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12 INTRODUÇÃO. "O Direito é a concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever-ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores”. Miguel Reale O estudo do direito fascina. Quem nunca se deparou com alguma pessoa que se autodenominava conhecedora do direito? Parece simples aos olhos do leigo conhecer o direito. Talvez, justamente pelo que representa a frase acima citada por Miguel Reale, de ser o direito a concretização da idéia de justiça, o despertar nas pessoas comuns da idéia de conhecerem o direito, bastando conceber aquilo que entendem por justiça. Daí o porquê de nossa inquietação perante o estudo do tema, realizando a investigação a cerca de uma possível fundamentação para o direito através da norma jurídica e do estudo da teoria tridimensional do direito, como possível resposta, investigando as bases do direito para emissão de uma conclusão a respeito. Assim, o presente trabalhado se encontra dividido em quatro capítulos distintos, sendo o primeiro referente ao estudo do direito e da norma. O segundo destinado ao estudo do direito positivo. O terceiro ao estudo da ruptura do normativismo segundo o tridimensionalismo, e, o quarto referente à origem da norma segundo o tridimensionalismo de Reale.

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INTRODUÇÃO.

"O Direito é a concretização da idéia de justiça na pluridiversidade de seu dever-ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores”.

Miguel Reale

O estudo do direito fascina. Quem nunca se deparou com alguma pessoa

que se autodenominava conhecedora do direito? Parece simples aos olhos do leigo

conhecer o direito.

Talvez, justamente pelo que representa a frase acima citada por Miguel

Reale, de ser o direito a concretização da idéia de justiça, o despertar nas pessoas

comuns da idéia de conhecerem o direito, bastando conceber aquilo que entendem

por justiça.

Daí o porquê de nossa inquietação perante o estudo do tema, realizando a

investigação a cerca de uma possível fundamentação para o direito através da

norma jurídica e do estudo da teoria tridimensional do direito, como possível

resposta, investigando as bases do direito para emissão de uma conclusão a

respeito.

Assim, o presente trabalhado se encontra dividido em quatro capítulos

distintos, sendo o primeiro referente ao estudo do direito e da norma. O segundo

destinado ao estudo do direito positivo. O terceiro ao estudo da ruptura do

normativismo segundo o tridimensionalismo, e, o quarto referente à origem da norma

segundo o tridimensionalismo de Reale.

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Entendemos que a divisão em quatro capítulos, como proposta, possibilita o

melhor entendimento do tema, identificando o direito através da norma jurídica,

positivismo jurídico, tridimensionalismo, e nomogênese da norma.

Na construção da investigação da fundamentação do direito segundo a

teoria tridimensional entendemos de maior relevância para o desenvolvimento do

tema o estudo das obras literárias de Miguel Reale, em especial a teoria

tridimensional do direito por ele defendida, de grande importância para a elaboração

e conclusão da pesquisa proposta.

Para realizarmos a fundamentação do direito e o estudo da gênese da

norma, iniciamos a pesquisa com os ensinamentos de Jean Jacques Rousseau a

respeito do surgimento da sociedade e do próprio direito frente à necessidade de

justificativa da convivência em sociedade sentida pelo homem, e sua gerência

através do que chama de pacto social, como forma de garantir a própria

subsistência, com a necessidade da edição de leis capazes de disciplinar a

convivência humana em sociedade, seja de forma escrita, através de textos

normativos, ou através de usos e costumes, dando origem ao ordenamento jurídico.

Desta forma, estudamos a idéia de fundamento e norma, pois, até então,

conforme ensina Rousseau, todo fundamento era advindo de Deus, com questões

de bem e mal, justo e injusto, com a necessidade da elaboração de leis para

estabelecerem direitos e deveres entre os homens.

Assim fixamos neste trabalho, o momento de início de estudos da gênese do

direito, onde, passamos ao desenvolvimento da investigação em relação às espécies

normativas, seguindo os ensinamentos de Humberto Ávila, frente à necessidade

surgida de distinção entre lei, regra, princípios e normas, pois, lei e regra instituem

deveres definitivos através de textos escritos que instituem condutas; princípios

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instituem valores que devem ser sempre ponderados, ou interpretados, sendo as

normas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos

normativos.

Igualmente, podemos constatar que a distinção das espécies normativas

compete ao intérprete, por termos sempre uma norma que, dependendo de sua

qualificação, poderá ser considerada como princípio ou regra.

Na análise da gênese da norma jurídica, estudamos a discussão jurídica da

validade, vigência e eficácia do direito, verificando a distinção entre validade da

norma e validade do direito, suas condições existenciais de juridicidade, positividade

e competência da autoridade legislativa.

Analisamos a vigência da norma através da aferição da sua efetividade em

propagar seus efeitos na sociedade, e sua eficácia na satisfação social dada pela

norma.

Verificamos as influências do positivismo jurídico e da teoria pura no estudo

do direito e sua fundamentação, rejeitando elementos de abstração e preocupando-

se exclusivamente com a legislação posta, como no caso da dupla depuração

realizada por Hans Kelsen, reduzindo o direito a um único elemento, qual seja a

norma jurídica, depurando-o do fato e do valor.

Também a questão do tridimensionalismo jurídico se encontra inserida nos

estudos realizados para desenvolvimento do presente trabalho buscando comprovar

seu potencial em fundamentar o direito através do fato, valor e norma, realizada com

a participação dialética dos elementos como uma unidade, sem reduzi-lo a aspectos

puramente axiológicos ou exclusivamente sociológicos, ou ainda puramente técnico-

jurídicos, ou seja, com o elemento normativo integrando e superando a relação

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fático-axiológica em função de uma nova integração normativa determinada por

novas exigências axiológicas e fáticas.

Por fim, realizamos a investigação da própria gênese da norma jurídica,

pautados nos ensinamentos de Miguel Reale e sua teoria tridimensional do direito,

apresentando a problemática da gênese do direito, diretamente relacionada com a

conduta humana, e sua vulnerabilidade as influências contidas na elaboração ou

alteração da norma jurídica, tais como um fato econômico ou um fato de grande

clamor público ocorrido na sociedade, fixando uma nova tensão fático-axiológica na

raiz do processo nomogenético, capaz de gerar efeitos de direito para a verificação

normativa dependendo do tempo em que se encontra, momento histórico, fator

econômico, capaz de produzir uma modificação na sociedade, tornando a norma

jurídica o elo de ligação na composição dos fatos sociais, se ajustando

dialeticamente as novas necessidades surgidas.

Frente à disposição do tema investigado, a metodologia a ser aplicada na

pesquisa para alcance do conhecimento científico a que nos predispomos, se deu

por intermédio da utilização e da conjugação dos métodos dedutivo, histórico e

lógico, com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, com destaque para a

pesquisa bibliográfica.

Assim, especificados os pontos principais a serem objeto de investigação no

presente trabalho com a delimitação do método a ser utilizado, voltamos à discussão

inicial proposta a respeito da frase de Miguel Reale, em destaque na Introdução, de

que o direito é a concretização da idéia de justiça, e aqui cabe ressaltar, que ao leigo

parece fácil dizer o direito, pois apenas integraliza sua idéia de justiça, porém, aos

estudiosos do direito, fato, valor e norma circundam as relações jurídicas que

envolvem a humanidade e devem ser analisados na elaboração de uma nova

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norma, que será gerada por uma situação fática ocorrida em sociedade, dosada por

valores capazes de exigi-la na convivência em sociedade, não sendo, portanto, tão

simples a explicação como parece, dependendo do estudo pormenorizado e

comprometido dos operadores do direito por anos ininterruptos para solução do

problema.

Cumpre ressaltar ainda, que no início de cada capítulo nos utilizamos de

uma frase diferente que possa representar a idéia contida no mesmo, apenas para

fomentar o interesse na leitura e melhor apreciação do tema, motivo pelo qual, nos

permitimos citar apenas seu subscritor, sem outras citações que as tornariam iguais

as demais contidas no texto, o que não é nossa idéia, e sim que surjam como frases

inspiradoras e elucidativas.

Feitas estas considerações iniciais e justificativas dos motivos que nos

levaram a realização da presente investigação, passamos a apresentação de cada

um dos quatro capítulos que nos propomos ao estudo.

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1 DIREITO E NORMA.

[...] a validade do Direito não resulta da detenção da maior força, mas se funda sobre o consenso tácito ou expresso dos membros da convivência, isto é, sobre a adesão dos espíritos as normas declaradas pelas autoridades do grupo.

Miguel Reale

1.1 ESPÉCIES NORMATIVAS.

A base estrutural para que um estado seja realmente Estado de Direito não

é apenas a lei, mas também a obediência aos princípios fundamentais1 que dão

garantias ao cidadão, eis que o homem, dotado de razão, porém, ser instável,

necessita de algum vínculo que o obrigue a convivência em sociedade para sua

própria preservação.

Miguel Reale2 ensina que:

O homem natural é um homem criado pela razão, com qualidades e tendências variáveis, ora concebido como um ser débil e tímido, ora como um lobo de outros homens, em geral desligado de laços de interdependência, um ser essencialmente autárquico. É prius relativamente á sociedade, variando de autor para autor o motivo que leva os homens a conviver civilmente. A sociedade formada por homens naturais assenta-se sobre um contrato, é uma criação humana algo de

1 Encerra a idéia de base, fundamento da estrutura do Estado Democrático de Direito. 2 Miguel Reale, nascido em São Bento do Sapucaí, Estado de São Paulo, aos seis dias de novembro de 1910, foi filósofo, jurista, educador e poeta brasileiro e um dos líderes do integralismo no Brasil. Conhecido como fundador da Teoria Tridimensional do Direito, onde a tríade fato, valor e norma jurídica compõe o conceito de Direito. Em linhas muito simples, um determinado fato é desvalorado ou valorado através de uma norma jurídica. Autor, entre outros, de Filosofia do Direito e de Lições Preliminares do Direito, obras clássicas do pensamento filosófico-jurídico brasileiro. Foi catedrático de Filosofia do Direito da Universidade de São Paulo; Presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia; Doutor honoris causa da Universidade Gênova; membro da Academia Nacional de Direito; laureado com a “Medalha Teixeira de Freitas” do Instituto dos Advogados Brasileiros (1968) e com o “Prêmio Moinho Santista”, em Ciências Jurídicas (1964); sócio-honorário da Sociedade Italiana de Filosofia do Direito, da Sociedade Espanhola de Filosofia Jurídica e Social, e da Sociedade Mexicana de Filosofia; sócio-correspondente da Academia das Ciências do Instituto de Bolonha, da Sociedade Argentina de Filosofia, do Instituto Argentino de Filosofia Jurídica e Social, da Academia do Instituto de Coimbra, e da Sociedade Americana de Filosofia Social e Política. Realizou os estudos pioneiros sobre a experiência normativa e os modelos jurídicos, com obras de grande qualidade didática de concisão e clareza que o distinguiram. Foi um dos responsáveis pela modificação operada nas grandes correntes do pensamento jurídico contemporâneo, como a Teoria Pura de Kelsen. (REALE, 1999, contracapa).

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posto pelo homem e que o homem pode desfazer ou alterar por um ato incondicionado. (REALE, 1998, p. 06).

Dessa situação de instabilidade e necessidade do homem de um acordo de

vontades para garantir a existência da própria espécie, anota Jean-Jacques

Rousseau3 que:

Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos, prejudiciais a sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua resistência, sobre as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não mais tem condições de subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser. Na evolução social que se desenvolveu, o Estado, considerada a nação politicamente organizada, passou a assumir o poder de determinar a conduta dos homens, exatamente para evitar a guerra entre eles e a desagregação da própria sociedade. (ROUSSEAU, 2006, p.30).

Com a necessidade sentida pelo homem de associar-se, surge também à

necessidade de uma forma de pacto que não coloque sua liberdade em cheque4. Do

pacto social entre homens, politicamente elaborado, cumpre dar-lhe movimento e

vontade através da lei. E daí a necessidade da explicação do que vem a ser lei,

norma, princípio e demais espécies normativas constantes do ordenamento jurídico,

pois, enquanto a lei não possui raiz e pode ser mudada a qualquer momento, os

princípios são imutáveis, pois são o fundamento de todo o ordenamento jurídico.

3 Jean-Jacques Rousseau, nascido em 28 de junho de 1712 na cidade de Genebra na França, foi um pensador controvertido, amante das artes, redigiu em data de 1758 sua famosa obra “Lettre à d’Alembert sur Spectacles” procurando demonstrar a imoralidade do teatro. Foi hóspede do Marechal de Luxemburgo, no Castelo Montmorency período em que escreveu o Contrato Social, editado em 1762 em Amsterdão, que geraria celeuma na época. Em 02 de julho de 1778 Jean-Jacques Rousseau falece vitima de um envenenamento do sangue, por males da bexiga que o molestaram toda vida. Foi autor ainda da obra Discurso Sobre as Ciências e as Artes e Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. (ROUSSEAU, 2006, p. 9/14). 4 Toda justiça vem de Deus; só ele é sua fonte; mas, se soubéssemos recebê-la de tão alto, não teríamos necessidade nem de governos nem de leis. Está fora de dúvida a existência de uma justiça universal, só da razão emanada; tal justiça, porém, para ser admitida entre nós, deve ser recíproca. Considerando humanamente as coisas, à falta de sanção natural, são vãs as leis da justiça entre os homens; fazem o bem do perverso e o mal do justo, quando este as observa com todos, sem que ninguém as observe consigo. É necessário, pois, haja convenções e leis para unir os direitos aos deveres e encaminhar a justiça a seu objetivo. No estado natural, onde tudo é comum, nada prometi; só reconheço como sendo de outrem o que não me é inútil. Isso não ocorre no estado civil, onde todos os direitos são fixados pela lei. (ROUSSEAU, 2006, p.47).

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Ensina Rousseau que:

Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mas apenas unir e dirigir as existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência, pô-los em movimento por um único móbil e fazê-lo agir de comum acordo. Essa soma de forças só pode nascer do concurso de diversos; contudo, sendo a força e a liberdade de cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação, como as empregará ele, sem se prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Esta dificuldade, reconduzida ao meu assunto, pode ser enunciada nos seguintes termos. “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente.” Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social. (ROUSSEAU, 2006, p. 30).

Bem por isso, antes de ingressarmos no tema central deste trabalho, que é a

norma jurídica, necessário se faz uma explanação a respeito da norma em si, das

espécies normativas, e a definição e aplicação da própria norma jurídica, pois, de

fundamental importância será estudá-la em suas várias possibilidades e aplicações,

aprofundando o estudo principalmente em relação à possibilidade de interpretação,

como pretende o Professor Miguel Reale, que entende o direito como fato, valor e

norma, chamada de teoria tridimensional5, bem como o estudo da teoria pura6

desenvolvido por Hans Kelsen7.

A aplicação do direito depende precisamente de processos discursivos e

institucionais sem os quais ele não se torna realidade. Todo o texto bruto utilizado

5 Teoria desenvolvida no Brasil por Miguel Reale, onde entende o Direito como fato, valor e norma. (REALE, 1968, p. 73). 6 Teoria desenvolvida por Hans Kelsen, onde realiza o estudo do direito considerado não como norma singular ou como acervo de normas singulares, mas como entidade unitária constituída pelo conjunto sistemático de todas as normas. Realiza a depuração do direito para justificá-lo como ciência. (BOBBIO, 2006, p. 197). 7 Hans Kelsen (Praga, então Império Austro-Húngaro, hoje República Tcheca, 11/outubro/1881 – Berkeley, Califórnia, USA, 19/abril/1973) concebeu uma teoria pura do Direito, que fez publicar (1934) com o título original de Reine Rechtslehre e a qual deu versão definitiva um quarto de século depois. Essa teoria, conhecida também como normativismo jurídico/racionalismo dogmático e Escola de Viena, de inquestionável valor científico, fez o autor firmar-se como o mais importante jusfilósofo do século passado e o brilho de sua teoria ilumina até hoje as reflexões dos pensadores do Direito. Atuante jurista, Kelsen foi redator (1918/1919) da vigente Constituição da República da Áustria, juiz do Tribunal Constitucional daquele país (1920/1929), professor universitário (Viena, Colônia, Genebra, Praga, Harvard e Berkeley). (KELSEN, 1998, contracapa).

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pelo intérprete, é, portanto, uma mera possibilidade de direito até então, capaz de

transformar a realidade jurídica. Para uma transformação de meros textos

normativos em normas jurídicas, dependemos da construção de conteúdo de sentido

pelo próprio intérprete, que por sua fundamentação deve ser entendido por aqueles

que os manipulam, para que possa ser entendida por seus destinatários, bem por

isso, a distinção das espécies normativas se torna indispensável.

Outrossim, além das espécies normativas contribuírem decisivamente para

uma maior efetividade dos princípios constitucionais, garantindo assim o Estado

Democrático de Direito, criamos possibilidades ao aplicador em conseguir melhores

condições de fundamentação, comprovação ou restrição de normas. Ou seja, o

estudo mais aprofundado das normas se faz necessário, visando explicar a sutileza

existente entre as muitas normas existentes no ordenamento jurídico e confusão que

podem causar quando de sua interpretação. Para tanto, o faremos, estudando as

diferenciações entre as espécies normativas dos princípios e regras, utilizando dos

estudos contidos na obra Teoria dos Princípios do professor Humberto Ávila8, como

forma comparativa, frente à falta de clareza conceitual das espécies normativas na

doutrina, passando pelos pontos que nos serão úteis neste trabalho como a

distinção entre regras, princípios e normas.

Para o autor citado acima, basicamente as regras instituem condutas;

princípios explicitam valores, que acabam indiretamente instituindo comportamentos.

Viraram lugar-comum afirmações, feitas em tom categórico, a respeito da distinção entre princípios e regras. Normas ou são princípios ou são regras. As regras não precisam nem podem ser objeto de ponderação; os princípios precisam e devem ser ponderados. As regras instituem deveres definitivos, independentes das possibilidades fáticas e normativas; os princípios instituem deveres preliminares,

8 Humberto Ávila é Professor de Direito Tributário, Financeiro e Econômico da Faculdade de Direito da UFRGS e Professor dos cursos de Mestrado e Doutorado da mesma universidade. É Advogado e Parecerista em Porto Alegre. Presidente Membro Fundador do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado-IIEDE e integrante do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Direito Público-sbdp. Tem como obras principais; Sistema Constitucional Tributário e Teoria dos Princípios, estabelecendo nesta última a distinção entre princípios e regras (ÁVILA, 2006, contracapa).

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dependentes das possibilidades fáticas e normativas. Quando duas regras colidem, uma das duas é invalida, ou deve ser aberta uma exceção a uma delas para superar o conflito. Quando dois princípios colidem, os dois ultrapassam o conflito mantendo sua validade, devendo o aplicador decidir qual deles possui maior peso. (ÁVILA, 2006, p.26).

