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Tributação em Revista
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ributaçãoE M R E V I S T A Ano 16 N° 56 T
ISSN 1809-3426Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional
Jan–Jun 10 Distribuição Dirigida
Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: [email protected]. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para [email protected]. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.
PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICAE CONDIÇÕES DE TRABALHOProjeto O Auditor e a Sociedade
A Previdência Social é indispensável para a sociedade brasileira. São 32 milhões de beneficiados que, dentre os idosos com mais de 65 anos, correspondem a 80% da populaçãao brasileira. A DEN compreende que um debate acerca dos desafios do regime previndeciário, que contemple relação à discussão das fontes de financiamento como dos benefícios e das políticas sociais decorrentes da execução do orçamento da Seguridade Social são essenciais para a sociedade brasileira.
Diretoria Executiva Nacional
programa de integração evalorização
C
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CY
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3quartos_previdencia.pdf 1 27/07/2010 13:42:30
11 ENTREVISTA1º Vice-presidente do Sindifisco Nacional, Lupércio Montenegro
14ARTIGOTransação em Matéria Tributária: Limites e Inconstitucionalidades. (Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo)
23ARTIGOTransação Tributária: Paradoxos e Possibilidades(Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy)
6 ENTREVISTAPresidente do Sindifisco Nacional, Pedro Delarue Tolentino Filho
33ARTIGOProjeto de Lei Geral de Transação em Matéria Tributária: Análise das Consequências Políticas e Econômicas(Simone Anacleto Lopes)
5 EDITORIAL
ENTREVISTAProfessor da Fundação Getúlio Vargas Eurico de Santi41
ARTIGOComentários Sobre a Lei Geral de Transação(Nei Simões Pires Gallois)52ARTIGOTransação Tributária e os Projetos de Lei em Trâmite no Congresso Nacional. (Álvaro Luchiezi Jr, Alexandra Trentini, Natalie Cevallos Mijan e Renata Machado de Araújo)
54QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIOSupremo Tribunal Federal valida aumento da Cofins62ARTIGODai, pois, a César o que é de César. (Foch Simão Jr)64
ENTREVISTADr. Arnaldo Godoy, como pensador e especialista em transações tributárias46
sumáriosumário
DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue Tolentino Filho1º Vice-PresidenteLupércio Machado Montenegro2º Vice-PresidenteSergio Aurélio Velozo DinizSecretário-GeralClaudio Marcio Oliveira DamascenoDiretor-SecretárioMauricio Gomes ZamboniDiretor de FinançasGilberto Magalhães De CarvalhoDiretor-Adjunto de FinançasAgnaldo NeriDiretora de AdministraçãoIvone Marques MonteDiretor-Adjunto de AdministraçãoEduardo TanakaDiretor de Assuntos JurídicosSebastião Braz da Cunha Dos Reis1º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosWagner Teixeira Vaz2º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa ProfissionalGelson Myskovsky Santos1ª Diretora-Adjunta de Defesa ProfissionalMaria Cândida Capozzoli de Carvalho
2º Diretor-Adjunto de Defesa ProfissionalDagoberto da Silva LemosDiretor de Estudos TécnicosLuiz Antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos TécnicosElizabeth de Jesus MariaDiretor de Comunicação SocialKurt Theodor Krause1ª Diretora-Adjunta de Comunicação SocialCristina Barreto Taveira2º Diretor-Adjunto de Comunicação SocialRafael Pillar JuniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensõesClotilde GuimarãesDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e PensõesAparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SaúdeCarlos Antonio LucenaDiretor-Adjunto do Plano de SaúdeJesus Luiz BrandãoDiretor de Assuntos ParlamentaresJoão Da Silva dos SantosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo Marcio SecundinoDiretor de Relações IntersindicaisCarlos Eduardo Barcellos Dieguez
Diretor-Adjunto de Relações IntersindicaisLuiz Gonçalves BomtempoDiretor de Relações InternacionaisJoão Cunha da SilvaDiretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade SocialMaria Amália Polotto AlvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade SocialRogério Said CalilDiretor de Políticas Sociais e Assuntos EspeciaisJosé Devanir De OliveiraDiretores-SuplentesEduardo Artur Neves MoreiraKleber Cabral Conselho FiscalMembros TitularesRicardo Skaf AbdalaJose Benedito de MeiraMaria Antonieta Figueiredo Rodrigues Membros SuplentesIran Carlos Toneli LimaNorberto Antunes SampaioJosé Yassuo Hashimoto
Tributação em Revista é uma publicação do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.
Conselho EditorialLupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Ro-berto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito.
Coordenação Executiva Alvaro Luchiezi Jr.
Revisão Cecília Fujita, Joíra Coelho e Suely Touguinha
EdiçãoPatrícia Cunegundes
Projeto GráficoErika Yoda
Diagramação e Capa Alessandro Santanna
Fotolito e ImpressãoMais Gráfica
Tiragem desta edição21.500 mil exemplares
Produção EditorialPublicação Dirigida. Acesso livre no segunte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br , link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contacto pelo email:[email protected]
Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255
DiretoraPatrícia Cunegundes
(61) 3349 2561
Colaboração:Os artigos, inéditos, devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos serão submetidos ao Con-selho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).
ributaçãoT E M R E V I S T A
e DITORIAL
5TRIBUTAÇÃO em revista
Neste número, estamos trazendo à consideração do lei-tor diversas matérias a respeito do Projeto de Lei nº 5.082/09 que tramita na Câmara dos Deputados por iniciativa do Poder Executivo. Esse projeto, gestado na Procuradoria-Geral da Fa-zenda Nacional, intenta criar um amplo sistema de negocia-ção dos litígios fiscais, no bojo do que seria chamado de Lei Geral de Transações (LGT).
Fiéis a nosso compromisso de imparcialidade e a nossa linha editorial, que contempla basicamente a filosofia de que Tributação em Revista é um campo livre de discussão de ideias e de controvérsias, abrimos nossas páginas a posicio-namentos de todos os matizes, livremente expostos. Ao leitor, cabe o julgamento final e, se desejar, cabe também manifestar sua opinião nos próximos números.
Não obstante, não podemos nos furtar de manifestar claramente nossa opinião. O projeto causa profunda pre-ocupação pelo enorme potencial de efeito deletério que tem sobre a estrutura, a filosofia e o funcionamento da administração fiscal.
Essa preocupação não advém, como podem alegar, de mero conservadorismo e corporativismo. Temos plena cons-ciência de que, na raiz histórica, a tributação é, por definição, ato de príncipe, impregnado de injustiça, submissão e, muitas vezes, de odiosidade. Ao súdito, ao vassalo, sempre coube pa-gar sem tergiversar. O direito da força, historicamente, sempre preponderou sobre a força do direito.
Entretanto, temos orgulho de viver e de trabalhar em um momento histórico excepcional, em que finalmente o Direito Tributário emergiu como componente essencial da democracia, com claras e amplas regras gerais fundadas na própria Constituição da República, trazendo em seu bojo um conjunto equilibrado e generoso de proteção do contribuinte – que deixa de ser o súdito submisso e assume o papel de ci-dadão, sujeito de obrigações quanto à participação no custeio do Estado, sim, mas também de direitos capazes de tolher os excessos da sanha arrecadadora e do comportamento da ad-ministração fiscal.
A transação em matéria fiscal poderia até vir a ser saudada como um passo a mais nessa evolução, desde que gabarita-
da com a parcimônia e a cautela necessárias à sua integração como instrumento harmonioso no conjunto dos institutos tributários. E, sobretudo, compatível com todos os princípios e critérios do direito público em geral e do direito tributário em particular, de nível constitucional ou não.
A transação é, típica e essencialmente, um instituto do direito privado; nasce e viceja em ambiente pontuado pelo voluntarismo das partes, que podem abrir mão de direitos e assumir deveres livremente, porque somente a elas as consequências dizem respeito. Não assim, porém, quanto ao direito público, em que uma das partes é o Estado, cuja vontade não é necessária nem idealmente a expressa por um de seus agentes, mas pela lei; e, principalmente, em que as consequências de uma transação vão muito além da pessoa do negociador para atingir toda a comunidade pagadora de impostos.
No direito público, os direitos e/as obrigações são ex lege. Todas as tentativas de introduzir o regime contratual como cunha no direito público foram, em geral, mal-sucedidas ou exigiram enormes e muitas vezes frustrados esforços e esque-mas de controle. Aí estão, copiosas e frequentes, na imprensa, notícias sobre escândalos envolvendo contratos de obras e serviços, e não vai longe na memória o fracasso da tentativa de introdução do regime da consolidação das leis do trabalho no serviço público.
Não é por acaso que a transação fiscal, disponível no Có-digo Tributário desde 1965, tenha hibernado por tanto tem-po. Sua súbita implantação e o seu uso geral e indiscriminado, simplesmente poderão ter como primeiro efeito desmoralizar toda a imagem de força dissuasória que a Receita Federal e os Auditores-Fiscais lograram construir ao longo dos últimos quarenta anos, responsável pela efetivação voluntária de mais de noventa por cento da arrecadação federal.
A edição traz também entrevista com os dirigentes da en-tidade responsável por esta publicação. Entidade que, unifi-cando a representação dos Auditores-Fiscais, torna-se mais robusta e atuante; porém, não menos comprometida com os assuntos de interesse da sociedade e do Estado brasileiro, mormente naqueles de sua área de competência.
Em entrevista à Tributação em Revista, o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), Pedro De-larue Tolentino Filho, avalia a fusão do Unafisco e dos sindicatos da base da
Fenafisp e fala do fortalecimento da categoria. Trata ainda de temas como justiça fiscal, reforma tributária e, claro, de transação tributária, assunto de destaque desta edição.
Pedro Delarue“Uma categoria cada vez mais forte”
Fotos: Arquivo Liberdade de Expressãoe NTREVISTA
6 TRIBUTAÇÃO em revista
Tributação em Revista: Gostaria que o senhor fizes-
se uma avaliação dos primeiros meses de fusão das
entidades sindicais, em termos de fortalecimento da
categoria.
Pedro Delarue: A unificação dos sindicatos da base
da Fenafisp com o Unafisco, que resultou na criação do
Sindifisco Nacional, fortaleceu a classe dos Auditores-
Fiscais da Receita Federal do Brasil como um todo. Hoje,
somos cerca de 25 mil filiados. Foi uma grande conquista
para a categoria. O desafio, no início, era vencer algumas
resistências e a confluência de culturas. Para que isso fosse
superado, houve ampla discussão, com vários seminários
e depois um congresso de unificação, em que finalmente
nos unimos.
Portanto, desde setembro de 2009, temos apenas um
sindicato, uma só diretoria. A experiência tem sido posi-
tiva e temos conseguido administrar bem o sindicato. O
Conselho de Delegados Sindicais agora também é uma
instância totalmente renovada – vários colegas oriundos
da Previdência são delegados.
TR: Podemos voltar um pouco na questão da di-
ferença cultural entre Unafisco e Fenafip? Como
tem sido a convivência com duas experiências cul-
turais diferentes? O que foi agregado de bom das
duas culturas?
PD: O debate sobre a fusão foi feito com profundida-
de, por isso não há, nem houve, problemas. A convivência
e a troca de experiências estão fluindo muito bem. Na Di-
retoria Executiva Nacional, por exemplo, somos uma mis-
tura de diretores que vieram da Receita e da Previdência.
Estamos cada um absorvendo a experiência do outro e a
relação é positiva.
No caso dos egressos da Receita, estamos absorvendo a
cultura previdenciária, com seminários para tratar de pre-
vidência pública, seguridade social, déficit previdenciário.
Existe um grupo de trabalho constituído especificamente
para tratar das questões previdenciárias, analisar e propor
soluções. Não há nenhum conflito dentro do sindicato,
mas até agora estamos falando de categorias, de represen-
tação sindical. Não estamos falando da Receita Federal do
Brasil, da questão administrativa.
TR: Há problemas dentro da Receita Federal do Brasil?
PD: Dentro da Receita Federal há outras questões que
afetam, sim, os auditores provenientes da Previdência.
Eles nem sempre estão satisfeitos com o papel que está
sendo reservado a eles dentro da Receita. Muitos dos co-
legas vindos da Previdência têm sido deslocados da fisca-
lização previdenciária para outros setores da fiscalização
tributária. Há muitas reclamações e temos de concordar
com isso. A receita previdenciária tem até aumentado. Mas
isso não quer dizer que a eficiência da fiscalização está
aumentando. Tem aumentado por outros fatores, como
aumento do emprego formal. Essa visão arrecadatória e o
abandono da fiscalização previdenciária nos preocupam.
No futuro, essa postura poderá trazer problemas para a
própria arrecadação da Previdência, no sentido de que é
fundamental a contribuição do empresariado, o emprego
formal, a eventual descaracterização de uma relação traba-
lhista que se imponha de forma precária.
TR: Qual a posição do Sindifisco sobre essa questão?
PD: Temos alertado sistematicamente a Administração
para essa deficiência e a Diretoria do sindicato tem dis-
cutido o enfraquecimento da fiscalização previdenciária.
Estamos discutindo o que fazer para alertar até mesmo a
população sobre o enfraquecimento de um patrimônio
que é dela, do trabalhador, que é a Previdência.
7TRIBUTAÇÃO em revista
Muitos colegas vindos da Previdência têm sido desloca-dos da fiscalização previden-ciária para outros setores da
fiscalização tributária.
8 TRIBUTAÇÃO em revista
TR: O senhor poderia fazer uma avaliação das conquis-
tas da categoria, a partir da unificação dos sindicatos?
PD: Nossa maior conquista foi antes da unificação,
com a última campanha salarial, em que estabelecemos,
espero que definitivamente, a questão da paridade, por
meio da remuneração. Acho que esse foi o grande avan-
ço. Resolvemos também uma questão que há muitos anos
incomodava a categoria, que era o chamado fosso salarial.
E sem dúvida nenhuma isso é fruto dessa união, ainda
antes da unificação. A Lei Orgânica do Fisco, que também
já estava sendo trabalhada antes da unificação, mas que é
nossa principal bandeira agora, está começando a andar.
Isso também pode ser visto como vitória, apesar de ter
muitos pontos ainda a ser melhorados na proposta que a
Administração fez.
TR: Ainda sobre a fusão dos sindicatos, podemos
conversar um pouco sobre as bandeiras de luta?
PD: Sobre bandeiras de interesse da sociedade, uma
delas é a questão tributária. Estamos fazendo um estudo
para oferecer aos candidatos a presidente da República,
aos partidos políticos, no sentido de propor a reforma tri-
butária de que o Brasil de fato precisa e não aquela que
está posta sobre a mesa. É uma proposta dos Auditores-
Fiscais da Receita Federal para um Brasil mais justo, com
preocupações de justiça fiscal e social.
TR: A proposta ainda está em estudo, mas há algum
ponto que pode ser adiantado?
PD: Há o problema da descaracterização da pessoa
jurídica, que citei quando falava da fiscalização previden-
ciária. Além da questão da má distribuição da carga tri-
butária, há um mais perverso: obrigar o trabalhador a se
constituir como pessoa jurídica para não pagar justamente
a contribuição previdenciária.
TR: Quais os principais pontos dessa reforma em es-
tudo?
PD: Imposto de Renda é um deles. O imposto de Ren-
da no Brasil é muito mal-distribuído. Estamos propondo
uma readequação, que deve passar por uma neutralida-
de do ponto de vista arrecadatório. Em 2007, cinco mil
contribuintes declararam ganhar mais de R$ 1 milhão por
ano, o que absolutamente não corresponde à realidade. A
legislação permite essa elisão fiscal. Estamos identificando
os caminhos da elisão e propondo, por exemplo, que só-
cios de empresas, que hoje não pagam imposto de renda
porque são isentos na distribuição do lucro, passem a, de
fato, pagar Imposto de Renda como pessoas físicas. Com
esse ajuste, o Estado teria condições de reduzir a tributa-
ção para as faixas de renda menores.
TR: Ou seja, melhorar a integração da tributação da
pessoa jurídica para pessoa física.
PD: Sem querer tornar a legislação extremamente
complexa, mas criando um sistema mais justo. Temos de
encontrar um meio termo entre a complexidade e a sim-
plicidade; e entre a justiça social e fiscal versus injustiça
social e fiscal.
No sistema tributário norte-americano, por exemplo,
não se consegue fazer o Imposto de Renda sem um conta-
dor, tais são as possibilidades de dedução. A não ser que a
pessoa seja um estudioso do assunto. Talvez esse não seja
o sistema ideal para o Brasil, mas também não pode ser
um sistema tão simplificado quanto é o nosso. É preciso
pegar as faixas de renda maiores e aumentar as possibilida-
des de dedução. Para isso é necessário criar uma comple-
xidade um pouco maior do que a que temos hoje.
Outra questão é a previdenciária. Na reforma tributária
colocada hoje, a proposta é incorporar as contribuições
destinadas à Previdência a um novo imposto sobre o con-
sumo. Em 1988, foi criado um sistema de seguridade e
propostas algumas contribuições para financiá-lo. Se o sis-
tema transforma tudo em imposto e depois destina parte
dele para a seguridade social, há um problema. Imposto
não tem destinação específica. Deve-se analisar a constitu-
cionalidade de carimbar uma porcentagem desse imposto.
O Sindifisco Nacional tem muito receio dessa visão. O que
poderia ser feito é criar uma contribuição, além do impos-
to, para garantir os recursos da seguridade social.
9TRIBUTAÇÃO em revista
TR: Qual o posicionamento sobre o imposto sobre
grandes fortunas?
PD: Vários países criaram imposto sobre grandes for-
tunas, alguns não criaram, outros criaram e voltaram atrás.
Há possibilidade, por exemplo, de a pessoa física transferir
todo o seu patrimônio para a pessoa jurídica. Deve-se ana-
lisar quais são as salvaguardas, as alternativas, para evitar
que isso aconteça. Queremos discutir o assunto, mas que-
remos também ver as condições para evitar a burla, de
forma a tornar o imposto efetivo.
TR: O imposto sobre herança não deixa de ser um
imposto sobre grandes fortunas, no momento da
morte do detentor da fortuna. O que o senhor acha?
PD: A partir de determinada alíquota, o imposto passa
a ser pouco efetivo, porque o sujeito tende a transferir o
patrimônio para a pessoa jurídica antes de morrer. Ao criar
alíquotas, deve-se ter a preocupação com a efetividade,
para que uma carga tributária alta não leve o contribuinte
a achar mais vantagem elidir do que pagar.
O problema da carga tributária não é o tamanho, mas
a distribuição. O Brasil fez uma opção clara em 1988 pelo
Estado do Bem-Estar Social. A educação e a saúde pas-
saram a ser universais. Não atingimos o ponto que nós
queríamos, não somos a Alemanha nem a Suécia, mas a
Suécia tem o tamanho e a população menores que o estado
de São Paulo. E, além disso, começou a fazer parte desse
Estado de Bem-Estar Social muito antes do Brasil. A carga
tributária não necessariamente é alta para o caminho que
o Brasil resolveu tomar, mas ela é muito mal-distribuída.
TR: Podemos falar um pouco sobre a previdência
complementar do servidor público?
PD: Em 2003, foi criada a previdência complementar
do servidor público. Talvez o governo tenha feito as contas
e visto que não é interessante para ele, porque vai ter de,
primeiro, fazer um aporte de recursos imediato, referente
ao tempo que cada servidor já contribuiu, pois o governo,
que hoje administra a Previdência por fluxo de caixa, vai
ter de fazer capitalização.
Não vejo vantagem para o governo em um sistema de
previdência complementar, tampouco para o servidor. O
sistema que existe hoje, o de pacto de gerações, tem fun-
cionado ao longo do tempo. Evidentemente que esse fluxo
depende da contratação de servidores públicos, de forma a
compensar a saída dos que venham a se aposentar.
TR: O tema desta edição é transação fiscal e a execu-
ção da dívida ativa. Como o Sindifisco Nacional se
posiciona em relação a isso?
PD: O processo de transação fiscal foi objeto de in-
tervenção nossa na Casa Civil há dois anos. A proposta
dificulta a fiscalização. Em outros países existe o instru-
mento da transação, mas para todo um setor econômico.
Para evitar a demanda judicial, por exemplo, faz-se um
acordo com o setor, não é com uma empresa. Transaciona-
se com o setor de forma transparente. Por exemplo, quem
desistir da ação judicial fica isento de multa durante perí-
odo em que existiu o contraditório. Evita-se uma demanda
judicial e garante-se o crédito tributário. Da forma como
está colocado o projeto de transação fiscal, o contribuinte
é autuado, passa pelas instâncias administrativas antes de
entrar na Justiça, depois entra com uma ação judicial e
depois de muitos anos, quando ele perdeu e não há mais
recursos, pede-se a transação.
TR: Isso desmoraliza todo o processo?
PD: A fiscalização vive da percepção que o contri-
buinte tem do risco de ser fiscalizado. Se ele perde o
medo de sonegar, sabendo que em alguns anos have-
rá um Refis ou o instrumento da transação fiscal, ele
Não vejo vantagem em um sistema de previdência com-plementar para o governo, tampouco para o servidor
10 TRIBUTAÇÃO em revista
deixa para resolver lá na frente. E quem está pagando
corretamente, como fica? No contexto de uma crise eco-
nômica, o empresário tem opção de pagar os tributos,
demitir funcionários ou investir na empresa. O que foi
obrigado a demitir e deixar de investir, vai ficar em uma
situação de concorrência desleal em relação ao que dei-
xou de pagar. Aquele que cumpre com as obrigações se
sente tentado a também não pagar, para não entrar em
uma concorrência desleal.
TR: Ao longo dos últimos 40 anos, a Receita ganhou
eficiência, passou a alimentar o registro de cobran-
ças a ser feitas pela Procuradoria e a Procuradoria
não acompanhou na mesma velocidade. No fundo há
um contraste entre aumento de eficiência da Receita
contra a estagnação da Procuradoria.
PD: O erro é que, como não se consegue cobrar, ao
invés de se optar por aumentar a eficiência, opta-se por
facilitar a vida do potencial sonegador. A solução não pode
ser essa. A obrigação do Estado não é facilitar a vida do
contribuinte, é receber o que lhe é devido, porque senão
cai em outra questão. Aquele dinheiro que deixou de en-
trar vai ter de ser cobrado de outra empresa ou pessoa que
está pagando corretamente. Alguém acaba pagando essa
conta. Para a conta fechar, a carga tributária aumenta.
TR: Qual a sua visão sobre o projeto de execução
fiscal?
PD: Na penhora administrativa, também está previsto
o arrolamento de bens. O contribuinte elege um bem para
garantir a dívida. Eu acho que não tem problema, porque
ele pode até trocar os bens dados em garantia. Não é um
bloqueio de bens.
O que acontece hoje é que o contribuinte inadim-
plente fica em uma posição muito confortável, porque
há toda sorte de dificuldades para a Receita e a Procu-
radoria exigirem o oferecimento de bens para a garan-
tia da dívida. No caso da dívida ativa, segundo a lei, é
dívida líquida e certa, o sujeito é quem tem de provar
que não deve. Então, se o sujeito quiser movimentar
seus bens, ele tem de oferecer algum meio de garan-
tia do recebimento da dívida. Muitas vezes, ao final do
processo, já se passaram muitos anos e o contribuinte
inadimplente já não tem mais bens.
TR: Para encerrar, estamos em ano eleitoral. Quais
as perspectivas de mudança de governo, no que diz
respeito às bandeiras sindicais dos Auditores-Fiscais
da Receita Federal do Brasil, a gastos públicos, in-
vestimentos?
PD: Eu não acho que o governo gasta demais, acho
que o governo gasta indiscriminadamente, erradamen-
te, mal, poderia cortar mais aqui e menos ali. Mas tenho
certeza do seguinte: não é a falta de investimento no
servidor público que vai tornar o Estado mais eficiente.
É o contrário.
A perspectiva de o País crescer de 7% a 8% traz
crescimento proporcional na arrecadação. Portanto, por
que não contratar mais, por que não pagar melhor, por
que não treinar mais? Não vejo essa contração da polí-
tica de custeios como benéfica para o Brasil. Temos de
investir na burocracia estatal, na fiscalização, na educa-
ção, na saúde, na habitação. Se o País está crescendo,
vamos aproveitar para investir mais e melhor. O que
deve haver é controle para evitar desvio de dinheiro
público. Acho que temos progredido, mas ainda pre-
cisamos de mais controle social sobre os gastos do go-
verno. O problema, para mim, não é o investimento no
servidor público, é a qualidade na destinação dos gastos
públicos e o controle social sobre a corrupção.
Não vejo a contração da po-lítica de custeios como bené-fica para o Brasil. Temos de
investir na burocracia estatal, na fiscalização, na saúde, na
educação, na habitação
11TRIBUTAÇÃO em revista
Lupércio Montenegro“A unificação sindical consolidou uma unidade
que já vinha sendo construída”
Fotos: Arquivo Liberdade de Expressãoe NTREVISTA
O 1º vice-presidente do Sindifisco Nacional, Lupércio Machado Montenegro, con-cede entrevista à Tributação em Revista para avaliar a fusão das entidades sin-dicais representativas do Fisco e das receitas previdenciária e federal. Ele fala dos
problemas de fiscalização, da estrutura de trabalho dos Auditores-Fiscais, dos questiona-mentos das delegacias sindicais, das bandeiras de luta da categoria, entre outros assuntos.
Tributação em Revista: O senhor poderia fazer uma
avaliação da criação da Receita Federal do Brasil, a
partir da fusão das duas Secretarias, e como o Sin-
difisco Nacional tem atuado na defesa da categoria,
frente a eventuais problemas?
Lupércio Montenegro: Desde a edição da MP 258, os
auditores oriundos da SRP aprovaram, em suas instâncias
deliberativas, a fusão das duas Secretarias - Secretaria da
Receita Previdenciária (SRP) e Secretaria da Receita Fede-
ral (SRF). Com a fusão esperávamos que houvesse uma
fusão de fato, e não uma simples incorporação, como
ocorreu realmente. Com isso, a fiscalização previdenciária
acabou sendo prejudicada de várias formas. Por exemplo:
muitos auditores da SRP foram deslocados para exercer
suas atividades na área de tributos internos e alfandegários
e praticamente nenhum auditor originário da SRF foi des-
locado para a área previdenciária. Em consequência disso,
a presença fiscal nas empresas ficou grandemente preju-
dicada. O sindicato vem discutindo esse assunto visando
sensibilizar a Administração para que não haja prejuízo na
arrecadação dos recursos para a manutenção da Previdên-
cia Social Pública.
TR: Essa retirada de auditores da fiscalização previ-
denciária, para outros tributos, foi substituída pelo
menos com outras formas de fiscalização, fiscaliza-
ção eletrônica, de cadastro, criação de declarações
que substituíssem a presença do fiscal ou de outra
forma de controle?
LM: Na realidade, a fiscalização previdenciária vi-
sando a combater a sonegação tem de ser realizada es-
sencialmente na auditoria contábil das empresas, pois
tais informações não estão disponíveis, a não ser na
própria empresa.
TR: Como é que está o acesso aos cargos diretivos da
chefia na Receita Federal do Brasil?
