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Transação penal: causa de interrupção do prazo prescricional? Mário Henrique Cardoso Brito 1 Abdias Lopes Padre 2 Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar a existência, ou não, de permissivo legal para a interrupção do prazo de prescrição quando houver aceitação da proposta de Transação Penal. Cabe entender se a prescrição opera-se quando do cumprimento da Transação Penal. Propõe-se ainda uma análise da lei, da doutrina e da jurisprudência acerca da questão da grande incidência da prescrição nos procedimentos relativos aos JECRIMs, principalmente no momento do cumprimento da proposta de Transação Penal. A pesquisa objetiva também, na hipótese de ausência de previsão de lei da Transação Penal como causa de interrupção da prescrição penal, mostrar a alternativa para o suprimento da referida omissão. Palavras-chave: Lei nº 9.099/95. JECRIM. Transação penal.Prescrição penal. Abstract: The objective of this research is to analyze the existence or not of permissive law for the interruption of the limitation period when there is acceptance of the proposed transaction Criminal. Must be understood if the prescription operates when the completion of the Transaction Criminal. It also 1 Bacharel em Direito. Atendente Judiciário no Juizado Especial Criminal de Vitória da Conquista. Professor substituto da cadeira de Direito Processual Penal da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: [email protected] 2 Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas Vitória da Conquista-BA n. 7 51-78 2009

Transação Penal - Causa de Prescrição

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Transação penal: causa de interrupção do prazo prescricional?

Mário Henrique Cardoso Brito1

Abdias Lopes Padre2

Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar a existência, ou não, de permissivo legal para a interrupção do prazo de prescrição quando houver aceitação da proposta de Transação Penal. Cabe entender se a prescrição opera-se quando do cumprimento da Transação Penal. Propõe-se ainda uma análise da lei, da doutrina e da jurisprudência acerca da questão da grande incidência da prescrição nos procedimentos relativos aos JECRIMs, principalmente no momento do cumprimento da proposta de Transação Penal. A pesquisa objetiva também, na hipótese de ausência de previsão de lei da Transação Penal como causa de interrupção da prescrição penal, mostrar a alternativa para o suprimento da referida omissão.

Palavras-chave: Lei nº 9.099/95. JECRIM. Transação penal.Prescrição penal.

Abstract: The objective of this research is to analyze the existence or not of permissive law for the interruption of the limitation period when there is acceptance of the proposed transaction Criminal. Must be understood if the prescription operates when the completion of the Transaction Criminal. It also 1 Bacharel em Direito. Atendente Judiciário no Juizado Especial Criminal de Vitória da Conquista. Professor substituto da cadeira de Direito Processual Penal da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: [email protected] Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas Vitória da Conquista-BA n. 7 51-78 2009

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proposed an analysis of the law, doctrine and jurisprudence on the issue of high incidence of prescribing procedures for the JECRIMs mainly upon fulfillment of the proposed Criminal Bargain. The research also aims, in case of lack of provision of Penal Law of the Criminal Bargain as a cause of interruption of the limitation criminal, show the alternative for the supply of that omission.

Keywords: Law nº 9.099/95. JECRIM. Criminal Bargain. Limitation Criminal.

Introdução

A lei 9.099/95, de 26.09.95, inovou profundamente o nosso ordenamento jurídico penal. Cumprindo determinação constitucional (CF, art. 98, I), o legislador se dispôs a por em prática um novo modelo de justiça criminal. É uma verdadeira revolução (jurídica e de mentalidade) porque quebra a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal. Abre-se no campo penal certo espaço para o consenso. Ao lado do clássico princípio da verdade material, agora temos de admitir também a verdade consensuada.

O que se pretende com o presente estudo é fazer uma análise do instituto da Transação Penal, relacionando este com o instituto da prescrição, de forma a observar a existência, ou não, de permissivo legal para a interrupção do prazo prescricional, quando for aceita a proposta feita pelo Ministério Público (MP).

Anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 9.099/95 já constituía um problema a questão da prescrição quanto aos crimes de menor potencial ofensivo, visto que os delitos eram julgados em varas criminais comuns, onde o movimento forense era demasiado, sendo tais infrações colocadas em “segundo plano” até mesmo pelo fato do seu menor impacto. Com a entrada em vigor da referida legislação, surgiram pontos positivos, como, por exemplo, a desburocratização da Justiça Criminal, a redução do movimento forense criminal, uma maior atuação estatal em relação a esses crimes, entre outros. Mas, ao analisarmos a estrutura e o funcionamento dos Juizados Especiais Criminais (JECRIMs), percebemos a continuidade de grande incidência de prescrição nos procedimentos a eles relacionados, principalmente no

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momento de se cumprir a proposta de Transação Penal. Isso se deve em parte ao fato de os crimes de competência dos JECRIMs terem um curto prazo prescricional. Tais fatores contribuem para a impunidade dos supostos autores dos fatos delituosos e, em consequência, a um descrédito do Poder Judiciário.

Por determinação constitucional do art. 98, I, da vigente Carta Magna, juizados especiais responsáveis pelo julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo deveriam ser criados. A Lei n.º 9.099/95 veio justamente regular a criação desses juizados e, após a entrada em vigor do aludido diploma legal, os crimes de menor potencial ofensivo passaram a ganhar uma maior atenção por parte do Judiciário, o que contribuiu em muito para a desburocratização da prestação jurisdicional criminal.

Cumpre destacar, desde logo, que a Transação Penal, apesar de trazer benefícios à jurisdição forense criminal, nos termos em que está posta, apresenta-se deficiente, ante o tratamento impreciso que lhe fora dado pelo legislador. O papel do aplicador do direito, in casu, está na busca dos contornos ideais desse novo instituto. As dificuldades que naturalmente surgem são incontáveis e necessitam do equilíbrio e da sensibilidade para não desacreditar um dos mais revolucionários institutos da atualidade, por falta de maturidade no seu trato.

O que se busca com a presente pesquisa é analisar a existência, ou não, de permissivo legal para a interrupção do prazo prescricional quando houver Transação Penal. Cabe entender se a prescrição opera-se no decorrer do cumprimento da proposta de Transação Penal.

