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ributação EM REVISTA Ano 17 N° 58 T ISSN 1809-3426 Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional Jan–Mar 11 Distribuição Dirigida ADUANA fator de soberania nacional Entrevistas Fausto Coutinho - A RFB e a Aduana Páginas 6 a 13 Marcos Valadão - A RFB e o Comércio Exterior Páginas 14 a 20 Vito Tanzi - Tributação e Crise Econômica Páginas 34 a 37

Tributação em Revista 58

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Page 1: Tributação em Revista 58

ributaçãoributaçãoE M R E V I S T A Ano 17 N° 58 T

ISSN 1809-3426Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional

Jan–Mar 11 Distribuição Dirigida

ADUANAfator de soberania nacional

Entrevistas

Fausto Coutinho - A RFB e a Aduana Páginas 6 a 13

Marcos Valadão - A RFB e o Comércio Exterior Páginas 14 a 20

Vito Tanzi - Tributação e Crise Econômica Páginas 34 a 37

Page 2: Tributação em Revista 58

Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: [email protected]. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para [email protected]. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Page 3: Tributação em Revista 58

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s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL

ENTREVISTAFausto Vieira Coutinho

ENTREVISTAMarcos Aurélio Pereira Valadão

ARTIGOA Guerra ComercialFoch Simão Jr.

ARTIGOA Aduana e o Combate a Lavagem de Dinheiro em Operações de Comércio InternacionalGerson José Morgado de Castro

ENTREVISTAVito Tanzi

ARTIGOIntrodução do Operador Econômico Autorizado no Sistema Aduaneiro BrasileiroAntonio Cesar Bueno Ferreira e Jorge Alberto Teixeira

ARTIGOA Fiscalização nas Zonas de Processamento da Exportação (ZPE) da Aduana Brasileira: novas obrigações tributárias acessóriasAlbino Carlos Martins Vieira

ARTIGOValoração Aduaneira e Legitimidade das TransaçõesFoch Simão Jr.

ARTIGOCentro Regional Conjunto de Capacitação Aduaneira em Brasília: Aperfeiçoando e Fortalecendo as Administrações AduaneirasPatricia Prisco Paraiso Barreto de Andrade

QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIOTribunal Regional Federal da Terceira Região modifica seu posicionamento a respeito da aplicabilidade do art. 12, § 11, da IN 243, de 2002

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Page 4: Tributação em Revista 58

DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL (DEN)Presidente

Pedro Delarue Tolentino Filho

1º Vice-Presidente

Lupércio Machado Montenegro

2º Vice-Presidente

Sergio Aurélio Velozo Diniz

Secretário-Geral

Claudio Marcio Oliveira Damasceno

Diretor-Secretário

Mauricio Gomes Zamboni

Diretor de Finanças

Gilberto Magalhães De Carvalho

Diretor-Adjunto de Finanças

Agnaldo Neri

Diretora de Administração

Ivone Marques Monte

Diretor-Adjunto de Administração

Eduardo Tanaka

Diretor de Assuntos Jurídicos

Sebastião Braz da Cunha Dos Reis

1º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos

Wagner Teixeira Vaz

2º Diretor-Adjunto de Assuntos Jurídicos

Luiz Henrique Behrens Franca

Diretor de Defesa Profissional

Gelson Myskovsky Santos

1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissional

Maria Cândida Capozzoli de Carvalho

2º Diretor-Adjunto de Defesa Profissional

Dagoberto da Silva Lemos

Diretor de Estudos Técnicos

Luiz Antonio Benedito

Diretora-Adjunta de Estudos Técnicos

Elizabeth de Jesus Maria

Diretor de Comunicação Social

Kurt Theodor Krause

1ª Diretora-Adjunta de Comunicação Social

Cristina Barreto Taveira

2º Diretor-Adjunto de Comunicação Social

Rafael Pillar Junior

Diretora de Assuntos de Aposentadoria,

Proventos e Pensões

Clotilde Guimarães

Diretora-Adjunta de Assuntos de

Aposentadoria, Proventos e Pensões

Aparecida Bernadete Donadon Faria

Diretor do Plano de Saúde

Carlos Antonio Lucena

Diretor-Adjunto do Plano de Saúde

Jesus Luiz Brandão

Diretor de Assuntos Parlamentares

João Da Silva dos Santos

Diretor-Adjunto de Assuntos Parlamentares

Geraldo Marcio Secundino

Diretor de Relações Intersindicais

Carlos Eduardo Barcellos Dieguez

Diretor-Adjunto de Relações Intersindicais

Luiz Gonçalves Bomtempo

Diretor de Relações Internacionais

João Cunha da Silva

Diretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social

Maria Amália Polotto Alves

Diretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Social

Rogério Said Calil

Diretor de Políticas Sociais e Assuntos Especiais

José Devanir De Oliveira

Diretores-Suplentes

Eduardo Artur Neves Moreira

Kleber Cabral

Conselho Fiscal

Membros Titulares

Ricardo Skaf Abdala

Jose Benedito de Meira

Maria Antonieta Figueiredo Rodrigues

Membros Suplentes

Iran Carlos Toneli Lima

Norberto Antunes Sampaio

José Yassuo Hashimoto

Tributação em Revista é uma publicação do Sin-

dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita

!"#"$%&'#(')$%*+&','-+.#+/*0('1%0+(.%&2

Conselho EditorialLupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Ro-berto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito.

Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.

Revisão Ana Carolina Pinheiro da Silva

EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.

Projeto GráficoErika Yoda

Fotolito e ImpressãoKaco Gráfica

CapaNúcleo Cinco

Diagramação Washington Ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF

Tiragem desta edição3.200 mil exemplares

Produção EditorialPublicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br , link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:[email protected]

Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

Colaboração:Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).

ributaçãoT E M R E V I S T A

Page 5: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 5

e DITORIAL

O sentido dicionarizado do termo Aduana, cujo pri-

meiro verbete de referência sinonímica é “alfândega”, geral-

mente diz respeito à cobrança de taxas por uma repartição

pública pela entrada e saída de mercadorias de um estado

ou país. Segundo o comando expresso no artigo 237 da

Constituição Federal, “A fiscalização e o controle sobre o

comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazen-

dários nacionais, são exercidos pelo Ministério da Fazen-

da”. Cabe, assim, à Receita Federal do Brasil promover o

controle e a fiscalização dos fluxos internacionais de bens

e mercadorias.

Este comando, necessariamente conciso, mandato, con-

tudo, não encerra em si todo o significado e extensão da

atividade aduaneira. Mais do que uma atividade do Estado,

de competência constitucional, ela envolve enorme respon-

sabilidade econômica e social.

O controle de fluxos comerciais estende-se para além da

fiscalização tributária e alcança os efeitos que eles exercem

sobre a sociedade. A correta formulação e implementação

de políticas aduaneiras contribui para que a política comer-

cial do País seja bem sucedida e sua inserção no comércio

internacional se transforme em fator de desenvolvimento

econômico.

Mas não para aí a missão aduaneira. Como bem o res-

salta o artigo “ A Guerra Comercial” de Foch Simão Jr, ela é

de “defesa da terra”. Sua localização em pontos estratégicos

de entrada no território nacional, torna-a um símbolo da

própria soberania da Nação. A diminuição da importância

arrecadatória dos tributos aduaneiros, fenômeno mundial,

possibilitou que a arrecadação assumisse uma função extra-

fiscal, de ordem regulatória. As Aduanas passaram a exercer,

então, funções não menos importantes do que a arrecada-

ção tributária. Aduanas modernas são órgãos de proteção

dos interesses nacionais, de defesa da economia, das rique-

zas e da sociedade.

Neste sentido, o combate ao tráfico, à pirataria e ao

contrabando, presentes no cotidiano do Auditor-Fiscal que

atua em áreas aduaneiras, é elemento decisivo na promoção

da segurança e na defesa dos interesses nacionais. É toda a

sociedade que se beneficia quando estas ações protegem:

a indústria nacional, atribuindo ao nosso produto maior

competitividade, coibindo o dumping e o subfaturamento;

o patrimônio cultural, impedindo o tráfico do acervo cultu-

ral e de sítios arqueológicos; a fauna e a flora, combatendo

a biopirataria e o tráfico ilegal de animais e plantas; a saúde,

evitando a entrada de medicamentos falsos e promovendo

o controle de licenciamentos; o trabalho nacional, naqueles

setores de importância estratégica e/ou de grande potencial

competitivo internacional.

Ora, para que esta missão seja cumprida é mister que os

serviços aduaneiros sejam priorizados e a Aduana seja do-

tada dos recursos necessários para tanto. Lamentavelmente,

não tem sido este o enfoque. Nossa estrutura alfandegária

carece de: equipamentos modernos; maior quantitativo de

pessoal frequentemente submetido a ações de capacitação;

normas e procedimentos administrativos mais rigorosos e

abrangentes; melhoria da cooperação internacional etc.,

Neste número, Tributação em Revista chama a atenção

para a relevância da Aduana Brasileira na promoção da

soberania nacional. As entrevistas e os temas dos artigos

- lavagem de dinheiro, guerra comercial, procedimentos

operacionais na linha azul e fiscalização em Zonas de Pro-

cessamento de Exportações trazem à reflexão alguns aspec-

tos da questão aduaneira. Antes de pretender esgotar um

assunto de tão grande relevância e abrangência, ao mesmo

tempo em que prestamos uma homenagem ao valoroso tra-

balho exercido por Auditores-Fiscais aduaneiros, convida-

mos nossos leitores à reflexão sobre o tema, na esperança

de que políticas a serem implementadas nesta área possam

restituir à Aduana seu papel histórico e prepará-las para de-

sempenhar com eficácia o moderno papel que lhe reserva

a sociedade.

Page 6: Tributação em Revista 58

6 TRIBUTAÇÃO em revista

O Auditor-Fiscal Fausto Vieira Coutinho, economista de formação, exerce com mérito a Subsecretaria de Aduana e Relações Internacionais da Receita Federal do Brasil, pois adquiriu ampla experiência na área aduaneira e de comércio

internacional em sua atuação profissional na RFB. Nesta entrevista ele fala a TRIBUTA-ÇÃO EM REVISTA sobre os planos e diretrizes da RFB para a área aduaneira, cooperação internacional, agilização de processos aduaneiros, combate à interposição fraudulenta, segurança do exercício profissional, capacitação de recursos humanos e precariedade das instalações físicas em áreas de fronteira.

e ntrevista

Fausto Vieira Coutinho

“Várias diretrizes para a RFB para 2011 têm grande relevância para a área aduaneira. Dentre elas, a implementação de uma política permanente de

adequação dos quadros funcionais.”

Page 7: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 7

Tributação em Revista – Indique os resultados

recentes mais significativos em termos de desem-

penho e de fiscalização aduaneira. Como o Sr.

relacionaria a questão da capacitação do Audi-

tor-Fiscal com estes resultados. Há espaço para,

melhorando e tornando mais freqüente as inicia-

tivas de capacitação, também obter melhorias

nestes resultados?

Fausto Vieira Coutinho – No ano de 2010, a fiscaliza-

ção aduaneira apresentou um desempenho melhor que

em anos anteriores em vários aspectos. Nossos prin-

cipais indicadores apontam, por exemplo, para uma

melhora no número de fiscalizações pós-despacho

realizadas (aumento de 7% em relação a 2009) e na

produtividade da fiscalização aduaneira. Além disso,

houve um crescimento de 13% em relação a 2009 nos

valores lançados por Auditor-Fiscal, o grau de eficácia

atingiu o patamar de 87% em 2010 e o tempo mé-

dio para conclusão de uma fiscalização foi reduzido.

Isso significa que obtivemos resultados positivos nessa

área. No despacho aduaneiro também temos indica-

dores positivos, sendo que o tempo médio dos des-

pachos de importação e exportação foi reduzido em

aproximadamente 16 % em 2010, em ambos os ca-

sos. Esses resultados estão alinhados com nossos ob-

jetivos estratégicos e demonstram que nossa Aduana

está executando o controle aduaneiro com segurança

e agilidade e, com isso, contribuindo para o fortaleci-

mento do comércio exterior brasileiro. Com relação

à questão da capacitação, não tenho a menor dúvida

de que uma melhor qualificação dos servidores tem

relação direta com os resultados positivos alcançados

no nosso trabalho. A esse respeito, quero lembrar que

a Organização Mundial de Aduanas, a OMA, escolheu,

para comemorar o dia internacional das aduanas, o

tema “Conhecimento, um catalisador para a excelência

aduaneira”. Nessa mesma linha, o Secretário da RFB,

Auditor-Fiscal Carlos Alberto Freitas Barreto, em nota

divulgada a todos os servidores da RFB, reconheceu

tal fato e destacou que um dos elementos-chave para

alcançar essa excelência é o desenvolvimento e capa-

citação de seus servidores. Em 2010, foram realizados

diversos treinamentos nacionais, dos quais destaco os

treinamentos para utilização do Contágil na área adu-

aneira, especificamente para melhorar nossa eficiência

em gestão de risco, seleção e programação e fiscaliza-

ção aduaneira, além de treinamentos para utilização

de ferramentas de gestão de risco no Siscomex Carga.

Assim, entendo que há não apenas espaço, mas uma

necessidade de a Administração investir cada vez mais

na capacitação de seus servidores. Por fim, quero ain-

da destacar que conseguimos trazer para o Brasil um

Centro Regional de Treinamento da OMA, o qual tem

como escopo principal o fortalecimento de capacida-

des, a chamada “capacity building”, ou seja, a dissemi-

nação do conhecimento – não apenas de capacitação

– aos servidores que atuam na área aduaneira. É nessa

linha que iremos lançar ainda neste mês de março o

curso de práticas aduaneiras internacionais.

TR – A Aduana Brasileira completou no último

dia 28 de Janeiro 203 anos de existência, conta-

dos desde a abertura dos portos por D. João VI.

O ano de 2011 inicia-se com uma nova adminis-

tração na Receita Federal do Brasil. Em linhas

“Houve um crescimento

de 13% em relação a 2009

nos valores lançados por

Auditor-Fiscal, o grau de

eficácia atingiu o patamar

de 87% em 2010 e o tempo

médio para conclusão

de uma fiscalização foi

reduzido.”

Page 8: Tributação em Revista 58

8 TRIBUTAÇÃO em revista

gerais, quais são as novas diretrizes e os planos

para a modernização da Aduana Brasileira?

FC – O Secretário da RFB recentemente apresentou

em linhas gerais as diretrizes da Casa para o ano de

2011. Várias delas têm grande relevância para a área

aduaneira, como a implementação de uma política

permanente de adequação dos quadros funcionais,

a intensificação da aplicação de medidas que con-

tribuam para a defesa comercial, o aperfeiçoamento

dos mecanismos de gestão de risco visando garantir a

agilidade e a segurança do comércio exterior, a inten-

sificação do uso da tecnologia na seleção, programa-

ção, acompanhamento e fiscalização de contribuintes

e o fortalecimento do uso da inteligência fiscal e de

técnicas modernas de fiscalização nas atividades de

vigilância e repressão, no combate ao contrabando

e descaminho. É seguindo essa linha que a Aduana

Brasileira deu início a diversos projetos com o objeti-

vo de se modernizar, preparando-se para enfrentar os

desafios que se apresentam no Século XXI. Aproveito

esta oportunidade para dar um destaque especial a al-

guns deles. Em primeiro lugar, chamo a atenção para

os projetos voltados ao aprimoramento da fiscaliza-

ção aduaneira. O mais importante deles é a criação de

um Centro Nacional de Gestão de Risco Aduaneiro.

Essa iniciativa é fundamental para a modernização da

nossa Aduana, além de seguir as recomendações do

Marco Normativo SAFE da OMA, o qual se baseia na

aplicação de quatro elementos básicos: a Transmissão

Antecipada de Informações, o Gerenciamento de Ris-

cos, a Inspeção não Invasiva e o Operador Econômico

Autorizado, para aprimorar o trabalho da fiscaliza-

ção aduaneira. Nosso objetivo neste caso é aprimo-

rar nossas ferramentas e técnicas de gestão de risco e

assim fortalecer a fiscalização aduaneira no combate

às fraudes do comércio exterior e à burla às medidas

de defesa comercial. Em complementação, estamos

construindo o Sistema de Seleção por Aprendizado de

Máquina, o SISAM, que irá aprimorar e modernizar

sobremaneira a nossa Seleção Parametrizada do Sisco-

mex. Da mesma forma, queremos concluir o projeto

de implementação do Siscomex Carga, nos módulos

Aéreo e Terrestre, além de aprimorar o módulo marí-

timo, que já está em produção. Para complementar, é

necessária a adoção de um novo modelo de Operador

Econômico Autorizado, ou OEA, em substituição ao

Linha Azul. O Centro Nacional certamente nos per-

mitirá maior eficiência, eficácia e efetividade na ve-

rificação das operações consideradas de maior risco,

sem comprometer a agilidade que o comércio exterior

tanto necessita, além de possibilitar um uso mais ra-

cional de nossa força de trabalho. Outra iniciativa que

merece destaque especial é o aprimoramento das ati-

vidades de vigilância e repressão, principalmente nas

zonas de fronteira terrestre, no combate ao contraban-

do, descaminho e tráfico de drogas. Nosso objetivo

é o desenvolvimento de projetos que intensifiquem o

emprego de inteligência fiscal e de técnicas moder-

nas de fiscalização. Alguns dos projetos vinculados a

essa iniciativa são o desenvolvimento do Sistema de

Apoio às Atividades de Retenção e Apreensão (SAA-

RA), a criação dos Centros de Cães de Faro na RFB, a

Aquisição de Armamentos Institucionais e a utilização

de modernos equipamentos no apoio à fiscalização,

tais como Leitores Automáticos de Placas (LAP), VANS

Scanners e Equipamentos de Radiocomunicação. As-

“O mais importante projeto

voltado ao aprimoramento

da fiscalização aduaneira

é a criação de um Centro

Nacional de Gestão de Risco

Aduaneiro. Essa iniciativa

é fundamental para a

modernização da nossa

Aduana.”

Page 9: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 9

sim, resumidamente, podemos concluir que as prin-

cipais diretrizes são: intensificar a fiscalização adua-

neira no combate às fraudes do comércio exterior, à

burla às medidas de defesa comercial, ao contrabando,

descaminho e tráfico de drogas.

TR – Quais são as áreas prioritárias (zonas pri-

márias: Portos, Aeroportos e Pontos de fronteira

alfandegados, fronteiras terrestres; zonas secun-

dárias: portos secos, fiscalização aduaneira) para

a implementação destas novas políticas?

FC – Conforme podemos observar dos meus comen-

tários na pergunta anterior, as diretrizes fixadas são

abrangentes e permeiam todas as atividades aduanei-

ras. Assim, entendo que não há área ou áreas priori-

tárias para implementar as medidas propostas. Como

eu mencionei anteriormente, a criação do Centro Na-

cional de Gestão de Risco irá abranger todas as ativi-

dades da fiscalização aduaneira, pois terá reflexos na

zona primária, tanto no pré-despacho como no curso

do despacho, e, ainda, alcançará os Portos Secos. Da

mesma forma, haverá reflexos na zona secundária, nas

fiscalizações pós-despacho e no monitoramento dos

OEA. Por outro lado, o fortalecimento e aprimoramen-

to das atividades de vigilância e repressão necessitam

ações tanto nas zonas de fronteira como nos Portos e

Aeroportos, assim como nos grandes centros consu-

midores. Dessa forma, as diretrizes da RFB para o ano

de 2011 na área aduaneira trarão reflexos no nosso

quadro funcional, na fiscalização aduaneira de zona

primária e secundária, passando pelo aperfeiçoamento

dos mecanismos de gestão de risco visando garantir a

agilidade e a segurança do comércio exterior e o forta-

lecimento das atividades de vigilância e repressão, no

combate aos ilícitos aduaneiros.

TR – Uma forma de tornar o controle aduaneiro

mais efetivo é interligando nossos sistemas com

os de outros países. Fale sobre a inserção bra-

sileira neste contexto, os avanços registrados e

planos futuros em cooperação aduaneira inter-

nacional.

FC – A economia brasileira tem-se internacionalizado

intensamente nas últimas duas décadas, aumentando

o volume de importações e exportações em todas as

modalidades, seja carga aérea, terrestre e especial-

mente via portos. O comércio hoje tende a ser global

mesmo para consumidores e comerciantes de pequeno

e médio porte. Assim, a inserção internacional é ine-

vitável. Uma aduana moderna tem que estar prepara-

da para isto. Neste sentido, a troca de experiências é

fundamental, no jargão do meio é utilizada a expres-

são inglesa “best practices”, ou melhores práticas em

português, ou seja, as experiências de outras aduanas

que são comprovadamente eficientes e eficazes e que

possam ser adaptadas à nossa realidade devem ser

utilizadas por nós. Vários dos projetos citados ante-

riormente têm como fundamento as melhores práticas

internacionais. Além disto, a troca de informações é

essencial no combate às fraudes aduaneiras. Um dos

principais meios de se obter informações é por meio

dos denominados Acordos de Assistência Mútua Ad-

ministrativa em Matéria Aduaneira, que possibilitam

a troca de informações e cooperação mútua. Por outro

lado, nós também temos melhores práticas que são uti-

lizadas por outros países. Em relação a acordos desta

natureza, o Brasil firmou cerca de nove tratados multi-

“A troca de informações

é essencial no combate às

fraudes aduaneiras. Os

Acordos de Assistência

Mútua Administrativa em

Matéria Aduaneira são um

dos principais instrumentos

neste sentido.”

Page 10: Tributação em Revista 58

10 TRIBUTAÇÃO em revista

laterais ou bilaterais envolvendo 27 países (incluindo

os EUA), mais sete acordos bilaterais em tramitação

no Congresso e tem negociado intensamente com nos-

sos principais parceiros comerciais com os quais ainda

não temos tratados com este objetivo, como é o caso

do Japão e da China. Apenas para citar um exemplo,

o acordo com o Japão está em fase final, próximo ao

seu encaminhamento para assinatura. O tema de coo-

peração internacional é de fundamental importância e

nossas ações são orientadas com este objetivo. Assim,

estamos seguindo no sentido de alavancar parcerias in-

ternacionais, fortalecendo o combate aos ilícitos adu-

aneiros, o que direta e indiretamente contribui para

melhorar a fluidez do comércio exterior e o ambiente

de negócios do País.

TR – Especificamente, no segundo semestre do

ano passado a RFB iniciou uma consulta pública

visando à criação do Programa Aduaneiro de Se-

gurança, Controle e Simplificação – PASS, como o

programa brasileiro de Operador Econômico Au-

torizado (OEA) da OMA. Em que aspectos o PASS

agilizaria os procedimentos aduaneiros? Como

a implantação deste programa afetaria a vida

profissional do Auditor-Fiscal que atua em áreas

aduaneiras?

FC – O Programa Aduaneiro de Segurança, Controle e

Simplificação (PASS) foi concebido tendo como funda-

mento a recomendação de implementação, pela Adua-

na, do conceito de OEA, constante do Pilar II do Marco

Normativo SAFE da OMA, mencionado anteriormen-

te. A medida permitirá que seja dada maior agilidade

ao fluxo comercial das empresas consideradas idôneas

em suas operações de comércio exterior, reduzindo a

seleção para os canais amarelo e vermelho operações

consideradas de baixo risco. Essas ações fazem com

que a Aduana seja mais ágil em relação às operações

regulares, beneficiando o comércio legítimo.Do ponto

de vista do controle aduaneiro, sendo associada aos

projetos de fortalecimento da fiscalização aduaneira

e de aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão de

risco, por mim comentadas anteriormente, a propos-

ta permitirá à RFB maior otimização na alocação dos

escassos recursos, uma vez que possibilitará concen-

trar seus esforços na fiscalização das operações consi-

deradas de maior risco. Há expectativa de resultados

mais efetivos na atuação decorrentes de uma parame-

trização feita em bases mais inteligentes, mesmo tendo

em conta um universo de menor seleção. Do ponto de

vista do trabalho diário, em verdade o que se espera

é a percepção, pelo servidor, de um aumento dos re-

sultados advindos de seu trabalho, decorrente de um

grau de acerto maior a partir de uma carga menor de

declarações selecionadas, uma vez que o Auditor-Fis-

cal que atua na área aduaneira terá à sua disposição

mecanismos mais eficazes para atuar no combate às

fraudes do comércio exterior e à burla às medidas de

defesa comercial.

TR – A atuação aduaneira vai muito além da sim-

ples arrecadação de tributos. Uma das funções

que se tem evidenciado nos últimos tempos, de-

vido ao crescimento dos fluxos de comércio in-

ternacional, é o combate à interposição fraudu-

lenta, artifício por meio do qual se insere no país

dinheiro ilícito. Estes crimes estão relacionados

a complexos esquemas de sonegação fiscal de tri-

butos internos. Como a RFB tem se preparado e

coordenado as atividades das áreas aduaneira e

de tributos internos para enfrentar este desafio?

