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ributação EM REVISTA Ano 16 N° 57 T ISSN 1809-3426 Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional Jul–Dez 10 Distribuição Dirigida Seguridade Social A falácia do déficit Entrevista Denise Gentil defende o conceito constitucional de Seguridade Social Páginas 6 a 12 Edição Especial CONAF 2010

Tributação em Revista 57

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ributaçãoributaçãoE M R E V I S T A Ano 16 N° 57 T

ISSN 1809-3426Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional

Jul–Dez 10 Distribuição Dirigida

Seguridade Social

A falácia do défi cit

Entrevista

Denise Gentil defende o conceito constitucional de Seguridade Social Páginas 6 a 12

Edição EspecialCONAF 2010

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Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifi sco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifi sconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: estudostecnicos@sindifi sconacional.org.br. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refl etem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas refl exões neste espaço devem remeter seus artigos para editor.revista@sindifi sconacional.org.br. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.

PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICAE CONDIÇÕES DE TRABALHOProjeto O Auditor e a Sociedade

A Previdência Social é indispensável para a sociedade brasileira. São 32 milhões de beneficiados que, dentre os idosos com mais de 65 anos, correspondem a 80% da populaçãao brasileira. A DEN compreende que um debate acerca dos desafios do regime previndeciário, que contemple relação à discussão das fontes de financiamento como dos benefícios e das políticas sociais decorrentes da execução do orçamento da Seguridade Social são essenciais para a sociedade brasileira.

Diretoria Executiva Nacional

programa de integração evalorização

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PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICAE CONDIÇÕES DE TRABALHOProjeto O Auditor e a Sociedade

A Previdência Social é indispensável para a sociedade brasileira. São 32 milhões de beneficiados que, dentre os idosos com mais de 65 anos, correspondem a 80% da populaçãao brasileira. A DEN compreende que um debate acerca dos desafios do regime previndeciário, que contemple relação à discussão das fontes de financiamento como dos benefícios e das políticas sociais decorrentes da execução do orçamento da Seguridade Social são essenciais para a sociedade brasileira.

Diretoria Executiva Nacional

programa de integração evalorização

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s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL

ENTREVISTAProfessora Denise Lobato Gentil

ARTIGOFinanciamento da Seguridade Social Análise Sob a Constituição Federal de 1988Eduardo Tanaka

ARTIGOA Previdência Social Como Renda Social no BrasilCélio Favoni e Solange de Cássia Inforzato de Souza

ARTIGOPrevidência Social e Constituição Federal: Qual é a Visão dos Juristas? Eduardo Fagnani

ARTIGOFinanciamento da Seguridade Social: do “Défi cit” da Previdência ao Superávit da SeguridadeÁlvaro Luchiezi Jr.e Osmar Rodrigues de Aquino Jr.

ARTIGOAs Contribuições Previdenciárias, o Emprego e a Garantia de uma Aposentadoria de Base para Todos os TrabalhadoresRosa Maria Marques

ARTIGOA Proposta de Reforma Tributária e seus Impactos na Arrecadação Previdenciária e no Mercado de TrabalhoLeonardo Alves Rangel, Graziela Ansiliero, Luis Henrique Paiva, Matheus Stivali e Edvaldo Duarte Barbosa

ARTIGOTributação da folha salarial no exterior e no BrasilAndré Gonçalves Diôgo de Lima

ARTIGOUma Nova Forma de Financiamento da Previdência Social Luigi Nese

ARTIGOA Desoneração da Folha e a Reforma PrevidenciáriaFloriano José Martins

ARTIGOO Fator PrevidenciárioCelecino de Carvalho Filho

QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIOSupremo Tribunal Federal confi rma a inconstitucionalidade de contribuição previdenciária de inativos durante a EC nº 20/1998

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DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue Tolentino Filho1º Vice-PresidenteLupércio Machado Montenegro2º Vice-PresidenteSergio Aurélio Velozo DinizSecretário-GeralClaudio Marcio Oliveira DamascenoDiretor-SecretárioMauricio Gomes ZamboniDiretor de FinançasGilberto Magalhães De CarvalhoDiretor-Adjunto de FinançasAgnaldo NeriDiretora de AdministraçãoIvone Marques MonteDiretor-Adjunto de AdministraçãoEduardo TanakaDiretor de Assuntos JurídicosSebastião Braz da Cunha Dos Reis1º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosWagner Teixeira Vaz2º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa Profi ssionalGelson Myskovsky Santos1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profi ssionalMaria Cândida Capozzoli de Carvalho

2º Diretor-Adjunto de Defesa Profi ssionalDagoberto da Silva LemosDiretor de Estudos TécnicosLuiz Antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos TécnicosElizabeth de Jesus MariaDiretor de Comunicação SocialKurt Theodor Krause1ª Diretora-Adjunta de Comunicação SocialCristina Barreto Taveira2º Diretor-Adjunto de Comunicação SocialRafael Pillar JuniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensõesClotilde GuimarãesDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e PensõesAparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SaúdeCarlos Antonio LucenaDiretor-Adjunto do Plano de SaúdeJesus Luiz BrandãoDiretor de Assuntos ParlamentaresJoão Da Silva dos SantosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo Marcio SecundinoDiretor de Relações IntersindicaisCarlos Eduardo Barcellos Dieguez

Diretor-Adjunto de Relações IntersindicaisLuiz Gonçalves BomtempoDiretor de Relações InternacionaisJoão Cunha da SilvaDiretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade SocialMaria Amália Polotto AlvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade SocialRogério Said CalilDiretor de Políticas Sociais e Assuntos EspeciaisJosé Devanir De OliveiraDiretores-SuplentesEduardo Artur Neves MoreiraKleber Cabral Conselho FiscalMembros TitularesRicardo Skaf AbdalaJose Benedito de MeiraMaria Antonieta Figueiredo Rodrigues Membros SuplentesIran Carlos Toneli LimaNorberto Antunes SampaioJosé Yassuo Hashimoto

Tributação em Revista é uma publicação do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita

Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional.

Conselho EditorialLupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Ro-berto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito.

Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.

Revisão Ana Carolina Pinheiro da Silva

EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.

Projeto Gráfi coErika Yoda

Fotolito e ImpressãoKaco Gráfi ca

CapaNúcleo Cinco

Diagramação Washington Ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF

Tiragem desta edição3.000 mil exemplares

Produção EditorialPublicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifi sconacional.org.br , link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:estudostecnicos@sindifi sconacional.org.br

Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

Colaboração:Os artigos, inéditos, devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifi sco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail estudostecnicos@sindifi sconacional.org.br. Os textos serão submetidos ao Con-selho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modifi cação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifi sco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográfi cas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).

ributaçãoT E M R E V I S T A

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e DITORIAL

Uma das maiores conquistas da humanidade, nos tempos modernos, praticamente em sequência às revoluções industrial e urbana, reside na construção de redes de proteção social, das quais a seguridade social, abrangendo ações de saúde, previ-dência e assistência, é a mais importante. No Brasil, inclusive, a atual Constituição Federal faz a sua instrumentalização a partir do conceito básico da solidariedade e do pacto intergeracional.

A partir da existência de supostos ou reais défi cits crônicos, não apenas fi nanceiros, mas também atuariais, ultimamente aprofundou-se a discussão sobre o problema de esquematizar o fi nanciamento da previdência em harmonia com a política econômica e, em particular, com a política tributária.

Historicamente, o fi nanciamento da previdência tem-se assentado na contribuição do próprio segurado e na de seu empregador, sendo esta calculada sobre o total da folha de pa-gamentos. A conveniência de reduzir-se essa forma de contri-buição, substituindo-a por recursos originados dos impostos gerais, está no centro das discussões e desponta como tendên-cia. Com carradas de razão, preocupam-se os especialistas e a academia, que vislumbram risco na perda da principal fonte de fi nanciamento da previdência.

Sem embargo, há um sério problema de foco na discussão. Com efeito, a disputa centra-se na questão da espécie tributária (contribuição sobre a folha) fi cando esquecida ou completa-mente relegada a absoluta necessidade de fonte de recursos exclusiva e desvinculada do orçamento geral.

Embora a contribuição sobre a folha seja, juridicamente, encargo do empregador, do ponto de vista econômico fi nda sendo um imposto sobre o consumo, na medida em que é integrada ao custo dos bens e serviços produzidos e/ou um imposto pessoal do próprio trabalhador, na proporção em que ele supostamente poderia auferir salário maior, se não fosse o encargo. Em princípio, portanto, do ponto de vista estrito de técnica tributária, a contribuição poderia, em último caso, até mesmo vir a ser substituída por outra espécie.

O importante a ser preservado é aquilo que um século atrás os fundadores do sistema perceberam como fundamental: a ab-soluta necessidade de independência administrativa e fi nancei-ra da previdência social. Não foi por mero acaso que o advento

da previdência no Brasil representou, também, o nascimento do gênero autarquia no nosso direito administrativo – ressal-tando-se que o conceito de autarquia, hoje, está completamente deturpado e deixou, há muito, de ser um braço autônomo do Governo, como, realmente, era no início, assim como a para-fi scalidade no campo do direito fi nanceiro e depois tributário.

A Previdência Social, por defi nição, lida com fundos, ex-pectativas, direitos e obrigações de longo prazo, medido em gerações. A atuária é sua ferramenta principal. Um segurado que ingressa no sistema por volta de vinte anos de idade es-pera, com toda razão, que o retorno de suas contribuições se projete até sessenta, oitenta anos depois.

Em contraste, o Governo é obrigado a enfrentar, preponde-rantemente, problemas de curtíssimo, ou, no máximo, médio prazos, por mais que suas ações possam e devam ser guiadas por visão estratégica.

No entrechoque com a administração de curto prazo, no atendimento da legítimas pressões e da necessidade de atuação sobre problemas agudos nascidos da dinâmica econômica e social do País, é inevitável que a administração de longo prazo seja sacrifi cada. Na ordem natural das coisas, os problemas e necessidades emergentes passam a ter preferência sobre pro-blemas e necessidades situadas num ponto qualquer do futuro. Por isso, por exemplo, os fundos da previdência foram utiliza-dos na construção de Brasília e em outras ações de Governo.

Lamentavelmente, a tendência de todas as medidas relati-vas à previdência, seja quanto à sua administração, seja quanto ao seu fi nanciamento, têm apontado no sentido de ignorar a necessidade de autonomia. Atualmente, a gestão previdenciá-ria encontra-se incrustada na administração geral e o Governo chegou a propor, ofi cialmente, no bojo da reforma tributária, que a fonte de fi nanciamento da previdência seja integrada no orçamento geral. Mesmo que protegida por regra de vincula-ção automática, essa integração não pode deixar de ser vista como um péssimo augúrio. Se a previdência, que administra o longo prazo, precisar disputar recursos orçamentários com a administração de curto prazo, com toda certeza vai perder. Isso é claro prenúncio de crises e de decadência no futuro – e de retrocesso para a população brasileira.

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6 TRIBUTAÇÃO em revista

Nesta entrevista a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pes-quisadora da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA, Denise Lobato Gentil, questiona o “déficit” da Previdência Social, defendendo a aplicação do

conceito constitucional de Seguridade Social. A entrevistada também critica a manu-tenção do Fator Previdenciário, a criação da previdência complementar dos servidores públicos e defende a contribuição sobre a folha de pagamentos.

e ntrevista

Denise Lobato Gentil“O déficit da Previdência é um falso argumento. É uma construção ideológica, uma arma de luta

política dos conservadores.”

Tributação em Revista: Uma questão que está no cerne

das discussões acerca do financiamento da Segurida-

de Social no Brasil são as divergências entre aqueles

que defendem o princípio da totalidade estatuído na

Constituição Federal (artigos 194 e 195) e os defen-

sores da separação das fontes de custeio das políticas

de previdência, assistência social e saúde. Qual destas

duas abordagens a Sra. considera a mais apropriada?

Denise Gentil: Não posso tomar outra posição senão a de-

fesa do que diz a Constituição Federal e, como cidadã, exi-

gir seu cumprimento. No artigo 195 da Constituição, está

claramente dito que a seguridade social será financiada por

várias fontes de recursos como a contribuição dos empre-

gadores e trabalhadores à seguridade social (contribuição

ao INSS), a COFINS inclusive sobre importações, a CSLL e

a receita de concursos de prognósticos. Até 2007 a CPMF

também era uma fonte de recursos para a seguridade so-

cial. É importante ressaltar que a Constituição Federal de

1988, no mesmo artigo 195, também diz que a Seguridade

Social será financiada mediante recursos provenientes do

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TRIBUTAÇÃO em revista 7

orçamento da União, além das contribuições sociais que

já mencionei. Ou seja, se um dia a seguridade for deficitá-

ria – o que definitivamente não é –, o governo deve entrar

com recursos do orçamento fiscal para cobrir a garantia de

direitos básicos da cidadania. O sistema foi criado com esta

estrutura financiamento, muito sólida e apoiada em uma

diversificada base de arrecadação que, até o momento, está

preservada no texto da Constituição. As investidas liberais-

-privatizantes não conseguiram, pelo menos até o momen-

to, viabilizar econômica e politicamente sua alteração.

T.R. Em geral, os sistemas de Seguridade Social

ou são financiados com recursos provenientes dos

tributos, via orçamento fiscal, ou por contribuições

específicas, calibradas segundo estimativas atua-

riais. O modelo brasileiro deveria ser alterado para

um regime de capitalização e cobertura não-universal

para ser atuarialmente sustentável?

D.G. Em primeiro lugar vamos deixar claro que o sis-

tema atual, que funciona num regime de repartição, é fi-

nanceiramente sustentável e vai muito bem. Esse é o ponto

de partida. As receitas cobrem completamente os gastos da

área de saúde, assistência social e previdência e ainda so-

bram recursos. Tanto é assim que há a desvinculação das

receitas da União (a DRU) sobre a arrecadação de contri-

buições sociais. Se não sobrassem recursos dessas fontes,

ninguém iria propor DRU, certo? Não se tira de onde há

escassez. Pois bem, se passasse a ser um regime de capita-

lização, baseado em princípios atuariais, seria um grande

retrocesso, porque não seria mais parte de uma política

social. Quem faz regime de capitalização é banco privado,

que trabalha com clientes que têm capacidade contributiva

individual e o banco objetiva lucro ao fazer essas operações

com seus clientes. No esquema de capitalização cada pes-

soa contribui individualmente para um fundo e só recebe-

rá, no futuro, uma renda proporcional ao que foi capaz de

contribuir. São esquemas caríssimos, não é para qualquer

um. Vale o individualismo – quem pode tem, quem não

pode, está fora. O problema é que há milhares de pessoas

que não têm renda para contribuir com nada ou que po-

dem recolher muito pouco, tão pouco que quando vierem

a necessitar de amparo ficarão completamente na miséria

quando passarem pelos riscos de desemprego, velhice, aci-

dente, doença, invalidez ou qualquer outro evento no qual

se vejam sem fonte de renda. O sistema público tem outros

objetivos. A política social tem o papel de proteger os cida-

dãos, principalmente nas crises econômicas e nas contin-

gências da vida, que são momentos em que o “mercado”

abandona as pessoas porque não tem compromisso algum

com a sobrevivência de ninguém. O Estado tem outro pa-

pel. Deve amparar os que não têm recursos para garantir

uma renda mínima de sobrevivência digna e, ir além, isto

é, usar a política social como alavanca para a promoção de

padrões de vida cada vez mais elevados para a população.

Portanto, o sistema tributário irá captar recursos de todos,

principalmente dos que têm maior capacidade econômica

para contribuir, para amparar os que tiverem menos, num

esquema universal, num esquema de solidariedade. A so-

ciedade se solidariza com o indivíduo quando o mercado o

coloca em dificuldades. Deixa de ser problema meramente

individual, dele cidadão, e passa a constituir uma responsa-

bilidade social, pública. O Estado assume a proteção social

como direito de todos os cidadãos porque a coletividade

decidiu que a destituição é incompatível com um patamar

civilizatório mais elevado.

“O sistema atual, que funciona num

regime de repartição, é financeiramente sustentável e vai muito bem. As receitas

cobrem completamente os gastos da área de

saúde, assistência social e previdência.”

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8 TRIBUTAÇÃO em revista

T.R. Ainda sobre modelos de previdência e segu-

ridade social, os sistemas de seguridade na Améri-

ca Latina sofreram reformas nos últimos vinte anos.

Existe uma visão de que a maioria delas seguiu uma

estratégia liberal, buscando maior privatização da

previdência social. Qual é a sua opinião a respeito?

D.G. Muitos países da América Latina, como Chile

(1981), Peru (1993), Argentina e Colômbia (1994), Uru-

guai (1996), Bolívia e México (1997), El Salvador (1998) e

Costa Rica (2001) optaram por substituir, parcial ou inte-

gralmente, os sistemas públicos de repartição por sistema

privados obrigatórios de capitalização individual. Muitos

deles adicionaram medidas de desregulamentação do mer-

cado de trabalho e adotaram benefícios seletivos ao invés

de universais. Qual resultado de tudo isso? O nosso é o

melhor sistema de toda a América Latina. É aquele que tem

uma grande cobertura com benefícios permanentemente

reajustados e que permitiu ao país sair rapidamente da cri-

se mundial com quase zero de contágio. O sistema de se-

guridade social foi responsável pela criação de um mercado

interno poderoso e, mais do que isso, é capaz de estruturar

os salários no mercado de trabalho, definir o montante de

emprego, renda e PIB do país em função do efeito multipli-

cador que esse gasto propaga sobre o conjunto da econo-

mia. Cada R$1,00 gasto com o regime geral de previdência

social gera-se R$1,86 de renda para o conjunto das famílias

brasileiras e para cada R$1,00 gasto com o bolsa-família

são gerados R$2,25 de renda. Esse é o resultado de uma

importante pesquisa realizada no IPEA pela Diretoria de

Estudos Sociais. O sistema de seguridade social brasileiro

foi responsável pela acelerada redução da pobreza e, simul-

taneamente, pelo grande estímulo à demanda agregada que

resultou no maior dinamismo da economia brasileira como

não vivenciávamos há quase duas décadas.

T.R. Lemos e ouvimos com freqüência nos meios

de comunicação sobre a “crise financeira na previ-

dência social”, com déficits anuais alarmantes. Como

nosso sistema de seguridade social tem conseguido

sobreviver com tais déficits? Aliás, há realmente défi-

cit na Previdência Social ou no sistema de seguridade

social?

D.G. O déficit da Previdência é um falso argumento.

É uma construção ideológica, uma arma de luta política

dos conservadores. O superávit da seguridade social foi de

R$72,8 bilhões em 2007, de R$64,8 bilhões em 2008 e de

R$32,6 bilhões em 2009, segundo cálculos da ANFIP, que

se apóia nos preceitos da Constituição Federal para fazer

seus cálculos. Mesmo nos anos de crise internacional como

foram os anos de 2008 e 2009, e mesmo depois da perda

da CPMF, há superávit. Não dá para falar em crise da Previ-

dência com esses números, porque a Previdência está inse-

rida, pela Constituição de 1988, no sistema de seguridade

social, isto é, no seu universo de receitas e despesas. Isolar

o gasto da Previdência e compará-lo com apenas uma úni-

ca fonte de receita – quando existem muito mais fontes de

recursos para a previdência – é cometer o erro de ignorar

os dispositivos constitucionais com o objetivo de enviesar

o cálculo para que se chegue a uma situação deficitária que

é tecnicamente incorreta. Desse falso discurso parte-se para

as avaliações catastrofistas e para os apelos por reformas

restritivas de direitos e privatizantes. É preciso desmisti-

ficar esse discurso. Não existe uma trajetória explosiva de

déficit, como crê a sabedoria convencional e como alardeia

a grande mídia.

“A política social tem o papel de proteger os

cidadãos, principalmente nas crises econômicas e

nas contingências da vida, que são momentos em que o “mercado” abandona as pessoas porque não tem

compromisso algum com a sobrevivência de ninguém.”

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TRIBUTAÇÃO em revista 9

T.R. Como entrariam o Regime Geral da Previ-

dência Social (RGPS) e o Regime Próprio de Previ-

dência Social dos Servidores Público (RPPS) nesta

contabilidade? Embora apenas o RGPS seja público

e universal, haveria uma competição por recursos en-

tre ambos os regimes, via orçamento fiscal? E mesmo

que houvesse a adoção do orçamento da seguridade

social, tal como preconizado pela Constituição Fede-

ral, não haveria direcionamento de recursos públi-

cos, via contribuição patronal da União, para o regi-

me público?

D.G. Apenas o RGPS é público, universal e integra o

orçamento da seguridade social; portanto, só os números

do RGPS têm que ser computados no resultado da seguri-

dade social. Num cálculo rigoroso, o RPPS dos servidores

federais deve ser excluído, por se tratar de um sistema que

estabelece uma relação entre a administração pública e seus

funcionários, patrocinado por contribuições específicas de

seus beneficiários que é a Contribuição ao Plano de Se-

guridade Social do Servidor (CPSSS) e pela contribuição

patronal da União. Esta contribuição patronal teria que ser

efetuada por meio de repasses do orçamento fiscal, mas es-

ses recursos são extraídos do sistema de seguridade social.

É muito freqüente que esses regimes distintos (o RGPS e o

RPPS) se misturarem nas estatísticas de despesas do gover-

no federal e, como conseqüência, o total dos gastos com a

previdência social pública ficam inflados.

T.R. A criação do fator previdenciário teria sido

uma forma velada de introduzir a aposentadoria por

idade já que, na prática, ele reduz o valor do salário-

-de-benefício para a grande maioria dos casos de apo-

sentadoria por tempo de contribuição. Gostaríamos

de ouvir sua opinião sobre o fator previdenciário. Ele

efetivamente discrimina os trabalhadores do RGPS?

A sua extinção, tal como proposta recentemente pelo

Congresso Nacional, e vetada pelo Presidente da Re-

pública, traria realmente um rombo nas contas pú-

blicas superior a R$ 10 bilhões até 2014, tal como

divulgado por órgãos do Poder Executivo?

D.G. Não defendo o fator previdenciário e nem a

idade mínima. Em primeiro lugar, esse tema está longe

de ser a questão central a ser debatida no momento, e

desvia as idéias do centro do problema, que não é fiscal,

mas político. Um debate sobre previdência tem que es-

tar inserido num contexto amplo, sobre os rumos que a

sociedade precisa trilhar para alcançar um outro pata-

mar civilizatório ideal, fazendo a partilha da riqueza que

gera entre as classes sociais. A nossa sociedade precisa

decidir em que patamar vai amparar as pessoas na velhi-

ce, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente

de trabalho, na maternidade, enfim, como irá proteger

aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou tempora-

riamente, para o trabalho e que perderam a capacida-

de de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos

de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o

mercado excluirá a todos nessas circunstâncias. Tratar

a Previdência no varejo, em pequenas parcelas, é des-

prezar o seu valor estratégico no conjunto das políticas

sociais. Além disso, é da mais alta relevância entender

que a Previdência é muito mais que uma transferência

de renda a necessitados: ela é um gasto autônomo, que

se converte integralmente em consumo de alimentos, de

serviços, de produtos essenciais e que, portanto, sai das

“A idade mínima ou o fator previdenciário buscam

manter os trabalhadores mais velhos por mais tempo no mercado de

trabalho e isso gera grande insegurança. Não bastasse a insegurança física que a velhice acarreta, há a

insegurança financeira.”

Page 10: Tributação em Revista 57

10 TRIBUTAÇÃO em revista

mãos dos beneficiários e volta para o mercado, dinami-

zando a produção, estimulando o emprego e multipli-

cando a renda. Os benefícios previdenciários têm um

papel importantíssimo como impulsionadores da eco-

nomia. Se você olha a questão por esse prisma, discutir

fator previdenciário e idade mínima como elementos de

redução de gastos torna-se irrelevante. Em segundo lu-

gar, porque a idade mínima ou o fator previdenciário

buscam manter os trabalhadores mais velhos por mais

tempo no mercado de trabalho e isso gera grande in-

segurança. Não bastasse a insegurança física que a ve-

lhice acarreta, há a insegurança financeira, que vem da

grande dificuldade, em alguns grupos de trabalhadores,

de manter o emprego a partir de uma determinada ida-

de, particularmente para aqueles que estão em trabalhos

onde se exige esforço físico ou em funções de melhor

remuneração, em que jovens podem substituir os mais

antigos com salários mais baixos, de início de carreira.

Como manter o emprego nessas condições até preencher

todos requisitos de idade para se aposentar com uma

remuneração melhor? Não se pode desvincular a pre-

vidência da realidade do mercado de trabalho e adotar

regras gerais como se todos os trabalhadores vivessem

a mesma realidade nas mesmas circunstâncias. Por úl-

timo, o fator previdenciário é altamente injusto porque

reduz, em média, o benefício das mulheres no ato da

aposentadoria, em 41,5% e, do homem, em 35%. O que

se economiza com o fator previdenciário é um valor ir-

risório para os cofres públicos, mas os danos que causa

ao trabalhador são muito grandes, além de se perder o

efeito econômico do multiplicador dessa parcela do gas-

to público sobre os empregos, a renda e a arrecadação

futura.

T.R. Qual sua opinião sobre o regime de previ-

dência complementar, para os servidores públicos,

previsto nos parágrafos 14 a 16 do art. 40 da Cons-

tituição Federal?

D.G. Vamos esclarecer uma coisa, como ponto de

partida. Os gastos da União com as remunerações de

funcionários públicos ativos e inativos permaneceram

estáveis, abaixo de 5% do PIB, ao longo do período de

1996 até 2009, com exceção do ano de 2001, que foi de

5,1% do PIB. A mesma estabilidade se verificou, durante

esse período, com os dados estaduais. No caso da União,

as receitas com contribuições para o Regime Próprio dos

Servidores (RPPS) cresceram após 2002, em termos reais

e nominais, em função da cobrança de inativos e pen-

sionistas a partir da reforma de 2003 e em função do

crescimento do quadro de servidores com os novos con-

cursos. Houve uma reconstrução do estado brasileiro a

partir de 2003 após um longo período de desmonte da

era liberal. Portanto, do ponto de vista financeiro, não

há problemas, hoje, com o RPPS porque a tendência é

de tranqüilidade financeira e auto-sustentabilidade. O

problema que vejo é com relação à previdência com-

plementar dos servidores, em regime de capitalização,

que ainda não foi regulamentada, mas que se vier a sê-lo

trará instabilidade financeira ao regime básico, em fun-

ção da perda de receitas futuras que irá provocar, além

de não proporcionar a mesma segurança aos servidores

que o sistema atual, totalmente apoiado pelo Estado. A

previdência complementar vai jogar o servidor na vul-

nerabilidade que o mercado financeiro proporciona e

a crise de 2008 é um belo exemplo do que significa a

instabilidade desse mercado. É uma montanha russa.

Enfim, a previdência complementar vai mesmo é trazer

grandes proveitos ao setor financeiro que está há mui-

to tempo querendo ficar com essa fatia de mercado dos

servidores que tem alto poder aquisitivo e baixo risco.

O fato real é que é totalmente desnecessário regular o

pilar de previdência complementar dos servidores se as

razões para isso estiverem relacionadas com a solvência

desse sistema.

T.R. As mudanças da estrutura demográfica

brasileira, somadas a uma tendência de redução

do índice de informalidade da economia, podem

estar prenunciando uma fase de conforto na admi-

nistração da previdência social, inclusive a ponto

Page 11: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 11

de afastar a necessidade de novas reformas? O mo-

delo vigente de previdência seria sustentável num

cenário de expectativas de vida no limiar dos cem

anos? Como a ciência prenuncia para as próximas

décadas?

D.G. Sim, é verdade que a proporção de idosos au-

mentará no futuro e as despesas previdenciárias cres-

cerão. Mas é preciso muito cuidado com as conclusões

que se tiram dessa constatação, porque é um enorme

exagero fazer disso o nosso grande problema futuro.

Pelo contrário, não é um problema – esse é o efeito

daquilo que a humanidade sempre buscou ao desejar

prolongar a vida, é o efeito das grandes conquistas que

decorreram do avanço da educação e da informação,

do progresso das pesquisas científicas e das melhores

condições de vida alcançadas por nossa sociedade. Eu

penso que não se pode tratar essa questão reduzindo-a

meramente a um determinismo demográfico. O ponto

fundamental para dar sustentabilidade financeira a um

sistema previdenciário do futuro é conseguir manter ta-

xas elevadas de crescimento econômico, porque as vari-

áveis mais importantes do lado das receitas do sistema

são o emprego formal, o patamar de salários e a massa

de lucros. É preciso não esquecer que a Previdência não

é financiada apenas pelos trabalhadores ativos e seus sa-

lários, mas também por outras receitas tributárias que

derivam do lucro e do faturamento. Portanto, para que

o sistema previdenciário não passe por uma crise finan-

ceira o país terá que crescer a taxas elevadas, aumentar

a produtividade do trabalho com a introdução de novas

tecnologias, elevar o nível de ocupação formal e fazer

uma política salarial que permita elevar a renda média

dos trabalhadores. Se nós conseguirmos isso, não ha-

verá motivos para nos preocuparmos com o problema

do financiamento do sistema previdenciário no futuro,

porque os trabalhadores ativos serão em menor núme-

ro, mas em compensação serão muito mais produtivos e

gerarão mais bens e serviços que os de hoje. Os inati-

vos vão ser mantidos por trabalhadores que trabalharão

por menos tempo e produzirão muito mais, e o nosso

problema será, isto sim, o velho problema de sempre

– que é o de evitar as recessões econômicas e efetuar a

melhor divisão do resultado da produção entre os vários

membros da sociedade. Não se trata, portanto, de uma

dramática trajetória demográfica de envelhecimento da

população contra a qual não teremos outra escolha a não

ser sacrificar os que entram na velhice. É um contra-

-senso. Por que não pensar em reduzir o desemprego

ao mínimo possível para aumentar as receitas para o

sistema previdenciário? Por que não pensar em trazer

cada vez mais para o mundo formal os trabalhadores

que vivem na informalidade para que possam contribuir

para a previdência? Por que não pensar em reduzir as

incertezas dos investimentos dos empresários de forma

a estimulá-los a produzir cada vez mais? Por que não

pensarmos em como usufruir cada vez melhor da velhi-

ce, transformando os idosos nos grandes consumidores

do futuro, ao invés de insistir em mantê-los no trabalho,

que poderia ser ocupado por um cidadão mais jovem?

Trata-se, como você vê, muito mais de um problema de

origem econômica e tecnológica. Mas esta questão está

sendo tratada de forma estreita, como um problema de-

mográfico que, por sua vez, vai desaguar numa questão

fiscal isolada, apenas da Previdência e dos velhos. Daí

começam a surgir as propostas mais indecorosas, de cor-

te de direitos, elevação da idade mínima, redução do

“A previdência complementar vai jogar o

servidor na vulnerabilidade que o mercado financeiro proporciona e a crise de

2008 é um belo exemplo do que significa a instabilidade

desse mercado. É uma montanha russa.”

Page 12: Tributação em Revista 57

12 TRIBUTAÇÃO em revista

valor dos benefícios e aumento de contribuições. E o

que é pior, medidas desse tipo podem se revelar com-

pletamente inócuas para resolver o problema do finan-

ciamento do sistema. É um grande reducionismo opor-

tunista contra o qual a sociedade precisa se organizar,

debater e resistir.

T.R. A Sra. vê contribuição sobre a folha de pa-

gamentos como um dos pilares principais do finan-

ciamento da previdência?

D.G. Acho a contribuição sobre a folha de paga-

mentos fundamental. Ela é um dos sustentáculos do

Orçamento da Seguridade Social e isso faz uma grande

diferença, porque é uma fonte que, junto com as de-

mais receitas (CSLL, COFINS, PIS), foram pensadas

em 1988 para serem “intocáveis” pela disputa política,

pelas manipulações e arbitrariedades do jogo do poder

sobre o destino das verbas orçamentárias. Os recursos

destinados à proteção social foram considerados sagra-

dos pelos constituintes de 1988 porque eram projetados

para assegurar a cidadania e para dar condições míni-

mas de dignidade ao povo brasileiro. São recursos que

amparam os mais necessitados, os desprotegidos, que

não têm poder de pressão algum sobre os destinos dos

recursos públicos. Perder a tributação sobre a folha de

pagamentos substituindo-a por um tributo qualquer po-

deria acabar com essa salvaguarda orçamentária deixada

pelos constituintes de 1988 e lançaria os direitos sociais

no campo da disputa dos recursos do Orçamento Fiscal,

onde a apropriação das receitas do governo é feita pelos

grupos com maior capacidade de fazer prevalecer suas

demandas e seus interesses. A Previdência seria colocada

na arena da disputa dos recursos públicos do Orçamen-

to Fiscal onde levaria enorme desvantagem em função

dos poderosos interesses que trafegam na órbita do or-

çamento público. É preciso que se diga que há uma pro-

posta de alteração na legislação visando reduzir a cota

patronal sobre a folha de pagamentos e muitos chegam

a propor até mesmo sua eliminação. Eu diria que não é

um exagero supor que os resultados dessa operação são

imprevisíveis. Pode acontecer que isso provoque uma

mera desoneração do capital que resultará na incorpo-

ração de maior margem de lucro, com nenhum impacto

ou com baixo impacto sobre a formalização do trabalha-

dor e sobre o aumento do emprego. E por quê? Porque

essa margem de lucro maior pode ir para aplicações no

mercado financeiro, onde é muito rentável e tem baixo

risco. O que faz aumentar o trabalho formal e reduzir o

desemprego são taxas de crescimento do PIB cada vez

maiores. Quando a economia cresce, como acontece

agora no país, o emprego formal dispara e o desemprego

cai rápida e progressivamente. E isso se consegue por

meio de políticas macroeconômicas de estímulo à de-

manda agregada eficientes, como a redução da taxa de

lucro, o aumento do crédito e o crescimento do gasto

público. São elas que aumentam o consumo. Se não

houver consumo suficiente para indicar aos empresários

que vale a pena investir e produzir porque as vendas são

certas, se não houver esta percepção, a desoneração da

folha pode cair a zero e ainda assim eles não contratarão

mais trabalhadores. Portanto, sou muito cética quanto

aos resultados positivos de uma política de desoneração

da folha de pagamentos. Acho que a Previdência perderá

recursos e não será compensada proporcionalmente por

mais empregos e mais formalização.

“Acho a contribuição sobre a folha de pagamentos fundamental. Ela é um dos sustentáculos do

Orçamento da Seguridade Social e isso faz uma grande

diferença, porque é uma fonte intocável pela disputa

política”

Page 13: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 13

a RTIGO

Financiamento da Seguridade Social Análise Sob a Constituição Federal de 1988

Depreende-se do conceito de Seguridade Social que as

ações devem ser tanto dos Poderes Públicos como de toda

sociedade. E, também, percebe-se que Seguridade Social é

gênero do sub-grupo: previdência social, assistência social

e saúde. Assim, sempre que utilizamos o termo Segurida-

de Social, estamos a falar nas suas três espécies, podendo

ser esquematizadas da seguinte forma:

1- Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, lotado em Curitiba-PR. Diretor adjunto de administração do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional. Especialista em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Vice-presidente de Política de Classe da AFIPA. Autor de diversos livros sobre Direito Previdenciário.

2. Caput do artigo 194 da Constituição Federal de 1988.

Eduardo Tanaka1

1. Introdução

O fi nanciamento da Seguridade Social é um tema que

tem sido discutido sob diversos aspectos tais como: eco-

nômicos, estatísticos, sociológicos, tributários. Portanto,

faz-se importante uma análise sob o aspecto da Constitui-

ção da República Federativa do Brasil de 1988. Este artigo

procura abordar o presente tema, principalmente no que

concerne ao mito do défi cit previdenciário.

2. A Seguridade Social – Breve Consideração

Para que o termo Seguridade Social seja compreendido

é necessário atentar ao seguinte conceito2:

A seguridade social compreende um conjunto inte-grado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos re-lativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Page 14: Tributação em Revista 57

14 TRIBUTAÇÃO em revista

É interessante fazer uma sucinta diferenciação entre

estas três espécies:

• A Previdência Social:

• será organizada sob a forma de regime geral, de

caráter contributivo e de filiação obrigatória, ob-

servados critérios que preservem o equilíbrio fi-

nanceiro e atuarial. Os Benefícios são administra-

dos e concedidos pelo INSS. Já o Custeio fica por

conta da Secretaria da Receita Federal do Brasil,

órgão responsável pela arrecadação e fiscalização

das contribuições sociais.

• A Assistência Social:

• será prestada a quem dela necessi-

tar, independentemente de contribuição

à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternida-

de, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pes-

soas portadoras de deficiência e a promo-

ção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício

mensal à pessoa portadora de deficiência e ao ido-

so que comprovem não possuir meios de prover à

própria manutenção ou de tê-la provida por sua

família, conforme dispuser a lei.

• A Saúde:

• é direito de todos e dever do Estado, garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem

à redução do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços

para sua promoção, proteção e recuperação.

A saúde, cujas ações partem do Sistema Único de Saú-

de, é acessível a todas pessoas, independentemente de

classe social e não há necessidade de contribuição para

Seguridade Social.

3. A Seguridade Social e o Princípio do Estado De-

mocrático de Direito

Para que se possa discorrer a respeito dos aspectos

constitucionais do financiamento da seguridade social é

necessária uma análise preliminar de um dos mais impor-

tantes princípios da nossa Carta Magna: O Princípio do

Estado Democrático de Direito.

Conforme o caput do artigo 1º da Constituição Fede-

ral:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Di-reito e tem como fundamentos: (...) (grifo nossos).

Pode-se observar que nossa Lei Maior traz o referido

princípio estampado em seu artigo 1º, que, na visão de

José Afonso da Silva3:

a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consis-te, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos compo-nentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação status quo. E aí se entremostra a extrema importân-cia do art. 1º da Constituição de 1988, quando afir-ma que a República Federativa do Brasil se constitui um Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar o Estado, pois a Constituição aí já está proclamando e fundando. É um tipo de Es-tado que tende a realizar a síntese do processo con-traditório do mundo contemporâneo, superando o Estado capitalista para configurar um Estado promo-tor de justiça social que o personalismo e o monismo político das democracias populares sob o influxo do socialismo real não foram capazes de construir.

Naturalmente, o que Silva quis dizer é que um Estado

Democrático de Direito vai além do conceito de Estado de

Direito e além do conceito de Estado Democrático, pois

ele se fundamenta em um Estado preocupado com a ver-

dadeira justiça social. Pois, como aduz Silva:

3. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 29ª edição, 2007, p. 119.

Page 15: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 15

O certo, contudo, é que a Constituição de 1988 não promete a transição para o socialismo com o Estado Democrático de Direito, apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos di-reitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibi-lita concretizar as exigências de um Estado de justi-ça social, fundado na dignidade da pessoa humana.

Desta forma, como conseqüência do princípio do

Estado Democrático de Direito, a República Federativa

do Brasil deve ter como objetivos fundamentais4, den-

tre outros: construir uma sociedade livre justa e solidá-

ria; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; promover o bem de

todos. Assim, não é benesse de Governo algum investir

e priorizar a Seguridade Social, pois, prioritariamente,

é obrigação Constitucional de mais alto estirpe imposta

a todos, pois tal mandamento é um princípio Consti-

tucional.

Portanto, é missão constitucional do Poder Público

pautar suas ações na constante persecução à justiça

social.

4. A Seguridade Social e o Princípio da Solidarie-

dade

Constituem objetivos fundamentais da República Fe-

derativa do Brasil: - construir uma sociedade livre, justa

e solidária. Assim preconiza o artigo 3º, inciso I da Cons-

tituição Federal.

O homem é um ser social por natureza. Uns depen-

dem dos outros para sua própria sobrevivência. Desta

forma, todos aqueles que produzem, que trabalham, de-

vem contribuir com parte de seus ganhos para com os

que precisam de alguma assistência. É o chamado Pacto

Intergeracional.

Os valores arrecadados hoje serão utilizados imedia-

tamente para custear os benefícios e serviços de hoje.

Assim, o sistema contributivo do Regime Geral de Previ-

dência Social é o de repartição simples.

5. O Financiamento da Seguridade Social

O caput do artigo 195 da Constituição Federal trata

do financiamento da Seguridade Social:

A seguridade social será financiada por toda a so-ciedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do tra-balho pagos ou creditados, a qualquer título, à pes-soa física que lhe preste serviço, mesmo sem víncu-lo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da pre-vidência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;III - sobre a receita de concursos de prognósticos.IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

Ao ler o citado caput do art. 195 da Constituição Fe-

deral, depreendemos que além das contribuições sociais,

a Seguridade Social deve ser financiada mediante recur-

sos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios, que, em regra são

receitas provenientes dos impostos.

Desta forma , a Seguridade Social, cumprindo o prin-

cípio Constitucional da diversidade da base de finan-

ciamento5 , deve ser financiada tanto por recursos das

contribuições sociais, quanto por impostos arrecadados.

Por óbvio as contribuições sociais devem, ou pelo

menos deveriam, ser aplicadas exclusivamente para o

financiamento da Seguridade Social e, assim, cumprir

o papel social do Estado Democrático de Direito. E, no

caso em que as despesas para com a Seguridade Social

superem a arrecadação das contribuições sociais, não há

que se falar em déficit. Pois, os recursos provenientes dos

orçamentos dos entes estatais, também, integram o orça-

mento securitário,

4. Artigo 3º da Constituição Federal.

5. Art. 194, parágrafo único, inciso VI da Constituição Federal de 1988.

Page 16: Tributação em Revista 57

16 TRIBUTAÇÃO em revista

Como reza a Carta Magna, quando se fala em Segurida-

de Social, referem-se às três espécies (Saúde, Previdência

Social e Assistência Social). O artigo 195 da Constituição

Federal descreve um modelo de financiamento global da

Seguridade Social. E, historicamente, a Seguridade Social

tem demonstrado sucessivos superávits. Conforme dados

da Secretaria do Tesouro Nacional – STN – e do Sistema

Integrado de Administração Financeira do Governo Fede-

ral – SIAFI – no primeiro semestre de 2009 o superávit da

Seguridade Social foi de R$20,03 bilhões6.

Então, como se falar em déficit previdenciário se o

encontro das Receitas e Despesas da Seguridade Social é

superavitário? Acentua-se, que em períodos de crise eco-

nômica, como no primeiro semestre de 2008, o saldo po-

sitivo beirou R$35,15 bilhões, o que equivale a 2,97% do

PIB7.

