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Tributação em Revista
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ributaçãoributaçãoributaçãoE M R E V I S T A Ano 17 N° 60 T
ISSN 1809-3426Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional
jul–set 11 Distribuição Dirigida
EntrevistaLucieni Pereira Críticas ao Projeto de Lei que regulamenta a PrevidênciaComplementar do Servidor Público Páginas 6 a 12
Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: [email protected]. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para [email protected]. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.
5
s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL
ENTREVISTALucieni Pereira
ARTIGOPrevidência Complementar do regime Próprio de Previdência – aspectos de ConstitucionalidadeAline Teodoro de Moura, Almir Serra Martins Menezes Neto, André Stefani Bertuol, Guilherme Feliciano e Lucieni Pereira
ARTIGOPrevidência Complementar do servidor Público: análise do Projeto de Lei no 1.992/2007Renata Machado de Araujo Machado, Áryna Martins Dias Rangel e Álvaro Luchiezi Jr.
ARTIGOa Perversidade do PL 1992/2007Vilson Antônio Romero
ARTIGOa revolução Previdenciária BrasileirasFloriano José Martins
ARTIGOPrevidência Complementar dos servidores Públicos FederaisLeonardo Costa Schüler
ARTIGOO abuso de Direito e a Norma antielisivaEládio César da Silva, Maria Cristina Montezano, Marília Aparecida Silva do Carmo e Wilson Silva França Júnior
QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIOa concessão de aposentadoria por invalidez integral para portador de doença grave, incurável ou contagiosa
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DIRETORIA ExECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue tolentino Filho1º Vice-PresidenteLupércio machado montenegro2º Vice-Presidentesergio aurélio velozo DinizSecretário-GeralClaudio marcio Oliveira DamascenoDiretor-Secretáriomauricio Gomes ZamboniDiretor de FinançasGilberto magalhães De CarvalhoDiretor-Adjunto de Finançasagnaldo NeriDiretora de Administraçãoivone marques monteDiretor-Adjunto de Administraçãoeduardo tanakaDiretor de Assuntos Jurídicossebastião Braz da Cunha Dos reis1º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosWagner teixeira vaz2º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa ProfissionalGelson myskovsky santos1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissionalmaria Cândida Capozzoli de Carvalho
2º Diretor-Adjunto de Defesa ProfissionalDagoberto da silva LemosDiretor de Estudos TécnicosLuiz antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos Técnicoselizabeth de Jesus mariaDiretor de Comunicação SocialKurt theodor Krause1ª Diretora-Adjunta de Comunicação SocialCristina Barreto taveira2º Diretor-Adjunto de Comunicação Socialrafael Pillar JúniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensõesClotilde GuimarãesDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e Pensõesaparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SaúdeJesus Luiz BrandãoDiretor-Adjunto do Plano de Saúdeeduardo artur Neves moreiraDiretor de Assuntos ParlamentaresJoão da silva dos santosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo marcio secundinoDiretor de Relações IntersindicaisCarlos eduardo Barcellos Dieguez
Diretor-Adjunto de Relações IntersindicaisLuiz Gonçalves BomtempoDiretor de Relações InternacionaisJoão Cunha da silvaDiretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialmaria amália Polotto alvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialrogério said CalilDiretor de Políticas Sociais e Assuntos EspeciaisJosé Devanir de OliveiraDiretores-SuplentesKleber Cabral Conselho FiscalMembros Titularesricardo skaf abdalaJose Benedito de meiramaria antonieta Figueiredo rodrigues Membros Suplentesiran Carlos toneli LimaNorberto antunes sampaioJosé Yassuo Hashimoto
Tributação em Revista é uma publicação do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.
Conselho EditorialLupércio machado montenegro, elizabeth de Jesus maria; Kurt theodor Krause; tarcízio Dinoá medeiros; João Cunha da silva; Hélio socolik, ro-berto Barbosa de Castro e Luiz antonio Benedito.
Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.
EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.
Projeto Gráficoerika Yoda
Fotolito e ImpressãoBrasília artes Gráficas
CapaNúcleo Cinco
Diagramação Washington ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF
Tiragem desta edição3.500 mil exemplares
Produção EditorialPublicação Dirigida. acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br, link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:[email protected]
Redação e correspondência sDs, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CeP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255
Colaboração:Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).
ributaçãoT e m r e v i s t a
triBUtaÇÃO em revista 5
e DITORIAL
a inscrição do regime previdência complementar para
o servidor público em nossa Constituição foi posterior a
1988 como decorrência de emendas constitucionais que
implementaram a reforma previdenciária. O advento do
Projeto de Lei 1992 em 2007 suscitou firmes posiciona-
mentos contrários das mais diversas correntes dos servi-
dores públicos.
são diversos os pontos de vista que argumentam con-
trariamente à aprovação do PL 1992/07. a presente edição
de tributação em revista buscou reunir em seus artigos a
maioria destes argumentos, aqui ecoando pela voz muitos
servidores públicos, especialistas em suas áreas de atuação
e exercendo cargos estratégicos na administração Federal.
O tema é relevante não apenas para o auditor-Fiscal da
receita Federal do Brasil, mas para os mais de quinhentos
mil servidores públicos federais e para os inúmeros servi-
dores estaduais e municipais, seus dependentes e pensio-
nistas, dada a mudança na percepção das suas aposenta-
dorias e pensões. são alterações quantitativas no benefício
a ser recebido que repercutirão no próprio modo de vida
dessas pessoas.
Os atuais servidores ainda terão o benefício da opção,
ou não opção, pela previdência complementar. Os novos
servidores, não. as repercussões vão muito além do âmbi-
to da vida individual e familiar dos servidores: atingirão,
em última instância, a qualidade do serviço público pelo
desinteresse que ela poderá exercer em futuros candidatos
à cargos públicos.
O objetivo desta edição é repercutir junto a nossos lei-
tores, compostos em sua maioria por servidores públicos,
as principais críticas à proposta de regulamentação da pre-
vidência complementar do servidor público que emana do
PL 1992/07. trouxemos, assim, a visão de diversos espe-
cialistas e estudiosos da matéria.
em nossa entrevista habitual ouvimos Luciene Perei-
ra, auditora Federal de Controle externo do tribunal de
Contas da União e especialista na questão. seu alerta tem
o prisma da servidora pública do tCU, da militante sindi-
cal e da pesquisadora universitária. enquanto acadêmica,
uniu-se a outros professores universitários e igualmente
servidores federais das mais destacadas carreiras para pro-
duzir um artigo em quem são discutidos diversos aspectos
relativos à inconstitucionalidade da matéria.
O artigo assinado pelos técnicos do Departamento
de estudos técnicos do sindifisco Nacional ressalta não
somente alguns pontos de inconstitucionalidade do PL
1992/07 como também coloca em evidência algumas
omissões e impropriedades, lançando dúvidas sobre a sua
viabilidade e conclamando à maior discussão desta pro-
posta com os maiores interessados: os servidores públicos.
O artigo de Floriano martins resulta do seu conheci-
mento na área atuarial e também de sua militância sin-
dical, abordagem esta também presente nas reflexões de
vilson romero que, como auditor-Fiscal e jornalista, bus-
ca levar à Classe e à sociedade, num linguajar direto, as
perversidades do 1992/07.
as reflexões sobre o tema encerram-se com o artigo de
Leonardo schüler, consultor legislativo da Câmara dos De-
putados especializado em administração Pública. seu olhar,
como técnico do Poder Legislativo, alerta para os riscos, com
a implantação do regime complementar, da redução de ren-
da após a aposentadoria para as mulheres servidoras.
Por fim, fugindo da tendência monotemática desta
edição, tributação em revista traz ao leitor as reflexões
acadêmicas, baseadas em sua experiência como autorida-
des Fiscais de quatro auditores-Fiscais, eládio silva, maria
Cristina montezano, marília aparecida do Carmo e Wil-
son França Jr. sobre abuso de direito e normas antielisivas.
6 triBUtaÇÃO em revista
e ntrevista
Lucieni Pereira
“Além de instaurar um cenário de insegurança
jurídica, porque a União insiste em criar a
previdência complementar do regime próprio sem
que haja uma lei complementar específica que
regulamente as peculiaridades do setor público, a
medida aumentará o deficit previdenciário do setor
público nos próximos anos”
triBUtaÇÃO em revista 7
aauditora Federal de Controle externo do tribunal de Contas da União, desde
2004, Lucieni Pereira, tem uma vasta experiência profissional, acadêmica e
sindical. Profissionalmente, na área de fiscalização e controle, desempenhou
funções no estado e no município do rio de Janeiro, tendo se especializado em contro-
le externo pela Fundação Getúlio vargas do rio de Janeiro; no meio sindical é segunda
vice-Presidente do sindicato dos servidores do Poder Legislativo Federal e tribunal
de Contas da União (sindilegis); na área acadêmica, leciona no imaG-DF, esmPU,
esaF além de outras instituições. Conquistou, assim, credibilidade em todas estas áre-
as além de uma atuação marcante na crítica ao Projeto de Lei 10992/2007 que cria a
FUNPresP - Fundação de Previdência Complementar do servidor Público. Por todas
as razões aqui expostas, tributação em revista foi ouvi-la na certeza de que suas pon-
derações poderão lançar muitos esclarecimentos sobre as dúvidas e incertezas que per-
meiam este Projeto de Lei que cria a Previdência Complementar do servidor Público.
Tributação em Revista. O Governo aponta um
“deficit” previdenciário do regime próprio de pre-
vidência dos servidores civis federais e membros
de Poder (RPPS) que ultrapassa R$ 52 bilhões.
Esse resultado é uma das razões que se utiliza
para justificar a implantação da previdência
complementar específica para os servidores civis
federais e membros de Poder. Localize histórica e
financeiramente a origem desse deficit.
Luciene Pereira. em 2010, a União apresentou um de-
ficit previdenciário do setor público da ordem de r$
52,7 bilhões. Porém, o Governo Federal não apresenta
os números de forma transparente para a sociedade.
Os relatórios oficiais publicados na página eletrônica
do tesouro Nacional registram um deficit de r$ 22,5
bilhões com a manutenção da previdência dos milita-
res federais e servidores do Distrito Federal custeados
diretamente pela União, segmentos não alcançados
pelo PL 1.992, tampouco pelas reformas da Previdên-
cia já aprovadas, constituindo fontes crescentes do de-
ficit do setor público, sem que nada seja feito para so-
lucioná-lo. O resultado da previdência específica dos
servidores civis federais e membros de Poder aponta
um deficit de apenas r$ 30,2 bilhões, mas esse nú-
mero não é revelado à população. Do montante de r$
30,2 bilhões, 95% correspondem ao resultado previ-
denciário deficitário apurado no Poder executivo; 5%
referem-se à soma do deficits dos Poderes Legislativo
e Judiciário, ministério Público e tribunal de Contas
da União, o que não passou de r$ 1,5 bilhão em 2010.
mas os servidores públicos civis do Poder executivo
não são os vilões da previdência da União. O deficit
apresentado no gráfico decorre da falta de ação da cú-
pula dos Governos, que não adotaram - e permanece
sem adotar - as medidas operacionais que possibilitem
o repasse ao regime próprio dos valores das contribui-
ções previdenciárias que mais de 540 mil funcionários
recolheram ao regime geral de previdência social até
8 triBUtaÇÃO em revista
5 de outubro de 1988, data em que milhares de cele-
tistas do Poder executivo da União foram incorpora-
dos ao regime jurídico único e passaram a ter direito
à aposentadoria segundo as regras do regime próprio
referido no artigo 40 da Constituição. O baixíssimo
padrão de governança do regime próprio da União é
um dos fatores que está na raiz do resultado previ-
denciário apurado na esfera federal. embora a União
disponha dos melhores especialistas em previdência
no seu quadro de pessoal, falta vontade política para
organizar o respectivo regime próprio, que sequer foi
instituído formalmente enquanto unidade gestora úni-
ca, como determina a Constituição.
soma-se a isso o fato de os últimos Governos terem
sido contaminados pela influência de colaboradores
de passagem, que trouxeram idéias equivocadas, que
beiram o preconceito, de que a previdência do servi-
dor deve-se equiparar à do trabalhador do setor priva-
do, porque na visão dessas pessoas, restrita ao regime
de contratação da iniciativa privada, é injusto o servi-
dor público efetivo e membro de Poder se aposentar
com um valor que pode chegar ao salário integral se
forem cumpridos todos os requisitos de tempo de con-
tribuição e de efetivo exercício no cargo, na carreira e
no serviço público. essa falta de ação cria um cenário
de desordem operacional, que impede o regime pró-
prio de receber a compensação financeira referente aos
celetistas que contribuíram durante anos para o regi-
me geral de previdência social e que se aposentam por
aquele regime. a inércia da União quanto à implan-
tação do sistema nacional de compensação financeira
entre os regimes próprios dos entes das esferas federal,
estadual e municipal é outro fator que sobrecarrega
o resultado previdenciário apurado pela União. a Lei
que regulamenta a compensação financeira entre os
regimes próprios foi aprovada em 1999, mas o Gover-
no Federal não tomou nenhuma providência. vigente
há mais de uma década, se houvesse a compensação
financeira prevista no parágrafo § 9º do artigo 201 da
Constituição, regulamentada pela Lei nº 9.796, certa-
mente o deficit da previdência dos servidores civis não
chegaria a r$ 30,2 bilhões.
TR. A aprovação do PL 1.992/07, que institui a
Fundação de Previdência Complementar do Ser-
vidor (FUNPRESP), para regulamentar o parágra-
fo 15 do artigo 40 da Constituição Federal, resol-
veria o deficit apontado pelo Governo?
LP. a criação da entidade fechada de previdência com-
plementar, nos termos propostos pelo PL 1.992, não
resolve o resultado previdenciário da União; pelo con-
trário, piora a situação atual.além de instaurar um ce-
nário de insegurança jurídica, porque a União insiste
em criar a previdência complementar do regime pró-
prio sem que haja uma lei complementar específica
que regulamente as peculiaridades do setor público,
a medida aumentará o deficit previdenciário do setor
público nos próximos anos. isso porque as aposen-
tadorias dos atuais servidores ativos serão custeadas
com recursos do tesouro Nacional, já que as contribui-
ções previdenciárias dos servidores que ingressarem
a partir da criação da FUNPresP passarão a formar
“os servidores públicos civis do Poder Executivo
não são os vilões da previdência da União. O deficit apresentado no gráfico decorre da
falta de ação da cúpula dos
Governos.”
triBUtaÇÃO em revista 9
poupança no mercado de capitais. Como os Governos
no Brasil são extremamente imediatistas, a tendência
é é que o resultado negativo usar o resultado negati-
vo, decorrente da mudança drástica do atual regime
de repartição simples para o regime de capitalização
(poupança), seja usado para justificar novas reformas
da previdência do servidor público e membros de Po-
der, de modo a reduzir direitos conquistados por esses
profissionais que historicamente contribuem para a
previdência com alíquota mínima de 11% que incide
sobre o total de suas remunerações.
TR. Se implementada a previdência complemen-
tar para o servidor haverá realmente redução de
despesas para o governo? Desenvolva este ponto
com mais detalhes.
LP. O governo alega que reduzirá as despesas, porque
a alíquota de 22% da contribuição patronal incidirá
sobre o salário-teto de r$ 3.691,74. em 2010, a União
gastou r$ 107,6 bilhões com a folha de pessoal ati-
vo, recolhendo cerca de r$ 12,2 bilhões a título de
contribuição patronal dos servidores ativos. No mes-
mo período, os gastos com aposentadorias e pensões
civis e militares foram da ordem de r$ 75,4 bilhões,
dos quais r$ 22,6 bilhões foram pagos com as con-
tribuições previdenciárias dos servidores e patronal,
previstas para conferirem equilíbrio ao regime. se de
um lado a União reduzirá de 22% para 7,5% a alíquota
incidente sobre a parcela do salário que exceder o teto
de r$ 3.691,74, o que certamente diminuirá os gastos
com a contribuição patronal dos servidores civis ati-
vos; de outro aumentará, significativamente, a pressão
sobre o tesouro Nacional - ou sobre a carga tributá-
ria - para cobertura das aposentadorias e pensões dos
atuais servidores e membros de Poder, aumentando,
ainda mais, o atual deficit da previdência. O resultado
disso será, sem dúvida alguma, o surgimento de pres-
sões sociais e de futuros governos para a aprovação de
novas reformas da previdência com vistas a reduzir di-
reitos dos atuais servidores ativos e aposentados o que
certamente reduzirá os direitos dos atuais servidores
ativos e aposentados.
TR. Explique o mecanismo pelo qual a capitaliza-
ção das contribuições previdenciárias dos novos
servidores poderá comprometer os limites de des-
pesa de pessoal fixados pela Lei de Responsabili-
dade Fiscal – LRF.
LP. Como vimos, a decisão política de poupar as con-
tribuições dos novos servidores e membros de Poder
no mercado de capitais aumenta o deficit da previdên-
cia do regime próprio dos atuais servidores públicos
da União. atualmente, mais de 80% das aposentado-
rias e pensões dos tribunais do Judiciário, das Casas
Legislativas, do ministério Público e do tribunal de
Contas da União são custeadas com os recursos das
contribuições previdenciárias, que passarão a formar
poupança no mercado financeiro. Para custear arcar
com as aposentadorias dos atuais servidores será ne-
cessário um aporte maior de recursos do tesouro Na-
cional, o que aumenta a despesa líquida com pessoal,
uma vez que somente as despesas com aposentadorias
“A criação da entidade fechada de previdência
complementar, nos termos propostos pelo PL 1.992, não resolve o resultado
previdenciário da União; pelo contrário, piora a
situação atual.”
10 triBUtaÇÃO em revista
e pensões custeadas com as contribuições previden-
ciárias podem ser deduzidas para fins de limite de
pessoal. Os relatórios de gestão fiscal, referentes ao
1º quadrimestre de 2011, publicados por alguns ór-
gãos do Poder Judiciário e ministério Público da União
mostram que o déficit deficit previdenciário dos ór-
gãos do judiciário e do mPU variam de 1% (tse) a
29% (tst), considerando-se a diferença (contribui-
ções previdenciárias menos pagamentos a aposentados
e pensionistas) em relação ao pagamento de aposenta-
dorias e pensões. Com a capitalização das contribui-
ções previdenciárias dos novos servidores, aumentam
os deficits previdenciários dos órgãos autônomos, que
atualmente se encontram em níveis considerados bai-
xos. em decorrência disso, eleva-se o risco de descum-
primento do limite de despesa com pessoal fixado pela
Lei de responsabilidade Fiscal. em 2009, a despesa
líquida com pessoal do trt-22ª região ultrapassou o
limite de alerta fixado pela Lei de responsabilidade
Fiscal pelo estatuto Fiscal, correspondente a 90% do
limite máximo, conforme acórdão 2.917/2009-tCU/
Plenário. Nesse sentido, a aprovação do PL 1.992 pode
provocar uma crise fiscal em vários órgãos da União, o
que pode retirar o Brasil dos trilhos no que se refere à
condução da política macroeconômica. em cenário de
crise internacional, esse impacto não pode ser negli-
genciado pela equipe econômica.
TR. Uma das críticas ao PL 1.992/07 é que ele
prejudicaria a migração de servidores entre as es-
feras de governo devido à falta da definição da
portabilidade entre os regimes próprio estaduais
e municipais e a previdência complementar fede-
ral organizada pela FUNPRESP. Explique melhor
como isso atingiria as carreiras, principalmente
as federais, e quais seriam as mais prejudicadas.
LP. a proposta abrange os membros do Poder Judiciá-
rio, do ministério Público e do tribunal de Contas da
União. Na nossa visão, a previdência complementar,
tal como delineada pelo Governo, alterará a compo-
sição da cúpula do Poder Judiciário. Na composição
atual do stF, 5 ministros (45%) contribuíram durante
anos para o regime próprio dos estados e se aposen-
tarão pelo regime próprio da União, sem que nenhu-
ma contribuição seja repassada pelos estados. Cármen
Lúcia, ayres Britto, ricardo Lewandowski, Luiz Fux e
o Presidente do stF, ministro Cezar Peluso, são exem-
plos de magistrados que vieram da esfera estadual.
Como eles, há vários setores da administração pública
federal que são atraentes para servidores estaduais e
municipais. eu mesma, já fui servidora do município e
do estado do rio de Janeiro, antes de ingressar no car-
go de auditora Federal de Controle externo do tCU.
esse é um dos principais pontos críticos do PL 1.992,
já que não há normas gerais nacionais que discipli-
nem a portabilidade das contribuições recolhidas aos
regimes próprios dos servidores e membros de Poder
dos estados para a previdência complementar federal.
Nessas bases juridicamente inseguras, nenhum magis-
trado deixará o tribunal de Justiça estadual, depois de
contribuir durante anos sobre a integralidade de seu
salário, para ocupar o cargo de ministro do stF ou do
superior tribunal de Justiça e se aposentar pelo regi-
me próprio da União com apenas r$ 3.691,74 men-
sais. Os futuros ministros terão de buscar a diferença
salarial com a adesão ao fundo de previdência comple-
mentar de natureza privada que se pretende instituir.
Como as contribuições recolhidas ao estado não serão
transferidas para o fundo federal, a reserva financei-
ra que o magistrado conseguirá constituir na União
não será suficiente para assegurar uma aposentadoria
digna de um ministro do stF ou stJ. esse é um dos
exemplos de fragilização de áreas estratégicas do es-
tado. as carreiras de fiscalização e controle, Polícia
Federal, ministério Público, magistério, entre outras,
serão consideravelmente fragilizadas.
triBUtaÇÃO em revista 11
TR. A instituição da FUNPRESP sugere uma iso-
nomia no tratamento entre os servidores públi-
cos e trabalhadores do setor privado no que diz
respeito ao regime previdenciário. Comente esta
questão do ponto de vista da atratividade da car-
reira pública, vis a vis a privada e da aplicação do
Princípio da Isonomia previsto na Constituição
Federal.
LP. a Constituição prevê dois regimes de previdência
completamente distintos, próprio dos servidores pú-
blicos civis e membros de Poder (artigo 40) e geral
de previdência social (artigo 201). enquanto traba-
lhadores do setor privado e empregados públicos das
estatais têm direito ao fundo de garantia por tempo de
serviço, participação nos lucros, negociação coletiva
que pode resultar em aumento de salário, servidores
públicos não dispõem desses direitos, além de ficarem
submetidos ao “teto” remuneratório constitucional,
que na esfera federal corresponde ao subsídio mensal
do ministro do supremo tribunal Federal.
se por um lado o servidor público é meio para a le-
gislação administrativa, o trabalhador é o fim da le-
gislação trabalhista. O texto original da Constituição
de 1988 foi construído de forma a dotar os servidores
efetivos e membros de Poder para exercerem a defesa
do estado contra o poder econômico, impondo-lhes
sacrifícios que podem custar suas próprias vidas, já os
empregados da iniciativa privada servem, via de regra,
à atividade econômica. a Constituição prevê que to-
dos são iguais perante a lei, nos termos estabelecidos
no seu próprio texto. e a própria Lei Fundamental
prevê uma série de diferenças entre servidores públi-
cos e empregados do setor privado. aliás, a Cons-
tituição prevê uma série de diferenças, beneficiando
alguns grupos em decorrência de suas atividades. É
o caso dos professores, policiais, portadores de neces-
sidades especiais que podem se aposentar com tempo
reduzido de contribuição, sem prejuízo de suas remu-
nerações. O princípio constitucional da isonomia deve
ser aplicado com base em leitura sistemática da Lei
Fundamental. Dificilmente será possível aplicar esse
princípio sem dominar as peculiaridades constitucio-
nais.
TR. A Constituição Federal determina que o re-
gime previdência complementar do servidor será
implementado por entidades fechadas de previ-
dência complementar de natureza pública. En-
tretanto, o PL 1.992/07 prevê que a FUNPRESP
terá personalidade jurídica de direito privado,
mas natureza pública relativa a algumas normas,
como licitações, contratos, concursos, etc. Em
sua opinião o PL e a Constituição não estariam
dissonantes neste aspecto? A transparência na
utilização dos recursos públicos e a própria su-
premacia do interesse público estão garantidos
com a natureza privada da FUNPRESP?
LP. O que o PL 1992 propõe é uma fraude ao Direi-
to Público. tenta-se rotular de público algo que na
essência terá natureza privada, apenas revestido de
um verniz publicístico. se analisarmos detidamente
“não há normas gerais nacionais que disciplinem
a portabilidade das contribuições recolhidas aos regimes próprios dos servidores e membros de Poder dos Estados para a
previdência complementar federal..”
12 triBUtaÇÃO em revista
o texto constitucional, os princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
são impostos a todas as entidades da administração
indireta, abrangendo autarquias e fundações, de na-
tureza pública, assim como as empresas públicas e
sociedades de economia mista, essencialmente de na-
tureza privada. as reais intenções do Governo Federal
com a previsão do que convencionou a denominar de
“fundação estatal de direito privado” estão expostas na
fundamentação do projeto de Lei Complementar nº
92, de 2007, formulado pari passu com o PL 1992. O
objetivo é dispensar à FUNPresP o mesmo tratamento
previsto no artigo 173 da Constituição, previsto exclu-
sivamente para as empresas públicas e sociedades de
economia mista que exploram atividade econômica,
a exemplo da Petrobrás, da eletrobrás, entre outras
empresas estatais. além de essa não ser a realidade da
FUNPresP, o artigo 40, § 15 da Constituição prevê,
explicitamente, para que não haja dúvida, que a na-
tureza da entidade será pública. Qualquer aprovação
diferente disso suscitará questionamentos junto ao
Poder Judiciário, gerando insegurança jurídica para o
funcionamento do Fundo de Pensão.
TR. Haveria uma alternativa ao PL 1992?