Portanto, imprescindível entendermos o fenômeno da aplicabilidade e

demais fatores ligados às espécies normativas para melhor entendermos a própria

gênese da norma. Para Humberto Ávila “normas não são textos nem o conjunto

deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos

normativos”. (ÁVILA, 2006, p.30).

Assim, afirma o autor que os dispositivos legais se constituem no objeto da

interpretação, e que as normas se constituem no seu resultado, sem que ocorra

nenhum tipo de correspondência entre dispositivo e norma, no sentido de que um

não depende do outro para que exista, concluindo, basicamente que normas são

sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos,

sendo que um dispositivo pode resultar em várias interpretações, portanto, várias

normas, e ao contrário, vários dispositivos podem ser necessários para a elaboração

de uma única norma, pois “o significado não é algo incorporado ao conteúdo das

palavras, mas algo que depende precisamente de seu uso e interpretação..” (ÁVILA,

2006, p.31), desta forma, o intérprete não constrói o significado correto dos termos

legais, ele constrói versões de significados. No entanto, há estruturas de

compreensão existentes de antemão, permitindo a compreensão mínima de cada

sentença, compreensão esta já incorporada ao uso comum da linguagem.

Daí deduzir-se que, nas exatas palavras de Ávila (2006, p.33) “[...] interpretar

é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir”.

Em alguns casos há normas, mas não há dispositivo. Quais são os dispositivos que prevêem os princípios da segurança jurídica e da certeza do Direito? Nenhum. Então há normas, mesmo sem dispositivos específicos que lhes dêem suporte físico. Em outros casos há dispositivo, mas não há norma. Qual norma pode ser

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construída a partir do enunciado constitucional que prevê a proteção de Deus? Nenhuma. Então, há dispositivos a partir dos quais não é constituída norma alguma. (ÁVILA, 2006, p. 30).

Justamente pelo fato das normas serem construídas pelo intérprete a partir

dos dispositivos, que não pode chegar à conclusão de que determinado dispositivo

contém uma regra ou um princípio. Esta conclusão depende de conexões

axiológicas que são construídas pelo intérprete, que não poderá desprezar o fato de

que o ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de

valores e a manutenção ou a busca de determinados bens jurídicos essenciais à

realização daqueles fins e a preservação desses valores.

De um lado, a compreensão do significado como o conteúdo conceptual de um texto pressupõe a existência de um significado intrínseco que independa do uso ou da interpretação. Isso, porém, não ocorre, pois o significado não é algo incorporado ao conteúdo das palavras, mas algo que depende precisamente de seu uso e interpretação, como comprovam as modificações de sentido dos termos no tempo e no espaço e as controvérsias doutrinárias a respeito de qual o sentido mais adequado que se deve atribuir a um texto legal. Por outro lado, a concepção que aproxima o significado da intenção do legislador pressupõe a existência de um autor determinado e de uma vontade unívoca fundadora do texto. Isso, no entanto, também não sucede, pois o processo legislativo qualifica-se justamente como um processo complexo que não se submete a um autor individual, nem a uma vontade específica. Sendo assim, a interpretação não se caracteriza como um ato de descrição de um significado previamente dado, mas como um ato de decisão que constrói a significação de um texto. (GUASTINI apud ÁVILA, 2006, p.31-32).

Na verdade, o interprete reconstrói9 sentido com a existência de significados

incorporados ao uso da linguagem, que são construídos dentro do discurso, pois, de

acordo com o Professor Humberto Ávila, temos sempre uma norma, que

dependendo de sua qualificação será determinada como princípio ou como regra.

9 Humberto Ávila explica que “[...] é preciso substituir a convicção de que o dispositivo identifica-se com a norma, pela constatação de que o dispositivo é o ponto de partida da interpretação; é necessário ultrapassar a crendice de que a função do intérprete é meramente descrever significados, em favor da compreensão de que o intérprete reconstrói sentidos, quer o cientista, pela construção de conexões sintáticas e semânticas, quer o aplicador, que soma aquelas conexões as circunstâncias do caso a julgar; importa deixar de lado a opinião de que o Poder Judiciário só exerce a função de legislador negativo, para compreender que ele concretiza o ordenamento jurídico diante do caso concreto”. (ÁVILA, 2006, p. 34).

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Outrossim, devido à importância do estudo das normas, princípios e regras

para o presente trabalho, adentraremos um pouco mais na matéria através da

continuação do estudo do livro Teoria dos Princípios, facilitando assim nossa

compreensão a respeito das normas e sua conceituação.

Para um melhor entendimento do tema, Humberto Ávila (2006, p.35), cita o

entendimento de alguns autores consagrados pela doutrina e aqui relacionados por

sua relevância.

Para Josef Esser, citado por Ávila, fazendo uma distinção qualitativa entre

regras e princípios explica que “princípios são normas que estabelecem

fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado”. (ÁVILA, 2006, p.

35).

Já Karl Larenz, entende que o critério distintivo estaria na função de

fundamento normativo para a tomada de decisão, ou seja, princípios seriam “normas

de grande relevância para o ordenamento jurídico, estabelecendo fundamentos

normativos para a interpretação e aplicação do Direito, e deles decorrendo, direta ou

indiretamente, as normas de comportamento”. (ÁVILA, 2006, p.35-36).

Para Canaris, duas características diferenciariam os princípios das regras,

em primeiro lugar estaria o conteúdo axiológico, onde os princípios, ao contrário das

regras, “possuiriam um contexto axiológico explicito e careceriam, por isso, de regras

para sua concretização”. (ÁVILA, 2006, p.36).

Em segundo lugar haveria o modo de interação com outras normas, ou seja,

os princípios, ao contrário das regras, “receberiam seu conteúdo de sentido somente

por meio de um processo dialético de complementação e limitação”. (ÁVILA, 2006,

p.36).

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Ávila acrescenta ainda o entendimento de Dworkin, para quem a distinção se

baseia, mais intensamente, no modo de aplicação e no relacionamento normativo,

onde afirma que as regras são aplicadas de um modo ao qual denomina de “tudo ou

nada”, e explica que “se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a

regra válida e a sua conseqüência normativa deve ser aceita, ou ela não é

considerada válida”. (ÁVILA, 2006, p. 37). E aqui, em ocorrendo divergência entre

regras, uma delas deveria ser considerada inválida.

Já no caso dos princípios, explica que, “ao contrário, não determinam

absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos os quais devem ser

conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios”. (ÁVILA,

2006, p. 36-37).

E acrescenta também o entendimento de Alexy, para quem os princípios

jurídicos “consistem apenas em uma espécie de norma jurídica por meio da qual são

estabelecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as

possibilidades normativas e fáticas”. (ÁVILA, 2006, p. 37).

Assim, conclui Humberto Ávila que os princípios possuem “apenas uma

dimensão de peso e não determinam as conseqüências normativas de forma direta,

ao contrário das regras”, (ÁVILA, 2006, p. 37), pois, seria apenas a aplicação dos

princípios frente o caso concreto que os concretizaria mediante regras de colisão.

Segundo Ávila, três critérios são importantes na distinção entre princípios e

regras, definindo o primeiro de caráter hipotético-condicional, onde explica que:

[...] as regras possuem uma hipótese e uma conseqüência que predeterminam a decisão, aplicadas no modo “se, então”; os princípios, por sua vez, apenas indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para, posteriormente, encontrar a regra aplicável ao caso concreto. (ÁVILA, 2006, p. 40).

Ou seja, o conteúdo normativo de qualquer norma, dependeria das

possibilidades normativas e fáticas verificadas no caso concreto, bem como da

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existência de uma hipótese de incidência, e, que tenha sido formulado determinado

dispositivo de forma hipotética, portanto restando impreciso. O segundo seria o

critério do modo final de aplicação, onde “as regras de modo absoluto, do tipo “tudo

ou nada”, com os princípios aplicados de forma gradual, do tipo “mais ou menos””.

(ÁVILA, 2006, p.44).

Portanto, o modo de aplicação não está determinado no texto normativo,

decorrendo assim, das conexões axiológicas construídas pelo intérprete, trazendo

vagueza do enunciado prescritivo.

Assim, podemos concluir que o critério do conflito normativo, onde os

conflitos ocorridos entre regras são solucionados com a declaração de inviabilidade

de uma delas ou com a criação de uma exceção, e dos princípios mediante uma

ponderação que atribui uma dimensão a cada um.

Em análise a referido critério podemos dizer, sustentados pela tese

desenvolvida pelo Professor Humberto Ávila, que a ponderação não é método

exclusivo de aplicação de princípios, sendo que ocorre também entre regras que

abstratamente convivem, mas concretamente podem entrar em conflito, e, que as

regras também podem ter seu conteúdo preliminar superado por razões contrárias

ou exceções individuais, que podem não estar previstas no ordenamento jurídico.

A distinção entre categorias normativas, abstratamente, tem duas finalidades

fundamentais, qual seja, de antecipar características das espécies normativas, de

modo a facilitar o processo de interpretação e aplicação do Direito, bem como, aliviar

o ônus argumentativo do interpretador, na medida em que a qualificação das

espécies normativas permite minorar a necessidade de fundamentação.

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No entanto, aplicados os critérios de distinção, se mostraram inconsistentes,

seja no plano preliminar, seja no plano conclusivo, motivo pelo qual o professor Ávila

propõe ainda o estudo dos critérios de dissociação que passamos a analisar.

Segundo o critério da natureza do comportamento prescrito:

[...] enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos. (ÁVILA, 2006, p. 71).

Segundo o critério da natureza da justificação exigida, em relação às regras

por possuírem maior determinação do comportamento em razão do caráter

descritivo do enunciado prescritivo, o interprete deve “argumentar no sentido de

avaliação da correspondência entre a construção factual, a descrição normativa e a

finalidade que lhe dá suporte”. (ÁVILA, 2006, p. 73).

No caso dos princípios, seu elemento primordial é o finalístico e, portanto, o

aplicador deve argumentar de modo a fundamentar uma avaliação de correlação

entre os efeitos da conduta a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas

exigido.

Em razão das considerações precedentes, pode-se afirmar, também, que as regras assumem caráter retrospectivo (past-regarding), na medida em que descrevem uma situação de fato conhecida pelo legislador; ao contrário dos princípios, que possuem caráter prospectivo (future-regarding), já que determinam um estado de coisas a ser construído. (ÁVILA, 2006, p. 76).

Finalmente, de acordo com o critério da medida de contribuição para a

decisão, os princípios consistem em normas primariamente complementares e

preliminarmente parciais, são, pois, normas com pretensão de complementaridade e

parcialidade, eis que “não tem a pretensão de gerar uma solução específica, mas de

contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão”, diversamente das

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regras que “são normas preliminares decisivas e abarcantes, pois têm a aspiração

de gerar uma solução específica para o conflito entre razões”. (ÁVILA, 2006, p.76).

Pode ocorrer, no entanto, ainda segundo Ávila, a aptidão para

cancelamento, na medida em que podem ter suas condições de aplicabilidade

preenchidas e não o serem em razão de exceções individuais diante do caso

concreto.

A respeito da temática acima exposta, referente a regras e princípios, explica

Ávila que:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta como necessária a sua promoção. (ÁVILA, 2006, p. 78-79).

Assim, o que tentamos demonstrar com o estudo mais aprofundado das

normas, até aqui guiados pelo trabalho do professor Ávila, é que tanto princípios,

quanto regras são espécies de normas, como são os postulados, as normas

jurídicas, as normas morais, religiosas, as de controle social, dentre outras, podendo

se apresentar de várias formas, e contendo nuances capazes de confundir aqueles

que utilizam das espécies normativas diariamente.

Que do estudo de apenas duas espécies normativas, qual seja, regras e

princípios, podemos notar a diversidade de conceitos, critérios de distinção, dentre

outros, que nos leva a noção preliminar da dificuldade do tema e da análise da

norma jurídica.

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1.2 SOCIEDADE, DIREITO E NORMA JURÍDICA.

Arnaldo Vasconcelos ensina que:

Há um direito que deve ser, como tal, estático e teórico – o conjunto de fontes jurídicas, ou ordem normativa – e um Direito que é dinâmico e prático – aquele que se realiza na vida cotidiana, ou ordem vivida. A existência de uma teoria (o Direito que deve ser) e de uma prática jurídica (o Direito que é) não pode ser descartada por quem quer que pretenda alcançar a compreensão total do fenômeno jurídico. (VASCONCELOS, 2002, p. 154).

O direito surgiu com o advento da sociedade. Não há sociedade sem direito

(ubi societas ibi jus), e, portanto também não há norma jurídica sem os dois.

Nesse sentido são as palavras de Arnaldo Vasconcelos, de que “O Direito

disciplina condutas, impondo-se como princípio de vida social” (VASCONCELOS,

2002, p. 11). É o direito que possibilita a vida em sociedade, é ele que regula os

limites mínimos que possibilitam a convivência harmônica entre os homens. O direito

é o vetor regulador da conduta humana, ou seja, o direito leva as pessoas a se

unirem, em forma de pacto, obrigando-se mutuamente, nas palavras de Rudolf

Stammler, citado por Vaconcelos, como se fosse um “querer vinculatório, autárquico

e inviolável10”.

Assim podemos indagar desde logo, qual a causa dessa correlação entre

sociedade, direito e norma. E a resposta talvez esteja, justamente, na função que o

direito exerce na sociedade com a imposição de uma norma ordenadora que

coordene os interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar de

forma impositiva a cooperação entre pessoas, compondo conflitos que se verificam

no convívio em sociedade, ou seja, a tarefa do ordenamento jurídico é exatamente a

de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima

realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste.

10 Rudolf Stammler, Economía y Derecho, pág. 466, apud Arnaldo Vasconcelos, Teoria da Norma Jurídica, pág. 11.

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Bem por isso, Arnaldo Vasconcelos ensinar que:

A expressão formal do Direito como disciplina de condutas é a norma jurídica. Prevê ela os modos de conduta interessantes ao convívio social. O conjunto dessas normas denomina-se ordenamento jurídico. Há, ou haverá, normas para todas as condutas. Não existe relação humana possível, que não possa ser enquadrada pelo Direito. E assim se predica, no plano lógico, a auto-suficiência ou plenitude do Direito-Ordem-Jurídica. (VASCONCELOS, 2002, p. 11).

Na vivência atual em sociedade, nos parece difícil à convivência em

harmonia sem a elaboração de normas capazes de delimitar os direitos e obrigações

de cada membro dentro da sociedade.

Talvez por isso, muitos juristas contemporâneos como Antônio Carlos de

Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover dizerem que:

[...] pelo aspecto sociológico o direito é geralmente apresentado como uma das formas mais importantes e eficazes do chamado controle social, entendido como conjunto de instrumentos de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição dos modelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das antinomias, das tensões e dos conflitos que lhe são próprios. (ARAÚJO, CINTRA E GRINOVER, 1996, p. 50/74).

E aqui nos deparamos com uma definição de Direito mais voltada à

interpretação da norma do que a sua efetiva positividade. No entanto, a relação

entre Direito e sociedade, segundo Paulo Nader, apresenta um duplo sentido de

adaptação:

[...] de um lado, ordenamento jurídico é elaborado como processo e adaptação social e, para isto deve ajustar-se as condições do meio; de outro, o Direito estabelecido cria a necessidade de o povo adaptar o seu comportamento aos novos padrões de convivência. A vida em sociedade pressupõe organização e implica a existência do Direito. A sociedade cria o Direito no propósito de formular as bases da justiça e segurança. Com este processo as ações sociais ganham estabilidade. A vida social torna-se viável. (NADER, 2004, p. 16).

Portanto, a norma pode ser interpretativa, como instrumentos da sociedade

na busca do equilíbrio e harmonia, e regulamentadora de forma positiva do convívio

em sociedade.

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Paulo Nader explica ainda que:

[...] O direito, porém, não é uma força que gera, unilateralmente, o bem-estar social. Os valores espirituais que o Direito apresenta não são inventos do legislador. Por definição, o Direito deve ser uma expressão da vontade social e, assim, a legislação deve apenas assimilar os valores positivos que a sociedade estima e vive. O direito não é, portanto, uma fórmula mágica capaz de transformar a natureza humana. Se o homem em sociedade não está propenso a acatar os valores fundamentais do bem comum, de vivê-los em suas ações, o Direito será inócuo, impotente para realizar a sua missão. (NADER, 2004, p. 16/17).

Desta forma, de nada adianta a ordem jurídica, segundo o entendimento do

Professor Paulo Nader, se a sociedade não aceita suas regras e as acata, no

entanto, devido à necessidade de normas regulamentadoras do convívio do homem

em sociedade pela sua própria necessidade de ordem e equilíbrio, sem referida

aceitação, à vida em sociedade seria praticamente impossível.

Também a norma jurídica, segundo o entendimento de Arnaldo

Vasconcelos, nasce como um comando dirigido às ações das pessoas para

regulamentar seu convívio em sociedade, pessoas jurídicas e demais entes

existentes dentro da federação. Luijpen, citado por Vasconcelos (2002, p. 12)

escreve que “a ordem jurídica é normativa porque participa e é encarnação do

mínimo do ter-que-ser-para-o-outro, que vem a ser a existência11”.

Para Vasconcelos, a norma jurídica objetiva historicamente conciliar o

individual com o social, explicando que:

A norma define, dentre as múltiplas possibilidades que se oferecem ao homem, os tipos de conduta desejáveis, ao considerar sua relevância para a manutenção e progresso da vida social. Apresenta-se, desse modo, como regra de fim e instrumento de julgamento. Definindo, isto é, selecionando e limitando, a norma incorpora, com os fatos que prevê, os valores que a estes são atribuídos, adquirindo a dimensão trivalente específica do Direito. Torna-se, assim, seu elemento nuclear. (VASCONCELOS, 2002, p. 20).

11 W. Luijpen, Introdução à Fenomenologia Existencial, pág. 333, apud Arnaldo Vasconcelos, Teoria da Norma Jurídica, pág. 12.

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Explica Norberto Bobbio12, comentando o ordenamento jurídico pautado pela

teoria Kelseniana que a norma jurídica deve ser elaborada atendendo as prescrições

do direito, sem, contudo, ser direito. Nos ensinamentos de Vasconcelos (2002, p.

23), “a norma é elaborada com base no direito, existente por si mesmo. Não é

direito, mas contém direito no sentido de enunciá-la e de veiculá-la”.

Miguel Reale comentando a respeito, explica que “a norma é um elemento

constitutivo do direito, como a célula do organismo jurídico” (REALE, 1995, p. 93),

sendo natural que se encontre nela as características existentes no direito.