FC – O combate à interposição fraudulenta tem sido

objeto de diversas ações da fiscalização aduaneira ao

longo dos últimos anos e, de fato, a coordenação da

atuação da fiscalização aduaneira com a fiscalização de

tributos internos pode aprimorar a eficácia das ações

promovidas pelas duas áreas.

Nesse sentido, é importante destacar que está sendo

implementado um projeto de atuação conjunta da

Subsecretaria de Fiscalização (Sufis) com a Subsecre-

taria de Aduana e Relações Internacionais (Suari) e

Page 11: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 11

suas respectivas projeções, visando a atuação conjunta

no que se refere a procedimentos fiscais de interesse

mútuo, ou seja, aqueles executados sobre sujeitos pas-

sivos que, em face dos indícios apurados, ensejam a

instauração de procedimentos fiscais aduaneiros e de

tributos internos. O projeto prevê a criação de um flu-

xo específico para o intercâmbio de informações du-

rante a fase de seleção e programação e durante a fase

de execução da ação fiscal, bem como sobre as regras

de execução dos procedimentos fiscais em conjunto.

Um dos principais focos desse projeto é o combate

mais eficaz à interposição fraudulenta.

TR – Muitas áreas alfandegadas são bastante sen-

síveis em termos de segurança, deixando os Au-

ditores-Fiscais que ali atuam à mercê da atuação

de indivíduos e grupos organizados criminosos.

Quais instrumentos a RFB disponibiliza para a

segurança do exercício profissional de seus ser-

vidores e como pretende incrementar a sua pro-

teção?

FC – É cediço que a cadeia logística do comércio in-

ternacional é vulnerável à exploração por grupos cri-

minosos que enxergam nela uma grande possibilidade

de expansão de suas atividades. Além disso, temos que

reconhecer que nós exercemos uma profissão de risco,

não apenas na área aduaneira, mas em toda a RFB. Por

outro lado, é dever da instituição dar a seus servido-

res o maior grau de segurança possível. Neste cenário

adverso, a RFB necessita dotar o seu corpo funcional

com poderes executivos, ferramentas e informações

apropriadas para combater o crime organizado com

mais eficácia, dando atenção especial à segurança de

seus servidores. Nesse ponto, destaco que pela pri-

meira vez na história da RFB, a nossa instituição está

entregando armamento institucional a seus servidores

e os capacitando no seu uso, por meio de uma doutri-

na séria e profissional. Além disso, estamos buscando

uma maior integração com as outras instituições de

Estado que atuam no combate ao crime organizado,

desenvolvendo importantes ações, podendo ser citada,

como exemplo, a assinatura de convênio de coopera-

ção técnica com a Polícia Federal que permite, além

da realização de operações conjuntas, o desenvolvi-

mento de projetos institucionais comuns voltados para

as áreas de recursos humanos, inteligência, tecnologia

da informação, entre outros. Além disso, destaco ain-

da a participação nos comitês de gestão integrada de

fronteiras, o que permite aprimoramento na troca de

informações, integração no planejamento e na coor-

denação nas ações, com efetivo aumento da segurança

de todos os envolvidos. No que diz respeito especifi-

camente às áreas alfandegadas, algumas medidas me-

recem destaque. No final do ano passado, por meio de

uma alteração da base legal do conceito de alfande-

gamento, buscou-se fortalecer a segurança nas áreas

alfandegadas, dando melhores estruturas e condições

de trabalho aos servidores que atuam nesses locais. É

o caso da nova Portaria de alfandegamento, publica-

da em dezembro do ano passado. A Portaria RFB no

2.438, de 21/12/10, estabeleceu vários requisitos téc-

nicos e operacionais para o alfandegamento de locais

e recintos. Esses requisitos irão trazer maior segurança

ao exercício da atividade fiscal. Como exemplo posso

citar a exigência de disponibilização e manutenção de

instrumentos e aparelhos de inspeção não invasiva de

“A RFB necessita dotar

o seu corpo funcional

com poderes executivos,

ferramentas e informações

apropriadas para combater

o crime organizado com

mais eficácia, dando atenção

especial à segurança de seus

servidores.”

Page 12: Tributação em Revista 58

12 TRIBUTAÇÃO em revista

cargas e veículos e de sistemas para utilização pela fis-

calização aduaneira, tais como a vigilância eletrônica

do recinto, o registro e controle de acesso de pessoas e

veículos e das operações realizadas com mercadorias.

TR – O setor aduaneiro ressente-se da falta de

recursos humanos e de ações de capacitação para

cumprir suficientemente sua missão maior de

proteção da sociedade. Quais são as perspectivas

de curto prazo para solucionar estas questões?

FC – Exercer o controle aduaneiro das operações de

comércio exterior e, assim, garantir a defesa dos in-

teresses do Estado e da sociedade, é uma missão que

requer atuação eficiente e eficaz. Neste sentido, a

busca pelo desenvolvimento e implementação de um

conjunto integrado de políticas e procedimentos que

possam garantir o cumprimento dessa missão com

segurança e fluidez tem sido o nosso grande desafio,

como já salientei em vários pontos desta entrevista.

Com relação especificamente à falta de recursos hu-

manos, tenho a dizer que o novo estudo de lotação

desenvolvido na RFB concluiu pela necessidade de

aumento do número de servidores com exercício na

Aduana. Tal estudo deverá nortear a política de lota-

ção da instituição daqui para frente e isso significará

um aumento real de servidores trabalhando nas uni-

dades aduaneiras. Ademais, a RFB está em negocia-

ção com o Ministério do Planejamento, Orçamento e

Gestão no intuito de aprovar a contratação de Agentes

Técnicos Administrativos, os ATA, como medida com-

plementar dessas iniciativas. Por fim, com relação à

capacitação, conforme eu já comentei, temos agora um

Centro Regional de Treinamento da OMA, com o qual

pretendemos reverter o quadro atual, atuando no ma-

peamento das lacunas existentes na área aduaneira e

preenchendo-as com treinamentos os mais abrangen-

tes possíveis, como por exemplo, por meio do uso de

ensino à distância, como será o caso do mencionado

lançamento neste mês de março do curso de práticas

aduaneiras internacionais.

TR – A diretoria do Sindifisco Nacional visitou

recentemente algumas áreas de fronteira e cons-

tatou o estado de abandono e de precariedade das

instalações físicas de algumas delas, especial-

mente as da 2ª Região Fiscal. Há alguma previsão

de soluções emergenciais para este problema? E a

longo e médio prazo, quais são os planos da RFB

a respeito?

FC – A garantia de fronteiras seguras é uma das mais

antigas responsabilidades do Estado. Notadamente em

um mundo globalizado este aspecto ganha especial

relevância. Nesse sentido está a importância de uma

Aduana forte e estruturada nas zonas de fronteira. O

Governo Federal, aí incluída a RFB, está ciente des-

sa deficiência. A própria Presidente Dilma, após a sua

posse e em vários momentos, se posicionou no sentido

de que devemos fortalecer nossas fronteiras terrestres.

A solução para essa questão passa pela integração dos

esforços das diversas instituições do Estado que exer-

cem suas atribuições nessas regiões. Por parte da RFB,

além dos projetos que eu já citei anteriormente, como

o novo plano de lotação e o uso da inteligência fis-

cal e de técnicas modernas de fiscalização nas zonas

de fronteira, quero ressaltar que ainda existem outras

iniciativas com o objetivo de estimular a permanência

dos servidores aduaneiros nas fronteiras. Desta forma,

“A nossa instituição está

entregando armamento

institucional a seus

servidores e os capacitando

no seu uso, por meio

de uma doutrina séria e

profissional.”

Page 13: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 13

importantes projetos como a criação de indenização

de fronteira, o estabelecimento de projetos-padrão de

infraestrutura nas unidades de fronteira e a construção

de residências funcionais deverão ser conduzidos em

parceria com as demais instituições que também estão

presentes nas zonas de fronteira.

TR – Por fim, na área de manualização de proce-

dimentos, quais medidas deveriam ser tomadas a

fim de assegurar o cumprimento efetivo da mis-

são da Aduana, garantindo a segurança fiscal?

FC – A necessidade de consolidação e aprimoramen-

to organizado da legislação aduaneira já havia sido

constatada em diversas ocasiões, mas nunca havia sido

objeto de planejamento estruturado visando à sua

concretização. Tem sido observado que a realização

do trabalho normativo sem planejamento e com al-

terações pontuais constantes traz como conseqüência

a ploriferação de normas em todas as áreas de inte-

resse da Administração Aduaneira, o que gera, como

principais reflexos negativos diretos, a diminuição do

cumprimento voluntário das normas por parte dos

operadores de comércio exterior e o desconhecimento

da legislação pelos servidores da RFB. A falta de siste-

matização também traz a possibilidade de descompas-

so com as demais normas e procedimentos aduanei-

ros vigentes. Para resolver esse problema, a Suari está

estruturando um projeto de consolidação e aprimo-

ramento de normas que permitirá a consolidação das

mais de 300 Instruções Normativas que tratam de ma-

téria aduaneira em vigor para algo próximo de 50 atos.

Propõe-se também a elaboração de um cronograma de

trabalho que considere as prioridades estabelecidas, o

trabalho conjunto com as unidades descentralizadas

e a construção de um fluxo de procedimentos asso-

ciado ao trâmite normativo, de forma a possibilitar a

agilização do processo de análise, desde a elaboração

inicial da minuta de norma até sua assinatura pelo Se-

cretário. Ademais, um trabalho normativo estrutura-

do, feito com base no levantamento das necessidades

e sugestões apresentadas pelas unidades locais e dos

questionamentos e dúvidas relativas à aplicação dos

procedimentos ou à interpretação das normas vigen-

tes permitirá o aprimoramento da legislação aduanei-

ra como um todo e, sem dúvidas, contribuirá para o

exercício de nossa missão de exercer a administração

tributária e o controle aduaneiro, com justiça fiscal e

respeito ao cidadão, em benefício da sociedade.

Page 14: Tributação em Revista 58

14 TRIBUTAÇÃO em revista

O Auditor-Fiscal da Receita Federal, Marcos Aurélio Pereira Valadão, exerce atu-almente a função de coordenador-geral de Relações Internacionais (CORIN) da Receita Federal do Brasil. Com vasto conhecimento teórico e prático, especia-

lizou-se em direito tributário e tributação internacional. Valadão concedeu a entrevista a seguir para Tributação em Revista abordando assuntos como: os desafios recentes da área internacional da RFB, as atuais diretrizes da RFB na área internacional, a necessidade de constante atualização do Auditor-Fiscal que atua na área aduaneira, a atenção da RFB às relações comerciais do Brasil com países do Mercosul, os benefícios da cooperação internacional na área aduaneira e os instrumentos colocados em prática pela RFB para combater práticas desleais no comércio internacional.

e ntrevista

Marcos Aurélio Pereira Valadão

“Com a internacionalização da economia brasileira, a demanda aumentou bastante

nas áreas tributária e aduaneira.”

Page 15: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 15

TR – A expansão do comércio internacional tem

chamado a RFB a desempenhar uma função mais

ativa na área externa. A criação da Corin - Coorde-

nação-Geral de Relações Internacionais, em subs-

tituição à Assessoria de Assuntos Internacionais

– Asain é uma resposta interna aos desafios que

se apresentam. Gostaríamos que o Sr. indicasse

os principais desafios recentes, interna e externa-

mente à RFB, tanto no relacionamento com outros

órgãos de governo como na cooperação interna-

cional, destacando o papel que o Auditor-Fiscal,

atuando na área de aduana e comércio exterior,

exercerá neste contexto.

MV – A Asain (Assessoria de Assuntos Internacionais)

era até 2008 uma assessoria, mas mesmo nesta época

já contava com uma estrutura com divisões, ou seja, já

tinha funções operacionais, portanto, não era mais uma

assessoria “típica”, que viria a se tornar a Coordenação-

-Geral de Relações Internacionais (Corin). A mudança

estrutural aconteceu um pouco antes. Anteriormente, a

Asain contava com quatro ou cinco funcionários e cui-

dava apenas das negociações de tratados internacionais

tributários e troca de informações em matéria tributária

– I.R., com um pequeno número de pedidos e também

das questões tributárias dos acordos de natureza comer-

cial. Com a internacionalização da economia brasileira,

a demanda na área aumentou bastante nas áreas tribu-

tária e aduaneira, ocorrendo a expansão de acordos de

cooperação administrativa em matéria aduaneira (troca

de informações e cooperação técnica). A cooperação

técnica ocorre tanto na busca da cooperação quanto na

ajuda a outros países. Também a área comercial, i.e., a

área das relações de comércio (bens, serviços e direitos)

e de investimento internacional, que têm repercussões

tributárias, passaram a ser cada vez mais demandadas.

É esta área da Corin que auxilia o Ministério do De-

senvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)

e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) no Trade

Policy Review brasileiro, e em demandas comerciais in-

ternacionais na OMC, onde os aspectos tributários são

muito relevantes. Este aspecto é importante, conside-

rando a inserção cada vez maior do Brasil no comér-

cio internacional e também das demandas que o Brasil

apresenta contra outros países, como os EUA (aço, al-

godão, etc). Todo este contexto demandou a criação da

estrutura da Corin como hoje se encontra.

Além disso, existem as negociações internacionais no

âmbito da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM),

mais precisamente no Comitê Técnico Nº 2 - Assuntos

Aduaneiros, que trata de áreas relacionadas à adminis-

tração e aos controles aduaneiros do Estados Partes do

MERCOSUL, tais como: legislação aduaneira, infor-

mática aduaneira, valoração aduaneira, procedimentos

aduaneiros, controles e operatória em fronteira e pre-

venção e luta contra ilícitos aduaneiros. A coordenação

das negociações no âmbito do CT-2 está a cargo da Co-

rin, por meio de uma de suas divisões (Dasad). Assim, a

Corin conta com quatro divisões: A Dirin, que cuida da

negociação dos tratados de cooperação aduaneira e das

relações institucionais; a Dasad, que cuida da troca de

informações em matéria aduaneira, negociação de acor-

do fronteiriços e a representação junto ao Mercosul; a

Datin, a divisão mais tradicional que cuida das negocia-

ções de tratados tributários – dupla tributação e troca

de informações, e da própria troca de informações em

relação ao imposto de renda; e a Dacoi, que cuida dos

assuntos comercias internacionais em suas repercussões

tributárias, sendo que a Corin também coordena as ações

“A cooperação técnica

ocorre tanto na busca da

cooperação quanto na ajuda

a outros países. A área

comercial e de investimento

internacional passaram a ser

cada vez mais demandas.”

Page 16: Tributação em Revista 58

16 TRIBUTAÇÃO em revista

de nossos adidos aduaneiros e tributários, que têm uma

relação direta com a administração tributária e com as

aduanas dos países onde estão atuando. Neste contexto,

o Auditor-Fiscal que atua na área aduaneira e comércio

exterior é da maior relevância, pois o reflexo das ações

anteriormente enumeradas é parte cotidiana do seu

trabalho, tanto na implementação como nas demandas

que partem dos setores de ponta, especialmente a troca

de informações, em relação às informações que são so-

licitadas aos outros países e aquelas que somos instados

a fornecer. Outro aspecto é o das negociações em si,

tanto dos acordos de cooperação aduaneira, quanto no

âmbito do Mercosul, e com os outros países vizinhos

não membros do Mercosul. Há diversas situações que

devem ser equacionadas, e mesmo tendo outros minis-

térios como condutor das negociações, especialmente

o MRE, o papel da RFB, na pessoa do Auditor-Fiscal, é

central, em virtude da precedência da atuação da RFB

nas operações comerciais internacionais, no controle

aduaneiro de nossas fronteiras e nos pontos de entrada

e saída do País, a teor do art. 37, inciso XVIII da Consti-

tuição. No que diz respeito especificamente aos desafios

internos e externos, eu diria que em relação aos desafios

internos eles já estariam em parte superados, em que

pese um espaço para aperfeiçoamentos que são neces-

sários, restando, talvez um melhor entendimento do

papel da Corin, no sentido de que poderia ser melhor

utilizada a atual estrutura para a troca de informações,

tanto em matéria do imposto de renda quando em ma-

téria aduaneira. No que diz respeito aos desafios exter-

nos, está a ampliação da rede de tratados de cooperação

aduaneira e de troca de informações tributárias, pois

isto implica um aumento da eficiência da fiscalização

nesses setores. No que diz respeito à cooperação stric-

to sensu, creio que os patamares existentes são muito

bons. O relacionamento com outros órgãos internos (do

País) é feito de maneira harmoniosa e construtiva, o que

não significa que não ocorram debates. Isto também se

aplica ao relacionamento com os outros países e com

as organizações internacionais, especialmente a Orga-

nização Mundial de Aduanas (OMA), onde a RFB tem

uma participação histórica efetiva e tem uma presença

cada vez mais marcante. Podemos citar como exemplo

a criação do centro regional de treinamento da OMA

no Brasil em 2009, em conjunto com a ESAF, mais pre-

cisamente denominado Centro Regional Conjunto de

Capacitação Aduaneira. Neste sentido, registro também

a participação da RFB em outros Fóruns e organismos

internacionais, nos quais ela se faz ouvir e ser respei-

tada, o que é consequência da melhoria da imagem do

Brasil no exterior de maneira geral. Um exemplo disto

é o Centro Interamericano de Administrações Tributá-

rias (CIAT), cujo Diretor-Geral é um Auditor-Fiscal da

RFB. A participação mais efetiva nos diversos fóruns se

alinha com o papel que o Brasil vem assumindo no ce-

nário internacional.

TR – Já no contexto de uma nova administração

da RFB a partir deste ano, quais são as diretrizes

e planos para a atuação institucional em comércio

exterior?

MV – Creio que esta pergunta tem dois escopos. Um é

a aduana em si, e creio que na entrevista do Sr. Subse-

cretário de Aduanas e Relações Internacionais este as-

pecto já tenha sido explorado. Porém, com relação ao

escopo da Corin, um adendo talvez se faça necessário

em relação às diretrizes que dizem respeito à contínua

expansão das negociações de cooperação aduaneira, a

“O Auditor-Fiscal que

atua na área aduaneira e

comércio exterior é da maior

relevância, pois o reflexo

das ações anteriormente

enumeradas é parte

cotidiana do seu trabalho.”

Page 17: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 17

qual inclui troca de informações em matéria aduanei-

ra, especialmente com os parceiros comerciais impor-

tantes do Brasil, com os quais ainda não temos esses

acordos. Faz parte desse escopo a continuidade das ne-

gociações do Mercosul, no âmbito do CT-2, de forma a

evoluir consistentemente, dinamizar a implementação

das ACIs (áreas de controle integrado) e aprimorar as

já implantadas, continuando as negociações em relação

às atividades transfronteiriças que envolvem questões

nacionalmente relevantes como rodovias e ferrovias in-

ternacionais que darão acesso à costa do pacífico.

TR – Os Auditores-Fiscais, assim como outras car-

reiras típicas de Estado, necessitam de uma cons-

tante atualização de conhecimentos e práticas

para atender adequadamente aos desafios que os

desenvolvimentos sociais, políticos e econômicos

recentes lhes apresentam. Indique como o Centro

Regional de Capacitação da Organização Mundial

das Aduanas, e outras ações de mesma natureza

podem contribuir neste sentido.

MV – Há diversas iniciativas de capacitação como: as

visitas técnicas, treinamentos oferecidos pelas outras

aduanas e aqueles no âmbito da OMA. Neste sentido,

a criação do Centro Regional Conjunto de Capacita-

ção Aduaneira RFB/ESAF/OMA no Brasil (CRC-Brasil),

a partir de um memorando de entendimento entre a

ESAF a RFB e a OMA, e estabelecido oficialmente em

dezembro de 2009, cumprirá o importante papel de

desenvolver a capacidade dos agentes aduaneiros para

promover o aperfeiçoamento e fortalecimento das Ad-

ministrações Aduaneiras dos países das Américas e do

Caribe. O Brasil, como país sede, tem maior facilidade

para atender aos cursos a serem programados. Ressalta-

-se que o CRC-Brasil tem como meta trabalhar forte-

mente com aprendizagem em ambiente virtual (AVA),

ofertando cursos e-learning – o que facilita o acesso

de todos. O CRC-Brasil tem realizado diversas ativida-

des e tem se associado a outros centros de excelência

(por exemplo, a parceria com o CEDDET–Espanha e

a FGV) para diversificar os treinamentos, na busca de

seus objetivos. No que diz respeito às ações desenvol-

vidas especificamente pela Corin, no âmbito dos acor-

dos de cooperação administrativa em matéria aduaneira

e das ações de cooperação técnica, firmadas por meio

de memorandos (MOU), temos acordos já negociados

com: Estados Unidos, França, Holanda, Israel, Rússia,

Países Baixos, Reino Unido e COMUCAM, que engloba

os principais países da América Latina, Portugal e Es-

panha. Estão pendentes de aprovação pelo Congresso

Nacional, os acordos com África do Sul (2007), Angola

(2008), Índia (2007), Noruega (2009), República Tche-

ca (2009), Turquia, Moçambique e Japão (2010), este

último ainda pendente de assinatura. E estão em nego-

ciação: China, Canadá, Polônia, Geórgia, Ucrânia, Bul-

gária, Itália e Coréia do Sul. Esses acordos possibilitam

a troca de experiências de forma que possamos imple-

mentar práticas já comprovadamente eficazes utilizadas

em outros países. Isto também implica a capacitação

dos colegas aduaneiros da RFB, com treinamentos nes-

tes países, bem como a visita de aduaneiros de outros

países ao Brasil. Tais trocas foram e estão sendo muito

importantes em alguns projetos como o Operador Eco-

nômico Autorizado (OEA), os centros de cães de faro,

o centro nacional de análise de risco (targeting center).

E decorrente de ações no âmbito do IBAS também foi

“No que diz respeito aos

desafios externos, está

a ampliação da rede de

tratados de cooperação

aduaneira e de troca de

informações tributárias, pois

isto implica um aumento

da eficiência da fiscalização

nesses setores.”

Page 18: Tributação em Revista 58

18 TRIBUTAÇÃO em revista

aberta a possibilidade de trabalhar com a aduana da

África do Sul para absorver conhecimento em relação

à sua experiência com a Copa do Mundo de 2010, que

nos será útil na nossa Copa de 2014.

TR – Temos fronteiras terrestres com quase todos

os países do América do Sul, com fluxos comer-

ciais diferenciados que requerem uma atenção

especial. Que pontos específicos das relações co-

merciais do Brasil com países do Mercosul reque-

rem maior atenção da RFB? Destaque o papel do

Auditor-Fiscal neste contexto.

MV – O Brasil tem fronteiras terrestres com todos os pa-

íses do Mercosul. Os Estados Partes do Mercosul repre-

sentam um dos principais mercados de destino das ex-

portações brasileiras, com participação de 11,2 % sobre

o total das vendas nacionais para o exterior, em 2010.

Dessa participação, cerca de 93% foram de produtos

industrializados, manufaturados ou semimanufatura-

dos, frente a apenas 7% de produtos básicos. Tendo em

vista a importância do Bloco Econômico como parceiro

comercial do Brasil, a atenção da RFB e o trabalho dos

Auditores-fiscais devem estar focados na agilidade e na

harmonização dos procedimentos aduaneiros adotados

nos pontos de fronteira terrestre.

Visando alcançar tais objetivos, os Estados Partes do

MERCOSUL, a partir do protocolo de Recife, acordaram

implementar, em determinadas fronteiras terrestres, as

Áreas de Controle Integrado (ACI), locais onde todos

os organismos intervenientes de ambos os países (RFB,

ANTT, ANVISA, DPF e MAPA no caso brasileiro) exer-

cem seus controles de despacho aduaneiro de forma

única e integrada. Ressalte-se que pelo lado brasileiro,

os Auditores-Fiscais, no âmbito de sua competência,

têm precedência sobre os demais setores administrati-

vos, conforme o art. 37, inciso XVIII, da Constituição

Federal. Por outro lado, a extensa linha de fronteira

terrestre que separa fisicamente o Brasil desses países

dificulta o controle aduaneiro, tornando fundamental a

eficiência do trabalho dos Auditores-Fiscais, com foco

nas áreas de repressão e vigilância, no combate ao trá-

fico de drogas e ao contrabando e descaminho, espe-

cialmente de armamentos e produtos falsificados. Em

suma, o grande desafio para a RFB, e para a Aduana em

particular, é ser uma instituição que fiscalize com efici-

ência os ilícitos tributários e aduaneiros, sem prejudicar

o fluxo do comércio legítimo.