LP. O primeiro passo deveria ser a organização da uni-
dade gestora única do regime próprio da União, con-
forme estabelece o artigo 40, § 20 da Constituição.
as bases jurídicas para essa organização foram ditadas
em 1998, com a emenda 20, mas o Governo Federal
nada fez para instituir a entidade do regime próprio e
dotá-la de recursos necessários à busca do equilíbrio,
podendo recorrer, inclusive, aos meios previstos no
artigo 249 do mesmo Diploma.
enquanto os servidores estaduais e municipais foram
beneficiados com a criação de fundos de previdência
do regime próprio e aporte de recursos dos royalties
destinados à capitalização dos respectivos fundos, a
União nada fez na última década, prejudicando, so-
bremaneira, os servidores federais. a realização da
compensação financeira entre o regime geral de pre-
vidência social e o regime próprio federal, e entre os
regimes próprios dos entes das três esferas de governo,
é outra medida que não pode mais postergar. a exi-
gência dessa compensação, como dito, foi regulamen-
tada pela Lei nº 9.796, de 1999, e há mais de uma
década a União permanece inerte. essa falta de ação
do Governo Federal precisa ser combatida e as entida-
des sindicais e associativas devem exigir uma postura
firme dos titulares das pastas responsáveis pelo regime
próprio da União, em especial os ministros da Previ-
dência social e do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Com exceção de algumas passagens que merecem o
aprofundamento do debate, o Projeto de Lei Comple-
mentar nº 466, de 2009, de autoria do deputado fede-
ral Paulo Pimenta (Pt-rs), surge como alternativa para
a organização do regime próprio federal, merecendo
destaque na agenda do Congresso Nacional.
“Enquanto os servidores estaduais e municipais foram beneficiados com a criação de fundos de previdência do regime
próprio e aporte de recursos dos royalties destinados
à capitalização dos respectivos fundos, a União nada fez na última década.”
triBUtaÇÃO em revista 13
a RTIGO
Previdência Complementar do Regime Próprio de Previdência – Aspectos de Constitucionalidade1
os municípios possam instituir a previdência complemen-
tar dos segurados do regime próprio de previdência de
que trata o artigo 40 da Constituição de 1988, considera-
das as reformas que lhe sucederam.
O Projeto de Lei nº 1992 foi apresentado em 2007 com
o propósito de instituir o regime de previdência comple-
mentar para os servidores públicos civis federais titulares
de cargo efetivo, inclusive os membros do Poder Judici-
ário, ministério Público (mPU) e tribunal de Contas da
União (tCU), além de fixar o limite máximo para a con-
cessão de aposentadorias e pensões pelo regime próprio
de previdência referido no artigo 40 da Constituição
1. artigo concluído em 17 out 2011 e submetido para publicação na revista anamatra – revista da associação Nacional dos magistrados da Justiça do trabalho; revista do tribunal de Contas da União e revista O magistrado on line, revista do instituto dos magistrados do Distrito Federal (imaG-DF).
2. Professora de Direito tributário da UFF e advogada
3. auditor Federal de Controle externo do tCU e Professor de Filosofia
4. Procurador da república em santa Catarina
5. Juiz do trabalho e Professor de Direito e seguridade social da UsP
6. auditora Federal de Controle externo do tCU
aline teodoro de moura 2
almir serra martins menezes Neto 3
andré stefani Bertuol 4
Guilherme Feliciano 5
Lucieni Pereira 6
1 - Introdução
O propósito deste artigo certamente não é o de exaurir
o tema relacionado à instituição da entidade fechada de
previdência complementar do servidor público civil fede-
ral e membros de Poder na administração pública federal,
denominada Fundação de Previdência Complementar do
servidor Público Federal (FUNPresP), sob a forma de
entidade da administração indireta da União, de natureza
privada. O que se pretende é instigar um debate mais
aprofundado e qualificado sobre os pressupostos constitu-
cionais para que a União, os estados, o Distrito Federal e
14 triBUtaÇÃO em revista
O tema se insere em paisagem esparsa, controversa,
natural e extremamente complexa, razão pela qual este
artigo se limita a abordar a observância dos pressupostos
do artigo 202 da Constituição quando da formulação da
proposta em discussão.
O ponto central do debate consiste na interpretação
sistemática do § 15, do artigo 40, combinado com o arti-
go 202 da Constituição, que exigem lei complementar, a
título de norma geral, para regulamentar como a União,
os estados, o Distrito Federal e mais de 5,5 mil municí-
pios poderão instituir a entidade fechada de previdência
complementar do regime próprio de previdência dos ser-
vidores efetivos e membros de Poder detentores de cargo
vitalício.
O Brasil ainda padece da lei complementar que dis-
cipline a organização e o funcionamento das entidades
fechadas de previdência complementar dos regimes pró-
prios dos entes da Federação. essa lei complementar,
editada sob a forma de norma geral, deve disciplinar as
especificidades do setor público, como, por exemplo, a
possibilidade de migração dos servidores e membros de
Poder entre os entes das três esferas de governo, garantida
a contagem recíproca do tempo de contribuição prevista
no artigo 40, § 9º da Constituição.
Para tentar driblar a exigência constitucional do artigo
202 da Lei maior, o Poder executivo federal pretende ins-
tituir uma entidade fechada de previdência complementar
dos segurados do regime próprio da União sob a forma
de fundação estatal de direito privado, buscando como
fundamento as Leis Complementares nº 108 e 109, de
2001. esses normativos, porém, não se prestam a dire-
cionar a previdência complementar dos regimes próprios
de mais de 5,5 mil entes da Federação autônomos. tais
Leis Complementares foram editadas exclusivamente para
regulamentar a previdência complementar dos segurados
do regime geral de previdência social referido no artigo
201 da Constituição.
2 - Considerações Preliminares
apresentado nas bases mencionadas, o PL 1992 vem
causando polêmica no Congresso Nacional. De um lado,
os servidores públicos e membros de Poder contestam a
proposta, sob alegação da existência de risco de fragili-
zação do estado brasileiro, impactos econômico-fiscais
de difícil superação e o descumprimento de pressupostos
constitucionais para a criação da previdência complemen-
tar dos regimes próprios.
De outro lado, o Poder executivo insiste na aprovação
da sua proposta, que até agora não sofreu alterações sig-
nificativas. Para seguir com o projeto original quase que
intacto, os defensores da proposta do Governo adotam
três linhas de argumentação, que consistem nos seguintes
pontos:
(i) existência de apenas três regimes no sistema previ-
denciário brasileiro: regime geral de previdência social,
regime próprio de previdência dos servidores efetivos
e membros de Poder e uma única previdência com-
plementar, que se prestaria a atender os dois regimes-
-base;
(ii) o uso do termo “servidor” no contexto do artigo 31
da Lei Complementar nº 1097, de 2001, seria a refe-
rência suficiente para que a referida norma pudesse ser
a base de regulamentação da previdência complemen-
tar dos regimes próprios previstos para os servidores
efetivos e membros de Poder da União, dos estados,
do Distrito Federal, dos municípios, suas autarquias,
fundações públicas;
(iii) a alteração introduzida no § 15, do artigo 40, da
Constituição, com redação dada pela emenda nº 41,
de 2003, teria abolido a necessidade de observar os
pressupostos do artigo 202 para nortear a instituição
da entidade fechada de previdência complementar dos
regimes próprios da União, dos estados, do Distrito
Federal e de mais de 5,5 mil municípios, todos com
autonomia política e administrativa.
7. Lei Complementar nº 101, de 2001: “art. 31. as entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: i - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entes denominados patrocinadores;”
triBUtaÇÃO em revista 15
sob o aspecto jurídico, a análise empreendida neste
artigo terá como foco esses três pontos que constituem
a base de argumentação dos defensores da proposta do
Governo, além da natureza jurídica da entidade fechada
de previdência complementar. No plano previdenciário-
-operacional, a abordagem tem por finalidade chamar a
atenção para alguns riscos da imponderabilidade atuarial.
3 - Sistema Previdenciário Brasileiro
a Constituição de 1988 avançou, significativamente,
no arcabouço do sistema previdenciário brasileiro. Na
base do sistema, temos dois regimes, um para os ocupan-
tes de cargo efetivo e membros de Poder detentores de
cargo vitalício e outro para aqueles que não se enquadram
nessas duas categorias. Cada dos regimes-base poderá,
de acordo com a faculdade prevista constitucionalmente,
instituir a previdência complementar, que deve ser organi-
zada de forma autônoma ao respectivo regime-base.
a emenda nº 20, de 1998, incluiu os artigos 249 e 250
da Constituição, para prever que tanto os regimes pró-
prios, quanto o regime geral de previdência social poderão
constituir fundos integrados pelos recursos provenientes
de contribuições previdenciárias e por bens, direitos e ati-
vos de qualquer natureza, com vistas a assegurar recursos
para o pagamento de proventos de aposentadoria e pen-
sões concedidas aos respectivos servidores e seus depen-
dentes, em adição aos recursos dos respectivos tesouros.
ao longo da última década, estados e municípios fo-
ram incentivados a constituírem esses fundos, inclusive
mediante o aporte de royalties pela compensação finan-
ceira decorrente da exploração de recursos naturais. em
2000, a Lei de responsabilidade Fiscal8 criou o fundo
especial do regime geral de previdência social. apenas o
regime próprio da União permaneceu sob precário padrão
de governança, o que constitui uma das principais causas
para o deficit apurado na esfera federal.
8. Lei Complementar nº 101, de 2000: “art. 68. Na forma do art. 250 da Constituição, é criado o Fundo do regime Geral de Previdência social, vinculado ao ministério da Previdência e assistência social, com a finalidade de prover recursos para o pagamento dos benefícios do regime geral da previdência social.”
Diagrama I – sistema Previdenciário Brasileiro
Fonte: autores
16 triBUtaÇÃO em revista
Com o objetivo de solucionar o atual resultado pre-
videnciário, o Governo Federal tenta instituir, de forma
açodada, o fundo de previdência complementar do regime
próprio federal, partindo da premissa equivocada de que a
Constituição prevê uma única previdência complementar
para dois regimes-base distintos na essência.
Como dito, a Constituição prevê dois regimes de pre-
vidência completamente distintos, próprio dos servidores
públicos civis e membros de Poder (artigo 40) e geral de
previdência social (artigo 201), o que inviabiliza a norma-
tização de uma única previdência complementar.
esse é um ponto de vista assentado na doutrina sem
muitas digressões. De acordo com iBraHim (2008)9, a Lei
Complementar nº 108, de 2001, dispõe sobre a relação da
União, estados, Distrito Federal e municípios, suas autar-
quias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades
de economia mista e suas entidades fechadas de previdên-
cia complementar. O autor é claro ao afirmar que essa hi-
pótese “não se confunde com o patrocínio do Ente Público a
sistema complementar do regime próprio de previdência”. e
segue de forma ainda mais cristalizada: “A LC nº 108/01
trata, em regra, das relações de complementação quando o re-
gime básico é o RGPS.”
O autor, todavia, registra que a norma legal que regu-
lará o regime complementar público dos rPPs ainda não
existe, viabilizando a utilização subsidiária da normatiza-
ção existente, o que não é consenso no campo doutrinário.
enquanto o regime geral de previdência social é pau-
tado pela unicidade legislativa e organizacional, ou seja,
apenas a União legisla para definir as contribuições dos se-
gurados que são recolhidas a uma entidade centralizada na
Federação - o instituto Nacional do seguro social (iNss) -,
no caso dos servidores públicos civis e membro de Poder,
a previdência é fortemente marcada pelo pacto federativo,
que confere autonomia política e administrativa a mais de
5,5 mil entes da Federação, nas três esferas de governo.
9. iBraHim, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 12ª edição. rio de Janeiro. impetus, 2008. Pág. 681-682, .
Diagrama II – regime Geral de Previdência social
Fonte: autores
triBUtaÇÃO em revista 17
No regime administrativo que norteia a contratação de
servidores efetivos e membros de Poder é completamente
diferente. Cada ente da Federação legisla sobre o regime
próprio de previdência de seus agentes, devendo, para
tanto, seguir as normas constitucionais e gerais fixadas pe-
las Leis nºs 9.717, de 1998, e 10.887, de 2004.
Nesse sentido, a arrecadação das contribuições previ-
denciárias dos servidores efetivos e membros de Poder é
descentralizada, cada regime próprio estabelece a sua alí-
quota previdenciária, não podendo ser inferior à adotada
pela União10, conforme definido pela emenda nº 41, em
2003. O regime próprio de cada ente da Federação apre-
senta a seguinte configuração:
O que a Lei Fundamental obriga é que os entes da Fe-
deração assegurem regime próprio de previdência para os
servidores efetivos e membros de Poder.
essa garantia tem uma razão de ser. segundo CastrO
(1999), o servidor público é meio para a legislação admi-
nistrativa, enquanto o trabalhador é o fim da legislação
trabalhista. O texto original da Constituição de 1988 foi
formatado de modo a dotar os servidores efetivos e mem-
bros de Poder para exercerem a defesa do estado contra o
poder econômico, enquanto os empregados da iniciativa
privada servem, via de regra, à atividade econômica.
Na visão de BertUOL et alii (2011), é notório que o
regime celetista é incompatível com as características pri-
mordiais da administração pública. Para os autores, não
é razoável que a administração, pautada pela supremacia
do interesse público e pelo poder de império, possa se
valer da lógica que permeia o regime celetista para esta-
belecer a relação com os servidores efetivos e membros de
Poder, em especial com aqueles que exercem atividades
estratégicas reservadas ao estado. essa relação tornar-se-ia
desnaturada, caso fosse instituída sobre as premissas do
setor privado.
a própria Organização para Cooperação de Desenvol-
vimento econômico (OCDe)11 reconhece a necessidade de
conferir tratamento diferenciado entre servidores públicos
e trabalhadores da iniciativa privada, em especial no cam-
po previdenciário.
isso porque as normas que regem a função pública
diferem em tudo daquelas que regem as relações entre
empregadores e empregados no setor privado. a situação
dos servidores e membros de Poder é diferente dos tra-
balhadores da iniciativa privada, empregados públicos e
alguns ocupantes de cargo temporário segurados do regi-
me geral de previdência, na medida em que aquele grupo
exerce autoridade pública com os sacrifícios e obrigações
de lealdade que caracterizam essa função. O PL 1992,
Os entes subnacionais podem ou não instituir a enti-
dade fechada de previdência complementar, o que confere
contornos complexos e grandes desafios ao regime de pre-
vidência complementar no setor público nas três esferas
de governo, já que a própria Constituição assegura a con-
tagem recíproca do tempo de contribuição.
10. Constituição: “art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissio-nais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, iii, e 150, i e iii, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os estados, o Distrito Federal e os municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.”
11. aNFiP, associação Nacional dos auditores Fiscais da Previdência social. Previdência do serviço Público Brasileiro: Fundamentos e Limites das Propostas de reforma. aNFiP, agosto 2003.
Esquema I – segurados do regime Próprio dos entes da Federação
Fonte: autores
18 triBUtaÇÃO em revista
todavia, ignora os pilares constitucionais da administra-
ção pública.
a previdência complementar dos segurados do regi-
me geral de previdência social está regulamentada pelas
Leis Complementares nºs 108 e 109, de 2001, editadas
com o nítido propósito de disciplinar o artigo 202 da
Constituição.
Há uma seqüência lógica entre os artigos 201 e 202
da magna Carta que precisa ser respeitada, pois são dis-
positivos que se complementam e trazem, na essência,
um elevado grau de interdependência.
O artigo 202 trata de “regime de previdência privada,
de caráter complementar e organizado de forma autônoma
em relação ao regime geral de previdência social, será fa-
cultativo, baseado na constituição de reservas que garantam
o benefício contratado, e regulado por lei complementar”.
a redação desse dispositivo evidencia a sua clara inter-
dependência com o artigo 201, razão pela qual as Leis
Complementares nº 108 e 109, de 2001, só regulamen-
tam a previdência complementar dos segurados do regi-
me geral.
ao formular o § 15, do artigo 40, da Lei Fundamen-
tal, o reformador poderia ter reproduzido os pressupos-
tos do artigo 202 aplicáveis à previdência complementar
dos segurados do regime próprios. mas o constituinte
optou por adotar a técnica legislativa que determina a
observância, no que couber, de pressupostos expres-
sos em outro dispositivo (artigo 202). Nesse contexto,
é igualmente nítida a conexão substancial entre os dois
dispositivos constitucionais mencionados, os quais, em-
bora espacialmente distantes, precisam ser interpretados
de forma integrada para se lograr a correta dicção.
Conforme as lições de ÁviLa (2011)12, os postulados
normativos foram definidos como deveres estruturais,
ou seja, como deveres que estabelecem a vinculação en-
tre elementos e impõem determinada relação entre eles.
Nesse aspecto, podem ser considerados formais, pois de-
pendem da conjugação de razões substanciais para sua
aplicação.
Para o autor, os postulados não funcionam todos da
mesma forma. alguns postulados são aplicáveis indepen-
dentemente dos elementos que serão objeto de relacio-
namento, como é o caso da previsão de natureza pública
para a entidade fechada de previdência complementar do
regime próprio, não sendo aplicável, neste caso especifi-
camente, a natureza privada referida no artigo 202.
ao determinar a observância do artigo 202, para fins
de instituição da entidade fechada de previdência com-
plementar do regime próprio, o legislador constituinte
determina a edição de lei complementar para regula-
mentar o setor em toda Federação, pois sem essa medida
poder-se-ia instaurar um quadro de total insegurança ju-
rídica na Federação.
Nada na ordem jurídica admitiria que a previdência
complementar do regime geral, que é muito mais sim-
ples do ponto de vista da unicidade legislativa, tivesse
de ser regulamentada por lei complementar, e a previ-
dência complementar dos regimes próprios, pulverizada
na Federação, pudesse operar sem uma norma geral que
oriente mais de 5,5 mil entes da Federação autônomos.
Para fazer essa interpretação sistemática, que não é
simples, vale a pena recorrer, novamente, às lições de
ÁviLa (2011)13:
a concordância prática funciona de modo semelhan-te: exige-se a harmonização entre elementos, sem di-zer qual a espécie desses elementos. Os elementos a serem objeto de harmonização são indeterminados. a proibição de excesso também estabelece que a re-alização de um elemento não pode resultar na ani-quilação de outro. Os elementos a serem objeto de preservação mínima não são indicados. Da mesma forma, o postulado da otimização estabelece que de-terminados elementos devem ser maximizados, sem dizer quais, nem como.
12. ÁviLa, Humberto Bergmann. teoria dos Princípios - da Definição à aplicação dos Princípios Jurídicos - 12ª ed. rio de Janeiro. saraiva: 2011. Páginas 73-74 e 84-85.
13. ÁviLa, Humberto Bergmann. Op. Cit.
triBUtaÇÃO em revista 19
a leitura dos artigos 40, § 15 e 202 da Constituição
não é tarefa que possa ser solucionada com a interpreta-
ção puramente literal dos seus dispositivos, técnica esta
que, por sinal, é considerada a forma mais rudimentar
de exegese, nas palavras do ministro moreira alves, do
supremo tribunal Federal, ao relatar e negar provimento
do agravo nº 200.733-4, que trata de matéria sobre o
artigo 7º, XXiX da Lei maior (Clipping do Diário da Jus-
tiça, 14.11.1997).
essa leitura requer, fundamentalmente, que o intérpre-
te se esforce e, de preferência, conheça esta importante
lição maXimiLiaNO (1981)14:
O intérprete não traduz em clara linguagem só o que o autor disse explícita e conscientemente; esforça-se por entender mais e melhor do que aquilo que se acha expresso, o que o autor inconscientemente es-tabeleceu, ou é de presumir ter querido instituir ou regular, e não haver feito nos devidos termos, por inadvertência, lapso, excessivo amor à concisão, im-propriedade de vocabulário, conhecimento imper-feito de um instituto recente, ou por outro motivo semelhante.
Não se trata de acrescentar coisa alguma e, sim, de atri-
buir à letra o significado que lhe compete: mais amplo
aqui, estrito acolá. Com a redação dada ao artigo 40, §
15 da Constituição pela emenda 41, o constituinte deixa
claro que somente o titular do Poder executivo no âmbito
de cada ente da Federação pode iniciar o processo legisla-
tivo para criar a entidade fechada de previdência comple-
mentar do regime próprio, entidade esta que deve ser de
natureza pública e a sua instituição deve observar, no que
couber, os pressupostos estabelecidos no artigo 202, cuja
regulamentação requer uma lei complementar específica
que guarde relação e coerência com o regime-base que se
pretende complementar.
a interpretação extensiva não faz avançar as raias
do preceito; ao contrário, como a aparência verbal leva
ao recuo, a exegese impele os limites de regra até ao
seu verdadeiro posto (maXimiLiaNO, 1996)15.
4 - Servidores Públicos no Contexto da Lei Com-
plementar nº 109
a segunda linha de argumentação do Poder exe-
cutivo, no sentido de que o artigo 31 da Lei Com-
plementar nº 109, de 2001, faz menção a “servido-
res” da União, e que por isso o artigo 202 trataria da
previdência complementar dos segurados do regime
próprio referido no artigo 40 da Carta magna, é outra
alegação que não tem como prosperar.
Primeiramente, se a previdência dos servidores efe-
tivos civis e membros de Poder fosse idêntica à previ-
dência dos segurados do iNss, o artigo 40 da Cons-
tituição restaria sem qualquer efeito sob o ponto de
vista jurídico.
em segundo lugar, e que talvez seja o mais impor-
tante, o artigo 31 da Lei Complementar nº 109, de
2001, ao fazer referência a “servidores”, visa contem-
plar, no modelo de entidade fechada de previdência
complementar de natureza privada, os servidores da
administração direta, autarquias e fundações públi-
cas segurados do regime geral de previdência social
(iNss), como, por exemplo, os ocupantes de cargo em
comissão16 de livre nomeação e exoneração.
também estão inseridos nesse escopo os ocupantes
de cargo temporário na administração pública, con-
siderados os contratados por prazo determinado. a
partir de uma visão mais alargada, pode-se entender
que o dispositivo abrange, ainda, o exercente de cargo
14. maXimiLiaNO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª edição, 2ª tiragem, Forense, rio de Janeiro, 1981, p. 167
15. maXimiLiaNO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do Direito, 16ª ed. Forense, rio de Janeiro, 1996, p. 200-204
16. Lei nº 8.112, de 1990: “art. 9o a nomeação far-se-á: (...) Parágrafo único. O servidor ocupante de cargo em comissão ou de natureza especial poderá ser nomeado para ter exercício, interinamente, em outro cargo de confiança, sem prejuízo das atribuições do que atualmente ocupa, hipótese em que deverá optar pela remuneração de um deles durante o período da interinidade.” (...) “art. 41. remuneração é o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei. § 1º a remuneração do servidor investido em função ou cargo em comissão será paga na forma prevista no art. 62.” (...) “art. 137. a demissão ou a destituição de cargo em comissão, por infringência do art. 117, incisos iX e Xi, incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Parágrafo único. Não poderá retornar ao serviço público federal o servidor que for demitido ou destituído do cargo em comissão por infringência do art. 132, incisos i, iv, viii, X e Xi.”
20 triBUtaÇÃO em revista
eletivo17, igualmente segurado da previdência social
(iNss), já que o regime próprio de que trata o arti-
go 40 da Constituição restringe-se aos ocupantes de
cargo efetivo e membros de Poder detentores de cargo
vitalício, incluindo aquelas categorias no rol de segu-
rados do regime geral18.
a Lei Complementar nº 109, de 2001, foi editada pou-
co mais de dois anos após a promulgação das emendas
19 e 20, com as quais precisa ser analisada, sob pena de
adotar linha de interpretação equivocada.
Formuladas no contexto do Programa de estabilidade
Fiscal (PeF) da década de noventa e aprovadas quase que
pari passu, as emendas 19 e 20 disciplinam temas interde-
pendentes, concebidos com o propósito de resolver os de-
sajustes de ordem fiscal que marcaram a referida década.
De um lado, a emenda 19 flexibilizou o regime jurí-
dico único, conferindo nova redação ao caput artigo 39
da Constituição, que passou a permitir a contratação de
empregados públicos na administração direta, autarquias
e fundações públicas das três esferas de governo. O co-
mando, entretanto, foi alvo de ataque por vício formal em
sede da ação Direta de inconstitucionalidade nº 2.135,
concedida, em agosto de 2007, a liminar pleiteada, por
meio da qual foi restabelecida, com efeito ex nunc, a reda-
ção original do dispositivo em tela.
Boa parte da emenda 20 complementa as medidas
inauguradas meses antes pela emenda 19. Flexibilizado
o regime jurídico único, os ocupantes de empregos pú-
blicos na administração direta, autarquias e fundações - e
também os cargos temporários - foram incluídos explici-
tamente no rol de segurados do regime geral de que trata
o artigo 201 da magna Carta, inibindo pleitos e decisões
infraconstitucionais que pudessem incluí-los como segu-
rados do regime próprio dos servidores efetivos.
mantendo a coerência com o eixo estruturante do PeF,
a emenda 20 também deu nova redação ao artigo 202,
com vistas a possibilitar a instituição de previdência com-
plementar de natureza privada para os segurados do regi-
me geral, permitindo que a União (administração direta),
suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e
sociedades de economia mista participem tão somente na
condição de patrocinadores, nos termos e limites fixados
constitucionalmente19.
esse é o escopo do PeF e das reformas administrativa
e da Previdência promulgadas na década de noventa. as
alterações dos artigos 39, 40, § 13, 201 e 202 da Lei maior
nada têm a ver com a relação administrativo-previdenciária
que a União, suas autarquias e fundações públicas estabele-
cem com os servidores ocupantes de cargo efetivo e mem-
bros de Poder detentores de cargos vitalícios.
impende destacar que o artigo 202 da Constituição pre-
vê as mesmas restrições para a administração direta dos en-
tes das três esferas de governo, suas autarquias e fundações
públicas (pessoas jurídicas de direito público) e respecti-
vas empresas públicas e sociedades de economia mista e
empresas por elas controladas (pessoas jurídicas de direito
privado) se relacionarem com as entidades fechadas de pre-
vidência privada na condição de patrocinadoras.
isso ocorre porque ambos os blocos podem instituir
previdência complementar de empregados públicos e servi-
dores ocupantes dos cargos temporários previstos no § 13,
do artigo 40, da Constituição, todos vinculados ao regime
geral de previdência social centralizado (iNss), indepen-
dentemente da esfera de governo.
as referências que os §§ 3º e 4º, do artigo 202, da
Constituição fazem à União, suas autarquias, fundações e
empresas estatais (dependentes ou não-dependentes) não
significam sujeitar a previdência complementar dos servi-
17. Lei 8.213, de 1991: “art. 11. são segurados obrigatórios da Previdência social as seguintes pessoas físicas: i - como empregado: (...) h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social”
18. Constituição: “art. 40. aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (...) § 13 - ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão decla-rado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.”
