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1 A distribuição da renda e o desenvolvimento econômico Fernando Cardoso Pedrão Salvador, 1960 Tese apresentada em concurso de títulos e provas para obtenção dos títulos de Doutor e Docente Livre da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia em 1960. Muitas modificações foram introduzidas nesta versão de 2004, para atualizar a linguagem, dar mais clareza ao texto e para remover expressões e exemplos que se tornaram arcaicos.

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A distribuição da renda e o desenvolvimento econômico∗

Fernando Cardoso Pedrão

Salvador, 1960

∗ Tese apresentada em concurso de títulos e provas para obtenção dos títulos de Doutor e Docente Livre da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia em 1960. Muitas modificações foram introduzidas nesta versão de 2004, para atualizar a linguagem, dar mais clareza ao texto e para remover expressões e exemplos que se tornaram arcaicos.

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Sumário

Introdução

Primeira Parte. A identificação do problema

1. Os diferentes aspectos da distribuição da renda

2. As funções da distribuição

Segunda Parte. Antecedentes teóricos

3. A contribuição dos clássicos

4. Marx e os contemporâneos

Terceira Parte. Fatores determinantes da distribuição

5. As formas de produção

6. As instituições políticas e sociais

7. O setor exterior

8. O governo

9. A inflação

Quarta parte. Uma incursão teórica

10 O tratamento unificado da distribuição

11. A fita de Moebius

Bibliografia

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Introdução

A preocupação central que tive na realização deste trabalho foi a de verificar as

condições oferecidas pelos países subdesenvolvidos para elaborar um esquema teórico

de análise da distribuição da renda em seu sentido mais amplo, dirigido ao próprio

desenvolvimento. Por isso, creio ser necessária uma explicação inicial do que pretendo

com essa orientação.

Muito se escreveu em economia sobre a distribuição da renda e o que se escreveu,

geralmente, constitui uma exploração no domínio da chamada distribuição funcional da

renda, isto é, da distribuição da renda entre fatores da produção. Esse ângulo para

abordar o problema interessa, mas não basta. Devemos ter presente que, se colocamos o

desenvolvimento na condição de ponto básico da vida econômica, teremos que

trabalhar sempre com o pressuposto de uma renda expansiva. Igualmente, teremos que

admitir que todo desenvolvimento implica, de um modo ou de outro, em alterações

estruturais dos regimes econômicos, e temos presente que as condições de distribuição

da renda exprimem características de estrutura, concluiremos que nosso tratamento do

tema do desenvolvimento econômico deverá partir de um ângulo nitidamente estrutural.

Assim, nesta pesquisa se toma como central a relação entre o processo de formação da

renda e o processo de expansão e mudança de composição do capital.

Entendo que a maior dificuldade que teremos que enfrentar neste caso, não está

tanto no comportamento da distribuição nos países subdesenvolvidos, onde,

evidentemente, as coisas acontecem de modo diferente a como acontecem nas

economias mais desenvolvidas, senão que provirão das dificuldades para conciliar o

tratamento da distribuição funcional da renda com essa distribuição vista desde outros

ângulos, tais como por setores da produção e por níveis de remuneração das pessoas.

Isto porque, sempre que se considere a distribuição do ponto de vista do

desenvolvimento, será preciso encará-lo, não só incluindo não só uma classificação por

setores da produção e no espaço, senão, também, da divisão funcional do produto e de

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seu grau de desigualdade segundo os níveis de renda pessoal. E o fato de ter sido a

distribuição funcional o ponto de partida para muitas especulações teóricas desde Adam

Smith, pode fazer esquecer que esses outros aspectos são de vital importância para uma

teoria que se ocupa do desenvolvimento. Mas se as estatísticas de renda nacional são

geralmente capazes de oferecer informações mais ou menos completas sobre esses

aspectos da distribuição, creio que não se exploraram suficientemente seus efeitos na

dinâmica do processo de desenvolvimento.

As razões da insistência em tratar a distribuição da renda através de seus múltiplos

aspectos, para identificar seus verdadeiros efeitos na dinâmica do desenvolvimento está

em que o desenvolvimento é um processo que tende a localizar seus focos dinâmicos

em certas atividades pertencentes a certos setores da produção e em certas localizações

físicas, tendendo a produzir determinados efeitos na repartição proporcional da renda

entre os fatores responsáveis de sua formação.

2. Em sua maior parte, os estudos sobre a distribuição não se preocuparam com o

desenvolvimento econômico. Alem de precisarmos de uma conceituação satisfatória de

desenvolvimento, precisamos estabelecer uma orientação de análise compatível com

essa abordagem. Entendemos desenvolvimento econômico como um processo de

transformação do sistema produtivo que dá lugar a melhoras das condições de vida da

maioria da população. Desenvolvimento econômico, portanto, entranha modificações

na distribuição da renda. Em razão disso, as premissas básicas de que nos serviremos

aqui tenderão a dar a nosso trabalho uma perspectiva pouco usual. As alterações

estruturais causadas pelo desenvolvimento, e as relações existentes entre essas

alterações, bem como o padrão de distribuição prevalecente, são objeto de nossas

apreciações, nas quais, por outro lado, procuramos sempre enquadrar as características

próprias das economias subdesenvolvidas que realizam esforços para emergir dessa

situação.

A abordagem clássica da teoria da distribuição deve-se a Ricardo: “O principal

problema da economia política é o de determinar as leis que regulam a distribuição da

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5

produção total da terra entre os trabalhadores, capitalistas, proprietários rurais e

latifundiários”. Essa frase de Ricardo exprime a situação do problema da distribuição

em um caso específico, o da Inglaterra, num determinado momento históricos, em que

havia uma disputa pela posse de uma fração proporcionalmente maior da renda entre

latifundiários e capitalistas. Contudo, ressaltam três pontos nessa afirmação: a

importância dada pelos Clássicos à teoria da distribuição, o tipo de distribuição a ser

feita, a funcional, que continua sendo o favorito da teoria, e o fato de que se referiam a

uma dada renda. Essa condição, uma dada renda, permanece ao longo de quase toda a

história da teoria da distribuição. Como já dissemos, parte desse ponto a diferença entre

o enfoque tradicional e o nosso. Desenvolvida em países do centro, a teoria se

preocupou do problema principal para aqueles países, que são as variações cíclicas dos

negócios. Na nossa perspectiva os ciclos são limites variáveis dos movimentos da

acumulação de capital, que regulam as possibilidades de desenvolvimento.

Em nosso caso, considerando que as variações cíclicas se originam nos países

desenvolvidos, isto é, nos países que constituem o núcleo central da acumulação

capitalista, que nossas economias estão ligadas às deles, e sofrem as conseqüências

dessas variações sem muito poder para defenderem-se delas, é perfeitamente explicável

que concentremos nossa atenção nos problemas do desenvolvimento sobre os que mais

podemos influir. Assim, daremos prioridade ao estudo da distribuição durante o

processo de crescimento das economias nacionais, antes que aos seus efeitos durante as

variações cíclicas da atividade econômica,.

Isso não impede que tenhamos presentes os efeitos das variações cíclicas sobre as

possibilidades de crescimento dos países subdesenvolvidos. As variações na demanda

dos seus produtos de exportação podem significar a anulação completa de seus esforços

de desenvolvimento e as quedas violentas nos preços internacionais de seus produtos

podem jogar fora do mercado àqueles países cuja vida econômica está baseada em suas

exportações. Em suma, a necessidade de alcançar níveis mais altos de produtividade

para enfrentar a situação adversa, ou o desestímulo causado pelas quedas nos preços,

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podem extinguir os focos dinâmicos felizmente existentes nas economias

subdesenvolvidas.

Por último teremos que fazer simplificações do material utilizado, de modo a

reduzi-lo a um conjunto de variáveis manejáveis para o raciocínio teórico. Algumas

delas são de caráter conceitual; outras, referem-se ao número de variáveis em jogo, e

outras, além disso, ao tipo dos efeitos que essas variáveis podem ter no processo

econômico em seu conjunto. Trata-se de uma análise dinâmica da distribuição da renda,

que significa trabalhar com o processo de distribuição da renda e de ligar a distribuição

da renda à distribuição do capital entre aplicações com diferentes efeitos no emprego.

A principal dessas simplificações refere-se ao que aqui se chamará de país

subdesenvolvido. A rigor, país subdesenvolvido, como entende Paul Baran, seria aquele

onde haja uma diferença entre a renda potencial e a renda real. Mas, com tal definição

quase todos podem ser considerados como subdesenvolvidos com maior ou menor grau

de justiça, e, entre eles, as duas maiores potências econômicas do mundo atual, os

Estados Unidos e a União Soviética. Mas essa classificação não nos serve, porque

diluiria os contornos de uma diferença que realmente existe entre um certo número de

países que possuem uma determinada utilização das vantagens do progresso

tecnológico e das comodidades sociais, e outros que não alcançaram essa situação. A

diferença entre a situação desses dois grupos no cenário internacional está caracterizada

pela CEPAL, quando classifica os países em centrais e periféricos e quando atribui

diferentes condições de se desenvolverem de uns e outros, com conseqüências

irreversíveis na dinâmica da distribuição da renda.

No entanto, os países da periferia tampouco estão em igualdade de condições.

Alguns têm ensaiado uma industrialização limitada, outros estão francamente

industrializados e outros ainda são meros produtores primários. Seus investimentos em

capital variam em intensidade e acerto, sua estabilidade política é apenas um desejo ou

já é uma realidade, mas quase todos desejam desenvolver-se. Neste trabalho se designa

subdesenvolvidos a todos aqueles que não têm controle sobre suas tecnologias básicas.

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E a atenção principal da análise aqui volta-se para os países em processo de

industrialização.

Cabe uma explicação da forma como o trabalho está escrito. A combinação que se

faz da discussão de um tema teórico com referências a determinados casos da

experiência de diferentes países subdesenvolvidos, resulta da convicção de que, sendo

a parte desenvolvida do mundo sujeito de uma experiência sem precedentes,

consideradas as condições sob as quais deverão realizar seus esforços para se

desenvolverem, qualquer tentativa de elaborar uma teoria com traços de aplicabilidade

nos países componentes da parte subdesenvolvida do mundo não poderá perder de vista

suas condições reais de funcionamento e suas características. Tais referências, por

força, prejudicarão o rigor do enquadramento teórico do problema que estudamos e

tirarão elegância ao método de análise. Em compensação, farão com que a análise fique

no mundo da realidade.

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PRIMEIRA PARTE: A IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA

1. Os diferentes aspectos da distribuição da renda

A distribuição da renda é um aspecto da totalidade do sistema de produção, que

deve ser vista, simultaneamente, em seu conjunto e através de seus aspectos. Como

totalidade, a distribuição surge da produção. Nas palavras de Marx, “...antes de ser

distribuição dos produtos, a distribuição é distribuição dos instrumentos de produção...a

distribuição que se realiza dentro do processo de produção mesmo”1 Essa visão de

totalidade se perdeu na teoria econômica com o advento do marginalismo, em suas

diferentes correntes.

A distribuição pode ser encarada desde diferentes ângulos, cada um dos quais com

características próprias e merece, por isso, atenção no relativo aos efeitos que a

desigualdade tem para o desenvolvimento. Entende-se que os principais aspectos pelos

quais interessa analisar a distribuição da renda estarão bem agrupados sob os títulos de

setorial, funcional, vertical, espacial, social e internacional. Nos capítulos seguintes

examinam-se esses aspectos um por um, como passo prévio para um esforço de reconstruir

a totalidade do sistema de produção através da perspectiva da distribuição da renda.

1 Karl Marx, Grundrisse, vol I, pp.12.

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2. Distribuição funcional

Importa saber quais são as porções da renda relativas ao capital e ao trabalho por

unidade produtiva. Como se viu antes neste trabalho, as participações do capital e do

trabalho nas funções de produção dos países subdesenvolvidos estão fortemente

influenciadas por fatores estranhos a suas economias, e, em grande parte, incontrolados por

eles. Do ponto de vista do empresário, pode acontecer que as técnicas de produção mais

econômicas não sejam aquelas de maior interesse do ponto de vista da economia nacional.

Um exemplo disso são as técnicas economizadoras de trabalho 2 em economias nacionais

onde há muita mão de obra ociosa. Celso Furtado nota a preferência habitual dos

empresários por essas técnicas em comparação com as técnicas economizadoras de capital.3

A conseqüência dessa preferência num sistema industrial relativamente pequeno, com uma

estrutura inadequada a suas dimensões, ao lado de outros fatores tais como uma

produtividade por homem mais baixa que a adequada às técnicas utilizadas pelo setor

industrial. Pode-se argumentar dizendo que o aumento de produtividade em um setor

aumenta a produtividade na economia em seu conjunto, mas o problema que se assinala

aqui consiste em que certos aumentos de produtividade por homem em certos setores têm

menos importância para a economia em seu conjunto, se outros setores contribuem para

criar desemprego disfarçado. Contudo, raciocinando com as coordenadas da produção

capitalista, é preciso admitir que o espírito empresarial tende a produzir uma minoria de

vanguarda onde a produtividade da mão de obra será mais alta que nas outras empresas.

Uma crítica inevitável a essa visão do problema consiste em mostrar que esses aumentos de

produtividade são temporários e que tendem a ser anulados por reajustes do sistema

produtivo em seu conjunto.

2 Preferimos a expressão técnicas economizadoras de trabalho em vez de técnicas poupadoras de trabalho, porque a segunda expressão indica trabalho que se deixa de realizar enquanto a primeira indica situações em que se obtém mais produto por um trabalho que será realizado. 3 Celso Furtado, A análise marginalista do desenvolvimento em Contribuições à análise do desenvolvimento, Rio, Liv. Agir ED., 1957.

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O papel dos empresários de tipo schumpeteriano no dinamismo da economia não

pode ser ignorado. Serão eles que incitarão o aumento de produtividade no conjunto das

empresas e, por seu intermédio, a economia entrará em condições de concorrer

internacionalmente. Dado seu pequeno número nos países subdesenvolvidos, eles merecem

apoio, enquanto sua ação drene o mercado de trabalho e impeça o congestionamento de

efeitos negativos na produtividade do capital em novos investimentos. Mas, obviamente,

eles segundo a lógica do capital e tendem, adiante, a descartar emprego.

Esse problema pode estar ligado a outro fator externo à economia nacional, mas

com resultados semelhantes. É que como os países subdesenvolvidos geralmente obtêm

seus bens de capital mediante importação, dada a pequenez de sua demanda comparada

com a dos grandes centros produtores, terminam por importar bens demasiado luxuosos

para suas condições de renda. A razão disso está em que não é econômico para os

produtores alterar suas séries de produção para atender demandas pequenas. Em alguns

casos essa situação tende a modificar-se para alguns países subdesenvolvidos, porque o fato

de que alguns deles tenham alcançado níveis significativos de industrialização tende a ser

estímulo suficiente para se produzam bens duráveis mais adequados ao seu perfil de renda.

Há, portanto, uma diferença entre o que é distribuição funcional por unidade produtiva e a

participação global do capital e do trabalho na renda nacional.

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3. A distribuição vertical

A distribuição da renda entre níveis de renda – a distribuição vertical – merece um

cuidado especial pelas relações que guarda com as condições estruturais da economia. No

caso das economias subdesenvolvidas, notoriamente naquelas onde não há uma

industrialização significativa, as condições institucionais fazem com que uma grande

concentração de renda em mãos dos proprietários dos meios de produção coincida com uma

baixa renda por homem ocupado. Isso, tanto se se considera o setor primário isoladamente,

como no relativo à população economicamente ativa em seu conjunto, em que as condições

do emprego rural condicionam a composição do emprego em seu conjunto.

A desigualdade das escalas de renda envolve, por um lado, um problema de

formação de poupança e, por outro lado, um problema de justiça social. Ambos se fazem

sentir nos países subdesenvolvidos. A concentração de poupança em mãos de um

determinado segmento da sociedade corresponde a uma abstenção de consumo vital por

outros segmentos, que quebra os princípios mais elementares de justiça social. Pode-se

argumentar que é um sacrifício necessário para a formação de poupança para investimento,

mas com os ideais de obter crescimento econômico com estabilidade, e implicando nessa

expressão, não só os requisitos de estabilidade montaria, senão também de estabilidade

social, uma distribuição muito desigual pode provocar desequilíbrios sociais de

conseqüências políticas, capazes de impedir um esforço de desenvolvimento. Além disso,

quando se considera a distribuição no sentido vertical, é preciso não esquecer que mesmo

que nos países desenvolvidos esse tipo de desigualdade seja muito grande, no entanto não

está revestida das características cruciais dos países subdesenvolvidos, por acontecer a

níveis mais altos de renda. Também, numa economia rica como a norte-americana esse

fenômeno é encontrado. Apesar das deficiências de informações apontadas por Kuznets, 4

que a atribui à ênfase dada à produção e à conseqüente falta de interesse pelo uso das

rendas., seus estudos da economia norte-americana levam a concluir que a possível

4 Simon Kuznets, Long-term changes in the National Income of the U.S.A. since 1870, Income and Wealth, série II, pp. 141 -152.

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estabilidade nas variações seculares da distribuição por níveis de renda deve estar associada

ao aparecimento de novos receptores de renda.

A distribuição vertical da renda está ligada à distribuição funcional porque as rendas

mais altas raramente estão constituídas de salários. No entanto, é preciso examinar a

distribuição de renda entre altos e baixos salários e entre rendas regulares e irregulares dos

trabalhadores.

Numa economia desenvolvida, se se considera apenas o tipo de renda dificilmente

se apresenta essa situação. Nas faixas limítrofes, é difícil distinguir entre assalariado e

capitalista, porque os receptores de altos salários, geralmente administradores de empresas,

são, também acionistas das empresas em que trabalham. Tudo indica que essa união entre a

distribuição vertical da renda e sua distribuição funcional será ainda mais flagrante no caso

dos países subdesenvolvidos, onde esse tipo de salários altos é mais raro, porque é pequena

a esfera das sociedades por ações ou que estão dispostas a pagar salários altos.

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4. Distribuição setorial

Por isso, admitida a preponderância dos setores primários nos países

subdesenvolvidos, o escasso montante relativo de seus investimentos em capital social e a

conseqüente pequena participação dos serviços de transportes em suas economias de

industrialização incipiente, não se pode considerar mais que tautológica a desigualdade da

renda nacional nesses países entre os setores da produção. Uma combinação do volume de

emprego em cada um desses setores pela participação funcional do trabalho, expressa em

termos de renda real e ponderada pelas diferenças de produtividade por homem ocupado

em cada setor, daria a diferença de distribuição entre as remunerações de um e outro setor.

O aumento geral de produtividade em todos os setores que deve resultar de um

desenvolvimento equilibrado - equilibrado no sentido de não se tratar de uma tendência do

desenvolvimento que se extingue a curto prazo por causas estruturais e possuidor de pontos

de estrangulamento que deformem a estrutura dos preços dos bens e serviços por diferentes

setores, mesmo que ainda não tenham sido suficientes para comprometê-lo até sua extinção

– deve tender a diminuir no longo prazo as diferenças de produtividade entre os setores da

produção. Elas coexistem ainda, com as formas de desigualdade anteriormente citadas, nas

quais ainda não lograram um desenvolvimento significativo, e sua presença é tanto causa

como efeito da condição de subdesenvolvimento.

Entretanto, a desigualdade setorial não ser identificada com o subdesenvolvimento,

ou se incorreria num grave erro. A desigualdade setorial precisa ser corrigida,

fundamentalmente, pelas diferenças de provisão de recursos da área considerada, sendo

essa correção válida inclusive para as diferenças intersetoriais de produtividade. Nisso vai o

mito da falta de progresso tecnológico na produção agrícola. A possibilidade de

desenvolvimento de uma economia nacional está dentro dos limites impostos por seus

recursos e poderá combinar uma grande desigualdade setorial com uma utilização adequada

dos mesmos. Isso também converte a desigualdade setorial numa informação útil porém

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pouco utilizável isoladamente para explicar o significado das desigualdades incluídas no

padrão distributivo em sentido mais amplo.