Mesmo, também, a previdência urbana, apresenta-se

superavitária, dispensando qualquer tipo de financiamen-

to, que não se origine das contribuições sociais sobre a

folha de pagamentos8. O superávit da previdência urba-

na vem a prover parte da previdência rural, obedecendo

ao art. 201, parágrafo 9º, que estabelece que “os diversos

regimes de Previdência social se compensarão financeira-

mente, segundo critérios estabelecidos em lei”. Portanto, o

famigerado déficit previdenciário corresponde aos benefí-

cios pagos aos segurados rurais e mais especificamente os

ditos “segurados especiais9” que não dispõem de receita

suficiente, mas que devem ser amparados pelo sistema se-

curitário, obedecendo-se ao princípio da solidariedade e

do Estado Democrático de Direito.

Assim, as receitas arrecadadas de todas as contribui-

ções sociais devem ser destinadas a toda Seguridade So-

cial. Isto porque, a Constituição Federal de 1988 não trou-

xe em seu bojo a especificação. A Carta Magna definiu que

a lei orçamentária anual compreenderá, dentre outros, o

orçamento da seguridade social, abrangendo todas as en-

tidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta

ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e

mantidos pelo Poder Público10.

Além das contribuições sobre a folha de pagamento,

ditas contribuições previdenciárias, há outras fontes de

financiamento que são capazes de distribuir a receita se-

curitária de forma a cumprir com o objetivo da universa-

lidade da cobertura e do atendimento e da seletividade e

distributividade na prestação dos benefícios e serviços11.

Sendo assim, quando se trata do orçamento da Seguri-

dade Social, deve-se ter em mente que as receitas securitá-

rias devem financiar integralmente a Saúde, a Assistência

Social e a Previdência Social.

Infelizmente, o que tem sido divulgado é apenas o re-

sultado financeiro do Regime Geral da Previdência Social

por meio do contraste entre a arrecadação das contribui-

ções sociais sobre a folha de pagamentos e as despesas

com benefícios previdenciários do INSS.

Entretanto, como já abordado, as contribuições sociais

não se resumem apenas por aquelas sobre a folha de pa-

gamentos. A Seguridade Social é financiada, também, pela

COFINS, PIS, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,

concursos de prognósticos, dentre outras. E, todas as re-

ceitas da Seguridade Social são capazes de cobrir com su-

perávit todas as suas despesas. Então, como aceitar o mito

do déficit apenas da Previdência Social, se o orçamento

da Seguridade Social é superavitário? E mesmo que seu

orçamento fosse deficitário, ainda há a previsão constitu-

cional12 de recursos do orçamento fiscal a ser injetados no

sistema securitário.

6. Revista de Seguridade Social. ANFIP, 2009, nº101, p28.

7. Revista de Seguridade Social. ANFIP, 2009, nº101, p28.

8. Estas são as Contribuições Sociais Previdenciárias, propriamente ditas.

9. O art. 195, § 8º da Constituição Federal de 1988, aborda o conceito de segurado especial: “o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.”

10. Art. 165, § 5º, VI da Constituição Federal de 1988.

11. Art. 194, parágrafo único, incisos I e III da Constituição Federal de 1988.

12. Art. 195, caput.

Page 17: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 17

Porém, o que ocorre com os recursos securitário é o

inverso do que deveria ser. Pois, como se não bastasse,

ainda assim, o orçamento da Seguridade Social é usurpa-

do por meio da famigerada Desvinculação de Recursos da

União – DRU. Esta desvinculação teve início por meio da

Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994, com a

criação de um “Fundo Social de Emergência (FSE); tendo

sido prorrogada pelas Emendas Constitucionais nº 10 e 17

e, posteriormente, Emenda Constitucional nº 27, que ins-

titui a Desvinculação das Receitas da União (DRU), sendo

prorrogada pelas Emendas Constitucionais nº 42 e nº 56,

nesta até 2011.

Assim, a DRU desvincula 20% das contribuições so-

ciais, que deveria prover a Seguridade Social, mas que é

usurpado para composição do superávit primário e, por

conseqüência, é utilizado para pagar juros da dívida.

Esse flagrante desrespeito à Seguridade Social retira as

receitas da sociedade brasileira. Receitas estas que deve-

riam promover de forma mais ampla a justiça social, mas

que, por meio da DRU, segue um caminho inverso, ao

devolver estes valores aos detentores do grande capital.

6. Conclusão

É notório que a Previdência Social é o maior distribui-

dor de rendas do país, fomentando a economia local e,

conseqüentemente, são fontes essenciais de financiamento

de grande parte de pequenos municípios espalhados pelo

Brasil. O dinheiro dos benefícios previdenciários e assis-

tenciais alavanca a economia, traz dignidade aos desfavo-

recidos e minimiza as dificuldades de milhares e milhares

de famílias.

O governo deveria abandonar a falácia do déficit pre-

videnciário, haja vista que a arrecadação das contribuições

sociais é superavitária. Isto demonstra uma clara violação

ao Princípio Constitucional da Publicidade13, ao trazer in-

formações e dados manipulados, e que, perigosamente,

servem de amparo para que os detentores do grande capi-

tal e o governo possam vilipendiar a Previdência Social e

reforçar suas teses da desoneração da folha de pagamento,

da manutenção do fator previdenciário e de demais regras

que podem trazer grandes prejuízos aos trabalhadores.

Por outro lado existe a DRU, que apesar de integrar a

Constituição Federal através de Emendas Constitucionais

que a prorrogam ciclicamente, é inconstitucional, pois

retira do orçamento da Seguridade Social um montante

considerável que deveria ser investido na Saúde, Assis-

tência Social e Previdência Social, transferindo-o para o

orçamento fiscal, desrespeitando o artigo 195 da Carta

Magna que prevê as fontes de financiamento que deve-

riam abastecer a Seguridade Social. Isto, conseqüentemen-

te, também viola o princípio do Estado Democrático de

Direito, dificultando que objetivos fundamentais da Re-

pública Federativa do Brasil sejam alcançados, tais como a

erradicação da pobreza e da marginalização e redução das

desigualdades sociais e regionais 14.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucio-nal Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 29ª edi-ção, 2007.

Tanaka, Eduardo. Direito Previdenciário. Rio de Ja-neiro: Editora Campus Elsevier, 2009.

Mendes, Gilmar et al. Curso de Direito Constitucio-nal. São Paulo: Saraiva, 2009.

Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2009.

Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.

ANFIP. Revista de Seguridade Social. 2009, nº101.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade So-cial. 21 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.

13. Art. 37, caput da Constituição Federal de 1988.

14. Art. 3º, inciso III da Constituição Federal de 1988.

Page 18: Tributação em Revista 57

18 TRIBUTAÇÃO em revista

a RTIGO

A Previdência Social Como Renda Social no Brasil

Célio Favoni1

Solange de Cássia Inforzato de Souza2

incorpora uma preocupação acerca do crescimento da po-

pulação brasileira maior de 60 anos, estimando que em

2020 aproximadamente 15% da população será composta

por idosos.

Recentemente, políticas sociais se fazem presentes no

âmbito da assistência e previdência social. Neri et al (2008)

destaca: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ins-

tituído em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social

(LOAS) e destinado à população com 65 anos ou mais e

a portadores de defi ciência incapacitados para o trabalho,

que possuem renda familiar per capita inferior a ¼ do sa-

lário mínimo; a Política Nacional do Idoso (PNI) aprovada

em 1994 com o objetivo assegurar ao idoso seus direitos

sociais; a Política Nacional de Saúde do Idoso, elaborada

pelo Ministério da Saúde em 1999, que determinou me-

1. Introdução

A previdência social nasceu da necessidade de assegu-

rar os bens materiais essenciais para o futuro dos indiví-

duos e resultou de um sentimento de solidariedade que

se manifestou no atendimento à população vulnerável. No

entanto, a Previdência Social Brasileira, a partir da segunda

metade da década de 1990, passou a enfrentar pressões de-

fi citárias em função da construção do sistema de proteção

social, do crescente número de aposentadorias, das ques-

tões demográfi cas e das alterações no mercado de trabalho.

O comportamento das variáveis demográfi cas denun-

cia o aumento da expectativa de sobrevida da população,

queda da fecundidade e aumento da longevidade. Essa in-

teração tem levado a um maior crescimento da população

idosa em relação aos demais grupos. Camarano (2002)

1. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina - UEL (1998). Mestre em Economia pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2003). Atualmente é professor associado da Faculdade de Tecnologia de Jahu, vinculada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”, autarquia do governo do estado de São Paulo.

2. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina (1983), mestrado em Economia pela PUC de São Paulo (1992) e doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC de São Paulo (2002). Atualmente é professora associada da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de Economia, principalmente nos temas: mercado de trabalho, economia do bem estar social, desigualdade social e de renda.

Page 19: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 19

didas preventivas e ampliou a assistência médica e “[...] o

Estatuto do Idoso, em 2003, que estabelece direitos sociais

e promove equidade em diferentes campos entre idosos e

demais membros da população, lhes conferindo cidadania

e auto-estima” (Neri et al, 2008, p. 7).

A Previdência Social Brasileira tem apresentado a sua

face social e geradora de renda social signifi cativa, parti-

cularmente como política pública social no combate à po-

breza e como base de sustentação da economia de muitas

localidades brasileiras.

Diante desse contexto, este trabalho tem como objeti-

vo evidenciar o papel da Previdência Social como política

pública de renda e de infl uência econômica nos Estados e

municípios, a partir dos dados sobre os benefícios previ-

denciários, do Fundo de Participação dos Estados e Muni-

cípios (FPE/FPM) e também dos benefícios do Programa

Bolsa Família (PBF), cuja base está no MPAS (2010), STN

(2010) e MDS (2010).

Na primeira seção deste artigo discute-se o Estado do

Bem Estar, a evolução histórica da previdência social no

Brasil e a importância dos benefícios previdenciários sobre

a renda das famílias e sobre a economia dos estados bra-

sileiros. Em seguida, analisam-se os dados e, ao fi nal, as

conclusões são apresentadas.

2. Da origem e desenvolvimento do Estado do Bem

Estar à Previdência Social Brasileira

A tarefa de explicar a origem e o desenvolvimento

do Welfare State é complexa e requer alguns cuidados.

Oliveira (1998) descreve que o que se chama de Welfa-

re State, como conseqüência das políticas originalmente

anticíclicas de teorização keynesiana e constituiu-se no

padrão de fi nanciamento público da economia capitalista.

Este pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera

pública onde, a partir de regras universais e pactuadas, o

fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o

pressuposto do fi nanciamento da acumulação de capital,

de um lado, e, de outro, do fi nanciamento da reprodução

da força de trabalho, atingindo globalmente a população

por meio dos gastos sociais.

Marques (1997) enfatiza que o Welfare State é re-

sultado de um longo processo de construção, e com-

preende um conjunto e políticas sociais desenvolvidas

pelo Estado no intuito de prover a cobertura dos riscos

advindos da invalidez, velhice, acidente de trabalho e

de desemprego.

Na literatura especializada, a origem do Estado do

Bem-Estar está associada a diferentes causas sob dife-

rentes enfoques, entre os quais se destaca o artigo de

Arretche (1995). Inicialmente, a autora classifi cou o

surgimento do Welfare Sate em duas versões: a) a que

atribui a origem do estado do bem-estar aos fatores eco-

nômicos, e a segunda, que busca fontes explicativas do

fenômeno nos fatores políticos.

Numa segunda classifi cação a autora, subdividiu os

condicionantes econômicos entre os que compreendem

o Welfare State como uma necessidade advinda das mu-

danças provocadas pela industrialização nas sociedades,

alterando radicalmente a vida familiar, diminuindo sua

capacidade de determinar a reprodução da força de tra-

balho, e os que vêem o Welfare State como resposta às

demandas de acumulação e legitimação do sistema capi-

talista, aumentando a produtividade e rebaixando o custo

da mão de obra.

Dos autores que explicam os condicionantes políticos

como determinantes do Welfare State, Arretche (1995)

destacou Marshall, por sua obra Cidadania, Classe Social

e Status. Para ele, o Estado do Bem-Estar é resultado da

ampliação progressiva de direitos na sociedade, que, ini-

cialmente, conquistou direitos civis, logo após os direitos

“A Previdência Social tem uma face social como

política pública no combate à pobreza e como base de

sustentação da economia de muitas localidades”

Page 20: Tributação em Revista 57

20 TRIBUTAÇÃO em revista

políticos e, em seguida, direitos sociais com a distribuição

da riqueza socialmente produzida.

Independentemente das interpretações e pensamentos

até aqui expostos, o fenômeno do Welfare State teve sua

incontestável expansão no período pós-guerra, pela mani-

festação das preocupações distributivas fundadas na con-

cepção do trabalho como atividade social e na responsabi-

lidade social do empregador e do Estado. O Welfare State

e o estado keynesiano surgiram em conseqüência da crise

de 1929 e puderam ser vistos como modelo de uma nova

forma de hegemonia burguesa, e por isso foi amplamen-

te utilizado ao fim da década de 1940, quando o regime

fordista de acumulação tornou-se hegemônico no mundo.

As décadas de 50 e 60 foram marcadas por grandes

transformações nas estruturas econômicas e sociais. Esse

período correspondeu a uma fase excepcional do capita-

lismo, talvez única. A economia mundial se internacio-

nalizou, ampliando significativamente a importância do

comércio realizado entre as nações (HOBSBAWM, 1995)

A economia capitalista mundial cresceu entre as dé-

cadas de 1950 e 1970, com baixas taxas de desemprego.

Para essa expansão combinaram-se o progresso técnico, a

organização fordista de produção e trabalho, o “salário in-

direto”, e a presença “estrutural e insubstituível” do fundo

público (OLIVEIRA, 1998).

Após os anos de maior expansão do capitalismo, duran-

te os quais o investimento do capital manteve os programas

de proteção social, o Estado do Bem- Estar defrontou, nas

décadas posteriores, com uma realidade inversa à do perío-

do anterior. A partir dos anos de 1980, os países desenvol-

vidos assistiram a uma mudança radical de sua estrutura de

emprego e de sua capacidade de gerar trabalho.

No Brasil, a forma histórica como se constituiu o mo-

delo de proteção social, embora apresente a mesma traje-

tória dos países desenvolvidos, obedeceu a algumas pecu-

liaridades. A política social foi utilizada desde a década de

20, e, principalmente após 1930, como instrumento de

participação em um contexto de limitação ao estabeleci-

mento de uma ordem democrática, onde o Estado inter-

veio com grande autonomia.

Ao final da década de 70 e início dos anos 80, aprofun-

daram-se a crise fiscal e o desequilíbrio externo. O qua-

dro de crise marcou o processo de transição para a Nova

República, que propôs novamente a análise das políticas

sociais como um problema de eficácia gerencial das políti-

cas públicas, com base em conceitos defendidos pelos or-

ganismos internacionais (WINCKLER & MOURA NETO,

1992).

Sem ter consolidado o Estado do bem-estar, e como

decorrência do processo de crescente fragilização financei-

ra, na década de 90, o Estado brasileiro viu reduzida sua

capacidade de investir, emergindo um crescente conflito

entre a gestão financeira do Estado e a sua conseqüente di-

ficuldade de suprir os programas assistenciais no combate

à pobreza, ao desemprego, à saúde e à velhice.

O discurso neoliberal debatido neste período foi se

desfazendo ao logo do período Collor, FHC e Lula, resul-

tando somente na forma de acesso as aposentadorias e o

valor dos benefícios (MARQUES et al., 2009).

2.1 - Previdência Social no Brasil

No que se refere à institucionalidade, considera-se a

Lei Eloy Chaves, de 1923, o ponto de partida do sistema

previdenciário brasileiro, que estabeleceu as bases legais

e conceituais da posterior previdência social, e também o

precedente do uso da previdência como meio de lidar com

a questão social (MALLOY, 1986).

No decorrer das décadas de 20 e 30, foi incisiva a in-

tervenção do Estado sobre as instituições previdenciárias,

no sentido de redirecionar a natureza de seus objetivos,

“A Constituição de 1988 significou o ápice do processo de universalização, garantindo a ampliação da cobertura da

proteção social para segmentos até então desprotegidos.”

Page 21: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 21

gestão, organização e padrão de financiamento (ANDRA-

DE, 1999). A administração dos fundos de aposentado-

rias, porém, era realizada pelos próprios empregadores e

empregados, sem a participação do Estado.

Como o pequeno número de segurados proporcionava

recursos insuficientes para o funcionamento das Caixas de

Aposentadorias e Pensões (CAP´s) em moldes estáveis, foi

necessário imprimir uma mudança de orientação ao siste-

ma (STEPHANES, 1998). Começou, então, uma nova fase,

em que a vinculação passou a ser feita pela categoria pro-

fissional. Foram criados os Institutos de Aposentadorias

e Pensões (IAP’s) e a cobertura previdenciária estendida à

virtual totalidade dos trabalhadores urbanos e a boa parte

dos trabalhadores autônomos. O Estado, que até então se

mantivera afastado da administração dos sistemas, assu-

miu mais estreitamente a gestão das novas instituições.

Mas em matéria de proteção social, a organização em

institutos apresentava uma série de problemas. Além de

excluir os trabalhadores rurais e os do setor informal urba-

no, não protegia muitos assalariados do próprio mercado

formal, uma vez que não exerciam profissão nos ramos de

atividade contemplados pelos institutos.

A primeira medida para diminuir a disparidade exis-

tente entre as categorias profissionais e a unificação da

previdência foi a promulgação da Lei Orgânica da Previ-

dência Social - LOPS de 1960. Sua grande importância

residiu no fato de haver uniformizado as contribuições e

os planos de benefícios, extinguindo os institutos por ca-

tegoria (RANGEL et al., 2009).

Em 1967, no âmbito das reformas empreendidas pelo

regime militar, e decorridos seis anos da promulgação

da LOPS, a unificação institucional foi efetivada através

da criação do Instituto Nacional da Previdência Social

(INPS). Em 1974, por meio do desdobramento do antigo

Ministério do Trabalho e Previdência Social, foi criado o

Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que

veio a responder pela elaboração e execução das políticas

de previdência, assistência médica e social.

Mas o grande momento de estruturação da proteção

social brasileira ocorreu no ano de 1988, a partir da pro-

mulgação da nova Constituição, dando origem ao concei-

to de Seguridade Social, que envolve além da previdência,

também assistência social e saúde.

O termo Seguridade Social é um conceito estruturan-te das políticas sociais cuja principal característica é de expressar o esforço de garantia universal da pres-tação de benefícios e serviços de proteção social pelo Estado. Neste sentido, sua base de financiamento é bem mais ampla que a do seguro social, conceito que orientou a política previdenciária brasileira desde os anos de 1920, organizada sob inspiração do modelo alemão, criado por Bismark na segunda metade do século XIX (DELGADO et al., 2009, p. 21).

A Constituição de 1988 deu forma às propostas que

já vinham sendo discutidas na sociedade desde o final da

década de 70 e significou o ápice do processo de univer-

salização. A Constituição vem garantir a ampliação da co-

bertura da proteção social para segmentos até então des-

protegidos.

As mudanças introduzidas a partir de 1991 (Lei 8.212

e 8.213/91) regulamentaram os novos dispositivos da

Constituição de 1988, estabelecendo, por exemplo, o va-

lor do salário mínimo como piso para pagamento de bene-

fícios, reduzindo o limite de idade para as aposentadorias

rurais e equiparação entre as chamadas “previdência rural”

e “previdência urbana” resultando em novos aumentos no

estoque de aposentadorias (ANDRADE, 1999). Essas mu-

danças da Constituição (principalmente a universalização

dos benefícios) alimentaram discussões neoliberais, nos

anos posteriores, acerca da reforma e equidade da Previ-

dência Social Brasileira e buscaram atuar no sentido con-

trário à ampliação da cobertura dos programas de segu-

rança de renda à população brasileira (JACCOUD, 2009).

Para os defensores do Estado Mínimo, a responsabi-

lidade pelo crescimento do déficit fiscal do governo e do

aumento do “Custo Brasil” estaria no aumento das despe-

sas da previdência impulsionada após os novos direitos

advindos da nova constituição.

Prosperaram, no início dos anos 1990, diversas pro-

postas de reforma da Previdência Social Brasileira, inspira-

das no modelo chileno de capitalização, em que o valor do

Page 22: Tributação em Revista 57

22 TRIBUTAÇÃO em revista

benefício está atrelado ao valor “depositado” e capitalizado

de cada contribuinte ao longo da vida produtiva.

Somente com a posse do novo governo em 2003 e

aproveitando o otimismo em volta dele, houve nova pro-

posta de reforma na qual incluíram desta vez os servidores

públicos em que se limitou um teto máximo para as futu-

ras aposentadorias e incluiu a contribuição sobre o valor

das aposentadorias (MARQUES et al., 2007). Entretanto,

as mudanças introduzidas não visaram à passagem do sis-

tema de repartição para o de capitalização.

3. Previdência Social Brasileira e Inclusão Sócio-

-Econômica

No interior dos debates acerca da reforma previden-

ciária, e diante dos défi cits persistentes nas contas da

previdência desde meados da década de 90, a dimensão

fi nanceira desse particular fundo público é enfatizada,

obscurecendo a sua face social e geradora de renda.

Segundo Barros et al., (2010), o Brasil possui uma

distribuição de renda per capita extremamente desigual,

pois apesar da melhoria da vida da população pós Plano

Real, ainda persiste uma perversa desigualdade de ren-

da. Conforme os dados apresentados na Gráfi co 1 se ob-

serva que a parcela de renda apropriada pelos 50% mais

pobres é ligeiramente maior do que a parcela apropriada

pelos 1% mais ricos. Outra constatação que ilustra o ní-

vel de desigualdade é o fato de que a parcela apropriada

pelos 10% mais ricos representa mais de 43% da renda

total.

O Brasil ocupa o 75º lugar no ranking mundial do

IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, que analisou

condições de vida, educação e renda de 182 países em

2007. Apesar de melhora nos últimos anos, as condições

de vida desigual, corroem quase 1/5 do padrão de desen-

volvimento do país (PNUD, 2010).

Esta situação seria ainda mais grave caso não houves-

Gráfi co 1 - Desigualdade Social Brasileira - 1976/2008

Page 23: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 23

se programas de transferências previdenciárias. Dados do

MPAS (2010a) destacam que há cerca de 56 milhões de

pessoas em situação de pobreza no Brasil. Caso a Previ-

dência Social não existisse, este número saltaria para mais

de 79 milhões de pessoas, ou seja, somente a Previdência

foi responsável por retirar das condições de pobreza mais

de 20 milhões de brasileiros (Gráfi co 2).

É interessante frisar que as transferências previden-

ciárias conseguiram benefi ciar todas as faixas etárias da

população brasileira, mas a situação de pobreza seria ain-

da mais crítica para a população idosa (≥ 60 anos), pois

representam mais de 10% da população brasileira (IPEA,

2010), e estimativas do MPAS indicam que mais de 81%

deles estão protegidos pelos benefícios da Previdência. São

mais de 17 milhões de idosos que recebem algum tipo de

benefício e em muitas vezes como a única fonte de renda

da família (Tabela 1). Batista et al., (2009), concluiu, com

dados da PNAD (2007), que sete de cada dez idosos vi-

viam em domicílios com até 02 salário mínimos (SM) de

renda per capita e que é baixa a incidência de idosos em

situação de pobreza, ou seja, com renda per capita inferior

a ½ SM, isto devido em grande parte aos rendimentos dos

benefícios previdenciários3.

Em 2009, a Previdência Social Brasileira atendeu entre

benefícios urbanos, rurais e assistenciais, 26,6 milhões de

pessoas. Isto equivale mais do que a soma da população

do Chile e Uruguai (Gráfi co 3).

Um dado interessante a destacar é que dos benefícios

Gráfi co 2 - Percentual de Pobres* no Brasil, por idade, com e sem Transferências Previdenciárias – 2008. Fonte: MPAS (2010a) elaborado a partir de dados PNAD/IBGE (2008)

*Linha de pobreza = ½ salário mínimo.

3- Consideram os valores advindos do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), sejam eles aposentadorias, pensões ou Benefício de Prestação Continuada (BPC)

Page 24: Tributação em Revista 57

24 TRIBUTAÇÃO em revista

emitidos, a maioria deles foi de até 02 salários mínimos.

O valor médio dos benefícios pagos pela Previdência So-

cial, nos cinco primeiros meses do ano de 2010, foi de

R$ 719,20. A maior parte dos benefícios (69,5%) pagos

em maio de 2010 tinham valor de até um salário mí-

nimo, contingente de 19,0 milhões benefi ciários diretos

(MPAS, 2010c).

Se considerarmos que os mais pobres possuem uma

propensão marginal a consumir maior que as pessoas com

rendimento elevado, ou seja, qualquer acréscimo em sua

Categorias Homens Mulheres TotalAposentados 6.950.143 5.306.168 12.256.311

Pensionistas 126.099 2.237.270 2.363.369

Aposentados e pensionistas 220.707 1.397.096 1.617.803

Contribuintes não benefi ciários 678.869 273703 952.572

Total protegidos (a) 7.975.818 9.214.237 17.190.055

Residentes (b) 9.214.542 11.824.542 21.039.084

Cobertura – Em % ((a)/(b)) 86,60% 77,90% 81,70%

Tabela 1 - Brasil: Proteção Previdenciária para a População Idosa em 2008

Cobertura Social entre os Idosos – 2008 (Inclusive Área Rural da Região Norte) Fonte: PNAD/IBGE – 2008. Extraído de MPAS (2010a)

Gráfi co 3 - Evolução da Quantidade de Benefícios Emitidos pela Previdência, 2001-09Fonte: MPAS (2010)

Page 25: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 25

renda será igualmente gasto, então boa parte da demanda

agregada nacional depende direta ou indiretamente des-

tes benefícios sociais. Percebe-se que a cada R$ 4,00 gas-

tos no país, R$ 1,00 encontra-se vinculado diretamente à

economia social. Se for contabilizado também o seu efeito

multiplicador (elasticidade de 0,8) pode-se estimar que

quase metade de toda a produção de riqueza nacional se

encontra relacionada à dinâmica da economia social (PO-

CHMANN, 2010)

A expansão do número de aposentadorias e pensões

combinada com a elevação do salário mínimo são colo-

cados como fator de aumento no déficit previdenciário,

segundo a visão fiscalista: Receitas (contribuição de em-

presas e trabalhadores) menos Despesas (pagamento de

aposentadorias e pensões).

É essa matemática financeira, instituída pela Lei de

Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000 que se convencio-

nou chamar de “déficit da previdência”. Em 2009, esse

“déficit” teria alcançado R$ 43,6 bilhões, correspondente

a 1,38% do PIB (MPAS, 2010b).

Outra forma de encarar a questão pode ser chamada

de constitucionalista, uma vez que se pauta pelos princí-

pios da Constituição Federal que em seu artigo 195 es-

tabelece que a:

Seguridade Social será financiada por toda a socie-dade de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-cípios e das contribuições de empregador e trabalha-dor (BRASIL, 1988).

Estes preceitos definem a Previdência como parte da

Seguridade e determinam uma base de financiamento di-

versificada para o sistema.

Atualmente as principais fontes de arrecadação para a

Seguridade Social, além das contribuições previdenciárias

de trabalhadores e empresas sobre folha, são: Contribuição

para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS; e

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.

Caso também sejam incluídas no sistema de proteção

social as ações voltadas para garantir renda ao desempre-

gado e ao trabalhador de baixa renda, a Seguridade passa

a ter a atribuição de conceder o seguro-desemprego e o

abono salarial e a contar com as fontes de receitas que

financiam esses benefícios, incorporando-se às anteriores

os Programas de Integração Social e de Formação do Patri-

mônio do Servidor Público (PIS/PASEP). Nesta nova mate-

mática, a receita total da Seguridade superaria as despesas4

(DIEESE, 2007)

Quando analisamos o efeito das transferências previ-

denciárias nas unidades da federação, identificamos que os

valores repassados através dos benefícios terminam sendo

à base da economia de boa parte dos municípios brasi-

leiros. Nesses, os benefícios previdenciários constituem,

com freqüência, a única renda monetária que milhões de

famílias recebem. “A Previdência Social é uma das poucas

políticas públicas que funcionam no Brasil, reduzindo as

desigualdades sociais e exercendo influência extraordiná-

ria na economia de um incontável número de municípios

brasileiros” (FRANÇA, 1999).

Analisando a Tabela 25, constata-se que os benefí-

cios previdenciários injetaram, em 2009, mais de R$

218 bilhões na economia dos estados e municípios bra-

sileiros (7% do PIB), enquanto que a soma dos valores

enviados pelo Tesouro Nacional na forma de Fundo de

Participação dos Estados e Municípios (FPM/FPE6) e o

Programa Bolsa Família (PBF), não atingiu R$ 90 bi-

lhões (2,81% do PIB).

O repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE)

4- Considerando esta metodologia de cálculo, a receita total da Seguridade superou a despesa em R$ 47,9 bilhões em 2006, equivalente a 2,06% do PIB (DIEESE, 2007).

5- A análise entre Benefícios/FPE/FPM e PBF é pertinente, pois todos são recursos advindos do Governo Federal.

6- O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é uma transferência Constitucional (CF, Art. 159, I, b), composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A Constituição de 1988 fixou em 21,5% o percentual da arrecadação líquida do IR e IPI a ser destinado para a formação do FPE, que deverá ser dividido entre os estados (STN, 2010).

Page 26: Tributação em Revista 57

26 TRIBUTAÇÃO em revista

é maior para os estados do Nordeste, com destaque a

Bahia, Ceará e Maranhão, assim como os valores do Pro-

grama Bolsa Família (PBF) também foi maior para Bahia e

Pernambuco, seguido por São Paulo e Minas Gerais. Com

relação aos recursos do Fundo de Participação dos Muni-

cípios (FPM), os estados que mais receberam foram São

Paulo, M. Gerais e Bahia.

Quanto a isto, nada de diferente do que se imagina-

va, com maior participação dos estados nordestinos nos

repasses destas transferências constitucionais. O destaque

está na observação dos estados que mais recebem recursos

da previdência social. São os estados mais ricos da federa-

ção que receberam a maior parte das transferências previ-

denciárias em 2009. Somente a região sudeste incorporou

mais de 52% do total pago em benefícios da previdência,

estando São Paulo com 28,4%, seguindo pelo Rio de Ja-

Estado/Região FPE FPM Benefícios PBFACRE 1.238,60 208,5 440,6 70,4

AMAPÁ 1.235,40 139,6 234,2 52,5

AMAZONAS 1.010,30 561 1.558,00 297,6

PARÁ 2.212,90 1.453,10 4.104,80 713,6

RONDÔNIA 1.019,40 362,5 997,6 117,4

RORAIMA 898,2 250,5 177 48

TOCANTINS 1.571,40 565,3 838,5 120,3

Total Região Norte 9.186,20 3.540,40 8.350,60 1.419,80

ALAGOAS 1.506,20 947,3 2.578,60 417,7

BAHIA 3.402,00 3.634,20 12.979,60 1.662,70

CEARÁ 2.656,40 2.079,10 7.354,80 1.008,10

MARANHÃO 2.613,50 1.662,50 4.703,40 943,3

PARAÍBA 1.733,90 1.288,70 3.636,40 477,1

PERNAMBUCO 2.498,30 2.004,40 8.564,90 1.063,40

PIAUÍ 1.564,60 1.026,50 2.661,40 433,1

R. GRANDE DO NORTE 1.512,70 989,1 2.886,40 330,9

SERGIPE 1.504,50 579,3 1.703,40 227,9

Total Região Nordeste 18.992,10 14.211,10 47.068,90 6.564,30

DISTRITO FEDERAL 249,9 65,3 2.280,50 33,9

GOIÁS 1.029,40 1.448,50 4.279,90 271,2

MATO GROSSO 835,6 737,4 1.827,60 145

MATO GROSSO SUL 482,3 607,2 1.889,40 116,5

T. Região Centro Oeste 2.597,20 2.858,40 10.277,40 566,6

ESPÍRITO SANTO 543,1 687,8 3.791,80 180

MINAS GERAIS 1.612,80 5.242,40 23.505,10 1.045,80

RIO DE JANEIRO 553,1 1.176,10 24.081,00 616,8

SÃO PAULO 362,1 5.288,30 62.047,60 1.054,50

Total Região Sudeste 3.071,10 12.394,60 113.425,60 2.897,20

PARANÁ 1.043,90 2.733,60 12.098,20 404,3

RIO GRANDE DO SUL 852,6 2.711,10 17.847,60 424,9

SANTA CATARINA 463,4 1.551,70 9.024,90 130,2

Total Região Sul 2.359,90 6.996,50 38.970,70 959,4

Estado/Região FPE FPM Benefícios PBF

TOTAL BRASIL 36.206,40 40.001,00 218.093,30 12.407,30

%PIB (2009) - TOTAL 1,15% 1,27% 6,94% 0,39%

Tabela 2: Valores dos Benefícios Previdenciários/FPM/FPE/PBF-2009

Fonte: Elaboração Própria. Dados MPAS (2010), STN (2010) e MDS (2010).

Page 27: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 27

neiro (11,4%) e Minas Gerais (10,7%).

Quando se analisa a relação entre benefícios pre-

videnciários e os demais recursos, verificou-se uma

disparidade de valores e alguns aspectos emergem. O

pagamento dos benefícios previdenciários foi superior

a todos os demais repasses, em quase todos os estados

brasileiros, com exceção ao Acre, Amapá, Roraima e To-

cantins (Tabela 3).

Em média os valores dos benefícios foram 6 vezes

maiores do que o Fundo de Participação dos Estados (FPE)

e destaque seja feito novamente a São Paulo: o estado tem

direito por lei a receber somente 1% do FPE e quando

comparamos o valor recebido deste fundo (R$ 362 mi-

lhões) com os repassados pela previdência social (R$ 62

bilhões), chegamos a uma relação no mínimo interessante

do ponto de vista econômico e fiscal: o pagamento dos

benefícios correspondeu a mais de 171 vezes os repasses

do FPE, ou seja, mantidos os valores de 2009, o estado de

São Paulo precisaria de 171 anos de recebimento do FPE

para atingir o valor de 1 ano de pagamento dos benefícios

da previdência.

Em relação ao FPM, os benefícios previdenciários fo-

ram 5,5 vezes maiores, evidenciando que, como na maio-

ria dos municípios do país, a Previdência Social desempe-

nhou um papel importante. Destaque seja feito ao Distrito

Federal em que a Previdência Social Brasileira injetou 35

vezes a mais do que os valores do FPM, seguido pelo Rio

de Janeiro onde a relação foi de 20 vezes maior.

França (1999), trabalhando com dados de 1998, des-

creveu exemplos da influência dos benefícios na econo-

mia dos municípios, tais como Santa Maria do Cambucá

(PE) onde os pagamentos de benefícios foram 539,9 vezes

maiores do que a arrecadação (ou seja, seriam necessários

539,9 anos de arrecadação para pagar um ano de benefí-

cios), ou Souto Soares (BA) em que os benefícios foram

113,4 vezes maiores do que o arrecadado. Favoni & Souza

(2004), ao verificar a relação entre benefícios e FPM na re-

gião da Associação dos Municípios do Médio Paranapane-

ma (AMEPAR), no Paraná, constaram que dos 21 municí-

pios que a compõem, os pagamentos dos benefícios foram

maiores em 20 deles, com destaque a cidade de Londrina

em que a relação foi de 14,8.

Quando se compara com o Programa Bolsa Família,

sistema não-contributivo e que beneficia qualquer famí-

lia em uma faixa de renda, a relação entre os benefícios e

os valores deste programa chega a ser 17 vezes maior no

país. No estado de Santa Catarina esta relação chegou a

69 vezes, seguido pelo DF e São Paulo com 67 e 58 vezes,

respectivamente.

Estado/Região FPE FPM Benefí-cios

ACRE 0,4 2,1 6,3

AMAPÁ 0,2 1,7 4,5

AMAZONAS 1,5 2,8 5,2

PARÁ 1,9 2,8 5,8

RONDÔNIA 1 2,8 8,5

RORAIMA 0,2 0,7 3,7

TOCANTINS 0,5 1,5 7

ALAGOAS 1,7 2,7 6,2

BAHIA 3,8 3,6 7,8

CEARÁ 2,8 3,5 7,3

MARANHÃO 1,8 2,8 5

PARAÍBA 2,1 2,8 7,6

PERNAMBUCO 3,4 4,3 8,1

PIAUÍ 1,7 2,6 6,1

RIO GRANDE DO NORTE 1,9 2,9 8,7

SERGIPE 1,1 2,9 7,5

DISTRITO FEDERAL 9,1 34,9 67,3

GOIÁS 4,2 3 15,8

MATO GROSSO 2,2 2,5 12,6

MATO GROSSO DO SUL 3,9 3,1 16,2

ESPÍRITO SANTO 7 5,5 21,1

MINAS GERAIS 14,6 4,5 22,5

RIO DE JANEIRO 43,5 20,5 39

SÃO PAULO 171,4 11,7 58,8

PARANÁ 11,6 4,4 29,9

RIO GRANDE DO SUL 20,9 6,6 42

SANTA CATARINA 19,5 5,8 69,3

TOTAL BRASIL 6 5,5 17,6

Tabela 3: Relação Valor Benefícios sobre valor FPE/FPM e PBF - 2009

Fonte: Elaboração Própria. Dados MPAS (2010), STN (2010) e MDS (2010).

Page 28: Tributação em Revista 57

28 TRIBUTAÇÃO em revista

4. Considerações Finais

Para ordenar as questões referentes à importância da

Previdência Social Brasileira como fator de desenvolvi-

mento social das famílias brasileiras e econômica dos es-

tados buscou, inicialmente, resgatar a literatura sobre o

surgimento, desenvolvimento e crise do Estado do Bem

Estar (Welfare State), pré-condição para a discussão sobre

a economia social.

As questões normalmente discutidas são os aspectos ne-

gativos da previdência, sendo o déficit previdenciário colo-

cado como alvo central para os desajustes fiscais do governo.

Não há dúvida que ajustes devem ocorrer, buscando a

viabilidade do sistema no curto e também no longo prazo,

mas os dados mostram que a presença dessa fonte de ren-

da para inúmeras famílias brasileiras, que a partir da Cons-

tituição de 1988, dentro do conceito de Seguridade Social,

passou a ser universal para todos os trabalhadores, tornou

melhores as condições de vida da população, amenizando

a questão da pobreza, principalmente nos pequenos mu-

nicípios brasileiros.

Além da importância da Previdência Social Brasileira

como “mola propulsora” da economia da maioria dos es-

tados e municípios e impulsionadora da riqueza nacional,

em todos os estados da federação, também há de se desta-

car que os benefícios pagos são com freqüência utilizados

como “microcrédito” rural, colaborando também nas pe-

quenas propriedades rurais.

Em suma, a Previdência Social deve ser encarada como

política pública de renda, cuja finalidade é garantir repo-

sição de renda, tirando as pessoas da pobreza, e não como

fonte de riqueza pessoal, transformando-a num fundo

com arrecadação e despesas.

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REFERÊNCIAS

Page 30: Tributação em Revista 57

30 TRIBUTAÇÃO em revista

a RTIGO

Previdência Social e Constituição Federal: Qual é a Visão dos Juristas?

Eduardo Fagnani 1

conservadores resistem em aceitar o que reza a Constitui-

ção. A mesma negativa tem sido praticada por todos os

governos desde 1988.

O debate proposto por esses segmentos trata a Previ-

dência Social (rural e urbana) separadamente da Segu-

ridade Social, contrariando o artigo 194. Também des-

consideram que, para fi nanciar a Seguridade Social (e,

portanto, a Previdência), foram instituídas fontes de fi -

nanciamento contributivas (folha de salários) e não con-

tributivas (impostos gerais) constitucionalmente vincu-

ladas ao Orçamento da Seguridade Social (artigo 195).

Ignoram o papel do Poder Público, de organizar a Segu-

ridade Social tratando, de forma integrada, institucional

e fi nanceiramente, os setores da Previdência (Rural e Ur-

bana), Assistência Social, Saúde e Seguro – Desemprego

(Artigos 165, 204 e 58 das Disposições Transitórias). E,

fi nalmente, desconsideram que a Constituição Federal

1. Apresentação

O objetivo desse texto é chamar a atenção para a con-

tribuição fundamental que os profi ssionais da área do di-

reito detêm no debate atual acerca da Previdência Social.

Creio que, nos últimos 22 anos, os princípios basilares da

Seguridade Social consagrados pela Constituição de 1988

não têm sido respeitados, confi gurando-se um cenário de

aparentes inconstitucionalidades. Todavia, sendo econo-

mista, não tenho competência técnica para defender essa

crença. Por isso, conclamo esses profi ssionais, para que

participem mais diretamente desse debate, que me parece

muito mais apropriado aos advogados constitucionalistas

do que aos economistas com viés de atuários.

A refl exão aqui proposta subdivide-se em duas partes.

Na primeira são feitas breves considerações sobre o debate

político e econômico sobre a questão da Previdência Social

entre 1988 e 2010. A questão de fundo é que os setores

1- Professor do Instituto de Economia da Unicamp.

Page 31: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 31

estabelece mecanismos de controle social e democrático

para assegurar que os princípios orientadores da Orga-

nização da Seguridade Social e do Orçamento da Segu-

ridade Social sejam efetivamente cumpridos pelo Exe-

cutivo Federal (Inciso VII do Parágrafo Único do Artigo

194).

Na segunda parte, argumento que há diversos prin-

cípios norteadores da Constituição Federal que, aparen-

temente, têm sido descumpridos por todos os governos

desde 1988. Do meu ponto de vista, optaram por desfi -

gurar princípios fundamentais da Organização da Segu-

ridade Social, do Orçamento da Seguridade Social e do

seu controle social (Conselho Nacional da Seguridade

Social). Procuram enquadrar a Previdência Social como

um ponto alheio à Seguridade Social e, assim, restringir

a questão fi nanceira da Previdência Social como se fosse

tema meramente atuarial.

Todavia, como disse, sendo economista, não tenho

competência técnica para comprovar essa visão. Assim, o

propósito desta parte do texto é incentivar o debate en-

tre juristas e constitucionalistas. Entretanto, se essa minha

crença estiver tecnicamente correta, pergunto aos profi s-

sionais do Direito, se não caberia à sociedade civil impe-

trar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN)?

