suas estrateacutegias de ensino para desenvolver uma proposta que considere a realidade sociocultural do aluno e no caso da produccedilatildeo de texto as relaccedilotildees que o aluno estabelece ao escrever compreendendo que o contexto sociocultural e os eventos de letramento de que o estudante participa ou deixa de participar podem influenciar na qualidade daquilo que escreve

Eacute oportuno pois compreender esse contexto e essas praacuteticas para um melhor entendimento das relaccedilotildees entre fala e escrita

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para que se possa a partir disso proceder agrave elaboraccedilatildeo e ao desenvolvimento de estrateacutegias mais adequadas em sala de aula que contribuam para a reflexatildeo do aluno para a sistematizaccedilatildeo dos conhecimentos e para a ampliaccedilatildeo de sua competecircncia comunicativa Por isso eacute urgente a criaccedilatildeo de mecanismos para vencer os elevados iacutendices de evasatildeo e repetecircncia e auxiliar os estudantes no domiacutenio da Liacutengua Portuguesa sem apontar os ldquoerrosrdquo como declaraccedilatildeo peremptoacuteria de fracasso no domiacutenio da liacutengua

Referecircncias

BAGNO M Gramaacutetica de bolso do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Paraacutebola 2013

BAGNO M Gramaacutetica pedagoacutegica do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Paraacutebola 2012

CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2010

COSTA FILHO O A da Marcas de oralidade na escrita de alunos do ensino fundamental gecircnero carta do leitor 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

DOLZ J NOVERRAZ M SCHNEUWLY B Sequecircncias didaacuteticas para o oral e para o escrito apresentaccedilatildeo de um procedimento In SCHNEUWLY B DOLZ J Gecircneros orais e escritos na escola Traduccedilatildeo e organizaccedilatildeo Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro Campinas Mercado de Letras 2004

FERRAREZI JR C Ensinar o brasileiro respostas a 50 perguntas de professores de liacutengua materna Satildeo Paulo Paraacutebola 2007

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LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador Satildeo Paulo Aacutetica 1997

MORAIS A G Ortografia ensinar e aprender Satildeo Paulo Aacutetica 2010

OLIVEIRA M A de Conhecimento linguiacutestico e apropriaccedilatildeo do sistema de escrita caderno do formador Belo Horizonte CealeFaEUFMG 2005

SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios Satildeo Paulo Contexto 2017

Sobre os Autores

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Ana Maacutercia Ruas de AquinoDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail anamarciaaquinogmailcom ORCID httpsorcidorg0000-0001-5639-5257

Anagrey BarbosaMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora das redes Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail anakrillgreyyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000000268812115

Bruno de Assis Freire de LimaDoutor em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Docente no Instituto Federal Minas Gerais ndash Congonhas E-mail brunoaflimagmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-7526-1921

Carla Roselma Athayde MoraesDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail carlaathaydeyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000-0002-4684-8424

Clarice Nogueira LopesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail claricenogueiragmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0840-6139

Cristina Aparecida Bianchi de Souza GomesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga ndash DFE-mail cristinasbianchihotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-29223753

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Daniela Imaculada Pereira CostaMestre em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail danielaespanhol79gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-1549-2901

Gilvan Mateus SoaresDoutor em Estudos Linguiacutesticos pelo POSLIN ndash FALE ndash UFMG Professor na Rede Municipal de Ensino em Baratildeo de Cocais ndash MG E-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Maria Clara Maciel de Arauacutejo RibeiroDoutora em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail mclaramacielhotmailcomORCID 0000-0001-9205-5858

Orando Antocircnio da Costa FilhoMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professor na Rede Estadual de Ensino em Salinas ndash MGE-mail orandomghotmailcombrORCID httpsorcidorg0000-0001-7209-442X

Zenilda Mendes dos ReisMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual de Ensino em Lontra ndash MG E-mail zenildareis06gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3318-976

Sobre os Organizadores

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Gilvan Mateus SoaresGraduaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs pela Universidade Federal de Minas Gerais Graduaccedilatildeo em Pedagogia pela Universidade de Uberaba Especializaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs e Literatura pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguaacute Especializaccedilatildeo em Praacuteticas Pedagoacutegicas pela Universidade Federal de Ouro Preto Mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros Doutorado em Estudos Linguiacutesticos pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas GeraisE-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Liliane Pereira BarbosaDoutora e Mestre em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora efetiva da Unimontes Atua como professora permanente no PROFLETRAS Tem experiecircncia na aacuterea de Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica com ecircnfase em Teoria e Anaacutelise Linguiacutestica principalmente nos seguintes temas Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica Variaccedilatildeo Linguiacutestica e EnsinoE-mail lilianepebhotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0558-6592

Maria do Socorro Vieira CoelhoProfessora de Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 Mestre em Linguiacutestica pela Universidade Federal de Minas Gerais Doutora em Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais Poacutes-Doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015) e pela Universidade de Satildeo Paulo (2018) Suas linhas de pesquisa tecircm sido em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash diacronia e sincronia Liacutengua Portuguesa e Ensino Literatura de Autoria FemininaE-mail soccoelhohotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3732-467X

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Page 4: Teorias Linguísticas, Pesquisa e Ensino da Língua Portuguesa · 2020. 11. 10. · de os educadores conhecerem as técnicas de elaboração dos itens, compreendendo o texto de suporte,

APOIO

5 |

Conselho EditorialAna Paula Antunes Rocha (UFF)Angela Heloiza Benedito Buxton (Unimontes)Caroline Rodrigues Cardoso (UnipSEEDF)Keli Cristiane Eugecircnio Souto (Unimontes)Maria Alice Mota (Unimontes) Maria de Lourdes Guimaratildees de Carvalho (Unimontes)Rita de Caacutessia da Silva Soares (GPDGUSP)Sandra Ramos de Oliveira Gonccedilalves Duarte (Unimontes)Sandra Patriacutecia de Faria do Nascimento (UnB)

6 |

| SumaacuterioPrefaacutecioOs Organizadores

8

O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

17

Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

49

O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

67

Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

84

Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

108

A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

129

7 |

O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

156

A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

190

A escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa FilhoGilvan Mateus Soares

223

Sobre os Autores 245

Sobre os Organizadores 248

8 |

| Prefaacutecio

Esta obra surgiu da importacircncia de se ter uma maior divulgaccedilatildeo de pesquisas desenvolvidas sobre a Liacutengua Portuguesa sob o vieacutes teoacuterico e praacutetico em estreita relaccedilatildeo entre pesquisa formaccedilatildeo e ensino do Portuguecircs Nessa perspectiva a publicaccedilatildeo articula em um processo circular teorias linguiacutesticas descriccedilatildeo de aspectos da Liacutengua Portuguesa e ensino Tambeacutem oferece conhecimentos aos docentes que atuam no Ensino Fundamental e Meacutedio ao promover discussotildees teoacutericas e oferecer subsiacutedios para a aplicaccedilatildeo praacutetica das teorias e estudos descritos e discutidos Incluem-se trabalhos desenvolvidos por pesquisadores do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras)1 da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos (PosLin) da Faculdade de Letras (FALE)2 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

A organizaccedilatildeo do livro aponta para um ensino em que eacute fundamental a compreensatildeo das relaccedilotildees entre teoria e praacutetica permeadas pelas variadas linguagens Por isso a obra se orienta por trecircs dimensotildees (pesquisa teorias linguiacutesticas e ensino e praacutetica) sob o prisma da sua integraccedilatildeo mediante discussotildees teoacutericas que embasam trabalhos descritivo-analiacuteticos de aspectos linguiacutesticos da oralidade e da escrita do Portuguecircs e propostas de praacuteticas de ensino resultantes de pesquisas norteadas por teorias

Assim ldquoTeorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesardquo se alicerccedila em diferentes teorias das Ciecircncias da Linguagem como a Sociolinguiacutestica a Sociolinguiacutestica Educacional a Lexicologia a Lexicografia Pedagoacutegica e a Anaacutelise do Discurso e se desenvolve por meio de metodologias de pesquisa e estrateacutegias de ensino baseadas na pesquisa-accedilatildeo em instrumentos de avaliaccedilatildeo e no levantamento de dados por meio de questionaacuterios e entrevistas

1 Disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbr profletras2 Disponiacutevel em httpwwwposlinletrasufmgbr

9 |

e em estrateacutegias de ensino como oficinas ou sequenciaccedilatildeo de atividades

Entendemos que a relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica deve ser um pressuposto para toda e qualquer accedilatildeo pedagoacutegica o que exige do professor uma postura de pesquisador de teorias de investigaccedilotildees mais gerais sobre o processo de ensino e aprendizagem ou mais especiacuteficas agrave sua aacuterea de atuaccedilatildeo de meacutetodos de estrateacutegias e de recursos que possam auxiliar ou embasar a praacutetica em sala de aula

Esse posicionamento do profissional de liacutenguas eacute ainda mais exigido em um contexto de diversidade de linguagens que aponta para um processo de ensino e aprendizagem que contemple tanto os letramentos tradicionais como tambeacutem os multiletramentos Torna-se assim importante promover um tratamento da liacutengua que contemple seus diferentes niacuteveis (do foneacutetico-fonoloacutegico ao discursivo) suas modalidades (oralidade e escrita) e seus registros (informais e formais) em variados contextos de comunicaccedilatildeo

A escola eacute o espaccedilo privilegiado para essa abordagem Consciente desse papel ela deve instrumentalizar o estudante para que ele possa por meio da liacutengua se movimentar em diferentes contextos sociais Para tanto os objetivos do ensino da liacutengua requerem do professor conhecimento competecircncia e sensibilidade para lidar com a variaccedilatildeo linguiacutestica para acompanhar os processos de tratamento da Liacutengua Portuguesa em sua interseccedilatildeo com a abordagem de outras linguagens como a Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) considerando o contexto sociocultural e etnograacutefico dos falantes e as diversas praacuteticas de letramento com as quais os estudantes se envolvem ou das quais deixam de participar Tudo isso influencia e contribui direta ou indiretamente para o sucesso ou o fracasso do aluno em sua trajetoacuteria escolar

Isso significa que a linguagem da escola natildeo pode se distanciar da linguagem do educando sob pena de imputaacute-lo agrave repetecircncia e agrave evasatildeo Nesse sentido eacute necessaacuterio atentarmos para o fato de

10 |

que o professor natildeo deve focalizar o ensino da liacutengua somente na modalidade escrita em seus usos mais formaismonitorados diante de um aluno que muitas vezes participa de interaccedilotildees que se caracterizam essencialmente pela oralidade porquanto tal procedimento pode resultar em resistecircncia agraves praacuteticas pedagoacutegicas ofertadas pelo docente

A partir dessas orientaccedilotildees este e-book estaacute organizado em oito capiacutetulos que contemplam temaacuteticas variadas estudos do leacutexico e fraseologia elaboraccedilatildeo de itens de avaliaccedilatildeo ensino da Liacutengua Portuguesa e da LBS produccedilatildeo de glossaacuterio semibiliacutengue reflexatildeo sobre o discurso da identidade de pessoas surdas tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica anaacutelise de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas relaccedilotildees entre oralidade e escrita ensino da ortografia

Assim um dos temas aqui discutidos eacute o processo de avaliaccedilatildeo podendo ser contemplados os mais variados enfoques em diversas aacutereas do conhecimento como a Tecnologia Educacional Pedagogia e no que nos concerne o ensino de liacutenguas Nesse contexto pelo menos um questionamento emerge como avaliar Essa discussatildeo contempla um toacutepico que merece maior atenccedilatildeo durante a formaccedilatildeo de professores as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos dos alunos A esse respeito Bruno de Assis Freire de Lima em ldquoO lsquoitem de muacuteltipla escolharsquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeordquo discute o leacutexico e a fraseologia de questotildees de muacuteltipla escolha O autor fazendo uma breve retrospectiva dos procedimentos de avaliaccedilatildeo chama atenccedilatildeo para uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os ldquoitensrdquo de avaliaccedilotildees apontando para um entendimento que ultrapasse a percepccedilatildeo de que sejam meros instrumentos avaliativos concebendo-os como um produto especializado como um gecircnero textual de especialidade marcado por conhecimentos especiacuteficos Por isso possuem suas proacuteprias caracteriacutesticas concernentes agrave estrutura composicional ao conteuacutedo temaacutetico e ao estilo Daiacute a importacircncia de os educadores conhecerem as teacutecnicas de elaboraccedilatildeo dos itens compreendendo o texto de suporte o comando da questatildeo e as alternativas de resposta temas do referido capiacutetulo

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Outro trabalho da aacuterea do Leacutexico e da Lexicografia Pedagoacutegica eacute o de Cristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes em ldquoGlossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosrdquo A pesquisadora discute resultados de estudo realizado com estudantes de uma escola puacuteblica de Taquatinga ndash DF que culmina com a produccedilatildeo de um glossaacuterio digital de verbos O estudo por sua natureza se torna relevante para o protagonismo dos indiviacuteduos surdos ao incluir digitalmente os estudantes ao contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa como segunda liacutengua (L2) e paralelamente ao estimular os informantes a usarem a sua proacutepria liacutengua materna a LSB para refletir sobre conceitos e significados de vocaacutebulos do Portuguecircs Com esse procedimento os alunos introduziram novas palavras agrave sua escrita da Liacutengua Portuguesa e elaboraram um glossaacuterio agrave parte sobre as proacuteprias duacutevidas em um processo criativo de termossignificados Em decorrecircncia o trabalho possibilitou natildeo soacute a aprendizagem do Portuguecircs mas tambeacutem dos demais conteuacutedos das disciplinas que compotildeem o curriacuteculo escolar em uma proposta de ensino produtivo biliacutengue que proporcionou aprendizagem eficaz nas duas liacutenguas A autora incentiva a realizaccedilatildeo de outros trabalhos que possam ampliar o leacutexico de Liacutengua Portuguesa de pessoas surdas como um que por exemplo aborde o uso de expressotildees idiomaacuteticas

Ainda nessa perspectiva de inclusatildeo e da atuaccedilatildeo social dos indiviacuteduos surdos Maria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro em ldquoO fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezrdquo mostra que eacute fundamental que sejam desveladas e desmentidas representaccedilotildees estereotipadas sobre a surdez e os sujeitos surdos (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) o que requer a compreensatildeo de que as pessoas surdas satildeo sujeitos de direitos atores sociais com valores cultura e linguagem proacuteprios (discurso de fundamentaccedilatildeo surda) Nos discursos analisados pela autora os participantes da pesquisa sinalizam um posicionamento enunciativo ao reforccedilarem a imagem de valoraccedilatildeo igualitaacuteria diante

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de outros sujeitos e ao operarem na (des)construccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros em face de um discurso que se faz concorrente O entendimento dessa heterogeneidade discursiva a partir da abordagem dos discursos produzidos pelas pessoas surdas sobre si mesmas pode representar novas perspectivas para a promoccedilatildeo da inclusatildeo nas escolas e o delineamento e a elaboraccedilatildeo de estrateacutegias de ensino significativas

Uma abordagem discursivo-linguiacutestica tambeacutem eacute o foco do capiacutetulo de Ana Maacutercia Ruas de Aquino Carla Roselma Athayde Moraes e Daniela Imaculada Pereira Costa ao tematizarem o gecircnero ldquocrocircnica jornaliacutestica brasileirardquo em ldquoAspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeordquo As autoras chamando a atenccedilatildeo para a importacircncia da anaacutelise dos expedientes argumentativos e dos processos retoacutericos da persuasatildeo discorrem sobre as peculiaridades da crocircnica como uma atividade enunciativa essencialmente dialoacutegica intra e interdiscursivamente Por isso objetivam desvelar a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero como um exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea ao refletirem sobre as estrateacutegias utilizadas pelos cronistas Convidam dessa forma os leitores ao prosar poeacutetico da crocircnica inserindo-os no diaacutelogo como forccedila de accedilatildeo sobre o outro e sobre o mundo no jogo de seduccedilatildeo estabelecido entre cronista e leitor para que no desfrutar do texto ambos possam conhecer um pouco mais do outro mais da vida e por isso um pouco mais de si mesmos

O tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica e em especial a anaacutelise das crenccedilas e atitudes um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica satildeo discutidos por Gilvan Mateus Soares em ldquoCrenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticardquo O autor se baseia nas contribuiccedilotildees da Sociolinguiacutestica Educacional para realizar uma discussatildeo sobre crenccedilas atitudes e preconceitos com uma turma de 6ordm ano e uma de 8ordm de uma escola puacuteblica em Baratildeo de Cocais ndash MG O interesse do estudo partiu do silenciamento de um aluno do 8ordm ano que justificava natildeo participar das aulas

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porque ldquofalava erradordquo ldquoconsiderava-se burrordquo ou ldquoera da zona ruralrdquo Essas assertivas direcionaram o pesquisador a constatar que esse tipo de manifestaccedilatildeo sobre a liacutengua suas variedades e seus falantes eacute em muitos casos reproduzido e (re)construiacutedo na escola assim como no contexto social que vai processar ou reforccedilar ou ateacute perpetuar essa (re)construccedilatildeo Os resultados obtidos revelaram mudanccedila consideraacutevel de percepccedilotildees negativas para positivas sobre a variaccedilatildeo da liacutengua e sobre o proacuteprio aluno como falante do Portuguecircs passando ele a ter um maior grau de consciecircncia linguiacutestica e respeito pela diversidade que caracteriza qualquer liacutengua em uso elevando assim a autoestima linguiacutestica do educando

Em uma perspectiva da variaccedilatildeo linguiacutestica aliada agrave das crenccedilas e atitudes Zenilda Mendes Reis em ldquoA variaccedilatildeo de lsquotursquo e lsquovocecircrsquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra ndash MGrdquo descreveu e analisou baseando-se nos fundamentos da Sociolinguiacutestica as realizaccedilotildees dos pronomes de segunda pessoa ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em produccedilotildees orais e escritas de duas turmas de 8ordm ano do Ensino Fundamental em Lontra ndash MG Durante as etapas de desenvolvimento da pesquisa pocircde perceber usos mais especiacuteficos do ldquoturdquo ou do ldquovocecircrdquo (e suas variaccedilotildees ldquoocecircrdquo ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo) observando estigmatizaccedilatildeo em determinadas situaccedilotildees resultante do preconceito linguiacutestico Essa constataccedilatildeo apontou para o fato de que a intoleracircncia linguiacutestica natildeo pode ser mais ignorada exigindo do professor um ensino adequado em sala de aula Nessa direccedilatildeo tendo como suporte teoacuterico a Sociolinguiacutestica Educacional foi elaborada e desenvolvida uma proposta de ensino alicerccedilada em quatro oficinas que entre seus objetivos procurava natildeo soacute promover a conscientizaccedilatildeo dos alunos em relaccedilatildeo agrave variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem refletir sobre a trajetoacuteria e os contextos de uso dos pronomes em estudo Por meio das atividades os objetivos da pesquisa foram alcanccedilados contribuindo para que os estudantes aprimorassem conhecimentos e ampliassem sobremaneira sua competecircncia no uso do Portuguecircs especialmente na variedade

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padratildeo Os resultados mostraram como pode ser produtivo um trabalho sociolinguiacutestico na escola que permita aos alunos refletir sobre a liacutengua e suas variedades entendendo que a diferenccedila linguiacutestica natildeo pode ser vista como deficiecircncia

Tambeacutem eacute importante a discussatildeo das relaccedilotildees entre a fala a escrita e o registro ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa temas analisados por Clarice Nogueira Lopes em ldquoO fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritardquo A pesquisadora discorre sobre a transformaccedilatildeo de ditongos em monotongos na escrita de alunos de 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG O capiacutetulo ao contrastar a perspectiva da Gramaacutetica Tradicional e da Ciecircncia Linguiacutestica problematiza a compreensatildeo sobre o ldquoerrordquo ortograacutefico esclarecendo percepccedilotildees equivocadas sobre os ldquoerrosrdquo na fala e deslizes na escrita mostrando que satildeo entendimentos de naturezas bem distintas Aleacutem disso destaca que os ldquoerrosrdquo acabam recebendo forte avaliaccedilatildeo social negativa Por isso a pesquisadora ressalta a relevacircncia da aplicaccedilatildeo de instrumentos diagnoacutesticos e da elaboraccedilatildeo de atividades que possam contribuir para que os alunos tenham suas duacutevidas resolvidas e com isso possam aprender adequadamente Os resultados positivos no uso das estrateacutegias desenvolvidas levaram os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e passarem a adequar as produccedilotildees textuais agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo por meio da reduccedilatildeo da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos

Em diaacutelogo com essa discussatildeo Anagrey Barbosa em ldquoA segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirrdquo analisa a escrita de alunos de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG com foco no estudo da segmentaccedilatildeo e da juntura oferecendo aos professores subsiacutedios para a compreensatildeo desses aspectos e para uma abordagem condizente em sala de aula Para tanto o capiacutetulo discute as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e as influecircncias da fala no modo de escrever A autora chama a atenccedilatildeo para um redirecionamento

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do olhar sobre o ldquoerro ortograacuteficordquo pois o aluno empreende reflexatildeo ao ldquoerrarrdquo mostrando que os desvios que geralmente satildeo cometidos na escrita satildeo explicaacuteveis teoricamente e podem ser resolvidos por meio de estrateacutegias que contribuam para o aprimoramento da escrita Por isso a pesquisadora destaca que o docente natildeo deve ter uma reaccedilatildeo negativa diante do ldquoerrordquo de escrita do aluno sob o risco de promover sua exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo mas deve adotar uma perspectiva que compreenda e perceba os desvios ortograacuteficos como um rico material de investigaccedilatildeo e de planejamento para as aulas

Outro capiacutetulo que aborda essa temaacutetica eacute o de Gilvan Mateus Soares e Orando Antocircnio da Costa Filho em ldquoA escrita de alunos do Ensino Fundamental II os lsquoerrosrsquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertordquo Os autores rediscutem dados de pesquisa realizada com alunos de um 7ordm ano de uma escola puacuteblica de Salinas ndash MG analisando as aproximaccedilotildees e os distanciamentos entre a variedade falada pelos estudantes e o modo como escrevem ou mais especificamente entre fonemassons e grafemasletras Aleacutem disso mostram que eacute importante que o docente leve em conta a realidade sociocultural dos educandos e as praacuteticas de letramento de que participam ou deixam de participar pois a falta de vivecircncia de situaccedilotildees de fala escrita ou leitura de usos mais formais e monitorados da liacutengua pode acarretar dificuldades de aprendizagem exigindo por isso da comunidade escolar maior responsabilidade para o desenvolvimento de uma accedilatildeo pedagoacutegica eficiente Eacute importante nesse processo o incentivo agrave pesquisa e agrave leitura e a proposiccedilatildeo de atividades que insiram o estudante em praacuteticas reais de uso da liacutengua como a produccedilatildeo de ldquocartas de leitorrdquo abordando assuntos de publicaccedilotildees e com posterior envio dos textos a revistas ou jornais Esses procedimentos estrateacutegicos apontaram resultados significativos como relatam os pesquisadores

Esperamos com essa diversidade de pesquisas temas e conteuacutedos que esta publicaccedilatildeo ofereccedila conhecimentos de

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aspectos da Liacutengua Portuguesa falada e escrita em Minas Gerais e provoque discussotildees entre pesquisadores natildeo somente das aacutereas da Linguiacutestica e da Educaccedilatildeo Aleacutem disso pretendemos estimular a reflexatildeo e a pesquisa acadecircmica e profissional bem como agregar conhecimentos agrave formaccedilatildeo continuada de docentes natildeo apenas de Liacutengua Portuguesa e LSB agrave praacutetica pedagoacutegica dos professores e agrave aprendizagem dos estudantes ao inseri-los em praacuteticas efetivas de uso da liacutengua em suas modalidades oral e escrita em diferentes momentos de leitura produccedilatildeo de texto e pesquisa incluindo variados gecircneros textuais-discursivos em diferentes miacutedias e suportes e em diversas situaccedilotildees de interaccedilatildeo social

Os Organizadores

O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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1 Introduccedilatildeo

Natildeo haacute novidade no fato de que nossas relaccedilotildees cotidianas satildeo mediadas por gecircneros textuais3 Eles estatildeo em todos os lugares e fazem parte de todas as interaccedilotildees sociais das quais participamos Nesse sentido a escola eacute espaccedilo privilegiado de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e compreensatildeo de gecircneros dadas as muitas vivecircncias expectativas e experiecircncias que nela circulam Na escola ainda haacute a possibilidade de estudos e reflexotildees sobre os proacuteprios gecircneros principalmente nas aulas de Liacutengua Portuguesa o que torna o espaccedilo escolar ainda mais enriquecedor

Os professores de Liacutengua Portuguesa decerto jaacute perceberam que potencialmente qualquer gecircnero textual pode estar presente em suas praacuteticas inclusive nos processos avaliativos Da mesma forma qualquer gecircnero pode constituir-se como o proacuteprio instrumento de avaliaccedilatildeo O professor pode solicitar a produccedilatildeo de uma carta de um e-mail de uma bula de um debate de um seminaacuterio e assim por diante e avaliar essa produccedilatildeo mesmo que ela esteja sob o roacutetulo de redaccedilatildeo escolar ou produccedilatildeo textual O professor pode ainda exibir um documentaacuterio audiovisual promover pesquisas exposiccedilotildees orais e relatoacuterios As possibilidades satildeo muitas talvez infinitas

Apesar de toda essa possibilidade de trabalho com gecircneros nas salas de aula um deles tem tido tradicionalmente lugar de prestiacutegio nesses espaccedilos Trata-se do ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo (doravante item) ou como costuma ser conhecido no ambiente educacional ldquoquestatildeo de provardquo4 Ele circula nas praacuteticas avaliativas dos diferentes componentes curriculares natildeo apenas nas praacuteticas

3 Neste capiacutetulo natildeo se faz distinccedilatildeo entre ldquogecircnero textualrdquo e ldquogecircnero do discursordquo Considero gecircnero textual como uma classe de textos que possuem formas e funccedilotildees semelhantes Como nos recorda Marcuschi (2008) os gecircneros podem ser agrupados em categorias denominadas ldquocartas pessoaisrdquo ldquobilhetesrdquo ldquoartigos de opiniatildeordquo ldquoreceitasrdquo e assim por diante4 Haacute razotildees para distinguir os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo no entanto natildeo eacute objetivo deste texto levantar essa discussatildeo Assim sugere-se que o leitor compreenda os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo como sinocircnimos

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de Liacutengua Portuguesa Apesar de ldquonasceremrdquo para avaliar os itens tecircm migrado para outros usos na escola funcionando como exerciacutecios de fixaccedilatildeo e ateacute mesmo como atividades de treinamento para processos avaliativos como os vestibulares e o proacuteprio Exame Nacional do Ensino Meacutedio (ENEM)

Ainda sobre a utilizaccedilatildeo dos itens nas escolas existem pelo menos dois tipos de professores aqueles que ldquocopiamrdquo itens de provas antigas e fazem um ldquocompiladordquo para suas atividades e aqueles que criam (ou querem criar) os proacuteprios itens Talvez o segundo grupo se destaque em relaccedilatildeo ao primeiro pela iniciativa de criaccedilatildeo o que natildeo significa a elaboraccedilatildeo de itens consistentes Logo considerando que no caso do item o produtor textual natildeo eacute o aluno mas o professor uma questatildeo precisa ser posta seria o professor tatildeo bom elaborador de itens assim como se espera que os alunos sejam tatildeo bons produtores de outros gecircneros textuais Desconfio que natildeo

De modo geral a avaliaccedilatildeo eacute discutida como ldquotemardquo nos cursos de formaccedilatildeo de professores muitas vezes reduzido agrave dicotomia avaliaccedilatildeo quantitativa versus avaliaccedilatildeo qualitativa Natildeo haacute empenho na formaccedilatildeo de professores como profissionais avaliadores que conheccedilam as teacutecnicas subjacentes aos processos avaliativos e agrave proacutepria constituiccedilatildeo dos itens5 Alguns autores (CASTRO 2011 LUCKESI 2011 MORETO 2014) chamam a atenccedilatildeo sobre o desconhecimento teacutecnico de professores embora reconheccedilam que uma das funccedilotildees docentes seja avaliar Ora se o item eacute um produto criado especialmente para avaliar por quais razotildees os professores desconhecem suas teacutecnicas

Via de regra natildeo existe formaccedilatildeo especiacutefica para a funccedilatildeo de avaliador faltam profissionais com essa formaccedilatildeo (VIANNA 2015)

5 Existem diferentes formatos de item Este trabalho ocupa-se do item de muacuteltipla escolha talvez o formato mais popular de item Em Lima (2018) satildeo descritos detalhadamente todos os formatos conhecidos de item Tese disponiacutevel em httpsrepositorioufmgbrhandle1843LETR-B8NF6X

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Essa eacute uma realidade que nas escolas se reflete em avaliaccedilotildees mal elaboradas ou em avaliaccedilotildees cujos resultados satildeo distorcidos seja por serem tecnicamente fragilizadas6 ou simplesmente por serem produto de concepccedilotildees equivocadas de avaliaccedilatildeo como instrumento de troca ou mesmo como instrumento de chantagem e tortura (DEMO 2010 MORETO 2014) Afinal quem nunca ouviu a sentenccedila ldquoSe vocecircs natildeo ficarem quietos vou fazer uma prova bem difiacutecil para vocecircs aprenderem a se comportarrdquo

Este capiacutetulo eacute destinado principalmente para os professores leitores que buscam criar suas proacuteprias avaliaccedilotildees (e seus proacuteprios itens) e para professores em processo de formaccedilatildeo As discussotildees abordam o item como gecircnero textual especializado (HOFFMANN 2015) Eacute importante realccedilar esse adjetivo ldquoespecializadordquo pois conforme seraacute mostrado adiante o item eacute criado em um contexto de conhecimentos especiacuteficos e eacute formado por padrotildees teacutecnicos Elaborar um bom item portanto pressupotildee conhecimento e apropriaccedilatildeo apurada das teacutecnicas Assim o objetivo do capiacutetulo eacute contribuir para o aperfeiccediloamento dessa tarefa de elaboraccedilatildeo

Para desenvolver essas discussotildees aleacutem desta Introduccedilatildeo o capiacutetulo estaacute dividido nas seguintes seccedilotildees a) A histoacuteria do item b) Item como gecircnero e como texto de especialidade c) Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas e) Consideraccedilotildees finais e f) Referecircncias Boa leitura com desejo de que este texto possa provocar reflexotildees sobre processos avaliativos nas escolas

2 A histoacuteria do item

A avaliaccedilatildeo concebida como ldquovaler dar valor ardquo (CUNHA 2010) eacute uma praacutetica muito antiga que talvez remonte agraves primeiras atividades do homem Com a descoberta do fogo por exemplo o homem pocircde categorizar o que estava ao seu redor entre aquilo

6 Avaliaccedilotildees tecnicamente fragilizadas podem levar ao ldquoerrordquo ou ldquoacertordquo ao acaso Sobre o tema sugiro a leitura de Anderson e Morgan (2008)

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que podia ser queimado contra aquilo que natildeo podia Para tanto ele observava comparava avaliava os efeitos do fogo sobre os objetos Da mesma forma ndash pouco importando se era um mito ou natildeo ndash conforme ironizo em Lima (2018) Eva ao aceitar comer o fruto da aacutervore do conhecimento precisou ponderar avaliar tomar decisotildees a respeito das instruccedilotildees que recebera do seu criador e das vantagens mostradas por sua amiga a serpente

O que se ganha o que se perde Qual a vantagem que haacute em agir desta ou daquela forma Como usar menos ou mais tempo para executar uma atividade Todas essas decisotildees satildeo tomadas apoacutes diversas reflexotildees apoacutes se ponderar e valorar cada um dos resultados possiacuteveis Isso eacute avaliaccedilatildeo Note o leitor que a avaliaccedilatildeo existe de modo independente das praacuteticas pedagoacutegicas que conhecemos A avaliaccedilatildeo assim natildeo eacute produto de reflexotildees educacionais mas ldquomigrardquo para o espaccedilo escolar e pedagoacutegico como migra tambeacutem para outras (senatildeo todas) esferas de atividade humana (LIMA 2018 PILETTI PILETTI 2012)

No ambiente escolar a avaliaccedilatildeo tambeacutem eacute uma praacutetica muito antiga que se iniciou com as primeiras experiecircncias educacionais aristoteacutelicas (PILETTI PILETTI 2012) Naquela eacutepoca os mestres faziam questionamentos capazes de provocar reflexotildees e tomadas de decisatildeo por parte dos aprendizes Tempos mais tarde com a invenccedilatildeo do papel com o surgimento de novos suportes textuais e com a proacutepria institucionalizaccedilatildeo da escola as praacuteticas avaliativas escolares comeccedilaram a ganhar novos contornos Foram institucionalizados os exames escolares muitos dos quais permanecem do mesmo modo como conhecemos hoje

Piletti e Piletti (2012) relembram que os exames jaacute eram praticados haacute pelo menos 1200 anos aC pelos chineses para seleccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos para cargos de alta patente o que significa dizer que os exames tambeacutem natildeo satildeo criaccedilatildeo das escolas No espaccedilo escolar tradicionalmente criou-se um fetiche ao redor do exame eacute comum a realizaccedilatildeo de ldquosemanas de provasrdquo

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ldquoreuniotildees para entrega de boletinsrdquo e outras accedilotildees semelhantes Haacute um lugar de destaque para a avaliaccedilatildeo como exame o que certamente causa efeitos colaterais como a pressatildeo psicoloacutegica e a competitividade (nem sempre sadia) dentre outros (ARREDONDO DIAGO 2009)

Somente durante o periacuteodo da Revoluccedilatildeo Industrial eacute que a avaliaccedilatildeo ganhou ares de cientificidade o que causou impactos nos exames escolares Nesse periacuteodo a Psicologia estava interessada em acessar e conhecer componentes da mente humana como a atenccedilatildeo e o proacuteprio desenvolvimento cognitivo Esses componentes precisavam de alguma forma serem medidos quantificados meacutetodos ateacute entatildeo natildeo utilizados na aacuterea A Psicologia se viu portanto forccedilada a buscar na Estatiacutestica esses paracircmetros de mediccedilatildeo Foi quando surgiu a Psicometria7 aacuterea responsaacutevel pelo estudo cientiacutefico ou objetivo da avaliaccedilatildeo (PASQUALI 2013)

A Revoluccedilatildeo Industrial modificou consideravelmente a estrutura social A produccedilatildeo em larga escala reduziu a manufatura Surgiram novas demandas novas profissotildees novas relaccedilotildees sociais e ateacute novos gecircneros textuais No campo da Psicologia ateacute entatildeo natildeo se fazia distinccedilatildeo entre doentes mentais e deficientes mentais Todos eram tratados da mesma forma o que incluiacutea a privaccedilatildeo de viver em sociedade e em muitos casos meacutetodos absurdos de tortura como atesta o claacutessico de Anastasi (1908) Essas praacuteticas natildeo condiziam com o novo modelo de sociedade progressista que estava em ascensatildeo

Foi nesse contexto que Esquirol (1838) um dos precursores da Psicometria criou testes para distinguir doentes mentais de deficientes mentais Ele comprovou que nos casos de doenccedila mental a linguagem se desenvolve o que natildeo se observa nos casos

7 A Psicometria eacute o ramo da Psicologia que se orienta agrave mediccedilatildeo dos processos psiacutequicos dentre os quais estaacute a aprendizagem Para tanto desenvolve estudos que permitem atribuir uma quantificaccedilatildeo aos seus resultados possibilitando a comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas psicoloacutegicas de diversas pessoas ou grupos de pessoas de forma objetiva

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de deficiecircncias da mente Seus testes criados a partir de forte conteuacutedo verbal (ANASTASI 1908) eram formados por unidades avaliativas discretas os chamados ldquoitens avaliativosrdquo que logo foram aplicados em diferentes campos da atividade humana como na proacutepria seleccedilatildeo de trabalhadores para as induacutestrias que estavam em franca expansatildeo agrave eacutepoca

Como se nota a Psicometria eacute uma aacuterea relativamente nova Seu surgimento ocorre pouco antes da segunda metade do seacuteculo XIX o que significa dizer que apesar de a avaliaccedilatildeo ser uma praacutetica bastante antiga o item eacute um produto relativamente recente Ele nasceu em um contexto especializado eacute historicamente situado e possui uma funccedilatildeo bastante marcada medir componentes mentais como o desenvolvimento cognitivo a aprendizagem Como jaacute colocado somente algumas deacutecadas depois de sua criaccedilatildeo o item migrou para as praacuteticas escolares

O item eacute produto de uma atividade especializada que surge para cumprir uma funccedilatildeo social bem definida Ele eacute usado em um contexto bastante especiacutefico Em pouco mais de um seacuteculo de existecircncia o item vem sendo tratado como ldquoinstrumento de avaliaccedilatildeordquo como comprovam diversas definiccedilotildees encontradas na literatura especializada Em meu trabalho de doutorado (LIMA 2018) levantei vasta bibliografia sobre o tema totalizando 43 obras situadas entre 1908 e 2015 na busca de uma definiccedilatildeo que considerasse a face verbal do item tratando-o como unidade textual ou mesmo como gecircnero textual Em nenhuma obra houve algo nesse sentido

Apesar de a literatura especializada natildeo considerar o item como texto ou gecircnero ele tem todos os componentes necessaacuterios para ser enquadrado nessas categorias Mas isso eacute assunto para a proacutexima seccedilatildeo que aborda tambeacutem o conceito de gecircnero textual de especialidade categoria de gecircneros na qual se encontra o item

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3 Item como gecircnero e como texto de especialidade

Foi Hoffmann (2015) linguista alematildeo quem desenvolveu um importante conceito para a Linguiacutestica das Linguagens Especializadas Segundo o autor existe uma ldquoclasse especialrdquo de gecircneros textuais que comporta conhecimentos especializados componente que distingue essa classe dos demais gecircneros O conhecimento especializado por sua vez estaacute associado a aspectos das linguagens cientiacuteficas eou profissionais Assim haacute gecircneros que circulam livremente em diferentes contextos mas haacute aqueles que satildeo especiacuteficos de situaccedilotildees especializadas aos quais Hoffmann denomina ldquogecircneros de especialidaderdquo categoria na qual o item se encaixa

Os gecircneros de especialidade se distinguem dos demais gecircneros natildeo apenas a partir das caracteriacutesticas das situaccedilotildees comunicativas de onde emanam mas tambeacutem a partir das caracteriacutesticas estruturais da linguagem (como terminologias desenhos logomarcas etc) Conforme atesta a histoacuteria do item ele estaacute situado no contexto da Psicometria aacuterea resultante da interseccedilatildeo de duas especialidades Ele natildeo existia antes do surgimento dessa aacuterea de conhecimento foi criado com um propoacutesito especiacutefico Desde seu surgimento o item conteacutem os trecircs elementos essenciais aos gecircneros (BAKHTIN 2003) a estrutura composicional o conteuacutedo temaacutetico e o estilo

No que diz respeito agrave estrutura composicional o item costuma apresentar trecircs partes distintas8 um texto de suporte um comando e as alternativas de resposta O texto de suporte (geralmente um fragmento) conteacutem informaccedilotildees relevantes para a contextualizaccedilatildeo do item Como texto de suporte podem ser utilizados quaisquer textos receitas tirinhas mapas graacuteficos tabelas piadas e assim

8 Talvez essas partes possam ser gecircneros ou subgecircneros Ainda eacute necessaacuterio pesquisar a respeito

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por diante Eacute claro que o conteuacutedo do texto de suporte deve estar adequado ao puacuteblico ao qual o item se destina bem como precisa estar relacionado com o que se pretende avaliar

Quanto ao comando do item trata-se da parte que corresponde agrave instruccedilatildeo que eacute dada ao avaliando Eacute por meio do comando que o avaliando saberaacute como agir diante da situaccedilatildeo-problema a que eacute exposto Isso quer dizer que um comando mal formulado pode natildeo orientar ou pode ainda causar problemas interpretativos capazes de impactar negativamente nos resultados da avaliaccedilatildeo Finalmente as alternativas de resposta satildeo opccedilotildees (geralmente quatro ou cinco) que aparecem no item logo apoacutes o comando Cabe ao avaliando indicar aquela mais adequada a que ele julga ser a alternativa correta A Figura 1 apresenta essas partes da estrutura composicional do item

Figura 1 Partes que compotildeem o item

ALBUQUERQUE M M REIS A C F CARVALHO C D Atlas histoacuterico escolar Rio de Janeiro Fename 1977 (Adaptado)

TEXTO DE SUPORTE

Nos Estados Unidos durante o seacuteculo XIX tal como representada no mapa a relaccedilatildeo entre territoacuterio e naccedilatildeo foi reconfigurada por uma poliacutetica que

COMANDO

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A transferiu as populaccedilotildees indiacutegenas para territoacuterios de fronteira anexados protegendo a cultura protestante dos migrantes fundadores da naccedilatildeo norte-americana

B respondeu agraves ameaccedilas europeias pelo fim da escravidatildeo integrando a populaccedilatildeo de escravos ao projeto de expansatildeo por meio da doaccedilatildeo de terras

C assinou acordo com paiacuteses latino-americanos ajudando na reestruturaccedilatildeo da economia desses paiacuteses apoacutes suas independecircncias

D projetou o avanccedilo de populaccedilotildees excedentes para aleacutem da faixa atlacircntica reformulando fronteiras para o estabelecimento de um paiacutes continental

D instalou manufaturas nas aacutereas compradas e anexadas visando utilizar a matildeo de obra barata das posiccedilotildees em tracircnsito

ALTERNATIVAS DE RESPOSTA

Fonte ENEM 2016 1ordm dia Ciecircncias Humanas Caderno 1 Azul p 2

No que diz respeito ao conteuacutedo temaacutetico o item em contexto escolar estaacute associado aos componentes curriculares tradicionalmente conhecidos como Matemaacutetica Biologia Quiacutemica etc O tema estaacute relacionado ao assunto que eacute tratado no item o que se verifica por meio da linguagem utilizada em sua constituiccedilatildeo Haacute uso de recursos lexicais especiacuteficos e ateacute mesmo de gravuras desenhos dentre outros Por exemplo no item da Figura 1 aleacutem do mapa como texto de suporte haacute as expressotildees ldquoEstados Unidosrdquo ldquomapardquo ldquoterritoacuteriordquo ldquonaccedilatildeordquo dentre outras que auxiliam no reconhecimento de temas relacionados agrave geografia Como se nota no item o tema eacute em grande parte identificado por estruturas linguiacutesticas usadas em sua formulaccedilatildeo9

No que diz respeito ao estilo ele estaacute relacionado com as escolhas individuais dos produtores dos textos No caso do item

9 Em Lima (2018) argumenta-se sobre a existecircncia de trecircs categorias lexicais que compotildeem os itens leacutexico de liacutengua geral leacutexico de especialidade e leacutexico de gecircnero O primeiro grupo corresponde agraves palavras que ocorrem em qualquer texto da liacutengua (grupo formado pelas chamadas ldquopalavras gramaticaisrdquo) O segundo grupo eacute formado por palavras e expressotildees equivalentes aos conceitos das aacutereas avaliadas (terminologias e fraseologias especializadas) Quanto ao terceiro grupo comporta palavras e expressotildees que satildeo proacuteprias da constituiccedilatildeo do gecircnero item (como eacute o caso de ldquoalternativardquo ldquolacunardquo ldquocolunardquo etc)

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por se tratar de um produto especializado haacute uma flexibilidade menor Em outras palavras ainda que tenham liberdade para fazer suas escolhas os produtores dos itens dispotildeem de um conjunto limitado de recursos para desenvolverem novos itens

Os itens satildeo criados para atender a uma demanda especiacutefica promover a avaliaccedilatildeo Cada item em particular possibilita verificar se o avaliando possui (ou natildeo) determinadas habilidades mentais Nessa perspectiva de gecircnero de especialidade cada item corresponde a uma unidade textual especializada Como ocorre com os demais gecircneros elaborar criar e redigir um item pressupotildee conhecimentos especiacuteficos sobre o proacuteprio gecircnero item

Para Kress (1995) a noccedilatildeo de texto pode ser estendida a formas sistemaacuteticas e convencionais de comunicaccedilatildeo Um texto eacute portanto algo que comunica e que pode ser formado por vaacuterios modos semioacuteticos como imagens e sons Essa noccedilatildeo pode entatildeo chegar agrave multimodalidade na qual se incluem recursos linguiacutesticos natildeo linguiacutesticos e mistos Para o autor com o advento de materiais digitais multimiacutedias e interacionais a ressignificaccedilatildeo do conceito de texto como objeto multimodal se faz cada vez mais pertinente Nessa perspectiva os itens satildeo textos mesmo aqueles formados apenas por recursos natildeo linguiacutesticos ou apenas por recursos linguiacutesticos ou mesmo por ambos

Quanto agraves caracteriacutesticas dos textos de especialidade Hoffmann (2005) aponta que elas natildeo fogem daquelas de um texto comum Isso quer dizer que essa concepccedilatildeo de texto multimodal pode ser transposta para o conceito de texto de especialidade O autor poreacutem diz que o texto de especialidade apresenta restriccedilotildees relativas agrave especialidade agrave qual se vincula (e eacute exatamente nesse aspecto que o texto comum se difere do especializado) e por isso eacute frequentemente mais limitado mais riacutegido uma vez que a comunicaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica apresenta padrotildees mais especiacuteficos de linguagem o que claramente se confirma quanto aos estilos empregados nos itens Essa caracteriacutestica se reflete

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em uma linguagem enxuta objetiva sem marcas de pessoalidade Diante do exposto eacute possiacutevel formular esta definiccedilatildeo de item

Gecircnero textual de especialidade constituiacutedo por uma seacuterie de princiacutepios teacutecnicos proacuteprios da avaliaccedilatildeo da aprendizagem escolar Um item corresponde a uma unidade textual discreta capaz de constituir provas testes exames de modo a instrumentalizar a coleta de informaccedilotildees sobre aprendizagem escolar ou a afericcedilatildeo dos conhecimentos adquiridos ou desenvolvidos pelo avaliando (LIMA 2018 p 53)

Assim para elaborar bons itens eacute necessaacuterio conhecimento de suas teacutecnicas assunto para a seccedilatildeo seguinte

4 Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas

As orientaccedilotildees teacutecnicas para elaboraccedilatildeo de itens satildeo resultado de pesquisas na aacuterea de Psicometria e mesmo da proacutepria Linguiacutestica Essas orientaccedilotildees estatildeo relacionadas a aspectos da composiccedilatildeo das partes discretas que compotildeem o gecircnero e que jaacute foram apresentadas neste capiacutetulo Satildeo orientaccedilotildees sobre o texto de suporte sobre o comando e sobre as alternativas de resposta Aqui apresento um apanhado das principais orientaccedilotildees teacutecnicas legitimadas por diferentes autores como Baquero (1974) Grounlund (1974) Medeiros (1983) e Anderson e Morgan (2008)

a) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o texto de suporte

A necessidade de adaptaccedilatildeo de textos em funccedilatildeo do perfil do puacuteblico preferencial a que os textos se destinam natildeo eacute novidade nos estudos da linguagem No que diz respeito ao item deve haver a maacutexima atenccedilatildeo na escolha do texto de suporte Ele precisa conter informaccedilotildees suficientes para a problematizaccedilatildeo proposta no item Qualquer informaccedilatildeo que natildeo esteja relacionada ao que se avalia deve ser eliminada o que contribui para a objetividade do gecircnero

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O gecircnero a que pertence o texto de suporte tambeacutem deve ser considerado De nada adianta utilizar como texto de suporte um gecircnero que seja desconhecido para um determinado puacuteblico com o objetivo de avaliar esse puacuteblico Os gecircneros dos textos de suporte devem ser condizentes com o repertoacuterio de conhecimentos dos avaliandos Na mesma direccedilatildeo o assunto dos textos de suporte precisa ser minuciosamente observado para evitar polecircmicas como a ocorrida em 2012 no Instituto Federal do Espiacuterito Santo (IFES)

No processo seletivo para estudantes do Ensino Meacutedio Integrado do IFES (grupo formado por alunos que tecircm em meacutedia 14 anos) realizado em 2012 houve um texto de suporte polecircmico tratava-se de um item de Liacutengua Portuguesa que versava sobre os perigos da propaganda Ateacute aiacute nada demais a natildeo ser um pequeno detalhe o texto de suporte fazia uma clara apologia agrave praacutetica de sexo oral como mostra a Figura 2

Figura 2 Texto de suporte polecircmico em avaliaccedilatildeo do IFES

Fonte httpsgoogl3Zs3wZ Acesso em 25 mar 2018 Adaptado

Na eacutepoca o caso ganhou os noticiaacuterios A sociedade de modo geral externalizou profundo desagrado com o ocorrido alegando inadequaccedilatildeo do texto na prova de seleccedilatildeo Considerando o contexto avaliativo do IFES o texto de suporte era de fato inadequado o que natildeo quer dizer que ele natildeo pudesse ocorrer em outros itens de outros processos avaliativos Descuido Desinformaccedilatildeo Nesse caso faltou observar orientaccedilotildees teacutecnicas

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que recomendam a utilizaccedilatildeo de textos de suporte adequados ao puacuteblico destinataacuterio

b) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o comando

A denominaccedilatildeo ldquocomandordquo eacute autossugestiva Com a funccedilatildeo de ldquocomandarrdquo o avaliando essa parte do item precisa conter todas as informaccedilotildees necessaacuterias para que o avaliando saiba como agir diante do item Trata-se de uma instruccedilatildeo formada por caracteriacutesticas injuntivas como verbos de accedilatildeo como ldquoassocierdquo ldquorelacionerdquo e ldquopreenchardquo por exemplo Apesar dessa orientaccedilatildeo natildeo satildeo raros os itens cujos comandos natildeo comandam por mais estranho que isso possa parecer Eacute o que ocorre neste exemplo da Figura 3 retirado do vestibular 2019 do Instituto Federal de Minas Gerais

Figura 3 Item com comando insuficiente

Leia o texto a seguir

Documento do Matuto

Sol escaldante

A terra seca

E a sede de lascaacute

Sem ter jeito praacute vivecirc

Com dez fio praacute criaacute

Foi por isso seu moccedilo

Que eu saiacute em busca

De outro lugar

E com laacutegrimas nos oacuteio

Eu deixei meu torratildeo nata

Eu vim procurar trabalho

Natildeo foi riqueza que eu vim buscar

Peccedilo a Deus vida e sauacutede

Praacute famiacutelia pudecirc sustentaacute

Seu moccedilo o documento

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Que eu tenho pra mostraacute

Satildeo essas matildeo calejada

E a vonta de trabaiaacute

GONZAGA Luiz Disponiacutevel em httpswwwletrasmusbrluiz-gonzaga1561254 Acesso em 3 out 2018

A linguagem usada na canccedilatildeo

A) caracteriza o eu liacuterico como uma pessoa idosa pois o vocabulaacuterio empregado eacute proacuteprio dessa faixa etaacuteria

B) inferioriza a fala do caipira ao utilizar inuacutemeros vocaacutebulos e construccedilotildees verbais que ferem a norma culta padratildeo

C) poderia ser substituiacuteda pela variedade da norma culta padratildeo sem prejuiacutezo agrave expressividade da canccedilatildeo

D) reproduz um jeito de falar tiacutepico de uma regiatildeo e classe social que contribuiu para a marcaccedilatildeo do ritmo da canccedilatildeo

Fonte httpsbitly2GROza4 Acesso em 7 ago 2019

Observe que o suposto comando ldquoA linguagem usada na canccedilatildeordquo natildeo deixa claro o que deve ser analisado no item Eacute um comando que natildeo cumpre a funccedilatildeo de orientar procedimentos

Resolver esse problema pode ser tarefa simples desde que o elaborador do item saiba que eacute necessaacuteria a ocorrecircncia de pelo menos uma forma verbal no comando Assim o problema seria eliminado com uma nova redaccedilatildeo10 como ldquoQue caracteriacutestica predomina na linguagem utilizada na canccedilatildeordquo

Cumpre apontar que haacute diferentes tipos de item de muacuteltipla escolha Essas diferenccedilas satildeo perceptiacuteveis principalmente pelo modo como os comandos satildeo elaborados Haacute pelo menos nove tipos de itens de muacuteltipla escolha quais sejam afirmativa incompleta alternativas constantes asserccedilatildeo e razatildeo foco negativo interrogativa direta lacuna ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo resposta muacuteltipla e associaccedilatildeo

10 Obviamente outras adequaccedilotildees podem ser necessaacuterias principalmente nas alternativas de resposta

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bull Item de afirmativa incompleta

O item de afirmativa incompleta (Figura 4) eacute caracterizado por um comando afirmativo que consiste em um enunciado incompleto relacionado a algum aspecto do texto de suporte Por causa dessa relaccedilatildeo com o texto de suporte o comando nesse tipo de item eacute bastante variaacutevel e imprevisiacutevel A uacutenica caracteriacutestica previsiacutevel desse tipo de item satildeo as afirmativas incompletas que devem estar coerentemente relacionadas com cada uma das alternativas de resposta possiacutevel complemento para esse ldquocomando incompletordquo

Figura 4 Item de afirmativa incompleta

Esta eacute uma tirinha da Mafalda

Disponiacutevel em httpsgooglw2mhzw Acesso em 8 jun 2017

De acordo com o contexto da tirinha o inquilino da Mafalda sugeriu que ela

A) comprasse balas com o dinheiro que sobrou do patildeo

B) devolvesse todo o troco que ela recebeu da padaria

C) ficasse satisfeita mesmo sem ter comprado as balas

D) tivesse dor na consciecircncia por ter enganado a matildee

Fonte Lima (2018 p 72)

bull Item de alternativas constantes

O item de alternativas constantes (Figura 5) eacute utilizado quando se deseja avaliar um nuacutemero significativo de dados classificando-os em Certo ou Errado Verdadeiro ou Falso Pertinente ou Impertinente A expressatildeo ldquoClassifique como (V) Verdadeiras ou (F) Falsasrdquo eacute tipicamente encontrada nesse tipo de item

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Figura 5 Item de alternativas constantes

Esta eacute uma tirinha da turma do Peanuts

Disponiacutevel em httpsgooglPNCkEP Acesso em 8 jun 2017

Sobre a tirinha foram feitas algumas afirmaccedilotildees Classifique-as como (V) Verdadeiras ou (F) Falsas

( ) Os personagens possuem predileccedilotildees relacionadas aos gecircneros textuais

( ) Uma das falas da tirinha corresponde ao que se entende por ldquohipoacuteteserdquo

( ) Todos os balotildees da tira tecircm o objetivo de indicar a fala dos personagens

( ) Infere-se que a uacuteltima fala da tirinha corresponda ao tiacutetulo de uma notiacutecia

A sequecircncia correta de classificaccedilatildeo de cima para baixo eacute

A) (F) (V) (V) (F)

B) (F) (F) (F) (V)

C) (V) (F) (V) (F)

D) (V) (V) (F) (V)

Fonte Lima (2018 p 71)

bull Item asserccedilatildeo e razatildeo

O item de asserccedilatildeo e razatildeo (Figura 6) eacute caracterizado por apresentar duas afirmativas que podem ser verdadeiras ou falsas assim como podem ou natildeo estabelecer relaccedilotildees de significado entre si (causa e efeito fato e explicaccedilatildeo fato e consequecircncia etc) Esse tipo de item eacute recomendado para avaliar capacidades cognitivas complexas pois aleacutem de o avaliando ser solicitado a verificar a veracidade das afirmativas ele precisa demonstrar conhecimento sobre o significado de operadores argumentativos

O comando desse tipo de item eacute bastante previsiacutevel pois relaciona-se com a veracidade das asserccedilotildees feitas Em geral satildeo

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perguntas formadas por interrogativas diretas questionando qual das afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees As alternativas de resposta evocam muitas interpretaccedilotildees exigindo anaacutelise e concentraccedilatildeo do avaliando de modo que itens de asserccedilatildeo e razatildeo devem ser aplicados em avaliandos mais experientes

Figura 6 Item de asserccedilatildeo e razatildeo

TEXTO I

Segunda-feira natildeo eacute faacutecil para ningueacutem Mas cochilar no trabalho pode natildeo pegar muito bem Para lutar contra o sono no meio do expediente muita gente apela para aquele cafeacute extraforte ou qualquer variaccedilatildeo desta bebida Se vocecirc se identificou pode ser que se enquadre nesta lista de profissionais que mais precisam da ajuda do cafeacute para chegar acordados ao fim do dia

A lista eacute o resultado de uma pesquisa feita com 4700 trabalhadores norte-americanos entre agosto e setembro Confira a lista Cientistas e teacutecnicos de laboratoacuterios Profissionais de marketing e relaccedilotildees puacuteblicas Administradores de instituiccedilotildees de ensino Escritores e jornalistas Meacutedicos Cozinheiros Professores Trabalhadores autocircnomos braccedilais (encanadores carpinteiros etc)

Disponiacutevel em httpsgooglnAXTCy Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

TEXTO II

Estaacute cheio de motorista e baladeiro por aiacute que toma cafeacute com refrigerante agrave base de cola para varar uma noite acordado A crenccedila eacute de que misturando duas bebidas com alta concentraccedilatildeo de cafeiacutena o sono vai embora Mas quem disse que haacute tanta cafeiacutena assim nessa mistura

Uma lata do refrigerante segundo o fabricante tem algo entre 30 e 60 mg de cafeiacutena Jaacute uma xiacutecara de cafeacute apresenta entre 25 e 50 mg Agora faccedila as contas somando as duas doses vocecirc estaraacute ingerindo no maacuteximo 110 mg de cafeiacutena ndash pouco para espantar o sono de algueacutem Ateacute 400 mg por dia o consumo eacute considerado apenas moderado Portanto natildeo eacute uma xicarazinha de cafeacute com uma lata de refrigerante agrave base de cola que vatildeo ajudaacute-lo a passar uma noite inteira em claro

Disponiacutevel em httpgooglP5HFt Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

Sobre os textos foram feitas estas asserccedilotildees

ASSERCcedilAtildeO 1 Os dois textos tratam do mesmo tema e defendem o mesmo ponto de vista

PORQUE

ASSERCcedilAtildeO 2 ambos defendem o consumo do cafeacute como estimulante contra o sono

Qual destas afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees

A) A asserccedilatildeo 1 estaacute correta no entanto a asserccedilatildeo 2 estaacute incorreta

B) A relaccedilatildeo entre as asserccedilotildees estaacute incorreta poreacutem elas natildeo estatildeo

C) As asserccedilotildees estatildeo corretas logo a relaccedilatildeo entre elas tambeacutem estaacute

D) As asserccedilotildees estatildeo incorretas independentemente de sua relaccedilatildeo

Fonte Lima (2018 p 74)

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bull Item de foco negativo

Esse tipo de item eacute formado por vaacuterias alternativas na afirmativa e apenas uma delas relaciona-se coerentemente a algum aspecto negativo expresso no comando (Figura 7) Esse tipo de item natildeo eacute recorrente nos bancos de item pois sua elaboraccedilatildeo exige rigor teacutecnico apurado para natildeo orientar a busca pelo destoante que nem em todos os contextos significa avaliar conhecimento mas que pode enfatizar a busca pelo erro A educaccedilatildeo deve priorizar a busca pelo conhecimento natildeo pela ausecircncia dele Assim esse item eacute elaborado em casos em que realmente o conhecimento a ser avaliado implica na busca de algo com foco negativo o que nem sempre eacute claro para os elaboradores Casos em que o comando indica algo semelhante a ldquoMarque a alternativa INCORRETArdquo ou ldquoSobre o texto NAtildeO eacute correto afirmar querdquo satildeo claacutessicos exemplos de um item de foco no errado no destoante e natildeo no negativo

Figura 7 Item com foco negativo

Esta eacute uma notiacutecia que circulou na internet

Composto de uva pode combater doenccedila de Chagas

O resveratrol eacute um antioxidante encontrado na uva e utilizado como suplemento alimentar pela capacidade de produzir benefiacutecios cardiacuteacos semelhantes aos causados pela praacutetica de atividades fiacutesicas Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Oswaldo Cruz acreditam que a substacircncia tambeacutem possa ajudar o coraccedilatildeo de pacientes com doenccedila de Chagas Os efeitos foram detectados em ratos e detalhados na ediccedilatildeo de ontem da revista Plos Pathogens

Baseado em evidecircncias de que o protozoaacuterio causador da doenccedila de Chagas danifica o coraccedilatildeo por meio de estresse oxidativo o grupo de cientistas testou se o resveratrol poderia combater essa condiccedilatildeo No estudo ratos foram infectados com o parasita e desenvolveram rapidamente a fase crocircnica da doenccedila caracterizada pelos danos cardiacuteacos Os pesquisadores trataram as cobaias com resveratrol e monitoraram o coraccedilatildeo delas usando eletro e ecocardiogramas

Disponiacutevel em httpsgoogly6wbBM Acesso em 8 jun 2017 Adaptado

De acordo com o texto os cientistas NAtildeO tecircm certeza de que

A) a doenccedila de Chagas pode ser combatida pelo composto de uva

B) as cobaias precisam de tratamento com eletro e ecocardiogramas

C) o resveratrol pode ser usado como um suplemento na alimentaccedilatildeo

D) os ratos satildeo os hospedeiros do protozoaacuterio da doenccedila de Chagas

Fonte Lima (2018 p 69)

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No exemplo o foco negativo natildeo recai sobre o erro mas sobre um aspecto interpretativo do texto A partir de uma notiacutecia sobre a possibilidade de um composto de uva auxiliar no tratamento da doenccedila de Chagas o comando orienta a interpretaccedilatildeo do avaliando sobre as incertezas (foco negativo) dos cientistas em suas pesquisas Natildeo haacute entre as alternativas uma seacuterie de respostas corretas e apenas uma incorreta que deveria ser indicada pelo avaliando Ao contraacuterio haacute quatro respostas plausiacuteveis sendo que a correta eacute orientada por uma negaccedilatildeo

Em itens de foco negativo o comando deve conter sempre uma palavra de foco negativo como ldquonuncardquo ldquonatildeordquo ldquoexcetordquo

bull Item de interrogativa direta

Esse tipo de item eacute o que comporta o que se compreende por questatildeo ou seja uma pergunta diretamente formulada com a interrogaccedilatildeo expliacutecita no comando (Figura 8) Eacute um tipo de item bastante recorrente em processos avaliativos Esse tipo de item eacute formulado a partir de alternativas de resposta iniciadas por letras maiuacutesculas exatamente porque satildeo precedidas de uma interrogaccedilatildeo As alternativas nesse tipo de item natildeo completam o comando mas o respondem diretamente como uma nova sentenccedila

Figura 8 Item de interrogativa direta

Quem inventou o sanduiacuteche

Hoje mundialmente popular o sanduiacuteche foi inventado em uma mesa de bridge da Inglaterra no ano de 1762 John Edward Montague o 4ordm conde de Sandwich gostava tanto de jogar que natildeo parava nem para comer Refeiccedilotildees com garfo e faca poderiam prejudicar sua concentraccedilatildeo Por isso certo dia pediu que sua carne fosse servida entre dois pedaccedilos de patildeo Dessa forma Montague poderia comer com uma das matildeos e continuar jogando com a outra Natildeo demorou muito para que os conhecidos do conde pedissem ldquoo mesmo que o Sandwichrdquo e foi assim que o prato ganhou popularidade

A cidade de Sandwich no condado inglecircs de Kent preparou uma festa em 2012 para celebrar o aniversaacuterio de 250 anos da iguaria Sendo a praticidade uma qualidade cada vez mais valorizada nos dias de hoje o consumo de sanduiacuteches natildeo para de crescer eacute a opccedilatildeo de almoccedilo de 75 dos britacircnicos A induacutestria de sanduiacuteche do Reino Unido emprega hoje 300 mil pessoas (mais que o agronegoacutecio) e vende 3 bilhotildees de unidades anuais

Disponiacutevel em httpsgooglXyArZW Acesso em 17 jul 2017 Adaptado

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De acordo com o texto por qual motivo o sanduiacuteche eacute uma refeiccedilatildeo praacutetica

A) Por movimentar um grande sistema de produccedilatildeo e consumo

B) Por ser possiacutevel comecirc-lo utilizando apenas uma das matildeos

C) Por ter sido inventado por um homem viciado em jogos

D) Por transformar-se em um prato popular em toda a Europa

Fonte Lima (2018 p 70)

O comando nesse tipo de item eacute bastante imprevisiacutevel pois se relaciona muitas vezes com o conteuacutedo do texto de suporte A uacutenica previsibilidade que recai sobre ele eacute o fato de ser necessariamente uma interrogativa direta Nesse exemplo para responder agrave interrogativa o avaliando deve reconhecer no texto que Montague queria fazer sua refeiccedilatildeo sem parar de jogar Para isso solicitou carne entre dois pedaccedilos de patildeo Isso era praacutetico pois ele poderia comer com uma das matildeos e jogar com a outra

bull Item de lacuna

O item de lacuna (Figura 9) eacute caracterizado pela existecircncia de ldquoespaccedilosrdquo (lacunas) em frases ou textos que devem ser preenchidos pelo avaliando que indica as opccedilotildees de preenchimento oferecidas pelo elaborador do item O exemplo da Figura 9 foi elaborado a partir de um texto de suporte verbete de dicionaacuterio do qual foram retiradas palavras gerando essas lacunas

Figura 9 Item de lacuna

O Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss apresenta estas definiccedilotildees para ldquopratordquo

substantivo masculino

1 de louccedila metal etc ger circular e cocircncava em que se serve comida

2 Derivaccedilatildeo por metoniacutemia

conteuacutedo de um prato (acp 1)

3 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

conjunto de ingredientes preparado de determinada maneira _____

Ex pratos da cozinha japonesa

4 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

cada uma das preparaccedilotildees culinaacuterias servidas numa ______ entre a sopa e a sobremesa

5 qualquer ______ de maacutequina que lembre um prato

E os p de uma balanccedila

Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss Verbete Prato Adaptado

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As palavras que completam coerentemente as lacunas satildeo respectivamente

A) Iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash iguaria

B) Peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo

C) Refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria

D) Utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila

Fonte Lima (2018 p 73)

bull Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

O item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo (Figura 10) eacute aquele que apresenta uma seacuterie de elementos que devem ser ordenados de acordo com algum criteacuterio As alternativas de resposta correspondem a possiacuteveis organizaccedilotildees desses elementos As palavras ldquoorganizaccedilatildeordquo e ldquoordenaccedilatildeordquo e seus derivados comumente estatildeo presentes no comando desse tipo de item o que aponta a certa previsibilidade do comando No exemplo foi utilizado um texto de suporte sobre contos de fada Note que para resolver esse item o avaliando precisa compreender as sequecircncias coesivas que tecem a progressatildeo textual

Figura 10 Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

Estes trechos foram retirados de um texto chamado ldquoA origem dos contos de fadardquo

(I) Posteriormente os Irmatildeos Grimm e o dinamarquecircs Hans Christian Andersen deram segmento agrave proposta de Charles Perrault com narrativas mais suaves cujos desfechos culminavam em uma ldquomoral da histoacuteriardquo

(II) Isso porque hoje respeitamos e conhecemos o significado da palavra infacircncia e porque haacute algum tempo alguns escritores como o francecircs Charles Perrault adaptaram alguns contos para que eles pudessem ser mais bem aceitos pela sociedade

(III) Para citarmos um exemplo de como os contos foram modificados na histoacuteria ldquoCachinhos Douradosrdquo a menina que invade a casa de trecircs ursinhos e mexe em todas as coisas deles natildeo existia a personagem na verdade era uma raposa que ao final era jogada pela janela

(IV) No comeccedilo os contos ainda natildeo eram de fadas As histoacuterias originais pouco lembram as histoacuterias que conhecemos hoje e em sua maioria apresentavam enredos assustadores que dificilmente fariam sucesso nos tempos atuais

Disponiacutevel em httpescolakidsuolcombra-origem-dos-contos-de-fadashtm Acesso em 17 jul 2014 Adaptado

Para tornar o texto coerente como devem ser organizadas suas partes

A) (I) ndash (III) ndash (IV) ndash (II) B) (II) ndash (I) ndash (III) ndash (IV)

C) (III) ndash (IV) ndash (II) ndash (I) D) (IV) ndash (II) ndash (I) ndash (III)

Fonte Lima (2018 p 75)

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bull Item de resposta muacuteltipla

O item de resposta muacuteltipla (Figura 11) apresenta de trecircs a cinco afirmaccedilotildees sobre um assunto Essas afirmaccedilotildees podem ser corretas ou incorretas Cabe ao avaliando analisaacute-las e indicar o agrupamento de afirmaccedilotildees corretas Cada agrupamento corresponde a uma alternativa de resposta Esse tipo de item possui a vantagem de poder abordar diferentes toacutepicos sobre o mesmo tema

O comando nesse tipo de item eacute bastante previsiacutevel dada sua orientaccedilatildeo de anaacutelise para a pertinecircncia de afirmaccedilotildees muitas vezes relacionadas a um texto de suporte Assim satildeo comuns estruturas semelhantes a ldquoAnalise as afirmaccedilotildeesrdquo ldquoAnalise as afirmativasrdquo ldquoEstatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo e ldquoSatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo

As alternativas de resposta satildeo formadas a partir da numeraccedilatildeo previamente atribuiacuteda a cada uma das afirmaccedilotildees que satildeo objeto de anaacutelise O exemplo um item de Liacutengua Portuguesa parte de uma tirinha com material linguiacutestico que caracteriza regionalismo ambiguidade tipos de discurso e norma-padratildeo Esses toacutepicos satildeo objetos de avaliaccedilatildeo e estatildeo representados no item pelos numerais I II III e IV respectivamente

Figura 11 Item de resposta muacuteltipla

Esta eacute uma tirinha do Guri de Uruguaiana

Disponiacutevel em httpsgooglbdbgYy Acesso em 9 jun 2017

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Analise estas quatro afirmaccedilotildees sobre a tirinha

I ndash Haacute pelo menos um exemplo de regionalismo na fala do personagem

II ndash O duplo sentido da palavra ldquomalhaccedilatildeordquo causa o efeito de humor da tira

III ndash A fala do primeiro quadrinho apresenta um exemplo de discurso indireto

IV ndash O uso do verbo ldquoassistirrdquo no segundo quadro eacute proacuteprio do Portuguecircs padratildeo

Estatildeo corretas APENAS as afirmaccedilotildees

A) I II e IV B) II e IV C) III e IV D) I II e III

Fonte Lima (2018 p 77)

bull Item de associaccedilatildeo

O item de associaccedilatildeo (Figura 12) eacute constituiacutedo por elementos que por possuiacuterem relaccedilatildeo combinatoacuteria podem ser associados O item a seguir associado agrave capacidade de reconhecimento dos processos de formaccedilatildeo de palavras foi organizado em duas colunas que devem ser associadas

Figura 12 Item de associaccedilatildeo

A primeira coluna enumera processos de formaccedilatildeo de palavras A segunda coluna apresenta palavras formadas por esses processos Associe a segunda coluna de acordo com a primeira

PROCESSOS PALAVRAS

(1) derivaccedilatildeo sufixal ( ) desalmado

(2) derivaccedilatildeo prefixal ( ) preconceito

(3) derivaccedilatildeo prefixal e sufixal ( ) desempregado

(4) derivaccedilatildeo parassinteacutetica ( ) prensado

A associaccedilatildeo correta de cima para baixo eacute

A) (2) ndash (2) ndash (4) ndash (2) B) (2) ndash (3) ndash (1) ndash (3)

C) (3) ndash (4) ndash (3) ndash (1) D) (4) ndash (2) ndash (3) ndash (1)

Fonte Lima (2018 p 78)

A ldquoordem de classificaccedilatildeordquo e a ldquoassociaccedilatildeo corretardquo satildeo expressotildees tiacutepicas nos comandos de itens desse tipo o que lhes confere certa previsibilidade Predominam nesse tipo de item

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abordagens relacionadas a classificaccedilotildees e taxionomias o que nem sempre estaacute de acordo com as teorias educacionais vigentes

No item do exemplo o conhecimento sobre os processos de formaccedilatildeo pode ser visto (ou mesmo criticado) por ser conhecimento enciclopeacutedico Itens desse tipo com abordagem interpretativo-textual podem ser elaborados desde que haja textos de suporte mais extensos (o que oferece possibilidades de classificaccedilotildees mais aplicadas como trechos com ironia com linguagem denotativa ou conotativa variaccedilotildees linguiacutesticas etc) algo que nem sempre eacute recomendaacutevel nos itens11

c) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre as alternativas de resposta

Chama-se ldquoalternativas de respostardquo o conjunto de opccedilotildees que o avaliando dispotildee Ele deve indicar a ldquoresposta corretardquo As demais alternativas satildeo chamadas de ldquodistratoresrdquo Sua funccedilatildeo eacute ldquodistrairrdquo o avaliando desde que isso se decirc de modo plausiacutevel ou seja cada distrator deve ser potencialmente uma resposta correta Sobre as alternativas de resposta o paralelismo eacute a principal orientaccedilatildeo teacutecnica Ele eacute compreendido como um padratildeo harmocircnico ou homogecircneo entre as alternativas de resposta e estaacute relacionado agrave estrutura e ao significado dessas opccedilotildees Satildeo chamados de paralelismo gramatical paralelismo de conteuacutedo e paralelismo de extensatildeo

bull Paralelismo gramatical

Chama-se ldquoparalelismo gramaticalrdquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha por meio de um padratildeo gramatical homogecircneo Sua funccedilatildeo eacute garantir que natildeo haja alternativa(s) destoante(s) gramaticalmente a ponto

11 Eacute importante dizer que o professor avaliador pode a partir de um texto base uacutenico e mais extenso elaborar itens de diversos tipos e formatos o que incluiria o item de associaccedilatildeo com abordagem discursiva Em casos de itens de bancos de avaliaccedilatildeo externa a recomendaccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo de textos de suporte menores o que limita a possibilidade de itens de associaccedilatildeo com abordagens menos tradicionais

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de resultar no acerto ou no erro do item ao acaso Esse tipo de paralelismo relaciona-se com os aspectos da liacutengua padratildeo como concordacircncia verbo-nominal coordenaccedilotildees subordinaccedilotildees etc Por exemplo natildeo teraacute atendido ao criteacuterio do paralelismo gramatical o item que apresentar trecircs alternativas de resposta iniciadas por palavras no singular e apenas uma iniciada no plural Para alterar essa condiccedilatildeo basta que todas as alternativas estejam no singular ou todas estejam no plural ou metade esteja no singular e metade esteja no plural Isso vale para qualquer estrutura gramatical usada nas alternativas de resposta

Figura 13 Item sem paralelismo gramatical

Considere esta tirinha da Mafalda

Disponiacutevel httpsgooglZh6WmE Acesso em 18 jul 2017

Mafalda iniciou a leitura de ldquoO Pequeno Polegarrdquo porque

A) era necessaacuterio desenvolver haacutebitos de leitura desde a infacircncia

B) pensava que beijar sempre fosse adequado em qualquer idade

C) queria comparar o conteuacutedo traacutegico do livro com a cena na TV

D) sua matildee considerou o beijo na TV inapropriado para crianccedilas

Fonte Lima (2018 p 64)

No exemplo as alternativas A B e C satildeo iniciadas por verbo e apenas a alternativa D por um pronome Trata-se da alternativa correta gramaticalmente destoante das demais Um item como esse ainda que atenda a todas as outras recomendaccedilotildees teacutecnicas natildeo deve constar em um banco de itens a alternativa destoante eacute um chamariz para que o avaliando acerte o item ldquoao acasordquo Mesmo se a alternativa correta natildeo fosse a destoante o chamariz

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permaneceria induzindo o avaliando ao erro Em casos como do exemplo a recomendaccedilatildeo teacutecnica eacute que todas as alternativas fossem iniciadas por verbo ou duas delas com verbo e duas com pronome ou ainda cada uma delas com uma estrutura gramatical diferente

bull Paralelismo de conteuacutedo

Denomina-se ldquoparalelismo de conteuacutedordquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha a partir de um padratildeo de significado que garanta a plausibilidade de cada alternativa Ele garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao conteuacutedo a ponto de resultar tambeacutem no acerto ao acaso Esse tipo de paralelismo corresponde agrave compreensatildeo de cada alternativa de resposta e sua relaccedilatildeo com o comando Teraacute obedecido ao criteacuterio de paralelismo de conteuacutedo o item em que cada alternativa de resposta seja potencialmente uma resposta correta Aleacutem disso o conteuacutedo das alternativas precisa estar correlacionado de modo a evitar alternativas absurdas facilmente descartadas pelo avaliando O paralelismo de conteuacutedo estaacute relacionado a aspectos semacircnticos da construccedilatildeo das alternativas Por exemplo um item em que apenas uma das alternativas ressalta aspectos negativos de um determinado fatoassunto teraacute rompido com o paralelismo de conteuacutedo uma vez que as outras alternativas de resposta vatildeo em direccedilatildeo contraacuteria ressaltando aspectos positivos desse mesmo fatoassunto

Figura 14 Item sem paralelismo de conteuacutedo

TEXTO I

Este eacute um trecho do conto ldquoPerdoando Deusrdquo de Clarice Lispector

Eu ia andando pela avenida e olhava distraiacuteda edifiacutecios nesga de mar pessoas sem pensar em nada Via tudo e agrave toa Pouco a pouco eacute que fui percebendo que estava percebendo as coisas Minha liberdade entatildeo se intensificou um pouco mais sem deixar de ser liberdade E foi quando quase pisei num enorme rato morto Em menos de um segundo estava eu ericcedilada pelo terror de viver estilhaccedilava-me toda em pacircnico e controlava como podia o meu mais profundo grito Quase correndo de medo cega entre as pessoas terminei no outro quarteiratildeo encostada a um poste cerrando violentamente os olhos que natildeo queriam mais ver Mas a imagem colava-se agraves paacutelpebras um grande rato ruivo de cauda enorme com os peacutes esmagados e morto quieto ruivo O meu medo desmesurado de ratos

Disponiacutevel em httpwwwpasseiwebcomestudoslivrosperdoando_deus_conto_clarice Acesso em 18 jul 2017 Adaptado

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TEXTO II

Disponiacutevel em httpsfantasticocenariofileswordpresscom20120308gif Acesso em 18 jul 2017

Os dois textos satildeo semelhantes porque

A) apresentam ratos como animais que amedrontam

B) exemplificam o mesmo gecircnero textual narrativo

C) generalizam que as mulheres tecircm medo de ratos

D) tratam os ratos como seres com vontade proacutepria

Fonte Lima (2018 p 65)

No exemplo a alternativa B destoa das demais quanto ao conteuacutedo pois cobra uma anaacutelise metalinguiacutestica dos textos (e natildeo uma anaacutelise interpretativa) Aleacutem disso eacute a uacutenica que natildeo apresenta a palavra ldquoratosrdquo em sua composiccedilatildeo O rato nos textos eacute elemento importante que desencadeia accedilotildees de outros personagens e por isso foi elemento na anaacutelise interpretativa proposta nas alternativas A C e D Certamente natildeo haacute problema na solicitaccedilatildeo de anaacutelises metalinguiacutesticas desde que essa anaacutelise seja condizente com a habilidade cobrada e que mantenha o paralelismo Para que o item do exemplo atenda aos criteacuterios teacutecnicos a recomendaccedilatildeo eacute que a palavra ldquoratordquo esteja contida em todas as alternativas (ou em apenas duas delas) Tambeacutem seria necessaacuterio que uma anaacutelise metalinguiacutestica fosse proposta por todas as alternativas ou por duas delas

bull Paralelismo de extensatildeo

Entende-se por ldquoparalelismo de extensatildeordquo a organizaccedilatildeo que garante que cada alternativa de resposta tenha aproximadamente

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a mesma quantidade de caracteres isto eacute a mesma extensatildeo Seu emprego garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao tamanho evitando tambeacutem o acerto do item ao acaso No exemplo da Figura 15 a alternativa A eacute notadamente maior que as demais que tambeacutem apresentam diferenccedila de extensatildeo entre si Alternativas destoantes satildeo chamariz para o avaliando que tende a assinalaacute-la mesmo natildeo dominando aquilo que estaacute sendo avaliado

Figura 15 Item sem paralelismo de extensatildeo

Esta eacute uma tirinha da turma do ldquoNiacutequel Naacuteuseardquo

Disponiacutevel em httpsgooglRVR4MB Acesso em 18 jul 2017

O que causa o humor na tirinha

A) A ambiguidade da expressatildeo ldquoeacute um livro que prende o leitorrdquo que pode se referir ao aprisionamento do inseto-leitor ou ao interesse em terminar a leitura iniciada

B) A histoacuteria se passar em uma biblioteca lugar frequentado por leitores

C) O fato de o bibliotecaacuterio ter fechado o livro com rapidez

D) O inseto ser retratado como um leitor

Fonte Lima (2018 p 66)

Apesar dessa recomendaccedilatildeo teacutecnica natildeo eacute em todos os itens que o paralelismo de extensatildeo se aplica Por exemplo haacute itens cujas alternativas de resposta satildeo versos frases ou trechos retirados de textos o que dificulta a exatidatildeo da extensatildeo Para esses (e outros) casos a recomendaccedilatildeo teacutecnica refere-se agrave ordem crescente de extensatildeo das alternativas ou agrave ordem numeacuterica nos casos de disciplinas da aacuterea de exatas

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5 Consideraccedilotildees finais

Reduzir o item ao papel de instrumento de avaliaccedilatildeo eacute desconsiderar os aspectos que envolvem sua produccedilatildeo e sua constituiccedilatildeo como gecircnero textual e como texto especializado Essa condiccedilatildeo de produto especializado eacute confirmada pela teacutecnica que subjaz sua elaboraccedilatildeocomposiccedilatildeo e que muitas vezes eacute desconsiderada nos espaccedilos escolares local onde o item eacute usado natildeo apenas para avaliar mas adquire novas funccedilotildees (ou subfunccedilotildees)

Eacute contraditoacuterio pensar que professores que tambeacutem satildeo avaliadores desconhecem as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos o que inclui os conhecimentos sobre os gecircneros usados para avaliar dentre eles o item Mais do que desejar que os cursos de Licenciatura passem a enxergar a avaliaccedilatildeo tambeacutem pelo vieacutes da instrumentalizaccedilatildeo eacute necessaacuterio que os docentes tanto os atuantes quanto os em formaccedilatildeo busquem conhecer esses instrumentos Nesse sentido este capiacutetulo cumpre seu papel apresenta ainda que de modo sucinto as principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo do gecircnero item

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda pesquisa12 realizada com alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga instituiccedilatildeo puacuteblica de ensino localizada no Distrito Federal (DF) que oferece metodologia especiacutefica e adequada para o ensino da Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) como liacutengua materna

O objetivo principal deste trabalho eacute contribuir para o ensino e a aquisiccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa (LP) como segunda liacutengua (L2) por alunos surdos por meio da criaccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue Para tanto utilizamos o meacutetodo de natureza qualitativa pois de acordo com Bortoni-Ricardo (2011 p 34) a ldquopesquisa qualitativa procura entender interpretar fenocircmenos sociais inseridos em um contextordquo uma vez que eacute direcionada e que o pesquisador estaacute presente em todas as fases Tambeacutem nos apoiamos na metodologia da pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005) bem como nos princiacutepios metodoloacutegicos e nas aplicaccedilotildees da terminologia propostos por Krieger e Finatto (2004)

A partir dessas metodologias realizamos alguns ajustes necessaacuterios agrave elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP tendo em vista que trabalhamos com duas liacutenguas diferentes a primeira eacute viso-espacial a segunda oral

O presente texto estaacute organizado da seguinte maneira na seccedilatildeo Arcabouccedilo Teoacuterico apresentamos os Fundamentos da Linguiacutestica para o estudo das Liacutenguas de Sinais e da Linguiacutestica para o Estudo da Terminologia que traz conhecimento nas aacutereas de Lexicologia Lexicografia Terminologia e Lexicografia Pedagoacutegica Nos Procedimentos Metodoloacutegicos mostrados na

12 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbruploadssites14201811Final-2632017-Cristina-Bianchipdf

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seccedilatildeo seguinte discorremos sobre os caminhos seguidos e as questotildees metodoloacutegicas relacionadas aos aspectos praacuteticos usados para o levantamento e a anaacutelise dos dados desta pesquisa como por exemplo a seleccedilatildeo do corpus os processos adotados para seleccedilatildeo dos vocaacutebulos e a validaccedilatildeo de sinais Na seccedilatildeo denominada Resultados e anaacutelises retomamos a proposta inicial de nossa pesquisa discutimos os resultados alcanccedilados e apresentamos o produto e a conclusatildeo final da nossa pesquisa Na parte das Referecircncias relacionamos a bibliografia utilizada livros artigos dissertaccedilotildees teses e a paacutegina dos sites que deram suporte para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

2 Arcabouccedilo teoacuterico

Este estudo estaacute situado no acircmbito da Teoria da Linguagem e Ensino Isso significa dizer que utilizamos as abordagens teoacutericas baacutesicas dos estudos linguiacutesticos com foco nas liacutenguas de sinais segundo Quadros (2004) Nascimento (2009) e Brito (2010) Contamos tambeacutem com o suporte teoacuterico da Ciecircncia do Leacutexico com base em Biderman (2001a 2001b) Krieger e Finatto (2004) e Isquerdo e Finatto (2010) Como metodologia de pesquisa utilizamos a pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005)

Conforme Bagno (2014) a linguagem eacute proacutepria do ser humano e eacute utilizada para representar e expressar de forma simboacutelica as experiecircncias de vida como adquirir processar e transmitir conhecimento por exemplo A partir da definiccedilatildeo desse autor podemos considerar dois novos conceitos o de linguagem natildeo verbal e o de linguagem verbal

Entendemos por linguagem natildeo verbal aquela que natildeo se utiliza de palavras para a comunicaccedilatildeo e que recorre a outros meios comunicativos placas imagens figuras gestos etc Jaacute a linguagem verbal tem a palavra escrita (ou sinalizada) como o centro de sua comunicaccedilatildeo No caso da nossa pesquisa o foco eacute a linguagem

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verbal especificamente a modalidade comunicativa sinalizada que eacute a LSB13

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual isto eacute as relaccedilotildees entre os elementos se datildeo por meio do uso do espaccedilo na sintaxe na morfologia e na fonologia e segundo Ferreira (2010 p 11) ldquoeacute uma liacutengua natural com toda a complexidade que os sistemas linguiacutesticos que servem agrave comunicaccedilatildeo e de suporte de pensamento agraves pessoas dotadas da faculdade de linguagem possuemrdquo Portanto eacute uma liacutengua como qualquer outra poreacutem sua formaccedilatildeo se daacute de forma diferente agrave das liacutenguas orais conforme podemos visualizar na figura a seguir que ilustra as Configuraccedilotildees de Matildeo em LSB

Figura 1 Configuraccedilotildees de Matildeo em Liacutengua de Sinais Brasileira

13 A Liacutengua de Sinais Brasileira eacute conhecida por duas siglas Libras e LSB A primeira eacute a mais difundida no Brasil eacute reconhecida por lei e refere-se agrave Liacutengua Brasileira de Sinais A segunda segue a convenccedilatildeo internacional que preconiza que as liacutenguas de sinais devem ser identificadas por meio de trecircs letras sendo tambeacutem a mais empregada em trabalhos cientiacuteficos e acadecircmicos Por essa razatildeo optamos por utilizar a sigla LSB

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Fonte Nascimento (2009 p 178)

As Configuraccedilotildees de Matildeo satildeo as possiacuteveis formas que as matildeos podem assumir para a realizaccedilatildeo dos sinais em LSB Nascimento (2009) sistematizou no total 75 Configuraccedilotildees de Matildeo A execuccedilatildeo da LSB se daacute por meio do espaccedilo Por sua vez os sinais satildeo compostos por cinco paracircmetros Configuraccedilatildeo de Matildeo (CM) Expressatildeo Natildeo Manual (ENM) Movimento (M) Orientaccedilatildeo da Palma da Matildeo (OR) e Ponto de Articulaccedilatildeo (PA)

Na Figura 1 anterior estatildeo representadas todas as CM observadas e registradas ateacute o momento presente Com essas configuraccedilotildees a LSB ldquoganha vidardquo Algumas delas satildeo utilizadas para representar as letras do alfabeto e os nuacutemeros no entanto a maioria eacute empregada para a realizaccedilatildeo do sinal Geralmente as CM satildeo acompanhadas de Movimentos a saber ENM OR e PA

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Os Movimentos acompanham as CM atraveacutes dos dedos da direccedilatildeo e da sequecircncia Uma mesma CM pode ter dois ou mais sinais a depender do movimento que eacute feito como em ldquoproacuteximo anordquo e ldquoano passadordquo por exemplo Nesse caso o primeiro movimento com as matildeos eacute para frente jaacute o segundo para traacutes

As ENM satildeo os movimentos realizados pela cabeccedila pelos olhos pelas bochechas pelas sobrancelhas pelo nariz pelo tronco pelos laacutebios e pela liacutengua Normalmente essas expressotildees estatildeo associadas agraves funccedilotildees gramaticais da LSB

A OR por sua vez eacute a maneira pela qual a matildeo executaraacute o sinal podendo ser para cima para baixo para dentro para fora ou em disposiccedilatildeo contralateral

Por fim o PA eacute o local em que se realiza o sinal (em frente ao corpo ou em sua superfiacutecie) podendo ser na cabeccedila nos ombros na cintura enfim em vaacuterias partes do corpo (ou proacuteximas a ele)

Como eacute possiacutevel observar a LSB possui estrutura proacutepria e neste trabalho eacute considerada a primeira liacutengua (L1) de uma pessoa surda pois nossos informantes a utilizam como tal uma vez que a adquiriram espontaneamente e sem a necessidade de cursos ou treinamentos formais comunicando-se com fluecircncia e de forma satisfatoacuteria por meio dela Segundo Fernandes (2008 p 31)

[] a liacutengua oral-auditiva que serve como meio de comunicaccedilatildeo da comunidade ouvinte deve ser aprendida como segunda liacutengua [pelos surdos] jaacute preservado o domiacutenio da liacutengua de sinais que garante a curto prazo natildeo soacute um meio de comunicaccedilatildeo eficaz mas tambeacutem o instrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual ou seja realiza-se natildeo por meio do canal oral-auditivo mas mediante visatildeo e utilizaccedilatildeo do espaccedilo As liacutenguas orais-auditivas satildeo assim denominadas

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quando a forma de recepccedilatildeo natildeo grafada eacute a audiccedilatildeo e quando a forma de reproduccedilatildeo natildeo escrita eacute a oralizaccedilatildeo

3 Metodologia

Para a elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP proposto por este trabalho seguimos um roteiro metodoloacutegico ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa cuja finalidade principal foi a confecccedilatildeo de um material didaacutetico que pudesse subsidiar o ensino de Portuguecircs para estudantes surdos a partir da compilaccedilatildeo dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico utilizado em sala de aula

Eacute importante destacar que utilizamos a pesquisa bibliograacutefica natildeo soacute para embasar teoricamente este estudo mas tambeacutem para realizarmos o levantamento dos termos que jaacute possuiacuteam equivalentes em LSB Dessa forma compilamos os termos presentes no livro didaacutetico adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) e constituiacutemos o corpus do glossaacuterio para a gravaccedilatildeo dos sinais

De acordo com Krieger e Finatto (2004) o primeiro passo para se elaborar um glossaacuterio eacute identificar se a obra proposta atenderaacute a um puacuteblico especiacutefico (reconhecimento terminoloacutegico) Apoacutes essa etapa eacute necessaacuterio determinar pelas caracteriacutesticas de seus termos se ele faraacute parte de um dicionaacuterio terminoloacutegico ou de liacutengua geral e agrave qual aacuterea do conhecimento pertenceraacute aquela terminologia Aleacutem disso segundo as autoras o registro dos termos deveraacute ser feito em uma ficha individual que contenha todos os dados possiacuteveis pertinentes a cada um dos termos

Aleacutem dos passos metodoloacutegicos supracitados Krieger e Finatto (2004) apresentam mais algumas questotildees a serem consideradas no acircmbito do estudo de textos especializados que trabalham com tecnologias e apoio informatizado satildeo elas i) identificar as

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terminologias considerando a fonte o corpus a frequecircncia14 os aspectos linguiacutesticos (gramaticais semacircnticos pragmaacuteticos) das unidades lexicais do texto a frequecircncia de associaccedilotildees de elementos em sintagmas e os aspectos pragmaacuteticos-comunicativos ii) proceder ao tratamento de bases textuais em formato digital iii) observar aspectos tais como a repeticcedilatildeo da palavra o estudo dos sintagmas terminoloacutegicos a anaacutelise de fraseologias e o estudo da adjetivaccedilatildeo e dos verbos

Ressaltamos que todos esses aspectos apontados por Krieger e Finatto (2004) foram considerados para a criaccedilatildeo do glossaacuterio semibiliacutengue digital em LSB e LP proposto por este estudo A seguir vejamos as etapas seguidas para que pudeacutessemos alcanccedilar o objetivo principal deste trabalho

31 Etapa 1 Seleccedilatildeo do corpus de LP

A seleccedilatildeo para a composiccedilatildeo do glossaacuterio em LSB foi realizada a partir do corpus da compilaccedilatildeo em ordem alfabeacutetica dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico de Liacutengua Portuguesa Portuguecircs linguagens CEREJA Roberto William MAGALHAtildeES Thereza Cochar Satildeo Paulo Atual 2014 a fim de subsidiar o ensino de LP aos aprendizes surdos

A coleta de dados se deu da seguinte maneira em um primeiro momento foram selecionados 205 verbos dos comandos das questotildees do livro didaacutetico supracitado pesquisando-se quais deles jaacute tinham sido lexicografados Em um segundo momento aplicamos um questionaacuterio aos alunos por meio do qual tinham de responder qual sinal correspondia a cada um dos verbos apresentados (se soubessem a resposta deveriam sinalizar em LSB) Por fim analisamos os dados obtidos e entatildeo selecionamos 42 termos desconhecidos pelos alunos e que natildeo estavam registrados em dicionaacuterios consultados

14 Na seleccedilatildeo do corpus optamos pela relevacircncia do termo para o aprendizado do estudante surdo e natildeo pela frequecircncia com que aparece em seu contexto

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Apoacutes a constituiccedilatildeo do corpus do glossaacuterio buscamos nos dicionaacuterios Novo Deit-Libras Dicionaacuterio Enciclopeacutedico Ilustrado Triliacutengue da Liacutengua de Sinais Brasileira (2013) e Dicionaacuterio On-line Acesso Brasil da Liacutengua Brasileira de Sinais os sinais existentes em LSB Nesse procedimento realizado apenas pela pesquisadora consideramos somente os termos que jaacute haviam sido lexicografados Dos 205 verbos encontrados 154 eram dicionarizados pelo Novo Deit-Libras e 146 pelo Acesso Brasil Desse universo de 205 verbos selecionados 42 natildeo foram lexicografados por nenhum dos dois dicionaacuterios

Dos 154 verbos dicionarizados pelo Novo Deit-Libras sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no Distrito Federal (Brasiacutelia e cidades sateacutelites)15 e 32 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico Dos 146 verbos dicionarizados pelo ldquoAcesso Brasilrdquo sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no DF e 26 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico

32 Etapa 2 Seleccedilatildeo dos verbos para o glossaacuterio

Optamos inicialmente por trabalhar com os verbos natildeo dicionarizados Os demais jaacute estavam registrados em dicionaacuterios ainda que os estudantes natildeo conhecessem o respectivo sinal ou os significados natildeo correspondessem ao contexto do livro

Classificamos para nosso corpus os 42 verbos que compunham o comando de questotildees do livro didaacutetico em dois tipos os termos de comando e os termos que integram o comando Termos de comandos satildeo os que determinam o que o aluno deve fazer na questatildeo Nesse grupo estatildeo os termos da LP que natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido e os verbos da LSB que tambeacutem natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido Satildeo eles identificar e justificar

15 Esclarecemos que embora a pesquisa tenha sido realizada com alunos da Escola Biliacutengue de Taguatinga nossos discentes moram em diversas cidades sateacutelites do DF como Asa Sul Gama Satildeo Sebastiatildeo e outras cidades Essa constataccedilatildeo foi fruto de investigaccedilatildeo realizada por esta pesquisadora em parceria com trecircs consultoras surdas e uma CODA fluentes em LSB

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Os termos que integram o comando do livro didaacutetico satildeo os verbos que auxiliam na compreensatildeo da questatildeo e estatildeo presentes nos comandos por noacutes selecionados Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder citar comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar exercer expressar farejar identificar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler reproduzir ressaltar restringir retratar rever sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

Nesse conjunto de verbos temos os que satildeo do leacutexico comum da LP mas quando criado um sinal correspondente em LSB ele passa a ser termo em LSB pois soacute pode ser usado naquele contexto em que se apresenta no texto do comando do livro didaacutetico Satildeo eles exercer expressar e rever Os demais verbos pertencem ao leacutexico comum de ambas as liacutenguas Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar expressar farejar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

33 Etapa 3 Estudo dos verbos em LP

Formamos dois grupos de estudo para verificarmos os vaacuterios significados dos termos em LP e os possiacuteveis sinais em LSB Esses dois grupos foram criados para que fornecessem suporte agrave pesquisadora em relaccedilatildeo a possiacuteveis sinais que poderiam ser utilizados pelos alunos e em grupo estudar o significado do termo em LSB no contexto

O primeiro grupo era formado por duas professoras A primeira eacute surda contratada temporariamente pela Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo do Distrito Federal (SEEDF) e mestranda em Linguiacutestica pela Universidade de Brasiacutelia (UnB) A segunda eacute professora efetiva da SEEDF filha de surdos formada em Pedagogia e LetrasLibras e especialista em ensino de LP como segunda liacutengua para surdos

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O segundo grupo era formado por duas professoras Uma eacute surda trabalha como contrato temporaacuterio na SEEDF e eacute formada em LetrasLibras A outra eacute efetiva na SEEDF formada em LetrasLibras e proficiente em LSB

34 Etapa 4 Estudo dos termos em LP discussatildeo e criaccedilatildeo dos sinais em LSB

Verificamos os sinais dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees que natildeo possuem correspondentes em LSB Apresentamos aos alunos os comandos das questotildees do livro didaacutetico e o contexto em que se encontravam para que os discentes se inteirassem do trabalho Em um primeiro momento explicamos os possiacuteveis contextos em que a palavra poderia se apresentar e em seguida o contexto do livro didaacutetico Logo a seguir os estudantes discutiram o significado da palavra e os possiacuteveis sinais que o verbo poderia ter Nesse instante para nossa surpresa os alunos comeccedilaram a pesquisar os significados das palavras em dicionaacuterios on-line por meio de seus proacuteprios celulares

Durante o processo de discussatildeo dos sinais nossa interferecircncia foi miacutenima Soacute era feita alguma intervenccedilatildeo se percebecircssemos que os discentes natildeo tinham entendido o significado da palavra no contexto ou que estavam utilizando um sinal jaacute existente para designar outra palavra

Essa foi uma etapa riquiacutessima pois notamos a maturidade e o niacutevel de comprometimento dos alunos surdos com a pesquisa Anteriormente tiacutenhamos receio de que a proposta natildeo fosse bem recebida por englobar um trabalho diferente do que os estudantes jaacute haviam realizado em sala de aula contudo percebemos o interesse e a vontade de aprender o conceito das palavras em LP e de criar e propor um sinal para elas uma vez que ainda natildeo existia nos dicionaacuterios pesquisados

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Apoacutes constatarmos que os sinais criados pelos alunos surdos do 9deg ano e validados pelos discentes surdos do 3deg ano do ensino meacutedio natildeo condiziam com o contexto empregado no livro didaacutetico propusemos uma intervenccedilatildeo imediata objetivando a criaccedilatildeo de novos sinais Assim retomamos nossos estudos junto aos alunos acompanhados de uma professora surda e de um sujeito proficiente em LSB Nesse processo de intervenccedilatildeo explicamos novamente os contextos do livro didaacutetico e com o auxiacutelio da professora surda os estudantes criaram novos sinais para aqueles que natildeo estavam condizentes com o significado do texto

35 Etapa 5 Validaccedilatildeo dos sinais

Validamos junto aos discentes surdos do ensino meacutedio os sinais criados pelos alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF)

Para a realizaccedilatildeo desse processo escolhemos a turma do 3ordm ano do ensino meacutedio da escola em questatildeo A escolha se deu por ser uma turma concluinte e na qual todos os estudantes satildeo surdos e fluentes em LSB

Em princiacutepio apresentamos o texto em LP para que fosse lido Em seguida os alunos analisaram se os sinais elaborados pelos estudantes do 9deg ano estavam de acordo com o contexto e os paracircmetros da LSB Para nossa surpresa os discentes da turma do ensino meacutedio natildeo compreenderam o texto escrito isto eacute os comandos das questotildees do livro didaacutetico

Dessa forma tivemos de mudar nossa estrateacutegia inicial Optamos entatildeo pela explicaccedilatildeo em LSB de todos os comandos das questotildees do livro didaacutetico a fim de que pudessem entender o contexto de cada verbo ndash ateacute mesmo os vaacuterios contextos em que a palavra poderia aparecer Nesse grupo de validaccedilatildeo dos sinais percebemos que os participantes estavam menos motivados em relaccedilatildeo ao trabalho do que os do primeiro grupo

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36 Etapa 6 Gravaccedilatildeo dos sinais elaborados pelos alunos

Iniciamos o processo de confecccedilatildeo fiacutesica do glossaacuterio que se deu em duas etapas A primeira delas foi a filmagem dos sinais no estuacutedio da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga com os estudantes do 9ordm ano das seacuteries finais Apresentamos como ilustraccedilatildeo dessa fase a Figura 2 a seguir

Figura 2 Sinal gravado

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

E a segunda denominada etapa teacutecnica foi a elaboraccedilatildeo fiacutesica do site (Figura 3) a seguir no qual estaacute hospedado glossaacuterio wwwglossariosemibilinguewordpresscom

Figura 3 Paacutegina inicial do site

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

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4 Resultados e anaacutelises

Com esta investigaccedilatildeo tivemos a intenccedilatildeo de dedicar ao estudo de novas possibilidades didaacuteticas que possam auxiliar no processo de ensino e aprendizagem de LP de alunos surdos falantes de LSB Para tanto propusemos a confecccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP Nosso objetivo principal ao produzir esse material didaacutetico eacute que ele possa ser utilizado em sala de aula pelos aprendizes surdos de LP como segunda liacutengua de maneira a fornecer maior autonomia a esses alunos em seus estudos

Apoacutes a finalizaccedilatildeo do nosso trabalho observamos que o entendimento dos comandos das questotildees do livro didaacutetico por parte dos discentes surdos melhorou consideravelmente Podemos afirmar tambeacutem que o glossaacuterio possibilitou a ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP pois durante o processo de produccedilatildeo desse material didaacutetico os estudantes foram ldquointernalizandordquo os significados das palavras

Ao desenvolvermos nossa pesquisa junto aos alunos durante a qual discutiacuteamos em LSB o significado do verbo em LP percebemos que esse processo de aquisiccedilatildeo estava acontecendo de maneira diferente agravequela que geralmente ocorre em sala de aula

Uma diferenccedila notada foi que os estudantes surdos procuravam nos dicionaacuterios on-line utilizando seus proacuteprios aparelhos celulares o significado do verbo apresentado Dois motivos os levaram a realizar esse procedimento eles natildeo sabiam o significado do verbo e buscavam um significado que se adaptasse ao contexto do livro didaacutetico Nesse momento iniciou-se entre os alunos uma discussatildeo sobre o significado da palavra em LP em seu contexto Essa constataccedilatildeo nos deixou muito satisfeitos porque testemunhamos a seriedade com que conduziram esse processo de criaccedilatildeo Como os estudantes satildeo adolescentes pensamos inicialmente que teriacuteamos de interferir no trabalho a todo momento mas isso natildeo foi necessaacuterio

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Durante esse processo verificamos o verdadeiro bilinguismo educacional em funcionamento alunos surdos utilizando-se de sua proacutepria liacutengua (LSB) para discutir conceitos definiccedilotildees e significados de termos de outra liacutengua (LP) Isso nos fez repensar nossa praacutetica diaacuteria que eacute o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua Nesse sentido outro aspecto positivo da produccedilatildeo do glossaacuterio foi suscitar reflexotildees e releituras sobre a proacutepria praacutexis pedagoacutegica

No decorrer da realizaccedilatildeo deste trabalho notamos ainda um avanccedilo gradual na aprendizagem de nossos discentes Chegamos agrave sala de aula com 42 termos cujos significados eram desconhecidos pelos estudantes e ao teacutermino da pesquisa essas palavras (termos) comeccedilaram a fazer parte do Portuguecircs escrito desses alunos Isso foi comprovado quando os professores de outras disciplinas comeccedilaram a comentar que nossos estudantes estavam empregando em seus textos escritos algumas palavras que antes natildeo utilizavam

O niacutevel de interesse dos discentes surdos tambeacutem ficou constatado quando comeccedilaram a estabelecer uma relaccedilatildeo de significado com outros termos bem como pelas constantes perguntas que faziam como por exemplo querer saber se determinada palavra tinha um significado semelhante ao de outra Aleacutem disso durante as aulas tomaram a iniciativa de criar um glossaacuterio ldquoparticularrdquo no final do caderno em que anotavam as palavras cujo significado desconheciam (para depois perguntarem seu sentido ao professor) Acreditamos que nesse momento os alunos comeccedilaram a despertar para a utilizaccedilatildeo mais frequente de dicionaacuterio em sala de aula

