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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA DEFESA E DA SEGURANÇA GUILHERME TADEU BERRIEL DA SILVA OLIVEIRA UMA AVALIAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA DO PROSUB, GUARANI E H-XBR Niterói 2016

UMA AVALIAÇÃO DOS PROCESSOS DE … · Quadro 17 – Operações de Offset previstas no Contrato nº 8 do PROSUB ..... 1 3 3 Quadro 18 – Empreendimentos Modulares do PROSUB e da

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA DEFESA E

DA SEGURANÇA

GUILHERME TADEU BERRIEL DA SILVA OLIVEIRA

UMA AVALIAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

DO PROSUB, GUARANI E H-XBR

Niterói

2016

RESUMO

A presente dissertação tem por objetivo avaliar a implementação dos processos de

transferência de tecnologia dos programas PROSUB, Guarani e H-XBR a fim de constatar

quais os fatores comuns que os influenciam, vez que são distintos, de forma que estejam

alinhados às diretrizes traçadas pela Política Nacional de Defesa (PND) e Estratégica

Nacional de Defesa (END). A presente pesquisa se justifica como um instrumento para

auxiliar uma eventual correção de rumos na implementação dos referidos programas, que são

relevantes no contexto estratégico nacional e representam o emprego de grandes valores do

Erário público, sendo, portanto, de interesse não só das instituições envolvidas, mas também

da academia e de toda a sociedade. Para realizar essa pesquisa, além do primeiro capítulo

introdutório, no segundo capítulo foi estabelecido um referencial teórico acerca da área de

Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e sua inserção nos Estudos Estratégicos e na política

de Defesa, bem como os aspectos teóricos e jurídicos existentes na literatura sobre

transferência de tecnologia e nacionalização. A metodologia utilizada foi a de avaliação de

políticas públicas, com a explicitação de modelos lógicos e analíticos, elaboração de

indicadores e dos instrumentos de coleta e fontes que auxiliaram a atividade avaliativa, sendo

a abordagem desenvolvida e especificada no terceiro capítulo. O quarto capítulo contém as

avaliações propriamente ditas dos referidos programas à luz dos objetivos políticos e

estratégicos traçados, sendo constatado que o Projeto Guarani obteve avaliação positiva, se

mostrando condizente com os objetivos estratégicos, ao passo que os programas PROSUB e

H-XBR, não obtiveram o mesmo resultado. Por fim, as conclusões da pesquisa permitem

constatar que, ainda que se trate de programas distintos em complexidade e agentes

implementadores, existem fatores e deficiências comuns no ambiente institucional que os

pautam, influenciando nos processos de transferência de tecnologia dos mesmos.

Palavras-chave: Ciência, Tecnologia e Inovação. Defesa. Transferência de Tecnologia.

Aquisições de Defesa. Base Industrial de Defesa.

ABSTRACT

This dissertation intends to evaluate the implementation of the technology transfer processes

of PROSUB, Guarani and H-XBR programs, in order to verify what the common factors that

influence them, once they are distinct, and if they are according to the directives imposed by

the National Defense Policy (NDP) and the National Defense Strategy (NDS). This research

is justified as an instrument to help eventual route corrections in their implementation, which

are relevant in the national strategic scenario and represent public money spending, therefore,

interesting not only the concerning institutions, but also the academy and the whole society.

To perform this research, besides the first introductory chapter, the second chapter established

a theoretical reference about Science, Technology and Innovation (ST&I) and its insertion in

Strategic Studies and in Defense policies, as well as the theoretical and legal aspects

concerning transfer of technology and nationalization. The methodology used was public

policy evaluation, with the demonstration of logical and analytical models, the sources of

research and the formulation of indicators and data collect instruments that help the

evaluation, being the approach developed and specified in the third chapter. The fourth

chapter contains the evaluations themselves of the mentioned programs according to the fixed

political and strategic objectives, being observed that Guarani Project has achieved positive

evaluation, showing itself according to the strategic objectives, while PROSUB and H-XBR

did not achieve the same result. At last, the conclusions of this research allow saying that,

even those programs are different in complexity and implementation agents, there are

common factors and shortcomings in the institutional environment that affect their technology

transfer processes.

Keywords: Science, Technology and Innovation. Defense. Transfer of Technology. Defense

Acquisitions. Defense Industrial Base.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Síntese histórica do RINP.............................................................................. 34

Quadro 2 – Fluxos internacionais de transferência de tecnologia.................................... 59

Quadro 3 – Diferentes definições de políticas públicas ................................................... 76

Quadro 4 – Síntese dos principais conceitos ................................................................... 92

Quadro 5 – Dimensões do Contigent Effectiveness Model............................................... 95

Quadro 6 – Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (1)........................... 95

Quadro 7 – Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (2)........................... 96

Quadro 8 – Exemplo de modelo lógico............................................................................ 101

Quadro 9 – Componentes da concepção da avaliação...................................................... 104

Quadro 10 – Componentes do planejamento da avaliação................................................. 106

Quadro 11 – Componentes da execução da avaliação........................................................ 107

Quadro 12 – Questionário de entrevista............................................................................. 112

Quadro 13 – Modelo lógico específico............................................................................... 116

Quadro 14 – Conexão entre as partes do Contrato Principal e os contratos derivados...... 125

Quadro 15 – Resumo dos contratos de transferência de tecnologia do PROSUB............. 130

Quadro 16 – Resumo da propriedade intelectual no PROSUB.......................................... 133

Quadro 17 – Operações de Offset previstas no Contrato nº 8 do PROSUB....................... 133

Quadro 18 – Empreendimentos Modulares do PROSUB e da obtenção da planta

nuclear do SN-BR..........................................................................................

136

Quadro 19 – Metas globais e parciais dos Empreendimentos Modulares.......................... 137

Quadro 20 – Resposta do 1º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB 144

Quadro 21 – Resposta do 2º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB 145

Quadro 22 – Resposta do 3º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB 145

Quadro 23 – Empresas selecionadas de acordo com o Plano de Gerenciamento da

Nacionalização...............................................................................................

149

Quadro 24 – Quadro resumo dos contratos do Projeto Guarani......................................... 163

Quadro 25 – Etapas do Projeto Guarani............................................................................. 164

Quadro 26 – Entregas do Projeto Guarani.......................................................................... 164

Quadro 27 – Resumo das cláusulas de transferência de tecnologia do Guarani................. 167

Quadro 28 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no Guarani....... 173

Quadro 29 – Principais stakeholders privados do Projeto Guarani (nomes, origem e

função no projeto...........................................................................................

176

Quadro 30 – Fatores de multiplicação para projetos de compensação............................... 185

Quadro 31 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no H-XBR....... 193

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (1)...................................... 26

Figura 2 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (2)...................................... 27

Figura 3 – Complexo militar-industrial-acadêmico dos Estados Unidos.......................... 43

Figura 4 – Fluxos de capacidades transferidas ................................................................. 59

Figura 5 – Contigent Effectiveness Model ........................................................................ 94

Figura 6 – Modelo de avaliação de atores interessados (stakeholders)............................. 98

Figura 7 – Teoria da intervenção....................................................................................... 99

Figura 8 – Modelo de sistema simplificado....................................................................... 99

Figura 9 – Modelo de consecução de objetivos................................................................. 100

Figura 10 – ToT no PROSUB: Empreendimentos Modulares da COGESN...................... 126

Figura 11 – Cronograma original do PROSUB................................................................... 127

Figura 12 – Teoria da intervenção do PROSUB................................................................. 137

Figura 13 – Modelo de Atores Interessados do PROSUB (Stakeholders Model)............... 139

Figura 14 – Modelo de Sistema Simplificado do PROSUB............................................... 140

Figura 15 – Modelo de Consecução de Objetivos do PROSUB......................................... 157

Figura 16 – Teoria da intervenção do Projeto Guarani........................................................ 168

Figura 17 – Modelo de Atores Interessados do Guarani (Stakeholders Model).................. 170

Figura 18 – Modelo de Sistema Simplificado do Guarani.................................................. 171

Figura 19 – Modelo de Consecução de Objetivos do Guarani............................................ 179

Figura 20 – Distribuição dos 50 EC-725 por bases............................................................. 183

Figura 21 – Teoria da intervenção do H-XBR.................................................................... 186

Figura 22 – Modelo de Atores Interessados do H-XBR (Stakeholders Model).................. 188

Figura 23 – Modelo de Sistema Simplificado do H-XBR................................................... 190

Figura 24 – Modelo de Consecução de Objetivos do H-XBR............................................. 202

LISTA DE ANEXOS

Anexo A – Lista de respondentes do questionário padrão................................................. 227

Anexo B – Questionários respondidos em relação ao PROSUB....................................... 228

Anexo C – Questionário respondido e lista de fornecedores nacionais em relação ao

Guarani.............................................................................................................

240

Anexo D – Questionário respondido em relação ao H-XBR............................................. 247

Anexo E – Respostas da Marinha do Brasil por meio do Sistema de Informação ao

Cidadão............................................................................................................

251

Anexo F – Contrato nº 015/2012 – DCT (Guarani)........................................................... 261

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACF Advocacy Coalition Framework

AEC Atomic Energy Comission

AIEA Agência Internacional de Energia Atômica

AMAZUL Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A.

AMRJ Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro

BACEN Banco Central do Brasil

BID Base Industrial de Defesa

BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social

EB Exército Brasileiro

EM Empreendimento Modular

END Estratégia Nacional de Defesa

ENGEPROM Engeprom Equipamentos Industriais LTDA

ENGESA Engenheiros Especializados S.A.

C4ISR Comando, Controle, Comunicações, Computação, Informação, Vigilância e

Reconhecimento

CBS Consórcio Baía de Sepetiba

C&T Ciência e Tecnologia

CEA Centro Experimental de Aramar

CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear

CNPq Conselho Nacional de Pesquisas

COCOM Coordinating Comitee for Multilateral Export Controls

COGESN Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento do Submarino com

Propulsão Nuclear

COPESP Coordenadoria de Projetos Especiais

CPAB Convenção para a Proibição de Armas Biológicas

CPAQ Convenção para a Proibição de Armas Químicas

CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação

CTA Centro Tecnológico da Aeronáutica

CTEx Centro Tecnológico do Exército

CTMSP Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo

DARPA Defense Advanced Research Project Agency

DCNS Direction des Constructions Navales et Services

DCT Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército

DCTA/

COMAER

Departamento de Ciência e Tecnologia do Comando da Aeronáutica

EACTT Equipe de Absorção de Conhecimentos e Transferência de Tecnologia

EBN Estaleiro e Base Naval

EUA Estados Unidos da América

FAB Força Aérea Brasileira

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

GPS Global Positioning System

GTE Grupo de Transporte Especial

ICN Itaguaí Construções Navais

ICOC Código Internacional de Conduta Contra a Proliferação de Mísseis Balísticos

ICP Industrial Cooperation Project

INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial

IPEN Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares

LABGENE Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica

LBDN Livro Branco de Defesa Nacional

LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OM Organizações Militares

ONG Organização Não Governamental

OSDR Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico

OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte

MB Marinha do Brasil

MD Ministério da Defesa

MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

MF Ministério da Fazenda

MIT Massachussets Institute of Technology

MTCR Missile Technology Control Regime

NASA National Aeronautics and Space Administration

NFBR Nova Família de Blindados de Rodas

NIH National Institute of Health

NUCLEP Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A.

NSF National Science Foundation

NSG Nuclear Suppliers Group

ONR Office of Naval Research

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PD&I Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

PDN Política de Defesa Nacional

PEC Projeto de Emenda Constitucional

PGN Plano de Gerenciamento da Nacionalização

PLS Projeto de Lei do Senado

PNB Programa Nuclear Brasileiro

PND Política Nacional de Defesa

PNM Programa Nuclear da Marinha

PNP Programa de Nacionalização da Produção

PROSUB Programa de Desenvolvimento de Submarinos

RAM Revolução nos Assuntos Militares

REMAX Reparo de Metralhadora Automatizado X

RH Recursos Humanos

RINP Regime Internacional de Não Proliferação

S-BR Submarino com propulsão convencional

SAE/PR Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

SCTEx Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército

SLI Suporte Logístico Integrado

SN-BR Submarino com propulsão nuclear

TCU Tribunal de Contas da União

TIC Tecnologias de informação e comunicação

TNP Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares

ToT Transfer of Technology

UF6 Hexafluoreto de Urânio

UFEM Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas

UNIFEI Universidade Federal de Itajubá

VANT Veículo Aéreo Não Tripulado

VBTP-MR Viatura Blindada de Transporte de Pessoal Média de Rodas

VIP Very Important Person

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 15

2 ARCABOUÇO TEÓRICO E CONCEITUAL............................................. 20

2.1 CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (CT&I)........................................ 20

2.2 ESTUDOS ESTRATÉGICOS E A ÁREA DE CT&I...................................... 24

2.3 TECNOLOGIA MILITAR E A IMPORTÂNCIA DA ÁREA DE CT&I

PARA DEFESA................................................................................................

28

2.3.1 Aspectos conceituais gerais.............................................................................. 28

2.3.2 Cerceamento tecnológico.................................................................................. 32

2.3.3 Inovações tecnológicas e Revolução nos Assuntos Militares........................... 36

2.3.4 CT&I como política pública para a Defesa....................................................... 40

2.4 NACIONALIZAÇÃO....................................................................................... 48

2.5 TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA......................................................... 50

2.5.1 Conceito............................................................................................................ 50

2.5.2 Problematizando a transferência de tecnologia................................................. 53

2.5.3 Aprofundando os conceitos de know why e know how..................................... 55

2.5.4 Aspectos jurídicos............................................................................................. 60

2.6 A QUESTÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS.......................................... 65

2.7 AS EMPRESAS ESTRATÉGICAS DE DEFESA........................................... 72

3 METODOLOGIA: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS............. 74

3.1 REVISÃO DE LITERATURA......................................................................... 74

3.1.1 Histórico e definições de políticas públicas...................................................... 74

3.1.2 Modelos explicativos de políticas públicas....................................................... 78

3.1.3 Análise de implementação................................................................................ 82

3.1.4 Avaliação de políticas públicas......................................................................... 89

3.2 ELEMENTOS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.................... 93

3.2.1 Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa.................. 93

3.2.2 Modelos lógicos e analíticos de avaliação........................................................ 97

3.3 A METODOLOGIA ESPECÍFICA DA PESQUISA...................................... 101

3.3.1 Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa.................. 102

3.3.2 Diretrizes da END e os critérios para a escolha dos programas....................... 107

3.3.3 Instrumentos de coleta de dados....................................................................... 110

3.3.4 Modelos lógicos e analíticos............................................................................. 113

4 AVALIANDO A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA DOS

PROGRAMAS MILITARES........................................................................

118

4.1 PROSUB........................................................................................................... 118

4.1.1 Considerações iniciais....................................................................................... 118

4.1.2 Antecedentes..................................................................................................... 121

4.1.3 Aspectos contratuais e etapas do programa...................................................... 124

4.1.4 Contratos de transferência de tecnologia.......................................................... 127

4.1.5 Teoria da intervenção e objetivos..................................................................... 136

4.1.6 Modelos analíticos............................................................................................ 138

4.1.7 Avaliação da implementação............................................................................ 141

4.1.7.1 Transferência de know-why.............................................................................. 141

4.1.7.2 Possibilidade de difusão.................................................................................... 147

4.1.7.3 Possibilidade de independência nacional (nacionalização).............................. 148

4.1.8 Conclusões........................................................................................................ 156

4.2 PROJETO GUARANI...................................................................................... 159

4.2.1 Considerações iniciais....................................................................................... 159

4.2.2 Antecedentes..................................................................................................... 161

4.2.3 Aspectos contratuais e etapas do programa...................................................... 162

4.2.4 Contratos de transferência de tecnologia.......................................................... 165

4.2.5 Teoria da intervenção e objetivos..................................................................... 167

4.2.6 Modelos analíticos............................................................................................ 169

4.2.7 Avaliação da implementação............................................................................ 172

4.2.7.1 Transferência de know-why.............................................................................. 172

4.2.7.2 Possibilidade de difusão................................................................................... 174

4.2.7.3 Possibilidade de independência nacional (nacionalização).............................. 175

4.2.8 Conclusões........................................................................................................ 179

4.3 PROJETO H-XBR............................................................................................ 180

4.3.1 Considerações iniciais....................................................................................... 180

4.3.2 Antecedentes..................................................................................................... 181

4.3.3 Aspectos contratuais e etapas do programa...................................................... 182

4.3.4 Contratos de transferência de tecnologia.......................................................... 184

4.3.5 Teoria da intervenção e objetivos..................................................................... 186

4.3.6 Modelos analíticos............................................................................................ 188

4.3.7 Avaliação da implementação............................................................................ 190

4.3.7.1 Transferência de know-why.............................................................................. 191

4.3.7.2 Possibilidade de difusão.................................................................................... 194

4.3.7.3 Possibilidade de independência nacional (nacionalização).............................. 195

4.3.8 Conclusões........................................................................................................ 201

5 CONCLUSÕES............................................................................................... 204

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................... 212

ANEXO A........................................................................................................ 227

ANEXO B........................................................................................................ 228

ANEXO C........................................................................................................ 240

ANEXO D........................................................................................................ 247

ANEXO E........................................................................................................ 251

ANEXO F......................................................................................................... 261

15

CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

O objetivo geral da pesquisa é analisar quais os fatores comuns que influenciam a

implementação de processos de transferência de tecnologia em programas militares distintos,

de forma que os mesmos possam estar alinhados aos objetivos políticos e estratégicos para

aquisições de Defesa. O objetivo específico é avaliar a implementação de três programas

militares, um de cada Força singular, quais sejam, o PROSUB, da Marinha do Brasil, o

Guarani do Exército Brasileiro e o H-XBR, sob coordenação da Força Aérea Brasileira, no

que concernem à transferência de tecnologia, a fim de averiguar se seus processos de foram

satisfatórios para atender o desejo pela autoridade pública expresso na Política Nacional de

Defesa (PND) e na Estratégica Nacional de Defesa (END).

O binômio segurança e desenvolvimento constitui elemento sempre presente na

política externa brasileira até o contexto hodierno. Mesmo oscilando em relevância ou

transitando na pauta de prioridades, o Brasil manteve constância em acreditar que o

subdesenvolvimento gera conflitos e ameaça a paz internacional, bem como, impede uma

atuação verdadeiramente independente e autônoma por parte do país no concerto das nações.

Nesse sentido, a PND pressupõe que a defesa do País é inseparável do seu

desenvolvimento, vez que a projeção brasileira no concerto das nações e sua inserção nos

foros decisórios internacionais ensejam a adoção de um modelo de defesa específico,

desenvolvido ao longo do texto (BRASIL, 2012c). O mesmo documento reconhece que o

desenvolvimento independente e autônomo está no domínio de tecnologias sensíveis que

possuem valor estratégico, tais como a cibernética, nuclear e aeroespacial e que a cooperação

internacional é instrumento da obtenção dessas tecnologias (p. 6). Tal cooperação é feita com

tradicionais aliados, muitos desenvolvidos e com novos parceiros, vários ainda em

desenvolvimento, visando ampliar o leque de opções (p. 8). Esse pensamento também está

explicitado no Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) (BRASIL, 2012b).

A END, por sua vez, também consagra a intimidade entre defesa e

desenvolvimento e a cooperação internacional, entre outros, como meio de desenvolver a

Base Industrial de Defesa (BID) do Brasil, através de parcerias estratégicas para obtenção de

tecnologia, para exploração do comércio exterior e para a reforma gradual das organizações

internacionais, através da maior representatividade e poder decisório de países em

desenvolvimento (BRASIL, 2012d). Segundo a diretiva oficial, cabe transcrever:

16

“Projeto forte de defesa favorece projeto forte de desenvolvimento. Forte é o projeto

de desenvolvimento que, sejam quais forem suas demais orientações, se guie pelos

seguintes princípios:

(a) Independência nacional efetivada pela mobilização de recursos físicos,

econômicos e humanos, para o investimento no potencial produtivo do País.

Aproveitar os investimentos estrangeiros, sem deles depender.

(b) Independência nacional alcançada pela capacitação tecnológica autônoma,

inclusive nos estratégicos setores espacial, cibernético e nuclear. Não é independente

quem não tem o domínio das tecnologias sensíveis, tanto para a defesa, como para o

desenvolvimento; e

(c) Independência nacional assegurada pela democratização de oportunidades

educativas e econômicas e pelas oportunidades para ampliar a participação popular

nos processos decisórios da vida política e econômica do País.” (BRASIL, 2012d,

p.2)

Sendo assim, conforme as mais importantes diretivas das políticas exterior e de

defesa brasileiras, o entendimento convergente é que ambas são indissociáveis e constituem

instrumentos do Estado brasileiro para seu desenvolvimento, sua autonomia e independência e

para propiciar o rearranjo da governança global, mediante maior atuação dos países em

desenvolvimento. “Pela dissuasão e pela cooperação, o Brasil fortalecerá, assim, a estreita

vinculação entre sua política de defesa e sua política externa, historicamente voltada para a

causa da paz, da integração e do desenvolvimento” (BRASIL, 2012b, p. 51).

Parafraseando o ex-chanceler Araújo Castro, o Ministro Celso Amorim

considerou que o Brasil contemporâneo mais uma vez enfrenta a diretriz dos 3D. Ao passo

que para Castro significavam desarmamento, descolonização e desenvolvimento, Amorim

afirma que “um Brasil democrático, em desenvolvimento e independente no mundo deve ter o

respaldo de uma defesa robusta, indispensável a uma grande estratégia de paz” (AMORIM,

2013, p. 2). Assim, resta claro que faz parte da estratégia de inserção internacional brasileira a

utilização da cooperação internacional como meio de obtenção de tecnologias para

incremento da Base Industrial de Defesa e, por conseguinte, o desenvolvimento autônomo e

independente do país, sobretudo em tecnologias sensíveis, para auferir uma defesa robusta

que respalde a posição soberana do Brasil no concerto das nações. Corroborando tal assertiva,

a END elenca como ponto positivo que deve ser observado o “condicionamento da compra de

produtos de defesa no exterior à transferência substancial de tecnologia, inclusive por meio de

parcerias para pesquisa e fabricação no Brasil de partes desses produtos ou de sucedâneos a

eles” (BRASIL, 2012d, p. 27).

Nesse diapasão, a transferência de tecnologia possui seus limites, trâmites e

acordos reduzidos a termo em contratos escritos. Entretanto, considerando que a tecnologia é

uma questão estratégica vital, a detenção da mesma se torna um diferencial no que concerne

às relações de poder e de dependência, ocasionando muita resistência por parte dos expoentes

17

tecnológicos em transferir aquilo que lhes custou muito investimento e lhe propicia

superioridade em relação a outros concorrentes, sejam países ou até mesmo empresas rivais

no mercado. O que ocorre, então, é que nos contratos de transferência de tecnologia, os

vendedores tendem a esconder os verdadeiros conhecimentos tecnológicos (know why) e

entrega somente as instruções (know how), o que permite de fato a montagem de produtos no

país recipiendário, mas mantém a relação de dependência com a matriz tecnológica (LONGO,

2007).

Na mesma senda, muito se utiliza o termo nacionalização para qualificar

determinados programas militares, no sentido que tais empreendimentos teriam reflexo na

indústria do país, ao fazer com que a produção de bens, prestação de serviços técnicos e

domínio de tecnologia se dessem dentro do território nacional. O objetivo é fazer com que a

produção de meios militares se torne cada vez mais independente do exterior. Contudo,

quando se verifica que a definição de empresa brasileira no ordenamento jurídico é bem

ampla, podendo até englobar empresas de capital totalmente estrangeiro que atuam no país, se

passa a questionar o real significado da nacionalização. Nacionalizar a produção de um meio

de defesa, incluindo sua tecnologia, significa simplesmente trazê-los para dentro do território

nacional? Isso de fato garantiria independência tecnológica e produtiva?

Tendo em vista a importância vital da obtenção de tecnologia de defesa para o

desenvolvimento independente do Brasil e sua inserção autônoma no cenário internacional,

faz-se mister aprofundar o entendimento sobre os conceitos de know why e know how

existentes na literatura, a fim de fortalecer o arcabouço teórico que pode servir de subsídios à

elaboração de contratos de transferência de tecnologia. Da mesma forma, torna-se imperioso

debater o conceito de nacionalização e investigar como se dá a definição e empresas

brasileiras no ordenamento jurídico pátrio. A única forma de melhor compreender tais

conceitos é partir de uma pesquisa interdisciplinar, trazendo à baila tanto as normas e

doutrinas jurídicas, quanto a literatura específica das ciências exatas e sociais, em especial,

dos estudos estratégicos.

Daí a importância da presente pesquisa e a razão pela qual ela se justifica. Além

de tratar de um aspecto sensível da soberania do país, que é o papel estratégico das aquisições

de Defesa, especialmente no suprimento de novos meios às Forças e na movimentação da

BID, os programas militares representam o dispêndio de enormes quantias de dinheiro

público e por isso afetam a sociedade como um todo. Sendo a transferência de tecnologia uma

diretriz política para a tomada de decisão nas referidas aquisições, faz-se necessário avaliar os

fatores que influenciam os mencionados processos nos programas brasileiros, de maneira que

18

eles estejam de fato alinhados aos objetivos traçados e fazendo bom uso dos recursos

públicos. Assim, é uma pesquisa que interessa aos tomadores de decisão, às Forças, à BID, à

academia e à sociedade brasileira em geral.

Nesse sentido, o presente trabalho pretende responder a seguinte pergunta: quais

os fatores comuns que influenciam os processos de transferência de tecnologia em programas

militares, de forma em que eles estejam alinhados às diretrizes políticas e estratégicas dos

documentos oficiais? A partir do estudo de caso dos programas PROSUB, Guarani e H-XBR,

pretende-se obter uma avaliação dos seus respectivos processos e responder a tal

questionamento. É necessário esclarecer que são programas distintos, tanto em complexidade,

quanto em histórico, antecedentes e agentes implementadores, portanto, não é objetivo deste

trabalho realizar um estudo comparado entre eles. O que se busca fazer é, a partir do

referencial teórico e da metodologia escolhida, é avaliá-los em si mesmos e identificar em

cada um deles a ação de fatores comuns que influenciam seus processos de transferência

tecnológica, de forma a direcioná-los para o objetivo que lhes é requerido. Sendo assim,

justamente a diferença entre os programas é que reforça a existência e atuação comum dos

fatores investigados, ou seja, o que é similar em três programas diferentes.

Dessa forma, o objeto da presente pesquisa será a implementação dos processos

de transferência de tecnologia dos Programas PROSUB, Guarani e H-XBR. A delimitação do

objeto de pesquisa se dará, inicialmente, pelo fornecimento de um arcabouço teórico e

conceitual sobre Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), nacionalização, transferência de

tecnologia e da questão das empresas envolvidas nesse processo. No mesmo sentido, no que

concerne à transferência de tecnologia, aprofundar-se-á o entendimento dos conceitos de

know why e know how. Tudo isso será feito no segundo capítulo, a fim de se obter base para

delimitar o entendimento de contrato de transferência de tecnologia e seus critérios de eficácia

e efetividade1.

O terceiro capítulo se dedicará a expor a abordagem metodológica do presente

trabalho. Considerando que tais programas representam a ação política do Estado, a

metodologia escolhida será a de avaliação de políticas públicas, com ênfase na análise de

implementação, tendo em vista que são programas não finalizados, sob a ótica do modelo

estagista do policy cycle. Assim, procedendo à revisão de literatura e ao detalhamento do

método específico dessa pesquisa, a partir dos modelos lógicos e analíticos, busca-se elaborar

1 Por eficácia se entende o grau de atingimento de determinado objetivo por certa ação, ao passo que a

efetividade representa a medida em que determinada ação traz benefícios à população visada. Já a eficiência se

preocupa não com o fim, mas com os meios, visando a melhor e mais racional utilização dos recursos para

atingir determinado objetivo (CASTRO, 2006)

19

critérios, indicadores e padrões de referência para avaliar os processos de transferência de

tecnologia dos referidos programas, bem como as fontes de pesquisa e os instrumentos de

coleta que permitirão valorá-los.

