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TÓPICO Fernando Brenha Ribeiro Eder Cassola Molina LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP 3.1 Ondas elásticas no interior da Terra 3.2 Aspectos elementares da teoria da elasticidade 3.3 Ondas elásticas planas 3.4 Períodos das ondas sísmicas e das oscilações livres Geofísica 3 ONDAS ELÁSTICAS NO INTERIOR DA TERRA

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TÓPI

CO

Fernando Brenha Ribeiro Eder Cassola Molina

Licenciatura em ciências · USP/ Univesp

3.1 Ondas elásticas no interior da Terra3.2 Aspectos elementares da teoria da elasticidade3.3 Ondas elásticas planas3.4 Períodos das ondas sísmicas e das oscilações livres

Geof

ísic

a3OndAs ElásTICAs nO InTERIOR dA TERRA

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Geofísica AMBIENTE NA TERRA

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3.1 Ondas elásticas no interior da TerraExceção feita a pessoas extremamente cuidadosas, praticamente todo mundo arrasta, uma

vez ou outra, a cadeira sobre o piso da cozinha ou sala de jantar ao deixar a mesa depois de

uma refeição. O ruído de cadeira arrastada é típico e uma pessoa não precisa ver o que está

acontecendo para identificar a sua origem. O ruído é produzido porque o atrito entre o piso

e o pé da cadeira produz vibração, tanto na cadeira quanto no piso, e corresponde à dissipação

de parte da energia mecânica transferida para a cadeira pela pessoa que age, alguns diriam, sem

muitos modos para deixar a mesa. A energia dissipada na forma de vibração é transferida para o

ar e para o piso, e se propaga na forma de ondas sonoras.

A deformação dos sólidos armazena energia mecânica em uma forma que se chama de ener-

gia elástica e esse processo pode ser demonstrado de forma simples com uma régua escolar de

plástico. Basta flexionar a régua com as mãos: a flexão é a deformação. Se a flexão produzida for

pequena, a régua volta ao normal depois de liberada uma das suas extremidades. Não há criança

que não tenha, pelo menos uma vez na escola, posto um grão de feijão na extremidade liberada

da régua e arremessado-o a distância, Isso só é possível porque a régua tinha energia acumulada.

Se a flexão for grande, a régua fica definitivamente deformada e, se for muito grande, a régua

quebra. Nesse caso também se percebe que há energia sendo liberada, porque a quebra da régua

é acompanhada por um estalo perfeitamente audível.

A movimentação de uma falha geológica durante a ocorrência de um terremoto guarda alguma

semelhança tanto com a régua deformada quanto com a cadeira arrastada. A energia elástica é acumu-

lada por processos tectônicos na forma de deformação das rochas da crosta. A origem dos processos

tectônicos será um assunto abordado mais adiante no curso e é irrelevante para a discussão a seguir.

Quando a deformação supera um nível crítico, as rochas da crosta se quebram, ou, como é mais

comum, escorregam ao longo de planos de uma falha preexistente. O processo é análogo à quebra da

régua e ao arrastar da cadeira. O atrito entre a rocha nos dois blocos separados pela falha produz uma

vibração no solo que se dissipa na forma de ondas mecânicas, análogas ao som produzido pela cadeira

arrastada. Essas ondas carregam parte da energia liberada para longe da falha. Uma estação sismográfica

distante do foco, que na nossa analogia corresponde ao ouvido de quem escuta a cadeira sendo arrasta-

da, percebe a vibração porque as ondas mecânicas caminharam do foco até a estação seguindo os dois

caminhos possíveis, através do interior do planeta ou ao longo da sua superfície.

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TÓPICO 3 Ondas elásticas no interior da Terra

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O som é um tipo de onda mecânica, mais precisamente, um tipo particular de onda elástica

composta de variações de pressão que se propagam, tanto pelo ar, ou nos fluidos em geral,

quanto pelos sólidos. A natureza dessa onda pode ser verificada através de uma experiência

desagradável, que consiste em ficar próximo de uma caixa de som grande, dessas utilizadas em

ambientes muito amplos ou abertos e que normalmente reproduzem sons graves, como de

batida de tambor, por exemplo. Se o aparelho de som estiver com o volume alto, é possível ver,

no caso de batida de tambor, a membrana da caixa de som se deslocando. Quando a membrana

se desloca para a frente e para trás, ela empurra e puxa o ar na sua frente. Quando a membrana

vai para a frente, ela comprime localmente o ar. A pressão não aumenta em todo o ambiente,

porque o movimento da membrana é rápido e não há tempo para a pressão gerada se distribuir

uniformemente. Da mesma forma, quando a membrana recua, ela diminui a pressão do ar na

sua frente. Essas diferenças de pressão se propagam pelo ar na forma de uma onda, não havendo

movimento do ar no ambiente como um todo, e atingem o ouvido do observador, que percebe

nitidamente a pressão em seu ouvido. Algumas vezes chega a sentir dor. No caso de um som

baixo, que é a situação mais comum, a sensação de pressão não existe, muito menos a de dor,

mas o que faz a pessoa escutar é o fato de o ouvido humano ser sensível a variações de pressão

dentro de uma faixa de frequências que vai de 20 ciclos por segundo, ou 20 hertz, a 20.000

hertz. Fora dessa faixa de frequências, o ouvido humano não percebe variações de pressão.