Por outro lado eacute necessaacuterio destacar que a criaccedilatildeo de novos sinais natildeo ocorreu com todos os verbos Para a maioria deles os estudantes surdos acabaram optando por utilizar um sinal jaacute existente (que possuiacutea um significado semelhante na LSB) estabelecendo uma associaccedilatildeo entre a palavra e os significados que possuem em seus diversos contextos

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No entanto natildeo consideramos essa estrateacutegia como insatisfatoacuteria porque mesmo natildeo criando sinais novos os alunos trabalharam com seu significado tanto em LP quanto em LSB

Notamos ainda que os discentes surdos assim como qualquer outro estudante possuem caracteriacutesticas proacuteprias em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo do leacutexico de LP Por essa razatildeo para o surdo esse leacutexico em LP tem de ser apresentado de maneira concreta e contextualizada em LSB

Para finalizar nossa reflexatildeo esperamos que o glossaacuterio criado inspire profissionais de outras aacutereas do conhecimento a produzir outros materiais desse modelo que possam expandir o leacutexico de LP dos alunos surdos concorrendo para a melhoria da escrita nessa sua segunda liacutengua

Durante todo o processo de confecccedilatildeo do nosso glossaacuterio percebemos muitas reaccedilotildees positivas dos estudantes em relaccedilatildeo ao desenvolvimento desta pesquisa No tocante agrave ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP temos a convicccedilatildeo de que isso realmente ocorreu entre os alunos conforme explicado anteriormente pois nas etapas de elaboraccedilatildeo do glossaacuterio os estudantes surdos tiveram contato com as vaacuterias possibilidades de uso dos verbos selecionados em diferentes contextos

Por fim eacute necessaacuterio destacar que para que seja utilizado em sua totalidade o corpus do glossaacuterio proposto por este trabalho precisa ser ampliado para outras classes de palavras expressotildees idiomaacuteticas e aspectos da liacutengua

5 Consideraccedilotildees finais

Tendo em vista o exposto ateacute aqui podemos afirmar que o objetivo definido no iniacutecio desta pesquisa foi alcanccedilado pois elaboramos um glossaacuterio digital semibiliacutengue (wwwglossariosemibilinguewordpresscom) como suporte didaacutetico para a compreensatildeo dos comandos das questotildees presentes no

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livro didaacutetico de LP adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) promovendo-se dessa maneira uma inclusatildeo digital mais efetiva dos alunos surdos dessa instituiccedilatildeo de ensino

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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1 Introduccedilatildeo

Em nossos dias haacute distintas formas de se conceber e caracterizar a populaccedilatildeo surda brasileira Naturalmente as imagens que ouvintes produzem de surdos satildeo bastante distintas das autoimagens que surdos produzem de si Na perspectiva do senso-comum surdos satildeo vistos pelas lentes do exotismo da anormalidade e da necessidade de reabilitaccedilatildeo enquanto na perspectiva da comunidade surda surdos satildeo definidos pela visualidade e pelas especificidades decorrentes dessa forma de experimentar o mundo como informa Ribeiro (2008) Tais posicionamentos como se veraacute delimitam-se reciprocamente constituindo o que se convencionou chamar de polecircmica discursiva

A partir desta constataccedilatildeo este texto16 aborda a gecircnese ou constituiccedilatildeo de discursos sobre os surdos produzidos pelos proacuteprios surdos Objetiva-se com isso por um lado compreender que relaccedilotildees interdiscursivas possibilitam e fundamentam a emergecircncia desses discursos de si e por outro delinear quem satildeo os surdos para a proacutepria comunidade surda

Para tanto elege-se o aporte teoacuterico da Anaacutelise do Discurso de orientaccedilatildeo francesa (particularmente dos estudos de Dominique Maingueneau alocados na obra Gecircnese dos Discursos) para guiar a anaacutelise do espaccedilo interdiscursivo recortado por noacutes As anaacutelises partem do estudo do fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva e detecircm-se especificamente no modo como discursos polecircmicos delimitam-se reciprocamente a partir da produccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros do seu outro discursivo

Entendemos os temas da polecircmica discursiva e da interincompreensatildeo como expedientes analiacuteticos ricos e altamente produtivos uma vez que eacute possiacutevel considerar que grande parte dos conflitos sociais de pequeno ou grande porte deriva-se

16 Este texto foi originalmente publicado na revista Estudos da Liacutengua(gem) v 13 em 2015

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natildeo apenas do esquecimento do sujeito quanto agrave opacidade da linguagem seguido da consequente ilusatildeo de que aquilo que se diz chega ao interlocutor tal qual engendrado no ponto de partida mas sobretudo da nossa capacidade de compreender a fala do outro sempre a partir do nosso proacuteprio sistema de restriccedilotildees semacircnticas ou melhor a partir de um simulacro construiacutedo do outro a partir de nossas proacuteprias discordacircncias Assim partiremos do estudo do campo discursivo da surdez constituiacutedo por dois posicionamentos ou formaccedilotildees discursivas (FD) polecircmicas que ao mesmo tempo se atraem e repulsam no espaccedilo discursivo aqui recortado

A seguir apresentaremos o campo e o espaccedilo recortados (com suas FD) para posteriormente deter-nos na interincompreensatildeo discursiva que seraacute estabelecida entre os discursos de cada FD Como veremos parece que produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro ou compreendecirc-lo a partir de seus proacuteprios enquadres satildeo facetas de um mesmo fenocircmeno

2 Definindo o campo e o espaccedilo discursivos

Maingueneau (2005 p 3) postula que em meio a um conjunto de discursos de todos os tipos que interagem em dada conjuntura (denominada universo discursivo) eacute possiacutevel construir via recorte temaacutetico domiacutenios suscetiacuteveis de serem estudados pelo analista os campos discursivos em que posicionamentos diversos se encontram em concorrecircncia e se delimitam em determinada regiatildeo do universo discursivo Para ilustrar lembremos por exemplo de estudos realizados a partir do campo devoto por Maingueneau (2005) focalizando um espaccedilo discursivo constituiacutedo pelos discursos jansenista e humanista devoto ou os estudos de Lara (2008) sobre o campo da liacutengua em que se elegeu para estudo uma FD escolar (da gramaacutetica normativa) e outra cientiacutefica (da Linguiacutestica)

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Maingueneau esclarece que o recorte em campos e espaccedilos natildeo define zonas isoladas Os campos acabam por evidenciar ao contraacuterio as muacuteltiplas redes de trocas discursivas que os constituem Para entender a constituiccedilatildeo de dado campo discursivo pois o analista precisa recortar subconjuntos de FD apreensiacuteveis no campo os espaccedilos discursivos constituiacutedos por pelo menos duas FD ou dois posicionamentos discursivos distintos que mantecircm relaccedilotildees constitutivas privilegiadas uma vez que de acordo com Maingueneau (2005) espaccedilos discursivos satildeo recortados de campos determinados

Ao longo do tempo os discursos sobre a surdez vecircm se renovando e modificando constantemente Atualmente haacute pelo menos duas importantes e diferentes formas de se conceber (discursivamente) as pessoas surdas na contemporaneidade A primeira concepccedilatildeo se origina do domiacutenio cliacutenico-terapecircutico e compreende os surdos a partir da disfunccedilatildeo do natildeo-ouvir uma vez que se baseia sobretudo em argumentos princiacutepios e posturas que intencionam fazer o surdo ldquosuperarrdquo contornar a surdez como forma de alavancar o seu desenvolvimento linguiacutestico e social Assume-se aqui um discurso que pode ser considerado como de fundamentaccedilatildeo ouvintista17 visto que a surdez eacute considerada uma patologia que precisa ser tratada (RIBEIRO 2008) A segunda concepccedilatildeo que adveacutem do domiacutenio linguiacutestico-antropoloacutegico postula que os surdos podem viver e se desenvolver na e pela surdez sem combatecirc-la Ancora-se em princiacutepios linguiacutesticos culturais e identitaacuterios que especificam povos surdos pelo mundo ostentando um discurso que pode ser considerado de fundamentaccedilatildeo surda pois compreende a surdez a partir de seu reconhecimento linguiacutestico e cultural abolindo o estigma da deficiecircncia e proclamando a marca da diferenccedila linguiacutestica

17 Ouvintismo termo proposto por Skliar (1998) costuma ser entendido como um conjunto de representaccedilotildees estereotipadas dos ouvintes sobre os surdos a partir do qual o proacuteprio surdo ldquoestaacute obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR 1998 p 15)

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Como se vecirc trata-se de FD que se opotildeem e que como veremos estabelecem entre si uma relaccedilatildeo de polecircmica discursiva Posicionando-nos a partir do campo teoacuterico da anaacutelise do discurso de orientaccedilatildeo francesa eacute possiacutevel compreender que tais discursos instituem um espaccedilo discursivo especiacutefico apreensiacutevel via recorte do campo discursivo da surdez

Assim no campo discursivo da surdez vislumbramos um espaccedilo constituiacutedo por um conjunto de FD que se opotildeem uma FD cliacutenico-terapecircutica (de fundamentaccedilatildeo ouvintista) e uma FD linguiacutestico-antropoloacutegica (de fundamentaccedilatildeo surda) como postulado Compreendemos a primeira FD como resultante do discurso da ldquodeficiecircnciardquo da ldquofaltardquo do ldquodesviordquo enquanto na segunda percebemos o discurso da ldquodiferenccedilardquo da ldquoidentidaderdquo da ldquoliacutengua e da cultura especiacuteficasrdquo Veremos entatildeo as manifestaccedilotildees discursivas que dialogam no campo da surdez serem reordenadas a partir do espaccedilo discursivo da surdez como deficiecircncia sensitiva ou como diferenccedila linguiacutestica

Segundo Maingueneau (2005) dado discurso natildeo interage com outro discurso como tal mas sim com o simulacro que constroacutei desse discurso Neste estudo entatildeo partimos desse espaccedilo para abordar o fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva E como dito nosso objetivo foi observar a interaccedilatildeo que se estabelece no campo da surdez entre os discursos polecircmicos citados (discursos de fundamentaccedilatildeo surda versus discursos de fundamentaccedilatildeo ouvintista) focalizando como satildeo estabelecidos os movimentos de construccedilatildeo e negaccedilatildeo desses discursos e de seus simulacros no campo em questatildeo

O subcorpus que seraacute analisado foi coletado em 2008 agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo da pesquisa de mestrado da autora18 e eacute composto

18 RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2018

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por textos escritos por surdos universitaacuterios sobre a proacutepria condiccedilatildeo da surdez

3 A polecircmica como interincompreensatildeo algumas anaacutelises

Nesta pesquisa recortamos do campo da surdez um espaccedilo constituiacutedo por posicionamentos divergentes a surdez como deficiecircncia e a surdez como diferenccedila

Quando se recorta um espaccedilo discursivo eacute preciso pensar na hierarquia da constituiccedilatildeo desse espaccedilo isto eacute hipoteticamente tem-se um discurso primeiro ndash com algum status de discurso fundador ndash e um discurso considerado segundo ndash que se erige justamente para contrapor o discurso chamado primeiro Assim eacute possiacutevel prever qual(is) discurso(s) do campo pode(m) ser citado(s) ou recusado(s) pelo discurso dito primeiro eou pelo segundo Isso nos indica que a delimitaccedilatildeo em espaccedilos natildeo exclui outras referecircncias discursivas mas ao contraacuterio as evidenciam como sustentamos Isso quer dizer que quando se pensa ldquono niacutevel das possibilidades semacircnticasrdquo admite-se um espaccedilo de trocas discursivas natildeo de identidade fechada Nas palavras do autor

Na medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando ldquosegundordquo que se constitui atraveacutes do discurso primeiro parece loacutegico pensar entatildeo que esse discurso primeiro eacute o Outro do discurso segundo [mas] o discurso primeiro natildeo permite a constituiccedilatildeo de discursos segundos sem ser por eles ameaccedilado em seus proacuteprios fundamentos (MAINGUENEAU 2005 p 41)

Vemos portanto que as FD que constituem um espaccedilo evocam-se e constituem-se reciprocamente seja pela refutaccedilatildeo seja pelo endosso Lara (2008 p 113-114) referindo-se aos estudos desenvolvidos pelo autor ressalta que natildeo cabe ao analista ldquoestudar

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as diferentes formaccedilotildees discursivas que atravessam um dado discurso de forma independente e isolada mas sim apreendecirc-las nas relaccedilotildees que estabelecem umas com as outrasrdquo ou seja para a autora ldquoa identidade discursiva se constroacutei na interaccedilatildeo com o outrordquo (grifo nosso)

No espaccedilo que delimitamos para este estudo lanccedilamos a hipoacutetese de que o discurso primeiro eacute o discurso da surdez como deficiecircncia ou melhor o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista (doravante DFO) uma vez que este eacute ldquocientificamenterdquo e historicamente determinado Cientificamente porque durante muito tempo ldquoas verdadesrdquo sobre a surdez estavam alocadas exclusivamente nos livros de medicina que diagnosticavam a ausecircncia de um sentido e supunham as consequecircncias dessa falta de acordo com a visatildeo da eacutepoca Historicamente porque desde a Antiguidade a ideia de surdez estaacute atrelada a representaccedilotildees e estereotipias negativas sendo esta a primeira ndash e durante muito tempo uacutenica ndash forma de se conceber os surdos

O discurso aqui chamado segundo ndash o discurso de fundamentaccedilatildeo surda (DFS) ndash erige-se justamente como forccedila desestabilizadora e contra-argumentativa frente ao discurso primeiro considerado arcaico e desatualizado uma vez que a proacutepria ciecircncia veio a negar uma seacuterie de crenccedilas perpetuadas no passado ndash como a hipoacutetese de os surdos terem ldquolimitaccedilotildeesrdquo no exerciacutecio da faculdade da linguagem ou das liacutenguas sinalizadas serem inferiores agraves orais Portanto a esse discurso da surdez como uma diferenccedila linguiacutestica e cultural reserva-se o lugar da reaccedilatildeo e da resistecircncia contra o discurso primeiro

Os fragmentos a seguir escritos por surdos universitaacuterios e coletados por esta pesquisadora na ocasiatildeo de sua pesquisa de mestrado19 (RIBEIRO 2008) podem ser considerados representativos dessa organizaccedilatildeo hieraacuterquica Observemos20

19 Os participantes da pesquisa satildeo surdos universitaacuterios do sudeste do Brasil Os sujeitos escreveram a partir da seguinte demanda ldquoEscreva livremente sobre a questatildeo a seguir Para vocecirc qual eacute o significado de ser surdo O que vocecirc tem a dizer a respeito da surdez na sua vida Escreva sobre a experiecircncia de vida surdardquo20 Trechos transcritos ipsis litteris

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01 Eacute muito importante para o surdo os surdos satildeo igualdade ouvintes

02 A vida pessoal minha eacute verdade viver difiacutecil mas eacute normal como outros

03 Na vida surda eacute normal como outra pessoa ouvinte capaz fazer qualquer coisaouvintes

04 Eu sou surda eacute normal como ouvinte mas nossa diferenccedila mas soacute tem um problema ouvindo surdo e ouvinte satildeo iguais

05 Pra mim surdo eacute como comum como noacutes humano acho entre ouvinte e surdo satildeo quase iguais Como menos ouvir Somos humano

06 Sou surda normal natildeo tem diferenccedila como ouvinte somos iguais porque soacute que natildeo podia ouvir mas tenho os olhos (visual) [] Essas as pessoas natildeo entende porque ser surdo e acha que ele (surdo) satildeo problema e defeito como as pessoas ldquodeficienterdquo esse eu natildeo concordo precisamos respeitar que o surdo somos iguais soacute eacute diferenccedila da audiccedilatildeo natildeo o corpo defeito e capaz estuda e trabalhar normal como ouvinte

Nesses fragmentos o termo ldquonormalrdquo parece estar sendo utilizado em sua faceta de comparaccedilatildeo pois visa evidenciar o caraacuteter ldquocomumrdquo de mesmo ldquopeso e medidardquo e de ldquoigualdaderdquo dos sujeitos surdos perante os ouvintes Os locutores buscam reafirmar essa valoraccedilatildeo igualitaacuteria Observemos que a conjunccedilatildeo comparativa como ou o adjetivo igual sempre acompanham tal termo no intuito de reforccedilar esse efeito de sentido de equivalecircncia (vide excertos de 01 a 06 grifos nossos)

Examinando mais de perto a ocorrecircncia do lexema ldquonormalrdquo nos trechos de (01) a (06) acreditamos que os sujeitos produtores

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possivelmente anteciparam a representaccedilatildeo que ouvintes em geral fazem dos surdos ndash representaccedilatildeo essa que costuma ser estereotipada e que se baseia no DFO uma vez que esse discurso eacute o mais difundido socialmente Representaccedilotildees preacutevias tecircm sido tratadas na Anaacutelise do Discurso como eacutethos preacute-discurso isto eacute como a imagem de si que o sujeito manifesta antes mesmo do seu turno de fala em uma manifestaccedilatildeo da memoacuteria discursiva dos sujeitos (AMOSSY 2005)

E se nos trechos acima os sujeitos se antecipam como normais eacute justo perguntar se algueacutem os acusou do contraacuterio A partir desse questionamento chegamos agrave nossa segunda e complementar hipoacutetese interpretativa acreditamos que os excertos acima configuram uma espeacutecie de contradiscurso Se nos lembrarmos que o espaccedilo discursivo deve ser considerado como uma rede de interaccedilatildeo semacircntica e que o DFO se baseia sobretudo em preceitos meacutedicos sobre a surdez que tomam o natildeo-ouvir como uma disfunccedilatildeo veremos que os fragmentos acima contra-argumentam o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista21 uma vez que como afirma Maingueneau (2005 p 41) ldquona medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando lsquosegundorsquo que se constitui atraveacutes do discurso lsquoprimeirorsquordquo parece loacutegico supor entatildeo que esse discurso primeiro (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) eacute o outro do discurso segundo (discurso de fundamentaccedilatildeo surda)

Vemos assim no DFS a construccedilatildeo e a negaccedilatildeo de simulacros do discurso concorrente isto eacute do DFO uma vez que a compreensatildeo da surdez como uma patologia ou uma disfunccedilatildeo eacute entendida como tributo ofensivo de aberraccedilatildeo e anormalidade no DFS

21 Seguem exemplos de manifestaccedilotildees discursivas (meacutedicas) do DFO Todos os grifos satildeo nossos 1 ldquoProtetizar os deficientes auditivos [] para que os portadores dessa patologia sejam efetivamente beneficiados com a uacuteltima taacutebua de salvaccedilatildeo que a equipe tem a oferecerrdquo (CARVALHO 2003) 2 ldquo[] o sentido da audiccedilatildeo sem o qual natildeo eacute possiacutevel qualquer contato verdadeiramente humano Simpaacutetico ou antipaacutetico [o surdo] eacute uma pessoa que sofre por tatildeo humilhante patologiardquo (CARVALHO 2002) 3 ldquoO surdo-mudo congecircnito tem a face paacutelida a physionomia morta o olhar fixo a caixa toraacutexica deprimenterdquo (LEITE 1881 p 4)

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Presenciamos aqui entatildeo a construccedilatildeo e negaccedilatildeo da categoria surdez segundo o DFO aos olhos do DFS de forma a se construir um ldquoeurdquo a partir da negaccedilatildeo de um ldquonatildeo-eurdquo

Ainda assim poreacutem seria justo pensar ao afirmar a igualdade natildeo se estaria negando a diferenccedila que teoricamente eacute um dos lemas do DFS Parece-nos que natildeo A diferenccedila que eacute negada pelos locutores do DFS eacute a diferenccedila como anormalidade ldquoA normalidade surda e a normalidade ouvinte satildeo equivalentes natildeo haacute diferenccedilas que nos coloquem na linha da insuficiecircnciardquo Eacute isso que os fragmentos de (01) a (06) buscam dizer E se confrontarmos essa posiccedilatildeo enunciativa com os desdobramentos histoacutericos vividos pela comunidade surda entenderemos a importacircncia de se mostrar normal no sentido humano da equivalecircncia Refutam-se portanto a partir da traduccedilatildeo feita pelo DFS os traccedilos que o DFO atribui aos surdos nesse caso o traccedilo da deficiecircncia que eacute traduzido como anormalidade

Os sujeitos negam assim as postulaccedilotildees do seu outro no espaccedilo discursivo Antecipam-se como ldquoiguaisrdquo para negar o caraacuteter ldquoanormalrdquo que pelo menos hipoteticamente costuma ser evocado por esse outro O outro aqui claro eacute o DFO que aloca o ser surdo em lugares desprivilegiados Nega-se portanto o simulacro que o discurso concorrente (DFO) possivelmente constroacutei dos surdos

Na relaccedilatildeo que se estabelece entre discurso tradutor e discurso traduzido Maingueneau (2005) propotildee que se distinga discurso-agente de discurso-paciente reservando ao primeiro termo a posiccedilatildeo de tradutor e ao segundo a de traduzido Vale lembrar que eacute sempre a partir do discurso chamado primeiro (no presente estudo DFO) que se exerce a atividade tradutoacuteria uma vez que foi a partir dele que o discurso segundo (DFS) se constituiu

Eacute preciso natildeo perder de vista no entanto que as afirmaccedilotildees que o DFS (discurso-agente) combate natildeo satildeo as afirmaccedilotildees empiacutericas produzidas pelo DFO (discurso-paciente) Combate-se uma traduccedilatildeo um simulacro (entendido de maneira simplificada

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como uma espeacutecie de projeccedilatildeo ou representaccedilatildeo) do discurso contraacuterio ldquopois para construir e preservar a sua identidade no espaccedilo discursivo o discurso natildeo pode haver-se com o outro como tal mas somente com o simulacro que constroacutei delerdquo nos lembra Maingueneau (2005 p 103)

Produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro parecem ser portanto facetas do mesmo fenocircmeno ou seja para se produzirem enunciados condizentes com as regras da sua FD eacute preciso entender o outro a partir da sua proacutepria competecircncia discursiva Segundo Lara (2008) a traduccedilatildeo e a construccedilatildeo de simulacros satildeo mecanismos necessaacuterios ligados agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD Natildeo se trata assim de um arranjo isolado mas de um dispositivo que faz parte da gecircnese dos discursos Sobre esse processo de traduccedilatildeo do outro esclarece a autora (LARA 2008 p 115) inspirada em Maingueneau

O que ocorre entatildeo eacute que cada discurso interpreta os enunciados de seu Outro ndash ou do simulacro que dele constroacutei ndash atraveacutes da sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo Tenderaacute pois a ldquotraduzirrdquo esses enunciados nas categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema mostrando-se dessa forma a ldquotraduccedilatildeordquo como um mecanismo necessaacuterio e regular ligado agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD

Em curso ministrado na ABRALIN o professor Siacuterio Possenti (2007) assim apresentou o processo de traduccedilatildeo do outro e da construccedilatildeo de simulacros entre discursos que dividem o mesmo espaccedilo discursivo se o discurso S1 fala A e o discurso S2 fala B por exemplo S1 tenderaacute a ler B como um natildeo A expliacutecito isto eacute como a negaccedilatildeo de seu proacuteprio princiacutepio donde se pode concluir que cada FD concebe o outro a partir de si mesmo postulando que ldquose o outro natildeo estaacute por mim estaacute contra mimrdquo e deveraacute pois ser combatido Ilustrando com a nossa proacutepria pesquisa podemos supor que quando o DFO classifica o surdo como ldquoportador de necessidade especialrdquo por exemplo adeptos do DFS traduziratildeo

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essa informaccedilatildeo como uma acusaccedilatildeo de ldquoanormalidaderdquo de ldquoaberraccedilatildeordquo um quesito de ldquonatildeo-humanidaderdquo que precisa ser combatido

Nos trechos a seguir de (07) a (09) essa relaccedilatildeo pode ser percebida pelo caraacuteter conflituoso dos enunciados que parecem querer negar algum tipo de afirmaccedilatildeo (anterior) ou conhecimento partilhado Dessa vez a negaccedilatildeo se tornaraacute expliacutecita atraveacutes do uso do operador de negaccedilatildeo (um iacutendice de polifonia como explica Ducrot (1987)) Vejamos

07 Ser surdo eacute a pessoa natildeo ouve poreacutem sente feliz Ser surdo natildeo eacute sub-humano como exemplo os animais A vida dos surdezes essa faz parte classe superior por que existe a inteligecircncia e a sabedoria [] O que acontece minha prosperidade sou estudante no ensino superior ateacute sou orador isso natildeo eacute a pessoa falta QI ou inferioridade

08 Para mim o significado de ser surdo eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Ser surdo eacute orgulhosamente respeitado e um cidadatildeo como todos

09 Minha opiniatildeo significado de ser Surdo a diferenccedila Surdo Surdo eacute natildeo tem direito liacutengua22 ausecircncia de sons cliacutenica obrigaccedilatildeo meacutetodo oral incapacidade para articular a palavra Surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila

Defendemos nas ocorrecircncias acima como viacutenhamos procedendo que o discurso-agente (DFS) determina ao mesmo

22 Esse enunciado pode induzir a erros interpretativos se natildeo for compreendido a partir de uma abordagem contrastiva com a Liacutengua Brasileira de Sinais O texto na iacutentegra assim como a compreensatildeo de sua semacircntica global e algum conhecimento sobre a Libras permitem-nos entender que o locutor procurou realizar uma dupla negaccedilatildeo no enunciado que abre o texto no caso ldquoser surdo [natildeo] eacute natildeo ter direitordquo

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tempo em que combate o simulacro de seu outro (DFO) segundo a sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo para usar aqui um termo empregado por Lara (2008) que nos lembra que a compreensatildeo do discurso do outro eacute feita a partir das categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema como ilustrou o exemplo apresentado por Possenti (2007)

O DFS portanto embora seja um discurso segundo porque se erige posteriormente e em resposta ao discurso primeiro (o DFO) eacute tambeacutem discurso-agente porque eacute ele (o DFS) que produz operaccedilotildees dialoacutegicas de transformaccedilatildeo sobre o DFO nesse caso discurso-paciente

Esse processo de traduccedilatildeo do outro caracteriza com propriedade o fenocircmeno da interincompreensatildeo proposto por Maingueneau e retomado por Lara (2008) Tal fenocircmeno pode ser compreendido como ldquoa proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade das diversas posiccedilotildees enunciativasrdquo como sustenta Maingueneau (2005 p 103) uma vez que enunciar em conformidade com as regras de sua proacutepria FD e natildeo ldquocompreenderrdquo o discurso de outrem satildeo ldquoduas facetas do mesmo fenocircmenordquo estatildeo interligadas e satildeo interdependentes Como temos percebido a polecircmica discursiva que apresentamos aqui (DFS versus DFO) se baseia nesse princiacutepio

Nesse processo de ldquotraduccedilatildeordquo notemos que o ser surdo nos trechos de (07) a (09) pode ser definido por seu avesso ou seja por aquilo que ele natildeo eacute ou melhor pela negaccedilatildeo daquilo que o ser surdo parece ser (pelo menos por meio do simulacro produzido pelo DFS) no DFO sub-humano imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica falta QI ou inferioridade obrigaccedilatildeo meacutetodo oral etc

Mas ao expor o seu ldquonatildeo serrdquo negando traccedilos do DFO os locutores acabam por definir o seu ldquoserrdquo apresentando traccedilos que compotildeem o seu proacuteprio discurso humano original que natildeo se ldquotratardquo inteligente e igual usuaacuterio de sinais etc Ora semanticamente quando digo o que natildeo sou atesto o que sou Tal estrateacutegia

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discursiva mostra que os conteuacutedos impliacutecitos agrave negaccedilatildeo natildeo constituem em princiacutepio o verdadeiro objeto do dizer e eacute essa caracteriacutestica que dota os enunciados de eficaacutecia argumentativa O ldquoser surdordquo natildeo estaacute aqui exposto de maneira direta mas pode ser recuperado a partir de uma manobra semacircntica relativamente simples Compreendemos assim que a surdez nos discursos anteriores eacute definida sobretudo pela conduta do sujeito diante dela isto eacute o ser surdo aqui eacute definido como um cidadatildeo como todos que estabelece a sua vida a partir da sua diferenccedila que natildeo procura viver como se fosse ouvinte e tampouco se importa com o preconceito A imagem que se constroacutei a partir desses fragmentos eacute a imagem de sujeitos independentes e libertos de amarras sociais que possam ditar comportamentos no caso comportamentos considerados tiacutepicos aos sujeitos tidos como ldquodeficientesrdquo

Enquanto (07) e (09) parecem querer combater o simulacro do discurso sobre o ser surdo corrente no DFO investindo contra uma representaccedilatildeo social que costuma se alicerccedilar em saberes meacutedicos como em (07) natildeo eacute sub-humano ou em (09) natildeo eacute deficiecircncia o trecho (08) ao contraacuterio busca ldquogolpearrdquo um discurso sobre o surdo corrente na proacutepria comunidade surda Nesse trecho o locutor combate uma forma de ser surdo que estaria em consonacircncia com o DFO que seria aquele que se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Aqui o surdo projeta um outro para si natildeo apenas para o seu discurso

Notemos portanto que os trechos citados se ancoram na negaccedilatildeo de proposiccedilotildees que parecem ser de alguma forma previamente conhecidas se natildeo pelos interlocutores-leitores pelo menos pelo locutor que representa a comunidade surda

Ducrot (1987 p 203) como afirmamos anteriormente considera a negaccedilatildeo um iacutendice de polifonia que por sua vez compotildee a noccedilatildeo de heterogeneidade discursiva nesse caso a de heterogeneidade mostrada (marcada) De acordo com esse autor eacute preciso distinguir em um enunciado negativo duas proposiccedilotildees ou dois pontos de

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vistas opostos (atribuiacutedos portanto a enunciadores distintos23) o primeiro positivo e um outro que o nega Daiacute o caraacuteter polifocircnico do fenocircmeno

Numa primeira formulaccedilatildeo Ducrot (1987) divide a negaccedilatildeo em descritiva que representa um estado de coisas ldquosem que o autor apresente sua fala como se opondo a um discurso contraacuteriordquo e polecircmica ldquodestinada a opor-se a uma opiniatildeo inversardquo sendo essa uacuteltima a parte da teoria que nos interessa aqui Nas ocorrecircncias de (07) a (09) notamos portanto que a negaccedilatildeo pode ser considerada polecircmica uma vez que o enunciador refuta enunciados (virtuais) contraacuterios como sabemos advindos do DFO

Em (08) apesar de o operador negativo incidir diretamente apenas sobre o primeiro termo da enumeraccedilatildeo (eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc) pode-se perceber que o efeito de sentido negativo se estende tambeacutem sobre os demais termos da enumeraccedilatildeo Tais termos isoladamente poderiam ser considerados enunciados afirmativos inseridos no discurso no entanto eles se tornam discursivamente negativos ldquo[natildeo eacute] ficar imitando os ouvintesrdquo ldquo[natildeo eacute] ir sempre para a cliacutenicardquo

O mesmo fenocircmeno pode ser percebido em (09) apoacutes apresentar o que a surdez no DFS natildeo eacute ndash [natildeo eacute] ausecircncia de sons [natildeo eacute] ir para a cliacutenica [natildeo eacute] obrigaccedilatildeo meacutetodo oral ndash apresenta-se o que ela eacute surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila A figura da ldquodiferenccedilardquo aparece aqui como oposta agrave ldquodeficiecircnciardquo sendo considerada como um argumento positivo para a compreensatildeo da surdez como defendemos neste estudo

23 Lembramos que para Ducrot (1987 p 192-193) o locutor eacute o responsaacutevel pelo enunciado enquanto os enunciadores satildeo perspectivas pontos de vista com os quais o locutor se identifica ou natildeo

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4 Consideraccedilotildees finais

Neste estudo vimos que a identidade de um discurso pode ser definida a partir da negaccedilatildeo ndash e da construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de simulacros ndash do seu outro discursivo Pudemos averiguar que entre as FD do campo apresentado parece haver uma fronteira porosa que possibilita trocas pois foi sobretudo a partir da negaccedilatildeo do DFO que o DFS se constituiu O DFS foi aqui caracterizado como a ocorrecircncia de uma ideologia surda que se fundamenta tanto em princiacutepios libertaacuterios do direito de escolha quanto em questotildees filosoacuteficas que questionam o conceito de norma Com isso combate-se o DFO e a ideologia hegemocircnica na sociedade que produzem dicotomias maniqueiacutestas entre os surdos e natildeo surdos

Por fim podemos afirmar que o DFS constituiu-se por meio da antecipaccedilatildeo e da negaccedilatildeo daquilo que poderia ser o seu simulacro na visatildeo do outro ou seja do DFO O DFS assim define-se justamente a partir do que ele natildeo eacute ou melhor a partir da negaccedilatildeo daquilo que ele parece ser aos olhos do discurso concorrente de forma a construir um ldquoeurdquo a partir de um ldquonatildeo eurdquo Trata-se de construir e negar simulacros de si mesmo como forma de preservar a sua identidade discursiva no espaccedilo em questatildeo Este estudo por fim faz reverberar o postulado pela normalidade surda reafirmando a necessidade de difusatildeo de discursos que descontroem imagens estereotipadas sobre os surdos e a surdez

Referecircncias

CARVALHO I Protetizaccedilatildeo auditiva Jornal do Conselho Federal de Medicina Satildeo Paulo n 156 Ano XVIII 2003 Disponiacutevel em http wwwportalmedicoorgbrjornaljornais2002Dezembropag_13htm Acesso em 4 set 2014

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LARA G M P Aplicando alguns conceitos de Gecircnese dos Discursos In POSSENTI S BARONAS R L (org) Contribuiccedilotildees de Dominique Maingueneau para a anaacutelise do discurso do Brasil Satildeo Carlos Pedro amp Joatildeo Editores 2008 p 110-132

LEITE T Compecircndio para ensino dos surdos-mudos 3 ed Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1881

MAINGUENEAU D Gecircnese dos discursos Traduccedilatildeo Siacuterio Possenti Satildeo Paulo Criar Ediccedilotildees 2005

PERLIN G T T Prefaacutecio In QUADROS R M PERLIN G T T (org) Estudos Surdos II Petroacutepolis Arara Azul 2007 Disponiacutevel em http wwweditora-arara-azulcombrestudos2pdf Acesso em 5 jun 2008

POSSENTI S Elementos de anaacutelise do discurso (Minicurso) XVIII Instituto de Linguiacutestica da ABRALIN Belo Horizonte UFMG 2007

RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2014

Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircnea o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Este capiacutetulo apresenta uma abordagem linguiacutestico-discursiva do gecircnero textual crocircnica jornaliacutestica brasileira com o propoacutesito de ampliar os estudos em torno das especificidades entre a argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero A crocircnica vem em tempos atuais aumentando a sua forccedila com o surgimento entre noacutes de novos cronistas e de um nuacutemero cada vez maior de textos divulgados natildeo soacute em dispositivo jornaliacutestico (impresso ou on-line) como em coletacircneas editadas especialmente para esse fim

Gecircneros como a crocircnica praticados no discurso jornaliacutestico encontram densidade e forccedila no processo retoacuterico da persuasatildeo Optar pois pela crocircnica de jornal eacute reconhecer que a sua veiculaccedilatildeo nesse suporte possui as suas peculiaridades tendo os cronistas jornaliacutesticos um papel social legitimado O cronista estabelece em sua escrita um olhar ldquoavaliativordquo ao voltar-se para o homem e o seu fazer social Perguntamo-nos entatildeo como se fundam as bases desse discurso persuasivo que ndash atestamos ndash eacute tatildeo bem aceito em nosso meio social sendo um discurso que deitou raiacutezes as quais vecircm se sustentando por mais de um seacuteculo no Brasil

Essas questotildees justificam a necessidade de aprofundar o nosso estudo em torno dos expedientes argumentativos e opinativos desse gecircnero textual A crocircnica eacute orientada pelos saberes que jaacute se constituem como um objeto de acordo entre os sujeitos sociais os cidadatildeos Seraacute traccedilado para selar o compromisso de estudar os aspectos formais discursivos e socioculturais que nos ajudem a delinear um perfil da crocircnica produzida em nosso paiacutes um breve percurso da sua origemhistoacuteria aliando a isso a pretensatildeo de sobretudo obter e mostrar novas luzes a respeito de categorias ainda polecircmicas no meio acadecircmico como o status genoloacutegico da crocircnica as suas relaccedilotildees com o par argumentaccedilatildeoconfiguraccedilatildeo da opiniatildeo Demonstraremos tambeacutem assim o retrato construiacutedo discursivamente pelo cronista dos modos e concepccedilotildees de vida da sociedade do povo brasileiro

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Do ponto de vista metodoloacutegico o corpus eacute composto por amostragem tendo em vista na medida do possiacutevel a diversidade temaacutetica do conteuacutedo dos textos a exploraccedilatildeo de dados autobiograacuteficos o grau de envolvimento com o fato relatadocomentado e o modo de conduccedilatildeo da operaccedilatildeo argumentativa com os seus efeitos de caraacuteter opinativo

A partir da seleccedilatildeo do corpus para a realizaccedilatildeo de um estudo coerente com a concepccedilatildeo da linguagem verbal contemplada como discurso caracterizada como veiacuteculo de manifestaccedilatildeo das formas como o homem constroacutei social e historicamente a sua existecircncia napela interaccedilatildeo com o outro e capaz de nos fazer alcanccedilar os objetivos pretendidos foram eleitas como suporte teoacuterico as linhas voltadas para o processamento discursivo em especial a Anaacutelise do Discurso que oferece subsiacutedios para o tratamento das categorias de anaacutelise aqui propostas

Assim seratildeo consultados especialistas consagrados (linguistas ou natildeo) entre os quais Charaudeau (2008 2015) Meyer (1993) Bakhtin (2000) Bally (1965) Perrone-Moiseacutes (2006) Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) Reboul (1984) Parret (1998) Ricoeur (2007) e Certeau (2007)

1 Retoacuterica da seduccedilatildeo nas crocircnicas

Embora vista pela maioria dos autores como um dos componentes intriacutensecos agrave linguagem humana a argumentatividade natildeo deixa de suscitar entre noacutes a polecircmica em torno da questatildeo da prevalecircncia de uma das forccedilas que movem o ser humano razatildeo e emoccedilatildeo Em defesa da conjunccedilatildeo das duas Bally (1965 p 15-16 traduccedilatildeo nossa) assim se manifesta a esse respeito ldquo[] aqueles entre meus pensamentos que germinam em plena vida nunca satildeo de ordem essencialmente intelectual satildeo movimentos acompanhados de emoccedilatildeo []rdquo24

24 No original ldquo[] celles de mes penseacutees qui germent en plein vie ne sont jamais drsquoordre essentiellment intellectuel ce sont des mouvements acompagneacutes drsquoeacutemotion []rdquo

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Nas trilhas desse autor fica perceptiacutevel aqui que o uso da palavra se daacute no interior de uma atividade enunciativa que por si soacute implica a atuaccedilatildeo de um sujeito caracterizado como ser de pensamento e de emoccedilatildeo ndash o que significa que esse processo nunca ocorre separadamente das pulsotildees vitais proacuteprias ao ser humano

Inferimos daiacute que o desejo a esperanccedila a crenccedila a indiferenccedila o descreacutedito etc tambeacutem integram a operaccedilatildeo que envolve o pensar mesclando-se a ele em maior ou menor grau de intensidade Em outras palavras o pensamento natildeo se sedimenta puramente na razatildeo o ser humano sempre tem a intenccedilatildeo de convencer o outro de encantaacute-lo de manipular os seus sentimentos de impulsionaacute-lo a realizar determinadas accedilotildees

Certamente esse modo de conceber o pensamento nos leva a perguntar o seguinte que tipo(s) de relaccedilatildeo o ldquojogo de seduccedilatildeordquo manteria com a linguagem Em ensaio Perrone-Moiseacutes (2006 p 13) afirma que ldquo[] as liacutenguas estatildeo carregadas de amavios de filtros amatoacuterios []rdquo o que nos leva a concluir que a linguagem por si e em si mesma revela-nos traccedilos daqueles que a utilizam e criam Assim ela proacutepria nos fornece os meios de seduzir o outro por intermeacutedio de estrateacutegias como a ironia a metaacutefora a metoniacutemia os eufemismos o pleonasmo os torneios como a liacutetotes etc Eacute possiacutevel fascinar o outro ateacute mesmo por meio do emprego de um determinado gecircnero textual como por exemplo a crocircnica Escrevendo-a ou lendo-a vamos aos poucos sendo envolvidos num jogo de seduccedilatildeo passando a ser ldquocuacutemplicesrdquo da sua construccedilatildeo juntamente com o seu autor

Uma consequecircncia importante desse jeito de pensar a liacutengua eacute descobrir que a figuratividade natildeo eacute uma prerrogativa do discurso literaacuterio visto por muitos estudiosos como a uacutenica modalidade passiacutevel de produzir esse tipo de ldquojogordquo executado entre outras coisas pela oscilaccedilatildeo ambiguidade e volubilidade proacuteprias agrave liacutengua Diferentemente pensamos que por mais ldquobanaisrdquo que sejam

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nossas falas cotidianas natildeo deixam de contar com elementos de natureza figurativa tambeacutem explorados em discursos institucionais como o acadecircmico o juriacutedico o jornaliacutestico o religioso etc de que costumeiramente satildeo exigidas objetividade e imparcialidade

Em suma queremos dizer que a capacidade de seduccedilatildeo de enredamento de persuasatildeo eacute interna agrave proacutepria linguagem vista pelo linguista dinamarquecircs Hjelmslev (2006) como um tecido urdido nas proacuteprias tramas do pensamento

No caso particular da crocircnica gecircnero aqui investigado cumpre-nos alertar para o fato de que a sua brevidade leveza e volatilidade natildeo significam que seja desprovida do espiacuterito reflexivo e criacutetico do seu autor Nela vemos esboccedilada a figura de um ethos com seu projeto de fala de um logos com possibilidade de conduzir o raciociacutenio a accedilatildeo do outro alvejando-lhe o pathos Dessa sorte acreditamos no caraacuteter dialoacutegico da linguagem o que nos leva a citar mais uma vez Bakhtin (2000 p 354) que nos faz a seguinte recomendaccedilatildeo

[] natildeo conveacutem compreender a relaccedilatildeo dialoacutegica de modo simplista e uniacutevoco e resumi-la a um processo de refutaccedilatildeo de controveacutersia de discordacircncia A concordacircncia eacute uma das formas mais importantes da relaccedilatildeo dialoacutegica A concordacircncia eacute rica em diversidade e em matizes

Em face dessas caracteriacutesticas e papeacuteis proacuteprios agrave linguagem cabe-nos considerar as crocircnicas produzidas entre noacutes buscando identificar e analisar as peccedilas utilizadas pelo cronista no jogo de seduccedilatildeo que estabelece com o leitor peccedilas essas que incluem o diaacutelogo com o seu leitor Veria aquele o seu puacuteblico-alvo como um adversaacuterio ou como um parceiro de criaccedilatildeo Quem seria esse puacuteblico ao qual a crocircnica se destina

Para responder a essas questotildees recorremos a Meyer (1993 p 22 traduccedilatildeo nossa) que define a retoacuterica como ldquo[] a negociaccedilatildeo da distacircncia entre os sujeitos []rdquo distacircncia essa que ldquo[] pode ser

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reduzida aumentada ou mantida segundo o casordquo25 Da nossa parte acreditamos que o objetivo do cronista eacute diminuir a distacircncia entre si e seu interlocutor O seu desejo eacute obter a anuecircncia do leitor e se possiacutevel ldquoa comunhatildeo de almasrdquo conforme nos deixa entrever um de nossos cronistas de maior renome Rubem Braga ldquoAgraves vezes tambeacutem a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou algueacutem a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia []rdquo (BRAGA 1999 p 157)

Essa incorporaccedilatildeo do leitor no texto pode funcionar como um mecanismo criador de identidade de familiaridade e consequentemente de haacutebito de leitura Por se sentir proacuteximo ao cronista o ldquohomem das ruasrdquo natildeo se sente excluiacutedo do universo da escrita mas sim faz parte do cotidiano do escritor do jornal que veicula a sua criaccedilatildeo

2 O processo de argumentaccedilatildeo na crocircnica a configuraccedilatildeo da opiniatildeo

Prosseguindo nesta seccedilatildeo com as nossas reflexotildees sobre especificidades das relaccedilotildees entre a argumentaccedilatildeo e a escrita de crocircnicas gostariacuteamos de explicitar aspectos relativos agrave configuraccedilatildeo da opiniatildeo na crocircnica como exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea Nesse caso encontramo-nos forccedilosamente no campo das apreciaccedilotildees valorizaccedilotildees e julgamentos tornados tangiacuteveis pela materialidade textual que visa ndash expliacutecita e tambeacutem muitas vezes implicitamente no esconderijo das entrelinhas ndash agrave adesatildeo de um determinado auditoacuterio influenciando-o em suas posturas visotildees de mundo e mesmo em suas accedilotildees cotidianas

Nesse caso o auditoacuterio a quem o cronista dirige a sua argumentaccedilatildeo se caracteriza pelo conjunto de leitores de determinado jornal conforme vemos satildeo grupos de natureza

25 No original ldquo[] la neacutegociation de la distance entre les sujets [] peut ecirctre reduite accrue ou maintenue selon les casrdquo

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heterogecircnea uma vez constituiacutedos por sujeitos de idade posiccedilatildeo social niacutevel intelectual etc diversificados Esses aspectos demandam eacute claro do cronista uma justa preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao ato de argumentar e o conduzem a uma permanente busca da melhor forma de estabelecer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) designaram como ldquoO contato de espiacuteritosrdquo

De fato a crocircnica eacute por excelecircncia e por natureza um gecircnero que pratica a opiniatildeo argumenta a favor de (ou contra) algo apresentando em prol disso justificativas provaacuteveis verossiacutemeis por vias argumentativas que falem ao intelecto ao espiacuterito e agrave alma Por que tornaacute-los antagocircnicos opostos Nem sempre eacute preciso como lemos em Reboul (1984 p 86 traduccedilatildeo nossa) ldquoA persuasatildeo deve agir tanto sobre a afetividade quanto sobre a inteligecircncia sendo isso a marca da retoacutericardquo26 Mesmo sob a manifestaccedilatildeo do seu mais recorrente modo de organizaccedilatildeo do discurso ndash o modo narrativo ndash os eventos relatados satildeo comumente expedientes para a manifestaccedilatildeo de teses e propostas sobre o mundo

Consideramos agrave vista disso que o fenocircmeno de manifestaccedilatildeo de discurso que designamos como opiniatildeo eacute fruto das relaccedilotildees inter-humanas da consciecircncia que os sujeitos possuem de natildeo estarem soacutes no mundo de que o que os outros fazem ou pensam nos interessa (e muito) e que aquilo que pensamos ou fazemos eacute tambeacutem objeto de atenccedilatildeo do outro Advecircm daiacute os fenocircmenos de modalizaccedilatildeo de nossos discursos e tambeacutem o que Bakhtin (2000) denominou de ldquotomrdquo percebido apreendido num dado discurso

Esse tom eacute pois determinado na troca intersubjetiva nas atitudes reveladas ou insinuadas pelo locutor quando das relaccedilotildees que busca estabelecer com seu interlocutor A opiniatildeo configura-se no gecircnero crocircnica sobre esta dupla base a da pessoa do cronista o qual sabe que se ele possui a sua proacutepria palavra as suas experiecircncias o leitor (ou possiacutevel leitor) da crocircnica igualmente

26 No original ldquoLa persuasion doit agir agrave la fois sur lrsquoaffectiviteacute et sur lrsquointelligence cet a la fois eacutetant la marque de la rheacutetoriquerdquo

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as possui Essa escrita processa-se portanto considerando as relaccedilotildees de um eu que estaacute para o outro e tambeacutem de um outro que deveraacute voltar-se para um eu

O cronista possui a consciecircncia de que participa de um processo interacional em que o seu discurso deve visar com a maior eficaacutecia possiacutevel ao acordo agrave concordacircncia a respeito das teses e dos motivos por que eacute preciso defendecirc-las Eacute necessaacuterio entatildeo ldquo[] ter apreccedilo pela adesatildeo do interlocutor pelo seu consentimento pela sua participaccedilatildeo mentalrdquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999 p 18)

Temos por conseguinte que uma das premissas agrave qual deve estar atento o cronista na qualidade de defensor de pontos de vista acerca de ocorrecircncias fazeres praacuteticas do cotidiano dos sujeitos que habitam as cidades eacute buscar continuamente obter informaccedilotildees a respeito do que pensam esses sujeitos sobre que valores advogam outorgam para que possa assim defendecirc-los qual a natureza das experiecircncias por que passam que tipo de laccedilos estabelecem com o seu proacuteximo o que lhes agrada ou desagrada enfim eacute buscar dados o mais proacuteximo possiacutevel dos indiviacuteduos concretos aos quais procura o cronista persuadir com asnas suas crocircnicas

Eacute claro que a partir do conhecimento de tais dados ndash muitos dos quais satildeo fornecidos pelos proacuteprios leitores dos jornais pois a miacutedia hoje procura por meio de expedientes como comentaacuterios de internautas e-mails e outros verificar os graus de adesatildeo dos leitores agrave palavra de seus profissionais ndash o sujeito argumentante o cronista constroacutei e reconstroacutei em seu discurso a imagem do ldquoauditoacuterio presumidordquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999)

A imagem construiacuteda desse auditoacuterio possui o meacuterito de abarcar discursivamente crenccedilas mais gerais do que as conhecidas aqui e ali do auditoacuterio concreto e tambeacutem mais baacutesicas que tentam encontrar eco em leitores ou possiacuteveis leitores cujas posturas diante do mundo o cronista desconhece mas como a proacutepria

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designaccedilatildeo do auditoacuterio permite revelar pode presumir Nessa empreitada geralmente o cronista obteacutem sucesso como comprova o status de que goza esse gecircnero em nossa sociedade

A respeito desses dados concernentes a essa relaccedilatildeo sujeito argumentante e auditoacuterio deixamos ao leitor esta crocircnica do cronista poliacutetico do jornal Folha de Satildeo Paulo Cloacutevis Rossi que exemplarmente ratifica a nossa exposiccedilatildeo

Naacuteufragos (texto integral)Cloacutevis Rossi

Sou de um tempo em que o trabalho do jornalista assemelhava-se ao ato do naacuteufrago que coloca uma mensagem na garrafa e a lanccedila ao mar Natildeo sabe se a garrafa chegou a algum lugar a qual lugar se a mensagem foi lida se foi entendida como foi entendida

A comparaccedilatildeo esclareccedilo natildeo eacute minha Ouvi-a 30 anos atraacutes de Joseacute Antocircnio Novaes entatildeo correspondente do ldquoEstadatildeordquo e do jornal francecircs ldquoLe Monderdquo em Madri

Hoje graccedilas agrave internet os naacuteufragos jaacute sabemos o que acontece com algumas de nossas garrafas Jaacute sabemos o que antes apenas intuiacuteamos o leitor inteligente natildeo eacute o destinataacuterio passivo da mensagem mas o parceiro do naacuteufrago na observaccedilatildeo das coisas do mundo

O leitor tambeacutem lanccedila suas garrafas ndash natildeo ao mar mas na rede sabendo que chegaraacute ao destinataacuterio mas sem saber se a mensagem seraacute ou natildeo lida ou como seraacute entendida De minha parte como prestaccedilatildeo de contas informo que nos primeiros dias apoacutes a Folha ter decidido publicar o endereccedilo ao peacute de muitas colunas queixei-me de que estava perdendo duas horas por dia em meacutedia para ler e responder a correspondecircncia

Logo revi o verbo Em vez de ldquoperderrdquo sei agora que ldquoinvistordquo duas horas nesse diaacutelogo Descobri tambeacutem que na troca de ideacuteias com o leitor ganho eu Eacute claro que haacute alguns idiotas de

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plantatildeo que escrevem toneladas de asneiras mas a estes parei de responder faz tempo ndash e os que identifico parei tambeacutem de ler

Mas a grande maioria aporta informaccedilotildees que estatildeo fora do radar da miacutedia vecirc acircngulos que mesmo olhos treinados de socioacutelogos deixam passar e acima de tudo expressa sentimentos que o mundo poliacutetico parou de processar faz tempo

Tudo somado aviso ao leitor que saio hoje de feacuterias (por 15 dias) com a sensaccedilatildeo de que a tecnologia libertou o jornalista da solidatildeo do naacuteufrago mas colocou-o em contato com uma multidatildeo de outros naacuteufragos Da poliacutetica (ROSSI 2006)

O processo que visa ao conhecimento do auditoacuterio tem como alvo persuadir melhor a fim de obter uma maior adesatildeo agraves ideias que satildeo professadas pelo cronista Ele consegue essa adesatildeo por meio dos proacuteprios mecanismos que utiliza para sustentar o sistema de crenccedilas de saberes que estatildeo envolvidos em sua escrita

O cronista lida diariamente efetivamente com saberes de crenccedila que segundo Charaudeau (2015 p 45) ldquoSatildeo saberes que resultam da atividade humana quando esta se aplica a comentar o mundo isto eacute fazer com que o mundo natildeo exista mais por si mesmo mas sim atraveacutes do olhar que o sujeito lanccedila sobre elerdquo Aleacutem disso como jaacute dissemos estabelece um julgamento um olhar ldquoapreciativordquo em relaccedilatildeo a esses elementos daiacute a possibilidade de estetizaccedilatildeo do cotidiano

Enfim o sujeito argumentante na crocircnica acata e constroacutei a sua argumentaccedilatildeo privilegiando em termos mais amplos a linguagem comum ateacute celebrando-a ao desenvolver sua argumentaccedilatildeo a partir do lugar-comum De fato eacute na escrita da crocircnica em sua globalidade que a linguagem comum faz fluir dela a leitura Aliaacutes natildeo eacute proacuteprio dos cronistas cometer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999 p 173) citando Quintiliano e Ciacutecero dizem ser o defeito ldquotalvezrdquo mais grave do orador ldquo[] seja o de recuar ante a linguagem comum e ante as ideacuteias geralmente aceitasrdquo

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Isso constitui inclusive um acordo jaacute celebrado tacitamente entre as partes cronistas e leitores observamos a praacutetica escrituriacutestica de um discurso veiculado em linguagem que privilegia o fluir da leitura a recepccedilatildeo mais clara das ideias fala leve clara explicitamente dialoacutegica heranccedila desse gecircnero em suas bases antigas

Assim no que se refere agrave interaccedilatildeo pela leitura das crocircnicas o interlocutor eacute convidado a participar ativamente de uma troca mediada pelo texto Seu papel eacute ativar seus saberes e colocaacute-los em interaccedilatildeo com o universo discursivo de que faz parte Os textos que manifestam opiniatildeo dentro do jornal entre eles a crocircnica fazem da argumentaccedilatildeo um exerciacutecio corrente de demonstraccedilatildeo de praacuteticas sociodiscursivas O exerciacutecio da crocircnica estaacute pois associado ao diaacutelogo com forccedila de accedilatildeo caracteriacutestico da fala explicitamente retoacuterica

A contemporaneidade como construccedilatildeo do pensamento humano caracteriza-se entre outros aspectos pela reflexatildeo a respeito da possibilidade de subjetividade poreacutem subjetividade esta que sente em si mesma a necessidade de ndash ao tomar como foco aspectos de uma interioridade ndash abrir espaccedilos em graus variaacuteveis a uma intersubjetividade jaacute que o que determina a percepccedilatildeo que temos da vida interior eacute a fronteira que estabelecemos entre esta vida e a vida que estaacute ldquovoltada para forardquo (BAKHTIN 2000 p 119) ou seja voltada para a convivecircncia que manifesta o desejo e mesmo a necessidade de que o outro valide as nossas accedilotildees participe da nossa vida no tempo que se estende entre nascimento e morte em que a nossa histoacuteria eacute construiacuteda

Sobre essa tendecircncia geral explica-nos Bakhtin (2000 p 35-36)

A bem dizer na vida agimos [] julgando-nos do ponto de vista dos outros tentando compreender levar em conta o que eacute transcendente agrave nossa proacutepria consciecircncia [] em suma estamos constantemente agrave espreita dos reflexos de nossa vida tais como se manifestam na consciecircncia dos outros quer se trate de aspectos isolados quer do todo da nossa vida

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Em termos mais amplos a crocircnica se compotildee em seu conteuacutedo das ocorrecircncias contempladas no cotidiano de tudo o que alimenta o tempo da vida dos homens em seu fluir em sua transitoriedade de questotildees sobre a vida e sua contraposiccedilatildeo a morte das nossas relaccedilotildees mesquinhas terriacuteveis ou enriquecedoras dos espaccedilos comuns em que circulamos socialmente Ela natildeo pode ser a vida de apenas um homem como bem atesta Parret (1998 p 157 traduccedilatildeo nossa) ldquo[] a vida cotidiana [] eacute puacuteblica ela exige uma interpretaccedilatildeo uma compreensatildeo enfim uma semioacuteticardquo27

Os homens na sua vida em sociedade instituem ldquoinventamrdquo no dizer de Certeau (2007) o habitual a cotidianidade posturas formas de ser de agir e de falar ritualizadas axiologizadas iterativas Conviver compartilhar accedilotildees e discursos eacute que proporciona sentido agrave vida cotidiana O habitual seria entatildeo uma garantia de estabilidade para os homens Parret (1998 p 19) fala da cotidianidade como ldquo[] um princiacutepio de organizaccedilatildeo da comunidade []rdquo Nesse sentido seria o caraacuteter habitual iterativo das formas de agir e falar o que torna possiacuteveis as identidades e o viacutenculo social entre os seres elementos que contribuem decisivamente para a reduccedilatildeo da incerteza e da possibilidade de ruptura do homem com os seus proacuteximos

As relaccedilotildees sociais nesse sentido tornam o ser um agente capaz de buscar a coordenaccedilatildeo o equiliacutebrio entre a sua vida individual e a sua vida social ou como diz Ricoeur (2007 p 141) ldquo[] entre o indiviacuteduo solitaacuterio e o cidadatildeo definido pela sua contribuiccedilatildeo agrave politeia agrave vida e agrave accedilatildeo da polis []rdquo Desse trabalho executado pelos homens derivam as relaccedilotildees ditas de pertencimento como as conjugais filiais e outros viacutenculos sociais mais ou menos dispersos entre os indiviacuteduos O que esperamos entatildeo como indiviacuteduos ou cidadatildeos desses seres com os quais travamos relaccedilotildees tecemos nossa vida diaacuteria os quais fabulam conosco e com os quais fabulamos Ao tomar como base Santo Agostinho Ricoeur (2007)

27 No original ldquo[hellip] la vie quotidienne [] elle est publique elle exige une interpretation une compreacuteehension donc une seacutemiotiquerdquo

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responde que possam muitas vezes desaprovar nossas accedilotildees mas que aprovem a nossa existecircncia

Quando discutimos ldquoaspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircneardquo pensamos nas formas como ela se (re)configura influenciando e ao mesmo tempo sendo influenciada pela dinacircmica da vida social no espaccedilo da miacutedia impressa e on-line nos motivos pelos quais sua praacutetica foi e eacute tatildeo respeitada Tanto que nos jornais os cronistas satildeo sempre ldquoescolhidos a dedordquo eacute um espaccedilo de prestiacutegio Muitos jornais importam crocircnicas de outros Processa-se uma ldquolutardquo de um gecircnero para manter-se vivo

O Brasil paiacutes com tantos problemas em relaccedilatildeo agrave leitura em diversos aspectos tem na crocircnica a oportunidade de um exerciacutecio do ato de ler que compreendemos como significativo ela eacute benquista lida por camadas relativamente variadas da populaccedilatildeo Temos como pretensatildeo justamente aprofundar os estudos e a compreensatildeo da crocircnica apresentando aspectos mais densos que realmente demonstrem a pertinecircncia de a termos como um gecircnero que ocupa lugar de destaque na realidade sociocultural da atualidade no Brasil

Com isso observamos tambeacutem a proacutepria coerecircncia da vida do gecircnero crocircnica em nossa sociedade em como e por que tem ldquose garantidordquo ateacute agora ou seja com tantas transformaccedilotildees soacutecio-histoacutericas como se comportou e comporta a essecircncia a integridade do gecircnero quando sabemos que ele influencia e ao mesmo tempo sofre influecircncia das formas de accedilatildeo e de discurso em sociedade

Aprendemos com as leituras de Bakhtin que para que um gecircnero se desintegre eacute preciso que se perca a sua essecircncia Senatildeo ele eacute capaz de reaparecer transfigurado de alguma maneira por meio de formas renovadas de vida e de circulaccedilatildeo social dos textos

Em geral a vida cultural na sociedade permite o acesso dos indiviacuteduos a protoacutetipos e ateacute a fragmentos dos gecircneros o que torna possiacutevel a sua assimilaccedilatildeo o seu aprendizado tanto da leitura

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quanto da escrita A cada funccedilatildeo social comunicativa corresponde um ou mais gecircneros que designam essas funccedilotildees por meio dos quais interagimos com aqueles que nos rodeiam Eacute certo que os gecircneros evoluem transformam-se porque atendem ao dinamismo comum da vida social poreacutem conservam na sua composiccedilatildeo orgacircnica na sua ldquomemoacuteria objetivardquo traccedilos de composiccedilatildeo que nos permitem com eles lidar utilizaacute-los em nossa comunicaccedilatildeo

O estilo de liacutengua da prosa no gecircnero crocircnica na escrita guarda o traccedilo do despojamento da simplicidade do linguajar do apelo a um vocabulaacuterio composto por termos em sua maioria de faacutecil alcance quanto ao sentido caracteriacutesticos das narrativas orais desde as mais antigas que a humanidade tratou de divulgar tiacutepicas do cotidiano Eacute oacutebvio que a crocircnica contemporacircnea nessa passagem do cotidiano ao jornal busca neutralizar traccedilos muito tiacutepicos particulares de comunidades restritas pela proacutepria procedecircncia do seu puacuteblico o cidadatildeo urbano A linguagem nesse caso como em todos os outros eacute percebida e trabalhada pelo cronista como um material genuinamente socioideoloacutegico portadora de pontos de vista sobre o mundo numa tentativa de uniatildeo harmoniosa com a instacircncia cidadatilde

No que diz respeito ao gecircnero e agrave sua estruturaccedilatildeo configuracional observamos que a crocircnica eacute um texto curto Eacute um discurso que no jornal natildeo pode ldquoocuparrdquo muito o leitor Pelo menos natildeo deve preencher um demasiado tempoespaccedilo real concreto de leitura Eacute uma leitura a ser feita a fim de se usufruir dela no espaccedilotempo de um breve momento Mas nessa brevidade de espaccedilotempo ela deve deixar o leitor satisfeito

O jornal eacute diaacuterio a crocircnica eacute diaacuteria e deve aleacutem disso levar o leitor a procuraacute-la todos os dias nesse jornal (de preferecircncia) em busca de um tema novo de mais um motivo para uma prosa uma conversa Vivemos o evento da leitura da crocircnica ocupando-nos do papel de coparticipantes a partir da nossa subjetividade Tomamos postura realizamos juiacutezos valoraccedilotildees enfim a nossa

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posiccedilatildeo eacute atuante O conjunto desse mundo discursivo percebido vivenciado pelo cronista revive diante do nosso olhar da nossa presenccedila da apreciaccedilatildeo que realizamos do seu conteuacutedo

O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com prudecircncia astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e de ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui como nos diz Charaudeau (2015) num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

No caso dos jornais brasileiros o cronista poliacutetico jaacute trabalha efetivamente na formaccedilatildeo da opiniatildeo embora de formas diferenciadas a depender da postura ideoloacutegica desse ou daquele jornal Por outro lado nos jornais brasileiros um cronista literato poderiacuteamos dizer com criatividade artiacutestica de escritor eacute o que institui entre outras coisas o espaccedilo do ldquorespirarrdquo de cessaccedilatildeo ainda que momentacircnea da secura ou do sensacionalismo da reportagem por exemplo ainda que ele esteja fazendo a criacutetica social ou poliacutetica

Temos por convicccedilatildeo que as reflexotildees realizadas neste trabalho contribuiratildeo para a sistematizaccedilatildeo de elementos baacutesicos que conferiram e conferem agrave crocircnica jornaliacutestica brasileira o estatuto de gecircnero textual para a sistematizaccedilatildeo das razotildees por que tomou e toma como objeto primordial de seu discurso os temas do cotidiano dos cidadatildeos

O espaccedilo midiaacutetico em que ela figura o jornal impresso ou on-line mais do que o suporte em que a crocircnica circula eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Por outro lado a proacutepria crocircnica determina outras formas de surgimento de outros textos que figuram no jornal Ou ainda

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manifesta-se sempre como espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social

3 Qual eacute o status genoloacutegico da crocircnica

Hospedeira de vaacuterios gecircneros textuais tiacutepicos tanto do discurso oral quanto do escrito a crocircnica serve a dois ldquosenhoresrdquo ou domiacutenios discursivos caracterizando-se em sua concisatildeo como texto jornaliacutestico e em seu lirismo como texto literaacuterio Por seu caraacuteter essencialmente mesclado a crocircnica ndash no que toca agrave diversidade de gecircneros que por ela perpassam assim como na variedade de formas de organizaccedilatildeo do discurso utilizadas em sua produccedilatildeo ndash continua ateacute hoje a desafiar os estudiosos a definir-lhe de vez o status genoloacutegico Esse desafio vem de longa data em nosso meio jaacute que se estendia ao ldquofolhetimrdquo seu ancestral

Vemos no caso que embora constante das diversas modalidades de discurso o hibridismo se manifesta de um modo especial no texto croniacutestico configurando-se pois como um de seus traccedilos peculiares manifestados quer na relaccedilatildeo entre o discurso e a praacutetica social a que se encontra ligado quer entre as diversas praacuteticas sociais e as instituiccedilotildees que as regem

Vejamos por exemplo neste excerto da crocircnica de Caio Fernando Abreu como a prosa se mescla agrave poesia e agrave interpelaccedilatildeo direta sendo uma proposta expliacutecita de diaacutelogo

Deus eacute naja (excerto)

Caio Fernando AbreuDia seguinte meu amigo Dark contou ndash ldquotive um sonho lindo Imagina soacute uma jamanta toda douradardquo Rimos ateacute ficar com dor na barriga E eu lembrei dum poema antigo de Drummond Aquele Consolo na Praia sabe qual lsquoVamos natildeo chores A infacircncia estaacute perdida A mocidade estaacute perdida Mas a vida natildeo se perdeursquo ndash ele comeccedila antes de enumerar as perdas

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irreparaacuteveis perdeste o amigo perdeste o amor natildeo tens nada aleacutem da maacutegoa e solidatildeo E quando o desejo da jamanta ameaccedila invadir o poema Drummond o Carlos pergunta lsquoMas e o humorrsquo Porque esse talvez seja o uacutenico remeacutedio quando ameaccedila doer demais [] Porque tambeacutem me acontece ndash como pode estar acontecendo a vocecirc que quem sabe me lecirc agora ndash de achar que tudo isso talvez natildeo tenha a menor graccedila Pode ser Deus eacute naja nunca esqueccedila baby Segure seu humor Seguro o meu mesmo dark vou dormir profundamente e sonhar com uma linda e fatal jamanta A mil por hora (ABREU 2007 p 242-243)

Acerca dessa duplicidade basilar da crocircnica e da extensatildeo e variaccedilatildeo do hibridismo que a constitui em seu trabalho a respeito da produccedilatildeo croniacutestica de Cony Andrade (2005 p 299) assim se manifesta

Como se sabe a crocircnica eacute um gecircnero que apresenta dupla filiaccedilatildeo jaacute que o tempo e o espaccedilo curtos permitem o tratamento literaacuterio a temas jornaliacutesticos Assim ela tem do jornal a concisatildeo e a pressa e da literatura a magia e a poeticidade que recriam o cotidiano Nela se podem apresentar pequenos contos artigos ensaios ou poemas em prosa ou seja tudo aquilo que informe o leitor sobre os acontecimentos diaacuterios O cronista faz descriccedilotildees comentaacuterios a partir da observaccedilatildeo direta de fatos ou situaccedilotildees sujeitos agraves marcas do subjetivismo Desse modo registrar o elemento circunstancial passa a ser o princiacutepio baacutesico da crocircnica Por essas caracteriacutesticas e principalmente por sua brevidade a crocircnica torna-se um gecircnero peculiar para que o leitor possa ainda que indiretamente construir sua opiniatildeo a respeito dos principais temas do noticiaacuterio nacional ou internacional []

Foi justamente esse caraacuteter hiacutebrido da crocircnica ndash de um modo particular da que eacute produzida e veiculada nos jornais de maior circulaccedilatildeo no Brasil ndash um dos moacuteveis que nos levaram a elegecirc-la como objeto de estudo do presente trabalho

Como resistir pois agraves colunas de jornais que abrem espaccedilo para a apresentaccedilatildeo de relatos os quais escritos hoje ldquoao correr

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do teclado do computadorrdquo notificam-nos em tom avaliativo sobre os grandes e pequenos acontecimentos que recheiam o nosso dia a dia Como desprezar o tom de pilheacuteria de chalaccedila conferido por nossos cronistas no tratamento de assuntos seacuterios como os desmandos de nossos poliacuteticos que lutam tatildeo bravamente em prol de seu bolso Como ignorar o DNA de escritores que conforme ilustrado no fragmento abaixo fazem do humor uma verdadeira arma pedagoacutegica em prol do estabelecimento de uma eacutetica precisa e justa entre noacutes

Quando a histoacuteria daacute bode (excerto)

Affonso Romano de SantrsquoAnnaUm candidato a presidente da repuacuteblica com 94 anos E cego Eacute ver para crer Isto ocorreu haacute poucos dias na Repuacuteblica Dominicana Esse senhor se chama Joaquim Balaguer Detalhe jaacute foi presidente umas seis vezes Claro que perdeu Os eleitores agraves vezes enxergam de longe

Quando li essa notiacutecia achei que estava lendo um romance de Garciacutea Maacuterquez puro realismo fantaacutestico latino-americano No entanto estava diante de jornais venezuelanos estava ali no Caribe pois havia ido fazer uma conferecircncia na Universidade de Caracas E estar no Caribe daacute um colorido especial ao fato pois neste continente a realidade supera qualquer alucinaccedilatildeo [] (SANTrsquoANNA 2006 p 194)

Nas trilhas de especialistas como Charaudeau (2008) e outros a organizaccedilatildeo composicional da crocircnica compreende os seguintes modos discursivos narraccedilatildeo descriccedilatildeo dissertaccedilatildeo argumentaccedilatildeo e injunccedilatildeo variaacutevel conforme o grau de saliecircncia conferido a cada uma dessas possibilidades Embora no tocante agrave crocircnica a maioria de nossos autores privilegiem o modo narrativo natildeo deixam de explorar os demais destacando sempre um deles A constacircncia na escolha de um mesmo destaque serve como elemento de distinccedilatildeo estiliacutestica entre os autores Assim por exemplo Machado

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de Assis eacute considerado por seus pares e pelos estudiosos da sua crocircnica como o cronista ldquoformador de leitoresrdquo Joatildeo do Rio como o ldquocronista da reportagemrdquo Rubem Braga como ldquoo magoartesatildeo da palavrardquo ou como o ldquocronista liacutericordquo Otto Lara Rezende como o ldquoperdulaacuterio verbalrdquo Clarice Lispector como a ldquoautoplagiaacuteriardquo etc

A respeito do liacuterico Rubem Braga leiamos

Recado ao senhor 903 (excerto)

Rubem Braga[] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo em que um homem batesse agrave porta do outro e dissesse ldquovizinho satildeo trecircs horas da manhatilde e ouvi muacutesica em tua casa Aqui estourdquo E o outro respondesse ldquoEntra vizinho e come do meu patildeo e bebe do meu vinho Aqui estamos todos a bailar e a cantar pois descobrimos que a vida eacute curta e a lua eacute belardquo [] (BRAGA 1991 p 74)

Certamente a concessatildeo de privileacutegio a um dos modos de organizaccedilatildeo do discurso natildeo implica a exclusatildeo automaacutetica dos demais Na verdade embora menos destacados esses coatuam com o mais proeminente servindo como componentes indispensaacuteveis para a operaccedilatildeo levada a termo pelo autor Por conseguinte natildeo nos estranha a presenccedila de ingredientes descritivos e dissertativos na narrativa efetuada pelo escritor mineiro Affonso Romano no fragmento correspondente ao excerto a esse anteriormente apresentado

Natildeo obstante esse ldquojeito camaleocircnico de serrdquo da crocircnica da sua fugacidade do seu caraacuteter mais popular longe de noacutes julgaacute-la inferior a gecircneros elitistas conforme o faz ateacute hoje uma parte de nossos criacuteticos Ao contraacuterio conforme jaacute dito aqui a nosso ver satildeo justamente esses traccedilos que juntamente com outros fizeram da crocircnica um dos gecircneros mais cultuados no Brasil tanto do ponto de vista da instacircncia produtora quanto da receptora

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Isso sem falar que esses e outros elementos mais como a heterogeneidade temaacutetica e formal a dialogicidade intra e interdiscursiva o tipo e grau de interaccedilatildeo entre o escritor e o leitor o estilo do escritor etc podem refletir especularmente a praacutetica social que determina a crocircnica bem como o quadro poliacutetico econocircmico histoacuterico e sociocultural em que se acha inserida

Inferimos disso tudo que aleacutem de instrumento de lazer de informaccedilatildeo de fruiccedilatildeo do prazer esteacutetico a crocircnica tem o poder de nos revelar fatos acontecimentos haacutebitos costumes e a proacutepria mentalidade vigentes nos variados grupos humanos cujos sujeitos como seres sociais buscam interagir uns com os outros Tudo isso num espaccedilo miacutenimo e num aacutetimo de tempo

Outro tipo de hibridismo a mencionar aqui eacute o que diz respeito agrave sua temaacutetica cujas possibilidades de variaccedilatildeo satildeo inestimaacuteveis No caso dos cronistas brasileiros surpreende-nos a capacidade que tecircm de tratar de assuntos tatildeo corriqueiros e tatildeo inesperados Expert nesse quesito Luiacutes Fernando Veriacutessimo por exemplo assim subverte em operaccedilatildeo metalinguiacutestica e intertextual ldquoo aparelho formal da enunciaccedilatildeordquo o subjetivismo na linguagem estudados por teoacutericos como Benveniste (1989) e o mito da criaccedilatildeo constante do Livro do Gecircnesis

A primeira pessoa (excerto)

Luiacutes Fernando VeriacutessimoNo comeccedilo era eu Soacute eu Eu eu eu eu eu eu Natildeo existia nem a segunda pessoa do singular porque eu natildeo podia chamar Deus de ldquoturdquo Tinha que chamaacute-lo de ldquoSenhorrdquo Natildeo existia ldquoelerdquo Natildeo existia ldquonoacutesrdquo Nem ldquovoacutesrdquo Nem ldquoelesrdquo Soacute existia eu Eu eu eu eu Natildeo que eu fosse um egocecircntrico Eacute que natildeo havia alternativa

Eu natildeo podia pensar nos outros porque natildeo havia outros O mundo era uma gramaacutetica em branco Soacute havia eu e todos os verbos eram na primeira pessoa Eu abri os olhos Eu olhei em volta Eu vi que estava num Paraiacuteso (do grego paradeisos um

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jardim de prazeres ou do persa paridaiza o parque de um nobre mas isso soacute se soube depois) Eu perguntei ldquoO que devo fazer Senhorrdquo e Deus responde ldquoNada apenas existardquo E eu fui tomado pelo teacutedio A primeira sensaccedilatildeo humana [] (VERIacuteSSIMO 2005 p 107)

Como consequecircncia do hibridismo do domiacutenio discursivo da crocircnica outros tipos de miscigenaccedilatildeo podem ser instaurados na qualidade de texto do suporte jornal que abriga gecircneros textuais diferentes instauram-se desde as colunas sociais agraves colunas de notiacutecias de reportagens de editoriais de informaccedilotildees cientiacuteficas de missivas dirigidas ao leitor e ao jornal etc Isso sem falar nos obituaacuterios nos anuacutencios nos classificados na mateacuteria dirigida especialmente a crianccedilas jovens adultos etc A crocircnica se aproveita desse manancial trazendo em seu bojo notiacutecias reportagens anuacutencios chegando a assumir por vezes a forma de missiva de editorial de coluna social etc

4 Consideraccedilotildees finais

A pretensatildeo deste trabalho foi observar como se comporta o gecircnero textual crocircnica em seu espaccedilo costumeiro no jornal O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e do ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

O espaccedilo midiaacutetico em que a crocircnica figura mais do que um suporte eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Esse gecircnero constitui-se sempre como um espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de

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retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social em operaccedilotildees que visam agrave concordacircncia na troca interlocutiva por isso mesmo os cronistas satildeo instauradores de uma empatia entre os interlocutores

Este trabalho procurou ir ao encontro dessa forma de enxergar o discurso da crocircnica em que observaacutessemos o conjunto de forccedilas que contribuiacuteram e continuam contribuindo para a conquista do espaccedilo de prestiacutegio que o gecircnero possui em que o cronista precisa conjugar posiccedilatildeo institucional forccedila argumentativa persuasiva e talento na arte da escrita do seu discurso a fim de que o seu interlocutor se veja a cada crocircnica lida mais seduzido pelo gecircnero mesmo porque afinal nesse processo de persuasatildeo se o cronista obteacutem sucesso eacute pelo fato de que de alguma maneira o leitor se encontra ali inscrito pois o orador arguto natildeo negligencia o seu auditoacuterio antes respeita os seus saberes de conhecimento de crenccedila e sabe que precisa angariar a sua simpatia a sua predisposiccedilatildeo para ldquoouvirrdquo acatar ideias modificar posturas

Enfim essa posiccedilatildeo de legitimidade institucional do cronista repousa na imagem que ele daacute a entender de si mesmo a do cidadatildeo tal qual o outro que o lecirc

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Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

Somos movidos por diferentes convicccedilotildees crenccedilas e valores que orientam nossas condutas e atitudes na sociedade Esse conjunto de concepccedilotildees abrange diferentes assuntos como poliacutetica e religiatildeo ou diversas aacutereas do conhecimento como a Sociologia ou a Histoacuteria ora com embasamento cientiacutefico ora com ideias disseminadas pelo senso comum Entre os variados temas que levantam discussotildees encontra-se a liacutengua Rejeitada criticada ou amada muitas satildeo as percepccedilotildees e avaliaccedilotildees sobre ela e seus usuaacuterios

Em relaccedilatildeo agrave Liacutengua Portuguesa variados mitos conforme Bagno (2013) percorrem o imaginaacuterio social Podemos citar por exemplo aqueles que consideram que o brasileiro fala mal sua proacutepria liacutengua que o idioma eacute muito difiacutecil e que o aluno fala ldquoerradordquo Essas manifestaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave liacutengua ou a seus usuaacuterios natildeo soacute satildeo muitas vezes construiacutedas na escola mas tambeacutem no aparato social que vai (re)construiacute-las sustentaacute-las ou perpetuaacute-las (CYRANKA 2014) Por isso a importacircncia de compreendermos as crenccedilas e atitudes sobre a liacutengua toacutepicos de um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica

Se os falantes podem ter diferentes percepccedilotildees sobre a linguagem e sobre o outro pelo uso que este faz da liacutengua eacute pertinente analisar essas percepccedilotildees e empreender esforccedilos para um entendimento sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica descortinando crenccedilas e preconceitos Sob essa perspectiva neste capiacutetulo abordamos o estudo ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014)

Assim em um primeiro momento contextualizamos a pesquisa descrevendo o cenaacuterio escolar em que se desenvolveu e o puacuteblico participante Em seguida discutimos os pressupostos teoacutericos que embasaram as reflexotildees e trilhamos o percurso do estudo levantando hipoacuteteses definindo objetivos e delineando

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os procedimentos metodoloacutegicos Na sequecircncia analisamos e levantamos questotildees sobre os resultados gerais que alcanccedilamos tecemos nossas consideraccedilotildees finais e arrolamos as referecircncias

2 Contexto da pesquisa e perfil de informantes

A pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo foi realizada com duas turmas do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica municipal de Baratildeo de Cocais ndash Minas Gerais Participaram do estudo 42 alunos dos quais 23 de uma turma do 6ordm ano e 19 de uma do 8ordm ano Para levantarmos informaccedilotildees sobre esses estudantes e traccedilarmos um perfil dos informantes aplicamos um questionaacuterio a eles e a seus responsaacuteveis analisamos documentos da escola e dados fornecidos pelas Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo e consideramos informaccedilotildees do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e da Prova Brasil (2011)

Esse conjunto de dados e de informaccedilotildees foi relevante porque acreditamos que para ser significativo o tratamento da Liacutengua Portuguesa precisa considerar as demandas dificuldades potencialidades e interesses dos alunos de modo que seja fundamental levar em conta suas particularidades socioculturais e analisar documentos da escola e resultados de avaliaccedilotildees externas e internas

Por meio do levantamento dessas informaccedilotildees pudemos constatar em relaccedilatildeo aos 42 alunos que a) a faixa etaacuteria dos informantes oscilava entre 11 e 18 anos b) a maioria dos alunos da turma do 6ordm ano (61) se enquadrava na faixa etaacuteria esperada para se cursar essa etapa enquanto apenas um aluno da turma do 8ordm ano estava em idade prevista ao ano escolar que cursava o que apontava no caso dessa uacuteltima turma haver um alto iacutendice de distorccedilatildeo idade-ano escolar (95) indicativo de que muitos alunos

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haviam repetido algum ano escolar inclusive o proacuteprio 8ordm ano (60) c) 785 dos estudantes informaram que natildeo tinham biblioteca ou livros para leitura em casa o que demonstrou a necessidade de a escola desenvolver praacuteticas de leitura e d) grande parte dos alunos das duas turmas reside na zona urbana 87 dos 23 alunos do 6ordm ano e 79 do 8o ano

A obtenccedilatildeo desses e de outros dados nos permitiu compilar caracteriacutesticas dos estudantes natildeo soacute escolares mas tambeacutem sociais e culturais (QUEIROZ PEREIRA 2013) o que foi primordial para um adequado encaminhamento de nossa proposta de intervenccedilatildeo porque sabemos que esses diferentes fatores podem exercer influecircncia no sucesso (ou no fracasso) dos estudantes (CAPOVILLA CAPOVILLA 2000)

Com base nesses princiacutepios a motivaccedilatildeo de nosso estudo partiu de avaliaccedilotildees negativas de alguns dos alunos sobre determinados usos linguiacutesticos que resultaram no silenciamento de um estudante que justificava sua natildeo participaccedilatildeo em aula entre outros motivos ao modo como falava uma variedade rural que ele considerava ldquoerradardquo

A partir disso julgamos ser urgente uma abordagem condizente sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula para natildeo soacute mostrar aos alunos que uma grande diversidade caracteriza o Portuguecircs mas sobretudo para desfazer imagens negativas sobre essa variaccedilatildeo e consequentemente elevar a autoestima linguiacutestica e social dos estudantes Para atingirmos essa meta alicerccedilamos nosso estudo em fundamentos que abordamos na proacutexima seccedilatildeo

3 Pressupostos teoacutericos

O foco de nosso estudo foi trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula desfazendo mitos preconceitos e imagens negativas dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa e sobre os proacuteprios falantes Nesse intuito fizemos um levantamento bibliograacutefico de diferentes

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trabalhos e pesquisas sobre o ensino de Portuguecircs em especial o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica Nesse sentido definimos como principais contribuiccedilotildees os construtos da Sociolinguiacutestica e da Sociolinguiacutestica Educacional

Assumimos primeiramente a concepccedilatildeo sociointeracionista da liacutengua porque eacute por meio dela que interagimos estabelecemos relaccedilotildees dialoacutegicas exercemos influecircncia e somos influenciados Assim sendo nosso conceito de liacutengua ultrapassa a mera noccedilatildeo de coacutedigo ou de conjunto de regras a serem seguidas para bem falar e escrever para passar a se referir a um instrumento ou mecanismo de accedilatildeo social heterogecircneo variaacutevel e situado que se manifesta nos mais diferentes gecircneros textuais orais ou escritos (MARCUSCHI 2000) Entender a liacutengua nessa perspectiva pressupotildee levar em conta suas interseccedilotildees com o contexto social em que eacute utilizada e com o qual estabelece os mais variados tipos de relaccedilatildeo aspectos que nos direcionam para os estudos sociolinguiacutesticos

A Sociolinguiacutestica eacute um campo da Linguiacutestica que comeccedilou a tomar corpo pelas contribuiccedilotildees de diferentes pesquisadores como Meillet e Bernstein e que surgiu a partir da iniciativa de Bright ao reunir em 1964 em Los Angeles um grupo para discutir questotildees relacionadas a essa ciecircncia como por exemplo a etnologia da variaccedilatildeo linguiacutestica (CALVET 2002) Mas Labov se tornaria o principal precursor dessa linha de pesquisa Com o estudo e a valorizaccedilatildeo da variedade linguiacutestica e do entendimento das condiccedilotildees socioculturais em que ela se desenvolve foram legitimados os diferentes modos de dizer um mesmo conteuacutedo em uma mesma situaccedilatildeo com o mesmo valor de verdade (TARALLO 1997)

A partir das discussotildees de Faraco (1998) e de Bortoni-Ricardo (2014) entendemos que a Sociolinguiacutestica faz uma relaccedilatildeo entre usos linguiacutesticos e fatores sociais como o grau de escolaridade e o niacutevel socioeconocircmico do falante Ainda que sejam distintos a liacutengua e o contexto social se correlacionam o que significa que

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regras variaacuteveis podem estar condicionadas a fatos linguiacutesticos como o contexto na palavra ou no texto em que ocorrem ou a fatos extralinguiacutesticos como a faixa etaacuteria e a situaccedilatildeo de formalidade ou informalidade da interaccedilatildeo Com base em Cezario e Votre (2013) podemos citar em relaccedilatildeo ao primeiro caso a realizaccedilatildeo ou natildeo do fonema [R] final em verbos conforme o contexto fonoloacutegico seguinte a ele a presenccedila de uma vogal favorece a pronuacutencia do [ɾ] reorganizando a siacutelaba (como em ldquopegar a crianccedilardquo) enquanto a consoante acaba desfavorecendo (ldquotomar banhordquo) Acerca da segunda situaccedilatildeo ainda na ocorrecircncia ou natildeo do [R] final de infinitivo falantes com menor grau de escolaridade tendem a apagaacute-lo ao contraacuterio daqueles que tecircm maior grau

Assim trata-se de uma aacuterea de pesquisa que procura analisar os eventos linguiacutesticos tanto interna quanto externamente em sua relaccedilatildeo com fatores sociais culturais e histoacutericos que influenciam e caracterizam a liacutengua estudada como ela ocorre em seus diferentes usos diversa como o proacuteprio ser humano A variaccedilatildeo com isso torna-se uma caracteriacutestica constitutiva das liacutenguas em uso

Essa variaccedilatildeo com base em Castilho (2014) pode por exemplo ser temporal (analisar o Portuguecircs de periacuteodos passados em relaccedilatildeo ao mais atual) geograacutefica (verificar as relaccedilotildees entre origem do falante e os usos especiacuteficos que faz da liacutengua) sociocultural (como correlacionar determinados usos da liacutengua com segmentos da sociedade) individual (considerar caracteriacutesticas proacuteprias do falante como idade e gecircnero) de registro (levar em conta a formalidade ou informalidade) ou de canal (estudar usos escritos ou falados) Acresccedila-se a isso que a variaccedilatildeo pode se processar em qualquer niacutevel da liacutengua como o fonoloacutegico (por exemplo as diferentes realizaccedilotildees do ldquoerdquo da palavra ldquoescolardquo [i] [e] ou [ε]) o lexical (como tangerina ou mexerica) e o sintaacutetico (ldquoo pai cujo filho eacute meacutedicordquo ou ldquoo pai que o filho eacute meacutedicordquo)

Se a variaccedilatildeo eacute intriacutenseca agrave liacutengua como abordaacute-la em sala de aula Para responder a essa indagaccedilatildeo buscamos subsiacutedios na

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Sociolinguiacutestica Educacional que no Brasil estaacute muito vinculada aos importantes trabalhos da professora e pesquisadora Stella Maris Bortoni-Ricardo Trata-se de uma vertente que procura natildeo soacute analisar a variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem trazer para o contexto da sala de aula suas aplicaccedilotildees (e implicaccedilotildees) (BORTONI-RICARDO 1999)

Para tanto Bortoni-Ricardo (2005) propotildee entender e trabalhar a ecologia do Portuguecircs Brasileiro ao considerar trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica Por se tratar de contiacutenuos eacute importante concebecirc-los como processos ou eventos os quais contemplam diferentes usos que muitas vezes se entrelaccedilam e por isso podem natildeo ter fronteiras bem demarcadas No primeiro caso podemos pensar em usos rurais mais isolados em um dos polos e no outro em usos urbanos que sofreram maior padronizaccedilatildeo perpassados pelo ldquorurbanordquo que podem englobar por exemplo usos por falantes que migraram de uma regiatildeo para outra mas que ainda preservam seus antecedentes culturais e linguiacutesticos Em relaccedilatildeo agrave oralidade-letramento de um lado se enquadram os usos falados sem influecircncia direta da escrita e do outro os usos sob a mediaccedilatildeo da escrita enquanto a monitoraccedilatildeo estiliacutestica se refere aos usos mais monitorados e planejados de um lado do contiacutenuo e do outro usos mais espontacircneos e menos monitorados

Eacute importante em sala considerar esses contiacutenuos pois conforme Bagno (2017) ao se ampliar o repertoacuterio do aluno e ao inseri-lo cada vez mais em eventos da cultura letrada ele teraacute mais subsiacutedios para participar eficientemente das situaccedilotildees de interaccedilatildeo Nesse sentido eacute oportuno que a escola desenvolva atividades que possam levar os estudantes a dominar a liacutengua em praacuteticas sociais operando assim sobre as variadas dimensotildees da linguagem (gramatical semacircntica pragmaacutetica) (BRASIL 1998)

Nesse processo cabe ldquoinstrumentalizar o aprendiz para que ele possa descobrir com seus camaradas as determinaccedilotildees sociais

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das situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo assim como o valor das unidades linguiacutesticas no quadro de seu uso efetivordquo (DOLZ SCHNEUWLY 2004 p 47) Isso significa que no caso do tratamento da variaccedilatildeo em sala o foco deve ser refletir sobre os diferentes usos da linguagem conforme o contexto comunicativo avaliando as intenccedilotildees discursivas e os efeitos de sentido pretendidos e alcanccedilados

A perspectiva eacute trabalhar a diversidade que caracteriza a liacutengua contemplando os variados gecircneros textuais-discursivos orais ou escritos e contribuir consequentemente para ampliar a competecircncia linguiacutestico-comunicativa do estudante por meio de praacuteticas efetivas de uso da linguagem elevando a autoestima do aluno como falante da Liacutengua Portuguesa e conscientizando-o de que a variaccedilatildeo pode envolver avaliaccedilatildeo A esse respeito Cyranka (2014) pontua que a avaliaccedilatildeo linguiacutestica eacute um tema que deve ser discutido porque estaacute relacionado agraves atitudes em relaccedilatildeo agrave liacutengua e ao proacuteprio falante

Assim se crenccedilas imagens e percepccedilotildees sobre a liacutengua podem influenciar o comportamento linguiacutestico e social eacute necessaacuteria uma proposta pedagoacutegica que se oriente natildeo somente pela identificaccedilatildeo de que a liacutengua varia mas que ao constatar essa variaccedilatildeo envolva tambeacutem reflexatildeo conscientizaccedilatildeo e especialmente respeito e aceitaccedilatildeo da diversidade linguiacutestica Adotamos essa perspectiva com base em Bortoni-Ricardo (2005) porque ldquoa compreensatildeo indevida a natildeo compreensatildeo ou a subversatildeo [de] normas valores e atitudes podem resultar em atitudes violentas comportamentos agressivos atos preconceituosos diante da imposiccedilatildeo (e da natildeo aceitaccedilatildeo) autoritaacuteria de formas de ser pensar e agirrdquo (SOARES 2014 p 105)

Diante disso a partir do momento em que o aluno compreende o que eacute a variaccedilatildeo linguiacutestica e passa a aceitar a diversidade de usos poderaacute agir respeitosamente com relaccedilatildeo aos diferentes falares e aos usuaacuterios da linguagem e elevar sua autoestima como falante o que poderaacute resultar na geraccedilatildeo de avaliaccedilotildees positivas e

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no combate ao preconceito linguiacutestico Esse aliaacutes foi um de nossos objetivos ao levantarmos as imagens (negativas) de alguns alunos sobre o modo como eles proacuteprios se avaliavam como falantes da Liacutengua Portuguesa e a partir disso desmitificar crenccedilas e conscientizaacute-los sobre a diversidade linguiacutestica

Com base nesses pressupostos desenvolvemos a pesquisa cujo percurso de realizaccedilatildeo detalhamos no proacuteximo toacutepico

4 Percurso do estudo

A pesquisa que ora sintetizamos partiu de nossa experiecircncia em sala de aula especialmente pela observaccedilatildeo sobre as imagens negativas que os alunos da turma do 8ordm ano tinham da liacutengua dentre os quais destacamos um estudante que pouco participava das aulas devido agrave avaliaccedilatildeo que ele proacuteprio fazia de sua fala a qual considerava ldquoerradardquo por sua origem rural Tornou-se necessaacuterio assim compreendermos o fenocircmeno agrave luz de teorias pertinentes orientando-nos pelos pressupostos da Sociolinguiacutestica Educacional

Isso posto levantamos duas hipoacuteteses para a pesquisa observando se (1) os alunos demonstrariam ter imagens equivocadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica e a partir disso se (2) o tratamento da variaccedilatildeo poderia ser favorecido por meio do desenvolvimento de atividades Consideramos essas hipoacuteteses muito importantes porque a primeira focalizava o levantamento de imagens enquanto a segunda consequecircncia da outra referia-se ao tratamento dessas imagens em sala de aula

Por isso guiaram as metas da pesquisa sendo objetivo geral fazer uma abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com os alunos o que pressupunha tanto compreender como eles percebiam a diversidade da liacutengua quanto a partir dessas percepccedilotildees desenvolver atividades que priorizassem a abordagem da variaccedilatildeo em sala de aula e contribuiacutessem para o afloramento de imagens

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positivas em relaccedilatildeo agrave liacutengua agraves suas variedades e aos falantes no caso os proacuteprios estudantes

Com base nesse propoacutesito traccedilamos os objetivos especiacuteficos intencionando levantar as imagens dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa transformar a variaccedilatildeo linguiacutestica em componente curricular esclarecer sobre o preconceito linguiacutestico e desenvolver atividades que contemplassem o Portuguecircs padratildeo Esses objetivos se nortearam pela necessidade de os alunos terem imagens mais positivas sobre a liacutengua e de desenvolvermos em sala uma abordagem adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica assim como pela importacircncia de ensinarmos a variedade padratildeo do Portuguecircs a que eles tecircm direito dada a sua relevacircncia social

Para alcanccedilarmos esses objetivos orientamo-nos pela pesquisa etnograacutefica e pela pesquisa-intervenccedilatildeo Os estudos etnograacuteficos procuram analisar a natureza das relaccedilotildees entre as pessoas e o comportamento que adotam (TELLES 2002) no nosso caso a relaccedilatildeo professor-alunos e alunos-alunos no contexto da sala de aula O propoacutesito entatildeo foi procurar desvelar processos e eventos que poderiam por se tornarem rotineiros passar despercebidos (BORTONI-RICARDO 2008) principalmente por noacutes professores

Dessa forma nossa intenccedilatildeo foi com base em Feltran e Filho (1991) levantar dados sobre os alunos para que nossa praacutetica pedagoacutegica se tornasse adequada selecionando conteuacutedos e delineando estrateacutegias para o sucesso do processo educativo Para tanto analisamos a rotina da sala de aula avaliando a estrutura que a caracterizava na busca por situaccedilotildees que pudessem desencadear ressignificaccedilotildees do planejamento de aulas o que resultou na detecccedilatildeo de imagens negativas dos proacuteprios alunos sobre a variedade da liacutengua que usavam

Utilizamos dois procedimentos metodoloacutegicos para um entendimento da etnografia da sala de aula a) questionaacuterio b) atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica O primeiro recurso foi aplicado tanto a alunos quanto aos seus responsaacuteveis e continha questotildees

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que abordavam entre outros aspectos as praacuteticas de letramento e a avaliaccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa O Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de alunos era composto por 45 questotildees enquanto o Questionaacuterio Nordm 2 ndash Responsaacutevel por Aluno tinha 37 toacutepicos a serem respondidos As atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica foram quatro abordando as muacutesicas ldquoSaudosa Malocardquo ldquoAsa Brancardquo e ldquoChopis Centisrdquo e dois episoacutedios da novela ldquoAlma Gecircmeardquo O foco dessas atividades foi verificar a reaccedilatildeo dos alunos ao tipo de linguagem empregado e suscitar e levantar as avaliaccedilotildees positivas ou negativas que poderiam fazer desses usos

A partir disso pautamo-nos pela pesquisa-intervenccedilatildeo uma vez que pela reinterpretaccedilatildeo da sala de aula procuramos intervir socioanaliticamente (ROCHA AGUIAR 2003) ou seja com o entendimento da realidade dos alunos com base nas respostas dos questionaacuterios e das atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica propusemos uma accedilatildeo que pudesse transformaacute-la Consideramos entatildeo natildeo soacute o contexto escolar dos estudantes mas tambeacutem o social e assumimos um compromisso eacutetico-poliacutetico de implementar uma praacutetica inovadora (GABRE 2012) com o objetivo de contribuir para o entendimento da variaccedilatildeo linguiacutestica para a produccedilatildeo de imagens positivas sobre a Liacutengua Portuguesa e suas variedades e para a elevaccedilatildeo da autoestima dos alunos

Para promover essa intervenccedilatildeo elaboramos uma sequenciaccedilatildeo de atividades que se baseou no modelo em espiral da sequecircncia didaacutetica proposta por Dolz e Schneuwly (2004) e dos trecircs contiacutenuos da ecologia do Portuguecircs Brasileiro discutidos por Bortoni-Ricardo (2005) O objetivo dessa sequenciaccedilatildeo foi promover a reflexatildeo linguiacutestica problematizar o preconceito linguiacutestico e caracterizar a variaccedilatildeo linguiacutestica

Procuramos pois fomentar a reflexatildeo nos alunos Para tanto tomamos por base textos de diferentes gecircneros procedemos a atitudes e delineamos procedimentos para instigar e valorizar os conhecimentos preacutevios dos estudantes partindo de situaccedilotildees

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mais amplas ateacute chegar a um contexto mais especiacutefico abordando fenocircmenos linguiacutesticos mais conhecidos e provaacuteveis ateacute eventos de fala ou de escrita que poderiam ser de pouco entendimento dos estudantes ou de ocorrecircncia menos frequente em seus usos da linguagem

Estruturamos essa sequecircncia de atividades em 10 moacutedulos 1) ldquoNas sendas do patrimocircniordquo 2) ldquoA liacutengua como patrimocircniordquo 3) ldquoA liacutengua e a histoacuteria de Baratildeo de Cocaisrdquo 4) ldquoOs olhares sobre Baratildeo sobre si sobre a liacutenguardquo 5) ldquoO modo como eu falo eacute errado Eu sou um errordquo 6) ldquoSou da roccedila E daiacute O outro jaacute mora na cidade Mas todos somos cocaienses 7) ldquoA liacutengua que falamos e a liacutengua que escrevemosrdquo 8) ldquoNoacuteis vai Noacutes vamos E aiacuterdquo 9) ldquoO texto literaacuterio e a liacutenguardquo e 10) ldquoFim de um comeccedilo as variedades da liacutengua e a escolardquo

Depois do desenvolvimento de cada um dos moacutedulos aplicamos uma ldquoFicha de Avaliaccedilatildeordquo por meio da qual os alunos poderiam avaliar as atividades e dar sugestotildees Como instrumento de verificaccedilatildeo da aprendizagem aplicamos 3 atividades 1) reflexatildeo sobre o viacutedeo ldquoChico Bento no Shoppingrdquo 2) anaacutelise de trecho do ldquoLivro de Juiacutezes (12 46)rdquo 3) discussatildeo do viacutedeo ldquoPreconceito Linguiacutesticordquo

Os resultados desses procedimentos e tarefas satildeo apresentados e analisados na seccedilatildeo que se segue

5 Resultados gerais

Aplicamos aos alunos na fase diagnoacutestica de levantamento de dados o Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de Alunos Entre as diferentes questotildees que compunham o instrumento a ldquo42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo deteve nossa atenccedilatildeo As respostas dos 42 alunos apontaram que deles 405 tinham imagens negativas sobre a variedade da liacutengua que usavam tatildeo

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bem para se comunicarem no dia a dia Satildeo exemplos dessas percepccedilotildees28

1) ldquomais ou menos porque tem vezes que eu falo muitas coisas erradasrdquo (informante 6A8)

2) ldquoeu sou igual aos meus pais agraves vezes falo errado eu eacute porque falo errado mesmo eu puxei a minha famiacutelia eles tambeacutem falam erradordquo (informante 6A7)

3) ldquomuito ruim porque a minha liacutengua eacute presardquo (informante 6A4)

4) ldquomuito mal falo muito coisa erradardquo (informante 8A13)

5) ldquomais ou menos porque tem vezes que falo erradordquo (informante 8A8)

Esses e outros comentaacuterios dos alunos nos mostraram que a cultura do ldquoerrordquo era recorrente em suas percepccedilotildees estando muitas vezes relacionada agrave fala Em decorrecircncia dela os estudantes avaliavam negativamente o modo como usam a liacutengua instrumento por meio do qual se comunicam eficientemente no cotidiano Comprovamos assim a nossa hipoacutetese de que os educandos poderiam ter imagens equivocadas ou deturpadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica Esses dados obtidos estatildeo relacionados ao mito discutido por Bagno (2013) o usuaacuterio julga que natildeo sabe a proacutepria liacutengua da qual faz uso e considera que fala ldquoerradordquo

Diante dessas imagens iniciais procuramos obter dados mais sistematizados a partir das 4 atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica Observamos que foram geradas de modo geral avaliaccedilotildees negativas sobre alguns usos da Liacutengua Portuguesa sobretudo acerca de falares de pessoas de origem rural e com menos escolaridade Satildeo exemplos dessas avaliaccedilotildees

28 A transcriccedilatildeo de todos os comentaacuterios dos informantes foi revista de acordo com a ortografia oficial Foram utilizados coacutedigos para manter em sigilo o nome dos participantes conforme normas eacuteticas da pesquisa

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6) ldquopor causa do jeito que ele falou as palavras estava erradordquo (informante 6A12)

7) ldquoo modo de falar que eacute esquisitordquo (informante 6A23)

8) ldquoeacute muito estranhordquo (6A5)

9) ldquoporque eacute feia a conversa delesrdquo (informante 8A18)

10) ldquoeu consertaria a pessoa e falava o jeito certordquo (informante 8A2)

Foi necessaacuterio diante dessas percepccedilotildees trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica identificar usos da liacutengua e esclarecer o que eacute preconceito linguiacutestico combatendo-o por meio da abordagem dos trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica (BORTONI-RICARDO 2005)

Aplicamos entatildeo a sequenciaccedilatildeo de atividades Em relaccedilatildeo agrave qualidade da proposta desenvolvida os alunos de modo geral fizeram uma avaliaccedilatildeo positiva os 10 moacutedulos tiveram meacutedia de 40 para ldquobomrdquo e 47 para ldquoexcelenterdquo Jaacute em referecircncia agraves aprendizagens dos estudantes os trecircs exerciacutecios que aplicamos apresentaram interessantes iacutendices descritos na Tabela 1

Tabela 1 Resultados dos exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem

Exerciacutecio Questotildees objetivas

Meacutedia do iacutendice das respostas esperadas

ou adequadas das questotildees

Meacutedia do iacutendice das respostas

natildeo esperadas ou adequadas das

questotildees1 1 2 e 3 87 852 Uacutenica 865 1153 2 e 3 84 12

Fonte Dados obtidos a partir dos resultados de Soares (2014)

Os dados obtidos apontam mudanccedila significativa na percepccedilatildeo dos alunos Se antes por exemplo 405 dos 42 alunos

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apresentavam visotildees negativas sobre a proacutepria liacutengua que falavam ou sobre determinados usos especialmente os relacionados a situaccedilotildees de informalidade ou a falantes com menos escolaridade ou de aacutereas mais rurais percebemos que a grande maioria (mais de 84) reviu suas concepccedilotildees e passou a ter uma maior consciecircncia linguiacutestica compreendendo a variaccedilatildeo e respeitando a diversidade de usos Com isso a proposta de intervenccedilatildeo atingiu os objetivos propostos a) desmitificar crenccedilas negativas e preconceitos b) trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica conscientizando sobre os usos diversos da linguagem c) elevar a autoestima linguiacutestica dos alunos Podemos citar como exemplos de avaliaccedilotildees positivas os seguintes comentaacuterios dos estudantes

11) ldquoA valorizar a linguagem da roccedilardquo (informante 8A2)

12) ldquoQue natildeo devemos ter vergonha de nossa falardquo (informante 6A9)

13) ldquoSim eu falo a liacutengua muito bem porque eacute meu patrimocircniordquo (informante 6A17)

14) ldquoQue a gente tem que ter orgulho da nossa liacutenguardquo (informante 8A12)

15) ldquoA importacircncia de nossa liacutenguardquo (informante 8A11)