1 TRANSAÇÃO PENAL

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO: INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI N.º 9.099/95 AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Contrariando a ideia de que o Estado possa e deva perseguir penalmente toda e qualquer infração, no atendimento ao disposto no art. 98, caput, e inciso I da Constituição Federal, que determinou:

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Art. 98 – A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau (grifos inexistentes no original).

Foi estatuída a Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

A Lei n.º 9.099/95 colocou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro um novo modelo de justiça, fundado mais no método consensual, significando, em verdade, uma indiscutível revolução.

Inspirada, mas não copiada, em institutos do direito penal estrangeiro, como, por exemplo, o probation, o plea bargaining e o guilty plea (todos do direito anglo-saxão, em que a submissão voluntária do agente à sanção penal significa o reconhecimento da culpabilidade penal), sobretudo no nolo contendere (do direito italiano, em que o acusado não contesta mas também não assume a culpa), foram criados institutos até então nunca vistos no direito penal pátrio, a exemplo da Transação Penal e da Suspensão Condicional do Processo, que colocaram em prática um dos mais avançados programas de despenalização do mundo. E não se cuidou de qualquer descriminalização, isto é, não retirou o caráter ilícito de nenhuma infração penal. Mas disciplinou, isso sim, quatro medidas despenalizadoras penais ou processuais alternativas, que procuram evitar a pena de prisão, a saber: 1ª) nas infrações de menor potencial ofensivo de iniciativa privada ou pública condicionada, havendo composição civil, resulta extinta a punibilidade (art. 74, § único); 2ª) não havendo composição civil ou tratando-se de ação pública incondicionada, a lei prevê a aplicação imediata de pena alternativa (restritiva ou multa) (art. 76); 3º) as lesões corporais culposas ou de natureza leves passam a requerer representação (art. 88); 4º) os crimes cuja pena mínima não seja superior a um ano permitem a suspensão condicional do processo.

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Os juizados especiais criminais tiveram um papel importante na política interna do Poder Judiciário, qual seja o de esvaziar os escaninhos das já tumultuadas varas criminais. Aliado a isso, a criação dos JECRIMS atingiu diretamente o instituto da prescrição, tendo em vista que eram as infrações de menor potencial ofensivo que frequentemente prescreviam, por causa da preferência pela apuração dos crimes mais graves.

A urgência em disponibilizar à sociedade um instrumento ágil acabou por deixar sem resposta algumas situações, a exemplo do que é discutido neste trabalho, ou seja, a interrupção, ou não, do prazo prescricional, quando aceita a proposta de Transação Penal por parte do suposto autor do fato, cuja omissão pode fomentar o descrédito na justiça.

1.2 DEFINIÇÃO E NATUREZA DA TRANSAÇÃO PENAL

A Transação Penal vem sendo apontada na atualidade como uma das mais importantes formas de despenalizar sem descriminalizar, porque é mais econômica, desafoga o Judiciário, porém, sobretudo, porque evita os efeitos criminógenos da prisão.

O instituto tem sua previsão legal no artigo 76 da Lei n.º 9.099/95 com a textual redação: Art. 76 – Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.

Em estudo sobre a Lei n.º 9.099/95, por parte da Escola Paulista do Ministério Público (MIRABETE, 1998, p. 84) resultou formulado o seguinte conceito:

A Transação Penal é instituto jurídico novo, que atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, a faculdade de dispor desta, desde que atendidas as condições previstas na Lei, propondo ao autor da infração penal de menor potencial ofensivo a aplicação, sem denúncia e instauração de processo, de pena privativa.

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Para Damásio de Jesus (1995, p. 76) “não se trata de um negócio entre o Ministério Público e a defesa: cuida-se de um instituto que permite ao juiz, de imediato, aplicar uma pena alternativa ao autuado, justa para a acusação e defesa, encerrando o procedimento”.

Na prática, a Transação Penal é um acordo em que o Ministério Público (titular do direito de ação penal), de um lado, abdica o direito de propor ação penal, sugerindo que o suposto autor submeta-se a uma sanção alternativa, e o suposto autor do fato, do outro, aceita, ou não, a proposta, ciente de que a aceitação implicará o cumprimento de uma medida penal sem que, no entanto, seja discutida a culpabilidade no fato delituoso. Não se discute mérito. O que ocorre não raras vezes é a aceitação da proposta pelo suposto autor do fato, com a finalidade de livrar-se do estigma de um procedimento criminal.

Discute-se em doutrina acerca dessa faculdade atribuída ao Ministério Público na aplicação da proposta de Transação Penal. Em verdade trata-se de um poder-dever, pois fazendo jus o suposto autor do fato a receber o benefício, por preencher os requisitos previstos no § 2º (parágrafo segundo) do art. 76 da Lei n.º 9.099/95, torna-se obrigatória a apresentação da proposta por parte do membro do Ministério Público. Assim, eis a conclusão da Confederação Nacional do Ministério Público (MIRABETE, 1998, p. 84, grifo nosso): “Conclusões – 4 – Antes do oferecimento da denúncia, o Promotor de Justiça deve propor a Transação Penal, desde que presentes os seus requisitos”.

Tal entendimento decorre do princípio da discricionariedade (limitada, regulada ou regrada) da ação penal em que o Ministério Público poderá dispor (poder-dever) da ação penal. O Ministério Público aprecia a conveniência de não ser proposta a ação penal, oferecendo ao suposto autor do fato o imediato encerramento do procedimento pela aceitação de “pena” menos severa. Esse princípio quebra a inflexibilidade do clássico princípio da obrigatoriedade da ação penal.

Além do citado princípio da discricionariedade “regrada”, está presente na Transação Penal o princípio da verdade consensual, em contraposição ao princípio da verdade material.