19. Constituição: “art. 202. (...) § 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, estados, Distrito Federal e municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (incluído pela emenda Constitucional nº 20, de 1998)”
triBUtaÇÃO em revista 21
dores efetivos e membros de Poder às mesmas regras ge-
rais norteadoras da previdência complementar de natureza
privada que deve ser organizada de forma autônoma para
os segurados do regime geral, sejam eles trabalhadores da
iniciativa privada, servidores ocupantes de cargo em comis-
são ou temporário, assim como os empregados públicos da
administração direta, autarquias, fundações e empresas es-
tatais, contratados com amparo nas emendas 19 e 51.
ao tentar instituir a previdência complementar dos
servidores efetivos e membros de Poder a partir de bases
delineadas especificamente para segurados contratados sob
regimes completamente distintos, a proposta de previdên-
cia complementar formulada pelo Governo Federal gera
enorme insegurança.
Nada na ordem jurídica admitiria a confusão decorrente
da tentativa de sujeitar a previdência complementar dos se-
gurados do regime próprio às Leis Complementares nº 108 e
109, de 2001. O que se pode esperar da medida do Governo
são discussões no Poder Judiciário, cujo resultado poderá
gerar novos deficits da previdência do setor público.
5 - Interpretação Sistemática da Constituição
a terceira linha de argumentação do Governo re-
flete interpretação equivocada do § 15, do artigo 40,
da Constituição, com redação dada pela emenda 41.
De um lado, os defensores da proposta alegam que a
nova redação dada ao dispositivo afasta a necessidade
de lei complementar para a previdência do setor pú-
blico. Por outro lado, diante da lacuna jurídica, o PL
1992 busca as Leis Complementares nºs 108 e 109, de
2001, como alicerces, já que a Constituição não esta-
belece algumas premissas essenciais para o funciona-
mento seguro da previdência complementar do setor
público.
Ora, se até mesmo a previdência complementar dos
segurados do regime geral requer a regulamentação de
normas gerais por lei complementar, de forma a conferir
maior segurança e estabilidade jurídica ao regime, não
há razão para a previdência complementar dos segura-
dos do regime próprio ficar à deriva normativa. e não
está. eis a evolução da norma:
Diagrama III – evolução Normativa
Fonte: autores
22 triBUtaÇÃO em revista
Desde a emenda 20, a formulação do dispositivo que
possibilitou a instituição da previdência complementar
para os segurados do regime próprio exige a observância
dos pressupostos fixados no artigo 202 da Lei maior. Ob-
servar, no que couber, o artigo 202 implica replicar, para
fins de regulamentação da previdência complementar dos
servidores efetivos e membros de Poder, os pressupostos
constitucionais explicitados no referido artigo, preocu-
pando-se em harmonizá-los com as diretrizes maiores do
artigo 40 da Lei Fundamental. esses pressupostos do ar-
tigo 202 da Carta magna devem ser assim interpretados:
Os defensores da proposta em tramitação também
se apegam ao fato de o § 3º, do artigo 202, da Constitui-
ção, mencionar os entes da Federação, suas autarquias e
fundações públicas. tal dispositivo visa, apenas, traçar as
mesmas regras para segurados do regime geral (iNss), seja
de agentes contratados pelas pessoas jurídicas de direito
público, seja pelas pessoas jurídicas de direito privado, em
consonância com as inovações introduzidas pelas emen-
das 19 e 20.
além disso, a administração direta, autarquias e funda-
ções públicas da União, dos estados, do Distrito Federal
e dos municípios podem admitir, no âmbito do sistema
Único de saúde, agentes comunitários de saúde e agentes
de combate às endemias por meio de processo seletivo pú-
blico, sob a forma de empregado público, não se aplican-
do, neste caso específico, os efeitos da liminar concedida
no âmbito da aDi nº 2.135. a previsão está consagrada
nos §§ 4º a 6º, do artigo 198, da Lei maior, segundo as
inovações da emenda 51. tais dispositivos foram regula-
mentados pela Lei nº 11.350, de 2006, que elege o regime
celetista para as referidas admissões.
Formulado com o objetivo específico de instituir a pre-
vidência complementar para agentes segurados do regime
geral de previdência social e que, via de regra, não gozam
de nenhuma estabilidade funcional (empregados públi-
cos e ocupantes de cargo em comissão ou temporário),
os artigos 9º a 12 da Lei Complementar nº 108, de 2001,
estabelecem a estrutura organizacional20 das entidades de
previdência complementar dos segurados do iNss.
20. Lei Complementar nº 108, de 2001: “art. 9º a estrutura organizacional das entidades de previdência complementar a que se refere esta Lei Complementar é constituída de conselho deliberativo, conselho fiscal e diretoria-executiva. art. 10. O conselho deliberativo, órgão máximo da estrutura organizacional, é responsável pela definição da política geral de administração da entidade e de seus planos de benefícios. art. 11. a composição do conselho deliberativo, integrado por no máximo seis membros, será paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinado-res, cabendo a estes a indicação do conselheiro presidente, que terá, além do seu, o voto de qualidade. § 1º a escolha dos representantes dos participantes e assistidos dar-se-á por meio de eleição direta entre seus pares. § 2º Caso o estatuto da entidade fechada, respeitado o número máximo de conselheiros de que trata o caput e a participação paritária entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores, preveja outra composição, que tenha sido aprovada na forma prevista no seu estatuto, esta poderá ser aplicada, mediante autorização do órgão regulador e fiscalizador. art. 12. O mandato dos membros do conselho deliberativo será de quatro anos, com garantia de estabilidade, permitida uma recondução.”
Quadro Esquemático – I – Pressupostos Constitucionais do artigo 202 (continua...)
triBUtaÇÃO em revista 23
Fonte: autores
Quadro Esquemático – I – Pressupostos Constitucionais do artigo 202 (continuação)
24 triBUtaÇÃO em revista
Na tentativa de aproveitar a estrutura desenhada
na Lei Complementar nº 108, de 2001, o PL 1992
garante a participação, apenas, de representantes de
alguns Poderes e órgãos autônomos da União, alijan-
do o tribunal de Contas da União do poder decisório,
garantida a sua presença apenas no Conselho Fiscal
do fundo de pensão.
De forma a limitar o Conselho Deliberativo a 6
membros, conforme prevê o artigo 11 da referida Lei
Complementar, o PL 1992 não garante a paridade dos
servidores de alguns órgãos autônomos, tampouco
para estados e municípios que aderirem à fundação
estatal de direito privado federal, nos termos do arti-
go 23 da proposta em tela.
Outra incongruência deve-se ao fato de que os ser-
vidores ocupantes de cargos efetivos e membros de
Poder gozam de estabilidade constitucional, o que só
reforça o entendimento de que a Lei Complementar
nº 108, de 2001, foi delineada para nortear a previ-
dência complementar de agentes não detentores de
estabilidade no serviço público, em geral todos segu-
rados do regime geral (iNss).
a lei complementar exigida nos termos do § 15,
do artigo 40, c/c artigo 202 da Constituição, para nor-
tear as três esferas de governo, precisa definir aspec-
tos específicos do setor público. antes de instituir as
entidades de previdência complementar, o Congresso
Nacional deve regulamentar, por exemplo, os requi-
sitos para a designação dos membros das diretorias,
garantindo-se a participação dos Poderes e órgãos au-
tônomos, a inserção dos participantes nos colegiados
e instâncias de decisão.
Outro aspecto fundamental que precisa ser enfren-
tado pelo legislador complementar é a portabilidade
das contribuições recolhidas aos regimes próprios da
União, dos estados e dos municípios, em caso de con-
tagem recíproca do tempo de contribuição, aspectos
ainda indefinidos.
segundo o modelo proposto, a União garantirá
aposentadoria pelo regime próprio no valor máximo
de r$ 3.691,74 aos servidores federais e membros
de Poder, inclusive aos futuros ministros do supre-
mo tribunal Federal e superior tribunal de Justiça
egressos dos tribunais de Justiça e ministério Público
dos estados que não instituírem a previdência com-
plementar.
ainda que esses magistrados e membros do mi-
nistério Público tenham contribuído para os regimes
próprios dos estados de origem, o PL 1992, por não
constituir normas gerais, não prevê dispositivos que
assegurem o recebimento das contribuições do se-
gurado e patronal (do ente da Federação) recolhidas
historicamente pelos membros de Poder sobre a inte-
gralidade da remuneração.
enquanto no setor privado o teto da contribuição
previdenciária do segurado é de r$ 406,00, no setor
público a contribuição mensal dos servidores e mem-
bros de Poder da União pode chegar a r$ 2.939,54,
valor correspondente a 11% do teto remuneratório
constitucional na União.
Na hipótese de mudança de esfera, os servidores
e membros de Poder serão prejudicados em seus di-
reitos, em face da inexistência de normas gerais que
garantam, em toda Federação, o recebimento das con-
tribuições previdenciárias recolhidas aos regimes pró-
prios estaduais e municipais, de forma a aportá-las no
fundo de previdência complementar federal.
a atual composição da Corte suprema reflete essa
migração com muita nitidez. são exemplos de mem-
bros egressos da esfera estadual os ministros ayres
Britto (ex-procurador do tribunal de Contas do esta-
do de sergipe), ricardo Lewandowski (ex-desembar-
gador do tribunal de Justiça de são Paulo), Cármen
Lúcia antunes rocha (ex-procuradora do estado de
minas Gerais), Luiz Fux (ex-desembargador do tri-
bunal de Justiça do rio de Janeiro) e Cezar Peluso
(ex-juiz de Direito e desembargador do tribunal de
Justiça do estado de são Paulo)21.
21. Fonte: supremo tribunal Federal
triBUtaÇÃO em revista 25
essa composição demonstra o quanto é comum a
migração dos servidores e membros da esfera estadual
para a esfera federal, o que ficaria totalmente compro-
metida com a instituição da previdência complemen-
tar da União sem normas gerais que garantam a porta-
bilidade das contribuições previdenciárias recolhidas
aos regimes próprios dos estados e municípios.
O PL 1992 não tem o condão de estabelecer nor-
mas gerais para toda a Federação e obrigar estados e
municípios na condução de suas escolhas quanto à
instituição ou não da previdência complementar dos
servidores públicos e membros de Poder.
assim sendo, padece de lógica e razoabilidade
jurídica a tentativa de nortear a previdência comple-
mentar dos regimes próprios pelas Leis Complemen-
tares nºs 108 e 109, de 2001, editadas com a finali-
dade específica de regular as entidades privadas de
previdência complementar dos segurados do regime
geral de previdência social (iNss).
tais normas gerais não se preocuparam em regula-
mentar as peculiaridades da previdência complemen-
tar que, de acordo com os §§ 14 e 15, do artigo 40,
da Constituição, poderá vir a ser instituída no setor
público, não constituindo necessariamente uma obri-
gação, como argumentam, equivocadamente, os de-
fensores da proposta do Governo Federal.
6 - Natureza Jurídica da Entidade Fechada de
Previdência Complementar do Regime Próprio
dos Servidores Efetivos e Membros de Poder
a administração pública realiza-se por meio de ati-
vidades do estado exercidas por servidores públicos e
membros de Poder que integram o quadro de pessoal
dos Poderes e órgãos autônomos.
tem-se reforçado a idéia de que o estado deveria
se equiparar ao empregador do setor privado no que
diz respeito ao regime a ser adotado para contratação
de seus agentes públicos, em especial no que tange à
previdência, tendo em vista o alegado deficit do setor
público.
Nesse cenário, a administração pública vivencia
momentos sem precedente, de descrença nos princí-
pios e preceitos constitucionais e de desprestígio das
normas de Direito Público, considerados por alguns
como entraves ao bom funcionamento da máquina
estatal e ao alcance da eficiência. Dito em outras pa-
lavras: para alguns operadores do Direito, o modelo
privado seria o único capaz de produzir resultados
positivos e eficiência na gestão.
O PL 1992 segue nessa vertente. a despeito de o
§ 15, do artigo 40, da Constituição, estabelecer que
a entidade fechada da previdência complementar dos
ocupantes de cargo efetivo e membros de Poder deve
possuir natureza pública, o projeto propõe a criação
de fundação de natureza privada, seguindo na tri-
lha do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 92, de
2007.
alegam os autores que a previsão constitucional
dessa natureza pública não significa, necessariamen-
te, que a entidade deve ser estruturada na forma de
entidade de natureza pública (autarquia ou fundação
pública).
Na visão de BertUOL et alii (2011), a proposta
segue de encontro à pacífica jurisprudência do su-
premo tribunal Federal (stF) e do superior tribunal
de Justiça (stJ), o que poderá criar confusão acerca
da Justiça competente para processar e julgar as cau-
sas envolvendo a fundação federal que a Constituição
determina explicitamente que deve ser de natureza
pública.
eis algumas decisões do stF e do stJ que lançam
luz ao conceito e à amplitude da natureza jurídica das
fundações instituídas pelo poder público:
recurso extraordinário nº 215.741-stF emeNta: reCUrsO eXtraOrDiNÁriO. FUN-DaÇÃO NaCiONaL De saÚDe. CONFLitO De COmPetÊNCia eNtre a JUstiÇa FeDe-raL e a JUstiÇa COmUm. NatUreZa JUrÍ-DiCa Das FUNDaÇÕes iNstitUÍDas PeLO PODer PÚBLiCO. (...)
26 triBUtaÇÃO em revista
1. a Fundação Nacional de saúde, que é mantida por recursos orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público. 2. Conflito de competência entre a Justiça Co-mum e a Federal. artigo 109, i da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação em que figura como parte fundação pública, tendo em vista sua situação jurídica conceitual assemelhar- se, em sua origem, às autarquias. (...) 3. ainda que o artigo 109, i da Constituição Federal, não se refira expressamen-te às fundações, o entendimento desta Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o re-gime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia. 4. recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a competência da Justiça Federal.” stJ súmula nº 324 - DJ 16.05.2006 Competência - Processo e Julgamento - Funda-ção Habitacional do exército - autárquica Fede-ral - ministério do exército “Compete à Justiça Federal processar e julgar ações de que participa a Fundação Habitacional do exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo ministério do exér-cito.”
Como se constata da jurisprudência, a natureza ju-
rídica das fundações não se define pelo rótulo que a
lei lhe atribui, mas pela sua essência.
Para driblar o texto expresso no § 15, do artigo 40,
da Constituição, os formuladores da proposta tentam
restringir o conceito de natureza pública a submissão
a normas de licitações e contratação de pessoal e pu-
blicação das informações, nos termos do artigo 8º do
PL 1992, a saber:
art. 8º a natureza pública das entidades fecha-das a que se refere o § 15 do art. 40 da Consti-tuição consistirá na: i - submissão à legislação federal sobre licitação e contratos administrativos; ii - realização de concurso público para a contra-tação de pessoal; iii - publicação anual, na imprensa oficial ou em sítio oficial da administração pública certi-ficado digitalmente por autoridade para esse fim credenciada no âmbito da infra- estrutura de Chaves Públicas Brasileira - iCP-Brasil, de seus demonstrativos contábeis, atuariais, financeiros e de benefícios, sem prejuízo do fornecimento de informações aos participantes e assistidos do
plano de benefícios e ao órgão regulador e fis-calizador das entidades fechadas de previdência complementar, na forma das Leis Complementa-res nos 108 e 109, de 2001.
a submissão ao concurso público, à publicidade e
à realização de procedimento licitatórios definido em
lei própria para a administração pública não são que-
sitos que, por si só determinem a natureza jurídica
das entidades da administração indireta.
as empresas públicas e sociedades de economia
mista são entidades de natureza privada, previstas
constitucionalmente para a exploração de atividade
econômica ou prestação de serviços públicos median-
te tarifa, e mesmo assim sujeitam-se aos princípios
constitucionais do concurso público, procedimento
licitatório e publicidade. tais entidades que pode-
rão seguir um estatuto jurídico específico editado nos
termos do artigo 173 da Lei Fundamental, ainda pen-
dente de edição.
Como se nota, a definição da natureza jurídica de
uma entidade vai muito além dos pressupostos limi-
tadores que o Poder executivo pretende estabelecer
com a aprovação do PL 1992. essa é uma pretensão
do projeto que não pode prosperar, pois afronta pre-
ceito expresso no texto constitucional e a jurispru-
dência das Cortes de Justiça e suprema.
7 - Imponderabilidade Atuarial
a par dos aspectos já enfrentados, releva apon-
tar ainda outra aguda vulnerabilidade do PL 1992,
nas dimensões técnica e jurídica (ambas relacionadas
à monstruosa massa atuarial que o Governo Federal
imagina poder constituir, de modo indiscriminado, a
partir do modelo engendrado em 1997). trata-se da
imponderabilidade atuarial engendrada pelo paradig-
ma em discussão.
abstraída a extensão que o projeto permite a outros
entes federativos ou órgãos da administração indireta
não-federal (mediante ato de adesão “na qualidade de
triBUtaÇÃO em revista 27
patrocinadores”), é certo que o PL 1992 alberga origi-
nalmente todos os “servidores titulares de cargo efeti-
vo da União, suas autarquias e fundações, inclusive os
membros do Poder Judiciário, do ministério Público e
do tribunal de Contas da União” (artigo 1º).
Com semelhante abrangência, o fundo a constituir
admitiria indistintamente a participação de servidores
que hoje recebem pisos iniciais de r$ 4.708,07 (e.g.,
o técnico em regulação de aviação civil da aNaC, cfr.
edital de 200922) ou de r$ 3.080,38 (e.g., servidores
com ensino fundamental completo no âmbito da FU-
Nai, cfr. edital de 201023), por um lado, e daqueles
que recebem valores iniciais próximos ao teto nacio-
nal do funcionalismo público (r$ 26,7 mil), como ju-
ízes federais substitutos e procuradores da república
substitutos (FeLiCiaNO, 2011).
sobre semelhantes bases, o fundo público perde
credibilidade, como se verá a seguir; torna-se relativa-
mente atraente para servidores de faixa remuneratória
mais baixa, mas tende a afugentar os servidores de
faixa remuneratória mais alta, o que instaura círculo
vicioso de abstenções e desistências (mesmo porque,
a teor do § 16, do artigo 40, da Constituição — nisso
reproduzida pelo artigo 1º do PL —, os servidores só
se vinculariam à FUNPresP mediante “prévia e ex-
pressa opção”).
tal circunstância evidentemente compromete, a
médio e longo prazos, a própria saúde financeira do
fundo. Fenômeno semelhante verificou-se na argenti-
na, quando se buscou — mirando o exemplo do Chi-
le — privatizar os sistemas públicos de previdência
(processo instaurado em 1994 e que redundou em su-
cessivos deficits anuais, estimando-se um rombo de 30
milhões de pesos entre 1989 e 1999, no governo Car-
los menem24). O desinteresse da população pelo novo
modelo engendrou uma migração maciça dos sistemas
públicos (gerais ou complementares) para os fundos
privados de previdência, resultando em uma desca-
pitalização da previdência pública associada a uma
atomização dos investimentos em previdência priva-
da. ademais, a taxa de evasão e inadimplemento em
relação ao modelo inaugurado revelou-se ascendente,
a significar, na prática, insegurança social para grande
margem da população. Na exata dicção de COrreia
e COrreia (2008),
“[...], na própria argentina, esperava-se um pú-blico de seis milhões de pessoas a serem incor-poradas no novo regime. No entanto, por temos dos segurados e falta de interesse das segurado-ras, o contingente abrangido não chegou sequer a alcançar o número de dois milhões de pesso-as”25.
ademais, revela censurar, ainda quanto à impon-
derabilidade atuarial, a questão da dessegmentação
alvitrada pelo projeto. Com efeito, tal condição ina-
dequada — a saber, a excessiva amplitude da FUN-
PresP — fere de morte uma das premissas funda-
mentais da avaliação atuarial, que é a uniformidade
de perfis. e a consequência natural dessa condição
é, na prática, um deficit de credibilidade com o qual
já nasceria a FUNPresP — o que, insista-se, é ino-
portuno e inconveniente, inclusive na perspectiva de
capitalização dos fundos a que se vincula o PL 1992.
É que, para efeito de cálculo atuarial, a fidedignida-
de das contas depende basicamente da correção e da
uniformidade das informações cadastrais relativas aos
segurados do regime.
Nesse preciso sentido, estabelece o § 2º, do artigo
18, da Lei Complementar nº 109, de 2001, que, para
os fins do artigo 202, caput, in fine, da Constituição,
“[d]ispõe sobre o Regime Complementar de Previdência e
dá outras providências” — e à qual deveria estar fiel-
mente jungido o PL 1992, nos termos do seu próprio
artigo 1º, com os vezos já apontados neste artigo:
22. Disponível em: www.cespe.unb.br/concursos/anac2009
23. Disponível em: www.institutocetro.org.br
24. Cf. Folha de são Paulo, Caderno Dinheiro, 11.02.2002, p.B-1.
25. COrreia, marcus Orione Gonçalves e COrreia, Érica Paula Barcha. Curso de Direito da seguridade social. 4ª ed. são Paulo: saraiva, 2008. p.30.
28 triBUtaÇÃO em revista
“§2º. Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obri-gatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocina-
dor ou instituidor” (g.n.).
Da mesma forma, e com maior detalhamento,
dispôs o anexo da resolução nº 18, de 2006 (“Ba-
ses técnicas”), do Conselho de Gestão da Previdência
Complementar (CGPC), que “[e]stabelece parâmetros
técnico-atuariais para estruturação de plano de benefí-
cios de entidades fechadas de previdência complementar,
e dá outras providências”:
“1. as hipóteses biométricas, demográficas, eco-nômicas e financeiras devem estar adequadas às características da massa de participantes e assis-tidos e ao regulamento do plano de benefícios de caráter previdenciário. “1.1. a eFPC26 deverá solicitar do patrocinador ou, se for o caso, do instituidor do plano de be-nefícios manifestação por escrito sobre as hipó-teses econômicas e financeiras que guardem re-lação com suas respectivas atividades, mediante declaração, que deverá estar devidamente funda-mentada e que será arquivada na eFPC, ficando à disposição da secretaria de Previdência Com-plementar. “1.2. as justificativas para as demais hipóteses adotadas na avaliação atuarial do plano de bene-fícios também deverão ser arquivadas na eFPC, ficando à disposição da secretaria de Previdência Complementar. “2. a tábua biométrica utilizada para projeção da longevidade dos participantes e assistidos do plano de benefícios será sempre aquela mais adequada à respectiva massa, não se admitindo, exceto para a condição de inválidos, tábua bio-métrica que gere expectativas de vida completa inferiores às resultantes da aplicação da tábua at- 83. “2.1. No plano de benefícios em que é utilizada tábua biométrica segregada por sexo, o critério definido neste item deverá basear-se na média da expectativa de vida completa ponderada entre
homens e mulheres. “2.2. Observado o disposto no item 2, caso a tá-bua biométrica adotada seja resultante de agra-vamento ou desagravamento, estes deverão ser uniformes ao longo de todas as idades. “2.3. [...] “2.4. a adoção da tábua mencionada no item anterior não exclui os responsáveis do ônus de demonstrar sua adequação ao perfil da massa de participantes e assistidos do plano de benefícios, nos termos do § 2º do art. 18 da Lei Comple-mentar nº 109, de 2001” (g.n.).
enfim, no mesmo sentido, e mais recentemente,
o teor da Portaria mPs nº 403, de 200827 (artigo 5º),
pela qual o ente federativo (“in casu”, a União), a uni-
dade gestora do regime de previdência complemen-
tar (“in casu”, a FUNPresP) e o serviço atuarial res-
ponsável pelas respectivas avaliações atuariais devem
eleger conjuntamente as hipóteses biométricas (i.e.,
casuísticas de mortalidade, invalidez, morbidez, etc.),
demográficas (i.e., números de ativos e inativos, com-
posição familiar típica, índices de rotatividade e repo-
sição, etc.) e econômico-financeiras (i.e., as taxas de
juros, o crescimento real de rendimentos, as expecta-
tivas de compensação, etc.) mais adequadas às carac-
terísticas específicas da massa de segurados e de seus
dependentes, tudo para o correto dimensionamento
dos compromissos econômico-financeiros futuros do
modelo. Não será, todavia, possível fazê-lo, ao menos
com a desejável segurança, à vista da heterogeneidade
artificial que o PL 1992, a par das suas melhores in-
tenções ideológicas, acabará por consumar.
Como se percebe, os cálculos atuariais serão tanto
mais fidedignos e confiáveis quanto mais uniforme for
a massa de participantes e assistidos (inclusive por-
que deverá levar em consideração elementos como a
expectativa média de vida, a sinistralidade típica, a
capacidade contributiva a longo prazo, etc.). Nessa
ordem de ideias, a amplitude demasiada do PL 1992
26. entidades Fechadas de Previdência Complementar (como será a FUNPresP).
27. Fulcrada no teor da Lei n. 9.717/98 (que “[d]ispõe sobre regras gerais para organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores pú-blicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, dos militares dos estados e do Distrito Federal e dá outras providências”), a Portaria mPs n. 408/2008, de 11.12.2008, “[d]ispõe sobre as normas aplicáveis às avaliações e reavaliações atuariais dos regimes Próprios de Previdência social – rPPs da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, define parâmetros para a segregação da massa e dá outras providências”.
triBUtaÇÃO em revista 29
põe em xeque a credibilidade da FUNPresP, na me-
dida em que é equívoco afirmar, por exemplo, que
a expectativa média de vida de servidores públicos
federais dos segmentos da saúde ou da segurança pú-
blica seja a mesma dos servidores públicos federais
do segmento das auditorias fiscais; ou, ainda, que a
sinistralidade típica de agentes da Polícia Federal seja
a mesma de juízes do trabalho.
Não se pode, em síntese, trabalhar com um uni-
verso seguro de expectativas atuariais, uma vez que a
dessegmentação artificial do serviço público federal,
tal como procedida pelo PL 1992, não permite aferir,
na massa de participantes e assistidos, “hipóteses eco-
nômicas e financeiras que guardem [específica] relação
com suas respectivas atividades”.
Uma das soluções técnicas, sob o ponto de vista da
gestão da sinistralidade, seria a constituição de fun-
dos de previdência complementar segmentados por
serviço e categoria, nos termos de lei complementar
própria, a permitir uma exata aferição das hipóteses
atuariais endógenas, com uniformidade na massa de
participantes e assistidos. essa é, aliás, a única solu-
ção que parece atender literalmente ao texto constitu-
cional (artigo 40, §15), pelo qual
“[o] regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciati-va do respectivo Poder executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza públi-ca, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida” (g.n.).