LM: Em sua grande maioria os cargos de direção da
Receita Federal do Brasil (RFB) são ocupados por audito-
res oriundos da SRF. Por exemplo: das dez regiões fiscais
do Brasil, apenas uma Superintendência é ocupada por
auditor oriundo da SRP. O mesmo ocorre nas Subsecre-
tarias, Coordenações, Delegacias, etc. Nós do Sindifisco
Nacional defendemos que os auditores tenham mais in-
fluência nas escolhas dos cargos de direção, inclusive do
cargo de Secretário da Receita Federal do Brasil, como está
proposto e aprovado pela categoria no projeto da Lei Or-
gânica do Fisco (LOF).
TR: Sobre as bandeiras de luta, houve uma reformu-
lação ou as bandeiras são as mesmas?
LM: As nossas reivindicações sempre foram muito
semelhantes, nossas pautas quase sempre coincidiam.
Então o que houve foi uma confluência de tudo isso. Já
atuávamos juntos, anteriormente, nos vários fóruns do
Grupo Fisco, nos fóruns das carreiras típicas, nas mesas
de negociações com o governo, enfim, as duas entida-
des, Fenafisp e Unafisco, passaram a realizar reuniões e
plenárias conjuntas para que pudesse haver uma tran-
sição mais democrática, respeitando a cultura de cada
uma das entidades durante a unificação e na gestão do
Sindifisco Nacional.
TR: A fusão, do ponto de vista de agregar a categoria,
reunir os sindicatos de base, está completa?
LM: Já está amplamente consolidada dentro da catego-
ria. A unificação sindical consolidou uma unidade que já
vinha sendo construída pelas Diretorias e principalmente,
pela base. Havia verdadeiro clamor de todos para que a
unificação fosse realizada com a maior brevidade possível.
Quando ela foi realizada, a categoria já estava unificada
12 TRIBUTAÇÃO em revista
As nossas reivindicações sem-pre foram muito semelhantes,
nossa pauta quase sempre coincidiam. Então o que hou-
ve foi uma confluência de tudo isso.
13TRIBUTAÇÃO em revista
por meio das plenárias, assembleias e principalmente du-
rante a greve histórica realizada pela categoria na Campa-
nha Salarial 2008, quando conquistamos a remuneração
por subsídio, já que fazemos parte de uma carreira típica
de Estado.
TR: Voltando às bandeiras de luta tradicionalmente
defendidas, como o Sindifisco se posiciona com re-
lação à reforma da Previdência? A imprensa sempre
bate muito nisso, por quê?
LM: O enfoque da grande imprensa no que diz respei-
to à reforma previdenciária é a visão do grande capital, do
grande empresariado. A visão do trabalhador é completa-
mente diferente: a Previdência Social brasileira é uma pre-
vidência solidária, é uma conquista do cidadão brasileiro.
A Constituição Federal estabeleceu as formas de financia-
mento: a contribuição patronal sobre a folha de pagamen-
to, a do trabalhador sobre a remuneração recebida, além
de outras contribuições, como Contribuição para financia-
mento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição sobre
o lucro líquido (CSLL), os abonos salariais: Programa de
Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio
do Servidor Público(PIS/Pasep), entre outras, o que torna
a seguridade social superavitária, de onde é obtido grande
parte do superávit do governo federal, usado para pagar
juros da dívida pública.
TR: E ainda temos a questão da previdência do setor
público.
LM: Os governos sempre vêm tentando tirar direitos
dos servidores públicos federais. Com a Emenda Consti-
tucional 41, até hoje não regulamentada, o governo limi-
tou a aposentadoria dos servidores públicos ao teto pre-
visto no Regime Geral da Previdência Social e propôs uma
previdência complementar de caráter optativo para o que
exceder a esse teto. Nós, que duramente reconquistamos
a paridade com a criação do subsídio, não podermos con-
cordar com essa discriminação. Atualmente, uma de nossas
lutas é a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional
555/2006, que prevê o fim da contribuição previdenciária
sobre os proventos dos aposentados e dos pensionistas.
TR: O senhor falou da questão previdenciária. Mas
como o Sindifisco se posiciona em relação à carga
tributária atual, ela é alta ou injusta?
LM: Ela é injusta. Tem de haver uma grande discus-
são com a sociedade, pois a carga tributária é basicamente
exercida sobre o consumo, por meio de impostos indire-
tos. Há pouca tributação sobre o capital e as operações
financeiras. Quem ganha mais tem de pagar mais. Tem um
dado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
que mostra que, se a pessoa recebe dois salários mínimos,
ela paga mais de 40% de impostos. Quer dizer, é uma in-
justiça. O Sindifisco Nacional defende a justiça fiscal, em
que todos os contribuintes sejam tributados segundo sua
capacidade contributiva.
TR: Como é que o senhor vê esse dilema da tecno-
logia: o trabalho que o fiscal fazia em campo, aos
poucos vai passando para um sistema todo compu-
tadorizado. Como é que fica o papel do fiscal nesse
sentido?
LM: O aprimoramento da fiscalização das empresas
por meio da tecnologia é muito importante e irreversível.
Para seu aprimoramento e eficiência, é preciso que o Au-
ditor-Fiscal esteja permanentemente capacitado por meio
de cursos para acompanhar essas constantes evoluções
tecnológicas. A figura da pessoa humana será sempre im-
prescindível para a maior eficiência e eficácia na realização
desse trabalho. O Sindifisco tem cobrado constantemente
da Administração a permanente capacitação do Auditor-
-Fiscal para que ele possa desempenhar melhor seu traba-
lho no combate à sonegação fiscal.
O Sindifisco tem cobrado constantemente da Adminis-tração a permanente capaci-
tação do Auditor-Fiscal.
14 TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
Transação em Matéria Tributária:Limites e Inconstitucionalidades1
2. Natureza Jurídica da Relação Tributária
2.1. A Lei e a Vontade como Fonte das Obrigações
A lei é fonte remota de todas as obrigações. Nossa
Constituição Federal estabelece expressamente, ao tratar
dos direitos e garantias fundamentais, que “ninguém será
obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei” (art. 50, inciso II). É o que podemos deno-
minar princípio geral da legalidade.
Esse princípio, todavia, deve ser entendido em seus
devidos termos. Ele não quer dizer que todas as obriga-
ções decorram diretamente da lei. Quer dizer, isto sim, que
todas as obrigações devem ser estabelecidas em confor-
midade com a lei, que em alguns casos é dessas a fonte
imediata e em outros é a fonte mediata das obrigações.
Na verdade, se a lei fosse a fonte imediata de todas as
obrigações, todas as demais normas jurídicas perderiam a
razão de ser.
1 - Compilação de parecer com o mesmo título emitido para o Unafisco Sindical em agosto de 2009.
* Advogado Especialista em Direito Tributário, Doutor em Direito, Professor da Faculdade de Direito da UFCE, autor de diversos artigos e livros sobre Direito Tributário.
** Doutor em Direito. Advogado. Professor de Direito e Processo Tributário em cursos de graduação e pós-graduação. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET).
Hugo de Brito Machado*Hugo de Brito Machado Segundo**
1. Introdução
A relação obrigacional tributária decorre diretamente
da lei e não da vontade, e a cobrança do tributo se faz
mediante atividade administrativa plenamente vinculada,
sendo inadmissível nessa cobrança qualquer forma de dis-
cricionarismo administrativo.
O Código Tributário Nacional refere-se à transação
como forma de extinção do crédito tributário (art. 156,
inciso III), mas admite a transação apenas como forma de
terminação de litígio (art. 171), que somente se caracteriza
com a pretensão posta em juízo e sua resistência pela parte
contrária.
É flagrantemente inconstitucional a ampliação dos
limites da transação em matéria tributária, que enseja a
utilização do tributo como instrumento político e abre as
portas para a corrupção.
15TRIBUTAÇÃO em revista
Existem obrigações que nascem diretamente da lei e exis-
tem obrigações que nascem diretamente da vontade. Daí por
que se fala de duas espécies de obrigações jurídicas, a saber,
as obrigações legais e as obrigações contratuais. A obrigação
tributária sabidamente encontra-se entre as primeiras, vale
dizer, é uma obrigação que nasce diretamente da lei.
2.2. A Vontade no Nascimento da Relação Tributária
Há, é certo, quem sustente que a vontade participa na
formação da relação tributária uma vez que o possível su-
jeito passivo dessa relação pode escolher entre praticar, ou
não praticar, o fato legalmente definido como gerador da
obrigação tributária, escolhendo entre as formas jurídicas de
alcançar o efeito econômico desejado. Vasco Branco Guima-
rães, por exemplo, depois de indicar situação na qual o con-
tribuinte opta por uma forma jurídica que seja fiscalmente
menos onerosa, doutrina:
Podemos, em consequência, defender que existe um papel para a vontade na definição da obrigação de imposto, entendida como uma opção de escolha face às formas jurídicas existentes como forma de atingir o resultado econômico desejado2.
Não nos parece, porém, que seja assim. A vontade do
sujeito passivo da obrigação tributária na verdade é intei-
ramente irrelevante em sua formação. Ocorrido o fato que
a lei define como gerador da obrigação tributária essa obri-
gação surgirá. Mesmo quando o seu sujeito passivo nem
tivesse conhecimento de que o fato ao qual se ligou faria
nascer tal obrigação. Assim, por exemplo, se compro um
automóvel sem sequer saber que existe o Imposto sobre a
Propriedade de Veículos Automotores, nasce a obrigação
tributária do qual sou o sujeito passivo e, em razão dela,
sou obrigado a pagar o referido imposto. Minha vontade é
inteiramente irrelevante para o nascimento dessa obriga-
ção tributária.
A vontade pode ser relevante para a ocorrência, ou não,
de determinados fatos que são geradores de obrigações tri-
butárias. Isto, porém, não significa que a obrigação tributária
decorra da vontade. Ela decorre do fato, que é considerado
objetivamente como algo independente de qualquer von-
tade. Tanto é assim que mesmo sendo aquele fato um ato
jurídico nulo em razão de vício da vontade de quem o pra-
ticou, mesmo assim, ele será gerador da obrigação tributária
correspondente (CTN, art. 118, 1º).
2.3. Fundamento Constitucional da Relação Tributária
Note-se que a relação tributária nasce diretamente da
lei por determinação expressa da Constituição Federal,
que, ao tratar do Sistema Tributário Nacional, estabelece:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias assegura-das ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:I — exigir ou aumentar tributo sem lei que o esta-beleça;II — instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissio-nal, ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
Como se vê, a vigente Constituição Federal impõe cla-
ramente que a relação tributária seja sempre decorrente da
lei. Não se admite, portanto, em nosso sistema jurídico, a
utilização da vontade como ingrediente formador ou capaz
de alterar a relação tributária.
E, ainda, afastando qualquer dúvida que pudesse res-
tar em torno da natureza da obrigação tributária, a Cons-
tituição Federal estabelece que cabe à lei complementar
estabelecer normas gerais em matéria de legislação tribu-
tada, especialmente sobre a definição de tributos e suas
espécies, bem como, em relação aos impostos que discri-
mina a definição dos respectivos fatos geradores, bases de
cálculo e contribuintes.3
2.4. A Legalidade no Código Tributário Nacional
O Código Tributário Nacional, que tem a natureza de lei
complementar porque trata de matérias constitucionalmente
reservadas a essa espécie normativa, que não existia formal-
mente à época de sua edição, explicita o alcance do prin-
2 - GUIMARÃES, Vasco Branco. O papel da vontade na relação jurídico-tributária. In: FILHO, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 157.
3 - Constituição Federal de 1988, art. 146, inciso III, alínea “a”.
4 - BARRETO, Aires Fernandino. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29-30.
5 - MACHADO. Hugo de Brito. O Conceito de Tributo no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 85.
16 TRIBUTAÇÃO em revista
cípio constitucional da legalidade tributária deixando fora
de qualquer dúvida a exclusão da vontade como elemento
capaz de gerar, ou de alterar, a relação jurídica tributária.
Merece destaque a regra que está em seu art. 97, inciso VI,
a dizer que somente a lei pode estabelecer “as hipóteses de
exclusão, suspensão e extinção do crédito tributário, ou de
dispensa ou redução de penalidades”.
Como se vê, o princípio da estrita legalidade tributária diz
respeito não apenas à criação, ao aumento, a redução ou à
extinção do tributo, mas também vincula a autoridade admi-
nistrativa quanto à dispensa ou à redução do tributo, que não
podem ser objeto de negociação com o sujeito passivo da obri-
gação tributária, vale dizer, não comportam transação.
Quanto ao tributo, aliás, a exigência de que a respectiva
cobrança ocorra mediante atividade administrativa plena-
mente vinculada, está expressa na própria definição alberga-
da pelo art 3°, do Código Tributário Nacional.
2.5. Natureza Plenamente Vinculada da Atividade
Arrecadatória
A obrigação tributária resulta diretamente da lei, como
já demonstramos. Além disso, a cobrança dos tributos e
penalidades pecuniárias deve ser feita mediante atividade
administrativa plenamente vinculada, vale dizer, atividade
administrativa na qual não estão presentes quaisquer consi-
derações de conveniência nem de oportunidade.
Nesse sentido, Aires Fernandino Barreto, reportando-
se a instituição e ao aumento de tributos, esclarece que
“não basta a existência de lei, como fonte de produção ju-
rídica específica, requer-se a fixação, nessa mesma fonte,
de todos os critérios de decisão, sem qualquer margem de
decisão para o administrador?”4
A natureza plenamente vinculada da atividade arrecada-
tória, aliás, está expressamente prevista em dispositivos do
Código Tributário Nacional. Seu artigo 3° diz que tributo é
toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de
ato ilícito e cobrada mediante atividade administrativa plena-
mente vinculada. E seu art. 142, parágrafo único, estabelece
que a atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. Dúvida,
portanto, não pode haver, de que na atividade administra-
tiva de arrecadação dos tributos não há lugar para qualquer
apreciação de conveniência ou oportunidade. Não há lugar
para nenhum discricionarismo.
Comentando esse aspecto da definição de tributo, em
livro publicado nos anos 80, um de nós já escreveu:
Se a atividade de tributação fosse discricionária, a norma jurídica tributária diria, por exemplo, que determinado tributo seria cobrado de todas as pes-soas que tivessem capacidade contributiva, na me-dida desta e de modo a satisfazer as necessidades do Tesouro Público. Como se vê, a autoridade da Administração Tributária disporia de ampla margem de poder discricionário para determinar o valor do tributo que iria exigir de cada um. Isto, por razões evidentes, não conduziria a bom resultado.
A liberdade da autoridade administrativa para conside-
rar, na cobrança do tributo, a conveniência e a oportuni-
dade dessa cobrança terminaria por transformar o tributo
em um instrumento político. Assim, essa liberdade fica
inteiramente afastada com a exigência de que a cobrança
do tributo ocorra mediante atividade administrativa ple-
namente vinculada. E sobre o significado dessa expressão,
de grande relevo no contexto deste parecer já no livro aci-
ma referido um de nós escreveu:
Atividade administrativa plenamente vinculada, consoante exige a definição legal de tributo, é aquela consubstanciada de atos que Ruy Cirne Lima deno-minou executivos, vale dizer, “aqueles atos que re-presentam meramente a execução da lei ou regula-mento; todos os elementos do ato vem estabelecidos na disposição legal ou regulamentar, incluída a prá-tica do ato mesmo, que ao funcionário vem imposto como dever“ (Princípios de Direito Administrativo, 5ª edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1982, págs. 90/91).5
Resta claro, portanto, que em nosso ordenamento ju-
rídico a atividade arrecadatória se faz mediante atos admi-
nistrativos plenamente vinculados, atos de simples execu-
ção da lei, em cuja prática as autoridades administrativas
não dispõem de liberdade para avaliar conveniências ou
oportunidades para a cobrança que lhes cabe fazer.
6 - BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1982, v. IV, p. 144.
7 - No art. 171 do Código Tributários Nacional, na publicação oficial, consta a palavra determinação, em vez de terminação, mas se trata de simples erro na impressão do Diário Oficial, como registram algumas editoras. No art. 136 do projeto está a mesma norma com a palavra terminação.Veja-se DINIZ, Souza. Códigos Tributários – Alemão, Mexicano e Brasileiro. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1965, p. 511.
17TRIBUTAÇÃO em revista
3. A Transação no Código Tributário Nacional
3.1. Natureza Jurídica da Transação
A transação, no sentido específico que essa palavra tem
no âmbito deste parecer, é um ato de vontade. É bilateral,
podendo ser considerada um contrato. Os que afirmam
não ser a transação um contrato o fazem apenas a con-
sideração de que ela apenas extingue direitos. Essa foi a
doutrina de Clóvis Beviláqua, que ensinou:
Para o Código Civil, a transação não é, propriamen-te, um contrato Ainda que a lição da maioria dos Códigos seja em sentido contrário, o certo é que o momento preponderante da transação é o extintivo de obrigação.6
Nosso atual Código Civil, por seu turno, estabelece
que é lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio
mediante concessões mútuas (art. 840), e estabelece, ainda,
que só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se
permite a transação (art. 841).
Podemos então afirmar que a transação é um contrato
que tem por finalidade prevenir ou extinguir litígio a res-
peito de direitos patrimoniais disponíveis, mediante con-
cessões mútuas.
3.2. Concessões Mútuas Como Elemento Essencial
Ressalte-se que constitui elemento essencial da transa-
ção a transigência de ambas as partes. Em outras palavras,
para que se caracterize a transação é indispensável a ocor-
rência de concessões mútuas.
Os litígios em geral ocorrem exatamente porque existe
dúvida albergada na relação jurídica. Uma parte pretende
tais ou quais direitos, enquanto a outra se opõe a tal preten-
são, compondo o litígio que a final será levado ao Poder Ju-
diciário, perante o qual cada parte formula a sua pretensão.
A transação, assim, é um contrato mediante o qual
cada uma das partes abre mão de alguma pretensão em
favor da outra, e assim evita-se que o litígio se instaure,
vale dizer, evita-se o ingresso em juízo. Ou se tal ingresso
já ocorreu, se o litígio já está instaurado, a ele se põe fim
mediante a transação.
3.3. A Transação apenas para Terminar Litígios
O Código Tributário Nacional admite a transação em
caráter excepcional e apenas para a terminação de litígios.7
Mesmo assim, há quem sustente serem inconstitucionais
os seus dispositivos que admitem a transação. Ferreira Jar-
dim, por exemplo, assevera:
Em despeito do quanto dispõe o art. 171 do Código Tributário Nacional e apesar da equivocada opinião ainda prosperante em expressiva parcela da doutrina, não padece dúvida que o aludido instituto afigura-se incompatível com as premissas concernentes à tribu-tação, dentre elas a necessária discricionariedade que preside a transação e a vinculabilidade que permeia toda a função administrativa relativa aos tributos.Diferentemente de determinadas modalidades extin-tivas, a teor da compensação ou da remissão ou da confusão, dentre outras, esta reconhecida por Jarach, as quais podem submeter-se a atos vinculados, a tran-sação, ao contrário, mercê de sua própria natureza, somente pode ser efetivada por meio de ato adminis-trativo o discricionário, o que atrita o postulado da vinculabilidade da tributação.8
Essa tese foi acolhida por Maria Helena Diniz ao regis-trar como significado da palavra transação, com expressa referência a Ferreira Jardim, tratar-se de “forma extintiva da obrigação tributária que na verdade é incompatível com o re-gime jurídico tributário, já que a criação e extinção de tributos se subordina à edição dos atos administrativos vinculados.”9
Admitindo-se, porém, a constitucionalidade do art. 171 do Código Tributário Nacional, certo é que esse dis-positivo legal admite a transação apenas para terminar lití-gio. No âmbito de nosso Direito Tributário, portanto, não
existe a transação para prevenir litígio.
8 - JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Comentários ao Código Tributário Nacional. Coordenação de Ives Gandra da Silva Martins.São Paulo: Saraiva, 1998, v.2, p. 402
9 - DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 4, p. 602..
Podemos afirmar que a tran-sação é um contrato que tem
por finalidade prevenir ou extinguir litígio a respeito
de direitos patrimoniais dis-poníveis, medianteconcessões mútuas
18 TRIBUTAÇÃO em revista
3.4. Caracterização do Litígio
Assim, é da maior importância a questão de saber o
que caracteriza o litígio, e a respeito da caracterização des-
te como pressuposto da transação no âmbito tributário um
de nós já escreveu:
O litígio, como requisito essencial pata a transação em nosso Direito Tributário, caracteriza-se pela resistência de um dos sujeitos da obrigação tributária a pretensão do outro. Quando a Fazenda Pública promove a exe-cução fiscal e a esta o contribuinte se opõe, seja com exceção de pré-executividade ou com embargos. Ou então, quando o contribuinte ingressa em juízo contra a Fazenda, questionando a relação tributária, e a Fa-zenda se opõe à pretensão por ele formulada.Já nos pareceu que o litígio, como requisito para a transação, poderia caracterizar-se pela impugnação do auto de infração ou em qualquer outra situação na qual um órgão julgador administrativo tivesse de resolver algum conflito entre o contribuinte e o fisco.10 Entretanto, meditando sobre o assunto mo-dificamos nossa opinião. Os órgãos de julgamento administrativo integram a própria Administração Pública, de sorte que no processo administrativo fiscal faz-se apenas o controle interno da legalidade do lançamento. Antes de ser este definitivo para a própria Administração não se pode dizer que existe uma pretensão desta a ensejar resistência do contri-buinte. Enquanto a própria Administração examina a legalidade da cobrança que pretende fazer, não existe pretensão desta, em sentido jurídico, a ensejar uma lide. E o litígio a que se refere o art. 171 do Código Tributário Nacional somente se caracteriza pela ins-tauração da lide, vale dizer, pela ocorrência de uma pretensão formulada e resistida em juízo.11
E na verdade, em face do caráter excepcional da tran-
sação no âmbito tributário, é razoável admitir-se que o
litígio, pressuposto essencial da transação, somente se ca-
racteriza com a formulação, em juízo, da pretensão e da
resistência a esta.
4. A Transação nos Projetos em Exame
4.1. O Projeto de Lei nº 5.082/09 e a Lei Complemen-
tar 95/98
Merece censura o Projeto de Lei ordinária cm referên-
cia pelo fato de tratar de várias matérias. A Lei Comple-
mentar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998, estabelece que,
“excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único
objeto” (art. 70, inciso I). Não se justifica, portanto, tenha
o projeto em referência diversos objetos.
É certo que segundo a Lei Complementar nº 95 even-
tual inexatidão formal de norma elaborada mediante pro-
cesso legislativo regular não constitui escusa válida para
o seu descumprimento (art. 18). Em outras palavras, isso
quer dizer que os defeitos formais de uma lei, decorrentes
da desobediência à mencionada lei complementar, não a
invalidam. Talvez por isso mesmo ocorram tantas desobe-
diências à Lei Complementar nº 95, a demonstrar que o
Poder Público é na verdade quem mais descumpre as leis.
Seja como for, fica aqui o nosso registro, de que o Pro-
jeto de Lei em exame merece censura, por tratar de mais
de um objeto. Entretanto, como esse defeito de forma não
o invalida, vamos examinar a tese em tomo da transação
do Direito Tributário, como tem sido colocada.
4.2. Argumentos em Defesa da Transação na Relação
Tributária
Os que defendem a tese segundo a qual é admissível, e
mais que isto, é desejável a ampliação do alcance da tran-
sação no Direito Tributário sustentam que:
a) O anteprojeto de lei de transação ora em foco, além
de constituir-se em proposição de norma legal autorizativa
de transação, prevista no CTN, está colaborando para que
a Administração Tributária venha a efetivamente cumprir
o comando constitucional inserto no art. 37 da Lei Fun-
damental de 1988, ou seja, o princípio constitucional da
eficiência da Administração Pública, onde se inclui a Ad-
ministração Tributária.12
b) A transação propicia maior “maleabilidade” ou con-
fere certa discricionariedade à Administração Tributária
para compor ou solucionar conflitos e possibilita maior
eficácia no que pertine a satisfação do crédito tributário,
respeitando sempre o interesse público.13
10 - MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2005, v. III, p. 519.
11 - MACHADO, Hugo de Brito. Confissão e Transação no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito Tributári. São Paulo: Dialética, n. 159 dez. 2008, p. 37-38.
12 - FILHO, Luiz Dias Martins; ADAMS, Luis Inácio Lucena. A transação no Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas normativas de lei autorizadora. In: FILHO, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 23.
13 - FILHO, Luiz Dias Martins; ADAMS, Luis Inácio Lucena. A transação no Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas normativas de lei autorizadora. In: FILHO, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 28.
19TRIBUTAÇÃO em revista
c) A transação é melhor do que a rigidez de uma deci-
são judicial, que muitas vezes não reflete a melhor técnica
tributária ou é imprecisa, ou quando vem a ser prolatada
a prestação jurisdicional, não é mais eficaz ou é de difícil
execução.14
d) A transação tributária é adotada em diversos países,
inclusive nos Estados Unidos da América do Norte.15
e) A morosidade na resolução dos litígios tributários
produz graves distorções nos mercados, sendo profun-
damente danosa para a livre concorrência. As sociedades
empresariais que honram pontualmente suas obrigações
fiscais veem-se, muitas vezes, na contingência de concor-
rer com outras que protraem no tempo o pagamento de
tributos, por meio de discussões administrativas e judi-
ciais meramente protelatórias.16
f) Deve-se enfrentar o problema sem meias-palavras,
anestesia ou açúcar, na recorrente advertência de Roberto
Mangabeira Unger, que nos critica pela falta de imaginação
e por nossa reverência e prostração para com o passado.17
g) A discricionariedade que assusta àqueles que freu-
dianameme pretendem um pai infalível no Direito, à luz
da lição de Francisco Campos, é apenas conteúdo de cri-
térios de natureza puramente regulativa, e que se limita
tão-somente à designação de linha geral a ser seguida.18
4.3. Nossas Respostas aos Argumentos Favoráveis à
Transação
Acreditamos na boa-fé por parte daqueles que defen-
dem a ampliação dos limites da transação no âmbito da
relação tributária. Não podemos, todavia, deixar de ver em
seus argumentos certa ingenuidade, porque eles na verda-
de acreditam não ser verdade a assertiva a segundo a qual
quanto mais poder é concedido a uma autoridade, maior é a
tendência desta a abusar de seu poder. E como acreditamos
que todos os poderes das autoridades da Administração Tri-
butária devem ser exercidos nos exatos termos da lei, sem dis-
cricionarismo, passamos a responder os seus argumentos, na
ordem em que estão colocados no item precedente.
a) O anteprojeto de lei de transação (lei ordinária) está
relacionado com o anteprojeto de lei complementar que
altera o Código Tributário Nacional, ampliando conside-
ravelmente os limites da transação neste admitida. Assim,
não é correto dizer-se que ele apenas autoriza a transação
prevista no CTN. Por outro lado, o dispositivo constitu-
cional que preconiza a eficiência administrativa deve ser
observado sem prejuízo do dispositivo constitucional que
preconiza a legalidade da tributação, que a rigor impede o
discricionatismo na arrecadação dos tributos.
b) A “maleabilidade” e a discricionariedade que ela
confere à Administração Tributária além de ser contrária
ao principio da legalidade, dá espaço para a prática de cor-
rupção que agride o interesse público, que há de ser rea-
lizado com obediência à lei. Essa “maleabilidade”, ainda
que não seja utilizada para a prática de corrupção, poderá
transformar o tributo em instrumento político, com a re-
dução de ônus em troca de apoio ao governo, em evidente
ofensa aos princípios constitucionais da impessoalidade,
da moralidade e da indisponibilidade do interesse público.
c) Embora a transação possa ser, em certos casos, me-
lhor do que a decisão judicial, isto não justifica o abando-
no do princípio da legalidade na relação tributária, que se
estabelece entre um forte, a Fazenda, e um fraco, o con-
tribuinte. Não podemos esquecer que nas relações entre o
forte e o fraco a liberdade escraviza e só a lei libera. Além
do mais, a garantia constitucional da jurisdição não pode
ser amesquinhada, porque é uma conquista inestimável da
civilização humana.
