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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS LITERATURA PORTUGUESA IV Prof. Dr. Helder Garmes Memória na jangada e a história: O contexto histórico através de Pessoa e Saramago Henrique Nicácio Cavalcante - Nº USP 7664550 São Paulo / 2013

Trabalho Rec Lit Pot IV

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS LITERATURA PORTUGUESA IV

Prof. Dr. Helder Garmes

Memória na jangada e a história: O contexto histórico através de Pessoa e Saramago

Henrique Nicácio Cavalcante - Nº USP 7664550

São Paulo / 2013

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Este texto tem por mérito a análise de Fernando Pessoa e José Saramago, a partir de suas obras Mensagem e A jangada de pedra, respectivamente, afim de se comparar como cada autor insere em seus textos literários a questão do contexto histórico português, mais especificamente, o colonialismo e o pós-colonialismo tentando voltar-se para a questão do comportamento da sociedade frente ao tema e comparar as diferenças entre as abordagens do tema nessas duas obras.

Para isso, será usada, como eixo central para a comparação do fator social português, as ideias de SANTOS [2003], que cria uma teoria sobre a história portuguesa entre a ascendência e descendência colonialista, sobre a ascensão e o declínio português e qual a visão que a Europa tinha (ou ainda possui) sobre Portugal enquanto sociedade pertencente à Comunidade Europeia (CE).

1. O contexto social português colonial e pós-colonial

1.1. O Colonialismo: ascendência e descendência

Portugal, durante a expansão marítima, foi o grande nome quando se tratava de

conquista de terras e de exploração marítima. Hoje, observando estas conquistas todas,

podemos ver o quão grande foi o poder de Portugal em comparação aos demais países do

mundo. Mas os problemas políticos que os diferentes reinados impuseram para este país fizeram

com que todo este poder obtido por anos de expansão desmoronasse com a mesma ascendência

que chegou ao cume.

Diversos são os motivos, mas Santos1 aponta que o principal problema para a

manutenção do sistema colonial português foi a forma desordenada com que este foi conduzido

e sua diferença dos demais sistemas coloniais presentes no restante da Europa, em

principalmente o sistema britânico, foram os fatores fundamentais para que este declinasse com

a ascendência com que houve:

Minha hipótese de trabalho é que as diferenças do colonialismo português devem repercutir nas diferenças do pós-colonialismo no espaço da língua oficial portuguesa, nomeadamente em relação ao pós-colonialismo anglo-saxão. A primeira diferença é que a experiência da ambivalência e da hibridez entre colonizador e colonizado, longe de ser uma reivindicação pós-colonial, foi a experiência do colonialismo português por longos períodos. O pós-colonialismo anglo-saxão parte de uma relação colonial assente na polarização extrema entre colonizador e colonizado, entre Próspero e Caliban, uma polarização que é tanto uma prática de representação como a representação de uma prática, e é contra ela que a subversão da crítica pós-colonial se dirige e faz sentido2.

1.2. A Europa e a visão de Portugal

Segundo Santos, Portugal, por conta de toda a sua história política ascendente e

descendente e por sua extensão territorial não é considerado pela Europa moderna e

1 SANTOS. 2003. Pp 25 2 Idem. Pp 26.

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contemporânea como um território relevante, constituindo-se como membro constituinte da CE

por situar-se dentro do território europeu e por toda a carga histórica agregada durante o

colonialismo3.

Esta incerteza quando à imagem repassada para o restante da Europa e todo o histórico

de poderio desorganizado, junta-se a este o domínio espanhol que houve após o sumiço de D.

Sebastião, traz para a sociedade portuguesa uma sensação de deslocamento e de dúvida quanto

a sua superação e seu renascimento enquanto nação soberana:

Os portugueses nunca puderam instalar-se comodamente no espaço tempo originário do Próspero europeu. Ali viveram como que internamente deslocados, em regiões simbólicas que não lhes pertenciam e onde não se sentiam à vontade. Foram objeto de humilhação e de celebração, de estigmatização e de complacência, mas sempre com a distância de quem não é plenamente contemporâneo do espaço-tempo que ocupa. Forçados a jogar o jogo dos binarismos modernos, tiveram dificuldades em saber deque lado estavam. Nem Próspero nem Caliban, restaram-lhes a liminaridade e a fronteira, a interidentidade como identidade originária. Em aparente contradição com tudo isso, porém, Portugal foi a primeira potência europeia a lançar-se na expansão ultramarina e a que manteve por mais tempo o seu império. Se o colonialismo jogou um papel central no sistema de representações da modernidade ocidental, Portugal teve participação pioneira na construção desse sistema e, portanto, no jogo de espelhos fundador entre Próspero e Caliban4.

2. Pessoa, Saramago, Mensagem, A jangada de pedra e o contexto histórico

2.1. Das Obras

Mensagem, de Fernando Pessoa, é um livro que retoma as ideias de nação próspera do

governo sebastiano, estrutura na qual o pós-colonialismo, representado pela ditadura

salazariana portuguesa, se apoia.

Pessoa cria uma estrutura onde é representado, através de poemas e de 3 partes, ou

capítulos (como também pode ser nomeada estas partes) o nascimento da nação colonial, a

realização ou manutenção desta nação soberana e a morte deste sistema e seu renascimento pós-

colonial.

Em A jangada de pedra, Saramago cria um ambiente onde a Península Ibérica irrompe-

se do continente e começa uma jornada desorientada pelos mares.