5. Distribuição espacial

Nos países subdesenvolvidos de grande extensão territorial, para que se complete o

quadro da desigualdade da distribuição da renda, é preciso introduzir o elemento espaço,

como uma categoria histórica, que experimenta modificações ao longo do tempo, segundo

se consolidam as formas de produção vigentes. O espaço econômico do Brasil resulta da

sobreposição dos espaços criados pela progressão da exploração de mercadorias tais como

açúcar, fumo, produção pecuária; ao lado da concentração de espaços urbanos. Nesses

países há grandes desigualdades entre os tipos de agricultura – a agricultura para

exportação e para subsistência – e entre a produção rural e as atividades urbanas. São,

principalmente, desigualdades causadas por fatores conjunturais passados, que

compreendem todas as formas precedentes de desigualdade.

O fato de que as tendências do desenvolvimento se concentrem em determinadas

regiões de um país, faz com que o capital seja atraído para as áreas que se desenvolvem e

que, por conseguinte, se localizem ali as técnicas mais eficientes. O resultado é que a fração

da força de trabalho que se localiza nas regiões em desenvolvimento se beneficia de

trabalhar em unidades produtivas onde sua produtividade pessoal é mais alta e onde,

portanto, é possível ter atribuída uma remuneração individual mais alta. Isso cria uma

disparidade de remuneração que não depende da relação entre a quantidade de pessoas que

procura trabalho e o capital total, porquanto entram em jogo restrições de mobilidade do

capital e do trabalho à medida que aumentam as distâncias em jogo. Assim, se se considera

o uso de diferentes técnicas de produção em diferentes regiões do país, explicam-se

diferenças de remuneração para um mesmo tipo de profissão, que beneficiam aos

trabalhadores das regiões mais desenvolvidas. Mas essa disparidade geográfica está

agravada pela distribuição funcional da renda, porque a maior parte das unidades

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produtivas se localiza em áreas que experimentam desenvolvimento mais intenso,

diminuindo o número de unidades de capital por trabalhador nas áreas mais atrasadas.

Esse tipo de desigualdade está determinado pelas diferenças de concentração de

capital, podendo explicar as desigualdades da distribuição nos países mais desenvolvidos.

Nos países subdesenvolvidos ela deve ser complementada por argumentos de tipo histórico

tais como o rumo seguido pelo aproveitamento dos recursos naturais e pelos usos da terra.

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6. A desigualdade internacional

A expressão mais forte do sentido de localização do desenvolvimento econômico se

vê no plano internacional. As barreiras entre países deram forma às condições requeridas

para seu próprio interesse pelo desenvolvimento. As diferenças de dotação de recursos

constituem uma base residual dessas desigualdades. Contudo, abstraindo-se as vantagens

desse gênero, que alguns países levam sobre outros, surge uma desigualdade que exprime

os níveis de bem estar. A localização do desenvolvimento no plano internacional

historicamente separou o mundo em duas partes, deixando de um lado os países que

concentram a formação de capital e as rendas mais altas e de outro lado os países que não

conseguem reter formação de capital e têm rendas mais baixas. Toda a mudança do

complexo social, político e econômico resultante desse amadurecimento intrínseco foi

representado pelos níveis de renda percebidos pelos moradores de um e outro país. Essas

diferenças na distribuição da renda são a expressão da distribuição do desenvolvimento no

mundo, respondendo à classificação em centro e periferia. Além disso, essa classificação

envolve, não só o progresso do sistema produtivo, como também todas suas implicações em

bem estar e progresso do sistema político.

A mudança no padrão internacional do desenvolvimento depende de duas

possibilidades: (a) da capacidade endógena de cada país para desenvolver-se e (b) das

transferências internacionais de capital. O estudo dessas possibilidades é a própria teoria do

desenvolvimento. A possibilidade de eliminar a desigualdade internacional confunde-se

com o objetivo de desenvolver as economias subdesenvolvidas e está intimamente ligado à

ordem econômica internacional vigente, e, por meio dela, à ordem política internacional.

Nossos países subdesenvolvidos não podem se abster das especulações sobre o

desenvolvimento, porque muitos deles recentemente emergiram da condição de colônias.

Praticamente todos tiveram suas economias controladas por investimentos dominantes dos

países desenvolvidos e isto significa um vínculo muito forte com a ordem colonialista com

que tiveram que lutar.

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Para ser realistas e trabalhar o fenômeno do desenvolvimento sem tabus, não se

pode encarar esses vínculos de outro modo que como um dado do problema e enfrentar a

inevitável reação que aparecerá, tal como tem aparecido, nos países beneficiados pela

ordem econômica colonialista. Claro que, com isso não se pretende negar o interesse

sincero existente em vários círculos nos países desenvolvidos a favor do desenvolvimento,

já que realmente importa, para o caso é a reação dos grupos economicamente fortes nesses

países. Na maior parte dos casos, os interesses desses grupos são pela manutenção de uma

ordem que lhes convém. Principalmente porque sua ascensão no passado foi apoiada por

uma retaguarda de fornecedores de matérias primas, representada pelos países que agora

querem se desenvolver. A identificação do interesse de grupos particulares com os dos

próprios governos agrava o problema, que em muitos casos se soluciona com um mínimo

de atritos, mas que já se manifestou em suas formas mais violentas nas colônias em suas

lutas de independência. Sem ignorar os choques políticos internacionais cuja origem não é

o desenvolvimento, senão outros fatores que escapam ao escopo deste estudo, é preciso

reconhecer que a luta pelo desenvolvimento é, acima de tudo, uma luta de interesses. 5

Outra circunstância que não pode ser desprezada, para preservar o realismo do

pensamento sobre o desenvolvimento, refere-se ao conflito que se verifica, entre a

integração econômica internacional e a integração de cada país. O esforço de integração

nacional feito por cada país subdesenvolvido, concomitantemente ao seu esforço para

crescer, foi assistido no campo internacional por uma consolidação do mundo em blocos

políticos, cujos resultados são negativos para o desenvolvimento dos países

subdesenvolvidos. Além disso, a luta contra a ordem econômica colonialista nos países

subdesenvolvidos não pode estar dissociada de seu esforço em benefício de seu próprio

crescimento.

Essas circunstâncias da desigualdade internacional na distribuição da renda definem

os termos em que se poderá contar com transferências internacionais de capital para

auxiliar o aproveitamento da capacidade interna de cada país para desenvolver-se e alterar

sua posição internacional.

5 Ver Paul Baran, The Political EConomy of Growth, John Calder, Londres, 1956.

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7. A distribuição social

A teoria keynesiana, ainda trabalhando dentro dos limites endógenos da teoria

clássica, conduziu o debate do problema de que se ocupava – o desemprego e as variações

cíclicas – aos próprios fundamentos em que se assenta a solução capitalista desses

problemas. Assim, ela foi o ponto de partida para a inclusão de fatores até então

classificados como exógenos, tais como a estrutura da sociedade e a distribuição da renda

que lhe corresponde.6

Os aspectos pelos quais se considere a distribuição da renda, tal como vimos nos

parágrafos anteriores, indicam um escalonamento da renda para os diferentes grupos, que,

finalmente, exprime o nível de bem estar desfrutado por eles na sociedade em que vivem.

As funções desse tipo de distribuição como determinantes do padrão geral da distribuição

da renda, estão fortemente relacionados com as formas de produção utilizadas e com as

instituições políticas e sociais prevalecentes. No entanto, o aumento das funções do

governo no sentido de maior participação na vida econômica, bem como a persistência da

inflação, puseram a descoberto as possibilidades de variação dessa distribuição, já seja por

uma compreensão das atribuições do governo, ou pelas condições técnicas em que as

economias subdesenvolvidas são constrangidas a operar. Mais que situações de bem estar, a

distribuição social indica a margem de estabilidade e as condições de justiça social

prevalecentes 7.

Na perspectiva do desenvolvimento, a desigualdade social na distribuição da renda

combinada com o nível de consumo vital, dá o limite do esforço a que se pode submeter

continuamente uma economia. Os conflitos sociais que se originam e ganham corpo da

insatisfação pela desigualdade podem comprometer todo esforço de crescimento. Além

6 Paul Baran, op. cit. pp.8. 7 Desse modo, indicam-se as restrições políticas da taxa garantida de crescimento de que nos fala Harrod. O conceito de taxa garantida de crescimento dá por sentado que o crescimento do produto social não é afetado pelas condições de realização da mais valia, o que só pode ser aceito para uma economia de mercado aberto onde não haja ganhos de monopólio e onde a composição da demanda seja plenamente compatível com a composição da oferta.

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disso, as pressões inflacionárias que apareceram em diversos países subdesenvolvidos no

momento de seus esforços para crescer, desencadearam conflitos de interesses entre os

grupos que procuram manter ou melhorar suas posições na distribuição real da renda

nacional. Os diversos estágios do desenvolvimento econômico, que significam o

predomínio de certas atividades, correspondem ao predomínio de certas classes sociais.

Assim, as formas de exploração econômica sob cuja égide foram edificados quase todos os

países subdesenvolvidos implicaram numa preponderância dos proprietários de terra, cuja

conseqüência foi a orientação dos investimentos em capital social, em educação e da

própria produção agrícola, de modo que servisse aos interesses da classe predominante no

sistema. Assim, o aparecimento de uma tendência do desenvolvimento industrial em

economias com a referida orientação, introduziu um novo destino da renda para outras

classes em ascensão, tanto mais útil quanto os hábitos de investimento da nova classe são

mais adequados ao desenvolvimento.

Ao lado da importância dos hábitos de investimento das classes que detêm o poder,

convém notar a diferença das possibilidades de ascensão das pessoas através de grupos de

receptores de renda ou dos grupos que são afetados pelo deslocamento na composição

social do poder. A estabilização das sociedades agrícolas tem resultado numa crescente

rigidez das posições de classe e os países subdesenvolvidos não são exceção. No momento

em que a civilização européia tomou posse, ou que as nacionalidades se afirmaram, as

sociedades rurais que ali se afirmaram fizeram-no sob a inspiração das análogas européias,

imitando seus hábitos e privilégios, muitas vezes aumentados pelas condições favoráveis

que se lhes apresentavam no novo ambiente, sabendo que em seus lugares de origem não

teriam privilégios semelhantes. Foi, também, o modo de obter um prestígio que não teriam

em seus países de origem. De qualquer modo, as novas sociedades se fizeram com

estruturas rígidas, onde o aumento do número dos mestiços introduziu estratos

intermediários, entretanto, com poucas margens de mobilidade. As possibilidades efetivas

de aumento de bem estar das populações se ampliaram, como conseqüência da ampliação

do mercado de prestação de serviços, junto com alguns novos espaços para trabalho

especializado.

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Os parágrafos anteriores levam a pensar no problema da distribuição como numa

unidade polimorfa resultante de fatores históricos de conjuntura, recursos naturais,

poupanças transformadas em investimento e técnicas utilizadas para produzir e consumir.

Essa unidade encerra a resposta do problema de justiça social no país em seu conjunto e em

seus efeitos regionais. Conduz a uma explicação da proporção em que a má distribuição da

renda é responsável da estagnação. Finalmente, representa uma primeira aproximação de

resposta à questão de saber se o setor privado poderá reunir a poupança necessária para o

desenvolvimento. 8

Assim, somos conduzidos a uma realidade distributiva que se exprime numa divisão

funcional do trabalho, diferente daquela dos países desenvolvidos; em termos de uma

divisão por escalas de renda, ou de desigualdade de piores resultados; em termos de uma

baixa participação global do trabalho na renda; em termos de uma baixa participação do

trabalho na renda total; e termos de uma produtividade muito desigual entre os setores da

produção, e, por fim, em termos de uma grande desigualdade geográfica. Mas essa situação

dada de distribuição, que pode ser percebida num dado momento, evolui e transforma sob

a ação dos próprios resultados da produção a que se refere, e, sob a ação de fatores

institucionais que, depois terem concorrido para formá-las continuam agindo, comunicando

impulsos ou oferecendo resistências, e à ação de fatores conjunturais que agem no sentido

de provocar uma redistribuição de intensidade variável.

8 Indiretamente, essa é uma questão relativa ao papel do fundo público no processo geral de acumulação no sistema capitalista em seu conjunto e que corresponde a uma análise da produção capitalista.

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21

Capítulo 2. As funções da distribuição

1. Impulso e contenção do desenvolvimento

Desde que se busca verificar os condicionantes fáticos necessários para uma teoria

da distribuição da renda dirigida ao desenvolvimento, importa o que representa a própria

distribuição para a dinâmica desse processo. Segundo a função que tem desempenhado, a

distribuição da renda pode ser considerada como um elemento impulsionador do

desenvolvimento, sempre que atenda às necessidades de formação de capital requerida

pelos investimentos nos setores estratégicos da economia, fortalecendo seu dinamismo. A

análise dessas funções propulsoras do desenvolvimento leva a algumas indagações básicas.

Por exemplo, a desigualdade na distribuição é favorável ao desenvolvimento? Ou será o

desenvolvimento capitalista o causador da desigualdade? Por último, qual grau de

desigualdade é compatível com o desenvolvimento?

Essas indagações acompanham invariavelmente qualquer consideração que se

queira fazer sobre o papel dinâmico da distribuição. O desenvolvimento implica numa

capitalização crescente do processo produtivo e esta, logicamente, deve ser obtida por meio

de acumulação de capital, num crescimento endógeno, o qual, em última instância, será o

único modo de estudar as reais possibilidades intrínsecas de uma economia nacional. O que

importa, portanto, é como se faz a acumulação.

De um modo ou de outro, a acumulação é a retenção dos excedentes de produção.

Historicamente fez-se de diversos modos. Desde a pura e simples apropriação com apoio

militar até as modernas formas industriais de produção e o uso dos investimentos

dominantes. Enquanto isso, as pesquisas sobre as possibilidades dinâmicas com um maior

ou menor grau de desigualdade dificilmente poderão fazer-se apenas sobre comparações

históricas. É preciso trabalhar com os conteúdos sociais que acompanham as formas de

produção. Não se pode eludir o fato de que a distribuição da renda encara problemas de

justiça social. Desses problemas trataremos adiante. No entanto, observando os fenômenos

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desde um ponto de vista estritamente econômico, teríamos que considerar que os padrões

históricos de distribuição correspondem a modos pré-industriais e industriais de

crescimento. Os padrões de distribuição verificados num modelo de crescimento não

podem ser avaliados sob as condições de outro modelo. A análise que se propõe neste

estudo volta-se para as condições sociais da distribuição nos países subdesenvolvidos hoje.

Voltemos a nossa argumentação. Deixando de lado o problema da mecânica da

acumulação, que não é nosso objetivo central, voltemos nossa atenção para a propulsão do

processo de desenvolvimento que pode resultar das condições de distribuição da renda.

Geralmente se diz que para viabilizar a acumulação de capital, a distribuição da

renda deverá ser tão desigual quanto for necessário para concentrar recursos para

investimento. Um argumento nesse sentido é que não se poderia promover o

desenvolvimento numa economia onde uma distribuição muito igualitária impedisse a

formação de poupança suficiente para os grandes investimentos necessários para a indústria

moderna. Contudo, pode-se supor que a distribuição igualitária significaria uma formação

de capital mais democrática, onde os bancos fossem intermediários e não os controladores

dos investimentos. Superficialmente, é um argumento a ser qualificado por níveis de renda.

Essencialmente, essa é uma colocação que se refere às condições históricas da composição

do capital.

O verdadeiro problema dos países subdesenvolvidos consiste na tendência objetiva

que liga a concentração social da poupança com concentração da capacidade de investir,

onde capacidade de investir significa conhecimento do mercado, de técnicas de produção e

de organização da produção e da comercialização. O problema de competência surge como

fundamental para julgar diferenças de desempenho das economias nacionais, tanto das mais

desenvolvidas como das menos desenvolvidas e em determinados momentos da formação

de capital. A preferência por um ou outro setor e por um ou outro ramo de atividade

reflete-se, adiante, nas mudanças de composição do sistema produtivo, portanto, na

expressão qualitativa da taxa de crescimento do produto. Nesse sentido, o grande problema

dos países subdesenvolvidos está em que a distribuição da renda seja compatível com uma

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composição de investimentos por sua vez compatível com a sustentação da taxa de

crescimento.

Isso leva a rever o argumento setorial. Não se trata somente de distribuição entre

setores, senão da composição do capital em cada setor. Nos países subdesenvolvidos o setor

agrícola é responsável, direto ou indireto, da maior parte do produto. O desenvolvimento

vem acompanhado da introdução ou da expansão de um setor industrial. Mesmo que seja

comum uma rápida elevação da produtividade da agricultura durante os impulsos de

expansão industrial, o setor industrial tende a participar com uma proporção gradualmente

maior do produto nacional. Esse fenômeno, que se explica por ser a indústria o setor onde o

próprio modelo de funcionamento do capital permite maior reintegração do produto na

forma de capital, significa uma considerável redistribuição setorial da renda, que tende a

perpetuar-se, acompanhando uma profunda alteração na estrutura produtiva da economia, à

medida que ela se desenvolve. Nesse caso, o realinhamento setorial da capacidade de

produção é uma conseqüência da tendência e do modo de crescimento, que se desenvolve

com ela. 9

Considerando a disposição espacial10 da economia e os efeitos do crescimento nela,

é preciso admitir que concentrando-se mais numa área que em outra, o crescimento agrava

a desigualdade já existente, ou uma suavização apenas se se faz com recursos antes não

utilizados que novas tecnologias tornam utilizáveis. De qualquer modo, os efeitos verticais

e setoriais do crescimento são aleatórios, não havendo fundamento lógico algum em fazer

generalizações sobre análises comparativas de países.

O aspecto da distribuição que tem sido mais tratado pela análise marginalista é o da

distribuição funcional da renda, que examinaremos na segunda parte deste ensaio. Em

termos gerais, enquanto se podem vincular as variações da distribuição funcional da renda 9 Uma diferença fundamental entre a abordagem histórica da economia e a análise marginalista está na concepção de setores, como conseqüência da composição do capital ou como perfis técnicos. Agricultura e indústria são setores enquanto não se olha para suas inter-relações nem para as combinações de interesses das empresas em uma e na outra. Para trabalhar com a distribuição se precisa de uma conceituação mais rigorosa de setor. 10 Aqui se usa a expressão disposição espacial do sistema produtivo para indicar onde ele se encontra e distinguir de localização, que indica decisões de onde localizar as atividades.

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com a acumulação de capital, com as circunstâncias político-sociais e com o grau de

monopólio.

A acumulação de capital tende a fazer com que aumente a proporção do produto que

fica em poder dos capitalistas, basicamente porque se trata de desenvolvimento do sistema

capitalista de produção, que se faz mediante captação de mais valia. As circunstâncias

políticas e sociais podem constituir um freio a essa tendência, tanto como o fortalecimento

das instituições protetoras do trabalho – organização sindical, legislação trabalhista etc. -

seja eficaz. A tecnologia tende a favorecer a participação do capital, mas também cria

oportunidades seletivas para os trabalhadores, tanto para trabalhadores qualificados como

para trabalhadores com melhores condições de se qualificarem.

A análise do grau de monopólio é uma contribuição importante de Kalecki a essa

análise. O papel do grau de monopólio como fator favorável a uma maior participação do

capital na distribuição funcional da renda depende do desenvolvimento das forças

produtivas, das instituições políticas e sociais e da tecnologia. A questão do grau de

monopólio interessa, especialmente, no relativo aos investimentos dominantes. No capítulo

5 adiante examinam-se as idéias de Kalecki, focalizando nos efeitos do grau de monopólio

na distribuição da renda..

A pesquisa que se faz neste capítulo corresponde ao objetivo central do ensaio.

1. Apresentando uma função inversa à vimos comentando, o padrão prevalecente de

distribuição da renda pode ser um elemento de bloqueio do crescimento nas situações de

orientação negativa da desigualdade, tal como comentamos nos parágrafos anteriores. Na

opinião de W.Arthur Lewis é o hábito de investimento produtivo que distingue as nações

ricas das nações pobres, antes que as diferenças em igualdade de renda, ou as diferenças

relativas aos mais ricos. Discordarmos, porque se formos buscar a raiz do hábito dos

investimentos produtivos, concluiremos que certas classes têm mais que outras e que a

desigualdade na distribuição é um dado fundamental dos processos de desenvolvimento.

