Três bês Baltasar, Blimunda e Bartolomeu - Iníciocratilo.unipam.edu.br/documents/32405/40465/tres_bes_baltasar... · repressores ao construírem a passarola e darem asas às

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    Trsbs:Baltasar,BlimundaeBartolomeutransgridemosmecanismosopressoresemMemorialdoConvento

    RODRIGOCORRAMARTINSMACHADO

    Resumo:JosSaramagoconsideradoumdosmaioresautoresdasliteraturasdelnguaportuguesa.Emseusromances,revisitacriticamenteaHistriadePortugal.Opresentetrabalhoconsisteemumexercciodeleituracrticaapontandoaspectosquemostremcomoapresenaeasaesdas trspersonagensprincipaisdo romanceBaltasarSeteSis,BlimundaSeteLuasePadreBartolomeucontriburamparaoquestionamentoacercadasimposiessociais,daHistriae,principalmente,emrelaoopressoimpostaaopovoportugusnosculoXVIII.Essastrspersonagensdoromancedestoamdashistricasnestaobra,poisrepresentamoquestionamentoHistriaeopresso,namedidaemquepossuamformasdepensar,deagireviverdiferenciadasdasformasimpostaspelaIgrejaepeloEstado.Nombitodoromance,foramosnicosquetiveramcoragemdeircontraaspresseseinterdiesprovenientesdosmecanismosrepressoresaoconstruremapassarolaedaremasassvontadesquepossuam.Palavraschave:romanceportugusliteraturaehistriaJosSaramago1.ORomanceportuguscontemporneoeaRevoluoDosCravos

    A Revoluo dos Cravos representou um dos grandes momentos histrico

    culturaisparaPortugal,namedidaemqueolibertoudeumregimeopressorosalazarista,queobrigava todosa se submeterempoltica subversiva,principalmente,porquenesteregimeditatorialoEstadoeaIgrejaduasentidadescaracteristicamentedominadorasseuniramparacontrolartodasasesferasdavidaportuguesa.Esteperodo, emque se identificao salazarismoportugus, foi altamentemarcadopela repressoepelacensura.Emrelaoaospensadores,filsofoseescritores,noeratoleradonenhum tipodeoposioem relaoao regimeestabelecidonopoder. Issoalimentou,dcadaapsdcada,odescontentamentodegrandepartedapopulaoportuguesacomoregime,descontentamentoessequedesencadeouummovimentorebeldeecontrrioaosalazarismo,quealcanouseuclmaxnodia25deAbrilde1974.

    Nessediahouveumarevoluo,quenasceuinicialmenteentreosmilitares,descontentescomoregimeemvigor.Nestarevoluo,buscavasea libertaodoantigoregimecomapossibilidadedemudanapolticoeconmicaeemrelaocensuraqueeraoprincipalrgoaimpediralivrecirculaodeideiaspelopas.Dentrodestecontexto,aliteratura,altamentereprimidadurantetodooperodosalazarista,lutaparaterliberdade,mesmoconsiderandoque,antesmesmodaRevoluo,osautoreslusitanosjescreviamcontraoregimedeformametafricaparaobteremaconcessodecircula

    Crtilo:RevistadeEstudosLingusticoseLiterrios.PatosdeMinas:UNIPAM,(3):145156,2010|ISSN19840705

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    odeseuslivros.AliberdadebuscadapelaRevoluodosCravosaquelaemqueosescritorespudessemescreversobseupontodevista,sem termedodacensuraoudequalquermecanismoderepressoaoqualpoderiamsersubmetidos.Porcausadacensura,os textoserammuitomaisplurissignificativosesugestivos,paraqueos leitoresconseguissemconstruirasuaprpriainterpretaodasobras.

    ApsaRevoluodosCravoseaquedadasamarrasantesimpostaspelosistemaopressor,osescritoresportuguesesseempenharamembuscadeumarevoluonaescrita,queproporcionasseaosartistasdemonstrarediscutir todososerroseacertosdasociedadeportuguesapsrevoluo.

