Tratado de Simbolica

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    TRATADO DE SIMBLICAMrio Ferreira dos Santos

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    SUMRIO

    TEMA I

    ARTIGO 1 - QUE SIMBLICA?

    ARTIGO 2 - QUE SIMBOLO?

    TEMA II

    ARTIGO 1 - A GNESE DO SMBOLO

    ARTIGO 2 - COMENTRIOS PSICOLGICOS SIMBOLOGENTICA

    ARTIGO 3 - O SMBOLO E A PSICOLOGIA

    TEMA III

    ARTIGO 1 - A PARTICIPAO

    A PARTICIPAO

    ARTIGO 2 - A PARTICIPAO NA ORDEM LGICA E NA ORDEM ONTOLGICA

    ARTIGO 3 - A VIA SYMBOLICA

    ARTIGO 4 - DIALTICA DA PARTICIPAO E DIALTICA SIMBLICA

    ARTIGO 5 - SNTESE DA ANALOGIA

    COMENTRIOS

    TEMA IV

    ARTIGO 1 - O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE NA SIMBLICA

    ARTIGO 2 - CONTRIBUIES DA PSICOLOGIA MODERNA SIMBOLOGIA

    TEMA V

    ARTIGO 1 - A SIMBLICA DOS NMEROS

    ARTIGO 2 - A SIMBLICA DA UNIDADE

    ARTIGO 3 - A SIMBLICA DO 2 - O BINRIO, A DADA

    ARTIGO 4 - O 3, A TRADA, O TERNRIO, A TRINDADE

    ARTIGO 5 - O QUATERNARIO - O NMERO 4

    ARTIGO 6 - O QUINRIO

    ARTIGO 7 - O SENRIO

    ARTIGO 8 - O SETENRIO

    ARTIGO 9 - O OCTONARIO

    ARTIGO 10 - NOVENARIO E O DECENARIO

    ARTIGO 11 - A SIMBLICA DE OUTROS NMEROS

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    O NMERO 12

    OUTROS NMEROS

    TEMA VI

    ARTIGO 1 - A SIMBLICA NAS RELIGIES

    ARTIGO 2 - ALGUNS SMBOLOS RELIGIOSOS

    O SOL

    O FOGO

    A GUA

    A PEDRA

    MONTANHA

    O TODO-PODEROSO

    A LUTA

    A ME

    A LIBIDO

    O PEIXE

    RVORE

    A SALVAO

    AS ALMAS

    ARTIGO 3 - O SMBOLO DA LUZ E DAS CORES

    ARTIGO 4 - SIMBLICA DOS SONS NA LITERATURA, E SIMBLICA DO ESPAO E DO TEMPO

    TEMA VII

    ARTIGO NICO - CONSIDERAES SOBRE O SMBOLO

    APNDICE

    ANALOGIA E MTODO ANALGICO

    ANLISE DO TEMA DA ANALOGIA

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    TEMA I

    ARTIGO 1 - QUE SIMBLICA?

    Todos os grandes fundadores de religio foram amados, compreendidos, porque

    falaram em smbolos, eterna linguagem criadora.

    Usamos smbolos por deficincia, mas tambm por proficincia.

    Com smbolos, expressamos o que no poderamos fazer de outro modo, porque,

    com ele, transmitimos o intransmissvel, como procede o nosso inconsciente, que, por no

    sabermos, nem querermos ouvi-lo, segreda-nos seus mpetos, seus desejos e seus temores,

    atravs de smbolos. E usa-os ainda para burlar a nossa censura, as inibies que impomos, e o

    que temeramos sequer desejar.

    E toda a natureza, em sua linguagem muda, expressa se atravs de smbolos, que o

    artista sente e vive, que o filsofo interpreta, e o cientista traduz nas grandes leis que regem

    os fatos do acontecer csmico.

    E o smbolo surge na arte, na linguagem das linhas, dos volumes e das cores, das

    tonalidades, dos sons, das harmonias, do significado analgico dos termos e dos juzos, das

    intenes que nem sempre despontam.

    E vmo-lo nos templos e nas liturgias de todas as religies, nos gestos de pavor e de

    nsia dos tmulos e templos, como vmo-lo no vo esguio dos pssaros.

    Falam-nos em smbolos a religio e a filosofia, a arte e a cincia, as coisas brutas e

    os seres vivos, os astros e os tomos, toda a gama universal do acontecer. Tudo indica, tudo

    aponta, tudo se refere a algo, que escapa aos nossos olhos, mas que nem sempre escapa aos

    nossos coraes.

    O smbolo a linguagem universal do acontecer csmico. E como poderamos evitar

    que se formasse uma Simblica?

    Mas, que Simblica? o estudo da gnese, desenvolvimento, vida e morte dos

    smbolos.

    Justifica-se a Simblica como disciplina filosfica, pois podemos considerar todas as

    coisas, no seu aparecer, na forma como se apresentam, como um apontar para algo ao qual

    elas se referem.

    Nesse caso, o smbolo seria o modo de significar do ente, que sempre se refere a algo.

    Smbolo , portanto, uma subcategoria dos seres finitos, que apresentaria

    caractersticas similares de valor. Seria uma das categorias intensistas, que no se devem

    confundir com as categorias extensistas da filosofia clssica.

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    Estas referem-se preferentemente aos modos extensistas de ser, enquanto as outras,

    como o smbolo, o valor, a tenso, etc., referem-se aos modos intensistas.

    So, para ns, categorias intensistas as seguintes:

    Smbolo - objeto da "Simblica";

    Valor - objeto de "Axiologia"; Tenso - objeto da "Teoria Geral das Tenses";

    Ethos - objeto da ".tica" (o dever-ser, o sollen)

    Esthetos - objeto da "Esttica".

    Haecceitas - Objeto da Hentica, disciplina que estuda a unicidade da unidade individual.

    A justificao desta afirmativa surgir no decorrer das nossas obras que estudam tais

    objetos.

    A SIMBLICA UMA SIMBOLOGIA?

    Simbologia seria a cincia do smbolo. Poderamos considerar a Simblica com ascaractersticas de uma verdadeira cincia.

    Os escolsticos consideravam que, para caracterizar-se uma disciplina como cincia,

    deveria esta ter um triplo objeto material, formal-terminativo, e formal-motivo.

    Como objeto material, temos todas as coisas finitas, reais ou ideais.

    Como objeto formal-terminativo, que a formalidade ou perfeio, que considerada

    ou estudada pela cincia, temos a que tende referncia simblica, ao simbolizado; em suma,

    a significabilidade dos seres finitos, reais-reais ou reais-ideais.

    O objeto formal-motivo, que o instrumento, pelo qual uma cincia considera o seuobjeto formal, , neste caso, o smbolo, o referente, enquanto tal.

    As coisas, reais ou ideais, pertencem a vrias cincias, mas por haver nelas

    significaes a um terceiro (o simbolizado), apresentam um aspecto especfico, que no

    prpriamente do mbito das outras cincias.

    A simblica, portanto, ter de usar um mtodo, que lhe seja peculiar.

    O mtodo de interpretar os significados dos smbolos s pode ser o dialtico, que chamaremos

    de mtodo dialtico-simblico, e que se funda, sobretudo, na analogia, como ainda veremos.

    Neste caso, a simblica uma simbologia, e como disciplina filosfica procura a

    significabilidade dos smbolos referindo-se aos simbolizados, bem como o seu nexo e razo de

    ser.

    A definio do smbolo, que veremos mais adiante, nos permitir ampliar o mbito

    do conceito da Simbologia como cincia filosfica, cujo objeto formal-terminativo a

    significabilidade de todas as coisas, tanto no sentido de significante como de significado

    (simbolizabilidade).

    ARTIGO 2 - QUE SIMBOLO?

    Na antiga Grcia, quando um senhor recebia a visita de um hspede, como sinal de

    afeio, costumava dar-lhe um objeto que servisse de sinal de reconhecimento. Era comum,

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    entre os amigos, partirem uma moeda pelo meio, cabendo uma parte a cada um, que servia

    como um sinal de amizade.

    Costumava-se tambm usar desse meio para reconhecer pessoas, depois de uma

    longa separao. Usavam sinais os pais, quando tinham de separar-se de seus filhos por longo

    tempo.A tais meios, que serviam de sinais, davam os gregos o nome genrico de symbolon.

    Todo o sinal convencionado tomava o nome genrico de smbolo, como tambm as insgnias

    dos deuses, os emblemas, os pressgios, augrios e, inclusive, as convenes internacionais e

    comerciais que se faziam na poca.

    A palavra smbolo, symbolon, neutro, vem de symbol, que significa aproximao,

    ajustamento, encaixamento, cuja origem etimolgica indicada pelo prefixo syn, com, e bol,

    donde vem o nosso termo bola, roda, crculo. Referia-se, deste modo, moeda usada como

    sinal.

    Desde logo se v que os gregos usavam o termo smbolo num sentido amplssimo,

    abrangendo todo o campo do que chamamos propriamente de sinal, isto , o que aponta,

    convencionalmente ou no, a um outro, que referido por aquele. Podemos, no entanto,

    captar uma formalidade que pertence univocamente a todos os smbolos e sinais: a referncia

    a um outro, em suma, o apresentar-se em lugar de outro.

    Podemos partir deste enunciado simples, ainda insuficiente, que smbolo alguma

    coisa que est em lugar de... A palavra, em sua origem grega, tambm significa substituio, e

    o smbolo algo que substitui. Todo smbolo, portanto, revela uma referncia a um outro.

    Mostremos, primeiramente, o que smbolo no , para vermos o que . No se deve

    confundir smbolo com divisa - esta uma figura que indica uma inteno, distintivo de alguns

    brases, armas, ideal de um partido, etc.; nem com empresa - que era o sinal que os cavaleiros

    usavam, pintados em seus escudos, com um relato do passado; nem com tenso - que um

    sinal alusivo ao pensamento do que se pretende fazer, como tambm os usavam os cavaleiros;

    nem com mostra - que apenas a manifestao de uma parte de uma coisa e no da sua

    totalidade; nem com indcio - que apenas algo que aponta, leva ao conhecimento, como as

    nuvens que indicam chuva, etc.

    SMBOLO E SINAL

    Sinal tudo o que nos aponta outra coisa com a qual tem relao natural ouconvencional.

    Ora, se o smbolo est em lugar de..., o smbolo um sinal.

    Podemos, por ora, dizer que sinal o gnero, e smbolo a espcie. Deste modo se

    todo smbolo sinal, nem todo sinal smbolo.

    O sinal pode ser apenas convencional, arbitrrio. O smbolo, no. Este deve repetir,

    analgicamente, algo do simbolizado. Portanto, o smbolo um sinal com a repetio de

    alguma nota do simbolizado.

    Como a analogia pode ser de atribuio intrnseca ou de atribuio extrnseca, temos,no segundo caso, a metfora, e, no primeiro, o smbolo.

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    O sinal o meio pelo qual algo representa ou aponta outro diferente dele. Da decorre

    que o sinal sempre distinto de a coisa significada, e que depende daquela que passa a ser

    principal.

