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 Tramas feministas na arte contemporânea brasileira e argentina : Rosana Paulino e Claudia Contreras Extrait du Artelogie http://cral.in2p3.fr/artelogie/spip.php?article246 Luana Saturnino Tvardovskas Tramas feministas na arte contemporânea brasileira e argentina : Rosana Paulino e Claudia Contreras - Numéro 5 - Date de mise en ligne : samedi 28 septembre 2013 Description : Mulheres artistas, feminismo, Brasil, Argentina, Claudia Contreras e Rosana Paulino. Artelogie Copyright © Artelogie Page 1/20 

Tramas feministas na arte contemporânea brasileira e argentina : Rosana Paulino e Claudia Contreras

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Autora: Luana Saturnino Tvardovskas

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  • Tramas feministas na arte contempornea brasileira e argentina : Rosana Paulino e Claudia Contreras

    Extrait du Artelogie

    http://cral.in2p3.fr/artelogie/spip.php?article246

    Luana Saturnino Tvardovskas

    Tramas feministas na artecontempornea brasileira e

    argentina : Rosana Paulino eClaudia Contreras

    - Numro 5 - Date de mise en ligne : samedi 28 septembre 2013

    Description :

    Mulheres artistas, feminismo, Brasil, Argentina, Claudia Contreras e Rosana Paulino.

    Artelogie

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  • Tramas feministas na arte contempornea brasileira e argentina : Rosana Paulino e Claudia Contreras

    Esse artigo prope analisar as produes das artistas contemporneas Rosana Paulino (SoPaulo, Brasil, 1967-) e Claudia Contreras (Buenos Aires, Argentina, 1956-) que criticamprticas misginas, apresentando um espao privilegiado de interseco com o pensamentofeminista. Suas experimentaes artsticas oferecem elementos para a compreenso dasrelaes entre arte e gnero na Amrica Latina e so exemplos de tenses culturais e deintervenes crticas que atravessam diferentes mulheres artistas na atualidade.

    Introduo : perspectivas feministas na histria daarte latino-americanaEsse artigo prope analisar as produes de duas mulheres artistas contemporneas cujas obras contestamprticas misginas, apresentando um espao privilegiado de interseco com o pensamento feminista, porconfrontar as verdades estabelecidas e problematizar a constituio das subjetividades femininas. Asexperimentaes realizadas pela artista brasileira Rosana Paulino (So Paulo, 1967-) e pela argentina ClaudiaContreras (Buenos Aires, 1956-) oferecem inmeras pistas para a compreenso dessas prticas artsticas naAmrica Latina e, mais do que perceb-las como prticas isoladas, possvel inseri-las num contexto de tensesculturais e de intervenes crticas que atravessam diferentes criadoras na atualidade. Nesse sentido, investigocomo suas obras formulam crticas culturais contundentes, tambm considerando que a arte contempla zonas desensibilidade que nem sempre so priorizadas pelo pensamento cientfico tradicional (TELLES, 2008:116).

    A arte, em suas mais variadas formas, pode ser interpretada como uma prtica de auto-constituio de si, sobretudona contemporaneidade, em que a tarefa do artista ganha contornos autobiogrficos, como espao de expresso deposies ticas, estticas, polticas e tambm afetivas (CHIRON ; LELIVRE, 2012 e ARFUCH, 2010). A arte podeser vista, assim, como um espao do dizer verdadeiro no mundo contemporneo, porque guiada por um ethos dedar forma ao ser, na medida em que o artista expressa sua percepo e concepes sobre a vida social,pretendendo criar um estilo prprio (FOUCAULT, 2011). Outro dos elementos que permitem esta aproximao seupotencial de transformao e crtica histrica aos modelos impostos e normas sociais. Um artista compe imagenspara um embate : imagens-pensamento que esto destinadas a afetar o espectador com problemas, medos,prazeres, dvidas ou xtases perpassados por sua viso individual. Os artistas so eles mesmos constitudos pornormas de gnero, assim como por referncias religiosas, raciais, de classe e gerao (POLLOCK, 2007 : 48). Noentanto, podem confrontar tais proposies e discutir as imposies e modelos binrios, utilizando a arte como umespao de elaborao de suas prticas individuais e coletivas.

    Diferentes artistas contemporneas tm captado e recriado algumas das importantes problemticas feministas denossa poca, produzindo discursos na cultura que so valiosos espaos de compreenso sobre a atualidade. Trazer tona suas prprias experincias em chaves autobiogrficas, expor seus corpos, desejos, confrontar a represso ouviolncia sobre sua histria e sexualidade, so alguns dos elementos que, dentro de uma grande variedade depropsitos, podem ser pensados como prticas feministas de si nas obras de arte destas mulheres. Imagensartsticas so, ainda, modos de tomar conscincia sobre o que antes as mulheres consideravam patologizaesindividuais, abordando esses temas enquanto processos culturais e sociais de opresso. [1] Suas obras discutemtambm os discursos dominantes como a misoginia, o racismo, o preconceito de classe e heretossexismo, quemuitas vezes objetificam e marginalizam indivduos e grupos sociais, considerando-os desviantes por meio deseparaes entre o normal e o anormal. Pretende-se, desse modo, problematizar a seguir como as obras de Paulinoe Contreras questionam esses investimentos sobre as subjetividades femininas, para que as verdades universaispossam ser desmontadas e surjam espaos alternativos para a construo de saberes (FOUCAULT, 1994).

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    Pensando politicamente, cada vez mais urgente, ento, um conhecimento situado e incorporado que deixe de ladoos pseudo-universalismos e uma viso falogocntrica do mundo. [2] Trata-se de ensaiar propostas mais mltiplas efragmentadas, que tomem em conta a diversidade de experincias culturais e histricas e no apenas a do sujeitomasculino, branco e ocidental - estandarte dos discursos verdadeiros (POLLOCK, 2007).

