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Tipos de texto ou gêneros de discurso - uma questão a discutir Autora: Heloisa Amaral Desde que a proposta de usar os gêneros de discurso como instrumento para o ensino de língua foi veiculada pelos PCNs, abriu-se uma grande discussão teórica que teve reflexos na prática dos professores. Essa questão foi colocada no Fórum da Comunidade Escrevendo e recebeu muitas participações, boa parte delas trazendo de forma clara as dúvidas que circulam sobre o assunto. Afinal - perguntam-se os colegas – qual a diferença entre essas duas concepções? Nas duas não se diz o tempo todo que é preciso levar diferentes tipos de texto para a sala de aula? Procurando responder essa questão de forma mais clara, afirmamos que a diferença maior não está na atitude de aproximar sala de aula/espaços não escolares, levando diferentes textos para a sala de aula, mas sim no propósito mudar o conceito de língua que está por trás das práticas pedagógicas. Para isso, o professor precisa se perguntar: o que é língua? Língua é um código? Língua é um sistema? Língua é uma estrutura? Língua é um discurso? Fazer-se esse questionamento é importante porque, ao longo das últimas décadas, foi possível constatar que o conceito de língua que o professor adota determina sua prática em sala de aula. Se ele pensa que língua é código, ele privilegia o ensino da ortografia. Então, escrever bem é apenas grafar corretamente as palavras. Outras vezes, ele concebe língua como sistema e então escrever bem é usar corretamente as regras gramaticais. Outras vezes, ainda, ele concebe a língua como estrutura e então escrever bem é organizar o texto de modo que ele apresente coesão e coerência entre as partes. Tudo isso é muito importante e não se pode prescindir de nenhuma dessas visões sobre a língua ao ensiná-la. O professor precisa ensinar ortografia, gramática, estrutura textual...E discurso! A novidade que a perspectiva de gêneros traz é a abordagem de língua como discurso, ou seja, como diálogo, conversa infinita entre pessoas ao longo da história da humanidade, seja por meio do boca a boca, seja por meio de textos escritos. Nesse caso, a língua não é objeto que se possa enquadrar num projeto de ensino. Ela é muito mais, é o fundamento da vida em sociedade. Sem a língua como discurso, não existe sociedade, não existem relações humanas. Nesse modo de ver, discurso não é um amontoado de palavras. Além das palavras serem usadas para dizer ao outro o que sentimos, pensamos, desejamos comunicar, ou seja, das palavras terem e fazerem sentido, nós as completamos com gestos e imagens para que esse sentido que desejamos dar a elas fique mais claro.

Tipos de Texto Ou Gêneros de Discurso

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Gêneros do discurso

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Tipos de texto ou gneros de discurso - uma questo a discutir

Autora:Heloisa AmaralDesde que a proposta de usar os gneros de discurso como instrumento para o ensino de lngua foi veiculada pelos PCNs, abriu-se uma grande discusso terica que teve reflexos na prtica dos professores. Essa questo foi colocada no Frum da Comunidade Escrevendo e recebeu muitas participaes, boa parte delas trazendo de forma clara as dvidas que circulam sobre o assunto. Afinal - perguntam-se os colegas qual a diferena entre essas duas concepes? Nas duas no se diz o tempo todo que preciso levar diferentes tipos de texto para a sala de aula?Procurando responder essa questo de forma mais clara, afirmamos que a diferena maior no est na atitude de aproximar sala de aula/espaos no escolares, levando diferentes textos para a sala de aula, mas sim no propsito mudar o conceito de lngua que est por trs das prticas pedaggicas. Para isso, o professor precisa se perguntar: o que lngua? Lngua um cdigo? Lngua um