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Desde quando o Ministério Público não ofereça a proposta de Transação Penal sua decisão deve ser fundamentada. Há quem entenda nessa hipótese que, caso o juiz considere improcedentes as razões apresentadas pelo parquet para deixar de propor a Transação Penal, deve aplicar a regra do art. 28 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem caberá decidir sobre a manutenção da proposta ou oferecimento da denúncia. Esse é o entendimento majoritário, fundamentado na adoção de entendimento contrário, em que se o juiz oferece a proposta de ofício, ele estaria usurpando função do MP. A crítica a esse posicionamento reside no fato de que ele conflitaria com os princípios contidos no art. 2º da Lei nº 9.099/95.

Doutrinadores de renome (GRINOVER et al., 1996, p. 125; JESUS, 1995, p. 67) entendem, na hipótese do art. 79 da Lei n.º 9.099/95, em que é iniciado o procedimento sumaríssimo e já houve o oferecimento da denúncia, ser cabível ao juiz substituir a vontade do promotor e, ex offício, oferecer a proposta de Transação Penal.

O instituto da Transação Penal deve ser entendido como de natureza híbrida, com características processual e penal ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, produz efeitos imediatos dentro da fase preliminar ou do processo (onde reside o aspecto processual). Por conseguinte, conta com reflexos na pretensão punitiva estatal. A transação, pela aceitação da proposta de aplicação de medida alternativa, constitui forma de despenalização.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE PRESCRIÇÃO PENAL

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO

Segundo Damásio E. de Jesus (2003, p. 717) “prescrição penal é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício”. Mirabete (2005, p. 404), em conceito semelhante, diz que

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[...] justifica-se o instituto pelo desaparecimento do interesse estatal na repressão do crime, em razão do tempo decorrido, que leva ao esquecimento do delito e à superação do alarma social causado pela infração penal. Além disso, a sanção perde sua finalidade quando o infrator não reincide e se readapta à vida social.

Para alguns autores, a prescrição é instituto de direito material; para outros, é de direito processual. No ordenamento jurídico brasileiro, contudo, é instituto de direito material, regulado pelo Código Penal, e, nessas circunstâncias, conta-se o dia do seu início. A prescrição é de ordem pública, devendo ser decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do interessado. Constitui preliminar de mérito: ocorrida a prescrição, o juiz não poderá enfrentar o mérito, deverá, de plano, declarar a prescrição em qualquer fase do processo.

2.2 ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO PENAL

As espécies de prescrição estão disciplinadas nos artigos 109 e 110 do Código Penal pátrio. No art. 109 do Código Penal está prevista a prescrição punitiva; no art. 110, caput, está prevista a prescrição executória.

2.2.1 Prescrição da pretensão punitiva

A prescrição da pretensão punitiva só poderá ocorrer antes de a sentença penal transitar em julgado e tem como consequência a eliminação de todos os efeitos do crime: é como se este nunca tivesse existido. Constitui o lapso temporal da consumação do direito até a sentença final sem efetivo exercício do poder-dever de punir do Estado. Uma vez ocorrida a prescrição, não cabe exame de mérito, impedindo, portanto, a absolvição ou condenação do réu, tanto em primeira quanto em segunda instância.

A prescrição da pretensão punitiva pode ocorrer de três formas diferentes, são elas: prescrição da pretensão punitiva abstrata; prescrição

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da pretensão punitiva retroativa; prescrição da pretensão punitiva intercorrente ou subsequente. Trataremos de forma mais específica da prescrição punitiva em abstrato, pois é a esta que o presente trabalho está diretamente relacionado.

2.2.2 Prescrição da pretensão punitiva abstrata

Denomina-se prescrição abstrata porque ainda não existe pena concretizada na sentença para ser adotada como parâmetro aferidor do lapso prescricional.

Nos termos do art. 109, caput, do Código Penal, os prazos prescricionais são regulados pela pena em abstrato cominada no tipo legal, isto é, pelo máximo da pena privativa de liberdade abstratamente prevista para o crime. Despreza-se a pena de multa, seja ela cumulativa ou alternativamente cominada, não se distinguindo entre as penas as restritivas de direitos ou privativas de liberdade (art. 109, § único, CP).

Para ser encontrado o prazo prescricional cabe ser observado o seguinte: 1º) Deve-se observar o máximo de pena privativa de liberdade cominado à infração penal; 2º) Verificar, no art. 109 do CP, o prazo prescricional correspondente àquele limite de pena cominado (prazo preliminar); 3º) Averiguar se há alguma das causas modificadoras desse prazo (majorantes ou minorantes).

2.3 CAUSAS SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO

Verificando-se uma causa suspensiva, o curso da prescrição suspende-se para retomar o seu curso depois de suprimido ou desaparecido o impedimento. Na suspensão o lapso prescricional já decorrido não desaparece, permanece válido. Superada a causa suspensiva, a prescrição recomeça a ser contada pelo tempo que falta, somando-se com o anterior. No dizer de Damásio de Jesus (2003, p. 739): “cessado o efeito da causa suspensiva, a prescrição recomeça a correr, computando-se o tempo decorrido antes dela”.

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Tal matéria é tratada no art. 116 do Código Penal, ao dispor:

Art. 116 - Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.Parágrafo único. Depois de passar em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

A primeira hipótese apresentada no Código Penal é a existência de questão prejudicial, regulada pelos arts. 92 a 94 do CPP, cuja relação com o delito é tão profunda que a sua decisão, em outro juízo, pode determinar a existência ou inexistência da própria infração penal. Exemplo citado pela doutrina é o crime de bigamia, em que se discute a validade do casamento anterior.

A segunda hipótese prevista no Código Penal é o cumprimento de pena pelo agente no estrangeiro. Bitencourt (2000, p. 679) justifica tal hipótese:

O fundamento político-jurídico dessa causa suspensiva é que durante o cumprimento de pena no estrangeiro não se consegue a extradição do delinquente. E a pena em execução pode ser tão ou mais longa que o próprio lapso prescricional do crime aqui cometido. Por isso, se justifica a suspensão da prescrição.

A terceira hipótese apresentada no parágrafo único é causa de suspensão da prescrição da pretensão executória. Enquanto estiver preso, o agente não pode invocar a prescrição da pena que lhe falta cumprir, pois sua condição de preso impede a satisfação dessa pretensão executória.