A reflexatildeo do informante 6A16 tambeacutem chamou nossa atenccedilatildeo

16) ldquoNatildeo existe linguagem errada Se noacutes falamos que a linguagem eacute errada noacutes somos erradosrdquo O estudante entatildeo natildeo soacute aponta para a conclusatildeo de que eacute incorreto afirmar que a liacutengua que falamos eacute ldquoerradardquo mas tambeacutem direciona para uma importante discussatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e identidade do falante Se a liacutengua eacute considerada ldquoerradardquo o falante estaacute agindo para caracterizar a si ou ao outro como um ldquoerrordquo o que na percepccedilatildeo do aluno natildeo pode ocorrer Corroboram essa reflexatildeo do educando outros comentaacuterios que repudiam o preconceito linguiacutestico

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17) ldquoEu acho muito ruim o racismo com as pessoas soacute pelo jeito que ela fala o sotaque pode ser diferente natildeo precisa ser racista pelo jeito de falarrdquo (informante 6A16)

18) ldquoEu acho que natildeo [se] deve julgar algueacutem pelo jeito que ela fala [pois] isto magoa as pessoasrdquo (informante 6A16)

19) ldquoUm preconceito linguiacutestico e isso eacute um crime graverdquo (informante 8A14)

20) ldquoNatildeo acho certo porque ningueacutem tem o direito de julgar o proacuteximo por causa de liacutenguardquo (informante 6A17)

21) ldquoOs preconceitos As pessoas devem ser respeitadasrdquo (informante 6A22)

Um exemplo tambeacutem interessante eacute o relato do estudante 8A5 que nas atividades apontou que 22) ldquoeacute a liacutengua que falamos ela representa riqueza e valorrdquo quando anteriormente havia respondido no Questionaacuterio do Aluno para a ldquoQuestatildeo 42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo 23) ldquoNatildeo gostordquo (informante 8A5) O aluno modificou consideravelmente sua percepccedilatildeo sobre a liacutengua que usa

Esses resultados e comentaacuterios sinalizam que trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica por meio dos contiacutenuos propostos por Bortoni-Ricardo (2005) pode ser uma proposta produtiva natildeo soacute porque desmitifica preconceitos e crenccedilas negativas sobre a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem porque contribui para que os alunos compreendam sistematicamente a variaccedilatildeo linguiacutestica Diante dessas observaccedilotildees tecemos nossas conclusotildees

6 Consideraccedilotildees finais

Nosso propoacutesito com a pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014) foi captar e analisar o modo como os alunos percebiam a si mesmos

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como falantes do Portuguecircs Brasileiro e a partir disso propor uma abordagem de ensino adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica

Nesse intuito aplicamos um questionaacuterio aos estudantes e constatamos que boa parte deles tinha uma imagem negativa da liacutengua que usavam Para obtermos dados mais precisos sobre essa questatildeo desenvolvemos quatro atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica cujos resultados confirmaram nossa hipoacutetese de que os estudantes apresentavam imagens negativas sobre determinados usos da liacutengua sobretudo daqueles falares de pessoas com origem rural ou com menos escolaridade

A partir disso delineamos uma proposta de intervenccedilatildeo estruturada em 10 moacutedulos e baseada nos pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos da Sociolinguiacutestica Educacional em especial nas discussotildees de Bortoni-Ricardo (2005) sobre os trecircs contiacutenuos (rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica) que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro

Os resultados dos moacutedulos desenvolvidos e dos trecircs exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem aplicados apontam que foi muito positiva a estrateacutegia de abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com base nesses contiacutenuos Por um lado inferimos a partir de Pastorelli (2012) e Orsi (2011) que valores e comportamentos linguiacutesticos natildeo se alteram rapidamente porque jaacute fazem parte da identidade dos falantes e da cultura na qual essa personalidade foi se formando e que influencia sobremaneira o jeito de cada um de ser pensar e agir

Poreacutem por outro lado ao entenderem os fatores que influenciam a diversidade linguiacutestica e ao aceitarem e respeitarem essa variedade os alunos criaram imagens mais positivas da liacutengua que usam e consequentemente poderatildeo adotar comportamentos linguiacutesticos e sociais tambeacutem mais positivos inclusive sobre si mesmos na condiccedilatildeo de falantes competentes da Liacutengua Portuguesa elevando assim a sua autoestima

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Uma abordagem da liacutengua nessa perspectiva pressupotildee que seja essencial o professor considerar a realidade linguiacutestico-social dos alunos refletir sobre a relevacircncia social poliacutetica e cultural de uma abordagem quase exclusiva da norma-padratildeo e planejar atividades que contemplem a gama de variedades que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro A anaacutelise da liacutengua sob esses paracircmetros contribui para o descarte de preconceitos para o entendimento de que natildeo haacute liacutengua ou variedade melhor do que outra pois satildeo funcionalmente equivalentes e para a aceitaccedilatildeo de que a variaccedilatildeo eacute um fenocircmeno inerente agrave linguagem em decorrecircncia da proacutepria natureza humana notadamente marcada por uma grande diversidade sociocultural

Assim o estudo da variaccedilatildeo linguiacutestica se torna ao mesmo tempo socializado e socializante porque ao discutir e problematizar a diversidade da linguagem instrumentaliza o aluno para usar a liacutengua de acordo com a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo o gecircnero textual-discursivo o interlocutor e o propoacutesito comunicativo Com isso ao desenvolver propostas que abordem os diferentes usos linguiacutesticos o docente poderaacute contribuir para que os conhecimentos dos estudantes sobre a liacutengua se ampliem o que consequentemente poderaacute colaborar para o aperfeiccediloamento de sua competecircncia comunicativa potencializando dessa forma sua atuaccedilatildeo na sociedade

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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1 Introduccedilatildeo

Apresentamos neste capiacutetulo os resultados de uma pesquisa29 realizada no municiacutepio de Lontra localidade interiorana com alguns usos linguiacutesticos peculiares que motivaram esta investigaccedilatildeo sendo um deles em especial a alternacircncia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos moradores daquele lugar O municiacutepio localiza-se na regiatildeo do norte de Minas Gerais e conta com uma populaccedilatildeo estimada de 9008 habitantes segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)30 Iniciou seu processo de povoamento agraves margens de uma lagoa (habitada pelo animal lontra daiacute o nome do lugar) que era ponto de parada para descanso de tropeiros e viajantes que por ali passavam transportando mercadorias em lombos de animais e carros de boi Por sua localizaccedilatildeo estrateacutegica alguns viajantes foram fixando morada naquele ponto surgindo entatildeo as primeiras famiacutelias que deram origem agrave comunidade

A escola locus da pesquisa eacute a Escola Estadual Guimaratildees Rosa instituiccedilatildeo onde atuamos como docente Eacute a uacutenica da rede estadual do municiacutepio atende cerca de 900 alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental ao 3ordm ano do ensino meacutedio com funcionamento nos trecircs turnos Escolhemos como puacuteblico-alvo duas turmas do 8ordm ano do Ensino Fundamental totalizando 48 alunos sendo 27 meninas e 21 meninos

Assim nossas observaccedilotildees empiacutericas e aleatoacuterias na lida diaacuteria como professora e tambeacutem como moradora da cidade somadas ao ineditismo do estudo do fenocircmeno linguiacutestico em questatildeo especificamente em Lontra-MG direcionaram nosso trabalho

Durante a investigaccedilatildeo sobre o fenocircmeno percebemos a estigmatizaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos visto que a forma de

29 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly381yRFu30 Dados obtidos no siacutetio httpscidadesibgegovbrbrasilmglontrapanorama Acesso em 15 jul 2019

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tratamento ao interlocutor nos diaacutelogos travados entre os falantes nem sempre era por meio do ldquovocecircrdquo forma pronominal de uso corriqueiro entre os usuaacuterios da Liacutengua Portuguesa do Brasil Em situaccedilotildees de informalidadeintimidadeproximidade com seu interlocutor o morador da comunidade pesquisada usa o ldquoturdquo (pronome de segunda pessoa) poreacutem sem proceder agrave concordacircncia verbal conforme exige a variedade padratildeo do Portuguecircs brasileiro ou seja o falante usa o ldquoturdquo entretanto o verbo eacute conjugado na terceira pessoa do singular (Exemplo ldquoTu foi laacuterdquo) fenocircmeno que gera preconceito linguiacutestico entre os moradores do lugar Lontra e os das localidades vizinhas

Por essas razotildees propusemo-nos a descrever e analisar o uso das duas formas pelos alunos informantes em contextos variados de interlocuccedilatildeo e tambeacutem investigar se o que acontecia com esses usos linguiacutesticos era um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e em caso afirmativo quais fatores motivavam essa alternacircncia de uso quais os reflexos da fala na escrita e que percepccedilotildees no que concerne agraves crenccedilas e atitudes linguiacutesticas tal fenocircmeno despertava nos sujeitosinformantes

Formulamos para esta proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses que seriam comprovadas ou refutadas ao final da pesquisa a saber a) a alternacircncia no uso das variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e fatores estruturais e natildeo estruturais influenciam essa alternacircncia b) a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo em liacutengua materna baseada nas propostas teoacutericas para o ensino e a aprendizagem das variedades linguiacutesticas brasileiras leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada (BAGNO 2004)

Isso posto supondo a existecircncia de variaccedilatildeo no uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo sendo o ldquoturdquo usado como variante regional que coocorre com o ldquovocecircrdquo e que esse uso gera preconceito e

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ainda que a linguagem oral estaria influenciando a escrita dos alunos definimos como objetivo principal pesquisar a alternacircncia de uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo em contextos variados de interlocuccedilatildeo identificados na fala e na escrita daqueles alunos bem como as crenccedilas e atitudes negativas consequentes do uso dessa variaccedilatildeo Definimos tambeacutem os seguintes objetivos especiacuteficos a) atualizar nossos conhecimentos natildeo soacute sobre algumas teorias que tratam da variaccedilatildeo e mudanccedilas linguiacutesticas mas tambeacutem da educaccedilatildeo linguiacutestica das crenccedilas e atitudes diante da linguagem b) descrever os usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos sujeitos participantes da pesquisa c) apontar possiacuteveis influecircncias de fatores estruturais e natildeo estruturais no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na fala dos participantes da pesquisa d) verificar possiacuteveis interferecircncias da oralidade no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na escrita dos alunos e) elaborar e desenvolver uma proposta de ensino cujo conteuacutedo contribua para o ensino da Liacutengua Portuguesa focando o estudo das variaccedilotildees linguiacutesticas e com isso promover uma educaccedilatildeo linguiacutestica e uma aprendizagem condizente com o ensino da gramaacutetica normativa especialmente no que concerne ao uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Nesse contexto considerando que a pesquisa visava ao registro dos usos das formas de tratamento em tela e tambeacutem agrave elaboraccedilatildeo de alternativas para trabalhar via ensino o problema detectado dividimos o trabalho em duas etapas denominadas ldquoEtapa Diagnoacutesticardquo e ldquoProposta de Ensinordquo A primeira teve como objetivos quantificar e analisar o uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes com a finalidade de verificar se o aspecto linguiacutestico ocorrido em Lontra se tratava de um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica A segunda etapa tratou da elaboraccedilatildeo e desenvolvimento de uma proposta de ensino cujas atividades intencionavam promover a educaccedilatildeo linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

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2 Pressupostos teoacutericos

Este estudo teve como aparato teoacuterico a Sociolinguiacutestica (LABOV 2008 [1972]) a Dialetologia e a Geografia Linguiacutestica (BRANDAtildeO 1991) a vertente Sociolinguiacutestica Educacional (BORTONI-RICARDO 2004 SCHERRE 2005) e ainda Crenccedilas e Atitudes Linguiacutesticas (LEITE 2008 SCHERRE 2008 2009 2015) entre outros autores que subsidiaram a abordagem do assunto

Baseada nos princiacutepios labovianos Alkmin (2005) reporta que a Sociolinguiacutestica eacute a aacuterea de estudo que investiga a relaccedilatildeo entre liacutengua e sociedade sendo elas indissociaacuteveis porquanto deram origem agrave base que constitui o homem Assim a linguagem estaacute intrinsecamente atrelada a diversos fatores sociais que permeiam a vida do ser humano como idade sexo classe social niacutevel de escolaridade profissatildeo dentre outros Logo compreender essa relaccedilatildeo implica entender os interlocutores e todo o contexto em que se estabelece uma interaccedilatildeo verbal

Labov (2008 [1972]) precursor da Sociolinguiacutestica considera o contexto de fala e o uso social da liacutengua materna como aspectos essenciais para a compreensatildeo de diversas situaccedilotildees que envolvem os usos linguiacutesticos Por isso defende que natildeo se pode dissociar os estudos de uma liacutengua de seu uso pelos falantes Afirma o autor que em toda comunidade de fala satildeo comuns formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo o que corrobora a heterogeneidade linguiacutestica porquanto variaccedilatildeo implica dinamismo e vivacidade imbricados no conceito de liacutengua natural humana

Nessa linha Brandatildeo (1991) complementa que quando se expressa o indiviacuteduo transmite natildeo soacute o que estaacute inserido em seu discurso mas tambeacutem um conjunto de muitos outros dados que permite conhecer seu idioleto e ainda filiaacute-lo a um determinado grupo uma comunidade linguiacutestica composta por membros que interagem verbalmente e compartilham as mesmas regras linguiacutesticas Diante disso as variaccedilotildees da liacutengua satildeo assimiladas

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pelos falantes no conviacutevio com seus pares que se expressam pelas caracteriacutesticas peculiares proacuteprias de seu grupo ou da regiatildeo em que vivem Assim sendo tais variaccedilotildees natildeo podem ser vistas como negativas ou problemaacuteticas pelo contraacuterio manifestam-se como parte da diversidade linguiacutestica inerente a quaisquer sistemas linguiacutesticos caracterizando-se como mecanismos que compotildeem o todo constitutivo da liacutengua

Tarallo (1994 p 8) com base na teoria laboviana pondera que se haacute formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo haacute variantes linguiacutesticas que satildeo ldquodiversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdaderdquo Se investigamos um possiacutevel caso de variaccedilatildeo linguiacutestica pressupomos a investigaccedilatildeo das variantes coocorrentes no caso desta pesquisa as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Segundo a abordagem gramatical normativa a partir de Cunha e Cintra (2001) e Bechara (2009) os dois pronomes pertencem ao campo da segunda pessoa logo com quem se fala de modo que os primeiros autores inserem o ldquovocecircrdquo como verdadeiro pronome pessoal natildeo soacute de tratamento Entretanto pelo histoacuterico diacrocircnico demarcativo de classes (principalmente o ldquoturdquo) ao longo da evoluccedilatildeo das duas formas pronominais adotamos o termo forma de tratamento quando nos referimos aos dois pronomes em nosso trabalho

Biderman (1972-73) traccedila um breve percurso do ldquoturdquo afirmando haver registro da forma desde a Idade Meacutedia Segundo a autora a histoacuteria desse pronome assim como a de seu par plural no paradigma pronominal do Portuguecircs o ldquovoacutesrdquo sempre esteve relacionada agraves estruturas sociais que representam O ldquovoacutesrdquo de um lado indicando a forccedila e o poder da alta sociedade e em contrapartida o ldquoturdquo caracterizando a fala das pessoas das camadas socioeconomicamente desprivilegiadas Em sociedades de diferentes lugares do mundo as formas de tratamento sempre se comportaram como divisores de classes separando quem fazia

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parte da elite daqueles que pertenciam agraves camadas populares Na atualidade no Brasil o pronome ldquovoacutesrdquo apesar de continuar integrando o quadro dos pronomes pessoais tornou-se forma arcaizada visto que ldquovocecircsrdquo acabou por assumir o papel de plural da segunda pessoa

Por sua vez a forma ldquovocecircrdquo segundo a mesma autora passou por diversas transformaccedilotildees foneacuteticas ao longo de seu processo evolutivo desde a sua forma primitiva lsquovossa mercecircrsquo Novamente notamos a influecircncia das formas de tratamento representativas de segmentos da sociedade como causa de mudanccedilas de uso da liacutengua haja vista que ldquovossa mercecircrdquo apoacutes perder seu prestiacutegio honoriacutefico popularizou-se e passou por diversas mudanccedilas ateacute chegar a ldquovocecircrdquo inclusive jaacute com registro no Brasil da forma reduzida lsquocecircrsquo

Nessa trilha tendo o ldquovocecircrdquo surgido posteriormente ao ldquoturdquo no Brasil segundo Coelho (2008 p 5) aquela forma ldquoeacute hoje amplamente usada por noacutes tanto em situaccedilotildees formais quanto informais em substituiccedilatildeo a lsquotursquo de emprego cada vez mais restritordquo Contrassenso em algumas regiotildees do paiacutes as duas formas passaram a disputar o mesmo espaccedilo em relaccedilotildees de maior proximidade entre as pessoas O diferencial eacute que lsquovocecircrsquo forma dominante eacute usada em situaccedilotildees de relativa proximidade talvez ainda heranccedila de sua forma arcaica e do seu contexto de uso representando a hierarquizaccedilatildeo portuguesa enquanto o ldquoturdquo como advogam Scherre et al (2015 p 162) ldquotrata-se de um lsquotursquo brasileiro que em muitas comunidades instaura-se sem concordacircncia expressa na forma verbal (tu fala) de forma diferente do que registra a tradiccedilatildeo gramatical (tu falas)rdquo

Retomando o campo das variaccedilotildees da liacutengua Alkmin (2005) assegura que formas distintas de se dizer uma mesma coisa satildeo facilmente encontradas no Portuguecircs Brasileiro (PB) marcas do Portuguecircs padratildeo e natildeo padratildeo alternando-se equivalendo-se linguisticamente Como jaacute discutido anteriormente variabilidade

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perfeitamente aceitaacutevel visto que todas as liacutenguas satildeo passiacuteveis de variaccedilatildeo

No entanto percebemos ainda uma linha tecircnue entre essa equivalecircncia padratildeo e natildeo padratildeo preconizada pela Linguiacutestica Bortoni-Ricardo (2004) uma das pesquisadoras da vertente Sociolinguiacutestica Educacional assevera que as variedades linguiacutesticas existem satildeo reais e estatildeo por toda parte representadas pelasnas manifestaccedilotildees comunicativas das mais diversas vozes e lugares Contudo muitos creem em uma pseudossuperioridade linguiacutestica ou seja que haacute determinadas variaccedilotildees que se sobrepotildeem a outras mesmo na ausecircncia de fundamentaccedilatildeo linguiacutestico-teoacuterica que explique a assertiva Para a autora eacute inadmissiacutevel que uma variedade seja considerada melhor mais aceitaacutevel ou mais recomendaacutevel que outra Por isso propotildee que se desenvolvam praacuteticas educativas para o envolvimento de todos os falantes de todas as classes jaacute que somos igualmente partiacutecipes de praacuteticas sociais que demandam diversos conhecimentos linguiacutesticos para que se desmitifiquem tais crenccedilas

Sabemos que algumas variedades gozam de prestiacutegio linguiacutestico todavia satildeo juiacutezos de valor em torno de determinados falares que consoante Bortoni-Ricardo (2004) geram preconceitos linguiacutesticos que devem ser veementemente combatidos Para Leite (2008) a sociedade tem insistido em ignorar a intoleracircncia linguiacutestica por ser um mal que atinge o ser humano em sua subjetividadeindividualidade A autora complementa que a natildeo toleracircncia linguiacutestica pode estar imiscuiacuteda em outras intoleracircncias tatildeo nefastas quanto ela contudo natildeo menos condenaacutevel do que qualquer outra Scherre (2005 p 89) enfatiza que ldquopraticar preconceito linguiacutestico expliacutecito ou impliacutecito eacute sem duacutevida atentar contra a cidadaniardquo Em funccedilatildeo disso no sentido de assegurar o legiacutetimo direito de o homem se manifestar foi criada em junho de 1996 a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos31 com o fim de formalizar um documento

31 ORGANIZACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA A EDUCACcedilAtildeO A CIEcircNCIA E A CULTURA Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos 1996

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que permitisse ldquocorrigir os desequiliacutebrios linguiacutesticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as liacutenguas e estabelecer os princiacutepios de uma paz linguiacutestica planetaacuteria justa e equitativa como fator fundamental da convivecircncia socialrdquo

3 Metodologia

Por ser a metodologia o estudo dos caminhos a serem seguidos para se conseguir os melhores meacutetodos para produzir conhecimento adotamos como propostas norteadoras deste trabalho a pesquisa descritiva sociolinguiacutestica laboviana (quantitativa e qualitativa) na primeira etapa da pesquisa quando quantificamos e analisamos o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes na segunda etapa a vertente Sociolinguiacutestica Educacional e a pesquisa-accedilatildeo

Para Abdalla (2005) a pesquisa-accedilatildeo eacute uma alternativa possiacutevel de anaacutelise e avaliaccedilatildeo das praacuteticas docentes e nas palavras de Tripp (2005 p 443) seria ldquotoda alternativa continuada sistemaacutetica e empiricamente fundamentada de aprimorar a praacuteticardquo No entanto Thiollent (2011) adverte que natildeo se trata de uma metodologia mas de uma estrateacutegia de pesquisa que agrega vaacuterios outros meacutetodos ou teacutecnicas

Antes de iniciarmos a anaacutelise dos dados coletados apresentamos a variaacutevel linguiacutestica de segunda pessoa do singular (variaacutevel dependente) com a qual trabalhamos bem como suas variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e suas variantes foneacuteticas ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) Essas duas formas de tratamento usadas pelos informantesmoradores de Lontra de um modo geral alternam entre si se substituem em um mesmo contexto de fala por isso as escolhemos como variantes linguiacutesticas

Relacionamos ainda os fatores estruturais e natildeo estruturais que apontamos e analisamos neste trabalho

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a) Os fatores estruturais observados nos dados coletados foram

i) Funccedilatildeo sintaacutetica da forma (posiccedilatildeo de sujeito posiccedilatildeo de objeto sem preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento com preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento de nome)

ii) Tipo de frase em que a forma ocorre (afirmativa negativa interrogativa)

iii) Ambiente fonoloacutegico precedente (pausa vogal consoante)

iv) Morfologia da forma verbal (forma simples locuccedilatildeo verbal)

v) Paradigma flexional do verbo (verbo regular verbo irregular)

vi) Contexto de interpretaccedilatildeo (forma definida e forma indefinida)

b) Os fatores natildeo estruturais observados

i) Classe social privilegiada e natildeo privilegiada

ii) Grau de intimidade + proacuteximo - proacuteximo (entre colegas professores e diretor)

iii) Procedecircncia geograacutefica rural e urbana

iv) Sexo masculino e feminino

Conforme jaacute mencionado esta pesquisa foi dividida em duas etapas Na primeira realizamos a coleta dos dados da fala e da escrita dos sujeitos informantes quantificamos e analisamos esses dados a fim de verificar se o fenocircmeno ocorrido em Lontra apontava para um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Na segunda com base nos resultados obtidos na primeira etapa e tendo como premissa o respeito e a aceitaccedilatildeo das variaccedilotildees crenccedilas e atitudes linguiacutesticas e ainda verificando se o uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo seguia a tradiccedilatildeo gramatical do Portuguecircs Brasileiro elaboramos

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e desenvolvemos uma proposta de ensino estruturada em quatro oficinas cujas atividades objetivavam a promoccedilatildeo da educaccedilatildeo linguiacutestica dos conhecimentos sobre diversidade linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

4 Descriccedilatildeo da proposta de ensino e anaacutelise dos dados

Nesta seccedilatildeo apresentamos a metodologia das duas etapas proposta de ensino e diagnose os dados coletados tanto de oralidade quanto de escrita nas duas etapas Procedemos agrave anaacutelise e na sequecircncia apresentamos os resultados obtidos

41 Primeira etapa diagnoacutestica

Os dados analisados nesta etapa foram extraiacutedos de dois corpora um de escrita e outro de oralidade Os que compotildeem o corpus de escrita foram coletados em duas atividades aplicadas 1ordf atividade ndash uma entrevista ao colega (Fato acontecido ndash Creche Gente Inocente) e 2ordf atividade ndash um bilhete (Um bilhete para um amigo) Jaacute o corpus de oralidade eacute composto por dados coletados em duas gravaccedilotildees de aacuteudios via celular utilizando a ferramenta WhatsApp por meio da qual duas mensagens foram enviadas (uma para algueacutem especial ndash amigo irmatildeo matildee madrinha ndash e outra para a professora de Portuguecircs) Escolhemos a ferramenta WhatsApp por acreditarmos na eficiecircncia desse veiacuteculo moderno atual de faacutecil acesso e manuseio para fazer as gravaccedilotildees o que poderia nos garantir a coleta do vernaacuteculo o mais proacuteximo possiacutevel do real

Apoacutes a aplicaccedilatildeo das duas atividades escritas mencionadas apresentamos a seguir duas tabelas (1 e 2) que trazem os resultados obtidos nessa parte da primeira etapa Mostram as ocorrecircncias de registro das formas de tratamento pelos alunos das duas turmas 8ordm ano 4 e 8ordm ano 5

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Tabela 1 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 1ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (1ordf atividade escrita ndash ldquoFato acontecido ndash Creche Gente

Inocenterdquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 55 - - 2 57

965 - - 35 100

8ordm ano 5N Oc 19 6 3 22 50

38 12 6 44 100Totais N Oc 74 6 3 24 107

Percentuais 691 56 28 224 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

A siacutentese sobre o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo nas duas turmas do 8ordm ano nessa primeira atividade escrita conforme a Tabela 1 aponta os seguintes nuacutemeros do total das 107 referecircncias ao interlocutor usando uma forma pronominal tivemos 83 ocorrecircncias (775) da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes e 24 (225) da forma ldquoturdquo Em todos os casos a referecircncia foi feita a um colega de sala de conviacutevio diaacuterio Assim percebemos quatildeo variadas foram as formas de se dirigir ao interlocutor mesmo que em alguns momentos se tenha percebido grau de monitoramento da linguagem creditado talvez ao ambiente sala de aula escola A seguir apresentamos alguns exemplos das ocorrecircncias das formas de tratamento registradas

a) ldquoQuando tu passocirc laacute na frente quem cecirc viu laacute na hora ou perto de laacuterdquo (FMS-S8T5)

b) ldquoComo vocecirc ficou sabendo de tudo como ficou bem informadardquo (FRL-S6T4)

Tabela 2 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 2ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (2ordf atividade escrita ndash ldquoUm bilhete para um amigordquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ocecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 12 1 - - 4 17

705 59 - - 236 100

8ordm ano 5N Oc 6 1 1 1 8 17

353 59 59 59 47 100Totais N Oc 18 2 1 1 12 34

Percentuais 53 59 29 29 353 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

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Conforme a Tabela 2 nessa atividade do total de 34 ocorrecircncias de uso das formas de tratamento referentes agraves duas turmas obtivemos 22 casos da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes ou seja 647 e 12 ocorrecircncias do ldquoturdquo 353 Em resumo temos entatildeo na escrita as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo duas variantes duas alternativas de referecircncia ao interlocutor nos usos que os sujeitos da pesquisa fazem delas as quais chamamos variaacutevel dependente As outras formas variantes de ldquovocecircrdquo (ldquoucecircrdquo ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) aparecem com menor ocorrecircncia Registramos em seguida alguns exemplos dos dados coletados

a) ldquoR porque vocecirc natildeo foi na praccedila aquele dia que agente marcourdquo (JVFS-S13T4)

b) ldquoF por que tu natildeo foi hoje laacute em casa Fiquei te esperando laacuterdquo (GAQ-S7T4)

Os dados da escrita revelaram que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na escrita influenciada por fatores natildeo estruturais como o sexo uma vez que a turma com maior nuacutemero de alunos do sexo feminino (turma 4 ndash 70 de mulheres) fez mais uso da variedade padratildeo enquanto a outra (turma 5) com maioria de alunos do sexo masculino (62) utilizou com mais recorrecircncia a variedade natildeo padratildeo tanto no uso das variantes foneacuteticas de ldquovocecircrdquo quanto no uso do ldquoturdquo sem a concordacircncia com o verbo e o grau de intimidade haja vista que foi comprovado o uso do pronome ldquoturdquo por 353 do total de alunos das duas turmas conforme a Tabela 2 O uso de tal forma de tratamento pelos moradores de Lontra representados pelos sujeitos da pesquisa soacute eacute feito com quem se tem intimidade no caso foi utilizado em referecircncia a pessoas proacuteximas como colegas de sala

Apresentamos na sequecircncia os resultados obtidos com os dados da oralidade coletados por meio de gravaccedilotildees de mensagens via WhatsApp

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A Tabela 3 a seguir mostra os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT232) que compotildeem o corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 4 constando nela a gravaccedilatildeo de um recadinho para uma pessoa querida e uma curiosidade sobre a professora de Portuguecircs Tratamos do uso das formas utilizadas nas duas atividades separadamente

Tabela 3 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 4 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras

FormasTotalCR

TotalSR

AT1 - (Amigo matildee tia irmatilde)

N Oc 11 - - 10 8 - 2929 0231 38 - - 345 276 - 100 64

AT2 - (Professora)

N Oc 23 - - 6 - 1 3030 0636 767 - - 20 - 33 100 167

Totais - AT1 e AT2

N Oc 34 - - 16 8 1 5959 0867 576 - - 271 135 17 100 12

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Do total de textos analisados nessa turma foram registradas na AT1 29 referecircncias diretas ao interlocutor utilizando uma das formas investigadas Desse nuacutemero obtivemos 21 ocorrecircncias (724) da variante ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e 8 (276) da forma ldquoturdquo Em dois textos do corpus (64) os informantes natildeo fizeram uso de forma de tratamento alguma Jaacute na AT2 foram registradas 30 referecircncias diretas ao interlocutor usando uma forma de tratamento Desse total 29 informantes (967) utilizaram a forma ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) um aluno (33) utilizou a forma ldquosenhorardquo Eacute possiacutevel perceber que nenhum informante se referiu agrave professora utilizando a forma ldquoturdquo diferentemente das referecircncias ao amigo na AT1 Registra-se que seis informantes (167) natildeo utilizaram diretamente nenhuma das formas de tratamento Seguem alguns exemplos desses dados O primeiro retirado da AT1 e o segundo da AT2

32 AT1 e AT2 leem-se Atividade 1 e Atividade 2

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a) ldquoM tu vai no jogo amanhatilde se tu focirc eu passo aiacute na tua casardquo (JVFS-S13T4)

b) ldquo soacute vim agradececirc por vocecirc secirc uma professora maravilhosa te amordquo (RGBR-S22T4)

A Tabela 4 a seguir apresenta os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT2) do corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 5

Tabela 4 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 5 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras Total

CRTotalSR

AT1 (Amigo familiar)

N Oc - - 1 4 11 - 1616 0822

- - 62 25 688 - 100 363

AT2 (Professora)

N Oc 12 - - 4 - 4 2020 323

60 - - 20 - 20 100 13

Totais N Oc 12 - 1 8 11 4 3636 1145

Percentuais 333 - 27 194 305 111 100 244

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Na primeira atividade (AT1) do total de alunos participantes (21) apenas 13 informantes fizeram referecircncia direta aos seus interlocutores usando uma forma de tratamento Como dois informantes repetiram a mesma forma e um usou duas das formas (ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) em um mesmo dado de fala contabilizamos entatildeo 16 ocorrecircncias Das formas usadas para se referir ao amigopessoa especial (ldquoocecircucecircrdquo ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) o uso do ldquoturdquo foi o mais detectado porque a maioria 11 informantes (688) fez uso dessa forma pronominal Salientamos que nenhum informante utilizou a forma padratildeo ldquovocecircrdquo mas contabilizamos cinco ocorrecircncias das variantes ldquocecircrdquo e ldquoucecircrdquo (312) Oito informantes (363) natildeo registraram forma

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de tratamento alguma expliacutecita Jaacute na AT2 das 20 ocorrecircncias das formas de tratamento analisadas (dois informantes usaram mais de uma forma) em referecircncia direta agrave professora foram usadas as formas de tratamento ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e ldquosenhorardquo Desse total 16 informantes (80) enviaram o recadinho referindo-se agrave professora como ldquovocecircrdquo (e ldquocecircrdquo) e quatro correspondendo a 20 fizeram uso da forma ldquosenhorardquo Assim como na outra turma ningueacutem se referiu agrave professora utilizando o pronome ldquoturdquo Seguem alguns exemplos desses dados analisados O primeiro retirado da AT1 o segundo da AT2

a) ldquo mas tu sumiu comeacute qui foi tuas feacuterias mininardquo (MCA-S16T5)

b) ldquoZenilda vocecirc poderia me dizer como estaacute meu comportamento dentro da sala de aulardquo (SHLB-S19T5)

Numa anaacutelise geral da primeira parte do corpus de oralidade (AT1) do total de 48 amostras das duas turmas em 38 delas ou seja 792 os participantes se referiram ao seu interlocutor usando uma forma de tratamento num total de 45 ocorrecircncias jaacute que alguns informantes fizeram uso de mais de uma forma Desse total houve 19 ocorrecircncias ou seja 422 de uso do ldquoturdquo para se referir ao amigo e 26 ocorrecircncias que correspondem a 578 do ldquovocecircrdquo (e suas variantes)

Na segunda parte do corpus de oralidade (AT2) de 46 amostras em 37 delas correspondendo a 804 apareceram as formas de tratamento num total de 50 ocorrecircncias uma vez que um mesmo informante repetiu ou fez uso de mais de uma forma em uma mesma amostra Desse total de ocorrecircncias em 45 delas ou seja 90 aparece o uso da forma pronominal ldquovocecircrdquo (e a variante ldquocecircrdquo) para se referir agrave professora e em 5 que correspondem a 10 dos casos foi registrado o uso da forma de tratamento correspondente ldquosenhorardquo Ressalta-se aqui um dado relevante natildeo houve caso algum de referecircncia agrave professora com o uso da forma pronominal ldquoturdquo o que revela distanciamento ausecircncia de intimidade respeito apesar do conviacutevio quase diaacuterio

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Sendo assim pelos dados de fala eacute possiacutevel afirmar que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na oralidade dos alunos do 8ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Guimaratildees Rosa ndash LontraMG

Comprovada a influecircncia dos fatores natildeo estruturais sexo (a turma com um nuacutemero maior de meninas (70) 8ordm ano 4 fez mais usos da forma padratildeo ldquovocecircrdquo e menos usos do ldquoturdquo sem concordacircncia com o verbo) e grau de intimidade constatamos tambeacutem a influecircncia do fator classe social Comparando os usos das formas feitos pelas duas turmas nas atividades de fala e de escrita analisando o perfil dos discentes foi possiacutevel perceber que a turma de classe social menos privilegiada (8ordm ano 5) fez mais usos da variedade natildeo padratildeo da liacutengua Foi a turma que mais utilizou o pronome ldquoturdquo (na referecircncia ao colega nas atividades de oralidade fez uso do ldquoturdquo em 688 das ocorrecircncias e nenhum uso de ldquovocecircrdquo mas de suas variantes ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo em 312) Natildeo detectamos a influecircncia do fator procedecircncia geograacutefica

Foi analisada ainda a atuaccedilatildeo dos grupos de fatores estruturais funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia verbal paradigma flexional do verbo contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre em relaccedilatildeo ao comportamento da variaacutevel dependente ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) Chegamos aos seguintes resultados do total geral de 231 dados 90 de oralidade e 141 de escrita obtivemos 176 ocorrecircncias do ldquovocecircrdquo (e variantes) e 55 do ldquoturdquo

Percebemos que prevalece na maioria dos usos dos pronomes de segunda pessoa a funccedilatildeo sintaacutetica das formas de tratamento em posiccedilatildeo de sujeito (oralidade 90 dos casos e escrita 978 dos casos) na fusatildeo quantitativa das duas turmas Quanto ao tipo de frase em que as formas ocorrem prevalece o tipo de frase interrogativa (oralidade 689 e escrita 907 dos casos)

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Em relaccedilatildeo ao fator estrutural ambiente fonoloacutegico precedente na oralidade natildeo houve influecircncia relevante de nenhum dos fatores no uso das variantes no quantitativo das duas turmas (pausa 42 casos ndash 466 vogal 38 casos ndash 422) Jaacute nos dados de escrita houve favorecimento da pausa precedendo as duas variantes 92 casos (652) No tocante ao fator morfologia da forma verbal houve influecircncia da forma simples do verbo tanto na oralidade quanto na escrita (72 casos ndash 80 e 102 casos ndash 723 respectivamente) Concernente ao fator paradigma flexional do verbo houve a influecircncia do verbo irregular no uso das variantes tanto na oralidade quanto na escrita (67 casos ndash 744 e 08 casos ndash 766 respectivamente)

a) ldquo F vocecirc eacute meu melhor amigordquo (HEFA-S9T4)

b) ldquoe aiacute P como tu e sua famiacutelia estaacuterdquo (DSL-S5T5)

Ainda na primeira fase da pesquisa a fim de captarmos crenccedilas e atitudes linguiacutesticas dos sujeitos informantes em relaccedilatildeo ao modo de agir sentir ver e perceber seus usos linguiacutesticos e verificarmos o comportamento concernente ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em diferentes situaccedilotildees de interlocuccedilatildeo aplicamos dois questionaacuterios Questionaacuterio de Atitudes e Percepccedilatildeo Linguiacutesticas 1 e 2 O primeiro abordava a questatildeo das crenccedilas atitudes e do preconceito linguiacutestico o segundo questionava o fenocircmeno linguiacutestico de uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos informantes em situaccedilotildees que envolviam variados interlocutores em diferentes contextos e interaccedilotildees verbais

Os resultados extraiacutedos dos dois questionaacuterios apontaram que os sujeitos informantes tecircm consciecircncia dos usos linguiacutesticos diferenciados ocorridos em Lontra entretanto sentem o preconceito linguiacutestico advindo de pessoas de outros lugares decorrente da alternacircncia dos pronomes de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo para se referir ao seu interlocutor especialmente quando da escolha do ldquoturdquo visto que eacute usado sem a conjugaccedilatildeo do verbo como preconiza a tradiccedilatildeo gramatical Quanto ao fenocircmeno linguiacutestico

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de uso das formas de tratamento percebeu-se uma caracteriacutestica importante e peculiar da variaccedilatildeo quando o informante se refere a algueacutem de sua intimidadefamiliaridade (amigo colega irmatildeo etc) a forma preferida eacute ldquoturdquo Contudo se o interlocutor eacute algueacutem que exige determinado distanciamento respeito eacute pessoa mais velha a forma usada eacute o ldquovocecircrdquo ou ldquosenhor(a)rdquo Notamos pelos dados coletados nos questionaacuterios que em Lontra curiosamente conservam-se em relaccedilatildeo agrave forma ldquoturdquo caracteriacutesticas de uso desse pronome semelhantes ao seu uso no seacuteculo XIX com registros similares tambeacutem na Idade Meacutedia ou seja o uso do pronome revelando intimidade entre pessoas conhecidas proacuteximas

42 Segunda etapa proposta de ensino

Como jaacute mencionado a segunda etapa do nosso trabalho traz uma proposta de ensino cujo principal objetivo eacute contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa focando as variaccedilotildees linguiacutesticas promovendo uma educaccedilatildeo linguiacutestica conhecimentos sobre a diversidade linguiacutestica e uma aprendizagem condizente da variedade padratildeo da liacutengua

Para Faraco (2008) toda liacutengua em uso por ser dinacircmica eacute constituiacuteda por um conjunto de variedades passiacutevel de manutenccedilatildeo variaccedilatildeo e mudanccedila sendo portanto heterogecircnea e natildeo unitaacuteria e homogecircnea como se pensava no passado Logo as variedades natildeo podem estar em oposiccedilatildeo agrave liacutengua visto que um todo (a liacutengua) natildeo se separa de seus elementos constitutivos (as variedades)

Dessa forma foi pensando no conjunto que compotildee nosso sistema linguiacutestico intencionando desmitificar crenccedilas e atitudes que levam ao preconceito linguiacutestico e promover o respeito e a aceitaccedilatildeo da liacutengua com suas variedades e o ensino das regras preconizadas pela Gramaacutetica Tradicional Normativa (GTN) que elaboramos esta proposta de ensino Estaacute organizada em oficinas33 trazendo atividades que foram elaboradas tendo em mente

33 Adotamos o termo oficina segundo Santiago-Almeida (2011 p 507) que o denomina como ldquo[] um curso intensivo de curta duraccedilatildeo em que teacutecnicas habilidades artes etc satildeo demonstradas e aplicadas workshoprdquo

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os seguintes objetivos a) conscientizar os alunos em relaccedilatildeo agrave diversidade linguiacutestica do Portuguecircs Brasileiro e assim fazer frente aos efeitos nocivos de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas negativas sobre as variaccedilotildees da liacutengua b) disponibilizar aos discentes o conhecimento sobre a origemtrajetoacuteria do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo bem como seus usos em diferentes lugares do Brasil c) ensinar ao aluno como acessar o Atlas Linguiacutestico do Brasil e as cartas linguiacutesticas d) conceituar e esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica e) levar agrave reflexatildeo sobre mudanccedilas linguiacutesticas ocorridas nas formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo f) apontar a importacircncia de se valorizar e se respeitar as diferenccedilas linguiacutesticas passo importante para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia linguiacutestica que rechaccedilaraacute avaliaccedilotildees subjetivas feitas em relaccedilatildeo agraves variaccedilotildees g) conhecer os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular do PB adaptaccedilotildees do sistema linguiacutestico vigente dos pronomes de segunda pessoa que os usuaacuterios da liacutengua fazem conforme necessidade interlocutor e circunstacircncia de uso h) ensinar os usos dos dois pronomes e de sua concordacircncia verbal conforme dispotildee a GTN para que os discentes utilizem esse conhecimento em momentos oportunos e necessaacuterios e de acordo com sua funccedilatildeo social como apregoa Faraco (2008) jaacute que o acesso agraves variedades cultas da liacutengua pode ampliar a mobilidade linguiacutestica o tracircnsito amplo pela heterogeneidade linguiacutestica do falante

A proposta de ensino compotildee-se de quatro oficinas assim estruturadas

Oficina 1 Diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 1 ndash Origens do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo

Oficina 2 Sincronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Atividade 1 ndash Conhecendo a Dialetologia e a Geografia LinguiacutesticaAtividade 2 ndash Onde o ldquoturdquo e o ldquovocecircrdquo satildeo usados no BrasilAtividade 3 ndash Usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo na cidade de LontraMG

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Oficina 3 Educaccedilatildeo linguiacutesticaAtividade 1 ndash Reconhecendo a importacircncia das variedades linguiacutesticasAtividade 2 ndash As vozes representadas pelas variedades linguiacutesticasOficina 4 Conhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 1 ndash Subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 2 ndash Usos do lsquoldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo segundo a norma-padratildeo Concordacircncia verbal ndash ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 3 ndash Mensagem ao diretorAtividade 4 ndash Sobre a pesquisa uma avaliaccedilatildeo

A primeira oficina ldquoDiacronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por uma atividade teve como objetivo subsidiar os sujeitos da pesquisa com conhecimentos acerca da diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo tendo em vista o interlocutor O intuito foi que os alunos conhecessem a histoacuteria desses dois pronomes sua evoluccedilatildeo e as semelhanccedilas entre a variedade linguiacutestica dos moradores de Lontra e os usos que dela faziam quando de seus primeiros registros da Idade Meacutedia aos dias atuais Priorizamos uma abordagem teoacuterica com o uso de textos histoacuterico-cientiacuteficos por entendermos necessaacuterios para a finalidade pretendida a saber a aquisiccedilatildeo do conhecimento sobre diacronia das duas formas de tratamento pesquisadas

A segunda ldquoSincronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por trecircs atividades objetivou mostrar aos discentes em que lugares do Brasil tambeacutem se alternavaria o uso das duas formas de tratamento investigadas por meio de mapas linguiacutesticos e geograacuteficos ajudar os alunos a acessarem as cartas linguiacutesticas no Atlas Linguiacutestico do Brasil aleacutem de esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica O trabalho com a sincronia

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das duas formas de tratamento apoacutes o conhecimento de sua origem (Oficina 1) visou a comprovar que a cidade de Lontra eacute somente mais uma no paiacutes em que em sua realizaccedilatildeo linguiacutestica o falante materializa a variaccedilatildeo das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo quando se dirige ao interlocutor No trabalho com as cartas linguiacutesticas priorizamos a M02 ndash ldquoTratamento do interlocutor lsquotursquo e lsquovocecircrsquo nas capitaisrdquo porquanto especificamente aborda os usos das formas de tratamento ora pesquisadas em diferentes lugares do paiacutes

A oficina seguinte a 3ordf ldquoEducaccedilatildeo linguiacutesticardquo composta por duas atividades teve como objetivos mostrar aos alunos mediante exemplos e argumentos teoacutericos que todas as variedades satildeo legiacutetimas e proacuteprias de uma liacutengua heterogecircnea exemplificar atitudes que conduzam agrave formaccedilatildeo da consciecircncia linguiacutestica discutir sobre avaliaccedilotildees subjetivas de alguns indiviacuteduos de certos grupos sociais a respeito das variedades linguiacutesticas As atividades eram direcionadas especificamente agrave conscientizaccedilatildeo do aluno sobre a legitimidade das variaccedilotildees da liacutengua determinadas por normas que atendem agraves necessidades de seus usuaacuterios e que devem ser respeitadas jaacute que satildeo parte da histoacuteria e da representatividade linguiacutestica de seus falantes Aleacutem disso aquelas atividades abordavam as reaccedilotildees crenccedilas e atitudes negativas das pessoas em relaccedilatildeo agraves variedades linguiacutesticas posto que a estigmatizaccedilatildeo na maioria das vezes ocorre com as vozes oprimidas e socialmente desprestigiadas Era nossa pretensatildeo que o aluno tambeacutem se apercebesse de parte dessa variaccedilatildeo assumindo sua condiccedilatildeo de usuaacuterio de uma liacutengua que se manifesta por diferentes variaccedilotildees mas com comunicabilidade independentemente do interlocutor e do contexto de interlocuccedilatildeo

A quarta e uacuteltima ldquoConhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs Brasileirordquo compotildee-se de quatro atividades sendo duas com a escrita e duas com a oralidade modalidades com as quais previacuteramos trabalhar Apresentamos e esclarecemos o quadro dos seis subsistemas dos pronomes de segunda pessoa de que dispotildee nosso sistema

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linguiacutestico categorizados por Scherre (2009) para que o aluno tivesse conhecimento do seu funcionamento respeitada a sua maturidade linguiacutestica

Objetivamos com as atividades dessa oficina levar ao conhecimento dos aprendizes aleacutem dos subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do Portuguecircs Brasileiro os mecanismos de concordacircncia verbal para que o discente use adequadamente as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo conforme a GTN Com tais metas corroboramos o que reporta Bortoni-Ricardo (2004) quando afirma que eacute na escola onde o indiviacuteduo aprende os usos linguiacutesticos adequados agraves tarefas comunicativas e ao tipo de interaccedilatildeo para atender agraves convenccedilotildees sociais Nessa trilha as atividades de oralidade visavam agrave observaccedilatildeo do comportamento linguiacutestico do falante em contextos de uso mais formal e menos formal da liacutengua em relaccedilatildeo agraves regras de concordacircncia verbal com as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo Para tanto trabalhamos novamente com a ferramenta WhatsApp enviando mensagens para interlocutores diferentes como o diretor da escola e um colega de sala arguindo-os sobre o tema da nossa pesquisa

Finalizada a aplicaccedilatildeo das oficinas os resultados apontaram que conseguimos alcanccedilar os objetivos pretendidos haja vista que cada atividade foi executada como planejamos dentro do tempo previsto tudo convergindo para o mesmo propoacutesito

Conseguimos despertar o interesse nos alunos por apresentarmos atividades diferenciadas utilizando textos acadecircmicoscientiacuteficos histoacutericos e diversos gecircneros multimodais no decorrer de todo o trabalho com informaccedilotildees pertinentes e necessaacuterias para a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e ampliaccedilatildeo da competecircncia comunicativa dos estudantes Isso porque sabemos que constitui um direito do educando o contato com tais textos como apregoa Faraco (2008 p 176) quando nos lembra que eacute tarefa fundamental da escola oferecer gecircneros e textos para aleacutem da ldquoinsubstituiacutevel experiecircncia da literaturardquo ou seja a instituiccedilatildeo natildeo deve ignorar a gama de outros textos que tecircm vasta circulaccedilatildeo sociocultural

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Ao final atingimos nosso objetivo maior qual seja contribuir para o ensino da Liacutengua Portuguesa em suas diversas variedades e modalidades

5 Consideraccedilotildees finais

A investigaccedilatildeo sobre a alternacircncia das duas formas de tratamento os pronomes lsquoldquoturdquo e ldquovocecircrdquo utilizadas pelos moradores do municiacutepio de Lontra ndash Minas Gerais levou-nos aos seguintes resultados

Comprovamos por meio da pesquisa quantitativa e qualitativa sociolinguiacutestica laboviana que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) tanto na oralidade quanto na escrita dos sujeitos-colaboradores

Verificamos ainda que fatores estruturais (funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia da forma verbal paradigma flexional verbal contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre) e natildeo estruturais (sexo grau de intimidade e classe social) influenciam o uso da variaccedilatildeo em maior ou menor grau de ocorrecircncia

Confirmamos a hipoacutetese 1 de que o que acontece em Lontra eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Aleacutem disso o uso de atividades diversas diferenciadas e inovadoras aleacutem dos estudos desenvolvidos possibilitou-nos a comprovaccedilatildeo da hipoacutetese 2 confirmando que a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico e subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada

Uma vez alicerccedilada em vaacuterias teorias e leituras que ampliaram sobremaneira nossos conhecimentos e nossa confianccedila para desenvolvermos a contento esta pesquisa e nos tornarmos agentes multiplicadores do conhecimento adquirido atingimos tanto o

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objetivo geral quanto os especiacuteficos definidos para este trabalho que reputamos consistente e importante Eacute nosso desejo que ele seja uacutetil para futuros estudos sociolinguiacutesticos e dialetoloacutegicos sobre o Portuguecircs Brasileiro

Acreditamos ter contribuiacutedo para atender aos anseios de uma sociedade moderna plural que a cada dia exige mais do sujeito a proficiecircncia nas habilidades de leitura e escrita enfim a compreensatildeo do sistema linguiacutestico do qual eacute usuaacuterio

Referecircncias

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O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo contempla os resultados da pesquisa de mestrado que realizamos34 A partir da observaccedilatildeo das dificuldades ortograacuteficas dos alunos decidimo-nos por empreender uma investigaccedilatildeo no sentido de analisar a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo presente na fala para os textos escritos dos estudantes aleacutem de elaborar uma proposta de intervenccedilatildeo com a finalidade de minimizar essa dificuldade no sentido de promover o desenvolvimento das suas habilidades ortograacuteficas

Assim objetivamos analisar o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo transposto para a escrita dos alunos do 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica localizada na zona urbana da cidade de Montes Claros (MG)

Para alcanccedilar o objetivo proposto nesta pesquisa foi adotada a pesquisa-accedilatildeo sendo definidos como atores da intervenccedilatildeo os alunos do 7ordm ano X Para que as accedilotildees fossem direcionadas agrave realidade investigada inicialmente realizou-se uma pesquisa exploratoacuteria em que foi analisado o campo de pesquisa a partir de um diagnoacutestico da situaccedilatildeo

Esta pesquisa foi tambeacutem quantitativa uma vez que os dados foram medidos quantificados e depois traduzidos em nuacutemeros as informaccedilotildees e os resultados e qualitativa pois apresenta caraacuteter interpretativo Foi utilizada tambeacutem a pesquisa bibliograacutefica que buscou ancoragem em trabalhos cientiacuteficos no acircmbito da linguiacutestica jaacute produzidos sobre o tema A reflexatildeo sobre a praacutetica pedagoacutegica possibilitou a intervenccedilatildeo a partir do embasamento teoacuterico unindo a teoria e a praacutetica uma vez que a experiecircncia docente muitas vezes ocorre desvinculada da teoria

No que concerne agrave anaacutelise do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos foram consideradas as seguintes variaacuteveis linguiacutesticas

34 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3dAE2gG

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1) Ditongo ltougt no interior e no final de palavra como robaram e fecho no lugar de ldquoroubaramrdquo e ldquofechourdquo

2) Ditongo lteigt antes de [ɾ] como em fera em vez de ldquofeirardquo

3) Ditongo ltaigt antes de [] como caxa em vez de ldquocaixardquo

4) Categoria gramatical (substantivos verbos pronomes e adjetivos)

Aleacutem dessas variaacuteveis linguiacutesticas considerou-se tambeacutem variaacuteveis natildeo linguiacutesticas a saber

5) Sexo dos alunos

6) Faixa etaacuteria

7) Escolaridade

8) Aacuterea geograacutefica (os estudantes participantes desta pesquisa residem na aacuterea urbana)

Verificamos que todos os informantes vivem na zona urbana quatro informantes satildeo do sexo feminino e 17 do sexo masculino quatro tecircm 12 anos 11 tecircm 13 anos quatro tecircm 14 anos um tem 15 anos e um tem 17 anos

Para a definiccedilatildeo do objeto de estudo foram aplicadas duas atividades diagnoacutesticas para 21 alunos na turma do 7ordm ano X de uma escola puacuteblica no mecircs de abril de 2016 com o objetivo de identificar a influecircncia da oralidade na escrita desses alunos O diagnoacutestico apontou um grande nuacutemero de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na produccedilatildeo de texto dos alunos decorrentes da influecircncia da oralidade na escrita A partir do diagnoacutestico foi entatildeo elaborado um plano de intervenccedilatildeo para ser aplicado nessa turma com o objetivo de tentar minimizar as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos do Ensino Fundamental II

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As atividades de intervenccedilatildeo propostas foram direcionadas para a observaccedilatildeo da escrita das palavras tendo em vista o desenvolvimento ortograacutefico nas produccedilotildees de texto dos alunos tomando como base as postulaccedilotildees de Morais (2000) acerca do ensino da ortografia

Apoacutes a aplicaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi proposta uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo para 19 alunos dessa mesma turma no mecircs de maio de 2018 Nessa data os alunos cursavam o 8ordm Ano do Ensino Fundamental II Dessa maneira os dados obtidos nessa etapa puderam ser comparados com aqueles colhidos na fase diagnoacutestica atraveacutes da seleccedilatildeo descriccedilatildeo categorizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

A pesquisa portanto foi desenvolvida em diferentes fases diagnoacutestica intervenccedilatildeo e poacutes-intervenccedilatildeo Todavia a discussatildeo a seguir tem o seu enfoque na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos participantes especificamente na comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo

A anaacutelise promovida desenvolveu-se a partir das consideraccedilotildees feitas principalmente por Mollica (2016) Bortoni-Ricardo (2004 2005 2006) e Bagno (2006 2007)

Inicialmente foi feita uma discussatildeo sobre o conceito de ldquoerrordquo35 adotado nesta pesquisa em seguida eacute descrito o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo e a transposiccedilatildeo de tal fenocircmeno para a escrita Estatildeo presentes tambeacutem sugestotildees de Morais (2000) para o trabalho com a ortografia em sala de aula que nortearam as atividades de intervenccedilatildeo desenvolvidas Logo apoacutes foi feita a anaacutelise comparativa do diagnoacutestico e da poacutes-intervenccedilatildeo em

35 No presente trabalho o conceito de ldquoerrordquo eacute baseado na discussatildeo apontada por Bortoni-Ricardo (2005 2006) que faz uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrosrdquo da fala (que natildeo representam uma transgressatildeo da liacutengua jaacute que satildeo uma variedade linguiacutestica) e ldquoerrosrdquo da escrita (transgressatildeo de um coacutedigo convencionado e prescrito pelas regras ortograacuteficas pois a ortografia natildeo prevecirc variaccedilatildeo)

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relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos por fim apresentamos as consideraccedilotildees finais sobre o trabalho aqui proposto

2 A discussatildeo sobre o ldquoerrordquo

Bagno (2007) aponta que a Gramaacutetica Tradicional (GT) considera como ldquoerrordquo as construccedilotildees que estatildeo em desacordo com as prescriccedilotildees da norma-padratildeo sendo que essa concepccedilatildeo influencia a propagaccedilatildeo do preconceito linguiacutestico Entretanto de acordo com Bagno (2007 p 124) ldquoNingueacutem comete erros ao falar sua proacutepria liacutengua materna assim como ningueacutem comete erros ao andar ou respirarrdquo O falante eacute capaz de identificar se uma sentenccedila obedece agraves regras de funcionamento da liacutengua Nesse prisma os ldquoerrosrdquo de Portuguecircs existem mas natildeo satildeo produzidos por falantes nativos de uma liacutengua

Na fala a noccedilatildeo de ldquoerrordquo tambeacutem estaacute relacionada agrave natildeo observacircncia das regras determinadas pela GT Nesse sentido a visatildeo tradicionalista considera ldquoerradasrdquo estas duas sentenccedilas ldquoA Joana eacute uma menina que ela sabe o que fazrdquo e ldquoA Joana que ela sabe eacute uma menina o que fazrdquo Por sua vez Bagno (2007 p 127) afirma ser agramatical apenas a segunda que natildeo eacute identificada na fala dos brasileiros

Jaacute na escrita a noccedilatildeo de ldquoerrordquo estaacute relacionada aleacutem de a outros aspectos linguiacutesticos aos desvios ortograacuteficos As questotildees concernentes ao ensino da ortografia satildeo motivo de duacutevida para o professor que encontra dificuldades em trabalhar com atividades que apresentem de fato resultados positivos Essa duacutevida estaacute intimamente relacionada agrave noccedilatildeo do ldquoerrordquo que eacute discutida por Bortoni-Ricardo (2005) a seguir

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21 Bortoni-Ricardo (2005 2006) e o ldquoerrordquo ortograacutefico

Ao discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Bortoni-Ricardo (2006) realiza uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrordquo da fala e da escrita Segundo a autora o ldquoerrordquo na liacutengua falada natildeo transgride regras da liacutengua no sentido de que representa uma variedade linguiacutestica diferente da variedade de prestiacutegio sendo um fato social ldquoNa liacutengua oral portanto o indiviacuteduo tem a variaccedilatildeo ao seu dispor cabendo-lhe aprender na escola e na vida a ajustar a variante adequada a cada contexto de usordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2006) o ldquoerrordquo ortograacutefico apresenta uma natureza distinta do ldquoerrordquo da fala posto que a ortografia eacute um coacutedigo que natildeo aceita variaccedilatildeo Assim o ldquoerrordquo representa a transgressatildeo de um coacutedigo convencionado pelas regras ortograacuteficas Nessa perspectiva o ldquoerrordquo eacute um componente de forte avaliaccedilatildeo social pois eacute avaliado de maneira negativa pela sociedade Poreacutem a autora esclarece que ldquoConsiderar uma transgressatildeo agrave ortografia como erro natildeo significa consideraacute-la uma deficiecircncia do aluno que decirc ensejo a criacuteticas ou a um tratamento que o deixe humilhadordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273) A aprendizagem da ortografia eacute gradativa e necessita de um contato permanente com a liacutengua escrita

Haacute um equiacutevoco envolto a essa questatildeo do ldquoerrordquo que faz com que se deduza que todas as construccedilotildees satildeo sempre vaacutelidas na liacutengua A despeito dessa concepccedilatildeo Bortoni-Ricardo (2005) aponta que na perspectiva da Sociolinguiacutestica Educacional o falante deve utilizar a liacutengua de maneira apropriada De acordo com a autora ldquoA competecircncia comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstacircnciasrdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73) ou seja o falante segue regras de adequaccedilatildeo estabelecidas culturalmente que norteiam a monitoraccedilatildeo do seu estilo Assim o falante

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seleciona estilos mais monitorados em situaccedilotildees que exigem certa formalidade ao passo que em situaccedilotildees menos formais nas quais haacute um grau maior de intimidade com os interlocutores o indiviacuteduo utiliza estilos menos monitorados ldquoEm todos esses processos ele tem sempre de levar em conta o papel social que estaacute desempenhandordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73)

Ao analisar os ldquoerrosrdquo de escrita Bortoni-Ricardo (2005) discute uma metodologia para a anaacutelise e diagnose de ldquoerrosrdquo pertinente em ambientes nos quais as pessoas possuem pouco acesso agrave norma-padratildeo e utilizam variedades estigmatizadas ldquoOs lsquoerrosrsquo que cometem satildeo sistemaacuteticos e previsiacuteveis quando satildeo conhecidas as caracteriacutesticas do dialeto em questatildeordquo (BORTONI-RICARDO 2005 p 53) Sendo assim a autora postula as categorias de ldquoerrosrdquo especificadas no Quadro 1

Quadro 1 Categoriassubcategorias de ldquoerrosrdquo

1 ndash Erros decorrentes da proacutepria natureza arbitraacuteria do sistema de convenccedilotildees da escrita2 ndash Erros decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita

21 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas categoacutericas no dialeto estudado

22 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais

23 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas

Fonte Adaptado de Bortoni-Ricardo (2005 p 54)

O Quadro 1 demonstra duas categorias de ldquoerrosrdquo sendo que a categoria 1 compreende os ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita devido principalmente ao fato de haver um fonema com diferentes representaccedilotildees graacuteficas ou uma letra que represente dois ou mais fonemas

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A categoria 2 indica ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita A subcategoria 21 diz respeito a regras fonoloacutegicas categoacutericas que existem independentemente do contexto situacional e das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas do falante Por exemplo a junccedilatildeo de certas palavras (levalo em vez de ldquolevaacute-lordquo) e a nasalizaccedilatildeo do ditongo como em muinto em vez de ldquomuitordquo A subcategoria 22 refere-se agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais que satildeo percebidas em vaacuterios grupos sociais (categoria em que se insere nosso objeto de estudo e de intervenccedilatildeo) p e a monotongaccedilatildeo de ditongos crescentes (bera em vez de ldquobeirardquo) e a desnasalizaccedilatildeo das vogais aacutetonas finais (homi em vez de ldquohomemrdquo) Jaacute a subcategoria 23 diz respeito agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas que estatildeo presentes em alguns grupos por isso satildeo comumente estigmatizadas pelas pessoas que dominam a norma culta Por exemplo a supressatildeo do ditongo crescente em siacutelaba final (vei em vez de ldquoveiordquo)

A categorizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo adotada neste trabalho eacute a proposta por Bortoni-Ricardo (2005) segundo a qual haacute ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita e ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita sendo que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo objeto desta pesquisa enquadra-se neste uacuteltimo

Um motivo que leva os alunos a cometerem transgressotildees ortograacuteficas eacute a sustentaccedilatildeo da ideia de que a escrita eacute a representaccedilatildeo da fala Eacute o que ocorre quando o aluno transpotildee a monotongaccedilatildeo para escrita fenocircmeno que eacute discutido na seccedilatildeo seguinte

3 O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo

Segundo Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015 p 148) a monotongaccedilatildeo trata da supressatildeo da semivogal de um ditongo p e em [pe] a semivogal i foi suprimida Segundo Silva (2008 p 73) ditongos satildeo uma sequecircncia de segmentos sendo que um

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deles eacute uma vogal e o outro eacute uma semivocoide semivogal vogal assilaacutebica ou glide (a partir de agora adotamos o termo glide para se referir agrave semivogal por ser terminologia neutra)

No Portuguecircs Brasileiro (PB) as siacutelabas satildeo constituiacutedas por vogais que satildeo o nuacutecleo e por consoantes ou glides que ocupam as partes perifeacutericas Dessa forma as vogais satildeo sempre obrigatoacuterias e o pico de qualquer siacutelaba do PB enquanto as consoantes e os glides satildeo opcionais e ainda prevocaacutelicos ou posvocaacutelicos Foneticamente a diferenccedila entre um segmento vocaacutelico e um consonantal eacute a obstruccedilatildeo da passagem da corrente de ar pelo trato vocal no caso de consoantes e a natildeo obstruccedilatildeo no caso das vogais

Silva (2008 p 73 itaacutelico nosso) afirma que ldquo[] glides podem apresentar caracteriacutesticas foneacuteticas de segmentos vocaacutelicos ou consonantaisrdquo ao se comportarem de maneira parecida agraves consoantes na siacutelaba Nesse sentido Cacircmara Jr (1997) classifica o glide como vogal assilaacutebica pois em vez de ser o centro da siacutelaba fica agrave margem dela assim como as consoantes resultando no ditongo Silva (2008 p 171 itaacutelico nosso) afirma que no PB ldquo[] os glides correspondem agraves vogais altas i u em posiccedilatildeo aacutetona que se manifestam foneticamente como segmentos assilaacutebicos Os glides satildeo sempre associados a uma vogal e nunca podem ser nuacutecleo de siacutelabardquo

Coutinho (1976 p 108) afirma que havia em latim ldquosomente quatro ditongos ae oe au e eu (raro)rdquo O nuacutemero maior de ditongos no Portuguecircs deve-se a alguns motivos tais como a siacutencope ou queda de fonema medial como malu que passou a ser mau a vocalizaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo de consoante em vogal como conceptu que se transformou em conceito e a epecircntese de uma vogal para desfazer o hiato como em creogtcredogtcreio Ao discutir esse assunto Aragatildeo (2014) discorre sobre os ditongos latinos e afirma que seguiram dois caminhos diferentes no Portuguecircs ou se transformaram em novos ditongos ou se monotongaram

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Bortoni-Ricardo (2004) ao tecer consideraccedilotildees a respeito da monotongaccedilatildeo salienta que se trata de um fenocircmeno antigo na liacutengua como se observa p e na mudanccedila de paucumgtpoucogtpoco e aurumgtourogtoro No processo de evoluccedilatildeo do latim para o Portuguecircs a vogal ltagt transformou-se em ltogt tornando-se posterior assim como a vogal ltugt que eacute o segmento seguinte De acordo com Bagno (2006) essa transformaccedilatildeo do ditongo ltaugt para ltougt ocorreu devido ao processo de assimilaccedilatildeo

Aleacutem dessa transformaccedilatildeo houve ainda a reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt Essa mudanccedila representa a monotongaccedilatildeo que foi registrada jaacute no seacuteculo XVIII e perdura ateacute os dias hodiernos ldquoA regra estaacute tatildeo avanccedilada que praticamente natildeo pronunciamos o ditongo ou Ateacute em siacutelabas tocircnicas finais que satildeo mais resistentes agrave mudanccedila reduzimos este ditongordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 95) Aragatildeo (2014) afirma que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo natildeo eacute regional uma vez que foram realizados estudos nesse sentido em diversas regiotildees do paiacutes que registraram a ocorrecircncia desse fenocircmeno

Bortoni-Ricardo (2004) ressalta que a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai ocorre em apenas alguns contextos fonoloacutegicos ldquoA reduccedilatildeo do ei e do ai eacute condicionada pelo segmento consonacircntico seguinterdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 96) Dessa maneira os segmentos consonacircnticos posteriores que favorecem a monotongaccedilatildeo desses ditongos satildeo ʒ e como em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo Segundo Bortoni-Ricardo (2004 p 96) isso ocorre devido ao fato de serem ldquo[] fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca o palato assim como a vogal i Dizemos entatildeo que essas consoantes e a vogal i satildeo sons homorgacircnicos (quanto ao ponto de articulaccedilatildeo)rdquo

Nesse sentido Bagno (2006) afirma que quando dois sons parecidos se encontram eles tendem a se fundir devido agrave assimilaccedilatildeo ldquoNo caso do nosso ditongo EI a assimilaccedilatildeo lsquoaproveitarsquo o caraacuteter palatal da semivogal I e das consoantes J e X para reuni-las num uacutenico som Assim o que acontece natildeo eacute exatamente a

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reduccedilatildeo do ditongo EI em E mas a reduccedilatildeo de -IJ- e -IX- em -J- e -X-rdquo (BAGNO 2006 p 91-92)

Bortoni-Ricardo (2004) acrescenta tambeacutem que houve uma expansatildeo dessa regra para outros ambientes como p e monotongaccedilatildeo antes de [ɾ] Esse fenocircmeno ocorre porque segundo Bagno (2006) o som [ɾ] natildeo eacute palatal da mesma forma que [ʒ] ou [ʃ] poreacutem trata-se de um som que tambeacutem eacute produzido na parte anterior da boca entre os alveacuteolos e os dentes ldquoPor terem este ponto de articulaccedilatildeo comum eacute que os sons da semivogal I e da consoante R sofrem os efeitos da assimilaccedilatildeo e se transformam num soacuterdquo (BAGNO 2006 p 92)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2004) as consoantes oclusivas [] e [] e as fricativas [] e [] desfavorecem a aplicaccedilatildeo da regra da monotongaccedilatildeo dos ditongos [a] e [e ] No entanto a reduccedilatildeo do ditongo [e] pode ocorrer devido agrave variedade regional como na Paraiacuteba e Pernambuco em que haacute p e reduccedilatildeo do ditongo [e ] de ldquoAlmeidardquo para Almecircda

De acordo com Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015) os ditongos que se monotongam satildeo aqueles seguidos de fricativas como em ldquodepoisrdquo ldquoqueijordquo e ldquopeixerdquo e seguidos de tepe como em ldquoroteirordquo e ldquofreirardquo Bortoni-Ricardo (2004 p 95) afirma que o fator que mais contribui para a monotongaccedilatildeo eacute a influecircncia articulatoacuteria do segmento seguinte Assim eacute muito comum a reduccedilatildeo do ditongo ou tanto em siacutelabas finais como falocirc socirc e jogocirc em vez de ldquofalourdquo ldquosourdquo e ldquojogourdquo quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas como em besoro tesoro loco dotocirc e ropa em vez de ldquobesourordquo ldquotesourordquo ldquoloucordquo ldquodoutorrdquo e ldquoroupardquo

Verifica-se tambeacutem a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai mas nesses casos Bortoni-Ricardo (2004) afirma que a regra de monotongaccedilatildeo estaacute menos avanccedilada pois ela se aplica apenas em alguns contextos fonoloacutegicos Assim nas palavras ldquojeitordquo ldquoPaivardquo ldquoseivardquo ldquoraivardquo ldquogaitardquo e ldquobeiccedilordquo natildeo se verifica a monotongaccedilatildeo ao passo que em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo os ditongos satildeo monotongados pois

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os segmentos ʒ e ʃ satildeo fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca assim como i o que favorece a monotongaccedilatildeo Quando a monotongaccedilatildeo ocorre no radical dos verbos a tendecircncia eacute a abertura da vogal por exemplo em roacuteba e doacutera em vez de ldquoroubardquo e ldquodourardquo

Apoacutes essa explanaccedilatildeo a respeito da monotongaccedilatildeo na subseccedilatildeo a seguir abordaremos a transposiccedilatildeo desse fenocircmeno para a escrita conforme estudos jaacute realizados sobre o assunto

31 Monotongaccedilatildeo da fala para a escrita

Nesta subseccedilatildeo satildeo apresentadas discussotildees sobre a transposiccedilatildeo da fala para a escrita em relaccedilatildeo ao fenocircmeno da monotongaccedilatildeo de acordo com pesquisas desenvolvidas pelos autores citados a seguir

Mollica (2016) realizou uma pesquisa em escolas puacuteblicas e particulares na cidade do Rio de Janeiro e Niteroacutei (RJ) a fim de verificar a ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental A autora concluiu que as turmas nas quais foi promovida uma discussatildeo acerca da influecircncia da fala na escrita foi identificada menor ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo nos textos escritos sendo que o grafema ltugt apresentou assimilaccedilatildeo mais difiacutecil do que o grafema ltigt uma vez que eacute mais comum na fala dos alunos pesquisados a monotongaccedilatildeo do ditongo [oU9] como em otro em detrimento do ditongo [ej] como em pexe Dessa forma segundo Mollica (2016 p 102) ldquoQuanto mais afetada na fala a mudanccedila maior a resistecircncia agrave instruccedilatildeo aplicada como estrateacutegia pedagoacutegica em sala de aula no processo de letramentordquo

Hora e Ribeiro (2006) desenvolveram uma pesquisa com alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental em uma escola particular e uma puacuteblica na cidade de Joatildeo Pessoa (PB) com o intuito de observar a monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes Percebeu-se que houve ocorrecircncia maior de monotongaccedilatildeo em textos dos

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alunos do sexo masculino confirmando a hipoacutetese inicial dos autores de que ldquo[] os falantes do sexo feminino tendem a usar mais a variante padratildeo ou de prestiacutegio social do que aqueles do sexo masculinordquo (HORA RIBEIRO 2006 p 218) Nessa pesquisa houve ainda a constataccedilatildeo de que os estudantes das escolas puacuteblicas escrevem mais palavras monotongadas do que os alunos de escolas particulares possivelmente pelo fato de estes possuiacuterem maior contato com textos escritos em norma culta

Aleacutem disso os autores identificaram que alunos com niacutevel de escolaridade maior apresentaram menor iacutendice de monotongaccedilatildeo corroborando os estudos de Mollica (2016 p 102) ao concluir que ldquo[] o aprendiz necessita de um grau de amadurecimento tal que seja capaz de entender instruccedilotildees complexas como a possiacutevel influecircncia da variaccedilatildeo na liacutengua falada sobre a liacutengua escritardquo

Barbosa (2016 p 39-40) aponta que ldquo[] a monotongaccedilatildeo e a ditongaccedilatildeo satildeo evidecircncias do continuum entre fala e escrita ocasionadas por assimilaccedilotildees sonorasrdquo Assim a monotongaccedilatildeo eacute um tipo de variaccedilatildeo fonoloacutegica mas que ocorre tambeacutem na escrita como observado nas pesquisas descritas acima De acordo com Coelho et al (2015 p 18) ldquoEm um caso de variaccedilatildeo as formas variantes costumam receber valores distintos pela comunidaderdquo Dessa maneira enquanto a variante padratildeo eacute a variante de prestiacutegio a natildeo padratildeo eacute normalmente estigmatizada No caso especiacutefico da monotongaccedilatildeo segundo Mollica (2016) por ser comum no Brasil natildeo demonstra ser um fenocircmeno tatildeo estigmatizado o que poderia explicar sua forte influecircncia nos textos escritos

Bagno (2006) destaca que a liacutengua escrita natildeo reproduz fielmente a fala pois a liacutengua falada passa por constantes transformaccedilotildees Dessa maneira ldquo[] ateacute hoje a gente tem que escrever pouco louro roupa embora fale haacute bastante tempo poco loro ropardquo (BAGNO 2006 p 84) Portanto ldquoerrosrdquo ortograacuteficos decorrentes da influecircncia da fala na escrita especialmente no que diz respeito agrave monotongaccedilatildeo satildeo recorrentes

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Dada a ocorrecircncia de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos na escrita dos alunos aqui investigados especificamente da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a sua escrita e a necessidade de uma proposta de intervenccedilatildeo nesse caso adotamos as propostas de atividades pedagoacutegicas elaboradas por Morais (2000) que contribuem para o ensino da ortografia conforme discussatildeo na seccedilatildeo a seguir

4 Morais (2000) sugestotildees de atividades

Morais (2000) apresenta sugestotildees de atividades para serem trabalhadas em sala de aula com o intuito de melhorar os conhecimentos ortograacuteficos dos alunos p e

1) Ditado interativo o ditado eacute uma atividade muito usada para a verificaccedilatildeo ortograacutefica contudo trata-se de um exerciacutecio realizado de maneira tradicional considerando a ortografia como um objeto de verificaccedilatildeo e natildeo de ensino

Contrapondo-se ao ditado tradicional que apenas verifica os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos o ditado interativo conduz a uma reflexatildeo acerca da ortografia ldquoDitamos agrave turma um texto jaacute conhecido fazendo pausas diversas nas quais convidamos os alunos a focalizar e discutir certas questotildees ortograacuteficas previamente selecionadas ou levantadas durante a atividaderdquo (MORAIS 2000 p 77) Durante a realizaccedilatildeo do ditado o professor aponta reflexotildees sobre algumas palavras que considera mais pertinentes para o momento seguindo as dificuldades ortograacuteficas apresentadas pelos alunos solicitando a eles que faccedilam transgressotildees mentalmente discutindo a forma ldquocorretardquo e ldquoerradardquo de grafia

2) Releitura com focalizaccedilatildeo semelhante ao ditado interativo a releitura coletiva com focalizaccedilatildeo na escrita de determinadas palavras leva os alunos a refletirem acerca da ortografia ldquoMais ainda que no ditado interativo eacute faacutecil o professor controlar as palavras sobre as quais deseja refletir com os alunosrdquo (MORAIS 2000 p 82)

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3) Reescrita com correccedilatildeo Morais (2000) sugere que os alunos leiam textos que contenham transgressotildees ortograacuteficas e pontua ainda que essa proposta enfrenta resistecircncia por muitos educadores pois haacute o pensamento de que os estudantes ao entrarem em contato com esses ldquoerrosrdquo poderiam considerar essas ocorrecircncias corretas No entanto o autor supracitado ressalta a importacircncia de os alunos perceberem que indiviacuteduos de grupos sociais e regiotildees diferentes possuem maneiras distintas de falar aleacutem disso deve-se discutir a maneira como se fala sendo que a linguagem precisa se adequar agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Segundo Morais (2000) as atividades de reescrita com correccedilatildeo e transgressatildeo ortograacutefica podem contribuir para a reflexatildeo sobre a ortografia

5 Anaacutelise dos dados

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos alunos e na atividade poacutes-intervenccedilatildeo os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados conforme proposta de Bortoni-Ricardo (2005) descrita no Quadro 1 Analisamos a seguir as atividades diagnoacutesticas demonstrando o percentual de ldquoerrosrdquo dos alunos em cada tipo categorizado na sequecircncia destacamos a anaacutelise feita no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos participantes ainda na fase diagnoacutestica Por fim comparamos os dados obtidos no diagnoacutestico com os dados colhidos na fase poacutes-intervenccedilatildeo

51 Anaacutelise das atividades diagnoacutesticas

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos 21 alunos participantes conforme descriccedilatildeo anterior os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados sendo possiacutevel obter uma visatildeo geral dos ldquoerrosrdquo no Graacutefico 1

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Graacutefico 1 Porcentagem dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos ndash fase diagnoacutestica

0 10 20 30 40

Troca de letrasMonotongaccedilatildeo

JunturaAlccedilamento

ApoacutecopeHipercorreccedilatildeoSegmentaccedilatildeoDesnasalaccedilatildeo

SiacutencopeAfeacuterese

Harmonia vocaacutelicaAssimilaccedilatildeoDitongaccedilatildeo

Demais subcategorias

Grupo 1

Grupo 2 - A

Grupo 2 - B

Grupo 2 - C

Demais subcategorias

Fonte Lopes (2018)

No Graacutefico 1 incluem-se na legenda ldquodemais subcategoriasrdquo ldquoerrosrdquo provenientes dos Grupos 1 e 2 que apresentaram menos de 1 de ocorrecircncia a saber inserccedilatildeo de letras (Grupo 1) epecircntese (Grupo 2 ndash A) nasalizaccedilatildeo (Grupo 2 ndash B) apoacutecope epecircntese sacircndi externo nasalizaccedilatildeo afeacuterese e paragoge (Grupo C)

Os ldquoerrosrdquo identificados nas atividades diagnoacutesticas demonstraram o elevado grau de dificuldades enfrentadas pelos alunos em relaccedilatildeo agrave ortografia ao compor seus textos Destaca-se nesse sentido a dificuldade apresentada em relaccedilatildeo ao uso indevido de letras com 29 A troca de letras feita no momento da escrita representa casos possiacuteveis dentro do sistema linguiacutestico

O ldquoerrordquo ortograacutefico de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita para o qual se direciona esta pesquisa apresentou o segundo maior percentual de ldquoerrosrdquo No entanto entre os ldquoerrosrdquo

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decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita (Grupo 2) a monotongaccedilatildeo apresentou o maior nuacutemero de ocorrecircncias

Ainda que o uso indevido de letras tenha sido demonstrado como o ldquoerrordquo mais recorrente considerando-se o total dos ldquoerrosrdquo trata-se de troca de letras diferentes O porcentual de 29 para essa subcategoria do Grupo 1 representa 14 tipos de troca de letras diferentes que totalizam as 84 ocorrecircncias identificadas nos dados Se considerado cada tipo de troca de letra isoladamente eles apresentam um menor percentual de ocorrecircncia quando comparados agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Em razatildeo de o objeto de estudo desta pesquisa ser a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita uma subseccedilatildeo especiacutefica trataraacute desse ldquoerrordquo ortograacutefico

52 Monotongaccedilatildeo transposiccedilatildeo para a escrita

Esta subseccedilatildeo aborda especificamente a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita na fase diagnoacutestica No Quadro 2 estatildeo elencadas as palavras que representam a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita encontradas nos dois textos produzidos pelos alunos na fase diagnoacutestica organizado de maneira a se estabelecer correspondecircncia entre o ldquoerrordquo e o aluno que dele fez uso

Quadro 2 Casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ndash fase diagnoacutestica

Aluno Monotongaccedilatildeo

A1 robu (ldquoroubordquo) robaro (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) coguero (ldquocoqueirordquo) atiro (ldquoatirourdquo)

A2 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A3 outro (ldquooutrordquo) robaram (ldquoroubaramrdquo)A4 fera (ldquofeirardquo)A6 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A9 robaraum (ldquoroubaramrdquo) otos (ldquooutrosrdquo)

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A10 cacha (ldquocaixardquo) ropinha (ldquoroupinhardquo)A11 arrumo (ldquoarrumourdquo)

A12 robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A13 ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo) deito (ldquodeitourdquo) comeia (ldquocolmeiardquo) utimo (ldquouacuteltimordquo)

A15 roba (ldquoroubarrdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) acho (ldquoachourdquo) ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A16 vera (ldquofeirardquo)A17 fera (ldquofeirardquo) cheo (ldquocheiordquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A18 robaram (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) comeia (ldquocolmeiardquo)A19 robaram (ldquoroubaramrdquo) vera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A20 robaram (ldquoroubaramrdquo) atiro (ldquoatirourdquo) cacha (ldquocaixardquo)A21 fera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)

Fonte Lopes (2018)

Verifica-se com base no Quadro 2 que dos 21 informantes que participaram das atividades propostas 17 (81) apresentaram na escrita ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo atraveacutes da reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt e dos ditongos lteigt e ltaigt para ltegt e ltagt respectivamente

Contrariando a forma ortograacutefica oficial foram verificadas nas produccedilotildees analisadas palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo tanto em siacutelabas tocircnicas finais quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas Em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo do ditongo [oU9] para [o] puderam ser observadas as seguintes ocorrecircncias

a) Reduccedilatildeo do ditongo em siacutelabas tocircnicas finais como em atiro arrumo comeso deito fecho e acho em vez de ldquoatirourdquo ldquoarrumourdquo comeccedilourdquo ldquodeitourdquordquo fechourdquo e ldquoachourdquo

b) Transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo no final das siacutelabas no interior das palavras como em robo robaram otros comeia e ropinha grafadas no lugar de ldquoroubordquo ldquoroubaramrdquo ldquooutrosrdquo ldquocolmeiardquo e ldquoroupinhardquo No caso da escrita de comeia e utimo a

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transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo ocorre porque haacute um ditongo [ow] na fala que natildeo eacute registrado na forma escrita

Verificou-se ainda o apagamento do glide dos ditongos [a] e [e] que se reduziram para [a] e [e] respectivamente Nas produccedilotildees de texto analisadas a reduccedilatildeo desses ditongos ocorreu nos contextos fonoloacutegicos descritos a seguir

c) O ditongo [e] passou por monotongaccedilatildeo antes de consoante tepe alveolar sonora [] como em fera coquero e cadera em vez de ldquofeirardquo ldquocoqueirordquo e ldquocadeirardquo

d) Houve reduccedilatildeo do ditongo [a] antes de consoante fricativa alveopalatal surda [] como em cacha em vez de ldquocaixardquo

Natildeo houve reduccedilatildeo dos ditongos [a] e [e] diante de oclusivas e fricativas nas produccedilotildees textuais dos alunos Identificou-se o natildeo favorecimento de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo quando o ditongo antecede as consoantes [v] e [t] pois natildeo satildeo sons palatais assim natildeo haacute assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 e A12 grafaram a palavra ldquoraivardquo sem transposiccedilatildeo da reduccedilatildeo do ditongo [a ] Natildeo foram encontrados registros nos textos analisados de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo neste contexto fonoloacutegico ditongo seguido de consoante fricativa labiodental sonora [v] O mesmo ocorreu com os ditongos seguidos de consoante oclusiva dental-alveolar surda [t] (p e ldquodeitourdquo e geito) Foi possiacutevel analisar ainda que o ditongo [e] natildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nos finais de palavra como ocorreu com o ditongo [oU9]

No caso de [a] e [e] a reduccedilatildeo do ditongo estaacute condicionada ao segmento seguinte que sendo um som palatal favorece a monotongaccedilatildeo uma vez que haacute a assimilaccedilatildeo do glide com a consoante Assim enquanto as consoantes [ʒ] e [ʃ] favorecem a monotongaccedilatildeo como em bejo e caxa em vez de ldquobeijordquo e ldquocaixardquo por serem palatais o mesmo natildeo acontece com as consoantes

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[v] e [t] que desfavorecem a monotongaccedilatildeo por natildeo serem sons palatais natildeo havendo portanto assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 A3 e A21 escreveram ldquodeitourdquo geito e ldquodeitadordquo respectivamente sem transpor para a escrita a monotongaccedilatildeo dos ditongos uma vez que conforme jaacute comentado anteriormente esse contexto fonoloacutegico natildeo favorece a reduccedilatildeo do ditongo [e]

No texto do aluno A3 notou-se que as palavras ldquoentreirdquo e axei que possuem um ditongo [e ] no final da palavra tambeacutem natildeo passaram por monotongaccedilatildeo diferentemente do que ocorreu com o ditongo [oU9] no final de palavras

A anaacutelise do diagnoacutestico permitiu chegar aos seguintes resultados

bull Os contextos fonoloacutegicos de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foram ditongo ltougt no interior e final de palavra ditongo lteigt antes de [] e ditongo ltaigt antes de []

bull 81 dos alunos participantes escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

bull O ditongo ltougt foi mais produtivo em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita seguido pelos ditongos lteigt e ltaigt respectivamente

bull Os informantes do sexo masculino escreveram mais palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em comparaccedilatildeo aos informantes do sexo feminino

bull Os participantes com mais idade registraram menor ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita do que os participantes com menos idade

Apoacutes anaacutelise do diagnoacutestico foi elaborado o plano de intervenccedilatildeo e aplicado aos alunos Em seguida os alunos realizaram uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo com o intuito de avaliar a intervenccedilatildeo

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realizada A comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo eacute feita na subseccedilatildeo a seguir

53 Comparaccedilatildeo dos resultados e resultado geral

A fim de avaliar os efeitos da intervenccedilatildeo torna-se necessaacuterio realizar nesta subseccedilatildeo uma anaacutelise comparativa entre os resultados colhidos na fase diagnoacutestica e na fase poacutes-intervenccedilatildeo referentes agraves produccedilotildees de texto redigidas pelos alunos

Na Tabela 1 a seguir eacute feita a comparaccedilatildeo do total de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Tabela 1 Comparativo geral de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

16 4

Fonte Lopes (2018)

Segundo a Tabela 1 houve uma reduccedilatildeo de 12 das ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos produzidos pelos alunos da fase diagnoacutestica para a fase poacutes-intervenccedilatildeo Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo correspondeu a 16 do total de ldquoerrosrdquo enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo esse percentual foi de 4

Ao discutir a transposiccedilatildeo da fala para a escrita Mollica (2016 p 18) afirma que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e que ldquoOs sistemas de escrita possuem um caraacuteter normatizador de tal modo que muitos traccedilos variaacuteveis da fala desaparecemrdquo

Dessa maneira durante a intervenccedilatildeo foi feita a discussatildeo com os alunos no sentido de que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e os resultados demonstram que houve essa compreensatildeo por

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parte dos estudantes uma vez que a ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos reduziu consideravelmente apoacutes a intervenccedilatildeo desenvolvida evidenciando que as atividades propostas minimizaram essa dificuldade ortograacutefica

Para melhor visualizaccedilatildeo o Graacutefico 2 conteacutem a comparaccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 2 Comparativo alunos com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

81

105

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 2 ilustra a reduccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram em seu texto escrito a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo durante as fases diagnoacutestica (81) e poacutes-intervenccedilatildeo (105) Ou seja houve uma reduccedilatildeo de mais de 70 demonstrando que os alunos compreenderam tal fenocircmeno que ocorre na fala e eacute transposto para a escrita

Mollica (2016) defende a elaboraccedilatildeo de trabalhos orientados na abordagem de dificuldades de escrita de natureza ortograacutefica ou gramatical sendo essa uma funccedilatildeo essencial da escola ldquoAssumo que a escola tem o papel preciacutepuo de exercitar a liacutengua padratildeo quer na modalidade escrita quer na modalidade faladardquo (MOLLICA 2016 p 17)

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O trabalho orientado no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita obteve resultados satisfatoacuterios nesta pesquisa de acordo com leitura feita do Graacutefico 2

O Quadro 3 a seguir compara as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa considerando dois informantes que apresentaram a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na atividade de avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo

Quadro 3 Comparativo casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Aluno Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

A11 arrumo (ldquoarrumourdquo) chego (ldquochegourdquo)

A12robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso

(ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)falo (ldquofalourdquo)

Fonte Lopes (2018)

Constatamos a partir da observaccedilatildeo do Quadro 3 que o informante A11 escreveu o mesmo nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa (1 ocorrecircncia em cada) ambas com reduccedilatildeo do ditongo ltougt no final de palavra Jaacute o informante A12 ainda que tenha registrado na fase poacutes-intervenccedilatildeo uma palavra com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apresentou reduccedilatildeo desse fenocircmeno na escrita em relaccedilatildeo agrave fase diagnoacutestica (6 ocorrecircncias) Aleacutem disso enquanto na fase diagnoacutestica esse aluno registrou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo dos ditongos ltougt e lteigt na poacutes-intervenccedilatildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo somente do ditongo ltougt

A reduccedilatildeo do ditongo ltougt pelo fato de natildeo depender do segmento consonantal seguinte para ocorrer monotongaccedilatildeo (ao contraacuterio do que acontece com os ditongos ltaigt e lteigt) torna-se mais frequente e consequentemente mais difiacutecil reduzir a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo desse ditongo na escrita

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O Quadro 4 compara os contextos fonoloacutegicos da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Quadro 4 Comparativo contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

ltougt no final de palavraltougt no interior de palavra

lteigt antes de []ltaigt antes de []

ltougt em final de palavra

Fonte Lopes (2018)

Comparando os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nessas duas fases da pesquisa observamos que houve reduccedilatildeo uma vez que na fase diagnoacutestica os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo foram ditongo ltougt no interior e final de palavra lteigt antes de [] e ltaigt antes de [] Na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi registrada apenas transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com o ditongo ltougt no final de palavra

Corroborando os dados colhidos na fase diagnoacutestica desta pesquisa a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt eacute mais produtiva motivo pelo qual esse contexto fonoloacutegico persistiu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Assim a reduccedilatildeo de contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas produccedilotildees dos alunos demonstra que houve a compreensatildeo no que tange a esse ldquoerrordquo A comparaccedilatildeo entre os tipos de ditongos que apresentaram maior ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo estaacute representada no Graacutefico 3

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Graacutefico 3 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo por tipo de ditongo

62

33

5

100

Ditongo ltougt Ditongo lteigt Ditongo ltaigt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt foi mais produtiva com 62 seguida pelo ditongo lteigt (33) e ditongo ltaigt (5) Jaacute na fase poacutes-intervenccedilatildeo somente ocorreu a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Possivelmente a permanecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apenas do ditongo ltougt na fase poacutes-intervenccedilatildeo deve-se tambeacutem ao fato de que esse eacute um fenocircmeno consolidado na fala tornando mais resistente sua aplicaccedilatildeo

Bortoni-Ricardo e Rocha (2014 p 42) confirmam essa hipoacutetese

[] o curso evolutivo de reduccedilatildeo do ditongo ow estaacute mais avanccedilado a regra parece aplicar-se quase categoricamente em todos os ambientes foneacuteticos Esse ditongo eacute de fato o uacutenico que se reduz nas siacutelabas finais

Mollica (2016 p 91) tambeacutem explica a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico ao afirmar que ldquoA correccedilatildeo ortograacutefica para

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o ditongo com a semivogal posterior por ser mudanccedila operada na fala eacute mais lenta que a verificada para o ditongo com a semivogal anteriorrdquo Logo a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt registrada nesta pesquisa tambeacutem indicou ser mais lento o seu apagamento na escrita por se tratar de fenocircmeno consolidado na fala como demonstrado no Quadro 4 que evidenciou a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico nesta pesquisa na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Ainda assim a anaacutelise dos dados obtidos demonstra que as atividades desenvolvidas para a orientaccedilatildeo de uma dificuldade ortograacutefica especiacutefica foram satisfatoacuterias para a aprendizagem dos alunos posto que foi observada a reduccedilatildeo de ldquoerrosrdquo ocasionados pela transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita

A comparaccedilatildeo das classes de palavras mais produtivas em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases desta pesquisa estaacute especificada no Graacutefico 4 que representa apenas o ditongo ltougt por ter sido o uacutenico recorrente na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 4 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

24

64

12

100

Substantivo Verbo Pronome

Diagnoacutestico Poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

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Identificamos apoacutes comparar a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt no diagnoacutestico e na poacutes-intervenccedilatildeo a prevalecircncia na fase diagnoacutestica de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (64) seguida por substantivos (24) e pronomes (12) enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo soacute houve transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (100)

Os gecircneros textuais escolhidos para as atividades por terem a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo contribuiacuteram para a ocorrecircncia maior da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt com verbos Isso ocorreu tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo momento em que foi solicitada aos alunos a escrita de uma paroacutedia de um conto de fadas

O Graacutefico 5 compara a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos em relaccedilatildeo ao sexo dos participantes Os dados referentes ao diagnoacutestico foram considerados por amostragem Pelo fato de haver no 7ordm ano X prevalecircncia de alunos do sexo masculino (81) fizemos um recorte no diagnoacutestico comparando os ldquoerrosrdquo de 4 informantes do sexo feminino e 4 informantes do sexo masculino entre 12 e 13 anos com o intuito de verificar se a variaacutevel sexo interfere no resultado da pesquisa

Essa anaacutelise por amostragem eacute utilizada neste trabalho na medida em que haacute a necessidade de ser mantido o equiliacutebrio entre as ceacutelulas das variaacuteveis consideradas Apesar de a amostra ser reduzida ela permite avaliar os dados sem diferenccedilas quantitativas nessa variaacutevel demonstrando resultados mais confiaacuteveis pois informantes de sexos diferentes podem apresentar resultados tambeacutem distintos

Reafirmamos que a comparaccedilatildeo eacute feita considerando o ditongo ltougt que na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi o uacutenico que ocorreu

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Graacutefico 5 Comparativo variaacutevel sexo e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

130

87100

Feminino Masculino

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 5 demonstra que na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foi mais produtiva com informantes do sexo masculino (87) O mesmo ocorreu na fase poacutes-intervenccedilatildeo em que apenas informantes do sexo masculino escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Assim a variaacutevel sexo demonstrou influenciar o fenocircmeno aqui estudado ratificando a informaccedilatildeo discutida por Mollica (2016 p 85) segundo a qual

O fator sexo influencia na forma relevante com relaccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo de ow e ey uma vez que as meninas apresentam enorme facilidade no aprendizado de formas linguiacutesticas prestigiadas socialmente O inverso ocorre com os meninos nos quais costuma prevalecer a ocorrecircncia de formas linguiacutesticas de baixo prestiacutegio social

Ainda segundo a autora ldquoEssas diferenccedilas costumam ser maiores em turmas onde o niacutevel socioeconocircmico eacute mais baixordquo (MOLLICA 2016 p 85) sendo essa tambeacutem a mesma condiccedilatildeo socioeconocircmica do puacuteblico-alvo dessa pesquisa

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A comparaccedilatildeo entre a fase diagnoacutestica e a fase poacutes-intervenccedilatildeo no que diz respeito agrave variaacutevel faixa etaacuteria estaacute representada no Graacutefico 6 no qual foi feito um recorte na fase diagnoacutestica para essa variaacutevel Tambeacutem satildeo contempladas as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt que foi o uacutenico identificado na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 6 Comparativo variaacutevel faixa etaacuteria e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutesca Fase poacutes-intervenccedilatildeo

80

50

20

50

12 anos 14 anos

Fonte Lopes (2018)

Percebe-se que no diagnoacutestico o ditongo ltougt foi mais produtivo em textos escritos por alunos de 12 anos (80) que possuem idade recomendada para o 7ordm ano enquanto os alunos de 14 anos escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em 20 das vezes identificadas

Jaacute na poacutes-intervenccedilatildeo a porcentagem foi a mesma para alunos de 12 e 14 anos (50) Apesar de o desempenho dos alunos mais velhos na fase diagnoacutestica ter sido mais satisfatoacuterio (20) o resultado referente a essa variaacutevel na fase poacutes-intervenccedilatildeo (50) deve-se provavelmente ao que afirma Mollica (2016) Segundo essa estudiosa ainda que a inserccedilatildeo do glide no ditongo seja mais facilmente assimilada por alunos mais velhos essa regra eacute ldquo[] compreendida e apreendida quanto mais os alunos se tornam conscientes das diferenccedilas entre fala e escritardquo

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Portanto na poacutes-intervenccedilatildeo os alunos mais novos demonstraram evoluccedilatildeo significativa da consciecircncia das diferenccedilas entre a fala e a escrita sendo mais maduros nesse aspecto do que os alunos mais velhos

A comparaccedilatildeo dos dados colhidos no diagnoacutestico com os dados da poacutes-intervenccedilatildeo demonstrou que

bull Houve reduccedilatildeo significativa da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos dos alunos registrando 16 dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos durante o diagnoacutestico e 4 na poacutes-intervenccedilatildeo

bull O percentual de alunos que escreveram palavras com a reduccedilatildeo do glide do ditongo diminuiu passando de 81 do total de alunos participantes para 105

bull A transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt para a escrita foi mais produtiva (devido agrave sua consolidaccedilatildeo na fala e resistecircncia na escrita e ao fato de ser um ditongo que independe do segmento consonacircntico seguinte para ocorrer transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo) uma vez que foi o uacutenico contexto de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo que permaneceu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

bull A reduccedilatildeo do glide no ditongo ltougt foi mais recorrente com verbos tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo devido agrave influecircncia dos gecircneros textuais trabalhados em que haacute a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo

bull Participantes do sexo masculino escreveram maior nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases da pesquisa analisadas evidenciando que as mulheres monitoraram mais a linguagem e demonstraram maior preocupaccedilatildeo em escrever de acordo com as regras ortograacuteficas

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bull A variaacutevel faixa etaacuteria demonstrou que os alunos mais novos apresentaram evoluccedilatildeo na aprendizagem do fenocircmeno estudado pois reduziram o percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 80 para 50 na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo respectivamente enquanto os participantes mais velhos natildeo demonstraram evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave aprendizagem da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita posto que houve aumento do percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 20 para 50

6 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa analisou o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo com o objetivo de verificar a sua transposiccedilatildeo para a escrita dos alunos do 7ordm ano X do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica O resultado do diagnoacutestico apontou a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo como sendo um ldquoerrordquo recorrente na escrita demonstrando que a escrita dos alunos eacute influenciada pela monotongaccedilatildeo levando-os a se desviar da forma ortograacutefica convencional do Portuguecircs

A avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi obtida atraveacutes de uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo que demonstrou reduccedilatildeo de ocorrecircncias da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes participantes Portanto concluiacutemos que o entendimento do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo pelo aluno influencia positivamente na aprendizagem e desenvolvimento da sua escrita ortograacutefica e que a intervenccedilatildeo a partir de atividades sugeridas por Morais (2000) contribuiu para o desenvolvimento da escrita ortograacutefica dos alunos

Dessa forma constatamos a necessidade de o professor considerar a dificuldade do aluno no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ao propor as atividades ortograacuteficas em sala de aula por diversas vezes natildeo se fala o que parece ser oacutebvio em relaccedilatildeo agrave ortografia todavia faz-se necessaacuterio observar

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a realidade linguiacutestica do aluno pois o coacutedigo ortograacutefico precisa ser ensinado Devido a isso as atividades propostas em sala devem estar de acordo com as necessidades do puacuteblico-alvo

Esta pesquisa pode suscitar reflexotildees e conjecturas e consequentemente o desenvolvimento de pesquisas sobre a maneira como a monotongaccedilatildeo ocorre na fala dos participantes posto que nosso objeto de estudo consistiu na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita sendo oportuno ampliar a amostra em estudos posteriores

Eacute oportuno ressaltar que iniciativas do professor que consistem na aplicaccedilatildeo de um diagnoacutestico e posteriormente na elaboraccedilatildeo de atividades que objetivem sanar as duacutevidas identificadas satildeo necessaacuterias em se tratando do ensino de Liacutengua Portuguesa no Ensino Fundamental II O professor-pesquisador pode transformar a realidade do aluno e fazer a diferenccedila no desenvolvimento de sua aprendizagem

Referecircncias

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LAZZAROTTO-VOLCAtildeO C NUNES V G SEARA I C Para conhecer foneacutetica e fonologia do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Contexto 2015

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SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios 9 ed Satildeo Paulo Contexto 2008

A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda os resultados obtidos na pesquisa sobre a segmentaccedilatildeo e a juntura36 registradas na escrita de alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio na cidade de Montes Claros Minas Gerais em 2015 O estudo teve como objetivos arrolar as possiacuteveis causas do fenocircmeno elaborar propostas de ensino para resolver o problema detectado bem como oferecer subsiacutedios teoacuterico-praacuteticos para professores alfabetizadores e de Liacutengua Materna uma vez que tais problemas perpetuam-se ateacute os anos finais de escolaridade mesmo sendo um fenocircmeno peculiar agrave etapa da alfabetizaccedilatildeo

A metodologia utilizada na pesquisa foi a da pesquisa-accedilatildeo que alia a teoria agrave praacutetica com o propoacutesito de oferecer contribuiccedilotildees para melhorar o ensino e a aprendizagem Nesse sentido ratifica-se a relevacircncia de agregar os postulados teoacutericos imprescindiacuteveis ao exerciacutecio docente agraves estrateacutegias de ensino que possam ser executadas em sala de aula pois eacute comum os professores natildeo encontrarem materiais que os auxiliem nas dificuldades de escrita de seus alunos As investigaccedilotildees aqui delineadas promoveram um novo olhar diante de tais entraves pois foi possiacutevel constatar que os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos natildeo satildeo aleatoacuterios isto eacute existem explicaccedilotildees que justificam suas ocorrecircncias e eacute por isso que o embasamento teoacuterico eacute fundamental para uma praacutetica docente de qualidade

Como se sabe as atividades de leitura e escrita satildeo de grande preocupaccedilatildeo sobretudo para professores de Liacutengua Portuguesa cuja meta eacute formar cidadatildeos natildeo apenas alfabetizados mas principalmente capazes de ler e escrever de forma autocircnoma e com criticidade Vaacuterios satildeo os obstaacuteculos que dificultam essa meta entre eles podemos destacar o alto grau de abstraccedilatildeo que a escrita e a leitura exigem diferente da fala que eacute aprendida de forma

36 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa

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mais espontacircnea no meio familiar as peculiaridades do alfabeto Portuguecircs as dificuldades ortograacuteficas a falta de haacutebito de leitura bem como questotildees de ordem social econocircmica e cultural que natildeo seratildeo destacadas neste trabalho mas que de certo modo interferem nesse processo

Contudo entre esses obstaacuteculos merecem tratamento cuidadoso as dificuldades ortograacuteficas como por exemplo hipercorreccedilatildeo uso indevido de letras utilizaccedilatildeo inadequada de letras maiuacutesculas e minuacutesculas e o que eacute o objeto de interesse deste texto a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Segundo Cagliari (2009) quando a crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros textos de um modo espontacircneo costuma unir as palavras o que configura a juntura Por sua vez devido agrave acentuaccedilatildeo tocircnica das palavras pode ocorrer uma segmentaccedilatildeo que eacute uma separaccedilatildeo na escrita que configura um desvio da ortografia Eacute importante ressaltar que devido ao seu vasto trabalho na aacuterea de Alfabetizaccedilatildeo e Linguiacutestica a nomenclatura de Cagliari (2009) segmentaccedilatildeo e juntura eacute a que foi utilizada ao longo desta pesquisa

Embora sejam processos fonoloacutegicos peculiares agrave fase de alfabetizaccedilatildeo foi possiacutevel perceber que ao chegarem aos anos iniciais do Ensino Fundamental II mais especificamente no 6ordm ano um nuacutemero consideraacutevel de alunos ainda traz registros de junturas e segmentaccedilotildees em seus textos tais como ldquocom noscordquo em vez de ldquoconoscordquo ldquoa legrerdquo em vez de ldquoalegrerdquo como exemplos de segmentaccedilotildees ldquoderrepenterdquo em vez ldquode repenterdquo ldquosenquererrdquo em vez de ldquosem quererrdquo como exemplos de junturas Nessa fase escolar tais ocorrecircncias jaacute deveriam teoricamente ser inexistentes Contudo se persistem eacute necessaacuterio investigar as causas e encarar tais registros como possibilidades de escrita que natildeo satildeo desprovidas de loacutegica ou seja satildeo ldquoerrosrdquo37 que podem ser compreendidos e trabalhados mas sem dar-lhes o caraacuteter