    Em diferentes pases da chamada Amrica Latina, o desenrolar das ditaduras cvico-militares ritmou diferentementea ampliao do movimento feminista e, consequentemente, teve efeitos tambm outros no campo artstico(ALVAREZ, 2003, web). Nos casos brasileiro e argentino, por exemplo, uma maior liberdade das discusses domovimento de mulheres ganhou forma apenas com o fim dos regimes autoritrios. Assim, no vivel ou produtivoensaiar uma periodizao para a crtica feminista da arte no Brasil, Argentina, Chile ou Uruguai buscando que estaseja coincidente com as efervescncias europeias e, sobretudo, com a norte-americana da dcada de 1970 emdiante. Ainda que mulheres artistas em perodos ditatoriais latino-americanos possam haver demonstrado interessenos temas do feminismo, tais empreitadas no chegaram a constituir-se como um movimento nas artes visuais.Essa especificidade exige, assim, um olhar mais afinado com as urgncias polticas dos anos de ditaduras militares.Apenas a partir dos anos de sada desses regimes violentos o feminismo impactou mais amplamente na indstriacultural e tambm no terreno das artes.

    Outro ponto a ser considerado a prpria natureza do mercado da arte em pases como Brasil e Argentina, mesmoque ocupem cada vez mais um espao de destaque no mundo globalizado, no se pode assumir que os interessescapitalistas ajam em igual proporo nesses mercados emergentes (FIALHO, 2005:690). H tambm certadificuldade de encontrarmos artistas brasileiras que se posicionem como ativistas do feminismo e essa aparente"negao" evidencia como so complexas as relaes de identificao, mas tambm de aceitao das temticas degnero pelo prprio mercado (TVARDOVSKAS, 2008 : 200). Em realidade, as prticas feministas de diversascriadoras de pases perifricos tm a caracterstica de no se formular enquanto identitrias, ou seja, no "levantambandeiras" no sentido mais bvio da palavra feminista. Elas no se compreendem como um grupo, nem mesmoconsideram como sua a tarefa de lutar contra o mercado institucional e os discursos cannicos quereincidentemente desvalorizam a produo feminina. Sua atuao est mais ao lado das poticas feministas, namedida em que suas obras reinventam narrativas sobre o feminino e o masculino, desconstroem esteretiposmisginos e ironizam as prticas do poder. Ao mesmo tempo, a no articulao em termos polticos poderepresentar algum grau de apagamento das experincias ao longo do tempo e, tambm, gerar uma falta detransmisso sobre a importante luta das mulheres s artistas mais jovens.

    Quando nos tornamos conscientes desses jogos do mercado, a tarefa de sublinhar as perspectivas crticas que seevidenciam no Brasil e Argentina mostra-se desafiante. As duas artistas aqui enfatizadas - pelas circunstncias dacrtica e do mercado de arte em seus pases - no esto amparadas por grandes exposies com temticas"feministas" ou por novos recortes e interpretaes de gnero e parece haver nelas um intento de manter umespao de liberdade ao abordar esses assuntos ainda marginais. Tambm poderamos levar em conta que omercado de arte ainda no se constitui com o mesmo furor apresentado nos EUA, Frana e Inglaterra e que, de fato,as temticas advindas do feminismo que l j foram amplamente incorporadas, ainda passeiam tmida e lentamenteem nossos circuitos artsticos latino-americanos, sendo que h uma escassez de textos traduzidos para o portugusque se constituem como referncia para novas abordagens da histria da arte que considerem como fator a questode gnero, assim como so poucos os crticos de arte que trabalham nessas perspectivas.

    Como afirma a pesquisadora espanhola Estrella de Diego, em pases perifricos como Brasil e Argentina, asproblemticas entre arte e gnero pautaram-se em muito pelas discusses ps-estruturalistas e pelo feminismo dadiferena e, como resultado dessa apropriao mais tardia, ainda no houve nesses pases uma extensa reviso docnone como a princpio ocorreu nos escritos de lngua inglesa, nem mesmo uma grande discusso ourememorao sobre as artistas de outros perodos histricos - movimentos que passam a ocorrer apenas maisrecentemente (DE DIEGO, 2008).

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    A Amrica Latina abarca uma vastido de experincias, com multiplicidades e historicidades s vezes convergentes,outras vezes no : so "vrias Amricas Latinas, no apenas determinadas pelos contrastes geogrficos, mastambm pelos contrastes polticos, culturais e econmicos" (BRUIT, 2000:10). Quase sempre, esse um conceitoque nos une em um guarda-chuva de subdesenvolvimento, colonialismo, sucessivas ditaduras militares e amplaviolncia social, sexual e histrica. Nesse cenrio, cruzar produes artsticas uma tarefa de fabricao, deaproximao consciente por escolhas pessoais, mas que tambm polticas e ticas.

    Essas pluralidades nos incitam a pensar a produo das mulheres artistas observando suas diferenas, comoproblematiza Griselda Pollock, ao propor uma prtica terica feminista que seja crtica dos discursos unitrios ecannicos, produzindo novas e mltiplas narrativas sobre a arte e rompendo com falsas generalizaes : "Las obrasde arte demandan ser ledas como prcticas culturales que negocian los significados conformados por la historia y elinconsciente. Piden que se les permita cambiar la cultura en las que intervienen a travs de ser consideradascreativas : poetic y transformativas" (POLLOCK, 2010 : 54). Nas prximas pginas, passaremos a enfatizar essasespecificidades e fluxos prprios s obras de Rosana Paulino e Claudia Contreras, analisando como desconstroemesteretipos culturais, formulam crticas de contedo feminista e propem novas interpretaes para as relaes degnero na atualidade.

