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DIRETOR Paulo Ralha UE: harmonização fiscal impossível?

UE: harmonização scal impossível? - STI · CAUSAS E LUTAS De cobradores e fariseus ... tributação, sobretudo quando estas não são cooperantes no intercâm-bio de informações

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DIRETOR

Paulo Ralha

UE: harmonização fiscal impossível?

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Índice 03

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EditorialPaulo Ralha

O que mais faz zangar as pessoas é seremmais tributadas do que os seus semelhantesFernando Rocha Andrade

A proposta de diretiva sobre a matéria coletável consolidada comum em sede de imposto sobre as sociedades: passado, presente e futuroAntónio Carlos dos Santos

Em defesa da cidadania fiscalVasco Valdez | Alexandre Simões

Harmonização tributária, social ou humana nãose opera de um dia para o outroDomingos Azevedo

A reforma do IRC e o programa “beps” – Breves reflexõesAntónio Lobo Xavier | Inês Pinto Leite

Sem harmonização na UE, não haverá justiça fiscalAna Gomes

CAUSAS E LUTASDe cobradores e fariseusNuno Balacó

A Administração Tributária e a Liberdadede Expressão no séc. XXIAndré Ventura

Tomada de posse da Direção Nacionale do Conselho Fiscal do STI

Primeiro encontro nacional de sócios do STI

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CCTB – Common Consolidated Corporate Tax Base. Ou, na tradução ofi-cial para português: Matéria Coletável Comum Consolidada do Impos-to sobre as Sociedades. Trata-se, como se aprofundam nos artigos que compõem este número da Revista Sociedade e Fiscalidade, de matéria relevante tendo em conta os problemas económicos e financeiros que se vivem na Europa e que, em termos fiscais, redundam sobretudo, do nosso ponto de vista, na ausência de medidas de harmonização fiscal que, por sua vez, permitem toda a espécie de deriva, por parte dos Estados-Membros, pelos caminhos da concorrência fiscal. Muitas vezes desleal, como aconteceu (e quem tem certezas quanto à sua interrup-ção?) nos últimos anos.

Estas disfunções, no entanto, e ao contrário de outras que a maioria de nós dispensaria, são, não só, desejadas, como criadas de propósi-to por alguns Estados-Membros, para aumentar as suas receitas fiscais, depauperando as dos demais, que as perdem. Deste modo estão nova-mente os países da União Europeia (EU), que foi criada e desenvolvida à volta de um projeto económico comum, tendo como fim último evitar novos conflitos bélicos, a desenvolver mecanismos silenciosos de ata-que económico-financeiro entre si que redundam, em primeiro lugar, na usurpação de receitas fiscais aos seus vizinhos e, redundarão, em última instância, em conflitos políticos de desagregação, se nada for feito. Pelo meio haverá pressões crescentes (aliás, como se está a ver) para impor medidas orçamentais corretivas, face à ausência de receitas, a incidirem sobretudo no campo social (saúde, educação e segurança social) e la-boral (estagnação salarial, mexidas nos horários de trabalho, desregula-mentação contratual, impasses na negociação coletiva, etc.). Em demo-cracia estas medidas são o combustível para os extremismos. E estes não se eximem de aparecer. Por toda a EU, vindos da esquerda ou da direita, os extremismos ganham projeção e relevo na governação. E aqui faço um parêntesis para referir outra causa “falaciosa” que explica esta remontada extremista: O caso dos migrantes que pode ser explanada pela seguinte equação: Se a EU possui 500 milhões de habitantes, qual é a dificuldade em receber 1,5 milhões de seres humanos que fogem da guerra e da miséria, quando o Líbano, que possui 4 milhões de habitan-tes, acolhe mais de 1 milhão de refugiados?

Mas o facto é que nada tem sido feito e este rol de situações, ali-mentadas por si próprias e pela incapacidade que os políticos euro-peus demonstram para as inverterem, está a entrar num ciclo vicioso que escancara as portas ao “imprevisto”, a que se refere amiúde o Dr. Adriano Moreira.

Editorial

PAULO RALHAPresidente da Direcção Nacional do Sindicato dos

Trabalhadores dos Impostos

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É, sobretudo, para evitar este imprevisto que a CCCTB serve, pois visa introduzir justiça e eficiência na taxação das sociedades, permitindo aos Estados-membros o aumento das receitas fiscais e, potencialmente, a reposição de políticas sociais progressistas que afastem do horizonte governativo os extremismos. O rol de medi-das que defendemos vai certamente por aqui, mas não termina aqui. As dificuldades apontadas no documento posto à discussão pública (Case Id: 837cf2ea-516f-48bf-98e7-c0f7e70cff84, de 08/01/2016) não se inibe de referir que “(…) vai levar tempo até que se chegue a um acordo sobre uma peça legislativa tão extensa.”. Neste contex-to possuem toda a relevância outras ações que tem sido lançadas, ou relançadas, para discussão nos últimos meses. Entre estas ações, gostaria de realçar as que dizem respeito à introdução da taxa Tobin e à iniciativa dos cidadãos europeus “The Time is Now. We Need a European Robin Hood Tax Now” – em tradução livre: Já é Hora. Precisamos de um imposto Robin Hood para toda a Europa, já. Am-

bas as iniciativas dizem respeito à introdução, sem mais atrasos, de um imposto sobre as transa-ções financeiras (a taxa Tobin) na EU. Recorde-se que este imposto já esteve por três ve-zes para entrar em vigor, mas à última hora foi sempre adiado. Da última vez, em Dezembro de 2015, a desculpa teve a ver com o valor da taxa a aplicar e com o tempo de implemen-tação e adaptação técnica dos sistemas de intermediação fi-nanceira e coleta. Na altura a sua introdução foi adiada para

Junho deste ano. Mas em Junho já nós estamos e não se passa nada! Fartos destes atrasos, várias organizações, representativas de mais de 140 milhões de cidadãos europeus, empreenderam a campanha a que se faz referência supra, para exigir aos vários Chefes de Estado da EU, e respetivos Ministros das Finanças, o cumprimento da promessa. Quem quiser pode subscrever a iniciativa em: https://e-activist.com/ea-action/action?ea.client.id=1986&ea.campaign.id=50985. Ao fazê-lo está a cumprir o seu papel de cidadão e de contribuinte e a praticar um ato de política participativa que pode ter efeitos práticos na vida de muitos cidadãos.

E isto, só por si, já é relevante, até porque, como escreveu Almada Negreiros: “Uns começam primeiro do que outros a ver como nasce de novo o mundo para o presente, este presente que todos havemos de frequentar e que bem poucos saberão viver.” Saibamos nós tornar nosso o presente, da mesma forma como o STI – TÃO FORTE QUANTO QUISERES!

O que mais faz zangar as pessoas é seremmais tributadas do que os seus semelhantes

FERNANDO ROCHA ANDRADE- Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:

- Doutor em Ciências Jurídico-Económicas

- Regente da disciplina de Economia e Finanças

Públicas na Faculdade de Direito da Universidade

de Coimbra

Os últimos anos têm regista-

do alguns progressos na coo-

peração internacional rela-

tivamente a paraísos fiscais. Tanto no plano da OCDE

como da UE tem-se apostado

na imposição de standards de

transparência e de informa-

ções relevantes em matéria

fiscal, e em acordos de troca de informação. A estratégia subjacente é clara: não será

possível impor multilateral-

mente níveis mínimos de tri-

butação, mas é possível im-

por acesso à informação que

permita a cada país tributar

os rendimentos e património

dos seus residentes e que têm

origem no país.

Precisamos de um imposto Robin Hood

para toda a Europa, já. Ambas as iniciativas dizem respeito à introdução, sem mais atrasos, de um im-posto sobre as transações financeiras (a taxa Tobin) na EU. Recorde-se que este imposto já esteve por três vezes para entrar em vigor, mas à última hora foi sem-pre adiado.

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O que mais faz zangar as pessoas é seremmais tributadas do que os seus semelhantes

A questão dos paraísos fiscais, hoje de novo em voga, assume par-ticular relevância nessa última di-mensão. A utilização dessas jurisdi-ções estrangeiras de baixa ou nula tributação, sobretudo quando estas não são cooperantes no intercâm-bio de informações fiscais, permite que alguns ocultem rendimentos ou património e se subtraiam aos seus deveres fiscais.

A legitimação do sistema fiscal, enquanto forma de repartir entre os membros de uma comunidade o encargo das despesas necessárias ao bem comum, assenta nos pilares da igualdade tributária e do prin-cípio da capacidade contributiva – todos, sem distinção, devem ser chamados a contribuir na medida das suas capacidades.

Estes princípios orientam não apenas a legislação fiscal, mas tam-bém a sua aplicação, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira. De nada serviria uma legislação que garantisse formalmente aque-les princípios se a aplicação da lei não fosse uniforme e não garantis-se essa igualdade. A desigualdade na aplicação na lei é tão corrosiva do sistema como a desigualdade na lei, e, como escreveu William Petty, “o que mais faz zangar as pessoas é ser mais tributado do que os seus semelhantes”. Claro que a concre-tização prática daquela igualdade está repleta de dificuldades: a co-munidade não gera necessariamen-te consensos sobre o que é “igual” e “diferente” para efeitos fiscais;

outros princípios relevantes – pra-ticabilidade, simplicidade, eficiência económica – impõem soluções que podem afastar-se da igualdade no caso concreto; na aplicação prática da lei, verificamos que algumas ca-tegorias de pessoas têm uma maior facilidade em escapar à sua parte no encargo comum.

A questão dos paraísos fiscais, hoje de novo em voga, assume par-ticular relevância nessa última di-mensão. A utilização dessas jurisdi-ções estrangeiras de baixa ou nula tributação, sobretudo quando estas não são cooperantes no intercâm-bio de informações fiscais, permite que alguns ocultem rendimentos ou património e se subtraiam aos seus deveres fiscais.

Os últimos anos têm regista-do alguns progressos na coopera-ção internacional relativamente a paraísos fiscais. Tanto no plano da OCDE como da UE tem-se apos-tado na imposição de standards de transparência e de informações relevantes em matéria fiscal, e em acordos de troca de informação. A estratégia subjacente é clara: não será possível impor multilateral-mente níveis mínimos de tributa-ção, mas é possível impor acesso à informação que permita a cada país tributar os rendimentos e patrimó-nio dos seus residentes e que têm origem no país.

Foi concretizando esta estra-tégia que em Portugal se aprovou este ano a legislação que concretiza o acordo FATCA com os EUA e a

diretiva sobre troca de informações financeiras (DAC2), bem como o regime de country by country reporting e o acordo internacio-nal para partilha automática dessa informação entre administrações fiscais. Os primeiros permitirão obter dados sobre rendimentos e patrimónios financeiros, colocados no estrangeiro, de residentes em Portugal. Os segundos permitem o acesso a informação sobre ativi-dade e impostos pagos em todos os países pelas multinacionais que operam no nosso país. A partilha de informação assim gerada deve ainda ser complementada com um reforço dos mecanismos bilaterais, tanto Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Eva-são Fiscal como Acordos de Parti-lha de Informação.

A disponibilidade da informação assim gerada, a partir do próximo ano, constitui um novo desafio para a Autoridade Tributária. De nada serve a disponibilidade de informa-ção se esta ficar parada, nos nos-sos servidores, por utilizar. É assim imprescindível que internamente sejam desenvolvidos os procedi-mentos e criado o conhecimento necessário para aproveitamento das possibilidades de tributação que nos são abertas, contribuindo para uma maior equilíbrio na dis-tribuição da carga tributária. Este será nos próximos anos uma tarefa prioritária da AT e dos seus profis-sionais, e um desafio que não te-mos o direito de falhar.

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A proposta de diretiva sobre a matéria coletável consolidadacomum em sede de imposto sobre as sociedades: passado, presente e futuro

ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOSProf. associado da Universidade Europeia

É curioso referir que uma

política de harmonização

fiscal na tributação direta só começou a verificar-se (com a aprovação das diretivas

mães e afiliadas e cisões e fu-

sões) quando a Comissão dela

abdicou como politica regra

ao reconhecer, no início dos anos 90 do século passado, a prevalência do princípio

da subsidiariedade. O final dos anos 90, dominado pela estratégia da luta contra a

concorrência fiscal prejudi-cial, deu origem a um acrés-cimo da coordenação fiscal, acompanhado de um novo

impulso da harmonização

fiscal específica, pontual.

1. O debate sobre a fiscalidade na União Europeia gira hoje essen-cialmente em torno de três temas: a necessidade de uma reforma pro-funda dos sistemas de tributação das empresas nos Estados mem-bros; a reforma do IVA centrada na consolidação do princípio do des-tino; e a luta contra a fraude, eva-são, planeamento fiscal abusivo e concorrência fiscal prejudicial, que implica, no mínimo, reforço da co-operação administrativa e da troca de informações entre jurisdições.

Os objetivos destas reformas são o aprofundamento do merca-do interno, a melhoria da competi-tividade das empresas europeias, a salvaguarda das receitas da União e dos Estados Membros e a concre-tização da “estratégia 2020” para um crescimento inteligente, susten-tável e inclusivo.

É neste quadro, e num ambiente de persistência de anemia econó-mica derivada da crise financeira metamorfoseada em crise das dívi-das soberanas, que surge em 2015 o relançamento da proposta da ma-téria coletável consolidada comum (MCCCC) apresentada em 2011. O tema da harmonização fiscal dos impostos sobre as sociedades volta assim a estar na ordem do dia.

2. A política comunitária no âmbito da fiscalidade tem oscilado entre um dirigismo liberal – uma intervenção em nome da neutra-lidade na construção do mercado interno – e abstenção, em nome da

preservação da ação autónoma dos Estados membros. Centralização e descentralização são duas faces da ação comunitária, nomeadamente das estratégias fiscais da Comissão. Esta política é globalmente consen-tânea com a constituição fiscal co-munitária, com as normas e princí-pios comunitários que enquadram a fiscalidade dos Estados membros. Tal constituição fiscal – que visa conformar as fiscalidades nacionais com o princípio da não discrimina-ção, com as liberdades económicas inerentes à construção do mercado interno e com as regras da concor-rência – possibilita essencialmen-te três modelos de aproximação/convergência dos sistemas fiscais: concorrência fiscal entre sistemas, coordenação dos sistemas fiscais e harmonização fiscal cuja defesa sur-ge nos relatórios Neumark e Ru-ding, em múltiplos planos de ação e no estudo de 2001 sobre a fis-calidade das empresas no mercado interno. Na fiscalidade, mormente na direta, a regra tem sido a da concorrência fiscal (descentraliza-ção), temperada pela coordenação fiscal, sendo a harmonização fiscal (centralização), a exceção. Este pri-mado da concorrência fiscal assen-ta essencialmente em três pilares: a União baseia-se num princípio de especialidade e a fiscalidade direta não é uma atribuição comunitária; vigora um princípio de unanimida-de nas decisões fiscais; a interven-ção comunitária, em áreas que não são da sua exclusiva competência,

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A proposta de diretiva sobre a matéria coletável consolidadacomum em sede de imposto sobre as sociedades: passado, presente e futuro

rege-se pelo princípio da subsidia-riedade.

3. É curioso referir que uma política de harmonização fiscal na tributação direta só começou a verificar-se (com a aprovação das diretivas mães e afiliadas e cisões e fusões) quando a Comissão dela abdicou como politica regra ao re-conhecer, no início dos anos 90 do século passado, a prevalência do princípio da subsidiariedade. O final dos anos 90, dominado pela estra-tégia da luta contra a concorrência fiscal prejudicial, deu origem a um acréscimo da coordenação fiscal, acompanhado de um novo impulso da harmonização fiscal específica, pontual. O Conselho, sensível aos argumentos da perda de receitas e da concentração da carga fiscal nos fatores de produção menos móveis, anuiu então à aprovação de um có-digo de conduta sobre a fiscalidade das empresas e das diretivas sobre a tributação da poupança e dos ju-ros e royalties.

Passada esta fase, a Comissão retomou a sua estratégia de cen-tralização em nome da constru-ção do mercado interno. Elevar a competitividade da UE (não ne-cessariamente coincidente com a competitividade fiscal de cada EM) implicaria encontrar um remédio para os entraves às atividades eco-nómicas transfronteiriças e à pró-pria ação das autoridades fiscais derivados, na época, de 25 regimes fiscais diferentes (regras, regula-

mentos, autoridades distintas) e de interpretações diferentes dos pró-prios regimes comunitários.

Tais entraves derivariam, essen-cialmente, da existência de frontei-ras fiscais (e contabilísticas), sendo os mais significativos:

A permanência de duplas tribu-tações internacionais;

A complexidade dos regimes de preços de transferência em que a repartição de lucros e perdas é efetuada na base de transações in-dividuais;

A ausência de um tratamento satisfatório das perdas transfron-teiriças;

Os custos fiscais associados às operações de reestruturação de grupos;

A existência de sistemas conta-bilísticos distintos;

A insuficiência da assistência mútua entre Estados membros.

