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ISSN 2176-1396 UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE APROPRIAÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Renata de Andrade Kuczirca 1 - UNICENTRO Marta Maria Simionato2 - UNICENTRO Grupo de Trabalho Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo No presente estudo investigamos como ocorre a aquisição da língua escrita por alunos que freqüentam o primeiro ano do ensino fundamental em uma escola pública do município de Palmeira-Pr. Fundamentados nos estudos de Emilia Ferreiro; Ana Teberoski (1985), Ferreiro (2001) e Oliveira (1997) procuramos demonstrar como ocorre a evolução da escrita dos alunos do 1º ano do ensino fundamental. Ferreiro e Teberoski (1985) nos auxiliaram a interpretar as atividades das crianças e a situar em qual fase da escrita cada aluno se encontrava. Os conceitos de interação e mediação explicitados por Oliveira (1997) nos serviram para observar as relações entre professora e alunos e das crianças entre si. A metodologia adotada foi à realização de observação de campo que totalizou carga horária de 20 horas, com a qual pudemos conhecer melhor a organização da rotina na sala de alfabetização e quais eram as principais atividades de leitura e escrita realizadas. Recolhemos atividades de escrita realizadas pelas crianças. E no estudo as consideramos como documentos dos quais pudemos extrair dados que demonstraram a evolução da escrita dos alunos. Constatamos que a criança apropria-se da leitura e escrita passando por algumas fases. No início do bimestre os alunos se encontravam na fase silábica e no final do 1º bimestre duas crianças escreviam alfabeticamente enquanto uma permaneceu na fase silábica. Compreendemos que cada aluno evolui de acordo com suas possibilidades e também a partir do auxílio que recebe dos colegas e da professora, neste sentido a mediação e a interação são fundamentais para a construção da língua escrita. Palavras-chave: Alfabetização. Apropriação da Leitura e Escrita. Mediação. Introdução A alfabetização é um tema de muita relevância no cenário da educação vem sendo estudado por vários autores tais como: Ferreiro (2001), Smolka (1993), Ferreiro e Teberoski 1 Acadêmica do 4º ano do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro Oeste. E-mail: Email: [email protected] 2 Professora Doutora da Universidade Estadual do Centro Oeste, Departamento de Pedagogia. Email: [email protected]

UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE APROPRIAÇÃO DA LEITURA E DA ... · como a criança aprende a ler e escrever. ... desenvolvida por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985). Com o objetivo

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ISSN 2176-1396

UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE APROPRIAÇÃO DA LEITURA E DA

ESCRITA NOS PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Renata de Andrade Kuczirca 1 - UNICENTRO

Marta Maria Simionato2 - UNICENTRO

Grupo de Trabalho – Didática: Teorias, Metodologias e Práticas

Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

No presente estudo investigamos como ocorre a aquisição da língua escrita por alunos que

freqüentam o primeiro ano do ensino fundamental em uma escola pública do município de

Palmeira-Pr. Fundamentados nos estudos de Emilia Ferreiro; Ana Teberoski (1985), Ferreiro

(2001) e Oliveira (1997) procuramos demonstrar como ocorre a evolução da escrita dos

alunos do 1º ano do ensino fundamental. Ferreiro e Teberoski (1985) nos auxiliaram a

interpretar as atividades das crianças e a situar em qual fase da escrita cada aluno se

encontrava. Os conceitos de interação e mediação explicitados por Oliveira (1997) nos

serviram para observar as relações entre professora e alunos e das crianças entre si. A

metodologia adotada foi à realização de observação de campo que totalizou carga horária de

20 horas, com a qual pudemos conhecer melhor a organização da rotina na sala de

alfabetização e quais eram as principais atividades de leitura e escrita realizadas. Recolhemos

atividades de escrita realizadas pelas crianças. E no estudo as consideramos como

documentos dos quais pudemos extrair dados que demonstraram a evolução da escrita dos

alunos. Constatamos que a criança apropria-se da leitura e escrita passando por algumas

fases. No início do bimestre os alunos se encontravam na fase silábica e no final do 1º

bimestre duas crianças escreviam alfabeticamente enquanto uma permaneceu na fase silábica.

Compreendemos que cada aluno evolui de acordo com suas possibilidades e também a partir

do auxílio que recebe dos colegas e da professora, neste sentido a mediação e a interação são

fundamentais para a construção da língua escrita.

Palavras-chave: Alfabetização. Apropriação da Leitura e Escrita. Mediação.