TR – Muito tem sido destacado quanto aos benefí-

cios de uma cooperação com as empresas no sen-

tido de agilizar e aprimorar os procedimentos em

portos, aeroportos e áreas de fronteiras terrestres,

sem a perda das prerrogativas do estado brasileiro

na fiscalização. Gostaríamos que o Sr. destacasse

e comentasse os principais benefícios nesta área.

MV – Há um aspecto a destacar em que há uma coope-

ração intrínseca. São os chamados operadores econômi-

cos autorizados (OEA), um sistema que agiliza os pro-

cedimentos para as empresas que seguem determinados

critérios de transparência e cumprimento da legislação

aduaneira e tributária. Nesse caso o ganho em eficiência

e agilidade está acompanhado da segurança no proces-

so, com benefícios mútuos.

TR - A cooperação tributária e aduaneira do Brasil

com outros países emergentes também é um ponto

“Há uma intensa cooperação

entre os países emergentes

(caso do IBAS, que congrega

o Brasil, a África do Sul e

a Índia) a qual tem dado

resultados específicos,

como a criação de um

centro trilateral de troca de

informações.”

Page 19: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 19

relevante nas nossas relações comerciais. Estraté-

gias mais uniformes entre os países trariam bene-

fícios mútuos em termos de eficiências nas ações

de fiscalização. O que há de novo nesta área?

MV – Este ponto é muito importante no que tange às

atividades da Corin. Já foi mencionado que estamos nos

esforçando para expandir a rede de acordos de coope-

ração aduaneira com os principais parceiros comerciais

brasileiros. Porém, isto não se restringe a esses acordos.

Há uma intensa cooperação entre os países emergentes

(caso do IBAS, que congrega o Brasil, a África do Sul e

a Índia) a qual tem dado resultados específicos, como a

criação de um centro trilateral de troca de informações

que agilizará muito as trocas de informações aduaneiras

entre os três países. O movimento neste sentido tam-

bém ocorre com países em menor grau de desenvolvi-

mento, e neste caso há especial interesse em visitas de

cooperação técnica que estes países fazem, bem como

capacitação técnica promovida por eles próprios, como

é o caso de Moçambique, e mais recentemente Angola.

Essas ações todas trazem benefícios em termos de me-

lhoria na eficiência nas ações de fiscalização. Informação

é uma ferramenta fundamental nesses casos. O combate

às fraudes em operações de comércio internacional é

fundamental e é parte importante do trabalho da RFB.

Tais tratados servem de mecanismos de controle des-

sas transações no combate à evasão fiscal internacional

na área aduaneira. No que diz respeito à cooperação

tributária, no sentido dos chamados tributos internos,

e especificamente o imposto de renda, devemos consi-

derar que os nossos 29 tratados de dupla tributação em

vigor têm cláusula de troca de informações, observando

que se pode utilizar também os tratados de cooperação

judicial (MLAT) em determinadas situações, tanto em

matéria aduaneira como tributária. Além disso, o Brasil

aderiu ao Fórum Global sobre Transparência e Troca de

Informações Tributárias em 2009, passando a integrar

seus órgãos de decisão e de revisão. Com a importância

do Brasil hoje no G20, o país não poderia deixar de

participar de um órgão como o Fórum Global, já que

o próprio G20 apontou a falta de transparência como

uma das causas da crise econômica recente. O Fórum é

um órgão da OCDE e suas posições seguiam as orienta-

ções da OCDE. Em 2009 ele passou a ter um orçamen-

to próprio e a tomar suas decisões com a participação

de todos os membros em pé de igualdade, sendo eles

membros ou não da OCDE. É bom destacar que mesmo

antes de entrar no fórum o Brasil já atendia os padrões

internacionais de transparência, tanto que após a ade-

são o país passou a integrar a “lista branca” da OCDE

de países que seguem os princípios internacionais de

transparência. Na verdade, se tivermos uma convenção

para evitar a dupla tributação da renda e a evasão fiscal

com o artigo 26 do Modelo OCDE e ONU (“Troca de

Informações”) em funcionamento, ele vai ter a mesma

função de um tratado especifico. O tratado para tro-

ca de informações só vai trazer normas procedimentais

mais detalhadas, embora o núcleo seja o mesmo. Nos

casos em que for mais complicado ter uma convenção

contra bitributação, sendo possível ter um tratado de

troca informações, é bom que tenhamos este último,

principalmente quando existirem fluxos comerciais re-

levantes entre os dois países, como no caso de Brasil e

Estados Unidos. A RFB tem demandado e temos sido

demandados em relação à troca de informações, tanto

na área aduaneira como na tributária, com resultados

expressivos.

“As cogitações de retirar

a aduana do controle da

RFB, que volta e meia se

ouve, seria um retrocesso.

Os países que não

adotam este modelo têm

reconhecidamente perda de

eficiência.”

Page 20: Tributação em Revista 58

20 TRIBUTAÇÃO em revista

Deve ser observado que a OMA e acordos com o Mer-

cosul levam a ter procedimentos aduaneiros mais pa-

recidos, tendendo a uma uniformização, o que eviden-

temente aumenta a eficiência. Os tratados de troca de

informação tributários ou aduaneiros, ainda que em

menor grau, também tem este efeito, especialmente no

que diz respeito a procedimentos de fiscalização de ilí-

citos aduaneiros.

TR – O fato de termos a aduana integrada aos cha-

mados tributos internos é eficiente?

MV – Sim. Penso que é eficiente tanto para a fiscaliza-

ção e controle dos tributos internos, como para a fis-

calização e controle das atividades aduaneiras. A fusão

das duas áreas no Brasil, que resultou na estrutura que

conhecemos atualmente, deu-se quando da criação da

SRF hoje RFB, em 1968, embora as atividades já antes

estivessem sob a responsabilidade do Ministério da Fa-

zenda, na Direção Geral da Fazenda Nacional, consti-

tuída pelos Departamentos de Rendas Internas, Rendas

Aduaneiras e Imposto de Renda. Essa integração induz

um ganho de eficiência, que passa pela unificação da

base de dados dos contribuintes e vai até o conheci-

mento organizacional, prevenção de conflitos e ação si-

nérgica do pessoal da instituição, os Auditores-Fiscais.

Daí que as cogitações de retirar a aduana do controle

da RFB, que volta e meia se ouve, seria um retrocesso.

Os países que não adotam este modelo têm reconhe-

cidamente perda de eficiência, às vezes até porque o

foco da aduana é centrado em outros aspectos, como

a segurança (caso dos EUA), mas esse trade off pode

sair caro. No sentido do aumento da eficiência, tem-se

notícia de países que estão promovendo a junção das

duas áreas como o Reino Unido, por meio do HM Re-

venue & Customs – HMRC, resultante da fusão, em 18

de abril de 2005, do Inland Revenue and HM Customs

and Excise Departments. Em outros países europeus o

controle de tributos indiretos é feito pela mesma admi-

nistração aduaneira e tributária. Mas a questão não se

restringe a tributos indiretos. O contribuinte que co-

mete fraude aduaneira pode estar também cometendo

fraude em preços de transferência, caso típico em ope-

rações de exportação (subfaturamento). Contudo, as

trocas de informações são conduzidas sob o amparo de

tratados específicos das respectivas áreas, pelo menos

por enquanto.

TR – A Aduana tem sido um fator de defesa da

soberania nacional. Importações consideradas

desleais prejudicam a indústria nacional. Alguns

instrumentos, como a verificação das regras de

origem, podem ser utilizados para combater estas

práticas desleais. Faça um apanhado geral sobre

o tema.

MV – A aduana é, de fato, um importante fator de defesa

da soberania nacional. Na verdade, no que diz respeito

ao comércio exterior, é a aduana que está na linha de

frente. Qualquer tipo de fraude aduaneira, como fraude

de valor, burla as regras de origem, seja diretamente

seja através da chamada “circumvention” (utilização de

um terceiro país não sujeito às regras de origem, para

burlar o controle), tem uma atuação direta da aduana,

embora o MDIC tenha também uma participação no

que diz respeito à questão das regras de origem. O ar-

cabouço legal utilizado pela RFB no combate a essas

fraudes envolve não só a legislação interna, consolidada

no Regulamento Aduaneiro, mas também tratados adu-

aneiros e comerciais, como por exemplo, o acordo do

GATT/OMC, no qual está prevista a valoração aduanei-

ra e o acordo do Mercosul, e sua regulamentação, a qual

prevê normas de verificação de origem. Para melhorar a

eficiência na implementação deste arcabouço é necessá-

rio evoluir e aprimorar as técnicas, com medidas como:

a criação do Centro Nacional de Avaliação de Risco e

a utilização de modernas ferramentas de informática e

mão-de-obra especializada. Assim, a fiscalização ante-

cipa-se à ação do fraudador, agindo de maneira mais

eficiente e eficaz, executando o controle aduaneiro com

mais segurança e agilidade, contribuindo para o fortale-

cimento do comércio exterior brasileiro.

Page 21: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 21

a RTIGO

A Guerra Comercial

país refletida no Balaço de Pagamentos. O Balanço de Pa-

gamentos de um país apresenta, na forma de um plano

de contas, as relações de troca com o resto do mundo du-

rante um determinado período. Sinteticamente o Balanço

de Pagamentos é composto principalmente pelo montante

de Transações Correntes e pela Conta de Movimento de

Capitais. O item das Transações Correntes por sua vez é

composto pelos subgrupos Balança Comercial, Balança de

Serviços e das Rendas Recebidas e Enviadas ao Exterior,

além das Transferências Unilaterais Correntes. Basicamen-

te, quando se fala em “guerra comercial” compreende o

equilíbrio da conta do Balanço de Comercial onde se re-

gistram os valores das importações e exportações entre os

países. Quando um país importa mais do que exporta, ele

não recebe este excedente de bens e serviços gratuitamen-

te, ao contrário, ele abre mão de seus ativos em retribui-

1- Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

Foch Simão Jr.1

1 – Introdução

Na avaliação de Welber Barral ex-Secretário de Comér-

cio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria

e Comércio Exterior, a falta de acordo em torno da questão

cambial por parte dos países do G20 reunidos na Coréia

do Sul pode levar a uma “guerra comercial”, com aumento

de protecionismo em desrespeito a regras da OMC. Esta

opinião foi também manifestada pelo ex-Secretário da

Receita Federal, Otacílio Dantas Cartaxo, por ocasião da

inauguração da Delegacia Especial de Maiores Contribuin-

tes em São Paulo.

A “guerra comercial” envolve primordialmente a utili-

zação de mecanismos de confronto econômico fortemente

focados nos subsídios comerciais e nas barreiras alfande-

gárias. O resultado deste tipo de confronto repercute em

médio prazo na capacidade de transação econômica do

Page 22: Tributação em Revista 58

22 TRIBUTAÇÃO em revista

ção. Inicialmente estes ativos são materializados em mo-

eda local, mas os investidores rapidamente utilizam este

dinheiro para adquirir empresas e papéis governamentais,

gerando obrigações futuras, transformando o país, em

curto período, em exportador natural de ativos.

O desequilíbrio na Balança de Pagamentos acaba por

demandar poupança externa, que se manifesta em défi-

cit em conta corrente, que termina por exigir o aumento

dos juros pagos aos capitais compensatórios. Esta escalada

dos juros aumentará a dívida do governo, evidenciando o

excesso de investimento privado em relação à poupança.

A escassez de poupança privada interna aumenta a per-

cepção de riscos dos credores externos, indicando que os

seus recursos estão financiando parcelas expressivas de

enormes déficits públicos. Em vista deste cenário de insta-

bilidade econômica, estes investidores, para continuarem

a cobrir os déficits, acabam exigindo remuneração mais

elevada para os seus capitais. Dada a alta relação entre as

taxas de juros e a evolução do PIB, razão dívida líquida/

PIB, há o aumento da demanda por superávit primário a

fim de se estabilizar esta relação, prevenindo o descontrole

do endividamento público o que fatalmente desencadearia

uma crise de credibilidade. Os superávits primários, por

sua vez, requerem uma política fiscal mais austera, redu-

zindo ainda mais a escassa poupança privada interna pelo

aumento da tributação e pela estagnação do investimento

nacional, deprimindo a poupança como um todo, com

reflexos negativos no investimento interno e nas exporta-

ções, nesta última por causa da redução dos valores agre-

gados. Isto, como se percebe, aumenta o déficit da Balança

de Pagamentos tornando crônico o processo iterativo de

endividamento público, onde o déficit comercial aumenta

o déficit público, criando um fluxo evasivo de ativos.

2 – Defesa Comercial

Do ponto de vista do comércio global, as condições

internacionais de custos e de demanda poderiam levar os

países que comerciam entre si a alcançarem integralmente

os benefícios proporcionados pelo comércio multilateral

totalmente livre. Mas, a realidade que se apresenta é bem

diferente, as pressões internas de certos setores econômi-

cos nos países desenvolvidos os levam a adoção de práti-

cas, muitas vezes sutis, de protecionismo com a aplicação

de barreiras não tarifárias, o emprego de subsídios e outros

mecanismos de embaraço às exportações provenientes dos

países em desenvolvimento e por outro lado, no tocante às

suas exportações, estimulam a prática de dumping, sub-

valoração e outros recursos predatórios às economias dos

demais países.

A atuação de um governo na defesa comercial do país

e os limites de sua aplicação é pautada pela legislação in-

ternacional, em particular, nos acordos multilaterais e bi-

laterais recepcionados pela legislação interna. Por defesa

comercial entendem-se medidas que podem ser impostas

pelo país importador quando verificadas determinadas

condições descritas em acordos internacionais, onde qual-

quer prática estranha às normas acordadas pode e deve

ser combatida precavendo o dano à indústria doméstica e

à cadeia de produção do país. No tocante ao controle dos

fluxos do comércio internacional, a instituição precedente

na defesa dos interesses nacionais e do bem estar dos seus

cidadãos é o Sistema Aduaneiro, composto pelas Alfânde-

gas e Inspetorias.

Observa-se, portanto, que no âmago da questão “guer-

ra comercial“ encontra-se o controle aduaneiro que por

sua característica histórica é por si só uma barreira institu-

cional às atividades de trocas comerciais. A função das Ins-

tituições Aduaneiras é a de assegurar que todos os bens,

objeto de comércio internacional, circulem pelas frontei-

ras do país em consonância com os mandamentos legais

vigentes e em condições econômicas compatíveis com a

do mercado interno, preservando a sua capacidade eco-

nômica e a segurança dos seus cidadãos através da execu-

ção do controle físico e documental eficaz e eficiente, que

não interfira substancialmente nos custos logísticos das

transações. Compreende esse controle, visando a defesa

econômica da nação, os procedimento de inspeção pré-

-embarque, auditoria dos fluxos de importação em zona

primária, valoração aduaneira, auditoria de zonas secun-

dárias, operações de busca e repressão e outros recursos

Page 23: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 23

dispostos pela legislação à competência da Aduana.

Desta forma, seria de maior importância para a nação a

formulação de uma estratégia de defesa comercial de lon-

go prazo, empregando os serviços de controle aduaneiro

de forma ativa. A visão de “coletoria tributária” que hoje

domina a administração da Receita Federal não se coadu-

na com a missão precípua das Alfândegas. Na historiogra-

fia nacional as Alfândegas foram instrumentos de defesa

da terra desde as expedições guarda-costas de Cristóvão

Jacques no combate à pirataria até o emprego da divisão

dos Guardas da Alfândega na aguerrida luta em campos

paraguaios. A disposição do governo de empregar de for-

ma eficiente a instituição aduaneira em defesa da nação

deve levar em conta a estrutura funcional hoje minguada,

mas, de alta competência e elevada instrução. Nesta pers-

pectiva de política pública há estratégias primorosas que

permitem ao Brasil preservar o seu parque manufatureiro

e manter o bem estar dos seus cidadãos.

A cabeça de ponte do sistema de defesa comercial te-

ria como base a ação dos agentes aduaneiros colocados

nos principais pontos de exportação de mercadorias para

o Brasil, com a determinação de vistoria sobre certas mer-

cadorias sensíveis ao nosso interesse econômico e alvos de

práticas comerciais predatórias, envolvendo a qualidade

(classificação NCM), quantidade e o valor das mercadorias

(valor aduaneiro, sub-faturamento, dumping), utilizando-

-se da oportunidade de lançar mão do instrumento de-

rivado do Acordo do GATT, Acordo Geral sobre Pautas

Aduaneiras e Comércio ou Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio, na rodada do Uruguai, conhecido como INS-

PEÇÃO PRÉ-EMBARQUE. Note que o procedimento

proposto pelo acordo do GATT/ OMC permite, quando

da ação aduaneira, detectar fraudes financeiras cometidas

através do comércio de bens como a lavagem de dinheiro,

além de agilizar o desembaraço aduaneiro nas Alfândegas

no território nacional através de informações antecipadas

por parte do exportador. Isto se traduz em ganho econô-

mico para o país, redução do tempo de desembaraço e

segurança das transações transnacionais.

Esta nova estratégia de controle aduaneiro só pode

ser implementada com uma profunda reestruturação da

instituição Aduana, de forma a criar uma cultura proativa

contando com a colaboração da sociedade. A autoridade

nunca deve partir do princípio universal da suspeita na

sua atuação profissional. A ação aduaneira, ao nosso ver,

deve possuir as seguintes vertentes:

1) busca de informações;

2) processamento de informações e de cadastros;

3) auditoria de procedimentos;

4) inspeção de cargas e documentos;

5) vigilância e patrulha ostensiva de portos, aero-

portos e pontos de fronteira;

6) poder de polícia judiciária, reduzindo o tempo do

trâmite coercitivo;

7) operações de busca e apreensão;

8) programa permanente de educação e orientação

dos cidadãos;

9) controle sobre circulação e a admissão de bens e

direitos de propriedade intelectual.

A questão da coleta de informações é vital para o suces-

so do trabalho aduaneiro. O caráter voluntário da ação do

contribuinte, procurando prestar com antecedência todo

o tipo de informação sobre a transação comercial, subsi-

dia o caráter investigativo da Aduana de apurar a exati-

dão e complementar o processo de instrução da transação,

tornando-a compatível com a legislação vigente no país.

Deve-se notar, neste particular, o emprego de adidos adu-

aneiros como: consultores, certificadores e inspetores que

contribuirá para que não haja a interrupção no fluxo de

deslocamento do comércio exterior, em virtude do rápido

acionamento de seus serviços em caso de dúvida sobre

uma transação comercial ou sobre a carga que lhe é fruto.

No que tange à coerção legal ao descaminho, con-

trabando, tráfico de drogas ilícitas e de armas, evasão de

divisas, controle sobre a evasão de patrimônio nacional,

etc., a missão da Aduana envolve o lado eminentemente

policial judiciário. Em quase todas as Aduanas dos países

desenvolvidos estas instituições possuem a prerrogativa de

Page 24: Tributação em Revista 58

24 TRIBUTAÇÃO em revista

polícia judiciária, contando com guarda armada para exe-

cutar missões de repressão e apreensão. Curiosamente, o

Brasil até 1964 possuía a Guarda Aduaneira para este fim,

sendo extinta pelo governo militar. Não há como reprimir

e controlar os ilícitos aduaneiros sem uma estrutura de

polícia judiciária compatível, contando com aparelhos e

instrumentos necessários à ação da coerção legal. De ou-

tra forma, como podemos verificar diariamente nas ruas

do país, estaremos vivendo uma ficção institucional que

presta um desserviço à nação e trabalha predatoriamente

com o suor, sangue e lágrimas do brasileiro arrancados

compulsoriamente através do artifício da tributação. Este

arremedo de Aduana, que hoje vige impotente, é permis-

sivo e pernicioso; permissivo porque dá cada vez mais

oportunidade ao crime organizado a capitalizar-se através

do contrabando e descaminho, pernicioso porque drena

da economia do país as suas riquezas através da insidiosa

evasão de riquezas da terra.

3 – Conclusão

A soberania do Estado é manifestada na forma de gover-

no que tem sob a sua responsabilidade os mais diversos en-

cargos, espelhando os anseios e o caráter da sociedade dos

seus cidadãos. O grau de comprometimento de uma socieda-

de com o Pacto Social firmado não é necessariamente aquele

que, designado pela Carta Magna, propaga-se pelas cantile-

nas públicas, mas, sim aquele que extraído da experiência

vivida por seus cidadãos revela a realidade da sua lida diária.

Se a sociedade não se organiza para atribuir e controlar as

funções a serem desempenhadas por um governo que a re-

presenta, não pode esperar que este exerça com competência

as suas funções básicas de alocar e distribuir recursos, e mo-

derar as relações sociais. Enfim, as características de um Es-

tado expressas pelo desempenho de suas instituições revelam

o verdadeiro caráter dos seus cidadãos e o governo que estes

elegem reflete os seus mais profundos anseios.

Page 25: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 25

a RTIGO

A Aduana e o Combate a Lavagem de Dinheiro em Operações de Comércio Internacional1

Gerson José Morgado de Castro2

dinheiro para, tanto quanto possível, esconder a origem

ilícita de seus ganhos.

Mas, sem dúvida, foi a partir do chamado fenômeno

da globalização que esta atividade criminosa ganhou a

dimensão que apresenta nos dias atuais, com o incre-

mento da atividade bancária transnacional e o aumento

da informatização nesse setor, o aumento e liberalização

dos fluxos internacionais de capitais e mercadorias e o

enfraquecimento do Estado, decorrente de políticas de

redução de gastos públicos e de redução da participa-

ção estatal na economia dos países, adotadas principal-

mente a partir do final da década de 80.

A abordagem aqui proposta para o tema parte de

uma reflexão sobre as preocupações do Grupo de Ação

Financeira Internacional – GAFI/FATF, em seu rela-

1 – Introdução

O fenômeno conhecido vulgarmente como lavagem

de dinheiro surgiu em tempos imemoriais, havendo no-

tícias de sua prática na China, 4.000 anos atrás, quando

mercadores se utilizavam de métodos semelhantes aos

atuais para proteger seu patrimônio dos governantes,

fugindo à tributação3. Suas técnicas evoluíram ao lon-

go da história, passando pela Idade Média e seu uso

por prestamistas e mercadores que buscavam fugir às

punições da Igreja pela prática de usura, pelo uso de

“paraísos” pelos piratas do século XVII e em especial

durante os anos 20 e 30 do século passado, nos Esta-

dos Unidos, quando os “gangsters”, após a prisão de Al

Capone, passaram a utilizar-se de métodos mais sofis-

ticados e internacionalizar a atividade de lavagem de

1. Artigo originalmente apresentado como tese ao CONAF 2010 – Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil.

2. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, bacharel em Ciências Contábeis e Direito, mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES.

3. Seagrave, S., Lords of the Rim: The Invisible Empire of the Overseas Chinese, Putnam Publishing Group, 1995, apud Jaime Jamarillo-Vallejo, Lavado de activos: temas de política pública.

Page 26: Tributação em Revista 58

26 TRIBUTAÇÃO em revista

tório intitulado “Trade based money laundering”, no

qual buscou-se analisar a utilização de operações de

comércio internacional como meio para a lavagem de

dinheiro. Aponta o GAFI que ainda não é dada a de-

vida importância às tipologias envolvendo o comércio

internacional voltadas àquela prática criminosa, razão

pela qual é essencial a conscientização e o treinamento

constantes destinados a dotar os Auditores-Fiscais da

Receita Federal do Brasil dos conhecimentos e instru-

mentos legais necessários ao seu combate.

Pretende-se demonstrar a ameaça representada por

esse crime ao território e à economia nacional, pelo volu-

me de recursos movimentados e pela origem dos recursos

“lavados”, umbilicalmente ligados ao crime organizado.

Além disso, busca-se apresentar, de forma simplificada,

as principais tipologias ligadas ao fluxo internacional de

mercadorias e indicadores da ocorrência desse crime, for-

necendo ao leitor um contato inicial com essas técnicas,

a fim de possibilitar sua identificação no quotidiano das

unidades aduaneiras e servir de subsídio para o aprofun-

damento no estudo desse tema, ainda pouco explorado

pela literatura nacional.

Como consequência, ficará demonstrada a importân-

cia de uma fiscalização alerta e ciente da utilização de ope-

rações de comércio internacional como técnica de lavagem

de dinheiro, tanto para a prevenção e o combate direto e

imediato a essa atividade, quanto como meio de obtenção

de informações sobre a atuação de quadrilhas especializa-

das, permitindo a atuação conjunta com os demais órgãos

responsáveis pela repressão a esse crime.

