72
ributação EM REVISTA Ano 17 N° 60 T ISSN 1809-3426 Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional jul–set 11 Distribuição Dirigida Entrevista Lucieni Pereira Críticas ao Projeto de Lei que regulamenta a Previdência Complementar do Servidor Público Páginas 6 a 12

Tributação em Revista 60

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Tributação em Revista

Citation preview

Page 1: Tributação em Revista 60

ributaçãoributaçãoributaçãoE M R E V I S T A Ano 17 N° 60 T

ISSN 1809-3426Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional

jul–set 11 Distribuição Dirigida

EntrevistaLucieni Pereira Críticas ao Projeto de Lei que regulamenta a PrevidênciaComplementar do Servidor Público Páginas 6 a 12

Page 2: Tributação em Revista 60

Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: [email protected]. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para [email protected]. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.

Page 3: Tributação em Revista 60

5

s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL

ENTREVISTALucieni Pereira

ARTIGOPrevidência Complementar do regime Próprio de Previdência – aspectos de ConstitucionalidadeAline Teodoro de Moura, Almir Serra Martins Menezes Neto, André Stefani Bertuol, Guilherme Feliciano e Lucieni Pereira

ARTIGOPrevidência Complementar do servidor Público: análise do Projeto de Lei no 1.992/2007Renata Machado de Araujo Machado, Áryna Martins Dias Rangel e Álvaro Luchiezi Jr.

ARTIGOa Perversidade do PL 1992/2007Vilson Antônio Romero

ARTIGOa revolução Previdenciária BrasileirasFloriano José Martins

ARTIGOPrevidência Complementar dos servidores Públicos FederaisLeonardo Costa Schüler

ARTIGOO abuso de Direito e a Norma antielisivaEládio César da Silva, Maria Cristina Montezano, Marília Aparecida Silva do Carmo e Wilson Silva França Júnior

QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIOa concessão de aposentadoria por invalidez integral para portador de doença grave, incurável ou contagiosa

6

13

33

45

48

54

68

58

Page 4: Tributação em Revista 60

DIRETORIA ExECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue tolentino Filho1º Vice-PresidenteLupércio machado montenegro2º Vice-Presidentesergio aurélio velozo DinizSecretário-GeralClaudio marcio Oliveira DamascenoDiretor-Secretáriomauricio Gomes ZamboniDiretor de FinançasGilberto magalhães De CarvalhoDiretor-Adjunto de Finançasagnaldo NeriDiretora de Administraçãoivone marques monteDiretor-Adjunto de Administraçãoeduardo tanakaDiretor de Assuntos Jurídicossebastião Braz da Cunha Dos reis1º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosWagner teixeira vaz2º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa ProfissionalGelson myskovsky santos1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissionalmaria Cândida Capozzoli de Carvalho

2º Diretor-Adjunto de Defesa ProfissionalDagoberto da silva LemosDiretor de Estudos TécnicosLuiz antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos Técnicoselizabeth de Jesus mariaDiretor de Comunicação SocialKurt theodor Krause1ª Diretora-Adjunta de Comunicação SocialCristina Barreto taveira2º Diretor-Adjunto de Comunicação Socialrafael Pillar JúniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensõesClotilde GuimarãesDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e Pensõesaparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SaúdeJesus Luiz BrandãoDiretor-Adjunto do Plano de Saúdeeduardo artur Neves moreiraDiretor de Assuntos ParlamentaresJoão da silva dos santosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo marcio secundinoDiretor de Relações IntersindicaisCarlos eduardo Barcellos Dieguez

Diretor-Adjunto de Relações IntersindicaisLuiz Gonçalves BomtempoDiretor de Relações InternacionaisJoão Cunha da silvaDiretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialmaria amália Polotto alvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialrogério said CalilDiretor de Políticas Sociais e Assuntos EspeciaisJosé Devanir de OliveiraDiretores-SuplentesKleber Cabral Conselho FiscalMembros Titularesricardo skaf abdalaJose Benedito de meiramaria antonieta Figueiredo rodrigues Membros Suplentesiran Carlos toneli LimaNorberto antunes sampaioJosé Yassuo Hashimoto

Tributação em Revista é uma publicação do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita

Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.

Conselho EditorialLupércio machado montenegro, elizabeth de Jesus maria; Kurt theodor Krause; tarcízio Dinoá medeiros; João Cunha da silva; Hélio socolik, ro-berto Barbosa de Castro e Luiz antonio Benedito.

Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.

EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.

Projeto Gráficoerika Yoda

Fotolito e ImpressãoBrasília artes Gráficas

CapaNúcleo Cinco

Diagramação Washington ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF

Tiragem desta edição3.500 mil exemplares

Produção EditorialPublicação Dirigida. acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br, link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:[email protected]

Redação e correspondência sDs, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CeP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

Colaboração:Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).

ributaçãoT e m r e v i s t a

Page 5: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 5

e DITORIAL

a inscrição do regime previdência complementar para

o servidor público em nossa Constituição foi posterior a

1988 como decorrência de emendas constitucionais que

implementaram a reforma previdenciária. O advento do

Projeto de Lei 1992 em 2007 suscitou firmes posiciona-

mentos contrários das mais diversas correntes dos servi-

dores públicos.

são diversos os pontos de vista que argumentam con-

trariamente à aprovação do PL 1992/07. a presente edição

de tributação em revista buscou reunir em seus artigos a

maioria destes argumentos, aqui ecoando pela voz muitos

servidores públicos, especialistas em suas áreas de atuação

e exercendo cargos estratégicos na administração Federal.

O tema é relevante não apenas para o auditor-Fiscal da

receita Federal do Brasil, mas para os mais de quinhentos

mil servidores públicos federais e para os inúmeros servi-

dores estaduais e municipais, seus dependentes e pensio-

nistas, dada a mudança na percepção das suas aposenta-

dorias e pensões. são alterações quantitativas no benefício

a ser recebido que repercutirão no próprio modo de vida

dessas pessoas.

Os atuais servidores ainda terão o benefício da opção,

ou não opção, pela previdência complementar. Os novos

servidores, não. as repercussões vão muito além do âmbi-

to da vida individual e familiar dos servidores: atingirão,

em última instância, a qualidade do serviço público pelo

desinteresse que ela poderá exercer em futuros candidatos

à cargos públicos.

O objetivo desta edição é repercutir junto a nossos lei-

tores, compostos em sua maioria por servidores públicos,

as principais críticas à proposta de regulamentação da pre-

vidência complementar do servidor público que emana do

PL 1992/07. trouxemos, assim, a visão de diversos espe-

cialistas e estudiosos da matéria.

em nossa entrevista habitual ouvimos Luciene Perei-

ra, auditora Federal de Controle externo do tribunal de

Contas da União e especialista na questão. seu alerta tem

o prisma da servidora pública do tCU, da militante sindi-

cal e da pesquisadora universitária. enquanto acadêmica,

uniu-se a outros professores universitários e igualmente

servidores federais das mais destacadas carreiras para pro-

duzir um artigo em quem são discutidos diversos aspectos

relativos à inconstitucionalidade da matéria.

O artigo assinado pelos técnicos do Departamento

de estudos técnicos do sindifisco Nacional ressalta não

somente alguns pontos de inconstitucionalidade do PL

1992/07 como também coloca em evidência algumas

omissões e impropriedades, lançando dúvidas sobre a sua

viabilidade e conclamando à maior discussão desta pro-

posta com os maiores interessados: os servidores públicos.

O artigo de Floriano martins resulta do seu conheci-

mento na área atuarial e também de sua militância sin-

dical, abordagem esta também presente nas reflexões de

vilson romero que, como auditor-Fiscal e jornalista, bus-

ca levar à Classe e à sociedade, num linguajar direto, as

perversidades do 1992/07.

as reflexões sobre o tema encerram-se com o artigo de

Leonardo schüler, consultor legislativo da Câmara dos De-

putados especializado em administração Pública. seu olhar,

como técnico do Poder Legislativo, alerta para os riscos, com

a implantação do regime complementar, da redução de ren-

da após a aposentadoria para as mulheres servidoras.

Por fim, fugindo da tendência monotemática desta

edição, tributação em revista traz ao leitor as reflexões

acadêmicas, baseadas em sua experiência como autorida-

des Fiscais de quatro auditores-Fiscais, eládio silva, maria

Cristina montezano, marília aparecida do Carmo e Wil-

son França Jr. sobre abuso de direito e normas antielisivas.

Page 6: Tributação em Revista 60

6 triBUtaÇÃO em revista

e ntrevista

Lucieni Pereira

“Além de instaurar um cenário de insegurança

jurídica, porque a União insiste em criar a

previdência complementar do regime próprio sem

que haja uma lei complementar específica que

regulamente as peculiaridades do setor público, a

medida aumentará o deficit previdenciário do setor

público nos próximos anos”

Page 7: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 7

aauditora Federal de Controle externo do tribunal de Contas da União, desde

2004, Lucieni Pereira, tem uma vasta experiência profissional, acadêmica e

sindical. Profissionalmente, na área de fiscalização e controle, desempenhou

funções no estado e no município do rio de Janeiro, tendo se especializado em contro-

le externo pela Fundação Getúlio vargas do rio de Janeiro; no meio sindical é segunda

vice-Presidente do sindicato dos servidores do Poder Legislativo Federal e tribunal

de Contas da União (sindilegis); na área acadêmica, leciona no imaG-DF, esmPU,

esaF além de outras instituições. Conquistou, assim, credibilidade em todas estas áre-

as além de uma atuação marcante na crítica ao Projeto de Lei 10992/2007 que cria a

FUNPresP - Fundação de Previdência Complementar do servidor Público. Por todas

as razões aqui expostas, tributação em revista foi ouvi-la na certeza de que suas pon-

derações poderão lançar muitos esclarecimentos sobre as dúvidas e incertezas que per-

meiam este Projeto de Lei que cria a Previdência Complementar do servidor Público.

Tributação em Revista. O Governo aponta um

“deficit” previdenciário do regime próprio de pre-

vidência dos servidores civis federais e membros

de Poder (RPPS) que ultrapassa R$ 52 bilhões.

Esse resultado é uma das razões que se utiliza

para justificar a implantação da previdência

complementar específica para os servidores civis

federais e membros de Poder. Localize histórica e

financeiramente a origem desse deficit.

Luciene Pereira. em 2010, a União apresentou um de-

ficit previdenciário do setor público da ordem de r$

52,7 bilhões. Porém, o Governo Federal não apresenta

os números de forma transparente para a sociedade.

Os relatórios oficiais publicados na página eletrônica

do tesouro Nacional registram um deficit de r$ 22,5

bilhões com a manutenção da previdência dos milita-

res federais e servidores do Distrito Federal custeados

diretamente pela União, segmentos não alcançados

pelo PL 1.992, tampouco pelas reformas da Previdên-

cia já aprovadas, constituindo fontes crescentes do de-

ficit do setor público, sem que nada seja feito para so-

lucioná-lo. O resultado da previdência específica dos

servidores civis federais e membros de Poder aponta

um deficit de apenas r$ 30,2 bilhões, mas esse nú-

mero não é revelado à população. Do montante de r$

30,2 bilhões, 95% correspondem ao resultado previ-

denciário deficitário apurado no Poder executivo; 5%

referem-se à soma do deficits dos Poderes Legislativo

e Judiciário, ministério Público e tribunal de Contas

da União, o que não passou de r$ 1,5 bilhão em 2010.

mas os servidores públicos civis do Poder executivo

não são os vilões da previdência da União. O deficit

apresentado no gráfico decorre da falta de ação da cú-

pula dos Governos, que não adotaram - e permanece

sem adotar - as medidas operacionais que possibilitem

o repasse ao regime próprio dos valores das contribui-

ções previdenciárias que mais de 540 mil funcionários

recolheram ao regime geral de previdência social até

Page 8: Tributação em Revista 60

8 triBUtaÇÃO em revista

5 de outubro de 1988, data em que milhares de cele-

tistas do Poder executivo da União foram incorpora-

dos ao regime jurídico único e passaram a ter direito

à aposentadoria segundo as regras do regime próprio

referido no artigo 40 da Constituição. O baixíssimo

padrão de governança do regime próprio da União é

um dos fatores que está na raiz do resultado previ-

denciário apurado na esfera federal. embora a União

disponha dos melhores especialistas em previdência

no seu quadro de pessoal, falta vontade política para

organizar o respectivo regime próprio, que sequer foi

instituído formalmente enquanto unidade gestora úni-

ca, como determina a Constituição.

soma-se a isso o fato de os últimos Governos terem

sido contaminados pela influência de colaboradores

de passagem, que trouxeram idéias equivocadas, que

beiram o preconceito, de que a previdência do servi-

dor deve-se equiparar à do trabalhador do setor priva-

do, porque na visão dessas pessoas, restrita ao regime

de contratação da iniciativa privada, é injusto o servi-

dor público efetivo e membro de Poder se aposentar

com um valor que pode chegar ao salário integral se

forem cumpridos todos os requisitos de tempo de con-

tribuição e de efetivo exercício no cargo, na carreira e

no serviço público. essa falta de ação cria um cenário

de desordem operacional, que impede o regime pró-

prio de receber a compensação financeira referente aos

celetistas que contribuíram durante anos para o regi-

me geral de previdência social e que se aposentam por

aquele regime. a inércia da União quanto à implan-

tação do sistema nacional de compensação financeira

entre os regimes próprios dos entes das esferas federal,

estadual e municipal é outro fator que sobrecarrega

o resultado previdenciário apurado pela União. a Lei

que regulamenta a compensação financeira entre os

regimes próprios foi aprovada em 1999, mas o Gover-

no Federal não tomou nenhuma providência. vigente

há mais de uma década, se houvesse a compensação

financeira prevista no parágrafo § 9º do artigo 201 da

Constituição, regulamentada pela Lei nº 9.796, certa-

mente o deficit da previdência dos servidores civis não

chegaria a r$ 30,2 bilhões.

TR. A aprovação do PL 1.992/07, que institui a

Fundação de Previdência Complementar do Ser-

vidor (FUNPRESP), para regulamentar o parágra-

fo 15 do artigo 40 da Constituição Federal, resol-

veria o deficit apontado pelo Governo?

LP. a criação da entidade fechada de previdência com-

plementar, nos termos propostos pelo PL 1.992, não

resolve o resultado previdenciário da União; pelo con-

trário, piora a situação atual.além de instaurar um ce-

nário de insegurança jurídica, porque a União insiste

em criar a previdência complementar do regime pró-

prio sem que haja uma lei complementar específica

que regulamente as peculiaridades do setor público,

a medida aumentará o deficit previdenciário do setor

público nos próximos anos. isso porque as aposen-

tadorias dos atuais servidores ativos serão custeadas

com recursos do tesouro Nacional, já que as contribui-

ções previdenciárias dos servidores que ingressarem

a partir da criação da FUNPresP passarão a formar

“os servidores públicos civis do Poder Executivo

não são os vilões da previdência da União. O deficit apresentado no gráfico decorre da

falta de ação da cúpula dos

Governos.”

Page 9: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 9

poupança no mercado de capitais. Como os Governos

no Brasil são extremamente imediatistas, a tendência

é é que o resultado negativo usar o resultado negati-

vo, decorrente da mudança drástica do atual regime

de repartição simples para o regime de capitalização

(poupança), seja usado para justificar novas reformas

da previdência do servidor público e membros de Po-

der, de modo a reduzir direitos conquistados por esses

profissionais que historicamente contribuem para a

previdência com alíquota mínima de 11% que incide

sobre o total de suas remunerações.

TR. Se implementada a previdência complemen-

tar para o servidor haverá realmente redução de

despesas para o governo? Desenvolva este ponto

com mais detalhes.

LP. O governo alega que reduzirá as despesas, porque

a alíquota de 22% da contribuição patronal incidirá

sobre o salário-teto de r$ 3.691,74. em 2010, a União

gastou r$ 107,6 bilhões com a folha de pessoal ati-

vo, recolhendo cerca de r$ 12,2 bilhões a título de

contribuição patronal dos servidores ativos. No mes-

mo período, os gastos com aposentadorias e pensões

civis e militares foram da ordem de r$ 75,4 bilhões,

dos quais r$ 22,6 bilhões foram pagos com as con-

tribuições previdenciárias dos servidores e patronal,

previstas para conferirem equilíbrio ao regime. se de

um lado a União reduzirá de 22% para 7,5% a alíquota

incidente sobre a parcela do salário que exceder o teto

de r$ 3.691,74, o que certamente diminuirá os gastos

com a contribuição patronal dos servidores civis ati-

vos; de outro aumentará, significativamente, a pressão

sobre o tesouro Nacional - ou sobre a carga tributá-

ria - para cobertura das aposentadorias e pensões dos

atuais servidores e membros de Poder, aumentando,

ainda mais, o atual deficit da previdência. O resultado

disso será, sem dúvida alguma, o surgimento de pres-

sões sociais e de futuros governos para a aprovação de

novas reformas da previdência com vistas a reduzir di-

reitos dos atuais servidores ativos e aposentados o que

certamente reduzirá os direitos dos atuais servidores

ativos e aposentados.

TR. Explique o mecanismo pelo qual a capitaliza-

ção das contribuições previdenciárias dos novos

servidores poderá comprometer os limites de des-

pesa de pessoal fixados pela Lei de Responsabili-

dade Fiscal – LRF.

LP. Como vimos, a decisão política de poupar as con-

tribuições dos novos servidores e membros de Poder

no mercado de capitais aumenta o deficit da previdên-

cia do regime próprio dos atuais servidores públicos

da União. atualmente, mais de 80% das aposentado-

rias e pensões dos tribunais do Judiciário, das Casas

Legislativas, do ministério Público e do tribunal de

Contas da União são custeadas com os recursos das

contribuições previdenciárias, que passarão a formar

poupança no mercado financeiro. Para custear arcar

com as aposentadorias dos atuais servidores será ne-

cessário um aporte maior de recursos do tesouro Na-

cional, o que aumenta a despesa líquida com pessoal,

uma vez que somente as despesas com aposentadorias

“A criação da entidade fechada de previdência

complementar, nos termos propostos pelo PL 1.992, não resolve o resultado

previdenciário da União; pelo contrário, piora a

situação atual.”

Page 10: Tributação em Revista 60

10 triBUtaÇÃO em revista

e pensões custeadas com as contribuições previden-

ciárias podem ser deduzidas para fins de limite de

pessoal. Os relatórios de gestão fiscal, referentes ao

1º quadrimestre de 2011, publicados por alguns ór-

gãos do Poder Judiciário e ministério Público da União

mostram que o déficit deficit previdenciário dos ór-

gãos do judiciário e do mPU variam de 1% (tse) a

29% (tst), considerando-se a diferença (contribui-

ções previdenciárias menos pagamentos a aposentados

e pensionistas) em relação ao pagamento de aposenta-

dorias e pensões. Com a capitalização das contribui-

ções previdenciárias dos novos servidores, aumentam

os deficits previdenciários dos órgãos autônomos, que

atualmente se encontram em níveis considerados bai-

xos. em decorrência disso, eleva-se o risco de descum-

primento do limite de despesa com pessoal fixado pela

Lei de responsabilidade Fiscal. em 2009, a despesa

líquida com pessoal do trt-22ª região ultrapassou o

limite de alerta fixado pela Lei de responsabilidade

Fiscal pelo estatuto Fiscal, correspondente a 90% do

limite máximo, conforme acórdão 2.917/2009-tCU/

Plenário. Nesse sentido, a aprovação do PL 1.992 pode

provocar uma crise fiscal em vários órgãos da União, o

que pode retirar o Brasil dos trilhos no que se refere à

condução da política macroeconômica. em cenário de

crise internacional, esse impacto não pode ser negli-

genciado pela equipe econômica.

TR. Uma das críticas ao PL 1.992/07 é que ele

prejudicaria a migração de servidores entre as es-

feras de governo devido à falta da definição da

portabilidade entre os regimes próprio estaduais

e municipais e a previdência complementar fede-

ral organizada pela FUNPRESP. Explique melhor

como isso atingiria as carreiras, principalmente

as federais, e quais seriam as mais prejudicadas.

LP. a proposta abrange os membros do Poder Judiciá-

rio, do ministério Público e do tribunal de Contas da

União. Na nossa visão, a previdência complementar,

tal como delineada pelo Governo, alterará a compo-

sição da cúpula do Poder Judiciário. Na composição

atual do stF, 5 ministros (45%) contribuíram durante

anos para o regime próprio dos estados e se aposen-

tarão pelo regime próprio da União, sem que nenhu-

ma contribuição seja repassada pelos estados. Cármen

Lúcia, ayres Britto, ricardo Lewandowski, Luiz Fux e

o Presidente do stF, ministro Cezar Peluso, são exem-

plos de magistrados que vieram da esfera estadual.

Como eles, há vários setores da administração pública

federal que são atraentes para servidores estaduais e

municipais. eu mesma, já fui servidora do município e

do estado do rio de Janeiro, antes de ingressar no car-

go de auditora Federal de Controle externo do tCU.

esse é um dos principais pontos críticos do PL 1.992,

já que não há normas gerais nacionais que discipli-

nem a portabilidade das contribuições recolhidas aos

regimes próprios dos servidores e membros de Poder

dos estados para a previdência complementar federal.

Nessas bases juridicamente inseguras, nenhum magis-

trado deixará o tribunal de Justiça estadual, depois de

contribuir durante anos sobre a integralidade de seu

salário, para ocupar o cargo de ministro do stF ou do

superior tribunal de Justiça e se aposentar pelo regi-

me próprio da União com apenas r$ 3.691,74 men-

sais. Os futuros ministros terão de buscar a diferença

salarial com a adesão ao fundo de previdência comple-

mentar de natureza privada que se pretende instituir.

Como as contribuições recolhidas ao estado não serão

transferidas para o fundo federal, a reserva financei-

ra que o magistrado conseguirá constituir na União

não será suficiente para assegurar uma aposentadoria

digna de um ministro do stF ou stJ. esse é um dos

exemplos de fragilização de áreas estratégicas do es-

tado. as carreiras de fiscalização e controle, Polícia

Federal, ministério Público, magistério, entre outras,

serão consideravelmente fragilizadas.

Page 11: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 11

TR. A instituição da FUNPRESP sugere uma iso-

nomia no tratamento entre os servidores públi-

cos e trabalhadores do setor privado no que diz

respeito ao regime previdenciário. Comente esta

questão do ponto de vista da atratividade da car-

reira pública, vis a vis a privada e da aplicação do

Princípio da Isonomia previsto na Constituição

Federal.

LP. a Constituição prevê dois regimes de previdência

completamente distintos, próprio dos servidores pú-

blicos civis e membros de Poder (artigo 40) e geral

de previdência social (artigo 201). enquanto traba-

lhadores do setor privado e empregados públicos das

estatais têm direito ao fundo de garantia por tempo de

serviço, participação nos lucros, negociação coletiva

que pode resultar em aumento de salário, servidores

públicos não dispõem desses direitos, além de ficarem

submetidos ao “teto” remuneratório constitucional,

que na esfera federal corresponde ao subsídio mensal

do ministro do supremo tribunal Federal.

se por um lado o servidor público é meio para a le-

gislação administrativa, o trabalhador é o fim da le-

gislação trabalhista. O texto original da Constituição

de 1988 foi construído de forma a dotar os servidores

efetivos e membros de Poder para exercerem a defesa

do estado contra o poder econômico, impondo-lhes

sacrifícios que podem custar suas próprias vidas, já os

empregados da iniciativa privada servem, via de regra,

à atividade econômica. a Constituição prevê que to-

dos são iguais perante a lei, nos termos estabelecidos

no seu próprio texto. e a própria Lei Fundamental

prevê uma série de diferenças entre servidores públi-

cos e empregados do setor privado. aliás, a Cons-

tituição prevê uma série de diferenças, beneficiando

alguns grupos em decorrência de suas atividades. É

o caso dos professores, policiais, portadores de neces-

sidades especiais que podem se aposentar com tempo

reduzido de contribuição, sem prejuízo de suas remu-

nerações. O princípio constitucional da isonomia deve

ser aplicado com base em leitura sistemática da Lei

Fundamental. Dificilmente será possível aplicar esse

princípio sem dominar as peculiaridades constitucio-

nais.

TR. A Constituição Federal determina que o re-

gime previdência complementar do servidor será

implementado por entidades fechadas de previ-

dência complementar de natureza pública. En-

tretanto, o PL 1.992/07 prevê que a FUNPRESP

terá personalidade jurídica de direito privado,

mas natureza pública relativa a algumas normas,

como licitações, contratos, concursos, etc. Em

sua opinião o PL e a Constituição não estariam

dissonantes neste aspecto? A transparência na

utilização dos recursos públicos e a própria su-

premacia do interesse público estão garantidos

com a natureza privada da FUNPRESP?

LP. O que o PL 1992 propõe é uma fraude ao Direi-

to Público. tenta-se rotular de público algo que na

essência terá natureza privada, apenas revestido de

um verniz publicístico. se analisarmos detidamente

“não há normas gerais nacionais que disciplinem

a portabilidade das contribuições recolhidas aos regimes próprios dos servidores e membros de Poder dos Estados para a

previdência complementar federal..”

Page 12: Tributação em Revista 60

12 triBUtaÇÃO em revista

o texto constitucional, os princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência

são impostos a todas as entidades da administração

indireta, abrangendo autarquias e fundações, de na-

tureza pública, assim como as empresas públicas e

sociedades de economia mista, essencialmente de na-

tureza privada. as reais intenções do Governo Federal

com a previsão do que convencionou a denominar de

“fundação estatal de direito privado” estão expostas na

fundamentação do projeto de Lei Complementar nº

92, de 2007, formulado pari passu com o PL 1992. O

objetivo é dispensar à FUNPresP o mesmo tratamento

previsto no artigo 173 da Constituição, previsto exclu-

sivamente para as empresas públicas e sociedades de

economia mista que exploram atividade econômica,

a exemplo da Petrobrás, da eletrobrás, entre outras

empresas estatais. além de essa não ser a realidade da

FUNPresP, o artigo 40, § 15 da Constituição prevê,

explicitamente, para que não haja dúvida, que a na-

tureza da entidade será pública. Qualquer aprovação

diferente disso suscitará questionamentos junto ao

Poder Judiciário, gerando insegurança jurídica para o

funcionamento do Fundo de Pensão.

TR. Haveria uma alternativa ao PL 1992?

LP. O primeiro passo deveria ser a organização da uni-

dade gestora única do regime próprio da União, con-

forme estabelece o artigo 40, § 20 da Constituição.

as bases jurídicas para essa organização foram ditadas

em 1998, com a emenda 20, mas o Governo Federal

nada fez para instituir a entidade do regime próprio e

dotá-la de recursos necessários à busca do equilíbrio,

podendo recorrer, inclusive, aos meios previstos no

artigo 249 do mesmo Diploma.

enquanto os servidores estaduais e municipais foram

beneficiados com a criação de fundos de previdência

do regime próprio e aporte de recursos dos royalties

destinados à capitalização dos respectivos fundos, a

União nada fez na última década, prejudicando, so-

bremaneira, os servidores federais. a realização da

compensação financeira entre o regime geral de pre-

vidência social e o regime próprio federal, e entre os

regimes próprios dos entes das três esferas de governo,

é outra medida que não pode mais postergar. a exi-

gência dessa compensação, como dito, foi regulamen-

tada pela Lei nº 9.796, de 1999, e há mais de uma

década a União permanece inerte. essa falta de ação

do Governo Federal precisa ser combatida e as entida-

des sindicais e associativas devem exigir uma postura

firme dos titulares das pastas responsáveis pelo regime

próprio da União, em especial os ministros da Previ-

dência social e do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Com exceção de algumas passagens que merecem o

aprofundamento do debate, o Projeto de Lei Comple-

mentar nº 466, de 2009, de autoria do deputado fede-

ral Paulo Pimenta (Pt-rs), surge como alternativa para

a organização do regime próprio federal, merecendo

destaque na agenda do Congresso Nacional.