2. Um Longo Processo de Negação da Constituição2

As décadas entre 1960 e 2010 marcam o fi m dos

chamados “trinta anos de ouro” de “capitalismo domes-

ticado” e a ascensão do neoliberalismo em escala glo-

bal. Essa onda esmaeceu somente após 2008, com o

colapso do sistema fi nanceiro internacional. Nessa era

de hegemonia dos mercados, os direitos trabalhistas e

os sistemas de proteção social dos países desenvolvidos

estiveram tensionados por uma onda avassaladora de re-

formas visando ao retrocesso. Mais graves foram suas

consequências para os países periféricos, que destruí-

ram sem piedade seus ainda embrionários aparatos de

proteção.

O Brasil, todavia, num primeiro momento, seguiu a

rota inversa. Nos anos fi nais da década de 1970 e ao

longo dos anos de 1980, caminhamos na contramão do

mundo. Fomos salvos pelo movimento político interno.

Os ventos da redemocratização do país, mais intensos a

partir de meados dos anos de 1970, sopraram na direção

contrária dessa via de destruição. O notável movimento

social que lutava pela redemocratização do país cons-

truiu uma agenda de mudanças que visava, em última

instância, ao acerto de contas com a ditadura militar.

Naquele momento, não havia solo fértil para que a in-

vestida neoliberal germinasse. A rota forjada pelo movi-

mento social tinha como destino a Assembléia Nacional

Constituinte (ANC). Após uma árdua marcha, a Consti-

tuição de 1988 restabeleceu a democracia e consagrou

as bases de um sistema de proteção social universal e

inspirado no Estado de Bem-estar Social.

É admirável é que essa conquista histórica não tenha

sido obra de nenhum governo. Foi obra construída con-

tra os governos: contra o governo da ditadura e contra

parcela do governo da Nova República. Não foi obra de

nenhum partido: foi construída por parlamentares de-

mocráticos de todos os partidos. Foi obra construída

contra a elite internacional e o pensamento “único” neo-

liberal já então hegemônico em todo o mundo.

Um feito histórico, pelas circunstâncias adversas e por

contrariar profundamente os interesses das elites nacio-

nais que jamais aceitaram o golpe; notável também em

função dos seus números: mais de 10% do gasto público,

em relação ao PIB, passaram a ser vinculados constitucio-

nalmente aos direitos sociais.

Um dos focos dessa contrariedade é o capítulo sobre a

Seguridade Social. Desde os trabalhos da ANC, recorrem

ao falso argumento de que o “défi cit” da seguridade seria

um “tsunami” devastador das contas públicas. Esforçam-

-se para “comprovar” a inviabilidade fi nanceira da Previ-

dência e propõem reformas para fazer retroceder conquis-

tas – muitas das quais já efetivadas.

2- Baseado em Fagnani (2007).

Page 32: Tributação em Revista 57

32 TRIBUTAÇÃO em revista

2.1 – A Tese do “País Ingovernável”

Durante a acirrada disputa na ANC, alguns opositores

dos novos direitos sociais foram bastante criativos em seus

argumentos. O líder do PFL (hoje Democratas), deputado

José Lourenço, chegou a pregar o fechamento da Consti-

tuinte por um ato de força do governo. (Matemática con-

fusa. Veja, 27/7/1988).

Mas nada se compara a um ato emblemático, do presi-

dente José Sarney. Quando teria início a votação da última

fase da ANC, numa derradeira tentativa para modificar os

rumos dos trabalhos, Sarney convocou cadeia nacional de

rádio e televisão para “alertar o povo e os constituintes”

para “os perigos” que algumas das decisões contidas no

texto aprovado no primeiro turno representavam para o

futuro do país. Defendeu a tese que o país tornar-se-ia

“ingovernável”. O inimigo da governabilidade era a segu-

ridade que causaria uma “explosão brutal de gastos públi-

cos” (Sarney vai à TV criticar o projeto. Gazeta Mercantil.

27/7/1988).

O discurso de Sarney provocou a imediata e memo-

rável defesa da ANC feita pelo deputado Ulysses Guima-

rães. A Constituição será a “guardiã da governabilidade”,

sentenciou. Reportou-se a um conjunto de aspectos “inau-

gurais” do texto que seria submetido ao crivo da revisão

constituinte. Em seguida, concluiu seu discurso fulminan-

do, magistralmente, a tese do ‘desgoverno’:

Senhores constituintes: a Constituição, com as corre-ções que faremos, será a guardiã da governabilidade. A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença inassistida são ingovernáveis. A injustiça social é a negação do governo e a con-denação do governo (...). Repito: esta será a Cons-tituição Cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros. Cidadão é o usuário de bens e serviços do desenvolvimento. Isso hoje não acontece com milhões de brasileiros segregados nos guetos da perseguição social. Esta Constituição, o povo brasi-leiro me autoriza a proclamá-la, não ficará como bela estátua inacabada, mutilada ou profanada. O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo. (...). (Ulysses Guimarães. “Esta constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”. Folha de S. Paulo, 28/7/1989)

Após quase 20 anos, não se pode afirmar que a se-

guridade tenha quebrado o país, ou que ela seja a prin-

cipal vilã do ajuste fiscal e do desgoverno. Por outro

lado, ela é, sem dúvidas, um dos principais pilares da

governabilidade, como profetizou Ulysses Guimarães.

Entre 1988 e 2009, o número de beneficiários da

Seguridade Social (INSS Urbano e Rural, Loas e Seguro-

-Desemprego) saltou de 8 para 32 milhões de pessoas.

Seu formidável efeito distributivo fica mais evidente se

também contabilizarmos os seus beneficiários indire-

tos. Segundo o IBGE, para cada beneficiário direto há

2,5 beneficiários indiretos, membros da família. Dessa

forma, a seguridade beneficia, direta e indiretamente,

mais de 100 milhões de pessoas, metade da população

do País. Na década de 1990, a participação da renda

da Seguridade na composição da renda familiar urbana

passou de 10% para 24%; e, na renda familiar rural,

de 9 para 26%. Hoje, mais de 80% dos idosos recebem

aposentadoria ou pensão. Por conta disso, a taxa de in-

cidência da pobreza nos grupos etários com mais de 65

anos é de apenas 10%. Sem os benefícios, mais de 70%

dos idosos estariam abaixo da linha de pobreza.

2.2 – Reedições da Tese da Ingovernabilidade:

1989/1990

Roberto Campos foi um dos mais ácidos críticos das

conquistas sociais de 1988. Coerente com suas crenças

liberais, em suas memórias (Campos, 1994), afirma que

a Carta “encerra duas curiosidades”. É ao mesmo tem-

po um “hino à preguiça” e uma “coleção de anedotas.”

Representa um “estímulo à ociosidade”. Julgava-a como

um ato de “anacronismo moderno”. Descreveu-a como

um “misto de regulamento trabalhista e dicionário de

utopias”, o “canto do cisne do nosso nacional-populis-

mo”.

Essa visão de Campos tem inspirado muitos espe-

cialistas. Giambiagi (2007), por exemplo, escreveu o

seguinte sobre a Carta de 1988:

Page 33: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 33

Daqui a 50 anos, quando os historiadores se debru-çarem sobre o período vivido pelo Brasil nas últimas duas décadas, não tenho dúvidas de que, na hora de apontar o momento em que o país se perdeu nos descaminhos das opções erradas, a Constituição de 1988 será julgada com extrema severidade. O pên-dulo, claramente, foi longe demais naquele momen-to. (Giambiagi, 2007)

O economista Maílson da Nóbrega ( 2005), ratifica

essa mesma visão crítica:

Os constituintes erigiram uma obra arcaica e sem originalidade. Buscaram distribuir uma riqueza que não existia. Não perceberam as transformações que havia tornado obsoletas as normas com as quais pre-tendiam forjar uma nova sociedade. Avançaram no restabelecimento de direitos individuais e das insti-tuições democráticas, mas introduziram privilégios corporativistas, moveram-se por preconceitos antica-pitalistas e adotaram visões de mundo equivocadas. A constituição de 1988 nasceu velha e se tornou um obstáculo ao desenvolvimento. Podemos consumir duas gerações buscando eliminar seus graves defei-tos.

No final dos anos 80, essa convicção do escritor Maíl-

son da Nóbrega já estava impregnada nas ações do então

Ministro da Fazenda. Em meados de 1988, a área econô-

mica do governo deflagrou diversas estratégias+9 visando

a impedir a consumação dos novos direitos constitucio-

nais. Uma delas, implementada no bojo do chamado “Pla-

no Verão” (janeiro de 1989), determinou que o Instituto

de Administração da Previdência Social (IAPAS), que ze-

laria pelo cumprimento da Constituição no que se refere à

gestão do Orçamento da Seguridade Social, fosse transfe-

rido para o ministério da Fazenda. As receitas da Seguri-

dade Social passaram a ser recolhidas e administradas pelo

Tesouro Nacional.

Essa decisão caminhava, flagrantemente, na direção

oposta ditada pela Constituição de 1988, recém promul-

gada. Por ser inconstitucional, ela foi recebida com revolta

pelas forças políticas que lutaram na ANC pelas mudanças

nesses setores. O senador Almir Gabriel (PMDB-PA), rela-

tor do projeto da seguridade social da nova Constituição,

por exemplo, criticou duramente a transferência, que teria

sido fruto da “total incompetência, irracionalidade e vi-

são medíocre do governo” no trato das questões sociais.

Acusando o governo de “completa irresponsabilidade

administrativa”, o senador advertiu que a medida era in-

constitucional. Na opinião de senador a medida seria “um

desastre total”. Antevendo os fatos, o senador não tinha

dúvidas de que os recursos da Previdência seriam utili-

zados para “tapar o buraco” do déficit público. Por isso,

“não via nenhum amparo jurídico ou constitucional para

a transferência, tentada há mais de 25 anos pelo governo”

(Senador condena a mudança do IAPAS. O Estado de S.

Paulo, 14/1/1989).

Diversas outras manobras foram utilizadas com o pro-

pósito de retardar a efetivação desses direitos e desvirtuar

o espírito de alguns determinados dispositivos constitu-

cionais. Dentre elas, destaca-se o intencional descumpri-

mento dos prazos constitucionais, visando a desfigurar ou

postergar o início da vigência dos novos direitos.

Como mostram Azeredo (1989 e 1990) e Teixeira

(1991), no final do Governo da Nova República, o Exe-

cutivo não observou os prazos estabelecidos pela Cons-

tituição. Não formulou o Projeto de Lei de Organização

da Seguridade Social estabelecido pela Constituição. Em

flagrante inconstitucionalidade, optou por formular pro-

jetos de lei setoriais (saúde, previdência, assistência social

e seguro-desemprego), separados e desarticulados, frag-

mentando a seguridade social.

Os mesmos autores revelam que o Executivo também

não formulou uma Proposta de Orçamento da Seguridade

Social, tal como estabelecido na Constituição da Repúbli-

ca. A ação da área econômica caminhou exatamente na

direção oposta:

• foram adotadas medidas visando a capturar os re-

cursos constitucionais vinculados ao Orçamento

da Seguridade Social para o financiamento do dé-

ficit público;

• não foi cumprida a obrigatoriedade constitucional

de Transferência de Recursos Fiscais para Finan-

ciar a Seguridade Social; e

• mais da metade da receita prevista como arreca-

dação da COFINS em 1989 foi destinada ao paga-

Page 34: Tributação em Revista 57

34 TRIBUTAÇÃO em revista

mento dos inativos e pensionistas da União, outra

medida inconstitucional denunciada pelos setores

que lutaram pela seguridade social na ANC.

O argumento da “catástrofe” fiscal também foi retomado

pela área econômica para justificar as deformações impos-

tas na fase de regulamentação complementar da Seguridade

Social. A previdência social foi particularmente vítima des-

sa estratégia alarmista. O discurso oficial era claro e direto:

as causas do déficit da previdência eram os novos direitos,

cujos impactos financeiros “não foram avaliados pelos cons-

tituintes”; estes, de forma “irresponsável”, criaram “despesas

sem contrapartida de receitas”; logo, caso o Congresso não

apontasse novas fontes de financiamento ou cortasse des-

pesas pré-existentes, a única alternativa técnica possível era

negar a concessão dos novos direitos.

2.3 – A Revisão Constitucional de 1993

A partir de 1990, os ventos também mudaram por

aqui. O Brasil fez sua opção tardia pelo neoliberalismo. A

força do movimento social esgotara-se. Os conservadores,

reorganizados pela eleição de Collor, abraçaram as teses

do Consenso de Washington, antagônicas aos princípios

da Constituição recém conquistada. E passaram a empre-

gar todos os meios possíveis para fazer retroceder os avan-

ços sociais de 1988.

Os constituintes de 1988 determinaram que a Consti-

tuição fosse revisada em 1993, integralmente, pela maioria

absoluta dos votos do Congresso Nacional. Esse seria o

momento aguardado para, de uma vez por todas, enterrar

a “anacrônica” Constituição da República. Nesse contex-

to, a estratégia do Governo Collor para a política social era

formular nova agenda de reformas, na expectativa dessa

revisão constitucional prevista para 1993. Entretanto, as

turbulências decorrentes do impeachment do presidente

Collor ao longo de 1992 e as indefinições e instabilida-

des presentes em 1993 acabaram inviabilizando a revisão

constitucional. Assim, o funeral da Carta de 1988 teve de

ser adiado.

Enquanto aguardava a revisão constitucional – que

acabou não ocorrendo – o Governo Collor deflagrou uma

estratégia que visava a obstruir ou desfigurar a legislação

constitucional complementar. O Plano de Organização

e Custeio da Seguridade Social só foi regulamentado em

julho de 1991.3 A Lei sancionada tornou constitucional

algumas das transgressões adotadas desde o final do Go-

verno José Sarney.

A reforma administrativa empreendida por Collor

também desconsiderou a Seguridade Social. Teixeira

(1991:31) sublinha que o governo federal, “ao invés de

constituir o Ministério da Seguridade Social”, optou “pelo

caminho da fragmentação, abandonando o conceito de se-

guridade e empreendendo uma volta atrás na própria con-

cepção do sistema de proteção, reforçando a velha idéia de

seguro. Reunindo os antigos INPS e IAPAS em um único

instituto que não por acaso chamou de Instituto Nacional

do Seguro Social (INSS) e, ademais, colocando toda a es-

trutura previdenciária sob a jurisdição do velho Ministério

do Trabalho e da Previdência Social”.

2.4 – A Emenda Constitucional 20/1998

O calvário da Seguridade Social e do Orçamento da

Seguridade Social continuou no período 1993/2002. Em

1994, o Executivo federal implantou a atual Desvincula-

ção das Receitas da União (DRU), que captura 20% dos

recursos constitucionais vinculados ao Orçamento da Se-

guridade Social, demais políticas sociais federais e recur-

sos do FPE e FPM. Para confundir os incautos, chamaram

essa medida iníqua de Fundo Social de Emergência – que

dura até hoje, renomeado de Desvinculação das Receitas

da União (DRU).

Além disso, nessa quadra, o campo conservador teve

êxito na realização da Reforma da Previdência. A Emenda

Constitucional n. 20, de 1998, desmontou algumas con-

quistas de 1988 e instituiu regras mais severas que as pra-

ticadas nos países desenvolvidos da OCDE. Para justificar

esse legado de destruição, além dos argumentos falaciosos

de sempre sobre a “catástrofe” fiscal, inovaram ao difun-

3- Lei n. 8.213/91.

Page 35: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 35

dir a visão do aposentado como portador de ‘privilégios’

inaceitáveis, um verdadeiro ‘marajá’, que ameaçava a es-

tabilidade recém conquistada e os “sólidos” fundamentos

econômicos. O próprio presidente da República denomi-

nou-os de “vagabundos”.

A reforma da Previdência realizada em 1998 (Emenda

Constitucional n.20) suprimiu parcialmente o legado da

Constituição de 1988. Dentre o conjunto de medidas ado-

tadas destacam-se: substituiu-se a comprovação do “tem-

po de serviço” pelo “tempo de contribuição”; eliminou-se

a aposentadoria proporcional; desvincularam-se o benefí-

cio previdenciário e o salário mínimo, para os benefícios

acima do piso; e rebaixou-se o teto nominal dos benefí-

cios. Por razões de espaço, comentamos aqui apenas as

mudanças introduzidas na idade mínima e no tempo de

contribuição.

Para os contrarreformistas, uma das distorções do

Regime Geral da Previdência Social (RGPS) era a aposen-

tadoria em idade considerada precoce. Essa crítica esta-

va parcialmente correta. De fato, não houve consenso na

ANC para introduzir o limite de idade (55 anos para apo-

sentadoria). Sem a fixação da idade mínima, prevaleceu a

aposentadoria “por tempo de serviço” aos 35 anos para o

homem e aos 30 anos para a mulher.

Todavia, para corrigir esta distorção, a EC n. 20/98

proposta pelo Executivo preconizava regras draconianas

de acesso: acumulavam idade mínima (65 anos para ho-

mens e de 60 anos para mulheres) mais tempo de contri-

buição (35 anos para homens e 30 anos para mulheres).

Felizmente, não houve consenso em torno desse ponto no

Congresso Nacional. Com o texto final aprovado, a partir

de 1998 passaram a existir duas alternativas para a apo-

sentadoria:

• a aposentadoria “por idade” – 65 anos para ho-

mens e 60 anos para mulher, além da exigência de

contribuição mínima por 15 anos; e

• a aposentadoria “por tempo de contribuição” –

35/30 anos e idade mínima de 53/48 anos. Nesse

caso, até que os contribuintes atinjam 65/60 anos,

passou a incidir o chamado “fator previdenciário”,

criado posteriormente (1999), que suprime parce-

la expressiva do valor do benefício, incentivando a

postergação da aposentadoria.

No caso da “aposentadoria por idade”, conseguiu-se

transpor para o Brasil, padrões semelhantes ou superiores

aos existentes em países desenvolvidos. A idade mínima

de 65 anos não era adotada sequer em países como a Bél-

gica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal (60

anos) e os EUA (62 anos), por exemplo; e equivale ao pa-

râmetro seguido na Suécia, Alemanha, Finlândia e Áustria

(65 anos), por exemplo. A própria Organização Mundial

de Saúde (OMS) faz uma distinção, ao definir a popula-

ção idosa, entre países desenvolvidos (acima de 65 anos)

e países em desenvolvimento (acima de 60 anos) (FIBGE,

2002:9).

No caso da “aposentadoria por tempo de contribui-

ção”, passou-se a exigir a comprovação de 35 anos para

os homens e de 30 anos para as mulheres. Esse patamar

é superior ao estabelecido, por exemplo, na Suécia (30

anos) e a Finlândia (30 a 39); e se aproxima do nível vi-

gente em outros: EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha

(35 a 40) e França (37,5), dentre vários. Nesse caso, até

que os contribuintes atinjam 65/60 anos, passou a incidir

o chamado “fator previdenciário” (criado em 1999) que

suprime parcela do valor do benefício e posterga o início

da aposentadoria.

Assim, tanto a idade mínima (65 e 60 anos) quanto o

tempo de contribuição (35 e 30 anos) são elevados em re-

lação aos padrões estabelecidos em países desenvolvidos.

A vigência dessas regras mostra-se paradoxal, se conside-

ramos que não há como demarcar qualquer equivalência

entre esses países e o nosso contexto socioeconômico e

demográfico de capitalismo tardio.

2.5 – O “Déficit Nominal Zero”

Entre 2003 e 2010 não foi diferente. Em meados de

2005, o Ministério da Fazenda reprisou os mesmos man-

tras apocalípticos para justificar o programa visando ao

“déficit nominal zero”. Ocultaram, aos incautos, que o

Page 36: Tributação em Revista 57

36 TRIBUTAÇÃO em revista

ajuste repousava sobre o que restou da Seguridade. Uma

única exceção, o economista Raul Veloso, foi direto ao

ponto:

O superávit primário acabou. (...) A única saída seria cortar despesas constitucionalmente obrigatórias – em bom português previdência, saúde, educação e assistência social. (Folha de São Paulo, 2/9/ 2005)

Para completar, tiveram a ousadia de propor a amplia-

ção da DRU dos atuais 20% para 40%. A tese do país in-

governável foi reeditada pela ortodoxia econômica que

recomendou que todos os todos os esforços fossem con-

centrados “na mãe de todas as reformas, que será a pre-

videnciária, sem a qual o país será inviável” (sic) (Fabio

Giambiagi, Valor, 18/10/2005).

De forma correta, o programa do “déficit nominal

zero” foi bombardeado pela ministra da Casa Civil, Dil-

ma Roussef. Considerou-o uma “simplificação grosseira”.

Comparou-o ao “enxugamento de gelo”, pois não atacava

o problema central dos juros elevados. A ministra reba-

teu a falácia de que “investimento é bom, gasto corrente é

ruim”. E apontou que, para o plano dar certo, seria ainda

necessário “combinar com os russos”: a imensa maioria

da população destituída, que demanda serviços de saúde,

assistência social, educação e proteção na velhice.

2.6 – O Fórum Nacional da Previdência Social

No início de 2007 o Executivo federal instituiu o Fó-

rum Nacional da Previdência Social (FNPS). De caráter

tripartite – governo, empresários e trabalhadores – o Fó-

rum pretendia gerar consensos para a implantação de uma

nova rodada de reformas da Seguridade Social.

Essa iniciativa proporcionou outra oportunidade para

que os setores conservadores tentassem concluir o servi-

ço que vem fazendo desde a Assembleia Nacional Cons-

tituinte. No debate proposto por esse segmento transpa-

rece uma construção ideológica baseada em mitos e fatos

parciais. Tentam “comprovar” inviabilidade financeira da

Seguridade Social e fazer retroceder conquistas – – muitas

das quais já efetivadas. Prevaleceu a visão de que a nature-

za da questão financeira da Previdência Social decorreria

exclusivamente de fatores endógenos ao próprio sistema:

em síntese, o desequilíbrio financeiro seria consequência

exclusiva do crescimento dos gastos com benefícios, refle-

xos da suposta “generosidade” do atual plano de benefí-

cios (Tafner, 2007).

Omitem que a natureza da questão do financiamento

da Previdência Social é preponderantemente exógena. Está

relacionada ao estreitamento das fontes de financiamento

do sistema, consequência das opções macroeconômicas

adotadas nas últimas décadas que resultaram em baixo

crescimento e estreitaram as bases de financiamento da

Previdência. Ressalta-se aqui que compreender a natureza

da questão financeira do sistema previdenciário – endóge-

na ou exógena – é ponto crucial para definir os rumos do

planejamento governamental. O diagnóstico que privile-

gia a preponderância dos fatores endógenos implica fazer

reformas que cortem os gastos correntes. Entender que os

fatores exógenos prevalecem aponta para a alternativa do

desenvolvimento econômico. Conclui-se que a alternativa

mais eficaz e justa para enfrentar a questão financeira da

Previdência é crescimento da economia. Sem crescimento

não há saídas civilizadas para a Previdência Social – nem

para o país (Fagnani, Henrique e Lúcio, 2008).

2.7 – Reforma Tributária e Seguridade Social

Atualmente há um novo espectro de desconstrução

da Seguridade Social. O projeto de Reforma Tributária

que tramita no Congresso Nacional (PEC 233/08) (CE-

SIT, 2008). Em termos sintéticos, a Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 233/2008 que trata da reforma tri-

butária e se encontra em tramitação na Câmara dos Depu-

tados, prevê:

• A criação de um Imposto sobre Valor Adiciona-

do (IVA-F), com a extinção de quatro tributos

federais: Contribuição para o Financiamento da

Seguridade Social (COFINS); a contribuição para

o Programa de Integração Social (PIS); a Contri-

buição de Intervenção no Domínio Econômico

incidente sobre a Importação e a Comercialização

Page 37: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 37

de Combustíveis (CIDE); e a Contribuição Social

do Salário-educação;

• A extinção da Contribuição Social do Lucro Líqui-

do (CSLL), incorporada ao Imposto de Renda das

Pessoas Jurídicas (IRPJ);

• A destinação de percentuais da arrecadação do

IVA-F e as do IR e IPI para as ações de governo

antes atendidas pelas contribuições – definindo a

emenda 38,5% para seguridade social e 6% para

o amparo ao trabalhador, e, enquanto não edita-

da Lei Complementar, 2,5% para o ensino funda-

mental.

• A desoneração gradativa da folha de contribuição

dos empregadores para previdência social;

• A unificação nacional da legislação do Imposto so-

bre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS),

eliminando-se a “guerra fiscal”;

O principal objetivo da PEC é a simplificação da estru-

tura fiscal, extinguindo-se tributos e reduzindo-se cobran-

ças cumulativas sobre um mesmo produto, em diversas

etapas de produção e circulação da mercadoria.

A simplificação da estrutura tributária é alvissareira.

Todavia, há dois pontos cruciais que gostaríamos de assi-

nalar. Em primeiro lugar, a ausência de objetivos voltados

para a justiça fiscal, na medida em que a PEC não sinaliza

a construção de um sistema tributário progressivo, pauta-

do pela tributação da renda e do patrimônio.

Em segundo lugar, a ameaça latente de desmonte das

bases de financiamento das políticas sociais conquistadas

pela Constituição de 1988. Observe-se que por detrás

da simplificação e racionalização esconde-se o fim das

vinculações, a desoneração da folha de contribuição dos

empregadores para previdência social a extinção de fon-

tes de financiamento do Orçamento da Seguridade Social

(COFINS; PIS; Contribuição Social do Salário-educação; e

CSLL). A concretização dessas mudanças – sem a garan-

tia constitucional de vinculação de recursos num patamar

adequado para fazer frente aos gastos – fragiliza o finan-

ciamento da educação e enterra o Orçamento da Seguri-

dade Social (artigo 196 da Constituição Federal). Assim,

afeta a sustentação dos gastos em setores como previdên-

cia social (INSS urbano e Previdência Rural), Assistência

Social, Saúde, Seguro-Desemprego, geração de emprego e

capacitação profissional (Fundo de Amparo ao Trabalha-

dor - FAT).

Eliminar a vinculação constitucional de fontes de fi-

nanciamento significa ampliar o poder discricionário da

área econômica. A sociedade dará um cheque em branco

para a ortodoxia econômica e coroar, sobre o manto da

racionalidade do sistema tributário, um longo processo de

tentativas desses segmentos pela “flexibilização” da gestão

orçamentária. Sabemos todos que nos momentos de aper-

to fiscal os gastos sociais são os mais penalizados.

O debate continuará na próxima década. Seja qual for

o Presidente eleito em outubro de 2010 a reforma da Pre-

vidência Social e a Reforma Tributária voltarão á ordem

do dia.

3. Inconstitucionalidades Aparentes

Em suma, a questão de fundo é que os setores conser-

vadores resistem em aceitar o que reza a Constituição. A

mesma negativa tem sido praticada por todos os governos

desde 1988. Optaram por desfigurar e descumprir princí-

pios fundamentais da Organização da Seguridade Social,

do Orçamento da Seguridade Social e dos mecanismos

que asseguravam o controle social sobre os rumos das po-

líticas de saúde, previdência e assistência social (Conselho

Nacional da Seguridade Social)

Após 22 anos, tenho a percepção da presença de um

conjunto de inconstitucionalidades. Todavia, como disse,

sendo economista, não tenho competência técnica para

comprovar essa visão. Assim, o propósito desta parte do

texto é incentivar o debate entre juristas e constituciona-

listas.

3.1 – Organização da Seguridade Social

O Poder Público jamais Organizou a Seguridade Social

como rezam os artigos 194, 201 e 59 (Disposições Transi-

Page 38: Tributação em Revista 57

38 TRIBUTAÇÃO em revista

tórias) da Carta de 1988 e, posteriormente, pela Lei Orgâ-

nica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991) e pela Emenda

Constitucional 20/1998.

A Constituição de 1988 instituiu a Seguridade Social,

integrada pelos setores da Saúde, Previdência e Assistência

Social e Seguro- Desemprego4:

Art. 194, “A Seguridade Social compreende um con-junto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os di-reitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

O Parágrafo único desse artigo explicita os princípios

norteadores da ação do Poder Público na e Organização da

Seguridade Social:

Compete ao Poder Público, nos termos da lei, or-ganizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:I - universalidade da cobertura e do atendimento;II - uniformidade e equivalência dos benefícios e ser-viços às populações urbanas e rurais;III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;V - equidade na forma de participação no custeio;VI - diversidade da base de financiamento;VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial, de trabalhadores, empresários e aposen-tados.

A Carta de 1988 estabeleceu prazos objetivos para o

Poder Público organizar a Seguridade Social de acordo

com os objetivos estabelecidos no Artigo 194. O art. 59

dos Atos das Disposições Constitucionais Provisórias é

claro nesse sentido:

Os projetos de lei relativos à organização da segu-ridade social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Na-cional, que terá 6 meses para apreciá-los”. O parágra-fo único complementa: “Aprovados pelo Congresso Nacional, os planos serão implantados progressiva-mente nos 18 meses seguintes”.

Entretanto, esse artigo da Constituição Federal foi

olimpicamente descumprido. O Executivo não observou

os prazos e não formulou o Projeto de Lei de Organização

da Seguridade Social estabelecidos pela Constituição da

República. Em flagrante inconstitucionalidade, a postura

do Executivo foi formular projetos de lei setoriais (saú-

de, previdência, assistência social e seguro-desemprego),

separados e desarticulados, fragmentando a seguridade

social.5 Esta fragmentação da Seguridade Social não foi re-

tificada pelo Congresso Nacional.6

Foi somente em 1991 (com três anos de atraso) que a

Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212) procurou

regulamentar a Organização da Seguridade Social prevista

no artigo 194 da CF estabelecendo que:

As ações nas áreas de Saúde, Previdência Social e As-sistência Social, conforme o disposto no Capítulo II, do Título VIII, da Constituição Federal, serão orga-nizadas em Sistema Nacional de Seguridade Social, na forma desta Lei.

O Artigo 6º institui o Conselho Nacional da Seguri-

dade Social cujas competências, expressas no Artigo 7º,

caminhavam claramente no sentido de cumprir o que de-

termina o Artigo 194 da CF de 1988:

4- Embora não seja explicitado no artigo 194, a Seguridade Social também incorporava o Seguro-Desemprego, conforme determina Art. 201, IV. Da mesma forma o Artigo 239 determina que a arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASESP) “passa a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo”. Da mesma forma, como veremos, o Artigo 195 inclui o PIS/PASEP como fontes do Orçamento da Seguridade Social vinculadas, constitucionalmente, ao financiamento dos setores que compõem a Seguridade Social.

5- Analisando os projetos de regulamentação que tramitavam no Congresso Nacional em 1989, Azeredo (1990:12) constatou essa fragmentação nos seguintes termos: ”O que existe são dois projetos: um sobre previdência, elaborado pelo ministério da Previdência, e outro sobre saúde, preparado pelo ministério da Saúde. A seguridade social é apenas mencionada em dois artigos do projeto sobre previdência social, em que se reafirmam os preceitos constitucionais que definem a seguridade e estabelecem seus prin-cípios gerais. A primeira observação a ser feita a respeito da proposta do Executivo é que não há nenhuma preocupação em dar corpo à ideia da seguridade social definida na Constituição. Os projetos nada mais são do que a tentativa de regulamentar de forma estanque apenas as áreas de previdência social e saúde”.

6- Para Teixeira (1991:32): “O Congresso não apenas não opôs grande resistência, como até vem contribuindo para a descaracterização da seguridade. Exemplo disto foi a incapacidade revelada de apresentar um projeto de lei orgânica da seguridade social, integrando suas diversas partes em um todo único e coerente. Ao aceitar o caráter fragmentário dos projetos de regulamentação, em que previdência, saúde e assistência social são tratadas em textos separados, o congresso não recupera a essência do que ele mesmo havia criado, enquanto Constituinte, e colabora para o retrocesso a que hoje assistimos”.

Page 39: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 39

“Art. 7º Compete ao Conselho Nacional da Seguri-dade SocialI - estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de integração entre as áreas, observado o disposto no inciso VII do art. 194 da Constituição Federal; II - acompanhar e avaliar a gestão econômica, finan-ceira e social dos recursos e o desempenho dos pro-gramas realizados, exigindo prestação de contas;III - apreciar e aprovar os termos dos convênios fir-mados entre a seguridade social e a rede bancária para a prestação dos serviços;IV - aprovar e submeter ao Presidente da Repúbli-ca os programas anuais e plurianuais da Seguridade Social;V - aprovar e submeter ao Órgão Central do Sistema de Planejamento Federal e de Orçamentos a propos-ta orçamentária anual da Seguridade Social;VI - estudar, debater e aprovar proposta de recom-posição periódica dos valores dos benefícios e dos salários-de-contribuição, a fim de garantir, de forma permanente, a preservação de seus valores reais;VII - zelar pelo fiel cumprimento do disposto nesta Lei e na legislação que rege a Seguridade Social, as-sim como pelo cumprimento de suas deliberações;VIII - divulgar através do Diário Oficial da União, todas as suas deliberações;IX - elaborar o seu regimento interno.

Todavia, os Artigos 6º e 7º da Lei Orgânica da Se-

guridade Social (1991) jamais foram implantados. Ob-

serve-se que, posteriormente, a Emenda Constitucional

20/1998 manteve a obrigatoriedade do Poder Público na

tarefa de Organizar a Seguridade Social (Artigo 194). To-

davia, mais uma vez, esses dispositivos legais não saíram

do papel.

Mais grave, como veremos mais à frente, em 2001, o

Conselho Nacional da Seguridade Social foi extinto pelo

artigo 35 da Medida Provisória 002.216 - 037 de 2001

que revoga os artigos 6º, 7º (entre outros) da Lei Orgâni-

ca da Seguridade Social (8.212, de 24 de julho de 1991)

havia instituído. Portanto através de MP, acabou-se com o

que reza o Parágrafo único do artigo 194 da CF e o Poder

Público deixou de ter responsabilidade de Organizar a Se-

guridade Social.

Fica minha pergunta aos profissionais do direito: uma

Medida Provisória tem força legal para extirpar um dos

núcleos centrais da Seguridade Social determinado pela

Constituição da República?

3.2 – Organização da Seguridade Social e Orçamento

da Seguridade Social

Para financiar a Seguridade Social, a Constituição de

1988 introduziu o “Orçamento da Seguridade Social” (Ar-

tigo 195), constituído por um conjunto de fontes de re-

cursos vinculadas ao financiamento dos setores da Saúde,

Previdência Social, Assistência Social e Seguro Desempre-

go (Artigo 201).

A Organização da Seguridade Social têm uma variável

financeira. Pelo Parágrafo Único do artigo 195, compete

ao Poder Público organizar a Seguridade Social de acordo

com um conjunto de objetivos, com destaque para a “V -

equidade na forma de participação no custeio”

Ou seja, o ponto de partida do processo de elaboração

do Orçamento da Seguridade Social é a elaboração dos

planos de custeio dos setores da saúde, assistência social

e previdência social (INSS Rural e Urbano). Em outras

palavras, As despesas previstas no Orçamento da Seguri-

dade Social deveriam resultar da consolidação dos planos

de custeio dessas áreas que integram a Seguridade Social.

Observe-se o que reza o texto constitucional:

A proposta de Orçamento da Seguridade Social será elaborada de forma integrada pelos órgãos respon-sáveis pela saúde, pela previdência social e pela as-sistência social, tendo em vista as metas e priorida-des estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus respectivos recursos. (art. 195, §2º)

Como referido no tópico anterior, a Carta estabeleceu

prazos objetivos para a “organização da seguridade social”

o que também incluía a elaboração conjunta pelos minis-

térios envolvidos dos planos de custeio e benefícios das

áreas de Saúde, Previdência e Assistência Social (ver art.

59 dos ADP, acima mencionado).

Essa determinação constitucional foi mantida pela

Lei Orgânica da Seguridade Social (1991) e pela Emenda

Constitucional 20/1998. Todavia, isso jamais foi cumpri-

do. Todos os governos desde 1989 optaram pela fragmen-

tação da gestão financeira e institucional da Seguridade

Social.

Page 40: Tributação em Revista 57

40 TRIBUTAÇÃO em revista

3.3 – Orçamento da Seguridade Social e a Lei Orça-

mentária Anual

A terceira aparente inconstitucionalidade é que desde

1989 o Executivo Federal jamais apresentou o Orçamento

da Seguridade Social, rigorosamente como reza o artigo, 165.

Pela Carta de 1988, o Orçamento da Seguridade Social

passou a ser parte da “Lei Orçamentária Anual”. O Título

VI (“Da tributação e do Orçamento”) institui como “leis

de iniciativa do Poder Executivo”, o “Plano Plurianual”, as

“Diretrizes Orçamentárias” e a “Lei Orçamentária Anual”.

A “Lei Orçamentária Anual” compreendia o “Orçamento

Fiscal”, o “Orçamento de Investimentos das Empresas Es-

tatais” e o “Orçamento da Seguridade Social”.

Portanto, anualmente o Executivo federal é obrigado a

apresentar essas três peças que integravam “Lei Orçamen-

tária Anual”. Observe que o Orçamento da Seguridade So-

cial abrangia todas as entidades e órgãos vinculados, dos

setores que compõem a Seguridade Social (art. 165, §5º):

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo esta-belecerão:I - o plano plurianual;II - as diretrizes orçamentárias;III - os orçamentos anuais.(...)§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração di-reta e indireta, inclusive fundações instituídas e man-tidas pelo Poder Público;II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da ad-ministração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Um dos argumentos em defesa do Orçamento da Segu-

ridade Social era que ele proporcionaria o maior controle

social sobre recursos que financiavam as políticas sociais.

Em tese, a consolidação dessas fontes e dos respectivos

usos numa única peça orçamentária, sujeita ao acompa-

nhamento do Congresso Nacional, proporcionaria maior

“transparência” e controle sobre o uso dos recursos desti-

nados ao gasto social.

Assim, com o Orçamento da Seguridade Social, pro-

curava-se assegurar fontes vinculadas de recursos para o

financiamento da Seguridade Social e, ao mesmo tempo,

garantir que esses recursos não fossem capturados pela

área econômica do governo e desviados para outras ati-

vidades – prática recorrente na história da política social

brasileira e, em particular, durante o regime militar.

Esses objetivos seriam alcançados pelo Conselho Na-

cional da Seguridade Social (comentado mais adiante) e

pelos artigos 165 (acima transcrito) e 166 da Constituição

Federal, reproduzido a seguir:

Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plu-rianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pe-las duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.§ 1º - Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados:I - examinar e emitir parecer sobre os projetos re-feridos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República;II - examinar e emitir parecer sobre os planos e pro-gramas nacionais, regionais e setoriais previstos nes-ta Constituição e exercer o acompanhamento e a fis-calização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58

Todavia, esses dispositivos nunca foram aplicados de

acordo com, as reais motivações dos constituintes.

3.4 – Orçamento da Seguridade Social

Para financiar a Seguridade Social (saúde, previdência,

assistência e seguro-desemprego) a Constituição introdu-

ziu o Orçamento da Seguridade Social (OSS), integraliza-

do por fontes contributivas (INSS Urbano e Seguro-De-

semprego) e por impostos gerais (INSS Rural, Assistência

Social e SUS) (art. 195), com destaque para:

• Recursos dos orçamentos da União, do DF, dos es-

tados e dos municípios.

• Contribuições sobre a folha de salários (Previdên-

cia Urbana).

• Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas

(CSLL).

Page 41: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 41

• PIS-PASEP: 60% da arrecadação (fonte do seguro-

-desemprego) (art. 239).

• Contribuição sobre o Financiamento da Segurida-

de (COFINS).

• Receita dos concursos de prognósticos e loterias.

Destaque-se que a utilização de fontes de financiamen-

to que incidissem sobre o faturamento (COFINS) e o lu-

cro das empresas (CSLL) era uma das bandeiras da agenda

reformista explicitada, por exemplo, no documento do

PMDB (1982). Essas duas fontes de financiamento foram

criadas pela Constituição de 1988 para custear, sobretudo,

os benefícios não contributivos (Saúde, Assistência Social

e Previdência Rural).

A inclusão de base de financiamento baseada no lucro

e no faturamento também tem amparo no Parágrafo Úni-

co do artigo 195 (VI), segundo o qual compete ao Poder

Público organizar a Seguridade Social, de acordo com um

conjunto de objetivos, com destaque para a “diversidade

da base de financiamento”

Para compreender melhor o conjunto de fontes de

financiamento que compõe o Orçamento da Seguridade

Social, observe-se o que reza o artigo 195 da CF 1988 e as

novas redações dadas por leis posteriores que, no entanto,

não alteram o seu núcleo fundamental:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela

equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do tra-balho pagos ou creditados, a qualquer título, à pes-soa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previ-dência social, não incidindo contribuição sobre apo-sentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos.IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social cons-tarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos res-ponsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabe-lecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não po-derá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”.§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrenda-tário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resul-tado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econô-mica, da utilização intensiva de mão de obra, do por-te da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Dis-trito Federal e os Municípios, e dos Estados para os

“O Orçamento da Seguridade Social procurava garantir

que os recursos não fossem capturados pela área econômica

do governo e desviados para outras atividades.”

Page 42: Tributação em Revista 57

42 TRIBUTAÇÃO em revista

Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante supe-rior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumula-tivas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hi-pótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

Quando os constituintes de 1988 instituíram o OSS,

sequer foram ousados. Apenas aprofundaram o padrão

clássico de fontes tripartites, introduzido pelo conserva-

dor Bismarck na Alemanha (1880) que, posteriormente,

foi difundido em outros países. No Brasil esse padrão foi

introduzido ao longo do “Estado Novo” e mantido até a

década de 1980. A Constituição de 1988 apenas aperfei-

çoou esse padrão internacional.

Em outras palavras, o Orçamento da Seguridade So-

cial foi inspirado no padrão universal clássico, baseado

na contribuição tripartite (empregados, empregadores e

impostos/governo): recursos dos empregados e emprega-

dores (sobre a folha de salários para a previdência) e do

governo (contribuições das empresas sobre o lucro, sobre

o faturamento e sobre parte do PIS-Pasep, dentre outras),

um conjunto de impostos gerais que financiam os bene-

fícios não contributivos (INSS Rural, Assistência Social e

Saúde)

O quadro abaixo (IPEA 2005) mostra que ao instituir-

mos o OSS, não inventamos a roda. Para um conjunto de

países europeus a seguridade é financiada, em média, por

38% da contribuição dos empregadores; 22% pela con-

tribuição dos empregados; e 27% da contribuição do go-

verno (impostos). Em alguns países a participação relativa

dos impostos, que financia os benefícios não contributi-

vos, varia entre 40% e 64%.