2 - A Lavagem de Dinheiro

2.1 - Breves Considerações Sobre Essa Atividade Cri-

minosa

A chamada lavagem de dinheiro consiste num proces-

so composto por etapas, destinado a introduzir na econo-

mia formal recursos obtidos em atividades criminosas e

dar-lhes aparência de legalidade, objetivando impedir ou

dificultar a vinculação entre os recursos e os crimes pelos

quais foram obtidos. Em breve definição, podemos dizer

que:

‘Lavagem’ de dinheiro é o processo pelo qual se bus-ca introduzir na economia bens, direitos ou valores originados na prática de crimes, ocultando ou dissi-mulando sua origem delituosa4.

O termo utilizado usualmente se refere à prática dos

gangsters norte-americanos, que utilizavam lavanderias

para a atividade de “legalização” dos recursos obtidos ili-

citamente, embora só tenha sido usado, pela primeira vez,

pela imprensa daquele país, na década de 70, por ocasião

do escândalo denominado Watergate.

Diversas expressões são utilizadas para intitular tal ati-

vidade criminosa ao redor do mundo, mas a mais popular

é, sem dúvida, a aqui utilizada. Todavia, necessário se faz

constatar que o tipo legal utilizado no Brasil não adotou

integralmente tal denominação, referindo-se a “crimes de

‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores”.

2.2 – Fontes Normativas da Prevenção e Combate à

Lavagem de Dinheiro

Embora a legislação pioneira remonte a 1978 (na Itá-

lia) e normas no sentido de criminalizar essa atividade

tenham sido publicadas na Alemanha em 1981, na In-

glaterra em 1982, nos EUA em 1986 e na França em

1987, o principal incentivo ao combate a essa prática foi,

no plano internacional, a Convenção de Viena de 1988,

celebrada no âmbito da Organização das Nações Unidas,

inicialmente objetivando o combate ao tráfico ilícito de

drogas. O Brasil foi signatário desse ato, ratificado pelo

Decreto Legislativo n.º 162, de 14 de junho de 1991 e

promulgado pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de

1991, mas a conduta só foi tipificada por meio da Lei n.º

9.613/98.

Referida lei introduziu no ordenamento jurídico na-

cional diversas figuras penais, visando punir as condutas

tendentes à integração à economia do produto de deter-

4. Gerson José Morgado de Castro. O combate à lavagem de dinheiro, p. 14.

Page 27: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 27

minados crimes antecedentes, considerados mais graves

pelo legislador, ocultando-lhe ou dissimulando-lhe a ori-

gem criminosa.

Optou a lei brasileira por eleger tais crimes antece-

dentes em rol taxativo, indo além da mera criminaliza-

ção da “lavagem” dos ganhos provenientes somente do

tráfico de drogas, mas adotando postura mais tímida que

outras legislações mais avançadas, que optam por não

“engessar” o combate à “lavagem”, punindo a legitima-

ção do produto de todo e qualquer crime, ou de “crimes

graves”, assim entendidos os que apresentem punição a

partir de determinado nível.

A esse respeito, tramita atualmente pela Câmara dos

Deputados o Projeto de Lei n.° 6577/2009, que entre ou-

tras modificações à Lei n.° 9.613/98, pretende alterar a

redação da cabeça de seu Art. 1.°, para abranger as con-

dutas de lavagem de dinheiro proveniente de qualquer

infração penal. Tal modificação representa um significa-

tivo avanço, em especial no que se refere à repressão da

lavagem de dinheiro ligada à sonegação fiscal, hoje não

abrangida entre os crimes antecedentes5, embora, com

frequência, os crimes fiscais estejam associados a outros

que já figuram na atual lista, como a evasão de divisas e

os crimes praticados por organizações criminosas, aca-

bando por dar origem à punição por lavagem de dinhei-

ro.

A lei brasileira traz, em sua redação atual, um tipo

penal básico, descrito no caput do Art. 1.º, três tipos as-

semelhados (Art. 1.º, § 1.º, incisos I a III) e dois tipos

equiparados (Art. 1.º, § 2.º, incisos I e II)6. Entre eles,

interessa de forma especial à presente abordagem (mas

não exclusivamente) aquele instituído pelo inciso III do

§ 1.º de seu Art. 1.°, que se refere à conduta de importar

ou exportar bens com valores não correspondentes aos

verdadeiros, para ocultar ou dissimular a utilização de

bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos

crimes antecedentes previstos pelos incisos da cabeça

daquele artigo.

As tipologias que serão abordadas mais adiante se re-

ferem, em sua maioria, à prática desse tipo penal. Toda-

via, como será possível perceber ao final, o uso de ativi-

dades de comércio internacional na atividade de lavagem

de dinheiro não se restringe a esse tipo penal, transitando

pelas demais modalidades instituídas pelo legislador.

2.3 - Características da Lavagem de Dinheiro

Entre as características que normalmente marcam essa

atividade e fazem das operações de comércio internacional

terreno fértil para sua prática, a primeira delas é sua di-

mensão internacional, ou transnacionalização das condu-

tas7, decorrente, de forma direta, de sua vinculação com o

crime organizado, que extrapola os limites dos territórios

em que originalmente se estabeleceram as organizações,

para atuar em todo o globo8.

Tal característica representa uma vantagem adicional

aos “lavadores” e, na mesma proporção, um obstáculo a

mais para as autoridades na tarefa de detecção e perse-

cução das atividades criminosas dessa natureza. O fato

de transitarem os recursos objeto da lavagem através de

diversas fronteiras provoca dificuldades relativas à coope-

ração judicial internacional e à troca de informações entre

as autoridades, falta de harmonização entre os diversos

ordenamentos jurídicos e permite ao criminoso a busca

de localidades cujos controles sejam menos rigorosos, fa-

cilitando sua ocultação.

Outra característica digna de nota é o enorme volu-

me de recursos movimentados pela atividade. No geral,

os crimes antecedentes a que se dedicam tais grupos, em

especial o tráfico de drogas, apresentam, além da enorme

danosidade social, margens de lucro inatingíveis na ativi-

5. Todavia, deve-se devotar a necessária atenção a eventuais efeitos negativos deste alargamento do escopo de aplicação da norma penal aqui tratada, pelo risco de banali-zação de sua utilização, especialmente em relação a crimes de baixo ou nenhum potencial ofensivo, sob pena de desvirtuar-se a sua aplicação, voltada à efetiva proteção da ordem econômica e dedicada especialmente às atividades de grupos criminosos organizados e a crimes praticados por detentores de grande poder econômico e/ou político.

6. Adota-se aqui a denominação utilizada por Rodolfo Tigre Maia, Lavagem de dinheiro, p. 56 a 102.

7. Raúl Cervini, Lei de lavagem de capitais, p. 62 e 63.

8. Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente, p. 28, Peter Lilley, Lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais, p. 17-18.

Page 28: Tributação em Revista 58

28 TRIBUTAÇÃO em revista

dade legal9, proporcionando a seus perpetradores um acú-

mulo de capital que lhes obriga à prática de movimentos

massivos de recursos e lhes permite também a obtenção

de um poder que rivaliza, quando não supera, o poder

dos Estados nos quais as organizações se encontram es-

tabelecidas, representando fonte perene de recursos que

lhes permitem por vezes exercer controle sobre porções

dos territórios nacionais.

De tal característica decorre outra, apontada por Raúl

Cervini, que vem a ser a dimensão dos danos causados

pela atividade, que extrapola a esfera individual, alcançan-

do ou se projetando sobre toda a economia nacional, po-

dendo, inclusive, chegar a quebrar a confiança no sistema

econômico10.

2.4 – Dimensão da Atividade no Mundo e no Brasil

Michel Camdessus, em discurso proferido no Encon-

tro da Plenária do GAFI, realizado em Paris, em 1998, es-

timou o volume de dinheiro “lavado” anualmente entre

2% e 5% do PIB mundial11. Já Moisés Naím afirma que

estimativas mais recentes fixam o fluxo de “lavagem” de

dinheiro próximo a 10% do PIB global12.

Para auxiliar a compreensão de tais números, deve-se

consignar que a estimativa mais otimista (aplicando-se o

percentual de 2% sobre o PIB mundial de 2009, da ordem

de US$ 57,937 trilhões) supera o PIB mexicano daquele

ano, ao passo que a estimativa mais pessimista representa

um volume de capital ilícito circulando ao redor do mun-

do mais de três vezes superior a toda a riqueza produzida

no Brasil naquele ano, ou algo em torno de 40% (quarenta

por cento) do PIB norte-americano no mesmo período13.

Em estudo concluído no ano de 2006, demonstrou-se

que o volume de dinheiro sujo colocado em circulação

ao redor do mundo pela atividade de lavagem de dinhei-

ro chegaria, na hipótese mais pessimista (que considera o

percentual de 10%) a configurar a terceira maior riqueza

do mundo, atrás apenas do Produto Interno Bruto dos Es-

tados Unidos e do Japão e, na hipótese mais otimista, seria

a décima economia mundial, superando o PIB brasileiro à

época14. Tais projeções revelavam que o capital acumulado

em dez anos pelas organizações criminosas superava o PIB

norte-americano15.

2.5 – As Ameaças Representadas pela Lavagem de

Dinheiro à Economia e a Soberania Nacionais

Tal volume de recursos circulando pelo globo nas

mãos de organizações criminosas já representa, por si só,

uma ameaça às soberanias e de forma especial às econo-

mias nacionais. O resultado já foi visto em diversos países

e mesmo no Brasil, sob a forma de controle de territó-

rios por tais grupos e, atualmente, apresenta sua face mais

cruel na guerra travada no México entre o Estado e nar-

cotraficantes, que passaram a afrontar as autoridades de

forma pública e direta, com intenções abertas de subjugar

o poder estatal aos seus interesses.

Segundo Raúl Cervini, a atividade de lavagem de di-

nheiro tem impacto direto sobre as políticas econômicas

públicas, seu planejamento e controle, produzindo desde

fenômenos de hiper-reação dos mercados financeiros, tais

como oscilações nas taxas de câmbio e juros, à contami-

nação da livre concorrência, condicionamento da liquidez

do setor bancário, atingindo mesmo a independência eco-

nômica de alterar políticas macroeconômicas16.

Estudos do Fundo Monetário Internacional apontam

que a lavagem de dinheiro pode levar a erros na formula-

ção de políticas econômicas, devido a falhas contidas nas

informações estatísticas, em virtude do fluxo de capitais

ilícitos praticado de forma clandestina, modificações na

9. Ver, a respeito, Jean Ziegler, A Suíça lava mais branco, págs. 25 e 26.

10. op. cit., p. 61 e 62.

11. Money Laundering: the Importance of International Countermeasures.

12. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global, p. 20.

13. Valores informados pelo Fundo Monetário Internacional, Word economic outlook database, april 2010.

14. Gerson José Morgado de Castro, op. cit., p. 29.

15. op. cit., p. 32.

16. Lei de lavagem de capitais, p. 59 e 60.

Page 29: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 29

demanda por moeda sem uma relação direta com mudan-

ças nas variáveis econômicas correspondentes, volatilida-

de do câmbio e das taxas de juros devido às transferências

imprevistas de recursos através das fronteiras, realizadas

pelos “lavadores”, contaminação da estrutura dos ativos e

passivos das instituições financeiras, distorções nos preços

de bens e serviços, bem como a perda de credibilidade

de atividades legais por sua contaminação pelas atividades

criminosas17.

Dessa forma, constata-se que a atividade de lavagem de

dinheiro atinge a soberania nacional, na medida em que

as políticas econômicas vêem-se prejudicadas pela atua-

ção de grupos criminosos transnacionais, que, com a rea-

lização de movimentos internacionais de bens e recursos,

sem fundamento econômico e no mais das vezes de for-

ma clandestina, influenciam as variáveis econômicas sem

que se encontrem as devidas motivações nas estatísticas

oficiais disponíveis para a tomada de decisões no âmbito

econômico. O comprometimento de tais políticas públi-

cas leva, inexoravelmente, a prejuízos na persecução da

redução das desigualdades regionais e sociais e na busca

do pleno emprego, em virtude, também, do menor cres-

cimento econômico gerado pela atividade de lavagem de

dinheiro e as distorções por ela geradas nas variáveis eco-

nômicas do país.

Aponta-se ainda, como efeitos negativos da crimina-

lidade econômica, os chamados efeitos “ressaca” e “espi-

ral”18: numa realidade econômica de forte concorrência,

o primeiro ator econômico a praticar atividade delituosa

acaba pressionando os demais a praticar novos delitos

(efeito ressaca) e cada participante se converte também

no centro de uma nova ressaca (efeito espiral), conta-

giando continuamente a atividade econômica de um

país. Colaboram com tal realidade a consciência da enor-

me quantidade de delitos econômicos, os lucros por eles

gerados, a leveza da legislação penal e da jurisprudência

contra essa classe de criminosos e uma imagem benevo-

lente da sociedade em relação aos criminosos de “colari-

nho branco”.

3 – As Tipologias Ligadas ao Comércio Internacional

Com o crescente controle das operações bancárias e o

aperfeiçoamento dos controles e instrumentos jurídicos

disponíveis para o combate à lavagem de dinheiro no sis-

tema financeiro, é natural que as organizações criminosas

busquem novos canais para movimentar recursos entre

as fronteiras nacionais e dar-lhes uma aparência de lega-

lidade. O próprio GAFI reconhece que a importância das

operações de comércio internacional praticadas com esse

objetivo tem sido subestimada pelas autoridades respon-

sáveis pela repressão dessa conduta19.

Entre os fatores de atratividade de tais operações para

a lavagem de dinheiro, aponta-se a limitação de recursos

das autoridades alfandegárias de diversos países para de-

tectar as operações fraudulentas e de programas de trocas

de informações entre as autoridades dos países envolvi-

dos na operação comercial.

O incremento do fluxo de mercadorias e o aumen-

to no fornecimento de serviços internacionais propiciou

um novo horizonte para essa atividade, escondendo

operações fraudulentas destinadas exclusivamente a dar

aparência de legalidade a riquezas criminosas, que se

confundem com os milhões de outras operações normais

de comércio internacional e outras tantas destinadas a

realizar a evasão fiscal, de divisas, contrabando, desca-

minho, etc.

As técnicas descritas nos relatórios de tipologias são

as mesmas que, há décadas, são utilizadas para a movi-

mentação internacional de divisas com fraude aos con-

troles oficiais.

A primeira técnica - sobrefaturamento ou subfatura-

mento - permite manipular o envio de recursos para fora

do país ou seu recebimento de outros países, tão somente

pela alteração dos preços da transação, efetuando a lava-

gem dos valores pelo “lucro” obtido na transação no país

exportador (sobrefaturamento) ou importador (subfatu-

ramento). A um só tempo, obtém-se a transferência de

recursos criminosos de um país para outro e a lavagem

de dinheiro sob a forma de falso lucro.

17. Raúl Cervini, op. cit., p. 104 e 105.

18. Bajo Fernández apud Callegari, André Luís. Direito penal econômico e lavagem de dinheiro: aspectos criminológicos, p. 25.

19. Trade based money laundering, passim.

Page 30: Tributação em Revista 58

30 TRIBUTAÇÃO em revista

A segunda técnica - múltiplo faturamento – consiste na

emissão de mais de uma fatura para a mesma operação de

comércio internacional, justificando múltiplos pagamen-

tos para o mesmo embarque de mercadorias. Normalmen-

te envolve distintas instituições financeiras para a remessa

dos diversos pagamentos, de modo a não levantar suspeitas.

Apresenta, em relação à primeira técnica, a vantagem de per-

mitir a remessa dos recursos sem a necessidade de recorrer

à fraude nos valores declarados às autoridades aduaneiras.

Já a fraude quanto às quantidades embarcadas também

vai permitir a transferência internacional de recursos, de

forma similar à manipulação de preços, permitindo-se a

transferência de valores ao país exportador pelo embarque

de mercadorias em quantidade inferior ao declarado ou tal

transferência ao país importador pelo embarque de quan-

tidade superior.

Por fim, a falsa descrição dos bens ou serviços, que

permite a transferência de valores pelo embarque de bens

de valores muito maiores ou menores que os descritos nos

documentos. A título de exemplo, desejando transferir

recursos ao exterior, o “lavador” de dinheiro realiza a im-

portação de barras de chumbo, folheadas a ouro, descre-

vendo na documentação pertinente que se trata de barras

de ouro.

Deve-se atentar que não somente as modalidades li-

gadas à alteração de valores ou qualidade dos bens im-

portados ou exportados servem ao “lavador”. Por vezes,

a preocupação é simplesmente a introdução do bem no

território, por seu valor real de aquisição, apenas como

forma de reincorporar ao patrimônio do criminoso, recur-

sos enviados ilicitamente ao exterior.

Assim, deve-se observar que o criminoso, não raras

vezes, envia seus recursos obtidos ilicitamente ao exterior

por meios alternativos de remessa e lá adquire, em nome

de “laranjas” ou de empresas de fachada bens, que serão

posteriormente enviados ao País para aqui serem utiliza-

dos, sob o manto de aparente legalidade. Especial atenção

deve ser dada à introdução de bens no País sob a forma

de arrendamento, em admissão temporária para utiliza-

ção econômica, já que, nessa modalidade, o criminoso

pode utilizar-se do bem no País e ainda remeter divisas

ao exterior, pagando a si mesmo, sob a forma de suposto

pagamento de contraprestação do arrendamento, criando

ainda uma despesa dedutível no Brasil20.

Nesses casos, o Auditor-Fiscal deve ter especial aten-

ção quanto à formação societária das empresas arrenda-

doras, buscando encontrar, quando possível, vínculos

entre o arrendador e o arrendatário, tais como procura-

dores em comum, bem como atentar quanto à sua loca-

lização geográfica, tradição no mercado internacional de

arrendamentos e portfolio de clientes.

Acrescente-se, ainda, a realização de exportações fictí-

cias, de serviços ou bens, relatada pelo GAFISUD21 como

prática comum em nossa região. Nesse caso, a operação

de comércio internacional é realizada exclusivamente em

bases documentais, não ocorrendo a efetiva prestação de

serviços ou o movimento físico de bens através das fron-

teiras nacionais, ocorrendo tão somente o movimento de

capitais desejado pelo “lavador”.

Tais tipologias, usualmente, são praticadas com a utili-

zação de interpostas pessoas, como forma de dissimular os

reais exportadores e importadores, servindo ainda à blin-

dagem patrimonial e tributária dos reais operadores.

Reveste-se também de especial relevância no trabalho

de repressão aos ilícitos aduaneiros, com influência direta

no combate à lavagem de dinheiro, a questão do contra-

bando de moeda e outros ativos, financeiros ou não, atra-

vés das fronteiras nacionais22. A confirmação de tal reali-

dade pode ser vista, no caso brasileiro, pela preocupação

do legislador em coibir tal prática, cominando a pena de

perdimento à moeda que entrar ou sair do País sem a de-

vida declaração às autoridades aduaneiras23.

20. Tal tipologia era utiliza por Paulo César Farias, que se utilizava no Brasil de aeronaves arrendadas junto à empresa Miami Leasing, localizada nos Estados Unidos e controlada por próprio P.C. Farias.

21. Tipologias regionais GAFISUD - 2005.

22. Cita-se que, em 1992, dois contêineres foram apreendidos no Panamá, contendo US$ 7 milhões em dinheiro (p. 26) e que um traficante colombiano preso no Brasil teria relatado a autoridades brasileiras, em 1999, a existência de armazéns abarrotados de dólares em diversas cidades colombianas, conf. Rogério Pacheco Jordão, Crime (quase) perfeito: corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil, p. 26.

23. Lei n.º 9065/95, art. 65.

Page 31: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 31

Essa modalidade não se resume ao transporte por “mu-

las” ou camuflado entre cargas internacionais, sendo uti-

lizados serviços de correio ou de remessas expressas e de

encomendas para proceder à movimentação internacional

dos recursos. Nesse passo, cabe indicar que essa técnica

pode ser utilizada para a introdução clandestina no País

de outros instrumentos financeiros, como títulos e ações

ao portador (nos países em que tais instrumentos são ad-

mitidos), cheques administrativos ou cheques de viagem,

smart cards e instrumentos não financeiros, como jóias,

obras de arte, antiguidades, pedras preciosas, ouro etc.

Ciente de que tais tipologias são usualmente utilizadas

para a prática de outras fraudes, não necessariamente liga-

das à prática da lavagem de dinheiro, apresentou o GAFI

alguns indicadores para sua detecção (“red flags”), usu-

almente utilizados pelas administrações aduaneiras que

colaboraram para a elaboração do estudo que serviu de

ponto de partida para esta reflexão24, os quais, em aperta-

da síntese, são:

uma significativa diferença entre a descrição dos

bens no conhecimento de carga e na fatura comer-

cial;

divergência entre a descrição dos bens em qual-

quer documento e o efetivamente apurado em

conferência física das mercadorias;

significativa diferença entre os valores declarados

na operação e os usualmente praticados no mer-

cado;

incompatibilidade entre o volume transacionado

em determinada operação e os volumes de negó-

cios usuais das empresas envolvidas;

operações envolvendo mercadorias de alto risco

sob o ponto de vista da atividade de lavagem de

dinheiro (bens de alto valor agregado, tais como

produtos eletrônicos de consumo, que podem

apresentar altas margens de lucro nas operações

de comércio internacional, além de dificuldades

para a aferição do correto valor aduaneiro);

mercadorias não usualmente comercializadas pe-

las empresas envolvidas na operação de importa-

ção ou exportação;

operações que não aparentam ter sentido do pon-

to de vista logístico e econômico, como a utiliza-

ção de contêineres de tamanho incompatível com

o volume, natureza e valor das mercadorias;

mercadorias embarcadas ou exportadas a partir de

países de alto risco sob o ponto de vista da ativi-

dade de lavagem de dinheiro (v.g., aqueles consi-

derados como “paraísos fiscais”);

utilização de logística não usual na operação,

como a passagem da mercadoria por diversos pa-

íses sem aparente razão do ponto de vista econô-

mico;

condições e métodos de pagamento que aparen-

tem um risco não usual para o tipo de transação,

como importações financiadas pelo exportador

sem garantias ou pagamentos adiantados de im-

portações, sem um sólido histórico de operações

anteriores entre as empresas;

operações que envolvem pagamentos a terceiros

sem aparente conexão com o negócio realizado;

operações realizadas com frequentes alterações e

postergações nas condições de pagamento;

operações envolvendo empresas que aparentam

serem “fantasmas” ou “de fachada”, por suas ca-

racterísticas, localização, composição societária,

estrutura financeira, etc, utilizadas como inter-

postas pessoas.

4 - O Papel da Fiscalização Aduaneira na Prevenção

e Combate a Lavagem de Dinheiro em Operações de

Comércio Internacional.

Ante o quadro exposto, é fácil perceber a im-

portância da fiscalização aduaneira para a prevenção e o

combate a tal atividade criminosa. No primeiro aspecto,

24. Entre elas a Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Page 32: Tributação em Revista 58

32 TRIBUTAÇÃO em revista

constata-se que a legislação avançou nos últimos anos, a

partir da edição da Portaria MF n.º 350/2002, que deter-

minou o estabelecimento de diretrizes de controle dos flu-

xos cambiais e da estrutura financeira das empresas que

pratiquem atividades ligadas ao comércio internacional,

buscando evitar a utilização de empresas sem real capaci-

dade econômica.

Nessa esteira, foram editadas as Instruções Normativas

SRF n.º 228/2002, que estabeleceu procedimentos para a

verificação da origem dos recursos aplicados em opera-

ções de comércio exterior e combate à interposição frau-

dulenta de pessoas e n.º 206/2002, que em seus artigos 65

a 69 (mantidos em vigor pela IN-SRF n.º 680/2006) prevê

os requisitos e condições para a instauração de procedi-

mento especial de controle aduaneiro no curso do despa-

cho de mercadorias importadas ou a exportar, no caso de

suspeitas de ocorrência de infração punível com a pena de

perdimento.

Não obstante o avanço, tais procedimentos focam, pre-

ferencialmente, o combate às fraudes aduaneiras, não se

prestando, diretamente, ao combate à lavagem de dinhei-

ro, embora de suas conclusões seja possível extrair impor-

tantes informações para tal objetivo.

Outro instrumento de controle e prevenção à la-

vagem de dinheiro encontra-se na prévia habilitação do

operador de comércio internacional, que se apresenta

como verdadeira implementação, no campo da fiscaliza-

ção aduaneira, da política “conheça seu cliente”, aplicada

pelas instituições bancárias na prevenção dessa modalida-

de de crime. Nessa fase, é desejável aplicar-se uma adequa-

da ênfase à análise da composição societária e à forma de

constituição do capital da sociedade que pretende realizar

tais operações, em especial quanto a grupos empresariais

controlados por pessoas físicas residentes ou empresas se-

diadas no exterior (em especial em “paraísos fiscais”), por

meio de “procuradores profissionais” residentes no Brasil,

e a existência no quadro social de sociedades do tipo hol-

dings, factorings, administradoras de imóveis ou outras

atividades de risco sob o ponto de vista da lavagem de

dinheiro.