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25

Em muitos países subdesenvolvidos, onde a principal fonte de renda é a agricultura,

geralmente orientada para o mercado externo, soe acontecer que os detentores dessa fonte

de renda agrícola também concentram a propriedade fundiária e o poder político

conseqüente a seu poder econômico. Tais grupos, que vêm a agricultura como uma

atividade pouco mais que extrativa, dão à terra um uso muito inferior ao que seria possível

com o capital e as técnicas disponíveis.11 Entretanto, esses grupos não estão dispostos a

relaxar de seu poder econômico, baseado em seu controle da terra, controlando os

movimentos que alteram a estrutura fundiária e, direta e indiretamente, controlando a

produtividade da exploração da terra. Esses grupos, por sua posição privilegiada, têm

padrões de consumo ditados pelos países mais desenvolvidos, o que resulta em uma parte

significativa da renda nacional gasta em consumo suntuário. Sem interesse em

investimentos que quebrem os padrões prevalecentes, essas pessoas realizam muitos

investimentos improdutivos em aquisição de propriedades, que é um modo de valorizar seu

capital e ganhar status segundo os padrões ideológicos de seu segmento social.

O inverso da estagnação pelos padrões de distribuição são aqueles países e regiões

subdesenvolvidos, onde as leis sucessórias, unidas a uma grande pressão demográfica sobre

extensões reduzidas de terra, determinam a predominância de propriedades muito pequenas,

que são os minifúndios. A minifundização retém grandes contingentes de população rural

submetida a rendas ínfimas, vinculados à produção de produtos de baixo valor adicionado e

que operam em condições econômicas e técnicas inadequadas. Numa visão mais penetrante

do problema, pode-se dizer que a minifundizaçào é um processo complementar daquele de

concentração fundiária, onde o essencial da questão rural é o controle da produção rural,

que se faz através de uma combinação do controle da produção com o controle da

comercialização da produção, onde o controle da produção depende do controle da água e

do capital incorporado nas unidades produtivas.

2. O fator integração e a justiça social

11 A subutilização da terra nas grandes propriedades na América Latina em geral e no Brasil em particular foi comprovada em inúmeros estudos realizados por órgãos internacionais durante a década de 1960, especialmente pela OEA e pelo Banco Inter Americano.

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A teoria da distribuição é uma parte da teoria econômica claramente social. Suas

formulações estão estreitamente vinculadas a diversas concepções da justiça social e dos

destinos da sociedade. As contribuições trazidas pelas diferentes correntes do pensamento

econômico são, por isso, representativas da filosofia social que as sustenta. Não

surpreenderá, portanto, que nem sempre as idéias, explícitas ou implícitas, dos economistas

sobre o que realmente é a distribuição justa do produto nacional concordassem; ou que,

também, não tivessem a preocupação de trabalhar a teoria da distribuição como um

elemento da teoria do bem estar mais que como um estudo puro e simples de como se

divide o produto entre seus fatores, como já colocara Ricardo. A pesar disso, o inegável

fundamento social da teoria da distribuição entranha uma das funções básicas do

movimento de transformação do capital e do produto.

Um padrão de distribuição do produto implica sempre numa certa situação de

justiça social, que poderá ser julgada desde diferentes pontos de vista, mas que não poderá

ser negada. Os fatores da produção representam as forças constitutivas da sociedade, e esse

fato aparentemente banal deve ser considerado pela teoria da distribuição, sob pena de ficar

esquecida essa condição fundamental do funcionamento das economias nacionais, que é sua

estabilidade social. É preciso não esquecer que todo o movimento de desenvolvimento

iniciado depois da segunda guerra mundial, está constituído de movimentos sociais cuja

meta principal é a justiça social, na esfera nacional e na internacional. Por ser uma

aspiração dos que buscam o desenvolvimento econômico, a justiça social – que é uma das

principais formas de que se reveste o corte social da distribuição – converteu-se numa das

diretrizes tácitas dos programas a serem executados, influindo, portanto, de modo

ponderável, no tratamento que se dá aos agregados componentes do produto nacional.

A justiça social é uma meta do desenvolvimento quando o padrão atual de

distribuição é um empecilho ao próprio processo de desenvolvimento e quando, mesmo

servindo aos modelos pelos quais se realiza o desenvolvimento, as condições de

distribuição são consideradas injustas pela sociedade. Em ambos casos, a conseqüência

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concreta será uma alteração estrutural da base econômica sobre a qual se espera que haja

desenvolvimento.

Nas situações em que predomina o desejo consciente de melhorar a base

institucional para o desenvolvimento, é evidente que a distribuição se torna um elemento

favorável, mas, fora disso, converte-se em obstáculo inicial do desenvolvimento. Aí, esse

padrão socialmente negativo de distribuição atinge negativamente os processos sociais

através de alterações das instituições que sustentam a atividade social. A transformação de

uma economia exportadora de matérias primas em economia exportadora de produtos

industrializados envolve uma alteração profunda do padrão social da distribuição, com uma

reorientação espacial do destino da renda e, principalmente, com a introdução de atividades

em que a distribuição funcional será diferente, porque estará ordenada pelas novas formas

de produção. Por fim, a justiça social inclui a incorporação da população e do espaço

produtivo na maioria dos países subdesenvolvidos na América em geral. Isso ser refere

especialmente àqueles paises que têm uma parte considerável de sua população ocupada em

atividades primárias e em regime de troca. Claro que a incorporação desses grupos sociais

representaria um aproveitamento de capacidade de produção e um melhoramento de

condições de vida. Incorporação surge como o oposto da exclusão inerente ao sistema

colonial.

3. Função conjugada da distribuição.

Qualquer dos aspectos pelos quais se veja a distribuição não deve ser considerado

como algo isolado. A distribuição pode influir na dinâmica da economia através de uma

série de condições como as seguintes.

• Uma concentração de renda em uma classe, acompanhada de alicientes para os

investimentos necessários para o desenvolvimento.

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• Uma ampliação sensível das fronteiras da técnica, capaz de criar uma classe para

tomar o poder econômico, de modo súbito ou gradual, capacitando-a para influir no

destino dos investimentos no país.

• Oportunidades externas que facilitem a passagem do poder na direção de uma classe

até então de segunda ordem, através de uma mudança de orientação setorial dos

benefícios provenientes do exterior.

• Condições anormais do mercado internacional que obriguem o país a usar sua renda

para a industrialização, mesmo quando na distribuição de renda já prevalecente.

• Uma revalorização das atividades econômicas, no sentido de atribuir uma maior

parcela de renda e de importância para as classes inversionistas.

Em seu conjunto, essas condições desembocam em duas grandes possibilidades, que

são as de que o processo desenvolvimento se inicie dentro de condições gerais de

distribuição capazes de permitir o aparecimento de uma tendência de crescimento do

produto social com certa composição do capital, ou de que o desenvolvimento transcorra

com o apoio de uma alteração nos padrões de distribuição da renda nacional. Além disso,

cabe anotar que essas duas possibilidades estão condicionadas pelos efeitos que se

acumulam de alterações estruturais do sistema produtivo. É o que André Marchal apontou

como as alterações progressivas de estrutura que deslocam o sistema até transformá-lo em

outro sistema e as mutações bruscas de estrutura que levarão a de imediato a essa nova

forma sistemática. 12 Mesmo aqui é preciso ter claro que essas duas possibilidades não

excluem que o desenvolvimento comece dentro de certo padrão de distribuição da renda e

que a aceleração do processo crie as condições para alterar o destino da renda nacional.

Inversamente, o desenvolvimento pode com o aparecimento de um setor novo que,

ganhando importância no sistema por operar a níveis mais altos de produtividade, produza

uma alteração rápida de um certo padrão de distribuição da renda e que essa nova

distribuição se suavize em seus aspectos mais drásticos dentro de certo período, inclusive

aproximando-se do padrão anterior.

12 André Marchal, Methode Scientifique et Science Écnomique, Problemes actuels de l’analyse économiique, Tome II, Editions Genin, Paris, 1956.

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29

A grosso modo, essas duas alternativas poderiam ser identificadas do seguinte

modo. No primeiro caso, o desenvolvimento de economias primário exportadoras, que são

estimuladas pela abertura de uma corrente de comércio exterior. No segundo caso, o

aparecimento de um núcleo de atividades industriais, por empresas isoladas ou por

complexos industriais.

4. Estruturas de mercado e tecnologia

É preciso reconhecer que as condições de absorção de tecnologia são diferentes nas

diferentes estruturas de mercado. A distribuição é afetada por um conjunto de fatores que

aparecem constantemente na teoria da renda nacional, que, segundo Kurihara 13 são os

seguintes: Monopólio, mudanças tecnológicas, importância relativa dos fatores, condições

de emprego, estrutura tributária, instituição da herança e outros fatores.

A importância do monopólio foi mostrada por Kalecki em sua teoria, que explora os

efeitos de condições de monopólio sobre os fatores da produção. O essencial dessa teoria

será examinado adiante.

O trabalho pouco qualificado predomina nos países subdesenvolvidos, com poucas

possibilidades de mudança. Há baixos salários para trabalhadores não qualificados e

dificuldade de qualificar os trabalhadores. A falta de flexibilidade do mercado de trabalho

leva a um aumento do emprego com menores rendas individuais dos trabalhadores.

As mudanças tecnológicas nos países subdesenvolvidos vêm acompanhadas de

treinamento equivalente de mão de obra, quando esses países importam técnicas dos países

mais desenvolvidos. A grosso modo, as mudanças tecnológicas têm as conseqüências de

(a) aumentar a participação do capital na divisão funcional da renda, atribuindo, em

13 Kenneth Kurihara, Distribution, employment and secular growth, em Post- Keynesian Economics, Londres, 1955.

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conseqüência disso, uma maior retribuição para esse fator no produto total; e (b) diminuir o

emprego total quando essas novas técnicas economizam mão de obra.

As mudanças tecnológicas geralmente acompanham períodos de expansão e se

concentram nos setores de vanguarda do sistema produtivo. O fato de que haja períodos de

expansão implica em dizer que se trata de épocas em que aumentam as oportunidades de

emprego. Contudo, se não se pensa necessariamente em termos de investimentos em

expansão – e não de investimentos de manutenção do sistema - e se admite que as

mudanças aconteçam apenas na modernização dos processos de uma capacidade já

existente, no que concerne às atividades onde essas mudanças são mais prováveis, as

mudanças tecnológicas podem operar em forma negativa naquelas atividades que absorvem

mais mão de obra, impactando negativamente na distribuição funcional da renda.

Nos países subdesenvolvidos as condições de emprego têm certas peculiaridades. A

baixa produtividade do trabalho permite o emprego de grande número de trabalhadores que,

de outro modo, só encontrariam emprego se houvesse uma expansão do produto sem

renovação tecnológica. O desemprego disfarçado, que incide desigualmente nos diversos

setores da produção, responde pelo crescimento exacerbado dos quadros de funcionários

em cargos determinados por políticas do Estado ou das empresas. O excedente de

trabalhadores, principalmente em funções de trabalho não qualificado, pressiona as

oportunidades de emprego, impedindo uma elevação da participação relativa do trabalho na

renda. No modo como essa pressão se distribui entre trabalho qualificado e não qualificado,

há uma pressão vertical, de baixo para cima, em detrimento da qualidade dos trabalhadores

que concorrem a um mesmo conjunto de postos de trabalho. Assim, as condições sociais do

emprego nos países subdesenvolvidos tornam necessário separar a margem de desemprego

disfarçado de suas economias, para que se perceba seu desenvolvimento como um

incremento real da produção líquida por homem hora, que aconteça em condições de pleno

emprego. Torna-se claro que o desenvolvimento aqui não se entende como a simples

expansão do capital, senão como a ampliação do trabalho atual no processo de produção.

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Tal movimento acontece em condições de desigualdade da situação tributária. Há

aspectos de concentração social da carga tributária, de capacidade para evitar a carga

tributária e de concentração social dos benefícios resultantes do pagamento de impostos.

Uma grande parte da população não tem capacidade de pagar impostos. Há um conflito

fundamental entre o objetivo fiscal de sustentar a despesa pública e o objetivo social de

estender os benefícios da despesa social aos que não têm renda suficiente para pagar

impostos.

A situação tributária logicamente se conecta com o problema da herança, que

protege a desigualdade de capital. A questão de justiça social envolve a questão de uma

tributação significativa das heranças em países onde uma grande parte das riquezas

privadas é proveniente de apropriação violenta ou de concessões obtidas do controle do

Estado.

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SEGUNDA PARTE: ANTECEDENTES TEÓRICOS

Capítulo 3. A contribuição dos Clássicos.

Como o objetivo central deste trabalho é o estudo do papel da distribuição da renda

no processo de desenvolvimento, é preciso averiguar a importância a ela atribuída na teoria.

O papel atribuído à distribuição permite ver quais foram as linhas fundamentais do

pensamento sobre essa matéria, despojadas de suas roupagens circunstanciais. Veremos o

papel da distribuição na concepção dos economistas clássicos, reservando para o capítulo

seguinte a apreciação das contribuições de Marx e dos modernos.

Adam Smith

A escola clássica trouxe para a economia uma concepção determinista, que se

estendeu às formulações teóricas sobre a distribuição. Nesse caso estão as idéias de Adam

Smith que, mesmo não tendo dado um tratamento sistemático à distribuição funcional da

renda, trouxeram essa qualidade que tende a ser descuidada pelos críticos. Como diz Dobb, 14 “ introduziu-se nos negócios do homem um determinismo até então reservado às leis da

natureza. A sociedade econômica adquiriu um conceito determinista”. A base social é o

fundamento da teoria clássica da distribuição.

O caráter determinista da economia traçado pelos Clássicos depende de sua

concepção de sociedade. Crendo que a sociedade tinha alcançado sua plena madurez,

procuraram formular leis gerais que a regiriam, a partir da base empírica de que dispunham.

Supondo que essa base empírica poderia representar toda a experiência da sociedade, nada

mais lógico que procurar leis universais. Daí, que a contribuição dos Clássicos conduz a

uma sistematização cuja justificação seria a maturidade da economia da Europa ocidental.

14 Maurice Dobb, Political EConomy and Capitalism, New York, 1954.

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No entanto, a base social da obra de Smith não se limita a essa experiência. Quando

discute as condições favoráveis dos padrões de distribuição na formação dos salários, aduz

outras circunstâncias sociais, tais como suas comparações da agricultura inglesa com a

polonesa.Seu tratamento social do problema da distribuição foi esvaziado por seus

sucessores, até perder sua natureza histórica e circunstancial. Esse abandono foi criticado

por Paul Sweezy em seu estudo da economia marxista ao rever os Clássicos.15 No entanto,

não se pode avaliar corretamente a obra de Smith sem colocá-la na situação histórica que

lhe corresponde. A não consideração das limitações do acervo teórico de que dispunha

Smith levou vários de seus comentaristas a subestimarem o papel da distribuição em sua

obra. Nesse caso estão Cannan e Barre, que dizem que Smith estuda a distribuição como

subsidiária da teoria dos preços. Cannan argumenta baseado em que a teoria da distribuição

foi tratada por Smith no capítulo sobre preços e não foi seguida por uma distinção entre o

preço natural e o preço de mercado das mercadorias. No entanto, ao recorrer ao próprio

Smith, percebe-se que o preço total para ele não era mais que a valoração do produto

nacional, que em linguagem moderna é a renda nacional, que ele se esforçava para provar

que não era a medida adequada para aferir a riqueza das nações. “O mesmo que o preço ou

valor de troca de toda mercadoria tomada por separado resolve-se em alguma e em todas

essas três partes, assim também o de todas as mercadorias que formem o produto anual

total do trabalho de cada país, em seu conjunto há de resolver-se nessas mesmas partes e

dividir-se entre os diferentes habitantes do país... dessa mesma maneira se distribui

originalmente entre alguns dos diversos membros de cada sociedade tudo que recolhe ou

produz anualmente por seu trabalho, e, o que vem a ser o mesmo, seu preço total”. 16

Desse modo, os objetivos teóricos de Smith na mesma lógica que orientou sua

divisão em capítulos, tornavam inúteis aquelas discussões consideradas como essenciais

por Cannan. Mas a explicação da crítica talvez esteja em que, tanto Cannan como Barre,

tomaram Smith ao pé da letra, não utilizando essa valoração do produto por seu preço total

com a verdadeira função lógica desempenhada por ela no esquema smithiano. Se Smith

valorava o produto por seu preço total, inevitavelmente, teria que discutir o preço como um

15 Paul Sweezy, Teoria del desarrollo capitalista, México, FCE, 1958. 16 Adam Smith, La riqueza de las naciones, Fondo de Cultura Económica, México, 1958.

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somatório das diferentes participações dos fatores da produção, tal como se faz com a renda

nacional a preço de mercado. Logicamente, portanto, sua teoria da distribuição estava

fortemente ligada à valoração da renda nacional, mas não era sua conseqüência. Além

disso, partindo de que os componentes do preço podem crescer independentemente uns dos

outros, tal como fez Smith, a conseqüência será que ao estudar-se o preço natural dos

fatores e seu crescimento, se estaria de fato discutindo sua participação no preço total e as

possibilidades de ascensão social dos grupos seus detentores. Não se está, portanto, fazendo

mais que pura distribuição. Cannan subestimou Smith por ter visto nele apenas uma análise

funcional da distribuição, ignorando suas circunstâncias históricas.

O alcance teórico da obra de Smith pode ser mais bem apreciado ao considerarem-

se as observações de Keirstead, 17 de que seu interesse pela troca de mercadorias e pelo

preço de mercado foi uma tese subordinada e circunstancial, introduzida para demonstrar a

ineficácia do valor monetário do produto nacional como termo de medida da riqueza de

uma sociedade.

A obra de Adam Smith contém algumas contribuições líquidas para a teoria da

distribuição. Uma delas é distinguir entre os destinos da renda, que é, praticamente, a de

hoje. A dupla orientação que deu ao seu trabalho conduziu a um estudo macro e

microeconômico do problema, ao que Cannan denominou de pseudo-distribuição e

distribuição efetiva. Uma contribuição de Smith foi, também, a análise do que ocorre com a

participação dos diferentes fatores durante um processo de crescimento. Apesar das

limitações empíricas com que trabalhou, seu enquadramento dos termos do problema é uma

das partes que mais nos interessa agora, quando tentamos integrar as tendências

distributivas de cada modo de crescimento com os recursos disponíveis em cada um desses

modos de crescimento.

Malthus

17 Keirstead, B.S. apud Francisco Zamora, Dinâmica económica, FCE,México, 1958.

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35

A figura de Malthus tem sido quase sempre omitida pelos historiadores econômicos,

exceto no que se refere a sua teoria da população. Além disso, cabe atribuir-lhe a

importância que realmente teve para a teoria da distribuição da renda.

Malthus foi um economista que uniu uma intuição audaz a uma lógica penetrante,

sendo, além disso, um excelente escritor, e sua contribuição à teoria da distribuição,

segundo os interesses deste trabalho, pode ser resumida nos seguintes pontos:

a. Identificação da existência de uma renda diferencial da terra;

b. Tratamento da distribuição desde um ponto de vista funcional;

c. Inclusão de condições de desenvolvimento entre as premissas de sua

exposição.

Segundo ele, “há certas características relacionadas com a renda da terra que têm

grande afinidade com um monopólio natural... devido a sua escassez relativa”. A essas

circunstâncias chama de monopólio parcial. Contudo, a renda da terra quase não estaria

determinada por esse motivo. Malthus distinguiu três causas para a renda da terra: a

qualidade produtiva do solo, a aptidão de criar sua própria demanda e sua escassez relativa.