No quarto capítulo, a referida base conceitual será utilizada para embasar, sob a

lente metodológica desenvolvida, a avaliação da implementação dos programas PROSUB,

Guarani e H-XBR e seus respectivos processos de transferência de tecnologia, à luz da PND e

da END. Por fim, as conclusões permitirão constatar, além de cada resultado individual

quanto ao alcance dos objetivos estratégicos propostos, quais os fatores comuns que agem nos

mencionados processos, mesmo em programas militares tão distintos.

20

CAPÍTULO 2

ARCABOUÇO TEÓRICO E CONCEITUAL

2.1 – CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (CT&I)

Esse trabalho dedicará alguns itens a fornecer uma base conceitual sobre aspectos

mais gerais concernentes ao trinômio Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Esse esforço se

faz necessário, pois o entendimento das categorias mais abrangentes é fundamental para a

compreensão daquelas mais específicas. Em outras palavras, antes de se debruçar sobre os

conceitos mais específicos que a presente pesquisa adotará, é preciso tentar estabelecer

algumas possíveis definições e conceituações de ciência, tecnologia e inovação.

Segundo Longo (2007, p. 2), a ciência pode ser definida como “uma atividade

dirigida à aquisição e ao uso de novos conhecimentos sobre o Universo, compreendendo

metodologia, meios de comunicação e critérios de sucesso próprios” e também como “o

conjunto organizado dos conhecimentos relativos ao Universo, envolvendo seus fenômenos

naturais, ambientais e comportamentais”.

Já acerca da definição de tecnologia, assim se pronuncia o autor:

“é o conjunto organizado de todos os conhecimentos científicos, empíricos ou

intuitivos empregados na produção e comercialização de bens e serviços. A palavra

tecnologia tem sua origem no substantivo grego techne que significa arte ou

habilidade. Assim, a tecnologia é um conjunto de atividades práticas voltadas para

alterar o mundo e não, necessariamente, compreendê-lo. A ciência busca formular as

‘leis’ às quais se subordina a natureza, a tecnologia utiliza tais formulações para

produzir bens e serviços que atendam as suas necessidades”. (LONGO, 2007, p. 3)

Viegas (in SANTOS; JABUR, 2007, p. 147) entende como “tecnologia, ou know-

how, ou savoir faire, o conjunto de conhecimentos técnicos, científicos, comerciais,

administrativos, financeiros ou de outra natureza, de caráter e utilidade práticos, para uso

empresarial ou profissional” e que possui valor econômico, decorrendo tanto da vivência e da

experiência, quanto de processos específicos de pesquisa e desenvolvimento.

Por sua vez, na obra de Assafim (2013) podem-se ver dois possíveis sentidos na

conceituação de tecnologia, um mais amplo, outro mais restrito. De maneira ampla, a

tecnologia pode ser definida como “o conjunto de conhecimentos científicos cuja adequada

utilização pode ser fonte de utilidade ou benefícios para a Humanidade” (MITYC, 1992 apud

ASSAFIM, 2013, p. 13). Da forma mais restrita, a tecnologia é “o conjunto de conhecimentos

21

e informações próprio de uma obra, que pode ser utilizado de forma sistemática para o

desenho, desenvolvimento e fabricação de produtos ou a prestação de serviços” (p. 14). Nesse

sentido, quando se trata de contratos de transferência de tecnologia no plano internacional, o

autor afirma que o referido vocábulo deve ser compreendido no seu sentido amplo,

abrangendo “tanto os conhecimentos técnicos propriamente ditos, como os conhecimentos

comerciais e as experiências em matéria de administração de empresas e de marketing”

(ASSAFIM, 2013, p. 14). Não obstante, a definição que o autor apresenta também coaduna

com o sentido estrito, considerando a tecnologia como o “tratado ou o conjunto ordenado de

conhecimentos relativos à técnica industrial” (ASSAFIM, 2013, p.14) esta entendida como “o

conjunto de métodos que servem para a obtenção, transformação ou transporte e um ou vários

produtos naturais” (NOVOA, 1975 apud ASSAFIM, 2013, p. 14).

Duarte (2012), a partir da diferenciação terminológica entre técnica e tecnologia,

afirma que a técnica, em síntese, está ligada à produção com base na experiência, nos aspectos

locais e na replicação limitada, ao passo que a tecnologia representa “uma técnica capaz de

ser reproduzida conscientemente em qualquer lugar e a qualquer momento” (p. 9), em

decorrência da propagação do conhecimento por trás da técnica e da universalização que isso

acarreta.

Denis Barbosa (2003) apresenta a definição mais sucinta e, talvez por isso, mais

abrangente de tecnologia. O autor considera tecnologia um conjunto de informações ou,

simplesmente, uma informação, reconhecendo que existem “informações que se acham

voltadas para a produção, ou circulação de bens” (p. 3). Como uma informação é um bem

jurídico, é passível de tutela pelo Direito. Quando se trata de uma informação tecnológica,

“desde que absolutamente original, isto é, informação de que somente uma pessoa natural ou

jurídica disponha, o conhecimento técnico pode ser objeto de propriedade, como se fosse uma

coisa material” (p.3). Nesse sentido, o autor desenvolve todo seu pensamento sobre a

disciplina jurídica da propriedade intelectual.

De todas as conceituações analisadas supra, pode-se depreender que um fator

comum a todas, exceto a última, é que a tecnologia representa um conjunto de conhecimentos

aplicados à realidade empresarial prática. Ciência e tecnologia não são sinônimos, ao passo

que a primeira representa o agregado de conhecimentos sobre a compreensão do universo, a

segunda representa uma atividade que transforma o mundo real. Portanto, a tecnologia pode

ser tanto de base científica, como pode também resultar da experiência, da intuição etc. Nos

últimos dois séculos, ciência e tecnologia (C&T) parecem andar cada vez mais juntas e

indissociáveis, o que explica a ligeira confusão entre os termos e talvez a associação

22

automática entre eles no senso comum, por isso se fala no binômio C&T. Sendo assim,

importante salientar que a tecnologia pode ser vista ora comportando-se como “fator de

produção, ao lado do capital, insumos e mão-de-obra” ora “comportando-se como uma

mercadoria, como um bem privado, passível de ser objeto de operações comerciais”

(FURTADO, 2012, p.27).

A definição de tecnologia como uma informação não é satisfatória quando

coadunada com as demais, sobretudo para o fim a que se presta este trabalho, que é distinguir

tecnologia da técnica no âmbito dos contratos de transferência de tecnologia, tendo como

parâmetro o desejo do país de se tornar tecnologicamente independente. Muito embora não se

possa negar que tecnologia envolve informações sobre desenvolvimento de produtos e

processos, a expressão “informação” pode ser prejudicial e provocar confusão quando se

diferencia know why do know how, vez que a mesma pode ser entendida tanto como dados

técnicos, quanto conhecimento científico. No decorrer do trabalho, tal diferença será

entendida.

Por fim, o termo inovação pode definido como:

“a solução de um problema, tecnológico, utilizada pela primeira vez,

compreendendo a introdução de um novo produto ou processo no mercado em

escala comercial tendo, em geral, positivas repercussões sócio-econômicas.”

(LONGO, 2007, p. 8)

Dessa definição, destacamos dois pontos que merecem maior desenvolvimento. O

primeiro ponto diz respeito à inovação representar a introdução de um novo produto ou

processo no mercado. Aqui vale ressaltar a diferença entre inovação e invenção. Ainda

segundo Longo (2007, p. 8), a invenção é “a solução para um problema tecnológico,

considerada nova e suscetível de utilização”, que significa “um estágio do desenvolvimento

no qual é produzida uma nova idéia, desenho ou modelo para um novo ou melhor produto,

processo ou sistema”, chamando atenção para o fato de que seus “efeitos podem ficar restritos

ao âmbito do laboratório onde foi originada”. Ou seja, a invenção pode surgir, solucionar um

problema tecnológico, até ser patenteada, mas não significa que será introduzida no mercado

para comercialização. Por outro lado, a inovação representa a introdução no mercado de um

novo produto ou processo, assim definidos pelo Manual de Oslo:

“Uma inovação tecnológica de produto é a implantação/comercialização de um

produto com características de desempenho aprimoradas de modo a fornecer

objetivamente ao consumidor serviços novos ou aprimorados. Uma inovação de

processo tecnológico é a implantação/adoção de métodos de produção ou

comercialização novos ou significativamente aprimorados. Ela pode envolver

mudanças de equipamento, recursos humanos, métodos de trabalho ou uma

combinação destes.” (OCDE; FINEP, 2004, p. 21)

23

Longo (2007, p. 8) considera dois tipos de inovação: incremental e de ruptura:

“inovações incrementais, aquelas que melhoram produtos ou processos, sem alterá-

los na sua essência (ex.: a evolução do automóvel). São chamadas de inovações de

ruptura, aquelas que representam um salto tecnológico, e que mudam as

características dos setores produtivos nos quais são utilizadas (ex.: o laser, o

transistor).”

O segundo ponto que merece destaque é o que concerne às repercussões sócio-

econômicas de uma inovação. Nesse sentido, insta mencionar a importante obra de Joseph

Alois Schumpeter (1997), lançada originalmente em 1911, em que o autor trabalha, dentre

outros temas, a relação entre inovações tecnológicas e desenvolvimento econômico. Segundo

o autor, o conceito de inovação engloba qualquer um dos seguintes aspectos:

“1) Introdução de um novo bem — ou seja, um bem com que os consumidores ainda

não estiverem familiarizados — ou de uma nova qualidade de um bem. 2)

Introdução de um novo método de produção, ou seja, um método que ainda não

tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria de transformação,

que de modo algum precisa ser baseada numa descoberta cientificamente nova, e

pode consistir também em nova maneira de manejar comercialmente uma

mercadoria. 3) Abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o

ramo particular da indústria de transformação do país em questão não tenha ainda

entrado, quer esse mercado tenha existido antes, quer não. 4) Conquista de uma nova

fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, mais uma vez

independentemente do fato de que essa fonte já existia ou teve que ser criada. 5)

Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de

uma posição de monopólio (por exemplo, pela trustificação) ou a fragmentação de

uma posição de monopólio.” (SCHUMPETER, 1997, p. 76)

Schumpeter identifica o empresário inovador como o agente que introduz novos

produtos e processos no mercado. A relação entre inovação e novos mercados, para o autor,

decorre da ação do produto empreendedor, que inicia a mudança econômica e os

consumidores, se preciso, são levados a desejar coisas novas, diferentes da que consumiam

habitualmente (SCHUMPETER, 1997), gerando um fenômeno que viria a ser chamado de

technology push (COOMBS et. al., 1987). Assim, o impulso fundamental responsável por

mover a economia não seriam fenômenos naturais ou sociais, mas as inovações que a empresa

capitalista cria e destrói. Novos produtos e processos são os agentes propulsores da economia,

à medida que criam e refletem novas necessidades e hábitos derivados da oferta de novos

produtos e serviços (SCHUMPETER, 1997).

Por outro lado, Jacob Schmookler (1966 apud COOMBS et. al., 1987), ao estudar

a atividade inventiva de algumas indústrias da metade do século XIX aos anos 1950,

constatou que, em síntese, o aumento das inovações estava, na realidade, respondendo ao

aumento da respectiva demanda, representando o fenômeno que viria a ser chamado de

demand pull.

24

Em resumo, em relação às inovações e seus impactos sócio-econômicos, dos

muitos aspectos possíveis que podem ser relacionados, destacamos pontualmente o debate

entre as correntes tradicionais do technology push, que afirma, em síntese, que as inovações

tecnológicas criam necessidades de mercado, e do demand pull, dizendo que as inovações

respondem às demandas de mercado que vão surgindo, ambas com impacto na economia e na

sociedade. Existem teorias que criticam ambos os fenômenos acima, como a neo-

schumpeteriana ou evolucionista, que adota conceitos como Paradigma Tecnológico e

Trajetória Tecnológica para explicar os processos de mudança tecnológica, incremental e

radical (DOSI, 1982 apud FURTADO, 2012), mas que não são relevantes para a presente

pesquisa, vez que esta não trata propriamente do impacto econômico de inovações, mas da

importância estratégica de uma transferência de tecnologia bem-sucedida em determinados

programas. Por isso, nos limitamos a tal menção somente para fins conceituais sobre

inovação.

2.2 – ESTUDOS ESTRATÉGICOS E A ÁREA DE CT&I

Tendo aprofundado os conceitos que o presente trabalho usará acerca de ciência e

tecnologia, de semelhante modo, faz-se imperativo localizar esta pesquisa em seu recorte

disciplinar a fim de deixar claras as relações entre as diversas áreas que esta investigação

tange, bem como, evidenciar a importância da mesma e por que ela se justifica.

Nesse sentido, antes de verificar a importância da presente pesquisa, que

representa, em menor escala, a importância da área de CT&I para a Defesa como um todo, o

primeiro esforço que será feito consistirá em demonstrar quais disciplinas estão envolvidas

em tal tema, definindo as mesmas e mostrando suas relações.

A ação política apresenta importância basilar na construção do pensamento das

relações de poder entre os homens. Por meio dessa ação, os feixes de forças existentes nos

agregados humanos geram formas de organização e controle político de uns sobre outros.

Considerando a política como a atividade ou de práxis humana, relativa a tudo o

que diz respeito à vida na cidade (pólis), ao passar dos séculos, na modernidade, passou a

designar o conjunto de atividades que, de alguma maneira, tem como referência o Estado,

este, tido como o ápice da organização do poder político, tornando o conceito de política

praticamente indissociável do conceito de poder (BOBBIO et al., 1998, p. 954). Ademais,

25

Maynaud (1960 apud DALLARI, 2013) conceitua a política como, num sentido geral, a

orientação dada à gestão dos negócios da comunidade, englobando a totalidade dos fatores do

homem: ideologias sociais, crenças religiosas, interesses de classe ou de grupo, dentre outros.

Sendo assim, por sua amplitude, influência e importância, o Estado é considerado a principal

sociedade política. Finalmente, insta colacionar a lição de Weber (1979, p. 56), que considera

a política como a “participação no poder ou a luta pela distribuição de poder, seja entre

Estados ou entre grupos dentro de um Estado”.

Assim, tem-se que o Estado, como sociedade política, é uma das formas de

expressão do poder, dessa relação de mando e obediência sob pena de coerção. Não obstante,

conforme o conceito weberiano apresentado acima, a relação de poder não se restringe apenas

à esfera estatal, mas transcende o plano doméstico e se apresenta também na relação entre a

pluralidade dos entes políticos presentes no sistema internacional. Nessa toada, pede-se vênia

para propor mais dois conceitos. Ainda segundo Weber (1979), o Estado possui o monopólio

da violência legítima na circunscrição de seu território, ao passo que Tucídides (2001), desde

a antiguidade, já chamava a atenção para o poder sendo exercido de forma violenta entre as

nações mais fortes sobre as mais fracas.

Diante dessas considerações preliminares, verifica-se que é justamente pensando

em tal relação de poder, manifestado pelo uso da violência, da força propriamente dita, da

política em sua essência, é que Figueiredo (2010) escreve sobre os Estudos Estratégicos, no

texto objeto da presente análise, trazendo sua conceituação, histórico, panorama geral e

brasileiro, bem como, suas perspectivas em relação ao futuro da disciplina.

Nesse sentido, o preâmbulo temático elaborado supra não foi em vão, ao

contrário, corrobora a assertiva introdutória de Figueiredo (2010), que delimita a abrangência

do termo “estratégia”. O autor desconsidera seu emprego em expressões como “estratégia de

marketing” ou “estratégia financeira” e traz à baila os sentidos amplo e estrito que emprestam

significado ao vocábulo dentro do recorte que pretende trabalhar. Assim, em sentido amplo, o

termo diz respeito ao “papel do poder militar na política internacional, em face dos meios

econômicos, políticos e diplomáticos (mas não apenas desses), tendo em vista a consecução

dos objetivos de Estado” (p. 272). Por outro lado, em sentido estrito, representa o “conjunto

de procedimentos que informa as operações militares, requerendo, assim, conhecimentos

especializados e particulares, tais como aqueles ensinados e praticados nas escolas de altos

estudos militares” (p. 272). Dessa forma, segundo o autor, “os Estudos Estratégicos tem como

focos centrais a defesa e a segurança dos sistemas estatais nos âmbitos nacional e

internacional” (FIGUEIREDO, 2010, p. 273), abrangendo diversas subáreas, tais como:

26

relações entre Forças Armadas e sociedade; investigações sobre as organizações e instituições

militares; estudos de história militar; exames das conexões entre o poder político e a indústria

de defesa; pesquisas relativas à ciência; à tecnologia e à eficiência militar; inquéritos teóricos

a respeito das interações entre “Estudos Estratégicos e relações internacionais”, dentre outros

(FIGUEIREDO, 2010).

Baylis e Wirtz (in BAYLIS et al., 2002, p. 12) localizam a disciplina Estudos

Estratégicos como uma especialização da subárea de Estudos de Segurança, esta que por sua

vez está abrangida pelas Relações Internacionais, que integram a Ciência Política, da seguinte

forma:

Figura 1 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (1)

Fonte: Extraído e adaptado de BAYLIS; WIRTZ in BAYLIS et. al., 2002, p. 12

Em caminho divergente, Ayson (in REUS-SMIT; SNIDAL, 2008) considera que a

área de Estudos Estratégicos mereça figurar junto com Relações Internacionais como subárea

direta da Ciência Política. Isso porque a ênfase que a disciplina dá ao uso político da força e

às decisões estratégicas tomadas no seio do mesmo âmbito político tornam desnecessária a

intermediação das Relações Internacionais e dos Estudos de Segurança para ligá-la à Ciência

Política. Segundo o autor, apenas uma área dos Estudos Estratégicos tocam as relações entre

estados e, quanto aos Estudos de Segurança, estes se debruçam mais sobre elementos passivos

e condicionais da prevenção da guerra, ao passo que a estratégia se trata mais da ação política.

Assim, interpretando o entendimento do autor, pode-se localizar a disciplina de Estudos

Estratégicos da seguinte forma:

27

Figura 2 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (2)

Fonte: ALVES, 2014

O presente trabalho adota o entendimento de Ayson, pelos seus próprios

argumentos, vez que, como se verá, as decisões sobre estratégia e defesa nacional são tomadas

principalmente no âmbito interno do estado. Pode haver influência de questões externas numa

tomada de decisão estratégica? Obviamente, mas há de se considerar fatores internos que não

tocam diretamente às relações internacionais, tais como disputas e interesses políticos,

questões orçamentárias e de gestão, base industrial de defesa, desenvolvimento econômico e

social, mobilização nacional, entre outros.

Não obstante, considerando a relação íntima entre Relações Internacionais,

Estudos Estratégicos e Estudos de Defesa apontada por Rocha (2015), evidencia-se que todas

possuem como elemento central a atuação do Estado como lócus privilegiado do exercício do

poder, que permeia desde as relações interestatais, até o relacionamento de um estado com seu

próprio povo.

Nesse sentido, o pleno exercício do poder no plano internacional, entendido como

a possibilidade de um Estado de realizar a sua própria vontade, está ligado à capacidade que o

mesmo possui de instrumentalizar seus recursos em prol do interesse nacional que se busca.

Dentre os diversos aspectos que constituem a capacidade nacional, a Defesa é um dos mais

basilares para garantir a soberania do Estado.

A Defesa, por sua vez, não somente abarca as Forças Armadas em si, mas todo

um sistema que propicia ao Estado meios para garantir a sua segurança, tais como, serviços de

inteligência estratégica, base industrial de defesa, capacidade de mobilização etc. (ROCHA,

2015). Mas um item que merece destaque é a capacidade científica, tecnológica e inovacional

do Estado, vez que a tecnologia tem se tornado uma arena de competição entre os países e

uma das maiores responsáveis pelas discrepâncias entre os mesmos.

Dessa forma, diante do exposto até agora, pode-se constatar que a área de Estudos

Estratégicos é uma disciplina que figura ao lado de Relações Internacionais, sendo

interseccionada por esta, como subáreas diretas da Ciência Política. Dentro da definição de

28

Estudos Estratégicos, por sua vez, se encontram diversas áreas menores que estão

relacionadas ao exercício do poder militar, não só política internacional, mas também na

defesa nacional, sendo chamados de Estudos de Defesa. Dentro desses Estudos de Defesa,

vislumbramos a área de CT&I como parte integrante da estrutura de defesa de determinado

estado. A presente pesquisa aborda justamente essa relação entre CT&I e Defesa, ressaltando

a importância daquela para esta, em especial, nos contratos de transferência de tecnologia que

o país tem firmado com fornecedores internacionais em grandes programas militares, com o

objetivo de desenvolver a base industrial do país.

2.3 – TECNOLOGIA MILITAR E A IMPORTÂNCIA DA ÁREA DE CT&I PARA

DEFESA

2.3.1 – Aspectos conceituais gerais

No item anterior, localizamos a área de CT&I dentro da disciplina de Estudos

Estratégicos, a fim de situar a presente pesquisa no seu respectivo campo de produção de

conhecimento. No presente item, aprofundaremos o estudo conceitual da tecnologia ligada ao

poder militar e os aspectos que com ela se relacionam e influenciam, bem como,

ressaltaremos a importância da área de CT&I para Defesa.

O primeiro conceito a ser desenvolvido será o de tecnologia militar, depois seguir-

se-ão outros conceitos relacionados. Longo define tecnologia militar como sendo:

“o agregado organizado de todos os conhecimentos – científicos, empíricos,

intuitivos –, além de habilidades, experiências e organização, requeridos para

produzir, disponibilizar e empregar bens e serviços para fins bélicos, incluindo tanto

conhecimentos teóricos como práticos, meios físicos, técnicas, métodos e

procedimentos produtivos, gerenciais e organizacionais, entre outros.” (LONGO,

2007b, p. 120)

O autor elabora uma definição que conjuga a conceituação normalmente

disseminada do termo tecnologia militar, referente aos conhecimentos requeridos para a

produção de equipamentos e serviços específicos, com sua proposta de abordar também a

estratégia, a tática e conduta militares no referido conceito, tendo em vista que o autor as

29

considera como “tecnologias de processo” na condução de guerras e batalhas (LONGO,

2007b).

O autor também aponta um intenso debate entre duas correntes: uma, que acredita

que a tecnologia militar de produto domina os aspectos estratégicos e operacionais, sendo

estes condicionados pelos equipamentos disponíveis; outra, que rejeita o determinismo

tecnológico e prega que os objetivos militares são definidos a princípio e depois se buscam

tecnologias de bens e serviços para alcançá-los (LONGO, 2007b). No mesmo sentido, Elliot

Cohen (2002) nomeia dois grupos de historiadores militares e até mesmo soldados e sua

concepção da tecnologia militar. Os “tecnófilos” são os fascinados por nuances e detalhes

técnicos, que acabam por assumir papel central nas políticas públicas. Por outro lado, os

“tecnófobos” afirmam que a habilidade e efetividade organizacional são mais determinantes

para o resultado de uma batalha do que simplesmente equipamentos. Não obstante, Longo

afirma que não importa quem é prevalente, mas sim “a necessidade de uma eficiente

integração entre o desenvolvimento tecnológico, a estratégica militar e os conceitos

operacionais. Quanto melhor tal integração, mais efetivas as forças militares” (LONGO, 1986

apud LONGO, 2007b, p. 121).

A tecnologia militar é encarada de diversas formas pela variedade de atores que

com ela se envolvem. Segundo Cohen (2002), existem quatro grandes pontos de vista sobre a

tecnologia militar. A primeira perspectiva é de que a tecnologia seria algo predeterminado,

como se os cientistas que a desenvolvessem andassem por um corredor extenso com várias

portas trancadas, cada qual contendo um baú do tesouro. O progresso científico consistiria em

andar por esse corredor, destrancar tais portas e abrir os baús se apropriando do tesouro, algo

só possível de ser usufruído pelos detentores das chaves e da força para carregar os baús, ou

seja, para um seleto grupo de pessoas. Tal perspectiva é normalmente rechaçada por

historiadores da tecnologia e da engenharia, para estes, a tecnologia em sua forma final está

longe de ser predeterminada, mais se trata de uma construção no sentido “forma segue a

função”, ou seja, a forma assumida pela tecnologia militar serve para atender necessidades

militares em particular. A terceira perspectiva é a da “forma segue a falha”, na qual uma nova

tecnologia militar surge como resposta a alguma falha percebida na tecnologia preexistente. A

última diz respeito a fatores estéticos ou outros não-racionais, por exemplo, a resistência a

uma inovação tal como veículos aéreos não tripulados por parte de pilotos de aeronaves.

Nenhuma dessas teorias é completamente satisfatória, mas sua amplitude pode auxiliar no

entendimento de como e por que as tecnologias militares existem (COHEN in BAYLIS et. al.,

2002).

30

Dessa forma, a tecnologia pode assumir diversas formas e variações, conforme o

que Cohen (2002) chama de estilos nacionais. O estilo nacional, por sua vez, pode ser

determinado por uma variedade de coisas como: pressupostos políticos; trade-offs2 entre

diversas opções de hardware; processos de interação entre tecnologias novas e suas respostas

(medidas e contramedidas); tecnologias invisíveis (como o rádio); e a busca pela supremacia

tecnológica, em geral ou em determinados nichos específicos (COHEN in BAYLIS et. al.,

2002).

Mas emitir um conceito próprio significa dizer que a tecnologia militar é

essencialmente diferente da civil? Na realidade, como se pôde depreender, ambas as espécies

se diferem quanto à aplicação, uma se dá no meio militar e outra para uso civil, mas na

essência são a mesma coisa, o que chama a atenção para outros conceitos que serão

desenvolvidos a seguir.

Ao longo da história humana dificilmente se vê um desenvolvimento tecnológico

relevante que não esteja intimamente ligado a questões de segurança e defesa (LONGO,

2007b). Muitas inovações do tipo, que foram concebidas para atender necessidades militares,

acabaram sendo utilizadas para um bem sucedido uso civil. Noutro passo, também ocorreram

diversas descobertas de iniciativa civil que foram empregadas no meio militar. Tais

fenômenos são conhecidos, respectivamente, por spin off e por spin on/in.

Sendo assim, ocorre um spin off quando há um transbordamento da tecnologia de

uso militar para o uso civil. Como exemplo, pode-se citar a Arpanet, que foi um sistema

desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América que interligava

computadores no país, com vistas a garantir as comunicações dentro do território mesmo que

parte do sistema fosse comprometida. Tal sistema transbordou na atual rede mundial de

computadores, ou Internet, que serve tanto para uso militar quanto para uso civil. Além disso,

o Global Positioning System (GPS) foi um sistema militar de localização e posicionamento

via satélites, mas que hoje também é amplamente utilizado no meio civil (LONGO, 2007b).

Por outro lado, ocorre um spin on/in quando uma tecnologia oriunda do meio civil é

introduzida no meio militar para ser empregada para fins bélicos. Como exemplo, tem-se

diversas descobertas em biologia, informática, nanotecnologia, e comunicações que são

lideradas por gastos civis, mas que tem transbordado para propósitos militares (TAYLOR;

TATHAM, 2008 apud SILVA, 2011). Nesse sentido, para tais segmentos foi cunhado o

2 Entende-se por trade off como uma situação em que se precisa escolher ou ponderar entre duas coisas que são

opostas ou que não podem ser tidas ao mesmo tempo (MERRIAM-WEBSTER. Trade-off. Disponível em:

<http://www.merriam-webster.com/dictionary/trade%E2%80%93off>. Acesso em 31/03/2016).

31

termo dual use technology, ou de uso dual, aquela “possível de ser utilizada para produzir ou

melhorar bens ou serviços de uso civil ou militar” (LONGO, 2007b, p. 122). Mas é necessário

apontar que o termo “dual” é apenas para fins analíticos, pois é muito difícil discernir se uma

tecnologia é somente para uso militar ou civil, podendo até ser considerada de usos múltiplos

(MOLAS-GALLART, 1998 apud BRUSTOLIN, 2014).