    Rosana Paulino : mapeando a subjetividades dasmulheres negras no BrasilTenho uma cicatriz incandescente de dor

    Mas s por dentro

    Por fora desenhei uma flor

    Cristiane Sobral

    No Brasil, diferentemente de um movimento artstico feminista organizado - por exemplo, como ocorreu com forade ativismo poltico nos EUA e, mais recentemente, na Frana ou ainda no Mxico -, os dilogos com temasrelativos s mulheres aconteceram de maneira mais individualizada e autnoma. Hoje, h toda uma gerao dejovens artistas brasileiras cuja produo foi influenciada direta ou indiretamente pelas problemticas de gnero.Ainda que no se intitulem feministas - desviando-se de qualquer fixidez identitria - muitas delas incorporam ediscutem essas questes, como atenta Heloisa Buarque Hollanda : "Enfim, essas novas artistas, que dizem noquerer mais nada com o feminismo, so o maior exemplo da vitria arrasadora das conquistas feministas"(HOLLANDA, 2006 : 97). So transgressoras no campo do imaginrio, das prticas e do simblico e produzem artecom um contedo poltico especfico ao reciclar imagens da vida cotidiana e da experincia feminina, em camposexpandidos da arte. Expandidos porque se situam em zonas instveis entre escultura e objetos ; entre vdeo e udio; entre escrita, desenho e gravura ; entre fotografia e pintura ; entre instalao e performance. So propostas pluraisque rompem determinaes ou limites dos gneros artsticos, respondendo mais diretamente s problemticasvividas do que a terrenos definidos. De todas as formas, a entrada massiva de mulheres no circuito artsticocontemporneo no deixa de ser um dos indcios da enorme transformao cultural advinda dos feminismos nessepas.

    Rosana Paulino gravadora, vive e trabalha em So Paulo. Entre os anos de 1993 e 1995 fez estgio no Ateli deRestauro de obras de Arte em suporte de papel do Museu de Arte Contempornea da Universidade de So Paulo(MAC/USP). Em 1995 tornou-se bacharel em Gravura pela Escola de Comunicao e Artes da USP. Tambm fez

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    especializao em gravura pelo London Print Studio, em Londres, por meio da Bolsa APARTES/CAPES e possuidoutorado em Artes Plsticas pela ECA/USP.

    A artista adentra o campo de discusso do gnero e da etnicidade e trabalha com as imagens de mulheres negras emestias, por vezes remetendo ao espao domstico e a funes sociais especficas, como a tecel e a operria(FAZZOLARI, 2006 : web). A me da artista trabalhou como costureira na periferia de So Paulo - at hoje Paulinovive no mesmo bairro onde passou a infncia, na Freguesia do - e cotidianamente ela conviveu com essa prtica,assim como com referncias advindas da religio Umbanda. Paulino discute a construo da subjetividade damulher negra em muitas de suas obras, focando como na intimidade que as prticas de submisso forjam-se emantm-se. O elemento biogrfico, em sua produo, cruza-se com imagens e memrias coletivas sobre a relaodas mulheres no espao domstico, por vezes permeada de silncio e humilhao subjetiva. O problema dopreconceito racial e sexual enfrentado pela artista, que o aborda em sua dor e crueldade, como um meio deintervir nas prticas estabelecidas, sensivelmente usando a arte para abrir outros caminhos de constituio de si quesejam compostos por relaes de liberdade e no de resignao.

    Sobretudo a partir dos anos de 1990, muitas obras de mulheres passaram a interagir ainda mais fortemente natransformao do imaginrio misgino, respondendo tanto maior abertura cultural derivada do fim dos governosautoritrios, como crescente visibilidade e legitimidade alcanadas pelos movimentos feministas. Nesse trnsitocomplexo, nos anos de 1980 e de 1990 emerge uma produo artstica que, numa dupla via, aborda comhonestidade a relao entre a histria pessoal e o imaginrio brasileiro. Trabalhos subversivos que desconstroem osenaltecimentos nao, mas que no deixam de compreender que o "pessoal poltico", como destacado pelopensamento feminista. Para Katia Canton, em vrias produes de mulheres artistas no final do sculo XX h uma"manipulao de materiais diretamente relacionados ao universo da manualidade domstica, como tecidos,bordados, travesseiros, mantas e brocados", que discutem os cones dessa domesticidade, formulandocontundentes crticas culturais (CANTON, 2001 : 89). Podemos destacar outras artistas brasileiras contemporneasque elaboraram, principalmente a partir de 1990, questes sensveis ao corpo e ao cotidiano femininos de um pontode vista crtico, como Ana Miguel (1962-), Cristina Salgado (1957-), Fernanda Magalhes (1962-), Rosngela Renn(1962-), Mrcia X. (1959-2005), Rosana Palazyan (1963-), Brgida Baltar (1959-), Nazareth Pacheco (1961-) eRivane Neuenschwander (1967-).

    Paulino, que inicia sua produo na dcada de 1990, dialoga com a condio scio-histrica brasileira ao mesmotempo em que aborda as memrias coletivas e individuais que marcam sua construo subjetiva. Nesse sentido,trabalha com imagens de uma sensibilidade feminina culturalmente determinada, sobretudo questionando os lugaressociais destinados s mulheres negras : "Manipulando a diferena na arte, Paulino expandiu suas "retratospectivas"que trabalhavam com antigos retratos familiares, falando de um universo negro e feminino, para lidar com novasinstalaes utilizando suportes originais" (CANTON, 2001 : 90).

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    Imagem 01 - Rosana Paulino, Parede da Memria (detalhe), 1994.

    Tecido, microfibra, xerox, linha de algodo e aquarela. 8,0 x 8,0 x 3,0 cm cada elemento

    Imagem 02 - Rosana Paulino, Desenho da srie Carapaa de Proteo, 2003.