Considerou a primeira delas como uma dádiva da natureza ao homem, independente de

qualquer monopólio. A qualidade produtiva do solo estaria relacionada com sua capacidade

de criar demanda para seus produtos, e sobre esse ponto Malthus desenvolveu um

pensamento sobre a base da lei de Say. O monopólio parcial a que se refere se relaciona

com a escassez relativa da terra e as conseqüências do sistema de apropriação nas épocas

primitivas de ocupação da terra. Não considerou adequadas as formas pelas quais essa

ocupação foi feita, como lhe atribuiu Roll, pois julgou-as excessivamente violentas,

preferindo, por isso, observar esse mesmo fenômeno nos países que em sua época estavam

sendo colonizados.18 Apesar de tudo, a argumentação de Malthus baseou-se na admissão de

uma intervenção da natureza na explicação do fenômeno da renda da terra, como notou o

mesmo Roll. Ali estaria, como veremos adiante, o germe do desenvolvimento da teoria da

renda da terra de Ricardo, e a base para toda uma argumentação distributivista.

18 Eric Roll, História das doutrinas econômicas, Cia Ed. Nacional.

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36

Malthus atribuiu quatro causas ao aumento da renda da terra durante o que

denominou de desenvolvimento normal das sociedades civilizadas e avançadas, que são: a

acumulação de capital, o aumento da população, os melhoramentos agrícolas e o aumento

de atividade em geral e o aumento do preço dos produtos agrícolas.

Diferentemente do que faria Ricardo, Malthus não viu um obstáculo ao processo de

crescimento na queda do estimulo para o investimento, apesar de crer que isso aconteceria.

Seu pensamento leva a que a remuneração do capital sofra reduções proporcionais à medida

que for necessário procurar solos menos férteis, apesar de que o capital sempre preferirá

fazê-lo antes que ficar ocioso. E o móvel dessa atitude será a satisfação das necessidades de

uma população crescente.

Ricardo

Pertence a Ricardo a afirmação de que a principal finalidade da ciência econômica é

o estudo da distribuição. Essa afirmação, feita em carta a Malthus, consagrada no prólogo

dos Princípios de Economia Política e repetida pela maior parte de seus críticos, exprime

bem a importância da teoria da distribuição em sua obra. A distribuição da renda entre

capitalistas e rentistas de um lado e trabalhadores de outro lado é o fundamento do modelo

que conclui com a visão de uma situação de estagnação geral, o chamado estado

estacionário. Ricardo retomou a teoria da renda diferencial onde West a tinha deixado.

Abandonou todos os argumentos baseados em uma interpretação da natureza e nos favores

especiais recebidos pelo homem. Como diz Kaldor, 19 o interesse de Ricardo pelo problema

da distribuição não se vincula à questão da simples distribuição funcional, senão a sua

crença de que a teoria da distribuição ofereceria a chave para a compreensão do mecanismo

do sistema econômico, em última análise, do próprio desenvolvimento, ao determinar a

taxa de progresso. Se se examina com cuidado, portanto, há uma coincidência de enfoque

entre Ricardo e o que nos parece ser de interesse dos países empenhados em se

desenvolverem. Claro que ressalvadas algumas diferenças, porque Ricardo buscava uma

19 Nicholas Kaldor, The alternative theory of distribution, (1956).

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37

espécie de chave mestra da ciência econômica, enquanto nosso interesse, mais limitado, é a

identificação das qualidades dinâmicas do padrão de distribuição como variável implicada

no processo de desenvolvimento. Um e outro, entretanto, significam a atribuição de

qualidades dinâmicas ao padrão de distribuição.

Contudo, vale anotar o papel regulador da população no dinamismo da economia. O

aumento de salários está detido pelo crescimento demográfico e o fator que na teoria de

Ricardo conduziu ao uso de terras inferiores para cultivo ainda é o crescimento

demográfico. Acerca da ocupação de terras inferiores produzida por esse fenômeno,

Ricardo encontra os dois princípios básicos sustentadores de sua teoria: o principio

marginal e o princípio do excedente. A participação dos salários está dada pela teoria do

fundo de salários, o da renda da terra pelo princípio dos rendimentos decrescentes,

deixando determinada a participação dos lucros em forma residual. Ainda é o crescimento

da população que servirá de freio para a queda da participação dos lucros, como um

resultado inverso de sua ação sobre os salários. Assim, Ricardo pensava que o

desenvolvimento seria mais rápido nos países com abundancia de terras férteis, por que

neles a acumulação de capital poderia avançar mais rápido que o aumento da população.

Se bem a teoria de Ricardo conduz antes à estagnação própria do estado estacionário

que a uma possibilidade efetiva de crescimento, adverte-se nela uma compreensão do

aproveitamento do padrão de distribuição como elemento dinâmico, desde que na forma de

relações entre os fatores de produção a que constitui a base de seu modelo e a suposição

que o levou ao seu fim lógico, isto é, que o processo de desenvolvimento conduziria as

economias nacionais a uma situação de desestímulo para os investimentos, pelo que

surgiria a estagnação.

Além disso, a teoria ricardiana trouxe uma contribuição à análise da distribuição

intersetorial e ao seu equilíbrio, dado que pressupõe correspondências entre as taxas de

lucro obtidas nos diferentes setores e a situação de equilíbrio. A equivalência intersetorial

das taxas de lucro seria a base da retenção de capital numa ou noutra atividade.

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38

John Stuart Mill

A contribuição trazida por Mill à teoria da distribuição depende diretamente da

maior maleabilidade dada pelo modelo básico de crescimento produzido pelos Clássicos, ao

qual correspondia uma tendência endógena à redução do estímulo para investir, e em

conseqüência disso, para crescer. A posição de J.S.Mill sobre esse ponto encontra-se no

anexo ao capítulo XIV de seu tratado de economia política. Ao admitir novas

possibilidades técnicas de uso do capital - combinação de capital adicional com terra

disponível - Mill retirou algo da inexorabilidade do advento do estado estacionário

contemplado no modelo de Ricardo, pela combinação da teoria da renda da terra com a do

fundo de salário, introduzindo um limite tecnológico, além da restrição física. Essa

limitação tecnológica, exterior ao setor agrícola, permitia um incremento dos recursos

sempre que as novas técnicas forem capazes de aproveitar terra disponível que antes não

eram economicamente aproveitáveis. Começa a haver, portanto, uma possibilidade de

incorporar produto à capacidade produtiva, não contemplada no modelo ricardiano. Os

efeitos de monopólio, que chegam com as novas técnicas, passam a influir no padrão de

distribuição.

A base sobre a qual Mill raciocina ainda é a mesma oferecida pela teoria

demográfica de Malthus. Em sua opinião, onde o desejo de acumular de uma população é

suficiente – o que, correspondendo à vontade de se desenvolver, seria um requisito

indispensável do desenvolvimento – o empobrecimento da população seria causado pela

impossibilidade de atender à solicitação resultante do aumento de população através da

combinação de capital com terra, dada a tecnologia atual. Pior do que acontece com os

outros Clássicos – especialmente Smith – Mill foi julgado por seus críticos, que não

consideraram adequadamente sua contribuição à teoria da dinâmica do crescimento. O

chamado ecletismo de Mill seria uma incoerência com sua adesão ao socialismo e ao

liberalismo.

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Segundo a teoria de Ricardo há uma tendência decrescente da taxa de lucro ao

avançar a produção. Observe-se que essa tendência só se materializa porque as compras dos

trabalhadores são cada vez menos suficientes para reproduzir o capital aplicado. Para Smith

haveria uma queda da taxa de lucro, de terminada pela concorrência entre os capitalistas

que, pressionados, pagariam salários cada vez maiores aos trabalhadores. Para Ricardo, a

elevação dos salários seria menos proveitosa para os trabalhadores, porque resultaria no

encarecimento dos meios de consumo, provocado pela necessidade crescente de usar terras

em piores condições. Vê-se, assim, que a argumentação de Ricardo depende

primordialmente de observações sobre a economia rural, envolvendo por isso, uma

excessiva simplificação no relativo ao sistema de comercialização, que se tornou um ponto

fundamental da análise de Marx. Segundo Ricardo, portanto, quem reteria um aumento

líquido de remuneração não seriam os trabalhadores, que individualmente continuariam no

nível de subsistência, mas seriam os proprietários das terras. Mais uma vez, faltou a

Ricardo ligar as vantagens de reter a propriedade fundiária e de controlar as condições

materiais da formação do capital.

Smith acreditou que o aumento da produtividade do trabalho, resultante das

inovações introduzidas no processo de produção, seria um freio suficiente para a queda da

taxa de lucro. Ricardo foi mais pessimista a esse respeito, mas, um e outro tacitamente

admitiam que o aumento da população, com uma absorção cada vez maior do produto total

pelos trabalhadores, seria o móvel conducente ao estado estacionário. Talvez por ser mais

pessimista que Smith – e por contemplar uma ação significativa do Estado 20 - tanto em

termos de política fiscal como de política colonial, para contrabalançar os efeitos negativos

do crescimento demográfico.

20 Não se pode esquecer que Ricardo optou espontaneamente por uma atividade legislativa e que foi um parlamentar voltado a assuntos econômicos.

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40

Capítulo 4. Marx e os contemporâneos

Marx

Tal como Ricardo, Marx usou a teoria da distribuição para explicar a dinâmica do

sistema econômico, que distinguiu como sistema capitalista de produção ou como sistema

burguês. No entanto, há uma diferença muito grande entre os dois, quanto à direção dada ao

uso da distribuição. Ricardo vinculou a distribuição da renda à explicação da queda

progressiva do impulso para crescer, apoiado em alguns pressupostos básicos, tais como o

crescimento demográfico, a importância crucial do setor agrícola para a distribuição

funcional da renda e o fundo de salários. Com Marx aparece uma conceituação tácita da

atividade econômica como atividade industrial, no sentido mais amplo dessa expressão.21

Essa concepção do sistema produtivo como de um sistema industrial – ou industrializado –

significou uma mudança de posição acerca do tratamento que se dá a vários dos

pressupostos da teoria ricardiana, dentre os quais o relativo ao nível dos salários.

Do mesmo modo que os clássicos, Marx previu uma redução da taxa de lucro sem

que, entretanto, os motivos desse movimento em sua opinião fossem os mesmos

imaginados por Ricardo. Ao contrário de seu predecessor, Marx previu a possibilidade de

continuação do funcionamento do sistema produtivo. Exatamente, são essas possibilidades

onde se introduzem as mudanças mencionadas frente às premissas dos clássicos. Marx

admitiu a possibilidade de que outros fatores se introduzissem no modelo, permitindo a

continuação de uma taxa de lucro suficiente para estimular a acumulação de capital. Tais

fatores seriam um aumento da taxa de exploração, viabilizado pelas inovações tecnológicas

responsáveis de uma elevação da produtividade dos trabalhadores e a formação de um

excedente de mão de obra, constituindo o exército de reserva.

21 Acerca dessa conceituação ampla da atividade econômica como atividade industrial – equivalente de certo modo à conceituação antropológica de cultura – ver, por exemplo, Pei-Kang-Chang, em Agricultura e industrialización. Chang faz uma apreciação cuidadosa do tema no começo do livro, evidenciando a propriedade de um conceito amplo de indústria ao lado do comum, que é mais restrito. Estendendo esse tratamento aos diversos setores da economia, Marx levanta os pontos em comum de todos eles, que são os usos de capital fixo e de trabalho nos departamentos I e II.

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Não tendo sido o primeiro a tratar o problema da substituição de trabalhadores por

máquinas – Ricardo já tinha feito antes, mostrando como as máquinas economizadoras de

trabalho liberam quantidades de trabalho, entretanto retendo trabalho nas quantidades e

composição que lhe são necessárias – Marx tratou desse problema independentemente da

teoria demográfica de Malthus, vinculando-o a uma teoria geral da acumulação. O poder de

expandir-se do capital aumenta com sua acumulação. Para Marx, a queda da mais valia

resultante do aumento – relativo e absoluto – do uso de capital acumulado, e a conseqüente

absorção do exército de reserva, compensaria a redução do ritmo da acumulação mais

adiante, quando houver escassez de mão de obra, mantendo-se a capacidade de explorar do

capitalista.

Além das qualidades apontadas, o modelo de transformação econômica de Marx

dota a análise da repartição do produto nacional de três características, que foram

habilmente expostas por Jean Marchal 22: macroeconômica, de longo prazo e sociológica.

Tais características configuram a abordagem marxista, Se bem Jean Marchal não as tenha

utilizado para identificar o dinamismo implícito no padrão distributivo, o debate sobre as

tensões num dado regime econômico e o exame das possibilidades de formular leis da

evolução do padrão de distribuição, o debate sobre as tensões num dado regime

econômico23 e o exame das possibilidades de se formularem leis da evolução do padrão

distributivo ao longo do crescimento sobre bases capitalistas, implicam num modo indireto

de uso desse padrão de distribuição – do capital e da renda – para identificar o tipo de

dinamismo de que se trata. Por outro lado, as três características descritas aproximam o

esquema marxista do objetivo central que procuramos dar ao tratamento do padrão de

distribuição da renda.

A preponderância dos elementos de longo prazo sobre os de curto prazo tem como

conseqüência natural uma desvinculação inicial do padrão de distribuição dos fatores que,

regendo as possibilidades de crescimento a curto prazo, estão, no entanto, ligados às

condições de crescimento a longo prazo. Inversamente, as influencias coletivas que se

22 Jean Marchal, Deux essays sur lê marxisme, Editions de M. Génin, Paris, 1955. 23 Uma característica essencial da análise de Marx é dedicar-se a explicar o atual sistema capitalista de produção, que distingue dos modos pré capitalistas de produzir.

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manifestam por uma transformação das instituições, e cuja atuação pode ser observada a

longo prazo, foram omitidas pelos economistas mais interessados no curto prazo, tanto

neoclássicos como keynesianos. O plano do longo prazo das transformações das

instituições não se faz pela passagem de um esquema institucional a outro, senão acontece

como resultado do amadurecimento do sistema atual, 24 que prossegue ininterruptamente,

sob a ação de desafios contínuos do sistema de relações internacionais a que as economias

nacionais estão submetidas. O contexto internacional é essencial à produção capitalista

desde sua origem.

Isso faz com que os fatores a curto prazo sejam essencialmente instáveis, já que

estão pré-condicionados por esse quadro a longo prazo, que não é processado pela análise

econômica. Além disso, esses elementos a curto prazo são as expressões mecânicas dos

elementos do longo prazo, pelo que, sua não consideração representa uma insuficiência

teórica da própria análise a curto prazo.

Os marginalistas

Tal como Marx, os marginalistas – ingleses - partiram da teoria de Ricardo, mas

seguiram um rumo muito diferente. 25 O enfoque marginalista tem suas bases no princípio

da utilidade marginal e partiu da elaboração ricardiana da renda da terra. Os marginalistas

deram um lugar central a uma tese lateral de Ricardo, procurando generalizar e construir

através da generalização de seu uso. Esse novo uso do principio da utilidade marginal e

suas implicações para o esquema geral do marginalismo, foram bem sintetizados por

Kaldor.26 Ricardo limitou o uso do principio da utilidade marginal à análise das aplicações

do fator variável trabalho ao fator constante terra. Como inferência dessa aplicação, o

princípio marginal mostrava como um fator constante ganhava a diferença entre o produto 24 Marx denomina de desenvolvimento das forças produtivas, que engloba os aspectos materiais e os de conhecimento incorporados pelos trabalhadores. 25 É preciso registrar desde aqui a diferença epistemológica entre a corrente inglesa e a corrente austríaca do marginalismo, com o contraste entre a visão positivista austríaca e a visão empirista inglesa. 26 Nicholas Kaldor, Alternative theories of distribution, Review of Economic Studies, fevereiro, 1956.

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médio e o produto marginal do fator variável. Os marginalistas, ao expandir o uso do

princípio marginal para toda a economia focalizaram em seu uso inverso.

Suas concepções são nitidamente microdinâmicas. Estando basicamente

interessados em criar um corpo teórico capaz de responder à teoria marxista do valor

trabalho, os economistas neoclássicos – herdeiros dos marginalistas – elaboraram um

esquema distributivista em caráter e intenção, incapaz de oferecer uma base para uma teoria

do desenvolvimento. Um esboço do que poderia ser uma teoria do desenvolvimento nos

moldes neoclássicos foi-nos dado por Celso Furtado.27 Os economistas neoclássicos

ignoraram as condições materiais determinantes do nível da poupança e que influem na

redistribuição da renda a longo prazo. Dada a situação de consumo total da renda em que

vive a maioria da população nos países subdesenvolvidos – e ali importa saber se a

desigualdade de renda é igual ou não nos dois tipos de países - é fundamental para quem

estuda os países subdesenvolvidos, conhecer a origem e o comportamento da poupança.28

Entende-se ser essa uma causas da pouca valia de sua teoria para uma análise do

desenvolvimento.

Desde o ponto de vista da teoria da distribuição, Kaldor considera indiscutível a

contribuição marginalista em três pontos. Primeiro, marcando o vínculo necessário entre a

teoria da produção e a teoria da repartição da renda, através da relação entre a

produtividade marginal e a demanda de fatores, pondo em relevo a associação essencial

entre a produtividade e a remuneração dos fatores. Segundo, é uma teoria econômica

fundamental que traz de volta a atenção aos problemas de valor e às funções econômicas da

renda, assim oferecendo elementos inestimáveis para a política econômica. Terceiro,

oferece uma explicação homogênea e unitária da remuneração dos fatores da produção.

27 Celso Furtado, El análisis marginal y la teoria del desarrollo, México, El Trimestre Económico, 1958. 28 Nesse ponto não há como deixar de considerar o argumento de que os países e as regiões subdesenvolvidos exportam capitais para os países e regiões mais desenvolvidos, através do mecanismo controlado da comercialização de seus produtos, do controle do financiamento e da migração de capitais formados nas atividades primário-exportadoras. Esse argumento foi apresentado por nós na análise do funcionamento da economia da região cacaueira na Bahia (A Zona Cacaueira, 1959).

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No entanto, entendemos que o caráter microeconômico da análise marginalista

constitui uma limitação semelhante àquela da crítica de Böhm-Bawerk a Marx. A falta de

uma resposta satisfatória à teoria do valor trabalho foi oportunamente apontada por Paul

Sweezy. O marginalismo realiza um deslocamento temático na teoria do trabalho, que

significa desconsiderar os argumentos relativos à exploração e reduz tudo a uma

proporcionalidade da remuneração dos fatores, sem entrar no mérito da restrição dos

pagamentos aos trabalhadores. É revelador que autores como Raymond Barre e Paul

Samuelson utilizam a crítica de Böhm-Bawerk sem mencionar esse deslocamento temático.

Mas Paul Sweezy contra-argumentou baseado no caráter global da extração de mais valia,

que afeta o sistema de produção em seu conjunto. Mais penetrante ainda nos parece a

análise de Paul Baran, quando distingue as condições históricas que regem a diferença entre

a renda real e a renda potencial.

O viés microeconômico da análise marginalista é o mesmo que levou Schumpeter a

perder o significado do “fluxo circular” dos Fisiocratas, ao reduzi-lo a relações entre

indivíduos. Entendemos que, mesmo admitindo que os marginalistas extraíram elementos

válidos de análise, tanto para as economias de mercado aberto como para as economias

planificadas, e que contribuíram amplamente para progressos no domínio da distribuição

funcional da renda, o viés microeconômico limita decisivamente o escopo da teoria, que se

torna incompatível com a construção de uma teoria unificada da distribuição.

A teoria do grau de monopólio

A teoria do grau de monopólio é a contribuição de Michal Kalecki a este debate. A

teoria de Kalecki baseia-se na determinação da participação dos salários de trabalho manual

na renda nacional pelo grau de monopólio e pela relação entre a despesa total em materiais

e o montante dos salários. Trata-se, portanto, de uma exploração da explicação de Marx da

acumulação em geral. Usa o pressuposto de uma análise a curto prazo onde o grau de

monopólio - elemento que se agrega ao lucro – é a diferença entre o lucro marginal obtido

em condições de concorrência perfeita e o lucro marginal obtido sob condições

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monopolísticas. Vê-se que na verdade Kalecki toma um aspecto da análise de Marx da

estruturação do sistema produtivo e extrái dela um rebatimento – a nível micro – das

condições de formação da taxa de mais valia, retirando dela, entretanto, seu significado

histórico, isto é, reduzindo a análise de Marx a um argumento mecanicista.