Introdução

A alfabetização é um tema de muita relevância no cenário da educação vem sendo

estudado por vários autores tais como: Ferreiro (2001), Smolka (1993), Ferreiro e Teberoski

1 Acadêmica do 4º ano do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro Oeste. E-mail: Email:

[email protected] 2 Professora Doutora da Universidade Estadual do Centro Oeste, Departamento de Pedagogia. Email:

[email protected]

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(1985), Goulart (2000), Mortatti (2010), Cagliari (1998) entre outros. Nos estudos realizados

alguns autores se ocuparam em historicizar à alfabetização e outros que procuraram explicar

como a criança aprende a ler e escrever. Neste texto nos deteremos naqueles que procuraram

explicar como a criança se apropria da escrita.

A leitura e a escrita são fundamentais para que o indivíduo consiga se socializar e

interagir na sociedade em que vivemos. Por isso, elegemos como o problema de nossa

pesquisa demonstrar como ocorre a apropriação da leitura e escrita, de crianças no início da

alfabetização. O objetivo norteador do estudo foi o de compreender como se dá o processo de

apropriação da leitura e escrita por crianças que freqüentam o 1º ano do ensino fundamental

em uma Escola Pública no Município de Palmeira.

Para o desenvolvimento da pesquisa foram adotados os seguintes procedimentos: o

levantamento bibliográfico para compreender aspectos históricos relacionados à alfabetização,

estudo do tema e pesquisa de campo. Para a análise consideramos os dados registrados no

diário de bordo e também de algumas produções dos alunos. Os registros dos alunos foram

considerados como documentos que nos possibilitou a compreensão do processo de

apropriação da leitura e escrita nos anos iniciais.

Embora, na atualidade já existam muitas pesquisas sobre o tema, observando a

realidade em turmas de alfabetização notamos um número significativo de crianças que ainda

não se alfabetizaram, por isso, acreditamos que seja pertinente contribuir com este debate.

O trabalho está dividido em três partes. Na primeira apresentamos um breve histórico

sobre a alfabetização no país. No segundo realizamos considerações sobre a apropriação da

leitura e escrita dos educandos, e no terceiro procedemos à análise dos dados, com o intuito de

compreender o processo de leitura e escrita nesta fase inicial da alfabetização.

A alfabetização no contexto brasileiro

A alfabetização é um objeto de pesquisa muito rico e relevante no campo da educação.

Desse modo, “A alfabetização escolar entendida como processo de ensino e aprendizagem da

leitura e escrita em língua materna, na fase inicial de escolarização de crianças é um processo

complexo e multifacetado que envolve ações especificamente humanas”. (MORTATTI, 2010,

p.329). De acordo com Cagliari (1998) a alfabetização surgiu unida à escrita. Assim conforme

a escrita foi se expandindo, a alfabetização tornou-se uma necessidade. Todavia, esse

processo foi lento. Neste sentido, Cagliari (1998, p.12) ressalta que tanto a alfabetização

quanto a escrita são antigas e se desenvolveram concomitantemente.

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O autor ainda complementa que a habilidade em escrever foi desenvolvida pela

necessidade da comunicação entre as pessoas. Desta forma, cada povo foi criando sua própria

forma de escrita. Desse modo, conforme a escrita foi se desenvolvendo nas diferentes

culturas, sofreu também várias modificações, assim como se aprimorou. No entanto, esse

aperfeiçoamento da escrita modificou tanto a maneira de pensar como a de viver das pessoas

pertencentes à cultura oral.

Por volta do século XIX com a Proclamação da República é que a educação adquiriu

espaço de maior relevância em nosso país. A escola se institucionalizou a fim de preparar as

novas gerações nos moldes do ideário republicano. Ler e escrever eram sinal de modernização

social.

No entanto, a escola teve de assentar as demais crianças, que antes não possuíam

contato com a escrita, pois essa prática era destinada e limitada a poucos e ocorria nos espaços

privados dos lares dessas famílias, ou até mesmo em escolas do Império as quais se

encontravam em péssimas condições.

A leitura e a escrita que até então eram práticas culturais cuja aprendizagem se

encontrava restrita a poucos e ocorria por meio de transmissão assistemática de seus

rudimentos no âmbito privado do lar, ou de maneira menos informal, mas ainda

precária, nas poucas escolas” do Império (“aulas régias”) tornaram-se fundamentos

da escola obrigatória, leiga e gratuita e objeto de ensino e aprendizagem

escolarizados. Caracterizando-se como tecnicamente ensináveis, as práticas de

leitura e escrita passaram, assim, a ser submetidas a ensino organizado, sistemático e

intencional, demandando, para isso, a preparação de profissionais especializados

(MORTATTI, 2006, p. 2-3).