    Seus patus presentes na instalao Parede da memria (1994) remetem a uma prtica de proteo presente nosincretismo afro-catlico e ligao pessoal de sua famlia com o a Umbanda, o que impactou fortemente suavisualidade. Essas referncias que combatem o apagamento das tradies africanas e tambm das memriasnegras indicam um campo que interessa diretamente a essa artista. Cruza, desse modo, representaes dopassado escravocrata e da experincia da opresso vivenciada hoje por grande parte da populao negra. Somesclas de memrias, de biografia, mas tambm de lendas, de mitos e de um legado histrico dramtico. Assim,sua produo tambm um testemunho de uma histria que reage ao esquecimento, constituindo uma crticacultural contempornea.

    O racismo, a violncia domstica, os conflitos com o prprio corpo e as presses para adequar-se aos padres debeleza bombardeados cotidianamente, so outros temas que tambm ganham destaque. Por meio de seusdesenhos, que sempre ocuparam um papel especial na potica visual da artista, uma percepo fantasmtica docorpo ganha forma. Surgem seres disformes, imagens de bonecas, crianas e at mesmo de abortos, figurasfemininas com inmeros seios, muitas vezes remetendo a metamorfoses animais, que carregam grande impactosensvel, como na srie Carapaa de Proteo (2003). Paulino compe em cada uma de suas imagens uma relaode estranhamento com os corpos e com a sexualidade, imprimindo sensaes variveis nessas representaesculturalmente binrias e naturalizadas e esse potencial de desterritorializao das imagens estveis da diferenasexual e dos papis de gnero um ponto central para a anlise aqui desenvolvida (DELEUZE e GUATTARI, 1997).

    Na cultura brasileira o corpo das mulheres negras alvo sistemtico de discursos brutais e machistas, explorado emimagens publicitrias, no carnaval e no turismo como algo que pode ser dominado e possudo, especialmente suasexualidade. Paulino reage a esses modelos ao denunciar os atributos historicamente a elas destinados, marcandosua arte com "traos de revolta", como apontou Tadeu Chiarelli (CHIARELLI, 1999 : 43). Nesse pas, a produoartstica que debate o racismo no recebe ainda grande destaque ou elaborao terica e tambm notvel adiscrepncia entre a quantidade de artistas brancos e negros no sistema artstico. Tomando em conta o jconsolidado movimento feminista de mulheres negras no Brasil e tambm as reivindicaes por maiorreconhecimento vindas de artistas negras de muitas partes do mundo, salta aos olhos o espao reduzido recebidopelas mesmas no cenrio da arte contempornea brasileira, ao menos no terreno das artes plsticas (BRITO, 1997 :

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    web). Num perodo ps-colonial, temos a responsabilidade poltica de abordar esses temas ao constatar que a artecontinua prioritariamente branca, masculina e baseada em modelos norte-americanos e europeus. Nesse sentido,algumas das problemticas e contradies existentes desde o princpio entre a arte e a crtica feminista foramapontadas pelas feministas negras e lesbianas, que se contrapuseram s tentativas de identificar um "imaginriofeminino" ou uma experincia feminina global. Criticaram, assim, as tentativas de circunscrever a identidadefeminina como uma categoria universal (RECKITT e PHELAN, 2006 : 134).

    Em diversas obras, Paulino utiliza linhas e agulhas, tecidos e objetos corriqueiros ou do mbito popular. Acerca doprocedimento de apropriao e ressignificao de elementos pouco valorizados e tipicamente associados aouniverso feminino, ela comenta : "O fio que torce, puxa, modifica o formato do rosto, produzindo bocas que nogritam, dando ns na garganta. Olhos costurados, fechados para o mundo e, principalmente, para sua condio demundo" (PAULINO, 1997 : 114).

    Imagem 03 - Rosana Paulino, Bastidores, 1997. Imagem transferida sobre tecido, bastidor e linha de costura - 30,0cm dimetro

    Imagem 04 - Rosana Paulino, Bastidores, 1997. Detalhe.

    Em suas palavras, Paulino refere-se obra Bastidores (1997) em que seis imagens de mulheres negras tm as

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    bocas, olhos, testa ou a garganta costurados grosseiramente em linha escura pela artista. Os bastidores soexpostos lado a lado e a impresso em preto e branco dos rostos dessas mulheres quase translcida. A maiorparte dessas imagens parece ser antiga, o que se nota pelas roupas e penteados. Outras possuem uma numeraotpica de fotografias 3X4, que traziam a data acima do ombro. Bastidores so releituras de imagens preexistentes,de fotografias pessoais da artista, retratos de circunstncias da vida cotidiana, mas que recebem uma leituradramtica e carregada de sentido, por meio do suporte onde esto expostas e do bordado realizado por Paulino.

    O ttulo da obra tambm sugere o tom do anonimato, daquilo que acontece em segredo, no universo domstico e agressivo s mulheres : bastidores so coisas ntimas e particulares, afastadas do espao pblico. As imagens sobastante impactantes e remetem opresso, dor e ao desconforto, "contrapondo radicalmente o lado buclico edelicado do bordado com a violncia domstica contra as mulheres", como indica Canton (CANTON, 2001 : 89-90).

    Joedy Bamonte assinala a importncia do procedimento da costura para a execuo das obras de Paulino (2004).Em algumas sries da artista nota-se alguma referncia aos fazeres artesanais : bordados, fios, tecidos etc. Emoutras, como Tecels (2003), esta presena ainda mais explcita, onde casulos de bichos-da-seda parecemmetamorfosear-se em mulheres moldadas em barro. Estes elementos relacionam-se histria pessoal da artista, aomesmo tempo em que promovem uma releitura do ambiente domstico e de elementos tpicos da experincia dasmulheres na casa. Ana Paula Simioni tambm atenta ao procedimento do bordado como uma transgresso : "Aforma violenta com que as linhas incidem sobre os corpos negros suscitam a incmoda memria da experincia, umpassado no resolvido da escravido no Brasil. () so mulheres negras estampadas, amordaadas, cegas,impedidas de ver, pensar, falar ou gritar que a artista expe" (SIMIONI, 2010:13).