O som se propaga pelos sólidos da mesma forma que pelos fluidos, na forma de variações

de pressão em seu interior. Os sólidos, no entanto, também permitem a propagação de ondas

elásticas que têm uma característica diferente.

Uma das coisas que distingue os sólidos dos fluidos é o fato dos fluidos, quando em equilí-

brio mecânico, não admitirem a presença de forças agindo paralelamente à sua superfície. Se um

vidro contendo mel for bruscamente inclinado, o que se observa é que o mel escoa lentamente,

mas sem parar, até que sua superfície livre fique paralela à linha do horizonte. Uma vez atingido

esse estado, o mel fica em equilíbrio e só volta a escoar se sua inclinação for novamente alterada.

O mel é um fluido viscoso, mas o processo ocorre da mesma forma em fluidos menos

viscosos, como a água, por exemplo. Na realidade o fenômeno descrito não depende do

fato de o fluido ser viscoso ou não. Um fluido sempre escoa até que não haja força agindo

paralelamente à sua superfície.

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Se uma lâmina de metal for introduzida no óleo e retirada em seguida, o líquido que

sobe aderido à lâmina escorre lentamente até que não sobre praticamente nenhum

. Finalmente, se o óleo for forçado para dentro de um tubo

vertical fino, o perfil de sua superfície livre permanece arqueado, enquanto o mecanismo que

força sua introdução permanece ativo. A superfície só fica paralela à linha do horizonte depois

que o óleo para de ser injetado.

Essa característica, que é essencial para os fluidos, tem uma consequência importante,

que é o fato de as forças que agem sobre essa superfície serem sempre perpendiculares a ela,

em qualquer superfície que se possa imaginar ou criar no interior de um fluido em repouso.

A característica provém do fato de os fluidos não possuírem, ao contrário dos sólidos, o

que se chama de rigidez.

Imagine que um cubo feito de um material sólido, mas facilmente deformável, como borra-

cha nitrílica, tenha uma de suas faces grudada à superfície de uma mesa de forma que não seja

possível fazê-lo girar (Figura 3.1).

Imagine também que na face oposta à grudada na mesa seja grudada uma placa de madeira com

uma corda de forma a ser possível exercer uma força sobre essa face que seja paralela à mesa. O que

se observa é que, para cada força que for aplicada, existirá uma deformação que, uma vez atingida,

faz com que a força externa seja anulada e, a partir daí, o bloco fica em equilíbrio mecânico. A de-

formação produzida dessa maneira é essencialmente uma mudança na forma do corpo. A borracha

que tem a forma inicial de um cubo, depois da aplicação da força, passa a ter a forma de um prisma

inclinado. A força que impede que o sólido mude continuamente de forma é consequência de uma

propriedade típica dos sólidos, conhecida como rigidez, e pode ser definida como sendo a resistência

Figura 3.1: Representação esquemática de um sólido elástico sob o efeito de uma deformação de cisalhamento puro.

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que os corpos sólidos oferecem à tentativa de se mudar a sua forma geométrica. Forma geométrica

definida é, por sinal, uma característica dos sólidos. Os fluidos não têm forma geométrica definida.

Esse segundo tipo de deformação recebe o nome de deformação de cisalhamento ou de

corte. O segundo tipo de onda elástica produzida por um terremoto é caracterizado por conter

apenas deformações de cisalhamento.

3.2 Aspectos elementares da teoria da elasticidadeAs forças são grandezas vetoriais. Para se caracterizar uma força é necessário indicar a sua magnitude,

direção e sentido, em um sistema de referência preestabelecido em que ela atua. Uma forma equivalen-

te de caracterizar uma força é indicar quais são as suas componentes nesse sistema de referência.

Em cada ponto de uma superfície qualquer é sempre possível definir uma direção que é per-

pendicular à superfície. Basta passar pelo ponto um plano tangencial à superfície (Figura 3.2).

Figura 3.2: Exemplo de elemen-tos que permitem definir uma força atuando em um ponto de uma superfície. Nesta imagem,

n é o versor perpendicular à superfície no ponto P.

A direção perpendicular à superfície é a direção perpendicular ao plano tangente. Superfícies

com a forma bastante irregular podem ser descritas indicando em cada um de seus pontos o

perpendicular à superfície em cada ponto. Quando a superfície é fechada, convenciona-se

definir o versor apontado para fora do volume limitado pela superfície (Figura 3.2).