A teoria do grau de monopólio foi formulada para o caso específico do setor

industrial e construída a partir de uma unidade industrial. Exprime-se por um sistema de

três equações básicas, que se apóiam em pressupostos representativos das economias

nacionais mais desenvolvidas. Trata o grau de monopólio como uma situação e não como

um processo, pelo que se aproxima mais de Keynes que de Marx.

A proposição básica resultante do desenvolvimento dessas equações é de que as

partes dos capitalistas e dos assalariados na renda bruta estão determinadas pelos retornos

do capital, com grande aproximação ao grau de monopólio.29 Evidentemente que isso seria

inaplicável em condições de mercado aberto, quando o grau de monopólio seria nulo, ou

em condições de processos de monopolização que sejam mutuamente bloqueados. Os

motivos pelos quais a teoria do grau de monopólio é pouco aplicável para nós radicam em

suas características de curto prazo que condicionam essa combinação de micro e

macroeconomia. Mesmo se expandindo essa abordagem a outros setores da produção, seria

difícil integrá-la com esse esforço de ver as qualidades dinâmicas do padrão distributivo.

Inicialmente, a teoria de Kalecki tem para nós o interesse de que seu entendimento

da participação do trabalho manual está adequada à composição do trabalho nas economias

subdesenvolvidas, onde há uma proporção majoritária de trabalhadores ocupados em

atividades de baixa tecnologia em que o componente de trabalho manual é mais elevado

que a media das economias mais industrializadas. Esse, seguramente, é um ponto que exige

maior aprofundamento, porque não se trata de maior número de trabalho manual stricto

sensu senão de maior carga de trabalho por unidade de produto, mesmo em ambientes em

que decresce a participação de trabalho manual propriamente dito. A hipótese básica de

29 Michal Kalecki, The determinantes of distribution of National Income, Econometrica, agosto, 1938.

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uma economia onde o trabalho socialmente necessário diminui lentamente é a mais

próxima da realidade para o conjunto de cada economia periférica, mas compreende setores

onde ele cai rapidamente e outros onde ele se mantém praticamente invariante. Não há

como supor que todos os setores da indústria se comportem do mesmo modo, como se em

todos houvesse a mesma concentração de capital.

A teoria keynesiana

Neste trabalho trata-se principalmente de contribuições de pensadores considerados

como adeptos das idéias de John Maynard Keynes que das obras dele mesmo. A teoria de

Keynes contém pressupostos de concentração de renda, implícitos no mecanismo de sua

teoria do investimento, mas sua análise da formação de renda está prejudicada por seu foco

no curto prazo. Para nossos fins, interessam mais as obras de alguns economistas rotulados

como post-keynesianos. Especialmente, interessam-nos mais os trabalhos de Nicholas

Kaldor e de Roy Harrod.

Baseado nas idéias de Keynes, Nicholas Kaldor começou um esquema teórico da

distribuição, publicado em um artigo na Review of Economic Studies de fevereiro de 1956.

Nele, partiu de um novo uso do multiplicador, prescindindo da sua finalidade original de

determinação do nível do emprego, para utilizá-lo na determinação da relação preços-

salários, tomando como dado o nível do emprego. Tal como ele mesmo admite

explicitamente, a condição necessária para a validez de seu esquema teórico é o pressuposto

de ser o investimento uma variável independente. Seria perfeitamente concebível o uso

desse pressuposto numa economia desenvolvida. A dependência ou a autonomia dos

investimentos nesse caso estaria em função dos estímulos para investir. Noutras palavras,

dependeria da demanda efetiva, supondo-se uma propensão para investir igual à unidade.

Nas economias subdesenvolvidas também haverá lugar para o pressuposto do investimento

autônomo, sempre que houver demanda insatisfeita, isto é, que a demanda cresça mais

rápido que a capacidade de produção, o que seria inevitável, especialmente se o processo é

analisado a nível dos setores da produção. Contudo, grande parte do volume dos

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investimentos nessas economias depende de variações na propensão a investir, causadas

especialmente pela insuficiência de sua capacidade para importar e pela inadaptabilidade

técnica de sua estrutura produtiva para produzir os tipos específicos de bens necessários

para a realização dos investimentos.

Noutras palavras, a teoria keynesiana do investimento encontra limitações

decorrentes da composição do capital, que limitam decisivamente sua validade a longo

prazo. Mais ainda, se essa limitação fosse considerada no contexto de um modelo de

planejamento econômico, seu pressuposto básico, que é o caráter independente da variável

investimento, não seria válido. Isso porque a necessidade de fixar metas para um programa

tornaria necessário estabelecer taxas de crescimento e então, afastada a possibilidade de

variações bruscas na relação produto/capital a curto prazo, o investimento se tornaria uma

variável dependente dentro do sistema.

A premissa a partir da qual Kaldor supõe que a relação investimento/produto seja

uma variável independente é a de que ela está determinada pela taxa de crescimento da

capacidade de produção e pela relação capital/produto, o que implica admitir uma

adaptabilidade perfeita do sistema industrial para produzir os bens necessários aos

investimentos, além de uma capacidade suficiente para atender em quantidade e em tempo

adequado a essas necessidades de produção. Isso significa que a análise de Kaldor contém

uma simplificação que não é explicada e que restringe sua aplicabilidade às mesmas

condições de curto prazo da análise keynesiana em geral. 30

A alternativa é dispor de uma capacidade de importação que se expande sem

elevação de custos. A primeira das duas alternativas é utópica. Quanto à segunda, a

30 Esse aspecto de adaptabilidade do sistema está muito pouco explorado na corrente keynesiana e está apenas indicado por Harrod, como um desdobramento da teoria do acelerador.. Para nós é fundamental, porque reflete os movimentos progressivos da composição do capital, que logicamente mudam de feição à medida que o sistema se torna mais complexo. Observamos que a análise do desenvolvimento desenvolvida nas economias mais ricas e poderosas pressupõe que essa adaptabilidade está dada e, praticamente, representada pela renovação de tecnologia. Entendemos que essa é uma simplificação improcedente, já que a adaptabilidade está ligada ao desempenho do grande capital e que se distribui desigualmente no sistema produtivo e ao longo do tempo.

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experiência dos estudos do subdesenvolvimento mostra como surgem restrições de balança

de pagamentos, em que a capacidade de importar enfrenta dificuldades crescentes.

Distribuição, emprego e crescimento secular

Nesta parte consideram-se os argumentos que ligam a distribuição aos movimentos

do sistema produtivo em períodos longos, que é uma pré condição necessária da análise do

desenvolvimento, mesmo quando se trata com problemas de subdesenvolvimento em curto

prazo. A referência de longo prazo envolve duas considerações, que são as de que as

principais mudanças na composição do capital se realizam em longos períodos, e que

somente com um horizonte de longa duração é possível apreciar os principais

deslocamentos na relação entre a expansão do sistema produtivo e as modificações da

população. As implicações do processo de distribuição em períodos longos são parte

essencial da formulação teórica de Marx, mas ficaram perdidas no marginalismo em suas

diversas correntes.

Por isso, vale a pena examinar a contribuição de Kenneth Kurihara. Na linha do

pensamento keynesiano, Kenneth Kurihara, em trabalho incluído em coletânea de

economia post-keynesiana, analisou os fatores que influem na distribuição, a relação entre a

distribuição e o equilíbrio a longo prazo, estudando-a, por fim, através da função consumo

e da função investimento. O trabalho de Kurihara parte da justificação do enfoque de

Keynes da teoria do emprego, segundo a qual a estrutura distributiva pode ser tomada como

dada quando se considera o nível do emprego no curto prazo. No longo prazo, contudo – e

é nesse ponto que nosso interesse coincide com o dele – acontecem alterações institucionais

significativas que afetam a distribuição. Por extensão – e por um efeito de integração com o

modo de produzir – a distribuição afeta o emprego e o crescimento secular do produto,

introduzindo-se assim um efeito distribuição entre as variáveis macroeconômicas

intervenientes no crescimento.

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Partindo dessas premissas, o objetivo do trabalho de Kurihara é analisar as relações

entre a distribuição da renda e o emprego secular no contexto de um equilíbrio dinâmico.

No transcorrer do trabalho, Kurihara tenta, além disso, provar que a diferença entre os dois

lados da dinâmica que servem de base para as elucubrações de Harrod, de Domar e de Joan

Robinson – o investimento e a poupança – são mais aparentes que reais. Justifica-se o

interesse dos mencionados economistas, tanto como o do próprio Kurihara, e o dos

economistas dos países mais desenvolvidos, onde supostamente a propensão a investir não

é um problema. A partir daí, desenvolve uma análise da relação da função consumo e da

distribuição, considerando que são os efeitos dos hábitos de consumo que têm maior peso

na análise a longo prazo.

Para nós, essa análise deve ser revista, porque esses pressupostos sobre o efeito

renda da distribuição têm diferente sustentação para os países mais ricos e maiores e para

os países mais pobres e menores. A análise de Kurihara refere-se a hábitos de consumo e

nós precisamos ter claro que se trata das condições históricas do consumo dos diferentes

grupos sociais, que estão delimitadas pela segmentação social e não só por diferenças de

posição numa distribuição contínua do consumo. O consumo está condicionado pelas

condições de pobreza de grupos provenientes da sociedade escravista e que não têm nem

tiveram acesso a oportunidades de obter renda. Por isso, são diferentes curvas de consumo

com as quais é preciso trabalhar. Assim, só será possível reorganizar essa análise estudando

a estrutura do consumo dos países subdesenvolvidos, distinguindo – tal como fez Ricardo –

o consumo dos que têm rendas do capital, o dos que têm rendas de trabalho e considerando

nossos equivalentes dos wanderers de que ele fala, que são todos os que têm ficado fora do

mercado de trabalho.

Hábitos de consumo ou propensão a consumir são qualificações cujo significado

fica restrito a sociedades em que todos participam do mercado com rendas regulares, isto é,

onde não há exclusão significativa. Certamente, não são as condições dos países latino-

americanos em geral nem do Brasil em particular.

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TERCEIRA PARTE

FATORES DETERMINANTES DA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

Capítulo 5. As formas de produção

Se considerarmos a produção em seu estagio primitivo, poderemos perceber que o

problema da distribuição da renda praticamente não existe tal como ele geralmente é

concebido e discutido. O lavrador que trabalha sua própria terra e o artesão que recolhe a

matéria prima no ambiente onde vivem recebem o valor total da produção que realizam.

Numa comunidade onde todos trabalham desse modo não há como formar uma

desigualdade acentuada na distribuição da renda entre as pessoas, a não ser por fatores tais

como a raridade dos bens que se produzem, a qualidade das terras que se cultivam, etc. Na

sociedade capitalista moderna as coisas acontecem de modo muito mais complexo,

demandando uma análise mais detalhada da relação entre a formação de renda e a

distribuição da renda disponível. Adam Smith compreendeu a importância do aumento da

complexidade nos métodos de produção para a distribuição da renda, tendo sido esse, em

conseqüência disso, seu primeiro ponto de abordagem da teoria da distribuição. Como

vimos no Capítulo 3, todo o esquema teórico construído pelos Clássicos, inclusive a teoria

da renda diferencial, em sua essência, está sustentado num raciocínio desse gênero.

A identificação das formas de produção como elemento determinante do processo

distributivo faz-se a partir da consideração de que a estreita dependência entre a demanda

efetiva e o padrão prevalecente de distribuição da renda implica em uma relação das formas

de produção e a dinâmica das economias nacionais, dependente, por sua vez, da demanda

efetiva. Evidentemente que há essa circularidade de interdependências dá num raciocínio

tautológico, que toma efeitos por causas. Mas essa tautologia só aparece enquanto se tenta

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resolver teoricamente os problemas da distribuição apenas na esfera da renda, isto é,

enquanto não se trabalha com a relação entre distribuição da renda e formação de capital.

Isso significa colocar a distribuição como uma decorrência do modo de produção

capitalista e, especificamente, como um movimento que está atrelado às formas específicas

em que se materializa o modo de produção capitalista. O modo de produção capitalista se

operacionaliza numa combinação de formas industriais de produção com formas de

operação bancárias e com uma extensão às formas de produção rural. A visão do sistema

socioprodutivo como de uma combinação de formas de produção é um desdobramento

inevitável da abordagem de Marx31 , que se situa na perspectiva de processos históricos que

se materializam em formações sociais, que são a expressão das economias nacionais32 ,

com seu componente material e seu componente ideológico, com suas práticas operacionais

e suas instituições. Assim, a leitura do processo através das formas de produção não é ,

portanto, uma redução de seu fundamento histórico, nem é uma perda da dimensão crítica

da tensão entre a progressão da formação de capital e a concentração de renda social. Nesse

sentido, as formas de produção definem as qualidades dinâmicas próprias do sistema

socioprodutivo, convertendo-se em limites de suas possibilidades imediatas de crescimento.

As formas de produção estão vinculadas às respostas históricas encontradas para os

problemas de ajuste das estruturas suscitados pelos movimentos de crescimento do produto

social. Constituem os matizes introduzidos em uma ou outra parte, com as complicações

introduzidas pelas circunstâncias, aquilo que Henri Guitton denomina de regimes

produtivos.33 Esses regimes estiveram ao longo da história, baseados em determinados

estágios da técnica que, por suas próprias características estruturais, incluem certas

respostas aos problemas sociais da distribuição dos resultados do trabalho, variando desde

os conceitos legais da propriedade da renda até as formas habituais de remuneração do

capital e do trabalho. O fundamento institucional surge como uma determinação histórica

31 A doutrina de Marx sobre os modos de produção significa que o modo de produção capitalista é sempre misto – e não só complexo – porque carrega formas superadas de modos anteriores, que dão a originalidade de cada formação social. 32 É oportuno lembrar que Marx se refere nominalmente a economia nacional e que reconhece as implicações de uma análise de processo internacional do capital como de um processo que pode ser definido nos parâmetros institucionais das nações. 33 Henri Guitton, Economia Política, Rio de Janeiroi, Fundo de Cultura, 1959,vol. II, pp. 12.

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52

das condições técnicas da produção e não como um elemento separado do quadro técnico

da economia.

O papel dinâmico das formas de produção veio a ter importância na teoria

econômica de Marx, onde aparecem como resultados da experiência prática da produção.

Essa importância pode ser aferida das seguintes linhas “Na produção social que realizam os

homens, estão em determinadas relações, que são independentes de sua vontade. Essas

relações de produção correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das

forças materiais de produção. A soma total dessas relações de produção constitui a estrutura

econômica da sociedade – a base sobre a qual se levantam as superestruturas legal e política

e da qual correspondem determinadas de consciência social” 34 A seguir, desenvolvendo as

possibilidades dinâmicas implicitamente admitidas nesse raciocínio, prossegue: O modo de

produção na vida material determina o caráter geral dos processos sociais, políticos e

espirituais da vida...Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças materiais de

produção existentes - isso não é senão uma expressão legal do mesmo – com as relações de

propriedade dentro das quais tinham operado antes. De formas de desenvolvimento das

forças de produção essas relações se converteram em suas travas” 35 É a dialética marxista

aplicada à base material do processo econômico, a produção em suas formas técnicas,

apresentando-as como as forças dinâmicas que comovem regimes econômicos

estabelecidos sobre formas de produção anteriores, agitando-os, preponderando sobre eles e

passando a ser a base de sustentação dominante até que outro movimento técnico, incluindo

nessa expressão as relações sociais que acompanham a todos os movimentos técnicos, as

comovam por sua vez e produzam um movimento semelhante. Para Marx, a importância da

mais valia transcorre desde a forma histórica específica do capitalismo como forma de

produção. No capitalismo, portanto, não importava o fato em si da exploração de uma parte

da população por outra, senão a forma assumida pela exploração, isto é, a produção de mais

valia. Para nós, entretanto, interessa discutir não só esse aspecto global do movimento que

nasce das formas de produção, senão também as implicações que esses movimentos têm

sobre o padrão geral da distribuição.

34 Karl Marx, El capital, México, Fondo de Cultura Econômica, 3 vols. 1956. 35 Karl Marx, op. cit.

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O debate distributivo baseado na crítica das formas de produção foi anterior a Marx

e estava implícito no interesse de Ricardo no mecanismo da distribuição da renda da terra.

Essa distribuição seria a causa central de conflitos entre diferentes grupos considerados pela

forma de sua participação na produção e, como assinalaria Sweezy36, preferiu o capital. Em

segundo termo, as formas de produção são a causa oculta por cuja presença não se pode

perceber com clareza as verdadeiras condições em que se encontram os indivíduos para ter

acesso aos meios de produção. A estrutura dessas formas de produção, tal como ocorre na

produção capitalista, pode impedir o acesso de muitos indivíduos aos referidos meios de

produção, restringindo seu controle àqueles que representam o setor estrategicamente bem

situado na estrutura do sistema produtivo. Essa impossibilidade foi muito menor ou

simplesmente não existiu nas formas pré-capitalistas de produção. Contudo, a produção

capitalista aparenta uma igualdade baseada na produção de mercadorias na base de relações

contratuais que, em princípio, não impedem o acesso de todos ao consumo.

No modo pré-capitalista de produção organizado sobre uma combinação de

exploração agrícola com artesanato, a possibilidade de que se formem grandes

desigualdades na distribuição depende da estrutura da propriedade fundiária e da

participação da economia nacional em um sistema de relações internacionais.

Historicamente, para os países que estão atualmente tentam emergir do

subdesenvolvimento, a grande fonte de desigualdade na distribuição resultou do primeiro

fator, desde que o segundo dependeu sempre do período econômico dos países mais

desenvolvidos, seja expressado por suas frotas, seja por uma alta participação na própria

comercialização interna de seus produtos agrícolas. Sob tais condições, considerando-se

que a propriedade rural tende a perpetuar-se por herança, o excedente da produção terá um

destino sempre igual, fixando as possibilidades dinâmicas do padrão distributivo. O

resultado geral sempre foi uma retenção do excedente de produção em mãos de uma classe

rural dedicada a produzir para exportar e com oportunidades e interesses de investimento

36 Paul Sweezy, La teoria del desarrollo del capitalismo, México, FCE,1956.

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bastante reduzidos 37. Assim, a menos que os próprios produtos de exportação sejam

alimentos, a tendência é para que o processo de urbanização gerado pelo comércio seja

prejudicado, quando não detido, por uma alta constante do custo de vida, causada pela

escassez de alimentos. Tal escassez de alimentos, como se sabe, tem sido um traço

característico dessas economias exportadoras de matérias primas agrícolas e mineiras.

Haverá, portanto, um duplo choque entre os interesses naturais dos detentores da

agricultura de exportação, dos indivíduos dedicados a produzir alimentos 38 e dos

integrantes dos centros urbanos. Esse conflito de interesses precede a determinação de

classes sociais, que aparece primeiro nos centros urbanos, mas que tem um indiscutível

fundamento rural.

Essas têm sido as mais próximas dentre as novas formas de produção e aquelas que

com mais facilidade se identificam com as tendências de industrialização da produção em

geral. Identificam-se com a agricultura de exportação, de modo geral, como uma faixa de

intermediação, em que avultam interesses opostos aos dos agricultores. Igualmente, apesar

de que raramente se tenha dito, há uma conjunção de interesses com os dos produtores de

alimentos em todas as oportunidades de começo de industrialização, quando se precisa

elevar rapidamente o coeficiente de urbanização. Apesar disso, enquanto perdurar o sistema

tradicional de agricultura de exportação, serão os comerciantes das cidades seus integrantes

complementares que, entretanto, a encaixam num sistema mais amplo de relações

internacionais.

A capitalização das formas de produção em muitos países subdesenvolvidos

precedeu sua industrialização. Geralmente ela começou pela própria agricultura de

exportação, inclusive como parte da produção colonial. Entretanto, deixada de lado a fase

37 A produção de mercadorias para exportar na América Latina em geral esteve controlada por grandes comerciantes localizados nas principais cidades, que, por sua vez, estiveram sob o controle de grandes capitais instalados nos países líderes da economia mundial. O poderio econômico da Inglaterra esteve claramente associado a sua capacidade de controlar os negócios com as principais mercadorias, tais como chá, café, cacau etc. 38 Observa-se que a produção de alimentos tem sido realizada em pequena escala por pequenos capitais, oprimida pela produção para exportação. Isso se torna particularmente flagrante nos países tropicais, onde a maior parte da exportação agrícola é de produtos de sobremesa.