Perante esta situação, a Comis-são propôs então uma estratégia em dois tempos, tendo em vista a provação de medidas específicas e de medidas globais, complementa-res entre si.

4. São exemplos de medidas es-

pecíficas entretanto adotadas, visan-do a correção de entraves fiscais muito concretos:

- O alargamento do campo de aplicação da diretiva mães/afiliadas, a qual contempla a isenção de re-tenção na fonte dos lucros distribu-ídos pela afiliada à sociedade-mãe situada em EM diferente;

- A aprovação da diretiva dos juros e royalties que estabelece um regime fiscal comum aplicável aos pagamentos entre sociedades asso-ciadas de EM diferentes;

- A melhoria da diretiva que contém o regime fiscal comum apli-cável às fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de EM diferentes;

- A criação de um fórum para análise dos preços de transferên-cia que possibilitasse, entre outras coisas, uma aplicação uniforme das diretrizes da OCDE relativas a acordos de repartição de custos, a melhoria da convenção de arbitra-

Passada esta fase, a Comissão retomou

a sua estratégia de centra-lização em nome da cons-trução do mercado interno. Elevar a competitividade da UE (não necessariamen-te coincidente com a com-petitividade fiscal de cada EM) implicaria encontrar um remédio para os entra-ves às atividades econó-micas transfronteiriças e à própria ação das autori-dades fiscais derivados, na época, de 25 regimes fiscais diferentes (regras, regula-mentos, autoridades dis-tintas) e de interpretações diferentes dos próprios regimes comunitários.

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gem, a existência de procedimentos comuns para a realização de acor-dos prévios bilaterais;

Outras medidas em análise que visavam atingir objetivos de redu-ção de distorções eram as seguin-tes:

- Uma nova proposta de direti-va sobre o regime de tomada em consideração pelas empresas dos prejuízos sofridos pelos seus esta-belecimentos permanentes e filiais noutros Estados membros;

- A criação de um modelo co-munitário de convenção para evitar a dupla tributação ou a realização de uma convenção multilateral para o mesmo efeito; e

- A consolidação das orienta-ções do Tribunal de Justiça, através da emissão de documentos de apli-cação (nomeadamente, recomen-dações), que evitasse o carácter disperso, fragmentado, das decisões jurisprudenciais.

5. Ao lado destas medidas, se-riam analisadas propostas concre-tas de medidas globais (opcionais ou não) centradas no princípio da tributação unitária das empresas que integram grupos à escala euro-peia (isto é, num quadro único de tributação e contabilidade conso-lidada para efeitos fiscais). A ideia era a de que a existência de uma matéria coletável comum no qua-dro de um sistema global seria mui-to simplificadora da atividade das empresas no mercado único. Além disso, as administrações fiscais po-deriam concentrar as atenções nas relações com países terceiros. Acresce que a possibilidade de uma concorrência fiscal entre Estados membros manter-se-ia (em con-formidade com a constituição fis-

cal comunitária) na medida em que estes conservariam a possibilidade de definir as taxas do imposto. No entanto, isto implicaria uma divisão da matéria coletável pelos Estados, uma definição clara do grupo de sociedades para a consolidação de perdas e ganhos e uma nova rela-ção deste sistema com as conven-ções de dupla tributação existen-tes. As medidas globais poderiam apresentar quatro variantes.

6. A primeira variante, a mais ra-dical, seria a de um imposto europeu sobre o rendimento das socieda-des (especificamente destinado às grandes sociedades multinacionais). Um modelo perfeito pressuporia a criação de uma nova autoridade, o surgimento de um novo código (eu-ropeu) e a existência de uma taxa única. As receitas deste imposto seriam essencialmente europeias (com eventuais excedentes devol-vidos aos Estados membros). Tería-mos no fundo um imposto federal. Impossível de concretização neste momento, por razões de índole po-lítica, a análise deste modelo deve-ria ser efetuada, segundo proposta da ex-comissária Schreyer, no qua-dro das novas perspetivas financei-ras a partir de 2013.

A segunda variante, que reflete a estratégia tradicional da Comis-são, seria a existência de uma ma-

téria coletável única harmonizada a nível europeu (um sistema que, por definição, não operaria em pa-ralelo com os sistemas nacionais existentes). Esta forma poderia ser concretizada através da aprovação sucessiva de medidas específicas imperativas comandadas por uma estratégia global.

Daqui resultaria uma progressi-va aproximação entre as bases tri-

butáveis (regras comuns quanto a amortizações, provisões, tratamen-to fiscal do imobilizado incorpóreo e da locação financeira, valorime-tria de existências, repartição dos encargos gerais de gestão supor-tados pela sede, aproximação da tributação das mais-valias, limitação dos créditos fiscais ao investimen-to), eventualmente acompanhada de uma aproximação das taxas de imposto sobre as sociedades ou da definição de uma taxa mínima.

Esta estratégia inspirava-se no IVA comunitário, podendo no final desembocar num Código único que substituiria os códigos nacio-nais existentes. Poderiam existir certas diferenças no plano da apli-cação do imposto. Permaneceriam, contudo, os entraves ligados à inte-ração entre a fiscalidade das pesso-as singulares e a das sociedades de natureza pessoal.

A terceira, vista então como a mais viável a curto prazo, a partir de um projeto-piloto, seria a da tri-butação segundo as regras da resi-dência ou Estado de origem (“home

state taxation”). Tratava-se de uma forma avançada de coordenação fiscal, baseada na técnica do reco-nhecimento mútuo do direito dos outros Estados membros. Por defi-nição, este modelo mantinha intac-tos os direitos nacionais existentes.

A matéria coletável de certas empresas que operem em diversos Estados membros sob a forma de filiais ou estabelecimentos estáveis seria pois determinada pelas regras do Estado membro da residência. Assim, a Sociedade “X” pertencen-te ao grupo 123 com sede social em Portugal e que possuísse uma filial a cem por cento, “Y”, situada em Espanha, deveria calcular a sua matéria coletável de acordo com o

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direito português, sob controlo da Administração Fiscal portuguesa, como se as duas entidades estives-sem operando entre nós. A matéria coletável acumulada (de “X” e “Y”) seria dividida entre Portugal e Es-panha, segundo uma fórmula de re-partição previamente acordada. O imposto seria pago com aplicação das taxas portuguesas à empresa “X” e das taxas espanholas à filial “Y”.

Esta forma exigia, contudo, a cla-rificação do conceito de residên-cia e das empresas que integram um grupo. Estas, mesmo quando operam no estrangeiro, são vistas como empresas domésticas. Exige ainda uma fórmula de repartição dos lucros líquidos de um grupo. Poderia ser implantada através de uma diretiva ou mesmo, fora dos quadros institucional da União Eu-ropeia, através de uma convenção multilateral. Uma vantagem desta variante é que ela permitiria resol-ver os problemas decorrentes da aplicação das regras dos preços de transferência e possibilitaria a com-pensação de perdas sempre que este regime estivesse previsto no direito interno. A Comissão chegou a propor, sem êxito, um projeto--piloto para as pequenas e médias empresas a prosseguir numa base de adesão facultativa dos Estados membros.

A quarta variante baseava-se na técnica de harmonização fiscal e consistia na tributação das em-presas sobre uma matéria coletável consolidada comum. Ela implicava um novo código opcional comple-mentar às regras nacionais cons-tituído por regras comuns para determinar a matéria coletável de empresas que operam em vários Estados membros (ou mesmo num

só). O ponto de partida da conso-lidação seria constituído pelas nor-mas contabilísticas europeias.

Assim, a sociedade “X” sedeada em Portugal com uma filial a cem por cento “Y” em Espanha calcu-laria a matéria coletável de acordo com o novo código fiscal (comum), sob controlo da Administração portuguesa. A matéria coletável se-ria repartida entre os dois países e, tal como no caso anterior, as taxas aplicáveis seriam as portuguesas à empresa “X” e as espanholas à em-presa “Y”.

A gestão das regras comuns seria, pois, efetuada pelo Estado membro da residência para o con-junto das atividades. Cada grupo de empresas só teria uma matéria coletável e só responderia perante uma administração. Acabariam as dificuldades inerentes aos preços de transferência e haveria consoli-dação fiscal idêntica para todas as empresas. Não seria obrigatório mexer na lei interna. Mas seria pro-vavelmente necessário construir uma nova rede de convenções de

dupla tributação. A existência de um modelo comunitário seria nes-te quadro um ponto importante.

É esta quarta variante que aca-bou por ter as preferências das ins-tituições europeias.

7. Em 2001, no já referido estu-

do da Comissão sobre a fiscalidade direta das empresas no mercado interno [SEC (2001) 1681], que se propunha salientar as diferenças entre os níveis efetivos de tributa-ção das empresas e identificar as medidas fiscais que poderiam pre-judicar as atividades económicas transfronteiras no mercado inter-no, ganha corpo a ideia da criação, no plano europeu, de uma Matéria Coletável Comum Consolidada do Imposto sobre as Sociedades (MCCC), dirigida, sobretudo, para as atividades das empresas que operam na União Europeia (UE).

A existência, nesta matéria, de (na época) 27 sistemas fiscais dis-tintos trazia diversas consequên-cias negativas para a construção do mercado interno:

A obrigatoriedade das empresas atribuírem os lucros a cada jurisdi-ção na base do princípio da livre concorrência (arm’s length), com contabilidades separadas (transa-ção por transação), decorrente da disciplina dos preços de transferên-cia (art. 9.º da Convenção Modelo da OCDE), considerada por mui-tos operadores económicos como o maior obstáculo ao mercado in-terno;

A relutância dos Estados Mem-bros (EM) em permitirem a dedu-ção das perdas ocorridas em em-presas associadas quando os lucros não estejam sujeitos às regras de incidência desse mesmo EM;

A possibilidade das reorgani-

A obrigatorieda-de das empresas

atribuírem os lucros a cada jurisdição na base do princípio da livre concor-rência (arm’s length), com contabilidades separadas (transação por transação), decorrente da disciplina dos preços de transferên-cia (art. 9.º da Convenção Modelo da OCDE), consi-derada por muitos opera-dores económicos como o maior obstáculo ao merca-do interno;

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zações transfronteiras originarem a tributação de mais-valias ou de duplas tributações;

A provável existência de situ-ações de dupla tributação decor-rentes de conflitos de direitos de tributação entre os EM.

Tudo isto, a que acrescem outros fatores (regras distintas de deter-minação da matéria coletável e de cobrança, desconformidade entre os acordos de dupla tributação, re-lativa ineficácia das diretivas “mães e filhas”, “fusões e cisões” e “juros e royalties”), implicaria um acrés-cimo de custos de cumprimento para as empresas e uma diminuição da sua eficiência e competitividade, nomeadamente perante as empre-sas japonesas e americanas.

8. De facto, a existência de 27 sistemas fiscais distintos afeta as decisões de investimento relativa-mente ao lugar, ao tipo e à fonte de financiamento e não garante uma eficiente alocação de recursos, em contradição, aliás, com o disposto no art. 2.º do Tratado da União Eu-ropeia (TUE). Além disso, os EM, para protegerem as suas bases tributárias, introduzem frequente-mente dispositivos, como certas medidas anti-abuso, que violam as liberdades económicas fundamen-tais definidas no TUE.

Os Serviços da Comissão sem-pre defenderam que um dos princi-pais obstáculos à atividade econó-mica transfronteiras era a ausência de total consolidação (de ganhos e perdas) das empresas no território da UE. Tal facto favorecia os inves-timentos domésticos em desfavor dos investimentos em outros EM, favorecia os investimentos nos EM de maior dimensão, as grandes em-presas em comparação com as pe-quenas e influenciava a opção entre

um estabelecimento estável e uma subsidiária.

A solução para este estado de coisas implicava, segundo a Comis-são, que as empresas de um grupo pudessem calcular o seu rendi-mento de acordo com um único conjunto de regras e que fossem estabelecidas contas consolidadas para fins fiscais, com eliminação dos efeitos potenciais da tributação das transações internas efetuadas den-tro do grupo. De fora ficaria a fi-xação das taxas que permaneceria no espaço de soberania dos EM. Para já, o importante seria criar uma MCCC para a tributação das atividades económicas no quadro da UE e desenvolver um mecanis-mo de repartição ou imputação apropriado dessa MCCC a aprovar pelos EM.

9. Após intenso trabalho rea-lizado por um grupo de natureza consultiva com vários subgrupos técnicos, a Comissão anunciou para 2008 uma proposta de diretiva sobre a MCCC, com as seguintes características: uma base harmoni-zada alargada de tributação, com consolidação e mecanismo de re-partição, em que a definição das ta-xas permanecia no plano estadual; um regime opcional para as empre-sas (mas obrigatório para os EM), uma administração do imposto centrada no princípio já conhecido do IVA do balcão único (“one-stop

shop”) e a criação de um procedi-mento de comitologia para o exer-cício de poderes de aplicação pela Comissão. Essa proposta implicaria, nomeadamente, a determinação do rendimento tributável relativamen-te a cada membro do grupo, a de-terminação do rendimento do gru-po (consolidação) e a imputação aos EM do rendimento assim de-

terminado. Por outro lado, ela de-veria orientar-se por um conjunto de princípios gerais de tributação (capacidade contributiva, igualdade, certeza e segurança, simplicidade, neutralidade), cuja concretização e articulação, porém, nem sempre seriam fáceis.

10. Em 16 de Março de 2011, a Comissão apresentou finalmente a sua proposta de diretiva.

Segundo a exposição de mo-tivos ela contém “um sistema de regras comuns para calcular a ma-téria coletável das sociedades com residência fiscal na UE e das sucur-sais situadas na UE de sociedades de países terceiros”. Este “quadro fiscal comum prevê regras para o cálculo dos resultados fiscais a títu-lo individual de cada sociedade (ou sucursal), a consolidação desses re-sultados quando existirem outros membros do grupo e a repartição da matéria coletável consolidada por cada Estado-Membro elegível”. Acabam eventuais retenções na fonte nas relações intraeuropeias no seio do grupo, eventuais custos tributários de reestruturação de empresas e quaisquer formas de tributação à saída das fronteiras (exit tax).

Visa-se, deste modo, evitar fe-nómenos de sobretributação e de dupla tributação, tal como decorre de um princípio de neutralidade, di-minuir os encargos administrativos e os custos de cumprimento das obrigações fiscais pelas empresas.

Estamos perante uma proposta de harmonização fiscal, cuja base jurídica é o artigo 115.º do TFUE, mas de uma harmonização parcial que não interfere com a definição de taxas nem com as contas finan-ceiras das empresas. Os EM man-

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têm pois o poder de definir as taxas, salvaguardando-se um espaço de concorrência fiscal e de definição do nível de receita de imposto so-bre as sociedades para financiarem as despesas públicas, bem como as suas próprias regras contabilísticas.

Esta proposta de diretiva inte-gra-se na Estratégia Europa 2020, para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, visando in-centivar o crescimento e o em-prego bem como a investigação e o desenvolvimento. Por isso, todas as despesas referentes a I&D são dedutíveis. Prevê-se que ela seja complementada por uma propos-ta relativa ao regime da Sociedade Privada Europeia.

A proposta é extensa e comple-xa, contendo 136 artigos e estando dividida em 18 capítulos relativos ao âmbito de aplicação, aos conceitos fundamentais, à opção pelo sistema, ao cálculo da matéria coletável, aos prazos e quantificação, à deprecia-ção dos ativos fixos, às perdas, às disposições relativas à entrada e à saída do sistema, à consolidação, à entrada e saída do grupo, à reor-ganização empresarial, às relações entre o grupo e outras entidades, às transações entre empresas asso-ciadas, às regras anti-abuso, às en-tidades transparentes, à repartição da matéria coletável consolidada, à administração e procedimentos e às disposições finais.

11. A proposta de diretiva es-tabelece um sistema de regras comuns para o cálculo da matéria coletável das sociedades com resi-dência fiscal na UE e das sucursais de sociedades de países terceiros situadas na União.

A material coletável é calculada com base nos réditos (proventos

das vendas e transações) líquidos, subtraindo-se os réditos isentos, os encargos dedutíveis (todos os custos de vendas e despesas, líqui-dos de IVA dedutível, incorridos pelo contribuinte para obter ou garantir o rendimento) e outros elementos dedutíveis (como uma dedução proporcional relativamen-te à depreciação dos ativos fixos). Os réditos, encargos e elementos dedutíveis deverão ser, em regra, contabilizados no âmbito do exer-cício fiscal em que foram gerados ou incorridos.

Os défices não poderão ser objeto de reporte para trás, mas em contrapartida poderão ser in-definidamente reportados para os exercícios seguintes (ao contrário do que dispunha o memorando de entendimento firmado com a troi-

ka que limita esse benefício a três anos).