    Imagem 05 - Rosana Paulino, Tecels, 2003. Vista da Instalao na IV Bienal do Mercosul - Faiana, terracota,algodo e linha sinttica - Dimenso varivel.

    Uma possvel leitura de uma das imagens da srie Bastidores, em que a boca da figura feminina est costurada,remete ao cerceamento de uma mordaa ou mscara de ferro, como as que eram impostas aos escravos no Brasil,justificando-se que a tortura era necessria para impedir que falassem, bebessem lcool, comessem terra emtentativas desesperadas de suicdio ou, nas minas de carvo, para que no engolissem as pepitas de ouro : achamada mscara de folha-de-flandres (AZEVEDO, 1988 e LARA, 1988). A imagem de Jacques Etiene Arago e N.Maurin, Castigo de escravos (1839/ coleo Museu Afro Brasil) citada posteriormente pela artista em sua tesedoutoral que explicita como, desta mulher, foram tiradas as possibilidades de expresso, alm da sujeio a que foisubmetida, sendo a ela imputada uma animalidade, evidente pela violncia do instrumento de tortura (PAULINO,

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    2011 : 49). Ao transitar entre imagens da crueldade da escravizao africana no Brasil e a experinciacontempornea de opresso, a obra ressoa em prticas de controle que so cada vez mais atuais, como por meioda violncia domstica - as costuras, aqui, so "suturas sobre cortes profundos", como nota Jaremtchuk(JAREMTCHUK, 2007).

    Imagem 06 - Mulher negra usando instrumento de tortura "mscara de folha-de-flandres". s/d

    Imagem 07 - ARAGO, Jacques Etienne e MAURIN, N. Castigo de escravos. Litografia aquarelada sobre papel. Semmedidas. 1839. Coleo Museu AfroBrasil.

    Essa aproximao com a produo de Rosana Paulino permite-nos formular algumas consideraes bastanteinstigantes. H nela uma inteno - tambm presente na arte de outras mulheres com vis feminista - deautorrepresentar seu corpo, suas experincias e memrias. Destaca-se a habilidade de reavaliar e de contestarcategorias estanques, identidades cristalizadas e tidas como biolgicas ou naturais. Nesse sentido, essa produopossui um carter fortemente antirracista, que tambm debate temas contemporneos como a excluso, a violnciafsica e simblica contra o corpo feminino e a pobreza. Suas obras fazem desmoronar os discursos reiterados damulata sensual, da negra extica, da servidora, seja da escrava ama-de-leite ou a bab contempornea.Desvinculam a experincia carnal das mulheres do regime visual masculino e explicitam corpos carregados detraumas e de rejeies : sua imagem que no aceita - por outros, mas tambm por si mesma -, a sexualidade que explorada, o trabalho mal-remunerado etc. instigante observar que artistas como Paulino tomam para si a tarefade representao e de construo de si ao reagir s categorizaes identitrias e fixadoras estabelecidas nasociedade de controle (DELEUZE, 1992 : 219). Elas propem prticas libertrias e radicais, tomando o corpo comoum campo poltico, de inciso e subverso de foras e geram uma exploso de sentidos que arruna os universaissimblicos.

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    Claudia Contreras : memria, gnero e poltica nasartes visuais argentinas(...) mais importante entender do que lembrar,

    embora para entender tambm seja preciso lembrar.

    Beatriz Sarlo

    A cena artstica argentina, dos anos de 1980 at a atualidade, evidenciou inmeros artistas que produziramintensamente, alinhados com efervescncias artsticas e culturais de diversas cidades latino-americanas,sobrecarregadas de um passado recente violento, que ainda reverbera. Decorrente da transio democrtica dopas a partir do ano de 1983, a Argentina atravessou uma ampla tenso e mobilizao social sob o governo do entopresidente Ral Alfonsn, que esteve no poder at 1989. Durante o governo democrtico seguinte, de Carlos SalMenem, de 1989 a 1999, ocorreu um empobrecimento massivo da populao que deixou no pas cicatrizes sociais eeconmicas profundas, ainda no de todo esquecidas.

    Aliada a estes problemas sociais, a experincia do trauma e da violncia de Estado, traou nos corpos esubjetividades uma radicalidade impactante aos nossos olhos, derivada tambm da magnitude que atingiram naArgentina os processos de tortura e assassinato de militantes polticos durante a ditadura militar. Como pontuaViviana Usubiaga, nesse momento, elaborou-se um luto simblico nas obras de arte, que problematizavam arepresentao do corpo nesse tempo de desaparecimentos humanos (USUBIAGA, 2012 : 19).

    Os movimentos feministas foram fundamentais na reconstruo democrtica argentina. Tendo ganhado espaodurante a primeira metade dos anos de 1970, grupos de mulheres como a Unin Feminista Argentina (UFA) e oMovimiento de Liberacin Femenina (MLF) foram amplamente reprimidos no contexto ditatorial, aps o golpe militarde maro de 1976, voltando tona apenas nos anos de 1980, durante a redemocratizao (BARRANCOS, 2007 :277-78). Essas mobilizaes sociais de mulheres, ainda que no diretamente presentes nas discusses da arte,contaminaram as prticas artsticas nos anos subsequentes. Por outro lado, marginais e autnomas, as crticasfeministas esparsas formuladas no contexto artstico dos anos de 1980 e 1990 fazem parte de uma histriadesconhecida, pouco abordada e valorizada pela escrita da histria dominante. Mara Laura Rosa destaca que"() na Argentina, a teoria feminista um mundo ainda no explorado e, portanto, no acompanhou os/asartistas contemporneos/as em suas investigaes, nem revisou exaustivamente o discurso da prpria histria daarte argentina" (ROSA, 2009 : 125). Como no Brasil, ainda que o movimento feminista e os movimentos de mulherestenham grande fora no pas, Rosa refere-se s iniciativas artsticas que apresentam um olhar poltico em relao sconstrues culturais do feminino. Segundo ela, so poucas as artistas que trabalham no pas nessa perspectiva,destacando Silvia Gai (1959-) e Claudia Contreras e lembrando nomes como os de Ilse Fuskov (1929-), Nora Aslan(1937-), Ana Gallardo (1958-) e Marta Ares (1961-). Existem tambm artistas que flertam com as temticas degnero no transcorrer de suas trajetrias como, por exemplo Nicola Costantino (1964-), Diana Dowek (1942-), SilviaYoung (1949-1998), Liliana Maresca (1951-1994), Mirta Kupferminc (1955-), Carolina Antoniadis (1961-) e FabianaBarreda (1967-).