Porém, a medida precisaria ser analisada sob ou-
tros ângulos, em especial o fiscal, o que não é matéria
de fácil solução. isso porque, segundo BertUOL et
alii (2011), a decisão política de instituir a previdên-
cia complementar, pautada na formação de poupança
no mercado de capitais, tem implicações tributárias e
fiscais de grande monta. além de requerer o aporte
de mais recursos do tesouro Nacional para custear as
aposentadorias e pensões daqueles que já ingressaram
no serviço público, há risco de descumprimento dos
limites de pessoal fixados pela Lei de responsabilida-
de Fiscal para os Poderes e órgãos federais.
De acordo com os autores, as Casas do Poder
Legislativo Federal, os tribunais do Poder Judiciá-
rio, o ministério Público e o tribunal de Contas da
União são os que apresentam maior risco de des-
cumprimento dos respectivos limites fiscais, já que,
historicamente, a maior parte de suas despesas com
aposentados e pensionistas é custeada com recursos
das contribuições previdenciárias, que passarão a ser
destinadas à formação de poupança interna, exigindo
maior esforço fiscal do tesouro.
Como é cediço, a lei — e tanto menos a Constitui-
ção — não detém palavras inúteis (maXimiLiaNO,
1981)28. Para FeLiCiaNO (2011), não foi ao acaso
que o legislador constituinte derivado, por ocasião da
emenda 41, utilizou a expressão “entidades fechadas
de previdência complementar” no seu plural. a rigor,
a dicção constitucional curvou-se à boa técnica atu-
arial, admitindo a segmentação dos fundos comple-
mentares de previdência para o serviço público, não
apenas por classes federativas (fundos federal, estadu-
ais e municipais), mas também — e sobretudo — de
acordo com as semelhanças e dessemelhanças das res-
pectivas massas de participantes/assistidos. Quando
não, ainda que única a entidade em um mesmo âmbi-
to federativo, de rigor seria ao menos a segmentação
interna dos planos, definidos por serviço e categoria,
nos termos vazados em lei complementar própria.
mas essa possibilidade não é sequer aventada pelo
PL 1992, o que revela, nesse particular aspecto, a re-
lativa precariedade atuarial da FUNPresP, a tornar o
modelo temerário, já que o fundo complementar não
poderá receber aportes de recursos da União, ainda
que em situação de incontornável insustentabilidade
econômico-financeira, diante do que dispõe o § 3º,
do artigo 202, da Constituição.
28. maXimiLiaNO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, 9ª edição, 2ª tiragem, Forense, rio de Janeiro, 1981.
30 triBUtaÇÃO em revista
8 - Conclusão
a proposta do Governo Federal para instituir o re-
gime de previdência complementar do setor público
está ancorada em duas premissas postas como ver-
dades cristalizadas: primeiro, o Governo alega que a
Constituição obriga a instituição da previdência com-
plementar, conforme emendas 20 e 41. segundo, na
visão do Poder executivo da União, há necessidade
de estabelecer um tratamento isonômico entre os ser-
vidores públicos efetivos e membros de Poder e os
trabalhadores da iniciativa privada.
a primeira premissa é falsa, pois os §§ 14 e 15 do
artigo 40, da Constituição, prevêem a possibilidade,
entendida no plano jurídico como uma faculdade, de
a União, os estados, o Distrito Federal e os municí-
pios instituírem ou não o regime de previdência com-
plementar do regime próprio.
a segunda premissa também não se sustenta. O
Governo Federal não considera, por exemplo, que a
Constituição prevê regras completamente distintas
para as duas categorias (servidores públicos e traba-
lhadores do setor privado), inclusive para fins previ-
denciários.
O regime próprio de previdência dos servidores
efetivos e membros de Poder difere-se em muitos as-
pectos do regime geral de previdência social. essa
diferença está consagrada no próprio texto constitu-
cional e decore da previsão de regimes de contratação
completamente distintos.
Para servirem ao estado, os servidores efetivos e
membros de Poder são dotados de um regime de con-
tratação de caráter administrativo, o qual lhes outor-
ga um conjunto de obrigações, proteções e garantias
específicas para o exercício da função pública, com
riscos e sacrifícios que lhes são inerentes.
Por um lado o Governo - preso à literalidade da
primeira parte do § 15, do artigo 40, da Constituição
- recusa a necessidade de lei complementar específica
para nortear a instituição da previdência complemen-
tar dos segurados do regime próprio da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Por outro lado, o Poder executivo, paradoxalmen-
te, apega-se às Leis Complementares nºs 108 e 109, de
2001, para direcionar o fundo de previdência que se
pretende criar nos termos do PL 1992. essa postura
revela uma clara contradição do Governo, maculando
o projeto que tramita na Câmara dos Deputados.
ademais, mesmo nos estritos lindes desta desa-
tinada opção legislativa, a proposta claudica perigo-
samente, porque encampa um modelo massificado
de dessegmentação de grupos e capitais que tende a
comprometer a própria credibilidade atuarial dos fun-
dos futuros, para o servidor e para os mercados.
O fato é que não se pode admitir que a União, os
estados, o Distrito Federal e mais de 5,5 mil muni-
cípios possam instituir a previdência complementar
dos respectivos regimes próprios a seu bel-prazer,
sem que haja uma norma geral de caráter nacional
que estabeleça regras básicas de funcionamento. essa
é a conclusão que se pode chegar a partir da leitura
sistemática da parte final do § 15, do artigo 40, da
Constituição, quando exige a aplicação, no que cou-
ber, do artigo 202 do mesmo Diploma.
Observar o artigo 202 não significa aproveitar as
Leis Complementares nºs 108 e 109, de 2001, para
fins de nortear a previdência complementar do ser-
vidor efetivo e membro de Poder. tais normas não
fixam os parâmetros essenciais para a previdência dos
servidores, como, por exemplo, a portabilidade das
contribuições recolhidas aos regimes próprios de ou-
tros entes da Federação para a previdência comple-
mentar, tema de extrema complexidade, seja no plano
operacional, seja sob o ponto de vista político.
O PL 1992 não tem o condão de estabelecer nor-
mas gerais para toda a Federação e obrigar estados e
municípios na condução de suas escolhas quanto à
instituição ou não da previdência complementar dos
servidores públicos e membros de Poder.
assim sendo, padece de lógica e razoabilidade ju-
triBUtaÇÃO em revista 31
rídica a tentativa de nortear a previdência do servidor
efetivo e membro de Poder pelas Leis Complementa-
res em comento.
entendemos que se a União insistir na aprovação
do PL 1992, qualquer fundo de previdência comple-
mentar criado com base nas Leis Complementares nº
108 e 109, de 2001, somente alcançará os servido-
res ocupantes de cargo em comissão dos três Poderes,
os agentes de saúde contratados sob a forma de em-
pregados públicos pela Fundação Nacional de saúde
(FUNasa), com base no § 4º, do artigo 198, da Cons-
tituição, além de outros ocupantes de cargos temporá-
rios no âmbito dos Poderes e órgãos da União.
enquanto não for editada uma lei complementar
específica, que atenda aos pressupostos dos artigos 40
e 202 da Constituição, os futuros servidores efetivos
e membros de Poder não poderão se sujeitar ao fundo
de previdência que decorrer do PL 1992.
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triBUtaÇÃO em revista 33
a RTIGO
Previdência Complementar do Servidor Público:Análise do Projeto de Lei no 1.992/20071
Previdência social – rGPs, desde que haja a criação de um
fundo de previdência complementar do servidor público.
O Projeto de Lei nº 1.992/2007 (PL 1.992/07) de au-
toria do Poder executivo regulamenta o parágrafo 15, do
artigo 40 que determina a criação do regime de previdên-
cia complementar do servidor público, aplicando no que
couber, a previsão artigo 202 às entidades públicas de pre-
vidência complementar. este artigo prevê a instituição de
regime de previdência privada de caráter complementar e
facultativo:
art. 202. O regime de previdência privada, de cará-ter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
1. versão modificada da Nota técnica 22 do sindifisco Nacional, Previdência Complementar do servidor Público: análise do Projeto de Lei no 1992/2007.
2. advogada, assessora de Diretoria, Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional
3. advogada, assessora de Diretoria, Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional
4. economista e mestre em economia, Gerente de estudos técnicos do sindifisco Nacional
renata machado de araujo machado2 Áryna martins Dias rangel3
Álvaro Luchiezi Jr.4
1- Introdução
O artigo 40 da Constituição Federal assegura aos ser-
vidores públicos titulares de cargos efetivos da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídos
os órgãos da administração indireta, um regime previden-
ciário de caráter contributivo e solidário, cuja manutenção
contará com contribuições do respectivo ente público, dos
servidores ativos e inativos e, ainda, dos pensionistas, com
a observância de critérios que preservem equilíbrio finan-
ceiro e atuarial.
O parágrafo 14 do artigo 40 dispõe que os entes federa-
tivos supramencionados poderão fixar para o valor das apo-
sentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de
Previdência Próprio dos servidores Públicos – rPPs o mes-
mo teto estabelecido para os benefícios do regime Geral de
34 triBUtaÇÃO em revista
a exposição de motivos5 da aludida proposição le-
gislativa destaca que o intuito da pretensa legislação é
dar continuidade à reforma previdenciária iniciada pela
emenda Constitucional nº. 41/2003, viabilizar “a recom-
posição do equilíbrio da previdência pública” e garantir
“sua solvência no longo prazo, isto é, a existência dos
recursos necessários ao pagamento dos benefícios pac-
tuados”.
a exposição de motivos também afirma que a criação
da Previdência Complementar dos servidores Públicos
“reduzirá a pressão sobre os recursos públicos crescen-
temente alocados à previdência, permitindo recompor
a capacidade de gasto público em áreas essenciais à re-
tomada do crescimento econômica e em programas so-
ciais”.
Outro argumento utilizado é que o PL 1.992/07 “via-
biliza uma nova configuração dos dispêndios e obriga-
ções futuras da União para com seus servidores e permite
a construção de um modelo de previdência sustentável”.
O Poder executivo também sustenta que a criação
do regime de Previdência Complementar do servidor
Público “permitirá uma desoneração de obrigações da
União de modo gradual, visto que os valores dos benefí-
cios superiores ao teto do rGPs deverão advir do sistema
complementar, e não mais do tesouro”.
assim, um dos pilares da proposição em análise seria
uma suposta desoneração das obrigações previdenciárias
da União, posto que tal ente patrocinará as contribui-
ções do regime Próprio de Previdência social - rPPs até
o valor do teto do rGPs, criando também uma suposta
isonomia entre os servidores públicos e os trabalhadores
da iniciativa privada.
O presente artigo identifica e discorre as ilegalida-
des, omissões e impropriedades contidas no bojo do PL
1.992/07, razões suficientes para não recomendar a sua
aprovação.
2- A Fundação de Previdência Complementar do Ser-
vidor Público – FUNPRESP
Os planos de previdência complementar visam um
acréscimo na renda do aposentado, com intuito de asse-
gurar uma existência digna e à manutenção do padrão de
vida para aqueles que não estão mais em pleno gozo de
sua capacidade de trabalho, conforme ensina eduardo ta-
naka:
Como o próprio nome diz, vem complementar os valores a serem recebidos no futuro. É como uma aplicação financeira na qual o dinheiro depositado vai sendo capitalizado, rendendo juros, e, no futuro, conforme a legislação, pode-se retirá-lo integralmen-te ou obtê-lo em forma de provento mensal vitalício, de modo a proporcionar um melhor padrão de vida e uma aposentadoria mais confortável6.
existem três tipos de planos de previdência comple-
mentar: a) benefício definido, b) contribuição definida e
c) híbridos. No Brasil, é mais comum a adoção dos tipos
benefício definido e contribuição definida.
sobre as características dos planos de previdência
complementar, Wladimir Novaes martinez explicita:
em linhas gerais, no plano de benefício definido, antecipadamente sabe-se o valor das prestações, to-davia, no de contribuição definida esta é conhecida, mas não o nível daquelas mensalidades. só ao final do processo, o segurado tem conhecimento de quan-to vai receber mensalmente7 .
a criação da Fundação de Previdência Complementar
do servidor Público – FUNPresP, prevista no PL 1.992/07
surge para facultar aos servidores públicos titulares de car-
gos efetivos a complementação da renda de aposentadoria,
caso os entes federados já mencionados equiparem o limi-
te das aposentadorias e pensões dos referidos servidores
ao teto do regime Geral de Previdência social – rGPs.
Contudo o PL 1.992/07 está permeado de entraves
para que a FUNPresP alcance sua função precípua: ga-
5. exposição de motivos interministerial emi nº 00097/2007/mP/mPs/mF.
6. taNaKa, 2009, p. 49
7. martiNeZ, 2010, p. 1.410
triBUtaÇÃO em revista 35
rantir a complementação da aposentadoria.
a seguir serão demonstradas algumas impropriedades
contidas no PL 1.992/07 que acarretam total insegurança
para os servidores públicos afetados pela criação da FUN-
PresP.
2.1- Natureza Jurídica
O principal ponto acerca da natureza jurídica da FUN-
PresP resume-se na seguinte questão: a Constituição
Federal8 determina que a previdência complementar dos
servidores públicos seja gerida por entidades fechadas de
previdência complementar de natureza pública. (grifos
nossos)
entretanto o parágrafo único, do artigo 4º9, do PL
1.992/07 prevê que a FUNPresP terá personalidade jurí-
dica de Direito Privado.
Numa tentativa de atender à exigência constitucional,
o artigo 8º do PL 1.992/07 dispõe que a FUNPresP deve-
rá realizar concurso público para a contratação de pessoal;
observar a Lei nº 8.666/1993 e publicar seus demonstra-
tivos contábeis, atuariais, financeiros e de benefícios, na
forma da Lei Complementar nº 108/2001, que trata das
entidades privadas de previdência complementar, e da Lei
Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o regime
de Previdência Complementar.
Contudo a mera submissão da FUNPresP às normas
de licitações, de contratação de pessoal e a publicação de
dados financeiros, contábeis e atuariais não atende plena-
mente a exigência constitucional.
O Poder executivo alega que a opção pela instituição
de uma fundação nos moldes acima citados não ofende a
previsão contida na Constituição Federal pois esta não im-
plica na obrigatoriedade de criar uma autarquia lato sensu,
mas apenas que a FUNPresP deva se submeter às nor-
mas aplicáveis aos fundos de pensão já existentes. assim,
à Fundação aplicar-se-iam as mesmas normas de controle
e o mesmo regime jurídico das empresas estatais.
a criação de um fundo de pensão com natureza jurídi-
ca privada que apenas se submete a alguma das obrigações
próprias das entidades públicas não respeita a clareza e a
literalidade da disposição contida no parágrafo 15, supra-
citado.
a Constituição Federal, ao determinar que a natureza
jurídica da entidade fechada de previdência complemen-
tar prevista no parágrafo 14, do artigo 40, seja pública,
objetivou garantir transparência e segurança na utilização
dos recursos públicos em total observância ao princípio
da supremacia do interesse público. a presença de entes
públicos como patrocinadores obriga à observância inte-
gral de ditames legais que protegem o interesse público e
delimitam o campo de atuação dos tomadores de decisões.
Neste sentido, frisa-se que supremacia do interesse pú-
blico é compreendida pela doutrina como o conjunto de
prerrogativas e sujeições que vinculam a atividade admi-
nistrativa do estado. O ordenamento faculta a fruição de
benesses, mas impõe limites com intuito de garantir que a
atividade estatal não se desvie de sua finalidade precípua:
promover o bem-estar social através da consecução de po-
líticas públicas.
assim, a administração Pública possui o dever-poder10
de desempenhar suas funções com estrita observância a
preceitos jurídicos que traduzam a supremacia do interes-
8. BrasiL, Constituição da república Federativa do Brasil, 1988. artigo 40, § 15: art. 40. aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. § 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida.
9. art. 4o. Fica a União autorizada a criar, em ato do Poder executivo, a entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complemen-tar do servidor Público Federal - FUNPresP, com a finalidade de administrar e executar plano de benefícios de caráter previdenciário, nos termos das Leis Complementares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001. Parágrafo único. a FUNPresP será estruturada na forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia administrativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no Distrito Federal.
10. meLLO, 2006, p. 61, acertadamente sustenta que “tendo em vista este caráter de assujeitamento do poder a uma finalidade instituída no interesse de todos – e não da pessoa exercente do poder-, as prerrogativas da administração não devem ser vistas ou denominadas como “poderes” ou como “poderes-deveres”. antes se qualificam e me-lhor se designam como “deveres-poderes”, pois nisto se ressalta sua índole própria e se atrai atenção para o aspecto subordinado do poder em relação ao dever, sobressaindo, então, o aspecto finalístico que as informa, do que decorrerão suas inerentes limitações”.
36 triBUtaÇÃO em revista
se público. tais preceitos se encontram balizados na Cons-
tituição Federal, destacando-se para a presente análise o
artigo 37.
este artigo constitucional determina, entre outras pre-
visões, que a atividade administrativa deverá observar o
princípio da legalidade o qual determina a subsunção da
administração Pública às leis vigentes.
Contudo, para que haja a presunção de legalidade e
legitimidade da atuação administrativa, o processo legis-
lativo – criador dos limites à atuação do estado –, deve
observar as disposições constitucionais sob pena, obvia-
mente, de incorrer em vício de constitucionalidade.
ao eivar-se de vício decorrente da inobservância de
preceito constitucional – no caso, instituir a FUNPresP
com personalidade jurídica de direito privado, afrontando
o disposto no parágrafo 15, do artigo 39, da Constituição
Federal –, o PL 1.992/07 já torna maculada a criação da
referida Fundação. todos os atos normativos devem obe-
diência obrigatória à Constituição Federal. a vontade do
poder constituinte derivado não pode, por conseguinte,
ser modificada quando da edição de lei que regulamenta
mandado constitucional.
2.2- Delegação de Funções à Entidade Privada (“Ter-
ceirização”)
além da já mencionada inconstitucionalidade na cria-
ção da FUNPresP, o PL 1.992/07 também prevê, em seu
artigo 15, outra questão controvertida no que tange à Fun-
dação de Previdência Complementar do servidor Públi-
co: o repasse da administração dos recursos garantidores,
provisões e fundos dos planos de benefícios a instituições
autorizadas pela Comissão de valores mobiliários – Cvm
para o exercício da administração de carteira de valores
mobiliários.
O citado artigo determina a observância dos artigos 10
e 13, incisos i, iii e iv, da Lei Complementar nº 108/2001.
segundo estes dispositivos, o Conselho Deliberativo da
FUNPresP permanecerá no comando da definição da
política geral de administração da entidade e dos planos
de benefícios, da gestão de investimentos e do plano de
aplicação de recursos, bem como deverá autorizar inves-
timentos que envolva valores iguais ou superiores a cinco
por cento dos recursos garantidores.
a este respeito, é imprescindível elucidar algumas dis-
posições pertinentes à organização das entidades de pre-
vidência complementar contidas na Lei Complementar nº
109/2001, que regulamenta todo o regime de Previdência
Complementar.
O artigo 31 da Lei Complementar nº 109/2001 define
o que são as entidades fechadas de previdência comple-
mentar:
art. 31. as entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fis-calizador, exclusivamente:i - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entes denomina-dos patrocinadores; eii - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denomi-nadas instituidores.§ 1o as entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lu-crativos.§ 2o as entidades fechadas constituídas por institui-dores referidos no inciso ii do caput deste artigo de-verão, cumulativamente: i - terceirizar a gestão dos recursos garantidores das reservas técnicas e provi-sões mediante a contratação de instituição especia-lizada autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil ou outro órgão competente;ii - ofertar exclusivamente planos de benefícios na modalidade contribuição definida, na forma do pará-grafo único do art. 7o desta Lei Complementar.
Daí infere-se que as entidades fechadas de previdência
complementar são compostas exclusivamente por deter-
minado “nicho” de trabalhadores e empregadores.
se aprovado o PL 1.992/07, a FUNPresP será inicial-
mente composta pelas carreiras federais e patrocinada, cla-
ro, pela União Federal. encaixa-se, portanto, na hipótese
prevista no inciso i do artigo transcrito, qual seja, entidade
fechada de previdência complementar destinada a grupo
específicos de trabalhadores.
assim sendo, a obrigatoriedade de terceirização da ges-
tão dos recursos garantidores das reservas técnicas e pro-
visões não se aplica à FUNPresP, o que leva à conclusão
triBUtaÇÃO em revista 37
de que a previsão contida no artigo 15, do PL 1.992/07,
é equivocada.
a reforma Previdenciária encabeçada pelas emendas
Constitucionais nº 20/1998 e nº 41/2003 determinou ex-
pressamente que a regulamentação das entidades de pre-
vidência complementar seria feita por Lei Complementar.
assim, em atendimento ao comando constitucional conti-
do no artigo 202, foram elaboradas as Leis Complemen-
tares nº 108/2001 e 109/2001, que são as normas aptas
a regulamentar o referido artigo da Constituição Federal.
O PL 1.992/07 afronta o disposto no artigo 31 da Lei
Complementar nº 109/2001 ao determinar a “terceiriza-
ção” da gestão dos recursos garantidores das reservas téc-
nicas e provisões.
Desta forma, não poderia Lei Ordinária superveniente
contrariar as disposições contidas em Lei Complementar,
emanadas de previsão constitucional, como pretende o PL
1.992/07.
acerca de tal assunto, colacionam-se os ensinamentos
de Gilmar Ferreira mendes11:
a lei ordinária que destoa da lei complementar é in-constitucional por invadir a âmbito normativo que lhe é alheio, e não por ferir o princípio de hierarquia das leis. Por outro lado, não será inconstitucional a lei ordinária que dispuser em sentido diverso do que estatui um dispositivo de lei complementar que não trata de assunto próprio de lei complementar. O dis-positivo da lei complementar, no caso, vale como lei ordinária e pode-se ver revogado por regra inserida em lei ordinária. Nesse sentido é a jurisprudência do stF.
este entendimento também é corroborado pela juris-
prudência do supremo tribunal Federal: matéria reserva-
da à Lei Complementar pelo texto constitucional não pode
ser alterada por Lei Ordinária, sob pena de inconstitucio-
nalidade12.
Por previsão expressa do artigo 202 da Constituição
Federal, cabe à Lei Complementar nº 109/2001 regula-
mentar a matéria prevista no artigo 15, do PL 1.992/07
o qual, por esta razão, incorre em grave inconstituciona-
lidade.
2.3- Deficiente Regulamentação da Composição dos
Órgãos Deliberativos da FUNPRESP
No que diz respeito à organização da FUNPresP, o
artigo 5º do PL 1.992/07 é reducionista em relação aos
direitos estabelecidos na Lei Complementar nº 108/2001,
pois não define com clareza: os critérios de escolha dos
dirigentes; a forma de participação dos servidores públi-
cos federais; a paridade essencial para a administração da
Fundação.
Da forma como está, o texto do PL 1.992/07 não ga-
rante segurança aos servidores públicos e também não
leva em consideração o vasto rol de carreiras abarcadas
pela proposição de instituição da FUNPresP.
a aplicação subsidiária da Lei Complementar nº
108/2001 não é suficiente para regular a relação entre a
FUNPresP e os servidores públicos federais, justamente
em decorrência da natureza jurídica da relação tutelada.
a Lei Complementar nº 108/2001 regula as entidades
de previdência complementar de natureza privada e, por
esta razão, não se presta para regular a previdência com-
plementar dos servidores públicos.
sendo assim, os servidores correm o risco de não se-
rem representados corretamente, pois a legislação que
regeria essa relação – a Lei Complementar nº 108/2001
– é omissa a este respeito.
3- Adesão aos Planos de Benefícios da FUNPRESP.
Outro ponto que merece destaque no PL 1.992/07 é
o prazo para adesão ao regime de previdência comple-
mentar instituído pela FUNPresP.
O parágrafo 6º13, do artigo 3º, dispõe que o prazo
para adesão ao regime de Previdência Complementar
11. meNDes, COeLHO e BraNCO, 2008. p. 883
12. stF, 2006. em sentido análogo, stF, 2008.
13. § 6o O prazo para a opção de que trata o inciso ii do caput deste artigo será de cento e oitenta dias, contados a partir da data do início do funcionamento da entidade de que trata o art. 4o desta Lei.
38 triBUtaÇÃO em revista
será de 180 dias, contados a partir da data do início do
funcionamento da FUNPresP.
este prazo é demasiadamente exíguo para que o ser-
vidor analise a relação custo/benefício decorrente de sua
adesão, pois ela poderá implicar em sérias limitações à
manutenção do servidor quando da sua aposentadoria.
ademais, ela será irreversível e irrevogável nos termos
do parágrafo 7º, do artigo 3º14.
Há que se considerar, também, que a viabilidade do
projeto é incerta e, por esta razão, a adesão não poderia
implicar em renúncia irreversível e irrevogável aos di-
reitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores.
impor unilateralmente a obrigatoriedade de abrir
mão de tudo aquilo que o servidor pagou acima do li-
mite do rGPs, sem qualquer contraprestação, além de
imoral, configura um verdadeiro enriquecimento sem
causa ou enriquecimento ilícito do estado, situação tan-
tas vezes rechaçada por nossos tribunais, como se veri-
fica da leitura do acórdão abaixo transcrito:
aÇÃO De COBraNÇa. saQUe iNDeviDO De DePÓsitO De FGts. aUsÊNCia De CONtrO-versia a resPeitO DO saQUe iNDeviDO. re-CUrsO imPrOviDO. 1. É imperioso que ocorra a devolução dos valores que a apelante recebeu a maior indevidamente, sob pena de configurar verdadeiro enriquecimento sem causa. 2. Nessa matéria vigora o tradicional princípio de que todo enriquecimento sem causa jurídica e que acarrete como conseqüência o empobrecimento de outrem induz obrigação de restituir em favor de quem se prejudica com o pagamento 3. apelo improvido. (grifos nossos)15
O entendimento jurisprudencial e doutrinário já se-
dimentado no País, mostra que, juridicamente, o esta-
do, não pode, sem sombra de dúvidas, apropriar-se de
recursos dos administrados. Há, assim, grave impreci-
são técnica contida no parágrafo 7º, do artigo 3º, do PL
1.992/07.
ainda cabe elucidar que, em decorrência da posição
de supremacia do estado, os servidores públicos se en-
contram em situação de hipossuficiência, sujeitando-se
às imposições unilaterais do estado sem qualquer pos-
sibilidade de negociação, condição esta que decorre das
particularidades que envolvem o regime jurídico admi-
nistrativo.
maria silvia Zanella Di Pietro16 disserta com precisão
sobre o regime jurídico administrativo:
O Direito administrativo nasceu sob a égide do estado liberal, em cujo seio se desenvolveram os princípios do individualismo em todos os aspec-tos, inclusive o jurídico; paradoxalmente, o regime administrativo traz em si traços de autoridade, de supremacia sobre o individuo, com vistas à conse-cução de fins de interesse geral.Garrido Falla (1962:44-45) acentua esse aspecto. em suas palavras, “é curioso observar que fosse o próprio fenômeno histórico-político da revolução Francesa o que tenha dado lugar simultaneamen-te a dois ordenamentos distintos entre si: a ordem jurídica individualista e o regime administrativo. O regime individualista foi se alojando no campo do direito civil, enquanto o regime administrativo formou a base do direito público administrativo”.assim, o Direito administrativo nasceu e desen-volveu-se baseado em duas idéias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do estado de Direito; de outro lado, a de necessidade de satisfação dos in-teresses coletivos, que conduz à outorga de prerro-gativas e privilégios para a administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos indivi-duais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços pú-blicos.Daí a bipolaridade do Direito administrativo: li-berdade do individuo e autoridade da administra-ção; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se a administração Pública à ob-servância da lei e do direito (incluindo princípios e valores previstos explícita ou implicitamente na Constituição); é aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autori-dade da administração Pública, necessária à con-secução de seus fins, são-lhe outorgados prerro-gativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular.isto significa que a administração Pública possui
14. § 7o a opção a que se refere o inciso ii deste artigo implica renúncia irrevogável e irretratável aos direitos decorrentes das regras previdenciárias anteriores, não sendo devida pela União, suas autarquias e fundações qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já efetuados sobre base de contribuição acima do limite previsto no caput deste artigo.