37 Usamos o termo ldquoerrordquo entre aspas para natildeo ferir os postulados linguiacutesticos mas tambeacutem o reconhecendo como tal por se apresentar como um desvio que difere do que aponta a norma-padratildeo Destacamos o conceito de ldquoerrordquo na seccedilatildeo teoacuterica

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pejorativo que revela muitas vezes preconceito linguiacutestico Eacute papel do professor evitar a perpetuaccedilatildeo de qualquer tipo discriminaccedilatildeo da liacutengua visto que haacute outras variantes que merecem ser respeitadas e satildeo vaacutelidas dentro dos seus contextos de uso

No entanto tambeacutem eacute funccedilatildeo do profissional de Liacutengua Materna estar atento agraves duacutevidas de seus alunos e procurar recursos para que sejam elucidadas pois haacute uma ortografia oficial que rege a escrita e eacute fundamental propiciar aos alunos o conhecimento dela Diferentemente da variaccedilatildeo linguiacutestica oral que eacute um evento de fala inserido dentro de uma cultura as dificuldades ortograacuteficas precisam ser esclarecidas a fim de que o aluno tenha acesso agrave variedade padratildeo da escrita para se inserir nas praacuteticas que exigem essa modalidade Como estabelecem Faraco e Tezza (2001 p 52) ldquo[] na rede das linguagens de uma dada sociedade a liacutengua padratildeo ocupa um espaccedilo privilegiado ela eacute o conjunto de formas consideradas como o modo correto socialmente aceitaacutevel de falar ou escreverrdquo Portanto eacute na escola que essa variedade padratildeo precisa ser ensinada sem desprezar evidentemente o que o aluno traz de sua vivecircncia fora dela permitindo-lhe melhor acesso aos meios em que a variedade padratildeo se faz presente

No contexto desta pesquisa eacute importante estabelecer algumas consideraccedilotildees acerca do termo ldquonorma-padratildeordquo utilizado ao longo deste trabalho Conforme salienta Faraco (2008 p 75) apoiado em Bagno (2007) ldquo[] a norma-padratildeo natildeo eacute propriamente uma variedade da liacutengua mas [] um construto soacutecio-histoacuterico que serve de referecircncia para estimular um processo de uniformizaccedilatildeordquo O autor destaca ainda que a norma-padratildeo natildeo conseguiraacute em momento algum impedir o avanccedilo da diversidade linguiacutestica porque natildeo eacute possiacutevel homogeneizar a sociedade e a cultura tampouco paralisar o movimento da histoacuteria humana Contudo ressalva que o padratildeo teraacute sempre um efeito de uniformizar unificar as demais normas

Conforme Barbosa (2015) cabe agrave escola portanto proporcionar ao aluno um estudo adequado que o leve agrave percepccedilatildeo de que a

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escrita tem formas de realizaccedilotildees diferentes da fala e que haacute um registro considerado padratildeo para a escrita das palavras aleacutem do registro natildeo padratildeo que ele jaacute domina de modo que ele saiba circular entre as diversas variedades com autonomia e seguranccedila em funccedilatildeo do contexto Omitir-se diante disso eacute uma praacutetica de exclusatildeo inadmissiacutevel

Aleacutem dos exemplos jaacute citados anteriormente na amostra seguinte exemplificamos as segmentaccedilotildees e junturas comuns retiradas de uma produccedilatildeo de texto diagnoacutestica realizada em uma turma do 6ordm ano no iniacutecio do ano letivo de 2013 quando da elaboraccedilatildeo do projeto de pesquisa

1 Casos de segmentaccedilatildeo

a) com nosco em vez de ldquoconoscordquo (Inf1)

b) a legre es capa em vez de ldquoalegrerdquo e ldquoescaparrdquo respectivamente (Inf2)

c) com migo em vez de ldquocomigordquo (Inf5)

2 Casos de junturas

a) derrepente em vez de ldquode repenterdquo (Inf5)

b) senquere em vez de ldquosem quererrdquo (Inf6)

c) uminino em vez de ldquoum meninordquo (Inf7)

Os aspectos da segmentaccedilatildeo e da juntura permanecem mesmo apoacutes cinco anos de escolaridade embora seja um traccedilo tiacutepico da fase de alfabetizaccedilatildeo Conforme atesta Cagliari (2009 p 119-120) ldquo[] os alunos ao aprenderem a escrever produzindo textos espontacircneos aplicam nessa tarefa um trabalho significativo de reflexatildeo e se apegam a regras que revelam usos possiacuteveis do sistema de escrita do Portuguecircsrdquo Quando natildeo trabalhados de forma adequada os alunos continuam com esses usos na escrita ao longo do Ensino Fundamental Esta pesquisa encontra respaldo

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na possiacutevel contribuiccedilatildeo que poderaacute trazer tanto para os discentes quanto para os docentes Para o professor estar munido de um embasamento teoacuterico que alcance suas duacutevidas e anseios em face das dificuldades de escrita que seus alunos apresentam eacute um passo importante para intervir em tais problemas Para o aluno ao permitir que o educador tenha um olhar mais atento e compreensivo para perceber a sua dificuldade de escrita seja quando segmenta seja quando faz uma juntura natildeo convencionada e possa orientaacute-lo em vez de estigmatizaacute-lo como um discente que natildeo sabe escrever conforme a variedade padratildeo

Ao tratar dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas e de quais fatores estatildeo implicados em sua realizaccedilatildeo e tendo em vista a nossa proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses foram formuladas i) Tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas E ii) A forma como se pronuncia grande parte das palavras na fala vernacular ou seja a linguagem coloquial cria na mente da crianccedila uma ideia de que algumas palavras satildeo juntas e outras satildeo separadas o que demonstra a influecircncia da oralidade na escrita Essas hipoacuteteses denotam a influecircncia da oralidade na escrita como fator preponderante cujas investigaccedilotildees teoacutericas permitiram ratificaacute-las por meio de vasta leitura sobre o tema Nesses estudos foi possiacutevel perceber explicaccedilotildees plausiacuteveis para a ocorrecircncia das junturas e das segmentaccedilotildees levando-se em conta o papel fundamental da linguagem na vida da humanidade

2 Fundamentaccedilatildeo teoacuterica

A necessidade de se expressar por meio de uma linguagem sempre acompanhou o homem Conforme Faraco (2012) entendemos como linguagem um amplo conjunto de formas de

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comunicaccedilatildeo e significaccedilatildeo que pode ser expresso por meio da linguagem verbal oral ou escrita os gestos as expressotildees faciais a pintura a muacutesica o desenho entre outras vaacuterias manifestaccedilotildees que servem ao homem como meio de se exprimir enquanto ser social

Certamente a linguagem verbal eacute o grande avanccedilo que possibilitou ao homem seu desenvolvimento como indiviacuteduo Por meio dela nos diferenciamos diante dos outros seres ao produzirmos signos que estatildeo carregados de significados Ainda segundo Faraco (2012 p 33) ldquo[] a linguagem verbal eacute marca forte constitutiva distintiva da nossa espeacutecierdquo Muito se tem discutido acerca de sua origem de quando o homem adquiriu a capacidade de se comunicar por meio da palavra e ainda haacute muito que se pesquisar sobre o assunto uma vez que a linguagem verbal eacute um ldquobem imaterialrdquo pois natildeo haacute registros ou provas de suas mais remotas manifestaccedilotildees que possam retratar aos estudiosos atuais as pistas que remontam suas origens

A linguagem verbal manifesta-se tanto na modalidade oral quanto na escrita A primeira acompanha o homem desde eacutepocas bem antigas Jaacute a linguagem escrita eacute uma realidade linguiacutestica relativamente recente na histoacuteria da humanidade tendo surgido haacute cinco mil anos A escrita originou-se de necessidades praacuteticas do cotidiano As demandas da vida em sociedade e as complexidades das relaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas exigiram a criaccedilatildeo de um sistema de registro das atividades humanas Faraco (2012) destaca que aleacutem dessas utilizaccedilotildees de caraacuteter pragmaacutetico o crescente desenvolvimento da escrita tambeacutem propiciou o registro permanente da cultura oral o que permitiu a escrita de poemas narrativas eacutepicas e religiosas e uma diversidade de saberes que antes soacute se vivenciavam pela oralidade criando assim uma cultura letrada

A escrita alfabeacutetica tal qual a conhecemos foi precedida de outras fases a pictoacuterica e a ideograacutefica Os pictogramas eram

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associaccedilotildees com imagens e natildeo com sons Os ideogramas satildeo representaccedilotildees que podem significar uma palavra ou ateacute uma frase inteira muitos jaacute caiacuteram em desuso mas os ideogramas chineses satildeo utilizados ateacute os dias atuais No contiacutenuo da evoluccedilatildeo a fase alfabeacutetica surge de um processo de maior abstraccedilatildeo da escrita adquirindo a caracteriacutestica de uma representaccedilatildeo fonograacutefica Com isso o signo passa a conter aleacutem de sua funccedilatildeo logograacutefica uma funccedilatildeo fonoloacutegica Essa escrita alfabeacutetica passou por diversas transformaccedilotildees ao longo do tempo das quais resultaram os silabaacuterios que satildeo representaccedilotildees silaacutebicas A partir deles foram feitas novas adaptaccedilotildees o que permitiu que se tornassem mais precisos e funcionais pois uma escrita silaacutebica necessita de um menor nuacutemero de signos para registros do que nas formas anteriores como os ideogramas

Interessante destacar que as letras natildeo podem ser consideradas como representaccedilatildeo direta dos sons da fala mas sim como representaccedilatildeo das unidades funcionais da liacutengua que hoje conhecemos como fonemas que satildeo representaccedilotildees abstratas Elas tecircm portanto um caraacuteter fonoloacutegico como aponta Faraco (2012 p 56)

A escrita alfabeacutetica eacute assim uma escrita de base fonoloacutegica ou seja toma como referecircncia uma representaccedilatildeo abstrata da articulaccedilatildeo sonora da liacutengua e natildeo propriamente sua pronuacutencia Considerando que a pronuacutencia varia muito entre regiotildees grupos sociais estilos de fala e mesmo na linha do tempo uma escrita estritamente foneacutetica seria de pouco alcance e baixa funcionalidade

Cagliari (2009) tambeacutem destaca esse caraacuteter funcional e fonoloacutegico da escrita quando afirma ser uma ilusatildeo pensar nela como um reflexo da fala Enfatiza ainda que a uacutenica forma escrita que consegue fazer essa relaccedilatildeo uniacutevoca entre som e letra eacute a transcriccedilatildeo foneacutetica que apresenta um siacutembolo graacutefico para cada som para fins de aprofundamento dos estudos da liacutengua

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Com o passar do tempo a escrita foi tendo uma importacircncia cada vez maior nas relaccedilotildees sociais A aplicaccedilatildeo da escrita avolumou-se e passou a integrar diversas aacutereas da atividade humana dando ecircnfase a uma cultura letrada ou seja estabelecida por meio de registros escritos que permitem ao homem se apropriar do conhecimento Faraco (2012) exemplifica bem isso ao mostrar por meio da escrita como a vida humana foi transformada de modo intenso e irrevogaacutevel Dessa maneira a partir dela foi possiacutevel a organizaccedilatildeo da sociedade por meio da inscriccedilatildeo de leis as religiotildees conseguiram estruturar melhor seus preceitos e crenccedilas por grandes espaccedilos geograacuteficos houve uma maior transmigraccedilatildeo intercultural de siacutembolos valores que ampliaram sobremaneira a criatividade humana ela possibilitou ainda manter viva a memoacuteria de um povo e de seus valores intriacutensecos com o uso do registro permanente e mais importante elevou de forma significativa o avanccedilo do conhecimento favorecendo a organizaccedilatildeo intelectual e as praacuteticas cognitivas mais abstratas como a Matemaacutetica as Ciecircncias e as Tecnologias

Nesse sentido podemos afirmar que a escrita mesmo tendo sido criada muitos seacuteculos depois que a linguagem oral adquiriu um elevado poder poliacutetico social econocircmico e cultural que predomina ateacute hoje Ateacute aqueles que natildeo a dominam estatildeo permeados por ela e mais do que alfabetizar a escola deve criar condiccedilotildees de letrar E o que eacute ser letrado Embora jaacute tenham sido feitas inuacutemeras definiccedilotildees por diferentes vertentes teoacutericas destacamos a definiccedilatildeo apresentada por Soares (2001 p 18) do termo letramento ldquo[] eacute pois o resultado da accedilatildeo de ensinar ou de aprender a ler e escrever o estado ou a condiccedilatildeo que adquire um grupo social ou um indiviacuteduo como consequecircncia de ter-se apropriado da escritardquo

Nessa perspectiva somente ldquoler e escreverrdquo natildeo satildeo requisitos que garantem de maneira absoluta essa apropriaccedilatildeo da escrita de que fala Soares (2001) Esse aprendizado tem caraacuteter social e funcional ou seja ler e escrever envolve muito mais do que

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decodificar signos A sociedade cria demandas de uso de leitura e escrita que exigem que o usuaacuterio da liacutengua saiba lanccedilar matildeo dessas habilidades nas mais variadas situaccedilotildees comunicativas E esse apropriar-se da escrita requer o desenvolvimento de uma gama de habilidades que nem sempre a escola consegue oferecer aos alunos embora a relaccedilatildeo entre escola escrita e cultura letrada seja entrelaccedilada e indissociaacutevel como atesta Faraco (2012)

Longe de parar na alfabetizaccedilatildeo a praacutetica da escrita numa perspectiva de letramento eacute um exerciacutecio constante que deve ser calcado num avanccedilo crescente dos domiacutenios cognitivos do aprendiz Como reitera Faraco (2012) eacute uma complexa experiecircncia de caraacuteter cognitivo que natildeo implica somente o domiacutenio do alfabeto pois a alfabetizaccedilatildeo eacute apenas uma fase especiacutefica do aprendizado do sistema de escrita

Embora a escrita tenha adquirido uma importacircncia significativa ao longo da histoacuteria dado o seu caraacuteter de permanecircncia natildeo podemos deixar de ressaltar tambeacutem a relevacircncia da oralidade uma vez que eacute ela que acompanha o indiviacuteduo nas suas mais variadas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo quer seja ele escolarizado quer natildeo Aleacutem disso a oralidade conta com vaacuterios recursos que a escrita tenta parcialmente reproduzir como a entonaccedilatildeo a intensidade e duraccedilatildeo das pronuacutencias que satildeo extremamente significativos no contexto comunicativo pois muitas vezes eacute o tom que daacute a um enunciado o caraacuteter de urgecircncia alegria emoccedilatildeo raiva ordem tristeza entre outros aspectos Marcuschi (2010) corrobora para uma visatildeo natildeo dicotocircmica entre fala e escrita acentuando na verdade suas contribuiccedilotildees e peculiaridades igualmente importantes para o trato comunicativo

Nessa direccedilatildeo eacute fundamental abordar a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila Kato (1999) estabelece uma comparaccedilatildeo entre a histoacuteria da escrita da humanidade e a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila como fenocircmenos parecidos ou seja pode-se dizer que em ambos os casos dadas as devidas proporccedilotildees haacute em seu percurso um caminho de descobertas ou seja seguindo etapas

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que dependem de estiacutemulos do ambiente onde estaacute inserida como tambeacutem passaram seus ancestrais em outras eacutepocas remotas

Dentro desse intricado processo que eacute a aquisiccedilatildeo da escrita Lemle (1998) estabelece cinco capacidades ou saberes e percepccedilotildees que satildeo necessaacuterios para a alfabetizaccedilatildeo Destaca a importacircncia em primeiro lugar da ideia de siacutembolo pois cada letra eacute uma espeacutecie de siacutembolo que remete a algum som da fala Essa relaccedilatildeo natildeo eacute necessariamente regular ou direta Lemle (1998 p 8) afirma que ldquouma crianccedila que ainda natildeo consiga compreender o que seja uma relaccedilatildeo simboacutelica entre dois objetos natildeo conseguiraacute aprender a lerrdquo Diante disso cabe ao professor trabalhar com o universo simboacutelico dos variados contextos do dia a dia como siacutembolos de times sinais de tracircnsito o significado simboacutelico de certas cores etc para propiciar ao aluno uma noccedilatildeo compatiacutevel com suas experiecircncias praacuteticas

Outro ponto importante assinalado por Lemle (1998) eacute a discriminaccedilatildeo dos formatos das letras uma vez que haacute vaacuterias letras de nosso alfabeto que se diferenciam por traccedilados muitos sutis na grafia como as letras p b e q por exemplo que se distinguem conforme a posiccedilatildeo de suas hastes ou da ldquobarriguinhardquo Aleacutem dessa percepccedilatildeo visual segundo a autora o aluno precisa aprender a ter discriminaccedilatildeo auditiva uma vez que as letras simbolizam sons da fala

Entender o conceito de palavra tambeacutem eacute um ponto que merece destaque Essa capacidade de entendimento do que eacute palavra quando natildeo alcanccedilada pelo aprendiz pode acarretar dificuldades de segmentaccedilatildeo em que o aluno natildeo consegue na escrita determinar os limites entre uma palavra e outra Esses obstaacuteculos ilustram os fenocircmenos que nos interessam neste trabalho a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Sobre isso Lemle (1998 p 10-11) esclarece

O tipo de dificuldade na depreensatildeo de unidades vocabulares que se observa muitas vezes na praacutetica do ensino satildeo coisas

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como umavez nonavio minhavoacute ou seja falta de separaccedilatildeo onde existe uma fronteira vocabular O inverso ndash a colocaccedilatildeo de um espaccedilo onde natildeo haacute fronteiras vocabulares ndash eacute mais raro A alocaccedilatildeo errada de fronteiras vocabulares onde existem acontece por exemplo com palavras femininas que comeccedilam com [a] ndash minha miga em vez de minha amiga ndash ou com palavras masculinas que comeccedilam com [u] ndash oniverso em vez de o universo

E por uacuteltimo Lemle (1998) enfatiza a importacircncia de se mostrar ao alfabetizando a noccedilatildeo da organizaccedilatildeo espacial da paacutegina Por mais banal que isso possa parecer nem todo sistema de escrita se estrutura como o nosso com a ordem das palavras da esquerda para a direita e de cima para baixo

Dessa forma a alfabetizaccedilatildeo ultrapassa a simplicidade do b com a = ba ou da escolha deste ou daquele meacutetodo E o professor precisa estar munido de um embasamento teoacuterico consistente ter sensibilidade diante das dificuldades dos alunos bem como ter disposiccedilatildeo e criatividade para alcanccedilar ecircxito no ensino da aquisiccedilatildeo da escrita Por isso ressaltamos a importacircncia de se conhecer o sistema de escrita do Portuguecircs uma vez que seu conhecimento eacute essencial para um ensino sistematizado e contribui muito para auxiliar os alunos em relaccedilatildeo agraves inuacutemeras duacutevidas referentes agrave escrita que os acompanham ao longo de sua trajetoacuteria escolar

Diante dessas caracteriacutesticas eacute preciso que o aluno saiba que no processo de aquisiccedilatildeo da escrita as relaccedilotildees ou correspondecircncias entre letras e sons natildeo satildeo biuniacutevocas em que cada letra representaria sempre o mesmo som ou vice-versa mas pelo contraacuterio nem toda letra tem um som diretamente relacionado a ela Lemle (1998) preconiza que nas etapas seguintes de alfabetizaccedilatildeo os casos mais complexos tambeacutem devem ser apresentados e cabe ao professor conforme os avanccedilos percebidos em sala de aula determinar quanto tempo deveraacute ficar nessa abordagem das relaccedilotildees biuniacutevocas em que cada som possui uma letra correspondente para depois partir para fases mais complexas

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Lemle (1998) salienta a importacircncia de o alfabetizador conhecer claramente essas especificidades do sistema de escrita do Portuguecircs para estar pronto para os questionamentos dos alunos quando se deparam com as dificuldades de um mesmo som representado por vaacuterias letras por exemplo Dizer que falamos errado eacute simplificar demais e demonstra desconhecimento das particularidades da escrita que se pretende ensinar Lemle (1998) argumenta ainda que apelar para esse tipo de resposta eacute um ldquo[] equiacutevoco linguiacutestico um desrespeito humano e um erro poliacuteticordquo No que diz respeito ao equiacutevoco linguiacutestico a autora destaca que tachar de erro eacute demonstrar ignoracircncia ao fato de que as unidades de som satildeo afetadas pela posiccedilatildeo em que ocorrem Eacute um desrespeito humano segundo ela porque eacute um ato de humilhaccedilatildeo e de desvalorizaccedilatildeo para aquele que eacute apontado como quem fala errado E eacute um erro poliacutetico porque essa desvalorizaccedilatildeo contribui para amedrontar diminuir o outro e o impede de manifestar sua linguagem uma vez que eacute considerada errada Em suma o professor que recorre a essa resposta preconceituosa acaba contribuindo para a marginalizaccedilatildeo de seus alunos (LEMLE 1998)

Faraco (2012 p 113) destaca a duplicidade que caracteriza a ortografia portuguesa pois ldquo[] ela eacute basicamente fonoloacutegica mas com memoacuteria etimoloacutegicardquo Essa memoacuteria etimoloacutegica diz respeito a criteacuterios que levam em conta natildeo apenas as unidades sonoras funcionais das palavras mas tambeacutem sua origem Como exemplifica o autor escrevemos homem com h porque em latim se grafa homo com h influecircncia de escritas antigas da histoacuteria do Latim nas quais havia uma consoante antes do o Por isso nem sempre eacute a base fonoloacutegica que dita a escrita oficial de uma palavra mas tambeacutem suas origens mais remotas Haacute no entanto estrateacutegias que o professor pode utilizar a fim de que o aluno compreenda melhor essas relaccedilotildees como recorrer agrave morfologia com o trabalho de famiacutelias de palavras como orienta Faraco (2012) e outras atividades ortograacuteficas para tentar minimizar as dificuldades

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21 Processos Fonoloacutegicos em estudo - juntura e segmentaccedilatildeo

Antes de abordarmos as anaacutelises sob a perspectiva linguiacutestica acerca da juntura e da segmentaccedilatildeo destacamos a visatildeo das gramaacuteticas normativas tradicionais sobre o assunto Nos autores pesquisados natildeo encontramos muitas consideraccedilotildees a respeito do fenocircmeno Cegalla (2002) faz uma alusatildeo ao que podemos chamar de possiacuteveis junturas nos casos de emprego do apoacutestrofo em que os elementos se aglutinaram numa soacute unidade foneacutetica e semacircntica cujo sinal de pontuaccedilatildeo referido natildeo precisaria mais ser utilizado Embora natildeo sejam tratados como junturas o autor menciona suas ocorrecircncias como nos exemplos de destarte esconjuro vivalma

Cunha e Cintra (2001) apresentam um toacutepico denominado ldquoEncontros intraverbais e interverbaisrdquo em que tratam de encontros vocaacutelicos que podem ocorrer em dois vocaacutebulos no entanto natildeo apresenta exemplos disso Os autores Faraco e Moura (2003) apresentam o assunto natildeo com a nomenclatura aqui utilizada mas apresentam o fenocircmeno como ldquoBarbarismosrdquo na seccedilatildeo de ldquoViacutecios de linguagemrdquo o qual eacute tachado de erro e fere os postulados gramaticais Em suma os poucos gramaacuteticos que discorrem sobre o toacutepico natildeo o tratam como hipoacuteteses possiacuteveis de escrita mas como ldquoerrosrdquo desvios de escrita que precisam ser corrigidos

Vimos ao longo do percurso teoacuterico vaacuterios indiacutecios que mostram como haacute uma distacircncia entre fala e escrita Por isso conforme Faraco (2012) a escrita alfabeacutetica relaciona-se agrave realidade fonoloacutegica e natildeo agrave realidade foneacutetica Essa configuraccedilatildeo tem caraacuteter praacutetico e funcional uma vez que se a escrita fosse seguir as vaacuterias peculiaridades de pronuacutencia teriacuteamos que criar uma gama maior de grafemas para representaacute-la ateacute porque como afirma Cacircmara Jr (1997) a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo fiel da fala Contudo esse distanciamento entre o oral e o escrito acarreta dificuldades que satildeo refletidas na escrita e que muitas vezes os alunos carregam pela vida afora

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Faraco (2012) por sua vez trata do tema destacando a influecircncia da oralidade pois escrevemos cada palavra separada por um espaccedilo em branco usando para isso um criteacuterio de segmentaccedilatildeo com base lexical Jaacute na fala o que ocorre eacute uma segmentaccedilatildeo que se daacute por blocos foneacutetico-fonoloacutegicos que unem numa soacute emissatildeo de voz um conjunto de palavras O criteacuterio de segmentaccedilatildeo na fala portanto eacute de caraacuteter prosoacutedico ou seja segue padrotildees que estatildeo relacionados ao ritmo e agrave meacutetrica

A juntura conforme afirma Cagliari (2009) relaciona-se com os criteacuterios que a crianccedila utiliza para analisar a fala afinal na oralidade natildeo existe separaccedilatildeo de palavras a menos que estejam marcadas pela entonaccedilatildeo do falante Bortoni-Ricardo (2005) apoiada em Cacircmara Jr (1975) apresenta a ideia de ldquovocaacutebulos fonoloacutegicos constituiacutedos de duas ou mais formas livres ou dependentes grafados como um uacutenico vocaacutebulo formal Ex ldquouquerdquo (o que) ldquolevalordquo (levaacute-lo) ldquojanoteirdquo (jaacute notei)rdquo

Koch e Elias (2014 p 28) tambeacutem abordam o tema aqui estudado mas tratam os dois casos com a denominaccedilatildeo ldquosegmentaccedilatildeo graacuteficardquo Salientam que esse tipo de problema que as crianccedilas demonstram em seus textos natildeo eacute desprovido de loacutegica ou seja natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios pois haacute criteacuterios analiacuteticos feitos por elas que as fazem escrever ora juntando tudo ora separando o que natildeo eacute convencionalmente separado ou junto respectivamente As autoras argumentam que a segmentaccedilatildeo graacutefica nos textos das crianccedilas ocorre com base nos vocaacutebulos fonoloacutegicos Ao tentar segmentar de forma apropriada os aprendizes podem ldquopicarrdquo ou emendar vocaacutebulos de acordo com a pronuacutencia deles Nesse processo estatildeo formulando hipoacuteteses e testando sua escrita do mesmo modo como fazem com a grafia convencional das palavras Soares Aroeira e Porto (2010) justificam essas ocorrecircncias pelo desconhecimento sobre o sistema de espaccedilamento da escrita e reiteram que para os alunos dominarem esse espaccedilamento precisam descobrir com o auxiacutelio do professor que existe um sistema ideograacutefico que se sobrepotildee ao sistema graacutefico Aleacutem

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disso Soares Aroeira e Porto (2010 p 79) ponderam que ldquo[] a linearidade da escrita tem caracteriacutesticas diferentes da linearidade da fala Assim na fala de todo dia que a crianccedila domina emendamos palavras mas quando escrevemos grafamos palavras por inteiro observando as convenccedilotildees ortograacuteficas separando-as por espaccedilo em brancordquo

Percebe-se que haacute entre os autores citados a tendecircncia de chamar tanto a segmentaccedilatildeo quanto a juntura apenas de segmentaccedilatildeo Mas eacute possiacutevel constatar que esses estudiosos levam em conta que esses ldquoerrosrdquo natildeo satildeo feitos aleatoriamente ou seja o aprendiz tem duacutevidas e diante delas formula hipoacuteteses de como as palavras poderiam ser grafadas Haacute tambeacutem certo consenso entre esses autores sobre a influecircncia do oral no escrito que afeta ora a separaccedilatildeo ora a junccedilatildeo de palavras na escrita pelos alunos Faraco (2012) amparado em Abaurre e Cagliari (1985) argumenta que escrevemos de um jeito mas falamos de outro isto eacute na escrita os vocaacutebulos estatildeo devidamente separados mas na fala pronunciamos emendado Em face disso quando os alunos juntam as palavras na escrita natildeo o fazem fortuitamente Na verdade estatildeo levando em consideraccedilatildeo a cadeia sonora como referecircncia para a escrita Desse modo natildeo estatildeo cometendo ldquoerrosrdquo mas sim lidando com possibilidades que remetem diretamente agrave fala Para o domiacutenio efetivo da escrita essa hipoacutetese ao longo do processo precisa ser superada o que levaraacute progressivamente agrave desvinculaccedilatildeo entre escrita e fala

3 Metodologia

O percurso teoacuterico empreendido ateacute aqui foi relevante para orientar o professor na elaboraccedilatildeo da proposta de ensino adequada que deve ser feita quando se depararem com os fenocircmenos pois auxilia para uma melhor compreensatildeo de como as segmentaccedilotildees e as junturas acontecem Acreditamos que a adoccedilatildeo de uma mentalidade que vecirc natildeo apenas a segmentaccedilatildeo e a juntura mas

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tambeacutem outros problemas de escrita como ldquoerrosrdquo e anomalias sem sentido natildeo ajudaraacute a contornar a situaccedilatildeo e muito menos encontrar uma soluccedilatildeo eficaz

Por isso neste trabalho adotamos a metodologia da pesquisa-accedilatildeo procedimento de caraacuteter social e com fundamentaccedilatildeo teoacuterica que visa ao aprimoramento da praacutetica O projeto foi realizado na Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio onde foi feita uma pesquisa piloto com os alunos do 6ordm ano Y mas em virtude do iniacutecio do curso do mestrado no 2ordm semestre de 2013 uma nova coleta de dados foi realizada em 2014 pois recebemos novas turmas e a turma da pesquisa piloto foi para o 7ordm ano no turno matutino A coleta de dados foi feita por meio de produccedilotildees textuais realizadas pelos alunos a fim de detectar a ocorrecircncia dos fenocircmenos aqui estudados

4 Proposta de ensino desenvolvimento anaacutelise e resultados

Apoacutes o trabalho de coleta de dados foi possiacutevel ter um panorama das reais dificuldades de escrita dos alunos Detectamos nos 17 textos do corpus 12 tipos de problemas de escrita entre os quais a falta de pontuaccedilatildeo e o uso indevido de maiuacutesculas e minuacutesculas com a maior incidecircncia com 233 e 149 casos respectivamente Esses dois problemas de escrita satildeo muito recorrentes em textos de alunos e a falta de pontuaccedilatildeo incide diretamente na questatildeo do uso de maiuacutesculas e minuacutesculas pois quando natildeo haacute ponto final natildeo haacute tambeacutem iniacutecio de frase com letra maiuacutescula por isso o nuacutemero tatildeo alto entre os dois

A escrita foneacutetica ou seja escrever semelhante ao modo como se fala tambeacutem apresenta uma incidecircncia muito grande 99 casos E em alguns textos como os de VG8 e M11 a ocorrecircncia foi bem elevada No entanto destacamos que tais transcriccedilotildees natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios Na verdade tratam de hipoacuteteses criadas pelos

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alunos a fim de registrar a escrita ortograacutefica Eacute forte a influecircncia da oralidade na escrita pois eacute a partir dela que eles se orientam Segundo Cagliari (1999 p 126) ldquo[] pode-se tambeacutem elaborar hipoacuteteses aliaacutes mais provaacutevel de que diante desses fatos do sistema de escrita o aprendiz teve de fazer uma opccedilatildeo ndash que infelizmente natildeo correspondeu agrave forma ortograacutefica estabelecida []rdquo Embora o referido autor tratasse mais especificamente de alunos em processo de alfabetizaccedilatildeo acreditamos que essa influecircncia da oralidade na escrita permanece ao longo do Ensino Fundamental como comprovam os exemplos dos corpora

Em seguida na ordem decrescente de nuacutemero de ocorrecircncias para cada caso temos o nuacutemero indevido de letras sendo encontrados em 89 casos Ressaltamos que esse problema foi detectado nas 17 amostras Houve um elevado nuacutemero para o caso de omissatildeo de letras com 82 casos A troca de letras vem logo em seguida um registro de 69 casos A hipercorreccedilatildeo tambeacutem apresenta um nuacutemero significativo 46 ocorrecircncias Conforme Cagliari (2009 p 123-124) esse tipo de ldquoerrordquo se caracteriza quando o aluno jaacute tem noccedilatildeo da forma ortograacutefica de determinadas palavras e sabe tambeacutem que a pronuacutencia destas eacute diferente mas nem sempre tem certeza da escrita e pode escrever ateacute do jeito mais incomum do que do mais usual um exemplo muito recorrente nos textos eacute o final ldquolrdquo nos verbos em vez do ldquourdquo como em ldquovoltolrdquo uma vez que essas duas letras nessas posiccedilotildees representam o mesmo fone w

A falta de concordacircncia nominal e verbal embora seja uma dificuldade que alunos do Ensino Fundamental apresentam com frequecircncia natildeo foi tatildeo acentuada como nos casos anteriores tendo um registro de 41 ocorrecircncias Contudo mesmo que o nuacutemero de ocorrecircncias tenha sido mais baixo do que de outras categorias de ldquoerrosrdquo podemos afirmar que haacute influecircncia forte da oralidade pois eacute comum a natildeo concordacircncia de verbos e nomes na fala cotidiana e informal das pessoas E tal incidecircncia recai na escrita

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Os fenocircmenos que nos interessam a segmentaccedilatildeo e a juntura contam com 20 e 31 registros respectivamente Notamos que como jaacute foi destacado no referencial teoacuterico satildeo fenocircmenos que costumam fazer parte da alfabetizaccedilatildeo nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental I Portanto consideramos o nuacutemero de ocorrecircncias aqui encontrado bem elevado uma vez que os alunos da pesquisa se encontravam no 6ordm ano e tais dificuldades pelo menos em tese jaacute deveriam estar sanadas Por fim temos o acreacutescimo de letras como o caso de menor incidecircncia com 16 registros nas amostras

No que diz respeito ao desempenho geral dos alunos destacamos que nem todos apresentam problemas em todas as categorias e aferimos um percentual de 82 do total Notamos que 17 demonstraram o menor nuacutemero de ldquoerrosrdquo inclusive sem a ocorrecircncia de casos de segmentaccedilotildees e nem junturas o que revela que esses alunos tecircm um maior domiacutenio de normas ortograacuteficas do que os demais Os alunos que apresentaram ldquoerrosrdquo em todas as categorias foram AS1 MB14 e IF17 que representam 17 da amostra Ressaltamos tambeacutem que haacute ldquoerrosrdquo repetidos em todas as categorias mas para sermos fiel contabilizamos todas as vezes que eles ocorrem em cada texto

Percebemos por essa amostra que as dificuldades de escrita satildeo muitas e exigem um trabalho de pesquisa minucioso para uma intervenccedilatildeo eficaz Ponderamos que tais ldquoerrosrdquo precisam ser vistos como rico material de investigaccedilatildeo linguiacutestica pois a partir da caracterizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo detectados o professor pode elaborar alternativas de intervenccedilatildeo que podem auxiliar seu trabalho com o ensino da modalidade escrita Como atesta Cagliari (1999 p 77) ldquoanaacutelises das incongruecircncias podem ajudar o professor a dosar e a programar as suas aulas e a alertar-se contra possiacuteveis confusotildees que os alunos possam cometerrdquo

Aleacutem das dificuldades especificadas na coleta percebemos nas amostras problemas de translineaccedilatildeo maacute estruturaccedilatildeo dos paraacutegrafos ausecircncia de tiacutetulo incoerecircncias e falta de coesatildeo

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natildeo atendimento agrave proposta de produccedilatildeo textual repeticcedilotildees desnecessaacuterias e falta de progressatildeo das ideias Como se vecirc o trabalho com produccedilatildeo escrita exige um amplo empenho do professor pois a atividade escrita requer dos alunos diversas habilidades as quais natildeo podem passar indiferentes ao olhar docente Natildeo atentamos a esses aspectos uma vez que nossa investigaccedilatildeo eacute outra mas natildeo poderiacuteamos deixar de apontaacute-los visto que satildeo imprescindiacuteveis como fatores de textualidade

No Quadro 1 a seguir estatildeo expostos os casos de junturas e segmentaccedilotildees encontrados e logo apoacutes a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo mostramos um exemplo de produccedilatildeo escrita de um dos alunos seguida da transcriccedilatildeo Esclarecemos que o nuacutemero de ocorrecircncias das junturas e segmentaccedilotildees contabilizado no quadro natildeo leva em conta exemplos repetidos nos textos produzidos pelos alunos

Quadro 1 Exemplos de junturas e segmentaccedilotildees extraiacutedos dos textos dos alunos

COacuteDIGO DO ALUNO EXEMPLO DE JUNTURA EXEMPLO DE

SEGMENTACcedilAtildeOCF Encontrala -AS porutimo dinovo Em fimCG - Tem pestade a sinLG - em cantado com fiante a teNL agente (a gente) -

NOabrigar (a brigar) domenino

omenino ifoi abruxa ielis nomenino muitaraiva iseu

an dado cum do (quando) com mesou com fessar a i

is tavaVG denoite derepente -CE Comedo -M Derepete -

MB

ummenino novaso porquausa celtime (seu

time) evalo (e falou) aora (a hora)

Edu caccedilatildeo

CD Abruxa A cordou ir a (ia)

IFalmeacutedico pratanto televo

purisso medeita sofalando nomedico agarganta

a cordou a cordei em tatildeo en quanto de pois com migo

Fonte Barbosa (2015 p 7438)

38 Disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa Acesso em 14 abr 2020

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Exemplo 1 MB 14

Fonte Barbosa (2015 p 68)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 1

Era uma vez unmenino chamado Rafaelque estava trenamdo para jogar bolana escolar Ele ficolmuinto triste porquausaos ceuscolegeporque eles ficaram falando que elenatildeo ia jogar na Escola mais elefico trenando muito ele chutoa bola e garrou novazo de plantae sua matildee bateu e poz de carti-go na Escola teve e ducaccedilatildeofiscaele fico de procima e chego a suavez e os colegas fiu ele jogando bolaevaloque ele vaijoga no canpionatoe chego aora ele marca um gole celtimeganhol e seus quolegafico muito feliz e saiu do cartigo

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Os casos de segmentaccedilotildees e de junturas apresentados no Exemplo 1 satildeo diversificados vatildeo desde exemplos jaacute previsiacuteveis para noacutes educadores como ldquoderrepenterdquo ou ldquoem fimrdquo cujas ocorrecircncias satildeo bem comuns a casos como ldquoe ducaccedilatildeordquo e ldquoalmeacutedicordquo que satildeo menos usuais Haacute alunos que apresentaram mais dificuldades do que outros com registros tanto de juntura como de segmentaccedilatildeo eacute o caso de NL NO MB CD e IF Jaacute os demais apresentaram poucas ocorrecircncias ora em uma ora em outra categoria

Houve maior ocorrecircncia de junturas (31 casos) do que de segmentaccedilotildees (20) Notamos que entre as segmentaccedilotildees haacute vaacuterios casos que podem ser explicados pela analogia com formas dependentes como em ldquode poisrdquo ldquoen quantordquo ldquocom migordquo ldquoa cordourdquo que se associam agraves preposiccedilotildees ldquoderdquo ldquoemrdquo ldquocomrdquo e ldquoardquo respectivamente as quais aparecem acompanhando outros vocaacutebulos mas natildeo unidas a eles39 Poreacutem o mais importante eacute que das 17 amostras 12 apresentam junturas eou segmentaccedilotildees ou seja mais da metade dos textos Esse percentual aponta a relevacircncia desta pesquisa e comprova como um problema das seacuteries iniciais de alfabetizaccedilatildeo persiste nos textos dos alunos do 6ordm ano revelando uma alfabetizaccedilatildeo natildeo consolidada No entanto verifica-se que as relaccedilotildees entre o falado e o escrito natildeo satildeo de faacutecil apreensatildeo mesmo porque conforme atesta Fayol (2014) eacute relativamente recente a escrita com espaccedilamento pois no passado havia uma escrita contiacutenua sem demarcaccedilatildeo de espaccedilo entre as palavras Cabe portanto ao professor ter um olhar menos preconceituoso e mais compreensivo quando o aluno comete esses ldquoerrosrdquo Evidentemente que se eles persistem nas seacuteries finais do Ensino Fundamental justifica-se a elaboraccedilatildeo de uma proposta de ensino que venha sanar essas dificuldades Como atesta Cagliari (1999 p 94)

39 Segundo Cacircmara Jr (1997 p 70) formas dependentes em Liacutengua Portuguesa satildeo as partiacuteculas procliacuteticas aacutetonas como o artigo as preposiccedilotildees a partiacutecula ldquoquerdquo entre outras Satildeo ainda as variaccedilotildees pronominais aacutetonas junto ao verbo

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[] o professor pode saber como andam seus alunos quais as dificuldades maiores que estatildeo enfrentando o que acertam ou erram com menos frequecircncia e desse modo pode programar melhor suas aulas dando explicaccedilotildees e exerciacutecios especiacuteficos sobre questotildees particulares de ortografia

Por meio da coleta de dados foi possiacutevel elaborar as atividades de intervenccedilatildeo com foco nas dificuldades pontuais dos alunos A anaacutelise de todos os moacutedulos aplicados revelou pontos importantes o trabalho de aprimoramento da escrita e ensino da forma ortograacutefica requer planejamento pelo professor atendimento individualizado aos alunos e envolvimento de toda a turma e de alguns membrosfuncionaacuterios da escola ou seja da comunidade escolar Eacute um trabalho em equipe

41 Siacutentese da proposta de ensino

Para a proposta de ensino de natureza interventiva foram elaborados sete moacutedulos que permearam todo o trajeto teoacuterico aqui abordado objetivando por meio deles solucionaramenizar os problemas das junturas e das segmentaccedilotildees A seguir no Quadro 2 sintetizamos os moacutedulos realizados com seus respectivos objetivos

Quadro 2 Siacutentese da proposta de ensino

MOacuteDULO OBJETIVOS

1) Tabela de Coacutedigos de Correccedilatildeo Textual

Propiciar aos alunos por meio de uma tabela com siacutembolos uma base de problemas de escrita presentes nas suas produccedilotildees para a partir disso realizar a refacccedilatildeo dos seus textos

2) Correccedilatildeo de texto com vaacuterios problemas de escrita

Fazer com que os alunos detectassem num texto propositalmente carregado de problemas de escrita quais desvios aparecem nele a fim de ampliar a capacidade de autocorreccedilatildeo

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3) Ditado de texto Aferir a interferecircncia da oralidade na escrita isto eacute se o modo como escutam afeta a forma de escrever as palavras

4) Para natildeo tropeccedilar na escrita

Eliminar duacutevidas quanto ao toacutepico especiacutefico do uso de pronomes ligados a verbos

5) Aponte suas duacutevidas

Levar os alunos a refletirem sobre as palavras que oferecem maiores duacutevidas quanto agrave escrita individualizando cada caso para sanar o maior nuacutemero de dificuldades

6) Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilhete

Interpretar e produzir o gecircnero textual trabalhado para aprimoramento da escrita e eliminaccedilatildeo do fenocircmeno estudado

7) Junturas e Segmentaccedilotildees em praccedilas puacuteblicas

Pesquisar ocorrecircncias do fenocircmeno em outras esferas sociais natildeo apenas no meio escolar e utilizar o aparato tecnoloacutegico para isso

Fonte Barbosa (2015)

A atividade do ldquoMoacutedulo 6 ndash Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilheterdquo foi bastante significativa pois nela foi possiacutevel constatar na praacutetica como os alunos foram desenvolvendo sua capacidade de escrita e a importacircncia da refacccedilatildeo dos textos para seu aprimoramento O Exemplo 2 da primeira versatildeo do bilhete da aluna AS transcrito a seguir exemplifica como o cuidado com a escrita requer anaacutelise correccedilatildeo e aperfeiccediloamento por parte dos alunos

Exemplo 2 AS

Fonte Barbosa (2015 p 142)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 2 ndash AS

Anagrey Hoje vocecirc estaacute muito bonitav - como sempre

Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha com migo

Embora poucos problemas tenham sido identificados no bilhete 2 ndash AS mostrado anteriormente o caso da segmentaccedilatildeo ldquocom migordquordquocomigordquo chama a atenccedilatildeo pois comprova a ocorrecircncia do aspecto em anos finais do Ensino Fundamental II e que a influecircncia da oralidade sobre a escrita eacute determinante para sua incidecircncia Outra possibilidade de explicaccedilatildeo eacute a de que a analogia com a preposiccedilatildeo ldquocomrdquo que aparece separada em vaacuterios contextos tenha influenciado a escrita de AS Na refacccedilatildeo do texto Exemplo 3 a seguir aleacutem de ter corrigido o problema a aluna acrescentou uma pequena mensagem ao bilhete ampliando seu texto

Exemplo 3 AS

Fonte Barbosa (2015 p 143)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 3

Anagrey

Hoje vocecirc estaacute muito bonita como sempre Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha comigo

A extrema dificuldade da vida eacute sorrir quando mais se tem vontadede chorar

Diante do exposto observa-se que trabalhar as dificuldades da escrita dos alunos apenas por meio de exerciacutecios de preencher lacunas com ldquosrdquo ou ldquozrdquo ldquoxrdquo ou ldquochrdquo natildeo favorece o acesso agrave norma-padratildeo da liacutengua nem promove a melhoria de sua escrita portanto natildeo resolve o problema Notamos que agrave medida que os moacutedulos eram desenvolvidos os alunos melhoravam significativamente suas produccedilotildees e percebiam a importacircncia de revisar o texto para conseguirem escrever melhor Foi um trabalho dispendioso que exigiu estudo tempo e paciecircncia mas os resultados foram satisfatoacuterios Prova disso satildeo os bilhetes por eles produzidos nos quais foi mantida a liberdade de expressatildeo dos alunos mas com a orientaccedilatildeo e a revisatildeo adequadas da escrita Isso foi possiacutevel porque conhecemos os alunos o contexto em que vivem e aliamos a teoria agrave praacutetica por meio da metodologia da pesquisa-accedilatildeo buscando natildeo somente os aspectos teoacutericos mas tambeacutem a incidecircncia desse conhecimento nas praacuteticas em sala de aula

Registramos no bilhete de CE Exemplo 4 a falta ou inadequaccedilatildeo do uso do acento graacutefico a troca de letras e a ausecircncia de ponto final O aluno aproveitou o texto para manifestar entendimento da mateacuteria aleacutem de ressaltar que estaacute com bom comportamento na aula Na revisatildeo do texto ele corrigiu os problemas detectados e

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acrescentou mais uma frase para finalizar o bilhete (Ateacute a proacutexima aula) como vemos logo adiante

Exemplo 4 CE

Fonte Barbosa (2015 p 146)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 4

Para AnaGrey

Eu estou comeccedilando a entender sua mateacuteria eacute muito boa e eu natildeo estou atentando na sua aula

Ateacute a proacutexima aula

Constatamos ao final dos moacutedulos que grande parte desses alunos aumentou sua capacidade de interpretar e produzir textos percebendo que a escrita demanda certos cuidados e que com dedicaccedilatildeo e compromisso conseguimos avanccedilos nas produccedilotildees escritas dos alunos Dos 24 alunos da amostra aqui utilizada 22 foram promovidos para o 7ordm ano apenas um foi reprovado e um evadiu da escola antes do teacutermino do ano letivo

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Certificamos que o estudo acerca da aquisiccedilatildeo da escrita bem como do seu sistema repleto de peculiaridades da foneacutetica e da fonologia foram fatores determinantes para toda a elaboraccedilatildeo deste trabalho e para a anaacutelise de cada ldquoerrordquo O conhecimento teoacuterico nos deu uma nova visatildeo para os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos pois foi a partir dele que estruturamos nossa pesquisa Conforme Cagliari (1999 p 133)

Eacute nesse momento que o bom professor com bom preparo teacutecnico torna-se um pesquisador Analisa o que o aluno faz e o que deixa de fazer o que jaacute sabe e o que ainda falta saber e vai buscar nos conhecimentos teacutecnicos que tem a respeito da linguagem oral e escrita dos sistemas de escrita etc as informaccedilotildees necessaacuterias uacuteteis e adequadas para passar ao aluno para que este decirc um passo agrave frente supere uma barreira a mais e aos poucos vaacute construindo aquela bagagem de conhecimentos de que necessita para se alfabetizar

Diante disso fica claro que os professores de Portuguecircs e os de Alfabetizaccedilatildeo precisam estar munidos de informaccedilotildees consistentes e atualizadas para saber contornar com autoridade e eficiecircncia os desafios que surgem na praacutetica pedagoacutegica Isso elucida nossa primeira hipoacutetese para este estudo a desconfianccedila de que tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura intervocabular

Conscientizamo-nos de que um dos objetivos da anaacutelise de ldquoerrosrdquo relacionados agrave aquisiccedilatildeo da escrita e leitura nas escolas do Ensino Fundamental natildeo exige apenas verificar como e por qual motivo os alunos os cometem mas tambeacutem como noacutes professores necessitamos estudar atualizar frequentemente as teorias de certas aacutereas como a Foneacutetica e Fonologia Esses satildeo conhecimentos que fazem parte do arcabouccedilo de disciplinas da graduaccedilatildeo e satildeo

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relacionados muitas vezes agrave praacutetica da pesquisa cientiacutefica na aacuterea de Linguiacutestica natildeo sendo aliados agrave praacutetica dos licenciados ou seja ao ambiente de trabalho dos professores ao ensino e agrave escola

Reiteramos tambeacutem que a pesquisa forneceu um olhar diversificado para os fenocircmenos de segmentaccedilatildeo e juntura antes vistos como meros ldquoerrosrdquo mas apoacutes a investigaccedilatildeo apurada vimos em cada caso a reflexatildeo a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e analogias que indicam que o aluno natildeo comete ldquoerrosrdquo ao acaso Ao contraacuterio tais ldquoerrosrdquo satildeo reveladores e comprovam que os alunos analisam sua escrita

5 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa oportunizou-nos a oportunidade de conhecer e estudar as peculiaridades dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura bem como outros aspectos atrelados agrave escrita e sua aquisiccedilatildeo agrave Foneacutetica e Fonologia ao ensino e agrave aprendizagem agrave forma como os alunos lidam com a escrita para a partir disso analisar e discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Neste trabalho todos os ldquoerrosrdquo detectados foram produtivos uma vez que foi a partir deles que delineamos nossa fundamentaccedilatildeo teoacuterica e a metodologia e encontramos as explicaccedilotildees para a ocorrecircncia dos fenocircmenos estudados

Constatamos que as duas hipoacuteteses traccediladas no iniacutecio deste estudo foram ratificadas ao longo da pesquisa A primeira que diz respeito ao desconhecimento de aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos da liacutengua tanto por parte do professor alfabetizador quanto do de Liacutengua Portuguesa foi confirmada porque percebemos a necessidade desse conhecimento para entendermos os caminhos que os alunos percorrem quando escrevem Apreendemos os fatores que influenciam a ocorrecircncia dos fenocircmenos e concluiacutemos que o aluno natildeo escreve aleatoriamente pois quando segmenta ou junta palavras o faz com o intuito de acertar com o propoacutesito de chegar agrave forma ortograacutefica Essa consciecircncia da importacircncia

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da pesquisa constante foi crucial para o crescimento desta pesquisadora na condiccedilatildeo de docente

A partir da investigaccedilatildeo teoacuterica foi possiacutevel lanccedilar um novo olhar sobre as dificuldades dos alunos e com base nessa orientaccedilatildeo pautada em estudos consistentes repensar e remodelar a praacutetica da sala de aula visando a um ensino e a uma aprendizagem mais consistentes e eficazes a fim de desconstruir preconceitos em relaccedilatildeo ao ldquoerrordquo linguiacutestico que longe de ser um problema indesejado tornou-se para noacutes objeto de pesquisa e ponto de partida para estudos criteriosos E isso foi alcanccedilado por meio das leituras e anotaccedilotildees bem como da observaccedilatildeo atenta dos textos dos alunos o que nos permitiu a elaboraccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo para o problema investigado como tambeacutem de outros

A segunda hipoacutetese que diz respeito agrave influecircncia da oralidade na escrita foi crucial para entendermos as escritas segmentadas ou juntadas por se pautarem na fala e suas pausas e natildeo pausas Por outro lado percebemos que os alunos tambeacutem estabelecem analogias com formas ortograacuteficas conhecidas que se refletem nas segmentaccedilotildees e nas junturas Se existe a expressatildeo ldquocom vocecircrdquo logo o aluno associa que pode haver tambeacutem um ldquocom migordquo se haacute o vocaacutebulo ldquodevagarrdquo pode haver tambeacutem o ldquodenovordquo Isso prova que o aluno natildeo constroacutei essas escritas a partir do nada ou seja ele se apoia em elementos jaacute existentes e conhecidos sendo a forma como ouve os vocaacutebulos um fator importante na sua escrita juntural ou segmentada uma vez que na fala natildeo haacute pausas marcadas pelo espaccedilo em branco como ocorre na escrita Na verdade fala-se de um jeito e escreve-se de outro pois a escrita se pauta na ortografia e natildeo eacute uma transcriccedilatildeo foneacutetica conforme Cagliari (1998)

Os objetivos traccedilados no iniacutecio deste trabalho foram alcanccedilados pois conseguimos relacionar um problema da praacutetica agraves teorias linguiacutesticas do campo da Foneacutetica e da Fonologia as quais foram suporte imprescindiacutevel para a investigaccedilatildeo do assunto e elucidaram as causas para os fenocircmenos

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Sabemos que o professor de Liacutengua Portuguesa se depara com muitos obstaacuteculos e que eacute extenso o conjunto de habilidades para com a linguagem a ser apresentado aos alunos mas eacute preciso estabelecer prioridades Escrever conforme a norma-padratildeo sem produzir situaccedilotildees preconceituosas que gerem constrangimento eacute uma forma de proporcionar autonomia linguiacutestica aos alunos uma vez que eacute atraveacutes dessa norma que geralmente eles podem alcanccedilar melhores condiccedilotildees de ascensatildeo social em nosso paiacutes

Estamos conscientes de que esta eacute apenas uma investigaccedilatildeo inicial pois novas contribuiccedilotildees podem surgir a partir dessas anaacutelises e elas seratildeo muito necessaacuterias em todo o acircmbito da linguagem Poreacutem se essas anaacutelises e as reflexotildees teoacutericas aqui feitas vierem pelo menos a instigar um ponto de partida sobre a soluccedilatildeo desses problemas principalmente no sentido de auxiliar os docentes de Liacutengua Portuguesa e as pessoas que trabalham com a liacutengua em geral jaacute teratildeo cumprido honestamente o seu papel

Referecircncias

ABAURRE M B M CAGLIARI L C Textos espontacircneos na primeira seacuterie evidecircncia da utilizaccedilatildeo pela crianccedila de sua percepccedilatildeo foneacutetica para representar e segmentar a escrita v 14 Cadernos Cedes Satildeo Paulo Cortez 1985

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BAGNO M Nada na liacutengua eacute por acaso por uma pedagogia da variaccedilatildeo linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2007

BORTONI-RICARDO S M Noacutes cheguemu na escola e agora Sociolinguiacutestica e educaccedilatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

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CAGLIARI L C MASSINI-CAGLIARI G Diante das letras a escrita na alfabetizaccedilatildeo Campinas Mercado das Letras 1999

CEGALLA D P Noviacutessima gramaacutetica da liacutengua portuguesa 45 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2002

CAcircMARA JR J M Estrutura da liacutengua portuguesa 26 ed Petroacutepolis Vozes 1997

CUNHA C CINTRA L Nova gramaacutetica do portuguecircs contemporacircneo 3 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

FARACO C A Linguagem escrita e alfabetizaccedilatildeo Satildeo Paulo Contexto 2012

FARACO C A Norma culta brasileira desatando alguns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

FARACO C E MOURA F Gramaacutetica 19 ed 6 reimp Satildeo Paulo Aacutetica 2003

FARACO C A TEZZA C Praacutetica de texto para estudantes universitaacuterios 8 ed Petroacutepolis Vozes 2001

FAYOL M Aquisiccedilatildeo da escrita Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2014

KATO M A O aprendizado da leitura 5 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

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KOCH I V ELIAS V M Ler e escrever estrateacutegias de produccedilatildeo textual 2 ed 2014

LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador 13 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1998

MARCUSCHI L A Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo 10 ed Satildeo Paulo Cortez 2010

SOARES M B Letramento um tema em trecircs gecircneros 2 ed Belo Horizonte Autecircntica 2001

SOARES M I B AROEIRA M L PORTO A Alfabetizaccedilatildeo linguiacutestica da teoria agrave praacutetica Belo Horizonte Dimensatildeo 2010

Escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa Filho

Gilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

O processo de ensino e aprendizagem do Portuguecircs pressupotildee mostrar como a liacutengua funciona suas propriedades nas modalidades oral e escrita treinando usos e considerando o comportamento dos falantes em diferentes situaccedilotildees do cotidiano (CAGLIARI 2010)

Por isso eacute importante inserir o estudante em situaccedilotildees efetivas de uso da linguagem por meio da leitura e da escrita de diferentes textos dos mais variados gecircneros textuais e nos diversos contextos sociais O foco eacute pois o desenvolvimento das habilidades comunicativas dos estudantes

Nessa linha de raciociacutenio um dos toacutepicos de ensino eacute a ortografia cujo estudo eacute essencial por ela ser mecanismo facilitador da comunicaccedilatildeo por meio da escrita (MORAIS 2010) Esse estudo requer dentre outros aspectos discutir as relaccedilotildees entre grafemas e fonemas40 apropriar-se de princiacutepios e regras que norteiam essas relaccedilotildees propor atividades de escrita que operem com a liacutengua em funcionamento analisar o modo como os alunos registram as palavras e detectar e analisar os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos que eles cometem ao escrever

Especificamente acerca dos ldquoerrosrdquo cabe entender sua natureza adotando um posicionamento que os perceba sob a perspectiva da tentativa de acerto (BAGNO 2012 2013) Ao escrever o estudante faz uso de seus conhecimentos preacutevios sobre o sistema de escrita ao mesmo tempo em que a variedade da liacutengua que fala pode influenciar seu modo de escrever Por isso o professor precisa conhecer bem o sistema de escrita os tipos de relaccedilatildeo entre sons e letras para a partir disso compreender as hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para entatildeo delinear estrateacutegias capazes de contribuir para o desenvolvimento de suas habilidades comunicativas

40 Neste capiacutetulo ldquofonemardquo e ldquosomrdquo satildeo considerados sinocircnimos

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Com base nesses pressupostos procurou-se neste trabalho fazer uma releitura das discussotildees de Costa Filho (2015)41 com o objetivo de enfatizar que eacute fundamental inserir os alunos em praacuteticas efetivas de escrita conferindo-lhes liberdade para escrever e nesse processo verificar suas dificuldades no registro das palavras

2 A escrita alfabeacutetica e o processo de ensino e aprendizagem

O sistema de escrita do Portuguecircs Brasileiro (PB) eacute essencialmente alfabeacutetico e sua base eacute a letra embora sejam utilizados tambeacutem na escrita sinais de pontuaccedilatildeo e nuacutemeros (CAGLIARI 2010) Nesse sistema a grafia das palavras natildeo eacute a transcriccedilatildeo da fala (FERRAREZI JR 2007) Por essa razatildeo eacute importante no ensino mostrar ao aluno as relaccedilotildees entre fala e escrita e enfatizar que o modo como eacute registrada a grande maioria das palavras natildeo pode ser alterado Nesse sentido afirma Cagliari (2010 p 27)

A escola naturalmente deve fazer os alunos verem que eles falam natildeo de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias segundo os dialetos de cada um e que se todos escrevessem as palavras como as falam usando das possibilidades do sistema de escrita como quisessem haveria uma confusatildeo muito grande quanto agrave forma de grafar as palavras e isso dificultaria em muito a leitura entre os falantes de tantos dialetos

Daiacute a importacircncia da ortografia oficial para possibilitar a leitura e a comunicaccedilatildeo entre os falantes de diferentes variedades linguiacutesticas que podem fazer os mais variados usos da liacutengua escrita orientando-se por regras de ortografia e natildeo de combinaccedilatildeo e uso da escrita seja para argumentar solicitar reivindicar elogiar ou fazer rir por exemplo

41 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3i2MOHZ

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Aleacutem disso haacute que se deixar claro que natildeo se pode nem se deve escrever como se fala e que natildeo eacute preciso falar como se escreve (BAGNO 2012) uma vez que em alguns casos as letras satildeo grafadas seguindo as normas da ortografia oficial mas natildeo satildeo pronunciadas (como em ldquohomemrdquo ldquohorardquo ldquohonrardquo) ou elas podem apresentar outra realizaccedilatildeo sonora um fonema diferente da letra grafada (como em ldquoanimalrdquo ldquotalrdquo ldquodocerdquo) Essas ocorrecircncias demonstram a importacircncia de os estudantes compreenderem as relaccedilotildees que podem ser estabelecidas entre letrasgrafemas e sonsfonemas base de um sistema escrito alfabeacutetico como o do PB abordando para tanto a liacutengua em seu efetivo funcionamento

Um primeiro aspecto a se considerar no processo de ensino e aprendizagem da escrita eacute segundo Cagliari (2010) levar o aluno a conhecer as regras que regem o uso das letras que podem variar conforme a situaccedilatildeo de emprego pois haacute em relaccedilatildeo agrave sua forma normas diferentes para se usarem letras maiuacutesculas e minuacutesculas ou ainda para grafar a escrita no modo cursivo ou no registro de formapalitobastatildeoimprensa Aleacutem disso o estudante precisa perceber o uso alfabeacutetico das letras ou seja cada letra representa um som responsaacutevel pela distinccedilatildeo das palavras como por exemplo em ldquofalardquo ldquomalardquo ldquosalardquo e ldquobalardquo em que as letras ldquofrdquo ldquomrdquo ldquosrdquo e ldquobrdquo representam respectivamente os sons [f] [m] [s] e [b] que distinguem os vocaacutebulos

O autor aponta tambeacutem que eacute importante o aprendiz compreender que os sons conforme o contexto podem ter valor linguiacutestico isto eacute funccedilatildeo ou atribuiccedilatildeo que um fonema tem no sistema linguiacutestico para distingui-lo ou natildeo de outro Eacute o caso por exemplo de [p] e [b] se eacute efetuado o teste de comutaccedilatildeo ou seja de troca de um som pelo outro (ldquopatobatordquo) o resultado seraacute obviamente uma nova palavra com outro significado

Um terceiro fator a ser considerado se refere mais especificamente agraves relaccedilotildees entre sons e letras que podem ser variadas a) duas letras podem representar um uacutenico som como

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ldquogurdquo em ldquoguerrardquo b) uma letra pode ser usada no registro de um vocaacutebulo mas natildeo representa nenhum som caso do ldquohrdquo em ldquohojerdquo c) uma mesma letra pode representar mais de um som como ldquoxrdquo em ldquoproacuteximordquo ldquoexamerdquo e ldquotaacutexirdquo d) um mesmo som pode ser representando por mais de uma letra como [s] em ldquocedordquo ldquosapordquo e ldquopasseiordquo

Sobre essas relaccedilotildees Lemle (1997) explica que uma letra pode representar um uacutenico fonema ou conforme a posiccedilatildeo uma letra pode se referir a uma unidade sonora e um som eacute representado por uma determinada letra ou ainda mais de uma letra pode representar o mesmo fonema na mesma posiccedilatildeo No primeiro caso podemos citar a letra ldquotrdquo para o fonema [t] como em ldquotudordquo Na segunda situaccedilatildeo uma letra pode representar um determinado som conforme a posiccedilatildeo que ela ocupa como por exemplo a letra ldquosrdquo que representa o fonema [s] em comeccedilo de palavra (ldquosalardquo) ou [z] quando intervocaacutelica (ldquocasardquo) ou por outro lado um mesmo som ser registrado com letras diferentes tambeacutem de acordo com a posiccedilatildeo caso do fonema [k] que pode ser representando pela letra ldquocrdquo diante de ldquoardquo ldquoordquo ou ldquourdquo como em ldquocasardquo ldquococcedilardquo ou ldquocucardquo ou por ldquoqrdquo diante de ldquoerdquo e ldquoirdquo como em ldquoesquinardquo ldquoporquerdquo O terceiro tipo de relaccedilatildeo eacute quando haacute concorrecircncia entre letras para representar o mesmo som no mesmo contexto como o registro do fonema [z] entre vogais em palavras como ldquomesardquo ldquocertezardquo e ldquoexemplordquo

Segundo a pesquisadora essa natureza das relaccedilotildees entre letras e sons se processa por meio de uma gradaccedilatildeo no primeiro tipo a relaccedilatildeo eacute perfeita pois cada letra representa um soacute som e o mesmo som eacute representado por uma soacute letra ao passo que no segundo caso a motivaccedilatildeo foneacutetica da relaccedilatildeo eacute estabelecida conforme a posiccedilatildeo do som ou da letra e no terceiro essa motivaccedilatildeo da seleccedilatildeo da letra jaacute se perde porque mais de uma letra pode representar um mesmo som no mesmo contexto

Consequentemente no processo de ensino e aprendizagem essa gradaccedilatildeo para a autora natildeo pode ser desconsiderada pois indica igualmente os niacuteveis de facilidade com que a aprendizagem

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das letras pode ocorrer Assim no ensino o aconselhaacutevel seria comeccedilar por aquilo que eacute mais regular para em seguida mergulhar nas irregularidades do sistema ou nas relaccedilotildees mais complexas

Nesse sentido Morais (2010) discute que haacute regularidades diretas contextuais e morfoloacutegico-gramaticais Nas regulares diretas uma letra natildeo compete com outra para representar um som caso de ldquofrdquo ldquovrdquo ldquoprdquo ldquobrdquo ldquotrdquo e ldquodrdquo como o ldquofrdquo para [f] em ldquofivelardquo Nas regulares contextuais o registro de uma letra ou outra vai depender do contexto da palavra como o som do ldquor forterdquo [h]42 com um ldquorrdquo soacute em iniacutecio de palavra como em ldquoratordquo ou ldquorrrdquo em posiccedilatildeo intervocaacutelica como em ldquocarrordquo enquanto se for o ldquor brandordquo [ɾ] soacute seraacute usada uma letra como em ldquocaretardquo As regulares morfoloacutegico-gramaticais se referem agrave relaccedilatildeo entre letras e sons que se orientam pela categoria gramatical das palavras como por exemplo registrar ldquoesardquo para adjetivos paacutetrios (ldquoportuguesardquo ldquofrancesardquo ldquonorueguesardquo)

Em relaccedilatildeo agraves irregularidades Morais (2010) cita como exemplo o caso do som do ldquosrdquo em palavras como ldquosegurordquo ldquocidaderdquo ldquoauxiacuteliordquo ldquocassinordquo ldquopiscinardquo ldquocresccedilardquo ldquogizrdquo ldquoforccedilardquo e ldquoexcetordquo situaccedilotildees para as quais natildeo haacute uma regra que oriente o uso de uma letra ou de outra

Aleacutem dessas relaccedilotildees entre sons e letras cabe ao professor conhecer os criteacuterios que conforme Bagno (2013) podem estar envolvidos na definiccedilatildeo do registro de uma palavra como a) foneacutetico caso por exemplo de uma letra sempre representar um mesmo som e vice-versa como as letras ldquobrdquo e ldquoprdquo e respectivamente os fonemas [b] e [p] b) fonecircmico situaccedilatildeo da letra ldquolrdquo constituir uma abstraccedilatildeo pois a realizaccedilatildeo do fonema conforme sua posiccedilatildeo no vocaacutebulo e a origem do usuaacuterio da liacutengua pode se realizar como [l] [ɫ] [ɹ] ou [ʊ] (ldquolatardquo ldquoleiterdquo ldquotalrdquo ldquoanimalrdquo) c) morfofonecircmico como por exemplo o morfema marcador de plural ldquo-srdquo ser pronunciado [s] em ldquomeus catildeesrdquo mas jaacute ser falado como [z] em ldquomeus gatosrdquo

42 Representaccedilatildeo baseada em Silva (2017) para o dialeto de Belo Horizonte

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d) etimoloacutegico como registrar ldquomaurdquo e ldquomalrdquo por terem origem respectivamente de ldquomalurdquo e ldquomalerdquo e) anacroniacutestico como ainda registrar ldquochrdquo para vocaacutebulos que tinham a consoante [ʧ] ateacute o seacuteculo XV e que atualmente poderiam ser registradas com ldquoxrdquo f) sociolinguiacutestico pois devido ao fato de que a grafia oficializada se baseia em alguma variedade da liacutengua alguns registros na escrita corrente natildeo existem como o ldquor caipirardquo [ɹ]

Por isso a aparente neutralidade que a ortografia faz pressupor ao sugerir uma forma exclusiva de se registrarem as palavras acaba conforme Bagno (2012 2013) constituindo um mito pois satildeo vaacuterios os criteacuterios que podem nortear a grafia de um termo Ao mesmo tempo uma anaacutelise mais detida das regras aponta em alguns casos para uma arbitrariedade na definiccedilatildeo do registro de determinados vocaacutebulos como o uso do acento agudo e do circunflexo em que o primeiro seria usado para representar vogal aberta e o segundo para indicar vogal fechada mas escrevemos ldquouacutenicordquo e natildeo ldquoucircnicordquo

Outra questatildeo levantada por Ferrarezi Jr (2007 p 41) eacute que ldquoo aluno natildeo deve ser massacrado pela responsabilidade de saber a ortografia de todas as palavras da liacutengua Ele deveria ser ensinado a recorrer sempre que necessaacuterio a uma obra de referecircnciardquo Eacute fundamental assim desenvolver o haacutebito de pesquisa de maneira que o aprendiz por exemplo consulte rotineiramente um bom dicionaacuterio

Os estudantes desse modo devem estar envolvidos de acordo com Cagliari (2010 p 105) em atividades de escrita em que tenham ldquoa liberdade para tentar questionar perguntar comparar corrigirrdquo cabendo ao professor orientar a produccedilatildeo textual (gecircnero tipo objetivo comunicativo organizaccedilatildeo das ideias) e os processos de revisatildeo do texto Para tanto o docente precisa conhecer as complexas relaccedilotildees entre letrasgrafemas e sonsfonemas e como funciona de fato o sistema de escrita do PB Dessa forma ele teraacute subsiacutedios para analisar os ldquoerrosrdquo de ortografia dos alunos foco da proacutexima seccedilatildeo

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3 ldquoErrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva do acerto

Assume-se neste capiacutetulo que os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever precisam ser reanalisados sob o prisma da ldquotentativa de acertordquo porquanto

[] seria pedagogicamente mais proveitoso substituir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo pela de tentativa de acerto Embora possa soar como simples eufemismo do tipo ldquopoliticamente corretordquo na verdade eacute possiacutevel obter um efeito significativo ao trocar um termo de conteuacutedo negativo (erro) por outro de conteuacutedo positivo (acerto) Afinal a liacutengua escrita eacute uma anaacutelise da liacutengua falada e essa anaacutelise seraacute feita pelo usuaacuterio da escrita no momento de grafar seu texto em sintonia com seu perfil sociolinguiacutestico (BAGNO 2012 p 353)

Esse direcionamento implica compreender os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem como na verdade tentativas de escrever ldquocertordquo sendo desvios que podem ser explicados significando que haacute loacutegica no ldquoerrordquo ortograacutefico cometido

Se natildeo se pode desprezar o valor que o ldquoerrordquo pode adquirir nas diferentes relaccedilotildees sociais (BAGNO 2012) eacute necessaacuterio por outro lado analisar no processo de ensino e aprendizagem da liacutengua escrita a natureza dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos nas produccedilotildees dos alunos e a partir disso desenvolver estrateacutegias adequadas de intervenccedilatildeo Conforme Bagno (2013) os ldquoerrosrdquo podem ser de dois tipos a) situaccedilotildees em que o aluno levanta hipoacuteteses sobre a relaccedilatildeo entre fala e escrita e registra uma palavra em comparaccedilatildeo a outra escrevendo de modo diferente da ortografia oficial b) influecircncia da variedade linguiacutestica falada pelo estudante na escrita O aprendiz portanto ao escrever eacute guiado por seus conhecimentos preacutevios sobre a liacutengua escrita e suas relaccedilotildees com a fala ao mesmo tempo em que a variedade linguiacutestica que ele usa no dia a dia influencia o modo como escreve

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Dessa forma na primeira categoria de ldquoerrosrdquo o falante grafa uma palavra de maneira diferente da oficial porque lanccedila hipoacuteteses ou faz analogias com base nas regras que sistematizou em relaccedilatildeo ao sistema de escrita como por exemplo escrever conforme Bagno (2013) ldquoMaurisiordquo dada a complexidade das relaccedilotildees entre o fonema [s] e suas representaccedilotildees graacuteficas usando nesse caso por analogia a letra ldquosrdquo habitualmente a mais utilizada para registrar tal som

O segundo tipo de ldquoerrosrdquo engloba aqueles que se referem agrave incidecircncia da variedade linguiacutestica do estudante em sua escrita Podem ser citados com base no autor o rotacismo (troca de ldquolrdquo por ldquorrdquo como em ldquobrocordquo) a paragoge (registro de ldquoerdquo ou ldquoirdquo em seguida a ldquolrdquo final de vocaacutebulo como em ldquosolerdquo ou ldquosolirdquo) e a deslateralizaccedilatildeo de [ʎ] (como em ldquotrabaiordquo para ldquotrabalhordquo)

Como se pode perceber muitos podem ser os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos dos alunos Consequentemente o professor em sala precisa entender a natureza desses ldquoerrosrdquo procurar explicaccedilotildees para isso e a partir deles desenvolver estrateacutegias de intervenccedilatildeo

A esse respeito Cagliari (2010) discute que na escrita espontacircnea os alunos desenvolvem um processo de reflexatildeo aplicando regras que satildeo possiacuteveis no sistema para registrar um vocaacutebulo mas natildeo outro Assim o aluno ldquoerrardquo porque ao refletir sobre o modo de escrever determinada palavra baseia-se em regras do sistema ortograacutefico que se aplicam a outros contextos Haacute portanto reflexatildeo e loacutegica em seus usos ainda que considerados ldquoerradosrdquo Ao professor cabe reconhecer essa loacutegica que envolve esses ldquoerrosrdquo

Nesse sentido o pesquisador enumera os tipos de ldquoerrosrdquo encontrados em produccedilotildees escritas de estudantes

a) transcriccedilatildeo foneacutetica em que o aluno na escrita transcreve a proacutepria fala como registrar na escrita duas vogais em vez de uma porque fala dessa forma caso de ldquorapaisrdquo para ldquorapazrdquo

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b) uso indevido de letras quando seleciona uma letra possiacutevel para registrar na escrita um som mas o sistema ortograacutefico indica outra como em ldquoxatardquo para ldquochatardquo c) hipercorreccedilatildeo que ocorre quando o aprendiz jaacute conhece a grafia de alguns vocaacutebulos percebe que o modo de pronunciaacute-los eacute diferente e passa a generalizar essa regra para outras palavras como escrever ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo porque assimilou que como geralmente todo ldquolrdquo final de siacutelaba eacute pronunciado [u] ele aplica essa regra em todos os contextos e por isso usa a letra ldquolrdquo e natildeo o ldquourdquo d) modificaccedilatildeo da estrutural segmental das palavras situaccedilatildeo em que o aprendiz realiza troca supressatildeo inversatildeo ou acreacutescimo de letras como escrever ldquobidardquo para ldquovidardquo ou ldquososatordquo para ldquosustordquo e) juntura intervocabular e segmentaccedilatildeo quando o estudante junta ou separa palavras como respectivamente em ldquojalicoteirdquo para ldquojaacute lhe conteirdquo e em ldquoa gorardquo para ldquoagorardquo f) forma morfoloacutegica diferente que acontece quando o falante por influecircncia de sua variedade linguiacutestica registra as palavras com caracteriacutesticas diferentes da ortografia oficial como escrever ldquopaciardquo para ldquopassearrdquo g) forma estranha de traccedilar as letras que indica no caso da escrita cursiva uma forma diferente com que o aluno faz o registro de determinado vocaacutebulo causando dificuldade no seu entendimento como escrever ldquosaberdquo para ldquosaberdquo parecendo ldquosaverdquo para o leitor h) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas quando o aluno grafa inadequadamente as palavras usando letras maiuacutesculas no lugar de minuacutesculas ou vice-versa como registrar o pronome ldquoEurdquo com letras maiuacutesculas em analogia ao uso em nomes proacutepriosi) acentos graacuteficos usando em contextos natildeo esperados ou

deixando de usar como ldquovoacuterdquo para ldquovourdquo e ldquovocerdquo para ldquovocecircrdquo

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j) sinais de pontuaccedilatildeo em que os alunos podem usar equivocadamente os sinais como em ldquoEraumavezrdquo ou ldquoEra-uma-vezrdquo talvez em decorrecircncia de conhecimentos assimilados de outras atividades k) problemas sintaacuteticos relativos por exemplo agrave concordacircncia ou agrave regecircncia indicando muitas vezes influecircncia da variedade linguiacutestica do falante em seu modo de escrever sendo por isso desvios em relaccedilatildeo agraves formas sugeridas pela normas em que se baseia a ortografia oficial como escrever ldquodois coeliordquo para ldquodois coelhosrdquo

Oliveira (2005) por sua vez aponta a necessidade de compreender os ldquoerrosrdquo na escrita dos alunos observando as relaccedilotildees com a fala pois segundo ele o conjunto de conhecimentos que o estudante tem sobre a fala acaba controlando a aprendizagem da escrita Costa Filho (2015 p 41-42) em anaacutelise do autor afirma que o estudante ldquoem suas primeiras produccedilotildees escritas se guia pelos sons da fala muito embora tambeacutem no processo de aprendizagem a escrita vaacute incorporando outros aspectos que o aprendiz poderaacute superar ao longo desse processordquo Daiacute a importacircncia de um entendimento das hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para escrever principalmente quando se trata de momentos espontacircneos de produccedilatildeo textual

Nessa direccedilatildeo Oliveira (2005) faz interessante discussatildeo sobre os possiacuteveis ldquoproblemasrdquo que podem ser verificados nas produccedilotildees escritas dos estudantes que Costa Filho (2015 p 42) assim sintetiza43

a) escrita preacute-alfabeacutetica como em ldquomviaembardquo para ldquominha vizinha eacute muito boardquo

b) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como a troca entre ldquoprdquo e ldquobrdquo

43 Os exemplos constantes na siacutentese de Costa Filho (2015) foram extraiacutedos de Oliveira (2005)

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c) escrita trocada com correspondecircncia trocada pela mudanccedila de sons como a troca entre sons sonoros e surdos

d) violaccedilatildeo das relaccedilotildees biuniacutevocas entre os sons e os grafemas como em escrita [muito difiacutecil de acontecer como afirma o autor] de ldquofavardquo para ldquomolardquo

e) violaccedilatildeo das regras invariantes que controlam a representaccedilatildeo de alguns sons ou seja os ldquocasos de escrita que se baseiam na pauta sonora e que ao mesmo tempo satildeo regidos por regrardquo como em ldquogerardquo para ldquoguerrardquo

f) violaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre os sons e os grafemas por interferecircncia das caracteriacutesticas estruturais do dialeto do aprendiz como por exemplo na produccedilatildeo especiacutefica de um falante de Belo Horizonte ser escrito ldquoo sou brilhardquo para ldquoo sol brilhardquo em decorrecircncia de no dialeto belo-horizontino o som [l] natildeo ocorrer em final de siacutelaba embora ocorra em outros dialetos

g) violaccedilatildeo de formas dicionarizadas em que o autor enquadra as grafias de natureza totalmente arbitraacuterias e nos afirma que somente a consulta a um dicionaacuterio ou a familiaridade com a palavra podem resolver a questatildeo da grafia Os casos relacionados a esse problema satildeo de dois tipos duas formas existem mas cada uma remete a conceito diferente como ldquocestardquo e ldquosextardquo uma forma existe embora a outra possa ser possiacutevel como em ldquogelordquo (ldquojelordquo)

h) violaccedilatildeo na escrita de sequecircncias de palavras que se referem aos ldquocasos em que a particcedilatildeo da fala natildeo corresponde agrave particcedilatildeo da escritardquo como em ldquoopaturdquo para ldquoo patordquo

i) outros casos categoria aberta que inclui por exemplo casos de hipercorreccedilatildeo ou casos acidentais

Acredita-se que a partir do entendimento desses ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever em sua tentativa de acerto o professor poderaacute compreender melhor as hipoacuteteses formuladas e os conhecimentos utilizados por eles o que colabora para o delineamento de estrateacutegias e praacuteticas pedagoacutegicas que possam contribuir para melhorar o registro escrito de suas produccedilotildees

235 |

Nessa direccedilatildeo Costa Filho (2015) desenvolveu um estudo sobre os ldquoerrosrdquo cometidos por alunos em escrita espontacircnea cujos dados satildeo reanalisados na seccedilatildeo que se segue

4 ldquoErrosrdquo na escrita de alunos do Ensino Fundamental II

Costa Filho (2015) realizou seu estudo com 17 alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II em escola puacuteblica do municiacutepio de Salinas ndash MG A pesquisa objetivou detectar e discutir as hipoacuteteses que os alunos formulam quando usam a escrita verificando se a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem satildeo em decorrecircncia da interferecircncia da oralidade na escrita ou do natildeo conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico oficial

Para alcanccedilar esse propoacutesito foi necessaacuterio compreender a realidade cultural e social dos alunos e sua possiacutevel influecircncia no modo como usam a liacutengua observando especificamente se havia relaccedilatildeo entre a variedade falada pelo estudante e a maneira como escrevia Foi entatildeo aplicado inicialmente um questionaacuterio procedimento que permitiu obter dados sobre o contexto sociocultural dos estudantes e conhecer suas experiecircncias de letramento

As informaccedilotildees obtidas indicam que a minoria dos alunos tem acesso a computador com internet (10) televisatildeo (10) e raacutedio (10) o que levou agrave hipoacutetese de que o tipo de participaccedilatildeo dos estudantes em eventos de letramentos poderia interferir na utilizaccedilatildeo da variedade culta escrita da liacutengua por eles Isso significa que o pouco ou nenhum contato com outras variedades da liacutengua em especial a padratildeo na modalidade escrita faz com que o aprendiz em textos escritos formais reproduza a variedade que fala e cometa ldquoerrosrdquo ortograacuteficos Daiacute a importacircncia da escola e da pesquisa em delinear estrateacutegias para promover o acesso do aluno a outros usos da liacutengua Ao fazer isso acaba contribuindo para ampliar a competecircncia comunicativa do aluno e para que em decorrecircncia possa atuar e intervir efetivamente na sociedade

236 |

Com o objetivo de confirmar essa hipoacutetese e de ampliar os dados sobre os eventos de letramentos dos quais participam foi perguntado aos 17 estudantes se tinham o haacutebito de visitar bibliotecas de ler jornais revistas em geral histoacuterias em quadrinhos e livros literaacuterios e de acessar a internet Os resultados indicaram que a maioria dos alunos visita bibliotecas (82) e natildeo lecirc jornal (94) revistas em geral (59) e histoacuterias em quadrinhos (47) e apontaram que poucos alunos leem livros literaacuterios e o fazem apenas uma vez ao ano (24) duas vezes por ano (41) ou natildeo leem livro de literatura algum (29) embora grande parte dos estudantes afirme que tenha acesso agrave internet (91) o que poderia possibilitar por exemplo acessar e-books e proceder agrave leitura desses livros Acresccedila-se a esses dados o fato de que a famiacutelia pouco lecirc (53) ou nunca lecirc (29) e que nunca escreve textos (47) e aqueles que fazem essa atividade redigem listas ou cartas apenas de vez em quando (47)

A partir das informaccedilotildees socioculturais obtidas do questionaacuterio Costa Filho (2015 p 27) concluiu que os participantes de sua pesquisa

[] satildeo provenientes de famiacutelias com baixo poder aquisitivo e com poucas oportunidades de participaccedilatildeo em eventos de letramentos o que restringe o acesso agrave variedade culta da liacutengua seja na modalidade oral seja sobretudo na escrita o que consequentemente nos permite relacionar esses eventos agrave presenccedila de marcas da oralidade na escrita culta e pode justificar desviosdeslizes na norma escrita que dificultam a aprendizagem e aumentam a responsabilidade da escola

Foi necessaacuterio assim compreender a natureza dos ldquoerrosrdquo que os alunos cometiam Para isso foram aplicadas trecircs atividades com os gecircneros textuais ldquobilheterdquo ldquocomentaacuteriordquo e ldquofaacutebulardquo com as seguintes instruccedilotildees

a) produccedilatildeo de um bilhete por meio do qual um aluno deveria convidar seu colega para passarem juntos um final de semana

237 |

b) comentaacuterios sobre um filme exibido para os estudantes c) produccedilatildeo de uma faacutebula

Essas atividades foram selecionadas para ampliar a compreensatildeo da influecircncia da fala na escrita dos alunos permitindo levantar os ldquoerrosrdquo nas produccedilotildees e verificar as hipoacuteteses levantadas pelos alunos ao escreverem subsidiando assim uma accedilatildeo pedagoacutegica mais eficiente O foco com essas atividades foi justamente obter uma escrita espontacircnea sem a interferecircncia do professor ainda que esse momento tenha sido marcado por certa artificialidade uma vez que os textos escritos natildeo foram inseridos em uma situaccedilatildeo real de comunicaccedilatildeo

Por meio desses procedimentos os ldquoerrosrdquo detectados nas produccedilotildees escritas dos alunos foram classificados com base em Cagliari (2010) e Oliveira (2005) e divididos em dois grupos a) ldquoerrosrdquo que decorrem da influecircncia da fala (variedade do aluno) na escrita e b) ldquoerrosrdquo decorrentes da falta de conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema de escrita Os resultados obtidos estatildeo listados na Tabela 1

Tabela 1 Classificaccedilatildeo geral dos ldquoerrosrdquo

NATUREZA DO ldquoERROrdquo

NUacuteMERO DE OCORREcircNCIAS TOTAL

Influecircncia da fala (variedade do aluno) na

escrita319 48

665Falta de conhecimento

das convenccedilotildees do sistema de escrita

346 52

Fonte Costa Filho (2015 p 53)

Os dados da tabela permitem inferir que o iacutendice de ldquoerrosrdquo por influecircncia da fala na escrita padratildeo (48) quase se equipara ao dos desvios por falta de conhecimento das convenccedilotildees ortograacuteficas (52) Se somados esses dados agravequeles obtidos na aplicaccedilatildeo

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do questionaacuterio pode-se deduzir que eles satildeo indicativos da necessidade de promover eventos de letramento que contribuam para a ampliaccedilatildeo das praacuteticas de leitura e escrita em especial de usos mais monitorados da liacutengua por meio de um trabalho que aborde sistematicamente os tipos de ldquoerrosrdquo verificados nas produccedilotildees dos estudantes

Como exemplos de ldquoerrosrdquo decorrentes da influecircncia da variedade linguiacutestica que o aluno usa nos seus textos escritos podem ser citados

a) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante como em ldquoseus brinquedordquo para ldquoseus brinquedosrdquo (Informante 05) b) rotacismo como em ldquoarnosordquo para ldquoalmoccedilordquo (Informante 07) c) metaacutetese como em ldquopredardquo para ldquopedrardquo (Informante 10)d) deslateralizaccedilatildeo de λ como em ldquobieterdquo para ldquobilheterdquo (Informante 05) e) desnasalizaccedilatildeo de ɲ como em ldquomiardquo para ldquominhardquo (Informante 06) Em relaccedilatildeo aos desvios da ortografia oficial satildeo exemplos a) uso indevido de letras (escolha de uma letra possiacutevel quando a ortografia usa outra letra) como em ldquoprinsezinhardquo para ldquoprincesinhardquo (Informante 01)b) hipercorreccedilatildeo como em ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo (Informante 05) c) segmentaccedilatildeo (troca supressatildeo acreacutescimo ou inversatildeo de letras) como em ldquoirmansrdquo para ldquoirmatildesrdquo (Informante 07) d) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas como em ldquojoseacuterdquo para ldquoJoseacuterdquo (Informante 10)e) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como em ldquoanicardquo para ldquoamigardquo (Informante 05)

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Com base nesses ldquoerrosrdquo foi desenvolvida uma proposta de intervenccedilatildeo baseada na produccedilatildeo de ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo envolvendo assim os alunos em um contexto real de leitura escrita e circulaccedilatildeo do gecircnero textual No trabalho de produccedilatildeo e revisatildeo das cartas os alunos utilizaram a escrita em situaccedilatildeo efetiva de comunicaccedilatildeo o que possibilitou uma reflexatildeo linguiacutestica sobre as convenccedilotildees da escrita em sua relaccedilatildeo com a fala ateacute mesmo para atender agraves normas de publicaccedilatildeo da revista

Essa produccedilatildeo de cartas se fundamentou em um roteiro de atividades a partir da noccedilatildeo da sequecircncia didaacutetica que segundo Dolz Noverraz e Schneuwly (2004) se refere a atividades que satildeo planejadas sistematicamente a partir de um gecircnero seja ele oral ou escrito Com isso foram sistematizados seis moacutedulos de produccedilatildeo das cartas englobando a primeira versatildeo sua revisatildeo e a versatildeo final

Apoacutes a aplicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo Costa Filho (2015) verificou progressos dos estudantes nas produccedilotildees escritas seja na reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre a variedade falada por eles e sua escrita seja no reconhecimento da importacircncia de escreverem conforme as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico Os alunos dessa forma passaram a analisar o modo como escreviam refletindo sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita e percebendo a importacircncia de adequaccedilatildeo da linguagem ao contexto de uso

Podem ser citados como exemplos desses progressos os seguintes casos relacionados ao percurso de produccedilatildeo oral ou falada de carta gt produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo gt produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final

a) deslateralizaccedilatildeo de λ gt lateralizaccedilatildeo de λ ndash Informante A 1 ldquocompartilordquo para ldquocompartilhordquo (produccedilatildeo textual sobre as caracteriacutesticas do gecircnero ldquocarta do leitorrdquo)

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2 ldquofamiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquofamilhiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquofamiacuteliardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)b) monotongaccedilatildeo gt ditongaccedilatildeo ndash Informante B1 ldquoTexerardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)3 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)c) rotacismo gt l ndash Informante A1 ldquosortourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo) 3 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)d) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante gt marcaccedilatildeo de plural redundante ndash Informante D1 ldquoos bisouro coveiros alimanta-se de corpos em decomposiccedilatildeordquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoos bisouros lenhadores se ocupa em trabalhar nas aacutervorerdquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquoos coveiros se ocupa dos mortosrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquoos besouros que se alimenta dos corposrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)5 ldquoaprendi que os jardineiros se ocupam em levar uma semente de um lado para outrordquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

241 |

6 ldquoos lenhadores trabalham no tronco das aacutervores ou melhor se alimentam delasrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

Pelos exemplos apresentados percebe-se a importacircncia da intervenccedilatildeo pedagoacutegica com atividades direcionadas para um trabalho que levou os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e sobre os desvios das convenccedilotildees da ortografia oficial

5 Consideraccedilotildees finais

Procurou-se neste trabalho rediscutir dados da pesquisa realizada por Costa Filho (2015) cujos objetivos foram investigar as hipoacuteteses formuladas pelos alunos quando usam a escrita padratildeo e detectar a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem ao escrever analisando as possiacuteveis interferecircncias da variedade falada pelo aluno ou o desconhecimento sobre as convenccedilotildees da ortografia oficial na sua escrita Participaram do estudo alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica no municiacutepio de Salinas ndash MG

Inicialmente foi importante o entendimento sobre a realidade sociocultural dos alunos por meio da aplicaccedilatildeo de um questionaacuterio Os resultados apontaram dentre outros aspectos que os alunos participavam de poucos eventos de letramento principalmente de praacuteticas de leitura e escrita de gecircneros mais formais ou monitorados

A partir disso foram aplicadas atividades para ampliar a compreensatildeo sobre as marcas da oralidade na escrita para que ao identificar os tipos de ldquoerrosrdquo presentes nas produccedilotildees dos alunos fosse possiacutevel analisar as hipoacuteteses levantadas por eles possibilitando uma adequada intervenccedilatildeo pedagoacutegica

Com base nesses conhecimentos dos estudantes foi elaborado um roteiro de atividades em torno do gecircnero ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo abordando

242 |

assuntos dessa publicaccedilatildeo Como resultados os estudantes em suas produccedilotildees passaram a refletir sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita analisando o modo como escreviam e seguindo as regras da ortografia oficial

Assim ao articular teoria e praacutetica Costa Filho (2015) demonstrou a importacircncia de ressignificaccedilatildeo do olhar do professor sobre os ldquoerrosrdquo na escrita espontacircnea dos alunos Eacute necessaacuterio pois que os docentes percebam que os estudantes fazem profunda reflexatildeo ao escrever utilizando conhecimentos aprendidos e internalizados sobre as relaccedilotildees entre fala e escrita e norma ortograacutefica que orientam o modo como escrevem

Por isso cabe ao professor identificar os ldquoerrosrdquo nos textos dos alunos e propor atividades de intervenccedilatildeo adequadas agraves hipoacuteteses por eles formuladas ao escreverem avaliando esses ldquoerrosrdquo como deslizes em suas ldquotentativas de acertosrdquo e natildeo como incapacidade dos estudantes durante o processo de escrita

Diante disso constata-se que o trabalho de leitura escrita e reescrita de textos a partir de um gecircnero selecionado pode ressignificar o processo de produccedilatildeo textual no espaccedilo escolar instrumentalizando os alunos para o uso da liacutengua no meio social e natildeo os direcionando para a identificaccedilatildeo de classes de palavras e funccedilotildees da gramaacutetica normativa ou como atividade para a mera correccedilatildeo dos ldquoerrosrdquo

Consciente desse processo a escola precisa repensar suas estrateacutegias de ensino para desenvolver uma proposta que considere a realidade sociocultural do aluno e no caso da produccedilatildeo de texto as relaccedilotildees que o aluno estabelece ao escrever compreendendo que o contexto sociocultural e os eventos de letramento de que o estudante participa ou deixa de participar podem influenciar na qualidade daquilo que escreve

Eacute oportuno pois compreender esse contexto e essas praacuteticas para um melhor entendimento das relaccedilotildees entre fala e escrita

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para que se possa a partir disso proceder agrave elaboraccedilatildeo e ao desenvolvimento de estrateacutegias mais adequadas em sala de aula que contribuam para a reflexatildeo do aluno para a sistematizaccedilatildeo dos conhecimentos e para a ampliaccedilatildeo de sua competecircncia comunicativa Por isso eacute urgente a criaccedilatildeo de mecanismos para vencer os elevados iacutendices de evasatildeo e repetecircncia e auxiliar os estudantes no domiacutenio da Liacutengua Portuguesa sem apontar os ldquoerrosrdquo como declaraccedilatildeo peremptoacuteria de fracasso no domiacutenio da liacutengua

Referecircncias

BAGNO M Gramaacutetica de bolso do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Paraacutebola 2013

BAGNO M Gramaacutetica pedagoacutegica do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Paraacutebola 2012

CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2010

COSTA FILHO O A da Marcas de oralidade na escrita de alunos do ensino fundamental gecircnero carta do leitor 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

DOLZ J NOVERRAZ M SCHNEUWLY B Sequecircncias didaacuteticas para o oral e para o escrito apresentaccedilatildeo de um procedimento In SCHNEUWLY B DOLZ J Gecircneros orais e escritos na escola Traduccedilatildeo e organizaccedilatildeo Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro Campinas Mercado de Letras 2004

FERRAREZI JR C Ensinar o brasileiro respostas a 50 perguntas de professores de liacutengua materna Satildeo Paulo Paraacutebola 2007

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LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador Satildeo Paulo Aacutetica 1997

MORAIS A G Ortografia ensinar e aprender Satildeo Paulo Aacutetica 2010

OLIVEIRA M A de Conhecimento linguiacutestico e apropriaccedilatildeo do sistema de escrita caderno do formador Belo Horizonte CealeFaEUFMG 2005

SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios Satildeo Paulo Contexto 2017

Sobre os Autores

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Ana Maacutercia Ruas de AquinoDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail anamarciaaquinogmailcom ORCID httpsorcidorg0000-0001-5639-5257

Anagrey BarbosaMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora das redes Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail anakrillgreyyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000000268812115

Bruno de Assis Freire de LimaDoutor em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Docente no Instituto Federal Minas Gerais ndash Congonhas E-mail brunoaflimagmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-7526-1921

Carla Roselma Athayde MoraesDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail carlaathaydeyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000-0002-4684-8424

Clarice Nogueira LopesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail claricenogueiragmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0840-6139

Cristina Aparecida Bianchi de Souza GomesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga ndash DFE-mail cristinasbianchihotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-29223753

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Daniela Imaculada Pereira CostaMestre em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail danielaespanhol79gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-1549-2901

Gilvan Mateus SoaresDoutor em Estudos Linguiacutesticos pelo POSLIN ndash FALE ndash UFMG Professor na Rede Municipal de Ensino em Baratildeo de Cocais ndash MG E-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Maria Clara Maciel de Arauacutejo RibeiroDoutora em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail mclaramacielhotmailcomORCID 0000-0001-9205-5858

Orando Antocircnio da Costa FilhoMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professor na Rede Estadual de Ensino em Salinas ndash MGE-mail orandomghotmailcombrORCID httpsorcidorg0000-0001-7209-442X

Zenilda Mendes dos ReisMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual de Ensino em Lontra ndash MG E-mail zenildareis06gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3318-976

Sobre os Organizadores

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Gilvan Mateus SoaresGraduaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs pela Universidade Federal de Minas Gerais Graduaccedilatildeo em Pedagogia pela Universidade de Uberaba Especializaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs e Literatura pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguaacute Especializaccedilatildeo em Praacuteticas Pedagoacutegicas pela Universidade Federal de Ouro Preto Mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros Doutorado em Estudos Linguiacutesticos pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas GeraisE-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Liliane Pereira BarbosaDoutora e Mestre em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora efetiva da Unimontes Atua como professora permanente no PROFLETRAS Tem experiecircncia na aacuterea de Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica com ecircnfase em Teoria e Anaacutelise Linguiacutestica principalmente nos seguintes temas Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica Variaccedilatildeo Linguiacutestica e EnsinoE-mail lilianepebhotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0558-6592

Maria do Socorro Vieira CoelhoProfessora de Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 Mestre em Linguiacutestica pela Universidade Federal de Minas Gerais Doutora em Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais Poacutes-Doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015) e pela Universidade de Satildeo Paulo (2018) Suas linhas de pesquisa tecircm sido em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash diacronia e sincronia Liacutengua Portuguesa e Ensino Literatura de Autoria FemininaE-mail soccoelhohotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3732-467X

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Page 5: Teorias Linguísticas, Pesquisa e Ensino da Língua Portuguesa · 2020. 11. 10. · de os educadores conhecerem as técnicas de elaboração dos itens, compreendendo o texto de suporte,

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Conselho EditorialAna Paula Antunes Rocha (UFF)Angela Heloiza Benedito Buxton (Unimontes)Caroline Rodrigues Cardoso (UnipSEEDF)Keli Cristiane Eugecircnio Souto (Unimontes)Maria Alice Mota (Unimontes) Maria de Lourdes Guimaratildees de Carvalho (Unimontes)Rita de Caacutessia da Silva Soares (GPDGUSP)Sandra Ramos de Oliveira Gonccedilalves Duarte (Unimontes)Sandra Patriacutecia de Faria do Nascimento (UnB)

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| SumaacuterioPrefaacutecioOs Organizadores

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O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

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A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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A escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa FilhoGilvan Mateus Soares

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Sobre os Autores 245

Sobre os Organizadores 248

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| Prefaacutecio

Esta obra surgiu da importacircncia de se ter uma maior divulgaccedilatildeo de pesquisas desenvolvidas sobre a Liacutengua Portuguesa sob o vieacutes teoacuterico e praacutetico em estreita relaccedilatildeo entre pesquisa formaccedilatildeo e ensino do Portuguecircs Nessa perspectiva a publicaccedilatildeo articula em um processo circular teorias linguiacutesticas descriccedilatildeo de aspectos da Liacutengua Portuguesa e ensino Tambeacutem oferece conhecimentos aos docentes que atuam no Ensino Fundamental e Meacutedio ao promover discussotildees teoacutericas e oferecer subsiacutedios para a aplicaccedilatildeo praacutetica das teorias e estudos descritos e discutidos Incluem-se trabalhos desenvolvidos por pesquisadores do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras)1 da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e do Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Estudos Linguiacutesticos (PosLin) da Faculdade de Letras (FALE)2 da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

A organizaccedilatildeo do livro aponta para um ensino em que eacute fundamental a compreensatildeo das relaccedilotildees entre teoria e praacutetica permeadas pelas variadas linguagens Por isso a obra se orienta por trecircs dimensotildees (pesquisa teorias linguiacutesticas e ensino e praacutetica) sob o prisma da sua integraccedilatildeo mediante discussotildees teoacutericas que embasam trabalhos descritivo-analiacuteticos de aspectos linguiacutesticos da oralidade e da escrita do Portuguecircs e propostas de praacuteticas de ensino resultantes de pesquisas norteadas por teorias

Assim ldquoTeorias Linguiacutesticas Pesquisa e Ensino da Liacutengua Portuguesardquo se alicerccedila em diferentes teorias das Ciecircncias da Linguagem como a Sociolinguiacutestica a Sociolinguiacutestica Educacional a Lexicologia a Lexicografia Pedagoacutegica e a Anaacutelise do Discurso e se desenvolve por meio de metodologias de pesquisa e estrateacutegias de ensino baseadas na pesquisa-accedilatildeo em instrumentos de avaliaccedilatildeo e no levantamento de dados por meio de questionaacuterios e entrevistas

1 Disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbr profletras2 Disponiacutevel em httpwwwposlinletrasufmgbr

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e em estrateacutegias de ensino como oficinas ou sequenciaccedilatildeo de atividades

Entendemos que a relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica deve ser um pressuposto para toda e qualquer accedilatildeo pedagoacutegica o que exige do professor uma postura de pesquisador de teorias de investigaccedilotildees mais gerais sobre o processo de ensino e aprendizagem ou mais especiacuteficas agrave sua aacuterea de atuaccedilatildeo de meacutetodos de estrateacutegias e de recursos que possam auxiliar ou embasar a praacutetica em sala de aula

Esse posicionamento do profissional de liacutenguas eacute ainda mais exigido em um contexto de diversidade de linguagens que aponta para um processo de ensino e aprendizagem que contemple tanto os letramentos tradicionais como tambeacutem os multiletramentos Torna-se assim importante promover um tratamento da liacutengua que contemple seus diferentes niacuteveis (do foneacutetico-fonoloacutegico ao discursivo) suas modalidades (oralidade e escrita) e seus registros (informais e formais) em variados contextos de comunicaccedilatildeo

A escola eacute o espaccedilo privilegiado para essa abordagem Consciente desse papel ela deve instrumentalizar o estudante para que ele possa por meio da liacutengua se movimentar em diferentes contextos sociais Para tanto os objetivos do ensino da liacutengua requerem do professor conhecimento competecircncia e sensibilidade para lidar com a variaccedilatildeo linguiacutestica para acompanhar os processos de tratamento da Liacutengua Portuguesa em sua interseccedilatildeo com a abordagem de outras linguagens como a Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) considerando o contexto sociocultural e etnograacutefico dos falantes e as diversas praacuteticas de letramento com as quais os estudantes se envolvem ou das quais deixam de participar Tudo isso influencia e contribui direta ou indiretamente para o sucesso ou o fracasso do aluno em sua trajetoacuteria escolar

Isso significa que a linguagem da escola natildeo pode se distanciar da linguagem do educando sob pena de imputaacute-lo agrave repetecircncia e agrave evasatildeo Nesse sentido eacute necessaacuterio atentarmos para o fato de

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que o professor natildeo deve focalizar o ensino da liacutengua somente na modalidade escrita em seus usos mais formaismonitorados diante de um aluno que muitas vezes participa de interaccedilotildees que se caracterizam essencialmente pela oralidade porquanto tal procedimento pode resultar em resistecircncia agraves praacuteticas pedagoacutegicas ofertadas pelo docente

A partir dessas orientaccedilotildees este e-book estaacute organizado em oito capiacutetulos que contemplam temaacuteticas variadas estudos do leacutexico e fraseologia elaboraccedilatildeo de itens de avaliaccedilatildeo ensino da Liacutengua Portuguesa e da LBS produccedilatildeo de glossaacuterio semibiliacutengue reflexatildeo sobre o discurso da identidade de pessoas surdas tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica anaacutelise de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas relaccedilotildees entre oralidade e escrita ensino da ortografia

Assim um dos temas aqui discutidos eacute o processo de avaliaccedilatildeo podendo ser contemplados os mais variados enfoques em diversas aacutereas do conhecimento como a Tecnologia Educacional Pedagogia e no que nos concerne o ensino de liacutenguas Nesse contexto pelo menos um questionamento emerge como avaliar Essa discussatildeo contempla um toacutepico que merece maior atenccedilatildeo durante a formaccedilatildeo de professores as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos dos alunos A esse respeito Bruno de Assis Freire de Lima em ldquoO lsquoitem de muacuteltipla escolharsquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeordquo discute o leacutexico e a fraseologia de questotildees de muacuteltipla escolha O autor fazendo uma breve retrospectiva dos procedimentos de avaliaccedilatildeo chama atenccedilatildeo para uma necessaacuteria reflexatildeo sobre os ldquoitensrdquo de avaliaccedilotildees apontando para um entendimento que ultrapasse a percepccedilatildeo de que sejam meros instrumentos avaliativos concebendo-os como um produto especializado como um gecircnero textual de especialidade marcado por conhecimentos especiacuteficos Por isso possuem suas proacuteprias caracteriacutesticas concernentes agrave estrutura composicional ao conteuacutedo temaacutetico e ao estilo Daiacute a importacircncia de os educadores conhecerem as teacutecnicas de elaboraccedilatildeo dos itens compreendendo o texto de suporte o comando da questatildeo e as alternativas de resposta temas do referido capiacutetulo