Além das hipóteses previstas no Código Penal, a Constituição Federal (art. 53, § 2º) acrescentou mais duas: 1ª) enquanto não houver licença do Congresso Nacional para que o parlamentar seja processado, o prazo prescricional será suspenso; 2ª) ausência de deliberação. Nesta situação o STF já decidiu que, tanto na hipótese de indeferimento do pedido de licença, quanto na de ausência de deliberação, a suspensão da

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prescrição ocorre da data do despacho do Ministro Relator determinando a remessa do pedido ao parlamento.

2.3.1 Causas suspensivas da prescrição previstas na legislação ordinária

Além das hipóteses previstas no Código Penal e na Constituição Federal o legislador ordinário, em duas outras oportunidades, Leis nº 9.099/95 e 9.271/96, erigiu mais duas hipóteses de suspensão do prazo prescricional.

2.3.1.1 A suspensão condicional do processo como causa de suspensão da prescrição

A Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que criou os juizados especiais cíveis e criminais, dispõe, em seu Art. 89, acerca do instituto da suspensão condicional do processo com a seguinte redação:

Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).

O mesmo artigo 89, em seu § 6º, dispõe que “não correrá a prescrição no prazo de suspensão do processo”.

Significa que oferecida a denúncia e, em separado, ofertada pelo Ministério Público a suspensão do processo, esta só poderá ocorrer mediante o preenchimento de condições objetivas e subjetivas por parte do denunciado. O juiz poderá suspender o processo pelo período de dois a quatro anos, porém, ao término deste prazo, sem a ocorrência de descumprimento das condições expostas, a punibilidade será extinta. Contudo, salienta-se que, uma vez assinalado o período de prova,

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também estará suspensa a prescrição. Contudo, revogada a suspensão do processo, automaticamente será reiniciada a contagem do prazo prescricional.

Interessante é o comentário de Bitencourt (2000, p. 680) acerca do instituto:

Esse dispositivo dispensa um tratamento isonômico à defesa e à acusação: o denunciado é beneficiado pela suspensão do processo, mas em contrapartida a sociedade não fica prejudicada pelo curso da prescrição. Na hipótese de revogação do benefício, o Ministério Público disporá do tempo normal pra prosseguir na persecutio criminis. Como, de regra, a suspensão do processo deverá ocorrer no momento do recebimento da denúncia, a prescrição voltará a correr por inteiro. No entanto, em razão dessa fase transitória, poderá haver suspensão de muitos processos que já se encontravam em curso. Nessas hipóteses, havendo revogação da suspensão do processo, o novo curso prescricional deverá somar-se ao lapso anterior que foi suspenso, uma vez que, como causa suspensiva, o prazo prescricional não recomeça por inteiro.

2.3.1.2 Causas suspensivas de prescrição na Lei n.º 9.271/96

Ao dar nova redação aos arts. 366 e 368 do Código de Processo Penal, a Lei nº 9.271, de 17-04-96, criou mais duas hipóteses de suspensão do curso do prazo de prescrição. Segundo o primeiro dispositivo, se o acusado, citado por edital, não comparecer para ser interrogado nem constituir advogado, fica suspenso o processo e o prazo prescricional, estendendo-se a suspensão até que ele ou seu procurador intervenha nos autos do processo. Não prevê a lei limite para a suspensão do prazo, o que acarretaria a vedada imprescritibilidade, mas se tem acenado, como parâmetro, com o lapso temporal referente ao máximo da pena cominada ao delito. Nos termos do segundo artigo acima citado, também fica suspenso o prazo da prescrição enquanto o acusado é citado por rogatória por se encontrar, em lugar sabido, ou em legação estrangeira, cessando a causa suspensiva quando a carta é cumprida.

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Com relação à primeira hipótese, Bitencourt (2000, p. 680), ao citar Damásio de Jesus, diz ser necessário que estejam presentes, simultaneamente, três requisitos: 1º) citação por meio de edital; 2º) não-comparecimento em juízo para interrogatório; 3º) não-constituição de defensor. E mais: que a ausência de qualquer desses requisitos impede a configuração dessa nova causa suspensiva da prescrição. A constituição de advogado por parte do infrator, durante a fase policial, ainda que este venha a ser citado por edital, impedirá o reconhecimento da causa suspensiva da prescrição.

O curso prescricional suspenso somente recomeçará a correr na data do comparecimento do acusado, computando-se o tempo anterior (art. 366, § 2º). Interrompida a suspensão da prescrição, esta volta a correr, levando-se em consideração o tempo anteriormente decorrido, isto é, somando-se.

Em relação ao segundo dispositivo, com a entrada em vigor da referida lei, o acusado que se encontrar no estrangeiro, em lugar sabido, será citado por meio de carta rogatória, independentemente de a infração penal imputada ser ou não afiançável. No entanto, segundo a nova redação conferida pela Lei nº 9.271/96 ao artigo 368 do CP, o prazo prescricional ficará suspenso até o cumprimento da carta rogatória. Atualmente, a citação de quem se encontrar no estrangeiro somente poderá ser por edital quando for desconhecido o seu paradeiro. Anteriormente, a citação por edital seria possível quando fosse desconhecida a localização do citando ou quando a infração imputada fosse afiançável.

2.4 CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

Ocorrendo uma causa interruptiva, o curso da prescrição interrompe-se, desaparecendo o lapso temporal já decorrido, recomeçando sua contagem desde o início. Uma vez interrompida, a prescrição volta a correr novamente, por inteiro, do dia da interrupção, até atingir seu termo final, ou até que ocorra nova causa interruptiva. O lapso prescricional que foi interrompido desaparece, como se nunca tivesse existido.

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Mirabete (2005, p. 412), citando Franco et al., define as causas interruptivas da prescrição como sendo todos os atos demonstrativos de um exercício ativo do poder punitivo e, como tais, incompatíveis com uma pretensão de renúncia, em relação a este exercício, por parte do Estado.

Tal matéria está disciplinada no art. 117 do Código Penal, que dispõe:

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;II – pela pronúncia;III – pela decisão confirmatória da pronúncia;IV – pela sentença condenatória recorrível;V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena;VI – pela reincidência.