Quando forças externas são aplicadas à superfície de um corpo sólido, o resultado é a de-

formação desse corpo. O efeito causado pela força depende da orientação relativa entre a força

aplicada (vetor) e a normal da superfície onde a força é aplicada, que é definida pelo versor da

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superfície. Por exemplo, se a força aplicada for perpendicular às faces de um paralelepípedo de

um material homogêneo, tal como esquematizado na Figura 3.3, o efeito principal é o alon-

gamento do corpo. A forma do corpo permanece a mesma, mas suas dimensões são alteradas.

Figura 3.3: Esquema do alongamento de um corpo de material homogêneo quando submetido a uma força aplicada perpendicular-mente a uma de suas faces

Por outro lado, se uma força de mesma magnitude (mesmo módulo) for aplicada tangencial-

mente às mesmas faces, o efeito principal é a mudança na forma do corpo, como esquematizado

na Figura 3.1 (supondo que o corpo seja impedido de girar). O par de vetores, força aplicada

e versor normal à superfície, define o que se chama de esforço aplicado à superfície.

A razão entre o módulo da força e a área na qual a força é aplicada define a magnitude do esforço.

forçaesforço =

superfície sobre a qual a força é aplicada

O módulo do esforço tem a mesma unidade da pressão hidrostática. Entretanto, esforço e

pressão são entidades distintas. A pressão hidrostática é uma grandeza escalar, representada por

um número real, por causa da característica essencial dos fluidos que foi descrita no parágrafo

anterior. O esforço é uma relação entre dois vetores, o vetor força e a normal da superfície.

Os esforços resultantes da aplicação de forças perpendiculares à superfície de um corpo

recebem o nome de esforços longitudinais. Os esforços resultantes da aplicação de forças tan-

genciais à superfície recebem o nome de esforços de cisalhamento ou de corte. Considerando

um corpo com a forma de um prisma reto, com arestas h, l e w inicialmente livre de forças

externas (Figura 3.3), a aplicação do par de forças

f orientadas na direção da aresta h sobre

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as faces perpendiculares a essa aresta provoca uma variação das dimensões do prisma. A aresta

h fica alongada e passa a ter a dimensão h + Δh, com Δh positivo se o par de forças tracionar o

sólido e negativo se o par de forças comprimir o sólido. As arestas l e w são alteradas para l + Δl

e w + Δw com Δl e Δw com sinais opostos ao de Δh.

Define-se como deformação longitudinal a razão entre a variação da dimensão e a dimensão

original, na forma

+ Δ − Δε = =h

h h h hh h

3.1

3.2+ Δ − Δε = =l

l l l ll l

e

+ Δ − Δε = =w

w w w ww w

3.3

Define-se módulo de Poisson ν como sendo a razão entre a deformação transversal e a

deformação longitudinal. Em materiais homogêneos e isotrópicos

Δ Δ

= = −Δ Δ

l wl wvh h

h h

3.4

Homogeneidade e isotropia são conceitos diferentes. Um corpo qualquer é homogêneo em relação a uma propriedade física quando essa propriedade não varia no seu interior. Um bloco de aço, por exemplo, é homogêneo do ponto de vista da densidade. A densidade não varia no volu-me do bloco. Um corpo qualquer é isotrópico em relação a uma propriedade física quando essa propriedade observada em um mesmo ponto não varia com a direção de observação. O vidro uti-lizado na confecção de lentes de óculos é isotrópico do ponto de vista da refração. Um cristal de quartzo não é isotrópico em relação à refração e apresenta dois índices de refração: 1,544 e 1,553.

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O sinal negativo é introduzido para definir o módulo de Poisson como um parâmetro

positivo, no caso de materiais com comportamento elástico natural. Pode-se demonstrar que v

é limitado ao intervalo −1 < v < 0,5.

Quando a

1Δ<<

hh

a relação entre o esforço que causa a deformação longitudinal e a deformação é dada por

Δσ = =h

f hYa h

3.5

onde A é a área sobre a qual a força é aplicada e σh é o esforço que provoca a deformação

longitudinal do sólido na direção da aresta h. A equação 3.5 escreve a deformação como

sendo proporcional ao esforço, e a constante de proporcionalidade Y, que é uma propriedade

do material que compõe o sólido, é conhecida como módulo de Young.