No âmbito do combate às operações de lavagem

de dinheiro, a atuação aduaneira apresenta ainda impor-

tantes deficiências, seja pela dificuldade própria dessa ati-

vidade, seja pela carência de recursos e treinamento, seja

pelo foco dado à fiscalização dos despachos aduaneiros,

que obrigam o Auditor-Fiscal, por dever de ofício e sob

pena de responsabilidade funcional e penal, a agir de for-

ma imediata e individualizada sobre cada despacho no

qual se apresentem situações que, a par de configurarem

infrações aduaneiras, podem se referir à prática de quadri-

lhas organizadas que atuem na lavagem de dinheiro.

Em relação a essa última questão, ganha relevân-

cia o PLS n.° 150/2006, atualmente aguardando tramita-

ção junto à Câmara Federal, que pretende reestruturar o

combate ao crime organizado e prevê a realização de ação

administrativa controlada. Tal instituto é de especial im-

portância para a atividade de fiscalização aduaneira, já que

garante ao Auditor-Fiscal que se depare com fortes indí-

cios de utilização de operação comercial fraudulenta para

a lavagem de recursos originados em infrações penais, a

possibilidade de postergar a ação fiscal, como forma de

recolher maiores elementos de prova, sem advertir pre-

viamente à organização criminosa que está sob o foco da

fiscalização aduaneira, permitindo monitorar o fluxo das

atividades fraudulentas e permitir encontrar os reais res-

ponsáveis pelas operações realizadas, sem o risco de perda

de informações e destruição de documentos por parte dos

investigados.

5 – Conclusão

Conforme se demonstrou, a prática da lavagem de di-

nheiro representa grave ameaça às soberanias nacionais,

seja pelo exercício de um poder paralelo por grupos cri-

minosos que controlam parcelas de território, seja pelos

desequilíbrios que o fluxo de dinheiro “sujo” pode causar

às economias nacionais.

O combate a tal forma de criminalidade focou, inicial-

mente, o controle das instituições bancárias, por serem

o meio mais comum para a movimentação e tentativa de

ocultação da origem dos recursos, razão pela qual aqueles

Page 33: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 33

que se dedicam à lavagem de dinheiro buscam, continua-

mente, alternativas ao sistema financeiro, entre as quais o

uso de operações de comércio internacional para a remes-

sa de divisas e para a ocultação da origem e introdução dos

recursos na economia formal.

Diante desse quadro, a atuação das aduanas é impres-

cindível à garantia da segurança do território e da econo-

mia nacional, na medida em que a identificação das opera-

ções que objetivam atingir tal intento possibilita, a um só

tempo, garantir a higidez da economia nacional e a segu-

rança do território, pelo estrangulamento dos fluxos finan-

ceiros dos grupos criminosos organizados transnacionais.

O papel do Auditor-Fiscal da Receita Federal do

Brasil nesse contexto, como autoridade aduaneira, ga-

nha especial destaque, na medida em que atua não só

no controle individual dos despachos aduaneiros, mas

também como agente de inteligência fiscal, obtendo,

compilando e compartilhando informações que pos-

sam levar à identificação de operações de comércio

internacional que objetivem a transferência, oculta-

ção e introdução de recursos criminosos, permitindo,

por meio da atuação conjunta dos órgãos responsáveis

pela repressão desse crime, desarticular organizações

especializadas nesse tipo de ações.

CALLEGARI, André Luís. Direito penal econômico e la-vagem de dinheiro: aspectos criminológicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

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REFERÊNCIAS

Page 34: Tributação em Revista 58

34 TRIBUTAÇÃO em revista

Em recente visita ao Brasil para conferir palestra no Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, o conhecido economista italiano Vito Tanzi, especialista em tributação, concedeu a entrevista abaixo à TRIBUTAÇÃO

EM REVISTA. Vito Tanzi, acadêmico e pesquisador respeitado em todo o mundo, dou-tor pela Universidade de Harvard, autor de diversos livros e artigos, consultor do Banco Mundial e Diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, tornou-se célebre ao analisar a defasagem temporal entre o fato gerador e a arrecadação do tributo, observan-do o efeito da inflação sobre esta última, fato este que se incorporou à teoria econômica e ficou conhecido como “efeito Tanzi”.

e ntrevista

Vito Tanzi

“Há muito menos incidência tributária nas operações internacionais. Mas a tributação internacional está se

tornando cada vez mais importante com o passar do tempo.”

Page 35: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 35

Tributação em Revista –O Brasil tem uma das piores

distribuições de renda do mundo (10ª pior segundo o

Índice de Gini levantado pelo PNUD) e uma elevada

carga tributária (34,2% segundo cálculos do Sindi-

fisco). Em situações como esta, especialmente em se

tratando de países emergentes, como o Sr. vê o papel

da política tributária? Ela poderia contribuir para

amenizar o peso da carga tributária e as disparida-

des de renda?

Vito Tanzi - Dois ou três breves comentários. O primeiro

é que a tributação não costuma ir muito longe em termos

de distribuição de renda porque é muito difícil tributar as

pessoas muito ricas. Muito frequentemente o seu rendi-

mento está associado ao capital e este capital tem grande

mobilidade. Se o tributarmos pesadamente, os seus pro-

prietários levam-no para fora do país. E, na verdade, este é

um dos problemas na América Latina. A tributação da ren-

da pessoal tem se mostrado relativamente ineficiente em

gerar muita arrecadação. Mas neste contexto, quero dizer

a coisa mais óbvia é utilizar principalmente os impostos

sobre a renda pessoal para que eles sejam mais progres-

sivos do que eles realmente são, tornando-os muito mais

produtivos do que eles têm sido. Na América Latina os

impostos sobre a renda não geram muita receita e não são

realmente muito progressivos. Um uso maior do imposto

sobre a renda pessoal seria muito benéfico em termos de

distribuição de renda. O segundo comentário é que, em

relação à receita arrecadada, deve ser feito um grande es-

forço para usar este dinheiro de forma eficiente com vistas

à redistribuição de renda para os pobres. Isto significa me-

lhorar a qualidade dos serviços públicos, evitando o des-

perdício de dinheiro. O ponto principal é que os impostos

podem ser usados mais facilmente para reduzir a renda

dos ricos do que para aumentar a renda dos pobres. Esta é

uma observação importante a fazer. Há muito por fazer em

termos da qualidade e incidência dos gastos públicos para

aumentar a renda dos mais pobres. A redução da renda

dos ricos tem muito mais a ver com a progressividade do

imposto sobre a renda pessoal.

TR - Após a crise econômica de 2008-09, quais são

os aspectos tributários mais relevantes nas relações

econômicas internacionais? Como o Sr. vê a evolução

do fluxo internacional de capitais, de mercadorias e

de fatores de produção e qual o papel que os tributos

exerceriam neste desenvolvimento?

VT - Não há dúvida de que o fluxo de dinheiro contribuiu

para a crise. Olhe para o que está acontecendo na Irlanda

agora. Bancos irlandeses tomaram muitos empréstimos no

exterior. Eles, então, emprestaram para investimentos em

habitação e, em seguida, os preços dos imóveis entraram

em colapso. Estão agora enfrentando grandes problemas.

Por outro lado, grande parte do fluxo internacional de fa-

tores de produção tem sido incentivado por baixos impos-

tos. Nos EUA, por exemplo, os fundos de investimento

são tributados com taxas muito pequenas. Provavelmente,

a maioria dos administradores de fundos de investimento

paga menos impostos do que os taxistas que os transpor-

tam. Deve haver um ajuste neste tipo de incentivo que

tem sido dado às pessoas que têm altos rendimentos deri-

vados do capital financeiro. Elas têm interesse em reduzir

a incidência de tributos em nível internacional. O papel

dos paraísos fiscais deve ser reduzido. Os paraísos fiscais

desempenharam, provavelmente, um papel muito grande

na crise porque as pessoas podiam depositar seu dinhei-

ro nesses paraísos fiscais pagando menores impostos. E,

então, a partir daí, elas faziam seus investimentos em vá-

rios países. Assim, a luta contra a maior incidência tribu-

tária em nível internacional não atrai interesse de quase

ninguém, não chama muito a atenção nem gera muitas

estatísticas. Há muito menos incidência tributária nas ope-

rações internacionais. Mas a tributação internacional está

se tornando cada vez mais importante com o passar do

tempo.

TR - Num contexto pós-crise não correríamos o risco

de um crescimento do protecionismo com preceden-

tes apenas na crise de 1929 que poderia levar a um

bloqueio do comércio internacional? Qual o papel

das barreiras tributárias e não tributárias neste con-

Page 36: Tributação em Revista 58

36 TRIBUTAÇÃO em revista

texto? Há hoje um razoável nível de ordenamento via

regras internacionais, como as definidas pela OMC.

Contudo, não haveria o risco de os países entrarem

em desespero e romperem com esta situação?

VT - Este é claramente um grande problema. Há alguns

textos sobre este assunto de economistas que escreveram

sobre a grande depressão dos anos 30. Eles dizem que não

haveria uma recessão que poderia levar a uma depressão e

então a uma grande depressão, e que o que ocorreu foi es-

sencialmente um movimento protecionista; que os países

começaram a fechar suas economias estabelecendo barrei-

ras à importação e assim por diante. Isto, talvez, tenha

detido o início da nossa crise econômica. Têm aparecido

estatísticas razoavelmente confortáveis a respeito. Li uma

reportagem afirmando que uma instituição de pesquisas

estava levantando as medidas protecionistas introduzidas

por diferentes países e a última contagem era de que ha-

via quatrocentas medidas protecionistas que vêm sendo

implementadas por diversos países nos últimos dois anos.

É preocupante o fato de que alguns países tenham promo-

vido empregos em seu próprio território proibindo impor-

tações, incentivando o consumo de sua produção interna,

dando subsídio às atividades domésticas, etc. Isto é algo

preocupante e que eu espero estudar com mais atenção.

TR - Uma primeira evidência neste sentido seria à

barreira de mobilidade de mão-de-obra na Europa.

Ela não poderia estender-se também ao comércio?

VT - Não. Isso seria um desastre. Eu acho que seria um

grande problema porque fecharia ainda mais as economias

com menos comércio exterior, com menos exportações,

trazendo menos eficiência para todo o sistema. Isto pode-

ria realmente fazer com que a atual crise se torne muito

pior do que tem sido.

TR - A política neo-keynesiana de déficits públicos

crescentes, especialmente para o combate aos efeitos

da crise econômica de 2008-09, já chegou ao seu li-

mite? Os governos têm gastado além do seu limite?

Que implicações esta política anticíclica teria sobre

a carga tributária? Estamos condenados a um cres-

cente nível de tributação?

VT - Esta é uma questão com a qual eu comecei a lidar

recentemente. Participei da Conferência Anual sobre Pes-

quisa da Comissão Européia, em Bruxelas, e também par-

ticipei de uma conferência similar no FMI. Minha opinião

é que a economia Keynesiana, as despesas Keynesianas,

funcionam bem quando as condições iniciais são boas. Se

um país que não tem elevada dívida pública, não têm ele-

vados déficits fiscais, entrar em recessão, então o governo

pode gastar e também pode reduzir impostos sem maiores

consequências. Mas se o país já tem um déficit fiscal subs-

tancial e uma dívida pública elevada, então esta possibi-

lidade torna-se menos viável porque quando o governo

começa a realizar despesas e aumenta o déficit fiscal, ele

assusta o mercado. Os investidores começam a se preocu-

par com a sustentabilidade da política do governo e fazem

menos investimentos. Então, não se ganha muito com essa

política. Quem mora nos Estados Unidos abre seu jornal

todos os dias e lê que as pessoas estão assustadas com o

déficit fiscal, com a dívida pública e com o futuro. Então,

nessas condições, as pessoas não investem. Esperam para

ver o que vai acontecer. E isto é exatamente o que está

acontecendo. Esta é a razão pela qual não há muito inves-

timento nos EUA e grandes hiatos no nível de emprego.

É por isso que temos que pensar cuidadosamente sobre o

que fazer no futuro. Aumentar o nível de tributação para

corrigir o déficit é tecnicamente possível em alguns paí-

ses. Se os EUA aumentarem impostos, poderiam resolver

o problema do déficit orçamentário da noite para o dia.

Mas não é provável que os políticos americanos permitam

que isto aconteça. Portanto, é muito difícil antever como

os EUA sairão desta grande confusão fiscal, com um déficit

em 10% do PIB e uma dívida pública que em poucos anos

poderá atingir cem por cento. É realmente um grande pro-

blema.

TR - Os EUA têm inundado o mundo com dólares. O

Brasil vive uma situação inédita em sua história eco-

nômica, batendo recordes de acúmulo de reservas in-

Page 37: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 37

ternacionais. Esta não seria uma forma de exportar

a sua crise (americana) para os países periféricos?

VT - Os EUA criaram, desde a década de 1990, essa tradi-

ção de que a solução dos seus problemas econômicos sem-

pre tem que vir de fora. E eles tentaram fazer isso agora

com esta expansão dos dólares promovida pelo FED (Banco

Central dos EUA). E, bem, isso claramente criou um grande

problema para todos os países. E para o Brasil este é um

grande problema porque as pessoas têm muita liquidez e

estão procurando por um bom investimento. E se alguém

puder investir no Brasil, em bônus brasileiros, ganha 10%.

Então, esta é claramente uma boa oportunidade para in-

vestidores internacionais. Mas ao mesmo tempo, isso cria

alguns problemas para o Brasil, porque na medida em que o

dinheiro vem para o Brasil, começa a contribuir para a infla-

ção e outros problemas. Então este é claramente um proble-

ma que os EUA, em parte, estão criando. Quero dizer, eles

desempenham um papel mais importante do que China e

outros. A China é certamente parte do problema quando os

chineses mexem na sua taxa de câmbio. Mas não podemos

culpar apenas os chineses. A política americana tem muita

responsabilidade neste assunto.

TR - Como o Sr. vê o futuro do Euro? A unificação

da moeda européia tirou a autonomia dos países eu-

ropeus de fazerem política monetária. Ambos, Euro

e União Européia, têm futuro? A racionalidade eco-

nômica (aumento de impostos, corte de gastos, etc.)

conseguirá se impor e controlar algumas áreas instá-

veis economicamente como Grécia, Portugal, Irlan-

da?

VT - O problema original é que eles fizeram a união mo-

netária, mas deixaram muita flexibilidade na área fiscal

para os países, individualmente. Assim, países como Gré-

cia, Portugal e a Irlanda, em certa medida, como parte da

união, e usando a mesma taxa de câmbio, beneficiam-se,

dentre outros fatores, com uma queda na taxa de juros.

Mas, ao mesmo tempo não seguram os seus gastos. A polí-

tica fiscal tornou-se muito flexível. A Grécia tem uma dívi-

da elevada, e todos eles têm um elevado déficit fiscal. Esta

é a situação atual. O elevado déficit fiscal começa a criar

problemas para eles. Quais são as alternativas? A alterna-

tiva número um é Papai Noel, que seriam os alemães. Eles

vêm e financiam as dívidas destes países. Mas isso não vai

acontecer. Então, eles têm que se voltar para a política in-

terna. Os gregos têm que aprender que não podem correr

na mesma velocidade dos alemães, esperando que os ale-

mães os subsidiem. Eles não podem ter baixos impostos

para os ricos, enquanto que os alemães pagam impostos

muito mais elevados. Assim, a crise trará alguns ajustes

necessários para alguns destes países. Eles aprendem com

a realidade.

Page 38: Tributação em Revista 58

38 TRIBUTAÇÃO em revista

a RTIGO

Introdução do Operador Econômico Autorizado no Sistema Aduaneiro Brasileiro1

Antonio Cesar Bueno Ferreira2

Jorge Alberto Teixeira3

pliance aduaneiro, o combate à lavagem de dinheiro na

constituição de sociedades empresárias e a segurança da

cadeia logística como condições e requisitos para ade-

são ao regime. Em razão da limitação imposta na dele-

gação legislativa para a Secretaria da Receita Federal do

Brasil (RFB), o alcance da Nova Linha Azul limitou-se a

importadores e exportadores.

Este trabalho foi implementado antes de o Conselho

da OMA, em 2005, adotar normas destinadas a asse-

gurar e a incrementar o fluxo crescente do comércio

internacional, e antes de a União Européia aprovar o

novo conceito de Operador Econômico Autorizado, em

2005, e colocar em vigor o seu respectivo programa a

partir de 2008.

A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº

497/2010, em seu item 43, reconhece que o Despacho

Aduaneiro Expresso - Linha Azul, segue a orientação

1 – Introdução

Seguindo uma tendência mundial de agilização do

fluxo das operações de comércio exterior, o governo

brasileiro pretende instituir um programa brasileiro de

Operador Econômico Autorizado (OEA), denominado

Programa Aduaneiro de Segurança, Controle e Simpli-

ficação – PASS, tendo por base a estrutura normativa

da Organização Mundial das Aduanas (OMA) relativa

aos padrões de segurança da cadeia logística, tendo

sido renomeado para Operador Econômico Qualificado

(OEQ), em decorrência do Código Aduaneiro do Mer-

cosul (CAM), instituído pela Decisão nº 27/10 do Con-

selho do Mercado Comum do Mercosul.

Registre-se que já em 2004 a chamada, “Nova Linha

Azul”, instituída pela IN SRF nº 476/2004, introduziu

no sistema aduaneiro brasileiro a auditoria de controles

internos, a gestão da taxa de regularidade fiscal, o com-

1. Artigo originalmente apresentado como tese ao CONAF 2010 – Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil

2. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

3. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

Page 39: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 39

internacional de Operadores Econômicos Autorizados,

como segue:

43. Fundamentalmente, o Linha Azul é um pro-cedimento simplificado que propicia às empresas habilitadas um menor percentual de seleção para os canais de verificação amarelo e vermelho e con-ferência aduaneira das declarações selecionadas realizada prioritariamente, inclusive com com-promisso de tempo máximo para essa conferência estipulado. Esse procedimento segue a orientação internacional de Operadores Econômicos Au-torizados - OEA, ou seja, de credenciamento de operadores legítimos e confiáveis para operar no comércio exterior com menores entraves burocrá-ticos.

Nesse contexto, buscamos analisar as condições ne-

cessárias à implantação do referido programa, tendo por

base as regras estabelecidas no regime da Nova Linha

Azul, de que trata a IN SRF nº 476/2004, já reconheci-

das por empresas e institutos de auditora independente

no Brasil e no Exterior como normas de excelência na

qualificação de seus usuários.

Constatamos, inicialmente, a necessidade de se ins-

tituir o programa OEA no Brasil através de lei, instru-

mento jurídico adequado ao fim colimado. Antevemos

a necessidade de utilização de grande quantidade de

mão de obra fiscal, onerando sobremaneira o já com-

prometido efetivo de Auditores-Fiscais alocados na

aduana em benefício de um reduzido número de ope-

radores. Destacamos a necessidade de participação de

auditoria externa nos procedimentos de certificação e

verificação da regularidade das empresas autorizadas,

e enfatizamos o impacto nos recursos humanos e ma-

teriais da Aduana e a necessidade de custeamento do

programa pelos próprios operadores beneficiários.

2 – A Legalidade

Cumpre registrar que o programa de Operador Eco-

nômico Autorizado no Brasil, bem como a gestão do re-

ferido instituto, deve ser introduzido por lei em sentido

estrito, em observância à dispositivos constitucionais

assim como aos dispositivos contidos no acordo estabe-

lecido no âmbito do Mercosul. Senão, vejamos.

O inciso III do artigo 273 do atual Regimento Inter-

no da RFB estabelece que ao seu Secretário incumbe a

expedição de atos administrativos de caráter normativo

sobre assuntos de competência da RFB.

Os artigos 578 a 579 e 595 do Decreto nº 6.759/2009,

atual Regulamento Aduaneiro, tratam da simplificação do

despacho aduaneiro de importação e de exportação que,

em decorrência da matriz legal no artigo 52, caput, do

Decreto-Lei nº 37/1966, delegam tal competência a RFB.

Denota-se que a delegação de competência para a

RFB é para expedir atos que tratem da simplificação do

despacho aduaneiro de importação ou de exportação

alcançando apenas e tão somente importadores e/ou ex-

portadores que podem figurar como titulares dos des-

pachos aduaneiros. Esta delegação legislativa alcança

um único e específico procedimento fiscal: o despacho

aduaneiro.

Por conseguinte, os demais procedimentos fiscais

aduaneiros não são alcançados por esta delegação le-

gislativa, assim como a mesma não autoriza a RFB a

expedir certificações de qualquer espécie ou nível para

os operadores da cadeia logística no Brasil.

O item 1 do artigo 22 do Anexo da Diretriz do MER-

COSUL/CCM nº 32, de 2008, estabelece que as Admi-

nistrações Aduaneiras poderão estabelecer medidas de

facilitação para operadores que cumpram com requisi-

tos exigidos na legislação aduaneira. Entretanto, a de-

legação é para estabelecer medidas de facilitação e não

para efetuar certificação que implica em reconhecimen-

to de um fato ou direito. Desta forma, os requisitos

para ser um operador serão definidos na legislação de

cada Estado membro, em consonância com o seu siste-

ma jurídico.

Já o Código Aduaneiro do Mercosul aprovado pela

Decisão CMC/MERCOSUL nº 27/2010, de 02/08/2010,

em seu artigo 15 criou o instituto do “Operador Econô-

mico Qualificado”, no âmbito do Mercosul, como segue:

Page 40: Tributação em Revista 58

40 TRIBUTAÇÃO em revista

Artigo 15 - Operador econômico qualificado A Administração Aduaneira poderá instituir pro-cedimentos simplificados de controle aduaneiro e outras facilidades para as pessoas vinculadas que cumpram os requisitos para ser consideradas como operadores econômicos qualificados, nos termos estabelecidos nas normas regulamentares.

Verifica-se que os gestores do Mercosul não insti-

tuíram normas comuns para todas as Administrações

Aduaneiras tratando da certificação de operador eco-

nômico qualificado ou autorizado. Cada Estado mem-

bro fixará suas normas, nos termos da sua legislação

interna até a aprovação de um acordo sobre a matéria

no âmbito do Mercosul.

Em ambas as decisões a delegação de competência é

para a Administração Aduaneira instituir procedimen-

tos simplificados de controle aduaneiro e outras faci-

lidades para pessoas que cumpram requisitos exigidos

na legislação aduaneira ou estabelecidos em normas

regulamentares. Entretanto, não há delegação de com-

petência para a própria Administração Aduaneira fixar

normas para certificação de operador econômico auto-

rizado ou qualificado.

A instituição da certificação de uma pessoa física ou

jurídica com o título de operador econômico autoriza-

do ou qualificado implica a criação de um novo institu-

to na administração tributária brasileira, a intervenção

e regulamentação do exercício de uma atividade econô-

mica e a criação de uma titulação ou estatuto que dá ao

seu possuidor um tratamento diferenciado em relação

à administração aduaneira, alcançando outros procedi-

mentos fiscais além do despacho aduaneiro, inclusive

instituindo um sistema de parceria público-privado.

A certificação de operador econômico autorizado ou

qualificado implica em reconhecimento de um benefí-

cio administrativo que só pode ser instituído por lei,

salvo nas hipóteses de delegação legislativa específica.

Essa matéria é reservada a lei ordinária, conforme o dis-

posto no inciso II, do artigo 5º, no artigo 37 e na alínea

“b”, do inciso II, do § 1º do art. 61 da Constituição

Federal de 1988.

Desta forma, entendemos, s.m.j., que a introdução

e gestão do instituto do OEA ou OEQ no sistema adua-

neiro nacional necessita de lei prévia regulamentando a

matéria por força dos dispositivos constitucionais e do

acordo estabelecido no âmbito do Mercosul.

3 – Da Inserção do Operador Econômico Autori-

zado Para Melhorar a Atuação da Aduana e Melho-

ria dos Serviços Aduaneiros

Diante da implantação do programa de opera-

dor econômico autorizado na União Européia, do C-

-TPAT(Customs-Trade Partnership Against Terrorism)

nos Estados Unidos da América e da Estrutura Norma-

tiva da OMA para a Segurança e a Facilitação do Co-

mércio Internacional, não há como o Estado brasileiro

não implantar o seu programa de operador econômico

autorizado, devendo o País adotar os procedimentos

necessários à sua inclusão nessa tendência mundial de

agilização do fluxo comercial entre as nações.

Resta salientar que a falta de um acordo no âmbito

do Mercosul estabelecendo normas comuns a todos os

Estados membros contendo as condições, requisitos,

obrigações e vantagens para concessão do estatuto ou

certificação de OEA ou OEQ não inviabiliza a sua im-

plantação imediata no Brasil.