sistema? Lngua uma estrutura? Lngua um discurso?Fazer-se esse questionamento importante porque, ao longo das ltimas dcadas, foi possvel constatar que o conceito de lngua que o professor adota determina sua prtica em sala de aula. Se ele pensa que lngua cdigo, ele privilegia o ensino da ortografia. Ento, escrever bem apenas grafar corretamente as palavras. Outras vezes, ele concebe lngua como sistema e ento escrever bem usar corretamente as regras gramaticais. Outras vezes, ainda, ele concebe a lngua como estrutura e ento escrever bem organizar o texto de modo que ele apresente coeso e coerncia entre as partes. Tudo isso muito importante e no se pode prescindir de nenhuma dessas vises sobre a lngua ao ensin-la. O professor precisa ensinar ortografia, gramtica, estrutura textual...E discurso!A novidade que a perspectiva de gneros traz a abordagem de lngua como discurso, ou seja, como dilogo, conversa infinita entre pessoas ao longo da histria da humanidade, seja por meio do boca a boca, seja por meio de textos escritos. Nesse caso, a lngua no objeto que se possa enquadrar num projeto de ensino. Ela muito mais, o fundamento da vida em sociedade. Sem a lngua como discurso, no existe sociedade, no existem relaes humanas. Nesse modo de ver, discurso no um amontoado de palavras. Alm das palavras serem usadas para dizer ao outro o que sentimos, pensamos, desejamos comunicar, ou seja, das palavras terem e fazerem sentido, ns as completamos com gestos e imagens para que esse sentido que desejamos dar a elas fique mais claro.Pensemos numa s palavra, usada em diferentes gneros do discurso com sentidos diferentes, para exemplificar. Vou usar a palavra pea. Se eu convido algum para ir ao teatro, digo Fulano, vamos ver a pea do Paulo Autran? Se estou no aougue, digo Seu Joo, quero uma pea de alcatra. Se converso com o mecnico digo Essa pea muito cara.. Numa aula de anatomia o professor pergunta ao aluno Como o nome dessa pea?, referindo-se a uma parte do corpo humano exposta numa bancada de laboratrio.Como voc pode deduzir, a pergunta Como o nome dessa pea? - pode ser aplicada a qualquer uma das outras situaes-exemplo, mas a resposta dada ser diferente, porque o interlocutor sabe o gnero de discurso que est usando e como deve responder. O gnero dado aos interlocutores pela situao de comunicao em que se encontram. Ningum vai dizer ao professor de anatomia, por exemplo, que a pea que est sobre a mesa chama-se alcatra, ou Sonhos de uma noite de vero, ou barra de direo. Nenhuma dessas respostas combina com a situao de comunicao aula de anatomia. Em contrapartida, ningum vai dizer ao mecnico que deseja uma pea de alcatra ou um Sonho de uma noite de vero. Em resumo, a palavra pea muda de sentido conforme a situao de comunicao em que usada. Cada situao de comunicao corresponde a um gnero do discurso. Conversa com mecnico um gnero totalmente diferente de Convite para ir ao teatro, porque os sentidos dessas conversas so totalmente diferentes.Como voc pode ver pelos exemplos, a lngua como discurso, como dilogo infinito, acontece por meio dos gneros de discurso usados nas situaes em que nos comunicamos com outras pessoas, seja oralmente, seja por escrito. As situaes em que nos comunicamos determinam os gneros que usamos nelas. Ento, os gneros de discurso existem porque existe lngua. Eles so a lngua viva, como usada no dia-a-dia, independente do fato de se tornarem objeto de ensino/aprendizagem. Ou seja, os gneros existem porque eles so a lngua, no precisamos ensin-los para que eles existam. Mas, para que o ensino de lngua fique vivo, indispensvel us-los. Se no o fizermos, corremos o risco de transformar as aulas num monlogo, onde falamos conosco mesmo e no com os alunos. Alm disso, sempre bom lembrar que h gneros primrios, como esses dilogos do cotidiano que citamos acima, que no precisam ser ensinados na escola. H