Arnaldo Vasconcelos ensina que:

Com a norma, fórmula ou forma, faz-se o Direito previsto, e apenas esse. O Direito é previsto porque a elaboração de seu modelo, a norma, decorreu de uma opção, entre várias possíveis. Os fatos escolhidos para seu suporte são somente aqueles considerados relevantes para a vida de convivência social. São, por isso, fatos valorados. E a medida desses valores dimensiona-se, objetivamente, na norma. (VASCONCELOS, 2002, p. 23).

Portanto a norma jurídica apesar de não ser Direito, é elaborada com base

no Direito, que apesar de sua existência se dar independentemente da norma, ele só

acontece através de uma norma que o preveja.

A norma jurídica, como o Direito, se apresenta na doutrina ora como

interpretativa e, portanto buscando o equilíbrio em sociedade, ora como positivista,

valendo-se apenas do texto legal.

Norberto Bobbio explica que:

A teoria imperativista da norma jurídica está estreitamente vinculada à concepção legalista-estatal do direito (isto é, com a concepção que considera o Estado como única fonte do direito e determina a lei como a única expressão do poder normativo do Estado): basta, realmente, abandonarmos a perspectiva legalista-estatal para que esta teoria não exista mais. Assim, não pode configurar como comando a

12 Norberto Bobbio, nasceu em 18 de Outubro de 1909, sendo considerado um dos maiores pensadores políticos do século, jurista de notável saber e de lucidez incomparável. Autor de várias obras importantes, dentre elas o titulo utilizado neste trabalho “O Positivismo Jurídico”, resultante de suas aulas dedicadas ao positivismo jurídico, dividido em duas partes, sendo a primeira dedicada ao estudo das origens históricas do positivismo jurídico e a segunda ao estudo da doutrina do positivismo jurídico. (BOBBIO, 2006, contracapa).

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norma consuetudinária, porque o comando é a manifestação espontânea de convicção jurídica (ou, se se deseja, é manifestação de uma vontade, mas indeterminada e impessoal). Do mesmo modo o esquema imperativista é inútil, se considerarmos, em lugar do ordenamento estatal, o internacional. Este último se exprime, não só mediante costumes, mas também por meio de tratados que fundam relações bi ou plurilaterais. Ora, os tratados são expressão de vontade determinante e pessoal, mas falta neles um outro elemento característico do comando, a relação de subordinação, visto que as relações internacionais são estabelecidas em base paritária. (BOBBIO, 2006, p. 181).

Assim podemos notar que os conceitos de direito e norma andam juntos,

porém não se confundem. Para Miguel Reale13, podemos iniciar a discussão a

respeito do conceito de norma jurídica falando da influência exercida por Kelsen em

alguns autores, que dizem ser a norma jurídica “sempre redutível a um juízo ou

proposição hipotética, na qual se prevê um fato ao qual se liga uma conseqüência”.

(REALE, 1995, p. 93/94).

E Reale explica ainda que:

Segundo essa concepção, toda regra de direito contém a previsão genérica de um fato, com a indicação de que toda vez que um comportamento corresponder a esse enunciado, deverá advir uma conseqüência, que por sinal, na teoria de Kelsen, como veremos logo mais, corresponde sempre a uma sanção, compreendida apenas como pena. (REALE, 1995, p. 94).

Tércio Sampaio Ferreira Júnior conceitua as normas jurídicas como

discurso, dizendo que as normas são “interações em que alguém dá a entender a

outrem alguma coisa, fixando-se, concomitantemente, a relação entre quem fala e

quem ouve”. (FERRAZ, 1986, p. 140).

Rudolf Von Ihering, na obra intitulada de “A Finalidade do Direito”, define a

norma como um fator do conceito de Direito, onde a “essência da norma é um

pensamento, um princípio jurídico, porém, de natureza prática, ou seja, um indicativo

13 Alguns autores, sob a influência de Hans Kelsen, que efetivamente trouxe uma preciosa contribuição ao esclarecimento do assunto, começam por dizer que a norma jurídica é sempre redutível a um juízo ou proposição hipotética, na qual se prevê um fato (F) ao qual se liga uma conseqüência (C), de conformidade com o seguinte esquema: Se F é, deve ser C. (REALE, 1995, p. 93/94).

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para a conduta humana. A norma é, pois, uma regra pela qual nos devemos pautar”.

(IHERING, 1979, p. 178).

Kelsen, ao explicar o direito como ordem normativa, ou seja, um sistema de

normas que regulam o comportamento humano conceitua a norma jurídica dizendo

que com o “termo norma se quer significar que algo deve ser ou acontecer,

especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira”.

(KELSEN, 1999, p. 05).

Paulo Nader14 ensina que o estudo da norma jurídica é de fundamental

importância na Teoria Geral do Direito, porque se refere, no entendimento do autor,

a substância própria do Direito objetivo, e explica que:

Ao dispor sobre fatos e consagrar valores, as normas jurídicas são o ponto culminante do processo de elaboração do Direito e o ponto de partida operacional da dogmática jurídica, cuja função é a de sistematizar e descrever a ordem jurídica vigente. Conhecer o direito é conhecer as normas jurídicas em seu encadeamento lógico e sistemático. As normas ou regras jurídicas estão para o Direito de um povo, assim como as células para um organismo vivo. (NADER, 2004, p. 81).

Lembremos aqui, que o conceito de norma jurídica como sendo a célula do

ordenamento jurídico, tem consonância com a concepção de Miguel Reale, ou seja,

a norma jurídica seria o corpo sistematizado de regras de conduta, caracterizadas

pela coercitividade e imperatividade, como um imperativo de conduta que coage os

sujeitos a se comportarem da forma por ela esperada e desejada.

Paulo Dourado de Gusmão, também compartilha do mesmo entendimento

ao conceituar norma jurídica como sendo a “proposição normativa inserida em uma

formula jurídica garantida pelo poder público ou pelas organizações internacionais”.

Para referido autor a norma jurídica seria capaz de "disciplinar ações ou atos, como

regras de conduta, ou, prescrever tipos de organizações, impostos de forma

14 Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, pág. 81.

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coercitiva, provida de sanção, tendo por objetivo principal a ordem e a paz social e

internacional”. (GUSMÃO, 1998, p. 77).

Arnaldo Vasconcelos entende que as “normas derivam de sua maneira de

existir e manifestar a finalidade a que se destinam15”. Seguindo o entendimento

exposto no parágrafo, poderíamos acrescentar a possibilidade de busca do direito

através da norma de uma maneira de disciplinar novas relações sociais, pois uma

vez que “derivam” de sua maneira de existir, induzem a elaboração de uma nova

norma, que irá manifestar uma nova “finalidade” para disciplinar uma nova relação.

Portanto, nos parece mais correto o entendimento de que a norma jurídica

seja mesmo a célula do ordenamento jurídico com características de direito, disposta

na sociedade para disciplinar o comportamento humano a fim de preservar o pacto

social e garantir sua aplicabilidade e eficácia, sem o qual a própria subsistência da

humanidade estaria condenada.

1.3 VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA.

Um dos pontos de crucial importância no direito para fundamentar as muitas

teorias, se encontra justamente na análise da validade, vigência e eficácia da norma,

motivo pelo qual passamos ao estudo dos mesmos visando elucidar um pouco mais

o assunto.

Em relação à validade da norma jurídica, encontramos na doutrina algumas

nuances, dependendo do autor analisado.

15 O Direito é relação, relação jurídica: A frente a B. Do posicionamento das partes decorrem direitos, obrigações pretensões, ações e exceções. A relação nasce da incidência da norma sobre o fato, e, concomitantemente com ela, o Direito. (VASCONCELOS, 2002, p. 150).

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Para Reale não basta que uma regra jurídica se estruture, entende ele, que

seria indispensável à satisfação aos requisitos de validade para se tornar obrigatória,

explicando que “a validade de uma norma de direito pode ser vista sob três

aspectos: o da validade formal ou técnico-jurídica (vigência), o da validade social

(eficácia ou efetividade) e da validade ética (fundamento)”. (REALE, 1995, p. 105).

Portanto a norma jurídica, para Reale, deve obrigatoriamente satisfazer os

requisitos de vigência, eficácia ou efetividade e do fundamento, ou seja, para

validade de uma norma jurídica, numa abordagem extremamente formal, ela deverá

atender a critérios de vigência, eficácia e ética.

Arnaldo Vasconcelos, em análise a validade das normas jurídicas destaca

que:

Na categoria da validade, examinam-se as condições existenciais da norma jurídica, o que requer apenas o emprego de critérios técnicos, sendo tal abordagem, portanto, eminentemente formal. Pretende-se apurar se a norma, de que se trata, é formalmente boa, a saber, se admite as provas de aferição relativas à juridicidade, a positividade, a vigência e a eficácia. Da norma que resistir a tal análise, só se pode afirmar, ainda que exista validamente como norma jurídica. (VASCONCELOS, 2002, p. 225).

Apesar de Vasconcelos entender a questão da validade de forma

praticamente idêntica a de Reale, não levanta a ética como necessária a sua

análise, deixando sua aferição ligada à juridicidade, a positividade, vigência e

eficácia, o que nos parece mais adequado, não gerando confusão quanto a validade

da norma com a validade do próprio direito.

Ou seja, não podemos confundir a validade da norma, com a validade do

Direito, que faz distinção entre o sentido científico e o filosófico, nos ensinamentos

de Paulo Dourado de Gusmão:

No que concerne à validade do direito, deve-se distinguir o sentido científico do filosófico. Para o primeiro, validade do direito depende da competência para legislar da autoridade que o prescrever. Emanando de uma autoridade competente para formulá-lo, tem validade. Competência que pode ser originaria, como é o caso da

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Constituinte, ou derivada, quando decorre da Constituição. Nesse último caso, válido é o direito estabelecido conforme as normas constitucionais reguladoras de sua produção. Mas, não basta essa conformidade formal, pois é indispensável que a lei não seja incompatível com a Constituição (validade material, porque, se o for, é inconstitucional, isto é, destituída de validade, desde que o Judiciário assim a declare por sentença. Já o sentido filosófico não é tão simples. Para explicá-lo, existem varias teorias. Pensamos que, no ponto de vista filosófico, o direito é válido se corresponder à justiça, as aspirações morais do povo e as reais, necessidades sociais, bem como se atenderem as suas finalidades (ordem, paz e seguridade). (GUSMÃO, 1998, p. 58).

Portanto a validade do direito pode estar ligada à validade do próprio

sistema jurídico, quando uma norma é criada segundo critérios já estabelecidos,

respeitando-se a hierarquia, promulgação realizada pela autoridade competente,

prazos e quorum, com seu conteúdo de acordo com as designações de competência

legislativa.

Deve ser analisado também o fundamento axiológico, cuja incidência da

ética seria a condição que daria legitimidade à norma jurídica para o direito.

Difícil nos parece à missão de distinguir a validade do direito da validade da

norma, pois, se encontram intimamente ligadas, chegando a se confundirem em

dados momentos, fato que dificulta seu estudo e sua individualização, motivo pelo

qual nos concentraremos apenas na analise da validade da norma.

Maria Helena Diniz ensina que:

Considerando que a norma resulta da emanação da vontade de seu criador ou constituinte, conclui-se que esta norma manifesta-se como o sentido subjetivo dos atos que a prescrevem, e nessa ótica vem à afirmativa de que o sentido subjetivo de um ato humano dirigido à conduta de outrem, só é interpretado como o sentido objetivo desse ato se for uma norma válida. (DINIZ, 1995, p. 46/47).

Assim, uma norma para ser válida dentro do positivismo jurídico, deve estar

integrada no ordenamento jurídico, atendendo aos processos de formação e

produção, em conformidade com os requisitos específicos do próprio ordenamento.

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Entende Tércio Sampaio Ferraz Júnior (FERRAZ JR, 1994, p. 196) que

temos uma norma válida quando, após sancionada, para que se inicie o tempo de

sua validade seja publicada, sendo portanto, vigente, ou em outras palavras,

pertencente ao ordenamento jurídico, com a exigência legal do comportamento

prescrito.

Para Luiz Antonio Rizzato Nunes a validade da norma tanto pode referir-se

ao aspecto técnico jurídico ou formal quanto ao aspecto da legitimidade, e ensina

que:

[...] no aspecto técnico jurídico se fala da validade da norma quando criada segundo os critérios estabelecidos no sistema jurídico, quanto ao aspecto da legitimidade, refere-se ao fundamento axiológico, onde sua incidência ética seria a condição de legitimidade da norma jurídica, tornando-a válida. (NUNES, 2001, p. 05).

Assim para que uma norma possa ser considerada válida para o positivismo

jurídico, segundo essa teoria, é necessário, primeiramente, que tenha integrado o

ordenamento jurídico vigente, através de processo legítimo de criação normativa,

integrando assim a validade do próprio Direito.

No entanto, para a análise correta da validade da norma jurídica devemos

examinar também as condições de existência da norma, quais sejam, a vigência e a

eficácia, as quais passamos ao estudo a partir de agora.

Arnaldo Vasconcelos, explicando a vigência da norma, ensina que:

Vigência é o termo utilizado para fixar o período de disponibilidade da norma jurídica, sua dimensão temporal. Situa-se como marco intermédio entre a existência, que se formaliza pela promulgação, e a eficácia, que decorre de sua observância social. Como se nota, constitui conceito de aplicação restrita a lei. As outras espécies de normas jurídicas se subtraem a seu domínio, transferindo-se a indicação de sua validade formal para a instancia da eficácia, como ocorre relativamente ao costume, à doutrina e a jurisprudência não sumulada. (VASCONCELOS, 2002, p. 227).

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Quando descrevemos o sentido ou o significado de um ato normativo

dizemos que, com o ato em questão, qualquer conduta humana é preceituada,

ordenada, prescrita, exigida, proibida, ou mesmo, consentida, permitida ou facultada.

Karl Larenz (1983, p. 36) ensina que a lei é mais racional do que o seu autor

e, uma vez vigente, vale por si só, ou seja, no entendimento de referido autor,

intenções subjetivas do legislador ou daqueles que influenciaram na elaboração da

lei não tem valor, pois sendo vigente, independe de qualquer outro fator.

Paulo de Barros Carvalho entende que “a vigência é propriedade das regras

jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo aconteçam no mundo

fático, os eventos que elas descrevem” (CARVALHO, 1999, p. 82-83).

Realmente, uma norma jurídica adquire vigência quando se encontra pronta

para propagar seus efeitos assim que ocorra na sociedade um fato por ela

disciplinado, momento em que terá força para reger a nova situação fática por ela

descrita.

Podemos concluir, portanto, que o termo vigência traduz a existência

específica de uma norma e que não se confunde com a validade.

No entanto, lembra Kelsen16, que a vigência da norma jurídica está

relacionada ao espaço-temporal, ou seja, a vigência de uma norma jurídica depende

do espaço e do tempo para reger determinada situação fática ocorrida em

determinada sociedade.

16 A vigência de todas as normas em geral que regulam a conduta humana, e em particular a das normas jurídicas, é uma vigência espaço-temporal na medida em que as normas tem por conteúdo processos espaço-temporais. (KELSEN, 1999, p. 13).

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Assim, quando falamos em validade de uma norma, significa dizer que ela

vale por determinado período de tempo, determinado dentro do espaço e tempo de

validade de determinada norma.

Outro fator de singular relevância na análise proposta neste trabalho, seria a

eficácia da norma jurídica, que segundo o entendimento de Arnaldo Vasconcelos

estaria relacionada diretamente com a satisfação da sociedade com o resultado

alcançado pela norma.

Arnaldo Vasconcelos explica que;

Essa é a instância de validade social da norma que é realmente observada pelo grupo comunitário, diz-se que tem eficácia. Isso significa afirmar que, de fato, a norma desempenha satisfatoriamente sua função social, qual seja, manter a ordem e distribuir justiça. (VASCONCELOS, 2002, p. 229).

Podemos dizer que uma norma tem eficácia quando ele provoca na

sociedade aquela sensação satisfação com o resultado alcançado com aplicação da

norma, editada de maneira válida e vigente.

José Afonso da Silva entende que a norma jurídica poderia ter dois sentidos,

quais sejam, a eficácia social e a eficácia jurídica.

Com relação ao que chama de eficácia social, explica o saudoso professor

que “ela designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma; refere-se

ao fato de que a norma é realmente obedecida e aplicada17”, ou seja, a eficácia para

este autor diz respeito a “aplicabilidade, exigência ou executoriedade da norma,

como possibilidade de sua aplicação jurídica”. (SILVA, 1999, p. 66).

Já ao que chama o autor de eficácia no sentido jurídico, estaria relacionada

com a capacidade da norma de produzir efeitos.

17 É o que teoricamente se chama efetividade da norma. Eficácia é a capacidade de atingir objetivos previamente fixados como metas. (SILVA, 1999, p. 65).

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E aproveitando o todo exposto, discute Reale se basta à validade técnico-

jurídica para que a norma jurídica cumprisse sua finalidade, explicando que:

A eficácia se refere, pois, a aplicação ou execução da norma jurídica, ou por outras palavras, é a regra jurídica enquanto momento da conduta. A sociedade deve viver o Direito e como tal reconhecê-lo. Reconhecido o Direito, é ele incorporado a maneira de ser e de agir da coletividade. Tal reconhecimento, feito ao nível dos fatos, pode ser o resultado de uma adesão racional deliberada dos obrigados, ou manifestar-se através do que Maurice Hauriou sagazmente denomina “assentimentos costumeiro”, que não raro resulta de atos de adesão aos modelos normativos em virtude de mera intuição de sua conveniência ou oportunidade. O certo porém, é que não há norma jurídica sem um mínimo de eficácia, de execução ou aplicação no seio do grupo. (REALE, 1995, p. 112/113).

Portanto, podemos resumir da questão levantada referente à validade,

vigência e eficácia da norma jurídica, que uma se encontra ligada a outra, como

entende Reale, sempre a norma valida deverá ter um mínimo de eficácia, bem como

o fato de que, por estar a própria eficácia ligada a validade, qualquer fator externo

que alcance a norma para invalidá-la ou obstar seus efeitos, total ou parcialmente,

atingirá na mesma intensidade sua eficácia sua vigência, acabando com sua

validade18.

1.4 INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA.

Nos ensinamentos de Carlos Maximiliano a aplicação da norma jurídica

“consiste em enquadrar um caso concreto numa norma jurídica adequada”.

“Submete-se as prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o

dispositivo adaptável a um fato determinado”. (MAXIMILIANO, 1923, p. 11). 18 O fator externo a que nos referimos, trata-se da eficácia da norma em sede de Direito Constitucional, Legislações Ordinárias e limitações que a norma pode sofrer, ou mesmo sua dependência de outra norma para se realizar, caso das normas de eficácia limitada ou de eficácia contida, que a respeito de erigirem previsão de conduta, asseveram que determinado conceito ou fator será ditado por norma complementar, ou nos termos da lei, quando a lei ainda não foi editada.