Os quatro primeiros incisos tratam de hipóteses de interrupção da pretensão punitiva, enquanto os dois últimos tratam de interrupção da pretensão executória.

O recebimento da denúncia ou da queixa, em primeira instância ou em julgamento de recurso, é causa interruptiva. O que caracteriza o recebimento é o despacho inequívoco do juiz. O aditamento da denúncia ou queixa somente interromperá a prescrição se incluir a imputação de nova conduta típica, não descrita anteriormente, limitando-se a essa hipótese. Em relação à inclusão de novo réu, em aditamento, há entendimentos divergentes na doutrina: Mirabete (2005, p. 412) entende ser motivo de interromper a prescrição em relação aos demais; Bitencourt (2000, p. 683) não considera a inclusão de novo réu na denúncia como motivo de interrupção da prescrição. Em grau recursal ocorrerá a prescrição na data em que a instância superior vier a recebê-la.

Nos crimes cuja apuração é da competência do Tribunal do Júri o prazo prescricional sofre nova interrupção pela pronúncia. O marco interruptivo da prescrição será a data da publicação da pronúncia em cartório e não a data de sua lavratura, que pode não coincidir com sua publicação, isto em aplicação do princípio in dubio pro reo. A impronúncia ou a absolvição sumária não a interrompem.

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Também há interrupção quando a Superior Instância pronuncia o réu em razão de recurso da acusação e quando a sentença de pronúncia for confirmada pela Corte. O acórdão confirmatório da condenação, não incluído no art. 117, não interrompe a prescrição.

A prescrição também se interrompe na data da publicação da sentença condenatória recorrível nas mãos do escrivão, isto é, a partir da lavratura do respectivo termo (art. 389 do CPP). Antes disso a sentença não tem vida, sendo considerado mero trabalho intelectual do juiz. Em relação à sentença em que se concede o perdão judicial, a existência de força interruptiva, ou não, depende da orientação seguida quanto à natureza jurídica de tal decisão, que, para o Supremo Tribunal Federal, é condenatória, mas que para o Superior Tribunal de Justiça, conforme a Súmula 18, é declaratória de extinção da punibilidade. Na conformidade da primeira orientação, haverá a interrupção; ao adotar a segunda, não.

A primeira hipótese de interrupção da prescrição da pretensão executória é a do início ou continuação do cumprimento da pena (art. 117, V). A fixação do termo inicial dessa espécie de prescrição está prevista no art. 112 e incisos do CP e no art. 117, V e VI. Preso o agente condenado para o cumprimento da pena, interrompe-se o prazo prescricional iniciado com o trânsito em julgado da sentença para a acusação. Tendo havido evasão ou revogação do livramento condicional, a recaptura ou a prisão do sentenciado interrompe a prescrição. Nessas hipóteses, o prazo não começa a correr novamente (art. 117, § 2º). A segunda hipótese de interrupção da prescrição da pretensão executória é a reincidência.

Consoante uma corrente, o momento de interrupção da prescrição não é determinado pela prática do segundo crime, mas pela sentença condenatória que reconhece a prática do ilícito, pressuposto daquela (MIRABETE, 2005, p. 415). Em sentido contrário, outra corrente, minoritária, entende que a interrupção ocorre na data do novo crime, uma vez que a reincidência seria fática e não jurídica.

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3 A TRANSAÇÃO PENAL É CAUSA DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO?

3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O direito penal-processual pátrio sofreu uma grande reformulação em seus conceitos e ideias a partir da edição da Lei dos Juizados Especiais Criminais, previstos no art. 98, inciso I da Constituição Federal, e disciplinados a partir do art. 60 do texto da Lei 9.099 de 1995.

O espírito reformador há muito já tinha convencido, mais em particular, as comunidades política e jurídica pátrias da necessidade de mudança da legislação penal e processual penal brasileiras, precisamente para adaptar-se à tendência mundial, pelo menos dos sistemas jurídicos ocidentais, de despenalização e descarcerização.

Essa tendência político-criminal, que abrange os chamados crimes de bagatela, aqueles de pequena e média criminalidade, havia impulsionado vários países dos continentes europeu e americano a criarem mecanismos para tornar realidade a ideia atual de que o “encarceramento, a não ser para os denominados presos residuais, é uma injustiça flagrante” (BITENCOURT, 1996, p. 20).

Assim, como saída, propugnaram os principais idealizadores desse novo pensamento por medidas que pudessem alcançar o objetivo ressocializador, transformado em utopia diante da estigmatização que sofre o delinquente com a pena privativa de liberdade. Dentre as várias sugestões, algumas chegaram à harmonia quase que plena entre os defensores de cada doutrina, como, por exemplo, a aplicação de substitutivos penais e a mitigação ou até mesmo a extinção do princípio da indisponibilidade da ação penal, que assevera a perseguição pelo Estado de toda e qualquer infração penal.

Nesse contexto, houve a implantação dos Juizados Especiais Criminais justamente para efetivar esse novo pensamento. O diploma legal que disso cuida é considerado um marco inicial dentro do nosso ordenamento jurídico, uma vez que introduziu novos conceitos no

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Direito Nacional. Tal processo evolutivo se destaca principalmente no que diz respeito à tentativa de introduzir uma moderna política, cujo objetivo é estabelecer alternativas às penas de detenção e, por outro lado, a criação de novos institutos dentro do direito de punir, especialmente a Transação Penal e a suspensão condicional do processo, institutos os quais já discorremos anteriormente.

3.2 O CURTO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DOS DELITOS QUE CABEM APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL NO JECRIM

O instituto da Transação Penal, no entanto, da maneira como foi criado, não resolve por completo os problemas referentes aos delitos de menor potencial ofensivo. Pelo contrário foram deixadas algumas lacunas que podem levar a um descrédito dos Juizados Criminais e, por conseguinte, da própria Justiça.