Em meados do século XIX o processo de modernização do Brasil manifestou-se de

maneira mais clara. Assim foram adotados modelos de educação de outros países, para serem

postas em prática aqui. Em relação à alfabetização a importação se refere tanto aos métodos

quanto as primeiras cartilhas que foram importadas de Portugal, bem como as teorias de

educação e estruturação do currículo.

Sendo assim, as escolas tiveram que se equipar de materiais, e fornecer formação aos

professores, além de elaborar leis exclusivas para a alfabetização.

Quanto aos métodos de alfabetização Mortatti (2010, p. 330) menciona dois,

Os métodos de alfabetização podem ser classificados em dois tipos básicos: sintético

(da parte para o todo) e analítico (do todo para a parte). [...] ao longo da história da

alfabetização no Brasil foi-se sedimentando a seguinte subdivisão classificatória

desses métodos: métodos sintéticos (de marcha sintética): alfabético, fônico,

silábico; e métodos analíticos (de marcha analítica): da palavração, da sentenciação,

da historieta, do conto.

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O ensino fundamentado em ambos os métodos prevaleceu até meados da década de

70. Podemos dizer que a história da alfabetização no Brasil pode ser compreendida como um

movimento marcado por várias conquistas e mudanças, bem como é caracterizada por sua

complexidade. A partir da década de 1980 surgiram debates e estudos fundamentados nas

pesquisas de Emília de Ferreiro.

Contribuições de Emília Ferreiro na apropriação da escrita

Em meados de 1980 surge no Brasil, uma nova concepção de alfabetização. Esta foi

desenvolvida por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985). Com o objetivo de compreender

como a criança constrói a escrita, as autoras realizaram uma pesquisa com crianças de quatro

a seis anos de idade e publicaram os resultados desta pesquisa na obra “A psicogênese da

língua escrita”. Fundamentadas nos estudos de Jean Piaget se dedicam em compreender o

processo de aprendizado das crianças, sendo que para as autoras cada criança possui hipóteses

sobre o que seja ler e escrever antes mesmo de freqüentarem a escola formal. Portanto, de

acordo com a teoria de Ferreiro e Teberosky (1985); Ferreiro (2001) a alfabetização da

criança passa por quatro fases.

A primeira fase denomina-se pré-silábica em que a criança ainda não consegue

relacionar as letras com os sons da língua falada, e se utiliza de desenhos e rabiscos. A

segunda fase é a silábica na qual a criança interpreta as letras de sua maneira e confere a cada

sílaba seu valor, isto é descobre que a palavra escrita refere-se também a palavra falada. A

terceira fase a silábico-alfabética a criança atribui valor silábico para cada letra da palavra. E

por fim na fase alfabética a criança já é capaz de dominar o valor tanto das letras quanto das

sílabas.

Neste sentido, Ferreiro se opõe a alfabetização tradicional e aos métodos de

alfabetização em que se utilizavam as técnicas de codificação e decodificação3, ignorando a

compreensão própria de cada criança. Ferreiro (1985) e (2001) crítica a alfabetização

tradicional e defende a utilização de textos variados para alfabetizar, bem como, o exercício

constante da escrita espontânea. Para a autora, a criança é um sujeito ativo e capaz de

construir seu conhecimento a respeito da língua escrita. Diz ainda, que a aprendizagem

acontece por meio da interação entre o sujeito e o objeto.

3Codificar: Ato de ler

Decodificar: Ato de escrever

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A partir da década de 1990 os estudos sobre letramento também envolveram

estudiosos da área da alfabetização apresentando novas questões para os alfabetizadores. As

contribuições de Ferreiro e Teberosky (1985), Ferreiro (2001) e de Smolka (1993) e dos

estudos sobre letramento promoveram transformações na forma de se conceber o

alfabetizando e na maneira de se alfabetizar.

Considerações a respeito da apropriação da leitura e escrita

Assim sendo, compreende-se que a alfabetização envolve três aspectos: a escrita, a

leitura e a oralidade e desde muito cedo, a criança entra em contato com a cultura letrada e

muito precocemente tem noções a respeito dela e de seus usos sociais (FERREIRO, 2001). Já

que desde muito pequenas, efetua a leitura à sua volta e com isso busca imitar a escrita dos

adultos criando uma escrita própria. Assim:

A língua escrita é um objeto de uso social, com uma existência social (e não apenas

escolar). Quando as crianças vivem em um ambiente urbano, encontram escritas por

toda parte (letreiros da rua, vasilhames comerciais, propagandas, anúncios da tevê,

etc.). Num mundo circundante estão todas as letras, não em uma ordem

preestabelecida, mas com a freqüência que cada uma delas tem na escrita da língua

(FERREIRO, 2001, p. 37).

