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Enfermagem
Um projeto para a prevenção e controlo da infeção no perioperatório
Palavras‐chave: perioperatório, assepsia, infeção do local cirúrgico, blocos operatórios centrais, dispositivo médico.
Coordenadora do Projeto: Enfermeira Mercedes Bilbao
Enfermeiros perioperatórios do Bloco Operatório Central do Hospital de São José e do Bloco Operatório Central do Hospital de Dona Estefânia: Alexandra Ramos, Aline Jordão, Fátima Gonçalves, Filipa Carvalho, Filomena Silva, Isabel Filipe, Leonor Gil, Liliana Sousa, Manuel Atilano, Manuela Tomé, Maria José Garbin, Mercedes Ganito, Patrícia Sardinha, Sandrina Fernandes, Teresa Lobo
Introdução
Integrado no projeto de prevenção e controlo da infeção do local cirúrgico (ILC) no perioperatório, tal como contemplado na Norma da DGS 020/2015 (DGS, 2015), nas guidelines de prevenção da ILC da OMS (WHO, 2016) e nas Práticas Recomendadas para Bloco Operatório das organizações profissionais AESOP e AORN (AESOP, 2013; AORN, 2018), foi constituído um grupo de trabalho para promover as boas práticas na manutenção da assepsia cirúrgica. Pretende‐se o desenvolvimento de uma abordagem integrada para promover práticas seguras, com a capacitação dos profissionais no desenvolvimento de habilidades e competências, de acordo com as orientações e recomendações baseadas na evidência científica. Estas recomendações representam o padrão de boas práticas na manutenção da assepsia cirúrgica.
Qual o sentido deste projeto?
As infeções associadas aos cuidados de saúde (IACS) são uma realidade. Na União Europeia, em cada ano, aproximadamente quatro milhões de doentes adquirem IACS (Aholaakko & Metsala, 2015), o que representa um peso epidemiológico, com aumento da morbilidade e mortalidade associada, peso social e custo económico que se estima ascender aos 300 milhões de euros anuais. Esta condição reflete‐se em hospitalização prolongada, diagnósticos adicionais, cirurgias de revisão, acréscimo em terapêutica, entre outros e traduz‐se num impacto negativo na qualidade dos cuidados (Despacho 3844 ‐ A/2016; Simons et al, 2014).
A ILC é uma potencial complicação associada a qualquer procedimento cirúrgico. Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), a ILC define‐se como a infeção que ocorre no local da incisão cirúrgica ou na sua proximidade (incisional, profunda ou órgão/espaço) nos primeiros 30 dias do pós‐operatório. Representa uma das infeções mais relevantes, pelo peso epidemiológico, clínico e económico que representa, e pode ser observada como “falha” na qualidade dos cuidados. Em média, cada ILC é responsável por um acréscimo de sete a onze dias de internamento hospitalar e por um aumento do risco de morte de duas a onze vezes. Estima‐se que aproximadamente 60% das ILC são evitáveis quando implementadas estratégias de prevenção, normas baseadas na evidência, em conjunto e de forma integrada, as quais se denominam por bundles ou “feixes de intervenções”. Os feixes de intervenções têm como objetivo assegurar que os doentes recebam de forma consistente o tratamento e cuidados recomendados (DGS, 2015).
Em contexto perioperatório, a prevenção da infeção é definida como um dos pilares dos cuidados seguros à pessoa em situação perioperatória ou doente cirúrgico. O sucesso da prevenção da ILC depende, pois, da combinação de várias medidas básicas: a preparação pré‐
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operatória, a técnica asséptica cirúrgica, a profilaxia antibiótica e os cuidados no pós‐operatório (DGS,2013).
Sendo a técnica asséptica uma determinante de sucesso na prevenção da ILC, é impreterível o seu uso com rigor, em todos os processos que impliquem risco de infeção para o doente, nomeadamente no contexto perioperatório (Cicconi et al, 2010; AESOP, 2013).