A competência dos Juizados Especiais Criminais, conforme análise anterior, reside na apuração dos delitos em que a pena máxima não exceda a 2 (dois) anos, competência essa que foi ampliada com a entrada em vigor da Lei n.º 10.259/01, tendo em vista que a competência inicial dos JECRIMS era para a apuração dos delitos em que a pena máxima não fosse superior a 1 (um) ano (art. 61 da Lei n.º 9.099/95). Em razão disso, os delitos de competência dos Juizados Especiais Criminais têm um rápido prazo de prescrição, como se pode constatar da análise do art. 109, incisos V e VI do Código Penal. É que os delitos da competência dos JECRIMS prescrevem em no máximo 4 (quatro) anos.

Talvez, ao observar esse fato, em relação à proposta de suspensão condicional do processo, previu o legislador que durante o prazo de suspensão do processo não correrá a prescrição. Trata-se, portanto, de uma causa de suspensão da prescrição.

A omissão legislativa, porém, ocorreu em relação ao instituto da Transação Penal. Nada disse o legislador em referência a se, quando houver aceitação, por parte do suposto autor do fato, da

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proposta feita pelo representante do Ministério Público, corre ou não o prazo prescricional, ou de esta ser uma hipótese de interrupção do prazo prescricional, de forma que resta aos aplicadores do direito o preenchimento desta lacuna.

A questão que se tem é a seguinte: o suposto autor do fato delituoso aceita a proposta de Transação Penal e não existe previsão legal sobre o momento em que é homologada a transação, isto é, se o prazo prescricional é interrompido ou não e, ainda, se a homologação seria uma hipótese de suspensão do curso do prazo prescricional.

Da maneira como se encontra o instituto, nada impede que o suposto autor do fato aceite a proposta de Transação Penal, inicie o cumprimento e após, injustificadamente, deixe de cumprir o acordado, ou também, diferentemente, após a aceitação da proposta de Transação Penal, nem inicie o cumprimento da proposta, aguardando apenas que a pretensão punitiva estatal se pereça pelo instituto da prescrição, o que, como já visto, não ocorre em um período muito longo.

Deve-se buscar garantir a aplicação da sanção alternativa que resultou aceita pelo suposto autor do fato, com a finalidade de evitar o sentimento de descrença na Justiça Consensual.

Não são raros os casos em que o suposto autor do fato aceita a proposta de Transação Penal, não a cumpre e ocorre a prescrição, conforme pode se observar da análise do julgado do Superior Tribunal de Justiça:

Transação – multa - cobrançaRECURSO ESPECIAL Nº 172.951 – SPRELATOR: MIN. JOSÉ ARNALDOEMENTA: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 76. TRANSAÇÃO PENAL. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO DO ACORDO PELO AUTOR DO FATO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO MP. INADIMISSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. NATUREZA JURÍDICA CONDENATÓRIA. EFICÁCIA DE COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL.

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A sentença homologatória da Transação Penal, por ter natureza condenatória gera a eficácia de coisa julgada formal e material, impedindo, mesmo no caso de descumprimento do acordo pelo autor do fato, a instauração da ação penal. Havendo Transação Penal homologada e aplicada pena de multa, não sendo paga esta, impõe-se a aplicação conjugada do art. 85 da Lei 9.099/95 com o art. 51 do CP, com a consequente inscrição como dívida ativa da Fazenda Pública, a fim de ser executada pelas vias próprias. Recurso do Ministério Público conhecido, mas desprovido, declarando-se, de ofício extinta a punibilidade do recorrido Romanely Romero Mansur, em face da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do art. 107, inciso IV, c/c os artigos 110, caput, e 114, I, todos do Código Penal (DJU, Seção 1, p. 169, de 31.05.99).

Em relação às infrações penais de menor potencial ofensivo é aplicado subsidiariamente o art. 110, caput do Código Penal, correndo o prazo da prescrição da pretensão executória da pena imposta em transação efetuada nos termos do art. 76 da Lei nº 9.099/95. O termo inicial, por aplicação analógica, é o do trânsito em julgado da sentença de homologação para a acusação. Assim, transcorrido o prazo prescricional sem que se tenha sido executada a sanção aplicada na transação, não ocorrendo causa interruptiva, declarar-se-á a prescrição da pretensão executória.

Nesse sentido é o enunciado nº 44 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais:

ENUNCIADO 44 – No caso de Transação Penal homologada e não cumprida, o decurso do prazo prescricional provoca a declaração de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória. (XVII FONAGE)

E também a orientação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “TARS: Decorrendo mais de dois anos da transação de que trata a Lei nº 9.099/95, na inexistência de marco interruptivo, está extinta a pena de multa por força da prescrição”.

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3.3 TRANSAÇÃO PENAL COMO CAUSA DE INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO

É importante observar que o debate acerca do fato de a Transação Penal ser ou não causa de interrupção do curso do prazo prescricional tem afinidade com outra problemática amplamente discutida, as consequências do descumprimento da Transação Penal.

Em definição de Mirabete (2005, p. 412), citando Franco et al., as causas interruptivas da prescrição são todos os atos demonstrativos de um exercício ativo do poder punitivo e, como tais, incompatíveis com uma pretensão de renúncia, em relação a esse exercício, por parte do Estado.

Adverte, porém, o citado autor, que as causas interruptivas da prescrição são apenas aquelas enumeradas no art. 117 do Código Penal, justificando-se no fato de ser a matéria da prescrição penal de direito substantivo, em que não se admite entendimento ampliativo ou interpretação analógica.

Preceitua o referido dispositivo:

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;II – pela pronúncia;III – pela decisão confirmatória da pronúncia;IV – pela sentença condenatória recorrível;V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena;VI – pela reincidência. (grifos nossos).

Ao analisar o instituto da Transação Penal pode-se considerar que ele se encaixa no conceito supracitado, vez que, quando o Estado, por meio da representação do Ministério Público, na qualidade de titular da ação penal pública, faz uma proposta de Transação Penal ao suposto autor do fato, não é inerte em relação ao jus puniendi.

O Art. 117 do Código Penal, contudo, não menciona expressamente a Transação Penal como causa de interrupção do curso do prazo prescricional, mencionando, porém, nos incisos IV e V do referido artigo,

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que o prazo prescricional interrompe-se “pela sentença condenatória recorrível” (inciso IV) ou pelo “início ou continuação do cumprimento da pena” (inciso V).