    A sexualidade experimentada mais livremente tambm foi tema de diversas obras a partir desses anos de aberturademocrtica, o que indica a necessidade de problematizar as imagens dos anos de 1980 e 1990 - sobretudo asprodues artsticas de mulheres, mas tambm aquelas produzidas por homens e que incluem temticas de gnero- a partir de sua potncia poltica de crtica da cultura. Tambm se anuncia a uma concepo de luta poltica mais

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    abrangente e complexa, como apontada por diversas vertentes do ps-estruturalismo e dos feminismos, apenasvisvel por meio de uma anlise das relaes de poder cotidianas. Por exemplo, a preocupao de diversos artistascom a disseminao do HIV apresenta-se em obras que aludem dor, doena e ao preconceito social contra oshomossexuais ou contra as mulheres. Muito alm de um fechamento subjetivo sobre temas ntimos ou privados,essas imagens debatem as configuraes da cultura ocidental, em sua capacidade de excluir e menosprezar aquiloque se encontra fora de suas normas.

    Claudia Contreras uma artista mltipla em suas formas de criar, destacando-se pela densidade de suas reflexespolticas, sobretudo no que se refere experincia do terrorismo de Estado na Argentina. Dialoga com a colagem, acostura e a pardia, modulando sua voz crtica com dados que aludem histria do pas. Realiza desenhos,pinturas, bordados, objetos, fotografias e animao digital. Muitas vezes, elementos aparentemente inocentes comopequenos exerccios para costura e bordado, presentes em manuais femininos antigos, so reinseridos em obras,ganhando um sentido contestador, pela mobilidade de contexto. Furar, coser, costurar - verbos de um sentidoinclume quando ensinados s mulheres "domesticadas", pelo olhar atento de Contreras iro contar histrias dehorror, de assassinatos e de desaparecimentos.

    H uma perspectiva analtica em construo sobre o uso transgressivo feito pelas artistas contemporneas dosprocedimentos tradicionais femininos, das artes das agulhas s manualidades domsticas, como nas produesaqui destacadas de Paulino e Contreras. Lilian Tone, ao abordar o fazer manual na construo da obra da artistabrasileira Leda Catunda (1961-) - mas que pode ser estendido a diversas outras artistas da mesma gerao -aproxima-o do conceito de femmage proposto pelas artistas e tericas americanas Miriam Schapiro e MelissaMeyer. So prticas ligadas manualidade e ao ambiente domstico e historicamente feminino, tais comopatchwork e colagem ou costura e culinria : "Hbrido de feminino e colagem, a ideia de femmage caracteriza umaproduo artstica sistematicamente excluda da corrente dominante. () Isto que, nas dcadas de 1960-70,em plena efervescncia do Women's Movement, no parecia ter sido levado a srio, ou no era considerado arterelevante, acabou por informar e infiltrar o pensamento crtico de forma essencial nas dcadas subsequentes"(TONE, 2009 : 25).

    As chamadas artes aplicadas, na estruturao da histria da arte como disciplina, foram assim relegadas a umaproduo menor, tipicamente associada ao fazer executor das mulheres, em contraste com o poder criativo dos"grandes mestres". Como numa revanche, artistas como Contreras utilizam desses meios rotulados "menores" paracompor crticas agudas cultura, como ao abordar a Histria do sculo XX, os genocdios e as ditaduraslatino-americanas, sobretudo em seu pas. Suas obras carregam a tarefa da recuperao da memria como umaresponsabilidade do presente. Em suas palavras, a arte busca "reparar el tejido social desgarrado, roto por laviolencia del Terrorismo de Estado, y por las decisiones poltico-econmicas, de los sucesivos gobiernosdemocrticos pos-facto" (CONTRERAS apud ROSA, 2009 : 115).

    No comeo de sua formao como artista, entre 1974-76, Contreras estudou na Escuela Nacional de Bellas Artes deQuilmes e depois em Madri, na Espanha, a partir do ano de 1978, na Real Academia de Bellas Artes. Completousua formao ao regressar para a Argentina em 1984, na Escuela Nacional de Bellas Artes Manuel Belgrano e naEscuela Superior de Bellas Artes Ernesto de la Crcova. Iniciou sua produo numa linha conceitual em princpiosda dcada de 1990, momento que a Argentina viu, ao lado do crescente neoliberalismo e do empobrecimentomassivo da populao, investimentos pblicos e privados at ento inditos na produo artstica.

    Nessa dcada, ela produziu uma srie de aquarelas em que se apropriou da imagem de moldes de costura quetomam o formato dos corpos. Chamada Patrones (Padres, 1993-94), a artista cria um jogo de ironias entre asorientaes tradicionalmente presentes nos manuais para costura e os enunciados sociais, por exemplo, quandonuma construo imaginria do corpo do pas, indica : "localize o olhar fazendo cortes em toda a extenso para queno franza o forro".