PaísesComposição das despesas - %

Total % PIBEmpregadores Empregados Impostos Outras

Alemanha 36,9 28,2 32,5 2,4 100,0 29,5

Áustria 37,1 26,8 35,3 0,8 100,0 28,7

Bélgica 49,5 22,8 25,3 2,4 100,0 26,7

Dinamarca 9,1 20,3 63,9 6,7 100,0 28,8

Espanha 52,7 16,4 26,6 4,0 100,0 20,1

Finlândia 37,7 12,1 43,1 7,1 100,0 25,2

França 45,9 20,6 30,6 2,9 100,0 29,7

Grécia 38,2 22,6 29,1 10,1 100,0 26,4

Irlanda 25,0 15,1 58,3 1,6 100,0 14,1

Itália 43,2 14,9 39,8 2,1 100,0 25,2

Luxemburgo 24,6 23,8 47,1 4,5 100,0 21,0

P. Baixos 29,1 38,8 14,2 17,9 100,0 27,4

Portugal 35,9 17,6 38,7 7,8 100,0 22,7

Reino Unido 30,2 21,4 47,1 1,3 100,0 26,8

Suécia 39,7 9,4 46,7 4,2 100,0 32,3

Europa dos 15 38,3 22,4 35,8 3,5 100,0 27,3

Tabela 1 - Composição das Fontes de Financiamento da Seguridade Social - OCDE

Fonte: Eurostat.

Page 43: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 43

3.5 – Captura de Recursos do Orçamento da Seguri-

dade Social

Outra aparente inconstitucionalidade é a recorrente

captura dos recursos do Orçamento da Seguridade Social

para outras finalidades não previstas no artigo 194.

Estudos de Gentil (2007) mostram que as contas do

Orçamento da Seguridade Social sempre foram superavi-

tárias para todo o período 1989/2007. A autora destaque

que os recursos excedentes foram utilizados para contri-

buir para pagar a conta financeira (de juros e amortização

da dívida pública). Trabalho recente de Costa (2010) re-

vela que “em 2009, o superávit do sistema de Seguridade

Social foi de R$ 32,6 bilhões”.

Porque os constituintes vincularam constitucional-

mente recursos do OSS aos setores que compõem a Segu-

ridade Social? Para evitar uma prática corrente na Ditadu-

ra Militar: a captura de fontes de financiamento do gasto

social pela área econômica do governo. Naquela época,

ao invés da política econômica financiar a política social,

dava-se o inverso.

Essa prática da Ditadura Militar foi sofisticada e apro-

fundada pelos governos democráticos desde 1989. Diver-

sas medidas foram adotadas de forma inconstitucional vi-

sando a capturar os recursos constitucionais vinculados ao

Orçamento da Seguridade Social para o financiamento de

outros itens de gasto.

Um caso exemplar do início desse processo contínuo

de desfiguração, ao arrepio da Carta Magna, pode ser per-

cebido pela utilização de recursos do Orçamento da Segu-

ridade Social, para pagar despesas com servidores inativos

da União em 1989.

A previdência do servidor público não integrava a se-

guridade social (ver artigo 194). Os pensionistas e segura-

dos do serviço público sempre foram pagos com recursos

do Tesouro Nacional (rubrica “Encargos Previdenciários

da União, EPU”).

Apesar disso, em 1989, mais da metade da receita pre-

vista como arrecadação da COFINS foi destinada ao paga-

mento dos inativos e pensionistas da União. Apenas uma

pequena parcela da arrecadação dessa contribuição social

foi destinada à cobertura dos benefícios da previdência so-

cial.7 Tratava-se de medida inconstitucional, denunciada

pelos setores que lutaram pela seguridade social na ANC8.

É emblemático que esse desvio de recursos foi admiti-

do, pública e impunemente, pelo então ministro da Previ-

dência e Assistência Social, Jáder Barbalho, em entrevista

concedida à revista Veja, em meados de 1989:

O problema do déficit da previdência social está sen-do gerado por fatores externos à previdência social. Do Finsocial (COFINS), a que a Previdência teria direito, só foi repassado 0,32%. O que a Secretaria de Planejamento argumenta é que esse dinheiro foi repassado para outros setores do governo que com-põem o conjunto da seguridade social – que abrange o ministério da Saúde e até mesmo os pensionistas da União. Além disso, outra fonte de renda, a Con-tribuição Social sobre os Lucros das empresas, caiu com o Plano Verão, reduziu-se ao meio. De um to-tal de três bilhões, a Previdência só recebeu 1,5 bi-lhão de cruzados novos. Depois, a Previdência tinha previsto em seu orçamento uma aplicação de saldo de caixa que daria, mensalmente, 2,5 bilhões. Mas como não há caixa, e sim déficit de caixa, não foi possível aplicar nada.

7- Azeredo (1990) ressalta essa malversação dos recursos do Cofins-Finsocial: “Também não está sendo cumprido o preceito das Disposições Transitórias da Constituição (art. 56), que prevê a incorporação à seguridade de cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota de contribuições do Finsocial. A análise da distribuição da receita deste Fundo no Orçamento da União (...) mostra que mais da metade dos recursos está destinada ao custeio da despesa com inativos e pensionistas da União. Sem dúvida, os Encargos Previdenciários da União (EPU) representam uma despesa de natureza previdenciária. No entanto, não se pode incluí-la no conceito de seguridade, na medida em que o regime de previdência dos funcionários públicos da União não atende a um dos princípios básicos da seguridade social, que diz respeito à universalidade. Vale lembrar que a inclusão do art. 56 nas Disposições Constitucionais Transitórias visava, exatamente, a criar um mecanismo que permitisse financiar a expansão da des-pesa com benefícios, prevista já para o ano de 1989. Cabe observar ainda que, em 1988, as despesas com EPU foram financiadas com recursos ordinários do Tesouro e com receitas de Títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional. Em resumo, uma parcela substantiva do Finsocial está sendo subtraída indevidamente do custeio da seguridade social”.

8- Em meados de 1989, o senador Almir Gabriel (PSDB-AC), que havia sido relator da proposta da Seguridade Social na ANC, por exemplo, denunciou a inconstitucio-nalidade da manobra nos seguintes termos: “É interessante, para o governo, que o déficit público apareça na Previdência exatamente por este motivo: como não se pode aumentar a receita com impostos, o déficit da Previdência é um pretexto. Recursos que deveriam ter sido alocados no ministério foram desviados para outros setores, para cobrir outros setores, para cobrir outros buracos de caixa. Além de deixar de custear a máquina previdenciária, não arcando com as despesas administrativas e de pessoal, o governo está utilizando parte do Finsocial para pagar os segurados e pensionistas da União, que sempre foram pagos com recursos do Tesouro Nacional e não do IAPAS” (Governo aumentará contribuições para sanear previdência, Folha de S.Paulo, 17/5/1989).

Page 44: Tributação em Revista 57

44 TRIBUTAÇÃO em revista

Perguntado pelo jornalista se seria “ético transferir di-

nheiro da Previdência para pagar pensionistas da União”,

como fez o então ministro do Planejamento João Batista

de Abreu, o ministro retrucou e voltou a admitir a incons-

titucionalidade das ações do governo do qual fazia parte:

Não vou discutir ética. Não interessa o conflito meu com o João Batista. As conversas com ele têm sido amigáveis. O grande problema do ministro do Plane-jamento é que ele tem vários déficits para administrar. Na hora que eu pedir para ele mandar o Finsocial para Previdência, ele pode chegar e perguntar: ́ Como é que eu vou pagar os pensionistas da União? ` Isso porque o déficit da Previdência é resultado do déficit da União. Todo mundo deve ser pago com o dinheiro da seguri-dade social, mas a maior parte foi destinada ao paga-mento dos pensionistas da União. (Um rombo federal. Entrevista com Jáder Barbalho. Veja, 31/5/1989)

Esse exemplo emblemático de desvios e desfigurações

do final dos anos de 1980 teve prosseguimento em todos

os governos posteriores até os dias atuais.

3.6 – Previdência: “Déficit” ou Manipulação Contábil?

Com base no que foi dito anteriormente sobre a Or-

ganização da Seguridade Social e sobre o Orçamento da

Seguridade Social, outro falso argumento é que há “déficit”

sempre que a contribuição dos empregados e empregado-

res para a previdência social urbana for insuficiente para

bancar os gastos com o INSS Urbano e o INSS Rural.

Veja-se, por exemplo, que em recente entrevista à impren-

sa, um ex-membro da área econômica do governo, afirmou:

Essa discussão sobre se tem déficit ou não é surrea-lista, é quase uma picaretagem intelectual. (Marcos Lisboa, entrevista, O Estado de S. Paulo, 2/9/07).

Ainda sobre esse tema, outro especialista escreveu:

Discutir se a Previdência tem déficit ou não, é irrele-vante. Estamos lidando com um problema real: o Bra-sil tem regras generosas de aposentadoria e há cada vez mais gente que recebe recursos do Estado, com idades precoces ou tendo feito contribuições escassas. Saber se a receita do imposto X deve ser do INSS ou do Tesouro não tem importância nenhuma para efei-tos do que estamos tratando. O problema é real não contábil. (Fabio Giambiagi, Valor Econômico 4/7/07).

A verdade é que não existe base técnica para tais

ilações. Mais grave: não creio que exista base constitu-

cional. Os princípios basilares da Constituição de 1988,

não rezam que folha de salário formal urbana (trabalha-

dores e empresas) seja responsável pela cobertura dos

gastos com a Previdência Urbana e a Previdência Rural.

Ora, o INSS rural é um benefício não contributivo.

Em 1988 os constituintes asseguram aos trabalhadores

rurais o direito à aposentadoria mediante a comprova-

ção de tempo de trabalho. Foi uma medida de justiça

social para beneficiar trabalhadores rurais que entraram

no mercado de trabalho a partir de década de 1940 e

sempre foram marginalizados por políticas de proteção

social. Houve naquele momento um pacto social para

resgatar uma injustiça histórica cometida contra esse

segmento.

Daí a necessidade de instituir impostos gerais (como

a CSLL e o COFINS) para financiar a Previdência Rural.

Por outro lado, a Carta de 1988 fixou uma contribui-

ção com base muito limitada, absolutamente insuficien-

te para financiar os mais de 8 milhões de beneficiários

diretos do INSS Rural. Observe o que reza o Inciso IV,

Parágrafo 8º do artigo 195:

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrenda-tário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resul-tado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.

“Outro falso argumento é que há “déficit” sempre que a

contribuição para a previdência urbana for insuficiente para bancar os gastos com o INSS

Urbano e o INSS Rural.”

Page 45: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 45

Essa base de contribuição é ainda mais restringida

pelas isenções fiscais dadas ao agronegócio exportador

(Emenda Constitucional 33).

Em suma não se pode considerar a Previdência Social

apartada da Seguridade Social. Da mesma forma não se

pode considerar excluir o financiamento da Previdência So-

cial (Rural e Urbana) do Orçamento da Seguridade Social.

Insisto, a Carta de 1988 contempla benefícios contri-

butivos (INSS urbano e Seguro-Desemprego) e benefícios

não contributivos (INSS Rural, Loas e SUS). Os primeiros

são financiados pela folha de salário formal urbana (traba-

lhadores e empresas) e pelo PIS/PASEP. Os segundos por

impostos pré-existentes (Recursos de Prognósticos) e por

outros criados pelos constituintes (CSLL e COFINS) para

essa finalidade exclusiva

Como vimos o Orçamento da Seguridade Social sem-

pre foi superavitário desde 1989, a despeito da DRU e das

renúncias fiscais. Portanto, à luz da Constituição da Re-

pública não há como se falar em “déficit” na Previdência

Social. Na verdade sobram recursos que são utilizados em

finalidades não previstas na lei.

É verdade, todavia, que a redação dada ao artigo 201

pela reforma conservadora de 1998 (Emenda Constitucio-

nal 20) possibilita uma interpretação dúbia:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preser-vem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, mor-te e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desem-prego involuntárioIV – salário-família e auxílio-reclusão para os depen-dentes dos segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mu-lher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, ob-servado o disposto no § 2º.

Essa nova redação do Artigo 201 procura excluir a Pre-

vidência Social da Seguridade Social; e, mais especifica-

mente, subtrair do financiamento do INSS rural as demais

fontes de financiamento baseadas em impostos vinculadas

ao Orçamento da Seguridade Social.

Assim a Previdência Social (Urbana e Rural) deveriam

observar “critérios que preservem o equilíbrio financeiro

e atuaria”. É uma redação ambígua, porque, como obser-

vado, não se pode afirmar que a Previdência Rural tenha

“caráter contributivo”, dada sua reduzida base de financia-

mento. Além disso, os incisos da nova redação do artigo

201 não há qualquer referência ao INSS Rural.

Se essa interpretação prevalecer, fica aqui outra ques-

tão aos especialistas do direito: não haveria uma fragrante

oposição da nova redação do Artigo 201, dada pela EC

20/98, com os Artigos 194 e 195?

3.7 – Forma de Apresentação dos Dados pelo MPAS

Outra aparente inconstitucionalidade é a forma de

apresentação dos dados financeiros da Previdência So-

cial pelo Ministério da Previdência e Assistência Social –

MPAS, desde 1989. O MPAS não considera a Previdência

como integrante da Seguridade. Parte do princípio de que

a folha de salário do trabalhador urbano deve cobrir o gas-

to com o INSS urbano e do INSS rural. O resultado é um

“rombo” da Previdência, em função dos gastos do INSS

rural – na medida em que, atualmente, a Previdência Ur-

bana é superavitária.

Ora, insisto que os artigos 194 e 195 rezam que o INSS

rural (não contributivo) deve ser coberto pelas receitas de

impostos. Com base no critério oficial, quem fala em “Dé-

ficit” da Previdência comete o mesmo equívoco de senten-

ciar o “rombo” das contas do Legislativo, do Judiciário e

das Forças Armadas (também financiadas por impostos).

3.8 – Conselho Nacional da Seguridade Social

Um dos argumentos em defesa do Orçamento da Segu-

ridade Social era que ele proporcionaria o maior controle

social sobre recursos que financiavam as políticas sociais.

Em tese, a consolidação dessas fontes e dos respectivos

usos numa única peça orçamentária, sujeita ao acompa-

nhamento do Congresso Nacional, proporcionaria maior

“transparência” e controle sobre o uso dos recursos desti-

nados ao gasto social.

Page 46: Tributação em Revista 57

46 TRIBUTAÇÃO em revista

Como sublinhei, com o Orçamento da Seguridade

Social procurava-se assegurar fontes vinculadas de re-

cursos para o financiamento da seguridade social e, ao

mesmo tempo, garantir que esses recursos não fossem

capturados pela área econômica do governo e desviados

para outras atividades, prática recorrente na história da

política social brasileira e, em particular, durante o regi-

me militar.

Esses objetivos seriam alcançados pelos artigos 165,

166, 194 e 195 da Constituição Federal. Todavia, o ins-

trumento fundamental para assegurar o controle social

sobre as fontes e usos dos recursos do Orçamento da Se-

guridade Social era a instituição do Conselho Nacional

da Seguridade Social.

O parágrafo único do artigo 194 da CF reza que

“compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar

a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

(...) VII – caráter democrático e descentralizado da ges-

tão administrativa, com a participação da comunidade,

em especial de trabalhadores, empresários e aposenta-

dos”.

Posteriormente, o artigo 5º da Lei Orgânica da Segu-

ridade Social (Lei 008.212/1991), ao tratar da Organiza-

ção da Seguridade Social, estabelece que “As ações nas

áreas de Saúde, Previdência Social e Assistência Social,

conforme o disposto no Capítulo II do Título VIII da

Constituição Federal serão organizadas em Sistema Na-

cional de Seguridade Social, na forma desta Lei. E o Arti-

go 6º institui o Conselho Nacional da Seguridade Social

nos seguintes termos:

“Art. 6º Fica instituído o Conselho Nacional da Se-guridade Social, órgão superior de deliberação co-legiada, com a participação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de represen-tantes da sociedade civil. § 1º O Conselho Nacional da Seguridade Social terá dezessete membros e respectivos suplentes, sendo: a) 4 (quatro) representantes do Governo Federal, dentre os quais, 1(um) da área de saúde, 1(um) da área de previdência social e 1(um) da área de assis-tência social;b) 1 (um) representante dos governos estaduais e 1 (um) das prefeituras municipais;c) 6 (seis) representantes da sociedade civil, sendo 3 (três) trabalhadores, dos quais pelo menos 1 (um) aposentado, e 3 (três) empresários;c) oito representantes da sociedade civil, sendo quatro trabalhadores, dos quais pelo menos dois aposentados, e quatro empresários;d) 3 (três) representantes dos conselhos setoriais, sendo um de cada área da Seguridade Social, con-forme disposto no Regimento do Conselho Nacio-nal da Seguridade Social.d) 3 (três) representantes membros dos conselhos setoriais, sendo um de cada área da seguridade so-cial, conforme disposto no Regimento do Conselho Nacional da Seguridade Social.§ 2º Os membros do Conselho Nacional da Segu-ridade Social serão nomeados pelo Presidente da República.§ 3º O Conselho Nacional da Seguridade Social será presidido por um dos seus integrantes, eleito entre seus membros, que terá mandato de 1 (um) ano, vedada a reeleição, e disporá de uma Secretaria--Executiva, que se articulará com os conselhos se-toriais de cada área.§ 4º Os representantes dos trabalhadores, dos em-presários e respectivos suplentes serão indicados pelas centrais sindicais e confederações nacionais e terão mandato de 2 (dois) anos, podendo ser recon-duzidos uma única vez.§ 5º As áreas de Saúde, Previdência Social e Assis-tência Social organizar-se-ão em conselhos setoriais, com representantes da União, dos Estados, do Dis-trito Federal, dos Municípios e da sociedade civil.§ 6º O Conselho Nacional da Seguridade Social reunir-se-á ordinariamente a cada bimestre, por convocação de seu presidente, ou, extraordina-riamente, mediante convocação de seu presidente ou de um terço de seus membros, observado, em ambos os casos, o prazo de até 7 (sete) dias para realização da reunião.§ 7º As reuniões do Conselho Nacional da Seguri-dade Social serão iniciadas com a presença da maio-ria absoluta de seus membros, sendo exigida para deliberação a maioria simples dos votos.§ 8º Perderá o lugar no Conselho Nacional da Se-guridade Social o membro que não comparecer a 3 (três) reuniões consecutivas ou a 5 (cinco) interca-

“O Orçamento da Seguridade Social

proporcionaria maior controle social sobre

recursos que financiariam as políticas sociais.”

Page 47: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 47

ladas, no ano, salvo se a ausência ocorrer por moti-vo de força maior, justificado por escrito ao Conse-lho, na forma estabelecida pelo seu regimento.§ 9º A vaga resultante da situação prevista no pará-grafo anterior será preenchida através de indicação da entidade representada, no prazo de 30 (trinta) dias.§ 10. As despesas porventura exigidas para o com-parecimento às reuniões do conselho constituirão ônus das respectivas entidades representadas. § 11. As ausências ao trabalho dos representantes dos trabalhadores em atividade, decorrentes de sua participação no Conselho, serão abonadas, com-putando-se como jornada efetivamente trabalhada para todos os fins e efeitos legais.

Por sua vez, o Artigo 7º estabelece as competências

do Conselho Nacional da Seguridade Social na Organiza-

ção da Seguridade Social e no Controle sobre a Execução

do Orçamento da Seguridade Social:

Art. 7º Compete ao Conselho Nacional da Seguri-dade SocialI - estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de integração entre as áreas, observado o disposto no inciso VII do art. 194 da Constituição Federal; II - acompanhar e avaliar a gestão econômica, finan-ceira e social dos recursos e o desempenho dos pro-gramas realizados, exigindo prestação de contas;III - apreciar e aprovar os termos dos convênios fir-mados entre a seguridade social e a rede bancária para a prestação dos serviços;IV - aprovar e submeter ao Presidente da República os programas anuais e plurianuais da Seguridade Social;V - aprovar e submeter ao Órgão Central do Sis-tema de Planejamento Federal e de Orçamentos a proposta orçamentária anual da Seguridade Social;VI - estudar, debater e aprovar proposta de recom-posição periódica dos valores dos benefícios e dos salários-de-contribuição, a fim de garantir, de for-ma permanente, a preservação de seus valores reais;VII - zelar pelo fiel cumprimento do disposto nesta Lei e na legislação que rege a Seguridade Social, as-sim como pelo cumprimento de suas deliberações;VIII - divulgar através do Diário Oficial da União, todas as suas deliberações;IX - elaborar o seu regimento interno.

O Artigo 8º reforça a determinação Constitucional de

que as propostas orçamentárias para as áreas de saúde,

assistência social e previdência social fossem feitas de

forma integrada e articuladas:

Art. 8º As propostas orçamentárias anuais ou plu-rianuais da Seguridade Social serão elaboradas por Comissão integrada por 3 (três) representantes, sendo 1 (um) da área da saúde, 1 (um) da área da previdência social e 1 (um) da área de assistência social.

Entretanto, o Conselho Nacional da Seguridade So-

cial não foi instituído. Parte da Lei Orgânica da Segu-

ridade Social (Lei 008.212/1991) foi revogada pela Lei

nº 8.619/1993 e pela Lei 9.032/ 1995. Posteriormente,

a Emenda Constitucional no 20/1998 deu nova redação

ao parágrafo único do artigo 194 da CF de 1988, cuja

redação passou a ser:

“VII - caráter democrático e descentralizado da admi-nistração, mediante gestão quadripartite, com partici-pação dos trabalhadores, dos empregadores, dos apo-sentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Todavia, em 2001, O Conselho Nacional da Segurida-

de foi extinto pelo artigo 35 da Medida Provisória 2.216

- 037 de 2001. Essa MP revoga os artigos 6º, 7º (entre

outros) da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 que o

havia instituído.

Portanto através de MP um dos pilares da Segurida-

de Social previsto no texto Constitucional de 1998 e na

Emenda Constitucional 20/1998 foi implodido. Fica mi-

nha pergunta aos Constitucionalistas: uma Medida Pro-

visória tem força legal para extirpar um dos núcleos cen-

trais da Organização da Seguridade Social determinado

pela Constituição da República?

“Todos os governos, desde 1988, optaram por desfigurar e descumprir

princípios fundamentais da Organização da Seguridade

Social.”

Page 48: Tributação em Revista 57

48 TRIBUTAÇÃO em revista

4. Conclusões e Perspectivas

Nas duas partes deste texto procurei ressaltar que a

com a Constituição de 1988, o Brasil conseguiu construir

um razoável sistema de proteção social, na contramão do

neoliberalismo. Esse processo teve início com o movimen-

to social que emergiu no final dos anos 70, no bojo da luta

pela redemocratização do país. Todavia, as classes domi-

nantes jamais aceitaram tais avanços que, em última ins-

tância, apenas asseguraram as bases para a construção de

uma sociedade democrática e justa. Na Assembléia Nacio-

nal Constituinte (ANC) usaram todos os meios disponí-

veis para impedir essas conquistas. Desde então investem

– e lograram êxitos – para retroceder a cidadania social

recém conquistada.

Nos últimos 22 anos, no tocante à Seguridade Social, a

Constituição Cidadã viveu um calvário e sobreviveu muti-

lada e transfigurada. Todos os governos, desde 1988, op-

taram por desfigurar e descumprir princípios fundamen-

tais da Organização da Seguridade Social, do Orçamento

da Seguridade Social e dos mecanismos que asseguravam

o controle social sobre os rumos das políticas de saúde,

previdência e assistência social (Conselho Nacional da Se-

guridade Social)

Após mais de 20 anos de debates baseados em mitos

e falsos argumentos, alimentados por amplos setores da

mídia e do mercado, pergunto se a impetração de Ações

Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) não seria o cami-

nho mais adequado a ser trilhado pelo movimento social

e sindical?

Sendo economista, não tenho competência técnica

para responder a essa questão. O propósito deste texto é

incentivar o debate entre juristas e constitucionalistas. A

contribuição desses profissionais é fundamental neste mo-

mento, sobretudo pela perspectiva de novas tentativas de

reformas e subtração de direitos que certamente emergirão

na próxima gestão de governo, seja qual for o vencedor.

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TRIBUTAÇÃO em revista 49

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Page 50: Tributação em Revista 57

50 TRIBUTAÇÃO em revista

a RTIGO

Financiamento da Seguridade Social: do “Défi cit” da Previdência ao Superávit da

SeguridadeÁlvaro Luchiezi Jr.1

Osmar Rodrigues de Aquino Jr.2

sistema da Seguridade Social, ao qual se integra a Previ-

dência Social, não são colocados em prática, orçamentária

e fi nanceiramente. Se o fossem, as contas da Seguridade

Social – e não unicamente da Previdência Social – são, de

fato, superavitárias.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) inovou ao

ampliar as bases de fi nanciamento do sistema de Segurida-

de Social, acrescentando-lhe impostos pagos pela socieda-

de e contribuições sociais vinculadas, além da tradicional

fonte da folha de salários.

Este artigo analisa a questão da Seguridade Social à luz

dos preceitos constitucionais, argumentando que o propa-

lado défi cit da previdência é, de fato, inexistente se consi-

1. Introdução

O Governo Federal tem afi rmado a existência de um

desequilíbrio nas contas da Previdência Social, que a faz

fechar no vermelho a um longo período e que esse dese-

quilíbrio se torna cada vez maior ao passar dos anos e, des-

sa forma, fi ca impedido de realizar maiores investimentos.

O polêmico “défi cit da Previdência Social” ganha, assim,

as manchetes dos noticiários e torna-se lugar comum no

debate sobre a Previdência Social.

Em oposição, muitas entidades de classes e estudiosos

do assunto propugnam pela inexistência do “défi cit” argu-

mentando que os preceitos constitucionais defi nidores do

1- Economista, Gerente de Estudos Técnicos do Sindifi sco Nacional

2- Economista, Assessor de Estudos Técnicos do Depto de Estudos Técnicos do Sindifi sco Nacional

Page 51: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 51

derada a concepção mais ampla do sistema de Seguridade

Social. Para tanto, está dividido em seis seções. Além desta

introdução, a segunda apresenta um breve histórico da Se-

guridade Social no Brasil; a terceira tece considerações so-

bre o seu financiamento; a quarta apresenta e critica o me-

canismo de Desvinculação das Receitas da União (DRU); a

quinta analisa do chamado “déficit” da Seguridade Social,

mostrando por meio de argumentos e números que se tra-

ta de uma abordagem que vai de encontro aos preceitos

constitucionais, os quais, aplicados corretamente, resulta-

riam em superávit; e a sexta tece conclusões centradas no

fato de que a ideia de que a Seguridade Social é deficitária

precisa ser revertida.

2. Seguridade Social no Brasil

A Seguridade Social designa um conjunto integrado de

ações do Estado e da sociedade voltadas a assegurar aos

cidadãos os direitos relativos à previdência, à assistência

social e à saúde. Ela inclui, também, a proteção ao traba-

lhador desempregado, via seguro-desemprego. A Seguri-

dade Social deve estar baseada num sistema de medidas

públicas capaz de fazer frente às privações econômicas e

sociais a que estão sujeitos os cidadãos, e sem as quais seus

rendimentos estariam ameaçados em razão de “enfermida-

de, maternidade, acidentes de trabalho, enfermidade pro-

fissional, emprego, invalidez, velhice e morte, assistência

médica e apoio à família e filhos”3. Sobressai daí que a Se-

guridade Social deve prever “garantias contra contingên-

cias sociais que ameacem a sobrevivência do indivíduo”4.

As ações de previdência são asseguradas por um sis-

tema de Previdência Social Pública constituído em bases

contributivas. As de assistência social, não contributivas,

destinam-se às camadas mais carentes da população, ou

seja, à proteção a indivíduos e grupos familiares em situ-

ação de risco, em especial à velhice e à invalidez. As de

saúde, também sem caráter contributivo, são representa-

das pelo Sistema Único de Saúde (SUS), extensivo à toda a

população. As competências administrativas e financeiras

das ações de previdência e assistência social e de saúde

cabem ao Ministério da Previdência Social, Ministério da

Fazenda e Ministério da Saúde, enquanto que a adminis-

tração do seguro-desemprego cabe ao Ministério do Tra-

balho e Emprego.

As bases legais do sistema de Seguridade Social repou-

sam numa bem construída regulamentação infra-constitu-

cional, regulamentando todos os aspectos que englobam a

Seguridade Social: Previdência Social; Assistência Social;

atenção à saúde; o Seguro-Desemprego e Abono Salarial.

O conceito de Seguridade Social passou a fazer parte

do vocabulário brasileiro a partir da CF/88, sendo um dos

maiores avanços, em termos de política social desde então

pois as três políticas passaram a ser englobadas num mes-

mo sistema. A incorporação do conceito na Carta Magna

surgiu da pressão de diversos setores da sociedade organi-

zada, especialmente trabalhadores, a partir da redemocra-

tização do país, no início da década de 1980.

O sistema de proteção social previsto O artigo 194

da CF/88 estrutura-se a partir do princípio da universa-

lidade da cobertura e atendimento, e da seletividade e

distributividade na prestação de serviços e benefícios. A

universalidade diz respeito à saúde e previdência rural,

enquanto que a seletividade refere-se à assistência social.

Universalidade significa que a proteção deverá atingir a

todos os cidadãos em todas as suas necessidades. Seletivi-

dade significa que cada serviço que compõe a Seguridade

Social aplica-se a uma determinada necessidade, cabendo

ao legislador selecionar aquelas aplicáveis a cada situação.

Desde a promulgação da CF/88, os sucessivos gover-

nos buscaram realizar alterações na Previdência Social. As

mais significativas foram as Emendas Constitucionais n.°

20 (EC 20/98), de dezembro de 1998 e n.° 41, de dezem-

bro de 2003 (EC 41/03).

A EC 20/98 introduziu modificações nos benefícios

previdenciários, tanto do Regime Geral da Previdência

Social (RGPS) quanto do Regime Próprio da Previdência

Social (RPPS).

3- OIT. Convenção no. 102: Normas Mínimas da Seguridade Social. Genebra: OIT, 1952.

4- DIEESE. Previdência Social brasileira: concepção constitucional e tentativas de desconstrução. Nota Técnica no 51. São Paulo, set. 2007, p. 3

Page 52: Tributação em Revista 57

52 TRIBUTAÇÃO em revista

Para os trabalhadores do setor privado as principais

mudanças relacionaram-se à concessão de benefícios pela

Previdência Social. Vale ressaltar as seguintes: alteração da

forma de aposentadoria, passando de tempo de serviço

para tempo de contribuição (35 anos para homens e 30

para mulheres); aposentadoria por idade para os homens

aos 65 anos e mulheres aos 60; criação do Fator Previden-

ciário e o fim da aposentadoria proporcional.

Em relação ao RPPS, foram implementadas as seguin-

tes modificações: incorporação do tempo de contribuição

em substituição ao de tempo de serviço (35 anos homem

e 30 anos mulher); introdução do critério de idade para

a aposentadoria integral (60 anos homem e 55 mulher),

com no mínimo 10 anos de efetivo exercício no serviço

público e 5 anos no cargo em que será aposentado; apo-

sentadoria compulsória aos 70 anos com proventos pro-

porcionais ao tempo de contribuição e não mais ao tempo

de serviço; introdução do cálculo do valor da aposentado-

ria pela média das contribuições previdenciárias, no mes-

mo molde do que ocorre no RGPS; a determinação de que

apenas os servidores efetivos podem pertencer ao RPPS,

entre outras.

A EC 41/03 teve com principal objetivo o setor públi-

co, aprovada em tempo recorde, e apesar da forte oposição

dos servidores públicos, incluindo ao RPPS as seguintes

medidas: caráter contributivo e solidário, inclusive dos

aposentados mediante contribuição do ente público e dos

servidores, ativos e inativos; teto para o valor da aposen-

tadoria do servidor público e contribuição incidente sobre

o valor da aposentadoria, com alíquota de 11%; a criação

da Previdência Complementar, de caráter optativo, para o

Servidor Público.

Apesar das diversas reformas no sistema brasileiro de

Seguridade Social brasileiro, em linhas gerais ele se man-

tém tal como previsto na CF/88. Algumas características

fundamentais não se alteraram: cobertura universal e re-

gime de repartição, público. Da forma como ele está hoje

implementado ainda é baixa a sua observância dos prin-

cípios constitucionais. Por exemplo, há sérios questiona-

mentos quanto à aplicação do princípio da arredutibilida-

de dos vencimentos - manutenção do poder de compra

dos benefícios. Os critérios de correção dos benefícios têm

sido bastante questionados quando comparados com a

evolução do salário mínimo ou mesmo com o valor das

contribuições ao sistema.

A fim de permitir o controle social e a devida transpa-

rência gerencial – administrativa e financeira – das contas

da Seguridade Social, e assim cumprir o princípio consti-

tucional da descentralização administrativa e caráter de-

mocrático da Seguridade Social, a Lei n.° 8.212/91 criou o

Conselho Nacional de Seguridade Social (CNSS) que tinha

entre outras atribuições aprovar o Orçamento da Seguri-

dade Social (OSS), submetendo-o aos órgãos competen-

tes. Até o ano de 1998 o CNSS funcionou colegiadamente

com a participação de representantes das três esferas de

governo e da sociedade civil. As reformas e tentativas de

reformas colocadas em prática ao final da década de 1990

tornaram o funcionamento CNSS inviável e ele terminou

por ser extinto formalmente em 1999. Desde então, os re-

cursos da Seguridade Social passaram a ser utilizados para

financiar os superávits primários da União.

Vaz e Martins5 indicam que em 1998 as contas do setor

público tinham um déficit de 0,01% do PIB, passando a

um superávit de 4,3% em 2006. Neste mesmo período a

carga tributária dos tributos da União cresceu de 20,7%

para 23,8% do PIB, sendo que as contribuições sociais sal-

5- VAZ, e MARTINS. Práticas Orçamentárias a Esvaziar a Seguridade Social. In. “Previdência Social - Como Incluir os Excluídos? Uma Agenda Voltada para O Desenvolvi-mento.” São Paulo: LTr, 2008.

“Os critérios de correção dos benefícios têm sido bastante questionados

quando comparados com a evolução do salário

mínimo.”

Page 53: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 53

taram de 9,9% para 13,4%, enquanto que os impostos e

taxas caíram de 8,3% para 7,9%. Há, portanto, correlação

explícita entre o aumento da carga tributária e o financia-

mento dos superávits primários das contas do Governo

Federal. E mais, estes recursos vieram não dos impostos e

taxas, mas sim das contribuições sociais, leia-se, do finan-

ciamento do OSS via desvinculações, a seguir analisadas.

Em que pese a concepção universalista da Constituição

garantindo a todos o direito de ingressar, mediante contri-

buição no RGPS, o direito aos benefícios assistenciais no

caso de necessidade e à saúde, a Seguridade Social jamais

foi operacionalizada.

A previsão constitucional ficou ainda mais enfraque-

cida diante da crise de financiamento do Estado dos anos

1990 somada ao fraco desempenho da nossa economia

(baixas taxas de crescimento do PIB), que se fez acompa-

nhar de altos níveis de desemprego e de informalização de

trabalho. Este contexto fortaleceu o discurso da necessida-

de de uma reforma da previdência em lugar de um fortale-

cimento do mandado constitucional. Ocorreu, nos dizeres

de Delgado6, um processo de “desconstrução” do sistema

de seguridade social no Brasil, em oposição à “construção”

ocorrida com a CF/88. Este processo foi acompanhado de

fortes desvios de recursos orçamentários que acabaram

por concretizar uma falsa situação deficitária na Seguri-

dade Social, o que justificou as reformas da Previdência

Social que se seguiram.

3. O Financiamento da Seguridade Social

As fontes de financiamento de recursos para o Orça-

mento da Seguridade estão explicitadas no artigo 195 da

CF/88.

Detalhadamente, as fontes de custeio para as despesas

da seguridade social são as seguintes:

• Contribuições dos empregadores e trabalhadores

para a Seguridade Social – INSS, incidente sobre a

folha de salários;

• Contribuição para o financiamento da Seguridade

Social (COFINS), incidente sobre a receita e o fa-

turamento das empresas;

• Contribuição Social Sobre o Lucro das Pessoas

Jurídicas (CSLL), incidente sobre o lucro das em-

presas;

• Receitas de concursos de prognósticos;

• do importador de bens ou serviços do exterior

Além destes, constituem também fonte de financia-

mento os recursos dos Orçamentos Fiscais da União, Es-

tados, Distrito Federal e Municípios, originários, dentre

outras fontes, da arrecadação de impostos e receitas patri-

moniais, além de outras receitas.

Para financiar as ações da Seguridade Social, o art. 165

da CF/88 determina que a Lei Orçamentária Anual (LOA)

preveja o Orçamento da Seguridade Social (OSS) englo-

bando todos os órgãos, da administração direta e indireta,

relacionados à Seguridade Social.

O inciso XI do art. 167 da CF/88, incluído pela Emen-

da Constitucional n.º 20, determina que as contribuições

do empregador sobre a folha de salário e aquelas do tra-

balhador sejam restritas ao pagamento de benefícios do

RGPS do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). São,

portanto, inconstitucionais quaisquer medidas que des-

viem recursos das fontes do INSS.

4. Desvinculação das Receitas da União (DRU)

A Emenda Constitucional de Revisão (ECR) n°1/94,

art. 71, instituiu o Fundo Social de Emergência (FSE), vi-

gente entre 1994 e 1995. Objetivando a reparação finan-

ceira da União e a estabilização econômica, a ECR 1/94

transferiu recursos do OSS, com o intuito de equilibrar

as contas públicas. As principais fontes do fundo foram

assim constituídas:

I - Imposto de Renda (IR) e proventos de qualquer na-

tureza incidentes na fonte sobre pagamentos efetuados

pela União e/ou suas fundações e autarquias;

II – Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR),

6- DELGADO, Guilherme C. Seguridade Social: origens e evolução institucional. s.n., s.d.

Page 54: Tributação em Revista 57

54 TRIBUTAÇÃO em revista

IR de qualquer natureza e Imposto sobre Operação Fi-

nanceira (IOF);

III – Contribuição social sobre o lucro dos contribuin-

tes; e

IV – 20% da receita de todos os impostos e contribui-

ções arrecadados pela União (grifo nosso).

Por este último inciso ficou instituída, já em 1994, o

que hoje se denomina DRU, segundo a qual 20% das re-

ceitas de impostos e contribuições não são destinados às

despesas orçamentárias, órgãos ou fundos originalmente

previstos.

Seguiu-se à ECR 1/94 a Emenda Constitucional nº. 10 (EC

10), aprovada em março de 1996. O FSE passou a chamar-se

Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), vigorando até junho de

1997 e prorrogado até 1999 por meio da EC 17/97.

Extinto em 1999, o FEF deu lugar à Desvinculação de

Receitas da União (DRU), estabelecida pela EC nº. 27/00,

alterada pelas EC 42/03 e EC 56/07, esta última vigen-

te até o ano de 2011. A contribuição de intervenção no

domínio econômico sobre combustíveis (CIDE-Combustí-

veis) foi incluída junto a impostos e contribuições sujeitos

à desvinculação.

A função primordial da DRU é a de formação de supe-

rávit primário. As receitas desvinculadas servem para co-

brir eventuais desajustes no Orçamento Fiscal da União.

Este mecanismo tem custado muito caro para a Seguridade

Social, pois esses recursos que são transferidos para outros

fins poderiam ser utilizados em maiores investimentos em

saúde, assistência e previdência social.

A título de ilustração, o total geral de receitas desvin-

culadas do orçamento da União entre 2006 e 2009 ultra-

passou os R$ 330 bilhões a preços correntes.

A Tabela 1 faz uma estimativa da DRU total e da inci-

dente sobre as contribuições sociais para o período 2006-

09. O item I apresenta o total de receitas, constituídas

pelas receitas de impostos, de contribuições sociais e de

contribuições econômicas. Para apurar a base de cálculo

da DRU é preciso fazer as exclusões previstas legalmente.

Estas estão explicitadas no item II e são compostas7: das

contribuições previdenciárias para o RGPS (INSS), com

base no inciso XI do art. 167 da Constituição; por analo-

gia, a Contribuição para o Plano de Seguridade Social do

Servidor; a receita de Contribuição para o Salário-Educa-

ção, decorrente do disposto no § 2º do art. 76 das Dispo-

sições Constitucionais Transitórias. Excluindo-se o item II

do item I, obtém-se a base de cálculo da DRU (item III)

sobre a qual aplica-se o percentual de 20%, obtendo-se o

item IV, que por sua vez, é composto de 20% das receitas

de impostos e de contribuições sociais e econômicas (dis-

criminação do item IV).

Os recursos da Seguridade Social desvinculados pela

DRU são os seguintes8:

a. Contribuição para o Financiamento da Segurida-

de Social;

b. Cota-Parte da Contribuição Sindical

c. Contribuição sobre os Concursos de Prognósticos;

d. Contribuições para os Programas de Integração

Social e de Formação do Patrimônio do Servidor

Público;

e. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das

Pessoas Jurídicas;

f. Contribuição sobre Movimentação Financeira ou

Transmissão de Valores e de Crédito de Natureza

Financeira (exclusive a parcela destinada ao Fun-

7- Conforme STN, Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos 2009, p.7

8- Idem

“A DRU custa caro para a Seguridade Social. Estes

recursos, transferidos para outros fins, poderiam ser

utilizados em maiores investimentos em saúde,

assistência e previdência social.”

Page 55: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 55

do de Combate e Erradicação da Pobreza).

Os resultados da Tabela 1 indicam que no período

2006-09 o mecanismo da DRU desviou de suas vincu-

lações legais um total de R$ 330,8 bilhões dos quais R$

152,8 foram de contribuições sociais que seriam destina-

das à Seguridade Social.

Segundo estimativas de Gentil9, no período 2000-

2005 foram desviados pela DRU, em valores correntes,

R$ 104,27 bilhões, montante que supera, em todos os

anos do período, os gastos com saúde. Apenas com o

mecanismo da DRU teria sido suficiente para gastar mais

do que o dobro do que o Governo Federal gastou com

saúde nos seis primeiros anos da década, o que melho-

raria consideravelmente o combalido sistema de saúde

pública brasileiro.

5. O Falacioso “Déficit” da Seguridade Social

Embora o Orçamento da Seguridade Social tivesse

sido elaborado pelo CNSS em seus primeiros anos de

funcionamento, ele nunca chegou a se definir de forma

autônoma, pois de fato referia-se ao financiamento e aos

benefícios da Previdência Social.

Após determinação da Lei de Diretrizes Orçamentá-

rias (LDO) de 2005 (Lei n° 10.934, de 11/08/04), a Se-

cretaria do Tesouro Nacional (STN) passou a explicitar o

montante de recursos desvinculados da seguridade so-

cial, mas permanece a falta de discriminação e clareza na

divulgação dos dados da execução orçamentária.