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Por outras palavras, a aplicação da norma jurídica tem por objeto descobrir o

modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano.

A aplicação da norma jurídica pressupõe o conhecimento perfeito, seguro e

completo da norma jurídica abstrata, ou seja, a norma jurídica que destinada à

regulamentação não apenas de um caso singular, mas por um modelo capaz de ser

aplicado a vários casos, que podem ou não ocorrer, desde que enquadrados no tipo

nela previsto, permitindo alcançar indeterminado número de ações e de atos.

Importante ressaltar que a aplicação da norma jurídica distingue-se da

hermenêutica, que tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos

aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.

A esse respeito os ensinamentos de Carlos Maximiliano:

A aplicação não prescinde da hermenêutica, mas a pressupõe, como a medicação à diagnose. A hermenêutica tem um só objeto: a Lei; a aplicação do Direito, no sentido objetivo, e o fato. (MAXIMILIANO, 1923, p. 14).

Para Maximiliano, a hermenêutica seria o meio para atingir a aplicação, ao

que chama de o “momento da atividade do aplicador19”. (MAXIMILIANO, 1923, p.

17).

Já a interpretação, por sua vez, entende o autor acima citado que seria a

“aplicação da hermenêutica20”, com a função de descobrir e fixar os princípios

capazes de regerem a interpretação (MAXIMILIANO, 1923, p. 18).

Tércio Sampaio Ferraz Júnior ensina que determinar o sentido correto das

normas visando decidir conflitos, seria competência da dogmática hermenêutica21.

19 Revela o adaptador da doutrina à prática, da ciência à realidade: o verdadeiro jurisconsulto. (MAXIMILIANO, 1923, p. 17). 20 Hermenêutica é a teoria cientifica da arte de interpretar. (MAXIMILIANO, 1923, p. 18). 21 A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. Trata-se de uma finalidade prática, no que se distingue de objetivos semelhantes das demais ciências humanas. Na verdade, o propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, como faz, por exemplo, o historiador ao determinar-lhe a força e o alcance, pondo o texto normativo em

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No entanto, entende o autor que apenas decodificar textos normativos de acordo

com regras de uso, seria uma maneira muito simples para ser aceita, explicando que

“no sentido da hermenêutica jurídica, ela nos conduz a um arbitrário que põe fim a

sucessão de interpretações que decodificam interpretações22” (FERRAZ JR., 1994,

p. 260/261).

Ou seja, refere-se o autor a interpretação autêntica e doutrinal feita através

de uma norma expedida pelo órgão competente ou por meio do trabalho dos

cultores do direito, realizada através do exame gramatical, lógico, histórico ou

dogmático.

Existem também casos em que pode não haver preceito abstrato para um

determinado caso concreto, momento em que o aplicador do direito terá que suprimir

a lacuna da norma jurídica, utilizando-se da analogia.

Reale ensina que:

A analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fins. Pelo processo analógico, estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de razões. (REALE, 2005, p. 296).

Concluímos assim, que a interpretação da norma jurídica é a atividade

mental desenvolvida pelo jurista, mirando traçar uma ligação entre o texto normativo

abstrato, inerte, e o fato que se apresenta.

Valer-se adequadamente dos processos de interpretação que lhe são postos

a mão pela ciência jurídica, não guardando escrúpulos de adentrar com

profundidade na investigação e na confecção de novas técnicas, sempre objetivando

o aclaramento e a verificação das normas jurídicas, é o papel reservado ao exegeta presença dos dados atuais de um problema. Ou seja, a intenção do jurista não é apenas conhecer, mas conhecer tendo em vista as condições de decidibilidade de conflitos com base na norma enquanto diretivo para o comportamento. (FERRAZ JR., 1994, p. 256). 22 Isto caracteriza a interpretação dogmática e, ao mesmo tempo, constitui o seu problema teórico, isto é, a dificuldade básica para a teorização dogmática sobre a interpretação. (FERRAZ JR., 1994, p. 260/261).

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na seara do direito. Da sua sensibilidade dependerá o sucesso perseguido na arte

de interpretar as normas de natureza jurídica.

Assim, podemos dizer do todo exposto até aqui, que a norma jurídica é uma

norma de conduta no sentido de que seu objeto direto ou indireto é guiar o

comportamento das pessoas, das comunidades e funcionamento no âmbito do

Estado e do mesmo Estado na ordem internacional, o conteúdo da norma jurídica é

uma relação de justiça, sendo a vocação especial da norma jurídica a realização do

Direito.

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2 DIREITO POSITIVO.

Entre as imperfeições do Direito está aquela consistente em que a norma não tem aptidão para assegurar sua observância. O fenômeno se agrava ainda mais porque, nas ciências sociais, como é o Direito, o homem, ao mesmo tempo em que é matéria do conhecimento, seu objeto, é também seu criador, seu autor.

Arnaldo Vasconcelos

2.1 POSITIVISMO JURÍDICO.

O positivismo jurídico, segundo ensina Paulo Nader, segue observância aos

princípios do positivismo filosófico23, onde tem sua origem, rejeitando todos os

elementos de abstração existentes no Direito, pois despreza os juízos de valor,

valendo-se apenas dos fenômenos observáveis24.

De acordo com o pensamento exposto “para o positivismo jurídico só existe

uma ordem jurídica: a comandada pelo Estado e que é soberana”, assumindo a lei a

condição de único valor para a corrente positivista. O positivismo jurídico é uma

tendência do direito que diz que não há possibilidade de direito fora das normas

escritas, produzidas por autoridades competentes no âmbito de um Estado (NADER,

2004, p. 377).

Paulo Nader ensina que:

O Direito Positivo, visto como expressão da vontade do Estado, é um instrumento que tanto pode servir a causa do gênero humano, como pode consagrar os valores

23 Francesco Carnelutti, em seu trabalho intitulado “Balanço do Positivismo Jurídico”, fala-nos que o positivismo jurídico é a espécie jurídica do gênero positivismo, sendo, portanto, a projeção do positivismo, colocando-o como meio-termo entre dois extremos: o materialismo e o idealismo. Para o materialismo a realidade está na matéria, rejeitando toda abstração e assumindo uma posição antimetafisica. Para o idealismo a realidade está além da matéria. O positivismo mantém-se distante da polêmica. Ele simplesmente se desinteressa pela problemática, julgando-se irrelevante para os fins da ciência. O positivista, em sua indiferença, revela-se ametafisico. (NADER, 2004, p. 375). 24 Para essa corrente de pensamento o objeto da Ciência do Direito tem por missão estudar as normas que compõem a ordem jurídica vigente. A sua preocupação é o Direito existente. Nessa tarefa o investigador deverá utilizar apenas os juízos de constatação ou de realidade, não considerando os juízos de valor. (NADER, 2004, p. 376).

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negativos que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa. Por inclinação, ao questionar o Direito Positivo vigente, o homem busca, em seu próprio sentimento de justiça e de acordo com a sua visão sobre a ordem natural das coisas, encontrar a legitimidade das normas que lhe são impostas. O contrário, a atitude acrítica, seria a admissão de que não existe, para o legislador, qualquer limite ou condicionamento na tarefa de estruturar a ordem jurídica. (NADER, 2004, p. 365).

Para o positivismo jurídico escrito, a sociedade vive unicamente sob leis e

não pelos costumes e usos25. Norberto Bobbio, explica que o positivismo jurídico

poderia ser considerado sob três aspectos fundamentais, ou seja, quanto ao modo

de abordar o direito, quanto à teoria do direito e quanto à ideologia do direito.

Quando entendemos o direito como um fato e não como um valor, estamos

nos referindo ao modo de abordagem do direito, ou seja, para o juspositivismo o

termo direito é absolutamente avalorativo26.

Em relação à teoria do direito, Bobbio a engloba quanto à definição do

direito, realizada em face do elemento da coação; quanto às fontes do direito, onde

considera a legislação como fonte preeminente do direito; quanto à teoria da norma,

considerando a norma como um comando; quanto à teoria do ordenamento jurídico,

onde o positivismo considera o conjunto de normas jurídicas vigente em sociedade e

não apenas uma norma de maneira isolada, e quanto ao método da ciência jurídica,

que se resume ao problema da interpretação mecanicista, considerando o jurista

como uma espécie de robô.

25 Para Norberto Bobbio “quando identificamos o direito com as normas postas pelo Estado, não damos uma definição geral do direito, mas uma definição obtida de uma determinada situação histórica, aquela em que vivemos. Enquanto, de fato, num período primitivo, o Estado se limitava a nomear o juiz que dirimia as controvérsias entre os particulares, buscando a norma a aplicar ao caso sob exame tanto nos costumes quanto em critérios de equidade, e a seguir, adicionando a função judiciária àquela coativa, providenciando a execução das decisões do juiz, com a formação do Estado moderno é subtraída ao juiz a faculdade de obter as normas a aplicar na resolução das controvérsias por normas sociais e se lhe impõe a obrigação de aplicar apenas as normas postas pelo Estado, que se torna, assim, o único criador do direito”. (BOBBIO, 2006, p. 29). 26 [...] Na linguagem juspositivista o termo “direito” é então absolutamente avalorativo, isto é, privado de qualquer conotação valorativa ou ressonância emotiva: o direito é tal que prescinde do fato de ser bom ou mau, de ser um valor ou um desvalor. (BOBBIO, 2006, p. 131).

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E a ideologia do direito, se refere à teoria da experiência, ou seja, deve-se

cumprir a lei27.

Ensina Bobbio que:

Se desejarmos tentar precisar a característica fundamental das definições positivistas, veremos que esta é representada pelo fato de que as mesmas procuram estabelecer o que é o direito prescindindo de seu conteúdo, vale dizer, da matéria por este regulada; isto porque o conteúdo do direito é infinitamente variado. (BOBBIO, 2006, p. 145).

Bobbio, esclarece que o direito é uma técnica social que serve para influir na

conduta humana, podendo disciplinar todas as condutas humanas possíveis28,

concluindo que “este modo de definir o direito pode ser chamado de formalismo

jurídico; a concepção formal do direito define portanto o direito exclusivamente em

função da sua estrutura formal, prescindindo completamente do seu conteúdo...”

(BOBBIO, 2006, p. 145).

Para Norberto Bobbio, o positivismo nasce do esforço de transformar o

estudo do Direito numa verdadeira ciência, que tivesse as mesmas características

das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais.

E assim se manifesta ao autor a respeito:

Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízo de fato e juízo de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato. (BOBBIO, 2006, p. 135).

27 Sobre este ponto não se podem fazer generalizações fáceis. Contudo, há um conjunto de posições no âmbito do positivismo jurídico que encabeça a teoria da obediência absoluta da lei enquanto tal, teoria sintetizada no aforismo: Gesetz ist Gesetz (lei é lei). (BOBBIO, 2006, p. 133). 28 Com referência ao conteúdo das normas jurídicas, é possível fazer uma única afirmação: o direito pode disciplinar todas as condutas humanas possíveis, isto é, todos os comportamentos que não são nem necessários, nem impossíveis; e isto precisamente porque o direito é uma técnica social, que serve para influir na conduta humana. (BOBBIO, 2006, p. 145).

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Ou seja, o juízo de fato apenas informa a um outro minha constatação,

enquanto o juízo de valor assume uma posição em relação à constatação29.

Para Bobbio a ciência exclui do próprio âmbito os juízos de valor, porque ela

deseja ser um conhecimento puramente objetivo da realidade. (BOBBIO, 2006, p.

135).

Daí uma grande discussão que ainda hoje se perpetua no meio acadêmico,

em relação ao fato de ser ou não ser o direito uma verdadeira ciência, fato que

inclusive justifica o próprio positivismo jurídico, excluindo o juízo de valor do direito

para se alcançar um conhecimento puramente objetivo30.

2.2 A TEORIA PURA DO DIREITO.

A teoria pura do direito de Hans Kelsen, tem sido um divisor de águas para o

direito, reduzindo-o a um só elemento, qual seja, a norma jurídica.

Explica Paulo Nader que:

A Teoria Pura reduz a expressão do Direito a um só elemento: Norma jurídica. Separando o mundo do ser, pertinente às ciências naturais, da ordem do dever-ser, Kelsen situou o Direito nesta ultima. (NADER, 2004, p. 379).

Ou seja, para Kelsen, criador da teoria, a ordem jurídica formaria uma

pirâmide normativa hierarquizada com uma norma fundamental para legitimação do

sistema, tendo como único objeto para a ciência do Direito, a norma jurídica.

29 [...]o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, isto é, de fazer com que o outro realize uma escolha igual a minha e, eventualmente, siga certas prescrições minhas. (BOBBIO, 2006, p. 135). 30 Para Bobbio, “o direito é definido como uma simples técnica; como tal pode servir a realização de qualquer propósito ou valor, porém é em si independente de todo propósito e de todo valor”. (BOBBIO, 2006, p.139\142).

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O fundamento de validade de uma norma, para Kelsen, seria sempre uma

outra norma, seja constitucional ou internacional, desde que superior a anterior,

como premissa maior de dever-ser31.

A esse respeito se manifesta Kelsen da seguinte forma:

[...] O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser validade de outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior. Na verdade, parece que se poderia fundamentar a validade de uma norma com o fato de ela ser posta por qualquer autoridade, por um ser humano ou supra-humano... (KELSEN, 1999, p. 217).

Para que uma norma tenha seu fundamento de valida, ela deve advir de

uma autoridade que tenha competência para editar normas válidas.

Explica Kelsen que:

O fato de alguém ordenar seja o que for não é fundamento para considerar o respectivo comando como válido, quer dizer, para ver a respectiva norma como vinculante em relação aos seus destinatários. Apenas uma autoridade competente pode estabelecer normas válidas; e uma tal competência somente se pode apoiar sobre uma norma que confira poder fixar normas. A esta norma se encontram sujeitos tanto a autoridade dotada de poder legislativo como os indivíduos que devem obediência as normas por ela fixados. (KELSEN, 1999, p. 217).

No entanto, a fundamentação de uma norma, em outra superior, poderia

levar a um caminho infinito, sempre com a necessidade de uma norma superior

capaz de fundamentar a inferior32, assim a norma fundamental seria aquela a qual

pertencem todas as demais normas inferiores que dependam dela como fundamento

31 Para Kelsen a norma afirmada na premissa maior é o fundamento de validade da norma afirmada na conclusão. A proposição de ser que funciona como premissa menor é apenas conditio sine qua non relativamente à conclusão. Quer dizer: o fato da ordem do ser verificado (afirmado) na premissa menor não é fundamento de validade da norma afirmada na conclusão. (KELSEN, 1999, p. 216). 32 Entende Kelsen que a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a ultima e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental...(KELSEN, 1999, p. 217).

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de validade, criando uma ordem normativa, ou seja, “a norma fundamental que

constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o

fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”.

(KELSEN, 1999, p. 217).

Para Kelsen, segundo a natureza do fundamento, podemos ainda distinguir

dois tipos de diferentes ordens normativas, ou seja, um tipo estático e um dinâmico,

e a esse respeito, explica Kelsen que:

[...] as normas reguladoras da conduta humana ou a conduta humana regulada pelas normas, conforme o conhecimento é dirigido as normas jurídicas produzidas, a aplicar ou a observar por atos de conduta humana ou aos atos de produção, aplicação ou observância determinados por normas jurídicas, podemos distinguir uma teoria estática e uma teoria dinâmica do direito. A primeira tem por objetivo o Direito como um sistema de normas em vigor, o Direito no seu momento estático; a outra tem por objeto o processo jurídico em que o Direito é produzido e aplicado, o Direito no seu movimento. (KELSEN, 1999, p. 80).

Nas normas de um ordenamento de princípio estático “a conduta dos

indivíduos por elas determinada, é considerada como devida (devendo ser) por força

do seu conteúdo: porque a sua validade pode ser reconduzida a uma norma a cujo

conteúdo pode ser subsumido o conteúdo das normas que formam o ordenamento,

como o particular ao geral” (KELSEN, 1999, p. 218).

Portanto esta norma, pressuposta como norma fundamental, fornece não só

o fundamento de validade como o conteúdo de validade das normas dela deduzidas

através de uma operação lógica.

Já no caso do princípio dinâmico, temos uma norma que só pode se

fundamentar através de uma norma estabelecida por um ato de vontade.

Explica Kelsen que:

O tipo dinâmico é caracterizado pelo fato de a norma fundamental pressuposta não ter por conteúdo senão a instituição de um fato produtor de normas, a atribuição de poder a uma autoridade legisladora ou – o que significa o mesmo – uma regra que determina como devem ser criadas as normas gerais e individuais do ordenamento fundado sobre esta norma fundamental. (KELSEN, 1999, p. 219).

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E para melhor esclarecer, Kelsen cita o exemplo de um pai que ordena ao

filho que vá a escola, onde o mesmo questiona porque deveria ir à escola, com a

resposta do pai dizendo que seria devido a sua ordem, e se novamente questionado

a respeito justificaria na ordem de Deus de que os filhos devem obediência aos pais.

Para Kelsen, o princípio estático e o princípio dinâmico estariam reunidos em

uma mesma norma quando a norma fundamental pressuposta se limitasse, segundo

o princípio dinâmico, a conferir poderes a uma autoridade legisladora, e esta mesma

autoridade ou uma outra por ela instituída, não só estabelecesse normas pelas quais

delegasse noutras autoridades legisladoras, mas também normas pelas quais se

prescrevesse uma determinada conduta daqueles sujeitos subordinados as normas.

(KELSEN, 1999, p. 219/220).

Assim, para diferenciar sua teoria, Kelsen, a submeteu a uma dupla

depuração. A primeira procurou afastá-la de quaisquer influências sociológicas,

liberando-as da análise de fatores sociais que pudessem estar ligados ao direito.

A segunda purificação retiraria da análise da ciência jurídica a ideologia e os

aspectos axiológicos, ou seja, toda e qualquer investigação moral e política, ética,

religiosa e filofósica.

Ao depurar a Ciência do Direito dos elementos oriundos da Sociologia, Psicologia, Economia, Ética e outras ciências, a intenção de Kelsen não foi a de relegar a importância dos fatos sociais e dos valores jurídicos... [...] Para ele, os fatos e os valores seriam objetos da Sociologia Jurídica e da Filosofia do Direito, respectivamente. Seu intento maior foi o de criar uma teoria que impusesse o Direito como ciência...(NADER, 2004, p. 379).

Percebemos que Kelsen, ao construir sua metodologia jurídica fundada no

princípio da pureza metódica, estabelece ao lado da ciência do direito, uma teoria da

justiça e uma investigação sociológica do direito para que não fosse mais, a ciência

do direito, abordada como seção das mesmas.