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Outro trabalho da aacuterea do Leacutexico e da Lexicografia Pedagoacutegica eacute o de Cristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes em ldquoGlossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosrdquo A pesquisadora discute resultados de estudo realizado com estudantes de uma escola puacuteblica de Taquatinga ndash DF que culmina com a produccedilatildeo de um glossaacuterio digital de verbos O estudo por sua natureza se torna relevante para o protagonismo dos indiviacuteduos surdos ao incluir digitalmente os estudantes ao contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa como segunda liacutengua (L2) e paralelamente ao estimular os informantes a usarem a sua proacutepria liacutengua materna a LSB para refletir sobre conceitos e significados de vocaacutebulos do Portuguecircs Com esse procedimento os alunos introduziram novas palavras agrave sua escrita da Liacutengua Portuguesa e elaboraram um glossaacuterio agrave parte sobre as proacuteprias duacutevidas em um processo criativo de termossignificados Em decorrecircncia o trabalho possibilitou natildeo soacute a aprendizagem do Portuguecircs mas tambeacutem dos demais conteuacutedos das disciplinas que compotildeem o curriacuteculo escolar em uma proposta de ensino produtivo biliacutengue que proporcionou aprendizagem eficaz nas duas liacutenguas A autora incentiva a realizaccedilatildeo de outros trabalhos que possam ampliar o leacutexico de Liacutengua Portuguesa de pessoas surdas como um que por exemplo aborde o uso de expressotildees idiomaacuteticas

Ainda nessa perspectiva de inclusatildeo e da atuaccedilatildeo social dos indiviacuteduos surdos Maria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro em ldquoO fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezrdquo mostra que eacute fundamental que sejam desveladas e desmentidas representaccedilotildees estereotipadas sobre a surdez e os sujeitos surdos (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) o que requer a compreensatildeo de que as pessoas surdas satildeo sujeitos de direitos atores sociais com valores cultura e linguagem proacuteprios (discurso de fundamentaccedilatildeo surda) Nos discursos analisados pela autora os participantes da pesquisa sinalizam um posicionamento enunciativo ao reforccedilarem a imagem de valoraccedilatildeo igualitaacuteria diante

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de outros sujeitos e ao operarem na (des)construccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros em face de um discurso que se faz concorrente O entendimento dessa heterogeneidade discursiva a partir da abordagem dos discursos produzidos pelas pessoas surdas sobre si mesmas pode representar novas perspectivas para a promoccedilatildeo da inclusatildeo nas escolas e o delineamento e a elaboraccedilatildeo de estrateacutegias de ensino significativas

Uma abordagem discursivo-linguiacutestica tambeacutem eacute o foco do capiacutetulo de Ana Maacutercia Ruas de Aquino Carla Roselma Athayde Moraes e Daniela Imaculada Pereira Costa ao tematizarem o gecircnero ldquocrocircnica jornaliacutestica brasileirardquo em ldquoAspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira moderna o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeordquo As autoras chamando a atenccedilatildeo para a importacircncia da anaacutelise dos expedientes argumentativos e dos processos retoacutericos da persuasatildeo discorrem sobre as peculiaridades da crocircnica como uma atividade enunciativa essencialmente dialoacutegica intra e interdiscursivamente Por isso objetivam desvelar a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero como um exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea ao refletirem sobre as estrateacutegias utilizadas pelos cronistas Convidam dessa forma os leitores ao prosar poeacutetico da crocircnica inserindo-os no diaacutelogo como forccedila de accedilatildeo sobre o outro e sobre o mundo no jogo de seduccedilatildeo estabelecido entre cronista e leitor para que no desfrutar do texto ambos possam conhecer um pouco mais do outro mais da vida e por isso um pouco mais de si mesmos

O tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica e em especial a anaacutelise das crenccedilas e atitudes um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica satildeo discutidos por Gilvan Mateus Soares em ldquoCrenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticardquo O autor se baseia nas contribuiccedilotildees da Sociolinguiacutestica Educacional para realizar uma discussatildeo sobre crenccedilas atitudes e preconceitos com uma turma de 6ordm ano e uma de 8ordm de uma escola puacuteblica em Baratildeo de Cocais ndash MG O interesse do estudo partiu do silenciamento de um aluno do 8ordm ano que justificava natildeo participar das aulas

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porque ldquofalava erradordquo ldquoconsiderava-se burrordquo ou ldquoera da zona ruralrdquo Essas assertivas direcionaram o pesquisador a constatar que esse tipo de manifestaccedilatildeo sobre a liacutengua suas variedades e seus falantes eacute em muitos casos reproduzido e (re)construiacutedo na escola assim como no contexto social que vai processar ou reforccedilar ou ateacute perpetuar essa (re)construccedilatildeo Os resultados obtidos revelaram mudanccedila consideraacutevel de percepccedilotildees negativas para positivas sobre a variaccedilatildeo da liacutengua e sobre o proacuteprio aluno como falante do Portuguecircs passando ele a ter um maior grau de consciecircncia linguiacutestica e respeito pela diversidade que caracteriza qualquer liacutengua em uso elevando assim a autoestima linguiacutestica do educando

Em uma perspectiva da variaccedilatildeo linguiacutestica aliada agrave das crenccedilas e atitudes Zenilda Mendes Reis em ldquoA variaccedilatildeo de lsquotursquo e lsquovocecircrsquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra ndash MGrdquo descreveu e analisou baseando-se nos fundamentos da Sociolinguiacutestica as realizaccedilotildees dos pronomes de segunda pessoa ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em produccedilotildees orais e escritas de duas turmas de 8ordm ano do Ensino Fundamental em Lontra ndash MG Durante as etapas de desenvolvimento da pesquisa pocircde perceber usos mais especiacuteficos do ldquoturdquo ou do ldquovocecircrdquo (e suas variaccedilotildees ldquoocecircrdquo ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo) observando estigmatizaccedilatildeo em determinadas situaccedilotildees resultante do preconceito linguiacutestico Essa constataccedilatildeo apontou para o fato de que a intoleracircncia linguiacutestica natildeo pode ser mais ignorada exigindo do professor um ensino adequado em sala de aula Nessa direccedilatildeo tendo como suporte teoacuterico a Sociolinguiacutestica Educacional foi elaborada e desenvolvida uma proposta de ensino alicerccedilada em quatro oficinas que entre seus objetivos procurava natildeo soacute promover a conscientizaccedilatildeo dos alunos em relaccedilatildeo agrave variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem refletir sobre a trajetoacuteria e os contextos de uso dos pronomes em estudo Por meio das atividades os objetivos da pesquisa foram alcanccedilados contribuindo para que os estudantes aprimorassem conhecimentos e ampliassem sobremaneira sua competecircncia no uso do Portuguecircs especialmente na variedade

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padratildeo Os resultados mostraram como pode ser produtivo um trabalho sociolinguiacutestico na escola que permita aos alunos refletir sobre a liacutengua e suas variedades entendendo que a diferenccedila linguiacutestica natildeo pode ser vista como deficiecircncia

Tambeacutem eacute importante a discussatildeo das relaccedilotildees entre a fala a escrita e o registro ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa temas analisados por Clarice Nogueira Lopes em ldquoO fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritardquo A pesquisadora discorre sobre a transformaccedilatildeo de ditongos em monotongos na escrita de alunos de 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG O capiacutetulo ao contrastar a perspectiva da Gramaacutetica Tradicional e da Ciecircncia Linguiacutestica problematiza a compreensatildeo sobre o ldquoerrordquo ortograacutefico esclarecendo percepccedilotildees equivocadas sobre os ldquoerrosrdquo na fala e deslizes na escrita mostrando que satildeo entendimentos de naturezas bem distintas Aleacutem disso destaca que os ldquoerrosrdquo acabam recebendo forte avaliaccedilatildeo social negativa Por isso a pesquisadora ressalta a relevacircncia da aplicaccedilatildeo de instrumentos diagnoacutesticos e da elaboraccedilatildeo de atividades que possam contribuir para que os alunos tenham suas duacutevidas resolvidas e com isso possam aprender adequadamente Os resultados positivos no uso das estrateacutegias desenvolvidas levaram os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e passarem a adequar as produccedilotildees textuais agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo por meio da reduccedilatildeo da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos

Em diaacutelogo com essa discussatildeo Anagrey Barbosa em ldquoA segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirrdquo analisa a escrita de alunos de uma escola puacuteblica em Montes Claros ndash MG com foco no estudo da segmentaccedilatildeo e da juntura oferecendo aos professores subsiacutedios para a compreensatildeo desses aspectos e para uma abordagem condizente em sala de aula Para tanto o capiacutetulo discute as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e as influecircncias da fala no modo de escrever A autora chama a atenccedilatildeo para um redirecionamento

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do olhar sobre o ldquoerro ortograacuteficordquo pois o aluno empreende reflexatildeo ao ldquoerrarrdquo mostrando que os desvios que geralmente satildeo cometidos na escrita satildeo explicaacuteveis teoricamente e podem ser resolvidos por meio de estrateacutegias que contribuam para o aprimoramento da escrita Por isso a pesquisadora destaca que o docente natildeo deve ter uma reaccedilatildeo negativa diante do ldquoerrordquo de escrita do aluno sob o risco de promover sua exclusatildeo e marginalizaccedilatildeo mas deve adotar uma perspectiva que compreenda e perceba os desvios ortograacuteficos como um rico material de investigaccedilatildeo e de planejamento para as aulas

Outro capiacutetulo que aborda essa temaacutetica eacute o de Gilvan Mateus Soares e Orando Antocircnio da Costa Filho em ldquoA escrita de alunos do Ensino Fundamental II os lsquoerrosrsquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertordquo Os autores rediscutem dados de pesquisa realizada com alunos de um 7ordm ano de uma escola puacuteblica de Salinas ndash MG analisando as aproximaccedilotildees e os distanciamentos entre a variedade falada pelos estudantes e o modo como escrevem ou mais especificamente entre fonemassons e grafemasletras Aleacutem disso mostram que eacute importante que o docente leve em conta a realidade sociocultural dos educandos e as praacuteticas de letramento de que participam ou deixam de participar pois a falta de vivecircncia de situaccedilotildees de fala escrita ou leitura de usos mais formais e monitorados da liacutengua pode acarretar dificuldades de aprendizagem exigindo por isso da comunidade escolar maior responsabilidade para o desenvolvimento de uma accedilatildeo pedagoacutegica eficiente Eacute importante nesse processo o incentivo agrave pesquisa e agrave leitura e a proposiccedilatildeo de atividades que insiram o estudante em praacuteticas reais de uso da liacutengua como a produccedilatildeo de ldquocartas de leitorrdquo abordando assuntos de publicaccedilotildees e com posterior envio dos textos a revistas ou jornais Esses procedimentos estrateacutegicos apontaram resultados significativos como relatam os pesquisadores

Esperamos com essa diversidade de pesquisas temas e conteuacutedos que esta publicaccedilatildeo ofereccedila conhecimentos de

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aspectos da Liacutengua Portuguesa falada e escrita em Minas Gerais e provoque discussotildees entre pesquisadores natildeo somente das aacutereas da Linguiacutestica e da Educaccedilatildeo Aleacutem disso pretendemos estimular a reflexatildeo e a pesquisa acadecircmica e profissional bem como agregar conhecimentos agrave formaccedilatildeo continuada de docentes natildeo apenas de Liacutengua Portuguesa e LSB agrave praacutetica pedagoacutegica dos professores e agrave aprendizagem dos estudantes ao inseri-los em praacuteticas efetivas de uso da liacutengua em suas modalidades oral e escrita em diferentes momentos de leitura produccedilatildeo de texto e pesquisa incluindo variados gecircneros textuais-discursivos em diferentes miacutedias e suportes e em diversas situaccedilotildees de interaccedilatildeo social

Os Organizadores

O ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo como produto especializado teacutecnicas de elaboraccedilatildeoBruno de Assis Freire de Lima

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1 Introduccedilatildeo

Natildeo haacute novidade no fato de que nossas relaccedilotildees cotidianas satildeo mediadas por gecircneros textuais3 Eles estatildeo em todos os lugares e fazem parte de todas as interaccedilotildees sociais das quais participamos Nesse sentido a escola eacute espaccedilo privilegiado de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e compreensatildeo de gecircneros dadas as muitas vivecircncias expectativas e experiecircncias que nela circulam Na escola ainda haacute a possibilidade de estudos e reflexotildees sobre os proacuteprios gecircneros principalmente nas aulas de Liacutengua Portuguesa o que torna o espaccedilo escolar ainda mais enriquecedor

Os professores de Liacutengua Portuguesa decerto jaacute perceberam que potencialmente qualquer gecircnero textual pode estar presente em suas praacuteticas inclusive nos processos avaliativos Da mesma forma qualquer gecircnero pode constituir-se como o proacuteprio instrumento de avaliaccedilatildeo O professor pode solicitar a produccedilatildeo de uma carta de um e-mail de uma bula de um debate de um seminaacuterio e assim por diante e avaliar essa produccedilatildeo mesmo que ela esteja sob o roacutetulo de redaccedilatildeo escolar ou produccedilatildeo textual O professor pode ainda exibir um documentaacuterio audiovisual promover pesquisas exposiccedilotildees orais e relatoacuterios As possibilidades satildeo muitas talvez infinitas

Apesar de toda essa possibilidade de trabalho com gecircneros nas salas de aula um deles tem tido tradicionalmente lugar de prestiacutegio nesses espaccedilos Trata-se do ldquoitem de muacuteltipla escolhardquo (doravante item) ou como costuma ser conhecido no ambiente educacional ldquoquestatildeo de provardquo4 Ele circula nas praacuteticas avaliativas dos diferentes componentes curriculares natildeo apenas nas praacuteticas

3 Neste capiacutetulo natildeo se faz distinccedilatildeo entre ldquogecircnero textualrdquo e ldquogecircnero do discursordquo Considero gecircnero textual como uma classe de textos que possuem formas e funccedilotildees semelhantes Como nos recorda Marcuschi (2008) os gecircneros podem ser agrupados em categorias denominadas ldquocartas pessoaisrdquo ldquobilhetesrdquo ldquoartigos de opiniatildeordquo ldquoreceitasrdquo e assim por diante4 Haacute razotildees para distinguir os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo no entanto natildeo eacute objetivo deste texto levantar essa discussatildeo Assim sugere-se que o leitor compreenda os termos ldquoitemrdquo e ldquoquestatildeordquo como sinocircnimos

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de Liacutengua Portuguesa Apesar de ldquonasceremrdquo para avaliar os itens tecircm migrado para outros usos na escola funcionando como exerciacutecios de fixaccedilatildeo e ateacute mesmo como atividades de treinamento para processos avaliativos como os vestibulares e o proacuteprio Exame Nacional do Ensino Meacutedio (ENEM)

Ainda sobre a utilizaccedilatildeo dos itens nas escolas existem pelo menos dois tipos de professores aqueles que ldquocopiamrdquo itens de provas antigas e fazem um ldquocompiladordquo para suas atividades e aqueles que criam (ou querem criar) os proacuteprios itens Talvez o segundo grupo se destaque em relaccedilatildeo ao primeiro pela iniciativa de criaccedilatildeo o que natildeo significa a elaboraccedilatildeo de itens consistentes Logo considerando que no caso do item o produtor textual natildeo eacute o aluno mas o professor uma questatildeo precisa ser posta seria o professor tatildeo bom elaborador de itens assim como se espera que os alunos sejam tatildeo bons produtores de outros gecircneros textuais Desconfio que natildeo

De modo geral a avaliaccedilatildeo eacute discutida como ldquotemardquo nos cursos de formaccedilatildeo de professores muitas vezes reduzido agrave dicotomia avaliaccedilatildeo quantitativa versus avaliaccedilatildeo qualitativa Natildeo haacute empenho na formaccedilatildeo de professores como profissionais avaliadores que conheccedilam as teacutecnicas subjacentes aos processos avaliativos e agrave proacutepria constituiccedilatildeo dos itens5 Alguns autores (CASTRO 2011 LUCKESI 2011 MORETO 2014) chamam a atenccedilatildeo sobre o desconhecimento teacutecnico de professores embora reconheccedilam que uma das funccedilotildees docentes seja avaliar Ora se o item eacute um produto criado especialmente para avaliar por quais razotildees os professores desconhecem suas teacutecnicas

Via de regra natildeo existe formaccedilatildeo especiacutefica para a funccedilatildeo de avaliador faltam profissionais com essa formaccedilatildeo (VIANNA 2015)

5 Existem diferentes formatos de item Este trabalho ocupa-se do item de muacuteltipla escolha talvez o formato mais popular de item Em Lima (2018) satildeo descritos detalhadamente todos os formatos conhecidos de item Tese disponiacutevel em httpsrepositorioufmgbrhandle1843LETR-B8NF6X

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Essa eacute uma realidade que nas escolas se reflete em avaliaccedilotildees mal elaboradas ou em avaliaccedilotildees cujos resultados satildeo distorcidos seja por serem tecnicamente fragilizadas6 ou simplesmente por serem produto de concepccedilotildees equivocadas de avaliaccedilatildeo como instrumento de troca ou mesmo como instrumento de chantagem e tortura (DEMO 2010 MORETO 2014) Afinal quem nunca ouviu a sentenccedila ldquoSe vocecircs natildeo ficarem quietos vou fazer uma prova bem difiacutecil para vocecircs aprenderem a se comportarrdquo

Este capiacutetulo eacute destinado principalmente para os professores leitores que buscam criar suas proacuteprias avaliaccedilotildees (e seus proacuteprios itens) e para professores em processo de formaccedilatildeo As discussotildees abordam o item como gecircnero textual especializado (HOFFMANN 2015) Eacute importante realccedilar esse adjetivo ldquoespecializadordquo pois conforme seraacute mostrado adiante o item eacute criado em um contexto de conhecimentos especiacuteficos e eacute formado por padrotildees teacutecnicos Elaborar um bom item portanto pressupotildee conhecimento e apropriaccedilatildeo apurada das teacutecnicas Assim o objetivo do capiacutetulo eacute contribuir para o aperfeiccediloamento dessa tarefa de elaboraccedilatildeo

Para desenvolver essas discussotildees aleacutem desta Introduccedilatildeo o capiacutetulo estaacute dividido nas seguintes seccedilotildees a) A histoacuteria do item b) Item como gecircnero e como texto de especialidade c) Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas e) Consideraccedilotildees finais e f) Referecircncias Boa leitura com desejo de que este texto possa provocar reflexotildees sobre processos avaliativos nas escolas

2 A histoacuteria do item

A avaliaccedilatildeo concebida como ldquovaler dar valor ardquo (CUNHA 2010) eacute uma praacutetica muito antiga que talvez remonte agraves primeiras atividades do homem Com a descoberta do fogo por exemplo o homem pocircde categorizar o que estava ao seu redor entre aquilo

6 Avaliaccedilotildees tecnicamente fragilizadas podem levar ao ldquoerrordquo ou ldquoacertordquo ao acaso Sobre o tema sugiro a leitura de Anderson e Morgan (2008)

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que podia ser queimado contra aquilo que natildeo podia Para tanto ele observava comparava avaliava os efeitos do fogo sobre os objetos Da mesma forma ndash pouco importando se era um mito ou natildeo ndash conforme ironizo em Lima (2018) Eva ao aceitar comer o fruto da aacutervore do conhecimento precisou ponderar avaliar tomar decisotildees a respeito das instruccedilotildees que recebera do seu criador e das vantagens mostradas por sua amiga a serpente

O que se ganha o que se perde Qual a vantagem que haacute em agir desta ou daquela forma Como usar menos ou mais tempo para executar uma atividade Todas essas decisotildees satildeo tomadas apoacutes diversas reflexotildees apoacutes se ponderar e valorar cada um dos resultados possiacuteveis Isso eacute avaliaccedilatildeo Note o leitor que a avaliaccedilatildeo existe de modo independente das praacuteticas pedagoacutegicas que conhecemos A avaliaccedilatildeo assim natildeo eacute produto de reflexotildees educacionais mas ldquomigrardquo para o espaccedilo escolar e pedagoacutegico como migra tambeacutem para outras (senatildeo todas) esferas de atividade humana (LIMA 2018 PILETTI PILETTI 2012)

No ambiente escolar a avaliaccedilatildeo tambeacutem eacute uma praacutetica muito antiga que se iniciou com as primeiras experiecircncias educacionais aristoteacutelicas (PILETTI PILETTI 2012) Naquela eacutepoca os mestres faziam questionamentos capazes de provocar reflexotildees e tomadas de decisatildeo por parte dos aprendizes Tempos mais tarde com a invenccedilatildeo do papel com o surgimento de novos suportes textuais e com a proacutepria institucionalizaccedilatildeo da escola as praacuteticas avaliativas escolares comeccedilaram a ganhar novos contornos Foram institucionalizados os exames escolares muitos dos quais permanecem do mesmo modo como conhecemos hoje

Piletti e Piletti (2012) relembram que os exames jaacute eram praticados haacute pelo menos 1200 anos aC pelos chineses para seleccedilatildeo de funcionaacuterios puacuteblicos para cargos de alta patente o que significa dizer que os exames tambeacutem natildeo satildeo criaccedilatildeo das escolas No espaccedilo escolar tradicionalmente criou-se um fetiche ao redor do exame eacute comum a realizaccedilatildeo de ldquosemanas de provasrdquo

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ldquoreuniotildees para entrega de boletinsrdquo e outras accedilotildees semelhantes Haacute um lugar de destaque para a avaliaccedilatildeo como exame o que certamente causa efeitos colaterais como a pressatildeo psicoloacutegica e a competitividade (nem sempre sadia) dentre outros (ARREDONDO DIAGO 2009)

Somente durante o periacuteodo da Revoluccedilatildeo Industrial eacute que a avaliaccedilatildeo ganhou ares de cientificidade o que causou impactos nos exames escolares Nesse periacuteodo a Psicologia estava interessada em acessar e conhecer componentes da mente humana como a atenccedilatildeo e o proacuteprio desenvolvimento cognitivo Esses componentes precisavam de alguma forma serem medidos quantificados meacutetodos ateacute entatildeo natildeo utilizados na aacuterea A Psicologia se viu portanto forccedilada a buscar na Estatiacutestica esses paracircmetros de mediccedilatildeo Foi quando surgiu a Psicometria7 aacuterea responsaacutevel pelo estudo cientiacutefico ou objetivo da avaliaccedilatildeo (PASQUALI 2013)

A Revoluccedilatildeo Industrial modificou consideravelmente a estrutura social A produccedilatildeo em larga escala reduziu a manufatura Surgiram novas demandas novas profissotildees novas relaccedilotildees sociais e ateacute novos gecircneros textuais No campo da Psicologia ateacute entatildeo natildeo se fazia distinccedilatildeo entre doentes mentais e deficientes mentais Todos eram tratados da mesma forma o que incluiacutea a privaccedilatildeo de viver em sociedade e em muitos casos meacutetodos absurdos de tortura como atesta o claacutessico de Anastasi (1908) Essas praacuteticas natildeo condiziam com o novo modelo de sociedade progressista que estava em ascensatildeo

Foi nesse contexto que Esquirol (1838) um dos precursores da Psicometria criou testes para distinguir doentes mentais de deficientes mentais Ele comprovou que nos casos de doenccedila mental a linguagem se desenvolve o que natildeo se observa nos casos

7 A Psicometria eacute o ramo da Psicologia que se orienta agrave mediccedilatildeo dos processos psiacutequicos dentre os quais estaacute a aprendizagem Para tanto desenvolve estudos que permitem atribuir uma quantificaccedilatildeo aos seus resultados possibilitando a comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas psicoloacutegicas de diversas pessoas ou grupos de pessoas de forma objetiva

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de deficiecircncias da mente Seus testes criados a partir de forte conteuacutedo verbal (ANASTASI 1908) eram formados por unidades avaliativas discretas os chamados ldquoitens avaliativosrdquo que logo foram aplicados em diferentes campos da atividade humana como na proacutepria seleccedilatildeo de trabalhadores para as induacutestrias que estavam em franca expansatildeo agrave eacutepoca

Como se nota a Psicometria eacute uma aacuterea relativamente nova Seu surgimento ocorre pouco antes da segunda metade do seacuteculo XIX o que significa dizer que apesar de a avaliaccedilatildeo ser uma praacutetica bastante antiga o item eacute um produto relativamente recente Ele nasceu em um contexto especializado eacute historicamente situado e possui uma funccedilatildeo bastante marcada medir componentes mentais como o desenvolvimento cognitivo a aprendizagem Como jaacute colocado somente algumas deacutecadas depois de sua criaccedilatildeo o item migrou para as praacuteticas escolares

O item eacute produto de uma atividade especializada que surge para cumprir uma funccedilatildeo social bem definida Ele eacute usado em um contexto bastante especiacutefico Em pouco mais de um seacuteculo de existecircncia o item vem sendo tratado como ldquoinstrumento de avaliaccedilatildeordquo como comprovam diversas definiccedilotildees encontradas na literatura especializada Em meu trabalho de doutorado (LIMA 2018) levantei vasta bibliografia sobre o tema totalizando 43 obras situadas entre 1908 e 2015 na busca de uma definiccedilatildeo que considerasse a face verbal do item tratando-o como unidade textual ou mesmo como gecircnero textual Em nenhuma obra houve algo nesse sentido

Apesar de a literatura especializada natildeo considerar o item como texto ou gecircnero ele tem todos os componentes necessaacuterios para ser enquadrado nessas categorias Mas isso eacute assunto para a proacutexima seccedilatildeo que aborda tambeacutem o conceito de gecircnero textual de especialidade categoria de gecircneros na qual se encontra o item

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3 Item como gecircnero e como texto de especialidade

Foi Hoffmann (2015) linguista alematildeo quem desenvolveu um importante conceito para a Linguiacutestica das Linguagens Especializadas Segundo o autor existe uma ldquoclasse especialrdquo de gecircneros textuais que comporta conhecimentos especializados componente que distingue essa classe dos demais gecircneros O conhecimento especializado por sua vez estaacute associado a aspectos das linguagens cientiacuteficas eou profissionais Assim haacute gecircneros que circulam livremente em diferentes contextos mas haacute aqueles que satildeo especiacuteficos de situaccedilotildees especializadas aos quais Hoffmann denomina ldquogecircneros de especialidaderdquo categoria na qual o item se encaixa

Os gecircneros de especialidade se distinguem dos demais gecircneros natildeo apenas a partir das caracteriacutesticas das situaccedilotildees comunicativas de onde emanam mas tambeacutem a partir das caracteriacutesticas estruturais da linguagem (como terminologias desenhos logomarcas etc) Conforme atesta a histoacuteria do item ele estaacute situado no contexto da Psicometria aacuterea resultante da interseccedilatildeo de duas especialidades Ele natildeo existia antes do surgimento dessa aacuterea de conhecimento foi criado com um propoacutesito especiacutefico Desde seu surgimento o item conteacutem os trecircs elementos essenciais aos gecircneros (BAKHTIN 2003) a estrutura composicional o conteuacutedo temaacutetico e o estilo

No que diz respeito agrave estrutura composicional o item costuma apresentar trecircs partes distintas8 um texto de suporte um comando e as alternativas de resposta O texto de suporte (geralmente um fragmento) conteacutem informaccedilotildees relevantes para a contextualizaccedilatildeo do item Como texto de suporte podem ser utilizados quaisquer textos receitas tirinhas mapas graacuteficos tabelas piadas e assim

8 Talvez essas partes possam ser gecircneros ou subgecircneros Ainda eacute necessaacuterio pesquisar a respeito

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por diante Eacute claro que o conteuacutedo do texto de suporte deve estar adequado ao puacuteblico ao qual o item se destina bem como precisa estar relacionado com o que se pretende avaliar

Quanto ao comando do item trata-se da parte que corresponde agrave instruccedilatildeo que eacute dada ao avaliando Eacute por meio do comando que o avaliando saberaacute como agir diante da situaccedilatildeo-problema a que eacute exposto Isso quer dizer que um comando mal formulado pode natildeo orientar ou pode ainda causar problemas interpretativos capazes de impactar negativamente nos resultados da avaliaccedilatildeo Finalmente as alternativas de resposta satildeo opccedilotildees (geralmente quatro ou cinco) que aparecem no item logo apoacutes o comando Cabe ao avaliando indicar aquela mais adequada a que ele julga ser a alternativa correta A Figura 1 apresenta essas partes da estrutura composicional do item

Figura 1 Partes que compotildeem o item

ALBUQUERQUE M M REIS A C F CARVALHO C D Atlas histoacuterico escolar Rio de Janeiro Fename 1977 (Adaptado)

TEXTO DE SUPORTE

Nos Estados Unidos durante o seacuteculo XIX tal como representada no mapa a relaccedilatildeo entre territoacuterio e naccedilatildeo foi reconfigurada por uma poliacutetica que

COMANDO

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A transferiu as populaccedilotildees indiacutegenas para territoacuterios de fronteira anexados protegendo a cultura protestante dos migrantes fundadores da naccedilatildeo norte-americana

B respondeu agraves ameaccedilas europeias pelo fim da escravidatildeo integrando a populaccedilatildeo de escravos ao projeto de expansatildeo por meio da doaccedilatildeo de terras

C assinou acordo com paiacuteses latino-americanos ajudando na reestruturaccedilatildeo da economia desses paiacuteses apoacutes suas independecircncias

D projetou o avanccedilo de populaccedilotildees excedentes para aleacutem da faixa atlacircntica reformulando fronteiras para o estabelecimento de um paiacutes continental

D instalou manufaturas nas aacutereas compradas e anexadas visando utilizar a matildeo de obra barata das posiccedilotildees em tracircnsito

ALTERNATIVAS DE RESPOSTA

Fonte ENEM 2016 1ordm dia Ciecircncias Humanas Caderno 1 Azul p 2

No que diz respeito ao conteuacutedo temaacutetico o item em contexto escolar estaacute associado aos componentes curriculares tradicionalmente conhecidos como Matemaacutetica Biologia Quiacutemica etc O tema estaacute relacionado ao assunto que eacute tratado no item o que se verifica por meio da linguagem utilizada em sua constituiccedilatildeo Haacute uso de recursos lexicais especiacuteficos e ateacute mesmo de gravuras desenhos dentre outros Por exemplo no item da Figura 1 aleacutem do mapa como texto de suporte haacute as expressotildees ldquoEstados Unidosrdquo ldquomapardquo ldquoterritoacuteriordquo ldquonaccedilatildeordquo dentre outras que auxiliam no reconhecimento de temas relacionados agrave geografia Como se nota no item o tema eacute em grande parte identificado por estruturas linguiacutesticas usadas em sua formulaccedilatildeo9

No que diz respeito ao estilo ele estaacute relacionado com as escolhas individuais dos produtores dos textos No caso do item

9 Em Lima (2018) argumenta-se sobre a existecircncia de trecircs categorias lexicais que compotildeem os itens leacutexico de liacutengua geral leacutexico de especialidade e leacutexico de gecircnero O primeiro grupo corresponde agraves palavras que ocorrem em qualquer texto da liacutengua (grupo formado pelas chamadas ldquopalavras gramaticaisrdquo) O segundo grupo eacute formado por palavras e expressotildees equivalentes aos conceitos das aacutereas avaliadas (terminologias e fraseologias especializadas) Quanto ao terceiro grupo comporta palavras e expressotildees que satildeo proacuteprias da constituiccedilatildeo do gecircnero item (como eacute o caso de ldquoalternativardquo ldquolacunardquo ldquocolunardquo etc)

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por se tratar de um produto especializado haacute uma flexibilidade menor Em outras palavras ainda que tenham liberdade para fazer suas escolhas os produtores dos itens dispotildeem de um conjunto limitado de recursos para desenvolverem novos itens

Os itens satildeo criados para atender a uma demanda especiacutefica promover a avaliaccedilatildeo Cada item em particular possibilita verificar se o avaliando possui (ou natildeo) determinadas habilidades mentais Nessa perspectiva de gecircnero de especialidade cada item corresponde a uma unidade textual especializada Como ocorre com os demais gecircneros elaborar criar e redigir um item pressupotildee conhecimentos especiacuteficos sobre o proacuteprio gecircnero item

Para Kress (1995) a noccedilatildeo de texto pode ser estendida a formas sistemaacuteticas e convencionais de comunicaccedilatildeo Um texto eacute portanto algo que comunica e que pode ser formado por vaacuterios modos semioacuteticos como imagens e sons Essa noccedilatildeo pode entatildeo chegar agrave multimodalidade na qual se incluem recursos linguiacutesticos natildeo linguiacutesticos e mistos Para o autor com o advento de materiais digitais multimiacutedias e interacionais a ressignificaccedilatildeo do conceito de texto como objeto multimodal se faz cada vez mais pertinente Nessa perspectiva os itens satildeo textos mesmo aqueles formados apenas por recursos natildeo linguiacutesticos ou apenas por recursos linguiacutesticos ou mesmo por ambos

Quanto agraves caracteriacutesticas dos textos de especialidade Hoffmann (2005) aponta que elas natildeo fogem daquelas de um texto comum Isso quer dizer que essa concepccedilatildeo de texto multimodal pode ser transposta para o conceito de texto de especialidade O autor poreacutem diz que o texto de especialidade apresenta restriccedilotildees relativas agrave especialidade agrave qual se vincula (e eacute exatamente nesse aspecto que o texto comum se difere do especializado) e por isso eacute frequentemente mais limitado mais riacutegido uma vez que a comunicaccedilatildeo teacutecnico-cientiacutefica apresenta padrotildees mais especiacuteficos de linguagem o que claramente se confirma quanto aos estilos empregados nos itens Essa caracteriacutestica se reflete

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em uma linguagem enxuta objetiva sem marcas de pessoalidade Diante do exposto eacute possiacutevel formular esta definiccedilatildeo de item

Gecircnero textual de especialidade constituiacutedo por uma seacuterie de princiacutepios teacutecnicos proacuteprios da avaliaccedilatildeo da aprendizagem escolar Um item corresponde a uma unidade textual discreta capaz de constituir provas testes exames de modo a instrumentalizar a coleta de informaccedilotildees sobre aprendizagem escolar ou a afericcedilatildeo dos conhecimentos adquiridos ou desenvolvidos pelo avaliando (LIMA 2018 p 53)

Assim para elaborar bons itens eacute necessaacuterio conhecimento de suas teacutecnicas assunto para a seccedilatildeo seguinte

4 Itens algumas orientaccedilotildees teacutecnicas

As orientaccedilotildees teacutecnicas para elaboraccedilatildeo de itens satildeo resultado de pesquisas na aacuterea de Psicometria e mesmo da proacutepria Linguiacutestica Essas orientaccedilotildees estatildeo relacionadas a aspectos da composiccedilatildeo das partes discretas que compotildeem o gecircnero e que jaacute foram apresentadas neste capiacutetulo Satildeo orientaccedilotildees sobre o texto de suporte sobre o comando e sobre as alternativas de resposta Aqui apresento um apanhado das principais orientaccedilotildees teacutecnicas legitimadas por diferentes autores como Baquero (1974) Grounlund (1974) Medeiros (1983) e Anderson e Morgan (2008)

a) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o texto de suporte

A necessidade de adaptaccedilatildeo de textos em funccedilatildeo do perfil do puacuteblico preferencial a que os textos se destinam natildeo eacute novidade nos estudos da linguagem No que diz respeito ao item deve haver a maacutexima atenccedilatildeo na escolha do texto de suporte Ele precisa conter informaccedilotildees suficientes para a problematizaccedilatildeo proposta no item Qualquer informaccedilatildeo que natildeo esteja relacionada ao que se avalia deve ser eliminada o que contribui para a objetividade do gecircnero

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O gecircnero a que pertence o texto de suporte tambeacutem deve ser considerado De nada adianta utilizar como texto de suporte um gecircnero que seja desconhecido para um determinado puacuteblico com o objetivo de avaliar esse puacuteblico Os gecircneros dos textos de suporte devem ser condizentes com o repertoacuterio de conhecimentos dos avaliandos Na mesma direccedilatildeo o assunto dos textos de suporte precisa ser minuciosamente observado para evitar polecircmicas como a ocorrida em 2012 no Instituto Federal do Espiacuterito Santo (IFES)

No processo seletivo para estudantes do Ensino Meacutedio Integrado do IFES (grupo formado por alunos que tecircm em meacutedia 14 anos) realizado em 2012 houve um texto de suporte polecircmico tratava-se de um item de Liacutengua Portuguesa que versava sobre os perigos da propaganda Ateacute aiacute nada demais a natildeo ser um pequeno detalhe o texto de suporte fazia uma clara apologia agrave praacutetica de sexo oral como mostra a Figura 2

Figura 2 Texto de suporte polecircmico em avaliaccedilatildeo do IFES

Fonte httpsgoogl3Zs3wZ Acesso em 25 mar 2018 Adaptado

Na eacutepoca o caso ganhou os noticiaacuterios A sociedade de modo geral externalizou profundo desagrado com o ocorrido alegando inadequaccedilatildeo do texto na prova de seleccedilatildeo Considerando o contexto avaliativo do IFES o texto de suporte era de fato inadequado o que natildeo quer dizer que ele natildeo pudesse ocorrer em outros itens de outros processos avaliativos Descuido Desinformaccedilatildeo Nesse caso faltou observar orientaccedilotildees teacutecnicas

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que recomendam a utilizaccedilatildeo de textos de suporte adequados ao puacuteblico destinataacuterio

b) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre o comando

A denominaccedilatildeo ldquocomandordquo eacute autossugestiva Com a funccedilatildeo de ldquocomandarrdquo o avaliando essa parte do item precisa conter todas as informaccedilotildees necessaacuterias para que o avaliando saiba como agir diante do item Trata-se de uma instruccedilatildeo formada por caracteriacutesticas injuntivas como verbos de accedilatildeo como ldquoassocierdquo ldquorelacionerdquo e ldquopreenchardquo por exemplo Apesar dessa orientaccedilatildeo natildeo satildeo raros os itens cujos comandos natildeo comandam por mais estranho que isso possa parecer Eacute o que ocorre neste exemplo da Figura 3 retirado do vestibular 2019 do Instituto Federal de Minas Gerais

Figura 3 Item com comando insuficiente

Leia o texto a seguir

Documento do Matuto

Sol escaldante

A terra seca

E a sede de lascaacute

Sem ter jeito praacute vivecirc

Com dez fio praacute criaacute

Foi por isso seu moccedilo

Que eu saiacute em busca

De outro lugar

E com laacutegrimas nos oacuteio

Eu deixei meu torratildeo nata

Eu vim procurar trabalho

Natildeo foi riqueza que eu vim buscar

Peccedilo a Deus vida e sauacutede

Praacute famiacutelia pudecirc sustentaacute

Seu moccedilo o documento

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Que eu tenho pra mostraacute

Satildeo essas matildeo calejada

E a vonta de trabaiaacute

GONZAGA Luiz Disponiacutevel em httpswwwletrasmusbrluiz-gonzaga1561254 Acesso em 3 out 2018

A linguagem usada na canccedilatildeo

A) caracteriza o eu liacuterico como uma pessoa idosa pois o vocabulaacuterio empregado eacute proacuteprio dessa faixa etaacuteria

B) inferioriza a fala do caipira ao utilizar inuacutemeros vocaacutebulos e construccedilotildees verbais que ferem a norma culta padratildeo

C) poderia ser substituiacuteda pela variedade da norma culta padratildeo sem prejuiacutezo agrave expressividade da canccedilatildeo

D) reproduz um jeito de falar tiacutepico de uma regiatildeo e classe social que contribuiu para a marcaccedilatildeo do ritmo da canccedilatildeo

Fonte httpsbitly2GROza4 Acesso em 7 ago 2019

Observe que o suposto comando ldquoA linguagem usada na canccedilatildeordquo natildeo deixa claro o que deve ser analisado no item Eacute um comando que natildeo cumpre a funccedilatildeo de orientar procedimentos

Resolver esse problema pode ser tarefa simples desde que o elaborador do item saiba que eacute necessaacuteria a ocorrecircncia de pelo menos uma forma verbal no comando Assim o problema seria eliminado com uma nova redaccedilatildeo10 como ldquoQue caracteriacutestica predomina na linguagem utilizada na canccedilatildeordquo

Cumpre apontar que haacute diferentes tipos de item de muacuteltipla escolha Essas diferenccedilas satildeo perceptiacuteveis principalmente pelo modo como os comandos satildeo elaborados Haacute pelo menos nove tipos de itens de muacuteltipla escolha quais sejam afirmativa incompleta alternativas constantes asserccedilatildeo e razatildeo foco negativo interrogativa direta lacuna ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo resposta muacuteltipla e associaccedilatildeo

10 Obviamente outras adequaccedilotildees podem ser necessaacuterias principalmente nas alternativas de resposta

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bull Item de afirmativa incompleta

O item de afirmativa incompleta (Figura 4) eacute caracterizado por um comando afirmativo que consiste em um enunciado incompleto relacionado a algum aspecto do texto de suporte Por causa dessa relaccedilatildeo com o texto de suporte o comando nesse tipo de item eacute bastante variaacutevel e imprevisiacutevel A uacutenica caracteriacutestica previsiacutevel desse tipo de item satildeo as afirmativas incompletas que devem estar coerentemente relacionadas com cada uma das alternativas de resposta possiacutevel complemento para esse ldquocomando incompletordquo

Figura 4 Item de afirmativa incompleta

Esta eacute uma tirinha da Mafalda

Disponiacutevel em httpsgooglw2mhzw Acesso em 8 jun 2017

De acordo com o contexto da tirinha o inquilino da Mafalda sugeriu que ela

A) comprasse balas com o dinheiro que sobrou do patildeo

B) devolvesse todo o troco que ela recebeu da padaria

C) ficasse satisfeita mesmo sem ter comprado as balas

D) tivesse dor na consciecircncia por ter enganado a matildee

Fonte Lima (2018 p 72)

bull Item de alternativas constantes

O item de alternativas constantes (Figura 5) eacute utilizado quando se deseja avaliar um nuacutemero significativo de dados classificando-os em Certo ou Errado Verdadeiro ou Falso Pertinente ou Impertinente A expressatildeo ldquoClassifique como (V) Verdadeiras ou (F) Falsasrdquo eacute tipicamente encontrada nesse tipo de item

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Figura 5 Item de alternativas constantes

Esta eacute uma tirinha da turma do Peanuts

Disponiacutevel em httpsgooglPNCkEP Acesso em 8 jun 2017

Sobre a tirinha foram feitas algumas afirmaccedilotildees Classifique-as como (V) Verdadeiras ou (F) Falsas

( ) Os personagens possuem predileccedilotildees relacionadas aos gecircneros textuais

( ) Uma das falas da tirinha corresponde ao que se entende por ldquohipoacuteteserdquo

( ) Todos os balotildees da tira tecircm o objetivo de indicar a fala dos personagens

( ) Infere-se que a uacuteltima fala da tirinha corresponda ao tiacutetulo de uma notiacutecia

A sequecircncia correta de classificaccedilatildeo de cima para baixo eacute

A) (F) (V) (V) (F)

B) (F) (F) (F) (V)

C) (V) (F) (V) (F)

D) (V) (V) (F) (V)

Fonte Lima (2018 p 71)

bull Item asserccedilatildeo e razatildeo

O item de asserccedilatildeo e razatildeo (Figura 6) eacute caracterizado por apresentar duas afirmativas que podem ser verdadeiras ou falsas assim como podem ou natildeo estabelecer relaccedilotildees de significado entre si (causa e efeito fato e explicaccedilatildeo fato e consequecircncia etc) Esse tipo de item eacute recomendado para avaliar capacidades cognitivas complexas pois aleacutem de o avaliando ser solicitado a verificar a veracidade das afirmativas ele precisa demonstrar conhecimento sobre o significado de operadores argumentativos

O comando desse tipo de item eacute bastante previsiacutevel pois relaciona-se com a veracidade das asserccedilotildees feitas Em geral satildeo

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perguntas formadas por interrogativas diretas questionando qual das afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees As alternativas de resposta evocam muitas interpretaccedilotildees exigindo anaacutelise e concentraccedilatildeo do avaliando de modo que itens de asserccedilatildeo e razatildeo devem ser aplicados em avaliandos mais experientes

Figura 6 Item de asserccedilatildeo e razatildeo

TEXTO I

Segunda-feira natildeo eacute faacutecil para ningueacutem Mas cochilar no trabalho pode natildeo pegar muito bem Para lutar contra o sono no meio do expediente muita gente apela para aquele cafeacute extraforte ou qualquer variaccedilatildeo desta bebida Se vocecirc se identificou pode ser que se enquadre nesta lista de profissionais que mais precisam da ajuda do cafeacute para chegar acordados ao fim do dia

A lista eacute o resultado de uma pesquisa feita com 4700 trabalhadores norte-americanos entre agosto e setembro Confira a lista Cientistas e teacutecnicos de laboratoacuterios Profissionais de marketing e relaccedilotildees puacuteblicas Administradores de instituiccedilotildees de ensino Escritores e jornalistas Meacutedicos Cozinheiros Professores Trabalhadores autocircnomos braccedilais (encanadores carpinteiros etc)

Disponiacutevel em httpsgooglnAXTCy Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

TEXTO II

Estaacute cheio de motorista e baladeiro por aiacute que toma cafeacute com refrigerante agrave base de cola para varar uma noite acordado A crenccedila eacute de que misturando duas bebidas com alta concentraccedilatildeo de cafeiacutena o sono vai embora Mas quem disse que haacute tanta cafeiacutena assim nessa mistura

Uma lata do refrigerante segundo o fabricante tem algo entre 30 e 60 mg de cafeiacutena Jaacute uma xiacutecara de cafeacute apresenta entre 25 e 50 mg Agora faccedila as contas somando as duas doses vocecirc estaraacute ingerindo no maacuteximo 110 mg de cafeiacutena ndash pouco para espantar o sono de algueacutem Ateacute 400 mg por dia o consumo eacute considerado apenas moderado Portanto natildeo eacute uma xicarazinha de cafeacute com uma lata de refrigerante agrave base de cola que vatildeo ajudaacute-lo a passar uma noite inteira em claro

Disponiacutevel em httpgooglP5HFt Acesso em 27 jul 2017 Adaptado

Sobre os textos foram feitas estas asserccedilotildees

ASSERCcedilAtildeO 1 Os dois textos tratam do mesmo tema e defendem o mesmo ponto de vista

PORQUE

ASSERCcedilAtildeO 2 ambos defendem o consumo do cafeacute como estimulante contra o sono

Qual destas afirmativas estaacute adequada sobre as asserccedilotildees

A) A asserccedilatildeo 1 estaacute correta no entanto a asserccedilatildeo 2 estaacute incorreta

B) A relaccedilatildeo entre as asserccedilotildees estaacute incorreta poreacutem elas natildeo estatildeo

C) As asserccedilotildees estatildeo corretas logo a relaccedilatildeo entre elas tambeacutem estaacute

D) As asserccedilotildees estatildeo incorretas independentemente de sua relaccedilatildeo

Fonte Lima (2018 p 74)

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bull Item de foco negativo

Esse tipo de item eacute formado por vaacuterias alternativas na afirmativa e apenas uma delas relaciona-se coerentemente a algum aspecto negativo expresso no comando (Figura 7) Esse tipo de item natildeo eacute recorrente nos bancos de item pois sua elaboraccedilatildeo exige rigor teacutecnico apurado para natildeo orientar a busca pelo destoante que nem em todos os contextos significa avaliar conhecimento mas que pode enfatizar a busca pelo erro A educaccedilatildeo deve priorizar a busca pelo conhecimento natildeo pela ausecircncia dele Assim esse item eacute elaborado em casos em que realmente o conhecimento a ser avaliado implica na busca de algo com foco negativo o que nem sempre eacute claro para os elaboradores Casos em que o comando indica algo semelhante a ldquoMarque a alternativa INCORRETArdquo ou ldquoSobre o texto NAtildeO eacute correto afirmar querdquo satildeo claacutessicos exemplos de um item de foco no errado no destoante e natildeo no negativo

Figura 7 Item com foco negativo

Esta eacute uma notiacutecia que circulou na internet

Composto de uva pode combater doenccedila de Chagas

O resveratrol eacute um antioxidante encontrado na uva e utilizado como suplemento alimentar pela capacidade de produzir benefiacutecios cardiacuteacos semelhantes aos causados pela praacutetica de atividades fiacutesicas Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Oswaldo Cruz acreditam que a substacircncia tambeacutem possa ajudar o coraccedilatildeo de pacientes com doenccedila de Chagas Os efeitos foram detectados em ratos e detalhados na ediccedilatildeo de ontem da revista Plos Pathogens

Baseado em evidecircncias de que o protozoaacuterio causador da doenccedila de Chagas danifica o coraccedilatildeo por meio de estresse oxidativo o grupo de cientistas testou se o resveratrol poderia combater essa condiccedilatildeo No estudo ratos foram infectados com o parasita e desenvolveram rapidamente a fase crocircnica da doenccedila caracterizada pelos danos cardiacuteacos Os pesquisadores trataram as cobaias com resveratrol e monitoraram o coraccedilatildeo delas usando eletro e ecocardiogramas

Disponiacutevel em httpsgoogly6wbBM Acesso em 8 jun 2017 Adaptado

De acordo com o texto os cientistas NAtildeO tecircm certeza de que

A) a doenccedila de Chagas pode ser combatida pelo composto de uva

B) as cobaias precisam de tratamento com eletro e ecocardiogramas

C) o resveratrol pode ser usado como um suplemento na alimentaccedilatildeo

D) os ratos satildeo os hospedeiros do protozoaacuterio da doenccedila de Chagas

Fonte Lima (2018 p 69)

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No exemplo o foco negativo natildeo recai sobre o erro mas sobre um aspecto interpretativo do texto A partir de uma notiacutecia sobre a possibilidade de um composto de uva auxiliar no tratamento da doenccedila de Chagas o comando orienta a interpretaccedilatildeo do avaliando sobre as incertezas (foco negativo) dos cientistas em suas pesquisas Natildeo haacute entre as alternativas uma seacuterie de respostas corretas e apenas uma incorreta que deveria ser indicada pelo avaliando Ao contraacuterio haacute quatro respostas plausiacuteveis sendo que a correta eacute orientada por uma negaccedilatildeo

Em itens de foco negativo o comando deve conter sempre uma palavra de foco negativo como ldquonuncardquo ldquonatildeordquo ldquoexcetordquo

bull Item de interrogativa direta

Esse tipo de item eacute o que comporta o que se compreende por questatildeo ou seja uma pergunta diretamente formulada com a interrogaccedilatildeo expliacutecita no comando (Figura 8) Eacute um tipo de item bastante recorrente em processos avaliativos Esse tipo de item eacute formulado a partir de alternativas de resposta iniciadas por letras maiuacutesculas exatamente porque satildeo precedidas de uma interrogaccedilatildeo As alternativas nesse tipo de item natildeo completam o comando mas o respondem diretamente como uma nova sentenccedila

Figura 8 Item de interrogativa direta

Quem inventou o sanduiacuteche

Hoje mundialmente popular o sanduiacuteche foi inventado em uma mesa de bridge da Inglaterra no ano de 1762 John Edward Montague o 4ordm conde de Sandwich gostava tanto de jogar que natildeo parava nem para comer Refeiccedilotildees com garfo e faca poderiam prejudicar sua concentraccedilatildeo Por isso certo dia pediu que sua carne fosse servida entre dois pedaccedilos de patildeo Dessa forma Montague poderia comer com uma das matildeos e continuar jogando com a outra Natildeo demorou muito para que os conhecidos do conde pedissem ldquoo mesmo que o Sandwichrdquo e foi assim que o prato ganhou popularidade

A cidade de Sandwich no condado inglecircs de Kent preparou uma festa em 2012 para celebrar o aniversaacuterio de 250 anos da iguaria Sendo a praticidade uma qualidade cada vez mais valorizada nos dias de hoje o consumo de sanduiacuteches natildeo para de crescer eacute a opccedilatildeo de almoccedilo de 75 dos britacircnicos A induacutestria de sanduiacuteche do Reino Unido emprega hoje 300 mil pessoas (mais que o agronegoacutecio) e vende 3 bilhotildees de unidades anuais

Disponiacutevel em httpsgooglXyArZW Acesso em 17 jul 2017 Adaptado

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De acordo com o texto por qual motivo o sanduiacuteche eacute uma refeiccedilatildeo praacutetica

A) Por movimentar um grande sistema de produccedilatildeo e consumo

B) Por ser possiacutevel comecirc-lo utilizando apenas uma das matildeos

C) Por ter sido inventado por um homem viciado em jogos

D) Por transformar-se em um prato popular em toda a Europa

Fonte Lima (2018 p 70)

O comando nesse tipo de item eacute bastante imprevisiacutevel pois se relaciona muitas vezes com o conteuacutedo do texto de suporte A uacutenica previsibilidade que recai sobre ele eacute o fato de ser necessariamente uma interrogativa direta Nesse exemplo para responder agrave interrogativa o avaliando deve reconhecer no texto que Montague queria fazer sua refeiccedilatildeo sem parar de jogar Para isso solicitou carne entre dois pedaccedilos de patildeo Isso era praacutetico pois ele poderia comer com uma das matildeos e jogar com a outra

bull Item de lacuna

O item de lacuna (Figura 9) eacute caracterizado pela existecircncia de ldquoespaccedilosrdquo (lacunas) em frases ou textos que devem ser preenchidos pelo avaliando que indica as opccedilotildees de preenchimento oferecidas pelo elaborador do item O exemplo da Figura 9 foi elaborado a partir de um texto de suporte verbete de dicionaacuterio do qual foram retiradas palavras gerando essas lacunas

Figura 9 Item de lacuna

O Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss apresenta estas definiccedilotildees para ldquopratordquo

substantivo masculino

1 de louccedila metal etc ger circular e cocircncava em que se serve comida

2 Derivaccedilatildeo por metoniacutemia

conteuacutedo de um prato (acp 1)

3 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

conjunto de ingredientes preparado de determinada maneira _____

Ex pratos da cozinha japonesa

4 Derivaccedilatildeo por extensatildeo de sentido

cada uma das preparaccedilotildees culinaacuterias servidas numa ______ entre a sopa e a sobremesa

5 qualquer ______ de maacutequina que lembre um prato

E os p de uma balanccedila

Dicionaacuterio Eletrocircnico Houaiss Verbete Prato Adaptado

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As palavras que completam coerentemente as lacunas satildeo respectivamente

A) Iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash iguaria

B) Peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo

C) Refeiccedilatildeo ndash peccedila ndash utensiacutelio ndash iguaria

D) Utensiacutelio ndash iguaria ndash refeiccedilatildeo ndash peccedila

Fonte Lima (2018 p 73)

bull Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

O item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo (Figura 10) eacute aquele que apresenta uma seacuterie de elementos que devem ser ordenados de acordo com algum criteacuterio As alternativas de resposta correspondem a possiacuteveis organizaccedilotildees desses elementos As palavras ldquoorganizaccedilatildeordquo e ldquoordenaccedilatildeordquo e seus derivados comumente estatildeo presentes no comando desse tipo de item o que aponta a certa previsibilidade do comando No exemplo foi utilizado um texto de suporte sobre contos de fada Note que para resolver esse item o avaliando precisa compreender as sequecircncias coesivas que tecem a progressatildeo textual

Figura 10 Item de ordenaccedilatildeo ou seriaccedilatildeo

Estes trechos foram retirados de um texto chamado ldquoA origem dos contos de fadardquo

(I) Posteriormente os Irmatildeos Grimm e o dinamarquecircs Hans Christian Andersen deram segmento agrave proposta de Charles Perrault com narrativas mais suaves cujos desfechos culminavam em uma ldquomoral da histoacuteriardquo

(II) Isso porque hoje respeitamos e conhecemos o significado da palavra infacircncia e porque haacute algum tempo alguns escritores como o francecircs Charles Perrault adaptaram alguns contos para que eles pudessem ser mais bem aceitos pela sociedade

(III) Para citarmos um exemplo de como os contos foram modificados na histoacuteria ldquoCachinhos Douradosrdquo a menina que invade a casa de trecircs ursinhos e mexe em todas as coisas deles natildeo existia a personagem na verdade era uma raposa que ao final era jogada pela janela

(IV) No comeccedilo os contos ainda natildeo eram de fadas As histoacuterias originais pouco lembram as histoacuterias que conhecemos hoje e em sua maioria apresentavam enredos assustadores que dificilmente fariam sucesso nos tempos atuais

Disponiacutevel em httpescolakidsuolcombra-origem-dos-contos-de-fadashtm Acesso em 17 jul 2014 Adaptado

Para tornar o texto coerente como devem ser organizadas suas partes

A) (I) ndash (III) ndash (IV) ndash (II) B) (II) ndash (I) ndash (III) ndash (IV)

C) (III) ndash (IV) ndash (II) ndash (I) D) (IV) ndash (II) ndash (I) ndash (III)

Fonte Lima (2018 p 75)

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bull Item de resposta muacuteltipla

O item de resposta muacuteltipla (Figura 11) apresenta de trecircs a cinco afirmaccedilotildees sobre um assunto Essas afirmaccedilotildees podem ser corretas ou incorretas Cabe ao avaliando analisaacute-las e indicar o agrupamento de afirmaccedilotildees corretas Cada agrupamento corresponde a uma alternativa de resposta Esse tipo de item possui a vantagem de poder abordar diferentes toacutepicos sobre o mesmo tema

O comando nesse tipo de item eacute bastante previsiacutevel dada sua orientaccedilatildeo de anaacutelise para a pertinecircncia de afirmaccedilotildees muitas vezes relacionadas a um texto de suporte Assim satildeo comuns estruturas semelhantes a ldquoAnalise as afirmaccedilotildeesrdquo ldquoAnalise as afirmativasrdquo ldquoEstatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo e ldquoSatildeo corretas as afirmaccedilotildeesrdquo

As alternativas de resposta satildeo formadas a partir da numeraccedilatildeo previamente atribuiacuteda a cada uma das afirmaccedilotildees que satildeo objeto de anaacutelise O exemplo um item de Liacutengua Portuguesa parte de uma tirinha com material linguiacutestico que caracteriza regionalismo ambiguidade tipos de discurso e norma-padratildeo Esses toacutepicos satildeo objetos de avaliaccedilatildeo e estatildeo representados no item pelos numerais I II III e IV respectivamente

Figura 11 Item de resposta muacuteltipla

Esta eacute uma tirinha do Guri de Uruguaiana

Disponiacutevel em httpsgooglbdbgYy Acesso em 9 jun 2017

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Analise estas quatro afirmaccedilotildees sobre a tirinha

I ndash Haacute pelo menos um exemplo de regionalismo na fala do personagem

II ndash O duplo sentido da palavra ldquomalhaccedilatildeordquo causa o efeito de humor da tira

III ndash A fala do primeiro quadrinho apresenta um exemplo de discurso indireto

IV ndash O uso do verbo ldquoassistirrdquo no segundo quadro eacute proacuteprio do Portuguecircs padratildeo

Estatildeo corretas APENAS as afirmaccedilotildees

A) I II e IV B) II e IV C) III e IV D) I II e III

Fonte Lima (2018 p 77)

bull Item de associaccedilatildeo

O item de associaccedilatildeo (Figura 12) eacute constituiacutedo por elementos que por possuiacuterem relaccedilatildeo combinatoacuteria podem ser associados O item a seguir associado agrave capacidade de reconhecimento dos processos de formaccedilatildeo de palavras foi organizado em duas colunas que devem ser associadas

Figura 12 Item de associaccedilatildeo

A primeira coluna enumera processos de formaccedilatildeo de palavras A segunda coluna apresenta palavras formadas por esses processos Associe a segunda coluna de acordo com a primeira

PROCESSOS PALAVRAS

(1) derivaccedilatildeo sufixal ( ) desalmado

(2) derivaccedilatildeo prefixal ( ) preconceito

(3) derivaccedilatildeo prefixal e sufixal ( ) desempregado

(4) derivaccedilatildeo parassinteacutetica ( ) prensado

A associaccedilatildeo correta de cima para baixo eacute

A) (2) ndash (2) ndash (4) ndash (2) B) (2) ndash (3) ndash (1) ndash (3)

C) (3) ndash (4) ndash (3) ndash (1) D) (4) ndash (2) ndash (3) ndash (1)

Fonte Lima (2018 p 78)

A ldquoordem de classificaccedilatildeordquo e a ldquoassociaccedilatildeo corretardquo satildeo expressotildees tiacutepicas nos comandos de itens desse tipo o que lhes confere certa previsibilidade Predominam nesse tipo de item

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abordagens relacionadas a classificaccedilotildees e taxionomias o que nem sempre estaacute de acordo com as teorias educacionais vigentes

No item do exemplo o conhecimento sobre os processos de formaccedilatildeo pode ser visto (ou mesmo criticado) por ser conhecimento enciclopeacutedico Itens desse tipo com abordagem interpretativo-textual podem ser elaborados desde que haja textos de suporte mais extensos (o que oferece possibilidades de classificaccedilotildees mais aplicadas como trechos com ironia com linguagem denotativa ou conotativa variaccedilotildees linguiacutesticas etc) algo que nem sempre eacute recomendaacutevel nos itens11

c) Orientaccedilotildees teacutecnicas sobre as alternativas de resposta

Chama-se ldquoalternativas de respostardquo o conjunto de opccedilotildees que o avaliando dispotildee Ele deve indicar a ldquoresposta corretardquo As demais alternativas satildeo chamadas de ldquodistratoresrdquo Sua funccedilatildeo eacute ldquodistrairrdquo o avaliando desde que isso se decirc de modo plausiacutevel ou seja cada distrator deve ser potencialmente uma resposta correta Sobre as alternativas de resposta o paralelismo eacute a principal orientaccedilatildeo teacutecnica Ele eacute compreendido como um padratildeo harmocircnico ou homogecircneo entre as alternativas de resposta e estaacute relacionado agrave estrutura e ao significado dessas opccedilotildees Satildeo chamados de paralelismo gramatical paralelismo de conteuacutedo e paralelismo de extensatildeo

bull Paralelismo gramatical

Chama-se ldquoparalelismo gramaticalrdquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha por meio de um padratildeo gramatical homogecircneo Sua funccedilatildeo eacute garantir que natildeo haja alternativa(s) destoante(s) gramaticalmente a ponto

11 Eacute importante dizer que o professor avaliador pode a partir de um texto base uacutenico e mais extenso elaborar itens de diversos tipos e formatos o que incluiria o item de associaccedilatildeo com abordagem discursiva Em casos de itens de bancos de avaliaccedilatildeo externa a recomendaccedilatildeo eacute a utilizaccedilatildeo de textos de suporte menores o que limita a possibilidade de itens de associaccedilatildeo com abordagens menos tradicionais

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de resultar no acerto ou no erro do item ao acaso Esse tipo de paralelismo relaciona-se com os aspectos da liacutengua padratildeo como concordacircncia verbo-nominal coordenaccedilotildees subordinaccedilotildees etc Por exemplo natildeo teraacute atendido ao criteacuterio do paralelismo gramatical o item que apresentar trecircs alternativas de resposta iniciadas por palavras no singular e apenas uma iniciada no plural Para alterar essa condiccedilatildeo basta que todas as alternativas estejam no singular ou todas estejam no plural ou metade esteja no singular e metade esteja no plural Isso vale para qualquer estrutura gramatical usada nas alternativas de resposta

Figura 13 Item sem paralelismo gramatical

Considere esta tirinha da Mafalda

Disponiacutevel httpsgooglZh6WmE Acesso em 18 jul 2017

Mafalda iniciou a leitura de ldquoO Pequeno Polegarrdquo porque

A) era necessaacuterio desenvolver haacutebitos de leitura desde a infacircncia

B) pensava que beijar sempre fosse adequado em qualquer idade

C) queria comparar o conteuacutedo traacutegico do livro com a cena na TV

D) sua matildee considerou o beijo na TV inapropriado para crianccedilas

Fonte Lima (2018 p 64)

No exemplo as alternativas A B e C satildeo iniciadas por verbo e apenas a alternativa D por um pronome Trata-se da alternativa correta gramaticalmente destoante das demais Um item como esse ainda que atenda a todas as outras recomendaccedilotildees teacutecnicas natildeo deve constar em um banco de itens a alternativa destoante eacute um chamariz para que o avaliando acerte o item ldquoao acasordquo Mesmo se a alternativa correta natildeo fosse a destoante o chamariz

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permaneceria induzindo o avaliando ao erro Em casos como do exemplo a recomendaccedilatildeo teacutecnica eacute que todas as alternativas fossem iniciadas por verbo ou duas delas com verbo e duas com pronome ou ainda cada uma delas com uma estrutura gramatical diferente

bull Paralelismo de conteuacutedo

Denomina-se ldquoparalelismo de conteuacutedordquo a organizaccedilatildeo das alternativas de resposta de itens de muacuteltipla escolha a partir de um padratildeo de significado que garanta a plausibilidade de cada alternativa Ele garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao conteuacutedo a ponto de resultar tambeacutem no acerto ao acaso Esse tipo de paralelismo corresponde agrave compreensatildeo de cada alternativa de resposta e sua relaccedilatildeo com o comando Teraacute obedecido ao criteacuterio de paralelismo de conteuacutedo o item em que cada alternativa de resposta seja potencialmente uma resposta correta Aleacutem disso o conteuacutedo das alternativas precisa estar correlacionado de modo a evitar alternativas absurdas facilmente descartadas pelo avaliando O paralelismo de conteuacutedo estaacute relacionado a aspectos semacircnticos da construccedilatildeo das alternativas Por exemplo um item em que apenas uma das alternativas ressalta aspectos negativos de um determinado fatoassunto teraacute rompido com o paralelismo de conteuacutedo uma vez que as outras alternativas de resposta vatildeo em direccedilatildeo contraacuteria ressaltando aspectos positivos desse mesmo fatoassunto

Figura 14 Item sem paralelismo de conteuacutedo

TEXTO I

Este eacute um trecho do conto ldquoPerdoando Deusrdquo de Clarice Lispector

Eu ia andando pela avenida e olhava distraiacuteda edifiacutecios nesga de mar pessoas sem pensar em nada Via tudo e agrave toa Pouco a pouco eacute que fui percebendo que estava percebendo as coisas Minha liberdade entatildeo se intensificou um pouco mais sem deixar de ser liberdade E foi quando quase pisei num enorme rato morto Em menos de um segundo estava eu ericcedilada pelo terror de viver estilhaccedilava-me toda em pacircnico e controlava como podia o meu mais profundo grito Quase correndo de medo cega entre as pessoas terminei no outro quarteiratildeo encostada a um poste cerrando violentamente os olhos que natildeo queriam mais ver Mas a imagem colava-se agraves paacutelpebras um grande rato ruivo de cauda enorme com os peacutes esmagados e morto quieto ruivo O meu medo desmesurado de ratos

Disponiacutevel em httpwwwpasseiwebcomestudoslivrosperdoando_deus_conto_clarice Acesso em 18 jul 2017 Adaptado

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TEXTO II

Disponiacutevel em httpsfantasticocenariofileswordpresscom20120308gif Acesso em 18 jul 2017

Os dois textos satildeo semelhantes porque

A) apresentam ratos como animais que amedrontam

B) exemplificam o mesmo gecircnero textual narrativo

C) generalizam que as mulheres tecircm medo de ratos

D) tratam os ratos como seres com vontade proacutepria

Fonte Lima (2018 p 65)

No exemplo a alternativa B destoa das demais quanto ao conteuacutedo pois cobra uma anaacutelise metalinguiacutestica dos textos (e natildeo uma anaacutelise interpretativa) Aleacutem disso eacute a uacutenica que natildeo apresenta a palavra ldquoratosrdquo em sua composiccedilatildeo O rato nos textos eacute elemento importante que desencadeia accedilotildees de outros personagens e por isso foi elemento na anaacutelise interpretativa proposta nas alternativas A C e D Certamente natildeo haacute problema na solicitaccedilatildeo de anaacutelises metalinguiacutesticas desde que essa anaacutelise seja condizente com a habilidade cobrada e que mantenha o paralelismo Para que o item do exemplo atenda aos criteacuterios teacutecnicos a recomendaccedilatildeo eacute que a palavra ldquoratordquo esteja contida em todas as alternativas (ou em apenas duas delas) Tambeacutem seria necessaacuterio que uma anaacutelise metalinguiacutestica fosse proposta por todas as alternativas ou por duas delas

bull Paralelismo de extensatildeo

Entende-se por ldquoparalelismo de extensatildeordquo a organizaccedilatildeo que garante que cada alternativa de resposta tenha aproximadamente

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a mesma quantidade de caracteres isto eacute a mesma extensatildeo Seu emprego garante que natildeo haja alternativa destoante quanto ao tamanho evitando tambeacutem o acerto do item ao acaso No exemplo da Figura 15 a alternativa A eacute notadamente maior que as demais que tambeacutem apresentam diferenccedila de extensatildeo entre si Alternativas destoantes satildeo chamariz para o avaliando que tende a assinalaacute-la mesmo natildeo dominando aquilo que estaacute sendo avaliado

Figura 15 Item sem paralelismo de extensatildeo

Esta eacute uma tirinha da turma do ldquoNiacutequel Naacuteuseardquo

Disponiacutevel em httpsgooglRVR4MB Acesso em 18 jul 2017

O que causa o humor na tirinha

A) A ambiguidade da expressatildeo ldquoeacute um livro que prende o leitorrdquo que pode se referir ao aprisionamento do inseto-leitor ou ao interesse em terminar a leitura iniciada

B) A histoacuteria se passar em uma biblioteca lugar frequentado por leitores

C) O fato de o bibliotecaacuterio ter fechado o livro com rapidez

D) O inseto ser retratado como um leitor

Fonte Lima (2018 p 66)

Apesar dessa recomendaccedilatildeo teacutecnica natildeo eacute em todos os itens que o paralelismo de extensatildeo se aplica Por exemplo haacute itens cujas alternativas de resposta satildeo versos frases ou trechos retirados de textos o que dificulta a exatidatildeo da extensatildeo Para esses (e outros) casos a recomendaccedilatildeo teacutecnica refere-se agrave ordem crescente de extensatildeo das alternativas ou agrave ordem numeacuterica nos casos de disciplinas da aacuterea de exatas

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5 Consideraccedilotildees finais

Reduzir o item ao papel de instrumento de avaliaccedilatildeo eacute desconsiderar os aspectos que envolvem sua produccedilatildeo e sua constituiccedilatildeo como gecircnero textual e como texto especializado Essa condiccedilatildeo de produto especializado eacute confirmada pela teacutecnica que subjaz sua elaboraccedilatildeocomposiccedilatildeo e que muitas vezes eacute desconsiderada nos espaccedilos escolares local onde o item eacute usado natildeo apenas para avaliar mas adquire novas funccedilotildees (ou subfunccedilotildees)

Eacute contraditoacuterio pensar que professores que tambeacutem satildeo avaliadores desconhecem as teacutecnicas relacionadas aos processos avaliativos o que inclui os conhecimentos sobre os gecircneros usados para avaliar dentre eles o item Mais do que desejar que os cursos de Licenciatura passem a enxergar a avaliaccedilatildeo tambeacutem pelo vieacutes da instrumentalizaccedilatildeo eacute necessaacuterio que os docentes tanto os atuantes quanto os em formaccedilatildeo busquem conhecer esses instrumentos Nesse sentido este capiacutetulo cumpre seu papel apresenta ainda que de modo sucinto as principais teacutecnicas de elaboraccedilatildeo do gecircnero item

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Glossaacuterio semibiliacutengue um coadjuvante para o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua para alunos surdosCristina Aparecida Bianchi de Souza Gomes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda pesquisa12 realizada com alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga instituiccedilatildeo puacuteblica de ensino localizada no Distrito Federal (DF) que oferece metodologia especiacutefica e adequada para o ensino da Liacutengua de Sinais Brasileira (LSB) como liacutengua materna

O objetivo principal deste trabalho eacute contribuir para o ensino e a aquisiccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa (LP) como segunda liacutengua (L2) por alunos surdos por meio da criaccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue Para tanto utilizamos o meacutetodo de natureza qualitativa pois de acordo com Bortoni-Ricardo (2011 p 34) a ldquopesquisa qualitativa procura entender interpretar fenocircmenos sociais inseridos em um contextordquo uma vez que eacute direcionada e que o pesquisador estaacute presente em todas as fases Tambeacutem nos apoiamos na metodologia da pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005) bem como nos princiacutepios metodoloacutegicos e nas aplicaccedilotildees da terminologia propostos por Krieger e Finatto (2004)

A partir dessas metodologias realizamos alguns ajustes necessaacuterios agrave elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP tendo em vista que trabalhamos com duas liacutenguas diferentes a primeira eacute viso-espacial a segunda oral

O presente texto estaacute organizado da seguinte maneira na seccedilatildeo Arcabouccedilo Teoacuterico apresentamos os Fundamentos da Linguiacutestica para o estudo das Liacutenguas de Sinais e da Linguiacutestica para o Estudo da Terminologia que traz conhecimento nas aacutereas de Lexicologia Lexicografia Terminologia e Lexicografia Pedagoacutegica Nos Procedimentos Metodoloacutegicos mostrados na

12 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpswwwposgraduacaounimontesbruploadssites14201811Final-2632017-Cristina-Bianchipdf

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seccedilatildeo seguinte discorremos sobre os caminhos seguidos e as questotildees metodoloacutegicas relacionadas aos aspectos praacuteticos usados para o levantamento e a anaacutelise dos dados desta pesquisa como por exemplo a seleccedilatildeo do corpus os processos adotados para seleccedilatildeo dos vocaacutebulos e a validaccedilatildeo de sinais Na seccedilatildeo denominada Resultados e anaacutelises retomamos a proposta inicial de nossa pesquisa discutimos os resultados alcanccedilados e apresentamos o produto e a conclusatildeo final da nossa pesquisa Na parte das Referecircncias relacionamos a bibliografia utilizada livros artigos dissertaccedilotildees teses e a paacutegina dos sites que deram suporte para a realizaccedilatildeo desta pesquisa

2 Arcabouccedilo teoacuterico

Este estudo estaacute situado no acircmbito da Teoria da Linguagem e Ensino Isso significa dizer que utilizamos as abordagens teoacutericas baacutesicas dos estudos linguiacutesticos com foco nas liacutenguas de sinais segundo Quadros (2004) Nascimento (2009) e Brito (2010) Contamos tambeacutem com o suporte teoacuterico da Ciecircncia do Leacutexico com base em Biderman (2001a 2001b) Krieger e Finatto (2004) e Isquerdo e Finatto (2010) Como metodologia de pesquisa utilizamos a pesquisa-accedilatildeo com base em Engel (2000) e Tripp (2005)

Conforme Bagno (2014) a linguagem eacute proacutepria do ser humano e eacute utilizada para representar e expressar de forma simboacutelica as experiecircncias de vida como adquirir processar e transmitir conhecimento por exemplo A partir da definiccedilatildeo desse autor podemos considerar dois novos conceitos o de linguagem natildeo verbal e o de linguagem verbal

Entendemos por linguagem natildeo verbal aquela que natildeo se utiliza de palavras para a comunicaccedilatildeo e que recorre a outros meios comunicativos placas imagens figuras gestos etc Jaacute a linguagem verbal tem a palavra escrita (ou sinalizada) como o centro de sua comunicaccedilatildeo No caso da nossa pesquisa o foco eacute a linguagem

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verbal especificamente a modalidade comunicativa sinalizada que eacute a LSB13

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual isto eacute as relaccedilotildees entre os elementos se datildeo por meio do uso do espaccedilo na sintaxe na morfologia e na fonologia e segundo Ferreira (2010 p 11) ldquoeacute uma liacutengua natural com toda a complexidade que os sistemas linguiacutesticos que servem agrave comunicaccedilatildeo e de suporte de pensamento agraves pessoas dotadas da faculdade de linguagem possuemrdquo Portanto eacute uma liacutengua como qualquer outra poreacutem sua formaccedilatildeo se daacute de forma diferente agrave das liacutenguas orais conforme podemos visualizar na figura a seguir que ilustra as Configuraccedilotildees de Matildeo em LSB

Figura 1 Configuraccedilotildees de Matildeo em Liacutengua de Sinais Brasileira

13 A Liacutengua de Sinais Brasileira eacute conhecida por duas siglas Libras e LSB A primeira eacute a mais difundida no Brasil eacute reconhecida por lei e refere-se agrave Liacutengua Brasileira de Sinais A segunda segue a convenccedilatildeo internacional que preconiza que as liacutenguas de sinais devem ser identificadas por meio de trecircs letras sendo tambeacutem a mais empregada em trabalhos cientiacuteficos e acadecircmicos Por essa razatildeo optamos por utilizar a sigla LSB

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Fonte Nascimento (2009 p 178)

As Configuraccedilotildees de Matildeo satildeo as possiacuteveis formas que as matildeos podem assumir para a realizaccedilatildeo dos sinais em LSB Nascimento (2009) sistematizou no total 75 Configuraccedilotildees de Matildeo A execuccedilatildeo da LSB se daacute por meio do espaccedilo Por sua vez os sinais satildeo compostos por cinco paracircmetros Configuraccedilatildeo de Matildeo (CM) Expressatildeo Natildeo Manual (ENM) Movimento (M) Orientaccedilatildeo da Palma da Matildeo (OR) e Ponto de Articulaccedilatildeo (PA)

Na Figura 1 anterior estatildeo representadas todas as CM observadas e registradas ateacute o momento presente Com essas configuraccedilotildees a LSB ldquoganha vidardquo Algumas delas satildeo utilizadas para representar as letras do alfabeto e os nuacutemeros no entanto a maioria eacute empregada para a realizaccedilatildeo do sinal Geralmente as CM satildeo acompanhadas de Movimentos a saber ENM OR e PA

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Os Movimentos acompanham as CM atraveacutes dos dedos da direccedilatildeo e da sequecircncia Uma mesma CM pode ter dois ou mais sinais a depender do movimento que eacute feito como em ldquoproacuteximo anordquo e ldquoano passadordquo por exemplo Nesse caso o primeiro movimento com as matildeos eacute para frente jaacute o segundo para traacutes

As ENM satildeo os movimentos realizados pela cabeccedila pelos olhos pelas bochechas pelas sobrancelhas pelo nariz pelo tronco pelos laacutebios e pela liacutengua Normalmente essas expressotildees estatildeo associadas agraves funccedilotildees gramaticais da LSB

A OR por sua vez eacute a maneira pela qual a matildeo executaraacute o sinal podendo ser para cima para baixo para dentro para fora ou em disposiccedilatildeo contralateral

Por fim o PA eacute o local em que se realiza o sinal (em frente ao corpo ou em sua superfiacutecie) podendo ser na cabeccedila nos ombros na cintura enfim em vaacuterias partes do corpo (ou proacuteximas a ele)

Como eacute possiacutevel observar a LSB possui estrutura proacutepria e neste trabalho eacute considerada a primeira liacutengua (L1) de uma pessoa surda pois nossos informantes a utilizam como tal uma vez que a adquiriram espontaneamente e sem a necessidade de cursos ou treinamentos formais comunicando-se com fluecircncia e de forma satisfatoacuteria por meio dela Segundo Fernandes (2008 p 31)

[] a liacutengua oral-auditiva que serve como meio de comunicaccedilatildeo da comunidade ouvinte deve ser aprendida como segunda liacutengua [pelos surdos] jaacute preservado o domiacutenio da liacutengua de sinais que garante a curto prazo natildeo soacute um meio de comunicaccedilatildeo eficaz mas tambeacutem o instrumento de desenvolvimento dos processos cognitivos

A LSB pertence agrave modalidade espaccedilo-visual ou seja realiza-se natildeo por meio do canal oral-auditivo mas mediante visatildeo e utilizaccedilatildeo do espaccedilo As liacutenguas orais-auditivas satildeo assim denominadas

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quando a forma de recepccedilatildeo natildeo grafada eacute a audiccedilatildeo e quando a forma de reproduccedilatildeo natildeo escrita eacute a oralizaccedilatildeo

3 Metodologia

Para a elaboraccedilatildeo do glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP proposto por este trabalho seguimos um roteiro metodoloacutegico ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa cuja finalidade principal foi a confecccedilatildeo de um material didaacutetico que pudesse subsidiar o ensino de Portuguecircs para estudantes surdos a partir da compilaccedilatildeo dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico utilizado em sala de aula

Eacute importante destacar que utilizamos a pesquisa bibliograacutefica natildeo soacute para embasar teoricamente este estudo mas tambeacutem para realizarmos o levantamento dos termos que jaacute possuiacuteam equivalentes em LSB Dessa forma compilamos os termos presentes no livro didaacutetico adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) e constituiacutemos o corpus do glossaacuterio para a gravaccedilatildeo dos sinais

De acordo com Krieger e Finatto (2004) o primeiro passo para se elaborar um glossaacuterio eacute identificar se a obra proposta atenderaacute a um puacuteblico especiacutefico (reconhecimento terminoloacutegico) Apoacutes essa etapa eacute necessaacuterio determinar pelas caracteriacutesticas de seus termos se ele faraacute parte de um dicionaacuterio terminoloacutegico ou de liacutengua geral e agrave qual aacuterea do conhecimento pertenceraacute aquela terminologia Aleacutem disso segundo as autoras o registro dos termos deveraacute ser feito em uma ficha individual que contenha todos os dados possiacuteveis pertinentes a cada um dos termos

Aleacutem dos passos metodoloacutegicos supracitados Krieger e Finatto (2004) apresentam mais algumas questotildees a serem consideradas no acircmbito do estudo de textos especializados que trabalham com tecnologias e apoio informatizado satildeo elas i) identificar as

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terminologias considerando a fonte o corpus a frequecircncia14 os aspectos linguiacutesticos (gramaticais semacircnticos pragmaacuteticos) das unidades lexicais do texto a frequecircncia de associaccedilotildees de elementos em sintagmas e os aspectos pragmaacuteticos-comunicativos ii) proceder ao tratamento de bases textuais em formato digital iii) observar aspectos tais como a repeticcedilatildeo da palavra o estudo dos sintagmas terminoloacutegicos a anaacutelise de fraseologias e o estudo da adjetivaccedilatildeo e dos verbos

Ressaltamos que todos esses aspectos apontados por Krieger e Finatto (2004) foram considerados para a criaccedilatildeo do glossaacuterio semibiliacutengue digital em LSB e LP proposto por este estudo A seguir vejamos as etapas seguidas para que pudeacutessemos alcanccedilar o objetivo principal deste trabalho

31 Etapa 1 Seleccedilatildeo do corpus de LP

A seleccedilatildeo para a composiccedilatildeo do glossaacuterio em LSB foi realizada a partir do corpus da compilaccedilatildeo em ordem alfabeacutetica dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees do livro didaacutetico de Liacutengua Portuguesa Portuguecircs linguagens CEREJA Roberto William MAGALHAtildeES Thereza Cochar Satildeo Paulo Atual 2014 a fim de subsidiar o ensino de LP aos aprendizes surdos

A coleta de dados se deu da seguinte maneira em um primeiro momento foram selecionados 205 verbos dos comandos das questotildees do livro didaacutetico supracitado pesquisando-se quais deles jaacute tinham sido lexicografados Em um segundo momento aplicamos um questionaacuterio aos alunos por meio do qual tinham de responder qual sinal correspondia a cada um dos verbos apresentados (se soubessem a resposta deveriam sinalizar em LSB) Por fim analisamos os dados obtidos e entatildeo selecionamos 42 termos desconhecidos pelos alunos e que natildeo estavam registrados em dicionaacuterios consultados

14 Na seleccedilatildeo do corpus optamos pela relevacircncia do termo para o aprendizado do estudante surdo e natildeo pela frequecircncia com que aparece em seu contexto

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Apoacutes a constituiccedilatildeo do corpus do glossaacuterio buscamos nos dicionaacuterios Novo Deit-Libras Dicionaacuterio Enciclopeacutedico Ilustrado Triliacutengue da Liacutengua de Sinais Brasileira (2013) e Dicionaacuterio On-line Acesso Brasil da Liacutengua Brasileira de Sinais os sinais existentes em LSB Nesse procedimento realizado apenas pela pesquisadora consideramos somente os termos que jaacute haviam sido lexicografados Dos 205 verbos encontrados 154 eram dicionarizados pelo Novo Deit-Libras e 146 pelo Acesso Brasil Desse universo de 205 verbos selecionados 42 natildeo foram lexicografados por nenhum dos dois dicionaacuterios

Dos 154 verbos dicionarizados pelo Novo Deit-Libras sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no Distrito Federal (Brasiacutelia e cidades sateacutelites)15 e 32 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico Dos 146 verbos dicionarizados pelo ldquoAcesso Brasilrdquo sete natildeo correspondiam a sinais utilizados no DF e 26 natildeo correspondiam ao contexto empregado no livro didaacutetico

32 Etapa 2 Seleccedilatildeo dos verbos para o glossaacuterio

Optamos inicialmente por trabalhar com os verbos natildeo dicionarizados Os demais jaacute estavam registrados em dicionaacuterios ainda que os estudantes natildeo conhecessem o respectivo sinal ou os significados natildeo correspondessem ao contexto do livro

Classificamos para nosso corpus os 42 verbos que compunham o comando de questotildees do livro didaacutetico em dois tipos os termos de comando e os termos que integram o comando Termos de comandos satildeo os que determinam o que o aluno deve fazer na questatildeo Nesse grupo estatildeo os termos da LP que natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido e os verbos da LSB que tambeacutem natildeo admitem variaccedilatildeo de sentido Satildeo eles identificar e justificar

15 Esclarecemos que embora a pesquisa tenha sido realizada com alunos da Escola Biliacutengue de Taguatinga nossos discentes moram em diversas cidades sateacutelites do DF como Asa Sul Gama Satildeo Sebastiatildeo e outras cidades Essa constataccedilatildeo foi fruto de investigaccedilatildeo realizada por esta pesquisadora em parceria com trecircs consultoras surdas e uma CODA fluentes em LSB

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Os termos que integram o comando do livro didaacutetico satildeo os verbos que auxiliam na compreensatildeo da questatildeo e estatildeo presentes nos comandos por noacutes selecionados Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder citar comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar exercer expressar farejar identificar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler reproduzir ressaltar restringir retratar rever sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

Nesse conjunto de verbos temos os que satildeo do leacutexico comum da LP mas quando criado um sinal correspondente em LSB ele passa a ser termo em LSB pois soacute pode ser usado naquele contexto em que se apresenta no texto do comando do livro didaacutetico Satildeo eles exercer expressar e rever Os demais verbos pertencem ao leacutexico comum de ambas as liacutenguas Satildeo eles abordar adentrar agir cabular ceder comprimir consumir cultivar descrever disfarccedilar divertir estabelecer exemplificar expressar farejar inferir intitular intrigar justificar percorrer posicionar possibilitar possuir postar predominar presenciar proceder questionar reler sensibilizar submeter traccedilar transitar e utilizar

33 Etapa 3 Estudo dos verbos em LP

Formamos dois grupos de estudo para verificarmos os vaacuterios significados dos termos em LP e os possiacuteveis sinais em LSB Esses dois grupos foram criados para que fornecessem suporte agrave pesquisadora em relaccedilatildeo a possiacuteveis sinais que poderiam ser utilizados pelos alunos e em grupo estudar o significado do termo em LSB no contexto

O primeiro grupo era formado por duas professoras A primeira eacute surda contratada temporariamente pela Secretaria de Estado de Educaccedilatildeo do Distrito Federal (SEEDF) e mestranda em Linguiacutestica pela Universidade de Brasiacutelia (UnB) A segunda eacute professora efetiva da SEEDF filha de surdos formada em Pedagogia e LetrasLibras e especialista em ensino de LP como segunda liacutengua para surdos

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O segundo grupo era formado por duas professoras Uma eacute surda trabalha como contrato temporaacuterio na SEEDF e eacute formada em LetrasLibras A outra eacute efetiva na SEEDF formada em LetrasLibras e proficiente em LSB

34 Etapa 4 Estudo dos termos em LP discussatildeo e criaccedilatildeo dos sinais em LSB

Verificamos os sinais dos verbos que compotildeem os comandos das questotildees que natildeo possuem correspondentes em LSB Apresentamos aos alunos os comandos das questotildees do livro didaacutetico e o contexto em que se encontravam para que os discentes se inteirassem do trabalho Em um primeiro momento explicamos os possiacuteveis contextos em que a palavra poderia se apresentar e em seguida o contexto do livro didaacutetico Logo a seguir os estudantes discutiram o significado da palavra e os possiacuteveis sinais que o verbo poderia ter Nesse instante para nossa surpresa os alunos comeccedilaram a pesquisar os significados das palavras em dicionaacuterios on-line por meio de seus proacuteprios celulares

Durante o processo de discussatildeo dos sinais nossa interferecircncia foi miacutenima Soacute era feita alguma intervenccedilatildeo se percebecircssemos que os discentes natildeo tinham entendido o significado da palavra no contexto ou que estavam utilizando um sinal jaacute existente para designar outra palavra

Essa foi uma etapa riquiacutessima pois notamos a maturidade e o niacutevel de comprometimento dos alunos surdos com a pesquisa Anteriormente tiacutenhamos receio de que a proposta natildeo fosse bem recebida por englobar um trabalho diferente do que os estudantes jaacute haviam realizado em sala de aula contudo percebemos o interesse e a vontade de aprender o conceito das palavras em LP e de criar e propor um sinal para elas uma vez que ainda natildeo existia nos dicionaacuterios pesquisados

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Apoacutes constatarmos que os sinais criados pelos alunos surdos do 9deg ano e validados pelos discentes surdos do 3deg ano do ensino meacutedio natildeo condiziam com o contexto empregado no livro didaacutetico propusemos uma intervenccedilatildeo imediata objetivando a criaccedilatildeo de novos sinais Assim retomamos nossos estudos junto aos alunos acompanhados de uma professora surda e de um sujeito proficiente em LSB Nesse processo de intervenccedilatildeo explicamos novamente os contextos do livro didaacutetico e com o auxiacutelio da professora surda os estudantes criaram novos sinais para aqueles que natildeo estavam condizentes com o significado do texto

35 Etapa 5 Validaccedilatildeo dos sinais

Validamos junto aos discentes surdos do ensino meacutedio os sinais criados pelos alunos surdos do 9ordm ano da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF)

Para a realizaccedilatildeo desse processo escolhemos a turma do 3ordm ano do ensino meacutedio da escola em questatildeo A escolha se deu por ser uma turma concluinte e na qual todos os estudantes satildeo surdos e fluentes em LSB

Em princiacutepio apresentamos o texto em LP para que fosse lido Em seguida os alunos analisaram se os sinais elaborados pelos estudantes do 9deg ano estavam de acordo com o contexto e os paracircmetros da LSB Para nossa surpresa os discentes da turma do ensino meacutedio natildeo compreenderam o texto escrito isto eacute os comandos das questotildees do livro didaacutetico

Dessa forma tivemos de mudar nossa estrateacutegia inicial Optamos entatildeo pela explicaccedilatildeo em LSB de todos os comandos das questotildees do livro didaacutetico a fim de que pudessem entender o contexto de cada verbo ndash ateacute mesmo os vaacuterios contextos em que a palavra poderia aparecer Nesse grupo de validaccedilatildeo dos sinais percebemos que os participantes estavam menos motivados em relaccedilatildeo ao trabalho do que os do primeiro grupo

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36 Etapa 6 Gravaccedilatildeo dos sinais elaborados pelos alunos

Iniciamos o processo de confecccedilatildeo fiacutesica do glossaacuterio que se deu em duas etapas A primeira delas foi a filmagem dos sinais no estuacutedio da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga com os estudantes do 9ordm ano das seacuteries finais Apresentamos como ilustraccedilatildeo dessa fase a Figura 2 a seguir

Figura 2 Sinal gravado

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

E a segunda denominada etapa teacutecnica foi a elaboraccedilatildeo fiacutesica do site (Figura 3) a seguir no qual estaacute hospedado glossaacuterio wwwglossariosemibilinguewordpresscom

Figura 3 Paacutegina inicial do site

Fonte Glossaacuterio semibiliacutengue digital em Liacutengua de Sinais Brasileira e Portuguecircs comandos de questotildees do livro didaacutetico Disponiacutevel em

httpsglossariosemibilinguewordpresscom Acesso em 20 jul 2019

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4 Resultados e anaacutelises

Com esta investigaccedilatildeo tivemos a intenccedilatildeo de dedicar ao estudo de novas possibilidades didaacuteticas que possam auxiliar no processo de ensino e aprendizagem de LP de alunos surdos falantes de LSB Para tanto propusemos a confecccedilatildeo de um glossaacuterio digital semibiliacutengue em LSB e LP Nosso objetivo principal ao produzir esse material didaacutetico eacute que ele possa ser utilizado em sala de aula pelos aprendizes surdos de LP como segunda liacutengua de maneira a fornecer maior autonomia a esses alunos em seus estudos

Apoacutes a finalizaccedilatildeo do nosso trabalho observamos que o entendimento dos comandos das questotildees do livro didaacutetico por parte dos discentes surdos melhorou consideravelmente Podemos afirmar tambeacutem que o glossaacuterio possibilitou a ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP pois durante o processo de produccedilatildeo desse material didaacutetico os estudantes foram ldquointernalizandordquo os significados das palavras

Ao desenvolvermos nossa pesquisa junto aos alunos durante a qual discutiacuteamos em LSB o significado do verbo em LP percebemos que esse processo de aquisiccedilatildeo estava acontecendo de maneira diferente agravequela que geralmente ocorre em sala de aula

Uma diferenccedila notada foi que os estudantes surdos procuravam nos dicionaacuterios on-line utilizando seus proacuteprios aparelhos celulares o significado do verbo apresentado Dois motivos os levaram a realizar esse procedimento eles natildeo sabiam o significado do verbo e buscavam um significado que se adaptasse ao contexto do livro didaacutetico Nesse momento iniciou-se entre os alunos uma discussatildeo sobre o significado da palavra em LP em seu contexto Essa constataccedilatildeo nos deixou muito satisfeitos porque testemunhamos a seriedade com que conduziram esse processo de criaccedilatildeo Como os estudantes satildeo adolescentes pensamos inicialmente que teriacuteamos de interferir no trabalho a todo momento mas isso natildeo foi necessaacuterio

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Durante esse processo verificamos o verdadeiro bilinguismo educacional em funcionamento alunos surdos utilizando-se de sua proacutepria liacutengua (LSB) para discutir conceitos definiccedilotildees e significados de termos de outra liacutengua (LP) Isso nos fez repensar nossa praacutetica diaacuteria que eacute o ensino de Portuguecircs como segunda liacutengua Nesse sentido outro aspecto positivo da produccedilatildeo do glossaacuterio foi suscitar reflexotildees e releituras sobre a proacutepria praacutexis pedagoacutegica

No decorrer da realizaccedilatildeo deste trabalho notamos ainda um avanccedilo gradual na aprendizagem de nossos discentes Chegamos agrave sala de aula com 42 termos cujos significados eram desconhecidos pelos estudantes e ao teacutermino da pesquisa essas palavras (termos) comeccedilaram a fazer parte do Portuguecircs escrito desses alunos Isso foi comprovado quando os professores de outras disciplinas comeccedilaram a comentar que nossos estudantes estavam empregando em seus textos escritos algumas palavras que antes natildeo utilizavam

O niacutevel de interesse dos discentes surdos tambeacutem ficou constatado quando comeccedilaram a estabelecer uma relaccedilatildeo de significado com outros termos bem como pelas constantes perguntas que faziam como por exemplo querer saber se determinada palavra tinha um significado semelhante ao de outra Aleacutem disso durante as aulas tomaram a iniciativa de criar um glossaacuterio ldquoparticularrdquo no final do caderno em que anotavam as palavras cujo significado desconheciam (para depois perguntarem seu sentido ao professor) Acreditamos que nesse momento os alunos comeccedilaram a despertar para a utilizaccedilatildeo mais frequente de dicionaacuterio em sala de aula

Por outro lado eacute necessaacuterio destacar que a criaccedilatildeo de novos sinais natildeo ocorreu com todos os verbos Para a maioria deles os estudantes surdos acabaram optando por utilizar um sinal jaacute existente (que possuiacutea um significado semelhante na LSB) estabelecendo uma associaccedilatildeo entre a palavra e os significados que possuem em seus diversos contextos

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No entanto natildeo consideramos essa estrateacutegia como insatisfatoacuteria porque mesmo natildeo criando sinais novos os alunos trabalharam com seu significado tanto em LP quanto em LSB

Notamos ainda que os discentes surdos assim como qualquer outro estudante possuem caracteriacutesticas proacuteprias em relaccedilatildeo agrave aquisiccedilatildeo do leacutexico de LP Por essa razatildeo para o surdo esse leacutexico em LP tem de ser apresentado de maneira concreta e contextualizada em LSB

Para finalizar nossa reflexatildeo esperamos que o glossaacuterio criado inspire profissionais de outras aacutereas do conhecimento a produzir outros materiais desse modelo que possam expandir o leacutexico de LP dos alunos surdos concorrendo para a melhoria da escrita nessa sua segunda liacutengua

Durante todo o processo de confecccedilatildeo do nosso glossaacuterio percebemos muitas reaccedilotildees positivas dos estudantes em relaccedilatildeo ao desenvolvimento desta pesquisa No tocante agrave ampliaccedilatildeo do leacutexico de LP temos a convicccedilatildeo de que isso realmente ocorreu entre os alunos conforme explicado anteriormente pois nas etapas de elaboraccedilatildeo do glossaacuterio os estudantes surdos tiveram contato com as vaacuterias possibilidades de uso dos verbos selecionados em diferentes contextos

Por fim eacute necessaacuterio destacar que para que seja utilizado em sua totalidade o corpus do glossaacuterio proposto por este trabalho precisa ser ampliado para outras classes de palavras expressotildees idiomaacuteticas e aspectos da liacutengua

5 Consideraccedilotildees finais

Tendo em vista o exposto ateacute aqui podemos afirmar que o objetivo definido no iniacutecio desta pesquisa foi alcanccedilado pois elaboramos um glossaacuterio digital semibiliacutengue (wwwglossariosemibilinguewordpresscom) como suporte didaacutetico para a compreensatildeo dos comandos das questotildees presentes no

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livro didaacutetico de LP adotado pela Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga (DF) promovendo-se dessa maneira uma inclusatildeo digital mais efetiva dos alunos surdos dessa instituiccedilatildeo de ensino

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O fenocircmeno da interincompreensatildeo no campo discursivo da surdezMaria Clara Maciel de Arauacutejo Ribeiro

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1 Introduccedilatildeo

Em nossos dias haacute distintas formas de se conceber e caracterizar a populaccedilatildeo surda brasileira Naturalmente as imagens que ouvintes produzem de surdos satildeo bastante distintas das autoimagens que surdos produzem de si Na perspectiva do senso-comum surdos satildeo vistos pelas lentes do exotismo da anormalidade e da necessidade de reabilitaccedilatildeo enquanto na perspectiva da comunidade surda surdos satildeo definidos pela visualidade e pelas especificidades decorrentes dessa forma de experimentar o mundo como informa Ribeiro (2008) Tais posicionamentos como se veraacute delimitam-se reciprocamente constituindo o que se convencionou chamar de polecircmica discursiva

A partir desta constataccedilatildeo este texto16 aborda a gecircnese ou constituiccedilatildeo de discursos sobre os surdos produzidos pelos proacuteprios surdos Objetiva-se com isso por um lado compreender que relaccedilotildees interdiscursivas possibilitam e fundamentam a emergecircncia desses discursos de si e por outro delinear quem satildeo os surdos para a proacutepria comunidade surda

Para tanto elege-se o aporte teoacuterico da Anaacutelise do Discurso de orientaccedilatildeo francesa (particularmente dos estudos de Dominique Maingueneau alocados na obra Gecircnese dos Discursos) para guiar a anaacutelise do espaccedilo interdiscursivo recortado por noacutes As anaacutelises partem do estudo do fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva e detecircm-se especificamente no modo como discursos polecircmicos delimitam-se reciprocamente a partir da produccedilatildeo e negaccedilatildeo de simulacros do seu outro discursivo

Entendemos os temas da polecircmica discursiva e da interincompreensatildeo como expedientes analiacuteticos ricos e altamente produtivos uma vez que eacute possiacutevel considerar que grande parte dos conflitos sociais de pequeno ou grande porte deriva-se

16 Este texto foi originalmente publicado na revista Estudos da Liacutengua(gem) v 13 em 2015

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natildeo apenas do esquecimento do sujeito quanto agrave opacidade da linguagem seguido da consequente ilusatildeo de que aquilo que se diz chega ao interlocutor tal qual engendrado no ponto de partida mas sobretudo da nossa capacidade de compreender a fala do outro sempre a partir do nosso proacuteprio sistema de restriccedilotildees semacircnticas ou melhor a partir de um simulacro construiacutedo do outro a partir de nossas proacuteprias discordacircncias Assim partiremos do estudo do campo discursivo da surdez constituiacutedo por dois posicionamentos ou formaccedilotildees discursivas (FD) polecircmicas que ao mesmo tempo se atraem e repulsam no espaccedilo discursivo aqui recortado

A seguir apresentaremos o campo e o espaccedilo recortados (com suas FD) para posteriormente deter-nos na interincompreensatildeo discursiva que seraacute estabelecida entre os discursos de cada FD Como veremos parece que produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro ou compreendecirc-lo a partir de seus proacuteprios enquadres satildeo facetas de um mesmo fenocircmeno

2 Definindo o campo e o espaccedilo discursivos

Maingueneau (2005 p 3) postula que em meio a um conjunto de discursos de todos os tipos que interagem em dada conjuntura (denominada universo discursivo) eacute possiacutevel construir via recorte temaacutetico domiacutenios suscetiacuteveis de serem estudados pelo analista os campos discursivos em que posicionamentos diversos se encontram em concorrecircncia e se delimitam em determinada regiatildeo do universo discursivo Para ilustrar lembremos por exemplo de estudos realizados a partir do campo devoto por Maingueneau (2005) focalizando um espaccedilo discursivo constituiacutedo pelos discursos jansenista e humanista devoto ou os estudos de Lara (2008) sobre o campo da liacutengua em que se elegeu para estudo uma FD escolar (da gramaacutetica normativa) e outra cientiacutefica (da Linguiacutestica)

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Maingueneau esclarece que o recorte em campos e espaccedilos natildeo define zonas isoladas Os campos acabam por evidenciar ao contraacuterio as muacuteltiplas redes de trocas discursivas que os constituem Para entender a constituiccedilatildeo de dado campo discursivo pois o analista precisa recortar subconjuntos de FD apreensiacuteveis no campo os espaccedilos discursivos constituiacutedos por pelo menos duas FD ou dois posicionamentos discursivos distintos que mantecircm relaccedilotildees constitutivas privilegiadas uma vez que de acordo com Maingueneau (2005) espaccedilos discursivos satildeo recortados de campos determinados

Ao longo do tempo os discursos sobre a surdez vecircm se renovando e modificando constantemente Atualmente haacute pelo menos duas importantes e diferentes formas de se conceber (discursivamente) as pessoas surdas na contemporaneidade A primeira concepccedilatildeo se origina do domiacutenio cliacutenico-terapecircutico e compreende os surdos a partir da disfunccedilatildeo do natildeo-ouvir uma vez que se baseia sobretudo em argumentos princiacutepios e posturas que intencionam fazer o surdo ldquosuperarrdquo contornar a surdez como forma de alavancar o seu desenvolvimento linguiacutestico e social Assume-se aqui um discurso que pode ser considerado como de fundamentaccedilatildeo ouvintista17 visto que a surdez eacute considerada uma patologia que precisa ser tratada (RIBEIRO 2008) A segunda concepccedilatildeo que adveacutem do domiacutenio linguiacutestico-antropoloacutegico postula que os surdos podem viver e se desenvolver na e pela surdez sem combatecirc-la Ancora-se em princiacutepios linguiacutesticos culturais e identitaacuterios que especificam povos surdos pelo mundo ostentando um discurso que pode ser considerado de fundamentaccedilatildeo surda pois compreende a surdez a partir de seu reconhecimento linguiacutestico e cultural abolindo o estigma da deficiecircncia e proclamando a marca da diferenccedila linguiacutestica

17 Ouvintismo termo proposto por Skliar (1998) costuma ser entendido como um conjunto de representaccedilotildees estereotipadas dos ouvintes sobre os surdos a partir do qual o proacuteprio surdo ldquoestaacute obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinterdquo (SKLIAR 1998 p 15)

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Como se vecirc trata-se de FD que se opotildeem e que como veremos estabelecem entre si uma relaccedilatildeo de polecircmica discursiva Posicionando-nos a partir do campo teoacuterico da anaacutelise do discurso de orientaccedilatildeo francesa eacute possiacutevel compreender que tais discursos instituem um espaccedilo discursivo especiacutefico apreensiacutevel via recorte do campo discursivo da surdez

Assim no campo discursivo da surdez vislumbramos um espaccedilo constituiacutedo por um conjunto de FD que se opotildeem uma FD cliacutenico-terapecircutica (de fundamentaccedilatildeo ouvintista) e uma FD linguiacutestico-antropoloacutegica (de fundamentaccedilatildeo surda) como postulado Compreendemos a primeira FD como resultante do discurso da ldquodeficiecircnciardquo da ldquofaltardquo do ldquodesviordquo enquanto na segunda percebemos o discurso da ldquodiferenccedilardquo da ldquoidentidaderdquo da ldquoliacutengua e da cultura especiacuteficasrdquo Veremos entatildeo as manifestaccedilotildees discursivas que dialogam no campo da surdez serem reordenadas a partir do espaccedilo discursivo da surdez como deficiecircncia sensitiva ou como diferenccedila linguiacutestica