Seus personagens tinham que permanecer unidos, pois, agora, um tinha apenas o outro

como ponto de apoio e, com isso, acabam descobrindo semelhanças dentro de suas diferenças.

3 Ibidem. Pp 33. 4 Ibidem. Pp 34.

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2.2. O contexto histórico: semelhanças e diferenças entre as duas obras

Mensagem é um livro que, apesar da ordem assimétrica e aparentemente

desorganizada se seus poemas5, foi estruturado pensando em retratar um contexto histórico

português que cria uma ambiência de uma falsa racionalidade, porém o que Pessoa cria, ou a

sensação que se tem ao término da leitura da obra, é de uma nação que busca o seu sentimento

ou o seu encontro com o passado para entender qual o rumo tomar.

Na terceira parte do livro, Pessoa relata, no poema “Primeiro / Noite” a instabilidade

da morte do governo sebastianista, mas, ao mesmo tempo, o poema, em seu decorrer, vai

criando o ambiente para o fim do livro, com o poema “Quarto / Antemanã”, de uma esperança

e um renascimento da identidade portuguesa perdida e do re-reconhecimento da importância

portuguesa perante à CE.

Saramago segue por um caminho diferente em sua obra. Ele relata exatamente o

mesmo sentido de busca e de re-reconhecimento da CE acerca da importância de Portugal, mas

ele cria isso em um ambiente em que a população, representada por seus personagens, entram

em uma espécime de diálogo intrapessoal para o entendimento do eu e, junto disto, o

entendimento com o outro, uma vez que todas as personagens apresentam características

completamente opositivas entre si.

Esse encontro, proposto por Saramago culmina no relacionamento amoroso entre

quase todos os componentes da história e de uma relação de afeição entre o personagem

inumano, o Cão Constante, e Pedro Orce. Esse enlace pode ter sido usado por ele para

representar a junção pela qual a população portuguesa precisaria adquirir para o retorno ao seu

triunfo e reconhecimento perante à Europa.

Leonardo define as diferenças e semelhanças entre as obras como:

(...) contornos diferentes, há em Mensagem um discurso ufanista, que ressalta o sebastianismo como marca profunda na história portuguesa, ao passo que em A Jangada de Pedra, contrariamente, o discurso irônico apresenta uma crítica social constante, consubstanciada nos personagens, que também apresentam uma matriz do sebastianismo. O ponto de vista de Saramago contraria o sebastianismo personalista pessoano, prognosticando que as mudanças virão, a partir da organização popular. Trata-se da identidade portuguesa construída com base sólida na solidariedade, no respeito às diferenças e na esperança imorredoura de que o destino de um povo depende do próprio povo6. Este encontro e desencontro entre os diversos períodos é o que liga estas duas obras

tão distintas, pela visão de Leonardo. Isso gera também a exata dimensão da diferença entre as

duas obras: a expectativa pessoana e o pessimismo ou a busca interior saramaguiana.

5 LEONARDO. 2013. Pp. 150 6 Idem. Pp 154

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3. Considerações Finais

Ambas as obras buscam o resgate de um Portugal há muito perdido, uma nação que

outrora dominava os mares e as terras, que possuía riqueza e autossuficiência e que, por conta

de suas sucessivas trocas de reinados e controvérsias políticas, hoje é visto apenas como mais

um país europeu.

Pessoa cria, em sua obra, uma esperança de melhora, uma busca de reencontro com a

glória e Saramago insere a ideia de que o reencontro deve vir dos próprios cidadãos portugueses,

que não há como mudar a visão de fora sem mudar a visão interior.

Esta diferença deve prover da diferença de épocas em que estas obras foram

publicadas. Enquanto a primeira data da primeira metade dos anos de 1900, (mais precisamente

1934) a de Saramago foi publicada em 1986. Ou seja, uma foi publicada durante a ditadura ou

império de Salazar e a outra data já de sua derrubada.

Contudo, ambas as obras relatam de forma coesa e concisa toda a esperança de uma

nação que, ainda, nos dias de hoje, busca o seu re-reconhecimento enquanto uma nação-

potência que almeja a reinserção no quadro dos grandes países da CE.

4. Bibliografia

LEONARDO, Devalcir. Mrnsagem e a Jangada de Pedra: Um Espelho Invertido do Imaginário Português. In: Anais do I Encontro de diálogos literários: um olhar para além das fronteiras/ Mônica Luiza Socio Fernandes; [et al.] Campo Mourão: Fecilcam, 2013. Pp.149-156.

PESSOA, Fernando. Obra Poética. Seleção, Organização e Notas de Maria Alice Galhoz. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1986.

SANTOS, Boaventura de Sousa, Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e inter-identidade. Novos Estudos Cebrap, 66. 2003. Pp. 23-52.

SARAMAGO, José. A Jangada de Pedra. Rio de Janeiro: Record, 1999.

5. Referências Bibliográficas

CALBUCCI, Eduardo. Saramago: um roteiro para os romances. São Paulo: Ateliê Editorial. 1999. CAMOCARDI, Elêusis M. Fernando Pessoa. Mensagem: história, mito, metáfora. SP: Arte &

Ciência, 1996, volume: 21. LIED, Maria A. Cassol. Relações pessoais e míticas entres as personagens n’A jangada de

pedra. In: Dossiê: Literatura Portuguesa – Século XIX-XXI. UFRGS: Porto Alegre, Vol. 8, Nº 02. 2012. Pp. 1-11.