    Emrelao importnciadaRevoluodosCravosde1974paraapopulaoportuguesae,principalmente,paraasproduesartsticasdePortugal,GersonRoani(206,p.2324)postula:

    O25deabriltransformouavidadetodososportugueses,modificandoasinstituiessociaise,sobretudo,influenciandoombitoartsticolusitano.Aabordagemdaproduoliterriaportuguesadessesltimos25anosnopodeprescindirdesondaromodocomo esse acontecimento histrico influenciou a atividade escritural dos autores dePortugalcontemporneo.Essasondagemmostraseinstigante,nocasodaficoportuguesacontempornea,poispodeserdemonstradaumaestreitavinculaodasalteraessociaiscomarenovaodoprpriopercursoartsticodosescritoresportuguesesanterioresesubseqentesa1974.

    Apso25deabril,houveuma reflexomais ampla em relao identidade

    portuguesaesobreoqueosportuguesesviveramsobos50anosdesalazarismo.Isso,obviamente,serefletiunaliteratura,nestesespritosprivilegiados,criativosemprocessodeamadurecimentodasideias,quesoosescritores.

    AsgrandesobrasliterriasdePortugalsurgemcertotempodepoisdaRevoluo,elasjveemcomumolharmaisdistanciado,crticoeamadurecidoemrelaostransformaesocorridasapstalacontecimento;nohumolharexaltadore,sim,umolharcrtico,impiedoso(svezes)emrelaoslacunasevaziostrazidospelaRevoluo.Nosoosacontecimentosps74epsditadurasuficientesparamudaratrajetriadealgunsautores,naverdademuitosdelesjantecediamaRevoluo.

    Anovaescritaquesurgiunasequnciaaesseacontecimentonomaisvelada,nemcomacargametafricaetemticaanteriorjquenohaviamaisnenhummecanismorepressordasideias.Oquesurgiufoiumaliteraturalibertadora,comapossibilidadedequestionarascoisas;portanto,encontraremosobrasmarcadaspelasdiscussesacercadaidentidadeportuguesa,surgindoassimumnovofocodediscusses.

    A literaturaconstatoucertafalnciaemrelaoHistriaOpercurso trilhadopela ficoportuguesaposteriora1974 tambmopercurso,nem sempre isentodeindecises,dastentativasdeinstaurarestratgiasderepresentaoliterriaadequadasaumacertaeinevitvelconfrontaocomaHistria,eissofezcomquehouvesseumconstantedilogoentreelas.

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    Anarrativabuscouseoporaosfatoshistricos,aosacontecimentosefezissonamedida emquedesmentiaoque aHistria anteshaviapostulado comoo correto edefinitivo.Enosperguntamos:porque que a ficobuscoudesmentir aHistria?Umarespostaplausveleaceitvel,qualAntnioApolinrioLoureno(1991)serefere,consistenofatodequeaspessoascomearamaperceberqueaHistriaoficialdisseminadapeladitaduraerapassveldeumaduradesconstruo.Ofatohistricopassapormeiodemose interpretaeshumanas,queporsis jsecaracterizamporsersubjetivas:aquiloquehojeinterpretadodeumadeterminadamaneira,podeamanhser entendido de forma radicalmente distinta (LOURENO, 1991. p. 71). Portanto, aHistria portuguesa tambm sofreu esse processo ficcionalizador por parte de seushistoriadores,erahoradesebuscarumaverdademaiscondizentecomarealidadedaquelepasequeexplicasse,decertaforma,todoaqueletempoaoqualosportuguesessesubordinaramaoregimesalazarista.

    NocasodeSaramago,sua fico impregnouasobrasdeuma recriaosocialdos costumes, figuras, eventos,acontecimentos eprincipalmentedasmentalidadesmaneiradepensareagirdo serhumano.Coma retomadadaHistria surgiram romancesquefingiamorealdaexperinciapassada,paradiscutiladentrodasociedadenumaperspectivacontempornea.AnarrativadeSaramagochamaparasiosestudoshistricos,squeporumngulo ficcionalequestionador.Oque foi feito foiapartirdaspossibilidadesqueotextoficcionaltemdefingiroudecriarumamaneiradelidarcomo tempo.Humadiscusso equestionamentos acercadedeterminadoperodohistricoesuasreflexesnapocapresente.Eemrelaoaessefato,lvaroCardosoGomes(1993,p.34)postula:

    Saramagooqueabraademaneiramaisevidenteumaartecompromissada,ouainda,umromancistaqueacreditaqueoromancesejauminstrumentoderesgatedasclassesdesfavorecidaseuminstrumentodedennciadosdesmandosdospoderosos.Porisso,suaescritapeculiar,por inventarumnarrador fortemente comprometido comumaideologia,que,namaioriadasvezes,maisdoqueapresentarosfatos,procuracomentlos,demodoainvestircriticamentenarealidade.