Segundo Maingueneau (2005) dado discurso natildeo interage com outro discurso como tal mas sim com o simulacro que constroacutei desse discurso Neste estudo entatildeo partimos desse espaccedilo para abordar o fenocircmeno da interincompreensatildeo discursiva E como dito nosso objetivo foi observar a interaccedilatildeo que se estabelece no campo da surdez entre os discursos polecircmicos citados (discursos de fundamentaccedilatildeo surda versus discursos de fundamentaccedilatildeo ouvintista) focalizando como satildeo estabelecidos os movimentos de construccedilatildeo e negaccedilatildeo desses discursos e de seus simulacros no campo em questatildeo

O subcorpus que seraacute analisado foi coletado em 2008 agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo da pesquisa de mestrado da autora18 e eacute composto

18 RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2018

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por textos escritos por surdos universitaacuterios sobre a proacutepria condiccedilatildeo da surdez

3 A polecircmica como interincompreensatildeo algumas anaacutelises

Nesta pesquisa recortamos do campo da surdez um espaccedilo constituiacutedo por posicionamentos divergentes a surdez como deficiecircncia e a surdez como diferenccedila

Quando se recorta um espaccedilo discursivo eacute preciso pensar na hierarquia da constituiccedilatildeo desse espaccedilo isto eacute hipoteticamente tem-se um discurso primeiro ndash com algum status de discurso fundador ndash e um discurso considerado segundo ndash que se erige justamente para contrapor o discurso chamado primeiro Assim eacute possiacutevel prever qual(is) discurso(s) do campo pode(m) ser citado(s) ou recusado(s) pelo discurso dito primeiro eou pelo segundo Isso nos indica que a delimitaccedilatildeo em espaccedilos natildeo exclui outras referecircncias discursivas mas ao contraacuterio as evidenciam como sustentamos Isso quer dizer que quando se pensa ldquono niacutevel das possibilidades semacircnticasrdquo admite-se um espaccedilo de trocas discursivas natildeo de identidade fechada Nas palavras do autor

Na medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando ldquosegundordquo que se constitui atraveacutes do discurso primeiro parece loacutegico pensar entatildeo que esse discurso primeiro eacute o Outro do discurso segundo [mas] o discurso primeiro natildeo permite a constituiccedilatildeo de discursos segundos sem ser por eles ameaccedilado em seus proacuteprios fundamentos (MAINGUENEAU 2005 p 41)

Vemos portanto que as FD que constituem um espaccedilo evocam-se e constituem-se reciprocamente seja pela refutaccedilatildeo seja pelo endosso Lara (2008 p 113-114) referindo-se aos estudos desenvolvidos pelo autor ressalta que natildeo cabe ao analista ldquoestudar

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as diferentes formaccedilotildees discursivas que atravessam um dado discurso de forma independente e isolada mas sim apreendecirc-las nas relaccedilotildees que estabelecem umas com as outrasrdquo ou seja para a autora ldquoa identidade discursiva se constroacutei na interaccedilatildeo com o outrordquo (grifo nosso)

No espaccedilo que delimitamos para este estudo lanccedilamos a hipoacutetese de que o discurso primeiro eacute o discurso da surdez como deficiecircncia ou melhor o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista (doravante DFO) uma vez que este eacute ldquocientificamenterdquo e historicamente determinado Cientificamente porque durante muito tempo ldquoas verdadesrdquo sobre a surdez estavam alocadas exclusivamente nos livros de medicina que diagnosticavam a ausecircncia de um sentido e supunham as consequecircncias dessa falta de acordo com a visatildeo da eacutepoca Historicamente porque desde a Antiguidade a ideia de surdez estaacute atrelada a representaccedilotildees e estereotipias negativas sendo esta a primeira ndash e durante muito tempo uacutenica ndash forma de se conceber os surdos

O discurso aqui chamado segundo ndash o discurso de fundamentaccedilatildeo surda (DFS) ndash erige-se justamente como forccedila desestabilizadora e contra-argumentativa frente ao discurso primeiro considerado arcaico e desatualizado uma vez que a proacutepria ciecircncia veio a negar uma seacuterie de crenccedilas perpetuadas no passado ndash como a hipoacutetese de os surdos terem ldquolimitaccedilotildeesrdquo no exerciacutecio da faculdade da linguagem ou das liacutenguas sinalizadas serem inferiores agraves orais Portanto a esse discurso da surdez como uma diferenccedila linguiacutestica e cultural reserva-se o lugar da reaccedilatildeo e da resistecircncia contra o discurso primeiro

Os fragmentos a seguir escritos por surdos universitaacuterios e coletados por esta pesquisadora na ocasiatildeo de sua pesquisa de mestrado19 (RIBEIRO 2008) podem ser considerados representativos dessa organizaccedilatildeo hieraacuterquica Observemos20

19 Os participantes da pesquisa satildeo surdos universitaacuterios do sudeste do Brasil Os sujeitos escreveram a partir da seguinte demanda ldquoEscreva livremente sobre a questatildeo a seguir Para vocecirc qual eacute o significado de ser surdo O que vocecirc tem a dizer a respeito da surdez na sua vida Escreva sobre a experiecircncia de vida surdardquo20 Trechos transcritos ipsis litteris

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01 Eacute muito importante para o surdo os surdos satildeo igualdade ouvintes

02 A vida pessoal minha eacute verdade viver difiacutecil mas eacute normal como outros

03 Na vida surda eacute normal como outra pessoa ouvinte capaz fazer qualquer coisaouvintes

04 Eu sou surda eacute normal como ouvinte mas nossa diferenccedila mas soacute tem um problema ouvindo surdo e ouvinte satildeo iguais

05 Pra mim surdo eacute como comum como noacutes humano acho entre ouvinte e surdo satildeo quase iguais Como menos ouvir Somos humano

06 Sou surda normal natildeo tem diferenccedila como ouvinte somos iguais porque soacute que natildeo podia ouvir mas tenho os olhos (visual) [] Essas as pessoas natildeo entende porque ser surdo e acha que ele (surdo) satildeo problema e defeito como as pessoas ldquodeficienterdquo esse eu natildeo concordo precisamos respeitar que o surdo somos iguais soacute eacute diferenccedila da audiccedilatildeo natildeo o corpo defeito e capaz estuda e trabalhar normal como ouvinte

Nesses fragmentos o termo ldquonormalrdquo parece estar sendo utilizado em sua faceta de comparaccedilatildeo pois visa evidenciar o caraacuteter ldquocomumrdquo de mesmo ldquopeso e medidardquo e de ldquoigualdaderdquo dos sujeitos surdos perante os ouvintes Os locutores buscam reafirmar essa valoraccedilatildeo igualitaacuteria Observemos que a conjunccedilatildeo comparativa como ou o adjetivo igual sempre acompanham tal termo no intuito de reforccedilar esse efeito de sentido de equivalecircncia (vide excertos de 01 a 06 grifos nossos)

Examinando mais de perto a ocorrecircncia do lexema ldquonormalrdquo nos trechos de (01) a (06) acreditamos que os sujeitos produtores

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possivelmente anteciparam a representaccedilatildeo que ouvintes em geral fazem dos surdos ndash representaccedilatildeo essa que costuma ser estereotipada e que se baseia no DFO uma vez que esse discurso eacute o mais difundido socialmente Representaccedilotildees preacutevias tecircm sido tratadas na Anaacutelise do Discurso como eacutethos preacute-discurso isto eacute como a imagem de si que o sujeito manifesta antes mesmo do seu turno de fala em uma manifestaccedilatildeo da memoacuteria discursiva dos sujeitos (AMOSSY 2005)

E se nos trechos acima os sujeitos se antecipam como normais eacute justo perguntar se algueacutem os acusou do contraacuterio A partir desse questionamento chegamos agrave nossa segunda e complementar hipoacutetese interpretativa acreditamos que os excertos acima configuram uma espeacutecie de contradiscurso Se nos lembrarmos que o espaccedilo discursivo deve ser considerado como uma rede de interaccedilatildeo semacircntica e que o DFO se baseia sobretudo em preceitos meacutedicos sobre a surdez que tomam o natildeo-ouvir como uma disfunccedilatildeo veremos que os fragmentos acima contra-argumentam o discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista21 uma vez que como afirma Maingueneau (2005 p 41) ldquona medida em que cronologicamente eacute o discurso precisamente chamando lsquosegundorsquo que se constitui atraveacutes do discurso lsquoprimeirorsquordquo parece loacutegico supor entatildeo que esse discurso primeiro (discurso de fundamentaccedilatildeo ouvintista) eacute o outro do discurso segundo (discurso de fundamentaccedilatildeo surda)

Vemos assim no DFS a construccedilatildeo e a negaccedilatildeo de simulacros do discurso concorrente isto eacute do DFO uma vez que a compreensatildeo da surdez como uma patologia ou uma disfunccedilatildeo eacute entendida como tributo ofensivo de aberraccedilatildeo e anormalidade no DFS

21 Seguem exemplos de manifestaccedilotildees discursivas (meacutedicas) do DFO Todos os grifos satildeo nossos 1 ldquoProtetizar os deficientes auditivos [] para que os portadores dessa patologia sejam efetivamente beneficiados com a uacuteltima taacutebua de salvaccedilatildeo que a equipe tem a oferecerrdquo (CARVALHO 2003) 2 ldquo[] o sentido da audiccedilatildeo sem o qual natildeo eacute possiacutevel qualquer contato verdadeiramente humano Simpaacutetico ou antipaacutetico [o surdo] eacute uma pessoa que sofre por tatildeo humilhante patologiardquo (CARVALHO 2002) 3 ldquoO surdo-mudo congecircnito tem a face paacutelida a physionomia morta o olhar fixo a caixa toraacutexica deprimenterdquo (LEITE 1881 p 4)

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Presenciamos aqui entatildeo a construccedilatildeo e negaccedilatildeo da categoria surdez segundo o DFO aos olhos do DFS de forma a se construir um ldquoeurdquo a partir da negaccedilatildeo de um ldquonatildeo-eurdquo

Ainda assim poreacutem seria justo pensar ao afirmar a igualdade natildeo se estaria negando a diferenccedila que teoricamente eacute um dos lemas do DFS Parece-nos que natildeo A diferenccedila que eacute negada pelos locutores do DFS eacute a diferenccedila como anormalidade ldquoA normalidade surda e a normalidade ouvinte satildeo equivalentes natildeo haacute diferenccedilas que nos coloquem na linha da insuficiecircnciardquo Eacute isso que os fragmentos de (01) a (06) buscam dizer E se confrontarmos essa posiccedilatildeo enunciativa com os desdobramentos histoacutericos vividos pela comunidade surda entenderemos a importacircncia de se mostrar normal no sentido humano da equivalecircncia Refutam-se portanto a partir da traduccedilatildeo feita pelo DFS os traccedilos que o DFO atribui aos surdos nesse caso o traccedilo da deficiecircncia que eacute traduzido como anormalidade

Os sujeitos negam assim as postulaccedilotildees do seu outro no espaccedilo discursivo Antecipam-se como ldquoiguaisrdquo para negar o caraacuteter ldquoanormalrdquo que pelo menos hipoteticamente costuma ser evocado por esse outro O outro aqui claro eacute o DFO que aloca o ser surdo em lugares desprivilegiados Nega-se portanto o simulacro que o discurso concorrente (DFO) possivelmente constroacutei dos surdos

Na relaccedilatildeo que se estabelece entre discurso tradutor e discurso traduzido Maingueneau (2005) propotildee que se distinga discurso-agente de discurso-paciente reservando ao primeiro termo a posiccedilatildeo de tradutor e ao segundo a de traduzido Vale lembrar que eacute sempre a partir do discurso chamado primeiro (no presente estudo DFO) que se exerce a atividade tradutoacuteria uma vez que foi a partir dele que o discurso segundo (DFS) se constituiu

Eacute preciso natildeo perder de vista no entanto que as afirmaccedilotildees que o DFS (discurso-agente) combate natildeo satildeo as afirmaccedilotildees empiacutericas produzidas pelo DFO (discurso-paciente) Combate-se uma traduccedilatildeo um simulacro (entendido de maneira simplificada

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como uma espeacutecie de projeccedilatildeo ou representaccedilatildeo) do discurso contraacuterio ldquopois para construir e preservar a sua identidade no espaccedilo discursivo o discurso natildeo pode haver-se com o outro como tal mas somente com o simulacro que constroacutei delerdquo nos lembra Maingueneau (2005 p 103)

Produzir enunciados competentes na sua FD e natildeo compreender o outro parecem ser portanto facetas do mesmo fenocircmeno ou seja para se produzirem enunciados condizentes com as regras da sua FD eacute preciso entender o outro a partir da sua proacutepria competecircncia discursiva Segundo Lara (2008) a traduccedilatildeo e a construccedilatildeo de simulacros satildeo mecanismos necessaacuterios ligados agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD Natildeo se trata assim de um arranjo isolado mas de um dispositivo que faz parte da gecircnese dos discursos Sobre esse processo de traduccedilatildeo do outro esclarece a autora (LARA 2008 p 115) inspirada em Maingueneau

O que ocorre entatildeo eacute que cada discurso interpreta os enunciados de seu Outro ndash ou do simulacro que dele constroacutei ndash atraveacutes da sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo Tenderaacute pois a ldquotraduzirrdquo esses enunciados nas categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema mostrando-se dessa forma a ldquotraduccedilatildeordquo como um mecanismo necessaacuterio e regular ligado agrave proacutepria constituiccedilatildeo das FD

Em curso ministrado na ABRALIN o professor Siacuterio Possenti (2007) assim apresentou o processo de traduccedilatildeo do outro e da construccedilatildeo de simulacros entre discursos que dividem o mesmo espaccedilo discursivo se o discurso S1 fala A e o discurso S2 fala B por exemplo S1 tenderaacute a ler B como um natildeo A expliacutecito isto eacute como a negaccedilatildeo de seu proacuteprio princiacutepio donde se pode concluir que cada FD concebe o outro a partir de si mesmo postulando que ldquose o outro natildeo estaacute por mim estaacute contra mimrdquo e deveraacute pois ser combatido Ilustrando com a nossa proacutepria pesquisa podemos supor que quando o DFO classifica o surdo como ldquoportador de necessidade especialrdquo por exemplo adeptos do DFS traduziratildeo

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essa informaccedilatildeo como uma acusaccedilatildeo de ldquoanormalidaderdquo de ldquoaberraccedilatildeordquo um quesito de ldquonatildeo-humanidaderdquo que precisa ser combatido

Nos trechos a seguir de (07) a (09) essa relaccedilatildeo pode ser percebida pelo caraacuteter conflituoso dos enunciados que parecem querer negar algum tipo de afirmaccedilatildeo (anterior) ou conhecimento partilhado Dessa vez a negaccedilatildeo se tornaraacute expliacutecita atraveacutes do uso do operador de negaccedilatildeo (um iacutendice de polifonia como explica Ducrot (1987)) Vejamos

07 Ser surdo eacute a pessoa natildeo ouve poreacutem sente feliz Ser surdo natildeo eacute sub-humano como exemplo os animais A vida dos surdezes essa faz parte classe superior por que existe a inteligecircncia e a sabedoria [] O que acontece minha prosperidade sou estudante no ensino superior ateacute sou orador isso natildeo eacute a pessoa falta QI ou inferioridade

08 Para mim o significado de ser surdo eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Ser surdo eacute orgulhosamente respeitado e um cidadatildeo como todos

09 Minha opiniatildeo significado de ser Surdo a diferenccedila Surdo Surdo eacute natildeo tem direito liacutengua22 ausecircncia de sons cliacutenica obrigaccedilatildeo meacutetodo oral incapacidade para articular a palavra Surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila

Defendemos nas ocorrecircncias acima como viacutenhamos procedendo que o discurso-agente (DFS) determina ao mesmo

22 Esse enunciado pode induzir a erros interpretativos se natildeo for compreendido a partir de uma abordagem contrastiva com a Liacutengua Brasileira de Sinais O texto na iacutentegra assim como a compreensatildeo de sua semacircntica global e algum conhecimento sobre a Libras permitem-nos entender que o locutor procurou realizar uma dupla negaccedilatildeo no enunciado que abre o texto no caso ldquoser surdo [natildeo] eacute natildeo ter direitordquo

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tempo em que combate o simulacro de seu outro (DFO) segundo a sua proacutepria ldquogrelha semacircnticardquo para usar aqui um termo empregado por Lara (2008) que nos lembra que a compreensatildeo do discurso do outro eacute feita a partir das categorias do registro negativo de seu proacuteprio sistema como ilustrou o exemplo apresentado por Possenti (2007)

O DFS portanto embora seja um discurso segundo porque se erige posteriormente e em resposta ao discurso primeiro (o DFO) eacute tambeacutem discurso-agente porque eacute ele (o DFS) que produz operaccedilotildees dialoacutegicas de transformaccedilatildeo sobre o DFO nesse caso discurso-paciente

Esse processo de traduccedilatildeo do outro caracteriza com propriedade o fenocircmeno da interincompreensatildeo proposto por Maingueneau e retomado por Lara (2008) Tal fenocircmeno pode ser compreendido como ldquoa proacutepria condiccedilatildeo de possibilidade das diversas posiccedilotildees enunciativasrdquo como sustenta Maingueneau (2005 p 103) uma vez que enunciar em conformidade com as regras de sua proacutepria FD e natildeo ldquocompreenderrdquo o discurso de outrem satildeo ldquoduas facetas do mesmo fenocircmenordquo estatildeo interligadas e satildeo interdependentes Como temos percebido a polecircmica discursiva que apresentamos aqui (DFS versus DFO) se baseia nesse princiacutepio

Nesse processo de ldquotraduccedilatildeordquo notemos que o ser surdo nos trechos de (07) a (09) pode ser definido por seu avesso ou seja por aquilo que ele natildeo eacute ou melhor pela negaccedilatildeo daquilo que o ser surdo parece ser (pelo menos por meio do simulacro produzido pelo DFS) no DFO sub-humano imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica falta QI ou inferioridade obrigaccedilatildeo meacutetodo oral etc

Mas ao expor o seu ldquonatildeo serrdquo negando traccedilos do DFO os locutores acabam por definir o seu ldquoserrdquo apresentando traccedilos que compotildeem o seu proacuteprio discurso humano original que natildeo se ldquotratardquo inteligente e igual usuaacuterio de sinais etc Ora semanticamente quando digo o que natildeo sou atesto o que sou Tal estrateacutegia

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discursiva mostra que os conteuacutedos impliacutecitos agrave negaccedilatildeo natildeo constituem em princiacutepio o verdadeiro objeto do dizer e eacute essa caracteriacutestica que dota os enunciados de eficaacutecia argumentativa O ldquoser surdordquo natildeo estaacute aqui exposto de maneira direta mas pode ser recuperado a partir de uma manobra semacircntica relativamente simples Compreendemos assim que a surdez nos discursos anteriores eacute definida sobretudo pela conduta do sujeito diante dela isto eacute o ser surdo aqui eacute definido como um cidadatildeo como todos que estabelece a sua vida a partir da sua diferenccedila que natildeo procura viver como se fosse ouvinte e tampouco se importa com o preconceito A imagem que se constroacutei a partir desses fragmentos eacute a imagem de sujeitos independentes e libertos de amarras sociais que possam ditar comportamentos no caso comportamentos considerados tiacutepicos aos sujeitos tidos como ldquodeficientesrdquo

Enquanto (07) e (09) parecem querer combater o simulacro do discurso sobre o ser surdo corrente no DFO investindo contra uma representaccedilatildeo social que costuma se alicerccedilar em saberes meacutedicos como em (07) natildeo eacute sub-humano ou em (09) natildeo eacute deficiecircncia o trecho (08) ao contraacuterio busca ldquogolpearrdquo um discurso sobre o surdo corrente na proacutepria comunidade surda Nesse trecho o locutor combate uma forma de ser surdo que estaria em consonacircncia com o DFO que seria aquele que se preocupa com o preconceito ficar imitando aos ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc Aqui o surdo projeta um outro para si natildeo apenas para o seu discurso

Notemos portanto que os trechos citados se ancoram na negaccedilatildeo de proposiccedilotildees que parecem ser de alguma forma previamente conhecidas se natildeo pelos interlocutores-leitores pelo menos pelo locutor que representa a comunidade surda

Ducrot (1987 p 203) como afirmamos anteriormente considera a negaccedilatildeo um iacutendice de polifonia que por sua vez compotildee a noccedilatildeo de heterogeneidade discursiva nesse caso a de heterogeneidade mostrada (marcada) De acordo com esse autor eacute preciso distinguir em um enunciado negativo duas proposiccedilotildees ou dois pontos de

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vistas opostos (atribuiacutedos portanto a enunciadores distintos23) o primeiro positivo e um outro que o nega Daiacute o caraacuteter polifocircnico do fenocircmeno

Numa primeira formulaccedilatildeo Ducrot (1987) divide a negaccedilatildeo em descritiva que representa um estado de coisas ldquosem que o autor apresente sua fala como se opondo a um discurso contraacuteriordquo e polecircmica ldquodestinada a opor-se a uma opiniatildeo inversardquo sendo essa uacuteltima a parte da teoria que nos interessa aqui Nas ocorrecircncias de (07) a (09) notamos portanto que a negaccedilatildeo pode ser considerada polecircmica uma vez que o enunciador refuta enunciados (virtuais) contraacuterios como sabemos advindos do DFO

Em (08) apesar de o operador negativo incidir diretamente apenas sobre o primeiro termo da enumeraccedilatildeo (eacute aquele que natildeo se preocupa com o preconceito ficar imitando os ouvintes ir sempre para a cliacutenica etc) pode-se perceber que o efeito de sentido negativo se estende tambeacutem sobre os demais termos da enumeraccedilatildeo Tais termos isoladamente poderiam ser considerados enunciados afirmativos inseridos no discurso no entanto eles se tornam discursivamente negativos ldquo[natildeo eacute] ficar imitando os ouvintesrdquo ldquo[natildeo eacute] ir sempre para a cliacutenicardquo

O mesmo fenocircmeno pode ser percebido em (09) apoacutes apresentar o que a surdez no DFS natildeo eacute ndash [natildeo eacute] ausecircncia de sons [natildeo eacute] ir para a cliacutenica [natildeo eacute] obrigaccedilatildeo meacutetodo oral ndash apresenta-se o que ela eacute surdo eacute significado viver mundo organizado mas transformado de um diferente natildeo eacute deficiecircncia sim diferenccedila A figura da ldquodiferenccedilardquo aparece aqui como oposta agrave ldquodeficiecircnciardquo sendo considerada como um argumento positivo para a compreensatildeo da surdez como defendemos neste estudo

23 Lembramos que para Ducrot (1987 p 192-193) o locutor eacute o responsaacutevel pelo enunciado enquanto os enunciadores satildeo perspectivas pontos de vista com os quais o locutor se identifica ou natildeo

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4 Consideraccedilotildees finais

Neste estudo vimos que a identidade de um discurso pode ser definida a partir da negaccedilatildeo ndash e da construccedilatildeo e desconstruccedilatildeo de simulacros ndash do seu outro discursivo Pudemos averiguar que entre as FD do campo apresentado parece haver uma fronteira porosa que possibilita trocas pois foi sobretudo a partir da negaccedilatildeo do DFO que o DFS se constituiu O DFS foi aqui caracterizado como a ocorrecircncia de uma ideologia surda que se fundamenta tanto em princiacutepios libertaacuterios do direito de escolha quanto em questotildees filosoacuteficas que questionam o conceito de norma Com isso combate-se o DFO e a ideologia hegemocircnica na sociedade que produzem dicotomias maniqueiacutestas entre os surdos e natildeo surdos

Por fim podemos afirmar que o DFS constituiu-se por meio da antecipaccedilatildeo e da negaccedilatildeo daquilo que poderia ser o seu simulacro na visatildeo do outro ou seja do DFO O DFS assim define-se justamente a partir do que ele natildeo eacute ou melhor a partir da negaccedilatildeo daquilo que ele parece ser aos olhos do discurso concorrente de forma a construir um ldquoeurdquo a partir de um ldquonatildeo eurdquo Trata-se de construir e negar simulacros de si mesmo como forma de preservar a sua identidade discursiva no espaccedilo em questatildeo Este estudo por fim faz reverberar o postulado pela normalidade surda reafirmando a necessidade de difusatildeo de discursos que descontroem imagens estereotipadas sobre os surdos e a surdez

Referecircncias

CARVALHO I Protetizaccedilatildeo auditiva Jornal do Conselho Federal de Medicina Satildeo Paulo n 156 Ano XVIII 2003 Disponiacutevel em http wwwportalmedicoorgbrjornaljornais2002Dezembropag_13htm Acesso em 4 set 2014

DUCROT O O dizer e o dito Campinas Pontes 1987

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LARA G M P Aplicando alguns conceitos de Gecircnese dos Discursos In POSSENTI S BARONAS R L (org) Contribuiccedilotildees de Dominique Maingueneau para a anaacutelise do discurso do Brasil Satildeo Carlos Pedro amp Joatildeo Editores 2008 p 110-132

LEITE T Compecircndio para ensino dos surdos-mudos 3 ed Rio de Janeiro Typographia Universal de Laemmert 1881

MAINGUENEAU D Gecircnese dos discursos Traduccedilatildeo Siacuterio Possenti Satildeo Paulo Criar Ediccedilotildees 2005

PERLIN G T T Prefaacutecio In QUADROS R M PERLIN G T T (org) Estudos Surdos II Petroacutepolis Arara Azul 2007 Disponiacutevel em http wwweditora-arara-azulcombrestudos2pdf Acesso em 5 jun 2008

POSSENTI S Elementos de anaacutelise do discurso (Minicurso) XVIII Instituto de Linguiacutestica da ABRALIN Belo Horizonte UFMG 2007

RIBEIRO M C M A A escrita de si discursos sobre o ser surdo e a surdez 2008 Dissertaccedilatildeo (Mestrado Estudos Linguiacutesticos) ndash Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2008 Disponiacutevel em httpwwwletrasufmgbrposlin defesas1270Mpdf Acesso em 4 set 2014

Aspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircnea o processo de argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeoAna Maacutercia Ruas de AquinoCarla Roselma Athayde MoraesDaniela Imaculada Pereira Costa

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Este capiacutetulo apresenta uma abordagem linguiacutestico-discursiva do gecircnero textual crocircnica jornaliacutestica brasileira com o propoacutesito de ampliar os estudos em torno das especificidades entre a argumentaccedilatildeo e a configuraccedilatildeo da opiniatildeo nesse gecircnero A crocircnica vem em tempos atuais aumentando a sua forccedila com o surgimento entre noacutes de novos cronistas e de um nuacutemero cada vez maior de textos divulgados natildeo soacute em dispositivo jornaliacutestico (impresso ou on-line) como em coletacircneas editadas especialmente para esse fim

Gecircneros como a crocircnica praticados no discurso jornaliacutestico encontram densidade e forccedila no processo retoacuterico da persuasatildeo Optar pois pela crocircnica de jornal eacute reconhecer que a sua veiculaccedilatildeo nesse suporte possui as suas peculiaridades tendo os cronistas jornaliacutesticos um papel social legitimado O cronista estabelece em sua escrita um olhar ldquoavaliativordquo ao voltar-se para o homem e o seu fazer social Perguntamo-nos entatildeo como se fundam as bases desse discurso persuasivo que ndash atestamos ndash eacute tatildeo bem aceito em nosso meio social sendo um discurso que deitou raiacutezes as quais vecircm se sustentando por mais de um seacuteculo no Brasil

Essas questotildees justificam a necessidade de aprofundar o nosso estudo em torno dos expedientes argumentativos e opinativos desse gecircnero textual A crocircnica eacute orientada pelos saberes que jaacute se constituem como um objeto de acordo entre os sujeitos sociais os cidadatildeos Seraacute traccedilado para selar o compromisso de estudar os aspectos formais discursivos e socioculturais que nos ajudem a delinear um perfil da crocircnica produzida em nosso paiacutes um breve percurso da sua origemhistoacuteria aliando a isso a pretensatildeo de sobretudo obter e mostrar novas luzes a respeito de categorias ainda polecircmicas no meio acadecircmico como o status genoloacutegico da crocircnica as suas relaccedilotildees com o par argumentaccedilatildeoconfiguraccedilatildeo da opiniatildeo Demonstraremos tambeacutem assim o retrato construiacutedo discursivamente pelo cronista dos modos e concepccedilotildees de vida da sociedade do povo brasileiro

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Do ponto de vista metodoloacutegico o corpus eacute composto por amostragem tendo em vista na medida do possiacutevel a diversidade temaacutetica do conteuacutedo dos textos a exploraccedilatildeo de dados autobiograacuteficos o grau de envolvimento com o fato relatadocomentado e o modo de conduccedilatildeo da operaccedilatildeo argumentativa com os seus efeitos de caraacuteter opinativo

A partir da seleccedilatildeo do corpus para a realizaccedilatildeo de um estudo coerente com a concepccedilatildeo da linguagem verbal contemplada como discurso caracterizada como veiacuteculo de manifestaccedilatildeo das formas como o homem constroacutei social e historicamente a sua existecircncia napela interaccedilatildeo com o outro e capaz de nos fazer alcanccedilar os objetivos pretendidos foram eleitas como suporte teoacuterico as linhas voltadas para o processamento discursivo em especial a Anaacutelise do Discurso que oferece subsiacutedios para o tratamento das categorias de anaacutelise aqui propostas

Assim seratildeo consultados especialistas consagrados (linguistas ou natildeo) entre os quais Charaudeau (2008 2015) Meyer (1993) Bakhtin (2000) Bally (1965) Perrone-Moiseacutes (2006) Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) Reboul (1984) Parret (1998) Ricoeur (2007) e Certeau (2007)

1 Retoacuterica da seduccedilatildeo nas crocircnicas

Embora vista pela maioria dos autores como um dos componentes intriacutensecos agrave linguagem humana a argumentatividade natildeo deixa de suscitar entre noacutes a polecircmica em torno da questatildeo da prevalecircncia de uma das forccedilas que movem o ser humano razatildeo e emoccedilatildeo Em defesa da conjunccedilatildeo das duas Bally (1965 p 15-16 traduccedilatildeo nossa) assim se manifesta a esse respeito ldquo[] aqueles entre meus pensamentos que germinam em plena vida nunca satildeo de ordem essencialmente intelectual satildeo movimentos acompanhados de emoccedilatildeo []rdquo24

24 No original ldquo[] celles de mes penseacutees qui germent en plein vie ne sont jamais drsquoordre essentiellment intellectuel ce sont des mouvements acompagneacutes drsquoeacutemotion []rdquo

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Nas trilhas desse autor fica perceptiacutevel aqui que o uso da palavra se daacute no interior de uma atividade enunciativa que por si soacute implica a atuaccedilatildeo de um sujeito caracterizado como ser de pensamento e de emoccedilatildeo ndash o que significa que esse processo nunca ocorre separadamente das pulsotildees vitais proacuteprias ao ser humano

Inferimos daiacute que o desejo a esperanccedila a crenccedila a indiferenccedila o descreacutedito etc tambeacutem integram a operaccedilatildeo que envolve o pensar mesclando-se a ele em maior ou menor grau de intensidade Em outras palavras o pensamento natildeo se sedimenta puramente na razatildeo o ser humano sempre tem a intenccedilatildeo de convencer o outro de encantaacute-lo de manipular os seus sentimentos de impulsionaacute-lo a realizar determinadas accedilotildees

Certamente esse modo de conceber o pensamento nos leva a perguntar o seguinte que tipo(s) de relaccedilatildeo o ldquojogo de seduccedilatildeordquo manteria com a linguagem Em ensaio Perrone-Moiseacutes (2006 p 13) afirma que ldquo[] as liacutenguas estatildeo carregadas de amavios de filtros amatoacuterios []rdquo o que nos leva a concluir que a linguagem por si e em si mesma revela-nos traccedilos daqueles que a utilizam e criam Assim ela proacutepria nos fornece os meios de seduzir o outro por intermeacutedio de estrateacutegias como a ironia a metaacutefora a metoniacutemia os eufemismos o pleonasmo os torneios como a liacutetotes etc Eacute possiacutevel fascinar o outro ateacute mesmo por meio do emprego de um determinado gecircnero textual como por exemplo a crocircnica Escrevendo-a ou lendo-a vamos aos poucos sendo envolvidos num jogo de seduccedilatildeo passando a ser ldquocuacutemplicesrdquo da sua construccedilatildeo juntamente com o seu autor

Uma consequecircncia importante desse jeito de pensar a liacutengua eacute descobrir que a figuratividade natildeo eacute uma prerrogativa do discurso literaacuterio visto por muitos estudiosos como a uacutenica modalidade passiacutevel de produzir esse tipo de ldquojogordquo executado entre outras coisas pela oscilaccedilatildeo ambiguidade e volubilidade proacuteprias agrave liacutengua Diferentemente pensamos que por mais ldquobanaisrdquo que sejam

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nossas falas cotidianas natildeo deixam de contar com elementos de natureza figurativa tambeacutem explorados em discursos institucionais como o acadecircmico o juriacutedico o jornaliacutestico o religioso etc de que costumeiramente satildeo exigidas objetividade e imparcialidade

Em suma queremos dizer que a capacidade de seduccedilatildeo de enredamento de persuasatildeo eacute interna agrave proacutepria linguagem vista pelo linguista dinamarquecircs Hjelmslev (2006) como um tecido urdido nas proacuteprias tramas do pensamento

No caso particular da crocircnica gecircnero aqui investigado cumpre-nos alertar para o fato de que a sua brevidade leveza e volatilidade natildeo significam que seja desprovida do espiacuterito reflexivo e criacutetico do seu autor Nela vemos esboccedilada a figura de um ethos com seu projeto de fala de um logos com possibilidade de conduzir o raciociacutenio a accedilatildeo do outro alvejando-lhe o pathos Dessa sorte acreditamos no caraacuteter dialoacutegico da linguagem o que nos leva a citar mais uma vez Bakhtin (2000 p 354) que nos faz a seguinte recomendaccedilatildeo

[] natildeo conveacutem compreender a relaccedilatildeo dialoacutegica de modo simplista e uniacutevoco e resumi-la a um processo de refutaccedilatildeo de controveacutersia de discordacircncia A concordacircncia eacute uma das formas mais importantes da relaccedilatildeo dialoacutegica A concordacircncia eacute rica em diversidade e em matizes

Em face dessas caracteriacutesticas e papeacuteis proacuteprios agrave linguagem cabe-nos considerar as crocircnicas produzidas entre noacutes buscando identificar e analisar as peccedilas utilizadas pelo cronista no jogo de seduccedilatildeo que estabelece com o leitor peccedilas essas que incluem o diaacutelogo com o seu leitor Veria aquele o seu puacuteblico-alvo como um adversaacuterio ou como um parceiro de criaccedilatildeo Quem seria esse puacuteblico ao qual a crocircnica se destina

Para responder a essas questotildees recorremos a Meyer (1993 p 22 traduccedilatildeo nossa) que define a retoacuterica como ldquo[] a negociaccedilatildeo da distacircncia entre os sujeitos []rdquo distacircncia essa que ldquo[] pode ser

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reduzida aumentada ou mantida segundo o casordquo25 Da nossa parte acreditamos que o objetivo do cronista eacute diminuir a distacircncia entre si e seu interlocutor O seu desejo eacute obter a anuecircncia do leitor e se possiacutevel ldquoa comunhatildeo de almasrdquo conforme nos deixa entrever um de nossos cronistas de maior renome Rubem Braga ldquoAgraves vezes tambeacutem a gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por acaso ajudou algueacutem a se reconciliar consigo mesmo ou com a sua vida de cada dia []rdquo (BRAGA 1999 p 157)

Essa incorporaccedilatildeo do leitor no texto pode funcionar como um mecanismo criador de identidade de familiaridade e consequentemente de haacutebito de leitura Por se sentir proacuteximo ao cronista o ldquohomem das ruasrdquo natildeo se sente excluiacutedo do universo da escrita mas sim faz parte do cotidiano do escritor do jornal que veicula a sua criaccedilatildeo

2 O processo de argumentaccedilatildeo na crocircnica a configuraccedilatildeo da opiniatildeo

Prosseguindo nesta seccedilatildeo com as nossas reflexotildees sobre especificidades das relaccedilotildees entre a argumentaccedilatildeo e a escrita de crocircnicas gostariacuteamos de explicitar aspectos relativos agrave configuraccedilatildeo da opiniatildeo na crocircnica como exerciacutecio de retoacuterica contemporacircnea Nesse caso encontramo-nos forccedilosamente no campo das apreciaccedilotildees valorizaccedilotildees e julgamentos tornados tangiacuteveis pela materialidade textual que visa ndash expliacutecita e tambeacutem muitas vezes implicitamente no esconderijo das entrelinhas ndash agrave adesatildeo de um determinado auditoacuterio influenciando-o em suas posturas visotildees de mundo e mesmo em suas accedilotildees cotidianas

Nesse caso o auditoacuterio a quem o cronista dirige a sua argumentaccedilatildeo se caracteriza pelo conjunto de leitores de determinado jornal conforme vemos satildeo grupos de natureza

25 No original ldquo[] la neacutegociation de la distance entre les sujets [] peut ecirctre reduite accrue ou maintenue selon les casrdquo

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heterogecircnea uma vez constituiacutedos por sujeitos de idade posiccedilatildeo social niacutevel intelectual etc diversificados Esses aspectos demandam eacute claro do cronista uma justa preocupaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao ato de argumentar e o conduzem a uma permanente busca da melhor forma de estabelecer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999) designaram como ldquoO contato de espiacuteritosrdquo

De fato a crocircnica eacute por excelecircncia e por natureza um gecircnero que pratica a opiniatildeo argumenta a favor de (ou contra) algo apresentando em prol disso justificativas provaacuteveis verossiacutemeis por vias argumentativas que falem ao intelecto ao espiacuterito e agrave alma Por que tornaacute-los antagocircnicos opostos Nem sempre eacute preciso como lemos em Reboul (1984 p 86 traduccedilatildeo nossa) ldquoA persuasatildeo deve agir tanto sobre a afetividade quanto sobre a inteligecircncia sendo isso a marca da retoacutericardquo26 Mesmo sob a manifestaccedilatildeo do seu mais recorrente modo de organizaccedilatildeo do discurso ndash o modo narrativo ndash os eventos relatados satildeo comumente expedientes para a manifestaccedilatildeo de teses e propostas sobre o mundo

Consideramos agrave vista disso que o fenocircmeno de manifestaccedilatildeo de discurso que designamos como opiniatildeo eacute fruto das relaccedilotildees inter-humanas da consciecircncia que os sujeitos possuem de natildeo estarem soacutes no mundo de que o que os outros fazem ou pensam nos interessa (e muito) e que aquilo que pensamos ou fazemos eacute tambeacutem objeto de atenccedilatildeo do outro Advecircm daiacute os fenocircmenos de modalizaccedilatildeo de nossos discursos e tambeacutem o que Bakhtin (2000) denominou de ldquotomrdquo percebido apreendido num dado discurso

Esse tom eacute pois determinado na troca intersubjetiva nas atitudes reveladas ou insinuadas pelo locutor quando das relaccedilotildees que busca estabelecer com seu interlocutor A opiniatildeo configura-se no gecircnero crocircnica sobre esta dupla base a da pessoa do cronista o qual sabe que se ele possui a sua proacutepria palavra as suas experiecircncias o leitor (ou possiacutevel leitor) da crocircnica igualmente

26 No original ldquoLa persuasion doit agir agrave la fois sur lrsquoaffectiviteacute et sur lrsquointelligence cet a la fois eacutetant la marque de la rheacutetoriquerdquo

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as possui Essa escrita processa-se portanto considerando as relaccedilotildees de um eu que estaacute para o outro e tambeacutem de um outro que deveraacute voltar-se para um eu

O cronista possui a consciecircncia de que participa de um processo interacional em que o seu discurso deve visar com a maior eficaacutecia possiacutevel ao acordo agrave concordacircncia a respeito das teses e dos motivos por que eacute preciso defendecirc-las Eacute necessaacuterio entatildeo ldquo[] ter apreccedilo pela adesatildeo do interlocutor pelo seu consentimento pela sua participaccedilatildeo mentalrdquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999 p 18)

Temos por conseguinte que uma das premissas agrave qual deve estar atento o cronista na qualidade de defensor de pontos de vista acerca de ocorrecircncias fazeres praacuteticas do cotidiano dos sujeitos que habitam as cidades eacute buscar continuamente obter informaccedilotildees a respeito do que pensam esses sujeitos sobre que valores advogam outorgam para que possa assim defendecirc-los qual a natureza das experiecircncias por que passam que tipo de laccedilos estabelecem com o seu proacuteximo o que lhes agrada ou desagrada enfim eacute buscar dados o mais proacuteximo possiacutevel dos indiviacuteduos concretos aos quais procura o cronista persuadir com asnas suas crocircnicas

Eacute claro que a partir do conhecimento de tais dados ndash muitos dos quais satildeo fornecidos pelos proacuteprios leitores dos jornais pois a miacutedia hoje procura por meio de expedientes como comentaacuterios de internautas e-mails e outros verificar os graus de adesatildeo dos leitores agrave palavra de seus profissionais ndash o sujeito argumentante o cronista constroacutei e reconstroacutei em seu discurso a imagem do ldquoauditoacuterio presumidordquo (PERELMAN OLBRECHTS-TYTECA 1999)

A imagem construiacuteda desse auditoacuterio possui o meacuterito de abarcar discursivamente crenccedilas mais gerais do que as conhecidas aqui e ali do auditoacuterio concreto e tambeacutem mais baacutesicas que tentam encontrar eco em leitores ou possiacuteveis leitores cujas posturas diante do mundo o cronista desconhece mas como a proacutepria

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designaccedilatildeo do auditoacuterio permite revelar pode presumir Nessa empreitada geralmente o cronista obteacutem sucesso como comprova o status de que goza esse gecircnero em nossa sociedade

A respeito desses dados concernentes a essa relaccedilatildeo sujeito argumentante e auditoacuterio deixamos ao leitor esta crocircnica do cronista poliacutetico do jornal Folha de Satildeo Paulo Cloacutevis Rossi que exemplarmente ratifica a nossa exposiccedilatildeo

Naacuteufragos (texto integral)Cloacutevis Rossi

Sou de um tempo em que o trabalho do jornalista assemelhava-se ao ato do naacuteufrago que coloca uma mensagem na garrafa e a lanccedila ao mar Natildeo sabe se a garrafa chegou a algum lugar a qual lugar se a mensagem foi lida se foi entendida como foi entendida

A comparaccedilatildeo esclareccedilo natildeo eacute minha Ouvi-a 30 anos atraacutes de Joseacute Antocircnio Novaes entatildeo correspondente do ldquoEstadatildeordquo e do jornal francecircs ldquoLe Monderdquo em Madri

Hoje graccedilas agrave internet os naacuteufragos jaacute sabemos o que acontece com algumas de nossas garrafas Jaacute sabemos o que antes apenas intuiacuteamos o leitor inteligente natildeo eacute o destinataacuterio passivo da mensagem mas o parceiro do naacuteufrago na observaccedilatildeo das coisas do mundo

O leitor tambeacutem lanccedila suas garrafas ndash natildeo ao mar mas na rede sabendo que chegaraacute ao destinataacuterio mas sem saber se a mensagem seraacute ou natildeo lida ou como seraacute entendida De minha parte como prestaccedilatildeo de contas informo que nos primeiros dias apoacutes a Folha ter decidido publicar o endereccedilo ao peacute de muitas colunas queixei-me de que estava perdendo duas horas por dia em meacutedia para ler e responder a correspondecircncia

Logo revi o verbo Em vez de ldquoperderrdquo sei agora que ldquoinvistordquo duas horas nesse diaacutelogo Descobri tambeacutem que na troca de ideacuteias com o leitor ganho eu Eacute claro que haacute alguns idiotas de

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plantatildeo que escrevem toneladas de asneiras mas a estes parei de responder faz tempo ndash e os que identifico parei tambeacutem de ler

Mas a grande maioria aporta informaccedilotildees que estatildeo fora do radar da miacutedia vecirc acircngulos que mesmo olhos treinados de socioacutelogos deixam passar e acima de tudo expressa sentimentos que o mundo poliacutetico parou de processar faz tempo

Tudo somado aviso ao leitor que saio hoje de feacuterias (por 15 dias) com a sensaccedilatildeo de que a tecnologia libertou o jornalista da solidatildeo do naacuteufrago mas colocou-o em contato com uma multidatildeo de outros naacuteufragos Da poliacutetica (ROSSI 2006)

O processo que visa ao conhecimento do auditoacuterio tem como alvo persuadir melhor a fim de obter uma maior adesatildeo agraves ideias que satildeo professadas pelo cronista Ele consegue essa adesatildeo por meio dos proacuteprios mecanismos que utiliza para sustentar o sistema de crenccedilas de saberes que estatildeo envolvidos em sua escrita

O cronista lida diariamente efetivamente com saberes de crenccedila que segundo Charaudeau (2015 p 45) ldquoSatildeo saberes que resultam da atividade humana quando esta se aplica a comentar o mundo isto eacute fazer com que o mundo natildeo exista mais por si mesmo mas sim atraveacutes do olhar que o sujeito lanccedila sobre elerdquo Aleacutem disso como jaacute dissemos estabelece um julgamento um olhar ldquoapreciativordquo em relaccedilatildeo a esses elementos daiacute a possibilidade de estetizaccedilatildeo do cotidiano

Enfim o sujeito argumentante na crocircnica acata e constroacutei a sua argumentaccedilatildeo privilegiando em termos mais amplos a linguagem comum ateacute celebrando-a ao desenvolver sua argumentaccedilatildeo a partir do lugar-comum De fato eacute na escrita da crocircnica em sua globalidade que a linguagem comum faz fluir dela a leitura Aliaacutes natildeo eacute proacuteprio dos cronistas cometer o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1999 p 173) citando Quintiliano e Ciacutecero dizem ser o defeito ldquotalvezrdquo mais grave do orador ldquo[] seja o de recuar ante a linguagem comum e ante as ideacuteias geralmente aceitasrdquo

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Isso constitui inclusive um acordo jaacute celebrado tacitamente entre as partes cronistas e leitores observamos a praacutetica escrituriacutestica de um discurso veiculado em linguagem que privilegia o fluir da leitura a recepccedilatildeo mais clara das ideias fala leve clara explicitamente dialoacutegica heranccedila desse gecircnero em suas bases antigas

Assim no que se refere agrave interaccedilatildeo pela leitura das crocircnicas o interlocutor eacute convidado a participar ativamente de uma troca mediada pelo texto Seu papel eacute ativar seus saberes e colocaacute-los em interaccedilatildeo com o universo discursivo de que faz parte Os textos que manifestam opiniatildeo dentro do jornal entre eles a crocircnica fazem da argumentaccedilatildeo um exerciacutecio corrente de demonstraccedilatildeo de praacuteticas sociodiscursivas O exerciacutecio da crocircnica estaacute pois associado ao diaacutelogo com forccedila de accedilatildeo caracteriacutestico da fala explicitamente retoacuterica

A contemporaneidade como construccedilatildeo do pensamento humano caracteriza-se entre outros aspectos pela reflexatildeo a respeito da possibilidade de subjetividade poreacutem subjetividade esta que sente em si mesma a necessidade de ndash ao tomar como foco aspectos de uma interioridade ndash abrir espaccedilos em graus variaacuteveis a uma intersubjetividade jaacute que o que determina a percepccedilatildeo que temos da vida interior eacute a fronteira que estabelecemos entre esta vida e a vida que estaacute ldquovoltada para forardquo (BAKHTIN 2000 p 119) ou seja voltada para a convivecircncia que manifesta o desejo e mesmo a necessidade de que o outro valide as nossas accedilotildees participe da nossa vida no tempo que se estende entre nascimento e morte em que a nossa histoacuteria eacute construiacuteda

Sobre essa tendecircncia geral explica-nos Bakhtin (2000 p 35-36)

A bem dizer na vida agimos [] julgando-nos do ponto de vista dos outros tentando compreender levar em conta o que eacute transcendente agrave nossa proacutepria consciecircncia [] em suma estamos constantemente agrave espreita dos reflexos de nossa vida tais como se manifestam na consciecircncia dos outros quer se trate de aspectos isolados quer do todo da nossa vida

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Em termos mais amplos a crocircnica se compotildee em seu conteuacutedo das ocorrecircncias contempladas no cotidiano de tudo o que alimenta o tempo da vida dos homens em seu fluir em sua transitoriedade de questotildees sobre a vida e sua contraposiccedilatildeo a morte das nossas relaccedilotildees mesquinhas terriacuteveis ou enriquecedoras dos espaccedilos comuns em que circulamos socialmente Ela natildeo pode ser a vida de apenas um homem como bem atesta Parret (1998 p 157 traduccedilatildeo nossa) ldquo[] a vida cotidiana [] eacute puacuteblica ela exige uma interpretaccedilatildeo uma compreensatildeo enfim uma semioacuteticardquo27

Os homens na sua vida em sociedade instituem ldquoinventamrdquo no dizer de Certeau (2007) o habitual a cotidianidade posturas formas de ser de agir e de falar ritualizadas axiologizadas iterativas Conviver compartilhar accedilotildees e discursos eacute que proporciona sentido agrave vida cotidiana O habitual seria entatildeo uma garantia de estabilidade para os homens Parret (1998 p 19) fala da cotidianidade como ldquo[] um princiacutepio de organizaccedilatildeo da comunidade []rdquo Nesse sentido seria o caraacuteter habitual iterativo das formas de agir e falar o que torna possiacuteveis as identidades e o viacutenculo social entre os seres elementos que contribuem decisivamente para a reduccedilatildeo da incerteza e da possibilidade de ruptura do homem com os seus proacuteximos

As relaccedilotildees sociais nesse sentido tornam o ser um agente capaz de buscar a coordenaccedilatildeo o equiliacutebrio entre a sua vida individual e a sua vida social ou como diz Ricoeur (2007 p 141) ldquo[] entre o indiviacuteduo solitaacuterio e o cidadatildeo definido pela sua contribuiccedilatildeo agrave politeia agrave vida e agrave accedilatildeo da polis []rdquo Desse trabalho executado pelos homens derivam as relaccedilotildees ditas de pertencimento como as conjugais filiais e outros viacutenculos sociais mais ou menos dispersos entre os indiviacuteduos O que esperamos entatildeo como indiviacuteduos ou cidadatildeos desses seres com os quais travamos relaccedilotildees tecemos nossa vida diaacuteria os quais fabulam conosco e com os quais fabulamos Ao tomar como base Santo Agostinho Ricoeur (2007)

27 No original ldquo[hellip] la vie quotidienne [] elle est publique elle exige une interpretation une compreacuteehension donc une seacutemiotiquerdquo

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responde que possam muitas vezes desaprovar nossas accedilotildees mas que aprovem a nossa existecircncia

Quando discutimos ldquoaspectos proacuteprios da crocircnica jornaliacutestica brasileira contemporacircneardquo pensamos nas formas como ela se (re)configura influenciando e ao mesmo tempo sendo influenciada pela dinacircmica da vida social no espaccedilo da miacutedia impressa e on-line nos motivos pelos quais sua praacutetica foi e eacute tatildeo respeitada Tanto que nos jornais os cronistas satildeo sempre ldquoescolhidos a dedordquo eacute um espaccedilo de prestiacutegio Muitos jornais importam crocircnicas de outros Processa-se uma ldquolutardquo de um gecircnero para manter-se vivo

O Brasil paiacutes com tantos problemas em relaccedilatildeo agrave leitura em diversos aspectos tem na crocircnica a oportunidade de um exerciacutecio do ato de ler que compreendemos como significativo ela eacute benquista lida por camadas relativamente variadas da populaccedilatildeo Temos como pretensatildeo justamente aprofundar os estudos e a compreensatildeo da crocircnica apresentando aspectos mais densos que realmente demonstrem a pertinecircncia de a termos como um gecircnero que ocupa lugar de destaque na realidade sociocultural da atualidade no Brasil

Com isso observamos tambeacutem a proacutepria coerecircncia da vida do gecircnero crocircnica em nossa sociedade em como e por que tem ldquose garantidordquo ateacute agora ou seja com tantas transformaccedilotildees soacutecio-histoacutericas como se comportou e comporta a essecircncia a integridade do gecircnero quando sabemos que ele influencia e ao mesmo tempo sofre influecircncia das formas de accedilatildeo e de discurso em sociedade

Aprendemos com as leituras de Bakhtin que para que um gecircnero se desintegre eacute preciso que se perca a sua essecircncia Senatildeo ele eacute capaz de reaparecer transfigurado de alguma maneira por meio de formas renovadas de vida e de circulaccedilatildeo social dos textos

Em geral a vida cultural na sociedade permite o acesso dos indiviacuteduos a protoacutetipos e ateacute a fragmentos dos gecircneros o que torna possiacutevel a sua assimilaccedilatildeo o seu aprendizado tanto da leitura

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quanto da escrita A cada funccedilatildeo social comunicativa corresponde um ou mais gecircneros que designam essas funccedilotildees por meio dos quais interagimos com aqueles que nos rodeiam Eacute certo que os gecircneros evoluem transformam-se porque atendem ao dinamismo comum da vida social poreacutem conservam na sua composiccedilatildeo orgacircnica na sua ldquomemoacuteria objetivardquo traccedilos de composiccedilatildeo que nos permitem com eles lidar utilizaacute-los em nossa comunicaccedilatildeo

O estilo de liacutengua da prosa no gecircnero crocircnica na escrita guarda o traccedilo do despojamento da simplicidade do linguajar do apelo a um vocabulaacuterio composto por termos em sua maioria de faacutecil alcance quanto ao sentido caracteriacutesticos das narrativas orais desde as mais antigas que a humanidade tratou de divulgar tiacutepicas do cotidiano Eacute oacutebvio que a crocircnica contemporacircnea nessa passagem do cotidiano ao jornal busca neutralizar traccedilos muito tiacutepicos particulares de comunidades restritas pela proacutepria procedecircncia do seu puacuteblico o cidadatildeo urbano A linguagem nesse caso como em todos os outros eacute percebida e trabalhada pelo cronista como um material genuinamente socioideoloacutegico portadora de pontos de vista sobre o mundo numa tentativa de uniatildeo harmoniosa com a instacircncia cidadatilde

No que diz respeito ao gecircnero e agrave sua estruturaccedilatildeo configuracional observamos que a crocircnica eacute um texto curto Eacute um discurso que no jornal natildeo pode ldquoocuparrdquo muito o leitor Pelo menos natildeo deve preencher um demasiado tempoespaccedilo real concreto de leitura Eacute uma leitura a ser feita a fim de se usufruir dela no espaccedilotempo de um breve momento Mas nessa brevidade de espaccedilotempo ela deve deixar o leitor satisfeito

O jornal eacute diaacuterio a crocircnica eacute diaacuteria e deve aleacutem disso levar o leitor a procuraacute-la todos os dias nesse jornal (de preferecircncia) em busca de um tema novo de mais um motivo para uma prosa uma conversa Vivemos o evento da leitura da crocircnica ocupando-nos do papel de coparticipantes a partir da nossa subjetividade Tomamos postura realizamos juiacutezos valoraccedilotildees enfim a nossa

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posiccedilatildeo eacute atuante O conjunto desse mundo discursivo percebido vivenciado pelo cronista revive diante do nosso olhar da nossa presenccedila da apreciaccedilatildeo que realizamos do seu conteuacutedo

O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com prudecircncia astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e de ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui como nos diz Charaudeau (2015) num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

No caso dos jornais brasileiros o cronista poliacutetico jaacute trabalha efetivamente na formaccedilatildeo da opiniatildeo embora de formas diferenciadas a depender da postura ideoloacutegica desse ou daquele jornal Por outro lado nos jornais brasileiros um cronista literato poderiacuteamos dizer com criatividade artiacutestica de escritor eacute o que institui entre outras coisas o espaccedilo do ldquorespirarrdquo de cessaccedilatildeo ainda que momentacircnea da secura ou do sensacionalismo da reportagem por exemplo ainda que ele esteja fazendo a criacutetica social ou poliacutetica

Temos por convicccedilatildeo que as reflexotildees realizadas neste trabalho contribuiratildeo para a sistematizaccedilatildeo de elementos baacutesicos que conferiram e conferem agrave crocircnica jornaliacutestica brasileira o estatuto de gecircnero textual para a sistematizaccedilatildeo das razotildees por que tomou e toma como objeto primordial de seu discurso os temas do cotidiano dos cidadatildeos

O espaccedilo midiaacutetico em que ela figura o jornal impresso ou on-line mais do que o suporte em que a crocircnica circula eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Por outro lado a proacutepria crocircnica determina outras formas de surgimento de outros textos que figuram no jornal Ou ainda

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manifesta-se sempre como espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social

3 Qual eacute o status genoloacutegico da crocircnica

Hospedeira de vaacuterios gecircneros textuais tiacutepicos tanto do discurso oral quanto do escrito a crocircnica serve a dois ldquosenhoresrdquo ou domiacutenios discursivos caracterizando-se em sua concisatildeo como texto jornaliacutestico e em seu lirismo como texto literaacuterio Por seu caraacuteter essencialmente mesclado a crocircnica ndash no que toca agrave diversidade de gecircneros que por ela perpassam assim como na variedade de formas de organizaccedilatildeo do discurso utilizadas em sua produccedilatildeo ndash continua ateacute hoje a desafiar os estudiosos a definir-lhe de vez o status genoloacutegico Esse desafio vem de longa data em nosso meio jaacute que se estendia ao ldquofolhetimrdquo seu ancestral

Vemos no caso que embora constante das diversas modalidades de discurso o hibridismo se manifesta de um modo especial no texto croniacutestico configurando-se pois como um de seus traccedilos peculiares manifestados quer na relaccedilatildeo entre o discurso e a praacutetica social a que se encontra ligado quer entre as diversas praacuteticas sociais e as instituiccedilotildees que as regem

Vejamos por exemplo neste excerto da crocircnica de Caio Fernando Abreu como a prosa se mescla agrave poesia e agrave interpelaccedilatildeo direta sendo uma proposta expliacutecita de diaacutelogo

Deus eacute naja (excerto)

Caio Fernando AbreuDia seguinte meu amigo Dark contou ndash ldquotive um sonho lindo Imagina soacute uma jamanta toda douradardquo Rimos ateacute ficar com dor na barriga E eu lembrei dum poema antigo de Drummond Aquele Consolo na Praia sabe qual lsquoVamos natildeo chores A infacircncia estaacute perdida A mocidade estaacute perdida Mas a vida natildeo se perdeursquo ndash ele comeccedila antes de enumerar as perdas

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irreparaacuteveis perdeste o amigo perdeste o amor natildeo tens nada aleacutem da maacutegoa e solidatildeo E quando o desejo da jamanta ameaccedila invadir o poema Drummond o Carlos pergunta lsquoMas e o humorrsquo Porque esse talvez seja o uacutenico remeacutedio quando ameaccedila doer demais [] Porque tambeacutem me acontece ndash como pode estar acontecendo a vocecirc que quem sabe me lecirc agora ndash de achar que tudo isso talvez natildeo tenha a menor graccedila Pode ser Deus eacute naja nunca esqueccedila baby Segure seu humor Seguro o meu mesmo dark vou dormir profundamente e sonhar com uma linda e fatal jamanta A mil por hora (ABREU 2007 p 242-243)

Acerca dessa duplicidade basilar da crocircnica e da extensatildeo e variaccedilatildeo do hibridismo que a constitui em seu trabalho a respeito da produccedilatildeo croniacutestica de Cony Andrade (2005 p 299) assim se manifesta

Como se sabe a crocircnica eacute um gecircnero que apresenta dupla filiaccedilatildeo jaacute que o tempo e o espaccedilo curtos permitem o tratamento literaacuterio a temas jornaliacutesticos Assim ela tem do jornal a concisatildeo e a pressa e da literatura a magia e a poeticidade que recriam o cotidiano Nela se podem apresentar pequenos contos artigos ensaios ou poemas em prosa ou seja tudo aquilo que informe o leitor sobre os acontecimentos diaacuterios O cronista faz descriccedilotildees comentaacuterios a partir da observaccedilatildeo direta de fatos ou situaccedilotildees sujeitos agraves marcas do subjetivismo Desse modo registrar o elemento circunstancial passa a ser o princiacutepio baacutesico da crocircnica Por essas caracteriacutesticas e principalmente por sua brevidade a crocircnica torna-se um gecircnero peculiar para que o leitor possa ainda que indiretamente construir sua opiniatildeo a respeito dos principais temas do noticiaacuterio nacional ou internacional []

Foi justamente esse caraacuteter hiacutebrido da crocircnica ndash de um modo particular da que eacute produzida e veiculada nos jornais de maior circulaccedilatildeo no Brasil ndash um dos moacuteveis que nos levaram a elegecirc-la como objeto de estudo do presente trabalho

Como resistir pois agraves colunas de jornais que abrem espaccedilo para a apresentaccedilatildeo de relatos os quais escritos hoje ldquoao correr

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do teclado do computadorrdquo notificam-nos em tom avaliativo sobre os grandes e pequenos acontecimentos que recheiam o nosso dia a dia Como desprezar o tom de pilheacuteria de chalaccedila conferido por nossos cronistas no tratamento de assuntos seacuterios como os desmandos de nossos poliacuteticos que lutam tatildeo bravamente em prol de seu bolso Como ignorar o DNA de escritores que conforme ilustrado no fragmento abaixo fazem do humor uma verdadeira arma pedagoacutegica em prol do estabelecimento de uma eacutetica precisa e justa entre noacutes

Quando a histoacuteria daacute bode (excerto)

Affonso Romano de SantrsquoAnnaUm candidato a presidente da repuacuteblica com 94 anos E cego Eacute ver para crer Isto ocorreu haacute poucos dias na Repuacuteblica Dominicana Esse senhor se chama Joaquim Balaguer Detalhe jaacute foi presidente umas seis vezes Claro que perdeu Os eleitores agraves vezes enxergam de longe

Quando li essa notiacutecia achei que estava lendo um romance de Garciacutea Maacuterquez puro realismo fantaacutestico latino-americano No entanto estava diante de jornais venezuelanos estava ali no Caribe pois havia ido fazer uma conferecircncia na Universidade de Caracas E estar no Caribe daacute um colorido especial ao fato pois neste continente a realidade supera qualquer alucinaccedilatildeo [] (SANTrsquoANNA 2006 p 194)

Nas trilhas de especialistas como Charaudeau (2008) e outros a organizaccedilatildeo composicional da crocircnica compreende os seguintes modos discursivos narraccedilatildeo descriccedilatildeo dissertaccedilatildeo argumentaccedilatildeo e injunccedilatildeo variaacutevel conforme o grau de saliecircncia conferido a cada uma dessas possibilidades Embora no tocante agrave crocircnica a maioria de nossos autores privilegiem o modo narrativo natildeo deixam de explorar os demais destacando sempre um deles A constacircncia na escolha de um mesmo destaque serve como elemento de distinccedilatildeo estiliacutestica entre os autores Assim por exemplo Machado

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de Assis eacute considerado por seus pares e pelos estudiosos da sua crocircnica como o cronista ldquoformador de leitoresrdquo Joatildeo do Rio como o ldquocronista da reportagemrdquo Rubem Braga como ldquoo magoartesatildeo da palavrardquo ou como o ldquocronista liacutericordquo Otto Lara Rezende como o ldquoperdulaacuterio verbalrdquo Clarice Lispector como a ldquoautoplagiaacuteriardquo etc

A respeito do liacuterico Rubem Braga leiamos

Recado ao senhor 903 (excerto)

Rubem Braga[] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo em que um homem batesse agrave porta do outro e dissesse ldquovizinho satildeo trecircs horas da manhatilde e ouvi muacutesica em tua casa Aqui estourdquo E o outro respondesse ldquoEntra vizinho e come do meu patildeo e bebe do meu vinho Aqui estamos todos a bailar e a cantar pois descobrimos que a vida eacute curta e a lua eacute belardquo [] (BRAGA 1991 p 74)

Certamente a concessatildeo de privileacutegio a um dos modos de organizaccedilatildeo do discurso natildeo implica a exclusatildeo automaacutetica dos demais Na verdade embora menos destacados esses coatuam com o mais proeminente servindo como componentes indispensaacuteveis para a operaccedilatildeo levada a termo pelo autor Por conseguinte natildeo nos estranha a presenccedila de ingredientes descritivos e dissertativos na narrativa efetuada pelo escritor mineiro Affonso Romano no fragmento correspondente ao excerto a esse anteriormente apresentado

Natildeo obstante esse ldquojeito camaleocircnico de serrdquo da crocircnica da sua fugacidade do seu caraacuteter mais popular longe de noacutes julgaacute-la inferior a gecircneros elitistas conforme o faz ateacute hoje uma parte de nossos criacuteticos Ao contraacuterio conforme jaacute dito aqui a nosso ver satildeo justamente esses traccedilos que juntamente com outros fizeram da crocircnica um dos gecircneros mais cultuados no Brasil tanto do ponto de vista da instacircncia produtora quanto da receptora

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Isso sem falar que esses e outros elementos mais como a heterogeneidade temaacutetica e formal a dialogicidade intra e interdiscursiva o tipo e grau de interaccedilatildeo entre o escritor e o leitor o estilo do escritor etc podem refletir especularmente a praacutetica social que determina a crocircnica bem como o quadro poliacutetico econocircmico histoacuterico e sociocultural em que se acha inserida

Inferimos disso tudo que aleacutem de instrumento de lazer de informaccedilatildeo de fruiccedilatildeo do prazer esteacutetico a crocircnica tem o poder de nos revelar fatos acontecimentos haacutebitos costumes e a proacutepria mentalidade vigentes nos variados grupos humanos cujos sujeitos como seres sociais buscam interagir uns com os outros Tudo isso num espaccedilo miacutenimo e num aacutetimo de tempo

Outro tipo de hibridismo a mencionar aqui eacute o que diz respeito agrave sua temaacutetica cujas possibilidades de variaccedilatildeo satildeo inestimaacuteveis No caso dos cronistas brasileiros surpreende-nos a capacidade que tecircm de tratar de assuntos tatildeo corriqueiros e tatildeo inesperados Expert nesse quesito Luiacutes Fernando Veriacutessimo por exemplo assim subverte em operaccedilatildeo metalinguiacutestica e intertextual ldquoo aparelho formal da enunciaccedilatildeordquo o subjetivismo na linguagem estudados por teoacutericos como Benveniste (1989) e o mito da criaccedilatildeo constante do Livro do Gecircnesis

A primeira pessoa (excerto)

Luiacutes Fernando VeriacutessimoNo comeccedilo era eu Soacute eu Eu eu eu eu eu eu Natildeo existia nem a segunda pessoa do singular porque eu natildeo podia chamar Deus de ldquoturdquo Tinha que chamaacute-lo de ldquoSenhorrdquo Natildeo existia ldquoelerdquo Natildeo existia ldquonoacutesrdquo Nem ldquovoacutesrdquo Nem ldquoelesrdquo Soacute existia eu Eu eu eu eu Natildeo que eu fosse um egocecircntrico Eacute que natildeo havia alternativa

Eu natildeo podia pensar nos outros porque natildeo havia outros O mundo era uma gramaacutetica em branco Soacute havia eu e todos os verbos eram na primeira pessoa Eu abri os olhos Eu olhei em volta Eu vi que estava num Paraiacuteso (do grego paradeisos um

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jardim de prazeres ou do persa paridaiza o parque de um nobre mas isso soacute se soube depois) Eu perguntei ldquoO que devo fazer Senhorrdquo e Deus responde ldquoNada apenas existardquo E eu fui tomado pelo teacutedio A primeira sensaccedilatildeo humana [] (VERIacuteSSIMO 2005 p 107)

Como consequecircncia do hibridismo do domiacutenio discursivo da crocircnica outros tipos de miscigenaccedilatildeo podem ser instaurados na qualidade de texto do suporte jornal que abriga gecircneros textuais diferentes instauram-se desde as colunas sociais agraves colunas de notiacutecias de reportagens de editoriais de informaccedilotildees cientiacuteficas de missivas dirigidas ao leitor e ao jornal etc Isso sem falar nos obituaacuterios nos anuacutencios nos classificados na mateacuteria dirigida especialmente a crianccedilas jovens adultos etc A crocircnica se aproveita desse manancial trazendo em seu bojo notiacutecias reportagens anuacutencios chegando a assumir por vezes a forma de missiva de editorial de coluna social etc

4 Consideraccedilotildees finais

A pretensatildeo deste trabalho foi observar como se comporta o gecircnero textual crocircnica em seu espaccedilo costumeiro no jornal O espaccedilo do texto opinativo no caso da crocircnica no jornal eacute um espaccedilo respeitado E o cronista tem como papel movimentar-se com astuacutecia com competecircncia discursiva porque apesar das ldquoanguacutestiasrdquo que enfrenta nas defesas de pontos de vista apesar do crivo pelo qual deve passar a seleccedilatildeo das ideias e do ldquocomordquo dizer em termos dos interesses que defende esse ou aquele jornal ele se constitui num dos poucos profissionais que efetivamente pode colaborar na formaccedilatildeo de ideias consensuais comunitaacuterias na miacutedia impressaon-line por exemplo

O espaccedilo midiaacutetico em que a crocircnica figura mais do que um suporte eacute um dispositivo que determina o seu aparecimento e a sua forma de configuraccedilatildeo Esse gecircnero constitui-se sempre como um espaccedilo de reflexatildeo de argumentaccedilatildeo de exerciacutecio de

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retoacuterica de instauraccedilatildeo de discussotildees em torno da vida social em operaccedilotildees que visam agrave concordacircncia na troca interlocutiva por isso mesmo os cronistas satildeo instauradores de uma empatia entre os interlocutores

Este trabalho procurou ir ao encontro dessa forma de enxergar o discurso da crocircnica em que observaacutessemos o conjunto de forccedilas que contribuiacuteram e continuam contribuindo para a conquista do espaccedilo de prestiacutegio que o gecircnero possui em que o cronista precisa conjugar posiccedilatildeo institucional forccedila argumentativa persuasiva e talento na arte da escrita do seu discurso a fim de que o seu interlocutor se veja a cada crocircnica lida mais seduzido pelo gecircnero mesmo porque afinal nesse processo de persuasatildeo se o cronista obteacutem sucesso eacute pelo fato de que de alguma maneira o leitor se encontra ali inscrito pois o orador arguto natildeo negligencia o seu auditoacuterio antes respeita os seus saberes de conhecimento de crenccedila e sabe que precisa angariar a sua simpatia a sua predisposiccedilatildeo para ldquoouvirrdquo acatar ideias modificar posturas

Enfim essa posiccedilatildeo de legitimidade institucional do cronista repousa na imagem que ele daacute a entender de si mesmo a do cidadatildeo tal qual o outro que o lecirc

Referecircncias

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VERIacuteSSIMO L F A primeira pessoa In VERIacuteSSIMO L F Orgias Rio de Janeiro Objetiva 2005 p 107-110

Crenccedilas e preconceitos na sala de aula e o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutesticaGilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

Somos movidos por diferentes convicccedilotildees crenccedilas e valores que orientam nossas condutas e atitudes na sociedade Esse conjunto de concepccedilotildees abrange diferentes assuntos como poliacutetica e religiatildeo ou diversas aacutereas do conhecimento como a Sociologia ou a Histoacuteria ora com embasamento cientiacutefico ora com ideias disseminadas pelo senso comum Entre os variados temas que levantam discussotildees encontra-se a liacutengua Rejeitada criticada ou amada muitas satildeo as percepccedilotildees e avaliaccedilotildees sobre ela e seus usuaacuterios

Em relaccedilatildeo agrave Liacutengua Portuguesa variados mitos conforme Bagno (2013) percorrem o imaginaacuterio social Podemos citar por exemplo aqueles que consideram que o brasileiro fala mal sua proacutepria liacutengua que o idioma eacute muito difiacutecil e que o aluno fala ldquoerradordquo Essas manifestaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave liacutengua ou a seus usuaacuterios natildeo soacute satildeo muitas vezes construiacutedas na escola mas tambeacutem no aparato social que vai (re)construiacute-las sustentaacute-las ou perpetuaacute-las (CYRANKA 2014) Por isso a importacircncia de compreendermos as crenccedilas e atitudes sobre a liacutengua toacutepicos de um dos campos de estudo da Sociolinguiacutestica

Se os falantes podem ter diferentes percepccedilotildees sobre a linguagem e sobre o outro pelo uso que este faz da liacutengua eacute pertinente analisar essas percepccedilotildees e empreender esforccedilos para um entendimento sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica descortinando crenccedilas e preconceitos Sob essa perspectiva neste capiacutetulo abordamos o estudo ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014)

Assim em um primeiro momento contextualizamos a pesquisa descrevendo o cenaacuterio escolar em que se desenvolveu e o puacuteblico participante Em seguida discutimos os pressupostos teoacutericos que embasaram as reflexotildees e trilhamos o percurso do estudo levantando hipoacuteteses definindo objetivos e delineando

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os procedimentos metodoloacutegicos Na sequecircncia analisamos e levantamos questotildees sobre os resultados gerais que alcanccedilamos tecemos nossas consideraccedilotildees finais e arrolamos as referecircncias

2 Contexto da pesquisa e perfil de informantes

A pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo foi realizada com duas turmas do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica municipal de Baratildeo de Cocais ndash Minas Gerais Participaram do estudo 42 alunos dos quais 23 de uma turma do 6ordm ano e 19 de uma do 8ordm ano Para levantarmos informaccedilotildees sobre esses estudantes e traccedilarmos um perfil dos informantes aplicamos um questionaacuterio a eles e a seus responsaacuteveis analisamos documentos da escola e dados fornecidos pelas Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Municipal de Educaccedilatildeo e consideramos informaccedilotildees do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE) e da Prova Brasil (2011)

Esse conjunto de dados e de informaccedilotildees foi relevante porque acreditamos que para ser significativo o tratamento da Liacutengua Portuguesa precisa considerar as demandas dificuldades potencialidades e interesses dos alunos de modo que seja fundamental levar em conta suas particularidades socioculturais e analisar documentos da escola e resultados de avaliaccedilotildees externas e internas

Por meio do levantamento dessas informaccedilotildees pudemos constatar em relaccedilatildeo aos 42 alunos que a) a faixa etaacuteria dos informantes oscilava entre 11 e 18 anos b) a maioria dos alunos da turma do 6ordm ano (61) se enquadrava na faixa etaacuteria esperada para se cursar essa etapa enquanto apenas um aluno da turma do 8ordm ano estava em idade prevista ao ano escolar que cursava o que apontava no caso dessa uacuteltima turma haver um alto iacutendice de distorccedilatildeo idade-ano escolar (95) indicativo de que muitos alunos

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haviam repetido algum ano escolar inclusive o proacuteprio 8ordm ano (60) c) 785 dos estudantes informaram que natildeo tinham biblioteca ou livros para leitura em casa o que demonstrou a necessidade de a escola desenvolver praacuteticas de leitura e d) grande parte dos alunos das duas turmas reside na zona urbana 87 dos 23 alunos do 6ordm ano e 79 do 8o ano

A obtenccedilatildeo desses e de outros dados nos permitiu compilar caracteriacutesticas dos estudantes natildeo soacute escolares mas tambeacutem sociais e culturais (QUEIROZ PEREIRA 2013) o que foi primordial para um adequado encaminhamento de nossa proposta de intervenccedilatildeo porque sabemos que esses diferentes fatores podem exercer influecircncia no sucesso (ou no fracasso) dos estudantes (CAPOVILLA CAPOVILLA 2000)

Com base nesses princiacutepios a motivaccedilatildeo de nosso estudo partiu de avaliaccedilotildees negativas de alguns dos alunos sobre determinados usos linguiacutesticos que resultaram no silenciamento de um estudante que justificava sua natildeo participaccedilatildeo em aula entre outros motivos ao modo como falava uma variedade rural que ele considerava ldquoerradardquo

A partir disso julgamos ser urgente uma abordagem condizente sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula para natildeo soacute mostrar aos alunos que uma grande diversidade caracteriza o Portuguecircs mas sobretudo para desfazer imagens negativas sobre essa variaccedilatildeo e consequentemente elevar a autoestima linguiacutestica e social dos estudantes Para atingirmos essa meta alicerccedilamos nosso estudo em fundamentos que abordamos na proacutexima seccedilatildeo

3 Pressupostos teoacutericos

O foco de nosso estudo foi trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica em sala de aula desfazendo mitos preconceitos e imagens negativas dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa e sobre os proacuteprios falantes Nesse intuito fizemos um levantamento bibliograacutefico de diferentes

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trabalhos e pesquisas sobre o ensino de Portuguecircs em especial o tratamento da variaccedilatildeo linguiacutestica Nesse sentido definimos como principais contribuiccedilotildees os construtos da Sociolinguiacutestica e da Sociolinguiacutestica Educacional

Assumimos primeiramente a concepccedilatildeo sociointeracionista da liacutengua porque eacute por meio dela que interagimos estabelecemos relaccedilotildees dialoacutegicas exercemos influecircncia e somos influenciados Assim sendo nosso conceito de liacutengua ultrapassa a mera noccedilatildeo de coacutedigo ou de conjunto de regras a serem seguidas para bem falar e escrever para passar a se referir a um instrumento ou mecanismo de accedilatildeo social heterogecircneo variaacutevel e situado que se manifesta nos mais diferentes gecircneros textuais orais ou escritos (MARCUSCHI 2000) Entender a liacutengua nessa perspectiva pressupotildee levar em conta suas interseccedilotildees com o contexto social em que eacute utilizada e com o qual estabelece os mais variados tipos de relaccedilatildeo aspectos que nos direcionam para os estudos sociolinguiacutesticos

A Sociolinguiacutestica eacute um campo da Linguiacutestica que comeccedilou a tomar corpo pelas contribuiccedilotildees de diferentes pesquisadores como Meillet e Bernstein e que surgiu a partir da iniciativa de Bright ao reunir em 1964 em Los Angeles um grupo para discutir questotildees relacionadas a essa ciecircncia como por exemplo a etnologia da variaccedilatildeo linguiacutestica (CALVET 2002) Mas Labov se tornaria o principal precursor dessa linha de pesquisa Com o estudo e a valorizaccedilatildeo da variedade linguiacutestica e do entendimento das condiccedilotildees socioculturais em que ela se desenvolve foram legitimados os diferentes modos de dizer um mesmo conteuacutedo em uma mesma situaccedilatildeo com o mesmo valor de verdade (TARALLO 1997)

A partir das discussotildees de Faraco (1998) e de Bortoni-Ricardo (2014) entendemos que a Sociolinguiacutestica faz uma relaccedilatildeo entre usos linguiacutesticos e fatores sociais como o grau de escolaridade e o niacutevel socioeconocircmico do falante Ainda que sejam distintos a liacutengua e o contexto social se correlacionam o que significa que

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regras variaacuteveis podem estar condicionadas a fatos linguiacutesticos como o contexto na palavra ou no texto em que ocorrem ou a fatos extralinguiacutesticos como a faixa etaacuteria e a situaccedilatildeo de formalidade ou informalidade da interaccedilatildeo Com base em Cezario e Votre (2013) podemos citar em relaccedilatildeo ao primeiro caso a realizaccedilatildeo ou natildeo do fonema [R] final em verbos conforme o contexto fonoloacutegico seguinte a ele a presenccedila de uma vogal favorece a pronuacutencia do [ɾ] reorganizando a siacutelaba (como em ldquopegar a crianccedilardquo) enquanto a consoante acaba desfavorecendo (ldquotomar banhordquo) Acerca da segunda situaccedilatildeo ainda na ocorrecircncia ou natildeo do [R] final de infinitivo falantes com menor grau de escolaridade tendem a apagaacute-lo ao contraacuterio daqueles que tecircm maior grau

Assim trata-se de uma aacuterea de pesquisa que procura analisar os eventos linguiacutesticos tanto interna quanto externamente em sua relaccedilatildeo com fatores sociais culturais e histoacutericos que influenciam e caracterizam a liacutengua estudada como ela ocorre em seus diferentes usos diversa como o proacuteprio ser humano A variaccedilatildeo com isso torna-se uma caracteriacutestica constitutiva das liacutenguas em uso

Essa variaccedilatildeo com base em Castilho (2014) pode por exemplo ser temporal (analisar o Portuguecircs de periacuteodos passados em relaccedilatildeo ao mais atual) geograacutefica (verificar as relaccedilotildees entre origem do falante e os usos especiacuteficos que faz da liacutengua) sociocultural (como correlacionar determinados usos da liacutengua com segmentos da sociedade) individual (considerar caracteriacutesticas proacuteprias do falante como idade e gecircnero) de registro (levar em conta a formalidade ou informalidade) ou de canal (estudar usos escritos ou falados) Acresccedila-se a isso que a variaccedilatildeo pode se processar em qualquer niacutevel da liacutengua como o fonoloacutegico (por exemplo as diferentes realizaccedilotildees do ldquoerdquo da palavra ldquoescolardquo [i] [e] ou [ε]) o lexical (como tangerina ou mexerica) e o sintaacutetico (ldquoo pai cujo filho eacute meacutedicordquo ou ldquoo pai que o filho eacute meacutedicordquo)

Se a variaccedilatildeo eacute intriacutenseca agrave liacutengua como abordaacute-la em sala de aula Para responder a essa indagaccedilatildeo buscamos subsiacutedios na

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Sociolinguiacutestica Educacional que no Brasil estaacute muito vinculada aos importantes trabalhos da professora e pesquisadora Stella Maris Bortoni-Ricardo Trata-se de uma vertente que procura natildeo soacute analisar a variaccedilatildeo que caracteriza a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem trazer para o contexto da sala de aula suas aplicaccedilotildees (e implicaccedilotildees) (BORTONI-RICARDO 1999)

Para tanto Bortoni-Ricardo (2005) propotildee entender e trabalhar a ecologia do Portuguecircs Brasileiro ao considerar trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica Por se tratar de contiacutenuos eacute importante concebecirc-los como processos ou eventos os quais contemplam diferentes usos que muitas vezes se entrelaccedilam e por isso podem natildeo ter fronteiras bem demarcadas No primeiro caso podemos pensar em usos rurais mais isolados em um dos polos e no outro em usos urbanos que sofreram maior padronizaccedilatildeo perpassados pelo ldquorurbanordquo que podem englobar por exemplo usos por falantes que migraram de uma regiatildeo para outra mas que ainda preservam seus antecedentes culturais e linguiacutesticos Em relaccedilatildeo agrave oralidade-letramento de um lado se enquadram os usos falados sem influecircncia direta da escrita e do outro os usos sob a mediaccedilatildeo da escrita enquanto a monitoraccedilatildeo estiliacutestica se refere aos usos mais monitorados e planejados de um lado do contiacutenuo e do outro usos mais espontacircneos e menos monitorados

Eacute importante em sala considerar esses contiacutenuos pois conforme Bagno (2017) ao se ampliar o repertoacuterio do aluno e ao inseri-lo cada vez mais em eventos da cultura letrada ele teraacute mais subsiacutedios para participar eficientemente das situaccedilotildees de interaccedilatildeo Nesse sentido eacute oportuno que a escola desenvolva atividades que possam levar os estudantes a dominar a liacutengua em praacuteticas sociais operando assim sobre as variadas dimensotildees da linguagem (gramatical semacircntica pragmaacutetica) (BRASIL 1998)

Nesse processo cabe ldquoinstrumentalizar o aprendiz para que ele possa descobrir com seus camaradas as determinaccedilotildees sociais

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das situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo assim como o valor das unidades linguiacutesticas no quadro de seu uso efetivordquo (DOLZ SCHNEUWLY 2004 p 47) Isso significa que no caso do tratamento da variaccedilatildeo em sala o foco deve ser refletir sobre os diferentes usos da linguagem conforme o contexto comunicativo avaliando as intenccedilotildees discursivas e os efeitos de sentido pretendidos e alcanccedilados

A perspectiva eacute trabalhar a diversidade que caracteriza a liacutengua contemplando os variados gecircneros textuais-discursivos orais ou escritos e contribuir consequentemente para ampliar a competecircncia linguiacutestico-comunicativa do estudante por meio de praacuteticas efetivas de uso da linguagem elevando a autoestima do aluno como falante da Liacutengua Portuguesa e conscientizando-o de que a variaccedilatildeo pode envolver avaliaccedilatildeo A esse respeito Cyranka (2014) pontua que a avaliaccedilatildeo linguiacutestica eacute um tema que deve ser discutido porque estaacute relacionado agraves atitudes em relaccedilatildeo agrave liacutengua e ao proacuteprio falante

Assim se crenccedilas imagens e percepccedilotildees sobre a liacutengua podem influenciar o comportamento linguiacutestico e social eacute necessaacuteria uma proposta pedagoacutegica que se oriente natildeo somente pela identificaccedilatildeo de que a liacutengua varia mas que ao constatar essa variaccedilatildeo envolva tambeacutem reflexatildeo conscientizaccedilatildeo e especialmente respeito e aceitaccedilatildeo da diversidade linguiacutestica Adotamos essa perspectiva com base em Bortoni-Ricardo (2005) porque ldquoa compreensatildeo indevida a natildeo compreensatildeo ou a subversatildeo [de] normas valores e atitudes podem resultar em atitudes violentas comportamentos agressivos atos preconceituosos diante da imposiccedilatildeo (e da natildeo aceitaccedilatildeo) autoritaacuteria de formas de ser pensar e agirrdquo (SOARES 2014 p 105)

Diante disso a partir do momento em que o aluno compreende o que eacute a variaccedilatildeo linguiacutestica e passa a aceitar a diversidade de usos poderaacute agir respeitosamente com relaccedilatildeo aos diferentes falares e aos usuaacuterios da linguagem e elevar sua autoestima como falante o que poderaacute resultar na geraccedilatildeo de avaliaccedilotildees positivas e

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no combate ao preconceito linguiacutestico Esse aliaacutes foi um de nossos objetivos ao levantarmos as imagens (negativas) de alguns alunos sobre o modo como eles proacuteprios se avaliavam como falantes da Liacutengua Portuguesa e a partir disso desmitificar crenccedilas e conscientizaacute-los sobre a diversidade linguiacutestica

Com base nesses pressupostos desenvolvemos a pesquisa cujo percurso de realizaccedilatildeo detalhamos no proacuteximo toacutepico

4 Percurso do estudo

A pesquisa que ora sintetizamos partiu de nossa experiecircncia em sala de aula especialmente pela observaccedilatildeo sobre as imagens negativas que os alunos da turma do 8ordm ano tinham da liacutengua dentre os quais destacamos um estudante que pouco participava das aulas devido agrave avaliaccedilatildeo que ele proacuteprio fazia de sua fala a qual considerava ldquoerradardquo por sua origem rural Tornou-se necessaacuterio assim compreendermos o fenocircmeno agrave luz de teorias pertinentes orientando-nos pelos pressupostos da Sociolinguiacutestica Educacional

Isso posto levantamos duas hipoacuteteses para a pesquisa observando se (1) os alunos demonstrariam ter imagens equivocadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica e a partir disso se (2) o tratamento da variaccedilatildeo poderia ser favorecido por meio do desenvolvimento de atividades Consideramos essas hipoacuteteses muito importantes porque a primeira focalizava o levantamento de imagens enquanto a segunda consequecircncia da outra referia-se ao tratamento dessas imagens em sala de aula

Por isso guiaram as metas da pesquisa sendo objetivo geral fazer uma abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com os alunos o que pressupunha tanto compreender como eles percebiam a diversidade da liacutengua quanto a partir dessas percepccedilotildees desenvolver atividades que priorizassem a abordagem da variaccedilatildeo em sala de aula e contribuiacutessem para o afloramento de imagens

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positivas em relaccedilatildeo agrave liacutengua agraves suas variedades e aos falantes no caso os proacuteprios estudantes

Com base nesse propoacutesito traccedilamos os objetivos especiacuteficos intencionando levantar as imagens dos alunos sobre a Liacutengua Portuguesa transformar a variaccedilatildeo linguiacutestica em componente curricular esclarecer sobre o preconceito linguiacutestico e desenvolver atividades que contemplassem o Portuguecircs padratildeo Esses objetivos se nortearam pela necessidade de os alunos terem imagens mais positivas sobre a liacutengua e de desenvolvermos em sala uma abordagem adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica assim como pela importacircncia de ensinarmos a variedade padratildeo do Portuguecircs a que eles tecircm direito dada a sua relevacircncia social

Para alcanccedilarmos esses objetivos orientamo-nos pela pesquisa etnograacutefica e pela pesquisa-intervenccedilatildeo Os estudos etnograacuteficos procuram analisar a natureza das relaccedilotildees entre as pessoas e o comportamento que adotam (TELLES 2002) no nosso caso a relaccedilatildeo professor-alunos e alunos-alunos no contexto da sala de aula O propoacutesito entatildeo foi procurar desvelar processos e eventos que poderiam por se tornarem rotineiros passar despercebidos (BORTONI-RICARDO 2008) principalmente por noacutes professores

Dessa forma nossa intenccedilatildeo foi com base em Feltran e Filho (1991) levantar dados sobre os alunos para que nossa praacutetica pedagoacutegica se tornasse adequada selecionando conteuacutedos e delineando estrateacutegias para o sucesso do processo educativo Para tanto analisamos a rotina da sala de aula avaliando a estrutura que a caracterizava na busca por situaccedilotildees que pudessem desencadear ressignificaccedilotildees do planejamento de aulas o que resultou na detecccedilatildeo de imagens negativas dos proacuteprios alunos sobre a variedade da liacutengua que usavam

Utilizamos dois procedimentos metodoloacutegicos para um entendimento da etnografia da sala de aula a) questionaacuterio b) atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica O primeiro recurso foi aplicado tanto a alunos quanto aos seus responsaacuteveis e continha questotildees

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que abordavam entre outros aspectos as praacuteticas de letramento e a avaliaccedilatildeo da Liacutengua Portuguesa O Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de alunos era composto por 45 questotildees enquanto o Questionaacuterio Nordm 2 ndash Responsaacutevel por Aluno tinha 37 toacutepicos a serem respondidos As atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica foram quatro abordando as muacutesicas ldquoSaudosa Malocardquo ldquoAsa Brancardquo e ldquoChopis Centisrdquo e dois episoacutedios da novela ldquoAlma Gecircmeardquo O foco dessas atividades foi verificar a reaccedilatildeo dos alunos ao tipo de linguagem empregado e suscitar e levantar as avaliaccedilotildees positivas ou negativas que poderiam fazer desses usos

A partir disso pautamo-nos pela pesquisa-intervenccedilatildeo uma vez que pela reinterpretaccedilatildeo da sala de aula procuramos intervir socioanaliticamente (ROCHA AGUIAR 2003) ou seja com o entendimento da realidade dos alunos com base nas respostas dos questionaacuterios e das atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica propusemos uma accedilatildeo que pudesse transformaacute-la Consideramos entatildeo natildeo soacute o contexto escolar dos estudantes mas tambeacutem o social e assumimos um compromisso eacutetico-poliacutetico de implementar uma praacutetica inovadora (GABRE 2012) com o objetivo de contribuir para o entendimento da variaccedilatildeo linguiacutestica para a produccedilatildeo de imagens positivas sobre a Liacutengua Portuguesa e suas variedades e para a elevaccedilatildeo da autoestima dos alunos

Para promover essa intervenccedilatildeo elaboramos uma sequenciaccedilatildeo de atividades que se baseou no modelo em espiral da sequecircncia didaacutetica proposta por Dolz e Schneuwly (2004) e dos trecircs contiacutenuos da ecologia do Portuguecircs Brasileiro discutidos por Bortoni-Ricardo (2005) O objetivo dessa sequenciaccedilatildeo foi promover a reflexatildeo linguiacutestica problematizar o preconceito linguiacutestico e caracterizar a variaccedilatildeo linguiacutestica

Procuramos pois fomentar a reflexatildeo nos alunos Para tanto tomamos por base textos de diferentes gecircneros procedemos a atitudes e delineamos procedimentos para instigar e valorizar os conhecimentos preacutevios dos estudantes partindo de situaccedilotildees

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mais amplas ateacute chegar a um contexto mais especiacutefico abordando fenocircmenos linguiacutesticos mais conhecidos e provaacuteveis ateacute eventos de fala ou de escrita que poderiam ser de pouco entendimento dos estudantes ou de ocorrecircncia menos frequente em seus usos da linguagem

Estruturamos essa sequecircncia de atividades em 10 moacutedulos 1) ldquoNas sendas do patrimocircniordquo 2) ldquoA liacutengua como patrimocircniordquo 3) ldquoA liacutengua e a histoacuteria de Baratildeo de Cocaisrdquo 4) ldquoOs olhares sobre Baratildeo sobre si sobre a liacutenguardquo 5) ldquoO modo como eu falo eacute errado Eu sou um errordquo 6) ldquoSou da roccedila E daiacute O outro jaacute mora na cidade Mas todos somos cocaienses 7) ldquoA liacutengua que falamos e a liacutengua que escrevemosrdquo 8) ldquoNoacuteis vai Noacutes vamos E aiacuterdquo 9) ldquoO texto literaacuterio e a liacutenguardquo e 10) ldquoFim de um comeccedilo as variedades da liacutengua e a escolardquo

Depois do desenvolvimento de cada um dos moacutedulos aplicamos uma ldquoFicha de Avaliaccedilatildeordquo por meio da qual os alunos poderiam avaliar as atividades e dar sugestotildees Como instrumento de verificaccedilatildeo da aprendizagem aplicamos 3 atividades 1) reflexatildeo sobre o viacutedeo ldquoChico Bento no Shoppingrdquo 2) anaacutelise de trecho do ldquoLivro de Juiacutezes (12 46)rdquo 3) discussatildeo do viacutedeo ldquoPreconceito Linguiacutesticordquo

Os resultados desses procedimentos e tarefas satildeo apresentados e analisados na seccedilatildeo que se segue

5 Resultados gerais

Aplicamos aos alunos na fase diagnoacutestica de levantamento de dados o Questionaacuterio Nordm 1 ndash Perfil de Alunos Entre as diferentes questotildees que compunham o instrumento a ldquo42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo deteve nossa atenccedilatildeo As respostas dos 42 alunos apontaram que deles 405 tinham imagens negativas sobre a variedade da liacutengua que usavam tatildeo

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bem para se comunicarem no dia a dia Satildeo exemplos dessas percepccedilotildees28

1) ldquomais ou menos porque tem vezes que eu falo muitas coisas erradasrdquo (informante 6A8)

2) ldquoeu sou igual aos meus pais agraves vezes falo errado eu eacute porque falo errado mesmo eu puxei a minha famiacutelia eles tambeacutem falam erradordquo (informante 6A7)

3) ldquomuito ruim porque a minha liacutengua eacute presardquo (informante 6A4)

4) ldquomuito mal falo muito coisa erradardquo (informante 8A13)

5) ldquomais ou menos porque tem vezes que falo erradordquo (informante 8A8)

Esses e outros comentaacuterios dos alunos nos mostraram que a cultura do ldquoerrordquo era recorrente em suas percepccedilotildees estando muitas vezes relacionada agrave fala Em decorrecircncia dela os estudantes avaliavam negativamente o modo como usam a liacutengua instrumento por meio do qual se comunicam eficientemente no cotidiano Comprovamos assim a nossa hipoacutetese de que os educandos poderiam ter imagens equivocadas ou deturpadas sobre a variaccedilatildeo linguiacutestica Esses dados obtidos estatildeo relacionados ao mito discutido por Bagno (2013) o usuaacuterio julga que natildeo sabe a proacutepria liacutengua da qual faz uso e considera que fala ldquoerradordquo

Diante dessas imagens iniciais procuramos obter dados mais sistematizados a partir das 4 atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica Observamos que foram geradas de modo geral avaliaccedilotildees negativas sobre alguns usos da Liacutengua Portuguesa sobretudo acerca de falares de pessoas de origem rural e com menos escolaridade Satildeo exemplos dessas avaliaccedilotildees

28 A transcriccedilatildeo de todos os comentaacuterios dos informantes foi revista de acordo com a ortografia oficial Foram utilizados coacutedigos para manter em sigilo o nome dos participantes conforme normas eacuteticas da pesquisa

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6) ldquopor causa do jeito que ele falou as palavras estava erradordquo (informante 6A12)

7) ldquoo modo de falar que eacute esquisitordquo (informante 6A23)

8) ldquoeacute muito estranhordquo (6A5)

9) ldquoporque eacute feia a conversa delesrdquo (informante 8A18)

10) ldquoeu consertaria a pessoa e falava o jeito certordquo (informante 8A2)

Foi necessaacuterio diante dessas percepccedilotildees trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica identificar usos da liacutengua e esclarecer o que eacute preconceito linguiacutestico combatendo-o por meio da abordagem dos trecircs contiacutenuos rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica (BORTONI-RICARDO 2005)

Aplicamos entatildeo a sequenciaccedilatildeo de atividades Em relaccedilatildeo agrave qualidade da proposta desenvolvida os alunos de modo geral fizeram uma avaliaccedilatildeo positiva os 10 moacutedulos tiveram meacutedia de 40 para ldquobomrdquo e 47 para ldquoexcelenterdquo Jaacute em referecircncia agraves aprendizagens dos estudantes os trecircs exerciacutecios que aplicamos apresentaram interessantes iacutendices descritos na Tabela 1

Tabela 1 Resultados dos exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem

Exerciacutecio Questotildees objetivas

Meacutedia do iacutendice das respostas esperadas

ou adequadas das questotildees

Meacutedia do iacutendice das respostas

natildeo esperadas ou adequadas das

questotildees1 1 2 e 3 87 852 Uacutenica 865 1153 2 e 3 84 12

Fonte Dados obtidos a partir dos resultados de Soares (2014)

Os dados obtidos apontam mudanccedila significativa na percepccedilatildeo dos alunos Se antes por exemplo 405 dos 42 alunos

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apresentavam visotildees negativas sobre a proacutepria liacutengua que falavam ou sobre determinados usos especialmente os relacionados a situaccedilotildees de informalidade ou a falantes com menos escolaridade ou de aacutereas mais rurais percebemos que a grande maioria (mais de 84) reviu suas concepccedilotildees e passou a ter uma maior consciecircncia linguiacutestica compreendendo a variaccedilatildeo e respeitando a diversidade de usos Com isso a proposta de intervenccedilatildeo atingiu os objetivos propostos a) desmitificar crenccedilas negativas e preconceitos b) trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica conscientizando sobre os usos diversos da linguagem c) elevar a autoestima linguiacutestica dos alunos Podemos citar como exemplos de avaliaccedilotildees positivas os seguintes comentaacuterios dos estudantes

11) ldquoA valorizar a linguagem da roccedilardquo (informante 8A2)

12) ldquoQue natildeo devemos ter vergonha de nossa falardquo (informante 6A9)

13) ldquoSim eu falo a liacutengua muito bem porque eacute meu patrimocircniordquo (informante 6A17)

14) ldquoQue a gente tem que ter orgulho da nossa liacutenguardquo (informante 8A12)

15) ldquoA importacircncia de nossa liacutenguardquo (informante 8A11)

A reflexatildeo do informante 6A16 tambeacutem chamou nossa atenccedilatildeo

16) ldquoNatildeo existe linguagem errada Se noacutes falamos que a linguagem eacute errada noacutes somos erradosrdquo O estudante entatildeo natildeo soacute aponta para a conclusatildeo de que eacute incorreto afirmar que a liacutengua que falamos eacute ldquoerradardquo mas tambeacutem direciona para uma importante discussatildeo a relaccedilatildeo entre liacutengua e identidade do falante Se a liacutengua eacute considerada ldquoerradardquo o falante estaacute agindo para caracterizar a si ou ao outro como um ldquoerrordquo o que na percepccedilatildeo do aluno natildeo pode ocorrer Corroboram essa reflexatildeo do educando outros comentaacuterios que repudiam o preconceito linguiacutestico

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17) ldquoEu acho muito ruim o racismo com as pessoas soacute pelo jeito que ela fala o sotaque pode ser diferente natildeo precisa ser racista pelo jeito de falarrdquo (informante 6A16)

18) ldquoEu acho que natildeo [se] deve julgar algueacutem pelo jeito que ela fala [pois] isto magoa as pessoasrdquo (informante 6A16)

19) ldquoUm preconceito linguiacutestico e isso eacute um crime graverdquo (informante 8A14)

20) ldquoNatildeo acho certo porque ningueacutem tem o direito de julgar o proacuteximo por causa de liacutenguardquo (informante 6A17)

21) ldquoOs preconceitos As pessoas devem ser respeitadasrdquo (informante 6A22)

Um exemplo tambeacutem interessante eacute o relato do estudante 8A5 que nas atividades apontou que 22) ldquoeacute a liacutengua que falamos ela representa riqueza e valorrdquo quando anteriormente havia respondido no Questionaacuterio do Aluno para a ldquoQuestatildeo 42 ndash O que acha do modo como vocecirc usa a Liacutengua Portuguesardquo 23) ldquoNatildeo gostordquo (informante 8A5) O aluno modificou consideravelmente sua percepccedilatildeo sobre a liacutengua que usa

Esses resultados e comentaacuterios sinalizam que trabalhar a variaccedilatildeo linguiacutestica por meio dos contiacutenuos propostos por Bortoni-Ricardo (2005) pode ser uma proposta produtiva natildeo soacute porque desmitifica preconceitos e crenccedilas negativas sobre a Liacutengua Portuguesa mas tambeacutem porque contribui para que os alunos compreendam sistematicamente a variaccedilatildeo linguiacutestica Diante dessas observaccedilotildees tecemos nossas conclusotildees

6 Consideraccedilotildees finais

Nosso propoacutesito com a pesquisa ldquoA variaccedilatildeo linguiacutestica e o ensino de Liacutengua Portuguesa crenccedilas e atitudesrdquo (SOARES 2014) foi captar e analisar o modo como os alunos percebiam a si mesmos

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como falantes do Portuguecircs Brasileiro e a partir disso propor uma abordagem de ensino adequada da variaccedilatildeo linguiacutestica

Nesse intuito aplicamos um questionaacuterio aos estudantes e constatamos que boa parte deles tinha uma imagem negativa da liacutengua que usavam Para obtermos dados mais precisos sobre essa questatildeo desenvolvemos quatro atividades de percepccedilatildeo linguiacutestica cujos resultados confirmaram nossa hipoacutetese de que os estudantes apresentavam imagens negativas sobre determinados usos da liacutengua sobretudo daqueles falares de pessoas com origem rural ou com menos escolaridade

A partir disso delineamos uma proposta de intervenccedilatildeo estruturada em 10 moacutedulos e baseada nos pressupostos teoacuterico-metodoloacutegicos da Sociolinguiacutestica Educacional em especial nas discussotildees de Bortoni-Ricardo (2005) sobre os trecircs contiacutenuos (rural-urbano oralidade-letramento e monitoraccedilatildeo estiliacutestica) que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro

Os resultados dos moacutedulos desenvolvidos e dos trecircs exerciacutecios de verificaccedilatildeo de aprendizagem aplicados apontam que foi muito positiva a estrateacutegia de abordagem da variaccedilatildeo linguiacutestica com base nesses contiacutenuos Por um lado inferimos a partir de Pastorelli (2012) e Orsi (2011) que valores e comportamentos linguiacutesticos natildeo se alteram rapidamente porque jaacute fazem parte da identidade dos falantes e da cultura na qual essa personalidade foi se formando e que influencia sobremaneira o jeito de cada um de ser pensar e agir

Poreacutem por outro lado ao entenderem os fatores que influenciam a diversidade linguiacutestica e ao aceitarem e respeitarem essa variedade os alunos criaram imagens mais positivas da liacutengua que usam e consequentemente poderatildeo adotar comportamentos linguiacutesticos e sociais tambeacutem mais positivos inclusive sobre si mesmos na condiccedilatildeo de falantes competentes da Liacutengua Portuguesa elevando assim a sua autoestima

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Uma abordagem da liacutengua nessa perspectiva pressupotildee que seja essencial o professor considerar a realidade linguiacutestico-social dos alunos refletir sobre a relevacircncia social poliacutetica e cultural de uma abordagem quase exclusiva da norma-padratildeo e planejar atividades que contemplem a gama de variedades que caracterizam o Portuguecircs Brasileiro A anaacutelise da liacutengua sob esses paracircmetros contribui para o descarte de preconceitos para o entendimento de que natildeo haacute liacutengua ou variedade melhor do que outra pois satildeo funcionalmente equivalentes e para a aceitaccedilatildeo de que a variaccedilatildeo eacute um fenocircmeno inerente agrave linguagem em decorrecircncia da proacutepria natureza humana notadamente marcada por uma grande diversidade sociocultural

Assim o estudo da variaccedilatildeo linguiacutestica se torna ao mesmo tempo socializado e socializante porque ao discutir e problematizar a diversidade da linguagem instrumentaliza o aluno para usar a liacutengua de acordo com a situaccedilatildeo de interaccedilatildeo o gecircnero textual-discursivo o interlocutor e o propoacutesito comunicativo Com isso ao desenvolver propostas que abordem os diferentes usos linguiacutesticos o docente poderaacute contribuir para que os conhecimentos dos estudantes sobre a liacutengua se ampliem o que consequentemente poderaacute colaborar para o aperfeiccediloamento de sua competecircncia comunicativa potencializando dessa forma sua atuaccedilatildeo na sociedade

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A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra - MGZenilda Mendes dos Reis