14 - FILHO, Luiz Dias Martins; ADAMS, Luis Inácio Lucena. A transação no Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas normativas de lei autorizadora. In: FILHO, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 28.
15 - FILHO, Luiz Dias Martins; ADAMS, Luis Inácio Lucena. A transação no Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas normativas de lei autorizadora. In: FILHO, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 32/34.
16 - FILHO, Luiz Dias Martins; ADAMS, Luis Inácio Lucena. A transação no Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas normativas de lei autorizadora. In: FILHO, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 37.
17 - GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: contexto, texto e argumentos. In: Revista Fórum de Direito Tributários. Belo Horizonte: Editora Fórum, nº 39, maio/junho de 2009, p. 135.
18 - GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação tributária: contexto, texto e argumentos. In: Revista Fórum de Direito Tributários. Belo Horizonte: Editora Fórum, nº 39, maio/junho de 2009, p. 165.
20 TRIBUTAÇÃO em revista
d) A pena de morte também é adotada em vários paí-
ses, inclusive em alguns estados-membros dos EUA, mas
isso não significa que ela deva ou mesmo que possa ser
instituída no Brasil. As leis devem ser feitas tendo-se em
vista a cultura de cada povo, e em face de nossa cultura o
melhor ainda é a estrita legalidade da tributação.
e) A morosidade na resolução dos litígios tributados
deve ser minimizada por outros meios, até porque os litígios
são inevitáveis. Dizer que a possibilidade de transação resol-
ve esse problema é um verdadeiro sofisma, pois “as socieda-
des empresárias que honram pontualmente suas obrigações
fiscais” provavelmente dela não necessitarão, e aquelas que
“protraem no tempo o pagamento de tributos, por meio de
discussões administrativas e judiciais meramente protela-
tórias”, certamente continuarão a agir dessa mesma forma.
Por outro lado, se o problema é a demora na solução dos
litígios, a solução para esse problema já existe, e está cla-
ramente posta no art. 171 do Código Tributário Nacional.
Basta a transação para terminar o litígio.
f) É certo que se deve enfrentar o problema sem meias
palavras, com imaginação e sem reverência e prostração
para com o passado. Isso, porém, não nos leva a aceitar a
ampliação da transação tributária. Pelo contrário, leva-nos
a rejeitar essa ampliação, por reconhecer que no passado
os governantes cobravam de seus súditos o tributo sem
que a lei limitasse tal poder, sendo certo que as limitações
legais constituem conquistas da civilização das quais não
podemos abrir mão sem que estejamos retornando às épo-
cas primitivas.
g) A discricionariedade assusta todos que conhecem
a voracidade da Administração Tributária, e se o Direito
não e um pai infalível, pior que sua falibilidade será sua
ausência.
4.4. Alteração do Código Tributário Nacional
Há quem afirme que o projeto de lei ordinária que
cuida da transação apenas viabiliza a aplicação do que já
está previsto no Código Tributário Nacional. Na verdade,
porém, não é assim. Ao lado dele está um projeto de Lei
Complementar que altera o Código, em especial seu ar-
tigo 171, para que este se refira à transação em sentido
mais amplo, não só para extinguir litígio, como também
para evitá-lo, vale dizer, a transação é ampliada em sua
finalidade, podendo ser utilizada também para solucionar
controvérsias na via administrativa.
Essa alteração do Código Tributário Nacional, todavia,
é inteiramente inadmissível, porque implica alterar a pró-
pria essência do tributo, mostrada na parte final de sua
definição constante do art. 3° do referido Código.
Ressalte-se que o Código, ainda que em dispositivo
de constitucionalidade questionável, já admite a transa-
ção para terminar o litígio, o que afasta definitivamen-
te o argumento dos defensores dos projetos em exame
neste parecer, relativo à necessidade de superar a moro-
sidade da Justiça na solução dos conflitos entre o Fisco
e os contribuintes.
Não nos parece, portanto, cabível a alteração do Có-
digo Tributário Nacional, destinada a ampliar a utilização
da transação na relação tributaria. Se a transação, como já
está prevista no art. 171, é de constitucionalidade duvido-
sa, sua ampliação é de inconstitucionalidade indiscutível.
4.5 A Inconstitucionalidade
As inconstitucionalidades da transação tributária que
os projetos de lei complementar e de lei ordinária em exa-
me neste parecer pretendem introduzir em nosso sistema
jurídico são flagrantes.
A Constituição Federal estabelece expressamente,
em seu art. 37, que a Administração Pública obede-
cerá aos princípios da legalidade e da impessoalidade,
entre outros que indica. O primeiro desses princípios
preconiza o tributo e as penalidades pecuniárias, além
de outros acréscimos eventualmente devidos, tal como
estabelecidos na lei. E o segundo está a indicar que na
cobrança dos tributos não pode haver nenhuma distin-
ção entre contribuintes que estejam na mesma situação
de fato. Aliás, em seu art. 150, inciso II, a Constituição
explicita esse princípio, afirmando que é vedado às pes-
soas jurídicas tributantes instituir tratamento desigual
entre contribuintes que se encontrem em situação equi-
valente. Maior clareza não é possível.
21TRIBUTAÇÃO em revista
A transação, por sua própria natureza, envolve conces-
sões de ambas as partes na relação jurídica obrigacional.
Qualquer concessão que a Fazenda venha a fazer estará
concedendo ao contribuinte, em favor do qual transige, um
tratamento diferenciado, quer dizer, tratamento desigual.
Aliás, defensores dos projetos que ampliam a transação
tributária dizem claramente que a transação propicia maior
“maleabilidade” ou confere certa discricionariedade à Admi-
nistração Tributária para compor ou solucionar conflitos. Dito
isso em outras palavras, temos que a transação tributária
transforma a atividade arrecadatória de plenamente vin-
culada, como deve ser, em atividade discricionária, que se
caracteriza pela possibilidade de tratamento diferenciado
em razão de juízos de conveniência e oportunidade.
Além da inconstitucionalidade, a transação como pre-
conizada nos projetos de lei em questão revela-se inconve-
niente ao interesse público, pois transforma o tributo em
instrumento político.
4.6. Transformação do Tributo em Instrumento Po-
lítico
Realmente, dispondo as autoridades administrativas
da “maleabilidade” preconizada pelos defensores da tran-
sação tributária, poderão “negociar’ o tributo de forma a
que o ônus deste seja menor para os contribuintes que
se dispuserem a recompensar a “gentileza” administrativa.
Em outras palavras, a transação tributária, nos moldes
mais amplos, como previsto nos projetos de lei em exame,
poderá ser um caminho para a corrupção incontrolável
E mesmo admitindo que as autoridades autorizadas a
transigir são incorruptíveis, é inegável que a transação po-
dem transformar o tributo em instrumento político. Para
os correligionários, todas as benesses, e para os adversários,
todos os ônus.
5. Conclusões
A ampliação do instituto da transação confere à Ad-
ministração poder discricionário que lhe permitira tratar
o contribuinte em razão de circunstâncias pessoais, o que
está expressamente vedado.
Com o instituto da transação tributária, como está nos
projetos em exame neste parecer, a autoridade administra-
tiva poderá agir com “maleabilidade”. O tributo deixará de
ser cobrado mediante atividade administrativa plenamen-
te vinculada e a discricionariedade conferida à Adminis-
tração Tributária, além de ser contrária ao princípio da le-
galidade, dá espaço para a prática de corrupção que agride
o interesse público. Essa “maleabilidade”, ainda que não
seja utilizada para a prática de corrupção, poderá transfor-
mar o tributo em instrumento político, com a redução de
ônus em troca de apoio ao governo.
O interesse público não se confunde com o interesse
do governante, nem com o próprio interesse da Adminis-
tração Tributária. Aliás, o mais legítimo interesse público
consiste precisamente na obediência à lei como instru-
mento da harmonia social e da segurança jurídica.
A ampliação do âmbito da transação em matéria tri-
butária é flagrantemente incompatível com o princípio da
legalidade e na prática poderá implicar graves lesões ao
princípio da isonomia, porque a “maleabilidade” a que se
referem os defensores dessa ampliação permitirá à Admi-
nistração Tributária tratar os contribuintes desigualmente,
em razão de conveniências do momento, vale dizer, trans-
formando o tributo em verdadeiro instrumento político.
22 TRIBUTAÇÃO em revista
GUIMARÃES, Vasco Branco. O papel da vontade
na relação jurídico-tributária. In: FILHO, Oswal-
do Othon de Pontes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco
Branco. Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 157.
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Comentários
ao Código Tributário Nacional. Coordenação de Ives
Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 1998,
v. 2, p. 402.
MACHADO, Hugo de Brito. O Conceito de Tributo
no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1987,
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MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Có-
digo Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2005,
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MACHADO, Hugo de Brito. Confissão e Transação
no Direito Tributário. In: Revista Dialética de Direito
Tributário nº 159. São Paulo: Dialética, dezembro de
2008, p. 37-38.
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tário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29-30.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Uni-
dos do Brasil comentado. Rio de Janeiro: Editora Rio,
1982, v. IV, p. 144.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Bra-
sil. Brasília, DF, 1988.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo:
Saraiva, 1998, v. 4, p. 602.
MARTINS FILHO, Luiz Dias; ADAMS, Luis Inácio
Lucena. A transação no Código Tributário Nacio-
nal (CTN) e as novas propostas normativas de lei
autorizadora. In: FILHO, Oswaldo Othon de Pon-
tes Saraiva; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação
e Arbitragem no Âmbito Tributário. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2008, p. 23/28/32-34/37.
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Transação
tributária: contexto, texto e argumentos. In: Revista
Fórum de Direito Tributários. Belo Horizonte: Editora
Fórum, n. 39, maio/jun. de 2009, p. 135, 165.
23TRIBUTAÇÃO em revista
Transação Tributária:Paradoxos e Possibilidades
A multiplicação da litigiosidade tributária sugere ima-
ginação institucional e opção por mecanismos que pos-
sibilitem a concepção de uma justiça fiscal consensual.
Espera-se o consenso em ambiente no qual, em princípio,
não haveria espaço para qualquer tentativa de acordo. Es-
barra-se em escudo supostamente intransponível, marca-
do pelo dogma da indisponibilidade do crédito tributário,
como decorrência da impossibilidade de transigir com o
interesse público. Há alternativas?
Tempera-se a questão com a legalidade absoluta que
ronda a matéria e afasta-se qualquer possibilidade de ino-
var. O modelo administrativo-fiscal atual esgota-se na pró-
pria seiva. Soluções bem-comportadas, a exemplo de am-
pliação da máquina de cobrança e de uma maior dotação
orçamentária para os órgãos de execução do crédito fiscal
(entre eles o próprio Judiciário), a par de inexequíveis,
mostram-se utópicas e imprestáveis.
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy1
É que também dependem de dotações orçamentá-
rias generosas, que por sua vez dependem da ampliação
da carga tributária, no que se refere aos resultados; isto
é, vinculam-se, e decorrem, a um imediato aumento nos
resultados da cobrança. É, no mérito, a tese do mais do
mesmo, na imagem de Joaquim Falcão2. Deve-se enfrentar
o problema sem meias-palavras, anestesia ou açúcar, na re-
corrente advertência de Roberto Mangabeira Unger (pen-
sador brasileiro que leciona nos Estados Unidos), que, nos
critica pela falta de imaginação e por nossa reverência e
prostração para com o passado3.
A reforma tributária que se arrasta, e que detectou pro-
blemas no sistema, relativos à complexidade, à cumulati-
vidade, ao aumento do custo dos investimentos, à guerra
fiscal, à tributação excessiva da folha de salários, não toca
nas questões pertinentes à multiplicação das discussões
judiciais e administrativas. A reforma tributária em anda-
1 - Consultor da União. Doutor e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Procurador da Fazenda Nacional (concurso de 1993).
2 - FALCÃO, Joaquim. O brasileiro e o Judiciário. In: Revista Conjuntura Jurídica, v. 63, n . 4, abr. 2009.
3 - UNGER, Roberto Mangabeira. Necessidades Falsas. Tradução Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. São Paulo: Boitempo, 2005.
a RTIGO
24 TRIBUTAÇÃO em revista
mento cogitaria medidas de simplificação dos tributos fe-
derais, do imposto estadual de circulação de mercadorias
e serviços, de desonerações da folha salarial, dos investi-
mentos, da cesta básica, de mudanças nos sistema de par-
tilhas, no aprimoramento das relações federativas. E não
tocaria substancialmente na administração tributária.
Não faz parte das medidas da reforma uma reestru-
turação do modelo brasileiro da relação entre o Fisco e
o cidadão que recolhe tributos, à luz de percepções de
dignidade da pessoa humana e de uma concepção de ad-
ministração consensual. O assunto é tabu. Argumenta-se
com a tese da indução negativa, no sentido de que uma
melhoria das relações entre
a administração fiscal e os
administrados reduziria o
recolhimento espontâneo
de tributos.
Em linhas gerais, a Lei
Geral de Transação Tribu-
tária que o Executivo con-
cebeu e encaminhou ao Le-
gislativo tem por objetivo a
transparência, a celeridade,
a desburocratização e a efi-
ciência nas relações entre o Fisco e o cidadão que recolhe
tributos. Busca-se a composição de conflitos e a termina-
ção de litígios para a extinção do crédito tributário. Há
experiências prospectivas no Direito Comparado, nome-
adamente na Espanha4, na Itália5, nos Estados Unidos
da América6, na França7, na Alemanha. No caso francês,
por exemplo, a Administração pode, como resultado da
transação, atenuar multas fiscais, bem como a incidência
geral8. E há também alguma experiência estadual e muni-
cipal, no próprio contexto brasileiro.
A transação tributária é discussão que anima a todos
quantos nos interessamos pelas coisas públicas. O assunto
divide, apaixona, gera polêmicas. De um lado, euforia com
o novo e esperança no consenso. De outro, ceticismo, rea-
lismo difícil de ser contornado, linha argumentativa muito
densa, centrada na indisponibilidade do crédito fiscal, na
legalidade, e na mitigada discricionariedade que o modelo
reservaria à administração fiscal.
A transação já é fato entre nós. Materializada em par-
celamentos de gaveta, em medidas de conciliação, em
fórmulas de parcelamento, é elemento comum na práti-
ca tributária contemporânea. Refiro-me, por exemplo, ao
Programa de Recuperação
Fiscal-Refis, que qualificou
regime de parcelamento
de débitos fiscais perante a
então Secretaria da Receita
Federal, à Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional
e ao Instituto Nacional de
Seguro Social.
Instituído pela Lei nº
9.964, de 10 de abril de
2000, administrado por
um Comitê Gestor, o Refis deu início entre nós a um regi-
me especial de parcelamento de débitos fiscais. A homolo-
gação da opção era condicionada à prestação de garantias
ou, a critério do interessado, ao arrolamento dos bens que
integravam o patrimônio. Autor muito respeitado afirmou
que o Refis efetivamente era transação, dado que sua fina-
lidade essencial consistia na extinção de litígios9.
Exemplifica-se esforço de consenso com regra que
dava conta de que no caso dos créditos cuja exigibilidade
estivesse suspensa, por força de concessão de liminar em
A transação tributária é dis-cussão que anima a todos quanto nos interessamos
pelas coisas públicas.O assunto divide, apaixona,
gera polêmica
4 - LAPATZA, José Juan Ferreiro. Solución Convencional de Conflictos en el Âmbito Tributario: una Proposta Concreta. In: TORRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, vol. II, 2004, p. 293.
5 - BUSA, Vincenso. Gli Istituti Deflaviti del Contencioso nell’ Esperienza Italiana. In: TORRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Internacional Aplicado. São Paulo: Quartier Latin, vol. V, 2008, p. 525.
6 - A transação tributária também é instituto conhecido em outros modelos normativos, a exemplo do que se tem no México, na Venezuela, e na Inglaterra.
7 - COLLET, Martin. Droit Fiscal. Paris: PUF, 2007, p. 211
BOUVIER, Michel Bouvier. Introduction au Droit Fiscal General et à la Théorie de L’Impôt. Paris: Librairie Générale de Droit, 2007, p. 121, 2007.
8 - DIAZ-PAlÁCIOS, José Alberto Sanz. Medidas Fiscales com Efecto Reductor de la Conflitividad em Francia. La Transación. In: Técnicas Convencionales en El Âmbito Tributá-rio - Perspectivas de Derecho Interno, Comparado y Comunitário. Barcelona, Atelier: 2007, p. 66.
9 - MACHADO, Hugo de Brito. O Refis como Transação. Correio Braziliense, Brasília, DF, 10 set. 2001.
25TRIBUTAÇÃO em revista
mandado de segurança, a adesão ao Refis tinha como re-
sultado a dispensa de juros de mora incidentes até a data
da opção, conquanto que o interessado desistisse da ação
judicial na qual obteve liminar.
Reconheça-se, a medida aliviava o Judiciário. Para ade-
rir ao Refis o interessado deveria desistir de ações judi-
ciais, impugnações e recursos administrativos, bem como
precisaria confessar débitos com vencimentos até 29 de
fevereiro de 2000, não declarados ou não confessados, to-
tal ou parcialmente. A Lei nº 10.002, de 14 de setembro
de 2000, reabriu o prazo de opção para o Refis, cujo termo
final foi fixado em até 90 dias contados da data da publi-
cação da aludida lei.
A Lei nº 9.964, de 2000, dispunha inclusive sobre a
suspensão da pretensão punitiva do Estado, em relação a
alguns crimes previstos na Lei nº 8.137, de 27 de dezem-
bro de 1990, bem como na Lei nº 8.212, de 24 de julho
de 1991. Dispôs-se também que a prescrição criminal não
correria durante o período da suspensão da pretensão pu-
nitiva do Estado.
A medida provocou intenso debate e suscitou reflexões
em torno da própria natureza do Direito Penal Tributário.
Isto é, evidenciou-se uma nova percepção criminológica,
no sentido de que o papel do Direito Penal, no caso, seria
de mero agente institucional de recolhimento de tributos.
Questionou-se criminologia convencional, bem como o
papel do aparato repressivo, em âmbito penal. Além do
que, ao que parece, não há hipóteses de suspensão de
pretensão punitiva do Estado, por meio de parcelamento,
quanto o bem jurídico tutelado seria outro, que não a ar-
recadação tributária.
A transação tributária não é fato tão inusitado quan-
to se quer acreditar. A Lei nº 1.341, de 31 de janeiro de
1951, que regulava a Procuradoria da República, que en-
tão detinha competência para a cobrança da dívida ativa
da União, permitia que Procuradores da República, devi-
damente autorizados, em cada caso concreto e específico,
pudessem transigir com o sujeito passivo, com o objetivo
de se encerrarem as causas fiscais ajuizadas e pendentes
de julgamento.
De igual modo, a legislação de regência do antigo Im-
posto de Circulação de Mercadorias, entre elas a Lei Com-
plementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fundamentava
eventual transação, conquanto que prevista em convênio
assinado pelos estados da federação.
A transação é conceito que radica no Direito Privado.
Ordinariamente, tinha como objeto principal decisão de
conteúdo convencional que dirimisse direitos incertos e
duvidosos10. Reportava-se à glosa de Cujácio, para quem
a transação decorria de pacto pelo qual se resolvia sobre
direito incerto; o acordo substancializava-se como uma
sentença. Na dicção clássica: pactio qua lis vel controversia
et res aliqua dubia, perinde ac judicato dirimitur11.
A transação, nesse sentido histórico, teria por objeto
dirimir a lide pendente, bem como previnir a lide prová-
vel12. Transitava entre o não resolvido e o provavelmente
discutível. E foi Affonso Fraga, em livro clássico datado de
1928, quem colocou objetivamente a tensão que envolve
a ideia de transação:
Autores há que, admitindo como ótimas as leis, per-feitos os juízes, simples e expeditos os processos, consideram a transação como ato imoral e ofensivo à justiça. Uma vez que, dizem eles, a justiça não pos-sa estar dos dois lados opostos, a transação dar-se-á entre o justo e o injusto, com ultraje evidente às re-gras da moral. Tais sentimentos não procedem. Por melhores que sejam as leis e amplas as seguranças da justiça, a dúvida em relação ao êxito da causa, operando como um pesadelo sobre o espírito dos contendores lhes tole o sossego indispensável às ocupações ordinárias da vida e, assim, ela por si só justifica a transação como meio de readiquirem a paz perdida.13
O fundamento e a origem da transação assentariam
o sentimento de paz14. Discutia-se, ainda, se a transação
originariamente qualificava pacto, distrato ou contrato15,
pendendo-se a doutrina nacional mais para essa última for-
10 - FRAGA, Affonso. Da Transação ante o Código Civil Brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1928, p. 15.
11 - Id., 1928, p.15.
12 - Id., 1928, p. 24.
13 - Id., 1928, p. 26.
14 - Id., 1928, p. 32.
15 - Id., 1928, p. 37.
26 TRIBUTAÇÃO em revista
mulação16. A transação implicaria convergência sinalagmáti-
ca, consensual, onerosa e comutativa, embora, eventual-
mente, de fundo aleatório, na hipótese de que uma das
partes ficasse na dependência de acontecimento incerto17.
Na tradição privatística, e fixada como contrato, a transa-
ção teria requisitos comuns, a exemplo do consentimento das
partes contratantes, da capacidade para contratar, de objeto
lícito que constituisse matéria da transação, da forma pres-
crita em lei, bem como de requisitos próprios, e essenciais, a
exemplo da existência de relação jurídica incerta e duvidosa
e da reciprocidade de sacrifícios mútuos18.
Foi nesse conjunto conceitual que a transação foi posi-
tivada no Direito Civil brasileiro. Dispôs-se que seria lícito
aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante
concessões mútuas (art. 1.026 do Código Civil de 1916). E
na lição clássica de Clóvis Beviláqua, seguida por Affonso
Fraga, transação é ato jurídico, pelo qual as partes, fazendo-se
concessões recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou dú-
vidas19.
Registre-se, no entanto, que leitura restritiva de nota
de rodapé de Beviláqua aponta contrariamente à ideia de
transação em nicho de direito público. É que, segundo Be-
viláqua, há pessoas a quem a lei proíbe transigir: são em geral,
as que não podem alienar, porque na transação há renúncia de
direitos20.
Por outro lado, comum em Direito Ambiental (e
refiro-me aos termos de ajustamento de conduta), em Di-
reito do Trabalho (reporto-me aos programas de demissão
voluntária), a transação é presentemente factível inclusive
em Direito Penal. O Estado renuncia a direito-dever de
punir; o acusado renuncia ao direito de se defender.
Nascida de intenso debate que se tem na criminolo-
gia, que opõe a tolerância mínima do movimento Law and
Order ao princípio da intervenção mínima que qualifica o
minimalismo e ao estrito respeito aos direitos fundamen-
tais que se percebe no garantismo penal, o instituto da
transação, em matéria criminal, radica, originariamente,
no inciso I, do art. 98, da Constituição de 1988, que nos
dá conta da criação de juizados especiais, bem como da
possibilidade de seu uso em âmbito penal21.
Realizou-se a disposição constitucional na Lei nº
9.099, de 26 de setembro de 1995, e mais tarde pela Lei
nº 11.313, de 28 de junho de 2006. Nesse sentido, a con-
vergência de interesses entre acusador e acusado, isto é:
A transação penal consiste, em linhas gerais, num acordo – daí o nome transação – entabulado entre o Ministério Público e o autuado, no qual o primeiro propõe ao segundo a aplicação imediata de uma pena pecuniária ou restritiva de direitos. Aceita a sanção pelo pretenso autor do fato, devidamente assistido por um defensor, o magistrado homologa por sentença a avença, impondo-lhe a reprimenda ajustada (...)22.
Ao que parece, na transação penal, muito mais grave do
que o Estado renunciar à punição, tem-se o cidadão renun-
ciando a direito fundamental, centrado no devido processo
legal. Ainda, há percepções contrárias à transação em âmbito
penal, a exemplo do que se colhe no excerto que segue:
De antemão é preciso desfazer esse outro mito, de que a vítima está sendo de alguma forma beneficia-da pela transação penal. Na transação disciplinada pela Lei nº 9.099/95 o papel da vítima é ainda mais reduzido que no procedimento comum, pois neste ela ao menos colabora, apresentando em juízo sua versão dos fatos. Na transação penal isso não ocorre. E, se não bastasse, como as penas negociáveis inscre-vem-se fora do catálogo de punições que as pessoas concebem, é comum os juízes separarem no tempo a audiência de conciliação civil frustrada (artigos 72-75 do citado estatuto) da de transação penal (artigo 76), para evitar a incompreensão e olhar de censura das vítimas. O consenso a que chegam Ministério Público, investigado e seu defensor, sob o olhar e, às vezes, o estímulo do juiz, não tem, portanto, o poder de superação da situação de crise supostamente gera-da pela comissão da infração penal. Não é essa a sua função e, pois, é falaciosa como base do discurso!23
16 - Id., 1928, p. 45.
17 - Id., 1938, p. 51.
18 - Id., 1928, p. 54.
19 - BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rio, s.d., v. 2, p. 144.
20 - Id., s.d., p. 144.
21 - SYLLA, Antonio Roberto. Transação Penal- Natureza Jurídica e Pressupostos. São Paulo: Método, 2003, p. 57.
22 - SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Transação Penal- Atualizada pela Lei nº 11.313, de 28 de junho de 2006. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 7.
23 - PRADO, Geraldo. Transação Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 200.
27TRIBUTAÇÃO em revista
A transação penal, por outro lado, qualificaria um insti-
tuto despenalizador, com raízes nos modelos de plea-guilty e
plea-bargaining do direito norte-americano. Assim, inaugura-
se (...) em nosso sistema jurídico o espaço do consenso, em cuja
perspectiva devem ser compreendidas as infrações de menor po-
tencial ofensivo24; e de modo mais conclusivo:
Mas uma coisa é certa: não se pode deixar de reco-nhecer a utilidade prática das soluções consensuadas no processo penal, pois com isso se consegue a dimi-nuição do peso que recai sobre os órgãos jurisdicio-nais, permitindo, em consequência, uma maior dedi-cação aos processos mais graves (justificação formal do processo despenalizador)25.
Pode-se perceber a transação penal no contexto do
Código de Trânsito Brasileiro, que não restringe (...) sua
aplicação às infrações penais de menor potencial ofensivo26.
Ou ainda, refiro-me à Lei nº 8.072, de 1990, relativa aos
crimes hediondos, que (...) adotou no Direito Penal Brasilei-
ro o conceito de delação premiada, em virtude do qual o agente
autor de infração penal pode beneficiar-se de redução de pena,
conforme o tipo de colaboração que preste às agências públicas
de controle penal27.