Duarte (2012), por sua vez, apresenta uma visão crítica sobre esse

transbordamento e da utilização dual referida acima. Por meio de uma análise da evolução

histórica, o autor procura demonstrar que não existe uma relação determinista entre tecnologia

militar e desenvolvimento econômico. No mesmo sentido, a respeito do spin in/off, afirma que

os fenômenos de spin off foram pontuais, ocorrendo em alguns casos nos últimos 200 anos e

mais incisivamente entre a Segunda Guerra Mundial e as primeiras décadas da Guerra Fria,

dentro de um contexto social muito específico que é dos Estados Unidos, se diferenciando da

sua contraparte soviética, por exemplo, que embora investisse na indústria militar, falhava em

transbordá-la para a civil. Hodiernamente, assevera o autor que a relação entre os usos duais

parece ser o padrão de spin in, ou seja, transbordamento para o setor bélico. Ademais, aponta

que existe grande especialização de técnicas militares e não militares, de maneira que, com

exceção de itens específicos, não existe possibilidade de transferência de produtos e

procedimentos. Não obstante, Silva (2011) afirma que não é importante identificar se

prepondera um ou outro fenômeno, mas tem-se atualmente uma interdependência civil-militar

em desenvolvimento tecnológico.

A END considera três os setores estratégicos para o Brasil em termos

tecnológicos, quais sejam, a espacial, cibernética e nuclear (BRASIL, 2012c). Apenas para

ilustrar os últimos conceitos aqui tratados, vale colacionar um trecho da END em que eles são

notórios, embora não explícitos:

Como decorrência de sua própria natureza, esses setores transcendem a divisão entre

desenvolvimento e defesa, entre o civil e o militar.

Os setores espacial e cibernético permitirão, em conjunto, que a capacidade de

visualizar o próprio País não dependa de tecnologia estrangeira e que as três Forças,

em conjunto, possam atuar em rede, instruídas por monitoramento que se faça

também a partir do espaço.

O Brasil tem compromisso – decorrente da Constituição e da adesão a Tratados

Internacionais – com o uso estritamente pacífico da energia nuclear. Entretanto,

afirma a necessidade estratégica de desenvolver e dominar essa tecnologia. O Brasil

precisa garantir o equilíbrio e a versatilidade da sua matriz energética e avançar em

áreas, tais como as de agricultura e saúde, que podem se beneficiar da tecnologia de

energia nuclear. E levar a cabo, entre outras iniciativas que exigem independência

tecnológica em matéria de energia nuclear, o projeto do submarino de propulsão

nuclear. (BRASIL, 2012c, p. 3)

32

Outro conceito a ser tratado é o de tecnologias sensíveis que, segundo Longo,

representa aquela “de qualquer natureza, civil ou militar, que determinado país ou grupo de

países considera ser necessário não dar acesso, durante certo tempo, a outros países,

hipoteticamente por razões de segurança” (LONGO, 2007b, p. 122).

Nesse diapasão, quando se fala nessa categoria sensível e definindo-as quanto à

restrição ao acesso, não há como deixar de fora outro tema muito importante nas relações

internacionais e, em especial, no que toca aos fluxos de transferência de tecnologia. O

cerceamento será tratado no item a seguir.

2.3.2 – Cerceamento tecnológico

Segundo Longo, um fenômeno constante da história da humanidade foi o fato de

que os “detentores de conhecimentos que lhes conferiam vantagens significativas no tocante

ao poderio militar sempre tentaram proteger tais conhecimentos do acesso por parte dos seus

opositores reais ou potenciais” (LONGO, 2007b, p. 124). Seguindo a tradição científica

moderna, representada pela máxima “saber é poder” (BACON, 1825), herdou-se a associação

do conhecimento ao poder, ou seja, os conhecimentos tecnológicos que possibilitam uma

vantagem em termos de exercício de poder, em especial, na produção de artefatos bélicos,

tornaram-se o maior diferenciador entre países.

Nesse sentido, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, os países que

lideram o desenvolvimento científico e tecnológico têm cerceado o acesso de terceiros às

tecnologias e produtos que considerem sensíveis, incluindo até as de uso dual (LONGO;

MOREIRA, 2009). Portanto, William Moreira (2015) define o cerceamento tecnológico como

sendo um conjunto de políticas, normas e ações empreendidas por estados, organizações

internacionais ou empresas no sentido de restringir, dificultar ou negar o acesso, a posse ou

uso de bens sensíveis e serviços diretamente vinculados, por parte de estados, instituições,

centros de pesquisas ou empresas e terceiros.

Durante a Guerra Fria, o principal objetivo do cerceamento tecnológico era negar

conhecimento ao bloco oponente, a fim de manter a supremacia tecnológica em áreas

estratégicas. Após o fim daquele período histórico e da bipolaridade, emergiram atores não-

estatais que passaram a consistir as “novas ameaças” à segurança internacional, tais como o

terrorismo e o crime organizado transnacional. Uma grande parcela da preocupação em

33

cercear tecnologia foi redirecionada para evitar que armas de destruição em massa e outros

aparatos sensíveis pudessem cair nas mãos desses atores, em especial, após os ataques de 11

de setembro de 2001, nos EUA (LONGO; MOREIRA, 2009). Em relação à área nuclear,

talvez a principal preocupação do cerceamento tenha sido a manutenção da hegemonia

econômica, militar e política entre detentores de artefatos nucleares, haja vista os

instrumentos normativos quanto ao tema, particularmente o Atomic Energy Act dos EUA em

1946 e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968 (LONGO, 2007b).

Não obstante, além dos objetivos específicos acima, os países desenvolvidos tem

utilizado a prática do cerceamento a fim de manter as vantagens estratégicas, não somente

militares, mas também comerciais, alcançadas graças aos valiosos conhecimentos que detêm

por meio de suas empresas, valendo destaque para a “tríade” EUA, União Europeia e Japão

(LONGO; MOREIRA, 2009).

Segundo William Moreira (2015), as ações de cerceamento se dividem em dois

tipos: ações de negação e ações de intimidação. As ações de negação podem ser de acesso,

posse e uso. A negação de acesso ocorre quando o detentor de conhecimento denega o acesso

ao mesmo formal ou informalmente, assim como, restringe ou embarga, através de listas de

controle. A negação de posse ocorre quando há a apreensão de equipamentos e produtos,

absorção das capacitações, sobretudo através de aquisição de empresas, brain drain, quando

se cria incentivos e condições mais atrativas para os profissionais mais qualificados não

permanecerem no país que necessita da tecnologia e, por fim, da neutralização da posse por

qualquer meio, inclusive com o uso da força. A negação de uso se dá, sobretudo, mediante

cláusulas contratuais que proíbem a venda, transferência ou reexportação. As ações de

intimidação, por sua vez, consistem em ameaças e pressões, políticas, econômicas e/ou

militares, por meio de instituições de estado, internacionais, acadêmicas e/ou campanhas

midiáticas, com o fito de desencorajar o acesso de determinado país a determinada tecnologia.

De acordo com o mesmo autor, são três os principais mecanismos de

cerceamento: o Regime Internacional de Não Proliferação (RINP), as posturas unilaterais e a

competição de mercado (MOREIRA, 2013, 2015).

O RINP consiste na ampla gama de atos internacionais, arranjos multilaterais e

unilaterais, além de agências e sistemas de verificação que representam os esforços de

controle sobre tecnologias e bens sensíveis. Segue uma síntese histórica de algum desses

esforços (LONGO; MOREIRA, 2009).

34

Quadro 1 – Síntese histórica do RINP

Ano Evento

1946 Entra em vigor nos EUA o "Atomic Energy Act" (MacMahon Act), que proibia a transferência

para o exterior de quaisquer conhecimentos relativos à energia atômica. O Ato determinou como

o Governo poderia controlar e gerir a tecnologia nuclear. Uma das mais significativas decisões

contidas no Ato foi que o desenvolvimento de armas nucleares e a gestão de energia nuclear

deveriam estar sob controle civil. Para esse fim, foi criada a Comissão de Energia Atômica nos

EUA.

1949 Criado o "Coordinating Committee for Multilateral Export Controls" – COCOM, para coordenar

as restrições à exportação de tecnologias sensíveis, com o objetivo de coibir certas transferências

para os países comunistas, basicamente a União Soviética, a China e os países do Leste Europeu.

Com o fim da Guerra Fria, o COCOM foi extinto em março de 1994, quando era composto por

17 países industrializados, incluindo os membros da OTAN (exceto a Islândia) e mais o Japão e a

Austrália. Foi substituído pelo "Wassenaar Arrangement", que entrou em vigor em 1996.

1957 Criada a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), uma organização autônoma no seio

das Nações Unidas, com o objetivo de promover o emprego pacífico da energia nuclear e

desencorajar seu uso para fins militares.

1969 Entrou em vigor o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e o Caribe,

ou Tratado de Tlateloco, que proíbe e previne na região o “teste, uso, manufatura, produção ou

aquisição por qualquer modo de quaisquer armas nucleares” além de “receber, guardar, instalar,

movimentar ou qualquer forma de posse de qualquer arma nuclear”. Com a adesão de Cuba, em

2002, a América Latina e Caribe tornaram-se "Zona Livre de Armas Nucleares" e o Tratado de

Tlateloco passou a ser considerado modelo para o estabelecimento de tais zonas.

1970 Entrou em vigor o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que havia aberto à

assinatura em 1968. O TNP proíbe os cinco Estados nucleares reconhecidos à época, China,

França, Rússia, Reino Unido e EUA, de transferirem armas nucleares ou prestarem assistência

para a sua obtenção. Os Estados não-nucleares foram definidos como aqueles que não tenham

explodido um artefato nuclear até o dia 1 de janeiro de 1967. O Tratado proíbe aos Estados não-

nucleares de receber, desenvolver, produzir ou adquirir armas nucleares e os obriga a assinar um

acordo de salvaguardas sobre todo material nuclear por eles utilizado. A Agência Internacional de

Energia Atômica é a instituição que verifica o cumprimento do TNP com inspeções e

investigações. Esse tratado pode ser entendido como assimétrico e discriminatório, pois promove

um desequilíbrio de poder e estabelece duas categorias de países: os nucleares e os não nucleares.

1974 Criado o Grupo dos Supridores Nucleares (Nuclear Suppliers Group - NSG). Em 1974, a Índia,

até então considerada um país não-nuclear, explodiu uma bomba atômica, chamando a atenção

para o fato que a transferência de tecnologia nuclear para fins pacíficos poderia, também, ser

empregada com finalidades bélicas. Nesse mesmo ano foi criado o regime do NSG, uma

associação informal de países que possuem tecnologia nuclear e que procuram contribuir para a

não-proliferação de armas nucleares.

1979 O Congresso Norte-Americano aprovou o “Export Administration Act” e o “Arms Export

Control”, estabelecendo mecanismos de controle de exportação de bens de uso bélico, de

emprego nuclear e de uso dual. Em 1991, foi adicionada ao Export Administration Act, uma

relação de países - da qual faz parte o Brasil - que têm projetos de mísseis que causavam

preocupação aos EUA.

1987 Criado o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR), inicialmente formado pelo

Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e EUA. Na década de 80, com o objetivo

de dificultar e, se possível, impedir a proliferação de vetores de armas de destruição em massa ,

os membros do G-7, produziram normas para o controle de exportações de bens e tecnologias de

aplicação em mísseis com capacidade para transportar cargas superiores a 500 kg a distâncias

maiores que 300 km. Esse trabalho deu origem, em 1987, ao “Missile Technology Control

Regime” (MTCR). Em julho de 1992, foi decidida a expansão dos objetivos do MTCR para

abranger a não-proliferação de veículos aéreos não tripulados – VANTs para armas de destruição

de massa, e flexibilizando a carga de 500 kg e o alcance de 300 km. Em 2002, o MTCR foi

suplementado pelo Código Internacional de Conduta Contra a Proliferação de Mísseis Balísticos

(ICOC), também conhecido como Código de Conduta Hague, o qual se propõe a impedir a

proliferação de sistemas de transporte não tripulados, independentemente da carga e do alcance

dos mesmos.

1996 O Brasil adere ao regime de controle de exportação de materiais nucleares, o Grupo de

35

Supridores Nucleares (NSG).

Criado o "Wassenaar Arrangement". Considerado o substituto do COCOM, tem o propósito de

contribuir para a segurança e a estabilidade internacional, pelo estímulo à transparência e à

responsabilidade nas transferências de armas convencionais, bens sensíveis e tecnologias duais,

de modo a evitar a proliferação indevida de armas de destruição em massa ou a formação de

desequilíbrios de poder militar em certas regiões do mundo. O Brasil não faz parte desse órgão.

1997 Entrou em vigor a Convenção para a Proibição de Armas Químicas (CPAQ), da qual o Brasil é

signatário.

1998 Brasil adere ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear - TNP, em vigor desde 1970.

2001 Estabelecido o "Homeland Security Presidential Directive", pelo governo dos EUA, que proíbe

certos estudantes estrangeiros de receber educação e treinamento em áreas sensíveis, que tenham

direta aplicação no desenvolvimento e uso de armas de destruição em massa. As áreas de estudo

consideradas sensíveis constam da “Technology Alert List” – TAL que compreende uma vasta

relação de tópicos que vão de munição convencional até robótica e planejamento urbano.

2003 Revisada a “Technology Alert List” (TAL) pelo Departamento de Estado dos EUA, que emitiu

novas orientações a todo o corpo diplomático norte-americano no exterior, para a aplicação da

TAL. Segundo o Departamento de Estado dos EUA, os seguintes países apoiam o terrorismo e

compõe a “lista crítica”: Cuba, Irã, Iraque, Líbia, Coreia do Norte, Sudão e Síria.

2004 A Resolução 1540 foi adotada pelo Conselho de Segurança em sua reunião de nº 4956, em 28 de

abril de 2004. Por ela, os 191 Estados-Membros devem abster-se de prover qualquer forma de

apoio a atores não-estatais que procurem desenvolver, adquirir, manufaturar, possuir, transportar

ou utilizar armas nucleares, químicas e biológicas e seus meios de lançamento.

Fonte: LONGO; MOREIRA, 2009, p. 83

O Brasil aderiu a vários desses instrumentos, tais como: a Convenção para a

Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sua

Destruição (CPAQ); o Grupo de Supridores Nucleares (NSG); a Convenção sobre a Proibição

do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e à Base

de Toxinas, e sua Destruição (CPAB); Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares

(TNP); e Regime de Controle de tecnologia de Mísseis (MTCR). Mas existem outros que o

país não participa, como o Protocolo Adicional ao TNP, o “Wassennar Arrangement”, o

Grupo da Austrália e o “Zanger Comittee” (LONGO; MOREIRA, 2009).

Entretanto, além do regime de atos e arranjos internacionais, os países

estabelecem em sua ordem interna, mediante legislações e instituições, seus regimes próprios

de cerceamento tecnológico (MOREIRA, 2013). Nesse sentido, considerando que empresas e

pessoas detentoras de conhecimento tecnológico estão submetidas às leis de seu país, muitas

vezes são restringidas nas suas atividades mercantis em relação aos produtos e tecnologias

considerados sensíveis pela legislação pátria, havendo restrições a venda, revenda, exportação

etc. Pode haver, inclusive, uma eficácia extraterritorial dessa legislação (MOREIRA, 2013),

quando, por exemplo, determinado país é proibido de exportar certo produto por possuir

alguns elementos cuja tecnologia pertence a outro país que possui normas internas de restrição

à venda daquela tecnologia. No Brasil, o controle de exportação de bens sensíveis se dá pela

36

Lei nº 9.112/95, sendo sensíveis os “bens de uso duplo e os bens de uso na área nuclear,

química e biológica” (BRASIL, 1995, art. 1º, §1º).

Finalmente, o cerceamento por questões de competição do mercado se dá quando

empresas detentoras de tecnologia se recusam a fornecer os conhecimentos que garantem as

vantagens comparativas de seus produtos, sob o risco de expor aquilo que as diferencia no

mercado, abrindo caminho para eventuais e indesejados competidores (MOREIRA, 2015).

A fim de contornar tais obstáculos impostos ao acesso a tecnologias sensíveis,

estados e empresas adotam algumas alternativas, quais sejam: a transferência de tecnologia,

que será abordada detalhadamente em momento posterior; os programas mobilizadores (para

estimular o desenvolvimento autóctone); a engenharia reversa (desmontagem do produto para

investigar como ele foi produzido e absorver conhecimento); a cópia (simples reprodução); a

espionagem; e até o dreno de cérebros (atração de recursos humanos qualificados para o país)

(LONGO; MOREIRA, 2010).

Dessa forma, o cerceamento tecnológico, mediante suas ações e mecanismos,

constitui um grande obstáculo para os países em desenvolvimento adquirirem conhecimentos

em tecnologias sensíveis que propiciem sua inserção mais autônoma e independente no

concerto internacional. Quando se trata de transferência de tecnologia, é um dos temas de

maior relevância, haja vista a relação, na maioria das vezes, tensa entre cedente e

recipiendário de tecnologia, o primeiro querendo ceder menos e o último querendo receber

mais. Dessa forma, é importante situar os contratos de transferência de tecnologia que o Brasil

tem firmado em seus programas militares nesse contexto de cerceamento, bem como, avaliá-

los sob esse prisma, a fim de depreender se o país de fato tem recebido tecnologia.

2.3.3 – Inovações tecnológicas no meio militar e Revolução nos Assuntos Militares

O tema de inovações tecnológicas no meio militar provoca debates, dentre os

quais se destaca também a Revolução nos Assuntos Militares (RAM), que, por ser o mais

simbólico da introdução de novos equipamentos e formas de guerra, demonstra mais um

aspecto da relevância do papel da área de CT&I para a Defesa e dos seus desafios hodiernos.

Por esse motivo, não pode o tema deixar de ser abordada, ainda que somente em linhas gerais.

Andrew Krepinevich (1994) define a RAM como a aplicação de novas

tecnologias num número significativo de sistemas, combinada com conceitos operacionais

37

inovadores e adaptações organizacionais de modo a alterar o caráter e a condução do conflito,

produzindo um grande aumento do potencial de combate e da eficiência militar das forças

armadas. No mesmo sentido, Turner (2000 apud LONGO, 2007b) afirma que a RAM é uma

grande mudança na natureza da guerra, resultante do emprego de novas tecnologias as quais

combinadas com as dramáticas mudanças na doutrina, nos conceitos operacional e

organizacional militares, alteram fundamentalmente o caráter e a conduta das operações

militares.

A definição de RAM, bem como sua sistematização na literatura se deu a partir da

década de 80 do século XX, embora o fenômeno já pudesse ser constatado antes. Como

exemplo, em meados do século XIX, a combinação do telégrafo (ao permitir comunicação em

tempo real entre autoridades civis e militares e entre comandantes militares), das ferrovias (ao

permitir movimentação em massa de tropas e de suprimentos, tanto no inverno quanto na

condução de cercos) e do rifle (que tornou o engajamento da infantaria mais letal a grandes

distâncias) transformaram a guerra daquela época em relação à anterior (COHEN in BAYLIS

et. al., 2002). Krepinevich (1994) menciona exemplos mais antigos. Exemplo mais recentes

vão desde a blitzkrieg alemã, o uso de artefatos nucleares, passando pela Guerra do Golfo em

1991, nos Bálcãs 96/99, Afeganistão em 2001, do Golfo em 2003, até Líbia em 2011

(ROCHA, 2015; CHAPMAN, 2013; COHEN in BAYLIS et. al., 2002)

A ideia de revolução na conduta das atividades militares em decorrência de

inovações tecnológicas foi introduzida por Michael Roberts, em 1956 (TURNER, 2000 apud

LONGO, 2007b). Entretanto, a origem emblemática do tema se deu em 1982, com o panfleto

do Marechal Nikolai Ogarkov, da URSS, no qual o oficial, ao analisar os conflitos então

recentes no Afeganistão e entre Israel e Síria, observou que uma “revolução técnico-militar”

em curso no Ocidente estaria aumentando a efetividade dos armamentos convencionais, sob o

risco de fazer com que a superioridade tecnológica dos EUA causasse grande desvantagem

aos soviéticos, até então confiantes em sua capacidade numérica (LONGO, 2007b; ROCHA,

2015; CHAPMAN, 2013; COHEN in BAYLIS et. al., 2002).

Segundo Krepinevich (1994), a RAM se estrutura em quatro elementos: inovação

tecnológica, desenvolvimento de sistemas (com as novas tecnologias), criação de novos

conceitos operacionais (para empregar eficazmente os sistemas) e adaptação organizacional.

Cada elemento, por si, é uma condição necessária, mas não suficiente, para auferir os maiores

ganhos em efetividade que a revolução caracteriza. Dessa forma, a RAM envolve uma

mudança de paradigma na natureza e na condução das operações militares que torna obsoleta

ou irrelevante uma ou mais competências fundamentais de um competidor dominante e/ou

38

cria uma ou mais competências fundamentais em alguma nova dimensão da guerra

(HUNDLEY, 1999).

Hodiernamente, pode-se verificar uma RAM acontecendo sob o impulso das

tecnologias de informação e comunicação (TIC), cujos benefícios se dão pela combinação da

capacidade de comando, controle, comunicações, computação, informação (inteligência),

vigilância e reconhecimento (C4ISR, na sigla em inglês), somado a forças dotadas de armas

de precisão, integradas, com redes de sensores sofisticados, radares, satélites, veículos aéreos

não tripulados e tecnologia stealth (LONGO, 2007b; ROCHA, 2015).

Por outro lado, existe outra linha de estudiosos que encaram com ressalvas a

questão das inovações no meio militar (BIDDLE, 2002; ROSEN, 1991; DUARTE, 2012;

PROENÇA JR., 2011). Duarte (2012) afirma que o desenvolvimento tecnológico, numa

perspectiva histórica, não é sinônimo de inovação combatente, da mesma forma que uma nova

tecnologia não é sempre – e necessariamente – fonte para uma inovação dentro de forças

armadas.

Segundo o autor, existem três condições sociais para o desenvolvimento

tecnológico: i) necessidade social; ii) recursos sociais disponíveis; e iii) um ethos social

favorável. Da mesma forma, a tecnologia militar também é tão social e subordinada aos

interesses e particularidades de uma sociedade como qualquer outra espécie, mas que possui

as particularidades inerentes à atividade bélica que acabam por constranger o seu

desenvolvimento dentro das organizações militares. Em síntese, o autor aponta exemplos

históricos3 de inovações que não surtiram efeitos satisfatórios ou desejados no campo de

batalha, menciona que o emprego dos recursos utilizados deve levar em conta a padronização

característica das forças, muitas vezes não se justificando e afirma que o ethos militar é

altamente conservador, pouco dado a mudanças e não raro preferindo as formas e

equipamentos mais conhecidos e seguros ao uso de uma inovação incerta (DUARTE, 2012).

Nesse sentido, uma inovação militar ampla seria apenas possível em tempos de

paz e com a alternância geracional de oficiais. Em tempos de guerra, o impacto de inovações

seria sempre limitado e pautado por um claro índice de desempenho e por uma condição

estratégica específica. Além disso, ainda que uma inovação pudesse produzir um ganho de

desempenho, seria possível que fosse descartada pela incompatibilidade com outros aspectos

3 Dentre os exemplos mencionados, estão os arcos longos dos ingleses que eram mais leves, precisos, versáteis,

de fácil manuseio e reposição e culturalmente assimilados na sociedade em relação ao arcabuz que, mesmo

sendo tecnologicamente superior, era mais caro, de difícil manuseio, transporte, lento de recarga e de pouca

precisão. Além disso, destaca o papel da cavalaria em relação aos primeiros carros de combate à época da

Primeira Guerra Mundial, que apresentavam falta de velocidade, carência de movimentação tática, complexidade

de reposição e longos ciclos de manutenção (DUARTE, 2012).

39

da organização militar, quais sejam: por insuficiência de recursos disponíveis ou alocados

pela liderança política; resistência institucional; ou por não apresentar ganho aparente de

desempenho estratégico (ROSEN, 1991).

Biddle (2002), por sua vez, assume que a tecnologia se desenvolveu rapidamente

nos últimos cem anos, provocando um acelerado aumento no alcance, letalidade, velocidade e

inteligência das forças armadas, no entanto, os conflitos contemporâneos demonstram que,

não obstante o emprego de inovações, certos princípios doutrinários permaneciam os mesmos

desde o início do século e eram recorridos continuamente pelos combatentes, quais sejam:

forças combinadas; integração de movimento e fogo de supressão; uso agressivo de cobertura

e ocultação; profundidade defensiva e; reservas. Assim, o autor admite que a tecnologia

algum dia possa revolucionar o caráter das operações militares dentro de uma RAM, mas

garante que esse dia ainda não chegou, pois o que ela fez até agora foi punir com mais

severidade os erros dos exércitos em não cumprir os referidos princípios básicos da doutrina

militar.

Proença Júnior (2011) também questiona o falacioso argumento do reducionismo

tecnológico, em que se argumenta que uma melhor tecnologia causa automaticamente um

melhor arranjo de defesa. O autor não nega a importância ou o impacto das inovações em

artefatos e seus reflexos no combate, mas o equipamento não pode ser determinista em si

mesmo, ao contrário, para que uma vantagem combatente possa ser de fato auferida, se faz

necessário considerar outros aspectos como um todo, quais sejam: projeto político de defesa;

tutela civil; vontade e habilidade humana; capacidade de aprendizado, tanto no uso da

tecnologia, quanto no aperfeiçoamento doutrinários por meio da experiência e na exploração

de vantagens e desvantagens dos meios.

Sendo assim, embora seja inegável que o progresso tecnológico influenciou na

forma de se fazer a guerra, não são todas as inovações que podem ser empregadas e

devidamente aproveitadas nas forças armadas, de forma que a tecnologia em si mesma não é

suficiente para se compreender ou explicar a maneira com que vantagens combatentes surgem

e desaparecem. De semelhante modo, a rigidez e a especialização que caracterizam o meio

militar, salvos exemplos históricos pontuais, obstaculizam inovações, especialmente as que

podem ser empregadas no meio civil. Assim, CT&I como política de defesa não pode

prescindir da interdependência que a concepção inovacional hodierna aponta entre o âmbito

militar e o não militar.

O debate acerca da introdução de inovações tecnológicas no meio militar, da qual

a RAM faz parte, reforça a conexão entre CT&I e Defesa. Ainda que não haja consenso, sobre

40

o papel definitivo da atividade inovadora em conflitos bélicos, o estudo da RAM permite a

melhor priorização dos investimentos em tecnologias a se implementar e desenvolvimentos a

custear (ROCHA, 2015), bem como qual inovação pode efetivamente ser empregada em

combate.

2.3.4 – CT&I como política pública para a Defesa

Esse item se dedicará a focar o debate da área de CT&I como política pública

oficial praticada por governos em relação ao atributo estatal da Defesa. Duarte (2012) ensina

que o desenvolvimento tecnológico e sua difusão se dão por um processo sociológico, sendo

seu efeito inovador determinado pelo seu significado e pela sua utilidade num determinado

contexto social. Assim, como a dinâmica do processo envolve a percepção da sociedade, há a

participação da vontade política na disponibilização dos recursos destinados à produção

tecnológica. Sendo assim, a partir de uma perspectiva histórica, demonstra o autor como a

participação do poder político como determinador ou demandante de novas formas de

organização e produção, fossem para fins comerciais, fosse para fins bélicos, foi que deu

impulso ao desenvolvimento tecnológico e industrial, nada sugerindo que a tecnologia tenha

se emancipado dessa origem.

A tradição científica que herdamos contemporaneamente remonta à Revolução

Científica, que teve início no século XVII na Europa, cujo embrião fora na Renascença

italiana, mas logo frutificou impulsionada pela criação do método científico, principalmente

por Francis Bacon e René Descartes, e pela institucionalização da ciência por diversos países

europeus, por meio de academias e sociedades científicas. Nesse estágio, a ciência estava

pouquíssimo ligada à produção de bens e serviços (LONGO, 2009). Posteriormente, a partir

do século XVIII experimentou-se a Revolução Industrial, também chamada de Revolução

Tecnológica, que pode ser dividida em duas partes: a “revolução do carvão e do ferro”, de

1780 a 1850, e a “revolução do aço e da eletricidade”, de 1850 a 1914 (LONGO, 2009). Foi

caracterizada pela introdução de máquinas no processo produtivo permitindo a produção em

escala, mas sem a aplicação sistemática da ciência, ao contrário, foi realizada com base em

experimentos empíricos, frutos do engenho artesanal e mecânico (HALL; HALL, 1954 apud

LONGO, 2009).

