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ANA SILVIA MOÇO APARICIO
A FORMAÇÃO DOCENTE EM QUESTÃO: UMA ANÁLISE DOS RELA TOS
REFLEXIVOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DE PEDAGOGIA
PARTICIPANTES DO PROGRAMA BOLSA ALFABETIZAÇAO DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Relatório de estágio pós doutoral
FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS
AGOSTO/2012
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO : HISTÓRICO E OBJETIVOS............................................. 03
1- A CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO GERAL DA
PESQUISA..........................................................................................................
09
1.1- O Programa Bolsa Alfabetização ........................................................ 09
1.1.1- A operacionalização do Programa............................................. 10
1.1.2- A fundamentação teórico-metodológica do
Programa.............................................................................................................
14
1.2- O Curso de Pedagogia da USCS........................................................... 22
1.3- O Programa Bolsa Alfabetização na USCS......................................... 25
2- OS APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA
PESQUISA..........................................................................................................
36
2.1- O Ensino como trabalho: algumas considerações............................... 37
2.2- O Interacionismo sociodiscursivo (ISD).............................................. 43
2.1.1- Origem e histórico......................................................................... 43
3- ANÁLISE DOS DADOS DE PESQUISA.................................................... 53
3.1- Procedimentos de geração, caracterização e análise dos dados......... 53
3.2- A situação de produção dos relatos reflexivos.................................... 55
3.3- Plano global dos relatos reflexivos....................................................... 57
3.4- Os actantes postos em cena nos/pelos relatos reflexivos..................... 63
......3.5- Modos de agir do professor regente (re)configurados nos/pelos
relatos reflexivos..................................................................................................
68
CONCLUSÕES................................................................................................... 77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 83
ANEXO 1............................................................................................................. 89
3
A FORMAÇÃO DOCENTE EM QUESTÃO: UMA ANÁLISE DOS RELA TOS
REFLEXIVOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DE PEDAGOGIA
PARTICIPANTES DO PROGRAMA BOLSA ALFABETIZAÇAO DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
[...] contribuir para a necessária melhoria
da qualidade e da eficácia das formações,
é urgente, hoje, (re-)valorizar a profissão
do professor e essa (re-)valorização requer
que sejam conhecidas, compreendidas e
clarificadas as questões que estão em jogo,
a significação e as condições de realização
desse “métier” particular que é o ensino
(BRONCKART, 2009, p.161).
INTRODUÇÃO: HISTÓRICO E OBJETIVOS
A formação de professores é um tema que tem me interessado desde a década de
1980, quando concluí o curso de Letras e iniciei minha carreira docente na rede pública
estadual paulista como professora de Língua Portuguesa. Mas esse interesse tomou
vulto com as experiências que vivenciei, no final dos anos 80 e em toda a década de 90,
como assistente técnico-pedagógico de Língua Portuguesa na Diretoria de Ensino de
uma cidade do interior paulista, e como professora das disciplinas “Linguística” e
“Didática” no curso de Licenciatura em Letras oferecido pela única Instituição de
Ensino Superior (daqui em diante, IES) dessa mesma cidade. Na Diretoria de Ensino,
em contexto de formação continuada, pude acompanhar mais de perto o processo de
implementação das Propostas Curriculares para o Ciclo Básico e para o ensino de
Língua Portuguesa no 1º. Grau do Estado de São Paulo, pois eu tinha por função
repassar aos professores da rede pública local as orientações teórico-metodológicas para
o ensino de língua materna recebidas nos órgãos centrais da Secretaria de Educação do
Estado de São Paulo (daqui em diante, SEE-SP), orientações essas quase sempre
recebidas de professores de Universidades, notadamente, USP, UNICAMP e PUC-SP.
4
Com isso, no Curso de Letras, em contexto de formação inicial, minha atuação passou a
ser fortemente marcada pelas novas orientações que eu recebia no âmbito da SEE-SP.
Essas experiências acabaram me estimulando a realizar o Mestrado e depois o
Doutorado, em Lingüística Aplicada, na área de formação de professores de língua
materna. Em ambos os cursos, as propostas oficiais para a inovação do ensino da língua
portuguesa, e o seu impacto na formação inicial e continuada de professores e nas suas
práticas de sala de aula, foram meu tema principal de pesquisa. (cf. Aparício, 1999;
2000; 2001; 2006; 2007; 2010). Os resultados das pesquisas que realizei confirmam e
apontam alguns aspectos essenciais que, a meu ver, devem ser considerados no contínuo
processo de formação de professores, a saber:
- As ações relativas à formação de professores devem partir de uma reflexão
sobre a prática nas escolas e não de uma suposta necessidade de atualização teórica
como condição suficiente para a inovação da prática em sala de aula; certamente, as
contribuições teóricas são ingredientes importantes, mas não são os únicos de que o
professor lança mão em sua prática.
- O processo de ensino/aprendizagem é complexo1, realiza-se em práticas
institucionais específicas, é dinâmico e envolve, continuamente, a disputa, integração e
negociação de sentidos e posicionamentos; o que significa dizer que varia em função de
onde e quando se dá esse processo, em que condições, com que objetivo, para qual
público-alvo, por quem, como, etc.
- O professor que consegue associar ao seu fazer pedagógico um trabalho de
pesquisa, tornando-se um professor investigador, estará no caminho de aperfeiçoar-se
como professor e de desenvolver uma melhor compreensão de suas ações como
mediador de conhecimentos e de seu processo interacional com seus alunos.
É, pois, com base nesses pressupostos que, desde 2008, na docência das
disciplinas “Fundamentos e Metodologia da Alfabetização” e “Metodologia e Prática do
ensino de Língua Portuguesa”, procuro acompanhar e orientar os meus alunos do curso
de Pedagogia da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (daqui em diante,
USCS). Nesse mesmo ano e na mesma Universidade, passei a atuar também como
professora orientadora dos alunos do curso de Pedagogia participantes do Programa
Bolsa Alfabetização.
1Estamos concebendo “complexo” não apenas no sentido de heterogêneo, mas principalmente no sentido definido por Morin (1996:274) como um todo que comporta um emaranhado de ações, de interações, de retroações.
5
Em linhas gerais, o Bolsa Alfabetização é um Programa do governo estadual
paulista que, a partir de uma parceria entre a SEE-SP e a Fundação para o
Desenvolvimento da Educação (daqui em diante, FDE) e IES2, oferece oportunidades a
universitários que frequentam cursos de Pedagogia ou Letras de vivenciar, junto a
professores da rede pública estadual, em sistema de colaboração, a prática de uma
escola real, com vistas a ampliar o significado da teoria que vêm estudando no meio
acadêmico.
Desse modo, a tarefa dos universitários participantes do Programa, denominados
“alunos pesquisadores” (daqui em diante, AP), é auxiliar os professores regentes de 2º.
ano (antiga 1ª. série) a realizarem a alfabetização e, além disso, transformar a
experiência em temário de análise e discussão na IES, onde são acompanhados e
orientados pelo professor orientador, com vistas a desempenharem com sucesso o
trabalho de alfabetização e desenvolverem trabalhos de pesquisa sobre temas
relacionados à alfabetização. A esse professor orientador, indicado pela IES, cabe
realizar encontros semanais com os APs visando orientar, discutir e refletir sobre o
trabalho que estes realizam nas escolas. Uma das propostas da Equipe da SEE/FDE aos
professores orientadores, para o acompanhamento desse trabalho, é que motivem e
orientem os APs a registrarem diariamente as observações e intervenções que realizam
na sala de aula em que atuam, considerando-se que a produção e análise dos registros
escritos é um importante recurso de formação profissional e de desenvolvimento
pessoal.
Nesse contexto, o grande entusiasmo e o envolvimento demonstrados pelos APs
da USCS, com relação às experiências vivenciadas nas salas de aula em que atuam,
chamaram-me a atenção e levaram-me a refletir sobre a possibilidade de construção de
um diálogo diferente, provocado pelo Bolsa Alfabetização, entre a instituição de
formação docente e a instituição escolar. Diferente, sobretudo, em comparação à
assimetria do diálogo entre essas mesmas instâncias, tradicionalmente instaurado pelo
Estágio Supervisionado dos cursos de formação de professores.
Pesquisas sobre o assunto já demonstraram que um dos principais motivos que
geram o descompasso na interação universidade-escola é que esta última não tendo a
função de formar professores simplesmente atende às legislações oficiais, que exigem
que os Estágios sejam nela realizados. Na maioria das vezes, o Projeto Pedagógico da
2 Firmada a parceria, a SEE repassa às IESs os recursos necessários ao atendimento das despesas com a concessão de bolsas-auxílio aos alunos participantes do Projeto.
6
escola não prevê espaço e tempo destinados às ações de Estágio, restando ao estagiário
contar com a boa vontade do professor da sala e da direção da escola. (cf. Almeida,
1994; Arnoni, 2003; Pimenta, 2008).
Já, ao tomar a escola como palco central da formação inicial, da formação
continuada e da prática de sala de aula, o Bolsa Alfabetização tende a instaurar um
espaço real em que questões da educação possam ser discutidas colaborativamente pela
universidade e pela escola, permitindo a construção de novas formas de interação no
processo de formação docente, inclusive com a participação de novos papéis e atores
nesse processo, tais como: o professor regente, o aluno pesquisador, o professor
orientador.
Foram, então, essas reflexões que me instigaram a realizar esta pesquisa, na
tentativa de compreender mais detalhadamente a construção desse novo cenário de
formação docente, focalizando o processo de formação dos APs. Mais especificamente,
busquei realizar aqui uma investigação que elege como objeto de análise os relatos
reflexivos produzidos pelos APs a partir de suas observações, indagações, intervenções,
realizadas na sala de aula de alfabetização em que atuam junto ao professor regente.
Estou considerando “relato reflexivo” como um gênero textual de cunho
autobiográfico que, de acordo com Signorini (2006), incorpora as duas funções
principais que se têm atribuído a relatos de experiência pessoais escritos por professores
em contextos de interlocução orientada para atuação no ensino - interlocução essa
realizada com os seus pares e/ou com o professor formador. Nos termos da autora,
A primeira dessas funções é a de dar voz ao professor enquanto profissional. Através do “relato reflexivo”, são desencadeados processos de articulação e legitimação de posições, papéis e identidades auto-referenciadas, ou seja, construídas pelo narrador/autor para si mesmo. A segunda função é a de através da interlocução mediada pela escrita, criar mecanismos e espaços de reflexão sobre teorias e práticas que constituem os modos individuais e coletivos de compreensão e de produção/reprodução desse campo de trabalho, bem como das identidades profissionais, individuais e de grupo. (Signorini, 2006, p.55).
A escolha dos relatos reflexivos produzidos pelos APs da USCS, como objeto de
estudo deste trabalho, deveu-se a dois principais fatores. Um deles é pelo fato desse
gênero de texto ser um dos tipos de narrativas docentes de cunho autobiográfico, assim
como diários de bordo, autobiografias, histórias de vida, portfólios, webfólios, etc, que
têm uma função catalisadora (Signorini, 2005; 2006) no processo de formação de
professor, na medida em que favorecem o desencadeamento e a potencialização de
7
ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação. Isso porque,
na posição de narrador/autor, o futuro professor pode expressar suas dúvidas, anseios,
percepções, questões, críticas, conflitos, tensões e (re)elaborar crenças e práticas,
criando, assim, um espaço que lhe permite fazer uma reflexão sobre suas ações e sua
própria escrita e uma auto-análise tanto na produção como na releitura do seu próprio
relato.
O outro fator que me levou a escolher os referidos relatos como objeto de análise
é o fato de a produção desse gênero discursivo em situações de formação inicial de
professor ser ainda pouco explorada, tanto como instrumento de formação quanto de
pesquisa acadêmica. Já em situações de formação continuada ou de formação em
serviço, os relatos de cunho autobiográfico escritos por professores têm sido muito
utilizados como ferramenta de formação e de pesquisa em contextos internacionais
(Burton, 1997; Zabalza, 2004) e também no Brasil (Liberali, 1999; Reichmann, 2007;
Andrade, 2003; Signorini, 2005, 2006; André e Pontin, 2010).
Nesse sentido, os relatos reflexivos produzidos por APs do Programa Bolsa
Alfabetização constituem um importante objeto para estudo, uma vez que, ao
possibilitar a esses alunos refletir na/pela escrita sobre as práticas docentes observadas,
as suas próprias ações e práticas, trazem indícios de como estão compreendendo essas
práticas e constituindo-se professores. Assim, meu principal objetivo neste trabalho é
evidenciar e compreender como os APs (re)configuram3 o agir do professor regente
nos/pelos relatos reflexivos que produzem no âmbito do Bolsa Alfabetização. Com isso,
é possível, a meu ver, desenvolver algumas reflexões sobre contribuições desse
Programa na formação inicial de professores, como também sobre a formação de
professores para a Educação Básica, em geral.
Tendo isso em vista, para as análises, adotamos como referenciais teórico-
metodológicos as contribuições do Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 1997,
1999, 2004, 2006, 2008; Machado, 2004, 2008, 2009a, 2009b, entre outros), que
assumem o papel fundador da linguagem e do funcionamento da atividade discursiva no
desenvolvimento humano, enfatizando a dimensão interacional da linguagem e
3 Neste estudo, utilizo os termos “(re)configurar” e “(re)configuração”, com base em Bronckart (2008, p. 35, apud Ricoeur), no sentido de que dizer o mundo é uma constante atividade de configuração e refiguração. Assim, para Bronckart, “qualquer texto, qualquer que seja ou seu gênero ou seu tipo, seja oral ou escrito, pode contribuir no processo de reconfiguração do agir humano”.
8
permitindo analisar o conteúdo e as condições de produção dos enunciados: o que é dito
e os modos de dizer.
Considerando que os dados de pesquisa foram gerados no processo de formação
no âmbito do Programa Bolsa Alfabetização, a presente investigação, de natureza
qualitativo-interpretativista, orienta-se por princípios da pesquisa-ação, envolvendo dois
momentos distintos: o das situações de interlocução aluno pesquisador/professor
orientador (minha atuação dentro do Bolsa Alfabetização) realizadas nos processos de
produção dos relatos reflexivos; e o da organização e análise interpretativa realizadas
por mim, enquanto pesquisadora, desses relatos reflexivos.
A concepção de pesquisa-ação que fundamenta a caracterização desta pesquisa é
a proposta por Morin (2004), para quem a participação dos atores e do pesquisador é
analisada em suas diferentes formas e graus de intensidade e se destina à
democratização das práticas educativas e sociais, nos campos em que ocorrem a
pesquisa e a ação. Ainda segundo esse autor, o conhecimento metodológico produzido a
partir da estratégia e da prática da pesquisa-ação, baseado nas práticas educacionais e
sociais dos grupos envolvidos e gerado a partir da interlocução entre pesquisadores e
atores da situação observada, revela-se como sendo de grande utilidade para
desencadear mudanças ou melhorias de diversos tipos, em particular, no mundo da
educação. E, além disso, um dos principais objetivos da pesquisa-ação, como defende
Morin (op.cit.) é o de produzir e socializar conhecimento que não seja útil apenas para a
coletividade diretamente envolvida na pesquisa, mas que possibilite certo grau de
generalização.
Da mesma forma, acredito que o meu envolvimento e o dos APs nesta pesquisa
– caracterizados como participantes da pesquisa ação - estão comprometidos, no
contexto particular, com a transformação não apenas de nossas atuações, mas também
com a transformação do trabalho dos professores regentes que interagem com esses
APs. No contexto mais amplo, o que se espera é que os conhecimentos produzidos a
partir desta pesquisa contribuam para as transformações do processo de formação inicial
de professores.
Inicio, então, este estudo, caracterizando o contexto mais amplo que envolve
esta pesquisa: apresento pressupostos e características do Bolsa Alfabetização enquanto
um Programa do governo do Estado de São Paulo, bem como uma caracterização geral
do Curso de Pedagogia da USCS e um breve histórico do Bolsa Alfabetização nessa
9
IES. Nessa caracterização, também busco esclarecer as concepções e dispositivos de
formação inicial de professores subjacentes a esses contextos.
Na segunda parte, busco explicitar os aportes teórico-metodológicos que
fundamentam este estudo, apontando as categorias de análise dos relatos reflexivos. Na
terceira parte, procedo à análise propriamente dita dos relatos, desde o contexto de
produção dos relatos até o nível de ação da linguagem que dá origem a esses textos,
focalizando mais especificamente a dimensão semântica. No final, apresento os
resultados das análises e as conclusões do trabalho.
1- A CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO GERAL DA PESQUISA
1.1- O Programa Bolsa Alfabetização
O Projeto Escola Pública e Universidade na Alfabetização - conhecido como
Programa Bolsa Alfabetização - foi inicialmente implantado pela Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo, no ano de 2006. Mas foi em 2007 incorporado pela
Secretaria da Educação do Estado para a Capital paulista; em 2008, ampliado para toda
a região Metropolitana de São Paulo; e, em 2009, ao interior e litoral paulista. Esse
Programa foi criado pelo Decreto 51.627 de 1º de março de 2007, integrando o
Programa “Ler e Escrever”, cujo objetivo é alfabetizar todas as crianças com até oito
anos de idade das escolas estaduais, ou seja, até o final do 3° ano do Ensino
Fundamental, bem como garantir recuperação da aprendizagem de leitura e escrita aos
alunos das demais séries que compõem os anos iniciais do Ensino Fundamental (4º. e
5º. anos).
Na verdade, o Ler e Escrever engloba um conjunto de linhas de ação articuladas
que inclui formação, acompanhamento, elaboração e distribuição de materiais
pedagógicos e outros subsídios, constituindo-se, dessa forma, como uma política
pública para as séries iniciais do ensino fundamental, que busca promover a melhoria do
ensino em toda a rede estadual.
Tendo isso em vista, e considerando que a formação inicial dos professores não
tem contemplado adequadamente a didática da alfabetização nem outros conhecimentos
sobre a prática (cf. Gatti, et al. 2008; Gatti e Nunes, 2009), somando-se ao fato de que o
grande número de alunos por sala de aula (geralmente em torno de 40) dificulta o
trabalho individualizado do professor regente, sobretudo, junto às crianças que
10
apresentam maiores dificuldades no processo de alfabetização, é que a SEE-SP, em
parceria com a FDE, estruturou o Programa Bolsa Alfabetização. Assim, o propósito
principal desse Programa é o de trazer à tona, em parceria com as IES envolvidas,
questões que envolvem a didática da alfabetização, tendo como referência a prática
educativa real da sala de aula, na busca de constituição/construção de conteúdos mais
adequados para a formação inicial dos professores.
Sendo assim, conforme propõem os documentos oficiais que institucionalizam
tal Programa, o Bolsa Alfabetização intenciona aprimorar a formação inicial dos
estudantes dos cursos de Pedagogia e de Letras, possibilitando-lhes atuar, diariamente,
junto aos professores alfabetizadores da rede pública de ensino, tendo maior
conhecimento de tal realidade e, consequentemente, contribuir para que todos os alunos
do 2º ano ou de classes do mesmo ciclo, voltadas à recuperação da aprendizagem (as
classes de PIC – Programa Intensivo no Ciclo) sejam capazes de ler e escrever
convencionalmente. Além disso, o Bolsa Alfabetização espera que as IES
comprometam-se com a causa do ensino público, buscando estabelecer uma ponte
importante entre o ambiente acadêmico e a prática em sala de aula, por meio de uma
interação permanente do AP com o professore regente e com o professor orientador da
IES.
1.1.1- A operacionalização do Programa
Para a participação da IES no Programa Bolsa Alfabetização, a SEE/FDE
publica no Diário Oficial chamamento público comunicando a abertura das inscrições
de IES para apresentação de um Plano de Trabalho, elaborado em consonância às
diretrizes que embasam o Programa. De acordo com a última Resolução SE 74, de 24-
11-2011, da Secretaria de Estado da Educação, podem se inscrever todas as IES
sediadas no Estado de São Paulo, que possuam cursos presenciais devidamente
autorizados e/ou reconhecidos nas áreas de Pedagogia, com habilitação para magistério
de 1ª. a 4ª. série ou Letras com habilitação para o magistério; ou ainda de pós graduação
stricto sensu (Mestrado/Doutorado) na área de didática da alfabetização.
No Plano de Trabalho, além de dados cadastrais/administrativos e da indicação
de um Interlocutor Administrativo, bem como da proposta do número de classes a
serem atendidas pela IES, por Diretoria e Município, deve ser apresentada proposta
teórico-metodológica (com cronograma) para o trabalho de formação dos licenciandos,
11
os chamados APs, com a indicação do(s) professor(es) coordenador(es) que
realizará(ão) a formação e o acompanhamento dos APs. Sugere-se que esses professores
sejam responsáveis pelas disciplinas de Didática, Práticas de Ensino da Alfabetização e
Língua Portuguesa e/ou outras afins; e que cada professor orientador assuma a
orientação de no máximo 40 APs.
Após, então, a avaliação e aprovação do Plano de Trabalho, a SEE-SP realiza a
celebração de convênio com as faculdades legalmente habilitadas. Feito isso, a IES
procede à seleção, cadastramento no site do Programa e encaminhamento dos APs às
Diretorias de Ensino que, por sua vez, os encaminham às escolas.
Os requisitos necessários à participação dos licenciandos no Programa,
conforme disposto na atual Resolução SE 74, de 24.11.2011, são:
a) estar regularmente matriculado e frequentando curso4 de Pedagogia ou Letras.
b) ter interesse e disponibilidade para cumprir a carga horária de 20 horas
semanais, sendo 04 horas diárias, incluindo duas horas semanais em HTPC (Horas de
Trabalho Pedagógico Coletivo), compatíveis com seu horário escolar, de segunda a
sexta-feira, em classe de 1ª série do Ciclo I do Ensino Fundamental, desenvolvendo
atividades junto ao professor regente.
c) dispor de no mínimo 02 horas semanais para participar das reuniões com o
professor orientador, em sua Instituição de Ensino Superior, nas datas estipuladas pelo
Plano de Trabalho apresentado;
d) não ser beneficiário de bolsa de estudos, financiamento universitário ou
similar oriundos de recursos públicos.
Para a seleção dos alunos interessados, a IES segue os seguintes critérios
recomendados pelo próprio programa:
a) assiduidade;
b) desempenho acadêmico;
c) condição sócio-econômica;
d) sociabilidade;
e) facilidade de acesso à região escolhida;
f) interesse pelos fundamentos teóricos do Programa Ler e Escrever.