As crianças desde cedo entram em contato com as letras, pelo simples fato de viverem

em uma sociedade letrada. Em vista disso, Guimarães (2005) destaca que desde muito cedo a

criança começa a perceber que as garatujas, os riscos e rabiscos são hipóteses de se escrever, e

que diante destas hipóteses ela pode se comunicar. Neste caso, a criança aos poucos

compreende este processo de escrita, sujeitando-se as primeiras tentativas de escrita.

Smolka (1993) acentua que a criança toma a iniciativa em escrever, e que para isso

arrisca fazer rabiscos. A autora ainda afirma que é nessas experiências de tentativas e ensaios

que a criança aprende a ler e escrever.

Quando a criança tenta escrever sozinha (processo de elaboração individual), ela

analisa a escrita do ponto de vista do conhecimento que já possui (no que diz

respeito a algumas convenções sociais [...] Há um espaço individual da criança. A

professora ensina porque esclarece não oculta, não disfarça (não chama o m de ma

do macaco, por exemplo. Ela informa adequadamente a criança, supondo que a

criança é capaz de aprender a ler e escrever. Desse modo, além do funcionamento da

escrita, a professora trabalha o reconhecimento do outro, a interação, a relação com

a criança (SMOLKA, 1993, p. 43).

Para Smolka (1993), a criança por meio da mediação de um adulto e da socialização

na escola, cria estratégias nas quais encontra condições para aprender a leitura e a escrita. A

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autora contesta os modelos tradicionais que se apoiavam na repetição e no ensino das famílias

silábicas. Discussão semelhante é apresentada também por Ferreiro e Teberosky (1985, p. 34),

Portanto, se bem que seja necessária a presença de modelos enquanto ocasião de

desenvolvimento dos conhecimentos a escrita não é cópia passiva e sim

interpretação ativa dos modelos do mundo adulto. Longe da caligrafia e da

ortografia, quando uma criança começa a escrever, produz traços visíveis sobre o

papel, mas, além disso, e fundamentalmente, põe em jogo suas hipóteses acerca do

próprio significado da representação gráfica.

Embora, as autoras mencionem que criança necessite de modelos esclarecem que ao

“copiar” as crianças reinventam a escrita criando uma maneira própria de escrever. Ferreiro

(2001) enfatiza que para que a criança compreenda a escrita, é necessário que faça o uso de

produções espontâneas as quais não advêm de cópias. Pois quando escreve certa palavra como

acredita ser o correto, está apresentando a quem lê um rico material não para ser avaliado,

mas para ser interpretado.

O processo de escrita, da criança se manifesta, inicialmente, por meio de garatujas e

rabiscos. No contato com a escola começa a desenvolver a escrita sistemática. Essa grafia

ainda não é perfeita e por isso, utiliza-se de rascunhos4 que por sua vez contribui de forma

positiva na evolução da escrita, da mesma forma que a escrita oferece colaborações na fala da

criança.

A evolução dos rascunhos para a versão final reproduz o nosso processo mental. O

planeamento tem uma função importante no discurso escrito, mesmo quando não

nos socorremos dum verdadeiro rascunho. Habitualmente, dizemos a nós próprios o

que vamos escrever; trata-se também de um rascunho, embora apenas em

pensamento. [...] este rascunho mental é um discurso interior. Como o discurso

interior funciona como rascunho não só para o discurso escrito mas também para o

discurso oral (VYGOTSKY, 2001, p. 143).

Dessa maneira, a apropriação da escrita acontece também em meio as interações, e

relações de ensino entre a criança e o adulto. Conforme Vygotsky (1992) essa aquisição está

atrelada à fala da criança. A fala ordena e reorganiza o pensamento da criança.

Di Nucci (2001, p. 62) pontua que:

A descoberta da escrita, pela criança, em uma sociedade instruída, ocorre muito

antes do ingresso escolar: ela desenvolve noções de letramento da mesma forma que

desenvolve outras aprendizagens significativas. Aprende a significar por escrito o

idioma falado.

4Vygostsky (1992) entende rascunho como discurso escrito e interior. Sendo, que o discurso interior acontece

com a utilização das palavras, já o discurso interior atua como rascunho mental, ou seja, age no pensamento.