41

A ciência se preocupava, principal e inicialmente, a responder as questões

relativas ao universo, só em momento posterior que passou a, gradativamente, explicar

também as indagações oriundas das máquinas, processos e produtos criados pelo homem.

Assim, somente no final do século XIX é que a tecnologia passou a fazer uso significativo da

ciência, sobretudo na indústria química e nos usos da energia elétrica (LONGO, 2009). A

partir de então, as descobertas científicas e os avanços tecnológicos e em inovação cresceram

exponencialmente. Entretanto, até o estourar das duas guerras mundiais do século XX, a

pesquisa acadêmica em ciências e engenharias não era tida como uma responsabilidade

governamental, mas quase todo seu financiamento vinha de contribuições privadas

(KLEIMAN, 1995 apud BRUSTOLIN, 2014).

Com o início da Primeira Guerra Mundial, já se podia observar a delineação da

íntima ligação entre ciência e tecnologia e, em consequência, em ambos os lados contendores,

os cientistas foram envolvidos no esforço de guerra, como exemplo, para estudar a detecção

de submarinos, desenvolvimento de novos aviões e aprimoramento de explosivos e gases

tóxicos. Entretanto, ao término do conflito, com exceção da Alemanha e da Rússia, a ligação

fomentada entre a comunidade científica e tecnológica com o governo foi, praticamente,

desativada (LONGO, 2009). Já a eclosão da Segunda Guerra Mundial mudou

consideravelmente o modelo de inovações, sobretudo nos EUA (PURSELL, 1979 apud

BRUSTOLIN, 2014), mas o potencial científico e tecnológico foi mobilizado também na

Inglaterra e na Rússia (LONGO, 2009).

O destaque dado aos EUA se dá por causa do seu modelo, que se tornou

paradigmático e emblemático. Com o início do desenvolvimento da bomba atômica, surgiu a

percepção de que atrasos no desenvolvimento e produção de tecnologias armamentistas

poderiam ser militarmente desastrosos para o país (HOLLEY Jr., 1997 apud BRUSTOLIN,

2014), ademais, iniciada a Guerra Fria e a competição com o bloco soviético, potencializou-se

ainda mais a busca por inovação militar (GALISON, 1988 apud BRUSTOLIN, 2014). Nesse

sentido, havia a necessidade de se ampliar a capacidade científica e tecnológica, mas de forma

além do que a concorrência industrial poderia oferecer. Tornou-se necessária, portanto, a

intervenção do Estado, mediante a promoção do envolvimento das universidades junto às

indústrias e empresas para atender às necessidades tecnológicas militares (ROGER, 1992

apud BRUSTOLIN, 2014), gerando um modelo de inovação que ficou conhecido por

“complexo militar-industrial-acadêmico” (LESLIE, 1993 apud BRUSTOLIN, 2014). O pós-

guerra tornou evidente que a capacidade científica e tecnológica havia passado a ser o grande

ordenador do poder mundial, nos aspectos políticos, econômicos e militares, elevando a área

42

de CT&I à categoria de preocupação política central nos países mais desenvolvidos (LONGO,

2009).

Nesse diapasão, em novembro de 1944, o Presidente Roosevelt enviou um ofício

ao diretor do Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (OSRD, em inglês) da

Presidência da República dos EUA, o engenheiro Vannevar Bush, fazendo uma previsão e

quatro indagações (LONGO, 2009), cujo resumo colacionamos.

“(1) Como aproveitar e divulgar as contribuições ao conhecimento científico feitas

durante nosso esforço de guerra; (2) O que poderia ser feito para organizar um

programa a fim de dar continuidade no trabalho feito em medicina e áreas

relacionadas; (3) o que o governo poderia fazer para ajudar as atividades de pesquisa

de organizações públicas e privadas; (4) se seria possível propor um programa eficaz

para a descoberta e o desenvolvimento de talentos científicos dentre a juventude

estadunidense, para que o futuro da pesquisa científica no país fique assegurado num

nível comparável ao dos tempos de guerra.” (BUSH, 1945 apud BRUSTOLIN,

2014, p. 21)

Como resposta, Bush e sua equipe enviaram um relatório intitulado “Ciência, a

fronteira sem fim” (Science – The endless frontier), ressaltando a importância do progresso

científico para o tratamento de doenças, para a segurança nacional e para o bem-estar da

população, propondo o estabelecimento duma política nacional para o desenvolvimento

científico que renove o talento científico do país por meio da inclusão dos militares, bem

como, a criação de uma fundação de apoio às pesquisas básicas e aplicadas e ao ensino de

ciência (BUSH, 1945; LONGO, 2009; BRUSTOLIN, 2014). Bush e sua equipe são

considerados os principais formuladores do baseado no complexo militar-industrial-

acadêmico, mencionado acima e representado abaixo (BUSH, 1945; BRUSTOLIN, 2014).

43

Figura 3 – Complexo militar-industrial-acadêmico dos Estados Unidos

Fonte: BRUSTOLIN, 2014, p. 24

Dessa forma, o referido modelo de Bush, empregado hodiernamente, sofreu

diversas alterações e adaptações ao longo de sua história, mas sua estrutura básica permanece

próxima aos fundamentos originais elaborados pelo autor (BRUSTOLIN, 2014). O modelo

original previa uma fundação que centralizava o apoio à pesquisa científica básica e aplicada,

a National Science Foundation (NSF), mas o entendimento governamental sobre a

importância estratégica da área de CT&I evoluiu e fez a estrutura de multiplicar para diversas

agências ao longo dos anos, como a National Institute of Health (NIH), Office of Naval

Research (ONR), Atomic Energy Comission (AEC), National Aeronautics and Space

Administration (NASA), a Defense Advanced Research Project Agency (DARPA), dentre

outras (LONGO, 2009).

A estrutura fundamental tripartite em que figuram nos vértices o governo, as

empresas e a academia, foi adotada em outros modelos, que variam segundo a importância ou

funcionalidade de cada elemento e a dinâmica na qual eles interagem. Como exemplo, há o

“Triângulo de Sábato”, que localiza seus vértices funcionalmente, estando o governo no topo

e os demais nas bases, sob o entendimento que a esfera governamental é a responsável por

formular e implementar políticas públicas e mobilizar recursos para os demais vértices

(FIGUEIREDO, 1993). Na década de 1990 foi desenvolvido o argumento “Triple Helix” que,

44

em síntese, utilizando os mesmos atores, não coloca uma relação de preponderância entre

eles, mas, ao dar mais destaque à relação universidade-empresa, equilibra a importância de

todos os domínios envolvidos (política, ciência e economia) e atribui às relações dinâmicas

entre os agentes um movimento verdadeiramente produtivo com riqueza de oportunidades

para inovação (DAGNINO, 2003; MYLLER; PEREIRA, 2015).

No Brasil, a modernização da produção se deu a partir dos anos 1930, época do

Primeiro Ciclo Industrial Militar do país, sob a premissa de que até então, todo o parque

industrial era baseado em tecnologia estrangeira (AMARANTE in PINTO et. al., 2004). Mas

a Segunda Guerra Mundial e a postura estadunidense durante e após ela em relação à CT&I

inspiraram o Brasil. Na década de 1950, o país passou a expandir e dar uma organização

sistêmica à comunidade científica, tecnológica e empresarial, sendo capaz de mobilizá-la

conforme os interesses e necessidades nacionais, no que tange à política, economia, soberania

e defesa (LONGO, 2009). Noutro passo, à medida que o ciclo de pesquisa e desenvolvimento

se expandia, o Brasil assinou um acordo militar com os EUA de repasse de material bélico,

propiciando o acesso a equipamentos de baixo custo, deixando a produção local em segundo

plano (AMARANTE in PINTO et. al., 2004). Datam dessa década o Conselho Nacional de

Pesquisa (CNPq) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Ao final da década de

1970, o Brasil já havia implementado o que se poderia considerar um “sistema nacional de

desenvolvimento científico e tecnológico” (LONGO, 2009, p. 11). Por outro lado, o contexto

político e social dos anos 1990 e 2000 causaram um desnecessário “quase aniquilamento” da

base industrial de defesa do país, com a consequente redução da atividade dos centros de

pesquisa e desenvolvimento, responsáveis pelo conhecimento científico da referida atividade

tecnológica militar (AMARANTE in PINTO et. al., 2004).

Ao tecer considerações sobre o potencial militar-industrial-acadêmico do Brasil,

assim se posicionou Brustolin (2014):

“1. Há interesse do Ministério da Defesa em reestruturar o seu modelo de inovação,

unindo governo, indústrias e universidades (conforme a Estratégica Nacional de

Defesa); 2. Ao mesmo tempo, as indústrias de material bélico do Brasil contêm tal

motivação (expressa na missão da ABIMDE); 3. E que projetos envolvendo a

Defesa foram agraciados recentemente no meio acadêmico do País (Programa Pró-

Defesa), além de multiplicaram-se programas de estudo na área (de acordo com o

Livro Branco de Defesa Nacional). Delineia-se, assim, a existência, no Brasil, de

instituições semelhantes às dos Estados Unidos, a saber: militares, industriais e

acadêmicas. Todas dispostas a interagir e a buscar a produção de ciência e

tecnologia, tanto militar, quanto civil.” (BRUSTOLIN, 2014, p. 68)

Entretanto, ao analisar comparativamente os modelos de inovações do Brasil e dos

EUA, Brustolin (2014) concluiu que a estrutura brasileira, embora tenha potencial e condições

45

propícias para fomentar a produção de tecnologia própria, ainda há muito que se aperfeiçoar

nas suas instituições, propondo o autor uma importação adaptativa e seletiva do modelo

estadunidense, aproveitando o que o país já desenvolveu e experimentou com sucesso, com a

finalidade de alcançar a diretriz estratégica da PND e da END, qual seja, se tornar um país

inovador e gradualmente independente da tecnologia estrangeira. Vale transcrever:

“Se o governo brasileiro não se articular de forma a planejar, modelar, integrar e

desenvolver, o País jamais aproveitará a capacidade plena de sua Defesa Nacional.

O que fica claro no complexo militar3industrial3acadêmico é que o governo diz o

que quer. A ação primeira parte do governo e dos militares (que, evidentemente, são

agentes governamentais). Os editais para a articulação das universidades e das

indústrias têm origem com o governo dizendo o que deseja – essa é a regra. O Brasil

possui algumas diretrizes, dentre as quais a Política e a Estratégia Nacional de

Defesa, que almejam planejar, antecipar e detalhar as necessidades para produzir,

localmente, ciência e tecnologia. Entretanto, só com um modelo claro e integrado é

possível dominar o conhecimento para não ser necessária a dependência eterna à

expertise alheia. Desse modo, as tecnologias prioritárias selecionadas para o Brasil

no Programa de Articulação e Equipamentos de Defesa4, podem, em grande parte,

ser desenvolvidas no País, auxiliando-o a cumprir as suas metas, a lidar com os seus

próprios problemas e a desenvolver-se, nesse processo. Deixar, por conseguinte, de

agir estrategicamente de forma a implementar não só a Defesa, mas também a

ciência e tecnologia da nação, inclusive em termos civis, é ir contra o interesse

público.” (BRUSTOLIN, 2014, p. 120)

Em outra corrente, Duarte (2012) afirma não haver vínculo causal e histórico entre

inovação tecnológica militar e desenvolvimento econômico pelas seguintes razões: as

condições sociais dentro e fora das forças armadas são marcadamente distintas e não ocorrem

convergentemente em termos temporais e de efeitos e existe grande especialização de técnicas

militares e civis, sendo que a transferência de um meio para o outros só se dá em itens

específicos excepcionais. Nesse sentido, o autor afirma que em alguns casos cruciais, alguns

entraves à pesquisa e desenvolvimento em empreitadas civis fugiam da lógica capitalista e,

por isso, demandaram articulação com outros setores da sociedade, sobretudo do governo,

com a participação dos militares, por gozarem de precedência executiva perante outras

instituições. Esse modelo foi praticado ao longo do século XX, porém, desde 1970, as

organizações militares teriam voltado a ser um vetor menos eficaz de inovação tecnológica

em uma sociedade, pelos motivos já aduzidos.

Serrão e Longo (2012) elaboraram um trabalho sobre a avaliação do poder

nacional, ou seja, a capacidade de um estado de exercer sua própria vontade

4 “O Plano de Articulação e Equipamento da Defesa (PAED) é, em termos simples, o principal instrumento que

o Estado dispõe para garantir o fornecimento dos meios que as Forças Armadas necessitam, bem como a

infraestrutura que irá provê-los. Por meio dele, o Ministério da Defesa planeja e executa as compras associadas

aos projetos estratégicos de defesa, ao mesmo tempo em que organiza e sustenta, com esses investimentos, o

setor industrial de defesa no país” (BRASIL. Ministério da Defesa. Plano de Articulação e Equipamentos de

Defesa. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/industria-de-defesa/paed>. Acesso em 31/03/2016).

46

independentemente da vontade alheia ou, ainda, de impor sua vontade a outros (WEBER,

1979). Para avaliar tal atributo, diversos indicadores poderiam ser utilizados nas mais variadas

fórmulas, abordando desde Produto Interno Bruto, passando por efetivo de Forças Armadas,

território, população, produção de aço, combustível até muitas outras. Os autores

sistematizaram várias fórmulas já utilizadas na literatura para avaliar o poder nacional, no

entanto, ao concluir sua pesquisa, uma das críticas que fizeram foi a inadequação dos

indicadores referentes a CT&I nas fórmulas até então existentes. Isso porque “na realidade, a

capacidade nacional de dominar os ciclos de inovação capitalistas é de suma importância na

medida em que possibilita ao Estado elevado crescimento econômico e a criação de uma força

militar eficiente” (SERRÃO; LONGO, 2012, p. 24). No mesmo sentido:

“A capacidade de inovação possibilita taxas diferenciadas de acumulação de capital

entre as nações e o domínio do processo permite manter a liderança nesse círculo

cumulativo, gerando uma vantagem econômica comparativa entre os países. Os

recursos econômicos podem, por sua vez, serem empregados na capacitação e

modernização militar.” (SERRÃO; LONGO, 2012, p. 24)

Dessa forma, os referidos autores concluem que a variável correspondente a CT&I

deveria representar o principal indicador no cálculo de poder nacional no mundo hodierno,

bem como, o grande diferenciador entre os poderes de estados. Nesse diapasão, o possuidor

de tecnologia exerce influência e poder, vez que em todos os aspectos das relações humanas

existe algum grau, maior ou menor, de dependência de algum bem tecnológico. O mesmo se

aplica aos meios de Defesa. A área de CT&I imiscuiu-se de tal forma na maneira de se fazer

guerra, que atualmente quem não possui instrumentos de defesa avançados, está fadado a

sucumbir perante potências estrangeiras que os possuem.

Entretanto, existe um aspecto importante a ser considerado quando se insere a área

de CT&I na política de defesa. Proença Júnior e Diniz (1998) criticam esse conceito de

“poder nacional” pela impossibilidade de se quantificar exatamente os poderes dos estados

numa tentativa de predeterminar o resultado de conflitos, principalmente quando não se leva

em conta as diversas circunstâncias e a complexidade que se podem dar o relacionamento dos

mesmos, variando na forma com a qual eles exerceriam sua vontade. Como exemplo, os

autores ressaltam a possibilidade de, num desafio global comum, o poder nacional de

determinado estado ser dissipado em várias frentes, no entanto, em sua fragilidade, pode ele

ser combinado inteligentemente com poderes de eventuais outros aliados, resultando numa

situação favorável não prevista na quantificação original. No mesmo sentido, dividir o poder

nacional em expressões, nas quais CT&I seria uma delas, incorreria no risco de tomar tal fator

47

em si mesmo, sem considerá-lo um processo social, cultural e principalmente político, como

todos os outros.

Dessa forma, tendo em vista a natureza eminentemente política dos supostos

componentes do “poder nacional”, existem riscos à adoção de uma política de defesa que vise

aumentá-lo, representados pelo dilema da segurança e pela corrida armamentista. Tais

conceitos consistem, em síntese, na visão hostil que determinado Estado adquire, por parte de

outros estados, ao se armar. Isso o traz uma percepção de insegurança que o leva a se armar

ainda mais, agravando o sentimento de hostilidade nas suas relações externas. Por outro lado,

outro estado que encara o primeiro com desconfiança, tende a também se armar cada vez mais

para se contrapor ao rival, provocando uma suposta corrida armamentista. Assim, os autores

consideram falaciosos esses paradoxos de segurança, pois a competição não é na questão de

armas em si, mas, na oposição entre duas metas políticas radicalmente opostas. Sendo assim,

chamam atenção para a necessidade de uma política de defesa ter, como um de seus

componentes essenciais, uma bem articulada relação entre política declaratória, aquilo que os

estados dizem que vão fazer, e uma política concreta, aquilo que efetivamente fazem, de

forma a efetivamente integrar defesa e diplomacia (PROENÇA JÚNIOR; DINIZ, 1998). Esse

entendimento foi adotado pela PND (BRASIL, 2012b) e pela END (BRASIL, 2012c), que

estabelecem, no primeiro caso, as metas políticas do Brasil de forma transparente e previsível

para sua relação com outros estados e, no segundo caso, as formas de como atingi-las.

Existem principalmente duas formas de obtenção de CT&I: através de Pesquisa e

Desenvolvimento, onde se busca desenvolver tecnologia autóctone, e de acordos de

transferência de tecnologia, em que se paga para obter tecnologia já pronta e segura (VIEGAS

in SANTOS; JABUR, 2007). A fim de reduzir a discrepância tecnológica entre o Brasil e os

países desenvolvidos, as compras de material bélico envolvendo transferência de tecnologia

tem sido uma estratégia priorizada pelo país. Contudo, um dos maiores desafios quando se

busca adquirir tecnologia estrangeira, é garantir que ela possa ser de fato absorvida e

incremente efetivamente a capacidade tecnológica nacional, rompendo a relação de

dependência com as potências desenvolvidas.

Destarte, pode-se constatar nesse item a inserção da área de CT&I na Defesa,

sobretudo, como política pública praticada pelo Estado, por meio de suas instituições civis e

militares, em integração com as universidades e a iniciativa privada. Noutro passo, tal modelo

de complexo militar-industrial-acadêmico, embora tenha experimentado sucesso,

especialmente nos EUA, tem sofrido questionamentos e alterações ao longo da história, com

48

novas propostas de tal relacionamento, sobretudo quanto às críticas existentes à visão de que

os militares possuem papel importante nesse contexto.

Diante dos conceitos desenvolvidos e dos pontos em que a área trabalhada toca o

setor, levando em consideração os debates existentes sobre os mesmos, pode-se chegar a

algumas conclusões. A primeira e mais importante delas, da qual decorrem todas as outras, é

que o papel de CT&I na Defesa deve ser enxergado através da ótica política, considerando

que o desenvolvimento tecnológico é fruto de um processo social e que a guerra é um

fenômeno político.

Portanto, o papel da área de CT&I na Defesa não é de modo algum determinista,

nem deve nortear, por si só, as políticas públicas do setor numa relação causal para se obter o

desenvolvimento econômico. Contudo, dentro do prisma proposto, a inserção da mesma como

prioridade estratégica nos documentos oficiais representa a utilização de uma política

declaratória, que permite a interpretação das ações concretas do país em prol da modernização

das forças e da capacitação industrial brasileira sem que isso importe na percepção de uma

postura belicista ou competitiva que ameace a segurança internacional ou comprometa outros

aspectos da política externa, especialmente na necessidade do país com atraso tecnológico de

superar os desafios do cerceamento imposto globalmente.

Reforça-se, portanto, a importância e a justificativa da presente pesquisa. O Brasil

tem uma política declaratória que afirma a importância da área de CT&I para Defesa no

sentido de capacitar a base industrial do país e contribuir para sua atuação autônoma no

cenário global. No mesmo sentido, tem firmado, no âmbito internacional, diversos contratos

de transferência de tecnologia que envolvem os mais importantes programas de Defesa do

país. A tecnologia obtida através desses programas constitui somente instruções e técnicas

obsoletas que mantém o atraso em relação ao mundo, ou são capazes de aperfeiçoar a base

industrial de defesa do país permitindo o desenvolvimento independente da capacidade

nacional como preconiza o objetivo político traçado?

2.4 – NACIONALIZAÇÃO

Muito se fala em nacionalização para qualificar programas militares de produção

e/ou aquisição de meios de defesa. A princípio, isso significaria que o Brasil busca relações de

parceria com governos e empresas estrangeiras a fim de desenvolver a capacidade industrial

49

nacional, sendo que tais negociações e compras são condicionadas à fabricação dos meios no

Brasil, assim como a importação da tecnologia inerente. Os limites, prazos, quantidade de

produtos fabricados no exterior e nacionalmente, quantidade de tecnologia, tudo pode variar

conforme o contrato. Em muitos casos, a nacionalização é estimada em porcentagem do

produto em insumos nacionais, por exemplo, 90% de nacionalização de determinado meio

significaria que tal produto possui 90% do total de insumos necessários para sua fabricação

adquiridos dentro do país. Ainda exemplificando, o Programa de Desenvolvimento de

Submarino com Propulsão Nuclear (PROSUB) da Marinha do Brasil objetiva a longo prazo, a

nacionalização em 100%, ou seja, completa, de todas as peças, partes, componentes, sistemas

e serviços do submarino nuclear (HIRSCHFELD, 2014).

O processo de nacionalização, além do propósito de aumentar a capacitação

industrial, possui outros aspectos importantes relacionadas ao desenvolvimento social, como a

geração de empregos, fomento da infra-estrutura, da educação, moradia, comércio e serviços

assessórios e outros semelhantes. A transferência de tecnologia faz parte do processo de

nacionalização.

De tão importante para a política industrial do país, em especial, em relação à

indústria de defesa, a nacionalização ganhou contornos oficiais, ao ser consagrada na

Estratégia Nacional de Defesa, devendo nortear as políticas públicas relacionadas. Além dos

trechos mencionados supra, também colacionamos:

“(a) Completar, no que diz respeito ao programa de submarino de propulsão nuclear,

a nacionalização completa e o desenvolvimento em escala industrial do ciclo do

combustível (inclusive a gaseificação e o enriquecimento) e da tecnologia da

construção de reatores, para uso exclusivo do Brasil;

(...)

(a) Dar prioridade ao desenvolvimento de capacitações tecnológicas independentes.

Essa meta condicionará as parcerias com países e empresas estrangeiras, ao

desenvolvimento progressivo de pesquisa e de produção no País.

(...)

6. No esforço de reorganizar a Base Industrial de Defesa, buscar-se-ão parcerias com

outros países, com o objetivo de desenvolver a capacitação tecnológica nacional, de

modo a reduzir progressivamente a compra de serviços e de produtos acabados no

exterior. A esses interlocutores estrangeiros, o Brasil deixará sempre claro que

pretende ser parceiro, não cliente ou comprador. O País está mais interessado em

parcerias que fortaleçam suas capacitações independentes, do que na compra de

produtos e serviços acabados. Tais parcerias devem contemplar, em princípio, que

parte substancial da pesquisa e da fabricação seja desenvolvida no Brasil, e ganharão

relevo maior, quando forem expressão de associações estratégicas abrangentes.”

(BRASIL, 2012d, pp. 20-22)

Diante do exposto, pode-se definir a nacionalização como o ato de “expandir e

manter a parcela da base científica e tecnológica de interesse do País, com vistas à obtenção

da capacidade de nele produzir os bens e serviços de que necessita” (BONFADINI, 1996, p.

50

49). Por sua vez, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

considera, para fins de subvenção econômica, a nacionalização da tecnologia “os projetos

capazes de gerar propriedade ou absorção de tecnologia por parte de instituições brasileiras”

(BNDES, 2015). A referida instituição foi além, não só definindo, mas estabelecendo métodos

para apurar a nacionalização de um empreendimento. Assim, o índice de nacionalização pode

ser calculado em termos de valor e de peso, cada qual com sua respectiva fórmula (BNDES,

2013).

2.5 – TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

2.1.1 – Conceito

Como já salientado, a tecnologia pode se comportar como mercadoria, como bem

privado, sujeita ao amparo jurídico que rege a propriedade, assim, o “processo de compra e

venda ou aluguel de tecnologia é, normalmente, referido como transferência de tecnologia”

(LONGO, 2007a, p. 6).

No entanto, Furtado (2012) nos chama a atenção para a diferença entre

transferência e comércio de tecnologia. Ao passo que a transferência de tecnologia é um ato

de comunicação, de transferência de conhecimento, podendo ocorrer por diversos meios como

contratos de know how, licença de propriedade industrial, investimento direto, assistência

técnica, educação não específica, entre outros, a comercialização de tecnologia se trata do

comércio de tecnologia explícita, ou seja, uma transação que não importe em um fator

cognitivo da atividade empresarial (BARBOSA, 2003).

Nesta senda, a transferência de tecnologia ocorre quando “um conjunto de

conhecimentos, habilidades e procedimentos aplicáveis aos problemas da produção são

transferidos, por transação de caráter econômico, de uma organização a outra, ampliando a

capacidade de inovação da organização receptora” (INPI, 2010 apud MOREIRA, 2011, p.

144).

A transferência de tecnologia também encontra conceituação na ordem jurídica

brasileira, em especial, no que tange à Defesa. A Portaria Normativa Nº 1888/MD, de 23 de

dezembro de 2010, que aprovou a Política de Propriedade Intelectual do Ministério da Defesa,

51

define o termo como o “processo de transferência de conhecimento tecnológico caracterizado

pela cessão de direitos sobre criação, que pode ocorrer por licenciamento para outorga de

direito de uso ou exploração de criação ou simplesmente por fornecimento de tecnologia”

(BRASIL, 2010, art. 3º, XI).

Segundo Assafim (2013), a transferência de tecnologia pode ser “homogênea” ou

“heterogênea”, conforme a capacidade tecnológica dos sujeitos envolvidos na transação. A

transferência homogênea se dá entre sujeitos com substancial igualdade de capacidade

tecnológica, o que geralmente acontece entre empresas do mesmo setor ou análogos. A

transferência heterogênea se dá quando o adquirente possui uma capacidade tecnológica

notadamente inferior ao cedente, sendo o que ocorre entre empresas de países industrializados

para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Um termo muito utilizado dentro desse tema que também merece a devida

distinção e conceituação é o chamado offset. Muitas vezes tal termo é utilizado como

sinônimo de transferência de tecnologia, mas isso não é conceitualmente preciso. Segundo

Longo e Moreira (2009), a transferência de tecnologia pode se dar por meio de um contrato

direto e independente, mas também associada à compra de um produto com atributo

tecnológico com cláusula de contrapartida, essa chamada de offset. Para definir o conceito de

dessa expressão, a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional

(UNCITRAL, na sigla em inglês) elaborou um manual que unifica a terminologia:

“Offset. Transactions referred to in the Legal Guide as offsets normally involve the

supply of goods of high value or technological sophistication and may include the

transfer of technology and know-how, promotion of investments and facilitating

access to a particular market. Two types of offset transactions may be distinguished.