    As obras saramaguianasps74passaram a serparticularmente significativas

    enquantoveiculadorasdesentidosideolgicos(REIS,2005)ideolgicosnamedidaemqueodiscursoportadordesentidosquepodemserlidoshistricaesocialmente.

    Nasobras saramaguianas,apresenade cenriosbem caracterizadosmostranoseventos,personagenselugareshistricosquesobemsuperfciedouniversodafico com inesperada naturalidade, postulando a necessidade de repensar esseseventos,personagenselugaresluzdeumanovarealidadehistrica.Nosepodeesquecerumacaractersticaqueestpresenteemsuasfices,queofatodeelefocalizarosfenmenossociais,observandoemostrando,principalmente,osoprimidos,reiterandooscomoagentesdaHistriae,muitasvezes,criticandoessesfenmenossoci

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    aisdecadapoca.Tantoqueemsuasobrasobservamosumaapuradareflexosobreasquestescruciaisdopovoedasociedadeporeleretratados.

    Noromancesaramaguiano,Histriaeficoacabamporsesituarnummesmoplano, jqueaverdadedaquelapodeserto ilusriaquantoverdadeirapoderserailusodesta (REIS,2005,p. 93).CarlosReis (2005)postulaqueSaramagovalesedeelementoscomoaironia,apardiaeosarcasmoparareinterpretarasfiguraseosepisdiosdeumpassadonunca antesquestionado ede realidades e situaes tambmnuncaantesmostradas,talvezporcausadarepressoouaindaporqueaspessoasjseacostumaramcomcertassituaesqueathojesovistascomonormais,comoaexploraodosmaispobres.ElemostraasuaversodaHistria,criticaasrepresses,exploraes,equestionaoautoritarismodeinstituiescomoaIgreja,oEstado,aNobrezae,almdisso,reescrevesobreopontodevistadaquelesquenuncativeramodireitodequestionla,dequenuncafiguraramnela,ospobres.

    DeacordocomTerezaCristinaCerdeiradaSilva(1989,p.32):Ocaminho(...)deJosSaramagoexactamenteesse:odeduvidardosmonumentostradicionalmenteaceitesedeirbuscaroutrasmarcasdeixadaspelohomemnasuacaminhada.

    2.OMemorialdoConvento

    Quandodigocorrigir,corrigirahistria,nonosentidodecorrigirosfatosdahistria,poisessanuncapoderiaseratarefadoromancista,massimdeintroduzirnelapequenoscartuchosquefaamexplodiroqueatentoparecia indiscutvel:poroutraspalavras,substituiroquefoipeloquepoderiatersido.

    JosSaramago,HistriaeficoParaa construodeMemorialdo convento, foinecessrioqueSaramagoestu

    dasseasbaseshistricaseapartirdaslacunasdeixadasporelas,aspreenchessecomasuaversodessahistria.Podemosnotaroromancedesteautorcomoquestionador,namedidaemquenoaceitaas imposies feitaspeloshistoriadoresemrelaoaumaverdadeunanaHistria.Elevislumbraqueatmesmoodiscursohistrico tem suaparceladesubjetividade,namedidaemquehumapessoa,comdeterminadospontosdevistaportrsdaescritadosdocumentoshistricosequeaodecodificartaisdocumentos,acabaporpreencheraslacunasexistentesentreosdocumentoscomsuasprpriasideias.EntraaonovoolhardoficcionistaquesequerhistoriadordeumanovaHistria,poisoMemorialdoConventorebelasecontraavisodeumahistriaquecolocaoreicomosujeitodaacodeergueroconventodeMafra(SILVA,1989,p.33).