gneros secundrios, que so mais elaborados e so criados em reas especializadas de produo/trabalho humano que precisam ser ensinados, como os literrios, os jornalsticos, etc.Depois desta introduo, vou ressaltar a propriedade de alguns comentrios que surgiram no Frum, sem identificar, desta vez, seus autores. Alguns dos comentrios incluem dvidas, que vou procurar responder. Todos enriquecem a discusso e contribuem para o crescimento de todos ns.Comentrio:Foi muito bom voc chamar nossa ateno para a polissemia, para o fato de os sentidos se ajustarem a situaes de sua produo, ao uso, ao modo como cada esfera de comunicao coloca em funcionamento os conceitos que nascem das palavras. Eu at diria que a diferena entre os conceitos "tipo" e "gnero" textual se assemelha diferena entre "palavra" e "conceito". Explico-me melhor... Como "tipo", podemos considerar "palavra" apenas como um arcabouo lingstico, cujos sentidos podemos encontrar nos dicionrios comuns da lngua porque referem-se a um significado geral, fluido... Como "gnero", "conceito" est carregado do seu uso nas interaes sociais, nas situaes reais de comunicao. Para compreender o conceito de gnero textual, precisamos consultar nas fontes especficas, de autores que, como Bakthin, buscaram refletir sobre ele e construir seu sentido.Comentrio:Gnero e Tipo textual so dois conceitos diferentes, mas indissociveis na prtica. Gneros textuais referem-se diretamente s prticas sociais, ou seja, so os textos materializados que encontramos no dia-a-dia (um bilhete, um telefonema, um cardpio, uma receita, uma carta, etc). Eles tm a funo, se se pode dizer assim, de ordenar as atividades comunicativas. Bakhtin j dizia que um gnero textual composto de trs elementos: do contedo temtico, do estilo e da construo composicional. J os Tipos textuais so seqncias tericas identificadas por sua natureza lingstica, ou seja, as diferentes possibilidades de escolhas lingsticas de um texto, escolhas essas lexiciais, sintticas, de tempos verbais, de relaes lgicas. Assim, os tipos textuais, so, segundo a categorizao de Werlich: a descrio, a narrao, a argumentao, a exposio e a injuno. Como essa discusso sobre gneros e tipos um tanto "nova", o que mais existe uma confuso conceitual no s nas prticas em sala de aula como tambm nas propostas de diversos livros didticos. Um ensino e aprendizagem da lngua a partir da perspectiva dos gneros no est em se trabalhar "narrao" (pedindo ao aluno "faa uma narrao"), ou uma dissertao e etc., mas em fazer com que o aluno perceba a dinmica existente numa relao scio-comunicativa, i.e., as diferentes possibilidades com que ele pode interagir com o mundo ao seu redor por meio da linguagem. Essa interao direcionada sempre por um propsito comunicativo: se deseja sair e no h ningum em casa, ele pode utilizar o GNERO BILHETE; se compra um celular e no sabe usar, provavelmente vai precisar ler o manual, ou seja, ler o GNERO INSTRUES DE USO; se sua me pede para ir ao mercado, poder utilizar o GNERO LISTA DE COMPRAS, e assim por diante. Cabe ressaltar que cada gnero possui um ou mais tipos textuais em sua construo: por exemplo, quando se l ou escreve o GNERO CARTA, pode-se ter a ocorrncia do TIPO DESCRIO, do TIPO NARRAO, do TIPO ARGUMENTAO...Comentrio:Apenas para contribuir um pouquinho, transcrevo aqui um trecho da apresentao da Professora Roxane Rojo que, em sua citao de Bronckart (1997: 75-76), seleciona uma tima distino dos dois conceitos: "Enquanto, devido a sua relao de interdependncia com as atividades humanas, os gneros so mltiplos, e at mesmo em nmero infinito, os segmentos que entram em sua composio (segmentos de relato, de argumentao, de dilogo etc.) so em nmero finito, podendo, ao menos parcialmente, ser identificados por suas caractersticas lingsticas especficas [...] Na medida em que apresentam fortes regularidades de estruturao