Under a "direct offset" the parties agree to supply to each other goods that are

technologically or commercially related (e.g., component parts or products that are

marketed together). A direct offset can contain features of a buy-back transaction

(i.e., transfer of production equipment and technology, and purchase by the

transferor of the resulting products). The difference between such a direct offset and

a buy-back transaction is that in a direct offset both parties commit themselves to

purchase over a period of time goods from each other, whereas under a buy-back

transaction the party that has supplied the production facility commits itself to

purchase goods resulting from the production facility. The expression "indirect

offset" typically refers to a transaction where a governmental agency that procures,

or approves the procurement of, goods of high value requires from the supplier that

counter-purchases are made in the procuring country or that economic value is

provided to the procuring country in the form of investment, technology or

assistance in third markets. The counter-export goods are not technologically related

to the export goods (Le., they are not components of the export goods, as in direct

offset, and they are not resultant products of the facility provided under the export

contract, as in buy-back). The governmental agency often stipulates guidelines for

the offset, for example, as to the industrial sectors or regions that are to be assisted

in such a way. However, within such guidelines, the party committed to

counterpurchase or to providing such assistance is normally free to choose the

contracting partners. A countertrade transaction may involve elements of both direct

52

and indirect offset transactions. Offsets are sometimes referred to as industrial

participation or industrial cooperation.” (UNCITRAL, 1993, p. 9)

Portanto, o termo offset designa uma compensação por determinada compra de

produtos de alto valor ou sofisticação tecnológica, na qual o contratado (vendedor) se

compromete a compensar os benefícios de sua escolha como fornecedor realizando

contrapartidas comerciais, industriais e/ou tecnológicas que beneficiem o contratante. Assim,

na prática, o offset pode ser direto, indireto ou ambos, conforme os exemplos acima. Dessa

forma, a transferência de tecnologia advinda de uma compra consiste em uma espécie de

offset, mas nem todo offset consiste em uma transferência de tecnologia. Assim, offset é uma

categoria, transferência de tecnologia, uma espécie. Tanto é que o offset pode se dar no

mesmo empreendimento ou em setores e aspectos diversos do contratante, podendo abranger

tanto o compromisso de realizar compras de produtos não-relacionados, quanto investimentos

em P&D em áreas relacionadas ou não ao objeto principal da compra. Todos os detalhes e

aspectos da compensação são negociados em contrato.

Nesse diapasão, cabe destacar a Portaria Normativa nº 764/MD, do Ministério da

Defesa, de 27 de dezembro de 2002 (BRASIL, 2002b). O referido instrumento aprova a

Política e as Diretrizes de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica do Ministério da

Defesa, ou seja, é o instrumento norteador da mencionada pasta em relação a offset. Cabe

fazer algumas transcrições, primeiro sobre os objetivos:

“Art. 2 o A Política de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica do

Ministério da Defesa tem os seguintes objetivos: I - promoção do crescimento dos

níveis tecnológico e qualitativo das indústrias de defesa, com a modernização dos

métodos e processos de produção e aquisição de novas tecnologias, visando ao

estado da arte; II - fomento e fortalecimento dos setores de interesse do Ministério

da Defesa, criando condições para o aperfeiçoamento das indústrias de defesa e da

sua base tecnológica, visando a aumentar suas cargas de trabalho e também a

permitir a competitividade no mercado internacional; III - ampliação do mercado de

trabalho, mediante a criação de novas oportunidades de emprego de alto nível

tecnológico, através da especialização e do aperfeiçoamento dos recursos humanos

dos setores de interesse; IV - obtenção de recursos externos, de toda ordem, diretos e

indiretos, para elevar a capacitação industrial e tecnológica dos setores de interesse

da área de defesa; e V - incremento da nacionalização e a progressiva independência

do mercado externo, no que diz respeito a produtos de defesa.” (BRASIL, 2002b)

Sobre os condicionamentos:

“Art. 8 o As negociações de contratos de importação de produtos de defesa

realizadas por qualquer uma das Forças Armadas, com valor líquido - F.O.B. acima

de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos), ou valor equivalente

em outra moeda, seja em uma única compra ou cumulativamente com um mesmo

fornecedor, num período de até doze meses, devem incluir, necessariamente, um

Acordo de Compensação, desde que amparadas por dispositivos legais vigentes. Art.

9 o As negociações de contratos de importação com valores abaixo de US$

5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos), ou valor equivalente em outra

53

moeda, podem incluir Acordos de Compensação, desde que sejam do interesse da

Força Armada contratante e que estejam amparadas por dispositivos legais

vigentes.” (BRASIL, 2002b)

Por fim, sobre as prioridades:

“Art. 18. Os benefícios decorrentes dos Acordos de Compensação devem,

prioritariamente, atender às áreas de interesse da Força Armada contratante, em

termos de: I - tecnologia; II - fabricação de materiais ou equipamentos; III -

nacionalização da manutenção; IV - treinamento de pessoal; V - exportação; e VI -

incentivos financeiros à Indústria de Defesa Brasileira. Parágrafo único. Em

situações especiais e no interesse do Ministério da Defesa, esses benefícios podem

ser repassados para outra Força Armada ou demais entidades públicas ou privadas.”

(BRASIL, 2002b)

Contata-se, portanto, que a política do Ministério da Defesa para os acordos de

offset consistem, em síntese, utilizar seu poder de compra, especialmente em aquisições de

grande vulto, para obter acordos de compensação que obtenham ganhos tecnológicos,

industriais e comerciais para a base industrial de defesa brasileira.

Assim, a transferência de tecnologia se constitui uma alternativa ponderável para

governos e empresas buscarem soluções para questões tecnológicas, vez que apresenta

diversas vantagens5, quais sejam:

“a tecnologia escolhida e a ser adquirida já está testada e em uso com sucesso; o risco

tecnológico é mínimo ou inexistente; há pouca ou nenhuma demanda por investimento em

PD&E; é possível a implantação em curto prazo; há possibilidade de pagamento posterior aos

custos da operação, a partir das vendas; acesso a financiamentos e a incentivos

governamentais; há o aporte de marca do cedente, normalmente bem conhecida; o risco

comercial é menor tendo em vista, por exemplo, o consumo imitativo; e, por fim, uma

tecnologia consolidada desencoraja competidores.” (LONGO; MOREIRA, 2009, p. 11)

Em contrapartida, a opção pela transferência de tecnologia também apresenta

diversos desafios, tais como o regime de cerceamento tecnológico e a efetiva cessão e

absorção de conhecimentos tecnológicos, como desenvolveremos a seguir.

2.1.2 – Problematizando a transferência de tecnologia

Conforme fora ressaltado supra, a transferência de tecnologia constitui

instrumento do desenvolvimento nacional e, por conseguinte, possui importância estratégica

5 A opção pela transferência de tecnologia contrasta com a opção pela geração autóctone, através de esforços próprios em

P&D, que apresentam as seguintes razões: “inexistência da tecnologia; peculiaridades de materiais e do mercado; necessidade

para complementar a transferência de tecnologia; custo elevado; incentivos estimuladores; política e estratégia da empresa;

interesse estratégico nacional; tecnologias não acessíveis” (MOREIRA, 2015).

54

para a defesa do país, em especial, no domínio de áreas sensíveis, com o objetivo de propiciar

ao mesmo uma inserção independente e autônoma na política internacional. Assim, a fim de

delimitar o problema a ser pesquisado, se faz necessária a abordagem de alguns conceitos

acerca do tema.

Quando a transferência de tecnologia se apresenta como heterogênea, conforme

vimos acima, muitos inconvenientes e perigos podem ser detectados, tais como: falta de

recursos econômicos e de cultura de inovações tecnológicas em muitos países

subdesenvolvidos ou em desenvolvimento; dificuldades de instalação ou montagem da

tecnologia no ambiente concreto do país receptor; as pretensões egoístas dos concedentes de

tecnologia que, longe de fomentar um verdadeiro e eficiente desenvolvimento, procuram

acentuar a dependência industrial desses países; o pagamento de preços e royalties excessivos,

com remessa de divisas para o estrangeiro; a aquisição de tecnologia obsoleta ou inadequada

e, sobretudo, o risco de subordinar a economia do país às grandes potências ou aos complexos

industriais multinacionais (ASSAFIM, 2013). Em outras palavras, pode-se depreender e

reforçar que numa transferência de tecnologia entre sujeitos de capacidade desigual, um dos

maiores perigos torna-se a questão estratégica da relação de dependência entre o menos

desenvolvido ao mais desenvolvido.

Retomando o conceito de tecnologia, Longo (2007a) ensina que a tecnologia é o

conjunto organizado de todos os conhecimentos científicos, empíricos ou intuitivos

empregados na produção e comercialização de bens e serviços, representando um agregado de

atividades práticas voltadas para alterar o mundo e não, necessariamente, compreendê-lo,

sendo que este último seria o intuito precípuo da ciência. Modernamente, a ligação entre a

ciência e a tecnologia tornou-se estreita a partir do momento em que o método científico

passou a ser utilizado na geração de conhecimentos associados à criação ou melhoria de bens

ou serviços, em outras palavras, para a inovação tecnológica, cunhando o binômio Ciência e

Tecnologia, ou C&T.

Ainda segundo o cientista, o domínio do conjunto de conhecimentos específicos

abrangidos na tecnologia permite a elaboração das instruções necessárias à produção de bens

e de serviços, no entanto, a simples posse dessas instruções (plantas, desenhos, especificações,

normas, manuais), que são expressões materiais e incompletas dos conhecimentos e a

capacidade e usá-las, não significa que o usuário tornou-se detentor da tecnologia, ou seja, dos

conhecimentos que permitiram a sua geração. O problema reside quando se emprega a palavra

tecnologia para designar tais instruções e não os conhecimentos que propiciaram a base para a

sua geração, estes que, geralmente, são intangíveis e estão armazenados em cérebros de

55

pessoas, algo que tem sido freqüente e possui sérias implicações na compreensão do potencial

de independência tecnológica de uma indústria ou de um país (LONGO, 2007a). Cabe

transcrever:

“O comércio internacional de tecnologia explícita, normalmente regulamentado e

controlado pelos governos nacionais, é genericamente considerado como uma

operação de transferência de tecnologia. Na realidade, os contratos comerciais

podem ou não propiciar uma verdadeira transferência dos conhecimentos do

vendedor para o comprador. Na maioria dos casos, tais contratos firmados entre

empresas envolvem na realidade uma simples "venda ou aluguel de instruções", na

qual, quase sempre, o vendedor não transfere os conhecimentos que geraram as

instruções.” (LONGO; MOREIRA, 2009, p. 12)

Nesse sentido, o autor faz a distinção do que seria know why e know how. Para

ele, as instruções referidas acima, ou seja, as informações sobre como produzir algo seriam a

técnica e não a tecnologia, portanto, o know how. Por outro lado, os conhecimentos

necessários à produção das instruções e sistematização da técnica seria a própria tecnologia,

ou o know why, o entendimento do porquê dos processos que permite a elaboração de

instruções (LONGO, 2007a).

Assim, segundo o autor, a confusão entre os referidos conceitos faz com que

muitos dos contratos de transferência de tecnologia contemplem a transmissão de instruções e

não da tecnologia em si, ou seja, transfere-se o know how e esconde-se o principal, que é o

know why. Isso mantém a relação de dependência entre a empresa recipiendária e a cedente,

ou pior, a dependência de um país em relação a outro, pois o conhecimento específico para

entender, modificar, inovar, permanece de posse do mais desenvolvido enquanto as instruções

transferidas estão fadadas a obsolescência, perpetuando a discrepância tecnológica entre

desenvolvidos e subdesenvolvidos. Portanto, para que haja uma transferência tecnológica que

propicie o desenvolvimento independente e autônomo, é fundamental que se transmita o know

why, além do know how. Sendo assim, o Brasil tem firmado contratos de transferência de

tecnologia na área de defesa que transmitem de fato a tecnologia, o know why, ou o país só

tem recebido as instruções, o know how?

2.1.3 – Aprofundando os conceitos de know why e know how

A expressão know how é mais familiar para quem lida com assuntos de

tecnologia, inclusive, podendo fazer parte de seu conceito, segundo algumas das transcrições

56

supra. De fato, em relevante parte da literatura jurídica, a referida expressão é tratada quase

como sinônimo de tecnologia, principalmente quando se aborda os contratos de transferência

de tecnologia não patenteada como contratos de fornecimento de know how (VIEGAS in

SANTOS; JABUR, 2007). Autores como Assafim (2013) e Maria Helena Diniz (2009)

também entendem know how como tecnologia não patenteada, mas que só aquela que

caracteriza segredo industrial. Não obstante, referido termo pode ser entendido como o

“conhecimento ou o conjunto de conhecimentos técnicos que não são de domínio público e

que os empresários utilizam nos processos de fabricação ou comercialização de produtos, na

prestação de serviços ou na organização de unidades ou dependências empresariais”

(ASSAFIM, 2013, p. 199). Nesse sentido, sem abordar a discussão que há entre os juristas se

o know how é só segredo industrial ou também abrange conhecimento de domínio público,

que será feita posteriormente, há de se reconhecer que o termo significa conhecimento

técnico-industrial (ASSAFIM, 2013, p. 199).

Noutro passo, a literatura que sai do âmbito jurídico e se relaciona mais ao campo

das ciências e engenharias apresenta uma nova concepção sobre o que seria o know how.

Como já desenvolvido anteriormente, as negociações que envolvem transferência de

tecnologia lidam com um aspecto importantíssimo da competitividade no mercado

empresarial, haja vista que a tecnologia, como fator de produção, agrega valor aos produtos,

produz inovações, bem como, reduz custos na produção ou no processo de bens e serviços.

Assim, a tecnologia passou a ser diferencial entre concorrentes, mas mais do que isso, tornou-

se instrumento de manutenção da relação de dependência de estados subdesenvolvidos e em

desenvolvimento perante estados desenvolvidos. Como bem salienta William Moreira:

“Somos herdeiros de uma tradição científica moderna que associa saber a poder. A

máxima de Francis Bacon – “sapientia est potentia” – é reveladora de um novo olhar

para a ciência, que rompe com o modo escolástico e medieval de pensar. Trata-se de

um enfoque utilitário que iria se desenvolver ao longo da modernidade e se incrustar

no sistema de produção econômica que prevaleceu.

A consequência natural foi o estímulo aos detentores de conhecimentos com

potencial de representar um diferencial de competitividade nos planos econômico e

militar, e naturalmente, político, a protegerem esses conhecimentos do acesso de

eventuais competidores. Quanto maior o poder representado por um conjunto de

conhecimentos, maior o grau de proteção.” (MOREIRA, 2011, pp. 142-143)

Nesse diapasão, considerando que os detentores de tecnologia tendem a protegê-

la, um dos maiores desafios nas negociações sobre transferência de tecnologia é saber

distinguir entre: a) aquisição de conhecimento científico e tecnológico que de fato permita a

capacitação do país recipiendário e a consequente redução do gap tecnológico e rompimento

dos vínculos de dependência entre este e os países desenvolvidos e b) compra de meras

57

instruções técnicas que podem até aumentar a capacidade produtiva do adquirente, mas que

mantém as relações de dependência e não representam agregação de conhecimento, sequer um

salto tecnológico.

Pensando nessa necessidade de distinção, Longo (2007a) elaborou os conceitos de

know why e know how. Segundo o autor, o domínio de conhecimentos específicos que

constitui a tecnologia permite a elaboração de instruções necessárias à produção de bens e

serviços, estando geralmente armazenada em cérebros de pessoas. As instruções, que podem

ser consubstanciadas em plantas, desenhos, especificações, normais e manuais, entre outros,

são meramente expressões materiais de um conhecimento tecnológico prévio. Assim, a posse

de instruções não significa que o detentor possua o domínio da tecnologia que as geraram. O

autor afirma que frequentemente tem sido usada a palavra tecnologia para designar tão

somente instruções, sobretudo nos contratos de transferência da mesma, causando grande

confusão. Portanto, quando há somente a transferência de instruções, o adquirente não auferiu

capacitação tecnológica, mas simplesmente se tornou um montador de produtos, mantendo a

relação de dependência tecnológica com a matriz. Nesse sentido, cumpre transcrever:

“As instruções, o saber apenas como fazer (know how) para produzir algo, e não

porque fazer (know why), é o que se deve entender por técnica. Porém, diversos

autores, principalmente da área do direito, usam a palavra tecnologia como tradução

de know how.

Tecnologia instruções técnica.

(know why) (know how)

Para quem produziu as instruções, estas são expressões do “know why”; para

quem simplesmente as usa, não passam de “know how” (técnicas).

Se o detentor de todos os conhecimentos que resultaram numa dada tecnologia

transferir para um terceiro apenas as instruções de como fazer um bem ou serviço,

este terá absorvido apenas técnica. Assim, o que para um é, intrinsicamente,

tecnologia, para o outro pode ser apenas uma técnica. Desse fato, pode resultar

grande confusão na compreensão da questão tecnológica.” (LONGO, 2007a, p. 4,

grifos do autor)

Nesse sentido, para o autor, o know why (saber por que) seria a tecnologia, ou

seja, o conjunto de conhecimentos que permitiram a elaboração das instruções para produção

de bens ou serviços, ao passo que know how (saber fazer) constituiria a técnica representada

por tais instruções e demais expressões materiais do conhecimento. Vale repetir, a verdadeira

transferência de tecnologia se dá com a transmissão do know why além do know how, não só

deste último.

Muito embora possa se argumentar que a definição acima mencionada dos autores

juristas de know how abranja todo o conhecimento necessário para a fabricação de um produto

58

ou processo, podendo não ser restrita somente às técnicas, o emprego de tal termo por si só

não resolve a problemática do relativismo entre o conhecimento tal como percebido pelo

cedente e como percebido pelo adquirente, logo, não contribui para resolver o imbróglio das

negociações de transferência de tecnologia no que concerne ao cerceamento tecnológico por

parte das potências desenvolvidas6. Vale reforçar, o que para um pode ser tecnologia, para

outro pode ser apenas a técnica, adquirir somente técnica não representa aquisição de

conhecimento. Nesse sentido, constata-se a importância da distinguir entre tecnologia e

técnica, entre know why e know how.

Insta desatacar como outros autores entendem os conceitos de know why e know

how. Brick (2014), por exemplo, considera o primeiro como sinônimo de ciência e o segundo

como sinônimo de tecnologia. Para o autor, o know why, saber por que, estaria diretamente

relacionado ao conhecimento teórico do universo, que serviria de fundamento para as

posteriores transformações que a tecnologia faria na prática, no mundo real, ou seja, através

do know how, saber fazer. Essa distinção, de fato, contribui para diferenciar os termos e para

eventual negociação de transferência de tecnologia, vez que evita o consumo somente de

saber fazer, em detrimento do conhecimento, que fica retido nas potências desenvolvidas,

mantendo a relação de dependência. Embora utilize termos distintos para qualificar know why

e know how, seu entendimento é o mesmo apresentado por Longo, qual seja, o know how é a

expressão material daquele conhecimento propiciado pelo know why.

Tendo constatado a importância da distinção entre know why e know how, o

próximo passo é tentar estabelecer alguns critérios que os representem na prática. Em outras

palavras, o que, na realidade prática, representa o know why e o know how? Como discernir

quais dos trâmites e procedimentos envolvidos numa transferência de tecnologia representam

um e outro?

A fim de responder tal questionamento, Lucena Silva e Pedone (2011) trazem

relevantes elucidações sobre os fluxos internacionais de transferência de tecnologia, o que

auxilia na compreensão do que consistem know why e know how. Vale colacionar:

6 Assafim, em relação aos conhecimentos representados pelo termo know-how, afirma que “tais conhecimentos, porém,

costumam ser de natureza e intensidade muito mais variada. Explica-se, deste modo, que, na realidade do tráfego e, às vezes,

também nas normas jurídicas positivas, seja empregada uma vasta terminologia para fazer referência a esses conhecimentos,

quais sejam: técnicos, saber-fazer, segredo industrial, experiência, etc. É justamente a imprecisão que reina neste campo o

que dificulta bastante a delimitação do conceito de know-how e afins” (ASSAFIM, 2013, p. 198). Ou seja, mesmo a doutrina

jurídica reconhece as limitações do termo, o que reforça a necessidade da distinção entre know-how e know-why proposta por

Longo (2007), a fim de melhor delimitar os conhecimentos e fluxos presentes numa transferência de tecnologia.

59

Quadro 2 – Fluxos internacionais de transferência de tecnologia

Fluxo A Conhecimentos

Design do Produto/Especificações

Materiais/Especificações dos componentes

Design dos processos e projetos

Procedimentos de produção/cronograma e organização

Fluxo B Know-How

Produção/Organização Know-How

Operação/habilidades gerenciais

Conhecimento de manutenção e procedimentos

Fluxo C Know-Why

Processos/Design da produção e engenharia Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e conhecimentos de dados de

engenharia

Gerenciamento de Projeto/ Procedimentos de engenharia e expertise

Desenvolvimento de Tecnologias e pesquisa de conhecimentos,

dados, procedimentos, entre outros. Fonte: LUCENA SILVA, A. H.; PEDONE, L. (2011, p. 239) - Adaptado de Baark, E. (1997). - Military technology and

absorptive capacity in China and India: implications for modernization. In Military Capacity and the Risk of War: China,

India, Pakistan and Iran. (pp. 84-109). Oxford: Oxford University Press. Apud TSAI. Ming-Yen, 2003. From Adversaries to

Partners? Chinese and Russian Military Cooperation after the end of the Cold War. Greewoog Publishing Group=Praeger.

Westport, CT, 2003).

Segundo os autores, os fluxos “A” e “B” podem contribuir para o

desenvolvimento da capacidade do país recipiente, mas o fluxo “C”, em que são repassados

princípios científicos importantes e habilidades de engenharia, pode contribuir para o

desenvolvimento de capacidades tecnológicas capazes de conceber e produzir armas de forma

autônoma (LUCENA SILVA; PEDONE, 2011). Nesse sentido, corrobora-se a assertiva que

apenas com a transferência de know why é possível romper com as relações de dependência

das matrizes tecnológicas dos países desenvolvidos.

No mesmo diapasão, William Moreira (2011) apresenta outro fluxograma, mais

sintetizado, que destrincha os fluxos de transferência de tecnologia. Segue:

Figura 4 – Fluxos de capacidades transferidas

Fonte: SCOTT-KEMMINS; BELL, 1985 apud MOREIRA, 2011, p.146

60

Pode-se depreender da ilustração acima que, semelhantemente, os fluxos “A” e

“B” incrementam a capacidade produtiva da empresa adquirente de tecnologia. Contudo,

afirma o autor em relação ao fluxo “C” que “a real alavancagem tecnológica somente ocorrerá

se houver a plena transferência de conhecimento, expertise e experiência para geração e

condução de mudanças tecnológicas e inovações” (MOREIRA, 2011, p. 145).

Resta cabal a importância da distinção e aprofundamento das definições de know

why e know how, vez que a utilização correta dos referidos conceitos, ainda que com

expressões diferentes, lança luz sobre a complexidade inerente ao processo de transferência de

tecnologia, propiciando melhores negociações, evitando confusões e, principalmente, obtendo

os resultados de fato almejados. Sendo assim, acerca dos resultados, “importa destacar que a

verdadeira transferência só ocorrerá se houver a absorção de amplos conhecimentos que

habilitem os receptores a, além promover inovações no setor correspondente, proporcionar a

difusão dos conhecimentos para outros empreendimentos” (MOREIRA, 2011, p. 147).

No mesmo sentido:

“O fato é que a verdadeira transferência só ocorre quando o receptor absorve o

conjunto de conhecimentos que lhe permite inovar, isto é, quando o comprador

domina os conhecimentos envolvidos a ponto de ficar em condições de criar nova

tecnologia (LONGO, 1987). Um contrato bem negociado, associado à disposição do

detentor da tecnologia em efetivamente cedê-la, pode resultar em verdadeira

transferência. Como a tecnologia tem no homem o seu único recipiente, a efetiva

transferência se dá por um processo de pergunta, por quem não sabe, e resposta de

quem sabe, até a total compreensão por parte de quem perguntou. Assim, para que a

verdadeira transferência ocorra é preciso que o vendedor se disponha a ceder seus

conhecimentos e que o comprador tenha equipe técnica capacitada.” (LONGO;

MOREIRA, 2009, p. 12)

Dessa forma, segundo Longo e Moreira (2009), as etapas da efetiva transferência

de tecnologia são: a absorção; a adaptação; o aperfeiçoamento; a inovação; e a difusão.

2.1.4 – Aspectos jurídicos

Se fossem abordados todos os aspectos jurídicos concernentes à transferência de

tecnologia, seria necessária mais uma pesquisa como essa, tanto que existe todo um ramo do

Direito voltado à tutela da Propriedade Intelectual, à qual se subsume o tema, com sua própria

disciplina, literatura e campos práticos de atuação de juristas e demais operadores. Por esse

motivo, o presente trabalho recortará tais aspectos, trazendo à baila tão somente aqueles

61

indispensáveis para a compreensão da situação e da previsão jurídica da transferência de

tecnologia, bem como seus atributos legais e contratuais que são necessários à formação de

um arcabouço teórico e conceitual para o desenvolvimento da pesquisa, que é o objetivo deste

capítulo.

No mundo hodierno, já se tornou lugar comum afirmar que bens materiais têm

menos importância do que o conhecimento e a informação. A propriedade intelectual, em

especial, a industrial adquiriu importância extraordinária ao longo do século XX, sobretudo,

nas últimas décadas. Hoje, os valores de empresas e governos estão mais nos seus ativos

intangíveis do que nos tangíveis, por exemplo, os softwares e as tecnologias de uma empresa,

o índice de confiança que os papéis governamentais possuem no mercado financeiro, entre

outros (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).

Nesse sentido, convencionou-se chamar de propriedade imaterial todo bem que

tem ou pode vir a ter valor intrínseco substancial, mas que não tem qualquer suporte material

ou seu valor excede em muito o valor do meio físico no qual estão apoiados (VIEGAS in

SANTOS; JABUR, 2007). É um termo genérico, que comporta tanto os bens e direitos da

personalidade (direito à liberdade, liberdade de expressão, consciência, de imprensa,

privacidade, intimidade), quanto os bens intelectuais, a propriedade derivada do esforço da

inteligência humana, que inclui os direitos autorais (incluindo direitos de autor e proteção do

software) e a propriedade industrial, constituída dos direitos sobre patentes (de invenção e de

modelos de utilidade), sobre desenhos industriais e sobre marcas (VIEGAS in SANTOS;

JABUR, 2007). Além desses exemplos, existem bens que não são tratados como

“propriedade”, mas tem afinidade com a propriedade industrial, como a tecnologia não

patenteada, o know-how e os serviços técnicos (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007), é

sobre esse último aspecto que repousa a presente pesquisa.

O instrumento jurídico da transferência de tecnologia é o contrato. Segundo

Assafim:

“O contrato de transferência de tecnologia é o negócio jurídico cujo objeto é a

transmissão de determinados bens imateriais (criações, segredos e software)

protegidos por institutos de propriedade intelectual ou de determinados

conhecimentos técnicos de caráter substancial e secreto não suscetíveis de proteção

monopólica.” (ASSAFIM, 2013, p. 41)

Sob a abrangência da expressão “contrato de transferência de tecnologia”, estão

englobadas a licença sobre direitos da propriedade industrial (patentes e modelos de

utilidade), de propriedade intelectual (programas de computador) e a aquisição de outros

conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de

62

assistência técnica e científica), assim como as licenças de marca e desenhos industriais,

segundo a legislação aplicável7 e com base em normas administrativas

8 (ASSAFIM, 2013).

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é o órgão brasileiro

responsável pela tutela administrativa da propriedade industrial. Segundo a instituição, os

contratos de transferência de tecnologia existentes são os licenciamentos de patentes,

desenhos industriais e marcas, além de assistência técnica e do fornecimento de tecnologia

(know-how), assim como, por equiparação, os contratos de franquia (INPI, 2015a). Cabe

transcrever as definições do referido órgão:

“1) Licença e cessão para exploração de patente e desenho industrial: contratos para

autorizar a exploração por terceiros do objeto de patente, regularmente depositada

ou concedida no país e pedido de desenho industrial, identificando direito de

propriedade industrial. (...)

2) Licença e cessão para uso de Marca: contrato que se destina a autorizar o uso

efetivo, por terceiros, de marca regularmente depositada ou registrada no país.

3) Franquia: envolve serviços, transferência de tecnologia e transmissão de padrões,

além de uso de marca ou patente. (...)

4) Fornecimento de Tecnologia: contrato que estipula as condições para a aquisição

de conhecimentos e de técnicas não amparados por direitos, incluindo

conhecimentos e técnicas não amparados por propriedade industrial depositados ou

concedidos no Brasil (Know How).

5) Serviços de Assistência Técnica e Científica: incluem a obtenção de técnicas para

elaborar projetos ou estudos e a prestação de alguns serviços especializados.” (INPI,

2015a)

A transmissão de tecnologia propriamente dita se dá, fundamentalmente, na

circulação econômica da patente e do know-how (ASSAFIM, 2013). Viegas (in SANTOS;

JABUR, 2007) chama de contratos de transferência de tecnologia em sentido estrito os de

fornecimento de tecnologia não patenteada, know how e de alguns tipos de contratos de

serviços.