O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no
sentido de que a transação penal deve ser homologada an-
tes do cumprimento das condições objeto do acordo, ficando
ressalvado, no entanto, o retorno do status quo ante em caso
de inadimplemento, dando-se oportunidade ao Ministério Pú-
blico de requerer a instauração de inquérito ou a propositura
de ação penal28.
Em âmbito mais especificamente tributário, a transa-
ção já era prevista como modalidade de extinção do crédito
tributário no projeto que Oswaldo Aranha encaminhou ao
presidente Getúlio Vargas, por intermédio da Exposição de
Motivos nº 1.250, de 21 de julho de 1954, também consubs-
tanciada na Mensagem nº 373, de 20 de agosto de 1954.
Dispôs-se no art. 136 do aludido projeto que seria facul-
tado aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar
transação que, mediante concessões mútuas, importe em termi-
nação do litígio e consequente extinção do crédito tributário. Um
parágrafo único dispunha que a lei tributária indicaria a au-
toridade competente para celebrar a transação e as formalida-
des a ser observadas a cada caso.
A necessidade de concessões mútuas é característica da
transação, na tradição privatística, bem como na redação
do Código Tributário Nacional, elaborado em momento
que o ambiente conceitual de Direito Privado era domi-
nante. No entanto, não há obstáculos normativos ou con-
ceituais para que eventual alteração no Código Tributário
Nacional elimine a cláusula referente às citadas concessões
mútuas. Conceitos normativos são construtos culturais, e
não dados de transcendência metafísica.
Além do que, de um ponto de vista mais pragmático,
a adesão à transação, por parte do interessado, qualifica
imediatamente concessão, na medida em que haveria,
entre outros, desistência de ação judicial, pronto reco-
lhimento, a par de disponibilização de documentação e
pronta adesão ao definido no pacto que se firmou. Deve-se
ter bem nítido também que a transação não substitui o Judi-
ciário na função de decidir sobre a validade, a interpretação e
a aplicação, a casos concretos, do Direito Positivo29.
A transação já era prevista como modalidade de extin-ção do crédito tributário no projeto que Oswaldo Aranha encaminhou a Getúlio Vargas
em 1954
24 - PINHO, Humberto Dalla B. de. A Introdução do Instituto da Transação no Direito Brasileiro- e as Questões daí Decorrentes. Rio de Janeiro: 1998, p. 104.
25 - NOGUEIRA, Márcio Franklyn. Transação Penal. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 66.
26 - PRADO, Geraldo. Transação Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 221.
27 - Id., 2006, p. 221.
28 - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus 88.616-7-Rio de Janeiro. Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, decisão 8 ago. 2006.
29 - CARVALHO, Rubens Miranda de. Transação Tributária, Arbitragem e Outras Formas Convencionadas de Solução de Lides Tributárias. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008, p. 7.
28 TRIBUTAÇÃO em revista
Rápida pesquisa em torno da utilização de regimes de
transação no Direito Tributário Brasileiro contemporâneo
indica várias iniciativas. Refiro-me a leis de transação que
há nos Estados do Pernambuco e do Rio Grande do Sul,
bem como nos Municípios de Campinas, Angra dos Reis,
Belo Horizonte e Curitiba.
A Assembléia Legislativa do Estado do Pernambuco
aprovou a Lei Complementar nº 105, de 20 de dezembro
de 2007 que, entre outros, fixou o modelo de transação
tributária, adotado por aquela unidade da Federação. Nos
termos do referido documento normativo o procurador-
geral do estado do Pernambuco poderá transacionar judi-
cial e extrajudicialmente, com base em parecer, após oitiva
de órgão ou entidade interessados, bem como de um con-
selho de programação financeira.
Remete-se à observância do interesse público e da
conveniência administrativa. Distancia-se de tipologia
fechada, que plasma o interesse público na intransi-
gência. Tem-se nova dimensão de discricionariedade,
oxigenada pela participação do interessado, do cidadão
que recolhe tributos, a quem compete também fiscalizar
como é cobrado.
Mitigam-se alguns focos de tensão. Minimiza-se a de-
manda dos serviços do Judiciário. Reduzem-se os custos
de aquiescência. Persegue-se a eficiência, que deixa de ser
paradigma imaginário da administração pública, inseri-
do em cláusula constitucional, plasmando-se em medida
concreta, realista, de resolução de problemas.
No estado do Rio Grande do Sul também há previ-
são legal para modelo de transação, e refiro-me à Lei nº
11.475, de 28 de abril de 2000, que alterou a Lei nº 6.537,
de 27 de fevereiro de 1973. Indicou-se, entre outros, que
na hipótese de transação, o pagamento seja efetuado integral-
mente em moeda nacional. Como regra geral, dispôs-se que
os créditos tributários em litígio judicial poderão ser extintos,
total ou parcialmente, mediante transação com o Estado, sendo
competente para transigir o procurador-geral do estado. Pelo
que se vê, no modelo do estado do Rio Grande do Sul, a
transação pressupõe litígio judicial.
Determinou-se também que na hipótese em que o su-
jeito passivo promover ação judicial, visando à desconstitui-
ção do crédito tributário e a sentença do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul for favorável ao réu, a multa cons-
tante do auto de lançamento poderá ser reduzida em 30%,
caso haja desistência do recurso da referida sentença, e o
pagamento, em moeda corrente nacional, do respectivo cré-
dito tributário efetue-se de uma só vez, no prazo de trinta
dias, contados do trânsito em julgado da sentença. Há tam-
bém previsão expressa para redução de multa, relativa
a crédito tributário inscrito em dívida ativa, na hipótese
de o devedor não oferecer embargos à execução fiscal.
O município de Campinas também conhece modelo
de transação, veiculado pela Lei nº 13.449, de 23 de ou-
tubro de 2008, regulamentada pelo Decreto nº 16.452,
de 4 de novembro de 2008. Autoriza-se a transação tribu-
tária por adesão, para fins de extinção de créditos tribu-
tários imobiliários. Tem-se, no caso, desafogamento das
instâncias judiciais. O modelo de Campinas, tão-somente,
aponta para a necessidade de se informar ao Poder Judi-
ciário, no que se refere à transação feita. O que se tem,
diretamente, embora sem previsão legal mais precisa, é a
suspensão da exigibilidade do crédito tributário. A adesão,
por parte do interessado, tem como significado direto a
renúncia a qualquer discussão, administrativa ou judicial.
No município de Angra dos Reis, no estado do Rio
de Janeiro, há também modelo de transação, discipli-
nado pela Lei nº 262, de 21 de dezembro de 1984.
Facultou-se ao Poder Executivo celebrar transação so-
bre créditos tributários, tendo em vista os interesses da
Administração. Explicitou-se que a transação será efetu-
ada mediante o recebimento de bens, inclusive serviços, em
pagamento de tributos municipais, cujos débitos, apurados
ou confessados, se referirem, exclusivamente, a períodos an-
teriores ao período.
No município de Belo Horizonte há também modelo
normativo que autoriza a transação para prevenção e ter-
minação de litígios relativos a créditos tributários objeto
de processos administrativos ou judiciais. No modelo da
cidade de Belo Horizonte a transação presta-se para pre-
venir ou terminar litígios. Na capital mineira, a transação
30 - CPC, Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; (...)
29TRIBUTAÇÃO em revista
alcança, inclusive, débitos inscritos em dívida ativa e sub-
sequentemente ajuizados. No caso, os honorários serão
suportados pelas duas partes.
Em Curitiba também há lei que dispõe sobre transação
tributária. Trata-se da Lei Complementar nº 68, de 1º de
julho de 2008, que dispõe sobre a extinção de créditos
tributários e não tributários da Administração Direta do
Município de Curitiba, mediante transação.
O modelo de transação do Município de Curitiba atin-
ge créditos submetidos à discussão judicial. O interessado
deve, em primeiro lugar, requerer ao Procurador-Geral do
Município, ao longo de processo administrativo, subme-
tendo-se a decisão que atenda a critérios de conveniência
e de oportunidade para o credor. Como especificado na
norma de regência, o deferimento depende também que
se demonstre que a medida facilitará a arrecadação, evi-
tará o desperdício de esforços administrativos, bem como
diminuirá a carga de esforços da Administração, na perse-
guição de créditos tributários devidos.
Em âmbito de jurisprudência, não há muitos registros
relativos a discussões em torno da prestabilidade norma-
tiva de regimes de transação tributária. Por exemplo, a
constitucionalidade da Lei nº 11.475, de 2000, de Porto
Alegre, foi questionada no Supremo Tribunal Federal.
Trata-se da ADI 2.405-MC/RS, relatada pelo Ministro
Carlos Britto, e julgada em 6 de novembro de 2002, no
que se refere ao pedido cautelar. Suspendeu-se a eficácia
de excerto que conferia poderes para que o procurador-ge-
ral do estado pudesse transigir, porquanto, ao que consta,
verificou-se vício de origem, pois não se observou, tão-
somente, iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder
Executivo.
Embora em outro contexto, e sob outra linha argu-
mentativa, transação efetuada pelo poder público tam-
bém foi assunto apreciado no Recurso Extraordinário
nº 253.885-0-Minas Gerais, relatado pela ministra Ellen
Gracie, e julgado no dia 4 de junho de 2002, quando se
ementou da forma que segue:
EMENTA: Poder Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o Ad-ministrador, mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que o prin-cípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse. Assim, tendo o acórdão recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de forma diversa impli-caria o reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado nesta instância recursal (Súm. 279/STF). Recurso extraordinário não conhecido.
No Superior Tribunal de Justiça há outros registros.
Fixou-se orientação relativa à natureza jurídica de decisões
homologatórias de transação tributária. Decidiu-se que sen-
tenças que homologam transações tributárias em processos
judiciais qualificam questões de mérito. Nesse sentido, tais
sentenças, em princípio, suscitariam reexame necessário, nos
limites do art. 475 do Código de Processo Civil30.
Há registros no Direito Comparado. Na Espanha a
transação se processa em termos de actas com acuerdo, com
procedimento fixado no artigo 155 da Lei Geral Tributária
vigente naquele país. Há requisitos para o entabulamento
de transação, a exemplo de proposta para a correta aplica-
ção de conceitos jurídicos indeterminados, cuja aplicação
resulte na apreciação de fatos determinantes para a correta
aplicação da regra discutível a casos concretos31.
Espera-se, do interessado, encaminhamento de pro-
posta, para que se possa alcançar acordo. O documento
que formaliza a pretensão, com a anuência das autorida-
des fazendárias, obrigatoriamente, deverá espelhar o fun-
damento da aplicação, os cálculos, os elementos de fato,
os fundamentos jurídicos, a quantificação das propostas
de regularização, inclusive com previsão de redução de
50% dos valores cobrados a título de sanção.
Nos Estados Unidos, a tran-sação em matéria tributária é modelo que qualifica a subs-tancialização de eficiência do
Direito daquele país
31 - GONZÁLES, Luis Manoel Alonso. La Conflictividad Tributaria en España- Actualización de los Resultados del Informesobre ‘La Justicia Tributária en España’. In: TORRRS, Heleno Taveira (org.) Direito Tributário Internacional São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 545.
30 TRIBUTAÇÃO em revista
O procedimento é simples. A Administração envia ao
interessado convite para comparecimento na repartição.
Este encaminha requerimento, indicando proposta, a par-
tir da qual negocia com a Administração. A par do modelo
utilizado pelo governo central, há miríade de modelos de
transação, que se utilizam em várias regiões da Itália.
Nos Estados Unidos a transação em matéria tributária
é modelo que qualifica a substancialização de eficiência do
direito daquele país33. Conhecida como settlement of tax
dispute, a transação suscita celeridade, aponta para opções
factíveis e, principalmente, evita a multiplicação da liti-
gância fiscal em âmbito de Poder Judiciário.
Em geral, a transação tributária, em tese, permite que
se promova maior participação do administrado nas fun-
ções administrativas; cogita-se de atuação cooperativa do
cidadão, também funcional e orgânica, fomentando-se
a partir da atuação privada o interesse geral, em sentido
específico, que a Administração também organicamente
persegue34.
A transação é a figura jurídica que melhor fomenta
o direito de participação do cidadão que recolhe tribu-
tos junto à Administração. O anteprojeto de Lei Geral de
Transação Tributária é um dos vários textos normativos
encaminhados ao Congresso Nacional no contexto do II
Pacto Republicano de Estado, assinado em Brasília, no
dia 13 de abril de 2005, em cerimônia que contou com a
participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, bem
como dos presidentes do Senado Federal, da Câmara dos
Deputados, do Supremo Tribunal Federal, a par do Minis-
tro da Justiça, entre tantas outras autoridades.
De fato, não se tem a transação clássica, como previs-
ta no CTN. O projeto de transação vincula-se a alteração
no CTN. É de um novo modelo de que se trata. Não se
tem anistia ou remissão discricionária. Leitura atenta do
projeto, centrada em todas as suas possibilidades, e sem
preconceitos, reflete imagem mais nítida.
Não se afronta a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não se
cogita de renúncia de receita, porquanto não há previsão or-
Referidas actas con acuerdo suscitam autorização do
órgão competente para a liquidação do crédito, expressa,
anterior ou simultânea à formalização do acordo, devendo
instruí-lo. Exige-se um depósito, por parte do interessado.
O aludido depósito pode ser substituído por aval de enti-
dade de crédito, certificado de seguro de caução, sempre
na quantia suficiente para a garantia do crédito tributário
que se discute.
Após a concordância das autoridades fiscais espanho-
las, no sentido de que se possa implementar a transação,
comunica-se ao interessado, que então encaminha propos-
ta. Após discussões, e uma vez que se alcance um acordo,
a legislação espanhola permite que o agente inspetor so-
licite autorização de órgão superior, de modo que se con-
clua o procedimento de transação. Formaliza-se o acordo.
Na Itália tem-se o accertamento con adesione, disposto
no Decreto Legislativo nº 218, de 19 de junho de 1997, de
amplo âmbito de aplicação, e que tem como fundamento a
institucionalização do diálogo entre as partes, que origina-
riamente se enfrentam em uma relação tributária32.
No modelo italiano permite-se que a definição de va-
lores de imposto de renda e de imposto de valor agregado
seja fixada mediante a participação do interessado. A regra
também vale para transação em torno de impostos de su-
cessão, de doações, de registros, de hipotecas, de valores
imobiliários em geral, ainda que em relação a apenas um
dos coobrigados.
Definiu-se que o valor alcançado na transação não
pode ser impugnado pelo sujeito passivo, e nem pode ser
revisto de ofício. No entanto, a transação cede em face de
conhecimento superveniente de elemento novo, em rela-
ção ao qual seja possível apontar uma renda maior, supe-
rior à metade do valor originariamente definido.
No que se refere aos impostos indiretos o valor defi-
nido na transação vincula a Administração, no que toca
inclusive a efeitos posteriores, relativos aos tributos pac-
tuados. Também não se pode impugnar o valor acertado e
nem se fazer a revisão de ofício.
32 - ÂNTICO, Gianfranco; CONIGLIARO, Massimo; FUSCONI, Valeria. Accertamento com Adesione. Milano: II Sole 24, 2008.
33 - Há substancial estudo sobre meios alternativos de solução de controvérsias tributárias no direito norte-americano. KORB, Donald L. IRS-Alternatives to the Traditional Tax Controversy System. In: TORRES, Heleno Taveira (coord.). Direito Tributário Internacional. São Paulo: Quartier Latin, vol. V, 2008, p. 493.
34 - ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. Cizur Menor: Aranzadi/Thomson/Civitas, vol. 2, 2006, p. 85.
31TRIBUTAÇÃO em revista
çamentária para recolhimento de recursos que estão sub judi-
ce, ou sob mera previsão estatística de recolhimento. Se assim
fosse, levar-se-ia em conta todo o estoque da dívida ativa, o
que inviabilizaria a administração das finanças do País.
A discricionariedade que assusta àqueles que freudia-
namente pretendem um pai infalível no Direito, à luz da
lição de Francisco Campos, é apenas conteúdo de critérios
de natureza puramente regulativa, e que se limita tão-so-
mente à designação de linha geral a ser seguida35.
Não se pode confundir eventual indução negativa que
o modelo poderia em tese promover com moralidade ad-
ministrativa. Toca-se sim, efetivamente, em matéria pro-
cessual. O fato de que Medida Provisória não possa dispor
sobre matéria processual não significa que a lei na possa
fazê-lo; do contrário, ter-se-ia o que os retóricos medievais
identificariam como um argumento contrario sensu, isto é,
conclui-se a partir de proposição admissível proposição
que lhe é oposta.
Não se tem ofensa a princípios, que objetivamente
substancializam regras, a exemplo de epítetos de legalida-
de. Pelo contrário, centrado na luz da dignidade da pessoa
humana, e no fundamento de que o consenso legitima a
tributação, a lei de transação, com todas as imperfeições
inerentes a documento normativo in nuce inverte a sórdi-
da lógica de Thomas Hobbes, para quem auctoritas facit
legem, isto é, é da autoridade que decorre a lei. Os tempos
mudaram. Pretende-se uma época de consenso.
Na sempre presente lição de Roberto Mangabeira Un-
ger, a filosofia do futuro é a filosofia de como criamos futu-
ros. Futuros diferentes. A transação tributária é ideia que
matiza uma nova relação entre o Fisco e o cidadão que
recolhe tributos. É exceção, e não regra. Não é discricio-
nária, conta com limites e parâmetros. Não é mecanismo
de indução negativa, no sentido de que reduziria o mon-
tante voluntariamente recolhido, porque, simplesmente,
aplica-se a situações especialíssimas, delicadas, e que exi-
gem soluções que prestigiem a transparência e o consenso.
A transação tributária é sinal de maturidade democrática.
E ainda que o projeto não avance, por conta de for-
ças que insistem que os mortos devem governar os vivos,
que o direito é imodificável, a animada discussão que se
tem comprova que os tributaristas abandonamos discus-
sões estéreis e bizantinas, que não passavam das seme-
lhanças e dessemelhanças entre prescrição e decadência,
e que garantem aos futuros historiadores do direito um
farto material anedótico. Avançamos. Discutimos hoje a
administração fiscal. A literatura especializada que se pro-
duz comprova a advertência de Thomas Paine, para quem
quando a língua ou a pena são deixadas soltas num frenesi
de paixão, é o homem, não o assunto, que se esgota.
35 - CAMPOS, Francisco. Atos Administrativos Discricionário. In: Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, vol. I, 1958, p. 18.
32 TRIBUTAÇÃO em revista
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Menor: Aranzadi/Thomson/Civitas, v. 2, 2006.
33TRIBUTAÇÃO em revista
Projeto de Lei Geral de Transação em Matéria Tributária: Análise das Consequências Políticas e
Econômicas
1. Introdução
Está em tramitação no Congresso Nacional, em regime
prioritário, o Projeto de Lei (PL) nº 5.082/2009, um dos
vários projetos de lei embutidos no assim chamado “Pacto
Republicano II”, na verdade, um conjunto de propostas de
alteração ou inovação de normas, firmado pelas autorida-
des máximas de cada um dos três poderes da República
Brasileira e que busca conferir maior agilidade e eficiência
ao aparato estatal, em especial, o Judiciário.
Tal fato revela-se deveras surpreendente, porque o alu-
dido PL nº 5082, a par de várias inconstitucionalidades,
em realidade, consagra uma concentração de Poderes em
matéria tributária no Poder Executivo nunca antes vista na
história deste País e que pode vir a ter graves consequên-
cias políticas e econômicas, como se procurará analisar ao
longo do presente texto.
Na Revista Fórum de Direito Tributário (RFDT) nº 38,
de março/abril de 2009, às págs. 9/26, foi publicado um
artigo de minha autoria, intitulado Anteprojeto de lei geral
Simone Anacleto Lopes 1
de transação em matéria tributária: uma análise jurídica, em
que aponto várias inconstitucionalidades que entendo es-
tarem presentes no texto que agora já é projeto de lei.
Neste momento, pretendo fazer uma abordagem di-
ferente, em que, embora sem me desvincular da análise
jurídica, deixo propositadamente de analisar com mais va-
gar eventuais questões de inconstitucionalidade, para en-
fatizar consequências políticas e econômicas que, segundo
me parece, ocorrerão, caso o projeto em exame venha a ser
convertido em lei.
2. A Verdadeira Natureza dos Institutos Disciplina-
dos no Projeto
No artigo publicado na RFDT nº 38, antes menciona-
do, procurei demonstrar que o projeto, na verdade, não
trata do instituto jurídico da transação tributária, mas,
sim, dos institutos da remissão e da anistia. É que, para se
tratar de transação, precisaria haver a observância do art.
171 do CTN, que possui a seguinte redação:
a RTIGO
1 - Procuradora da Fazenda Nacional no Rio Grande do Sul
34 TRIBUTAÇÃO em revista
“Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante conces-sões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.” (Obser-ve-se que, muito embora aí conste o termo “deter-minação”, a doutrina é pacífica no sentido de que houve um deslize do legislador e tal termo deve ser compreendido, ao invés, como “terminação.”)
No PL nº 5082, porém, não há realmente concessões
mútuas entre o contribuinte e a Fazenda Pública. Apenas
esta é quem faz basicamente todas as concessões.
Veja-se que basta o contribuinte ter ajuizado qualquer
ação em matéria tributária para já estar habilitado a postu-
lar a transação tributária.
Esta poderá ser concedida nos largos limites traçados
pelo art. 6º do Projeto (ou mais largos ainda no caso do
seu art. 32, § 2º, p. ex.) – até 100% da multa aplicada pelo
descumprimento de obrigações acessórias, até 50% de ou-
tras multas, até 60% dos juros e até 100% dos encargos de
sucumbência ou outros encargos de natureza pecuniária.
Assim, mesmo o contribuinte que tenha ingressado
com uma ação para discutir, p. ex., apenas a incidência
da taxa de juros legalmente estabelecida em lei, poderá,
ao fim e ao cabo, obter descontos não só nos juros, mas
também nas multas e em outros encargos.
Ora, a teor do art. 172 do CTN, quando há perdão do
valor do próprio tributo devido, estamos diante da remis-
são tributária; tem face dos arts. 175 e 180 a 182 do CTN,
quando há perdão de infração cometida (e, em decorrência,
da multa aplicada) estamos diante da anistia tributária.
No caso, o projeto, ao conceder verdadeiros perdões
dos valores legalmente impostos, ante o único pré-requi-
sito da existência de uma prévia ação judicial, está, na re-
alidade, tratando é de remissões e de anistias tributárias,
não da transação.
Tanto é assim que o antes referido art. 32, § 2º, talvez
traindo o verdadeiro espírito que permeia o PL, menciona
textualmente as palavras “remissão” e “anistia” – o que,
aliás, também pode ser encontrado em outros dispositivos
ao longo do texto.
É bem verdade, por outro lado, que o PL exige que o
contribuinte renuncie ao direito sobre o qual se funda a
ação. Mas se dito contribuinte, p. ex., discutia apenas a
aplicação dos juros de mora, pedindo, digamos, a substi-
tuição da Taxa Selic por correção monetária e juros de 1%
ao mês, e, ao final, paga o tributo sem qualquer multa (ou
com multa reduzida pela metade) e sem quaisquer outros
encargos, além do substancial perdão de 60% do valor dos
próprios juros, ele estará “ganhando” mais do que poderia
obter com o eventual sucesso da ação (aliás, diga-se que
está pacificada na jurisprudência a legalidade da aplicação
da Taxa Selic, o que significa que o contribuinte, sem dú-
vida, iria simplesmente perder essa ação). Nessa hipótese,
indubitavelmente, as concessões terão sido somente de
parte da Fazenda Pública e, portanto, implicam, de fato,
remissão e anistia – não, transação.
Ainda, destaque-se que o simples pedido de “transa-
ção” já tem o condão de suspender a exigibilidade do cré-
dito tributário e permitir o fornecimento ao contribuinte
da certidão positiva com efeitos de negativa (o que, a meu
ver, é outra concessão da parte da Fazenda Pública) –, nes-
se sentido, o art. 20.
E também merecem destaque os arts. 8º, I, 25 e 26
do Projeto, que preveem que poderá ser exigido do con-
tribuinte, no procedimento de “transação”, um termo de
ajustamento de conduta, em que, pelo que se depreende,
o contribuinte se comprometerá a cumprir a legislação tri-
butária dali para frente!
Parece evidente que isso tampouco pode ser tido pro-
priamente como uma concessão do contribuinte.
E, portanto, se o PL, em realidade, o é de uma Lei Geral
de Remissões e Anistias em Matéria Tributária, ele afronta
diretamente o art. 150, § 6º, da Constituição Federal, que
exige lei específica para tratar, entre outras matérias, de
remissões e de anistias, não sendo cabível, para tanto, uma
lei geral.
Afronta, ainda, o art. 14 da Lei Complementar nº
101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), pois a renún-
cia de receitas que se dará em cada remissão ou anistia não
pode ser antecipadamente prevista, de modo a ser consi-
derada nas estimativas de receita da lei orçamentária, com
a previsão de medidas de compensação financeira.
35TRIBUTAÇÃO em revista
lamento, com preservação de informações sujeitas a segredo na forma do art. 198 da Lei nº 5.172, de 1966. (grifo nosso).
Art. 50. As sessões da CGTC e CTC serão públicas, salvo decisão em contrário de ambas as Câmaras, mediante requerimento do sujeito passivo transator, quando examinar matéria sigilosa ou dados profis-sionais ou empresariais restritos.
Como se vê, a par de que o proposto pelo projeto não
é realmente transação, mas, sim, remissões e anistias a ser
concedidas por novo órgão administrativo completamente
dependente do Poder Executivo, suas decisões serão pra-
ticamente sigilosas.
Apenas as ementas das decisões adotadas serão pu-
blicadas. E mesmo as sessões de julgamento poderão ser
sigilosas, pois é evidente que a maioria das discussões tri-
butárias, senão todas, envolve “matéria sigilosa ou dados
profissionais ou empresariais restritos”.
Interessante, contudo, é o que dispõe o art. 46 do
projeto:
Art. 46. À Câmara-Geral de Transação e Conciliação - CGTC, vinculada à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e presidida pelo Procurador-Geral da Fa-zenda Nacional ou por Procurador da Fazenda Na-cional por ele indicado, compete:
IV - conhecer, por meio da respectiva unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou da Se-cretaria da Receita Federal do Brasil, de incidente de divergência entre termos de transação expedidos pela Fazenda Nacional, o qual será apresentado no prazo de trinta dias à autoridade administrativa que houver proferido a decisão supostamente divergente, e, uma vez instruído, será remetido à CGTC no prazo de quinze dias, tramitando sem efeito suspensivo; ...
Mas, como antes dito, a análise jurídico-constitucional
não é o foco principal do presente trabalho, pelo que se
deixa de desenvolver mais aprofundadamente tais pontos.
A exposição até aqui desenvolvida teve por objetivo, tão-
somente, de saída, evidenciar que nem sequer o nome dado ao
Projeto reflete a realidade da qual ele verdadeiramente trata.
3. A Concentração de Poderes no Poder Executivo
A meu sentir, um dos aspectos mais graves do PL 5082
é que ele autoriza a concentração de poderes no Poder
Executivo.