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Desse rigoroso método científico, visando resguardar a autonomia, a

neutralidade e a objetividade da ciência do direito, é que Kelsen teve de manter sua

teoria alheia a aspectos axiológicos e sociais, visando unicamente em seu objeto à

norma jurídica, como bem explica Paulo Nader:

Kelsen adotou uma ideologia essencialmente positivista no setor jurídico, desprezando os juízos de valor, rejeitando a idéia do Direito Natural, combatendo a metafísica. A teoria que criou se refere exclusivamente ao Direito Positivo. É uma teoria nomológica, de vez que compreende o Direito como estrutura normativa. O Direito seria um grande esqueleto de normas, comportando qualquer conteúdo fático e axiológico. (NADER, 2004, p. 381).

Essa depuração da norma realizada por Kelsen, foi alvo de grandes críticas,

a época, fazendo emergirem outras teorias capazes de contradizê-la, como por

exemplo, a teoria tridimensional do direito, onde o jurista, ante o sistema de normas,

deveria sentir nele algo subjacente, ou seja, os fatos e valores, não podendo,

portanto, ao estudá-lo, abstrair os mesmos.

No entanto, Reale não deixa de reconhecer a superação de Kelsen de

concepções estreitas da jurisprudência anterior, depurando-a de resíduos

jusnaturalistas, apontando como primeira contribuição inestimável, o fato de

“determinar a natureza da norma jurídica” (REALE, 1999, p. 457).

Assim, percebemos a grande influência que Kelsen e sua teoria pura do

direito exerceram não só no século passado, mas que continua exercendo até os

dias atuais, iluminando os círculos acadêmicos de todo o mundo, divulgando seu

esforço em conceder-nos um rigoroso método científico para o estudo do direito.

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2.3 DISTINÇÃO ENTRE NORMA JURÍDICA E PROPOSIÇÃO

JURÍDICA.

As normas jurídicas são produzidas pelos órgãos jurídicos, normalmente

guiados por atos de conduta humana, que serão aplicadas e observadas igualmente

por atos de conduta humana, devendo, nos ensinamentos de Kelsen, ser as

proposições ou enunciados as quais a ciência jurídica descreve esta relação como

proposição jurídica ser distinguida da norma.

Proposições jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o sentido de uma ordem jurídica – nacional ou internacional – dada ao conhecimento jurídico, sob certas condições ou pressupostos fixados por esse ordenamento, devem intervir certas conseqüências pelo mesmo ordenamento determinadas. As normas jurídicas, por seu lado, não são juízos, isto é, enunciados sobre um objeto dado ao conhecimento. Elas são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos e, como tais, comandos imperativos. Mas não são apenas comandos, pois também, são permissões e atribuições de poder ou competência. Em todo o caso, não são – como, por vezes, identificando Direito com ciência jurídica, se afirma – instruções (ensinamentos). O Direito prescreve, permite, confere poder ou competência – não “ensina” nada. (KELSEN, 1999, p. 80/81).

Portanto, para Kelsen, os conceitos de norma jurídica e proposição jurídica,

embora intimamente relacionadas, não se confundem, ou seja, na medida em que

“as normas jurídicas são expressas em linguagem, isto é, em palavras e

proposições, podem elas aparecer sob a forma de enunciados do mesmo tipo

daqueles através dos quais se constatam fatos”. (KELSEN, 1999, p. 81).

Explica Kelsen que:

Do que se trata, porém, não é da forma verbal, mas do sentido do ato produtor de Direito, do ato que põe a norma. E o sentido deste ato é diferente da proposição jurídica que descreve o Direito. (KELSEN, 1999, p. 81).

Para Kelsen, aqui caberia uma distinção entre conhecimento jurídico e

autoridade jurídica.

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Na distinção entre proposição jurídica e norma jurídica ganha expressão à distinção que existe entre a função do conhecimento jurídico e a função, completamente distinta daquela, da autoridade jurídica, que é representada pelos órgãos da comunidade jurídica. (KELSEN, 1999, p. 81).

A ciência jurídica baseia-se em proposições normativas conhecendo e

descrevendo o Direito. Os órgãos jurídicos produzem Direito.

Kelsen, ao abordar a dicotomia entre norma jurídica x proposição jurídica,

acaba abordando esta última como juízo hipotético condicional, restando

concentrada na seguinte fórmula: (Se A é, B deve ser). A primeira parte do juízo

lógico (SE A É) recebe a denominação de condição, hipótese legal, hipótese de

incidência, suporte fático ou preceito. A segunda parte (B DEVE SER) é chamada

conseqüência jurídica. A hipótese legal consiste num fato ou conduta, comissivo ou

omissivo, livre, obrigado ou proibido, que tem como conseqüência sua validação ou

uma sanção.

A relação que se estabelece entre a hipótese legal e a conseqüência jurídica

não é uma relação de causalidade, típica das ciências da natureza, mas uma

relação de imputação, característica da ciência do direito.

Para Hans Kelsen, o juízo hipotético não conteria nenhum valor moral ou

ético. Estes estariam presentes na produção da norma jurídica pelo órgão político,

mas inexistentes na proposição jurídica, que se despe de qualquer valor axiológico a

fim de tornar-se objeto idôneo para a construção de uma verdadeira ciência jurídica,

e a respeito, nos permitimos a seguir a discussão e pesquisa a cerca da própria

ciência moderna visando elucidar um pouco mais o assunto.

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2.4 A CIÊNCIA ATUAL.

A importância da ciência e o lugar que ocupa na cultura moderna, é cada

vez mais elevado, como explica Mário Bunge, constituindo-se em objeto de

crescente atenção por parte dos pensadores. (BUNGE, 1984, p. 06).

Nos ensinamentos de Bunge “a ciência se caracteriza pelo conhecimento

racional, sistemático, exato, verificável e, por conseguinte, falível33”, na construção

do que chama de um “mundo artificial”, ou seja, o homem procura remodelar o

ambiente natural em que vive de forma artificial para adaptá-lo as suas próprias

necessidades animais e espirituais, assim como a seus sonhos, ou seja, “cria assim

o mundo dos artefatos e o mundo da cultura”. (BUNGE, 1984, p. 07).

Boaventura de Souza Santos (1989, p. 34) ensina que a ciência, para se

constituir, tem de romper com o senso comum, tem que construir um novo “universo

conceptual”, ou seja, deve construir todo “um corpo de novos objetos e de novas

relações entre objetos, todo um sistema de novos conceitos e de relações entre

conceitos”.

Ou seja, Santos explica que o senso comum é um conhecimento evidente

que pensa o que existe, da maneira como existe, com “a função de reconciliar a todo

custo à consciência comum consigo própria”, o que a torna um pensamento

conservador demais, devendo a ciência, para se constituir, “romper com referidas

evidências e realidades”. (SANTOS, 1989, p. 34).

A ciência é valiosa como instrumento para dominar a natureza e remodelar

a sociedade, sendo de grande utilidade na medida em que, segundo Bunge (1984,

33 Sem dúvida, a ciência se nos parece como a mais deslumbrante e assombrosa das estrelas da cultura quando a consideramos como um bem em si mesma, isto é, como um sistema de idéias estabelecidas provisoriamente (conhecimento científico), e como uma atividade produtora de novas idéias (investigação científica). (BUNGE, 1984, p. 07).

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p. 20), “se emprega na edificação de concepções do mundo que estejam de acordo

com os fatos, e na medida em que cria o hábito de adotar uma atitude de livre e

corajoso exame, em que as pessoas sejam acostumadas a pôr a prova suas

afirmações e a argumentar corretamente”.

Daí o entendimento de que o que caracteriza realmente o conhecimento

científico seria sua verificabilidade, ou a possibilidade de ser confirmado ou não.

Por isso Boaventura de Souza Santos, comentando a ciência moderna,

chamar a atenção ao fato do distanciamento e a estranheza do discurso científico

em relação ao senso comum, que tem gerado no próprio interior da comunidade

científica certa dificuldade em compreender o que se passa a sua volta, com a

necessidade de desmistificar a ciência, porque sua evolução depende de

questionamentos, inquietações que levam a busca de novos paradigmas, onde o

desenvolvimento profissional, em qualquer área do saber, exigirá sempre esse

movimento. A promoção do desenvolvimento intelectual exige, para todos os níveis

de ensino, o exercício do questionamento.

O método a ser utilizado também se constitui em fator importante para que

um setor do saber seja considerado científico, ou seja, não basta ser verdadeiro,

devemos saber, nas palavras de Bunge, (1984, p. 22) “como chegamos, a saber, ou

a presumir, que o enunciado em questão é verdadeiro”, ou seja, devemos ser

capazes de enumerar as operações, empíricas ou racionais, pelas quais é

verificável.

Portanto a veracidade e a possibilidade de se verificar a respeito de dado

conhecimento é imprescindível para podermos chamá-lo de ciência. No entanto

verificamos que as regras do método científico não são poucas e nem infalíveis,

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sequer simples, ao que não nos parece ser o método científico um conjunto de

receitas, motivo pelo qual não adentraremos a este mérito.

Explica Bunge que:

A investigação é uma empresa multilateral que requer o mais intenso exercício de cada uma das faculdades psíquicas, e que exige um concurso de circunstâncias sociais favoráveis; por este motivo, todo testemunho pessoal, pertencente a qualquer período, e por parcial que seja, pode trazer alguma luz sobre algum aspecto da investigação. (BUNGE, 1984, p. 32).

Assim, mais importante que o método científico utilizado para se adquirir

conhecimento, será a posição investigadora assumida para aumentar e renovar os

contatos com os fatos e as idéias, sem oferecer resultado definitivo.

Segundo o entendimento de Bunge, (1984, p. 36), o investigador não

encontra paz fora da investigação e da discussão, estando em “contínuo conflito

consigo mesmo”, pois a exigência de buscar conhecimento verificável “implica um

contínuo inventar, provar e criticar hipóteses”.

O pesquisador, dizem os dicionários, é aquele que pesquisa, que investiga,

que busca com diligência, que indaga, que devassa, ou seja, realiza a busca pelo

saber ou a procura apaixonada pela verdade.

Podemos dizer assim, seguindo os ensinamentos de Alan Chalmers (1995,

p. 32), que a ciência seria a área de conhecimento que se apóia não num método,

mas sim, na regra da repetitividade, a que chama de “regra científica fundamental”,

ou seja, “se em dadas condições, um determinado fenômeno, sempre que

pesquisado, se repetiu, é de se admitir que em futuras verificações o mesmo

suceda”.

Comentando a respeito do modo de proceder do cientista, Bunge (1984, p.

45), esclarece que ele inicia a investigação pelos fatos, depois o descreve, e mais

tarde fórmula hipóteses e constrói teorias para explicá-los, depois deduz delas

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conclusões particulares verificáveis, recorrendo eventualmente a novas observações

ou a novos cálculos, e confronta suas conclusões com referidos resultados, para

então, se entender necessário, corrigi-las.

Assim, notamos uma grande dificuldade na manifestação de algum

comentário a respeito de uma possível ciência do direito, pois não temos total

convicção, e nem elementos bastante pelo estudo realizado até aqui, para identificar

ou não o direito como ciência, ou seja, apenas realizamos o estudo da

epistemologia34 e não da comprovação do direito como ciência, que nos parece

missão árdua e complexa demais para figurar no presente trabalho, merecendo um

estudo particularizado e pormenorizado a respeito.

34 Nos referimos a teoria da ciência.

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3 RUPTURA DO NORMATIVISMO SEGUNDO A REFLEXÃO

TRIDIMENSIONAL.

A verificação de que nossa época assiste a uma profunda renovação nos estudos filosóficos jurídicos e, o que é bem mais significativo, a um crescente interesse por parte dos próprios juristas pela Filosofia do Direito, demonstra que o problema da razão de ser desta disciplina não pode ser apreciado in abstracto, mas em suas necessárias correlações com o complexo de fatores históricos e sociológicos dos quais decorre a nova atitude observada.

Miguel Reale

3.1 RUPTURA COM A NORMATIVIDADE JURÍDICA.

Para Miguel Reale, depois do surgimento do positivismo jurídico como

solução para todos os problemas do direito, ocorre o divórcio teórico entre filósofos e

juristas, que representou um atraso no estudo do direito.

A esse respeito leciona Reale que:

Não resta dúvida que, enquanto perdurou o primado da Filosofia positiva, como atitude geral englobante de várias orientações afins, como as de Comte, Spencer ou Stuart Mil, houve certa correlação ou correspondência entre as idéias dominantes e a atitude do jurista, o qual, na esfera particular de sua ciência, procurava obedecer aos critérios metodológicos vigentes nos demais ramos do conhecimento; mas não é menos certo que a atitude positivista, no seu afã de objetividade estrita, levava o jurista a exacerbar o culto dos textos legais, com progressiva perda de contacto com a realidade histórica e os valores ideais. (REALE, 1968, p. 15).

Para os positivistas o direito havia se transformado em uma verdadeira

ciência com a teoria pura, fato responsável pelo que se chamou de divórcio teórico

entre filósofos e juristas, sendo necessária sua ruptura para que o direito pudesse

novamente evoluir em sua pesquisa, mesmo porque, segundo Reale (1968, p.

17/18), “a infra-estrutura social e o sistema de normas vigentes levava, por

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conseguinte, o jurista a concentrar a sua atenção nos elementos conceituais ou

lógico-formais, não havendo razões para se distinguir entre Filosofia do Direito e

Teoria Geral do Direito”.

E a ruptura aconteceu, justamente, quando se percebeu que havia ainda

razões de conflito entre fatos e códigos, cessando “como por encanto o sono

dogmático dos técnicos do direito e as cogitações filosófico-juridicas” (REALE, 1968,

p. 17/18), reconquistando assim a autonomia perdida35.

A partir daí, como explica Reale, os efeitos positivistas, começaram a ser

novamente questionados, fatores que contribuíram para que o estudo do direito

retomasse seu rumo de pesquisa e evolução36.

Fato é que a interação filosófico-jurídico tem inspirado a ruptura da

normatividade jurídica trazida pelo positivismo, abrindo caminho para o estudo do

direito através do fato, do valor, vontade, dentre outros aspectos relevantes para o

estudo do direito e não aceitos pelo positivismo.

Explica Reale que:

Nem é demais observar que, paralelamente com o crescente interesse pelos estudos filosófico-jurídicos, o que se afirma cada vez mais é a exigência de uma Ciência Jurídica concreta, permanentemente ligada aos processos axiológicos e históricos, econômicos e sociais, o que se pode observar em múltiplas direções, sob variadas formas e expressões, amiúde empregadas pelos diversos autores, tais como “infra-estrutura econômica”, “experiência jurídica”, “realidade do direito”, “fato-normativo”, “ius vivens”, “direito como conduta”, “direito como ordenamento”, “direito como fato, valor e norma”, “sociedade do direito”, “Jurisprudência dos interesses”, “Jurisprudência dos valores”, etc. (REALE, 1968, p. 20/21).

35 Foi através dos debates sobre a teoria geral da interpretação que as inquietações filosófico-jurídicas penetraram nos redutos da Ciência Jurídica, fazendo com que viessem à tona, ou, por outras palavras, que se elevassem a plena consciência teorética os pressupostos que jaziam subtendidos na Jurisprudência conceitual. Ao mesmo tempo, a Filosofia do Direito embebia-se de problemática positiva, achegando-se mais concretamente as exigências práticas do direito. (REALE, 1968, p. 18). 36 É, pois, na essência e na vida mesma do direito positivo que, antes de mais nada, nos cabe penetrar, recolocando-o no meio do mundo social, do qual ele é um elemento integrante, para estudá-lo em função das forças intelectuais e morais da humanidade, que, somente elas, lhe podem dar real valor. (REALE, 1968, p. 19)

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Portanto, para Reale uma verdadeira ciência do direito deveria contar com

processos axiológicos, econômicos e sociais, não podendo ser considerada apenas

através do aspecto normativo como na teoria pura, devendo-se aceitar a filosofia do

direito no processo histórico-social na busca pela unidade dialética37.

3.2 GÊNESE DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DE REALE.

É possível demarcarmos o início da reflexão de Reale a respeito da Teoria

Tridimensional do direito a partir das bases construídas em sua obra “Fundamentos

do Direito”, mais especificamente na Introdução escrita por Theophilo Cavalcanti

Filho, onde vemos claramente que Reale vai fixando através da análise de outras

doutrinas, a existência de dados para a construção do tridimensionalismo.

Theophilo Cavalcanti Filho elucida que o Professor Reale, ao formar a teoria

do tridimensionalismo tem por “germe longínquo a maneira de encarar o problema

da cultura38, repudiando a conceituação que importava numa oposição radical entre

o mundo do ser e o mundo do dever ser39, entre a Natureza e a Cultura”. (REALE,

1991, p. XXVI).

37 Ora, se a Filosofia do Direito é, como penso, a própria Filosofia enquanto tem por objeto uma realidade de significado universal, como é o direito, forçoso é concluir que, ao procurar atingir as raízes do direito na realidade histórico-social, concebendo-o como “realidade cultural”, voltamos a reconquistar, paulatinamente, a correspondência que necessariamente deve existir entre a Filosofia, a Filosofia do Direito e a Ciência Jurídica: na procura dessa unidade dialética esta talvez uma das vocações de nossa época, sendo esse o campo de responsabilidade em que o destino do homem e do jurista se reencontram...(REALE, 1968, p. 22). 38 O culto da natureza e a admiração servil pelas ciências naturais não desvirtuam apenas o conceito de liberdade, diminuindo a personalidade humana. Foram além, porque produziram explicações da vida social nas quais o homem figura como simples reflexo, como joguete inconsciente de ações e reações exteriores. Percebe-o muito bem Icilio Vanni quando nota a confusão efetuada entre a lei ética e a lei natural, entre o conceito da lei como expressão do modo regular e constante segundo o qual se verifica os fenômenos e se verificam as relações das coisas, e o conceito de norma de conduta, de lei em sentido de dever ser. (REALE, 1934, p. 19/20). 39 A nossa concepção culturalista do Direito pressupõe, entretanto, o abandono da antítese entre ser e dever ser, o que não era possível alcançar no campo do idealismo. (REALE, 1991, p. XXVI).

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Ensina Reale que:

O nosso culturalismo desenvolve-se no plano realista e assenta-se sobre a consideração de que atribuem força normativa aos fatos. Assim sendo, o Direito é uma ordem de fatos integrada em sua ordem de valores, sendo objeto de estudo ao mesmo tempo da Jurisprudência e da Sociologia Jurídica. (REALE, 1991, p. XXVI).