Pelo considerado aspecto, faz-se necessária uma análise a propósito da natureza jurídica do provimento judicial que homologa a Transação Penal com a finalidade de perquirir se tal decisão é ou não causa de interrupção do curso do prazo prescricional.3.3.1 Reflexos da natureza jurídica da Transação Penal no curso do prazo prescricional

A doutrina não é uníssona quando trata o tema da natureza jurídica da decisão que homologa a Transação Penal.

Há o entendimento de que a homologação da transação proposta pelo Ministério Público e aceita pelo acusado e seu defensor tem natureza de decisão condenatória, uma vez que culmina com a aplicação de pena restritiva de direitos ou de multa. Nesse sentido, a sentença que homologa a transação cria uma nova situação jurídica para o autor do fato, impondo-lhe uma obrigação que se mostra como ponto fundamental de diferença entre a mera sentença constitutiva e a sentença condenatória.

O posicionamento de Mirabete (1998, p. 95) é:

A sentença homologatória da transação tem caráter condenatório e não é simplesmente homologatória, como muitas vezes se tem afirmado. Declara a situação do autor do fato, tornando certo o que era incerto, mas cria uma situação jurídica ainda não existente e impõe uma sanção penal ao autor do fato. Essa imposição, que faz a diferença entre a sentença constitutiva e a condenatória, que se basta a si mesma, na medida em que transforma uma situação jurídica, ensejará um processo autônomo de execução, quer pelo Juizado, quer pelo Juiz da Execução, na hipótese de pena restritiva de direitos.

Para o eminente doutrinador a sentença “tem efeitos processuais e materiais, realizando a coisa julgada formal e material e impedindo a instauração

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da ação penal”, e ainda entende que, por não reconhecer a culpabilidade do agente nem produzir os demais efeitos da sentença condenatória comum, trata-se de “uma sentença condenatória imprópria”.

Essa é a diretriz traçada pelo Superior Tribunal de Justiça:

TRANSAÇÃO PENAL HOMOLOGADA. DESCUM-PRIMENTO. O trânsito em julgado da decisão que homologa a transação criminal produz a eficácia da coisa julgada. Com a superação da fase de conhecimento, a pretensão cabível é a de cunho executório, e não acusatória. Correição parcial indeferida (Correição n.º 7100017026, Turma Recursal Criminal, Ijuí, Rl. Dr. Nereu José Giacomolli, 08-02-01, à unanimidade).

Patenteia a doutrina de Damásio de Jesus (1995, p. 61 e ss) que o instituto da Transação Penal, inserido na Lei nº 9.099/95, antecede o processo, e trata-se de medida despenalizadora que oferece ao infrator a oportunidade de transacionar acerca da pena recebida, possibilitando um rápido procedimento, sem reconhecimento de culpa, vale dizer, sem que a decisão homologatória da Transação Penal possa ser utilizada como título executivo no juízo cível, a fim de se obter um ressarcimento dos danos eventualmente sofridos.

No dizer do citado autor “o juiz aplica a pena restritiva de direitos alternativa ou a multa alternativa”, mas “a sentença não é condenatória” (JESUS, 1995, p. 68). E, ainda, que “a sentença do juiz especial, homologando a aceitação da proposta não gera: a) condenação; b) reincidência; c) lançamento do nome do autor do fato no rol dos culpados; d) efeitos civis; e) maus antecedentes”, com a justificativa no Art. 76, § 4º da Lei n.º 9.099/95 que prevê: o registro da sentença é apenas para impedir novamente a concessão do benefício no prazo de cinco anos.

Outra corrente entende que o ato prolatado pelo Juízo Especial Criminal não é condenatório, pois apenas homologa a Transação Penal.

Ao derredor do ponto, diz Grinover (1996, p. 134), com outros autores de compêndio doutrinador:

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A aplicação da sanção penal será feita por sentença, que não se poderá considerar condenatória, uma vez que não houve acusação. Trata-se de sentença nem condenatória nem absolutória, mas simplesmente de sentença homologatória de Transação Penal, com eficácia de título executivo.

A citada autora assevera ainda que apesar da natureza jurídica da aceitação da proposta penal ser de submissão voluntária à sanção penal, não significa reconhecimento da culpabilidade penal, nem de responsabilidade civil, o que parece ser contraditório.

Justifica a inexistência de culpabilidade em função de que:

a sanção é aplicada antes mesmo do oferecimento da denúncia, na audiência prévia de conciliação;a aplicação da sanção não imporá em reincidência;a imposição da sanção não constará de registros criminais, salvo para o efeito de impedir nova Transação Penal no prazo de cinco anos, nem de certidão de antecedentes (GRINOVER et al., 1996, p. 132).

Esta trilha é também seguida pelo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo ao anotar:

“A sanção aplicada através de Transação Penal está fora do alcance da prescrição retroativa, prevalecendo a regra geral contida no art. 109 do CP, uma vez que não se trata de sentença condenatória, nem absolutória, mas homologatória de um acordo celebrado entre as partes, que fazem uma opção bilateral, visando somente tornar líquida a responsabilidade por elas assumida, em relação a determinado ato, e constituindo forma de despenalização diferente do modelo tradicional.” Para a corrente que entende a natureza jurídica da decisão que homologa a Transação Penal como condenatória, a transação é uma pena, sendo dessa forma causa de interrupção da prescrição penal.

No momento em que o Juiz Especial homologa a Transação Penal estar-se-ia proferindo uma sentença condenatória recorrível, sendo esta uma causa de interrupção do curso do prazo prescricional, prevista no

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Art. 117, IV, do Código Penal. Nesse sentido, o início do cumprimento da Transação Penal também seria uma causa de interrupção da prescrição prevista no Art. 117, V, do Código Penal. Porém, o reflexo dessa interrupção é apenas na pretensão punitiva executória visto que na hipótese de descumprimento da Transação Penal não é cabível o prosseguimento do feito, com a instauração da competente ação penal.