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1 Introduccedilatildeo

Apresentamos neste capiacutetulo os resultados de uma pesquisa29 realizada no municiacutepio de Lontra localidade interiorana com alguns usos linguiacutesticos peculiares que motivaram esta investigaccedilatildeo sendo um deles em especial a alternacircncia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos moradores daquele lugar O municiacutepio localiza-se na regiatildeo do norte de Minas Gerais e conta com uma populaccedilatildeo estimada de 9008 habitantes segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica (IBGE)30 Iniciou seu processo de povoamento agraves margens de uma lagoa (habitada pelo animal lontra daiacute o nome do lugar) que era ponto de parada para descanso de tropeiros e viajantes que por ali passavam transportando mercadorias em lombos de animais e carros de boi Por sua localizaccedilatildeo estrateacutegica alguns viajantes foram fixando morada naquele ponto surgindo entatildeo as primeiras famiacutelias que deram origem agrave comunidade

A escola locus da pesquisa eacute a Escola Estadual Guimaratildees Rosa instituiccedilatildeo onde atuamos como docente Eacute a uacutenica da rede estadual do municiacutepio atende cerca de 900 alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental ao 3ordm ano do ensino meacutedio com funcionamento nos trecircs turnos Escolhemos como puacuteblico-alvo duas turmas do 8ordm ano do Ensino Fundamental totalizando 48 alunos sendo 27 meninas e 21 meninos

Assim nossas observaccedilotildees empiacutericas e aleatoacuterias na lida diaacuteria como professora e tambeacutem como moradora da cidade somadas ao ineditismo do estudo do fenocircmeno linguiacutestico em questatildeo especificamente em Lontra-MG direcionaram nosso trabalho

Durante a investigaccedilatildeo sobre o fenocircmeno percebemos a estigmatizaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos visto que a forma de

29 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly381yRFu30 Dados obtidos no siacutetio httpscidadesibgegovbrbrasilmglontrapanorama Acesso em 15 jul 2019

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tratamento ao interlocutor nos diaacutelogos travados entre os falantes nem sempre era por meio do ldquovocecircrdquo forma pronominal de uso corriqueiro entre os usuaacuterios da Liacutengua Portuguesa do Brasil Em situaccedilotildees de informalidadeintimidadeproximidade com seu interlocutor o morador da comunidade pesquisada usa o ldquoturdquo (pronome de segunda pessoa) poreacutem sem proceder agrave concordacircncia verbal conforme exige a variedade padratildeo do Portuguecircs brasileiro ou seja o falante usa o ldquoturdquo entretanto o verbo eacute conjugado na terceira pessoa do singular (Exemplo ldquoTu foi laacuterdquo) fenocircmeno que gera preconceito linguiacutestico entre os moradores do lugar Lontra e os das localidades vizinhas

Por essas razotildees propusemo-nos a descrever e analisar o uso das duas formas pelos alunos informantes em contextos variados de interlocuccedilatildeo e tambeacutem investigar se o que acontecia com esses usos linguiacutesticos era um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e em caso afirmativo quais fatores motivavam essa alternacircncia de uso quais os reflexos da fala na escrita e que percepccedilotildees no que concerne agraves crenccedilas e atitudes linguiacutesticas tal fenocircmeno despertava nos sujeitosinformantes

Formulamos para esta proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses que seriam comprovadas ou refutadas ao final da pesquisa a saber a) a alternacircncia no uso das variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica e fatores estruturais e natildeo estruturais influenciam essa alternacircncia b) a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas para a educaccedilatildeo em liacutengua materna baseada nas propostas teoacutericas para o ensino e a aprendizagem das variedades linguiacutesticas brasileiras leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada (BAGNO 2004)

Isso posto supondo a existecircncia de variaccedilatildeo no uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo sendo o ldquoturdquo usado como variante regional que coocorre com o ldquovocecircrdquo e que esse uso gera preconceito e

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ainda que a linguagem oral estaria influenciando a escrita dos alunos definimos como objetivo principal pesquisar a alternacircncia de uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo em contextos variados de interlocuccedilatildeo identificados na fala e na escrita daqueles alunos bem como as crenccedilas e atitudes negativas consequentes do uso dessa variaccedilatildeo Definimos tambeacutem os seguintes objetivos especiacuteficos a) atualizar nossos conhecimentos natildeo soacute sobre algumas teorias que tratam da variaccedilatildeo e mudanccedilas linguiacutesticas mas tambeacutem da educaccedilatildeo linguiacutestica das crenccedilas e atitudes diante da linguagem b) descrever os usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo no Portuguecircs falado e escrito pelos sujeitos participantes da pesquisa c) apontar possiacuteveis influecircncias de fatores estruturais e natildeo estruturais no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na fala dos participantes da pesquisa d) verificar possiacuteveis interferecircncias da oralidade no uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo na escrita dos alunos e) elaborar e desenvolver uma proposta de ensino cujo conteuacutedo contribua para o ensino da Liacutengua Portuguesa focando o estudo das variaccedilotildees linguiacutesticas e com isso promover uma educaccedilatildeo linguiacutestica e uma aprendizagem condizente com o ensino da gramaacutetica normativa especialmente no que concerne ao uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Nesse contexto considerando que a pesquisa visava ao registro dos usos das formas de tratamento em tela e tambeacutem agrave elaboraccedilatildeo de alternativas para trabalhar via ensino o problema detectado dividimos o trabalho em duas etapas denominadas ldquoEtapa Diagnoacutesticardquo e ldquoProposta de Ensinordquo A primeira teve como objetivos quantificar e analisar o uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes com a finalidade de verificar se o aspecto linguiacutestico ocorrido em Lontra se tratava de um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica A segunda etapa tratou da elaboraccedilatildeo e desenvolvimento de uma proposta de ensino cujas atividades intencionavam promover a educaccedilatildeo linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

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2 Pressupostos teoacutericos

Este estudo teve como aparato teoacuterico a Sociolinguiacutestica (LABOV 2008 [1972]) a Dialetologia e a Geografia Linguiacutestica (BRANDAtildeO 1991) a vertente Sociolinguiacutestica Educacional (BORTONI-RICARDO 2004 SCHERRE 2005) e ainda Crenccedilas e Atitudes Linguiacutesticas (LEITE 2008 SCHERRE 2008 2009 2015) entre outros autores que subsidiaram a abordagem do assunto

Baseada nos princiacutepios labovianos Alkmin (2005) reporta que a Sociolinguiacutestica eacute a aacuterea de estudo que investiga a relaccedilatildeo entre liacutengua e sociedade sendo elas indissociaacuteveis porquanto deram origem agrave base que constitui o homem Assim a linguagem estaacute intrinsecamente atrelada a diversos fatores sociais que permeiam a vida do ser humano como idade sexo classe social niacutevel de escolaridade profissatildeo dentre outros Logo compreender essa relaccedilatildeo implica entender os interlocutores e todo o contexto em que se estabelece uma interaccedilatildeo verbal

Labov (2008 [1972]) precursor da Sociolinguiacutestica considera o contexto de fala e o uso social da liacutengua materna como aspectos essenciais para a compreensatildeo de diversas situaccedilotildees que envolvem os usos linguiacutesticos Por isso defende que natildeo se pode dissociar os estudos de uma liacutengua de seu uso pelos falantes Afirma o autor que em toda comunidade de fala satildeo comuns formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo o que corrobora a heterogeneidade linguiacutestica porquanto variaccedilatildeo implica dinamismo e vivacidade imbricados no conceito de liacutengua natural humana

Nessa linha Brandatildeo (1991) complementa que quando se expressa o indiviacuteduo transmite natildeo soacute o que estaacute inserido em seu discurso mas tambeacutem um conjunto de muitos outros dados que permite conhecer seu idioleto e ainda filiaacute-lo a um determinado grupo uma comunidade linguiacutestica composta por membros que interagem verbalmente e compartilham as mesmas regras linguiacutesticas Diante disso as variaccedilotildees da liacutengua satildeo assimiladas

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pelos falantes no conviacutevio com seus pares que se expressam pelas caracteriacutesticas peculiares proacuteprias de seu grupo ou da regiatildeo em que vivem Assim sendo tais variaccedilotildees natildeo podem ser vistas como negativas ou problemaacuteticas pelo contraacuterio manifestam-se como parte da diversidade linguiacutestica inerente a quaisquer sistemas linguiacutesticos caracterizando-se como mecanismos que compotildeem o todo constitutivo da liacutengua

Tarallo (1994 p 8) com base na teoria laboviana pondera que se haacute formas linguiacutesticas em variaccedilatildeo haacute variantes linguiacutesticas que satildeo ldquodiversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdaderdquo Se investigamos um possiacutevel caso de variaccedilatildeo linguiacutestica pressupomos a investigaccedilatildeo das variantes coocorrentes no caso desta pesquisa as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Segundo a abordagem gramatical normativa a partir de Cunha e Cintra (2001) e Bechara (2009) os dois pronomes pertencem ao campo da segunda pessoa logo com quem se fala de modo que os primeiros autores inserem o ldquovocecircrdquo como verdadeiro pronome pessoal natildeo soacute de tratamento Entretanto pelo histoacuterico diacrocircnico demarcativo de classes (principalmente o ldquoturdquo) ao longo da evoluccedilatildeo das duas formas pronominais adotamos o termo forma de tratamento quando nos referimos aos dois pronomes em nosso trabalho

Biderman (1972-73) traccedila um breve percurso do ldquoturdquo afirmando haver registro da forma desde a Idade Meacutedia Segundo a autora a histoacuteria desse pronome assim como a de seu par plural no paradigma pronominal do Portuguecircs o ldquovoacutesrdquo sempre esteve relacionada agraves estruturas sociais que representam O ldquovoacutesrdquo de um lado indicando a forccedila e o poder da alta sociedade e em contrapartida o ldquoturdquo caracterizando a fala das pessoas das camadas socioeconomicamente desprivilegiadas Em sociedades de diferentes lugares do mundo as formas de tratamento sempre se comportaram como divisores de classes separando quem fazia

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parte da elite daqueles que pertenciam agraves camadas populares Na atualidade no Brasil o pronome ldquovoacutesrdquo apesar de continuar integrando o quadro dos pronomes pessoais tornou-se forma arcaizada visto que ldquovocecircsrdquo acabou por assumir o papel de plural da segunda pessoa

Por sua vez a forma ldquovocecircrdquo segundo a mesma autora passou por diversas transformaccedilotildees foneacuteticas ao longo de seu processo evolutivo desde a sua forma primitiva lsquovossa mercecircrsquo Novamente notamos a influecircncia das formas de tratamento representativas de segmentos da sociedade como causa de mudanccedilas de uso da liacutengua haja vista que ldquovossa mercecircrdquo apoacutes perder seu prestiacutegio honoriacutefico popularizou-se e passou por diversas mudanccedilas ateacute chegar a ldquovocecircrdquo inclusive jaacute com registro no Brasil da forma reduzida lsquocecircrsquo

Nessa trilha tendo o ldquovocecircrdquo surgido posteriormente ao ldquoturdquo no Brasil segundo Coelho (2008 p 5) aquela forma ldquoeacute hoje amplamente usada por noacutes tanto em situaccedilotildees formais quanto informais em substituiccedilatildeo a lsquotursquo de emprego cada vez mais restritordquo Contrassenso em algumas regiotildees do paiacutes as duas formas passaram a disputar o mesmo espaccedilo em relaccedilotildees de maior proximidade entre as pessoas O diferencial eacute que lsquovocecircrsquo forma dominante eacute usada em situaccedilotildees de relativa proximidade talvez ainda heranccedila de sua forma arcaica e do seu contexto de uso representando a hierarquizaccedilatildeo portuguesa enquanto o ldquoturdquo como advogam Scherre et al (2015 p 162) ldquotrata-se de um lsquotursquo brasileiro que em muitas comunidades instaura-se sem concordacircncia expressa na forma verbal (tu fala) de forma diferente do que registra a tradiccedilatildeo gramatical (tu falas)rdquo

Retomando o campo das variaccedilotildees da liacutengua Alkmin (2005) assegura que formas distintas de se dizer uma mesma coisa satildeo facilmente encontradas no Portuguecircs Brasileiro (PB) marcas do Portuguecircs padratildeo e natildeo padratildeo alternando-se equivalendo-se linguisticamente Como jaacute discutido anteriormente variabilidade

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perfeitamente aceitaacutevel visto que todas as liacutenguas satildeo passiacuteveis de variaccedilatildeo

No entanto percebemos ainda uma linha tecircnue entre essa equivalecircncia padratildeo e natildeo padratildeo preconizada pela Linguiacutestica Bortoni-Ricardo (2004) uma das pesquisadoras da vertente Sociolinguiacutestica Educacional assevera que as variedades linguiacutesticas existem satildeo reais e estatildeo por toda parte representadas pelasnas manifestaccedilotildees comunicativas das mais diversas vozes e lugares Contudo muitos creem em uma pseudossuperioridade linguiacutestica ou seja que haacute determinadas variaccedilotildees que se sobrepotildeem a outras mesmo na ausecircncia de fundamentaccedilatildeo linguiacutestico-teoacuterica que explique a assertiva Para a autora eacute inadmissiacutevel que uma variedade seja considerada melhor mais aceitaacutevel ou mais recomendaacutevel que outra Por isso propotildee que se desenvolvam praacuteticas educativas para o envolvimento de todos os falantes de todas as classes jaacute que somos igualmente partiacutecipes de praacuteticas sociais que demandam diversos conhecimentos linguiacutesticos para que se desmitifiquem tais crenccedilas

Sabemos que algumas variedades gozam de prestiacutegio linguiacutestico todavia satildeo juiacutezos de valor em torno de determinados falares que consoante Bortoni-Ricardo (2004) geram preconceitos linguiacutesticos que devem ser veementemente combatidos Para Leite (2008) a sociedade tem insistido em ignorar a intoleracircncia linguiacutestica por ser um mal que atinge o ser humano em sua subjetividadeindividualidade A autora complementa que a natildeo toleracircncia linguiacutestica pode estar imiscuiacuteda em outras intoleracircncias tatildeo nefastas quanto ela contudo natildeo menos condenaacutevel do que qualquer outra Scherre (2005 p 89) enfatiza que ldquopraticar preconceito linguiacutestico expliacutecito ou impliacutecito eacute sem duacutevida atentar contra a cidadaniardquo Em funccedilatildeo disso no sentido de assegurar o legiacutetimo direito de o homem se manifestar foi criada em junho de 1996 a Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos31 com o fim de formalizar um documento

31 ORGANIZACcedilAtildeO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS PARA A EDUCACcedilAtildeO A CIEcircNCIA E A CULTURA Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Linguiacutesticos 1996

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que permitisse ldquocorrigir os desequiliacutebrios linguiacutesticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as liacutenguas e estabelecer os princiacutepios de uma paz linguiacutestica planetaacuteria justa e equitativa como fator fundamental da convivecircncia socialrdquo

3 Metodologia

Por ser a metodologia o estudo dos caminhos a serem seguidos para se conseguir os melhores meacutetodos para produzir conhecimento adotamos como propostas norteadoras deste trabalho a pesquisa descritiva sociolinguiacutestica laboviana (quantitativa e qualitativa) na primeira etapa da pesquisa quando quantificamos e analisamos o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo pelos alunos informantes na segunda etapa a vertente Sociolinguiacutestica Educacional e a pesquisa-accedilatildeo

Para Abdalla (2005) a pesquisa-accedilatildeo eacute uma alternativa possiacutevel de anaacutelise e avaliaccedilatildeo das praacuteticas docentes e nas palavras de Tripp (2005 p 443) seria ldquotoda alternativa continuada sistemaacutetica e empiricamente fundamentada de aprimorar a praacuteticardquo No entanto Thiollent (2011) adverte que natildeo se trata de uma metodologia mas de uma estrateacutegia de pesquisa que agrega vaacuterios outros meacutetodos ou teacutecnicas

Antes de iniciarmos a anaacutelise dos dados coletados apresentamos a variaacutevel linguiacutestica de segunda pessoa do singular (variaacutevel dependente) com a qual trabalhamos bem como suas variantes ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e suas variantes foneacuteticas ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) Essas duas formas de tratamento usadas pelos informantesmoradores de Lontra de um modo geral alternam entre si se substituem em um mesmo contexto de fala por isso as escolhemos como variantes linguiacutesticas

Relacionamos ainda os fatores estruturais e natildeo estruturais que apontamos e analisamos neste trabalho

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a) Os fatores estruturais observados nos dados coletados foram

i) Funccedilatildeo sintaacutetica da forma (posiccedilatildeo de sujeito posiccedilatildeo de objeto sem preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento com preposiccedilatildeo posiccedilatildeo de complemento de nome)

ii) Tipo de frase em que a forma ocorre (afirmativa negativa interrogativa)

iii) Ambiente fonoloacutegico precedente (pausa vogal consoante)

iv) Morfologia da forma verbal (forma simples locuccedilatildeo verbal)

v) Paradigma flexional do verbo (verbo regular verbo irregular)

vi) Contexto de interpretaccedilatildeo (forma definida e forma indefinida)

b) Os fatores natildeo estruturais observados

i) Classe social privilegiada e natildeo privilegiada

ii) Grau de intimidade + proacuteximo - proacuteximo (entre colegas professores e diretor)

iii) Procedecircncia geograacutefica rural e urbana

iv) Sexo masculino e feminino

Conforme jaacute mencionado esta pesquisa foi dividida em duas etapas Na primeira realizamos a coleta dos dados da fala e da escrita dos sujeitos informantes quantificamos e analisamos esses dados a fim de verificar se o fenocircmeno ocorrido em Lontra apontava para um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Na segunda com base nos resultados obtidos na primeira etapa e tendo como premissa o respeito e a aceitaccedilatildeo das variaccedilotildees crenccedilas e atitudes linguiacutesticas e ainda verificando se o uso das formas pronominais ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo seguia a tradiccedilatildeo gramatical do Portuguecircs Brasileiro elaboramos

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e desenvolvemos uma proposta de ensino estruturada em quatro oficinas cujas atividades objetivavam a promoccedilatildeo da educaccedilatildeo linguiacutestica dos conhecimentos sobre diversidade linguiacutestica e a aprendizagem da variedade padratildeo da liacutengua

4 Descriccedilatildeo da proposta de ensino e anaacutelise dos dados

Nesta seccedilatildeo apresentamos a metodologia das duas etapas proposta de ensino e diagnose os dados coletados tanto de oralidade quanto de escrita nas duas etapas Procedemos agrave anaacutelise e na sequecircncia apresentamos os resultados obtidos

41 Primeira etapa diagnoacutestica

Os dados analisados nesta etapa foram extraiacutedos de dois corpora um de escrita e outro de oralidade Os que compotildeem o corpus de escrita foram coletados em duas atividades aplicadas 1ordf atividade ndash uma entrevista ao colega (Fato acontecido ndash Creche Gente Inocente) e 2ordf atividade ndash um bilhete (Um bilhete para um amigo) Jaacute o corpus de oralidade eacute composto por dados coletados em duas gravaccedilotildees de aacuteudios via celular utilizando a ferramenta WhatsApp por meio da qual duas mensagens foram enviadas (uma para algueacutem especial ndash amigo irmatildeo matildee madrinha ndash e outra para a professora de Portuguecircs) Escolhemos a ferramenta WhatsApp por acreditarmos na eficiecircncia desse veiacuteculo moderno atual de faacutecil acesso e manuseio para fazer as gravaccedilotildees o que poderia nos garantir a coleta do vernaacuteculo o mais proacuteximo possiacutevel do real

Apoacutes a aplicaccedilatildeo das duas atividades escritas mencionadas apresentamos a seguir duas tabelas (1 e 2) que trazem os resultados obtidos nessa parte da primeira etapa Mostram as ocorrecircncias de registro das formas de tratamento pelos alunos das duas turmas 8ordm ano 4 e 8ordm ano 5

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Tabela 1 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 1ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (1ordf atividade escrita ndash ldquoFato acontecido ndash Creche Gente

Inocenterdquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 55 - - 2 57

965 - - 35 100

8ordm ano 5N Oc 19 6 3 22 50

38 12 6 44 100Totais N Oc 74 6 3 24 107

Percentuais 691 56 28 224 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

A siacutentese sobre o uso do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo nas duas turmas do 8ordm ano nessa primeira atividade escrita conforme a Tabela 1 aponta os seguintes nuacutemeros do total das 107 referecircncias ao interlocutor usando uma forma pronominal tivemos 83 ocorrecircncias (775) da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes e 24 (225) da forma ldquoturdquo Em todos os casos a referecircncia foi feita a um colega de sala de conviacutevio diaacuterio Assim percebemos quatildeo variadas foram as formas de se dirigir ao interlocutor mesmo que em alguns momentos se tenha percebido grau de monitoramento da linguagem creditado talvez ao ambiente sala de aula escola A seguir apresentamos alguns exemplos das ocorrecircncias das formas de tratamento registradas

a) ldquoQuando tu passocirc laacute na frente quem cecirc viu laacute na hora ou perto de laacuterdquo (FMS-S8T5)

b) ldquoComo vocecirc ficou sabendo de tudo como ficou bem informadardquo (FRL-S6T4)

Tabela 2 Ocorrecircncias das formas de tratamento na 2ordf atividade de escrita ndash Turmas 4 e 5 (2ordf atividade escrita ndash ldquoUm bilhete para um amigordquo)

Turmas Vocecirc Cecirc Ocecirc Ucecirc Tu Total

8ordm ano 4N Oc 12 1 - - 4 17

705 59 - - 236 100

8ordm ano 5N Oc 6 1 1 1 8 17

353 59 59 59 47 100Totais N Oc 18 2 1 1 12 34

Percentuais 53 59 29 29 353 100

Legenda N Oc = Nuacutemero de OcorrecircnciasFonte Reis (2018)

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Conforme a Tabela 2 nessa atividade do total de 34 ocorrecircncias de uso das formas de tratamento referentes agraves duas turmas obtivemos 22 casos da forma ldquovocecircrdquo e suas variantes ou seja 647 e 12 ocorrecircncias do ldquoturdquo 353 Em resumo temos entatildeo na escrita as formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo duas variantes duas alternativas de referecircncia ao interlocutor nos usos que os sujeitos da pesquisa fazem delas as quais chamamos variaacutevel dependente As outras formas variantes de ldquovocecircrdquo (ldquoucecircrdquo ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) aparecem com menor ocorrecircncia Registramos em seguida alguns exemplos dos dados coletados

a) ldquoR porque vocecirc natildeo foi na praccedila aquele dia que agente marcourdquo (JVFS-S13T4)

b) ldquoF por que tu natildeo foi hoje laacute em casa Fiquei te esperando laacuterdquo (GAQ-S7T4)

Os dados da escrita revelaram que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na escrita influenciada por fatores natildeo estruturais como o sexo uma vez que a turma com maior nuacutemero de alunos do sexo feminino (turma 4 ndash 70 de mulheres) fez mais uso da variedade padratildeo enquanto a outra (turma 5) com maioria de alunos do sexo masculino (62) utilizou com mais recorrecircncia a variedade natildeo padratildeo tanto no uso das variantes foneacuteticas de ldquovocecircrdquo quanto no uso do ldquoturdquo sem a concordacircncia com o verbo e o grau de intimidade haja vista que foi comprovado o uso do pronome ldquoturdquo por 353 do total de alunos das duas turmas conforme a Tabela 2 O uso de tal forma de tratamento pelos moradores de Lontra representados pelos sujeitos da pesquisa soacute eacute feito com quem se tem intimidade no caso foi utilizado em referecircncia a pessoas proacuteximas como colegas de sala

Apresentamos na sequecircncia os resultados obtidos com os dados da oralidade coletados por meio de gravaccedilotildees de mensagens via WhatsApp

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A Tabela 3 a seguir mostra os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT232) que compotildeem o corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 4 constando nela a gravaccedilatildeo de um recadinho para uma pessoa querida e uma curiosidade sobre a professora de Portuguecircs Tratamos do uso das formas utilizadas nas duas atividades separadamente

Tabela 3 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 4 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras

FormasTotalCR

TotalSR

AT1 - (Amigo matildee tia irmatilde)

N Oc 11 - - 10 8 - 2929 0231 38 - - 345 276 - 100 64

AT2 - (Professora)

N Oc 23 - - 6 - 1 3030 0636 767 - - 20 - 33 100 167

Totais - AT1 e AT2

N Oc 34 - - 16 8 1 5959 0867 576 - - 271 135 17 100 12

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Do total de textos analisados nessa turma foram registradas na AT1 29 referecircncias diretas ao interlocutor utilizando uma das formas investigadas Desse nuacutemero obtivemos 21 ocorrecircncias (724) da variante ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e 8 (276) da forma ldquoturdquo Em dois textos do corpus (64) os informantes natildeo fizeram uso de forma de tratamento alguma Jaacute na AT2 foram registradas 30 referecircncias diretas ao interlocutor usando uma forma de tratamento Desse total 29 informantes (967) utilizaram a forma ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) um aluno (33) utilizou a forma ldquosenhorardquo Eacute possiacutevel perceber que nenhum informante se referiu agrave professora utilizando a forma ldquoturdquo diferentemente das referecircncias ao amigo na AT1 Registra-se que seis informantes (167) natildeo utilizaram diretamente nenhuma das formas de tratamento Seguem alguns exemplos desses dados O primeiro retirado da AT1 e o segundo da AT2

32 AT1 e AT2 leem-se Atividade 1 e Atividade 2

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a) ldquoM tu vai no jogo amanhatilde se tu focirc eu passo aiacute na tua casardquo (JVFS-S13T4)

b) ldquo soacute vim agradececirc por vocecirc secirc uma professora maravilhosa te amordquo (RGBR-S22T4)

A Tabela 4 a seguir apresenta os resultados obtidos nas duas atividades (AT1 e AT2) do corpus de oralidade da turma do 8ordm ano 5

Tabela 4 Formas de tratamento utilizadas em atividades de oralidade Turma ndash 8ordm ano 5 (Atividades de oralidade ndash ldquoUm recadinho para algueacutem

especialrdquo e ldquoCuriosidades sobre a professorardquo)

Formas de Tratamento Vocecirc Ocecirc Ucecirc Cecirc Tu Outras Total

CRTotalSR

AT1 (Amigo familiar)

N Oc - - 1 4 11 - 1616 0822

- - 62 25 688 - 100 363

AT2 (Professora)

N Oc 12 - - 4 - 4 2020 323

60 - - 20 - 20 100 13

Totais N Oc 12 - 1 8 11 4 3636 1145

Percentuais 333 - 27 194 305 111 100 244

Legenda SR = Sem Registro de forma de tratamento CR = Com Registro de forma de tratamento N Oc = Nuacutemero de Ocorrecircncias

Fonte Reis (2018)

Na primeira atividade (AT1) do total de alunos participantes (21) apenas 13 informantes fizeram referecircncia direta aos seus interlocutores usando uma forma de tratamento Como dois informantes repetiram a mesma forma e um usou duas das formas (ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) em um mesmo dado de fala contabilizamos entatildeo 16 ocorrecircncias Das formas usadas para se referir ao amigopessoa especial (ldquoocecircucecircrdquo ldquocecircrdquo e ldquoturdquo) o uso do ldquoturdquo foi o mais detectado porque a maioria 11 informantes (688) fez uso dessa forma pronominal Salientamos que nenhum informante utilizou a forma padratildeo ldquovocecircrdquo mas contabilizamos cinco ocorrecircncias das variantes ldquocecircrdquo e ldquoucecircrdquo (312) Oito informantes (363) natildeo registraram forma

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de tratamento alguma expliacutecita Jaacute na AT2 das 20 ocorrecircncias das formas de tratamento analisadas (dois informantes usaram mais de uma forma) em referecircncia direta agrave professora foram usadas as formas de tratamento ldquovocecircrdquo (e sua variante ldquocecircrdquo) e ldquosenhorardquo Desse total 16 informantes (80) enviaram o recadinho referindo-se agrave professora como ldquovocecircrdquo (e ldquocecircrdquo) e quatro correspondendo a 20 fizeram uso da forma ldquosenhorardquo Assim como na outra turma ningueacutem se referiu agrave professora utilizando o pronome ldquoturdquo Seguem alguns exemplos desses dados analisados O primeiro retirado da AT1 o segundo da AT2

a) ldquo mas tu sumiu comeacute qui foi tuas feacuterias mininardquo (MCA-S16T5)

b) ldquoZenilda vocecirc poderia me dizer como estaacute meu comportamento dentro da sala de aulardquo (SHLB-S19T5)

Numa anaacutelise geral da primeira parte do corpus de oralidade (AT1) do total de 48 amostras das duas turmas em 38 delas ou seja 792 os participantes se referiram ao seu interlocutor usando uma forma de tratamento num total de 45 ocorrecircncias jaacute que alguns informantes fizeram uso de mais de uma forma Desse total houve 19 ocorrecircncias ou seja 422 de uso do ldquoturdquo para se referir ao amigo e 26 ocorrecircncias que correspondem a 578 do ldquovocecircrdquo (e suas variantes)

Na segunda parte do corpus de oralidade (AT2) de 46 amostras em 37 delas correspondendo a 804 apareceram as formas de tratamento num total de 50 ocorrecircncias uma vez que um mesmo informante repetiu ou fez uso de mais de uma forma em uma mesma amostra Desse total de ocorrecircncias em 45 delas ou seja 90 aparece o uso da forma pronominal ldquovocecircrdquo (e a variante ldquocecircrdquo) para se referir agrave professora e em 5 que correspondem a 10 dos casos foi registrado o uso da forma de tratamento correspondente ldquosenhorardquo Ressalta-se aqui um dado relevante natildeo houve caso algum de referecircncia agrave professora com o uso da forma pronominal ldquoturdquo o que revela distanciamento ausecircncia de intimidade respeito apesar do conviacutevio quase diaacuterio

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Sendo assim pelos dados de fala eacute possiacutevel afirmar que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes foneacuteticas natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) na oralidade dos alunos do 8ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Guimaratildees Rosa ndash LontraMG

Comprovada a influecircncia dos fatores natildeo estruturais sexo (a turma com um nuacutemero maior de meninas (70) 8ordm ano 4 fez mais usos da forma padratildeo ldquovocecircrdquo e menos usos do ldquoturdquo sem concordacircncia com o verbo) e grau de intimidade constatamos tambeacutem a influecircncia do fator classe social Comparando os usos das formas feitos pelas duas turmas nas atividades de fala e de escrita analisando o perfil dos discentes foi possiacutevel perceber que a turma de classe social menos privilegiada (8ordm ano 5) fez mais usos da variedade natildeo padratildeo da liacutengua Foi a turma que mais utilizou o pronome ldquoturdquo (na referecircncia ao colega nas atividades de oralidade fez uso do ldquoturdquo em 688 das ocorrecircncias e nenhum uso de ldquovocecircrdquo mas de suas variantes ldquoucecircrdquo e ldquocecircrdquo em 312) Natildeo detectamos a influecircncia do fator procedecircncia geograacutefica

Foi analisada ainda a atuaccedilatildeo dos grupos de fatores estruturais funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia verbal paradigma flexional do verbo contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre em relaccedilatildeo ao comportamento da variaacutevel dependente ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes natildeo padratildeo ldquoocecircucecircrdquo e ldquocecircrdquo) Chegamos aos seguintes resultados do total geral de 231 dados 90 de oralidade e 141 de escrita obtivemos 176 ocorrecircncias do ldquovocecircrdquo (e variantes) e 55 do ldquoturdquo

Percebemos que prevalece na maioria dos usos dos pronomes de segunda pessoa a funccedilatildeo sintaacutetica das formas de tratamento em posiccedilatildeo de sujeito (oralidade 90 dos casos e escrita 978 dos casos) na fusatildeo quantitativa das duas turmas Quanto ao tipo de frase em que as formas ocorrem prevalece o tipo de frase interrogativa (oralidade 689 e escrita 907 dos casos)

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Em relaccedilatildeo ao fator estrutural ambiente fonoloacutegico precedente na oralidade natildeo houve influecircncia relevante de nenhum dos fatores no uso das variantes no quantitativo das duas turmas (pausa 42 casos ndash 466 vogal 38 casos ndash 422) Jaacute nos dados de escrita houve favorecimento da pausa precedendo as duas variantes 92 casos (652) No tocante ao fator morfologia da forma verbal houve influecircncia da forma simples do verbo tanto na oralidade quanto na escrita (72 casos ndash 80 e 102 casos ndash 723 respectivamente) Concernente ao fator paradigma flexional do verbo houve a influecircncia do verbo irregular no uso das variantes tanto na oralidade quanto na escrita (67 casos ndash 744 e 08 casos ndash 766 respectivamente)

a) ldquo F vocecirc eacute meu melhor amigordquo (HEFA-S9T4)

b) ldquoe aiacute P como tu e sua famiacutelia estaacuterdquo (DSL-S5T5)

Ainda na primeira fase da pesquisa a fim de captarmos crenccedilas e atitudes linguiacutesticas dos sujeitos informantes em relaccedilatildeo ao modo de agir sentir ver e perceber seus usos linguiacutesticos e verificarmos o comportamento concernente ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo em diferentes situaccedilotildees de interlocuccedilatildeo aplicamos dois questionaacuterios Questionaacuterio de Atitudes e Percepccedilatildeo Linguiacutesticas 1 e 2 O primeiro abordava a questatildeo das crenccedilas atitudes e do preconceito linguiacutestico o segundo questionava o fenocircmeno linguiacutestico de uso das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo pelos informantes em situaccedilotildees que envolviam variados interlocutores em diferentes contextos e interaccedilotildees verbais

Os resultados extraiacutedos dos dois questionaacuterios apontaram que os sujeitos informantes tecircm consciecircncia dos usos linguiacutesticos diferenciados ocorridos em Lontra entretanto sentem o preconceito linguiacutestico advindo de pessoas de outros lugares decorrente da alternacircncia dos pronomes de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo para se referir ao seu interlocutor especialmente quando da escolha do ldquoturdquo visto que eacute usado sem a conjugaccedilatildeo do verbo como preconiza a tradiccedilatildeo gramatical Quanto ao fenocircmeno linguiacutestico

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de uso das formas de tratamento percebeu-se uma caracteriacutestica importante e peculiar da variaccedilatildeo quando o informante se refere a algueacutem de sua intimidadefamiliaridade (amigo colega irmatildeo etc) a forma preferida eacute ldquoturdquo Contudo se o interlocutor eacute algueacutem que exige determinado distanciamento respeito eacute pessoa mais velha a forma usada eacute o ldquovocecircrdquo ou ldquosenhor(a)rdquo Notamos pelos dados coletados nos questionaacuterios que em Lontra curiosamente conservam-se em relaccedilatildeo agrave forma ldquoturdquo caracteriacutesticas de uso desse pronome semelhantes ao seu uso no seacuteculo XIX com registros similares tambeacutem na Idade Meacutedia ou seja o uso do pronome revelando intimidade entre pessoas conhecidas proacuteximas

42 Segunda etapa proposta de ensino

Como jaacute mencionado a segunda etapa do nosso trabalho traz uma proposta de ensino cujo principal objetivo eacute contribuir para o tratamento da Liacutengua Portuguesa focando as variaccedilotildees linguiacutesticas promovendo uma educaccedilatildeo linguiacutestica conhecimentos sobre a diversidade linguiacutestica e uma aprendizagem condizente da variedade padratildeo da liacutengua

Para Faraco (2008) toda liacutengua em uso por ser dinacircmica eacute constituiacuteda por um conjunto de variedades passiacutevel de manutenccedilatildeo variaccedilatildeo e mudanccedila sendo portanto heterogecircnea e natildeo unitaacuteria e homogecircnea como se pensava no passado Logo as variedades natildeo podem estar em oposiccedilatildeo agrave liacutengua visto que um todo (a liacutengua) natildeo se separa de seus elementos constitutivos (as variedades)

Dessa forma foi pensando no conjunto que compotildee nosso sistema linguiacutestico intencionando desmitificar crenccedilas e atitudes que levam ao preconceito linguiacutestico e promover o respeito e a aceitaccedilatildeo da liacutengua com suas variedades e o ensino das regras preconizadas pela Gramaacutetica Tradicional Normativa (GTN) que elaboramos esta proposta de ensino Estaacute organizada em oficinas33 trazendo atividades que foram elaboradas tendo em mente

33 Adotamos o termo oficina segundo Santiago-Almeida (2011 p 507) que o denomina como ldquo[] um curso intensivo de curta duraccedilatildeo em que teacutecnicas habilidades artes etc satildeo demonstradas e aplicadas workshoprdquo

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os seguintes objetivos a) conscientizar os alunos em relaccedilatildeo agrave diversidade linguiacutestica do Portuguecircs Brasileiro e assim fazer frente aos efeitos nocivos de crenccedilas e atitudes linguiacutesticas negativas sobre as variaccedilotildees da liacutengua b) disponibilizar aos discentes o conhecimento sobre a origemtrajetoacuteria do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo bem como seus usos em diferentes lugares do Brasil c) ensinar ao aluno como acessar o Atlas Linguiacutestico do Brasil e as cartas linguiacutesticas d) conceituar e esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica e) levar agrave reflexatildeo sobre mudanccedilas linguiacutesticas ocorridas nas formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo f) apontar a importacircncia de se valorizar e se respeitar as diferenccedilas linguiacutesticas passo importante para a formaccedilatildeo de uma consciecircncia linguiacutestica que rechaccedilaraacute avaliaccedilotildees subjetivas feitas em relaccedilatildeo agraves variaccedilotildees g) conhecer os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular do PB adaptaccedilotildees do sistema linguiacutestico vigente dos pronomes de segunda pessoa que os usuaacuterios da liacutengua fazem conforme necessidade interlocutor e circunstacircncia de uso h) ensinar os usos dos dois pronomes e de sua concordacircncia verbal conforme dispotildee a GTN para que os discentes utilizem esse conhecimento em momentos oportunos e necessaacuterios e de acordo com sua funccedilatildeo social como apregoa Faraco (2008) jaacute que o acesso agraves variedades cultas da liacutengua pode ampliar a mobilidade linguiacutestica o tracircnsito amplo pela heterogeneidade linguiacutestica do falante

A proposta de ensino compotildee-se de quatro oficinas assim estruturadas

Oficina 1 Diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 1 ndash Origens do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo

Oficina 2 Sincronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo

Atividade 1 ndash Conhecendo a Dialetologia e a Geografia LinguiacutesticaAtividade 2 ndash Onde o ldquoturdquo e o ldquovocecircrdquo satildeo usados no BrasilAtividade 3 ndash Usos do ldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo na cidade de LontraMG

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Oficina 3 Educaccedilatildeo linguiacutesticaAtividade 1 ndash Reconhecendo a importacircncia das variedades linguiacutesticasAtividade 2 ndash As vozes representadas pelas variedades linguiacutesticasOficina 4 Conhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 1 ndash Subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs BrasileiroAtividade 2 ndash Usos do lsquoldquoturdquo e do ldquovocecircrdquo segundo a norma-padratildeo Concordacircncia verbal ndash ldquoturdquo e ldquovocecircrdquoAtividade 3 ndash Mensagem ao diretorAtividade 4 ndash Sobre a pesquisa uma avaliaccedilatildeo

A primeira oficina ldquoDiacronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por uma atividade teve como objetivo subsidiar os sujeitos da pesquisa com conhecimentos acerca da diacronia das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo tendo em vista o interlocutor O intuito foi que os alunos conhecessem a histoacuteria desses dois pronomes sua evoluccedilatildeo e as semelhanccedilas entre a variedade linguiacutestica dos moradores de Lontra e os usos que dela faziam quando de seus primeiros registros da Idade Meacutedia aos dias atuais Priorizamos uma abordagem teoacuterica com o uso de textos histoacuterico-cientiacuteficos por entendermos necessaacuterios para a finalidade pretendida a saber a aquisiccedilatildeo do conhecimento sobre diacronia das duas formas de tratamento pesquisadas

A segunda ldquoSincronia das formas de tratamento lsquotursquo e lsquovocecircrsquordquo composta por trecircs atividades objetivou mostrar aos discentes em que lugares do Brasil tambeacutem se alternavaria o uso das duas formas de tratamento investigadas por meio de mapas linguiacutesticos e geograacuteficos ajudar os alunos a acessarem as cartas linguiacutesticas no Atlas Linguiacutestico do Brasil aleacutem de esclarecer as funccedilotildees da Dialetologia e da Geografia Linguiacutestica O trabalho com a sincronia

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das duas formas de tratamento apoacutes o conhecimento de sua origem (Oficina 1) visou a comprovar que a cidade de Lontra eacute somente mais uma no paiacutes em que em sua realizaccedilatildeo linguiacutestica o falante materializa a variaccedilatildeo das formas ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo quando se dirige ao interlocutor No trabalho com as cartas linguiacutesticas priorizamos a M02 ndash ldquoTratamento do interlocutor lsquotursquo e lsquovocecircrsquo nas capitaisrdquo porquanto especificamente aborda os usos das formas de tratamento ora pesquisadas em diferentes lugares do paiacutes

A oficina seguinte a 3ordf ldquoEducaccedilatildeo linguiacutesticardquo composta por duas atividades teve como objetivos mostrar aos alunos mediante exemplos e argumentos teoacutericos que todas as variedades satildeo legiacutetimas e proacuteprias de uma liacutengua heterogecircnea exemplificar atitudes que conduzam agrave formaccedilatildeo da consciecircncia linguiacutestica discutir sobre avaliaccedilotildees subjetivas de alguns indiviacuteduos de certos grupos sociais a respeito das variedades linguiacutesticas As atividades eram direcionadas especificamente agrave conscientizaccedilatildeo do aluno sobre a legitimidade das variaccedilotildees da liacutengua determinadas por normas que atendem agraves necessidades de seus usuaacuterios e que devem ser respeitadas jaacute que satildeo parte da histoacuteria e da representatividade linguiacutestica de seus falantes Aleacutem disso aquelas atividades abordavam as reaccedilotildees crenccedilas e atitudes negativas das pessoas em relaccedilatildeo agraves variedades linguiacutesticas posto que a estigmatizaccedilatildeo na maioria das vezes ocorre com as vozes oprimidas e socialmente desprestigiadas Era nossa pretensatildeo que o aluno tambeacutem se apercebesse de parte dessa variaccedilatildeo assumindo sua condiccedilatildeo de usuaacuterio de uma liacutengua que se manifesta por diferentes variaccedilotildees mas com comunicabilidade independentemente do interlocutor e do contexto de interlocuccedilatildeo

A quarta e uacuteltima ldquoConhecendo os subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do singular no Portuguecircs Brasileirordquo compotildee-se de quatro atividades sendo duas com a escrita e duas com a oralidade modalidades com as quais previacuteramos trabalhar Apresentamos e esclarecemos o quadro dos seis subsistemas dos pronomes de segunda pessoa de que dispotildee nosso sistema

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linguiacutestico categorizados por Scherre (2009) para que o aluno tivesse conhecimento do seu funcionamento respeitada a sua maturidade linguiacutestica

Objetivamos com as atividades dessa oficina levar ao conhecimento dos aprendizes aleacutem dos subsistemas dos pronomes de segunda pessoa do Portuguecircs Brasileiro os mecanismos de concordacircncia verbal para que o discente use adequadamente as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo conforme a GTN Com tais metas corroboramos o que reporta Bortoni-Ricardo (2004) quando afirma que eacute na escola onde o indiviacuteduo aprende os usos linguiacutesticos adequados agraves tarefas comunicativas e ao tipo de interaccedilatildeo para atender agraves convenccedilotildees sociais Nessa trilha as atividades de oralidade visavam agrave observaccedilatildeo do comportamento linguiacutestico do falante em contextos de uso mais formal e menos formal da liacutengua em relaccedilatildeo agraves regras de concordacircncia verbal com as formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo Para tanto trabalhamos novamente com a ferramenta WhatsApp enviando mensagens para interlocutores diferentes como o diretor da escola e um colega de sala arguindo-os sobre o tema da nossa pesquisa

Finalizada a aplicaccedilatildeo das oficinas os resultados apontaram que conseguimos alcanccedilar os objetivos pretendidos haja vista que cada atividade foi executada como planejamos dentro do tempo previsto tudo convergindo para o mesmo propoacutesito

Conseguimos despertar o interesse nos alunos por apresentarmos atividades diferenciadas utilizando textos acadecircmicoscientiacuteficos histoacutericos e diversos gecircneros multimodais no decorrer de todo o trabalho com informaccedilotildees pertinentes e necessaacuterias para a aquisiccedilatildeo de conhecimentos e ampliaccedilatildeo da competecircncia comunicativa dos estudantes Isso porque sabemos que constitui um direito do educando o contato com tais textos como apregoa Faraco (2008 p 176) quando nos lembra que eacute tarefa fundamental da escola oferecer gecircneros e textos para aleacutem da ldquoinsubstituiacutevel experiecircncia da literaturardquo ou seja a instituiccedilatildeo natildeo deve ignorar a gama de outros textos que tecircm vasta circulaccedilatildeo sociocultural

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Ao final atingimos nosso objetivo maior qual seja contribuir para o ensino da Liacutengua Portuguesa em suas diversas variedades e modalidades

5 Consideraccedilotildees finais

A investigaccedilatildeo sobre a alternacircncia das duas formas de tratamento os pronomes lsquoldquoturdquo e ldquovocecircrdquo utilizadas pelos moradores do municiacutepio de Lontra ndash Minas Gerais levou-nos aos seguintes resultados

Comprovamos por meio da pesquisa quantitativa e qualitativa sociolinguiacutestica laboviana que haacute variaccedilatildeo quanto ao uso das formas de tratamento ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo (e as variantes ldquoocecircrdquo e ldquocecircrdquo) tanto na oralidade quanto na escrita dos sujeitos-colaboradores

Verificamos ainda que fatores estruturais (funccedilatildeo sintaacutetica da forma ambiente fonoloacutegico precedente morfologia da forma verbal paradigma flexional verbal contexto de interpretaccedilatildeo da forma e tipo de frase em que a forma ocorre) e natildeo estruturais (sexo grau de intimidade e classe social) influenciam o uso da variaccedilatildeo em maior ou menor grau de ocorrecircncia

Confirmamos a hipoacutetese 1 de que o que acontece em Lontra eacute um caso de variaccedilatildeo linguiacutestica Aleacutem disso o uso de atividades diversas diferenciadas e inovadoras aleacutem dos estudos desenvolvidos possibilitou-nos a comprovaccedilatildeo da hipoacutetese 2 confirmando que a atualizaccedilatildeo das praacuteticas pedagoacutegicas leva os discentes a adquirirem tambeacutem normas linguiacutesticas consideradas de prestiacutegio ampliando assim seu repertoacuterio linguiacutestico e subsidiando-os com competecircncia comunicativa ampla e diversificada

Uma vez alicerccedilada em vaacuterias teorias e leituras que ampliaram sobremaneira nossos conhecimentos e nossa confianccedila para desenvolvermos a contento esta pesquisa e nos tornarmos agentes multiplicadores do conhecimento adquirido atingimos tanto o

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objetivo geral quanto os especiacuteficos definidos para este trabalho que reputamos consistente e importante Eacute nosso desejo que ele seja uacutetil para futuros estudos sociolinguiacutesticos e dialetoloacutegicos sobre o Portuguecircs Brasileiro

Acreditamos ter contribuiacutedo para atender aos anseios de uma sociedade moderna plural que a cada dia exige mais do sujeito a proficiecircncia nas habilidades de leitura e escrita enfim a compreensatildeo do sistema linguiacutestico do qual eacute usuaacuterio

Referecircncias

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FARACO C A Norma culta brasileira desatando alguns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

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PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS Desenvolvido pela Diretoria de Tecnologia da Informaccedilatildeo 2013 Apresenta as atividades desenvolvidas pelo ProfLetras da Universidade Estadual de Montes Claros Disponiacutevel em httpwwwcchunimontesbrprofletras Acesso em 20 jul 2017

REIS Z M dos A variaccedilatildeo de ldquoturdquo e ldquovocecircrdquo no portuguecircs falado e escrito em Lontra-MG 2019 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2019

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SCHERRE M M P O preconceito linguiacutestico deveria ser crime Revista Galileu dez 2009 Disponiacutevel em httprevistagalileuglobocom Acesso em 22 set 2018

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SCHERRE M M P Doa-se lindos filhotes de poodle variaccedilatildeo linguiacutestica miacutedia e preconceito Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

SCHERRE M M P Entrevista sobre preconceito linguiacutestico variaccedilatildeo e ensino concedida a Jussara Abraccedilado Cadernos de Letras da UFF ndash Dossiecirc Preconceito linguiacutestico e cacircnone literaacuterio n 361 p 11-26 sem 2008

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THIOLLENT M Metodologia da pesquisa-accedilatildeo 18 ed Satildeo Paulo Cortez 2011

TRIPP D Pesquisa-accedilatildeo uma introduccedilatildeo metodoloacutegica Educaccedilatildeo e pesquisa Satildeo Paulo v 31 n 3 p 443-446 setdez 2005

O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo da fala para a escritaClarice Nogueira Lopes

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo contempla os resultados da pesquisa de mestrado que realizamos34 A partir da observaccedilatildeo das dificuldades ortograacuteficas dos alunos decidimo-nos por empreender uma investigaccedilatildeo no sentido de analisar a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo presente na fala para os textos escritos dos estudantes aleacutem de elaborar uma proposta de intervenccedilatildeo com a finalidade de minimizar essa dificuldade no sentido de promover o desenvolvimento das suas habilidades ortograacuteficas

Assim objetivamos analisar o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo transposto para a escrita dos alunos do 7ordm ano do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica localizada na zona urbana da cidade de Montes Claros (MG)

Para alcanccedilar o objetivo proposto nesta pesquisa foi adotada a pesquisa-accedilatildeo sendo definidos como atores da intervenccedilatildeo os alunos do 7ordm ano X Para que as accedilotildees fossem direcionadas agrave realidade investigada inicialmente realizou-se uma pesquisa exploratoacuteria em que foi analisado o campo de pesquisa a partir de um diagnoacutestico da situaccedilatildeo

Esta pesquisa foi tambeacutem quantitativa uma vez que os dados foram medidos quantificados e depois traduzidos em nuacutemeros as informaccedilotildees e os resultados e qualitativa pois apresenta caraacuteter interpretativo Foi utilizada tambeacutem a pesquisa bibliograacutefica que buscou ancoragem em trabalhos cientiacuteficos no acircmbito da linguiacutestica jaacute produzidos sobre o tema A reflexatildeo sobre a praacutetica pedagoacutegica possibilitou a intervenccedilatildeo a partir do embasamento teoacuterico unindo a teoria e a praacutetica uma vez que a experiecircncia docente muitas vezes ocorre desvinculada da teoria

No que concerne agrave anaacutelise do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos foram consideradas as seguintes variaacuteveis linguiacutesticas

34 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3dAE2gG

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1) Ditongo ltougt no interior e no final de palavra como robaram e fecho no lugar de ldquoroubaramrdquo e ldquofechourdquo

2) Ditongo lteigt antes de [ɾ] como em fera em vez de ldquofeirardquo

3) Ditongo ltaigt antes de [] como caxa em vez de ldquocaixardquo

4) Categoria gramatical (substantivos verbos pronomes e adjetivos)

Aleacutem dessas variaacuteveis linguiacutesticas considerou-se tambeacutem variaacuteveis natildeo linguiacutesticas a saber

5) Sexo dos alunos

6) Faixa etaacuteria

7) Escolaridade

8) Aacuterea geograacutefica (os estudantes participantes desta pesquisa residem na aacuterea urbana)

Verificamos que todos os informantes vivem na zona urbana quatro informantes satildeo do sexo feminino e 17 do sexo masculino quatro tecircm 12 anos 11 tecircm 13 anos quatro tecircm 14 anos um tem 15 anos e um tem 17 anos

Para a definiccedilatildeo do objeto de estudo foram aplicadas duas atividades diagnoacutesticas para 21 alunos na turma do 7ordm ano X de uma escola puacuteblica no mecircs de abril de 2016 com o objetivo de identificar a influecircncia da oralidade na escrita desses alunos O diagnoacutestico apontou um grande nuacutemero de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na produccedilatildeo de texto dos alunos decorrentes da influecircncia da oralidade na escrita A partir do diagnoacutestico foi entatildeo elaborado um plano de intervenccedilatildeo para ser aplicado nessa turma com o objetivo de tentar minimizar as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos do Ensino Fundamental II

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As atividades de intervenccedilatildeo propostas foram direcionadas para a observaccedilatildeo da escrita das palavras tendo em vista o desenvolvimento ortograacutefico nas produccedilotildees de texto dos alunos tomando como base as postulaccedilotildees de Morais (2000) acerca do ensino da ortografia

Apoacutes a aplicaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi proposta uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo para 19 alunos dessa mesma turma no mecircs de maio de 2018 Nessa data os alunos cursavam o 8ordm Ano do Ensino Fundamental II Dessa maneira os dados obtidos nessa etapa puderam ser comparados com aqueles colhidos na fase diagnoacutestica atraveacutes da seleccedilatildeo descriccedilatildeo categorizaccedilatildeo e anaacutelise dos dados

A pesquisa portanto foi desenvolvida em diferentes fases diagnoacutestica intervenccedilatildeo e poacutes-intervenccedilatildeo Todavia a discussatildeo a seguir tem o seu enfoque na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos participantes especificamente na comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo

A anaacutelise promovida desenvolveu-se a partir das consideraccedilotildees feitas principalmente por Mollica (2016) Bortoni-Ricardo (2004 2005 2006) e Bagno (2006 2007)

Inicialmente foi feita uma discussatildeo sobre o conceito de ldquoerrordquo35 adotado nesta pesquisa em seguida eacute descrito o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo e a transposiccedilatildeo de tal fenocircmeno para a escrita Estatildeo presentes tambeacutem sugestotildees de Morais (2000) para o trabalho com a ortografia em sala de aula que nortearam as atividades de intervenccedilatildeo desenvolvidas Logo apoacutes foi feita a anaacutelise comparativa do diagnoacutestico e da poacutes-intervenccedilatildeo em

35 No presente trabalho o conceito de ldquoerrordquo eacute baseado na discussatildeo apontada por Bortoni-Ricardo (2005 2006) que faz uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrosrdquo da fala (que natildeo representam uma transgressatildeo da liacutengua jaacute que satildeo uma variedade linguiacutestica) e ldquoerrosrdquo da escrita (transgressatildeo de um coacutedigo convencionado e prescrito pelas regras ortograacuteficas pois a ortografia natildeo prevecirc variaccedilatildeo)

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relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos dos alunos por fim apresentamos as consideraccedilotildees finais sobre o trabalho aqui proposto

2 A discussatildeo sobre o ldquoerrordquo

Bagno (2007) aponta que a Gramaacutetica Tradicional (GT) considera como ldquoerrordquo as construccedilotildees que estatildeo em desacordo com as prescriccedilotildees da norma-padratildeo sendo que essa concepccedilatildeo influencia a propagaccedilatildeo do preconceito linguiacutestico Entretanto de acordo com Bagno (2007 p 124) ldquoNingueacutem comete erros ao falar sua proacutepria liacutengua materna assim como ningueacutem comete erros ao andar ou respirarrdquo O falante eacute capaz de identificar se uma sentenccedila obedece agraves regras de funcionamento da liacutengua Nesse prisma os ldquoerrosrdquo de Portuguecircs existem mas natildeo satildeo produzidos por falantes nativos de uma liacutengua

Na fala a noccedilatildeo de ldquoerrordquo tambeacutem estaacute relacionada agrave natildeo observacircncia das regras determinadas pela GT Nesse sentido a visatildeo tradicionalista considera ldquoerradasrdquo estas duas sentenccedilas ldquoA Joana eacute uma menina que ela sabe o que fazrdquo e ldquoA Joana que ela sabe eacute uma menina o que fazrdquo Por sua vez Bagno (2007 p 127) afirma ser agramatical apenas a segunda que natildeo eacute identificada na fala dos brasileiros

Jaacute na escrita a noccedilatildeo de ldquoerrordquo estaacute relacionada aleacutem de a outros aspectos linguiacutesticos aos desvios ortograacuteficos As questotildees concernentes ao ensino da ortografia satildeo motivo de duacutevida para o professor que encontra dificuldades em trabalhar com atividades que apresentem de fato resultados positivos Essa duacutevida estaacute intimamente relacionada agrave noccedilatildeo do ldquoerrordquo que eacute discutida por Bortoni-Ricardo (2005) a seguir

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21 Bortoni-Ricardo (2005 2006) e o ldquoerrordquo ortograacutefico

Ao discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Bortoni-Ricardo (2006) realiza uma diferenciaccedilatildeo entre ldquoerrordquo da fala e da escrita Segundo a autora o ldquoerrordquo na liacutengua falada natildeo transgride regras da liacutengua no sentido de que representa uma variedade linguiacutestica diferente da variedade de prestiacutegio sendo um fato social ldquoNa liacutengua oral portanto o indiviacuteduo tem a variaccedilatildeo ao seu dispor cabendo-lhe aprender na escola e na vida a ajustar a variante adequada a cada contexto de usordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2006) o ldquoerrordquo ortograacutefico apresenta uma natureza distinta do ldquoerrordquo da fala posto que a ortografia eacute um coacutedigo que natildeo aceita variaccedilatildeo Assim o ldquoerrordquo representa a transgressatildeo de um coacutedigo convencionado pelas regras ortograacuteficas Nessa perspectiva o ldquoerrordquo eacute um componente de forte avaliaccedilatildeo social pois eacute avaliado de maneira negativa pela sociedade Poreacutem a autora esclarece que ldquoConsiderar uma transgressatildeo agrave ortografia como erro natildeo significa consideraacute-la uma deficiecircncia do aluno que decirc ensejo a criacuteticas ou a um tratamento que o deixe humilhadordquo (BORTONI-RICARDO 2006 p 273) A aprendizagem da ortografia eacute gradativa e necessita de um contato permanente com a liacutengua escrita

Haacute um equiacutevoco envolto a essa questatildeo do ldquoerrordquo que faz com que se deduza que todas as construccedilotildees satildeo sempre vaacutelidas na liacutengua A despeito dessa concepccedilatildeo Bortoni-Ricardo (2005) aponta que na perspectiva da Sociolinguiacutestica Educacional o falante deve utilizar a liacutengua de maneira apropriada De acordo com a autora ldquoA competecircncia comunicativa de um falante lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer circunstacircnciasrdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73) ou seja o falante segue regras de adequaccedilatildeo estabelecidas culturalmente que norteiam a monitoraccedilatildeo do seu estilo Assim o falante

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seleciona estilos mais monitorados em situaccedilotildees que exigem certa formalidade ao passo que em situaccedilotildees menos formais nas quais haacute um grau maior de intimidade com os interlocutores o indiviacuteduo utiliza estilos menos monitorados ldquoEm todos esses processos ele tem sempre de levar em conta o papel social que estaacute desempenhandordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 73)

Ao analisar os ldquoerrosrdquo de escrita Bortoni-Ricardo (2005) discute uma metodologia para a anaacutelise e diagnose de ldquoerrosrdquo pertinente em ambientes nos quais as pessoas possuem pouco acesso agrave norma-padratildeo e utilizam variedades estigmatizadas ldquoOs lsquoerrosrsquo que cometem satildeo sistemaacuteticos e previsiacuteveis quando satildeo conhecidas as caracteriacutesticas do dialeto em questatildeordquo (BORTONI-RICARDO 2005 p 53) Sendo assim a autora postula as categorias de ldquoerrosrdquo especificadas no Quadro 1

Quadro 1 Categoriassubcategorias de ldquoerrosrdquo

1 ndash Erros decorrentes da proacutepria natureza arbitraacuteria do sistema de convenccedilotildees da escrita2 ndash Erros decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita

21 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas categoacutericas no dialeto estudado

22 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais

23 ndash Erros decorrentes da interferecircncia de regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas

Fonte Adaptado de Bortoni-Ricardo (2005 p 54)

O Quadro 1 demonstra duas categorias de ldquoerrosrdquo sendo que a categoria 1 compreende os ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita devido principalmente ao fato de haver um fonema com diferentes representaccedilotildees graacuteficas ou uma letra que represente dois ou mais fonemas

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A categoria 2 indica ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo dos haacutebitos da fala para a escrita A subcategoria 21 diz respeito a regras fonoloacutegicas categoacutericas que existem independentemente do contexto situacional e das caracteriacutesticas sociodemograacuteficas do falante Por exemplo a junccedilatildeo de certas palavras (levalo em vez de ldquolevaacute-lordquo) e a nasalizaccedilatildeo do ditongo como em muinto em vez de ldquomuitordquo A subcategoria 22 refere-se agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis graduais que satildeo percebidas em vaacuterios grupos sociais (categoria em que se insere nosso objeto de estudo e de intervenccedilatildeo) p e a monotongaccedilatildeo de ditongos crescentes (bera em vez de ldquobeirardquo) e a desnasalizaccedilatildeo das vogais aacutetonas finais (homi em vez de ldquohomemrdquo) Jaacute a subcategoria 23 diz respeito agraves regras fonoloacutegicas variaacuteveis descontiacutenuas que estatildeo presentes em alguns grupos por isso satildeo comumente estigmatizadas pelas pessoas que dominam a norma culta Por exemplo a supressatildeo do ditongo crescente em siacutelaba final (vei em vez de ldquoveiordquo)

A categorizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo adotada neste trabalho eacute a proposta por Bortoni-Ricardo (2005) segundo a qual haacute ldquoerrosrdquo ocasionados pela falta de conhecimento das convenccedilotildees da liacutengua escrita e ldquoerrosrdquo decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita sendo que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo objeto desta pesquisa enquadra-se neste uacuteltimo

Um motivo que leva os alunos a cometerem transgressotildees ortograacuteficas eacute a sustentaccedilatildeo da ideia de que a escrita eacute a representaccedilatildeo da fala Eacute o que ocorre quando o aluno transpotildee a monotongaccedilatildeo para escrita fenocircmeno que eacute discutido na seccedilatildeo seguinte

3 O fenocircmeno da monotongaccedilatildeo

Segundo Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015 p 148) a monotongaccedilatildeo trata da supressatildeo da semivogal de um ditongo p e em [pe] a semivogal i foi suprimida Segundo Silva (2008 p 73) ditongos satildeo uma sequecircncia de segmentos sendo que um

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deles eacute uma vogal e o outro eacute uma semivocoide semivogal vogal assilaacutebica ou glide (a partir de agora adotamos o termo glide para se referir agrave semivogal por ser terminologia neutra)

No Portuguecircs Brasileiro (PB) as siacutelabas satildeo constituiacutedas por vogais que satildeo o nuacutecleo e por consoantes ou glides que ocupam as partes perifeacutericas Dessa forma as vogais satildeo sempre obrigatoacuterias e o pico de qualquer siacutelaba do PB enquanto as consoantes e os glides satildeo opcionais e ainda prevocaacutelicos ou posvocaacutelicos Foneticamente a diferenccedila entre um segmento vocaacutelico e um consonantal eacute a obstruccedilatildeo da passagem da corrente de ar pelo trato vocal no caso de consoantes e a natildeo obstruccedilatildeo no caso das vogais

Silva (2008 p 73 itaacutelico nosso) afirma que ldquo[] glides podem apresentar caracteriacutesticas foneacuteticas de segmentos vocaacutelicos ou consonantaisrdquo ao se comportarem de maneira parecida agraves consoantes na siacutelaba Nesse sentido Cacircmara Jr (1997) classifica o glide como vogal assilaacutebica pois em vez de ser o centro da siacutelaba fica agrave margem dela assim como as consoantes resultando no ditongo Silva (2008 p 171 itaacutelico nosso) afirma que no PB ldquo[] os glides correspondem agraves vogais altas i u em posiccedilatildeo aacutetona que se manifestam foneticamente como segmentos assilaacutebicos Os glides satildeo sempre associados a uma vogal e nunca podem ser nuacutecleo de siacutelabardquo

Coutinho (1976 p 108) afirma que havia em latim ldquosomente quatro ditongos ae oe au e eu (raro)rdquo O nuacutemero maior de ditongos no Portuguecircs deve-se a alguns motivos tais como a siacutencope ou queda de fonema medial como malu que passou a ser mau a vocalizaccedilatildeo ou transformaccedilatildeo de consoante em vogal como conceptu que se transformou em conceito e a epecircntese de uma vogal para desfazer o hiato como em creogtcredogtcreio Ao discutir esse assunto Aragatildeo (2014) discorre sobre os ditongos latinos e afirma que seguiram dois caminhos diferentes no Portuguecircs ou se transformaram em novos ditongos ou se monotongaram

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Bortoni-Ricardo (2004) ao tecer consideraccedilotildees a respeito da monotongaccedilatildeo salienta que se trata de um fenocircmeno antigo na liacutengua como se observa p e na mudanccedila de paucumgtpoucogtpoco e aurumgtourogtoro No processo de evoluccedilatildeo do latim para o Portuguecircs a vogal ltagt transformou-se em ltogt tornando-se posterior assim como a vogal ltugt que eacute o segmento seguinte De acordo com Bagno (2006) essa transformaccedilatildeo do ditongo ltaugt para ltougt ocorreu devido ao processo de assimilaccedilatildeo

Aleacutem dessa transformaccedilatildeo houve ainda a reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt Essa mudanccedila representa a monotongaccedilatildeo que foi registrada jaacute no seacuteculo XVIII e perdura ateacute os dias hodiernos ldquoA regra estaacute tatildeo avanccedilada que praticamente natildeo pronunciamos o ditongo ou Ateacute em siacutelabas tocircnicas finais que satildeo mais resistentes agrave mudanccedila reduzimos este ditongordquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 95) Aragatildeo (2014) afirma que o fenocircmeno da monotongaccedilatildeo natildeo eacute regional uma vez que foram realizados estudos nesse sentido em diversas regiotildees do paiacutes que registraram a ocorrecircncia desse fenocircmeno

Bortoni-Ricardo (2004) ressalta que a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai ocorre em apenas alguns contextos fonoloacutegicos ldquoA reduccedilatildeo do ei e do ai eacute condicionada pelo segmento consonacircntico seguinterdquo (BORTONI-RICARDO 2004 p 96) Dessa maneira os segmentos consonacircnticos posteriores que favorecem a monotongaccedilatildeo desses ditongos satildeo ʒ e como em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo Segundo Bortoni-Ricardo (2004 p 96) isso ocorre devido ao fato de serem ldquo[] fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca o palato assim como a vogal i Dizemos entatildeo que essas consoantes e a vogal i satildeo sons homorgacircnicos (quanto ao ponto de articulaccedilatildeo)rdquo

Nesse sentido Bagno (2006) afirma que quando dois sons parecidos se encontram eles tendem a se fundir devido agrave assimilaccedilatildeo ldquoNo caso do nosso ditongo EI a assimilaccedilatildeo lsquoaproveitarsquo o caraacuteter palatal da semivogal I e das consoantes J e X para reuni-las num uacutenico som Assim o que acontece natildeo eacute exatamente a

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reduccedilatildeo do ditongo EI em E mas a reduccedilatildeo de -IJ- e -IX- em -J- e -X-rdquo (BAGNO 2006 p 91-92)

Bortoni-Ricardo (2004) acrescenta tambeacutem que houve uma expansatildeo dessa regra para outros ambientes como p e monotongaccedilatildeo antes de [ɾ] Esse fenocircmeno ocorre porque segundo Bagno (2006) o som [ɾ] natildeo eacute palatal da mesma forma que [ʒ] ou [ʃ] poreacutem trata-se de um som que tambeacutem eacute produzido na parte anterior da boca entre os alveacuteolos e os dentes ldquoPor terem este ponto de articulaccedilatildeo comum eacute que os sons da semivogal I e da consoante R sofrem os efeitos da assimilaccedilatildeo e se transformam num soacuterdquo (BAGNO 2006 p 92)

De acordo com Bortoni-Ricardo (2004) as consoantes oclusivas [] e [] e as fricativas [] e [] desfavorecem a aplicaccedilatildeo da regra da monotongaccedilatildeo dos ditongos [a] e [e ] No entanto a reduccedilatildeo do ditongo [e] pode ocorrer devido agrave variedade regional como na Paraiacuteba e Pernambuco em que haacute p e reduccedilatildeo do ditongo [e ] de ldquoAlmeidardquo para Almecircda

De acordo com Lazzarotto-Volcatildeo Nunes e Seara (2015) os ditongos que se monotongam satildeo aqueles seguidos de fricativas como em ldquodepoisrdquo ldquoqueijordquo e ldquopeixerdquo e seguidos de tepe como em ldquoroteirordquo e ldquofreirardquo Bortoni-Ricardo (2004 p 95) afirma que o fator que mais contribui para a monotongaccedilatildeo eacute a influecircncia articulatoacuteria do segmento seguinte Assim eacute muito comum a reduccedilatildeo do ditongo ou tanto em siacutelabas finais como falocirc socirc e jogocirc em vez de ldquofalourdquo ldquosourdquo e ldquojogourdquo quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas como em besoro tesoro loco dotocirc e ropa em vez de ldquobesourordquo ldquotesourordquo ldquoloucordquo ldquodoutorrdquo e ldquoroupardquo

Verifica-se tambeacutem a reduccedilatildeo dos ditongos ei e ai mas nesses casos Bortoni-Ricardo (2004) afirma que a regra de monotongaccedilatildeo estaacute menos avanccedilada pois ela se aplica apenas em alguns contextos fonoloacutegicos Assim nas palavras ldquojeitordquo ldquoPaivardquo ldquoseivardquo ldquoraivardquo ldquogaitardquo e ldquobeiccedilordquo natildeo se verifica a monotongaccedilatildeo ao passo que em ldquobeijordquo e ldquocaixardquo os ditongos satildeo monotongados pois

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os segmentos ʒ e ʃ satildeo fonemas pronunciados na regiatildeo alta da boca assim como i o que favorece a monotongaccedilatildeo Quando a monotongaccedilatildeo ocorre no radical dos verbos a tendecircncia eacute a abertura da vogal por exemplo em roacuteba e doacutera em vez de ldquoroubardquo e ldquodourardquo

Apoacutes essa explanaccedilatildeo a respeito da monotongaccedilatildeo na subseccedilatildeo a seguir abordaremos a transposiccedilatildeo desse fenocircmeno para a escrita conforme estudos jaacute realizados sobre o assunto

31 Monotongaccedilatildeo da fala para a escrita

Nesta subseccedilatildeo satildeo apresentadas discussotildees sobre a transposiccedilatildeo da fala para a escrita em relaccedilatildeo ao fenocircmeno da monotongaccedilatildeo de acordo com pesquisas desenvolvidas pelos autores citados a seguir

Mollica (2016) realizou uma pesquisa em escolas puacuteblicas e particulares na cidade do Rio de Janeiro e Niteroacutei (RJ) a fim de verificar a ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental A autora concluiu que as turmas nas quais foi promovida uma discussatildeo acerca da influecircncia da fala na escrita foi identificada menor ocorrecircncia de monotongaccedilatildeo nos textos escritos sendo que o grafema ltugt apresentou assimilaccedilatildeo mais difiacutecil do que o grafema ltigt uma vez que eacute mais comum na fala dos alunos pesquisados a monotongaccedilatildeo do ditongo [oU9] como em otro em detrimento do ditongo [ej] como em pexe Dessa forma segundo Mollica (2016 p 102) ldquoQuanto mais afetada na fala a mudanccedila maior a resistecircncia agrave instruccedilatildeo aplicada como estrateacutegia pedagoacutegica em sala de aula no processo de letramentordquo

Hora e Ribeiro (2006) desenvolveram uma pesquisa com alunos das seacuteries iniciais do Ensino Fundamental em uma escola particular e uma puacuteblica na cidade de Joatildeo Pessoa (PB) com o intuito de observar a monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes Percebeu-se que houve ocorrecircncia maior de monotongaccedilatildeo em textos dos

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alunos do sexo masculino confirmando a hipoacutetese inicial dos autores de que ldquo[] os falantes do sexo feminino tendem a usar mais a variante padratildeo ou de prestiacutegio social do que aqueles do sexo masculinordquo (HORA RIBEIRO 2006 p 218) Nessa pesquisa houve ainda a constataccedilatildeo de que os estudantes das escolas puacuteblicas escrevem mais palavras monotongadas do que os alunos de escolas particulares possivelmente pelo fato de estes possuiacuterem maior contato com textos escritos em norma culta

Aleacutem disso os autores identificaram que alunos com niacutevel de escolaridade maior apresentaram menor iacutendice de monotongaccedilatildeo corroborando os estudos de Mollica (2016 p 102) ao concluir que ldquo[] o aprendiz necessita de um grau de amadurecimento tal que seja capaz de entender instruccedilotildees complexas como a possiacutevel influecircncia da variaccedilatildeo na liacutengua falada sobre a liacutengua escritardquo

Barbosa (2016 p 39-40) aponta que ldquo[] a monotongaccedilatildeo e a ditongaccedilatildeo satildeo evidecircncias do continuum entre fala e escrita ocasionadas por assimilaccedilotildees sonorasrdquo Assim a monotongaccedilatildeo eacute um tipo de variaccedilatildeo fonoloacutegica mas que ocorre tambeacutem na escrita como observado nas pesquisas descritas acima De acordo com Coelho et al (2015 p 18) ldquoEm um caso de variaccedilatildeo as formas variantes costumam receber valores distintos pela comunidaderdquo Dessa maneira enquanto a variante padratildeo eacute a variante de prestiacutegio a natildeo padratildeo eacute normalmente estigmatizada No caso especiacutefico da monotongaccedilatildeo segundo Mollica (2016) por ser comum no Brasil natildeo demonstra ser um fenocircmeno tatildeo estigmatizado o que poderia explicar sua forte influecircncia nos textos escritos

Bagno (2006) destaca que a liacutengua escrita natildeo reproduz fielmente a fala pois a liacutengua falada passa por constantes transformaccedilotildees Dessa maneira ldquo[] ateacute hoje a gente tem que escrever pouco louro roupa embora fale haacute bastante tempo poco loro ropardquo (BAGNO 2006 p 84) Portanto ldquoerrosrdquo ortograacuteficos decorrentes da influecircncia da fala na escrita especialmente no que diz respeito agrave monotongaccedilatildeo satildeo recorrentes

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Dada a ocorrecircncia de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos na escrita dos alunos aqui investigados especificamente da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a sua escrita e a necessidade de uma proposta de intervenccedilatildeo nesse caso adotamos as propostas de atividades pedagoacutegicas elaboradas por Morais (2000) que contribuem para o ensino da ortografia conforme discussatildeo na seccedilatildeo a seguir

4 Morais (2000) sugestotildees de atividades

Morais (2000) apresenta sugestotildees de atividades para serem trabalhadas em sala de aula com o intuito de melhorar os conhecimentos ortograacuteficos dos alunos p e

1) Ditado interativo o ditado eacute uma atividade muito usada para a verificaccedilatildeo ortograacutefica contudo trata-se de um exerciacutecio realizado de maneira tradicional considerando a ortografia como um objeto de verificaccedilatildeo e natildeo de ensino

Contrapondo-se ao ditado tradicional que apenas verifica os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos o ditado interativo conduz a uma reflexatildeo acerca da ortografia ldquoDitamos agrave turma um texto jaacute conhecido fazendo pausas diversas nas quais convidamos os alunos a focalizar e discutir certas questotildees ortograacuteficas previamente selecionadas ou levantadas durante a atividaderdquo (MORAIS 2000 p 77) Durante a realizaccedilatildeo do ditado o professor aponta reflexotildees sobre algumas palavras que considera mais pertinentes para o momento seguindo as dificuldades ortograacuteficas apresentadas pelos alunos solicitando a eles que faccedilam transgressotildees mentalmente discutindo a forma ldquocorretardquo e ldquoerradardquo de grafia

2) Releitura com focalizaccedilatildeo semelhante ao ditado interativo a releitura coletiva com focalizaccedilatildeo na escrita de determinadas palavras leva os alunos a refletirem acerca da ortografia ldquoMais ainda que no ditado interativo eacute faacutecil o professor controlar as palavras sobre as quais deseja refletir com os alunosrdquo (MORAIS 2000 p 82)

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3) Reescrita com correccedilatildeo Morais (2000) sugere que os alunos leiam textos que contenham transgressotildees ortograacuteficas e pontua ainda que essa proposta enfrenta resistecircncia por muitos educadores pois haacute o pensamento de que os estudantes ao entrarem em contato com esses ldquoerrosrdquo poderiam considerar essas ocorrecircncias corretas No entanto o autor supracitado ressalta a importacircncia de os alunos perceberem que indiviacuteduos de grupos sociais e regiotildees diferentes possuem maneiras distintas de falar aleacutem disso deve-se discutir a maneira como se fala sendo que a linguagem precisa se adequar agrave situaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo Segundo Morais (2000) as atividades de reescrita com correccedilatildeo e transgressatildeo ortograacutefica podem contribuir para a reflexatildeo sobre a ortografia

5 Anaacutelise dos dados

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos alunos e na atividade poacutes-intervenccedilatildeo os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados conforme proposta de Bortoni-Ricardo (2005) descrita no Quadro 1 Analisamos a seguir as atividades diagnoacutesticas demonstrando o percentual de ldquoerrosrdquo dos alunos em cada tipo categorizado na sequecircncia destacamos a anaacutelise feita no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos participantes ainda na fase diagnoacutestica Por fim comparamos os dados obtidos no diagnoacutestico com os dados colhidos na fase poacutes-intervenccedilatildeo

51 Anaacutelise das atividades diagnoacutesticas

Nas duas atividades diagnoacutesticas aplicadas aos 21 alunos participantes conforme descriccedilatildeo anterior os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos presentes nos textos foram identificados e categorizados sendo possiacutevel obter uma visatildeo geral dos ldquoerrosrdquo no Graacutefico 1

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Graacutefico 1 Porcentagem dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos ndash fase diagnoacutestica

0 10 20 30 40

Troca de letrasMonotongaccedilatildeo

JunturaAlccedilamento

ApoacutecopeHipercorreccedilatildeoSegmentaccedilatildeoDesnasalaccedilatildeo

SiacutencopeAfeacuterese

Harmonia vocaacutelicaAssimilaccedilatildeoDitongaccedilatildeo

Demais subcategorias

Grupo 1

Grupo 2 - A

Grupo 2 - B

Grupo 2 - C

Demais subcategorias

Fonte Lopes (2018)

No Graacutefico 1 incluem-se na legenda ldquodemais subcategoriasrdquo ldquoerrosrdquo provenientes dos Grupos 1 e 2 que apresentaram menos de 1 de ocorrecircncia a saber inserccedilatildeo de letras (Grupo 1) epecircntese (Grupo 2 ndash A) nasalizaccedilatildeo (Grupo 2 ndash B) apoacutecope epecircntese sacircndi externo nasalizaccedilatildeo afeacuterese e paragoge (Grupo C)

Os ldquoerrosrdquo identificados nas atividades diagnoacutesticas demonstraram o elevado grau de dificuldades enfrentadas pelos alunos em relaccedilatildeo agrave ortografia ao compor seus textos Destaca-se nesse sentido a dificuldade apresentada em relaccedilatildeo ao uso indevido de letras com 29 A troca de letras feita no momento da escrita representa casos possiacuteveis dentro do sistema linguiacutestico

O ldquoerrordquo ortograacutefico de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita para o qual se direciona esta pesquisa apresentou o segundo maior percentual de ldquoerrosrdquo No entanto entre os ldquoerrosrdquo

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decorrentes da transposiccedilatildeo da fala para a escrita (Grupo 2) a monotongaccedilatildeo apresentou o maior nuacutemero de ocorrecircncias

Ainda que o uso indevido de letras tenha sido demonstrado como o ldquoerrordquo mais recorrente considerando-se o total dos ldquoerrosrdquo trata-se de troca de letras diferentes O porcentual de 29 para essa subcategoria do Grupo 1 representa 14 tipos de troca de letras diferentes que totalizam as 84 ocorrecircncias identificadas nos dados Se considerado cada tipo de troca de letra isoladamente eles apresentam um menor percentual de ocorrecircncia quando comparados agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Em razatildeo de o objeto de estudo desta pesquisa ser a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita uma subseccedilatildeo especiacutefica trataraacute desse ldquoerrordquo ortograacutefico

52 Monotongaccedilatildeo transposiccedilatildeo para a escrita

Esta subseccedilatildeo aborda especificamente a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita na fase diagnoacutestica No Quadro 2 estatildeo elencadas as palavras que representam a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita encontradas nos dois textos produzidos pelos alunos na fase diagnoacutestica organizado de maneira a se estabelecer correspondecircncia entre o ldquoerrordquo e o aluno que dele fez uso

Quadro 2 Casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ndash fase diagnoacutestica

Aluno Monotongaccedilatildeo

A1 robu (ldquoroubordquo) robaro (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) coguero (ldquocoqueirordquo) atiro (ldquoatirourdquo)

A2 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A3 outro (ldquooutrordquo) robaram (ldquoroubaramrdquo)A4 fera (ldquofeirardquo)A6 uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A9 robaraum (ldquoroubaramrdquo) otos (ldquooutrosrdquo)

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A10 cacha (ldquocaixardquo) ropinha (ldquoroupinhardquo)A11 arrumo (ldquoarrumourdquo)

A12 robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A13 ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo) deito (ldquodeitourdquo) comeia (ldquocolmeiardquo) utimo (ldquouacuteltimordquo)

A15 roba (ldquoroubarrdquo) comeso (ldquocomeccedilourdquo) acho (ldquoachourdquo) ropa (ldquoroupardquo) cadera (ldquocadeirardquo)

A16 vera (ldquofeirardquo)A17 fera (ldquofeirardquo) cheo (ldquocheiordquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A18 robaram (ldquoroubaramrdquo) fera (ldquofeirardquo) comeia (ldquocolmeiardquo)A19 robaram (ldquoroubaramrdquo) vera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)A20 robaram (ldquoroubaramrdquo) atiro (ldquoatirourdquo) cacha (ldquocaixardquo)A21 fera (ldquofeirardquo) uacutetimo (ldquouacuteltimordquo)

Fonte Lopes (2018)

Verifica-se com base no Quadro 2 que dos 21 informantes que participaram das atividades propostas 17 (81) apresentaram na escrita ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo atraveacutes da reduccedilatildeo do ditongo ltougt para ltogt e dos ditongos lteigt e ltaigt para ltegt e ltagt respectivamente

Contrariando a forma ortograacutefica oficial foram verificadas nas produccedilotildees analisadas palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo tanto em siacutelabas tocircnicas finais quanto em siacutelabas internas tocircnicas ou aacutetonas Em relaccedilatildeo agrave reduccedilatildeo do ditongo [oU9] para [o] puderam ser observadas as seguintes ocorrecircncias

a) Reduccedilatildeo do ditongo em siacutelabas tocircnicas finais como em atiro arrumo comeso deito fecho e acho em vez de ldquoatirourdquo ldquoarrumourdquo comeccedilourdquo ldquodeitourdquordquo fechourdquo e ldquoachourdquo

b) Transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo no final das siacutelabas no interior das palavras como em robo robaram otros comeia e ropinha grafadas no lugar de ldquoroubordquo ldquoroubaramrdquo ldquooutrosrdquo ldquocolmeiardquo e ldquoroupinhardquo No caso da escrita de comeia e utimo a

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transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo ocorre porque haacute um ditongo [ow] na fala que natildeo eacute registrado na forma escrita

Verificou-se ainda o apagamento do glide dos ditongos [a] e [e] que se reduziram para [a] e [e] respectivamente Nas produccedilotildees de texto analisadas a reduccedilatildeo desses ditongos ocorreu nos contextos fonoloacutegicos descritos a seguir

c) O ditongo [e] passou por monotongaccedilatildeo antes de consoante tepe alveolar sonora [] como em fera coquero e cadera em vez de ldquofeirardquo ldquocoqueirordquo e ldquocadeirardquo

d) Houve reduccedilatildeo do ditongo [a] antes de consoante fricativa alveopalatal surda [] como em cacha em vez de ldquocaixardquo

Natildeo houve reduccedilatildeo dos ditongos [a] e [e] diante de oclusivas e fricativas nas produccedilotildees textuais dos alunos Identificou-se o natildeo favorecimento de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo quando o ditongo antecede as consoantes [v] e [t] pois natildeo satildeo sons palatais assim natildeo haacute assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 e A12 grafaram a palavra ldquoraivardquo sem transposiccedilatildeo da reduccedilatildeo do ditongo [a ] Natildeo foram encontrados registros nos textos analisados de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo neste contexto fonoloacutegico ditongo seguido de consoante fricativa labiodental sonora [v] O mesmo ocorreu com os ditongos seguidos de consoante oclusiva dental-alveolar surda [t] (p e ldquodeitourdquo e geito) Foi possiacutevel analisar ainda que o ditongo [e] natildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nos finais de palavra como ocorreu com o ditongo [oU9]

No caso de [a] e [e] a reduccedilatildeo do ditongo estaacute condicionada ao segmento seguinte que sendo um som palatal favorece a monotongaccedilatildeo uma vez que haacute a assimilaccedilatildeo do glide com a consoante Assim enquanto as consoantes [ʒ] e [ʃ] favorecem a monotongaccedilatildeo como em bejo e caxa em vez de ldquobeijordquo e ldquocaixardquo por serem palatais o mesmo natildeo acontece com as consoantes

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[v] e [t] que desfavorecem a monotongaccedilatildeo por natildeo serem sons palatais natildeo havendo portanto assimilaccedilatildeo com o glide

Os alunos A2 A3 e A21 escreveram ldquodeitourdquo geito e ldquodeitadordquo respectivamente sem transpor para a escrita a monotongaccedilatildeo dos ditongos uma vez que conforme jaacute comentado anteriormente esse contexto fonoloacutegico natildeo favorece a reduccedilatildeo do ditongo [e]

No texto do aluno A3 notou-se que as palavras ldquoentreirdquo e axei que possuem um ditongo [e ] no final da palavra tambeacutem natildeo passaram por monotongaccedilatildeo diferentemente do que ocorreu com o ditongo [oU9] no final de palavras

A anaacutelise do diagnoacutestico permitiu chegar aos seguintes resultados

bull Os contextos fonoloacutegicos de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foram ditongo ltougt no interior e final de palavra ditongo lteigt antes de [] e ditongo ltaigt antes de []

bull 81 dos alunos participantes escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

bull O ditongo ltougt foi mais produtivo em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita seguido pelos ditongos lteigt e ltaigt respectivamente

bull Os informantes do sexo masculino escreveram mais palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em comparaccedilatildeo aos informantes do sexo feminino

bull Os participantes com mais idade registraram menor ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita do que os participantes com menos idade

Apoacutes anaacutelise do diagnoacutestico foi elaborado o plano de intervenccedilatildeo e aplicado aos alunos Em seguida os alunos realizaram uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo com o intuito de avaliar a intervenccedilatildeo

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realizada A comparaccedilatildeo entre os dados do diagnoacutestico e os dados da poacutes-intervenccedilatildeo eacute feita na subseccedilatildeo a seguir

53 Comparaccedilatildeo dos resultados e resultado geral

A fim de avaliar os efeitos da intervenccedilatildeo torna-se necessaacuterio realizar nesta subseccedilatildeo uma anaacutelise comparativa entre os resultados colhidos na fase diagnoacutestica e na fase poacutes-intervenccedilatildeo referentes agraves produccedilotildees de texto redigidas pelos alunos

Na Tabela 1 a seguir eacute feita a comparaccedilatildeo do total de ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Tabela 1 Comparativo geral de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave totalidade dos ldquoerrosrdquo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

16 4

Fonte Lopes (2018)

Segundo a Tabela 1 houve uma reduccedilatildeo de 12 das ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nos textos produzidos pelos alunos da fase diagnoacutestica para a fase poacutes-intervenccedilatildeo Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo correspondeu a 16 do total de ldquoerrosrdquo enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo esse percentual foi de 4

Ao discutir a transposiccedilatildeo da fala para a escrita Mollica (2016 p 18) afirma que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e que ldquoOs sistemas de escrita possuem um caraacuteter normatizador de tal modo que muitos traccedilos variaacuteveis da fala desaparecemrdquo

Dessa maneira durante a intervenccedilatildeo foi feita a discussatildeo com os alunos no sentido de que a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo da fala e os resultados demonstram que houve essa compreensatildeo por

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parte dos estudantes uma vez que a ocorrecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos reduziu consideravelmente apoacutes a intervenccedilatildeo desenvolvida evidenciando que as atividades propostas minimizaram essa dificuldade ortograacutefica

Para melhor visualizaccedilatildeo o Graacutefico 2 conteacutem a comparaccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 2 Comparativo alunos com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

81

105

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 2 ilustra a reduccedilatildeo do percentual de alunos que apresentaram em seu texto escrito a transposiccedilatildeo do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo durante as fases diagnoacutestica (81) e poacutes-intervenccedilatildeo (105) Ou seja houve uma reduccedilatildeo de mais de 70 demonstrando que os alunos compreenderam tal fenocircmeno que ocorre na fala e eacute transposto para a escrita

Mollica (2016) defende a elaboraccedilatildeo de trabalhos orientados na abordagem de dificuldades de escrita de natureza ortograacutefica ou gramatical sendo essa uma funccedilatildeo essencial da escola ldquoAssumo que a escola tem o papel preciacutepuo de exercitar a liacutengua padratildeo quer na modalidade escrita quer na modalidade faladardquo (MOLLICA 2016 p 17)

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O trabalho orientado no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita obteve resultados satisfatoacuterios nesta pesquisa de acordo com leitura feita do Graacutefico 2

O Quadro 3 a seguir compara as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa considerando dois informantes que apresentaram a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na atividade de avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo

Quadro 3 Comparativo casos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Aluno Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

A11 arrumo (ldquoarrumourdquo) chego (ldquochegourdquo)

A12robar (ldquoroubarrdquo) fera (ldquofeirardquo) outro (ldquooutrordquo) fecho (ldquofechourdquo) comeso

(ldquocomeccedilourdquo) cadera (ldquocadeirardquo)falo (ldquofalourdquo)

Fonte Lopes (2018)

Constatamos a partir da observaccedilatildeo do Quadro 3 que o informante A11 escreveu o mesmo nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas etapas da pesquisa (1 ocorrecircncia em cada) ambas com reduccedilatildeo do ditongo ltougt no final de palavra Jaacute o informante A12 ainda que tenha registrado na fase poacutes-intervenccedilatildeo uma palavra com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apresentou reduccedilatildeo desse fenocircmeno na escrita em relaccedilatildeo agrave fase diagnoacutestica (6 ocorrecircncias) Aleacutem disso enquanto na fase diagnoacutestica esse aluno registrou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo dos ditongos ltougt e lteigt na poacutes-intervenccedilatildeo apresentou transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo somente do ditongo ltougt

A reduccedilatildeo do ditongo ltougt pelo fato de natildeo depender do segmento consonantal seguinte para ocorrer monotongaccedilatildeo (ao contraacuterio do que acontece com os ditongos ltaigt e lteigt) torna-se mais frequente e consequentemente mais difiacutecil reduzir a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo desse ditongo na escrita

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O Quadro 4 compara os contextos fonoloacutegicos da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas fases diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo

Quadro 4 Comparativo contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

ltougt no final de palavraltougt no interior de palavra

lteigt antes de []ltaigt antes de []

ltougt em final de palavra

Fonte Lopes (2018)

Comparando os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nessas duas fases da pesquisa observamos que houve reduccedilatildeo uma vez que na fase diagnoacutestica os contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo foram ditongo ltougt no interior e final de palavra lteigt antes de [] e ltaigt antes de [] Na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi registrada apenas transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com o ditongo ltougt no final de palavra

Corroborando os dados colhidos na fase diagnoacutestica desta pesquisa a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt eacute mais produtiva motivo pelo qual esse contexto fonoloacutegico persistiu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Assim a reduccedilatildeo de contextos fonoloacutegicos de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas produccedilotildees dos alunos demonstra que houve a compreensatildeo no que tange a esse ldquoerrordquo A comparaccedilatildeo entre os tipos de ditongos que apresentaram maior ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo estaacute representada no Graacutefico 3

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Graacutefico 3 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo por tipo de ditongo

62

33

5

100

Ditongo ltougt Ditongo lteigt Ditongo ltaigt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

Na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt foi mais produtiva com 62 seguida pelo ditongo lteigt (33) e ditongo ltaigt (5) Jaacute na fase poacutes-intervenccedilatildeo somente ocorreu a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Possivelmente a permanecircncia de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo apenas do ditongo ltougt na fase poacutes-intervenccedilatildeo deve-se tambeacutem ao fato de que esse eacute um fenocircmeno consolidado na fala tornando mais resistente sua aplicaccedilatildeo

Bortoni-Ricardo e Rocha (2014 p 42) confirmam essa hipoacutetese

[] o curso evolutivo de reduccedilatildeo do ditongo ow estaacute mais avanccedilado a regra parece aplicar-se quase categoricamente em todos os ambientes foneacuteticos Esse ditongo eacute de fato o uacutenico que se reduz nas siacutelabas finais

Mollica (2016 p 91) tambeacutem explica a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico ao afirmar que ldquoA correccedilatildeo ortograacutefica para

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o ditongo com a semivogal posterior por ser mudanccedila operada na fala eacute mais lenta que a verificada para o ditongo com a semivogal anteriorrdquo Logo a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt registrada nesta pesquisa tambeacutem indicou ser mais lento o seu apagamento na escrita por se tratar de fenocircmeno consolidado na fala como demonstrado no Quadro 4 que evidenciou a permanecircncia desse contexto fonoloacutegico nesta pesquisa na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Ainda assim a anaacutelise dos dados obtidos demonstra que as atividades desenvolvidas para a orientaccedilatildeo de uma dificuldade ortograacutefica especiacutefica foram satisfatoacuterias para a aprendizagem dos alunos posto que foi observada a reduccedilatildeo de ldquoerrosrdquo ocasionados pela transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita

A comparaccedilatildeo das classes de palavras mais produtivas em relaccedilatildeo agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases desta pesquisa estaacute especificada no Graacutefico 4 que representa apenas o ditongo ltougt por ter sido o uacutenico recorrente na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 4 Comparativo transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

24

64

12

100

Substantivo Verbo Pronome

Diagnoacutestico Poacutes-intervenccedilatildeo

Fonte Lopes (2018)

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Identificamos apoacutes comparar a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt no diagnoacutestico e na poacutes-intervenccedilatildeo a prevalecircncia na fase diagnoacutestica de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (64) seguida por substantivos (24) e pronomes (12) enquanto na poacutes-intervenccedilatildeo soacute houve transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo com verbos (100)

Os gecircneros textuais escolhidos para as atividades por terem a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo contribuiacuteram para a ocorrecircncia maior da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt com verbos Isso ocorreu tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo momento em que foi solicitada aos alunos a escrita de uma paroacutedia de um conto de fadas

O Graacutefico 5 compara a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita dos alunos em relaccedilatildeo ao sexo dos participantes Os dados referentes ao diagnoacutestico foram considerados por amostragem Pelo fato de haver no 7ordm ano X prevalecircncia de alunos do sexo masculino (81) fizemos um recorte no diagnoacutestico comparando os ldquoerrosrdquo de 4 informantes do sexo feminino e 4 informantes do sexo masculino entre 12 e 13 anos com o intuito de verificar se a variaacutevel sexo interfere no resultado da pesquisa

Essa anaacutelise por amostragem eacute utilizada neste trabalho na medida em que haacute a necessidade de ser mantido o equiliacutebrio entre as ceacutelulas das variaacuteveis consideradas Apesar de a amostra ser reduzida ela permite avaliar os dados sem diferenccedilas quantitativas nessa variaacutevel demonstrando resultados mais confiaacuteveis pois informantes de sexos diferentes podem apresentar resultados tambeacutem distintos

Reafirmamos que a comparaccedilatildeo eacute feita considerando o ditongo ltougt que na fase poacutes-intervenccedilatildeo foi o uacutenico que ocorreu

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Graacutefico 5 Comparativo variaacutevel sexo e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutestica Fase poacutes-intervenccedilatildeo

130

87100

Feminino Masculino

Fonte Lopes (2018)

O Graacutefico 5 demonstra que na fase diagnoacutestica a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita foi mais produtiva com informantes do sexo masculino (87) O mesmo ocorreu na fase poacutes-intervenccedilatildeo em que apenas informantes do sexo masculino escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo

Assim a variaacutevel sexo demonstrou influenciar o fenocircmeno aqui estudado ratificando a informaccedilatildeo discutida por Mollica (2016 p 85) segundo a qual

O fator sexo influencia na forma relevante com relaccedilatildeo agrave monotongaccedilatildeo de ow e ey uma vez que as meninas apresentam enorme facilidade no aprendizado de formas linguiacutesticas prestigiadas socialmente O inverso ocorre com os meninos nos quais costuma prevalecer a ocorrecircncia de formas linguiacutesticas de baixo prestiacutegio social

Ainda segundo a autora ldquoEssas diferenccedilas costumam ser maiores em turmas onde o niacutevel socioeconocircmico eacute mais baixordquo (MOLLICA 2016 p 85) sendo essa tambeacutem a mesma condiccedilatildeo socioeconocircmica do puacuteblico-alvo dessa pesquisa

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A comparaccedilatildeo entre a fase diagnoacutestica e a fase poacutes-intervenccedilatildeo no que diz respeito agrave variaacutevel faixa etaacuteria estaacute representada no Graacutefico 6 no qual foi feito um recorte na fase diagnoacutestica para essa variaacutevel Tambeacutem satildeo contempladas as ocorrecircncias de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt que foi o uacutenico identificado na fase poacutes-intervenccedilatildeo

Graacutefico 6 Comparativo variaacutevel faixa etaacuteria e transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt

Fase diagnoacutesca Fase poacutes-intervenccedilatildeo

80

50

20

50

12 anos 14 anos

Fonte Lopes (2018)

Percebe-se que no diagnoacutestico o ditongo ltougt foi mais produtivo em textos escritos por alunos de 12 anos (80) que possuem idade recomendada para o 7ordm ano enquanto os alunos de 14 anos escreveram palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo em 20 das vezes identificadas

Jaacute na poacutes-intervenccedilatildeo a porcentagem foi a mesma para alunos de 12 e 14 anos (50) Apesar de o desempenho dos alunos mais velhos na fase diagnoacutestica ter sido mais satisfatoacuterio (20) o resultado referente a essa variaacutevel na fase poacutes-intervenccedilatildeo (50) deve-se provavelmente ao que afirma Mollica (2016) Segundo essa estudiosa ainda que a inserccedilatildeo do glide no ditongo seja mais facilmente assimilada por alunos mais velhos essa regra eacute ldquo[] compreendida e apreendida quanto mais os alunos se tornam conscientes das diferenccedilas entre fala e escritardquo

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Portanto na poacutes-intervenccedilatildeo os alunos mais novos demonstraram evoluccedilatildeo significativa da consciecircncia das diferenccedilas entre a fala e a escrita sendo mais maduros nesse aspecto do que os alunos mais velhos

A comparaccedilatildeo dos dados colhidos no diagnoacutestico com os dados da poacutes-intervenccedilatildeo demonstrou que

bull Houve reduccedilatildeo significativa da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para os textos escritos dos alunos registrando 16 dos ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos durante o diagnoacutestico e 4 na poacutes-intervenccedilatildeo

bull O percentual de alunos que escreveram palavras com a reduccedilatildeo do glide do ditongo diminuiu passando de 81 do total de alunos participantes para 105

bull A transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo do ditongo ltougt para a escrita foi mais produtiva (devido agrave sua consolidaccedilatildeo na fala e resistecircncia na escrita e ao fato de ser um ditongo que independe do segmento consonacircntico seguinte para ocorrer transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo) uma vez que foi o uacutenico contexto de ocorrecircncia da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo que permaneceu na fase poacutes-intervenccedilatildeo

bull A reduccedilatildeo do glide no ditongo ltougt foi mais recorrente com verbos tanto no diagnoacutestico quanto na poacutes-intervenccedilatildeo devido agrave influecircncia dos gecircneros textuais trabalhados em que haacute a predominacircncia de verbos na 3ordf pessoa do singular do preteacuterito perfeito do indicativo

bull Participantes do sexo masculino escreveram maior nuacutemero de palavras com transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo nas duas fases da pesquisa analisadas evidenciando que as mulheres monitoraram mais a linguagem e demonstraram maior preocupaccedilatildeo em escrever de acordo com as regras ortograacuteficas

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bull A variaacutevel faixa etaacuteria demonstrou que os alunos mais novos apresentaram evoluccedilatildeo na aprendizagem do fenocircmeno estudado pois reduziram o percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 80 para 50 na fase diagnoacutestica e poacutes-intervenccedilatildeo respectivamente enquanto os participantes mais velhos natildeo demonstraram evoluccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave aprendizagem da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita posto que houve aumento do percentual de transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo de 20 para 50

6 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa analisou o fenocircmeno foneacutetico-fonoloacutegico da monotongaccedilatildeo com o objetivo de verificar a sua transposiccedilatildeo para a escrita dos alunos do 7ordm ano X do Ensino Fundamental de uma escola puacuteblica O resultado do diagnoacutestico apontou a transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo como sendo um ldquoerrordquo recorrente na escrita demonstrando que a escrita dos alunos eacute influenciada pela monotongaccedilatildeo levando-os a se desviar da forma ortograacutefica convencional do Portuguecircs

A avaliaccedilatildeo da intervenccedilatildeo foi obtida atraveacutes de uma atividade poacutes-intervenccedilatildeo que demonstrou reduccedilatildeo de ocorrecircncias da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo na escrita dos estudantes participantes Portanto concluiacutemos que o entendimento do fenocircmeno da monotongaccedilatildeo pelo aluno influencia positivamente na aprendizagem e desenvolvimento da sua escrita ortograacutefica e que a intervenccedilatildeo a partir de atividades sugeridas por Morais (2000) contribuiu para o desenvolvimento da escrita ortograacutefica dos alunos

Dessa forma constatamos a necessidade de o professor considerar a dificuldade do aluno no que concerne agrave transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita ao propor as atividades ortograacuteficas em sala de aula por diversas vezes natildeo se fala o que parece ser oacutebvio em relaccedilatildeo agrave ortografia todavia faz-se necessaacuterio observar

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a realidade linguiacutestica do aluno pois o coacutedigo ortograacutefico precisa ser ensinado Devido a isso as atividades propostas em sala devem estar de acordo com as necessidades do puacuteblico-alvo

Esta pesquisa pode suscitar reflexotildees e conjecturas e consequentemente o desenvolvimento de pesquisas sobre a maneira como a monotongaccedilatildeo ocorre na fala dos participantes posto que nosso objeto de estudo consistiu na anaacutelise da transposiccedilatildeo da monotongaccedilatildeo para a escrita sendo oportuno ampliar a amostra em estudos posteriores

Eacute oportuno ressaltar que iniciativas do professor que consistem na aplicaccedilatildeo de um diagnoacutestico e posteriormente na elaboraccedilatildeo de atividades que objetivem sanar as duacutevidas identificadas satildeo necessaacuterias em se tratando do ensino de Liacutengua Portuguesa no Ensino Fundamental II O professor-pesquisador pode transformar a realidade do aluno e fazer a diferenccedila no desenvolvimento de sua aprendizagem

Referecircncias

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BORTONI-RICARDO S M Educaccedilatildeo em liacutengua materna a sociolinguiacutestica na sala de aula Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2004

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COELHO I L GOumlRSKI E M SOUZA C M N MAY G H Para conhecer sociolinguiacutestica Satildeo Paulo Contexto 2015

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LAZZAROTTO-VOLCAtildeO C NUNES V G SEARA I C Para conhecer foneacutetica e fonologia do portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo Contexto 2015

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LOPES C N A monotongaccedilatildeo na escrita dos alunos do ensino fundamental II 2018 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras Universidade Estadual de Montes Claros 2018

MOLLICA M C Influecircncia da fala na alfabetizaccedilatildeo Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 2016

MORAIS A G de Ortografia ensinar e aprender Satildeo Paulo Aacutetica 2000

SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios 9 ed Satildeo Paulo Contexto 2008

A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita de alunos do Ensino Fundamental eacute possiacutevel intervirAnagrey Barbosa

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1 Introduccedilatildeo

Este capiacutetulo aborda os resultados obtidos na pesquisa sobre a segmentaccedilatildeo e a juntura36 registradas na escrita de alunos do 6ordm ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio na cidade de Montes Claros Minas Gerais em 2015 O estudo teve como objetivos arrolar as possiacuteveis causas do fenocircmeno elaborar propostas de ensino para resolver o problema detectado bem como oferecer subsiacutedios teoacuterico-praacuteticos para professores alfabetizadores e de Liacutengua Materna uma vez que tais problemas perpetuam-se ateacute os anos finais de escolaridade mesmo sendo um fenocircmeno peculiar agrave etapa da alfabetizaccedilatildeo

A metodologia utilizada na pesquisa foi a da pesquisa-accedilatildeo que alia a teoria agrave praacutetica com o propoacutesito de oferecer contribuiccedilotildees para melhorar o ensino e a aprendizagem Nesse sentido ratifica-se a relevacircncia de agregar os postulados teoacutericos imprescindiacuteveis ao exerciacutecio docente agraves estrateacutegias de ensino que possam ser executadas em sala de aula pois eacute comum os professores natildeo encontrarem materiais que os auxiliem nas dificuldades de escrita de seus alunos As investigaccedilotildees aqui delineadas promoveram um novo olhar diante de tais entraves pois foi possiacutevel constatar que os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos natildeo satildeo aleatoacuterios isto eacute existem explicaccedilotildees que justificam suas ocorrecircncias e eacute por isso que o embasamento teoacuterico eacute fundamental para uma praacutetica docente de qualidade