E é nesse momento que parece ter início a primeira fase do pensamento de

Reale, numa convicção de que a realidade humana não poderia ser compreendida e

muito menos explicada com base nos princípios naturalistas e positivistas.

Incorpora Reale, a possibilidade de estabelecer uma compreensão do Direito

que enlaça os fatos e os valores40.

Para Reale seria inconcebível extrair do puro fato o valor e converter o ser

em dever ser, mesmo porque para ele ninguém pode contestar o mérito das teorias

anteriores quanto a sua preocupação de dar um fundamento objetivo, experimental,

aos estudos jurídicos, não sendo possível negar o “direito de excluir toda a

especulação ideal sobre a Justiça e os valores éticos, a pretensão de transformar

fatos em valores e a falta de uma distinção clara entre o objeto da Ciência do Direito

e o da Sociologia Jurídica” (REALE, 1998, p. 79/80).

Ensina Reale que:

O Direito, objeto da ciência jurídica ou Jurisprudência, é sempre de natureza normativista, o que não quer dizer que a norma não precise corresponder a uma realidade concreta. (REALE, 1998, p. 79/80).

Portanto, fica claro cada vez mais, na obra de Reale, a segurança de que o

Direito não poderia ser reduzido a aspectos puramente axiológicos, ou

exclusivamente sociológicos, ou ainda puramente técnico-jurídicos, e que, diante do

40 Para Reale, “o homem não pode se furtar ao reconhecimento, direto ou indireto, de que, acima dos fatos, há um mundo de valores espirituais. Os que mais querem ficar adstritos a materialidade do empírico acabam sempre dobrando-se a necessidade de pelo menos idealizar os fatos, transformando em juízo de valor o que não podia ser, logicamente, mais do que juízo de realidade”. (REALE, 1998: 79/80).

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fato das escolas positivistas não lograrem, a semelhança daquelas a que se

contrapunha alcançar a solução para o problema básico da validade do Direito, pois

a solução do problema dependeria de uma alteração na própria maneira de colocar

os dados iniciais.

Explica Reale que:

Seria errôneo, porém olvidar o resultado das pesquisas realizadas pela corrente positivista, esquecer que ela fez descer o Direito do céu para a terra, deixando claro que não se deve estudá-lo sem uma permanente tomada de contato com a realidade social, e sem os subsídios da Psicologia, da Sociologia e da História. (REALE, 1998, p. 79/80).

Para Reale, confundir o Direito com a norma seria o mesmo que reduzir a

realidade a apenas um dos seus aspectos, e também desconhecer os ensinamentos

da experiência histórica, recente ou anterior.

O estudo do normativismo jurídico sem a devida atenção da realidade social

acaba impossibilitando sua compreensão, restando praticamente impossível se

conceber a ordem jurídica sem a ordem social, ou seja, a norma sem os fatos que a

inspiram.

Frente a essas constatações é que Reale inicia a construção das diretrizes

de que se utilizaria para a elaboração de sua teoria tridimensional do direito,

demonstrando que uma concepção capaz de propiciar uma visão real e objetiva

precisa superar as visões parciais para alcançar as próprias estruturas da realidade

jurídica, ensinando que as visões unilaterais não conseguem fixar senão aspectos

particulares.

Reale seguindo na consolidação da teoria tridimensional do direito, explica

que:

O que faltava para se constituir definitivamente uma teoria, ou seja, um sistema de idéias mestras de valor teórico e prático era a compreensão dialética de fato, valor e norma como elementos ou fatores complementares, bem como o entendimento

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do valor como um ‘ens a se’, e não como espécie de entes ou “objetos ideais”, conforme tese então dominante... (REALE, 1998, p. X).

E na seqüência do mesmo prefácio de 1998, Reale nomeia o momento e

obras que servem de referência para se entender o estágio superior de

desenvolvimento de suas idéias e da sua teoria tridimensional, explicando que “a

terceira fase no desenvolvimento da teoria tridimensional começara em 1968 com os

livros O direito como Experiência e Teoria Tridimensional do Direito, estabelecendo

uma relação essencial entre fontes e modelos do direito”. (Reale, 1998, p. X).

Reale indica então os saltos que caracterizam a sua compreensão de

dialética como dialética de complementariedade, basilares a formação definitiva de

sua teoria, expondo que:

Verifica-se, a luz do exposto, que as modificações introduzidas na teoria tridimensional do direito, tal como fora configurada na 1ª edição do presente livro (Fundamentos do direito), resultam de novas colocações de ordem geral, no tocante ao conceito do valor como objeto do ‘dever ser’ (sollen) e não do ‘ser’ (sein) e, quase que concomitantemente, a adoção da dialética de complementaridade como a mais adequada a explicar a correlação integrante existente entre fato, valor e norma. Daí a conseqüente visão do Direito como experiência, em função e em razão de suas fontes e modelos. (REALE, 1998, p. X).

Assim, para Reale, essa seria a trajetória de elaboração da teoria

tridimensional, contemplando o direito como uma ciência que pode ser considerada

em termos de uma realidade cultural e social, tendo a norma como resultado da

tensão entre valor e fato, e não apenas como um esquema puramente lógico, como

pretende a teoria pura.

Ou seja, para o devido entendimento da norma jurídica, deve-se estudá-la

numa relação de unidade e de integração entre fato e valores.

Bem por isso, a posição de Reale exigir do jurista que, ao se deparar com a

norma jurídica, saber que não há como abstrair do seu estudo aqueles fatos e

valores que determinaram a sua própria gênese, pena de se aplicar uma visão

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reducionista do direito, que o descaracterizaria enquanto verdadeira ciência

normativa41.

Portanto, a teoria tridimensional do direito do Professor Miguel Reale é

construída por momentos destacados de amadurecimento em suas obras, que

acabam levando-o a elaboração da tridimensionalidade do direito.

3.3 TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO.

A Teoria Tridimensional do Direito é aquela teoria jurídica que, por definição

coloca na base do fenômeno jurídico três elementos: o fato, o valor e a norma.

Para Paulo Nader, o Professor Miguel Reale foi quem melhor desenvolveu a

Teoria Tridimensional42, explicando que:

O fenômeno jurídico, qualquer que seja a sua forma de expressão, requer a participação dialética do fato, valor e norma. A originalidade do professor brasileiro está na maneira como descreve o relacionamento entre os três componentes. Enquanto que para as demais fórmulas tridimensionalistas, denominadas por Reale genéricas ou abstratas, os três elementos se vinculam como uma adição, quase sempre com prevalência de algum deles, em sua concepção, chamada específica ou concreta, a realidade fático-axiológica-normativa se apresenta como uma unidade, havendo nos três fatores uma implicação dinâmica. Cada qual se refere aos demais e por isso só alcança sentido no conjunto. As notas dominantes do fato, valor e norma estão, respectivamente, na eficácia, fundamento e vigência. (NADER, 2004, p. 383).

41 Antonio Braz Teixeira, Miguel Reale e o Diálogo Filosófico Luso-Brasileiro, In Celso Lafer e Tércio Sampaio Ferraz Júnior (orgs.), Direito, Política e Poesia, Estudos em Homenagem ao Professor Miguel Reale no seu Octogésimo Aniversário, Editora Saraiva, São Paulo, 1992, pág. 256. 42 Uma concepção integral do fenômeno jurídico encontramos formulada na Teoria Tridimensional do Direito, especialmente na chamada fórmula Reale. Apesar de o tridimensionalismo estar implícito na obra de vários autores, como a de Emil Lask, Gustav Radbruch, Roscoe Pound e em todas as concepções culturalistas do Direito, é justamente com Miguel Reale que encontra sua formulação ideal e que o credencia como rigorosa teoria. (NADER, 2004, p. 383).

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Portanto, para Reale, fato, valor e norma não existem separados uns dos

outros, se exigindo reciprocamente, de forma que o direito resulte da interação e

dialética dos três elementos.

Reale, para elucidação de sua teoria faz referência ao chamado

tridimensionalismo genérico ou abstrato como maneira não aceita por sua teoria

tridimensional.

Explica que não podemos aceitar a teoria do tridimensionalismo genérico ou

abstrato por ser um tipo de “Enciclopédia do saber científico”, entendendo que “uma

visão integral do direito só é obtida mediante a consideração dos três aspectos”, fato

valor e norma, onde entendem alguns “ser tarefa do jusfilósofo realizar uma síntese

final das análises feitas separadamente pelos especialistas que estudam o Direito

como fato (sociólogos, etnólogos, psicólogos e historiadores do Direito); como valor

(axiólogos e politicólogos do Direito); ou como norma (juristas e lógicos do Direito)”.

(REALE, 1999, p. 512).

Assinala ainda a respeito Miguel Reale, que o tridimensionalismo genérico

ou abstrato, noticia “um momento ulterior no desenvolvimento dos estudos pelo

superamento das análises em separado do fato, do valor e da norma, como se se

tratasse de gomos ou fatias de uma realidade decomponível; pelo reconhecimento,

em suma, de que é logicamente inadmissível qualquer pesquisa sobre o Direito que

não implique a consideração concomitante daqueles três fatores”. (REALE, 1999, p.

513).

Assim, de fácil verificação que para Reale o direito não é só norma legal,

pois ela pressupõe a vida social concreta e as aspirações axiológicas, valorativas

que determinam exigências para a elaboração de normas e para sua aplicação,

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onde o valor, por ser elemento constitutivo da experiência é a razão fundamental da

ação para sua legitimidade.

Ensina Reale que:

O valor realiza-se, desse modo, como uma sucessão de elementos normativos, cada um dos quais traduz as valorações humanas concretizadas através do tempo, sem que nem mesmo a totalidade de tais momentos normativos logre exaurir a potencialidade inerente ao mundo dos valores. (REALE, 1999, p. 543).

Justificando seu pensamento Reale explica que uma concepção

tridimensional genérica ou abstrata, parece ser insustentável, pois, “vacilante entre

uma justaposição extrínseca de perspectivas e uma confessada antinomia ou

aporia43 entre os três pontos de vista possíveis suscitados pela experiência do

direito44”.

Reale explicando as teorias ensina que:

Tal concepção cessa de apreciar fato, valor e norma como elementos separáveis da experiência jurídica e passa a concebê-los ou como perspectivas (Sauer e Hall) ou como fatores e momentos (Recaséns) inilimináveis do direito: é o que denomino “tridimensionalidade específica”, sendo que a de Sauer apresenta mais caráter estático ou descritivo; a segunda se reveste de acentuado cunho sociológico, enquanto que a minha teoria procura correlacionar dialeticamente os três elementos em uma unidade integrante...(REALE, 1968, p. 64).

Portanto, Reale referenda a unidade e concretude na teoria tridimensional,

que deverá ser realizada de forma dialética, dando ao direito uma natureza triádica,

sem aceitar a analise isolada de nenhum dos elementos45.

E neste ínterim, parece Reale se voltar, dentre outros, à teoria pura do

direito, que isola um dos elementos da teoria tridimensional, qual seja, a norma

43 Referente a uma dificuldade de ordem racional, que traz dúvidas. 44 Miguel Reale, Teoria Tridimensional do Direito, pág. 63. 45 Em verdade, assente que seja a natureza essencialmente triádica do direito de sorte que a nenhum especialista possa ser dado isolar, de maneira absoluta, um dos fatores para torná-lo objeto de qualquer pesquisa de ordem filosófica, sociológica ou jurídica...(REALE, 1968, p. 70).

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jurídica, estudando-a como natureza essencial, para justificar o direito como

ciência46.

Reale ensina que:

O direito é por certo, um só para todos os que o estudam, havendo necessidade de que os diversos especialistas se mantenham em permanente contato, suprindo e completando as respectivas indagações, mas isto, não quer dizer que, em sentido próprio, se possa falar numa única Ciência do Direito, a não ser dando ao termo “ciência” a conotação genérica de “conhecimento” ou “saber” suscetível de desdobrar-se em múltiplas “formas de saber”, em função dos vários “objetos” de cognição que a experiência do direito logicamente possibilita. (REALE, 1968, p. 72).

Para Reale a unidade do direito “é uma unidade de processus,

essencialmente dialética e histórica”, (REALE, 1968, p. 72), e não apenas uma

distinta aglutinação de fatores na conduta humana, como se esta pudesse ser

conduta jurídica abstraída do fato, valor e norma, “que são o que a torna pensável

como conduta jurídica” (REALE, 1968, p. 72), ou seja, a conduta representa a

implicação dos três fatores e com eles se confundem.

Portanto, apenas temos a conduta jurídica quando a experiência social vai

de encontro à mesma, ou nos ensinamentos de Reale, “enquanto se revela fático-

axiológico-normativamente, distinguindo-se das demais espécies de conduta ética

por ser o momento bilateral-atributivo da experiência social”. (REALE, 1968, p. 73).

Assim, explica Reale que:

A correlação entre aqueles três elementos é de natureza funcional e dialética, dada a “implicação-polaridade” existente entre fato e valor, de cuja tensão resulta o momento normativo, como solução superadora e integrante nos limites circunstanciais de lugar e de tempo (concreção histórica do processo jurídico, numa dialética de implicação e complementariedade). (REALE, 1968, p. 73/74).

Para Reale, o direito é uma disciplina que sofre modificações no tempo e no

espaço, não se encontrando o homem de forma estática, possibilitando um vasto

46 Não obstante o imenso cenário em que se desdobra e se desenvolve a experiência jurídica, não tem faltado à tentação de apresentá-lo sob forma unitária e englobante, subordinando-o aos quadros de uma única ciência. (REALE, 1968, p. 71).

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referencial de valores e princípios, que frente a uma dada realidade cultural se cerca

de inúmeras opções e soluções normativas, jamais de caráter definitivo.

3.4 DIALÉTICA DA COMPLEMENTARIEDADE.

Visando melhor explicar a teoria tridimensional, Reale busca explicar em

Kant47, o início da teoria tridimensional e a justificativa para elaboração de sua teoria

posteriormente.

Relata Reale que:

[...] o tridimensionalismo, na sua expressão inicial, ficou como que em estado latente, sendo cada um dos fatores considerado de maneira abstrata e estática, em virtude dos quadros formais da Filosofia da cultura de tipo neokantiano... (REALE, 1968, p. 87).

Explica também a grande influência sofrida com o culturalismo para

elaboração de sua teoria tridimensional do direito, onde percebeu a falta de relação

entre sujeito e objeto de forma complementar48, ou seja, para Reale, apesar da

grande contribuição do culturalismo para a elaboração da teoria tridimensional,

referida filosofia pecava em relação a fatores importantes, por ser abstrata e

estática, não aceitando a redução efetuada do sujeito ao objeto, por entender “existir

47 Miguel Reale explica que “apesar de sua deficiência, representou um grande passo a idéia dos neokantianos de interpor, entre realidade e valor um elemento de conexão: a cultura, significando o complexo das realidades valiosas, ou, como esclarece Radbruch, “referidas a valores”. Isto equivale a dizer que todo bem de cultura (e o direito é um deles) é tridimensional em razão de seu simples enunciado, uma vez que pressupõe sempre um suporte natural ou real e, no meu modo de ver, também ideal, suporte esse que adquire significado e forma próprios em virtude do valor a que se refere”. (REALE, 1968, p. 86/87). 48 Desde o primeiro contato com a Filosofia dos valores, convenci-me da improcedência da doutrina da cultura como elemento intercalar, inserido entre a natureza e o valor, parecendo-me o resultado de um processo cognoscitivo abstrato, que não correlaciona devidamente sujeito e objeto como termos que se exigem reciprocamente numa relação de complementariedade, além de não superar outro abismo, o posto entre ser e dever ser na vertente ética da ação. (REALE, 1968, p. 87).

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no plano do conhecimento uma relação transcendental subjetivo-objetiva”, sempre

com algo a “atualizar-se no tocante a subjetividade” (REALE, 1968, p. 88).

Ensina Reale que:

Dessa colocação do problema resulta o caráter dialético do conhecimento, que é sempre de natureza relacional, aberto sempre a novas possibilidades de síntese, sem que esta jamais se conclua, em virtude da essencial irredutibilidade dos dois termos relacionados ou relacionáveis. É a esse tipo de dialética que denomino “dialética de implicação-polaridade” ou de “complementariedade”... (REALE, 1968, p. 88).

Portanto, para Reale a correlação de implicação não poderia se resolver

apenas pela redução de um aspecto em outro, ou seja, na unidade concreta de uma

relação instituída, seus aspectos mantém-se distintos e irredutíveis, resultando sua

dialeticidade, que, para Reale implicam em “sínteses relacionais progressivas”.

(Reale, 1968, p. 89).

Ensina Reale que:

Se o ato mesmo em que algo é conhecido já não põe o valor daquilo que se conhece e do cognoscível, vê-se que o valor é elemento de mediação também no plano gnoseológico, possibilitando a relação entre sujeito e objeto, na medida em que este se torna objeto em função de intencionalidade da consciência e nesta surge como objeto valioso. (REALE, 1968, p. 89).

Para Reale, a relação sujeito-objeto, possibilitaria uma “síntese empírico-

positiva”, ao que chama de “implicação-polaridade”, governando o processo

espiritual, ou seja, “há uma correlação permanente e progressiva entre dois ou mais

termos, os quais não podem compreender separados uns dos outros, sendo, ao

mesmo tempo, irredutíveis uns aos outros; tais elementos distintos ou opostos da

relação, por outro lado, só tem plenitude de significado na unidade concreta da

relação que constituem, enquanto se correlacionam e dessa unidade participam”.

(REALE, 1968, p. 90).

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De se ver, que, para Reale, a experiência jurídica se resolve num processo

fato-valor culminante na norma de forma integrante em certo momento histórico com

a formação dos modelos jurídicos, o que faz Reale considerar a experiência jurídica

uma “experiência tridimensional de caráter normativo bilateral atributivo” (REALE,

1968, p. 91).

A respeito, explica Reale que:

É a essa luz que considero a experiência jurídica uma “experiência tridimensional de caráter normativo bilateral atributivo”, com os termos fato, valor e norma indicando os fatores ou momentos de uma realidade em si mesma dialética, como é o mundo do direito. (REALE, 1968, p. 91).

No entanto, com esse entendimento Reale acabou sofrendo muitas criticas a

época, sendo forçado a responder aos seus críticos, explicando que:

É claro que se digo que o direito é realidade ou fato histórico-cultural, é porque não destaco a experiência jurídica da experiência social, da qual é uma das formas ou expressões fundamentais, distinguindo-se pela nota específica de “bilateralidade atributiva” que lhe é própria, isto é, por implicar, em cada uma das relações que a constituem, sempre um nexo de validade objetiva que correlaciona entre si duas ou mais pessoas, conferindo-lhes e assegurando-lhes pretensões ou competências que podem ser de reciprocidade contratual, ou de tipo institucional, sob forma de coordenação, subordinação ou integração. (REALE, 1968, p. 91/92).