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    Imagem 08 - Claudia Contreras, Patrones, 1993-94, tinta e aquarela sobre papel Canson, 29x21cm.

    Essas frases que originalmente eram impressas nos moldes de roupas, como meio de ensinar a costurar, aquiganham um sentido de crtica bastante instigante. Contreras revisita esse material a priori apoltico, pinando duplossentidos e imagens poticas que se associam ao passado argentino, sobretudo s torturas e desaparecimentos.Notemos que nesses moldes, algo como tumores parecem surgir nas extremidades, num estranhamento do corposocial que permite leituras sobre a construo e fragmentao dessa histria que necessita ser re-costurada.

    A srie Historias Clnicas, de 1994-95, caminha em um sentido prximo, pois a artista trabalha sobre outra imageminocente : os mapas escolares. Neste momento, comea a manipular o mapa da Argentina, em desenhos muitodelicados e complexos, que "refletem a enfermidade encarnada na geografia nacional" (LAURA, 1998). Essaassociao entre o territrio da nao e o corpo atacado por uma agresso que aparece como congnita surge emobras como Pas Generoso, Hipertrofia, El grano em el culo, Columna vertebral, Virus.

    Na imagem Columna Vertebral, Contreras associa a coluna vertebral - eixo de sustentao do corpo - a denteshumanos. A Argentina aparece ento como um pas que carrega em si marcas da morte : os dentes, ltimo recursousado para a identificao dos corpos. Na obra El grano en el culo, a artista mostra as Ilhas Malvinas (FalklandIslands) como o problema que ainda marca e persegue a memria poltica do pas. Uma guerra contra o ReinoUnido foi usada como tentativa de demonstrao de poder da Argentina, em 1982, onde centenas morreram emnome de uma disputa pela soberania do arquiplago no Atlntico Sul. A disputa para a reintegrao do territrio aoextremo sul do continente, em que a Argentina saiu derrotada, foi um dos fatores que deslegitimou a Junta Militarque governava o pas naquele momento e contribuiu para a restaurao da democracia argentina.

    Em Argentina Corazn (1994-95), a artista redesenha o mapa da Argentina como um corao, com seus rios sendoveias e artrias, criando um sentido potico bastante denso. Ela no concebe o territrio como um domnio objetivodo Estado, mas como um organismo vivo, passvel de enfermidades e de choques. Esse modo conceitual de lanarum olhar sobre a histria promove um deslocamento de forte crtica poltica e de importante dimenso afetiva. Osangue tambm corria nos rios do pas - dramticas lembranas dos vuelos de la muerte sobre o mar ou sobre o Rode la Plata.

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    Imagem 09 - Claudia Contreras, Columna Vertebral, Srie Historias Clnicas,1994, tinta e aquarela sobre papelCanson, 28,5x21cm.

    Imagens 10 - Claudia Contreras, El grano en el culo, Srie Historias Clnicas, 1994-95, tinta e aquarela sobre papelCanson, 28,5x21cm.

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    Imagens 11 - Claudia Contreras, Argentina Corazn, Srie Historias Clnicas, 1994-95, tinta e aquarela sobre papelCanson, 28,5x21cm.

    Em outra srie de Contreras, no apenas a Argentina percebida como um organismo vivo, mas, num nvelmicroscpico, a poltica e o poder residem na superfcie dos corpos. Na exposio Como carne y ua, em 1998, aolado da artista Cristina Piffer, ela apresenta a instalao ALMAS, exibindo cabides originalmente utilizados parabiqunis como base para um tecido transparente e branco, com imagens singulares. Esses cabides delicados sosuspensos e pairam como fantasmas, almas, no espao expositivo. Neles, so bordados desenhos de estruturasorgnicas humanas e prdios e instituies militares argentinas.

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    Imagens 12 e 13 - Claudia Contreras, Almas, 1998, detalhes ESMA. Bordado e aquarela, tecido e cabides de metal,medidas variveis.

    Contreras constri um olhar sobre a arquitetura do poder, mostrando prdios militares utilizados para encarcerar,interrogar e torturar os presos polticos, como testemunhos vivos dos anos de ditaduras militares que marcam apaisagem da cidade ainda hoje. A Escuela de Mecnica de la Armada (ESMA), um dos mais emblemticos eabominveis edifcios do perodo, est bordada sobre as zonas genitais em um dos cabides. Ela est conectada,nessa superfcie, bordados de estruturas orgnicas - como ao crebro transferido para a altura do corao - numaaproximao imaginria em que o corpo um conjunto das experincias vividas, coletivas e tambm individuais.

    Imagem 14 - Claudia Contreras, Almas, 1998. Bordado e aquarela, tecido e cabides de metal, medidas variveis.

    Na Argentina e em outros pases marcados por acontecimentos traumticos, vive-se em tempos de "exploso damemria" ou, nas palavras de Suely Rolnik, num "furor de arquivo" (ROLNIK, 2009 e NORA, 1993). Grupos polticosem cidades como So Paulo, Berlim, Buenos Aires e Santiago tm refletido sobre a necessidade de dialogar sobre oespao urbano, compreendendo-o como uma ferida aberta que expressa memrias das ditaduras, extermnios eviolaes aos direitos humanos. A arte prope um modo de articular essas experincias por meio da dimensoafetiva, criando uma memria ativa fundamental para a construo democrtica. Horacio Gonzlez, ao pensar sobreesse impasse da construo da memria do horror por meio da arte, aponta para algumas das contradies que seapresentam, por exemplo, em relao ESMA : " difcil fazer hoje um balano desta experincia artstica que correo risco de seu forte abstracionismo e ao mesmo tempo a maravilha de ser como um museu dos ltimos alicerces dacondio humana e dos labirintos perdidos da memria. Em primeiro lugar, para seu prprio esclarecimento essaarte deve encarregar-se da dialtica das runas : a arqueologia trabalha com a memria em estado petrificado e necessrio construir um pensamento vitalista sobre as runas" (GONZLEZ, 2010:233).