Até 2002, as propostas de leis orçamentárias encami-

nhadas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congres-

so Nacional não tratavam das despesas e das receitas da

seguridade social de forma separada do orçamento fis-

cal. A Lei Orçamentária, em cada ano, tratava de forma

homogênea as despesas e receitas das esferas fiscal e da

seguridade social, num único instrumento denominado

“orçamento fiscal e da seguridade social”. Em 2003, após

15 anos de existência na Constituição, o projeto e a lei

orçamentária aprovada trouxeram o montante das recei-

tas e das despesas dos orçamentos fiscal e da Seguridade

Social separados. Contudo, essa apresentação limitou-se

a uma estrutura formal de orçamento, sem qualquer con-

trole social.

2006 2007 2008 2009I. Total das Receitas 486.583,51 560.274,42 630.551,58 636.079,84

I.1. Receita de Impostos 165.843,67 195.546,27 248.659,45 235.609,12

I.2. Receita de Contribuições Sociais 309.862,03 352.482,49 370.822,04 390.477,47

I.3. Receita de Contribuições Econômicas 10.877,81 12.245,66 11.070,09 9.993,25

II. Exclusões (Contribuições Sociais) 142.851,46 155.152,81 170.338,35 191.247,27

II.1. INSS 122.466,38 139.706,07 160.848,60 180.653,01

II.2. Salário-Educação 6.930,35 2.158,32 2.611,28 3.057,59

II.3. CPMF - Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza 8.547,25 7.639,96 250,29 -22,80

II.4. CPSS - Contribuição do Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos 4.907,48 5.648,46 6.628,18 7.559,48

III. Base de Cálculo da DRU ( I - II ) 343.732,06 405.121,61 460.213,22 444.832,57

IV. DRU ( III * 20% ) 68.746,41 81.024,32 92.042,64 88.966,51

IV.1. Impostos ( I.1 * 20% ) 33.168,73 39.109,25 49.731,89 47.121,82

IV.2. Contribuições Sociais [ ( I.2 - II) * 20%] 33.402,11 39.465,94 40.096,74 39.846,04

IV.3. Contribuições Econômicas ( I.3 * 20% ) 2.175,56 2.449,13 2.214,02 1.998,65

Tabela 1 - Desvinculação de Recursos da União - 2006-09.

Fonte: Balanço Geral da União - 2006-09 a partir da metodologia empregada por DIAS, F., Desvinculação das Receitas da União, Gastos Sociais e Ajustes Fiscais . Brasília: Senado Federal, 2008.

9- GENTIL, D. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005. Tese de Doutorado. 2006, p. 47

Page 56: Tributação em Revista 57

56 TRIBUTAÇÃO em revista

Descrição 2006 2007 2008Receitas Primárias (A) 264,49 304,23 331,12

1. Contribuições sociais 261,92 299,16 326,91

RGPS 123,52 140,41 163,36

CSLL 21,80 26,86 34,00

COFINS 71,38 81,08 96,08

PIS/PASEP 11,38 12,43 14,80

CPMF 20,24 23,00 0,63

CPSS (1) 12,00 13,63 16,07

Custeio das Pensões Militares 1,02 1,03 1,21

Concursos de Prognósticos 0,58 0,71 0,77

2. Receitas próprias dos órgãos integrantes do orçamento da seguridade social 1,97 2,66 3,17

Saúde 1,39 1,83 2,22

Previdência 0,21 0,45 0,51

Assistência 0,20 0,22 0,28

Outras Seguridade 0,17 0,17 0,16

3. Taxas e outras receitas arrecadadas por órgãos integrantes da Seguridade Social 0,60 2,42 1,04

Despesas Primárias (B) 303,69 337,57 371,65

1. Principais benefícios da seguridade social 248,61 276,04 307,18

Benefícios do Regime Geral da Previdência Social 166,31 183,08 201,42

Pagamento a servidores inativos da União, Ex-Territórios e FCDF 48,17 52,79 58,89

Benefícios assistenciais LOAS/RMV 11,57 13,47 15,64

Pagamento de seguro-desemprego e abono salarial 14,91 17,96 20,69

Bolsa-Família 7,64 8,76 10,52

2. Salários dos servidores ativos do orçamento da seguridade social (1) 7,47 7,74 8,62

Previdência Social 2,65 2,74 2,74

Saúde 4,55 4,70 5,53

Demais 0,28 0,31 0,35

3. Outras despesas de custeio e capital da seguridade social 47,61 53,79 55,85

Cumprimento de precatórios e sentenças judiciais 0,75 0,42 0,50

Benefícios a servidores públicos 1,53 1,69 1,73

Ministério da Saúde 35,54 40,51 44,05

Demais 9,79 11,17 9,57

Resultado (A - B) -39,20 -33,34 -40,52

Tabela 2 - Resultado Primário da Seguridade Social - 2006-08. Em R$ bilhões

Fonte: Secretaria de Orçamento Federal Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional Nota: (1) Considera a contribuição patronal paga pela União ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos.

Page 57: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 57

O resultado “deficitário” da Seguridade Social é, de

fato, o resultado financeiro do RGPS. Das receitas líqui-

das subtraem-se as despesas com benefícios do INSS, con-

forme indicam os dados da Tabela 2. Nesta contabilidade

(“oficial”) o resultado orçamentário da Seguridade Social

será sempre negativo. A contabilidade é bem mais ampla

do que a divulgada mensalmente pelo Governo Federal.

Considerado o conceito constitucional de Seguridade

Social, o resultado contábil inverte o sinal: de negativo

passa a positivo. Por esta ótica, há diversas metodologias

de cálculo do Resultado da Seguridade Social. A metodo-

logia proposta na tabela 3 por Gentil10 é apropriada para

10- GENTIL, D. Idem. A autora considerou como receitas os ingressos legalmente vinculados ao sistema de seguridade social e das despesas as liquidadas e pagas, utili-zando-se a classificação por função. A autora não inclui o RPPS dos servidores federais por ser um sistema que estabelece uma relação entre a administração pública e seus funcionários, patrocinado por contribuições específicas de seus beneficiários (CPSSS) e pela contribuição patronal da União. Também não inclui nas receitas da seguridade social a própria CPSSS, a contribuição ao custeio e pensões de militares e nem as contribuições ao FGTS, FUNDESP, FUNPEN e outras.

2006 2007 2008RECEITA(1)

Contribuição para a Previdência Social (CPS) 123.520 140.411 163.355

COFINS 92.235 102.462 120.801

CPMF 32.081 36.483 1.147

CSLL 28.070 34.411 43.969

Receita de Concursos e Prognósticos 1.536 1.905 2.047

PIS/PASEP(2) 14.537 16.026 18.959

TOTAL DA RECEITA 291.979 331.698 350.278

DESPESA(3)

Saúde 40.577 40.215 44.552

Previdência(4) 164.554 181.445 198.893

Assistência Social 21.554 24.653 28.660

Abono Salarial e Seguro Desemprego 14.910 17.956 22.282

TOTAL DA DESPESA 241.595 264.269 294.387

RECEITA - DESPESA 50.384 67.429 55.891

RECEITA COM DRU(5) 16.692 29.171 18.506

Tabela 3 - Resultado da Seguridade Social 2006-08 Em R$ milhões

Fonte:STN. Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos; MPS. Boletim Estatístico da Previdência Social; MTE. Relatório de Gestão do FAT Exercício 2009; ANFIP. Análise da Seguridade Social 2009A partir da metodologia proposta por GENTIL, D. L. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005. p. 47(1) Exclui a Cotribuição ao Plano de Seguridade Social do Servidor Público - CPSSS e a contribuição ao custeio de pensões militares.(2) Inclui apenas 60% da receita com PIS PASEP. Os 40% restantes são destinados ao BNDES.(3) Despesa liquidada e paga por Função, inclusive pessoal e dívida. Seguro-desemprego é da funçãoseguridade social. Excluídas as despesas com FAT.(4) Estão excluidos os gastos com inativos do RPPS civis e militares.(5) Cálculo da Receita excluída a DRU segundo metodologia proposta por DIAS (vide Tabela 1). OBS: A Contribução para a Previdência Social não está sujeita à DRU. Destina-se integralmente à Previdência.

Page 58: Tributação em Revista 57

58 TRIBUTAÇÃO em revista

exemplificar a discrepância entre ambos os conceitos.

No período 2006-08 a contabilidade oficial apresenta

um déficit de R$ 113,06 bilhões em valores correntes

(linha “Resultado” da Tabela 2). O resultado seria supe-

ravitário, em R$ 64,4 bilhões (última linha da Tabela 3)

se fosse considerado o conceito constitucional de Segu-

ridade Social.

A Tabela 3, baseada na metodologia proposta por

Gentil11, reproduz apropriadamente as receitas e des-

pesas da Seguridade Social. Observe-se que este saldo é

positivo mesmo considerando-se a DRU (duas últimas li-

nhas da tabela 3). Ele é obtido deduzindo-se da receita o

percentual de 20% da DRU incidente sobre as contribui-

ções sociais destinadas à Seguridade Social. Obtém-se,

assim, um novo valor para as receita do qual se deduz a

despesa, resultando no saldo superavitário.

O OSS, pelo seu verdadeiro conceito, o constitucio-

nal, e não aquele considerado pelo Governo Federal, é de

fato superavitário mesmo não tendo sido concebido com

este propósito. Afinal, ele deveria ser a fonte de recursos

que, comprovadamente, existem e que, bem aplicados,

seriam suficientes para gerarem serviços de saúde, de as-

sistência e previdência social em quantidade e qualidade

bastante superior do que aqueles efetivamente prestados

à sociedade brasileira que depende do sistema público de

seguridade social.

A lógica perversa de apresentar a seguridade social

como deficitária repete-se Na proposta lei orçamentária

anual 2010 (PLOA 2010). O artigo 2° da Lei 12.214 de

26/01/2010 que estima a receita e a despesa do orçamen-

to da União para 2010, diz que a seguridade social terá

uma receita de R$ 425,5 bilhões. As despesas projetadas

são de R$ 465,9 bilhões (inciso II, art° 3°). A diferença

de R$ 40,4 bilhões de acordo com o PLOA será coberta

pelo orçamento fiscal.

6. Conclusão

A não implementação do OSS e a existência do me-

canismo da DRU justificam erroneamente que o siste-

ma previdenciário brasileiro é deficitário e causador do

déficit público. Se o OSS fosse implementado e a DRU

eliminada não existiria “déficit previdenciário”, como

na realidade não existe, e as tentativas de “ajuste”, com

sucessivas reformas, não teriam sentido de existir.

A presente análise permite concluir que:

a. O desequilíbrio orçamentário está no orçamen-

to fiscal e não no orçamento da seguridade so-

cial ou no orçamento da previdência social.

b. A seguridade não recebe recursos do orçamento

fiscal, ao contrário, parte substancialmente eleva-

da de seus recursos financia o orçamento fiscal.

c. A política econômica utiliza-se dos recursos da

Seguridade Social para assegurar a solvência da

dívida pública e dar credibilidade ao regime de

metas de inflação, precarizando serviços essen-

ciais à sobrevivência da população

O chamado “déficit” da Seguridade Social deve ser

repensado urgentemente à luz da Constituição. Caso

contrário, o brasileiro contribuinte e trabalhador conti-

nuará a ser penalizado com os maus serviços prestados

pelo sistema de seguridade social e com os parcos bene-

fícios da aposentadoria, reduzidos que são pelo despre-

zível fator previdenciário.

O Orçamento da Seguridade Social deve ser imple-

mentado imediatamente, já a partir do próximo ano fis-

cal de tal sorte que todos os recursos que são devidos

à Seguridade Social lhe sejam restituídos. Os cálculos

orçamentários que determinam o falacioso “déficit” da

seguridade social devem ser revistos, incorporando

apropriadamente os mandados constitucionais dos ar-

tigos 194 e 195.

11- GENTIL, idem. A metodologia de cálculo nela empregada difere dos dados oficiais. “Do lado das receitas, são computados os ingressos de recursos legalmente vincu-lados ao sistema de seguridade social, (...)l. Do lado das despesas, foram levantadas aquelas liquidadas e pagas, utilizando-se a classificação por função (saúde, assistência social e previdência), (...). Incluem-se nessas despesas por função, gastos com pessoal, outros custeios e encargos da dívida (p.47)

Page 59: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 59

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A revisão da forma de cálculo do OSS propiciaria

que dois princípios básicos da Seguridade sejam aten-

didos: a sustentabilidade financeira intertemporal e a

concessão de benefícios dignos. Sucessivos governos

têm proposto reformas que seguem duas lógicas: as

restrições advindas do gargalo fiscal e as mudanças de-

mográficas e do mercado de trabalho. Ora, não se deve

penalizar o cidadão brasileiro com a prestação de ser-

viços de assistência social, previdenciária e de saúde de

baixíssima qualidade em favor dos superávits fiscais e

consequente pagamento da dívida pública. Abandona-

da esta lógica perversa, os saldos positivos do OSS, cor-

reta e apropriadamente administrados, seriam capazes

de fazer frente às questões demográficas e de mercado

de trabalho. O pagamento de benefícios dignos ao be-

neficiários do RGPS é fator de estímulo ao crescimento

econômico, pois gera um círculo virtuoso na economia,

impulsionando a demanda com reflexos positivos sobre

a produção e o emprego.

Para que essa lógica financeira perversa seja afasta-

da do caminho da Seguridade Social, o mecanismo da

DRU não pode ser prorrogado para além de 2011. Deve

mesmo ser revisto antes disto, restituindo à Seguridade

Social os recursos constitucionais que lhe são devidos.

Por fim, uma vez desfeita a lógica financeira perversa e

re-estabelecido o equilíbrio da Seguridade Social, algumas

políticas públicas, ainda não colocadas em prática no Bra-

sil, contribuiriam para maior sustentabilidade do sistema

de Seguridade Social. Dentre elas, políticas distributivas

que, por vias do aumento paulatino da renda per capita e

familiar, ofereçam o devido suporte financeiro ao estudo e

treinamento dos mais jovens. Combinadas a elas, políticas

educacionais que privilegiem a permanência do estudante

na escola em tempo integral e aumentem a escolaridade

média do brasileiro. Estas políticas, bem calibradas, atuam

como estímulo natural à maior permanência dos trabalha-

dores no mercado de trabalho, amenizando as disparida-

des existentes.

Page 60: Tributação em Revista 57

60 TRIBUTAÇÃO em revista

REFERÊNCIAS

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Page 61: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 61

a RTIGO

As Contribuições Previdenciárias, o Emprego e a Garantia de uma Aposentadoria de Base para Todos

os TrabalhadoresRosa Maria Marques1

No caso específi co do Regime Geral da Previdência

Social (RGPS), a proposta de substituição de parte ou

do todo da contribuição social patronal decorre da idéia

dela ser obstáculo à contratação, sendo, portanto, enten-

dida como a principal causa do trabalho informal e do

desemprego. Essa compreensão dos determinantes do

emprego e do mercado informal está claramente explícita

na justifi cativa da proposta de reforma tributária encami-

nhada pelo executivo ao fi nal de 2008. Antes disso, po-

rém, foi contemplada nas propostas encaminhadas pelo

então presidente Fernando Collor, em 1991, quando a

extinção das contribuições sobre os salários estava asso-

ciada ao aumento da alíquota da contribuição sobre o

faturamento. Durante os cinco primeiros anos da década

de 1990, vários outras propostas que tinham o mesmo

1. Introdução

A pertinência ou não das contribuições de emprega-

dos e empregadores, calculadas sobre os salários, entrou

na agenda de discussão da sociedade brasileira desde o

início dos anos 1990, quando aqui o ideário neoliberal

francamente encontrou eco. Nesse momento, ao lado das

principais agências internacionais, com destaque para o

Banco Mundial e para o Fundo Monetário Internacional,

a mídia e alguns economistas e políticos brasileiros pas-

saram a defender toda sorte de desregulamentações a fi m

de que o mercado pudesse atuar livremente, o que, no

seu entender, levaria a um equilíbrio superior a qualquer

arranjo que contasse com a participação do Estado. Isso se

aplicaria para todas as esferas de atividade, nelas incluídas

as políticas sociais.

1- Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUCSP.

Page 62: Tributação em Revista 57

62 TRIBUTAÇÃO em revista

fundamento foram apresentadas à sociedade brasileira.

Entre elas destacam-se: aquela que ficou conhecida por

Projeto do Instituto Atlântico; a do Instituto Liberal; a

da Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN); a da

Comissão executiva da reforma fiscal – governo Itamar

Franco; a da Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo (FIESP); a proposta de Roberto Macedo; a da Fun-

dação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) e a do

Fundo Monetário Internacional2. No início do governo

Lula, o Ministério da Previdência Social divulgou vários

estudos sobre alternativas ao financiamento do RGPS.

Vários deles retomavam o entendimento das contribui-

ções patronais como obstáculo ao emprego formal.

Na Europa, principalmente nos países onde o finan-

ciamento da aposentadoria é sustentado largamente pe-

las contribuições sociais calculadas sobre o salário, essa

discussão começou bastante antes, a partir da segunda

metade dos anos 1970, quando ficou evidente que as ta-

xas de desemprego iriam se manter elevadas e quando a

crise de financiamento dos sistemas de proteção social

teve início. Um dos resultados de todos esses anos de

discussão foi um razoável acúmulo de artigos e relatórios

de pesquisa, o que facilita a avaliação dos prós e os con-

tras dessa proposta.

O que de verdadeiro existe nessa argumentação?

Quais seriam as implicações e conseqüências da subs-

tituição da contribuição patronal pelo faturamento, no

caso brasileiro? Mas, ao mesmo tempo, que possibili-

dades esta substituição poderia abrir, no plano teórico?

Essa proposta encontra paralelo na experiência de outros

países? Problematizar e responder a essas perguntas são

os objetivos deste artigo.

Este artigo está dividido em três partes. Na primeira,

são discutidos vários aspectos relacionados à proposta de

substituição da contribuição patronal: a relação entre a

contribuição patronal, os salários, o emprego, a formali-

dade e o custo da força de trabalho; a separação entre a

contribuição paga pelo empregador e pelos trabalhado-

res, do ponto de vista jurídico e econômico; e a relação

entre custo da mão de obra e a contribuição patronal,

com destaque para as indevidas comparações internacio-

nais. A segunda parte do artigo faz um balanço da litera-

tura sobre as propostas de substituição ou complemen-

tação das contribuições calculadas sobre o salário pela

contribuição e pelo imposto sobre o valor adicionado,

com ênfase em seus argumentos e nas críticas recebidas.

A última parte é reservada, além das principais conclu-

sões apresentadas anteriormente, para uma reflexão so-

bre uma aposentadoria de base financiada mediante im-

postos

2. A contribuição patronal em discussao

2.1 – As contribuições sobre os salários, o emprego,

a informalidade e o custo da força de trabalho3

A discussão sobre a adequação das contribuições so-

ciais incidentes sobre o salário teve início, na Europa,

nos países onde elas financiam largamente a aposentado-

ria, quando se esgotava o padrão de acumulação funda-

do no fordismo, o que levou as principais economias do

mundo a entraram em crise nos anos 1973 / 1974. As re-

flexões sobre o tema, bem como suas propostas, tinham

como eixo duas questões: a) de que forma poderia o

sistema de contribuições se tornar mais equânime, mais

favorável ao emprego e melhor adaptado à natureza e às

modalidades dos diferentes benefícios sociais concedidos

pela proteção social? b) quais tipos de recursos seriam

mais adequados para o desenvolvimento e melhoria dos

benefícios, para o enfretamento do envelhecimento da

população, do crescimento do volume e dos custos do

risco doença e do desemprego?

a. O exame da literatura permite se agrupar as críti-

cas dirigidas às contribuições incidentes sobre o

salário segundo três ângulos:

b. no plano econômico – a contribuição patronal é

entendida como um fator que onera o custo da

2- Para uma análise detalhada das propostas apresentadas na primeira parte dos anos 1990, ver Médici e Marques (1995).

3- Uma parte deste item foi baseada em MARQUES e EUZÉBY (2003), mas os dados foram atualizados.

Page 63: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 63

força de trabalho e, por conseqüência, que pre-

judica as empresas e os países na concorrência

internacional. Por isso, incentivaria a substitui-

ção dos trabalhadores pelas máquinas (processo

de substituição capital – trabalho) e penalizaria as

empresas intensivas em força de trabalho. Além

disso, quando a contribuição é sujeita a teto, o que

não é o caso do Brasil, pesaria mais fortemente

sobre o custo da mão de obra menos qualificada

do que da qualificada. No país, ainda, a contribui-

ção patronal seria um dos fatores determinantes

da ampla informalidade do mercado trabalho.

c. no plano da justiça social - as contribuições dos

empregadores e dos empregados não consideram

a capacidade contributiva real (MINISTERE DE

LA SOLIDARITE NATIONALE. Rapport Maillet,

1982).

no plano da racionalidade do financiamento da pro-

teção social – o uso da contribuição de empregados e

empregadores, calculada sobre os salários, é adequado à

solidariedade inerente presente na proteção do tipo segu-

ro, isto é, quando estão associadas ao financiamento de

benefícios que guardam uma certa relação com os salá-

rios, como é o caso da aposentadoria.

Quando os benefícios não têm por objetivo compen-

sar a perda de salário (tais como benefícios às famílias,

saúde, renda concedida às pessoas idosas independente-

mente da duração e da renda da sua vida ativa ou mes-

mo valores pagos aos jovens à procura do primeiro em-

prego), o financiamento através dos impostos seria mais

adequado à ausência de qualquer ligação entre os benefí-

cios pagos e as rendas profissionais de seus beneficiários.

De acordo com esse ponto de vista, o financiamen-

to do SUS, do Programa Bolsa Família e do benefício

de prestação continuada (BPC) da Assistência Social

(portadores de deficiência e idosos de baixa renda) não

apresentaria nenhuma incompatibilidade entre fonte e

natureza da despesa. O mesmo ocorreria em relação a

maior parte dos benefícios pagos pelo RGPS a título de

aposentadoria. No caso das aposentadorias rurais, con-

tudo, essa compatibilidade não existiria nem quando

foram financiados pelas contribuições de empregados e

empregadores urbanos e nem quando a receita de outras

contribuições passou a financiá-los. Na medida em que

o benefício pago aos rurais (a título de aposentadoria)

constitui-se, na verdade, em uma renda de base e, para

guardar uma relação adequada entre a receita e a nature-

za da despesa, este benefício deveria ser pago mediante

impostos.

2.2 – A separação entre contribuição dos emprega-

dores e dos empregados

O princípio da participação dos empregadores e dos

assalariados no financiamento da aposentadoria está pre-

sente desde os primeiros sistemas de seguro social. Ele

figura, com destaque, nas recomendações 67 e 69 adota-

das em 1944 pela Conferência Geral da OIT.

Apesar de bem fundamentada no plano jurídico,

do ponto de vista econômico a distinção entre contri-

buições patronais e salariais aparece como ambígua. De

um lado, pode-se entender que o conjunto dessas duas

contribuições está a cargo (a eles pertencem) dos assala-

riados quando se considera que o empregador poderia

aumentar o salário líquido (deixando de recolher aos or-

ganismos de proteção social) sem que isso alterasse qual-

quer determinação de preços. Por outro lado, contudo,

se pode considerar exatamente o contrário, isto é, que o

empregador suporta a totalidade das contribuições, pois

o que conta, do ponto de vista dos custos de produção,

é o custo total da mão de obra, pouco interessando a

maneira como ele se reparte entre salários diretos líqui-

dos (efetivamente pagos aos assalariados) e contribuições

sociais, sejam elas salariais ou patronais.

Mas na medida que as contribuições – relativas aos

empregadores e aos trabalhadores - são pagas à Previ-

dência Social para serem redistribuídas aos assalariados

em função de critérios precisos, elas constituem salário

diferido e a determinação jurídica de sua repartição entre

contribuição a cargo dos empregadores e contribuição a

cargo dos assalariados é, a esse olhar, artificial.

Page 64: Tributação em Revista 57

64 TRIBUTAÇÃO em revista

2.3 – O custo da mão de obra e as contribuições pa-

tronais: as comparações espúrias

No Brasil, boa parte das propostas de reformulação das

bases do financiamento do RGPS que apareceram na déca-

da dos 1990 argumentava que as alíquotas aqui aplicadas

eram elevadas em relação às praticadas em outros países.

Exemplos disso são encontrados nas propostas menciona-

das na parte relativa à introdução deste artigo. Contudo,

as alíquotas da contribuição patronal, incidentes sobre os

salários, não podem ser objeto de simples comparação

internacional para se dizer se o custo da mão de obra é

maior ou menor em um determinado país. Para que tal

comparação seja adequada, é preciso se levar em conta o

salário líquido e a participação do Estado no financiamen-

to da aposentadoria e da proteção social em geral.

Comparações entre países com níveis semelhantes de

desenvolvimento econômico e social, como é o caso da

União Européia, mostram claramente que, onde os encar-

gos sociais são pesados, os salários brutos são relativamen-

te baixos. Este é o caso da França, da Espanha ou da Suécia.

Inversamente, na Dinamarca ou nos Países Baixos, onde os

encargos sociais são baixos, os salários brutos são eleva-

dos. Isso se explica pelas diferenças de modalidades de

financiamento da proteção social. Na Dinamarca, onde a

proteção social é financiada essencialmente por impostos,

os salários brutos são elevados, mas eles são fortemente

taxados pelos impostos sobre a renda e sobre o consumo.

Já nos Países Baixos, onde os salários brutos são igual-

mente elevados, as contribuições sociais dos assalariados

é que são pesadas. As comparações internacionais que se

baseiam somente nos encargos sociais não têm, então ne-

nhuma significação. Do ponto de vista da competitividade

das empresas, são os custos da mão de obra entendidos

na sua totalidade (salários brutos mais os encargos sociais

patronais) que convém considerar e comparar (EUZEBY,

1999 e 2003). (Tabela 1 e Gráfico 1).

PaísesContribuições

dos Empregadores

Contribuições dos Segurados

Financiamento Fiscal

Outras TotalDespesas

(% do PIB)

Alemanha DE 35,2P 28,0P 35,0P 1,8P 100 29,4

Áustria AT 37,7 27,2 33,7 1,4 100 28,8

Bélgica BE 49,7 21,3 27,6 1,4 100 29,7

Dinamarca DK 11,5 20,9 61,9 5,7 100 30,1

Espanha ES 48,0P 15,3P 34,6P 2,1P 100 20,8

Finlândia FI 37,9 11,8 43,2 7,1 100 26,7

França FR 44,1P 21,2P 31,4P 3,3P 100 31,5

Grécia EL 35,5 22,8 31,8 9,9 100 24,2

Irlanda IE 26,1 15,5 53,5 4,9 100 18,2

Itália IT 40,9P 15,8P 41,7P 1,6P 100 26,4

Luxemburgo LU 26,9 25 43,4 4,7 100 21,9

Países Baixos NL 32,8P 32,6P 21,7P 12,9P 100 28,2

Portugal PT 31,2 15,2 43,9 9,7 100 24,7*

Reino Unido UK 35,8 10,0P 52,7P 1,5P 100 26,8

Suécia SE 40,3 9,5P 47,3P 2,9P 100 32,3

Média UE – 25 países 38,5P 20,0P 38,1P 3,4P 100 27,4

Tabela 1 - Receitas relativas e Despesas da proteção social União Européia – 2007

P = provisório; * = 2004.Fonte: Eurostat. Elaboração própria

Page 65: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 65

3. Um balanço da literatura sobre as propostas de

substituição ou complementação da contribuição

patronal calculada sobre o salário

a) Substituição pela contribuição sobre o valor adi-

cionado

Segundo GUBIAN (1997), a idéia de contribuições

sobre o valor adicionado, descartada no início dos anos

1980, foi retomada, por diversas vezes, nas discussões

sobre o fi nanciamento da proteção social francesa. Em-

bora essa alternativa não tenha sido até hoje implemen-

tada no país, seus argumentos reaparecem recorrente-

mente.

O uso do valor adicionado é evocado como alternati-

va ao fi nanciamento estritamente salarial na perspectiva

de uma melhoria da situação do emprego. Consideran-

do uma carga global idêntica, a extensão da base seria

acompanhada da diminuição da alíquota sobre o salário

e, assim, haveria uma transferência de carga das empre-

sas intensivas em mão de obra em direção àquelas muito

mecanizadas. A nova base seria neutra em relação aos

fatores de produção, pois pesaria tanto sobre a utilização

do trabalho (salários), como sobre o capital (amortiza-

ção). A adoção do valor adicionado suprimiria, então,

toda discriminação na escolha dos fatores de produção

e realizaria uma maior equidade na repartição do fi nan-

ciamento da seguridade entre as empresas.

O valor adicionado dessa contribuição não se con-

funde com a base de incidência do imposto sobre o valor

adicionado (TVA). Isso porque se refere tão somente ao

valor adicionado produzido pela empresa, quer dizer a

diferença entre as receitas da atividade da empresa e o

consumo intermediário. A nova contribuição se aplica-

ria, então, não somente sobre os salários, mas também

sobre os custos fi nanceiros, as amortizações e os lucros.

Ela afetaria toda a produção e se aplicaria às exporta-

Gráfi co 1 - Custo da hora da mão de obra em euros para alguns países da União Européia - 2006

Page 66: Tributação em Revista 57

66 TRIBUTAÇÃO em revista

ções, aos bens estocados e às amortizações. Diferente-

mente, a TVA não incide sobre as exportações e sobre as

amortizações. O encargo da contribuição seria suporta-

do pela empresa, enquanto que a TVA pesa diretamente

sobre o consumidor.

O impacto da contribuição sobre o valor adicionado

sobre o emprego residiria na diminuição do custo do

trabalho e no aumento do custo do capital. Dessa forma,

as empresas seriam incentivadas a utilizar mais mão de

obra e a fazerem uso, por mais tempo, de seus equipa-

mentos. Dessa forma, elas reduziriam o investimento de

substituição (homens por máquinas) e manteriam efeti-

vos de trabalhadores mais numerosos.

Segundo a simulação apresentada no Relatório Ripert

(Commissariat Général du Plan, 1977), uma diminuição

de 10 pontos percentuais da contribuição patronal sobre

os salários, compensada pela criação de uma nova con-

tribuição de 3,5% sobre o valor adicionado, com base

em dados de 1977, resultaria na criação de 180.000

novos empregos, em seis anos. Vários anos depois, a

pedido do então primeiro ministro Leonel Jospin, Man-

livaud, foi examinada as conseqüências no curto, médio

e longo prazo de uma modificação de base das contri-

buições patronais. Entre outras importantes contribui-

ções, o Relatório Malinvaud estimou que uma redução

do custo da mão de obra em torno de 3% geraria, em 10

anos, 70.000 empregos. Já uma redução da contribuição

patronal de 3%, compensada por uma contribuição so-

bre o valor adicionado da ordem de 2%, resultaria numa

diminuição do custo da mão de obra de 1%, com pouco

impacto sobre o emprego (MALINVAUD, 1998). Bossier

e outros estimaram, para a Bélgica, que a redução linear

de 1,3 ponto percentual, correspondente a uma redução

do custo da mão de obra de 1%, criaria 5.300 empre-

gos no primeiro ano e 11.200 após 5 anos. No caso da

redução levar em conta a intensidade do uso da força

de trabalho, de forma que a diminuição variaria entre

0,06 a 2,57 pontos percentuais, a redução do custo seria

de 2,5 pontos nos setores intensivos de mão de obra e

a criação do emprego se elevaria a 26.800 no fim do

mesmo período (BOSSIER et alli, 19954). Os resultados

dessas simulações e de várias outras que se acumulam

na literatura mostram que os impactos estimados são di-

versos e incertos.

As principais críticas aos modelos que estimam im-

pactos significativos sobre o emprego da adoção da con-

tribuição sobre o valor adicionado são:

a. mantido o nível de receitas idêntico, a exten-

são da base das contribuições patronais para o

conjunto do valor adicionado não resultaria em

diminuição da contribuição global das empresas

no financiamento da proteção social, mas provo-

caria a transferência da carga das empresas in-

tensivas em mão de obra para as empresas mais

mecanizadas.

b. os modelos supõem que as empresas beneficiá-

rias da diminuição da carga iriam repassar essa

vantagem a seus preços, o que deveria reduzir a

inflação e melhorar o emprego devido ao efeito

do crescimento do consumo. Essa suposição é

considerada muito otimista, pois há a probabili-

dade das empresas não repassarem a redução do

custo para os preços e, das outras, aumentarem

os seus.

c. setores de base que seriam penalizados, tais

como o gás, a eletricidade e o refino do petró-

leo, provocariam inevitavelmente efeitos sobre

os custos de produção do conjunto dos outros

setores.

d. os estudos não levam em conta os efeitos indi-

retos das variações dos encargos sociais nos pre-

ços dos produtos intermediários e nos bens de

4- O estudo realizado por Bossier testou a possibilidade da compensação da redução da contribuição patronal de 1,3 ponto percentual através do aumento ou da criação de várias alternativas, tais como o aumento de 1,5 ponto da TVA, que passaria de 20,5% para 22%; a introdução da taxa sobre o CO2 e a introdução da Contribuição Social Generalizada do tipo francês (mas com uma base mais ampla, pois englobaria os lucros das empresas) de 0,47%. Bossier testou, também, o impacto isolado da introdução dessas outras fontes de recursos. Os resultados das estimativas de impacto da redução da contribuição patronal compensada pelo aumento ou pela introdução de outras fontes, do ponto de vista da luta contra o desemprego, mostraram que essa medida é insuficiente e pouco eficaz.

Page 67: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 67

equipamento. Em outras palavras, os mecanis-

mos considerados pelos modelos, especialmente

quanto à formação dos preços e aos fenômenos

de substituição do capital e do trabalho, estão

longe de estarem demonstrados empiricamente

(MINISTERE DE LA SOLIDARITE NATIONA-

LE, Rapport Maillet e Rapport Peskine, 1982 e

MALINVAUD, op. cit).

e. consideram que a redução da carga das empre-

sas beneficiárias melhora sua competitividade e

se traduz no aumento das exportações, o que é

discutível. A mão de obra não é a única condição

da competitividade. A ela se soma a qualidade

do produto, o cumprimento dos prazos, entre

outras condições.

f. não é certo que uma diminuição do custo relati-

vo do trabalho prolongue o tempo de utilização

dos equipamentos e, por isso, é incerto seu efei-

to sobre o emprego. Assim se manifesta sobre

este assunto o relatório Malinvaud: “Estão clara-

mente em causa as decisões de longo prazo dos

empregadores, decisões que dependem pouco

das condições correntes de custo, mas muito das

antecipações quanto às condições futuras” (Op.

cit, p. 15)

g. os investimentos seriam penalizados duas ve-

zes: quando a contribuição repercutisse sobre

os preços dos bens de equipamentos e quando

a contribuição incidisse sobre sua amortização,

pois ela faz parte do valor adicionado. Também

o lucro seria penalizado, enquanto componen-

te do valor adicionado. Esses dois elementos, se

desestimularem o investimento, podem ter con-

seqüências para a competitividade das empresas

no mercado internacional.

h. as simulações limitam-se a medir as variações

setoriais dos encargos sociais que resultariam

de um financiamento sobre o valor adicionado.

Não se preocupam em estimar o impacto macro-

econômico da transferência de carga das empre-

sas intensivas em mão de obra para as empresas

mais mecanizadas, nem mesmo em verificar se

as desigualdades das cargas sociais constituem

um fator de desigualdade no desempenho eco-

nômico (DELEECK, 1978 e NEUBOURG e

CASPERS, 1982). Os resultados de um estudo

econométrico, sobre 50 setores da economia

francesa, mostram que a relação contribuição

patronal sobre o valor adicionado (indicador de

desigualdade na repartição dos encargos sociais)

não exerce influência significativa nem sobre a

rentabilidade, nem sobre a capacidade de autofi-

nanciamento desses diferentes setores (EUZEBY,

1977). Um outro estudo francês destaca que o

grupo de indústrias intensivas em mão de obra é

muito heterogêneo, comportando empresas com

baixos salários, competitivas no mercado inter-

nacional ou não (Commissariat General du Plan,

1977).

i. no plano prático, sua aplicação apresenta difi-

culdades não desprezíveis. O próprio Relatório

Chadelat, ao propor que a contribuição sobre o

valor adicionado seja realizada de forma gradu-

al, reconhece essas dificuldades. Também esse

relatório propõe a exclusão da administração

pública, das associações, das empresas familia-

res, das explorações agrícolas, e das empresas

com valor adicionado inferior a 3 milhões de

francos (CHADELAT, 1997)5. Em outras pala-

vras, a noção de valor adicionado não se aplica à

atividade de todos os empregadores.

j. é um equívoco pensar que a base valor adicio-

nado é mais favorável que a base massa salarial

para a regulação das finanças da proteção social.

5- O Relatório Chadelat propôs, de fato, duas sugestões: introdução da contribuição do valor adicionado e uma modulação das taxas de contribuições patronais, calculada sobre o salário, em função da relação da massa salarial sobre o valor adicionado. Uma e outra seriam aplicadas à saúde e não à aposentadoria. Euzeby destaca, afora outras observações, a complexidade da implantação dessa segunda proposta (Euzeby, 2000).

Page 68: Tributação em Revista 57

68 TRIBUTAÇÃO em revista

O valor adicionado é mais sensível que a massa

salarial às flutuações conjunturais.Além disso, é

instável e conhecido somente a posteriori, en-

quanto que os salários constituem uma base re-

lativamente estável e fácil de ser percebida (MA-

LINVAUD, op. cit., 1998).

k. a dissociação entre a contribuição social patro-

nal e o emprego de assalariados pode tornar essa

contribuição um verdadeiro imposto fiscal. Na

perspectiva de aporte de recursos de impostos

para o financiamento da proteção social, convém

perguntar quais são os benefícios que deveriam

ser assim financiados e se a implantação de um

encargo sobre o valor adicionado é a melhor mo-

dalidade. Da mesma forma, convém reafirmar

que nem sempre os encargos sociais incidentes

sobre o salário são injustificados. Somente quan-

do a contribuição financia benefícios que não

têm por objetivo compensar a perda da renda

profissional se pode falar que consiste de um en-

cargo injustificado sobre o emprego. Nesse caso,

sua substituição por um financiamento com base

em imposto aparece como a solução mais lógica.

Mas para as contribuições que financiam bene-

fícios calculados em função dos salários, não há

verdadeiramente razão para serem financiados

por outra fonte que não a incidente sobre o salá-

rio. As contribuições, de empregados e emprega-

dores, integram o custo normal do trabalho, pois

constituem salário diferido.

Esse conjunto de críticas e ponderações justifica por-

que os poderes públicos de diferentes países não im-

plantaram, após tantos anos de debates e análises, a con-

tribuição e ou o imposto sobre o valor adicionado, em

substituição à contribuição patronal calculada sobre os

salários. As estratégias para enfrentar o envelhecimento

da população – provocado pelo aumento da expectativa

de vida e pela redução da taxa de fertilidade – tem sido,

até o momento, largamente apoiada na ampliação da

idade para a aposentadoria. No atual momento, quando

vários países da União Européia estão buscando alter-

nativas para redução de seu déficit público, a reforma

dos sistemas de aposentadoria está novamente em alta,

com ênfase, mais uma vez, na ampliação da idade para a

aposentadoria. Essa iniciativa tem recebido franco repú-

dio da população, cujo maior exemplo é a manifestação

realizada na França, em 27 de maio de 2010.

b) Imposto sobre o valor adicionado

Aparece como uma modalidade sedutora do ponto

de vista da competitividade das empresas e do emprego,

pois incide sobre as importações, exonerando as exporta-

ções. A substituição parcial da contribuição patronal so-

bre os salários pelo aumento da TVA encorajaria, então,

as exportações e tornaria menos competitivas as merca-

dorias fabricadas no estrangeiro, especialmente aquelas

importadas de países de baixos salários. Apesar disso, a

literatura aponta vários problemas na sua utilização:

a. o primeiro deles é que a TVA não incide sobre os

investimentos e, por isso, não é neutro (à dife-

rença da contribuição sobre o valor adicionado)

em relação à utilização dos fatores de produção.

Desse ponto de vista, se pode considerar que a

TVA tem efeitos análogos àqueles das contribui-

ções patronais sobre os assalariados.

b. no plano do comércio exterior, a diminuição

da contribuição patronal compensada pela TVA

apareceria como uma medida protecionista, com

todos os riscos que isso envolve.

c. Bossier estimou que um aumento de 1,5 pontos

percentuais na TVA provocaria perda de 9.300

postos de trabalho, em cinco anos, na Bélgica,

devido à combinação dos efeitos sobre os preços

e sobre o volume da atividade (BOSSIER et alli,

op. cit., 1995).

d. a Comissão Européia estimou que a redução da

contribuição patronal em 1% em relação ao PIB,

compensada por aumento da TVA teria efeito

nulo na Comunidade Européia (Comission des

Comunautes Européennes, 1993).

Page 69: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 69

4. Possibilidades abertas pelo financiamento me-

diante impostos e principais conclusões

A cobertura do risco velhice sempre foi extrema-

mente reduzida no Brasil, apresentando taxa significativa-

mente bastante inferior a os países europeus e até mesmo

de alguns da América Latina (PINHEIRO, 2000). Esse

baixo nível de cobertura deve-se à estrutura do mercado

de trabalho brasileiro, praticamente dividido (com osci-

lações a depender de ciclos econômicos de crescimen-

to mais robustos) entre um mercado formal e um outro

informal. As raízes da informalidade são múltiplas, mas

se pode dizer que ela está associada a um tipo particular

de exploração, fundado na espoliação da mão de obra e

não em ganhos de produtividade. Esse tipo de exploração

permanece como um dos traços característico da acumu-

lação do capital no país, mesmo depois da abolição da

escravatura e da industrialização brasileira, com a entra-

da maciça de capitais estrangeiros e com a concentração

da produção em grandes empresas. Essa realidade não é

apenas do Brasil, sendo um traço da América Latina, com

raras exceções.

O baixo grau de cobertura do RGPS constitui um

grande desafio a ser enfrentado, de modo que qualquer

agenda transformadora da realidade social brasileira de-

veria incluir propostas no sentido de ampliar essa cober-

tura. Mas para isso ser atingido não é possível se esperar

que as ações fiscalizadoras do Estado brasileiro e outras

ações acabem por formalizar todo o mercado de trabalho,

processo que pode demorar um tempo demasiado. Nesse

sentido, o financiamento da aposentadoria mediante im-

postos poderia ser um instrumento poderoso na concre-

tização da universalização do risco velhice. Ocorre que o

benefício assim garantido estaria associado diretamente

a um direito decorrente da cidadania, concedido a todos

no momento de perda da capacidade ao trabalho. E o mo-

mento, isto é, a idade em que isso ocorreria, seria fruto

de negociação entre os vários segmentos da sociedade. O

benefício garantido, por sua vez, perderia qualquer rela-

ção com o salário anterior do beneficiado, constituindo-

-se, portanto, em uma renda de base6. O valor da renda de

base seria, por sua vez, também fruto de acordo societal.

Esse desenho ideal esboçado acima corresponderia à

implantação de uma aposentadoria financiada completa-

mente pelo Estado e garantidora de um valor considerado

adequado para a velhice, tal como existe em alguns paí-

ses europeus. Mas não há nenhum exemplo histórico de

implantação de uma aposentadoria de base universal em

país que tenha estruturado sua aposentadoria com base

em contribuições calculadas sobre o salário. As situações

existentes referem-se à garantia de um valor para aqueles

que comprovarem uma situação de renda extremamente

baixa, como é o caso do BPC, no Brasil, para idosos.

A inexistência de experiências anteriores não signifi-

ca, contudo, que propostas nessa direção não pudessem

ser encaminhadas, mas o grau de dificuldade para sua

implantação seria mais elevado, principalmente porque

implicaria comprometimento de recursos públicos. Sua

implantação não depende da extinção do regime de apo-

sentadoria contributivo (empregados e empregadores),

mas certamente exigiria a redefinição do piso do bene-

fício.

Mas a proposta de substituição da contribuição pa-

tronal – no todo ou na parte – por outra fonte de finan-

ciamento, tal como recorrentemente é encaminhada no

Brasil – não guarda nenhuma relação com o desenho aci-

ma descrito. Trata-se de pura e simplesmente de reduzir

o custo da mão de obra, entendendo que isso reduziria o

desemprego e favoreceria a formalização e a competitivi-

dade dos produtos brasileiros. Essa compreensão, contu-

do, apresenta uma série de problemas: a) não é consensu-

al na teoria econômica. Por exemplo, os economistas de

inspiração keynesiana atribuem à expectativa de retorno

do investimento a causa primeira da decisão do investi-

mento, gerador de novos empregos; b) as simulações de

impacto dessa substituição apresentam resultados incer-

tos; c) países com competitividade expressiva têm ele-

vado custo de mão de obra, tal como se vê no Gráfico 1,

apresentado na primeira parte deste artigo.

6- Para uma discussão detalhada do conceito de aposentadoria (renda) de base, ver Marques e Euzéby (2005)

Page 70: Tributação em Revista 57

70 TRIBUTAÇÃO em revista

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Page 71: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 71

a RTIGO

A Proposta de Reforma Tributária e seus Impactos na Arrecadação Previdenciária e no Mercado de Trabalho

Leonardo Alves Rangel1

Graziela Ansiliero2

Luis Henrique Paiva3

Matheus Stivali4

Edvaldo Duarte Barbosa5

que precisaria ocorrer no mercado formal de trabalho para

compensar a desoneração.

Após esta introdução, a segunda seção trata das princi-

pais justifi cativas da desoneração – a começar por um dos

marcos iniciais da discussão (OCDE, 1994a e 1994b); A

seção três volta-se para simulações de desoneração e seus

impactos de curto prazo sobre a arrecadação. Trata-se de

mensurar, ceteris paribus, quais seriam as perdas de ar-

recadação em alguns cenários de desoneração, com base

no desempenho do Regime Geral de Previdência Social

(RGPS) ao longo do ano de 2008. Esta mensuração permi-

te avaliar, por sua vez, o que precisaria ocorrer no mercado

1. Introdução

A desoneração da contribuição patronal com base na

folha de pagamentos está há vários anos na pauta da dis-

cussão previdenciária e ganhou força ultimamente com

a proposta de reforma tributária - Proposta de Emenda

Constitucional (PEC) 233 de 2008.

Os objetivos deste trabalho são apresentar os pontos

da PEC 233 que tratam da desoneração da folha de pa-

gamentos, avaliar, em termos gerais, a racionalidade de

propostas desta cunha; verifi car quais seriam os impactos

de curto prazo de algumas destas propostas e sugerir o

1- Técnico do Planejamento e Pesquisa do Ipea lotados na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais.

2- Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotada no MPS.

3- Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotado no MDS.

4- Técnico do Planejamento e Pesquisa do Ipea lotados na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais.

5- Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil lotado no MPS.

Page 72: Tributação em Revista 57

72 TRIBUTAÇÃO em revista

de trabalho, em termos de aumento da formalidade e dos

rendimentos, para compensar as perdas de arrecadação.

Finalmente, na quarta e última seção, são apresentadas as

principais conclusões do trabalho.

2. As Justificativas da Desoneração

2.1 – Tributação da Folha e a Teoria Econômica Tra-

dicional

A folha de pagamentos é uma base importante para

a tributação na maioria dos Estados modernos. Quase

universalmente, os recursos arrecadados sobre esta base

são direcionados para o financiamento de políticas sociais

(saúde, previdência etc.), sejam estas universais ou não.

Desta forma, países com Estado de bem-estar mais desen-

volvido apresentam uma maior participação dos tributos

sobre folha, tanto em termos de participação na arreca-

dação total, quanto em termos de proporção do produto

interno bruto (PIB).

A teoria econômica tradicional prediz a geração de ine-

ficiências e desemprego causados por este tipo de tributa-

ção, uma vez que há dois salários no mercado: o salário

líquido recebido pelo empregado e o salário acrescido de

tributos, pago pelo empregador. Neste contexto, a tributa-

ção sobre a folha de pagamentos é apontada como respon-

sável pela elevação do custo do trabalho.

No início da década de 1990, com a elevação acen-

tuada das taxas de desemprego na Europa, onde se con-

centram países com Estados de bem-estar desenvolvidos,

foi diagnosticado, no OECD Jobs Study (OCDE, 1994a

e 1994b), que os elevados tributos sobre a folha de pa-

gamentos eram um dos responsáveis pelo mau funciona-

mento dos mercados de trabalho e, assim, pela elevação

do desemprego. A proposta para conseguir a redução do

desemprego seria a redução dos tributos sobre folha e a

diminuição das políticas do Estado de bem-estar social.

Esta interpretação do impacto dos tributos sobre folha

de pagamento no mercado de trabalho considera, impli-

citamente, que a incidência do imposto recai totalmente

sobre o empregador, que enfrenta um preço (salário) mais

alto do que o determinado pelo mercado. Entretanto, nada

garante que esta suposição seja correta. O estudo da inci-

dência dos impostos é um problema tradicional do campo

da economia do setor público, que mostra que a incidên-

cia efetiva dos impostos depende muito mais das elastici-

dades-preço de oferta e demanda do produto tributado do

que da imposição legal da incidência. No caso do mercado

de trabalho, isto é especialmente relevante, porquanto os

encargos sobre folha resultarão em desemprego apenas

quando não puderem ser repassados aos trabalhadores

na forma de salários mais baixos. Quando a incidência do

imposto sobre folha recair sobre os trabalhadores, a pre-

visão teórica é de que haverá salários menores em vez de

desemprego.

Neste contexto, o impacto dos impostos sobre folha

de pagamento no mercado de trabalho tem sido estuda-

do enquanto um problema de incidência tributária. Se a

incidência é maior sobre os empregados, uma possível de-

soneração causaria elevação dos salários; se a incidência

é maior sobre os empregadores, a desoneração elevaria o

número de empregos.

2.2 – Desoneração da Contribuição Patronal, Mer-

cado de Trabalho Brasileiro e Arrecadação Previden-

ciária

No Brasil, com a elevação do desemprego e da in-

formalidade durante a década de 1990, estruturou-se o

argumento de que a base de arrecadação da Previdência

Social passava por um processo irreversível de erosão, ra-

zão pela qual se deveriam buscar fontes alternativas. Em

alguma medida associada a esta primeira justificativa, uma

segunda foi desenvolvida, a de que o caráter solidário do

RGPS deveria ser aplicado também às bases tributárias: a

migração de parte da contribuição previdenciária para a

receita ou o faturamento poderia produzir mais justiça ou

solidariedade tributária. Finalmente, alguns pesquisado-

res sustentaram que o aumento das alíquotas previden-

ciárias nas últimas décadas seria diretamente responsável

pela crise de formalidade dos anos 1990. Daí decorre que

sua redução poderia elevar a formalização e, com isso, a

Page 73: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 73

arrecadação previdenciária. Em comum, os três argumen-

tos levaram em conta um fato estilizado sobre o mercado

de trabalho ao longo dos anos 1990: vivia-se um período

de crise do mercado formal de trabalho. Estas justificati-

vas são apresentadas com algum detalhe no restante desta

subseção.

Ao longo dos anos 1990, até o início dos anos 2000,

uma série de estudos acerca de mercado de trabalho (por

exemplo, Neves et al., 2000; Cardoso, 2000; Neri, 2003)

apontava, ainda que com diagnósticos muito distintos,

para a erosão da principal base de financiamento da Previ-

dência Social, o emprego formal.

Tais estudos apontaram para uma constante e preocu-

pante queda da formalidade no mercado de trabalho. Os

trabalhadores registrados (com carteira de trabalho assina-

da), que correspondiam a 53,7% do mercado de trabalho

metropolitano em 1992, chegariam a 45,1% em 2002; en-

quanto isso, a soma dos trabalhadores sem carteira assi-

nada e por conta própria, que em 1992 era de 40,9% do

mercado de trabalho metropolitano, chegou a 50,1% em

2002 (sempre médias anuais de dados da PME).6

Tendo em vista que a partir de 1995 o valor da arreca-

dação previdenciária passou a ser insuficiente para cobrir

as crescentes despesas com pagamento de benefícios, é

possível perceber o quadro geral no qual reverberou, en-

tre formuladores de políticas, legisladores e estudiosos do

tema, a percepção da deterioração do mercado de trabalho

metropolitano. Uma das preocupações passou a ser, como

esperado, a busca por fontes alternativas de financiamen-

to7.

O primeiro argumento favorável à desoneração das

contribuições sobre a folha de pagamento poderia ser as-

sim entendido: a queda da formalidade no mercado de

trabalho – tida como elemento exógeno e vista, muitas ve-

zes, como inexorável – minava a base de financiamento da

Previdência Social, que teria que ser reconstruída valendo-

-se de outros tributos.

Com certa frequência, é possível encontrar um segun-

do argumento, associado ao primeiro: defende-se que os

aumentos ocorridos nas alíquotas previdenciárias (que, no

caso da contribuição patronal, variaram, ao longo das últi-

mas décadas, de 3% para 20%) atingiram mais fortemente

firmas e setores intensivos em mão de obra, desestimulan-

do a geração ou a formalização de vínculos empregatícios

(DONADON, p. 6, mimeo). Restaria ao governo buscar

“uma nova composição de financiamento [...] mais justa

e mais equânime”.

Uma terceira linha de argumentação fez associação

aparentemente mais clara, mas não necessariamente corre-

ta, sugerindo que a queda da formalidade no mercado de

trabalho não seria um fenômeno externo ou inexorável: ao

contrário, ela decorreria fundamentalmente da tributação

previdenciária sobre a folha de salários.

Os trabalhos de Neri (2000; 2001; 2003; 2006) es-

tão, provavelmente, entre os mais incisivos no estabele-

cimento de uma conexão entre a informalidade no mer-

cado de trabalho e a tributação previdenciária. Segundo

o autor, a “estrutura de custos e benefícios associados à

legislação trabalhista e previdenciária leva à informali-

dade como modalidade de evasão fiscal” (2006, p. 20).

Quer dizer, a conjunção do crescimento dos encargos

fiscais com a percepção de um fraco tax-benefit linkage

(nas palavras do autor, “sem que correspondentes bene-

fícios sociais fossem percebidos individualmente”) levou

à decisão de empregadores e trabalhadores pela informa-

lidade enquanto forma de evasão fiscal. A informalidade

teria então laços menos estreitos com o descumprimento

dos direitos trabalhistas. Nas palavras de Neri (2001, p.

68), “direitos trabalhistas são independentes do caráter

legal da relação de trabalho assumida. [...] as firmas hon-

6- Estudos posteriores (Paiva, 2003; Ramos e Ferreira, 2005; entre outros), avaliando dados da PNAD/IBGE para todo o país, concluíram que o fenômeno da crescente informalidade estava circunscrito às regiões metropolitanas (justamente as cobertas pela PME/IBGE) e não encontrava correspondência no Brasil não metropolitano. Neste, embora as taxas de formalização continuassem inferiores às encontradas nas regiões metropolitanas, a tendência, inversamente à detectada nestas regiões, era de crescimento da formalidade.

7- Entende-se, assim, a alteração que a Emenda Constitucional (EC) no 41/2003 introduziu no Art. 195 da CF/1988, possibilitando a substituição parcial ou total da contri-buição patronal incidente sobre a folha de salários por contribuição específica incidente sobre a receita ou faturamento, a ser aplicada de forma não cumulativa.

Page 74: Tributação em Revista 57

74 TRIBUTAÇÃO em revista

ram por antecipação os direitos devidos, levando a uma

alta efetividade [das] cláusulas [trabalhistas] no setor in-

formal do mercado de trabalho”. Assim, a informalidade

seria uma estratégia das empresas para diminuírem os

custos da mão de obra, sem, no entanto, acarretar preju-

ízos pecuniários aos funcionários.

Visto que o RGPS apresentou, durante algumas déca-

das, aumento nas alíquotas de contribuição previdenciária

e, entre o fi nal dos anos 1980 e meados dos anos 1990, o

mercado de trabalho brasileiro teria sido marcado por uma

queda na taxa de formalização, o autor associou os dois

fatos, enquadrando-os na chamada curva de Laffer. Neste

caso, a queda da arrecadação (determinada pelo recuo nas

taxas de formalização) seria, em grande medida, função da

contínua elevação da contribuição previdenciária (trânsito

entre os pontos A e B no Gráfi co 1).

O autor supõe que o crescimento da informalidade es-

taria relacionado ao fato de se estarmos no trecho descen-

dente da curva de Laffer. Segundo esta hipótese, o progres-

sivo aumento de alíquotas teria impacto positivo sobre a

arrecadação de tributos até um ponto determinado, a par-

tir do qual começaria a comprometer a arrecadação pela

diminuição de sua base. Assim, o aumento das alíquotas

previdenciárias teria, de início, engendrado o aumento da

arrecadação. Com o tempo, entretanto, causaria o aumen-

to da informalidade e, por conseguinte, a queda na arre-

cadação – de onde se poderia concluir que um recuo nas

alíquotas implicaria novo aumento da base de arrecadação

(trabalho formal) e, consequentemente, aumento da arre-

cadação.

Essa terceira linha de argumentação não menciona a

substituição (total ou parcial) da contribuição patronal so-

bre a folha de pagamento por um tributo sobre a receita ou

o faturamento. Espera-se que, na trajetória descendente da

curva de Laffer, a redução das alíquotas conduziria, por

si mesma, a um incremento da arrecadação. O argumen-

to de que estaríamos na trajetória descendente da curva

de Laffer, ademais, considerou outra hipótese: a de que

empregadores e trabalhadores do setor informal estariam

dispostos – e não encontrariam obstáculos – a migrar para

o setor formal caso o custo–benefício da formalidade fosse

menor.

Gráfi co 1 – Curva de Laffer

Page 75: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 75

O ponto a destacar-se, portanto, é que os diversos

diagnóstico que deram base à ideia da desoneração da fo-

lha de pagamento no Brasil levam a propostas bastante

diferentes: em um caso, parece ser fundamental que a de-

soneração seja acompanhada de mudanças tributárias que

compensem a perda de arrecadação; em outro, os próprios

efeitos positivos da desoneração sobre o mercado de traba-

lho proporcionariam esta compensação.

2.3 – A PEC 233/2008 e sua Proposta de Desonera-

ção8

Em fevereiro de 2008, o governo federal enviou ao

Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição

que “altera o Sistema Tributário Nacional”, e afeta de ma-

neira significativa o financiamento da seguridade social e,

de modo particular, da previdência social. Em tramitação

na Câmara dos Deputados, a PEC 233/2008, vem se as-

sociar a outras duas medidas de iniciativa de Deputados

Federais, todas motivadas em solucionar dois graves pro-

blemas do sistema tributário nacional: a guerra fiscal e a

complexidade de tributos.

Em alguma medida, e a depender da regulamentação,

investe contra o tamanho da carga tributária, pois, em

seu Artigo 11, propõe a desoneração da folha de salários.

No entanto, não define se haverá compensação, o que

implica, potencialmente, no agravamento das contas da

previdência. A definição do quanto e do como – se vai

haver compensação, por exemplo – se farão as reduções

graduais das contribuições sobre a folha é remetida a lei

complementar.

O quanto será esta desoneração se encontra implícito,

sendo explicitado na Exposição de Motivos. Concretamen-

te, no artigo 11 se lê que “lei definirá reduções gradativas

da alíquota da contribuição” “do empregador, da empresa

e da entidade a ela equiparada (...) incidente (...) sobre a

folha de salários”9 “a serem efetuadas do segundo ao séti-

mo ano subsequente ao da promulgação desta Emenda”.

Já na “Cartilha da Reforma-Tributaria” se aponta que “a

principal medida de desoneração proposta é a redução de

20% para 14% da contribuição dos empregadores para a

previdência, a qual seria implementada ao ritmo de um

ponto percentual por ano, a partir do segundo ano após a

aprovação da Reforma”.

Em termos gerais a Reforma Proposta implica nas se-

guintes mudanças: a) extinção de 5 tributos federais, com

a incorporação dos encargos da CSLL ao IRPJ e a criação

de um imposto federal de valor agregado (IVA-F) em subs-

tituição à Contribuição para o Pis, à Cofins, à CIDE-Com-

bustíveis e ao Salário Educação ; b) padronização da tribu-

tação do ICMS, com o emprego do princípio de destino e a

uniformização das alíquotas, tornando nacional a política

de desoneração da cesta básica e de outros produtos de

primeira necessidade ; c) desoneração da folha, tanto pelo

fim do Salário Educação como pela desoneração da contri-

buição patronal, determinada no Art. 11; d) desoneração

das exportações e dos investimentos, no âmbito da criação

do IVA e da uniformização do ICMS.

Este trabalho, no entanto, apenas se preocupará com

os impactos de curto prazo da desoneração da folha de

pagamentos no tocante ao resultado previdenciário. É jus-

tamente sobre estes impactos que a seção seguinte tratará.

3. Simulações de Desoneração: Impactos de Curto

Prazo da Desoneração e Possíveis Fontes Alternati-

vas

Conforme apresentado anteriormente, a PEC 233/2008

trata explicitamente da redução da desoneração sobre a

folha de pagamentos. O que tem impactos diretos no fi-

nanciamento da Seguridade Social, mais especificamente

do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Esta seção

apresentará os impactos de curto prazo de algumas possí-

veis formas de desoneração da folha.

8 - O objetivo desta seção é apenas apresentar a proposta da PEC 233/2008 no tocante a tributação sobre a folha de salários. Para uma discussão mais aprofundada sobre a reforma tributária, cf. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise, nº 16, capítulo de previdência social (2008), ANFIP (2008), entre outros.

9- A redação recortada aqui proposta não se altera se baseada na CF como atualmente redigida como na nova redação do artigo 195.

Page 76: Tributação em Revista 57

76 TRIBUTAÇÃO em revista

A parcela da arrecadação das contribuições de empre-

gados e empregadores para o RGPS representou em 2008

cerca de dois terços da arrecadação líquida total deste re-

gime. É evidente, portanto, que a arrecadação do RGPS e

seus resultados em termos da relação entre receitas e des-

pesas guardam relação estreita com as contribuições dire-

tas de segurados e empregadores.

Neste sentido, o objetivo desta seção é avaliar o impac-

to tributário de curto prazo da desoneração da contribui-

ção patronal sobre a folha de pagamento de duas manei-

ras: uma desoneração linear (da forma como colocada na

PEC 233/2008) e uma desoneração focalizada. Supõe-se

que estes impactos de curto prazo dos diferentes tipos de

desoneração terão que ser compensados. Dessa maneira,

são também avaliadas as possibilidades de compensação,

em termos das consequências positivas da desoneração

sobre o mercado de trabalho (isto é, formalização ou au-

mento da remuneração, ou uma combinação dos dois)10.

3.1 – Impactos de Curto Prazo da Desoneração

Foram realizados dois exercícios de desoneração: i) de-

soneração linear; e ii) desoneração focalizada da alíquota

patronal sobre a folha. Suas características e os resultados

são apresentados a seguir.

3.1.1 – Cálculo de Impacto da Redução Linear da

Alíquota Patronal sobre a Arrecadação Líquida

Entende-se por redução linear da alíquota patronal a

desoneração que é feita independentemente dos valores

dos salários dos trabalhadores. Foram considerados para

o cálculo de impacto apenas os segmentos de emprega-

dores que seriam beneficiados pela redução da alíquota

patronal. Não se encontram neste grupo as empresas que

atualmente já são contempladas por regimes diferencia-

dos de contribuição ao RGPS, como aquelas vinculadas

ao Simples, as entidades filantrópicas (das áreas de saú-

de, educação e assistência social), os empregadores ru-

rais (pessoa física e jurídica), os clubes de futebol e os

setores voltados à exportação agrícola. Em relação a estes

empregadores, resta considerar a contribuição relativa

aos empregados, realizada normalmente e que integra a

rubrica de receitas correntes.

Após a exclusão dos montantes arrecadados em nome

destes empregados vinculados a empresas em regimes es-

peciais de contribuição, que não teriam ganho adicional

com a desoneração, restaram apenas os valores recolhi-

dos efetivamente pelas empresas e instituições sujeitas às

regras gerais do RGPS. Uma desoneração deverá afetar

as contribuições patronais – de 22,5% para instituições

financeiras e de 20% para empresas em geral e demais

instituições – sobre remunerações de empregados, traba-

lhadores avulsos e contribuintes individuais prestadores

de serviços a empresas. O resultado desta tentativa de

mensuração de impacto consta da tabela 1.

Este exercício, com base na arrecadação verificada

em 2008, mostra que o impacto de desoneração de cada

ponto percentual representaria, naquele ano, uma queda

na receita de R$ 4,14 bilhões. Assim, se a alíquota fosse

reduzida de 20% para 15%, 10% ou 5%, haveria uma

necessidade de compensação da ordem de, respectiva-

mente, R$ 20,70 bilhões, R$ 41,40 bilhões e R$ 62,11

bilhões para que o patamar de arrecadação se mantivesse

o mesmo. Em um cenário de desoneração total (alíquota

patronal de 0%), a compensação deveria ser de R$ 82,82

bilhões.11 Percebe-se também que para a situação hipo-

tética de adoção imediata da desoneração que tratada na

reforma tributária, a necessidade de compensação seria

superior a R$ 24 bilhões, e que se não houvesse uma

compensação imediata, o resultado das contas previden-

ciárias observaria uma piora de mais de 68%.

Os resultados das estimativas de impacto apontam

para forte perda de arrecadação líquida para previdência,

10- Para maiores detalhes sobre a base de dados e o tratamento feito para a realização das diversas estimativas feitas, ver Rangel et al (2008 ?)

11- No caso das instituições financeiras, permaneceria o adicional de 2,5 p.p. de alíquota patronal em relação às demais empresas e instituições.

Page 77: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 77

mesmo para pequenas reduções de alíquota, o que denota

um alto custo para a desoneração linear. Devido a este re-

lativo alto custo, surgiram propostas alternativas de deso-

neração, que são tratadas neste texto como desonerações

focalizadas. Na subseção seguinte, são feitas estimativas de

impacto para este tipo de desoneração.

3.1.2 – Cálculo de Impacto de Reduções Focalizadas

da Alíquota Patronal sobre a Arrecadação Líquida

Desonerações focalizadas da forma como são tratadas

neste trabalho não são objeto da PEC 233/2008. Mas, op-

tou-se por apresentar seus impactos, pois além de serem

menos custosas em termos fiscais, têm a característica de

ampliarem a progressividade da contribuição patronal em

folha de pagamentos.

Nesta subseção, as desonerações focalizadas são esti-

madas de duas formas: i) isenção da contribuição patronal

sobre parcela de R$100,00 do rendimento de cada contri-

buinte empregado; e ii) desoneração (tanto da contribui-

ção patronal quanto a do empregado) sobre o primeiro SM

pago pelos empregadores aos seus empregados.

A isenção da contribuição sobre uma parcela no valor

de R$ 100,00 do rendimento mensal de cada contribuin-

te empregado corresponde a uma redução de R$ 20,00 no

Alíquota Patronal INSS

ArrecadaçãoDespesa Previ-

denciária

Resultado Previdenciário

Arrecadação Líquida

Perda de Arreca-dação (R$)

Perda de Arreca-dação (%)

Resultado Previ-denciário

Variação no Resultado

20% 167.415,9 - - 203.622,6 (36.206,7) -

19% 163.275,1 (4.140,8) -2,5% 203.622,6 (40.347,5) 11,4%

18% 159.134,3 (8.281,6) -4,9% 203.622,6 (44.488,3) 22,9%

17% 154.993,4 (12.422,4) -7,4% 203.622,6 (48.629,2) 34,3%

16% 150.852,6 (16.563,2) -9,9% 203.622,6 (52.770,0) 45,7%

15% 146.711,8 (20.704,0) -12,4% 203.622,6 (56.910,8) 57,2%

14% 142.571,0 (24.844,8) -14,8% 203.622,6 (61.051,6) 68,6%

13% 138.430,2 (28.985,6) -17,3% 203.622,6 (65.192,4) 80,1%

12% 134.289,4 (33.126,4) -19,8% 203.622,6 (69.333,2) 91,5%

11% 130.148,6 (37.267,2) -22,3% 203.622,6 (73.474,0) 102,9%

10% 126.007,8 (41.408,0) -24,7% 203.622,6 (77.614,8) 114,4%

9% 121.867,0 (45.548,8) -27,2% 203.622,6 (81.755,6) 125,8%

8% 117.726,2 (49.689,6) -29,7% 203.622,6 (85.896,4) 137,2%

7% 113.585,4 (53.830,4) -32,2% 203.622,6 (90.037,2) 148,7%

6% 109.444,6 (57.971,2) -34,6% 203.622,6 (94.178,0) 160,1%

5% 105.303,8 (62.112,1) -37,1% 203.622,6 (98.318,8) 171,5%

4% 101.163,0 (66.252,9) -39,6% 203.622,6 (102.459,6) 183,0%

3% 97.022,2 (70.393,7) -42,0% 203.622,6 (106.600,4) 194,4%

2% 92.881,4 (74.534,5) -44,5% 203.622,6 (110.741,2) 205,9%

1% 88.740,6 (78.675,3) -47,0% 203.622,6 (114.882,0) 217,3%

0% 84.599,8 (82.816,1) -49,5% 203.622,6 (119.022,8) 228,7%

Tabela 1 - Arrecadação líquida, despesa e resultado previdenciário – Impacto da desoneração da folha de pagamentos

das empresas e órgãos públicos (redução da alíquota previdenciária patronal) – 2008

Fonte: INSS (fluxo de caixa ajustado pelo sistema Informar); Datamart/CNIS; BEPS; AEPS.Elaboração: SPS/MPS.

Em R$ milhões correntes

Page 78: Tributação em Revista 57

78 TRIBUTAÇÃO em revista

valor da contribuição patronal para cada empregado, o que

gera um impacto fiscal de R$ 5,7 bilhões – naturalmente

excluídos aqueles empregadores já contemplados por me-

canismos específicos de contribuição previdenciária.

Alternativamente, algumas propostas de desoneração

têm sido desenhadas de modo a proporcionarem também

algum efeito sobre a desigualdade de distribuição de rendi-

mentos. A proposta predominante defende a desoneração

das alíquotas de contribuição apenas para o primeiro SM,

tanto para o empregado quanto para o empregador. Para

seus defensores, esta proposta teria o mérito de garantir

aos trabalhadores ganhos diretos com a desoneração12

A tabela 3 apresenta três combinações de alíquotas pa-

tronais e de empregados. No caso mais extremo, as alíquo-

tas de contribuição sobre o primeiro SM seriam uniformi-

zadas por meio da redução para 4% para os empregados,

ao passo que para os empregadores a alíquota de contri-

buição sobre o primeiro SM seria de 15%. Esta proposta

focalizada resultaria em uma perda de arrecadação previ-

denciária da ordem de R$ 13,0 bilhões, impacto similar

àquele observado para a desoneração linear de 3 p.p. da

cota patronal incidente sobre a massa salarial atualmente

sujeita às regras do RGPS.13

Há ainda outra possibilidade de desoneração não ex-

plorada neste capítulo. Trata-se de uma desoneração espe-

cífica para jovens entre 16 e 24 anos, ou, de forma mais

abrangente, entre 16 e 29 anos. A justificativa é que, em

razão de a taxa de cobertura previdenciária para estes gru-

pos etários, principalmente entre 16 e 24 anos, ser inferior

à do conjunto da população, a desoneração focalizada nes-

te grupo poderia ter como resultado uma maior formaliza-

ção no mercado de trabalho e, consequentemente, amplia-

ção da taxa de cobertura previdenciária destes grupos.14

Desoneração FocalizadaPerda de Arrecadação (R$)

CP = 0%

Empregados 5.224.548.165,9

Contribuintes Individuais 498.164.380,0

Total 5.722.712.545,9

Tabela 2 - Redução da base de cálculo da contribuição

patronal (R$ 100,00 mensais por vínculo) – cota patronal

(empresas em geral, instituições financeiras e órgãos pú-

blicos) – 2008 Em R$ milhões correntes

Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.

Desoneração FocalizadaPerda de Arrecadação (R$)

CP = 15/% e CE = 4% CP = 18/% e CE = 4% CP = 18/% e CE = 5%

Cota Patronal 5.728.209.430,09 2.291.283.772,03 2.291.283.772,03

Empregados 5.306.181.730,98 2.122.472.692,39 2.122.472.692,39

Contribuintes Individuais 422.027.699,1 168.811.079,6 168.811.079,6

Cota dos Empregados 7.243.622.560,6 7.243.622.560,6 5.708.439.381,2

Total 12.971.831.990,64 9.534.906.332,59 7.999.723.153,19

Tabela 3 - Perda de arrecadação com a desoneração parcial do primeiro SM – cota patronal (empresas em geral, instituições

financeiras e órgãos públicos) e cota de empregados (total de segurados inscritos na categoria de empregados)* – 2008

Fonte: Fluxo de Caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS. * No caso dos contribuintes individuais prestadores de serviços a empresas ou equiparadas, apenas a alíquota patronal varia, permanecendo em 11% a alíquota devida pelo trabalhador. A redução da alíquota dos empregados foi atribuída a todos os empregados, mesmo àqueles cujos empregadores contribuem de forma diferenciada para a Previdência Social.

12- Em que pese o risco de subdeclaração de rendimentos dos trabalhadores.

13- Ressalte-se que, nos dois últimos exercícios, a alíquota reduzida (ou zerada, no caso da desoneração da base para os primeiros R$ 100,00) seria aplicada apenas até os limites estabelecidos. Cada real que excedesse os limites definidos nas duas simulações (1 SM ou R$ 100,00) seria tributado com base nas regras e alíquotas vigentes atualmente.

14- Para maiores detalhes sobre a base de dados e o tratamento feito para a realização das diversas estimativas feitas, ver Rangel et al (2008)

Page 79: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 79

3.2 – Compensação da Perda de Curto Prazo por

Meio da Massa Salarial

Avalia-se, nesta subseção, em que escala deveria variar a

massa salarial (por aumento do emprego formal ou aumen-

to dos salários) para que fossem compensadas as perdas de

arrecadação que viriam com a desoneração da contribuição

patronal, linear ou focalizada, sobre a folha de pagamentos.

Um elemento a se considerar, neste caso, é que os possíveis

efeitos benéficos da desoneração da folha sobre o mercado

de trabalho ocorreriam no médio ou longo prazo, enquanto

a perda ocorreria tão logo fosse feita a desoneração.

O exercício proposto para esta subseção consiste em es-

timar a expansão necessária da massa salarial para contra-

balançar a perda de arrecadação decorrente da redução de

cada ponto percentual da alíquota patronal de contribuição

previdenciária, para o caso de uma desoneração linear, ou

a ampliação necessária da massa salarial para compensar

as desonerações focalizadas propostas anteriormente. Para

tanto, buscou-se mensurar o montante de massa salarial

que compensaria a perda inicial por meio de incremento

nos recolhimentos da alíquota de empregados, do SAT, das

alíquotas de exposição a agente nocivo, da taxa de adminis-

tração da arrecadação de terceiros (apenas da parcela oriun-

da de empresas em geral) e da alíquota patronal.

Alíquota Patronal INSS

Massa Salarial

Massa SalarialDiferença em relação à

massa salarial verificadaVar. % em relação à massa

salarial verificada

20% 387.285,9 - -

19% 401.566,0 (14.280,1) 3,7%

18% 416.866,3 (29.580,4) 7,6%

17% 433.300,0 (46.014,1) 11,9%

16% 450.998,0 (63.712,1) 16,5%

15% 470.112,1 (82.826,2) 21,4%

14% 490.819,1 (103.533,2) 26,7%

13% 513.327,0 (126.041,2) 32,5%

12% 537.881,4 (150.595,5) 38,9%

11% 564.774,7 (177.488,8) 45,8%

10% 594.357,6 (207.071,7) 53,5%

9% 627.055,1 (239.769,2) 61,9%

8% 663.386,2 (276.100,3) 71,3%

7% 703.992,4 (316.706,5) 81,8%

6% 749.675,3 (362.389,4) 93,6%

5% 801.450,4 (414.164,5) 106,9%

4% 860.623,7 (473.337,8) 122,2%

3% 928.902,6 (541.616,7) 139,8%

2% 1.008.564,3 (621.278,4) 160,4%

1% 1.102.713,9 (715.428,0) 184,7%

0% 1.215.699,2 (828.413,3) 213,9%

Tabela 4 - Massa salarial de órgãos do poder público e empresas não beneficiadas pelo Simples ou outras renúncias da con-

tribuição patronal – valores em milhões de R$ correntes – impacto da desoneração da folha de pagamentos (redução linear

da alíquota previdenciária patronal) – 2008*

Fonte: INSS (fluxo de caixa ajustado pelo sistema Informar).Elaboração: SPS/MPS. * Inclusive os valores pagos a título de décimo terceiro salário e adicional de férias, sobre os quais também incide contribuição previdenciária.

Page 80: Tributação em Revista 57

80 TRIBUTAÇÃO em revista

Esse aumento da massa salarial, caso viesse a ocorrer,

poderia ser resultado de pelo menos três cenários bási-

cos. Caso o emprego formal permaneça constante, ou seja,

caso a medida não produza impactos sobre a formalização,

as variações na massa teriam que ocorrer unicamente em

função do aumento do rendimento médio dos emprega-

dos já contribuintes. Outra possibilidade extrema é que

o ajuste venha a ocorrer fundamentalmente sobre o em-

prego formal, com aumento do número de contribuintes

e estabilidade dos rendimentos. A hipótese intermediária

é que a medida, desde que gere os efeitos positivos es-

perados, provoque efeitos tanto sobre o emprego formal

quanto sobre o rendimento.15

3.2.1 – Compensação por Meio da Massa Salarial

para Desoneração Linear

Os resultados, para cada nível de desoneração linear,

com base nos 12 meses de 2008, estão expostos na tabela

4. Caso a alíquota de contribuição patronal fosse reduzi-

da sem que novas fontes de arrecadação fossem criadas,

passando de 20% para 15%, 10% ou 5%, haveria uma

necessidade de crescimento imediato da massa salarial da

ordem de, respectivamente, 21,4%, 53,5% e 106,9% para

que o patamar de arrecadação se mantivesse o mesmo no

acumulado do ano.

Para o caso da redução para 14% proposta pela refor-

ma tributária, observa-se que a massa salarial deveria ser

26,7% superior a observada para compensar os efeitos da

desoneração.

Supondo-se que sejam mantidos fi xos o rendimento

médio e a proporção de vínculos16 por nível de alíquota

de contribuição dos empregados (8,0%, 9,0% e 11,0%),

a quantidade de vínculos adicionais necessários para cada

grau de desoneração pode ser observada no Gráfi co 2.

Observa-se que com a alíquota patronal em 14%, o

total de empregos formais deveria ser instantaneamente

maior em mais de 4 milhões para compensar essa desone-

ração. Note-se que tanto o resultado para crescimento da

formalização, como o de elevação salarial com emprego

constante para compensar a desoneração proposta signifi -

cam forte crescimento em comparação ao que foi observa-

do no ano de 2008.

15- Embora não pareça razoável supor que a desoneração provocasse efeitos importantes na quantidade de pessoas empregadas em órgãos do poder público vincu-lados ao RGPS, pode-se imaginar alguma variação no rendimento destes empregados. Por esta razão, nesta simulação foram consideradas as empresas em geral e os órgãos do poder público.

Gráfi co 2 - Quantidade de Vínculos Formais Necessários para Neutralizar o Impacto da Supressão de Cada Ponto Percentual da Alíquota Previdenciária Patronal (Empresas em Geral, Órgãos do Poder Público e Instituições Financeiras) - 2008

Page 81: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 81

3.2.2 – Compensação por Meio da Massa Salarial

para Desoneração Focalizada

Como já colocado, a desoneração focalizada não esta

prevista na proposta de reforma tributária encaminhada ao

Congresso Nacional via PEC 233/2008. Trate-se de uma

contribuição, ainda que marginal, deste trabalho para o

debate sobre a desoneração da folha de pagamentos.

Para a desoneração focalizada em R$ 100,00 por vín-

culo da contribuição patronal, sem que novas fontes de

arrecadação fossem criadas, haveria uma necessidade de

crescimento da massa de salários da ordem de 5,12%,

para que a arrecadação não se alterasse. Caso a necessi-

dade de compensação se desse apenas pelo crescimento

dos vínculos formais, supondo-se que sejam mantidos

fixos o rendimento médio e a proporção de vínculos

por nível de alíquota de contribuição dos empregados, a

quantidade média de novos vínculos necessários para tal

magnitude de desoneração é da ordem de 1,24 milhão

(tabelas 5 e 6).

Em se tratando da desoneração parcial focalizada sobre

o primeiro SM de salário pago, para as três combinações

de alíquotas utilizadas nas simulações anteriores, a fim de

que a arrecadação não se alterasse, a necessidade de cres-

cimento da massa salarial se encontra na tabela 5.

Para o caso da compensação ocorrer apenas pelo cres-

cimento dos vínculos formais, sempre mantidos fixos o

rendimento médio e a proporção de vínculos por nível de

alíquota de contribuição dos empregados, a quantidade

de vínculos adicionais necessários pode ser observada na

tabela 6.

Deve-se ter em mente que as taxas de crescimento da

massa salarial e do número de vínculos estimadas na tabe-

la 6 são expressivas e dependerão de aumento substancial

na quantidade de vínculos empregatícios formais ou de

aumento da remuneração dos empregados formais. Mas

ainda assim, são inferiores na comparação com a necessi-

dade de vínculos adicionais oriunda da proposta de deso-

neração da folha proposta na reforma tributária. Ademais,

ainda que tais volumes de massa salarial sejam atingidos, a

defasagem temporal entre a redução da alíquota e a recu-

peração da arrecadação – em função do tempo de resposta

das variáveis rendimento médio e emprego formal – pro-

duzirá um aumento da necessidade de financiamento do

RGPS no curto prazo.

O confronto dos resultados obtidos com os registros

da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) evidencia

que para se neutralizarem os efeitos da desoneração ape-

nas com os efeitos da própria medida sobre o emprego

formal ou sobre o rendimento dos empregados celetistas

há que se ter um desempenho em patamar semelhante ao

que recentemente tem se observado. Desempenho este

bastante expressivo, mas cuja continuidade e sustentabi-

lidade nos próximos anos ainda é bastante questionável.

Concretamente, os dados da Rais, nos anos recentes, mos-

tram crescimento da massa salarial anualizada de 7,7%,

entre 2008 e 2007, e de 9,1% e 9,2%, para os dois anos

Massa Salarial Valores Correntes (R$) Variação (%)

Montante Atual (2006) 387.285.882.072,7 -

Montante Necessário para Neutralizar a Desoneração - -

Cenário I (Isenção Patronal para R$ 100,00) 407.111.635.520,4 5,12%

Cenário II (1o. SM: Patronal 15% e Empregados 4%) 434.817.676.390,7 12,27%

Cenário III (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 4%) 421.202.351.650,4 8,76%

Cenário IV (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 5%) 415.466.892.385,0 7,28%

Tabela 5 - Massa salarial adicional para compensar uma desoneração focalizada (empresas em geral, órgãos do poder

público e instituições financeiras) – 2008

Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.

Page 82: Tributação em Revista 57

82 TRIBUTAÇÃO em revista

imediatamente anteriores.16 Por sua vez, o Cadastro de

Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho

e Emprego (CAGED/MTE) tem registrado recordes suces-

sivos nos últimos anos. Em 2008, o saldo anual foi de 1,45

milhão de postos formais gerados.

Embora os últimos resultados tenham proporcionado

uma redução da necessidade de financiamento do RGPS

no ano de 2008, não se pode dizer que esta seja uma ten-

dência sustentável de longo prazo. Com efeito, em 2009 a

necessidade de financiamento voltou a subir – e as proje-

ções de longo prazo realizadas pela Secretaria de Políticas

de Previdência Social do MPS também indicam uma ten-

dência de crescimento para as próximas décadas (Schwar-

zer et al., 2009). Caso uma desoneração da contribuição

previdenciária sobre a folha de pagamentos seja feita sem

compensação por meio de outras bases tributárias, há um

claro risco de que esta situação se deteriore.

4. Conclusões

Invariavelmente, sempre que o crescimento econômi-

co se mostra incapaz de absorver a crescente mão-de-obra

que entra no mercado de trabalho ano a ano, o debate

sobre o alto custo de contratação, especialmente os cus-

tos previdenciários, ganham força no Brasil. Nos últimos

anos, além dos motivos expostos neste trabalho que re-

montam aos anos da década de 1990, também há a discus-

são sobre a reforma tributária (PEC 233/2008) e o alívio

da tributação sobre a folha de pagamentos.

Ora, na grande maioria dos países com a mínima pre-

tensão de Estado de Bem-Estar, o financiamento das polí-

ticas de seguridade social tem a participação das empresas,

via tributo sobre a folha de salários. Não há motivos para

ser diferente no Brasil.