A Estrutura Normativa da OMA estabelece condi-

ções e obrigações para a Aduana e o OEA, entre as quais

se destacam a prova de conformidade com as obrigações

aduaneiras; sistema satisfatório de gestão dos registros

comerciais; viabilidade financeira; consulta, cooperação

e comunicação; troca de informação, acesso e confia-

bilidade; segurança da carga; segurança dos meios de

transporte; segurança das instalações; segurança dos

parceiros comerciais; avaliação, análise e aperfeiçoa-

mento, entre outras.

Para viabilizar a adesão ao programa, poderão ser

oferecidas várias vantagens aos OEA como: 1) medidas

destinadas a acelerar a liberação da carga, redução da

duração do trânsito e diminuição dos custos de armaze-

Page 41: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 41

nagem; 2) permissão ao OEA de acesso as informações

de seu interesse, nos termos do artigo 198 da Lei nº

5.172/1966 - CTN; 3) medidas especiais em períodos

de interrupção do comércio ou elevado nível de ameaça

e 4) exame prioritário para participação em todos os

novos programas de processamento da carga.

Não obstante, na instituição de um programa de

OEA no Brasil seria de boa prática de gestão tributária

manter os fundamentos que foram introduzidos com a

Nova Linha Azul. Entendemos que esses fundamentos

deveriam nortear a conduta dos agentes da cadeia lo-

gística, especialmente à taxa de regularidade fiscal ele-

vada, o compliance aduaneiro alto, a auditoria de con-

trole interno nas atividades relacionadas ao comércio

exterior, registros e escrituração contábil confiáveis, au-

ditoria externa das demonstrações financeiras e contá-

beis, garantia de acesso direto e irrestrito da fiscalização

da RFB aos sistemas informatizado de contabilidade, de

estoques e de comércio exterior, combate à lavagem de

dinheiro e alto nível de governança corporativa.

Em relação a estes fundamentos detectamos o seu

reconhecimento pelo mercado como, por exemplo:

1º) O “roteiro e relatório de auditoria sobre controles

internos para habilitação à Linha Azul” (IN SRF nº

476/2004), foi objeto do Comunicado Técnico do Ins-

tituto dos Auditores Independentes do Brasil - IBRA-

CON nº 02/2007. Tivemos o reconhecimento de uma

norma de auditoria elaborada pela RFB como integran-

te das normas de auditoria do País e do universo de

trabalho dos auditores independentes;

2º) O artigo “Programa Linha Azul foi discutido em

Bruxelas” publicado no “Tax View” nº 20, de ju-

nho/2008 da Ernst Young, a respeito de “compliance

aduaneiro”.

Conforme dispõe a minuta da IN do PASS, são pas-

síveis de certificação no programa o importador ou

exportador brasileiros, o depositário, o operador por-

tuário, o transportador, o despachante aduaneiro, os

operadores de unitização e desunitização de cargas e

outros integrantes da cadeia logística no fluxo do co-

mércio exterior.

Para solicitar sua certificação, o operador deverá,

antes de apresentar a sua solicitação à RFB, efetuar uma

auto-avaliação, avaliando a sua conformidade com os

critérios e requisitos a serem estabelecidos pela Receita

Federal do Brasil, devendo estar apto a responder de

forma positiva às questões consideradas imprescindí-

veis à certificação do interessado.

Apresentada a solicitação, compete à Aduana proce-

der à sua análise e verificação de conformidade com a

legislação e certificar o operador, caso esteja conforme,

além de efetuar a revisão, manutenção e monitoramento

do OEA, nessa qualidade.

É importante frisar que a minuta não especifica

quais os procedimentos devem ser adotados pela Adu-

ana para esse desiderato, limitando-se a mencionar que

o operador deverá custear as despesas necessárias às

atividades de certificação, tais como auditorias e dili-

gências efetuadas pelos servidores da RFB.

Como se vê, tais atividades são típicas do Auditor-

-Fiscal da Receita Federal do Brasil, que deverá proce-

der às auditorias e diligências necessárias à certificação

do operador econômico no PASS, para que a Adminis-

tração Aduaneira lhe conceda o direito a usufruir trata-

mento procedimental diferenciado em suas operações

vinculadas ao comércio exterior.

Não obstante, entendemos que a segurança dos pro-

cedimentos de certificação não pode se sustentar apenas

em duas vertentes: Aduana <-> empresa. A autorização

a ser outorgada pela RFB ao operador econômico terá

um grande peso na sua condição perante o mercado,

na medida em que este receberá uma espécie de salvo

conduto frente os órgãos intervenientes nas operações

de comércio exterior, eis que estará capacitado a obter

a chancela de operador seguro na cadeia logística do

comércio internacional.

Nessa esteira, a exemplo de outras instituições

(CVM e Bovespa, em relação a balanços, demonstrações

financeiras e governança corporativa), entendemos ser

necessário incluir no processo de certificação do OEA a

Page 42: Tributação em Revista 58

42 TRIBUTAÇÃO em revista

exigência da participação de auditoria externa, contra-

tada pela própria interessada, que também deverá assu-

mir a responsabilidade pela validação das declarações

prestadas pela sociedade empresária (contribuinte), as-

sim como da sua taxa de regularidade fiscal, dos seus

níveis de compliance aduaneiro e de governança cor-

porativa, comprometendo-se conjuntamente com esta

perante a Administração Aduaneira.

Essa forma tripartite de controle objetiva dar maior

transparência ao processo de certificação, conferindo à

RFB e aos próprios Auditores-Fiscais a necessária se-

gurança nessa atribuição de certificação do OEA e sua

manutenção no sistema.

A exemplo da Linha Azul, a certificação como OEA

será comparada com a obtenção de uma certificação ISO,

conforme exposto no já citado artigo “Programa Linha

Azul” da Ernst Young, publicado no “Tax View”, in verbis:

Para o sócio, o selo Linha Azul será comparável, em um futuro próximo, à obtenção do ISO no quesito busca constante pela qualidade. “É um ca-minho sem volta. E, certamente, as empresas vão divulgar amplamente a obtenção do Linha Azul como um diferencial”, completa.

Da mesma forma a assegurar a qualidade da certifi-

cação, as atividades de revisão, de manutenção e de mo-

nitoramento do OEA também devem estar submetidas

aos procedimentos de auditoria periódicos, em espe-

cial, de controles internos e de compliance aduaneiro,

com a devida participação de auditoria externa contra-

tada pela própria interessada, em sistema de rodízios de

auditores (das empresas de auditoria e de auditores).

As condições necessárias para obtenção da certifica-

ção do OEA devem ser mantidas durante todo o perío-

do em que a empresa estiver operando nessa qualidade,

pelo que a transparência de suas operações deve sempre

ser passível de verificação.

Deveras, os benefícios de agilização e facilitação da

atuação do OEA na cadeia logística não podem obstar

que, a qualquer tempo, a RFB proceda às diligências

que entender necessárias para verificação da confor-

midade de sua atuação com a condição apresentada na

solicitação da certificação. Ou seja, a auditoria externa

não pode elidir a Administração Aduaneira de execu-

tar ações fiscais e diligências que entender necessárias,

através da atuação de seus Auditores-Fiscais.

4 – Do Custeamento da Gestão do OEA

É cediço que todas as despesas necessárias às ativi-

dades de certificação, tais como auditorias, diligências

efetuadas pelos servidores da RFB deveriam ser custe-

adas pelo próprio operador, por exemplo, por meio de

ressarcimento ao Fundo Especial de Desenvolvimento e

Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização – FUN-

DAF (art. 6º do Decreto-Lei nº 1.437, de 1975).

Entretanto, é preciso estabelecer que o ressarcimen-

to ao FUNDAF seja suficiente para custear, não só as

despesas necessárias às atividades de certificação (audi-

torias e diligências efetuadas pelos servidores da RFB),

mas também, e principalmente, o necessário incremen-

to do efetivo fiscal para fazer frente a essas atividades

específicas, além do investimento em capacitação, in-

dispensável à execução dessas atribuições.

Com efeito, como já visto, ficará ao encargo da RFB,

não só as atribuições de análise, verificação de confor-

midade da solicitação e conseqüente certificação, como

também a revisão, a manutenção e o monitoramento do

OEA, assim como o reconhecimento mútuo da qualida-

de de OEA, quando aplicável.

E, é óbvio que o exercício desses controles, de for-

ma segura e efetiva, demandará expressiva qualificação

da mão-de-obra fiscal e de apoio, inclusive com treina-

mentos constantes no Brasil e no exterior.

A subtração de parte do efetivo atual das suas atri-

buições na Aduana brasileira para essas atividades po-

deriam ser compensadas com uma substancial melhora

na taxa de regularidade aduaneira, quer em relação às

obrigações principais quer em relação às obrigações

acessórias, no nível de compliance aduaneiro, no nível

de governança corporativa, ocasionando um incremen-

to na qualidade da gestão da Administração Aduaneira.

Page 43: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 43

Não se pode olvidar que os benefícios administrati-

vos advindos da condição de OEA, com a melhora no

fluxo das mercadorias importadas ou a exportar, impli-

cariam em significativa redução de custos operacionais,

sendo absolutamente razoável que sua condição privi-

legiada em relação a outros operadores econômicos que

também atuam no comércio internacional seja por eles,

custeada de forma integral.

5 – Conclusão

É indiscutível a necessidade de o Brasil ampliar o

Regime de Despacho Aduaneiro Expresso - Linha Azul,

instituindo um programa de operador econômico au-

torizado, visto que este tipo de programa vem sendo

adotado pelas principais nações, com as quais mantém

intensas relações comerciais. Na busca de incremen-

to do comércio internacional, o Brasil precisa se inserir

nas novas tendências de políticas voltadas à agilização e

segurança do fluxo comercial no mundo do século XXI.

Não obstante, as vantagens oferecidas para adesão

ao programa devem estar amparadas em compromissos

de regularidade fiscal, compliance aduaneiro, segurança

da cadeia logística, transparência, auditoria de contro-

les internos, solvência financeira, governança corpora-

tiva, entre outros, de forma que a certificação não possa

alcançar contribuintes inidôneos ou com condutas po-

tencialmente lesivas aos interesses da coisa pública e da

economia nacional.

De igual forma esta certificação não pode alcançar

empresas com sócios em paraísos fiscais ou em países

ou dependências que não tributem a renda ou que a

tributem à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou,

ainda, cuja legislação interna não permita acesso a in-

formações relativas à composição societária de pessoas

jurídicas ou à sua titularidade. Também, não pode al-

cançar empresas com sócios sediados em regimes fiscais

privilegiados de que trata o artigo 2º da Instrução Nor-

mativa RFB nº 1037, de 2010, ou que são constituídos

ou regidos segundo a legislação destes.

É indiscutível que a certificação não pode alcançar

intervenientes na cadeia logística, incluídos seus sócios

e executivos, que estão sendo investigados sob inqué-

rito policial ou foram denunciados ou condenados, em

qualquer grau, pelos crimes de descaminho ou contra-

bando, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e de cri-

me organizado ou organização criminosa, de que trata a

Convenção de Palermo.

A Receita Federal estará anuindo com a qualidade

de operador seguro à empresa certificada no PASS, ou

seja, empresa parceira da Aduana. É preciso eliminar

qualquer possibilidade de um operador certificado estar

envolvido ou se envolver, direta ou indiretamente, com

fraudes, narcotráfico, financiamento ou favorecimento

ao terrorismo, lavagem de dinheiro, crime organizado,

qualquer forma de contrabando ou descaminho e ou-

tras condutas criminosas.

Ademais, qualquer norma legal no âmbito do co-

mércio internacional deve seguir as recomendações

estabelecidas pelo GAFI (Grupo Internacional de Ação

Financeira), na matéria de prevenção de repressão à la-

vagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

Nesse contexto, é preciso sempre ter em vista a presen-

ça do Auditor-Fiscal como agente essencial na idealização,

preparação, e desenvolvimento do processo, bem como na

fiscalização e controle das empresas certificadas no PASS.

Vale lembrar que nenhum sistema informatizado ou certi-

ficação substitui o trabalho do AFRFB.

E o custeamento da gestão do programa de OEA (pela

instalação e manutenção do sistema, com investimento em

tecnologia, incremento da mão-de-obra fiscal, etc.) deve

ser suportado, integralmente, pelos operadores econômi-

cos autorizados, exclusivos beneficiários do programa.

A parceria deve estar calcada não apenas em um re-

querimento com respostas a um ou mais questionários,

mas em um conjunto de compromissos assumidos, pe-

los dirigentes das empresas e de seus sócios, associados

à real atuação da Aduana na verificação do cumprimen-

to das normas estabelecidas, através do trabalho efetivo

dos seus Auditores-Fiscais e obediências aos ditames

constitucionais.

Page 44: Tributação em Revista 58

44 TRIBUTAÇÃO em revista

REFERÊNCIAS

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Recomen-dações da CVM sobre governança Corporativa. Rio de Janeiro, 2002.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA COR-PORATIVA. Código das Melhores Práticas de Gover-nança Corporativa. 4. ed. São Paulo: IBGC, 2009.

INSTITUTO DOS AUDITORES INDEPENDENTES DO BRASIL. Comunicado Técnico IBRACON Nº. 02/2007. Despacho Aduaneiro Expresso (Linha Azul).

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Menos burocracia, mais eficiência no comércio exterior - Despacho Adu-aneiro Expresso: agilidade e ganhos financeiros para empresas importadoras e exportadoras. [S.l]: Deloitte

Touche Tohmatsu, 2009. Disponível em: www.deloitte.com.br. Acesso em: 16 fev. 2011.

SOX: Entendendo a Lei Sarbanes-Oxley: um caminho para a informação transparente. Tradução Vania Maria da Costa Borgerth. São Paulo: Cenggape Learnig, 2008.

ERNST & YOUNG. Tax View, Reino Unido, n. 20, jun. 2008. Disponível em: <http://www.ey.com.br/BR/pt/Home>. Acesso em: 16 jan. 2011.

JÚNIOR, J.P.B.; MORO, S.F. et al. (org.). Lavagem de Dinheiro: comentários à lei pelos juízes das varas es-pecializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre, 2007.

Page 45: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 45

a RTIGO

A Fiscalização nas Zonas de Processamento da Exportação (ZPE) da Aduana Brasileira: novas

obrigações tributárias acessórias1

Albino Carlos Martins Vieira2

alta qualidade e expandir o mercado de trabalho formal.

Assim, considerada a experiência internacional, a ado-

ção das ZPE para as regiões menos desenvolvidas do nosso

País pode representar uma alavancagem das potencialida-

des econômicas dessas áreas.

No entanto, tal expansão econômica não pode ser al-

cançada à custa do aumento dos riscos fiscais ou mesmo

da perda dos controles aduaneiros e fiscais desenvolvidos

ao longo de tantos anos pela Receita Federal, sob pena de

se colocar a arrecadação tributária federal em risco com a

disseminação de fraudes fiscais.

Tudo isso reforça a importância do estudo da matéria

pelos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, em

face de seu papel perante a sociedade brasileira de alertar

1 – Introdução

A Constituição Federal de 1988 atribui ao Estado bra-

sileiro o desafio de expandir o bem-estar de todos, com

uma existência digna, sob os ditames da justiça social.

Para tanto, o constituinte prescreveu que a Ordem Econô-

mica deve observar, entre outros, os princípios da redução

das desigualdades regionais e da busca do pleno emprego.

Alguns países, com intento de enfrentar tal desafio,

adotaram a instalação de zonas de processamento de ex-

portação (ZPE) em seus territórios, para atrair novos inves-

timentos industriais nacionais, estrangeiros ou associados

(joint-ventures3); expandir o comércio internacional, com

a diversificação da pauta das exportações, bem como in-

troduzir novas tecnologias de produção e de produtos de

1. Artigo originalmente apresentado como tese ao CONAF 2010 – Congresso Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil

2. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil em exercício na DRF-Recife. Graduado em Engenharia Eletrônica (1992), Administração de Empresas (1996) e Direito (2002) pela Universidade Federal de Pernambuco. Cursando a Especialização em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco.

3. Joint-Venture é uma associação entre empresas (ou outras organizações) não concorrentes, com o fim de partilharem o risco de negócio, os investimentos, as responsabili-dades e os lucros associados a determinado projeto, comumente relacionado ao desenvolvimento tecnológico. As joint ventures podem resultar em criação de nova persona-lidade jurídica (corporate joint ventures) ou não (non corporate joint ventures). No Brasil, as corporate joint ventures são denominadas de sociedade de propósito específico.

Page 46: Tributação em Revista 58

46 TRIBUTAÇÃO em revista

os riscos, vantagens e desvantagens envolvidas nesse novo

momento de expansão econômica e de investimentos es-

trangeiros.

2 – Zona de Processamento de Exportação (ZPE)

2.1 – Conceito e Classificação

A ZPE é um tipo de zona de livre comércio, geralmen-

te instalada em países em desenvolvimento, com o fim de

promover as exportações. Para conseguirem seu intento, as

políticas governamentais asseguram incentivos fiscais, cam-

biais e administrativos. Pode ser também denominada de

zona de desenvolvimento econômico ou zona econômica

especial.

No Brasil, de acordo com os regramentos existentes,

adota-se o conceito de ZPE de pequena área4, correspon-

dendo a áreas delimitadas, nas quais empresas produtoras

de bens industrializados destinados à exportação recebem

incentivos tributários e administrativos. Deve-se ressaltar

que a ZPE não se confunde com a Zona Franca de Manaus5,

nem com as estações aduaneiras interiores (portos secos).

2.2 – Quadro das ZPE no Brasil

Após a malsucedida tentativa de implantação das ZPE

no final dos anos oitenta6, o Brasil reformou as medidas

legais para instalação desses polos de industrialização em

regiões menos desenvolvidas, com foco no mercado ex-

terno, atualizando os benefícios fiscais, administrativos

e cambiais.

Ao contrário do que ocorreu no Brasil, em dezenas de

países, mediante o programa de criação de ZPE, verificou-se

a instalação de novos parques industriais em áreas especí-

ficas, com a expansão da atividade econômica e dos fluxos

comerciais internacionais, bem como a ampliação do mer-

cado formal de trabalho e maior difusão tecnológica.

Com a aprovação da Lei nº 11.508/2007, foi conferido

novo fundamento legal para as ZPE, com a definição dos

intervenientes e dos requisitos exigíveis das empresas ali

instalados. A regulamentação da Lei ocorreu com o Decre-

to nº 6.634/2008 e com o Decreto nº 6.819/2009.

Desde a edição da Lei até 1º de julho de 2010, o Presi-

dente da República já autorizara a instalação de dez novas

ZPE no território nacional7, assim distribuídas:

4. “Small Area EPZ”. Por outro lado, no exemplo chinês, há as “Wide Area EPZ” (ZPE de extensa área) que ocupam até trinta e três mil quilômetros quadrados, contendo ci-dades inteiras, com população residente e estruturas da administração pública, autoridades legislativas e judiciárias. (HAYWOOD, Robert. Pre-feasibility Study of an Export Processing Zone in Vanuatu, 2003).

5. Área específica na cidade de Manaus (na Amazônia Ocidental), que atua como área de livre comércio, de importação e exportação, com o objetivo de fomentar o desen-volvimento comercial, industrial e agropecuário da região.

6. Possibilidade de instalação de ZPE, criada pelo Decreto-Lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, regulamentado pelo Decreto nº 846, de 25 de junho de 1993. No entanto, por pressões do empresariado nacional, o governo desistiu de estimular a instalação das zonas de exportação.

7. Resolução CZPE nº 01, de 26 de maio de 2010. “Art. 4º As ZPEs deverão ser criadas em áreas localizadas em regiões menos desenvolvidas. Parágrafo único. Para efeitos da política das ZPEs, serão consideradas regiões menos desenvolvidas: I - todos os municípios das regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste, bem como os municípios dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo pertencentes à área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE; II - os municípios das regiões Sul e Sudeste localizados em microrregião pertencente aos Grupos 4 - Sub-Região de Baixa Renda, 3 - Sub-Região Estagnada ou 2 - Sub-Região Dinâmica, conforme tipologia estabelecida pela Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR, constante do Anexo II do Decreto No- 6.047, de 22 de fevereiro de 2007; III - os municípios das regiões Sul e Sudeste, exceto as capitais dos Estados dessas duas regiões, quando a participação do valor adicionado bruto da indústria do município no valor adicionado bruto total do município for inferior à participação do valor adicionado bruto da indústria brasileira no valor adicionado bruto do País, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.

Nome da zpe Local Área (hectares) Data do decreto

ZPE DE SUAPE JABOATÃO DOS GUARARAPES / PE 198,84 27/01/2010ZPE DE MACAÍBA MACAÍBA / RN 125,70 27/01/2010ZPE DO SERTÃO ASSÚ / RN 1.019,98 10/06/2010ZPE DE PECÉM SÃO GONÇALO DO AMARANTE / CE 4.271,41 16/06/2010

ZPE DE ARACRUZ ARACRUZ / ES 162,35 30/06/2010ZPE DE BATAGUASSU BATAGUASSU / MS 200,00 30/06/2010

ZPE DE BOA VISTA BOA VISTA / RR 166,74 30/06/2010ZPE DE FERNANDÓPOLIS FERNANDÓPOLIS / SP 121,00 30/06/2010

ZPE DE PARNAÍBA PARNAÍBA / PI 313,57 30/06/2010ZPE DO ACRE SENADOR GUIOMARD / AC 130,12 30/06/2010

Page 47: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 47

2.3 – Modelo de Funcionamento das ZPE

O funcionamento das ZPE está baseado em um mode-

lo de gestão de negócios com três tipos de participantes,

pelo qual cada um detém atribuições e responsabilidades

específicas. O referido modelo pode ser representado des-

ta forma:

limitar a área de atuação da RFB, no desempenho de

suas atribuições legais.

Já a empresa instalada na ZPE, destinatária do regi-

me especial deferido pela Lei, deverá portar-se de acor-

do com os regramentos estabelecidos pelo CZPE, com

as regras de funcionamento da ZPE onde se situa e com

os regramentos fixados pelos órgãos reguladores do co-

mércio exterior10.

Feito esse breve resumo das atribuições de cada par-

ticipante, é importante verificar algumas informações

complementares sobre eles:

2.3.1 – Conselho Nacional das Zonas de Processa-

mento de Exportação (CZPE)

O Conselho Nacional das Zonas de Processamento

de Exportação (CZPE), criado pelo art. 3º do Decreto-

-Lei nº 2.452/1988 e mantido pela Lei nº 11.508/2007,

é órgão colegiado da estrutura básica do Ministério

do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

(MDIC).

O Conselho é integrado por seis ministros de Esta-

do11 e, para bem exercer suas funções, dispõe de uma

Secretaria Executiva, que fornece apoio administrativo

e técnico, dirigida pelo Secretário Executivo, indicado

pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria

e Comércio Exterior.

Esse órgão tem um amplo rol de atribuições, com

destaque para: a) analisar as propostas de criação das

zonas de processamento, com parecer para a decisão do

Presidente da República (mediante Decreto); b) aprovar

os projetos industriais correspondentes, observadas as

diretrizes estabelecidas; c) traçar a orientação superior

da política das ZPE.

A RFB, a despeito de sua importância para o funcio-

Conselho Nacional das Zonas de Processamento

de Exportação - CZPE

ZPE A

(Administra-

dora)

ZPE B

(Administra-

dora)

ZPE C

(Administradora)

E M P

1

E M P

2

E M P

X

E M P

Y

E M P

T

E M P

Z

E M P

U

Conforme diagrama acima, a instalação e o funcio-

namento das ZPE estão sujeitos às resoluções do Con-

selho Nacional das Zonas de Processamento de Expor-

tação (CZPE)8, em especial, à análise da proposta de

criação das ZPE9 e da proposta de instalação de novas

empresas nas zonas de processamento.

No seu âmbito espacial, a Administradora da ZPE

atua de modo a manter o funcionamento das instala-

ções e a qualidade do atendimento às empresas ali ins-

taladas, além de assegurar o pleno exercício das prer-

rogativas dos órgãos oficiais de fiscalização tributária

ou de outra natureza administrativa. As atribuições e

responsabilidades da Administradora, conforme a Re-

solução CZPE nº 5/2009, são de natureza operacional-

-executiva, excluído o poder normativo, sem reduzir ou

8. Art. 2º do Decreto nº 6.634/2008.

9. O parecer será submetido à apreciação do Presidente da República (art. 2º, I, do Decreto nº 6.634/2008).

10. No comércio exterior, há diversos órgãos intervenientes: RFB - fiscalização aduaneira e a dos tributos internos e previdenciários; Agência Nacional de Vigilância Sanitária – controle sanitário; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – vigilância agropecuária e Polícia Federal – entrada e saída de pessoas.