15. ParaNÁ (estado), 2007, apud GONÇaLves, 2004, p. 580
16. Di PietrO, 2010. p. 63
triBUtaÇÃO em revista 39
prerrogativas ou privilégios, desconhecidos na es-fera do direito privado, tais como a autoexecuto-riedade, a autotutela, o poder de expropriar, o de requisitar bens e serviços, o de ocupar tempora-riamente o imóvel alheio, o de instituir servidão, o de aplicar sanções administrativas, o de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, o de impor medidas de polícia. Goza, ainda, de determinados privilégios como a imunidade tributária, prazos di-latados em juízo, juízo privativo, processo especial de execução, presunção de veracidade de seus atos. (grifos no original)
Observa-se, assim, que o servidor público também
está subjugado à supremacia dos interesses do estado
nas relações laborais e é, neste sentido, hipossuficiente.
ante esta peculiaridade, os interesses das classes afe-
tadas deveriam ser levados em consideração para a ela-
boração e conclusão dos processos políticos decisórios
implicantes em modificações substanciais nos regimes
laborais estatais.
Por meio de gestão política é possível alterar a tu-
tela dos interesses coletivos para tutela de interesses
setoriais. É fundamental para se chegar a este estado
que os interessados sejam ouvidos, bem como partici-
pem dos processos decisórios que impliquem em alte-
rações substanciais de direitos coletivos tendo em vista
a posição suprema, pelo menos inicial, das decisões do
estado.
a irreversibilidade e a irrevogabilidade da adesão,
bem como a renúncia de direitos prevista no texto do
PL 1.992/07 são temerárias. aos servidores que desco-
nhecem ou que possuem baixo domínio sobre assuntos
vinculados aos regimes de aposentadoria, que e optarem
por um dos planos oferecidos pela FUNPresP, não é
dada a possibilidade de arrependimento se esta opção
pela se mostrar desvantajosa.
Portanto, além de ser impositivo e arbitrário, o texto
do PL 1.992/07 terá implicações concretas aferíveis ape-
nas em longo prazo e, caso o optante conclua pela des-
vantagem na adesão, não terá como reverter sua decisão,
o que inviabilizará qualquer possibilidade de o servidor
adequar e vincular sua realidade econômica ao tempo de
sua aposentadoria.
4- Diversidade de Carreiras Abarcadas pela FUN-
PRESP
O artigo 2º do PL 1.992/07 classifica como partici-
pante da FUNPresP o servidor público titular de cargo
efetivo da União, suas autarquias e fundações, inclusive
o membro do Poder Judiciário, do ministério Público e
do tribunal de Contas da União (artigo 1º, caput) e dos
patrocinadores que manifestarem interesse em aderir à
FUNPresP (estados, Distrito Federal e municípios, in-
clusive autarquias e fundações).
tais disposições revelam que a FUNPresP terá o
caráter de um fundo multipatrocinado. Com isso, ela
ficará na dependência de uma relação harmoniosa en-
tre os diversos patrocinadores, tanto dos Poderes Fe-
derais (executivo, Legislativo e Judiciário) quanto dos
demais entes da federação. Não há garantia em relação
aos possíveis conflitos de entendimento sobre a gestão
da Fundação, que poderá colocar em risco os benefícios
futuros dos participantes.
assim, a Fundação pretende abarcar servidores titu-
lares efetivos de cargos e carreiras distintas com níveis
diferenciados de atribuições e responsabilidades no ser-
viço público que percebem remunerações distintas.
Devido à complexidade e diferenças nas carreiras de ser-
vidores públicos e às matizes de interesses das corporações,
o funcionamento de uma única instituição de previdência
complementar enfrentará enormes dificuldades para conci-
liar as reivindicações afetas às carreiras abarcadas.
O nível de complexidade aumenta ao colocar na
mesma situação os servidores de todos os Poderes Fe-
derais e, ainda, permitir a inclusão de funcionários dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios. até hoje,
por exemplo, não há consenso para um tratamento iso-
nômico entre as remunerações dos diferentes Poderes.
entretanto, a exposição de motivos que encaminha o
PL 1.992/07 menciona o benefício da economia de es-
cala para estados, Distrito Federal e munícipios que
aderirem ao um dos planos de benefícios da FUNPresP,
posto que a criação de fundos próprios por estes entes
seria ineficiente.
40 triBUtaÇÃO em revista
a maior parte das carreiras públicas federais é es-
truturada com salários inferiores ao teto do rGPs, ou
seja, gerariam um volume de recursos relativamente
baixo para permitir uma gestão eficiente do ponto de
vista financeiro, sem contar que a sua gestão geraria
“custos adicionais decorrentes da necessidade de su-
pervisão e controle17”. esta assertiva é tão verdadeira
quanto também é o fato de que a FUNPresP assumiria
tais ineficiências.
ressalte-se que os servidores, principalmente es-
taduais e municipais, com remunerações inferiores ao
teto do rGPs, teriam estímulo muito maior para ade-
rirem à FUNPresP do que aqueles com remunerações
superiores ao teto. sendo este o caso, então, a entidade
já nascerá com seu potencial reduzido do ponto de vista
da administração financeira, o que poderá implicar em
“gargalos” futuros.
Destaque-se, ainda, que se o PL 1.992/07 for apro-
vado passarão a existir quatro regimes diferentes de
aposentadoria.
O primeiro, que contará com paridade e integrali-
dade, é o regime de previdência destinado àqueles ser-
vidores que se aposentaram até o ano de 2003, antes,
portanto, da vigência da emenda Constitucional nº 41.
O segundo regime, que não terá paridade nem inte-
gralidade, será fruído por aqueles que se aposentarem
entre a edição da emenda Constitucional nº. 41/2003
e a instituição do regime de previdência complementar.
Os servidores aposentados por este regime contribuí-
ram com onze por cento de seu salário integral e, mes-
mo assim, não fruirão de uma aposentadoria integral e
paritária.
Já o terceiro regime será aquele instituído após a
criação da Previdência Complementar e contará com os
servidores que contribuirão com o percentual de 11%
de seus vencimentos até o limite do regime Geral de
Previdência social, ou seja, serão os servidores que re-
ceberão, em regra, o valor da aposentadoria do regime
geral.
O último regime de previdência do servidor públi-
co será criado com a aprovação do PL 1.992/07 e será
composto pelos servidores que ingressarem no serviço
público após o início da vigência da FUNPresP e pelos
servidores optantes pela adesão ao regime complemen-
tar.
assim, percebe-se nitidamente a criação de trata-
mentos diferenciados para os servidores das mesmas
carreiras, afrontando a unicidade necessária à manuten-
ção da coesão no desempenho das atividades federais,
principalmente no que diz respeito à execução das ati-
vidades típicas de estado.
Não obstante a disposição contida na Constituição
Federal e que extinguiu a isonomia de vencimentos para
cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo
Poder ou entre servidores de um dos três Poderes, há
que se considerar que o direito à isonomia previsto no
artigo 5º, caput e inciso 1º da Constituição Federal ain-
da prevalece, razão pela qual se conclui pela viabilidade
de pleitear igualdade nas regras previdenciárias.
Por tal razão, considera-se que o PL 1.992/07 acar-
reta dificuldades na consecução e atendimento de an-
seios de todas as classes de servidores titulares de car-
gos efetivos, além de obstar a possibilidade de alcance
da desejável isonomia.
5- Benefício Especial
Para atrair os atuais servidores ao novo regime de
previdência, os parágrafos 1º, 2º e 3º, do artigo 3º, do
PL 1.992/07 asseguram o pagamento de um “benefício
especial”.
este benefício especial será equivalente à diferença
entre a média aritmética simples de até 65 remunera-
ções devidamente atualizadas e anteriores à data de
opção, consideradas as parcelas utilizadas como base
de cálculo para as contribuições do servidor ao regime
de previdência até então vigente e o limite do teto de
benefícios do rGPs, multiplicado pelo fato de con-
versão.
17. BrasiL. ministério do Planejamento, ministério da Previdência social, ministério da Fazenda, 2011, § 20.
triBUtaÇÃO em revista 41
O fator de conversão, cujo resultado é limitado ao
máximo de 1, será calculado mediante a aplicação da
seguinte fórmula:
Onde:
FC = fator de conversão;
tc = quantidade de contribuições mensais efetuadas
para o regime de previdência da União de que trata o art.
40 da Constituição, efetivamente pagas pelo servidor ti-
tular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder
Judiciário, do Poder Legislativo, do tribunal de Contas e
do ministério Público da União até a data de opção;
tt = 455, quando servidor titular de cargo efetivo da
União ou membro do Poder Judiciário, do Poder Legis-
lativo, do tribunal de Contas e do ministério Público da
União do sexo masculino, ou 390, quando servidor titular
de cargo efetivo da União ou membro do Poder Judiciário,
do Poder Legislativo, do tribunal de Contas e do ministé-
rio Público da União do sexo feminino.
a instituição desse fator é discriminador com as servi-
doras públicas, pois a contribuição das mulheres ao siste-
ma de previdência em vigor é realizada por um período de
30 anos, nos termos da alínea “a”, inciso iii, artigo 40 da
Constituição Federal.
O denominador na fórmula “FC” é resultante do cál-
culo do período de contribuições dos servidores do sexo
masculino para o atual regime, pois 455/13 (quantidade
de contribuições por ano) é igual a 35 anos. assim, para
que uma servidora consiga gozar o mesmo benefício espe-
cial do seu colega servidor (homem) terá que contribuir e,
portanto, permanecer trabalhando, por mais cinco anos.
a solução poderia ser a criação de uma regra específica
que respeite a contribuição previdenciária da mulher pre-
vista na Constituição Federal.
a instituição de um benefício especial é a forma de
assegurar a transição do modelo previdenciário (regime
Próprio de Previdência social) para a aposentadoria via
fundo de previdência complementar, por meio do paga-
mento de um benefício proporcional ao tempo de contri-
buição e de remuneração dos servidores ativos.
O pagamento do benefício especial será feito pelo ór-
gão competente da União por ocasião da concessão da
aposentadoria, atualizado pelo Índice de Preços ao Con-
sumidor amplo (iPCa) do iBGe, acabando com qualquer
vinculação com a remuneração dos servidores ativos.
assim, os atuais servidores que fizerem a opção de mi-
grar para a FUNPresP terão direito, na sua aposentadoria,
a três tipos de benefícios: um benefício equivalente ao teto
do rGPs, um benefício especial e mais a renda.
6- Plano de Benefícios
O plano de benefícios de caráter previdenciário na mo-
dalidade benefício definido é aquele cujos benefícios pro-
gramados têm o seu valor ou nível previamente estabeleci-
do, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a
assegurar sua concessão e manutenção, nos termos da re-
solução CGPC nº. 16, de 22/11/200518. Ou seja, nesta mo-
dalidade o participante sabe a priori qual o valor futuro do
seu benefício, devendo ajustar suas contribuições ao longo
do período de forma a assegurar, com base em cálculos atu-
ariais, a sua renda de aposentadoria. trata-se de um patri-
mônio coletivo no plano de benefícios do fundo de pensão.
No plano de benefícios de caráter previdenciário na
modalidade de contribuição definida, os benefícios pro-
gramados têm seu valor permanentemente ajustado ao sal-
do de conta mantido em favor do participante, inclusive
na fase de percepção, considerando o resultado líquido de
sua aplicação, os valores aportados e os benefícios pagos19.
Portanto, nesta modalidade, o plano previdenciário é uma
conta individual de cada participante no fundo de pensão,
ficando indefinido o valor do benefício, que estará sujeito
às oscilações dos mercados financeiros nos seus diferentes
segmentos (renda fixa, variável, investimentos imobiliá-
rios e outros).
Uma conseqüência deste tipo de plano de benefícios
é a incerteza do período de recebimento dos benefícios
18. BrasiL. ministério da Previdência social, 2005
19. id, ibd.
42 triBUtaÇÃO em revista
programados, pois a aposentadoria não será mais vitalícia.
Como se trata de uma conta individual, a qual o parti-
cipante acumulou durante um determinado período do
tempo, ele fará a opção pela quantidade de parcelas em
que deseja receber seu benefício, quando se aposentar. as-
sim, por exemplo, se um servidor se aposentar com 65
anos fazendo a opção de receber sua aposentadoria em
130 parcelas (10 anos), de acordo com uma expectativa de
vida de 75 anos, não mais terá direito ao recebimento de
benefício caso permaneça vivo após esta idade, pois terá
zerado sua conta de previdência complementar.
acerca das desvantagens de planos de previdência
complementar na modalidade de contribuição definida,
Wladimir Novaes martinez20 explica:
Na contribuição definida, a maior desvantagem para o titular é, quando de sua aposentação, a possibili-dade de seu capital acumulado mais a rentabilidade do sistema não serem capazes de atendê-los, isto é, as contribuições pessoais e patronais e o resultado das inversões serem insuficientes para a manutenção do patamar das mensalidades de pagamentos conti-nuado. O segurado só tem o pessoalmente poupado e o desembolsado pelo empregador, devendo servir--se de aportes de outros trabalhadores (mutualismo), quando sobreviver além do atuarialmente estimado.
a conseqüência será uma enorme incerteza para o fu-
turo de milhares de servidores. Uma forma de atenuar essa
incerteza será a contratação, durante a fase de percepção
dos benefícios programados, de um plano de renda vita-
lícia. Para tanto, o artigo 19, do Projeto de Lei diz que
“o assistido poderá transferir as reservas constituídas em
seu nome para entidade de previdência complementar
ou companhia seguradora autorizada a operar planos de
previdência complementar, com o objetivo específico de
contratar plano de renda vitalícia (...)”.
a previsão em voga destaca eventuais instabilidades
e prejuízos que o regime de Previdência Complementar
do servidor Público poderá acarretar aos seus beneficiá-
rios, pois a incerteza na percepção da renda, quando da
aposentadoria decorrente da modalidade de contribuição
definida, faculta ao segurado a transferência de seus inves-
timentos a um plano de previdência complementar que
lhe assegure a fruição de sua aposentadoria em estrita con-
formidade com seu planejamento de vida.
7- Impossibilidade de Equiparação entre os Servido-
res Públicos e os Trabalhadores da Iniciativa Privada
Os servidores que ingressarem no serviço Público Fe-
deral após a instituição da FUNPresP receberão da União
apenas o benefício de aposentadoria limitado ao teto do
regime de Geral da Previdência social (r$ r$ 3.691,74
a partir de janeiro de 201121). Com isso o governo tenta
estabelecer uma isonomia entre os trabalhadores do se-
tor público e do setor privado, apesar de todas as diferen-
ciações existentes na Constituição Federal e na legislação
trabalhista. Para receber um benefício acima do teto do
rGPs, o servidor deverá aderir a um dos planos da FUN-
PresP.
a Previdência do setor público apresenta-se, na Cons-
tituição Federal, no capítulo que discorre sobre a orga-
nização do estado e não no da seguridade social, como
ocorre com os demais trabalhadores. isso porque a car-
reira pública tem especificidades que a distinguem do se-
tor privado. ao servidor público cabe agir em nome do
estado, representando-o na aplicação das políticas sociais
públicas e no atendimento à população. seu regime de
contratação não é trabalhista e sim administrativo e, como
tal, tem regras fixadas em lei de forma unilateral.
entre as especificidades do regime jurídico do servidor
público destacam-se: não se submete à legislação traba-
lhista; não tem direito ao FGts; está sujeito às exigências
de dedicação exclusiva ao serviço público e a códigos de
conduta que transcendem a própria atividade e a aposen-
tadoria é acessível mediante regras definidas também de
forma unilateral, bem como tem características diferencia-
das da do regime Previdenciário Geral.
Nesse sentido, o regime próprio dos servidores deve
ser compreendido na lógica da manutenção da estrutura
20. martiNeZ, 2010, p. 1413
21. BrasiL, ministério da Previdência social e ministério da Fazenda, 2011.
triBUtaÇÃO em revista 43
do estado, pois é interesse da sociedade preservar condi-
ções adequadas de funcionamento da máquina pública.
8- Conclusão
a análise realizada no decorrer do presente estudo mos-
trou que há diversas lacunas e questionamentos de ordem
legal envolvendo o Projeto de Lei nº. 1.992/2007, os quais
geram dúvidas e insegurança aos servidores públicos.
Primeiramente, destaca-se que o PL 1.992/2007 traz
nítida incompatibilidade entre as motivações que levaram
o Poder executivo a apresentá-lo e o verdadeiro impacto
econômico e social decorrente da instituição da Funda-
ção de Previdência Complementar do servidor Público –
FUNPresP.
em termos econômicos e financeiros não haverá redu-
ção de despesas para o governo a curto e médio prazos.
Primeiramente porque, de acordo com o artigo 26 do PL
1.992/07, a União poderá aportar até cinquenta milhões
de reais a título “adiantamento de contribuições futuras,
necessário ao regular funcionamento inicial da entidade”.
Uma considerável despesa, sem retorno imediato. em
segundo lugar, porque a União deixaria de contar com a
contribuição do servidor público no valor que excedesse
ao teto do iNss e teria de obrigatoriamente aportar recur-
sos equivalentes.
Deste ponto de vista, a lógica que permeia a constitui-
ção da FUNPresP é perversa. senão, vejamos.
O Governo Federal defronta-se com a administração
de uma dívida pública crescente e, para honrar seus com-
promissos, paga altíssimos juros pelos títulos da dívida
que emite. em agosto de 2011 a dívida líquida total do
Governo Federal atingiu a casa dos 1,1 trilhões de reais
(28,1% do PiB), com um crescimento de 9,1% em doze
meses e mediante o pagamento de uma taxa média de ju-
ros nominal acumulada em doze meses de 12,3%22.
Os títulos da dívida pública são negociados no mercado
financeiro. Os recursos garantidores da FUNPresP tam-
bém serão aplicados no mercado financeiro, mais especifi-
camente em fundos de investimento contratados por meio
de licitações, de acordo com o parágrafo 1º do artigo 15.
assim, recursos públicos e dos servidores públicos
serão direcionados para estes fundos de investimento,
controlados por instituições do mercado financeiro, que
investirão nos papéis seguros emitidos pelo próprio gover-
no, os títulos da dívida pública. recursos públicos e de
servidores serão reemprestados ao próprio governo, o qual
pagará juros altos por isso.
Cabe, então, indagar: quais são os interesses que movem
o governo a promover esta irracionalidade, transferindo a
fundos de investimento privados recursos para especular
com a dívida pública?; por quê a terceirização da adminis-
tração dos recursos?; por quê a Fundação não poderá ad-
ministrar os recursos com seu próprio quadro técnico, ao
invés de contratar fundos de investimento privados?; e, por
quê a necessidade de pagar “pedágio” (taxa administrativa)
ao sistema financeiro na aplicação dos recursos?
esta terceirzação da gestão da FUNPresP afronta o
princípio constitucional da eficiência23 previsto no artigo
37, da Constituição Federal, preconizador da busca pela
melhor atuação do agente público e da melhor organização
da administração Pública. repassar a terceiros a gestão da
entidade é incompatível com os princípios que norteiam o
funcionamento das atividades administrativas do estado.
também há de se considerar a discriminação que per-
meira a instituição do benefício diferido, pois sua fruição
não possibilita paridade entre homens e mulheres titulares
de cargo efetivo público federal. O cálculo do benefício di-
ferido não deveria considerar o tempo para aposentadoria,
mas sim estabelecer equidade entre homens e mulheres.
Como dito, o PL 1.992/2007 também é permeado por
lacunas que maculam por completo sua viabilidade jurídi-
ca como, por exemplo, a inobservância da obrigatoriedade
22. BrasiL. Banco Central do Brasil, 2011.
23. Na definição de maria sylvia Zanella Di Pietro: “o princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”. “vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio estado de Direito”. (Di PietrO, maria sylvia Zanella. Direito administrativo. são Paulo: atlas, 2010. p. 83 e 84)
44 triBUtaÇÃO em revista
de criação da previdência complementar dos servidores
públicos exclusivamente por intermédio de Lei Comple-
mentar e a alteração da natureza jurídica estipulada pelo
Constituição Federal para a FUNPresP.
Os diversos questionamentos aqui formulados lança-
ram dúvidas substantivas sobre a viabilidade do modelo
de previdência complementar para o servidor público ba-
seado naquele no texto do PL 1.992/07.
a formulação de uma proposta legislativa de tal mag-
nitude seja precedida de ampla consulta às partes interes-
sadas, os servidores públicos. apenas facultando a parti-
cipação dos servidores nos debates é que será possível a
preservação dos interesses dos entes mais frágeis e o alcan-
ce de normas justas e que protejam os interesses daqueles
que trabalham pelo estado brasileiro e seus cidadãos – o
servidor público.
BrasiL. Banco Central do Brasil. Dívida Líquida e Ne-cessidades de Financiamento do setor Público. Brasília: Bacen, set. 2011. Disponível em http://www.bcb.gov.br/?serietemP acesso em 26 out 2011.
BrasiL. Constituição da república Federativa do Brasil (1988). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/Constituicao/Constitui%e7ao.htm> acesso em 29.abr.2011
BrasiL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil/Decre-to-Lei/Del4657.htm>. acesso em 17.mai.2011
BrasiL. Lei Complementar nº108, de 29 de maio de 2001. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp108.htm>. acesso em 13.mai.2011 (a)
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BrasiL. ministério da Previdência social. Conselho da Gestão da Previdência Complementar. resolução CGPC, nº16, de 22/11/2005. Disponível em http://www81.data-prev.gov.br/sislex/paginas/72/mPs-CGPC/2005/16.htm. acesso em 17.mai.
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stF, 2ª turma, agravo regimental no recurso extraordi-nário nº. 502.648/sC, rel. ministro Joaquim Barbosa, DJ 30-28.11.2008.
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triBUtaÇÃO em revista 45
a RTIGO
A Perversidade do PL 1992/2007
partir de janeiro de 2004 somente se aposentem pela
média das 80% maiores remunerações, considerado o
período de cálculo até o desempenhado na atividade
privada, desde julho de 1994.
Já o atual grupo mandatário do Palácio do Planalto
e da esplanada dos ministérios movimenta as peças do
xadrez de seu apoio político para a maior perversidade
de todas: a privatização das aposentadorias dos fun-
cionários públicos em geral.
Com o pedido de urgência para a votação do Projeto
de Lei (PL) n°. 1992/2007, o governo federal, se aprova-
do o texto, joga na vala comum do setor privado a par-
cela mais expressiva das aposentadorias dos servidores
públicos de todas as esferas de governo e Poderes.
1. Jornalista, auditor-Fiscal da receita Federal do Brasil, diretor de Direitos sociais e imprensa Livre da associação riograndense de imprensa, da Fundação anfip de estu-dos da seguridade social e presidente do sindifisco Nacional em Porto alegre.
vilson antônio romero1
O governo de Fernando Henrique Cardoso, se-
gundo levantamento do Departamento intersindical
de assessoria Parlamentar (Diap), retirou do funcio-
nalismo público, em especial do federal, dezenas de
vantagens e conquistas obtidas a duras penas durante
décadas de luta.
O primeiro governo petista promoveu a mais con-
tundente e perniciosa reforma no sistema de aposen-
tadoria dos servidores, com a aprovação da emenda
Constitucional 41 que fixa limite de idade mínima e
retira a integralidade e a paridade das garantias aos
proventos e pensões.
ao mesmo tempo, fez, com esta mudança, que to-
dos os ocupantes de cargos efetivos que ingressaram a
46 triBUtaÇÃO em revista
apresentado através da mensagem msC 664, de 5
de setembro de 2007, o PL 1.992 regulamenta o pa-
rágrafo 15, do artigo 40, da Constituição Federal de
1988, redação dada pela emenda Constitucional n°.
41/2003.
O projeto institui o regime de previdência comple-
mentar para os servidores públicos federais titulares
de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que
menciona, fixa a alíquota de contribuição de 7,5% e o
limite máximo para a concessão de aposentadorias e
pensões pelo regime de previdência de que trata o ar-
tigo 40 da Constituição, autoriza a criação de entida-
de fechada de previdência complementar denominada
Fundação de Previdência Complementar do servidor
Público Federal (Funpresp) que será estruturada em
forma de fundação com personalidade jurídica de di-
reito privado.