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inicial da colonização, a agricultura de exportação realizada em grandes unidades e em

moldes capitalistas tornou-se e com ela mobilizaram-se grandes capitais dos países mais

ricos. O mesmo aconteceu com a grande mineração, que teve o efeito adicional de exaurir

recursos não renováveis. Assim, ao observar o processo em seu conjunto, não se pode

identificar uma linha única de interesses capitalistas nesses países. Na realidade eles

funcionaram com a lógica do capital, mesmo quando corresponderam a formas de

preliminares da organização da produção capitalista. Torna-se, portanto, necessário

distinguir o capital operacional em sistemas pré-industriais e em sistemas de produção

industrializada. Por isso, o conceito de forma de produção ganha uma importância especial

na análise das economias dos países subdesenvolvidos de hoje.

O aparecimento do capitalismo industrial nos países subdesenvolvidos altera

radicalmente suas possibilidades dinâmicas. Há uma redistribuição social do excedente da

produção e abrem-se novas possibilidades e interesses quanto ao destino dado ao produto

nacional. No essencial, houve uma redistribuição do produto territorial. Ao mesmo tempo,

as áreas que não alcançaram um vínculo eficiente com o sistema capitalista de produção,

permaneceram praticamente em estado de economia natural. A incorporação às formas

industriais ou às formas capitalistas em geral converteu-se em um quadro político

completamente novo. O principal efeito da introdução de um setor industrial na dinâmica

dos países subdesenvolvidos tem sido a orientação de uma parte crescente do produto

nacional a um setor social disposto a realizar investimentos tendentes a exercer a longo

prazo uma pressão favorável continuada sobre a balança de pagamentos e um

amadurecimento geral do sistema produtivo. É preciso lembrar que, em muitos casos, um

setor agrícola capitalista – com efeitos na balança de pagamentos – esteve recebendo o

produto nacional sem promover investimentos proporcionais ao que recebe. No entanto, em

quase todos os países há amplas oportunidades para investir no próprio setor agrícola,

capazes de fazê-lo crescer. Também, como vimos no Capítulo II, são as características

próprias de um e outro setor – do agrícola e do industrial – que fazem a diferença. A curto

prazo, o novo setor industrial, por causa da incapacidade do sistema produtivo para prover

os bens de capital e o combustível que necessita, está obrigado a pressionar a capacidade de

importar do sistema, para instalar-se, funcionar e se desenvolver. Enquanto a economia

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nacional não tenha se desenvolvido, a capacidade de importar será dada pelo reduzido

grupo de produtos agrícolas de exportação, sendo a diversificação das exportações uma das

características históricas que o processo de desenvolvimento tem tido.

Mencionamos uma alteração do quadro político internacional concomitante à

introdução de formas capitalistas de produção em regiões subdesenvolvidas nos últimos

anos. Esse fato é verdadeiro para a América Latina, para a Ásia e para a Oceania, porém em

menor escala para a África, onde o colonialismo ao estilo do século passado assentou raízes

mais fortes.Para as demais regiões subdesenvolvidas do mundo, se bem que perdura uma

dependência em relação com os países desenvolvidos sob as formas de investimentos de

dominação, realizadas por estes últimos, principalmente na agricultura de exportação, em

transportes, serviços urbanos etc., que passaram a ter novas condições de negociação no

cenário internacional, em grande parte, pela participação assumida na Segunda Guerra

Mundial pelos países subdesenvolvidos e pelo equilíbrio dela resultante. As características

dessa nova situação internacional foram bem expostas por Paulo de Castro39. As novas

condições estiveram acompanhadas de uma determinação geral de obter melhores

condições de vida, que marcou desde então a orientação de diversos governos e que se

tornou uma condição de elegibilidade para cargos de governo em outros países. Nesse

esquema histórico tornou-se necessário enquadrar a necessidade de introduzir formas

capitalistas de produção em regiões subdesenvolvidas.

O denominador comum das políticas desses países ativou as funções operativas dos

governos permitindo-lhes novas possibilidades de intervenção sempre que aparecem como

promotores de novas atividades, que é uma capacidade que antes não tinham, de conduzir

movimentos de modernização do sistema produtivo. A conseqüência dessa nova

capacidade de intervir é a formação de novos grupos econômicos, que desestimula a

perpetuação do sistema tradicional constituído de produção para exportação e extrativismo.

A implantação e subseqüente expansão do capitalismo industrial representam uma

dinamização progressiva do sistema produtivo, tal como acontece no Brasil desde o fim da

Segunda Guerra Mundial.

39 Paulo de Castro, Terceira Força, Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1958.

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Capítulo 6. As instituições políticas e sociais

Os fatores econômicos determinantes da distribuição da renda operam em um

quadro não econômico formado pelas instituições políticas e sociais. Essas instituições

representam, não só o ambiente onde os fatores econômicos atuam, senão elas próprias são

elementos determinantes do padrão de distribuição da renda, mesmo não sendo

econômicos. O esforço para crescer se manifesta no aumento de atividade em geral e numa

expansão de certos tipos de atividade sobre outros, bem como na atitude correspondente a

esse incremento de atividade poderá estar favorecido ou prejudicado pelas instituições

predominantes. O apoio ao esforço para crescer dado pelas instituições, geralmente

significa que elas são adaptáveis às idéias de desenvolvimento e que, por conseguinte, têm

a flexibilidade necessária para acompanhar as transformações sociais trazidas pelo

processo de desenvolvimento. Ajudam, portanto, a sua expansão e o esforço para

desenvolver-se pode aumentar, ao envolver mais componentes da sociedade.

Sob o impacto do crescimento, as instituições tendem a ser reformadas, buscando

um estilo social melhor adaptado às novas condições de vida. Se, contudo, não se apresenta

uma tendência de expansão e a economia permanece estagnada, as instituições tornam-se

mais rígidas por sua antiguidade, perpetuando-se o modelo econômico que rege a sociedade

e que concorreu para criar essas instituições. Interessa-nos estudar aqui as formas pelas

quais elas podem afetar ao desenvolvimento e à distribuição da renda. Nesse sentido, cabe

referir a algumas observações de W.Arthur Lewis, que resumiu a influencia das instituições

em três pontos seguintes: protegendo o esforço para crescer, ganhando oportunidades de

especialização e dando liberdade de escolha de ocupação aos trabalhadores.40

40 Nesse ultimo ponto, Lewis foi precursor de uma polêmica que atravessa a teoria econômica desde então, relativa à mobilidade dos trabalhadores para se moverem em busca de melhores perspectivas de aumento de sua renda familiar, já seja através de incrementos de salário, ou seja, pelo aumento do número dos membros da família que encontram emprego. As observações de Lewis estavam inspiradas no ambiente colonial tardio das ilhas do Caribe – de onde ele era originário – e onde a noção de mobilidade refere-se a uma mobilidade no âmbito do império britânico de que era parte. Diverge, portanto, das condições históricas em que se apresentam nossos problemas de mobilidade na sociedade brasileira.

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A questão, portanto, está em que o próprio desenvolvimento influi no padrão de

distribuição, iniciando ou alterando processos de distribuição da renda. Assim, as

instituições afetam o esforço para crescer e a possibilidade de expansão de novas

atividades, pela segurança que podem ter essas novas atividades e pelas tentativas de novas

explorações econômicas que eventualmente surjam com elas. Se as instituições admitem

discriminação contra algum grupo, ou se, mesmo descartada essa situação, há uma

fragmentação do poder que dá lugar a um ambiente de insegurança para os investimentos

em geral, ou para os investimentos de algum grupo social específico, o esforço para crescer

será prejudicado e serão reduzidas as possibilidades de sua disseminação. Em muitas

regiões subdesenvolvidas em que a decomposição do poder central – efeito do antigo

sistema colonial – onde a debilidade do Estado e as grandes distâncias favorecem condições

de intranqüilidade, esse tipo de interferência das instituições sociais apresenta-se de modo

decisivo.

Outra forma de intervenção das instituições sociais apontada por Lewis é a proteção

ao esforço para crescer, garantindo a remuneração referida a esse esforço a aqueles cujo

direito sobre ela está reconhecido pelas pessoas que a realizam. Excluímos uma discussão

do destino último dado a essa remuneração, ou sobre quais sejam aqueles cujo direito sobre

a renda é reconhecido, por supor que sejam quais forem esses indivíduos, ou mesmo o

Estado, o estímulo para o esforço para crescer estaria atendido. Contudo, há uma relação

estreita entre a garantia do destino do produto para aqueles que a sociedade reconhece

como donos legítimos e o estímulo dado pelas instituições aos setores da sociedade dotados

de capacidade inovadora, em organização e em tecnologia. Se a compreensão de justiça

social incorporada pelas instituições favorece setores desprestigia aos setores capazes de

promover o desenvolvimento econômico e tecnológico, é pouco provável que a definição

de justiça das instituições favoreça aos setores que representam as minorias capazes de

promover as alterações identificadas com o desenvolvimento. As preferências para o

destino do produto em regiões como o Tibet não atendem aos objetivos do

desenvolvimento material, como também acontece em países subdesenvolvidos dominados

por ditaduras e sultões ociosos.

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As instituições estarão auxiliando a realização do espírito empresarial se

reconhecem um status animador na sociedade. É importante notar que não só em

sociedades aristocráticas como a França anterior à Revolução Francesa, o empresário foi

relegado a uma condição inferior, sendo-lhe negado o acesso aos estratos mais altos da

sociedade. Em muitos países subdesenvolvidos onde impera a grande propriedade

fundiária, de produção predominantemente agrícola, as preferências da sociedade se

inclinam a profissões tais como advocacia, a carreira militar e o sacerdócio, deixando as

atividades produtivas e com elas as inovações, reservadas para pessoas de pouca instrução,

prevalecendo preconceitos contra o trabalho manual e admitindo que os grupos mais ricos

não trabalhem.

Nessa lógica da ordem social, não se poderia recriminar às sociedades de economia

rural por essa atitude no relativo à formação profissional, pelo simples fato de que essas

sociedades vão organizando e institucionalizando uma atitude que corresponde a sua

verdadeira necessidade de trabalho qualificado – em suas atuais formas de produção – e

atendem aos seus preceitos de prestígio. Há aí um fundamento prático para a perpetuação

do sistema de privilégios e preconceitos. Os indivíduos pertencentes a famílias ricas terão

que continuar o trabalho de seus maiores, cuidando de propriedades agrícolas, onde

tampouco há grandes mudanças em tecnologia e em organização da produção. No Brasil, a

conseqüência foi que o desejo de prestigio social passou a ser satisfeito – possivelmente

dado o baixo nível de instrução na sociedade colonial – com um título de nobreza, com a

cultura canônica ou na carreira das armas. A conseqüência disso foi a formação de uma

resistência cultural dos jovens frente a carreiras técnicas, não distinguidas com status,

preferindo a atividade política. Isso significou, em última análise, um obstáculo ao

desenvolvimento pela falta de trabalho qualificado e a formação de uma classe ociosa de

políticos tendentes à corrupção, sem identidade ideológica. Naquelas regiões do Brasil onde

a carência de mão de obra foi suprida com imigração e com a reorientação profissional

induzida por ela, passou-se a contar com mais trabalhadores qualificados. Em outras

regiões, como o Nordeste, onde a estrutura rural deitou raízes mais fortes, onde não houve

esse afluxo de imigrantes, permaneceu o predomínio das antigas preferências, que

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encontram meios de se atualizarem na modernização da economia nacional, sem modificar

seriamente a estrutura produtiva.

No entanto, as pessoas provavelmente estarão dispostas a realizar o esforço para o

crescimento da produção, se se sentem unidas por uma tarefa comum, seja pelo sentimento

de dever, seja por que descobrem vantagens pessoais significativas nas tarefas coletivas que

realizam. O entusiasmo que se desprende de uma obra comum não deve ser associado às

formas de operação das economias socialistas, mesmo que seja uma forma dirigida para

prover trabalho para empresas de interesse determinado pelo Estado.

A principal aplicação do estímulo para a produção baseado na crença de uma obra

comum, antes de estar relacionado com a forma política que dispersou poder nos últimos

anos com mais freqüência e melhores resultados, que tem sido o socialismo, deve estar

identificado com o desejo de grandes massas humanas de edificar em bases sólidas sobre o

fundamento da nacionalidade. Além dos exemplos irrecusáveis dos esforços gestados por

países que no século passado não se alinhavam entre as potências mundiais, como a Rússia,

a China e o Japão, a história moderna tem outro exemplo no Estado de Israel, que foi

implantado e edificado sobre a base estrita da crença numa causa comum. Não é o caso da

amplitude de esforços para se desenvolverem que empreendem hoje a Índia e o Brasil.

Todos esses países, além de estarem regidos por sistemas políticos diferentes, representam

tentativas que seguem diferentes rumos pré-condicionados por sua história e cultura,

representando manifestações de diferentes composições sociais e de poder. As condições de

comparabilidade entre essas experiências não podem ser adequadamente avaliadas sem

considerarem-se os efeitos da Segunda Guerra Mundial, com sua devastação e com o fim

de certas formas de colonialismo.

A captação de um entusiasmo da sociedade para uma obra coletiva revela-se mais

acessível a níveis regionais historicamente formados, antes que nas estruturas nacionais,

que, em vários casos se formaram, justamente, nesse período. Nos exemplos mencionados a

mobilização social pode ser contraposta por interesses particulares de pessoas e de grupos,

sobrepondo os interesses de minorias aos das maiorias. Os conflitos de interesse estão no

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centro do problema e as diferenças de condições de manifestação dos interesses dos grupos

sociais refletem, justamente, a história da formação das nações. Assim, historicamente há

maiores possibilidades de mobilização em escalas regionais e locais, onde a opinião pública

tem maiores referencias de uma experiência socialmente identificada. As tradições

comunitárias estão mais próximas da experiência tribal e regional que os princípios

abstratos identificados com o Estado nacional. Quando uma sociedade incorpora a

responsabilidade por obras públicas, assume uma responsabilidade correlacionada com a

consciência social dos seus componentes. Daí, que esse é um processo interno, apesar de

estar profundamente atingido pela internacionalidade dos relacionamentos da sociedade em

seu conjunto com outras nações. A experiência desse período pós-colonial é eloqüente em

mostrar a profundidade dos condicionamentos locais, segundo a trajetória histórica da

formação das sociedades coloniais. Daí, que a parte mais fácil e superficial da mobilização

social seja a inicial, quando os móveis da mudança estão mais próximos do cotidiano das

pessoas. Ao rever as experiências dos países que foram colônias verifica-se com clareza

que a mobilização política da opinião pública muda totalmente de feição entre as escalas

locais e as nacionais. Países como o Brasil e a Argentina, onde há fortes tradições

regionais, contrastam com países como o Chile e o Uruguai, onde a formação social é

claramente unitária, são exemplos cabais do que o perfil nacional é uma resultante de

complexos processos regionais que estão ancorados em algumas cidades chave. A

identidade regional aparece com mais facilidade em expressões culturais, mas está

fundamentada em articulações entre sistemas de poder ancorados na propriedade fundiária

– ligada a sistemas internacionais – e formas locais de organização.

Assim, são algumas formas tradicionais de aproveitamento do potencial da vida em

comum que facilitam essa conjugação de visão local e interesses nacionais. Ao desenterrar

esses fundamentos históricos da organização social, descobrem-se as inter-relações entre os

processos que levaram à formação das nações e os processos que se realizam na escala de

regiões e que continuam interagindo com as transformações da esfera nacional. A

instituição dos ejidos mexicanos 41 e a dos panchayats 42 indianos têm tido certos papéis na

41 Formas de organização da produção camponesa, de origem colonial, em que cada produtor destina uma parte de sua terra para um programa de produção comunitário e outra parte para

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história dessas nações e podem ser aproveitados em novas funções, com resultados que

podem ser compensatórios de tendências de concentração da renda postas em marcha pela

produção industrial. A questão central é que as tradições representam uma força que pode

ser mobilizada a favor de processos de desenvolvimento socialmente equânimes. Mas o

principal problema com que lutam os países que tentam se desenvolver não é de cultivar e

reviver tradições, As obras que demandam conjugação de esforços e que devem ser feitas,

são geralmente de envergadura superior às daquelas realizadas por meios tradicionais.

Trata-se de passar à sociedade a crença na construção de uma obra comum, com força

suficiente para superar a descrença – também tradicional – nos empreendimentos

governamentais, causado em parte pela falta de maturidade do aparelho governamental e

pela corrupção determinada pelo desequilíbrio interno sob cujo signo os países

subdesenvolvidos de hoje se formaram enquanto foram colônias. Um dos maiores

obstáculos à inoculação da crença na possibilidade de um movimento prolongado de

desenvolvimento é a distribuição desigual da renda e a inflação, que serão examinadas no

capítulo 17 deste estudo.

A organização social pela qual se regem algumas sociedades, e de que decorrem as

fontes de prestígio nelas prevalecentes, as crenças religiosas e os tabus de suas populações

deram lugar, repetidas vezes ao longo da história, a que algumas profissões gozem da

preferência popular, em quanto outras sejam relegadas a um segundo plano, ou também

deslocadas. Isso que sempre guardou uma correspondência com a base de exploração

econômica sobre o qual o país se desenvolveu no longo prazo, tendeu a ser um

impedimento para o desenvolvimento econômico. Temos exemplos palpáveis a esse

respeito em países latino-americanos, como o próprio Brasil, onde a formação profissional

se apresenta distorcida, pelas preferências que, em algumas áreas, todavia se manifestam

por profissões estrategicamente menos importantes, mas que ainda são muito prestigiadas.

O problema que isso enuncia é o trazido por uma mudança de mentalidade implícito no

desenvolvimento, e da necessidade de adaptação da escala de preferências e do prestígio

social, às condições sob as quais o homem terá que viver quando a sociedade da qual faz

produção individual. A expressão formas de produção é usada aqui para indicar formas específicas de organização da produção que se identificam a partir de soluções técnicas que usam. 42 Conselhos comunitários em aldeias.

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parte sofra esse processo. A solução foi dada por uma diferença nas recompensas

econômicas que umas e outras profissões possam ter. Entretanto, é preciso não esquecer

que a aceitação de uma nova escala de valores por parte dos grupos sociais interessados só

pode ser gradual e é sempre incerta. Enquanto a sociedade não estiver plenamente

convencida, ou enquanto não aceita as mudanças, o esforço para crescer será dificultado e

os requisitos de profissionais para novas atividades não serão atendidos.

Essas atitudes afetam a escolha de profissões. Algumas profissões, que antes foram

praticamente proibidas pelo desprestígio social de que foram objeto, estarão melhor

colocadas com o fim dos preconceitos. No entanto, até hoje tem havido uma verdadeira

interdição à participação das mulheres na vida profissional, que se modifica lentamente e

com diferenças salariais. A desvantagem na pirâmide populacional dos países

subdesenvolvidos foi profundamente agravada pela não utilização do trabalho feminino,

especialmente do trabalho qualificado. No entanto, as ocupações domésticas, só as

mulheres nascidas nas famílias mais pobres ajudam a contrabalançar o elevado número de

crianças e de velhos de nossas pirâmides demográficas.

Em princípio, pode se estabelecer uma relação entre os costumes relativos a

obrigações familiares e à expectativa de amparo que os membros das comunidades terão

em sua velhice. Tal relação dará apenas alguns elementos preliminares de juízo, mas de

fato iremos encontrar maiores obrigações dos mais jovens com seus maiores nas sociedades

tradicionais que nas sociedades capitalistas modernas. Essas obrigações equivalem ao

seguro social, mas há certas diferenças quanto a incidência sobre a renda, porque elas não

incluem transferência de renda à burocracia nem aos bancos que lucram com as

aposentadorias e com o seguro social. Tecnicamente, nos países capitalistas esse serviço se

faz mediante um cálculo atuarial, mas inclui a formação de estruturas de instituições

responsáveis desse serviço cujo custo poderia ser evitado se fossem feitas apenas

transferências automáticas de renda. Para relacionar essas obrigações com o

aproveitamento das possibilidades de crescimento oferecidas pelos recursos, o caminho

correto talvez seja o de identificar as áreas pioneiras de crescimento com a estrutura

demográfica da população que as ocupa. As necessidades de vigor físico e as condições

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adversas dessas regiões farão com que para elas sigam os mais jovens e mais fortes, que

passam a superar em número aos mais velhos e aos inválidos. O que importará será,

portanto, a capacidade das regiões para atrair trabalhadores e para criar mecanismos de

imigração através dos laços familiares.