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Neste sentido, o ato de alfabetizar no âmbito escolar precisa permitir a criança, a

apropriação da leitura e da escrita, mediante textos falados, lidos, ouvidos e escritos desde o

início da alfabetização.

Em vista disso, concordamos com o apontamento de Larocca e Saveli (2001) que ao

mencionarem a teoria vygotskiana, afirmam que a criança atribui significados ao que lê e

escreve. Aprender a escrever é mais do que somente dominar um conjunto de signos, ou seja,

o ato de ler e escrever promove na criança a produção de sentidos.

Nesta perspectiva Freire (1975) ressalta que, a criança neste processo de apropriação,

automaticamente realiza sua leitura de mundo. Pois, o contato com as palavras permite à

criança, além de lê-las, seja capaz também de interpretá-las.

É importante considerar também, que essa leitura de mundo precisa partir do contexto

social em que a criança está inserida. Neste sentido, o trabalho do professor precisa estar

voltado para as particularidades de cada aluno, fazendo com que todos aprendam, mas

respeitando o processo de cada um.

Outro ponto importante é o auxílio dos pais e do professor neste processo da criança,

pois para ela a escrita é algo novo e por isso, precisa de um suporte para compreender melhor

essa nova etapa. Desta forma, o adulto exerce o papel de mediador na medida em que ele

domina o conhecimento que ainda falta para a criança. Neste sentido:

Mediação, em termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento

intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser

mediada por esse elemento. Quando um indivíduo aproxima sua mão da chama de

uma vela e retira rapidamente ao sentir a dor, está estabelecida uma relação direta

entre o calor a chama e a retirada da mão. [...] Se, em outro caso, o indivíduo retirar

a mão quando alguém lhe disser que pode se queimar, a relação estará mediada pela

intervenção dessa outra pessoa. [...] A mediação é um processo essencial para tornar

possível atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio

indivíduo (OLIVEIRA, 1997, p. 26-33).

No caso da alfabetização o professor e os pais podem atuar como mediadores

auxiliando no processo de compreensão e aquisição da língua escrita, intervindo assim no

desenvolvimento de atividades psicológicas como menciona Oliveira (1997). Para Ferreiro e

Teberosky (1985) e Ferreiro (2001) a criança é um ser ativo que possui hipóteses sobre a

escrita. No processo de construção desta língua comete erros que são denominados de erros

construtivos. Cabe ao professor compreender como o processo ocorre para planejar as

atividades cada vez mais desafiadoras. Oliveira (1997) fundamentada nos estudos de

Vygotsky comenta que o desenvolvimento intelectual da criança alia-se a fala e esta por sua

vez interliga-se á cultura do aluno. Ao aprimorar a fala a criança está também construindo o

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desenvolvimento cognitivo tornando-se apta a conceituar. Depreendemos das reflexões das

autoras que alfabetizar não se restringe apenas ao processo de codificação e decodificação de

um código. Considerando as discussões acima passamos a analisar algumas atividades de

alfabetização realizadas com crianças de cinco anos em processo de alfabetização.

Para respondermos ao objetivo desta pesquisa que foi investigar como ocorre a

evolução da escrita alunos do 1º ano do ensino fundamental realizamos observação de campo

que totalizou carga horária de 20 horas, com a qual pudemos ver mais de perto como é a

organização da rotina na sala de alfabetização, quais são as principais atividades de leitura e

escrita. Desse modo, a coleta de dados ocorreu por meio da observação de algumas aulas e

também consistiu em recolher atividades de escrita realizadas pelas crianças.

A observação aconteceu durante cinco terças feiras, em que permanecemos com a

turma durante quatro horas, totalizando carga horária de vinte horas. Esta sondagem ocorreu

somente nestes dias, pelo fato de ser este o único dia em que a professora regente, permanece

o período todo com a turma, pois, os alunos possuem aulas diversificadas, abrangendo aulas

de leitura, inglês, educação física, artes e valores.

No primeiro dia de observação fomos apresentados, e de maneira que

compreendessem explicamos as crianças o porquê de estarmos ali. Sendo assim, iniciamos

nossa observação. Durante o tempo em que permanecemos na sala, procuramos observar a

metodologia utilizada pela professora, à relação das crianças com a leitura e escrita, a

interação entre os alunos e a professora, bem como compreender como se apropriam da língua

escrita.

No primeiro contato com a professora e direção, expusemos nossa problemática

explicando a pesquisa. Assim, as atividades recolhidas foram indicadas pela professora e

selecionadas por nós pesquisadoras. Escolhemos três atividades de três crianças em diferentes

estágios da aprendizagem. Para manter sigilo sobre a identidade das crianças as denominamos

de alunos: “A”, “B” e “C”.

Os alunos “A” e “B” freqüentaram a Educação Infantil, portanto, trouxeram

experiências de escrita anteriores ao 1º ano. E o aluno “C” não cursou a Educação Infantil.

A apropriação da escrita por meio das produções das crianças

A rotina de cada dia de aula inicia da seguinte forma: a professora cumprimenta os

alunos com boas vindas, cada criança sai de sua carteira para cumprimentar todos os

coleguinhas e a professora, após ela pergunta a cada criança a quantidade de aperto de mãos

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que receberam, pois enquanto cumprimentam, vão contando a quantidade. Com isso, a

professora nos relatou que procura trabalhar os conteúdos nestes momentos de descontração

dos alunos, neste caso específico busca ensinar a matemática.

Após são escolhidas duas crianças para serem os ajudantes do dia, sendo uma menina

e um menino. Dando seqüência, realiza a chamada, esta é feita com cada aluno, em que a

professora com o auxílio de seu livro de chamada, solicita que cada criança primeiramente

responda o presente de sua carteira e após se dirija até sua mesa para retirar seu nome e fixar

num cartaz. Nos primeiros dias de observação as crianças eram chamadas pelo nome, após

duas semanas a professora passou a identificá-los por seus números de chamada, porém, invés

do nome agora os alunos, fixam o número no cartaz.

Em seguida, questiona a turma como está o tempo, em que dia da semana estamos, dia

do mês, qual mês e ano. Após responderam uma das crianças ajudantes do dia vai até o mural

que onde está o calendário e o tempo, preenche o tempo com as figuras correspondentes

completando o calendário.

Abaixo expomos a atividade de escrita de duas crianças, por nós denominadas de

aluno “A” e aluno “B”.

Figura 1 – escrita aluno A e aluno B

Fonte: Acervo das autoras

As atividades aqui apresentadas foram realizadas no dia 27/02/2015, primeiro dia em

que realizamos a observação de campo. Observamos que a criança “A” apresenta melhor

organização tanto no traçado das letras quanto em relação à distribuição das letras no papel.

Percebemos ainda, que a atividade resume-se a cópia e a repetição remetendo à prática

tradicional. Por outro lado, a escrita da criança “B” revela certa dificuldade em manter uma

ordem no espaço do papel e também certa dificuldade no traçado das letras.

Notamos que algumas crianças não conseguiam acompanhar as demais, conhecendo

poucas letras e ainda não escreviam o próprio nome. Entretanto, já diferenciavam um desenho

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e de uma letra. De acordo com Ferreiro (2001) boa parte das crianças realiza esta distinção

entre o texto (fora do icônico) e o desenho (domínio icônico), demonstrando que o desenho é

para ver e o texto para ler. Assim:

No primeiro período se conseguem as duas distinções básicas que sustentarão as

construções subseqüentes: a diferenciação entre as marcas gráficas figurativas e as

não-figurativas, por um lado, e a constituição da escrita como objeto substituto, por

outro. A distinção entre “desenhar” e “escrever” é de fundamental importância

(quaisquer que sejam os vocábulos com que se designam especificamente essas

ações) (FERREIRO, 2001, p. 19-20).

Verificamos um grande esforço das crianças na construção da diferenciação entre

texto e desenho, provavelmente, porque a atividade exija a cópia de um modelo pré-

estabelecido. Percebemos que as crianças reconheciam as letras individuais, principalmente as

letras que iniciam seu nome, e nomeavam algumas vogais. Conforme Ferreiro e Teberosky

(1985) o nível a qual as crianças se encontram é o silábico. Nesta fase elas interpretam as

letras de maneira subjetiva e atribuem a cada sílaba um valor como pode ser visto na atividade

dois.

Figura 2 – escrita aluno A e aluno B

Fonte: Acervo das autoras

Figura 3 – escrita aluno C

Fonte: Acervo das autoras

Nestas atividades percebemos que as crianças misturam as letras, inventando algumas

palavras na tentativa de escrevê-las. De modo, que essas palavras são: cacho, caco, corra,

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achei, cair, cara, cera, carro, acho, caneta e casaco ditadas pela professora. Podemos

perceber que o aluno “A” exceto a palavra caneta conseguiu escrever todas as palavras, e

ainda, anotou outras que nem foram ditadas pela professora. Notamos que ao escrever o aluno

“A” usou uma lógica própria quando à palavra ditada juntou uma série de letras como se

estivesse produzindo uma frase. O aluno “B” também registrou quase todas as palavras e

assim como o aluno “A” e usou do mesmo expediente. O aluno “C” conseguiu escrever

somente uma palavra das ditadas pela professora. Já as palavras bola, bolo, casa, cola e gato,

copiou do quadro. No entanto, constatamos que mesmo o aluno “C” realizando a cópia,

demonstra ainda certa dificuldade. Notamos nesta atividade que os alunos “A” e “B”

atingiram a fase silábico-alfabética em que são capazes de interpretar as letras a maneira

delas, atribuem um valor sonoro para a letra pronunciando-a como se fosse uma sílaba.

Por meio desta atividade, percebemos a manifestação de um conflito entre a hipótese e

as tentativas de se escrever de forma correta. Observamos que as três crianças “A”, “B” e “C”

hesitavam na hora de escrever, escreviam e apagavam várias vezes a mesma letra. Por outro

lado, quando a professora transcrevia as palavras no quadro para copiarem, era rápido.

Notamos que além das três crianças, os outros alunos também se perdiam e se confundiam em

alguns momentos, mesmo assim, realizavam a cópia rapidamente. Por outro lado, quando a

professora usava o ditado eles pareciam assustados, mas realizavam a atividade. Isso ocorria,

porque ainda não estavam habituados a realizar ditado, ou escrever espontaneamente.

Na atividade dois vemos que as crianças apresentam hipóteses silábicas, em que

tentam escrever a palavra tal qual imaginam que deve-se escrever, associando as letras que já

conhecem com o som que atribuem. Esse conflito entre a hipótese e a quantidade de letras que

forma a palavra, se tornou evidente na realização desta atividade, pois, se tratava da escrita

espontânea de palavras: Ferreiro (2001, p. 21) afirma que:

[...] Inicia-se assim o período silábico, que evolui até chegar a uma exigência

rigorosa: uma sílaba por letra, sem omitir sílabas e sem repetir letras. Esta hipótese

silábica é da maior importância, por duas razões: permite obter um critério geral

para regular as variações na quantidade de letras que devem ser escritas, e centra a

atenção da criança nas variações sonoras entre as palavras. No entanto, a hipótese

silábica cria suas próprias condições de contradição: contradição entre o controle

silábico e a quantidade mínima de palavras que uma escrita deve possuir para ser

interpretável [...] (FERREIRO, 2001, p. 25).

Os três exemplos de atividades das crianças são os mesmos, porém, o nível em que os

alunos “A” e “B” se encontram difere-se do apresentado pela criança “C”. Decidimos

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apresentá-los juntos, com o intuito de apontar os níveis de aprendizagem de cada criança e

perceber o progresso na escrita no decorrer das aulas.

Os alunos “A” e “B” já são capazes de escrever as palavras sem ter algo que a

represente como um desenho, ou seja, um modelo, diferentemente do aluno “C” que se não

possuir um exemplo depende do auxílio da professora para escrever. No entanto, os alunos

“A” e “B” ainda com assistência e dicas da professora conseguem escrever algumas palavras

por completo e outras arriscam fazendo junções de letras tentam também realizar a leitura das

palavras que escreveram já o aluno “C” necessitou da ajuda da professora para escrever,

pronunciar e ler as palavras.

Desse modo, percebemos a interação entre professora e aluno, pois, é por meio destas

interações com o adulto que a criança cria suas próprias possibilidades de interpretar o que

escreve. Sendo que a mediação do adulto é de extrema importância no processo de

alfabetização. Ferreiro (2001) pontua que dessa maneira a criança passa a se sentir envolvida

neste processo, atuando como observadora e agente do mundo letrado.

Na atividade três vemos outros indícios da evolução escrita das crianças. A atividade

três foi realizada no dia 26 de junho e mostra um progresso na escrita dos alunos. Tratava-se

de um ditado. As palavras ditadas foram: coração, borracha, cadeira, cachorro, coruja,

chuva, estrela, óculos, chamada, estojo, girafa, calendário, juiz, cadeira e chocolate.

A professora iniciou o ditado e os alunos “A” e “B” escreveram rapidamente as

palavras sem muitas dificuldades, pronunciando a palavra em voz baixa para elas mesmas e

após transcreviam no caderno. Quando as crianças terminavam de anotar a professora dava

um tempo para conferirem se palavra estava correta.

Percebemos que o aluno “A” escreveu as palavras conforme a professora ditou,

seguindo corretamente a sequência, o aluno “B” também registrou as palavras, porém, em

diferentes posições, ou seja, iniciou o ditado da direita para a esquerda, e acrescentou mais

quatro palavras que ele já conhecia. Já o aluno “C” escreveu outras palavras que conhece, mas

que não faziam parte do ditado.

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Figura 4 – escrita aluno A e aluno B

Fonte: Acervo das autoras

Figura 5 – escrita aluno C

Fonte: Acervo das autoras

Na terceira atividade é nítido ver que as crianças “A” e “B” já estão alfabetizadas, se

encontram no nível da escrita alfabética. Fase caracterizada por a criança já ser capaz de

dominar o valor sonoro das letras estabelecendo a relação letra-som, bem como, compreender

o número de sílabas de cada palavra.

A escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar a este nível, a criança

já freqüentou a “barreira do código”, compreendeu que cada um dos caracteres da

escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, e realiza

sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever. Isto

não quer dizer que todas as dificuldades tenham sido superadas: a partir desse

momento a criança se defrontará com as dificuldades próprias da ortografia, mas não

terá problemas de escrita, no sentido estrito (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p.

213).

Parece-nos evidente que os alunos “A” e “B” não possuem dificuldades em relação à

utilização do código alfabético, suas dificuldades se centram apenas na ortografia. No entanto,

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o aluno “C” ainda não possui esse domínio, consegue escrever algumas palavras ditadas,

porém somente com o auxílio da professora ou dos colegas. A maior dificuldade está em

saber diferenciar uma letra da outra, pois muitas vezes as confundia. Porém, tanto professora

como as demais crianças, se dirigiam as carteiras dos demais colegas com dificuldades, para

ajudá-los. O que comprova que a interação entre professor e alunos e também a realizada

entre alunos é suma importância no processo de construção da língua escrita.

Constatamos que a interação facilita a construção do conhecimento pela criança

permitindo-lhe maior contato com as letras e domínio no ato de ler e escrever. Os

conhecimentos específicos dependem em parte da ajuda de outros sujeitos mais experientes

como menciona Ferreiro (2001, p. 56),

Ao contrário, existem conhecimentos específicos sobre a linguagem escrita que só

podem ser adquiridos através de outros informantes (leitores adultos ou crianças

maiores). Por exemplo, o fato de se saber que cada letra tem um nome específico;

que todas elas têm um nome genérico; que na oposição entre os nomes genéricos das

marcas, a diferença entre as “letras” e “números” é fundamental; que

convencionalmente escrevemos de cima para baixo e da esquerda para direita; que

junto com as letras aparecem sinais que não são letras (sinais de pontuação); que

utilizamos as maiúsculas para nomes próprios, para títulos e depois de um ponto,

etc.; etc (FERREIRO, 2001, p. 56).

Desse modo, ressaltamos que a interação entre o professor e os alunos, e alunos e

alunos é muito importante durante o período de alfabetização. A mediação do outro auxilia a

criança com dificuldades tornando-a agente de sua própria aprendizagem, acreditamos que o

aluno crie suas próprias possibilidades de se tornar leitor e escritor por meio de um

planejamento bem estruturado, da proposição de atividades que exijam a escrita espontânea

como aquelas do ditado e do auxílio de escritores e leitores mais experientes.

Breves conclusões

Compreendemos que a criança se apropria da leitura e escrita passando por algumas

fases. Observamos que nas atividades das figuras 1 e 2 os alunos se encontravam na fase

silábica, já transitando para a silábico-alfabética em alguns momentos. Com exceção do aluno

“C” que demonstrou um processo um pouco mais lento do que os alunos “A” e “B”.

Constatamos também que os alunos “A” e “B”, evoluíram da fase silábica para a

alfabética num período de três meses. Acreditamos que isto se deva ao trabalho realizado pela

professora que aproveita todos os momentos para ensinar inclusive o momento inicial da aula

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quando os alunos se cumprimentam. O que reforça a tese de que alfabetizar exige

planejamento, interação, mediação e muito trabalho.

Compreendemos que cada aluno evolui de acordo com suas possibilidades e também a

partir do auxílio que recebe dos colegas e da professora.

Concluímos que houve uma evolução significativa na escrita dos alunos. Para os

alunos “A” e “B” restaram os desafios de aprender a ortografia e outros elementos que

compõem os textos. Para o aluno “C” ainda faltava se apropriar da escrita tornando-se

independente do auxílio da professora e dos colegas. Ressaltamos que cada criança tem seu

próprio ritmo de aprendizagem e a professora organizava a rotina diária da alfabetização

buscando promover a aprendizagem de todas as crianças da turma por meio da interação

como foi ressaltado aqui.

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