“art. 4o Fica a União autorizada a criar, em ato do Poder executivo, a entidade fechada de previ-dência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do servidor Público Federal - FUNPresP, com a finalidade de admi-nistrar e executar plano de benefícios de caráter previdenciário, nos termos das Leis Complemen-tares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001.Parágrafo único. a FUNPresP será estruturada na forma de fundação com personalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia adminis-trativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no Distrito Federal.”
explica-se: se acatada a criação do organismo de-
nominado Fundação de Previdência Complementar
do servidor Público (Funpresp), logo após a sua re-
gulamentação e entrada em funcionamento, os gover-
nos federal, estaduais, distrital e municipais passam a
garantir aposentadoria somente até o teto do regime
Geral de Previdência social (rGPs) - cerca de r$ 3,6
mil, nos dias de hoje.
art. 3o aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral deprevidência social às aposentadorias e pensões a serem con-cedidas pelo regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de junho de
2004, aos servidores e membros referidos no ca-put do art. 1o desta Lei que:i - ingressarem no serviço público a partir da data do início do funcionamento da entidade a que se refere o art. 4o desta Lei, independentemente de sua adesão ao plano de benefícios;
O complemento dos proventos de aposentadoria e
pensões para os funcionários que ganham acima disso,
sejam agentes administrativos, promotores, escriturá-
rios, auditores, escreventes ou desembargadores, será
obtido, na hora do requerimento do benefício, com o
rateio das quotas de um fundo administrado por esta
entidade fechada de previdência complementar – a
Funpresp.
após longa tramitação na Câmara dos Deputados,
sem muito empenho do governo em razão das arestas
que se criariam com o funcionalismo, o governo aper-
tou o passo na Comissão de trabalho, de administra-
ção e serviço Público (CtasP), nomeando relator da
matéria o deputado federal silvio Costa (PtB/Pe) e em
pouco tempo logrando a aprovação do texto que cria
o fundo de pensão.
este fundo de pensão acumulará em carteira, com
regras estabelecidas pelo organismo fiscalizador, regu-
lador e gerenciador do sistema de previdência comple-
mentar – a superintendência Nacional de Previdência
Complementar (Previc), o montante arrecadado de
funcionários e seus empregadores públicos - 7,5% de
cada, incidentes sobre o excedente ao teto do iNss.
Desta forma, a contribuição total será de 15%, des-
de logo exígua para garantir valor real ao benefício,
por melhor que seja o conjunto de aplicações ao longo
da vida laboral do funcionário.
tecnicamente, a partir de então, a única rubrica
definida na aposentadoria do servidor será a sua con-
tribuição.
“art. 12. Os planos de benefícios da Funpresp se-rão estruturados na modalidade de contribuição definida, nos termos da regulamentação estabele-cida pelo órgão regulador e fiscalizador das enti-dades fechadas de previdência complementar, e financiados de acordo com os planos de custeio
triBUtaÇÃO em revista 47
definidos nos termos do art. 18 da Lei Comple-mentar n.o 109, de 2001, observadas as demais disposições da Lei Complementar n.o 108, de 2001.”
O benefício será uma incógnita, pois as reservas
da Funpresp serão administradas por uma instituição
financeira avalizada pela Comissão de valores mobili-
ários (Cvm), portanto privada e sujeita a todos os ris-
cos nefastos da especulação comandada pelo senhor
mercado.
art. 15. a administração dos recursos garantido-res, provisões e fundos dos planos de benefícios, resultantes das receitas previstas no art. 10 desta Lei deverá ser realizada mediante a contratação de instituições autorizadas pela Comissão de va-lores mobiliários - Cvm para o exercício da ad-ministração de carteira de valores mobiliários, observado o disposto no art. 10 e nos incisos i, iii e iv do art. 13 da Lei Complementar n.o 108, de 2001.§ 1o a aplicação dos recursos previstos no caput
deste artigo será feita exclusivamente por meio de fundos de investimento atrelados a índices de referência de mercado, observadas as diretrizes e limites prudenciais estabelecidos pelo Conselho monetário Nacional para as entidades fechadas de previdência complementar.
a proposta, além de perniciosa, questionável juri-
dicamente, gerará também a segregação do conjunto
dos servidores, pois numa mesma repartição estarão
desempenhando as mesmas atividades pessoas com
direitos diversos, umas com direito à aposentadoria
integral e paridade, outras com direito à aposentado-
ria somente pela média de seus salários desde 1994
– os que ingressaram desde janeiro de 2004 - e um
novo segmento, com garantia somente de aposentado-
ria idêntica à paga pelo regime Geral de Previdência
social, da iniciativa privada.
É ou não é a privatização da aposentadoria do ser-
vidor?
48 triBUtaÇÃO em revista
a RTIGO
A Revolução Previdenciária Brasileira
Pelo projeto, ficará instituído regime de previdência
complementar aos servidores públicos titulares de cargo
efetivo da União (Poderes executivo, Legislativo e Judi-
ciário), suas autarquias e fundações, inclusive para os
“membros” do Poder Judiciário, do ministério Público e
do tribunal de Contas da União.
a adesão ao novo regime dar-se-á (de forma facultati-
va) somente aos novos servidores que ingressarem no ser-
viço público. aos demais servidores, conforme determina
o § 16 do art. 40 da Constituição Federal, fica aberta a
possibilidade de aderirem ao regime de previdência com-
plementar, submetendo-se, assim, ao referido limite.
a entidade a ser criada (FUNPresP) será estruturada,
como dispõe o projeto, na forma de fundação com perso-
nalidade jurídica de direito privado, gozará de autonomia
administrativa, financeira e gerencial e terá sede e foro no
Distrito Federal.
1. vice Presidente executivo da aNFiP – associação Nacional de auditores-Fiscais da receita Federal do Brasil
Floriano José martins1
1- Introdução
tramita no Congresso Nacional, em regime de urgên-
cia, o projeto de lei que institui da previdência comple-
mentar do servidor público (PL 1992/07). Neste projeto é
fixado para todos os servidores de cargo efetivo, e que for
admitido no serviço público a partir de seu funcionamen-
to, o teto do regime Geral da Previdência social (iNss),
hoje no valor de r$ 3.691,74.
De acordo com a exposição de motivos, o objetivo bá-
sico do PL nº 1992 é dar sequência à reforma da previdên-
cia iniciada com a aprovação da emenda Constitucional n°
41, de 19 de dezembro de 2003, além de estabelecer um
tratamento que o governo considera isonômico entre tra-
balhadores do setor público e da iniciativa privada, exceto
para militares das Forças armadas, das polícias e corpo de
bombeiros do Distrito Federal, todos organizados e man-
tidos pela União.
triBUtaÇÃO em revista 49
Para os benefícios programáveis –aposentadoria por
tempo de contribuição e aposentadoria por idade– o plano
de benefícios será de contribuição definida.
Já os benefícios não programáveis serão definidos no
regulamento do plano de benefícios, devendo ser assegu-
rados, pelo menos, os benefícios decorrentes dos eventos
de invalidez e morte.
as contribuições do patrocinador e do participante
incidirão sobre a parcela de remuneração que exceder o
equivalente ao limite do iNss. as alíquotas de contribui-
ção serão definidas no regulamento do plano de benefí-
cios, não podendo a contribuição do patrocinador nem
a do participante exceder a 7,5% (sete e meio por cento)
sobre a base de remuneração deste último. Portanto, o re-
gulamento irá apenas homologar o que determina a lei.
O assistido poderá transferir as reservas constituídas
em seu nome para outra entidade de previdência comple-
mentar ou seguradora para contratação de renda vitalícia,
liberdade esta que o mercado agradece.
a estrutura de governança prevê Conselho Deliberati-
vo, Conselho Fiscal e Diretoria, seguindo o disposto na Lei
Complementar 108, de 2001.
Uma vez participante da previdência complementar,
o servidor terá que buscar incessantemente a chamada
reserva para formação do patrimônio (ou acumulação de
ativos reais), de onde sairá sua aposentadoria, e será fruto
de diversas contingências, quais sejam: economia, merca-
do, governança e uma fiscalização intensa por parte do
participante.
O servidor deverá ter visão de futuro, com maior pre-
ocupação de sua reserva (poupança). isto certamente mu-
dará a cultura previdenciária do servidor pois uma das
características de sua filiação ao regime Próprio de Previ-
dência social (rPPs) era a integralidade de seus vencimen-
tos, com paridade de reajustes aos ativos (embora já não
existisse para os que entraram no serviço público a partir
de janeiro de 2004).
Dentro de uma perspectiva de mercado, esta era a úl-
tima cartada que faltava, principalmente para o mercado
de capitais, pois os sistemas do rGPs e do rPPs terão
os mesmos tetos e praticamente as mesmas condições de
concessões de benefícios a partir da entrada em vigor do
novo sistema.
Haverá mudança na cultura financeira, pois muitos
irão analisar melhor o mercado de capitais e o mercado
financeiro com vistas a identificar a melhor forma de pro-
ver seu futuro.
algumas hipóteses serão levadas em consideração: um
lote de casas para aluguel; ou um lote de ações, requeren-
do maior conhecimento do mercado de capitais; ou renda
fixa, com diversificação de novos fundos; ou mesmo um
pouco de cada, para que as incertezas não deem um tom-
bo de vez no investidor.
e isso poderá criar dentro da cultura do setor público o
que acontece na iniciativa privada, na qual o trabalhador,
sem muito vínculo com o estado, pensa tão somente em
fazer, durante a vida laborativa, seu pé de meia, esquecen-
do o compromisso para com a sociedade. até porque, caso
venha a sair do serviço público, o servidor levará somente
as verbas indenizatórias, já que não terá mais segurança
de uma aposentadoria diferenciada, como acontece hoje.
Feitas estas considerações, passamos a fazer algumas
análises de conteúdo do projeto.
2- A Visão Fiscal e Não Previdenciária
O regime de previdência dos servidores deve ter como
premissa básica garantir direitos dos servidores e dos
membros de Poder assegurados pelo art. 40 da Constitui-
ção, após a fase laborativa.
O direito à aposentadoria pública, observados os prin-
cípios do equilíbrio financeiro e atuarial (art. 40, da CF),
faz parte da cesta de benefícios de um regime administrati-
vo delineado constitucionalmente para atrair, por meio de
concurso público, profissionais preparados e comprometi-
dos em servir e em proteger o estado brasileiro.
Para garantir o equilíbrio do sistema público, os servi-
dores públicos civis e membros de Poder contribuem com
elevada parcela de seus ganhos mensais, sujeitos a uma
alíquota de 11% que incide sobre a remuneração integral,
o que não ocorre com trabalhadores do setor privado, su-
50 triBUtaÇÃO em revista
jeitos a uma contribuição mensal que não passa de 11% de
r$ 3.691,74, teto do rGPs em outubro de 2011.
No projeto apresentado não há garantia de aposenta-
doria vitalícia. O que o governo está oferecendo a seus ser-
vidores é um Programa Gerador de Benefício Livre - PGBL,
um produto de características financeiras, uma poupança
sem qualquer componente previdenciário.
a ausência de previsão de mutualismo para os benefí-
cios de risco (aposentadoria por invalidez e pensão) é ou-
tra artimanha do projeto. Quem financiará esse tipo de co-
bertura? Certamente os próprios servidores, com alíquota
adicional, visto que as alíquotas já preestabelecidas não
cobrem sequer o benefício de aposentadoria programada,
ou seja, o projeto direciona para a compra dos referidos
benefícios no mercado e evidencia a privatização.
Quanto à estruturação da cobertura previdenciária que
pretende impor, o PL n° 1992/2007 padece de lacunas
inaceitáveis visto que não trata do plano de benefícios e de
seu custeio com vistas ao equilíbrio financeiro e atuarial.
Portanto, seu conteúdo passa ao largo do que seja um re-
gime previdenciário.
O referido projeto trouxe sérias restrições quanto à
formação da poupança previdenciária ao limitar a contri-
buição da União em 7,5% sobre o valor excedente do teto
de benefícios do rGPs, evidenciando total abandono das
técnicas atuariais aplicáveis à matéria.
Os custos previdenciários devem ser previamente le-
vantados considerando-se os benefícios oferecidos pelo
plano de benefícios, seus valores, tempo de cobertura, for-
ma de reajuste e outros mais, a fim de se poder estruturar
a forma de custeio no tempo para garantir a acumulação
de poupança previdenciária suficiente.
a poupança previdenciária acumulada deve ser sufi-
ciente para a manutenção de determinado benefício en-
quanto perdurar a incapacidade para o trabalho, por mo-
tivos de idade avançada, invalidez ou morte.
Por outro lado, os defensores da privatização do siste-
ma previdenciário, de modo geral, centram suas análises
nos benefícios programáveis, em especial na aposentado-
ria por idade. Na verdade, buscam a privatização desse be-
nefício, relegando as demais prestações ou simplesmente
colocando-as como responsabilidade genérica do estado.
Logicamente, visam à parcela mais lucrativa do sistema em
vistas ao longo período de cotização e perfeita previsibili-
dade do pagamento das contraprestações.
Os demais benefícios como, por exemplo, a pensão
devida ao cônjuge e/ou núcleo familiar, ficam de fora da
cobertura. tampouco há espaço para os chamados bene-
fícios não programados decorrentes dos eventos de morte
ou invalidez de segurados ativos.
interessante observar que a Constituição Brasileira não
impõe a adoção do modelo de previdência complementar,
mas tão somente o faculta. Países nossos vizinhos – Chile
e argentina – que optaram por este modelo foram impeli-
dos a retroceder e a rever o malfadado arranjo previdenci-
ário, diante dos problemas econômicos e sociais que lhes
sobrevieram.
3- A Gestão
analisando o art. 15 do projeto, deparamo-nos com
total engessamento na administração dos recursos garan-
tidores das reservas que se acumularão e isto nos conduz
diretamente para o que seja o foco central do projeto, em-
bora pouco debatido, até agora.
a exigência da terceirização da administração dos re-
cursos garantidores, por meio de bancos e seguradoras,
tirando o poder de gestão dos dirigentes da entidade e de
sua decisão de como alocar recursos, é uma agressão à in-
teligência para quem conhece um pouco desse processo.
Cabe indagar se os gestores ficarão mesmo proibidos de
investir em renda variável, em ações de empresas e em
outros ativos, ou mesmo de participar diretamente do lei-
lão de títulos do tesouro Nacional, pois o PL 1992/2007
manda que terceiros administrem os recursos, e estes, cer-
tamente, não o farão de graça.
trata-se da entrega de todos os recursos arrecadados
para as mãos dos bancos e seguradoras, culminando assim
na privatização da previdência do servidor, compulsoria-
mente, sem a busca de alternativas.
além disso, como podemos observar em seu § 5º, cada
triBUtaÇÃO em revista 51
instituição a ser contratada poderá administrar até 40%
dos recursos garantidores, o que afronta o art. 44 da re-
solução 3.456/07 do Conselho monetário Nacional, além
do grau de exposição altíssimo, comprometendo profun-
damente o patrimônio do fundo caso a entidade financeira
venha a falir.
Outro ponto a destacar é a retirada de patrocínio. se-
gundo a Lei Complementar 109, qualquer patrocinador
poderá solicitar sua retirada da entidade. Caso a União use
desse mecanismo, como algumas entidades privadas es-
tão praticando, sem nenhum compromisso previdenciário
com o empregado, será outro ponto de inconsistência do
projeto, pois não consta em sua redação nenhuma pro-
teção de salvaguarda. a reserva do servidor ficaria total-
mente comprometida. sabemos que historicamente, no
sistema previdenciário, grandes somas de recursos foram
desviadas, para outras ações, que não a sua atividade fim.
Um outro destaque são as regras de serviço passado,
vez que na sua definição considera-se somente o tempo
efetivo da União, quando dever-se-ia consignar a contagem
recíproca (art. 9º, da CF), inclusive com critérios de porta-
bilidade do regime de origem que pudesse contemplar os
servidores dos estados e dos municípios. a ausência dessa
relação é extremamente casuística e perigosa, pois deixará
um buraco negro entre os servidores dos três entes. além
disso, o índice de reajuste para o benefício especial, que
será o iPCa, é diferente do índice praticado pelo rGPs,
que é o iNPC, não justificando essa diferenciação.
4- A Insegurança Jurídica do Produto Oferecido
Diante de tanta responsabilidade para com a socieda-
de, é inquestionável que a previdência social dos servi-
dores titulares de cargos efetivos, hoje disciplinados por
regras constitucionais, não poderá ser disciplinada pelo
regulamento do plano de benefícios, gerido por uma en-
tidade Fechada de Previdência Complementar, sem a ga-
rantia de regras mínimas de funcionamento, de custeio e
de concessão dos benefícios.
segundo o governo, no atual modelo, as contribui-
ções dos servidores, estruturadas em regime de repartição
simples, mostram-se insuficientes ao pagamento das apo-
sentadorias e pensões do servidor público, especialmente
quando se considera que o seu valor equivale ao último
salário recebido pelo servidor. sabe-se, todavia, que os
servidores ingressos no serviço público, a partir de janeiro
de 2004, receberão aposentadoria calculada pela média de
seus salários (regra idêntica à do rGPs) e não necessaria-
mente o valor do último salário.
essa lógica é inconsistente, visto que se baseia em uma
argumentação puramente contábil e orçamentária, sem
considerar questões de interesse do estado e relativas: ao
ordenamento jurídico brasileiro; à possibilidade de ado-
ção de regime financeiro alternativo à repartição simples;
e ao contexto histórico em que os sistemas foram conso-
lidados.
a literatura internacional e a experiência do Brasil e
da américa Latina apontam para o sentido oposto à lógica
dos reformistas. as estruturas demográfica e econômica
do mercado de trabalho, a situação social, o universo cul-
tural e os interesses dos países são distintos, não cabendo
falar em modelo único ou em regras ideais.
ao verificar a evolução da legislação, é possível obser-
var que a ausência de recursos é um fato recente. Quando
da implantação do regime previdenciário do servidor, a ar-
recadação superava em muito as despesas com benefícios.
Contudo, não houve, desde os anos 30, a preocupação
em constituir um regime viável de reservas (jamais foram
realizadas as contribuições do empregador) para consoli-
dar mecanismos de contribuição que pudessem sustentar
as despesas quando o sistema atingisse a sua maturidade
etária. se existe crise fiscal, o que é discutível, é ao estado
que cabe a responsabilidade, pois ele não adotou estrutura
de acumulação de recursos em regime de capitalização e,
aos governos, por terem utilizado os recursos arrecadados
de maneira aleatória.
a criação do regime Jurídico Único-rJU, por meio da
Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, também teve
como motivação reduzir os problemas financeiros da pre-
vidência social dos ex-celetistas federais perante o iNss,
pois o recolhimento das contribuições devidas pelo es-
52 triBUtaÇÃO em revista
tado nunca foi regular. a mudança de regime serviu para
que o iNss não mais tivesse a responsabilidade de pagar
os benefícios da parcela conhecida como ePU (encargos
Previdenciários da União), visto que não recebia as contri-
buições do estado enquanto empregador.
todos os que acreditam no papel estratégico do esta-
do e no processo de desenvolvimento sabem que este não
poderá cumprir suas tarefas a contento se não possuir um
quadro de servidores permanentes, exclusivos, dedicados
e estáveis, por meio de concurso público, para o exercício
de suas diretrizes fundamentais, conforme determinação
soberana da sociedade que o regula e à qual ele se subor-
dina
essa concepção de estado é o que diferencia o servi-
dor público dos demais trabalhadores do setor privado,
inclusive no que diz respeito aos seus regimes próprios
de aposentadorias. esses regimes são vistos como uma ex-
tensão da remuneração dos servidores quando na ativa e
um prolongamento de sua relação com o estado, que se
estende por toda a vida e não apenas na atividade.
as regras que regem a função pública diferem, em
tudo, daquelas que regem as relações entre empregadores
e empregados no setor privado. a situação dos servidores
é diferente de outros empregados na medida em que eles
exercem a autoridade pública com os sacrifícios e obriga-
ções de lealdade que caracterizam esta função, principal-
mente em carreiras de estado.
então, é inconcebível que a política de proteção social
dos servidores públicos participantes dos planos comple-
mentares que se pretende instituir traga- lhes incertezas
em relação ao seu plano de benefícios. Portanto, cabe ao
poder legislativo tratar dessa matéria, por meio de lei com-
plementar e com todo o cuidado necessário.
reforçando esse entendimento, é necessário afirmar
que a Previdência Complementar do servidor Público tem
autonomia em relação ao regime de Previdência Com-
plementar Geral. esse fato não foi levado em conta pelo
autor do Projeto, que não atentou que a emenda Cons-
titucional nº 41 introduziu essa autonomia ao modificar
o § 15 do art. 40 da CF. assim, as regras gerais da Previ-
dência Complementar serão aplicadas ao regime de Pre-
vidência Complementar do servidor Público somente no
que couber, isto é, as regras gerais previstas no art. 202 da
Constituição, regulamentados pelas Leis Complementares
108 e 109, de 2001, são subsidiárias ao Projeto. em nosso
entendimento não são regras constitutivas para a formata-
ção do regime complementar do servidor público de cargo
efetivo.
Pelo projeto em andamento, pretende-se a equipara-
ção dos servidores públicos civis e membros de poder aos
trabalhadores do setor privado apenas no setor previden-
ciário, sem direito a Fundo de Garantia por tempo de ser-
viço-FGts, participação nos resultados e outros direitos
trabalhistas assegurados aos celetistas. Dessa forma, o ser-
viço público se tornará pouco atraente para os bons pro-
fissionais do mercado, fragilizando carreiras essenciais ao
funcionamento e à defesa do estado, como as de delegado,
policial, auditor-fiscal, procurador, promotor, magistrado,
ministro da cúpula do Poder Judiciário e do tribunal de
Contas da União. também se retirará as garantias aos mé-
dicos, professores e demais categorias profissionais, cuja
fragilização representa, em última instância, o desmonte
do estado brasileiro.
5- Proposta Alternativa
É sabido que a situação vivida pelos regimes Próprios
de Previdência social-rPPs, de um modo geral, é de diag-
nóstico muito mais complexo do que o que se costuma di-
vulgar. atentar apenas para o simples paradigma receita x
Despesa é, seguramente, insuficiente. É preciso incorporar
outros elementos à análise; afinal de contas, são múltiplas
as questões que envolvem a sustentabilidade dos rPPs.
Não se pode perder de vista, por exemplo, que não houve
uma capitalização dos recursos arrecadados no passado,
posto que a lógica que regia a previdência do servidor
público era outra, totalmente distinta de um regime por
capitalização, e considerando ainda que os recursos arre-
cadados foram invariavelmente mal geridos e aplicados
em objetivos estranhos à previdência social. além disso,
deve-se considerar o fato, já citado, de que a implantação
triBUtaÇÃO em revista 53
do regime Jurídico Único-rJU transferiu quase 400 mil
servidores, somente na esfera federal, do antigo iNPs para
o regime Próprio, sem ônus para o regime Geral.
Uma vez cumprida a exigência legal da criação de um
Fundo Previdenciário, de forma capitalizada, haverá tam-
bém o fomento do mercado de capitais e sustentabilidade
da cobertura previdenciária, de forma idêntica à previdên-
cia complementar fechada (fundo de pensão).
Desde a Lei 9.717/98 e a edição da emenda Com-
plementar nº 20/98, o governo tem a possibilidade de
formatar um fundo destinado ao custeio das obrigações
previdenciárias para com seus servidores e dependentes,
conforme expressa o art. 249 da Constituição Federal. La-
mentavelmente, não o fez até agora, porém determinou
que estados e municípios o fizessem.
É impressionante a sanha em implantar a previdência
complementar para os servidores, sem nenhum estudo sé-
rio e debate com os atores. estudos do próprio governo
apontam para um regime próprio capitalizado, no qual o
custo-benefício é praticamente idêntico, sem grandes dis-
pêndios na transição e sem os desgastes políticos neces-
sários.
6- À Guisa de Conclusão
Parece-nos que a motivação do autor do projeto é a
criação e a expansão de um mercado cativo para as insti-
tuições financeiras, pois privilegia de modo assustador o
mercado financeiro, sem nenhuma contrapartida ou segu-
rança para o servidor quando da elegibilidade ao benefí-
cio.
assim sendo, sob o ponto de vista atuarial agregado
às especificidades das atividades, o servidor público não
carece de uma previdência complementar, conforme se
apresenta no Projeto de Lei nº 1992/07.
O encaminhamento de uma estrutura duradoura para
o regime Próprio de Previdência social tem inúmeras hi-
póteses de soluções viáveis, inclusive por meio de fundos
previdenciários capitalizados, conforme há muito previsto
no art. 249 da Constituição Federal e na Lei nº 9.717/98.
Como se vê, no PL 1992/07 há uma predominância da
visão puramente financeira e não previdenciária, uma ló-
gica de acumulação individual e combate ao mutualismo.
Nenhum plano de previdência complementar, adotado
em qualquer estatal, está formatado de maneira tão afas-
tada dos ideais previdenciários, como este que está sendo
oferecido pelo governo federal aos seus servidores.
54 triBUtaÇÃO em revista
a RTIGO
Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais1
os trabalhadores da iniciativa privada, os empregados
públicos e os que apenas ocupam cargo de livre nome-
ação e exoneração3, a alíquota de contribuição do segu-
rado varia de 8% a 11%, conforme sua remuneração4,
e tanto a base de cálculo dessa contribuição (salário de
contribuição) quanto a considerada para se calcular o
valor dos benefícios (salário de benefício) são limita-
das a um valor máximo preestabelecido, atualmente de
r$ 3.691,745. esses benefícios não sofrem desconto de
contribuição previdenciária6. a alíquota de contribuição
do empregador é, em regra, de 20% sobre a folha de
pagamento, incidindo, portanto, sobre a remuneração
integral do empregado7.
Leonardo Costa schüler2
O regime de previdência dos servidores públicos, ocu-
pantes de cargos efetivos, difere sobremaneira do regime
geral de previdência social.
essa profunda diferenciação, determinada em foro
constitucional, foi atenuada pelas reformas promovidas
por meio das emendas Constitucionais nº 20, de 1998,
e nº 41, de 2003, que alteraram, principalmente, os re-
quisitos exigidos para aposentadoria. Persiste, entretanto,
uma das principais diferenças entre esses regimes, a saber,
o valor que benefícios como proventos de aposentadoria e
pensões podem alcançar.
No regime geral de previdência social, ao qual pas-
samos a nos referir como rGPs e do qual são segurados
1. Documento de referência da Consultoria Legislativa, publicado originalmente em 15 ago 2011 no site da Câmara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br/documen-tos-e-pesquisa/fiquePorDentro/temas/previdencia_complementar_servidor_publico/documento-de-referencia-da-consultoria-legislativa-1)
2. Graduado em administração (UnB) e Direito (UNiCeUB). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na Área viii (administração Pública). Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, na Área viii (administração Pública), desde 29/03/1994
3. Constituição Federal, art. 40, § 13.
4. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 20, caput, e Portaria interministerial mPs/mF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 7º e anexo ii.