“Enquanto os servidores estaduais e municipais foram beneficiados com a criação de fundos de previdência do regime

próprio e aporte de recursos dos royalties destinados

à capitalização dos respectivos fundos, a União nada fez na última década.”

Page 13: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 13

a RTIGO

Previdência Complementar do Regime Próprio de Previdência – Aspectos de Constitucionalidade1

os municípios possam instituir a previdência complemen-

tar dos segurados do regime próprio de previdência de

que trata o artigo 40 da Constituição de 1988, considera-

das as reformas que lhe sucederam.

O Projeto de Lei nº 1992 foi apresentado em 2007 com

o propósito de instituir o regime de previdência comple-

mentar para os servidores públicos civis federais titulares

de cargo efetivo, inclusive os membros do Poder Judici-

ário, ministério Público (mPU) e tribunal de Contas da

União (tCU), além de fixar o limite máximo para a con-

cessão de aposentadorias e pensões pelo regime próprio

de previdência referido no artigo 40 da Constituição

1. artigo concluído em 17 out 2011 e submetido para publicação na revista anamatra – revista da associação Nacional dos magistrados da Justiça do trabalho; revista do tribunal de Contas da União e revista O magistrado on line, revista do instituto dos magistrados do Distrito Federal (imaG-DF).

2. Professora de Direito tributário da UFF e advogada

3. auditor Federal de Controle externo do tCU e Professor de Filosofia

4. Procurador da república em santa Catarina

5. Juiz do trabalho e Professor de Direito e seguridade social da UsP

6. auditora Federal de Controle externo do tCU

aline teodoro de moura 2

almir serra martins menezes Neto 3

andré stefani Bertuol 4

Guilherme Feliciano 5

Lucieni Pereira 6

1 - Introdução

O propósito deste artigo certamente não é o de exaurir

o tema relacionado à instituição da entidade fechada de

previdência complementar do servidor público civil fede-

ral e membros de Poder na administração pública federal,

denominada Fundação de Previdência Complementar do

servidor Público Federal (FUNPresP), sob a forma de

entidade da administração indireta da União, de natureza

privada. O que se pretende é instigar um debate mais

aprofundado e qualificado sobre os pressupostos constitu-

cionais para que a União, os estados, o Distrito Federal e

Page 14: Tributação em Revista 60

14 triBUtaÇÃO em revista

O tema se insere em paisagem esparsa, controversa,

natural e extremamente complexa, razão pela qual este

artigo se limita a abordar a observância dos pressupostos

do artigo 202 da Constituição quando da formulação da

proposta em discussão.

O ponto central do debate consiste na interpretação

sistemática do § 15, do artigo 40, combinado com o arti-

go 202 da Constituição, que exigem lei complementar, a

título de norma geral, para regulamentar como a União,

os estados, o Distrito Federal e mais de 5,5 mil municí-

pios poderão instituir a entidade fechada de previdência

complementar do regime próprio de previdência dos ser-

vidores efetivos e membros de Poder detentores de cargo

vitalício.

O Brasil ainda padece da lei complementar que dis-

cipline a organização e o funcionamento das entidades

fechadas de previdência complementar dos regimes pró-

prios dos entes da Federação. essa lei complementar,

editada sob a forma de norma geral, deve disciplinar as

especificidades do setor público, como, por exemplo, a

possibilidade de migração dos servidores e membros de

Poder entre os entes das três esferas de governo, garantida

a contagem recíproca do tempo de contribuição prevista

no artigo 40, § 9º da Constituição.

Para tentar driblar a exigência constitucional do artigo

202 da Lei maior, o Poder executivo federal pretende ins-

tituir uma entidade fechada de previdência complementar

dos segurados do regime próprio da União sob a forma

de fundação estatal de direito privado, buscando como

fundamento as Leis Complementares nº 108 e 109, de

2001. esses normativos, porém, não se prestam a dire-

cionar a previdência complementar dos regimes próprios

de mais de 5,5 mil entes da Federação autônomos. tais

Leis Complementares foram editadas exclusivamente para

regulamentar a previdência complementar dos segurados

do regime geral de previdência social referido no artigo

201 da Constituição.

2 - Considerações Preliminares

apresentado nas bases mencionadas, o PL 1992 vem

causando polêmica no Congresso Nacional. De um lado,

os servidores públicos e membros de Poder contestam a

proposta, sob alegação da existência de risco de fragili-

zação do estado brasileiro, impactos econômico-fiscais

de difícil superação e o descumprimento de pressupostos

constitucionais para a criação da previdência complemen-

tar dos regimes próprios.

De outro lado, o Poder executivo insiste na aprovação

da sua proposta, que até agora não sofreu alterações sig-

nificativas. Para seguir com o projeto original quase que

intacto, os defensores da proposta do Governo adotam

três linhas de argumentação, que consistem nos seguintes

pontos:

(i) existência de apenas três regimes no sistema previ-

denciário brasileiro: regime geral de previdência social,

regime próprio de previdência dos servidores efetivos

e membros de Poder e uma única previdência com-

plementar, que se prestaria a atender os dois regimes-

-base;

(ii) o uso do termo “servidor” no contexto do artigo 31

da Lei Complementar nº 1097, de 2001, seria a refe-

rência suficiente para que a referida norma pudesse ser

a base de regulamentação da previdência complemen-

tar dos regimes próprios previstos para os servidores

efetivos e membros de Poder da União, dos estados,

do Distrito Federal, dos municípios, suas autarquias,

fundações públicas;

(iii) a alteração introduzida no § 15, do artigo 40, da

Constituição, com redação dada pela emenda nº 41,

de 2003, teria abolido a necessidade de observar os

pressupostos do artigo 202 para nortear a instituição

da entidade fechada de previdência complementar dos

regimes próprios da União, dos estados, do Distrito

Federal e de mais de 5,5 mil municípios, todos com

autonomia política e administrativa.

7. Lei Complementar nº 101, de 2001: “art. 31. as entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: i - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entes denominados patrocinadores;”

Page 15: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 15

sob o aspecto jurídico, a análise empreendida neste

artigo terá como foco esses três pontos que constituem

a base de argumentação dos defensores da proposta do

Governo, além da natureza jurídica da entidade fechada

de previdência complementar. No plano previdenciário-

-operacional, a abordagem tem por finalidade chamar a

atenção para alguns riscos da imponderabilidade atuarial.

3 - Sistema Previdenciário Brasileiro

a Constituição de 1988 avançou, significativamente,

no arcabouço do sistema previdenciário brasileiro. Na

base do sistema, temos dois regimes, um para os ocupan-

tes de cargo efetivo e membros de Poder detentores de

cargo vitalício e outro para aqueles que não se enquadram

nessas duas categorias. Cada dos regimes-base poderá,

de acordo com a faculdade prevista constitucionalmente,

instituir a previdência complementar, que deve ser organi-

zada de forma autônoma ao respectivo regime-base.

a emenda nº 20, de 1998, incluiu os artigos 249 e 250

da Constituição, para prever que tanto os regimes pró-

prios, quanto o regime geral de previdência social poderão

constituir fundos integrados pelos recursos provenientes

de contribuições previdenciárias e por bens, direitos e ati-

vos de qualquer natureza, com vistas a assegurar recursos

para o pagamento de proventos de aposentadoria e pen-

sões concedidas aos respectivos servidores e seus depen-

dentes, em adição aos recursos dos respectivos tesouros.

ao longo da última década, estados e municípios fo-

ram incentivados a constituírem esses fundos, inclusive

mediante o aporte de royalties pela compensação finan-

ceira decorrente da exploração de recursos naturais. em

2000, a Lei de responsabilidade Fiscal8 criou o fundo

especial do regime geral de previdência social. apenas o

regime próprio da União permaneceu sob precário padrão

de governança, o que constitui uma das principais causas

para o deficit apurado na esfera federal.

8. Lei Complementar nº 101, de 2000: “art. 68. Na forma do art. 250 da Constituição, é criado o Fundo do regime Geral de Previdência social, vinculado ao ministério da Previdência e assistência social, com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios do regime geral da previdência social.”

Diagrama I – sistema Previdenciário Brasileiro

Fonte: autores

Page 16: Tributação em Revista 60

16 triBUtaÇÃO em revista

Com o objetivo de solucionar o atual resultado pre-

videnciário, o Governo Federal tenta instituir, de forma

açodada, o fundo de previdência complementar do regime

próprio federal, partindo da premissa equivocada de que a

Constituição prevê uma única previdência complementar

para dois regimes-base distintos na essência.

Como dito, a Constituição prevê dois regimes de pre-

vidência completamente distintos, próprio dos servidores

públicos civis e membros de Poder (artigo 40) e geral de

previdência social (artigo 201), o que inviabiliza a norma-

tização de uma única previdência complementar.

esse é um ponto de vista assentado na doutrina sem

muitas digressões. De acordo com iBraHim (2008)9, a Lei

Complementar nº 108, de 2001, dispõe sobre a relação da

União, estados, Distrito Federal e municípios, suas autar-

quias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades

de economia mista e suas entidades fechadas de previdên-

cia complementar. O autor é claro ao afirmar que essa hi-

pótese “não se confunde com o patrocínio do Ente Público a

sistema complementar do regime próprio de previdência”. e

segue de forma ainda mais cristalizada: “A LC nº 108/01

trata, em regra, das relações de complementação quando o re-

gime básico é o RGPS.”

O autor, todavia, registra que a norma legal que regu-

lará o regime complementar público dos rPPs ainda não

existe, viabilizando a utilização subsidiária da normatiza-

ção existente, o que não é consenso no campo doutrinário.

enquanto o regime geral de previdência social é pau-

tado pela unicidade legislativa e organizacional, ou seja,

apenas a União legisla para definir as contribuições dos se-

gurados que são recolhidas a uma entidade centralizada na

Federação - o instituto Nacional do seguro social (iNss) -,

no caso dos servidores públicos civis e membro de Poder,

a previdência é fortemente marcada pelo pacto federativo,

que confere autonomia política e administrativa a mais de

5,5 mil entes da Federação, nas três esferas de governo.

9. iBraHim, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12ª edição. rio de Janeiro. impetus, 2008. Pág. 681-682, .

Diagrama II – regime Geral de Previdência social

Fonte: autores

Page 17: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 17

No regime administrativo que norteia a contratação de

servidores efetivos e membros de Poder é completamente

diferente. Cada ente da Federação legisla sobre o regime

próprio de previdência de seus agentes, devendo, para

tanto, seguir as normas constitucionais e gerais fixadas pe-

las Leis nºs 9.717, de 1998, e 10.887, de 2004.

Nesse sentido, a arrecadação das contribuições previ-

denciárias dos servidores efetivos e membros de Poder é

descentralizada, cada regime próprio estabelece a sua alí-

quota previdenciária, não podendo ser inferior à adotada

pela União10, conforme definido pela emenda nº 41, em

2003. O regime próprio de cada ente da Federação apre-

senta a seguinte configuração:

O que a Lei Fundamental obriga é que os entes da Fe-

deração assegurem regime próprio de previdência para os

servidores efetivos e membros de Poder.

essa garantia tem uma razão de ser. segundo CastrO

(1999), o servidor público é meio para a legislação admi-

nistrativa, enquanto o trabalhador é o fim da legislação

trabalhista. O texto original da Constituição de 1988 foi

formatado de modo a dotar os servidores efetivos e mem-

bros de Poder para exercerem a defesa do estado contra o

poder econômico, enquanto os empregados da iniciativa

privada servem, via de regra, à atividade econômica.

Na visão de BertUOL et alii (2011), é notório que o

regime celetista é incompatível com as características pri-

mordiais da administração pública. Para os autores, não

é razoável que a administração, pautada pela supremacia

do interesse público e pelo poder de império, possa se

valer da lógica que permeia o regime celetista para esta-

belecer a relação com os servidores efetivos e membros de

Poder, em especial com aqueles que exercem atividades

estratégicas reservadas ao estado. essa relação tornar-se-ia

desnaturada, caso fosse instituída sobre as premissas do

setor privado.

a própria Organização para Cooperação de Desenvol-

vimento econômico (OCDe)11 reconhece a necessidade de

conferir tratamento diferenciado entre servidores públicos

e trabalhadores da iniciativa privada, em especial no cam-

po previdenciário.

isso porque as normas que regem a função pública

diferem em tudo daquelas que regem as relações entre

empregadores e empregados no setor privado. a situação

dos servidores e membros de Poder é diferente dos tra-

balhadores da iniciativa privada, empregados públicos e

alguns ocupantes de cargo temporário segurados do regi-

me geral de previdência, na medida em que aquele grupo

exerce autoridade pública com os sacrifícios e obrigações

de lealdade que caracterizam essa função. O PL 1992,

Os entes subnacionais podem ou não instituir a enti-

dade fechada de previdência complementar, o que confere

contornos complexos e grandes desafios ao regime de pre-

vidência complementar no setor público nas três esferas

de governo, já que a própria Constituição assegura a con-

tagem recíproca do tempo de contribuição.

10. Constituição: “art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissio-nais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, iii, e 150, i e iii, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os estados, o Distrito Federal e os municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.”

11. aNFiP, associação Nacional dos auditores Fiscais da Previdência social. Previdência do serviço Público Brasileiro: Fundamentos e Limites das Propostas de reforma. aNFiP, agosto 2003.

Esquema I – segurados do regime Próprio dos entes da Federação

Fonte: autores

Page 18: Tributação em Revista 60

18 triBUtaÇÃO em revista

todavia, ignora os pilares constitucionais da administra-

ção pública.

a previdência complementar dos segurados do regi-

me geral de previdência social está regulamentada pelas

Leis Complementares nºs 108 e 109, de 2001, editadas

com o nítido propósito de disciplinar o artigo 202 da

Constituição.

Há uma seqüência lógica entre os artigos 201 e 202

da magna Carta que precisa ser respeitada, pois são dis-

positivos que se complementam e trazem, na essência,

um elevado grau de interdependência.

O artigo 202 trata de “regime de previdência privada,

de caráter complementar e organizado de forma autônoma

em relação ao regime geral de previdência social, será fa-

cultativo, baseado na constituição de reservas que garantam

o benefício contratado, e regulado por lei complementar”.

a redação desse dispositivo evidencia a sua clara inter-

dependência com o artigo 201, razão pela qual as Leis

Complementares nº 108 e 109, de 2001, só regulamen-

tam a previdência complementar dos segurados do regi-

me geral.

ao formular o § 15, do artigo 40, da Lei Fundamen-

tal, o reformador poderia ter reproduzido os pressupos-

tos do artigo 202 aplicáveis à previdência complementar

dos segurados do regime próprios. mas o constituinte

optou por adotar a técnica legislativa que determina a

observância, no que couber, de pressupostos expres-

sos em outro dispositivo (artigo 202). Nesse contexto,

é igualmente nítida a conexão substancial entre os dois

dispositivos constitucionais mencionados, os quais, em-

bora espacialmente distantes, precisam ser interpretados

de forma integrada para se lograr a correta dicção.

Conforme as lições de ÁviLa (2011)12, os postulados

normativos foram definidos como deveres estruturais,

ou seja, como deveres que estabelecem a vinculação en-

tre elementos e impõem determinada relação entre eles.

Nesse aspecto, podem ser considerados formais, pois de-

pendem da conjugação de razões substanciais para sua

aplicação.

Para o autor, os postulados não funcionam todos da

mesma forma. alguns postulados são aplicáveis indepen-

dentemente dos elementos que serão objeto de relacio-

namento, como é o caso da previsão de natureza pública

para a entidade fechada de previdência complementar do

regime próprio, não sendo aplicável, neste caso especifi-

camente, a natureza privada referida no artigo 202.

ao determinar a observância do artigo 202, para fins

de instituição da entidade fechada de previdência com-

plementar do regime próprio, o legislador constituinte

determina a edição de lei complementar para regula-

mentar o setor em toda Federação, pois sem essa medida

poder-se-ia instaurar um quadro de total insegurança ju-

rídica na Federação.

Nada na ordem jurídica admitiria que a previdência

complementar do regime geral, que é muito mais sim-

ples do ponto de vista da unicidade legislativa, tivesse

de ser regulamentada por lei complementar, e a previ-

dência complementar dos regimes próprios, pulverizada

na Federação, pudesse operar sem uma norma geral que

oriente mais de 5,5 mil entes da Federação autônomos.

Para fazer essa interpretação sistemática, que não é

simples, vale a pena recorrer, novamente, às lições de

ÁviLa (2011)13:

a concordância prática funciona de modo semelhan-te: exige-se a harmonização entre elementos, sem di-zer qual a espécie desses elementos. Os elementos a serem objeto de harmonização são indeterminados. a proibição de excesso também estabelece que a re-alização de um elemento não pode resultar na ani-quilação de outro. Os elementos a serem objeto de preservação mínima não são indicados. Da mesma forma, o postulado da otimização estabelece que de-terminados elementos devem ser maximizados, sem dizer quais, nem como.

12. ÁviLa, Humberto Bergmann. teoria dos Princípios - da Definição à aplicação dos Princípios Jurídicos - 12ª ed. rio de Janeiro. saraiva: 2011. Páginas 73-74 e 84-85.

13. ÁviLa, Humberto Bergmann. Op. Cit.

Page 19: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 19

a leitura dos artigos 40, § 15 e 202 da Constituição

não é tarefa que possa ser solucionada com a interpreta-

ção puramente literal dos seus dispositivos, técnica esta

que, por sinal, é considerada a forma mais rudimentar

de exegese, nas palavras do ministro moreira alves, do

supremo tribunal Federal, ao relatar e negar provimento

do agravo nº 200.733-4, que trata de matéria sobre o

artigo 7º, XXiX da Lei maior (Clipping do Diário da Jus-

tiça, 14.11.1997).

essa leitura requer, fundamentalmente, que o intérpre-

te se esforce e, de preferência, conheça esta importante

lição maXimiLiaNO (1981)14:

O intérprete não traduz em clara linguagem só o que o autor disse explícita e conscientemente; esforça-se por entender mais e melhor do que aquilo que se acha expresso, o que o autor inconscientemente es-tabeleceu, ou é de presumir ter querido instituir ou regular, e não haver feito nos devidos termos, por inadvertência, lapso, excessivo amor à concisão, im-propriedade de vocabulário, conhecimento imper-feito de um instituto recente, ou por outro motivo semelhante.

Não se trata de acrescentar coisa alguma e, sim, de atri-

buir à letra o significado que lhe compete: mais amplo

aqui, estrito acolá. Com a redação dada ao artigo 40, §

15 da Constituição pela emenda 41, o constituinte deixa

claro que somente o titular do Poder executivo no âmbito

de cada ente da Federação pode iniciar o processo legisla-

tivo para criar a entidade fechada de previdência comple-

mentar do regime próprio, entidade esta que deve ser de

natureza pública e a sua instituição deve observar, no que

couber, os pressupostos estabelecidos no artigo 202, cuja

regulamentação requer uma lei complementar específica

que guarde relação e coerência com o regime-base que se

pretende complementar.

a interpretação extensiva não faz avançar as raias

do preceito; ao contrário, como a aparência verbal leva

ao recuo, a exegese impele os limites de regra até ao

seu verdadeiro posto (maXimiLiaNO, 1996)15.

4 - Servidores Públicos no Contexto da Lei Com-

plementar nº 109

a segunda linha de argumentação do Poder exe-

cutivo, no sentido de que o artigo 31 da Lei Com-

plementar nº 109, de 2001, faz menção a “servido-

res” da União, e que por isso o artigo 202 trataria da

previdência complementar dos segurados do regime

próprio referido no artigo 40 da Carta magna, é outra

alegação que não tem como prosperar.

Primeiramente, se a previdência dos servidores efe-

tivos civis e membros de Poder fosse idêntica à previ-

dência dos segurados do iNss, o artigo 40 da Cons-

tituição restaria sem qualquer efeito sob o ponto de

vista jurídico.

em segundo lugar, e que talvez seja o mais impor-

tante, o artigo 31 da Lei Complementar nº 109, de

2001, ao fazer referência a “servidores”, visa contem-

plar, no modelo de entidade fechada de previdência

complementar de natureza privada, os servidores da

administração direta, autarquias e fundações públi-

cas segurados do regime geral de previdência social

(iNss), como, por exemplo, os ocupantes de cargo em

comissão16 de livre nomeação e exoneração.

também estão inseridos nesse escopo os ocupantes

de cargo temporário na administração pública, con-

siderados os contratados por prazo determinado. a

partir de uma visão mais alargada, pode-se entender

que o dispositivo abrange, ainda, o exercente de cargo

14. maXimiLiaNO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª edição, 2ª tiragem, Forense, rio de Janeiro, 1981, p. 167

15. maXimiLiaNO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do Direito, 16ª ed. Forense, rio de Janeiro, 1996, p. 200-204

16. Lei nº 8.112, de 1990: “art. 9o a nomeação far-se-á: (...) Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da interinidade.” (...) “art. 41. remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei. § 1º a remuneração do servidor investido em função ou cargo em comissão será paga na forma prevista no art. 62.” (...) “art. 137. a demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos iX e Xi, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos i, iv, viii, X e Xi.”

Page 20: Tributação em Revista 60

20 triBUtaÇÃO em revista

eletivo17, igualmente segurado da previdência social

(iNss), já que o regime próprio de que trata o arti-

go 40 da Constituição restringe-se aos ocupantes de

cargo efetivo e membros de Poder detentores de cargo

vitalício, incluindo aquelas categorias no rol de segu-

rados do regime geral18.

a Lei Complementar nº 109, de 2001, foi editada pou-

co mais de dois anos após a promulgação das emendas

19 e 20, com as quais precisa ser analisada, sob pena de

adotar linha de interpretação equivocada.

Formuladas no contexto do Programa de estabilidade

Fiscal (PeF) da década de noventa e aprovadas quase que

pari passu, as emendas 19 e 20 disciplinam temas interde-

pendentes, concebidos com o propósito de resolver os de-

sajustes de ordem fiscal que marcaram a referida década.

De um lado, a emenda 19 flexibilizou o regime jurí-

dico único, conferindo nova redação ao caput artigo 39

da Constituição, que passou a permitir a contratação de

empregados públicos na administração direta, autarquias

e fundações públicas das três esferas de governo. O co-

mando, entretanto, foi alvo de ataque por vício formal em

sede da ação Direta de inconstitucionalidade nº 2.135,

concedida, em agosto de 2007, a liminar pleiteada, por

meio da qual foi restabelecida, com efeito ex nunc, a reda-

ção original do dispositivo em tela.

Boa parte da emenda 20 complementa as medidas

inauguradas meses antes pela emenda 19. Flexibilizado

o regime jurídico único, os ocupantes de empregos pú-

blicos na administração direta, autarquias e fundações - e

também os cargos temporários - foram incluídos explici-

tamente no rol de segurados do regime geral de que trata

o artigo 201 da magna Carta, inibindo pleitos e decisões

infraconstitucionais que pudessem incluí-los como segu-

rados do regime próprio dos servidores efetivos.

mantendo a coerência com o eixo estruturante do PeF,

a emenda 20 também deu nova redação ao artigo 202,

com vistas a possibilitar a instituição de previdência com-

plementar de natureza privada para os segurados do regi-

me geral, permitindo que a União (administração direta),

suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e

sociedades de economia mista participem tão somente na

condição de patrocinadores, nos termos e limites fixados

constitucionalmente19.

esse é o escopo do PeF e das reformas administrativa

e da Previdência promulgadas na década de noventa. as

alterações dos artigos 39, 40, § 13, 201 e 202 da Lei maior

nada têm a ver com a relação administrativo-previdenciária

que a União, suas autarquias e fundações públicas estabele-

cem com os servidores ocupantes de cargo efetivo e mem-

bros de Poder detentores de cargos vitalícios.

impende destacar que o artigo 202 da Constituição pre-

vê as mesmas restrições para a administração direta dos en-

tes das três esferas de governo, suas autarquias e fundações

públicas (pessoas jurídicas de direito público) e respecti-

vas empresas públicas e sociedades de economia mista e

empresas por elas controladas (pessoas jurídicas de direito

privado) se relacionarem com as entidades fechadas de pre-

vidência privada na condição de patrocinadoras.

isso ocorre porque ambos os blocos podem instituir

previdência complementar de empregados públicos e servi-

dores ocupantes dos cargos temporários previstos no § 13,

do artigo 40, da Constituição, todos vinculados ao regime

geral de previdência social centralizado (iNss), indepen-

dentemente da esfera de governo.

as referências que os §§ 3º e 4º, do artigo 202, da

Constituição fazem à União, suas autarquias, fundações e

empresas estatais (dependentes ou não-dependentes) não

significam sujeitar a previdência complementar dos servi-

17. Lei 8.213, de 1991: “art. 11. são segurados obrigatórios da Previdência social as seguintes pessoas físicas: i - como empregado: (...) h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social”

18. Constituição: “art. 40. aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (...) § 13 - ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão decla-rado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.”

19. Constituição: “art. 202. (...) § 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, estados, Distrito Federal e municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (incluído pela emenda Constitucional nº 20, de 1998)”

Page 21: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 21

dores efetivos e membros de Poder às mesmas regras ge-

rais norteadoras da previdência complementar de natureza

privada que deve ser organizada de forma autônoma para

os segurados do regime geral, sejam eles trabalhadores da

iniciativa privada, servidores ocupantes de cargo em comis-

são ou temporário, assim como os empregados públicos da

administração direta, autarquias, fundações e empresas es-

tatais, contratados com amparo nas emendas 19 e 51.

ao tentar instituir a previdência complementar dos

servidores efetivos e membros de Poder a partir de bases

delineadas especificamente para segurados contratados sob

regimes completamente distintos, a proposta de previdên-

cia complementar formulada pelo Governo Federal gera

enorme insegurança.

Nada na ordem jurídica admitiria a confusão decorrente

da tentativa de sujeitar a previdência complementar dos se-

gurados do regime próprio às Leis Complementares nº 108 e

109, de 2001. O que se pode esperar da medida do Governo

são discussões no Poder Judiciário, cujo resultado poderá

gerar novos deficits da previdência do setor público.

5 - Interpretação Sistemática da Constituição

a terceira linha de argumentação do Governo re-

flete interpretação equivocada do § 15, do artigo 40,

da Constituição, com redação dada pela emenda 41.

De um lado, os defensores da proposta alegam que a

nova redação dada ao dispositivo afasta a necessidade

de lei complementar para a previdência do setor pú-

blico. Por outro lado, diante da lacuna jurídica, o PL

1992 busca as Leis Complementares nºs 108 e 109, de

2001, como alicerces, já que a Constituição não esta-

belece algumas premissas essenciais para o funciona-

mento seguro da previdência complementar do setor

público.