Para Reale o direito é uma realidade social com sua fonte constitutiva na

conduta humana, que irá influir no desenvolvimento do processo jurídico. Portanto,

fato, nesta acepção particular, para Reale, “é tudo aquilo que na vida do direito

corresponde ao já dado no meio social e que valorativamente se integra na unidade

ordenadora da norma jurídica, resultando da dialeticidade desses três fatores o

direito como fato histórico-cultural”. (REALE, 1968, p. 91).

Reale resume o emprego do termo tridimensional em sua teoria, da seguinte

forma:

Em suma, o termo “tridimensional” só pode ser compreendido rigorosamente como traduzindo um processo dialético, no qual o elemento normativo integra em si e supera a correlação fático-axiológica, podendo a norma, por sua vez, converter-se em fato, em um ulterior momento do processo, mas somente com referência e em

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função de uma nova integração normativa determinada por novas exigências axiológicas e novas intercorrências fáticas. Desse modo, quer se considere a experiência jurídica, estaticamente, na sua estrutura, quer em sua funcionalidade, ou projeção histórica, verifica-se que ela só pode ser compreendida em termos de normativismo concreto, consubstanciando-se nas regras de direito toda a gama de valores, interesses e motivos de que se compõe a vida humana, e que o interprete deve procurar captar, não apenas segundo as significações particulares emergentes da práxis social, mas também na unidade sistemática e objetiva do ordenamento vigente. (REALE, 1968, p. 94).

E referido pensamento realmente traduz a idéia central apresentado por

Miguel Reale em sua teoria tridimensional do direito de que o fato surgido em

sociedade, devidamente valorado faz surgir uma norma, que dará origem a um novo

fato, que será novamente valorado em sociedade que gerará uma nova norma, de

maneira dialética, a que Miguel Reale chama de dialética da complementariedade,

porque o fato, o valor e a norma deverão ser analisados como uma unidade, daí a

relação fático-axiológica que origina a norma jurídica para esta teoria.

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4 A ORIGEM DA NORMA SEGUNDO O TRIDIMENSIONALISMO.

[...] a regra jurídica, em verdade, representa o momento conclusivo de um processo espiritual de natureza dialética, no qual o fato passa pelo crivo ou pelo critério das estimativas do Poder e se consubstancia nos esquemas de fins que devem ser atingidos.

Miguel Reale

4.1 NOMOGÊNESE JURÍDICA.

Para Reale, nomogênese jurídica é a análise de como a regra de direito

surge e se constitui, visando com seu estudo esclarecimentos relacionados à sua

interpretação e aplicação.

A nomogênese jurídica, ou a origem do direito, tem se demonstrado uma das

fases essenciais da experiência jurídica, restando mais desenvolvida sua pesquisa

através de uma colaboração com outros ramos especializados.

Explica Reale que:

Já fiz breve alusão a nomogênese jurídica como a uma das fases essenciais da experiência jurídica, e o assunto é de tal magnitude que está a exigir a cooperação de todos os especialistas do direito, nos diversos domínios de sua pesquisa, mesmo porque foi somente após o desenvolvimento da Sociologia Jurídica e dos renovados estudos de Política do Direito que o trato da matéria assumiu contornos mais precisos. É claro que o problema da origem do direito sempre preocupou aos cultores do direito, como o revelam as contribuições da Escola Histórica, acentuando a força do elemento consuetudinário numa trama de violações anônimas, destinadas ao reconhecimento final do legislador, ou as obras dos autores que não perderam de vista as diversas doutrinas que procuraram compreender a gênese do direito em termos de luta de classes, de composição de interesses econômicos, de influências geográficas, demográficas, raciais, etc. (REALE, 1994, p. 192).

Para Reale, a gênese do direito se encontra diretamente relacionada com a

conduta humana durante os anos, que acaba por definir a vontade do processo

nomogenético. Daí se dizer que a contribuição de outros especialistas do direito tem

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relevante papel para a pesquisa, que se desenvolve juntamente com outros ramos,

tal como a Sociologia Jurídica, Filosofia Jurídica, etc.

Reconhece-se, em suma, quão absurdo seria querer circunscrever, a priori, a um limitado número de fatores determinantes a complexa e mutável gama de motivos geradores de uma norma de direito, assim como não se tem receio de admitir que, ao lado de fatores racionais, operam forças de tipo irracional, pela carga de afetividade ou de passionalidade que pode chegar a contaminá-la, desviando-a de sua função essencial de estruturação prudente e harmônica de valores e interesses. (REALE, 1994, p. 192).

Para o Professor Miguel Reale uma norma de direito não deve ficar adstrita

somente à conduta, devendo estruturar-se harmonicamente entre valores e

interesses.

Portanto, além dos chamados fatores axiológicos que influenciam na criação

de uma nova norma, ou a alteração de uma já existente, devemos ainda considerar

um complexo de exigências fáticas que podem ocorrer na feitura da norma.

Ensina Reale que:

Toda norma jurídica corresponde ao momento culminante de uma multiplicidade às vezes considerável de fatores, os quais podem ser conglobados, de modo geral, em duas categorias, ou “dimensões”, a de ordem axiológica e a de ordem fática. Podemos distinguir, em primeiro lugar, um “complexo de exigências axiológicas”, que dá lugar a uma nova norma, alterando ou substituindo as normas já existentes; tal “complexo de exigências axiológicas” não opera in abstracto, é óbvio, mas condicionado por um “complexo de circunstâncias fáticas”: é dessa correlação fático-axiológica que se origina a norma ou um “complexo-de-normas”. (REALE, 1994, p. 193).

Reale, em sua obra “O Direito como Experiência”, idealiza e estrutura o

processo de nomogênese jurídica tomando o direito como experiência, onde as

exigências axiológicas incidem sobre os fatos sociais, econômicos, técnicos,

jurídicos já vigentes, etc; e são refratados para um leque de soluções ou proposições

normativas, onde uma será convertida na nova ordem jurídica mediante a

interferência decisória do Poder.

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No entanto, impossível se delimitar certo número de fatores determinantes a

complexa e mutável gama de motivos geradores de uma norma de direito, pois toda

norma traz uma multiplicidade de fatores e valores que a contaminam, ou seja, num

primeiro momento surge um complexo de exigências axiológicas, que dá lugar a

uma nova norma, alterando ou substituindo as normas já existentes, no entanto, tal

complexo de exigências axiológicas não atua no abstrato, mas condicionado por um

complexo de circunstancias fáticas, formando uma relação fático-axiológica que se

origina a norma ou um complexo de normas.

Reale explica que:

As exigências axiológicas, como já acentuei, podem ser as mais diversas, distribuindo-se através de uma escala de tendências de ordem espiritual, moral, intelectual, econômica, etc. Além do mais, através da história, e em função do meio social em que o direito é vivido, as condições fáticas igualmente variam com maior ou menor intensidade e extensão. Entre fato (ou “complexo de situações fáticas’) e valor (ou “complexo de exigências axiológicas”) existe uma permanente tensão. Às vezes, chega a haver aberto contraste, o que tudo se torna sobremaneira perturbador quando se pensa que os mesmos valores podem dar lugar a reações psicológicas ou a “experiências estimativas” contrastadas ou opostas. (REALE, 1994, p. 193).

Muitas são as influências da sociedade e na sociedade quando da feitura de

uma nova lei, ou da alteração de uma norma já em vigência, até mesmo seus efeitos

quando em vigor, portanto, até mesmo convicções doutrinárias e pressupostos

ideológicos em matéria política e econômica, poderão estabelecer a estrutura de

uma norma.

É claro que, diante de um contraste ou conflito entre valores e fatos, ou mesmo diante de um conflito entre múltiplas atitudes estimativas possíveis com relação a um único valor, que esteja historicamente incidindo em dado meio social, nem todas as vias podem preponderar juridicamente. (REALE, 1994, p. 193).

O próprio interesse pessoal do legislador (deputados e senadores) poderá

influenciar na abrangência da lei, ou mesmo um fator de grande relevância social,

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que cobrado em excesso pela sociedade como exemplo aos infratores, tendem a

dirigir a elaboração da norma jurídica.

Esclarecer as grandes leis de tendências sociais que porventura presidam ao processo fático-axiológico da nomogênese jurídica e de seu desenvolvimento como componente do mundo cultural, constitui tarefa a ser cuidada notadamente pela Sociologia Jurídica, com base na observação direta dos fatos sociais, com os subsídios da Psicologia social, da Política do Direito, da História do Direito, etc. (REALE, 1994, p. 195).

Bem por isso, Reale explica que a nomogênese jurídica constitui tarefa

cuidada pela Sociologia Jurídica apoiada em outros ramos afins, pois basicamente, a

sociedade determina o surgimento ou a alteração de uma norma jurídica.

Reale analisa também a questão da nomogênese jurídica sob a ótica da

Filosofia do Direito, discriminando algumas teses que considera fundamental na

análise do Poder na compreensão da origem da norma jurídica e seu

desenvolvimento.

Na primeira, Reale ensina que:

A nomogênse jurídica pode ser compreendida como momento de um processo total, o qual, englobando objetivamente cada experiência normativa particular, dar-lhe-ia sentido concreto (concepção do tipo hegeliano, que pressupõe a objetividade de uma idéia, cujo desenvolvimento dialético daria nascimento as experiências particulares, válidas tão somente porque e enquanto inseridas no processo histórico total). (REALE, 1994, p. 196).

E aqui cabe ressaltar a função do Poder em geral na nomogênese jurídica

onde a idéia de totalidade de Hegel se refere ao processo histórico total, pois a

experiência normativa demonstra que a nomogênese jurídica fragmentada não

possibilita um sentido concreto, ou seja, o papel do Poder quando da colocação da

norma de direito para fazer viger.

Na segunda tese desenvolvida Reale explica que:

A tese oposta de cunho relativista, e até mesmo cético, da nomogênese jurídica como simples resultado de variáveis decisões do Poder, ou então como expressão de fatores sociais diversos no espaço e no tempo, insuscetíveis de compreensão unitária: cada experiência normativa constituiria um mundo a se, distinto ou

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desligado dos demais, só podendo ser estudado em função de suas peculiares circunstâncias. (REALE, 1994, p. 196). A referência nesta tese se relaciona ao Poder no momento de interpretação

e aplicação da norma jurídica no estudo da nomogênese jurídica como peculiares

circunstâncias, limitando-se como simples resultado de variáveis decisões de Poder,

mesmo porque, o Poder detém sim grande influência na nomogênese jurídica, mas

não o determina.

E na terceira tese, Reale explica que:

A tese que não reduz a nomogênese jurídica a atualização de um valor prévio e absoluto, visto reconhecer a especificidade de cada momento normativo, mas também não erradica a este do processo total da experiência do direito: o aparecimento de uma norma de direito, como momento de uma experiência estimativa, participa da “solidariedade ínsita” ao mundo dos “valores”; e, por ser uma experiência humana, prende-se sempre ao foco irradiante de todos os valores, que é “o próprio homem visto como valor”. (REALE, 1994, p. 196).

Nesta tese, apreciamos a questão da justiça das decisões, consideradas

separadamente e direcionadas a um fim específico. Para Miguel Reale as três

teorias acima são distintas e correspondem a múltiplas colocações subordinadas ou

derivadas, “refletem-se, de maneira permanente e decisiva, em toda a problemática

jurídica, por mais que se queira delas abstrair...” (REALE, 1994, p. 196).

Para Miguel Reale, as três estruturas teóricas estudadas acima,

condicionam três posições fundamentais, qual seja:

a) quanto ao modo de se conceber o papel ou função do Poder em geral na nomogênese jurídica, ou seja, no ato de ser posta in esse a norma de direito; b) quanto ao Poder, considerado já no momento da interpretação e aplicação da norma vigente; c) e, finalmente, com referência a questão nuclear da justiça de cada decisão singular considerada. (REALE, 1994, p. 196).

E complementa mais à frente explicando que:

Em que pese à crítica que algumas vezes se move as soluções intermediárias, mesmo, quando significam o superamento de tese supostamente contraditórias, - como se toda atitude de centro representasse um estado de vacilação espiritual! – penso que, no concernente ao papel do Poder na gênese das regras de direito,

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revelam-se abstratas e falhas as duas teorias contrapostas... [...] Posta à questão na concretitude da experiência histórico-cultural, verifica-se que não surge norma jurídica sem ato decisório, mas também inexiste ato decisório absoluto, não condicionado, em maior ou menor grau, por um quadro de possibilidades normativas. Se será exagero afirmar-se que o Poder não passa de momento subordinado ao processo de objetivação normativa, não resta dúvida que não há Poder que não seja de certo modo condicionado pelo “plexo fático-axiológico” de cada campo de relações sociais. (REALE, 1994, p. 197).

Ou seja, Reale deixa claro que na análise das teorias apresentadas, a

questão do Poder na gênese das regras de direito não consegue satisfazer qualquer

das teorias contrapostas, bem como fato de que o Poder estaria subordinado a

objetivação normativa.

Para Reale o ato de emanar normas de direito implica certa limitação de

Poder. O direito é de tal natureza que os seus liames acabam por envolver a força

que os instaura e a regra de direito como dependentes entre si, por mais irracional

que se dê o ato decisório, é síntese de um momento de um processo dialético de

composição de interesses em conflito.

É certo, todavia, que por mais que possam prevalecer fatores irracionais no ato decisório, a regra de direito se apresenta, aos olhos do jurista, como um dado que lhe cabe analisar como elo de um sistema, a luz do princípio da racionalidade substancial do ordenamento jurídico, e, também, como momento de um processo dialético de composição de interesses em conflito: a norma jurídica particular, em suma, não obstante a possível impureza de sua gênese subordina-se a dupla e correlata exigência de sistematicidade e de dialeticidade inerente a experiência jurídica com um todo. (REALE, 1994, p. 197).

Reale analisa ainda a questão relacionada à compreensão estrutural da

norma jurídica sem que esta esteja ligada a um conjunto de pressupostos

ideológicos ou pragmáticos, que resumidamente se referem à racionalidade absoluta

na teoria desenvolvida por Kelsen (dever ser); ao problema técnico com a regra

possível convertida em norma efetiva (redução do dever ser ao ser); e a união da

dogmática como modelo absoluto e da experiência jurídica visando à adequação dos

fatos sociais. (nexo fático-axiológico), concluindo que “a norma jurídica não pode ser

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vista como um modelo lógico definitivo: é um modelo ético-funcional, sujeito a

prudência exigida pelo conjunto das circunstâncias fático-axiológicas em que se

acham situados os seus destinatários”. (REALE, 1994, p. 200).

4.2 NEXO, FATO E DIREITO.

Com relação ao nexo, fato e o direito, Reale entende importante fixá-los

como ponto essencial, como ponto esclarecedor da normatividade dentro do

processo histórico e cultural.

Ensina Reale que:

A normatividade, como já foi dito em Ensaios anteriores, é o momento conclusivo do processo de objetivação inerente a experiência jurídica, podendo-se dizer que nenhuma relação social poderá ser jurídica se não atingir a fase da significação preceptiva. É preciso situar bem a questão, pois, muitas vezes, confunde-se o que é culminante, no âmbito de um processo particular, com o que é decisivo de maneira geral, absolutizando-se, dessa forma, o valor da norma como tal. A rigor, não se pode dizer que haja fator dominante numa experiência social de natureza dialética, como é a jurídica, que sempre se mantém una e concreta na diversidade de seus momentos, em virtude da complementariedade de seus elementos componentes. De maneira relativa, porém, pode-se dizer que, para o jurista enquanto jurista, o momento culminante é o normativo: a norma jurídica não será, contudo, integralmente compreendida se reduzida ao seu aspecto formal de proposição lógica, pois ela envolve, necessária e concomitantemente, uma referência tensional aos dados de fato e as exigências axiológicas que lhe deram vida, assim como as intercorrentes ou sucessivas implicações fático-axiológicas capazes de alterar-lhe o significado. Essa a razão pela qual o normativismo jurídico, compatível com a concepção tridimensional do direito, só pode ser um normativismo concreto, e não um normativismo abstrato e formal. (REALE, 1994, p. 201).

Reale entende que, para verificação normativa, todo evento suscetível de

qualificação jurídica é capaz de gerar efeitos de direito (tensão fático-axilógica

encontrada na raiz do processo nomogenético).

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A norma pode ser assim considerada como uma realidade essencialmente

histórica, porque cada norma jurídica significa aquela solução ou composição

tensional que, no âmbito de certa conjuntura histórico-social se tenta atingir

exigências axiológicas, como pressões políticas ou ideológicas, interesses de ordem

econômica, valorações jurídicas, morais, religiosas, etc;

Desnecessário é repetir que a regra jurídica não brota dos fatos empíricos graças a um processus de revelação imanente, como ocorre com as leis físico-naturais explicativas dos fenômenos, as quais são, no fundo, como já foi dito com acerto, “o retrato sintético do fato”. As normas jurídicas, longe de serem mero reflexo daquilo que no fato já se contém, envolvem uma tomada de posição opcional e constitutiva por parte de quem a emana ou positiva, a vista do fato e segundo critérios de valor irredutíveis ao plano da faticidade ou a uma pressuposta finalidade imanente à ação. A norma é, pois, síntese superadora que significa não um direito ideal ou mais que perfeito, mas apenas o direito positivo ou positivável, em função de valorações prevalecentes em dado meio social e histórico. (REALE, 1994, p. 203).

E aqui temos fatos de grande importância para o estudo realizado neste

trabalho, pois o Professor Miguel Reale, acaba por definir a norma como “síntese

superadora”, fundamentando assim, toda sua teoria tridimensional do direito,

admitindo-se a dialeticidade da norma jurídica, indo além do direito positivo em

função dos valores encontrados no âmago da sociedade.

E essa superação do direito em relação à norma se daria devido a uma

descrição do fato como sendo tanto o dado de natureza, como o acontecimento

independente da vontade humana, como os eventos e realizações resultantes dela,

como os objetos histórico-culturais e modelos jurídicos enquanto já positivados

(feitos pelo homem).

Para Reale, o direito positivo também compõe o fato como objeto de novas

valorações, tendentes a culminar em novos modelos jurídicos, em conflito com o

direito em elaboração de acordo com a experiência social.

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Explica Reale que:

Numa compreensão dialética, em suma, tudo o que se positiva ou se objetiva (fato), ao mesmo tempo que representa uma afirmação e uma conquista do homem, já assinala uma carência de algo, pondo, mais tarde ou mais cedo, a perspectiva de um novo “que fazer”, num enlace fático-axiológico que se renova através da história. (REALE, 1994, p. 203).