5. Portaria interministerial mPs/mF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 2º, com vigência retroativa a 1º de janeiro de 2011.
6. Constituição Federal, art. 195, ii, in fine.
7. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 22, i.
triBUtaÇÃO em revista 55
No regime de previdência dos servidores públicos
federais ocupantes de cargo efetivo, doravante referido
como rPsPF, a alíquota de contribuição do servidor é
sempre de 11%8 e, para o cálculo da contribuição pre-
videnciária, bem como dos benefícios, considera-se o
valor integral da remuneração percebida pelo servidor9.
Portanto, os proventos de aposentadoria e as pensões pa-
gos por esse regime podem alcançar o valor do subsídio
mensal dos ministros do supremo tribunal Federal10, que
consiste no limite máximo da remuneração de servidores
públicos11. todavia, esses benefícios sofrerão desconto de
contribuição previdenciária, incidente sobre a parcela que
ultrapassar o limite máximo estabelecido para os benefí-
cios do rGPs ou, em se tratando de beneficiário portador
de doença incapacitante, sobre o dobro desse limite12. a
União contribui para o rPsP com o dobro da contribuição
de cada servidor ativo13.
No intuito de abrandar a apontada discrepância entre a
situação em que se aposentam os servidores públicos e os
segurados do rGPs, bem como a redução do volume de
recursos financeiros destinados ao custeio da previdência
pública, a emenda Constitucional nº 20, de 1998, inseriu
na Lei maior dispositivos que autorizam a União, os esta-
dos, o Distrito Federal e os municípios a aplicarem o limi-
te máximo de valor dos benefícios concedidos pelo rGPs
ao valor dos proventos de aposentadoria de seus servido-
res e das pensões recebidas pelos respectivos dependentes,
após seu falecimento. Condicionou essa medida, contudo,
à instituição de regime de previdência complementar es-
pecífico14.
a previdência complementar integra o regime de pre-
vidência privada, organizado de forma autônoma em rela-
ção ao regime geral de previdência social e aos regimes de
previdência de servidores públicos. Concebida para au-
mentar o valor dos benefícios previdenciários devidos nas
hipóteses de doença, invalidez, morte ou idade avançada,
baseia-se na constituição e acumulação de reservas finan-
ceiras suficientes para garantir a cobertura contratada.
sendo assim, deve oferecer adesão facultativa, motivada
na confiança de uma boa gestão da entidade responsável
pela administração dos planos de benefícios oferecidos a
seus participantes e assistidos. essa entidade de previdên-
cia complementar pode ser aberta ou fechada (fundo de
pensão), de acordo com o público ao qual se destina.
respaldado na apontada permissão constitucional, o
Poder executivo federal submeteu ao Congresso Nacio-
nal o Projeto de Lei nº 1.992, de 2007, que “institui o
regime de previdência complementar para os servidores
públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os
membros dos órgãos que menciona, fixa o limite máximo
para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime
de previdência de que trata o art. 40 da Constituição, au-
toriza a criação de entidade fechada de previdência com-
plementar denominada Fundação de Previdência Com-
plementar do servidor Público Federal - FUNPresP, e dá
outras providências.”
Com a eventual transformação da proposição recém-
-citada em lei, o valor dos proventos de aposentadoria
concedidos pelo regime de previdência dos servidores
públicos federais passará a observar o limite máximo do
rGPs. isso alcançará, automaticamente, apenas os ser-
vidores dos Poderes executivo, Legislativo e Judiciário e
os membros desse último (magistrados), do tribunal de
Contas da União e do ministério Público da União que
ingressarem no serviço público após a instituição do regi-
me de previdência complementar, independentemente de
8. Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 4º.
9. Constituição Federal, art. 40, § 3º, e Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 1º, caput.
10. a partir de 1º de fevereiro de 2010, por força do disposto no art. 1º da Lei nº 12.041, de 8 de outubro de 2009, combinado com o que estabelece o art. 3º da Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005, o valor do subsídio dos ministros do supremo tribunal Federal foi reajustado para r$ 26.723,13. O Projeto de Lei nº 7.749, de 2010, em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê que o subsídio seja fixado, a partir de 1º de janeiro de 2011, em r$ 30.675,48.
11. Constituição Federal, art. 37, Xi.
12. Constituição Federal, art. 40, §§ 18 e 21.
13. Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, arts. 4º e 8º, caput.
14. Constituição Federal, art. 40, §§ 14, 15 e 16.
56 triBUtaÇÃO em revista
aderirem, ou não, a esse último. Para os que tiverem in-
gressado no serviço público antes da instituição do regime
complementar, a sujeição ao limite do rGPs dependerá de
prévia, expressa e irretratável opção pela adesão ao regime
instituído.
Nos termos da proposição anteriormente indicada,
o regime de previdência complementar dos servidores
públicos federais será instituído por intermédio de uma
entidade denominada Fundação de Previdência Comple-
mentar do servidor Público Federal – FUNPresP, criada
especificamente para tal fim e que oferecerá, exclusiva-
mente, planos de benefícios na modalidade contribuição
definida. Nessa modalidade, o valor do benefício percebi-
do a partir da aposentadoria (benefício programado) não é
previamente estabelecido, mas sim determinado, à época
da percepção, pelo montante de recursos acumulados em
nome de cada segurado. será diretamente proporcional,
portanto, ao valor e ao número de contribuições recolhi-
das, bem como à rentabilidade auferida com a aplicação
dos recursos acumulados.
Consoante a proposta do Poder executivo, as contri-
buições para o regime complementar incidirão apenas
sobre a parcela da remuneração do servidor que exceder
ao limite do rGPs. Cada servidor poderá fixar a alíquo-
ta de sua contribuição para o regime complementar e o
patrocinador, ou seja, a própria União, sua autarquia ou
fundação, ficará obrigado a recolher idêntico valor, até o
limite de 7,5%.
mesmo sem se estimar o valor do benefício que um
servidor perceberá pelo regime complementar, as diferen-
ças entre esse, de capitalização, e o regime público, de re-
partição, permitem antecipar alguns aspectos relevantes.
tanto no âmbito do regime geral de previdência social
quanto no do regime de previdência dos servidores pú-
blicos federais o cálculo dos proventos de aposentadoria
toma por base a média das maiores remunerações, devida-
mente atualizadas, utilizadas como base para as contribui-
ções, correspondentes a 80% do período contributivo15.
Por conseguinte, as menores remunerações, corres-
pondentes a 20% do período contributivo, não afetam o
valor dos proventos, como ocorre com o valor do benefí-
cio concedido pelo regime complementar, que será redu-
zido em função da menor acumulação de reservas.
a Constituição assegura o direito do servidor a se apo-
sentar, com proventos integrais, aos 60 anos de idade e 35
anos de contribuição, se homem, e aos 55 anos de idade e
30 anos de contribuição, se mulher16. Portanto, no regime
de previdência dos servidores públicos a mulher não tem
os proventos reduzidos por se aposentar mais cedo do que
o homem. No regime complementar, contudo, a mulher
receberá benefícios mensais com valores inferiores aos
percebidos pelos homens, mesmo que ela se aposente com
a mesma idade e tendo contribuído pelo mesmo tempo e
com idênticos valores. isso porque as mulheres têm maior
expectativa de vida, de modo que as reservas constituídas
devem ser distribuídas em um maior número de meses.
a título de exemplo, ao chegar aos 60 anos de idade
uma mulher tem expectativa de viver por mais 22,8 anos,
enquanto um homem de mesma idade tem a sobrevida
estimada em 19,5 anos17. Como a antecipação da aposen-
tadoria em 5 anos não apenas abrevia a fase de acumula-
ção de recursos como também estende a de percepção, o
valor do benefício programado percebido por uma mulher
aposentada aos 55 anos de idade, após 30 anos de con-
tribuição, pode chegar a ser apenas ligeiramente superior
à metade do valor do benefício recebido por um homem
aposentado aos 60 anos de idade e 35 anos de contribui-
ção.
No âmbito do regime geral de previdência social a
apontada discrepância é atenuada. embora o cálculo do
fator previdenciário leve em consideração o tempo de con-
tribuição, a idade de aposentadoria e a expectativa de vida
do segurado, esse último fator desconsidera a diferença
entre os sexos. além disso, a redução legal do tempo de
15. Lei nº 8.213/91, art. 29, i, e Lei nº 10.887/04, art. 1º.
16. Constituição Federal, art. 40, § 1º, iii, “a”.
17. tábuas Completas de mortalidade – Homens e mulheres – 2009, divulgada pelo instituto Brasileiro de Geografia e estatística - iBGe
triBUtaÇÃO em revista 57
contribuição é compensada mediante acréscimo, a esse
tempo, de cinco anos, em se tratando de mulher ou de
professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo
exercício das funções de magistério na educação infantil
e no ensino fundamental e médio, ou de dez anos, em se
tratando de professora nessa última situação18.
as compensações recém mencionadas podem gerar
desequilíbrio entre contribuições e benefícios do rGPs,
cujos eventuais déficits são suportados pela União. No
âmbito de um regime de capitalização, contudo, descon-
siderar, na fixação do valor do benefício, a diferença de
expectativa de vida entre homens e mulheres ou a redução
do período contributivo fará com que o segurado fique
sem complementação de aposentadoria na fase final de sua
vida. Nesse contexto, somente a elevação das alíquotas de
contribuição pode compensar ou atenuar a redução do va-
lor do benefício programado devido às mulheres e demais
segurados que se aposentam em condições diferenciadas.
Portanto, os que mais sofrerão redução de renda após
a aposentadoria, com a implantação do regime comple-
mentar, serão, dentre os que percebem remuneração su-
perior ao limite do rPGs, aqueles para os quais a legis-
lação estabelece requisitos e critérios diferenciados para
a concessão de aposentadoria, ou seja, as mulheres18; os
portadores de deficiência20; os que exercem atividades
de risco20; os que trabalham sob condições prejudiciais à
saúde ou à integridade física22; e os profissionais do ma-
gistério na educação infantil e no ensino fundamental e
médio23. Como a redução do valor do benefício progra-
mado é mais do que proporcional à abreviação da fase
de acumulação de recursos, já que implica ampliação
da duração estimada para a fase de percepção de bene-
fícios, os servidores enquadrados nas situações recém-
-indicadas tendem a se sentir compelidos a permanecer
em atividade após terem atingido a idade e o tempo de
contribuição exigidos para aposentadoria
18. Lei nº 8.213/91, art. 29, § 9º.
19. Constituição Federal, art. 40, § 1º, iii, “a”e “b”.
20. Constituição Federal, art. 40, § 4º, i.
21. Constituição Federal, art. 40, § 4º, ii.
22. Constituição Federal, art. 40, § 4º, iii.
23. Constituição Federal, art. 40, § 5º.
BrasiL. Constituição da república Federativa Do Bra-sil (1988). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%e7ao.htm acesso em 29.abr.2011
BrasiL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder exe-cutivo, Brasília, 25 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8212cons.htm. acesso em: 26 jul 2011.
BrasiL. Lei nº 8.813, de 25 de junho de 1991. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder exe-cutivo, Brasília, 25 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213cons.htm acesso em: 26 jul 2011.
REFERÊNCIASBrasiL. Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004. Diário Oficial [da] república Federativa do Brasil, Poder executivo, Brasília, 21 jun. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Lei/L10.887.htm. acesso em: 26 jul 2011.
BrasiL. ministério da Previdência social, ministério da Fazenda. Portaria interministerial /mPs/mF 407 de 14 de julho de 2011. Disponível em http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/mF-mPs/2011/407.htm acesso em 24. out. 2011
iBGe. tábuas Completas de mortalidade. Homens e mulheres, 2009. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2009/ho-mens.pdf acesso em: 26 jul 2011.
58 triBUtaÇÃO em revista
a RTIGO
O Abuso de Direito e a Norma Antielisiva1
na como “ilícitos atípicos”, como é o caso do abuso de
direito, da fraude à lei fiscal, do abuso de formas e do
negócio jurídico indireto sem causa, os quais compõem
as condutas “elusivas”.
Paralelamente, as administrações tributárias procu-
ram inserir, no ordenamento jurídico, dispositivos nor-
mativos que inibam as iniciativas tendentes a diminuir
suas receitas e aparelham-se para combater não apenas a
agressão direta de norma legal, mas também as condutas
elusivas que, embora não afrontem diretamente uma re-
gra específica, acabam por atacá-la indiretamente, quan-
do ofendem o sistema jurídico como um todo.
Na busca incessante de economia fiscal, muitas vezes
1. O presente artigo é adaptação da monografia aprovada em banca do Curso de Pós-Graduação em Gestão em Direito tributário da Fundação Getúlio vargas, Programa FGv management.
2. auditor Fiscal da receita Federal do Brasil, Graduado em História pela UFmG e pós-graduado em Gestão do Direito tributário pela Fundação Getúlio vargas.
3. auditora Fiscal da receita Federal do Brasil, Graduada em administração pelo instituto Cultural Newton de Paiva Ferreira e pós-graduado em Gestão do Direito tributá-rio pela Fundação Getúlio vargas.
4. Procuradora da Fazenda Nacional, Graduada em Ciências Contábeis e Direito pela UFmG e pós-graduado em Gestão do Direito tributário pela Fundação Getúlio vargas.
5. auditor Fiscal da receita Federal, graduado em engenharia e Direito pela UFmG e pós-graduado em Gestão do Direito tributário pela Fundação Getúlio vargas.
eládio César da silva2
maria Cristina montezano3
marília aparecida silva do Carmo4
Wilson silva França Júnior5
1- Introdução
Na relação tributária distinguem-se dois agentes: de
um lado os contribuintes na busca por uma redução de
custos fiscais, e de outro as administrações tributárias
que, no cumprimento de suas funções institucionais,
procuram garantir fontes de financiamento dos gastos
públicos via arrecadação de tributos.
Com vistas a alcançar uma diminuição de sua carga
tributária, os contribuintes ora recorrem a uma legítima
economia fiscal, pela utilização de uma norma legal dis-
ponível, caracterizada como “elisão”, ora incorrem em
“práticas evasivas”, com o descumprimento direto de
lei, ou ainda, exercem o que parte da doutrina denomi-
triBUtaÇÃO em revista 59
os contribuintes utilizam-se de determinados expedien-
tes, caracterizados como elusão, porque sem nenhuma
finalidade negocial, apenas visando a minimizar a carga
de tributos. excedem o uso das prerrogativas legais e
concorrem para o financiamento das despesas públicas
com um dispêndio muito aquém de sua real capacidade
contributiva. Prejudicam, com isso, a própria sociedade,
na medida em que subtraem receitas que seriam desti-
nadas a projetos de governo, inclusive aqueles sociais e
de investimento.
Diante desse contexto, o objetivo do presente artigo
é fazer um estudo das condutas elusivas com foco, prin-
cipalmente, na teoria do abuso de direito, e sua aplica-
ção na área tributária. será analisada também a eficácia
da norma prevista no parágrafo único do art. 116 do
CtN e sua aplicação, combinada com o procedimento
fiscal estabelecido pelo Decreto nº. 70.235/72 e altera-
ções posteriores e pela Lei nº. 9.784/99.
2- Abuso de Direito
2.1- Conceito
O conceito de abuso de direito não é uniforme na
doutrina. No passado, seu reconhecimento estava muito
preso à idéia de dolo e da intenção de causar prejuízo.
modernamente tem-se reconhecido a existência do abu-
so de direito sempre que o fim almejado desvirtua-se da
finalidade reconhecida àquele direito.
Desde os primórdios do direito, identificamos o re-
púdio ao abuso de direito. Já no direito romano, onde
imperava a máxima nullus videtur dolo facere qui jure suo
utitur6, verifica-se a reprovação ao exercício exacerba-
do de um direito, dando ensejo ao adágio summum ius
summa iniuria7, o qual pode ser tomado como uma ori-
gem do conceito de abuso de direito.
Das principais correntes modernas sobre o abuso do
direito filiamo-nos a objetiva, que admite o abuso de di-
reito como categoria autônoma e justifica seu reconheci-
mento pela finalidade do direito e pelo motivo legítimo.
seguindo pela trilha da teoria objetiva, podemos di-
zer que o abuso de direito é todo uso anormal ou ir-
regular de um direito subjetivo de seu titular. Douglas
Yamashita afirma que “abusivo seria o exercício do di-
reito em sentido contrário a sua destinação econômica
e social”8.
a definição do que é ou não normal e regular somen-
te tem relevância à luz dos valores de determinada so-
ciedade e de seus princípios constitucionais, que ditarão
o alcance e a extensão do que seja anormal ou irregular
dentro de uma determinada realidade e não se esgota no
direito positivo, mas faz parte do que é reprovável em
dada sociedade, tempo e contexto.
2.2- Justificativa do Reconhecimento do Abuso de
Direito
O reconhecimento do abuso de direito é uma reação
ao absolutismo dos direitos individuais, pois introdu-
ziu a idéia de que se deve limitar não apenas o poder
do estado, mas também o direito individual, de modo a
sujeitá-lo aos limites das regras de convívio social, aos
princípios de justiça social, de solidariedade e de ética,
no Brasil, especialmente a partir da Constituição Federal
de 1988.
ricardo Lobo tôrres9 afirma que o reconhecimento
do abuso de direito tem sua base na jurisprudência dos
valores, que marcaram a mudança da forma de ver o
estado, sua função e o imperativo da ponderação dos
princípios que até então regiam o direito, especialmente
nas relações estado/Contribuinte, quais sejam, a lega-
lidade, a propriedade e a segurança jurídica. O autor
afirma também que, a partir da introdução da jurispru-
dência dos valores, passou-se a exigir do intérprete que,
6. Não age com dolo aquele que faz uso do seu direito.
7. supremo direito, suprema injustiça.
8. YamasHita, 2005, p. 111, grifos do autor
9. apud rOCHa, 2002.
60 triBUtaÇÃO em revista
ao lado dos princípios tradicionais, ponderasse valores
implícitos ou expressos na Constituição Federal, bus-
cando o fim último do direito.
atos que têm aparência de conformarem-se à lei, mas
são contrários ao ordenamento jurídico, porque agridem
valores éticos da sociedade, passam a ser repudiados.
Dessa forma, no abuso de direito, o ato praticado pelo
indivíduo não é ilegal, mas sim ilícito, porque é pratica-
do formalmente de acordo com o direito de seu titular,
contudo contraria regras sociais.
2.3- Aplicação de Instituto do Direito Civil ao Di-
reito Tributário
O Código Civil de 2002 previu expressamente o abu-
so de direito em nosso ordenamento jurídico, no seu art.
187: “também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites im-
postos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes”.
O reconhecimento do abuso de direito é um impera-
tivo se atentarmos para o fato de que o direito positivo
não pode prever expressamente todas as condutas que
o grupo social repudia, porque a realidade é dinâmica
e é pressuposto do Direito sua adaptação ao tempo e
ao espaço, observados os valores postos na Constituição
Federal.
Haja vista a aplicação da teoria do abuso de direito
no direito civil brasileiro, vamos buscar respaldar seu
emprego no campo tributário.
Paulo de Barros Carvalho10 afirma que a chamada au-
tonomia do direito tributário existe meramente para fins
didáticos, porque é forçoso reconhecer o caráter absolu-
to da unidade do sistema jurídico.
Bernardo ribeiro de moraes, citado por Yamashita
cita, diz que “[...] o direito civil é um direito comum que
supre as normas dos outros ramos jurídicos e preenche
os seus vazios. Portanto, as relações entre esses dois ra-
mos do direito – tributário e civil – são também estrei-
tas”11 e, mais à frente, citando miguel reale, conclui que
“nada mais errôneo do que pensar que as normas do Có-
digo Civil de 2002, principalmente em sua parte geral,
sejam sempre e exclusivamente de Direito Civil”12, isto
porque boa parte dessas normas são da teoria geral do
direito, portanto, aplicável a qualquer ramo do direito,
dentre eles o direito tributário.
Contudo, não se pode deixar de admitir que existem
certos princípios gerais do direito tributário que devem
ser considerados, na interpretação da norma tributária,
sem perder de vista o ordenamento jurídico e seus va-
lores. Nessa trilha, Luciano alaor Bogo13 afirma que não
há autonomia científica do Direito tributário, mas sim
possibilidade de estabelecer, dentro desse ramo do di-
reito, conceitos, categorias jurídicas e princípios espe-
cíficos.
3- O Abuso de Direito no Campo da Tributação
a aplicação do abuso de direito no direito tributário
não é pacífica. Dentre aqueles que não admitem a apli-
cação do abuso de direito no direito tributário podemos
citar Heleno tôrres, alfredo augusto Becker e alberto
Xavier. De outro lado, encontramos juristas que reco-
nhecem que o abuso de direito tem completa aplicação
no direito tributário, como, por exemplo, marco aurélio
Greco, Hermes marcelo Huck e Douglas Yamashita.
Heleno tôrres foi o doutrinador que introduziu, no
direito brasileiro, o conceito de elusão, que será desen-
volvido na seção 4, cujo fundamento é a falta de causa
do ato ou negócio jurídico. Contudo, o doutrinador pra-
ticamente nega a possibilidade de aplicação do abuso de
direito no direito tributário14.
reconhecemos que não é possível o sujeito passivo
da obrigação tributária abusar do direito de cumprir
10. CarvaLHO, 2005.
11. YamasHita, 2005, p. 75
12. idem, ibidem
13. BOGO, 2006, p.43
14. tÔrres, 2003
triBUtaÇÃO em revista 61
essa obrigação. Não é possível abusar do dever de cum-
prir uma prestação, isto porque o cumprimento de uma
obrigação não se insere no campo dos direitos subjeti-
vos. Por outro lado, o contribuinte possui vários direi-
tos privados que afetam ou que geram efeitos no direito
tributário e nesse momento é possível ocorrer o abuso
de direito.
adotando essa linha de pensamento encontramos
Douglas Yamashita, quando afirma que a conclusão de
Heleno tôrres é equivocada, porque:
“[...] ele não apenas se esquece de que certos direi-tos privados podem servir abusivamente contra o estado tributante, mas também ignora que o Direi-to tributário concede direitos subjetivos públicos, tais como: i) créditos escriturais (de iCms, iPi, Pis ou Cofins); ii) direitos de opção (Lucro real, Pre-sumido ou arbitrado, simples, regime de caixa ou de competência); ou iii) isenções ou hipóteses de não-incidência, etc”15
O abuso de direito no direito tributário assenta-se
basicamente no uso abusivo de direito privado ou de
institutos do direito privado com vistas, exclusivamente,
à economia de tributos.
atentando-se para tese da elusão defendida por He-
leno tôrres, constata-se que, embora esse autor não
admita a aplicabilidade do abuso de direito no direito
tributário, ao discorrer sobre a ilicitude do ato e negócio
jurídico sem causa, traz os fundamentos para o reco-
nhecimento do abuso de direito nas relações tributárias.
essa afirmativa pode ser constatada especialmente quan-
do se refere a negócios lícitos16 que não se constituam
em simulações, com o objetivo de contornar a norma
tributária.
Neste ponto devemos indagar: podemos ter certo
que o abuso de direito tem aplicação ampla no direito
privado e no direito público? acreditamos que não há
dúvida de que a resposta é afirmativa. então questiona-
mos: existe a chamada autonomia do direito tributário,
em relação aos demais ramos do direito? mais uma vez
estamos convictos de que esta autonomia é meramente
didática, como já demonstramos. assim, é necessário
concluir que o abuso de direito deve ser reconhecido no
direito tributário.
admitir a aplicação do abuso de direito no direito
tributário não implica autorizar que a tributação deva
invadir o patrimônio do indivíduo sem limites. Defen-
de-se apenas que esse limite seja a capacidade econô-
mica ou contributiva do contribuinte. essa capacidade
deve ser o limite para o contribuinte e para o estado.
aquele não pode, a pretexto de auto-organização ou de
liberdade individual, utilizar-se de formulações canhes-
tras e pré-fabricadas, empregadas com o único propósito
de reduzir o montante de tributo a ser pago, indepen-
dentemente de qualquer motivo que justifique essas for-
mulações.
O particular, ao aplicar o direito, da mesma forma
que a administração Pública, irá interpretá-lo e, nessa
interpretação, deveria ter sempre em mente que a liber-
dade de iniciativa e a liberdade de contratar estão limita-
das pelos fins e pela função social desses direitos.
Desse modo, prestigia-se o princípio da autonomia
privada, porque plenamente reconhecido em nosso or-
denamento jurídico,17 condicionando o amparo do siste-
ma normativo a que a finalidade que move o contribuin-
te não seja apenas a de evitar ou reduzir a incidência
tributária utilizando atos ou negócios aparentemente
lícitos, mas desprovidos de causa18 ou de fim econômico
ou social.
atualmente em nosso direito podemos identificar vá-
rios direitos subjetivos sujeitos a abuso, dentre eles, o da
personalidade jurídica, da propriedade, da liberdade de
iniciativa, da liberdade de comércio e indústria, da liber-
dade de contratar, da liberdade de concorrência – sendo
15. YamasHita, 2005, p. 136.
16. tÔrres, idem
17. Constituição Federal de 1988 – arts. 5o e 170.
18. tÔrres, idem,
62 triBUtaÇÃO em revista
que todos têm aplicação e afetam o direito tributário.
Dessa forma, sempre que o titular do direito dele
abusar, exercitando com irregularidade seu direito à
economia fiscal, “[...] praticando ato válido perante o
Direito Privado, mas com abuso do direito frente ao
Direito tributário”19 não haverá a anulação de tal ato
perante o Direito Privado, contudo, haverá efeitos di-
versos no Direito tributário, porque, ainda que válido
no direito privado, no direito tributário o ato poderá
gerar a desconsideração do negócio jurídico ou da rela-
ção jurídica. No dizer de maria Luiza mendonça, “não se
justifica a anulação de tal ato porque ele é válido perante
o Direito Privado, e deve-se prestigiar essa validade para
a segurança do tráfico jurídico” (id.)
3.1- Abuso de Direito e Figuras Análogas: Fraude
à Lei Fiscal, Abuso de Forma e Negócio Jurídico
Indireto
Diferentemente do abuso de direito, na fraude à lei
fiscal há uma violação indireta da lei: por meio de apa-
rente licitude impede-se a imposição legal, cometendo
uma ilicitude. adota-se um caminho indireto com a fi-
nalidade de se evitar a aplicação da norma tributária ou
reduzir sua eficácia. Conforme Douglas Yamashita, “[...]
o ato em fraude à lei atenta apenas indiretamente, me-
diante engenhosa e complicada combinação de meios,
contra tal resultado” (2005, p. 295).