Sem entrar na discussão acerca da afronta ao princípio
constitucional da separação de poderes, pretendo analisar
como dito projeto pode afetar o próprio funcionamento da
democracia brasileira.
O que temos hoje?
O Poder Legislativo elabora as leis (ou, ao menos, pro-
cede à deliberação em relação às medidas provisórias),
tanto para instituir tributos, quanto para prever as diver-
sas formas de extinção do crédito tributário.
Cada parcelamento, cada anistia, cada remissão em
matéria tributária depende de prévia discussão legislativa
para se consagrar em lei.
O que teremos se o PL 5082 for convertido em lei?
O Poder Legislativo se tornará totalmente desne-
cessário para decidir sobre a extinção dos tributos fe-
derais, pois essa extinção não se dará mais com base
em critérios de legalidade, mas, isto sim, por critérios
de conveniência e oportunidade da Câmara Geral de
Transação e Conciliação – CGTC (nesse sentido, bem
claro o art. 1º do Projeto).
Ademais, o órgão criado para decidir sobre as ex-
tinções de créditos tributários por critérios de conveni-
ência e oportunidade, a CGTC, é totalmente subordi-
nado ao ministro da Fazenda e decidirá sigilosamente.
Vejamos, primeiro, a questão do sigilo.
Confiram-se os arts. 24, § 3º, e 50 do PL 5082:
Art. 24.§ 3º Os documentos que compõem o processo de tran-sação serão arquivados na unidade da Fazenda Pública que jurisdiciona o domicílio fiscal do contribuinte e as ementas dos termos de transação serão divulgadas na rede mundial de computadores na forma de regu-
Se o PL 5082 for convertido em lei, o Poder Legislativo
se tornará totalmente desne-cessário para decidir sobre a
extinção dos tributos federais
36 TRIBUTAÇÃO em revista
§ 1º A CGTC decidirá sobre o incidente de diver-gência previsto no inciso IV no prazo de trinta dias e indicará à autoridade administrativa competente que promova os ajustes no termo de transação conside-rado inadequado, desde que expedido há menos de cento e vinte dias, de forma a ajustá-lo ao termo de transação definido como paradigma.
Assim, aparentemente, fica resguardado o respeito ao
princípio da isonomia, pois, em tese, cada contribuinte
poderá pleitear sejam aplicadas ao seu caso as mesmas
razões de decidir utilizadas para conferir esta ou aquela
remissão ou anistia a outro caso similar.
Indaga-se, porém: como elaborar um incidente de di-
vergência se justamente as razões de decidir acabam sendo
sigilosas, só se conhecendo a ementa de cada decisão?
Parece que, novamente, nesse ponto, a previsão do
projeto pouco ou nada significa na realidade, dada a in-
superável dificuldade de se interpor um incidente de di-
vergência sem se poder demonstrar os fundamentos dessa
divergência.
Vejamos, agora, a total subordinação dos membros da
CGTC ao Ministro da Fazenda (que, não esqueçamos, é to-
talmente subordinado ao próprio presidente da República).
Confira-se a redação dos artigos pertinentes:
Art. 49. A CGTC e a CTC serão compostas, parita-riamente, por membros designados pelo Ministro de Estado da Fazenda entre servidores públicos mem-bros da carreira funcional de Procurador da Fazenda Nacional e Auditor-Fiscal da Receita Federal do Bra-sil, conforme os critérios a serem estabelecidos em ato do Poder Executivo.
§ 1º Os integrantes da CGTC e da CTC deve-rão possuir reputação ilibada, conhecimentos jurídicos, contábeis e econômicos, mais de dez anos de exercício funcional nas suas atuais carreiras e estar habilitados, a partir de cursos de formação específicos, nas práticas de me-diação e transação.
§ 2º A permanência dos membros será limi-tada a quatro anos, podendo estender-se por mais quatro, uma única vez, desde que com-provada a participação em cursos de atuali-zação e observada a avaliação dos resultados alcançados no exercício da função.
Art. 52. Os membros da CGTC ou da CTC e o Pro-curador da Fazenda Nacional ou o Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, durante o exercício de competência delegada, gozarão das prerrogativas de independência funcional e inamovibilidade, e deve-rão agir com imparcialidade, independência, diligên-cia, sigilo funcional e observar a todos os fundamen-tos, princípios e critérios desta Lei.
Confrontem-se esses dispositivos, p. ex., com os de
outras leis nos últimos anos publicadas e que versam so-
bre as chamadas agências reguladoras:
ANEEL (Lei nº 9.427/96)
Art. 5º O Diretor-Geral e os demais Diretores serão nomeados pelo Presidente da República para cum-prir mandatos não coincidentes de quatro anos, res-salvado o que dispõe o art. 29. Parágrafo único. A nomeação dos membros da Dire-toria dependerá de prévia aprovação do Senado Fe-deral, nos termos da alínea “f” do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.
ANP (Lei nº 9.478/97)
Art. 11. A ANP será dirigida, em regime de colegia-do, por uma Diretoria composta de um Diretor-Geral e quatro Diretores.
§ 1º Integrará a estrutura organizacional da ANP um Procurador-Geral.
§ 2º Os membros da Diretoria serão nomeados pelo Presidente da República, após aprovação dos respectivos nomes pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.
§ 3° Os membros da Diretoria cumprirão man-datos de quatro anos, não coincidentes, permi-tida a recondução, observado o disposto no art.
75 desta Lei.
ANATEL (Lei nº 9.472/97)
Art. 8º.
§ 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hie-rárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.
Art. 24. O mandato dos membros do Conselho Dire-
tor será de cinco anos.
37TRIBUTAÇÃO em revista
ANVISA (Lei nº 9.782/99)
Art. 3º.
Parágrafo único. A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada pela independên-cia administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.
Art. 10. A gerência e a administração da Agência serão exercidas por uma Diretoria Colegiada, com-posta por até cinco membros, sendo um deles o seu Diretor-Presidente.
Parágrafo único. Os Diretores serão brasileiros, in-dicados e nomeados pelo Presidente da República após aprovação prévia do Senado Federal nos ter-mos do art. 52, III, “f”, da Constituição Federal, para cumprimento de mandato de três anos, admitida uma única recondução.
Como se pode ver, em todos os casos, há previsão
de mandato para os membros da diretoria das agências
reguladoras.
E por que assim se faz?
Em primeiro lugar, é preciso recordar que as agências
reguladoras são um instituto copiado do direito norte-
americano. Lá, como aqui, segundo aponta a literatu-
ra especializada, o objetivo de se criar autarquias com
independência em relação ao poder central do Estado
é subtraí-las do chamado “ciclo de negócios políticos”,
característico de democracias representativas.
Como se sabe, os políticos, inclusive aqueles eleitos
para cargos do Poder Executivo, em qualquer país do
mundo, tendem a ser mais rígidos no início de seus pró-
prios mandatos com a execução das políticas públicas a
que se propuseram no período de campanha eleitoral. Já
quando começa a se aproximar o fim de seus mandatos,
começam a fazer concessões, em busca do maior núme-
ro de votos possível para garantir sua própria reeleição.
Considerando que cabe ao Poder Executivo regula-
mentar a aplicação das leis, regulando minudentemente
a atuação de setores econômicos, tais como o de ener-
gia elétrica, exploração do petróleo, telecomunicações,
saúde, etc. a solução encontrada para fugir do chamado
“ciclo de negócios políticos” foi a criação das agências
reguladoras, ou seja, de autarquias com verdadeira in-
dependência em relação ao poder central, o que é ga-
rantido basicamente por mandatos fixos aos membros
de cada diretoria, que, assim, não ficam comprometidos
com um determinado governo. Mesmo que o resultado de
eleições gerais mude completamente o quadro político, a
diretoria de cada agência reguladora poderá continuar a
atuar com base em critérios exclusivamente técnicos, até
o fim de seu próprio mandato.
E nesse sentido, efetivamente, o que se tem visto é que
o modelo das agências reguladoras funciona razoavelmen-
te, tornando-as efetivamente bastante independentes do
poder central. Não as livra, porém, de todo, de eventuais
casos de corrupção, nem de um problema que passou a
ser um risco permanente e que também é tratado pela li-
teratura especializada: o da chamada “captura” – como as
questões a ser reguladas são, frequentemente, de alta com-
plexidade, e as próprias entidades reguladas costumam
dispor de técnicos altamente especializados, muitas vezes
são estes que acabam ditando o teor dos regulamentos às
agências reguladoras.
Cotejando essas informações com a realidade do Pro-
jeto de Lei Geral de Transação em Matéria Tributária e
examinando-se novamente os arts. 49 e 52 de seu texto,
percebe-se claramente que inexiste verdadeira garantia de
independência aos membros da criada CGTC, pois a eles
não é garantido mandato, sendo apenas limitado o exer-
cício de suas funções nesse órgão por, no máximo, quatro
anos, prorrogáveis por mais quatro. Assim como os mem-
bros são designados pelo ministro da Fazenda, poderão
ser afastados da CGTC, antes dos prazos limites, a qual-
quer momento, pela mesma autoridade.
E, portanto, quando se alude a “prerrogativas de in-
dependência funcional e inamovibilidade”, verifica-se que
elas, na realidade, nada significam, na medida em que se
restringem ao período “durante o exercício de competên-
cia delegada”, que pode ser encerrada a todo tempo pelo
Ministro da Fazenda, que, por sua vez, é autoridade com-
pletamente subordinada à do presidente da República.
Portanto, o que se constata é a completa dependência da
CGTC à autoridade do ministro da Fazenda e, em última
38 TRIBUTAÇÃO em revista
análise, à do próprio Presidente da República.
Dessarte, não se está aqui aludindo a eventuais proble-
mas de corrupção, mas, sim, à verdadeira falta de indepen-
dência dos membros da CGTC em relação ao poder central.
Em outras palavras, o modelo administrativo criado pelo
Projeto da Lei Geral de Transação em Matéria Tributária re-
cai no reconhecido problema do “ciclo de negócios políti-
cos”, que foi afastado em relação às agências reguladoras.
Assim, digamos que haja um membro da CGTC que in-
sista em manter uma posição divergente e independente e,
com tal postura, desagrade ao ministro da Fazenda (ou ao
próprio presidente da República). Lembre-se que podere-
mos estar cogitando de descontos de multas, juros, encar-
gos de sucumbência, ou até o próprio valor do tributo, sem
qualquer limite máximo, e, pois, podemos estar tratando de
descontos de bilhões de reais para alguma das grandes em-
presas nacionais, a ser decididos sigilosamente por critérios
de conveniência e oportunidade.
Qual é o desfecho previsível dessa situação? A exone-
ração do membro da CGTC que não agrada às autoridades
superiores. E talvez, até, o seu envio a qualquer parte do
território nacional, distante de seu local de origem. Afinal,
ele não estará mais no “exercício de competência delegada”.
A crítica, aqui, não é a uma ou outra pessoa determi-
nada, mas, sim, ao próprio modelo, que não resguarda os
membros da CGTC de eventuais interferências meramente
políticas com prejuízo das soluções técnicas mais adequadas.
Mas, não bastasse tudo o quanto foi dito até aqui, o
PL 5082 também permite que o Poder Executivo invada a
seara de competências do Poder Judiciário.
Confiram-se os seguintes dispositivos do Projeto:
Art. 7º A transação, em qualquer das suas modalida-
des, não poderá:
I - implicar negociação do montante do tributo devido;
§ 1º Não constituem negociação do montante dos tributos as reduções que decorram do pro-cedimento de transação, quanto à interpretação de conceitos indeterminados do direito ou à identificação e relevância do fato, aplicáveis ao caso, cujo resultado seja a redução de parte do crédito tributário.
§ 2º É competência da CGTC a admissão e aná-lise de proposição que envolva interpretação de conceito indeterminado do direito, para efeito de conclusão de processo de transação, na for-ma do § 1º, ficando esse entendimento sujeito à homologação por turma especializada da Câ-mara Superior de Recursos Fiscais.
Art. 30. A transação em processo judicial terá por objeto o litígio entre as partes, como definido no pe-dido inicial, cuja solução, para a matéria de fato ou de direito, poderá ser alcançada inclusive mediante a consideração de elementos não constantes no pro-cesso judicial.
§ 3º A transação poderá incluir matérias perti-nentes àquelas deduzidas em juízo e com estas relacionadas ou conexas.
Como se vê, embora o projeto afirme que a transação
não poderá implicar negociação do montante do tributo
devido, em seguida, se contradiz e admite essa negociação
toda vez que a CGTC interpretar conceitos jurídicos inde-
terminados ou, mesmo, quando identificar a existência ou
avaliar a relevância de questões de fato. Ou seja, como gran-
de parte dos conceitos jurídicos possui pelo menos alguma
margem de indeterminação (menor, p. ex., no que diz com
o conceito de industrialização, mas maior no que respeita,
p. ex., a lucro ou a receita bruta), praticamente em todas as
questões será possível a redução do montante dos próprios
tributos. Sem falar que isso também é possível em relação à
avaliação das questões de fato.
Entretanto, o que se quer neste ponto destacar é que
será a CGTC quem dará a última palavra sobre a interpre-
tação de vários conceitos jurídicos tributários, em última
análise, subtraindo essa análise da competência constitu-
cionalmente traçada ao Poder Judiciário. A teor do art. 7º,
inciso II, alínea “a”, só não poderá contrariar decisão de in-
constitucionalidade já proferida por decisão plenária defini-
tiva do Supremo Tribunal Federal. No mais, dirá a própria
interpretação constitucional de diversos conceitos jurídicos
indeterminados de forma definitiva.
Só que fará isso com poderes maiores do que os de que
dispõe um juiz propriamente dito, pois poderá considerar
“elementos não constantes no processo judicial”, bem como
apreciar questões que ultrapassem os limites do pedido co-
39TRIBUTAÇÃO em revista
locado na petição inicial, já que “a transação poderá incluir
matérias pertinentes àquelas deduzidas em juízo e com es-
tas relacionadas ou conexas”.
O que são matérias “conexas”? Talvez mais um conceito
jurídico indeterminado a ser definido pela CGTC.
Veja-se, contudo, que a teor de vários dispositivos do
Código de Processo Civil, o juiz propriamente dito está ads-
trito às provas constantes do processo judicial e também ao
próprio pedido formulado pela parte autora. Nesse sentido,
exemplificativamente, o disposto no art. 460 do CPC:
Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em obje-to diverso do que lhe foi demandado.
Em resumo, uma ação qualquer, que pode ser mera-
mente protelatória, discutindo, p. ex., a correção monetá-
ria da Cofins, poderá ensejar descontos nas multas, juros,
talvez até no próprio valor do tributo Cofins em si, além,
talvez, do PIS (que não estava sendo discutido na ação
judicial), mas que também é um tributo que incide sobre
a receita bruta das empresas e possivelmente seja consi-
derado “conexo”. E tudo sempre com base nos critérios
de conveniência e oportunidade da CGTC, aquele órgão
totalmente subordinado ao ministro da Fazenda (e ao pre-
sidente da República), sem ampla publicidade.
Ora, permitir-se que um órgão inteiramente subordi-
nado ao Poder Executivo possa discricionariamente con-
ceder remissões e anistias tributárias, em decisões que,
ademais, são praticamente sigilosas, procedendo à inter-
pretação em termos definitivos de conceitos jurídicos in-
determinados, acaba invadindo, a um só tempo, as searas
de competência do próprio Poder Legislativo (pois se afas-
tou a exigência da estrita previsão legal para cada hipótese
de renúncia tributária) e do próprio Poder Judiciário (visto
que a CGTC decidirá de forma definitiva, com poderes
mais amplos do que os que o sistema jurídico brasileiro
confere à magistratura, sobre a interpretação de conceitos
jurídicos indeterminados, inclusive os de natureza consti-
tucional, enfraquecendo o próprio papel de uniformização
que hoje possui o Supremo Tribunal Federal).
4. O Desincentivo à Eficiência Econômica
Todo estudante de Direito Tributário deve ter ouvido
que a história desse ramo do Direito remonta a 1215, na
Inglaterra, quando os barões impuseram ao Rei João Sem
Terra a Magna Carta, a fim de limitar o poder deste.
Um dos limites então traçados ao poder do rei foi: No
taxation without representation.
A partir de então, o rei não pôde mais criar novos tri-
butos ou majorar os existentes sem antes ter a autorização
dos representantes do povo.
No Brasil do Século XXI, de certa forma, com o PL
5082, se pretende percorrer o caminho inverso e voltar a
concentrar larga parcela do poder tributário nas mãos “do
rei” (entenda-se, aqui, é claro, o presidente da República,
chefe do Poder Executivo), subtraindo grande parcela des-
se poder tanto do Legislativo, quanto do Judiciário.
Isso parece bom para a nossa democracia?
A meu sentir, isso não só não é bom do ponto de vista
político, como tampouco é bom do ponto de vista econômico.
Há um autor norte-americano chamado Douglass Nor-
th, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1993, que
é considerado um dos pais do chamado “neo institucio-
nalismo”, uma das escolas do Law and Economics, para a
qual o desenvolvimento econômico não é uma decorrên-
cia de incrementos populacionais, avanços tecnológicos e
outros fatores usualmente apontados pelos economistas.
Esses são, na verdade, sinais do próprio desenvolvimen-
to econômico, o qual depende, em grande medida, das
instituições do país considerado. Tanto que North, ao ser
indagado, por ocasião do recebimento do Nobel, como re-
sumiria sua teoria, afirmou: Institutions matter (literalmen-
te: Instituições importam).
No primeiro livro a partir do qual passou a desenvol-
ver sua teoria, escrito em coautoria com Robert Paul Tho-
mas e publicado em 1973, intitulado The rise of the western
world: a new economic history, os autores fazem considera-
ções surpreendentes.
Eles comparam, nesse livro, o desenvolvimento de
quatro países ao longo de toda a Idade Média: Espanha,
França, Holanda e Inglaterra.
40 TRIBUTAÇÃO em revista
Mostram que havia ciclos de desenvolvimento eco-
nômico: quando o comércio voltava a se intensificar, isso
proporcionava pessoas se alimentando melhor e as popu-
lações cresciam, até que se sucedia uma grande peste ou
guerra, dizimando-se grande parte das populações, com o
consequente declínio do comércio.
Esses ciclos só foram interrompidos no final da Idade
Média na Holanda e na Inglaterra, onde, pela primeira vez
na história, uma grave peste não afetou tão dramaticamen-
te suas populações. Por quê?
Porque, segundo os citados autores americanos, ao
contrário do que acontecia na Espanha e na França abso-
lutistas, tanto Holanda quanto Inglaterra tinham limites à
tributação pelos respectivos reis! Isso fez toda a diferença.
Quando a tributação deixou de ser fixada ao arbítrio do
rei, garantiu-se maior igualdade entre os contribuintes, maior
segurança jurídica e o que passou a predominar, ao invés da
vontade de agradar ao rei, foi a capacidade de cada um de
produzir mais e ganhar mais por isso. Ou seja, privilegiou-se
a eficiência econômica. Isso garantiu automaticamente uma
mais eficiente distribuição de alimentos e as populações, ho-
landesa e inglesa, suportaram melhor uma nova onda de do-
enças, que as populações, espanhola e francesa.
Depois, a Inglaterra ainda foi o primeiro país a aprovar
uma lei de proteção aos direitos autorais e, não por acaso,
foi lá que começou a Revolução Industrial, mas esta já é
outra história.
O que pretendi evidenciar aqui é que a garantia da
democracia, com a devida separação de poderes, limitan-
do-se muito claramente o poder de cada um dos agentes
políticos, principalmente em matéria tributária, é um dos
(senão o principal) motes do desenvolvimento econômico.
Definições claras, mesmo que rígidas, por conferirem
segurança jurídica ao sistema, são preferíveis a outras que
se pautem por critérios subjetivos, variáveis e concentra-
dos nas mãos de um agente político.
No primeiro caso, todos sabem o que esperar das re-
gras e a diferença entre um empresário e outro decorrerá
de sua maior ou menor eficiência econômica.
Já no segundo caso, a vontade de agradar ao agente
político que tem o poder de tributar ou não é o que
prevalecerá. Quem não agradar, possivelmente será
tributado mais severamente do que quem agradar, e
poderá até falir. Destrói-se, assim, a condição básica
da eficiência econômica.
Portanto, o PL 5082, ao concentrar o poder para dis-
pensar tributos no Poder Executivo, ainda mais em de-
cisões praticamente sigilosas, é muito grave, não só do
ponto de vista jurídico, mas principalmente dos pontos de
vista político e econômico.
41TRIBUTAÇÃO em revista
Eurico Marcos Diniz de Santi“Precisamos estabelecer uma nova relação entre a
administração tributária e os contribuintes”
Foto: Arquivo Liberdade de Expressão
e NTREVISTA
Tributação em Revista: Segundo o Ministério da Fa-
zenda, o PL 5.082 e o PLP 469, que tratam da tran-
sação em matéria tributária, trariam uma “nova
relação entre a administração tributária e os contri-
buintes”, por meio de uma “aplicação mais homo-
gênea da legislação tributária” e do “entendimento
direto” entre as partes. Em sua opinião, existem real-
mente tais benefícios?
Eurico de Santi: Não há dúvida que precisamos esta-
belecer uma “nova relação entre a Administração Tributá-
ria e os Contribuintes” e é óbvio que todos esperamos por
uma “aplicação mais homogênea da legislação tributária”.
Não são esses objetivos o problema, o equívoco está na
solução proposta: a transação!
A transação é uma forma de composição de conflitos
entre partes individualizadas fundamentadas em instru-
mento contratual que tem força de lei, mas não é lei, pois
só vale entre as partes. Duas partes pactuam deveres e
direitos em contrato, depois as mesmas partes negociam,
mediante concessões recíprocas das regras do contrato por
Nesta entrevista, o professor da Fundação Getúlio Vargas Eurico de Santi*, dou-tor e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), apresenta sua visão crítica da Lei Geral de Transações. Como
estudioso da matéria, ele faz uma série de questionamentos sobre a Lei, inclusive sobre sua constitucionalidade.
* Bacharel, mestre e doutor em Direito, professor de Direito Tributário da DireitoGV – Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, coordenador do Curso de Especialização em Direito Tributário do GVlaw, e Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (NEF). Dedica-se ao estudo de transações tributárias, publicando artigos e proferindo palestras sobre o tema.
42 TRIBUTAÇÃO em revista
elas celebrado. Em direito tributário, os deveres e obriga-
ções decorrem de lei. A obrigação tributária que vincula
Fisco e contribuinte não decorre de um contrato em que
as partes podem fazer concessões recíprocas, decorre da
lei. Portanto, só a lei pode estabelecer tais “concessões”. A
transação, por essa razão, é a negação da lei que formou o
vínculo obrigacional.
Já temos transação no direito tributário brasileiro. São
os programas de anistia e refinanciamento, como o Paes
e Refis, que surgem a cada quatro anos às vésperas das
eleições. E apesar de ser veiculados em lei, não repre-
sentam nenhuma modernidade na relação entre Fisco e
contribuinte, nem colaboram na aplicação homogênea da
legislação tributária: aliás, anistia, remissão ou perdão ca-
racterizam reminiscências de regimes autoritários em que
os contribuintes dependiam do humor, da compaixão, da
conveniência e conivência dos interesses do príncipe.
Estamos no Século XXI. Modernidade, aqui, é um siste-
ma tributário transparente e simples. A “nova relação entre
a administração tributária e os contribuintes” que todos es-
peramos não advém de Câmaras obscuras de aplicação da
“justiça fiscal divina”, advém de um sistema tributário efeti-
vamente acordado entre o Estado e os contribuintes. Em que
a lealdade do Estado não permite alíquotas por dentro ou
impostos que se disfarçam na embalagem de contribuições
para parecer menos desagradáveis. Modernidade tributária
significa democracia: discutir quem está pagando, porque
está pagando e exigir efetiva contraprestação desse dinheiro
público que é de todos nós! Vamos melhorar a educação?
Oferecer mais saúde e mais dignidade aos nossos aposen-
tados? Não há problema! Quanto vai custar? Quanto será o
aumento da alíquota? Aprove-se, então, por lei o aumento
da respectiva alíquota pelo tempo necessário para garantia
desses objetivos. Isso é modernidade: incluir o contribuinte
na esfera pública do debate sobre as políticas do Estado! Mo-
dernidade não é misericórdia. Modernidade não é perdão.
Modernidade não precisa de transação!
TR: Quais os principais problemas que o senhor apon-
ta nos projetos que tratam da Lei Geral de Transação
Tributária? Pode detalhá-los?
ES: Antes de tirar conclusões, recomendo ao leitor que
faça a leitura do texto dos aludidos anteprojetos para formar
sua própria convicção sobre a proposta. Feita a leitura, po-
demos, talvez, compartilhar uma série de perplexidades. É
daí que saltam, de dentro para fora, as seguintes perguntas:
Qual seria o litígio objeto da transação? O “litígio” seria a
relação jurídica tributária (crédito)? Ou o “litígio” seria a
tese que coloca em dúvida a existência da relação jurídica
tributária, por exemplo, a exigência de lei complementar para
ampliar a alíquota de 2% para 3%, no caso da Lei nº 9.718? Ou
o “litígio” seria o conflito econômico em torno do pagamen-
to ou não do crédito tributário, sua antecipação, e perdão
parcial de multas e juros (entre 100% e 50%)?
Qual será o objeto das tais “concessões mútuas” na
transação? Será na “relação jurídica tributária”? Como? Ou
será a tese que coloca em dúvida a “relação jurídica tribu-
tária”? Mas “tese” para não pagar tributo é lá direito para
se opor à obrigação de pagar o crédito tributário? Então, o
objeto da concessão do contribuinte será algum acordo em
torno da “tese” da juridicidade da necessidade de lei com-
plementar ou lei ordinária, na veiculação deste aumento?
E como converteríamos tais teses em perspectivas dimen-
síveis: tese da lei complementar vale mais, 90% de des-
conto; tese de lei ordinária vale menos, 10% de desconto!?
Ou haverá “concessões mútuas” apenas relativas ao valor
e a forma de pagamento? O Conselho de Conciliação da
Fazenda Nacional propõe a redução do tributo, das multas
e dos juros... E o contribuinte paga o que restou? Seria
esta a concessão por parte do contribuinte: pagar menos
e em mais vezes? Essa seria a parte da concessão do con-
tribuinte? O anteprojeto de lei é obscuro e lacônico sobre
esse relevante ponto para todos nós outros contribuintes.
Qual seria a motivação do ato de transação proposto
neste anteprojeto? Como motivar o ato discricionário de
redução do crédito? Por que reduziu 100% da multa aces-
sória e não 1%? Por que reduziu 75% das demais multas
e não 1,5%? Por que reduziu 50% dos juros de mora e
não 2,333%? Por que reduziu 100% dos “demais encar-
gos” 3,33%? Por que reduziu 100% ou 1% do crédito tri-
butário? E quais seriam as motivações “jurídicas” dessas
43TRIBUTAÇÃO em revista
deduções específicas e não outras diversas? Seriam essas
motivações passíveis de controle jurídico? Ou não!?
Na obscuridade do texto proposto, não se encontram
parâmetros, apenas os desgastados e desacreditados man-
tras da “justiça fiscal”, “boa-fé”, “razoabilidade”, “propor-
cionalidade”: blá-blá-blá da modernidade do Século XVII.
O equívoco desse projeto é pretender propor “justiça fis-
cal”, “boa-fé”, “razoabilidade”, “proporcionalidade” no ato
de aplicação, estimulado pela sofisticação da transação. Se
a lei tributária é injusta, de duvidosa boa-fé, desarrazoa-
da e desproporcional, como consertar tudo isso em um
ato particular e concreto de transação. Realmente, só com
muita boa-fé!
TR: O que o senhor diria sobre a constitucionalida-
de dos projetos? Os projetos respeitam os princípios
constitucionais de Direito?
ES: A transação é a negação da legalidade, do controle
e do direito: que leis tributárias se pode aplicar na transa-
ção? Deveras, a transação e a arbitragem representam, jus-
tamente, o afastamento da aplicação da lei geral e abstrata,
do direito e de seus controles por seus destinatários consti-
tucionais: os Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil.
Sem controle, não há solução: o fato é que esse luxo
de “modernidade” é incompatível com a efetiva ideia de
modernidade que exige impessoalidade e transparência
dos atos de Estado. E não acrescenta nada às nossas insti-
tuições jurídicas, senão incerteza, subjetividade e contin-
gência: caminhamos para o nada jurídico! Ou pior, para
juridicização da “corrupção sistêmica” em que o Direito
abre a guarda de seus controles para se submeter ao gozo
mesquinho do poder econômico e político.
TR: Os projetos sofrem de vício formal? Ou de
conteúdo?
ES: Seria cômico se não fosse trágico. O projeto parece
pretender reduzir o controle apenas às nulidades formais:
autoridade incompetente, árbitro não habilitado, demais
requisitos formais ou se for realizada extemporaneamente.
Refere-se a requisitos materiais exigidos por esta lei, mas
o engraçado é que não se encontra nenhum; enfim, ar-
rosta “comprovada prevaricação, concussão ou corrupção
passiva na sua formação” que não passa, também, de co-
dificação simbólica, pois todos nós sabemos a dificuldade
de provar “prevaricação, concussão ou corrupção”, pois as
partes interessadas têm interesse comum e contaminam-
se, concomitantemente, em seu contato promíscuo, por
isso, não se denunciam em seu mútuo acordo de interes-
ses e concessões recíprocas fora da legalidade, além disso,
para dificultar o controle, o anteprojeto garante o benefí-
cio da confidencialidade e o consequente esvaziamento de
qualquer motivação: de fato, o ambiente não parece ser o
mais promissor para o esvaziamento da oportunidade e
incentivo ao desvio do interesse público.
Faltam, enfim, normas que informem critérios mate-
riais para dizer que (i) transações são materialmente válidas
e (ii) quais são materialmente inválidas. O presente “Sis-
tema de Transação”, tal qual proposto, configura “paraíso
jurídico” que se pretende instalar dentro, mas à parte do
Direito: os termos de “transação” só se submetem a contro-
les formais, não há critérios materiais de controle. E se não
há critérios materiais de controle: como controlar a ação
das autoridades competentes para compor a “transação”?
Elas encontram-se juridicamente livres para transacionar
créditos e multas até 100% sem nenhum controle: eis o
problema, o exercício de poder de dispor sobre bens pú-
blicos (o crédito tributário) sem controle jurídico nenhum.
TR: Não haveria nesses projetos uma confusão entre
interesses públicos e privados?
ES: O Estado de Direito e o interesse público exigem tec-
nicamente pela contraposição entre a ideia de lei, sua apli-
cação generalizada e o controle dessa aplicação. O presente
anteprojeto subverte essa ideia, criando um espaço vazio sem
lei para os privilégios aos clientes da transação, protegido e
blindado com a força do próprio direito. Assim, perde-se o
direito pelo próprio direito à transação, esvazia-se o interesse
público e desorganizam-se os interesses privados em torno
da possibilidade do privilégio transacional.
TR: A arbitragem prevista no PL 5.082 é um instituto
jurídico válido e aplicável à questão tributária?
ES: Há frontal contradição da proposta do Projeto com
a arbitragem prevista no direito positivo brasileiro. A Lei
n° 9.307, de 23 de setembro de 1996, não é compatível
com a ideia de arbitragem como “procedimento inciden-
tal” no processo de transação. Ocorre que, por definição,
“Arbitragem” não pode servir como procedimento inci-
dental, mas sim procedimento autônomo para solução de
litígios. Além disso, é outro contrasenso cumular, conco-
mitantemente, duas formas de solução de litígios no mes-
mo procedimento: ora, aplique-se a arbitragem e que se
cumpra o direito arbitrado; ou, excludentemente, se fosse
juridicamente possível para o Direito Tributário, que as
partes componham suas vontades pela “transação”, mas
não ambas! Se já tenho o “litígio”, e suponhamos que seja
este o crédito tributário, para que serve um árbitro para
definir com sua expertise o direito aplicável, para, em
seguida, ignorar a decisão do árbitro e definir-se discri-
cionariamente pela “transação”, o montante devido, sem
qualquer consideração com o direito material aplicável e
com poder amplo para “negociar” exclusões de até 100%
do crédito tributário sem qualquer critério jurídico?!
Não consigo entender para que arbitragem. Cada parte
elegerá como que uma câmara particular do Carf? E quem
seriam os árbitros? Na experiência profissional que tive
com os agentes da Receita Federal e membros do Carf,
constatei que não há maiores experts sobre a lógica da le-
gislação, sobre a complexidade das operações tributárias,
44 TRIBUTAÇÃO em revista
A pretensão de transação, sem critérios legais, desloca a denotação do termo para o vazio das concessões recípro-
cas e de ordem econômica indisponível em matéria de
Direito Público
de seus fatos e provas subjacentes que os profissionais
concursados que integram os quadros da Receita, nas es-
feras municipal, estadual e federal. Além disso, ninguém
conhece melhor processo executivo fiscal que os procura-
dores da Fazenda Nacional, a prática demonstra isso, têm
vencido de forma reiterada e reformado posições sedimen-
tadas do STJ e STF, com argumentação jurídica sofisticada
em questões complexas como “crédito prêmio IPI”, “alí-
quota zero” e “base de cálculo reduzida/isenção parcial”.
Melhor que arbitragem não seria investir em tecnologia
de informação e suporte técnico para implementar maior
celeridade às decisões do Carf?
TR: Como o sr. vê o papel da Câmara Geral de Tran-
sação e Conciliação? Não haveria conflitos entre os
papéis dos Poderes Executivo e Judiciário?
ES: A ideia de transação pode significar: (i) o ajuste de
vontade e concessões mútuas que é privativo do cálculo
econômico e intangível para o direito público, ou (ii) tal
ajuste juridicizado por critérios individuais e concretos do
meio político, veiculado mediante lei, apenas neste caso
teremos como produto do reconhecimento do fato jurí-
dico negocial do acordo que seria a legítima motivação
jurídica da transação, este tipo de transação, sim, seria
passível de controle e a derradeira extinção do crédito tri-
butário se daria com o pagamento no valor e na forma
estipulados pelo acordo juridicizado pela transação.
A pretensão de “transação”, sem critérios legais, des-
loca a denotação do termo para o vazio das concessões
recíprocas e de ordem econômica, indisponível em ma-
téria de direito público. Sem critério legal prévio não há
como imunizar a pressão dos interesses econômicos sobre
os agentes públicos, assim, a transação ignora o Poder Le-
gislativo, dispensa o Poder Judiciário de sua principal fun-
ção constitucional e expõe o Poder Executivo, eliminado
a vinculação do ato administrativo e induz ao excesso de
poder e ao desvio de finalidade os atos de transação.
É como instaurar um novo Conselho de Contribuintes,
mais arrojado e moderno, o CCSL: Conselho de Contri-
buintes Sem Lei, cujas decisões são feitas a portas fecha-
45TRIBUTAÇÃO em revista
das, sem critérios jurídicos e sem necessidade de motiva-
ção para júbilo e pleno gozo das partes interessadas na
realização da “boa-fé” e da “justiça”.
TR: Ainda que intenção dos proponentes seja boa,
outros interesses em dissonância com o interesse pú-
blico podem se valer desta iniciativa para distorcer
seus objetivos?
ES: Além disso, sua pretensão de pessoalidade está cla-
ramente endereçada aos grandes agentes econômicos que,
certamente, terão preferência na longa fila das transações.
Quem mais pretenderá impugnar administrativa ou judi-
cialmente: o negócio será a “transação”.
Externalidade positiva e sorte para os que transacio-
nam. Externalidade negativa e azar para o resto do Bra-
sil, para a livre concorrência, para o Estado do Direito e
para o pequeno contribuinte, excluído expressamente no
Projeto do “paraíso transacional” e também ao médio que
terá pouca chance de preferência nas longas filas que se
formarão perante os Conselhos de Conciliação da Fazenda
Nacional. E a Economia Política é cruel e injusta: se mui-
tos não pagam e as despesas continuam aumentando sem
parar, alguém haverá de pagar as contas e compensar os
créditos tributários perdoados na “transação”: o aumento
da carga tributária é inevitável e será sempre mais fácil co-
brar na “fonte” dos assalariados que pagaram a conta, mas
nunca terão acesso à “ilha transacional”.
TR: Esse instrumento pode contribuir para abalar o
esforço do Estado contra a sonegação fiscal?
ES: Não. Transação não só abala o combate à sonega-
ção, como também blinda e imuniza àqueles que aderi-
rem ao procedimento transacional. É aqui que, não por
acaso, surge a tal “confidencialidade” totalmente estranha
ao direito público e aos nossos tribunais administrativos e
judiciais: exsurge porque o “litígio” que a transação geral
se propõe a resolver só se interessa pela pessoalidade do
agente econômico, não se preocupando com o interesse
público envolvido. É o espaço dos interesses privados,
mesquinhos e contingentes, pretendendo impor-se, cap-
turando e sobrepondo-se ao interesse público.
Enfim, a transação geral não é legal: altera profunda-
mente toda lógica do Código Tributário Nacional e, só por
isso exigiria Lei Complementar: mas tal veículo é desne-
cessário, pois toda sua materialidade é absolutamente in-
constitucional.
TR: Afinal, a transação beneficia ou compromete a
arrecadação tributária? Por quê?
ES: É aqui que entra o uso promíscuo do termo “lití-
gio” em sentido econômico (mas travestido, como se fosse
critério jurídico), enquanto conflito de interesses entre as
parte, mas restrito ao objeto do pagamento, que se pola-
riza tão apenas no “pagar”, “não pagar”, “pagar menos” e
“como”, sem qualquer possibilidade de controle ou me-
diação do jurídico.
Se o objeto da transação é tão-só pagar menos do que
é devido e depois? Pergunta-se: por que os outros contri-
buintes pagaram tributo em seu valor nominal e antes?
Não seria melhor transacionar sempre?
TR: Deixamos este espaço para que o senhor faça ou-
tros comentários que julgar pertinentes sobre tran-
sação tributária.
ES: O presente projeto pretende construir um “para-
íso fiscal” dentro no próprio ordenamento, blindando o
passado e o futuro das “transações” concedidas.
Neste novo “paraíso transacional” não haverá mais fi-
las para se obter CNDs; não haverá mais demora, nem a
burocracia do controle jurídico, nem a palpitante incerte-
za das mudanças de rumo da jurisprudência dos nossos
tribunais: com a promessa do anteprojeto de “ampliar o
relacionamento da Fazenda com os sujeitos passivos, im-
plementando “modernidade”, “flexibilidade”, “agilidade” e
“eficiência” na tutela dos créditos tributários... Para que
Constituição? Vamos todos à “transação”!
46 TRIBUTAÇÃO em revista
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy“Mais uma alternativa para a manutenção dos
índices de arrecadação”
e NTREVISTA
Tributação em Revista: Segundo o Ministério da Fa-
zenda o PL 5.082/09 e o PLP 469/09, que tratam da
transação em matéria tributária, trariam uma “nova
relação entre a administração tributária e os contri-
buintes”, por meio de uma “aplicação mais homo-
gênea da legislação tributária” e do “entendimento
direto” entre as partes. Em sua opinião, existem real-
mente tais benefícios? Quais os pontos benéficos para
a administração tributária e para contribuintes?
AG: Sim, absolutamente. Há inúmeros pontos benéficos
para a administração tributária e para o cidadão. Digo cida-
dão, em vez de contribuinte, porquanto defendo intransigen-
temente a constitucionalização do Direito Tributário. Isto é, o
Direito Tributário deve ser pensado também a partir de valores
de dignidade da pessoa humana. A relação entre Constituição
e Direito Tributário não se esgota nos princípios e nas regras
da primeira parte do título VI do texto de 1988. A mera redu-
ção do cidadão em contribuinte é referencial de linguagem que
Dr. Arnaldo Godoy*, pensador e especialista em transações tributárias, apresenta-nos nesta entrevista um ponto de vista favorável à Lei Geral de Transações, reba-tendo algumas críticas e mostrando a sua validade e os seus benefícios.
* Pós-doutor em Direito Norte-Americano pela Universidade de Boston e professor de Direito Tributário do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb) e do programa de mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília, apresenta nesta entrevista um ponto de vista favorável à Lei Geral de Transações. Como pensador e especialista em transações tributárias, rebate algumas críticas e mostra sua validade e seus benefícios.
47TRIBUTAÇÃO em revista
qualifica uma relação desigual e ameaçadora, constrangedora
até, que não tem espaço em uma sociedade livre e democrática.
O contribuinte ao qual se refere o Código Tributário
Nacional é cidadão, antes de tudo. O referido entendimen-
to direto entre as partes não é ilimitado ou marcado pela
inexistência de parâmetros bem definidos. Talvez porque
tomada fora do contexto em que provavelmente foi enun-
ciada, a ideia de entendimento direto entre as partes é im-
precisa. Não revela exatamente os propósitos e modelos que
há na lei geral de transação que o Executivo encaminhou
ao Legislativo. Nas quatro modalidades de transação que
se pretende fixar (transação em processo judicial, transação
em insolvência civil, transação por recuperação tributária
e transação administrativa por adesão) não se tem, em ne-
nhum momento, o entendimento direto entre as partes.
A transação judicial se desdobra sob o crivo de um magis-
trado. De igual modo, a transação na insolvência e na falência
somente pode ser realizada pelo juiz. E a transação é exceção, e
não regra. Por exemplo, não se permite a transação em proces-
so judicial em ações mandamentais ou cautelares. Isto exclui a
maior parte das discussões que há hoje em juízo. A opção pelo
mandado de segurança decorre da inexistência da sucumbên-
cia, as cautelares exigem apenas a fumaça de um bom direito.
Por isso, a opção que se faz por estes dois remédios.
A transação em processo judicial tem destinatário certo:
as execuções fiscais, que hoje representam mais de 35% dos
processos que correm na justiça, e que custam mais da for-
ma como se encontram, do que os valores que efetivamente
levariam aos cofres públicos. Segundo o Conselho Nacio-
nal de Justiça, 50% dos casos pendentes em 2009 são de
execução fiscal. Será que não há alternativas? E apenas
9% dos processos baixados em 2009 são de execução de
dívidas tributárias.
O cidadão ganha porque terá mais um canal de co-
municação com o Estado. Este último também ganha
porque terá mais acesso a informações, poderá reduzir a
quantidade de ações judiciais, poderá ser mais eficiente,
terá mecanismos para lidar com situações que o modelo
atual trata com intransigência, fazendo que, com frequ-
ência, a tática vire-se contra o tático.
TR: Haveria algum retrocesso quanto à arrecadação
em relação à normatização hoje vigente?
AG: Não, não haveria nenhum retrocesso. Pelo contrá-
rio. Em uma perspectiva de Direito e Desenvolvimento, que
é percepção que também interessa para o Brasil, e que hoje
não é definitivamente o mesmo país da época da formula-
ção do CTN, a transação representa mais uma alternativa
para a manutenção dos índices de arrecadação. A transação
representa economia ou pode representar, uma vez que o
modelo pode acenar com possibilidades alternativas para
mediação e composição de conflitos. A transação repele
a tese do mais do mesmo, segundo a qual o aumento do
número de juízes, procuradores e auditores seria suficiente
para o enfrentamento dos problemas pelos quais passamos,
e que orçamentariamente tem peso assustador. O antídoto
e a posologia para a patologia processual tributária que vi-
vemos não é o mais do mesmo. A transação é uma alterna-
tiva, possivelmente aplicável em casos excepcionalíssimos.
A apreensão que a transação suscita em relação à continui-
dade dos níveis de arrecadação, e que eu chamo de tese
da indução negativa, somente teria sentido se a transação
fosse regra, e não exceção, e se as repartições fazendárias
se tornassem balcões de negócios, como insinuam alguns
críticos mais apressados do projeto. Inúmeras modalidades
de transação que hoje há, e refiro-me aos modelos da Lei nº
9.964/2000 (Refis) e da Lei nº 10.684/2003 (Paes) compro-
vam justamente o contrário.
TR: O que o senhor diria sobre a constitucionalida-
de dos projetos? Não haveria inobservância de al-
guns principios constitucionais de Direito? Por exem-
plo: excessiva discricionariedade, não vinculação do
ato administrativo e falta de isonomia ao dar trata-
mento diferenciado aos contribuintes que transacio-
nam (redução de juros e multas).
AG: Não há inconstitucionalidades no projeto. O que
pode haver é uma mudança de paradigmas. O modelo
atual nega formalmente qualquer vontade autônoma dos
órgãos administrativos, confundindo discricionariedade
com o mito da intangibilidade do mérito administrativo.
48 TRIBUTAÇÃO em revista
A discricionariedade deve ser vista como um espaço para
o exercício de um resíduo de legitimidade, na feliz expres-
são de Diogo de Figueiredo Moreira Neto. A decisão ad-
ministrativa ganha legitimidade não apenas pelo controle
do procedimento (como hoje se faz) mas também pelo
controle do resultado (o que a transação poderia propi-
ciar a longo prazo). A isonomia tributária, tanto quanto
me parece, consiste em se tratar igualmente cidadãos que
estejam em circunstâncias fiscais idênticas. A isonomia é
relacional e só pode ser concebida se identificada em rela-
ção a alguma coisa ou situação. O falido, o insolvente e o
executado devem ser comparados com falidos, insolven-
tes e executados, como condição para manutenção des-
sa mesma igualdade que a pergunta sugere. Não se trata
o falido do mesmo modo como se trata o empreendedor
exuberante que fatura e multiplica seus negócios. As situ-
ações são distintas. Esse medo imaginário poderia facil-
mente ser contornado com dispositivo na lei de transação
que estabelecesse que a comprovação de que o cidadão
tivesse condições de recolher o tributo objeto de transação
no momento fixado por lei, e que não o fez, dolosamen-
te, na expectativa de transação superveniente, seria causa
suficiente para vedar qualquer composição. Isso de certa
forma já existe. O projeto dispõe que a comprovação de
que o cidadão concorreu com dolo, fraude ou simulação
para sua insolvência ou falência ou que não utilizou da
denúncia espontânea, antes da transação, esta não poderá
ser concluída ou será nula, sem prejuízo das sanções pe-
nais cabíveis. Essa discricionariedade putativa que a per-
gunta sugere revela incompreensão para com o projeto.
Estudo minucioso de todas as modalidades de transação
que o projeto sugere confirma haver limites rigorosos para
o processamento e para o desdobramento do acordo.
TR: Uma das críticas a esses projetos é que eles con-
fundem interesses públicos com os privados. O que
o senhor diria a respeito?
AG: Eu diria que essas críticas não conseguem objeti-
vamente explicitar o que seja interesse público. Quando
muito, reproduzem um mantra, que todos reproduzem,
mas ninguém explica. O que é interesse público? O dog-
ma da supremacia do interesse público foi construído pelo
Direito brasileiro como base em percepção vigorosa de
Estado, detentor de vontade, que é concebida como uma
vontade geral. Essa última ideia remonta a Rousseau, para
quem a vontade geral seria invariavelmente reta e tenderia
sempre à utilidade pública. A construção desse dogma fez-
se com base em leitura que reduziu a Revolução Francesa
a um grupo de lugares comuns, especialmente no que se
refere à concepção dos institutos do Direito Administra-
tivo. Foi Alexis de Tocqueville quem primeiramente fez
a denúncia, no sentido de que o Direito Administrativo
revolucionário manteve os contornos do Direito Adminis-
trativo do regime absolutista dos Bourbon. É que, entre
outros, a centralização administrativa seria instituição do
Antigo Regime, e não obra da revolução. O vínculo entre
vontade geral e legalidade, que dá suporte à concepção
clássica de interesse público, foi formulado como reação
ao Estado Absoluto, a partir do uso recorrente de outro
mito, relativo à existência de uma sociedade autossuficien-
te. Contemporaneamente, interesses públicos deixam de
qualificar conceitos totalizantes, absolutos, apriorísticos.
Exige-se reflexão em torno de casos concretos, lidos à luz
da ponderação. Não se pode perder de vista também o
consentimento do administrado, no que se refere à defini-
ção de políticas e do agir administrativo. Não há definição
objetiva de interesse público, especialmente em âmbito de
jurisprudência de tribunais superiores. A busca do inte-
resse público, em todas essas dimensões, é um dever da
Administração. Deveria orientar a produção normativa do
Poder Legislativo. Deveria fixar os parâmetros da ação e
Não se trata o falido do mes-mo modo como se trata o
empreendedor exuberante, que fatura e multiplica
seus negócios
49TRIBUTAÇÃO em revista
dos projetos do Poder Executivo. É o referencial para toda
a atuação do Poder Judiciário. O conceito é indefinido, do
ponto de vista linguístico, nas variáveis de dicionários de
equivalência. Mas é percepção de ampla inspiração demo-
crática, de balizamento para a eficiência da Administração.
Transita no tempo. Mas permanece, intuitivamente, pelo
menos, como advertência para o que não se pode fazer.
Vincula-se, ainda, à ideia de eficiência. Definitivamente,
não há nenhuma pista ou orientação que confirme que
o interesse público, o que quer que seja, fosse categoria
ameaçada por regime de transação tributária. Pelo con-
trário, ideia de eficiência sufragaria o uso de técnicas de
transação fiscal.
TR: A arbitragem prevista no PL 5.082, tal qual ela é
hoje definida em nosso ordenamento jurídico, existe
para solucionar litígios relativos a questões de fato e
de direito sobre direitos patrimoniais disponíveis. Ela
também seria um instituto jurídico válido e aplicável
à questão tributária? A supremacia do Estado em tra-
tar de questões a ele pertinentes não seria atingida?
AG: A arbitragem é mais uma alternativa. E deve ser
bem-recebida. É justamente ao Estado a quem mais inte-
ressa a conciliação e a arbitragem. E nosso direito não repu-
dia a arbitragem em âmbito de direito público. Um estudo
paciente da história do direito brasileiro revela precedentes
que sufragam minha tese, de que o direito público brasileiro
não hostiliza a arbitragem. Refiro-me, entre outros, ao caso
Lage, discutido no Supremo Tribunal Federal nos limites do
agravo de instrumento nº 52.181/GB, relatado pelo minis-
tro Bilac Pinto e julgado em 31 de outubro de 1973. O caso
sedimentou entendimento de que no direito brasileiro é
plausível e possível o uso da arbitragem, ainda que perante
a Administração Pública. O caso Laje é o mais nobre ante-
cedente de uma linhagem que chega às Câmaras de Con-
ciliação e Arbitragem da Advocacia-Geral da União. Existe
ambiente normativo no Brasil para que tenhamos regimes
alternativos de solução de conflitos que envolvam interesses
públicos também. No Ocidente conhecemos três modelos
de composição de conflitos: um modelo ético, que decorre
da convergência de vontades entre as partes; um modelo
transacional, que desdobra-se no acordo, na mediação e no
arbitramento, e um modelo de autoridade, que se centra
unicamente no Judiciário. Este último luta recorrentemente
para não se esgotar na própria seiva, procura alternativas.
O exemplo das Câmaras da AGU é o mais expressivo indi-
cador de que soluções de conflitos decorrem de modelos
que não são dados, e sim construídos culturalmente, e que
podemos levar a imaginação institucional ao limite, para a
resolução adequada de nossos problemas.
TR: Com a transação tributária, os créditos públicos,
caracterizados como bens públicos indisponíveis, não
deixariam de sê-lo?
AG: Em absoluto. O crédito tributário não perde sua
natureza, apenas porque foi objeto de transação. Isso é
fetichismo institucional. Dou um exemplo. O Conselho
Nacional de Justiça noticiou que o Tribunal de Justiça do
Mato Grosso do Sul articulou um programa para paga-
mento de débitos judiciais, de origem fiscal, que atendeu
a mais de 8mil pessoas. Originário de um convênio fir-
mado entre a Prefeitura Municipal de Campo Grande e
o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, ofereceu-se
rara oportunidade para que o campo-grandense pudesse
quitar débitos de IPTU, com desconto e sem juros, e com
arquivamento da ação de execução fiscal. O cidadão pôde
deixar de ser inadimplente, bem como as empresas pude-
ram negociar seus débitos. Além da presença de mais de
8mil cidadãos, os telefones atenderam mais de 10mil liga-
ções. Recomendou-se, inclusive, que não se deixasse para
Não há como afirmar o que acontecerá com a arrecada-ção com a eventual aprova-ção da lei de transação, mas pode-se afirmar que o Esta-
do custará menos
50 TRIBUTAÇÃO em revista
a última hora, evitando-se as filas. O crédito ajuizado po-
deria ser pago à vista, em uma única parcela, com exclu-
são das custas iniciais, e com desconto de 100% nos juros
de mora. Nos casos de multa, houve redução de 80% do
valor, para pagamento à vista. Além do tributo o cidadão
deveria recolher um valor único de R$ 60,00 por processo
para pagamento à vista e de R$ 90,00 para pagamento par-
celado. A notícia deu conta, efetivamente, de implemento
de transação. Frise-se a oportunidade relativa à quitação
de débitos, por parte do contribuinte, a possibilidade da
extinção dos feitos e consequente arquivamento, o bene-
fício imediato para cidadãos e empresas, entre tantos ou-
tros. A nota indica, inclusive, a apreensão com a formação
de filas, algo inusitado, em se tratando do recolhimento de
tributos. Em troca de receita imediata, o município propi-
cia generosos descontos. O Judiciário diminui a carga de
trabalho, o volume de processos, cumpre metas. Tem-se,
de fato, a renúncia de recursos e do processamento das
execuções, por parte do devedor e, de outro lado, a re-
núncia de valores (supostamente irrenunciáveis) por parte
da Administração. É essa reciprocidade de concessões, na
qual todos ganham, que qualificam a transação, ainda que
não se altere o Código Tributário Nacional e que não se
tenha uma Lei Geral de Transação.
TR: Como o sr. vê o papel da Câmara Geral de Tran-
sação e Conciliação? Não haveria conflitos entre os
papéis dos Poderes Executivo e Judiciário?
AG: Não. As Câmaras têm papel auxiliar. Não há com-
petição, há convergência de interesses. Os Conselhos de
Contribuintes do Ministério da Fazenda, por exemplo, e
no mesmo sentido, qualificam uma experiência histórica
de grande valor e que em nenhum momento ameaçou as
relações entre o Executivo e o Judiciário. O mundo con-
temporâneo não tem mais espaço para discussões concei-
tuais e metafísicas relativas a uma doutrina do século XVIII
e que precisa ser repensada. É dever de nossa geração le-
var ao limite o experimentalismo democrático, na medida
em que constatamos a morte do conflito entre estatismo
e privatismo, entre economia planejada e livre mercado.
A separação absoluta entre os poderes não é um gigante
Atlas imaginário que sustenta a adequada resolução de to-
dos os problemas institucionais e episódicos que há. E os
defensores do projeto não somos tão ingênuos a ponto de
pretendermos que a transação afastaria o livre acesso ao
Judiciário, garantia constitucional, que constitui cláusula
de policiamento de reserva. Não há ingerência ou confu-
são porque sempre, e a qualquer momento, ao cidadão a
Constituição faculta o acesso ao Judiciário.
TR: A transação tributária não poderia contribuir
para abalar o esforço do Estado contra a sonegação
fiscal? Ou seja, com ela haveria estímulo para o con-
tribuinte “transacionar”, com redução de multas e
juros, ao invés de cumprir pontualmente com suas
obrigações tributárias?
AG: Pelo contrário, mais uma vez a pergunta pode
evidenciar manipulação retórica da teoria da indução ne-
gativa. Como já disse, esse medo imaginário poderia facil-
mente ser contornado com dispositivo na lei de transação
que estabelecesse que a comprovação de que o cidadão
tivesse condições de recolher o tributo objeto de transação
no momento fixado por lei, e que não o fez, dolosamen-
te, na expectativa de transação superveniente, seria causa
suficiente para vedar qualquer composição. Parte-se de
uma antropologia negativa e macunaímica que vê em todo
cidadão um sonegador em potencial. A questão é priori-
tariamente cultural. Além do que, ainda que não necessa-
riamente em âmbito tributário, desdobra-se no Brasil uma
frenética cultura transacional, que floresce na Administra-
ção Pública. É o que se tem, por exemplo, com a Lei nº
9.469, de 10 de julho de 1997. E também, a Portaria nº
990, de 16 de julho de 2009, baixada pelo advogado-geral
da União, delegou competência para que o advogado-ge-
ral da União substituto, o procurador-geral da União e o
procurador-geral federal também possam entabular acor-
dos e transações. Especialmente, nos termos da Portaria nº
915, de 16 de setembro de 2009, baixado pelo Procura-
dor-Geral Federal, verifica-se modelo muito objetivo, que
permite que os órgãos de execução da Procuradoria-Geral
51TRIBUTAÇÃO em revista
Federal possam realizar acordos e transações, em juízo,
para terminar litígio. De acordo com o referido permissi-
vo, pode-se transigir em causas de valor até um milhão de
reais. O momento exige alternativas para a resolução de
conflitos que transcendam à prática comum que se vê no
Judiciário.
TR: Afinal, a transação beneficia ou compromete a ar-
recadação tributária? Por quê?
AG: A pergunta sugere uma prognose e um exercício
de prestidigitação contábil que ninguém consegue seria-
mente realizar. Eu creio que a lei geral de transação pos-
sibilita canais de comunicação entre o cidadão e a Admi-
nistração que promovem a dignidade da pessoa humana
e que colaboram para o desenvolvimento de uma nova
cultura. A transação é um marco na constitucionalização
do Direito Tributário. A arrecadação tributária é condicio-
nada por inúmeros outros elementos, que os economistas
conhecem muito mais do que os juristas. A aproximação
entre o Direito e a Economia, no contexto da chamada
análise econômica do direito, pode evidenciar que a má-
quina administrativa poderia ser menos custosa, num am-
biente de cultura transacional, de justiça fiscal consensual.
Além disso, o modelo atual parece ter impactos negati-
vos na neutralidade e na decisão dos agentes econômicos.
Uma teoria da tributação ótima, centrada na eficiência e
na equidade, não pode perder de vista um dos princípios
enunciados por Adam Smith, para quem a arrecadação do
tributo deva implicar num baixo custo para o contribuin-
te, bem como o seu resultado deva ser superior aos gastos
que o Estado tenha para arrecadar. Quanto custa o modelo
atual? Por que execuções fiscais com valores inferiores a 10
mil reais nem sequer são ajuizadas? Não há como se afirmar
peremptoriamente o que ocorrerá com a arrecadação com a
eventual aprovação da lei de transação. Pode-se afirmar, no
entanto, que o Estado poderá custar menos, que repudiamos
a tese do mais do mesmo, que haverá alternativas para im-
passes, que nossa cultura jurídica ganhará em qualidade, que
vencemos a visão macunaímica de que somos todos sonega-
dores ou fraudadores ou corruptos. Meios de fiscalização não
faltam. Para isso, o Ministério Público, o Tribunal de Contas e
as várias corregedorias estão por aí, o tempo todo.
52 TRIBUTAÇÃO em revista
Comentários sobre a Lei Geral de Transação
A existência de conflito faz parte da natureza humana.
Assim são todas as relações sociais e não poderia deixar de
ser a relação entre o Estado e o cidadão, inclusive quando
eles estão nas condições de fisco e sujeito passivo de obri-
gação tributária (contribuinte e responsável).
O conflito é um dos pressupostos para haver transa-
ção. Ela somente ocorrerá quando as partes da contenda
resolverem ceder mutuamente parcela de seus direitos ou
pretensões, com o objetivo de terminar o litígio.
A suposta transação contida no Projeto de Lei (PL) nº
5.082/2009, que foi submetido pelo Executivo para apre-
ciação do Legislativo Federal, pretende a terminação de
litígios ou conflitos tributários. Nesse sentido, cumpriria
a mesma missão de qualquer das formas de extinção da
obrigação tributária, previstas no art. 156 do Código Tri-
butário Nacional (CTN), tais como o pagamento, a com-
pensação, a remissão, a prescrição e a decadência. No en-
tanto, no PL não existe a exigência de concessões mútuas.
Na verdade, é o Estado que sempre cede algo.
O CTN já contempla a possibilidade de transação
como forma de extinção do crédito tributário, mas nunca
Nei Simões Pires Gallois 1
a disciplinou. A razão para a inércia legislativa se deve ao
fato de ser muito difícil o estabelecimento de critérios para
a renúncia do crédito tributário sem que se conceda forte
discricionariedade ao agente político ou administrativo e
sem que se prejudiquem princípios constitucionais de lar-
ga tradição adotados pela atual Carta brasileira, como os
da impessoalidade, da igualdade e da legalidade. Como
estabelecer em lei condições justas e igualitárias que não
desestimulem os bons pagadores a continuar adimplindo
regular e tempestivamente suas obrigações fiscais?
A exigência de concessões mútuas é da essência de
uma transação e faz parte do instituto desde os tempos
mais antigos, conforme evidencia o Direito Romano. Os
autores do projeto da Lei Geral de Transação (LGT), contu-
do, não acharam que isso serviria de empecilho para imple-
mentá-lo. Para tanto, propuseram uma alteração no CTN
para afastar a referida exigência, consoante o Projeto de Lei
Complementar nº 469/2009. Como resultado, a concretiza-
ção de uma transação dependeria tão somente da renúncia
a um direito ou pretensão por parte do Estado.
A possibilidade da renúncia estatal já está contemplada
na atual legislação. A remissão do crédito tributário e a anis-
a RTIGO
1 - Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil no Rio Grande do Sul.
53TRIBUTAÇÃO em revista
tia das penalidades estão previstas no CTN como moda-
lidades de extinção e exclusão2 do crédito tributário, res-
pectivamente. Ambas vêm regradas de forma a não agredir
os princípios constitucionais. Exigem controle do Poder
Legislativo – que somente pode autorizá-las mediante lei
específica – e submissão ao cumprimento de diversas con-
dições previstas no CTN.
O PL da transação faz confusão entre vários institutos
jurídicos, reunindo a remissão, a anistia, o parcelamento
e a dação em pagamento de bens imóveis sob a mesma
designação. Em verdade, utilizando o pomposo nome de
Lei Geral de Transação, pretendem outras coisas que não
a transação, a pretexto de uma questionável redução do
estoque do passivo tributário3.
Não há dúvidas de que a ação da Receita Federal do
Brasil, por meio das autuações de ofício, seja a grande
causa motivadora da arrecadação espontânea. O risco da
ação fiscal gera temor no contribuinte, estimulando-o ao
adimplemento dos tributos. A LGT exerceria uma ação
em sentido contrário: primeiro, porque serviria de água
fria para os fiscais, que teriam dúvidas sobre a efetividade
de seu trabalho; segundo, porque o sujeito passivo po-
deria protelar seus procedimentos, contando com a sorte
de fugir das garras do leão ou ainda realizar transação (=
receber concessão) que lhe represente um efetivo ganho
de oportunidade.
As diversas situações em que a “transação” poderia
ocorrer, segundo o PL, não dão ensejo a se imaginar que
o sujeito passivo conceda algo para a sociedade (direito
ou pretensão), a não ser o próprio fim do litígio. Assim,
caminha-se à petição de princípio de que se concede o fim
do litígio para se obter o fim do litígio.
A obtenção da certidão negativa de débitos também
se presta como estímulo para a arrecadação espontânea.
A LGT também, mais uma vez contra esse propósito, li-
beraria muito facilmente a certidão, inclusive pela mera
formalização do pedido de transação.
O projeto prevê o processamento da “transação” pe-
los procuradores da Fazenda Nacional, pelas Câmaras de
Conciliação e Transação (CGT) e pela Câmara Geral de
Conciliação e Transação (CGTC). Esta última, presidida
pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), cujo
cargo é de confiança do Ministro da Fazenda, seria respon-
sável pelas principais diretrizes. O deferimento de opera-
ções com valores mais elevados ficaria a cargo do PGFN ou
do Ministro da Fazenda. Com isso, a legislação proposta
conferiria plenos poderes de renúncia fiscal a apenas uma
pessoa, cujos vínculos políticos, pessoais, negociais ou
afetivos são desconhecidos. O princípio da impessoalida-
de ficaria seriamente atingido. O mesmo ocorreria com os
princípios da publicidade e da isonomia, já que apenas as
ementas das decisões seriam publicadas. Os outros contri-
buintes não teriam como saber os motivos de uma transa-
ção ocorrida para pleitearem o mesmo benefício.
Os mentores do PL de transação sustentam que a tran-
sação não atingiria o tributo, mas apenas os consectários
legais. Seu argumento estaria fundado no caput do art. 7º,
que afasta a transação que implique negociação do montante
do tributo devido. Entretanto, essa assertiva é inconsistente,
tendo-se em conta a redação confusa e imprecisa do pa-
rágrafo primeiro do mesmo artigo, cujo texto afirma não
constituir negociação do montante dos tributos as reduções que
decorram do procedimento de transação, quanto à interpretação
de conceitos indeterminados do direito ou à identificação e rele-
vância do fato, aplicáveis ao caso, cujo resultado seja a redução
de parte do crédito tributário.
O PL da transação contém vícios insanáveis. Deve ser
combatido no Congresso Nacional para que não seja apro-
vado. Emendá-lo não iria corrigi-lo.
Por fim, ressalta-se que projeto da LGT não é o único
perigo iminente. O PLC que altera o CTN também prevê
a instituição da arbitragem no campo tributário. A arbitra-
gem já ocorre no Brasil, no âmbito do direito privado. Ela
permite o afastamento da apreciação de litígios pelo Poder
Judiciário. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou
sobre a constitucionalidade do instituto. Entretanto, a ar-
bitragem privada serve apenas para questões envolvendo
direitos disponíveis. Pergunta-se: o crédito tributário é di-
reito disponível?
2 - O CTN classifica a anistia indevidamente como modalidade de exclusão do crédito tributário. Na verdade, deveria ser extinção.
3 - Ou quem sabe, ativo tributário.
54 TRIBUTAÇÃO em revista
Transação Tributária e os Projetos de Leiem Trâmite no Congresso Nacional
a RTIGO
1. Apresentação
O Poder Executivo Federal enviou à Câmara dos De-
putados, no dia 20 de abril de 2009, o Projeto de Lei nº
5.082/09 (doravante, PL 5.082/09), que trata da Lei Geral
de Transação Tributária (LGT) e o Projeto de Lei Comple-
mentar nº 469/09 (doravante, PLP 469/09), que altera o
Código Tributário Nacional.
Na visão do Poder Executivo, este instrumento consti-
tuirá uma “nova relação entre a administração tributária e
os contribuintes”, por meio de uma “aplicação mais homo-
gênea da legislação tributária” o “entendimento direto”1
entre as partes. Assim, a nova legislação viabilizaria uma
execução mais rápida, eficaz e eficiente do crédito tributá-
rio em cujas fases administrativa e judicial consomem-se,
Álvaro Luchiezi Jr*Alexandra Trentini**
Natalie Cevallos Mijan***Renata Machado de Araújo****
em média, quatro e doze anos, respectivamente. Permiti-
ria, também, reduzir o estoque da dívida ativa da União,
cujo total, inclusive a parcela em litígio, aproxima-se de
900 bilhões de reais.
O presente artigo propõe-se a analisar ambos os proje-
tos, apresentando uma visão crítica dos benefícios acima
indicados, argumentando que, em diversos momentos,
estas iniciativas estão permeadas por uma série de dispo-
sitivos que ofendem os princípios do Estado Democrático
de Direito.
2. Questões Conceituais e Alguns Comentários
A transação é um ato de vontade bilateral, podendo ser
considerada um contrato. O artigo 840 do Código Civil
* Economista, Gerente de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional
**Advogada, Assessora de Diretoria do Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional
***Advogada, ex-Assessora de Diretoria do Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional
**** Ex-estagiária Departamento Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional.
1 - BRASIL. Poder Executivo. Exposição de Motivos Interministerial nº 00204/2008 – MF
55TRIBUTAÇÃO em revista
Brasileiro estabelece a licitude aos interessados em preve-
nirem ou terminarem litígio mediante concessões mútuas e
ainda estabelece que a transação é permitida somente quan-
to a direitos patrimoniais de caráter privado.
Maria Helena Diniz2 ensina que ocorre transação quan-
do, havendo litígio entre as partes, manifeste-se também o
desejo de encerrá-lo por meio de concessões recíprocas. O
litígio acontece quando as discordâncias entre as pretensões
das partes são levadas à mediação do Poder Judiciário.
Transação é uma a forma de extinção do crédito tribu-
tário prevista no inciso III do artigo 156 do Código Tribu-
tário Nacional (CTN) o qual admite celebrar transação que
“mediante concessões mútuas, importe em determinação
de litígio e consequente extinção de crédito tributário”3. É
essencialmente um negócio jurídico.
Segundo Hugo de Brito Machado4, o litígio, como
requisito essencial para a transação, caracteriza-se pela
resistência de um dos sujeitos da obrigação tributária à
pretensão do outro. Ocorre quando a Fazenda Pública
promove a Execução Fiscal e a esta o contribuinte se opõe,
seja com exceção de pré-executividade ou com embargos.
Ou, então, quando o contribuinte ingressa em juízo contra
a Fazenda questionando a relação tributária e a Fazenda se
opõe à pretensão por ele formulada.
Não cabe transação na fase administrativa do crédito
fiscal pois ainda não há constituição definitiva do crédito
tributário. No processo administrativo fiscal faz-se apenas
o controle interno do lançamento, antes mesmo de ele ser
definitivo para a Administração.
O litígio a que se refere o artigo 171 do Código Tribu-
tário Nacional somente se caracteriza pela instauração da
lide, ou seja, por uma pretensão formulada e resistida em
juízo. A análise pelas instâncias administrativas podem ser
consideradas apenas uma forma de controle da qualidade
da constituição do crédito tributário, não sendo conside-
rado litígio o previsto no Decreto nº 70.235/1972 (Proces-
so Administrativo Fiscal)5.
O uso do termo “litígio” no projeto é dúbio. Pode tanto
se referir à existência de um conflito de interesses media-
dos por critérios jurídicos, quanto ao pagamento e a arre-
cadação, sua forma e oportunidade. No primeiro caso tra-
ta-se do litígio jurídico e no segundo de litígio econômico.
O PL 5.082/09 confunde litígio jurídico com litígio
econômico, oferecendo uma solução econômica discricio-
nária para as controvérsias. Nele prevalecem os critérios
econômicos sobre os critérios do sistema funcional do di-
reito. Cabe a estes orientar o ordenamento jurídico-legal e
não aos econômicos.
3. Os Projetos de Lei nº 5.082/09 e nº 469/09 e os Prin-
cípios Constitucionais de Direito
A transação tributária prevista no PL nº 5.082/09 e no
PLP nº 469/09 fere alguns princípios constitucionais con-
forme se discute a seguir.
A supremacia do interesse público sobre o privado
é um dos mais importantes princípios gerais de direito.
Segundo o professor Celso Antônio Bandeira de Mello6,
onde há função não há autonomia da vontade nem a pro-
cura de interesses próprios, pessoais. Há somente a adstri-
ção a uma finalidade previamente estabelecida e, no caso
da função pública, há submissão da vontade ao escopo
pré-traçado na Constituição ou na Lei. Há o dever de bem
curar um interesse alheio, no caso o interesse público. Os
interesses da Fazenda Pública representam o que a dou-
trina denomina de interesses públicos relativos e podem
ser objeto de transação tributária prevista no CTN, desde
que nos estritos limites legais. A obrigação tributária, seu
cumprimento ou redução, depende estritamente do que
2 - DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 9 ed. São Paulo: Saraiva, v.2, 1995.
3 - Há outras dez formas de extinção do crédito tributário: o pagamento; a compensação; a remissão; a prescrição e a decadência; a conversão de depósito em renda; o paga-mento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º; a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164; a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; a decisão judicial passada em julgado; e a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.
4 - Hugo de Brito Machado, Comentários ao Código Tributário Nacional, Atlas, São Paulo, 2005, v. III.
5 - Decreto nº 70.235 de 06 de março de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal e dá outras providencias.
6 – Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo, 2006, 20ª edição, p. 85/88.
56 TRIBUTAÇÃO em revista
determina a lei, sem vínculo com a vontade da Adminis-
tração Pública ou ainda do contribuinte.
Segundo o PL nº 5.082/09, a transação pode ocorrer
previamente ao litígio, comprometendo assim os princípios
constitucionais da supremacia e da indisponibilidade do in-
teresse público. Transacionar previamente à instauração do
litígio não pode ser do interesse da administração pública
porque nenhum outro interesse, nem o seu próprio nem o
privado, se sobrepõe aos interesses da coletividade.
Cabe ao Estado satisfazê-los sob regime próprio. Estão
fora das possibilidades mercadológicas; beneficiam-se da
supremacia sobre os demais interesses e são indisponíveis.
Desta forma, a Administração Pública não pode, a princí-
pio, com eles transigir. O interesse da administração em
litígios jurídico-tributários é a execução do crédito tribu-
tário conforme os parâmetros legais.
O princípio da legalidade prevê que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”. Esta é a expressão maior do Estado Demo-
crático de Direito como garantia de que a sociedade não
está presa à vontade particular daqueles que a governam.
Segundo Hely Lopes Meirelles7 “na Administração Pública
não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na adminis-
tração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na
Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.
A regulamentação de qualquer matéria por meio de ato
legal requer a observância estrita do princípio da legali-
dade. Na esfera tributária isto implica em exigência de lei
não só para a definição de todos os fatores da hipótese de
incidência de um tributo, mas também para disciplinar
todos os aspectos pertinentes a sua cobrança, dispensa,
redução ou extinção, bem como de seus acessórios.
A lei somente pode autorizar a transação de modo es-
pecífico. O papel da vontade na extinção da relação jurí-
dico-tributária deve resultar de lei que autorize, de forma
igualitária e estritamente vinculada em sua forma, expres-
são e consequências.
O PLP 469/09 trouxe também a possibilidade de a
transação ser regulamentada tanto por lei geral quanto por
lei específica.
Art. 1º A Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 171. A lei, geral ou específica, pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que importe em composição de conflito ou de lití-gio, visando a extinção de crédito tributário.” (grifo nosso)
Dessa forma, essas alterações no corpo do CTN trazem
um permissivo de validade para a Lei Geral de Transação
Tributária e, portanto, o PL nº 5.082/09 também pode ser
concebido como lei geral.
O pagamento é a forma comum de extinção de um
crédito tributário. Como a transação tributária é uma for-
ma alternativa de extinção do crédito tributário, deve ter
seus limites e condições regulamentados exclusivamente
na forma de uma lei específica e não na forma de uma lei
“geral ou específica”, tal como previsto no PLP nº 469/09.
Ademais, não é admissível que a autoridade adminis-
trativa utilize critérios gerais para realizar os acordos. Caso
isso fosse possível, o interesse público estaria à mercê da
discricionariedade dos agentes administrativos, contrarian-
do a necessária vinculação legal no tratamento dos tributos.
De acordo com Saraiva Filho8, “a demasiada discri-
cionariedade dada à Administração por uma lei geral de
transação para autorizar a solução de litígios não passa de
A discricionariedade da au-toridade administrativa, além de ferir o princípio da plena vinculação à lei, deixa mar-gem ao tratamento desigual
dos contribuintes
7 - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
8 - SARAIVA FILHO, Oswaldo O. P. A transação e a arbitragem no direito constitucional-tributário brasileiro. In SARAIVA FILHO, Oswaldo O. P.; e GUIMARÃES, Vasco B. (Org.). Transação e Arbitragem no Âmbito Tributário: homenagem ao jurista Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 43-88.
57TRIBUTAÇÃO em revista
uma inconstitucional delegação legislativa, com arranhão
ao Estado Democrático de Direito”.
A discricionariedade da autoridade administrativa,
além de ferir o princípio da plena vinculação à lei, deixa
margem ao tratamento desigual dos contribuintes. O PL nº
5.082/09 traz algumas delimitações à discricionariedade
da autoridade administrativa responsável pela realização
da transação como, por exemplo, a necessidade de moti-
vação de seus atos.
Existe uma diferenciação conceitual9 entre duas cate-
gorias distintas de interesse público: a indisponibilidade
absoluta e a relativa.
A indisponibilidade absoluta seria a regra, referindo-se
aos interesses da sociedade como um todo, não podendo
ser negociados senão pelas vias políticas de estrita previsão
constitucional.
Já a indisponibilidade relativa seria a exceção, englo-
bando todos os interesses derivados da expressão “patri-
monial” e que, portanto, poderiam ser quantificados mo-
netariamente.
Os interesses da Fazenda Pública representam o que a
doutrina denomina de interesses públicos relativos e po-
dem ser objeto de transação tributária prevista no CTN,
desde que nos estritos limites legais. Em direito tributá-
rio, “o sujeito ativo não pode dispor do crédito tributário,
que é público e indisponível. Somente a lei pode dispor.”10
Trata-se, aqui, do princípio da legalidade e da vinculação
do ato administrativo
Segundo este princípio, a lei não é só exigida para a
definição de todos os fatores da hipótese de incidência de
um tributo11, mas também para disciplinar todos os as-
pectos pertinentes a sua cobrança, dispensa, redução ou
extinção, bem como de seus acessórios.
A obrigação tributária depende estritamente do que
determina a lei, sem vínculo com a vontade da Adminis-
tração Pública ou ainda do contribuinte. O pagamento é a
forma comum de extinção de um crédito tributário. Como
a transação tributária é uma forma alternativa de extinção
do crédito tributário, deve ter seus limites e condições de-
vidamente regulamentados, na forma de uma lei específica
e não de uma lei geral.
O papel da vontade na extinção da relação jurídico-
tributária tem, pois, de resultar de lei que autorize, de
forma igualitária e estritamente vinculada, em sua forma,
expressão e consequências.
A Constituição Federal, no inciso II do artigo 150,
veda qualquer tratamento discriminatório arbitrário entre
os contribuintes, consagrando o princípio da isonomia.
Ao garantir a possibilidade de quitar crédito tributá-
rio em prazos e parcelas especiais ante a homologação da
transação, o PL nº 5.082/09 dá tratamento diferenciado
para os contribuintes que transacionarem. Afronta, assim,
o princípio da isonomia.
A igualdade de todos os cidadãos, na impossibili-
dade de ser garantida no sentido material, deve ser as-
segurada no seu aspecto formal, ou seja, na aplicação
da legislação pela Administração Pública. Respeita-se,
assim, o princípio da dignidade da pessoa humana. Não
é o que ocorre com o PL nº 5.082/09 pois ele dispen-
sa tratamento diferenciado (portanto, não igualitário) a
uma categoria de contribuinte.
O PL nº 5.082/09 cria a Câmara Geral de Transação e
Conciliação (CGTC), subordinada ao Ministério da Fazen-
da, com poderes para extinguir os créditos tributários a
partir de critérios de conveniência e oportunidade e dar a
última palavra sobre a interpretação de conceitos jurídicos
tributários12.
A CGTC é, assim, órgão administrativo do Poder
Executivo que decide subjetivamente, sujeita a sigilo13,
sobre a matéria objeto da transação. Suas decisões não
Nosso ordenamento jurídico prevê a possibilidade detransações tributárias na
esfera judicial
9 – MOREIRA NETO, Diogo F. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
10 – COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 827.
11 – Conforme o art. 150 da Constituição Federal de 1988
12 – O § 2º do Art. 7º do PL 5.082/09 atribui à CGCT a competência de analisar conceito indeterminado de direito.
13 – O art. 50 do PL 5.082 deixa em aberto a possibilidade de as sessões da CGTC e da CTC serem sigilosas, mediante solicitação do sujeito passivo. Questiona-se, neste ponto, se esta possibilidade, que deveria ser uma exceção, não possa se tornar uma prática pois ao sujeito passivo sempre será mais interessante discutir seu débito sigilosamente.
58 TRIBUTAÇÃO em revista
são adstritas à jurisprudência formada nos tribunais,
exceto aquelas proferidas em Ações Diretas de Inconsti-
tucionalidade pelo STF14.
Nosso ordenamento jurídico prevê a possibilidade de
transações tributárias na esfera judicial. Contudo, não
existe uma lei que regulamente a matéria, definindo crité-
rios e atribuindo competências ao Poder Judiciário. Tran-
sações que ocorressem neste contexto obedeceriam sem-
pre a critérios objetivos, legalmente definidos.
O PL 5.082/09 concede prerrogativas para que a CGTC
implemente transações nos moldes do que faria o Poder Ju-
diciário. Contudo, o faz de maneira mais permissiva, pois
faculta-lhe agir discricionária e subjetivamente, sem legisla-
ção ou jurisprudência que as orientem. Ao atribuir à CGTC
funções precípuas do Poder Judiciário o PL 5.082/09 dis-
torce o papel primordial de órgão do Poder Executivo, qual
seja, o de garantir a execução de normas. E mais: eivado de
subjetividade, discricionariedade e sigilo, ao contrário do
que ocorreria se tais decisões se fizessem na esfera judiciária.
Segundo Montesquieu “tudo estaria perdido se o mesmo
homem ou o mesmo corpo os principais nobres, ou do povo,
excedesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar
as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergên-
cias dos indivíduos15”. A separação dos poderes está garan-
tida no artigo 2º da Constituição Federal, o qual declara
a independência e harmonia entre os Poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário. Tal separação é tão importante que
recebe o status de cláusula pétrea, sendo assim imune a
emendas, reformas ou revisões que tentem eliminar ou até
mesmo descaracterizar da Lei Fundamental.