A sentença homologatória possui natureza jurídica definitiva, pois, ao aceitar a proposta, o infrator implicitamente assume a culpa, de forma que essa sentença tenha força de sentença imprópria, pondo-se, desde já, fim ao processo com julgamento do mérito, restando apenas ser executada.

A crítica a esse posicionamento reside no fato de que considerar a Transação Penal como pena seria uma ofensa ao devido processo legal. Entender a Transação Penal como pena seria admitir que o suposto autor do fato assumiu a culpabilidade quando nem chegou a existir processo. Estar-se-ia constituindo uma ofensa às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Na sustentação expendida pela corrente que considera a decisão que homologa a Transação Penal como meramente homologatória, a Transação Penal é tida como uma “sanção especial”, em que há submissão voluntária por parte do agente à sanção penal, não significando nem reconhecimento da culpabilidade nem da responsabilidade civil.

Nesse sentido a aceitação da proposta por parte do suposto autor do fato, livre e tecnicamente orientado, não se constituiria em nenhuma ofensa às garantias constitucionais.

Por essa concepção, na hipótese de descumprimento da proposta de Transação Penal, seria possível o prosseguimento do feito, com a propositura da competente ação penal, vez que a homologação da decisão não fez coisa julgada. No entanto, nesse entendimento não é vislumbrada nenhuma hipótese de interrupção do curso do prazo prescricional, fato que pode facilitar a impunidade em um eventual descumprimento da proposta de Transação Penal.

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4 CONCLUSÃO

É impossível negar que o Juizado Especial Criminal surgiu como proposta não só para desafogar as varas criminais, como também para acompanhar tendência internacional de descriminalização de condutas, associada à ideia do direito penal mínimo.

Esse novo fórum de debate tornou-se um poderoso instrumento de combate à pequena criminalidade. Com inegáveis resultados positivos, sem o anacronismo característico da justiça comum, muito embora já experimente algumas críticas, pela contaminação da indesejada morosidade, causada pela demanda sempre mais ampliada, que resulta, em grande parte, do desequilíbrio social cada vez mais latente na sociedade brasileira.

A urgência em disponibilizar à sociedade um instrumento ágil deixou sem resposta algumas situações, cuja omissão pode fomentar o descrédito na justiça, pois a falibilidade, como se sabe, é intrínseca à condição humana. Com o legislador da Lei nº 9.099/95 não poderia ser diferente e não haveria possibilidade de se prever, em um único momento e em apenas um texto legislativo, todos os desdobramentos das medidas despenalizadoras criadas.

A Transação Penal é um instituto despenalizante em que é formulada pelo Ministério Público uma proposta para imediata aplicação de “pena” em procedimento jurisdicional especial. Essa “pena” em verdade constitui-se em uma sanção especial que caracteriza o caráter consensual da prestação jurisdicional. Vê-se, assim, que o instituto não apresenta qualquer vício de inconstitucionalidade.

Sem perder o foco do caráter ínsito penal, tem-se a desistência da ação criminal pelo Ministério Público com o cumprimento dos termos do consenso preliminar, como de natureza da sanção especial, igualando-se às condições da suspensão condicional do processo.

Tendo em vista que os dois institutos são idênticos quanto aos princípios que abalizam e à formalização, pois se regem pela mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal e pela aplicação de penas

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substitutivas, bem como se caracterizam pelo consenso (a conciliação), fixar o posicionamento de que as condições da suspensão condicional do processo não possuem natureza de sanção penal, precipuamente não se analisa existência de crime e de culpabilidade, haja vista nem serem produzidas provas para tanto. Desse modo, não se pode também admitir caráter penal à sanção consensuada em audiência preliminar, porquanto na Transação Penal sequer foi instaurado processo, muito menos teve apresentação de qualquer prova.

A decisão que homologa a Transação Penal não é condenatória ou absolutória, mas simplesmente homologatória de acordo firmado entre o Ministério Público e o autor do fato. O pronunciamento judicial não se restringe apenas em mero ato homologatório, pois poderá o juiz indeferir o acordo caso vislumbre alguma ilegalidade; a atividade ministerial possui limites na Transação Penal, impostos pela própria Lei nº 9.099/95 (art. 76). E justamente sobre estes limites que o pronunciamento judicial subsume-se, e não sobre a linha de disponibilidade do Ministério Público.

Nesse sentido não há previsão legal a respeito de quando o suposto autor do fato aceita a proposta de Transação Penal, se o curso do prazo prescricional é interrompido. Não sendo impedido também o Ministério Público, na hipótese de descumprimento da Transação Penal, de dar prosseguimento ao feito com a instauração da competente ação penal.

Entrementes, para dar melhor amparo ao Ministério Público, quando da instauração da ação penal, faz-se necessária uma alteração no dispositivo legal que trata do instituto da Transação Penal, no sentido de haver previsão de interrupção do curso do prazo prescricional logo que ocorra aceitação da proposta pelo suposto autor do fato.

Com a previsão legal da interrupção do curso do prazo prescricional é possível evitar que muitos dos procedimentos atinentes ao JECRIM pereçam em função da prescrição, e, por consequência, evitar-se-á a sensação de impunidade que tanto prejudica a prestação

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jurisdicional e as vítimas que são as verdadeiras excluídas nos procedimentos criminais.

Por fim, é mister informar que o presente trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema. Em torno dos Juizados Especiais Criminais existem muitos temas controvertidos que esperam ser discutidos pela doutrina e jurisprudência, com a finalidade de se buscar uma prestação jurisdicional mais eficaz.

Importante observar que os Juizados Especiais representam o instrumento de ruptura com a velha forma do sistema penal, caracterizado pela morosidade e excessiva burocracia.

5 REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Juizados especiais criminais e alternativas à pena de prisão. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996.

_______. Manual de Direito Penal: parte geral, volume 1. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000.

GONCALVES, Wilson José. Monografia jurídica – técnicas e procedimentos de pesquisa. Campo Grande: UCDB, 2001.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1996.

JESUS, Damásio E. de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva, 1995.

______. Direito Penal – parte geral, volume 1. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal: prescrição funcionalista. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

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MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudência, legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

______. Manual de Direito Penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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