Lembrando que

ε = ε = − εl w hv 3.6

σ = − ε = − εh l wY Yv v

3.7

Se sobre o sólido forem aplicadas forças longitudinais em todas as suas faces

( )( )1ε = σ − σ + σh h l wv

Y3.8 a

( )( )1ε = σ − σ + σl l l wv

Y3.8 b

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( )( )1ε = σ − σ + σw w h lv

Y3.8 c

A variação do volume sofrida por um sólido submetido a deformações longitudinais nas

três dimensões é

0

0 0

−Δ=

V VVV V

onde V0 é o volume do sólido antes da deformação. Escrevendo

( ) ( ) ( )0

+ Δ + Δ + Δ −Δ=

h h l l w w hlwVV hlw

ou

0

Δ + Δ + Δ + Δ + Δ Δ + Δ Δ + Δ Δ + Δ Δ Δ −=

V hlw lh w lW h hw l h l w l h w w h w h l w hlwV hlw

ou ainda

0

0 0

−Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ Δ= = + + + + + +

V VV h l w l w h w h l h l wV V h l w l w h w h l h l w

3.9

Consideremos que Δh , Δl e Δw sejam menores do que h, l e w. Por exemplo, se

0,1Δ Δ Δ= = =

h l wh l w

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os produtos

0,01l w h w h ll w h w h l

Δ Δ Δ Δ Δ Δ= = =

são 10 vezes menores que os termos do produto. O produto

0,001Δ Δ Δ=

h l wh l w

é 100 vezes menor que os termos do produto. Isso significa que na equação 3.9, a soma das 6

últimas parcelas é pouco mais que 10% da soma das 3 primeiras parcelas. Se

0,01Δ Δ Δ= = =

h l wh l w

os produtos

0,0001l w h w h ll w h w h l

Δ Δ Δ Δ Δ Δ= = =

são 100 vezes menores que seus termos. O produto

0,000001Δ Δ Δ=

h l wh l w

é 10 mil vezes menor que seus termos. Isso significa que na equação 3.9, a soma das 6 últimas

parcelas é praticamente 1% da soma das 3 primeiras parcelas. Se

0,001Δ Δ Δ= = =

h l wh l w

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a soma das 6 últimas parcelas da equação 3.9 é praticamente 0,1% da soma das 3 primeiras parcelas.

Esses exemplos mostram que quanto menor for o valor das deformações longitudinais, a deformação

volumétrica mais se aproximará da soma das 3 deformações longitudinais. A diferença devida aos

produtos das deformações longitudinais fica cada vez menor e mais irrelevante para o resultado final.

A equação 3.5 não tem validade geral. Ela só é válida para deformações realmente peque-

nas, da ordem de ou inferiores a 0,001 para a maioria dos sólidos. Nesse caso, a variação relativa

do volume, ou deformação volumétrica, é, essencialmente, dada por

0

0 0h l w

V VV h l wV V h l w

−Δ Δ Δ Δ= = + + = ε + ε + ε 3.10

É importante considerar que a escolha da dimensão da deformação linear, a partir da qual

a aproximação expressa pela equação 3.10 deve ser usada, depende da exatidão desejada nos

cálculos que envolvam a deformação volumétrica.

Define-se esforço compressivo médio como

( )13

σ = σ + σ + σm h l w 3.11

Das equações 3.8 e 3.10, tem-se

( ) ( ) ( )( )0

1 2 2 2h l w h l w h l lV v

V YΔ

= ε + ε + ε = σ + σ + σ − σ + σ + σ

de onde

( )0

3 1 2 mV v

V YΔ

= − σ

ou

( ) 03 1 2Δ

σ =−mY V

v V3.12

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Define-se módulo elástico volumétrico ou módulo de incompressibilidade como

0

σ=

ΔmkV

V

3.13

e a relação entre a incompressibilidade, o módulo de Young e o coeficiente de Poisson é

( )3 1 2=

−Yk

v3.14

A definição do módulo mostra por que o coeficiente de Poisson não pode ser superior a 0,5.

Se esse valor fosse superado, o módulo de incompressibilidade seria negativo. Isso significa que seria

possível extrair energia mecânica de um corpo sobre compressão. Além disso, esse corpo exposto,

por exemplo, à pressão atmosférica, expandiria-se indefinidamente, fornecendo energia mecânica.

Consideremos um corpo com a forma de um prisma reto, com arestas h, l e w, inicialmente

livre de forças externas (Figura 3.1). A aplicação do par de forças

f orientadas, por exemplo,

na direção da aresta l sobre as faces perpendiculares à aresta h provoca, se o prisma for impedido

de girar, uma variação da forma do prisma. O ângulo entre as arestas h e l, que inicialmente era

reto, passa a ser o agudo θ. Define-se deformação de cisalhamento εlh como sendo

12 2

π ε = − θ

lh3.15

Quando a deformação é pequena a relação entre o esforço e a deformação de cisalhamento

é dada por

2= σ = µεlh lh

fA

3.16

onde μ recebe o nome de módulo de cisalhamento ou módulo de rigidez do sólido.

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entre o módulo de cisalhamento, o módulo de Young e

o coeficiente de Poisson é

( )2 1µ =

+Y

v 3.17

A relação acima mostra que o coeficiente de Poisson não pode ser inferior a −1. Se isso pudesse

ocorrer, de novo, seria possível extrair energia mecânica deformando o sólido. Na grande maioria

dos materiais, e sempre no caso de materiais naturais, o coeficiente de Poisson é positivo. Em alguns

materiais artificiais, em alguns polímeros, por exemplo, o coeficiente de Poisson pode ser negativo.