A técnica asséptica cirúrgica é um conjunto de procedimentos realizados intencionalmente pela equipa cirúrgica com o objetivo de criar um ambiente asséptico ou estéril, de modo a promover a maior eliminação possível de microrganismos vivos e prevenir, reduzir e controlar o risco de ILC (DGS,2013).
É fundamental a divulgação das normas de boas práticas, a implementação de forma integrada das medidas de eficácia comprovada que permitam a sua prevenção (desde a admissão do doente até ao momento da alta), a limitação do período de internamento ao mínimo necessário, bem como a vigilância epidemiológica e monitorização sistemática da ILC (DGS, 2013).
Considerando o elevado risco de infeção associada aos cuidados perioperatórios, compete aos enfermeiros perioperatórios maximizar a segurança tanto da pessoa em situação perioperatória, ou seja, do doente cirúrgico, como da equipa multidisciplinar. Na prevenção e controlo da infeção associada aos cuidados perioperatórios o enfermeiro promove o ambiente seguro aos intervenientes do processo cirúrgico e a liderança nos processos de prevenção e controlo de infeção nesta área (OE, 2018). Espera‐se, da sua intervenção, efetividade e precisão nos cuidados. Para determinar esta prática de excelência na proteção contra a infeção, é fundamental a consciência cirúrgica, ou seja, o conjunto de valores individuais, conduta ética e profissional que possa estabelecer, por exemplo, as medidas corretivas em situações de quebra de assepsia (Suslak, 2017; Shewchuk, 2014; AESOP, 2013).
Objetivos: No âmbito da manutenção da assepsia cirúrgica, são objetivos para os Blocos Operatórios Centrais (BOC) do CHULC:
Construir indicadores para cada uma das medidas que integram o feixe de intervenções da prevenção da infeção associada aos cuidados perioperatórios
Avaliar a conformidade dos procedimentos cirúrgicos no bloco operatório segundo a prática baseada na evidência
Definir estratégias ajustadas ao contexto perioperatório
Implementar medidas de melhoria de boas práticas
Uniformizar procedimentos
Criar uma cultura de segurança
Metodologia: Projeto implementado por etapas. Inicialmente fez‐se a identificação dos feixes de intervenções, análise e seleção das práticas recomendadas para os BOC, seguidas de pesquisa bibliográfica e fundamentação teórica.
Os feixes de intervenções selecionados foram: (1) Desinfeção do campo operatório, (2) Uso de luvas cirúrgicas no bloco operatório, (3) Utilização dos campos cirúrgicos e (4) Técnica asséptica cirúrgica.
A monitorização e avaliação das práticas fez‐se através de auditoria, de acordo com uma grelha construída com base nos referenciais, práticas recomendadas e os feixes de intervenções selecionados, perfazendo um total de 79 itens auditados. As auditorias foram realizadas nos BOC do Hospital de São José e Hospital de Dona Estefânia do CHULC pelos enfermeiros
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perioperatórios que integram o projeto, no segundo semestre de 2018, perfazendo um total de 40 auditorias (20 em cada um dos BOC).
Elaborou‐se posteriormente um relatório de auditoria com definição de áreas prioritárias e estratégias de intervenção, comunicação formal dos resultados da auditoria à equipa médica, de enfermagem e ao PPCIRA (Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e das Resistências aos Antimicrobianos), com discussão dos resultados. A implementação de medidas de melhoria inclui mudança de práticas, formação e treino personalizado e em equipa, elaboração de instruções de trabalho multidisciplinares associadas ao sistema de qualidade, entre outras.
No momento, o projeto encontra‐se em fase de elaboração de procedimentos e instruções de trabalho.
Resultados: Em termos globais os resultados encontrados nas auditorias dão a fotografia da realidade em cada um dos BOC e permite identificar áreas de intervenção prioritárias e respetivas medidas de melhoria.
Foi considerado aceitável o grau de conformidade global de 80%. Os níveis de conformidade da “Desinfeção do campo operatório” e do “Uso de luvas no Bloco Operatório” são áreas a melhorar nos dois BOC.