A proposta reconhece, no seu considerando n.º 6, que “a consoli-dação é um elemento essencial” da proposta pois ela é “a única forma de combater os principais obstácu-los fiscais com que se deparam as sociedades da União”, ao permitir “eliminar as formalidades dos pre-ços de transferência e a dupla tri-butação intragrupo”. Acresce que “as perdas incorridas pelos contri-buintes são automaticamente com-pensadas com os lucros gerados por outros membros do mesmo grupo”. Os lucros e perdas apenas serão considerados no caso da sua efetiva concretização. Recorde-se, a propósito, que em Portugal não existe hoje um regime geral de tri-butação pelo lucro consolidado.

A proposta contém ainda a exis-tência de regras para a distribuição de resultados entre os EM onde as empresas do grupo estejam estabe-lecidas, bem como a existência de um balcão único inspirado na expe-riência do IVA, de forma a que os problemas fiscais e as obrigações acessórias sejam tratados junto de uma única administração tributária.

12. O regime da MCCC é, po-rém, opcional para as empresas. A proposta não impõe este regime às empresas que não pretendam expandir-se para fora do território nacional em que operam. Isto signi-fica que cada EM pode estar con-frontado com a aplicação de dois regimes distintos, o nacional e o europeu.

A sociedade principal exerce a opção pela MCCC em nome dos membros elegíveis para o grupo, sendo essa uma decisão de “tudo ou nada”: uma vez exercida a op-

A sociedade princi-pal exerce a opção

pela MCCC em nome dos membros elegíveis para o grupo, sendo essa uma decisão de “tudo ou nada”: uma vez exercida a opção pela tributação do grupo não é possível deixar de fora uma subsidiária ele-gível. A partir de então essa empresa (designada por contribuinte) deixa de estar sujeita às regras na-cionais relativas ao IRC em tudo que seja regido por normas comuns. Apenas se excluem as empresas em insolvência ou proces-sos de liquidação e as que se dediquem ao shipping e estejam sujeitas a imposto sob a tonelagem.

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ção pela tributação do grupo não é possível deixar de fora uma subsidi-ária elegível. A partir de então essa empresa (designada por contri-buinte) deixa de estar sujeita às re-gras nacionais relativas ao IRC em tudo que seja regido por normas comuns. Apenas se excluem as em-presas em insolvência ou processos de liquidação e as que se dediquem ao shipping e estejam sujeitas a im-posto sob a tonelagem.

Entre nós são elegíveis, quanto à forma, as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, coopera-tivas e empresas públicas constitu-ídas de acordo com o direito por-tuguês e sujeitas a IRC.

Para se optar pela consolidação fiscal - de 100% - é necessário de-finir o que, para este efeito, se en-tende por grupo, isto é, importa de-limitar as fronteiras ou o perímetro do grupo.

Como se sabe não existe um conceito uniforme de grupo, mes-mo em sede fiscal, entre os EM. En-tre nós, o conceito de grupo está previsto no Título VI do Código das Sociedades Comerciais (“socieda-des coligadas”) e também no CIRC (artigos 69.º a 71.º) a propósito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

No plano da UE, encontramos distintos conceitos de grupo pois estamos perante um conceito fun-cional, construído em função dos problemas que visa resolver. Assim temos o conceito de grupo para efeito das diretivas Mães e Filhas e Juros e Royalties, o conceito do arti-go 11.º da Diretiva de Consolida-ção do IVA de 2006, não utilizado por Portugal, e o conceito de gru-po no quadro da IAS (NIC n.º 27º ).

Desde os trabalhos preparató-rios tornava-se claro que o concei-

to de grupo deveria ser construído tendo em conta critérios que sim-bolizassem uma forte integração económica e empresarial. Esses cri-térios, agora recebidos na propos-ta, eram os do controlo, da proprie-dade e do direito aos lucros.

13. A consolidação estende--se à matéria coletável de todas as entidades elegíveis para o gru-po, estabelecimentos estáveis (EE) ou subsidiárias, sendo obrigatória para quem optou pelo sistema da MCCC.

A participação no grupo (e, con-sequentemente, a consolidação) é determinada de acordo com os critérios do controlo e da proprie-dade que visam garantir um alto grau de integração económica. O primeiro exige que a sociedade--mãe seja titular, em relação às so-ciedades filiais elegíveis, imediatas ou subfiliais, do direito de exercer mais de 50% dos votos da socie-dade controlada. O segundo que a sociedade-mãe possua mais de 75% do capital ou mais de 75% dos di-reitos à distribuição dos lucros.

Um contribuinte residente for-ma um grupo com todos os seus EE situados noutros EM, com todos os EE situados num EM das suas filiais elegíveis residentes num Es-tado terceiro, com todas as suas filiais elegíveis residentes num ou mais EM, com outros contribuin-tes residentes que sejam filiais da mesma sociedade, residente num país terceiro e que preencha as condições formais necessárias (ou seja, quanto a Portugal, que adote uma forma semelhante às socieda-des comerciais ou civis sob a forma comercial, cooperativas e empresas públicas)

Para definir o perímetro do

grupo (e, consequentemente, da consolidação) no caso das subfiliais (filiais mediatas) aplicam-se as se-guintes regras:

quando a sociedade-mãe atinja o limite máximo relativa aos direi-tos de voto respeitantes às filiais imediatas e subfiliais (isto é, 51%), presume-se que a sociedade-mãe detém 100% desses direitos;

o direito a lucros e a proprie-dade do capital calculam-se multi-plicando as participações detidas pelas filiais intermédias em cada nível. Devem ser tidos em conta neste cálculo os direitos de pro-priedade que correspondam a 75% ou menos, direta ou indiretamente detidos pela sociedade, incluindo os direitos da sociedade residente num Estado terceiro.

Exemplificando:Se a titularidade da sociedade-

-mãe A em relação à filial B a ti-tularidade (direta e indireta) dos direitos de voto é direta (A->B):

75% dos direitos de voto ou mais, contaria como 100% (sem necessidade de compensação dos acionistas minoritários);

50% ou menos, contaria como 0 (podendo pôr-se a questão de saber se os direitos dos acionistas minoritários ficariam suficiente-mente protegidos).

Se a titularidade de A em rela-ção a B é indireta, por ser efetuada através de B e C (A->B->C->D), multiplicam-se as percentagens devotos detidas pelos participan-tes intermédios na cadeia de in-tegração. Assim, se A->100% B –> 80% C->80% D, A detém 64% de D (80x80), abaixo dos 75% exigidos.

Exige-se, no entanto, que os limiares de 50% e de 75% acima referidos sejam observados ao lon-

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go do exercício fiscal, sob pena da sociedade em falta ter que abando-nar o grupo. Além disso, deve esta sociedade pertencer ao grupo por um período mínimo de 9 meses. Es-tes poderão resultar do somatório dos meses em anos civis diferen-tes (v.g., 5 meses em 2011 e 4 em 2012).

14. Qual será o futuro desta proposta, agora retomada pela Co-missão na sequência do pacote so-bre a transparência fiscal apresen-tado em 2015?

Embora se mostre uma propos-ta cuja aprovação será desejável (embora com ajustamentos vários) o seu futuro é incerto, havendo problemas técnicos e sobretudo políticos a resolver.

Há, de facto, questões técnicas insuficientemente clarificados na proposta de diretiva (como o con-ceito de estabelecimento estável). Há áreas não especificamente co-bertas (a relação do regime com os acordos de dupla tributação). Há soluções que são, por certo, discutíveis (assim, por exemplo, a existência de duplo limite de parti-cipação -75% e 50%- que complica a noção de grupo). Mas há que re-conhecer que são aspetos suscetí-veis de melhoria e que houve um grande esforço de apresentar uma solução para problemas importan-tes com uma certa coerência.

Por isso o destino da propos-ta dependerá essencialmente de questões de natureza política, em particular do futuro da área do euro e da própria União Europeia e este, por razões que não compete aqui analisar, não se prevê fácil.

Prevê-se que o processo da sua aprovação seja longo e repleto de obstáculos. A importância da ma-

téria e a resistência de vários EM (como o Reino Unido e a Irlanda, entre outros) em termos gerais ou relativamente a certas componen-tes da proposta (nomeadamente, a compensação de lucros e per-das e o mecanismo de imputação de receitas a EM) têm conduzido a impasses na sua aprovação. No en-tanto, a necessidade de contenção da evasão e da elisão fiscais (aliada à fragilidade política e financeira de alguns EM, fruto da atual crise das “dívidas soberanas”), talvez possa tornar mais viável a aprovação da proposta.

Neste contexto, uma possibi-lidade será a sua aprovação em duas fases, na primeira eliminando--se os pontos em que pode exis-tir maior desacordo (embora com clara diminuição da importância da diretiva) ou, como ocorre frequen-temente, concedendo-se aos EM opositores certas derrogações ou

Este artigo é largamente tributário de dois outros publicados

nos nºs 136 (2011) e 65 (2005) da Revista TOC

prazos mais alargados para a ado-ção do regime. Outra será a sua aprovação, mesmo que não se veri-fique a unanimidade requerida para a decisão no Conselho, ao abrigo da cooperação reforçada, bastando para tal a sua adoção por 9 EM (art. 20.º do Tratado da União Europeia e artigos 326.º a 334.º do Tratado de Funcionamento da União Eu-ropeia). Teríamos, no entanto, mais um domínio em que a construção europeia seria efetuada num qua-dro de geometria variável.

Uma coisa é certa: a pura e sim-ples rejeição da diretiva deixará tudo na mesma, sem resolução dos obstáculos (reais) que ela se pro-põe analisar.

No plano nacional, isto implica um grande debate que até agora mal começou. A proposta beneficia ou não as empresas portuguesas? Melhora ou não a arrecadação de receitas? Alarga ou diminui o espa-ço do planeamento fiscal abusivo? Contribui ou não para a consoli-dação da União Económica e Mo-netária? Eis algumas questões que devem ser analisadas sem precon-ceitos e com abertura. Ao poder político exige-se clareza quanto à posição que tome nesta matéria. Mas essa posição para ser esclare-cida exige diálogo empenhado do poder político e da administração tributária com o tecido empresa-rial, com a concertação social, com os parceiros sociais, com as univer-sidades e com os centros de inves-tigação.

As questões em jogo são dema-siado importantes para serem dei-xadas exclusivamente a decisões unilaterais.

No plano nacio-nal, isto implica

um grande debate que até agora mal começou. A proposta beneficia ou não as empresas portuguesas? Melhora ou não a arreca-dação de receitas? Alarga ou diminui o espaço do planeamento fiscal abusi-vo? Contribui ou não para a consolidação da União Económica e Monetária? Eis algumas questões que devem ser analisadas sem preconceitos e com aber-tura. Ao poder político exige-se clareza quanto à posição que tome nesta matéria.

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Em defesa da cidadania fiscal

VASCO VALDEZEx-Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

De acordo com as estimativas da Comissão Europeia, todos os anos os Estados membros perdem cerca de um bilião de euros em receitas devido à fraude e evasão fiscais, à elisão fiscal e ao planea-mento fiscal agressivo. Em ordem de grandeza, este valor representa o PIB anual de Espanha, atualmente a 5ª maior economia europeia, 12 empréstimos da Troika, se atender-mos que Portugal obteve, no âm-bito do programa de assistência, um crédito de ¤ 78 000 milhões, correspondendo ainda, se o repar-tirmos, a um custo de ¤ 2000 im-putável a cada cidadão europeu.

Como bem reconhece o Par-lamento Europeu, a perda desta receita “representa um perigo para

a salvaguarda da economia social

de mercado da União assente em

serviços públicos de qualidade, uma

ameaça para o adequado funciona-

mento do mercado único, um entrave

à eficácia e à justiça dos sistemas fis-cais na UE e um risco para a trans-

formação ecológica da economia” (Cf. (2013/2060(INI)). As conse-quências gravosas para a sociedade estendem-se às mais diversas áreas, da justiça fiscal à leal concorrência entre empresas, produz crescentes desigualdades sociais e constitui a mais séria ameaça ao funcionamen-to do Estado Social e à sustentabi-lidade das finanças públicas, desig-nadamente dos Estados membros mais atingidos pela crise financeira.

Tratando-se de uma realidade bem conhecida, a gravidade da situ-ação demanda a adoção, nos planos nacional e europeu, de medidas sé-

rias de combate à fraude e evasão fiscais. Estes fenómenos, conforme atestam as recentes e sucessivas revelações, se não surpreendem os especialistas, a todos escandalizam pela magnitude e prolixidade.

São multifacetados os métodos de subtração à tributação e de dis-simulação da riqueza, sendo esta resultado, em primeira linha, da economia paralela ou subterrânea, responsável por cerca de 20% do PIB da União Europeia (estima-se que em Portugal assuma idêntica dimensão). Acresce que, contra-riando todos os discursos otimis-tas, nunca como hoje se recorreu à utilização de paraísos fiscais, eufe-misticamente designados «jurisdi-ções não cooperantes», que impu-nemente persistem em fornecer os meios indispensáveis à evasão, es-cudados no secretismo e opacida-de, na ausência de troca efetiva de informações com as autoridades fiscais dos demais Estados, com os quais praticam uma flagrante con-corrência fiscal desleal.

Dirão alguns que se trata de uma realidade internacional, ine-xorável consequência da liberda-de de circulação de capitais, e que pouco haverá a fazer. No entanto, convém recordar que a livre cir-culação de capitais é ipsum factum muito recente na Europa, visto que apenas em 1992, por força do Tra-tado da União Europeia, assinado em Maastricht, foi aditada a norma que, de modo pleno e sem reser-vas, consagra este princípio. Sem precedentes, o artigo 73.º-B do Tratado que institui a CEE (TCEE)

- Licenciado, Mestre e Doutor em Direito pela

Faculdade de Direito de Lisboa e pela Universidade

Autónoma de Lisboa;

- Autor de diversos estudos e obras sobre fiscalidade e finanças públicas, designadamente “A contribuição autárquica e a reforma da tributação do património”,

“Sistemas fiscais das autarquias”, “Contributo para o estudo das finanças municipais em Portugal” e “Autonomia Tributária dos Municípios” (tese de doutoramento).

ALEXANDRE SIMÕESJurista

Chefe de Divisão na AT

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impôs a proibição de todas as res-trições aos movimentos de capitais e pagamentos, não apenas entre os Estados membros mas igualmente entre os Estados membros e paí-ses terceiros, conferindo à liber-dade de circulação de capitais um alcance e dimensão únicas na rela-ção com países terceiros, que não encontra paralelo, por exemplo, nas três outras liberdades que os Tratados estatuem.

Paradoxalmente, até ao Trata-do de Maastricht, as políticas da Comunidade, no que respeita aos movimentos de capitais com os pa-íses terceiros, perspetivavam ape-nas uma progressiva coordenação das políticas dos Estados membros, nos termos do então artigo 70.º do TCEE. Não obstante algumas tímidas tentativas nas décadas de 60 e 70, a circulação de capitais só foi objeto de efetiva liberalização a partir de 1988, na sequência da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, que suprimiu as restrições aos mo-vimentos de capitais entre residen-tes dos Estados membros, tendo em conta a iminência do mercado único (1993), bem como a transi-ção para a União Económica e Mo-netária e a introdução do Euro.

Como outras transformações económicas que a antecederam, a globalização económica e finan-ceira terá certamente contribuí-do para os níveis de investimento e desenvolvimento nunca antes almejados, concorrendo para au-mentar a prosperidade económica e a dinâmica empresarial da União Europeia. Não se pode porém es-camotear que, a coberto da explo-são do setor financeiro e do fácil acesso a jurisdições extraterrito-riais, se desenvolveu uma indústria especializada em fornecer soluções

fiscais criativas, que oscilam entre o planeamento fiscal agressivo e a fraude fiscal, envolvendo institui-ções financeiras relevantes, agen-tes ou consultoras internacionais. E que muitos proveitos tem gran-jeado aos seus clientes…

Naturalmente existem situa-ções distintas a acautelar. Aqueles que, corretamente, esgrimem dife-renças entre a elisão fiscal, o plane-amento fiscal agressivo ou a fraude e a evasão fiscais stricto sensu en-contram, na lei e na doutrina, um amplo campo de atuação. Todavia,

a questão deve ser encarada de uma perspetiva global, atendendo às externalidades negativas que qualquer uma destas atividades acarreta à sociedade, sem prejuízo das especificidades e graduação de juízo que cada caso mereça. Por outro lado, a dimensão mundial do flagelo dita que as soluções sejam, mais do que coordenadas, ado-tadas a um nível supranacional, a que a União Europeia não se pode furtar, disfarçando qual lassidão em agir na reiteração proclamatória de boas-intenções. São de facto múl-tiplas as iniciativas das instituições comunitárias, sem que se reconhe-çam significativas melhorias no es-tado da arte.