11. São integrantes do CZPE: Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, na qualidade de Presidente; pelos Ministros de Estado da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Integração Nacional; do Meio Ambiente; e pelo Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República.

Page 48: Tributação em Revista 58

48 TRIBUTAÇÃO em revista

namento das ZPE, não tem participação no referido ór-

gão consultivo, formado apenas no âmbito ministerial.

Tal ausência pode resultar em riscos maiores à indústria

nacional, por faltar uma apreciação mais detalhada dos

riscos tributários das medidas adotadas. A Receita Fe-

deral deveria ter oportunidade de pronunciar-se pre-

viamente sobre os aspectos negativos e riscos da área

pretendida.

2.3.2 – Administradora da ZPE

A Administradora da ZPE é uma pessoa jurídica,

com capital público, privado ou misto, criada com o

objetivo específico de implantar e administrar a ZPE.

Por isso, a Administradora tem de realizar as obras de

implementação da infraestrutura básica (vias de aces-

so, meios de comunicação e demais serviços básicos),

incluindo os equipamentos e estruturas de vigilância

e segurança, controle e administração aduaneira, para

a prestação de serviços às empresas instaladas e para

assegurar o pleno exercício das atribuições das autori-

dades aduaneiras.

Destaque-se que, de acordo com a legislação exis-

tente, ocorre hipótese de credenciamento da Adminis-

tradora da ZPE, similar ao que ocorre em relação à ar-

recadação das receitas federais pelos bancos. Assim, a

escolha da Administradora não é precedida de licitação

pública para a seleção da empresa responsável.

A Administradora, entre outras atribuições12, atua

como fiel depositária das mercadorias sob controle adu-

aneiro na ZPE, facultada sempre a conferência docu-

mental e física dos bens pela fiscalização aduaneira. A

Administradora fará jus a remuneração pelos serviços

prestados às empresas instaladas em sua área.

Em função da gestão sobre a área da ZPE, a empresa

interessada em se instalar deverá apresentar ao CZPE a

manifestação da Administradora sobre a aceitação do

empreendimento13.

As obrigações tributárias acessórias atribuídas à Ad-

ministradora serão detalhadas adiante.

2.3.3 – Empresa Instalada na ZPE

A ZPE, segundo a concepção adotada pela legislação

brasileira, é destinada à instalação de empreendimentos

industriais14. Logo, as empresas exclusivamente presta-

doras de serviço ou comerciais não são admitidas nas

ZPE.

A instalação de empresa na zona de processamento

dependerá de apresentação de projeto, com o parecer

da Administradora e sujeito à aprovação do CZPE. Se

aprovado o projeto de instalação, a empresa deverá ser

constituída pelos interessados, no prazo de noventa

dias, nos termos estabelecidos pelo Conselho.

A legislação também estabelece os seguintes requisi-

tos para a empresa instalada na ZPE:

Deverá auferir, por ano-calendário, receita bruta de-

corrente de exportação para o exterior de, no mínimo,

oitenta por cento de sua receita bruta total de venda

de bens e serviços. Assim, poderão ser destinados ao

comércio com o mercado interno até o limite de vinte

por cento da receita bruta da empresa.

Não poderá constituir filial ou participar de outra

pessoa jurídica fora da ZPE, ainda que para usufruir

incentivos na legislação tributária.

Não poderá submeter à aprovação do Conselho um

projeto que represente a simples transferência de planta

industrial já existente para a ZPE, a fim de impedir a

desindustrialização das demais áreas do País.

Não poderá produzir armas, explosivos, material ra-

dioativo e outros mencionados em regulamento, salvo

se poderá excluir a produção de outros bens.

12. São atribuições e responsabilidades previstas na Resolução CZPE nº 05/2009 (art. 2º), entre outras: Supervisionar e garantir a qualidade dos serviços de infra-estrutura básica; manter a limpeza das áreas comuns da ZPE, assim como das vias de acesso; administrar os lotes da ZPE; observar as normas relativas à preservação do meio ambien-te, instruindo as empresas a fazerem o mesmo; atuar como depositária das mercadorias sob controle aduaneiro que receber na área da ZPE, até a entrega definitiva à empresa ali instalada; atuar em conjunto com as empresas e agências governamentais para a promoção das oportunidades econômicas da ZPE.

13. Decreto nº 6.814/2009. Art. 5º, § 1º.

14. Lei nº 11.508/2007. “Art. 1º. (...) Parágrafo único. As ZPE caracterizam-se como áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior, sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro.” (grifos nossos). “Art. 8º O ato que autorizar a instalação de empresa em ZPE relacionará os produtos a serem fabricados de acordo com a sua classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM e assegurará o tratamento instituído por esta Lei pelo prazo de até 20 (vinte) anos.” (grifos nossos)

Page 49: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 49

3 – Incentivos Federais Para as Empresas Instala-

das nas ZPE

A Lei nº 11.508/2007 relacionou os benefícios fis-

cais a serem deferidos às empresas instaladas nas ZPE.

Foi nítida a preocupação do legislador de não estabele-

cer um sistema totalmente díspar (muito vantajoso) em

relação ao vigente para as empresas do setor de expor-

tações já instaladas no território nacional.

De acordo com o art. 6º-A da Lei nº 11.508/2007,

com as alterações promovidas pela Lei nº 11.532/200815,

o regime tributário favorecido das empresas instaladas

nas ZPE engloba a suspensão da exigência de vários

impostos e contribuições federais: a) Imposto de Im-

portação (II); b) Imposto sobre Produtos Industriali-

zados (IPI); c) Contribuição para o Financiamento da

Seguridade Social (Cofins); d) Contribuição Social para

o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Im-

portador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior

(Cofins-Importação); e) Contribuição para o PIS/Pasep;

f) Contribuição para o PIS/Pasep-Importação; e g) Adi-

cional de Frete para Renovação da Marinha Mercante

(AFRMM).

A preocupação de evitar transferências de empresas

de diversas partes do País para as zonas de processa-

mento em busca de um regime mais vantajoso inspirou

o legislador a vedar o CZPE16 de admitir a instalação de

projetos industriais que representassem a simples trans-

ferência de plantas industriais já instaladas no País.

Os vetos presidenciais opostos a dispositivos de

matéria tributária na redação original do projeto de lei

convertido na Lei nº 11.508/2007 pretenderam dimi-

nuir os desequilíbrios em favor das ZPE17.

A Lei também autoriza a cumulação de tais bene-

fícios fiscais com outros expressamente relacionados18,

e facilidades de licenciamento das importações19, sem

prejuízo dos benefícios fiscais e outros incentivos que

possam ser concedidos pelos estados e municípios in-

teressados.

4 – Fiscalização Pela RFB das Empresas Instala-

das nas ZPE

A Lei nº 11.508/2007 modificou o tratamento tri-

butário, cambial e administrativo exigível das ZPE, de-

ferindo, como já detalhado, vários benefícios fiscais em

relação aos tributos federais.

Como forma de controle dos benefícios propugna-

dos, e para evitar a sonegação ou os desvios não auto-

rizados, a norma previu a necessidade de regulamentar

a fiscalização, o despacho e o controle aduaneiro de

mercadorias em ZPE20. O decreto regulamentar – Dec. nº

6.814/200921 – delegou poderes à RFB para disciplinar os

aspectos vinculados à tributação dos fatos desenvolvidos

na ZPE.

Por meio da IN RFB nº 952/2009, a Receita Federal

exerceu sua prerrogativa, fixando várias formas de con-

trole fiscal (obrigações tributárias acessórias) para os fatos

15. Lei resultante da conversão da Medida Provisória nº 418/2008.

16. “Art. 3º Fica mantido o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação -CZPE, criado pelo art. 3o do Decreto-Lei no 2.452, de 29 de julho de 1988, com competência para: (Redação dada pela Lei nº 11.732, de 2008): (...); II - aprovar os projetos industriais correspondentes, observado o disposto no § 5o do art. 2º desta Lei;” (Redação dada pela Lei nº 11.732, de 2008)

17. Vetos presidenciais aos art. 10 e 11 da versão final do projeto de lei foram necessários, segundo parecer do Ministério da Fazenda, para evitar a concessão de vantagens exageradas às empresas instaladas nas ZPE. O justo receio de um processo de transferência das indústrias do território nacional para o interior de ZPE está presente em várias disposições da Lei. Ademais, alguns benefícios preceituados destoariam do princípio da tributação em bases universais, permitindo que recursos tributários fossem meramente transferidos da União para país diverso (país de destino das remessas).

18. Benefícios passíveis de cumulação com os definidos para as ZPE: a) Os previstos para as áreas da SUDAM, SUDENE e dos Programas de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste; b) previstos no art. 9º da MP nº 2.159-70 de 2001 (Promoção Comercial no Exterior); c) previstos na Lei nº 8.248 de 1991 (Lei da Informática e Automação); d) previstos nos Arts. 17 a 26 da Lei nº 11.196 de 2005 (Programa de Inclusão Digital).

19. O artigo 12 da Lei 11.508/2007 estabelece que as importações e exportações de empresa autorizada a operar em ZPE têm dispensa de licença ou de autorização de órgãos federais, com exceção dos controles de ordem sanitária, de interesse da segurança nacional e de proteção do meio ambiente.

20. Art. 20 da Lei nº 11.508/2007.

21. Vide art. 13 do Decreto nº 6814/2009.

Page 50: Tributação em Revista 58

50 TRIBUTAÇÃO em revista

geradores ocorridos no âmbito da ZPE, a seguir estudadas:

a) Extensão da zona primária à ZPE:

O art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 11.508/200722 es-

tende à área da zona de processamento o regime de zona

primária previsto no Regulamento Aduaneiro23, ainda que

situada em espaço completamente distinto das áreas de-

marcadas pela autoridade aduaneira em portos, aeropor-

tos e pontos de fronteira alfandegados.

Em função de a indústria nacional poder ser fortemen-

te afetada pelo direcionamento autorizado de certo per-

centual das vendas de empresas instaladas em ZPE para

o mercado interno ou mesmo na concorrência pelos mer-

cados internacionais, o controle aduaneiro nos limites da

ZPE foi valorizado.

Dessa forma, a inclusão da ZPE como área da zona pri-

mária pretendeu tornar mais eficiente e eficaz o controle

sobre os bens, pessoas e animais, diferentemente do tra-

tamento dispensado a outros recintos alfandegados (p. ex;

portos secos).

b) Prévio alfandegamento da área da ZPE (verifica-

ção de atendimento aos requisitos definidos pela le-

gislação):

A legislação exige o mesmo requisito geral previsto às

demais áreas habilitadas a movimentar, armazenar e inter-

cambiar mercadorias importadas ou destinadas à exporta-

ção, o alfandegamento da área.

Nesse sentido, há previsão estabelecida no art. 2º, § 1º,

do Decreto nº 6.814/2009 para a delimitação e fechamen-

to de toda a área da ZPE, com o fim de garantir o controle

fiscal das operações regulares com o mercado exterior. Por

isso, a norma exige o estabelecimento de um sistema de vi-

gilância e segurança, bem como a criação de infraestrutura

de instalações e de equipamentos adequados aos controle

aduaneiro. Similar às outras hipóteses de alfandegamento,

a Administradora da ZPE disponibilizará um conjunto de

áreas destinadas ao exercício das atividades de controle

aduaneiro24.

No ato de alfandegamento da área, a autoridade tri-

butária declara, em processo administrativo específico,

que a Administradora da ZPE cumpriu todos os requisitos

estabelecidos para proporcionar um bom padrão de aten-

dimento e de segurança e vigilância às empresas a serem

instaladas, à RFB e aos demais órgãos intervenientes no

controle do despacho aduaneiro. O ato declaratório abran-

gerá toda a área da ZPE, independentemente da efetiva

ocupação dos espaços pelos estabelecimentos industriais

a serem instalados.

c) Emissão de Relação de Transferência de Merca-

dorias (RTM):

A legislação cria este novo documento fiscal, a ser emi-

tido pela Administradora da ZPE, para acompanhar toda

a movimentação de bens, a qualquer título, entre a Admi-

nistradora (fiel depositária) e a empresa instalada na ZPE.

Como todo o fluxo de bens dirigido ou oriundo da em-

presa deverá transitar pelo depósito da Administradora da

ZPE, esse documento consistirá em um controle adicional

da movimentação efetivada e servirá para confronto com

as informações constantes nas declarações de importação,

de exportação e notas fiscais eletrônicas correlatas.

d) Sistema informatizado da Administradora da

ZPE para controle de entrada, armazenamento, trans-

ferência entre empresas e saída de bens no período:

O sistema informatizado deve ser capaz de individua-

lizar as operações de cada empresa instalada na ZPE e da

22. Repetindo o tratamento deferido pelo Decreto-lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, em prol de facilitação do despacho aduaneiro de importação e de exportação.

23. Decreto nº 6.759/2009.

24. De acordo com o art. 6º, § 1º, VI, da IN RFB nº 952/2009, deverão ser disponibilizadas as seguintes áreas de depósito individualizadas para bens: a) aguardando despacho aduaneiro; b) a serem submetidos a conferência aduaneira; c) aguardando entrega a empresa instalada na ZPE, embarque ao exterior ou saída para o mercado interno,conforme o caso; d) retidos para devolução ao exterior ou destinação; e e) retidos por determinação da RFB ou de órgão ou agência da administração pública federal.

Page 51: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 51

própria administradora, de modo a discernir precisamente

as informações econômicas e fiscais das operações realiza-

das: aquisição no mercado interno, importações de insu-

mos e bens, exportações de produtos e vendas autorizadas

no mercado interno.

Essa exigência é uma importante obrigação tributária

acessória prevista na Instrução Normativa da RFB, para o

controle da movimentação das mercadorias no âmbito da

ZPE.

e) Utilização obrigatória de nota fiscal eletrônica

pela empresa instalada na ZPE:

O tratamento tributário da ZPE prescreve a obriga-

toriedade de utilização da nota fiscal eletrônica (NF-e)25

nas entradas de bens importados, bem como em todas as

saídas dos bens ali industrializados, independentemente

do tipo de atividade desempenhada pela empresa (regra

específica).

Tal sistemática proporciona à RFB, de forma rápida, se-

gura e ágil, as informações sobre todas as notas fiscais emi-

tidas no período por meio da Internet. De acordo com as

regras da NF-e, as notas fiscais não emitidas previamente

pelo sistema, ressalvados os casos de contingência26, não

terão valor fiscal.

Como todas as informações das notas fiscais eletrôni-

cas ficam previamente disponíveis às administrações tri-

butárias federal e estaduais27, é possível melhorar a seleção

dos contribuintes com indícios de infrações e realizar au-

ditorias fiscais com mais qualidade e rapidez, permitindo

o aumento da eficiência da atividade fiscalizadora.

f) Sistema informatizado da empresa instalada na

ZPE para controle de entrada, estoque e saída de bens:

Apesar de o sistema da empresa instalada referir-se a

um controle de movimentação de bens, ele deverá estar

também integrado aos demais controles corporativos e fis-

cais, de modo a quantificar corretamente os valores dos

estoques e dos insumos utilizados na produção (sistema

de custo integrado e coordenado com o restante da escri-

turação).

O sistema deverá também registrar todos os dados de

entradas (importações e aquisições no mercado interno) e

saídas (exportações e vendas no mercado interno) de bens.

A legislação ainda obriga ao registro das informações das

notas fiscais eletrônicas emitidas (NF-e), de modo a evi-

tar defasagem de informações entre os dados constantes

no sistema informatizado e os registros contábeis e fiscais

anotados.

Dentro desse contexto, a RFB depara-se com o desa-

fio de estender seus mecanismos de controle aduaneiros

e fiscais a esse novo tipo de empreendimento industrial

exportador, sem perder os níveis de acompanhamento

desenvolvidos ao longo de tantos anos, com essas novas

ferramentas criadas (obrigações tributárias acessórias).

5 – Conclusão

A ZPE é um instrumento mundialmente utilizado para

estimular o desempenho do setor exportador de países

com deficiências estruturais em seus mercados produtores

ou dificuldades de competitividade nos mercados interna-

cionais mais restritivos.

Superado o marco legal anterior com a Lei nº

11.508/2007, parece que o governo federal volta a incenti-

var a instalação de ZPE em várias regiões menos desenvol-

vidas do território nacional, regulamentando os diversos

aspectos correlatos, a fim de obter ganhos significativos

25. A empresa gerará um arquivo eletrônico que contém as informações fiscais da operação comercial, o qual deverá ser assinado digitalmente, de maneira a garantir a inte-gridade dos dados e a autoria do emissor. Este arquivo eletrônico, que corresponderá à Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), será então transmitido pela Internet para a Secretaria da Fazenda de jurisdição do contribuinte, que fará uma pré-validação do arquivo e devolverá um protocolo de recebimento (autorização de uso), sem o qual não poderá haver o trânsito da mercadoria.

26. Caracteriza-se uma contingência no sistema NF-e, quando em decorrência de problemas técnicos não for possível transmitir a NF-e para a unidade federada do emi-tente, ou obter resposta à solicitação de Autorização de Uso da NF-e. Nessa hipótese, o contribuinte deverá gerar novo arquivo, conforme definido em Ato Cotepe, e adotar uma das seguintes alternativas: I – transmitir a NF-e para o Sistema de Contingência do Ambiente Nacional (SCAN); ou II - imprimir o Danfe em formulário de segurança e transmitir a NF-e, em contingência, conforme definido na legislação vigente.

27. Para tanto, é desnecessário apresentar intimação à empresa para a coleta de documentos e informações.

Page 52: Tributação em Revista 58

52 TRIBUTAÇÃO em revista

para o País, a exemplo das experiências internacionais.

A nova regulamentação das ZPE prevê modernas fer-

ramentas de controle aduaneiro e fiscal para acompanhar

o desempenho e a movimentação das empresas nelas ins-

taladas, como definidas pela Secretaria da Receita Federal

do Brasil.

MANDANI, Dorsati. A Review of the Role and Impact of Export Processing Zones. [S.l.: s.n.], 1999.

REFERÊNCIAS

HAYWOOD, Robert. Pre-feasibility Study of an Export Processing Zone in Vanuatu. [S.l.: s.n.], 2003.

Todavia, o sucesso de tais medidas dependerá, funda-

mentalmente, de um corpo técnico bem preparado e trei-

nado para lidar com os desafios apresentados pelos novos

métodos de produção globalizados e exigirá a integração

das ações estratégicas desenvolvidas, incluindo os contro-

les fiscais adotados.

Page 53: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 53

a RTIGO

Valoração Aduaneira e Legitimidade das Transações

Foch Simão Jr.1

da Organização Mundial do Comércio, OMC, conhe-

cido formalmente como AVA, Acordo para Aplicação

do Artigo VII do Acordo Geral de Tarifas e Comér-

cio 1994 (GATT), substituiu o código de valoração do

GATT em consequência das negociações multilaterais

de comércio havidas na rodada do Uruguai, que deu

origem à Organização Mundial do Comércio.

O código de valoração do GATT foi criado origi-

nalmente em 1979 durante o circuito de negociações

de Tókio sobre comércio multilateral com o objetivo

de assegurar que o efeito de concessões tarifárias não

fosse derrogado pelas barreiras não tarifárias, consti-

tuídas em parte pelos regimes arbitrários de valora-

ção aduaneira que prevaleciam a esse tempo. Esta-

beleceu-se, então, um sistema de valoração aduaneiro

que considera em primeiro plano o valor de transação

dos bens importados, objetivamente definido, como o

1 - Introdução

A função das Instituições Aduaneiras é a de assegu-

rar que todos os bens, objeto de comércio internacio-

nal, circulem pelas fronteiras do país em consonância

com os mandamentos legais vigentes e em condições

econômicas compatíveis com a do mercado interno,

preservando a sua capacidade econômica e a seguran-

ça dos seus cidadãos, através da execução do controle

físico e documental eficaz e eficiente, que não interfira

substancialmente nos custos logísticos das transações.

Compreende esse controle, visando a defesa econômi-

ca da nação, o procedimento de valoração aduaneira.

A valoração aduaneira é o método pelo qual as al-

fândegas avaliam os bens importados. Esta metodo-

logia é utilizada principalmente com a finalidade de

aplicar tributos ad valorem a partir da determinação

da base de cálculo aduaneira. O Acordo de Valoração

1. Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

Page 54: Tributação em Revista 58

54 TRIBUTAÇÃO em revista

preço pago realmente ou pagável para os bens quan-

do vendido para a exportação ao país de importação,

preço este que é acrescido de determinados ajustes

considerados na especificidade da transação. Nos

casos onde o valor aduaneiro não puder ser determi-

nado na base do valor de transação, determinar-se-á

utilizando-se de um dos seguintes métodos: o valor de

transação de bens idênticos; o valor de transação de

bens similares; o método dedutivo do valor; o método

do valor computado; o método iterativo flexibilizado.

Tais métodos de valoração devem ser adotados estrita-

mente na ordem hierárquica.

Inicialmente há que se considerar que, nos termos

do Artigo 17 do AVA, aprovado pelo Decreto Legis-

lativo nº 30, de 1994 e promulgado pelo Decreto nº

1.355, de 30 de dezembro de 1994, nenhuma disposi-

ção do Acordo poderá ser interpretada como restrição

ou questionamento dos direitos que têm as adminis-

trações aduaneiras de se assegurarem da veracidade ou

exatidão de qualquer afirmação, documento ou decla-

ração apresentado para fins de valoração aduaneira.

Uma vez apresentadas as Declarações de Importa-

ção relativas aos bens importados pelo contribuinte a

Administração Aduaneira, em face dos motivos para

duvidar da veracidade ou exatidão das informações

ou dos documentos apresentados para justificar essas

declarações, pode selecioná-las para a programação

de procedimento fiscal com a consequente pesquisa

interna para a análise dos valores dos bens importa-

dos conforme a Classificação Fiscal da Nomenclatura

Comum do Mercosul, NCM, com a finalidade de apu-

rar a possível redução de base de cálculo das tarifas

aduaneiras ad valorem nas importações realizadas.

Para tanto, a Administração Aduaneira deve emitir o

competente Termo de Início de Fiscalização solicitan-

do do importador o fornecimento de explicação adi-

cional àquelas manifestadas na Declaração de Impor-

tação, bem assim como a exibição de documentos ou

outras provas de que os valores dos bens declarados

nas importações representaram o montante efetiva-

mente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas

nos termos do AVA, ajustado em conformidade com as

disposições do Art. 8.

2 – Proposta de Alteração Normativa

Quando a Administração analisa o método de valo-

ração aplicado, valor da transação (Art. 1º, do AVA), o

seu objetivo é saber se ao preço legítimo há a interve-

niência de algum dos fatores de ressalva descritos no

inciso 1 do Art. 1º do AVA e se a ele foram adicionados

os valores que o Art. 8º do AVA exige, ou se foram

excluídos aqueles que ele qualifica como excludentes.

Ressalte-se aqui que para a análise do valor aduaneiro

segundo os pressupostos do AVA, qualquer suspeita de

ilícito aduaneiro deve ser afastada. O que se discute é

a subvaloração em uma transação de comércio exte-

rior lídima, amparada por documentação hábil e fi-

dedigna, condizente com as práticas comerciais, onde

as prescrições do Art. 1º do AVA possam ser motivo

de questionamento. Outrossim, havendo suspeita de

fraude, subfaturamento, qualquer perspectiva do AVA

deve ser afastada, tratando-se o caso conforme o exa-

rado no Art. 86 do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro

de 2009.

Embora as determinações normativas do AVA pare-

çam juridicamente bem estruturadas em termos teóri-

cos, na prática a sua implementação inicial revelou-se

complexa e de difícil operação por parte das autorida-

des aduaneiras dos países em desenvolvimento. Aten-

dendo a estas demandas, em 1995, tendo em vista os

problemas levantados sobre a aplicabilidade do AVA,

na Reunião Ministerial de Marrakesh da OMC foram

acordados os termos e os respectivos textos relativos

à valoração aduaneira que deu às Aduanas o poder de

inverter o ônus da prova, Decisão I do documento G/

VAL/1 do Comitê de Valoração Aduaneira, levada a

efeito em 27 de abril de 1995 pela Organização Mun-

dial de Comércio. Este ato nada mais foi que um ato

contínuo ao Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e

Comércio com base no Art. 17 do AVA, recepcionado

Page 55: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 55

pela legislação brasileira.