Ora, se até mesmo a previdência complementar dos

segurados do regime geral requer a regulamentação de

normas gerais por lei complementar, de forma a conferir

maior segurança e estabilidade jurídica ao regime, não

há razão para a previdência complementar dos segura-

dos do regime próprio ficar à deriva normativa. e não

está. eis a evolução da norma:

Diagrama III – evolução Normativa

Fonte: autores

Page 22: Tributação em Revista 60

22 triBUtaÇÃO em revista

Desde a emenda 20, a formulação do dispositivo que

possibilitou a instituição da previdência complementar

para os segurados do regime próprio exige a observância

dos pressupostos fixados no artigo 202 da Lei maior. Ob-

servar, no que couber, o artigo 202 implica replicar, para

fins de regulamentação da previdência complementar dos

servidores efetivos e membros de Poder, os pressupostos

constitucionais explicitados no referido artigo, preocu-

pando-se em harmonizá-los com as diretrizes maiores do

artigo 40 da Lei Fundamental. esses pressupostos do ar-

tigo 202 da Carta magna devem ser assim interpretados:

Os defensores da proposta em tramitação também

se apegam ao fato de o § 3º, do artigo 202, da Constitui-

ção, mencionar os entes da Federação, suas autarquias e

fundações públicas. tal dispositivo visa, apenas, traçar as

mesmas regras para segurados do regime geral (iNss), seja

de agentes contratados pelas pessoas jurídicas de direito

público, seja pelas pessoas jurídicas de direito privado, em

consonância com as inovações introduzidas pelas emen-

das 19 e 20.

além disso, a administração direta, autarquias e funda-

ções públicas da União, dos estados, do Distrito Federal

e dos municípios podem admitir, no âmbito do sistema

Único de saúde, agentes comunitários de saúde e agentes

de combate às endemias por meio de processo seletivo pú-

blico, sob a forma de empregado público, não se aplican-

do, neste caso específico, os efeitos da liminar concedida

no âmbito da aDi nº 2.135. a previsão está consagrada

nos §§ 4º a 6º, do artigo 198, da Lei maior, segundo as

inovações da emenda 51. tais dispositivos foram regula-

mentados pela Lei nº 11.350, de 2006, que elege o regime

celetista para as referidas admissões.

Formulado com o objetivo específico de instituir a pre-

vidência complementar para agentes segurados do regime

geral de previdência social e que, via de regra, não gozam

de nenhuma estabilidade funcional (empregados públi-

cos e ocupantes de cargo em comissão ou temporário),

os artigos 9º a 12 da Lei Complementar nº 108, de 2001,

estabelecem a estrutura organizacional20 das entidades de

previdência complementar dos segurados do iNss.

20. Lei Complementar nº 108, de 2001: “art. 9º a estrutura organizacional das entidades de previdência complementar a que se refere esta Lei Complementar é constituída de conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva. art. 10. O conselho deliberativo, órgão máximo da estrutura organizacional, é responsável pela definição da política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios. art. 11. a composição do conselho deliberativo, integrado por no máximo seis membros, será paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinado-res, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade. § 1º a escolha dos representantes dos participantes e assistidos dar-se-á por meio de eleição direta entre seus pares. § 2º Caso o estatuto da entidade fechada, respeitado o número máximo de conselheiros de que trata o caput e a participação paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores, preveja outra composição, que tenha sido aprovada na forma prevista no seu estatuto, esta poderá ser aplicada, mediante autorização do órgão regulador e fiscalizador. art. 12. O mandato dos membros do conselho deliberativo será de quatro anos, com garantia de estabilidade, permitida uma recondução.”

Quadro Esquemático – I – Pressupostos Constitucionais do artigo 202 (continua...)

Page 23: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 23

Fonte: autores

Quadro Esquemático – I – Pressupostos Constitucionais do artigo 202 (continuação)

Page 24: Tributação em Revista 60

24 triBUtaÇÃO em revista

Na tentativa de aproveitar a estrutura desenhada

na Lei Complementar nº 108, de 2001, o PL 1992

garante a participação, apenas, de representantes de

alguns Poderes e órgãos autônomos da União, alijan-

do o tribunal de Contas da União do poder decisório,

garantida a sua presença apenas no Conselho Fiscal

do fundo de pensão.

De forma a limitar o Conselho Deliberativo a 6

membros, conforme prevê o artigo 11 da referida Lei

Complementar, o PL 1992 não garante a paridade dos

servidores de alguns órgãos autônomos, tampouco

para estados e municípios que aderirem à fundação

estatal de direito privado federal, nos termos do arti-

go 23 da proposta em tela.

Outra incongruência deve-se ao fato de que os ser-

vidores ocupantes de cargos efetivos e membros de

Poder gozam de estabilidade constitucional, o que só

reforça o entendimento de que a Lei Complementar

nº 108, de 2001, foi delineada para nortear a previ-

dência complementar de agentes não detentores de

estabilidade no serviço público, em geral todos segu-

rados do regime geral (iNss).

a lei complementar exigida nos termos do § 15,

do artigo 40, c/c artigo 202 da Constituição, para nor-

tear as três esferas de governo, precisa definir aspec-

tos específicos do setor público. antes de instituir as

entidades de previdência complementar, o Congresso

Nacional deve regulamentar, por exemplo, os requi-

sitos para a designação dos membros das diretorias,

garantindo-se a participação dos Poderes e órgãos au-

tônomos, a inserção dos participantes nos colegiados

e instâncias de decisão.

Outro aspecto fundamental que precisa ser enfren-

tado pelo legislador complementar é a portabilidade

das contribuições recolhidas aos regimes próprios da

União, dos estados e dos municípios, em caso de con-

tagem recíproca do tempo de contribuição, aspectos

ainda indefinidos.

segundo o modelo proposto, a União garantirá

aposentadoria pelo regime próprio no valor máximo

de r$ 3.691,74 aos servidores federais e membros

de Poder, inclusive aos futuros ministros do supre-

mo tribunal Federal e superior tribunal de Justiça

egressos dos tribunais de Justiça e ministério Público

dos estados que não instituírem a previdência com-

plementar.

ainda que esses magistrados e membros do mi-

nistério Público tenham contribuído para os regimes

próprios dos estados de origem, o PL 1992, por não

constituir normas gerais, não prevê dispositivos que

assegurem o recebimento das contribuições do se-

gurado e patronal (do ente da Federação) recolhidas

historicamente pelos membros de Poder sobre a inte-

gralidade da remuneração.

enquanto no setor privado o teto da contribuição

previdenciária do segurado é de r$ 406,00, no setor

público a contribuição mensal dos servidores e mem-

bros de Poder da União pode chegar a r$ 2.939,54,

valor correspondente a 11% do teto remuneratório

constitucional na União.

Na hipótese de mudança de esfera, os servidores

e membros de Poder serão prejudicados em seus di-

reitos, em face da inexistência de normas gerais que

garantam, em toda Federação, o recebimento das con-

tribuições previdenciárias recolhidas aos regimes pró-

prios estaduais e municipais, de forma a aportá-las no

fundo de previdência complementar federal.

a atual composição da Corte suprema reflete essa

migração com muita nitidez. são exemplos de mem-

bros egressos da esfera estadual os ministros ayres

Britto (ex-procurador do tribunal de Contas do esta-

do de sergipe), ricardo Lewandowski (ex-desembar-

gador do tribunal de Justiça de são Paulo), Cármen

Lúcia antunes rocha (ex-procuradora do estado de

minas Gerais), Luiz Fux (ex-desembargador do tri-

bunal de Justiça do rio de Janeiro) e Cezar Peluso

(ex-juiz de Direito e desembargador do tribunal de

Justiça do estado de são Paulo)21.

21. Fonte: supremo tribunal Federal

Page 25: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 25

essa composição demonstra o quanto é comum a

migração dos servidores e membros da esfera estadual

para a esfera federal, o que ficaria totalmente compro-

metida com a instituição da previdência complemen-

tar da União sem normas gerais que garantam a porta-

bilidade das contribuições previdenciárias recolhidas

aos regimes próprios dos estados e municípios.

O PL 1992 não tem o condão de estabelecer nor-

mas gerais para toda a Federação e obrigar estados e

municípios na condução de suas escolhas quanto à

instituição ou não da previdência complementar dos

servidores públicos e membros de Poder.

assim sendo, padece de lógica e razoabilidade

jurídica a tentativa de nortear a previdência comple-

mentar dos regimes próprios pelas Leis Complemen-

tares nºs 108 e 109, de 2001, editadas com a finali-

dade específica de regular as entidades privadas de

previdência complementar dos segurados do regime

geral de previdência social (iNss).

tais normas gerais não se preocuparam em regula-

mentar as peculiaridades da previdência complemen-

tar que, de acordo com os §§ 14 e 15, do artigo 40,

da Constituição, poderá vir a ser instituída no setor

público, não constituindo necessariamente uma obri-

gação, como argumentam, equivocadamente, os de-

fensores da proposta do Governo Federal.

6 - Natureza Jurídica da Entidade Fechada de

Previdência Complementar do Regime Próprio

dos Servidores Efetivos e Membros de Poder

a administração pública realiza-se por meio de ati-

vidades do estado exercidas por servidores públicos e

membros de Poder que integram o quadro de pessoal

dos Poderes e órgãos autônomos.

tem-se reforçado a idéia de que o estado deveria

se equiparar ao empregador do setor privado no que

diz respeito ao regime a ser adotado para contratação

de seus agentes públicos, em especial no que tange à

previdência, tendo em vista o alegado deficit do setor

público.

Nesse cenário, a administração pública vivencia

momentos sem precedente, de descrença nos princí-

pios e preceitos constitucionais e de desprestígio das

normas de Direito Público, considerados por alguns

como entraves ao bom funcionamento da máquina

estatal e ao alcance da eficiência. Dito em outras pa-

lavras: para alguns operadores do Direito, o modelo

privado seria o único capaz de produzir resultados

positivos e eficiência na gestão.

O PL 1992 segue nessa vertente. a despeito de o

§ 15, do artigo 40, da Constituição, estabelecer que

a entidade fechada da previdência complementar dos

ocupantes de cargo efetivo e membros de Poder deve

possuir natureza pública, o projeto propõe a criação

de fundação de natureza privada, seguindo na tri-

lha do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 92, de

2007.

alegam os autores que a previsão constitucional

dessa natureza pública não significa, necessariamen-

te, que a entidade deve ser estruturada na forma de

entidade de natureza pública (autarquia ou fundação

pública).

Na visão de BertUOL et alii (2011), a proposta

segue de encontro à pacífica jurisprudência do su-

premo tribunal Federal (stF) e do superior tribunal

de Justiça (stJ), o que poderá criar confusão acerca

da Justiça competente para processar e julgar as cau-

sas envolvendo a fundação federal que a Constituição

determina explicitamente que deve ser de natureza

pública.

eis algumas decisões do stF e do stJ que lançam

luz ao conceito e à amplitude da natureza jurídica das

fundações instituídas pelo poder público:

recurso extraordinário nº 215.741-stF emeNta: reCUrsO eXtraOrDiNÁriO. FUN-DaÇÃO NaCiONaL De saÚDe. CONFLitO De COmPetÊNCia eNtre a JUstiÇa FeDe-raL e a JUstiÇa COmUm. NatUreZa JUrÍ-DiCa Das FUNDaÇÕes iNstitUÍDas PeLO PODer PÚBLiCO. (...)

Page 26: Tributação em Revista 60

26 triBUtaÇÃO em revista

1. a Fundação Nacional de saúde, que é mantida por recursos orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público. 2. Conflito de competência entre a Justiça Co-mum e a Federal. artigo 109, i da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação em que figura como parte fundação pública, tendo em vista sua situação jurídica conceitual assemelhar- se, em sua origem, às autarquias. (...) 3. ainda que o artigo 109, i da Constituição Federal, não se refira expressamen-te às fundações, o entendimento desta Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o re-gime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia. 4. recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a competência da Justiça Federal.” stJ súmula nº 324 - DJ 16.05.2006 Competência - Processo e Julgamento - Funda-ção Habitacional do exército - autárquica Fede-ral - ministério do exército “Compete à Justiça Federal processar e julgar ações de que participa a Fundação Habitacional do exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo ministério do exér-cito.”

Como se constata da jurisprudência, a natureza ju-

rídica das fundações não se define pelo rótulo que a

lei lhe atribui, mas pela sua essência.

Para driblar o texto expresso no § 15, do artigo 40,

da Constituição, os formuladores da proposta tentam

restringir o conceito de natureza pública a submissão

a normas de licitações e contratação de pessoal e pu-

blicação das informações, nos termos do artigo 8º do

PL 1992, a saber:

art. 8º a natureza pública das entidades fecha-das a que se refere o § 15 do art. 40 da Consti-tuição consistirá na: i - submissão à legislação federal sobre licitação e contratos administrativos; ii - realização de concurso público para a contra-tação de pessoal; iii - publicação anual, na imprensa oficial ou em sítio oficial da administração pública certi-ficado digitalmente por autoridade para esse fim credenciada no âmbito da infra- estrutura de Chaves Públicas Brasileira - iCP-Brasil, de seus demonstrativos contábeis, atuariais, financeiros e de benefícios, sem prejuízo do fornecimento de informações aos participantes e assistidos do

plano de benefícios e ao órgão regulador e fis-calizador das entidades fechadas de previdência complementar, na forma das Leis Complementa-res nos 108 e 109, de 2001.

a submissão ao concurso público, à publicidade e

à realização de procedimento licitatórios definido em

lei própria para a administração pública não são que-

sitos que, por si só determinem a natureza jurídica

das entidades da administração indireta.

as empresas públicas e sociedades de economia

mista são entidades de natureza privada, previstas

constitucionalmente para a exploração de atividade

econômica ou prestação de serviços públicos median-

te tarifa, e mesmo assim sujeitam-se aos princípios

constitucionais do concurso público, procedimento

licitatório e publicidade. tais entidades que pode-

rão seguir um estatuto jurídico específico editado nos

termos do artigo 173 da Lei Fundamental, ainda pen-

dente de edição.

Como se nota, a definição da natureza jurídica de

uma entidade vai muito além dos pressupostos limi-

tadores que o Poder executivo pretende estabelecer

com a aprovação do PL 1992. essa é uma pretensão

do projeto que não pode prosperar, pois afronta pre-

ceito expresso no texto constitucional e a jurispru-

dência das Cortes de Justiça e suprema.

7 - Imponderabilidade Atuarial

a par dos aspectos já enfrentados, releva apon-

tar ainda outra aguda vulnerabilidade do PL 1992,

nas dimensões técnica e jurídica (ambas relacionadas

à monstruosa massa atuarial que o Governo Federal

imagina poder constituir, de modo indiscriminado, a

partir do modelo engendrado em 1997). trata-se da

imponderabilidade atuarial engendrada pelo paradig-

ma em discussão.

abstraída a extensão que o projeto permite a outros

entes federativos ou órgãos da administração indireta

não-federal (mediante ato de adesão “na qualidade de

Page 27: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 27

patrocinadores”), é certo que o PL 1992 alberga origi-

nalmente todos os “servidores titulares de cargo efeti-

vo da União, suas autarquias e fundações, inclusive os

membros do Poder Judiciário, do ministério Público e

do tribunal de Contas da União” (artigo 1º).

Com semelhante abrangência, o fundo a constituir

admitiria indistintamente a participação de servidores

que hoje recebem pisos iniciais de r$ 4.708,07 (e.g.,

o técnico em regulação de aviação civil da aNaC, cfr.

edital de 200922) ou de r$ 3.080,38 (e.g., servidores

com ensino fundamental completo no âmbito da FU-

Nai, cfr. edital de 201023), por um lado, e daqueles

que recebem valores iniciais próximos ao teto nacio-

nal do funcionalismo público (r$ 26,7 mil), como ju-

ízes federais substitutos e procuradores da república

substitutos (FeLiCiaNO, 2011).

sobre semelhantes bases, o fundo público perde

credibilidade, como se verá a seguir; torna-se relativa-

mente atraente para servidores de faixa remuneratória

mais baixa, mas tende a afugentar os servidores de

faixa remuneratória mais alta, o que instaura círculo

vicioso de abstenções e desistências (mesmo porque,

a teor do § 16, do artigo 40, da Constituição — nisso

reproduzida pelo artigo 1º do PL —, os servidores só

se vinculariam à FUNPresP mediante “prévia e ex-

pressa opção”).

tal circunstância evidentemente compromete, a

médio e longo prazos, a própria saúde financeira do

fundo. Fenômeno semelhante verificou-se na argenti-

na, quando se buscou — mirando o exemplo do Chi-

le — privatizar os sistemas públicos de previdência

(processo instaurado em 1994 e que redundou em su-

cessivos deficits anuais, estimando-se um rombo de 30

milhões de pesos entre 1989 e 1999, no governo Car-

los menem24). O desinteresse da população pelo novo

modelo engendrou uma migração maciça dos sistemas

públicos (gerais ou complementares) para os fundos

privados de previdência, resultando em uma desca-

pitalização da previdência pública associada a uma

atomização dos investimentos em previdência priva-

da. ademais, a taxa de evasão e inadimplemento em

relação ao modelo inaugurado revelou-se ascendente,

a significar, na prática, insegurança social para grande

margem da população. Na exata dicção de COrreia

e COrreia (2008),

“[...], na própria argentina, esperava-se um pú-blico de seis milhões de pessoas a serem incor-poradas no novo regime. No entanto, por temos dos segurados e falta de interesse das segurado-ras, o contingente abrangido não chegou sequer a alcançar o número de dois milhões de pesso-as”25.

ademais, revela censurar, ainda quanto à impon-

derabilidade atuarial, a questão da dessegmentação

alvitrada pelo projeto. Com efeito, tal condição ina-

dequada — a saber, a excessiva amplitude da FUN-

PresP — fere de morte uma das premissas funda-

mentais da avaliação atuarial, que é a uniformidade

de perfis. e a consequência natural dessa condição

é, na prática, um deficit de credibilidade com o qual

já nasceria a FUNPresP — o que, insista-se, é ino-

portuno e inconveniente, inclusive na perspectiva de

capitalização dos fundos a que se vincula o PL 1992.

É que, para efeito de cálculo atuarial, a fidedignida-

de das contas depende basicamente da correção e da

uniformidade das informações cadastrais relativas aos

segurados do regime.

Nesse preciso sentido, estabelece o § 2º, do artigo

18, da Lei Complementar nº 109, de 2001, que, para

os fins do artigo 202, caput, in fine, da Constituição,

“[d]ispõe sobre o Regime Complementar de Previdência e

dá outras providências” — e à qual deveria estar fiel-

mente jungido o PL 1992, nos termos do seu próprio

artigo 1º, com os vezos já apontados neste artigo:

22. Disponível em: www.cespe.unb.br/concursos/anac2009

23. Disponível em: www.institutocetro.org.br

24. Cf. Folha de são Paulo, Caderno Dinheiro, 11.02.2002, p.B-1.

25. COrreia, marcus Orione Gonçalves e COrreia, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da seguridade social. 4ª ed. são Paulo: saraiva, 2008. p.30.

Page 28: Tributação em Revista 60

28 triBUtaÇÃO em revista

“§2º. Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obri-gatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocina-

dor ou instituidor” (g.n.).

Da mesma forma, e com maior detalhamento,

dispôs o anexo da resolução nº 18, de 2006 (“Ba-

ses técnicas”), do Conselho de Gestão da Previdência

Complementar (CGPC), que “[e]stabelece parâmetros

técnico-atuariais para estruturação de plano de benefí-

cios de entidades fechadas de previdência complementar,

e dá outras providências”:

“1. as hipóteses biométricas, demográficas, eco-nômicas e financeiras devem estar adequadas às características da massa de participantes e assis-tidos e ao regulamento do plano de benefícios de caráter previdenciário. “1.1. a eFPC26 deverá solicitar do patrocinador ou, se for o caso, do instituidor do plano de be-nefícios manifestação por escrito sobre as hipó-teses econômicas e financeiras que guardem re-lação com suas respectivas atividades, mediante declaração, que deverá estar devidamente funda-mentada e que será arquivada na eFPC, ficando à disposição da secretaria de Previdência Com-plementar. “1.2. as justificativas para as demais hipóteses adotadas na avaliação atuarial do plano de bene-fícios também deverão ser arquivadas na eFPC, ficando à disposição da secretaria de Previdência Complementar. “2. a tábua biométrica utilizada para projeção da longevidade dos participantes e assistidos do plano de benefícios será sempre aquela mais adequada à respectiva massa, não se admitindo, exceto para a condição de inválidos, tábua bio-métrica que gere expectativas de vida completa inferiores às resultantes da aplicação da tábua at- 83. “2.1. No plano de benefícios em que é utilizada tábua biométrica segregada por sexo, o critério definido neste item deverá basear-se na média da expectativa de vida completa ponderada entre

homens e mulheres. “2.2. Observado o disposto no item 2, caso a tá-bua biométrica adotada seja resultante de agra-vamento ou desagravamento, estes deverão ser uniformes ao longo de todas as idades. “2.3. [...] “2.4. a adoção da tábua mencionada no item anterior não exclui os responsáveis do ônus de demonstrar sua adequação ao perfil da massa de participantes e assistidos do plano de benefícios, nos termos do § 2º do art. 18 da Lei Comple-mentar nº 109, de 2001” (g.n.).

enfim, no mesmo sentido, e mais recentemente,

o teor da Portaria mPs nº 403, de 200827 (artigo 5º),

pela qual o ente federativo (“in casu”, a União), a uni-

dade gestora do regime de previdência complemen-

tar (“in casu”, a FUNPresP) e o serviço atuarial res-

ponsável pelas respectivas avaliações atuariais devem

eleger conjuntamente as hipóteses biométricas (i.e.,

casuísticas de mortalidade, invalidez, morbidez, etc.),

demográficas (i.e., números de ativos e inativos, com-

posição familiar típica, índices de rotatividade e repo-

sição, etc.) e econômico-financeiras (i.e., as taxas de

juros, o crescimento real de rendimentos, as expecta-

tivas de compensação, etc.) mais adequadas às carac-

terísticas específicas da massa de segurados e de seus

dependentes, tudo para o correto dimensionamento

dos compromissos econômico-financeiros futuros do

modelo. Não será, todavia, possível fazê-lo, ao menos

com a desejável segurança, à vista da heterogeneidade

artificial que o PL 1992, a par das suas melhores in-

tenções ideológicas, acabará por consumar.

Como se percebe, os cálculos atuariais serão tanto

mais fidedignos e confiáveis quanto mais uniforme for

a massa de participantes e assistidos (inclusive por-

que deverá levar em consideração elementos como a

expectativa média de vida, a sinistralidade típica, a

capacidade contributiva a longo prazo, etc.). Nessa

ordem de ideias, a amplitude demasiada do PL 1992

26. entidades Fechadas de Previdência Complementar (como será a FUNPresP).

27. Fulcrada no teor da Lei n. 9.717/98 (que “[d]ispõe sobre regras gerais para organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores pú-blicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, dos militares dos estados e do Distrito Federal e dá outras providências”), a Portaria mPs n. 408/2008, de 11.12.2008, “[d]ispõe sobre as normas aplicáveis às avaliações e reavaliações atuariais dos regimes Próprios de Previdência social – rPPs da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, define parâmetros para a segregação da massa e dá outras providências”.

Page 29: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 29

põe em xeque a credibilidade da FUNPresP, na me-

dida em que é equívoco afirmar, por exemplo, que

a expectativa média de vida de servidores públicos

federais dos segmentos da saúde ou da segurança pú-

blica seja a mesma dos servidores públicos federais

do segmento das auditorias fiscais; ou, ainda, que a

sinistralidade típica de agentes da Polícia Federal seja

a mesma de juízes do trabalho.

Não se pode, em síntese, trabalhar com um uni-

verso seguro de expectativas atuariais, uma vez que a

dessegmentação artificial do serviço público federal,

tal como procedida pelo PL 1992, não permite aferir,

na massa de participantes e assistidos, “hipóteses eco-

nômicas e financeiras que guardem [específica] relação

com suas respectivas atividades”.

Uma das soluções técnicas, sob o ponto de vista da

gestão da sinistralidade, seria a constituição de fun-

dos de previdência complementar segmentados por

serviço e categoria, nos termos de lei complementar

própria, a permitir uma exata aferição das hipóteses

atuariais endógenas, com uniformidade na massa de

participantes e assistidos. essa é, aliás, a única solu-

ção que parece atender literalmente ao texto constitu-

cional (artigo 40, §15), pelo qual

“[o] regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciati-va do respectivo Poder executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza públi-ca, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida” (g.n.).

Porém, a medida precisaria ser analisada sob ou-

tros ângulos, em especial o fiscal, o que não é matéria

de fácil solução. isso porque, segundo BertUOL et

alii (2011), a decisão política de instituir a previdên-

cia complementar, pautada na formação de poupança

no mercado de capitais, tem implicações tributárias e

fiscais de grande monta. além de requerer o aporte

de mais recursos do tesouro Nacional para custear as

aposentadorias e pensões daqueles que já ingressaram

no serviço público, há risco de descumprimento dos

limites de pessoal fixados pela Lei de responsabilida-

de Fiscal para os Poderes e órgãos federais.

De acordo com os autores, as Casas do Poder

Legislativo Federal, os tribunais do Poder Judiciá-

rio, o ministério Público e o tribunal de Contas da

União são os que apresentam maior risco de des-

cumprimento dos respectivos limites fiscais, já que,

historicamente, a maior parte de suas despesas com

aposentados e pensionistas é custeada com recursos

das contribuições previdenciárias, que passarão a ser

destinadas à formação de poupança interna, exigindo

maior esforço fiscal do tesouro.

Como é cediço, a lei — e tanto menos a Constitui-

ção — não detém palavras inúteis (maXimiLiaNO,

1981)28. Para FeLiCiaNO (2011), não foi ao acaso

que o legislador constituinte derivado, por ocasião da

emenda 41, utilizou a expressão “entidades fechadas

de previdência complementar” no seu plural. a rigor,

a dicção constitucional curvou-se à boa técnica atu-

arial, admitindo a segmentação dos fundos comple-

mentares de previdência para o serviço público, não

apenas por classes federativas (fundos federal, estadu-

ais e municipais), mas também — e sobretudo — de

acordo com as semelhanças e dessemelhanças das res-

pectivas massas de participantes/assistidos. Quando

não, ainda que única a entidade em um mesmo âmbi-

to federativo, de rigor seria ao menos a segmentação

interna dos planos, definidos por serviço e categoria,

nos termos vazados em lei complementar própria.

mas essa possibilidade não é sequer aventada pelo

PL 1992, o que revela, nesse particular aspecto, a re-

lativa precariedade atuarial da FUNPresP, a tornar o

modelo temerário, já que o fundo complementar não

poderá receber aportes de recursos da União, ainda

que em situação de incontornável insustentabilidade

econômico-financeira, diante do que dispõe o § 3º,

do artigo 202, da Constituição.

28. maXimiLiaNO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª edição, 2ª tiragem, Forense, rio de Janeiro, 1981.

Page 30: Tributação em Revista 60

30 triBUtaÇÃO em revista

8 - Conclusão

a proposta do Governo Federal para instituir o re-

gime de previdência complementar do setor público

está ancorada em duas premissas postas como ver-

dades cristalizadas: primeiro, o Governo alega que a

Constituição obriga a instituição da previdência com-

plementar, conforme emendas 20 e 41. segundo, na

visão do Poder executivo da União, há necessidade

de estabelecer um tratamento isonômico entre os ser-

vidores públicos efetivos e membros de Poder e os

trabalhadores da iniciativa privada.

a primeira premissa é falsa, pois os §§ 14 e 15 do

artigo 40, da Constituição, prevêem a possibilidade,

entendida no plano jurídico como uma faculdade, de

a União, os estados, o Distrito Federal e os municí-

pios instituírem ou não o regime de previdência com-

plementar do regime próprio.

a segunda premissa também não se sustenta. O

Governo Federal não considera, por exemplo, que a

Constituição prevê regras completamente distintas

para as duas categorias (servidores públicos e traba-

lhadores do setor privado), inclusive para fins previ-

denciários.

O regime próprio de previdência dos servidores

efetivos e membros de Poder difere-se em muitos as-

pectos do regime geral de previdência social. essa

diferença está consagrada no próprio texto constitu-

cional e decore da previsão de regimes de contratação

completamente distintos.