Considerando o que já foi dito no item anterior, a transferência de tecnologia

propriamente dita, então pode se dar pela licença de patente ou pelo fornecimento de

tecnologia não patenteada. Cabe, portanto, diferenciar a tecnologia patenteada da não

patenteada. Segundo Denis Barbosa:

“Uma patente, na sua formulação clássica, é um direito, conferido pelo Estado, que

dá ao seu titular a exclusividade da exploração de uma tecnologia. Como

contrapartida pelo acesso do público ao conhecimento dos pontos essenciais do

invento, a lei dá ao titular da patente um direito limitado no tempo, no pressuposto

de que é socialmente mais produtiva em tais condições a troca da exclusividade de

7 A tutela jurídica da propriedade industrial no Brasil se dá principalmente pela Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996

(BRASIL, 1996), conhecida como LPI, ou Lei da Propriedade Industrial. Outro diploma legal relevante para o tema é a Lei nº

9.609, de 19 de fevereiro de 1998, que protege a propriedade intelectual dos programas de computador e sua comercialização

(BRASIL, 1998). 8 Ato Normativo nº 135 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 15 de abril de 1997 (apud ASSAFIM,

2013, p. 44).

63

fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade temporária de direito.”

(BARBOSA, 2003, p. 295)

Como se pode ver, a patente é um direito de exploração econômica de uma

tecnologia em determinado período de tempo, sob a condição e contrapartida de acesso

público ao conhecimento daquela tecnologia. Ou seja, a patente trata de uma tecnologia

publicada, mas protegida mercadologicamente em favor do proprietário da invenção ou do

modelo de utilidade9. Por outro lado, a tecnologia não patenteada, também chamada de know-

how pelos juristas, pode assim ser definida:

“Enquanto que a patente define-se como uma exclusividade de direito, o know-how

resume uma situação de fato: a posição de uma empresa que tem conhecimentos

técnicos e de outra natureza, que lhe dão vantagem na concorrência, seja para entrar

no mercado, seja para disputá-lo em condições favoráveis.

(...)

O know-how é, assim, o corpo de conhecimentos, técnicos e de outra natureza,

necessários para dar a uma empresa acesso, manutenção ou vantagem no seu próprio

mercado.” (BARBOSA, 2003, pp. 626-627)

Como vimos anteriormente, existe um debate na doutrina jurídica se a tecnologia

não patenteada constitui também um segredo industrial ou não. Assafim (2013) e Diniz

(2009) pensam que a tecnologia não patenteada é um segredo industrial. Por outro lado, assim

argumenta Viegas:

“Igualmente, não se deve confundir o conceito de tecnologia não patenteada com o

conceito de segredos de indústria ou de negócio. De fato, a tecnologia não

patenteada, objeto de um contrato de fornecimento de know-how, pode ser secreta e,

enquanto mantida em sigilo, pode qualificar-se como segredo de indústria ou de

negócio, mas essa tecnologia pode igualmente ser muito valiosa mesmo que não seja

secreta.” (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007, p. 149)

Em outras palavras, o know how10

pode se tratar de um conhecimento que pode

ser dominado por mais de uma empresa do ramo, mas de acesso restrito às demais, ao passo

que o segredo industrial pode ser uma conhecimento ao qual ninguém, além do titular, tem

acesso sem o seu consentimento (CORREA, 1997 apud VIEGAS in SANTOS; JABUR,

2007).

9 Sobre a patente de invenção: “concepção resultante do exercício da capacidade de criação do homem que represente uma

solução nova para um problema técnico existente dentro de um determinado campo tecnológico e que possa ser fabricada. As

invenções podem ser referentes a produtos industriais (compostos, composições, objetos, aparelhos, dispositivos, etc.) e a

atividades industriais (processos, métodos, etc.). As Patentes de Invenção conferem proteção às criações de caráter técnico,

visando um efeito técnico peculiar” (INPI, 2015b, 2.1.1). Sobre o modelo de utilidade: “criação referente a um objeto de uso

prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo,

que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Este objeto deve ser tridimensional (como instrumentos,

utensílios e ferramentas) e suscetível de aplicação industrial” (INPI, 2015b, 2.1.2). 10 Quando mencionamos o termo know how nesse item, é porque assim que se refere a doutrina jurídica à tecnologia não

patenteada. O leitor deve ter em mente a distinção entre know how e know why feita anteriormente.

64

Conclui-se, portanto, que a tecnologia não patenteada é valiosa e faz parte do

ativo intangível de uma ou mais empresas, podendo ser secreta ou não. Na realidade prática,

vale ressaltar o tema da presente pesquisa e os aspectos desenvolvidos anteriormente, quais

sejam: que a tecnologia é importante instrumento para a defesa de um país; representa um

diferenciador e um fator de dependência entre países subdesenvolvidos ou em desenvolvidos

em relação aos países desenvolvidos; por esse motivo, as tecnologias mais sensíveis são

cerceadas pelos seus detentores, tanto por questões de segurança internacional quanto por

competição de mercado; e a transferência de tecnologia é um meio pelo qual países menos

desenvolvidos buscam aperfeiçoar sua base industrial de defesa a fim de buscar autonomia no

cenário internacional, como o Brasil tem feito através de grandes programas militares. Nesse

sentido, a tecnologia não patenteada nesse aspecto confunde-se com o segredo industrial, ou

seja, é mantida em segredo, pois não é interesse que as tecnologias de submarinos nucleares

ou de carros e helicópteros de guerra sejam públicas, por exemplo. Dessa forma, para os fins

da presente pesquisa considerar-se-á tecnologia não patenteada, ou know-how como também

segredo de indústria, ou seja, a natureza secreta da tecnologia a transferir.

Nesse diapasão, em relação à patente, a tecnologia não patenteada tem a vantagem

do acesso restrito, protegido por segredo empresarial, excluindo outros dos seus benefícios.

Entretanto, sua desvantagem é que a proteção via segredo não pode ser oponível a terceiros

que venham a desenvolver ou adquirir a mesma informação de forma autônoma (VIEGAS in

SANTOS; JABUR, 2007).

Segundo Viegas (in SANTOS; JABUR, 2007), o contrato de fornecimento de

tecnologia não patenteada tem, na maioria absoluta das vezes, um caráter misto, vez que

inclui uma transmissão dos conhecimentos que constituem a tecnologia e uma prestação de

serviços, pois a absorção da tecnologia implica quase sempre em serviços de treinamento e de

assistência técnica. Assafim (2013) chama a atenção para o fato de que um contrato de

transferência de tecnologia pode abranger várias categorias de bens imateriais dentro do

mesmo objeto, por exemplo, uma licença de patente que traz consigo um programa de

computador. Em relação à assistência técnica e aos serviços que podem ou não ser assessórios

ao contrato de fornecimento de tecnologia, assim ensina Assafim:

“A primeira (assistência técnica) é uma atividade ou serviço pelo qual o seu

prestador contribui com dados, informações ou experiências técnicas que são de

conhecimento público, sendo indiferente que sejam ou não segredos. É precisamente

a irrelevância do caráter secreto que distingue a assistência técnica do know-how,

pois neste, o segredo é essencial. Por outro lado, os serviços de engenharia

(engineering) abarcam, desde a elaboração de informações, planos ou estudos, até a

execução do correspondente projeto e, entre os conhecimentos técnicos incluídos

nesses serviços, podem constar desde aqueles que estão protegidos por direitos de

65

propriedade industrial, passando pelos segredos, até os conhecimentos de utilização

geral” (ASSAFIM, 2013, p. 200)

Com o objetivo de dar segurança aos contratos e fazê-los oponíveis em relação a

terceiros, no Brasil, todo contrato de transferência de tecnologia deve ser registrado junto ao

INPI e, se houver previsão de remessa de divisas ao exterior, registra-se também no Banco

Central do Brasil (BACEN) (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).

Dessa forma, esses são os aspectos jurídicos essenciais para o embasamento

teórico e conceitual da presente pesquisa, valendo sintetizar: os contratos de transferência de

tecnologia estão subsumidos à disciplina jurídica da propriedade industrial, que por sua vez,

está dentro do conjunto da propriedade intelectual, que faz parte do universo da propriedade

imaterial; o instrumento jurídico da transferência de tecnologia é o contrato; o contrato de

transferência de tecnologia, segundo a legislação brasileira, pode designar vários tipos de

fluxos (patentes, marcas, desenho industrial, franquia, programas de computador,

fornecimento de tecnologia, assistência técnica); no entanto, a transferência de tecnologia em

sentido estrito se dá pela licença de patente e pelo contrato de fornecimento de tecnologia; o

contrato de fornecimento de tecnologia se refere à tecnologia não patenteada, ou know-how,

segundo os juristas, sendo que, para os fins da presente pesquisa, se trata de tecnologia de

natureza secreta; os contratos de transferência de tecnologia devem ser registrados no INPI e,

se houver remessa de divisas ao exterior, também no BACEN.

2.6 – A QUESTÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS

O processo de nacionalização, em síntese, visa transferir o que é produzido no

exterior para dentro do país, através da atuação de instituições e empresas brasileiras. Nesse

sentido, vale aprofundar o entendimento de empresa brasileira. A redação original da

Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) trazia em seu artigo 171 a definição de

empresa brasileira, conforme transcrevemos:

“Art. 171. São consideradas:

I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e

administração no País;

II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em

caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas

domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno,

entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu

66

capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas

atividades.”

O texto constitucional fazia uma distinção entre empresas brasileiras e empresas

brasileiras de capital nacional, deixando subentendido que as primeiras poderiam ser de

capital estrangeiro. Nos parágrafos subseqüentes, a Carta Magna previa uma série de

incentivos e tratamentos diferenciados às de capital nacional. Nesse caso, como poderiam as

de capital estrangeiro ser consideradas brasileiras? Isso ocorre porque, em relação à atuação

de sociedades estrangeiras no Brasil, o artigo 11, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às

Normas do Direito Brasileiro (LINDB) dispõe que “não poderão, entretanto, ter no Brasil

filiais, agências ou estabelecimentos, antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo

Governo brasileiro, ficando sujeitas à legislação brasileira” (BRASIL, 1942). Ou seja, para

uma empresa estrangeira exercer sua atividade no Brasil, precisa ela estabelecer alguma filial

ou agência registrada no país, sujeita à lei nacional. Nesse caso, tal empresa também será

considerada brasileira para fins de contratações (SANTOS; JABUR, 2007). Vale destacar:

“Na maioria dos casos, entretanto, as empresas estrangeiras que operam no Brasil o

fazem não por meio de filiais ou agências, mas por meio de subsidiárias, que são

sociedades brasileiras, organizadas e com sede no Brasil. E como tal sujeitas à lei

brasileira, independentemente da nacionalidade dos seus quotistas ou acionistas e/ou

da origem do seu capital social” (SANTOS; JABUR, 2007, p. 19)

Dessa forma, o ordenamento jurídico admitia que existissem empresas

consideradas brasileiras, mas que tivessem capital social originário do exterior, bem como,

sócios e acionistas estrangeiros. Além de empresas brasileiras de capital nacional. No entanto,

sob o prisma da globalização e do avanço neoliberal, sobretudo na década de 90 do século

XX, e no contexto da crise brasileira desde a década anterior, a Emenda Constitucional nº 6

de 1995 revogou o artigo 171 da Constituição, eliminando a distinção entre empresas

brasileiras de capital estrangeiro e de capital nacional, bem como, qualquer tratamento

diferenciado entre elas. Tendo sido revogado, a definição de sociedade brasileira restou no

artigo 60 da antiga Lei das Sociedades por Ações (BRASIL, 1940), cuja redação foi mantida

pela nova Lei das S. A. (BRASIL, 1976), que diz: “são nacionais as sociedades organizadas

na conformidade da lei brasileira e que têm no País a sede de sua administração”. Ou seja,

para ser uma considerada brasileira, basta que a sociedade tenha no território brasileiro a sede

de sua administração, que é o que ocorre com as subsidiárias registradas, ainda que seu capital

ou seus acionistas sejam estrangeiros.

Nesse sentido, cumpre dissertar um pouco mais, em linhas gerais, sobre o poder

decisório e a administração de uma empresa constituída em sociedade. Como pessoa jurídica,

67

o exercício da vontade de uma sociedade empresária é definido por pessoas legal e

contratualmente, investidas para tal. Quem possui esse poder de definir os rumos da sociedade

são os sócios, e esse poder é medido conforme suas quotas ou ações na sociedade. Em

sociedades empresárias, aplica-se o princípio majoritário nas deliberações sociais (COELHO,

2014). Ou seja, os rumos da sociedade são definidos pela maioria votante dos seus quotistas

ou acionistas. Quem possui mais quotas ou ações, também corre mais riscos, portanto, possui

maior poder na hora de votar. Caso um sócio, sozinho, possua mais da metade das quotas ou

ações votantes, ele é considerado majoritário ou controlador e pode definir sozinho o rumo da

sociedade empresária (COELHO, 2014). Nas sociedades limitadas, o representante legal é o

administrador, que é definido e substituído pela maioria societária qualificada. Já a

representação legal das sociedades anônimas é feita pelo diretor, eleito em assembleia geral.

Tanto numa quanto noutra, os representantes legais não precisam, necessariamente, ser sócios

(COELHO, 2014).

No mesmo sentido, sendo uma sociedade empresária uma pessoa jurídica se

constitui um sujeito de direito personalizado, podendo, por conseguinte, praticar todo e

qualquer ato ou negócio jurídico não proibido por lei. Inclusive, pode a sociedade ser titular

de “patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de

cada um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica

responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir” (COELHO, 2009, p. 114).

Assim, quando se trata de propriedade industrial, aquela imaterial que também representa bem

jurídico e que abrange os conhecimentos tecnológicos, patenteados ou não, ela também

integra o patrimônio da empresa. A tecnologia patenteada, embora publicada, confere à

empresa o direito exclusivo de explorá-la economicamente, vindo a constituir um de seus

ativos. A tecnologia não patenteada, aquela que é alvo do que aqui chamamos de transferência

de tecnologia, também integra o patrimônio das empresas, embora não seja protegida quanto à

exploração econômica exclusiva. Por esse motivo, quando há um contrato de transferência de

tecnologia, há uma transação patrimonial. A empresa cedente vende seu ativo, que é a

tecnologia, em troca de uma quantia em dinheiro. A empresa recipiendária despende de seu

patrimônio a quantia em dinheiro e incorpora a tecnologia comprada. Parte da doutrina

jurídica entende que o domínio de tecnologia não patenteada, mesmo que seja secreta, não

enseja um direito de propriedade e sim um direito de posse11

, mas, não obstante, integrando

legitimamente o patrimônio do seu detentor (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).

11 Para melhor esclarecer a diferença entre propriedade e posse, o Código Civil Brasileiro diz que “o proprietário tem a

faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou

68

O antigo artigo 171 da Constituição Federal possuía a preocupação em classificar

as empresas brasileiras de capital nacional pelo controle efetivo, ou seja, pela titularidade da

maioria do capital votante ou poder decisório nas mãos de pessoas domiciliadas no país. Não

havendo mais tal dispositivo, como visto, foi admitida como empresa brasileira aquela que

possui capital oriundo de qualquer nacionalidade, mas que tenha sua sede no país, inclusive,

podendo tais sócios estrangeiros definir os rumos da dita sociedade brasileira conforme seu

alvedrio.

Em outras palavras, resumindo, a sociedade empresária tem a propriedade da

tecnologia inerente aos seus produtos e o os seus sócios, independente da nacionalidade que

forem, decidem os rumos que essa sociedade vai ou não tomar.

Dessa forma, quando se pensa em nacionalização como um dos “fatores que

garantem a soberania, o progresso e à integridade do patrimônio nacional do País”

(BONFADINI, 1996, p. 41), em seu intuito de propiciar uma produção de meios de defesa

gradualmente independente do exterior, há de se pensar duas vezes no conceito de empresa

brasileira. Será que a nacionalização pode ser tão somente conferir a produção de um meio de

defesa a uma ou várias empresas brasileiras? Considerando que uma empresa tida como

brasileira pode possuir controle efetivo de sócios estrangeiros, como isso poderia garantir uma

capacitação industrial independente do exterior? Como garantir que tais empresas vão tomar

decisões societárias segundo os melhores interesses do país? Tais questionamentos não

pretendem assumir um cunho nacional-desenvolvimentista, defender o protecionismo ou algo

semelhante. O que se pretende mostrar aqui é a contradição conceitual que existe quando se

fala hodiernamente em nacionalização e empresas brasileiras, como acima desenvolvido.

Assim, falar em nacionalização, considerando sua finalidade estratégica de assegurar a

soberania nacional na indústria de defesa, só faria sentido se as empresas brasileiras

envolvidas nesse processo fossem controladas efetivamente por brasileiros. Por outro lado, se

se quer manter uma economia inclinada aos ditames neoliberais, evitando o protecionismo e a

intervenção no mercado, produzindo reflexos na indústria de defesa, ao admitir que empresas

controladas por sócios estrangeiros sejam tidas como brasileiras, possibilitando sua atuação

em projetos estratégicos, não se consegue falar efetivamente em nacionalização.

Após a revogação do artigo 171 da Constituição Federal, outras tentativas foram

feitas para mais uma vez definir o conceito de empresa brasileira. Em 2011 foi proposta uma

detenha” (BRASIL, 2002a, art. 1.228). Por outro lado, em relação à posse, assim diz o referido diploma: “Considera-se

possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL,

2002a, art. 1.196). Ou seja, a propriedade é o direito de exercer todos e quaisquer poderes previstos no respectivo artigo, já a

posse é o exercício de fato de alguns daqueles poderes, mas não de todos eles.

69

emenda à constituição, a PEC 123/2011, que visava inserir mais uma vez a definição que o

antigo artigo 171 apresentava de empresas brasileiras de capital nacional, entretanto, a

referida proposta foi arquivada em 2015, em decorrência do término da legislatura sem

avanço do respectivo processo legislativo (CÂMARA, 2015). Não obstante, tramita no

Congresso Nacional a Proposta de Lei do Senado (PLS) nº 89/2014, de autoria do senador

Roberto Requião que objetiva editar uma lei infraconstitucional que também repete a

definição do revogado artigo 171, visando diferenciar uma empresa brasileira de capital

estrangeiro de uma de capital nacional, bem como, prevendo incentivos econômicos para esta.

Hierarquicamente, estaria abaixo de uma norma constitucional, mas, como legislação

ordinária, seria plenamente dotada de força normativa e vinculante. Até a elaboração desse

trabalho, o mencionado projeto estava sendo apreciado na Comissão de Assuntos Econômicos

do Senado Federal e havia recebido um relatório desfavorável pelo senador Francisco

Dornelles, contrário à proposta, argumentando o seguinte (SENADO, 2015):

“Entendemos que o PLS nº 89, de 2014, ao restabelecer a discriminação das

empresas brasileiras por origem de capital, será prejudicial ao País, pois os custos

desse tipo de política são maiores que os benefícios, além de não induzir o aumento

da produtividade. Ao estimular a criação de proteções e privilégios, ainda que

temporários, para empresas brasileiras de capital nacional, o Projeto caminha em

direção contrária, pois retira o incentivo à realização de inovações e ao incremento

da produtividade.

A história da evolução da indústria brasileira mostra que as políticas protecionistas

geraram inúmeros casos de ineficiência e baixa produtividade. Devido às limitações

de infraestrutura e ao contexto institucional brasileiro, a proteção tende a gerar

dependência das empresas em relação ao setor público em vez do progresso

tecnológico, do aumento da competitividade e da busca por maior inserção no

mercado internacional.

Ademais, o protecionismo tende a limitar a concorrência, gerando uma transferência

de renda dos consumidores para as empresas protegidas, na forma de preços mais

elevados, e dos contribuintes para o governo, na forma de tarifas de importação de

importação de produtos ou de benefícios tributários.

Assim, as evidências empíricas mostram que, para o caso brasileiro, não há garantia

alguma de que a distinção das empresas brasileiras por origem de capital, seja nas

compras públicas ou para fins de proteção comercial, resultará em aumento da

produtividade, avanços tecnológicos e maior competitividade.

Por fim, destacamos que o ordenamento jurídico atual não impede que políticas

industriais beneficiem empresas nacionais em nome da defesa nacional, da soberania

tecnológica, ou mesmo do fortalecimento de setores industriais de capital nacional.”

Vale repetir que não se discute no presente trabalho o mérito da diferenciação

entre empresas brasileiras de capital estrangeiro e nacional no sentido de receberem

tratamento distinto. O que se discute aqui é que não faz sentido se falar em nacionalização,

em termos conceituais, quando se constata a forma com que a legislação aborda atualmente a

definição de empresa brasileira, em especial na indústria de defesa. Em sentido divergente do

apresentado pelo senador Dornelles, Rossi (2007) afirma que o direito ao desenvolvimento,

70

previsto no artigo 219 da Constituição Federal e em outros instrumentos jurídicos

internacionais seria fundamento suficiente para o tratamento diferenciado entre empresas de

capital estrangeiro e de capital nacional, em que pesem os acordos internacionais de comércio

que caminham na direção contrária, em especial, os da Organização Mundial do Comércio

(OMC).

Outro aspecto relevante para se destacar nesse contexto é a questão da remessa de

divisas ao exterior oriunda de contratos de transferência de tecnologia. Para tanto, insta

mencionar alguns dispositivos jurídicos importantes: Lei nº 4.131/6212

(BRASIL, 1962) e a

Portaria nº 436/58 do Ministério da Fazenda13

(BRASIL, 1958). Com base nesses diplomas e

em outros assessórios, Viegas (in SANTOS; JABUR, 2007) ensina que entre pessoas jurídicas

independentes, ou seja, quando a fornecedora de tecnologia não detém qualquer participação

no capital da adquirente, ou detém uma participação minoritária (menos de 50% do capital

votante), não existe limites ao pagamento de remuneração ao exterior. A remuneração pode

ser fixada livremente entre as partes e os percentuais contidos na Portaria MF nº 436/58 se

dão somente para a dedução do Imposto de Renda. Por outro lado, quando a fornecedora da

tecnologia detém a maioria (mais de 50%) do capital votante da receptora, os percentuais da

referida portaria servem tanto para limitar a dedução, quanto para a remessa ao exterior de

royalties pelo licenciamento de marcas e patentes, quais sejam, a proporção de 1 a 5%

(dependendo da “essencialidade” da respectiva atividade) sobre o preço líquido de vendas dos

produtos ou serviços comercializados pela adquirente (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).

Em outras palavras, a interpretação final da legislação envolvida é de que só se pode remeter

ao exterior aquilo que é possível deduzir para fins de Imposto de Renda (de 1 a 5%, como dito

acima) (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).

Entretanto, tal se aplica à transferência de tecnologia protegida por direitos de

propriedade industrial. Quando há a transmissão de tecnologia não patenteada entre uma

controladora e sua filial ou subsidiária no Brasil, existe uma celeuma entre a posição do INPI

(tradicionalmente ligada à proteção da indústria nacional) e correntes doutrinárias mais

liberais (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007). Ao passo que o INPI entende que a limitação

aplicada à transferência de tecnologia protegida também se aplica a não patenteada, Viegas e

outros autores (BARBOSA, 1984 e TEIXEIRA,1974 apud VIEGAS in SANTOS; JABUR,

2007) entendem, pela interpretação dos dispositivos legais e regulamentares concernentes,

12 Disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior e dá outras providências. 13 Estabelece coeficientes percentuais máximos para a dedução de Royalties, pela exploração de marcas e patentes, de

assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, amortização, considerados os tipos de produção, segundo o grau

de essencialidade.

71

que não existe limitação à remessa de remuneração por transferência de tecnologia não

patenteada, assistência técnica ou serviços técnicos entre subsidiárias brasileiras e suas

controladores estrangeiras. Não obstante, na prática tem sido aplicada a posição do INPI em

limitar a remessa de remuneração, nos parâmetros do parágrafo anterior, em relação à

transferência de tecnologia entre subsidiárias nacionais e controladoras estrangeiras, como

exemplo, segue a ementa de um precedente jurisprudencial:

“RELATOR : DESEMBARGADORA FEDERAL LILIANE RORIZ APELANTE :

KONINKLIJKE PHILIPS ELETRONICS N V ADVOGADO : RODRIGO

SERGIO BONAN DE AGUIAR E OUTROS APELADO : INSTITUTO

NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI PROCURADOR :

ANDRE LUIS BALLOUSSIER ANCORA DA LUZ ORIGEM : TRIGÉSIMA

SÉTIMA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200651015041578) (...) E M

E N T A. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA

DE TECNOLOGIA. AVERBAÇÃO. LIMITAÇÃO PELO INPI. POSSIBILIDADE.

ONEROSIDADE EXCESSIVA DO CONTRATO. ROYALTY. PERCENTUAL

MÁXIMO FIXADO. 1. A formação de um contrato internacional de transferência

de tecnologia envolve aspectos diversos e específicos. De um lado, tem-se o detentor

da tecnologia – o transferente ou licenciador –, via de regra localizado em um país

produtor de tecnologia, do chamado primeiro mundo, e, de outro, o receptor, ou

licenciado, quase sempre sediado em um país em vias de desenvolvimento ou

subdesenvolvido. Enquanto os objetivos primordiais do primeiro são a maximização

da remuneração de sua tecnologia, otimizando sua exploração, e a busca de seu uso

como forma de ingresso em novos mercados, os principais objetivos do segundo são

a obtenção de inovação tecnológica e a capacitação tecnológica em si. 2. A atuação

do INPI, ao examinar os contratos que lhe são submetidos para averbação ou

registro, pode e deve avaliar as condições na qual os mesmos se firmaram, em

virtude da missão que lhe foi confiada por sua lei de criação, a Lei nº 5.648, de

11/12/1970. A meta fixada para o INPI é, em última análise, a de dar efetivação às

normas de propriedade industrial, mas sem perder de vista a função social,

econômica, jurídica e técnica das mesmas e considerando sempre o desejável

desenvolvimento econômico do país. 3. A Lei nº 9.279/1996 somente retirou do

INPI, ao revogar o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 5.648/70, o juízo de

conveniência e oportunidade da contratação, ou seja, o poder de definir quais as

tecnologias seriam as mais adequadas ao desenvolvimento econômico do País. Esse

juízo, agora, é unicamente das partes contratantes. Persiste, todavia, o poder de

reprimir cláusulas abusivas, especialmente as que envolvam pagamentos em moedas

estrangeiras, ante a necessidade de remessa de valores ao exterior, funcionando,

nesse aspecto, no mínimo como agente delegado da autoridade fiscal. 4. A

disseminação massiva da produção em escala global havia gerado uma queda brutal

nos preços, devido ao excesso de oferta, o que deu origem a uma onerosidade

excessiva, comprometendo a execução do contrato, caso se mantivesse o valor fixo

incidindo sobre cada produto comercializado. 5. É razoável e proporcional o

percentual de 5% fixado para remessa de royalties por ser este o coeficiente

percentual máximo permitido para dedução fiscal, conforme o art. 12 da Lei n.

4.131/62, e valor máximo mais freqüente, além de ser adotado como referência para

os contratos de licença e transferência de tecnologia. 6. Apelação improvida.”

(BRASIL, 2008)

Portanto, diante do que fora desenvolvido acima, pode-se constatar uma grande

indefinição nas instituições brasileiras no que se refere às políticas de nacionalização, quando

coadunadas com os mecanismos institucionais e jurídicos que regulam as definições de

empresas brasileiras e remessas de lucros. Vê-se, por um lado, um segmento que busca

72

fomentar indústria nacional, por meio da aquisição de tecnologia competitiva e limitação de

remessas de divisas ao exterior, em prol do desenvolvimento do país e, por outro lado, quem

entenda que tal desenvolvimento só pode se dar dentro da lógica neoliberal, com abertura dos

mercados e mitigação do protecionismo.