Apesar da inovação normativa exarada na Reunião

Ministerial de Marrakesh, em face da peculiaridade do

sistema jurídico brasileiro de tradição de direito posi-

tivo, a questão de enquadrar uma transação de comér-

cio exterior como passível de análise na perspectiva do

AVA fica um tanto quanto vaga. O próprio AVA não é

assertivo quanto a esta questão, apenas enuncia pre-

ceitos que deveriam ser complementados pela legis-

lação nacional. Um aspecto fundamental da valoração

aduaneira é o corolário da neutralidade, que represen-

ta o fator de compatibilidade com a realidade comer-

cial, porquanto a técnica de valoração deve adequar-

-se a todos os princípios do comércio internacional,

garantindo o cumprimento da liberdade comercial, do

exercício de autonomia privada e da legalidade dos

atos. Para tanto, o significado de “valor de transação”,

quando considerado no contexto do AVA, sugere que

o valor aduaneiro se destina a captar o valor real das

mercadorias no momento da importação em todos

os seus aspectos; comercial e legal. Isso incluiria não

apenas o preço que poderá abarcar pagamentos espe-

cíficos para o fornecedor, mas também qualquer tipo

de pagamentos ou subsídio financeiro que possam ser

quantificados, de modo a capturar o valor econômico

real dos bens e a sua normalidade comercial. A im-

portância deste ponto de vista é inestimável, como

demonstra o caso dos produtos que ostentam uma

marca notória, marca registrada, que possuem valo-

res superiores aos mesmos produtos sem marca, face

ao custo dos direitos de autoria ou propriedade geral-

mente incluídos como royalties. A relevância da apu-

ração da legalidade da transação comercial recai sobre

os mesmos produtos no caso de uma transação com a

suspeita de contrafação. Embora o valor de transação

possa ser considerado normal, a legalidade do ato não

o seria, assim a transação não poderia ser considerada

normal.

Ademais, deve-se considerar que as partes contra-

tantes no Comércio Internacional têm nacionalidades

diversas e domicílios em países distintos, uma vez que

a mercadoria ou o serviço objeto da obrigação é en-

tregue ou prestado além das fronteiras e os lugares da

celebração e execução das obrigações contratadas po-

dem ser diversos. Enquanto o direito interno regula

todos os aspectos abrangentes à formação e às con-

sequências do negócio jurídico, os termos acordados

em uma transação internacional têm a sua vinculação

a um ou mais sistemas jurídicos estrangeiros, além de

outros dados como o domicílio, a nacionalidade, a lo-

calização da sede, centro de principais atividades e até

a própria conceituação legal. Portanto, não há nexo

plausível em considerar normal uma transação de co-

mércio exterior destituída de contratos de compra e

venda e outros documentos que lhe dê estabilidade

jurídica no âmbito transnacional.

Desta forma, deveria constar do arcabouço nor-

mativo nacional a consideração de que uma transação

comercial transnacional passível da aplicação de dis-

posições do Acordo sobre a Implementação do Artigo

VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT

1994 só poderia ser aceita, nos termos estritamente

legais, se o valor de transação for o preço efetivamen-

te pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda

para exportação para o país de importação, ajustado

de Acordo com as disposições do Art. 8º, e adotado

como valor aduaneiro nas seguintes condições:

Toda mercadoria submetida a despacho de im-portação está sujeita ao controle do corres-pondente valor aduaneiro nos termos Acor-do de Valoração Aduaneira, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30, de 1994, e promul-gado pelo Decreto nº 1.355, de 1994:

I- Desde que haja evidência comprovada de uma venda de mercadorias do país de exportação para o Brasil. Esta evidência deve ser corroborada por contratos comerciais, fatura comercial, ordem de compra e outros documentos usualmente utiliza-dos nas transações de comercio exterior.

II- Desde que a transação seja realizada no cur-so ordinário do comércio internacional em con-dições de livre concorrência, sem a omissão de qualquer interveniente na produção e logística,

Page 56: Tributação em Revista 58

56 TRIBUTAÇÃO em revista

desde a etapa de fabricação, transporte e comer-cialização da mercadoria, não envolvendo nesse processo nenhuma espécie de prática comercial, deduções ou descontos que não os normalmen-te utilizados no comércio internacional (Medida Provisória no 2.158-35, de 2001).

Em sintonia com o exarado pelo Artigo 17 do AVA,

deveria constar da mesma forma do sistema norma-

tivo nacional as disposições que estabelecem o valor

de critério, aquele obtido pelas fontes de informação

oficializadas na forma da Lei e não contrárias ao pres-

crito no Acordo.

Portanto, considerar-se-ia as fontes de informação

para análise do valor aduaneiro de mercadorias idên-

ticas e similares, valor critério, àquelas obtidas na se-

guinte ordem:

I - O Sistema de Informação de Comércio Exte-rior da Receita Federal do Brasil (Siscomex), des-de que as informações nele contidas atendam as condições de análise comparativa de caracterís-ticas físicas, funcionais e comerciais. Admitindo para aplicação deste artigo a mesma descrição funcional ou técnica, incluindo, nos bens ma-nufaturados, as codificações de fábrica; a mesma qualidade, entendendo como tal os detalhes fun-cionais e técnicos de operação ou de utilização, incluindo acessórios e demais apetrechos funcio-nais; o mesmo patamar de reputação comercial, entendendo como tal semelhante grau de concor-rência exercido no mercado brasileiro.

II – Os Catálogos de preço do fabricante, EW (“Ex--Work”), posto fábrica para exportação, forneci-dos, por qualquer meio de informação, pelo fabri-cante das mercadorias objeto da valoração ou suas similares; de mercadorias vendidas para exporta-ção para o mesmo país de importação e exportadas ao mesmo tempo ou em tempo aproximado.

III – As edições em publicações ou páginas da Internet dos valores das mercadorias objeto da valoração ou suas similares, vendidas para ex-portação para o mesmo país de importação e exportadas ao mesmo tempo ou em tempo apro-ximado ao da importação em análise.

§ 1º Na hipótese em que o importador possua informações sobre o valor aduaneiro de merca-dorias idênticas às importadas e que a adminis-tração aduaneira não disponha daquelas informa-ções, de forma imediata no local de importação, o importador, a seu critério, poderá informar a

autoridade aduaneira sobre tais importações, de-talhando os valores de transação e as condições em que ocorreram, mediante preenchimento de anexo descritivo, de modo a possibilitar a deter-minação do valor aduaneiro.

§ 2º O valor aduaneiro determinado na forma do § 1º deste artigo será submetido à avaliação da autoridade aduaneira, a qual poderá rechaçá--lo mediante comunicação escrita justificando os motivos da recusa.

§ 3º A aplicação do método de valoração de mer-cadorias idênticas levará em conta sua respectiva utilidade e função merceológica, assim entendida como um estudo que leva em conta a análise das características técnicas e comerciais, bem como a obsolescência de uma determinada mercadoria.

§ 4º Para fins do disposto no § 3º serão observados, na ordem descrita, os seguintes processos:

I - Estudo merceológico emitido ou aceito pela Coordenação Geral do Controle Aduaneiro CO-ANA;

II - Laudo técnico emitido por peritos credencia-dos pela Receita Federal do Brasil; e

III - Estudo técnico efetuado por Universidade, Faculdades e Institutos de pesquisa especializa-dos, relativos às características técnicas e comer-ciais, inclusive a obsolescência da mercadoria em questão.

Note que os catálogos e as edições em publicações

ou páginas da Internet tornam-se referências legais

para corroborar alguma importação que se descu-

bra, mesmo que única, ou corroborar a afirmação do

produtor de que o valor praticado de venda é o valor

cotado no catálogo. Neste item procura-se dar subsí-

dios ao Auditor-Fiscal para identificar o fabricante ou

produtor da mercadoria e questioná-lo ou obter dele

informação de transações idênticas às analisadas. Ser-

ve também este item para embasar a inversão do ônus

da prova já que a metodologia acima proposta seria

oficializada como fonte de informação.

Quanto à questão documental, como não é exaus-

tiva a determinação dos documentos legais para fins

de comprovação do valor aduaneiro declarado, propõe

Page 57: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 57

constar do controle normativo a obrigatoriedade do

importador apresentar ainda, segundo as circunstân-

cias da correspondente operação comercial, e quando

exigido pela fiscalização aduaneira, documentos jus-

tificativos e informações adicionais àqueles exigidos,

em caráter geral, para instrução da DI. Desse modo

sugerimos a inclusão no texto normativo os seguintes

parágrafos em complemento ao Art 82 do Decreto nº

6.759, de 5 de fevereiro de 2009:

§ 1º As informações a que se refere o inciso II deste artigo incluem, entre outras, a identificação das pessoas envolvidas na transação, seus papéis de atuação na operação, a correspondência co-mercial e a descrição completa do processo de negociação e de determinação do preço das mer-cadorias face às circunstâncias econômicas do mercado internacional.

§ 2º. A comprovação do valor de transação deve-rá ser efetuada através dos seguintes documentos (Art. 17 e parágrafo 6 do anexo III do Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - GATT 1994 e Art. 553, inciso IV do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009):

a) fatura comercial em conformidade com as nor-mas vigentes no país de exportação e atendendo o exarado no Art. 557 do Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009;b) contrato ou Acordo de compra e venda;c) ordem de compra;d) contrato de câmbio e respectivo SWIFTe) carta de crédito;f) demais documentos exigidos pela autoridade fiscal.

§ 3º. Caso não exista na operação de comércio exterior em análise algum dos documentos men-cionados no § segundo, o importador deverá preencher um termo de declarações informando as causas da não apresentação dos documentos exigidos, datando-o e firmando-o.

As práticas comerciais condizentes, primado do

AVA, pressupõem a existência entre as partes de do-

cumentações compromissárias com o condão de ins-

tituir as condições arbitrais específicas vinculadas às

transações comerciais oriundas do comércio interna-

cional, garantindo o cumprimento rigoroso e firme

dos termos da transação. Estas condições são ma-

terializadas em ordens de compras, faturas pró-for-

mas, contratos-tipos e outros documentos correlatos

enviados por correio eletrônico, fax e outros meios

céleres de comunicação, garantem os compromissos

acordados entre as partes e asseguram o direito de

terceiros como no caso do transporte internacional,

serviços intermediários de armazenagem e movimen-

tação de carga, outros serviços consubstanciados em

contratos bancários, corretagem, agenciamento, dis-

tribuição, seguros, e outras especificidades estabele-

cidas em documentação própria cujo objetivo final se

constitui na operacionalização eficaz do contrato de

compra e venda mercantil compatível com a necessi-

dade de rapidez e confiabilidade demandadas pelas

práticas do comércio exterior.

3 – Conclusão

Os acordos internacionais, principalmente os trata-

dos no âmbito do comércio carregam sempre um viés

de favorecimento às nações hegemônicas. Os termos

acordados no âmbito do GATT e posteriormente nas

rodadas da OMC carregam da mesma forma esta gené-

tica predatória, facilitando, com certa permissividade,

a livre circulação no comércio transnacional dos bens

manufaturados com alto valor agregado em detrimen-

to dos bens primários e dos insumos agrícolas. Dentro

desta perspectiva de facilitação do comércio estabe-

leceram-se os termos do AVA, Acordo sobre a Imple-

mentação do Artigo VII do GATT, com pressupostos

de afastar qualquer proteção ao parque manufatureiro

nacional que se baseasse na comparação de preços com

produtos idênticos ou similares produzidos no país,

uma vez que, em tese, as nações com maior produção

industrial seriam mais eficientes neste quesito. Outras

considerações para o texto do Acordo foram as quei-

xas encaminhadas por exportadores europeus e norte-

-americanos que se consideravam prejudicados por

práticas abusivas, sobretudo na forma de demandas de

informações não razoáveis por partes das autoridades

Page 58: Tributação em Revista 58

58 TRIBUTAÇÃO em revista

REFERÊNCIAS

SATAPAHY, C. Customs Valuation in India. 3. ed. Mum-bai: Shoroff Publishers & Distr. Ltda, 2000.

TORRES, Heleno Taveira. Pluritributação Internacional Sobre as Rendas de Empresas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

aduaneiras, que resultavam em atrasos nos embarques

e, consequentemente, em custos adicionais.

Com a pressão dos países em desenvolvimento por

ferramentas mais eficientes na detecção do planeja-

mento tributário aduaneiro dentro das perspectivas

do AVA, estabeleceu-se em Marrakech, Marrocos, em

1995, Decisão I do documento G/VAL/1 do Comitê de

Valoração Aduaneira, um instrumento de inversão do

ônus da prova que possibilitou às autoridades adu-

aneiras uma maior oportunidade de investigação das

transações suspeitas. A partir desse episódio, alguns

países como a Índia, dignificando a sua soberania e

protegendo o seu setor produtivo, contemplaram a le-

gislação interna com instrumentos normativos com-

plementares ao Acordo, possibilitando um controle

mais eficaz do valor declarado dos bens importados

visando à preservação econômica do país. Neste sen-

tido as proposições contidas neste trabalho vêm ao

encontro dos anseios de vários setores produtivos do

Brasil que são constantemente atacados predatoria-

mente por ações comerciais estrangeiras através da

prática de dumping, planejamento tributário abusivo

e subvaloração, ameaçando o nosso futuro como nação

desenvolvida.

Page 59: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 59

a RTIGO

Centro Regional Conjunto de Capacitação Aduaneira em Brasília: Aperfeiçoando e Fortalecendo as

Administrações AduaneirasPatricia Prisco Paraiso Barreto de Andrade1

paldo à filosofia de serviço profissional baseado no conhe-

cimento; criação de CRC autossustentáveis, que se tornem

referência em capacitação aduaneira; criação de sinergia e

fomento a integração regional; compartilhar melhores prá-

ticas e, ainda, promoção de troca de experiências.

Em consonância com as missões principais estabele-

cidas pela OMA para os Centros Regionais de Capacita-

ção, o CRC em Brasília - Brasil tem os seguintes objetivos:

desenvolver programa de capacitação de acordo com as

necessidades nacionais e regionais de fortalecimento de

capacidades, com as políticas de capacitação do Ministério

da Fazenda do Brasil e com a política de regionalização

de fortalecimento de capacidades estabelecido pela OMA;

gerir grupo de especialistas para atendimento de demanda

de capacitação da região; organizar a logística e demais

serviços para a realização de programa de capacitação di-

Inaugurado em abril de 2010, o Centro Regional Con-

junto de Capacitação Aduaneira – CRC em Brasília – Bra-

sil, foi estabelecido oficialmente em dezembro de 2009,

por meio da assinatura de um Memorando de Entendi-

mento (acordo internacional simplificado) entre a Secreta-

ria da Receita Federal do Brasil (RFB), a Escola de Admi-

nistração Fazendária (Esaf) e a Organização Mundial das

Aduanas (OMA).

A OMA é a única organização intergovernamental com

foco exclusivo em matérias aduaneiras. Atualmente possui

177 membros e o Brasil está inserido na Região das Amé-

ricas e do Caribe, que possui 31 membros. A OMA estabe-

leceu uma política regional para o tema fortalecimento de

capacidades, e os Centros Regionais de Capacitação (CRC)

são peças chaves na implementação das estratégias regio-

nais de: apoio às iniciativas regionais de capacitação e res-

1. Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil, ex- Gerente do Centro Regional Conjunto de Capacitação Aduaneira RFB/ESAF/OMA no Brasil

Page 60: Tributação em Revista 58

60 TRIBUTAÇÃO em revista

rigido à Aduana brasileira e aos países membros da região;

e implantar, manter e administrar o Ambiente Virtual de

Aprendizagem (AVA) para oferta de cursos e-learning.

O CRC Brasília - Brasil tem a missão de desenvolver

pessoas para promover o aperfeiçoamento e o fortaleci-

mento das Administrações Aduaneiras das Américas e do

Caribe com a visão de ser referência regional e internacio-

nal em geração e disseminação de conhecimento na área

aduaneira. Carrega como valores: Integridade; Compro-

misso; Responsabilidade e Profissionalismo.

O Centro tem como principais desafios ajustar as de-

mandas da Aduana Brasileira aos assuntos regionais; de-

senvolver treinamentos com conteúdos adaptados; fomen-

tar a cooperação das Administrações Aduaneiras da região

das Américas e do Caribe, no que se refere à capacitação;

desenvolver e manter um grupo de especialistas regionais;

e tornar o CRC em Brasília - Brasil um Centro de excelên-

cia em geração e disseminação do conhecimento na área

aduaneira.

Em participação a XXV Reunião do Conselho de Di-

retores-Gerais de Aduanas da Comunidade de Países de

Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Maputo – Mo-

çambique, em outubro de 2010, a Aduana brasileira as-

sumiu o compromisso de prover os membros da CPLP de

capacitação na área aduaneira, por meio do Centro Regio-

nal Conjunto de Capacitação Aduaneira RFB/ESAF/OMA

no Brasil (CRC em Brasília – Brasil). Importante ressaltar

que esta iniciativa conta com total apoio da Secretaria-Ge-

ral da OMA. Neste sentido, desde o 2º semestre de 2010,

aduaneiros da CPLP participam de eventos realizados pelo

Centro.

Em 2010, além do Seminário Internacional sobre Adu-

ana e Empresas – Cooperação para melhoria do Desempe-

nho do Comércio Exterior, que inaugurou o Centro, reali-

zaram Seminário Regional sobre o Sistema Harmonizado

e Workshop Regional sobre Valoração Aduaneira (que já

contou com participantes da CPLP).

Para 2011, em consonância com a tendência mundial

de disseminação do conhecimento de forma democrática,

aliando didática e tecnologia, o Centro tem como principal

objetivo disponibilizar a plataforma de cursos e-learning

da OMA, com cursos traduzidos para o português. Esses

cursos versam sobre temas de relevância para o exercício

das atividades aduaneiras, tais como: Valoração Aduanei-

ra, Sistema Harmonizado e Controle Aduaneiro.

Mas não oferecerem somente cursos já produzidos

pela OMA. Prova disso é que está previsto para abril deste

ano a oferta do curso e-learning de Práticas Aduaneiras In-

ternacionais. O conteúdo deste curso é resultado de adap-

tação de material disponibilizado por meio de cooperação

internacional entre Esaf e instituições da Espanha.

Realizarão, também neste semestre, um Seminário Re-

gional sobre Planejamento Estratégico na Área Aduaneira,

contando com a expertise de especialistas da OMA e do

Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Este

evento demonstra de forma inequívoca que o Centro está

totalmente alinhado com os objetivos estratégicos da RFB,

e que ele existe para prover capacitação à Aduana brasilei-

ra e às Aduanas da região, buscando a implementação de

normas internacionais adaptadas às expectativas dos seus

governos.

Ainda em 2011, lançarão a Especialização em Comér-

cio Exterior e Gestão Aduaneira, em aprendizagem flexí-

vel (módulos presenciais e a distância). Esta especialização

tem como objetivo principal prover a Administração Adu-

aneira da RFB de novas capacidades aos atuais gestores e

potenciais gestores aduaneiros, de forma a contribuir para

elevar a Aduana brasileira a um novo patamar de excelên-

cia, com resultados profundamente positivos para a eco-

nomia e a sociedade do Brasil.

Outros eventos de capacitação, para o período de ju-

nho de 2011 até junho de 2012, estão ainda em fase de

aprovação entre as partes envolvidas, e serão discutidos

em reunião de Planejamento Estratégico da OMA para a

Região das Américas e do Caribe, prevista para abril deste

ano.

Em breve será lançado o site do CRC em Brasília - Bra-

sil, contendo informações gerais sobre o Centro, calendá-

rio de eventos, biblioteca virtual com os principais docu-

mentos da OMA traduzidos para o português, fóruns de

discussão e hospedagem on-line na Esaf.

Page 61: Tributação em Revista 58

TRIBUTAÇÃO em revista 61

Tribunal Regional Federal da Terceira Região modifica seu posicionamento a respeito da aplicabilidade do

art. 12, § 11, da IN 243, de 2002.

qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Natureza: Mandados de Segurança

Órgão julgador: Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Nº do Processo: ApC 0034048-52.2007.4.03.6100/SP; e ApC 0017381-30.2003.4.03.6100/SP

Relatores: Juiz Federal Convocado Roberto Jeuken; e Juiz Federal Convocado Rubens Calixto

Matéria: Tributária- Preço de Transferência entre pessoas jurídicas coligadas

Apelantes: Delphi Diesel Systems do Brasil Ltda.; e Schneider Eletric Brasil Ltda

Apelado: União (Fazenda Nacional)

Datas das Decisões: 19/08/2010; 10/02/2011

Publicações: 14/09/2010; 22/02/2011

Texto da Decisão: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Desembargador Federal Márcio Moraes e da certidão de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tri-bunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Page 62: Tributação em Revista 58

62 TRIBUTAÇÃO em revista

O Tribunal Regional Federal da Terceira Região decidiu,

pela primeira vez em agosto de 2010, que a Receita Fede-

ral do Brasil – RFB – teria ofendido o Princípio da Reserva

Legal, quando da elaboração do art. 12, § 11, da Instrução

Normativa 243, de 2002, o qual tratou de regulamentar a

metodologia de cálculo do preço parâmetro para fins de

ajuste do preço de transferência previsto no art. 18 da Lei

9.430, de 1996.

Explica-se. O preço de transferência está ligado à trans-

ferência de bens, produtos e serviços entre empresas bra-

sileiras coligadas às estrangeiras com a finalidade de sua

importação ao Brasil para produção dos respectivos bens,

cujos gastos poderiam ser utilizados para redução tributária

no Imposto sobre a Renda de Pessoas Jurídicas – IRPJ – e da

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Assim,

a previsão legal nada mais é que uma tentativa de o Estado

evitar a evasão fiscal com a remessa ao exterior dos lucros

auferidos por empresas multinacionais para haver um reco-

lhimento tributário menor sob a máscara de importação de

insumos e serviços necessários para a produção dos bens.

Para tanto, houve a edição da Lei mencionada, a qual

considerou serem dedutíveis na determinação do lucro real

e da base de cálculo da CSLL, os custos, despesas e encargos

relativos a bens, serviços e direitos constantes em documen-

tos de importação ou aquisição das mencionadas empresas

coligadas por intermédio de métodos descritos nos incisos

seguintes do artigo.

A RFB, por sua vez, elaborou a Instrução Normativa,

objeto do Mandado de Segurança, para regulamentar esses

fatores dedutíveis, indicando a possibilidade de serem efe-

tuados por um dos métodos ali descritos, sendo um deles

o Preço de Revenda menos Lucro – PRL –, definido como

a média aritmética ponderada dos preços de revenda dos

bens, serviços ou direitos, diminuídos, no caso do processo

em questão, do valor agregado no País e a margem de lucro

de 60%, pela metodologia expressa nos incisos do parágrafo

11 do art. 12 da Instrução Normativa.

Dadas essas informações, em Apelação ao primeiro

Mandado de Segurança sob exame, a saber, ApC 0034048-

52.2007.4.03.6100/SP, o Tribunal, por maioria dos votos,

declarou que a RFB teria se excedido ao regulamentar o

dispositivo supracitado, apontando cálculos que resultaram

em aumento de tributo, pois não possui atribuição para tan-

to e agir dessa sorte significa clara desobediência ao Princí-

pio da Estrita Legalidade.

Esse Princípio consiste em dizer que determinadas ma-

térias hão de ser feitas sob determinada forma legal. Por

exemplo, a majoração do IR deve ocorrer por meio de Lei

Ordinária e não por uma Resolução.

Porém, submetida pela segunda vez a mesma matéria

à análise do Tribunal por meio da apelação ApC 0017381-

30.2003.4.03.6100/SP, o seu posicionamento mudou. Em

10 de fevereiro do ano corrente houve o reconhecimento,

por unanimidade, de que a RFB apenas regulamentou a Lei

9.430, de 1996, sem inovar o sistema jurídico, ou seja, sem

resultar em majoração de tributo ao contribuinte por meio

da Instrução Normativa em comento.

Muito embora essa adequada instrução tenha resultado

em pagamento do tributo maior que o esperado pelo con-

tribuinte, não significa ter excedido os limites legais estabe-

lecidos. Ao contrário, a RFB possui competência para inter-

pretar e aplicar leis tributárias, aduaneiras, previdenciárias

e correlatas, podendo, para tanto, elaborar atos e instruções

normativas para garantir a eficácia das leis, conforme dis-

põe o art. 7º, III, do Decreto 3.782, de 2001, sucedido por

outros até o atual art. 14, III, do Decreto 7.386, de 2010.

Ora, o artigo contestado pelo contribuinte somente de-

terminou os critérios para aplicação do método do PRL, fri-

sa-se, ao levar em conta os quesitos mencionados no decor-

rer deste para, a partir do resultado do custo total do bem

produzido, obter-se a dedução para fins de recolhimento do

IRPJ e da CSLL.

Dessa feita, constata-se que a RFB atuou nos limites le-

gais, como bem assim o Tribunal Regional da Terceira Re-

gião entendeu nesse processo, apesar de não se tratar de de-

cisão final e é provável que a questão seja levada ao Superior

Tribunal de Justiça para se pronunciar a respeito.

Áryna Rangel

Advogada – Assessora de Diretoria do Departamento

de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional

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