lingstica, consideraremos que pertencem ao domnio dos tipos, portanto, utilizaremos a expresso tipo de discurso..." (...) Solicitar aos alunos a produo de um determinado gnero textal totalmente diferente de pedir a ele a produo de um determinado "tipo" de texto. Ao trabalharmos um gnero textual, estaremos necessariamente pensando em situaes concretas de utilizao da lngua: as interaes, os suportes, as condies, as escolhas lingsticas, envolvidas na situao de produo. Ao contrrio, ao pedirmos que se produo determinado tipo de texto, temos em mente o aspecto formal, principalmente.Comentrio:Os gneros textuais referem-se a todas as formas de textos, sejam eles escritos e/ou orais, refere-se relao dialgica existente no processo de interao verbal. Conforme Silva (2006), Dialogismo constitutivo da linguagem e perpassa por toda forma de constituio da linguagem em suas manifestaes, seus usos e suas funes provindas das diferentes realizaes/situaes comunicativas. Com isso, torna-se imprescindvel conhecer, dominar e utilizar-se dos diversos gneros textuais em seus mais variados usos e funes na mais diversificadas situaes de embate comunicativo. Dominar um gnero no somente tornar-se capaz de gerenciar uma forma de escrita/fala, mas manipular uma forma de realizao lingstica de objetos especficos em situaes particulares em dado contexto, como componente interno dos gneros. Os tipos textuais limitam-se as funes: narrativos, descritivos, argumentativos e expositivos.Comentrio:Gnero e tipo so definies diferentes. Entende-se por gnero o texto cuja finalidade diversa de outro texto, como: a finalidade da HQ (Turma da Mnica) divertir ensinando, j uma charge criticar ou ridicularizar algo. Isso so dois gneros: HQ e Charge, pois tm funes diferenciadas.Comentrio:Gnero (de acordo,inclusive com o material do Ensinando) implica a idia de matriz, agrupamento de elementos comuns. Por isso, bilhete um gnero textual porque guarda semelhanas com a carta, o convite, o cartaz, que, por sua vez, nos remetem ao gnero epistolar, que remonta aos tempos bblicos. A funo deles semelhante.Comentrio com dvida:Para Marcuschi, um gnero pode ser identificado pela sua funo e por sua estrutura. Um poema deixa de ser um poema quando muda de funo. Eu tenho dvidas. Bakhtin diz alguma coisa sobre isso?Resposta:Marcuschi est coberto de razo. O poema deixa de ter uma funo lrica, literria, e passa a ter uma funo publicitria. Deixa de ser poema para ser uma pea publicitria (alis, este um dos outros muitos sentidos que a palavra pea assume), dependendo do gnero em que usada. J os poemas de cordel so poemas mesmo, porque so elementos da cultura popular com sentido lrico e literrio.Comentrio que pode criar dvidas:Bakthin mais voltado para o gnero porque sua poca, no havia aprofundamentos acerca da tipologia textual. Os estudos iniciaram a partir de Saussurre. Logo, Bahktin, no se aprofundara nestas questes por isto.Resposta:Para esclarecer as dvidas que esse comentrio provoca, preciso, em primeiro lugar, comparar algumas datas. Os discpulos de Saussure publicaram o "Curso de Lingstica Geral", transcrio de suas aulas, em 1915. Saussure havia morrido em 1913. Bakhtin nasceu em 1895 (tinha vinte anos quando Saussure faleceu) e morreu em 1975, muitas dcadas depois da morte de Saussure. A obra do crculo de Bakhtin Marxismo e filosofia da linguagem foi publicada na Rssia em 1929. O livro Esttica da Criao Verbal, onde est o conceito de gnero que vem sendo utilizado nas obras brasileiras, foi publicado na Rssia em 1979. Um segundo ponto, que a questo da tipologia textual no o foco da obra de Saussure, que estava interessado nas estruturas da lngua. Os estudos sobre tipologia textual comeam com Bartlett, por volta de 1930, e ampliam-se depois da dcada de 1950, na Europa.O Frum um excelente espao de ensino/aprendizagem. Continuem participando!