Neste contexto, este trabalho busca contribuir no

imenso debate sobre a desoneração da tributação sobre a

folha e a formalização da mão-de-obra. Buscou-se calcular

o impacto de curto prazo de duas formas de desoneração:

linear e focalizada. Além disso, apresentou a forma pela

qual o mercado de trabalho deveria reagir via elevação da

massa salarial e crescimento do emprego formal para com-

pensar a diminuição da arrecadação. Os resultados encon-

trados mostram que os custos de curto prazo são grandes.

Evidentemente, maiores para desoneração linear que para

a focalizada.

No campo das críticas ao tipo de desoneração proposta

na PEC 233/2008, destaque-se que dado que já existem

mecanismos de desoneração e simplificação tributária

para muitas das micro e pequenas empresas do país (Sim-

ples e Super Simples), a desoneração linear, que tratará

de forma igual empresas fortemente estruturadas ou não,

poderá resultar apenas em alívio tributário para as grandes

empresas a um forte custo para o sistema previdenciário.

Portanto, é necessário deixar explícito que qualquer

proposta de desoneração previdenciária terá custos, e

estes custos deverão ser compensados. A desoneração

linear pura e simples não parece ser mais vantajosa que

16- A referência são os valores informados em dezembro de cada ano e atualizados segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) a preços de dezem-bro de 2008.

Vínculos Adicionais Quantidade Média

Total Atual (2006) 21.838.372

Vínculos Adicionais para Neutralizar a Desoneração -

Cenário I (Isenção Patronal para R$ 100,00) 1.239.050

Cenário II (1o. SM: Patronal 15% e Empregados 4%) 2.970.593

Cenário III (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 4%) 2.119.677

Cenário IV (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 5%) 1.761.228

Tabela 6 - Quantidade de vínculos formais necessários para neutralizar o impacto da supressão desoneração focalizada

(empresas em geral, órgãos do poder público e instituições financeiras) – 2008

Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.

Page 83: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 83

a desoneração focalizada, que inclusive pode ter efeitos

benéficos sobre a renda do trabalhador. E mesmo que o

mercado de trabalho consiga compensar a perda de arre-

cadação de curto prazo, não se pode deixar de observar

a necessidade de sustentabilidade do sistema no longo

prazo o que garantirá a manutenção do atual contrato de

solidariedade intergeneracional, base do nosso sistema

de previdência social.

Por fim, entende-se que a reforma tributária nas bases

que foi colocada com a PEC enviada ao Congresso Na-

cional trará grandes consequências para toda a Segurida-

de Social brasileira, no que tange ao seu financiamento.

Entretanto, não esteve no escopo deste trabalho tratar de

tantas e delicadas questões como estas. Reconhece-se sim

a necessidade de mais debates, mas a contribuição que

este trabalho tentou oferecer foi o tamanho da compen-

sação fiscal que a previdência social deverá receber, caso

a desoneração aconteça da forma como está colocada.

Outrossim, se é para tratar de desoneração, sua focali-

zação apresenta resultados fiscais menos intensos que a

linear, e ainda pode trazer ganhos em termos de distribui-

ção pessoal de renda.

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Page 84: Tributação em Revista 57

84 TRIBUTAÇÃO em revista

a RTIGO

Tributação da folha salarial no exterior e no Brasil1

André Gonçalves Diôgo de Lima2

sobre a folha. Há um aumento no custo da mão de obra

formalizada, o que tornaria o Brasil menos atrativo para

investimentos produtivos.

Diante deste cenário, propõe-se a análise da tribu-

tação sobre a folha incidente em vários países, fazendo

uma comparação com a tributação sobre a folha numa

série de países, a saber, Alemanha, Canadá, França, Rei-

no Unido, Brasil e Índia, Eslováquia. Esta análise com-

parativa terá como objetivo observar o comportamento

da tributação sobre a folha em outros países, bem como

os principais benefícios que cada sistema entrega aos

contribuintes. Foram escolhidos países bastante dis-

tintos, com sistemas de civil Law e commom Law, fe-

derações e países unitários, desenvolvidos e em desen-

volvimento, além de uma experiência que conta com o

1 – Dos propósitos da pesquisa e seu objetivo

A tributação incidente sobre a folha de pagamentos

ou salários é alvo de constantes críticas3. Argumenta-

-se que a tributação gera uma série de incentivos ne-

gativos aos empregadores para a contratação de novos

funcionários, sendo contrária, pois, à geração de em-

prego formal. Isto ocorreria porque se eleva o custo de

contratação, havendo uma lacuna entre o valor pago a

título de salário e o valor efetivamente despendido pelo

empregador. Esta lacuna seria preenchida basicamente

pelas contribuições para o fi nanciamento da seguridade

social (que inclui pensões e seguros de toda sorte).

Outro fator negativo levantado na discussão acerca

da tributação sobre a folha de pagamentos diz respeito à

diminuição da competitividade causada pela tributação

1- Este artigo é baseado em relatório sobre o tema desenvolvido no contexto da pesquisa “Reforma Tributária – Efi ciência, Simplifi cação, Transparência e Susten-tabilidade”, realizada pelo NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Eurico Marcos Diniz de Santi e com o apoio do Sindifi sco Nacional. O artigo contou com a orientação técnica do Prof. Eurico de Santi.

2- Estudante de Direito e Pesquisador do NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP.

3- Neste sentido, observar os vários trabalhos de José Pastore.

Page 85: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 85

sistema de flat tax (Eslováquia). Dessa forma, busca-se

uma visão mais ampla a respeito do tema.

Entretanto, é importante observar que a tributação

sobre a folha de pagamentos geralmente destina-se ao

financiamento da previdência social, tanto a parcela

paga pelo empregado quanto a paga pelo empregador,

sendo que parte do valor arrecadado pode financiar

serviços para quem não é/foi contribuinte. No conceito

de previdência social inclui-se uma série de benefícios

como, por exemplo, seguro desemprego, auxílio mater-

nidade, pensões, aposentadorias etc.

Neste sentido, não caberá juízo de valor acerca de

quais direitos e garantias deveriam ser implementados

ou excluídos. Apenas se demonstrará o que cada país

cobra e o que ele oferece.

2 – Seguridade, Previdência e Tributação no Canadá

As primeiras leis canadenses a respeito de segurida-

de social (pensões para idosos, deficientes etc.) datam

do início do século passado. No país há um sistema de

pensão universal para todos os cidadãos acima de 65

anos.

As pensões pagas para aqueles que não são contri-

buintes são financiadas totalmente pelo Estado, não

havendo pagamento por parte do empregador ou do

empregado. Assim, pode-se observar que no Canadá

não há financiamento direto da previdência por parte

de seus contribuintes para aqueles beneficiários que

não contribuíram. Não haveria, pois, solidariedade nas

contribuições para financiamento da seguridade social.

Nos casos dos trabalhadores canadenses, tem-se que

a contribuição é de 4,95% de todos os ganhos da pes-

soa, sendo que o piso para contribuição é de C$3.500

(cerca de US$ 4.060) e o teto é de C$46.300 (US$

53.700). Os trabalhadores com ganhos abaixo de C$

3.500 são incluídos no plano de pensão universal, fi-

nanciado com fundos da União. Já nos casos dos traba-

lhadores autônomos (profissionais liberais), tem-se que

a alíquota é de 9,9% dos ganhos, dado as mesmas bases

dos empregados. Os limites dos valores de ganhos são

reajustados anualmente, dado o crescimento médio do

salário na indústria.

Os empregadores, por sua vez, pagam 4,95% do to-

tal da folha de salários. Os limites dos valores de ganhos

são reajustados anualmente, dado o crescimento médio

do salário na indústria.

No Canadá há a competência para a cobrança de con-

tribuições previdenciárias tanto por parte da União, quan-

to por parte das Províncias. Neste sentido, tomaremos

como exemplo as contribuições cobradas pela província

de Quebec, pois esta é a Província mais autônoma.

Já a título de seguro saúde e seguro maternidade,

os contribuintes são todos os assalariados, incluindo os

funcionários públicos (há cobertura praticamente para

toda a população). O seguro pode ser utilizado em ou-

tras províncias e até mesmo no exterior (atendidas al-

gumas condições).

Neste caso de Quebec, a alíquota da contribui-

ção para este fim é de 0,484% dos rendimentos do

empregado, sendo que o teto da base de cálculo é de

C$62.000(US$71.900). As províncias de Alberta e Bri-

tish Columbia cobram prêmios dos seguros. Ontário

cobra um prêmio baseado nos rendimentos ganhos aci-

ma de um certo limite. As demais Províncias não co-

bram prêmios para estes seguros. Há também financia-

mento do governo federal. Este é feito via transferência

condicionadas e sua fonte é basicamente o orçamento

geral do Estado.

Os profissionais liberais pagam, no caso de Quebec,

0,737% da renda tributável para fins de financiamento

dos seguros saúde e maternidade. Nas demais Provín-

cias há o mesmo sistema já descrito no parágrafo ante-

rior.

Já o empregador paga 0,677% sobre a folha de pa-

gamentos em Quebec. Nas demais províncias há uma

variação de 1% a 4,5% de tributação sobre a folha de

pagamentos.

No caso de acidente de trabalho, o Canadá também

possui uma legislação que garante cobertura completa

para praticamente todas as atividades, seja industrial,

Page 86: Tributação em Revista 57

86 TRIBUTAÇÃO em revista

comercial, desportiva etc.

Estas legislações variam entre as Províncias, toda-

via os custos para segurar os acidentes de trabalhos são

incorridos exclusivamente pelos empregadores, sendo

que as alíquotas variam de acordo com a Província e de

acordo com a atividade desempenhada pelo profissio-

nal. Os valores recebidos pelos segurados variam de 75

a 90% dos ganhos, dependendo da província. Nos casos

de perda de capacidade de trabalho parcial, o valor da

pensão varia de acordo com o grau de perda da capaci-

dade. Os valores pagos também cobrem as pensões para

viúvas(os), órfãos e outros dependentes.

No caso do seguro desemprego, tem-se a cobertura

para todos os assalariados, inclusive funcionários pú-

blicos. Há a exclusão de cobertura para os profissionais

liberais.

O financiamento do seguro desemprego é pago tan-

to pelos empregados quanto pelos empregadores. Os

primeiros pagam às Províncias uma alíquota de 1,73%

dos ganhos (esta alíquota também cobre os benefícios

do seguro saúde e maternidade, menos na Província de

Quebec, em que a alíquota é de 1,38%). Os empregado-

res, por sua vez, pagam uma alíquota de 2,42% sobre a

folha de pagamentos (em todas as Províncias, menos em

Quebec, em que é 1,93%). O teto máximo de ganhos

para contribuições é de C$42.300 (US$49.000).

Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas co-

bradas no Canadá:

3 – Seguridade, Previdência e Tributação na Índia

As principais leis garantidoras de seguridade social

da Índia foram criadas a partir da segunda metade do

século passado, sendo que a lei garantidora do seguro

contra acidentes de trabalho é da década de 20.

Não há um sistema de seguridade universal na Ín-

dia. Esta só é garantida para os trabalhadores de certos

setores e que contribuem para os fundos que financiam

os programas de seguridade.

A despeito da existência de sistemas de previdência

social na Índia, estes ainda são débeis e insuficientes.

A maior parte da arrecadação do sistema de previdên-

cia indiano advém das contribuições dos trabalhadores

formais e das contribuições incidentes sobre folhas de

pagamento. Entretanto, apenas 7% dos trabalhadores

indianos estão trabalhando na formalidade. Ademais,

parte expressiva da população indiana (inclusive aque-

la apta ao trabalho) está localizada nas regiões rurais

do país, sendo desprovida de trabalho formal e, conse-

CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO

Empregado 4,95% Ganhos anuais“Aposentadoria

InvalidezViuvez”

Profissional Liberal 9,90% Ganhos anuais

Empregador 4,95% Folha de salário

Empregado 0,484% (Quebec) Ganhos anuais

“Seguro SaúdeSeguro Maternidade”

Profissional Liberal 0,737% (Quebec) Ganhos anuais

Empregador 0,677% (Quebec) Folha de salário

EmpregadorVaria de acordo com a província e

a atividade do empregador* Acidente de trabalho

Empregado 1,73% (1,38% em Quebec) Ganhos anuais

Seguro desempregoProfissional Liberal Não aplicável

Empregador 2,42% (1,93% em Quebec) Folha de salário

Tabela 1 – Alíquotas cobradas no Canadá

Page 87: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 87

qüentemente, de serviços de seguridade social.

Tratando de seguridade social, a Índia dispõe de le-

gislação prevendo aposentadoria, pensões no caso de

invalidez e para viuvez. São beneficiados por este siste-

ma os empregados que recebem menos de 6.500 rúpias

por mês (US$153,3) em estabelecimentos com, no mí-

nimo, 20 empregados ou relacionados em uma das 182

categorias de negócios relacionadas. Há possibilidade

de adesão a planos de seguridade voluntários nos casos

em que os ganhos do empregado superem 6.500 rúpias.

Relevante observar que há expressa exclusão de

profissionais liberais, agricultores e empregados de co-

operativas com menos de 50 trabalhadores. Ademais,

nos estados de Jammu e Kashmir não há cobertura de

seguridade social.

O financiamento destes serviços previdenciários

é realizado por meio da cobrança de uma alíquota de

12% sobre o salário dos empregados dos estabeleci-

mentos com menos de 20 funcionários e que estejam

cobertos pelo plano de previdência.

Além desta alíquota, temos que o empregador deve

contribuir com 3,67% do valor da folha salarial mensal,

mais 1,1% para financiar os custos administrativos do

fundo que arrecadará os montantes.

O empregador ainda é onerado em 12,33% sobre a

folha de pagamentos mensal para financiar os planos

de pensão. O governo, seja nacional ou sub-nacional,

não contribui com nenhum valor, seja para o fundo de

previdência ou para os fundos de pensão.

A Índia também possui legislações orientadas a ga-

rantir assistência nos casos de doença ou maternidade.

A lei que trata do seguro contra acidentes de trabalho

é de 1948, enquanto que a lei que disciplina a licença

maternidade é de 1961. Elas garantem, entre outras coi-

sas, o pagamento de 1.000 rúpias (US$23,6) no nasci-

mento de um filho e um auxílio funeral de 3.000 rúpias

(US$71).

Estão cobertos com seguro saúde e licença ma-

ternidade aqueles que recebam até 10.000 rúpias

(US$235,8) por mês em estabelecimentos com, no mí-

nimo, 20 trabalhadores (10 no caso de manufaturas).

Entretanto, uma série de Estados ainda não possui esta

parte do sistema de previdência, entre eles Manipur,

Tripura, Sikkim e Mizoram. Ademais, são excluídos os

profissionais liberais, os trabalhadores sazonais, os agri-

cultores e outros. As grávidas recebem assistência por 2

meses após o nascimento do bebê.

Umas das fontes de financiamento para esta parte da

seguridade é 1,75% dos rendimentos dos empregados

cuja renda diária seja maior que 70 rúpias (US$1,65).

O empregador também contribui com 4,75% sobre

a folha de pagamentos de todos os empregados. Ade-

mais, como já exposto, o Estado contribui com 12,5%

dos custos com assistência médica.

Importante salientar que as contribuições a título de

financiamento do seguro saúde e maternidade também

financiam os seguro acidente de trabalho e o seguro de-

semprego.

Eles podem ser utilizados por aqueles que ganham

até 10.000 rúpias por mês e trabalham em estabeleci-

mentos com, no mínimo 10 empregados (10 no caso de

manufaturas) que dão direito a tal serviço.

O benefício do seguro desemprego é igual a 50%

do salário que serviu de base para a contribuição e será

pago por até 6 meses.

Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas co-

bradas na Índia:

4 – Seguridade, Previdência e Tributação no Brasil

As primeiras leis que tratam de seguridade social no

Brasil datam no início do século passado, entretanto foi

a partir da promulgação da constituição de 1988 que

leis mais abrangentes foram criadas, sendo seguidas

pela criação ou majoração de contribuições para dar su-

porte financeiro às garantias e aos direitos criados.

O sistema de previdência brasileiro não é universal

em todos os aspectos, tendo o trabalhador (ou o empre-

gador) que contribuir para a seguridade a fim de que

haja a garantia para uma série de situações, como de-

semprego ou acidentes de trabalho.

Page 88: Tributação em Revista 57

88 TRIBUTAÇÃO em revista

Não obstante, há alguns direitos universais como

uma pensão para idosos (a partir dos 65 anos) que não

recebam outros benefícios da seguridade e se enqua-

drem nas especificações do Instituto Nacional de Segu-

ridade Social (INSS).

A seguridade social no Brasil é financiada por uma

série de contribuições pagas tanto por empregados

quanto empregadores cujas bases de cálculo são os ren-

dimentos dos funcionários ou as folhas de salários da

empresas. Ademais, a seguridade também é financiada

por outras contribuições cuja base de cálculo não onera

a folha de pagamentos e, caso haja déficit, o governo

federal arca com este.

Quanto a pensões para aposentadoria, invalidez e

viuvez o sistema brasileiro cobre praticamente toda a

população, desde que esta tenha trabalho formalizado e

contribua para a previdência social, que define critérios

e valores predeterminados. Deve-se observar que a pre-

vidência brasileira existe em paralelo às previdências do

setor público e dos militares.

Quanto à alíquota paga com base no salário do

empregado, temos que esta é de 7,65% para salários-

-de-contribuição de até R$800,45 (US$444,7), 8,65%

para salários-de-contribuição entre R$800,45 e R$900

(US$500), 9% para salários-de-contribuição R$900,01

e R$1.334,07 (US$741,1) e 11% salários-de-contribui-

ção entre R$1.334,08 e 2.668,15 (US$1.482,3).

Nos casos de profissionais liberais ou de segurados

facultativos que optarem pela exclusão do direito à apo-

sentadoria por tempo de contribuição, a alíquota é de

11%. Caso queiram o benefício de aposentadoria a alí-

quota é de 20%.

Entende-se por salário-de-contribuição todos os

rendimentos do trabalhador. Deve-se observar os limi-

tes mínimos e máximos das bases para contribuição.

O mínimo de ganhos mensais para se tornar um con-

tribuinte é R$510 (US$280), que é o valor do salário

mínimo no Brasil. O teto é R$3416 (US$1.898).

Já o empregador deve contribuir com uma alíquota

de 20% sobre a folha de pagamentos. Não obstante, mi-

cro e pequenos empresários pagam um valor que pode

variar de 3 a 8,25% sobre os valores declarados de re-

ceita bruta (notar que aqui se englobam também outros

tributos, pois paga-se, com uma única guia, vários de-

les, como forma de simplificação)

O segurado pela previdência social no Brasil garante

direito à aposentadoria (65 anos para homens e 60 para

mulheres, sendo 5 anos a menos nos casos de trabalha-

CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO

Empregado 12% Ganhos mensais

“AposentadoriaInvalidezViuvez”

Profissional Liberal Não tem previsão legal *

Empregador 17,60% Folha de salário

Empregado 1,75% Ganhos anuais

“Seguro SaúdeSeguro MaternidadeAcidente de trabalhoSeguro desemprego”

Profissional Liberal 4,75% Ganhos anuais

Governo 12,5 dos custos de assistência médica Folha de salário

Tabela 2 – Alíquotas cobradas na Índia

Page 89: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 89

dores rurais) com pensões que variam entre 70 e 100%

do valor do salário-de-contribuição utilizado como

base. Já no caso de invalidez, o segurado tem direito a

100% da média dos ganhos (relativos aos salários-de-

-contribuição) por tempo indefinido. O mesmo ocorre

nos casos de pensão por viuvez, sendo que todos os li-

mites são de no mínimo R$510 e no máximo US$3.416.

Deve-se observar também que no Brasil existe uma

série de contribuições setoriais cujo intuito é o finan-

ciamento de programas de incentivos a determinadas

áreas cuja base de cálculo é a folha de pagamentos da

empresa. Neste sentido, tem-se o SEBRAE (alíquota de

0,3%), SESI, SESC, SEST (alíquota média de 1,5$) e

SENAI, SENAC, SENAT (com alíquota média de 1%).

No que diz respeito ao seguro contra acidentes de

trabalho tem-se que no Brasil o financiamento se dá por

um adicional de 1 a 3% pagos pelos empregadores, de-

pendendo do nível de risco ao qual o empregado fica

exposto. No caso de trabalhadores rurais há o pagamen-

to de 0,1% sobre a venda dos produtos agrícolas. O

seguro desemprego cobre tanto a invalidez temporária

quanto a permanente, sem que haja limite de duração

para o recebimento do benefício.

Também há no Brasil o seguro desemprego. Este é

financiado com recursos das contribuições previdenci-

árias pagas por empregados e empregadores e possui

um sistema particular para fazer com que o empregado

poupe. O Fundo de Garantia por tempo de Serviço

(FGTS) é um recolhimento compulsório de 8% do salá-

rio do empregado feito pelo empregador, a fim de que

aquele faça poupança. Foi criado em meados da déca-

da de 60 e tinha como objetivo aumentar a poupança

nacional e dar alguma garantia ao trabalhador em caso

de demissão (visto que fora criado em um momento

em que a estabilidade empregatícia no setor privado foi

abolida no Brasil). O FGTS pode ser retirado (total ou

parcialmente) em ocasiões especiais, tais como perda

de emprego sem justa causa, casamento, aposentadoria

etc.

Por fim, há a contribuição constitucional chamada

de salário-educação, cujo fim não é propriamente o fi-

nanciamento da seguridade social, mas sim o financia-

mento da educação básica no Brasil. Entretanto, esta

contribuição torna-se relevante para o estudo, pois sua

alíquota de 2,5% incide sobre a folha de salários das

empresas.

Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas co-

bradas no Brasil:

CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO

Empregador 20% (12% empregados domésticos) Folha de salário AposentadoriaInvalidezViuvez

Seguro MaternidadeSeguro desemprego

Empregado8 a 11% (20% nos casos de profis-sionais liberais ou 11% em caso de

renúncia de aposentadoria

Salário-de-contribuição (rendimentos totais do empregado)

Empregador 1 a 3%Total das remunerações pagas ou

creditadasAcidente de trabalho

Empregado Um dia de trabalho por ano Um dia de trabalho por ano Imposto sindical

Empregado 8% Salário FGTS

Empregado Em média 1,5% Folha de salário Financiamento do sistema S

Empregador 2,50% Folha de salário Salário Educação

Tabela 3 – Alíquotas cobradas no Brasil

Page 90: Tributação em Revista 57

90 TRIBUTAÇÃO em revista

5 – Seguridade, Previdência e Tributação na Fran-

ça

As primeiras leis que tratam de seguridade social na

França são do fim do século XIX e início do século XX.

No país há um sistema universal de assistência social

para todos os residentes, dados determinados critérios.

Também há sistemas de previdência específicos para

determinados setores, como agricultura, mineração etc.

As fontes de recursos para financiamento da segu-

ridade social na França advêm tanto dos empregados

e empregadores quanto do próprio governo, que pode

fazê-lo por meio de aporte direto de recursos ou de sub-

sídios em determinadas áreas.

Para o financiamento da seguridade na parte que

trata das pensões por idade, invalidez e viuvez, se tem

que o segurado deve contribuir com 6,65% do benefí-

cio que ele terá direito (há casos específicos em que se

pode chegar a pagar 11,37%). O teto para contribuição

é de €2.773 (US$4.078).

Por sua vez, o empregador deve contribuir com

8,3% da folha de pagamentos (folha total das pensões

que os funcionários terão direito). Além deste percentu-

al, será acrescido 1,6% a título de prêmio para o seguro

de vida (para os casos de viuvez).

Na França, em geral, as pensões por idade são pagas

dada a idade mínima de 60 anos (recebimento do valor

total da pensão) mais, no mínimo, 160 pagamentos a

previdência (estes pagamentos são feitos trimestralmen-

te e passíveis de abatimentos dadas certas condições).

Ressalta-se que os períodos em que o contribuinte não

estava trabalhando (recebendo auxílio desemprego,

saúde etc.) contam para fins de pagamentos a previdên-

cia. O benefício máximo que pode ser recebido é igual a

50% do valor usado como referência para o pagamento

da seguridade.

Aqueles que possuem renda inferior a €7.720

(US$11.353) e têm idade acima de 65 anos (60 anos

nos casos de certos tipos de invalidez) possuem direito

a pensão por idade. Da mesma forma, possuem direi-

to aqueles que possuem algum tipo de invalidez (que

será aferida para observância de determinados critérios

como a perda de até 2/3 da capacidade de trabalho em

qualquer ocupação) e terceiros que possuem direito a

pensão por viuvez. Nestes últimos casos, o valor má-

ximo a ser recebido é de até 50% do valor usado como

referência para a o pagamento da seguridade.

No caso da seguridade, no que se refere a seguro

saúde e maternidade, tem-se que as fontes de recursos

são provenientes tanto do governo, quanto dos empre-

gados e empregadores. De maneira geral, os benefícios

do seguro saúde são de 50% da média dos últimos 3

meses antes do início da incapacidade. Já no caso do

benefício maternidade, o valor é de 100% da média dos

ganhos dos antes meses anteriores ao parto.

Os empregados contribuem com 0,75% dos ganhos

brutos. Aposentados também contribuem, mas com

1,4% do valor da contribuição (são isentos aqueles que

recebem pensão, mas são de baixa renda) mais 2,4%

dos rendimentos de previdência privada, caso possuam.

Já os empregadores contribuem com 12,8% do valor

da folha de pagamentos, mais 0,3% sobre a folha para o

financiamento de programas de contribuição para fun-

dos de assistência. Além disso, os empregadores ainda

recolhem 0,13% sobre os lucros para o financiamento

destes programas.

O governo contribui com 12% de adicional sobre

uma série de operações, como tributação sobre álcool,

tabaco etc.

O seguro contra acidentes de trabalho na França é

financiado totalmente pelo empregador. O prêmio de-

pende do grau de risco que o trabalho oferece, mas, em

média, é cerca de 2,26% da folha de pagamentos.

O valor do benefício recebido é de 60% da média

dos ganhos do último mês trabalhado nos primeiros 28

dias, após este período o valor passa a ser de 80% dos

ganhos. No caso de invalidez total, o valor do benefício

é de 100% do valor base para cálculo da contribuição.

Todos os custos médicos são arcados por um fundo pró-

prio para este fim e não há limite para os tratamentos.

Nos casos de seguro desemprego, tem-se que o fi-

Page 91: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 91

nanciamento é realizado tanto pelo empregado quanto

pelo empregador. O segurado contribui com uma alí-

quota de 2,4% sobre os ganhos usados como base para

a contribuição. Já o empregador deve contribuir com

4% sobre a folha de pagamentos (folha total das pen-

sões que os funcionários terão direito). Ademais, ainda

há um adicional de 0,15% sobre a mesma base para o

financiamento de um fundo de garantia caso a empresa

torne-se insolvente.

Por fim, ainda há uma contribuição para financia-

mento de uma pensão familiar para famílias que tenham

ou adotem filhos. A contribuição é feita por profissio-

nais liberais e pelos empregadores, sendo que estes pa-

gam 5,4% da renda e 5,4% da folha de pagamentos,

respectivamente.

6 – Seguridade, Previdência e Tributação no Reino

Unido

As primeiras leis relativas à seguridade social no

Reino Unido datam no início do século passado. No

país há um sistema de previdência que contempla toda

a população. Entretanto, deve-se ressaltar que há várias

exceções e limitações para a concessão dos benefícios,

dado parâmetros pré-estabelecidos.

As fontes de recursos para os benefícios relativos

à pensão por idade, invalidez, viuvez, seguro saúde,

maternidade, acidente de trabalho e desemprego são

custeados com recursos dos empregos, empregadores

e governo.

Neste sentido, os empregados contribuem com uma

alíquota de 11% sobre os ganhos semanais, sendo o piso

de £105 (US$219) e o teto de £770 (US$1.640). Não

obstante, mulheres casadas ou viúvas contribuem com

uma alíquota diferenciada de 4,85% sobre a mesma

base. Há uma adicional de 1% sobre os ganhos sema-

nais nos casos em que renda semanal ultrapasse £770.

Já contribuintes voluntários do sistema de segurida-

de devem pagar uma contribuição fixa de £8,1 (US$17)

por semana.

Os profissionais liberais, por seu turno, devem pa-

gar uma contribuição fixa no valor de £2,3, nos casos de

casos de ganhos superiores £4.825 (US$10.052). Casos

os ganhos superem £5.435 (US$11.323) haverá ainda

um adicional de 8% sobre os ganhos que ultrapassa-

CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO

Empregado 6,65% Ganhos que terá com o benefícioAposentadoria

InvalidezViuvez

Profissional Liberal Não aplicável Não aplicável

Empregador 9,90%Folha de salários (folha total das pen-sões que os funcionários terão direito)

Empregado 0,75% (1,4% aposentados) Rendimentos brutos

“Seguro Saúde

Seguro Maternidade”

Profissional Liberal Não aplicável Não aplicável

Empregador 13,1% (Quebec) Folha de salário

Governo 12%Adicional sobre tributos como cigarros,

fármacos etc.

Empregador 2,26% Folha de salário Acidente de trabalho

Empregado 2,40% Ganhos que terá com o benefício

Seguro desempregoProfissional Liberal Não aplicável Não aplicável

Empregador 4%Folha de salários (folha total das pen-sões que os funcionários terão direito)

Profissional Liberal 5,40% RendimentosPensão familiar

Empregador 5,40% Folha de pagamentos

Tabela 4 – Alíquotas cobradas na França

Page 92: Tributação em Revista 57

92 TRIBUTAÇÃO em revista

rem este valor, sendo o teto de £40.040 (US$83.417).

Ultrapassando-se o teto, ainda paga-se outro adicional

de 1%.

Já o empregador deve contribuir com 12,8% sobre

as folha de todos os funcionários que recebam acima de

£105 (US$219).

Importante observar que 15% do valor das contri-

buições são destinadas ao Serviço Nacional de Saúde,

com o intuito de financiar os custos dos tratamentos de

saúde da população.

As aposentadorias no Reino Unido são cedidas a ho-

mens com mais de 65 anos e mulheres com mais de 60

(há uma regra para que progressivamente as mulheres

passem a se aposentar mais tarde, com 65 anos, assim

como os homens, devendo haver a igualdade até 2020).

O tempo de contribuição é de até 44 anos, todavia há

uma série de regras que diminuem esse tempo, podendo

ser diminuído, em certos casos, para 30 anos. Caso haja

menos tempo de contribuição e o contribuinte atinja a

idade para se aposentar, a pensão será diminuída, dado

determinados critérios. Há uma série de outros bene-

fícios para aposentadorias, como a aposentadoria para

pessoas que nunca contribuíram.

O benefício é, no máximo, de £90.7 (US$189), to-

davia pode-se ter uma série de adicionais, casos sejam

atendidos certos critérios, como possuir dependentes

ou postergar a aposentadoria.

Já o benefício nos casos de invalidez é de £84,5

(US$176) por semana, havendo possibilidade de adi-

cionais dados certos critérios, como, por exemplo, de-

pendentes. No caso de pensão por viuvez, se tem que

a pensão é, em geral, de £90,7, podendo variar dados

certos critérios.

Já o seguro contra acidentes de trabalho cobre todos

os empregados e profissionais liberais, com benefícios

que variam de acordo o grau de invalidez causada pelo

acidente.

Nos casos de benefícios relativos a seguro saúde e

maternidade, tem-se que o empregador é responsável

pelo pagamento nos casos de doença do empregado

(£75,4 (US$157), havendo casos em que o empregador

paga apenas partes dos custos). Nos casos de seguro

maternidade, o empregador contribui com 8% dos cus-

tos (que variam se o seguro é para o homem ou para

a mulher, variando de £63,75 por semana a £117,18

por semana). Ressalta-se que os serviços de saúde são

providos por serviços públicos ou por profissionais com

contratos com o estado.

7 – Seguridade, Previdência e Tributação na Eslo-

váquia

As primeiras leis eslovacas acerca de seguridade so-

cial e previdência datam do final do século XVIII e iní-

cio do século XIX, como é o caso das relativas à aposen-

tadoria, invalidez, viuvez, maternidade e seguro saúde.

Na Eslováquia, parte dos valores pagos por empre-

gadores e empregados são depositados diretamente em

uma conta individual de cada segurado. Também há

a possibilidade de haver o pagamento de custeio dos

fundos de pensão, sendo que tal cobrança só pode ser

feita aos contribuintes voluntários, com uma alíquota

máxima de 1% sobre o montante dos pagamentos men-

sais e 0,07% sobre a média mensal do valor líquido do

patrimônio sob custeio do fundo.

Relevante notar que o governo cobre qualquer tipo

de déficit e aporta recursos para subsidiar os pagamen-

tos para uma série de situações. Ele aporta valores que

variam entre 18 e 70% para, por exemplo, pensões de

idosos que possuem crianças doentes.

O valor mínimo para as contribuições à previdência

é de 8.100 koruna (aproximadamente 360 dólares). En-

tretanto, há a possibilidade de diminuição dos valores

piso para as contribuições nos casos em que o contri-

buinte tenha algum tipo de invalidez que diminuía sua

capacidade de trabalho.

A pensão por idade na Eslováquia é concedida aos

homens a partir de 62 anos e para mulheres a partir

dos 56 anos, sendo que a pessoa deve ter contribuído

por, no mínimo, 10 anos. Não obstante, a idade para

concessão de aposentadoria das mulheres está sendo

Page 93: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 93

aumentada gradualmente até atingir o mesmo nível da

dos homens, ou seja, 62 anos.

Para a seguridade relativa à pensão por idade, in-

validez e viuvez, os empregados contribuem com uma

alíquota de 4% sobre os valores dos ganhos mensais

cobertos, sendo que nenhum valor é deposita em conta

individual. Não obstante, os contribuintes voluntários

contribuem com uma alíquota de 18% sobre os ganhos

individuais, sendo que metade (9%) é depositada na

conta individual.

O empregador, por seu turno, contribui com uma

alíquota de 14% sobre a folha de pagamentos, sendo

que 9% vai diretamente para as contas individuais dos

empregados. Como já exposto, o governo arca com

quaisquer déficits e aporta montantes para subsidiar al-

guma categorias e pessoas em determinadas situações.

O valor da pensão por idade é calculado utilizando-

-se a média dos ganhos durante o período de contri-

buição e há sistemas de aumento da aposentadoria para

aquelas pessoas que optem por postergá-la. Neste sen-

tido, a aposentadoria é aumentada em 0,5% para cada

mês que o contribuinte adia a aposentadoria.

Para a aposentadoria por invalidez, aplicam-se as

mesmas disposições acerca da pensão por idade, no que

couber. Já para os casos de pensão por viuvez, tem-se

que o valor da pensão é igual a 60% do valor da pensão

que recebida pelo de cujus.

Para o financiamento das pensões relativas a seguro

saúde e maternidade, tem-se que os empregados contri-

buem com uma alíquota de 5,4% sobre os valores dos

ganhos mensais cobertos. O profissional liberal, por

sua vez, contribui com uma alíquota de 18,4% sobre os

ganhos declarados. Já o empregador contribui com uma

alíquota de 11,4% sobre a folha de pagamentos coberta.

Para ambos os benefícios há um período de carência

de quase 3 anos (2 anos antes da invalidez ou do nas-

cimento do bebê, mais 270 dias antes dos 2 anos). Não

obstante, não há carência para o benefício do seguro

saúde em geral.

Relevante notar que os benefícios médicos incluem

desde simples tratamentos até internações, tratamentos

dentários e vacinação.

Já o seguro contra acidentes de trabalho é financia-

do totalmente pelo empregador, com uma alíquota de

0,8% sobre a folha de pagamentos. Entretanto, o go-

verno arca com qualquer déficit. Não há carência para

o recebimento do benefício. Há uma lista, definida em

lei, de 47 doenças ocupacionais que são cobertas pelo

CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO

Empregado11% (4,85% no caso se viúvas e mu-lheres casadas). Adicional de 1% para

ganhos acima de £770Ganhos semanais

“AposentadoriaInvalidezViuvez

Acidente de trabalhoSeguro desemprego”

Contribuintes voluntários Montante fixo de £8,1 por semana

Empregador 12,80%Folha de salários (funcionários que

ganham acima de £105 por semana)

Profissional liberalMontante fixo de £2,3 para ganhos acima de £4.825. Alíquota adicional de 8%

para ganhos entre £5.435 e £40.040. Acima do teto adicional de 1%

Governo Cobre possíveis déficits

Empregador

8% Total do custo (dados os limites) Seguro maternidade

Total dos custos, dado os limites estabelecidos (em certos casos há pagamento parcial)

Seguro saúde

Governo92% Total do custo (dados os limites) Seguro maternidade

Em certos casos há o pagamento de pequena parcela dos custos do seguro saúde Seguro saúde

Tabela 5 – Alíquotas cobradas no Reino Unido

Page 94: Tributação em Revista 57

94 TRIBUTAÇÃO em revista

seguro contra acidentes de trabalho.

Os valores recebidos variam entre 55% e 80%, de-

pendendo se a invalidez é temporária ou é necessário

reabilitação, dos ganhos médios diários do empregado.

No caso de invalidez permanente, os valores podem

chegar a 80%, dependendo do grau de invalidez, a ser

aferido por um perito médico da Agência de Seguridade

Social.

No caso de seguro desemprego, tem-se que este é fi-

nanciado pelo empregado com 1% sobre os ganhos co-

bertos, sendo que os contribuintes voluntários pagam

2% de alíquota sobre a mesma base. Já o empregador

contribui com 1% sobre a folha de pagamentos e o go-

verno arca com qualquer déficit. O seguro é no valor de

50% sobre os ganhos médios do empregado, durante 6

meses.

8 – Seguridade, Previdência e Tributação na Ale-

manha

As primeiras leis alemãs acerca de seguridade social

e previdência datam do final do século XVIII e início do

século XIX, como é o caso das relativas à aposentadoria,

invalidez, viuvez, maternidade e seguro saúde.

Após a unificação alemã acorrida em 1990, os siste-

mas de seguridade e previdência continuaram existindo

de forma apartada, havendo a consolidação apenas em

1992, por meio de uma lei nacional. Não obstante, não

foi possível fazer a plena equivalência, no que diz res-

peito à previdência, o que levou a criação de parâmetros

diferentes para os estados que pertenciam à Alemanha

Oriental.

Sendo esse um sistema provisório com vista a equa-

cionar disparidades entre as duas “Alemanhas”, agora

unidas, serão expostos apenas os dados relativos à pre-

vidência do lado ocidental.

Assim como nos outros países já pesquisados, a for-

ma de financiamento da seguridade e previdência alemã

se dá majoritariamente por meio de tributação sobre a

folha de pagamentos, variando apenas a cesta de be-

nefícios que são concedidos para aqueles incluídos no

sistema.

Relevante notar que governo alemão aporta subsí-

CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO

Empregado 4% Ganhos cobertos

“AposentadoriaInvalidezViuvez”

Profissional Liberal 18% Ganhos cobertos

Empregador 14% Folha de pagamentos

Governo Qualquer déficit

Empregado 5,40% Ganhos cobertos

“Seguro SaúdeSeguro Maternidade”

Profissional Liberal 18,40% Ganhos cobertos declarados

Empregador 11,40% Folha de pagamentos coberta

Governo Qualquer déficit

Empregador 0,80% Folha de pagamentos total Acidente de trabalho

Empregado Não se aplica Seguro desemprego

Tabela 6 – Alíquotas cobradas na Eslováquia

Page 95: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 95

dios específicos na previdência para compensar os cus-

tos dos benefícios que não são relativos a benefícios

oriundos dos pagamentos dos prêmios.

O valor mínimo para as contribuições à previdência

é de 400 euros (aproximadamente 588 dólares). Há a

possibilidade de diminuição das alíquotas nos casos em

que o contribuinte receba entre 401 e 800 euros por

mês.

A pensão por idade na Alemanha é concedida aos

65 anos de idade, podendo ser antecipada em determi-

nados casos em que haja algum tipo de invalidez que

diminua a capacidade de trabalho. Entretanto está ha-

vendo uma mudança gradual para que a idade mínima

suba para 67 anos. Neste sentido, todas as pessoas nas-

cidas após 1694 só poderão se aposentar aos 67 anos.

Ademais, a partir de 2012 a pensão integral só será paga

aos contribuintes que aportaram recursos por, no míni-

mo, 45 anos.

Para a seguridade relativa à pensão por idade, in-

validez e viuvez, os empregados contribuem com uma

alíquota de 9,95% sobre os valores dos ganhos mensais,

havendo possibilidade de alíquotas menores para quem

recebe entre 401 e 800 euros. Não obstante, os contri-

buintes voluntários (autônomos) contribuem com uma

alíquota de 19,9% sobre os ganhos individuais.

O empregador, por seu turno, contribui com uma

alíquota de 9,95% sobre a folha de pagamentos, todavia

recolhe uma alíquota de 15% sobre os ganhos nos casos

em que empregue trabalhadores que recebem menos de

400 euros.

O valor da pensão por idade é calculado utilizan-

do-se uma série de cálculos que garantem “pontos” ao

contribuinte, que os acumula durante os anos de con-

tribuição. Além disso, há a utilização da média total dos

valores das contribuições e de um fator previdenciário

para os cálculos do valor da pensão.

Para a aposentadoria por invalidez, aplicam-se as

mesmas disposições acerca da pensão por idade, no que

couber. Todavia, o fator utilizado para o cálculo dos

benefícios pode mudar nos casos de invalides total ou

parcial. Já para os casos de pensão por viuvez, tem-se

que o valor da pensão também é calculo de acordo com

um fator previdenciário, mais os anos de contribuição e

o valor esperado para a pensão.

Para o financiamento das pensões relativas a seguro

saúde e maternidade, tem-se que os empregados con-

tribuem com uma alíquota média 7,9% (isto porque as

alíquotas podem variar) sobre os valores dos ganhos

mensais, havendo um teto para as o pagamento de

contribuições. Profissionais liberais não se enquadram

nessa categoria para fins de previdência, não havendo,

pois, contribuição. Já o empregador contribui com uma

alíquota de 7% sobre a folha de pagamentos coberta,

tendo um teto para tais pagamentos. Ademais, o em-

pregador pode pagar uma alíquota majorada para 13%,

nos casos em que o empregado receba menos de 400

euros por mês.

No caso de seguro doença, o empregador deve pagar

100% do valor do salário do empregado por seis meses.

Após esse período, um fundo previdenciário destinado

para esse fim arca com 70% (sendo o limite 90%) dos

ganhos brutos.

Quanto ao seguro maternidade, tem-se que a mu-

lher passa receber a média dos ganhos dos últimos três

meses, sendo o início dos pagamentos seis semanas

antes da data esperada para o parto e durante as oito

semanas subseqüentes ao nascimento da criança. Um

fundo previdenciário paga até 13 euros por dia, sendo

que o restante é arcado pelo empregador.

Já o seguro contra acidentes de trabalho é financiado

totalmente pelo empregador, com uma alíquota média

de 1,32% sobre a folha de pagamentos. As alíquotas

efetivas dependem do grau de risco que a atividade de-

sempenhada gera. Entretanto, o governo subsidia esse

sistema no que concerne aos acidentes de trabalho para

agricultores. Nos casos de total invalidez, a pensão é

equivalente a dois terços da média dos ganhos do ano

anterior. Nos casos de invalidez parcial, há cálculos

para se estabelecer o valor da pensão.

No caso de seguro desemprego, tem-se que este é

Page 96: Tributação em Revista 57

96 TRIBUTAÇÃO em revista

financiado pelo empregado com 1,65% sobre os ganhos

cobertos, sendo que os contribuintes voluntários pagam

3,3% de alíquota sobre a mesma base. Já o empregador

contribui com 1,65% sobre a folha de pagamentos e o

governo arca com qualquer déficit. O seguro é no valor

de 67% sobre os ganhos médios do empregado se esse

tiver filhos e 60%, caso não tenha. Não há prazo para o

seguro desemprego.

9 – Considerações finais

Como observado, os países analisados possuem sis-

temas de tributação sobre a folha de pagamentos seme-

lhantes ao Brasil, tributando tanto o trabalhador quanto

o empregador, além de criar tributos específicos para

custear determinados benefícios.

Outro elemento que pôde ser observado é que em

alguns países há programas que incentivam a posterga-

ção da aposentadoria, bem como a igualdade nos trata-

mentos de homens e mulheres.

Não se pode afirmar, a partir das informações co-

lhidas, que a tributação sobre a folha no Brasil é exces-

sivamente alta, pois é necessário que se observe, con-

comitantemente, todos os benefícios concedidos pelo

sistema de seguridade social.

Neste sentido, pode-se observar o caso da Índia.

Neste país a tributação sobre a folha de pagamentos é

baixa, mas, por outro lado, a cesta de serviços ofere-

cida à sociedade é bastante reduzida. Sendo assim, a

discussão sobre o peso dos tributos sobre a folha passa

também pelo modelo de Estado que se quer.

CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO

Empregado 9,95% Ganhos

“AposentadoriaInvalidezViuvez”

Profissional Liberal 19,90% Ganhos

Empregador9,95% (15% para ganhos inferiores a

400 euros)Folha de pagamentos

Governo Subsídio para compensar custos de benefícios não cobertos pelos prêmios

Empregado 7,9% (média) Ganhos cobertos

“Seguro SaúdeSeguro Maternidade”

Profissional Liberal Não aplicável

Empregador 7% (Média) Folha de pagamentos coberta

Governo Subsídio para compensar custos de benefícios não cobertor pelos prêmios

Empregador 1,325 Folha de pagamentos total Acidente de trabalho

Empregado 1,655

Seguro desempregoProfissional Liberal 3,30%

Empregador 1,65%

Tabela 7 – Alíquotas cobradas na Alemanha

Page 97: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 97

a RTIGO

Uma Nova Forma de Financiamento da Previdência Social

Luigi Nese 1

ta viável, baseada em um estudo elaborado pela FGV/

SP: a substituição de recolhimento Patronal ao INSS por

uma contribuição sobre Movimentação Financeira. É a

solução apresentada pelo setor de serviços, responsável

por 66% do PIB Nacional e por 35% dos empregos em

2009, e que cresce em média, mesmo em anos de crise,

2,5% ao ano.

O objetivo é desonerar o trabalho, eliminando as

contribuições patronais sobre a Folha de Pagamento,

como 20% de INSS, 2,5% Salário Educação e 0,2%

INCRA. É a busca de uma alternativa capaz de gerar

volume fi nanceiro que irá comportar essa substituição

dos recursos, sem ter um impacto negativo junto à so-

A importância da Previdência Social para o bem es-

tar brasileiro é signifi cativa. Ela funciona como o maior

distribuidor de renda do país, atendendo a todas as

classes sociais. Porém, seu crescente défi cit (média de

R$ 40 bilhões nos últimos 5 anos) inviabiliza reajustes

previdenciários sufi cientes para repor perdas passadas.

Além disso, o ciclo de vida mais longo promove o enve-

lhecimento da população brasileira, pressionando o or-

çamento previdenciário com novos clientes que entram

no sistema todos os anos.

Para resolver esse impasse, a CNS/FESESP (Confede-

ração Nacional de Serviços / Federação de Serviços do

Estado de São Paulo), entra no debate com uma propos-

1- Presidente da CNS-Confederação Nacional de Serviços.

Page 98: Tributação em Revista 57

98 TRIBUTAÇÃO em revista

ciedade: basta descontar 0,69% sobre a movimentação

financeira. Esse tipo de imposto é de fácil fiscalização,

pois é feito diretamente na movimentação financeira

bancária, permitindo que todos possam contribuir para

a melhoraria da arrecadação da Previdência Social.

Os reflexos dessa mudança de base tributária são

numericamente positivos em relação à arrecadação do

INSS. De acordo com o quadro abaixo:

Conforme o quadro de estudo elaborado pela FGV/

SP, a implantação desta proposta de Contribuição Sobre

Movimentação Financeira oferece vários pontos positi-

vos para todo o espectro social, num curto espaço de

tempo.

Neste cenário, observa-se um avanço no PIB de

1,65% em razão da mudança da estrutura tributária.

Esse crescimento do nível de atividade econômica seria

acompanhando por uma elevação de 1,60% no empre-

go. A substituição de tributos passa a incidir não so-

mente no setor formal da economia, mas também sobre

a economia informal.

O efeito multiplicador dessa expansão da base de

arrecadação reduz a carga tributária, estimulando assim

o crescimento econômico. Os índices de inflação, por

conseqüência, apresentam variações negativas, tanto o

IGPM 0,75% quanto o IPC 0,45%, visto que tanto o

custo como a carga tributária serão reduzidos, propor-

cionando assim um maior fôlego. Cria-se uma alíquota

única, o que torna mais fácil o seu cálculo e fiscalização.

Em contrapartida, a CNS/FESESP propõe que, para

implantar o projeto, haja um aumento de 0,69% dos

salários de pessoas em contrato CLT. A finalidade é não

onerar o funcionário com os encargos tributáveis, quan-

do o mesmo for sacar os recursos no banco.

Veja quadro abaixo:

Nos quadros abaixo, podemos realizar um compara-

tivo utilizando os anos de 2009 e 2010:

R$ Aumento de 0,69% Mov. Financeira 0,69%

Salário 2.000,00 2.013,80 13,90

Tabela 2 - Simulação da Contribuição Sobre Movimentação Financeira

Elaboração: DEPEC - Departamento de Econômia - Conferderação Nacional de Serviços

PIB Elevação de 1,65%

EMPREGO Aumento de 1,60% no nível geral de emprego

IGPM Redução de 0,75% no IGPM

IPC Redução de 0,45% no IPC

Demanda Total Elevação de 1,77%

Tabela 1 - Reflexo para a Economia

Fonte: Fundação Getulio VargasElaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico*Movimentação Financeira de 0,69%

Page 99: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 99

Gráfi co 1 - Contribuição sobre Mov.Financeira (0,69%) X Recolhimento Empresa sobre Folha de Pgto ao INSS (20%) - 2009Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico Fonte: INSS e Banco Central Dezembro - 2009 * Movimentação Financeira de 0,69%

Gráfi co 2 - Contribuição sobre Mov.Financeira (0,69%) X Recolhimento Empresa sobre Folha de Pgto ao INSS (20%) - 2010Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento EconômicoFonte: INSS e Banco Central* Movimentação Financeira de 0,69%Julho - 2010

Page 100: Tributação em Revista 57

100 TRIBUTAÇÃO em revista

No gráfi co nota-se que no período de 2009 há uma

diferença negativa (-3,88) entre o modelo atual de arre-

cadação do INSS e a arrecadação da Contribuição Sobre

Movimentação Financeira; já no período de 2010 essa

diferença fi ca em 2,5% positiva para a arrecadação so-

bre movimentação fi nanceira sobre INSS.

Vejamos no quadro abaixo o período de 2006 a 2008.

Como podemos analisar através do gráfi co acima,

caso fosse adotado a sistemática proposta, a arrecadação

da Previdência Social teria um acréscimo de receita por

parte do INSS e somente no ano de 2009 teríamos um

défi cit de arrecadação.

Gráfi co 3 - Mov. Financeira X Recolhimento Empresa X Saldo do INSS - (2006 - 2008) Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento EconômicoFonte: INSS e Banco CentralSetembro - 2010* Movimentação Financeira de 0,69%

Ano Var %

2006 0,9%

2007 0,4%

2008 2,2%

2009 -4,3%

2010* 0,5%

Tabela 3 - % Variação entre arrecadação movimentação fi nanceira X arrecadação INSS

Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico2010* (período de janeiro a agosto de 2010)

Page 101: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 101

Vejamos agora num período mais prolongado de

2000 a 2010.

Pelo gráfi co percebe-se na arrecadação simulada da

Previdência Social uma distribuição mais uniforme, eli-

minando picos de dezembro, benefi ciando as empresas

e a previdência, com este fl uxo dos recursos.

Outro fator importante seria a redução da inadim-

plência e informalidade, pois cada empresa, profi ssio-

nal liberal ou cidadão que tivesse sua conta bancária,

estaria contribuindo para o sistema previdenciário.

Haveria então uma melhora no relacionamento en-

tre empregado e empregador, eliminando sensivelmen-

te as alternativas que são utilizadas para a redução da

carga tributária, resultando em ações como “PLR”, “CLT

Flex.”, “Cooperativa PJ’s”, “Cota de benefícios”, que são

instrumentos legais, porém de difícil controle e implan-

tação.

É importante ressaltar a causa dos refl exos positivos

da implantação deste novo sistema de tributação, tan-

to no crescimento das atividades econômicas do país

Gráfi co 4 - Recolhimento Empresa ao INSS X Movimentação Financeira Simulada - (2000 à 2010) Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento EconômicoFonte: INSS e Banco CentralSetembro - 2010*Movimentação Financeira de 0,69%

REFERÊNCIAS

quanto na redução de preços: trata-se da redução das

distorções de preços e das inefi ciências que surgem com

a elevada tributação sobre mão-de-obra, que incide ex-

clusivamente sobre a economia formal, onerando a pro-

dutividade. A redução da carga tributária com a amplia-

ção da base de contribuintes para a Previdência Social,

com a inclusão de parte da economia informal e sone-

gadores, permite que seja obtida a mesma arrecadação

num ambiente de maior prosperidade econômica.

FGV. Fundo sobre a Carga Tributária no Setor de Servi-ços e Impactos da Desoneração da Folha de Pagamen-tos na Economia Brasileira. São Paulo: FGV, 2009.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SERVIÇOS. De-partamento Econômico. SÃO PAULO, 2010.

Page 102: Tributação em Revista 57

102 TRIBUTAÇÃO em revista

a RTIGO

A Desoneração da Folha e a Reforma Previdenciária

Floriano José Martins1

Por ouro lado, o peso da carga tributária não deve

ser impeditivo ao desenvolvimento social e econômico,

portanto, deve ser compatível com as riquezas produ-

zidas em uma sociedade.

Não há no mundo civilizado critérios objetivos

para estabelecer quando uma tributação está ou não

“de bom tamanho”, ou seja, compatível com as neces-

sidades da população e a quantidade dos serviços pres-

tados pelo Estado.

Se compararmos com alguns países, conforme estu-

do da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com dados

de 2008, verificamos que, enquanto o Brasil tem uma

carga tributária de 34,4%, alguns países têm carga me-

nor, como o Japão (17,6%), México (20,4%), Turquia

(23,5%), Estados Unidos (26,9%), Irlanda (28,3%),

1. Princípios Tributários

Todos nós sabemos que o Estado precisa de dinhei-

ro para pagar suas contas, e a principal fonte de recur-

sos para efetuar despesas são os impostos.

Nesse sentido, nós que fizemos parte do Estado, ao

decidirmos tributar a nós mesmos, estamos decidindo

sobre a maneira pelas quais os recursos exigidos para

atender às necessidades sociais serão retirados de to-

das as nossas famílias e das empresas que possuímos, e

destinados a bens e serviços públicos.

É pensamento constante que os tributos deveriam

impor o menor custo possível à sociedade e que o ônus

dos mesmos deveria ser distribuído da maneira mais

igualitária, ou seja, o sistema tributário deveria ser tan-

to eficiente quanto eqüitativo.

1- Vice Presidente para Assuntos de Seguridade Social – ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil).

Page 103: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 103

Suíça (29,4%), Canadá (32,2%) e Espanha (33%).

Porém, acima do Brasil, estão Reino Unido (35,7%),

Alemanha (36,4%), Portugal (36,5%), Luxemburgo

(38,3%), Hungria (40,1%), Noruega (42,1%), Fran-

ça (43,1%), Itália (43,2%), Bélgica (44,3%), Suécia

(47,15) e Dinamarca (48,3%). Portanto, segundo o es-

tudo, a carga tributária, em tese, mostra uma estreita

ligação ao perfil de países com maior ou menor grau de

demanda social à população.

Um sistema tributário justo é aquele que tributa

menos a produção e mais a renda. Todo o sistema tri-

butário deve buscar um equilíbrio social entre capi-

tal e trabalho e procurar diminuir a tributação sobre

consumo e salários, ampliando-se a tributação sobre

o capital, especialmente a sua transmissão, as grandes

fortunas e os ganhos financeiros.

No Brasil, não tão diferente dos demais países, há

discussão de toda ordem, em função da alta carga tri-

butária, do seu sistema tributário e, talvez, muito mais

sobre o retorno de seus benefícios.

Entretanto, nos parece que a crítica de maior alcan-

ce advém dos agentes econômicos, deixando patente o

efeito negativo que impede o desenvolvimento compe-

titivo, e a eficácia das negociações brasileiras, visando

a sua integração em blocos de comércio.

Por outro lado, não é menos verdade, que na dis-

cussão, de nosso sistema tributário, os maiores debates

tem sido com os próprios segmentos econômicos, dei-

xando de lado da discussão os demais setores envolvi-

dos, ou seja, a grande massa da sociedade laborativa.

Até porque o debate é travado mais sobre a ótica eco-

nômica do que a social.

Entretanto, nada ou muito pouco é tributado em re-

lação aos fabulosos lucros das grandes empresas, pois

todo tipo de tributação recai sobre o preço final do

produto, ou seja, em quem compra (na pessoa de carne

e osso).

Porém, seguindo alguns princípios de direito e de

justiça, até mesmo de igualdade, o princípio da Capa-

cidade Contributiva existe, não somente para proteger

o cidadão contra os abusos do poder do Estado, mas

para a busca de uma tributação mais igualitária e mais

justa.

E este princípio, qualquer que seja ele, está inti-

mamente ligado ao modelo de Estado: a forma de ser

financiado, os serviços públicos que serão prestados,

quem se utiliza dos serviços públicos, como se dis-

tribuem pela Federação a responsabilidade pelos ser-

viços e a repartição tributária, os setores sociais que

responderão pelos tributos, o objeto da tributação, os

incentivos tributários, além da própria administração

tributária e sua hierarquização. Portanto, definir sobre

quem, direta ou indiretamente, recaem esses encargos

correspondem opções políticas, que podem resultar

em concentração ou distribuição de renda, privilégio a

setores e agentes econômicos, ampliar ou diminuir as

desigualdades regionais, e ainda servir de instrumento

para o desenvolvimento social e econômico.

2. A Seguridade Social e seus efeitos

O processo constituinte, nascido em 1988, produ-

ziu grandes avanços no campo social. Entre eles, cita-

mos o da Seguridade Social. Seu conceito: “um conjun-

to de ações destinadas a assegurar direitos relativos à

saúde, previdência e assistência social”; os princípios

e a identificação com a cidadania, com uniformidade,

equidade e universalidade; e o seu Orçamento próprio

(o principal instrumento de efetivação desses direitos,

com pluralidade de fontes de financiamento e progra-

mações de despesas dos órgãos responsáveis pela pres-

tação dessas funções públicas).

Daí o financiamento dessas ações ser definido como

um encargo da sociedade em seu conjunto e os riscos

cobertos não como mera contrapartida de contribui-

ção individual, mas como obrigações assumidas pela

Seguridade Pública, enquanto instrumento de política

social.

Estudos sobre a análise do Orçamento da Segurida-

de Social, anualmente divulgado pela ANFIP (Associa-

ção Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal

Page 104: Tributação em Revista 57

104 TRIBUTAÇÃO em revista

do Brasil), revelam que a receita vem superando em

todos os anos as despesas, saldos esses que podem am-

pliar as ações de todo o sistema de Seguridade Social.

Somente em 2009 foram R$ 32,60 bilhões de superávit

(Anfip, Análise da Seguridade Social, 2009 –www.an-

fip.org.br).

Aliás, a análise das ações da Seguridade Social é

muito importante para a compreensão do papel dos

principais programas da construção do mercado inter-

no brasileiro na mobilidade social determinada pela re-

dução brutal da miséria e no aumento significativo dos

setores da classe média.

Mesmo com seus recursos alocados para outros fins

que não da Seguridade Social, além da Desvinculação

de Receitas da União – DRU, instrumento que retira de

sua receita vultosa quantia de recursos e que deveria

fazer parte de seu orçamento e das diversas renúncias

praticadas, com impacto direto nas receitas, suas ações

tem superado em muito, inclusive para fazer face ao

enfrentamento da crise.

Assim, constata-se que o processo constituinte pro-

duziu grandes avanços no campo social. Mas, é im-

prescindível que esse processo seja mais transparente,

principalmente quanto à segregação dos Orçamentos

Fiscal e da Seguridade Social, onde a sociedade possa

analisar com mais detalhes os fluxos financeiros e de

programações de despesas entre esses orçamentos.

A defesa da Seguridade Social, do seu Orçamento e a

preservação de suas fontes exclusivas de financiamento

é dever de todas as entidades e setores organizados da

nossa sociedade que lutam pelos direitos sociais, prin-

cipalmente quanto à proposta de Reforma Tributária,

atualmente no congresso. Além de não avançar rumo à

desejável e necessária justiça tributária, subtrai da Se-

guridade a exclusividade de parte de suas receitas e a

pluralidade de suas fontes de financiamento, represen-

tadas pela existência das contribuições sociais sobre o

lucro e o faturamento.

Implementar reformas que desconstituam a Seguri-

dade pode ser o primeiro passo para a retomada do dis-

curso em defesa da necessária reforma da previdência.

Aliás, a Reforma da Previdência tornou-se uma

questão recorrente e, portanto, considerada a “salva-

ção da pátria” para muitos, independente dos sacrifí-

cios necessários à determinada classe de trabalhadores,

mesmo que seja a parcela do menor poder aquisitivo.

3. A desoneração da Folha de Salários

Dentro da proposta da Reforma Tributária (PEC

233) está inclusa a redução da alíquota de contribuição

patronal à Previdência, que hoje é de 20% sobre a folha

de salário. A alíquota seria reduzida em um ponto per-

centual por ano a partir de 2010 e, em 2015, chegaria

a 14%. Com isso, o governo abriria mão de cerca de R$

24 bilhões e atenderia a uma reivindicação antiga dos

empresários.

Sem entrar no mérito das outras rubricas, em face

do espaço, analisemos esta proposta, essência deste ar-

tigo.

Diversas e variadas opiniões cercam o assunto e,

pelo menos um ponto vem sendo questionado, por di-

versos especialistas, o que poderá haver aumento da

carga tributária, para compensar o que seria desone-

rado.

A questão da flexibilidade da cota patronal previ-

denciária vem sendo motivo de intenso debate entre os

tributaristas e em círculos empresariais e parlamenta-

res, além da pressão das entidades de trabalhadores, os

quais temem pelo futuro incerto de seus direitos pre-

videnciários.

A importância dessa matéria se justifica pela con-

trovérsia em torno da relação que se estabelece entre a

redução de custo e a geração de empregos, ou seja, até

que ponto a desoneração da folha das empresas pos-

sibilitaria o crescimento do mercado formal e, conse-

qüentemente, a recuperação da receita previdenciária,

com a expansão da cobertura do sistema.

Aliás, não se tem bons exemplos, em outros paí-

ses, de que a redução da alíquota incidente da folha

de salário tenha resultado em aumento do número de

Page 105: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 105

empregos, simplesmente. Portanto, não existe consen-

so na experiência internacional de que a redução dos

custos trabalhistas implicará em aumento do empregos

ou melhoria do desempenho da economia.

O aumento de empregos, tal como aconteceu nos

últimos anos, gerando em torno de 13 milhões de car-

teiras assinadas, de 2004 a 2009, apesar da crise, foi

em função da aplicação do modelo de desenvolvimento

social e econômico.

Mesmo assim, o Brasil, seguindo a tendência mun-

dial, busca novas formas de financiamento da Previ-

dência Social, o que não deveria, pois, seu sistema de

Seguridade Social foi sempre equilibrado. Aliás, até

o seu subsistema previdenciário contributivo urbano

está superavitário, o que demonstra, como sempre foi

afirmado, por diversas especialistas, que basta que haja

o crescimento da economia para que a previdência pos-

sa ser equilibrada.

Porém, é preciso nessa discussão analisar os en-

cargos que compõe o custo da mão-de-obra, além da

contribuição previdenciária (22%), as outras contri-

buições sociais, tais como: FGTS (8%), Salário-Educa-

ção (2,5%), INCRA (0,2% a 2,5%), todo o sistema “S”

(5,8%), sem falar na remuneração paga diretamente ao

trabalhador, como as férias, décimo terceiro e descanso

semanal.

Discutir essas contribuições é fundamental, para

que tenhamos uma visão, não só de toda a oneração do

custo da mão-de-obra, mas identificar quais delas são

prioritárias para a sociedade como um todo e/ou que

possam ter outras formas de receitas, para fazer face

suas ações.

Na esteira da Previdência Social a Emenda Consti-

tucional nº 47, de 2005, alterou o parágrafo 9o, do art.

195 da CF, possibilitando a tributação diferenciada em

razão de alguns critérios e com objetivo de desonerar a

folha de pagamento:

§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da ativi-

dade econômica, da utilização intensiva de mão--de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.

Com base neste dispositivo nasceram as Leis Com-

plementares 123 e 128, o chamado Simples Nacional,

onde foi significativo o número de adesão a esse siste-

ma, totalizando hoje mais de três (3) milhões de em-

presas, embora o impacto das receitas não tenha sido

nas mesmas proporções.

Mesmo com o sucesso de adesão do sistema Sim-

ples, é por demais arriscado sugerir que deva existir

uma única fonte de financiamento e aceitar a transfe-

rência de impostos para atender as políticas sociais, o

que pode, simplesmente, tornar inviável um dos meca-

nismos mais poderosos que possam existir para a redu-

ção das disparidades.

É importante esclarecer que o elevado nível de en-

cargos sociais (se é que existe) sobre a folha salarial é

devido à necessidade de garantir um nível de rendi-

mentos, ao segurado, próximo ao auferido durante a

vida laboral ativa, sem falar, é claro, no redutor que o

Fator Previdenciário produz.

4. Proposta de Faturamento Líquido

É interessante observar que proposta de reforma

alguma analisa se o peso de salários e encargos em re-

lação ao PIB é inadequado. As propostas continuam

presas à idéia de que é preciso dar mais estímulos aos

empresários para investir, sem considerar a fragilidade

da demanda efetiva observada na economia.

Talvez a mais consistente reforma fosse a de pro-

mover mudanças na tributação de renda e proprieda-

de que diminuam a grande disparidade social que nos

coloca entre um dos países mais desiguais do mundo.

Porém, dentro do atual modelo econômico brasi-

leiro, exigir que as contribuições sobre a folha de sa-

lários arquem com a integralidade das despesas com

benefícios (previdenciários urbanos e rurais) oneram

demasiadamente as obrigações sociais das empresas e

tornam o emprego formal desestimulador, pelo porte

Page 106: Tributação em Revista 57

106 TRIBUTAÇÃO em revista

dos encargos de que se trata e pela desproporção en-

tre a contribuição do empregado e a do contribuinte

individual.

Em pior situação estariam às empresas que se uti-

lizam de mão-de-obra intensiva. Ampliando sua carga

tributária, o modelo estaria induzindo à redução dos

postos de trabalho e agravando ainda mais a situação

da Previdência.

Por outro lado, mesmo com um saldo bastante po-

sitivo, a diversificação de fontes de financiamento da

Seguridade Social (faturamento/receita, lucro líquido e

folha de salários), a cargo da empresa, determinada no

texto constitucional está a exigir um processo contínuo

e permanente de correlação entre as contribuições so-

ciais derivadas nessas fontes, objetivando um equilí-

brio gradativo desses encargos, visando não prejudicar

a necessária automação das empresas nem punir aque-

las que utilizem intensivamente mão-de-obra.

Evidentemente, um maior gerenciamento nas ações

arrecadadoras, inibindo a evasão fiscal, tanto no setor

informal, quanto no formal, fazendo com que todos os

contribuintes em potencial se conscientizem, da cha-

mada “solidariedade contributiva”, é urgente e neces-

sário.

Medidas que possibilitem o desenvolvimento sus-

tentado, com crescimento econômico e social (como já

dito), com política de pleno emprego, principalmente,

dirigido à infra-estrutura, saúde, educação, saneamen-

to básico etc, são também prementes.

Neste sentido, no bojo da atual discussão sobre de-

soneração da folha de salários para o financiamento da

Previdência Social, sugerimos a Contribuição Social

sobre o Faturamento Líquido, entendido este como a

diferença entre o Faturamento Bruto e o valor da folha

de salários que serve de base à contribuição previden-

ciária.

Essa proposta, caso implantada, permitiria no curso

de um período não muito longo, fruto da experiência

observada, caminhar paulatinamente no progressivo

aumento da contribuição sobre o faturamento, dimi-

nuindo-se, ainda que proporcional o encargo sobre a

folha de salários, uma vez que dificilmente, poder-se-ia

pensar na sua desoneração total.

Nesta hipótese, haveria favorecimento à formaliza-

ção da mão-de-obra, sem, entretanto, desestimular as

empresas que investem em modernização, objetivan-

do melhoria dos níveis de competitividade.

No mesmo sentido, poder-se-ia simular novos ce-

nários vinculando a outro tributo que venha substi-

tuir a COFINS/CSLL, sempre com o objetivo de in-

centivar o processo produtivo. O foco é privilegiar as

atividades econômicas intensivas em mão-de-obra, de

tal maneira que o mercado formal seja preservado e

intensificado e, para esse fim, evitar perdas de receita

para o sistema.

A referida proposta é uma pequena colaboração, no

sentido de provocar uma ampla discussão em torno do

financiamento da Seguridade Social, da alta carga tri-

butária, principalmente no atual modelo econômico,

onde sua conseqüência é o maior privilégio das em-

presas com maior suporte tecnológico, maiores ganhos

de escala, maiores lucros, e aquelas em que na compo-

sição final das receitas têm maior participação: as de

origem financeira.

Page 107: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 107

a RTIGO

O Fator Previdenciário1

Celecino de Carvalho Filho2

Ademais, é o benefício mais caro da previdência, por-

que atende aos trabalhadores de maior renda, representando

quase a metade (46,5%) das despesas com aposentadorias,

e dos mais duradouros, porque a tônica dessa aposentadoria

é sua concessão precoce, tornando o Brasil campeão nessa

matéria.

Pois bem, provavelmente consciente das distorções ir-

refutáveis da aposentadoria por tempo de contribuição, o

governo (Executivo e Legislativo), em vez de enfrentar o

problema, divulgando essas informações à exaustão, discu-

tindo-as com a sociedade, propondo soluções baseadas na

doutrina e na experiência internacional, opta por apresentar

alternativas ilusórias que só criam mais resistência a qual-

quer mudança no sentido de extirpar esse benefício do con-

junto de prestações de seus regimes de previdência.

Primeiro, para fi car nas mais recentes, troca-se o termo

serviço por contribuição, para eliminar os chamados tempos

fi ctícios; depois, inclui-se em reforma constitucional o limite

de idade fi xo, fazendo uma enorme confusão ao inverter o

que recomenda a doutrina3, afi rmando que, dessa forma, o

problema dessa aposentadoria estaria resolvido.

O Brasil tem sido pródigo em não enfrentar seus pro-

blemas estruturais, de forma direta e aberta, razão pela qual

continuamos registrando índices inomináveis de desigualda-

de socioeconômica e de baixa qualidade de vida.

Na Previdência Social não tem sido diferente.

Há décadas, estudiosos apontam a aposentadoria por

tempo de serviço, atualmente aposentadoria por tempo de

contribuição, como uma das principais distorções do nosso

sistema previdenciário.

Não sem razão, porque essa aposentadoria, a rigor, só

atende a um dos princípios fundamentais que devem reger

um regime de previdência, que é a contribuição.

Não atende ao primeiro de todos os princípios, a uni-

versalidade de acesso. Atualmente, cerca de 28% dos contri-

buintes têm direito a esse benefício, porque os demais não

completam o tempo de contribuição, dados o não registro

da carteira de trabalho e a alta rotatividade da mão de obra.

Fundamentalmente, em regra, os que obtêm essa apo-

sentadoria estão em plena capacidade laborativa, o que nega

outro princípio basilar de qualquer regime previdenciário

calcado na doutrina e na boa técnica.

1- Adaptação de artigo publicado no blog Rumos do Brasil

2- Economista, Especialista em Seguridade Social e Educador Previdenciário

Page 108: Tributação em Revista 57

108 TRIBUTAÇÃO em revista

O Supremo Tribunal Federal derrubou essa tentativa,

que seria apenas mais uma empulhação, porque em nada

resolveria o problema, vez que o limite de idade proposto,

além de fi xo, já correspondia à idade de concessão dessa

aposentadoria.

Perdida essa batalha, que custou muito caro aos cofres

públicos no viesado processo de negociação com o Congres-

so Nacional, passou-se a buscar outros remendos, difi cul-

tando o acesso à aposentadoria por tempo de contribuição4,

cujo único objetivo era reduzir a despesa.

Assim surgiu a aberração chamada Fator Previdenciário:

tecnicamente, é uma fórmula que considera a idade, tempo

de contribuição, além da expectativa de sobrevida na data da

concessão do benefício.

Na prática, primeiro, foi uma resposta à negativa do STF

em manter o limite de idade proposto na Emenda Constitu-

cional n. 20.

Em segundo lugar, é um forte redutor do valor dessa

aposentadoria, de forma mais acentuada para as mulheres,

mas com o falso discurso de bases doutrinárias e ainda o es-

cárnio de utilização contraditória de uma musa (gênero mais

prejudicado) para dourar a pílula de um esbulho de solução.

Os dados atuais não deixam dúvida quanto essa cha-

mada vitória para o Executivo: economizaram-se nesses 10

anos mais de 12 bilhões de reais.

Perdeu-se, porém, além de mais uma oportunidade de

iniciar a solução defi nitiva para essa distorção, a credibi-

lidade do regime, frustrando expectativas, porque mudou

a regra de concessão de um benefício, que é um insofi s-

mável equívoco, mas que continua no rol dos benefícios

oferecidos.

A diferença é que, se for solicitado observando-se apenas

o tempo de contribuição, a redução, normalmente, situa-se

na casa dos trinta por cento, para os homens, e percentual de

desconto ainda maior para as mulheres.

A solução que tenho proposto é adotar-se um processo

de transição, considerando a existência do fator previdenciá-

rio e a grande difi culdade política de extinção pura e simples

dessa aposentadoria.

Esse é um benefício, fundamentalmente, da classe mé-

dia, que tem enorme poder de pressão. Os outros obstáculos

são o populismo do Executivo, nada de desgaste da imagem

presidencial, e a fragilidade do Congresso Nacional, face aos

seus lastimáveis e corriqueiros desmandos.

Entendo que a forma possível de solução desse problema

é transitar da aposentadoria por tempo de contribuição para

a aposentadoria por idade, esse sim, um benefício com total

respaldo na doutrina e na boa técnica previdenciárias.

Assim, proponho considerar a idade média de concessão

da aposentadoria por tempo de contribuição, aos 53 anos,

para o homem, e aos 48, para a mulher e, a cada ano, acres-

centar-se mais um ano como limite de idade, até atingirem-

-se os limites de 65 e 60 anos, respectivamente, para o ho-

mem e para a mulher.

Ao mesmo tempo, promover o desconto gradual do efei-

to do fator previdenciário, reduzindo-o proporcionalmente

nesses doze anos de transição, até a sua extinção.

Dessa forma, ao atingirem-se os limites de idade de 65

anos, para o homem e 60, para a mulher, automaticamente,

a aposentadoria por tempo de contribuição equiparar-se-á à

aposentadoria por idade, ao mesmo tempo em que se extin-

gue também o fator previdenciário.

Idêntica providência deve ser adotada para o regime de

previdência dos servidores públicos civis, ainda que não te-

nha o fator previdenciário.

Com isso, encerra-se um triste capítulo do rol das distor-

ções do nosso sistema previdenciário, cuja origem remonta

ao Decreto de 1° de outubro de 1821, do Príncipe Regente

Pedro de Alcântara, que concedia aposentadoria aos mestres

e professores com 30 anos de serviço.

Esse próprio Decreto, já prevendo que muitos, apesar

das difi culdades da época, não perderiam a capacidade de

trabalho e, não querendo se aposentar, teriam um abono de

25% de seu salário, outra distorção, extinta em 1991.

3- Qualquer regime de previdência baseado na doutrina clássica as pessoas só devem utilizar de benefício quando perdem a capacidade de trabalho, na medida em que são atingidas pelos chamados riscos sociais: doença, invalidez, desemprego involuntário, idade avançada e morte, além de maternidade e reclusão, tudo mediante contribuição. Assim, por exemplo, a aposentadoria por idade, sendo um benefício programável, só deve ser concedida se o segurado tiver um mínimo de contribuições vertidas ao seu regime de previdência.

4- Duas das alternativas apresentadas como solução para a aposentadoria por tempo de contribuição foram as fórmulas 95, para o homem, e 85, para a mulher, que resultariam da soma da idade da pessoa com o seu tempo de contribuição, apenas mais uma tentativa de não enfrentamento da verdadeira questão: a imperiosa necessidade de extinção dessa aposentadoria.

Page 109: Tributação em Revista 57

TRIBUTAÇÃO em revista 109

Supremo Tribunal Federal confi rma a inconstitucionalidade de contribuição previdenciária

de inativos durante a EC nº 20/1998

qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Natureza: Ação Direta de Inconstitucionalidade

Órgão julgador: Plenário do Supremo Tribunal Federal

Nº do Processo: ADI 2189 e ADI 2158

Relator: Ministro

Matéria: Contribuição previdenciária: incidência sobre proventos da inatividade e pensões de servidores públi-cos – Inconstitucionalidade – EC nº 20/1998

Recorrente: Procuradoria Geral da Republica e Associação dos Magistrados Brasileiros

Requerido: Governador do Estado do Paraná

Data da Decisão: 15/09/2010

Publicação: Aguardando publicação do inteiro teor do acórdão

Texto da Decisão: ADI 2189/PR - O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie e Celso de Mello. No mérito, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justifi cadamente, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 15.09.2010.

ADI 2158/PR - O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie e Celso de Mello. No mérito, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente em parte a ação direta, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, que não declaravam a inconstitucionalidade do Decreto nº 721/99. Votou o Presidente, Minis-tro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justifi cadamente, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Falou pela requerente o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Plenário, 15.09.2010.

Page 110: Tributação em Revista 57

110 TRIBUTAÇÃO em revista

O Supremo Tribunal Federal pacifi cou o entendimen-

to de que é inconstitucional a lei, editada sob o amparo da

Emenda Constitucional nº 20/98, que prevê a incidência de

contribuição previdenciária sobre os proventos dos servido-

res públicos inativos e respectivos pensionistas.

O Supremo Tribunal Federal julgou procedentes duas

Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que chegaram

à Corte há 10 anos, questionando a legislação do estado do

Paraná que instituiu contribuição previdenciária para inati-

vos e pensionistas.

A ADI 2189 foi ajuizada na Corte pela Procuradoria-Ge-

ral da República para questionar expressões constantes da Lei

12.398/98, do Paraná, que tratava da cobrança. Segundo a

PGR, tais dispositivos, que determinaram expressamente o

pagamento de contribuição previdenciária sobre proventos e

pensões de servidores do Estado do Paraná, seriam inconsti-

tucionais. A partir da Emenda Constitucional nº 20/98, fi cou

vedada a instituição de cobrança previdenciária sobre pro-

ventos, aposentadorias e pensões, argumentou a PGR.

O plenário do STF foi unânime na decisão de inconstitu-

cionalidade de todos os dispositivos questionados pela PGR.

A segunda ADI 2158, foi ajuizada no STF pela Associa-

ção dos Magistrados Brasileiros para questionar a mesma

Lei 12.038/98, do Estado do Paraná, e ainda o Decreto nº

721/99, editado para regulamentar a lei.

Os dispositivos questionados, segundo a Associação,

teriam criado um serviço autônomo, denominado Paraná

Previdência, por meio do qual todos os magistrados, apo-

sentados e pensionistas de magistrados, foram obrigados a

contribuir para essa nova entidade previdenciária.

Ambas as entidades, sustentaram a tese de que após a

redação dada pela EC nº 20/98, passou a ser considerada

inconstitucional a instituição da cobrança previdenciária em

questão.

Na ADI 2158, a decisão foi pela procedência parcial, uma

vez que dois dispositivos questionados não foram declarados

inconstitucionais pelos Ministros do STF.

O Ministro José Antonio Dias Toffoli decidiu aplicar,

quanto a esses dois pontos específi cos o artigo 69, inciso I,

da Lei 12.398/98 e artigo 7º do Decreto 721/99 , a técnica

da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

Os ministros Marco Aurélio Mello e Carlos Ayres Britto

divergiram do relator apenas quanto à declaração de incons-

titucionalidade do Decreto 721/99. Para os dois, não cabe

o controle de constitucionalidade de atos regulamentares,

como é o caso dessa norma.

Ressalta-se que a vigência das normas estavam suspensas

desde o ajuizamento das ações, vez que foram concedidas

cautelares que tiveram como efeito a suspensão das leis ques-

tionadas, até o julgamento fi nal.

Importante dizer que a Emenda Constitucional no 20/98

consolidou o novo modelo previdenciário com ênfase no ca-

ráter contributivo e na necessidade de equilíbrio fi nanceiro e

atuarial, alterando signifi cativamente a redação original dada

ao art. 40 da Constituição Federal, modifi cando as regras da

aposentadoria.

Ela estabeleceu critérios e limitações para a organização

dos regimes próprios de previdência social para os servidores

públicos. Dentre as inovações apresentadas pela EC 20/98

está a criação da contribuição obrigatória, custeada mediante

as contribuições de todos os servidores ativos. Tais contribui-

ções deveriam resguardar o equilíbrio fi nanceiro e atuarial do

regime.

O limite de valor para os proventos foi modifi cado, não

podendo exceder, por ocasião de sua concessão, a remunera-

ção referente ao cargo efetivo em que se deu a aposentadoria

ou que serviu de referência para a concessão da pensão.

Para cálculo e concessão de benefi cio foi vedada a inclu-

são de parcelas remuneratórias especifi cas.

A EC 20/98 manteve a revisão de proventos na mesma

proporção e data que em houver modifi cação na remune-

ração dos servidores ativos. Todos os benefícios e vantagens

concedidos aos servidores em atividade foram estendidos aos

inativos.

A partir da EC 20/98, o direito previdenciário transitou

do caráter universal/solidário para o tributário/compulsório/

contributivo com clara demonstração de inobservância à tra-

dicional jurisprudência fi rmada pelos tribunais de vedar essa

exigência de taxação após o advento da aposentadoria.

Assim, chega ao fi m essa polêmica surgida com a edição

da EC nº 20 e que desrespeitava os direitos dos servidores

ativos e inativos, prevalecendo a justiça.

Alexandra Trentini

Advogada – Assessora de Diretoria

Departamento de Estudos Técnicos

Sindifi sco Nacional

Lei Orgânica do Fiscoboa para a Sociedade

essencial para o Brasil

Desde 2005, o SINDIFISCO NACIONAL (Sindicato dos

Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) tem

defendido a aprovação de uma Lei Orgânica do Fisco –

LOF que garanta à sociedade brasileira uma Receita

Federal do Brasil (RFB) mais justa e transparente.

A LOF é um conjunto de normas que estabelece, entre

outras medidas, autonomia técnica e independência à

RFB. Trata-se de um instrumento jurídico que assegura

uma fiscalização tributária moderna, independente e

livre de pressões externas.

Benefícios para a Sociedade Fim da Ingerência na ReceitaTratamento isonômico aos contribuintes

Incentivo à discussão da Justiça Fiscal

Defender uma Lei Orgânica para a Receita Federal do Brasil significa defender uma moderna administração tributária, previdenciária e aduaneira, garantindo múltiplas fontes de recursos para o financiamento de políticas da Seguridade Social, objetivando uma redução das desigualdades sociais e a continuidade do desenvolvimento econômico e social.

Diretoria Executiva Nacional

programa de integração evalorização

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Page 111: Tributação em Revista 57

Lei Orgânica do Fiscoboa para a Sociedade

essencial para o Brasil

Desde 2005, o SINDIFISCO NACIONAL (Sindicato dos

Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) tem

defendido a aprovação de uma Lei Orgânica do Fisco –

LOF que garanta à sociedade brasileira uma Receita

Federal do Brasil (RFB) mais justa e transparente.

A LOF é um conjunto de normas que estabelece, entre

outras medidas, autonomia técnica e independência à

RFB. Trata-se de um instrumento jurídico que assegura

uma fiscalização tributária moderna, independente e

livre de pressões externas.

Benefícios para a Sociedade Fim da Ingerência na ReceitaTratamento isonômico aos contribuintes

Incentivo à discussão da Justiça Fiscal

Defender uma Lei Orgânica para a Receita Federal do Brasil significa defender uma moderna administração tributária, previdenciária e aduaneira, garantindo múltiplas fontes de recursos para o financiamento de políticas da Seguridade Social, objetivando uma redução das desigualdades sociais e a continuidade do desenvolvimento econômico e social.

Diretoria Executiva Nacional

programa de integração evalorização

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