4 Até 2011 podiam participar somente os alunos que estavam cursando a partir do 2º. semestre do Curso de Pedagogia ou Letras; já em 2012, puderam participar os alunos que estavam cursando desde o 1º. semestre do Curso.
12
Após o encaminhamento dos APS às escolas, para a sua inserção e atuação
adequada nas classes de 2º ano, sob a supervisão de seu professor orientador, é
importante que conheçam as atribuições do AP, conforme regulamento do Programa, a
saber:
a) conhecer os documentos que regem a unidade escolar, como o Regimento e a
Proposta Pedagógica;
b) informar-se sobre o perfil da comunidade atendida pela escola;
c) conhecer o Planejamento Anual do professor regente;
d) cumprir 20 (vinte) horas semanais, na escola que abriga sua pesquisa didática
escolhida sob orientação de seu professor orientador –, sendo: 18 (dezoito) horas em
sala de aula e 02 (duas) em HTPCs – Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo;
e) estabelecer vínculo de respeito mútuo com o diretor, vice-diretor, professor
coordenador, professor regente, alunos e demais funcionários da escola;
f) atuar, auxiliando o professor regente na elaboração de diagnósticos
pedagógicos, quanto às hipóteses da escrita;
g) planejar e executar, sempre em parceria com o professor regente, atividades
pedagógicas, para serem desenvolvidas individualmente ou em grupo;
h) participar de todos os encontros de formação promovidos pela Instituição de
Ensino Superior, sendo que as faltas não serão permitidas e acarretam motivo de
desligamento do aluno pesquisador do Projeto;
i) registrar as atividades, constatações e reflexões propiciadas pela prática em
sala de aula ou suscitadas pelo projeto de pesquisa a ser desenvolvido junto à Instituição
de Ensino Superior;
j) apresentar e discutir com seu professor orientador os apontamentos registrados
em sala de aula;
k) desenvolver a pesquisa formativa de orientação didática conforme os
encaminhamentos de seu professor orientador;
l) participar das reuniões de formação e avaliação do Projeto, sempre que
solicitado pelos professores coordenadores, nas unidades escolares, e pelos professores
orientadores, nas Instituições de Ensino Superior, respeitando sua carga horária.
Munido dessas orientações, o AP passa, então, a atuar diariamente na escola,
cuja frequência é controlada pela Direção da Escola e acompanhada mês a mês pelo
professor orientador da IES, que, mediante a entrega da folha de frequência
devidamente assinada pela Direção da escola, valida no site do Programa a frequência
13
de cada AP. Após a validação da frequência de todos os APs, os responsáveis da IES
geram o relatório de frequência que, no processo mensal de prestação de contas, é
encaminhado à SEE/FDE, juntamente com o relatório cirscunstanciado das atividades
pedagógicas realizadas no mês, para o repasse do recurso à IES5.
Para a orientação e acompanhamento da atuação do AP na sala de aula de
alfabetização, são realizados os encontros semanais de 02 duas horas na IES, em que
são discutidos e estudados os referenciais teórico-metodológicos do Programa,
relacionados às experiências trazidas pelos APs sobre suas observações e ações
realizadas nas classes em que atuam. Nesses encontros também são analisados os
materiais do Programa Ler e Escrever destinados ao 2º. ano e às classes de PIC, isto é,
às series em que atuam os APs6. Nesse processo de formação, de acordo com as
diretrizes do Bolsa Alfabetização, o AP deve ser orientado a realizar uma pesquisa de
natureza didática, com base na escolha de um tema sugerido pela equipe de gestão
pedagógica da SEE/FDE, com a proposta de que, ao término do trabalho, a escola que
acolheu o AP receba uma cópia dessa produção, configurando uma oportunidade para
reflexão e revisão das didáticas adotadas.
Vale ressaltar ainda que, para auxiliar o processo de formação do AP, a
SEE/FDE realiza mensalmente Encontros de Acompanhamento dos Trabalhos entre a
sua equipe de gestão institucional e os professores orientadores e interlocutores das IES
participantes do Programa, sendo que, uma vez no ano, esses encontros contam com a
presença da pesquisadora argentina Delia Lerner, consultora do Bolsa Alfabetização,
desde sua implantação.
Com base nas reflexões realizadas em todo esse processo de formação docente,
cabe ainda ao professor orientador elaborar relatórios pedagógicos trimestrais, buscando
apresentar observações/percepções relativas à formação do AP, sobre concepções,
crenças e visões do processo de ensino/aprendizagem, tanto do AP, como do professor
regente, como do próprio professor orientador. Esses relatórios são encaminhados à
equipe de gestão pedagógica do Programa que, por sua vez, toma-os como base para
refletir sobre as suas ações e discutir com a consultora Delia Lerner.
5 De 2007 a 2011, o valor da bolsa-auxílio do AP era de R$ 500,00, proporcional à frequência do bolsista, e a recomendação da SEE/FDE é que o valor da bolsa supra os custos da mensalidade do curso, bem como das despesas do AP com transporte e alimentação. A partir de 2011, o valor da bolsa passou a ser de R$ 700,00, ficando definido um mínimo de R$ 200,00 de ajuda de custo para transporte e alimentação do AP, também proporcional à sua frequência. 6 Cada AP participante do Programa recebe um Kit do material do Ler e Escrever relativo à série em que atua (2º. ano ou PIC).
14
Um aspecto que fica evidente nessa estrutura é que o Programa Bolsa
Alfabetização não prevê um diálogo direto da IES com as Diretorias de Ensino e
respectivas escolas em que atuam os seus licenciandos. Essa mediação fica
exclusivamente a cargo da equipe de gestão da SEE/FDE.
De qualquer forma, essa dinâmica organizacional tem aproximado os APs dos
professores regentes das escolas públicas, envolvendo-os com os questões da gestão de
sala de aula e das relações de ensino e aprendizagem na alfabetização inicial. De acordo
com dados da SEE/FDE, publicados no site do Programa Ler e Escrever7, no final de
2010, o Programa Bolsa Alfabetização já contava com 88 convênios firmados com IES;
98 professores-orientadores; 88 interlocutores administrativos; 2099 classes atendidas
de 2º ano; 976 unidades escolares; sendo 2099 APs desenvolvendo pesquisa de
investigação didática, visando qualificar sua formação acadêmica, bem como contribuir
para a melhoria da qualidade do ensino nessas classes. Ainda conforme esses dados, ao
longo de seus quatro anos de implantação (2007-2010), a imersão na escola tem
permitido aos universitários lidar com a interpretação de gestos, atitudes, opiniões,
hábitos e crenças sobre alfabetização e as tantas ações do dia-a-dia de uma sala de aula,
enfrentando os reais dilemas da alfabetização.
1.1.2- A fundamentação teórico-metodológica do Programa
Desde o final dos anos de 1980, há aproximadamente 25 anos, quando eu atuava
na Diretoria de Ensino na formação de professores da rede pública estadual, na
implementação do Ciclo Básico8 e da Proposta Curricular para o Ensino de Língua
Portuguesa no 1º. Grau, a SEE/SP, influenciada pelas então recentes contribuições dos
resultados de pesquisas de Emilia Ferreiro9, já tinha como foco principal a formação de
professores visando a alfabetização total das crianças, com programas dirigidos ao
7 O site é: http://lereescrever.fde.sp.gov.br 8 O Ciclo Básico foi implantado por decreto, pela SEE/SP, em 1983, abrangendo num único segmento as antigas 1ª e 2ª séries do antigo Ensino de 1º grau e eliminando a reprovação entre essas séries. 9 Cf. Ferreiro, 1985; Ferreiro & Teberosky, 1985; Ferreiro, Teberosky & Palácio, 1987.
15
trabalho nas séries iniciais, tais como as ações do “Projeto Ipê”10, voltadas para o Ciclo
Básico e do projeto “Alfabetização - Teoria e Prática”11.
A partir disso, várias outras ações foram sendo desencadeadas pela SEE-SP ao
longo das duas últimas décadas, no sentido de se consolidar uma proposta pedagógica
norteada pelos princípios da perspectiva construtivista de alfabetização. Após o Ciclo
Básico, com base em indicação do Conselho Estadual de Educação (Indicação CEE nº
8/1997), sustentado pelo que dispõe o artigo 32 da LDB, foi implantado, em 1998, o
regime da Progressão Continuada que reorganizou o Ensino Fundamental no Estado de
São Paulo em dois grandes ciclos: o de 1.ª à 4.ª série e o de 5.ª à 8.ª série. O que se
pretendia com o regime de ciclos era respeitar o ritmo de aprendizagem de cada
estudante, de modo que toda a aprendizagem e conhecimento, construídos ao longo de
um ano escolar, não fossem desconsiderados (cf. Neubauer, 2001).
Assim, diante dessa nova estrutura, a SEE-SP passou a adotar medidas de cunho
pedagógico para oferecer um efetivo apoio às escolas. No caso da alfabetização, teve
início o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, o PROFA12. Nos
termos de Telma Weisz, uma das principais divulgadoras e defensoras das ideias de
Emilia Ferreiro na educação paulista:
Em sua versão paulista este programa foi rebatizado e passou a chamar-se Letra e Vida [...]. Em quatro anos (2003-2006) foram formados em São Paulo aproximadamente 900 Coordenadores Gerais e de Grupos que por sua vez atenderam cerca de 38.000 professores cursistas. (WEISZ, 2010, p.21)
O Programa Letra e Vida é, então, o mesmo que o do PROFA, implantado em
2001 pelo MEC, tendo os mesmos pressupostos teóricos e metodológicos, com poucas
diferenças no material utilizado nos dois cursos. Contudo, em 2007, o Letra e Vida dá
lugar ao Programa Ler e Escrever, implantado juntamente com uma série de medidas
tomadas pela SEE-SP para a melhoria da qualidade do ensino, dentre estas a
implantação do Ensino Fundamental de 9 anos, a publicação das Orientações
10 Trata-se de uma ação da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) da SEE-SP que, através de multimeios (TV, Rádio e Materiais impressos) procurou levar ao maior número de educadores a reformulação curricular paulista. Esse programa permaneceu na rede entre 1984 e 1990. 11 Trata-se de um programa desenvolvido pela SEE/SP em parceria com a FDE, para a capacitação de professores do Ciclo Básico, com o objetivo de tematizar a prática destes professores, bem como organizar o trabalho de reflexão pedagógica no interior das escolas. Esse projeto teve inicio em 1992 e permaneceu na rede até o final do ano de 1994. 12 Programa formulado e divulgado em 2001, pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação (MEC), originário do aperfeiçoamento e aprofundamento do Programa Parâmetros em Ação de Alfabetização, realizado em parcerias com Estados e Prefeituras Municipais, além de escolas e universidades públicas e privadas, ou quaisquer instituições que manifestem interesse em desenvolvê-lo.
16
Curriculares do Estado de São Paulo para Língua Portuguesa e Matemática (Ciclo 1), a
elaboração de guias de planejamento e materiais didáticos para os professores,
adequados a partir do material publicado pela Secretaria Municipal de Educação (SME)
em 2006 e 2007 e a implantação do Programa Bolsa Alfabetização.
O Programa Ler e Escrever, conforme afirma Telma Weisz,
diferentemente dos anteriores, foi oficialmente assumido como política pública desde o seu início. Isto é, não era mais um grupo de educadores que se dispunha a, voluntariamente, fazer a diferença. Houve, por exemplo, a necessidade de mudar normas e legislação para garantir as condições de funcionamento minimamente necessárias. Só uma política pública poderia produzir material didático impresso (a tradição no Brasil é o Estado comprar material didático das editoras privadas para distribuir gratuitamente) para professores e alunos, tanto os das escolas estaduais como os das escolas municipais que se integraram ao Programa. E, como cabe a uma política pública, o Ler e Escrever não está focado na formação em serviço dos professores individualmente, mas foi pensado como um conjunto de ações cujo objetivo é fazer avançar a qualidade do ensino oferecido em cada escola (WEISZ, 2010, p. 21).
Como tive a oportunidade de acompanhar mais de perto, na década de 1980, a
fase inicial das ações da SEE-SP de formação do professor de língua materna, posso
afirmar que, embora tenham se alterado algumas estratégias, permanecem até hoje as
mesmas concepções e diretrizes metodológicas de orientação para o trabalho com a
leitura e escrita no processo de alfabetização.
Em linhas gerais, a proposta construtivista de alfabetização, assumida há pelo
menos 25 anos pelo Estado de São Paulo, está embasada nas contribuições teóricas e
metodológicas inicialmente publicadas no livro “Psicogênese da língua escrita”
(Ferreiro e Teberosky, 1985), amplamente divulgadas e recomendadas aos professores.
Nessa obra, amparadas nas ideias de Piaget sobre a construção do conhecimento, as
autoras demonstram como a criança constrói diferentes hipóteses acerca da escrita, antes
de chegar a compreender a base do sistema alfabético.
Com base, então, nessa premissa, o Programa o Bolsa Alfabetização alinha as
concepções de língua, de alfabetização e letramento, de ensino e aprendizagem da
leitura e escrita, definindo-as no marco conceitual que acompanha o seu regulamento e
nos textos de orientação para a formação do AP.
Assim, no marco conceitual do Programa, a língua é compreendida como
conhecimento que se organiza e se constroi nas diferentes práticas sociais de leitura,
escrita, escuta e oralidade de que participam os seus falantes, cujos propósitos
determinam o modo de ler/compreender e de organizar o texto oral ou escrito. Nesse
17
sentido, alfabetizar significa muito mais do que ensinar a codificar e decodificar textos
simples e, por isso, estar alfabetizado significa saber usar, de modo autônomo, os
recursos da sua própria língua, nas diferentes situações de seu uso.
Cabe ressaltar que as orientações do Bolsa Alfabetização assumem a ideia
defendida por Emilia Ferreiro de que o conceito de letramento não deve ser
compreendido separadamente do conceito de alfabetização. Como sugere Ferreiro
(2003), em entrevista concedida à revista Nova Escola, a palavra letramento é tradução de
literacy, que em sua origem, significa alfabetização e muito mais. Sendo assim, para a
pesquisadora, a melhor tradução para o termo seria “cultura escrita” e não letramento, uma
vez que este não tem início depois da aprendizagem do código, mas nas diversas
práticas sociais de uso da língua, como, por exemplo, no momento em que um adulto lê
em voz alta para uma criança. Nesse sentido, para Ferreiro, o processo de alfabetização
é desencadeado com o acesso à cultura escrita.
Ainda sobre a utilização dos termos “alfabetização” e “letramento”, Ferreiro
afirma:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se podia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto. (...) Eu não uso a palavra letramento. Se houvesse uma votação e ficasse decidido que preferimos usar letramento em vez de alfabetização, tudo bem. A coexistência dos termos é que não dá.
(Trecho de entrevista concedida à Revista Nova Escola em maio de 2003). Sem fazer, então, referência aos termos separadamente, as orientações do Programa
Bolsa Alfabetização, assim como as do Ciclo Básico no final da década de 80, ainda continuam
explicitando argumentos de que o uso de cartilhas e de métodos prontos não são eficientes
para o processo de alfabetização, já que não consideram o modo como os alunos pensam
e se esforçam para construir conhecimentos sobre a escrita e, não levando os alunos
para além do contato com palavras isoladas e frases simples, não cumprem o propósito
de apresentar a língua na sua real complexidade como objeto social de conhecimento.
Defendendo a ideia de que as crianças refletem sobre a escrita e desenvolvem
complexas hipóteses para explicar as regularidades do sistema, as orientações do
Programa, certamente tendo em vista possíveis equívocos na compreensão da
abordagem construtivista de alfabetização, salientam que os conhecimentos construídos
pelas crianças não surgem espontaneamente, é preciso que lhes sejam dadas, nas
18
diversas situações de leitura e escrita, oportunidades de refletirem sobre o sistema de
escrita. Dessa forma, as orientações do Programa apontam a escola e, sobretudo, o
professor, como responsáveis por inserir os alunos no universo da cultura escrita,
ressaltando ser necessário para o sucesso na alfabetização ter uma rotina de leitura e de
escrita na escola, assim como, realizar projetos e sequências didáticas que levem os
alunos a refletir não apenas sobre o funcionamento do sistema de escrita, mas sobre os
usos e funções da língua.
Ainda é reforçada a concepção de aprendizagem construtivista, que considera o
aluno sujeito de sua própria aprendizagem, visto que ele aprende nas mais diferentes
situações, principalmente quando é instigado a resolver problemas significativos que
demandem dele a elaboração de ideias e hipóteses próprias, como no processo de
alfabetização, nas etapas rumo à compreensão da escrita alfabética.
Essa mesma perspectiva deve embasar as estratégias de trabalho na formação de
professores. De acordo com o marco conceitual do Programa, os APs também são
sujeitos de suas aprendizagens profissionais e isso se faz no enfrentamento de situações
iguais àquelas vivenciadas pelos professores regentes. Desse modo, os APs são
considerados como sujeitos com visões de mundo próprias, mediadas em maior ou
menor grau pela cultura escolar. Sendo também sujeitos da própria aprendizagem,
constroem conhecimentos sobre o que é ser professor, o que e como se ensina, nas
diferentes situações e interações de que participam, tanto nas escolas em que atuam,
como no contexto acadêmico de sua IES.
A grande inovação/novidade do Programa, no que se refere ao processo de
formação docente, está, a meu ver, na adoção da Investigação Didática que busca
instigar os APs a observarem mais atentamente as situações de ensino e aprendizagem
que vivenciam e a refletirem sobre como as práticas pedagógicas de alfabetização
podem ser mediadas por conhecimentos sobre a didática da língua, em funcionamento
em contextos reais de sala de aula.
Nesse aspecto, mais especificamente, o Programa se vale das contribuições e
orientações de Delia Lerner sobre a Pesquisa/Investigação Didática. A chamada
“Pesquisa Didática” é uma abordagem de investigação de cunho formativo realizada
inicialmente por grupos franceses que buscavam formas mais adequadas de ensinar
Matemática, cujos principais representantes são Guy Brousseau e Yves Chevallard.
Atualmente, outros grupos que desenvolvem investigação didática, inclusive na área de
Alfabetização, Leitura e Escrita, estão em grandes centros de produção de conhecimento
19
na França, Suíça, Canadá e Argentina. Este último tem como um de seus principais
representantes a pesquisadora Delia Lerner quem, atualmente, é grande referência no
Brasil para as discussões de formação de professores alfabetizadores.
De acordo com Lerner (2002), a pesquisa didática elege as práticas de sala de
aula como objeto de análise, considerando as situações de classe, as diferentes formas
de registros sobre essas situações e as discussões feitas a partir desses registros com os
professores envolvidos, transformando tudo em ferramentas essenciais para se construir
e divulgar conhecimentos próprios da/para a área.
Essa perspectiva de adotar como objeto de análise a própria prática do professor
é defendida por Lerner (2002) com base na idéia de que, para a inovação/mudança de
práticas em sala de aula, não basta somente a capacitação dos professores. Nos termos
da autora:
Reconhecer que a capacitação não é condição suficiente para a mudança na proposta didática porque ela não depende só das vontades individuais dos professores – por melhor capacitados que estejam – significa aceitar que, além de continuar com os esforços de capacitação, será necessário estudar os mecanismos ou fenômenos que ocorrem na escola e impedem que todas as crianças se apropriem dessas práticas sociais que são a leitura e a escrita (...) Ao conhecê-los, se tornará possível vislumbrar formas de controlar sua ação, assim como precisar algumas questões relativas à mudança curricular e institucional. (Lerner, 2002, p.33)
É, pois, nesse sentido, que a autora aponta a necessidade de investigações
didáticas específicas, como na área da leitura e da escrita, para que se produzam
conhecimentos resolvendo problemas específicos da área, de tal modo que a didática da
leitura e da escrita deixe de ser matéria “opinável” para se constituir como um corpo de
conhecimentos de reconhecida validade. Pois, de acordo com Lerner (2002), o
conhecimento didático de língua materna, por exemplo, não pode ser deduzido
simplesmente das contribuições da psicologia ou da linguística. “É necessário realizar
investigações didáticas que permitam estudar e validar as situações de aprendizagem
que propomos, aperfeiçoar as intervenções de ensino, apresentar problemas novos que
só se fazem presentes na sala de aula”. (Lerner, 2002:43).
Assumindo, então, essa abordagem para nortear o processo de formação dos
APs, o Programa Bolsa Alfabetização, busca envolvê-los com os problemas próprios
das ações didáticas na alfabetização. Para isso, a orientação é que os APs participem do
cotidiano do processo de alfabetização de crianças, observando e atuando junto aos
alunos com a devida orientação do professor regente, e supervisão do professor
20
orientador, produzindo registros escritos e/ou audiogravados das situações
observadas/vivenciadas nesse contexto. Registros esses que devem servir para orientar o
olhar investigativo do AP, bem como o foco da investigação didática a ser realizada.
Quanto à investigação didática, o Programa selecionou quatro temas:
1- Rotina de leitura e de escrita;
2- Leitura feita pelo professor;
3- Produção oral com destino escrito;
4- Cópia e ditado (ressignificação da cópia).
Os conteúdos e metodologias relativos a esses temas devem ser
sistematicamente trabalhados e estudados nos encontros de formação da IES, ao longo
do ano, conforme o Plano de Trabalho elaborado e aprovado. Para a execução das ações
dessa formação na IES, o Programa propõe alguns conteúdos essenciais a serem
trabalhados, a saber:
1. A entrada dos APs na escola
a. postura adequada nos dois ambientes – faculdade e escola;
b. identificação do aluno com o professor e a construção de um olhar mais
compreensivo para a complexidade que é a sala de aula;
c. discussão sobre o intercâmbio entre a diversidade técnica acadêmica e a prática
pedagógica;
d. construção de uma relação positiva entre APs e professores regentes, que permita de
fato a troca.
2. Pesquisa didática de cunho formativo
a. Análises preliminares, com enfoque em:
• conteúdos;
• ensino usual;
• concepções dos alunos;
• contexto didático.
b. Observação e o registro como estratégias metodológicas para desenvolvimento da
investigação didática:
• O que registrar?
• Como registrar?
21
• Para que registrar?
c. Análises e reflexões sobre os registros:
• Foco – questões levantadas, respostas encontradas.
• A teoria em virtude dos problemas colocados.
d. A escrita da pesquisa: coerência de ideias e coesão de texto.
3. Conhecimentos sobre o funcionamento da rede pública de ensino
a. Avaliação escolar nas séries iniciais do Ensino Fundamental da Rede Estadual de São
Paulo.
b. Avaliação como regulação da função social da escola.
c. Conceito de sondagem e análise dos mapas de acompanhamento da alfabetização.
d. Análise da avaliação em seu município e na escola, onde atua como aluno
pesquisador.
4. Conhecimentos linguísticos
a. Conceito de gênero do discurso e seu papel na definição dos objetos de estudo da
leitura e da escrita.
b. Os gêneros e os contextos de aprendizagem: propósitos, destinatários e portadores.
c. Usos e funções da língua portuguesa, segundo práticas de leitura, escrita e aspectos da
gramática (ortografia, pontuação etc).
d. Conhecimentos sobre a linguagem que se escreve.
5. Conhecimentos psicolinguísticos
a. Concepções de aprendizagem, metodologias de ensino.
b. Construção da escrita pelas crianças, hipóteses de escrita e sua evolução, segundo a
Psicogênese da Língua Escrita e pesquisas correlatas.
6. Conhecimentos didáticos
a. Ambiente alfabetizador.
b. O papel do conhecimento didático no planejamento do professor.
c. Planejamento de estratégias de apoio ao professor regente.
d. Intervenções didáticas.
e. Planejamento de estratégias de apoio ao aluno.
22
f. Conhecimento das intervenções pedagógicas junto aos alunos que não avançam ou
que avançam pouco em suas aprendizagens.
g. Condições e orientações didáticas para a organização e manutenção de uma rotina de
leitura e de escrita; leitura feita pelo professor; produção oral com destino escrito; cópia
e ditado (ressignificação da cópia).
Tendo, então, esses conteúdos como referência, o professor orientador deve
elaborar e desenvolver o seu Plano de Trabalho, respeitando o marco conceitual e os
objetivos previstos pelo Programa Bolsa Alfabetização. Para tal, é recomendada ainda
uma bibliografia básica (v. anexo 1).
1.2- O Curso de Pedagogia da USCS
A Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS - é uma instituição
educacional de ensino, pesquisa e extensão, mantida pela Prefeitura Municipal de São
Caetano do Sul (SP), integrando o Sistema Estadual de Ensino, com sede central e foro
jurídico no município de São Caetano do Sul, na Rua Goiás, 3400, regida pela
legislação específica em vigor, por seu Estatuto, Regimento Geral e por Resoluções do
Conselho Universitário e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. A Universidade
Municipal de São Caetano do Sul é uma autarquia municipal, autônoma, com
personalidade jurídica de direito público interno administrativo, com patrimônio próprio
e atribuições estatais específicas.
Tendo em vista as condições e capacidades da USCS para atender o Programa
Bolsa Alfabetização, é importante destacar que o município de São Caetano do Sul,
onde a instituição mantém sua sede, integra a região do Grande ABC, juntamente com
os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires,
Mauá e Rio Grande da Serra, constituindo o Consórcio Intermunicipal Grande ABC,
criado em 1990 pelas Prefeituras das sete cidades que compõem a região do Grande
ABC. A idéia chave do Consórcio é a busca de soluções integradas na identificação dos
problemas e demandas comuns. É dentro desta dinâmica que a USCS procura atuar,
sempre atenta às demandas que ultrapassam seus muros, procurando analisá-las e
atendê-las dentro de uma perspectiva intermunicipal.
Outro fato de destaque é o comprometimento da USCS com a qualidade da
formação, que é, por natureza, uma exigência intrínseca à própria razão de ser e de atuar
23
da instituição universitária. Enquanto tal, a Universidade se define como instituição ao
mesmo tempo aberta e compromissada. Aberta para o mundo do conhecimento e para o
novo, em constante reformulação do pensamento e redefinindo, permanentemente, o seu
padrão de qualidade; e compromissada, enquanto posto de vanguarda da comunidade,
consciente da sua inserção social e da sua responsabilidade para com os destinos da
sociedade.
Ainda cabe salientar que a USCS possui uma infraestrutura física que abrange
dois Campi, com Bibliotecas, Auditórios, amplas salas de aula todas equipadas com
computador, data show, acesso à internet, laboratórios pedagógicos, laboratórios da
Escola de Saúde, laboratórios de informática, entre outros espaços destinados a alunos,
docentes e comunidade. A USCS conta também com o Núcleo de Educação a Distância,
que disponibiliza cursos à distância para atender à crescente demanda interna e externa
na área acadêmica e corporativa.
Nesse contexto, está inserido o Curso de Pedagogia, nosso foco principal aqui. O
Curso foi implantado em 2007 - em conformidade às novas diretrizes curriculares
instituídas pela Resolução CNE/CP nº. 01, de 15 de maio de 2006, e pela Deliberação
CEE 60/2006, que estabelece normas para a criação de Cursos de Graduação em
Pedagogia, licenciatura, no Estado de São Paulo - com uma carga de 3.680 horas, em
regime seriado anual, funcionando no período noturno, das 19h20 às 22h50. O Curso foi
reconhecido em 2009, pelo Conselho Estadual de Educação.
A partir de 2010, com a reestruturação de todos os cursos da USCS para regime
semestral e modular, o Curso de Pedagogia também foi reformulado, passando a
funcionar em 6 semestres, com uma carga horária total de 3600 horas-aula e 3220 horas
de efetivo trabalho acadêmico. Atualmente, a matriz curricular propõe 2400 horas de
estudo presenciais, 520 horas em disciplinas em EAD, 200 horas de atividades de
aprofundamento e complementares, atendendo à necessária diversificação de estudos e
experiências em áreas de interesse específicas dos alunos, preconizada nos textos legais
e desenvolvida em Projetos Interdisciplinares. Acrescentam-se ainda 100 horas em
Atividades Acadêmicas Culturais Curriculares (AACC) e 100 horas para o
desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O percurso formativo é
completado com os estágios supervisionados, atendendo ao disposto na Deliberação
CEE 60/2006, em seu Art. 2º - II – que estabelece 300 horas dedicadas ao estágio
supervisionado em Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na
gestão escolar, com 1/3 (um terço) desse tempo em cada uma dessas áreas. O pedido de
24
renovação do reconhecimento do curso, já com essa nova estrutura, foi aprovado pelo
Conselho Estadual de Educação no início de 2012, por 05 anos.
Embora o funcionamento do Curso tenha sido reduzido para 3 anos, as suas
propostas de formação docente foram mantidas. Em sintonia com as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, o Curso de Pedagogia da USCS
tem buscado assumir a formação de pedagogos - professor da educação infantil, dos
anos iniciais do Ensino Fundamental e do gestor educacional - comprometidos com a
realidade brasileira e com o processo de transformação social, capazes de atuar de forma
dinâmica nas diferentes dimensões do trabalho pedagógico e esferas educacionais.
Nesse sentido, a metodologia adotada pelo Curso é de um ensino com pesquisa,
cujo propósito é o de formar o professor com uma atitude voltada à reflexão da própria
prática enquanto docente e organizador do trabalho pedagógico, nas escolas da
Educação Básica. Sendo assim, os princípios do ensino são associados à observação,
levantamento de hipóteses, leitura, redação, análise e síntese dos problemas que
encontra, para em sala de aula construir, coletivamente, uma proposição com vistas a
encontrar alternativas criativas e inovadoras às dificuldades diagnosticadas. A intenção
é preparar os alunos para uma ação protagonista na sua formação e na sua futura
atuação como docente e gestor.
Assim, no âmbito da formação do professor para os anos iniciais do Ensino
Fundamental, a preocupação do Curso é de propiciar ao licenciando uma aproximação
mais concreta à realidade na qual atuará, aproximação essa que só tem sentido quando
carregada de envolvimento e intenções. Desse modo, entende-se que observar, intervir e
refletir sobre a realidade escolar não significa apenas uma atividade prática, mas teórica,
uma vez que é instrumentalizadora da práxis docente, isto é, uma atividade teórica de
conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção da realidade, esta, sim, objeto da
práxis. (cf. Pimenta, 2008).
Com base nesses referenciais, o Curso de Pedagogia da USCS, além do
Programa Bolsa Alfabetização, também participa do Programa de Iniciação à Docência
do governo Federal (PIBID), do Fórum Estadual Permanente de Apoio à Formação
Docente e possui projetos aprovados e em andamento no Plano Nacional de Formação
dos Professores da Educação Básica (PARFOR).
Outro espaço de diálogo e interação com profissionais da Educação Básica da
região são as Jornadas da Pedagogia, realizadas anualmente na USCS, com a
25
participação de professores pesquisadores de centros de excelência, de alunos,
educadores das redes pública e privada e interessados da comunidade em geral.
Também merece destaque a participação do Curso de Pedagogia nas atividades
do ProEduc, Programa de Integração Universidade-Educação Básica, que tem como
missão a articulação e promoção de ações que incrementem a inter-relação entre a
Universidade e o ensino básico. Sua premissa é a articulação entre a Educação Superior
e a Educação Básica garantindo o cumprimento do que determina a LDB. Desta forma,
pressupõe a elevação da eficácia das ações no cotidiano das relações entre os diversos
departamentos do universo educacional, por meio de ações de integração da
comunidade nas atividades desenvolvidas pela Universidade, estreitando as relações
entre ambas e promovendo a cultura e o conhecimento.
Vale ressaltar ainda a competência e experiência do corpo docente da Pedagogia
da USCS, em sua maioria doutores, com intensa participação em eventos científicos
nacionais e internacionais e publicação significativa em periódicos qualificados.
Quanto ao fluxo de alunos, a Instituição desde 2007 oferece 160 vagas anuais (80
por semestre) para a Pedagogia, sendo que o número de matrículas, ao longo dos seis anos
de funcionamento, mantém-se entre no máximo 60 e mínimo 40 alunos. No primeiro
semestre de 2012, o Curso contava com aproximadamente 160 alunos matriculados no total.
1.3- O Programa Bolsa Alfabetização na USCS
Na USCS, o Bolsa Alfabetização teve início em agosto de 2008, quando foi
firmado o primeiro convênio desta IES com a SEE/FDE13, mediante aprovação do Plano
de Trabalho elaborado pelo Curso de Pedagogia para concorrer às vagas que estavam
sendo oferecidas exclusivamente às IES da Grande São Paulo. Em 2008, o Programa
contou com a participação de aproximadamente 30 APs da USCS. De 2009 até o
primeiro semestre de 2012, o número de participantes do Programa vem se mantendo
em aproximadamente 50 APs por ano. Desde o início do Programa na USCS, os APs
atuam em classes de 2º. ano ou PIC de escolas das Diretorias de Ensino de Santo André,
13 O contrato tem a duração de 01 ano, por isso, a cada ano, a IES tem que apresentar um novo Plano de Trabalho para avaliação, com a devida documentação. Sendo aprovado, firma-se novo contrato.
26
Mauá e Diadema14, e das Diretorias de São Paulo que se avizinham a São Caetano do
Sul: Leste 4, Leste 5 e Centro Sul.
Nesse período de 04 anos, aproximadamente 200 alunos da Pedagogia da USCS
já participaram, pelo menos durante 01 semestre, do Bolsa Alfabetização. Dentre esses,
aproximadamente 10 alunos, até levantamento realizado no final de 2011,
permaneceram no Programa desde quando iniciou o Curso (2º. semestre) até a sua
conclusão. Com isso, já foram produzidos pelos APs aproximadamente 30 trabalhos de
Investigação Didática, sendo muitos deles apresentados também como Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC).
Todos os alunos que participaram e participam do Programa na USCS foram
selecionados conforme os critérios recomendados pela SEE/FDE, já apontados no item
1.1.1. acima. Portanto, são alunos que têm desempenho satisfatório no Curso, são
assíduos e interessados em estudar e aprender os fundamentos teóricos do Programa Ler
e Escrever. Essas características ficam mais evidentes ainda quando constato
concretamente a atuação dos APs em minhas disciplinas, e também pelos depoimentos
dos colegas que lecionam no curso de Pedagogia. Os APs tornam-se mais participativos
nas aulas, sempre contribuem com exemplos concretos de sala de aula, conseguem com
mais facilidade relacionar teoria e prática e, consequentemente, obtêm melhores
resultados nas provas das diversas disciplinas da Pedagogia. Esse avanço no
desempenho dos APs poderá ser identificado, também, nas análises que apresentarei
mais adiante dos relatos reflexivos que eles elaboram a partir de suas observações e/ou
intervenções nas classes em que atuam.
Para a formação, orientação e acompanhamento desses alunos, a USCS designou
em 2008, permanecendo até hoje, duas professoras do Curso de Pedagogia, sendo eu
uma delas15, por lecionar as disciplinas Fundamentos e Metodologia da Alfabetização e
Metodologia e Prática do Ensino de Língua Portuguesa no referido curso; disciplinas
que evidentemente tratam, entre outros aspectos, dos processos de ensino e
aprendizagem da leitura e da escrita durante o período de alfabetização.
14 A Diretoria de Ensino de São Bernardo, à qual estão jurisdicionadas as escolas publicas estaduais de São Caetano do Sul, não possui o Ciclo I do ensino fundamental (1º. ao 5º. ano), tendo em vista a municipalização desse nível de ensino nos dois municípios abrangidos por essa Diretoria. 15 A outra professora designada para a função de professor orientador é responsável pelas disciplinas Didática e Prática de Ensino, Didática para Educação Infantil e Didática para o Ensino Fundamental, tendo em vista que essas disciplinas abordam questões relacionadas ao ensino e aprendizagem na alfabetização.
27
Vale destacar que, apesar de cada uma de nós, professoras orientadoras, sermos
responsáveis por uma turma de aproximadamente 25 APs, desde quando ingressamos
no Projeto no segundo semestre de 2008, planejamos e realizamos conjuntamente o
trabalho com os APs. Esse trabalho conjunto permite que ambas tenhamos contato com
todos os alunos participantes do Programa, o que também possibilita ao AP poder
recorrer a qualquer uma de nós quando necessita de ajuda ou de orientação além dos
encontros já formalizados.
Quanto à formação do AP na USCS, buscamos seguir o marco conceitual, as
sugestões bibliográficas, a programação, os objetivos e os conteúdos propostos pelo
Programa, realizando encontros semanais, em que desenvolvemos atividades de estudo
de textos, discussões a partir dos registros produzidos e socializados pelos APs, além de
orientá-los sobre o seu papel e atuação na escola, e esclarecer suas dúvidas,
questionamentos, etc. Nesses encontros, também orientamos os APs na realização e
redação do trabalho de pesquisa didática solicitado pelo Programa.
Um procedimento que adotamos, nesse processo de formação - que merece ser
mais detalhado aqui em função de melhor esclarecer o contexto de produção do objeto
de pesquisa neste trabalho - é a orientação ao AP para a produção sistemática de dois
gêneros de textos escritos: o registro descritivo e o relato reflexivo, a partir de suas
experiências/vivências nas classes de alfabetização em que atuam. Para isso, realizamos
oficinas propiciando situações que visem à sensibilização do olhar observador e à
produção desses dois gêneros de texto. Dessa forma, compartilhamos com o que diz
Telma Weisz, em encontro latino-americano, conforme descrito por Ferreiro (1989):
Quando a situação de capacitação é organizada em torno de um objeto que é a atividade efetivamente realizada em aula, todos os problemas de conteúdo podem ser trabalhados e não necessariamente de forma separada. Um pequeno exemplo da prática real do professor permite expor problemas sobre o objeto língua escrita, sobre as hipóteses das crianças, sobre a trajetória do conhecimento que está por trás da prática concentrada nesta atividade.
A nosso ver, o registro das observações feitas pelo professor ou futuro professor,
além de servir como documento a ser consultado e instrumento de formação docente,
amplia o domínio da linguagem escrita. Por isso, sempre orientamos os APs a registrar
as situações enquanto elas estão acontecendo, o mais fielmente possível. Diálogos entre
as crianças, por exemplo, devem ser reproduzidos sem modificações da linguagem
própria delas.
28
Na maioria das vezes, sabemos que é muito difícil observar, intervir e, ao
mesmo tempo, registrar tudo o que acontece em uma aula. Por isso, orientamos os APs
a elaborar registros de momentos/cenas/situações que consideram mais significativos de
alguns dos aspectos nos quais centram a observação, como, por exemplo, dos aspectos
relacionados ao tema de pesquisa escolhido pelo AP.
Para se ter aqui uma ideia mais clara do que estamos considerando um registro
descritivo de uma situação de sala de aula, segue abaixo um exemplo desse gênero
produzido por um AP da USCS.
Classe de 2º. Ano
Data: 20/04/2011
Atividade: Lista dos nomes das crianças da sala com o alfabeto móvel
Cena registrada: Diálogo entre a professora e uma aluna
A aluna havia começado a escrever com o alfabeto móvel alguns nomes, quando
a professora faz a intervenção:
Professora: Vamos ler?
Aluna: GABRI
Professora: Está sobrando ou faltando letrinhas?
Aluna: Está faltando?
Professora: Qual?
Aluna: A letra E e a letra L
Professora: Agora leia para ver se está correto
A aluna leu corretamente GABRIEL .
Professora: Leia a próxima palavra
Aluna: Alex, Sumaya, Elis e Jho
No momento em que a aluna foi ler a palavra Jhonathan ela sentiu dificuldades.
A professora, ao perceber a dificuldade da aluna de ler, retirou a letra H da
palavra Jhonathan, explicou para ela que a letra H não tem som e assim a aluna
conseguiu escrever o nome Jonata sem a letra H. Depois a professora voltou a explicar
que o nome dele também tem outra letra H que não tem valor sonoro, ela é como se
fosse um enfeite para o nome ficar bonito e não tem efeito na pronúncia.
Dando continuidade a atividade, a mesma aluna formou com o alfabeto móvel a
palavra TASIA para escrever TAIS.
Professora: Leia
29
Aluna: É a letra S e a letra I
Professora: Agora leia novamente
Aluna: Tirou a letra I e depois tirou a letra A
A aluna percebeu que estava faltando uma letrinha e colocou a letra A no final.
Aluna: Ficou TASA.
A aluna leu TASA e disse que no final é a letra S
Professora: O que esta faltando então?
Aluna: A letra I.
Então a aluna formou a palavra TASI . Quando colocou a letra I ela ainda ficou
procurando outra letra e tirou a letra S.
A professora então pediu para ela ler para elas verem como ficou.
A aluna não leu e quando ela tirou a letra S, ela sentiu que estava faltando uma
letra e percebeu que o nome tinha a letra S e a letra I, só não sabia onde colocá-las.
Então, para que ela percebesse a professora perguntou:
Professora: Qual letra vem primeiro, a letra I ou a letra S?
Foi então que a aluna percebeu que a letra I vinha antes da letra S. E então
escreveu TAIS.
A professora então pediu para que ela lesse. A aluna leu TAIS.
Com o passar do dia, a professora teve a curiosidade de saber se a menina havia
mesmo aprendido, foi então que a professora pediu novamente que ela escrevesse
TAIS.
A menina escreveu TASI e a professora pediu novamente para que ela
escrevesse TAIS.
A menina continuou escrevendo TASI e a professora pediu novamente para que
ela escrevesse TAIS e dessa vez ela escreveu certinho.
Como se pode verificar no exemplo acima, a autora do registro procura
descrever as situações da aula tal como ocorreram, inclusive registrando literalmente
algumas falas da professora e dos alunos. Certamente, esse registro vai permitir uma
série de reflexões sobre o processo de alfabetização: a forma como os alunos estão
construindo o seu conhecimento sobre a escrita; o papel das intervenções da professora
na aprendizagem dos alunos; a dinâmica da aula; as concepções teóricas e
metodológicas que embasam as ações da professora; entre outros aspectos.
30
Outro fator importante a ser observado nesse registro é o seu caráter estritamente
descritivo, sem julgamentos ou avaliação da estudante que o produziu. Essa é uma
característica necessária, quando temos por objetivo apenas descrever a situação/cena
observada, de tal forma que alguém, que não estava presente na classe, possa ler o texto
e visualizar as cenas, sem ser induzido por interpretações ou opiniões de quem produziu
o registro. Esse é um tipo de registro muito utilizado em pesquisas didáticas e em
situações de formação docente, pois permite a realização posterior de análises e
discussões sobre uma situação real de sala de aula.
Ainda orientamos os APs sobre a possibilidade de muitas outras formas de se
registrar o trabalho docente, tais como: registrar o planejamento (de uma atividade
permanente, de uma sequência didática ou projeto didático); atividades de classe (pautas
de observação, diários de aula); e processos de avaliação (relatórios individuais e
coletivos, portifólios). Alguns são mais usados como instrumentos de observação para
documentar situações interessantes que ocorrem em classe; outros, como dispositivos
que auxiliam no planejamento do trabalho do professor com um projeto educativo em
curso; ou ainda como recurso de investigação para analisar os dados que se queira
estudar, como é o caso da Investigação Didática.
Dessa forma, os APs produzem registros descrevendo situações de ensino e
aprendizagem das classes em que atuam. Esses registros descritivos, além de serem
apresentados, discutidos e analisados nos encontros de formação, são retomados pelo
AP para a produção do “relato reflexivo”. Com base, então, nos registros descritivos, ao
final de cada mês, o AP produz um relato reflexivo em que expressa suas observações,
impressões, experiências, indagações, conflitos, auto-reflexões sobre o que observa e o
que vivencia na classe de alfabetização em que atua. Trata-se, portanto, de um texto de
caráter mais subjetivo, em que se descreve não só os movimentos do mundo exterior
como também do mundo interior, da consciência. Nesse tipo de escrita, o autor do texto
deixa transparecer o seu pensamento na procura de explicações para suas observações.
Orientamos, assim, o AP a produzir esses dois gêneros textuais e, na medida em
que vão escrevendo, vão dominando as características de cada gênero, compreendendo
que enquanto o registro descritivo caracteriza-se mais pela descrição de situações ou
cenas de aula, sem julgamentos ou opiniões de seu autor sobre o que observa; o relato
reflexivo constitui-se um lugar de reflexões sistemáticas, constantes, ou seja, um espaço
onde o seu autor conversa consigo mesmo, anota questionamentos, opina sobre o
31
processo de aprendizagem das crianças, sobre as intervenções do professor e possíveis
encaminhamentos.
É importante lembrar também que para a produção inicial dos registros
descritivos e relatos reflexivos foram lidos e discutidos diferentes textos desses gêneros,
abordando temáticas variadas (relatos de licenciandos em formação, de professores
regentes, de professores em formação continuada, entre outros) e, assim, os APs foram
sendo estimulados a produzirem seus próprios textos.
Para se ter aqui uma melhor compreensão do que estamos considerando relato
reflexivo, segue abaixo o exemplo16 desse gênero produzido por um AP da USCS.
Relato reflexivo: produzido a partir da observação e de registros descritivos
realizados, ao longo de um mês, das atividades de alfabetização desenvolvidas em
uma classe de 2º. ano.
Ao longo do 1º mês, tive a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento da
turma do 2º. ano, em que grande parte das crianças vieram de escolas de educação
infantil, portanto já trouxeram consigo uma bagagem de conhecimento.
No período da tarde as aulas sempre começam com a oração e, em seguida,
com a leitura de um texto pela professora. Antes da leitura, a professora fala um pouco
sobre o autor do livro. Geralmente, a leitura não é total e sim parcial, a cada dia é lido
um pedaço do texto. Sempre antes da leitura de uma parte do texto, alunos e professora
relembram o que já foi lido no dia anterior.
Todos os dias os alunos escrevem e lêem a rotina do dia que a professora
escreve na lousa. O que nas minhas observações pude notar é que a leitura da rotina
auxilia os alunos a compreenderem melhor o som das palavras e por consequência
facilitar no momento da escrita.
Outro instrumento estimulador da leitura é o cartaz que fica exposto na sala
com o nome de todos os alunos, cada dia há um ajudante, e eles mesmos procuram na
sequência quem será o ajudante do dia.
No trabalho com o alfabeto, destaco uma atividade em que juntos, professora e
alunos, construíram uma tabela com a quantidade de alunos que têm na sala com cada
letra do alfabeto.
16 Todos os exemplos de relatos reflexivos aqui apresentados são transcritos literalmente da forma como o AP produziu, inclusive com as incorreções de escrita.
32
Os alunos também fazem bastante atividades com acrósticos, atividades estas
relacionadas, por exemplo, com datas comemorativas.
As atividades iniciais focaram bastante o reconhecimento das letras,
principalmente as letras do nome de cada um.
Em uma conversa com a professora regente fiquei sabendo que o foco para as
turmas de 2º. ano da escola é a leitura e a escrita de palavras e o ensino da
matemática, as outras disciplinas não são trabalhadas.
Os alunos interagem muito bem nas atividades propostas, são crianças muito
espertas, cada um com um ritmo. Elas também apresentam características típicas desta
fase de alfabetização, confundem o som das letras (por exemplo, ao invés de escrever
gato, alguns ainda escrevem hto, para casa, escrevem kza), trocam as letras,
relacionam letras a nome de pessoas próximas a eles,etc, porém, são questões que
gradativamente são resolvidas de modo natural ao processo de alfabetizar.
Os alunos também fazem bastante palavras cruzadas e caça palavras. Percebi
que essas atividades estão sempre relacionadas com coisas que fazem parte da vida dos
alunos, como brinquedos, brincadeiras, objetos da escola, etc e algumas vezes são
divididas em “cruzadinha do A”, “cruzadinha do B” e assim por diante.
Observando um grupo de crianças fazendo cruzadinha, notei que eles utilizavam
como estratégias contar a quantidade de letras que contém a palavra e recitando-a
várias vezes para depois escrevê-la. Acredito ser uma maneira da criança assimilar
melhor o processo de escrita das palavras.
As crianças utilizam três livros didáticos, o livro de textos do Ler e Escrever, o
livro de alfabetização e um livro de matemática. Estou vendo na prática o trabalho com
os gêneros textuais, a professora sempre explica sobre o gênero antes de realizar as
atividades com as crianças. Eles começaram com o gênero biografia e autobiografia,
depois com parlendas, canções e trava-línguas e receitas. As atividades são compostas
de produção de pequenos textos e atividades de leitura compreensão de textos.
Dentre elas destaco uma com canções, em que junto com a professora os alunos
cantaram a canção do “Boi da Cara Preta” e depois reescreveram a música dando ao
boi outras características e modificando o que seria o medo da menina. A principio eles
foram falando palavras sem sentido, mas aos poucos, sem deixar explícito, a professora
foi conduzindo a atividade e as crianças foram falando palavras que rimavam.
Percebi também que, gradativamente, as crianças já estão lendo sozinhas, elas
levam livrinhos infantis para lerem (do modo delas) enquanto esperam a hora da saída.
33
Na escola, há um projeto de leitura, que consiste em uma sala de leitura feita
para os alunos de 1ª a 4ª série ,então todas as quintas a classe em que estou vai até a
sala de leitura (isso quando não há imprevistos). Na primeira ida os alunos receberam
instruções de como manusear um livro. Nas visitas posteriores, eles escutaram histórias
em CD e nas demais folhearam gibis. O espaço é bem convidativo e bem agradável,
pena que é aproveitado de forma não muito significativa para os alunos.
Quanto à minha atuação como aluna pesquisadora, continuo fazendo
intervenções pontuais, seguindo as orientações da professora, junto aos alunos que têm
um pouco mais de dificuldade de aprendizagem. Também junto com a professora
regente tenho a liberdade de levar sugestões de atividades para esses alunos, sugestões
estas que são recebidas muito bem pela professora. Sei que as alunas pesquisadoras
não podem ficar com os alunos com dificuldades, mas vejo como um momento de
grande aprendizagem para mim, me sinto super bem em poder participar desse
momento tão importante na vida dos alunos.
A experiência do Projeto Bolsa Alfabetização tem sido extremamente
enriquecedora para minha formação profissional, tenho aprendido bastante com a
professora regente da classe e também com as crianças, principalmente para a
construção do tema do meu projeto de pesquisa, me incomodava um pouco o momento
da leitura, mas percebi que todas as outras professoras agem da mesma maneira, ou
seja, elas são orientadas a fazer a leitura de forma parcial o que por conseqüência
torna-se uma atividade mecânica, sem muita participação dos alunos (só quando é para
relembrar a história). Já investiguei e soube que para o 2º semestre será diferente, pois
as crianças voltam das férias mais maduras e serão eles que farão a leitura com textos
escolhidos por eles, textos estes que serão tirados do projeto Ler e Escrever, o que me
leva a ficar mais atenta para como será este momento.
Como se pode observar, o relato reflexivo acima evidencia não apenas aspectos
do cotidiano escolar, no que diz respeito à rotina das aulas de alfabetização, como
também modos de agir do professor regente, dos alunos e do próprio AP
(re)configurados, interpretados e avaliados pelo AP.
É, portanto, considerando essas possibilidades, que elegemos os registros
descritivos e os relatos reflexivos como objeto de discussão e análise na formação do
AP na USCS, pois, acreditamos que, assim, estamos possibilitando a construção de uma
34
relação mais consciente da prática com a teoria, uma vez que permite que o futuro
professor tenha nas mãos o processo de fazer e o de aprender com o fazer.
Como afirma Telma Weiz (2002, p. 129):
O ato de refletir por escrito possibilita a criação de um espaço para que a reflexão sobre a prática ultrapasse a simples constatação. Escrever sobre alguma coisa faz com que se construa uma experiência de reflexão organizada, produzindo, para nós mesmos, um conhecimento mais aprofundado sobre a prática, sobre as nossas crenças, sobre o que sabemos e o que não sabemos. De fato, o relato reflexivo é um valioso instrumento para sabermos sobre nós
mesmos, pessoal e profissionalmente, pois possibilita uma análise sobre a nossa
percepção do trabalho realizado/observado e dos saberes que mobilizamos na nossa
reflexão por escrito.
Além disso, em cada uma das escritas reflexivas que realizamos, há elementos
que nos possibilitam crescer como profissionais e melhorar nosso desempenho,
sobretudo quando essas escritas são compartilhadas com o outro, como o professor
regente, coordenador ou formador para discussão e análise dos aspectos relativos ao
ensino e aprendizagem focalizados no relato.
Com relação a esse aspecto, cabe lembrar que os relatos reflexivos produzidos
ao final de cada mês pelos APs são entregues a nós, professoras orientadoras, para que
possamos realizar as devolutivas aos APs e também (re)pensar as nossas ações de
formação e (re)orientar a atuação desses alunos. Os relatos reflexivos também nos
ajudam nas reflexões que apresentamos nos relatórios pedagógicos trimestrais entregues
à equipe da SEE/FDE gestora do Programa.
Em suma, nesse processo contínuo de escrita e reflexão, nós, professoras
orientadoras, lemos todos esses relatos e realizamos, nos encontros de formação na IES,
devolutivas coletivamente, fazendo comentários que vão desde aspectos relativos a
normas gramaticais (ortografia, concordância, regência, etc) e adequação ao gênero do
texto (posições do enunciador, contextualização no tempo e espaço, etc) às questões
sobre os temas tratados (explicitação das práticas observadas e/ou realizadas, indicação
de leituras para explicitar dúvidas, perguntas e observações visando o redirecionamento
do olhar e/ou do fazer, etc). Esses comentários objetivam não a reescrita do mesmo
relato reflexivo e sim orientações para a contínua produção de registros e relatos que
irão compor os dados de análise na pesquisa didática a ser realizada pelos APs, bem
como para auxiliar nas possíveis reflexões que deverão desenvolver em suas pesquisas.
35
Certamente, essas produções escritas dos APs ainda permitem muitas análises e
interpretações. Uma das possibilidades é a que procuramos realizar neste trabalho,
quando analisamos os relatos reflexivos produzidos pelos APs da USCS, com o objetivo
de compreender como, na/pela escrita, eles (re)configuram modos de agir do professor
regente e, assim, vão se constituindo professores.
2- OS APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA
36
A reflexão na/sobre a prática passou a ser palavra de ordem não apenas nas
ações de programas de formação inicial e continuada de professores, mas também como
tema de muitos estudos e pesquisas da área de formação docente. Na perspectiva de
estudos que relacionam linguagem e trabalho educacional, realizados sobretudo no
campo aplicado dos estudos da linguagem, essa reflexão é enriquecida pelas abordagens
de análise das práticas de linguagem/discursivas que emergem nos contextos de ensino,
abordagens essas que têm em comum uma concepção de linguagem como atividade
social, em que a interação é objeto básico e privilegiado para se chegar a conhecer a
prática social (cf. Bakhtin, 1981).
Dessa forma, o objeto de análise não é apenas o conteúdo temático, mas também
a própria linguagem, ou seja, as práticas de linguagem/discursivas construídas em
diferentes situações de ensino/aprendizagem, tais como as salientadas por Kleiman
(2001, p.8): “alunos e alunos-professores em formação nas suas interações com
docentes universitários; professores em atuação na sala de aula, pondo em evidência
seus processos de formação; professores refletindo sobre suas práticas; professores
interagindo com seus colegas no cotidiano escolar (...)”.
Sendo assim, o relato reflexivo produzido por professores ou alunos de
graduação em contextos de formação é uma prática de linguagem tratada por vários
autores (Signorini, 2000, 2005, 2006; Penteado e Mesko, 2006; Andrade, 2003;
Reichmann, 2001; entre outros) como um recurso disponível que tanto revela quanto
desenvolve a percepção do que somos como entidades psicológicas e como seres de um
mundo social e culturalmente definido (Signorini, 2000). Pois, relatar é representar por
meio do discurso experiências vividas, situadas no tempo (Schneuwly e Dolz, 2004).
Partindo desses pressupostos, são múltiplos os referenciais teóricos e analíticos
utilizados para o estudo de relatos escritos de professores ou futuros professores em
formação. Para esta investigação, em que busco analisar nos relatos reflexivos como são
(re)configurados pelo AP os modos de agir do professor regente, adoto referenciais
teórico-metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo (daqui em diante, ISD), com
base nas contribuições de Bronckart (1999, 2006; 2008); Bronckart & Machado (2004);
Guimarães, Machado & Coutinho (2007), articulando a referenciais teóricos que
concebem a atividade de ensino como trabalho (Amigues, 2002, 2004; Saujat, 2002,
2004; Faïta, 2004; Machado, 2004). Tais referenciais, além de dar suporte para a
compreensão dos diferentes aspectos que compõem a profissão docente, fornecem uma
visão clara da importância da linguagem verbal no desenvolvimento e na interação
37
humana, bem como um modelo de análise de texto que possibilita compreender a
relação entre os textos e o agir docente no processo do desenvolvimento humano e
profissional.
Em primeiro lugar, discorro sobre alguns conceitos oriundos das chamadas
Ciências do Trabalho (Amigues, 2002, 2004; Saujat; 2002, 2004), apresentando e
discutindo dimensões que fazem parte da atividade de ensino como trabalho. Em
segundo lugar, apresento alguns pressupostos teóricos e metodológicos da abordagem
do ISD e o seu modelo de análise de textos (Bronckart, 1999, 2006), destacando os
procedimentos e categorias que serão utilizados para analisar os dados desta pesquisa.
2.1- O Ensino como trabalho: algumas considerações
O trabalho do professor em sala de aula, mais especificamente nas classes de
alfabetização – foco deste trabalho - é, a meu ver, uma realidade social constituída
histórica e localmente por uma heterogeneidade de saberes, crenças e valores, e por
atores plurais produzidos por e produtores de relações sociais variadas. Dito de outra
forma, considero que o trabalho docente na alfabetização é uma realidade social
complexa, no sentido definido por Morin (1996) de um todo que comporta um
emaranhado de ações, de interações e de retroações.
Na tentativa, então, de apreender, nos relatos reflexivos dos APS, aspectos
da formação desses alunos, quando expostos ao trabalho de um outro professor (o
professor regente), considero necessário assumir uma concepção do trabalho de
ensino que busca compreender a complexidade dessa tarefa, levando em conta as
diversas dimensões que fazem parte do trabalho do professor, aliadas a uma
abordagem discursiva.
Para tal, adoto referenciais de abordagens que compreendem o ensino como
trabalho, desenvolvidas no campo das Ciências do Trabalho, principalmente em
países francófonos, e, mais recentemente, incorporadas por grupos de pesquisa no
Brasil, que atuam no campo dos estudos da linguagem e/ou no campo da Educação.
(cf. Machado, 2004). São abordagens que ampliam a concepção marxista de
trabalho, recusando a ideia do homem como máquina reduzido à atividade que
executa. Pois, para Marx (1983. p.197-198),
38
o trabalho é, em primeiro lugar, um ato de que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamente inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza. Ele se opõe à natureza como uma de suas próprias forças, pondo em movimento braços e pernas, as forças naturais de seu corpo, a fim de apropriar-se das produções da natureza de forma ajustada a suas próprias necessidades. Pois, atuando assim sobre o mundo exterior e modificando-o, ao mesmo tempo ele modifica a sua própria natureza.
Desse modo, o processo do trabalho compõe-se de três elementos: a atividade do
homem ou o trabalho propriamente dito, o objeto de trabalho e meio ou instrumento de
trabalho. O meio ou instrumento de trabalho, segundo Marx (op.cit.), é uma coisa ou um
complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e
que lhe serve de condutor de sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades
mecânicas, físicas e químicas das coisas para fazê-las atuar como forças sobre outras
coisas, de acordo com os fins que visa. Assim, o meio de trabalho ou instrumento,
produto histórico-social, dá forma ao trabalho, transformando também aquele que o
utiliza, constituindo-se um poderoso mediador não apenas entre o homem e o objeto de
seu trabalho, como também entre o homem e os outros.
Nesse sentido, como aponta Machado (2009b, p.82), não são consideradas as
atividades intelectuais, como as de ensino, por exemplo, pois “não há nelas um objeto
material que seja transformado ou consumido”. Mas, com as modificações
socioeconômicas e tecnológicas, o trabalho braçal vai dando lugar ao trabalho chamado
intelectual, em sentido amplo.
Assim, o trabalho é concebido como um tipo de agir humano, tendo o coletivo
de trabalho sempre presente, mesmo in absentia, uma vez que há uma memória
profissional onipresente; além disso, o trabalho é situado em um dado contexto,
estruturado por regras, convenções, culturas, havendo uma interação entre o trabalhador
e o ambiente físico e social, mediado por instrumentos materiais ou
simbólicos/discursivos. O trabalhador age, assim, direta ou indiretamente, a partir de
artefatos/instrumentos, sobre o meio da atividade de trabalho, transformando-os e sendo
transformado por ele. (Muniz-Oliveira, 2011).
Com base nessas noções, o trabalho do professor pode ser compreendido como um
ofício e um trabalho como qualquer outro: tem a mesma estrutura que todo trabalho; tem um
objeto: os modos de pensar, de falar, de fazer; tem um meio ou instrumento: os signos ou
sistemas semióticos; tem um produto: os modos transformados. Além disso, é uma atividade
coletiva, que não pode ser limitada à sala de aula e às interações com os alunos, pois o
39
professor realiza outros trabalhos como preparação de aula, correção de exercícios e
avaliações em outros espaços.
Nesse sentido, a atividade de ensino deve ser compreendida como uma
combinação de várias lógicas e temporalidades. Nos termos de Amigues (2004:45), a
atividade de ensino
pode ser considerada o ponto de encontro de várias histórias (da instituição, do ofício, do indivíduo, do estabelecimento...), ponto a partir do qual o professor vai estabelecer relações com as prescrições, com as ferramentas, com a tarefa17 a ser realizada, com os outros (seus colegas, a administração, os alunos...), com os valores e consigo mesmo.
Desse modo, podemos entender, conforme a metáfora apresentada por Saujat
(2004, p.29), que os professores em seu trabalho tecem: nesse tecer, há os fios que os
ligam aos programas e instruções oficiais, às ferramentas/instrumentos pedagógicos, às
políticas educacionais, às características dos estabelecimentos de ensino e dos alunos, às
regras formais, ao controle exercido pela hierarquia; assim como os fios que os ligam a
sua própria história, a seu corpo que aprende e envelhece, a uma imensa quantidade de
experiências de trabalho e de vida, a vários grupos sociais que lhes oferecem saberes,
valores, regras às quais se ajustam dia após dia.
Assim, podemos dizer que, nesse tecido, há os fios que ligam o professor
alfabetizador:
- a um coletivo de trabalho, ou seja, a um grupo de professores que apresenta
características comuns;
- às prescrições que lhe são feitas, diretamente, por meio de documentos oficiais e
materiais didáticos e, indiretamente, por meio de referências teórico-metodológicas
sobre língua e ensino de língua e alfabetização;
- ao seu trabalho de construção de objetos (conteúdos de ensino) efetivamente
ensinados em sala de aula;
- aos instrumentos semióticos mediadores dessa construção.
Quanto aos fios que ligam o professor a um coletivo de trabalho, as idéias
defendidas por Amigues (2002, 2004) e Faïta (2004) remetem à dimensão coletiva do
trabalho do professor. Para Amigues (2002), cada professor pertence a vários coletivos:
o da profissão, o da disciplina, o do estabelecimento de ensino, o da série, o da classe,
17 “Tarefa” (tâche), de acordo com Amigues (2004), refere-se ao que deve ser feito pelo professor em sala de aula em termos de objetivos e de procedimentos.
40
entre outros. Esses coletivos, de acordo com o autor, se organizam de formas diversas e
produzem regras de funcionamento que constituem uma resposta comum às prescrições
e também o suporte a investimentos subjetivos constantes para responder àquilo que as
prescrições não dizem e para fazer o melhor em uma zona de incerteza; esse
engajamento pessoal é tanto mais forte quanto mais ele for sustentado por um coletivo
de trabalho (Amigues, 2002). No caso dos coletivos do estabelecimento de ensino, da
série e da classe, por exemplo, as relações se estabelecem através de contatos cotidianos
e repetidos, sejam esses contatos motivados pelo estabelecimento ou por afinidades
interpessoais. Desse modo, “os professores, coletivamente, se autoprescrevem tarefas,
que cada professor vai retomar e redefinir em sua classe ou suas classes”. (Amigues,
2004, p.43).
Mas, de acordo com Faïta (2004), há também práticas transversais características
do professorado em seu conjunto, fora dos contatos cotidianos e repetidos. Um exemplo
apresentado por esse autor é o de uma pesquisa desenvolvida por Saujat (2002) que
propõe considerar a existência de um coletivo “iniciantes” no conjunto do corpo
docente. Como explica Faïta (op.cit.), essa é uma categoria de professores que
apresentam traços comuns, independentes dos lugares de lotação e exercício. Nos
termos desse autor, os professores iniciantes têm em comum “o fato de compensarem –
ou tentarem compensar – a insuficiência transitória de sua capacidade de tratar de
situações profissionais complexas mediante o desenvolvimento de recursos
intermediários”. (Faïta, op.cit.:63). Ressalta-se, por exemplo, a forte dedicação dos
iniciantes no domínio da classe (entradas e saída dos alunos, mudanças de lugar,
regulação dos comportamentos dos alunos, tomadas de palavra, etc). Isso permite supor,
no dizer de Faïta (op.cit.:62),
que a exposição a dificuldades semelhantes, o fato de encontrar obstáculos comparáveis na consecução dos programas e na realização das tarefas gere estratégias e condutas que transcendem limites espaço-temporais próprios do meio profissional localizado. (...) também se produzem, em uma esfera de atividade profissional como o ensino, trocas e circulação de idéias que ultrapassam os limites das situações observáveis, e até mesmo formas de fazer mais ou menos difundidas na profissão, que não são, entretanto, formalizadas e discutidas. Isso implica a emergência de uma nova entidade, um ator coletivo que pode se moldar claramente, em função da semelhança de preocupações, de coerções reiteradas para a ação, sem que necessariamente realize escolhas e julgamentos explícitos, formalmente compartilhados e discursivizados.
41
Nesse sentido, acredito que seja possível considerar, nesta investigação, dois
coletivos específicos: o dos professores regentes que têm o AP em sua classe,
professores esses lotados em diferentes escolas da rede estadual paulista de ensino e
o dos APs, alunos de Pedagogia ou Letras que participam de um mesmo programa
de formação (Bolsa Alfabetização) em escolas dessa mesma rede.
Para compreender os fios que ligam o professor regente e os APs às
prescrições que lhe são feitas, contribuem as noções de trabalho prescrito/trabalho
realizado defendidas por Amigues (2002, 2004). Para esse autor, o trabalho
prescrito (prescrições) refere-se aos aspectos institucionais e normativos, quer
formais ou informais, que regem o trabalho do professor no seu dia-a-dia. As
prescrições, de acordo com Amigues (2004), não servem apenas como
desencadeadoras da ação do professor, são também constitutivas de sua atividade. O
trabalho realizado é aquele efetivamente realizado, em uma situação de trabalho.
Desse modo, as ações efetivamente realizadas pelo professor (trabalho
realizado) não consistem apenas em seguir prescrições, mas também em colocá-las à
prova e redefini-las em função dos alunos, de imperativos ligados ao tempo, de
reflexões realizadas durante a própria ação, dos instrumentos mobilizados, etc. Além
disso, o autor ressalta o caráter vago das prescrições, no sentido de que elas dizem o
que é preciso ser feito, mas não como se deve fazê-lo; o que requer traduções e
reelaborações pelo professor.
Outro aspecto sobre as prescrições, salientado por Amigues (2002), é o fato
de que, na verdade, elas difundem o discurso das instituições formadoras. No caso
do Brasil, as prescrições advêm de uma cascata hierárquica: no nível nacional, por
exemplo, há a lei de Diretrizes e Bases, os PCNs, depois as Propostas Curriculares
estaduais e municipais, as quais são retomadas/repensadas, no âmbito de cada
escola, nas orientações para o planejamento escolar e para a elaboração do plano de
ensino do professor. Algumas características das prescrições dirigidas ao professor
alfabetizador (o professor regente) e ao AP foram apresentadas aqui nos itens 1.1,
1.2 e 1.3.
Para a compreensão dos fios que ligam o professor ao seu trabalho de
construção dos objetos efetivamente ensinados na aula e aos instrumentos
semióticos mobilizados na mediação dessa construção, contribuem os estudos de
Schneuwly (2002, 2005), Schneuwly, Dolz & Cordeiro (2005), Schneuwly &
Wirthner (2004), Dolz, Moro & Pollo (2000) e outros pesquisadores do GRAFE
42
(Groupe de Recherche pour Analyse du Français Enseigné), do Departamento de
Didática de Línguas da Universidade de Genebra.
Esses estudos propõem a construção de uma metodologia de análise dos
objetos efetivamente ensinados em aulas de francês como língua materna, elegendo
como unidade de análise os objetos efetivamente ensinados na aula, com atenção
particular aos instrumentos semióticos mobilizados pelo professor na construção
desses objetos. Um objeto efetivamente ensinado, para Schneuwly (2005), é o
resultado de um processo de transposição didática interna (Chevallard, 1991), ou
seja, do processo em que os objetos a ensinar/objetos de ensino (conteúdos de
ensino) transformam-se em objetos efetivamente ensinados em sala de aula. Esse
processo, de acordo com Schneuwly (2000), implica uma dupla semiotização do
objeto de ensino: de um lado, ele torna-se presente por meio das técnicas de ensino,
materializado sob formas diversas (objetos, textos, folhas, exercícios, etc) como
objeto a ser ensinado, a ser semiotizado, a partir do qual novas significações podem
e devem ser elaboradas pelos alunos; de outro lado, ele é focalizado como objeto
sobre o qual aquele que tem a intenção de ensinar guia/orienta a atenção do aluno,
apontando/mostrando as dimensões essenciais desse objeto, por meio de
procedimentos semióticos diversos. Esses dois processos – tornar presente o objeto a
ensinar e apontar/mostrar as dimensões essenciais desse objeto –, assinala
Schneuwly (2000), são indissociáveis e se definem mutuamente.
Nesse sentido, Schneuwly define instrumentos semióticos como aqueles que
permitem essa dupla semiotização do objeto de ensino. Nos termos do autor, esses
instrumentos são de dois tipos:
aqueles que asseguram o encontro/contato do aluno com o objeto a ensinar e aqueles que asseguram a orientação/direção da atenção do aluno. Os primeiros são, sobretudo, de ordem material (textos, exercícios, esquemas, objetos reais e muitas outras coisas), os segundos são, sobretudo, de ordem discursiva; mas o discurso pode igualmente produzir objetos a ensinar e permitir seu encontro/contato com os alunos, como também os instrumentos materiais podem assegurar, por formas específicas, a direção da atenção do aluno. (Schneuwly, 2000:23).
Esses instrumentos e os processos que eles envolvem, de acordo com
Schneuwly (2005), são específicos de cada disciplina, dado que pressupõem a
existência de uma tradição de práticas profissionais historicamente constituídas, as
43
quais o professor re-cria, re-inventa em cada aula, a cada momento em que um
objeto a ensinar torna-se um objeto efetivamente ensinado.
Desse modo, essa perspectiva de análise do trabalho do professor proposta
por Schneuwly (2000, 2005), além de permitir um maior conhecimento de uma das
dimensões essenciais do trabalho do professor que é a dos instrumentos semióticos
materiais (textos, exercícios, etc) e discursivos (definições, explicações, exposições,
instruções, etc) mediadores da atividade de ensino, permite interpretar o trabalho do
professor à luz da tradição e da evolução recente das práticas de ensino de língua
materna, e evidenciar as formas, ao mesmo tempo constantes e variáveis, que
tomam os objetos de ensino quando se tornam objetos ensinados na aula.
Em síntese, como aponta Machado (2008), a atividade de ensino é:
- mediada por instrumentos simbólicos, quando o professor se apropria de
artefatos social e historicamente construídos;
- plenamente interacional, pois ao agir sobre o meio com a utilização de
instrumentos, o professor, ao mesmo tempo, é por ele transformado;
- conflituosa, pois o professor deve sempre fazer escolhas para re-direcionar
seu agir em diferentes circunstâncias, diante de vozes contraditórias, das prescrições
etc. Por esse motivo, pode ser fonte tanto para a aprendizagem de novos
conhecimentos e para o desenvolvimento de capacidades profissionais quanto para o
impedimento dessa aprendizagem e dessas capacidades, quando o professor se vê
diante de situações que lhe tiram o poder de agir.
Alguns desses elementos que constituem o agir do professor são tematizados (ou
não) no/pelos relatos reflexivos produzidos pelos APs. Para identificá-los, ao lado
desses pressupostos apresentados, busco referência na abordagem teórica e
metodológica do ISD que investiga a problemática do agir humano tendo como base
a linguagem (Bronckart, 1999, 2006, 2008).
2.2- O Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)
2.1.1- Origem e histórico
O ISD é uma linha teórico-metodológica das Ciências Humanas que se
fundamenta em uma visão de desenvolvimento humano baseado nas obras de autores
como Spinoza, Marx, Vygotsky, Habermas e Bakhtin, buscando investigar a
44
problemática do agir humano tendo como base a linguagem, considerada fundamental
para o desenvolvimento humano.
Na verdade, o ISD, conforme histórico apresentado por Guimarães e Machado
(2008), começou a se delinear a partir de 1980, com a constituição de um grupo de
pesquisadores na Unidade de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Esse grupo - sob a coordenação de
Jean-Paul Bronckart, formado por pesquisadores como Bernard Schneuwly, Daniel
Bain, Joaquim Dolz, Itziar Plazaola entre outros - tomando Vygotsky como referência
principal, no campo do desenvolvimento, e Bakhtin, no campo da Linguagem, assumiu
o objetivo de esclarecer as condições da emergência e do pensamento consciente
humano, conferindo papel essencial à linguagem nesse processo. Nessa direção,
assumindo uma abordagem transdisciplinar, buscando subsídios na Filosofia,
Sociologia, Psicologia, Linguística, o grupo passou a realizar estudos e pesquisas tanto
sobre o funcionamento dos textos/discursos e o processo de sua produção, quanto sobre
as diferentes capacidades de linguagem que se desenvolvem no ensino/aprendizagem
formal dos gêneros textuais.
A preocupação inicial era, como aponta Bronckart (2006), a partir de uma
estrutura de formação e pesquisa, com a participação de professores de língua (francês
como língua materna), elaborar critérios que fossem, ao mesmo tempo, racionais
(teoricamente fundados) e didaticamente adaptados para o domínio da expressão escrita
pelos alunos. Inclusive, de acordo com Bronckart (2006), foi essa preocupação didática
que deu origem ao projeto do ISD.
Assim, em uma primeira fase, os trabalhos voltaram-se para a criação e testagem
de sequências didáticas para a elaboração de um modelo teórico capaz de sustentar e de
esclarecer uma abordagem prática de ensino da língua materna (no caso o francês).
Esses trabalhos deram origem a um primeiro instrumento metodológico e a uma
primeira série de análises empíricas que foram divulgados na obra Le fonctionnement
des discours em 1985.
Em uma segunda fase dos estudos do ISD, o grupo buscou aperfeiçoar o modelo
teórico-metodológico inicial e ressituar a questão das condições e das características da
atividade de linguagem, no quadro do problema do desenvolvimento humano. Essa fase
levou Bronckart e seus colaboradores a reexaminarem a base filosófica da obra de
Vygotsky, a retomarem o papel da apropriação dos signos na emergência da consciência
humana, com base na obra de Saussure, e a estudarem os efeitos produzidos pelo
45
domínio dos gêneros textuais e dos tipos de discurso no desenvolvimento humano, nas
suas dimensões epistemológicas e praxiológicas. Os aportes dos trabalhos dessa
segunda fase, foram publicados em 1997 na obra Activité langagière, textes et discours
e prosseguem até hoje, em diferentes direções. Essa obra foi traduzida em português, no
Brasil, em 1999, possibilitando maior divulgação, para os pesquisadores brasileiros, dos
pressupostos teórico-metodológicos do ISD.
Ainda em Genebra, em 2000, foi constituído um subgrupo na Unidade de
Didáticas de Línguas, o LAF (Langage, Action, Formation), reunindo pesquisadores de
origens disciplinares diversas (Ciências da Educação, Filosofia, Psicologia, Linguistica,
Filologia, entre outras) voltados, como ressaltam Guimarães e Machado (2008), para
um amplo programa de pesquisa visando a análise das ações e dos discursos em
diferentes situações de trabalho, inclusive do trabalho educacional.
O Grupo LAF desenvolveu um primeiro projeto de pesquisa denominado
L’analyse des actions et des discours en situation de travail et leur exploitation dans les
démarches de formation (A análise das ações e dos discursos em situação de trabalho
nos procedimentos de formação). Esse projeto contou com três unidades de pesquisa do
exterior, sendo uma delas do Brasil, o Grupo ALTER (Análise de Linguagem, Trabalho
Educacional e suas Relações) do Programa de Estudos Pós-graduados em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem, da PUC-São Paulo, sob a direção de Anna Rachel
Machado), que reúne pesquisadores de Universidades do Brasil, Portugal e Argentina.
Nessa linha de pesquisa, vários artigos de Bronckart constituíram a obra Atividade de
linguagem, discurso e desenvolvimento humano, lançada em 2006, em organização e
tradução de Anna Rachel Machado e Maria de Lourdes Meirelles Matencio.
Além do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem, da (LAE/PUC-São Paulo) ser um potencial gerador da abordagem de
pesquisa do ISD, no Brasil, vale destacar que diversos pesquisadores brasileiros, de
diferentes instituições, também já desenvolviam trabalhos sob a ótica do ISD.
Dessa maneira, de acordo com Machado e Guimarães (2009), as pesquisas de
abordagem do ISD de intervenção mais direta têm atingido alunos de todos os níveis do
ensino formal regular: da educação infantil ao universitário, inclusive de Educação de
Jovens e Adultos (EJA); bem como cursos de formação inicial e continuada tanto para
professores de língua materna, língua estrangeira e segunda língua de todos os níveis de
ensino, quanto para a formação de professores de outras disciplinas. E, como ressaltam
46
as autoras, o estatuto epistemológico e metodológico do ISD não é fechado, estando
constantemente sujeito a revisões, descobertas, recorrendo a outras áreas e autores, etc.
No presente trabalho, inspirada por abordagens do ISD, procuro realizar a
análise dos relatos reflexivos buscando dar sentido às produções textuais dos APs; e
“como toda tentativa de ‘dar sentido’, só conseguimos chegar a uma ‘obra aberta’,
sujeita a todas as concordâncias e discordâncias, cujo debate poderá nos levar ao
desenvolvimento coletivo do grupo”. (Machado e Guimarães, 2009, p. 42).
2.2- Fundamentos epistemológicos e metodológicos do ISD
O quadro teórico do ISD inspira-se em um conjunto de princípios do
Interacionismo Social, os quais, segundo Bronckart (1999, 2006, 2008), podem ser
resumidos em três grandes temas centrais: o desenvolvimento humano, a dialética e a
perspectiva genética.
Quanto ao desenvolvimento humano, para compreendê-lo e explicitá-lo, é
preciso, segundo Bronckart (2008, p.109), compreender a evolução do universo
material, o que implica aderir aos princípios conjuntos do materialismo, do monismo e
do evolucionismo. O princípio do materialismo postula que “o universo é constituído
pela matéria em permanente atividade e que todos os objetos que nele se encontram,
inclusive os processos de pensamento da espécie humana, são realidades materiais”. O
princípio do monismo, por sua vez, afirma que embora alguns desses objetos pareçam
ser físicos e outros psíquicos, essa distinção é apenas fenomenológica, ou seja, em
essência, tudo é matéria. Por fim, o princípio do evolucionismo considera que, na
marcha do universo, a matéria deu origem a objetos cada vez mais complexos e a
organismos vivos, em um processo tal que os objetos (seres vivos ou inanimados)
produzem mecanismos para a sua própria organização. Esse princípio também implica
que, a cada etapa da evolução, as propriedades da evolução interna dos objetos
“correspondem” às propriedades de suas interações comportamentais com o meio
externo.
Quanto à questão da dialética, a ideia assumida por Bronckart (2008) é a de que
a evolução humana deve ser compreendida em uma perspectiva histórica, mas em uma
linha indireta e descontínua, pois as capacidades biológicas da espécie humana
possibilitaram as atividades coletivas com o uso de instrumentos, cuja organização
exigiu a produção de linguagem (ou linguageira, na tradução literal de langagière).
47
Desse modo, as atividades gerais e as atividades de linguagem deram origem a um
mundo de fatos sociais que se superpôs ao meio físico. Nos termos do autor, “a
reabsorção dos elementos desse mundo por organismos particulares levou à constituição
de um funcionamento psíquico consciente”. (p. 110).
Daí a adesão à perspectiva genética para a apreensão do funcionamento humano.
Rejeitando qualquer concepção essencialista, no sentido de que a apreensão do
funcionamento psicológico do ser humano não se pode confundir com a ideia de
apreensão de uma “essência primeira qualquer”, Bronckart (2008) defende uma
perspectiva genética, a do homem em constante evolução, uma vez que para
compreendê-lo é preciso compreender sua evolução/construção sócio-histórica.
Nesse sentido, a abordagem do ISD é favorável a uma posição dinâmica e histórica,
considerando que, para o estudo do funcionamento humano e de seus processos evolutivos e
históricos, é necessário considerar as relações de interdependência entre os aspectos
psicológicos, sociais, culturais, linguísticos etc., e consequentemente, assumir uma
perspectiva transdisciplinar, já que os fenômenos humanos envolvem dimensões variadas.
Com base então nesses princípios básicos, a principal ideia defendida pelo ISD é
a de que o desenvolvimento do ser humano ocorre em atividades sociais, em um meio
constituído e organizado por diferentes pré-construídos e por meio de processos de
mediação, principalmente, os processos de linguagem/linguageiros. Assim, desde o
nascimento, os indivíduos vão se apropriando dos pré-construídos sociais, o que permite
o seu desenvolvimento e, dialeticamente, lhes permite contribuir para a constante
transformação dos pré-construídos. Nas palavras de Bronckart (2006, p.10), o ISD visa
“demonstrar que as práticas linguageiras situadas (ou os textos-discursos) são os
instrumentos principais do desenvolvimento humano, tanto em relação aos
conhecimentos e aos saberes quanto em relação às capacidades do agir e da identidade
das pessoas”.
Dessa forma, o ISD propõe um procedimento metodológico que Bronckart
(2004) chama de descendente, que envolve três etapas: primeiramente, a análise dos
principais componentes dos pré-construídos existentes nas sociedades, tais como as
atividades que nela se desenvolvem, as formações sociais que as organizam e as línguas
e os gêneros de textos em uso; depois, o estudo dos processos de mediação
sociossemióticos, em que se realiza a apropriação tanto pela criança como pelo adulto,
de aspectos desses pré-construídos; e por fim, a análise dos efeitos dos processos de
mediação e de apropriação por meio dos quais os indivíduos constroem seus
48
conhecimentos de mundo e a sua condição de sujeito no mundo. (Bronckart; 2008;
Machado, 2009c).
É, pois, nessa perspectiva, que o ISD assume o papel fundador da linguagem, da
atividade discursiva no desenvolvimento humano: “é ela que organiza, regula e comenta
as atividades humanas e é por meio dela que se constrói uma ‘memória’ dos pré-
construídos sociais; é por processos de mediação, sobretudos os linguageiros, que esses
pré-construtos são apropriados e transformados pelos indivíduos. (Machado, 2009c, p.
48). Em outras palavras, a linguagem tem um papel central tanto no funcionamento
psíquico e em seu desenvolvimento quanto nas atividades e ações humanas. Sendo
assim, o ISD parte do princípio de que é necessário considerar as ações humanas em suas
dimensões sociais e discursivas constitutivas, colocando o discursivo/a linguagem, como
central para o estudo do funcionamento e desenvolvimento humano.
Nesse sentido, as pesquisas do ISD centram-se na análise e interpretação de
textos orais ou escritos, focalizando mais frequentemente o estudo de situações de
mediação formativa, o que deu origem a pesquisas sobre situações de trabalho, mais
especificamente de ensino (por exemplo: LOUSADA, 2006; BUENO, 2007; ABREU-
TARDELLI, 2006; MAZILLO, 2006; BUZZO, 2008, TOGNATO, 2009; MUNIZ-
OLIVEIRA, 2011).
Para estudos realizados no âmbito das mediações formativas, como é o caso
deste trabalho, o ISD contribui com um modelo de análise de texto, sendo possível
identificar as formas de agir construídas num texto. Para isso, de acordo com Machado
et al (2004), primeiramente, é preciso reconhecer que as ações humanas não podem ser
apreendidas no fluxo contínuo do agir apenas pela observação das condutas perceptíveis
dos indivíduos, uma vez que só podem ser apreendidas por meio de interpretações,
produzidas principalmente com a utilização da linguagem, em textos dos próprios
actantes ou observadores dessas ações. Os textos que se referem a uma determinada
atividade social exercem influência sobre essa atividade e sobre as ações nela
envolvidas; ao mesmo tempo em que refletem representações/interpretações/avaliações
sociais sobre essa atividade e sobre essas ações, podendo contribuir para a consolidação
ou para a modificação dessas mesmas representações e das próprias atividades e ações.
Nas palavras de Bronckart (2006, p.167), "os textos, uma vez produzidos, estão
disponíveis para alimentar o trabalho permanente de compreensão dos desafios e das
determinações do agir humano; são 'figuras' a partir das quais tentamos compreender os
outros (agindo ou conhecendo), ao mesmo tempo em que tentamos compreender a nós
49
mesmos". Desse modo, quando interpretamos um texto, estamos interpretando as
figuras de agir, ou seja, os modelos de agir que o texto contém, e, portanto, a ação
humana.
Tendo em vista que neste trabalho interessa analisar textos
descritivos/interpretativos/reflexivos (os relatos reflexivos) produzidos por
observadores e participantes (os APs) da atividade educacional, abordarei
especificamente questões, na perspectiva do ISD, referentes ao agir humano e ao
conjunto de procedimentos semânticos de análise de texto, buscando detectar as formas
de agir construídas em um texto.
Para o estudo do agir, Bronckart e seus seguidores consideram dois níveis de
análise: o contexto imediato e sociohistórico da produção do texto; e o
textual/discursivo. No nível de análise do contexto de produção, são levados em conta
parâmetros físicos (o lugar físico do contexto de produção; quem é o emissor, o
receptor; qual é o espaço-tempo da produção) e parâmetros sociossubjetivos, em que se
levantam hipóteses para compreender o local social de onde fala/escreve o enunciador,
para qual destinatário o texto foi provavelmente produzido, em qual local social ele foi
produzido, quais os objetivos da interação, e que efeitos o enunciador queria produzir
no destinatário. É importante que, nessa análise, seja considerado desde o contexto mais
amplo (sociohistórico) até o contexto mais imediato da ação de linguagem. (Lousada,
2010).
No nível de análise textual/discursiva, são consideradas três dimensões que
compõem a arquitetura interna dos textos, denominada por Bronckart (1999) de folhado
textual: a organizacional, composta pela infraestrutura geral do texto; a enunciativa,
constituída pelos mecanismos de responsabilização enunciativa, isto é, as modalizações
e as vozes presentes no texto; e a semântica, que permite identificar elementos
semânticos ou categorias do agir (Machado e Bronckart, 2009).
Como na análise deste trabalho interessam mais especificamente os
procedimentos do nível organizacional e semântico, apresento aqui aspectos
relacionados a esses dois níveis de análise, explicitando o sentido de alguns termos
conceituais e categorias do agir que serão utilizados nas análises dos relatos reflexivos,
tomando por base estudos de Bronckart (2006); Bronckart e Machado (2004); Mazzillo
(2006); Barricelli (2007); Bueno (2007) e Muniz-Oliveira (2011), que buscam
identificar o agir (re)configurado nos textos.
50
No contexto do ISD, o termo agir designa genericamente qualquer forma de
intervenção orientada no mundo, de um ou de vários seres humanos, os quais são
nomeados como actantes, ou seja, qualquer pessoa ou instituição implicada no agir. Por
exemplo, podemos nos referir ao agir do professor regente das classes de alfabetização,
ao agir do AP, ao agir do aluno, podendo, portando, ser actantes o professor regente, o
AP, os alunos, entre outros implicados no agir. Trabalhos dos autores acima citados têm
evidenciado que, pela interpretação do agir, é possível dar-lhe significação, dizendo ao
outro o que fazemos, como fazemos e, ainda, analisar o agir de outro ou o nosso próprio
agir.
Mazzillo (2006), por exemplo, ao analisar diários de aprendizagem escritos por
professoras de línguas, em situação de alunas de um outro professor de línguas,
identifica três figuras de agir: linguageiro, com instrumento e mental. Essas figuras,
identificadas com base na análise sintática dos textos de interpretação do trabalho do
outro, evidenciam que o professor aparece quase sempre na posição de sujeito das
orações, seguido por um predicado. Ou seja, nessa situação, podemos dizer que o agir
do professor é representado na linguagem por predicados que têm o professor como
sujeito. Analisando, então, esses predicados, Mazzillo (2006) verificou que o agir do
professor é representado, principalmente, por verbos de dizer, por verbos ou predicados
que indicam o uso de algum instrumento e por verbos ou predicados que indicam
atividade mental; daí a denominação das três figuras de agir, as quais apresento a seguir
exemplificando com trechos dos relatos reflexivos produzidos pelos APs.
Agir linguageiro: identificado nos predicados que apresentam verbos de dizer
(explicar, perguntar, responder, dizer, etc). Essa figura do agir foi distribuída em três
grupos:
a) agir que implica uma ação imediata dos alunos. Por exemplo: A professora
pede que as crianças cantem junto com ela.
b) agir que não implica uma resposta imediata. Por exemplo: A professora
explicou a atividades aos alunos.
c) agir em relação ao agir dos alunos. Por exemplo: Os alunos apresentaram
dificuldades em realizar os problemas e a professora explicou mais uma vez.
Agir com instrumento/instrumental: identificado nos predicados que
representam um agir verbal ou não verbal do professor com o uso de verbos que implica
51
a ideia de instrumento material como pintar, colar, escrever, xerocar, imprimir; ou
simbólico como ler, separar, cantar. Por exemplo: A professora lê e os alunos
respondem na folha.
Agir mental/cognitivo: identificados nos predicados que indicam uma atividade
mental ou capacidade das professoras. Por exemplo: A professora criou um dia especial
para as crianças levarem os livros para casa. (mental); A professora tem domínio da
organização da sala. (capacidade).
Essas figuras do agir, segundo Mazzillo (2006), reconfiguram o trabalho do
professor na relação com o outro, na relação com os instrumentos; e na relação com o
interior, mostrando o caráter cognitivo do seu trabalho.
Já Barricelli (2007), em uma análise de textos sobre a Educação Infantil,
também identifica outras figuras de agir, a saber:
Agir Prescritivo : envolve as prescrições para o agir do professor, marcado pelas
relações predicativas indiretas deônticas, que envolvem valores como obrigação, dever
(dever, ser preciso, etc) e espistêmicas, que envolvem valores como verdade,
probabilidade, certeza, crença (poder, ser verdade, etc). Por exemplo: O professor deve
programar sua prática a partir do uso do material “ler e escrever”, assim ele poderá
ter uma visão mais social.
Agir afetivo: implica em um agir emocional que é marcado pelos verbos como
gostar, apreciar, adorar, entre outros. Por exemplo: O que mais me chama a atenção
na professora é o carinho, a dedicação e o amor que ela sente pelos alunos.
Agir corporal : implica em um agir físico que é marcado por verbos como
abraçarr, andar, circular, caminhar, dirigir-se a, etc., relacionado, portanto, a gestos e
movimentos corporais. Por exemplo: A professora da sala tem me dado liberdade para
atuar dentro desse espaço. Posso caminhar por toda a sala a qualquer momento (...).
Enfim, essas categorias permitem ao pesquisador evidenciar as (re)configurações
que os observadores/participantes (alunos em formação; professores em formação)
52
possuem das ações dos professores em situação de trabalho, que modos de agir do
professor eles identificam em seus textos.
Tendo em vista os objetivos deste trabalho, focalizo, nos relatos reflexivos, a
interpretação do agir do professor regente, pelos APs. Assim, com o apoio de categorias
do nível semântico, busco identificar modos de agir do professor regente
(re)configurados pelo AP em suas produções textuais.
Nesta segunda parte do trabalho, apresentei os referenciais teórico-
metodológicos e as categorias que serão utilizados na análise dos dados desta pesquisa -
os relatos reflexivos produzidos pelos APs. Na terceira parte, a seguir, apresento, então,
os procedimentos metodológicos e a análise propriamente dita dos referidos relatos.
53
3- A ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA
3.1- Procedimentos de geração, caracterização e análise dos dados
Conforme já foi apontado no item 1.3 deste trabalho, quando trato das
características do Programa Bolsa Alfabetização na USC, a produção de relatos
reflexivos pelos APs é um procedimento que adotamos na USCS, no processo de
formação desses estudantes, tendo em vista que a reflexão escrita a partir das
observações/intervenções feitas pelo AP, além de servir como texto a ser consultado e
utilizado na realização da investigação didática pelo AP, é um instrumento de formação
docente e amplia o domínio da linguagem escrita.
Devido a essas características dos relatos reflexivos (Signorini, 2006) e ao fato
de esse gênero discursivo em situações de formação inicial de professor ser ainda pouco
explorado, é que decidi eleger os relatos reflexivos como objeto de análise desta
pesquisa. Além disso, os resultados de uma análise mais detalhada desses textos
certamente possibilitarão a nós professores orientadores conhecermos melhor as ações
dos professores regentes e dos APs no processo de alfabetização e, consequentemente,
(re)orientarmos as nossas ações de formação docente.
Para a seleção dos relatos reflexivos que compõem o corpus desta pesquisa,
considerei os que foram produzidos pelos alunos que participaram do Programa Bolsa
Alfabetização na USCS desde o seu início (agosto 2008) até julho de 2011. A adoção
desse critério de seleção deve-se ao fato de que, provavelmente, os APs que
permanecem no Programa por mais tempo, possam explicitar melhor suas
observações/interpretações do trabalho que vivenciam nas classes de alfabetização.
Seguindo, então, esse critério, primeiramente, identifiquei os alunos que
permaneceram mais tempo no Programa18: 07 APs. O passo seguinte foi separar os
relatos produzidos por esses alunos entre agosto de 2008 e julho de 2011. Consegui
reunir 75 relatos ao todo. Conforme orientações que passamos a todos os APs, como foi
esclarecido no item 1.3, eles devem elaborar os relatos reflexivos mensalmente, de
preferência digitados, e entregar nos encontros de formação ou encaminhar por e-mail
às professoras orientadoras. Contudo, nem sempre todos os APs redigem um relato por
18 Cabe lembrar que, durante todo esse tempo no Programa, nem sempre o AP permanece na mesma escola ou com o mesmo professor regente, pois como o encaminhamento do AP é realizado anualmente, sempre ocorre mudanças.
54
mês, de tal forma que recebemos aproximadamente de 4 a 6 relatos de cada AP por ano,
contendo, em média, de 2 a 3 páginas cada relato. Na realidade, de acordo com o
cronograma da SEE/FDE, os APs atuam de março (às vezes o Programa inicia em abril)
a junho (às vezes até a primeira quinzena de julho) e depois de agosto a meados de
dezembro. Com isso, podemos dizer que os APs atuam aproximadamente oito meses ao
ano nas escolas.
Em suma, o corpus desta pesquisa é constituído por 75 relatos reflexivos,
produzidos entre agosto de 2008 e julho de 2011, por 07 APs. Para a organização do
corpus, e considerando que os relatos selecionados foram produzidos ao longo de três
anos entre o segundo semestre de 2008 e o primeiro semestre de 2011, optei por
trabalhar com os relatos reflexivos, organizados em três períodos: textos produzidos no
primeiro ano do Programa (Período 1); no segundo ano (Período 2) e no terceiro ano
(Período 3). Desse modo, tendo em vista os objetivos deste trabalho, acabei
selecionando para a análise do agir, conforme procedimentos elencados a seguir, os
relatos produzidos pelos APs no primeiro e no terceiro ano do Programa. A seguir,
segue um quadro para melhor explicitar essa organização:
Quadro 1: Organização do Corpus
Meses Agosto/2008 a
Julho/2009
Agosto/2009 a
Julho/2010
Agosto/2010 a
julho/2011
Períodos Período 1 Período 2 Período 3
Total
Quantidade de
relatos
reflexivos
23 28 24 75
Sendo assim, considerei para a análise textual 47 relatos reflexivos.
Os 7 APs produtores desses relatos são todos do sexo feminino, com idade entre
19 e 25 anos, provenientes da escola pública, pertencentes à classe média baixa e
habitantes de cidades do Grande ABC paulista ou de regiões da cidade de São Paulo que
se avizinham com o ABC. Na maioria, são alunos que, enquanto participaram do
Programa, trabalhavam como estagiários, em escolas de educação infantil, no período
inverso ao que atuavam no Bolsa Alfabetização, e no período noturno frequentavam o
Curso de Pedagogia. Todos eles tinham um bom desempenho no curso e eram assíduos.
55
De modo geral, são alunos que apresentam um domínio linguístico mediano, cujas
produções textuais escritas apresentavam ainda problemas de coesão, coerência e,
inclusive, gramaticais.
Na apresentação das análises, identifico os relatos pelo número do período em
que foi escrito (v. quadro 1) e letras que identificam iniciais de nomes fictícios
atribuídos aos APs. Por exemplo: (R1DA) corresponde a relato produzido no período 1
pela aluna DA.
Para a análise dos relatos reflexivos, buscando evidenciar e compreender como
os APs (re)configuram o agir do professor regente nos/pelos relatos reflexivos
produzidos ao longo de sua participação no Bolsa Alfabetização, procuro seguir os
seguintes passos:
1) Análise pré-textual: análise da situação de produção dos relatos reflexivos (o
contexto físico e o contexto sociossubjetivo).
2) Análise textual
a- do Plano global dos conteúdos temáticos dos relatos reflexivos.
b- do nível semântico (semiologia do agir):
- identificação dos actantes principais postos em cena nos/pelos textos
relatos reflexivos (professor regente, AP, alunos, pais, etc).
c- identificação dos modos do agir do professor regente (re)configurados
nos textos do AP, ou seja, dos modos de agir que os APs atribuem ao
professor regente.
d- Identificação, a partir dos adjetivos, substantivos, advérbios,
avaliações/apreciações do AP sobre um determinado modo de agir ou
sobre elementos do trabalho docente na alfabetização.
3.2- A situação de produção dos relatos reflexivos
Ao assumir que os pré-construídos histórico-culturais exercem influência no agir
humano e profissional, sendo cristalizados e sedimentados socialmente (Bronckart,
2008), é preciso levar em consideração as representações sobre a situação de produção
que os APs mobilizam para a produção dos relatos reflexivos. Para isso, levanto aqui
algumas hipóteses sobre essa situação de produção, em relação aos elementos do
contexto que podem influenciar o texto, tanto sobre o contexto físico (lugar de
56
produção/momento de produção), quanto sobre o contexto sociossubjetivo: instituição
social, posição social dos interlocutores, relações de hierarquia ou poder institucional
dos interlocutores, efeitos desejados sobre os destinatários, etc.
Sendo assim, para compreender o contexto de produção dos relatos reflexivos, é
preciso também levar em conta tudo que possa ser considerado como pré-construído no
decorrer da história que contribui para a constituição do trabalho do AP. Essa retomada
já foi desenvolvida na primeira parte deste trabalho (item 1), portanto, focalizo, agora,
mais especificamente, algumas hipóteses sobre a situação imediata de produção de
linguagem, no que diz respeito aos elementos do contexto sociossubjetivo que podem
ter influenciado na produção dos seus relatos reflexivos. Os elementos do contexto
físico já foram explicitados acima (item 3.1).
Como já foi apontado (item 1.3), os relatos reflexivos são produzidos pelos APs,
no âmbito das ações de formação do Bolsa Alfabetização na USCS, fazendo, portanto,
parte do conjunto de atividades que esses alunos realizam no Programa. Trata-se,
portanto, de textos concebidos na esfera acadêmica.
Assim, esses textos são produzidos conforme os objetivos e orientações passados
nos encontros de formação na USCS, pelas professoras orientadoras. Os APs são, então,
orientados a produzir os relatos, com o objetivo de retomar as observações e/ou
intervenções que registram cotidianamente e refletir sobre o processo que vivenciam.
Em outras palavras, os APs são orientados a expressar, nos relatos reflexivos, suas
observações, impressões, experiências, indagações, conflitos, auto-reflexões sobre o que
observam e vivenciam na classe de alfabetização em que atuam, com atenção especial
aos processos de ensino e aprendizagem. Além disso, as professoras orientadoras
também solicitam que nesses relatos as alunas reflitam sobre o processo de ensino e
aprendizagem que observam, descrevendo suas impressões em relação ao que aprendem
na faculdade e o que vivenciam nas salas de aulas em que atuam junto ao professor
regente. Cabe lembrar que também é explicitado aos APs que esse tipo de produção
escrita contribui para o seu processo de formação, assim como para a ampliação da sua
competência de produção escrita.
Enfim, esses relatos são lidos, oficialmente, apenas pelas professoras
orientadoras que, a partir da leitura, fazem devolutivas/comentários coletivos, sem fazer
referência ao que relatou individualmente um AP. Dessa forma, o AP sabe que os seus
relatos são lidos apenas pelas professoras orientadoras, e que servem de referência para
57
as discussões nos encontros de formação e os nossos relatórios enviados à FDE19, mas
sabem também que as professoras não vão revelar publicamente/nominalmente o que
um determinado AP relata no seu texto. Com isso, é possível que os APs assumam em
seus relatos, uma forma de escrita bastante subjetiva, estabelecendo um contrato de
confiança com o destinatário, o que permite inferir que haja um alto grau franqueza,
pelos locutores (APs), em relação ao discurso que produzem.
Os destinatários alvo dos relatos são, então, as professoras orientadoras (sendo
esta pesquisadora uma delas) do Programa na USCS, podendo figurar, para o AP, a
posição tradicional do professor avaliador, que valida a sua permanência no Programa,
como “aluno bolsista” (no sentido financeiro mesmo, ou seja, do aluno que necessita
dessa bolsa para continuar no Curso). Além disso, os APs também são alunos dessas
professoras no Curso de Pedagogia, o que pode configurar a produção do relato como
mais uma forma de avaliação de seu desempenho como “aluno da Pedagogia” (futuro
professor).
Outras posições que esses alunos podem assumir, na produção dos relatos,
referem-se às funções que, comumente, são assumidas pelo AP:
pesquisador/observador, avaliador, segundo professor/professor auxiliar. Assumindo
essas posições, é possível hipotetizar que esse aluno vai procurar passar uma boa
imagem de sua atuação, em uma produção escrita de “pesquisador” para “orientador” ou
até mesmo de “professor” para “professor”. Nesse sentido, é possível que uma posição
que esse aluno (o AP) tente apagar é de “estagiário”, no sentido mais convencional do
termo e da função. O que significa que o AP vai querer demonstrar que está
desempenhando bem a sua função.
Levantadas algumas hipóteses sobre a situação de produção dos relatos, passo, a
seguir, à apresentação das análises de texto, conforme procedimentos explicitados acima
(item 3.1).
3.3- Plano global dos relatos reflexivos
O plano global do texto refere-se à forma como são organizados os conteúdos
temáticos. Assim, para explicitar o plano global dos relatos reflexivos, procurei
19 A partir do segundo semestre de 2010, quando iniciei esta pesquisa, os APs tomaram conhecimento de que seus relatos seriam objeto desta pesquisa.
58
identificar como os temas são desenvolvidos ao decorrer dos textos, observando quais
são mais focalizados ou apagados; como também as sequências textuais predominantes
(narrativas, descritivas, argumentativas, expositivas, etc), entre outros aspectos que se
referem à construção composicional dos relatos.
Com base nessas observações, verifiquei, quanto ao desenvolvimento dos temas,
que os relatos fazem referências às atividades de rotina das aulas realizadas pelo
professor regente: atividades de leitura feita professor, atividades de sondagem, ditados,
produção escrita compartilhada em que o professor é o escriba, entre outras
características da alfabetização. Para melhor visualização das atividades dessa rotina
mais focalizadas nos relatos, segue o quadro abaixo:
Quadro 3: Atividades de rotina da alfabetização tematizadas nos relatos reflexivos
ATIVIDADES DE LEITURA Leitura feita pelo professor
Leitura feita pelos alunos
- em voz alta
- individual ou em grupo para
interpretação de textos
ATIVIDADES DE ESCRITA - Cópia
- Ditado
- Sondagem
- Com alfabeto móvel
- Compartilhada: o professor é o escriba
- Coletiva: em duplas
Organizando-se, geralmente, com referência a essas atividades de rotina, os
relatos se iniciam, quase sempre, referindo-se à primeira atividade da rotina do
professor regente, ou então com uma ancoragem temporal, com referência ao período de
observação a que se refere o relato, como nos exemplos que seguem:
Exemplo 1: (R1MA)
Já estamos no mês de outubro e agora posso ver claramente o avanço das crianças.
Exemplo 2: (R2DE)
Não pude notar muita diferença entre os meses anteriores e os de agora (...)
59
Exemplo 3: (R3AP)
A professora inicia a aula todos os dias pela leitura, mas sem significado algum (...)
A narrativa é a sequência textual predominante nos relatos, revelando não só as
experiências particulares de cada AP, mas também sua maneira de estruturar os
componentes do seu relato. Contudo, para dar-lhe sentido, os autores dos relatos
mobilizam seus sentimentos, impressões e conhecimentos, constituindo seus textos com
a presença de diferentes sequências textuais (narração, argumentação, exposição, entre
outros) e diversas vozes, tornando os relatos heterogêneos, complexos, uma verdadeira
mistura de elementos, o que é característico do gênero, como se pode ver no exemplo
abaixo:
Exemplo 4: (R2MA)
A professora foi ensinando aos poucos, todos os dias ensinava uma letrinha
diferente, passava na lousa com uma letra grande e pedia para as crianças observarem
os movimentos que ela fazia para desenhar aquela letra.
A professora acha que é muito cedo para ensinar a letra de mão, pois como
ainda tem crianças que não são alfabéticas, vai acabar confundindo mais ainda a
cabeça delas. Mas como as crianças e as próprias mães estavam insistindo ela
ensinou. Agora tudo que é passado na lousa é escrito com a letra de mão, e as crianças
são obrigadas a se virar.
Conclusão, uma boa parte da sala está acompanhando e fazendo direitinho,
mas as crianças que não conseguem estão cada vez mais perdidas, o caderno está
ficando um relaxo e as lições estão ficando incompletas, pois não conseguem
acompanhar o ritmo das outras crianças.
Como se pode observar, no primeiro parágrafo, a autora do relato apresenta uma
sequência narrativa de fatos, utilizando o pretérito imperfeito, distanciando-se do seu
discurso, não se comprometendo, portanto, com o que é relatado. Já no segundo
parágrafo, ao comentar a justificativa da professora (A professora acha que é muito
cedo para ensinar a letra de mão... mas como as crianças e as próprias mães estavam
insistindo, ela ensinou), há maior engajamento da autora do relato com aquilo que
enuncia, isto é, existe uma atenção maior do locutor ao que é enunciado, criando um
60
comprometimento com os interlocutores que estão diretamente envolvidos no discurso.
No último parágrafo, assumindo uma posição mais pessoal e subjetiva, a autora do
relato faz apreciações/avaliações ao comentar as consequências do agir da professora no
agir dos alunos, isto é, no processo de aprendizagem desses alunos.
Nos relatos, também há sempre uma referência dêitica ao evento aula, ou seja,
sempre há alguma situação de sala aula descrita e/ou comentada pelo AP, como
exemplifica o trecho a seguir:
Exemplo 5: (R2MA)
No final da aula, a professora falou para as crianças que elas teriam uma lição
de casa diferente das que estavam acostumadas, elas teriam que observar e registrar as
palavras que iriam encontrar no caminho de sua casa até a escola e no dia seguinte
iriam realizar uma produção de textos com as palavras arrecadadas pelos alunos.
Pode-se verificar, também, na maioria dos relatos, no início ou no final do texto,
uma avaliação global sobre o que foi observado/vivenciado ao longo de um mês pelo
AP, com apreciação positiva ou negativa do agir da professora, como nos exemplos
abaixo:
Exemplo 6: (R3AP) – Trecho que aparece no final do relato
Minha professora [a professora regente], uma senhora, realmente é apaixonada
pelo que faz. Intercala seus métodos, porém, o faz de forma consciente, pois aplica
atividades diferentes diante das dificuldades que os alunos apresentam, sendo, assim,
acaba por recorrer ao método tradicional devido a dificuldade do aluno.
Por outro lado, compreende que são crianças e que estão passando pelo
processo de adaptação, principalmente por ser uma escola de período integral. Tendo
em vista isso, procura sempre manter um ambiente alegre e “infantil”, decora a sala de
acordo com o que está trabalhando, faz brincadeiras, e dá muito carinho e atenção,
demonstrando isso para os alunos mesmo quando brava ou chateada. Leva em
consideração os conhecimentos de seus alunos, seus avanços e conquistas.
Concluindo, ela torna o ambiente de aprendizagem divertido, prazeroso e
“produtivo”.
Exemplo 7: (R2AL) – Trecho que aparece no início do relato
61
Até agora em mais de três meses da minha presença dentro da sala de aula,
sinceramente ainda não tenho um bom olhar em relação a professora da sala, ela
parece ser muito fria com as crianças, não as valoriza, além do que é muito tradicional,
uma professora que nunca trabalhou de maneira nenhuma com agrupamentos, nem
mesmo colocou as crianças em duplas para fazerem algum tipo de atividade, de tudo o
que fez e trabalhou com as crianças até agora não vi nada relacionado ao
construtivismo, dentro destes quase quatro meses na sala de aula só presenciei uma vez
o trabalho com as letras móveis e as crianças sempre trabalhando individualmente.
Embora em outros relatos não apareça avaliação global da aula seja no início ou
no final do texto, há sempre uma descrição do agir da professora seguido de uma
avaliação e/ou de uma reflexão do AP sobre o desempenho ou comportamento da
professora ou dos alunos na atividade realizada em aula, conforme exemplifica o trecho
a seguir:
Exemplo 8: (R3MA)
A professora como de costume iniciou a leitura da história no inicio da aula.
Apresentou o título para os alunos e falou:
P – A história é muito grande, vou contar um pedaço hoje e o resto eu continuo
amanhã!
E depois perguntou:
P – Alguém já ouviu essa história?
Alguns alunos responderam que sim.
P – Essa é uma versão diferente, acredito que vocês não conheçam.
A professora fez a leitura da história em voz alta, sentada na sua cadeira,
enquanto as crianças copiavam a lição que ela havia passado na lousa anteriormente.
A leitura foi feita de uma forma normal, a professora respeitou a pontuação, e
em alguns momentos fez algumas entonações com a voz, mas nada a mais que isso,
nem se quer mostrou as figuras para as crianças.
Como todas às vezes a professora não deu nenhuma atividade relacionada
com a leitura, nem deixou as crianças darem a sua opinião sobre a história e
continuou com a sua rotina.
62
Outro aspecto típico dos relatos é a de que as convicções ou dúvidas dos APs
podem aparecer em diferentes espaços do texto: na introdução, no desenvolvimento ou
na conclusão, fazem intercalações, perguntas, reticências que mostram suas certezas ou
incertezas sobre o ensino e a aprendizagem na alfabetização. Os exemplos a seguir
evidenciam essa característica.
Exemplo 9: (R1DA)
A professora pediu para que eu ficasse com cinco alunas em um canto da sala
para trabalhar ao alfabeto, porque elas ainda não conheciam todas as letras.
Posso dizer que me desesperei e parei para pensar se isso era realmente o que
eu queria.
Exemplo 10: (R1JA)
Depois que a professora terminou de falar todas as palavras, recolheu as folhas
e dividiu entre mim e ela para corrigirmos. Logo que terminamos a correção, entregou
as folhas corrigidas para os alunos e pediu para que colassem nos seus cadernos.
Fiquei intrigada com aquela atitude, pois afinal, para que serviu aquela
sondagem?
Outro conteúdo temático recorrente nos relatos é a manifestação dos APs quanto
ao ganho de experiência e à importância de sua participação no Programa, como
evidenciam os relatos a seguir:
Exemplo 11: (R1MA)
Participar desse projeto está sendo maravilhoso, pois estou podendo ver de
perto o que acontece realmente em uma sala de aula, tanto as coisas boas como as
coisas ruins. Além do prazer vivenciado a cada dia, podendo notar os progressos de
cada aluno e o carinho em que demonstram ter com você, percebo que de certa forma
estou fazendo a diferença para aquelas crianças.
Exemplo 12 (R1TI)
O Bolsa tem me ajudado muito a observar e adquirir conhecimentos que apenas
sentada em uma cadeira jamais conseguiria absorver, pois dessa maneira posso
perceber pontualmente como ocorre o desenvolvimento de cada criança, que tipo de
63
dúvidas surge em cada etapa desse desenvolvimento e muito mais. Com toda essa
aquisição de conhecimentos posso afirmar com certeza que essa prática tem sido muito
produtiva e positiva, e que durante os próximos meses pretendo permanecer no projeto
para aprender e me desenvolver ainda mais como pedagoga.
Um fato que chama a atenção, com relação ao conteúdo temático dos relatos
produzidos no primeiro ano de participação no Programa (Período 1) e dos produzidos
no terceiro ano (Período 3), é que, no início, os APs fazem muitas referências às
relações afetivas, tanto do professor regente com as crianças e com o próprio AP,
quanto deste com as crianças, tema pouco frequente nos textos produzidos no Período 3.
Além disso, no Período 1, o agir do professor é o foco principal das reflexões; já no
Período 3 amplia-se a referência nos relatos ao agir dos alunos.
É importante ressaltar também que, embora os APs tenham o compromisso de
entregar os seus textos para as professoras orientadoras, quase não se observa nos
relatos referência a esses interlocutores. Certamente, porque não há uma preocupação
dessa ordem por parte dos APs, o que aliás é uma característica do gênero relato
reflexivo, de modo mais amplo.
Em síntese, o conteúdo temático dos relatos reflexivos selecionados para análise
e, consequentemente, o seu plano global, gira em torno das diferentes fases de uma aula
de alfabetização, podendo ser representado, de modo geral, pela rotina das aulas do
professor regente, no que se refere à leitura e escrita, com descrição, comentários e
avaliação pelo AP das atividades que ele considera relevante tematizar em seu relato,
seja para uma apreciação positiva e/ou negativa.
Passo, a seguir, à identificação dos actantes (protagonistas do agir) postos em
cenas nos/pelos relatos reflexivos selecionados para análise.
3.4- Os actantes postos em cena nos/pelos relatos reflexivos
A partir da análise do plano global, procurei identificar os actantes postos em
cena nos/pelos textos produzidos no Período 1 e 3, para observar melhor se/como os
APs vão (re)construindo seu foco de observação das situações de ensino e aprendizagem
vivenciadas ao longo de sua participação no Programa Bolsa Alfabetização. Enfim, para
auxiliar na minha análise/interpretação das (re)configurações do trabalho do professor,
realizadas pelos APs ao longo da produção de seus relatos reflexivos.
64
Na identificação dos actantes, por meio dos marcadores de pessoa, ainda busquei
detectar o estatuto individual ou coletivo atribuído ao agir do professor regente (PR) e
do AP, isto é, quando estes são postos em situação individual ou conjunta (PR e AP), ou
PR e outro(s) professor(es).
No quadro e na figura a seguir é possível visualizar o total de ocorrências dos
actantes nos relatos produzidos nos Períodos 1 e 3.
Quadro 4: Actantes identificados nos relatos reflexivos do Período 1 e 3
Total de ocorrências por período
ACTANTES Período 1 Período 3
Total geral
PROFESSOR REGENTE 385 306 691
ALUNO PESQUISADOR 92 164 256
ALUNO(S)/CRIANÇA(S) 130 208 338
PROFESSOR REGENTE E
ALUNO PESQUISADOR
5 18 23
PROFESSOR REGENTE E
OUTRO(S)
PROFESSORE(S)
1 5 6
PAIS DOS ALUNOS 3 8 11
PROFESSORAS
ORIENTADORAS USCS
0 2 2
DIRETOR/COORDENADOR
DA ESCOLA
2 4 6
DIRETORIA DE
ENSINO/SEE/FDE
1 2 3
PROFESSORES DA
PEDAGOGIA-USCS
1 2 3
65
Figura 1: Comparação entre os actantes identificados nos relatos reflexivos do
Período 1 e 3
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Profe
ssor R
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Aluno P
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) Cria
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SEE /
FDE
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s da
Pedago
gia
- USC
S
Período 1
Período 3
Como se pode verificar na figura acima, no primeiro e terceiro ano de
participação no Programa, o professor regente é o actante mais referenciado nos relatos
(385 e 306 ocorrências, respectivamente); embora no terceiro ano haja uma diminuição
das referências ao agir do professor regente e um aumento das referências às crianças
(130 e 208 ocorrências, respectivamente). Com isso, pode-se justificar, a meu ver, que a
maior ocorrência do actante “professor” nos relatos deve-se à concepção de ensino dos
APs estar centrada no “como se ensina” em detrimento de “como se aprende”. Por isso,
o AP considera o agir dos alunos como secundário.
Contudo, nos relatos produzidos no terceiro ano, observa-se uma elevação da
referência ao actante “aluno” (208). O que pode indicar uma (re)elaboração de
concepções de ensino, com a maior preocupação do AP em observar como as crianças
aprendem. Vale lembrar que esse é um aspecto bastante debatido na formação dos APs
na USCS, quando colocamos em discussão a análise dos registros de situações de sala
de aula que vivenciam. Insistimos sempre que os APs observem e reflitam não apenas
66
sobre como o professor ensina, mas também e, principalmente, como os alunos vão
construindo os seus conhecimentos sobre a língua em seu processo de alfabetização.
Outro dado relevante nesse levantamento refere-se à ocorrência do actante AP,
que aumenta de 92 (no primeiro ano) para 164 (no terceiro ano), o que pode ser
justificado pelo próprio processo de construção pelo licenciando de seu espaço na sala
de aula, de sua função como AP. Inicialmente, ele atua mais como observador e, aos
poucos vai assumindo algumas tarefas junto aos alunos. Cabe ressaltar que essa é a
orientação do próprio Programa, conforme apontado na primeira parte deste trabalho.
Obviamente, esse processo também depende da boa interação do professor regente e o
AP. E, nesse sentido, pode indicar que os professores regentes, à medida que vão
compreendendo melhor o papel do AP, passam a dar mais espaço para a atuação dele na
sala de aula.
Por outro lado, os dados indicam que o actante AP aparece, nos dois períodos,
muito mais com o estatuto de um agir individual do que coletivo, em parceria com o
professor regente. Isso pode indicar que o AP atua na sala de aula separadamente do
professor, com mais frequência do que em parceria. De fato, muitos relatos evidenciam
essa forma de atuação do AP, como exemplificam os trechos a seguir:
Exemplo 13: R3MA
Logo que entrei a professora pediu que eu realizasse um trabalho com as
crianças que apresentavam mais dificuldades em acompanhar a sua aula. Era um
desfio para as crianças e principalmente para mim.
O meu grupo tinha cinco meninas, em um mês, três meninas conseguiram
compreender o sistema da escrita e passou a acompanhar a aula da professora. Agora
estou trabalhando somente com duas meninas, para mim é meio que impossível, porém,
como já disse, é um desafio que ajudará muito, na construção da minha profissão.
Exemplo 14: (R1DE)
Então, a professora me deixou com um aluno chamado L., que não sabia nem a
letra A, o que ele não aprendeu em um mês de aula eu ensinei em dois dias, mas ela
logo não deixou mais eu ficar ensinando ele.
Exemplo 15: (R1AP)
67
Na maior parte do tempo, a professora pede que eu fique com o Time II [das
crianças mais “atrasadas” (pré-silábicos e silábicos sem valor)], ela admitiu saber que
pela lei isso não é correto, porém, disse que a turma que mais precisa é aquela, e não
outra (Time 1), que consegue fazer maior parte das tarefas sozinhos. Em alguns
momentos ela pede que eu fique com o Time 1, para somente olhar se estão fazendo da
maneira correta, enquanto ela auxilia o Time II.
De fato, conforme orientações do Programa, cabe ao AP assumir, gradativamente,
de comum acordo com o professor-regente e com o professor- coordenador, algumas
funções para auxiliar no planejamento e execução das atividades de sala de aula, sendo que
crianças com maior grau de dificuldade não podem ficar sob a responsabilidade do AP, uma
vez que ainda podem não ter embasamento teórico-metodológico e amadurecimento
profissional. Contudo, os relatos reflexivos evidenciam que os APs têm atuado
individualmente (sozinhos) junto aos alunos que apresentam maiores dificuldades no
processo de alfabetização.
Quanto aos outros actantes que aparecem nos relatos, há algumas referências ao agir
coletivo do professor regente com outros professores da escola, principalmente em
situações de atividades de projetos culturais da escola. Já quando aparece a direção e/ou
coordenação da escola, assim como Diretoria de Ensino, FDE/SEE, a referência é,
geralmente, em situações de reunião na escola, ou com relação ao agir prescritivo desses
actantes, como exemplifica o trecho a seguir:
Exemplo 16 (R3AP):
No decorrer desta pequena reunião, a coordenadora entra e começa a questionar
de uma maneira bem sutil e carinhosa, eu diria até amigável, sobre o rendimento dos
alunos de cada professora. No caso da minha professora em particular o questionamento
foi mais direto, pois ela faz o Ler e Escrever, e seus alunos que estavam com algumas
dificuldades tiveram grandes avanços.
Quantos aos professores orientadores do Programa, as poucas vezes em que
aparecem nos relatos, as referências são com relação ajuda/orientação desses professores
para a atuação do AP nas classes de alfabetização. No caso dos professores da Pedagogia,
estes são referenciados quando o AP faz uma comparação, positiva ou negativa, com o que
diz(em) o(s) professor(es) e o que o AP vivencia na escola. Segue um trecho que evidencia
tal fato:
68
Exemplo 17 – (R3AP)
Na faculdade, quando nos ensinaram e propuseram [os professores] a elaboração
de plano de aula, exigia-se muitos detalhes, preocupações e tempo. No entanto, não foi
assim que ocorreu [na escola] não sei se por tratar do segundo semestre ou pelos anos de
práticas das docentes.
Enfim, realizada essa parte da análise, procedo à identificação dos modos de agir do
professor regente (re)configurados pelo AP nos/pelos relatos reflexivos.
3.5- Modos do agir do professor regente (re)configurados nos/pelos relatos
reflexivos
Tendo em vista que o principal interesse deste trabalho está em analisar como
alunos participantes do Programa Bolsa Alfabetização (re)configuram, em seus relatos
reflexivos, os modos de agir do professor regente, para a análise apresentada nesta
seção, fiz um recorte selecionando os relatos produzidos no Período 3 e buscando
identificar e quantificar os modos de agir do professor regente (re)configurados pelos
APs nesses textos.
Para tal, utilizo as categorias dos modos de agir levantadas por Mazzillo (2006)
e Barricelli (2007) já explicitadas acima (item 2.2). Assim, com base nos predicados que
se referem ao actante “professor regente”, já destacados no levantamento apresentado
no item anterior (3.4), primeiramente, busquei identificar e quantificar os modos de agir
do professor, na realização de diferentes tarefas de sala de aula, (re)configurados pelos
APs nos 24 relatos do Período 3.
Os resultados desse primeiro levantamento ajudaram na seleção dos dados para a
análise dos modos de agir detectados mais recorrentes nos relatos reflexivos. Assim,
investiguei com cuidado os textos selecionados para análise, buscando identificar nas
referências ao agir do professor regente, marcas linguístico-discursivas (modalizações,
adjetivos, verbos, advérbios, etc) que evidenciem como os APs interpretam e avaliam
um determinado modo de agir do professor regente.
Segue, então, o quadro que evidencia os modos de agir do professor
identificados e o número de ocorrências, seguido de um exemplo para melhor
compreensão de cada modo.
69
Quadro 5: Modos de agir do professor regente (re)configurados nos relatos
reflexivos do Período 3
Modos de agir Ocorrências Exemplos
Linguageiro 69 Ela [a professora] explicou para eles [alunos] o
porque a Marcela (personagem da história) é
especial, porque ela é cega.
Com instrumentos
(materiais e/ou
simbólicos)
146 Primeiro ela [a professora] mostra o desenho
da letra na tabela, por exemplo a letra a, logo
após mostra para a classe como se faz o
desenho da letra no modo cursivo.
Cognitivo/capacidade 42 A professora não dava tempo para os alunos
pensarem e fazerem com calma a atividade.
Prescritivo 21 A professora segue uma rotina diária
determinada pela direção da escola.
Afetivo 23 Percebo que a professora gosta dos alunos,
mas ao mesmo tempo está descontente com a
escola e os métodos.
Corporal/Físico 05 Outro dia vi a professora pegar no braço de
um aluno com força, provocando o choro.
Segue também o gráfico que representa o número de ocorrências de cada uma
dos modos de agir identificados nos relatos.
70
Figura 2: Gráfico do número de ocorrências dos modos de agir identificados
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Com in
stru
ment
os
Lingu
agei
ro
Cogniti
vo/c
apacid
ade
Afetiv
o
Presc
ritiv
o
Corpora
l/Físi
co
Ocorrências
O que se pode observar é que o maior número de ocorrências dos modos de agir
do professor tematizados nos relatos refere-se ao Agir com Instrumentos (146
ocorrências). Portanto, vou me deter aqui à análise dos segmentos que tematizam esse
modo de agir do professor regente.
As (re)configurações dos modos de agir com instrumento envolvem a referência
ao uso pelo professor regente de instrumentos materiais e/ou simbólicos característicos
do trabalho do alfabetizador, tais como a escrita, as letras, cartazes, alfabeto móvel,
imagens, desenhos, objetos e materiais didáticos, livros infantis, materiais do Ler e
Escrever, móveis da classe, entre os diversos artefatos que fazem parte desse coletivo de
trabalho. Em suma, os modos de agir com instrumentos mostram o caráter instrumental
do trabalho do professor. Seguem alguns exemplos das (re)configurações pelo AP
desses modos de agir do professor regente:
Exemplo 18 (R3JA)
A professora organiza a sala de aula possibilitando aos alunos as consultas
espontâneas, há o alfabeto com ilustrações, numerais e um cartaz com o nome das
crianças, cantos onde as crianças dispõem de livros de histórias para levar pra casa e
71
nesse mesmo local são guardados os livros didáticos que as crianças utilizam em sala.
Assim, o espaço da própria sala de aula oferece incentivos à leitura. (...) Com as
observações acima citadas verifica-se o esforço da professora para que os alunos
tornem-se excelentes escritores e leitores capazes de interagirem adequadamente nas
funções sociais das duas práticas (leitura e escrita).
Exemplo 19: (R3TI)
A escola em que eu estou atuando como aluna pesquisadora possui uma
biblioteca onde uma vez por semana a professora se dirige com os alunos para realizar
momentos de leitura. Esses momentos são feitos na segunda-feira das 7:50 às 8:40,
quando a professora lê textos de diversos gêneros (gibis, revistas, livros e folhetos)
baseados nos temas que estão trabalhando na sala de aula.
A professora sempre faz a leitura de uma forma envolvente, a professora
respeita as pontuações, interage com a sala, deixa as crianças à vontade para interferir
e dar opiniões, mostra as figuras explicando todos os pontos principais da história.
Exemplo 20: (R3AL)
Logo no início do mês, presenciei a primeira aula da professora. Ela veio com a
aula pronta. Contou a história para as crianças, simplesmente contou por contar, não
interagiu com as crianças, não permitiu que as crianças argumentassem sobre o que
entenderam. Foi cansativo para mim que sou aluna pesquisadora e fiquei pensando,
que para as crianças foi bem pior.
Exemplo 21 (R3JA):
A professora fez a última sondagem em 24 e 25 de junho coletivamente.
Entregou uma folha para os alunos contendo grupo de palavras semelhantes e cada
um com o seu conhecimento, tinha que pintar as palavras que a professora ditara. O
problema é que dessa forma não é possível ela identificar as hipóteses de cada um
individualmente.
Exemplo 22: (R3AP):
Achei essa sondagem muito interessante, pois anteriormente a professora havia
trabalhado o Projeto Animais, fez várias leituras, trabalhou várias atividades,
inclusive com listas de animais, o que é muito frequente nas aulas.
72
Exemplo 23: (R3DE)
Observei que ela faz a leitura permanente sentada, lê o livro não mostra as
figuras da história e outras vezes ela sai da sala para ler a história fora da sala de
aula, as crianças sentam em círculo no chão e a professora numa cadeira conta a
história para as crianças ouvirem. A professora trabalha na sala com parlendas,
cruzadinhas de frutas, animais, bichos de estimação, acrósticos e outros mais.
Esse destaque para o agir instrumental do trabalho do professor regente sinaliza
também que o AP atenta para as formas de apropriação pela professora dos
instrumentos mediadores do trabalho prescrito pelas orientações/propostas curriculares
de alfabetização - divulgadas pela SEE/FDE, Programa Ler e Escrever, Diretoria de
Ensino, Coordenação da escola, etc – para atender ao objetivo principal que é ensinar as
crianças a ler e a escrever. São esses instrumentos: livros de histórias, livros didáticos,
alfabeto, cartazes, textos de diversos gêneros, figuras, parlendas, cruzadinhas, listas,
músicas, etc.
Interessante observar ainda que quando os APs focalizam os modos de agir com
instrumento, é quando fazem mais comentários apreciativos – positivos e/ou negativos –
a respeito dos modos de agir do professor regente. Como se pode ver nos exemplos
acima, há uma descrição do agir com instrumentos da professora, acompanhada de uma
interpretação e avaliação pelo AP desse agir. Além disso, constatei que esses
comentários apreciativos são mais recorrentes ainda quando os APs se referem à
atividade de Leitura feita pelo professor. O interesse por essa prática de leitura também
é evidenciado quando, dentre os temas que o Bolsa Alfabetização propõe para a
realização da investigação didática, a Leitura feita pelo professor é o mais abordado
pelos APs da USCS em seus trabalhos20. Uma explicação para isso pode ser o fato da
leitura feita pelo professor, assim como os diferentes procedimentos para realizá-la, é
uma prática bastante valorizada, utilizada e discutida na Educação Infantil, onde a
maioria desses APs já atua, inclusive realizando a leitura para as crianças.
Para melhor compreender, então, as interpretações do AP desse modo de agir do
professor regente na atividade de Leitura feita pelo professor, apresento a análise de
20 Uma pesquisa de iniciação científica realizada por uma aluna de Pedagogia da USCS, para identificar o trabalho com a literatura na alfabetização, a partir da análise de relatos reflexivos de participantes do Bolsa Alfabetização, também constatou que a Leitura feita pelo professor é a prática mais tematizada pelos APs.
73
dois trechos: um com apreciação positiva e outro com negativa. Para melhor
visualização, elaborei o quadro abaixo:
Quadro 6: Interpretações/avaliações dos modos de agir do professor regente em
atividades de Leitura feita pelo professor
Trecho do relato Elementos linguístico-discursivos da interpretação/avaliação do AP
Natureza da apreciação
Critérios/Justificativas
A professora faz a Leitura do gênero bilhete de um assunto que era algo de grande interesse das crianças, o sumiço da vassoura da sala, conhecida por eles como uma bruxa, o que criou muitas expectativas nos alunos, que ao final quiseram comentar. Podemos ver através desse relato que a professora além de trazer uma Leitura de bilhete escrito por alguém conhecido, usou de um assunto que também trazia muito entusiasmo aos alunos, por ser um fato que realmente aconteceu (sumiço da vassoura), o que contribui chamando a atenção dos alunos que ficaram prestativos na hora da Leitura, e com certeza conseguiram prestar mais atenção nas características desse gênero. (R3AL)
- grande interesse; - entusiasmo; - criou muitas expectativas; - além de (...) usou também; - alguém conhecido; - muito entusiasmo; - fato que realmente aconteceu; - contribui; - chamando a atenção; - prestativos na hora da leitura; - prestar atenção nas características do gênero.
POSITIVA
- a escolha do texto a ser lido pelo professor; - texto com proximidade da realidade dos alunos; - efeitos da leitura nos alunos; - ensino/aprendizagem das características do gênero do texto a ser lido.
A professora começou a aula fazendo a leitura da “Cinderela”, no mesmo ambiente rotineiro, chamando atenção dos alunos a todo o momento. Parou no meio da história pretendendo continuar no dia seguinte. Depois retomou os pontos principais com as crianças,
-mesmo ambiente rotineiro; - chamando atenção a todo momento; - escolheu história a olho; - não sabia e nem se lembrava histórias lidas; - não houve atividade após a
NEGATIVA
- escolha do texto e planejamento da leitura; - ambiente da leitura; - textos conhecidos pelo professor; - intervenções antes, durante e depois da leitura;
74
solicitando para que as mesmas contassem. Após a leitura, a professora e as duplas trabalharam normalmente. A professora escolheu a história a olho, não sabia e nem lembrava as histórias que já havia sido lidas e as crianças foram ajudando ela recordar as histórias repetidas. Não houve nenhuma atividade específica após o término da leitura, e no dia seguinte, a professora não retomou a mesma. (R3DA).
leitura; - a professora não retomou a história.
- respeito aos contratos estabelecidos professor/alunos
Os dados do quadro acima sinalizam que há uma compreensão, por parte do AP,
de que a leitura envolve emoção, interesse, o que pode ser despertado pela qualidade do
texto a ser lido, pela familiaridade com o tema/assunto do texto, pelo contexto do
momento da leitura. Essas são, pois, concepções mobilizadas pelos APs, sob as formas
como (re)configuram os modos de agir do professor regente e interpretam/avaliam esse agir,
nos momentos de ação de linguagem, ou seja, nos seus relatos reflexivos.
Além disso, os APs, ao (re)configurarem modos de agir do professor regente com o
instrumento “texto escrito” (bilhete sobre o sumiço da vassoura ou conto da Cinderela),
expressam aspectos que consideram mais adequados quanto à utilização dos recursos
materiais/simbólicos disponíveis no coletivo de trabalho de alfabetização, mais
especificamente na atividade de Leitura feita pelo professor). Aspectos esses que, na visão
dos APs, possibilitariam a criação de condições para que as crianças “se interessem”, “se
entusiasmem” pela história, para que possam compreendê-la, apreciá-la, apreendê-la, dando
oportunidade de desenvolvimento cognitivo aos alunos. Isso pode ser percebido pelas
expressões de interpretação positiva sobre o agir do professor (criou muitas expectativas;
além de (...) usou também; contribui) e negativa (escolheu a história a esmo; não sabia nem
se lembrava da história, etc), bem como os critérios que estão implícitos nessa
interpretação. O que significa dizer que os APs, ao focalizar mais especificamente a
dimensão instrumental do trabalho docente, demonstram reconhecer a importância do
planejamento, da seleção e do conhecimento do texto a ser lido, bem como da qualidade das
intervenções do professor antes, durante e depois da leitura, na atividade de Leitura feita
75
pelo professor. Enfim, ações consideradas essenciais pelos APs para a adequada
mobilização dos instrumentos utilizados pelo professor.
Tal reconhecimento remete a uma relação que o AP faz com as prescrições (trabalho
prescrito) do trabalho do alfabetizador (inclusive na Educação Infantil), conforme trecho do
material do Ler e Escrever que faz referência a esses aspectos apontados pelos APs em
seus relatos:
A prática de Leitura realizada pelo professor deve ser constante em sala de aula. Para garantir que a história seja significativa é importante que o narrador a aprecie (passando sua emoção para ela), que planeje (escolhendo o que irá ler de acordo com o gosto, a idade, e as condições socioeconômicas dos alunos, passando segurança e naturalidade a quem ouvir a história) e estude a história (entendendo e captando a mensagem da Leitura), aprendendo então a melhor forma de contá-la. (...) Ao planejar o momento da Leitura, selecione para comentar as passagens que lembram outras histórias/personagens, aquelas que despertam sentimentos fortes (medo, alegria, tristeza) ou então aquelas que lembram acontecimentos recentes, da sua vida ou do dia-a-dia dos alunos, (São Paulo, 2008. Ler e Escrever, volume 1, p.61)
Essa relação com o trabalho prescrito, no que se refere à atividade de Leitura
feita pelo professor, pode ser motivada também pelo fato de o destinatário/leitor do
relato reflexivo ser o professor orientador da IES, a quem o AP dirige seus comentários,
suas avaliações sobre o trabalho do professor regente. Assim, o AP pode querer passar
uma boa imagem sobre ele mesmo, assumindo a posição de um aluno de Pedagogia
(futuro professor) que conhece as concepções e orientações atuais de ensino e
aprendizagem da língua.
Além disso, caberia uma análise mais detalhada das prescrições do Programa
Ler e Escrever para tal afirmação, mas essas prescrições também podem privilegiar esse
caráter instrumental do agir docente, o que acaba por reforçar as concepções do trabalho
docente (re)construídas pelo AP.
De qualquer maneira, o fato é que, a partir dessas interpretações/avaliações do
agir da professora regente, assim como desse entrecruzamento de diferentes posições e
vozes que emergem em seus relatos reflexivos, esse sujeito (AP) (re)constrói e
(re)elabora suas crenças e concepções.
Além dessas constatações, certamente é possível identificar outros elementos,
relativos à prática de Leitura feita pelo professor na alfabetização, que os APs
demonstram (re)conhecer, se examinarmos cada um dos segmentos textuais que têm o
professor regente como actante em situações de leitura para os alunos. Assim como
também se analisarmos outros modos de agir, tanto do professor e do próprio AP quanto
76
das crianças e outros actantes, (re)configurados nos relatos pelos APs. Há, portanto,
muitas outras possibilidades de análises dessas produções textuais à luz do ISD.
Em suma, penso que as análises aqui apresentadas permitiram a explicitação e a
compreensão de alguns aspectos sobre como alunos de Pedagogia participantes do
Programa Bolsa Alfabetização constroem o seu lugar e os seus papéis como AP e como
vão se constituindo professores, apropriando-se dos modos de agir docente, à medida
que observam e participam do processo de ensino e aprendizagem na alfabetização, com
oportunidades de refletir sobre esse processo, sobretudo, na/pela escrita.
Os resultados das análises desenvolvidas nesta terceira parte do trabalho
conduzirão as reflexões que apresento, a seguir, nas conclusões.
77
CONCLUSÕES
Iniciei este trabalho com a ideia de que um exame cuidadoso dos relatos
reflexivos produzidos pelos APs pode fornecer pistas que levam a uma melhor
compreensão do processo de formação docente desses alunos, inseridos em um contexto
diferenciado de formação inicial propiciado pelo Programa Bolsa Alfabetização.
Reconhecendo o relato reflexivo como um gênero textual propício para tal
estudo, uma vez que, ao possibilitar ao seu autor (o AP) refletir na/pela escrita sobre as
práticas docentes vivenciadas, trazem indícios de como estão interpretanto e
compreendendo essas práticas, busquei, então, referenciais teórico-metodológicos que
focam as relações entre práticas de linguagem e trabalho educacional, ou seja, que
buscam entender o trabalho do professor por meio da análise do discurso produzido
nas/sobre situações de trabalho de ensino e aprendizagem. Com isso, optamos pelos
referenciais que tomam o ISD como fonte de referência principal, aliado a abordagens
de estudos da Ergonomia da Atividade que consideram o ensino como trabalho.
Embasada, então, nesses referenciais, utilizei para o estudo dos relatos reflexivos
procedimentos de análise de textos que adotam categorias de uma semiologia do agir,
que auxiliam na análise e interpretação das formas de (re)configuração do agir presente
nos textos produzidos na/sobre a situação do trabalho educacional. Mais precisamente,
os procedimentos de análise de textos produzidos posterioremente à situação de
trabalho, em que um observador (pesquisador, professor ou futuro professor)
interpreta/avalia o trabalho de um outro professor, como é o caso dos relatos reflexivos
produzidos pelos APs da USCS.
Dentro do quadro teórico do ISD, pesquisas que visam à melhoria da ação e
formação docente já demonstraram que a “avaliação do próprio trabalho e/ou do
trabalho do outro é a força motriz para o desenvolvimento do próprio
trabalhador.”(Lousada, Tardelli e Mazzilo, 2008, p. 253). Sendo assim, a análise de
como um professor em formação observa, interpreta e avalia as ações do trabalho de
outro, em situação de ensino, ajuda na melhor compreensão do desenvolvimento desse
profissional, de seu processo de formação.
Tendo isso em vista, para melhor compreender o processo de formação dos
alunos de Pedagogia da USCS participantes do Bolsa Alfabetização, decidi investigar
como os APs (re)configuram o agir do professor regente nos/pelos relatos reflexivos
que produzem no âmbito desse Programa.
78
Para tal, primeiramente, procedi à seleção dos relatos reflexivos, considerando as
produções dos 7 alunos que participaram do Programa Bolsa Alfabetização na USCS
desde o seu início em agosto 2008 até julho de 2011. Adotei esse critério, tendo em
vista que os APs que permanecem no Programa por mais tempo, podem explicitar
melhor suas observações/interpretações do trabalho que vivenciam nas classes de
alfabetização. Foram selecionados 75 relatos ao todo.
Constituído, então, o corpus de análise, à luz de referenciais teóricos e
procedimentos metodológicos do quadro do ISD fiz uma análise do contexto de
produção dos relatos (momento sócio-histórico, local de circulação, papel dos
interlocutores, objetivos da interação, etc), tendo em vista levantar elementos desse
contexto que podem interferir na produção dos relatos. Nessa análise, busquei: a)
recuperar alguns elementos sócio-históricos, na caracterização do contexto geral da
pesquisa, apresentados na primeira parte do trabalho; b) explicitar aspectos físicos (item
3.1) e sociossubjetivos do contexto imediato da produção dos relatos (item 3.2).
Na retomada do contexto sócio-histórico em que se insere a produção dos
relatos, destacam-se os seguintes aspectos:
- O Programa Bolsa Alfabetização insere-se em um projeto mais amplo e
historicamente constituído pelas políticas públicas de formação docente da SEE-SP
desde a década de 1980, que já visavam à alfabetização total das crianças. O atual
Programa mantém a formação inicial de professores alfabetizadores com base nas
concepções teórico-metodológicas da proposta construtivista de alfabetização (Ferreiro
e Teberosky, 1985), assumidas há pelo menos 25 anos pelo Estado de São Paulo.
- A grande inovação/novidade do Programa está na adoção da Investigação
Didática que estimula os APs a observarem mais atentamente as situações de ensino e
aprendizagem que vivenciam e a refletirem sobre essas situações.
- A forma como o Programa está estruturado não prevê um diálogo direto da IES
com as Diretorias de Ensino e respectivas escolas em que atuam os APs, o que dá a
entender que o Programa tem privilegiado, em seu processo de formação, a
aproximação do APs com a sala de aula e questões de ensino e aprendizagem na
alfabetização inicial, propiciando um diálogo do licenciando com o professor regente.
Nesse sentido, o diálogo da Universidade com a escola não se constitui de forma direta,
e sim, indiretamente, via AP e professor orientador da IES.
Na análise do contexto mais imediato da produção dos relatos, destacam-se os
seguintes aspectos:
79
- A produção de relatos reflexivos pelos APs é uma prática adotada no processo
de formação desses estudantes na USCS, objetivando: a reflexão escrita a partir das
observações/intervenções feitas pelo AP, a produção de registros para a investigação
didática realizada pelo AP, e a ampliação do domínio da linguagem escrita.
- Os relatos reflexivos, embora façam parte das ações de formação no âmbito do
Bolsa Alfabetização na USCS, são produzidos na esfera acadêmica, isto é, no contexto
da USCS e do curso de Pedagogia dessa instituição, cujo projeto de formação visa
aproximar o licenciando à realidade na qual atuará, instigando-o a observar, intervir e
refletir sobre a realidade escolar, não apenas como atividade prática, mas como
atividade que produz e constroi conhecimentos e teorias sobre/para a ação docente.
- Os destinatários alvo dos relatos são as professoras orientadoras do Programa
na USCS. Contudo, a produção dos relatos constitui situações de interação mais ou
menos assimétricas, de acordo com as posições que os APs assumem dos seus
destinatários e de si mesmos, o que certamente influi na atividade discursiva dos relatos,
isto é, tanto no que é dito, quanto no modo dizer.
Após essa análise dita pré-textual, iniciei a leitura minuciosa dos relatos,
buscando identificar no plano global dos textos, os conteúdos temáticos recorrentes,
características desse gênero textual presentes no texto, etc. Nessa análise, identificamos
que, de modo geral, a organização dos relatos gira em torno das diferentes fases de uma
aula de alfabetização, ou seja, pela rotina das aulas do professor regente, no que se
refere à leitura e escrita, com descrição, comentários e avaliação positiva e/ou negativa
pelo AP das atividades que estes tematizam em seus relatos.
Depois da análise do plano global dos relatos, procurei identificar os actantes
que aparecem nos textos produzidos somente no primeiro e no terceiro ano de
participação dos APs no Programa, com o intuito de verificar se/como os APs
(re)constroem seu foco de observação das situações vivenciadas na sala de aula de
alfabetização. Nessa análise, foi possível constatar que:
- O“professor regente” é o actante mais referenciado nos relatos produzidos
tanto no primeiro quanto no terceiro ano, mas com uma diminuição das referências no
terceiro ano (385 para 306), fato que sinaliza a concepção de ensino de ensino dos APs,
que valoriza o “como se ensina” em detrimento de “como se aprende”.
- Há um aumento da referência ao actante “aluno” no terceiro ano, fato que
sinaliza (re)elaboração de concepções de ensino do AP, que passa a observar mais como
as crianças aprendem.
80
- Há também um aumento da referência ao actante “AP” (92 para 164), fato que
pode ser explicado pela construção da função e do espaço do AP na sala de aula que, no
início, atua mais como observador e, progressivamente, vai assumindo tarefas junto aos
alunos.
- O actante “AP” aparece principalmente com o estatuto de um agir individual,
indicando que quando o AP atua na sala de aula, o seu agir é quase sempre individual e
não em parceria com o professor regente. Atuação essa, majorativamente, junto aos
alunos que apresentam maiores dificuldades no processo de alfabetização.
Na etapa seguinte, passei à análise dos modos de agir do professor regente
(re)configurados nos/pelos relatos dos APs, considerando as produções do terceiro ano de
participação no Programa (Período 3). Dentre os 24 relatos analisados, foi possível
identificar que o modo de agir do professor regente que mais aparece nos relatos é o
Agir com Instrumentos (146 ocorrências). Tal fato sinaliza que o AP, ao focalizar os
instrumentos semióticos utilizados na realização das tarefas de ensino, atenta
principalmente para a dimensão instrumental do trabalho docente. O que aponta para a
desconsideração pelo AP de outras dimensões essenciais da atividade docente, como,
por exemplo, o trabalho de reelaboração e de construção dos objetos de ensino de
acordo com as situações didáticas em curso. Pois, como afirmam Schneuwly (2000) e
Machado (2008), a atividade de ensino, além de ser mediada por instrumentos
semióticos, é plenamente interacional, é indexada, isto é, determinada pelas situações
contextuais, na medida em que o professor sempre faz escolhas re-direcionando o seu
agir em diferentes circunstâncias de sua ação; enfim, é uma atividade complexa.
Na análise dos modos de agir do professor regente, também verifiquei que
quando os APs focalizam o agir com instrumento, é quando fazem mais comentários
apreciativos – positivos e/ou negativos – a respeito dos modos de agir do professor
regente, principalmente quando se referem à atividade de Leitura feita pelo professor.
Diante disso, analisei as interpretações do AP desse modo de agir na atividade de
Leitura feita pelo professor, em uma situação com apreciação positiva e em outra com
apreciação negativa.
Os resultados dessa análise evidenciam que a interpretação e avaliação pelo AP
do agir do professor regente está centrada na mobilização do instrumento utilizado pelo
professor. E que a mobilização adequada ou não desses instrumentos depende de
algumas ações da atividade docente: planejar, conhecer e selecionar materiais de
81
qualidade (no caso, textos a serem lidos para os alunos), realizar intervenções produtivas
antes, durante e depois da atividade.
O reconhecimento pelos APs da importância dessas ações remete às prescrições
(trabalho prescrito) do trabalho docente, o que significa que o AP tem o conhecimento
dessas prescrições e busca demonstrar isso nos seus relatos, sobretudo na posição do AP
e/ou do aluno de Pedagogia comprometido com a sua boa formação profissional.
Em síntese, as análises aqui apresentadas evidenciam alguns aspectos do
processo de formação de alunos de Pedagogia participantes do Programa Bolsa
Alfabetização. Tais aspectos, por sua vez, permitem o levantamento de questões que
envolvem as ações de formação empreendidas não apenas pelo Programa, como
também pelo contexto geral de formação de professores, principalmente, na Pedagogia.
Assim, para finalizar, apresento as seguintes considerações:
- A inserção do AP no cotidiano da sala de aula propicia a familiarização desse
futuro professor com o processo de ensino e aprendizagem na alfabetização nas
diferentes situações didáticas que emergem nesse contexto.
- Essa familiarização está sendo orientada por uma abordagem de reflexão sobre
a prática docente na perspectiva da investigação didática proposta pelo Programa, com
temáticas pré-estabelecidas (Rotina de leitura e de escrita; Leitura feita pelo professor;
Produção oral com destino escrito; Cópia e ditado).
- Essa reflexão tem envolvido apenas o AP. Certamente a formação do AP é o
foco do Programa, mas o diálogo entre os atores envolvidos nesse contexto formativo
não ocorre, como, por exemplo, entre a escola, o professor regente, o aluno pesquisador
e o professor orientador da Universidade. Ao que parece, como demonstraram os relatos
reflexivos analisados, não tem ocorrido nem o diálogo entre professor regente e AP.
- No que se refere à reflexão do AP e, consequentemente, à sua formação, há o
predomínio da concepção do trabalho docente como sendo uma atividade
predominantemente instrumental, negligenciando outras dimensões desse trabalho, já
bastante debatidas no campo da investigação da didática de língua materna, tais como:
contrato didático, transposição didática, interação em sala de aula, saberes e práticas de
referência, planificação didática, sequência didática, regulação das aprendizagens e
avaliação. Dimensões essas consideradas essenciais, mas que estão praticamente
ausentes desse processo de formação e, portanto, não aparecem nos relatos dos APs.
Como já foi apontado neste trabalho, o Programa Bolsa Alfabetização apresenta
um avanço quando inclui a perspectiva da investigação didática na formação do AP.
82
Mas, certamente o Projeto ganhará mais força estabelecendo o diálogo direto da escola
com a Universidade, incluindo também professor regente na abordagem formativa da
investigação didática.
Além disso, a perspectiva da investigação didática, não apenas no Programa
Bolsa Alfabetização, mas no âmbito da formação docente na Pedagogia, necessita ser
ampliada na direção dos estudos desenvolvidos por pesquisadores do grupo de Didática
de Línguas da Universidade de Genebra (Schneuwly, Dolz, Gagnon, Decandio, entre
outros) e também por Delia Lerner, na Argentina. Em linhas gerais, a didática das
línguas estuda os fenômenos de ensino e aprendizagem das línguas (materna ou
estrangeira) e as relações complexas entre os três polos do triângulo didático: o ensino,
o aluno e a(s) língua(s) ensinada(s) (Dolz, Gagnon e Decandio, 2009). Em outras
palavras, os estudos da didática das línguas abordam a análise das práticas de sala de
aula privilegiando as formas de adequação do ensino às capacidades dos alunos, às
interações, às tarefas realizadas, aos objetos efetivamente ensinados na aula, às
ferramentas/instrumentos de ensino. Com isso, busca-se objetivar e modelizar os
fenômenos de ensino-aprendizagem de língua(s) com vistas a oferecer apoio para o
professor e para sua formação profissional.
Nesse sentido, uma formação de professores preocupada com as diversas
dimensões e componentes do trabalho docente deve buscar a explicitação dessas noções
na análise das práticas reais de sala de aula. Pois, como bem ressalta Lerner (2002),
somente estudando os mecanismos e os fenômenos que ocorrem na escola e impedem a
aprendizagem das crianças é que será possível pensar em questões relativas ao bom
resultado do trabalho e do empenho dos educadores pela melhoria do ensino.
83
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ANEXO 1: Bibliografia sugerida pelo programa Bolsa Alfabetização
Bibliografia ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores – estratégias de supervisão.Lisboa, Editora Porto, 2000. CURTO, Lluís Maruny; MORILLO, Maribel M. & TEIXIDÓ, Manuel M. Escrever e ler - Volume I e II. Porto Alegre. Artmed, 2000. COLL, César (org). O construtivismo na sala de aula. São Paulo, Ática.1996. LERNER, Delia & PIZANI, Alicia Palácios . A aprendizagem da língua escrita na escola. Reflexões sobre a proposta pedagógica construtivista. 2ª edição,Porto Alegre, 1995. LERNER, Delia, Nogueira.N, Peres T, Cardoso B. (org). Ensinar, tarefas para profissionais. Rio de Janeiro, Record, 2007 LERNER, Delia,. Ler e escrever na escola. O real, o possível e o necessário. Porto Alegre. Artmed. 2002. FERREIRO, Emilia. A escrita antes das letras in: SINCLAIR, Hermine (Ed.) A produção de notações na criança: linguagem, número ritmos e melodias. São Paulo: Cortez Editora, 1990. _________ Emília. Alfabetização em processo. São Paulo: Editora Cortez, 1989. _________,Emília. Cultura escrita e educação: conversas de Emilia Ferreiro com José Antonio Castorina, Daniel Goldin e Rosa MariaTorres. Porto Alegre: ARTMED, 2001. _________ Emília; TEBEROSKY, A. e PALÁCIO, M. G. Os processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: ARTMED, 1987 ________, Emília & TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. ________ Emília (org.). Os filhos do analfabetismo. Porto Alegre: ARTMED, 1990 _______, Emília. Com todas as letras. São Paulo: Editora Cortez,1992. _______, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Editora Cortez,1985. KAUFMAN, Ana Maria; CASTEDO, Mirta; TERUGGI. Lilia & MOLINARI, Claudia. Alfabetização de crianças: construção e intercâmbio. Porto Alegre: Artmed 1998. KRAMER, S. & SOUZA, S. J. (org.) Histórias de professores: leitura, escrita pesquisa em educação. São Paulo, Ática, 1996. NEMIROVSKY, Myriam. A aprendizagem da Linguagem escrita. Artmed, 2002. ___________ Myriam. O Ensino da Linguagem escrita. Artmed, 2002. NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa, Dom Quixote, 1992 _________ Vida de professores. Porto Editora, 1992 _________ Profissão Professor. Porto Editora, 1995 OLSON, David R. O mundo no papel: as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita. São Paulo: Ática, 1997. PALACIOS, Alicia de Pizani; PIMENTEL, Magaly Munhoz& LERNER, Delia de Zunino. Compreensão da leitura e expressão escrita. A experiência pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 1998. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS - Introdução. Brasília:MEC/SEF, 1997. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – Língua Portuguesa. Brasília:MEC/SEF, 1997. PIAGET, J , Seis Estudos de Psicologia, Forense - 1967. PERRENOUD, P. (org) A profissionalização dos formadores de professores. Porto Alegre, Artmed, 2003.
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