Gráficos ‐ Resultados globais da auditoria em dois BOC do CHULC
1. Desinfeção do campo operatório
Os estudos demonstram que as soluções de base alcoólica apresentam eficácia superior às de base aquosa, pois apresentam um efeito antimicrobiano mais eficaz e imediato (WHO,2016). Foram avaliados 12 critérios.
Recomendações, sugestões e propostas de melhoria:
Banho pré‐operatório realizado pelos serviços de origem, documentado e verificado pelos enfermeiros na transferência de cuidados.
Na ausência de registo documental e/ou banho pré‐operatório, a preparação pré‐operatória é realizada no Bloco Operatório pelo Enfermeiro Circulante, com toalhetes de Clorohexidina ou sabão neutro, lavagem e secagem.
Adesão ao cumprimento das normas estabelecidas para a desinfeção do campo operatório (como a seleção e utilização de soluções antissépticas, a definição do profissional que realiza a desinfeção ou o estabelecimento de mesa própria para o procedimento de desinfeção).
Uso de mesa própria e individualizada para o procedimento de desinfeção do campo operatório.
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Desinfeção do campo operatório
Mesa de Desinfeção do campo operatório
Profissional da equipa cirúrgica prepara a Mesa de Desinfeção
A desinfecção do local cirúrgico é realizada após desinfeção das mãos, com luvas estéreis e antes da colocação da bata estéril
2. Uso de luvas cirúrgicas no Bloco Operatório
A utilização de luvas estéreis deve adequar‐se ao procedimento mediante uma seleção prévia e critérios. Foram avaliados 9 critérios.
Recomendações, sugestões e propostas de melhoria :
Treino individual e em equipa em calçar luvas por método fechado e assistido (ver imagens)
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Uso de duplo par de luvas e critérios de substituição: ao fim de duas horas de cirurgia; antes de implante de DM (dispositivo médico), no final do tempo sujo/contaminado; antes do encerramento.
Método Fechado
3. Utilização dos campos cirúrgicos O respeito pelas recomendações inerentes à abertura dos campos cirúrgicos inclui o manuseamento dos campos cirúrgicos com mãos limpas e secas, a validação da integridade, validade e indicadores de esterilização prévios à sua abertura e que esta se processe o mais próximo possível à sua utilização. Foram avaliados 18 critérios.
Recomendações, sugestões e propostas de melhoria:
Divulgação nas equipas de enfermagem e médica
Sensibilização, formação e treino das equipas
Diretrizes de orientação e implementação
Elaboração de instruções de trabalho, normas e procedimentos
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Estabelecimento de campos estéreis das mesas operatórias
Colocação dos campos cirúrgicos por dois elementos da equipa estéril
4. Técnica asséptica cirúrgica
Foram avaliados 21 critérios que incluem os procedimentos relacionados com:
• Mobilização da equipa estéril
• Enfermeiro instrumentista
• Mobilização da equipa não estéril
• Abertura do instrumental e dispositivos médicos
• Disposição e manutenção do instrumental
• Uso de solutos na cirurgia
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Uniformização da disposição do instrumental cirúrgico
Recomendações, sugestões e propostas de melhoria:
Formação
Aquisição de material
Revisão das caixas cirúrgicas
Uniformização de práticas relativamente à disposição do instrumental cirúrgico.
Plano de intervenção com vista a ganhos em saúde:
1. Mudança de práticas imediatas ‐ verificação sistemática do banho pré‐operatório, seleção do antisséptico, técnica de desinfeção do campo operatório e utilização de duplo par de luvas
2. Diretrizes de orientação e elaboração de procedimentos setoriais e de instruções de trabalho da Desinfeção do campo operatório por especialidade
3. Sensibilização e formação ‐ workshops 4. Treino personalizado ‐ formações individualizadas peer to peer 5. Padronização das mesas operatórias.
Desafio das mesas operatórias
Resultados: Prevêem‐se resultados disponíveis no último trimestre do ano corrente (2019), através da realização de uma nova auditoria.
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Conclusões/discussões: Este projeto permitiu o envolvimento e sensibilização da equipa multidisciplinar, a melhoria imediata de práticas e a promoção de ambiente seguro para a prática dos cuidados.
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Bibliografia
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