Uma das principais iniciativas da União Europeia para debelar a eva-são foi protagonizada pela Direti-va da Poupança (Diretiva 2003/48/CE do Conselho), cujo dispositivo, aplicável desde 2005, visa sujeitar a tributação efetiva os rendimentos dos juros pagos num Estado mem-bro a beneficiários com residência noutro Estado membro, de acor-do com a legislação deste último. Porém, esta diretiva abrangeu so-mente os pagamentos dos juros efetuados em proveito de pessoas singulares, excluindo do seu âmbi-to outras importantes fontes de rendimento, designadamente os di-videndos. Por outro lado, mediante a retenção de uma taxa de 35%, o Luxemburgo e a Áustria beneficia-ram de uma derrogação, dispensan-do-se das obrigações de troca de informações. O resultado foi o re-curso massivo a sociedades de fa-chada, como trusts e fundações, que permitem ocultar o verdadeiro be-neficiário, designadamente quando se encontram estabelecidas em jurisdições onde a tributação dos

São multifaceta-dos os métodos de

subtração à tributação e de dissimulação da riqueza, sendo esta resultado, em primeira linha, da econo-mia paralela ou subterrâ-nea, responsável por cerca de 20% do PIB da União Europeia (estima-se que em Portugal assuma idên-tica dimensão). Acresce que, contrariando todos os discursos otimistas, nun-ca como hoje se recorreu à utilização de paraísos fiscais, eufemisticamente designados «jurisdições não cooperantes», que impunemente persistem em fornecer os meios indispensáveis à evasão, escudados no secretismo e opacidade, na ausência de troca efetiva de informa-ções com as autoridades fiscais dos demais Estados, com os quais praticam uma flagrante concorrência fis-cal desleal.

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rendimentos não se encontra asse-gurada. Reconhecendo estas falhas, a Diretiva da Poupança foi objeto de alteração pela Diretiva 2014/48/EU do Conselho, aguardando--se que as inovações introduzi-das, nomeadamente em relação à definição de beneficiário efetivo, produzam doravante melhores resultados. No mesmo sentido, a alteração da Diretiva 2011/96/EU, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e so-ciedades afiliadas de Estados-Mem-bros diferentes, procurou evitar si-tuações de dupla não tributação e, através desse expediente, gerarem benefícios fiscais indevidos.

Confrontada com a crise finan-ceira, a União encetou finalmente o debate sobre a tributação do sec-tor financeiro, acompanhando as conclusões da Cimeira de Toronto do G20, realizada em 2010, na qual se reconheceu a necessidade deste sector contribuir para os encargos das intervenções governamentais que visem estabilizar o sistema ou financiar o fundo de resolução de crises. Outras iniciativas, como a de obrigar as multinacionais dos Estados membros a publicarem os impostos que pagam em cada país onde estão, desencadearam ime-diatas reações do status quo.

Ilustrativamente, o Plano de Ação da Comissão Europeia para reforçar a luta contra a fraude e a evasão fiscais, aprovado em 2012, aposta na melhor utilização dos re-cursos existentes e no reforço da cooperação transfronteiriça entre administrações fiscais. No entanto, a Comissão é pouco tangível nas metas e objetivos a que se propõe, parca na identificação dos meios a empregar e, uma vez mais, omissa quanto aos concretos mecanismos

de controlo e coerção, em particu-lar em relação a países terceiros, incluindo os paraísos fiscais.

Revelando iniciativa, os Estados Unidos aprovaram legislação efe-tiva contra a evasão fiscal, através da Foreign Account Tax Compliance

Act (FATCA), abrindo assim, e nas próprias palavras da Comissão, no-vas perspetivas para o reforço do intercâmbio automático de infor-mações entre Estados membros e países terceiros. Por conseguinte, a União Europeia deve revelar mais

ambição e assumir o papel de lide-rança que, neste domínio fulcral, lhe compete na cena e fóruns in-ternacionais.

Note-se que a importância da coordenação supranacional não substitui, de todo, o papel dos Es-tados e das respetivas administra-ções fiscais, ou até o de cada cida-dão, na luta incessante por maior justiça e equidade fiscais.

No nosso país, a crise financeira internacional e as suas graves se-quelas, obrigando à intervenção da Troika em 2011, impuseram a ne-cessidade de captação de receitas públicas adicionais, que se revelas-sem capazes, nomeadamente, de satisfazer os compromissos exter-nos de Portugal. Neste intrincado contexto, salientamos dois fatores decisivos para a prossecução das metas económicas e financeiras a que todos ficámos subitamente su-jeitos. Por um lado, a capacidade e resiliência da sociedade portuguesa em se adaptar às novas contingên-cias, inovando e dinamizando diver-sas áreas da economia, incluindo setores tradicionais que se encon-travam em evidente obsolescência. Não deixa de constituir um mar-co assinalável que Portugal tivesse superado as previsões das expor-tações e assim obtido, em 2012, o primeiro saldo positivo da balança comercial desde, pelo menos, 1995. O outro fator prende-se com a de-terminação do Estado Português em obter receitas capazes de satis-fazer as suas necessidades financei-ras, por diversas vezes mediante a introdução de medidas fiscais dra-conianas. Ora, independentemente das soluções legais à disposição, tal só se revelou exequível em virtude de a máquina administrativa ter de-monstrado elevada eficácia e efici-

Uma das principais iniciativas da União

Europeia para debelar a evasão foi protagonizada pela Diretiva da Poupança (Diretiva 2003/48/CE do Conselho), cujo dispositi-vo, aplicável desde 2005, visa sujeitar a tributação efetiva os rendimentos dos juros pagos num Estado membro a beneficiários com residência noutro Estado membro, de acor-do com a legislação deste último. Porém, esta di-retiva abrangeu somente os pagamentos dos juros efetuados em proveito de pessoas singulares, excluin-do do seu âmbito outras importantes fontes de ren-dimento, designadamente os dividendos. Por outro lado, mediante a reten-ção de uma taxa de 35%, o Luxemburgo e a Áustria beneficiaram de uma der-rogação, dispensando-se das obrigações de troca de informações.

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ência na cobrança de impostos. Neste momento crucial da vida

nacional, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) dispõe, fruto de um assinalável investimento reali-zado desde o despontar do milé-nio, de meios e competências, nos níveis técnico e humano, como poucos organismos da Adminis-tração Pública. Esta capacidade foi duramente submetida à prova e, não obstante a tormenta social e económica que o país tem vivido, a AT granjeou com inegável sucesso os objetivos recaudatórios que lhe foram fixados.

Contudo, a carga tributária re-caiu sobremaneira sobre a classe média, ditando, pelo aumento do IVA e do IRS, uma contração iné-dita dos rendimentos disponíveis, designadamente de todos aqueles que, por dependerem dos proven-tos do seu trabalho, não conse-guem contornar ou aliviar as pesa-das obrigações fiscais. O peso da fraude e evasão, e o consequente estreitamento da base tributária, fez recair o ónus fiscal nas famílias e trabalhadores, sendo revelador deste impacto assimétrico a subida das receitas de IRS de 8,9 mil M € em 2010, para 12,8 mil M € em 2014, que necessariamente incidiu sobre a classe média, consideran-do que mais de 50% dos agregados não tem IRS liquidado. Por con-traste, assistiu-se nos últimos anos à aprovação de sucessivos regimes excecionais (RERT) que permiti-ram aos detentores de património localizado no estrangeiro e não de-clarado ao fisco regularizar a sua situação tributária, através do pa-gamento de uma taxa de 5% (7,5%, em 2012), no lugar da tributação normal ou mesmo agravada, sub-traindo-se ainda a qualquer even-

tual responsabilidade criminal ou contraordenacional.

Se o esforço dos contribuin-tes foi parcialmente compensado pelos resultados económicos ob-tidos, importa reconhecer que fi-cou aberta uma ferida profunda na coesão moral e social da Nação: a consciência, nunca outrora tão evi-dente, de que enquanto a maioria dos cidadãos continua estoicamen-te a suportar uma carga fiscal sem

precedentes, alguns outros, por-ventura os mais privilegiados da sociedade, dedicam-se a escapar, ilícita ou no limiar da lei, ao cum-primento deste fundamental dever de cidadania.

Medidas assertivas urgem e são possíveis, em Portugal, tal como na Europa. Desde logo, um controlo mais rigoroso dos fluxos financei-ros, em particular se destinados ou provenientes de países tercei-ros, impondo mais transparência e obrigações em matéria de troca de informações. Nos casos de não cooperação, os territórios devem ser incluídos na lista negra euro-peia dos paraísos fiscais e sujeitos a sanções efetivas, designadamente pela imposição de direitos adu-aneiros agravados ou mesmo de sanções económicas que reflitam o dano. Às transações financeiras com destino ou origem a paraísos fiscais deve ser aplicado um tributo especial. E, se comprovadas infra-ções tributárias graves, as sanções aplicáveis devem incluir o confisco do património associado. Final-mente, as multinacionais, pródigas na otimização fiscal e na utilização de expedientes como a manipu-lação de presos de transferências ou os empréstimos intragrupos, devem ser submetidas a um sério e severo escrutínio, atendendo no-meadamente à responsabilidade social que sobre elas impende.

Cônscios de que a luta contra a fraude e evasão fiscais é uma ta-refa de todos e de cada um de nós, cumpre finalmente saudar as di-versas iniciativas que tenham neste tema o seu objeto, em particular os contributos da sociedade civil, despertando consciências e fazen-do pedagogia, denunciando iniqui-dades e combatendo-as.

Neste momen-to crucial da vida

nacional, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) dispõe, fruto de um assinalável investimento realizado desde o despon-tar do milénio, de meios e competências, nos níveis técnico e humano, como poucos organismos da Ad-ministração Pública. Esta capacidade foi duramente submetida à prova e, não obstante a tormenta so-cial e económica que o país tem vivido, a AT granjeou com inegável sucesso os objetivos recaudatórios que lhe foram fixados. Contudo, a carga tributária recaiu sobremaneira sobre a classe média, ditando, pelo aumento do IVA e do IRS, uma contração inédita dos rendimentos dispo-níveis, designadamente de todos aqueles que, por dependerem dos proven-tos do seu trabalho, não conseguem contornar ou aliviar as pesadas obriga-ções fiscais.

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Harmonização tributária, social ou humana não se opera de um dia para o outro

DOMINGOS AZEVEDOBastonário da Ordem dos Contabilistas Certificados

A Comunidade Europeia (CE) constituía e tem que continuar a constituir um espaço onde os cida-dãos se sintam bem e realizados na sua vida pessoal. Para tanto com-preende-se perfeitamente a neces-sidade de um conjunto de regras que todos observem e que a todos obriguem.

Claro que isso só pode aconte-cer numa conceção de União Eu-ropeia como um grande território onde vivem pessoas e entidades com a mais diversa complexidade, mas que os próprios Estados Mem-bros aceitam perder um pouco da sua autoridade, pois a dispersão de interesses e realidades não tem ajudado à criação de um caminho que consolide na prática essa Co-munidade, nas diversas vertentes que ela envolve.

Mas na verdade a falta de co-ragem de definição de alguns com-portamentos, algumas regras basi-lares de conduta e, diga-se também, em abono da verdade que a crise económica tem dificultado muito esse percurso, o que temos assisti-do é a uma espécie de definição de comportamentos individuais, à me-dida dos interesses de cada Estado Membro.

A indefinição durante tanto tempo sobre a forma de tributa-ção do IVA, isto é, se deveria ser na origem ou no destino, propiciou e continua a propiciar as mais gi-gantescas fraudes fiscais de que há memória.

Claro que isso enche os bolsos de poucos e esvazia os bolsos de muitos. Não tenho dúvidas, penso

que poucas pessoas as terão e que elas acabam por serem pagas por rendimentos que não têm possibili-dade de fuga, normalmente os pro-venientes do trabalho, que acabam por pagar taxas, quase que confis-catórias, quando comparadas com outros rendimentos.

Uma parte, sabemo-lo, assenta em opções políticas da condução da sociedade, mas, tirando esse fac-to, penso que nenhum político se vangloria de cobrar muitos impos-tos a quem menos os pode pagar.

Por isso, todo o esforço que possa ser feito pela CE para criar condições mínimas em que os ci-dadãos integrados no seu espaço territorial beneficiem das mesmas condições, (a denominada Europa Social) deve ser por todos acari-nhado e ajudado a fazer o melhor possível.

Claro que as sociedades têm realidades específicas e concordo que em algumas situações ainda não foi possível atingir um nível mínimo de igualdade, não só no comportamento dos cidadãos, mas também das instituições.

Sendo verdade, penso também não ser despiciendo observar al-gum laxismo que em alguns domí-nios existiu e de entre eles a tribu-tação dos rendimentos das pessoas coletivas, abrindo portas aos mais desconcertados procedimentos, conforme o país em que os factos se verificam.

Regulou-se a tributação dos rendimentos, consagrando que o imposto deve ser pago na origem onde é produzido, abolindo-se, por

A indefinição durante tan-

to tempo sobre a forma de

tributação do IVA, isto é, se deveria ser na origem ou no

destino, propiciou e continua a propiciar as mais gigantes-

cas fraudes fiscais de que há memória.

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Harmonização tributária, social ou humana não se opera de um dia para o outroessa via a integração dos rendimen-tos nas empresas-mãe, eliminando--se a eventual dupla tributação ou agravamento desta, mas não se regulamentaram outras questões estritamente conexas com aqueles rendimentos e que têm um efeito de um enorme alcance nas econo-mias dos respetivos países.

Segundo a investigação de um jornalista de nacionalidade norte--americana, a massa monetária que era desviada da economia portu-guesa pelo facto de um conjunto das empresas terem a sua sede na Holanda, em dois anos atingiu a ci-fra de 11,6 mil milhões de euros.

Com regras claras que impedis-sem que isto acontecesse a nossa economia não estaria muito mais desenvolvida? É que a injeção da-quele valor no nosso sistema fi-nanceiro criaria um número muito significativo de postos de trabalho.

A distribuição de dividendos destas empresas, segundo informa-ção recente, estaria a ser tributada a 6% na Holanda, quando em Por-tugal os dividendos são tributados à taxa de 28%. Como é possível numa Europa, que se diz viver em união e comunidade, depois de tan-to debate e discussão, ainda persis-tirem estas divergências tributá-rias? Não será laxismo a mais ou uma política de proteção de alguns em preterição de outros.

Sabemos, não só pelas razões aduzidas, mas também por outras não analisadas, que a harmoniza-ção tributária, social ou humana, não vai operar-se de um dia para o outro, nem mesmo será pacífica

politicamente, mas tem que haver a coragem de abordar estas ques-tões na sua verdadeira dimensão e encontrar soluções e espaços para que o fosso entre os cidadãos e empresas na comunidade perca relevância.

A proposta em debate - Com-

mon Consolidated Tax Base - da ma-neira como a vejo e analiso, pode constituir um importante ponto de partida para uma verdadeira har-monização tributária na CE. Neste momento, embora deva merecer a nossa preocupação, o valor da taxa, desde que igual para todos não constitui preocupação, deverá atender-se à necessária paridade com outros países comunitários não integrantes da CE ou mesmo com países de outros continen-tes, de forma a que a Europa não perca a necessária competitividade nas opções do investimento e, em consequência disso, veja o desem-prego a aumentar dentro das suas fronteiras.

Penso que o gesto de “per si” é que deve ser devidamente as-sinalado e acarinhado, não tanto pelos seus resultados específicos, mas porque ele consubstancia uma vontade de mudar os pensamentos individualistas dentro da CE e não deixará de constituir uma excelen-te partida para uma mais eficaz e eficiente harmonização fiscal.

Naturalmente que o tema é de muita relevância e a sua harmoni-zação por parte da comunidade retira aos estados membros uma parte significativa da sua sobera-nia, nomeadamente o espaço para,

através da taxa, criar alguns alicia-mentos à competitividade e à cria-ção de emprego.

Mas, com o devido respeito pelo tema, é tempo de pensarmos se queremos uma CE a sério nas diversas vertentes, não só econó-micas, mas também sociais. Temos que ter a consciência que isso im-plicará alguma perda de soberania.

Penso que o problema não es-tará propriamente na perda da so-berania que uma taxa consensual no âmbito do IRC possa gerar, mas antes na credibilidade do funcio-namento da própria comunidade e na sua capacidade de impor aos seus membros uma regra que trate igualmente todos os seus Estados Membros.

Pela minha parte formulo vo-tos sinceros pra que haja essa co-ragem, para que algo de profundo e estrutural mude nos comporta-mentos da CE e que, em conse-quência, possamos ter um espaço mais solidário, mais eficaz e, acima de tudo mais justo.

Desconhecemos o desfecho desta iniciativa, mas, independen-temente dos seus resultados, per-mitiu aquilatar que alguém começa a ter coragem para colocar na or-dem do dia questões desta profun-didade e importância.

Bem hajam por isso e que exis-tam outros que com a mesma co-ragem tragam à luz da discussão pública questões que a todos nos afetam como cidadãos de um con-junto de pessoas e culturas a que designaram chamar Comunidade Europeia (CE).

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A reforma do IRC e o programa “BEPS” – Breves reflexões

ANTÓNIO LOBO XAVIERLicenciatura em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-

Económicas na Universidade de Coimbra;

Advogado

Presidente da Comissão de Reforma do IRC – 2013)

1. Os últimos anos trouxeram um enorme mediatismo ao tema da «concorrência fiscal prejudicial». Embora dificilmente se possa qua-lificá-lo como recente – as primei-ras iniciativas da OCDE contra a «harmful tax competition» datam de meados da década de 90 do sécu-lo passado, mas a utilização de sis-temas fiscais como ferramenta de competição entre Estados é muito anterior –, trata-se de um fenóme-no que tem estado no centro de um movimento internacional de crescente reprovação e censura. Até certa medida, a crise econó-mica de 2008 pode ser responsa-bilizada: governos, instituições e a própria comunidade aparentam ter sido consciencializados, mais do que nunca, para os efeitos nocivos de práticas de planeamento fiscal que, prevalecendo-se das disparida-des existentes entre legislações do-mésticas, conduzem à erosão das bases tributáveis nacionais, mor-mente por força da deslocalização artificial de rendimentos (sobretu-do) para jurisdições de reduzida ou nula tributação. Multiplicam-se, por isso, as iniciativas destinadas a combater este fenómeno, num esforço concertado por substituir a iniquidade decorrente de uma repartição desigual da carga fiscal pelo princípio de que todos devem suportar o seu «fair share of taxes». A mais célebre dessas iniciativas é, nos dias que correm, o programa BEPS – Base Erosion and Profit Shif-ting.

Em 2013, ano de elaboração da Reforma do IRC, ainda não eram conhecidas as recomendações da OCDE no âmbito da iniciativa BEPS. De resto, durante a fase mais crítica dos trabalhos da Comissão de Reforma, tão-pouco eram co-nhecidas, sequer, as áreas nas quais a OCDE considerava premente in-tervir: quando foi divulgado o Action

Plan da OCDE em matéria BEPS, em 19 de Julho de 2013, já a Co-missão havia procedido ao diagnós-tico das ineficiências do regime de IRC nacional, à definição das linhas orientadoras da sua modificação e à elaboração de um Anteprojecto de Reforma, que iniciava então o seu período de consulta pública.

Não obstante, as preocupações que subjazem ao projecto BEPS – e que se encontram também por detrás de outras iniciativas, como a proposta de Directiva CCCTB, o Grupo do Código de Conduta e o Forum on harmful tax practices da OCDE, já tornadas públicas à data – estiveram presentes no espírito da Comissão reformadora. Com efeito, desde cedo se definiu que, a par do reforço da competitividade do sistema nacional de tributação das empresas, a Reforma que se empreenderia em Portugal teria também por objectivo elevar as re-gras vigentes no Código do IRC aos mais reconhecidos padrões inter-nacionais em matéria de prevenção da evasão e do abuso fiscais. Pre-tendia-se um regime business frien-

dly, é certo, mas credível e assente

INÊS PINTO LEITEAdvogada

Assessora da Comissão de Reforma do IRC – 2013

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em preocupações de materialidade e de substância; um sistema fiscal capaz de atrair investimento nacio-nal e estrangeiro, promover o cres-cimento da economia portuguesa e a internacionalização das suas empresas, sem abdicar de rigoro-sas exigências em sede de justiça, transparência e legalidade tributá-rias. O entendimento da Comissão era o de que estes dois vectores não eram conflituantes, ainda que assim pudessem ser interpretados à primeira vista. Na verdade, o ob-jectivo da Reforma não era o de atribuir a Portugal uma qualquer vantagem concorrencial ilegítima, sustentada em regimes de favore-cimento fiscal, mas antes corrigir – se possível, anular; no mínimo, esbater – a desvantagem crónica que o sistema fiscal português e as suas empresas enfrentavam no pla-no internacional. Ainda assim, reco-nhece-se que, numa época de ajus-tamento financeiro, e de reduzida margem de manobra em termos recaudatórios, conciliar estas duas correntes de forma harmoniosa exigia uma enorme precisão, espe-cialmente sob o escrutínio atento da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Mo-netário Internacional.

Decorridos mais de dois anos da entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, e conhecidas na íntegra as Recomendações da OCDE em matéria de combate a estratégias BEPS, verifica-se que a Reforma do IRC foi, em geral, bem-sucedida no seu esforço de antecipação daque-las que viriam a ser consideradas as melhores práticas neste domínio. Com efeito, muito embora exista naturalmente espaço para melho-rias – sobretudo, no âmbito de sis-temas sectoriais de tributação que,

por constrangimentos de tempo ou restrições do mandato atribuí-do à Comissão, não foram objecto de intervenção em 2013 –, as alte-rações legislativas promovidas pela Reforma do IRC revelam-se, em muitos pontos, bastante próximas do arquétipo delineado pela OCDE no projecto BEPS.

2. Desde logo, no que respeita ao aprofundamento do princípio da territorialidade. A iniciativa BEPS é animada pela intenção de prevenir ou dificultar, entre outras práticas abusivas, a repatriação artificial de lucros para jurisdições de baixa fis-calidade e escrutínio negligente, o que provoca um desgaste na base tributável dos países onde tais lu-cros foram efectivamente gerados. No entendimento da Comissão de Reforma, sistemas fiscais que se ba-seiam no princípio da territorialida-de estão, por definição, predispos-tos para alcançar este propósito, sobretudo quando – como sucede com o IRC português – contenham uma regra CFC de largo espectro e uma exaustiva rede de normas anti-abuso. Desde 2014, o regime fiscal português de tributação das empresas assenta na ideia de que a tributação deve incidir primordial-mente sobre os rendimentos ge-rados no território nacional, e que os proveitos de fonte estrangeira devem, verificadas determinadas condições, ser isentos de imposto entre nós. É claro que esta opção da Comissão de Reforma pelo princípio da territorialidade não foi feita por razões exclusivamente – ou sequer, principalmente – ligadas ao combate à evasão fiscal: a litera-tura especializada recomendava um sistema de tributação territorial para Portugal, enquanto pequena

economia aberta e periférica com peso relativo bastante diminuto no mercado internacional, por uma va-riedade de factores1, a que se soma-va a constatação de ser, também, a solução encontrada na maioria dos ordenamentos jurídicos europeus. No entanto, o princípio da territo-rialidade configura igualmente um incentivo a que cada país reforce a sua soberania fiscal sobre os rendi-mentos gerados indoors. Quando é cumulado com medidas anti-abuso, assentes prima facie na exigência de que os rendimentos isentos de tributação tenha sido sujeitos a uma tributação (minimamente adequada) no seu país de origem, e padrões de substância, em sede de CFC, tão elaborados quantos os que existem no nosso ordenamen-to jurídico, está encontrada uma via eficaz de desincentivar e combater o profit shifting, bastante próxima daquela que é agora proposta pela OCDE.

3. A adopção do princípio da territorialidade foi acompanhada de um esforço transversal e em-penhado em repelir a utilização de jurisdições qualificadas como para-

ísos fiscais. A regra criada pela Co-missão era, quanto a este aspecto, muito clara: os regimes de isenção criados ou aperfeiçoados durante a Reforma deveriam ser afastados sempre que, para a sua aplicação, o sujeito passivo recorresse a países, territórios ou regiões com regimes de tributação privilegiada claramen-te mais favoráveis. O exemplo pa-radigmático consiste no regime de participation exemption, de que mais à frente falaremos, mas encontra-mos uma regra idêntica no regime patent box, por exemplo. Para além disso, foi apresentada uma reco-

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mendação que propunha um maior grau de sistematização na definição do conceito de «país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável» – o qual não estava ao alcance da Comissão modificar directamente, atentos os limites do seu mandato –, assente num de dois critérios alternativos: (i) nível insuficiente de tributação, incluindo por força da existência de regimes especiais, benefícios fiscais ou práticas administrativas nesse sentido; (ii) existência de obstáculos legais ou administrati-vos ao acesso e troca efectiva de informações relevantes para efeitos fiscais, nomeadamente de natureza tributária, contabilística, societária bancária ou outra. Propôs-se ain-da a revisão periódica da portaria contendo a identificação das juris-dições identificadas como paraísos

fiscais, tendo nomeadamente em conta a evolução que essa matéria fosse registando no seio da OCDE.

4. Um dos regimes cuja apli-cação é afastada, perante a cons-tatação de que o sujeito passivo recorreu a países, territórios ou regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favo-ráveis é o já referido participation

exemption, ou regime de eliminação da dupla tributação económica dos lucros e reservas distribuídos a su-jeitos passivos de IRC com sede ou direcção efectiva no território na-cional. Impõe-se, neste ponto, uma precisão: o regime constante dos artigos 51.º e seguintes do Código do IRC cede quando os lucros e/ou as reservas distribuídos prove-nham de entidades sedeadas numa jurisdição classificada como offsho-

re, mas já não quando, entre esta e a sociedade portuguesa, exista uma

entidade intermediária, que este-ja localizada num país de reputa-ção respeitada (p. ex., a Holanda). A Comissão ponderou optar por uma solução mais radical, que im-pedisse os sujeitos passivos de be-neficiar do regime de eliminação da dupla tributação sempre que, por motivos não devidamente justifica-dos do ponto de vista operacional, a sua cadeia societária passasse, al-gures, por uma jurisdição de baixa tributação. Esta opção foi, contudo, rapidamente desconsiderada, ante a constatação de que colocaria os sujeitos passivos portugueses numa posição de franca desvantagem face aos demais ordenamentos jurídicos europeus, muitos dos quais não se coíbem, sequer, de aplicar as suas regras de isenção a lucros distribu-ídos por sociedades sedeadas em paraísos fiscais. Para além disso, uma tal opção legislativa implicaria um verdadeiro tormento para sujeitos passivos e autoridades tributárias, a quem passaria a ser exigido um co-lossal esforço probatório e, conse-quentemente, relevantíssimos cus-tos de contexto. Do ponto de vista teórico, a opção da Comissão de Reforma nesta matéria encontra-se justificada de acordo com um pa-drão de responsabilidade imediata: com este regime, Portugal assume a responsabilidade por impedir que lucros de sociedades sedeadas em países, territórios ou regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis fiquem isentos de tributação; se o sujeito passivo recorre a uma sociedade interposta para intermediar a en-tidade distribuidora dos referidos lucros e o ordenamento jurídico nacional, cabe à jurisdição de «in-terposição» o encargo de promo-ver a sua tributação, afastando tais

lucros do escopo de aplicação dos seus próprios regimes de isenção e, dessa forma, cumprindo o padrão da OCDE de evitar a dupla não tri-butação.

Em contrapartida, decidiu-se que a aplicação do regime ora em apreço seria igualmente afastada quando a sociedade que distribui os lucros e/ou as reservas não cumpra o requisito de ser sujeita e não isenta a IRC, ao imposto es-pecial do jogo, a um dos impostos referidos no artigo 2.º da Directiva n.º 2011/96/EU, ou, finalmente, a um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC, ou sempre que a respectiva taxa seja inferior a 60% da taxa de IRC – limiar mais exi-gente, de resto, do que aquele que se encontrava previsto na proposta de Directiva CCCTB2. A Comissão do IRC preferiu não dar continui-dade ao requisito de «tributação efectiva» que, uns anos antes, tinha provocado receios no âmbito do tecido empresarial português3.

No entanto, foi mais além da mera proibição genérica de isen-tar lucros provindos de jurisdições offshore, exigindo que os rendimen-tos que beneficiam deste regime te-nham tido origem num país que as-segure estruturalmente um mínimo de tributação, análoga à que ocorre em Portugal. Quando essa tributa-ção não se verifique, por motivos de que o sistema fiscal português se dispensa de cuidar, o regime de participation exemption não era, no modelo desenhado pela Comissão, afastado sem mais; muito pelo con-trário, entravam então em acção as regras CFC constantes do Código do IRC, em particular, o teste de substância previsto no n.º 6 do ar-tigo 66.º. Com efeito, a Comissão entendeu que, nos casos em que a

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jurisdição da origem dos lucros dis-tribuídos não conhece de todo um imposto sobre sociedades, ou ainda naqueles em que, apesar de existir um tal tributo, a corresponde taxa se mostra inferior ao limite mínimo fixado na alínea d) do n.º 1 do ar-tigo 51.º, a exigência de apertados requisitos sobre a natureza da acti-vidade desenvolvida pela sociedade distribuidora, juntamente com a pe-remptória exclusão das entidades domiciliadas em zonas ou regiões de baixa tributação, era suficiente para que se pudesse evitar o des-virtuamento (ou abuso) do meca-nismo de eliminação da dupla tri-butação. Passou a existir, pois, uma relação de quase-simetria entre o regime de participation exemption e a regra CFC: apenas onde esta não se aplica é que a isenção prevista no artigo 51.º poderá ter acolhi-mento.

Em termos práticos, quer isto dizer que uma entidade que, na jurisdição onde se encontra sede-ada – a qual em caso algum poderá ser considerada um paraíso fiscal –, não estiver sujeita a tributação num nível considerado pela lei por-tuguesa como o mínimo aceitável, mas ainda assim for capaz de evi-tar a imputação de rendimentos prevista no artigo 66.º, por preen-cher os apertados requisitos que determinam a sua exclusão, pode beneficiar do regime de participa-

tion exemption. Como é bom de ver, tratou-se de uma opção legislativa de cariz estratégico, motivada por imperativos de competitividade fis-cal, que promove o alinhamento de Portugal com as soluções vigentes nos principais centros de atracção de investimento na Europa. Uma solução de compromisso, se se preferir, entre um regime aberto e

atractivo para investidores, nacio-nais e estrangeiros, sem custos de contexto excessivamente onero-sos, e o cumprimento de padrões elevados em matéria de fairness na tributação.

Consabidamente, o Governo português optou por ir mais longe aquando da aprovação do diploma em que se materializou a Reforma do IRC, introduzindo a alínea b) do n.º 10 do artigo 51.º do Código do IRC. Como já tivemos oportunida-de de detalhar4, temos dificuldades em deslindar a razão pela qual esta norma foi considerada necessária, ou, sequer, útil para o sistema fiscal português: a nosso ver, não aumen-tou o grau de blindagem do regime de participation exemption nacional a práticas abusivas, por ter um re-duzidíssimo âmbito de aplicação, tendo apenas incrementando cus-tos de contexto e sacrificado a ne-cessária clareza na aplicação da lei. Mais relevante é, na nossa opinião, a alínea a) do mesmo n.º 10 do artigo 51.º, essa já da autoria da Comis-são de Reforma, que consagra uma regra anti-híbridos bastante próxi-ma das que são hoje sugeridas pela OCDE: sempre que os lucros ou as reservas em apreço sejam tra-tados como gastos dedutíveis na esfera da entidade que os distribui, fica vedada a sua isenção na esfera da entidade que é deles receptora.

Evita-se, deste modo, uma zona de sobreposição de regimes de alívio fiscal, com a consequente dupla não tributação que o regime pre-tende evitar.

Em face destes traços do regi-me nacional, afigura-se-nos que as opções adoptadas pela Comissão de Reforma do IRC se encontram quase perfeitamente alinhadas com as Recomendações (posteriores) da OCDE sobre esta temática. Procurou-se, com efeito, criar um regime atractivo e moderno de eli-minação da dupla tributação – re-corde-se que o sistema português pré-Reforma era, juntamente com o da Polónia, o 2.º menos compe-titivo da União Europeia, ao abar-car apenas, de um modo estrutural, as situações previstas na Directiva Mães-Filhas –, sem descurar a ne-cessidade de limitar a sua potencial utilização em contextos de dupla não tributação. Assim, a Comissão de Reforma empreendeu esforços, validados no contexto internacio-nal (mormente pelas entidades que acompanharam Portugal no seu pe-ríodo de ajustamento), para elimi-nar ou atenuar, de modo razoável, as oportunidades de instrumenta-lização das regras descritas por su-jeitos passivos que pretendessem delas prevalecer-se com propósitos de evasão fiscal. Esforços esses que, salvo melhor opinião, asseguram a viabilidade do regime propos-to mesmo num cenário pós-BEPS. Afinal, temos hoje um sistema de eliminação de dupla tributação que (i) é liminarmente afastado quando os lucros ou reservas distribuídos provenham de países, territórios ou regiões com regimes de tributa-ção privilegiada claramente mais fa-voráveis, que (ii) exige a sujeição da entidade distribuidora dos lucros a

A Comissão do IRC preferiu não dar

continuidade ao requisito de «tributação efectiva» que, uns anos antes, tinha provocado receios no âm-bito do tecido empresarial português3.

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um nível adequado de tributação, ou, em alternativa, a comprovação de que tal entidade é activa e ope-racional, no sentido de que desen-volve uma actividade com suficien-te substância para evitar a aplicação da regra CFC, e que (iii) cede, por fim, perante a dedutibilidade desses mesmos lucros ou reservas na es-fera da entidade que os destinou a distribuição.

5. A preocupação da Comissão de Reforma com a substância dos rendimentos atraídos para o ter-ritório nacional fez-se igualmente sentir no âmbito do regime de pa-

tent box. Este modelo de tributação privilegiada dos «rendimentos pro-

venientes da cessão ou da utilização

temporária de patentes e desenhos

ou modelos industriais» foi também proposto pela Comissão com o in-tuito de contribuir para a compe-titividade de Portugal. Pretendiase, em particular, promover o investi-mento empresarial em actividades de desenvolvimento tecnológico, exploração e inovação industrial e outras similares, com as vantagens daí decorrentes no que respeita a criação de emprego, aumento do valor acrescentado, qualifica-ção e melhoria dos níveis de pro-dutividade do tecido empresarial português. Uma vez mais, todavia, não se descuraram exigências de materialidade, tendo este sistema sido munido de regras de aplicação, controlo e exclusão especialmente rigorosas, e de um corpo sólido de disposições antiabuso.

Assim, e em primeiro lugar, exigiu-se que os direitos de pro-priedade industrial cuja cessão ou utilização temporária gerou os rendimentos tributados de forma privilegiada tivessem resultado de

actividades de I&D realizadas ou contratadas pelo sujeito passivo. Trata-se de uma exigência que co-loca o regime português próximo da abordagem «modified nexus ap-

proach» recomendada pela OCDE na iniciativa BEPS5: o sujeito passivo que pretenda beneficiar da isenção parcial de tributação tem de ter su-portado despesas com o desenvol-vimento de actividades qualificadas de investigação e desenvolvimento. Desta forma, assevera-se que o be-nefício fiscal é colhido por quem tenha efectivamente contribuído para o emprego e a modernização de Portugal neste âmbito.

Em segundo lugar, impôs-se que o cessionário dos direitos de propriedade industrial em causa os utilize na prossecução de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, ficando ex-cluídas, portanto, as estruturas que consistam na transferência destes activos para meros veículos, ou seja, entidades ocas que se demonstre não estarem devidamente empe-nhadas na prossecução de uma ac-tividade de carácter substancial.

Em terceiro lugar, foi prevista uma regra anti-mismatch, de acordo com a qual fica afastada a aplicação

do regime sempre que a utilização dos direitos de propriedade indus-trial em causa resulte numa entrega de bens ou prestação de serviços que origine gastos fiscalmente de-dutíveis na esfera da entidade ce-dente, ou, ainda, na esfera de uma sociedade integrada no mesmo grupo empresarial, sempre que en-tre esta última e o cessionário exis-tam relações especiais.

Em quarto lugar, nem cedente, nem cessionário, poderão ser en-tidades localizadas em jurisdições offshore, ou seja, países, regiões ou territórios de baixa tributação ou que não cumpram os princípios in-ternacionais em matéria de trans-parência fiscal e societária.

Em quinto e último lugar, auto-nomizaram-se, para efeitos de apli-cação do regime, rendimentos de-correntes da cessão ou utilização temporária de direitos de proprie-dade industrial, e rendimentos de-correntes de prestações acessórias de serviços, ainda que uns e outros estejam incluídos no mesmo ins-trumento contratual. Desta forma, foi conferida à administração fiscal uma ferramenta eficaz para contro-lar o valor contratualmente impu-tado aos rendimentos a que seja aplicável este regime, sempre que os mesmos sejam pagos em con-junto com outros bens ou serviços.

Não se exclui liminarmente a eventual conveniência em com-plementar este regime com algu-mas das múltiplas recomendações gizadas pela OCDE em matéria de propriedade intelectual, muito embora a especial complexidade destas últimas exija, a nosso ver, alguma prudência na sua transpo-sição para o ordenamento jurídico nacional. Não obstante, trata-se de um outro domínio no qual se nos

Outra das áreas que mereceu a aten-

ção quer da Comissão de Reforma do IRC, quer, ao longo dos dois anos subse-quentes, da OCDE, foi a da tributação de estabeleci-mentos estáveis, embora, quanto a este ponto, os seus esforços não tenham sido inteiramente coinci-dentes.

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afiguram particularmente bem--sucedidos os esforços da Comis-são de Reforma, os quais se mate-rializaram num regime atractivo e competitivo que não queda aquém das principais exigências da OCDE no âmbito do projecto BEPS.

6. Idêntica conclusão é possível quanto ao regime do debt bias, em-bora o seu arquétipo fundamental não seja da autoria da Comissão de Reforma. Neste ponto, a opção da Comissão foi a de respeitar o modelo introduzido pelo Gover-no na proposta de Orçamento do Estado para 2013, procedendo-se apenas às modificações considera-das necessárias para incrementar a sua materialidade e eficiência fiscal, designadamente quanto à limitação do montante máximo de dedutibi-lidade dos gastos de financiamento líquido das entidades sujeitas a IRC, que foi alterado para um montan-te aproximado do que vigorava em Espanha e na Holanda, à afinação do conceito relevante de EBITDA, e à harmonização deste modelo com o regime especial de tributa-ção das sociedades.

Dois anos mais tarde, a OCDE propõe um padrão optimizado de limitação à dedutibilidade de encar-gos financeiros que, na sua essên-cia, cumula uma «fixed ratio rule», mensurada como uma percenta-gem (entre 10% a 30%) do EBITDA – salvaguardando-se a aplicação de uma regra especial a grupos de so-ciedade –, com um limiar «de mi-

nimis» estipulados em termos ab-solutos; a OCDE recomenda ainda que os encargos financeiros que ul-trapassem estes montantes possam ser reportados para os exercícios subsequentes, e se prevejam regras especiais para entidades a operar

nos sectores bancário ou segura-dor. Em suma, um modelo de tribu-tação em tudo semelhante àquele que vigora actualmente em Portu-gal, e que já foi anunciado para ou-tras jurisdições europeias de relevo (caso, p. ex., do Reino Unido, que se comprometeu em Março de 2016 a modificar as suas regras nacionais de debt bias neste sentido).

7. Outra das áreas que mereceu a atenção quer da Comissão de Re-forma do IRC, quer, ao longo dos dois anos subsequentes, da OCDE, foi a da tributação de estabeleci-mentos estáveis, embora, quanto a este ponto, os seus esforços não te-nham sido inteiramente coinciden-tes. Em bom rigor, o que a OCDE pretende – a saber, de forma sim-plificada, consolidar a definição de «estabelecimento estável» por for-ma a reprimir a possibilidade de os sujeitos passivos se furtarem, artifi-cialmente, ao seu preenchimento – é algo que dificilmente se prestava a integrar o escopo de actuação da Comissão. Em primeiro lugar, por se tratar de uma mudança de pa-radigma mais condizente com a re-visão das convenções de dupla tri-butação de que Portugal faz parte, onde a delimitação do conceito de estabelecimento estável se afigura de crucial importância. Por outro lado, por extravasar, em tudo o que não se mostrasse associado com os regimes de tributação introduzi-dos ou modificados pela Comissão, os termos do seu mandato.

Ainda assim, a Comissão de Reforma actuou em duas frentes: de uma banda, mais conservadora, recomendando ao Governo que procedesse à renegociação das convenções de dupla tributação celebradas por Portugal com vista

a, entre outros objectivos, adap-tálas às orientações de natureza material vigentes entre nós, mor-mente em matéria de definição de estabelecimento estável. De outra, criando regimes de neutralidade no que concerne à sua tributação. Quanto a este ponto, foi convicção da Comissão de que também se lo-gra combater as práticas artificiais destinadas a prevenir a existência de um estabelecimento estável es-tipulando regimes que não os one-ram em demasia, isto é, que não discriminam os estabelecimentos estáveis, que não os sobrecarregam com custos de contexto significa-tivos, e que os tornam uma alter-nativa viável à existência de filiais (exemplo do regime previsto no artigo 54.º-A do Código do IRC). No fundo, aumentando a atractivi-dade e a competitividade da tribu-tação de estabelecimentos estáveis localizados no território português, bem como de estabelecimentos estáveis, localizados no estrangeiro, de entidades sedeadas em Portugal e aqui sujeitas a IRC, e deste modo incentivando os sujeitos passivos a não encapotar os estabelecimentos de que sejam efectivamente titula-res.

8. Aproveitando a referência à renegociação das convenções de dupla tributação, merece igualmen-te nota a recomendação formulada pela Comissão de Reforma quanto às cláusulas de limitação de bene-fícios. Num esforço de defender o nosso sistema fiscal de tributa-ção das empresas de construções artificiais, a Comissão sugeriu que Portugal adoptasse uma política consistente em termos da inclusão, nas convenções mencionadas, de «cláusulas de limitação de benefícios,

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nomeadamente para salvaguarda da

aplicação de disposições anti-abuso». Trata-se de um exemplo adicional de convergência entre os esforços da Comissão de Reforma – ainda que limitados, por estarmos num âmbito que manifestamente extra-vasava os termos do seu mandato – e os da OCDE, agora patentes na Acção 6 do BEPS, destinada a pre-venir práticas de «Treaty abuse».

9. Não sendo o propósito des-te trabalho o de proceder à análise completa e minuciosa das propos-tas BEPS, consideramos que o mes-mo serviu para ilustrar que, no es-sencial, a Reforma do IRC realizada em 2013 cumpre os desígnios da OCDE em matéria de combate à erosão da base tributável e à redo-miciliação artificial de lucros. O sis-tema fiscal nacional de tributação das empresas apresenta-se hoje com um corpo robusto de nor-mas antiabuso, devidamente inter-ligadas e assentes numa claríssima preocupação de defender Portugal de construções artificiais, sobretu-do quando impliquem o recurso a jurisdições de baixa tributação ou manifesta opacidade no que respei-ta à troca de informação fiscal.

A esta conclusão acresce uma outra: a de que, com a devida vé-nia pelos esforços da OCDE, as disposições anti-abuso incluídas no projecto de Reforma do IRC se afiguram mais próximas da realida-de empresarial do que as que são recomendadas pela iniciativa BEPS. Mesmo a posteriori, considera-se que a abordagem seguida por Por-tugal, neste domínio, é mais prag-mática e menos onerosa do que a visão da OCDE, mais académica e porventura subsidiária das idiossin-crasias dominantes entre os seus

membros. Para além dos aspectos teóricos, relativos à técnica das soluções apresentadas, a diferença está, a nosso ver, na metodologia seguida pela Comissão de Reforma e pela OCDE: enquanto que a se-gunda aposta no carácter multilate-ral e concertado das medidas que propõe, a abordagem preconizada pela Comissão de Reforma apela à partilha internacional da respon-sabilidade por combater a prolife-ração de situações de dupla não tributação. Portugal não se propõe fazer nem mais, nem menos, neste domínio, do que a exacta medida em que todos os Estados deveriam contribuir para contrariar a «con-corrência fiscal prejudicial»: deste modo, não se oneram os agentes económicos sujeitos a IRC em Portugal com custos de contexto desmedidos, e salvaguarda-se a (sa-lutar) competitividade fiscal do re-gime nacional, especialmente rele-vante para uma jurisdição pequena, de periferia, a necessitar de cativar investimento nacional e estran-

1 Vide Anteprojecto da Reforma do IRC, de 30 de Junho de 2013, disponível em http://www.cgov.pt/images/stories/ficheiros/anteprojeto_de_reforma_do_irc_30_de_junho_2013.pdf.

2 A proposta de Directiva CCCTB, conhecida à data da elaboração da Reforma do IRC, previa um limiar mínimo de 40% da taxa estatutária.

3 Nesta medida, a entidade que distribui lucros deve apenas, em abstracto, ser sujeita (e não isenta) a um imposto sobre o rendimento, pouco importando saber, por isso, se chegou efectivamente a pagar um certo montante a esse título. Apesar de ser sujeita e não isenta, o regime admite que a dita entidade, no ano em referência, não tenha efectuado qualquer prestação de imposto sobre sociedades ou seu equivalente, porque, por exemplo, não obteve lucros e se limitou a distribuir reservas, porque pôde compensar os seus lucros anuais contra prejuízos sofridos em anos anteriores, ou ainda porque beneficiou de uma isenção de natureza objectiva (uma isenção respeitante a uma certa actividade ou a uma certa categoria de rendimentos).

4 Vide António Lobo Xavier, «Notas Breves sobre a al. b) do n.º 10 do art. 51.º do CIRC: a “Distância entre a Intenção e o Gesto”», publicado em Desafios Tributários, coord. de Nuno Barroso, Pedro Marinho Falcão, Vida Económica, 2015.

5 Vide Relatório relativo à Acção 5: «Agre-ement on Modified Nexus Approach for IP Regimes».

geiro. O conceito de «fair share of

taxes» passa a conviver de perto, a nível institucional, com o conceito de «fair share of responsability».

Não se quer com isto dizer que Portugal não terá a ganhar com a implementação de parte – ainda que porventura não todas – das re-comendações BEPS. Todavia, sendo de inegável interesse teórico, teme-mos que a abordagem da OCDE não encontre a correspondência necessária com a realidade da vida prática que, a nosso ver, determina em tão grande medida o sucesso ou insucesso da sua implementa-ção. Por esse motivo, ao invés de defender acerrimamente que Por-tugal se posicione na «linha da fren-te» para executar as medidas BEPS, preferimos sugerir que permaneça um espectador atento e interessa-do, no seu percurso já consolidado de combate ao abuso fiscal.

A esta conclusão acresce uma outra: a

de que, com a devida vénia pelos esforços da OCDE, as disposições anti-abuso in-cluídas no projecto de Re-forma do IRC se afiguram mais próximas da realidade empresarial do que as que são recomendadas pela iniciativa BEPS. Mesmo a posteriori, considera-se que a abordagem seguida por Portugal, neste domí-nio, é mais pragmática e menos onerosa do que a visão da OCDE

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Sem harmonização na União Europeia, não haverá justiça fiscal

ANA GOMESEurodeputada do PS

No início do mês de Abril, a Comissão Europeia, sob forte pressão pública devido

às revelações dos “Panama

Papers”, fez uma proposta legislativa neste sentido, em-

bora com uma série de la-

cunas que afetam a eficácia do instrumento: em primeiro

lugar, limita o âmbito da proposta a empresas com um

volume de negócios anual de

€ 750 milhões, o que cobriria menos de 2.000 empresas na UE. Por outro lado, apenas impõe publicação dos relató-

rios de contas país-por-país

no que respeita aos Estados-

-Membros da UE, e às ati-vidades em juridições consi-

deradas “não cooperantes”

pela UE

Em Abril integrei uma Delega-ção da Comissão Especial do Par-lamento Europeu sobre as Deci-sões Fiscais Antecipadas e Outras Medidas de Natureza ou Efeitos Similares (TAXE 2) a Chipre. A Comissão TAXE 2 tem recolhido informação sobre regimes fiscais nos Estados-Membros, em especial naqueles cujo quadro legal, finan-ceiro e fiscal é atraente para o es-tabelecimento de empresas-veícu-lo para investimentos e empresas de fachada, constituídas para evitar impostos e/ou esconder proveitos de atividades ilícitas. Prossegue o trabalho da Comissão TAXE 1, for-mada no seguimento do escândalo “LuxLeaks”, sobre o recurso pelos Estados-Membros a decisões fis-cais antecipadas em favor de em-presas multinacionais permitindo--lhes evitar pagar impostos em larga escala, assim como outros métodos de planeamento fiscal agressivo, ou de isenção e benefí-cios fiscais, utilizados para reduzir ou eliminar o pagamentos de im-postos sobre as sociedades (IRC).

O quadro regulamentar em Chipre oferece um dos mais bai-xos impostos sobre o rendimento das sociedades na UE (dividendos de capitais pagam 0 de taxa) e a mais baixa taxa de tributação de ativos de propriedade intelectual (2,5%), com secretismo jurídico e controlos rudimentares sobre os beneficiários efetivos das empresas registadas no país. Estas caracte-rísticas, em paralelo com uma ex-

tensa rede de tratados para evitar dupla tributação, fazem com que Chipre seja pólo de atração para empresas e fundos de investimen-to interessados em beneficiar de anonimato e de frouxos controlos. É sabido que por Chipre passam substanciais fluxos de capitais, que entram como IDE (investimen-to directo estrangeiro) e saem como investimento “cipriota” - por exemplo, de e para a Rússia, anualmente beneficiária de fluxos que representam o triplo do PIB cipriota! Alimentam-se assim apre-ensões de corresponderem a ope-rações de branqueamento de capi-tais com origem em corrupção e noutros esquemas criminosos. Por esta razão a Comissão TAXE 2 de-cidiu deslocar-se a Chipre, procu-rando compreender melhor como o quadro legal facilita a empresas e indivíduos, designadamente PEPs (pessoas politicamente expostas), evitarem impostos noutros países da UE e “lavarem” dinheiro.

Concluímos que, com o pro-grama de resgate da Troika, des-de 2013, Chipre fez um esforço de maior regulação do setor finan-ceiro, nomeadamente reforçando a supervisão bancária e também a aplicação da legislação europeia para a prevenção de branquea-mento de capitais, de forma a melhorar a reputação internacio-nal, essencial para preservar a sua actividade como praça financeira. Contudo, pouco foi feito no sen-tido de garantir mais controlo e

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transparência sobre os beneficiá-rios efetivos das empresas sedia-das, funcionando em Chipre toda uma indústria de fornecedores de serviços de “empresas em boneca russa” e “testas de ferro”.

O problema não se restringe a Chipre. Este tipo de quadro legal é partilhado por vários Estados--Membros da UE, que competem entre si para atrair investimen-to estrangeiro pedindo cada vez menos impostos às empresas - o que leva a uma corrida para o fun-do sobrecarregando os cidadãos que pagam impostos. No relató-rio de conclusão dos trabalhos da Comissão TAXE 1, co-redigido e negociado pela Eurodeputada portuguesa Elisa Ferreira1, o Par-lamento Europeu fez um vasto conjunto de recomendações - em que Portugal bem devia atentar e procurar adiantar-se, levando-as à prática, sendo um dos pontos fulcrais a transparência sobre os registos anuais de contas das em-presas multinacionais, para que as autoridades fiscais, organizações da sociedade civil e cidadãos pos-sam saber onde e quanto fazem em volume de negócios e onde pa-gam os correspondentes impostos.

No início do mês de Abril, a Comissão Europeia, sob forte pressão pública devido às revela-ções dos “Panama Papers”, fez uma proposta legislativa neste sentido, embora com uma série de lacunas que afetam a eficácia do instru-mento: em primeiro lugar, limita o âmbito da proposta a empresas com um volume de negócios anual de ¤ 750 milhões, o que cobriria menos de 2.000 empresas na UE. Por outro lado, apenas impõe pu-blicação dos relatórios de contas país-por-país no que respeita aos

Estados-Membros da UE, e às ativi-dades em juridições consideradas “não cooperantes” pela UE, que constarão duma lista a ser publica-da pela Comissão em breve - um processo difícil, não criterioso e altamente politizado. Esta propos-ta de directiva terá de ser apro-vada pelo Parlamento Europeu e, depois, negociada com o Conselho de Estados Membros. Os Socialis-tas e Democratas já se compro-meteram em propor alterações para alargar o âmbito da Diretiva, impondo a publicação dos relató-

rios país- por-país às actividades das empresas multinacionais em todos os países onde têm ativi-dade e alargando para 20.000 o número das empresas a abranger, recorrendo ao critério já constan-te da Directiva de Contabilidade.

Outra das propostas legislati-vas fundamentais neste setor é a harmonização e consolidação da base coletável do imposto sobre as sociedades (MCCCIS - matéria co-letável comum consolidada do im-posto sobre as sociedades), que é há muito defendida pelos Socialis-tas no Parlamento Europeu, e que a Comissão Europeia já propôs em 2011 - entretanto bloqueada no Conselho pelos governos. Esta proposta visa harmonizar as fór-mulas de cálculo da matéria tribu-tável das empresas, de forma a que passe a ser a mesma em todos os Estados-Membros, permitindo às sociedades reduzir custo e buro-cracia relacionados com o cumpri-mento de legislação diferente em 28 Estados-Membros, tendo ape-nas de respeitar um único dispo-sitivo normativo. Este é um instru-mento legislativo importantíssimo, porque atualiza o modelo arcaico de tributação das sociedades ainda praticado, que permite as empresas transferências fictícias de lucros de uma jurisdição para a outra com taxas mais baixas, para minimizar o pagamento de impostos no total. Pretende-se acabar com os atuais mecanismos de concorrência fis-cal entre países da UE, que, pelo facto de tributarem fluxos finan-ceiros de forma diferente, atraem para o seu território os lucros de multinacionais realizados noutros países com impostos mais baixos, privando desta forma os parceiros de importantes receitas fiscais. Por

Outra das propostas legislativas funda-

mentais neste setor é a harmonização e consoli-dação da base coletável do imposto sobre as socieda-des (MCCCIS - matéria co-letável comum consolidada do imposto sobre as so-ciedades), que é há muito defendida pelos Socialistas no Parlamento Europeu, e que a Comissão Europeia já propôs em 2011 - entre-tanto bloqueada no Con-selho pelos governos. Esta proposta visa harmonizar as fórmulas de cálculo da matéria tributável das em-presas, de forma a que pas-se a ser a mesma em to-dos os Estados-Membros, permitindo às sociedades reduzir custo e burocracia relacionados com o cum-primento de legislação diferente em 28 Estados--Membros, tendo apenas de respeitar um único dis-positivo normativo.

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1 (http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-%2f%2fEP%2f%2fTEXT%2bREPORT%2bA8-2015-0317%2b0%2bDOC%2bXML%2bV0%2f%2fPT&language=PT)

outro lado, a MCCCIS eliminará a manipulação dos preços de trans-ferência dentro do mesmo grupo empresarial, visto que as transa-ções intragrupo passam a ser ig-noradas e o valor consolidado do lucro do grupo será feito através duma única declaração. Por fim, esta proposta terá um efeito mo-ralizador importante: embora não proponha a harmonização das ta-xas de IRC nos Estados-Membros (tabu para quem mantém que as questões da fiscalidade relevam da competência nacional ), trará maior transparência e exactidão sobre as discrepâncias entre as diferentes taxas de IRC aplicadas nos Estados-Membros, o que leva-rá, de certa forma, a uma concor-rência mais leal e sem subterfúgios, pelo menos neste aspecto.

No final deste ano, a Comis-são deve fazer uma nova proposta, que tornará a MCCCIS obrigatória para todas as empresas multinacio-nais na UE, defendendo, desta vez, uma evolução legislativa faseada: a Comissão quer, primeiro, garantir acordo político sobre a matéria coletável comum obrigatória. Dei-

xa para mais tarde a consolidação, de mais difícil acordo entre os Estados-Membros, porque implica a soma de todos os lucros e todas as perdas de uma sociedade/grupo de sociedades de diferentes Esta-dos-Membros, a fim de se obter um resultado líquido que integre o conjunto de atividades na UE.

A pressão política sobre a Co-missão Europeia para colocar este tema e estas propostas legislativas no topo da agenda, é fundamental. Só com essa pressão por parte das opiniões públicas haverá, nos pró-ximos anos, ímpeto legislativo para pôr ordem na selva fiscal que hoje caracteriza a UE, com agressiva rivalidade entre Estados-Membros, que desvirtua a concorrência no Mercado Interno, tem injusta-mente sobrecarregado as classes médias e afectado em cortes nas prestações sociais os mais pobres, tornado impotente a UE na re-gulação fiscal a nível global, e, no essencial, provocado descrédito e desconfiança no projeto europeu. Mas, não nos iludamos: uma dinâ-mica de coesão social e económi-ca na UE não será retomada sem acordo político sobre harmoniza-ção das taxas de impostos sobre sociedades, ou pelos menos de um acordo sobre taxas mínimas. Um tal acordo exige decisão por líderes europeístas,com visão e coragem estratégicas - que hoje não temos. Sem tal acordo, con-tinuaremos a adiar uma verdadeira união política, económica e social na Europa. Pior mesmo que adiar a UE, arriscamos destruí-la.

FICHA TÉCNICA

DIRETOR Paulo Alexandre Ralha

EDITORESAmândio Dias Marques AlvesAna Carmina Santos Monteiro GamboaGonçalo João Ferreira N. M. RodriguesHersília Armanda Martins Silva OliveiraJosé António Carvalho MorenoLuis Manuel Matos Barros FerrazManuel Armando Pinto Peixoto NovoNuno Edgar Cardoso Balacó MoreiraNuno Miguel Gouveia DiasNuno Miguel Martins PiresVanda Cristina Mendes Bento

EDIçãO E COORDEnAçãO EXECUTIvAMaria Rosa Pinto

DESIGNPaulo Vila

PAGINAÇÃOBarcul – Sociedade de Comunicaçãoe Cultura, S.A.

PROPRIEDADESindicato dos Trabalhadores dos ImpostosAvenida Coronel Eduardo Galhardo, 22 B1199-007 Lisboa

IMPRESSÃO:Lusoimpress, S.A.

DEPÓSITO LEGAL 359757/13

TIRAGEM10.000 exemplares

PATROCínIO EXCLUSIvOMedis

A pressão política sobre a Comissão

Europeia para colocar este tema e estas propostas legislativas no topo da agenda, é fundamental. Só com essa pressão por parte das opiniões públicas ha-verá, nos próximos anos, ímpeto legislativo para pôr ordem na selva fiscal que hoje caracteriza a UE, com agressiva rivalidade entre Estados-Membros

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De cobradores e fariseusE Jesus, passando adiante dali, viu

assentado na alfândega um homem,

chamado Mateus, e disse-lhe «Segue-

-me.» E ele, levantando-se, o seguiu.

E aconteceu que, estando ele em

casa sentado à mesa, chegaram mui-

to publicanos e pecadores, e senta-

ram-se juntamente com Jesus e seus discípulos.

E os fariseus, vendo isto, disseram

aos seus discípulos «Por que come o

vosso Mestre com os publicanos e pe-

cadores?»

Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes

«Não necessitam de médico os sãos,

mas sim os doentes.

Ide, porém, e aprendei o que sig-

nifica: Misericórdia quero, e não sacri-fício. Porque eu não vim a chamar os

justos, mas os pecadores, ao arrepen-

dimento.»

Evangelho de São Mateus - 9:9/13

Estes acontecimentos, que re-latam A Vocação de São Mateus, ocorreram na cidade galileia de Cafarnaum. Mateus, o primeiro dos evangelistas, exercia então a fun-ção de publicano, os cobradores de rendimentos públicos entre os romanos. Na época, tinham estes a má-fama de colaborarem com o ocupante romano e de cobrarem mais do que era devido a César ou a Herodes, com isso enriquecendo. Como tal, eram odiados pela popu-lação hebraica.

Vinte centúrias passaram. E uma coisa continua igual. Os cobrado-

NUNO BALACÓVice-Presidente da Direcção Nacional do STI

res de impostos mantêm-se impo-pulares e vistos como opressores dos cidadãos. Mas, naturalmente que desde os tempos bíblicos mui-to mudou. Garantidamente que no Portugal d’hoje os profissionais das alfândegas e do fisco não enrique-cem com o fruto do seu labor. Nos recentes escândalos financeiros dos Swissleaks, Luxleaks ou dos “Papeis do Panamá”, não consta estarem envolvidos funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ou da AT da Região Autóno-ma da Madeira. Nem há notícias de terem estes profissionais benefi-ciado dos sucessivos RERT (Regi-me Excepcional de Regularização Tributária) criados pelos poderes políticos, com a garantia de colabo-rativo sigilo do Banco de Portugal.

Bem pelo contrário, assiste-se sim a um gradual, mas progressi-vo, empobrecimento, não só desta camada profissional mas igualmen-te de largos sectores da socieda-de civil, incluindo os funcionários públicos e pensionistas, mercê da chamada austeridade, que todavia está longe de atingir a todos.

Na actual sociedade muitos se escandalizam com o facto dos fun-cionários públicos terem alguma estabilidade de emprego, como os fariseus se escandalizaram quan-do Jesus ceou com os cobradores de impostos. Mais, parecem ficar indignados por estes receberem salários. Nesta concepção mental,

Vinte centúrias passaram. E uma coisa continua igual. Os cobradores de impostos

mantêm-se impopulares e

vistos como opressores dos

cidadãos. Mas, naturalmente que desde os tempos bíbli-

cos muito mudou. Garan-

tidamente que no Portugal

d’hoje os profissionais das alfândegas e do fisco não enriquecem com o fruto

do seu labor. Nos recentes escândalos financeiros dos Swissleaks, Luxleaks ou dos “Papeis do Panamá”, não consta estarem envolvidos

funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ou da AT da Região Autóno-

ma da Madeira.

CAUSAS E LUTAS

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salário não é a justa retribuição do trabalho prestado, nem garantia da dignidade da pessoa humana, pare-cendo pensar que é proveniente do esbulho, como da fama adquiri-da no tempo dos Césares.

Na antiga Palestina era neces-sário uma cultura acima da mé-dia para exercer tal cargo. Como outros cobradores, Mateus falava e escrevia em hebraico, aramaico e grego. Também nos nossos dias há uma clara exigência para esta profissão. Além de toda a comple-xa fiscalidade propriamente dita, requer-se conhecimentos de infor-mática, de vários ramos do direito público e privado, de contabilidade, em sectores mais especializados mesmo de engenharia, de mecânica ou de química.

Por isso, as carreiras do fisco em grande parte dos países civili-zados são objecto de clara valori-zação social, mediante um estatuto profissional diferenciado e remu-neração adequada. Isso mesmo é--nos reiteradamente transmitido pelos nossos colegas das adminis-trações tributárias da União Euro-peia, do Brasil e dos PALOP, com os quais contactamos. Todos eles convergem nestes pontos a respei-to da realidade nos seus países.

Bem se compreende a especifi-cidade do Fisco, reconhecida e va-lorizada em vários países, que não em Portugal, em face da variedade de tarefas que têm que efectuar: Sem ser exaustivo, destacamos a arrecadação de receita tributária, inspecção tributária e investigação criminal, combate a tráfico ilícito de bens, controlo das fronteiras externas, cooperação internacio-nal, equipas mistas com outros órgãos de polícia criminal. Estas funções merecem claramente ser

diferenciadas e valorizadas.Só com o reconhecimento do

Fisco como uma função nuclear do Estado, traduzido no vínculo de no-meação, estatuto profissional dife-renciado e remuneração condigna se pode atacar com credibilidade e segurança a grande criminalida-de tributária e conseguir evitar que tantos milhões de impostos fujam clandestinamente do país, para que deixem de ser apenas os mesmos contribuintes de sempre a pagar a dura factura da austeridade.

O fluxo monetário que passa pelas contas da AT será superior ao volume de negócios conjunto das dez maiores empresas a operar em Portugal. Pelo que, tal como a Jesus Cristo no deserto, o demónio da tentação de tempos a tempos faz a sua aparição. Para na esmagadora maioria dos casos se deparar com o mesmo resultado do relato bí-blico. A sua expressa e inequívoca recusa. Como uma andorinha não faz a primavera e uma árvore não faz a floresta, não será o espalha-fato das investigações “tax free” a colocar em causa o nome da AT e dos seus cumpridores e qualifica-dos profissionais, sendo que não se pode colocar em causa a pre-sunção da inocência até ao trânsito em julgado de qualquer eventual condenação. No espírito dos seus funcionários, está gravado o man-damento de São João Baptista para os publicanos «Não cobrais mais do

que vos está ordenado» (Lucas 3:13).Em boa verdade, sabe-se que

não foram estes episódicos acon-tecimentos que faliram o país. A cobrança acima do esperado pelos trabalhadores dos impostos tam-bém não faliu o país, antes terá evi-tado o pior cenário, a bancarrota. Não foram os trabalhadores da AT,

Por isso, as car-reiras do fisco em

grande parte dos países civilizados são objecto de clara valorização social, mediante um estatuto profissional diferenciado e remuneração adequada. Isso mesmo é-nos reitera-damente transmitido pelos nossos colegas das admi-nistrações tributárias da União Europeia, do Brasil e dos PALOP, com os quais contactamos. Todos eles convergem nestes pontos a respeito da realidade nos seus países. Bem se compreende a especificidade do Fisco, reconhecida e valorizada em vários países, que não em Portugal, em face da variedade de tarefas que têm que efectuar: Sem ser exaustivo, destacamos a arrecadação de receita tri-butária, inspecção tributá-ria e investigação criminal, combate a tráfico ilícito de bens, controlo das fron-teiras externas, coopera-ção internacional, equipas mistas com outros órgãos de polícia criminal. Estas funções merecem clara-mente ser diferenciadas e valorizadas.Só com o reconhecimento do Fisco como uma função nuclear do Estado, tradu-zido no vínculo de nome-ação, estatuto profissional diferenciado e remune-ração condigna se pode atacar com credibilidade e segurança a grande crimi-nalidade tributária...

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que vivem de modestos salários, que foram responsáveis por colap-sos bancários e desmandos do tipo BPN, BPP, BES, BANIF ou da PT. Não são responsáveis pelos para-ísos fiscais, por grandes escritórios de advocacia ou de consultadoria que promovem esquemas de elisão fiscal que visam a erosão da base tributária, quando não a pura bur-la e fraude fiscal. Nem tão pouco aproveitam de “prémios”, “ajudas de custo”, “subvenções” e outras formas imaginativas de evitar o fis-cus. Para eles, todo e qualquer cên-timo do rendimento do trabalho é tributado.

Em Portugal, os profissionais das AT são sim responsáveis por uma organização que nos últimos anos tem tido resultados acima do projectado, e com o seu esforço tem sustentado financeiramente o Estado.