Por meio de tipos negociais diferentes, voltados à
obtenção de resultados vedados pela lei cogente, ten-
ta-se contornar ou evitar uma norma, para atingir os
mesmos objetivos econômicos que esta previu e proi-
biu, logrando, com isso, uma vantagem fiscal. Utiliza-se
irregularmente a autonomia privada com o exercício de
determinados atos jurídicos, cuja finalidade é afastar a
incidência da norma jurídica, usando-se uma norma de
cobertura para fazer-se sujeito a esta e não àquela que
se evita.20
a fraude à lei fiscal se enquadra no que a doutrina
chama de ilícitos atípicos, quando existe uma conduta
permitida, mas que pelo exercício desta, comete-se um
dano. É que ela não ofende diretamente regra jurídica,
mas atinge princípios que regem o sistema jurídico pá-
trio, ao “driblar” o espírito da lei imperativa. Qualifica-
-se ao lado do abuso de direito como componente destes
ilícitos atípicos e sujeita-se à mesma sanção, ou seja, à
desconsideração pelo Fisco.
O abuso de forma acontece, quando for adotada uma
forma anormal, atípica, com menor carga fiscal, para um
negócio jurídico, cuja forma normal atingiria o mesmo
objetivo, porém, mais oneroso do ponto de vista fiscal.
esta teoria foi desenvolvida para combater a utilização
abusiva de formas jurídicas para a consecução dos negó-
cios cuja finalidade é a economia tributária.
É a situação em que determinado contribuinte, em
vez de adotar uma forma mais simples e mais apropriada
para o tipo de negócio pretendido, encadeia atos jurídi-
cos, usando formas insólitas, inadequadas, cujo resul-
tado atingido é o mesmo da forma normal, porém com
menor carga tributária.
a teoria do abuso de forma possibilita a desconside-
ração do negócio jurídico que demonstre desconformi-
dade entre conteúdo e forma, ou que não corresponda
àquele que a forma exibe, aparecendo travestido de uma
forma inadequada21.
James marins, ao falar do abuso de formas, afirma:
“esta teoria insere-se num campo correlato ao do abu-
so de direito”22, pois são conceitos que se aproximam,
sendo empregados, em certos casos, conjuntamente. No
abuso de direito, se for adotada uma determinada forma
para o negócio jurídico, e esta causar prejuízo a tercei-
ros, recorrendo a um modelo inadequado, atípico, estará
presente, também, o abuso de formas.
Há negócio jurídico indireto quando, no exercício
da autonomia privada, os agentes econômicos formatam
19. meNDONÇa, 1998, p. 150
20. tOrres, 2003
21. GaLHarDO, siLva e NetO apud aNaN Jr. 2005, p. 223.
22. mariNs, 2002, p. 39
triBUtaÇÃO em revista 63
negócios jurídicos típicos (tipo de contrato que a lei dis-
ciplinou seus contornos básicos, formais e materiais),
em que a vontade das partes é manifestada de modo cla-
ro, sem distorção, onde seus efeitos são os desejados e
há disposição para suportá-los tais como se irradiam.
Porém, visam a um fim indireto, já que apresentam ob-
jetivos diversos dos que lhe são próprios. É que seus fins
são modificados, de modo a divergir daquele fim típico,
porém, mantendo-se o tipo legal.
Por meio do negócio indireto, os contribuintes bus-
cam efetivamente seguir o caminho escolhido, de forma
transparente e visando o mesmo resultado que seria ob-
tido por outro tipo de negócio23. No entanto, ao mesmo
tempo em que adotam um negócio típico, objetivam um
fim atípico, distinto daquele que seria próprio do tipo24
e de modo a incorrer em menor carga de tributos. marco
aurélio Greco assim conclui:
“em suma, o negócio indireto em si mesmo consi-derado tanto pode desembocar numa fraude à lei ou num abuso de direito e aí estará desprotegido pelo ordenamento, como poderá se dar sem que isto ocorra. Não é o simples fato de ser negócio in-direto que protege ou não o contribuinte, é o caso concreto que vai determinar sua oponibilidade ou não ao Fisco”.25
Como visto, abuso de direito, fraude à lei fiscal, abu-
so de forma e negócio jurídico indireto sem causa se
aproximam, já que não apresentam ilegalidade no ato
jurídico propriamente dito, no entanto, desembocam
numa conduta elusiva.
4- O Parágrafo Único do Artigo 116 do CTN e sua
Aplicação
Cumpre, de início, fazer a distinção entre elisão, eva-
são e elusão.
elisão e evasão são conceitos que se contrapõem.
enquanto a elisão caracteriza-se por ser um procedi-
mento lícito, que corresponde a uma alternativa legal
disponível para realizar a operação pretendida, evitando
a incidência tributária ou se sujeitando a regime tribu-
tário mais favorável, a evasão utiliza-se de meios ilícitos
e fraudulentos, pela ação ou omissão, em ofensa a dis-
positivo legal, minorando ou eliminando a carga fiscal.
Já a elusão, termo introduzido na doutrina pátria por
Heleno tôrres, fica a meio caminho entre os conceitos
de elisão e evasão. Contempla condutas que não afron-
tam nenhuma regra tributária, entretanto são ilícitas por
desrespeitarem princípios fundamentais do ordenamen-
to jurídico. Não podem, assim, ser admitidas, ao contrá-
rio das práticas elisivas, que ocorrem no exercício regu-
lar da liberdade privada e são inatacáveis.
O controle da elusão fundamenta-se no conceito de ilí-
cito atípico: aquele que não se enquadra em nenhuma das
ilegalidades tipificadas em lei, compõe um sistema aber-
to, sem uma definição predeterminada das ilegalidades e
apresenta, por isso, uma infinidade de possibilidades de
ocorrência. em oposição, os ilícitos típicos são determina-
dos, constantes de uma lista taxativa, num sistema fecha-
do e com os modelos sancionatórios já definidos.
Não raro, observam-se reorganizações societárias,
constituições de empresas, transferências patrimoniais
e diversos outros negócios jurídicos que, prima facie,
são perfeitamente legais, mas que, ao final, identificadas
as verdadeiras finalidades jurídicas dos atos, se revelam
ilícitos por desrespeitarem o direito como um todo, ca-
racterizando-se como condutas elusivas. Organizam-se
negócios jurídicos lícitos, de forma transparente e no
uso de legítima autonomia privada, entretanto, a estru-
turação destes negócios se dá sem um propósito nego-
cial, em fraude à lei, com abuso de direito, com abuso de
forma ou por meio de um negócio jurídico indireto, cujo
objetivo é evitar a incidência da norma tributária, sendo
apenas aparente a licitude do ato. Ou seja, adotam-se
comportamentos elusivos e não apenas elisivos. estes
atos exigem mecanismos corretivos, sob pena de afron-
23. GreCO, 2004
24. Heleno tôrres assim se manifesta: “[...] negócio indireto é aquele no qual as partes celebram um contrato usando um tipo-parâmetro, mas visando a um fim indireto, i.e., distinto daquele que seria próprio do tipo”. (tOrres, 2003, p. 162).
25. GreCO, 2004, p. 255.
64 triBUtaÇÃO em revista
ta aos princípios da boa-fé, da capacidade contributiva
e da igualdade. Desvenda-se a elusão, perquirindo-se,
portanto, para além da forma, o resultado perseguido
pelo negócio jurídico, sua verdadeira causa, sua idonei-
dade e a aptidão do instrumento utilizado para a concre-
tização do fim objetivado pelas partes.
e, uma vez caracterizado o comportamento elusivo
do contribuinte, cabe a aplicação do parágrafo único do
art. 116 do CtN (“a autoridade administrativa poderá
desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com
a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador
do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária, observados os procedimentos a se-
rem estabelecidos em lei ordinária”), norma geral, em
matéria tributária, sancionatória de tais condutas.
É certo que há doutrinadores que enxergam no dis-
positivo uma regra antievasiva, com fundamento em
uma análise puramente semântica do termo “dissimu-
lar”, entendendo-a como uma regra anti-simulação, que
seria, assim, inócua, visto que trataria de condutas já
sancionadas por outras normas tributárias.
acompanhamos o pensamento daqueles que vislum-
bram no parágrafo único do art. 116 do CtN ferramenta
de combate à elusão fiscal, por entendermos que não
se deve, na interpretação do comando legal, resumir a
análise ao sentido emprestado a um único signo do tex-
to posto pelo legislador. Os conteúdos das expressões
“ocorrência do fato gerador” e “natureza dos elementos
constitutivos da obrigação tributária” não podem ser ig-
norados, sob risco de não se apreender o real alcance da
norma, qual seja, dotar o ordenamento jurídico tributá-
rio de meios de correção de atos elusivos, desvendando
a ocorrência do fato gerador, obstaculizada pelas práti-
cas do contribuinte, e revelando a verdadeira natureza
jurídica dos componentes da obrigação tributária, que o
particular buscou omitir por meios que, quando vistos
isoladamente, seriam autorizados pelas legislações tri-
butárias ou privadas.
Com o parágrafo único do art. 116 do CtN, o direito
positivo tributário conta, hoje, com uma norma geral
proibitiva de “ilícitos atípicos”, fórmula já comumente
adotada no direito privado para sanção de ilícitos desta
natureza. Logrou-se, com este preceito normativo, inse-
rir, no direito positivo pátrio, instrumento de controle
de condutas privadas que, sem descumprir frontalmente
as normas tributárias, buscam ocultar a ocorrência do
fato gerador da obrigação tributária, resultando numa
economia de tributos alcançada, unicamente, em decor-
rência das práticas elusivas. instrumentalizou-se, assim,
a administração Fiscal para enfrentar as práticas elusi-
vas que não encontram vedação em leis tributárias es-
pecíficas.
Os requisitos para evidenciação de tais condutas são
dados por princípios e regras tanto do direito privado
quanto do direito público, enquanto a sanção aplicável,
pelos danos à Fazenda Pública, encontra-se no parágra-
fo único do art. 116 do CtN. a fundamentação jurídi-
ca, portanto, para qualificá-las como ilícitas e apená-las
deve ser buscada não apenas nas normas tributárias.
4.1- Aplicação da Norma Geral Antielisiva Combi-
nada com Dispositivos do Código Civil
Como visto, o sistema jurídico é uno e deve, portan-
to, guardar uma coerência entre os dispositivos presen-
tes nos seus diversos ramos que, indubitavelmente, se
comunicam. e, repise-se, a unidade do sistema jurídico
não prescinde de conceitos como “abuso de direito” e
“fraude à lei” inseridos na órbita de uma teoria geral de
direito. respeitadas eventuais derrogações trazidas pelas
leis fiscais especiais ou específicas, os significados que o
direito privado empresta a tais categorias jurídicas são
amplamente aplicáveis no campo tributário. além disso,
a legislação tributária pode prever conseqüências distin-
tas das trazidas pelo direito privado, como efetivamente
o faz, determinando, o parágrafo único do art. 116 do
CtN, não a invalidade dos atos elusivos, mas a sua ino-
ponibilidade perante a Fazenda Pública.
Nestes moldes, compreendemos o conceito de “abu-
so de direito”, como dado pelo art. 187 do Código Civil
de 2002, plenamente aplicável às questões tributárias,
triBUtaÇÃO em revista 65
com a ressalva de que a sua prática tem efeitos próprios
no campo tributário, devendo-se conjugar o preceito do
direito privado com o parágrafo único do art. 116 do
CtN. Observados os requisitos materiais previstos no
art. 187 do CC que acarretem a redução de tributo ou
a obtenção de vantagens fiscais indevidas, pode o Fisco
requalificar as práticas do particular, como determina
o art. 116, parágrafo único, do CtN, e fazer incidir a
norma tributária de regência. aliás, deve ser ressalta-
do que, em nenhum de seus comandos normativos, o
CtN elenca requisitos materiais para a caracterização de
comportamentos elusivos, que deverão ser buscados em
princípios e regras do ordenamento jurídico, sejam nor-
mas do direito privado ou do direito público. e de outra
maneira não poderia ser, porquanto, em tais hipóteses,
estaremos diante de ilícitos atípicos.
regularmente comprovada a ilicitude resultante de
prática elusiva e que não seja atacável por norma tri-
butária específica, a autoridade administrativa poderá
lançar mão da norma geral antielusiva. É desnecessário
que a administração recorra ao Poder Judiciário para
ver declarada a nulidade do ato, pois o negócio jurídi-
co, no campo do direito tributário, não será nulo. será,
contudo, inoponível à Fazenda tal qual se apresenta, ob-
viamente respeitado o devido processo legal. O sancio-
namento da elusão fiscal, nos termos do parágrafo único
do art. 116 do CtN, faz-se, assim, pela desconsideração
do negócio jurídico, ou melhor, por sua ineficácia pe-
rante o Fisco, não se imiscuindo o ato de desconsidera-
ção na validade do negócio jurídico.
ao proceder à recaracterização do negócio jurídico
para revelação do fato gerador encoberto, a autoridade fis-
cal deve buscar trazer para o processo administrativo fiscal
os elementos que comprovem a elusão, sendo necessária,
no trabalho de concretização do comando abstrato previs-
to no parágrafo único do art. 116 do CtN, a evidenciação
do objetivo efetivamente pretendido em contraposição à
forma jurídica adotada e seu fim típico esperado.
4.2- Eficácia da Norma Geral Antielisiva
O parágrafo único do art. 116 do CtN é exemplo
de norma de eficácia contida. Nos ensinamentos de José
afonso da silva:
algumas normas podem caracterizar-se como de eficácia contida, mas sempre de aplicabilidade di-reta e imediata, caso em que a previsão de lei não significa que desta dependem sua eficácia e apli-cabilidade, visto que tal lei não se destina a inte-grar-lhes a eficácia (que já têm amplamente), mas visa restringir-lhes a plenitude desta, regulando os direitos subjetivos que delas decorrem para os in-divíduos ou grupos. enquanto o legislador, neste caso, não produzir a normatividade restritiva, sua eficácia será plena.26
ricardo Lodi ribeiro (2002, p.149) faz as seguintes
considerações sobre a aplicação e a eficácia da norma
geral antielisiva:
No caso, há que considerar que ocorrendo o fato gerador, que é, no entanto, escamoteado por ex-pedientes abusivos do contribuinte, é imperiosa a tributação com base no ato dissimulado, indepen-dentemente da lei prevista no parágrafo único do art. 116 do CtN, que regulará, por meio dos pro-cedimentos a serem adotados, a forma pela qual a autoridade irá afastar a dissimulação, prevendo inclusive presunções de atos dissimulados. O dis-positivo em tela é o típico caso de norma de eficá-cia contida, de aplicabilidade imediata e direta na clássica definição de José afonso da silva, que tam-bém se aplica aos dispositivos de lei complementar (grifos nossos).
Yamashita, igualmente, entende o parágrafo único
do art. 116 do CtN como norma de eficácia contida.
argumenta que “entendimento diverso seria tolerar a ili-
citude apenas por falta de um procedimento legal novo,
uma vez que procedimento legal já existe”, devendo ser
aplicada a legislação procedimental vigente: o Decreto
nº 70.235/72, recepcionado pela CF/88 com status de lei
ordinária, e, subsidiariamente, a Lei nº 9.784/99. Cabe
ressaltar que a legislação de procedimentos administra-
tivos em vigor respeita os princípios da ampla defesa e
do direito ao contraditório, inclusive com possibilidade
26. siLva, 1997, p. 260.
66 triBUtaÇÃO em revista
de revisão das decisões em segunda instância por órgão
colegiado paritário.
De qualquer modo, tratando-se de uma lei de pro-
cedimentos, portanto matéria de direito processual, as
hipóteses de dissimulação, presentes no direito material,
independerão, evidentemente, da lei ordinária prevista
no parágrafo único do art. 116 do CtN.
5- Conclusão
Do estudo do abuso de direito em nosso atual direito
positivo, conclui-se que estão superadas as discussões a
respeito da antijuridicidade do instituto no âmbito dos
negócios jurídicos privados, tendo em vista a disposição
expressa da atual lei civil. ao se adequar a uma conduta
permitida, porém desvirtuando sua finalidade econômi-
ca e social, incorrer-se-á em ilicitude. e, assim como na
hipótese de desrespeito a regras – que resultará em ile-
galidade –, a afronta a princípios – acarretando ilicitude
–, igualmente, não é admitida em nosso ordenamento.
apresentados pensamentos diversos a respeito da
aplicabilidade do abuso de direito no campo da tributa-
ção, concluiu-se que o Código Civil, ao dispor sobre o
instituto, traz regra geral aplicável aos mais diversos ra-
mos de nosso ordenamento, aí inserido o direito tributá-
rio, dada a unidade do sistema jurídico, que como tal se
caracteriza por ser um complexo organizado e coerente
de princípios e regras, cabendo à autonomia dos ramos
jurídicos fins meramente didáticos.
Quanto ao abuso ao direito e as figuras análogas –
abuso de forma, fraude à lei fiscal e negócio jurídico
indireto sem causa –, conclui-se que a similitude en-
tre eles reside no fato de não se caracterizarem como
condutas ilegais, uma vez que não agridem frontalmente
nenhuma regra imperativa, contudo apresentam uma le-
galidade apenas aparente, posto que são violadoras do
conjunto de normas do ordenamento, ou seja, estão car-
regadas de ilicitude.
a elusão fiscal tem como sua marca mais importan-
te a distinção que faz do planejamento tributário lícito,
exercido nos limites da legítima autonomia privada, do
negócio jurídico apenas aparentemente lícito, visto que
projetado exclusivamente para ocultar a ocorrência do
fato gerador ou reduzir o quantum de tributo a pagar,
sem qualquer propósito negocial, próprio do ato ou ne-
gócio praticado.
a resposta dada ao abuso de direito pelo art. 187 do
Código Civil de 2002 é plenamente aplicável às questões
tributárias, em respeito à unicidade do sistema jurídico
e observados os efeitos próprios no campo tributário,
devendo-se conjugar o preceito do direito privado com
o parágrafo único do art. 116 do CtN.
ainda com relação ao parágrafo único do art. 116 do
CtN, em síntese, ele se constitui em norma geral sancio-
natória das condutas elusivas, entre elas as práticas abu-
sivas, que têm como objetivo único escapar do cumpri-
mento de obrigações tributárias e que são caracterizadas
pela inexistência de causa ou propósito negocial. tam-
bém não se presta a coibir a elisão fiscal, economia lícita
de tributos, nem visa a combater condutas evasivas, já
proibidas por outros dispositivos do direito tributário.
vimos que ele exerce uma função instrumental, per-
mitindo que a administração tributária declare ineficaz o
negócio “dissimulado”, prescindindo da anulação do ato,
pois trata-se de dispositivo de eficácia contida, visto que
sua aplicação independe de futura lei ordinária de proce-
dimentos que poderá, simplesmente, trazer exigências for-
mais outras, ao lado das previstas na atual lei do processo
administrativo fiscal, que garante plenamente ao contri-
buinte o direito à ampla defesa e ao contraditório, sendo
desnecessária a intervenção do Poder Judiciário, posto que
o negócio não será nulo, apenas inoponível ao Fisco.
assim, verificada a ação ou omissão do contribuin-
te, no uso de autonomia contratual, a qual foi exercida
com elusão tributária, sem propósito negocial, visando a
reduzir ou eliminar a carga fiscal, pode a administração
tributária desconsiderá-la para efeitos exclusivamen-
te fiscais, procedendo à lavratura do respectivo auto
de infração, resguardando o direito de defesa na esfera
administrativa, garantido pelo Decreto nº. 70.235/72 e
pela Lei nº. 9.784/99.
triBUtaÇÃO em revista 67
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68 triBUtaÇÃO em revista
A concessão de aposentadoria por invalidez integral para portador de doença grave, incurável ou
contagiosa
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO
Natureza Recurso Especial
Órgão julgador Quarta Turma
Nº do Processo REsp 942.530/RS
Relator Ministro Jorge Mussi
Matéria Aposentadoria por invalidez
Recorrente Universidade Federal de Santa Maria
Recorrida/Interessado Maria Olga do Couto Pacheco
Data de Publicação 07.06.2010
Ementa DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DOENÇA INCURÁVEL. ART. 186 DA LEI N. 8.112/1990. ROL EXEMPLIFICATIVO. PROVENTOS INTEGRAIS. POSSIBILIDADE.
triBUtaÇÃO em revista 69
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO
em alteração promovida pela emenda Constitucio-
nal no 41/2003, a Carta magna prevê em seu art. 40,
§1º, inc. i1, a concessão de aposentadoria integral aos
servidores titulares de cargos efetivos da União, dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios, inclu-
ídas suas autarquias e fundações, quando a invalidez
decorrer de doença grave, contagiosa ou incurável, na
forma da lei.
O art. 186, § 1º, da Lei n. 8.112/902 discrimina
algumas das doenças consideradas graves, incuráveis
ou contagiosas para fins de concessão integral da apo-
sentadoria por invalidez, facultando a complementa-
ção do rol por outro diploma legal, ainda inexistente.
assim, as aposentadorias por invalidez concedi-
das com a fundamentação acima apenas serão defe-
ridas se a moléstia estiver descrita no bojo legal, sob
pena de ofensa ao princípio da legalidade, conforme
entendimento dominante na jurisprudência das Cor-
tes do País, incluindo o supremo tribunal Federal3, o
superior tribunal de Justiça4 e o tribunal de Contas
da União5.
todavia a Quinta turma do superior tribunal de
Justiça – stJ afirmou tratar-se de lista exemplificativa
e não taxativa, por unanimidade, na análise do re-
curso especial – resp no 942.530/rs, de relatoria do
ministro Jorge mussi.
muito embora a administração Pública lato sensu
esteja adstrita e vinculada à observância estritamente
do princípio da legalidade, a aplicação deste primado
não pode servir de fundamento para afastar a aplicação
de direitos destinados à proteção do servidor público.
Nestes termos, o rol descrito na Lei no 8.112/90
é apenas uma enumeração exemplificativa e negar-lhe
este caráter ofende a destinação da norma, uma vez
que a vontade do legislador é garantir proteção aos
servidores incapacitados em decorrência de doença in-
curável, contagiosa ou grave.
O ministro relator também suscitou a incompetên-
cia técnica da Ciência Jurídica no que tange à defini-
ção e especificação taxativa de todas as doenças que
podem levar à incapacidade laboral, sustentando bri-
lhantemente a competência técnica privativa da medi-
cina para classificação das enfermidades, reafirmando
que ao julgador, neste caso, compete apenas direcio-
nar a solução da controvérsia baseando-se nos fins al-
mejados pela norma e em prova técnica.
ainda destacou a afronta a princípios constitucio-
nais, em especial o da isonomia, quando há a conces-
são de aposentadoria a servidor que sofre de um mal
de idêntica gravidade àqueles mencionados no § 1º,
e também insuscetível de cura, mas não contemplado
pelo dispositivo de regência6.
Não obstante os entendimentos divergentes há de
se reconhecer a plausibilidade dos argumentos acima
mencionados.
Negar ao servidor público o seu direito à aposen-
tadoria com proventos integrais, apenas pela ausência
de previsibilidade expressa da enfermidade que o in-
capacita no texto legal, implica na admissão delibera-
da de cerceamento à assistência previdenciária essen-
cial para proteção da dignidade humana.
O servidor público também é destinatário das nor-
mas relativas à proteção do trabalho e, claro, das nor-
mas tutelares dos direitos sociais. assim, também deve
fruir das normas destinadas à melhoria de sua condi-
ção social e, por conseguinte, possui direito cristalino
1. i - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;
2. § 1o Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso i deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anqui-losante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), síndrome de imunodeficiência adquirida - aiDs, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.
3. Por exemplo: re n. 175.980/sP, re 353.595/tO, agravo regimental no agravo de instrumento n. 767/931/rs
4. Precedentes citados no voto do min. Jorge mussi: agrg no resp 938.788/rs, agrg no resp 1.024.233/Pr, ms 8.334/DF.
5. acórdão 3741/2011 - Primeira Câmara; Decisão 259/2002 - Primeira Câmara
6. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/websecstj/decisoesmonocraticas/decisao.asp?registro=201000761506&dt_publicacao=13/12/2010
70 triBUtaÇÃO em revista
e inafastável, como todos os cidadãos, à proteção da
dignidade humana.
a proteção social do trabalhador e o sistema previ-
denciário destinam-se à preservação da dignidade hu-
mana por meio de ações positivas e imposições estatais
voltadas à concretização de um núcleo de direitos de
cunho assistencialista e protecionista, garantidores de
um mínimo de condições para o desenvolvimento da
vida humana.
assim, considerar que o princípio da legalidade
deve sobrepor-se ao direito constitucional de assegu-
rar a assistência estatal para os cidadãos-servidores,
impossibilitados de manter e prover seu sustento, con-
traria a própria ideologia da Constituição Federal.
Os preceitos constitucionais constituem parâme-
tros basilares tanto para a elaboração quanto para a
aplicação de outras normas, sendo sua observância
obrigatória.
a tarefa dos intérpretes consiste em obter a exata
proporção entre legalismo e adequação da norma ao
caso concreto, objetivando viabilizar a aplicação das
disposições constitucionais e legais sem olvidar o sen-
tido almejado pelo legislador.
Nesta seara, a atividade interpretativa do julgador
deve buscar valorar objetos externos à própria norma,
uma vez que esta, quando de sua aplicação no mundo
dos fatos, busca utilizar mecanismos capazes de apro-
ximarem-na da realidade fática, sendo imprescindível
a utilização de gradações valorativas para compatibili-
zação entre anseios sociais e texto legal.
a sobreposição do princípio da legalidade ao pro-
tecionismo essencial à vida humana e à preservação da
dignidade do homem é posicionamento que afronta o
próprio objetivo da Lei, que, como bem explicitou o
ministro relator, cinge-se em amparar de forma mais
efetiva o servidor que é aposentado em virtude de gra-
ve enfermidade, garantindo-lhe o direito à vida, à saú-
de e à dignidade humana.
Por uma questão de justiça, espera-se que o novo
entendimento do stJ supere a interpretação dominan-
te da questão, pois, com isso, haverá efetividade aos
ditames constitucionais destinados à proteção dos ser-
vidores aposentados em decorrência de enfermidades.
Renata Machado de Araujo Machado
Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional
Áryna Martins Dias Rangel
Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional