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ANA SILVIA MOÇO APARICIO A FORMAÇÃO DOCENTE EM QUESTÃO: UMA ANÁLISE DOS RELATOS REFLEXIVOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DE PEDAGOGIA PARTICIPANTES DO PROGRAMA BOLSA ALFABETIZAÇAO DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Relatório de estágio pós doutoral FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS AGOSTO/2012

um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

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Page 1: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

ANA SILVIA MOÇO APARICIO

A FORMAÇÃO DOCENTE EM QUESTÃO: UMA ANÁLISE DOS RELA TOS

REFLEXIVOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DE PEDAGOGIA

PARTICIPANTES DO PROGRAMA BOLSA ALFABETIZAÇAO DO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Relatório de estágio pós doutoral

FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS

AGOSTO/2012

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2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO : HISTÓRICO E OBJETIVOS............................................. 03

1- A CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO GERAL DA

PESQUISA..........................................................................................................

09

1.1- O Programa Bolsa Alfabetização ........................................................ 09

1.1.1- A operacionalização do Programa............................................. 10

1.1.2- A fundamentação teórico-metodológica do

Programa.............................................................................................................

14

1.2- O Curso de Pedagogia da USCS........................................................... 22

1.3- O Programa Bolsa Alfabetização na USCS......................................... 25

2- OS APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA

PESQUISA..........................................................................................................

36

2.1- O Ensino como trabalho: algumas considerações............................... 37

2.2- O Interacionismo sociodiscursivo (ISD).............................................. 43

2.1.1- Origem e histórico......................................................................... 43

3- ANÁLISE DOS DADOS DE PESQUISA.................................................... 53

3.1- Procedimentos de geração, caracterização e análise dos dados......... 53

3.2- A situação de produção dos relatos reflexivos.................................... 55

3.3- Plano global dos relatos reflexivos....................................................... 57

3.4- Os actantes postos em cena nos/pelos relatos reflexivos..................... 63

......3.5- Modos de agir do professor regente (re)configurados nos/pelos

relatos reflexivos..................................................................................................

68

CONCLUSÕES................................................................................................... 77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 83

ANEXO 1............................................................................................................. 89

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A FORMAÇÃO DOCENTE EM QUESTÃO: UMA ANÁLISE DOS RELA TOS

REFLEXIVOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DE PEDAGOGIA

PARTICIPANTES DO PROGRAMA BOLSA ALFABETIZAÇAO DO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

[...] contribuir para a necessária melhoria

da qualidade e da eficácia das formações,

é urgente, hoje, (re-)valorizar a profissão

do professor e essa (re-)valorização requer

que sejam conhecidas, compreendidas e

clarificadas as questões que estão em jogo,

a significação e as condições de realização

desse “métier” particular que é o ensino

(BRONCKART, 2009, p.161).

INTRODUÇÃO: HISTÓRICO E OBJETIVOS

A formação de professores é um tema que tem me interessado desde a década de

1980, quando concluí o curso de Letras e iniciei minha carreira docente na rede pública

estadual paulista como professora de Língua Portuguesa. Mas esse interesse tomou

vulto com as experiências que vivenciei, no final dos anos 80 e em toda a década de 90,

como assistente técnico-pedagógico de Língua Portuguesa na Diretoria de Ensino de

uma cidade do interior paulista, e como professora das disciplinas “Linguística” e

“Didática” no curso de Licenciatura em Letras oferecido pela única Instituição de

Ensino Superior (daqui em diante, IES) dessa mesma cidade. Na Diretoria de Ensino,

em contexto de formação continuada, pude acompanhar mais de perto o processo de

implementação das Propostas Curriculares para o Ciclo Básico e para o ensino de

Língua Portuguesa no 1º. Grau do Estado de São Paulo, pois eu tinha por função

repassar aos professores da rede pública local as orientações teórico-metodológicas para

o ensino de língua materna recebidas nos órgãos centrais da Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo (daqui em diante, SEE-SP), orientações essas quase sempre

recebidas de professores de Universidades, notadamente, USP, UNICAMP e PUC-SP.

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Com isso, no Curso de Letras, em contexto de formação inicial, minha atuação passou a

ser fortemente marcada pelas novas orientações que eu recebia no âmbito da SEE-SP.

Essas experiências acabaram me estimulando a realizar o Mestrado e depois o

Doutorado, em Lingüística Aplicada, na área de formação de professores de língua

materna. Em ambos os cursos, as propostas oficiais para a inovação do ensino da língua

portuguesa, e o seu impacto na formação inicial e continuada de professores e nas suas

práticas de sala de aula, foram meu tema principal de pesquisa. (cf. Aparício, 1999;

2000; 2001; 2006; 2007; 2010). Os resultados das pesquisas que realizei confirmam e

apontam alguns aspectos essenciais que, a meu ver, devem ser considerados no contínuo

processo de formação de professores, a saber:

- As ações relativas à formação de professores devem partir de uma reflexão

sobre a prática nas escolas e não de uma suposta necessidade de atualização teórica

como condição suficiente para a inovação da prática em sala de aula; certamente, as

contribuições teóricas são ingredientes importantes, mas não são os únicos de que o

professor lança mão em sua prática.

- O processo de ensino/aprendizagem é complexo1, realiza-se em práticas

institucionais específicas, é dinâmico e envolve, continuamente, a disputa, integração e

negociação de sentidos e posicionamentos; o que significa dizer que varia em função de

onde e quando se dá esse processo, em que condições, com que objetivo, para qual

público-alvo, por quem, como, etc.

- O professor que consegue associar ao seu fazer pedagógico um trabalho de

pesquisa, tornando-se um professor investigador, estará no caminho de aperfeiçoar-se

como professor e de desenvolver uma melhor compreensão de suas ações como

mediador de conhecimentos e de seu processo interacional com seus alunos.

É, pois, com base nesses pressupostos que, desde 2008, na docência das

disciplinas “Fundamentos e Metodologia da Alfabetização” e “Metodologia e Prática do

ensino de Língua Portuguesa”, procuro acompanhar e orientar os meus alunos do curso

de Pedagogia da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (daqui em diante,

USCS). Nesse mesmo ano e na mesma Universidade, passei a atuar também como

professora orientadora dos alunos do curso de Pedagogia participantes do Programa

Bolsa Alfabetização.

1Estamos concebendo “complexo” não apenas no sentido de heterogêneo, mas principalmente no sentido definido por Morin (1996:274) como um todo que comporta um emaranhado de ações, de interações, de retroações.

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Em linhas gerais, o Bolsa Alfabetização é um Programa do governo estadual

paulista que, a partir de uma parceria entre a SEE-SP e a Fundação para o

Desenvolvimento da Educação (daqui em diante, FDE) e IES2, oferece oportunidades a

universitários que frequentam cursos de Pedagogia ou Letras de vivenciar, junto a

professores da rede pública estadual, em sistema de colaboração, a prática de uma

escola real, com vistas a ampliar o significado da teoria que vêm estudando no meio

acadêmico.

Desse modo, a tarefa dos universitários participantes do Programa, denominados

“alunos pesquisadores” (daqui em diante, AP), é auxiliar os professores regentes de 2º.

ano (antiga 1ª. série) a realizarem a alfabetização e, além disso, transformar a

experiência em temário de análise e discussão na IES, onde são acompanhados e

orientados pelo professor orientador, com vistas a desempenharem com sucesso o

trabalho de alfabetização e desenvolverem trabalhos de pesquisa sobre temas

relacionados à alfabetização. A esse professor orientador, indicado pela IES, cabe

realizar encontros semanais com os APs visando orientar, discutir e refletir sobre o

trabalho que estes realizam nas escolas. Uma das propostas da Equipe da SEE/FDE aos

professores orientadores, para o acompanhamento desse trabalho, é que motivem e

orientem os APs a registrarem diariamente as observações e intervenções que realizam

na sala de aula em que atuam, considerando-se que a produção e análise dos registros

escritos é um importante recurso de formação profissional e de desenvolvimento

pessoal.

Nesse contexto, o grande entusiasmo e o envolvimento demonstrados pelos APs

da USCS, com relação às experiências vivenciadas nas salas de aula em que atuam,

chamaram-me a atenção e levaram-me a refletir sobre a possibilidade de construção de

um diálogo diferente, provocado pelo Bolsa Alfabetização, entre a instituição de

formação docente e a instituição escolar. Diferente, sobretudo, em comparação à

assimetria do diálogo entre essas mesmas instâncias, tradicionalmente instaurado pelo

Estágio Supervisionado dos cursos de formação de professores.

Pesquisas sobre o assunto já demonstraram que um dos principais motivos que

geram o descompasso na interação universidade-escola é que esta última não tendo a

função de formar professores simplesmente atende às legislações oficiais, que exigem

que os Estágios sejam nela realizados. Na maioria das vezes, o Projeto Pedagógico da

2 Firmada a parceria, a SEE repassa às IESs os recursos necessários ao atendimento das despesas com a concessão de bolsas-auxílio aos alunos participantes do Projeto.

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escola não prevê espaço e tempo destinados às ações de Estágio, restando ao estagiário

contar com a boa vontade do professor da sala e da direção da escola. (cf. Almeida,

1994; Arnoni, 2003; Pimenta, 2008).

Já, ao tomar a escola como palco central da formação inicial, da formação

continuada e da prática de sala de aula, o Bolsa Alfabetização tende a instaurar um

espaço real em que questões da educação possam ser discutidas colaborativamente pela

universidade e pela escola, permitindo a construção de novas formas de interação no

processo de formação docente, inclusive com a participação de novos papéis e atores

nesse processo, tais como: o professor regente, o aluno pesquisador, o professor

orientador.

Foram, então, essas reflexões que me instigaram a realizar esta pesquisa, na

tentativa de compreender mais detalhadamente a construção desse novo cenário de

formação docente, focalizando o processo de formação dos APs. Mais especificamente,

busquei realizar aqui uma investigação que elege como objeto de análise os relatos

reflexivos produzidos pelos APs a partir de suas observações, indagações, intervenções,

realizadas na sala de aula de alfabetização em que atuam junto ao professor regente.

Estou considerando “relato reflexivo” como um gênero textual de cunho

autobiográfico que, de acordo com Signorini (2006), incorpora as duas funções

principais que se têm atribuído a relatos de experiência pessoais escritos por professores

em contextos de interlocução orientada para atuação no ensino - interlocução essa

realizada com os seus pares e/ou com o professor formador. Nos termos da autora,

A primeira dessas funções é a de dar voz ao professor enquanto profissional. Através do “relato reflexivo”, são desencadeados processos de articulação e legitimação de posições, papéis e identidades auto-referenciadas, ou seja, construídas pelo narrador/autor para si mesmo. A segunda função é a de através da interlocução mediada pela escrita, criar mecanismos e espaços de reflexão sobre teorias e práticas que constituem os modos individuais e coletivos de compreensão e de produção/reprodução desse campo de trabalho, bem como das identidades profissionais, individuais e de grupo. (Signorini, 2006, p.55).

A escolha dos relatos reflexivos produzidos pelos APs da USCS, como objeto de

estudo deste trabalho, deveu-se a dois principais fatores. Um deles é pelo fato desse

gênero de texto ser um dos tipos de narrativas docentes de cunho autobiográfico, assim

como diários de bordo, autobiografias, histórias de vida, portfólios, webfólios, etc, que

têm uma função catalisadora (Signorini, 2005; 2006) no processo de formação de

professor, na medida em que favorecem o desencadeamento e a potencialização de

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ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação. Isso porque,

na posição de narrador/autor, o futuro professor pode expressar suas dúvidas, anseios,

percepções, questões, críticas, conflitos, tensões e (re)elaborar crenças e práticas,

criando, assim, um espaço que lhe permite fazer uma reflexão sobre suas ações e sua

própria escrita e uma auto-análise tanto na produção como na releitura do seu próprio

relato.

O outro fator que me levou a escolher os referidos relatos como objeto de análise

é o fato de a produção desse gênero discursivo em situações de formação inicial de

professor ser ainda pouco explorada, tanto como instrumento de formação quanto de

pesquisa acadêmica. Já em situações de formação continuada ou de formação em

serviço, os relatos de cunho autobiográfico escritos por professores têm sido muito

utilizados como ferramenta de formação e de pesquisa em contextos internacionais

(Burton, 1997; Zabalza, 2004) e também no Brasil (Liberali, 1999; Reichmann, 2007;

Andrade, 2003; Signorini, 2005, 2006; André e Pontin, 2010).

Nesse sentido, os relatos reflexivos produzidos por APs do Programa Bolsa

Alfabetização constituem um importante objeto para estudo, uma vez que, ao

possibilitar a esses alunos refletir na/pela escrita sobre as práticas docentes observadas,

as suas próprias ações e práticas, trazem indícios de como estão compreendendo essas

práticas e constituindo-se professores. Assim, meu principal objetivo neste trabalho é

evidenciar e compreender como os APs (re)configuram3 o agir do professor regente

nos/pelos relatos reflexivos que produzem no âmbito do Bolsa Alfabetização. Com isso,

é possível, a meu ver, desenvolver algumas reflexões sobre contribuições desse

Programa na formação inicial de professores, como também sobre a formação de

professores para a Educação Básica, em geral.

Tendo isso em vista, para as análises, adotamos como referenciais teórico-

metodológicos as contribuições do Interacionismo Sociodiscursivo (Bronckart, 1997,

1999, 2004, 2006, 2008; Machado, 2004, 2008, 2009a, 2009b, entre outros), que

assumem o papel fundador da linguagem e do funcionamento da atividade discursiva no

desenvolvimento humano, enfatizando a dimensão interacional da linguagem e

3 Neste estudo, utilizo os termos “(re)configurar” e “(re)configuração”, com base em Bronckart (2008, p. 35, apud Ricoeur), no sentido de que dizer o mundo é uma constante atividade de configuração e refiguração. Assim, para Bronckart, “qualquer texto, qualquer que seja ou seu gênero ou seu tipo, seja oral ou escrito, pode contribuir no processo de reconfiguração do agir humano”.

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permitindo analisar o conteúdo e as condições de produção dos enunciados: o que é dito

e os modos de dizer.

Considerando que os dados de pesquisa foram gerados no processo de formação

no âmbito do Programa Bolsa Alfabetização, a presente investigação, de natureza

qualitativo-interpretativista, orienta-se por princípios da pesquisa-ação, envolvendo dois

momentos distintos: o das situações de interlocução aluno pesquisador/professor

orientador (minha atuação dentro do Bolsa Alfabetização) realizadas nos processos de

produção dos relatos reflexivos; e o da organização e análise interpretativa realizadas

por mim, enquanto pesquisadora, desses relatos reflexivos.

A concepção de pesquisa-ação que fundamenta a caracterização desta pesquisa é

a proposta por Morin (2004), para quem a participação dos atores e do pesquisador é

analisada em suas diferentes formas e graus de intensidade e se destina à

democratização das práticas educativas e sociais, nos campos em que ocorrem a

pesquisa e a ação. Ainda segundo esse autor, o conhecimento metodológico produzido a

partir da estratégia e da prática da pesquisa-ação, baseado nas práticas educacionais e

sociais dos grupos envolvidos e gerado a partir da interlocução entre pesquisadores e

atores da situação observada, revela-se como sendo de grande utilidade para

desencadear mudanças ou melhorias de diversos tipos, em particular, no mundo da

educação. E, além disso, um dos principais objetivos da pesquisa-ação, como defende

Morin (op.cit.) é o de produzir e socializar conhecimento que não seja útil apenas para a

coletividade diretamente envolvida na pesquisa, mas que possibilite certo grau de

generalização.

Da mesma forma, acredito que o meu envolvimento e o dos APs nesta pesquisa

– caracterizados como participantes da pesquisa ação - estão comprometidos, no

contexto particular, com a transformação não apenas de nossas atuações, mas também

com a transformação do trabalho dos professores regentes que interagem com esses

APs. No contexto mais amplo, o que se espera é que os conhecimentos produzidos a

partir desta pesquisa contribuam para as transformações do processo de formação inicial

de professores.

Inicio, então, este estudo, caracterizando o contexto mais amplo que envolve

esta pesquisa: apresento pressupostos e características do Bolsa Alfabetização enquanto

um Programa do governo do Estado de São Paulo, bem como uma caracterização geral

do Curso de Pedagogia da USCS e um breve histórico do Bolsa Alfabetização nessa

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IES. Nessa caracterização, também busco esclarecer as concepções e dispositivos de

formação inicial de professores subjacentes a esses contextos.

Na segunda parte, busco explicitar os aportes teórico-metodológicos que

fundamentam este estudo, apontando as categorias de análise dos relatos reflexivos. Na

terceira parte, procedo à análise propriamente dita dos relatos, desde o contexto de

produção dos relatos até o nível de ação da linguagem que dá origem a esses textos,

focalizando mais especificamente a dimensão semântica. No final, apresento os

resultados das análises e as conclusões do trabalho.

1- A CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO GERAL DA PESQUISA

1.1- O Programa Bolsa Alfabetização

O Projeto Escola Pública e Universidade na Alfabetização - conhecido como

Programa Bolsa Alfabetização - foi inicialmente implantado pela Secretaria Municipal

de Educação de São Paulo, no ano de 2006. Mas foi em 2007 incorporado pela

Secretaria da Educação do Estado para a Capital paulista; em 2008, ampliado para toda

a região Metropolitana de São Paulo; e, em 2009, ao interior e litoral paulista. Esse

Programa foi criado pelo Decreto 51.627 de 1º de março de 2007, integrando o

Programa “Ler e Escrever”, cujo objetivo é alfabetizar todas as crianças com até oito

anos de idade das escolas estaduais, ou seja, até o final do 3° ano do Ensino

Fundamental, bem como garantir recuperação da aprendizagem de leitura e escrita aos

alunos das demais séries que compõem os anos iniciais do Ensino Fundamental (4º. e

5º. anos).

Na verdade, o Ler e Escrever engloba um conjunto de linhas de ação articuladas

que inclui formação, acompanhamento, elaboração e distribuição de materiais

pedagógicos e outros subsídios, constituindo-se, dessa forma, como uma política

pública para as séries iniciais do ensino fundamental, que busca promover a melhoria do

ensino em toda a rede estadual.

Tendo isso em vista, e considerando que a formação inicial dos professores não

tem contemplado adequadamente a didática da alfabetização nem outros conhecimentos

sobre a prática (cf. Gatti, et al. 2008; Gatti e Nunes, 2009), somando-se ao fato de que o

grande número de alunos por sala de aula (geralmente em torno de 40) dificulta o

trabalho individualizado do professor regente, sobretudo, junto às crianças que

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apresentam maiores dificuldades no processo de alfabetização, é que a SEE-SP, em

parceria com a FDE, estruturou o Programa Bolsa Alfabetização. Assim, o propósito

principal desse Programa é o de trazer à tona, em parceria com as IES envolvidas,

questões que envolvem a didática da alfabetização, tendo como referência a prática

educativa real da sala de aula, na busca de constituição/construção de conteúdos mais

adequados para a formação inicial dos professores.

Sendo assim, conforme propõem os documentos oficiais que institucionalizam

tal Programa, o Bolsa Alfabetização intenciona aprimorar a formação inicial dos

estudantes dos cursos de Pedagogia e de Letras, possibilitando-lhes atuar, diariamente,

junto aos professores alfabetizadores da rede pública de ensino, tendo maior

conhecimento de tal realidade e, consequentemente, contribuir para que todos os alunos

do 2º ano ou de classes do mesmo ciclo, voltadas à recuperação da aprendizagem (as

classes de PIC – Programa Intensivo no Ciclo) sejam capazes de ler e escrever

convencionalmente. Além disso, o Bolsa Alfabetização espera que as IES

comprometam-se com a causa do ensino público, buscando estabelecer uma ponte

importante entre o ambiente acadêmico e a prática em sala de aula, por meio de uma

interação permanente do AP com o professore regente e com o professor orientador da

IES.

1.1.1- A operacionalização do Programa

Para a participação da IES no Programa Bolsa Alfabetização, a SEE/FDE

publica no Diário Oficial chamamento público comunicando a abertura das inscrições

de IES para apresentação de um Plano de Trabalho, elaborado em consonância às

diretrizes que embasam o Programa. De acordo com a última Resolução SE 74, de 24-

11-2011, da Secretaria de Estado da Educação, podem se inscrever todas as IES

sediadas no Estado de São Paulo, que possuam cursos presenciais devidamente

autorizados e/ou reconhecidos nas áreas de Pedagogia, com habilitação para magistério

de 1ª. a 4ª. série ou Letras com habilitação para o magistério; ou ainda de pós graduação

stricto sensu (Mestrado/Doutorado) na área de didática da alfabetização.

No Plano de Trabalho, além de dados cadastrais/administrativos e da indicação

de um Interlocutor Administrativo, bem como da proposta do número de classes a

serem atendidas pela IES, por Diretoria e Município, deve ser apresentada proposta

teórico-metodológica (com cronograma) para o trabalho de formação dos licenciandos,

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os chamados APs, com a indicação do(s) professor(es) coordenador(es) que

realizará(ão) a formação e o acompanhamento dos APs. Sugere-se que esses professores

sejam responsáveis pelas disciplinas de Didática, Práticas de Ensino da Alfabetização e

Língua Portuguesa e/ou outras afins; e que cada professor orientador assuma a

orientação de no máximo 40 APs.

Após, então, a avaliação e aprovação do Plano de Trabalho, a SEE-SP realiza a

celebração de convênio com as faculdades legalmente habilitadas. Feito isso, a IES

procede à seleção, cadastramento no site do Programa e encaminhamento dos APs às

Diretorias de Ensino que, por sua vez, os encaminham às escolas.

Os requisitos necessários à participação dos licenciandos no Programa,

conforme disposto na atual Resolução SE 74, de 24.11.2011, são:

a) estar regularmente matriculado e frequentando curso4 de Pedagogia ou Letras.

b) ter interesse e disponibilidade para cumprir a carga horária de 20 horas

semanais, sendo 04 horas diárias, incluindo duas horas semanais em HTPC (Horas de

Trabalho Pedagógico Coletivo), compatíveis com seu horário escolar, de segunda a

sexta-feira, em classe de 1ª série do Ciclo I do Ensino Fundamental, desenvolvendo

atividades junto ao professor regente.

c) dispor de no mínimo 02 horas semanais para participar das reuniões com o

professor orientador, em sua Instituição de Ensino Superior, nas datas estipuladas pelo

Plano de Trabalho apresentado;

d) não ser beneficiário de bolsa de estudos, financiamento universitário ou

similar oriundos de recursos públicos.

Para a seleção dos alunos interessados, a IES segue os seguintes critérios

recomendados pelo próprio programa:

a) assiduidade;

b) desempenho acadêmico;

c) condição sócio-econômica;

d) sociabilidade;

e) facilidade de acesso à região escolhida;

f) interesse pelos fundamentos teóricos do Programa Ler e Escrever.

4 Até 2011 podiam participar somente os alunos que estavam cursando a partir do 2º. semestre do Curso de Pedagogia ou Letras; já em 2012, puderam participar os alunos que estavam cursando desde o 1º. semestre do Curso.

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Após o encaminhamento dos APS às escolas, para a sua inserção e atuação

adequada nas classes de 2º ano, sob a supervisão de seu professor orientador, é

importante que conheçam as atribuições do AP, conforme regulamento do Programa, a

saber:

a) conhecer os documentos que regem a unidade escolar, como o Regimento e a

Proposta Pedagógica;

b) informar-se sobre o perfil da comunidade atendida pela escola;

c) conhecer o Planejamento Anual do professor regente;

d) cumprir 20 (vinte) horas semanais, na escola que abriga sua pesquisa didática

escolhida sob orientação de seu professor orientador –, sendo: 18 (dezoito) horas em

sala de aula e 02 (duas) em HTPCs – Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo;

e) estabelecer vínculo de respeito mútuo com o diretor, vice-diretor, professor

coordenador, professor regente, alunos e demais funcionários da escola;

f) atuar, auxiliando o professor regente na elaboração de diagnósticos

pedagógicos, quanto às hipóteses da escrita;

g) planejar e executar, sempre em parceria com o professor regente, atividades

pedagógicas, para serem desenvolvidas individualmente ou em grupo;

h) participar de todos os encontros de formação promovidos pela Instituição de

Ensino Superior, sendo que as faltas não serão permitidas e acarretam motivo de

desligamento do aluno pesquisador do Projeto;

i) registrar as atividades, constatações e reflexões propiciadas pela prática em

sala de aula ou suscitadas pelo projeto de pesquisa a ser desenvolvido junto à Instituição

de Ensino Superior;

j) apresentar e discutir com seu professor orientador os apontamentos registrados

em sala de aula;

k) desenvolver a pesquisa formativa de orientação didática conforme os

encaminhamentos de seu professor orientador;

l) participar das reuniões de formação e avaliação do Projeto, sempre que

solicitado pelos professores coordenadores, nas unidades escolares, e pelos professores

orientadores, nas Instituições de Ensino Superior, respeitando sua carga horária.

Munido dessas orientações, o AP passa, então, a atuar diariamente na escola,

cuja frequência é controlada pela Direção da Escola e acompanhada mês a mês pelo

professor orientador da IES, que, mediante a entrega da folha de frequência

devidamente assinada pela Direção da escola, valida no site do Programa a frequência

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de cada AP. Após a validação da frequência de todos os APs, os responsáveis da IES

geram o relatório de frequência que, no processo mensal de prestação de contas, é

encaminhado à SEE/FDE, juntamente com o relatório cirscunstanciado das atividades

pedagógicas realizadas no mês, para o repasse do recurso à IES5.

Para a orientação e acompanhamento da atuação do AP na sala de aula de

alfabetização, são realizados os encontros semanais de 02 duas horas na IES, em que

são discutidos e estudados os referenciais teórico-metodológicos do Programa,

relacionados às experiências trazidas pelos APs sobre suas observações e ações

realizadas nas classes em que atuam. Nesses encontros também são analisados os

materiais do Programa Ler e Escrever destinados ao 2º. ano e às classes de PIC, isto é,

às series em que atuam os APs6. Nesse processo de formação, de acordo com as

diretrizes do Bolsa Alfabetização, o AP deve ser orientado a realizar uma pesquisa de

natureza didática, com base na escolha de um tema sugerido pela equipe de gestão

pedagógica da SEE/FDE, com a proposta de que, ao término do trabalho, a escola que

acolheu o AP receba uma cópia dessa produção, configurando uma oportunidade para

reflexão e revisão das didáticas adotadas.

Vale ressaltar ainda que, para auxiliar o processo de formação do AP, a

SEE/FDE realiza mensalmente Encontros de Acompanhamento dos Trabalhos entre a

sua equipe de gestão institucional e os professores orientadores e interlocutores das IES

participantes do Programa, sendo que, uma vez no ano, esses encontros contam com a

presença da pesquisadora argentina Delia Lerner, consultora do Bolsa Alfabetização,

desde sua implantação.

Com base nas reflexões realizadas em todo esse processo de formação docente,

cabe ainda ao professor orientador elaborar relatórios pedagógicos trimestrais, buscando

apresentar observações/percepções relativas à formação do AP, sobre concepções,

crenças e visões do processo de ensino/aprendizagem, tanto do AP, como do professor

regente, como do próprio professor orientador. Esses relatórios são encaminhados à

equipe de gestão pedagógica do Programa que, por sua vez, toma-os como base para

refletir sobre as suas ações e discutir com a consultora Delia Lerner.

5 De 2007 a 2011, o valor da bolsa-auxílio do AP era de R$ 500,00, proporcional à frequência do bolsista, e a recomendação da SEE/FDE é que o valor da bolsa supra os custos da mensalidade do curso, bem como das despesas do AP com transporte e alimentação. A partir de 2011, o valor da bolsa passou a ser de R$ 700,00, ficando definido um mínimo de R$ 200,00 de ajuda de custo para transporte e alimentação do AP, também proporcional à sua frequência. 6 Cada AP participante do Programa recebe um Kit do material do Ler e Escrever relativo à série em que atua (2º. ano ou PIC).

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Um aspecto que fica evidente nessa estrutura é que o Programa Bolsa

Alfabetização não prevê um diálogo direto da IES com as Diretorias de Ensino e

respectivas escolas em que atuam os seus licenciandos. Essa mediação fica

exclusivamente a cargo da equipe de gestão da SEE/FDE.

De qualquer forma, essa dinâmica organizacional tem aproximado os APs dos

professores regentes das escolas públicas, envolvendo-os com os questões da gestão de

sala de aula e das relações de ensino e aprendizagem na alfabetização inicial. De acordo

com dados da SEE/FDE, publicados no site do Programa Ler e Escrever7, no final de

2010, o Programa Bolsa Alfabetização já contava com 88 convênios firmados com IES;

98 professores-orientadores; 88 interlocutores administrativos; 2099 classes atendidas

de 2º ano; 976 unidades escolares; sendo 2099 APs desenvolvendo pesquisa de

investigação didática, visando qualificar sua formação acadêmica, bem como contribuir

para a melhoria da qualidade do ensino nessas classes. Ainda conforme esses dados, ao

longo de seus quatro anos de implantação (2007-2010), a imersão na escola tem

permitido aos universitários lidar com a interpretação de gestos, atitudes, opiniões,

hábitos e crenças sobre alfabetização e as tantas ações do dia-a-dia de uma sala de aula,

enfrentando os reais dilemas da alfabetização.

1.1.2- A fundamentação teórico-metodológica do Programa

Desde o final dos anos de 1980, há aproximadamente 25 anos, quando eu atuava

na Diretoria de Ensino na formação de professores da rede pública estadual, na

implementação do Ciclo Básico8 e da Proposta Curricular para o Ensino de Língua

Portuguesa no 1º. Grau, a SEE/SP, influenciada pelas então recentes contribuições dos

resultados de pesquisas de Emilia Ferreiro9, já tinha como foco principal a formação de

professores visando a alfabetização total das crianças, com programas dirigidos ao

7 O site é: http://lereescrever.fde.sp.gov.br 8 O Ciclo Básico foi implantado por decreto, pela SEE/SP, em 1983, abrangendo num único segmento as antigas 1ª e 2ª séries do antigo Ensino de 1º grau e eliminando a reprovação entre essas séries. 9 Cf. Ferreiro, 1985; Ferreiro & Teberosky, 1985; Ferreiro, Teberosky & Palácio, 1987.

Page 15: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

15

trabalho nas séries iniciais, tais como as ações do “Projeto Ipê”10, voltadas para o Ciclo

Básico e do projeto “Alfabetização - Teoria e Prática”11.

A partir disso, várias outras ações foram sendo desencadeadas pela SEE-SP ao

longo das duas últimas décadas, no sentido de se consolidar uma proposta pedagógica

norteada pelos princípios da perspectiva construtivista de alfabetização. Após o Ciclo

Básico, com base em indicação do Conselho Estadual de Educação (Indicação CEE nº

8/1997), sustentado pelo que dispõe o artigo 32 da LDB, foi implantado, em 1998, o

regime da Progressão Continuada que reorganizou o Ensino Fundamental no Estado de

São Paulo em dois grandes ciclos: o de 1.ª à 4.ª série e o de 5.ª à 8.ª série. O que se

pretendia com o regime de ciclos era respeitar o ritmo de aprendizagem de cada

estudante, de modo que toda a aprendizagem e conhecimento, construídos ao longo de

um ano escolar, não fossem desconsiderados (cf. Neubauer, 2001).

Assim, diante dessa nova estrutura, a SEE-SP passou a adotar medidas de cunho

pedagógico para oferecer um efetivo apoio às escolas. No caso da alfabetização, teve

início o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores, o PROFA12. Nos

termos de Telma Weisz, uma das principais divulgadoras e defensoras das ideias de

Emilia Ferreiro na educação paulista:

Em sua versão paulista este programa foi rebatizado e passou a chamar-se Letra e Vida [...]. Em quatro anos (2003-2006) foram formados em São Paulo aproximadamente 900 Coordenadores Gerais e de Grupos que por sua vez atenderam cerca de 38.000 professores cursistas. (WEISZ, 2010, p.21)

O Programa Letra e Vida é, então, o mesmo que o do PROFA, implantado em

2001 pelo MEC, tendo os mesmos pressupostos teóricos e metodológicos, com poucas

diferenças no material utilizado nos dois cursos. Contudo, em 2007, o Letra e Vida dá

lugar ao Programa Ler e Escrever, implantado juntamente com uma série de medidas

tomadas pela SEE-SP para a melhoria da qualidade do ensino, dentre estas a

implantação do Ensino Fundamental de 9 anos, a publicação das Orientações

10 Trata-se de uma ação da CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas) da SEE-SP que, através de multimeios (TV, Rádio e Materiais impressos) procurou levar ao maior número de educadores a reformulação curricular paulista. Esse programa permaneceu na rede entre 1984 e 1990. 11 Trata-se de um programa desenvolvido pela SEE/SP em parceria com a FDE, para a capacitação de professores do Ciclo Básico, com o objetivo de tematizar a prática destes professores, bem como organizar o trabalho de reflexão pedagógica no interior das escolas. Esse projeto teve inicio em 1992 e permaneceu na rede até o final do ano de 1994. 12 Programa formulado e divulgado em 2001, pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação (MEC), originário do aperfeiçoamento e aprofundamento do Programa Parâmetros em Ação de Alfabetização, realizado em parcerias com Estados e Prefeituras Municipais, além de escolas e universidades públicas e privadas, ou quaisquer instituições que manifestem interesse em desenvolvê-lo.

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16

Curriculares do Estado de São Paulo para Língua Portuguesa e Matemática (Ciclo 1), a

elaboração de guias de planejamento e materiais didáticos para os professores,

adequados a partir do material publicado pela Secretaria Municipal de Educação (SME)

em 2006 e 2007 e a implantação do Programa Bolsa Alfabetização.

O Programa Ler e Escrever, conforme afirma Telma Weisz,

diferentemente dos anteriores, foi oficialmente assumido como política pública desde o seu início. Isto é, não era mais um grupo de educadores que se dispunha a, voluntariamente, fazer a diferença. Houve, por exemplo, a necessidade de mudar normas e legislação para garantir as condições de funcionamento minimamente necessárias. Só uma política pública poderia produzir material didático impresso (a tradição no Brasil é o Estado comprar material didático das editoras privadas para distribuir gratuitamente) para professores e alunos, tanto os das escolas estaduais como os das escolas municipais que se integraram ao Programa. E, como cabe a uma política pública, o Ler e Escrever não está focado na formação em serviço dos professores individualmente, mas foi pensado como um conjunto de ações cujo objetivo é fazer avançar a qualidade do ensino oferecido em cada escola (WEISZ, 2010, p. 21).

Como tive a oportunidade de acompanhar mais de perto, na década de 1980, a

fase inicial das ações da SEE-SP de formação do professor de língua materna, posso

afirmar que, embora tenham se alterado algumas estratégias, permanecem até hoje as

mesmas concepções e diretrizes metodológicas de orientação para o trabalho com a

leitura e escrita no processo de alfabetização.

Em linhas gerais, a proposta construtivista de alfabetização, assumida há pelo

menos 25 anos pelo Estado de São Paulo, está embasada nas contribuições teóricas e

metodológicas inicialmente publicadas no livro “Psicogênese da língua escrita”

(Ferreiro e Teberosky, 1985), amplamente divulgadas e recomendadas aos professores.

Nessa obra, amparadas nas ideias de Piaget sobre a construção do conhecimento, as

autoras demonstram como a criança constrói diferentes hipóteses acerca da escrita, antes

de chegar a compreender a base do sistema alfabético.

Com base, então, nessa premissa, o Programa o Bolsa Alfabetização alinha as

concepções de língua, de alfabetização e letramento, de ensino e aprendizagem da

leitura e escrita, definindo-as no marco conceitual que acompanha o seu regulamento e

nos textos de orientação para a formação do AP.

Assim, no marco conceitual do Programa, a língua é compreendida como

conhecimento que se organiza e se constroi nas diferentes práticas sociais de leitura,

escrita, escuta e oralidade de que participam os seus falantes, cujos propósitos

determinam o modo de ler/compreender e de organizar o texto oral ou escrito. Nesse

Page 17: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

17

sentido, alfabetizar significa muito mais do que ensinar a codificar e decodificar textos

simples e, por isso, estar alfabetizado significa saber usar, de modo autônomo, os

recursos da sua própria língua, nas diferentes situações de seu uso.

Cabe ressaltar que as orientações do Bolsa Alfabetização assumem a ideia

defendida por Emilia Ferreiro de que o conceito de letramento não deve ser

compreendido separadamente do conceito de alfabetização. Como sugere Ferreiro

(2003), em entrevista concedida à revista Nova Escola, a palavra letramento é tradução de

literacy, que em sua origem, significa alfabetização e muito mais. Sendo assim, para a

pesquisadora, a melhor tradução para o termo seria “cultura escrita” e não letramento, uma

vez que este não tem início depois da aprendizagem do código, mas nas diversas

práticas sociais de uso da língua, como, por exemplo, no momento em que um adulto lê

em voz alta para uma criança. Nesse sentido, para Ferreiro, o processo de alfabetização

é desencadeado com o acesso à cultura escrita.

Ainda sobre a utilização dos termos “alfabetização” e “letramento”, Ferreiro

afirma:

Há algum tempo, descobriram no Brasil que se podia usar a expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto. (...) Eu não uso a palavra letramento. Se houvesse uma votação e ficasse decidido que preferimos usar letramento em vez de alfabetização, tudo bem. A coexistência dos termos é que não dá.

(Trecho de entrevista concedida à Revista Nova Escola em maio de 2003). Sem fazer, então, referência aos termos separadamente, as orientações do Programa

Bolsa Alfabetização, assim como as do Ciclo Básico no final da década de 80, ainda continuam

explicitando argumentos de que o uso de cartilhas e de métodos prontos não são eficientes

para o processo de alfabetização, já que não consideram o modo como os alunos pensam

e se esforçam para construir conhecimentos sobre a escrita e, não levando os alunos

para além do contato com palavras isoladas e frases simples, não cumprem o propósito

de apresentar a língua na sua real complexidade como objeto social de conhecimento.

Defendendo a ideia de que as crianças refletem sobre a escrita e desenvolvem

complexas hipóteses para explicar as regularidades do sistema, as orientações do

Programa, certamente tendo em vista possíveis equívocos na compreensão da

abordagem construtivista de alfabetização, salientam que os conhecimentos construídos

pelas crianças não surgem espontaneamente, é preciso que lhes sejam dadas, nas

Page 18: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

18

diversas situações de leitura e escrita, oportunidades de refletirem sobre o sistema de

escrita. Dessa forma, as orientações do Programa apontam a escola e, sobretudo, o

professor, como responsáveis por inserir os alunos no universo da cultura escrita,

ressaltando ser necessário para o sucesso na alfabetização ter uma rotina de leitura e de

escrita na escola, assim como, realizar projetos e sequências didáticas que levem os

alunos a refletir não apenas sobre o funcionamento do sistema de escrita, mas sobre os

usos e funções da língua.

Ainda é reforçada a concepção de aprendizagem construtivista, que considera o

aluno sujeito de sua própria aprendizagem, visto que ele aprende nas mais diferentes

situações, principalmente quando é instigado a resolver problemas significativos que

demandem dele a elaboração de ideias e hipóteses próprias, como no processo de

alfabetização, nas etapas rumo à compreensão da escrita alfabética.

Essa mesma perspectiva deve embasar as estratégias de trabalho na formação de

professores. De acordo com o marco conceitual do Programa, os APs também são

sujeitos de suas aprendizagens profissionais e isso se faz no enfrentamento de situações

iguais àquelas vivenciadas pelos professores regentes. Desse modo, os APs são

considerados como sujeitos com visões de mundo próprias, mediadas em maior ou

menor grau pela cultura escolar. Sendo também sujeitos da própria aprendizagem,

constroem conhecimentos sobre o que é ser professor, o que e como se ensina, nas

diferentes situações e interações de que participam, tanto nas escolas em que atuam,

como no contexto acadêmico de sua IES.

A grande inovação/novidade do Programa, no que se refere ao processo de

formação docente, está, a meu ver, na adoção da Investigação Didática que busca

instigar os APs a observarem mais atentamente as situações de ensino e aprendizagem

que vivenciam e a refletirem sobre como as práticas pedagógicas de alfabetização

podem ser mediadas por conhecimentos sobre a didática da língua, em funcionamento

em contextos reais de sala de aula.

Nesse aspecto, mais especificamente, o Programa se vale das contribuições e

orientações de Delia Lerner sobre a Pesquisa/Investigação Didática. A chamada

“Pesquisa Didática” é uma abordagem de investigação de cunho formativo realizada

inicialmente por grupos franceses que buscavam formas mais adequadas de ensinar

Matemática, cujos principais representantes são Guy Brousseau e Yves Chevallard.

Atualmente, outros grupos que desenvolvem investigação didática, inclusive na área de

Alfabetização, Leitura e Escrita, estão em grandes centros de produção de conhecimento

Page 19: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

19

na França, Suíça, Canadá e Argentina. Este último tem como um de seus principais

representantes a pesquisadora Delia Lerner quem, atualmente, é grande referência no

Brasil para as discussões de formação de professores alfabetizadores.

De acordo com Lerner (2002), a pesquisa didática elege as práticas de sala de

aula como objeto de análise, considerando as situações de classe, as diferentes formas

de registros sobre essas situações e as discussões feitas a partir desses registros com os

professores envolvidos, transformando tudo em ferramentas essenciais para se construir

e divulgar conhecimentos próprios da/para a área.

Essa perspectiva de adotar como objeto de análise a própria prática do professor

é defendida por Lerner (2002) com base na idéia de que, para a inovação/mudança de

práticas em sala de aula, não basta somente a capacitação dos professores. Nos termos

da autora:

Reconhecer que a capacitação não é condição suficiente para a mudança na proposta didática porque ela não depende só das vontades individuais dos professores – por melhor capacitados que estejam – significa aceitar que, além de continuar com os esforços de capacitação, será necessário estudar os mecanismos ou fenômenos que ocorrem na escola e impedem que todas as crianças se apropriem dessas práticas sociais que são a leitura e a escrita (...) Ao conhecê-los, se tornará possível vislumbrar formas de controlar sua ação, assim como precisar algumas questões relativas à mudança curricular e institucional. (Lerner, 2002, p.33)

É, pois, nesse sentido, que a autora aponta a necessidade de investigações

didáticas específicas, como na área da leitura e da escrita, para que se produzam

conhecimentos resolvendo problemas específicos da área, de tal modo que a didática da

leitura e da escrita deixe de ser matéria “opinável” para se constituir como um corpo de

conhecimentos de reconhecida validade. Pois, de acordo com Lerner (2002), o

conhecimento didático de língua materna, por exemplo, não pode ser deduzido

simplesmente das contribuições da psicologia ou da linguística. “É necessário realizar

investigações didáticas que permitam estudar e validar as situações de aprendizagem

que propomos, aperfeiçoar as intervenções de ensino, apresentar problemas novos que

só se fazem presentes na sala de aula”. (Lerner, 2002:43).

Assumindo, então, essa abordagem para nortear o processo de formação dos

APs, o Programa Bolsa Alfabetização, busca envolvê-los com os problemas próprios

das ações didáticas na alfabetização. Para isso, a orientação é que os APs participem do

cotidiano do processo de alfabetização de crianças, observando e atuando junto aos

alunos com a devida orientação do professor regente, e supervisão do professor

Page 20: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

20

orientador, produzindo registros escritos e/ou audiogravados das situações

observadas/vivenciadas nesse contexto. Registros esses que devem servir para orientar o

olhar investigativo do AP, bem como o foco da investigação didática a ser realizada.

Quanto à investigação didática, o Programa selecionou quatro temas:

1- Rotina de leitura e de escrita;

2- Leitura feita pelo professor;

3- Produção oral com destino escrito;

4- Cópia e ditado (ressignificação da cópia).

Os conteúdos e metodologias relativos a esses temas devem ser

sistematicamente trabalhados e estudados nos encontros de formação da IES, ao longo

do ano, conforme o Plano de Trabalho elaborado e aprovado. Para a execução das ações

dessa formação na IES, o Programa propõe alguns conteúdos essenciais a serem

trabalhados, a saber:

1. A entrada dos APs na escola

a. postura adequada nos dois ambientes – faculdade e escola;

b. identificação do aluno com o professor e a construção de um olhar mais

compreensivo para a complexidade que é a sala de aula;

c. discussão sobre o intercâmbio entre a diversidade técnica acadêmica e a prática

pedagógica;

d. construção de uma relação positiva entre APs e professores regentes, que permita de

fato a troca.

2. Pesquisa didática de cunho formativo

a. Análises preliminares, com enfoque em:

• conteúdos;

• ensino usual;

• concepções dos alunos;

• contexto didático.

b. Observação e o registro como estratégias metodológicas para desenvolvimento da

investigação didática:

• O que registrar?

• Como registrar?

Page 21: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

21

• Para que registrar?

c. Análises e reflexões sobre os registros:

• Foco – questões levantadas, respostas encontradas.

• A teoria em virtude dos problemas colocados.

d. A escrita da pesquisa: coerência de ideias e coesão de texto.

3. Conhecimentos sobre o funcionamento da rede pública de ensino

a. Avaliação escolar nas séries iniciais do Ensino Fundamental da Rede Estadual de São

Paulo.

b. Avaliação como regulação da função social da escola.

c. Conceito de sondagem e análise dos mapas de acompanhamento da alfabetização.

d. Análise da avaliação em seu município e na escola, onde atua como aluno

pesquisador.

4. Conhecimentos linguísticos

a. Conceito de gênero do discurso e seu papel na definição dos objetos de estudo da

leitura e da escrita.

b. Os gêneros e os contextos de aprendizagem: propósitos, destinatários e portadores.

c. Usos e funções da língua portuguesa, segundo práticas de leitura, escrita e aspectos da

gramática (ortografia, pontuação etc).

d. Conhecimentos sobre a linguagem que se escreve.

5. Conhecimentos psicolinguísticos

a. Concepções de aprendizagem, metodologias de ensino.

b. Construção da escrita pelas crianças, hipóteses de escrita e sua evolução, segundo a

Psicogênese da Língua Escrita e pesquisas correlatas.

6. Conhecimentos didáticos

a. Ambiente alfabetizador.

b. O papel do conhecimento didático no planejamento do professor.

c. Planejamento de estratégias de apoio ao professor regente.

d. Intervenções didáticas.

e. Planejamento de estratégias de apoio ao aluno.

Page 22: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

22

f. Conhecimento das intervenções pedagógicas junto aos alunos que não avançam ou

que avançam pouco em suas aprendizagens.

g. Condições e orientações didáticas para a organização e manutenção de uma rotina de

leitura e de escrita; leitura feita pelo professor; produção oral com destino escrito; cópia

e ditado (ressignificação da cópia).

Tendo, então, esses conteúdos como referência, o professor orientador deve

elaborar e desenvolver o seu Plano de Trabalho, respeitando o marco conceitual e os

objetivos previstos pelo Programa Bolsa Alfabetização. Para tal, é recomendada ainda

uma bibliografia básica (v. anexo 1).

1.2- O Curso de Pedagogia da USCS

A Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS - é uma instituição

educacional de ensino, pesquisa e extensão, mantida pela Prefeitura Municipal de São

Caetano do Sul (SP), integrando o Sistema Estadual de Ensino, com sede central e foro

jurídico no município de São Caetano do Sul, na Rua Goiás, 3400, regida pela

legislação específica em vigor, por seu Estatuto, Regimento Geral e por Resoluções do

Conselho Universitário e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. A Universidade

Municipal de São Caetano do Sul é uma autarquia municipal, autônoma, com

personalidade jurídica de direito público interno administrativo, com patrimônio próprio

e atribuições estatais específicas.

Tendo em vista as condições e capacidades da USCS para atender o Programa

Bolsa Alfabetização, é importante destacar que o município de São Caetano do Sul,

onde a instituição mantém sua sede, integra a região do Grande ABC, juntamente com

os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema, Ribeirão Pires,

Mauá e Rio Grande da Serra, constituindo o Consórcio Intermunicipal Grande ABC,

criado em 1990 pelas Prefeituras das sete cidades que compõem a região do Grande

ABC. A idéia chave do Consórcio é a busca de soluções integradas na identificação dos

problemas e demandas comuns. É dentro desta dinâmica que a USCS procura atuar,

sempre atenta às demandas que ultrapassam seus muros, procurando analisá-las e

atendê-las dentro de uma perspectiva intermunicipal.

Outro fato de destaque é o comprometimento da USCS com a qualidade da

formação, que é, por natureza, uma exigência intrínseca à própria razão de ser e de atuar

Page 23: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

23

da instituição universitária. Enquanto tal, a Universidade se define como instituição ao

mesmo tempo aberta e compromissada. Aberta para o mundo do conhecimento e para o

novo, em constante reformulação do pensamento e redefinindo, permanentemente, o seu

padrão de qualidade; e compromissada, enquanto posto de vanguarda da comunidade,

consciente da sua inserção social e da sua responsabilidade para com os destinos da

sociedade.

Ainda cabe salientar que a USCS possui uma infraestrutura física que abrange

dois Campi, com Bibliotecas, Auditórios, amplas salas de aula todas equipadas com

computador, data show, acesso à internet, laboratórios pedagógicos, laboratórios da

Escola de Saúde, laboratórios de informática, entre outros espaços destinados a alunos,

docentes e comunidade. A USCS conta também com o Núcleo de Educação a Distância,

que disponibiliza cursos à distância para atender à crescente demanda interna e externa

na área acadêmica e corporativa.

Nesse contexto, está inserido o Curso de Pedagogia, nosso foco principal aqui. O

Curso foi implantado em 2007 - em conformidade às novas diretrizes curriculares

instituídas pela Resolução CNE/CP nº. 01, de 15 de maio de 2006, e pela Deliberação

CEE 60/2006, que estabelece normas para a criação de Cursos de Graduação em

Pedagogia, licenciatura, no Estado de São Paulo - com uma carga de 3.680 horas, em

regime seriado anual, funcionando no período noturno, das 19h20 às 22h50. O Curso foi

reconhecido em 2009, pelo Conselho Estadual de Educação.

A partir de 2010, com a reestruturação de todos os cursos da USCS para regime

semestral e modular, o Curso de Pedagogia também foi reformulado, passando a

funcionar em 6 semestres, com uma carga horária total de 3600 horas-aula e 3220 horas

de efetivo trabalho acadêmico. Atualmente, a matriz curricular propõe 2400 horas de

estudo presenciais, 520 horas em disciplinas em EAD, 200 horas de atividades de

aprofundamento e complementares, atendendo à necessária diversificação de estudos e

experiências em áreas de interesse específicas dos alunos, preconizada nos textos legais

e desenvolvida em Projetos Interdisciplinares. Acrescentam-se ainda 100 horas em

Atividades Acadêmicas Culturais Curriculares (AACC) e 100 horas para o

desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O percurso formativo é

completado com os estágios supervisionados, atendendo ao disposto na Deliberação

CEE 60/2006, em seu Art. 2º - II – que estabelece 300 horas dedicadas ao estágio

supervisionado em Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na

gestão escolar, com 1/3 (um terço) desse tempo em cada uma dessas áreas. O pedido de

Page 24: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

24

renovação do reconhecimento do curso, já com essa nova estrutura, foi aprovado pelo

Conselho Estadual de Educação no início de 2012, por 05 anos.

Embora o funcionamento do Curso tenha sido reduzido para 3 anos, as suas

propostas de formação docente foram mantidas. Em sintonia com as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, o Curso de Pedagogia da USCS

tem buscado assumir a formação de pedagogos - professor da educação infantil, dos

anos iniciais do Ensino Fundamental e do gestor educacional - comprometidos com a

realidade brasileira e com o processo de transformação social, capazes de atuar de forma

dinâmica nas diferentes dimensões do trabalho pedagógico e esferas educacionais.

Nesse sentido, a metodologia adotada pelo Curso é de um ensino com pesquisa,

cujo propósito é o de formar o professor com uma atitude voltada à reflexão da própria

prática enquanto docente e organizador do trabalho pedagógico, nas escolas da

Educação Básica. Sendo assim, os princípios do ensino são associados à observação,

levantamento de hipóteses, leitura, redação, análise e síntese dos problemas que

encontra, para em sala de aula construir, coletivamente, uma proposição com vistas a

encontrar alternativas criativas e inovadoras às dificuldades diagnosticadas. A intenção

é preparar os alunos para uma ação protagonista na sua formação e na sua futura

atuação como docente e gestor.

Assim, no âmbito da formação do professor para os anos iniciais do Ensino

Fundamental, a preocupação do Curso é de propiciar ao licenciando uma aproximação

mais concreta à realidade na qual atuará, aproximação essa que só tem sentido quando

carregada de envolvimento e intenções. Desse modo, entende-se que observar, intervir e

refletir sobre a realidade escolar não significa apenas uma atividade prática, mas teórica,

uma vez que é instrumentalizadora da práxis docente, isto é, uma atividade teórica de

conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção da realidade, esta, sim, objeto da

práxis. (cf. Pimenta, 2008).

Com base nesses referenciais, o Curso de Pedagogia da USCS, além do

Programa Bolsa Alfabetização, também participa do Programa de Iniciação à Docência

do governo Federal (PIBID), do Fórum Estadual Permanente de Apoio à Formação

Docente e possui projetos aprovados e em andamento no Plano Nacional de Formação

dos Professores da Educação Básica (PARFOR).

Outro espaço de diálogo e interação com profissionais da Educação Básica da

região são as Jornadas da Pedagogia, realizadas anualmente na USCS, com a

Page 25: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

25

participação de professores pesquisadores de centros de excelência, de alunos,

educadores das redes pública e privada e interessados da comunidade em geral.

Também merece destaque a participação do Curso de Pedagogia nas atividades

do ProEduc, Programa de Integração Universidade-Educação Básica, que tem como

missão a articulação e promoção de ações que incrementem a inter-relação entre a

Universidade e o ensino básico. Sua premissa é a articulação entre a Educação Superior

e a Educação Básica garantindo o cumprimento do que determina a LDB. Desta forma,

pressupõe a elevação da eficácia das ações no cotidiano das relações entre os diversos

departamentos do universo educacional, por meio de ações de integração da

comunidade nas atividades desenvolvidas pela Universidade, estreitando as relações

entre ambas e promovendo a cultura e o conhecimento.

Vale ressaltar ainda a competência e experiência do corpo docente da Pedagogia

da USCS, em sua maioria doutores, com intensa participação em eventos científicos

nacionais e internacionais e publicação significativa em periódicos qualificados.

Quanto ao fluxo de alunos, a Instituição desde 2007 oferece 160 vagas anuais (80

por semestre) para a Pedagogia, sendo que o número de matrículas, ao longo dos seis anos

de funcionamento, mantém-se entre no máximo 60 e mínimo 40 alunos. No primeiro

semestre de 2012, o Curso contava com aproximadamente 160 alunos matriculados no total.

1.3- O Programa Bolsa Alfabetização na USCS

Na USCS, o Bolsa Alfabetização teve início em agosto de 2008, quando foi

firmado o primeiro convênio desta IES com a SEE/FDE13, mediante aprovação do Plano

de Trabalho elaborado pelo Curso de Pedagogia para concorrer às vagas que estavam

sendo oferecidas exclusivamente às IES da Grande São Paulo. Em 2008, o Programa

contou com a participação de aproximadamente 30 APs da USCS. De 2009 até o

primeiro semestre de 2012, o número de participantes do Programa vem se mantendo

em aproximadamente 50 APs por ano. Desde o início do Programa na USCS, os APs

atuam em classes de 2º. ano ou PIC de escolas das Diretorias de Ensino de Santo André,

13 O contrato tem a duração de 01 ano, por isso, a cada ano, a IES tem que apresentar um novo Plano de Trabalho para avaliação, com a devida documentação. Sendo aprovado, firma-se novo contrato.

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26

Mauá e Diadema14, e das Diretorias de São Paulo que se avizinham a São Caetano do

Sul: Leste 4, Leste 5 e Centro Sul.

Nesse período de 04 anos, aproximadamente 200 alunos da Pedagogia da USCS

já participaram, pelo menos durante 01 semestre, do Bolsa Alfabetização. Dentre esses,

aproximadamente 10 alunos, até levantamento realizado no final de 2011,

permaneceram no Programa desde quando iniciou o Curso (2º. semestre) até a sua

conclusão. Com isso, já foram produzidos pelos APs aproximadamente 30 trabalhos de

Investigação Didática, sendo muitos deles apresentados também como Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC).

Todos os alunos que participaram e participam do Programa na USCS foram

selecionados conforme os critérios recomendados pela SEE/FDE, já apontados no item

1.1.1. acima. Portanto, são alunos que têm desempenho satisfatório no Curso, são

assíduos e interessados em estudar e aprender os fundamentos teóricos do Programa Ler

e Escrever. Essas características ficam mais evidentes ainda quando constato

concretamente a atuação dos APs em minhas disciplinas, e também pelos depoimentos

dos colegas que lecionam no curso de Pedagogia. Os APs tornam-se mais participativos

nas aulas, sempre contribuem com exemplos concretos de sala de aula, conseguem com

mais facilidade relacionar teoria e prática e, consequentemente, obtêm melhores

resultados nas provas das diversas disciplinas da Pedagogia. Esse avanço no

desempenho dos APs poderá ser identificado, também, nas análises que apresentarei

mais adiante dos relatos reflexivos que eles elaboram a partir de suas observações e/ou

intervenções nas classes em que atuam.

Para a formação, orientação e acompanhamento desses alunos, a USCS designou

em 2008, permanecendo até hoje, duas professoras do Curso de Pedagogia, sendo eu

uma delas15, por lecionar as disciplinas Fundamentos e Metodologia da Alfabetização e

Metodologia e Prática do Ensino de Língua Portuguesa no referido curso; disciplinas

que evidentemente tratam, entre outros aspectos, dos processos de ensino e

aprendizagem da leitura e da escrita durante o período de alfabetização.

14 A Diretoria de Ensino de São Bernardo, à qual estão jurisdicionadas as escolas publicas estaduais de São Caetano do Sul, não possui o Ciclo I do ensino fundamental (1º. ao 5º. ano), tendo em vista a municipalização desse nível de ensino nos dois municípios abrangidos por essa Diretoria. 15 A outra professora designada para a função de professor orientador é responsável pelas disciplinas Didática e Prática de Ensino, Didática para Educação Infantil e Didática para o Ensino Fundamental, tendo em vista que essas disciplinas abordam questões relacionadas ao ensino e aprendizagem na alfabetização.

Page 27: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

27

Vale destacar que, apesar de cada uma de nós, professoras orientadoras, sermos

responsáveis por uma turma de aproximadamente 25 APs, desde quando ingressamos

no Projeto no segundo semestre de 2008, planejamos e realizamos conjuntamente o

trabalho com os APs. Esse trabalho conjunto permite que ambas tenhamos contato com

todos os alunos participantes do Programa, o que também possibilita ao AP poder

recorrer a qualquer uma de nós quando necessita de ajuda ou de orientação além dos

encontros já formalizados.

Quanto à formação do AP na USCS, buscamos seguir o marco conceitual, as

sugestões bibliográficas, a programação, os objetivos e os conteúdos propostos pelo

Programa, realizando encontros semanais, em que desenvolvemos atividades de estudo

de textos, discussões a partir dos registros produzidos e socializados pelos APs, além de

orientá-los sobre o seu papel e atuação na escola, e esclarecer suas dúvidas,

questionamentos, etc. Nesses encontros, também orientamos os APs na realização e

redação do trabalho de pesquisa didática solicitado pelo Programa.

Um procedimento que adotamos, nesse processo de formação - que merece ser

mais detalhado aqui em função de melhor esclarecer o contexto de produção do objeto

de pesquisa neste trabalho - é a orientação ao AP para a produção sistemática de dois

gêneros de textos escritos: o registro descritivo e o relato reflexivo, a partir de suas

experiências/vivências nas classes de alfabetização em que atuam. Para isso, realizamos

oficinas propiciando situações que visem à sensibilização do olhar observador e à

produção desses dois gêneros de texto. Dessa forma, compartilhamos com o que diz

Telma Weisz, em encontro latino-americano, conforme descrito por Ferreiro (1989):

Quando a situação de capacitação é organizada em torno de um objeto que é a atividade efetivamente realizada em aula, todos os problemas de conteúdo podem ser trabalhados e não necessariamente de forma separada. Um pequeno exemplo da prática real do professor permite expor problemas sobre o objeto língua escrita, sobre as hipóteses das crianças, sobre a trajetória do conhecimento que está por trás da prática concentrada nesta atividade.

A nosso ver, o registro das observações feitas pelo professor ou futuro professor,

além de servir como documento a ser consultado e instrumento de formação docente,

amplia o domínio da linguagem escrita. Por isso, sempre orientamos os APs a registrar

as situações enquanto elas estão acontecendo, o mais fielmente possível. Diálogos entre

as crianças, por exemplo, devem ser reproduzidos sem modificações da linguagem

própria delas.

Page 28: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

28

Na maioria das vezes, sabemos que é muito difícil observar, intervir e, ao

mesmo tempo, registrar tudo o que acontece em uma aula. Por isso, orientamos os APs

a elaborar registros de momentos/cenas/situações que consideram mais significativos de

alguns dos aspectos nos quais centram a observação, como, por exemplo, dos aspectos

relacionados ao tema de pesquisa escolhido pelo AP.

Para se ter aqui uma ideia mais clara do que estamos considerando um registro

descritivo de uma situação de sala de aula, segue abaixo um exemplo desse gênero

produzido por um AP da USCS.

Classe de 2º. Ano

Data: 20/04/2011

Atividade: Lista dos nomes das crianças da sala com o alfabeto móvel

Cena registrada: Diálogo entre a professora e uma aluna

A aluna havia começado a escrever com o alfabeto móvel alguns nomes, quando

a professora faz a intervenção:

Professora: Vamos ler?

Aluna: GABRI

Professora: Está sobrando ou faltando letrinhas?

Aluna: Está faltando?

Professora: Qual?

Aluna: A letra E e a letra L

Professora: Agora leia para ver se está correto

A aluna leu corretamente GABRIEL .

Professora: Leia a próxima palavra

Aluna: Alex, Sumaya, Elis e Jho

No momento em que a aluna foi ler a palavra Jhonathan ela sentiu dificuldades.

A professora, ao perceber a dificuldade da aluna de ler, retirou a letra H da

palavra Jhonathan, explicou para ela que a letra H não tem som e assim a aluna

conseguiu escrever o nome Jonata sem a letra H. Depois a professora voltou a explicar

que o nome dele também tem outra letra H que não tem valor sonoro, ela é como se

fosse um enfeite para o nome ficar bonito e não tem efeito na pronúncia.

Dando continuidade a atividade, a mesma aluna formou com o alfabeto móvel a

palavra TASIA para escrever TAIS.

Professora: Leia

Page 29: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

29

Aluna: É a letra S e a letra I

Professora: Agora leia novamente

Aluna: Tirou a letra I e depois tirou a letra A

A aluna percebeu que estava faltando uma letrinha e colocou a letra A no final.

Aluna: Ficou TASA.

A aluna leu TASA e disse que no final é a letra S

Professora: O que esta faltando então?

Aluna: A letra I.

Então a aluna formou a palavra TASI . Quando colocou a letra I ela ainda ficou

procurando outra letra e tirou a letra S.

A professora então pediu para ela ler para elas verem como ficou.

A aluna não leu e quando ela tirou a letra S, ela sentiu que estava faltando uma

letra e percebeu que o nome tinha a letra S e a letra I, só não sabia onde colocá-las.

Então, para que ela percebesse a professora perguntou:

Professora: Qual letra vem primeiro, a letra I ou a letra S?

Foi então que a aluna percebeu que a letra I vinha antes da letra S. E então

escreveu TAIS.

A professora então pediu para que ela lesse. A aluna leu TAIS.

Com o passar do dia, a professora teve a curiosidade de saber se a menina havia

mesmo aprendido, foi então que a professora pediu novamente que ela escrevesse

TAIS.

A menina escreveu TASI e a professora pediu novamente para que ela

escrevesse TAIS.

A menina continuou escrevendo TASI e a professora pediu novamente para que

ela escrevesse TAIS e dessa vez ela escreveu certinho.

Como se pode verificar no exemplo acima, a autora do registro procura

descrever as situações da aula tal como ocorreram, inclusive registrando literalmente

algumas falas da professora e dos alunos. Certamente, esse registro vai permitir uma

série de reflexões sobre o processo de alfabetização: a forma como os alunos estão

construindo o seu conhecimento sobre a escrita; o papel das intervenções da professora

na aprendizagem dos alunos; a dinâmica da aula; as concepções teóricas e

metodológicas que embasam as ações da professora; entre outros aspectos.

Page 30: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

30

Outro fator importante a ser observado nesse registro é o seu caráter estritamente

descritivo, sem julgamentos ou avaliação da estudante que o produziu. Essa é uma

característica necessária, quando temos por objetivo apenas descrever a situação/cena

observada, de tal forma que alguém, que não estava presente na classe, possa ler o texto

e visualizar as cenas, sem ser induzido por interpretações ou opiniões de quem produziu

o registro. Esse é um tipo de registro muito utilizado em pesquisas didáticas e em

situações de formação docente, pois permite a realização posterior de análises e

discussões sobre uma situação real de sala de aula.

Ainda orientamos os APs sobre a possibilidade de muitas outras formas de se

registrar o trabalho docente, tais como: registrar o planejamento (de uma atividade

permanente, de uma sequência didática ou projeto didático); atividades de classe (pautas

de observação, diários de aula); e processos de avaliação (relatórios individuais e

coletivos, portifólios). Alguns são mais usados como instrumentos de observação para

documentar situações interessantes que ocorrem em classe; outros, como dispositivos

que auxiliam no planejamento do trabalho do professor com um projeto educativo em

curso; ou ainda como recurso de investigação para analisar os dados que se queira

estudar, como é o caso da Investigação Didática.

Dessa forma, os APs produzem registros descrevendo situações de ensino e

aprendizagem das classes em que atuam. Esses registros descritivos, além de serem

apresentados, discutidos e analisados nos encontros de formação, são retomados pelo

AP para a produção do “relato reflexivo”. Com base, então, nos registros descritivos, ao

final de cada mês, o AP produz um relato reflexivo em que expressa suas observações,

impressões, experiências, indagações, conflitos, auto-reflexões sobre o que observa e o

que vivencia na classe de alfabetização em que atua. Trata-se, portanto, de um texto de

caráter mais subjetivo, em que se descreve não só os movimentos do mundo exterior

como também do mundo interior, da consciência. Nesse tipo de escrita, o autor do texto

deixa transparecer o seu pensamento na procura de explicações para suas observações.

Orientamos, assim, o AP a produzir esses dois gêneros textuais e, na medida em

que vão escrevendo, vão dominando as características de cada gênero, compreendendo

que enquanto o registro descritivo caracteriza-se mais pela descrição de situações ou

cenas de aula, sem julgamentos ou opiniões de seu autor sobre o que observa; o relato

reflexivo constitui-se um lugar de reflexões sistemáticas, constantes, ou seja, um espaço

onde o seu autor conversa consigo mesmo, anota questionamentos, opina sobre o

Page 31: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

31

processo de aprendizagem das crianças, sobre as intervenções do professor e possíveis

encaminhamentos.

É importante lembrar também que para a produção inicial dos registros

descritivos e relatos reflexivos foram lidos e discutidos diferentes textos desses gêneros,

abordando temáticas variadas (relatos de licenciandos em formação, de professores

regentes, de professores em formação continuada, entre outros) e, assim, os APs foram

sendo estimulados a produzirem seus próprios textos.

Para se ter aqui uma melhor compreensão do que estamos considerando relato

reflexivo, segue abaixo o exemplo16 desse gênero produzido por um AP da USCS.

Relato reflexivo: produzido a partir da observação e de registros descritivos

realizados, ao longo de um mês, das atividades de alfabetização desenvolvidas em

uma classe de 2º. ano.

Ao longo do 1º mês, tive a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento da

turma do 2º. ano, em que grande parte das crianças vieram de escolas de educação

infantil, portanto já trouxeram consigo uma bagagem de conhecimento.

No período da tarde as aulas sempre começam com a oração e, em seguida,

com a leitura de um texto pela professora. Antes da leitura, a professora fala um pouco

sobre o autor do livro. Geralmente, a leitura não é total e sim parcial, a cada dia é lido

um pedaço do texto. Sempre antes da leitura de uma parte do texto, alunos e professora

relembram o que já foi lido no dia anterior.

Todos os dias os alunos escrevem e lêem a rotina do dia que a professora

escreve na lousa. O que nas minhas observações pude notar é que a leitura da rotina

auxilia os alunos a compreenderem melhor o som das palavras e por consequência

facilitar no momento da escrita.

Outro instrumento estimulador da leitura é o cartaz que fica exposto na sala

com o nome de todos os alunos, cada dia há um ajudante, e eles mesmos procuram na

sequência quem será o ajudante do dia.

No trabalho com o alfabeto, destaco uma atividade em que juntos, professora e

alunos, construíram uma tabela com a quantidade de alunos que têm na sala com cada

letra do alfabeto.

16 Todos os exemplos de relatos reflexivos aqui apresentados são transcritos literalmente da forma como o AP produziu, inclusive com as incorreções de escrita.

Page 32: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

32

Os alunos também fazem bastante atividades com acrósticos, atividades estas

relacionadas, por exemplo, com datas comemorativas.

As atividades iniciais focaram bastante o reconhecimento das letras,

principalmente as letras do nome de cada um.

Em uma conversa com a professora regente fiquei sabendo que o foco para as

turmas de 2º. ano da escola é a leitura e a escrita de palavras e o ensino da

matemática, as outras disciplinas não são trabalhadas.

Os alunos interagem muito bem nas atividades propostas, são crianças muito

espertas, cada um com um ritmo. Elas também apresentam características típicas desta

fase de alfabetização, confundem o som das letras (por exemplo, ao invés de escrever

gato, alguns ainda escrevem hto, para casa, escrevem kza), trocam as letras,

relacionam letras a nome de pessoas próximas a eles,etc, porém, são questões que

gradativamente são resolvidas de modo natural ao processo de alfabetizar.

Os alunos também fazem bastante palavras cruzadas e caça palavras. Percebi

que essas atividades estão sempre relacionadas com coisas que fazem parte da vida dos

alunos, como brinquedos, brincadeiras, objetos da escola, etc e algumas vezes são

divididas em “cruzadinha do A”, “cruzadinha do B” e assim por diante.

Observando um grupo de crianças fazendo cruzadinha, notei que eles utilizavam

como estratégias contar a quantidade de letras que contém a palavra e recitando-a

várias vezes para depois escrevê-la. Acredito ser uma maneira da criança assimilar

melhor o processo de escrita das palavras.

As crianças utilizam três livros didáticos, o livro de textos do Ler e Escrever, o

livro de alfabetização e um livro de matemática. Estou vendo na prática o trabalho com

os gêneros textuais, a professora sempre explica sobre o gênero antes de realizar as

atividades com as crianças. Eles começaram com o gênero biografia e autobiografia,

depois com parlendas, canções e trava-línguas e receitas. As atividades são compostas

de produção de pequenos textos e atividades de leitura compreensão de textos.

Dentre elas destaco uma com canções, em que junto com a professora os alunos

cantaram a canção do “Boi da Cara Preta” e depois reescreveram a música dando ao

boi outras características e modificando o que seria o medo da menina. A principio eles

foram falando palavras sem sentido, mas aos poucos, sem deixar explícito, a professora

foi conduzindo a atividade e as crianças foram falando palavras que rimavam.

Percebi também que, gradativamente, as crianças já estão lendo sozinhas, elas

levam livrinhos infantis para lerem (do modo delas) enquanto esperam a hora da saída.

Page 33: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

33

Na escola, há um projeto de leitura, que consiste em uma sala de leitura feita

para os alunos de 1ª a 4ª série ,então todas as quintas a classe em que estou vai até a

sala de leitura (isso quando não há imprevistos). Na primeira ida os alunos receberam

instruções de como manusear um livro. Nas visitas posteriores, eles escutaram histórias

em CD e nas demais folhearam gibis. O espaço é bem convidativo e bem agradável,

pena que é aproveitado de forma não muito significativa para os alunos.

Quanto à minha atuação como aluna pesquisadora, continuo fazendo

intervenções pontuais, seguindo as orientações da professora, junto aos alunos que têm

um pouco mais de dificuldade de aprendizagem. Também junto com a professora

regente tenho a liberdade de levar sugestões de atividades para esses alunos, sugestões

estas que são recebidas muito bem pela professora. Sei que as alunas pesquisadoras

não podem ficar com os alunos com dificuldades, mas vejo como um momento de

grande aprendizagem para mim, me sinto super bem em poder participar desse

momento tão importante na vida dos alunos.

A experiência do Projeto Bolsa Alfabetização tem sido extremamente

enriquecedora para minha formação profissional, tenho aprendido bastante com a

professora regente da classe e também com as crianças, principalmente para a

construção do tema do meu projeto de pesquisa, me incomodava um pouco o momento

da leitura, mas percebi que todas as outras professoras agem da mesma maneira, ou

seja, elas são orientadas a fazer a leitura de forma parcial o que por conseqüência

torna-se uma atividade mecânica, sem muita participação dos alunos (só quando é para

relembrar a história). Já investiguei e soube que para o 2º semestre será diferente, pois

as crianças voltam das férias mais maduras e serão eles que farão a leitura com textos

escolhidos por eles, textos estes que serão tirados do projeto Ler e Escrever, o que me

leva a ficar mais atenta para como será este momento.

Como se pode observar, o relato reflexivo acima evidencia não apenas aspectos

do cotidiano escolar, no que diz respeito à rotina das aulas de alfabetização, como

também modos de agir do professor regente, dos alunos e do próprio AP

(re)configurados, interpretados e avaliados pelo AP.

É, portanto, considerando essas possibilidades, que elegemos os registros

descritivos e os relatos reflexivos como objeto de discussão e análise na formação do

AP na USCS, pois, acreditamos que, assim, estamos possibilitando a construção de uma

Page 34: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

34

relação mais consciente da prática com a teoria, uma vez que permite que o futuro

professor tenha nas mãos o processo de fazer e o de aprender com o fazer.

Como afirma Telma Weiz (2002, p. 129):

O ato de refletir por escrito possibilita a criação de um espaço para que a reflexão sobre a prática ultrapasse a simples constatação. Escrever sobre alguma coisa faz com que se construa uma experiência de reflexão organizada, produzindo, para nós mesmos, um conhecimento mais aprofundado sobre a prática, sobre as nossas crenças, sobre o que sabemos e o que não sabemos. De fato, o relato reflexivo é um valioso instrumento para sabermos sobre nós

mesmos, pessoal e profissionalmente, pois possibilita uma análise sobre a nossa

percepção do trabalho realizado/observado e dos saberes que mobilizamos na nossa

reflexão por escrito.

Além disso, em cada uma das escritas reflexivas que realizamos, há elementos

que nos possibilitam crescer como profissionais e melhorar nosso desempenho,

sobretudo quando essas escritas são compartilhadas com o outro, como o professor

regente, coordenador ou formador para discussão e análise dos aspectos relativos ao

ensino e aprendizagem focalizados no relato.

Com relação a esse aspecto, cabe lembrar que os relatos reflexivos produzidos

ao final de cada mês pelos APs são entregues a nós, professoras orientadoras, para que

possamos realizar as devolutivas aos APs e também (re)pensar as nossas ações de

formação e (re)orientar a atuação desses alunos. Os relatos reflexivos também nos

ajudam nas reflexões que apresentamos nos relatórios pedagógicos trimestrais entregues

à equipe da SEE/FDE gestora do Programa.

Em suma, nesse processo contínuo de escrita e reflexão, nós, professoras

orientadoras, lemos todos esses relatos e realizamos, nos encontros de formação na IES,

devolutivas coletivamente, fazendo comentários que vão desde aspectos relativos a

normas gramaticais (ortografia, concordância, regência, etc) e adequação ao gênero do

texto (posições do enunciador, contextualização no tempo e espaço, etc) às questões

sobre os temas tratados (explicitação das práticas observadas e/ou realizadas, indicação

de leituras para explicitar dúvidas, perguntas e observações visando o redirecionamento

do olhar e/ou do fazer, etc). Esses comentários objetivam não a reescrita do mesmo

relato reflexivo e sim orientações para a contínua produção de registros e relatos que

irão compor os dados de análise na pesquisa didática a ser realizada pelos APs, bem

como para auxiliar nas possíveis reflexões que deverão desenvolver em suas pesquisas.

Page 35: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

35

Certamente, essas produções escritas dos APs ainda permitem muitas análises e

interpretações. Uma das possibilidades é a que procuramos realizar neste trabalho,

quando analisamos os relatos reflexivos produzidos pelos APs da USCS, com o objetivo

de compreender como, na/pela escrita, eles (re)configuram modos de agir do professor

regente e, assim, vão se constituindo professores.

2- OS APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Page 36: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

36

A reflexão na/sobre a prática passou a ser palavra de ordem não apenas nas

ações de programas de formação inicial e continuada de professores, mas também como

tema de muitos estudos e pesquisas da área de formação docente. Na perspectiva de

estudos que relacionam linguagem e trabalho educacional, realizados sobretudo no

campo aplicado dos estudos da linguagem, essa reflexão é enriquecida pelas abordagens

de análise das práticas de linguagem/discursivas que emergem nos contextos de ensino,

abordagens essas que têm em comum uma concepção de linguagem como atividade

social, em que a interação é objeto básico e privilegiado para se chegar a conhecer a

prática social (cf. Bakhtin, 1981).

Dessa forma, o objeto de análise não é apenas o conteúdo temático, mas também

a própria linguagem, ou seja, as práticas de linguagem/discursivas construídas em

diferentes situações de ensino/aprendizagem, tais como as salientadas por Kleiman

(2001, p.8): “alunos e alunos-professores em formação nas suas interações com

docentes universitários; professores em atuação na sala de aula, pondo em evidência

seus processos de formação; professores refletindo sobre suas práticas; professores

interagindo com seus colegas no cotidiano escolar (...)”.

Sendo assim, o relato reflexivo produzido por professores ou alunos de

graduação em contextos de formação é uma prática de linguagem tratada por vários

autores (Signorini, 2000, 2005, 2006; Penteado e Mesko, 2006; Andrade, 2003;

Reichmann, 2001; entre outros) como um recurso disponível que tanto revela quanto

desenvolve a percepção do que somos como entidades psicológicas e como seres de um

mundo social e culturalmente definido (Signorini, 2000). Pois, relatar é representar por

meio do discurso experiências vividas, situadas no tempo (Schneuwly e Dolz, 2004).

Partindo desses pressupostos, são múltiplos os referenciais teóricos e analíticos

utilizados para o estudo de relatos escritos de professores ou futuros professores em

formação. Para esta investigação, em que busco analisar nos relatos reflexivos como são

(re)configurados pelo AP os modos de agir do professor regente, adoto referenciais

teórico-metodológicos do Interacionismo Sociodiscursivo (daqui em diante, ISD), com

base nas contribuições de Bronckart (1999, 2006; 2008); Bronckart & Machado (2004);

Guimarães, Machado & Coutinho (2007), articulando a referenciais teóricos que

concebem a atividade de ensino como trabalho (Amigues, 2002, 2004; Saujat, 2002,

2004; Faïta, 2004; Machado, 2004). Tais referenciais, além de dar suporte para a

compreensão dos diferentes aspectos que compõem a profissão docente, fornecem uma

visão clara da importância da linguagem verbal no desenvolvimento e na interação

Page 37: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

37

humana, bem como um modelo de análise de texto que possibilita compreender a

relação entre os textos e o agir docente no processo do desenvolvimento humano e

profissional.

Em primeiro lugar, discorro sobre alguns conceitos oriundos das chamadas

Ciências do Trabalho (Amigues, 2002, 2004; Saujat; 2002, 2004), apresentando e

discutindo dimensões que fazem parte da atividade de ensino como trabalho. Em

segundo lugar, apresento alguns pressupostos teóricos e metodológicos da abordagem

do ISD e o seu modelo de análise de textos (Bronckart, 1999, 2006), destacando os

procedimentos e categorias que serão utilizados para analisar os dados desta pesquisa.

2.1- O Ensino como trabalho: algumas considerações

O trabalho do professor em sala de aula, mais especificamente nas classes de

alfabetização – foco deste trabalho - é, a meu ver, uma realidade social constituída

histórica e localmente por uma heterogeneidade de saberes, crenças e valores, e por

atores plurais produzidos por e produtores de relações sociais variadas. Dito de outra

forma, considero que o trabalho docente na alfabetização é uma realidade social

complexa, no sentido definido por Morin (1996) de um todo que comporta um

emaranhado de ações, de interações e de retroações.

Na tentativa, então, de apreender, nos relatos reflexivos dos APS, aspectos

da formação desses alunos, quando expostos ao trabalho de um outro professor (o

professor regente), considero necessário assumir uma concepção do trabalho de

ensino que busca compreender a complexidade dessa tarefa, levando em conta as

diversas dimensões que fazem parte do trabalho do professor, aliadas a uma

abordagem discursiva.

Para tal, adoto referenciais de abordagens que compreendem o ensino como

trabalho, desenvolvidas no campo das Ciências do Trabalho, principalmente em

países francófonos, e, mais recentemente, incorporadas por grupos de pesquisa no

Brasil, que atuam no campo dos estudos da linguagem e/ou no campo da Educação.

(cf. Machado, 2004). São abordagens que ampliam a concepção marxista de

trabalho, recusando a ideia do homem como máquina reduzido à atividade que

executa. Pois, para Marx (1983. p.197-198),

Page 38: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

38

o trabalho é, em primeiro lugar, um ato de que participam igualmente o homem e a natureza, e no qual o homem espontaneamente inicia, regula e controla as relações materiais entre si próprio e a natureza. Ele se opõe à natureza como uma de suas próprias forças, pondo em movimento braços e pernas, as forças naturais de seu corpo, a fim de apropriar-se das produções da natureza de forma ajustada a suas próprias necessidades. Pois, atuando assim sobre o mundo exterior e modificando-o, ao mesmo tempo ele modifica a sua própria natureza.

Desse modo, o processo do trabalho compõe-se de três elementos: a atividade do

homem ou o trabalho propriamente dito, o objeto de trabalho e meio ou instrumento de

trabalho. O meio ou instrumento de trabalho, segundo Marx (op.cit.), é uma coisa ou um

complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e

que lhe serve de condutor de sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades

mecânicas, físicas e químicas das coisas para fazê-las atuar como forças sobre outras

coisas, de acordo com os fins que visa. Assim, o meio de trabalho ou instrumento,

produto histórico-social, dá forma ao trabalho, transformando também aquele que o

utiliza, constituindo-se um poderoso mediador não apenas entre o homem e o objeto de

seu trabalho, como também entre o homem e os outros.

Nesse sentido, como aponta Machado (2009b, p.82), não são consideradas as

atividades intelectuais, como as de ensino, por exemplo, pois “não há nelas um objeto

material que seja transformado ou consumido”. Mas, com as modificações

socioeconômicas e tecnológicas, o trabalho braçal vai dando lugar ao trabalho chamado

intelectual, em sentido amplo.

Assim, o trabalho é concebido como um tipo de agir humano, tendo o coletivo

de trabalho sempre presente, mesmo in absentia, uma vez que há uma memória

profissional onipresente; além disso, o trabalho é situado em um dado contexto,

estruturado por regras, convenções, culturas, havendo uma interação entre o trabalhador

e o ambiente físico e social, mediado por instrumentos materiais ou

simbólicos/discursivos. O trabalhador age, assim, direta ou indiretamente, a partir de

artefatos/instrumentos, sobre o meio da atividade de trabalho, transformando-os e sendo

transformado por ele. (Muniz-Oliveira, 2011).

Com base nessas noções, o trabalho do professor pode ser compreendido como um

ofício e um trabalho como qualquer outro: tem a mesma estrutura que todo trabalho; tem um

objeto: os modos de pensar, de falar, de fazer; tem um meio ou instrumento: os signos ou

sistemas semióticos; tem um produto: os modos transformados. Além disso, é uma atividade

coletiva, que não pode ser limitada à sala de aula e às interações com os alunos, pois o

Page 39: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

39

professor realiza outros trabalhos como preparação de aula, correção de exercícios e

avaliações em outros espaços.

Nesse sentido, a atividade de ensino deve ser compreendida como uma

combinação de várias lógicas e temporalidades. Nos termos de Amigues (2004:45), a

atividade de ensino

pode ser considerada o ponto de encontro de várias histórias (da instituição, do ofício, do indivíduo, do estabelecimento...), ponto a partir do qual o professor vai estabelecer relações com as prescrições, com as ferramentas, com a tarefa17 a ser realizada, com os outros (seus colegas, a administração, os alunos...), com os valores e consigo mesmo.

Desse modo, podemos entender, conforme a metáfora apresentada por Saujat

(2004, p.29), que os professores em seu trabalho tecem: nesse tecer, há os fios que os

ligam aos programas e instruções oficiais, às ferramentas/instrumentos pedagógicos, às

políticas educacionais, às características dos estabelecimentos de ensino e dos alunos, às

regras formais, ao controle exercido pela hierarquia; assim como os fios que os ligam a

sua própria história, a seu corpo que aprende e envelhece, a uma imensa quantidade de

experiências de trabalho e de vida, a vários grupos sociais que lhes oferecem saberes,

valores, regras às quais se ajustam dia após dia.

Assim, podemos dizer que, nesse tecido, há os fios que ligam o professor

alfabetizador:

- a um coletivo de trabalho, ou seja, a um grupo de professores que apresenta

características comuns;

- às prescrições que lhe são feitas, diretamente, por meio de documentos oficiais e

materiais didáticos e, indiretamente, por meio de referências teórico-metodológicas

sobre língua e ensino de língua e alfabetização;

- ao seu trabalho de construção de objetos (conteúdos de ensino) efetivamente

ensinados em sala de aula;

- aos instrumentos semióticos mediadores dessa construção.

Quanto aos fios que ligam o professor a um coletivo de trabalho, as idéias

defendidas por Amigues (2002, 2004) e Faïta (2004) remetem à dimensão coletiva do

trabalho do professor. Para Amigues (2002), cada professor pertence a vários coletivos:

o da profissão, o da disciplina, o do estabelecimento de ensino, o da série, o da classe,

17 “Tarefa” (tâche), de acordo com Amigues (2004), refere-se ao que deve ser feito pelo professor em sala de aula em termos de objetivos e de procedimentos.

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40

entre outros. Esses coletivos, de acordo com o autor, se organizam de formas diversas e

produzem regras de funcionamento que constituem uma resposta comum às prescrições

e também o suporte a investimentos subjetivos constantes para responder àquilo que as

prescrições não dizem e para fazer o melhor em uma zona de incerteza; esse

engajamento pessoal é tanto mais forte quanto mais ele for sustentado por um coletivo

de trabalho (Amigues, 2002). No caso dos coletivos do estabelecimento de ensino, da

série e da classe, por exemplo, as relações se estabelecem através de contatos cotidianos

e repetidos, sejam esses contatos motivados pelo estabelecimento ou por afinidades

interpessoais. Desse modo, “os professores, coletivamente, se autoprescrevem tarefas,

que cada professor vai retomar e redefinir em sua classe ou suas classes”. (Amigues,

2004, p.43).

Mas, de acordo com Faïta (2004), há também práticas transversais características

do professorado em seu conjunto, fora dos contatos cotidianos e repetidos. Um exemplo

apresentado por esse autor é o de uma pesquisa desenvolvida por Saujat (2002) que

propõe considerar a existência de um coletivo “iniciantes” no conjunto do corpo

docente. Como explica Faïta (op.cit.), essa é uma categoria de professores que

apresentam traços comuns, independentes dos lugares de lotação e exercício. Nos

termos desse autor, os professores iniciantes têm em comum “o fato de compensarem –

ou tentarem compensar – a insuficiência transitória de sua capacidade de tratar de

situações profissionais complexas mediante o desenvolvimento de recursos

intermediários”. (Faïta, op.cit.:63). Ressalta-se, por exemplo, a forte dedicação dos

iniciantes no domínio da classe (entradas e saída dos alunos, mudanças de lugar,

regulação dos comportamentos dos alunos, tomadas de palavra, etc). Isso permite supor,

no dizer de Faïta (op.cit.:62),

que a exposição a dificuldades semelhantes, o fato de encontrar obstáculos comparáveis na consecução dos programas e na realização das tarefas gere estratégias e condutas que transcendem limites espaço-temporais próprios do meio profissional localizado. (...) também se produzem, em uma esfera de atividade profissional como o ensino, trocas e circulação de idéias que ultrapassam os limites das situações observáveis, e até mesmo formas de fazer mais ou menos difundidas na profissão, que não são, entretanto, formalizadas e discutidas. Isso implica a emergência de uma nova entidade, um ator coletivo que pode se moldar claramente, em função da semelhança de preocupações, de coerções reiteradas para a ação, sem que necessariamente realize escolhas e julgamentos explícitos, formalmente compartilhados e discursivizados.

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41

Nesse sentido, acredito que seja possível considerar, nesta investigação, dois

coletivos específicos: o dos professores regentes que têm o AP em sua classe,

professores esses lotados em diferentes escolas da rede estadual paulista de ensino e

o dos APs, alunos de Pedagogia ou Letras que participam de um mesmo programa

de formação (Bolsa Alfabetização) em escolas dessa mesma rede.

Para compreender os fios que ligam o professor regente e os APs às

prescrições que lhe são feitas, contribuem as noções de trabalho prescrito/trabalho

realizado defendidas por Amigues (2002, 2004). Para esse autor, o trabalho

prescrito (prescrições) refere-se aos aspectos institucionais e normativos, quer

formais ou informais, que regem o trabalho do professor no seu dia-a-dia. As

prescrições, de acordo com Amigues (2004), não servem apenas como

desencadeadoras da ação do professor, são também constitutivas de sua atividade. O

trabalho realizado é aquele efetivamente realizado, em uma situação de trabalho.

Desse modo, as ações efetivamente realizadas pelo professor (trabalho

realizado) não consistem apenas em seguir prescrições, mas também em colocá-las à

prova e redefini-las em função dos alunos, de imperativos ligados ao tempo, de

reflexões realizadas durante a própria ação, dos instrumentos mobilizados, etc. Além

disso, o autor ressalta o caráter vago das prescrições, no sentido de que elas dizem o

que é preciso ser feito, mas não como se deve fazê-lo; o que requer traduções e

reelaborações pelo professor.

Outro aspecto sobre as prescrições, salientado por Amigues (2002), é o fato

de que, na verdade, elas difundem o discurso das instituições formadoras. No caso

do Brasil, as prescrições advêm de uma cascata hierárquica: no nível nacional, por

exemplo, há a lei de Diretrizes e Bases, os PCNs, depois as Propostas Curriculares

estaduais e municipais, as quais são retomadas/repensadas, no âmbito de cada

escola, nas orientações para o planejamento escolar e para a elaboração do plano de

ensino do professor. Algumas características das prescrições dirigidas ao professor

alfabetizador (o professor regente) e ao AP foram apresentadas aqui nos itens 1.1,

1.2 e 1.3.

Para a compreensão dos fios que ligam o professor ao seu trabalho de

construção dos objetos efetivamente ensinados na aula e aos instrumentos

semióticos mobilizados na mediação dessa construção, contribuem os estudos de

Schneuwly (2002, 2005), Schneuwly, Dolz & Cordeiro (2005), Schneuwly &

Wirthner (2004), Dolz, Moro & Pollo (2000) e outros pesquisadores do GRAFE

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42

(Groupe de Recherche pour Analyse du Français Enseigné), do Departamento de

Didática de Línguas da Universidade de Genebra.

Esses estudos propõem a construção de uma metodologia de análise dos

objetos efetivamente ensinados em aulas de francês como língua materna, elegendo

como unidade de análise os objetos efetivamente ensinados na aula, com atenção

particular aos instrumentos semióticos mobilizados pelo professor na construção

desses objetos. Um objeto efetivamente ensinado, para Schneuwly (2005), é o

resultado de um processo de transposição didática interna (Chevallard, 1991), ou

seja, do processo em que os objetos a ensinar/objetos de ensino (conteúdos de

ensino) transformam-se em objetos efetivamente ensinados em sala de aula. Esse

processo, de acordo com Schneuwly (2000), implica uma dupla semiotização do

objeto de ensino: de um lado, ele torna-se presente por meio das técnicas de ensino,

materializado sob formas diversas (objetos, textos, folhas, exercícios, etc) como

objeto a ser ensinado, a ser semiotizado, a partir do qual novas significações podem

e devem ser elaboradas pelos alunos; de outro lado, ele é focalizado como objeto

sobre o qual aquele que tem a intenção de ensinar guia/orienta a atenção do aluno,

apontando/mostrando as dimensões essenciais desse objeto, por meio de

procedimentos semióticos diversos. Esses dois processos – tornar presente o objeto a

ensinar e apontar/mostrar as dimensões essenciais desse objeto –, assinala

Schneuwly (2000), são indissociáveis e se definem mutuamente.

Nesse sentido, Schneuwly define instrumentos semióticos como aqueles que

permitem essa dupla semiotização do objeto de ensino. Nos termos do autor, esses

instrumentos são de dois tipos:

aqueles que asseguram o encontro/contato do aluno com o objeto a ensinar e aqueles que asseguram a orientação/direção da atenção do aluno. Os primeiros são, sobretudo, de ordem material (textos, exercícios, esquemas, objetos reais e muitas outras coisas), os segundos são, sobretudo, de ordem discursiva; mas o discurso pode igualmente produzir objetos a ensinar e permitir seu encontro/contato com os alunos, como também os instrumentos materiais podem assegurar, por formas específicas, a direção da atenção do aluno. (Schneuwly, 2000:23).

Esses instrumentos e os processos que eles envolvem, de acordo com

Schneuwly (2005), são específicos de cada disciplina, dado que pressupõem a

existência de uma tradição de práticas profissionais historicamente constituídas, as

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43

quais o professor re-cria, re-inventa em cada aula, a cada momento em que um

objeto a ensinar torna-se um objeto efetivamente ensinado.

Desse modo, essa perspectiva de análise do trabalho do professor proposta

por Schneuwly (2000, 2005), além de permitir um maior conhecimento de uma das

dimensões essenciais do trabalho do professor que é a dos instrumentos semióticos

materiais (textos, exercícios, etc) e discursivos (definições, explicações, exposições,

instruções, etc) mediadores da atividade de ensino, permite interpretar o trabalho do

professor à luz da tradição e da evolução recente das práticas de ensino de língua

materna, e evidenciar as formas, ao mesmo tempo constantes e variáveis, que

tomam os objetos de ensino quando se tornam objetos ensinados na aula.

Em síntese, como aponta Machado (2008), a atividade de ensino é:

- mediada por instrumentos simbólicos, quando o professor se apropria de

artefatos social e historicamente construídos;

- plenamente interacional, pois ao agir sobre o meio com a utilização de

instrumentos, o professor, ao mesmo tempo, é por ele transformado;

- conflituosa, pois o professor deve sempre fazer escolhas para re-direcionar

seu agir em diferentes circunstâncias, diante de vozes contraditórias, das prescrições

etc. Por esse motivo, pode ser fonte tanto para a aprendizagem de novos

conhecimentos e para o desenvolvimento de capacidades profissionais quanto para o

impedimento dessa aprendizagem e dessas capacidades, quando o professor se vê

diante de situações que lhe tiram o poder de agir.

Alguns desses elementos que constituem o agir do professor são tematizados (ou

não) no/pelos relatos reflexivos produzidos pelos APs. Para identificá-los, ao lado

desses pressupostos apresentados, busco referência na abordagem teórica e

metodológica do ISD que investiga a problemática do agir humano tendo como base

a linguagem (Bronckart, 1999, 2006, 2008).

2.2- O Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)

2.1.1- Origem e histórico

O ISD é uma linha teórico-metodológica das Ciências Humanas que se

fundamenta em uma visão de desenvolvimento humano baseado nas obras de autores

como Spinoza, Marx, Vygotsky, Habermas e Bakhtin, buscando investigar a

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44

problemática do agir humano tendo como base a linguagem, considerada fundamental

para o desenvolvimento humano.

Na verdade, o ISD, conforme histórico apresentado por Guimarães e Machado

(2008), começou a se delinear a partir de 1980, com a constituição de um grupo de

pesquisadores na Unidade de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e

Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Esse grupo - sob a coordenação de

Jean-Paul Bronckart, formado por pesquisadores como Bernard Schneuwly, Daniel

Bain, Joaquim Dolz, Itziar Plazaola entre outros - tomando Vygotsky como referência

principal, no campo do desenvolvimento, e Bakhtin, no campo da Linguagem, assumiu

o objetivo de esclarecer as condições da emergência e do pensamento consciente

humano, conferindo papel essencial à linguagem nesse processo. Nessa direção,

assumindo uma abordagem transdisciplinar, buscando subsídios na Filosofia,

Sociologia, Psicologia, Linguística, o grupo passou a realizar estudos e pesquisas tanto

sobre o funcionamento dos textos/discursos e o processo de sua produção, quanto sobre

as diferentes capacidades de linguagem que se desenvolvem no ensino/aprendizagem

formal dos gêneros textuais.

A preocupação inicial era, como aponta Bronckart (2006), a partir de uma

estrutura de formação e pesquisa, com a participação de professores de língua (francês

como língua materna), elaborar critérios que fossem, ao mesmo tempo, racionais

(teoricamente fundados) e didaticamente adaptados para o domínio da expressão escrita

pelos alunos. Inclusive, de acordo com Bronckart (2006), foi essa preocupação didática

que deu origem ao projeto do ISD.

Assim, em uma primeira fase, os trabalhos voltaram-se para a criação e testagem

de sequências didáticas para a elaboração de um modelo teórico capaz de sustentar e de

esclarecer uma abordagem prática de ensino da língua materna (no caso o francês).

Esses trabalhos deram origem a um primeiro instrumento metodológico e a uma

primeira série de análises empíricas que foram divulgados na obra Le fonctionnement

des discours em 1985.

Em uma segunda fase dos estudos do ISD, o grupo buscou aperfeiçoar o modelo

teórico-metodológico inicial e ressituar a questão das condições e das características da

atividade de linguagem, no quadro do problema do desenvolvimento humano. Essa fase

levou Bronckart e seus colaboradores a reexaminarem a base filosófica da obra de

Vygotsky, a retomarem o papel da apropriação dos signos na emergência da consciência

humana, com base na obra de Saussure, e a estudarem os efeitos produzidos pelo

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45

domínio dos gêneros textuais e dos tipos de discurso no desenvolvimento humano, nas

suas dimensões epistemológicas e praxiológicas. Os aportes dos trabalhos dessa

segunda fase, foram publicados em 1997 na obra Activité langagière, textes et discours

e prosseguem até hoje, em diferentes direções. Essa obra foi traduzida em português, no

Brasil, em 1999, possibilitando maior divulgação, para os pesquisadores brasileiros, dos

pressupostos teórico-metodológicos do ISD.

Ainda em Genebra, em 2000, foi constituído um subgrupo na Unidade de

Didáticas de Línguas, o LAF (Langage, Action, Formation), reunindo pesquisadores de

origens disciplinares diversas (Ciências da Educação, Filosofia, Psicologia, Linguistica,

Filologia, entre outras) voltados, como ressaltam Guimarães e Machado (2008), para

um amplo programa de pesquisa visando a análise das ações e dos discursos em

diferentes situações de trabalho, inclusive do trabalho educacional.

O Grupo LAF desenvolveu um primeiro projeto de pesquisa denominado

L’analyse des actions et des discours en situation de travail et leur exploitation dans les

démarches de formation (A análise das ações e dos discursos em situação de trabalho

nos procedimentos de formação). Esse projeto contou com três unidades de pesquisa do

exterior, sendo uma delas do Brasil, o Grupo ALTER (Análise de Linguagem, Trabalho

Educacional e suas Relações) do Programa de Estudos Pós-graduados em Linguística

Aplicada e Estudos da Linguagem, da PUC-São Paulo, sob a direção de Anna Rachel

Machado), que reúne pesquisadores de Universidades do Brasil, Portugal e Argentina.

Nessa linha de pesquisa, vários artigos de Bronckart constituíram a obra Atividade de

linguagem, discurso e desenvolvimento humano, lançada em 2006, em organização e

tradução de Anna Rachel Machado e Maria de Lourdes Meirelles Matencio.

Além do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem, da (LAE/PUC-São Paulo) ser um potencial gerador da abordagem de

pesquisa do ISD, no Brasil, vale destacar que diversos pesquisadores brasileiros, de

diferentes instituições, também já desenvolviam trabalhos sob a ótica do ISD.

Dessa maneira, de acordo com Machado e Guimarães (2009), as pesquisas de

abordagem do ISD de intervenção mais direta têm atingido alunos de todos os níveis do

ensino formal regular: da educação infantil ao universitário, inclusive de Educação de

Jovens e Adultos (EJA); bem como cursos de formação inicial e continuada tanto para

professores de língua materna, língua estrangeira e segunda língua de todos os níveis de

ensino, quanto para a formação de professores de outras disciplinas. E, como ressaltam

Page 46: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

46

as autoras, o estatuto epistemológico e metodológico do ISD não é fechado, estando

constantemente sujeito a revisões, descobertas, recorrendo a outras áreas e autores, etc.

No presente trabalho, inspirada por abordagens do ISD, procuro realizar a

análise dos relatos reflexivos buscando dar sentido às produções textuais dos APs; e

“como toda tentativa de ‘dar sentido’, só conseguimos chegar a uma ‘obra aberta’,

sujeita a todas as concordâncias e discordâncias, cujo debate poderá nos levar ao

desenvolvimento coletivo do grupo”. (Machado e Guimarães, 2009, p. 42).

2.2- Fundamentos epistemológicos e metodológicos do ISD

O quadro teórico do ISD inspira-se em um conjunto de princípios do

Interacionismo Social, os quais, segundo Bronckart (1999, 2006, 2008), podem ser

resumidos em três grandes temas centrais: o desenvolvimento humano, a dialética e a

perspectiva genética.

Quanto ao desenvolvimento humano, para compreendê-lo e explicitá-lo, é

preciso, segundo Bronckart (2008, p.109), compreender a evolução do universo

material, o que implica aderir aos princípios conjuntos do materialismo, do monismo e

do evolucionismo. O princípio do materialismo postula que “o universo é constituído

pela matéria em permanente atividade e que todos os objetos que nele se encontram,

inclusive os processos de pensamento da espécie humana, são realidades materiais”. O

princípio do monismo, por sua vez, afirma que embora alguns desses objetos pareçam

ser físicos e outros psíquicos, essa distinção é apenas fenomenológica, ou seja, em

essência, tudo é matéria. Por fim, o princípio do evolucionismo considera que, na

marcha do universo, a matéria deu origem a objetos cada vez mais complexos e a

organismos vivos, em um processo tal que os objetos (seres vivos ou inanimados)

produzem mecanismos para a sua própria organização. Esse princípio também implica

que, a cada etapa da evolução, as propriedades da evolução interna dos objetos

“correspondem” às propriedades de suas interações comportamentais com o meio

externo.

Quanto à questão da dialética, a ideia assumida por Bronckart (2008) é a de que

a evolução humana deve ser compreendida em uma perspectiva histórica, mas em uma

linha indireta e descontínua, pois as capacidades biológicas da espécie humana

possibilitaram as atividades coletivas com o uso de instrumentos, cuja organização

exigiu a produção de linguagem (ou linguageira, na tradução literal de langagière).

Page 47: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

47

Desse modo, as atividades gerais e as atividades de linguagem deram origem a um

mundo de fatos sociais que se superpôs ao meio físico. Nos termos do autor, “a

reabsorção dos elementos desse mundo por organismos particulares levou à constituição

de um funcionamento psíquico consciente”. (p. 110).

Daí a adesão à perspectiva genética para a apreensão do funcionamento humano.

Rejeitando qualquer concepção essencialista, no sentido de que a apreensão do

funcionamento psicológico do ser humano não se pode confundir com a ideia de

apreensão de uma “essência primeira qualquer”, Bronckart (2008) defende uma

perspectiva genética, a do homem em constante evolução, uma vez que para

compreendê-lo é preciso compreender sua evolução/construção sócio-histórica.

Nesse sentido, a abordagem do ISD é favorável a uma posição dinâmica e histórica,

considerando que, para o estudo do funcionamento humano e de seus processos evolutivos e

históricos, é necessário considerar as relações de interdependência entre os aspectos

psicológicos, sociais, culturais, linguísticos etc., e consequentemente, assumir uma

perspectiva transdisciplinar, já que os fenômenos humanos envolvem dimensões variadas.

Com base então nesses princípios básicos, a principal ideia defendida pelo ISD é

a de que o desenvolvimento do ser humano ocorre em atividades sociais, em um meio

constituído e organizado por diferentes pré-construídos e por meio de processos de

mediação, principalmente, os processos de linguagem/linguageiros. Assim, desde o

nascimento, os indivíduos vão se apropriando dos pré-construídos sociais, o que permite

o seu desenvolvimento e, dialeticamente, lhes permite contribuir para a constante

transformação dos pré-construídos. Nas palavras de Bronckart (2006, p.10), o ISD visa

“demonstrar que as práticas linguageiras situadas (ou os textos-discursos) são os

instrumentos principais do desenvolvimento humano, tanto em relação aos

conhecimentos e aos saberes quanto em relação às capacidades do agir e da identidade

das pessoas”.

Dessa forma, o ISD propõe um procedimento metodológico que Bronckart

(2004) chama de descendente, que envolve três etapas: primeiramente, a análise dos

principais componentes dos pré-construídos existentes nas sociedades, tais como as

atividades que nela se desenvolvem, as formações sociais que as organizam e as línguas

e os gêneros de textos em uso; depois, o estudo dos processos de mediação

sociossemióticos, em que se realiza a apropriação tanto pela criança como pelo adulto,

de aspectos desses pré-construídos; e por fim, a análise dos efeitos dos processos de

mediação e de apropriação por meio dos quais os indivíduos constroem seus

Page 48: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

48

conhecimentos de mundo e a sua condição de sujeito no mundo. (Bronckart; 2008;

Machado, 2009c).

É, pois, nessa perspectiva, que o ISD assume o papel fundador da linguagem, da

atividade discursiva no desenvolvimento humano: “é ela que organiza, regula e comenta

as atividades humanas e é por meio dela que se constrói uma ‘memória’ dos pré-

construídos sociais; é por processos de mediação, sobretudos os linguageiros, que esses

pré-construtos são apropriados e transformados pelos indivíduos. (Machado, 2009c, p.

48). Em outras palavras, a linguagem tem um papel central tanto no funcionamento

psíquico e em seu desenvolvimento quanto nas atividades e ações humanas. Sendo

assim, o ISD parte do princípio de que é necessário considerar as ações humanas em suas

dimensões sociais e discursivas constitutivas, colocando o discursivo/a linguagem, como

central para o estudo do funcionamento e desenvolvimento humano.

Nesse sentido, as pesquisas do ISD centram-se na análise e interpretação de

textos orais ou escritos, focalizando mais frequentemente o estudo de situações de

mediação formativa, o que deu origem a pesquisas sobre situações de trabalho, mais

especificamente de ensino (por exemplo: LOUSADA, 2006; BUENO, 2007; ABREU-

TARDELLI, 2006; MAZILLO, 2006; BUZZO, 2008, TOGNATO, 2009; MUNIZ-

OLIVEIRA, 2011).

Para estudos realizados no âmbito das mediações formativas, como é o caso

deste trabalho, o ISD contribui com um modelo de análise de texto, sendo possível

identificar as formas de agir construídas num texto. Para isso, de acordo com Machado

et al (2004), primeiramente, é preciso reconhecer que as ações humanas não podem ser

apreendidas no fluxo contínuo do agir apenas pela observação das condutas perceptíveis

dos indivíduos, uma vez que só podem ser apreendidas por meio de interpretações,

produzidas principalmente com a utilização da linguagem, em textos dos próprios

actantes ou observadores dessas ações. Os textos que se referem a uma determinada

atividade social exercem influência sobre essa atividade e sobre as ações nela

envolvidas; ao mesmo tempo em que refletem representações/interpretações/avaliações

sociais sobre essa atividade e sobre essas ações, podendo contribuir para a consolidação

ou para a modificação dessas mesmas representações e das próprias atividades e ações.

Nas palavras de Bronckart (2006, p.167), "os textos, uma vez produzidos, estão

disponíveis para alimentar o trabalho permanente de compreensão dos desafios e das

determinações do agir humano; são 'figuras' a partir das quais tentamos compreender os

outros (agindo ou conhecendo), ao mesmo tempo em que tentamos compreender a nós

Page 49: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

49

mesmos". Desse modo, quando interpretamos um texto, estamos interpretando as

figuras de agir, ou seja, os modelos de agir que o texto contém, e, portanto, a ação

humana.

Tendo em vista que neste trabalho interessa analisar textos

descritivos/interpretativos/reflexivos (os relatos reflexivos) produzidos por

observadores e participantes (os APs) da atividade educacional, abordarei

especificamente questões, na perspectiva do ISD, referentes ao agir humano e ao

conjunto de procedimentos semânticos de análise de texto, buscando detectar as formas

de agir construídas em um texto.

Para o estudo do agir, Bronckart e seus seguidores consideram dois níveis de

análise: o contexto imediato e sociohistórico da produção do texto; e o

textual/discursivo. No nível de análise do contexto de produção, são levados em conta

parâmetros físicos (o lugar físico do contexto de produção; quem é o emissor, o

receptor; qual é o espaço-tempo da produção) e parâmetros sociossubjetivos, em que se

levantam hipóteses para compreender o local social de onde fala/escreve o enunciador,

para qual destinatário o texto foi provavelmente produzido, em qual local social ele foi

produzido, quais os objetivos da interação, e que efeitos o enunciador queria produzir

no destinatário. É importante que, nessa análise, seja considerado desde o contexto mais

amplo (sociohistórico) até o contexto mais imediato da ação de linguagem. (Lousada,

2010).

No nível de análise textual/discursiva, são consideradas três dimensões que

compõem a arquitetura interna dos textos, denominada por Bronckart (1999) de folhado

textual: a organizacional, composta pela infraestrutura geral do texto; a enunciativa,

constituída pelos mecanismos de responsabilização enunciativa, isto é, as modalizações

e as vozes presentes no texto; e a semântica, que permite identificar elementos

semânticos ou categorias do agir (Machado e Bronckart, 2009).

Como na análise deste trabalho interessam mais especificamente os

procedimentos do nível organizacional e semântico, apresento aqui aspectos

relacionados a esses dois níveis de análise, explicitando o sentido de alguns termos

conceituais e categorias do agir que serão utilizados nas análises dos relatos reflexivos,

tomando por base estudos de Bronckart (2006); Bronckart e Machado (2004); Mazzillo

(2006); Barricelli (2007); Bueno (2007) e Muniz-Oliveira (2011), que buscam

identificar o agir (re)configurado nos textos.

Page 50: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

50

No contexto do ISD, o termo agir designa genericamente qualquer forma de

intervenção orientada no mundo, de um ou de vários seres humanos, os quais são

nomeados como actantes, ou seja, qualquer pessoa ou instituição implicada no agir. Por

exemplo, podemos nos referir ao agir do professor regente das classes de alfabetização,

ao agir do AP, ao agir do aluno, podendo, portando, ser actantes o professor regente, o

AP, os alunos, entre outros implicados no agir. Trabalhos dos autores acima citados têm

evidenciado que, pela interpretação do agir, é possível dar-lhe significação, dizendo ao

outro o que fazemos, como fazemos e, ainda, analisar o agir de outro ou o nosso próprio

agir.

Mazzillo (2006), por exemplo, ao analisar diários de aprendizagem escritos por

professoras de línguas, em situação de alunas de um outro professor de línguas,

identifica três figuras de agir: linguageiro, com instrumento e mental. Essas figuras,

identificadas com base na análise sintática dos textos de interpretação do trabalho do

outro, evidenciam que o professor aparece quase sempre na posição de sujeito das

orações, seguido por um predicado. Ou seja, nessa situação, podemos dizer que o agir

do professor é representado na linguagem por predicados que têm o professor como

sujeito. Analisando, então, esses predicados, Mazzillo (2006) verificou que o agir do

professor é representado, principalmente, por verbos de dizer, por verbos ou predicados

que indicam o uso de algum instrumento e por verbos ou predicados que indicam

atividade mental; daí a denominação das três figuras de agir, as quais apresento a seguir

exemplificando com trechos dos relatos reflexivos produzidos pelos APs.

Agir linguageiro: identificado nos predicados que apresentam verbos de dizer

(explicar, perguntar, responder, dizer, etc). Essa figura do agir foi distribuída em três

grupos:

a) agir que implica uma ação imediata dos alunos. Por exemplo: A professora

pede que as crianças cantem junto com ela.

b) agir que não implica uma resposta imediata. Por exemplo: A professora

explicou a atividades aos alunos.

c) agir em relação ao agir dos alunos. Por exemplo: Os alunos apresentaram

dificuldades em realizar os problemas e a professora explicou mais uma vez.

Agir com instrumento/instrumental: identificado nos predicados que

representam um agir verbal ou não verbal do professor com o uso de verbos que implica

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51

a ideia de instrumento material como pintar, colar, escrever, xerocar, imprimir; ou

simbólico como ler, separar, cantar. Por exemplo: A professora lê e os alunos

respondem na folha.

Agir mental/cognitivo: identificados nos predicados que indicam uma atividade

mental ou capacidade das professoras. Por exemplo: A professora criou um dia especial

para as crianças levarem os livros para casa. (mental); A professora tem domínio da

organização da sala. (capacidade).

Essas figuras do agir, segundo Mazzillo (2006), reconfiguram o trabalho do

professor na relação com o outro, na relação com os instrumentos; e na relação com o

interior, mostrando o caráter cognitivo do seu trabalho.

Já Barricelli (2007), em uma análise de textos sobre a Educação Infantil,

também identifica outras figuras de agir, a saber:

Agir Prescritivo : envolve as prescrições para o agir do professor, marcado pelas

relações predicativas indiretas deônticas, que envolvem valores como obrigação, dever

(dever, ser preciso, etc) e espistêmicas, que envolvem valores como verdade,

probabilidade, certeza, crença (poder, ser verdade, etc). Por exemplo: O professor deve

programar sua prática a partir do uso do material “ler e escrever”, assim ele poderá

ter uma visão mais social.

Agir afetivo: implica em um agir emocional que é marcado pelos verbos como

gostar, apreciar, adorar, entre outros. Por exemplo: O que mais me chama a atenção

na professora é o carinho, a dedicação e o amor que ela sente pelos alunos.

Agir corporal : implica em um agir físico que é marcado por verbos como

abraçarr, andar, circular, caminhar, dirigir-se a, etc., relacionado, portanto, a gestos e

movimentos corporais. Por exemplo: A professora da sala tem me dado liberdade para

atuar dentro desse espaço. Posso caminhar por toda a sala a qualquer momento (...).

Enfim, essas categorias permitem ao pesquisador evidenciar as (re)configurações

que os observadores/participantes (alunos em formação; professores em formação)

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52

possuem das ações dos professores em situação de trabalho, que modos de agir do

professor eles identificam em seus textos.

Tendo em vista os objetivos deste trabalho, focalizo, nos relatos reflexivos, a

interpretação do agir do professor regente, pelos APs. Assim, com o apoio de categorias

do nível semântico, busco identificar modos de agir do professor regente

(re)configurados pelo AP em suas produções textuais.

Nesta segunda parte do trabalho, apresentei os referenciais teórico-

metodológicos e as categorias que serão utilizados na análise dos dados desta pesquisa -

os relatos reflexivos produzidos pelos APs. Na terceira parte, a seguir, apresento, então,

os procedimentos metodológicos e a análise propriamente dita dos referidos relatos.

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53

3- A ANÁLISE DOS DADOS DA PESQUISA

3.1- Procedimentos de geração, caracterização e análise dos dados

Conforme já foi apontado no item 1.3 deste trabalho, quando trato das

características do Programa Bolsa Alfabetização na USC, a produção de relatos

reflexivos pelos APs é um procedimento que adotamos na USCS, no processo de

formação desses estudantes, tendo em vista que a reflexão escrita a partir das

observações/intervenções feitas pelo AP, além de servir como texto a ser consultado e

utilizado na realização da investigação didática pelo AP, é um instrumento de formação

docente e amplia o domínio da linguagem escrita.

Devido a essas características dos relatos reflexivos (Signorini, 2006) e ao fato

de esse gênero discursivo em situações de formação inicial de professor ser ainda pouco

explorado, é que decidi eleger os relatos reflexivos como objeto de análise desta

pesquisa. Além disso, os resultados de uma análise mais detalhada desses textos

certamente possibilitarão a nós professores orientadores conhecermos melhor as ações

dos professores regentes e dos APs no processo de alfabetização e, consequentemente,

(re)orientarmos as nossas ações de formação docente.

Para a seleção dos relatos reflexivos que compõem o corpus desta pesquisa,

considerei os que foram produzidos pelos alunos que participaram do Programa Bolsa

Alfabetização na USCS desde o seu início (agosto 2008) até julho de 2011. A adoção

desse critério de seleção deve-se ao fato de que, provavelmente, os APs que

permanecem no Programa por mais tempo, possam explicitar melhor suas

observações/interpretações do trabalho que vivenciam nas classes de alfabetização.

Seguindo, então, esse critério, primeiramente, identifiquei os alunos que

permaneceram mais tempo no Programa18: 07 APs. O passo seguinte foi separar os

relatos produzidos por esses alunos entre agosto de 2008 e julho de 2011. Consegui

reunir 75 relatos ao todo. Conforme orientações que passamos a todos os APs, como foi

esclarecido no item 1.3, eles devem elaborar os relatos reflexivos mensalmente, de

preferência digitados, e entregar nos encontros de formação ou encaminhar por e-mail

às professoras orientadoras. Contudo, nem sempre todos os APs redigem um relato por

18 Cabe lembrar que, durante todo esse tempo no Programa, nem sempre o AP permanece na mesma escola ou com o mesmo professor regente, pois como o encaminhamento do AP é realizado anualmente, sempre ocorre mudanças.

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mês, de tal forma que recebemos aproximadamente de 4 a 6 relatos de cada AP por ano,

contendo, em média, de 2 a 3 páginas cada relato. Na realidade, de acordo com o

cronograma da SEE/FDE, os APs atuam de março (às vezes o Programa inicia em abril)

a junho (às vezes até a primeira quinzena de julho) e depois de agosto a meados de

dezembro. Com isso, podemos dizer que os APs atuam aproximadamente oito meses ao

ano nas escolas.

Em suma, o corpus desta pesquisa é constituído por 75 relatos reflexivos,

produzidos entre agosto de 2008 e julho de 2011, por 07 APs. Para a organização do

corpus, e considerando que os relatos selecionados foram produzidos ao longo de três

anos entre o segundo semestre de 2008 e o primeiro semestre de 2011, optei por

trabalhar com os relatos reflexivos, organizados em três períodos: textos produzidos no

primeiro ano do Programa (Período 1); no segundo ano (Período 2) e no terceiro ano

(Período 3). Desse modo, tendo em vista os objetivos deste trabalho, acabei

selecionando para a análise do agir, conforme procedimentos elencados a seguir, os

relatos produzidos pelos APs no primeiro e no terceiro ano do Programa. A seguir,

segue um quadro para melhor explicitar essa organização:

Quadro 1: Organização do Corpus

Meses Agosto/2008 a

Julho/2009

Agosto/2009 a

Julho/2010

Agosto/2010 a

julho/2011

Períodos Período 1 Período 2 Período 3

Total

Quantidade de

relatos

reflexivos

23 28 24 75

Sendo assim, considerei para a análise textual 47 relatos reflexivos.

Os 7 APs produtores desses relatos são todos do sexo feminino, com idade entre

19 e 25 anos, provenientes da escola pública, pertencentes à classe média baixa e

habitantes de cidades do Grande ABC paulista ou de regiões da cidade de São Paulo que

se avizinham com o ABC. Na maioria, são alunos que, enquanto participaram do

Programa, trabalhavam como estagiários, em escolas de educação infantil, no período

inverso ao que atuavam no Bolsa Alfabetização, e no período noturno frequentavam o

Curso de Pedagogia. Todos eles tinham um bom desempenho no curso e eram assíduos.

Page 55: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

55

De modo geral, são alunos que apresentam um domínio linguístico mediano, cujas

produções textuais escritas apresentavam ainda problemas de coesão, coerência e,

inclusive, gramaticais.

Na apresentação das análises, identifico os relatos pelo número do período em

que foi escrito (v. quadro 1) e letras que identificam iniciais de nomes fictícios

atribuídos aos APs. Por exemplo: (R1DA) corresponde a relato produzido no período 1

pela aluna DA.

Para a análise dos relatos reflexivos, buscando evidenciar e compreender como

os APs (re)configuram o agir do professor regente nos/pelos relatos reflexivos

produzidos ao longo de sua participação no Bolsa Alfabetização, procuro seguir os

seguintes passos:

1) Análise pré-textual: análise da situação de produção dos relatos reflexivos (o

contexto físico e o contexto sociossubjetivo).

2) Análise textual

a- do Plano global dos conteúdos temáticos dos relatos reflexivos.

b- do nível semântico (semiologia do agir):

- identificação dos actantes principais postos em cena nos/pelos textos

relatos reflexivos (professor regente, AP, alunos, pais, etc).

c- identificação dos modos do agir do professor regente (re)configurados

nos textos do AP, ou seja, dos modos de agir que os APs atribuem ao

professor regente.

d- Identificação, a partir dos adjetivos, substantivos, advérbios,

avaliações/apreciações do AP sobre um determinado modo de agir ou

sobre elementos do trabalho docente na alfabetização.

3.2- A situação de produção dos relatos reflexivos

Ao assumir que os pré-construídos histórico-culturais exercem influência no agir

humano e profissional, sendo cristalizados e sedimentados socialmente (Bronckart,

2008), é preciso levar em consideração as representações sobre a situação de produção

que os APs mobilizam para a produção dos relatos reflexivos. Para isso, levanto aqui

algumas hipóteses sobre essa situação de produção, em relação aos elementos do

contexto que podem influenciar o texto, tanto sobre o contexto físico (lugar de

Page 56: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

56

produção/momento de produção), quanto sobre o contexto sociossubjetivo: instituição

social, posição social dos interlocutores, relações de hierarquia ou poder institucional

dos interlocutores, efeitos desejados sobre os destinatários, etc.

Sendo assim, para compreender o contexto de produção dos relatos reflexivos, é

preciso também levar em conta tudo que possa ser considerado como pré-construído no

decorrer da história que contribui para a constituição do trabalho do AP. Essa retomada

já foi desenvolvida na primeira parte deste trabalho (item 1), portanto, focalizo, agora,

mais especificamente, algumas hipóteses sobre a situação imediata de produção de

linguagem, no que diz respeito aos elementos do contexto sociossubjetivo que podem

ter influenciado na produção dos seus relatos reflexivos. Os elementos do contexto

físico já foram explicitados acima (item 3.1).

Como já foi apontado (item 1.3), os relatos reflexivos são produzidos pelos APs,

no âmbito das ações de formação do Bolsa Alfabetização na USCS, fazendo, portanto,

parte do conjunto de atividades que esses alunos realizam no Programa. Trata-se,

portanto, de textos concebidos na esfera acadêmica.

Assim, esses textos são produzidos conforme os objetivos e orientações passados

nos encontros de formação na USCS, pelas professoras orientadoras. Os APs são, então,

orientados a produzir os relatos, com o objetivo de retomar as observações e/ou

intervenções que registram cotidianamente e refletir sobre o processo que vivenciam.

Em outras palavras, os APs são orientados a expressar, nos relatos reflexivos, suas

observações, impressões, experiências, indagações, conflitos, auto-reflexões sobre o que

observam e vivenciam na classe de alfabetização em que atuam, com atenção especial

aos processos de ensino e aprendizagem. Além disso, as professoras orientadoras

também solicitam que nesses relatos as alunas reflitam sobre o processo de ensino e

aprendizagem que observam, descrevendo suas impressões em relação ao que aprendem

na faculdade e o que vivenciam nas salas de aulas em que atuam junto ao professor

regente. Cabe lembrar que também é explicitado aos APs que esse tipo de produção

escrita contribui para o seu processo de formação, assim como para a ampliação da sua

competência de produção escrita.

Enfim, esses relatos são lidos, oficialmente, apenas pelas professoras

orientadoras que, a partir da leitura, fazem devolutivas/comentários coletivos, sem fazer

referência ao que relatou individualmente um AP. Dessa forma, o AP sabe que os seus

relatos são lidos apenas pelas professoras orientadoras, e que servem de referência para

Page 57: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

57

as discussões nos encontros de formação e os nossos relatórios enviados à FDE19, mas

sabem também que as professoras não vão revelar publicamente/nominalmente o que

um determinado AP relata no seu texto. Com isso, é possível que os APs assumam em

seus relatos, uma forma de escrita bastante subjetiva, estabelecendo um contrato de

confiança com o destinatário, o que permite inferir que haja um alto grau franqueza,

pelos locutores (APs), em relação ao discurso que produzem.

Os destinatários alvo dos relatos são, então, as professoras orientadoras (sendo

esta pesquisadora uma delas) do Programa na USCS, podendo figurar, para o AP, a

posição tradicional do professor avaliador, que valida a sua permanência no Programa,

como “aluno bolsista” (no sentido financeiro mesmo, ou seja, do aluno que necessita

dessa bolsa para continuar no Curso). Além disso, os APs também são alunos dessas

professoras no Curso de Pedagogia, o que pode configurar a produção do relato como

mais uma forma de avaliação de seu desempenho como “aluno da Pedagogia” (futuro

professor).

Outras posições que esses alunos podem assumir, na produção dos relatos,

referem-se às funções que, comumente, são assumidas pelo AP:

pesquisador/observador, avaliador, segundo professor/professor auxiliar. Assumindo

essas posições, é possível hipotetizar que esse aluno vai procurar passar uma boa

imagem de sua atuação, em uma produção escrita de “pesquisador” para “orientador” ou

até mesmo de “professor” para “professor”. Nesse sentido, é possível que uma posição

que esse aluno (o AP) tente apagar é de “estagiário”, no sentido mais convencional do

termo e da função. O que significa que o AP vai querer demonstrar que está

desempenhando bem a sua função.

Levantadas algumas hipóteses sobre a situação de produção dos relatos, passo, a

seguir, à apresentação das análises de texto, conforme procedimentos explicitados acima

(item 3.1).

3.3- Plano global dos relatos reflexivos

O plano global do texto refere-se à forma como são organizados os conteúdos

temáticos. Assim, para explicitar o plano global dos relatos reflexivos, procurei

19 A partir do segundo semestre de 2010, quando iniciei esta pesquisa, os APs tomaram conhecimento de que seus relatos seriam objeto desta pesquisa.

Page 58: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

58

identificar como os temas são desenvolvidos ao decorrer dos textos, observando quais

são mais focalizados ou apagados; como também as sequências textuais predominantes

(narrativas, descritivas, argumentativas, expositivas, etc), entre outros aspectos que se

referem à construção composicional dos relatos.

Com base nessas observações, verifiquei, quanto ao desenvolvimento dos temas,

que os relatos fazem referências às atividades de rotina das aulas realizadas pelo

professor regente: atividades de leitura feita professor, atividades de sondagem, ditados,

produção escrita compartilhada em que o professor é o escriba, entre outras

características da alfabetização. Para melhor visualização das atividades dessa rotina

mais focalizadas nos relatos, segue o quadro abaixo:

Quadro 3: Atividades de rotina da alfabetização tematizadas nos relatos reflexivos

ATIVIDADES DE LEITURA Leitura feita pelo professor

Leitura feita pelos alunos

- em voz alta

- individual ou em grupo para

interpretação de textos

ATIVIDADES DE ESCRITA - Cópia

- Ditado

- Sondagem

- Com alfabeto móvel

- Compartilhada: o professor é o escriba

- Coletiva: em duplas

Organizando-se, geralmente, com referência a essas atividades de rotina, os

relatos se iniciam, quase sempre, referindo-se à primeira atividade da rotina do

professor regente, ou então com uma ancoragem temporal, com referência ao período de

observação a que se refere o relato, como nos exemplos que seguem:

Exemplo 1: (R1MA)

Já estamos no mês de outubro e agora posso ver claramente o avanço das crianças.

Exemplo 2: (R2DE)

Não pude notar muita diferença entre os meses anteriores e os de agora (...)

Page 59: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

59

Exemplo 3: (R3AP)

A professora inicia a aula todos os dias pela leitura, mas sem significado algum (...)

A narrativa é a sequência textual predominante nos relatos, revelando não só as

experiências particulares de cada AP, mas também sua maneira de estruturar os

componentes do seu relato. Contudo, para dar-lhe sentido, os autores dos relatos

mobilizam seus sentimentos, impressões e conhecimentos, constituindo seus textos com

a presença de diferentes sequências textuais (narração, argumentação, exposição, entre

outros) e diversas vozes, tornando os relatos heterogêneos, complexos, uma verdadeira

mistura de elementos, o que é característico do gênero, como se pode ver no exemplo

abaixo:

Exemplo 4: (R2MA)

A professora foi ensinando aos poucos, todos os dias ensinava uma letrinha

diferente, passava na lousa com uma letra grande e pedia para as crianças observarem

os movimentos que ela fazia para desenhar aquela letra.

A professora acha que é muito cedo para ensinar a letra de mão, pois como

ainda tem crianças que não são alfabéticas, vai acabar confundindo mais ainda a

cabeça delas. Mas como as crianças e as próprias mães estavam insistindo ela

ensinou. Agora tudo que é passado na lousa é escrito com a letra de mão, e as crianças

são obrigadas a se virar.

Conclusão, uma boa parte da sala está acompanhando e fazendo direitinho,

mas as crianças que não conseguem estão cada vez mais perdidas, o caderno está

ficando um relaxo e as lições estão ficando incompletas, pois não conseguem

acompanhar o ritmo das outras crianças.

Como se pode observar, no primeiro parágrafo, a autora do relato apresenta uma

sequência narrativa de fatos, utilizando o pretérito imperfeito, distanciando-se do seu

discurso, não se comprometendo, portanto, com o que é relatado. Já no segundo

parágrafo, ao comentar a justificativa da professora (A professora acha que é muito

cedo para ensinar a letra de mão... mas como as crianças e as próprias mães estavam

insistindo, ela ensinou), há maior engajamento da autora do relato com aquilo que

enuncia, isto é, existe uma atenção maior do locutor ao que é enunciado, criando um

Page 60: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

60

comprometimento com os interlocutores que estão diretamente envolvidos no discurso.

No último parágrafo, assumindo uma posição mais pessoal e subjetiva, a autora do

relato faz apreciações/avaliações ao comentar as consequências do agir da professora no

agir dos alunos, isto é, no processo de aprendizagem desses alunos.

Nos relatos, também há sempre uma referência dêitica ao evento aula, ou seja,

sempre há alguma situação de sala aula descrita e/ou comentada pelo AP, como

exemplifica o trecho a seguir:

Exemplo 5: (R2MA)

No final da aula, a professora falou para as crianças que elas teriam uma lição

de casa diferente das que estavam acostumadas, elas teriam que observar e registrar as

palavras que iriam encontrar no caminho de sua casa até a escola e no dia seguinte

iriam realizar uma produção de textos com as palavras arrecadadas pelos alunos.

Pode-se verificar, também, na maioria dos relatos, no início ou no final do texto,

uma avaliação global sobre o que foi observado/vivenciado ao longo de um mês pelo

AP, com apreciação positiva ou negativa do agir da professora, como nos exemplos

abaixo:

Exemplo 6: (R3AP) – Trecho que aparece no final do relato

Minha professora [a professora regente], uma senhora, realmente é apaixonada

pelo que faz. Intercala seus métodos, porém, o faz de forma consciente, pois aplica

atividades diferentes diante das dificuldades que os alunos apresentam, sendo, assim,

acaba por recorrer ao método tradicional devido a dificuldade do aluno.

Por outro lado, compreende que são crianças e que estão passando pelo

processo de adaptação, principalmente por ser uma escola de período integral. Tendo

em vista isso, procura sempre manter um ambiente alegre e “infantil”, decora a sala de

acordo com o que está trabalhando, faz brincadeiras, e dá muito carinho e atenção,

demonstrando isso para os alunos mesmo quando brava ou chateada. Leva em

consideração os conhecimentos de seus alunos, seus avanços e conquistas.

Concluindo, ela torna o ambiente de aprendizagem divertido, prazeroso e

“produtivo”.

Exemplo 7: (R2AL) – Trecho que aparece no início do relato

Page 61: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

61

Até agora em mais de três meses da minha presença dentro da sala de aula,

sinceramente ainda não tenho um bom olhar em relação a professora da sala, ela

parece ser muito fria com as crianças, não as valoriza, além do que é muito tradicional,

uma professora que nunca trabalhou de maneira nenhuma com agrupamentos, nem

mesmo colocou as crianças em duplas para fazerem algum tipo de atividade, de tudo o

que fez e trabalhou com as crianças até agora não vi nada relacionado ao

construtivismo, dentro destes quase quatro meses na sala de aula só presenciei uma vez

o trabalho com as letras móveis e as crianças sempre trabalhando individualmente.

Embora em outros relatos não apareça avaliação global da aula seja no início ou

no final do texto, há sempre uma descrição do agir da professora seguido de uma

avaliação e/ou de uma reflexão do AP sobre o desempenho ou comportamento da

professora ou dos alunos na atividade realizada em aula, conforme exemplifica o trecho

a seguir:

Exemplo 8: (R3MA)

A professora como de costume iniciou a leitura da história no inicio da aula.

Apresentou o título para os alunos e falou:

P – A história é muito grande, vou contar um pedaço hoje e o resto eu continuo

amanhã!

E depois perguntou:

P – Alguém já ouviu essa história?

Alguns alunos responderam que sim.

P – Essa é uma versão diferente, acredito que vocês não conheçam.

A professora fez a leitura da história em voz alta, sentada na sua cadeira,

enquanto as crianças copiavam a lição que ela havia passado na lousa anteriormente.

A leitura foi feita de uma forma normal, a professora respeitou a pontuação, e

em alguns momentos fez algumas entonações com a voz, mas nada a mais que isso,

nem se quer mostrou as figuras para as crianças.

Como todas às vezes a professora não deu nenhuma atividade relacionada

com a leitura, nem deixou as crianças darem a sua opinião sobre a história e

continuou com a sua rotina.

Page 62: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

62

Outro aspecto típico dos relatos é a de que as convicções ou dúvidas dos APs

podem aparecer em diferentes espaços do texto: na introdução, no desenvolvimento ou

na conclusão, fazem intercalações, perguntas, reticências que mostram suas certezas ou

incertezas sobre o ensino e a aprendizagem na alfabetização. Os exemplos a seguir

evidenciam essa característica.

Exemplo 9: (R1DA)

A professora pediu para que eu ficasse com cinco alunas em um canto da sala

para trabalhar ao alfabeto, porque elas ainda não conheciam todas as letras.

Posso dizer que me desesperei e parei para pensar se isso era realmente o que

eu queria.

Exemplo 10: (R1JA)

Depois que a professora terminou de falar todas as palavras, recolheu as folhas

e dividiu entre mim e ela para corrigirmos. Logo que terminamos a correção, entregou

as folhas corrigidas para os alunos e pediu para que colassem nos seus cadernos.

Fiquei intrigada com aquela atitude, pois afinal, para que serviu aquela

sondagem?

Outro conteúdo temático recorrente nos relatos é a manifestação dos APs quanto

ao ganho de experiência e à importância de sua participação no Programa, como

evidenciam os relatos a seguir:

Exemplo 11: (R1MA)

Participar desse projeto está sendo maravilhoso, pois estou podendo ver de

perto o que acontece realmente em uma sala de aula, tanto as coisas boas como as

coisas ruins. Além do prazer vivenciado a cada dia, podendo notar os progressos de

cada aluno e o carinho em que demonstram ter com você, percebo que de certa forma

estou fazendo a diferença para aquelas crianças.

Exemplo 12 (R1TI)

O Bolsa tem me ajudado muito a observar e adquirir conhecimentos que apenas

sentada em uma cadeira jamais conseguiria absorver, pois dessa maneira posso

perceber pontualmente como ocorre o desenvolvimento de cada criança, que tipo de

Page 63: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

63

dúvidas surge em cada etapa desse desenvolvimento e muito mais. Com toda essa

aquisição de conhecimentos posso afirmar com certeza que essa prática tem sido muito

produtiva e positiva, e que durante os próximos meses pretendo permanecer no projeto

para aprender e me desenvolver ainda mais como pedagoga.

Um fato que chama a atenção, com relação ao conteúdo temático dos relatos

produzidos no primeiro ano de participação no Programa (Período 1) e dos produzidos

no terceiro ano (Período 3), é que, no início, os APs fazem muitas referências às

relações afetivas, tanto do professor regente com as crianças e com o próprio AP,

quanto deste com as crianças, tema pouco frequente nos textos produzidos no Período 3.

Além disso, no Período 1, o agir do professor é o foco principal das reflexões; já no

Período 3 amplia-se a referência nos relatos ao agir dos alunos.

É importante ressaltar também que, embora os APs tenham o compromisso de

entregar os seus textos para as professoras orientadoras, quase não se observa nos

relatos referência a esses interlocutores. Certamente, porque não há uma preocupação

dessa ordem por parte dos APs, o que aliás é uma característica do gênero relato

reflexivo, de modo mais amplo.

Em síntese, o conteúdo temático dos relatos reflexivos selecionados para análise

e, consequentemente, o seu plano global, gira em torno das diferentes fases de uma aula

de alfabetização, podendo ser representado, de modo geral, pela rotina das aulas do

professor regente, no que se refere à leitura e escrita, com descrição, comentários e

avaliação pelo AP das atividades que ele considera relevante tematizar em seu relato,

seja para uma apreciação positiva e/ou negativa.

Passo, a seguir, à identificação dos actantes (protagonistas do agir) postos em

cenas nos/pelos relatos reflexivos selecionados para análise.

3.4- Os actantes postos em cena nos/pelos relatos reflexivos

A partir da análise do plano global, procurei identificar os actantes postos em

cena nos/pelos textos produzidos no Período 1 e 3, para observar melhor se/como os

APs vão (re)construindo seu foco de observação das situações de ensino e aprendizagem

vivenciadas ao longo de sua participação no Programa Bolsa Alfabetização. Enfim, para

auxiliar na minha análise/interpretação das (re)configurações do trabalho do professor,

realizadas pelos APs ao longo da produção de seus relatos reflexivos.

Page 64: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

64

Na identificação dos actantes, por meio dos marcadores de pessoa, ainda busquei

detectar o estatuto individual ou coletivo atribuído ao agir do professor regente (PR) e

do AP, isto é, quando estes são postos em situação individual ou conjunta (PR e AP), ou

PR e outro(s) professor(es).

No quadro e na figura a seguir é possível visualizar o total de ocorrências dos

actantes nos relatos produzidos nos Períodos 1 e 3.

Quadro 4: Actantes identificados nos relatos reflexivos do Período 1 e 3

Total de ocorrências por período

ACTANTES Período 1 Período 3

Total geral

PROFESSOR REGENTE 385 306 691

ALUNO PESQUISADOR 92 164 256

ALUNO(S)/CRIANÇA(S) 130 208 338

PROFESSOR REGENTE E

ALUNO PESQUISADOR

5 18 23

PROFESSOR REGENTE E

OUTRO(S)

PROFESSORE(S)

1 5 6

PAIS DOS ALUNOS 3 8 11

PROFESSORAS

ORIENTADORAS USCS

0 2 2

DIRETOR/COORDENADOR

DA ESCOLA

2 4 6

DIRETORIA DE

ENSINO/SEE/FDE

1 2 3

PROFESSORES DA

PEDAGOGIA-USCS

1 2 3

Page 65: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

65

Figura 1: Comparação entre os actantes identificados nos relatos reflexivos do

Período 1 e 3

0

50

100

150

200

250

300

350

400

Profe

ssor R

egente

Aluno P

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Aluno(s

) Cria

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Profe

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Pedago

gia

- USC

S

Período 1

Período 3

Como se pode verificar na figura acima, no primeiro e terceiro ano de

participação no Programa, o professor regente é o actante mais referenciado nos relatos

(385 e 306 ocorrências, respectivamente); embora no terceiro ano haja uma diminuição

das referências ao agir do professor regente e um aumento das referências às crianças

(130 e 208 ocorrências, respectivamente). Com isso, pode-se justificar, a meu ver, que a

maior ocorrência do actante “professor” nos relatos deve-se à concepção de ensino dos

APs estar centrada no “como se ensina” em detrimento de “como se aprende”. Por isso,

o AP considera o agir dos alunos como secundário.

Contudo, nos relatos produzidos no terceiro ano, observa-se uma elevação da

referência ao actante “aluno” (208). O que pode indicar uma (re)elaboração de

concepções de ensino, com a maior preocupação do AP em observar como as crianças

aprendem. Vale lembrar que esse é um aspecto bastante debatido na formação dos APs

na USCS, quando colocamos em discussão a análise dos registros de situações de sala

de aula que vivenciam. Insistimos sempre que os APs observem e reflitam não apenas

Page 66: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

66

sobre como o professor ensina, mas também e, principalmente, como os alunos vão

construindo os seus conhecimentos sobre a língua em seu processo de alfabetização.

Outro dado relevante nesse levantamento refere-se à ocorrência do actante AP,

que aumenta de 92 (no primeiro ano) para 164 (no terceiro ano), o que pode ser

justificado pelo próprio processo de construção pelo licenciando de seu espaço na sala

de aula, de sua função como AP. Inicialmente, ele atua mais como observador e, aos

poucos vai assumindo algumas tarefas junto aos alunos. Cabe ressaltar que essa é a

orientação do próprio Programa, conforme apontado na primeira parte deste trabalho.

Obviamente, esse processo também depende da boa interação do professor regente e o

AP. E, nesse sentido, pode indicar que os professores regentes, à medida que vão

compreendendo melhor o papel do AP, passam a dar mais espaço para a atuação dele na

sala de aula.

Por outro lado, os dados indicam que o actante AP aparece, nos dois períodos,

muito mais com o estatuto de um agir individual do que coletivo, em parceria com o

professor regente. Isso pode indicar que o AP atua na sala de aula separadamente do

professor, com mais frequência do que em parceria. De fato, muitos relatos evidenciam

essa forma de atuação do AP, como exemplificam os trechos a seguir:

Exemplo 13: R3MA

Logo que entrei a professora pediu que eu realizasse um trabalho com as

crianças que apresentavam mais dificuldades em acompanhar a sua aula. Era um

desfio para as crianças e principalmente para mim.

O meu grupo tinha cinco meninas, em um mês, três meninas conseguiram

compreender o sistema da escrita e passou a acompanhar a aula da professora. Agora

estou trabalhando somente com duas meninas, para mim é meio que impossível, porém,

como já disse, é um desafio que ajudará muito, na construção da minha profissão.

Exemplo 14: (R1DE)

Então, a professora me deixou com um aluno chamado L., que não sabia nem a

letra A, o que ele não aprendeu em um mês de aula eu ensinei em dois dias, mas ela

logo não deixou mais eu ficar ensinando ele.

Exemplo 15: (R1AP)

Page 67: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

67

Na maior parte do tempo, a professora pede que eu fique com o Time II [das

crianças mais “atrasadas” (pré-silábicos e silábicos sem valor)], ela admitiu saber que

pela lei isso não é correto, porém, disse que a turma que mais precisa é aquela, e não

outra (Time 1), que consegue fazer maior parte das tarefas sozinhos. Em alguns

momentos ela pede que eu fique com o Time 1, para somente olhar se estão fazendo da

maneira correta, enquanto ela auxilia o Time II.

De fato, conforme orientações do Programa, cabe ao AP assumir, gradativamente,

de comum acordo com o professor-regente e com o professor- coordenador, algumas

funções para auxiliar no planejamento e execução das atividades de sala de aula, sendo que

crianças com maior grau de dificuldade não podem ficar sob a responsabilidade do AP, uma

vez que ainda podem não ter embasamento teórico-metodológico e amadurecimento

profissional. Contudo, os relatos reflexivos evidenciam que os APs têm atuado

individualmente (sozinhos) junto aos alunos que apresentam maiores dificuldades no

processo de alfabetização.

Quanto aos outros actantes que aparecem nos relatos, há algumas referências ao agir

coletivo do professor regente com outros professores da escola, principalmente em

situações de atividades de projetos culturais da escola. Já quando aparece a direção e/ou

coordenação da escola, assim como Diretoria de Ensino, FDE/SEE, a referência é,

geralmente, em situações de reunião na escola, ou com relação ao agir prescritivo desses

actantes, como exemplifica o trecho a seguir:

Exemplo 16 (R3AP):

No decorrer desta pequena reunião, a coordenadora entra e começa a questionar

de uma maneira bem sutil e carinhosa, eu diria até amigável, sobre o rendimento dos

alunos de cada professora. No caso da minha professora em particular o questionamento

foi mais direto, pois ela faz o Ler e Escrever, e seus alunos que estavam com algumas

dificuldades tiveram grandes avanços.

Quantos aos professores orientadores do Programa, as poucas vezes em que

aparecem nos relatos, as referências são com relação ajuda/orientação desses professores

para a atuação do AP nas classes de alfabetização. No caso dos professores da Pedagogia,

estes são referenciados quando o AP faz uma comparação, positiva ou negativa, com o que

diz(em) o(s) professor(es) e o que o AP vivencia na escola. Segue um trecho que evidencia

tal fato:

Page 68: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

68

Exemplo 17 – (R3AP)

Na faculdade, quando nos ensinaram e propuseram [os professores] a elaboração

de plano de aula, exigia-se muitos detalhes, preocupações e tempo. No entanto, não foi

assim que ocorreu [na escola] não sei se por tratar do segundo semestre ou pelos anos de

práticas das docentes.

Enfim, realizada essa parte da análise, procedo à identificação dos modos de agir do

professor regente (re)configurados pelo AP nos/pelos relatos reflexivos.

3.5- Modos do agir do professor regente (re)configurados nos/pelos relatos

reflexivos

Tendo em vista que o principal interesse deste trabalho está em analisar como

alunos participantes do Programa Bolsa Alfabetização (re)configuram, em seus relatos

reflexivos, os modos de agir do professor regente, para a análise apresentada nesta

seção, fiz um recorte selecionando os relatos produzidos no Período 3 e buscando

identificar e quantificar os modos de agir do professor regente (re)configurados pelos

APs nesses textos.

Para tal, utilizo as categorias dos modos de agir levantadas por Mazzillo (2006)

e Barricelli (2007) já explicitadas acima (item 2.2). Assim, com base nos predicados que

se referem ao actante “professor regente”, já destacados no levantamento apresentado

no item anterior (3.4), primeiramente, busquei identificar e quantificar os modos de agir

do professor, na realização de diferentes tarefas de sala de aula, (re)configurados pelos

APs nos 24 relatos do Período 3.

Os resultados desse primeiro levantamento ajudaram na seleção dos dados para a

análise dos modos de agir detectados mais recorrentes nos relatos reflexivos. Assim,

investiguei com cuidado os textos selecionados para análise, buscando identificar nas

referências ao agir do professor regente, marcas linguístico-discursivas (modalizações,

adjetivos, verbos, advérbios, etc) que evidenciem como os APs interpretam e avaliam

um determinado modo de agir do professor regente.

Segue, então, o quadro que evidencia os modos de agir do professor

identificados e o número de ocorrências, seguido de um exemplo para melhor

compreensão de cada modo.

Page 69: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

69

Quadro 5: Modos de agir do professor regente (re)configurados nos relatos

reflexivos do Período 3

Modos de agir Ocorrências Exemplos

Linguageiro 69 Ela [a professora] explicou para eles [alunos] o

porque a Marcela (personagem da história) é

especial, porque ela é cega.

Com instrumentos

(materiais e/ou

simbólicos)

146 Primeiro ela [a professora] mostra o desenho

da letra na tabela, por exemplo a letra a, logo

após mostra para a classe como se faz o

desenho da letra no modo cursivo.

Cognitivo/capacidade 42 A professora não dava tempo para os alunos

pensarem e fazerem com calma a atividade.

Prescritivo 21 A professora segue uma rotina diária

determinada pela direção da escola.

Afetivo 23 Percebo que a professora gosta dos alunos,

mas ao mesmo tempo está descontente com a

escola e os métodos.

Corporal/Físico 05 Outro dia vi a professora pegar no braço de

um aluno com força, provocando o choro.

Segue também o gráfico que representa o número de ocorrências de cada uma

dos modos de agir identificados nos relatos.

Page 70: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

70

Figura 2: Gráfico do número de ocorrências dos modos de agir identificados

0

20

40

60

80

100

120

140

160

Com in

stru

ment

os

Lingu

agei

ro

Cogniti

vo/c

apacid

ade

Afetiv

o

Presc

ritiv

o

Corpora

l/Físi

co

Ocorrências

O que se pode observar é que o maior número de ocorrências dos modos de agir

do professor tematizados nos relatos refere-se ao Agir com Instrumentos (146

ocorrências). Portanto, vou me deter aqui à análise dos segmentos que tematizam esse

modo de agir do professor regente.

As (re)configurações dos modos de agir com instrumento envolvem a referência

ao uso pelo professor regente de instrumentos materiais e/ou simbólicos característicos

do trabalho do alfabetizador, tais como a escrita, as letras, cartazes, alfabeto móvel,

imagens, desenhos, objetos e materiais didáticos, livros infantis, materiais do Ler e

Escrever, móveis da classe, entre os diversos artefatos que fazem parte desse coletivo de

trabalho. Em suma, os modos de agir com instrumentos mostram o caráter instrumental

do trabalho do professor. Seguem alguns exemplos das (re)configurações pelo AP

desses modos de agir do professor regente:

Exemplo 18 (R3JA)

A professora organiza a sala de aula possibilitando aos alunos as consultas

espontâneas, há o alfabeto com ilustrações, numerais e um cartaz com o nome das

crianças, cantos onde as crianças dispõem de livros de histórias para levar pra casa e

Page 71: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

71

nesse mesmo local são guardados os livros didáticos que as crianças utilizam em sala.

Assim, o espaço da própria sala de aula oferece incentivos à leitura. (...) Com as

observações acima citadas verifica-se o esforço da professora para que os alunos

tornem-se excelentes escritores e leitores capazes de interagirem adequadamente nas

funções sociais das duas práticas (leitura e escrita).

Exemplo 19: (R3TI)

A escola em que eu estou atuando como aluna pesquisadora possui uma

biblioteca onde uma vez por semana a professora se dirige com os alunos para realizar

momentos de leitura. Esses momentos são feitos na segunda-feira das 7:50 às 8:40,

quando a professora lê textos de diversos gêneros (gibis, revistas, livros e folhetos)

baseados nos temas que estão trabalhando na sala de aula.

A professora sempre faz a leitura de uma forma envolvente, a professora

respeita as pontuações, interage com a sala, deixa as crianças à vontade para interferir

e dar opiniões, mostra as figuras explicando todos os pontos principais da história.

Exemplo 20: (R3AL)

Logo no início do mês, presenciei a primeira aula da professora. Ela veio com a

aula pronta. Contou a história para as crianças, simplesmente contou por contar, não

interagiu com as crianças, não permitiu que as crianças argumentassem sobre o que

entenderam. Foi cansativo para mim que sou aluna pesquisadora e fiquei pensando,

que para as crianças foi bem pior.

Exemplo 21 (R3JA):

A professora fez a última sondagem em 24 e 25 de junho coletivamente.

Entregou uma folha para os alunos contendo grupo de palavras semelhantes e cada

um com o seu conhecimento, tinha que pintar as palavras que a professora ditara. O

problema é que dessa forma não é possível ela identificar as hipóteses de cada um

individualmente.

Exemplo 22: (R3AP):

Achei essa sondagem muito interessante, pois anteriormente a professora havia

trabalhado o Projeto Animais, fez várias leituras, trabalhou várias atividades,

inclusive com listas de animais, o que é muito frequente nas aulas.

Page 72: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

72

Exemplo 23: (R3DE)

Observei que ela faz a leitura permanente sentada, lê o livro não mostra as

figuras da história e outras vezes ela sai da sala para ler a história fora da sala de

aula, as crianças sentam em círculo no chão e a professora numa cadeira conta a

história para as crianças ouvirem. A professora trabalha na sala com parlendas,

cruzadinhas de frutas, animais, bichos de estimação, acrósticos e outros mais.

Esse destaque para o agir instrumental do trabalho do professor regente sinaliza

também que o AP atenta para as formas de apropriação pela professora dos

instrumentos mediadores do trabalho prescrito pelas orientações/propostas curriculares

de alfabetização - divulgadas pela SEE/FDE, Programa Ler e Escrever, Diretoria de

Ensino, Coordenação da escola, etc – para atender ao objetivo principal que é ensinar as

crianças a ler e a escrever. São esses instrumentos: livros de histórias, livros didáticos,

alfabeto, cartazes, textos de diversos gêneros, figuras, parlendas, cruzadinhas, listas,

músicas, etc.

Interessante observar ainda que quando os APs focalizam os modos de agir com

instrumento, é quando fazem mais comentários apreciativos – positivos e/ou negativos –

a respeito dos modos de agir do professor regente. Como se pode ver nos exemplos

acima, há uma descrição do agir com instrumentos da professora, acompanhada de uma

interpretação e avaliação pelo AP desse agir. Além disso, constatei que esses

comentários apreciativos são mais recorrentes ainda quando os APs se referem à

atividade de Leitura feita pelo professor. O interesse por essa prática de leitura também

é evidenciado quando, dentre os temas que o Bolsa Alfabetização propõe para a

realização da investigação didática, a Leitura feita pelo professor é o mais abordado

pelos APs da USCS em seus trabalhos20. Uma explicação para isso pode ser o fato da

leitura feita pelo professor, assim como os diferentes procedimentos para realizá-la, é

uma prática bastante valorizada, utilizada e discutida na Educação Infantil, onde a

maioria desses APs já atua, inclusive realizando a leitura para as crianças.

Para melhor compreender, então, as interpretações do AP desse modo de agir do

professor regente na atividade de Leitura feita pelo professor, apresento a análise de

20 Uma pesquisa de iniciação científica realizada por uma aluna de Pedagogia da USCS, para identificar o trabalho com a literatura na alfabetização, a partir da análise de relatos reflexivos de participantes do Bolsa Alfabetização, também constatou que a Leitura feita pelo professor é a prática mais tematizada pelos APs.

Page 73: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

73

dois trechos: um com apreciação positiva e outro com negativa. Para melhor

visualização, elaborei o quadro abaixo:

Quadro 6: Interpretações/avaliações dos modos de agir do professor regente em

atividades de Leitura feita pelo professor

Trecho do relato Elementos linguístico-discursivos da interpretação/avaliação do AP

Natureza da apreciação

Critérios/Justificativas

A professora faz a Leitura do gênero bilhete de um assunto que era algo de grande interesse das crianças, o sumiço da vassoura da sala, conhecida por eles como uma bruxa, o que criou muitas expectativas nos alunos, que ao final quiseram comentar. Podemos ver através desse relato que a professora além de trazer uma Leitura de bilhete escrito por alguém conhecido, usou de um assunto que também trazia muito entusiasmo aos alunos, por ser um fato que realmente aconteceu (sumiço da vassoura), o que contribui chamando a atenção dos alunos que ficaram prestativos na hora da Leitura, e com certeza conseguiram prestar mais atenção nas características desse gênero. (R3AL)

- grande interesse; - entusiasmo; - criou muitas expectativas; - além de (...) usou também; - alguém conhecido; - muito entusiasmo; - fato que realmente aconteceu; - contribui; - chamando a atenção; - prestativos na hora da leitura; - prestar atenção nas características do gênero.

POSITIVA

- a escolha do texto a ser lido pelo professor; - texto com proximidade da realidade dos alunos; - efeitos da leitura nos alunos; - ensino/aprendizagem das características do gênero do texto a ser lido.

A professora começou a aula fazendo a leitura da “Cinderela”, no mesmo ambiente rotineiro, chamando atenção dos alunos a todo o momento. Parou no meio da história pretendendo continuar no dia seguinte. Depois retomou os pontos principais com as crianças,

-mesmo ambiente rotineiro; - chamando atenção a todo momento; - escolheu história a olho; - não sabia e nem se lembrava histórias lidas; - não houve atividade após a

NEGATIVA

- escolha do texto e planejamento da leitura; - ambiente da leitura; - textos conhecidos pelo professor; - intervenções antes, durante e depois da leitura;

Page 74: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

74

solicitando para que as mesmas contassem. Após a leitura, a professora e as duplas trabalharam normalmente. A professora escolheu a história a olho, não sabia e nem lembrava as histórias que já havia sido lidas e as crianças foram ajudando ela recordar as histórias repetidas. Não houve nenhuma atividade específica após o término da leitura, e no dia seguinte, a professora não retomou a mesma. (R3DA).

leitura; - a professora não retomou a história.

- respeito aos contratos estabelecidos professor/alunos

Os dados do quadro acima sinalizam que há uma compreensão, por parte do AP,

de que a leitura envolve emoção, interesse, o que pode ser despertado pela qualidade do

texto a ser lido, pela familiaridade com o tema/assunto do texto, pelo contexto do

momento da leitura. Essas são, pois, concepções mobilizadas pelos APs, sob as formas

como (re)configuram os modos de agir do professor regente e interpretam/avaliam esse agir,

nos momentos de ação de linguagem, ou seja, nos seus relatos reflexivos.

Além disso, os APs, ao (re)configurarem modos de agir do professor regente com o

instrumento “texto escrito” (bilhete sobre o sumiço da vassoura ou conto da Cinderela),

expressam aspectos que consideram mais adequados quanto à utilização dos recursos

materiais/simbólicos disponíveis no coletivo de trabalho de alfabetização, mais

especificamente na atividade de Leitura feita pelo professor). Aspectos esses que, na visão

dos APs, possibilitariam a criação de condições para que as crianças “se interessem”, “se

entusiasmem” pela história, para que possam compreendê-la, apreciá-la, apreendê-la, dando

oportunidade de desenvolvimento cognitivo aos alunos. Isso pode ser percebido pelas

expressões de interpretação positiva sobre o agir do professor (criou muitas expectativas;

além de (...) usou também; contribui) e negativa (escolheu a história a esmo; não sabia nem

se lembrava da história, etc), bem como os critérios que estão implícitos nessa

interpretação. O que significa dizer que os APs, ao focalizar mais especificamente a

dimensão instrumental do trabalho docente, demonstram reconhecer a importância do

planejamento, da seleção e do conhecimento do texto a ser lido, bem como da qualidade das

intervenções do professor antes, durante e depois da leitura, na atividade de Leitura feita

Page 75: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

75

pelo professor. Enfim, ações consideradas essenciais pelos APs para a adequada

mobilização dos instrumentos utilizados pelo professor.

Tal reconhecimento remete a uma relação que o AP faz com as prescrições (trabalho

prescrito) do trabalho do alfabetizador (inclusive na Educação Infantil), conforme trecho do

material do Ler e Escrever que faz referência a esses aspectos apontados pelos APs em

seus relatos:

A prática de Leitura realizada pelo professor deve ser constante em sala de aula. Para garantir que a história seja significativa é importante que o narrador a aprecie (passando sua emoção para ela), que planeje (escolhendo o que irá ler de acordo com o gosto, a idade, e as condições socioeconômicas dos alunos, passando segurança e naturalidade a quem ouvir a história) e estude a história (entendendo e captando a mensagem da Leitura), aprendendo então a melhor forma de contá-la. (...) Ao planejar o momento da Leitura, selecione para comentar as passagens que lembram outras histórias/personagens, aquelas que despertam sentimentos fortes (medo, alegria, tristeza) ou então aquelas que lembram acontecimentos recentes, da sua vida ou do dia-a-dia dos alunos, (São Paulo, 2008. Ler e Escrever, volume 1, p.61)

Essa relação com o trabalho prescrito, no que se refere à atividade de Leitura

feita pelo professor, pode ser motivada também pelo fato de o destinatário/leitor do

relato reflexivo ser o professor orientador da IES, a quem o AP dirige seus comentários,

suas avaliações sobre o trabalho do professor regente. Assim, o AP pode querer passar

uma boa imagem sobre ele mesmo, assumindo a posição de um aluno de Pedagogia

(futuro professor) que conhece as concepções e orientações atuais de ensino e

aprendizagem da língua.

Além disso, caberia uma análise mais detalhada das prescrições do Programa

Ler e Escrever para tal afirmação, mas essas prescrições também podem privilegiar esse

caráter instrumental do agir docente, o que acaba por reforçar as concepções do trabalho

docente (re)construídas pelo AP.

De qualquer maneira, o fato é que, a partir dessas interpretações/avaliações do

agir da professora regente, assim como desse entrecruzamento de diferentes posições e

vozes que emergem em seus relatos reflexivos, esse sujeito (AP) (re)constrói e

(re)elabora suas crenças e concepções.

Além dessas constatações, certamente é possível identificar outros elementos,

relativos à prática de Leitura feita pelo professor na alfabetização, que os APs

demonstram (re)conhecer, se examinarmos cada um dos segmentos textuais que têm o

professor regente como actante em situações de leitura para os alunos. Assim como

também se analisarmos outros modos de agir, tanto do professor e do próprio AP quanto

Page 76: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

76

das crianças e outros actantes, (re)configurados nos relatos pelos APs. Há, portanto,

muitas outras possibilidades de análises dessas produções textuais à luz do ISD.

Em suma, penso que as análises aqui apresentadas permitiram a explicitação e a

compreensão de alguns aspectos sobre como alunos de Pedagogia participantes do

Programa Bolsa Alfabetização constroem o seu lugar e os seus papéis como AP e como

vão se constituindo professores, apropriando-se dos modos de agir docente, à medida

que observam e participam do processo de ensino e aprendizagem na alfabetização, com

oportunidades de refletir sobre esse processo, sobretudo, na/pela escrita.

Os resultados das análises desenvolvidas nesta terceira parte do trabalho

conduzirão as reflexões que apresento, a seguir, nas conclusões.

Page 77: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

77

CONCLUSÕES

Iniciei este trabalho com a ideia de que um exame cuidadoso dos relatos

reflexivos produzidos pelos APs pode fornecer pistas que levam a uma melhor

compreensão do processo de formação docente desses alunos, inseridos em um contexto

diferenciado de formação inicial propiciado pelo Programa Bolsa Alfabetização.

Reconhecendo o relato reflexivo como um gênero textual propício para tal

estudo, uma vez que, ao possibilitar ao seu autor (o AP) refletir na/pela escrita sobre as

práticas docentes vivenciadas, trazem indícios de como estão interpretanto e

compreendendo essas práticas, busquei, então, referenciais teórico-metodológicos que

focam as relações entre práticas de linguagem e trabalho educacional, ou seja, que

buscam entender o trabalho do professor por meio da análise do discurso produzido

nas/sobre situações de trabalho de ensino e aprendizagem. Com isso, optamos pelos

referenciais que tomam o ISD como fonte de referência principal, aliado a abordagens

de estudos da Ergonomia da Atividade que consideram o ensino como trabalho.

Embasada, então, nesses referenciais, utilizei para o estudo dos relatos reflexivos

procedimentos de análise de textos que adotam categorias de uma semiologia do agir,

que auxiliam na análise e interpretação das formas de (re)configuração do agir presente

nos textos produzidos na/sobre a situação do trabalho educacional. Mais precisamente,

os procedimentos de análise de textos produzidos posterioremente à situação de

trabalho, em que um observador (pesquisador, professor ou futuro professor)

interpreta/avalia o trabalho de um outro professor, como é o caso dos relatos reflexivos

produzidos pelos APs da USCS.

Dentro do quadro teórico do ISD, pesquisas que visam à melhoria da ação e

formação docente já demonstraram que a “avaliação do próprio trabalho e/ou do

trabalho do outro é a força motriz para o desenvolvimento do próprio

trabalhador.”(Lousada, Tardelli e Mazzilo, 2008, p. 253). Sendo assim, a análise de

como um professor em formação observa, interpreta e avalia as ações do trabalho de

outro, em situação de ensino, ajuda na melhor compreensão do desenvolvimento desse

profissional, de seu processo de formação.

Tendo isso em vista, para melhor compreender o processo de formação dos

alunos de Pedagogia da USCS participantes do Bolsa Alfabetização, decidi investigar

como os APs (re)configuram o agir do professor regente nos/pelos relatos reflexivos

que produzem no âmbito desse Programa.

Page 78: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

78

Para tal, primeiramente, procedi à seleção dos relatos reflexivos, considerando as

produções dos 7 alunos que participaram do Programa Bolsa Alfabetização na USCS

desde o seu início em agosto 2008 até julho de 2011. Adotei esse critério, tendo em

vista que os APs que permanecem no Programa por mais tempo, podem explicitar

melhor suas observações/interpretações do trabalho que vivenciam nas classes de

alfabetização. Foram selecionados 75 relatos ao todo.

Constituído, então, o corpus de análise, à luz de referenciais teóricos e

procedimentos metodológicos do quadro do ISD fiz uma análise do contexto de

produção dos relatos (momento sócio-histórico, local de circulação, papel dos

interlocutores, objetivos da interação, etc), tendo em vista levantar elementos desse

contexto que podem interferir na produção dos relatos. Nessa análise, busquei: a)

recuperar alguns elementos sócio-históricos, na caracterização do contexto geral da

pesquisa, apresentados na primeira parte do trabalho; b) explicitar aspectos físicos (item

3.1) e sociossubjetivos do contexto imediato da produção dos relatos (item 3.2).

Na retomada do contexto sócio-histórico em que se insere a produção dos

relatos, destacam-se os seguintes aspectos:

- O Programa Bolsa Alfabetização insere-se em um projeto mais amplo e

historicamente constituído pelas políticas públicas de formação docente da SEE-SP

desde a década de 1980, que já visavam à alfabetização total das crianças. O atual

Programa mantém a formação inicial de professores alfabetizadores com base nas

concepções teórico-metodológicas da proposta construtivista de alfabetização (Ferreiro

e Teberosky, 1985), assumidas há pelo menos 25 anos pelo Estado de São Paulo.

- A grande inovação/novidade do Programa está na adoção da Investigação

Didática que estimula os APs a observarem mais atentamente as situações de ensino e

aprendizagem que vivenciam e a refletirem sobre essas situações.

- A forma como o Programa está estruturado não prevê um diálogo direto da IES

com as Diretorias de Ensino e respectivas escolas em que atuam os APs, o que dá a

entender que o Programa tem privilegiado, em seu processo de formação, a

aproximação do APs com a sala de aula e questões de ensino e aprendizagem na

alfabetização inicial, propiciando um diálogo do licenciando com o professor regente.

Nesse sentido, o diálogo da Universidade com a escola não se constitui de forma direta,

e sim, indiretamente, via AP e professor orientador da IES.

Na análise do contexto mais imediato da produção dos relatos, destacam-se os

seguintes aspectos:

Page 79: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

79

- A produção de relatos reflexivos pelos APs é uma prática adotada no processo

de formação desses estudantes na USCS, objetivando: a reflexão escrita a partir das

observações/intervenções feitas pelo AP, a produção de registros para a investigação

didática realizada pelo AP, e a ampliação do domínio da linguagem escrita.

- Os relatos reflexivos, embora façam parte das ações de formação no âmbito do

Bolsa Alfabetização na USCS, são produzidos na esfera acadêmica, isto é, no contexto

da USCS e do curso de Pedagogia dessa instituição, cujo projeto de formação visa

aproximar o licenciando à realidade na qual atuará, instigando-o a observar, intervir e

refletir sobre a realidade escolar, não apenas como atividade prática, mas como

atividade que produz e constroi conhecimentos e teorias sobre/para a ação docente.

- Os destinatários alvo dos relatos são as professoras orientadoras do Programa

na USCS. Contudo, a produção dos relatos constitui situações de interação mais ou

menos assimétricas, de acordo com as posições que os APs assumem dos seus

destinatários e de si mesmos, o que certamente influi na atividade discursiva dos relatos,

isto é, tanto no que é dito, quanto no modo dizer.

Após essa análise dita pré-textual, iniciei a leitura minuciosa dos relatos,

buscando identificar no plano global dos textos, os conteúdos temáticos recorrentes,

características desse gênero textual presentes no texto, etc. Nessa análise, identificamos

que, de modo geral, a organização dos relatos gira em torno das diferentes fases de uma

aula de alfabetização, ou seja, pela rotina das aulas do professor regente, no que se

refere à leitura e escrita, com descrição, comentários e avaliação positiva e/ou negativa

pelo AP das atividades que estes tematizam em seus relatos.

Depois da análise do plano global dos relatos, procurei identificar os actantes

que aparecem nos textos produzidos somente no primeiro e no terceiro ano de

participação dos APs no Programa, com o intuito de verificar se/como os APs

(re)constroem seu foco de observação das situações vivenciadas na sala de aula de

alfabetização. Nessa análise, foi possível constatar que:

- O“professor regente” é o actante mais referenciado nos relatos produzidos

tanto no primeiro quanto no terceiro ano, mas com uma diminuição das referências no

terceiro ano (385 para 306), fato que sinaliza a concepção de ensino de ensino dos APs,

que valoriza o “como se ensina” em detrimento de “como se aprende”.

- Há um aumento da referência ao actante “aluno” no terceiro ano, fato que

sinaliza (re)elaboração de concepções de ensino do AP, que passa a observar mais como

as crianças aprendem.

Page 80: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

80

- Há também um aumento da referência ao actante “AP” (92 para 164), fato que

pode ser explicado pela construção da função e do espaço do AP na sala de aula que, no

início, atua mais como observador e, progressivamente, vai assumindo tarefas junto aos

alunos.

- O actante “AP” aparece principalmente com o estatuto de um agir individual,

indicando que quando o AP atua na sala de aula, o seu agir é quase sempre individual e

não em parceria com o professor regente. Atuação essa, majorativamente, junto aos

alunos que apresentam maiores dificuldades no processo de alfabetização.

Na etapa seguinte, passei à análise dos modos de agir do professor regente

(re)configurados nos/pelos relatos dos APs, considerando as produções do terceiro ano de

participação no Programa (Período 3). Dentre os 24 relatos analisados, foi possível

identificar que o modo de agir do professor regente que mais aparece nos relatos é o

Agir com Instrumentos (146 ocorrências). Tal fato sinaliza que o AP, ao focalizar os

instrumentos semióticos utilizados na realização das tarefas de ensino, atenta

principalmente para a dimensão instrumental do trabalho docente. O que aponta para a

desconsideração pelo AP de outras dimensões essenciais da atividade docente, como,

por exemplo, o trabalho de reelaboração e de construção dos objetos de ensino de

acordo com as situações didáticas em curso. Pois, como afirmam Schneuwly (2000) e

Machado (2008), a atividade de ensino, além de ser mediada por instrumentos

semióticos, é plenamente interacional, é indexada, isto é, determinada pelas situações

contextuais, na medida em que o professor sempre faz escolhas re-direcionando o seu

agir em diferentes circunstâncias de sua ação; enfim, é uma atividade complexa.

Na análise dos modos de agir do professor regente, também verifiquei que

quando os APs focalizam o agir com instrumento, é quando fazem mais comentários

apreciativos – positivos e/ou negativos – a respeito dos modos de agir do professor

regente, principalmente quando se referem à atividade de Leitura feita pelo professor.

Diante disso, analisei as interpretações do AP desse modo de agir na atividade de

Leitura feita pelo professor, em uma situação com apreciação positiva e em outra com

apreciação negativa.

Os resultados dessa análise evidenciam que a interpretação e avaliação pelo AP

do agir do professor regente está centrada na mobilização do instrumento utilizado pelo

professor. E que a mobilização adequada ou não desses instrumentos depende de

algumas ações da atividade docente: planejar, conhecer e selecionar materiais de

Page 81: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

81

qualidade (no caso, textos a serem lidos para os alunos), realizar intervenções produtivas

antes, durante e depois da atividade.

O reconhecimento pelos APs da importância dessas ações remete às prescrições

(trabalho prescrito) do trabalho docente, o que significa que o AP tem o conhecimento

dessas prescrições e busca demonstrar isso nos seus relatos, sobretudo na posição do AP

e/ou do aluno de Pedagogia comprometido com a sua boa formação profissional.

Em síntese, as análises aqui apresentadas evidenciam alguns aspectos do

processo de formação de alunos de Pedagogia participantes do Programa Bolsa

Alfabetização. Tais aspectos, por sua vez, permitem o levantamento de questões que

envolvem as ações de formação empreendidas não apenas pelo Programa, como

também pelo contexto geral de formação de professores, principalmente, na Pedagogia.

Assim, para finalizar, apresento as seguintes considerações:

- A inserção do AP no cotidiano da sala de aula propicia a familiarização desse

futuro professor com o processo de ensino e aprendizagem na alfabetização nas

diferentes situações didáticas que emergem nesse contexto.

- Essa familiarização está sendo orientada por uma abordagem de reflexão sobre

a prática docente na perspectiva da investigação didática proposta pelo Programa, com

temáticas pré-estabelecidas (Rotina de leitura e de escrita; Leitura feita pelo professor;

Produção oral com destino escrito; Cópia e ditado).

- Essa reflexão tem envolvido apenas o AP. Certamente a formação do AP é o

foco do Programa, mas o diálogo entre os atores envolvidos nesse contexto formativo

não ocorre, como, por exemplo, entre a escola, o professor regente, o aluno pesquisador

e o professor orientador da Universidade. Ao que parece, como demonstraram os relatos

reflexivos analisados, não tem ocorrido nem o diálogo entre professor regente e AP.

- No que se refere à reflexão do AP e, consequentemente, à sua formação, há o

predomínio da concepção do trabalho docente como sendo uma atividade

predominantemente instrumental, negligenciando outras dimensões desse trabalho, já

bastante debatidas no campo da investigação da didática de língua materna, tais como:

contrato didático, transposição didática, interação em sala de aula, saberes e práticas de

referência, planificação didática, sequência didática, regulação das aprendizagens e

avaliação. Dimensões essas consideradas essenciais, mas que estão praticamente

ausentes desse processo de formação e, portanto, não aparecem nos relatos dos APs.

Como já foi apontado neste trabalho, o Programa Bolsa Alfabetização apresenta

um avanço quando inclui a perspectiva da investigação didática na formação do AP.

Page 82: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

82

Mas, certamente o Projeto ganhará mais força estabelecendo o diálogo direto da escola

com a Universidade, incluindo também professor regente na abordagem formativa da

investigação didática.

Além disso, a perspectiva da investigação didática, não apenas no Programa

Bolsa Alfabetização, mas no âmbito da formação docente na Pedagogia, necessita ser

ampliada na direção dos estudos desenvolvidos por pesquisadores do grupo de Didática

de Línguas da Universidade de Genebra (Schneuwly, Dolz, Gagnon, Decandio, entre

outros) e também por Delia Lerner, na Argentina. Em linhas gerais, a didática das

línguas estuda os fenômenos de ensino e aprendizagem das línguas (materna ou

estrangeira) e as relações complexas entre os três polos do triângulo didático: o ensino,

o aluno e a(s) língua(s) ensinada(s) (Dolz, Gagnon e Decandio, 2009). Em outras

palavras, os estudos da didática das línguas abordam a análise das práticas de sala de

aula privilegiando as formas de adequação do ensino às capacidades dos alunos, às

interações, às tarefas realizadas, aos objetos efetivamente ensinados na aula, às

ferramentas/instrumentos de ensino. Com isso, busca-se objetivar e modelizar os

fenômenos de ensino-aprendizagem de língua(s) com vistas a oferecer apoio para o

professor e para sua formação profissional.

Nesse sentido, uma formação de professores preocupada com as diversas

dimensões e componentes do trabalho docente deve buscar a explicitação dessas noções

na análise das práticas reais de sala de aula. Pois, como bem ressalta Lerner (2002),

somente estudando os mecanismos e os fenômenos que ocorrem na escola e impedem a

aprendizagem das crianças é que será possível pensar em questões relativas ao bom

resultado do trabalho e do empenho dos educadores pela melhoria do ensino.

Page 83: um estudo sobre as contribuições do programa Bolsa Alfabetização

83

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de

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AMIGUES, R. L’eiseignement comme travail. In: Bressoux, P. (ed.)Les stratégies

d’enseignement en situation d’interaction. 2002, pp.243-262. Note de synthèse pour

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ANEXO 1: Bibliografia sugerida pelo programa Bolsa Alfabetização

Bibliografia ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores – estratégias de supervisão.Lisboa, Editora Porto, 2000. CURTO, Lluís Maruny; MORILLO, Maribel M. & TEIXIDÓ, Manuel M. Escrever e ler - Volume I e II. Porto Alegre. Artmed, 2000. COLL, César (org). O construtivismo na sala de aula. São Paulo, Ática.1996. LERNER, Delia & PIZANI, Alicia Palácios . A aprendizagem da língua escrita na escola. Reflexões sobre a proposta pedagógica construtivista. 2ª edição,Porto Alegre, 1995. LERNER, Delia, Nogueira.N, Peres T, Cardoso B. (org). Ensinar, tarefas para profissionais. Rio de Janeiro, Record, 2007 LERNER, Delia,. Ler e escrever na escola. O real, o possível e o necessário. Porto Alegre. Artmed. 2002. FERREIRO, Emilia. A escrita antes das letras in: SINCLAIR, Hermine (Ed.) A produção de notações na criança: linguagem, número ritmos e melodias. São Paulo: Cortez Editora, 1990. _________ Emília. Alfabetização em processo. São Paulo: Editora Cortez, 1989. _________,Emília. Cultura escrita e educação: conversas de Emilia Ferreiro com José Antonio Castorina, Daniel Goldin e Rosa MariaTorres. Porto Alegre: ARTMED, 2001. _________ Emília; TEBEROSKY, A. e PALÁCIO, M. G. Os processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: ARTMED, 1987 ________, Emília & TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. ________ Emília (org.). Os filhos do analfabetismo. Porto Alegre: ARTMED, 1990 _______, Emília. Com todas as letras. São Paulo: Editora Cortez,1992. _______, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Editora Cortez,1985. KAUFMAN, Ana Maria; CASTEDO, Mirta; TERUGGI. Lilia & MOLINARI, Claudia. Alfabetização de crianças: construção e intercâmbio. Porto Alegre: Artmed 1998. KRAMER, S. & SOUZA, S. J. (org.) Histórias de professores: leitura, escrita pesquisa em educação. São Paulo, Ática, 1996. NEMIROVSKY, Myriam. A aprendizagem da Linguagem escrita. Artmed, 2002. ___________ Myriam. O Ensino da Linguagem escrita. Artmed, 2002. NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa, Dom Quixote, 1992 _________ Vida de professores. Porto Editora, 1992 _________ Profissão Professor. Porto Editora, 1995 OLSON, David R. O mundo no papel: as implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita. São Paulo: Ática, 1997. PALACIOS, Alicia de Pizani; PIMENTEL, Magaly Munhoz& LERNER, Delia de Zunino. Compreensão da leitura e expressão escrita. A experiência pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 1998. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS - Introdução. Brasília:MEC/SEF, 1997. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – Língua Portuguesa. Brasília:MEC/SEF, 1997. PIAGET, J , Seis Estudos de Psicologia, Forense - 1967. PERRENOUD, P. (org) A profissionalização dos formadores de professores. Porto Alegre, Artmed, 2003.

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