As instituições também afetam ao desenvolvimento e à distribuição da renda pela

igualdade de direitos, ou pelas vantagens que são monopolizadas por alguns grupos. As

vantagens mantidas por alguns grupos sociais podem ser observadas, desde aquelas

vantagens das aristocracias instauradas desde a Idade Média, até os preconceitos raciais que

vieram contribuir para fortalecer essas vantagens. 43 Os efeitos sobre a distribuição da

renda aparecem sob varias formas, dentre outras, nas isenções tributárias e nas preferências

para preenchimento de cargos públicos. Criam um ambiente de desigualdade de

oportunidades, em que a capacidade criativa e a capacidade de trabalho de grande parte da

população são deixadas de lado. Nos Tempos Modernos essa desigualdade se identifica

com o colonialismo e com suas conseqüências para as novas nações que foram colônias. Se

o impulso colonialista ao estilo do século XIX decai, mas tem recaídas e permanecem

grandes áreas do mundo sob seu domínio, sob variados disfarces. A evolução das formas de

domínio colonialista em algumas dessas áreas reduziu as vantagens entre grupos, tal como

aconteceu no Brasil com o poder político dos grandes proprietários de terras, mas a redução

desses privilégios teve um limite lógico, que foi a preservação do controle político do

sistema socioprodutivo.

Teremos, portanto, que ir além da forma do colonialismo enquanto mecanismo

controlado pelas metrópoles, para analisar as conseqüências internalizadas do colonialismo.

O colonialismo gera outras formas internas de dominação, que se reproduziram sobre a

aliança entre a propriedade da terra e o controle dos canais de comercialização, com seu

desdobramento na formação de castas militares identificadas ideologicamente com a

preservação do controle agrário, projetado em valores tradicionalistas, combinando

43 A formação dessas vantagens pode ser traçada nos movimentos que criaram o feudalismo, tal como se descreve em Jan Dhondt, La alta edad media e em Henri Pirenne, Historia econômica y social de la Edad Media, em que se mostra a complexidade das relações de classe inerentes às invasões e aos reinos a que elas deram lugar.

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componentes de religião e de racismo. A estruturação dessas sociedades de bases agrárias e

dessas castas militares levou a um conjunto de privilégios e de imunidades, que, nos países

latino-americanos se estenderam até ao controle dos programas de reforma agrária, tal

como se viu no Equador, na Venezuela e no Peru.

Se, em termos teóricos estamos longe de aceitar doutrinas que preconizam

concentrar a carga tributária nas classes produtivas, tal como fizeram os Fisiocratas , em

termos práticos alguns grupos se beneficiam da desigualdade de incidência da carga

tributária, assim como aproveitam condições favoráveis para evitar a incidência dos

impostos. A incidência real da carga tributária distingue-se da incidência formal e reflete a

verdadeira expressão da carga tributária para a renda familiar. A combinação das formas de

produção com as instituições sociais e políticas afeta a distribuição da renda ao favorecer

ou ao prejudicar o aproveitamento das capacidades da força de trabalho, em suas atividades

atuais ou em sua mobilidade e na definição de suas perspectivas de renda. Pensando em

termos de distribuição, o mecanismo que nos interessa não é o do multiplicador do

emprego, senão é o efeito renda da distribuição da renda. Por isso, o outro aspecto que

deve ser examinado da influência das instituições políticas e sociais na distribuição da

renda é o que se exprime na diferença entre o excedente atual de produção e o potencial.

Esse aspecto foi estudado por Paul Baran, que define o excedente potencial como a

produção que poderia ser realizada com a ajuda de recursos produtivos utilizáveis num

dado ambiente técnico e cultural. A realização desse excedente potencial requer uma

reorganização social da produção e mudanças nas técnicas de produção.

Para cobrir esse aspecto da análise, destacam-se os quatro aspectos seguintes, que

são o excesso de consumo desnecessário para a reprodução social; a produção perdida pela

sociedade por meio de trabalhadores desocupados e a produção perdida por uma

organização desperdiçada e irracional do aparato produtivo existente e a produção perdida

pela existência de desemprego de fatores, pelas condições anárquicas da produção de base

capitalista. Paul Baran admite que a identificação e a quantificação dessas quatro formas de

excedente de produção tropeçam com muitas dificuldades. Crê que essas dificuldades

podem ser diminuídas, porque a categoria excedente de produção potencial transcende o

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horizonte da ordem social existente, unindo-se ao “comportamento facilmente observável

de uma dada organização socioeconômica, mas também à imagem não tão rapidamente

visualizável de uma sociedade mais racionalmente ordenada”.44

44 Paul Baran, op.cit.

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Capítulo 7 O setor externo

Em qualquer consideração que se faça sobre os efeitos distributivos das relações

com o exterior, é preciso esclarecer que se trata de relações econômicas de troca e de

movimentos de capitais, nos quais é necessário distinguir dois tipos de influência, que são

aqueles provenientes do funcionamento das relações internacionais na mecânica geral do

sistema produtivo, com repercussões na estrutura produtiva; e aquelas influências do poder

dos governos de interferir ou de condicionar as transações internacionais. A primeira dessas

duas influências é examinada neste capítulo, enquanto a segunda será estudada no capítulo

seguinte.

O pressuposto inicial de que nos serviremos na exposição desse tema é que

diferentes estruturas produtivas vinculam de modo diferente uma mesma economia

nacional com o resto do mundo, gerando uma progressão única de sua distribuição da

renda. Noutros termos, o que estamos afirmando é que numa economia agrícola e em

função do tipo de relações que ela pode manter com o exterior, a renda que ela gera tende a

ser distribuída segundo um dado perfil, portanto, que os efeitos da distribuição na formação

de capital seguirão um padrão previsível. No capítulo anterior discutimos a influência das

formas de produção predominantes no padrão de distribuição da renda. Cada forma de

produção e cada composição do produto nacional conduzem a certos modos de

relacionamento com outras nações, que variam de acordo com referências institucionais e

tecnológicas. Tentaremos agora ver os efeitos dessas relações internacionais no padrão

interno de distribuição da renda.

Dada uma estrutura produtiva concentrada em produção primária, 45 as variações

nas relações com o exterior, em preços e em quantidades, influem nas participações devidas

dos diferentes setores que contribuíram para a exportação. Por outro lado, preços

45 É preciso corrigir uma falsa impressão de que as economias periféricas estão marcadas unicamente por uma produção agrícola e da pecuária. Os sistemas de produção primária dependeram essencialmente de extração de recursos e isso compreendeu uma produção mineira e uma ampla e complexa extração vegetal e animal.

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69

internacionais favoráveis são de natureza a estimular a manutenção de uma certa estrutura

produtiva, isto é, indiretamente mantêm em ação os fatores redistributivos incorporados em

cada uma dessas estruturas produtivas. Além disso, é a exportação que permite que as

formas de produção sejam substituídas por outras, constituindo-se outras formas indiretas

de mobilizar os fatores redistributivos próprios das formas de produção. Por último, durante

o processo de crescimento do produto social formam-se pressões sobre as relações com o

exterior que afetam a ação redistributiva resultante do amadurecimento da estrutura

produtiva. A relação entre o crescimento do produto e a expansão da capacidade produtiva,

que vem sendo esquivada pela teoria econômica de base marginalista, torna-se a questão

central a ser respondida por qualquer teoria que pretenda trabalhar com os problemas de

viabilidade – e sustentação – do processo de desenvolvimento.

Ao tomar as relações com o resto do mundo como derivadas das formas de

produção, da composição do produto nacional e da tecnologia, torna-se possível observar

alguns fatos básicos no relativo aos países de desenvolvimento recente. Um melhoramento

no panorama da técnica não necessariamente significou uma alteração significativa nas

posições dos países nas relações internacionais. Na realidade, há um jogo contraditório

entre as forças sociais que encaminham a renovação tecnológica – e que derivam seu poder

desse ambiente de substituição de técnicas – e as forças tradicionais que se opõem, de

modo ativo ou passivo, à substituição de técnicas porque seu poder se apóia em formas de

organização social que funcionam sobre um conjunto invariante de técnicas. 46 No limite, a

introdução de novas técnicas é decidida desde dentro das instituições sociais vigentes,

geralmente como parte de estratégias de defesa de interesses tradicionais. Esse mecanismo

de poder foi igualmente verdadeiro no Nordeste do Brasil, nas regiões agrárias dos Andes e

46 Ao analisar o modo de funcionamento das economias latino-americanas, encontra-se que há um jogo móvel de inter-relações entre um segmento tecnologicamente mais avançado e outros mais atrasados, entretanto, em que os capitais aplicados nos segmentos tecnicamente avançados usam os setores atrasados como setores de apoio, beneficiando-se de trabalho pago segundo os padrões dos setores atrasados, onde os trabalhadores têm menos mobilidade entre empregos e têm salários menores. Na realidade, a eficiência dos setores tecnicamente mais avançados depende muito de vantagens de controle de espaços de mercado, tanto do mercado de seus produtos como do mercado de trabalho. Noutras palavras, os diferenciais de “produtividade” refletem o controle de uma combinação de formas de exploração do trabalho, que fazem alterar a produção social do excedente de valor. O controle da substituição de técnicas é uma outra cara do controle da produção social e da captação de excedente.

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70

na planície argentina. A renovação tecnológica representada pela mecanização da produção

de açúcar resultou de um cálculo dos produtores escravistas, que já ressentiam o custo dos

escravos antes da proibição do tráfico, e não por uma iniciativa de interesses alternativos

aos dos produtores de açúcar. A quase feudalização das regiões agrárias encobriu um

deterioramento de tecnologias originadas das civilizações pré-colombianas; e as regiões

rurais ficaram praticamente sem relações econômicas com o exterior. Os vínculos

internacionais ficaram restritos à comercialização de produtos do extrativismo, realizados

através de uma organização do trabalho quase escravo. As novidades que surgiram nas

relações com o exterior consistiram apenas em vendas de excedentes físicos de produção

em períodos de condições climáticas mais favoráveis, mas não representaram progresso

tecnológico. No Brasil, isso ficou caracterizado pelas exportações de couros e peles e pelas

de fibras, que foram produtos obtidos mediante processos de exploração tecnologicamente

atrasados. No conjunto, a falta de sensibilidade do sistema tradicional de produção à

renovação tecnológica foi uma característica dessas economias nacionais e origem colonial,

que se tornou decisiva para o desenvolvimento de suas relações com outros países.

Os efeitos cumulativos da composição do produto na distribuição da renda estão

limitados pela parte comercializada com o exterior, isto é, pelo coeficiente de exportação.

Tal como ficou demonstrado em diversos estudos realizados pelas Nações Unidas, o

coeficiente de exportação não depende do estágio de desenvolvimento em que se encontram

as economias nacionais, podendo ser alto em economias cujo produto se compõe de

mercadorias industrializadas de alta tecnologia, tal como a Alemanha, ou em países

produtores de matérias primas de baixa tecnologia, tal como Honduras. Em princípio, um

elevado coeficiente de exportação indica maior capacidade de obter produtos capazes de

alavancar a diversificação do sistema produtivo, mas é apenas uma indicação de

possibilidades, cuja concretização depende da escala e da forma de organização do

mercado. Daí que uma pressão sobre a capacidade de negociar com o exterior que não seja

respaldada pela capacidade interna de captar as oportunidades de aplicar capitais em

modelos diversificadores termina por gerar pressões perversas sobre o movimento de

reprodução do sistema produtivo. Assim, deve-se entender que não há uma separação

efetiva entre os movimentos internos e os externos do sistema produtivo, em que o

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71

coeficiente de exportação reflete a complexidade do sistema produtivo, tanto como a

capacidade de cada economia nacional de mudar a composição dessa participação. O passo

seguinte necessário dessa análise consiste em comparar a análise do coeficiente de

exportação com a da relação entre o crescimento demográfico e o coeficiente de

importação.

Historicamente, o coeficiente de importação é uma medida técnica do valor que se

importa, que assume as formas materiais compatíveis com a estrutura produtiva atual, que

depende do que se exporta. Essa engrenagem do comércio exterior depende da composição

dos produtos que se exporta, especificamente, do mecanismo de elasticidade preço dos

produtos exportados, que faz uma relação entre as variações dos preços internacionais e a

remuneração interna do capital e do trabalho. Isso significa que o mecanismo do comércio

exterior age de modo diferenciado em países em diferentes situações de desenvolvimento

do seu sistema produtivo e com efeitos secundários também diferentes sobre a distribuição

da renda. As possibilidades concretas de dinamização do sistema produtivo, e de alterações

correlatas na distribuição, dependem desse ajuste entre as transformações do comércio

exterior e as da produção.

Trata-se, portanto, de identificar o relativo aos mecanismos atuais de relações

internacionais com sua correspondência com o padrão de distribuição da renda e o relativo

aos processos de formação das relações entre países, com seus efeitos nos movimentos da

distribuição da renda em cada país. Raul Prebisch fez um trabalho precursor sobre esse

tema em documento, em que pôs em evidência as tendências desfavoráveis para os países

periféricos pouco industrializados.

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72

Capítulo 8 O governo

O governo é a forma operacional do Estado e é preciso distinguir o que se reconhece

como política de governo, que compreende políticas sociais no sentido mais amplo, que

alcançam os diversos aspectos da vida em sociedade, políticas econômicas, que tratam da

materialidade da produção e políticas sobre aspectos específicos da vida social. Está claro

que não separação alguma entre políticas econômicas e políticas sociais, senão diferentes

graus de abrangência das diversas políticas, segundo o modo como elas são concebidas. A

ação do governo na distribuição da renda se realiza de diversos modos. Por meio de suas

despesas, afetando o poder de negociação dos trabalhadores, por seu controle sobre

operações com o exterior e pelo modo de financiamento de suas despesas. A última dessas

formas de ação será talvez o fator de distribuição mais susceptível de ser medido. Vejamos

como se efetiva a influência das despesas do governo no padrão de distribuição da renda.

As despesas do governo podem influir na distribuição da renda segundo sua

magnitude e sua orientação. Cada um desses dois itens tem distintos efeitos na distribuição.

O significado da magnitude da despesa é inseparável do significado da composição dessa

despesa. O significado efetivo da despesa para o desenvolvimento econômico depende de

como se alteram conjuntamente a magnitude e a composição da despesa, que responde a

requisitos da reprodução do capital já acumulado e operacional e que tem o poder de

induzir novos investimentos. De qualquer modo, a magnitude da despesa pública afeta a

composição e o nível do consumo em seu conjunto e a magnitude e a composição do

investimento privado, com o qual está organicamente articulada. As interdependências

técnicas entre os investimentos diretos na produção e os investimentos nos sistemas de

infra-estrutura básica fazem com que sejam irrelevantes as doutrinas que procuram

minimizar a participação do Estado na economia, como se ela não fosse parte da mesma

composição de interesses que conduz o investimento privado. Não se trata de uma

controvérsia entre Kaldor e Sommers, senão de realismo da análise, tal como expõe

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73

Kurihara.47 No momento em que as despesas públicas afetam ao consumo e ao

investimento privado, põem em funcionamento o multiplicador do emprego e o acelerador

da oferta, criando uma progressão de efeitos indiretos e complementares, que alteram o

perfil do pagamento de salários.

Para compreender como se realizam os efeitos das despesas do governo em sua

totalidade é preciso classificá-los. Eles compreendem compra de mercadorias, pagamento

de serviços, obras públicas e transferências. Quando o governo compra afeta o poder de

negociação dos assalariados. A expansão das atividades do governo, que prossegue apesar

das contradições do discurso público, significou uma subvenção completa do que se

concebeu como o mercado de trabalho na economia clássica ou entre os marginalistas. A

evolução das instituições sociais apresentou, nesse período, recursos de concorrência

imperfeita no mercado de trabalho, em parte representativos de conquistas obtidas pelos

trabalhadores em termos de assistência social e em parte, que foram resultados da própria

expansão do governo. O fato de que o desenvolvimento econômico nos países

subdesenvolvidos inclui novas modalidades de serviços e alguns segmentos de indústrias,

resultou em aumento da demanda de trabalhadores qualificados para as funções de governo,

em proporção com o aumento de trabalho qualificado no setor privado.

As quatro formas pelas que se apresentam as despesas do governo significam uma

redistribuição da renda, e, como conseqüência, afetam ao nível do consumo. Do ponto de

vista do fomento dos negócios, as duas primeiras dessas quatro formas são as mais

importantes. A realização de obras públicas não passa, na realidade, de uma compra de

mercadorias mediante o pagamento de serviços. A razão de considerá-la por separado deve-

se apenas a seus efeitos indiretos – na formação de economias externas - que aos seus

efeitos diretos de compra de mercadorias e de pagamento de serviços. Se a despesa pública

não acarreta uma produção adicional imediata torna-se mera transferência de renda que,

como efeito distribuição é limitada e temporária. O mesmo número do multiplicador que

quantifica os efeitos indiretos dos investimentos indica a distância entre o impacto inicial e

47 Esse é o tema de Kenneth Kurihara, que valoriza os aspectos de dinâmica do funcionamento da economia industrial moderna, trabalhando com o efeito distribuição incorporado no multiplicador do emprego.

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74

o impacto total em renda, portanto, indica a capacidade do sistema produtivo para

responder às intenções de compra dos trabalhadores.

Esses efeitos de multiplicador têm uma expressão espacial que não pode ser

ignorada, especialmente nos países periféricos em desenvolvimento. Os efeitos de

multiplicador têm variações espaciais que se tornam referências de custos para novos

investimentos. A crescente monetarização do processo da produção deu maior espaço para

o processo de comercialização e é através deste que se vê o efeito regional do multiplicador

na formação dos espaços regionais de produção. Mas a assimetria e a insuficiência do

sistema bancário nos países e nas regiões subdesenvolvidos enviesam e atrasam os efeitos

das despesas públicas, reforçando as tendências de concentração do capital. Se bem que a

propensão a consumir mostra uma constância proporcional à renda familiar disponível, que

em principio reflete a participação na produção, ela tem sido profundamente afetada por

movimentos inflacionários cuja explicação não é incidental nem pode ser reduzida a

problemas de curto prazo. Nestas condições, as análises fundamentadas nos efeitos de

multiplicador encontram limitações que partem, justamente, dessa invariância da

distribuição da renda.

O outro aspecto dos efeitos indiretos das despesas públicas, tal como já vimos desde

outro ângulo, são seus efeitos na balança de pagamentos. As despesas com importação

podem ser consideradas como simples filtrações do processo do multiplicador, no relativo

às despesas de sucessivos setores beneficiados pela preferência governamental. A

expressão típica dessa preferência nos países subdesenvolvidos tem sido a de favorecer ao

setor industrial em detrimento de importações para o setor comércio.

Esse viés da despesa pública acontece num ambiente marcado por uma tendência

crescente da despesa. Com a expansão do sistema produtivo internacionalizado e com o

aumento de complexidade das economias nacionais, tanto das mais avançadas como das

periféricas, há uma tendência geral ao aumento irreversível da despesa pública, junto com

um aumento de funções dos governos, de políticas anti-cíclicas, que logicamente têm

custos sociais e, acima de tudo, das despesas militares especialmente das grandes

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75

potências. Há, portanto, um contraste entre a busca de eficiência da despesa pública e o

aumento de despesas – tal como as militares – que não agregam ao desenvolvimento

econômico e social. No essencial, surge, portanto, uma contradição entre as políticas

governamentais anti-cíclicas, compreendendo as políticas anti-inflação, e as tendências

seculares de crescimento da despesa pública.

Nesse contexto situam-se as políticas de desenvolvimento. A importância da função

desempenhada pelas despesas do governo nas políticas de desenvolvimento provém de que,

quando se fixam metas para o crescimento da economia, isto é, para o crescimento do

produto, para que o modelo possa funcionar os investimentos passam a ser uma variável

dependente da relação capital/produto, isto é, do montante do capital engajado no sistema

produtivo, das elasticidades do capital nos diferentes setores da produção e das taxas de

crescimento assumidas no modelo. As despesas do governo ficam como uma variável

aparentemente independente, se não se considera que a receita tributária depende da

capacidade de pagamento dos contribuintes. A utilidade final das despesas do governo

dependerá do conhecimento do sistema com que a receita pública é administrada. Na

perspectiva de políticas de desenvolvimento, é preciso considerar que há uma série de

condicionantes políticas que são as principais guias da despesa pública, além do grau de

desenvolvimento do sistema produtivo em seu conjunto. A proporção das despesas

comprometidas com decisões anteriores para reprodução da máquina pública não só

constitui um limite quantitativo da ação do governo, como restringe a composição da

despesa. Em vez de uma variável independente trata-se de uma margem de independência

da despesa pública, que pode ser instrumento de uma política de redistribuição da renda.

É muito freqüente que os governos dos países subdesenvolvidos dispõem da maior

parte de seus recursos para pagamento de sua máquina administrativa ou para manutenção

de suas forças armadas. Vimos antes como essas despesas podem servir para impedir o

desemprego e formar demanda, e vimos, também, como eles têm efeitos indiretos na

economia em seu conjunto. Contudo, elas costumam impedir outras despesas necessárias,

tais como em obras públicas capazes de contribuir ao desenvolvimento de modos não

considerados neste trabalho, quebrando pontos de estrangulamento do sistema de produção.

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76

Dada a habitual escassez de capital social dos países subdesenvolvidos não será difícil

avaliar a prioridade que deveria ter esse tipo de despesa. Essa prioridade não desaparece

quando se considera o problema desde o ponto de vista da distribuição da renda, já que

grande parte das despesas no campo social elevarão o salário real dos grupos de baixa

renda, permitindo reduzir o preço das mercadorias – bens salário – por eles utilizadas.

Esse aumento da participação dos grupos de baixa renda no produto nacional pode

ser apenas o resultado de uma política geral de ampliação da assistência social, mas

também pode assumir o caráter de compensação geográfica entre as áreas mais

desenvolvidas e as menos desenvolvidas de um mesmo país. Nesta última forma, as

políticas públicas têm assumido uma importância cada vez maior nos países de grande

extensão territorial, onde se desenvolvem políticas de desenvolvimento regional. Tais são

os casos da Índia e do Brasil. A experiência do Brasil nesse particular é fundamental, pelo

que revela de inovações de política regional e pelo que mostra de recrudescimento de

estruturas tradicionais de poder. Essas despesas vão desde simples destinações de verbas

para programas emergenciais, tais como as do combate às secas no Nordeste do Brasil, até

se converterem em políticas regionais vertebradas em programas de industrialização e de

modernização da agricultura.

Vejamos como o financiamento das despesas do governo age na distribuição da

renda. O governo pode financiar suas despesas por meio da emissão de papel moeda, por

meio de empréstimos e por tributação. Representando em papel moeda o valor do produto

nacional, o governo pode emitir papel moeda em razão direta da realização do produto

nacional, do entesouramento e na razão inversa da velocidade de circulação da moeda, sem

que isso altere a relação preços/salários, sempre que as demais condições permaneçam

constantes. Uma emissão de moeda que exceda esses limites dará lugar a uma alteração na

relação produto-moeda, provocando uma redistribuição da renda em favor dos que recebem

lucros às custas das rendas dos trabalhadores. O governo também pode emitir grandes

quantidades de moeda como um meio de financiamento, nesse caso incorrendo nos riscos

de inflação. Essa prática, de injetar e retirar liquidez passou a ser um mecanismo política

econômica desenvolvido a partir da experiência dos países beligerantes na II Guerra

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77

Mundial. Por sua vez, os países subdesenvolvidos, frequentemente enfrentando pressões

inflacionárias, jamais puderam trabalhar com referências genuínas de equilíbrio. Nesse

contexto, as empresas públicas surgiram como uma forma de financiamento mais dúctil

para operar no mercado aberto, consagrando-se por suas diversas vantagens. Esses recursos

de política têm sido usados como recursos regulares ou como recursos especiais para

situações de calamidade que, finalmente, também têm que ser incorporadas como parte de

um horizonte regular de política. Em todo caso, toda vez que são incorporados num padrão

regular de política esses elementos tornam-se compulsórios, já que não podem mais ser

ignorados. De fatos, tem-se aqui que registrar a transformação do quadro da política

econômica desde o advento da corrente keynesiana, mesmo quando ela seja contestada.

Nesse sentido, coloca-se que a tributação é um recurso de que os governos dispõem

para financiar suas despesas, que lhes dá a capacidade de alterar a relação entre custeio e

investimento e de modificar a composição dos investimentos. Na nossa perspectiva, é

preciso considera-la em seu efeitos econômicos, isto me, em como altera o processo de

acumulação de capital, em movimentos que incluem o impacto, a incidência e a translação

da carga tributária. O impacto do imposto acontece onde a lei estabelece a exação. A

translação é o processo pelo qual um contribuinte consegue passar a carga tributária a

outro. A incidência é o último lugar do imposto, onde se fixam os efeitos finais da

tributação no desenvolvimento da economia. 48 Os impostos podem ainda ser divididos em

diretos e indiretos, uns e outros com diferentes características de incidência e de translação

e com diferente significado na cultura econômica e política de cada país. A ação

redistributiva de renda do sistema tributário é uma ferramenta de poder que resulta de

combinações de impacto que se modificam segundo os níveis de renda.

As condições de uso dos recursos de financiamento por parte dos governos dos

países subdesenvolvidos são as conseqüências de uma freqüente instabilidade política,

seguida da desconfiança quanto ao destino do dinheiro arrecadado, que predispõem a

sociedade a uma resistência considerável para adquirir títulos emitidos por seus governos.

Se as condições da guerra podem romper essa resistência dos tempos normais, também

48 Ver Harold Sommers, Finanzas públicas e ingreso nacional (1955), onde esse autor apresenta uma leitura da relação entre a composição da carga tributária e a taxa de crescimento do produto social.

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empreendimentos plenamente apoiados pelo consenso popular requerem algo mais que boa

vontade ou propaganda política para serem financiados.

Por essas dificuldades, as emissões de papel moeda vieram a ser a forma mais

generalizada como os países financiam suas despesas. Emitem inclusive para financiar

despesas ordinárias. Uma estrutura tributária predominantemente direta tem um efeito

tendencialmente redistributivo para os grupos de menor renda, atingindo a desigualdade

social no modo como ela se apresenta no mercado. A progressividade da carga tributária

terá que ser reconhecida como uma das principais ferramentas de políticas de distribuição

voltadas para o desenvolvimento econômico.

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79

Capítulo 9. A inflação

A rigor, neste capítulo devem discutir-se os efeitos redistributivos das variações no

preço da moeda, tanto de inflação como de deflação, contudo, uma consideração realista faz

com que se deixe de lado o segundo fenômeno, concentrando-se nossa atenção na inflação.

A experiência indica a freqüência com que a inflação se faz presente durante os

movimentos do desenvolvimento, ao passo que a deflação se faz notar por sua rareza. As

circunstâncias históricas sob as quais os países subdesenvolvidos tentam emergir de sua

situação desfavorável levam-os a terem que enfrentar continuamente a inflação. Como, em

última análise, o estudo do desenvolvimento, da distribuição ou de qualquer outro processo

econômico só tem sentido se atende a essas circunstancias, esta discussão fica limitada à

inflação.

O papel da inflação como fator dinâmico utilizável para o desenvolvimento tem sido

objeto de discussão pelos economistas, em que há os que consideram viável administrá-la

eos que a consideram incompatível com o desenvolvimento. Considerando suas causas

imediatas, podem-se distinguir as seguintes, supondo que a economia nacional opera a

plena capacidade, com aumento dos investimentos privados, aumento da despesa pública e

das exportações, aumento da propensão a consumir, redução da carga tributária e das

importações e da produção para consumo. Numa relação mais estreita do aparecimento de

pressões inflacionarias com as condições de operação do modelo dinâmico, Kaldor aponta

quatro causas, que são, o governo, as indústrias, as expectativas de aumento dos preços e

tentativas de grupos particulares para recuperar posições perdidas.

O aparecimento da inflação durante o processo de desenvolvimento nos países

capitalistas subdesenvolvidos está ligado a causas estruturais e traz consigo uma ponderável

influência sobre o padrão de distribuição da renda observável. Sem excluir as causas

imediatas antes citadas, no interesse de identificar essas causas estruturais, verificamos que

elas são funcionais ao aparecimento de processos secundários que a reforçam. A inflação

tem aparecido como resultado de um desequilíbrio entre a demanda interna de bens e

serviços e a capacidade de produzir esses bens. Mais que um fenômeno de âmbito

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exclusivamente monetário, a inflação ganha interesse para os estudos do desenvolvimento

porque, agindo de modo recíproco pode constituir um modo de financiar investimentos

nacionais, mesmo que seja a expensas da distribuição da renda.

O primeiro problema relativo a esse uso da inflação como estratégia de

financiamento do crescimento econômico está ligado a suas conseqüências distributivistas

a longo prazo, e se vincula às possibilidades de sustentar um crescimento estável de uma

economia nacional. A perda do controle da inflação torna impossível prever seus efeitos na

distribuição da renda, nem prever a aceleração da espiral inflacionária. A possibilidade de

controlar a inflação é altamente questionável, dadas as distorções que ela gera no próprio

mecanismo do financiamento. Daí, a importância da espiral inflacionária na trajetória da

formação do produto social. No contexto do movimento da industrialização distinguem-se

três modelos gerais no relativo às condições básicas em que os impulsos de

desenvolvimento têm acontecido: o das economias que cresceram com a nova tecnologia e

onde ela se originou; o dos países que optaram por uma solução socialista e o dos países

que, tendo ficado na retaguarda tecnológica, buscam o desenvolvimento no contexto da

produção capitalista. Nossa atenção logicamente se volta para o terceiro grupo, onde está o

Brasil.

Mesmo sem poder formular leis gerais acerca da mecânica do processo

experimentado pelas economias nacionais de hoje em seu crescimento, a observação mostra

como, sempre que começou um movimento de crescimento do produto nesse grupo de

países, uma parte de seus recursos foi deslocada desde outros setores e destinou-se a

atividades urbanas. Sua agricultura, que é sempre a maior provedora de força de trabalho,

viu-se responsabilizada pela alimentação de um setor não agrícola que tende a crescer. Por

sua vez, o processo de desenvolvimento vai acompanhado de um aumento da demanda de

bens de capital e de combustíveis, o que significa uma sobrecarga sobre a capacidade de

importar. As exportações continuam sendo constituídas de vendas de produtos de baixo

valor agregado, tanto da agro-pecuária como da mineração e estão sujeitas a movimentos de

retrocesso tecnológico quando não se realizam progressos significativos na participação de

produtos de maior valor agregado. Por isso, a necessidade de divisas tem sido satisfeita por

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uma melhoria nos termos de intercambio e por um aumento linear no crescimento das

exportações.

Torna-se, portanto, necessário dar maior importância à composição das exportações

e à elasticidade preço e renda das novas mercadorias que entram no comercio internacional.

Os países subdesenvolvidos que têm suas exportações baseadas em produtos tropicais de

baixa elasticidade preço, tais como cacau e café, têm possibilidades muito limitadas de

expansão de mercados, pelo que dependem do aumento da população e da renda dos países

mais ricos. Igualmente, os produtos agrícolas de baixa elasticidade renda encontram

dificuldades para penetrar nos centros consumidores de alta renda. Mais ainda, a elevação

dos níveis de renda interna desestimulam a produção de mercadorias de elasticidade renda

inferior à unidade, sugerindo uma vinculação crescente da produção agrícola. Passa,

portanto, a pesar outra responsabilidade sobre a agricultura: a continuação dos padrões de

produtividade da agricultura tradicional de consumo eleva os preços dos bens de consumo

existencial, alterando a relação entre preços e salários. Finalmente, entram em cena outros

fatores que tendem a alterar essa relação, de modo desfavorável para os trabalhadores. São

os seguintes:

• A indústria nascente, com escala de produção reduzida, pressionada pelos custos de

depreciação do capital e que produz a custos unitários elevados.

• A necessidade de investimentos a longo prazo, cuja ausência constitui o ponto de

estrangulamento para este momento histórico da economia nacional e que, se

requerem longo tempo de maturação, induzem o país a empréstimos externos cujos

prazos de pagamento geralmente são inferiores ao começo do retorno dos

investimento, portanto, gerando uma pressão adicional na balança de pagamentos.

• O efeito das tarifas protecionistas da indústria nacional no preço dos bens de

consumo duráveis importados, que se transmite no desafogo da balança de

pagamentos, aumentando a pressão sobre os salários.

• A necessidade de financiar despesas crescentes, tanto em setores básicos como para

atender obrigações de consumo, leva o governo a emitir papel moeda e suas

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emissões pressionam o valor da moeda, indiretamente pressionando a relação entre

preços e salários.

A inflação aparece também como conseqüência de condições climáticas que

reduzem a oferta de alimentos por diminuição do volume total das colheitas, por uma queda

da produtividade nos produtos exportáveis. Dada a dependência dos países

subdesenvolvidos de sua agricultura, essas pressões inflacionárias são, praticamente,

inevitáveis. Nessa linha de argumentação, pode-se considerar que os países

subdesenvolvidos estão, finalmente, sob a pressão de uma rigidez do desempenho de seu

setor agrícola, onde seus aspectos institucionais – desde a propriedade fundiária ao crédito

– são essenciais.

Entende-se, portanto, que os efeitos da inflação no processo da distribuição da renda

assumem um caráter diferenciado nos países subdesenvolvidos, especialmente quando sua

estrutura econômica começa a mudar, ou quando se considera que eles começam a se

desenvolver. Os movimentos do desenvolvimento geram efeitos contraditórios, justamente,

porque induzem esses países a dar primeira prioridade à luta contra a inflação. Na hipótese

em que um crescimento inercial da produção agrícola seja absorvido pelas cidades, a

aceleração da liberação de mão de obra rural para atividades urbanas pouco qualificadas, tal

como a construção civil, ajuda a deprimir os salários urbanos. Por outro lado, a falta de

crédito para habitação popular freia esse emprego pouco qualificado e eleva os preços da

habitação popular.

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QUARTA PARTE Uma incursão teórica

10. Um tratamento unificado da distribuição

Do que se viu até este ponto depreende-se que o padrão de distribuição da renda é

causado pela ação dinâmica, direta e indireta, de um conjunto de fatores, que são

igualmente determinantes do desenvolvimento. Essa ação se exerce de modo constante

sobre a distribuição, introduzindo-lhe modificações progressivas. Por isso, é uma

simplificação grosseira estudar o processo de desenvolvimento como um movimento a

longo prazo que se realiza sob uma dada distribuição da renda. As próprias características

de mudanças do desenvolvimento representam a negociação da permanência da

distribuição. Kenjiro Ara (1955), estudando a formação de capital e o desenvolvimento

tratou da distribuição, mas limitou-se a dar-lhe um tratamento estático, apesar de integrá-la

em um modelo dinâmico.

A necessidade de considerar os fatores que alteram a distribuição foi melhor

contemplada por Kenneth Kurihara (1954), mas este autor utilizou-a como um argumento

colateral da introdução de um efeito distribuição , forma pela qual se exprime em seu

modelo o papel dinâmico da distribuição da renda, na realidade estudado como ma relação

entre os movimentos do consumo e do investimento. Em ambos os casos, o que nos

interessa notar é como a própria distribuição afeta o desenvolvimento. No nosso entender a

colocação correta do problema do dinamismo da distribuição estará feita quando os

principais fatores responsáveis de sua formação forem identificados como as variáveis

básicas de uma teoria do desenvolvimento. Tais fatores podem ser classificados em dois

grupos, em que um está composto dos fatores que condicionam a evolução das condições

ambiente para o desenvolvimento e em que o outro é responsável das alterações a curto

prazo desse quadro. Chamaremos aos primeiros de fatores de condição e aos segundos de

fatores de situação. Os primeiros são os que formam a base sobre a qual se desenvolve a

atividade econômica e que são também os limites da mudança. Os segundos são os que

resultam da orientação ideológica sobre a qual se construiu a vida social. Como variáveis

que condicionam a distribuição na vida econômica enumeramos os seguintes: a população

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84

atual, as instituições atuais, o capital nacionalmente disponível, a relação produto/capital e

a propensão para investir. As variáveis identificadas com o segundo grupo são: a renda per

capita, o coeficiente de exportação, o crescimento líquido da população, a estrutura da

produção nacional, a estrutura do consumo e a composição da despesa pública. As

características dos países subdesenvolvidos podem ser resumidas nos seguintes termos:

proporção de população rural, a renda da população rural é inferior à que poderia ter com

sua produtividade de hoje, o número dos que continuam em condições pobreza crítica, as

carências de capital social, falta de trabalhadores qualificados, resistências institucionais à

mudança.

Em resumo, o problema da distribuição pode ser identificado segundo a variedade

de formas pelas quais ela pode ser percebida, mas há uma combinação de situações que

alteram as possibilidades de modificar-se o quadro geral da distribuição. A distribuição

deve ser analisada em função de condições que variam de modo irreversível, combinando a

visão do processo em sua totalidade com a visão dos seus aspectos interdependentes. Trata-

se das relações de causalidade que conduzem o processo, em sua dimensão nacional em

cada país e em sua dimensão internacional, segundo a distribuição corresponde aos

movimentos gerais do capital.

Nessa abordagem, a leitura dos aspectos institucionais da economia pode levar a um

outro reducionismo, pelo qual a distribuição pode aparecer como uma simples decisão

política. Nesse caso, em pauta está a perpetuação de padrões de distribuição, quando

através deles se criam obstáculos a ajustes entre o modo de distribuição e o movimento do

desenvolvimento econômico. A suposição de que os problemas de desenvolvimento podem

ser superados mediante uma concentração da capacidade de poupar em mãos de uma

pequena parte da sociedade equivale, de fato, a uma opção em favor de um crescimento

econômico conduzido por uma concentração de capital cuja identificação com

investimentos nacionalmente importantes não está garantida. Na verdade, essa aparente

opção por um modelo de crescimento com concentração de renda apenas descreve a

tendência geral do capitalismo em sua etapa mais avançada. Concluímos por entender que

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a concentração de renda é uma tendência e é uma opção ideológica, que estão na base da

reprodução do sistema capitalista de produção.

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11. A fita de Moebius

A fita de Moebius é um artefacto do ocultismo que consiste em uma fita fechada

sobre si mesma numa dupla volta, que quando cortada em sentido longitudinal se desprende

em duas argolas interconectadas. Nossa reflexão mostrou que a relação entre um padrão de

distribuição da renda e um modo de crescimento do produto social é apenas um primeiro

nível de aparência e que a relação entre modificações no perfil da distribuição e alterações

na composição do produto é apenas um segundo nível de aparência, que, finalmente, o

cerne do processo está constituído de combinações de relacionamento entre capital e

trabalho que se materializam na esfera da realização do produto social e na esfera da

formação do capital. Como nos mostrou Cannan (1948), precisamos distinguir entre uma

pseudo distribuição, constituída de situações individuais de renda e uma real distribuição,

que é aquela dada pela dinâmica da reprodução do capital. A situação de distribuição da

renda é o aspecto real materializado de uma combinação de tendências do sistema de

produção situadas no quadro de tendências sociais e políticas incorporadas nas sociedades

nacionais. A distribuição da renda é um fato social do capital e as políticas econômicas

exprimem ideologias cuja marca se encontra desde as opções de análise até o modo de ligar

os componentes econômicos e os políticos do processo da produção. A grande novidade

representada pelo aparecimento da Teoria geral ... de Keynes no campo da economia

burguesa foi ter reconhecido a necessidade de tratar com instrumentos de política que

revelam o significado político do Estado.

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