2.7 – AS EMPRESAS ESTRATÉGICAS DE DEFESA

Até elaboração desse trabalho, ainda não há definição de empresa brasileira fora

dos parâmetros desenvolvidos acima. Por outro lado, uma importante contribuição ao tema foi

feita pela Lei nº 12.598/2012 (BRASIL, 2012), que dispõe sobre compras e contratações em

defesa, bem como, prevê incentivos à área. Mas, além disso, o referido diploma trouxe

diversas definições, dentre as quais a de empresa estratégica de defesa no seu artigo 2º, inciso

IV, vale transcrever:

“IV - Empresa Estratégica de Defesa - EED - toda pessoa jurídica credenciada pelo

Ministério da Defesa mediante o atendimento cumulativo das seguintes condições:

a) ter como finalidade, em seu objeto social, a realização ou condução de atividades

de pesquisa, projeto, desenvolvimento, industrialização, prestação dos serviços

referidos no art. 10, produção, reparo, conservação, revisão, conversão,

modernização ou manutenção de PED no País, incluídas a venda e a revenda

somente quando integradas às atividades industriais supracitadas;

b) ter no País a sede, a sua administração e o estabelecimento industrial, equiparado

a industrial ou prestador de serviço;

c) dispor, no País, de comprovado conhecimento científico ou tecnológico próprio

ou complementado por acordos de parceria com Instituição Científica e Tecnológica

para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e

desenvolvimento de tecnologia, produto ou processo, relacionado à atividade

desenvolvida, observado o disposto no inciso X do caput;

d) assegurar, em seus atos constitutivos ou nos atos de seu controlador direto ou

indireto, que o conjunto de sócios ou acionistas e grupos de sócios ou acionistas

estrangeiros não possam exercer em cada assembleia geral número de votos superior

a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser exercidos pelos acionistas

brasileiros presentes; e

e) assegurar a continuidade produtiva no País;”

Note-se a condição prevista na alínea d do dispositivo colacionado supra. O

legislador preocupou-se em rotular como Empresa Estratégica de Defesa aquela que possui,

pelo menos, um mínimo de capital nacional que permita a expressão do interesse de sócios e

acionistas brasileiros na decisão da empresa. Antes de se consubstanciar como lei, a Lei nº

12.598/2012 era a Medida Provisória nº 544/2011, cuja Exposição de Motivos (BRASIL,

2011) evidencia o seguinte entendimento:

73

“(...) 3. A END determina a organização da indústria de defesa para que possa ser

assegurada ao País autonomia operacional necessária ao exercício das competências

atribuídas às Forças Armadas, sob o pressuposto de que a organização, o preparo e o

emprego da Marinha, do Exército e da Aeronáutica devem corresponder ao

desenvolvimento econômico e tecnológico nacional.

4. É nessa ordem de idéias que a END situa a reorganização da indústria de defesa

como um de seus eixos estruturantes, assegurando que o atendimento das

necessidades de equipamento das Forças Armadas esteja atrelado ao

desenvolvimento de tecnologias sob domínio nacional. Para tanto, faz-se necessário

capacitar a indústria para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à

defesa do País. (...)

14. Note-se que as definições tratadas no presente projeto de Medida Provisória têm

a finalidade de proporcionar marco legal para as compras e contratações de interesse

da área de defesa, em especial, para servir de orientação ao poder público e à

iniciativa privada, observados os efeitos sobre o planejamento de curto, médio e

longo prazo. Por essas razões, produto de defesa, produto estratégico de defesa e

sistema de defesa são conceitos que serão considerados no conjunto de iniciativas

voltado à empresa estratégica de defesa, que dependerá do credenciamento do

Ministério da Defesa e do cumprimento cumulativo de condições garantidoras da

proteção dos interesses estratégicos do País afetos ao desenvolvimento de

tecnologias nacionais e, também, à concessão de incentivos à área de defesa, como

financiamentos, regimes tributários e garantias.”

Nesse sentido, a MP nº 544/2011, convertida na Lei nº 12.598/2012, tem em sua

justificativa um entendimento pautado pelas diretrizes da END, buscando criar medidas legais

para efetivar as estratégias nela apontadas. Portanto, pode-se dizer que tanto a END, quanto a

Lei nº 12.598/2011 demonstram o entendimento de que, realmente, para fomentar o

desenvolvimento autônomo da indústria nacional em defesa, a nacionalização é fundamental

para o interesse soberano do país. Mas, além disso, depreende-se que também consideram

indesejável ou arriscado que empresas brasileiras que não possuam relevante capital nacional

atuem sem limites em um setor tão estratégico, buscando dar preferência àquelas que possuem

capital nacional. Dessa forma, a referida legislação compartilha do entendimento

argumentado supra de que a nacionalização é conceitualmente incompatível com a indefinição

de empresa brasileira segundo seu capital social ou acionário.

74

CAPÍTULO 3

METODOLOGIA: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O presente capítulo é dedicado ao desenvolvimento da abordagem metodológica

que pautará esta pesquisa. A metodologia a ser utilizada será a de avaliação de políticas

públicas, sendo que a primeira seção conterá uma revisão de literatura sobre o referido

método, abordando os aspectos históricos e conceituais sobre a análise de implementação e

avaliação de políticas públicas. A segunda trará os modelos analíticos que serão empregados

para avaliar os programas militares e, finalmente, na última seção será sintetizado e

detalhando o método que será seguido para a avaliação que presente pesquisa propõe.

3.1. REVISÃO DE LITERATURA

3.1.1 – Histórico e definições de políticas públicas

Na primeira metade do século XX, diversos estudiosos sentiram a necessidade de

conciliar as perspectivas teórica e prática da Política e introduzir, nas suas análises, questões

normativas e não apenas descrições empíricas, propiciando o surgimento dos estudos de

políticas públicas (policy sciences, em inglês) (HOWLETT; RAMESH, 2003 apud MOTA,

2010). Embora as bases teóricas desses estudos possam remontar aos clássicos da

modernidade como More, Maquiavel, Bacon, Montesquieu ou Rousseau (BIRKLAND,

2001), foi nos anos 1940, nos EUA, que o chamado “pai fundador” dos estudos de políticas

públicas, Harold Laswell (in VILLANUEVA, 1992) iniciou sua produção, lançando, um

pouco depois, uma obra emblemática em 1951 intitulada “The Policy Orientation”

(DELEON; MARTELL, 2006), afirmando que tal disciplina se preocuparia em, não só

compreender o processo de produção de políticas públicas, mas também em prover dados que

permitam a interpretação de problemas societais (PARSONS, 1995 apud MOTA, 2010).

O processo acima pode ser verificado conforme ensina Faria (2003). Nos seus

primórdios, a ciência política considerava as políticas públicas quase exclusivamente como

outputs do sistema político, priorizando a investigação dos inputs, ou seja, nos processos de

75

formação das políticas públicas, sobretudo, o processo decisório e a articulação de demandas

e interesses (FARIA, 2003). Contudo, a partir da década de 1950, as políticas públicas vieram

a representar uma unidade de análise, conferindo destaque aos aspectos dinâmicos do

chamado policy process e aos distintos atores, estatais e não estatais, usualmente envolvidos

(RADAELLI, 1995 apud FARIA, 2003).

O reconhecimento dos estudos de políticas públicas como disciplina por parte da

comunidade científica viria somente mais tarde, no final dos anos 1960, com o início de sua

afirmação. A organização de conferências sobre políticas públicas fomentou a criação, no

início da década de 1970, de diversas associações e publicações relacionadas com o domínio

das políticas públicas, mas que se refletiu na elaboração, por parte da comunidade científica,

principalmente, de obras literárias sobre o tema, não tanto nas universidades, que resistiam a

uma disciplina que rompia abruptamente com as fronteiras tradicionais (PARSONS, 1995

apud MOTA, 2010). Somente nessa mesma década, é que também tomou força na Europa,

especialmente na Alemanha, a preocupação com tal campo específico das políticas (FREY,

2000). Foi somente nos anos 1980 e 1990 que o estudo das políticas públicas se consolidou

como disciplina, diante do crescente interesse de outros países, que não os EUA, pelo tema

(PARSONS, 1995 apud MOTA, 2010).

No Brasil, os primeiros trabalhos sobre políticas se davam sobre o estudo do

Estado brasileiro, seu papel, seu intervencionismo, sobre as instituições que o constituiriam e

os processos de negociação de interesses, isso, sendo que a produção acadêmica dos anos

1960 manteve esse traço de continuidade (MELO, 1999). Já os primeiros estudos de políticas

públicas dos anos 1970 se revestiram de caráter empírico rigoroso e centravam-se nas

questões relativas ao Estado desenvolvimentista: planejamento econômico, políticas

industriais ou políticas de desenvolvimento regional (MELO, 1999). Os trabalhos de corte

social estavam subsumidos nesse prisma, tendo os mais significativos sido produzidos no

final do regime ditatorial (MELO, 1999).

Mesmo após o fim do período autoritário, constatou-se que os obstáculos à

consecução de política sociais efetivas continuaram existindo, o que fortaleceu os estudos de

políticas públicas. A perplexidade e o desencantamento em relação ao Estado se coadunavam

com a difusão internacional da idéia de reforma do aparelho estatal, vindo a consistir o

princípio organizador da agenda pública dos anos 1980-1990 (TREVISAN; VAN BELLEN,

2008). Assim, no Brasil, o estudo de políticas públicas experimentou um boom na década de

1980, sob impulso da transição democrática (MELO, 1999), mudando o foco da imaginação

social brasileira do Estado, a partir do anos 1990, paulatinamente, para a sociedade civil

76

(TREVISAN; VAN BELLEN, 2008). Nos últimos anos, multiplicaram-se as dissertações e

teses sobre temas relacionados às políticas governamentais; disciplinas de políticas públicas

foram criadas ou inseridas nos programas de graduação e pós-graduação; criaram-se linhas de

pesquisa especialmente voltadas para essa área; instituíram-se agências de fomento à pesquisa

e linhas especiais de financiamento (ARRETCHE, 2003); criaram-se fóruns específicos em

espaços acadêmicos e se informatizaram os periódicos nacionais e internacionais sobre o tema

(SOUZA, 2003).

Mas o que se entende por “política pública”? Jobert e Muller (1989 apud MELO,

1999) consideram a análise de políticas públicas lato sensu com a análise do “Estado em

ação”. De semelhante modo, Pedone (1986) considera políticas públicas como sendo o nexo

entre teoria e ação do Estado, cuja definição pode se apresentar sob diversas facetas, dada sua

multidisciplinaridade, sendo assim, sua análise não pode estar separada do ambiente da

cultura política e dos grupos ao redor e cuja formulação deve ser responsável, não podendo

desconsiderar o debate entre fatos e valores. Outros exemplos de definições podem ser vistos

conforme o quadro a seguir.

Quadro 3 – Diferentes definições de políticas públicas

Característica

principal Enunciado Autores

Ênfase na

finalidade.

“Um programa projetado com metas, valores e práticas” LASSWELL

& KAPLAN

“Um conjunto de decisões inter-relacionadas referentes à seleção de

objetivos e dos meios para atingi-los” JENKINS

“Estratégias que apontam para diversos fins, todos eles, de alguma

forma desejados pelos diversos grupos que participam do processo

decisório”

SARAVIA

Adição dos

elementos

“governo” e

“sociedade”.

“A alocação oficial de valor para toda a sociedade” EASTON

“A soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou por

delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos” PETERS

Declaração do

caráter público e

ideia de

intervenção na

realidade.

“Fluxo de decisões públicas, orientado para manter o equilíbrio

social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa

realidade”

SARAVIA

“Sistema de decisões públicas que visa a ações e omissões,

preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a

realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da

definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos

recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos”

SARAVIA

“Uma regra formulada por alguma autoridade governamental que

expressa uma intenção de influenciar, alterar, regular, o

comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções

positivas ou negativas”

LOWI

“Tudo o que um governo decide fazer ou deixar de fazer” DYE

Fonte: Elaboração própria, com base em RUA; ROMANINI, 2013, Unidade I, pp. 3-4.

77

Após uma análise de diversas dessas definições, Mota (2010) traz a seguinte

conclusão:

"política pública é a)

um processo contínuo de decisões, por acção ou omissão, b)

tomadas por órgãos públicos, ou outros por eles empossados, e c)

expressas em

textos (leis, regras, regulamentos, entre outros), práticas, símbolos e discursos, que

refletem d)

o resultado da conjugação de perspectivas que diversos actores têm

relativamente a e)

um problema societal real, ou que seja expectável que venha a

surgir. Assim, e com a finalidade de f) produzir impactos reais na vida dos cidadãos,

a política deverá g)

especificar grupos alvo e meios (humanos, financeiros, logísticos,

organizacionais, etc.) que idealmente deverão ser alocados, h)

bem como o tipo e

conteúdo da provisão." (MOTA, 2010, p. 8)

É importante fazer uma distinção. Embora na língua portuguesa a palavra

"política" seja comum aos termos "política" e "política pública", eles não são a mesma coisa

(RUA; ROMANINI, 2013), ou seja, a palavra "pública" não é uma simples adjetivação da

palavra "política". A diferença é evidente na língua inglesa:

"A literatura sobre 'policy analysis' diferencia três dimensões da política. Para a

ilustração dessas dimensões tem se adotado na ciência política o emprego dos

conceitos em inglês de 'polity' para denominar as instituições políticas, 'politics' para

os processos políticos e, por fim, 'policy' para os conteúdos da política." (FREY,

2000, p. 216)

Em outras palavras, "política" é o termo em inglês politics e representa o processo

político, de ações e negociações entre os atores envolvidos, ao passo que "política pública" é o

termo policy, significando a dimensão e o conteúdo material das decisões políticas (FREY,

2000).

O próximo ponto que demanda atenção é o termo “pública”. O que torna uma

política (policy), pública? Rua e Romanini (2013) ensinam que existem duas abordagens para

a natureza pública das políticas públicas: a “estatocêntrica” e a “policêntrica” ou

“multicêntrica”. Segundo a abordagem estatocêntrica, a dimensão “pública” da política

(policy) se dá em virtude de decisões e ações revestidas do poder extroverso e da autoridade

soberana do Estado, ou seja, que possuem caráter jurídico de “imperatividade” fundamentadas

na autoridade do Poder Público, dependendo, portanto, de uma estrutura legal de

procedimentos e de processos institucionais governamentais. A abordagem policêntrica, por

sua vez, não é focada no protagonismo do Estado na produção de políticas públicas, ao

contrário, enfatiza a capacidade de atuação pluralista de outros atores não necessariamente

estatais: policy networks, organizações não-governamentais (ONGs), organismos

internacionais etc. (RUA; ROMANINI, 2013).

Considerando que a Defesa é uma atribuição precípua do Estado, como já

desenvolvido, muito embora possa se estudar a participação de outros atores no processo

78

político que envolve a elaboração, decisão e a implementação de uma política pública, não há

como desconsiderar o protagonismo estatal, por ser o detentor do monopólio legítimo do uso

da força (WEBER, 1979). Ao passo que a abordagem policêntrica se concentra na resposta de

um problema "público", a estatocêntrica, busca responder a um problema "político", que

corresponde a uma situação à qual os governos se veem constrangidos a dar algum tipo de

resposta: indicar à sociedade o que pretendem fazer a respeito, tendo em vista que o custo

político de se omitir frente ao problema pode ser elevado para os governantes (perda de

legitimidade, fragilização frente às forças de oposição etc.) (RUA; ROMANINI, 2013). Nesse

sentido, considerando que a decisão política em Defesa é atribuição exclusiva do Estado14

, a

abordagem da presente pesquisa se aproximará da estatocêntrica, vez que o tema está

diretamente relacionado à própria razão de ser do ente estatal como organização política e, por

isso, eventual problematização não toca somente ao interesse público, mas representa um

verdadeiro problema político que um Estado tem que responder, tanto para seus cidadãos

quanto para outros estados.

3.1.2 – Modelos explicativos de políticas públicas

Para se estudar e analisar uma política pública, diversos autores propuseram

variados modelos para que seu processo de produção pudesse ser enxergado e interpretado.

Embora nenhum de tais modelos refletisse a realidade, por serem abstrações sobre a vida real

(DYE, 1972 apud MOTA, 2010), possuíam valor heurístico, ajudando na melhor

compreensão da realidade (BIRKLAND, 2001). A ideia de que a política pública pudesse ser

compreendida como uma série de etapas em um processo foi primeiramente difundida de

forma sistemática por Harold Laswell, que em seu trabalho mais recente defendia um ciclo de

cinco etapas para o processo de políticas públicas: formação de agenda, formulação da

política pública, decisão, implementação e avaliação (HOWLETT; GIEST in ARARAL JR et

al., 2013). Tal modelo era limitado e não respondia a várias questões (HOWLETT; GIEST in

ARARAL JR et al., 2013), no entanto, a concepção do processo de produção de políticas

públicas como um ciclo evolutivo (policy cycle) se iniciava.

14 Leva-se em conta a atribuição primordial do Estado como organização política, sob a construção teórica dos filósofos

políticos modernos, como Hobbes, Locke, Rousseau que é garantir a segurança dos seus cidadãos em relação à vida e a

segurança, acompanhada ou não de outros valores, conforme o autor.

79

De 1953 a 1965, o autor David Easton advogou o chamado Modelo Sistêmico,

cuja teoria se consolidou naquele último ano (MOTA, 2010). Segundo esse modelo, o

processo de produção de políticas públicas é entendido como um sistema que influencia e é

influenciado pelo contexto envolvente (BIRKLAND, 2001), sendo que o sistema recebe

inputs e produz outputs, tornando-se estes em novos inputs, criando um movimento de

feedback (MOTA, 2010). A crítica a esse modelo se deu no sentido de que não apresenta

curiosidade sobre o que se passa dentro do sistema, também chamado de blackbox, ou seja, de

que forma diversos atores interagem de modo a promoverem ou impedirem a produção de

políticas (BIRKLAND, 2001).

O modelo da política pública desagregada em estágios distintos inspirou outros

autores que deram continuidade à interpretação do policy cycle considerando a possibilidade

de modificação do valor de suas etapas conforme os resultados avaliados. Assim surgiu o

Modelo Estagista, ou Modelo de Policy Cycle, como uma combinação da proposta de Laswell

com a possibilidade de feedback do Modelo Sistêmico de Easton (MOTA, 2010).

Muitos autores propuseram divisões do policy cycle, também chamado de

abordagem seqüencial (LIMA; D’ASCENZI, 2013). As propostas apresentam mais ou menos

etapas, com diferenças graduais, subdivisões ou refinos (RUA; ROMANINI, 2013), mas

comum a todas as propostas são as fases da formulação, da implementação e do controle dos

impactos das políticas públicas (FREY, 2000). A presente pesquisa adotará a concepção do

policy cycle adotada por Pedone (1986), na qual o autor divide o processo do estudo de

políticas públicas em cinco etapas: Formação de Assuntos Públicos e de Políticas Públicas;

Formulação de Políticas Públicas; Processo Decisório; Implementação das Políticas;

Avaliação de Políticas. Essa é a concepção prevalecente até os dias atuais, embora alguns

autores prefiram subdividir algumas dessas fases.

Acerca de cada uma dessas etapas, assim ensina Pedone (1986, p. 12):

“a) Formação de Assuntos Públicos e de Políticas Públicas - momento em que as

questões públicas surgem e formam correntes de opinião ao seu redor. Isto contribui

para a formação da agenda política, composta de questões que merecem políticas

definidas.

b) Formulação de Políticas Públicas - processo de elaboração de políticas no

Executivo, no Legislativo e em outras instituições públicas, sob os pontos de vista

da racionalidade econômica, da racionalidade político-sistêmica ou da formulação

responsável.

c) Processo Decisório - interligado com o anterior, porém com delimitações

próprias, onde atuam os grupos de pressão exercendo influência sobre os decisores,

em qualquer das instâncias citadas.

d) Implementação das Políticas - processo de execução das políticas resultantes dos

processos de formulação e decisão em políticas públicas, interrelacionando as

políticas, os programas, as administrações públicas e os grupos sociais envolvidos

ou que sofrem a ação governamental ou os problemas sociais.

80

e) Avaliação de Políticas - aqui consideram-se quais os padrões distributivos das

políticas resultantes, isto é, quem recebe o que, quando e como, e que diferença fez

com relação à situação anterior à implementação. Analisam-se os efeitos pretendidos

e as conseqüências indesejáveis, bem como quais os impactos mais gerais na

sociedade, na economia e na política.”

Apesar de todas as melhorias que passou, o Modelo Estagista, ou abordagem

seqüencial, sofreu e sofre críticas, tais como:

“− Não apresenta um argumento causal, não são apresentados pistas sobre o que

causa o movimento de uma fase para a outra;

− A cadeia de fases proposta não tem uma base empírica, dado que o processo não

tem de percorrer necessariamente todas as fases e pode ocorrer por uma ordem

diferente;

− A proposta assenta num preconceito legalista e top-down, estando assim

enquadrada numa lógica hierárquica;

− Não considera que as novas políticas são influenciadas pelas já existentes – o que

Hogwood e Peters designam de “policy succession”;

− Ignora alguns elementos que não estão relacionados com a típica concepção de

problem-solving, como por exemplo, a disputa de poder e a aprendizagem.”

(MOTA, 2010)

No entanto, apesar das críticas, o modelo possui grande valor heurístico, vez que

permite: a) estudar em cada fase/parte do processo de produção os fatores e atores que têm um

papel mais relevante; b) visualizar um “tipo-ideal”15

do processo de tomada de decisão

racional; c) centrar no cenário geral e não em atores específicos (JANN; WEGRICH in

FISCHER et al., 2007).

Novos modelos alternativos ao policy cycle tem surgido, como por exemplo, o

“Punctuated Equilibrium” de Jones e Baumgartner (2005, 2009 apud BOUSHEY in

ARARAL JR et al., 2013), o modelo “Garbage Can” de Cohen, March e Olsen (1972 apud

SOUZA, 2006) e o “Advocacy Coalition Framework”, de Sabatier e Jenkins-Smith (1993

apud WEIBLE; NOHRSTEDT in ARARAL JR et al., 2013).

O modelo do “equilíbrio interrompido” (punctuated equilibrium) traz às políticas

públicas concepções de biologia e computação (SOUZA, 2006). Da biologia veio a noção de

equilíbrio interrompido, ou seja, a política pública se caracteriza por longos períodos de

estabilidade, interrompidos por períodos de instabilidade, que geram mudanças nas políticas

anteriores, ao passo que da computação veio a noção de que os seres humanos possuem

limitação na sua capacidade de processas informação e fazem isso paralelamente, não com

uma informação de cada vez (SOUZA, 2006). Dessa forma, mudanças nas políticas públicas

decorrem de maneira estável, vez que alterações radicais enfrentam consideráveis barreiras

políticas e institucionais, no entanto, inovações adotadas em curto prazo podem ocasionar um

15 Na concepção weberiana (MOTA, 2010).

81

feedback positivo e causar uma mudança radical na política em comento (BOUSHEY in

ARARAL JR et al., 2013). Assim, as políticas decorrem em padrões incrementais e não-

incrementais, variando conforme a atenção política dada a determinado assunto. Quando há

pouca atenção, os ajustes geralmente são delegados e incrementais, mantendo a política

pública constante, porém, quando há muita atenção política focada em determinado assunto,

as forças que mantém o equilíbrio são rompidas, gerando alteração brusca na política pública

(BOUSHEY in ARARAL JR et al., 2013).

O modelo garbage can ou “lata de lixo” argumenta que escolhas de políticas

públicas são feitas como se as alternativas estivessem em uma lata de lixo, ou seja, vários

problemas e poucas soluções (SOUZA, 2006). O processo de formação de agenda é uma

mistura de ordem e caos, ou “anarquia organizada” (KINGDON, 1984 apud MUCCIARONI

in ARARAL JR et al., 2013), sendo que a “lata” é o item mais permanente e previsível do

processo de produção de políticas públicas, representando os arranjos institucionais e os

procedimentos que moldam o comportamento. Entretanto, o foco central do modelo é o “lixo”

dentro dessa lata, pois os itens que alcançam a agenda pública surgem do misto de itens

dentro dela mediante a verificação de três critérios ou correntes: problema, solução e política.

Em outras palavras, um item que alcança a agenda pública para formação de uma política

deve consistir num problema reconhecido, cuja solução é disponível e viável e que exista um

ambiente político oportuno e propício (MUCCIARONI in ARARAL JR et al., 2013).

Talvez o que mais se distanciou do modelo da abordagem seqüencial talvez tenha

sido o modelo Advocacy Coalition Framework (ACF) (MOTA, 2010). As críticas que

fundaram a referida teoria são: insatisfação com o policy cycle como teoria causal;

necessidade de maior relevância das informações técnicas e científicas nos processos de

política pública; insatisfação com as perspectivas top-down e bottom-up da literatura de

implementação; necessidade de uma perspectiva de longo prazo para entender o processo de

políticas públicas; e a necessidade de se desenvolver teorias que assumam agentes humanos

mais realistas em detrimento de modelos de atores racionais encontrados na microeconomia

WEIBLE; NOHRSTEDT in ARARAL JR et al., 2013). Nesse sentido, o modelo ACF é

baseado na ideia de que os grupos de interesse se organizam em comunidades que, entre si,

partilham um conjunto de valores e crenças e que geralmente desenvolvem uma ação

concertada, em forma de “coligações”, que utilizam seus recursos para competir com outras,

sob a mediação de policy brokers, gerando a formulação de políticas que irão ser

implementadas e produzirão resultados e impactos (MOTA, 2010). Assim, cada subsistema

82

que integra uma política pública é composto por um número de coalizões de defesa que se

distinguem pelos seus valores, crenças, idéias e pelos recursos que dispõem (SOUZA, 2006).

Outra abordagem que tem se destacado é a policy network, que a partir da teoria

das redes sociais, traz aos estudos de políticas públicas aspectos análogos (WU; KNOKE in

ARARAL JR et al., 2013), muito embora também sofra a influência de várias disciplinas,

como a Ciência Política e os Estudos Organizacionais (MOTA, 2010). O objetivo dessa

abordagem analítica é entender como os relacionamentos entre atores envolvidos no

policymaking determinam os efeitos de decisões em políticas públicas coletivas. Para tanto,

essa análise precisa de dois componentes distintos. Primeiro, identificar os atores relevantes

no processo de policymaking, não só governamentais, mas extragovernamentais, como

Organizações Não-Governamentais (ONGs), grupos de interesse e até indivíduos influentes.

Segundo, deve-se descrever o tipo de interação social que ocorre entre tais atores durante o

processo da política pública (WU; KNOKE in ARARAL JR et al., 2013). Assim, as relações

de interdependência e a disputa por recursos tornaram-se então os principais elementos das

“novas” relações no domínio da produção de políticas (HUDSON; LOWE, 2004 apud

MOTA, 2010). A abordagem das policy networks permite tanto enxergar a dimensão das

redes sociais na formulação das políticas públicas, quanto responde a questões sobre suas

origens, sua permanência no tempo e como se dão suas mudanças (WU; KNOKE in

ARARAL JR et al., 2013).

Não obstante, todos esses modelos alternativos surgiram sobre a base do policy

cycle, não tendo nenhum destes sido capaz de quebrar com o paradigma de base (DELEON,

1999a apud MOTA, 2010).

Diante do exposto, cabe ressaltar que a presente pesquisa recairá principalmente

sobre as duas últimas etapas do policy cycle, quais sejam, a implementação e avaliação dos

programas militares PROSUB, Guarani e H-XBR, no que tange à transferência de tecnologia.

3.1.3 – Análise de implementação

Até o final da década de 1960, não se dava muita atenção à fase de implementação

de políticas públicas, vez que era entendida como a etapa em que os funcionários da estrutura

burocrática do estado simplesmente estavam cumprindo ordens (BIRKLAND, 2001), bem

como a visão do aparelho político como uma blackbox não despertava o interesse pelo tema

83

(MOTA, 2010). Contudo, as crises energéticas da década de 1970 e a consequente

necessidade de contenção despertaram uma preocupação com a eficiência e eficácia das

políticas de welfare state, dado que se começou a perceber que os objetivos delineados em

alguns desses programas não estavam sendo cumpridos (PÜLZL; TREIB in FISCHER et al.,

2007).