Assim, a norma jurídica jamais poderá ser solução definitiva. Benjamim

Cardoso, citado por Reale assevera que:

As normas e os princípios existentes podem indicar-nos a nossa situação presente, o nosso comportamento, a nossa latitude e longitude. A estalagem em que nos abrigamos durante a noite não é, porém, o fim da jornada. O direito, assim como o viajante, deve estar pronto para o amanhã. Ele deve ter um princípio de evolução. (REALE, 1994, p. 204)49.

Ou seja, temos um evento suscetível de qualificação jurídica capaz de gerar

efeitos de direito com ou sem intenção de produzi-los como tais, agindo de forma

renovada a todo instante no âmbito da sociedade, onde a tensão fático-axiológica –

defendida por Reale – encontrada na raiz do processo nomogenético, reflete-se no

plano da aferição normativa dos fatos.

Reale ensina que:

Pode-se concluir, por conseguinte, que fato, para o Direito, no momento dogmático de sua qualificação normativa, não é algo “determinado segundo leis naturais”, consoante à imagem fisicalista que prevalece, por exemplo, em toda a obra jurídica de Pontes de Miranda; isto é, não é algo posto ab extra, como uma coisa que “entre”, em dado momento, a fazer parte do mundo do direito, mas já é fato dotado de sentido, desse mesmo sentido que se objetivou, abstratamente, na estrutura do modelo jurídico. (REALE, 1994, p. 207).

Também devemos, segundo Reale, tentar buscar o fato no momento em que

se deu sua incidência normativa dentro da história, porque, por mais que o jurista se

empenhe em despersonalizar-se, procurando captar e reproduzir o fato sob analise,

tal como se deu na realidade, nem por isso o fato deixa de ser uma “estrutura

49 Cf. The Growth of the Law, Yale University, Press, 1948, págs. 19 e segs, Apud Miguel Reale, O Direito como experiência, pág. 204.

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significativa”, ou seja, conforme explica Reale “um fato a ser valorado nos limites de

uma situação espácio-temporal conclusa”, não acabada. (REALE, 1994:207/208).

Segundo Miguel Reale a dificuldade se encontra justamente “em captar o

fato naquele particular instante em que se verificou a incidência normativa”, (REALE,

1994:207/208), a despeito de tratar-se de “momento” de uma realidade histórica

cambiante, que poderá influenciar na formação final da norma, porém sem

influenciar na questão espácio-temporal.

Ou seja, para Reale o fato “é fragmento de tempo”, ao qual queremos

reproduzir historicamente com sua compreensão normativa que implicará no seu

sentido temporal.

4.3 NOMOGÊNESE JURÍDICA NO TEMPO.

Na análise das relações sociais, restou claro que é normal se disciplinar atos

futuros, algo inato à própria gênese jurídica, ou seja, a própria positividade do direito

implica nesta normatização de atos futuros. A norma tenta prever todos os

comportamentos possíveis de um ato para poder discipliná-lo. Para Reale, o que

importa é, “reconhecer que o tempo entranha a vida toda do Direito, visto não poder

este ser concebido como uma estrutura estática: a sua vida é a projeção de suas

significações no tempo”. (REALE, 1994, p. 218). Ou seja, importante no estudo da

norma jurídica e na questão da influência do tempo para fins de direito, são as

questões de fato, pois a partir daí que se terá uma qualificação jurídica.

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Também os valores têm sua importância no estudo do tempo para o direito,

mesmo porque se desaparecessem no plano dos fatos não haveria justiça50, ou seja,

o fato e o valor só existiriam em função do tempo.

A esse respeito ensina Reale que:

Ora, se o fato e o valor do direito só se concebem em função do tempo, o mesmo ocorre com o conceito de norma jurídica, cuja função normal é disciplinar atos futuros, dada a correlação essencial existente entre vigência e eficácia, em que, em última análise, consiste a positividade do direito. (REALE, 1994, p. 219).

De se ver assim, que são correlatos a própria história, pois com as

reiteradas decisões relativas a fatos, com decisões valoradas no tempo a luz da

experiência histórica conseguem transpassar sua própria existência, atestando a

vigência e eficácia de uma norma.

No mundo do direito, de certo ponto de vista, tudo é história: o erro consiste em absolutizar esse ponto de vista, confundindo-se o direito histórico com todo o direito, esquecendo-se, assim, que o fato histórico não teria significado se não houvesse sempre história por fazer. (REALE, 1994, p. 219).

Nos ensinamentos de Reale, o tempo do direito indica uma forma de

duração relacionada diretamente ao plano das consciências e comportamentos com

sua vigência normativa ligada diretamente à convivência social e sua necessidade,

num processo contínuo de necessidades e evolução com o decorrer do tempo,

obrigando a substituição constante da norma e modelos jurídicos que não

correspondem mais aos anseios de uma dada sociedade, podendo ser substituído,

extinto ou recriado adequadamente.

Nesse sentido as palavras fato, valor e norma sintetizam um conjunto de fatores, cujo significado varia no tempo e só no tempo podem operar, o que demonstra que a temporalidade não é uma dimensão a mais do direito, mas condição de toda ela,

50 Reale anota que “não haveria justiça, por exemplo, se não houvesse homens justos e sentenças justas, mas a totalidade dos atos justos não equivale a toda a justiça, nem haveria mais que falar em justiça se não houvesse mais possibilidade de realizá-la em novas sentenças; donde se conclui que os valores referem-se necessariamente a experiência histórica, mas sempre a transcendem”. (REALE, 1994: 219).

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de tal modo que nada se pode dizer sobre o direito que não dependa do tempo ou a ele não se refira. (REALE, 1994, p. 220/221).

A influência do tempo no direito é decisiva e de real importância, pois

comportamentos hoje disciplinados como ilegais, amanhã já poderão não o ser, e

daí problemas variados surgem, tal como, o da retroatividade da lei, onde uma

determinação do presente poderá influenciar em um fato ocorrido no passado.

De acordo com os ensinamentos de Reale citando Jean Ray que:

O direito é essencialmente uma determinação do futuro pelo passado; há ai quase uma tautologia, pondera Ray, mas desse fato resulta encontrar-nos no intervalo que separa o completamente acabado do ainda inexistente. Ora, como o verbo ser não é apto a expressar o movimento e a atividade, e como nenhuma norma jurídica pode ser plenamente compreendida sem ser em função do tempo, é mister reconhecer, ao lado da Lógica do ser, a Lógica do devir, a única que nos permitirá perceber o papel essencial do tempo em toda a estrutura lógica do direito, e admiti-lo como um elemento formal do pensamento. (REALE, 1994, p. 222) 51.

Devemos apenas acrescentar que o tempo jurídico é constituído de

contrastes e contradições, avanços e recuos com grandes períodos desprovidos de

criações jurídicas, o que o torna descontínuo, restando apenas gradual, seguindo os

fenômenos sociais como referenciais para sua continuidade, restando sincrônico e

assim atuando nos modelos jurídicos e nas elaborações normativas, muitas vezes

impondo rupturas e aplicações diferenciadas para uma regra em um mesmo país, e,

portanto de crucial importância na correta avaliação da nomogênese da norma, pois

acoplada a sua essência.

51 Cf. Jean Ray – Essai sur la Structure Logique du Code Civil Français, Paris, 1926, cap. IV, secção I, “Du role de la notion du temps”, págs. 146 e segs, Apud Miguel Reale, O Direito como experiência, pág. 222.

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4.4 ALTERAÇÕES NA NOMOGÊNESE JURÍDICA.

A norma jurídica permanece sempre em estado tensional, sua realizabilidade

implica uma contínua referência vetorial as conexões fático-axiológicas inerentes ao

devir histórico, com alterações contínuas nas situações fáticas, numa relação

dialético-integrante do direito.

Resume Reale, que de conformidade com o que chama de “teoria

tridimensional dialético-integrante do direito”, cada norma do direito:

1 – Assinala um momento conclusivo, mas em um dado campo, visto achar-se inserida em um processus sempre aberto a superveniência de novos fatos e novas valorações; 2 – Não tem significação em si mesma, como uma expressão matemática, ou seja, abstraída da experiência (normativismo abstrato), mas vale na funcionalidade dos momentos que condicionam a sua eficácia (normativismo concreto); 3 - envolve uma prévia tomada de posição opcional, ou seja, uma decisão por parte do poder, quer se trate de um órgão constitucionalmente predisposto a emanação das regras de direito, quer se trate do poder difuso no corpo social, como acontece na hipótese das normas jurídicas consuetudinárias; 4 – Não pode ser interpretada e aplicada como simples proposição lógica: sua estrutura lógico-formal é suporte de significações estimativas, e pressupõe permanente referibilidade ao plano fático; 5 – É dotada de peculiar tendência a permanecer válida, segundo a lei de sobrevivência ou economia das formas e das estruturas, que é uma das características da experiência jurídica; 6 – Possui certa elasticidade, capaz de atender, em maior ou menor grau, as variações fático-axiológicas. Quando tal elasticidade torna-se incompatível com as mutações processadas no meio social, impõe-se a revogação ou a derrogação da norma por outra mais adequada a estrutura social. (REALE, 1994, p. 210).

Podemos dizer que a norma jurídica sofre infindáveis mutações, podendo

sofrer ou não alterações em seu enunciado, o que pode acarretar mudanças nas

regras de direito, fato que leva a crer, ter a norma jurídica, seguindo os

ensinamentos de Reale, uma natureza integrante e dialética.

Para Miguel Reale, todo modelo jurídico pode sofrer alterações, seja em sua

ordem formal, estrutural, pela edição de novas normas, pela alteração de valores na

comunidade, ou seja, pelo advento de condições técnicas imprevistas que

restringem ou alargam o âmbito de incidência da norma ou seu modelo jurídico.

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Ensina Reale, citando Teixeira de Freitas que:

Não é diverso o fenômeno, quando analisado segundo a dimensão normativa do Direito. No concernente, com efeito, as variações semânticas dependentes da promulgação de novas normas jurídicas, os exemplos também se multiplicam, revelando, digamos assim, como os modelos jurídicos registram as mutações de significado correspondentes à inserção de novos elementos no sistema. Trata-se, aliás, de fato posto em realce, há muito tempo, pela sutil percepção dos jurisconsultos, como é o caso de nosso eminente Teixeira de Freitas que, após ponderar que “o sistema inteiro de um código depende muitas vezes de uma só disposição”, focalizava o problema da revogação implícita das leis “por se tornarem incompatíveis com as bases da Carta Constitucional”, salientando existirem outras, inutilizadas ou modificadas, só por efeito das leis novas. (REALE, 1994, p. 213)52.

Reale explica que, com a defasagem do modelo jurídico face as constantes

mudanças da sociedade, a dogmática conceitual e o desuso de algumas normas

jurídicas acabam sendo inevitáveis, restando inadequadas e esquecidas até que o

legislador delas se lembre providenciando sua revogação. Contrário senso, normas

existem que instituídas para disciplinar reduzido campo de relações sociais, acabam

adquirindo força jurídica tal que passam a disciplinar fato até então não pretendidos

quando da elaboração da norma.

Assim Miguel Reale, chama a atenção para as mudanças ocorridas em

relação às dimensões fáticas que influenciam mudanças nas regras jurídicas

alterando sua validade, vigência e eficácia, alterando o ordenamento jurídico com a

reconstrução do fato-tipo, mantendo seus valores e princípios como vetores em sua

relação de continuidade na função criadora da norma.

Ensina Reale que:

[...] os modelos jurídicos, integrativos de fatos e valores, uma vez postos em vigor, atuam sobre o meio social, suscitando novos processos axiológicos ou assumindo dimensões axiológicas diversas, pela intercorrência de fatos imprevisíveis. No decurso do tempo, o modelo vive em um processo dialético, que possui eficácia nos limites da elasticidade de sua vigência: quando o índice máximo de adaptação é atingido, põe-se, com urgência, o problema de sua revogação formal, ou seja, da estruturação de outros modelos. Nem faltam exemplos de soluções obtidas graças a modelos jurídicos elaborados pela doutrina e pela jurisprudência, antecipando-se

52 Teixeira de Freitas – Consolidação das Leis Civis, 3ª. ed., Rio, 1876, págs. XXXIII e LIX, Apud Miguel Reale, O Direito como experiência, pág. 213.

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criadoramente a ação insuficiente ou tardia dos legisladores, contornando-se os empecilhos das normas legais esclerosadas através do instrumento tão sutil quão prudente da fictio iuris, em cujo emprego se distinguiriam os juris-consultos romanos. (REALE, 1994, p. 214/215).

Os modelos jurídicos integrativos de fatos e valores suscitam novos

processos axiológicos ou assumem dimensões axiológicas diversas pela ocorrência

de fatos imprevisíveis com a necessidade de sua imediata substituição por outro que

atenda as mudanças sociais ocorridas naquele período.

Para Miguel Reale, a norma jurídica inserida no processo histórico, vem

atuando como uma “ponte flexível” destinada à composição de fatos ocorridos em

sociedade, podendo ser alterada ou revogada a qualquer tempo para que se

ajustem as necessidades geradas pelo convívio do homem em sociedade.

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SÍNTESE CONCLUSIVA

Os que mais querem ficar adstritos á materialidade do empírico acabam sempre dobrando-se à necessidade de pelo menos idealizar os fatos, transformando em juízo de valor o que não podia ser, logicamente, mais do que um juízo de realidade.

Miguel Reale

A gênese da norma jurídica se encontra ligada à idéia de vivência do homem

em sociedade. Em todos os grupos sociais do qual o homem faz parte existem

normas disciplinadoras do comportamento de seus membros.

O fundamento básico das normas jurídicas se encontra relacionado à própria

natureza humana de viver em sociedade. Esta mesma sociedade dispõe sobre a

conduta do homem, socialmente falando. Da mesma forma, seu fundamento

encontra-se, também, na necessidade da sociedade se organizar, de onde se pode

concluir que não há sociedade sem normas jurídicas, já que não se cogita de

sociedade de um só homem, uma vez que seu pressuposto encontra-se na interação

dos indivíduos.

Assim, indispensável para o convívio pacífico entre os homens em

sociedade, a imposição de um ordenamento jurídico que estabeleça condutas

possíveis e reprováveis, a qual todos se encontrem obrigados, até mesmo o próprio

ente instituidor de tais condutas, como no caso, o Estado e seus representantes

legais.

Em nossa jornada intelectual pela essência do Direito e da norma, podemos

constatar a evolução do direito e da norma através dos tempos, com as muitas

teorias que surgiram a respeito.

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Detivemos-nos principalmente na teoria tridimensional do direito elaborada

por Miguel Reale, que entende o direito como fato, valor e norma, como uma

unidade dialética que se complementa.

Podemos perceber que as muitas teorias estudadas a respeito, visam

sempre justificar o direito como verdadeira ciência, porém detêm-se a fazê-lo muitas

vezes isolando um dos elementos, tal como a teoria pura, que pretende justificar o

direito como ciência isolando a norma jurídica como única condicionante do direito,

ou seja, para essa teoria o direito seria apenas um aglomerado de normas,

depurando-o de todos os demais fatores ínsitos no mesmo.

Veja-se que teorizando positivamente o direito e assim depurando-o de

todos os demais elementos constituintes da conduta, como o fato e o valor com o

intuito de justificá-lo como ciência, acaba-se por diminuí-lo a mero amontoado de

leis, ceifando qualquer outro tipo de apreciação a respeito, separando-o da Filosofia,

da Sociologia, dentre outras disciplinas que o integram, e consequentemente

poderiam ajudar na evolução do direito como ciência, motivo pelo qual, apesar da

genialidade da teoria não podemos aceita-la como justificadora do direito como

ciência.

No entanto, a teoria pura faz emergir os questionamentos a respeito da

origem do direito e da norma, causando embates intelectuais entre juristas e

filósofos a respeito de sua viabilidade, gerando uma gama de estudos a respeito,

inclusive com relação à incidência dos fatos e dos valores no estudo do mesmo,

propiciando uma evolução e ascensão intelectual.

Da união do fato, valor e norma como uma unidade, surge à teoria

tridimensional do direito de Reale, que se diferencia justamente pelo fato de contar

com os três elementos em conjunto, ao que foi chamado de dialética da

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complementariedade por Reale, que mesmo sendo uma teoria de cunho positivista,

ressalta em sua essência o fato e o valor na elaboração da norma, com o objeto de

descrição de condutas, servindo como parâmetro ao comportamento do homem,

limitando liberdades, no sentido de garantir a ordem social.

Verificamos também que a existência da norma se encontra ligada

imprescindivelmente a um ato normativo, valorado mediante fatos analisados em

sociedade, pois a gênese da norma advém de uma função hierárquica, com a

exigência de certas formalidades que devem ser respeitadas para sua elaboração e

validade, não podendo ser separada do fato e do valor.

Neste particular como nos capítulos destinados ao estudo da teoria

tridimensional do direito seguimos os ensinamentos do Professor Miguel Reale, por

ser idealizador da teoria tridimensional do direito que entende o direito como fato,

valor e norma com a participação dialética dos elementos como uma unidade, sem

diferenciação de nenhum deles.

Na verdade, fato é que, não devemos realmente isolar nenhum dos

elementos, como o fato, valor ou a norma na análise do direito visando torná-lo

ciência, pois, os mesmos mantém relação de dependência uns com os outros para o

direito, que se torna ainda mais evidente quando da verificação da grande influência

de fatores externos na elaboração das normas, tais como a economia e política, que

acabam por sinalizar muitas vezes a direção que a nova norma deverá seguir,

influenciando na gênese da norma e do próprio direito, que apesar de não ser

apenas norma, o integra e compõe como elemento chave na sua interação com os

demais.

Resumindo, podemos dizer que, apesar da grande aceitabilidade da doutrina

em relação aos ensinamentos contidos na teoria pura do direito, respeitada e

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estudada, não podemos deter nossos esforços em aceitar apenas a depuração

proposta, nos parecendo mais crível a teoria tridimensional apresentada por Reale,

tendo o direito como integração entre fato, valor e norma, e não apenas como

resultante da norma, e sim da complementação de vários fatores incidentes na sua

origem, como a vivência em sociedade, a estrutura política, as alterações sofridas

dentro de determinado período, os valores, e uma gama de outros fatores que o faz

superar antigos conceitos e evoluir constantemente.

No entanto, na gênese da norma jurídica, principalmente frente ao

positivismo jurídico, o caminho a percorrer e aprender com as teorias estudadas -

devido a uma gama de fatores controvertidos incidentes nas mesmas, capaz de

influenciá-las - se faz longo, e, portanto, impossível de ser esgotada sua discussão

apenas com a elaboração do trabalho proposto, dependendo ainda de uma análise

mais profunda e adequada dos muitos embates intelectuais que o tema inspira, com

a necessidade de um amadurecimento maior de idéias que o prazo exíguo não nos

permite.

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