Não obstante estas indubitá-veis verdades, é incessantemente propagandeado na comunicação social, por gurus da economia e da gestão principescamente pa-gos, que os funcionários públicos e os aposentados são comedores inúteis do Orçamento de Estado, fardos da sociedade, responsáveis pelas sucessivas crises financeiras, bodes expiatórios que, como o animal que dá origem à expressão, deveriam ser lançados à míngua na desolação. Curiosamente estes mesmos comprometidos comen-tadores e analistas não há muito teciam loas a famigerados gestores que levaram à implosão de grandes empresas nacionais, enquanto iam recebendo prémios, condecora-ções e doutoramentos honoris cau-

sa pela excelente gestão praticada. Estes modernos vendilhões do templo de Jerusalém, sempre pron-

tos a elogiar a alienação dos recur-sos nacionais a interesses privados, aplaudiam o modelo das Parcerias Público-Privadas, que não raro se revelaram negócios tão ruinosos para o Estado. Acima de tudo, sem-pre se revelaram idólatras de falsas sabedorias substanciadas em Excel e dedicados servidores das troikas que, agarrando-se aos dogmas dos sacrossantos mercados, impõem e se comprazem com a humilhação alheia. Apologistas da gestão priva-da e da não intervenção do Estado, zurzindo sempre no sector público, quando ocorre a delapidação de bancos e outras empresas, dirigem--se sem pudor aos contribuintes e às ajudas estatais para resgatar a situação.

Face ao panorama financeiro actual, impõe-se desmitificar as fa-risaicas patranhas destes avençados opinadores, pois se Cristo desces-se hoje à terra, seguramente não se dirigiria à alfândega, visto não ser lá que pecadores iria encontrar!

Dois homens subiram ao templo, a

orar; um fariseu, e o outro publicano.

O fariseu, estando em pé, orava

consigo desta maneira «Ó Deus, gra-

ças te dou, porque não sou como os

demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este pu-

blicano.

Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo.»

O publicano, porém, estando em

pé, de longe, nem ainda queria levan-

tar os olhos ao céu, mas batia no pei-

to dizendo «Ó Deus, tem misericórdia

de mim, pecador!»

Digo-vos que este desceu justifica-

do para sua casa, e não aquele; por-

que qualquer que a si mesmo se exal-

ta será humilhado, e qualquer que a

si mesmo se humilha será exaltado.

Evangelho de São Lucas – 18:10/14

Em Portugal, os profissionais das AT

são sim responsáveis por uma organização que nos últimos anos tem tido re-sultados acima do projec-tado, e com o seu esforço tem sustentado financeira-mente o Estado. Não obstante estas in-dubitáveis verdades, é incessantemente propa-gandeado na comunicação social, por gurus da eco-nomia e da gestão princi-pescamente pagos, que os funcionários públicos e os aposentados são comedo-res inúteis do Orçamento de Estado, fardos da socie-dade, responsáveis pelas sucessivas crises finan-ceiras, bodes expiatórios que, como o animal que dá origem à expressão, deve-riam ser lançados à míngua na desolação. Curiosamen-te estes mesmos compro-metidos comentadores e analistas não há muito teciam loas a famigerados gestores que levaram à implosão de grandes em-presas nacionais, enquanto iam recebendo prémios, condecorações e douto-ramentos honoris cau-sa pela excelente gestão praticada. Estes modernos vendilhões do templo de Jerusalém, sempre prontos a elogiar a alienação dos recursos nacionais a inte-resses privados, aplaudiam o modelo das Parcerias Público-Privadas, que não raro se revelaram negócios tão ruinosos para o Estado.

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A Administração Tributária e aLiberdade de Expressão no séc. XXI

O tema da liberdade de ex-pressão no seio da Administra-ção Pública é, em si mesmo, con-troverso, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista estritamente político. Poderá o funcionário público, responsável primacial pela execução das polí-ticas públicas de prossecução da legalidade, exprimir livremente a sua opinião no espaço público, mesmo em canais de ampla difu-são mediática? Mesmo quando as suas posições não são coinciden-tes com o núcleo fundamental dos caminhos percorridos pelo Estado ou qualquer outro ente público?

A Constituição da República Portuguesa garante, a todos os ci-dadãos, esse direito fundamental. De facto, estatui o n.º 1 do art.º 37.º que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de in-formar, de se informar e de ser in-formados, sem impedimentos nem discriminações”.

Como é facilmente perceptível, a expressão é propositadamen-te globalizante do ponto de vista dogmático, procurando ser juridi-camente o mais inclusiva possível. Significa isto, essencialmente, que apenas em casos excepcionais e legalmente previstos – o regime específico consagrado para a limi-tação dos direitos fundamentais – poderá a liberdade de expressão ser limitada. Sublinhe-se o carác-

ANDRÉ VENTURAProfessor na Universidade Nova de Lisboa;

Inspector Tributário;

Autor do manual sobre O Contrato de Trabalho em

Funções Públicas

ter enfático do n.º 2 do art.º 37.º da CRP ao estatuir que “o exercí-cio destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qual-quer tipo ou forma de censura”.

Esta ênfase do legislador cons-titucional deve levar-nos a consi-derar como manifestamente atí-picos todos os juízos que façam incidir, à partida, quaisquer limita-ções à liberdade de expressão dos cidadãos, independentemente das categorias sociais ou profissionais em que se insiram.

Neste sentido, a questão a co-locar é a seguinte: porque teria o funcionário público um regime de liberdade de expressão mais estri-to ou limitado do que os restantes trabalhadores?

Ainda que alguns apontem – e com pertinência – a exclusiva de-dicação à causa pública, a prosse-cução de finalidades próprias da administração pública definidas por lei, a necessidade de salva-guardar a imparcialidade e a equi-distância face a todo o tipo de interesses, tal não colide, em ge-ral, com a garantia institucional da liberdade de expressão tal como constitucionalmente consagrada.

É importante sublinhar aqui uma diferença fundamental entre a protecção jurídico-institucional da liberdade de expressão e o re-gime do sigilo a que algumas cate-gorias profissionais estão sujeitas, bem como as regras legais e es-tatutárias próprias em matéria de escusas e impedimentos. Convém

A Constituição da República Portuguesa garante, a todos os cidadãos, esse direito fun-

damental. De facto, estatui o n.º 1 do art.º 37.º que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu

pensamento pela palavra, pela imagem ou por qual-

quer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informa-

dos, sem impedimentos nem discriminações”.

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desfazer o equivoco: são elemen-tos completamente diferentes e com finalidades distintas. Invocar o sigilo ou as garantias de impar-cialidade como fundamento de cercear a liberdade de expressão dos trabalhadores públicos é não só um erro metodológico como uma tremenda anomalia jurídica.

Claro que certas actividades pública – como a magistratura, as policias ou a inspecção – devem proteger o mais possível a sua esfera de actuação no espaço pú-blico, sobretudo atendendo a que poderão, recorrentemente, ter de intervir em nome da autoridade do Estado em assuntos sobre os quais, pelo seu relevo na socieda-de, foram chamados a comentar, opinar ou avaliar. Da mesma for-ma que, por exemplo, a lei limita as manifestações politicas públicas dos juízes ou dos magistrados do Ministério Público, exactamente como forma de proteger a ima-gem de independência da actua-ção do Estado em qualquer pro-cesso judicial, sejam quais forem os intervenientes ou os assuntos em análise, sem qualquer mácula ou suspeição de proximidade, fa-vorecimento ou preconceito ne-gativo.

Ora, derivar daqui que os funcionários públicos devem ter primacialmente limitada a sua li-berdade de expressão é um tre-mendo erro de análise jurídica. Vejamos:

1) Por um lado, sempre que sinta que as posições, manifesta-ções ou comentários que emitiu no âmbito da sua livre expressão possam afectar a imparcialidade objectiva ou subjectiva do seu juízo profissional, estão previstos

uma série de mecanismos precisa-mente destinados a salvaguardar a imagem de independência da Ad-ministração Publica;

2) Por outro, o dever de obe-diência em nada afecta o núcleo essencial da liberdade de expres-são, ao contrário do que alguma doutrina recente parece querer apontar. Na verdade, para ilustrar com um exemplo prático, é per-feitamente concebível que um fun-cionário do Fisco emita uma qual-quer opinião desfavorável (até de forma violenta e agressiva) contra um determinado imposto ou taxa sem que isso afecte de forma algu-ma o seu desempenho na liquida-ção ou cobrança dos mesmos.

3) Finalmente, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas /Lei n.º 35/20154 de 20 de Junho) não estatui, nem directa nem indi-rectamente, qualquer limitação ao exercício da liberdade de expres-são dos funcionários. Pelo contrá-rio, considera até justa causa de extinção do vínculo, por parte do trabalhador, as ofensas ao conte-údo dos seus direitos de liberda-de, onde se inclui, naturalmente, a liberdade de expressão (vide art. 307.º, n.º alínea f) da Lei n.º 35/2014).

Deve ser de afastar, portanto, liminarmente, qualquer doutrina que estabeleça, de forma abstrac-ta e genérica, limitações no âmbi-to da liberdade de expressão dos funcionários públicos, pela simples razão de o serem. Necessariamen-te excepcionais e reservadas, es-sas limitações terão, para além das expressamente previstas na lei, de ser analisadas no âmbito concreto,

É importante su-blinhar aqui uma

diferença fundamental entre a protecção jurídico--institucional da liberdade de expressão e o regime do sigilo a que algumas categorias profissionais estão sujeitas, bem como as regras legais e estatu-tárias próprias em matéria de escusas e impedimentos. Convém desfazer o equivo-co: são elementos comple-tamente diferentes e com finalidades distintas. Invo-car o sigilo ou as garantias de imparcialidade como fundamento de cercear a liberdade de expressão dos trabalhadores públicos é não só um erro metodoló-gico como uma tremenda anomalia jurídica. Claro que certas activida-des pública – como a magis-tratura, as policias ou a ins-pecção – devem proteger o mais possível a sua esfera de actuação no espaço pú-blico, sobretudo atendendo a que poderão, recorren-temente, ter de intervir em nome da autoridade do Estado em assuntos sobre os quais, pelo seu relevo na sociedade, foram chamados a comentar, opinar ou ava-liar. Da mesma forma que, por exemplo, a lei limita as manifestações politicas públicas dos juízes ou dos magistrados do Ministé-rio Público, exactamente como forma de proteger a imagem de independência da actuação do Estado em qualquer processo judicial...

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atendendo sobretudo a juízos de concordância prática. Isso mesmo sublinha o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Ju-nho de 2012 ao definir que “não se colocando a questão, tanto, na hierarquização dos dois direitos constitucionalmente consagrados, o conflito concreto que surja en-tre ambos, deve ser decidido, num quadro de “coordenação, compa-tibilidade ou concordância prática em casos de confluência ou con-flito”.

Cabe, por último, questionar se poderá ser justificável alguma limitação específica à liberdade de expressão dos funcionários da Ad-ministração Fiscal?

Nos termos da lei, cabe à Au-toridade Tributária e Aduaneira a “missão administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tri-butos que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União Euro-peia e do território aduaneiro na-cional, para fins fiscais, económi-cos e de protecção da sociedade, de acordo com as políticas defini-das pelo Governo e o Direito da União Europeia”. Este quadro de competências inclui, como é sabi-do pela generalidade dos cidadãos, competências inspectivas, de fisca-lização e de autoridade de polícia criminal.

Lidando com matérias de ex-trema complexidade e delicada sensibilidade social, os funcioná-rios do Fisco devem transmitir sempre, ao cidadão, uma imagem despida de qualquer preconcei-to ou condicionamento político (ou de qualquer outra ordem), na medida em que executam uma função soberana e essencial do Estado de Direito. Vale, por isso, o

que acima se referiu nesta matéria relativamente a outras categorias profissionais.

De resto, limitar os profissio-nais do Fisco, de forma prévia e generalizada, na sua intervenção pública, é não só claramente in-constitucional como até social-mente erróneo e desvantajoso.

De facto, são poucos, na so-ciedade portuguesa, os técnicos com a especialização e a formação daqueles que têm todos os dias a espinhosa e complexa tarefa de estudar e aplicar as leis fiscais em vigor, bem como um manancial quase incontável de normas admi-nistrativas e regulamentares que, muitas vezes, fazem toda a diferen-ça. Por isso mesmo, a sua contri-buição técnica e especializada, em conferências e outros trabalhos similares, representa uma indiscu-tível mais-valia, em termos de de-senvolvimento técnico-científicos, não só da fiscalidade mas da pró-pria politica fiscal portuguesa.

Da mesma forma, a ampla par-ticipação de técnicos ou dirigen-tes da Administração Fiscal em órgãos de ampla difusão social pode representar, salvaguardadas as situações e estando em vigor os mecanismos apontados, uma ex-traordinária melhoria qualitativa na discussão pública, tantas vezes tão pobre e desinformada, sobre o combate à fraude e à evasão fiscal.

Bem se pode dizer que, neste caso, a limitação da liberdade de expressão dos funcionários públi-cos não é apenas uma grosseira barreira aos seus direitos de per-sonalidade. É mais do que isso: sig-nifica uma desnecessária anestesia e apatia social num tempo em que Portugal precisa do contributo de todos.

Deve ser de afastar, portanto, liminar-

mente, qualquer doutrina que estabeleça, de forma abstracta e genérica, li-mitações no âmbito da liberdade de expressão dos funcionários públicos, pela simples razão de o serem. necessariamente excepcionais e reservadas, essas limitações terão, para além das expressa-mente previstas na lei, de ser analisadas no âmbito concreto, atendendo so-bretudo a juízos de con-cordância prática. Isso mesmo sublinha o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Junho de 2012 ao definir que “não se colocando a questão, tanto, na hierarquização dos dois direitos constitu-cionalmente consagrados, o conflito concreto que surja entre ambos, deve ser decidido, num quadro de “coordenação, compa-tibilidade ou concordância prática em casos de con-fluência ou conflito”.(...)Lidando com matérias de extrema complexidade e delicada sensibilidade social, os funcionários do Fisco devem transmitir sempre, ao cidadão, uma imagem despida de qual-quer preconceito ou con-dicionamento político (ou de qualquer outra ordem), na medida em que execu-tam uma função soberana e essencial do Estado de Direito.

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Tomada de posse da Direção Nacional e Conselho Fiscal do STI

No passado mês de Ja-neiro tomaram posse a Di-reção Nacional e o Conselho Fiscal do STI, para o qua-driénio 2016-2019, numa cerimónia liderada pelo Presidente da Comissão Eleitoral, José Medeiros, e na qual marcaram presen-ça inúmeros trabalhadores, dirigentes sindicais e con-vidados que representarem, ao mais alto nível, a Direção Geral da AT, a Ordem dos Contabilistas Certificados, a APOTEC, o Cofre de Previ-dência, os partidos políticos com assento parlamentar, a CGTP e a UGT e os sindica-tos com os quais o STI tem trabalhado de forma mais

próxima, nomeadamente, o Sindicato dos Quadros Téc-nicos do Estado, o Sindicato dos Funcionários Judiciais, o Sindicato dos Magistra-dos do Ministério Público e o Sindicato dos Registos e notariado.

Na ocasião, o Presidente da Comissão Eleitoral, de-safiou os convidados a pro-ferirem algumas palavras, sendo que todos, de forma transversal e unanime, re-conheceram o trabalho de incomensurável valor, rea-lizado nos últimos quatro anos pela Dn do STI.

Neste âmbito, cabe des-tacar o elogio, repetido por vários oradores, ao facto

da ação do STI ter conse-guido ultrapassar a defesa exclusiva dos direitos dos trabalhadores da AT, para se concentrar também nos problemas do país, e na sua resolução. Ação que se en-contra consubstanciada na apresentação de soluções que têm como objetivo melhorar a vida dos portu-gueses, como foi o caso da proposta para a impossibili-dade da penhora da casa de habitação, que foi aprovada na Assembleia da República e já promulgada pelo Pre-sidente da República, bem como o travão ao encerra-mento de serviços previstos pelo anterior Governo.

A tomada de posse contou com diversas personalidades políticas e sindicais

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Presidente da Comissão Eleitoral, José Medeiros, ladeado pelos mandatários das listas eleitas para o Conselho Fiscal e para a Direção Nacional, Jorge Almeida e José Leite Pires

Presidente da Direção Nacional, Paulo Ralha

Presidente do Conselho Fiscal, José Rocha

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Primeiro encontro nacional de sócios do STI

No passado mês de Maio rea-lizou-se o primeiro encontro na-cional de sócios do STI, no distrito de Setúbal, onde se localizou a pri-meira sede nacional do sindicato. O encontro contou com diversas atividades culturais e desportivas.

No sábado realizou-se um cruzei-ro pelo rio Sado e uma visita ao Museu da Quinta da Bacalhôa, com uma prova de vinhos. No domingo, visitou-se o Santuário nacional do Cristo Rei e o Castelo de Palmela. Ao longo do fim de semana foram

também disputadas as fases finais do I Torneio de Futsal do STI.

Estiveram presentes nesta ini-ciativa mais de 350 sócios, provin-dos de vários pontos do país, que aqui se encontraram para um salu-tar convívio.

Foto 1: o presidente da Direcção do STI, Paulo Ralha, entrega o prémio à equipa do CCTTI de Setúbal, que venceu a 1ª taça nacional STI de Futsal

Foto 2: Damasceno Dias, sub-director da AT, para os recursos humanos, na entrega de prémios torneio de futsal

Foto 3: João Bezerra, Chefe de Gabinete do Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, a entregar um prémio do torneio de futsal

Fotos 4 e 5: atividades culturais e desportivas e um animado jantar marcaram este encontro

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