    O sinal natural, quando representa algo naturalmente; ou arbitrrio, quando

    institudo pelo arbtrio humano. O gemido, por ex., sinal natural da dor; o ramo de videira porta da taberna, que indica que ai se vende vinho, arbitrrio.

    Os escolsticos, ao estudar o sinal natural, classificam-no como imagem quando

    representa a razo de convenincia ou de similitude, ou ento no uma imagem, quando no

    caso inverso.

    O sinal, que imagem, dividido em sinal instrumental, que aquele que, por prvia

    notcia de si mesmo, representa outro que ele, e o sinal formal (conceito) aquele que, sem

    prvia notcia de si mesmo, representa outro que ele.

    Assim a esttua a imagem, que sinal instrumental. O sinal, que no imagem, ou

    sinal natural, ou arbitrrio. Assim o gemido sinal instrumental natural da dor; a fumaa

    sinal instrumental natural do fogo; e o ramo de vinha, apenso porta da taverna, sinal

    instrumental arbitrrio.

    Entre o sinal e o assinalado pode no haver participao de uma perfeio. Mas entre

    smbolo e simbolizado essa participao imprescindvel, pois a participao que d a

    diferena especifica do smbolo, que pertence ao gnero sinal. o que estudaremos no corpo

    desta obra.

    Sobre o smbolo pode estabelecer-se uma srie de caractersticas, que passaremos a

    analisar e justificar. Vamos sintetiz-las.

    a) Polissignificabilidade - A polissignificabilidade dos smbolos consiste na sua aptido a

    se referirem a mais de um simbolizado. Um smbolo pode ser deste ou daquele re

    ferido. A cruz, por ex., smbolo das quatro estaes do ano, dos quatro pontos cardiais,

    das quatro idades do homem, tambm do homem, de Cristo, da morte, etc. Vemos vrios

    simbolizados significados por um mesmo smbolo.

    Por sua vez, o simbolizado revela, quanto ao smbolo

    b) polissimbolizabilidade - Um simbolizado pode ser referido por vrios smbolos.

    A solido, como simbolizado, pode ser significada por um rochedo isolado em alto mar, um

    pequeno barco na imensidade de um lago, uma guia no topo de uma montanha, uma rvorenuma plancie vazia.

    Apresenta ainda o smbolo

    e) gradatividade - O smbolo tem uma escalaridade de significabilidade a um

    simbolizado, pois ele pode ser melhor smbolo deste simbolizado do que daquele;

    d) fusionabilidade - capacidade do smbolo fundir-se com o simbolizado ante a

    apreciao simblica, como sucede freqentemente na parte exotrica das religies, em que

    os smbolos terminam por ser os prprios simbolizados;

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    e) singularidade - caracterstica rara de alguns smbolos que conseguem alcanar uma

    significabilidade nica, de um nico simbolizado, como o Ser Supremo, como smbolo de Deus.

    Nestes casos d-se at fusionabilidade;

    f) substituibilidade - os smbolos que se referem tambm a um mesmo simbolizado,

    entre muitos outros diversos a que se podem referir, permitem a sua mtua substituio;

    g) universalidade - todas as coisas so smbolos da ordem a que pertecem. Todos os fatos so

    smbolos do conceito, que um esquema abstrato. Dessa forma o smbolo universal.

    J os sinais matemticos ou logsticos so apenas sinais que se referem tambm a esquemas

    abstratos, aos quais se referem.

    Pode-se afirmar que os esquemas abstratos tm sua existencialidade indireta nos

    smbolos. Os sinais matemticos, os conceitos, atualizam-se nos fatos correspondentes. No

    se conclua, ante tais afirmativas, que o smbolo, por isso, tenha maior valor que o simbolizado

    quanto existencialidade, pois oportunamente limitaremos seu alcance. O smbolo no esgota

    a existencialidade do simbolizado. Apenas se refere a ele.

    No caso do conceito, a existencialidade deste em outro, em ns. O esquema

    abstrato, que o conceito, apenas uma captao do esquema concreto da coisa, no que ela

    tem de comum com outras. Negar a autonomia existencial do conceito no ainda negar a

    existencialidade do esquema concreto do fato, do qual ele apenas um esquema de esquema,

    um esquema abstrato.

    O no ter compreendido bem claramente este ponto que levou muitos filsofos a

    situaes insustentveis na filosofia.h) Funo simblica - preciso distinguir claramente a funo simblica do smbolo, da

    funo meramente signalativa do sinal. Esta apenas indicativa, esta aponta. O smbolo tem

    uma funo analgica, explicadora portanto.

    O smbolo oferece uma via explicativa, como ainda veremos.

    O smbolo assim dual. Nele h:

    1) uma analogia de atribuio intrnseca, que revela, afinal, um ponto de identificao

    com o simbolizado e

    2) uma parte ficcional quanto ao simbolizado.

    Passemos agora parte analtica do estudo do smbolo. (NA: Em nossos trabalhos

    de temtica e de problemtica, teremos oportunidade de nos referir tese de Ockam, que

    considera os conceitos como smbolos, e no como simbolizados. Sem discutir ainda as

    razes de Ockam, queremos, por ora, chamar a ateno que o conceito, como simbolizado,

    o quanto ao homem (na ordem gnoseolgica portanto) e no quanto ordem ntica e a

    ontolgica dos seres pois, neste caso, as coisas, como esquemas concretos, so smbolo dos

    esquemas como modos quo, como essncia, como fator de universidade, que correspondem

    s formas ou idias exemplares da ordem teolgica, como veremos nas obras de Teologia e de

    Problemtica.

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    TEMA II

    ARTIGO 1 - A GNESE DO SMBOLO

    Aproveitando o esquema biolgico da adaptao, que to bem corresponde s

    nossas concepes dos fatores da cultura, que implicam a presena dos fatores emergentes

    (intrnsecos), que so os bionmicos e os psicolgicos, e dos fatores predisponentes

    (extrnsecos), que so os ecolgicos e os histrico-sociais, podemos compreender facilmente a

    gnese do smbolo.

    A criana, que sempre uma grande lio para ns, mostra-nos no desenrolar de

    sua formao, o histrico da antropognese, como vemos na Noologia Geral e apesar das

    opinies contrrias, revela-nos ainda a formao do smbolo, atravs da criao complexa do

    ludus simblico.

    Na fase da predominncia do sensrio-motriz, que a primeira do desenvolvimento

    da inteligncia, vemos surgirem os "esquemas simblicos" que so esquemas de ao, sados

    do seu contexto, e que evocam situaes ausentes, como, por exemplo, "fazer de conta" que

    dorme.

    Mas o smbolo surge realmente, enquanto tal, quando a representao destacada

    da ao prpria : como, por exemplo, fazer dormir um ursinho, isto , um objeto que

    um ursinho. O esquema biolgico da adaptao, aplicado - psicologia, como j tivemos

    ocasio de analisar em nossos trabalhos anteriores, oferece-nos possibilidades de melhor

    compreenso da gnese do smbolo, o que de mxima importncia para a compreenso de

    toda a atividade pensamental do homem.

    Partindo dos fatores emergentes, o ser humano corpo e alma. Como corpo, temos

    os fatores bionmicos, com um papel fundamental na vida humana e, como alma, os fatores

    psicolgicos.

    Os fatores bionmicos, emergentemente se fundam no que a biologia chama de

    Organizao - a parte somtica, constituda dos esquemas hereditrios, genricamente

    biolgicos, incluindo ainda, como se inclui no pensamento atual, todo o conjunto dasconstelaes esquemticas do psquico e do neuro-somtico.

    o soma e o sema como complexo corpo e alma, reunindo, assim, os fatores

    emergentes tomadas propriamente em sua emergncia.

    Mas o ser humano, como todo ser vivo, surge, perdura e depende de um meio

    ambiente, que lhe favorvel sob certos aspectos e tambm suficientemente hostil para, por

    condicionamentos, ativ-lo a aes e modificaes que o tornam apto a sobreviver nele, como

    nos mostra o mundo biolgico em geral. E essa atividade toma o nome genrico de Adaptao

    - a qual pode ser, no s biolgica, como psicolgica e at social. No caso que ora estudamos,

    que o da simblica, interessa-nos por ora a adaptao em sentido psicolgico e social, pois osmbolo realiza uma operao didica, tanto individual como social.

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    A adaptao processa-se pela acomodao, isto , pela disposio dos esquemas

    circunstncia ambiental, e por uma assimilao (assemelhao), em que captado do

    ambiente o que assimilvel aos... e pelos esquemas.

    Desta forma, temos a adaptao por:

    Acomodao ao centrfuga dos esquemas, dirigidos ad ...

    Assimilao ao centrpeta dos esquemas dirigidos in ...

    Biolgicamente, o ser vivo dispe de esquemas, e em funo deles que realiza uma

    ao de acomodao ao meio ambiente (psiclogicamente seria ao mundo do objeto), e capta;

    do objeto, as formas que se assemelham s constitutivas dos esquemas (intentionaliter).

    Para o idealismo absoluto, o conhecimento do homem est totalmente condicionado

    aos esquemas, pois aquele no poderia assimilar seno na proporo dos esquemas que j

    tm.

    Mas esquece o idealismo absoluto de considerar o papel histrico do esquema.O esquema no algo esttico, como pensam os idealistas. O esquema histrico, e como tal

    infludo pelos fatos do mundo exterior.

    O nosso esprito caracteriza-se sobretudo pela sua imensa capacidade de criar

    esquemas. E os "elementos" componentes de um conjunto esquemtico podem servir

    de "elementos" para estruturarem uma nova ordem, num novo esquema.

    Desta maneira, o mundo exterior tem um papel de facilitados, isto , de predisponente

    na formao esquemtica, alm de dar historicidade maior aos esquemas anteriores que,

    pela sua repetio, tendem a generalizar-se, como vemos na Noologia Geral, j referida,

    e a gestar, conseqentemente, a marcha do ante-conceito ao conceito, at formao dos

    esquemas abstratos noticos de segundo e terceiro graus, realizados pela razo.

    V-se assim que na sua adaptao psicolgica, o ser humano penetra com o seu soma, que a

    organizao - conjunto dos esquemas do sensrio-motriz, enriquecidos pelos novos esquemas,

    cuja gestao a experincia predispe - a qual atua com anterioridade cronolgica (tese dos

    idealistas) apenas sob este ngulo, mas que sofre a influncia objetiva, que auxilia a modelar

    novos esquemas por ao do esprito estimulado, e a fortalecer anteriores (ao modeladora

    predisponente do objeto, tese dos realistas).

    Nessa atividade adaptadora, o equilbrio do funcionamento dos esquemas com o fato,

    e a assimilao do mesmo permitem uma inteligncia, por sua vez, tambm equilibrada.

    A adaptao pode ser apreciada como:

    a) estado - como a concebem estticamente certas doutrinas;

    b) processo - sentido dialtico, que revela as transformaes do organismo em funo

    do meio, provocando aumento de trocas entre o meio e o organismo, no intuito de favorecer a

    conservao deste.

    Como processo, temos:

    a) acomodao de esquemas: o organismo pe seus esquemas dirigidos ao meio

    exterior, acomoda-se a ele;

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    b) assimilao : incorpora o que lhe afim e o de que necessita para a sua economia, o

    semelhante, o que pode e convm assemelhar.

    Dessa ao mltipla, surge a atividade dos esquemas que, por sua vez, ante os

    diferentes, assimila-os em esquemas diferentes ou constri, com esses, novos esquemas, para

    outras acomodaes e assimilaes.Psicologicamente, pela assimilao, so incorporados em formas de esquemas fctico-

    noticos, por abstrao dos dados da experincia. No h incorporao real-fctica, mas

    apenas esquemtico-abstrata (intentionaliter), sempre proporcional ao cognoscente, na

    relao entre este e o objeto. O cognoscente conhece o que congnoscvel pelo cognoscente

    (modalidade do adgio escolstico de que "a ao segue-se ao agente", que um postulado

    indiscutvel).

    A assimilao realiza uma incorporao segundo os esquemas, portanto nunca pura.

    nem total, mas apenas esquemtica. Conseqentemente, no h um conhecimento totaliter,

    mas do totum da coisa, uma estrutura notica que se refere coisa como um todo, mas comoela em si, tomada totalmente, no assimilada. Eis a razo por que o conhecimento no

    pode dar a captao da coisa exaustivamente (exhaustive), por mais que nos acomodemos a

    ela.

    Aumentamos o conhecimento pela acomodao de esquemas tcnicos que nos

    traduzem suas captaes em esquemas assimilveis a ns. (exemplos dos aparelhos de rdio

    que captam vibraes eletromagnticas e ns traduzem em vibraes moleculares, para

    as quais temos esquemas somticos. No conhecemos diretamente, em si, as vibraes

    eletromagnticas, mas seus smbolos).

    A adaptao exige assim um equilbrio (dinmico, dialtico) e estvel entreacomodao e assimilao.

    A adaptao implica a organizao, pois o funcionamento exteriorizado da

    organizao, tanto no plano biolgico como no psquico. Mas, neste, a adaptao termina por

    formar uma estrutura, interdependente da organizao biolgica.

    Esse desdobramento resultante do funcionamento da adaptao gerou a interiorizao

    do homem, e a emergncia do esprito que constitui uma nova ordem (relao entre o todo

    e as suas partes, e dessas entre si).

    Essa ordem criada pelas implicaes entre esquemas, implicaes mtuas e designificaes solidrias, pois os elementos esquemticos podem pertencer a vrias tenses,

    quer sejam eles fctico-noticos, quer eidtico-noticos.

    Resulta da uma coordenao dos esquemas entre si, e entre esses e as coisas,

    funcionamento duplo, que gera:

    a) o funcionamento do pensar pela adaptao dos esquemas s coisas;

    b) estruturao das coisas pelo organizar-se do pensar, dos esquemas generalizados.

    Dos fatos, capta a nossa organizao psquica um esquema fctico da haecceitas,

    da eceidade do objeto: O esquema fctico deste objeto, aqui e agora, condicionado pelos

    esquemas acomodados. " um livro vermelho, que est sobre a mesa". O que a intuio

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    sensvel capta um esquema fctico do livro, que est aqui e agora, mas este esquema est

    condicionado pelos esquemas acomodados da organizao psquica. A imagem, que temos

    dele, , assim, o produto de uma emergncia da organizao psquica e da predisponncia

    do objeto, das suas notas, que foram por aquela assimilados, mas intencionalmente

    (intentionaliter).

    A comparao, que dele fazemos com os esquemas generalizados, que so os notico-

    eidticos, permite saber, atravs da sua acomodao e da assimilao, que dele um livro,

    que vermelho, etc.

    Mas esse esquema fctico, que imagem, estruturado numa ordem intuitiva, para a

    qual j h a cooperao dos esquemas generalizados, isto , dos abstratos notico-eidticos,

    que permitem orden-lo no pensamento.

    E como toda essa atividade contempornea na nossa intuio, no estado em que nos

    encontramos, neste lano do caminho, no h uma intuio pura do fato, pois o decoramos,

    realizamos decoraes, dando-lhe nexos, formando-o dentro de uma estrutura esquemtica,como j o havia exposto Kant, quando se referia s formas puras (a priori), que actuam na

    estruturao da nossa experincia.

    Portanto, a nossa experincia est condicionada esquemtica que possuamos. A

    experincia infantil diferente de a de um homem adulto, todos o sabem. Neste caso, torna-

    se fcil compreender o papel da "cosmoviso" na experincia, porque, segundo a esquemtica

    de um indivduo, e aquela que tem em comum com um grupo social, ou um perodo histrico,

    ou todo um ciclo cultural, permitir que a estruturao, formal portanto, da experincia,

    seja diferente, heterognea de a de outros seres. Encontramos, assim, nessa explanao,

    as positividades afirmadas pelos idealistas, na aceitao das ideologias e das cosmovises,sem que tais positividades excluam outras, que com aquelas cooperam na estruturao do

    conhecimento, como as propostas pelos realistas, pelos empiristas, pelos pragmatistas, etc.

    Mas podem dar-se duas variantes importantes:

    1) a acomodao, por mais excessiva que fr, no ofrece uma assimilao

    correspondente, pois- o fato no fcilmente captvel, por no poderem os esquemas realizar

    a ao de ad como, isto , acomodarem-se, serem como o objeto, por mais que o procurem,

    no permitindo boa assimilao correspondente.

    Neste caso, os esquemas, de qualquer espcie que forem, tendem a ser como (funo

    ficcional, funo do como si, isto , os esquemas procuram actuar como se fossem o objecto),

    realizam uma mimesis, (psico-somtica ou apenas eidtica), uma cpia, e temos a imitao.

    Na imitao, os esquemas procuram ser como se fssem o objeto ao qual buscam adaptar-

    se. , uma bola, e fazemos o gesto que corresponde sua figura estereomtrica. algum que

    sofre, e fazemos os gestos de sofrimento, realizamos uma acomodao dos esquemas como se

    fssem daquela dor.

    Deste modo, quando a ,acomodao supera demasiadamente a assimilao, estamos

    em face da imitao.

    V-se, assim, que h certa positividade no pensamento ficcionalista, porque, de certo

    modo, o que conhecemos das coisas o correspondente psquico s mudanas de potencial

    12

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    dos nossos esquemas, que constituem seus arithmoi, seus nmeros, e nos do esquemas

    noticos dos fatos.

    Quando Kant negava a possibilidade de um conhecimento do noumeno, restringindo-o

    apenas ao fenmeno, ao que aparece, a sua afirmativa era positiva, pois para conhecer

    mos as coisas, no que elas so, teramos de nos fundir com elas.Mas tais doutrinas no esgotam, porm, todas as possibilidades de um estudo

    mais vasto do nosso conhecimento. E fcil ver a razo. Se o nosso conhecimento se processa

    por esquemas intencionais (noticos), e esses so intencionalmente cpias das quididades que

    esto nas coisas, no podemos esquecer que, em toda cpia, mimesis, imitao, h a presena

    de uma analogia. E esta implica uma sntese da semelhana e do diferente, o que nos leva,

    fatalmente, a saber que h um ponto de identificao, de univocidade, como tivemos

    oportunidade de mostrar na "Ontologia", ao estudarmos o tema da analogia. E essa

    univocidade est, ontologicamente falando, no ser, que sustentculo de tudo, pelo qual nos

    univocamos, todos os seres, inclusive Deus (Importante a polmica entre os defensores da

    univocidade e os da analogia. Os fundamentos e razes de cada posio estudamos

    na "Ontologia". Convm, contudo, dizer que, em Filosofia Concreta voltaremos a este tema,

    que de primacial importncia na filosofia, porque do seu esclarecimento obtemos uma

    posio segura para compreender as diversas formas de monismo e as doutrinas criacionistas.).

    Eis por que assistia razo a Goethe quando dizia que se somos capazes de ver

    aquela estrla distante, porque entre ela e ns deve haver um ponto de identificao. O

    conhecimento est a afirmar esse ponto, pois, do contrrio, ele seria impossvel.

    Em todo o conhecimento h uma assimiaatio, e como pode dar-se o simul ou o similis,

    sem o simultneo e o semelhante. E se h algo semelhante, h, por distante que seja, umponto de identificao no Ser. Ns somos, estamos no Ser, e somos do Ser, e como seres

    temos o ser em ns.

    E o Ser o noumeno, que nos surge em toda a equivocidade e as analogias do existir.

    Se dele no temos um conhecimento imediato, por meio de esquemas, h um conhecer

    confuso, porque somos quando conhecemos e o conhecimento ser.

    Razo tinha, portanto, Duns Scot quando afirmava que o primeiro objeto, com

    anterioridade ntica, ontolgica e at gnoseolgica, o ser, porque para conhecer mister

    antes ser. H assim uma fuso do ser com o ser, no conhecimento, e h tal fuso porque dele

    nunca samos, nem o sai o que em ns.

    Essa fuso antecede ao tempo e s circunstncias. E se no captamos o noumeno por

    intuio intelectual, captamo-lo afectivamente, e o somos existencialmente.

    ste ponto de magna importncia, na Noologia dar ainda seus frutos, e, na Simblica,

    auxilia-nos a compreender. melhor o itinerarium mysticum que nos oferece o smbolo, pois a

    mstica uma esttica, um sentir afectivo do simbolizado, como a esttica uma mstica do

    smbolo, como o temos mostrado e que, com o tempo, se tornar ainda mais claro.

    2) Examinamos, agora, quando a acomodao pequena. Neste caso, h pouca

    possibilidade de tornar-se como se fsse o objeto, e, no entanto, a assimilao maior. H

    no objeto esta ou aquela forma, este ou aquele aspecto, que se incluem nos esquemas, tais

    13

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    e tais. Embora no se adeqem, prpria e totalmente, a este ou quele esquema, tem o fato

    notas, que se adegam a outros esquemas. Como a acomodao no foi suficiente, e no

    se captaram suficientes notas para estruturar noticamente o objeto, mas apenas uma ou

    algumas, essa nota ou notas so assimiladas a um ou a vrios esquemas, o que revela um

    excesso de assimilao sobre a acomodao, e novo rompimento do equilbrio. Estamos em

    face do smbolo.

    Assim, quando a assimilao muito inferior acomodao, temos a imitao; quando

    a assimilao supera em muito a acomodao, temos o smbolo.

    E nos casos de equilbrio dinmico, temos a inteligncia maior ou menor do fato.

    Um exemplo do segundo caso logo nos clarear o funcionamento da simbolizao. Estamos

    numa praia. Olhamos o mar, e vemos uma mancha branca no horizonte. "Um barco", diz

    um. "No, responde outro, uma nuvem". "Qual, afirma um terceiro, deve ser a fumaa de um

    nvio". " uma onda muito alta", prope um quarto. Em tal caso d-se uma fraca acomodao

    devido distncia e dificuldade dos esquemas se acomodarem ao fato. Conseqentemente

    mxima a assimilao. H apenas uma nota que pode ser de barco, de vela, de onda, de

    fumaa, de nuvem, mas que por si s no suficiente para dar uma certeza, uma inteligncia

    do fato. Os quatro assimilaram mais do que acomodaram, pois assimilaram a esquemas vrios.

    Portanto, os quatro realizaram uma ao simblica.

    No h separao entre a acomodao e a assimilao. No h uma acomodao pura,

    nem uma assimilao pura.

    A atividade adaptativa do nosso esprito funciona dialcticamente por dois vectores

    inversos, o de exteriorizao dos esquemas, e o de interiorizao nos mesmos pelas aes deacomodao e de assimilao.

    No sonho, por exemplo, nossos sentidos esto adormecidos, e fraca a atividade de

    acomodao, por conseguinte a assimilao mxima, razo por que os sonhos tomam a

    forma simblica, segundo os esquemas que constituem o psiquismo, na sua ao de captar

    objetivamente o prprio funcionamento, e tambm o do nosso corpo.

    Em concluso: h smbolo quando h a assimilao fictcia de um objeto qualquer ao

    esquema, sem a necessria acomodao atual do mesmo.

    As coisas fazem de conta que so outras. O "faz de conta" infantil mostra-nos bem

    a gnese do smbolo. O smbolo repousa sobre uma simples semelhana entre o objeto

    presente (na realidade ou no espirito), que faz o papel de significante, e o objeto ausente, o de

    significado, que por aquele simblicamente referido.

    Mas o smbolo precisa ter uma analogia de atribuio intrnseca com o simbolizado, do

    contrrio metfora e no smbolo.

    E no pode ser convencional ou arbitrrio, pois do contrrio apenas sinal, e no tem

    a caracterstica especfica e diferencial de smbolo.

    Por isso, smbolo distingue-se do sinal. O sinal um significante que pode ser arbitrrio

    ou convencional, ou indicante por correlao, enquanto o smbolo apenas um significantemotivado, representando uma semelhana intrnseca com o significado.

    14

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    Podemos enunciar, como sntese do que at agora, expusemos, que smbolo tudo quanto

    est em lugar de outro, sem acomodao atual presena desse outro, com o qual tem, ou

    julgamos ter, qualquer semelhana (intrnseca por analogia), e, por meio do qual, queremos

    transmitir ou expressar essa presena no atual.

    H necessidade de alguns comentrios esclarecedores. Dizemos julgamos ter, pois emmuitos smbolos h a afirmao de uma semelhana analgica com o simbolizado. Mas, como

    nem sempre temos acomodao suficiente com o simbolizado, na maior parte das vezes por

    ns incaptvel, a ele atribumos este ou aquele predicado, podendo construir um smbolo que

    reproduza tal predicado do simbolizado.

    Assim, atravs de especulaes filosficas, conclumos que o ser imutvel como

    forma. Mas, ao mesmo tempo, operatio (operao). Neste caso, temos de atribuir-lhe

    uma atividade, a par de uma imutabilidade. Como compreender to aparente contradio?

    Vejamos a esfera. a nica figura geomtrica que num movimento de rotao em si mesma

    ocupa sempre o mesmo espao, isto , pode volver em si mesma, sem nunca abandonar

    o mesmo espao. Outras figuras geomtricas ocupam espaos sempre diferentes, pois um

    tringulo, volvendo em si mesmo, abrange espaos diferentes em cada instante. Mas a esfera

    no. Simbolizar-se o ser pela esfera, como o fazem muitas concepes filosficas e religiosas

    pretender mostrar que a atividade do ser pode dar-se a par da imutabilidade, pois a esfera,

    que muda constantemente de lugar, nunca sairia do seu espao, e sempre o ocuparia com

    plenitude.

    A especulao filosfica ir justificar as notas que o smbolo reproduz. Mas h

    muitos casos em que os smbolos apenas reproduzem notas que julgamos t-las o simbolizado,

    que nem sempre passvel de prova segura. (NA: A imutabilidade do ser refere-se, como se v

    na "Ontologia", sua essncia e existncia, que, nele, se identificam ( forma). O Ser Supremo

    no mais nem menos, no conhece aumentos nem diminuies, o mximo e o mnimo de

    ser, porque menos que ser nada. Os seres que so do Ser, mesmo quando devm, quando

    conhecem mutaes, estas so ser, porque quando um ser deixa de ser o que , h o

    surgimento de um ser outro, e no uma queda num nada absoluto. H, portanto, sempre a

    presena no Ser do que devm, porque o devir o devir no Ser. Na "Ontologia", este tema foi

    devidamente examinado. Nossas referncias ao Ser em sua plenitude so sempre simblicas,

    at quando racionalmente construdas, porque captamos o ser analogicamente, no sentido

    que consideramos a analogia, o que evita, como vimos naquela obra, a crise que se quer

    instalar entre posies como a de Toms de Aquirib e a de Duns Scot, que so dialticamenteconciliveis, um ao afirmar a analogia e o outro ao afirmar a univocidade.)

    No restante do enunciado permanece claro que o smbolo tem uma presena atual para quem

    o seu autor, o que no a tem, de imediato, o simbolizado. O smbolo refere-se ao

    simbolizado, e est em lugar dele. D uma viso do simbolizado e torna-o presente por outro.

    H exemplos de fusionabilidade do smbolo e do simbolizado, como se ve na parte exotrica

    das religies.

    Lembremo-nos da cruz de So Paulo, que era apresentada como smbolo vivo

    da presena real e atual, portanto, de Cristo, ou o smbolo da comunho, em que h a

    consubstanciao do smbolo e do simbolizado na hstia. So exemplos de fusionabilidade

    muito comuns nas crenas religiosas. (NA: Quando estudamos a teoria das modais,

    15

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    na "Ontologia", apontamos para o fato de que se aceitarmos a posio de Suarei, a idia da

    consubstanciao encontra, na teoria modalista, um fundamento para o dogma da Igreja. Se

    fr bem compreendida a desproporcionalidade que h entre o acidente e a substncia, pois o

    que acontece com a substncia (o acidente), no tudo quanto lhe pode acontecer, a

    distino que se pode fazer entre um e outro uma distino real (para ns real-real), pois

    tem o acidente, como a substncia, uma assentia prpria. E embora no sejam eles, aqui e

    agora, separveis, podiam-no ser desde que se admita um Deus onipotente, no sentido que d

    onipotncia a teologia catlica. Neste caso, a consubstanciao ou a substncia com

    acidentes desproporcionados, como o caso da hstia, que seria o corpo de Cristo, com os

    acidentes do po, no um absurdo filosfico. E embora se possa discordar de certas

    afirmaes teolgicas, da dignidade do filsofo examin-las, e no rejeit-las in limine, sem

    um exame mais detido.)

    ARTIGO 2 - COMENTRIOS PSICOLGICOS SIMBOLOGENTICA

    Depois do estudo que fizemos sobre a Simbologentica, podemos estabelecer algunscomentrios psicolgicos esclarecedores de tema de tal relevncia para a filosofia.

    1 - A acomodao dos esquemas inclue na sua atividade complexa uma imitao

    dirigida para o objeto, a qual se prolonga atravs de esboos imitativos. Essas mudanas de

    potencial dos esquemas, que se atualizam nessa atividade, fornecem significantes que vo

    servir, depois, para o ludus infantil, ou para a inteligncia aplicar aos significados diversos que

    surgem, segundo os vrios modos de assimilao, quer expontnea, quer por adaptao. No

    ludus simblico da criana encontra-se sempre um elemento de imitao. Nem podia deixar

    de ser, pois o smbolo implica sempre o semelhante, e este, por sua vez, repete algo de outros.

    fase produto da imitao funciona como significaste. Nas fases primrias da inteligncia, aimagem utilizada como smbolo ou significaste, e refere-se aos esquemas.

    2 - A acquisio da linguagem, na criana (sistema de sinais colectivos), coincide com

    a formao do smbolo, isto , sistema de significantes individuais. ( o que muito bem observa

    Piaget em seus livros, cujas contribuies so por ns compendiadas, ao lado das de outros,

    neste artigo.)

    Gross considera-a anterior, chegando a encontrar smbolos at nos animais, e d-lhes,

    ainda, a conscincia da fico.

    Ora, o ludus primitivo de simples exerccio na primeira fase infantil, mas o verdadeiro

    smbolo s surge quando um gesto ou um objeto representam para o sujeito outra coisa que

    os dados perceptivos.

    3 - Do momento que a criana age verdadeiramente sobre o mundo exterior, revela-

    nos Piaget, cada uma de suas conquistas d lugar, no smente a uma repetio imediata, mas

    a uma generalizao bem visvel.

    A criana busca os mesmos meios para fazer durar os espetculos interessantes,

    e nisso est a prova do poder generalizador dos esquemas. Nas explicaes pelo novo,

    h acomodao dos esquemas j adquiridos, a fim de "compreender" os objetos. uma

    generalizao activa em busca de novas atualizaes.

    16

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    As generalizaes so indispensveis s combinaes mentais superiores. A elaborao

    de novos esquemas se d na ocasio dessas generalizaes. No nos aparecem os esquemas

    como entidades autnomas, mas como produtos de uma atividade contnua que lhes

    inerente, como bem o demonstra Piaget.

    4 - Psicolgicamente, a atividade assimiladora, que se prolonga imediatamente, sobforma de assimilao reproductora, pois o fato primrio.

    Essa atividade, na medida em que tende para a repetio, engendra um esquema

    elementar - o esquema se constitui pela reproduo activa -, pois graas a essa organizao

    nascente, torna-se capaz de assimilao generalizadora e recognitiva.

    Por outro lado, os esquemas, assim constitudos, acomodam-se realidade exterior,

    na medida em que buscam assimilar, e se diferenciam, pois, progressivamente.

    assim que no plano psicolgico, como no biolgico, a esquemtica da organizao

    inseparvel de uma atividade assimiladora e acomodadora, cujo nico funcionamento, e s

    ele, explica o desenvolvimento das estruturas sucessivas.

    5 - "Quanto mais primitivas so as formas, mais prximas se acham aos sentimentos,

    Volkelt diz que a alma, nos graus mais primitivos do desenvolvimento, dispe de.

    foras formadoras de conjuntos que exercem sua ao, e formam uma totalidade em planos

    diferentes no esprito pensante substantivo e ordenados do homem adulto culto. E isso

    vlido tanto para a criana como para o homem primitivo" (Katz op. cit. 14)

    E mais adiante acrescenta: "Dois fenmenos estranhos, que casualmente coincidem

    no tempo, a conscincia infantil os reune numa forma nica. O adulto compreende que os dois

    processos nada tm que ver entre si, que, na realidade, no formam uma unio; no assim,

    porm, compreende a criana. O intelectual sensvel e o volitivo emotivo no se diferenciaram

    ainda, na conscincia da criana, das totalidades primitivas (Volkelt). O desenvolvimento vai

    desde o totalista qualitativo ao agregativo somativo. Esta caracterizao da vida primitiva

    vlida tambm para o homem primitivo (Katz).

    Assim se compreende como os gestaltistas esclarecem o tema to complexo

    do pensamento primitivo chamado de pre-lgico, e permite aplicar novos elementos

    compreenso do pensamento mgico, em termos dialticos, isto , sem a unilateralidade

    daqueles que o querem encontrar em nossos primitivos actuais, o que ser tema

    da "Noologia."

    6 - Os fatos singulares, captados singularmente pela criana, atravs dos

    esquemas do sensrio-motriz, vo constituir esquemas fcticos singulares, que conservam a

    individualidade dos elementos, pois se referem a uma singularidade.

    Quando a criana os acomoda para assimilar um fato novo, ela o reduz aos esquemas

    anteriores, dando-lhe a mesma singularidade. Estamos no ante-conceito, pois h acomodao

    de um esquema fctico, por conseguinte, singular, a um outro. No h prpriamente na

    criana distino nessa fase entre o um e alguns, e muito menos entre alguns e todos.

    O contedo intencional, que se referia a um fato singular, dado agora a outro fato

    semelhante. A criana tende a denominar, quando j usa a palavra, com o mesmo termo, quese refere a uma individualidade, outros fatos.

    17

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    Pode-se exemplificar com a sombra de uma determinada rvore, intuitivamente

    captada pela criana. Quando escurece em casa, pode ela considerar aquela sombra como

    tendo penetrado no local.

    Demonstra assim que ela no distingue a sombra que se apresenta no quarto da

    sombra da rvore, por lhe faltar o esquema eidtico-notico de sombra, ainda no formado.Ela usa, assim, o ante-conceito (neste caso, a "sombra desta rvore") para apontar a nova

    sombra que surge, qual ela aplica o mesmo contedo.

    Este ante-conceito permanece a meio caminho entre a generalidade do conceito e

    a individualidade dos elementos aos quais ela se refere. A generalizao do ante-conceito,

    isto , a sua aplicao a alguns, e posteriormente a todos, o que o estrutura como conceito

    prpriamente dito. Essas transduces se processam fundadas nas analogias imediatas. Temos

    a, patente, o carcter simblico dessas transduces, o que se d por falta da generalidade.

    Posteriormente um conceito, que era nico, como esquema fctico notico, tornar-se- o

    referido pelos fatos que apresentam notas semelhantes s que compem o conceito.

    A j se realiza uma operao, que implica o juizo, pelo discurso, pois h transduco

    da imagem para o conceito, com o qual comparada, e se houver assimilao, o fato passa a

    ser classificado no conceito.

    o processo da abstrao, realizada pelo intellectus agens, estudado formalmente por

    Aristteles e os escolsticos, e que a psicologia moderna explica analiticamente, com maior

    abundncia de pormenores.

    7 - Mostra-nos muito bem Piaget que, para a Gestalttheorie, o ideal explicar a

    inteligncia pela percepo, enquanto a prpria percepo deve interpretar-se em trmos de

    inteligncia.

    Tda percepo uma acomodao (com ou sem reagrupamento) de esquemas que

    exigiriam, por sua constituio, um trabalho sistemtico de assimilao e de organizao; e

    a inteligncia no mais do que uma complicao progressiva desse mesmo trabalho, desde

    que a percepo imediata da soluo no possvel.

    8 - A possibilidade no nos dada por estmulos exteriores, mas nos revelada pela

    intuio dirigida para algo ou pela reflexo em algo.

    ao homem que cabe esse processo : intuio para, e intuio pelo. Intuio no

    estimulada, que parte do sujeito para o objeto, e intuio que provocada pelo estmuloexterior.

    Pode estabelecer-se uma distino entre intuio autnoma e heternoma?

    Sem cairmos no abstractismo, poderamos atualizar o autnomo ou o heternomo,

    desde que consideremos o ponto original de partida da intuio.

    No podemos deixar, no entanto, em face do que j sabemos sobre os esquemas,

    de reconhecer que no nos despertaria a menor intuio um fato exterior para o qual no

    tenhamos, mesmo incipientemente, esquemas para assimil-lo (o que uma positividade do

    idealismo).

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    A sensao j implica certos esquemas simples; a percepo implica a presena

    de uma complexidade maior de esquemas; a ateno, exige que se ponha em movimento

    verdadeiras constelaes de esquemas. V-se, assim, que se poderia explicar as chamadas

    faculdades do nosso esprito, dentro de uma concepo funcional, sem a necessidade de

    prosseguirmos dentro do campo estreito e aportico das concepes substancialistas, quando

    tomadas abstratamente.

    9 - Nossa primeira providncia ao descobrirmos algo novo, ao construirmos um

    esquema objectivo, isto , de objetivao do mundo exterior, darmos-lhe um nome, que

    o aponte, que o assinale. Realizamos, assim, a exigncia de completao de um esquema

    eidtico, o qual consiste no seguinte:

    Ao que distinguimos e esquematizamos, precisamos nomear, porque nomeamos

    sempre o que esquematizamos. Novos esquemas exigem novos nomes. Por isso sentimo-

    nos aflitos quapdo no encontramos em nossos esquemas verbais aqueles que melhor

    correspondam, por analogia que seja, ao fato novo. E quando no os temos, precisamos cri-

    los.

    Tal fato uma revelao importante em favor de certas teses idealistas, sem que isso

    signifique uma aceitao total dessa posio, nem exclua outras positividades colocadas por

    concepes contrrias a essa.

    10 - Um argumento para validar as teses idealistas, nesse sentido restricto que

    demos, consiste em podermos conher os objetos "an sich" e "fr sich" (como potncia e acto).

    A potncia revela-nos a finalidade, o que no uma mera imagem, mas algo mais do que

    o objeto meramente em acto. E tal captao depende de esquemas eidtico-noticos que

    permitem assimilaes que no se processam atravs de uma intuio sensvel, mas atravs deoutras assimilaes, com a presena de esquemas noticos conjugados.

    11 - Em abono das nossas opinies, vejamos esta passagem de Ruyer:

    "Os esquemas, que esto na base da criao das formas, valem ainda para as criaes de

    imagens. O funcionamento, quer dizer, o movimento segundo seus laos, mecanimos

    existentes, as interferncias desses mecanismos que criam formas novas, eis o que deve bastar

    para explicar todas as criaes humanas."

    Em suma, Ruyer, atravs das longas anlises oferecidas em seus livros, alcana a

    um ponto positivo, que est expresso em nossa concepo noolgica. A complicao dos

    esquemas, pela conjugao dos esquemas anteriores, que vo constituir novas estruturas, suficiente para explicar a grande complexidade esquemtica do ser humano, que

    potencialmente infinita, limitada apenas pelos limites naturais do tempo e da vida humana,

    como o veremos em nossas obras de Noologia.

    12 - No psicolgico, os esquemas so acomodados pela ao de um todo psquico

    coordenador.

    Os esquemas so formados segundo

    a) favoream o processo psquico;

    b) desfavoream-lhe o desenvolvimento.No h, portanto, esquemas indiferentes. A vida sempre interessada.

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    No homem, a direo se complexiona, segundo os graus de desenvolvimento do

    espirito e a construo de esquemas obedece tambm a coordenadas da vontade, de origem

    afectiva, cujo vector dado por esta ou pela intelectualidade.

    Por isso, pode o homem construir sistemas de esquemas, e orden-los sob uma

    ordem de coerncia que obedece a um nexo de idealidade, enquanto na natureza o nexo decausalidade.

    O homem deve ser compreendido, ento:

    a) como natureza - obedecendo ao nexo da causalidade;

    b) como cultura - obedecendo ao nexo da idealidade ou dos afectos.

    Convm esclarecer tambm o sentido de idealidade e de causalidade para melhor

    compreenso da atividade vectorialmente inversa do homem.

    a) Irreversvel - da facticidade;

    b) reversvel - do operatrio intelectual.

    Os fatos singulares so, como tais, irrepetveis, o que revelado pela sua historicidade.

    Mas as operaes do esprito so reversveis, pois podemos execut-las, partindo de

    antecedente para conseqente, como do inverso, o que revela outro carcter do esprito,

    embora se d no tempo, porque h sucesso. um carcter espacial do espirito, inseparvel

    do tempo, mas que o ultrapassa.

    13 - Os smbolos surgem:

    por deficincia (na criana, por exemplo);

    por suficincia (na Arte);

    por proficincia (a dos iluminados).

    J examinamos a formao dos smbolos infantis. Os dos artistas, por suficincia, e os

    dos iluminados, dos msticos religiosos, dos grandes beatificados, dos grandes constructores

    de religies, e dos filsofos superiores, surgem por proficincia, pois nesses h uma

    experincia mais profunda do simbolizado e uma especulao sobre os seus atributos.

    este aspeto que nos mostra a varincia que se observa nos smbolos das diversas

    religies, que embora apontem ao mesmo simbolizado, o ser supremo, a divindade, Deus,

    apresentam-se eles diferentemente, segundo o grau mais elevado ou menos elevado dessasexperincias e dessas especulaes.

    Assim quando o primitivo capta algo do Grande Simbolizado, e o traduz atravs

    de smbolos ingnuos, no implica que o referente no seja o mesmo, embora diferente a

    linguagem religiosa.

    E as disputas que posteriormente se travam entre religiosos de crenas diferentes

    refere-se mais insuficincia do smbolo, quando todos, sem exceo, desejam apenas referir-

    se ao mesmo Deus.

    20

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    O estudo da simblica nos oferece assim uma base de homogenizao das religies

    e tambm um maior respeito s diversas crenas dos povos, sem necessidade de se

    perpetuarem conflitos que revelam apenas insuficincia do conhecimento sobre os smbolos.

    14 - Em toda tenso, h relao de smbolo e de simbolizado.

    Todo ente smbolo de..., mas algumas vezes simbolizvel ( refervel). Temos,assim, a poli-significabilidade do ente (tenso), isto , sua capacidade de simbolizar diversos

    referidos, como tambm sua possvel poli-referncia ao ser simbolizado por outros smbolos.

    Toda tenso, segundo a sua ordem, coloca-se como smbolo de algo, que por sua vez

    smbolo de outro, como estudaremos mais adiante.

    Cada compreenso de um momento de tenso torna acessveis todas as outras

    compreenses. Cada momento indica o que no ele, pois um afirmar do outro momento.

    Cada tenso, sendo smbolo, poli-significante, e ao afirmar-se, afirma outro que no

    ela. 15 - Tda particularidade smbolo da generalidade que a inclu.

    Indivduo- particularidade - generalidade - universalidade - totalidade (hentica,

    plethos).

    Os fatos so smbolos das leis; as leis, smbolos da ordem universal; a ordem, smbolo

    do Ser Supremo; este, smbolo de Deus.

    Tudo (no imanente) smbolo do Tempo, o grande simbolizado do quaternrio. Por

    isso o Tempo referido por tudo quanto est- sujeito sucesso e parcialmente pode explicar

    o devir, mas nenhum ente pode, de per si, explicar o tempo; apenas pode apont-lo.Sim, porque o smbolo no explica com plenitude; prpriamente aponta o simbolizado,

    ao analogar-se com ele.

    ARTIGO 3 - O SMBOLO E A PSICOLOGIA

    A caracterstica fundamental do ato intelectual racional a reversibilidade. Quando

    o ato afectivo racionalizado, esquematizado pela razo, torna-se reversvel, pois podemos

    pensar com inverso da cronologia.

    O pensamento simblico, em sua ecloso, de origem genuinamente afectiva, pre-

    lgico (no dizer do sociologismo); e os smbolos tm sua origem no sub-consciente. O smbolos se torna consciente quando a razo j funciona.

    No pensamento simblico, o smbolo est incorporado no esquema afectivo. S a

    razo despoja a pouco e pouco o simblico, extraindo as notas estranhas ao simbolizado, para

    construir o esquema abstrato notico-eidtico.

    Na fase de predominncia racional, os esquemas abstratos racionalizados esto

    libertos em grande parte da gama simblica de sua primeira formao.

    Os anteconcetos, que estudamos na "Psicognese", esto ainda eivados da camada

    fctica (da capa hiltica para Husserl). Referindo-se a singularidades que se universalizam.Lembremo-nos do arroio-do-Menino, do cavalo-Relmpago, que servem, depois, no s para

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    nomear todos os arroios que a criana v, e todos os cavalos, mas para consider-los como o

    mesmo arroio e o mesmo cavalo, embora sob figuras um tanto diferentes.

    A criana no vai considerar como outro exemplar, mas como o mesmo, que aparece

    proteicamente. Vivendo a criana, como vive, o proteico, este, no ainda para ela, uma

    negao da imutabilidade, conceito que s posteriormente, em oposio intuio, ir a razoestruturar.

    Por isso a criana admite que o mesmo, embora na aparncia revele diferenas.

    que na primeira fase, h na criana, realmente, este proceder: sua ateno fixa-se mais sobre

    o semelhante.

    O homem primitivo tinha, para sobreviver, de prestar mais ateno s semelhanas

    e secundariamente s diferenas. No que intuitivamente no as captasse por igual, mas

    axiologicamente, atendendo convenincia da vida (tese pragmatista, concreta e segura aqui)

    era obrigado a cuidar das semelhanas para guiar-se ante a heterogeneidade dos fatos. Para a

    criana, a semelhana a presena do mesmo indivduo.

    O primeiro esquema fctico procede ento como generalizador, serve para generalizar

    fatos diversos mas semelhantes.

    Esta a primeira providncia, a primeira jornada, o primeiro lano do caminho, para

    alcanar o conceito, cuja estruturao abstrata prosseguir crescentemente por ao da

    razo, despojadora das diferenas, para terminar no conceito rgido, lgico-formal, que s

    considerar a atualidade das notas imprescindveis essenciais.

    Essas singularidades se universalizam a pouco e pouco at alcanar a obra acabada

    da razo, o conceito despojado de toda capa hiltica, de toda facticidade heterognea, para

    reduzir-se a um esquema abstrato de esquemas abstratos estruturados, pois o conceito

    encerra significaes. Estas, por sua vez, acabam por formalmente serem outros tantos

    conceitos, que so outros tantos esquemas abstratos que se estruturam em conjuntos

    esquemticos abstratos, conceitos mais gerais.

    Essa a ao despojadora, anti-singularizante e anti-hetorogeneizante da razo, que

    examinamos em "Filosofia e Cosmoviso."

    Os esquemas pthicos (pathos) no tm essa homogeneidade dos esquemas abstratos

    da razo. H neles vivncias que so fundadas em singularidades, por isso mais simblicos.

    Se a assimilao de um fato ao esquema racional, que abstrato e homogeneizante, se dpelas homogeneidades, pela adequao meramente formal do que na singularidade do fato

    se refere ao esquema abstrato, - pois s se considera o singular como smbolo do esquema

    abstrato ao qual est seriado, - a assimilao se d de esquema abstrato para esquema

    abstrato. S o homogneo assimilado.

    A assimilao no esquema pthico, - como este ainda singular e tem singularidade,

    apesar da ao despojadora que a razo exerce sobre os nossos afetos, - simblica, vivida

    como realidade .

    E eis por que ao querermos reduzir a sinais o que sentimos, encontramos,

    naturalmente, a deficincia dos signos verbais, j escoimados pela razo da suaheterogeneidade.

    22

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    O artista, como afectivo que , tem de lanar mo do smbolo como meio que lhe

    oferece suficincia capaz de transmisso, pois tem ele uma grande capacidade de referncia

    ao singular, enquanto o esquema abstrato, assinalado pelo termo verbal, tem-no menos.

    Mas como o artista (na literatura pelo menos) no pode deixar de usar sinais verbais, v-

    se obrigado a coorden-los de modo que ultrapassem sua rgida esquematizao abstrata

    e possam receber um contedo vivencial, para poder expressar o que deseja. Por isso o

    estrutura em smbolos, fora um contedo no meramente abstrato aos termos, mas fctico,

    singular, "esta vivncia... aquela vivncia."

    Quer queira quer no, o artista torna-se um criador de smbolos por necessidade de

    expresso, se quer expressar alguma coisa.

    E, na criao desses smbolos no entra apenas o consciente, nem apenas o

    operatrio, intelectualizado que domina completamente (se um grande artista), pois

    smbolos secundrios e at de mais longnquos planos esto contidos na sua expresso.

    Toda a natureza smbolo. Podemos enquadrar a natureza dentro de esquemasabstratos racionais. Mas teremos, de qualquer forma, que despojar os fatos da sua

    heterogeneidade e singularidade para que sejam eles smbolos de esquemas abstratos criados

    pelo homem. Mas a natureza smbolo sempre, quer dos esquemas operatrios, quer de

    outros que pertencem ordem csmica.

    A razo, com seus esquemas, permite que faamos uma esquematizao da natureza.

    Apanha-a por um ngulo, no porm na sua singularidade.

    Uma viso dialctica, (concreta portanto), no tocante simblica, teria de ver a

    realidade como smbolo dos esquemas abstratos do homem, mas sabe que, como tal, no

    se inclui nesse esquema, mas apenas no que est no esquema. O que resta, o que est parte, da singularidade, que por sua vez cabe em outros esquemas abstratos, e assim

    sucessivamente.

    V-se bem claro que a razo no atua totalmente contra o csmico quando o

    esquematiza em esquemas abstratos. Sua ao acsmica est no excesso do despojamento

    que a leva: aos vazios, aos conceitos sem contedos, como os de Tempo e Espao, que

    estudamos na "Cosmologia."

    A razo assim uma serva da vida e no a vida uma serva da razo. Reduzir a vida a

    esquemas abstratos seria nega-la. A razo uma auxiliar poderosa do nosso conhecimento, e

    no a nica, como o desejam os racionalistas.

    V-se deste modo como nos ajuda a simblica a compreender os excessos dos

    racionalistas, que ameaaram reduzir o nosso mundo a apenas formas abstratas lgicas, como

    desejaram certos matemticos reduzi-lo a formas abstratas matemticas.

    E para tanto, ambos tiveram que afastar-se, com risco grave para o conhecimento,

    da intensidade, para atualizar apenas o aspecto extensista, o que os levou a uma viso

    predominantemente quantitativa, no af de encontrar a homogeneidade absoluta, que no se

    encontraria, absolutamente, na abstrao, mas na maior das realidades, que a do ser, como

    j vimos na Ontologia e na Teologia.

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    Em concluso : o sinal, enquanto tal, o meio de transmitir o possvel. Mas o smbolo,

    na arte, como na prpria filosofia, na religio, etc, o meio de transmitir o intransmissvel. A

    singularidade sempre intransmissvel. S o smbolo pode falar por ela, porque fala melhor do

    singular que os conceitos abstratos.

    Eis por que na arte, como nas religies, o smbolo vivo... E porque vivo, morre. Mastambm conhece ressurreies.

    Um smbolo, quando vivido estanquemente de seu referente, tende a despojar-se

    dele, que seu contedo significante, e tende a morrer.

    E morre tambm quando, do significado, conhecemos ou julgamos conhecer atributos

    que o smbolo j no contm.

    H ressurreies quando reencontramos no smbolo as notas do simbolizado, depois

    de termos passado por um perodo de desconhecimento.

    Podemos, assim, compreender a ressurreio de smbolos religiosos que por um longoperodo perderam sua fra simblica de expresso.

    O atribuir-se vida e morte ao smbolo significa apenas uma analogia com o orgnico.

    A impossibilidade de expor alguma coisa com mais clareza, que permita melhor acomodao

    de quem nos ouve, leva-nos ao smbolo, pois, por meio dele, desejamos transmitir o que

    relativa ou absolutamente desconhecido a outrem.

    A vida de um smbolo depende de sua significabilidade. proporo que essa

    significao clareada, que a viso do simbolizado se torna mais clara, o smbolo comea

    a deperecer. Ter uma significao histrica, como vemos em tantos smbolos religiosos etambm aqueles que se referiam a fatos que a cincia, posteriormente, tornou-se capaz de

    clarear.

    Do mesmo modo o smbolo, exotericamente considerado, o para quem est

    exotericamente colocado, pois, para os iniciados, conhecido o simbolizado, estes no mais

    precisam daquele.

    O smbolo do conhecido torna-se sinal. O smbolo do conhecido contm em si o j

    contido.

    Podemos ver esse aspecto semitico, psicologicamente, em certos esquemas, como o

    de perseguio, o de abandono, que se revestem simbolicamente por uma srie de sintomas,

    cujo significado simblico o paciente desconhece. Para o psicologista tais smbolos so apenas

    sintomas, tornam-se apenas elementos do conjunto da semeitica. Conhecido o esquema, tais

    smbolos tornam-se apenas sinais.

    Assim toda teoria cientifica, enquanto se forma em torno de hipteses, smbolo (

    uma caracterizao antecipada de uma ordem de coisas ainda essencialmente desconhecida,

    como nos mostra Jung). Ao fundamentar-se, morre o aspecto simblico, para surgir o

    simbolizado.

    Mas toda e qualquer hiptese cientfica, depois de devidamente comprovada, reduzida

    a leis, ao passar para a categoria das manifestaes legais da cincia, ainda smbolo da

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    ordem universal. Dessa forma, a cincia como a prpria filosofia nunca se afastam totalmente

    do smbolo, embora um smbolo, de um plano, passe para outro, mas no qual ainda smbolo

    de outro simbolizado, at alcanar o Simbolizado Supremo, que a anlise dialctica simblica,

    com o auxlio da metafsica, ter de empreender nessa verdadeira marcha mstica, nessa

    penetrao no oculto, de que j tivemos ocasio de examinar na Teologia, no captulo sobre o

    nosso conhecimento de Deus.

    O smbolo social vivo quando primitivo, quando a sua omnipresena no suscita

    a menor dvida. O smbolo social, como mostra Jung, tem uma significao social para o

    indivduo, to grande como esse smbolo para uma colectividade.

    preciso no confundir os sintomas com os smbolos. Os sinais sintomticos so

    apenas mostras, e no smbolos. Um descontentamento popular, na histria, mostra-nos

    muito da desordem econmica, etc., que possa existir. Mas uma catedral gtica smbolo de

    uma alma cultural, como o uma mmia egpcia ou uma ponte romana, ou as autobiografias

    do sculo dezoito em diante, ou o aerodinmico nas formas funcionais de nossas realizaes

    de massa.

    O neurtico, por exemplo, tem tendncia a fazer essa confuso, ao considerar como

    sintomas o que meramente smbolo.

    O smbolo revela sempre dois aspectos:

    1) racional - acessvel assimilao dos nossos esquemas abstratos intelectuais, que

    permitem explic-lo, dizer o que ;

    2) irracional - que de origem pathica, inacessvel a tais esquemas, o qual representa

    vivncias que a nossa conscincia vigilante no estruturou em esquemas.

    Tais aspectos nos levam necessidade de estudar, quanto Simblica, o tema da conscincia

    e da inconscincia, o que faremos, logo aps o exame do tema de participao, e ao mtodo

    dialtico-simblico, que precisamos usar.

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    TEMA III

    ARTIGO 1 - A PARTICIPAO

    Se no h uma adequao completa entre smbolo e simbolizado, a ponto de se

    identificarem, deve haver entre ambos, para ser aquele adequado ao segundo, um ponto

    de identificao formal, formalidade que de qualquer modo, se atribua ao primeiro e que

    pertena ao segundo.

    H outro aspecto importante entre smbolo e simbolizado. que o segundo calado;

    dele no se fala directamente, mas por intermdio de outro que o aponta, que o smbolo.

    E se deixarmos por ora de examinar o por que desse silenciar sobre o simbolizado,

    para apenas considerar o como se d, verifica-se fcilmente que h entre smbolo e

    simbolizado uma participao, pois, em parte, ambos se identificam. Essa participao revelaum participante, que o smbolo, e um participado, que o simbolizado. E essa afirmao

    evidente, pois ao examinarmos os smbolos, veremos que a formalidade que a este podemos

    predicar, participada em certo grau pelo participante, mas que atribuiria ao participado

    (simbolizado) num grau mais elevado.

    Este ponto importantssimo para a boa compreenso de nossa maneira de colocar e

    ver o smbolo, obriga-nos a estudar o tema da participao. De seu esclarecimento surgir a

    luz que nos iluminar a simblica, e nos permitir aplicar o nosso mtodo dialtico-simblico,

    capaz de trazer para o mais amplo conhecimento as grandes contribuies religiosas, que

    pareciam, at aqui, para muitos pelo menos, completamente alheias ao campo do saber,epistmico.

    Poderemos ver que h um conhecimento muito mais profundo nas religies,

    conhecimento que nossa poca sem f desprezou, por julgar que as religies fssem apenas

    um repositrio de crendices e supersties sem maior fundamento e no o grande e profundo

    conhecimento velado, um conhecimento que abre um caminho mstico, um caminho que a

    simblica oferece para penetrar nas grandes snteses e no grande simbolizado, que surge em

    todas religies. E ademais, o caminho que ora oferecemos tambm nos permite compreender

    todas as crenas, e notar que h nelas uma grande heterogeneidade de smbolos, mas que se

    referem a um conjunto de formalidades, que so os atributos, por sua vez, de um s e grande

    simbolizado.

    A PARTICIPAO

    Referindo-se aos estudos dos platnicos e dos pitagricos, afirmava Aristteles

    na "Metafsica" (L.1) que no haviam os segundos mostrado como os seres se do por imitao

    dos nmeros, nem os primeiros como eles se do por participao.

    Acusava-os, assim, de haverem esquecido de tratar de um ponto importantssimo, do

    que no os absolvia. Posteriormente, Toms de Aquino mostrou que essa queixa de Aristteles

    era infundada quanto aos platnicos, embora a aceitasse quanto aos pitagricos.

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    Ns, por nossa vez, mostraremos que ela era infundada tambm quanto aos

    pitagricos, porque a imitao, a mimesis pitagrica, que se d atravs do arithms,

    processase como a participao, e a fundamentao desse processo s era conhecida dos

    pitagricos de grau mais elevado, razo por que Aristteles no a conhecia.

    Deixando de lado a discusso que se trava entre os estudiosos da escolstica, quantoao genuno pensamento platnico, e se se pode considerar o pensamento neo-platnico

    como congruentemente adequado ao pensamento do mestre de Aristteles, desejamos'

    apenas salientar que preciso considerar Plato, no segundo o perfil que de suas idias

    traou Aristteles, como o fz no citado livro da Metafsica, mas segundo a estruturao que

    hoje somos capazes de fazer do verdadeiro pensamento platnico, como j o temos feito em

    nossos livros. (NA: Em Teoria do Conhecimento, "Ontologia e Cosmologia" e Filosofia da

    Crise abordamos e esclarecemos o nosso pensamento sobre a filosofia de Plato.)

    Participar vem do latim participare, e de participatio, participao. Etimologicamente

    vem de capio, tapera, que d cipere e de partis, parte, parte cipere, sinnimo de recipere. Em

    seu sentido etimolgico, participar receber de outrem algo. Mas o que recebido recebido

    no totalmente (totaliter), pois totaliter recipere seria receber em totalidade algo (liquid).

    intuitivo que o conceito de participar implica tem receber parcial de algo (liquid) de outro (ab

    alio). O que participa o participante, o qual participa do participavel (participabile = o que

    pode ser recebido) de outro, o participado.

    Participao seria o fato de participar o participante do participvel do participado.

    Estabeleciam os neo-platnicos um adgio que foi posteriormente muito usado

    pelos escolsticos, que o seguinte: "o que recebido recebido segundo o modo de ser do

    recipiente" (quidquid recipitur ad modum recipientes recipitur), que, por sua vez, poder-se-ia,como na verdade foi feito, empregar-se para a participao do seguinte modo: "Tudo quanto

    participado em algo, o , nele, segundo o modo de ser do participante, pois ningum pode

    receber acima de sua medida" (Omne quod est participatum in aliquo est in eo per modum

    participantes; quis nihil potest recipere ultra mensuram suam").

    Em suma, se algum participa de alguma perfeio, dela participa segundo o seu modo

    de ser, isto , na medida em que capaz de participar, no grau que capaz de receber. E o que

    marca esse grau, essa capacidade, o prprio recipiente, o participante. Um exemplo permite

    esclarecer. Numa sala, onde exposta uma conferncia sobre determinado tema, os ouvintes

    participaro do mesmo na proporo da sua capacidade de participantes. Desse modo, a

    participao, como fato de receber, ser proporcional ao, participante. O participado pode ser

    de maior grau de perfeio, mas a participao, por parte do participante, depender do grau

    deste.

    Esse modo de entender do neo-platonismo foi aceito por Toms de Aquino, e nenhuma

    objeco se poderia fazer aqui.

    Por outro lado, evidencia-se desde logo que o conceito de participao aponta que

    o participante recebe ou participa de um participvel, que pertence a outro em grau mais

    elevado, do qual o participante apenas participa.

    Neste caso, o participvel no do ser do participante, mas sim do ser do participado.

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    Apenas o participante participa de algo que o participado tem em plenitude.

    No smbolo verificaramos o que segue: o smbolo um participante que participa do

    participvel de um participado, que por ele referido, que por ele simbolizado. Mas esse

    grau de participao um ponto importantssimo. Se considerarmos este homem, Jos, comosmbolo da humanidade, e ele o , poderamos perguntar : em que grau participa ele da

    humanidade?

    Ora, a humanidade no uma entidade que seja seu prprio ser, (esse suum esse),

    pois a humanidade no um subsistente de per si, um ser que exista fora do homem. Neste

    caso, a humanidade est totalmente contida neste homem, Jos. Onde estaria ento a sua

    participao?

    Na verdade no haveria participao de qualquer espcie se Jos fsse o nico ser

    humano. Se todos os seres humanos houvessem perecido, Jos seria a humanidade, dizem

    alguns. Esse argumento poderia surgir como uma objeco ao nosso pensamento sobre aparticipao do simbolizado pelo smbolo. Contudo no procederia, porque Jos no seria

    ainda a Humanidade, se ele fsse o nico homem, a humanidade ainda vivente, no excluindo

    os outros que o antecederam, pois Jos, se o nico homem vivo, no o nico ser que "foi"

    humanidade. A humanidade, se nesse caso tem apenas um representante Jos, continuaria

    sendo, na ordem do ser, como j vimos na "Ontologia", uma perfeio que se atualizou atravs

    de seus representantes.

    Tais aspectos nos mostram, portanto, que h maneiras diversas de se realizar a

    participao. E como ainda no palmilhamos todos os caminhos, neste sector, que devemos

    percorrer para melhor esclarecimento deste tema, quanto simblica, seria precipitado,desde j, estabelecer uma teoria da participao, segundo nosso modo de ver, sem que,

    prviamente, estudemos o pensamento da filosofia clssica sobre tema to importante.

    Na filosofia medieval, o que por essncia causa de tudo o que por participao.

    Assim, o que por essncia do gnero participado pela espcie. Na definio clssica

    homem animal racional este participa da animalidade. A primeira gnero, e a segunda,

    diferena especfica, que da essncia humana, mas que no exclusivamente dela, pois a

    racionalidade , por sua vez, atribuda a outros seres, como os anjos, ou a divindade, que a

    teriam em graus mais elevados, e em grau absoluto a ltima.

    Entre as diversas espcies de participao que se possam estabelecer, teramos aparticipao por composio. Esta participao se fundaria na dualidade de um recebedor

    (participante), e de um elemento recebido (participvel). Neste caso, participar seria possuir

    algo que foi recebido. O que recebido o segundo o modo de ser do recipiente. Em tal caso,

    o recebido toma a modalidade do sujeito recebedor. Se o recebedor menos perfeito do que

    o elemento que ele recebe, este ter os limites prprios do recebedor.

    Portanto, na participao por composio, h uma limitao. Esta limitao, ao

    primeiro olhar, parece verificar-se em todas as espcies de participao; e dizemos parece,

    porque h participaes sem esta limitao, como ainda veremos.

    O conceito de limite, desde que no seja considerado dialeticamente, pode colocar-nos em uma verdadeira aporia, pois ao considerarmos que, na participao por composio,

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    h uma limitao, esta por sua vez participada, o que nos obrigaria a desdobrar esta

    participao em duas, participao por limitao e participao por recepo.

    Ento, na participao por composio, o recipiente menos perfeito do que o que

    por ele recebido, e o recebe apenas como parte, pois no pode receb-lo sem limit-lo.

    V-se claramente que distinguvel a composio de a limitao, embora acomposio seja um elemento essencial dessa participao. O que importante salientar aqui

    que a limitao no surge prpriamente da composio, mas do sujeito receptor, porque

    nem toda composio uma participao.

    Outra espcie de participao a participao por similitude ou por hierarquia formal.

    Neste caso, a essncia, que participada, no se encontra no participante na plenitude

    absoluta do seu contedo formal.

    Essas duas espcies de participao, que tm sido objeto de estudo por parte dos

    escolsticos, na verdade no se excluem totalmente.

    Outras espcies de participao sero por ns oportunamente estudadas, bem como

    faremos anlise dessas duas primeiras, que acabamos de expor, mas antes de estabeleclas,

    desejamos realizar uma rpida viso das diversas maneiras de compreender a participao na

    filosofia clssica.

    Aristteles admitia que a espcie participa do gnero, e que o gnero atribudo espcie por

    participao. Esta afirmativa nos vem de Toms de Aquino. Na verdade, Aristteles sempre

    recusou admitir que a espcie participasse do gnero, pois s admitia participao, quando

    se desse a unio de elementos distintos, o que o levava a recusar uma relao de participao

    entre o gnero e a espcie, pois, fundado numa participao apenas de composio, no se

    daria a unidade da substncia, a qual seria, em tal caso, apenas uma composio de gnero e

    espcie.

    Este aspecto de capital importncia nos estudos teolgicos, pois o homem no

    concebido apenas como uma composio de animalidade e racionalidade, como se no

    homem se desse a conjuno de dois elementos, o animal e o racional. O racional j contm a

    animalidade, e a essncia humana considerada como uma unidade de simplicidade, e assim

    Toms de Aquino empresta identidade substancial entre gnero e espcie.

    E como surgem aqui diversas dificuldades, Toms de Aquino explica da seguintemaneira: "participar por assim dizer receber uma parte. Quando um ser recebe de maneira

    particular o que pertence a outro de maneira universal, diz-se que dele participa. Assim diz-

    se que o homem participa do animal, porque ele no possui a razo de animal, segundo toda

    a sua generalidade. Pelo mesmo motivo, Scrates participa do homem. Da mesma forma

    o sujeito participa do acidente; e a matria, da forma; pois a forma substancial ou a forma

    acidental que, de per si, so comuns, encontram-se determinadas a tal ou a tal sujeito. Diz-

    se finalmente que o efeito participa de sua causa, sobretudo quando ele no iguala a virtude

    da causa. Dizemos, por ex., que o ar participa da luz do sol, porque no a recebe com todo o

    brilho que ela possui no sol."

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    Neste caso, a espcie substancialmente idntica ao gnero, mas participa do gnero

    por no possuir ela a razo do gnero em toda sua generalidade.

    Temos aqui bem claramente exposto que Toms de Aquino aceita a participao

    por similitude ou por hierarquia formal, no prpriamente a de composio, que era aceita

    anteriormente por Bocio.Veremos mais adiante que no caso da simblica essa participao a que mais se

    evidencia, at no pensamento chamado primitivo, o que no foi bem compreendido pelos

    estudiosos da antropologia em geral.

    No se deve concluir que Toms de Aquino aceitasse a composio na participao,

    mas aceitava-a como um dos seus elementos. Deste modo, a participao para ele teria dois

    elementos: a composio entre o sujeito que ele participa e o de que ele participa.

    Assim a espcie participa do gnero, mas no em toda riqueza do gnero.

    As participaes podem se dar de quatro modos diferentes:1) participao de um sujeito concreto a uma forma qualquer;

    2) participao entre os elementos de uma essncia composta;

    3) participao entre trmos abstratos, estranhos uns aos outros em seu contedo

    formal;

    4) participao entre trmos abstratos, mais ou menos universais, compreendidos em

    uma mesma linha formal. (Geiger, op, cit., pg. 53).

    Para a simblica, como teremos oportunidade de mostrar, interessam apenas duas

    espcies de participao: a de composio e a de hierarquia formal, em que o participante parcialmente o que um outro em plenitude.

    Em suma, estudaremos a participao por composio, e participao por similitude.

    Todos os entes participam de um ser supremo, mas este no participa de nenhum outro, foi

    o que j tivemos oportunidade de ver na "Ontologia". Desta forma, todo ser finito ser per

    participatonem do Ser.

    As perfeies atribudas ao Ser Supremo so participveis pelos seres finitos.

    E como o participante participa do participvel segundo o seu grau de ser, e sendo ele

    finito, esta participao conseqentemente finita, mas reveladora de uma escalaridade de

    perfeio (mais ou menos).

    Na simblica das religies ns vemos, mais adiante o mostraremos, que os smbolos

    so participantes dessas perfeies do Ser Supremo, segundo o seu modo de ser. Da haver

    uma hierarquia de smbolos, que so superiores proporo que participem mais da perfeio

    atribuda ao ser supremo, que nas religies a divindade.

    Essa antecipao que ora fazemos apenas preparatria para melhor compreenso

    da nossa maneira de visualizar o smbolo, desde que dele excluamos o meramente arbitrrio,

    como se pode verificar nos sinais convencionais.

    O smbolo, para ser tal, e nunca pouco repeti-lo, deve afastar-se do meramenteconvencional, e revelar, nas formalidades que dele podemos captar, algo que seja participao

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    do participado, ou simbolizado. Como o que participado pode ser mais facilmente captvel

    ou no por ns, o smbolo revelar maior ou menor clareza. Em alguns casos crptico,

    ocultado, e impe-se uma operao complexa de anlise das diversas participaes, segundo

    graus hierrquicos, para alcanar-se aquela que o smbolo participa.

    Na parte final desta obra, onde examinaremos indiscriminadamente smbolos nosdiversos sectores, mostraremos como se realizam as providncias da dialctica simblica, isto

    do mtodo analgico pelo qual podemos interpretar os smbolos, interpretao esta que, em

    alguns casos, mltipla pela polissignificncia que j vimos dar-se no smbolo, pois este pode

    participar, no em uma, mas em muitas perfeies, atribudas ao simbolizado.

    Torna-se agora grandemente fcil compreender-se porque o simbolizado

    polissignificado, isto , pode ser referido por uma multiplicidade de smbolos, como por sua

    vez o smbolo polissignificante, porque pode referir-se a vrias formalidades das quais ele

    participa.

    ARTIGO 2 - A PARTICIPAO NA ORDEM LGICA E NA ORDEMONTOLGICA

    comum dizer-se que Plato s considerou a participao no campo das idias,

    reduzindo-a assim apenas participao lgica.

    Entretanto, se tivermos um pensamento mais consentneo com a genuna concepo

    platnica, veremos que a participao que se d na ordem das formas, freqentemente

    chamada idias, correspondente a uma participao na ordem do ser. Como participar da

    forma participar do ser, a distino que se fz entre platonismo e neo-platonismo (que

    aceitaria a participao na ordem do ser) apenas aparente, porque essa dplice participaosurge de uma visualizao, dplice por sua vez, de uma mesma verdade.

    Em sua obra "De substantias separatas" Toms de Aquino assim interpretava a teoria

    platnica: "No conhecimento da verdade, nossa inteligncia usa de uma dupla abstrao.

    Pela primeira, ela capta os nmeros, as grandezas, as figuras matemticas, sem pensar na

    matria sensvel. Quando, com efeito, pensamos no nmero dois ou no nmero trs, na linha

    ou na superfcie, no tringulo ou no quadrado, no se encontra nada em nossa apreenso que

    indique o quente ou o frio, ou qualquer outra qualidade que possa ser percebida pelo nossos

    sentidos.

    A segunda abstrao serve nossa inteligncia, quando ela conhece um trmouniversal sem representar qualquer trmo particular, quando, por ex., pensamos em homem,

    sem pensar nem em Scrates nem em Plato, nem em qualquer outro indivduo. Poder-se-ia

    mostrar a mesma coisa com o auxlio de outros exemplos. Admite, portanto, Plato

    dois gneros de realidade separadas da matria: a saber, as realidades matemticas,

    e os universais, que ele chamava espcies ou idias (formas, eide). Entre ambos h contudo

    a seguinte diferena: nas realidades materiais, podemos captar diversos (indivduos) de uma

    mesma espcie, diversas linhas iguais, por ex.: ou dois tringulos equilaterais e iguais, o que

    impossvel absolutamente quanto s espcies.

    O homem, considerado como universal, segundo a espcie, necessriamentenico. Tambm admitia ele que as realidades matemticas fssem intermedirias entre as

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    espcies ou idias, e as realidades sensveis. Elas assemelham-se s realidades sensveis, no

    fato de diversos indivduos estarem contidos em uma mesma espcie. Por outro lado, elas

    assemelham-se s espcies no estarem separadas da matria sensvel."

    Atravs dessa interpretao de Toms de Aquino v-se que, para este, as idias

    platnicas (formas) nascem da projeo, na realidade, dos objetos correspondentes, nosmente ao nosso conhecimento em geral (como seriam as realidades matemticas), mas,

    sobretudo, graas ao nosso conhecimento abstrato. Na verdade, para Plato, as realidades

    matemticas correspondem lei de proporcionalidade intrnseca dos corpos sensveis, como

    o sejam as figuras geomtricas ou a mera proporcionalidade, como seriam os nmeros em

    sentido meramente aritmtico, isto , de medida, de comparao.

    Esse pensamento platnico, que encontramos disperso em sua obra, parcialmente

    pitagrico, sem contudo penetrar mais amplamente no sentido do arithms pitagrico, que

    ultrapassa o campo da geometria para alcanar o das matemticas superiores.

    Esses arithmoi j corresponderiam a um estgio intermdio entre os nmerosmatemticos (arithmoi mathematikoi) e as formas ou idias, que no pitagorismo

    correspondem a uma trada superior, que hierrquicamente seria a seguinte : das formas

    alcanar-se-iam as estruturas ontolgicas e, dessas, os arithmoi archai, os nmeros arqutipos,

    que constituem o pice da trada superior.

    Como os nmeros matemticos podem nos dar a estrutura ntica dos seres, pois

    nos indicariam a lei de proporcionalidade intrnseca dos seres corpreos, imitariam eles as

    estruturas ontolgicas da trada superior, cujo ponto de ligao seriam as formas (eide).

    H necessidade de salientar esse ponto para uma melhor compreenso da

    participao em sentido platnico, que Toms de Aquino considerava como genuinamenteneo-platnica, e esse esclarecimento, que por ora propomos, tambem nos auxiliar, por

    ocasio do exame dos smbolos, para melhor compreenso da sua significabilidade.

    E finalmente nos favorecer para compreendermos, mais adiante, que o pensamento

    tomista sobre a participao um pensamento platnico, e ademais parcialmente pitagrico,

    o que provaremos ainda, embora tal afirmativa, parea estranha aos tomistas. (Em "Filosofia

    da Crise", estudamos este aspecto com mais pormenores, permitindo maior clareza. E no

    captulo "A simblica dos nmeros", nesta obra, voltaremos a este tema.)

    As formas platnicas so. fundadas em estruturas ontolgicas.

    No mundo sensvel, corresponde-lhes as estruturas redutveis aos arithmoi

    mathematikoi. Por isso as coisas sensveis "copiam" as formas.

    E como a ao proporcional ao sujeito da ao, as coisas sensveis, por serem

    sensveis, re