    Sendoassim,todoodiscursohistricofeitoduranteoreinadodeD.JooVvisouscamadasmais favorecidasdasociedadeCleroeaNobreza,namedidaemquedetinham todasas formasdecontrole social,demanutenoemanipulaodas

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    ideiasda poca.Assim sendo,quem escreveu essahistria escreveu sobopontodevistadospoderososeatribuiuaelestodoomritodaconstruodoconventodeMafra.OqueJosSaramagobuscafazernadamaisdoquelanarumolharquestionadorsobreessaversodahistria,namedidaemqueacreditaqueD.JooVnofoicapazdelevantarsequerumapedraparaajudarnaconstruodessaobra.OdiscursometaficcionaldoromanceempreendeumadiscussosobreaverdadeiraimportnciadesteRei,bemcomodosnobresedocleroqueoacompanhavamemrelaoatodaaconstruo.OromanceprivilegiaoprocessodeconstruodoConventovalorizandoaquelesqueestavam,realmente,executandoaconstruodeste,ostrabalhadoresdopovo.Sendoassim,oautorcontrapeeseopemenofeitapelahistoriografiaoficialportuguesa,segundoaqualD.JooVfoiograndeconstrutordoConventodeMafra.

    EmMemorialdoConvento,afamliarealeseudramadeixarodeserofocoprivilegiadodanarrativaemesmodaHistria.Atmesmoaformacomoonarradorserefereaestesnonospassatodaagrandezaquepossuam.AfamliarealapenasfigurantedeumaHistria,naqualopovooverdadeiroprotagonista.

    Algumconstruiuesseconvento,algumsofreu,deixouparatrsseusfamiliares,morreu,viveuempssimascondiesdehigiene,dealimentaoparaaconstruodesseprojetodeumReiextravaganteemegalomanaco.Masquem?Nopoderiamseroutrossenoospobres,osoprimidos,aspessoasqueperanteaaltasociedadenotinhamnenhumafunoanoserobedeclos,trabalharduramenteenoquestionarnuncaassuasordens.Podemosnotartaldescasocomestesnaseguintepassagem:

    Fatigososdias,maldormidasnoites.Porestesbarracesrepousamosoperrios,passamdevintemil,acomodadosembelichestoscos,paramuitos,emtodocaso,melhorcamaquenenhumadassuascasas,saesteiradocho,odormirvestido,acapaporinteiroagasalho, aomenos, em tempo de frio, se aquecem aqui os corpos uns aos outros(SARAMAGO,2007,p.264).

    Homenseramobrigadosadaravidapelavontadedorei.Issoexemplificado

    comoqueacontececomumoperrioduranteoepisdiodocarregamentodaimensapedra, emque eranecessrioque oshomens fizessemum esforo superior aoqueprometea forahumanapara transportarapedrademrmoreatMafra (ORNELAS,1986,p.121).

    A construo do convento deMaframostranos ummodelo de represso, oqualnadamaisquearepresentaodavontadedeumreimegalomanaco,desmedido,quenoseimportacomnada,nemningumparateroquedesejaeparaterasuavaidadecolocadanaspedrasdoconvento.Obviamente,oquelhecoubenaconstruoalmdo imensoesforoqueelefezparaconstruiramaquetedabaslicadeSoPedro, que se localizava em seus aposentos foi somente ordenla, enquantomuitaspessoastrabalharam,perderamavidaparapodersatisfazerestecapricho.

    JosSaramagoserevelacomoumautoraltamentepreocupadocomasquestespolticase sociais,mostrandose simpticosdoreseao sofrimentodahumanidade.

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    Suaescritamarcadapelofatodenelaasclassessociaisoprimidasganharemvoznocontextohistricosocialeteremapossibilidadedeparticipar,deformarevisionista,daHistriadaqualforamexcludas:ainserodasfiguraspopularesnodevirdaHistriasurgecomadimensodeumareparaotardiamasaindanecessria(REIS,1986,p.194).

    MemorialdoConventoumaobracaracteristicamentedialgica,emque ficoeHistriaseentrelaamafimde,entreoutrascoisas,darvozaosoprimidos.Odestinodaspersonagens,ento,indissociaveldodevirdeumaHistriaqueaficorepensa,tantoem funodopassadopropriamentehistrico,comoatem funodo futuro(REIS,1986,p.308).

    Neste livro,podemosnotarqueoautorprivilegiaemrelaoaoConvento, asuaorigemeprincipalmenteosquenela trabalharam.Tratasedeummemorialismorepensado e reutilizado luz das circunstncias histricosociais que envolvemMemorialdoConventoeseuautor.

    ParaSilva(1989),ofundamentodessememorial:reveropassadoparaquestionarConceitosdeessencialeacessrio,dedominanteedominado,quesecremporvezesabsolutos,porforadaengrenagemideolgicaqueosimpemcomotais(SILVA,1989,p.3132).

    Desdeo inciodo romance,podemosnotarqueos trabalhadoresdoconventoso aqueles que vivem em pssimas condies, pessoas altamente necessitadas demelhorescondiesdevida.NahistriadoConvento,opovoograndeprotagonista,so as pessoas das camadas populares as responsveis pelo trabalho bruto,muitasvezesforado,quegerouestaobra:pelomenosopovoomesmodesempre:trabalhandoincansavelmenteparasustentarasordensprivilegiadas,pagandocompesadaslgrimasaomaispequenosinalderebeldia,morrendomnguaumpoucoacadadia(LOURENO,1991,p.74).

    Eaindaaochegarparatrabalharnaimensaobra,essestrabalhadoresforamtratadoscomoservos,vivendoemumtipodesubmissoescrava,emqueoReinomedeesforos,paraversuavontadecumprida, jqueparaeleasuavontadesnomaiorqueadeDeus.

    OrdenoqueatodososcorregedoresdoreinosemandequerenameenviemparaMafraquantosoperriosseencontremnassuasjurisdies[...],retirandoos,aindaqueporviolncia,dosseusmestres,equesobnenhumpretextoosdeixemficar.[...]Foramasordens,vieramoshomens.Desuaprpriavontadealguns.[...]Deitavaseopregonaspraas,e,sendoescassoonmerodevoluntrios,iaocorregedorpelasruas,acompanhadodosquadrilheiros,entravanascasas,empurravaoscancelosdosquintais,saaaocampoaverondeseescondiamosrelapsos,aofimdodiajuntavadez,vinte,trintahomens,equandoerammaisqueoscarcereirosatavamnoscomcordas,variandoomodo, ora presos pela cintura uns dos outros, ora com improvisada pescoceira (SARAMAGO,2007,p.283).

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    3.Baltasar,BlimundaeBartolomeuBaltasar,BlimundaePadreBartolomeusoasnicaspersonagensdestoantesdas

    figurashistricas emMemorialdoConvento.Os trs representamoquestionamentoHistriaeopresso,namedidaemquepensavam,agiameviviamdemaneiracontrriasformasconvencionadaspelaIgrejaepeloEstado(mecanismosopressores).necessrioconsiderarmosalgunsfatos,osquaisfazemdestaspersonagensasverdadeirasquestionadorasdasregrassociaisimpostaspeloImprioepelopoderdaIgreja.

    curiosopensarqueemmomentosnosquaisaSantaInquisiodominavaasvontadesdaspessoasereprimiaqualqueratoconsideradoincorretoouqueferiaosmecanismosrepressoresdealgumamaneira,umpadreinfringiaordenssuperiores.Aocolocarestepadrenaobra,Saramagoparodiaodiscursohistricoparasatirizaraposioda Igrejaperante a sociedade, jque esta eraobrigatoriamente controladapelosmandamentosdaquela.

    PadreBartolomeu,noinciodaobra,emvezdeseafastardafilhadeumapecadorarelembrandoqueamedeBlimundafoiextraditadaporterviseserevelaesassistecomestaaoautodef,paraquedecertaformaambosdeemumultimoadeusmedestapersonagem,eapsissoosdoisvoemborajuntos,ouseja,elecondizentedealgumamaneiracomospecadores.

    Nestepontoobservamosqueopadre jalimentavaalgumaamizadeporBlimundaeSebastiana,suame,almdecompactuarcomessasvisesestranhasdameedafilha,namedidaemquesabiadasviseserevelaesdeSebastianaetambmqueBlimundatinhaodomdeveratravsdascoisas.

    OutraatitudequenocondiziacomacondiodePadredeBartolomeuabenoarumcasalmesmosempalavras,poisnoforamnecessriasparaqueabenosedessesemqueestestenhamsecasadoperanteaIgrejaeadquiridoosantosacramentotrazidopelocasrio.Comopodemosobservarnaseguintepassagem:

    Eracomosecalada[Blimunda]estivesserespondendoaoutrapergunta,Aceitasparaatuabocaacolherdequeseserviuabocadestehomem[Bartolomeu],fazendoseuoqueerateu,agoratornandoaserteuoquefoidele,etantasvezesquesepercaosentidodoteuedomeu,ecomoBlimundajtinhaditoquesimantesdeperguntada,Entodeclarovoscasados.(SARAMAGO,2007,p.57)

    QuepadreessequediscordadasleisdaInquisioequemuitasvezesduvida

    desuasprpriaspregaes?OsleitoresdeMemorialdoConventopodemvislumbrarquePadreBartolomeuestfrentedesuapoca.Elenoaceitaimposies,muitomenostem seusquestionamentos limitadospelasverdadesbblicas.Ele levaBaltasaraacreditarquemanetaDeus,efezouniverso(SARAMAGO,2007,p.65).

    EmoutromomentoBartolomeudesafiaosmecanismosopressorescomoprojetodeconstruodaPassarola,quealmdearrojado,tambmferiaosmandamentosdaIgreja,porqueparaqueestaengenhocaalassevooseriamnecessriosconhecimen

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    tosdealquimiaosquaisBartolomeuadquiriunaHolandae tambmutilizardasvontadesdaspessoas,asquaisoprprioPadretemequesejamdescobertas:

    Quandoquiseremsaberquepartes fazemnavegaramquinapelosares,nopodereiresponderlhesqueestovontadeshumanasdentrodasesferas,paraoSantoOfcionohvontades,hsalmas,diroqueasmantemospresas,aalmascrists,easimpedimosdesubiraoparaso(SARAMAGO,2007,p.184).

    Aps apresentarmos rapidamente as ideiasdoPadre,devemosnosdeterumpouconocasalquesedestacaemMemorialdoConvento:BaltasareBlimunda.Quandonestespensamos,certamenterelembramospersonagensquetambmnoseinquietamcomosmandamentosemvogaesepreocupamcomaartededaremasasaosdesejosquepossuame,paradessamaneiraseremfelizes.DeacordocomTerezaCristinaCerdeiradaSilva(1989,p.34):

    BaltasareBlimundasero,assim,ocasalquemetonimicamenteguardarossegredosdospequenos,doshumilhados,dosexecrados,dosbanidos,doscondenados.Onarradordeslocaoeixotradicionaldeleituradopassado,comprometidocomanobrezaeoclero,deixaemergiropovoeaelegeosseusnovosheris,nomeiaosquandoosilnciodahistriavitoriosatentaencobrirosseusnomes.

    O casalnuncaoficializou aunioque tinha, segundo asnormasda Igreja.Ocompromissoentreeles sedeu comuma formadiferenciadade celebraodoamor,poisBlimundaeravirgem,Correualgum sanguenaesteira,ea celebrao sedeuquandoela,aps terumedecidoodedo indicadorno sanguequeescorrera,persignouseefezumacruznopeitodeBaltasar,pertodocorao(SARAMAGO,2007,p.55)

    OutropontoquenoschamaatenoemrelaoaBlimundaeBaltasardizrespeitoaofatodequeforamasnicaspersonagensque,decertamaneira,escaparamdarepressosexualimplantadapelaIgreja,comajudadoEstado.Entreeles,poucosevdediscursoamoroso,masnotamosmuitoamor,paixo, entrega carnal,gozo eumacomplementao.Taleraaintegraoentreeles,que,deacordocomSilva(1989,p.84),umherdeironolhesfaltou:

    Talvezporquetenhamdescobertoaplenitudenoencontroadois,priorizandooerotismoenoafertilidade,talvezporquenotenhamheranaadeixar,poisaquedeixariameraadeumsabermaiorqueodovulgo,novodemaisparalanarfrutosimediatos.

    Dessamaneira,serarelaoamorosaentreBaltasareBlimunda,atomomen

    toemqueelaencontraoamadomorrendonafogueiradaInquisio.Emtalacontecimento, ela v seu amado por dentro,mesmo que demaneira indireta, e isso sedquandoelaobservaavontadedeBaltasarascenderaocu.

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    As trspersonagensapresentadas seatrelaramatravsdos laosdeamizade,paradaremasassvontadesquepossuam,semseimportaremcomosmandamentosdoSantoOfcio,edessaforma,construremapassarola.Ambos tinhammaisqueumsonhoemcomum,poistodosestavamunidosnasdvidasreligiosasenaheresia(SILVA,1989,p.57).

    Deteremonosnestepontoaanalisaroprocessodeconstruodapassarolaque,decertaforma,mostrasecomoumprojetoinovador,queinfringeaslimitaesdaInquisio.Estaedificaoumtrabalhoquerepresentaalibertaodossonhosdetodaumanao reprimida.Podesedizerqueelesbuscam construirumanova realidade,quevivedentrodassuasprprias imaginaese ideias,poisapassarolasimbolizaaconstruodeumnovomundoondepossahaver liberdadede criao edaprpriaaodesonhar.

    Estaconstruosemostranumplanoutpicoemqueautopia (...)existenaimaginao,no sonho,na fantasia,navontadedemuitos indivduos quehabitam oespao textualdoConvento (ORNELAS,1996,p.127).Opensamentoutpicoestpresentenotextocomoumaexploraodepossibilidades,ouumexerccioemteoriaespeculativa,representadopelossonhosepelasvontades,e,comotais,nopodemsertravadose/oucontroladosporqualquermecanismorepressor.Easelitesqueremacabar,imobilizarasideiaseosespaosnosquaisproduzidoessetipodeconstruosimblica.

    AQuintadoDuquedeAveiro,emS.SebastiodaPedreira,foiolugarnoqualsepassoutodooprocessodeconstruodapassarola,consequentemente, localprivilegiadoondeasaspiraeseramlibertas,ondeBlimunda,BaltasareBartolomeuesqueciamasregrasditadaspelaIgrejaeEstadoebuscavamlivrementerealizarosonhodevoar.

    AhistriadovoaremMemorialdoConventoinauguraumnovoplanodenavegaopelosares,jqueamquinavoanocomajudademotores,turbinas,masatravsdasvontadesde todosaquelesquenoaspodiamdemonstrar.A construodapassarola ummodelo de trabalho extremamente eficaz, no qual houve harmonia,desejoderealizaoeacordoentreoobjetosonhadoeoidealqueoimpulsionou.ParaessaconstruooPadreBartolomeuemprestouacinciaquepossua,BaltasareBlimundaemprestaramtodaamodeobra,ele,osdonsdoartesanatoeela,suamagia;maistardecomajunodeDomenicoScarlattiaogrupo,eleenlevouosdemaisenvolvidosnatramaatravsdesuaartee,almdisso,colocouamsicaaserviodovoar.SuamsicamilagrosaaindafoicapazdesalvarBlimundadamorte.

    Entreeleshaviamuitorespeitoemuitacumplicidade:sabiamqueparaconseguiratingirseusobjetivos,necessitavamdeunsdosoutros;nofimsetornaramamigos,unidospelosonhodealarvoo.Apassarolaumexemplodeconstruocomocooperao,decomovivereconstruirjuntos,respeitandoaalteridade.Depoisdovooserealizamasvontades,oshomensjuntosvoembuscadeummundoaindadesconhecido.Nomuito tempodepois,osolcomeaasepreadescidase torna inevitvel.Vale

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    ressaltarquenoepisdiodovoo,Domenicoficaparatrs,nochegaatempodeircomosdemais.SegundoTerezaCristinaCerdeiradaSilva(1989,p.66):

    Aorientaodanarrativaevidentemente ideolgica,poissquando findao tempogloriosodatradeedapassarola,squandoocaminhodeMafraescolhidopelosvoadores,sentocomearealmenteoMemorialdoConvento.

    Sabemos que o narrador tambm condescendente com essas personagens,

    poisparaeleohomemocriadordomundoedasverdadesqueosustentam.Onarradorvalorizaohomemquetrabalha,queopera,sendomaisumavozquecompactuacomosonhodevoardaspersonagens,queasescondea fimdequepossamrealizarsuasvontadeseprotagonizarestaHistriadaconstruo.

    Astrspersonagensanalisadastrazemconsigoaexperinciadatransgresso.Onarradorascolocanaobraparaexemplificaralibertaodasamarraserepresentarosoprimidos.Estes se tornamprincipaispelo sonho, o que nos remete ideiade quemesmocomEstadoeIgrejacontrolandoocaminhodetodos,aindahaviaumasada,aqualseresumenoinfringirsregraseultrapassaroslimitesdaimaginao.

    AvidaqueBaltasar,BlimundaeBartolomeuviviamerapordemaisquestionadora,exatamentepelofatodeambosviveremnumasociedadehipcrita,aqualosobrigouaresguardarsuasnovasexperincias.