3.3 Ondas elásticas planasConsidere novamente o exemplo da onda formada na superfície de um lago pela queda de

uma pedra. Um observador perto do ponto onde a pedra caiu vê que a crista da onda forma

um círculo quase perfeito. O que caracteriza a crista da onda no lago é o fato de que ela é

formada por pontos onde a água está na mesma altura em relação à superfície do lago e que

esses pontos definem uma linha contínua, sem interrupção. Essa linha se afasta do ponto onde

a pedra caiu mantendo a coesão, se não houver nenhum obstáculo no caminho, de forma que

a crista da onda pode ser identificada mesmo em pontos muito distantes pela continuidade

de uma linha que pode ser traçada por pontos com a mesma elevação em relação à superfície

Deformação pequenaPequena aqui significa que o ângulo ε

lh, sen(ε

lh) e tg(ε

lh) têm essencialmente o mesmo valor. Para

ângulos iguais ou inferiores a 1°, essa aproximação é bastante razoável. O arco de 1° corresponde a 0,0174533 radianos. É importante expressar o arco em radianos porque, assim, as três grandezas passam a ser representadas por uma razão entre um comprimento e o raio do círculo trigono-métrico, ficando, dessa forma, diretamente comparáveis. A tangente de 1° é 0,0174551, ou seja, a diferença em relação ao arco é de 0,01%. O seno de 1° é 0,0174524 e a diferença em relação ao arco é de -0,005%.

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do lago. Eventualmente, a linha que acompanha a crista da onda pode parecer aberta para um

observador que tenha uma visão ruim e que esteja muito distante da origem da onda.

Para esse observador de visão ruim, a crista da onda, além de parecer uma linha aberta, pode

parecer ter uma curvatura muito pequena, ou mesmo não ter curvatura alguma. Nesse caso,

o observador interpreta o que vê como sendo uma onda cuja crista é uma linha reta que se

estende indefinidamente para ambos os lados.

Qualquer tipo de onda tem uma característica semelhante à crista da onda formada no lago,

a qual se chama frente da onda. Na frente da onda, a grandeza que caracteriza a onda assume um

valor constante. No caso de uma onda sonora, pode-se definir uma superfície contínua onde

a pressão é igual em todos os seus pontos. O valor constante que a onda assume ao longo de

uma frente de onda recebe o nome de fase da onda naquela superfície. Uma onda, cuja frente

de onda é um plano, recebe o nome de onda plana.

As ondas sísmicas nunca são, falando de forma rigorosa, ondas planas, porque elas têm

origem em um único ponto, que é o foco do terremoto. Além disso, elas interagem com

descontinuidade no interior da Terra e têm a sua frente de onda deformada a cada interação

No entanto, para pontos distantes do foco e de descontinuidades importantes, a onda frente

da onda pode ser aproximada a um plano, da mesma forma que a onda no lago é interpretada

pelo observador de visão ruim como sendo uma linha reta.

As ondas sísmicas podem ser divididas em ondas de compressão, onde a passagem da onda

provoca uma expansão ou uma contração do sólido ou do fluido sem distorção de forma e

ondas de cisalhamento onde a onda provoca distorções da forma do sólido. A Figura 3.4

mostra de forma esquemática os dois tipos de onda se propagando ao longo de uma viga

de metal com a forma de um prisma reto de seção quadrada. Na parte superior da figura,

o experimentador bate perpendicularmente à base de prisma. Para garantir que a força seja

uniformemente distribuída sobre a base, que é pequena, ele bate com um martelo de madeira

com a cabeça bem maior do que a base do prisma. Se a força não for muito grande, a batida

faz com que haja uma deformação,perto da extremidade atingida, formando uma pequena

barriga, que corresponde à energia acumulada que tende a ser liberada comprimindo o

material à sua frente. Ou seja, o segmento próximo ao extremo do prisma volta à sua forma

normal comprimindo o material que está à sua frente. O resultado é uma onda plana de

compressão se propagando para longe da extremidade atingida.

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A parte inferior da Figura 3.4, por sua vez, apresenta a mesma barra, mas na sua base,

ao invés de uma pancada, é feito atrito com uma lixa ou lima se movendo paralelamente à

superfície. O atrito desloca a ponta da barra de metal produzindo uma vibração perpendicular

ao comprimento da barra. Essa vibração ocorre na forma de uma deformação de cisalhamento,

uma distorção local da forma da barra, e se propaga pelo metal na forma de uma onda.

A onda sísmica de compressão é análoga à onda descrita na parte superior da Figura 3.4. Existe, no

entanto, uma diferença, pelo menos no caso de ondas planas. No caso da barra de metal, há uma borda

livre que não impede a deformação lateral do metal. Na onda sísmica, como o meio é praticamente ili-

mitado lateralmente, não há borda livre para acomodar movimentos laterais. Cada elemento de volume

que possa ser isolado no meio empurra com a mesma força a sua fronteira lateral. O resultado é que

não há deslocamento na direção perpendicular à direção de propagação da onda. As ondas sísmicas de

compressão são ondas longitudinais. O movimento se limita à direção de propagação da onda.

As ondas sísmicas de cisalhamento são semelhantes às ondas descritas na parte inferior

da Figura 3.4. No caso das ondas na barra de metal, o deslocamento é essencialmente

perpendicular à direção de propagação porque o atrito foi produzido por uma lixa se

movendo paralelamente à superfície da base. Esse resultado, no entanto, é consequência da

forma com que o atrito é feito. É possível, na barra de metal, produzir uma deformação de

cisalhamento na direção de propagação da onda. No caso das ondas sísmicas, as ondas de

cisalhamento são, necessariamente, formadas por deformações na

à direção de propagação da onda.

Figura 3.4: Esquema da propagação de dois tipos de ondas elásticas e uma viga de metal na forma de um prisma reto de base quadrada

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A velocidade com que as ondas elásticas se propagam depende das propriedades elásticas do ma-

terial que elas atravessam, uma vez que as forças que produzem a deformação dependem dessas cons-

tantes. Por outro lado, a velocidade das ondas sísmicas depende da densidade do meio, que representa

a inércia do material. A velocidade (Vp) das ondas de compressão, ou ondas do tipo P, é dada por

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p

KV

µ

ρ

+3.18

onde K é o módulo de incompressibilidade, μ é o módulo de rigidez e ρ é a densidade do meio.

A velocidade (Vs ) das ondas de cisalhamento, ou ondas do tipo S, é dada por

sV µρ

= 3.19

As ondas de cisalhamento não se propagam em meios onde a rigidez é nula, ou seja, não se

propagam em fluidos, ou em materiais que se comportam como os fluidos comuns. Por outro

lado, quanto maior for a rigidez, maior é a velocidade, e quanto maior for a densidade, menor é

a velocidade. Isso é assim porque quanto maior for a rigidez, maior é a força elástica e maior é a

aceleração a que o meio é submetido. Quanto maior for a densidade, maior é a inércia do meio.

As ondas do tipo P se propagam tanto em sólidos quanto em fluidos. A relação com os mó-

dulos elásticos é a mesma. Quanto maiores forem K e μ, maiores serão as velocidades. Quanto

maior for a densidade, menor será a velocidade.

Em um sólido, a velocidade das ondas P é sempre maior do que a velocidade das ondas

S. Isso significa que, em um sismograma de um sismo distante, as ondas P são registradas

antes das ondas S. A Figura 3.5 apresenta um sismograma onde o instante de chegada das

ondas P e das ondas S está registrado. A designação P e S é tradicional e significa onda

primária e onda secundária.

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TÓPICO 3 Ondas elásticas no interior da Terra

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As ondas P e S são ondas que se propagam através do volume dos sólidos (e no volume dos fluidos,

no caso das ondas P ) e recebem o nome de ondas de volume. Além das ondas de volume, existe outro

tipo de onda que se propaga ao longo da superfície do corpo. As ondas na superfície de um lago são

um exemplo desse tipo de onda em um corpo fluido.

As ondas de superfície, como o nome indica, são ondas que necessitam de uma superfície livre

para se propagarem. A direção de propagação é uma linha contida na superfície e o deslocamento

associado à onda decresce de forma relativamente rápida com a profundidade dentro do corpo.

Dois tipos de ondas sísmicas de superfície são observados. O primeiro tipo é análogo ao das ondas

do lago. O movimento que o solo realiza é uma elipse em um plano perpendicular à superfície

(Figura 3.6) e o movimento é retrógrado. Esse tipo de onda recebe o nome de onda Rayleigh,

em homenagem a Lord Rayleigh (James Strutt), que foi quem previu a existência de ondas de

superfície em meios elásticos em 1885.

A velocidade das ondas Rayleigh depende de VP

e de Vs. Em um meio homogêneo, com coeficiente

de Poisson 0,25, as ondas Rayleigh propagam-se

com velocidade de 0,92 Vs. Em meios não ho-

mogêneos, as ondas de Rayleigh sofrem dispersão.

O conceito de dispersão está associado ao

conceto de velocidade de propagação da onda. As

ondas sísmicas, como na realidade qualquer tipo

Figura 3.5: Exemplo de um sismograma com a anotação da chegada das ondas P e S. Imagem cedida por Jose Barbosa do grupo de sismologia do IAG-USP.

Figura 3.6: Esquema de propagação de uma onda Rayleigh.

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de onda, podem ter um aspecto muito variável. A forma ou aspecto de onda mais simples que

se pode imaginar é o de uma onda senoidal, como a representada na Figura 3.7.

A é uma onda que se repete indefinidamente no tempo e no espaço. Ela é

caracterizada por um comprimento de onda (λ), que é a distância que separa dois pontos que

realizam, em um mesmo instante, o mesmo movimento: eles têm o mesmo deslocamento, a

mesma velocidade e a mesma aceleração. Uma outra característica da onda senoidal é o período

(T ), que é o tempo necessário para que o movimento de um ponto fixo se repita. Na Figura 3.7

pode-se ver que a velocidade de propagação da onda senoidal é dada por λ/T.

Existe um resultado matemático geral e importante, algumas vezes chamado, de forma

um tanto imprópria, de teorema de Fourier, que diz que qualquer que seja o aspecto de

uma onda, como, por exemplo, o da função apresentada na Figura 3.8, ele pode ser repre-

sentado por uma soma infinita de ondas senoidais, onde cada parcela é ponderada por um

peso que depende da forma da onda. Cada uma dessas parcelas é chamada de componente

harmônica da onda. Na Figura 3.8 é apresentada também a soma das 5 primeiras compo-

nentes harmônicas da representação daquela função. Se todas as componentes harmônicas

se propagarem com a mesma velocidade, a onda descrita na Figura 3.8 mantém indefini-

damente a sua forma. Por outro lado, se cada componente tiver uma velocidade própria, a

forma se altera continuamente.

Figura 3.7: Representação de uma onda senoidal

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TÓPICO 3 Ondas elásticas no interior da Terra

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Para entender isso, imagine um pelotão de soldados razoavelmente bem treinados e man-

tidos sob o tacão de um sargento ameaçador correndo em formação em uma estrada relativa-

mente plana e bem pavimentada. Os soldados são pessoas diferentes e, portanto, cada soldado

tem preparo físico um pouco diferente dos outros, mas as condições do local permitem que

a coesão do grupo seja mantida pelo sargento que vai à frente cantando uma musiquinha,

normalmente sem nenhum sentido.

Imagine agora que a estrada termine em um caminho onde há todos os tipos de irregularidade

de pavimento: chão de terra com diferentes compactações, pedras de diferentes dimensões, algu-

mas presas ao solo e outras soltas, buracos com profundidades muito variáveis, elevações variadas,

umidade de solo diferente em cada ponto e poças, muitas poças de água. Nessa situação, as dife-

renças de preparo físico, que no pavimento liso são irrelevantes, passam a ter efeito. Por mais que

o sargento se aborreça, os mais preparados avançarão mais rápido do que os menos preparados,

porque agora a velocidade dos componentes do pelotão depende do pavimento. O resultado é

que a coesão do pelotão vai sendo progressivamente destruída e substituída por uma estrutura

caracterizada por grupos de poucos soldados que conseguem, dentro de cada grupo, manter uma

velocidade média característica do grupo. O pelotão, em linguagem simples, dispersa-se ao longo

da trajetória do exercício físico.

Figura 3.8: Exemplo de uma onda de forma arbitrária que pode ser representada por uma soma de ondas senoidais. A linha vermelha representa a onda original e a linha azul representa a soma das 5 primeiras componentes harmonicas desta onda.

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As ondas de Rayleigh apresentam um com-

portamento análogo em um meio não homogê-

neo. As componentes harmônicas da onda têm

velocidades diferentes e as ondas de Rayleigh

vão se dispersando ao longo da sua trajetória.

A Figura 3.9 apresenta um sismograma onde

se pode notar o efeito da dispersão da onda de

superfície e a formação de grupos de onda, cada

qual caracterizado por uma velocidade própria

chamada de velocidade de grupo.

O segundo tipo de onda de superfície

recebe o nome de onda Love, em homenagem

a A. E. H. Love, que teve uma contribuição

importante em vários aspectos da teoria da

elasticidade, inclusive no que diz respeito à propagação de ondas ao longo da superfície

de um meio. As ondas Love correspondem a uma onda de cisalhamento, com movimento

restrito à direção perpendicular à direção de propagação da onda e ao plano horizontal. As

ondas Love apresentam sempre o fenômeno da dispersão.

Existe um terceiro tipo de onda sísmica que tem uma característica muito diferente dos outros tipos

mencionados até o momento: são as ondas estacionárias que, em algumas situações, se formam na Terra.

A principal característica de uma onda, qualquer que seja a sua natureza, é a propagação de

energia que, no caso das ondas sísmicas, é energia elástica. Considere, no entanto, a seguinte situa-

ção: uma linha de pesca de comprimento L tem uma das suas extremidades firmemente amarrada

a um prego bem preso ao batente de uma porta, de forma que se possa dizer que essa extremidade

da linha é perfeitamente fixa, não se move de forma alguma. A outra extremidade é puxada

com força e rapidamente movimentada

para baixo e para cima, fazendo um mo-

vimento periódico, que se repete a cada

intervalo de tempo fixo T (Figura 3.10).

Quando o movimento se inicia, uma

onda gerada na extremidade livre do fio

se propaga em direção à extremidade

Figura 3.9: Exemplo de sismograma no qual se pode notar o efeito de dispersão da onda de superfície. Imagem cedida por Jose Barbosa do grupo de sismologia do IAG-USP.

Figura 3.10: Esquema de oscilação de uma onda estacionária.

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fixa. Como esse ponto não se move de forma alguma e como a energia fornecida ao fio não

pode simplesmente desaparecer, surge na extremidade fixa uma onda que se propaga em dire-

ção à extremidade livre. Acertando o ritmo, ou dizendo de forma rigorosa, a frequência com

que a extremidade livre é feita oscilar, depois de um tempo muito curto todos os pontos do fio

passam a vibrar com o mesmo ritmo, mas com amplitudes, ou afastamentos da posição de equi-

líbrio, diferentes. Alguns pontos, que se dispõem regularmente ao longo do fio, simplesmente

não se moverão, enquanto outros, localizados entre os pontos imóveis, atingirão as maiores

amplitudes. A posição dos pontos fixos e dos pontos com maiores amplitudes, marcada em um

eixo que corresponde à posição de repouso do fio, não muda com o tempo. Esse estado em que

fica o fio é chamado de onda estacionária. Na onda estacionária, a energia não se propaga. Ela

fica confinada ao corpo em oscilação, neste caso, o fio de pesca.

Ondas estacionárias se formam em diferentes situações. Quando uma corda de violão, ten-

sionada de forma apropriada, é tocada e deixada oscilar livremente, ela forma uma onda estacio-

nária onde os todos os pontos vibram em relação à posição de equilíbrio com uma frequência

característica daquela corda. É essa frequência que define a nota musical correspondente àquela

corda com a afinação escolhida (força aplicada na sua tensão). As ondas estacionárias formadas

nas cordas do violão, por exemplo, acabam cedendo a sua energia por uma série de processos,

sendo o mais evidente, mas não o mais eficiente, a emissão de som. A onda sonora retira energia

da corda e a transporta para o ouvido da pessoa que escuta o violão.

Um processo um pouco diferente ocorre com os sinos de igreja. Quando o badalo bate no

sino, ondas elásticas são emitidas em todas as direções dentro do sino. Ondas emitidas em dire-

ções diferentes acabam, eventualmente, se encontrando e superpondo para formar uma onda

estacionária. O termo superposição aqui significa soma algébrica dos movimentos causados por

cada uma das ondas. As ondas estacionárias formadas no sino também emitem um som musical.

A ocorrência de um terremoto tem sobre a Terra um efeito análogo à batida do badalo

no sino. Ondas sísmicas são enviadas em todas as direções dentro da Terra e acabam se

superpondo. Dependendo das características do sismo, uma delas sendo a magnitude, pode

acontecer que a superposição das ondas sísmicas crie uma onda estacionária, que é chama-

da de oscilação livre da Terra.

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As oscilações livres da Terra têm formas muito variadas. A Figura 3.11 ilustra algumas

dessas formas. A Figura 3.11a ilustra o modo de oscilação em que a Terra se expande e contrai

radialmente, como um balão sendo enchido e esvaziado repetidamente. A Figura 3.11b ilustra

o modo de oscilação onde a forma da Terra, que em primeira aproximação pode ser conside-

rada uma esfera deformando-se repetidamente em, um elipsoide de rotação, ora com o eixo

maior alinhado com o eixo de rotação da Terra, ora com o eixo menor alinhado com o eixo de

rotação da Terra. A Figura 3.11c ilustra o modo de oscilação em que o hemisfério norte gira

em relação ao hemisfério sul alternadamente, no sentido de rotação horária e anti-horária. Cada

modo de oscilação é caracterizado por uma frequência característica.

Figura 3.11: Esquema de alguns tipos de oscilação livre da Terra. As imagens representam a evolução temporal da configuração da Terra durante as oscilações.

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3.4 Períodos das ondas sísmicas e das oscilações livres

As ondas sísmicas têm períodos muito variáveis que dependem da distância epicentral do

terremoto. Além disso, os períodos também dependem da origem do sismo. As ondas sísmicas

são geradas por terremotos naturais, mas também podem ter causas artificiais. A explosão de

uma bomba nuclear, por exemplo, gera ondas sísmicas que podem percorrer, dependendo da

carga do artefato, toda a Terra.

As ondas de volume P e S de sismos distantes, por exemplo, têm períodos tipicamente entre

1 segundo e 10 segundos. O mesmo tipo de onda observado a distâncias locais ou regionais

tem períodos entre 0,05 segundos e 1 segundo. Ondas de superfície têm períodos entre 10

segundos e 100 segundos e, em alguns casos de 1.000 segundos. Explosões produzidas por

explosivos químicos e observadas a distâncias muito curtas apresentam períodos da ordem de

0,01 segundo. O maior período de oscilação livre da Terra é da ordem de 53 minutos e existem

períodos menores de até 8 minutos.