    Nesta e em outras sries, Contreras abordou os temas da memria social, problemtica longe de ser resolvida nassociedades contemporneas. Ela tece suas crticas por meio do uso dos trabalhos manuais femininos (o bordado, acostura, os moldes de roupas), evidenciando a permanncia de discursos opressores. Vale destacar esse uso quecondensa um modo bastante sensvel de se compreender a memria, sempre em conexo com os corpos, numareconstruo ativa que pe em dilogo constante o pblico e o privado. Nelly Richard indica, numa perspectivacoincidente, que a memria em construo uma das importantes arenas polticas na atualidade, denotando umainsatisfao social com os discursos hegemnicos, que tambm se expressa por meio da arte : "A memria agita odado esttico do passado com novas significaes (). E o trabalho laborioso dessa memria insatisfeita,que no se d nunca por vencida, a que perturba a vontade de sepultamento oficial da recordao vistasimplesmente como depsito fixo de significaes inativas" (RICHARD, 2001 : 29-30).

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    Podemos recorrer ainda a Foucault, quando compreende a conformao poltica moderna enquanto um controle docorpo das populaes, que exigia cuidado e disciplina, para alm dos corpos individuais (FOUCAULT, 2001). Aartista evidencia tambm essas estratgias de controle social, jogando com as imagens de inocentes moldes decostura ou mapas de territrios como os usados nas escolas. Nesse caminho, confronta os enunciados misginosque consideram o espao privado da casa como ausente de possibilidades de leitura poltica, compondo umainstigante anlise da conjuntura argentina sem abdicar do valor das memrias individuais e de percorrer as tramasque historicamente mantiveram as mulheres separadas da arena pblica.

    Concluso : tramas do corpo e da memriaAs poticas das duas artistas aqui abordadas apresentam-se como prticas fluidas e em constante reelaborao,sendo atuantes na produo da cultura de sua poca. Pensando a construo da subjetividade feminina, elasdiscutem e produzem crticas feministas atuais, impulsionando nomadismos identitrios e provocando riso perantecategorias fixas e hierrquicas.

    Rosana Paulino e Claudia Contreras formulam, assim, um tipo de pensamento marcado pela experincia, pelocorpo, pelo afeto e pela memria. Suas obras perscrutam nossa cultura, compreendendo os mecanismos atravsdos quais o poder racista, sexista e classista exercido e mantido - da micropoltica s prticas de guerra - examenecessrio para que novos espaos de convivncia ticos sejam possveis.

    A discusso entre o histrico e o contemporneo, entre autorrepresentao e representao imposta fundamentalpara a discusso das artistas negras na atualidade, como Paulino. Produzir uma arte feminista e antirracista, nessaperspectiva, intenta desestruturar as bases simblicas do preconceito racial, a partir de uma valorizao daexperincia e cultura negras que revise criticamente o imaginrio que constituinte das subjetividades. Essa atitudecrtica tambm est presente em Contreras, que traz tona os temas da sexualidade, das feridas sociais e dasmarcas da violncia que ainda hoje permeiam a cultura argentina. Em suas obras, o corpo compreendido emconfluncia com a memria - instvel, fragmentada e seletiva. O corpo d sentido memria profunda e aosofrimento compartilhado, sendo justamente o carter coletivo dessa experincia que permite ressignific-la ereconstruir a memria social esfacelada.

    Analisando a trajetria dessas duas artistas latino-americanas, destaca-se como a arte desfaz sentidos e prticasculturais naturalizadas, desconstri imagens estticas dos papis de gnero e convida a uma maior percepo daconstituio de si. Essas reflexes conectam-se a inmeros desdobramentos politica e eticamente relevantes emnosso tempo e indicam novos campos de investigao relativos histria das mulheres artistas em pases comoBrasil e Argentina que tm sido recentemente explorados.

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    Post-scriptum :

    Cet article se propose d'analyser le travail de deux artistes contemporaines, Rosana Paulino (Sao Paulo, Brsil, 1967 ) et Claudia Contreras(Buenos Aires, Argentine, 1956 ) dont les oeuvres critiquent les pratiques misogyne et prsentent un lien privilgi avec la pense fministe.Leurs expriences artistiques offrent des lments pour comprendre la relation entre l'art et le genre en Amrique latine, et prennent commeexemples des tensions culturelles et des interventions critiques qui touchent diffrentes femmes artistes aujourd'hui.

    Mots-cls : femmes artistes, fminisme, Brsil, Argentine, Claudia Contreras, Rosana Paulino.

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  • Tramas feministas na arte contempornea brasileira e argentina : Rosana Paulino e Claudia Contreras[1] No sculo XIX a sexualidade feminina foi patologizada, o prazer das mulheres negado e a histeria converteu-se no modo dominante deinterpretar as reaes indesejadas das mulheres perante a cultura masculina. RAGO, Margareth. Os Prazeres da Noite : Prostituio e Cdigosda Sexualidade Feminina em So Paulo (1890-1930). Rio de Janeiro, 1991, Paz e Terra.

    [2] Falogocentrismo, conceito proposto por Jacques Derrida, indica que o logos e o phallus adquirem uma estreita relao metafrica no mundoocidental. O conceito utilizado por diferentes pensadoras feministas como Judith Butler, Luce Irigaray e Hlne Cixous, indicando as conexesentre os sistemas de pensamento e o gnero. Cf. CONTINENTINO, Ana Maria Amado. Derrida e a diferena sexual para alm do masculino efeminino. In : DUQUE-ESTRADA, Paulo Csar (org.). s margens : a propsito de Derrida. Rio de Janeiro : Ed. PUC-Rio ; So Paulo : Loyola,2002.

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