    PadreBartolomeuenlouqueceuaodescobrirqueerapossvelserlivreemumaterradeambies,traiesedomnioestataleclerical;eBaltasar,porespalharaosquatrocantosasuaexperinciarepresentativadelibertao,acabouporserqueimadonafogueiradaSantaInquisioestaoproclamoucomoherege.SomenteBlimundaresguardandoseussegredoscontinuounoImprio,elaqueaprendeuaviverperdas,primeiroadame,depoisadoamado.Mulherforteedeterminada,queestariafadadaaviversatofimdesuavida.

    4.Consideraesfinais Todoodiscursopresentenaobravoltadoparaooutro,paraasreflexesque

    poderoserfeitasapartirdaleituradolivro.ParaBakhtin,essaorientaododiscursoparaooutrotemfundamentossociais,osujeitopassaaseconhecernaterceirapessoa,passaaverascoisascomumolharmaisdistanciado,parapoderjulgarmelhorasituao.Issonoquedizerquesejaumolharneutro,muitopelocontrrio.

    Naverdade,odiscursodoautorquernosfazerinterrogartodaumaHistriadesculos,principalmente,pormeiodasaesdeBaltasar,BlimundaeBartolomeu,quesoaverdadeirapersonificaodoquestionamentodaHistriaedosvalores sociaispresentesnaobra.

    importanteressaltarmosqueparaqueaspersonagensanalisadasobtivessemsucessoemseusplanoseparaqueaprprianarrativaflussecomoalgoquestionador

    RODRIGOCORRAMARTINSMACHADO

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    dosmodelossociaisehistricos,onarradorfoideextremaimportncia,namedidaemque foiumrbitroduranteodecorrerdaHistria.Podemos fazer talafirmaoaolevarmosem contao fatodequedurante todaanarrativaeleesteve controlandoasaesdaspersonagens.AformacomoelearticulaasinformaeseasfalasdaspersonagensnotextocontribuiemuitoparaessanovavisodaHistriaporelealmejada.

    Onarradorsdautonomiaspersonagensmaisquestionadoras,spobres,poisseu intuito trazlas tonanaHistriae fazercomqueparticipemativamentedesta,portantoelenoconcedeamnimaautonomiadiscursivasspersonagensmaisconotadas comoPoder, fazendoassim comquenosorientemosno sentidoqueelenosprope:afavordasclassesoprimidas.Oquecorroboracomestaafirmaoofatodequemuitasvezesodiscursodonarradoredaspersonagenssefundem(idem,p.75),tornandoodiscursoaindamaispersuasivo.Eleorientaoleitordemaneiraqueeste levadoa criaruma certa conscincia crticaem relaoaoassunto.Deacordo comBakhtin,oautorno fazmaisdoqueorquestrarseuenredo,para levloaocaminhoquedeseja.

    Podesedizertambmqueonarradorsesituatantonapocaemqueahistriacontada,quantononossopresentedaenunciao.IssosedporqueoprprioSaramago,aoescreverestelivro,como jdissemos,buscouatravsdopassadorefletirsobreoquePortugalfoi,oqueeleeoqueelepoderiaser.Paraisso,onarradorvalesedo enquadramentonopresentepara atravsdeum olharposterior construodoconvento,poderjulgartodooprocessodeconstruodaHistria.

    MemorialdoConventoumromance,noqualoautorbuscoueconseguiurecriarumahistriaapartirdeseuprpriopontodevistasobreela,enoqualeleconseguetrazertonaproblemasepersonagensquehaviamsidoexcludosdaHistria,atravsdeumanarrativa onde opassado/presente, ou oHistrico/ ficcional se intersectamparaquestionare,de certa forma,modificaravisodoportugusemgeral, sobreoprocessodeformaodaHistriadeseupas.

    RodrigoCorraMartinsMachadograduandoemLetraspelaUniversidadeFederaldeViosa.email:[email protected]:Prof.Dr.GersonLuizRoani.5.RefernciasBibliogrficasBAKHTIN,M.M.OdiscursoemDostoievski,in:ProblemasdapoticadeDostoivski/MikhailBakhtin.TraduodePauloBezerra.2ed.Riode Janeiro:ForenseUniversitria,1997.FONSECA,Pedro.Ironia,stiraesecularizaonoMemorialdoconventodeJosSaramago,in:Letras,Curitiba:UFPR,n.43,p.3547,1994.

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    RODRIGOCORRAMARTINSMACHADO