Para servirem ao estado, os servidores efetivos e

membros de Poder são dotados de um regime de con-

tratação de caráter administrativo, o qual lhes outor-

ga um conjunto de obrigações, proteções e garantias

específicas para o exercício da função pública, com

riscos e sacrifícios que lhes são inerentes.

Por um lado o Governo - preso à literalidade da

primeira parte do § 15, do artigo 40, da Constituição

- recusa a necessidade de lei complementar específica

para nortear a instituição da previdência complemen-

tar dos segurados do regime próprio da União, dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Por outro lado, o Poder executivo, paradoxalmen-

te, apega-se às Leis Complementares nºs 108 e 109, de

2001, para direcionar o fundo de previdência que se

pretende criar nos termos do PL 1992. essa postura

revela uma clara contradição do Governo, maculando

o projeto que tramita na Câmara dos Deputados.

ademais, mesmo nos estritos lindes desta desa-

tinada opção legislativa, a proposta claudica perigo-

samente, porque encampa um modelo massificado

de dessegmentação de grupos e capitais que tende a

comprometer a própria credibilidade atuarial dos fun-

dos futuros, para o servidor e para os mercados.

O fato é que não se pode admitir que a União, os

estados, o Distrito Federal e mais de 5,5 mil muni-

cípios possam instituir a previdência complementar

dos respectivos regimes próprios a seu bel-prazer,

sem que haja uma norma geral de caráter nacional

que estabeleça regras básicas de funcionamento. essa

é a conclusão que se pode chegar a partir da leitura

sistemática da parte final do § 15, do artigo 40, da

Constituição, quando exige a aplicação, no que cou-

ber, do artigo 202 do mesmo Diploma.

Observar o artigo 202 não significa aproveitar as

Leis Complementares nºs 108 e 109, de 2001, para

fins de nortear a previdência complementar do ser-

vidor efetivo e membro de Poder. tais normas não

fixam os parâmetros essenciais para a previdência dos

servidores, como, por exemplo, a portabilidade das

contribuições recolhidas aos regimes próprios de ou-

tros entes da Federação para a previdência comple-

mentar, tema de extrema complexidade, seja no plano

operacional, seja sob o ponto de vista político.

O PL 1992 não tem o condão de estabelecer nor-

mas gerais para toda a Federação e obrigar estados e

municípios na condução de suas escolhas quanto à

instituição ou não da previdência complementar dos

servidores públicos e membros de Poder.

assim sendo, padece de lógica e razoabilidade ju-

Page 31: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 31

rídica a tentativa de nortear a previdência do servidor

efetivo e membro de Poder pelas Leis Complementa-

res em comento.

entendemos que se a União insistir na aprovação

do PL 1992, qualquer fundo de previdência comple-

mentar criado com base nas Leis Complementares nº

108 e 109, de 2001, somente alcançará os servido-

res ocupantes de cargo em comissão dos três Poderes,

os agentes de saúde contratados sob a forma de em-

pregados públicos pela Fundação Nacional de saúde

(FUNasa), com base no § 4º, do artigo 198, da Cons-

tituição, além de outros ocupantes de cargos temporá-

rios no âmbito dos Poderes e órgãos da União.

enquanto não for editada uma lei complementar

específica, que atenda aos pressupostos dos artigos 40

e 202 da Constituição, os futuros servidores efetivos

e membros de Poder não poderão se sujeitar ao fundo

de previdência que decorrer do PL 1992.

aNFiP, associação Nacional dos auditores Fiscais da Previdência social. Previdência do serviço Público Brasileiro: Fundamentos e Limites das Propostas de reforma. aNFiP, agosto 2003. Disponível em: http://www.anfip.org.br/publicacoes/livros/includes/livros/arqs-swfs/prev_serv_publico_brasileiro.swf. acesso 16 out. 2011.

ÁviLa, Humberto Bergmann. sistema Constitucional tributário - 4ª ed. rio de Janeiro. saraiva: 2010.

________. teoria dos Princípios: da Definição à aplicação dos Princípios Jurídicos - 12ª ed. rio de Janeiro. saraiva: 2011.

BerNarDO, Leandro Ferreira; FraCaLOssi, William. Direito Previdenciário na visão dos tribu-nais - Doutrina e Jurisprudência - 2ª ed. 2010. edi-tora: método.

BertUOL, andré stefani; mOUra, aline teodoro; Pereira, Lucieni. tema em Debate. minuta de ante-projeto de Lei Orgânica da administração Pública & Projeto de Lei Complementar nº 92, de 2007. entida-de estatal de Direito Privado na administração Públi-ca – série Fundação estatal. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.sindilegis.org.br/edit/textos/arquplo-ad/ano2010/mes6/artigoLucieni-2010622112710.pdf. acesso 19 out. 2011.

BertUOL, andré stefani; meNeZes NetO, almir serra martins; mOUra, aline teodoro; Pereira,

REFERÊNCIAS

Lucieni. tema em Debate. Projeto de Lei nº 1.992, de 2007 – Propõe a instituição da Previdência Com-plementar dos servidores Públicos e membros de Poder. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.sindilegis.org.br/edit/peticao/arqupload/ano2011/mes7/PrevidenciaComplementarPL1992textoCon-junto4072011-20117420330.pdf. acesso 16 out. 2011.

BrasiL. ministério Público Federal. Fundação es-tatal. representação do Procurador da república da Procuradoria da república em santa Catarina. BertUOL, andré steffani. Florianópolis, sC, 13 nov. 2007. Disponível em: http://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/publicacoes-diversas/docs-publicados-2008/fundacao_estatal_prsc.pdf. acesso 19 out 2011.

CastrO, Carlos alberto Pereira de; LaZZari, João Batista. manual de Direito Previdenciário. 6 ed. são Paulo. editora Ltr: 2004.

CastrO, José Nilo de. Direito municipal Positivo. Belo Horizonte: Delrey: 1999.

COrreia, marcus Orione Gonçalves e COrreia, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da seguridade social. 4ª ed. são Paulo: saraiva, 2008.

COrreia, marcus Orione Gonçalves e COrreia, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da seguridade social. 4ª ed. são Paulo: saraiva, 2008.

Page 32: Tributação em Revista 60

32 triBUtaÇÃO em revista

COrreia, marcus Orione Gonçalves e COrreia, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da seguridade social. 4ª ed. são Paulo: saraiva, 2008.

DaLLari, Dalmo de abreu. apresentação. Funda-ções estatais: Proposta Polêmica. revista de Direito sanitário, são Paulo v. 10, n. 1 p. 71-80. mar/Jul. 2009.

FeLiCiaNO, Guilherme Guimarães. Nota técnica: Previdência Complementar para servidores Públi-cos (PL n. 1.992/2007). Brasília: anamatra, 2011. Disponível em: http://www.anfip.org.br/documen-tos/22083_085359.pdf. acesso 19 out 2011

iBraHim, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previ-denciário. 11. ed. rio de Janeiro: impetus, 2008.

REFERÊNCIAS

Pereira, Lucieni. Fundações estatais na Organiza-ção do estado Brasileiro. revista de Direito sanitá-rio, são Paulo v. 10, n. 1 p. 98-135. mar/Jul. 2009.

maXimiLiaNO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª edição, 2ª tiragem. rio de Janeiro: Forense, 1981.

________. Hermenêutica e aplicação do Direito, rio de Janeiro: 16ª ed. Forense, 1996.

tOrres, ricardo Lobo. Curso de direito financei-ro e tributário. 18 ed. rio de Janeiro. renovar. 2011.

WeiCHert, marlon alberto. Fundação estatal no serviço Público de saúde: inconsistências e incons-titucionalidades revista de Direito sanitário, são Paulo v. 10, n. 1 p. 81-97. mar/Jul. 2009

Page 33: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 33

a RTIGO

Previdência Complementar do Servidor Público:Análise do Projeto de Lei no 1.992/20071

Previdência social – rGPs, desde que haja a criação de um

fundo de previdência complementar do servidor público.

O Projeto de Lei nº 1.992/2007 (PL 1.992/07) de au-

toria do Poder executivo regulamenta o parágrafo 15, do

artigo 40 que determina a criação do regime de previdên-

cia complementar do servidor público, aplicando no que

couber, a previsão artigo 202 às entidades públicas de pre-

vidência complementar. este artigo prevê a instituição de

regime de previdência privada de caráter complementar e

facultativo:

art. 202. O regime de previdência privada, de cará-ter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

1. versão modificada da Nota técnica 22 do sindifisco Nacional, Previdência Complementar do servidor Público: análise do Projeto de Lei no 1992/2007.

2. advogada, assessora de Diretoria, Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional

3. advogada, assessora de Diretoria, Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional

4. economista e mestre em economia, Gerente de estudos técnicos do sindifisco Nacional

renata machado de araujo machado2 Áryna martins Dias rangel3

Álvaro Luchiezi Jr.4

1- Introdução

O artigo 40 da Constituição Federal assegura aos ser-

vidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídos

os órgãos da administração indireta, um regime previden-

ciário de caráter contributivo e solidário, cuja manutenção

contará com contribuições do respectivo ente público, dos

servidores ativos e inativos e, ainda, dos pensionistas, com

a observância de critérios que preservem equilíbrio finan-

ceiro e atuarial.

O parágrafo 14 do artigo 40 dispõe que os entes federa-

tivos supramencionados poderão fixar para o valor das apo-

sentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de

Previdência Próprio dos servidores Públicos – rPPs o mes-

mo teto estabelecido para os benefícios do regime Geral de

Page 34: Tributação em Revista 60

34 triBUtaÇÃO em revista

a exposição de motivos5 da aludida proposição le-

gislativa destaca que o intuito da pretensa legislação é

dar continuidade à reforma previdenciária iniciada pela

emenda Constitucional nº. 41/2003, viabilizar “a recom-

posição do equilíbrio da previdência pública” e garantir

“sua solvência no longo prazo, isto é, a existência dos

recursos necessários ao pagamento dos benefícios pac-

tuados”.

a exposição de motivos também afirma que a criação

da Previdência Complementar dos servidores Públicos

“reduzirá a pressão sobre os recursos públicos crescen-

temente alocados à previdência, permitindo recompor

a capacidade de gasto público em áreas essenciais à re-

tomada do crescimento econômica e em programas so-

ciais”.

Outro argumento utilizado é que o PL 1.992/07 “via-

biliza uma nova configuração dos dispêndios e obriga-

ções futuras da União para com seus servidores e permite

a construção de um modelo de previdência sustentável”.

O Poder executivo também sustenta que a criação

do regime de Previdência Complementar do servidor

Público “permitirá uma desoneração de obrigações da

União de modo gradual, visto que os valores dos benefí-

cios superiores ao teto do rGPs deverão advir do sistema

complementar, e não mais do tesouro”.

assim, um dos pilares da proposição em análise seria

uma suposta desoneração das obrigações previdenciárias

da União, posto que tal ente patrocinará as contribui-

ções do regime Próprio de Previdência social - rPPs até

o valor do teto do rGPs, criando também uma suposta

isonomia entre os servidores públicos e os trabalhadores

da iniciativa privada.

O presente artigo identifica e discorre as ilegalida-

des, omissões e impropriedades contidas no bojo do PL

1.992/07, razões suficientes para não recomendar a sua

aprovação.

2- A Fundação de Previdência Complementar do Ser-

vidor Público – FUNPRESP

Os planos de previdência complementar visam um

acréscimo na renda do aposentado, com intuito de asse-

gurar uma existência digna e à manutenção do padrão de

vida para aqueles que não estão mais em pleno gozo de

sua capacidade de trabalho, conforme ensina eduardo ta-

naka:

Como o próprio nome diz, vem complementar os valores a serem recebidos no futuro. É como uma aplicação financeira na qual o dinheiro depositado vai sendo capitalizado, rendendo juros, e, no futuro, conforme a legislação, pode-se retirá-lo integralmen-te ou obtê-lo em forma de provento mensal vitalício, de modo a proporcionar um melhor padrão de vida e uma aposentadoria mais confortável6.

existem três tipos de planos de previdência comple-

mentar: a) benefício definido, b) contribuição definida e

c) híbridos. No Brasil, é mais comum a adoção dos tipos

benefício definido e contribuição definida.

sobre as características dos planos de previdência

complementar, Wladimir Novaes martinez explicita:

em linhas gerais, no plano de benefício definido, antecipadamente sabe-se o valor das prestações, to-davia, no de contribuição definida esta é conhecida, mas não o nível daquelas mensalidades. só ao final do processo, o segurado tem conhecimento de quan-to vai receber mensalmente7 .

a criação da Fundação de Previdência Complementar

do servidor Público – FUNPresP, prevista no PL 1.992/07

surge para facultar aos servidores públicos titulares de car-

gos efetivos a complementação da renda de aposentadoria,

caso os entes federados já mencionados equiparem o limi-

te das aposentadorias e pensões dos referidos servidores

ao teto do regime Geral de Previdência social – rGPs.

Contudo o PL 1.992/07 está permeado de entraves

para que a FUNPresP alcance sua função precípua: ga-

5. exposição de motivos interministerial emi nº 00097/2007/mP/mPs/mF.

6. taNaKa, 2009, p. 49

7. martiNeZ, 2010, p. 1.410

Page 35: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 35

rantir a complementação da aposentadoria.

a seguir serão demonstradas algumas impropriedades

contidas no PL 1.992/07 que acarretam total insegurança

para os servidores públicos afetados pela criação da FUN-

PresP.

2.1- Natureza Jurídica

O principal ponto acerca da natureza jurídica da FUN-

PresP resume-se na seguinte questão: a Constituição

Federal8 determina que a previdência complementar dos

servidores públicos seja gerida por entidades fechadas de

previdência complementar de natureza pública. (grifos

nossos)

entretanto o parágrafo único, do artigo 4º9, do PL

1.992/07 prevê que a FUNPresP terá personalidade jurí-

dica de Direito Privado.

Numa tentativa de atender à exigência constitucional,

o artigo 8º do PL 1.992/07 dispõe que a FUNPresP deve-

rá realizar concurso público para a contratação de pessoal;

observar a Lei nº 8.666/1993 e publicar seus demonstra-

tivos contábeis, atuariais, financeiros e de benefícios, na

forma da Lei Complementar nº 108/2001, que trata das

entidades privadas de previdência complementar, e da Lei

Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o regime

de Previdência Complementar.

Contudo a mera submissão da FUNPresP às normas

de licitações, de contratação de pessoal e a publicação de

dados financeiros, contábeis e atuariais não atende plena-

mente a exigência constitucional.

O Poder executivo alega que a opção pela instituição

de uma fundação nos moldes acima citados não ofende a

previsão contida na Constituição Federal pois esta não im-

plica na obrigatoriedade de criar uma autarquia lato sensu,

mas apenas que a FUNPresP deva se submeter às nor-

mas aplicáveis aos fundos de pensão já existentes. assim,

à Fundação aplicar-se-iam as mesmas normas de controle

e o mesmo regime jurídico das empresas estatais.

a criação de um fundo de pensão com natureza jurídi-

ca privada que apenas se submete a alguma das obrigações

próprias das entidades públicas não respeita a clareza e a

literalidade da disposição contida no parágrafo 15, supra-

citado.

a Constituição Federal, ao determinar que a natureza

jurídica da entidade fechada de previdência complemen-

tar prevista no parágrafo 14, do artigo 40, seja pública,

objetivou garantir transparência e segurança na utilização

dos recursos públicos em total observância ao princípio

da supremacia do interesse público. a presença de entes

públicos como patrocinadores obriga à observância inte-

gral de ditames legais que protegem o interesse público e

delimitam o campo de atuação dos tomadores de decisões.

Neste sentido, frisa-se que supremacia do interesse pú-

blico é compreendida pela doutrina como o conjunto de

prerrogativas e sujeições que vinculam a atividade admi-

nistrativa do estado. O ordenamento faculta a fruição de

benesses, mas impõe limites com intuito de garantir que a

atividade estatal não se desvie de sua finalidade precípua:

promover o bem-estar social através da consecução de po-

líticas públicas.

assim, a administração Pública possui o dever-poder10

de desempenhar suas funções com estrita observância a

preceitos jurídicos que traduzam a supremacia do interes-

8. BrasiL, Constituição da república Federativa do Brasil, 1988. artigo 40, § 15: art. 40. aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida.

9. art. 4o. Fica a União autorizada a criar, em ato do Poder executivo, a entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complemen-tar do servidor Público Federal - FUNPresP, com a finalidade de administrar e executar plano de benefícios de caráter previdenciário, nos termos das Leis Complementares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001. Parágrafo único. a FUNPresP será estruturada na forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia administrativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no Distrito Federal.

10. meLLO, 2006, p. 61, acertadamente sustenta que “tendo em vista este caráter de assujeitamento do poder a uma finalidade instituída no interesse de todos – e não da pessoa exercente do poder-, as prerrogativas da administração não devem ser vistas ou denominadas como “poderes” ou como “poderes-deveres”. antes se qualificam e me-lhor se designam como “deveres-poderes”, pois nisto se ressalta sua índole própria e se atrai atenção para o aspecto subordinado do poder em relação ao dever, sobressaindo, então, o aspecto finalístico que as informa, do que decorrerão suas inerentes limitações”.

Page 36: Tributação em Revista 60

36 triBUtaÇÃO em revista

se público. tais preceitos se encontram balizados na Cons-

tituição Federal, destacando-se para a presente análise o

artigo 37.

este artigo constitucional determina, entre outras pre-

visões, que a atividade administrativa deverá observar o

princípio da legalidade o qual determina a subsunção da

administração Pública às leis vigentes.

Contudo, para que haja a presunção de legalidade e

legitimidade da atuação administrativa, o processo legis-

lativo – criador dos limites à atuação do estado –, deve

observar as disposições constitucionais sob pena, obvia-

mente, de incorrer em vício de constitucionalidade.

ao eivar-se de vício decorrente da inobservância de

preceito constitucional – no caso, instituir a FUNPresP

com personalidade jurídica de direito privado, afrontando

o disposto no parágrafo 15, do artigo 39, da Constituição

Federal –, o PL 1.992/07 já torna maculada a criação da

referida Fundação. todos os atos normativos devem obe-

diência obrigatória à Constituição Federal. a vontade do

poder constituinte derivado não pode, por conseguinte,

ser modificada quando da edição de lei que regulamenta

mandado constitucional.

2.2- Delegação de Funções à Entidade Privada (“Ter-

ceirização”)

além da já mencionada inconstitucionalidade na cria-

ção da FUNPresP, o PL 1.992/07 também prevê, em seu

artigo 15, outra questão controvertida no que tange à Fun-

dação de Previdência Complementar do servidor Públi-

co: o repasse da administração dos recursos garantidores,

provisões e fundos dos planos de benefícios a instituições

autorizadas pela Comissão de valores mobiliários – Cvm

para o exercício da administração de carteira de valores

mobiliários.

O citado artigo determina a observância dos artigos 10

e 13, incisos i, iii e iv, da Lei Complementar nº 108/2001.

segundo estes dispositivos, o Conselho Deliberativo da

FUNPresP permanecerá no comando da definição da

política geral de administração da entidade e dos planos

de benefícios, da gestão de investimentos e do plano de

aplicação de recursos, bem como deverá autorizar inves-

timentos que envolva valores iguais ou superiores a cinco

por cento dos recursos garantidores.

a este respeito, é imprescindível elucidar algumas dis-

posições pertinentes à organização das entidades de pre-

vidência complementar contidas na Lei Complementar nº

109/2001, que regulamenta todo o regime de Previdência

Complementar.

O artigo 31 da Lei Complementar nº 109/2001 define

o que são as entidades fechadas de previdência comple-

mentar:

art. 31. as entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fis-calizador, exclusivamente:i - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entes denomina-dos patrocinadores; eii - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denomi-nadas instituidores.§ 1o as entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lu-crativos.§ 2o as entidades fechadas constituídas por institui-dores referidos no inciso ii do caput deste artigo de-verão, cumulativamente: i - terceirizar a gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provi-sões mediante a contratação de instituição especia-lizada autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou outro órgão competente;ii - ofertar exclusivamente planos de benefícios na modalidade contribuição definida, na forma do pará-grafo único do art. 7o desta Lei Complementar.

Daí infere-se que as entidades fechadas de previdência

complementar são compostas exclusivamente por deter-

minado “nicho” de trabalhadores e empregadores.

se aprovado o PL 1.992/07, a FUNPresP será inicial-

mente composta pelas carreiras federais e patrocinada, cla-

ro, pela União Federal. encaixa-se, portanto, na hipótese

prevista no inciso i do artigo transcrito, qual seja, entidade

fechada de previdência complementar destinada a grupo

específicos de trabalhadores.

assim sendo, a obrigatoriedade de terceirização da ges-

tão dos recursos garantidores das reservas técnicas e pro-

visões não se aplica à FUNPresP, o que leva à conclusão

Page 37: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 37

de que a previsão contida no artigo 15, do PL 1.992/07,

é equivocada.

a reforma Previdenciária encabeçada pelas emendas

Constitucionais nº 20/1998 e nº 41/2003 determinou ex-

pressamente que a regulamentação das entidades de pre-

vidência complementar seria feita por Lei Complementar.

assim, em atendimento ao comando constitucional conti-

do no artigo 202, foram elaboradas as Leis Complemen-

tares nº 108/2001 e 109/2001, que são as normas aptas

a regulamentar o referido artigo da Constituição Federal.

O PL 1.992/07 afronta o disposto no artigo 31 da Lei

Complementar nº 109/2001 ao determinar a “terceiriza-

ção” da gestão dos recursos garantidores das reservas téc-

nicas e provisões.

Desta forma, não poderia Lei Ordinária superveniente

contrariar as disposições contidas em Lei Complementar,

emanadas de previsão constitucional, como pretende o PL

1.992/07.

acerca de tal assunto, colacionam-se os ensinamentos

de Gilmar Ferreira mendes11:

a lei ordinária que destoa da lei complementar é in-constitucional por invadir a âmbito normativo que lhe é alheio, e não por ferir o princípio de hierarquia das leis. Por outro lado, não será inconstitucional a lei ordinária que dispuser em sentido diverso do que estatui um dispositivo de lei complementar que não trata de assunto próprio de lei complementar. O dis-positivo da lei complementar, no caso, vale como lei ordinária e pode-se ver revogado por regra inserida em lei ordinária. Nesse sentido é a jurisprudência do stF.

este entendimento também é corroborado pela juris-

prudência do supremo tribunal Federal: matéria reserva-

da à Lei Complementar pelo texto constitucional não pode

ser alterada por Lei Ordinária, sob pena de inconstitucio-

nalidade12.

Por previsão expressa do artigo 202 da Constituição

Federal, cabe à Lei Complementar nº 109/2001 regula-

mentar a matéria prevista no artigo 15, do PL 1.992/07

o qual, por esta razão, incorre em grave inconstituciona-

lidade.

2.3- Deficiente Regulamentação da Composição dos

Órgãos Deliberativos da FUNPRESP

No que diz respeito à organização da FUNPresP, o

artigo 5º do PL 1.992/07 é reducionista em relação aos

direitos estabelecidos na Lei Complementar nº 108/2001,

pois não define com clareza: os critérios de escolha dos

dirigentes; a forma de participação dos servidores públi-

cos federais; a paridade essencial para a administração da

Fundação.

Da forma como está, o texto do PL 1.992/07 não ga-

rante segurança aos servidores públicos e também não

leva em consideração o vasto rol de carreiras abarcadas

pela proposição de instituição da FUNPresP.

a aplicação subsidiária da Lei Complementar nº

108/2001 não é suficiente para regular a relação entre a

FUNPresP e os servidores públicos federais, justamente

em decorrência da natureza jurídica da relação tutelada.

a Lei Complementar nº 108/2001 regula as entidades

de previdência complementar de natureza privada e, por

esta razão, não se presta para regular a previdência com-

plementar dos servidores públicos.

sendo assim, os servidores correm o risco de não se-

rem representados corretamente, pois a legislação que

regeria essa relação – a Lei Complementar nº 108/2001

– é omissa a este respeito.

3- Adesão aos Planos de Benefícios da FUNPRESP.

Outro ponto que merece destaque no PL 1.992/07 é

o prazo para adesão ao regime de previdência comple-

mentar instituído pela FUNPresP.

O parágrafo 6º13, do artigo 3º, dispõe que o prazo

para adesão ao regime de Previdência Complementar

11. meNDes, COeLHO e BraNCO, 2008. p. 883

12. stF, 2006. em sentido análogo, stF, 2008.

13. § 6o O prazo para a opção de que trata o inciso ii do caput deste artigo será de cento e oitenta dias, contados a partir da data do início do funcionamento da entidade de que trata o art. 4o desta Lei.

Page 38: Tributação em Revista 60

38 triBUtaÇÃO em revista

será de 180 dias, contados a partir da data do início do

funcionamento da FUNPresP.

este prazo é demasiadamente exíguo para que o ser-

vidor analise a relação custo/benefício decorrente de sua

adesão, pois ela poderá implicar em sérias limitações à

manutenção do servidor quando da sua aposentadoria.

ademais, ela será irreversível e irrevogável nos termos

do parágrafo 7º, do artigo 3º14.

Há que se considerar, também, que a viabilidade do

projeto é incerta e, por esta razão, a adesão não poderia

implicar em renúncia irreversível e irrevogável aos di-

reitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores.

impor unilateralmente a obrigatoriedade de abrir

mão de tudo aquilo que o servidor pagou acima do li-

mite do rGPs, sem qualquer contraprestação, além de

imoral, configura um verdadeiro enriquecimento sem

causa ou enriquecimento ilícito do estado, situação tan-

tas vezes rechaçada por nossos tribunais, como se veri-

fica da leitura do acórdão abaixo transcrito:

aÇÃO De COBraNÇa. saQUe iNDeviDO De DePÓsitO De FGts. aUsÊNCia De CONtrO-versia a resPeitO DO saQUe iNDeviDO. re-CUrsO imPrOviDO. 1. É imperioso que ocorra a devolução dos valores que a apelante recebeu a maior indevidamente, sob pena de configurar verdadeiro enriquecimento sem causa. 2. Nessa matéria vigora o tradicional princípio de que todo enriquecimento sem causa jurídica e que acarrete como conseqüência o empobrecimento de outrem induz obrigação de restituir em favor de quem se prejudica com o pagamento 3. apelo improvido. (grifos nossos)15

O entendimento jurisprudencial e doutrinário já se-

dimentado no País, mostra que, juridicamente, o esta-

do, não pode, sem sombra de dúvidas, apropriar-se de

recursos dos administrados. Há, assim, grave impreci-

são técnica contida no parágrafo 7º, do artigo 3º, do PL

1.992/07.

ainda cabe elucidar que, em decorrência da posição

de supremacia do estado, os servidores públicos se en-

contram em situação de hipossuficiência, sujeitando-se

às imposições unilaterais do estado sem qualquer pos-

sibilidade de negociação, condição esta que decorre das

particularidades que envolvem o regime jurídico admi-

nistrativo.

maria silvia Zanella Di Pietro16 disserta com precisão

sobre o regime jurídico administrativo:

O Direito administrativo nasceu sob a égide do estado liberal, em cujo seio se desenvolveram os princípios do individualismo em todos os aspec-tos, inclusive o jurídico; paradoxalmente, o regime administrativo traz em si traços de autoridade, de supremacia sobre o individuo, com vistas à conse-cução de fins de interesse geral.Garrido Falla (1962:44-45) acentua esse aspecto. em suas palavras, “é curioso observar que fosse o próprio fenômeno histórico-político da revolução Francesa o que tenha dado lugar simultaneamen-te a dois ordenamentos distintos entre si: a ordem jurídica individualista e o regime administrativo. O regime individualista foi se alojando no campo do direito civil, enquanto o regime administrativo formou a base do direito público administrativo”.assim, o Direito administrativo nasceu e desen-volveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do estado de Direito; de outro lado, a de necessidade de satisfação dos in-teresses coletivos, que conduz à outorga de prerro-gativas e privilégios para a administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos indivi-duais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços pú-blicos.Daí a bipolaridade do Direito administrativo: li-berdade do individuo e autoridade da administra-ção; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se a administração Pública à ob-servância da lei e do direito (incluindo princípios e valores previstos explícita ou implicitamente na Constituição); é aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autori-dade da administração Pública, necessária à con-secução de seus fins, são-lhe outorgados prerro-gativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular.isto significa que a administração Pública possui

14. § 7o a opção a que se refere o inciso ii deste artigo implica renúncia irrevogável e irretratável aos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores, não sendo devida pela União, suas autarquias e fundações qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo.

15. ParaNÁ (estado), 2007, apud GONÇaLves, 2004, p. 580

16. Di PietrO, 2010. p. 63

Page 39: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 39

prerrogativas ou privilégios, desconhecidos na es-fera do direito privado, tais como a autoexecuto-riedade, a autotutela, o poder de expropriar, o de requisitar bens e serviços, o de ocupar tempora-riamente o imóvel alheio, o de instituir servidão, o de aplicar sanções administrativas, o de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, o de impor medidas de polícia. Goza, ainda, de determinados privilégios como a imunidade tributária, prazos di-latados em juízo, juízo privativo, processo especial de execução, presunção de veracidade de seus atos. (grifos no original)

Observa-se, assim, que o servidor público também

está subjugado à supremacia dos interesses do estado

nas relações laborais e é, neste sentido, hipossuficiente.

ante esta peculiaridade, os interesses das classes afe-

tadas deveriam ser levados em consideração para a ela-

boração e conclusão dos processos políticos decisórios

implicantes em modificações substanciais nos regimes

laborais estatais.

Por meio de gestão política é possível alterar a tu-

tela dos interesses coletivos para tutela de interesses

setoriais. É fundamental para se chegar a este estado

que os interessados sejam ouvidos, bem como partici-

pem dos processos decisórios que impliquem em alte-

rações substanciais de direitos coletivos tendo em vista

a posição suprema, pelo menos inicial, das decisões do

estado.

a irreversibilidade e a irrevogabilidade da adesão,

bem como a renúncia de direitos prevista no texto do

PL 1.992/07 são temerárias. aos servidores que desco-

nhecem ou que possuem baixo domínio sobre assuntos

vinculados aos regimes de aposentadoria, que e optarem

por um dos planos oferecidos pela FUNPresP, não é

dada a possibilidade de arrependimento se esta opção

pela se mostrar desvantajosa.

Portanto, além de ser impositivo e arbitrário, o texto

do PL 1.992/07 terá implicações concretas aferíveis ape-

nas em longo prazo e, caso o optante conclua pela des-

vantagem na adesão, não terá como reverter sua decisão,

o que inviabilizará qualquer possibilidade de o servidor

adequar e vincular sua realidade econômica ao tempo de

sua aposentadoria.

4- Diversidade de Carreiras Abarcadas pela FUN-

PRESP

O artigo 2º do PL 1.992/07 classifica como partici-

pante da FUNPresP o servidor público titular de cargo

efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive

o membro do Poder Judiciário, do ministério Público e

do tribunal de Contas da União (artigo 1º, caput) e dos

patrocinadores que manifestarem interesse em aderir à

FUNPresP (estados, Distrito Federal e municípios, in-

clusive autarquias e fundações).

tais disposições revelam que a FUNPresP terá o

caráter de um fundo multipatrocinado. Com isso, ela

ficará na dependência de uma relação harmoniosa en-

tre os diversos patrocinadores, tanto dos Poderes Fe-

derais (executivo, Legislativo e Judiciário) quanto dos

demais entes da federação. Não há garantia em relação

aos possíveis conflitos de entendimento sobre a gestão

da Fundação, que poderá colocar em risco os benefícios

futuros dos participantes.

assim, a Fundação pretende abarcar servidores titu-

lares efetivos de cargos e carreiras distintas com níveis

diferenciados de atribuições e responsabilidades no ser-

viço público que percebem remunerações distintas.

Devido à complexidade e diferenças nas carreiras de ser-

vidores públicos e às matizes de interesses das corporações,

o funcionamento de uma única instituição de previdência

complementar enfrentará enormes dificuldades para conci-

liar as reivindicações afetas às carreiras abarcadas.

O nível de complexidade aumenta ao colocar na

mesma situação os servidores de todos os Poderes Fe-

derais e, ainda, permitir a inclusão de funcionários dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios. até hoje,

por exemplo, não há consenso para um tratamento iso-

nômico entre as remunerações dos diferentes Poderes.

entretanto, a exposição de motivos que encaminha o

PL 1.992/07 menciona o benefício da economia de es-

cala para estados, Distrito Federal e munícipios que

aderirem ao um dos planos de benefícios da FUNPresP,

posto que a criação de fundos próprios por estes entes

seria ineficiente.

Page 40: Tributação em Revista 60

40 triBUtaÇÃO em revista

a maior parte das carreiras públicas federais é es-

truturada com salários inferiores ao teto do rGPs, ou

seja, gerariam um volume de recursos relativamente

baixo para permitir uma gestão eficiente do ponto de

vista financeiro, sem contar que a sua gestão geraria

“custos adicionais decorrentes da necessidade de su-

pervisão e controle17”. esta assertiva é tão verdadeira

quanto também é o fato de que a FUNPresP assumiria

tais ineficiências.

ressalte-se que os servidores, principalmente es-

taduais e municipais, com remunerações inferiores ao

teto do rGPs, teriam estímulo muito maior para ade-

rirem à FUNPresP do que aqueles com remunerações

superiores ao teto. sendo este o caso, então, a entidade

já nascerá com seu potencial reduzido do ponto de vista

da administração financeira, o que poderá implicar em

“gargalos” futuros.

Destaque-se, ainda, que se o PL 1.992/07 for apro-

vado passarão a existir quatro regimes diferentes de

aposentadoria.

O primeiro, que contará com paridade e integrali-

dade, é o regime de previdência destinado àqueles ser-

vidores que se aposentaram até o ano de 2003, antes,

portanto, da vigência da emenda Constitucional nº 41.

O segundo regime, que não terá paridade nem inte-

gralidade, será fruído por aqueles que se aposentarem

entre a edição da emenda Constitucional nº. 41/2003

e a instituição do regime de previdência complementar.

Os servidores aposentados por este regime contribuí-

ram com onze por cento de seu salário integral e, mes-

mo assim, não fruirão de uma aposentadoria integral e

paritária.

Já o terceiro regime será aquele instituído após a

criação da Previdência Complementar e contará com os

servidores que contribuirão com o percentual de 11%

de seus vencimentos até o limite do regime Geral de

Previdência social, ou seja, serão os servidores que re-

ceberão, em regra, o valor da aposentadoria do regime

geral.

O último regime de previdência do servidor públi-

co será criado com a aprovação do PL 1.992/07 e será

composto pelos servidores que ingressarem no serviço

público após o início da vigência da FUNPresP e pelos

servidores optantes pela adesão ao regime complemen-

tar.

assim, percebe-se nitidamente a criação de trata-

mentos diferenciados para os servidores das mesmas

carreiras, afrontando a unicidade necessária à manuten-

ção da coesão no desempenho das atividades federais,

principalmente no que diz respeito à execução das ati-

vidades típicas de estado.

Não obstante a disposição contida na Constituição

Federal e que extinguiu a isonomia de vencimentos para

cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo

Poder ou entre servidores de um dos três Poderes, há

que se considerar que o direito à isonomia previsto no

artigo 5º, caput e inciso 1º da Constituição Federal ain-

da prevalece, razão pela qual se conclui pela viabilidade

de pleitear igualdade nas regras previdenciárias.

Por tal razão, considera-se que o PL 1.992/07 acar-

reta dificuldades na consecução e atendimento de an-

seios de todas as classes de servidores titulares de car-

gos efetivos, além de obstar a possibilidade de alcance

da desejável isonomia.

5- Benefício Especial

Para atrair os atuais servidores ao novo regime de

previdência, os parágrafos 1º, 2º e 3º, do artigo 3º, do

PL 1.992/07 asseguram o pagamento de um “benefício

especial”.

este benefício especial será equivalente à diferença

entre a média aritmética simples de até 65 remunera-

ções devidamente atualizadas e anteriores à data de

opção, consideradas as parcelas utilizadas como base

de cálculo para as contribuições do servidor ao regime

de previdência até então vigente e o limite do teto de

benefícios do rGPs, multiplicado pelo fato de con-

versão.

17. BrasiL. ministério do Planejamento, ministério da Previdência social, ministério da Fazenda, 2011, § 20.

Page 41: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 41

O fator de conversão, cujo resultado é limitado ao

máximo de 1, será calculado mediante a aplicação da

seguinte fórmula:

Onde:

FC = fator de conversão;

tc = quantidade de contribuições mensais efetuadas

para o regime de previdência da União de que trata o art.

40 da Constituição, efetivamente pagas pelo servidor ti-

tular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder

Judiciário, do Poder Legislativo, do tribunal de Contas e

do ministério Público da União até a data de opção;

tt = 455, quando servidor titular de cargo efetivo da

União ou membro do Poder Judiciário, do Poder Legis-

lativo, do tribunal de Contas e do ministério Público da

União do sexo masculino, ou 390, quando servidor titular

de cargo efetivo da União ou membro do Poder Judiciário,

do Poder Legislativo, do tribunal de Contas e do ministé-

rio Público da União do sexo feminino.

a instituição desse fator é discriminador com as servi-

doras públicas, pois a contribuição das mulheres ao siste-

ma de previdência em vigor é realizada por um período de

30 anos, nos termos da alínea “a”, inciso iii, artigo 40 da

Constituição Federal.

O denominador na fórmula “FC” é resultante do cál-

culo do período de contribuições dos servidores do sexo

masculino para o atual regime, pois 455/13 (quantidade

de contribuições por ano) é igual a 35 anos. assim, para

que uma servidora consiga gozar o mesmo benefício espe-

cial do seu colega servidor (homem) terá que contribuir e,

portanto, permanecer trabalhando, por mais cinco anos.

a solução poderia ser a criação de uma regra específica

que respeite a contribuição previdenciária da mulher pre-

vista na Constituição Federal.

a instituição de um benefício especial é a forma de

assegurar a transição do modelo previdenciário (regime

Próprio de Previdência social) para a aposentadoria via

fundo de previdência complementar, por meio do paga-

mento de um benefício proporcional ao tempo de contri-

buição e de remuneração dos servidores ativos.

O pagamento do benefício especial será feito pelo ór-

gão competente da União por ocasião da concessão da

aposentadoria, atualizado pelo Índice de Preços ao Con-

sumidor amplo (iPCa) do iBGe, acabando com qualquer

vinculação com a remuneração dos servidores ativos.

assim, os atuais servidores que fizerem a opção de mi-

grar para a FUNPresP terão direito, na sua aposentadoria,

a três tipos de benefícios: um benefício equivalente ao teto

do rGPs, um benefício especial e mais a renda.

6- Plano de Benefícios

O plano de benefícios de caráter previdenciário na mo-

dalidade benefício definido é aquele cujos benefícios pro-

gramados têm o seu valor ou nível previamente estabeleci-

do, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a

assegurar sua concessão e manutenção, nos termos da re-

solução CGPC nº. 16, de 22/11/200518. Ou seja, nesta mo-

dalidade o participante sabe a priori qual o valor futuro do

seu benefício, devendo ajustar suas contribuições ao longo

do período de forma a assegurar, com base em cálculos atu-

ariais, a sua renda de aposentadoria. trata-se de um patri-

mônio coletivo no plano de benefícios do fundo de pensão.

No plano de benefícios de caráter previdenciário na

modalidade de contribuição definida, os benefícios pro-

gramados têm seu valor permanentemente ajustado ao sal-

do de conta mantido em favor do participante, inclusive

na fase de percepção, considerando o resultado líquido de

sua aplicação, os valores aportados e os benefícios pagos19.

Portanto, nesta modalidade, o plano previdenciário é uma

conta individual de cada participante no fundo de pensão,

ficando indefinido o valor do benefício, que estará sujeito

às oscilações dos mercados financeiros nos seus diferentes

segmentos (renda fixa, variável, investimentos imobiliá-

rios e outros).

Uma conseqüência deste tipo de plano de benefícios

é a incerteza do período de recebimento dos benefícios

18. BrasiL. ministério da Previdência social, 2005

19. id, ibd.

Page 42: Tributação em Revista 60

42 triBUtaÇÃO em revista

programados, pois a aposentadoria não será mais vitalícia.

Como se trata de uma conta individual, a qual o parti-

cipante acumulou durante um determinado período do

tempo, ele fará a opção pela quantidade de parcelas em

que deseja receber seu benefício, quando se aposentar. as-

sim, por exemplo, se um servidor se aposentar com 65

anos fazendo a opção de receber sua aposentadoria em

130 parcelas (10 anos), de acordo com uma expectativa de

vida de 75 anos, não mais terá direito ao recebimento de

benefício caso permaneça vivo após esta idade, pois terá

zerado sua conta de previdência complementar.

acerca das desvantagens de planos de previdência

complementar na modalidade de contribuição definida,

Wladimir Novaes martinez20 explica:

Na contribuição definida, a maior desvantagem para o titular é, quando de sua aposentação, a possibili-dade de seu capital acumulado mais a rentabilidade do sistema não serem capazes de atendê-los, isto é, as contribuições pessoais e patronais e o resultado das inversões serem insuficientes para a manutenção do patamar das mensalidades de pagamentos conti-nuado. O segurado só tem o pessoalmente poupado e o desembolsado pelo empregador, devendo servir--se de aportes de outros trabalhadores (mutualismo), quando sobreviver além do atuarialmente estimado.

a conseqüência será uma enorme incerteza para o fu-

turo de milhares de servidores. Uma forma de atenuar essa

incerteza será a contratação, durante a fase de percepção

dos benefícios programados, de um plano de renda vita-

lícia. Para tanto, o artigo 19, do Projeto de Lei diz que

“o assistido poderá transferir as reservas constituídas em

seu nome para entidade de previdência complementar

ou companhia seguradora autorizada a operar planos de

previdência complementar, com o objetivo específico de

contratar plano de renda vitalícia (...)”.

a previsão em voga destaca eventuais instabilidades

e prejuízos que o regime de Previdência Complementar

do servidor Público poderá acarretar aos seus beneficiá-

rios, pois a incerteza na percepção da renda, quando da

aposentadoria decorrente da modalidade de contribuição

definida, faculta ao segurado a transferência de seus inves-

timentos a um plano de previdência complementar que

lhe assegure a fruição de sua aposentadoria em estrita con-

formidade com seu planejamento de vida.

7- Impossibilidade de Equiparação entre os Servido-

res Públicos e os Trabalhadores da Iniciativa Privada

Os servidores que ingressarem no serviço Público Fe-

deral após a instituição da FUNPresP receberão da União

apenas o benefício de aposentadoria limitado ao teto do

regime de Geral da Previdência social (r$ r$ 3.691,74

a partir de janeiro de 201121). Com isso o governo tenta

estabelecer uma isonomia entre os trabalhadores do se-

tor público e do setor privado, apesar de todas as diferen-

ciações existentes na Constituição Federal e na legislação

trabalhista. Para receber um benefício acima do teto do

rGPs, o servidor deverá aderir a um dos planos da FUN-

PresP.

a Previdência do setor público apresenta-se, na Cons-

tituição Federal, no capítulo que discorre sobre a orga-

nização do estado e não no da seguridade social, como

ocorre com os demais trabalhadores. isso porque a car-

reira pública tem especificidades que a distinguem do se-

tor privado. ao servidor público cabe agir em nome do

estado, representando-o na aplicação das políticas sociais

públicas e no atendimento à população. seu regime de

contratação não é trabalhista e sim administrativo e, como

tal, tem regras fixadas em lei de forma unilateral.

entre as especificidades do regime jurídico do servidor

público destacam-se: não se submete à legislação traba-

lhista; não tem direito ao FGts; está sujeito às exigências

de dedicação exclusiva ao serviço público e a códigos de

conduta que transcendem a própria atividade e a aposen-

tadoria é acessível mediante regras definidas também de

forma unilateral, bem como tem características diferencia-

das da do regime Previdenciário Geral.

Nesse sentido, o regime próprio dos servidores deve

ser compreendido na lógica da manutenção da estrutura

20. martiNeZ, 2010, p. 1413

21. BrasiL, ministério da Previdência social e ministério da Fazenda, 2011.

Page 43: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 43

do estado, pois é interesse da sociedade preservar condi-

ções adequadas de funcionamento da máquina pública.

8- Conclusão

a análise realizada no decorrer do presente estudo mos-

trou que há diversas lacunas e questionamentos de ordem

legal envolvendo o Projeto de Lei nº. 1.992/2007, os quais

geram dúvidas e insegurança aos servidores públicos.

Primeiramente, destaca-se que o PL 1.992/2007 traz

nítida incompatibilidade entre as motivações que levaram

o Poder executivo a apresentá-lo e o verdadeiro impacto

econômico e social decorrente da instituição da Funda-

ção de Previdência Complementar do servidor Público –

FUNPresP.

em termos econômicos e financeiros não haverá redu-

ção de despesas para o governo a curto e médio prazos.

Primeiramente porque, de acordo com o artigo 26 do PL

1.992/07, a União poderá aportar até cinquenta milhões

de reais a título “adiantamento de contribuições futuras,

necessário ao regular funcionamento inicial da entidade”.

Uma considerável despesa, sem retorno imediato. em

segundo lugar, porque a União deixaria de contar com a

contribuição do servidor público no valor que excedesse

ao teto do iNss e teria de obrigatoriamente aportar recur-

sos equivalentes.

Deste ponto de vista, a lógica que permeia a constitui-

ção da FUNPresP é perversa. senão, vejamos.

O Governo Federal defronta-se com a administração

de uma dívida pública crescente e, para honrar seus com-

promissos, paga altíssimos juros pelos títulos da dívida

que emite. em agosto de 2011 a dívida líquida total do

Governo Federal atingiu a casa dos 1,1 trilhões de reais

(28,1% do PiB), com um crescimento de 9,1% em doze

meses e mediante o pagamento de uma taxa média de ju-

ros nominal acumulada em doze meses de 12,3%22.

Os títulos da dívida pública são negociados no mercado

financeiro. Os recursos garantidores da FUNPresP tam-

bém serão aplicados no mercado financeiro, mais especifi-

camente em fundos de investimento contratados por meio

de licitações, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 15.

assim, recursos públicos e dos servidores públicos

serão direcionados para estes fundos de investimento,

controlados por instituições do mercado financeiro, que

investirão nos papéis seguros emitidos pelo próprio gover-

no, os títulos da dívida pública. recursos públicos e de

servidores serão reemprestados ao próprio governo, o qual

pagará juros altos por isso.

Cabe, então, indagar: quais são os interesses que movem

o governo a promover esta irracionalidade, transferindo a

fundos de investimento privados recursos para especular

com a dívida pública?; por quê a terceirização da adminis-

tração dos recursos?; por quê a Fundação não poderá ad-

ministrar os recursos com seu próprio quadro técnico, ao

invés de contratar fundos de investimento privados?; e, por

quê a necessidade de pagar “pedágio” (taxa administrativa)

ao sistema financeiro na aplicação dos recursos?

esta terceirzação da gestão da FUNPresP afronta o

princípio constitucional da eficiência23 previsto no artigo

37, da Constituição Federal, preconizador da busca pela

melhor atuação do agente público e da melhor organização

da administração Pública. repassar a terceiros a gestão da

entidade é incompatível com os princípios que norteiam o

funcionamento das atividades administrativas do estado.

também há de se considerar a discriminação que per-

meira a instituição do benefício diferido, pois sua fruição

não possibilita paridade entre homens e mulheres titulares

de cargo efetivo público federal. O cálculo do benefício di-

ferido não deveria considerar o tempo para aposentadoria,

mas sim estabelecer equidade entre homens e mulheres.

Como dito, o PL 1.992/2007 também é permeado por

lacunas que maculam por completo sua viabilidade jurídi-

ca como, por exemplo, a inobservância da obrigatoriedade

22. BrasiL. Banco Central do Brasil, 2011.

23. Na definição de maria sylvia Zanella Di Pietro: “o princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”. “vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio estado de Direito”. (Di PietrO, maria sylvia Zanella. Direito administrativo. são Paulo: atlas, 2010. p. 83 e 84)

Page 44: Tributação em Revista 60

44 triBUtaÇÃO em revista

de criação da previdência complementar dos servidores

públicos exclusivamente por intermédio de Lei Comple-

mentar e a alteração da natureza jurídica estipulada pelo

Constituição Federal para a FUNPresP.

Os diversos questionamentos aqui formulados lança-

ram dúvidas substantivas sobre a viabilidade do modelo

de previdência complementar para o servidor público ba-

seado naquele no texto do PL 1.992/07.

a formulação de uma proposta legislativa de tal mag-

nitude seja precedida de ampla consulta às partes interes-

sadas, os servidores públicos. apenas facultando a parti-

cipação dos servidores nos debates é que será possível a

preservação dos interesses dos entes mais frágeis e o alcan-

ce de normas justas e que protejam os interesses daqueles

que trabalham pelo estado brasileiro e seus cidadãos – o

servidor público.

BrasiL. Banco Central do Brasil. Dívida Líquida e Ne-cessidades de Financiamento do setor Público. Brasília: Bacen, set. 2011. Disponível em http://www.bcb.gov.br/?serietemP acesso em 26 out 2011.

BrasiL. Constituição da república Federativa do Brasil (1988). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/Constituicao/Constitui%e7ao.htm> acesso em 29.abr.2011

BrasiL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decre-to-Lei/Del4657.htm>. acesso em 17.mai.2011

BrasiL. Lei Complementar nº108, de 29 de maio de 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp108.htm>. acesso em 13.mai.2011 (a)

BrasiL. Lei Complementar nº109, de 29 de maio de 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/Leis/LCP/Lcp109.htm>. acesso em 13.mai.2011 (b)

BrasiL. ministério da Previdência social. Conselho da Gestão da Previdência Complementar. resolução CGPC, nº16, de 22/11/2005. Disponível em http://www81.data-prev.gov.br/sislex/paginas/72/mPs-CGPC/2005/16.htm. acesso em 17.mai.

BrasiL. ministério do Planejamento, ministério da Pre-vidência social, ministério da Fazenda. exposição de motivos interministerial emi Nº00097/2007/mP/mPs/mF de 16 de maio de 2007 Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=366851 . acesso em 29. abr. 2011

BrasiL. Projeto de Lei nº. 1.992/2007. Disponível em

REFERÊNCIAShttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/PL/2007/msg664-070905.htm. acesso em 29.abr.2011

BrasiL. ministério da Previdência social, ministério da Fazenda. Portaria interministerial /mPs/mF 407 de 14 de julho de 2011. Disponível em http://www010.data-prev.gov.br/sislex/paginas/65/mF-mPs/2011/407.htm acesso em 24. out. 2011

Gonçalves, Carlos roberto. Direito Civil Brasileiro. são Paulo, saraiva, 2011.

martiNeZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previ-denciário. 3.ed. – são Paulo: Ltr, 2010. 1.487 p.

meLLO, Celso antônio Bandeira de. Curso de Direito administrativo. 20. ed. – são Paulo: malheiros editores, 2006. 1.032 p.

meNDes, Gilmar Ferreira; COeLHO, inocêncio márti-res; BraNCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. – são Paulo: saraiva, 2008. 1432 p.

ParaNÁ (estado). aC 11367 Pr 2003.04.01.011367-9, relator: JairO GiLBertO sCHaFer, Data de Jugamen-to: 31/10/2007, QUarta tUrma, Data de Publicação: D.e. 12/11/2007.

stF, 1ª turma, recurso extraordinário nº. 419.629/DF, rel. ministro sepúlveda Pertence, DJ 30.06.2006.

stF, 2ª turma, agravo regimental no recurso extraordi-nário nº. 502.648/sC, rel. ministro Joaquim Barbosa, DJ 30-28.11.2008.

taNaKa, eduardo. Direito previdenciário: atualizado até o Decreto 6.727 de 12/01/2009. – rio de Janeiro: el-sevier, 2009. 406 p.

Page 45: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 45

a RTIGO

A Perversidade do PL 1992/2007

partir de janeiro de 2004 somente se aposentem pela

média das 80% maiores remunerações, considerado o

período de cálculo até o desempenhado na atividade

privada, desde julho de 1994.

Já o atual grupo mandatário do Palácio do Planalto

e da esplanada dos ministérios movimenta as peças do

xadrez de seu apoio político para a maior perversidade

de todas: a privatização das aposentadorias dos fun-

cionários públicos em geral.

Com o pedido de urgência para a votação do Projeto

de Lei (PL) n°. 1992/2007, o governo federal, se aprova-

do o texto, joga na vala comum do setor privado a par-

cela mais expressiva das aposentadorias dos servidores

públicos de todas as esferas de governo e Poderes.

1. Jornalista, auditor-Fiscal da receita Federal do Brasil, diretor de Direitos sociais e imprensa Livre da associação riograndense de imprensa, da Fundação anfip de estu-dos da seguridade social e presidente do sindifisco Nacional em Porto alegre.

vilson antônio romero1

O governo de Fernando Henrique Cardoso, se-

gundo levantamento do Departamento intersindical

de assessoria Parlamentar (Diap), retirou do funcio-

nalismo público, em especial do federal, dezenas de

vantagens e conquistas obtidas a duras penas durante

décadas de luta.

O primeiro governo petista promoveu a mais con-

tundente e perniciosa reforma no sistema de aposen-

tadoria dos servidores, com a aprovação da emenda

Constitucional 41 que fixa limite de idade mínima e

retira a integralidade e a paridade das garantias aos

proventos e pensões.

ao mesmo tempo, fez, com esta mudança, que to-

dos os ocupantes de cargos efetivos que ingressaram a

Page 46: Tributação em Revista 60

46 triBUtaÇÃO em revista

apresentado através da mensagem msC 664, de 5

de setembro de 2007, o PL 1.992 regulamenta o pa-

rágrafo 15, do artigo 40, da Constituição Federal de

1988, redação dada pela emenda Constitucional n°.

41/2003.

O projeto institui o regime de previdência comple-

mentar para os servidores públicos federais titulares

de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que

menciona, fixa a alíquota de contribuição de 7,5% e o

limite máximo para a concessão de aposentadorias e

pensões pelo regime de previdência de que trata o ar-

tigo 40 da Constituição, autoriza a criação de entida-

de fechada de previdência complementar denominada

Fundação de Previdência Complementar do servidor

Público Federal (Funpresp) que será estruturada em

forma de fundação com personalidade jurídica de di-

reito privado.

“art. 4o Fica a União autorizada a criar, em ato do Poder executivo, a entidade fechada de previ-dência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do servidor Público Federal - FUNPresP, com a finalidade de admi-nistrar e executar plano de benefícios de caráter previdenciário, nos termos das Leis Complemen-tares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001.Parágrafo único. a FUNPresP será estruturada na forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia adminis-trativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no Distrito Federal.”

explica-se: se acatada a criação do organismo de-

nominado Fundação de Previdência Complementar

do servidor Público (Funpresp), logo após a sua re-

gulamentação e entrada em funcionamento, os gover-

nos federal, estaduais, distrital e municipais passam a

garantir aposentadoria somente até o teto do regime

Geral de Previdência social (rGPs) - cerca de r$ 3,6

mil, nos dias de hoje.

art. 3o aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral deprevidência social às aposentadorias e pensões a serem con-cedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de

2004, aos servidores e membros referidos no ca-put do art. 1o desta Lei que:i - ingressarem no serviço público a partir da data do início do funcionamento da entidade a que se refere o art. 4o desta Lei, independentemente de sua adesão ao plano de benefícios;

O complemento dos proventos de aposentadoria e

pensões para os funcionários que ganham acima disso,

sejam agentes administrativos, promotores, escriturá-

rios, auditores, escreventes ou desembargadores, será

obtido, na hora do requerimento do benefício, com o

rateio das quotas de um fundo administrado por esta

entidade fechada de previdência complementar – a

Funpresp.

após longa tramitação na Câmara dos Deputados,

sem muito empenho do governo em razão das arestas

que se criariam com o funcionalismo, o governo aper-

tou o passo na Comissão de trabalho, de administra-

ção e serviço Público (CtasP), nomeando relator da

matéria o deputado federal silvio Costa (PtB/Pe) e em

pouco tempo logrando a aprovação do texto que cria

o fundo de pensão.

este fundo de pensão acumulará em carteira, com

regras estabelecidas pelo organismo fiscalizador, regu-

lador e gerenciador do sistema de previdência comple-

mentar – a superintendência Nacional de Previdência

Complementar (Previc), o montante arrecadado de

funcionários e seus empregadores públicos - 7,5% de

cada, incidentes sobre o excedente ao teto do iNss.

Desta forma, a contribuição total será de 15%, des-

de logo exígua para garantir valor real ao benefício,

por melhor que seja o conjunto de aplicações ao longo

da vida laboral do funcionário.

tecnicamente, a partir de então, a única rubrica

definida na aposentadoria do servidor será a sua con-

tribuição.

“art. 12. Os planos de benefícios da Funpresp se-rão estruturados na modalidade de contribuição definida, nos termos da regulamentação estabele-cida pelo órgão regulador e fiscalizador das enti-dades fechadas de previdência complementar, e financiados de acordo com os planos de custeio

Page 47: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 47

definidos nos termos do art. 18 da Lei Comple-mentar n.o 109, de 2001, observadas as demais disposições da Lei Complementar n.o 108, de 2001.”

O benefício será uma incógnita, pois as reservas

da Funpresp serão administradas por uma instituição

financeira avalizada pela Comissão de valores mobili-

ários (Cvm), portanto privada e sujeita a todos os ris-

cos nefastos da especulação comandada pelo senhor

mercado.

art. 15. a administração dos recursos garantido-res, provisões e fundos dos planos de benefícios, resultantes das receitas previstas no art. 10 desta Lei deverá ser realizada mediante a contratação de instituições autorizadas pela Comissão de va-lores mobiliários - Cvm para o exercício da ad-ministração de carteira de valores mobiliários, observado o disposto no art. 10 e nos incisos i, iii e iv do art. 13 da Lei Complementar n.o 108, de 2001.§ 1o a aplicação dos recursos previstos no caput

deste artigo será feita exclusivamente por meio de fundos de investimento atrelados a índices de referência de mercado, observadas as diretrizes e limites prudenciais estabelecidos pelo Conselho monetário Nacional para as entidades fechadas de previdência complementar.

a proposta, além de perniciosa, questionável juri-

dicamente, gerará também a segregação do conjunto

dos servidores, pois numa mesma repartição estarão

desempenhando as mesmas atividades pessoas com

direitos diversos, umas com direito à aposentadoria

integral e paridade, outras com direito à aposentado-

ria somente pela média de seus salários desde 1994

– os que ingressaram desde janeiro de 2004 - e um

novo segmento, com garantia somente de aposentado-

ria idêntica à paga pelo regime Geral de Previdência

social, da iniciativa privada.

É ou não é a privatização da aposentadoria do ser-

vidor?

Page 48: Tributação em Revista 60

48 triBUtaÇÃO em revista

a RTIGO

A Revolução Previdenciária Brasileira

Pelo projeto, ficará instituído regime de previdência

complementar aos servidores públicos titulares de cargo

efetivo da União (Poderes executivo, Legislativo e Judi-

ciário), suas autarquias e fundações, inclusive para os

“membros” do Poder Judiciário, do ministério Público e

do tribunal de Contas da União.

a adesão ao novo regime dar-se-á (de forma facultati-

va) somente aos novos servidores que ingressarem no ser-

viço público. aos demais servidores, conforme determina

o § 16 do art. 40 da Constituição Federal, fica aberta a

possibilidade de aderirem ao regime de previdência com-

plementar, submetendo-se, assim, ao referido limite.

a entidade a ser criada (FUNPresP) será estruturada,

como dispõe o projeto, na forma de fundação com perso-

nalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia

administrativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no

Distrito Federal.

1. vice Presidente executivo da aNFiP – associação Nacional de auditores-Fiscais da receita Federal do Brasil

Floriano José martins1

1- Introdução

tramita no Congresso Nacional, em regime de urgên-

cia, o projeto de lei que institui da previdência comple-

mentar do servidor público (PL 1992/07). Neste projeto é

fixado para todos os servidores de cargo efetivo, e que for

admitido no serviço público a partir de seu funcionamen-

to, o teto do regime Geral da Previdência social (iNss),

hoje no valor de r$ 3.691,74.

De acordo com a exposição de motivos, o objetivo bá-

sico do PL nº 1992 é dar sequência à reforma da previdên-

cia iniciada com a aprovação da emenda Constitucional n°

41, de 19 de dezembro de 2003, além de estabelecer um

tratamento que o governo considera isonômico entre tra-

balhadores do setor público e da iniciativa privada, exceto

para militares das Forças armadas, das polícias e corpo de

bombeiros do Distrito Federal, todos organizados e man-

tidos pela União.

Page 49: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 49

Para os benefícios programáveis –aposentadoria por

tempo de contribuição e aposentadoria por idade– o plano

de benefícios será de contribuição definida.

Já os benefícios não programáveis serão definidos no

regulamento do plano de benefícios, devendo ser assegu-

rados, pelo menos, os benefícios decorrentes dos eventos

de invalidez e morte.

as contribuições do patrocinador e do participante

incidirão sobre a parcela de remuneração que exceder o

equivalente ao limite do iNss. as alíquotas de contribui-

ção serão definidas no regulamento do plano de benefí-

cios, não podendo a contribuição do patrocinador nem

a do participante exceder a 7,5% (sete e meio por cento)

sobre a base de remuneração deste último. Portanto, o re-

gulamento irá apenas homologar o que determina a lei.

O assistido poderá transferir as reservas constituídas

em seu nome para outra entidade de previdência comple-

mentar ou seguradora para contratação de renda vitalícia,

liberdade esta que o mercado agradece.

a estrutura de governança prevê Conselho Deliberati-

vo, Conselho Fiscal e Diretoria, seguindo o disposto na Lei

Complementar 108, de 2001.

Uma vez participante da previdência complementar,

o servidor terá que buscar incessantemente a chamada

reserva para formação do patrimônio (ou acumulação de

ativos reais), de onde sairá sua aposentadoria, e será fruto

de diversas contingências, quais sejam: economia, merca-

do, governança e uma fiscalização intensa por parte do

participante.

O servidor deverá ter visão de futuro, com maior pre-

ocupação de sua reserva (poupança). isto certamente mu-

dará a cultura previdenciária do servidor pois uma das

características de sua filiação ao regime Próprio de Previ-

dência social (rPPs) era a integralidade de seus vencimen-

tos, com paridade de reajustes aos ativos (embora já não

existisse para os que entraram no serviço público a partir

de janeiro de 2004).

Dentro de uma perspectiva de mercado, esta era a úl-

tima cartada que faltava, principalmente para o mercado

de capitais, pois os sistemas do rGPs e do rPPs terão

os mesmos tetos e praticamente as mesmas condições de

concessões de benefícios a partir da entrada em vigor do

novo sistema.

Haverá mudança na cultura financeira, pois muitos

irão analisar melhor o mercado de capitais e o mercado

financeiro com vistas a identificar a melhor forma de pro-

ver seu futuro.

algumas hipóteses serão levadas em consideração: um

lote de casas para aluguel; ou um lote de ações, requeren-

do maior conhecimento do mercado de capitais; ou renda

fixa, com diversificação de novos fundos; ou mesmo um

pouco de cada, para que as incertezas não deem um tom-

bo de vez no investidor.

e isso poderá criar dentro da cultura do setor público o

que acontece na iniciativa privada, na qual o trabalhador,

sem muito vínculo com o estado, pensa tão somente em

fazer, durante a vida laborativa, seu pé de meia, esquecen-

do o compromisso para com a sociedade. até porque, caso

venha a sair do serviço público, o servidor levará somente

as verbas indenizatórias, já que não terá mais segurança

de uma aposentadoria diferenciada, como acontece hoje.

Feitas estas considerações, passamos a fazer algumas

análises de conteúdo do projeto.

2- A Visão Fiscal e Não Previdenciária

O regime de previdência dos servidores deve ter como

premissa básica garantir direitos dos servidores e dos

membros de Poder assegurados pelo art. 40 da Constitui-

ção, após a fase laborativa.

O direito à aposentadoria pública, observados os prin-

cípios do equilíbrio financeiro e atuarial (art. 40, da CF),

faz parte da cesta de benefícios de um regime administrati-

vo delineado constitucionalmente para atrair, por meio de

concurso público, profissionais preparados e comprometi-

dos em servir e em proteger o estado brasileiro.

Para garantir o equilíbrio do sistema público, os servi-

dores públicos civis e membros de Poder contribuem com

elevada parcela de seus ganhos mensais, sujeitos a uma

alíquota de 11% que incide sobre a remuneração integral,

o que não ocorre com trabalhadores do setor privado, su-

Page 50: Tributação em Revista 60

50 triBUtaÇÃO em revista

jeitos a uma contribuição mensal que não passa de 11% de

r$ 3.691,74, teto do rGPs em outubro de 2011.

No projeto apresentado não há garantia de aposenta-

doria vitalícia. O que o governo está oferecendo a seus ser-

vidores é um Programa Gerador de Benefício Livre - PGBL,

um produto de características financeiras, uma poupança

sem qualquer componente previdenciário.

a ausência de previsão de mutualismo para os benefí-

cios de risco (aposentadoria por invalidez e pensão) é ou-

tra artimanha do projeto. Quem financiará esse tipo de co-

bertura? Certamente os próprios servidores, com alíquota

adicional, visto que as alíquotas já preestabelecidas não

cobrem sequer o benefício de aposentadoria programada,

ou seja, o projeto direciona para a compra dos referidos

benefícios no mercado e evidencia a privatização.

Quanto à estruturação da cobertura previdenciária que

pretende impor, o PL n° 1992/2007 padece de lacunas

inaceitáveis visto que não trata do plano de benefícios e de

seu custeio com vistas ao equilíbrio financeiro e atuarial.

Portanto, seu conteúdo passa ao largo do que seja um re-

gime previdenciário.

O referido projeto trouxe sérias restrições quanto à

formação da poupança previdenciária ao limitar a contri-

buição da União em 7,5% sobre o valor excedente do teto

de benefícios do rGPs, evidenciando total abandono das

técnicas atuariais aplicáveis à matéria.

Os custos previdenciários devem ser previamente le-

vantados considerando-se os benefícios oferecidos pelo

plano de benefícios, seus valores, tempo de cobertura, for-

ma de reajuste e outros mais, a fim de se poder estruturar

a forma de custeio no tempo para garantir a acumulação

de poupança previdenciária suficiente.

a poupança previdenciária acumulada deve ser sufi-

ciente para a manutenção de determinado benefício en-

quanto perdurar a incapacidade para o trabalho, por mo-

tivos de idade avançada, invalidez ou morte.

Por outro lado, os defensores da privatização do siste-

ma previdenciário, de modo geral, centram suas análises

nos benefícios programáveis, em especial na aposentado-

ria por idade. Na verdade, buscam a privatização desse be-

nefício, relegando as demais prestações ou simplesmente

colocando-as como responsabilidade genérica do estado.

Logicamente, visam à parcela mais lucrativa do sistema em

vistas ao longo período de cotização e perfeita previsibili-

dade do pagamento das contraprestações.

Os demais benefícios como, por exemplo, a pensão

devida ao cônjuge e/ou núcleo familiar, ficam de fora da

cobertura. tampouco há espaço para os chamados bene-

fícios não programados decorrentes dos eventos de morte

ou invalidez de segurados ativos.

interessante observar que a Constituição Brasileira não

impõe a adoção do modelo de previdência complementar,

mas tão somente o faculta. Países nossos vizinhos – Chile

e argentina – que optaram por este modelo foram impeli-

dos a retroceder e a rever o malfadado arranjo previdenci-

ário, diante dos problemas econômicos e sociais que lhes

sobrevieram.

3- A Gestão

analisando o art. 15 do projeto, deparamo-nos com

total engessamento na administração dos recursos garan-

tidores das reservas que se acumularão e isto nos conduz

diretamente para o que seja o foco central do projeto, em-

bora pouco debatido, até agora.

a exigência da terceirização da administração dos re-

cursos garantidores, por meio de bancos e seguradoras,

tirando o poder de gestão dos dirigentes da entidade e de

sua decisão de como alocar recursos, é uma agressão à in-

teligência para quem conhece um pouco desse processo.

Cabe indagar se os gestores ficarão mesmo proibidos de

investir em renda variável, em ações de empresas e em

outros ativos, ou mesmo de participar diretamente do lei-

lão de títulos do tesouro Nacional, pois o PL 1992/2007

manda que terceiros administrem os recursos, e estes, cer-

tamente, não o farão de graça.

trata-se da entrega de todos os recursos arrecadados

para as mãos dos bancos e seguradoras, culminando assim

na privatização da previdência do servidor, compulsoria-

mente, sem a busca de alternativas.

além disso, como podemos observar em seu § 5º, cada

Page 51: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 51

instituição a ser contratada poderá administrar até 40%

dos recursos garantidores, o que afronta o art. 44 da re-

solução 3.456/07 do Conselho monetário Nacional, além

do grau de exposição altíssimo, comprometendo profun-

damente o patrimônio do fundo caso a entidade financeira

venha a falir.

Outro ponto a destacar é a retirada de patrocínio. se-

gundo a Lei Complementar 109, qualquer patrocinador

poderá solicitar sua retirada da entidade. Caso a União use

desse mecanismo, como algumas entidades privadas es-

tão praticando, sem nenhum compromisso previdenciário

com o empregado, será outro ponto de inconsistência do

projeto, pois não consta em sua redação nenhuma pro-

teção de salvaguarda. a reserva do servidor ficaria total-

mente comprometida. sabemos que historicamente, no

sistema previdenciário, grandes somas de recursos foram

desviadas, para outras ações, que não a sua atividade fim.

Um outro destaque são as regras de serviço passado,

vez que na sua definição considera-se somente o tempo

efetivo da União, quando dever-se-ia consignar a contagem

recíproca (art. 9º, da CF), inclusive com critérios de porta-

bilidade do regime de origem que pudesse contemplar os

servidores dos estados e dos municípios. a ausência dessa

relação é extremamente casuística e perigosa, pois deixará

um buraco negro entre os servidores dos três entes. além

disso, o índice de reajuste para o benefício especial, que

será o iPCa, é diferente do índice praticado pelo rGPs,

que é o iNPC, não justificando essa diferenciação.

4- A Insegurança Jurídica do Produto Oferecido

Diante de tanta responsabilidade para com a socieda-

de, é inquestionável que a previdência social dos servi-

dores titulares de cargos efetivos, hoje disciplinados por

regras constitucionais, não poderá ser disciplinada pelo

regulamento do plano de benefícios, gerido por uma en-

tidade Fechada de Previdência Complementar, sem a ga-

rantia de regras mínimas de funcionamento, de custeio e

de concessão dos benefícios.

segundo o governo, no atual modelo, as contribui-

ções dos servidores, estruturadas em regime de repartição

simples, mostram-se insuficientes ao pagamento das apo-

sentadorias e pensões do servidor público, especialmente

quando se considera que o seu valor equivale ao último

salário recebido pelo servidor. sabe-se, todavia, que os

servidores ingressos no serviço público, a partir de janeiro

de 2004, receberão aposentadoria calculada pela média de

seus salários (regra idêntica à do rGPs) e não necessaria-

mente o valor do último salário.

essa lógica é inconsistente, visto que se baseia em uma

argumentação puramente contábil e orçamentária, sem

considerar questões de interesse do estado e relativas: ao

ordenamento jurídico brasileiro; à possibilidade de ado-

ção de regime financeiro alternativo à repartição simples;

e ao contexto histórico em que os sistemas foram conso-

lidados.

a literatura internacional e a experiência do Brasil e

da américa Latina apontam para o sentido oposto à lógica

dos reformistas. as estruturas demográfica e econômica

do mercado de trabalho, a situação social, o universo cul-

tural e os interesses dos países são distintos, não cabendo

falar em modelo único ou em regras ideais.

ao verificar a evolução da legislação, é possível obser-

var que a ausência de recursos é um fato recente. Quando

da implantação do regime previdenciário do servidor, a ar-

recadação superava em muito as despesas com benefícios.

Contudo, não houve, desde os anos 30, a preocupação

em constituir um regime viável de reservas (jamais foram

realizadas as contribuições do empregador) para consoli-

dar mecanismos de contribuição que pudessem sustentar

as despesas quando o sistema atingisse a sua maturidade

etária. se existe crise fiscal, o que é discutível, é ao estado

que cabe a responsabilidade, pois ele não adotou estrutura

de acumulação de recursos em regime de capitalização e,

aos governos, por terem utilizado os recursos arrecadados

de maneira aleatória.

a criação do regime Jurídico Único-rJU, por meio da

Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, também teve

como motivação reduzir os problemas financeiros da pre-

vidência social dos ex-celetistas federais perante o iNss,

pois o recolhimento das contribuições devidas pelo es-

Page 52: Tributação em Revista 60

52 triBUtaÇÃO em revista

tado nunca foi regular. a mudança de regime serviu para

que o iNss não mais tivesse a responsabilidade de pagar

os benefícios da parcela conhecida como ePU (encargos

Previdenciários da União), visto que não recebia as contri-

buições do estado enquanto empregador.

todos os que acreditam no papel estratégico do esta-

do e no processo de desenvolvimento sabem que este não

poderá cumprir suas tarefas a contento se não possuir um

quadro de servidores permanentes, exclusivos, dedicados

e estáveis, por meio de concurso público, para o exercício

de suas diretrizes fundamentais, conforme determinação

soberana da sociedade que o regula e à qual ele se subor-

dina

essa concepção de estado é o que diferencia o servi-

dor público dos demais trabalhadores do setor privado,

inclusive no que diz respeito aos seus regimes próprios

de aposentadorias. esses regimes são vistos como uma ex-

tensão da remuneração dos servidores quando na ativa e

um prolongamento de sua relação com o estado, que se

estende por toda a vida e não apenas na atividade.

as regras que regem a função pública diferem, em

tudo, daquelas que regem as relações entre empregadores

e empregados no setor privado. a situação dos servidores

é diferente de outros empregados na medida em que eles

exercem a autoridade pública com os sacrifícios e obriga-

ções de lealdade que caracterizam esta função, principal-

mente em carreiras de estado.

então, é inconcebível que a política de proteção social

dos servidores públicos participantes dos planos comple-

mentares que se pretende instituir traga- lhes incertezas

em relação ao seu plano de benefícios. Portanto, cabe ao

poder legislativo tratar dessa matéria, por meio de lei com-

plementar e com todo o cuidado necessário.

reforçando esse entendimento, é necessário afirmar

que a Previdência Complementar do servidor Público tem

autonomia em relação ao regime de Previdência Com-

plementar Geral. esse fato não foi levado em conta pelo

autor do Projeto, que não atentou que a emenda Cons-

titucional nº 41 introduziu essa autonomia ao modificar

o § 15 do art. 40 da CF. assim, as regras gerais da Previ-

dência Complementar serão aplicadas ao regime de Pre-

vidência Complementar do servidor Público somente no

que couber, isto é, as regras gerais previstas no art. 202 da

Constituição, regulamentados pelas Leis Complementares

108 e 109, de 2001, são subsidiárias ao Projeto. em nosso

entendimento não são regras constitutivas para a formata-

ção do regime complementar do servidor público de cargo

efetivo.

Pelo projeto em andamento, pretende-se a equipara-

ção dos servidores públicos civis e membros de poder aos

trabalhadores do setor privado apenas no setor previden-

ciário, sem direito a Fundo de Garantia por tempo de ser-

viço-FGts, participação nos resultados e outros direitos

trabalhistas assegurados aos celetistas. Dessa forma, o ser-

viço público se tornará pouco atraente para os bons pro-

fissionais do mercado, fragilizando carreiras essenciais ao

funcionamento e à defesa do estado, como as de delegado,

policial, auditor-fiscal, procurador, promotor, magistrado,

ministro da cúpula do Poder Judiciário e do tribunal de

Contas da União. também se retirará as garantias aos mé-

dicos, professores e demais categorias profissionais, cuja

fragilização representa, em última instância, o desmonte

do estado brasileiro.

5- Proposta Alternativa

É sabido que a situação vivida pelos regimes Próprios

de Previdência social-rPPs, de um modo geral, é de diag-

nóstico muito mais complexo do que o que se costuma di-

vulgar. atentar apenas para o simples paradigma receita x

Despesa é, seguramente, insuficiente. É preciso incorporar

outros elementos à análise; afinal de contas, são múltiplas

as questões que envolvem a sustentabilidade dos rPPs.

Não se pode perder de vista, por exemplo, que não houve

uma capitalização dos recursos arrecadados no passado,

posto que a lógica que regia a previdência do servidor

público era outra, totalmente distinta de um regime por

capitalização, e considerando ainda que os recursos arre-

cadados foram invariavelmente mal geridos e aplicados

em objetivos estranhos à previdência social. além disso,

deve-se considerar o fato, já citado, de que a implantação

Page 53: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 53

do regime Jurídico Único-rJU transferiu quase 400 mil

servidores, somente na esfera federal, do antigo iNPs para

o regime Próprio, sem ônus para o regime Geral.

Uma vez cumprida a exigência legal da criação de um

Fundo Previdenciário, de forma capitalizada, haverá tam-

bém o fomento do mercado de capitais e sustentabilidade

da cobertura previdenciária, de forma idêntica à previdên-

cia complementar fechada (fundo de pensão).

Desde a Lei 9.717/98 e a edição da emenda Com-

plementar nº 20/98, o governo tem a possibilidade de

formatar um fundo destinado ao custeio das obrigações

previdenciárias para com seus servidores e dependentes,

conforme expressa o art. 249 da Constituição Federal. La-

mentavelmente, não o fez até agora, porém determinou

que estados e municípios o fizessem.

É impressionante a sanha em implantar a previdência

complementar para os servidores, sem nenhum estudo sé-

rio e debate com os atores. estudos do próprio governo

apontam para um regime próprio capitalizado, no qual o

custo-benefício é praticamente idêntico, sem grandes dis-

pêndios na transição e sem os desgastes políticos neces-

sários.

6- À Guisa de Conclusão

Parece-nos que a motivação do autor do projeto é a

criação e a expansão de um mercado cativo para as insti-

tuições financeiras, pois privilegia de modo assustador o

mercado financeiro, sem nenhuma contrapartida ou segu-

rança para o servidor quando da elegibilidade ao benefí-

cio.

assim sendo, sob o ponto de vista atuarial agregado

às especificidades das atividades, o servidor público não

carece de uma previdência complementar, conforme se

apresenta no Projeto de Lei nº 1992/07.

O encaminhamento de uma estrutura duradoura para

o regime Próprio de Previdência social tem inúmeras hi-

póteses de soluções viáveis, inclusive por meio de fundos

previdenciários capitalizados, conforme há muito previsto

no art. 249 da Constituição Federal e na Lei nº 9.717/98.

Como se vê, no PL 1992/07 há uma predominância da

visão puramente financeira e não previdenciária, uma ló-

gica de acumulação individual e combate ao mutualismo.

Nenhum plano de previdência complementar, adotado

em qualquer estatal, está formatado de maneira tão afas-

tada dos ideais previdenciários, como este que está sendo

oferecido pelo governo federal aos seus servidores.

Page 54: Tributação em Revista 60

54 triBUtaÇÃO em revista

a RTIGO

Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais1

os trabalhadores da iniciativa privada, os empregados

públicos e os que apenas ocupam cargo de livre nome-

ação e exoneração3, a alíquota de contribuição do segu-

rado varia de 8% a 11%, conforme sua remuneração4,

e tanto a base de cálculo dessa contribuição (salário de

contribuição) quanto a considerada para se calcular o

valor dos benefícios (salário de benefício) são limita-

das a um valor máximo preestabelecido, atualmente de

r$ 3.691,745. esses benefícios não sofrem desconto de

contribuição previdenciária6. a alíquota de contribuição

do empregador é, em regra, de 20% sobre a folha de

pagamento, incidindo, portanto, sobre a remuneração

integral do empregado7.

Leonardo Costa schüler2

O regime de previdência dos servidores públicos, ocu-

pantes de cargos efetivos, difere sobremaneira do regime

geral de previdência social.

essa profunda diferenciação, determinada em foro

constitucional, foi atenuada pelas reformas promovidas

por meio das emendas Constitucionais nº 20, de 1998,

e nº 41, de 2003, que alteraram, principalmente, os re-

quisitos exigidos para aposentadoria. Persiste, entretanto,

uma das principais diferenças entre esses regimes, a saber,

o valor que benefícios como proventos de aposentadoria e

pensões podem alcançar.

No regime geral de previdência social, ao qual pas-

samos a nos referir como rGPs e do qual são segurados

1. Documento de referência da Consultoria Legislativa, publicado originalmente em 15 ago 2011 no site da Câmara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br/documen-tos-e-pesquisa/fiquePorDentro/temas/previdencia_complementar_servidor_publico/documento-de-referencia-da-consultoria-legislativa-1)

2. Graduado em administração (UnB) e Direito (UNiCeUB). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na Área viii (administração Pública). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na Área viii (administração Pública), desde 29/03/1994

3. Constituição Federal, art. 40, § 13.

4. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 20, caput, e Portaria interministerial mPs/mF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 7º e anexo ii.

5. Portaria interministerial mPs/mF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 2º, com vigência retroativa a 1º de janeiro de 2011.

6. Constituição Federal, art. 195, ii, in fine.

7. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 22, i.

Page 55: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 55

No regime de previdência dos servidores públicos

federais ocupantes de cargo efetivo, doravante referido

como rPsPF, a alíquota de contribuição do servidor é

sempre de 11%8 e, para o cálculo da contribuição pre-

videnciária, bem como dos benefícios, considera-se o

valor integral da remuneração percebida pelo servidor9.

Portanto, os proventos de aposentadoria e as pensões pa-

gos por esse regime podem alcançar o valor do subsídio

mensal dos ministros do supremo tribunal Federal10, que

consiste no limite máximo da remuneração de servidores

públicos11. todavia, esses benefícios sofrerão desconto de

contribuição previdenciária, incidente sobre a parcela que

ultrapassar o limite máximo estabelecido para os benefí-

cios do rGPs ou, em se tratando de beneficiário portador

de doença incapacitante, sobre o dobro desse limite12. a

União contribui para o rPsP com o dobro da contribuição

de cada servidor ativo13.

No intuito de abrandar a apontada discrepância entre a

situação em que se aposentam os servidores públicos e os

segurados do rGPs, bem como a redução do volume de

recursos financeiros destinados ao custeio da previdência

pública, a emenda Constitucional nº 20, de 1998, inseriu

na Lei maior dispositivos que autorizam a União, os esta-

dos, o Distrito Federal e os municípios a aplicarem o limi-

te máximo de valor dos benefícios concedidos pelo rGPs

ao valor dos proventos de aposentadoria de seus servido-

res e das pensões recebidas pelos respectivos dependentes,

após seu falecimento. Condicionou essa medida, contudo,

à instituição de regime de previdência complementar es-

pecífico14.

a previdência complementar integra o regime de pre-

vidência privada, organizado de forma autônoma em rela-

ção ao regime geral de previdência social e aos regimes de

previdência de servidores públicos. Concebida para au-

mentar o valor dos benefícios previdenciários devidos nas

hipóteses de doença, invalidez, morte ou idade avançada,

baseia-se na constituição e acumulação de reservas finan-

ceiras suficientes para garantir a cobertura contratada.

sendo assim, deve oferecer adesão facultativa, motivada

na confiança de uma boa gestão da entidade responsável

pela administração dos planos de benefícios oferecidos a

seus participantes e assistidos. essa entidade de previdên-

cia complementar pode ser aberta ou fechada (fundo de

pensão), de acordo com o público ao qual se destina.

respaldado na apontada permissão constitucional, o

Poder executivo federal submeteu ao Congresso Nacio-

nal o Projeto de Lei nº 1.992, de 2007, que “institui o

regime de previdência complementar para os servidores

públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os

membros dos órgãos que menciona, fixa o limite máximo

para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime

de previdência de que trata o art. 40 da Constituição, au-

toriza a criação de entidade fechada de previdência com-

plementar denominada Fundação de Previdência Com-

plementar do servidor Público Federal - FUNPresP, e dá

outras providências.”

Com a eventual transformação da proposição recém-

-citada em lei, o valor dos proventos de aposentadoria

concedidos pelo regime de previdência dos servidores

públicos federais passará a observar o limite máximo do

rGPs. isso alcançará, automaticamente, apenas os ser-

vidores dos Poderes executivo, Legislativo e Judiciário e

os membros desse último (magistrados), do tribunal de

Contas da União e do ministério Público da União que

ingressarem no serviço público após a instituição do regi-

me de previdência complementar, independentemente de

8. Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 4º.

9. Constituição Federal, art. 40, § 3º, e Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 1º, caput.

10. a partir de 1º de fevereiro de 2010, por força do disposto no art. 1º da Lei nº 12.041, de 8 de outubro de 2009, combinado com o que estabelece o art. 3º da Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005, o valor do subsídio dos ministros do supremo tribunal Federal foi reajustado para r$ 26.723,13. O Projeto de Lei nº 7.749, de 2010, em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê que o subsídio seja fixado, a partir de 1º de janeiro de 2011, em r$ 30.675,48.

11. Constituição Federal, art. 37, Xi.

12. Constituição Federal, art. 40, §§ 18 e 21.

13. Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, arts. 4º e 8º, caput.

14. Constituição Federal, art. 40, §§ 14, 15 e 16.

Page 56: Tributação em Revista 60

56 triBUtaÇÃO em revista

aderirem, ou não, a esse último. Para os que tiverem in-

gressado no serviço público antes da instituição do regime

complementar, a sujeição ao limite do rGPs dependerá de

prévia, expressa e irretratável opção pela adesão ao regime

instituído.

Nos termos da proposição anteriormente indicada,

o regime de previdência complementar dos servidores

públicos federais será instituído por intermédio de uma

entidade denominada Fundação de Previdência Comple-

mentar do servidor Público Federal – FUNPresP, criada

especificamente para tal fim e que oferecerá, exclusiva-

mente, planos de benefícios na modalidade contribuição

definida. Nessa modalidade, o valor do benefício percebi-

do a partir da aposentadoria (benefício programado) não é

previamente estabelecido, mas sim determinado, à época

da percepção, pelo montante de recursos acumulados em

nome de cada segurado. será diretamente proporcional,

portanto, ao valor e ao número de contribuições recolhi-

das, bem como à rentabilidade auferida com a aplicação

dos recursos acumulados.

Consoante a proposta do Poder executivo, as contri-

buições para o regime complementar incidirão apenas

sobre a parcela da remuneração do servidor que exceder

ao limite do rGPs. Cada servidor poderá fixar a alíquo-

ta de sua contribuição para o regime complementar e o

patrocinador, ou seja, a própria União, sua autarquia ou

fundação, ficará obrigado a recolher idêntico valor, até o

limite de 7,5%.

mesmo sem se estimar o valor do benefício que um

servidor perceberá pelo regime complementar, as diferen-

ças entre esse, de capitalização, e o regime público, de re-

partição, permitem antecipar alguns aspectos relevantes.

tanto no âmbito do regime geral de previdência social

quanto no do regime de previdência dos servidores pú-

blicos federais o cálculo dos proventos de aposentadoria

toma por base a média das maiores remunerações, devida-

mente atualizadas, utilizadas como base para as contribui-

ções, correspondentes a 80% do período contributivo15.

Por conseguinte, as menores remunerações, corres-

pondentes a 20% do período contributivo, não afetam o

valor dos proventos, como ocorre com o valor do benefí-

cio concedido pelo regime complementar, que será redu-

zido em função da menor acumulação de reservas.

a Constituição assegura o direito do servidor a se apo-

sentar, com proventos integrais, aos 60 anos de idade e 35

anos de contribuição, se homem, e aos 55 anos de idade e

30 anos de contribuição, se mulher16. Portanto, no regime

de previdência dos servidores públicos a mulher não tem

os proventos reduzidos por se aposentar mais cedo do que

o homem. No regime complementar, contudo, a mulher

receberá benefícios mensais com valores inferiores aos

percebidos pelos homens, mesmo que ela se aposente com

a mesma idade e tendo contribuído pelo mesmo tempo e

com idênticos valores. isso porque as mulheres têm maior

expectativa de vida, de modo que as reservas constituídas

devem ser distribuídas em um maior número de meses.

a título de exemplo, ao chegar aos 60 anos de idade

uma mulher tem expectativa de viver por mais 22,8 anos,

enquanto um homem de mesma idade tem a sobrevida

estimada em 19,5 anos17. Como a antecipação da aposen-

tadoria em 5 anos não apenas abrevia a fase de acumula-

ção de recursos como também estende a de percepção, o

valor do benefício programado percebido por uma mulher

aposentada aos 55 anos de idade, após 30 anos de con-

tribuição, pode chegar a ser apenas ligeiramente superior

à metade do valor do benefício recebido por um homem

aposentado aos 60 anos de idade e 35 anos de contribui-

ção.

No âmbito do regime geral de previdência social a

apontada discrepância é atenuada. embora o cálculo do

fator previdenciário leve em consideração o tempo de con-

tribuição, a idade de aposentadoria e a expectativa de vida

do segurado, esse último fator desconsidera a diferença

entre os sexos. além disso, a redução legal do tempo de

15. Lei nº 8.213/91, art. 29, i, e Lei nº 10.887/04, art. 1º.

16. Constituição Federal, art. 40, § 1º, iii, “a”.

17. tábuas Completas de mortalidade – Homens e mulheres – 2009, divulgada pelo instituto Brasileiro de Geografia e estatística - iBGe

Page 57: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 57

contribuição é compensada mediante acréscimo, a esse

tempo, de cinco anos, em se tratando de mulher ou de

professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo

exercício das funções de magistério na educação infantil

e no ensino fundamental e médio, ou de dez anos, em se

tratando de professora nessa última situação18.

as compensações recém mencionadas podem gerar

desequilíbrio entre contribuições e benefícios do rGPs,

cujos eventuais déficits são suportados pela União. No

âmbito de um regime de capitalização, contudo, descon-

siderar, na fixação do valor do benefício, a diferença de

expectativa de vida entre homens e mulheres ou a redução

do período contributivo fará com que o segurado fique

sem complementação de aposentadoria na fase final de sua

vida. Nesse contexto, somente a elevação das alíquotas de

contribuição pode compensar ou atenuar a redução do va-

lor do benefício programado devido às mulheres e demais

segurados que se aposentam em condições diferenciadas.

Portanto, os que mais sofrerão redução de renda após

a aposentadoria, com a implantação do regime comple-

mentar, serão, dentre os que percebem remuneração su-

perior ao limite do rPGs, aqueles para os quais a legis-

lação estabelece requisitos e critérios diferenciados para

a concessão de aposentadoria, ou seja, as mulheres18; os

portadores de deficiência20; os que exercem atividades

de risco20; os que trabalham sob condições prejudiciais à

saúde ou à integridade física22; e os profissionais do ma-

gistério na educação infantil e no ensino fundamental e

médio23. Como a redução do valor do benefício progra-

mado é mais do que proporcional à abreviação da fase

de acumulação de recursos, já que implica ampliação

da duração estimada para a fase de percepção de bene-

fícios, os servidores enquadrados nas situações recém-

-indicadas tendem a se sentir compelidos a permanecer

em atividade após terem atingido a idade e o tempo de

contribuição exigidos para aposentadoria

18. Lei nº 8.213/91, art. 29, § 9º.

19. Constituição Federal, art. 40, § 1º, iii, “a”e “b”.

20. Constituição Federal, art. 40, § 4º, i.

21. Constituição Federal, art. 40, § 4º, ii.

22. Constituição Federal, art. 40, § 4º, iii.

23. Constituição Federal, art. 40, § 5º.

BrasiL. Constituição da república Federativa Do Bra-sil (1988). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%e7ao.htm acesso em 29.abr.2011

BrasiL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder exe-cutivo, Brasília, 25 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8212cons.htm. acesso em: 26 jul 2011.

BrasiL. Lei nº 8.813, de 25 de junho de 1991. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder exe-cutivo, Brasília, 25 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213cons.htm acesso em: 26 jul 2011.

REFERÊNCIASBrasiL. Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder executivo, Brasília, 21 jun. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Lei/L10.887.htm. acesso em: 26 jul 2011.

BrasiL. ministério da Previdência social, ministério da Fazenda. Portaria interministerial /mPs/mF 407 de 14 de julho de 2011. Disponível em http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/mF-mPs/2011/407.htm acesso em 24. out. 2011

iBGe. tábuas Completas de mortalidade. Homens e mulheres, 2009. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2009/ho-mens.pdf acesso em: 26 jul 2011.

Page 58: Tributação em Revista 60

58 triBUtaÇÃO em revista

a RTIGO

O Abuso de Direito e a Norma Antielisiva1

na como “ilícitos atípicos”, como é o caso do abuso de

direito, da fraude à lei fiscal, do abuso de formas e do

negócio jurídico indireto sem causa, os quais compõem

as condutas “elusivas”.

Paralelamente, as administrações tributárias procu-

ram inserir, no ordenamento jurídico, dispositivos nor-

mativos que inibam as iniciativas tendentes a diminuir

suas receitas e aparelham-se para combater não apenas a

agressão direta de norma legal, mas também as condutas

elusivas que, embora não afrontem diretamente uma re-

gra específica, acabam por atacá-la indiretamente, quan-

do ofendem o sistema jurídico como um todo.

Na busca incessante de economia fiscal, muitas vezes

1. O presente artigo é adaptação da monografia aprovada em banca do Curso de Pós-Graduação em Gestão em Direito tributário da Fundação Getúlio vargas, Programa FGv management.

2. auditor Fiscal da receita Federal do Brasil, Graduado em História pela UFmG e pós-graduado em Gestão do Direito tributário pela Fundação Getúlio vargas.

3. auditora Fiscal da receita Federal do Brasil, Graduada em administração pelo instituto Cultural Newton de Paiva Ferreira e pós-graduado em Gestão do Direito tributá-rio pela Fundação Getúlio vargas.

4. Procuradora da Fazenda Nacional, Graduada em Ciências Contábeis e Direito pela UFmG e pós-graduado em Gestão do Direito tributário pela Fundação Getúlio vargas.

5. auditor Fiscal da receita Federal, graduado em engenharia e Direito pela UFmG e pós-graduado em Gestão do Direito tributário pela Fundação Getúlio vargas.

eládio César da silva2

maria Cristina montezano3

marília aparecida silva do Carmo4

Wilson silva França Júnior5

1- Introdução

Na relação tributária distinguem-se dois agentes: de

um lado os contribuintes na busca por uma redução de

custos fiscais, e de outro as administrações tributárias

que, no cumprimento de suas funções institucionais,

procuram garantir fontes de financiamento dos gastos

públicos via arrecadação de tributos.

Com vistas a alcançar uma diminuição de sua carga

tributária, os contribuintes ora recorrem a uma legítima

economia fiscal, pela utilização de uma norma legal dis-

ponível, caracterizada como “elisão”, ora incorrem em

“práticas evasivas”, com o descumprimento direto de

lei, ou ainda, exercem o que parte da doutrina denomi-

Page 59: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 59

os contribuintes utilizam-se de determinados expedien-

tes, caracterizados como elusão, porque sem nenhuma

finalidade negocial, apenas visando a minimizar a carga

de tributos. excedem o uso das prerrogativas legais e

concorrem para o financiamento das despesas públicas

com um dispêndio muito aquém de sua real capacidade

contributiva. Prejudicam, com isso, a própria sociedade,

na medida em que subtraem receitas que seriam desti-

nadas a projetos de governo, inclusive aqueles sociais e

de investimento.

Diante desse contexto, o objetivo do presente artigo

é fazer um estudo das condutas elusivas com foco, prin-

cipalmente, na teoria do abuso de direito, e sua aplica-

ção na área tributária. será analisada também a eficácia

da norma prevista no parágrafo único do art. 116 do

CtN e sua aplicação, combinada com o procedimento

fiscal estabelecido pelo Decreto nº. 70.235/72 e altera-

ções posteriores e pela Lei nº. 9.784/99.

2- Abuso de Direito

2.1- Conceito

O conceito de abuso de direito não é uniforme na

doutrina. No passado, seu reconhecimento estava muito

preso à idéia de dolo e da intenção de causar prejuízo.

modernamente tem-se reconhecido a existência do abu-

so de direito sempre que o fim almejado desvirtua-se da

finalidade reconhecida àquele direito.

Desde os primórdios do direito, identificamos o re-

púdio ao abuso de direito. Já no direito romano, onde

imperava a máxima nullus videtur dolo facere qui jure suo

utitur6, verifica-se a reprovação ao exercício exacerba-

do de um direito, dando ensejo ao adágio summum ius

summa iniuria7, o qual pode ser tomado como uma ori-

gem do conceito de abuso de direito.

Das principais correntes modernas sobre o abuso do

direito filiamo-nos a objetiva, que admite o abuso de di-

reito como categoria autônoma e justifica seu reconheci-

mento pela finalidade do direito e pelo motivo legítimo.

seguindo pela trilha da teoria objetiva, podemos di-

zer que o abuso de direito é todo uso anormal ou ir-

regular de um direito subjetivo de seu titular. Douglas

Yamashita afirma que “abusivo seria o exercício do di-

reito em sentido contrário a sua destinação econômica

e social”8.

a definição do que é ou não normal e regular somen-

te tem relevância à luz dos valores de determinada so-

ciedade e de seus princípios constitucionais, que ditarão

o alcance e a extensão do que seja anormal ou irregular

dentro de uma determinada realidade e não se esgota no

direito positivo, mas faz parte do que é reprovável em

dada sociedade, tempo e contexto.

2.2- Justificativa do Reconhecimento do Abuso de

Direito

O reconhecimento do abuso de direito é uma reação

ao absolutismo dos direitos individuais, pois introdu-

ziu a idéia de que se deve limitar não apenas o poder

do estado, mas também o direito individual, de modo a

sujeitá-lo aos limites das regras de convívio social, aos

princípios de justiça social, de solidariedade e de ética,

no Brasil, especialmente a partir da Constituição Federal

de 1988.

ricardo Lobo tôrres9 afirma que o reconhecimento

do abuso de direito tem sua base na jurisprudência dos

valores, que marcaram a mudança da forma de ver o

estado, sua função e o imperativo da ponderação dos

princípios que até então regiam o direito, especialmente

nas relações estado/Contribuinte, quais sejam, a lega-

lidade, a propriedade e a segurança jurídica. O autor

afirma também que, a partir da introdução da jurispru-

dência dos valores, passou-se a exigir do intérprete que,

6. Não age com dolo aquele que faz uso do seu direito.

7. supremo direito, suprema injustiça.

8. YamasHita, 2005, p. 111, grifos do autor

9. apud rOCHa, 2002.

Page 60: Tributação em Revista 60

60 triBUtaÇÃO em revista

ao lado dos princípios tradicionais, ponderasse valores

implícitos ou expressos na Constituição Federal, bus-

cando o fim último do direito.

atos que têm aparência de conformarem-se à lei, mas

são contrários ao ordenamento jurídico, porque agridem

valores éticos da sociedade, passam a ser repudiados.

Dessa forma, no abuso de direito, o ato praticado pelo

indivíduo não é ilegal, mas sim ilícito, porque é pratica-

do formalmente de acordo com o direito de seu titular,

contudo contraria regras sociais.

2.3- Aplicação de Instituto do Direito Civil ao Di-

reito Tributário

O Código Civil de 2002 previu expressamente o abu-

so de direito em nosso ordenamento jurídico, no seu art.

187: “também comete ato ilícito o titular de um direito

que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites im-

postos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou

pelos bons costumes”.

O reconhecimento do abuso de direito é um impera-

tivo se atentarmos para o fato de que o direito positivo

não pode prever expressamente todas as condutas que

o grupo social repudia, porque a realidade é dinâmica

e é pressuposto do Direito sua adaptação ao tempo e

ao espaço, observados os valores postos na Constituição

Federal.

Haja vista a aplicação da teoria do abuso de direito

no direito civil brasileiro, vamos buscar respaldar seu

emprego no campo tributário.

Paulo de Barros Carvalho10 afirma que a chamada au-

tonomia do direito tributário existe meramente para fins

didáticos, porque é forçoso reconhecer o caráter absolu-

to da unidade do sistema jurídico.

Bernardo ribeiro de moraes, citado por Yamashita

cita, diz que “[...] o direito civil é um direito comum que

supre as normas dos outros ramos jurídicos e preenche

os seus vazios. Portanto, as relações entre esses dois ra-

mos do direito – tributário e civil – são também estrei-

tas”11 e, mais à frente, citando miguel reale, conclui que

“nada mais errôneo do que pensar que as normas do Có-

digo Civil de 2002, principalmente em sua parte geral,

sejam sempre e exclusivamente de Direito Civil”12, isto

porque boa parte dessas normas são da teoria geral do

direito, portanto, aplicável a qualquer ramo do direito,

dentre eles o direito tributário.

Contudo, não se pode deixar de admitir que existem

certos princípios gerais do direito tributário que devem

ser considerados, na interpretação da norma tributária,

sem perder de vista o ordenamento jurídico e seus va-

lores. Nessa trilha, Luciano alaor Bogo13 afirma que não

há autonomia científica do Direito tributário, mas sim

possibilidade de estabelecer, dentro desse ramo do di-

reito, conceitos, categorias jurídicas e princípios espe-

cíficos.

3- O Abuso de Direito no Campo da Tributação

a aplicação do abuso de direito no direito tributário

não é pacífica. Dentre aqueles que não admitem a apli-

cação do abuso de direito no direito tributário podemos

citar Heleno tôrres, alfredo augusto Becker e alberto

Xavier. De outro lado, encontramos juristas que reco-

nhecem que o abuso de direito tem completa aplicação

no direito tributário, como, por exemplo, marco aurélio

Greco, Hermes marcelo Huck e Douglas Yamashita.

Heleno tôrres foi o doutrinador que introduziu, no

direito brasileiro, o conceito de elusão, que será desen-

volvido na seção 4, cujo fundamento é a falta de causa

do ato ou negócio jurídico. Contudo, o doutrinador pra-

ticamente nega a possibilidade de aplicação do abuso de

direito no direito tributário14.

reconhecemos que não é possível o sujeito passivo

da obrigação tributária abusar do direito de cumprir

10. CarvaLHO, 2005.

11. YamasHita, 2005, p. 75

12. idem, ibidem

13. BOGO, 2006, p.43

14. tÔrres, 2003

Page 61: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 61

essa obrigação. Não é possível abusar do dever de cum-

prir uma prestação, isto porque o cumprimento de uma

obrigação não se insere no campo dos direitos subjeti-

vos. Por outro lado, o contribuinte possui vários direi-

tos privados que afetam ou que geram efeitos no direito

tributário e nesse momento é possível ocorrer o abuso

de direito.

adotando essa linha de pensamento encontramos

Douglas Yamashita, quando afirma que a conclusão de

Heleno tôrres é equivocada, porque:

“[...] ele não apenas se esquece de que certos direi-tos privados podem servir abusivamente contra o estado tributante, mas também ignora que o Direi-to tributário concede direitos subjetivos públicos, tais como: i) créditos escriturais (de iCms, iPi, Pis ou Cofins); ii) direitos de opção (Lucro real, Pre-sumido ou arbitrado, simples, regime de caixa ou de competência); ou iii) isenções ou hipóteses de não-incidência, etc”15

O abuso de direito no direito tributário assenta-se

basicamente no uso abusivo de direito privado ou de

institutos do direito privado com vistas, exclusivamente,

à economia de tributos.

atentando-se para tese da elusão defendida por He-

leno tôrres, constata-se que, embora esse autor não

admita a aplicabilidade do abuso de direito no direito

tributário, ao discorrer sobre a ilicitude do ato e negócio

jurídico sem causa, traz os fundamentos para o reco-

nhecimento do abuso de direito nas relações tributárias.

essa afirmativa pode ser constatada especialmente quan-

do se refere a negócios lícitos16 que não se constituam

em simulações, com o objetivo de contornar a norma

tributária.

Neste ponto devemos indagar: podemos ter certo

que o abuso de direito tem aplicação ampla no direito

privado e no direito público? acreditamos que não há

dúvida de que a resposta é afirmativa. então questiona-

mos: existe a chamada autonomia do direito tributário,

em relação aos demais ramos do direito? mais uma vez

estamos convictos de que esta autonomia é meramente

didática, como já demonstramos. assim, é necessário

concluir que o abuso de direito deve ser reconhecido no

direito tributário.

admitir a aplicação do abuso de direito no direito

tributário não implica autorizar que a tributação deva

invadir o patrimônio do indivíduo sem limites. Defen-

de-se apenas que esse limite seja a capacidade econô-

mica ou contributiva do contribuinte. essa capacidade

deve ser o limite para o contribuinte e para o estado.

aquele não pode, a pretexto de auto-organização ou de

liberdade individual, utilizar-se de formulações canhes-

tras e pré-fabricadas, empregadas com o único propósito

de reduzir o montante de tributo a ser pago, indepen-

dentemente de qualquer motivo que justifique essas for-

mulações.

O particular, ao aplicar o direito, da mesma forma

que a administração Pública, irá interpretá-lo e, nessa

interpretação, deveria ter sempre em mente que a liber-

dade de iniciativa e a liberdade de contratar estão limita-

das pelos fins e pela função social desses direitos.

Desse modo, prestigia-se o princípio da autonomia

privada, porque plenamente reconhecido em nosso or-

denamento jurídico,17 condicionando o amparo do siste-

ma normativo a que a finalidade que move o contribuin-

te não seja apenas a de evitar ou reduzir a incidência

tributária utilizando atos ou negócios aparentemente

lícitos, mas desprovidos de causa18 ou de fim econômico

ou social.

atualmente em nosso direito podemos identificar vá-

rios direitos subjetivos sujeitos a abuso, dentre eles, o da

personalidade jurídica, da propriedade, da liberdade de

iniciativa, da liberdade de comércio e indústria, da liber-

dade de contratar, da liberdade de concorrência – sendo

15. YamasHita, 2005, p. 136.

16. tÔrres, idem

17. Constituição Federal de 1988 – arts. 5o e 170.

18. tÔrres, idem,

Page 62: Tributação em Revista 60

62 triBUtaÇÃO em revista

que todos têm aplicação e afetam o direito tributário.

Dessa forma, sempre que o titular do direito dele

abusar, exercitando com irregularidade seu direito à

economia fiscal, “[...] praticando ato válido perante o

Direito Privado, mas com abuso do direito frente ao

Direito tributário”19 não haverá a anulação de tal ato

perante o Direito Privado, contudo, haverá efeitos di-

versos no Direito tributário, porque, ainda que válido

no direito privado, no direito tributário o ato poderá

gerar a desconsideração do negócio jurídico ou da rela-

ção jurídica. No dizer de maria Luiza mendonça, “não se

justifica a anulação de tal ato porque ele é válido perante

o Direito Privado, e deve-se prestigiar essa validade para

a segurança do tráfico jurídico” (id.)

3.1- Abuso de Direito e Figuras Análogas: Fraude

à Lei Fiscal, Abuso de Forma e Negócio Jurídico

Indireto

Diferentemente do abuso de direito, na fraude à lei

fiscal há uma violação indireta da lei: por meio de apa-

rente licitude impede-se a imposição legal, cometendo

uma ilicitude. adota-se um caminho indireto com a fi-

nalidade de se evitar a aplicação da norma tributária ou

reduzir sua eficácia. Conforme Douglas Yamashita, “[...]

o ato em fraude à lei atenta apenas indiretamente, me-

diante engenhosa e complicada combinação de meios,

contra tal resultado” (2005, p. 295).

Por meio de tipos negociais diferentes, voltados à

obtenção de resultados vedados pela lei cogente, ten-

ta-se contornar ou evitar uma norma, para atingir os

mesmos objetivos econômicos que esta previu e proi-

biu, logrando, com isso, uma vantagem fiscal. Utiliza-se

irregularmente a autonomia privada com o exercício de

determinados atos jurídicos, cuja finalidade é afastar a

incidência da norma jurídica, usando-se uma norma de

cobertura para fazer-se sujeito a esta e não àquela que

se evita.20

a fraude à lei fiscal se enquadra no que a doutrina

chama de ilícitos atípicos, quando existe uma conduta

permitida, mas que pelo exercício desta, comete-se um

dano. É que ela não ofende diretamente regra jurídica,

mas atinge princípios que regem o sistema jurídico pá-

trio, ao “driblar” o espírito da lei imperativa. Qualifica-

-se ao lado do abuso de direito como componente destes

ilícitos atípicos e sujeita-se à mesma sanção, ou seja, à

desconsideração pelo Fisco.

O abuso de forma acontece, quando for adotada uma

forma anormal, atípica, com menor carga fiscal, para um

negócio jurídico, cuja forma normal atingiria o mesmo

objetivo, porém, mais oneroso do ponto de vista fiscal.

esta teoria foi desenvolvida para combater a utilização

abusiva de formas jurídicas para a consecução dos negó-

cios cuja finalidade é a economia tributária.

É a situação em que determinado contribuinte, em

vez de adotar uma forma mais simples e mais apropriada

para o tipo de negócio pretendido, encadeia atos jurídi-

cos, usando formas insólitas, inadequadas, cujo resul-

tado atingido é o mesmo da forma normal, porém com

menor carga tributária.

a teoria do abuso de forma possibilita a desconside-

ração do negócio jurídico que demonstre desconformi-

dade entre conteúdo e forma, ou que não corresponda

àquele que a forma exibe, aparecendo travestido de uma

forma inadequada21.

James marins, ao falar do abuso de formas, afirma:

“esta teoria insere-se num campo correlato ao do abu-

so de direito”22, pois são conceitos que se aproximam,

sendo empregados, em certos casos, conjuntamente. No

abuso de direito, se for adotada uma determinada forma

para o negócio jurídico, e esta causar prejuízo a tercei-

ros, recorrendo a um modelo inadequado, atípico, estará

presente, também, o abuso de formas.

Há negócio jurídico indireto quando, no exercício

da autonomia privada, os agentes econômicos formatam

19. meNDONÇa, 1998, p. 150

20. tOrres, 2003

21. GaLHarDO, siLva e NetO apud aNaN Jr. 2005, p. 223.

22. mariNs, 2002, p. 39

Page 63: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 63

negócios jurídicos típicos (tipo de contrato que a lei dis-

ciplinou seus contornos básicos, formais e materiais),

em que a vontade das partes é manifestada de modo cla-

ro, sem distorção, onde seus efeitos são os desejados e

há disposição para suportá-los tais como se irradiam.

Porém, visam a um fim indireto, já que apresentam ob-

jetivos diversos dos que lhe são próprios. É que seus fins

são modificados, de modo a divergir daquele fim típico,

porém, mantendo-se o tipo legal.

Por meio do negócio indireto, os contribuintes bus-

cam efetivamente seguir o caminho escolhido, de forma

transparente e visando o mesmo resultado que seria ob-

tido por outro tipo de negócio23. No entanto, ao mesmo

tempo em que adotam um negócio típico, objetivam um

fim atípico, distinto daquele que seria próprio do tipo24

e de modo a incorrer em menor carga de tributos. marco

aurélio Greco assim conclui:

“em suma, o negócio indireto em si mesmo consi-derado tanto pode desembocar numa fraude à lei ou num abuso de direito e aí estará desprotegido pelo ordenamento, como poderá se dar sem que isto ocorra. Não é o simples fato de ser negócio in-direto que protege ou não o contribuinte, é o caso concreto que vai determinar sua oponibilidade ou não ao Fisco”.25

Como visto, abuso de direito, fraude à lei fiscal, abu-

so de forma e negócio jurídico indireto sem causa se

aproximam, já que não apresentam ilegalidade no ato

jurídico propriamente dito, no entanto, desembocam

numa conduta elusiva.

4- O Parágrafo Único do Artigo 116 do CTN e sua

Aplicação

Cumpre, de início, fazer a distinção entre elisão, eva-

são e elusão.

elisão e evasão são conceitos que se contrapõem.

enquanto a elisão caracteriza-se por ser um procedi-

mento lícito, que corresponde a uma alternativa legal

disponível para realizar a operação pretendida, evitando

a incidência tributária ou se sujeitando a regime tribu-

tário mais favorável, a evasão utiliza-se de meios ilícitos

e fraudulentos, pela ação ou omissão, em ofensa a dis-

positivo legal, minorando ou eliminando a carga fiscal.

Já a elusão, termo introduzido na doutrina pátria por

Heleno tôrres, fica a meio caminho entre os conceitos

de elisão e evasão. Contempla condutas que não afron-

tam nenhuma regra tributária, entretanto são ilícitas por

desrespeitarem princípios fundamentais do ordenamen-

to jurídico. Não podem, assim, ser admitidas, ao contrá-

rio das práticas elisivas, que ocorrem no exercício regu-

lar da liberdade privada e são inatacáveis.

O controle da elusão fundamenta-se no conceito de ilí-

cito atípico: aquele que não se enquadra em nenhuma das

ilegalidades tipificadas em lei, compõe um sistema aber-

to, sem uma definição predeterminada das ilegalidades e

apresenta, por isso, uma infinidade de possibilidades de

ocorrência. em oposição, os ilícitos típicos são determina-

dos, constantes de uma lista taxativa, num sistema fecha-

do e com os modelos sancionatórios já definidos.

Não raro, observam-se reorganizações societárias,

constituições de empresas, transferências patrimoniais

e diversos outros negócios jurídicos que, prima facie,

são perfeitamente legais, mas que, ao final, identificadas

as verdadeiras finalidades jurídicas dos atos, se revelam

ilícitos por desrespeitarem o direito como um todo, ca-

racterizando-se como condutas elusivas. Organizam-se

negócios jurídicos lícitos, de forma transparente e no

uso de legítima autonomia privada, entretanto, a estru-

turação destes negócios se dá sem um propósito nego-

cial, em fraude à lei, com abuso de direito, com abuso de

forma ou por meio de um negócio jurídico indireto, cujo

objetivo é evitar a incidência da norma tributária, sendo

apenas aparente a licitude do ato. Ou seja, adotam-se

comportamentos elusivos e não apenas elisivos. estes

atos exigem mecanismos corretivos, sob pena de afron-

23. GreCO, 2004

24. Heleno tôrres assim se manifesta: “[...] negócio indireto é aquele no qual as partes celebram um contrato usando um tipo-parâmetro, mas visando a um fim indireto, i.e., distinto daquele que seria próprio do tipo”. (tOrres, 2003, p. 162).

25. GreCO, 2004, p. 255.

Page 64: Tributação em Revista 60

64 triBUtaÇÃO em revista

ta aos princípios da boa-fé, da capacidade contributiva

e da igualdade. Desvenda-se a elusão, perquirindo-se,

portanto, para além da forma, o resultado perseguido

pelo negócio jurídico, sua verdadeira causa, sua idonei-

dade e a aptidão do instrumento utilizado para a concre-

tização do fim objetivado pelas partes.

e, uma vez caracterizado o comportamento elusivo

do contribuinte, cabe a aplicação do parágrafo único do

art. 116 do CtN (“a autoridade administrativa poderá

desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com

a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador

do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da

obrigação tributária, observados os procedimentos a se-

rem estabelecidos em lei ordinária”), norma geral, em

matéria tributária, sancionatória de tais condutas.

É certo que há doutrinadores que enxergam no dis-

positivo uma regra antievasiva, com fundamento em

uma análise puramente semântica do termo “dissimu-

lar”, entendendo-a como uma regra anti-simulação, que

seria, assim, inócua, visto que trataria de condutas já

sancionadas por outras normas tributárias.

acompanhamos o pensamento daqueles que vislum-

bram no parágrafo único do art. 116 do CtN ferramenta

de combate à elusão fiscal, por entendermos que não

se deve, na interpretação do comando legal, resumir a

análise ao sentido emprestado a um único signo do tex-

to posto pelo legislador. Os conteúdos das expressões

“ocorrência do fato gerador” e “natureza dos elementos

constitutivos da obrigação tributária” não podem ser ig-

norados, sob risco de não se apreender o real alcance da

norma, qual seja, dotar o ordenamento jurídico tributá-

rio de meios de correção de atos elusivos, desvendando

a ocorrência do fato gerador, obstaculizada pelas práti-

cas do contribuinte, e revelando a verdadeira natureza

jurídica dos componentes da obrigação tributária, que o

particular buscou omitir por meios que, quando vistos

isoladamente, seriam autorizados pelas legislações tri-

butárias ou privadas.

Com o parágrafo único do art. 116 do CtN, o direito

positivo tributário conta, hoje, com uma norma geral

proibitiva de “ilícitos atípicos”, fórmula já comumente

adotada no direito privado para sanção de ilícitos desta

natureza. Logrou-se, com este preceito normativo, inse-

rir, no direito positivo pátrio, instrumento de controle

de condutas privadas que, sem descumprir frontalmente

as normas tributárias, buscam ocultar a ocorrência do

fato gerador da obrigação tributária, resultando numa

economia de tributos alcançada, unicamente, em decor-

rência das práticas elusivas. instrumentalizou-se, assim,

a administração Fiscal para enfrentar as práticas elusi-

vas que não encontram vedação em leis tributárias es-

pecíficas.

Os requisitos para evidenciação de tais condutas são

dados por princípios e regras tanto do direito privado

quanto do direito público, enquanto a sanção aplicável,

pelos danos à Fazenda Pública, encontra-se no parágra-

fo único do art. 116 do CtN. a fundamentação jurídi-

ca, portanto, para qualificá-las como ilícitas e apená-las

deve ser buscada não apenas nas normas tributárias.

4.1- Aplicação da Norma Geral Antielisiva Combi-

nada com Dispositivos do Código Civil

Como visto, o sistema jurídico é uno e deve, portan-

to, guardar uma coerência entre os dispositivos presen-

tes nos seus diversos ramos que, indubitavelmente, se

comunicam. e, repise-se, a unidade do sistema jurídico

não prescinde de conceitos como “abuso de direito” e

“fraude à lei” inseridos na órbita de uma teoria geral de

direito. respeitadas eventuais derrogações trazidas pelas

leis fiscais especiais ou específicas, os significados que o

direito privado empresta a tais categorias jurídicas são

amplamente aplicáveis no campo tributário. além disso,

a legislação tributária pode prever conseqüências distin-

tas das trazidas pelo direito privado, como efetivamente

o faz, determinando, o parágrafo único do art. 116 do

CtN, não a invalidade dos atos elusivos, mas a sua ino-

ponibilidade perante a Fazenda Pública.

Nestes moldes, compreendemos o conceito de “abu-

so de direito”, como dado pelo art. 187 do Código Civil

de 2002, plenamente aplicável às questões tributárias,

Page 65: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 65

com a ressalva de que a sua prática tem efeitos próprios

no campo tributário, devendo-se conjugar o preceito do

direito privado com o parágrafo único do art. 116 do

CtN. Observados os requisitos materiais previstos no

art. 187 do CC que acarretem a redução de tributo ou

a obtenção de vantagens fiscais indevidas, pode o Fisco

requalificar as práticas do particular, como determina

o art. 116, parágrafo único, do CtN, e fazer incidir a

norma tributária de regência. aliás, deve ser ressalta-

do que, em nenhum de seus comandos normativos, o

CtN elenca requisitos materiais para a caracterização de

comportamentos elusivos, que deverão ser buscados em

princípios e regras do ordenamento jurídico, sejam nor-

mas do direito privado ou do direito público. e de outra

maneira não poderia ser, porquanto, em tais hipóteses,

estaremos diante de ilícitos atípicos.

regularmente comprovada a ilicitude resultante de

prática elusiva e que não seja atacável por norma tri-

butária específica, a autoridade administrativa poderá

lançar mão da norma geral antielusiva. É desnecessário

que a administração recorra ao Poder Judiciário para

ver declarada a nulidade do ato, pois o negócio jurídi-

co, no campo do direito tributário, não será nulo. será,

contudo, inoponível à Fazenda tal qual se apresenta, ob-

viamente respeitado o devido processo legal. O sancio-

namento da elusão fiscal, nos termos do parágrafo único

do art. 116 do CtN, faz-se, assim, pela desconsideração

do negócio jurídico, ou melhor, por sua ineficácia pe-

rante o Fisco, não se imiscuindo o ato de desconsidera-

ção na validade do negócio jurídico.

ao proceder à recaracterização do negócio jurídico

para revelação do fato gerador encoberto, a autoridade fis-

cal deve buscar trazer para o processo administrativo fiscal

os elementos que comprovem a elusão, sendo necessária,

no trabalho de concretização do comando abstrato previs-

to no parágrafo único do art. 116 do CtN, a evidenciação

do objetivo efetivamente pretendido em contraposição à

forma jurídica adotada e seu fim típico esperado.

4.2- Eficácia da Norma Geral Antielisiva

O parágrafo único do art. 116 do CtN é exemplo

de norma de eficácia contida. Nos ensinamentos de José

afonso da silva:

algumas normas podem caracterizar-se como de eficácia contida, mas sempre de aplicabilidade di-reta e imediata, caso em que a previsão de lei não significa que desta dependem sua eficácia e apli-cabilidade, visto que tal lei não se destina a inte-grar-lhes a eficácia (que já têm amplamente), mas visa restringir-lhes a plenitude desta, regulando os direitos subjetivos que delas decorrem para os in-divíduos ou grupos. enquanto o legislador, neste caso, não produzir a normatividade restritiva, sua eficácia será plena.26

ricardo Lodi ribeiro (2002, p.149) faz as seguintes

considerações sobre a aplicação e a eficácia da norma

geral antielisiva:

No caso, há que considerar que ocorrendo o fato gerador, que é, no entanto, escamoteado por ex-pedientes abusivos do contribuinte, é imperiosa a tributação com base no ato dissimulado, indepen-dentemente da lei prevista no parágrafo único do art. 116 do CtN, que regulará, por meio dos pro-cedimentos a serem adotados, a forma pela qual a autoridade irá afastar a dissimulação, prevendo inclusive presunções de atos dissimulados. O dis-positivo em tela é o típico caso de norma de eficá-cia contida, de aplicabilidade imediata e direta na clássica definição de José afonso da silva, que tam-bém se aplica aos dispositivos de lei complementar (grifos nossos).

Yamashita, igualmente, entende o parágrafo único

do art. 116 do CtN como norma de eficácia contida.

argumenta que “entendimento diverso seria tolerar a ili-

citude apenas por falta de um procedimento legal novo,

uma vez que procedimento legal já existe”, devendo ser

aplicada a legislação procedimental vigente: o Decreto

nº 70.235/72, recepcionado pela CF/88 com status de lei

ordinária, e, subsidiariamente, a Lei nº 9.784/99. Cabe

ressaltar que a legislação de procedimentos administra-

tivos em vigor respeita os princípios da ampla defesa e

do direito ao contraditório, inclusive com possibilidade

26. siLva, 1997, p. 260.

Page 66: Tributação em Revista 60

66 triBUtaÇÃO em revista

de revisão das decisões em segunda instância por órgão

colegiado paritário.

De qualquer modo, tratando-se de uma lei de pro-

cedimentos, portanto matéria de direito processual, as

hipóteses de dissimulação, presentes no direito material,

independerão, evidentemente, da lei ordinária prevista

no parágrafo único do art. 116 do CtN.

5- Conclusão

Do estudo do abuso de direito em nosso atual direito

positivo, conclui-se que estão superadas as discussões a

respeito da antijuridicidade do instituto no âmbito dos

negócios jurídicos privados, tendo em vista a disposição

expressa da atual lei civil. ao se adequar a uma conduta

permitida, porém desvirtuando sua finalidade econômi-

ca e social, incorrer-se-á em ilicitude. e, assim como na

hipótese de desrespeito a regras – que resultará em ile-

galidade –, a afronta a princípios – acarretando ilicitude

–, igualmente, não é admitida em nosso ordenamento.

apresentados pensamentos diversos a respeito da

aplicabilidade do abuso de direito no campo da tributa-

ção, concluiu-se que o Código Civil, ao dispor sobre o

instituto, traz regra geral aplicável aos mais diversos ra-

mos de nosso ordenamento, aí inserido o direito tributá-

rio, dada a unidade do sistema jurídico, que como tal se

caracteriza por ser um complexo organizado e coerente

de princípios e regras, cabendo à autonomia dos ramos

jurídicos fins meramente didáticos.

Quanto ao abuso ao direito e as figuras análogas –

abuso de forma, fraude à lei fiscal e negócio jurídico

indireto sem causa –, conclui-se que a similitude en-

tre eles reside no fato de não se caracterizarem como

condutas ilegais, uma vez que não agridem frontalmente

nenhuma regra imperativa, contudo apresentam uma le-

galidade apenas aparente, posto que são violadoras do

conjunto de normas do ordenamento, ou seja, estão car-

regadas de ilicitude.

a elusão fiscal tem como sua marca mais importan-

te a distinção que faz do planejamento tributário lícito,

exercido nos limites da legítima autonomia privada, do

negócio jurídico apenas aparentemente lícito, visto que

projetado exclusivamente para ocultar a ocorrência do

fato gerador ou reduzir o quantum de tributo a pagar,

sem qualquer propósito negocial, próprio do ato ou ne-

gócio praticado.

a resposta dada ao abuso de direito pelo art. 187 do

Código Civil de 2002 é plenamente aplicável às questões

tributárias, em respeito à unicidade do sistema jurídico

e observados os efeitos próprios no campo tributário,

devendo-se conjugar o preceito do direito privado com

o parágrafo único do art. 116 do CtN.

ainda com relação ao parágrafo único do art. 116 do

CtN, em síntese, ele se constitui em norma geral sancio-

natória das condutas elusivas, entre elas as práticas abu-

sivas, que têm como objetivo único escapar do cumpri-

mento de obrigações tributárias e que são caracterizadas

pela inexistência de causa ou propósito negocial. tam-

bém não se presta a coibir a elisão fiscal, economia lícita

de tributos, nem visa a combater condutas evasivas, já

proibidas por outros dispositivos do direito tributário.

vimos que ele exerce uma função instrumental, per-

mitindo que a administração tributária declare ineficaz o

negócio “dissimulado”, prescindindo da anulação do ato,

pois trata-se de dispositivo de eficácia contida, visto que

sua aplicação independe de futura lei ordinária de proce-

dimentos que poderá, simplesmente, trazer exigências for-

mais outras, ao lado das previstas na atual lei do processo

administrativo fiscal, que garante plenamente ao contri-

buinte o direito à ampla defesa e ao contraditório, sendo

desnecessária a intervenção do Poder Judiciário, posto que

o negócio não será nulo, apenas inoponível ao Fisco.

assim, verificada a ação ou omissão do contribuin-

te, no uso de autonomia contratual, a qual foi exercida

com elusão tributária, sem propósito negocial, visando a

reduzir ou eliminar a carga fiscal, pode a administração

tributária desconsiderá-la para efeitos exclusivamen-

te fiscais, procedendo à lavratura do respectivo auto

de infração, resguardando o direito de defesa na esfera

administrativa, garantido pelo Decreto nº. 70.235/72 e

pela Lei nº. 9.784/99.

Page 67: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 67

anais do seminário internacional sobre elisão Fis-cal, realizado pela escola de administração Fazen-dária – esaF, em Brasília, no período de 06 a 08 de agosto de 2001. Brasília, 2002.

aNaN Jr., Pedro (Coord.). Planejamento Fiscal: aspectos teóricos e Práticos. são Paulo: Quartier Latin, 2005.

BOGO, Luciano alaor. elisão tributária: Licitude e abuso de Direito. Curitiba: Juruá editora, 2006.

estreLLa, andré Luiz Carvalho. a Norma an-tielisão revisitada: artigo 116, Parágrafo Único, CtN. in: PeiXOtO, marcelo magalhães (Coord.). Planejamento tributário. são Paulo: Quartier Latin, 2004.

GaLHarDO, Luciana rosanova; siLva, Priscila stela mariano da e GrOss NetO, estevão. Planeja-mento Fiscal: Um embate entre Princípios Consti-tucionais tributários. in aNaN Jr., Pedro (Coord.). Planejamento Fiscal: aspectos teóricos e Práticos. são Paulo: Quartier Latin, 2005.

GreCO, marco aurélio. Planejamento tributário. são Paulo: Dialética, 2004.

mariNs, James. elisão tributária e sua regulação. são Paulo: Dialética, 2002.

meNDONÇa, maria Luiza vianna Pessoa de. O abuso do Direito no Direito tributário Brasileiro. revista de Direito tributário, são Paulo: malheiros, nº. 73, p. 132-154, 1998.

NaBais, José Casalta. O Dever Fundamental de Pa-gar impostos. Coimbra: Livraria almedina, 2004.

PeiXOtO, marcelo magalhães (Coord.). Planeja-mento tributário. são Paulo: Quartier Latin, 2004.

REFERÊNCIASPereira, César a. Guimarães. a elisão tributária e a Lei Complementar nº. 104/2001. revista Diálogo Jurídico, salvador, vol. i, nº. 8, 2001. Disponível em: http://www.direitopúblico.com.br. acesso em: 30 mar 2006.

PiZOLiO, reinaldo. Norma Geral antielisão e Possi-bilidades de aplicação. in: PeiXOtO, marcelo maga-lhães (Coord.). Planejamento tributário. são Paulo: Quartier Latin, 2004.

riBeirO, ricardo Lodi. a elisão Fiscal e a LC nº. 104/01. revista Dialética de Direito tributário, são Paulo: Dialética, nº. 83, p. 141-149, 2002.

rOCHa, valdir de Oliveira (Coord.). Planejamen-to Fiscal: teoria e Prática. v. 2. são Paulo: Dialética, 1998.

rOCHa, valdir de Oliveira (Coord.). O Planejamen-to tributário e a Lei Complementar 104. são Paulo: Dialética, 2002.

tÔrres, Heleno. Direito tributário e Direito Priva-do: autonomia Privada: simulação: elusão tributária. são Paulo: revista dos tribunais, 2003.

tÔrres, ricardo Lobos. a Chamada “interpretação econômica do Direito tributário”, a Lei Complemen-tar 104 e os Limites atuais do Planejamento tributá-rio. in.: rOCHa, valdir de Oliveira (Coord.). O Pla-nejamento tributário e a Lei Complementar 104. são Paulo: Dialética, 2002.

tÔrres, ricardo Lobos. Normas Gerais antielisivas. Disponível em: http://www.rlobotorres.adv.br/htm/antielisivas.htm. acesso em: 31 mar 2006.

YamasHita, Douglas. elisão e evasão de tributos. Planejamento tributário: Limites à Luz do abuso de Direito e da Fraude à Lei. são Paulo: Lex editor, 2005

Page 68: Tributação em Revista 60

68 triBUtaÇÃO em revista

A concessão de aposentadoria por invalidez integral para portador de doença grave, incurável ou

contagiosa

qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Natureza Recurso Especial

Órgão julgador Quarta Turma

Nº do Processo REsp 942.530/RS

Relator Ministro Jorge Mussi

Matéria Aposentadoria por invalidez

Recorrente Universidade Federal de Santa Maria

Recorrida/Interessado Maria Olga do Couto Pacheco

Data de Publicação 07.06.2010

Ementa DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA INCURÁVEL. ART. 186 DA LEI N. 8.112/1990. ROL EXEMPLIFICATIVO. PROVENTOS INTEGRAIS. POSSIBILIDADE.

Page 69: Tributação em Revista 60

triBUtaÇÃO em revista 69

qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

em alteração promovida pela emenda Constitucio-

nal no 41/2003, a Carta magna prevê em seu art. 40,

§1º, inc. i1, a concessão de aposentadoria integral aos

servidores titulares de cargos efetivos da União, dos

estados, do Distrito Federal e dos municípios, inclu-

ídas suas autarquias e fundações, quando a invalidez

decorrer de doença grave, contagiosa ou incurável, na

forma da lei.

O art. 186, § 1º, da Lei n. 8.112/902 discrimina

algumas das doenças consideradas graves, incuráveis

ou contagiosas para fins de concessão integral da apo-

sentadoria por invalidez, facultando a complementa-

ção do rol por outro diploma legal, ainda inexistente.

assim, as aposentadorias por invalidez concedi-

das com a fundamentação acima apenas serão defe-

ridas se a moléstia estiver descrita no bojo legal, sob

pena de ofensa ao princípio da legalidade, conforme

entendimento dominante na jurisprudência das Cor-

tes do País, incluindo o supremo tribunal Federal3, o

superior tribunal de Justiça4 e o tribunal de Contas

da União5.

todavia a Quinta turma do superior tribunal de

Justiça – stJ afirmou tratar-se de lista exemplificativa

e não taxativa, por unanimidade, na análise do re-

curso especial – resp no 942.530/rs, de relatoria do

ministro Jorge mussi.

muito embora a administração Pública lato sensu

esteja adstrita e vinculada à observância estritamente

do princípio da legalidade, a aplicação deste primado

não pode servir de fundamento para afastar a aplicação

de direitos destinados à proteção do servidor público.

Nestes termos, o rol descrito na Lei no 8.112/90

é apenas uma enumeração exemplificativa e negar-lhe

este caráter ofende a destinação da norma, uma vez

que a vontade do legislador é garantir proteção aos

servidores incapacitados em decorrência de doença in-

curável, contagiosa ou grave.

O ministro relator também suscitou a incompetên-

cia técnica da Ciência Jurídica no que tange à defini-

ção e especificação taxativa de todas as doenças que

podem levar à incapacidade laboral, sustentando bri-

lhantemente a competência técnica privativa da medi-

cina para classificação das enfermidades, reafirmando

que ao julgador, neste caso, compete apenas direcio-

nar a solução da controvérsia baseando-se nos fins al-

mejados pela norma e em prova técnica.

ainda destacou a afronta a princípios constitucio-

nais, em especial o da isonomia, quando há a conces-

são de aposentadoria a servidor que sofre de um mal

de idêntica gravidade àqueles mencionados no § 1º,

e também insuscetível de cura, mas não contemplado

pelo dispositivo de regência6.

Não obstante os entendimentos divergentes há de

se reconhecer a plausibilidade dos argumentos acima

mencionados.

Negar ao servidor público o seu direito à aposen-

tadoria com proventos integrais, apenas pela ausência

de previsibilidade expressa da enfermidade que o in-

capacita no texto legal, implica na admissão delibera-

da de cerceamento à assistência previdenciária essen-

cial para proteção da dignidade humana.

O servidor público também é destinatário das nor-

mas relativas à proteção do trabalho e, claro, das nor-

mas tutelares dos direitos sociais. assim, também deve

fruir das normas destinadas à melhoria de sua condi-

ção social e, por conseguinte, possui direito cristalino

1. i - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;

2. § 1o Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso i deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anqui-losante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), síndrome de imunodeficiência adquirida - aiDs, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.

3. Por exemplo: re n. 175.980/sP, re 353.595/tO, agravo regimental no agravo de instrumento n. 767/931/rs

4. Precedentes citados no voto do min. Jorge mussi: agrg no resp 938.788/rs, agrg no resp 1.024.233/Pr, ms 8.334/DF.

5. acórdão 3741/2011 - Primeira Câmara; Decisão 259/2002 - Primeira Câmara

6. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/decisao.asp?registro=201000761506&dt_publicacao=13/12/2010

Page 70: Tributação em Revista 60

70 triBUtaÇÃO em revista

e inafastável, como todos os cidadãos, à proteção da

dignidade humana.

a proteção social do trabalhador e o sistema previ-

denciário destinam-se à preservação da dignidade hu-

mana por meio de ações positivas e imposições estatais

voltadas à concretização de um núcleo de direitos de

cunho assistencialista e protecionista, garantidores de

um mínimo de condições para o desenvolvimento da

vida humana.

assim, considerar que o princípio da legalidade

deve sobrepor-se ao direito constitucional de assegu-

rar a assistência estatal para os cidadãos-servidores,

impossibilitados de manter e prover seu sustento, con-

traria a própria ideologia da Constituição Federal.

Os preceitos constitucionais constituem parâme-

tros basilares tanto para a elaboração quanto para a

aplicação de outras normas, sendo sua observância

obrigatória.

a tarefa dos intérpretes consiste em obter a exata

proporção entre legalismo e adequação da norma ao

caso concreto, objetivando viabilizar a aplicação das

disposições constitucionais e legais sem olvidar o sen-

tido almejado pelo legislador.

Nesta seara, a atividade interpretativa do julgador

deve buscar valorar objetos externos à própria norma,

uma vez que esta, quando de sua aplicação no mundo

dos fatos, busca utilizar mecanismos capazes de apro-

ximarem-na da realidade fática, sendo imprescindível

a utilização de gradações valorativas para compatibili-

zação entre anseios sociais e texto legal.

a sobreposição do princípio da legalidade ao pro-

tecionismo essencial à vida humana e à preservação da

dignidade do homem é posicionamento que afronta o

próprio objetivo da Lei, que, como bem explicitou o

ministro relator, cinge-se em amparar de forma mais

efetiva o servidor que é aposentado em virtude de gra-

ve enfermidade, garantindo-lhe o direito à vida, à saú-

de e à dignidade humana.

Por uma questão de justiça, espera-se que o novo

entendimento do stJ supere a interpretação dominan-

te da questão, pois, com isso, haverá efetividade aos

ditames constitucionais destinados à proteção dos ser-

vidores aposentados em decorrência de enfermidades.

Renata Machado de Araujo Machado

Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional

Áryna Martins Dias Rangel

Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional

Page 71: Tributação em Revista 60
Page 72: Tributação em Revista 60