Em síntese, o 5.082/09 permite que um órgão subordi-
nado ao Poder Executivo decida sigilosamente e interpre-
te conceitos jurídicos indeterminados com poderes mais
amplos do que os conferidos aos magistrados. Invade as
esferas do Poder Legislativo e do Judiciário, afrontando
cláusula pétrea do Estado Democrático de Direito, qual
seja, a separação dos poderes.
4. Pontos Críticos dos Projetos de Lei: Reduções Pe-
cuniárias, Extinção de Punibilidade e Arbitragem
O parágrafo 1º do artigo 6º do PL nº 5.082/09 propõe
condições mais favoráveis à extinção dos créditos tributá-
rios, prevendo reduções às sanções pecuniárias (multas,
juros de mora e outras sanções) que chegam a até cem por
cento do seu valor.
As reduções estão definidas nos incisos I a IV, não com
percentuais precisos, mas em intervalos, deixando espa-
ço para que avaliações subjetivas os definam conforme o
caso. O projeto falha ao não prever a motivação para a re-
dução do crédito e abre espaço para a discricionariedade.
Os elevados percentuais de redução nas sanções pe-
cuniárias, tal como os propostos neste artigo, induzem ao
pagamento postergado de tributos com evidentes prejuí-
zos à arrecadação. O contribuinte bom pagador sentir-se-á
desestimulado pois, afinal, será melhor não pagar ou pa-
gar atrasado e gozar da redução nas sanções pecuniárias.
O pagamento integral da obrigação tributária deve ser
sempre o objetivo buscado pelo agente público, e o uso in-
discriminado de reduções deve ser evitado16. O parcelamen-
to, previsto no Código Tributário Nacional, mostra-se uma
alternativa viável para a extinção ou suspensão do crédito
tributário, protegendo integralmente o interesse público.
Uma novidade no PL nº 5.082/09 é o que dispõe seu
artigo 54:
Art. 54. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de de-zembro de 1940 - Código Penal, a partir do período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes tiver protocolizado a proposta de transação.
14 – Conforme Art. 7º, inciso II, alínea a) in verbis:Art. 7º - A transação, em qualquer das suas modalidades, não poderá: (...)II - afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade, salvo nos casos:a) que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão plenária definitiva do Supremo Tribunal Federal
15 – Montesquieu, Charles de. Do espírito das leis, Difusão Européia do Livro, São Paulo, 1962, v. 1, pág. 181.
16 – A legislação tributária brasileira prevê em vários momentos a redução de multas e juros. Vide, por exemplo, a Lei nº. 8.383, que concede em seu art. 60 “redução de 40% da multa ao contribuinte que requer parcelamento de débito no prazo legal de impugnação”, ou a Lei nº. 8.218 que em seu art. 6º concede “redução de cinqüenta por cento da multa de lançamento de ofício, ao contribuinte que, notificado, efetuar o pagamento do débito no prazo legal de impugnação”.
59TRIBUTAÇÃO em revista
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e con-tribuições sociais, inclusive acessórios.
Em nome de uma “nova relação entre a administração
tributária e o contribuinte”, o PL nº 5.082/09 suspende a
pretensão punitiva do Estado e extingue a punibilidade
aos contribuintes pessoa jurídica. Estes não serão punidos
pelos crimes que praticarem contra a ordem tributária e
econômica, assim como pelos de apropriação indébita e
sonegação de contribuição previdenciária.
Enquanto a transação tributária estiver em andamento
o Estado não poderá punir o agente transgressor. Uma vez
concluída a transação, ou seja, após o término da quitação
dos débitos, a punibilidade estaria extinta.
O Direito Penal classifica como “crime” aquelas con-
dutas que ferem os bens protegidos pelo Estado em aten-
dimento ao interesse público. Prevê penas como forma de
punir a infração.
A pena, preceito legal atribuído a qualquer infração às nor-
mas penais, é o instrumento pelo qual o Estado exterioriza sua
punição para aqueles que desrespeitam os bens tutelados.
A punibilidade é a possibilidade de o Estado punir o
indivíduo em decorrência de prática infringente ao fato
típico e antijurídico e, por consequência, à lei penal, com
a devida imposição da pena prevista.
A materialização da punibilidade seria, portanto, a apli-
cação da pena como reprimenda, em caráter ressocializador,
para que o transgressor repare o mal causado à coletividade.
O PL 5.082/09, como já mencionado, prevê a suspen-
são da pretensão punitiva do Estado, ou seja, permite que
o Estado se abstenha de punir o agente transgressor en-
quanto a transação tributária estiver em andamento. A pu-
nibilidade estaria extinta após a confirmação da transação,
ou seja, após o término da quitação dos débitos.
O projeto também afasta a possibilidade de se aplicar
a desconsideração da personalidade jurídica da empresa.
Atualmente, os sócios de uma pessoa jurídica que utiliza-
rem a prática de negócios jurídicos prejudiciais a terceiros,
inclusive o fisco, poderão ser punidos com a desconsidera-
ção da personalidade jurídica com o objetivo de coibir os
abusos cometidos pelos dirigentes, incluindo-se o inadim-
plemento das obrigações tributárias. Ou seja, o instituto
em menção opera como espécie de sanção para os abusos
cometidos pelos dirigentes, incluindo-se o inadimplemen-
to das obrigações tributárias.
Em caso de aprovação do projeto, os sócios ficariam
resguardados de punições por atos decorrentes da má-
administração de suas empresas. Esta previsão afronta
as disposições do artigo 50, do Código Civil, que elenca
as hipóteses em que a personalidade jurídica da empresa
pode ser desconsiderada para fins de responsabilização de
seus gestores, conforme se lê no artigo 50.
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídi-ca, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requeri-mento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam esten-didos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
A aplicação do instituto da desconsideração da perso-
nalidade jurídica ao caso concreto visa garantir o adim-
plemento de obrigações pecuniárias assumidas pela em-
presa, vez que será autorizado o alcance do patrimônio
pessoal dos sócios para quitação de débitos contraídos de
forma abusiva.
Dessa forma, afasta-se a utilização da pessoa jurídica
para prática de atos não afetos à sua finalidade, elidindo o
enriquecimento ilícito dos sócios.
Ressalte-se que a aplicação da desconsideração da per-
sonalidade jurídica independe de autorização de lei es-
pecífica, aplicando-se, portanto, a disposição contida no
artigo 50, do Código Civil, onde exige-se a autorização
judicial. Ademais, as leis nº 6.830, de 22 de setembro de
Com a transação tributária, haverá tratamentodiferenciado entre
contribuintes
1980 (Lei de Execuções Fiscais) e nº 11.196, de 21 de
novembro de 2005, prevêem a aplicação do instituto em
comento em âmbito tributário.
O benefício previsto no artigo supramencionado do PL
5082/09, além de atribuir tratamento diferenciado para
pagamento, assegura a extinção da punibilidade quando
houver a quitação do tributo via transação. Neste momen-
to será definitivamente afastada toda possibilidade de pu-
nição na esfera penal.
Com tal concessão o Estado valoriza o recebimento dos
tributos em detrimento das punições para os devedores, co-
locando em segundo plano o combate à sonegação fiscal.
Reforça-se, assim, a afronta ao princípio da isonomia e
ao principio da razoabilidade. O princípio da razoabilida-
de garante que a Administração Pública, ao atuar no exer-
cício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis
do ponto de vista racional. Estimula, também, de forma
indireta, a ideia de impunidade e desrespeito aos ditames
legais, vez que está previsto em lei a obrigação de se efetu-
ar pagamento de obrigações tributárias.
Ao conceder benefícios para quitação de débitos e
ainda extinguir a punibilidade de crimes contra a ordem
tributária, cria-se uma premiação para o mau pagador, si-
tuação que afronta todos os ditames morais e éticos que
norteiam o Estado Democrático de Direito.
O artigo 1º do PLP 469/0917 também incluiu em nosso
ordenamento jurídico-tributário o instituto da arbitragem.
A arbitragem está contemplada no direito brasileiro
pela Lei nº 9.307, aplicável apenas no campo do direito
privado para solucionar litígios relativos a questões de fato
e de direito sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Sobre a arbitragem, Saraiva Filho18 comenta:
Em regra, o Estado só poderá utilizar-se da nova lei de arbitragem, quando a controvérsia decorra da atuação dele despida de sua supremacia de Direito Público, ou seja, quando o conflito suceda em face da atuação do Estado como particular...
Os créditos tributários são bens indisponíveis pela
sua própria natureza posto que os tributos são exigidos e
arrecadados com a finalidade de atender as necessidades
públicas. Não há, portanto, que se falar na utilização da
arbitragem como forma de solucionar litígios que envol-
vam os créditos tributários.
Essa proposta de arbitragem fere também a suprema-
cia e a indisponibilidade do interesse público. Em questões
privadas há dois interesses privados sendo mediados e deci-
didos. Aqui, há de um lado, interesse público e de outro, in-
teresse privado. Voltamos, novamente, a uma questão mais
ampla já abordada anteriormente. Se as normas e regula-
mentos vigentes defendem suficientemente o interesse pú-
blico, o instrumento da arbitragem e um processo de tran-
sação dificilmente seriam mais eficientes, eficazes e efetivos.
5. Considerações Finais
A transação tributária tratada por ambos os projetos
não é, de fato, transação. Um requisito essencial desse ins-
tituto jurídico são as concessões mútuas. O PL nº 5.082/09
trata, em verdade, de remissão e de anistia tributária, mas,
permeando estes institutos com grande grau de indesejá-
vel discricionariedade.
O PL nº 5.082/09 premia o mau pagador. Suspende a
punibilidade para os crimes contra a ordem tributária e eco-
nômica, de apropriação indébita e de sonegação de tributos,
afastando toda possibilidade de punição na esfera penal.
São claras as evidências de não observação de prin-
cípios constitucionais. Com a transação tributária haverá
tratamento diferenciado entre contribuintes. O crédito
tributário poderá ser quitado em prazos e parcelas es-
peciais e diferentes para cada contribuinte. Os interesses
da iniciativa privada em negociar suas dívidas tributárias
serão sobrepostos aos interesses maiores da sociedade.
Os tributos cobrados via transação não o serão por meio
de atividade administrativa plenamente vinculada, mas
sim por decisões baseadas em critérios gerais de interpre-
tação discricionária.
Por fim, a transação tributária comprometerá a arreca-
dação como um todo. O contribuinte mau pagador será
beneficiado. Sempre que possível o contribuinte preferirá
transacionar, negociar, ao invés de pagar. A arrecadação
espontânea será drasticamente reduzida.
60 TRIBUTAÇÃO em revista
17 – Art. 1º(...) “Art. 171-A. A lei poderá adotar a arbitragem para a solução de conflito ou litígio, cujo laudo arbitral será vinculante.”
18 – SARAIVA FILHO, Oswaldo O. P. A constitucionalidade da nova lei de arbitragem. RDDT, São Paulo, n. 17, p. 44-48, fev. 1997.
61TRIBUTAÇÃO em revista
ra dos Deputados em 25 abr. 2009. Disponível em:
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BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei
5.082/09. Dispõe sobre transação tributária, nas hi-
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e dá outras providências. Publicado no Diário da
Câmara dos Deputados em 25 abr. 2009. Dispo-
nível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/ inte-
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BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Com-
plementar 469/09. Altera e acrescenta dispositivos à
Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código
Tributário Nacional. Publicado no Diário da Câma-
Supremo Tribunal Federal valida aumento da Cofins
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
Natureza: Recurso Extraordinário
Órgão julgador: Plenário
Nº do Processo: RE 527602/SP
Relator: Ministro Eros Grau
Matéria: Majoração de alíquota – Cofins
Recorrente: Plural Editora Gráfica Ltda.
Recorrida/Interessado:
União Federal
Data da Decisão: 5/8/2009
Publicação: 13/11/2009
Texto da Decisão: O Tribunal, por maioria, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, que redigirá o acórdão, vencido o Senhor Ministro Eros Grau (Relator), que lhe dava provimento integral. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Aus-ente, justificadamente, o Senhor Ministro Menezes Direito. Falaram, pela recorrente, o Dr. Pedro Luciano Marrey Júnior e, pela recorrida, a Dra. Cláudia Aparecida de Souza Trindade, Procuradora da Fazenda Nacional. Plenário, 5.8.2009. Ementa: PIS E COFINS – LEI Nº 9.718/98 – ENQUADRAMENTO NO INCISO I DO ARTIGO 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO PRIMITIVA. Enquadrado o tributo no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, é dispensável a disciplina mediante lei complementar. RECEI-TA BRUTA E FATURAMENTO – A sinonímia dos vocábulos – Ação Declaratória nº 1, Pleno, relator Ministro Moreira Alves - conduz à exclusão de aportes financeiros estranhos à atividade desenvolvi-da – Recurso Extraordinário nº 357.950-9/RS, Pleno, de minha relatoria.
62 TRIBUTAÇÃO em revista
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
63TRIBUTAÇÃO em revista
O Recurso Extraordinário nº 527602/SP, de relatoria do
Ministro Eros Grau, foi julgada no dia 05 de agosto de 2009
e ainda está pendente de publicação, o acórdão da decisão,
cuja redação ficou a cargo do Ministro Marco Aurélio Mello.
Em 1999 foi proposta Ação pela Plural Editora e Gráfica
Ltda., com intuito de comprovar que a majoração de alíquo-
ta da Cofins só poderia ser estabelecida por meio de uma lei
complementar, e não por uma lei ordinária, como ocorreu
por meio da Lei nº 9.718.
O pedido foi julgado procedente em primeira instân-
cia e em grau de apelação foi dado provimento ao recurso
da União.
Em grau de Recurso Extraordinário, foi proferida deci-
são, publicada em 13 de novembro de 2009, fixando enten-
dimento majoritário, e dando parcial provimento ao Recurso
nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio Mello.
O acórdão recorrido extraordinariamente considerou
constitucional o aumento da Cofins pela Lei nº 9.718 em
1998. A lei, além de aumentar a alíquota da Cofins, alar-
gou a base de cálculo do tributo, que antes se restringia
ao faturamento e passou a abranger as receitas financeiras
das empresas.
Em 2005 o Supremo julgou inconstitucional a altera-
ção na base de cálculo e no mesmo julgamento, declarou
constitucional o dispositivo da lei que elevou a alíquota
da contribuição.
A nova tentativa dos contribuintes para alterar o enten-
dimento do Supremo sobre o aumento da alíquota foi feita
a partir da tese que defende que a majoração só poderia ser
estabelecida por meio de uma lei complementar, e não por
uma lei ordinária, como ocorreu por meio da Lei nº 9.718.
Os contribuintes passaram a alegar que a majoração
da alíquota foi analisada apenas com base no princípio da
hierarquia de leis, sem que se atentasse para o fato de ter
sido criado um novo tributo, o que exigiria uma lei com-
plementar, conforme estabelece o artigo 1951 da Consti-
tuição Federal.
A editora moveu a ação com intuito de não arcar com a
majoração da contribuição ocorrida em 1999, ano em que a
lei entrou em vigor, até 2004, quando passou a se sujeitar ao
sistema da Cofins não cumulativa, estabelecido pela Lei nº
10.833, de 2003.
A tese da Editora alegava que uma base de cálculo inade-
quada pode desvirtuar a natureza de um tributo, duas bases
de cálculos distintas implicam em dois tributos diferentes.
Alegam que a alíquota não foi simplesmente elevada,
mas sim atrelada a um novo tributo que foi considerado
inconstitucional.
A União sustentou, durante a sessão do pleno do Supre-
mo, que o entendimento pela constitucionalidade da majo-
ração da alíquota da Cofins já está pacificado na corte, por
conta do julgamento de inúmeros recursos analisados de for-
ma monocrática pelos ministros, inclusive com imposições
de multas aos contribuintes que insistem na discussão.
O Ministro Marco Aurélio Mello, em seu voto, afirma que
seria dispensável uma lei complementar para a majoração
da alíquota da Cofins, pois não foi criado um novo tributo.
Com tal decisão, o Supremo Tribunal Federal firma o
entendimento de que a majoração da alíquota da Cofins é
constitucional.
O processo em questão está pendente de julgamento de
Embargos de declaração opostos pela Editora.
Alexandra Trentini
Advogada – Assessora de Diretoria
Departamento de Estudos Técnicos
Sindifisco Nacional
1 - Constituição Federal, art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154,
§ 6º As contribuições sociais e que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modifica-do, não se lhes aplicando disposto no art. 150, III, b.
§ 12. A lei definirá os setores de atividades econômicas para os quais os contribuintes incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativos.
§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou faturamento.
64 TRIBUTAÇÃO em revista
Dai, pois, a César o que é de César
a RTIGO
Há dois mil anos passados reinava sobre o Império Ro-
mano Tibério Cláudio Nero César, desde a morte do seu
padrasto o grande Otavio Augusto, o primeiro imperador.
Tibério era conhecido pela sua coragem e a genialidade
militar, deixando um legado de conquistas, assegurando
o rio Danúbio como a fronteira romana com os bárbaros
germânicos. O grande Império alcançava então desde a
Bretanha aos confins do Oriente Médio, na Palestina.
Como senhora do mundo antigo Roma eventualmente
aceitava como governantes das suas possessões territoriais,
com o status quo de províncias ou como estados aliados, po-
líticos da própria região com mandatos religiosos ou os de
pouca importância administrativa, os quais, porém, estavam
submissos ao seu poder imperial. Um desses governantes
era Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, que teve
sua formação segundo os preceitos da cultura romana, va-
lorizando mais os valores pagãos do Império do que os da
sua cultura original, ligada ao povo judeu. Herodes antipas
herdou o governo da Galileia e da Pereia na margem oriental
do Jordão que a partir de seis d.C. tornaram-se províncias
Foch Simão Jr *
romanas sob jurisdição parcial do Governador da Síria. A
administração de fato da Judeia e de toda Palestina era entre-
gue a governadores romanos da ordem equestre, chamados
de prefeitos, posteriormente denominados de procuradores.
De modo geral, as províncias imperiais eram governadas por
procuradores nomeados pelo imperador. Esses governado-
res instalavam-se como magistrados e administradores com
exércitos próprios estabelecidos permanentemente, deixando
os assuntos sociais e religiosos por conta da administração
dos potentados locais.
A Palestina era a denominação de um território habi-
tado por milhões de pessoas, boa parte de origem judaica,
da qual a sua grande maioria era pobre, que sobreviviam
da agricultura, do comércio e da pesca. Este território
sempre teve uma posição estratégica como via de ligação
entre a África e o Oriente Médio, recebendo o trânsito de
pessoas e bens comerciais que demandavam desde o Egito
e Abissínia até a Numídia e Cirieia no Norte do continente
africano para completar as transações na Fenícia, no Ponto
e demais locais ao norte do império.
* Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
65TRIBUTAÇÃO em revista
Região singular, parte do crescente fértil, disposta
entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, entendia por
27.000km2 desprovidos de significativas riquezas natu-
rais. Destacava-se nesta paisagem uma região montanhosa
setentrional, a Galileia, o último refúgio dos cananeus an-
tes da conquista da Palestina pelos hebreus. É nesta terra,
em Nazaré, no seio de uma turbulenta sociedade judaica,
dividida entre os seus anseios por liberdade, preservação
de sua cultura cívica e religiosa e a sua submissão ao inva-
sor romano, que surge um homem que iria mudar a histó-
ria e a nossa compreensão sobre os tributos.
Excluindo-se algumas elites administrativas e reli-
giosas, a sociedade judaica não possuía a época uma
discrepante diferença visível na sua composição social,
tornando-se um meio fértil de contradições cívicas e espi-
rituais restritas em sua essência pelos preceitos religiosos
talmúdicos e pelo controle coercitivo do Império. É neste
ambiente que em determinado dia, da primeira metade
do século I d.C., que um profeta conhecido como Jesus,
o Nazareno, filho de José, reuniu ao seu entorno uma
multidão que queria vê-lo falar. O local restrito, o templo
judaico, que se transformava na efervescência dos ávidos
assistentes em um burburinhar de comentários paralelos.
Enquanto a turba se amontoava, o profeta fitava-os com o
ar sereno de mestre que aguarda os discípulos apascentar-
-se e aguçarem seus ouvidos. Após alguns momentos de
silêncio, passou o sábio profeta a ensinar o povo sobre as
suas profundas convicções que diziam respeito à vida e ao
espírito indômito dos homens, que por muitas vezes ne-
gam toda a razão do espírito divino pela mesquinha ambi-
ção de usufruir aos precários valores terrenos. Quebrando
a aura de meditação, de repente, sobrevieram ao local os
principais sacerdotes do templo seguidos sequiosamente
pelos vassalos escribas, trazendo consigo alguns anciãos
que, senão vastos em sua sabedoria, plenos de sortilégios.
Interrompendo o profeta, impertinentes questionaram-
lhe junto à multidão sobre sua autoridade para ali pregar
ao povo e indagando-lhe por qual delegação este a tinha.
Após isto, questionaram-no sobre muitas coisas para que
se comprometesse em suas respostas, provocado o povo
ou talvez as autoridades romanas constituídas. Questão
após questão o sábio profeta respondia com parábolas que
expunham o ridículo do interrogatório. Em golpe sibilino,
aguardando a oportunidade, para o apanharem em algu-
ma palavra comprometedora, tentaram-no com uma deli-
cada questão legal que a todos abominava, esperando que,
por ventura, com a resposta poderiam entregá-lo à juris-
dição e à autoridade do governador romano. Desta forma,
os sacerdotes assim o questionaram diante dos populares:
– Mestre, sabemos que falas e ensinas retamente, e que não consideras a aparência da pessoa, mas en-sinas segundo a verdade o caminho de Deus; é-nos lícito dar tributo a César, ou não? Mas Jesus, percebendo a astúcia deles, disse-lhes:– Mostrai-me um denário. Tirada de baixo da túnica de um dos escribas surgiu em sua mão a moeda pedida.Então Jesus indagou:– De quem é a imagem e a inscrição que ela tem? Responderam apressadamente os sacerdotes:– De César. Disse-lhes então o profeta:– Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
Esta frase histórica, que sintetiza em sua essência o
paradoxo entre o singular e o coletivo, expressa em seu
âmago o compromisso de cada cidadão para consigo e os
seus interesses privados e concorrentemente a sua obri-
gação para com a sociedade incorporada na figura do Es-
tado. Em consequência dessa dicotomia existencial, o ser
humano depara-se com um sentimento bem comum, o
egoísmo. Desde o seu ponto de vista etimológico, esse sen-
timento, tão humano, revela o segredo da sobrevivência
da espécie, um amor desvelado por si mesmo que leva o
homem a se sobrepor aos demais congêneres.
A ideia da renúncia aos próprios desejos e necessida-
des em prol de uma comunidade ou entidade só é logi-
camente aplicável se o egocentrismo, inerente à espécie
humana, for superado pela perspectiva de ocorrência de
um fato superveniente que ameace a sua estabilidade física
ou emocional; ou por outro lado, de alguma forma, lhe ga-
ranta eterna felicidade e prosperidade. Sob este prisma, na
incerteza do porvir, os homens se submetem aos preceitos
66 TRIBUTAÇÃO em revista
filosóficos de um credo religioso; de outra forma, na crua
realidade diária suportam a vida em sociedade, privando-se
de uma parcela da sua liberdade por outro fator de interesse
próprio que é o de se conservarem por meio de ações cole-
tivas que lhes permitam agregarem-se e formarem um con-
junto de forças com o único objetivo de melhor sobrevida.
Deste ponto em comum surge entre os homens a au-
toridade constituída, institucionalizada a partir de uma
suspeita generalizada sobre a continuidade da sua própria
existência, um acordo tácito ou expresso entre a maioria
dos indivíduos, pondo termo à indisciplina natural instin-
tiva dos seres humanos, dando início a uma ordem social e
política. Esta nova ordem tem como características o aspec-
to jurisdicional e administrativo, o qual, para se consubs-
tanciar tem um custo relativo de fulcro econômico. Como
denominador comum, este cusso deve ser arcado pela so-
ciedade constituída na forma de fornecimento de trabalho
ou alienação de propriedade. A história da humanidade a
partir dessa nova concepção se constitui em uma sucessão
de fatos que por milhares de anos focalizou-se em duas dis-
posições significativas: quem arca com os custos do Estado
e sobre o que estes são imputados.
Ao longo desta mesma história da miséria humana é
fato notório que sempre arcaram com os custos da manu-
tenção da sociedade, estabelecidos na forma de tributos, os
pobres, os camponeses, os escravos, os colonos e os povos
conquistados; em benefício dos governantes e das classes
ricas e privilegiadas. Este legado de injustiça tributária é um
produto, por excelência, da própria natureza que discipli-
na o comportamento humano enquanto condicionado pela
escassez dos recursos existentes necessários a manutenção
da vida, buscando dentro de um aparente contexto ético,
expresso por meio de algum artifício normativo de cunho
social ou religioso, os meios disponíveis para conquistá-los.
Se a questão da equidade de direitos e deveres fosse ape-
nas uma função moral, com o evoluir da humanidade tería-
mos uma tendência assintótica de aproximar-nos do Estado
ideal pregado desde a antiguidade por Sócrates e Platão.
Mas um único fator se sobrepõe à justiça normativa no cam-
po impositivo; a mobilidade. Os fluxos da alocação de re-
cursos, quaisquer que sejam suas naturezas, sempre foram
mais flexíveis do que a capacidade humana de acompanhá-
los, prevalecendo nesta dinâmica a competência de cada um
para obtê-los em um mundo condicionado pela escassez. A
mesma competência que leva o ser humano a conquistar
recursos, faz que se capacite a mitigá-los na questão cívica
da obrigação tributária, distorcendo, com poder ou riqueza,
no âmbito administrativo e legal das sociedades o princípio
da proporcionalidade contributiva. A partir deste paradoxo
entre a obrigação de fazer e capacidade de contribuir, para
os pobres mortais, e com certeza aos mortais mais pobres,
haverá sempre duas verdades na vida; que a morte os al-
cançará um dia e que até então pagarão grande parte dos
tributos da sua sociedade, por ousar nela viver.
Lei Orgânica do Fiscoboa para a Sociedade
essencial para o Brasil
Desde 2005, o SINDIFISCO NACIONAL (Sindicato dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) tem
defendido a aprovação de uma Lei Orgânica do Fisco –
LOF que garanta à sociedade brasileira uma Receita
Federal do Brasil (RFB) mais justa e transparente.
A LOF é um conjunto de normas que estabelece, entre
outras medidas, autonomia técnica e independência à
RFB. Trata-se de um instrumento jurídico que assegura
uma fiscalização tributária moderna, independente e
livre de pressões externas.
Benefícios para a Sociedade Fim da Ingerência na ReceitaTratamento isonômico aos contribuintes
Incentivo à discussão da Justiça Fiscal
Defender uma Lei Orgânica para a Receita Federal do Brasil significa defender uma moderna administração tributária, previdenciária e aduaneira, garantindo múltiplas fontes de recursos para o financiamento de políticas da Seguridade Social, objetivando uma redução das desigualdades sociais e a continuidade do desenvolvimento econômico e social.
Diretoria Executiva Nacional
programa de integração evalorização
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LOF.pdf 1 27/07/2010 14:02:54