Como se sabe as atividades de leitura e escrita satildeo de grande preocupaccedilatildeo sobretudo para professores de Liacutengua Portuguesa cuja meta eacute formar cidadatildeos natildeo apenas alfabetizados mas principalmente capazes de ler e escrever de forma autocircnoma e com criticidade Vaacuterios satildeo os obstaacuteculos que dificultam essa meta entre eles podemos destacar o alto grau de abstraccedilatildeo que a escrita e a leitura exigem diferente da fala que eacute aprendida de forma

36 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa

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mais espontacircnea no meio familiar as peculiaridades do alfabeto Portuguecircs as dificuldades ortograacuteficas a falta de haacutebito de leitura bem como questotildees de ordem social econocircmica e cultural que natildeo seratildeo destacadas neste trabalho mas que de certo modo interferem nesse processo

Contudo entre esses obstaacuteculos merecem tratamento cuidadoso as dificuldades ortograacuteficas como por exemplo hipercorreccedilatildeo uso indevido de letras utilizaccedilatildeo inadequada de letras maiuacutesculas e minuacutesculas e o que eacute o objeto de interesse deste texto a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Segundo Cagliari (2009) quando a crianccedila comeccedila a escrever seus primeiros textos de um modo espontacircneo costuma unir as palavras o que configura a juntura Por sua vez devido agrave acentuaccedilatildeo tocircnica das palavras pode ocorrer uma segmentaccedilatildeo que eacute uma separaccedilatildeo na escrita que configura um desvio da ortografia Eacute importante ressaltar que devido ao seu vasto trabalho na aacuterea de Alfabetizaccedilatildeo e Linguiacutestica a nomenclatura de Cagliari (2009) segmentaccedilatildeo e juntura eacute a que foi utilizada ao longo desta pesquisa

Embora sejam processos fonoloacutegicos peculiares agrave fase de alfabetizaccedilatildeo foi possiacutevel perceber que ao chegarem aos anos iniciais do Ensino Fundamental II mais especificamente no 6ordm ano um nuacutemero consideraacutevel de alunos ainda traz registros de junturas e segmentaccedilotildees em seus textos tais como ldquocom noscordquo em vez de ldquoconoscordquo ldquoa legrerdquo em vez de ldquoalegrerdquo como exemplos de segmentaccedilotildees ldquoderrepenterdquo em vez ldquode repenterdquo ldquosenquererrdquo em vez de ldquosem quererrdquo como exemplos de junturas Nessa fase escolar tais ocorrecircncias jaacute deveriam teoricamente ser inexistentes Contudo se persistem eacute necessaacuterio investigar as causas e encarar tais registros como possibilidades de escrita que natildeo satildeo desprovidas de loacutegica ou seja satildeo ldquoerrosrdquo37 que podem ser compreendidos e trabalhados mas sem dar-lhes o caraacuteter

37 Usamos o termo ldquoerrordquo entre aspas para natildeo ferir os postulados linguiacutesticos mas tambeacutem o reconhecendo como tal por se apresentar como um desvio que difere do que aponta a norma-padratildeo Destacamos o conceito de ldquoerrordquo na seccedilatildeo teoacuterica

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pejorativo que revela muitas vezes preconceito linguiacutestico Eacute papel do professor evitar a perpetuaccedilatildeo de qualquer tipo discriminaccedilatildeo da liacutengua visto que haacute outras variantes que merecem ser respeitadas e satildeo vaacutelidas dentro dos seus contextos de uso

No entanto tambeacutem eacute funccedilatildeo do profissional de Liacutengua Materna estar atento agraves duacutevidas de seus alunos e procurar recursos para que sejam elucidadas pois haacute uma ortografia oficial que rege a escrita e eacute fundamental propiciar aos alunos o conhecimento dela Diferentemente da variaccedilatildeo linguiacutestica oral que eacute um evento de fala inserido dentro de uma cultura as dificuldades ortograacuteficas precisam ser esclarecidas a fim de que o aluno tenha acesso agrave variedade padratildeo da escrita para se inserir nas praacuteticas que exigem essa modalidade Como estabelecem Faraco e Tezza (2001 p 52) ldquo[] na rede das linguagens de uma dada sociedade a liacutengua padratildeo ocupa um espaccedilo privilegiado ela eacute o conjunto de formas consideradas como o modo correto socialmente aceitaacutevel de falar ou escreverrdquo Portanto eacute na escola que essa variedade padratildeo precisa ser ensinada sem desprezar evidentemente o que o aluno traz de sua vivecircncia fora dela permitindo-lhe melhor acesso aos meios em que a variedade padratildeo se faz presente

No contexto desta pesquisa eacute importante estabelecer algumas consideraccedilotildees acerca do termo ldquonorma-padratildeordquo utilizado ao longo deste trabalho Conforme salienta Faraco (2008 p 75) apoiado em Bagno (2007) ldquo[] a norma-padratildeo natildeo eacute propriamente uma variedade da liacutengua mas [] um construto soacutecio-histoacuterico que serve de referecircncia para estimular um processo de uniformizaccedilatildeordquo O autor destaca ainda que a norma-padratildeo natildeo conseguiraacute em momento algum impedir o avanccedilo da diversidade linguiacutestica porque natildeo eacute possiacutevel homogeneizar a sociedade e a cultura tampouco paralisar o movimento da histoacuteria humana Contudo ressalva que o padratildeo teraacute sempre um efeito de uniformizar unificar as demais normas

Conforme Barbosa (2015) cabe agrave escola portanto proporcionar ao aluno um estudo adequado que o leve agrave percepccedilatildeo de que a

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escrita tem formas de realizaccedilotildees diferentes da fala e que haacute um registro considerado padratildeo para a escrita das palavras aleacutem do registro natildeo padratildeo que ele jaacute domina de modo que ele saiba circular entre as diversas variedades com autonomia e seguranccedila em funccedilatildeo do contexto Omitir-se diante disso eacute uma praacutetica de exclusatildeo inadmissiacutevel

Aleacutem dos exemplos jaacute citados anteriormente na amostra seguinte exemplificamos as segmentaccedilotildees e junturas comuns retiradas de uma produccedilatildeo de texto diagnoacutestica realizada em uma turma do 6ordm ano no iniacutecio do ano letivo de 2013 quando da elaboraccedilatildeo do projeto de pesquisa

1 Casos de segmentaccedilatildeo

a) com nosco em vez de ldquoconoscordquo (Inf1)

b) a legre es capa em vez de ldquoalegrerdquo e ldquoescaparrdquo respectivamente (Inf2)

c) com migo em vez de ldquocomigordquo (Inf5)

2 Casos de junturas

a) derrepente em vez de ldquode repenterdquo (Inf5)

b) senquere em vez de ldquosem quererrdquo (Inf6)

c) uminino em vez de ldquoum meninordquo (Inf7)

Os aspectos da segmentaccedilatildeo e da juntura permanecem mesmo apoacutes cinco anos de escolaridade embora seja um traccedilo tiacutepico da fase de alfabetizaccedilatildeo Conforme atesta Cagliari (2009 p 119-120) ldquo[] os alunos ao aprenderem a escrever produzindo textos espontacircneos aplicam nessa tarefa um trabalho significativo de reflexatildeo e se apegam a regras que revelam usos possiacuteveis do sistema de escrita do Portuguecircsrdquo Quando natildeo trabalhados de forma adequada os alunos continuam com esses usos na escrita ao longo do Ensino Fundamental Esta pesquisa encontra respaldo

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na possiacutevel contribuiccedilatildeo que poderaacute trazer tanto para os discentes quanto para os docentes Para o professor estar munido de um embasamento teoacuterico que alcance suas duacutevidas e anseios em face das dificuldades de escrita que seus alunos apresentam eacute um passo importante para intervir em tais problemas Para o aluno ao permitir que o educador tenha um olhar mais atento e compreensivo para perceber a sua dificuldade de escrita seja quando segmenta seja quando faz uma juntura natildeo convencionada e possa orientaacute-lo em vez de estigmatizaacute-lo como um discente que natildeo sabe escrever conforme a variedade padratildeo

Ao tratar dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas e de quais fatores estatildeo implicados em sua realizaccedilatildeo e tendo em vista a nossa proposta de investigaccedilatildeo duas hipoacuteteses foram formuladas i) Tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura natildeo convencionadas E ii) A forma como se pronuncia grande parte das palavras na fala vernacular ou seja a linguagem coloquial cria na mente da crianccedila uma ideia de que algumas palavras satildeo juntas e outras satildeo separadas o que demonstra a influecircncia da oralidade na escrita Essas hipoacuteteses denotam a influecircncia da oralidade na escrita como fator preponderante cujas investigaccedilotildees teoacutericas permitiram ratificaacute-las por meio de vasta leitura sobre o tema Nesses estudos foi possiacutevel perceber explicaccedilotildees plausiacuteveis para a ocorrecircncia das junturas e das segmentaccedilotildees levando-se em conta o papel fundamental da linguagem na vida da humanidade

2 Fundamentaccedilatildeo teoacuterica

A necessidade de se expressar por meio de uma linguagem sempre acompanhou o homem Conforme Faraco (2012) entendemos como linguagem um amplo conjunto de formas de

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comunicaccedilatildeo e significaccedilatildeo que pode ser expresso por meio da linguagem verbal oral ou escrita os gestos as expressotildees faciais a pintura a muacutesica o desenho entre outras vaacuterias manifestaccedilotildees que servem ao homem como meio de se exprimir enquanto ser social

Certamente a linguagem verbal eacute o grande avanccedilo que possibilitou ao homem seu desenvolvimento como indiviacuteduo Por meio dela nos diferenciamos diante dos outros seres ao produzirmos signos que estatildeo carregados de significados Ainda segundo Faraco (2012 p 33) ldquo[] a linguagem verbal eacute marca forte constitutiva distintiva da nossa espeacutecierdquo Muito se tem discutido acerca de sua origem de quando o homem adquiriu a capacidade de se comunicar por meio da palavra e ainda haacute muito que se pesquisar sobre o assunto uma vez que a linguagem verbal eacute um ldquobem imaterialrdquo pois natildeo haacute registros ou provas de suas mais remotas manifestaccedilotildees que possam retratar aos estudiosos atuais as pistas que remontam suas origens

A linguagem verbal manifesta-se tanto na modalidade oral quanto na escrita A primeira acompanha o homem desde eacutepocas bem antigas Jaacute a linguagem escrita eacute uma realidade linguiacutestica relativamente recente na histoacuteria da humanidade tendo surgido haacute cinco mil anos A escrita originou-se de necessidades praacuteticas do cotidiano As demandas da vida em sociedade e as complexidades das relaccedilotildees econocircmicas sociais e poliacuteticas exigiram a criaccedilatildeo de um sistema de registro das atividades humanas Faraco (2012) destaca que aleacutem dessas utilizaccedilotildees de caraacuteter pragmaacutetico o crescente desenvolvimento da escrita tambeacutem propiciou o registro permanente da cultura oral o que permitiu a escrita de poemas narrativas eacutepicas e religiosas e uma diversidade de saberes que antes soacute se vivenciavam pela oralidade criando assim uma cultura letrada

A escrita alfabeacutetica tal qual a conhecemos foi precedida de outras fases a pictoacuterica e a ideograacutefica Os pictogramas eram

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associaccedilotildees com imagens e natildeo com sons Os ideogramas satildeo representaccedilotildees que podem significar uma palavra ou ateacute uma frase inteira muitos jaacute caiacuteram em desuso mas os ideogramas chineses satildeo utilizados ateacute os dias atuais No contiacutenuo da evoluccedilatildeo a fase alfabeacutetica surge de um processo de maior abstraccedilatildeo da escrita adquirindo a caracteriacutestica de uma representaccedilatildeo fonograacutefica Com isso o signo passa a conter aleacutem de sua funccedilatildeo logograacutefica uma funccedilatildeo fonoloacutegica Essa escrita alfabeacutetica passou por diversas transformaccedilotildees ao longo do tempo das quais resultaram os silabaacuterios que satildeo representaccedilotildees silaacutebicas A partir deles foram feitas novas adaptaccedilotildees o que permitiu que se tornassem mais precisos e funcionais pois uma escrita silaacutebica necessita de um menor nuacutemero de signos para registros do que nas formas anteriores como os ideogramas

Interessante destacar que as letras natildeo podem ser consideradas como representaccedilatildeo direta dos sons da fala mas sim como representaccedilatildeo das unidades funcionais da liacutengua que hoje conhecemos como fonemas que satildeo representaccedilotildees abstratas Elas tecircm portanto um caraacuteter fonoloacutegico como aponta Faraco (2012 p 56)

A escrita alfabeacutetica eacute assim uma escrita de base fonoloacutegica ou seja toma como referecircncia uma representaccedilatildeo abstrata da articulaccedilatildeo sonora da liacutengua e natildeo propriamente sua pronuacutencia Considerando que a pronuacutencia varia muito entre regiotildees grupos sociais estilos de fala e mesmo na linha do tempo uma escrita estritamente foneacutetica seria de pouco alcance e baixa funcionalidade

Cagliari (2009) tambeacutem destaca esse caraacuteter funcional e fonoloacutegico da escrita quando afirma ser uma ilusatildeo pensar nela como um reflexo da fala Enfatiza ainda que a uacutenica forma escrita que consegue fazer essa relaccedilatildeo uniacutevoca entre som e letra eacute a transcriccedilatildeo foneacutetica que apresenta um siacutembolo graacutefico para cada som para fins de aprofundamento dos estudos da liacutengua

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Com o passar do tempo a escrita foi tendo uma importacircncia cada vez maior nas relaccedilotildees sociais A aplicaccedilatildeo da escrita avolumou-se e passou a integrar diversas aacutereas da atividade humana dando ecircnfase a uma cultura letrada ou seja estabelecida por meio de registros escritos que permitem ao homem se apropriar do conhecimento Faraco (2012) exemplifica bem isso ao mostrar por meio da escrita como a vida humana foi transformada de modo intenso e irrevogaacutevel Dessa maneira a partir dela foi possiacutevel a organizaccedilatildeo da sociedade por meio da inscriccedilatildeo de leis as religiotildees conseguiram estruturar melhor seus preceitos e crenccedilas por grandes espaccedilos geograacuteficos houve uma maior transmigraccedilatildeo intercultural de siacutembolos valores que ampliaram sobremaneira a criatividade humana ela possibilitou ainda manter viva a memoacuteria de um povo e de seus valores intriacutensecos com o uso do registro permanente e mais importante elevou de forma significativa o avanccedilo do conhecimento favorecendo a organizaccedilatildeo intelectual e as praacuteticas cognitivas mais abstratas como a Matemaacutetica as Ciecircncias e as Tecnologias

Nesse sentido podemos afirmar que a escrita mesmo tendo sido criada muitos seacuteculos depois que a linguagem oral adquiriu um elevado poder poliacutetico social econocircmico e cultural que predomina ateacute hoje Ateacute aqueles que natildeo a dominam estatildeo permeados por ela e mais do que alfabetizar a escola deve criar condiccedilotildees de letrar E o que eacute ser letrado Embora jaacute tenham sido feitas inuacutemeras definiccedilotildees por diferentes vertentes teoacutericas destacamos a definiccedilatildeo apresentada por Soares (2001 p 18) do termo letramento ldquo[] eacute pois o resultado da accedilatildeo de ensinar ou de aprender a ler e escrever o estado ou a condiccedilatildeo que adquire um grupo social ou um indiviacuteduo como consequecircncia de ter-se apropriado da escritardquo

Nessa perspectiva somente ldquoler e escreverrdquo natildeo satildeo requisitos que garantem de maneira absoluta essa apropriaccedilatildeo da escrita de que fala Soares (2001) Esse aprendizado tem caraacuteter social e funcional ou seja ler e escrever envolve muito mais do que

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decodificar signos A sociedade cria demandas de uso de leitura e escrita que exigem que o usuaacuterio da liacutengua saiba lanccedilar matildeo dessas habilidades nas mais variadas situaccedilotildees comunicativas E esse apropriar-se da escrita requer o desenvolvimento de uma gama de habilidades que nem sempre a escola consegue oferecer aos alunos embora a relaccedilatildeo entre escola escrita e cultura letrada seja entrelaccedilada e indissociaacutevel como atesta Faraco (2012)

Longe de parar na alfabetizaccedilatildeo a praacutetica da escrita numa perspectiva de letramento eacute um exerciacutecio constante que deve ser calcado num avanccedilo crescente dos domiacutenios cognitivos do aprendiz Como reitera Faraco (2012) eacute uma complexa experiecircncia de caraacuteter cognitivo que natildeo implica somente o domiacutenio do alfabeto pois a alfabetizaccedilatildeo eacute apenas uma fase especiacutefica do aprendizado do sistema de escrita

Embora a escrita tenha adquirido uma importacircncia significativa ao longo da histoacuteria dado o seu caraacuteter de permanecircncia natildeo podemos deixar de ressaltar tambeacutem a relevacircncia da oralidade uma vez que eacute ela que acompanha o indiviacuteduo nas suas mais variadas situaccedilotildees de comunicaccedilatildeo quer seja ele escolarizado quer natildeo Aleacutem disso a oralidade conta com vaacuterios recursos que a escrita tenta parcialmente reproduzir como a entonaccedilatildeo a intensidade e duraccedilatildeo das pronuacutencias que satildeo extremamente significativos no contexto comunicativo pois muitas vezes eacute o tom que daacute a um enunciado o caraacuteter de urgecircncia alegria emoccedilatildeo raiva ordem tristeza entre outros aspectos Marcuschi (2010) corrobora para uma visatildeo natildeo dicotocircmica entre fala e escrita acentuando na verdade suas contribuiccedilotildees e peculiaridades igualmente importantes para o trato comunicativo

Nessa direccedilatildeo eacute fundamental abordar a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila Kato (1999) estabelece uma comparaccedilatildeo entre a histoacuteria da escrita da humanidade e a aquisiccedilatildeo da escrita pela crianccedila como fenocircmenos parecidos ou seja pode-se dizer que em ambos os casos dadas as devidas proporccedilotildees haacute em seu percurso um caminho de descobertas ou seja seguindo etapas

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que dependem de estiacutemulos do ambiente onde estaacute inserida como tambeacutem passaram seus ancestrais em outras eacutepocas remotas

Dentro desse intricado processo que eacute a aquisiccedilatildeo da escrita Lemle (1998) estabelece cinco capacidades ou saberes e percepccedilotildees que satildeo necessaacuterios para a alfabetizaccedilatildeo Destaca a importacircncia em primeiro lugar da ideia de siacutembolo pois cada letra eacute uma espeacutecie de siacutembolo que remete a algum som da fala Essa relaccedilatildeo natildeo eacute necessariamente regular ou direta Lemle (1998 p 8) afirma que ldquouma crianccedila que ainda natildeo consiga compreender o que seja uma relaccedilatildeo simboacutelica entre dois objetos natildeo conseguiraacute aprender a lerrdquo Diante disso cabe ao professor trabalhar com o universo simboacutelico dos variados contextos do dia a dia como siacutembolos de times sinais de tracircnsito o significado simboacutelico de certas cores etc para propiciar ao aluno uma noccedilatildeo compatiacutevel com suas experiecircncias praacuteticas

Outro ponto importante assinalado por Lemle (1998) eacute a discriminaccedilatildeo dos formatos das letras uma vez que haacute vaacuterias letras de nosso alfabeto que se diferenciam por traccedilados muitos sutis na grafia como as letras p b e q por exemplo que se distinguem conforme a posiccedilatildeo de suas hastes ou da ldquobarriguinhardquo Aleacutem dessa percepccedilatildeo visual segundo a autora o aluno precisa aprender a ter discriminaccedilatildeo auditiva uma vez que as letras simbolizam sons da fala

Entender o conceito de palavra tambeacutem eacute um ponto que merece destaque Essa capacidade de entendimento do que eacute palavra quando natildeo alcanccedilada pelo aprendiz pode acarretar dificuldades de segmentaccedilatildeo em que o aluno natildeo consegue na escrita determinar os limites entre uma palavra e outra Esses obstaacuteculos ilustram os fenocircmenos que nos interessam neste trabalho a segmentaccedilatildeo e a juntura natildeo convencionadas Sobre isso Lemle (1998 p 10-11) esclarece

O tipo de dificuldade na depreensatildeo de unidades vocabulares que se observa muitas vezes na praacutetica do ensino satildeo coisas

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como umavez nonavio minhavoacute ou seja falta de separaccedilatildeo onde existe uma fronteira vocabular O inverso ndash a colocaccedilatildeo de um espaccedilo onde natildeo haacute fronteiras vocabulares ndash eacute mais raro A alocaccedilatildeo errada de fronteiras vocabulares onde existem acontece por exemplo com palavras femininas que comeccedilam com [a] ndash minha miga em vez de minha amiga ndash ou com palavras masculinas que comeccedilam com [u] ndash oniverso em vez de o universo

E por uacuteltimo Lemle (1998) enfatiza a importacircncia de se mostrar ao alfabetizando a noccedilatildeo da organizaccedilatildeo espacial da paacutegina Por mais banal que isso possa parecer nem todo sistema de escrita se estrutura como o nosso com a ordem das palavras da esquerda para a direita e de cima para baixo

Dessa forma a alfabetizaccedilatildeo ultrapassa a simplicidade do b com a = ba ou da escolha deste ou daquele meacutetodo E o professor precisa estar munido de um embasamento teoacuterico consistente ter sensibilidade diante das dificuldades dos alunos bem como ter disposiccedilatildeo e criatividade para alcanccedilar ecircxito no ensino da aquisiccedilatildeo da escrita Por isso ressaltamos a importacircncia de se conhecer o sistema de escrita do Portuguecircs uma vez que seu conhecimento eacute essencial para um ensino sistematizado e contribui muito para auxiliar os alunos em relaccedilatildeo agraves inuacutemeras duacutevidas referentes agrave escrita que os acompanham ao longo de sua trajetoacuteria escolar

Diante dessas caracteriacutesticas eacute preciso que o aluno saiba que no processo de aquisiccedilatildeo da escrita as relaccedilotildees ou correspondecircncias entre letras e sons natildeo satildeo biuniacutevocas em que cada letra representaria sempre o mesmo som ou vice-versa mas pelo contraacuterio nem toda letra tem um som diretamente relacionado a ela Lemle (1998) preconiza que nas etapas seguintes de alfabetizaccedilatildeo os casos mais complexos tambeacutem devem ser apresentados e cabe ao professor conforme os avanccedilos percebidos em sala de aula determinar quanto tempo deveraacute ficar nessa abordagem das relaccedilotildees biuniacutevocas em que cada som possui uma letra correspondente para depois partir para fases mais complexas

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Lemle (1998) salienta a importacircncia de o alfabetizador conhecer claramente essas especificidades do sistema de escrita do Portuguecircs para estar pronto para os questionamentos dos alunos quando se deparam com as dificuldades de um mesmo som representado por vaacuterias letras por exemplo Dizer que falamos errado eacute simplificar demais e demonstra desconhecimento das particularidades da escrita que se pretende ensinar Lemle (1998) argumenta ainda que apelar para esse tipo de resposta eacute um ldquo[] equiacutevoco linguiacutestico um desrespeito humano e um erro poliacuteticordquo No que diz respeito ao equiacutevoco linguiacutestico a autora destaca que tachar de erro eacute demonstrar ignoracircncia ao fato de que as unidades de som satildeo afetadas pela posiccedilatildeo em que ocorrem Eacute um desrespeito humano segundo ela porque eacute um ato de humilhaccedilatildeo e de desvalorizaccedilatildeo para aquele que eacute apontado como quem fala errado E eacute um erro poliacutetico porque essa desvalorizaccedilatildeo contribui para amedrontar diminuir o outro e o impede de manifestar sua linguagem uma vez que eacute considerada errada Em suma o professor que recorre a essa resposta preconceituosa acaba contribuindo para a marginalizaccedilatildeo de seus alunos (LEMLE 1998)

Faraco (2012 p 113) destaca a duplicidade que caracteriza a ortografia portuguesa pois ldquo[] ela eacute basicamente fonoloacutegica mas com memoacuteria etimoloacutegicardquo Essa memoacuteria etimoloacutegica diz respeito a criteacuterios que levam em conta natildeo apenas as unidades sonoras funcionais das palavras mas tambeacutem sua origem Como exemplifica o autor escrevemos homem com h porque em latim se grafa homo com h influecircncia de escritas antigas da histoacuteria do Latim nas quais havia uma consoante antes do o Por isso nem sempre eacute a base fonoloacutegica que dita a escrita oficial de uma palavra mas tambeacutem suas origens mais remotas Haacute no entanto estrateacutegias que o professor pode utilizar a fim de que o aluno compreenda melhor essas relaccedilotildees como recorrer agrave morfologia com o trabalho de famiacutelias de palavras como orienta Faraco (2012) e outras atividades ortograacuteficas para tentar minimizar as dificuldades

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21 Processos Fonoloacutegicos em estudo - juntura e segmentaccedilatildeo

Antes de abordarmos as anaacutelises sob a perspectiva linguiacutestica acerca da juntura e da segmentaccedilatildeo destacamos a visatildeo das gramaacuteticas normativas tradicionais sobre o assunto Nos autores pesquisados natildeo encontramos muitas consideraccedilotildees a respeito do fenocircmeno Cegalla (2002) faz uma alusatildeo ao que podemos chamar de possiacuteveis junturas nos casos de emprego do apoacutestrofo em que os elementos se aglutinaram numa soacute unidade foneacutetica e semacircntica cujo sinal de pontuaccedilatildeo referido natildeo precisaria mais ser utilizado Embora natildeo sejam tratados como junturas o autor menciona suas ocorrecircncias como nos exemplos de destarte esconjuro vivalma

Cunha e Cintra (2001) apresentam um toacutepico denominado ldquoEncontros intraverbais e interverbaisrdquo em que tratam de encontros vocaacutelicos que podem ocorrer em dois vocaacutebulos no entanto natildeo apresenta exemplos disso Os autores Faraco e Moura (2003) apresentam o assunto natildeo com a nomenclatura aqui utilizada mas apresentam o fenocircmeno como ldquoBarbarismosrdquo na seccedilatildeo de ldquoViacutecios de linguagemrdquo o qual eacute tachado de erro e fere os postulados gramaticais Em suma os poucos gramaacuteticos que discorrem sobre o toacutepico natildeo o tratam como hipoacuteteses possiacuteveis de escrita mas como ldquoerrosrdquo desvios de escrita que precisam ser corrigidos

Vimos ao longo do percurso teoacuterico vaacuterios indiacutecios que mostram como haacute uma distacircncia entre fala e escrita Por isso conforme Faraco (2012) a escrita alfabeacutetica relaciona-se agrave realidade fonoloacutegica e natildeo agrave realidade foneacutetica Essa configuraccedilatildeo tem caraacuteter praacutetico e funcional uma vez que se a escrita fosse seguir as vaacuterias peculiaridades de pronuacutencia teriacuteamos que criar uma gama maior de grafemas para representaacute-la ateacute porque como afirma Cacircmara Jr (1997) a escrita natildeo eacute uma reproduccedilatildeo fiel da fala Contudo esse distanciamento entre o oral e o escrito acarreta dificuldades que satildeo refletidas na escrita e que muitas vezes os alunos carregam pela vida afora

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Faraco (2012) por sua vez trata do tema destacando a influecircncia da oralidade pois escrevemos cada palavra separada por um espaccedilo em branco usando para isso um criteacuterio de segmentaccedilatildeo com base lexical Jaacute na fala o que ocorre eacute uma segmentaccedilatildeo que se daacute por blocos foneacutetico-fonoloacutegicos que unem numa soacute emissatildeo de voz um conjunto de palavras O criteacuterio de segmentaccedilatildeo na fala portanto eacute de caraacuteter prosoacutedico ou seja segue padrotildees que estatildeo relacionados ao ritmo e agrave meacutetrica

A juntura conforme afirma Cagliari (2009) relaciona-se com os criteacuterios que a crianccedila utiliza para analisar a fala afinal na oralidade natildeo existe separaccedilatildeo de palavras a menos que estejam marcadas pela entonaccedilatildeo do falante Bortoni-Ricardo (2005) apoiada em Cacircmara Jr (1975) apresenta a ideia de ldquovocaacutebulos fonoloacutegicos constituiacutedos de duas ou mais formas livres ou dependentes grafados como um uacutenico vocaacutebulo formal Ex ldquouquerdquo (o que) ldquolevalordquo (levaacute-lo) ldquojanoteirdquo (jaacute notei)rdquo

Koch e Elias (2014 p 28) tambeacutem abordam o tema aqui estudado mas tratam os dois casos com a denominaccedilatildeo ldquosegmentaccedilatildeo graacuteficardquo Salientam que esse tipo de problema que as crianccedilas demonstram em seus textos natildeo eacute desprovido de loacutegica ou seja natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios pois haacute criteacuterios analiacuteticos feitos por elas que as fazem escrever ora juntando tudo ora separando o que natildeo eacute convencionalmente separado ou junto respectivamente As autoras argumentam que a segmentaccedilatildeo graacutefica nos textos das crianccedilas ocorre com base nos vocaacutebulos fonoloacutegicos Ao tentar segmentar de forma apropriada os aprendizes podem ldquopicarrdquo ou emendar vocaacutebulos de acordo com a pronuacutencia deles Nesse processo estatildeo formulando hipoacuteteses e testando sua escrita do mesmo modo como fazem com a grafia convencional das palavras Soares Aroeira e Porto (2010) justificam essas ocorrecircncias pelo desconhecimento sobre o sistema de espaccedilamento da escrita e reiteram que para os alunos dominarem esse espaccedilamento precisam descobrir com o auxiacutelio do professor que existe um sistema ideograacutefico que se sobrepotildee ao sistema graacutefico Aleacutem

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disso Soares Aroeira e Porto (2010 p 79) ponderam que ldquo[] a linearidade da escrita tem caracteriacutesticas diferentes da linearidade da fala Assim na fala de todo dia que a crianccedila domina emendamos palavras mas quando escrevemos grafamos palavras por inteiro observando as convenccedilotildees ortograacuteficas separando-as por espaccedilo em brancordquo

Percebe-se que haacute entre os autores citados a tendecircncia de chamar tanto a segmentaccedilatildeo quanto a juntura apenas de segmentaccedilatildeo Mas eacute possiacutevel constatar que esses estudiosos levam em conta que esses ldquoerrosrdquo natildeo satildeo feitos aleatoriamente ou seja o aprendiz tem duacutevidas e diante delas formula hipoacuteteses de como as palavras poderiam ser grafadas Haacute tambeacutem certo consenso entre esses autores sobre a influecircncia do oral no escrito que afeta ora a separaccedilatildeo ora a junccedilatildeo de palavras na escrita pelos alunos Faraco (2012) amparado em Abaurre e Cagliari (1985) argumenta que escrevemos de um jeito mas falamos de outro isto eacute na escrita os vocaacutebulos estatildeo devidamente separados mas na fala pronunciamos emendado Em face disso quando os alunos juntam as palavras na escrita natildeo o fazem fortuitamente Na verdade estatildeo levando em consideraccedilatildeo a cadeia sonora como referecircncia para a escrita Desse modo natildeo estatildeo cometendo ldquoerrosrdquo mas sim lidando com possibilidades que remetem diretamente agrave fala Para o domiacutenio efetivo da escrita essa hipoacutetese ao longo do processo precisa ser superada o que levaraacute progressivamente agrave desvinculaccedilatildeo entre escrita e fala

3 Metodologia

O percurso teoacuterico empreendido ateacute aqui foi relevante para orientar o professor na elaboraccedilatildeo da proposta de ensino adequada que deve ser feita quando se depararem com os fenocircmenos pois auxilia para uma melhor compreensatildeo de como as segmentaccedilotildees e as junturas acontecem Acreditamos que a adoccedilatildeo de uma mentalidade que vecirc natildeo apenas a segmentaccedilatildeo e a juntura mas

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tambeacutem outros problemas de escrita como ldquoerrosrdquo e anomalias sem sentido natildeo ajudaraacute a contornar a situaccedilatildeo e muito menos encontrar uma soluccedilatildeo eficaz

Por isso neste trabalho adotamos a metodologia da pesquisa-accedilatildeo procedimento de caraacuteter social e com fundamentaccedilatildeo teoacuterica que visa ao aprimoramento da praacutetica O projeto foi realizado na Escola Municipal Joatildeo Valle Mauriacutecio onde foi feita uma pesquisa piloto com os alunos do 6ordm ano Y mas em virtude do iniacutecio do curso do mestrado no 2ordm semestre de 2013 uma nova coleta de dados foi realizada em 2014 pois recebemos novas turmas e a turma da pesquisa piloto foi para o 7ordm ano no turno matutino A coleta de dados foi feita por meio de produccedilotildees textuais realizadas pelos alunos a fim de detectar a ocorrecircncia dos fenocircmenos aqui estudados

4 Proposta de ensino desenvolvimento anaacutelise e resultados

Apoacutes o trabalho de coleta de dados foi possiacutevel ter um panorama das reais dificuldades de escrita dos alunos Detectamos nos 17 textos do corpus 12 tipos de problemas de escrita entre os quais a falta de pontuaccedilatildeo e o uso indevido de maiuacutesculas e minuacutesculas com a maior incidecircncia com 233 e 149 casos respectivamente Esses dois problemas de escrita satildeo muito recorrentes em textos de alunos e a falta de pontuaccedilatildeo incide diretamente na questatildeo do uso de maiuacutesculas e minuacutesculas pois quando natildeo haacute ponto final natildeo haacute tambeacutem iniacutecio de frase com letra maiuacutescula por isso o nuacutemero tatildeo alto entre os dois

A escrita foneacutetica ou seja escrever semelhante ao modo como se fala tambeacutem apresenta uma incidecircncia muito grande 99 casos E em alguns textos como os de VG8 e M11 a ocorrecircncia foi bem elevada No entanto destacamos que tais transcriccedilotildees natildeo satildeo ldquoerrosrdquo aleatoacuterios Na verdade tratam de hipoacuteteses criadas pelos

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alunos a fim de registrar a escrita ortograacutefica Eacute forte a influecircncia da oralidade na escrita pois eacute a partir dela que eles se orientam Segundo Cagliari (1999 p 126) ldquo[] pode-se tambeacutem elaborar hipoacuteteses aliaacutes mais provaacutevel de que diante desses fatos do sistema de escrita o aprendiz teve de fazer uma opccedilatildeo ndash que infelizmente natildeo correspondeu agrave forma ortograacutefica estabelecida []rdquo Embora o referido autor tratasse mais especificamente de alunos em processo de alfabetizaccedilatildeo acreditamos que essa influecircncia da oralidade na escrita permanece ao longo do Ensino Fundamental como comprovam os exemplos dos corpora

Em seguida na ordem decrescente de nuacutemero de ocorrecircncias para cada caso temos o nuacutemero indevido de letras sendo encontrados em 89 casos Ressaltamos que esse problema foi detectado nas 17 amostras Houve um elevado nuacutemero para o caso de omissatildeo de letras com 82 casos A troca de letras vem logo em seguida um registro de 69 casos A hipercorreccedilatildeo tambeacutem apresenta um nuacutemero significativo 46 ocorrecircncias Conforme Cagliari (2009 p 123-124) esse tipo de ldquoerrordquo se caracteriza quando o aluno jaacute tem noccedilatildeo da forma ortograacutefica de determinadas palavras e sabe tambeacutem que a pronuacutencia destas eacute diferente mas nem sempre tem certeza da escrita e pode escrever ateacute do jeito mais incomum do que do mais usual um exemplo muito recorrente nos textos eacute o final ldquolrdquo nos verbos em vez do ldquourdquo como em ldquovoltolrdquo uma vez que essas duas letras nessas posiccedilotildees representam o mesmo fone w

A falta de concordacircncia nominal e verbal embora seja uma dificuldade que alunos do Ensino Fundamental apresentam com frequecircncia natildeo foi tatildeo acentuada como nos casos anteriores tendo um registro de 41 ocorrecircncias Contudo mesmo que o nuacutemero de ocorrecircncias tenha sido mais baixo do que de outras categorias de ldquoerrosrdquo podemos afirmar que haacute influecircncia forte da oralidade pois eacute comum a natildeo concordacircncia de verbos e nomes na fala cotidiana e informal das pessoas E tal incidecircncia recai na escrita

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Os fenocircmenos que nos interessam a segmentaccedilatildeo e a juntura contam com 20 e 31 registros respectivamente Notamos que como jaacute foi destacado no referencial teoacuterico satildeo fenocircmenos que costumam fazer parte da alfabetizaccedilatildeo nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental I Portanto consideramos o nuacutemero de ocorrecircncias aqui encontrado bem elevado uma vez que os alunos da pesquisa se encontravam no 6ordm ano e tais dificuldades pelo menos em tese jaacute deveriam estar sanadas Por fim temos o acreacutescimo de letras como o caso de menor incidecircncia com 16 registros nas amostras

No que diz respeito ao desempenho geral dos alunos destacamos que nem todos apresentam problemas em todas as categorias e aferimos um percentual de 82 do total Notamos que 17 demonstraram o menor nuacutemero de ldquoerrosrdquo inclusive sem a ocorrecircncia de casos de segmentaccedilotildees e nem junturas o que revela que esses alunos tecircm um maior domiacutenio de normas ortograacuteficas do que os demais Os alunos que apresentaram ldquoerrosrdquo em todas as categorias foram AS1 MB14 e IF17 que representam 17 da amostra Ressaltamos tambeacutem que haacute ldquoerrosrdquo repetidos em todas as categorias mas para sermos fiel contabilizamos todas as vezes que eles ocorrem em cada texto

Percebemos por essa amostra que as dificuldades de escrita satildeo muitas e exigem um trabalho de pesquisa minucioso para uma intervenccedilatildeo eficaz Ponderamos que tais ldquoerrosrdquo precisam ser vistos como rico material de investigaccedilatildeo linguiacutestica pois a partir da caracterizaccedilatildeo de ldquoerrosrdquo detectados o professor pode elaborar alternativas de intervenccedilatildeo que podem auxiliar seu trabalho com o ensino da modalidade escrita Como atesta Cagliari (1999 p 77) ldquoanaacutelises das incongruecircncias podem ajudar o professor a dosar e a programar as suas aulas e a alertar-se contra possiacuteveis confusotildees que os alunos possam cometerrdquo

Aleacutem das dificuldades especificadas na coleta percebemos nas amostras problemas de translineaccedilatildeo maacute estruturaccedilatildeo dos paraacutegrafos ausecircncia de tiacutetulo incoerecircncias e falta de coesatildeo

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natildeo atendimento agrave proposta de produccedilatildeo textual repeticcedilotildees desnecessaacuterias e falta de progressatildeo das ideias Como se vecirc o trabalho com produccedilatildeo escrita exige um amplo empenho do professor pois a atividade escrita requer dos alunos diversas habilidades as quais natildeo podem passar indiferentes ao olhar docente Natildeo atentamos a esses aspectos uma vez que nossa investigaccedilatildeo eacute outra mas natildeo poderiacuteamos deixar de apontaacute-los visto que satildeo imprescindiacuteveis como fatores de textualidade

No Quadro 1 a seguir estatildeo expostos os casos de junturas e segmentaccedilotildees encontrados e logo apoacutes a tiacutetulo de ilustraccedilatildeo mostramos um exemplo de produccedilatildeo escrita de um dos alunos seguida da transcriccedilatildeo Esclarecemos que o nuacutemero de ocorrecircncias das junturas e segmentaccedilotildees contabilizado no quadro natildeo leva em conta exemplos repetidos nos textos produzidos pelos alunos

Quadro 1 Exemplos de junturas e segmentaccedilotildees extraiacutedos dos textos dos alunos

COacuteDIGO DO ALUNO EXEMPLO DE JUNTURA EXEMPLO DE

SEGMENTACcedilAtildeOCF Encontrala -AS porutimo dinovo Em fimCG - Tem pestade a sinLG - em cantado com fiante a teNL agente (a gente) -

NOabrigar (a brigar) domenino

omenino ifoi abruxa ielis nomenino muitaraiva iseu

an dado cum do (quando) com mesou com fessar a i

is tavaVG denoite derepente -CE Comedo -M Derepete -

MB

ummenino novaso porquausa celtime (seu

time) evalo (e falou) aora (a hora)

Edu caccedilatildeo

CD Abruxa A cordou ir a (ia)

IFalmeacutedico pratanto televo

purisso medeita sofalando nomedico agarganta

a cordou a cordei em tatildeo en quanto de pois com migo

Fonte Barbosa (2015 p 7438)

38 Disponiacutevel em httpsbitly2Yx42Wa Acesso em 14 abr 2020

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Exemplo 1 MB 14

Fonte Barbosa (2015 p 68)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 1

Era uma vez unmenino chamado Rafaelque estava trenamdo para jogar bolana escolar Ele ficolmuinto triste porquausaos ceuscolegeporque eles ficaram falando que elenatildeo ia jogar na Escola mais elefico trenando muito ele chutoa bola e garrou novazo de plantae sua matildee bateu e poz de carti-go na Escola teve e ducaccedilatildeofiscaele fico de procima e chego a suavez e os colegas fiu ele jogando bolaevaloque ele vaijoga no canpionatoe chego aora ele marca um gole celtimeganhol e seus quolegafico muito feliz e saiu do cartigo

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Os casos de segmentaccedilotildees e de junturas apresentados no Exemplo 1 satildeo diversificados vatildeo desde exemplos jaacute previsiacuteveis para noacutes educadores como ldquoderrepenterdquo ou ldquoem fimrdquo cujas ocorrecircncias satildeo bem comuns a casos como ldquoe ducaccedilatildeordquo e ldquoalmeacutedicordquo que satildeo menos usuais Haacute alunos que apresentaram mais dificuldades do que outros com registros tanto de juntura como de segmentaccedilatildeo eacute o caso de NL NO MB CD e IF Jaacute os demais apresentaram poucas ocorrecircncias ora em uma ora em outra categoria

Houve maior ocorrecircncia de junturas (31 casos) do que de segmentaccedilotildees (20) Notamos que entre as segmentaccedilotildees haacute vaacuterios casos que podem ser explicados pela analogia com formas dependentes como em ldquode poisrdquo ldquoen quantordquo ldquocom migordquo ldquoa cordourdquo que se associam agraves preposiccedilotildees ldquoderdquo ldquoemrdquo ldquocomrdquo e ldquoardquo respectivamente as quais aparecem acompanhando outros vocaacutebulos mas natildeo unidas a eles39 Poreacutem o mais importante eacute que das 17 amostras 12 apresentam junturas eou segmentaccedilotildees ou seja mais da metade dos textos Esse percentual aponta a relevacircncia desta pesquisa e comprova como um problema das seacuteries iniciais de alfabetizaccedilatildeo persiste nos textos dos alunos do 6ordm ano revelando uma alfabetizaccedilatildeo natildeo consolidada No entanto verifica-se que as relaccedilotildees entre o falado e o escrito natildeo satildeo de faacutecil apreensatildeo mesmo porque conforme atesta Fayol (2014) eacute relativamente recente a escrita com espaccedilamento pois no passado havia uma escrita contiacutenua sem demarcaccedilatildeo de espaccedilo entre as palavras Cabe portanto ao professor ter um olhar menos preconceituoso e mais compreensivo quando o aluno comete esses ldquoerrosrdquo Evidentemente que se eles persistem nas seacuteries finais do Ensino Fundamental justifica-se a elaboraccedilatildeo de uma proposta de ensino que venha sanar essas dificuldades Como atesta Cagliari (1999 p 94)

39 Segundo Cacircmara Jr (1997 p 70) formas dependentes em Liacutengua Portuguesa satildeo as partiacuteculas procliacuteticas aacutetonas como o artigo as preposiccedilotildees a partiacutecula ldquoquerdquo entre outras Satildeo ainda as variaccedilotildees pronominais aacutetonas junto ao verbo

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[] o professor pode saber como andam seus alunos quais as dificuldades maiores que estatildeo enfrentando o que acertam ou erram com menos frequecircncia e desse modo pode programar melhor suas aulas dando explicaccedilotildees e exerciacutecios especiacuteficos sobre questotildees particulares de ortografia

Por meio da coleta de dados foi possiacutevel elaborar as atividades de intervenccedilatildeo com foco nas dificuldades pontuais dos alunos A anaacutelise de todos os moacutedulos aplicados revelou pontos importantes o trabalho de aprimoramento da escrita e ensino da forma ortograacutefica requer planejamento pelo professor atendimento individualizado aos alunos e envolvimento de toda a turma e de alguns membrosfuncionaacuterios da escola ou seja da comunidade escolar Eacute um trabalho em equipe

41 Siacutentese da proposta de ensino

Para a proposta de ensino de natureza interventiva foram elaborados sete moacutedulos que permearam todo o trajeto teoacuterico aqui abordado objetivando por meio deles solucionaramenizar os problemas das junturas e das segmentaccedilotildees A seguir no Quadro 2 sintetizamos os moacutedulos realizados com seus respectivos objetivos

Quadro 2 Siacutentese da proposta de ensino

MOacuteDULO OBJETIVOS

1) Tabela de Coacutedigos de Correccedilatildeo Textual

Propiciar aos alunos por meio de uma tabela com siacutembolos uma base de problemas de escrita presentes nas suas produccedilotildees para a partir disso realizar a refacccedilatildeo dos seus textos

2) Correccedilatildeo de texto com vaacuterios problemas de escrita

Fazer com que os alunos detectassem num texto propositalmente carregado de problemas de escrita quais desvios aparecem nele a fim de ampliar a capacidade de autocorreccedilatildeo

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3) Ditado de texto Aferir a interferecircncia da oralidade na escrita isto eacute se o modo como escutam afeta a forma de escrever as palavras

4) Para natildeo tropeccedilar na escrita

Eliminar duacutevidas quanto ao toacutepico especiacutefico do uso de pronomes ligados a verbos

5) Aponte suas duacutevidas

Levar os alunos a refletirem sobre as palavras que oferecem maiores duacutevidas quanto agrave escrita individualizando cada caso para sanar o maior nuacutemero de dificuldades

6) Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilhete

Interpretar e produzir o gecircnero textual trabalhado para aprimoramento da escrita e eliminaccedilatildeo do fenocircmeno estudado

7) Junturas e Segmentaccedilotildees em praccedilas puacuteblicas

Pesquisar ocorrecircncias do fenocircmeno em outras esferas sociais natildeo apenas no meio escolar e utilizar o aparato tecnoloacutegico para isso

Fonte Barbosa (2015)

A atividade do ldquoMoacutedulo 6 ndash Interpretaccedilatildeo e produccedilatildeo do gecircnero bilheterdquo foi bastante significativa pois nela foi possiacutevel constatar na praacutetica como os alunos foram desenvolvendo sua capacidade de escrita e a importacircncia da refacccedilatildeo dos textos para seu aprimoramento O Exemplo 2 da primeira versatildeo do bilhete da aluna AS transcrito a seguir exemplifica como o cuidado com a escrita requer anaacutelise correccedilatildeo e aperfeiccediloamento por parte dos alunos

Exemplo 2 AS

Fonte Barbosa (2015 p 142)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 2 ndash AS

Anagrey Hoje vocecirc estaacute muito bonitav - como sempre

Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha com migo

Embora poucos problemas tenham sido identificados no bilhete 2 ndash AS mostrado anteriormente o caso da segmentaccedilatildeo ldquocom migordquordquocomigordquo chama a atenccedilatildeo pois comprova a ocorrecircncia do aspecto em anos finais do Ensino Fundamental II e que a influecircncia da oralidade sobre a escrita eacute determinante para sua incidecircncia Outra possibilidade de explicaccedilatildeo eacute a de que a analogia com a preposiccedilatildeo ldquocomrdquo que aparece separada em vaacuterios contextos tenha influenciado a escrita de AS Na refacccedilatildeo do texto Exemplo 3 a seguir aleacutem de ter corrigido o problema a aluna acrescentou uma pequena mensagem ao bilhete ampliando seu texto

Exemplo 3 AS

Fonte Barbosa (2015 p 143)

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Transcriccedilatildeo do Exemplo 3

Anagrey

Hoje vocecirc estaacute muito bonita como sempre Mais hoje eu acho que vocecirc estaacute boazinha comigo

A extrema dificuldade da vida eacute sorrir quando mais se tem vontadede chorar

Diante do exposto observa-se que trabalhar as dificuldades da escrita dos alunos apenas por meio de exerciacutecios de preencher lacunas com ldquosrdquo ou ldquozrdquo ldquoxrdquo ou ldquochrdquo natildeo favorece o acesso agrave norma-padratildeo da liacutengua nem promove a melhoria de sua escrita portanto natildeo resolve o problema Notamos que agrave medida que os moacutedulos eram desenvolvidos os alunos melhoravam significativamente suas produccedilotildees e percebiam a importacircncia de revisar o texto para conseguirem escrever melhor Foi um trabalho dispendioso que exigiu estudo tempo e paciecircncia mas os resultados foram satisfatoacuterios Prova disso satildeo os bilhetes por eles produzidos nos quais foi mantida a liberdade de expressatildeo dos alunos mas com a orientaccedilatildeo e a revisatildeo adequadas da escrita Isso foi possiacutevel porque conhecemos os alunos o contexto em que vivem e aliamos a teoria agrave praacutetica por meio da metodologia da pesquisa-accedilatildeo buscando natildeo somente os aspectos teoacutericos mas tambeacutem a incidecircncia desse conhecimento nas praacuteticas em sala de aula

Registramos no bilhete de CE Exemplo 4 a falta ou inadequaccedilatildeo do uso do acento graacutefico a troca de letras e a ausecircncia de ponto final O aluno aproveitou o texto para manifestar entendimento da mateacuteria aleacutem de ressaltar que estaacute com bom comportamento na aula Na revisatildeo do texto ele corrigiu os problemas detectados e

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acrescentou mais uma frase para finalizar o bilhete (Ateacute a proacutexima aula) como vemos logo adiante

Exemplo 4 CE

Fonte Barbosa (2015 p 146)

Transcriccedilatildeo do Exemplo 4

Para AnaGrey

Eu estou comeccedilando a entender sua mateacuteria eacute muito boa e eu natildeo estou atentando na sua aula

Ateacute a proacutexima aula

Constatamos ao final dos moacutedulos que grande parte desses alunos aumentou sua capacidade de interpretar e produzir textos percebendo que a escrita demanda certos cuidados e que com dedicaccedilatildeo e compromisso conseguimos avanccedilos nas produccedilotildees escritas dos alunos Dos 24 alunos da amostra aqui utilizada 22 foram promovidos para o 7ordm ano apenas um foi reprovado e um evadiu da escola antes do teacutermino do ano letivo

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Certificamos que o estudo acerca da aquisiccedilatildeo da escrita bem como do seu sistema repleto de peculiaridades da foneacutetica e da fonologia foram fatores determinantes para toda a elaboraccedilatildeo deste trabalho e para a anaacutelise de cada ldquoerrordquo O conhecimento teoacuterico nos deu uma nova visatildeo para os ldquoerrosrdquo cometidos pelos alunos pois foi a partir dele que estruturamos nossa pesquisa Conforme Cagliari (1999 p 133)

Eacute nesse momento que o bom professor com bom preparo teacutecnico torna-se um pesquisador Analisa o que o aluno faz e o que deixa de fazer o que jaacute sabe e o que ainda falta saber e vai buscar nos conhecimentos teacutecnicos que tem a respeito da linguagem oral e escrita dos sistemas de escrita etc as informaccedilotildees necessaacuterias uacuteteis e adequadas para passar ao aluno para que este decirc um passo agrave frente supere uma barreira a mais e aos poucos vaacute construindo aquela bagagem de conhecimentos de que necessita para se alfabetizar

Diante disso fica claro que os professores de Portuguecircs e os de Alfabetizaccedilatildeo precisam estar munidos de informaccedilotildees consistentes e atualizadas para saber contornar com autoridade e eficiecircncia os desafios que surgem na praacutetica pedagoacutegica Isso elucida nossa primeira hipoacutetese para este estudo a desconfianccedila de que tanto o professor alfabetizador quanto o proacuteprio professor de Liacutengua Portuguesa desconhecem os aspectos fonoloacutegicos da liacutengua para descobrir e criar alternativas viaacuteveis que possam elucidar eou solucionar problemas oriundos da segmentaccedilatildeo e da juntura intervocabular

Conscientizamo-nos de que um dos objetivos da anaacutelise de ldquoerrosrdquo relacionados agrave aquisiccedilatildeo da escrita e leitura nas escolas do Ensino Fundamental natildeo exige apenas verificar como e por qual motivo os alunos os cometem mas tambeacutem como noacutes professores necessitamos estudar atualizar frequentemente as teorias de certas aacutereas como a Foneacutetica e Fonologia Esses satildeo conhecimentos que fazem parte do arcabouccedilo de disciplinas da graduaccedilatildeo e satildeo

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relacionados muitas vezes agrave praacutetica da pesquisa cientiacutefica na aacuterea de Linguiacutestica natildeo sendo aliados agrave praacutetica dos licenciados ou seja ao ambiente de trabalho dos professores ao ensino e agrave escola

Reiteramos tambeacutem que a pesquisa forneceu um olhar diversificado para os fenocircmenos de segmentaccedilatildeo e juntura antes vistos como meros ldquoerrosrdquo mas apoacutes a investigaccedilatildeo apurada vimos em cada caso a reflexatildeo a formulaccedilatildeo de hipoacuteteses e analogias que indicam que o aluno natildeo comete ldquoerrosrdquo ao acaso Ao contraacuterio tais ldquoerrosrdquo satildeo reveladores e comprovam que os alunos analisam sua escrita

5 Consideraccedilotildees finais

Esta pesquisa oportunizou-nos a oportunidade de conhecer e estudar as peculiaridades dos fenocircmenos da segmentaccedilatildeo e da juntura bem como outros aspectos atrelados agrave escrita e sua aquisiccedilatildeo agrave Foneacutetica e Fonologia ao ensino e agrave aprendizagem agrave forma como os alunos lidam com a escrita para a partir disso analisar e discutir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo Neste trabalho todos os ldquoerrosrdquo detectados foram produtivos uma vez que foi a partir deles que delineamos nossa fundamentaccedilatildeo teoacuterica e a metodologia e encontramos as explicaccedilotildees para a ocorrecircncia dos fenocircmenos estudados

Constatamos que as duas hipoacuteteses traccediladas no iniacutecio deste estudo foram ratificadas ao longo da pesquisa A primeira que diz respeito ao desconhecimento de aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos da liacutengua tanto por parte do professor alfabetizador quanto do de Liacutengua Portuguesa foi confirmada porque percebemos a necessidade desse conhecimento para entendermos os caminhos que os alunos percorrem quando escrevem Apreendemos os fatores que influenciam a ocorrecircncia dos fenocircmenos e concluiacutemos que o aluno natildeo escreve aleatoriamente pois quando segmenta ou junta palavras o faz com o intuito de acertar com o propoacutesito de chegar agrave forma ortograacutefica Essa consciecircncia da importacircncia

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da pesquisa constante foi crucial para o crescimento desta pesquisadora na condiccedilatildeo de docente

A partir da investigaccedilatildeo teoacuterica foi possiacutevel lanccedilar um novo olhar sobre as dificuldades dos alunos e com base nessa orientaccedilatildeo pautada em estudos consistentes repensar e remodelar a praacutetica da sala de aula visando a um ensino e a uma aprendizagem mais consistentes e eficazes a fim de desconstruir preconceitos em relaccedilatildeo ao ldquoerrordquo linguiacutestico que longe de ser um problema indesejado tornou-se para noacutes objeto de pesquisa e ponto de partida para estudos criteriosos E isso foi alcanccedilado por meio das leituras e anotaccedilotildees bem como da observaccedilatildeo atenta dos textos dos alunos o que nos permitiu a elaboraccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo para o problema investigado como tambeacutem de outros

A segunda hipoacutetese que diz respeito agrave influecircncia da oralidade na escrita foi crucial para entendermos as escritas segmentadas ou juntadas por se pautarem na fala e suas pausas e natildeo pausas Por outro lado percebemos que os alunos tambeacutem estabelecem analogias com formas ortograacuteficas conhecidas que se refletem nas segmentaccedilotildees e nas junturas Se existe a expressatildeo ldquocom vocecircrdquo logo o aluno associa que pode haver tambeacutem um ldquocom migordquo se haacute o vocaacutebulo ldquodevagarrdquo pode haver tambeacutem o ldquodenovordquo Isso prova que o aluno natildeo constroacutei essas escritas a partir do nada ou seja ele se apoia em elementos jaacute existentes e conhecidos sendo a forma como ouve os vocaacutebulos um fator importante na sua escrita juntural ou segmentada uma vez que na fala natildeo haacute pausas marcadas pelo espaccedilo em branco como ocorre na escrita Na verdade fala-se de um jeito e escreve-se de outro pois a escrita se pauta na ortografia e natildeo eacute uma transcriccedilatildeo foneacutetica conforme Cagliari (1998)

Os objetivos traccedilados no iniacutecio deste trabalho foram alcanccedilados pois conseguimos relacionar um problema da praacutetica agraves teorias linguiacutesticas do campo da Foneacutetica e da Fonologia as quais foram suporte imprescindiacutevel para a investigaccedilatildeo do assunto e elucidaram as causas para os fenocircmenos

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Sabemos que o professor de Liacutengua Portuguesa se depara com muitos obstaacuteculos e que eacute extenso o conjunto de habilidades para com a linguagem a ser apresentado aos alunos mas eacute preciso estabelecer prioridades Escrever conforme a norma-padratildeo sem produzir situaccedilotildees preconceituosas que gerem constrangimento eacute uma forma de proporcionar autonomia linguiacutestica aos alunos uma vez que eacute atraveacutes dessa norma que geralmente eles podem alcanccedilar melhores condiccedilotildees de ascensatildeo social em nosso paiacutes

Estamos conscientes de que esta eacute apenas uma investigaccedilatildeo inicial pois novas contribuiccedilotildees podem surgir a partir dessas anaacutelises e elas seratildeo muito necessaacuterias em todo o acircmbito da linguagem Poreacutem se essas anaacutelises e as reflexotildees teoacutericas aqui feitas vierem pelo menos a instigar um ponto de partida sobre a soluccedilatildeo desses problemas principalmente no sentido de auxiliar os docentes de Liacutengua Portuguesa e as pessoas que trabalham com a liacutengua em geral jaacute teratildeo cumprido honestamente o seu papel

Referecircncias

ABAURRE M B M CAGLIARI L C Textos espontacircneos na primeira seacuterie evidecircncia da utilizaccedilatildeo pela crianccedila de sua percepccedilatildeo foneacutetica para representar e segmentar a escrita v 14 Cadernos Cedes Satildeo Paulo Cortez 1985

BARBOSA A A segmentaccedilatildeo e a juntura na escrita dos alunos do ensino fundamental eacute possiacutevel intervir 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

BAGNO M Nada na liacutengua eacute por acaso por uma pedagogia da variaccedilatildeo linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2007

BORTONI-RICARDO S M Noacutes cheguemu na escola e agora Sociolinguiacutestica e educaccedilatildeo Satildeo Paulo Paraacutebola 2005

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CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2009

CAGLIARI L C Alfabetizando sem o baacute-beacute-bi-boacute-bu Satildeo Paulo Scipione 1998

CAGLIARI L C MASSINI-CAGLIARI G Diante das letras a escrita na alfabetizaccedilatildeo Campinas Mercado das Letras 1999

CEGALLA D P Noviacutessima gramaacutetica da liacutengua portuguesa 45 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2002

CAcircMARA JR J M Estrutura da liacutengua portuguesa 26 ed Petroacutepolis Vozes 1997

CUNHA C CINTRA L Nova gramaacutetica do portuguecircs contemporacircneo 3 ed Rio de Janeiro Nova Fronteira 2001

FARACO C A Linguagem escrita e alfabetizaccedilatildeo Satildeo Paulo Contexto 2012

FARACO C A Norma culta brasileira desatando alguns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2008

FARACO C E MOURA F Gramaacutetica 19 ed 6 reimp Satildeo Paulo Aacutetica 2003

FARACO C A TEZZA C Praacutetica de texto para estudantes universitaacuterios 8 ed Petroacutepolis Vozes 2001

FAYOL M Aquisiccedilatildeo da escrita Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial 2014

KATO M A O aprendizado da leitura 5 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1999

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KOCH I V ELIAS V M Ler e escrever estrateacutegias de produccedilatildeo textual 2 ed 2014

LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador 13 ed Satildeo Paulo Aacutetica 1998

MARCUSCHI L A Da fala para a escrita atividades de retextualizaccedilatildeo 10 ed Satildeo Paulo Cortez 2010

SOARES M B Letramento um tema em trecircs gecircneros 2 ed Belo Horizonte Autecircntica 2001

SOARES M I B AROEIRA M L PORTO A Alfabetizaccedilatildeo linguiacutestica da teoria agrave praacutetica Belo Horizonte Dimensatildeo 2010

Escrita de alunos do Ensino Fundamental II os ldquoerrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva da tentativa de acertoOrando Antocircnio da Costa Filho

Gilvan Mateus Soares

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1 Introduccedilatildeo

O processo de ensino e aprendizagem do Portuguecircs pressupotildee mostrar como a liacutengua funciona suas propriedades nas modalidades oral e escrita treinando usos e considerando o comportamento dos falantes em diferentes situaccedilotildees do cotidiano (CAGLIARI 2010)

Por isso eacute importante inserir o estudante em situaccedilotildees efetivas de uso da linguagem por meio da leitura e da escrita de diferentes textos dos mais variados gecircneros textuais e nos diversos contextos sociais O foco eacute pois o desenvolvimento das habilidades comunicativas dos estudantes

Nessa linha de raciociacutenio um dos toacutepicos de ensino eacute a ortografia cujo estudo eacute essencial por ela ser mecanismo facilitador da comunicaccedilatildeo por meio da escrita (MORAIS 2010) Esse estudo requer dentre outros aspectos discutir as relaccedilotildees entre grafemas e fonemas40 apropriar-se de princiacutepios e regras que norteiam essas relaccedilotildees propor atividades de escrita que operem com a liacutengua em funcionamento analisar o modo como os alunos registram as palavras e detectar e analisar os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos que eles cometem ao escrever

Especificamente acerca dos ldquoerrosrdquo cabe entender sua natureza adotando um posicionamento que os perceba sob a perspectiva da tentativa de acerto (BAGNO 2012 2013) Ao escrever o estudante faz uso de seus conhecimentos preacutevios sobre o sistema de escrita ao mesmo tempo em que a variedade da liacutengua que fala pode influenciar seu modo de escrever Por isso o professor precisa conhecer bem o sistema de escrita os tipos de relaccedilatildeo entre sons e letras para a partir disso compreender as hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para entatildeo delinear estrateacutegias capazes de contribuir para o desenvolvimento de suas habilidades comunicativas

40 Neste capiacutetulo ldquofonemardquo e ldquosomrdquo satildeo considerados sinocircnimos

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Com base nesses pressupostos procurou-se neste trabalho fazer uma releitura das discussotildees de Costa Filho (2015)41 com o objetivo de enfatizar que eacute fundamental inserir os alunos em praacuteticas efetivas de escrita conferindo-lhes liberdade para escrever e nesse processo verificar suas dificuldades no registro das palavras

2 A escrita alfabeacutetica e o processo de ensino e aprendizagem

O sistema de escrita do Portuguecircs Brasileiro (PB) eacute essencialmente alfabeacutetico e sua base eacute a letra embora sejam utilizados tambeacutem na escrita sinais de pontuaccedilatildeo e nuacutemeros (CAGLIARI 2010) Nesse sistema a grafia das palavras natildeo eacute a transcriccedilatildeo da fala (FERRAREZI JR 2007) Por essa razatildeo eacute importante no ensino mostrar ao aluno as relaccedilotildees entre fala e escrita e enfatizar que o modo como eacute registrada a grande maioria das palavras natildeo pode ser alterado Nesse sentido afirma Cagliari (2010 p 27)

A escola naturalmente deve fazer os alunos verem que eles falam natildeo de uma uacutenica maneira mas de vaacuterias segundo os dialetos de cada um e que se todos escrevessem as palavras como as falam usando das possibilidades do sistema de escrita como quisessem haveria uma confusatildeo muito grande quanto agrave forma de grafar as palavras e isso dificultaria em muito a leitura entre os falantes de tantos dialetos

Daiacute a importacircncia da ortografia oficial para possibilitar a leitura e a comunicaccedilatildeo entre os falantes de diferentes variedades linguiacutesticas que podem fazer os mais variados usos da liacutengua escrita orientando-se por regras de ortografia e natildeo de combinaccedilatildeo e uso da escrita seja para argumentar solicitar reivindicar elogiar ou fazer rir por exemplo

41 Dissertaccedilatildeo disponiacutevel em httpsbitly3i2MOHZ

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Aleacutem disso haacute que se deixar claro que natildeo se pode nem se deve escrever como se fala e que natildeo eacute preciso falar como se escreve (BAGNO 2012) uma vez que em alguns casos as letras satildeo grafadas seguindo as normas da ortografia oficial mas natildeo satildeo pronunciadas (como em ldquohomemrdquo ldquohorardquo ldquohonrardquo) ou elas podem apresentar outra realizaccedilatildeo sonora um fonema diferente da letra grafada (como em ldquoanimalrdquo ldquotalrdquo ldquodocerdquo) Essas ocorrecircncias demonstram a importacircncia de os estudantes compreenderem as relaccedilotildees que podem ser estabelecidas entre letrasgrafemas e sonsfonemas base de um sistema escrito alfabeacutetico como o do PB abordando para tanto a liacutengua em seu efetivo funcionamento

Um primeiro aspecto a se considerar no processo de ensino e aprendizagem da escrita eacute segundo Cagliari (2010) levar o aluno a conhecer as regras que regem o uso das letras que podem variar conforme a situaccedilatildeo de emprego pois haacute em relaccedilatildeo agrave sua forma normas diferentes para se usarem letras maiuacutesculas e minuacutesculas ou ainda para grafar a escrita no modo cursivo ou no registro de formapalitobastatildeoimprensa Aleacutem disso o estudante precisa perceber o uso alfabeacutetico das letras ou seja cada letra representa um som responsaacutevel pela distinccedilatildeo das palavras como por exemplo em ldquofalardquo ldquomalardquo ldquosalardquo e ldquobalardquo em que as letras ldquofrdquo ldquomrdquo ldquosrdquo e ldquobrdquo representam respectivamente os sons [f] [m] [s] e [b] que distinguem os vocaacutebulos

O autor aponta tambeacutem que eacute importante o aprendiz compreender que os sons conforme o contexto podem ter valor linguiacutestico isto eacute funccedilatildeo ou atribuiccedilatildeo que um fonema tem no sistema linguiacutestico para distingui-lo ou natildeo de outro Eacute o caso por exemplo de [p] e [b] se eacute efetuado o teste de comutaccedilatildeo ou seja de troca de um som pelo outro (ldquopatobatordquo) o resultado seraacute obviamente uma nova palavra com outro significado

Um terceiro fator a ser considerado se refere mais especificamente agraves relaccedilotildees entre sons e letras que podem ser variadas a) duas letras podem representar um uacutenico som como

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ldquogurdquo em ldquoguerrardquo b) uma letra pode ser usada no registro de um vocaacutebulo mas natildeo representa nenhum som caso do ldquohrdquo em ldquohojerdquo c) uma mesma letra pode representar mais de um som como ldquoxrdquo em ldquoproacuteximordquo ldquoexamerdquo e ldquotaacutexirdquo d) um mesmo som pode ser representando por mais de uma letra como [s] em ldquocedordquo ldquosapordquo e ldquopasseiordquo

Sobre essas relaccedilotildees Lemle (1997) explica que uma letra pode representar um uacutenico fonema ou conforme a posiccedilatildeo uma letra pode se referir a uma unidade sonora e um som eacute representado por uma determinada letra ou ainda mais de uma letra pode representar o mesmo fonema na mesma posiccedilatildeo No primeiro caso podemos citar a letra ldquotrdquo para o fonema [t] como em ldquotudordquo Na segunda situaccedilatildeo uma letra pode representar um determinado som conforme a posiccedilatildeo que ela ocupa como por exemplo a letra ldquosrdquo que representa o fonema [s] em comeccedilo de palavra (ldquosalardquo) ou [z] quando intervocaacutelica (ldquocasardquo) ou por outro lado um mesmo som ser registrado com letras diferentes tambeacutem de acordo com a posiccedilatildeo caso do fonema [k] que pode ser representando pela letra ldquocrdquo diante de ldquoardquo ldquoordquo ou ldquourdquo como em ldquocasardquo ldquococcedilardquo ou ldquocucardquo ou por ldquoqrdquo diante de ldquoerdquo e ldquoirdquo como em ldquoesquinardquo ldquoporquerdquo O terceiro tipo de relaccedilatildeo eacute quando haacute concorrecircncia entre letras para representar o mesmo som no mesmo contexto como o registro do fonema [z] entre vogais em palavras como ldquomesardquo ldquocertezardquo e ldquoexemplordquo

Segundo a pesquisadora essa natureza das relaccedilotildees entre letras e sons se processa por meio de uma gradaccedilatildeo no primeiro tipo a relaccedilatildeo eacute perfeita pois cada letra representa um soacute som e o mesmo som eacute representado por uma soacute letra ao passo que no segundo caso a motivaccedilatildeo foneacutetica da relaccedilatildeo eacute estabelecida conforme a posiccedilatildeo do som ou da letra e no terceiro essa motivaccedilatildeo da seleccedilatildeo da letra jaacute se perde porque mais de uma letra pode representar um mesmo som no mesmo contexto

Consequentemente no processo de ensino e aprendizagem essa gradaccedilatildeo para a autora natildeo pode ser desconsiderada pois indica igualmente os niacuteveis de facilidade com que a aprendizagem

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das letras pode ocorrer Assim no ensino o aconselhaacutevel seria comeccedilar por aquilo que eacute mais regular para em seguida mergulhar nas irregularidades do sistema ou nas relaccedilotildees mais complexas

Nesse sentido Morais (2010) discute que haacute regularidades diretas contextuais e morfoloacutegico-gramaticais Nas regulares diretas uma letra natildeo compete com outra para representar um som caso de ldquofrdquo ldquovrdquo ldquoprdquo ldquobrdquo ldquotrdquo e ldquodrdquo como o ldquofrdquo para [f] em ldquofivelardquo Nas regulares contextuais o registro de uma letra ou outra vai depender do contexto da palavra como o som do ldquor forterdquo [h]42 com um ldquorrdquo soacute em iniacutecio de palavra como em ldquoratordquo ou ldquorrrdquo em posiccedilatildeo intervocaacutelica como em ldquocarrordquo enquanto se for o ldquor brandordquo [ɾ] soacute seraacute usada uma letra como em ldquocaretardquo As regulares morfoloacutegico-gramaticais se referem agrave relaccedilatildeo entre letras e sons que se orientam pela categoria gramatical das palavras como por exemplo registrar ldquoesardquo para adjetivos paacutetrios (ldquoportuguesardquo ldquofrancesardquo ldquonorueguesardquo)

Em relaccedilatildeo agraves irregularidades Morais (2010) cita como exemplo o caso do som do ldquosrdquo em palavras como ldquosegurordquo ldquocidaderdquo ldquoauxiacuteliordquo ldquocassinordquo ldquopiscinardquo ldquocresccedilardquo ldquogizrdquo ldquoforccedilardquo e ldquoexcetordquo situaccedilotildees para as quais natildeo haacute uma regra que oriente o uso de uma letra ou de outra

Aleacutem dessas relaccedilotildees entre sons e letras cabe ao professor conhecer os criteacuterios que conforme Bagno (2013) podem estar envolvidos na definiccedilatildeo do registro de uma palavra como a) foneacutetico caso por exemplo de uma letra sempre representar um mesmo som e vice-versa como as letras ldquobrdquo e ldquoprdquo e respectivamente os fonemas [b] e [p] b) fonecircmico situaccedilatildeo da letra ldquolrdquo constituir uma abstraccedilatildeo pois a realizaccedilatildeo do fonema conforme sua posiccedilatildeo no vocaacutebulo e a origem do usuaacuterio da liacutengua pode se realizar como [l] [ɫ] [ɹ] ou [ʊ] (ldquolatardquo ldquoleiterdquo ldquotalrdquo ldquoanimalrdquo) c) morfofonecircmico como por exemplo o morfema marcador de plural ldquo-srdquo ser pronunciado [s] em ldquomeus catildeesrdquo mas jaacute ser falado como [z] em ldquomeus gatosrdquo

42 Representaccedilatildeo baseada em Silva (2017) para o dialeto de Belo Horizonte

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d) etimoloacutegico como registrar ldquomaurdquo e ldquomalrdquo por terem origem respectivamente de ldquomalurdquo e ldquomalerdquo e) anacroniacutestico como ainda registrar ldquochrdquo para vocaacutebulos que tinham a consoante [ʧ] ateacute o seacuteculo XV e que atualmente poderiam ser registradas com ldquoxrdquo f) sociolinguiacutestico pois devido ao fato de que a grafia oficializada se baseia em alguma variedade da liacutengua alguns registros na escrita corrente natildeo existem como o ldquor caipirardquo [ɹ]

Por isso a aparente neutralidade que a ortografia faz pressupor ao sugerir uma forma exclusiva de se registrarem as palavras acaba conforme Bagno (2012 2013) constituindo um mito pois satildeo vaacuterios os criteacuterios que podem nortear a grafia de um termo Ao mesmo tempo uma anaacutelise mais detida das regras aponta em alguns casos para uma arbitrariedade na definiccedilatildeo do registro de determinados vocaacutebulos como o uso do acento agudo e do circunflexo em que o primeiro seria usado para representar vogal aberta e o segundo para indicar vogal fechada mas escrevemos ldquouacutenicordquo e natildeo ldquoucircnicordquo

Outra questatildeo levantada por Ferrarezi Jr (2007 p 41) eacute que ldquoo aluno natildeo deve ser massacrado pela responsabilidade de saber a ortografia de todas as palavras da liacutengua Ele deveria ser ensinado a recorrer sempre que necessaacuterio a uma obra de referecircnciardquo Eacute fundamental assim desenvolver o haacutebito de pesquisa de maneira que o aprendiz por exemplo consulte rotineiramente um bom dicionaacuterio

Os estudantes desse modo devem estar envolvidos de acordo com Cagliari (2010 p 105) em atividades de escrita em que tenham ldquoa liberdade para tentar questionar perguntar comparar corrigirrdquo cabendo ao professor orientar a produccedilatildeo textual (gecircnero tipo objetivo comunicativo organizaccedilatildeo das ideias) e os processos de revisatildeo do texto Para tanto o docente precisa conhecer as complexas relaccedilotildees entre letrasgrafemas e sonsfonemas e como funciona de fato o sistema de escrita do PB Dessa forma ele teraacute subsiacutedios para analisar os ldquoerrosrdquo de ortografia dos alunos foco da proacutexima seccedilatildeo

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3 ldquoErrosrdquo ortograacuteficos sob a perspectiva do acerto

Assume-se neste capiacutetulo que os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever precisam ser reanalisados sob o prisma da ldquotentativa de acertordquo porquanto

[] seria pedagogicamente mais proveitoso substituir a noccedilatildeo de ldquoerrordquo pela de tentativa de acerto Embora possa soar como simples eufemismo do tipo ldquopoliticamente corretordquo na verdade eacute possiacutevel obter um efeito significativo ao trocar um termo de conteuacutedo negativo (erro) por outro de conteuacutedo positivo (acerto) Afinal a liacutengua escrita eacute uma anaacutelise da liacutengua falada e essa anaacutelise seraacute feita pelo usuaacuterio da escrita no momento de grafar seu texto em sintonia com seu perfil sociolinguiacutestico (BAGNO 2012 p 353)

Esse direcionamento implica compreender os ldquoerrosrdquo que os alunos cometem como na verdade tentativas de escrever ldquocertordquo sendo desvios que podem ser explicados significando que haacute loacutegica no ldquoerrordquo ortograacutefico cometido

Se natildeo se pode desprezar o valor que o ldquoerrordquo pode adquirir nas diferentes relaccedilotildees sociais (BAGNO 2012) eacute necessaacuterio por outro lado analisar no processo de ensino e aprendizagem da liacutengua escrita a natureza dos ldquoerrosrdquo ortograacuteficos nas produccedilotildees dos alunos e a partir disso desenvolver estrateacutegias adequadas de intervenccedilatildeo Conforme Bagno (2013) os ldquoerrosrdquo podem ser de dois tipos a) situaccedilotildees em que o aluno levanta hipoacuteteses sobre a relaccedilatildeo entre fala e escrita e registra uma palavra em comparaccedilatildeo a outra escrevendo de modo diferente da ortografia oficial b) influecircncia da variedade linguiacutestica falada pelo estudante na escrita O aprendiz portanto ao escrever eacute guiado por seus conhecimentos preacutevios sobre a liacutengua escrita e suas relaccedilotildees com a fala ao mesmo tempo em que a variedade linguiacutestica que ele usa no dia a dia influencia o modo como escreve

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Dessa forma na primeira categoria de ldquoerrosrdquo o falante grafa uma palavra de maneira diferente da oficial porque lanccedila hipoacuteteses ou faz analogias com base nas regras que sistematizou em relaccedilatildeo ao sistema de escrita como por exemplo escrever conforme Bagno (2013) ldquoMaurisiordquo dada a complexidade das relaccedilotildees entre o fonema [s] e suas representaccedilotildees graacuteficas usando nesse caso por analogia a letra ldquosrdquo habitualmente a mais utilizada para registrar tal som

O segundo tipo de ldquoerrosrdquo engloba aqueles que se referem agrave incidecircncia da variedade linguiacutestica do estudante em sua escrita Podem ser citados com base no autor o rotacismo (troca de ldquolrdquo por ldquorrdquo como em ldquobrocordquo) a paragoge (registro de ldquoerdquo ou ldquoirdquo em seguida a ldquolrdquo final de vocaacutebulo como em ldquosolerdquo ou ldquosolirdquo) e a deslateralizaccedilatildeo de [ʎ] (como em ldquotrabaiordquo para ldquotrabalhordquo)

Como se pode perceber muitos podem ser os tipos de ldquoerrosrdquo ortograacuteficos dos alunos Consequentemente o professor em sala precisa entender a natureza desses ldquoerrosrdquo procurar explicaccedilotildees para isso e a partir deles desenvolver estrateacutegias de intervenccedilatildeo

A esse respeito Cagliari (2010) discute que na escrita espontacircnea os alunos desenvolvem um processo de reflexatildeo aplicando regras que satildeo possiacuteveis no sistema para registrar um vocaacutebulo mas natildeo outro Assim o aluno ldquoerrardquo porque ao refletir sobre o modo de escrever determinada palavra baseia-se em regras do sistema ortograacutefico que se aplicam a outros contextos Haacute portanto reflexatildeo e loacutegica em seus usos ainda que considerados ldquoerradosrdquo Ao professor cabe reconhecer essa loacutegica que envolve esses ldquoerrosrdquo

Nesse sentido o pesquisador enumera os tipos de ldquoerrosrdquo encontrados em produccedilotildees escritas de estudantes

a) transcriccedilatildeo foneacutetica em que o aluno na escrita transcreve a proacutepria fala como registrar na escrita duas vogais em vez de uma porque fala dessa forma caso de ldquorapaisrdquo para ldquorapazrdquo

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b) uso indevido de letras quando seleciona uma letra possiacutevel para registrar na escrita um som mas o sistema ortograacutefico indica outra como em ldquoxatardquo para ldquochatardquo c) hipercorreccedilatildeo que ocorre quando o aprendiz jaacute conhece a grafia de alguns vocaacutebulos percebe que o modo de pronunciaacute-los eacute diferente e passa a generalizar essa regra para outras palavras como escrever ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo porque assimilou que como geralmente todo ldquolrdquo final de siacutelaba eacute pronunciado [u] ele aplica essa regra em todos os contextos e por isso usa a letra ldquolrdquo e natildeo o ldquourdquo d) modificaccedilatildeo da estrutural segmental das palavras situaccedilatildeo em que o aprendiz realiza troca supressatildeo inversatildeo ou acreacutescimo de letras como escrever ldquobidardquo para ldquovidardquo ou ldquososatordquo para ldquosustordquo e) juntura intervocabular e segmentaccedilatildeo quando o estudante junta ou separa palavras como respectivamente em ldquojalicoteirdquo para ldquojaacute lhe conteirdquo e em ldquoa gorardquo para ldquoagorardquo f) forma morfoloacutegica diferente que acontece quando o falante por influecircncia de sua variedade linguiacutestica registra as palavras com caracteriacutesticas diferentes da ortografia oficial como escrever ldquopaciardquo para ldquopassearrdquo g) forma estranha de traccedilar as letras que indica no caso da escrita cursiva uma forma diferente com que o aluno faz o registro de determinado vocaacutebulo causando dificuldade no seu entendimento como escrever ldquosaberdquo para ldquosaberdquo parecendo ldquosaverdquo para o leitor h) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas quando o aluno grafa inadequadamente as palavras usando letras maiuacutesculas no lugar de minuacutesculas ou vice-versa como registrar o pronome ldquoEurdquo com letras maiuacutesculas em analogia ao uso em nomes proacutepriosi) acentos graacuteficos usando em contextos natildeo esperados ou

deixando de usar como ldquovoacuterdquo para ldquovourdquo e ldquovocerdquo para ldquovocecircrdquo

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j) sinais de pontuaccedilatildeo em que os alunos podem usar equivocadamente os sinais como em ldquoEraumavezrdquo ou ldquoEra-uma-vezrdquo talvez em decorrecircncia de conhecimentos assimilados de outras atividades k) problemas sintaacuteticos relativos por exemplo agrave concordacircncia ou agrave regecircncia indicando muitas vezes influecircncia da variedade linguiacutestica do falante em seu modo de escrever sendo por isso desvios em relaccedilatildeo agraves formas sugeridas pela normas em que se baseia a ortografia oficial como escrever ldquodois coeliordquo para ldquodois coelhosrdquo

Oliveira (2005) por sua vez aponta a necessidade de compreender os ldquoerrosrdquo na escrita dos alunos observando as relaccedilotildees com a fala pois segundo ele o conjunto de conhecimentos que o estudante tem sobre a fala acaba controlando a aprendizagem da escrita Costa Filho (2015 p 41-42) em anaacutelise do autor afirma que o estudante ldquoem suas primeiras produccedilotildees escritas se guia pelos sons da fala muito embora tambeacutem no processo de aprendizagem a escrita vaacute incorporando outros aspectos que o aprendiz poderaacute superar ao longo desse processordquo Daiacute a importacircncia de um entendimento das hipoacuteteses nas quais os alunos se baseiam para escrever principalmente quando se trata de momentos espontacircneos de produccedilatildeo textual

Nessa direccedilatildeo Oliveira (2005) faz interessante discussatildeo sobre os possiacuteveis ldquoproblemasrdquo que podem ser verificados nas produccedilotildees escritas dos estudantes que Costa Filho (2015 p 42) assim sintetiza43

a) escrita preacute-alfabeacutetica como em ldquomviaembardquo para ldquominha vizinha eacute muito boardquo

b) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como a troca entre ldquoprdquo e ldquobrdquo

43 Os exemplos constantes na siacutentese de Costa Filho (2015) foram extraiacutedos de Oliveira (2005)

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c) escrita trocada com correspondecircncia trocada pela mudanccedila de sons como a troca entre sons sonoros e surdos

d) violaccedilatildeo das relaccedilotildees biuniacutevocas entre os sons e os grafemas como em escrita [muito difiacutecil de acontecer como afirma o autor] de ldquofavardquo para ldquomolardquo

e) violaccedilatildeo das regras invariantes que controlam a representaccedilatildeo de alguns sons ou seja os ldquocasos de escrita que se baseiam na pauta sonora e que ao mesmo tempo satildeo regidos por regrardquo como em ldquogerardquo para ldquoguerrardquo

f) violaccedilatildeo da relaccedilatildeo entre os sons e os grafemas por interferecircncia das caracteriacutesticas estruturais do dialeto do aprendiz como por exemplo na produccedilatildeo especiacutefica de um falante de Belo Horizonte ser escrito ldquoo sou brilhardquo para ldquoo sol brilhardquo em decorrecircncia de no dialeto belo-horizontino o som [l] natildeo ocorrer em final de siacutelaba embora ocorra em outros dialetos

g) violaccedilatildeo de formas dicionarizadas em que o autor enquadra as grafias de natureza totalmente arbitraacuterias e nos afirma que somente a consulta a um dicionaacuterio ou a familiaridade com a palavra podem resolver a questatildeo da grafia Os casos relacionados a esse problema satildeo de dois tipos duas formas existem mas cada uma remete a conceito diferente como ldquocestardquo e ldquosextardquo uma forma existe embora a outra possa ser possiacutevel como em ldquogelordquo (ldquojelordquo)

h) violaccedilatildeo na escrita de sequecircncias de palavras que se referem aos ldquocasos em que a particcedilatildeo da fala natildeo corresponde agrave particcedilatildeo da escritardquo como em ldquoopaturdquo para ldquoo patordquo

i) outros casos categoria aberta que inclui por exemplo casos de hipercorreccedilatildeo ou casos acidentais

Acredita-se que a partir do entendimento desses ldquoerrosrdquo que os alunos cometem ao escrever em sua tentativa de acerto o professor poderaacute compreender melhor as hipoacuteteses formuladas e os conhecimentos utilizados por eles o que colabora para o delineamento de estrateacutegias e praacuteticas pedagoacutegicas que possam contribuir para melhorar o registro escrito de suas produccedilotildees

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Nessa direccedilatildeo Costa Filho (2015) desenvolveu um estudo sobre os ldquoerrosrdquo cometidos por alunos em escrita espontacircnea cujos dados satildeo reanalisados na seccedilatildeo que se segue

4 ldquoErrosrdquo na escrita de alunos do Ensino Fundamental II

Costa Filho (2015) realizou seu estudo com 17 alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II em escola puacuteblica do municiacutepio de Salinas ndash MG A pesquisa objetivou detectar e discutir as hipoacuteteses que os alunos formulam quando usam a escrita verificando se a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem satildeo em decorrecircncia da interferecircncia da oralidade na escrita ou do natildeo conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico oficial

Para alcanccedilar esse propoacutesito foi necessaacuterio compreender a realidade cultural e social dos alunos e sua possiacutevel influecircncia no modo como usam a liacutengua observando especificamente se havia relaccedilatildeo entre a variedade falada pelo estudante e a maneira como escrevia Foi entatildeo aplicado inicialmente um questionaacuterio procedimento que permitiu obter dados sobre o contexto sociocultural dos estudantes e conhecer suas experiecircncias de letramento

As informaccedilotildees obtidas indicam que a minoria dos alunos tem acesso a computador com internet (10) televisatildeo (10) e raacutedio (10) o que levou agrave hipoacutetese de que o tipo de participaccedilatildeo dos estudantes em eventos de letramentos poderia interferir na utilizaccedilatildeo da variedade culta escrita da liacutengua por eles Isso significa que o pouco ou nenhum contato com outras variedades da liacutengua em especial a padratildeo na modalidade escrita faz com que o aprendiz em textos escritos formais reproduza a variedade que fala e cometa ldquoerrosrdquo ortograacuteficos Daiacute a importacircncia da escola e da pesquisa em delinear estrateacutegias para promover o acesso do aluno a outros usos da liacutengua Ao fazer isso acaba contribuindo para ampliar a competecircncia comunicativa do aluno e para que em decorrecircncia possa atuar e intervir efetivamente na sociedade

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Com o objetivo de confirmar essa hipoacutetese e de ampliar os dados sobre os eventos de letramentos dos quais participam foi perguntado aos 17 estudantes se tinham o haacutebito de visitar bibliotecas de ler jornais revistas em geral histoacuterias em quadrinhos e livros literaacuterios e de acessar a internet Os resultados indicaram que a maioria dos alunos visita bibliotecas (82) e natildeo lecirc jornal (94) revistas em geral (59) e histoacuterias em quadrinhos (47) e apontaram que poucos alunos leem livros literaacuterios e o fazem apenas uma vez ao ano (24) duas vezes por ano (41) ou natildeo leem livro de literatura algum (29) embora grande parte dos estudantes afirme que tenha acesso agrave internet (91) o que poderia possibilitar por exemplo acessar e-books e proceder agrave leitura desses livros Acresccedila-se a esses dados o fato de que a famiacutelia pouco lecirc (53) ou nunca lecirc (29) e que nunca escreve textos (47) e aqueles que fazem essa atividade redigem listas ou cartas apenas de vez em quando (47)

A partir das informaccedilotildees socioculturais obtidas do questionaacuterio Costa Filho (2015 p 27) concluiu que os participantes de sua pesquisa

[] satildeo provenientes de famiacutelias com baixo poder aquisitivo e com poucas oportunidades de participaccedilatildeo em eventos de letramentos o que restringe o acesso agrave variedade culta da liacutengua seja na modalidade oral seja sobretudo na escrita o que consequentemente nos permite relacionar esses eventos agrave presenccedila de marcas da oralidade na escrita culta e pode justificar desviosdeslizes na norma escrita que dificultam a aprendizagem e aumentam a responsabilidade da escola

Foi necessaacuterio assim compreender a natureza dos ldquoerrosrdquo que os alunos cometiam Para isso foram aplicadas trecircs atividades com os gecircneros textuais ldquobilheterdquo ldquocomentaacuteriordquo e ldquofaacutebulardquo com as seguintes instruccedilotildees

a) produccedilatildeo de um bilhete por meio do qual um aluno deveria convidar seu colega para passarem juntos um final de semana

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b) comentaacuterios sobre um filme exibido para os estudantes c) produccedilatildeo de uma faacutebula

Essas atividades foram selecionadas para ampliar a compreensatildeo da influecircncia da fala na escrita dos alunos permitindo levantar os ldquoerrosrdquo nas produccedilotildees e verificar as hipoacuteteses levantadas pelos alunos ao escreverem subsidiando assim uma accedilatildeo pedagoacutegica mais eficiente O foco com essas atividades foi justamente obter uma escrita espontacircnea sem a interferecircncia do professor ainda que esse momento tenha sido marcado por certa artificialidade uma vez que os textos escritos natildeo foram inseridos em uma situaccedilatildeo real de comunicaccedilatildeo

Por meio desses procedimentos os ldquoerrosrdquo detectados nas produccedilotildees escritas dos alunos foram classificados com base em Cagliari (2010) e Oliveira (2005) e divididos em dois grupos a) ldquoerrosrdquo que decorrem da influecircncia da fala (variedade do aluno) na escrita e b) ldquoerrosrdquo decorrentes da falta de conhecimento sobre as convenccedilotildees do sistema de escrita Os resultados obtidos estatildeo listados na Tabela 1

Tabela 1 Classificaccedilatildeo geral dos ldquoerrosrdquo

NATUREZA DO ldquoERROrdquo

NUacuteMERO DE OCORREcircNCIAS TOTAL

Influecircncia da fala (variedade do aluno) na

escrita319 48

665Falta de conhecimento

das convenccedilotildees do sistema de escrita

346 52

Fonte Costa Filho (2015 p 53)

Os dados da tabela permitem inferir que o iacutendice de ldquoerrosrdquo por influecircncia da fala na escrita padratildeo (48) quase se equipara ao dos desvios por falta de conhecimento das convenccedilotildees ortograacuteficas (52) Se somados esses dados agravequeles obtidos na aplicaccedilatildeo

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do questionaacuterio pode-se deduzir que eles satildeo indicativos da necessidade de promover eventos de letramento que contribuam para a ampliaccedilatildeo das praacuteticas de leitura e escrita em especial de usos mais monitorados da liacutengua por meio de um trabalho que aborde sistematicamente os tipos de ldquoerrosrdquo verificados nas produccedilotildees dos estudantes

Como exemplos de ldquoerrosrdquo decorrentes da influecircncia da variedade linguiacutestica que o aluno usa nos seus textos escritos podem ser citados

a) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante como em ldquoseus brinquedordquo para ldquoseus brinquedosrdquo (Informante 05) b) rotacismo como em ldquoarnosordquo para ldquoalmoccedilordquo (Informante 07) c) metaacutetese como em ldquopredardquo para ldquopedrardquo (Informante 10)d) deslateralizaccedilatildeo de λ como em ldquobieterdquo para ldquobilheterdquo (Informante 05) e) desnasalizaccedilatildeo de ɲ como em ldquomiardquo para ldquominhardquo (Informante 06) Em relaccedilatildeo aos desvios da ortografia oficial satildeo exemplos a) uso indevido de letras (escolha de uma letra possiacutevel quando a ortografia usa outra letra) como em ldquoprinsezinhardquo para ldquoprincesinhardquo (Informante 01)b) hipercorreccedilatildeo como em ldquojogolrdquo para ldquojogourdquo (Informante 05) c) segmentaccedilatildeo (troca supressatildeo acreacutescimo ou inversatildeo de letras) como em ldquoirmansrdquo para ldquoirmatildesrdquo (Informante 07) d) uso indevido de letras maiuacutesculas e minuacutesculas como em ldquojoseacuterdquo para ldquoJoseacuterdquo (Informante 10)e) escrita alfabeacutetica com correspondecircncia trocada por semelhanccedila de traccedilado como em ldquoanicardquo para ldquoamigardquo (Informante 05)

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Com base nesses ldquoerrosrdquo foi desenvolvida uma proposta de intervenccedilatildeo baseada na produccedilatildeo de ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo envolvendo assim os alunos em um contexto real de leitura escrita e circulaccedilatildeo do gecircnero textual No trabalho de produccedilatildeo e revisatildeo das cartas os alunos utilizaram a escrita em situaccedilatildeo efetiva de comunicaccedilatildeo o que possibilitou uma reflexatildeo linguiacutestica sobre as convenccedilotildees da escrita em sua relaccedilatildeo com a fala ateacute mesmo para atender agraves normas de publicaccedilatildeo da revista

Essa produccedilatildeo de cartas se fundamentou em um roteiro de atividades a partir da noccedilatildeo da sequecircncia didaacutetica que segundo Dolz Noverraz e Schneuwly (2004) se refere a atividades que satildeo planejadas sistematicamente a partir de um gecircnero seja ele oral ou escrito Com isso foram sistematizados seis moacutedulos de produccedilatildeo das cartas englobando a primeira versatildeo sua revisatildeo e a versatildeo final

Apoacutes a aplicaccedilatildeo de intervenccedilatildeo Costa Filho (2015) verificou progressos dos estudantes nas produccedilotildees escritas seja na reflexatildeo sobre as relaccedilotildees entre a variedade falada por eles e sua escrita seja no reconhecimento da importacircncia de escreverem conforme as convenccedilotildees do sistema ortograacutefico Os alunos dessa forma passaram a analisar o modo como escreviam refletindo sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita e percebendo a importacircncia de adequaccedilatildeo da linguagem ao contexto de uso

Podem ser citados como exemplos desses progressos os seguintes casos relacionados ao percurso de produccedilatildeo oral ou falada de carta gt produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo gt produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final

a) deslateralizaccedilatildeo de λ gt lateralizaccedilatildeo de λ ndash Informante A 1 ldquocompartilordquo para ldquocompartilhordquo (produccedilatildeo textual sobre as caracteriacutesticas do gecircnero ldquocarta do leitorrdquo)

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2 ldquofamiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquofamilhiardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquofamiacuteliardquo para ldquofamiacuteliardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)b) monotongaccedilatildeo gt ditongaccedilatildeo ndash Informante B1 ldquoTexerardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)3 ldquoTeixeirardquo para ldquoTeixeirardquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)c) rotacismo gt l ndash Informante A1 ldquosortourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo) 3 ldquosoltourdquo para ldquosoltourdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)d) eliminaccedilatildeo da marcaccedilatildeo de plural redundante gt marcaccedilatildeo de plural redundante ndash Informante D1 ldquoos bisouro coveiros alimanta-se de corpos em decomposiccedilatildeordquo (produccedilatildeo oral de carta)2 ldquoos bisouros lenhadores se ocupa em trabalhar nas aacutervorerdquo (produccedilatildeo oral de carta)3 ldquoos coveiros se ocupa dos mortosrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)4 ldquoos besouros que se alimenta dos corposrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash primeira versatildeo)5 ldquoaprendi que os jardineiros se ocupam em levar uma semente de um lado para outrordquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

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6 ldquoos lenhadores trabalham no tronco das aacutervores ou melhor se alimentam delasrdquo (produccedilatildeo escrita de carta ndash versatildeo final)

Pelos exemplos apresentados percebe-se a importacircncia da intervenccedilatildeo pedagoacutegica com atividades direcionadas para um trabalho que levou os alunos a refletirem sobre as relaccedilotildees entre oralidade e escrita e sobre os desvios das convenccedilotildees da ortografia oficial

5 Consideraccedilotildees finais

Procurou-se neste trabalho rediscutir dados da pesquisa realizada por Costa Filho (2015) cujos objetivos foram investigar as hipoacuteteses formuladas pelos alunos quando usam a escrita padratildeo e detectar a natureza dos ldquoerrosrdquo que cometem ao escrever analisando as possiacuteveis interferecircncias da variedade falada pelo aluno ou o desconhecimento sobre as convenccedilotildees da ortografia oficial na sua escrita Participaram do estudo alunos de um 7ordm ano do Ensino Fundamental II de uma escola puacuteblica no municiacutepio de Salinas ndash MG

Inicialmente foi importante o entendimento sobre a realidade sociocultural dos alunos por meio da aplicaccedilatildeo de um questionaacuterio Os resultados apontaram dentre outros aspectos que os alunos participavam de poucos eventos de letramento principalmente de praacuteticas de leitura e escrita de gecircneros mais formais ou monitorados

A partir disso foram aplicadas atividades para ampliar a compreensatildeo sobre as marcas da oralidade na escrita para que ao identificar os tipos de ldquoerrosrdquo presentes nas produccedilotildees dos alunos fosse possiacutevel analisar as hipoacuteteses levantadas por eles possibilitando uma adequada intervenccedilatildeo pedagoacutegica

Com base nesses conhecimentos dos estudantes foi elaborado um roteiro de atividades em torno do gecircnero ldquocartas do leitorrdquo a serem enviadas agrave revista ldquoCiecircncias Hoje das Crianccedilasrdquo abordando

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assuntos dessa publicaccedilatildeo Como resultados os estudantes em suas produccedilotildees passaram a refletir sobre as relaccedilotildees entre a oralidade e a escrita analisando o modo como escreviam e seguindo as regras da ortografia oficial

Assim ao articular teoria e praacutetica Costa Filho (2015) demonstrou a importacircncia de ressignificaccedilatildeo do olhar do professor sobre os ldquoerrosrdquo na escrita espontacircnea dos alunos Eacute necessaacuterio pois que os docentes percebam que os estudantes fazem profunda reflexatildeo ao escrever utilizando conhecimentos aprendidos e internalizados sobre as relaccedilotildees entre fala e escrita e norma ortograacutefica que orientam o modo como escrevem

Por isso cabe ao professor identificar os ldquoerrosrdquo nos textos dos alunos e propor atividades de intervenccedilatildeo adequadas agraves hipoacuteteses por eles formuladas ao escreverem avaliando esses ldquoerrosrdquo como deslizes em suas ldquotentativas de acertosrdquo e natildeo como incapacidade dos estudantes durante o processo de escrita

Diante disso constata-se que o trabalho de leitura escrita e reescrita de textos a partir de um gecircnero selecionado pode ressignificar o processo de produccedilatildeo textual no espaccedilo escolar instrumentalizando os alunos para o uso da liacutengua no meio social e natildeo os direcionando para a identificaccedilatildeo de classes de palavras e funccedilotildees da gramaacutetica normativa ou como atividade para a mera correccedilatildeo dos ldquoerrosrdquo

Consciente desse processo a escola precisa repensar suas estrateacutegias de ensino para desenvolver uma proposta que considere a realidade sociocultural do aluno e no caso da produccedilatildeo de texto as relaccedilotildees que o aluno estabelece ao escrever compreendendo que o contexto sociocultural e os eventos de letramento de que o estudante participa ou deixa de participar podem influenciar na qualidade daquilo que escreve

Eacute oportuno pois compreender esse contexto e essas praacuteticas para um melhor entendimento das relaccedilotildees entre fala e escrita

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para que se possa a partir disso proceder agrave elaboraccedilatildeo e ao desenvolvimento de estrateacutegias mais adequadas em sala de aula que contribuam para a reflexatildeo do aluno para a sistematizaccedilatildeo dos conhecimentos e para a ampliaccedilatildeo de sua competecircncia comunicativa Por isso eacute urgente a criaccedilatildeo de mecanismos para vencer os elevados iacutendices de evasatildeo e repetecircncia e auxiliar os estudantes no domiacutenio da Liacutengua Portuguesa sem apontar os ldquoerrosrdquo como declaraccedilatildeo peremptoacuteria de fracasso no domiacutenio da liacutengua

Referecircncias

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CAGLIARI L C Alfabetizaccedilatildeo e linguiacutestica Satildeo Paulo Scipione 2010

COSTA FILHO O A da Marcas de oralidade na escrita de alunos do ensino fundamental gecircnero carta do leitor 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Letras) ndash Centro de Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Montes Claros Montes Claros 2015

DOLZ J NOVERRAZ M SCHNEUWLY B Sequecircncias didaacuteticas para o oral e para o escrito apresentaccedilatildeo de um procedimento In SCHNEUWLY B DOLZ J Gecircneros orais e escritos na escola Traduccedilatildeo e organizaccedilatildeo Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro Campinas Mercado de Letras 2004

FERRAREZI JR C Ensinar o brasileiro respostas a 50 perguntas de professores de liacutengua materna Satildeo Paulo Paraacutebola 2007

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LEMLE M Guia teoacuterico do alfabetizador Satildeo Paulo Aacutetica 1997

MORAIS A G Ortografia ensinar e aprender Satildeo Paulo Aacutetica 2010

OLIVEIRA M A de Conhecimento linguiacutestico e apropriaccedilatildeo do sistema de escrita caderno do formador Belo Horizonte CealeFaEUFMG 2005

SILVA T C Foneacutetica e fonologia do portuguecircs roteiro de estudos e guia de exerciacutecios Satildeo Paulo Contexto 2017

Sobre os Autores

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Ana Maacutercia Ruas de AquinoDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail anamarciaaquinogmailcom ORCID httpsorcidorg0000-0001-5639-5257

Anagrey BarbosaMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora das redes Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail anakrillgreyyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000000268812115

Bruno de Assis Freire de LimaDoutor em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Docente no Instituto Federal Minas Gerais ndash Congonhas E-mail brunoaflimagmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-7526-1921

Carla Roselma Athayde MoraesDoutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes Claros E-mail carlaathaydeyahoocombr ORCID httpsorcidorg0000-0002-4684-8424

Clarice Nogueira LopesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual e Municipal de Ensino em Montes Claros ndash MG E-mail claricenogueiragmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0840-6139

Cristina Aparecida Bianchi de Souza GomesMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora da Escola Biliacutengue Libras e Portuguecircs Escrito de Taguatinga ndash DFE-mail cristinasbianchihotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-29223753

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Daniela Imaculada Pereira CostaMestre em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash PUC-MINAS Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail danielaespanhol79gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-1549-2901

Gilvan Mateus SoaresDoutor em Estudos Linguiacutesticos pelo POSLIN ndash FALE ndash UFMG Professor na Rede Municipal de Ensino em Baratildeo de Cocais ndash MG E-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Maria Clara Maciel de Arauacutejo RibeiroDoutora em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora da Universidade Estadual de Montes ClarosE-mail mclaramacielhotmailcomORCID 0000-0001-9205-5858

Orando Antocircnio da Costa FilhoMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professor na Rede Estadual de Ensino em Salinas ndash MGE-mail orandomghotmailcombrORCID httpsorcidorg0000-0001-7209-442X

Zenilda Mendes dos ReisMestre em Letras pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Mestrado Profissional em Letras da Unimontes Professora na Rede Estadual de Ensino em Lontra ndash MG E-mail zenildareis06gmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3318-976

Sobre os Organizadores

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Gilvan Mateus SoaresGraduaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs pela Universidade Federal de Minas Gerais Graduaccedilatildeo em Pedagogia pela Universidade de Uberaba Especializaccedilatildeo em Letras-Portuguecircs e Literatura pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguaacute Especializaccedilatildeo em Praacuteticas Pedagoacutegicas pela Universidade Federal de Ouro Preto Mestrado em Letras pela Universidade Estadual de Montes Claros Doutorado em Estudos Linguiacutesticos pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas GeraisE-mail gilvanprofessoruolcombrORCID httpsorcidorg0000-0002-2660-9290

Liliane Pereira BarbosaDoutora e Mestre em Estudos Linguiacutesticos pela UFMG Professora efetiva da Unimontes Atua como professora permanente no PROFLETRAS Tem experiecircncia na aacuterea de Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica com ecircnfase em Teoria e Anaacutelise Linguiacutestica principalmente nos seguintes temas Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica Variaccedilatildeo Linguiacutestica e EnsinoE-mail lilianepebhotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0003-0558-6592

Maria do Socorro Vieira CoelhoProfessora de Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 Mestre em Linguiacutestica pela Universidade Federal de Minas Gerais Doutora em Liacutengua Portuguesa e Linguiacutestica pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Minas Gerais Poacutes-Doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais (2015) e pela Universidade de Satildeo Paulo (2018) Suas linhas de pesquisa tecircm sido em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa ndash diacronia e sincronia Liacutengua Portuguesa e Ensino Literatura de Autoria FemininaE-mail soccoelhohotmailcomORCID httpsorcidorg0000-0002-3732-467X

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