Com uma obra lançada pela primeira vez em 1973, os autores Pressman e

Wildavsky (1984) questionaram os estudos de políticas públicas até então, afirmando que o

fato de decisões terem sido tomadas em relação a políticas públicas expressas em diplomas

legais, não significava necessariamente que tais políticas seriam executadas, nem que

atenderiam os objetivos dos seus formuladores. Em outras palavras, as decisões permanecem

como intenções, a menos que sejam desenvolvidas as ações capazes de transformá-las em

intervenção na realidade (RUA; ROMANINI, 2013). Sendo assim, implementação significa

“realizar, fazer, executar, produzir, concluir”16

uma política pública, tendo como parâmetros

os objetivos iniciais e as expectativas dos decisores, tendo em vista que, se os objetivos não

são alcançados, uma explicação possível é o “déficit de implementação” (PRESSMAN;

WILDAVSKY, 1984). Vale transcrever:

“Promessas podem criar esperança, mas promessas não cumpridas podem levar à

desilusão e frustração. Ao concentrar na implementação dos programas e na sua

iniciação, nós poderemos aumentar a probabilidade de que promessas sobre políticas

públicas sejam cumpridas. Menos promessas poderão ser feitas havendo maior

consciência sobre os obstáculos ao seu cumprimento, porém mais delas poderão ser

mantidas.” (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1984, p. 6, tradução livre)

A fase de implementação ganhou tanto destaque que acabou se tornando uma

subdisciplina do estudo de políticas públicas (MOTA, 2010), sendo assim definida por

Pedone (1986, p. 31):

“A implementação de políticas públicas envolve ações por indivíduos ou grupos

públicos ou privados que se destinam a atingir os objetivos colocados em decisões

anteriores. Isto não só envolve a primeira ação como também aquelas ações

posteriores destinadas a corrigir pequenos desvios ou mesmo realizar grandes

mudanças nas políticas.”

A partir de meados da década de 1970, surgiram autores que expunham uma

teoria generalizável sobre implementação, que podem ser divididas em três grandes escolas ou

abordagens: a escola top-down; a escola bottom-up; e as teorias híbridas (GOGGIN et al.,

1990 apud MOTA, 2010).

16 “to carry out, accomplish, fulfill, produce, complete” (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1984, p. xxi).

84

A escola top-down, também chamada de 1ª geração (MOTA, 2010) ou desenho

prospectivo (ELMORE, 1979 apud LIMA; D’ASCENZI, 2013), parte da premissa de que a

implementação se inicia com uma decisão de topo que é (ou deveria ser) implementada tal e

qual como formulada, negligenciando qualquer influência dos implementadores (PÜLZL;

TREIB in FISCHER et al., 2007). Há uma clara distinção entre decisão e operacionalização,

que possuiriam arenas e atores distintos (LIMA; D’ASCENZI, 2013). Assim, se a

implementação é uma consequência da decisão política, a explicação para sua trajetória está

no processo que lhe deu origem, mudando-se o foco para o processo de formulação, suas

normas estruturantes e suas lacunas (LIMA; D’ASCENZI, 2013). Eventuais “problemas” na

execução são responsabilidade dos formuladores, que devem evitá-los elaborando regras que

estruturam a implementação, tais como: manter a política clara, evitar ambigüidades na

definição do objetivo, financiamento e das responsabilidades e manter controle efetivo sobre

os implementadores, limitando a margem de manobra destes (HILL, 2007 apud LIMA;

D’ASCENZI, 2013).

Há autores que buscam a “implementação perfeita”, como Hood (1976 apud

MOTA, 2010), Hogwood e Gunn (1984 apud MOTA, 2010) e Dunsire (1990 apud MOTA,

2010), defendendo uma execução rigorosa e uma avaliação controlada para o sucesso da

política. Por outro lado, existem autores que admitem que as direções proferidas pelos

policymakers podem não ser tão claras e objetivas, resultando sim de um processo de

negociação, inclusive podendo haver interferências no processo de implementação (MOTA,

2010). Nesse sentido, Bardach (1977) reconhece que o processo de implementação é

eminentemente de caráter político, sendo comparado a um jogo e, assim, demandando o

“estabelecimento de regras”, bem como uma monitorização por parte dos níveis de topo.

Assim, autores como Sabatier e Mazmanian (1980), Van Meter e Van Horn (1996

apud LIMA; D’ASCENZI, 2013) e Howlett e Ramesh (1995 apud LIMA; D’ASCENZI,

2013) buscaram fornecer e delimitar variáveis independentes para o estudo da implementação

de políticas públicas, destacando-se pela sua contribuição metodológica e propedêutica

(CARDIM, 2006 apud MOTA, 2010). Lima e D’Ascenzi (2013) sistematizaram essas

contribuições em quatro variáveis principais que influenciam o êxito de uma implementação:

a natureza do problema-alvo da política; as variáveis normativas que estruturam a

implementação; as variáveis contextuais, como apoio do público, contexto econômico e

contexto político; e a organização do aparato administrativo.

As críticas à escola top-down se baseiam no fato de os pressupostos acima nem

sempre são verificados, pois, como os objetivos são resultados de processos políticos, nem

85

sempre são claros e objetivos, além de haver uma subestimação da capacidade dos

funcionários de base de tomarem decisões autônomas no decorrer da implementação diária

(HOWLETT; RAMESH, 2003 apud MOTA, 2010).

Nesse cenário de crítica é que, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980,

surge a escola bottom-up, ou 2ª geração, ou ainda, desenho retrospectivo (ELMORE, 1996

apud LIMA; D’ASCENZI, 2013), afirmando que os estudos de implementação também

devem ter em consideração as relações dos funcionários de base com os beneficiários, assim

como as influências que os contextos locais podem exercer nos impactos da política (PÜLZL;

TREIB in FISCHER et al., 2007). A abordagem enfatiza que a discricionariedade dos

implementadores é inevitável e pode ser desejável, já que esses autores detêm conhecimento

das situações locais e podem adaptar o plano a elas (O’BRIEN; LI, 1999).

A principal ênfase dos estudos bottom-up é no comportamento dos funcionários

de base, chamados de street-level bureaucrats ou workers (LIPSKY, 1969). Considerado o

pai fundador da referida abordagem (MOTA, 2010), Lipsky (1969) define burocracias de

nível de rua como as agências nas quais os trabalhadores interagem diretamente com cidadãos

no curso de suas tarefas e que têm substancial discrição na execução do trabalho (LIMA;

D’ASCENZI, 2013). As decisões que tais funcionários tomam, as rotinas que estabelecem e

os dispositivos que criam para lidar com as pressões e incertezas do trabalho efetivamente

tornam-se as políticas públicas que implementam (LIPSKY, 1980). O papel de fazer políticas

públicas desses agentes é construído sob dois aspectos: o alto grau de discrição e a relativa

autonomia em relação à autoridade organizacional, sendo que são as condições de trabalho é

que determinam a atuação desse tipo de burocracia (LIMA; D’ASCENZI, 2013)

Para o autor, esses burocratas se deparam com a necessidade de tomar decisões

em condições de incerteza sobre alocações de recursos e, para lidar com tais incertezas do

trabalho, desenvolveram três respostas: criam padrões de práticas que tendem a limitar a

demanda, maximizar a utilização de recursos disponíveis e obter a conformidade dos clientes,

criando soluções para os constrangimentos que encontram; modificam o conceito de seu

trabalho, restringem seu objetivo e reduzem a distância entre recursos disponíveis e objetivos

atingidos e; transformam o conceito de matéria-prima (seus clientes) para tornar mais

aceitável tal distância entre realizações e objetivos (LIPSKY, 1980). Quando as políticas

públicas consistem em muitas low-level decisions, os agentes street-level acabam por

determinar sua implementação (LIPSKY, 1980).

Sabatier (1986 apud MOTA, 2010) critica a abordagem bottom-up, argumentando

que o poder dos burocratas de nível de rua tem um poder circunscrito pelos parcos recursos de

86

que dispõem e por normas e obrigações profissionais, que levam à possibilidade de serem

sancionados pelo não cumprimento das mesmas. Matland (1995 apud LIMA; D’ASCENZI,

2013) chama a atenção para o fato de que nas democracias, o controle sobre as políticas deve

ser dos representantes eleitos, sendo que o poder dos implementadores não deriva dessa base.

Não obstante, ainda que a discricionariedade seja importante para o desenvolvimento das

atividades, por outro, seu exercício permite modificar a política pública à revelia das

concepções de seus formuladores e dos grupos de interesse a ela relacionados, contribuindo

com a imprevisibilidade da implementação.

Lima e D’Ascenzi (2013, p. 105) fazem a seguinte síntese sobre as duas

abordagens:

“Os modelos apresentados diferenciam-se quanto ao foco de análise. O primeiro

centra-se nas características da estrutura normativa, o segundo, nos atores

implementadores e em suas ações. Em comum, as abordagens enfatizam as

condições e limitações materiais, vistas como determinantes da trajetória do

processo de implementação. Tal ênfase deixa espaço à inserção de variáveis ligadas

às idéias, aos valores e às concepções de mundo dos atores.”

Insatisfeitos com o suposto antagonismo e a estéril disputa entre as abordagens

acima, foram elaboradas algumas propostas de perspectivas de síntese e contingentes

(O’TOOLE, 2004 apud MOTA, 2010), são as chamadas teorias híbridas (HILL; HUPE, 2002)

ou de 3ª geração (GOGGIN et al., 1990 apud MOTA, 2010).

Considerados os pais da 3ª geração, Goggin, Bowman, Lester e O’Toole (1990

apud MOTA, 2010), desenvolveram uma teoria que também se preocupa com a importância

que diversos atores e diversos níveis têm para o estudo da implementação, como as anteriores.

Mas, segundo eles, o fluxo de informação e comunicação entre os diversos níveis (quer

descendente, quer ascendente) é de extrema importância, daí o papel central que os middle-

range ocupam na implementação (HILL; HUPE, 2002).

Entretanto, Birkland (2001) chama a atenção para o fato de que a utilização de

determinada abordagem depende muito da política pública em questão. Nesse sentido, Elmore

(1980 apud MOTA, 2010) baseia as suas metodologias de “forward mapping” e de

“backward mapping”. A primeira inicia o seu estudo nas decisões de topo, analisando como a

estrutura operacional utiliza os instrumentos e recursos disponíveis, ao passo que a segunda,

foca nos atores envolvidos na disponibilização da política e os grupos-alvo, continuando a

análise em sentido ascendente, com a identificação das redes que de formaram para lidar com

determinado problema, bem como as estratégias utilizadas (PÜLZL; TREIB in FISCHER et

al., 2007). Embora Elmore tenha exposto seu trabalho antes da formalização da 3ª geração,

87

sua preocupação em conjugar ambas as perspectivas anteriores pode fazer dele um dos

primeiros sintetizadores, considerando que diferentes assuntos e circunstâncias demandam

diferentes abordagens de referência (MOTA, 2010). A partir dessa análise, diversas correntes

surgiram, afirmando que a implementação é um misto de ações do poder central e dos atores

locais (PÜLZL; TREIB in FISCHER et al., 2007).

Também vale destacar a contribuição de Scharpf (1978 apud MOTA, 2010), ao

dar importância ao conceito de redes, surgido nos anos 1980 (HILL; HUPE, 2002),

asseverando a relevância das relações de colaboração e de coordenação (PÜLZL; TREIB in

FISCHER et al., 2007), de forma a facilitar o estilo consultivo da governança, reduzir o

conflito e atribuir previsibilidade ao processo de implementação (HILL; HUPE, 2002). Outro

que merece destaque é Jan-Erik Lane (1987 apud MOTA, 2010), que alega que a

implementação resulta da combinação de duas preocupações: responsabilidade em relação ao

cumprimento de objetivos de forma que atinjam resultados (top-down); e confiança que terá

que ser atribuída aos operacionais na decisão sobre a melhor forma de alcançar os objetivos

(bottom-up) (HILL; HUPE, 2002).

Lima e D’Ascenzi (2013) também propõem um modelo que conjuga um pouco

das duas escolas tradicionais e acrescenta. Segundos os autores, ambos os modelos

privilegiam as condições materiais do processo de implementação e não tomam como variável

relevante os aspectos culturais que são mediadores, às vezes necessários, ao entendimento da

trajetória da política e do resultado alcançado. O modelo proposto parte dos incentivos e

constrangimentos materiais à ação dos atores, mas enfatiza os elementos cognitivos e

ideológicos que explicam essa ação. Assim, é dada uma grande relevância à forma como os

atores absorvem à ideia inerente à política pública em relação ao objetivo que se almeja.

Portanto, os autores acreditam que a trajetória e conformação do processo de implementação

são influenciadas pelas características e o conteúdo do plano, pelas estruturas e dinâmicas dos

espaços organizacionais e pelas idéias valores e as concepções de mundo dos atores

implementadores.

Feitas as considerações sobre os principais aspectos teóricos e metodológicos

concernentes à análise de implementação, questiona-se, qual das abordagens será utilizada no

presente trabalho? A presente pesquisa busca avaliar a implementação do processo de

transferência de tecnologia de programas militares que foram iniciados sob as diretrizes da

PND e da END. Ou seja, os objetivos gerais das políticas públicas de Defesa são dados e a

responsabilidade da implementação dos programas cabe aos militares, estes, subsumidos a

uma estrutura normativa peculiarmente rígida, dado que o ethos militar é profundamente

88

baseado na hierarquia e na disciplina, o que dá pouco espaço a atuação autônoma dos atores

locais ou de base. Numa perspectiva top-down, tais informações já seriam suficientes para

analisar a implementação dos referidos programas militares. Contudo, como desenvolvido no

capítulo anterior, a transferência de tecnologia que de fato é efetiva e verdadeira, pouco reside

em meios materiais ou tangíveis, mas se dá principalmente através da absorção de

conhecimentos (know-why) por meio de recursos humanos, armazenadas em cérebros

(LONGO, 2007a).

Dessa forma, não há como qualificar a transferência de tecnologia dos programas

militares em comento apenas analisando os níveis de topo, há que se pesquisar os níveis de

base que estiveram pessoalmente envolvidos na implementação da transferência de

tecnologia, ou seja, os atores do nível básico que estiveram diretamente relacionados à

absorção dos conhecimentos transferidos. No capítulo seguinte serão detalhadas as estruturas

de implementação dos programas avaliados. Ou seja, os agentes implementadores de base são

determinantes para se avaliar o sucesso ou não da tecnologia, o que se aproxima da

abordagem bottom-up. Noutro passo, considerando mais uma vez que o meio militar é pouco

dado à autonomia e discricionariedade dos atores de base, até porque os programas estão

sujeitos a contratos administrativos internacionais elaborados pelos níveis de topo, não se

pode conceber que implementadores locais possam substancialmente influenciar na forma

com que a transferência de tecnologia será feita na prática cotidiana. Vale repetir, todos os

detalhes dos trâmites estão previstos nos contratos, que são formulados pelos níveis de topo.

Nesse diapasão, não se pode pender para qualquer dos extremos das abordagens

top-down ou bottom-up, mas há de se encontrar um ponto de equilíbrio que permita uma visão

adequada da implementação dos programas militares analisados. Assim, considerando que o

objetivo é fixado pelos níveis de topo e a estrutura é rígida e de pouco espaço para autonomia

dos implementadores de base, a análise da implementação deverá se aproximar da abordagem

top-down no que concerne à imperatividade do objetivo da política pública e da forma de

implementação, que são dados pela PND, END e contratos. Contudo, a avaliação qualitativa

dos programas em relação à transferência de tecnologia deverá se aproximar da abordagem

bottom-up, considerando os níveis de base como determinantes do sucesso ou não da política

pública, pois estes, e só estes, quem qualificam a implementação mediante os conhecimentos

recebidos ou não dos cedentes de tecnologia, tendo em vista que só eles podem afirmar com

segurança o que aprenderam ou não.

89

3.1.4 – Avaliação de políticas públicas

Nesse item, será abordada a última fase do policy cicle, como dito acima: a

avaliação de políticas públicas. Avaliar significa determinar a valia de algo, atribuir um valor

(FERREIRA, 1999 apud TREVISAN; VAN BELLEN, 2008), tanto em português, quanto

outras línguas como o espanhol e o inglês (MOKATE, 2002; GARCIA, 2001). Embora

tenhamos dito que a etapa de avaliação é a última do ciclo de políticas públicas, cabe reiterar

o propósito didático e heurístico daquela divisão, pois, na realidade, a avaliação expressa um

potente instrumento que pode – e deve – ser integrado a todo ciclo de sua gestão, subsidiando

desde a identificação do problema, o levantamento de alternativas, a formulação, a

implementação, os ajustes e as decisões sobre sua manutenção, aperfeiçoamento, mudança de

rumo ou interrupção (RUA; ROMANINI, 2013). A avaliação, portanto, não está circunscrita

somente ao momento posterior e final à implementação de uma política pública (RUA;

ROMANINI, 2013).

Sendo assim, a avaliação tem o propósito de guiar os tomadores de decisão,

orientando-os quanto à continuidade, necessidade de correções ou mesmo suspensão de uma

determinada política ou programa (COSTA; CASTANHAR, 2003). Mas além de aprimorar o

processo de tomada de decisão, a avaliação permite aos formuladores e gestores de políticas

públicas desenharem políticas mais consistentes, com melhores resultados e melhor utilização

dos recursos, bem como promove a responsabilização por decisões e ações (accountability)

dos governos perante o parlamento, agências reguladoras e fiscalizadoras e os cidadãos

(RAMOS; SCHABBACH, 2012). Nesse sentido, é indispensável que a avaliação cause

consequências no modus operandi da política pública em questão, de forma que os

avaliadores sejam capazes de formular recomendações de alta qualidade e de elaborar planos

de ação com o intuito de aperfeiçoar as políticas, os programas, e os projetos (RUA;

ROMANINI, 2013).

Não existe uma única definição de avaliação. Ala-Harja e Helgason (2000 apud

TREVISAN; VAN BELLEN, 2008) afirmam que o termo compreende a avaliação dos

resultados de um programa em relação aos objetivos propostos. Garcia (2001) define

avaliação como a operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa organizacional, a partir

de um quadro referencial ou padrão comparativo previamente definido, ou, ainda, a operação

de constatar a presença ou a quantidade de um valor desejado nos resultados de uma ação

empreendida para obtê-lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de

90

aceitabilidade pretendidos. O Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE assinala

que o propósito da avaliação é determinar a pertinência e alcance dos objetivos, a eficiência,

efetividade, impacto e sustentabilidade do desenvolvimento (TREVISAN; VAN BELLEN,

2008). Fator relevante para todas as definições acima é a relação da avaliação com a

verificação do atingimento de objetivos, o que é criticado por Mokate (2002), que afirma que

tais definições falham em resgatar o conceito de “valor” ou de “mérito”, supondo que o plano

e os objetivos correspondentes já têm um valor reconhecido e aceito em si.

Rua e Romanini (2013) definem a etapa como a avaliação formal de políticas,

programas ou projetos17

, como o exame sistemático de quaisquer intervenções planejadas na

realidade, baseado em critérios explícitos e mediante procedimentos reconhecidos de coleta e

análise de informação sobre seu conteúdo, sua estrutura, seu processo, seus produtos, sua

qualidade, efeitos e/ou seus impactos. As autoras chamam a atenção para duas dimensões

nessa definição. A primeira é uma dimensão técnica que se refere à coleta e análise, segundo

procedimentos reconhecidos, de informações. A segunda é uma dimensão valorativa,

consistindo no exame das informações obtidas, à luz de critérios específicos, com a finalidade

de extrair conclusões acerca do valor da política pública. Esse julgamento não visa classificar

a política como “boa”, “má”, “sucesso” ou “fracasso”, mas consiste num processo de apoio ao

aprendizado contínuo, em busca de melhores decisões e de uma gestão mais madura.

Nesse diapasão, considerando as referidas dimensões acima, Costa e Castanhar

(2003) apresentam uma definição ainda mais sintética, com clara exposição de conceitos, de

avaliação, que se trata do exame sistemático e objetivo de um projeto ou programa, finalizado

ou em curso, que contemple seu desempenho, implementação e resultados, tendo em vista a

determinação de sua eficiência, efetividade, impacto, sustentabilidade e relevância de seus

objetivos.

Os estudos sobre avaliação de políticas públicas se apresentam, historicamente,

divididos em fases. Derlien (2001) classificou o histórico da avaliação em fases evolutivas, de

acordo com as três funções básicas atribuídas a ela: informação, realocação e legitimação.

Nos anos 1960, a avaliação de políticas públicas dava ênfase preponderante sobre na função

de informação, politicamente focada na melhoria dos programas, de forma que os gestores a

utilizavam como mecanismo de feedback. Nos anos 1980, a função predominante foi a

(re)alocação, durante a segunda etapa de institucionalização, destinando-se a promover uma

alocação racional de recursos no processo orçamentário (DERLIEN, 2001).

17 “Uma política é executada por meio de programas e projetos; cada uma dessas instâncias pode ser considerada como uma

unidade específica, em seu âmbito, para fins de avaliação” (RUA; ROMANINI, 2013, Unidade X, p. 7)

91

Durante a década de 1990, a tônica política passava a ser a função de legitimação

(DERLIEN, 2001). Nessa década, verificou-se um abrangente movimento de reforma de

Estado e de seu aparelho administrativo nos países desenvolvidos, que rapidamente proliferou

para os demais, ficando conhecido como Nova Gestão Pública, ou New Public Management

(RAMOS; SCHABBACH, 2012). O novo paradigma, em termos gerais, visava uma

redefinição do papel do Estado e a implantação de mecanismos de gestão oriundos da

iniciativa privada na administração pública (RAMOS; SCHABBACH, 2012). Nesse âmbito

de profundas transformações, a prioridade deixou de residir nos processos e passou a enfatizar

os resultados, tendo a avaliação assumido a condição de instrumento estratégico para toda a

gestão pública, possibilitando constatar se os objetivos eram atingidos e viabilizando a

prestação de contas do Estado à sociedade (RUA; ROMANINI, 2013).

Tendo visto o conceito e o breve histórico da avaliação de políticas públicas,

passaremos a expor os conceitos específicos subsumidos a tal categoria. Entretanto,

primeiramente cabe fazer uma distinção entre avaliação, monitoramento e acompanhamento.

O monitoramento se diferencia da avaliação em vários aspectos, sendo o mais importante que,

ao passo que a avaliação é o exame discreto e profundo de processos, produtos, qualidade,

efeitos e impactos das ações realizadas, o monitoramento é o exame contínuo de insumos,

atividades, processos, produtos, efeitos e impactos das ações, com a finalidade de otimizar a

sua gestão. Em outras palavras, o monitoramento é uma função inerente à gestão dos

programas, devendo ser capaz de prover informações sobre os mesmos para seus gestores

(RUA; ROMANINI, 2013). O monitoramento é uma atividade gerencial interna, que permite

o exame da implementação, como está sendo realizada, se está atingindo os objetivos, quais

os problemas interferindo, etc. Por sua vez, a avaliação pode ser realizada antes, durante a

implementação ou mesmo algum tempo depois (RAMOS; SCHABBACH, 2012). Embora em

ambos os instrumentos a provisão de informações seja característica, inclusive, utilizando a

avaliação as informações do monitoramento, a avaliação vai além, pois verifica se o plano

originalmente traçado está, de fato, produzindo as transformações pretendidas (RAMOS;

SCHABBACH, 2012), ou ainda, pode utilizar a metodologia “Avaliação Independente de

Objetivos” (RUA; ROMANINI, 2013). Verifica-se, portanto, que a avaliação é uma atividade

mais profunda, que julga técnica e valorativamente as políticas públicas, ao passo que o

monitoramento recolhe informações continuamente para verificar o andamento e

conformidade das ações com o plano, visando subsidiar a gestão.

Embora Ramos e Schabbach (2012) considerem monitoramento e

acompanhamento sinônimos, Rua e Romanini (2013) afirmam que o acompanhamento

92

corresponde às atividades de registro e de documentação do processo de implementação da

política pública, com a finalidade de assegurar o cumprimento do plano de atividades ou de

ação, mas sem questionar a sua pertinência frente ao problema a ser solucionado.

Dentro dos estudos de avaliação, existem diversos outros conceitos e

terminologias que são utilizados no desempenhar da atividade avaliativa e que merecem

destaque na presente pesquisa. Rua e Romanini (2013), ao dissertar sobre tais conceitos,

elaboraram o seguinte quadro sinótico, que será utilizado como base para este trabalho:

Quadro 4 - Síntese dos Principais Conceitos

Público-alvo É o conjunto de pessoas ao qual se destina uma intervenção. Também pode ser

designado como população-objetivo, população-meta ou grupo focal.

Insumo

(Input)

São os diversos recursos alocados a uma intervenção, a fim de realizar as metas e

objetivos pretendidos: dinheiro, instalações físicas, equipamentos, pessoas,

conhecimento, tecnologia, etc.

Produto

(Output)

Expressa uma saída (bens ou serviços) de um sistema que processou inputs ou insumos.

Os produtos podem ser preliminares, intermediários ou finais.

Meta

São produtos expressos quantitativamente, contendo, no mínimo, informação sobre que

quantidade de qual produto a ser produzida em que prazo. As metas podem ser, elas

próprias, objetivos específicos. Porém, mais corretamente, seriam desdobramentos ou

partes dos objetivos específicos.

Objetivo

Objetivo é a descrição clara e precisa de uma situação-problema resolvida.

Objetivo superior corresponde aos impactos pretendidos (outcomes), que deverão ser

atingidos mediante a consecução dos objetivos de projeto (ou gerais).

Objetivo geral corresponde aos efeitos pretendidos (outcomes), que deverão ser

alcançados mediante a consecução dos objetivos específicos.

Objetivos específicos correspondem aos produtos (outputs).

Efeito

(Outcome)

É a mudança (positiva ou negativa) provocada por uma intervenção na realidade. Os

efeitos guardam relação direta com os produtos finais de uma intervenção.

Impacto

(Outcome)

É a mudança positiva ou negativa, prevista ou imprevista, decorrente dos efeitos de uma

intervenção. Usualmente os impactos são observados no médio ou longo prazo e não se

limitam à órbita restrita da intervenção, podendo atingir outras esferas. Ex. Aumento da

escolaridade materna, que leva à redução da mortalidade infantil.

Pressuposto São condições essenciais à consecução dos objetivos e metas de uma intervenção que

tem como característica o fato de não se encontrarem sob o controle do projeto ou dos

seus gestores.

Fonte: Adaptado de RUA; ROMANINI, 2013, Unidade X, p. 12.

Desde a década de 1960, com os estudos pioneiros de avaliação de políticas

públicas, até o boom da década de 1990, ocorreram significativos avanços na área de

avaliação. Além do refino dos conceitos, surgiram diversas formas de classificar uma

avaliação. As várias tipologias permitem discriminar e agrupar as avaliações conforme

diversos aspectos.

Segundo as classificações propostas por Rua e Romanini (2013) e Ramos e

Schabbach (2012), é válido tentar enquadrar a presente pesquisa em suas categorias.

Primeiramente, considerando que os Programas PROSUB, Guarani e H-XBR já foram

93

iniciados e estão em fase de implementação, ainda não concluídos, a pesquisa fará uma

avaliação intermediária, ou de meio-termo. Será feita uma avaliação externa, dado que se trata

se trabalho apresentado à instituição que não faz parte do agentes participantes da

implementação. Considerando os objetivos traçados na PND e na END, essa dissertação fará

uma avaliação centrada em objetivos dos referidos programas militares. A presente pesquisa

não se enquadra nas categorias de especialistas, adversários ou participantes, vez que, como já

dito, se trata de avaliação externa. A função da avaliação é em parte formativa, pois visa

coletar e prover de informações durante o processo de implementação, a fim de proporcionar

julgamento sobre os rumos do programa, e parte de conformidade, pois tem o objetivo de

verificar se a implementação está de acordo com as normas formais que tutelam o processo,

tais como PND, END e contratos de transferência de tecnologia. Por fim, trata-se de avaliação

de processo, tendo em vista que busca analisar a adequação entre meios e fins e o modelo de

causalidade dos mencionados programas, com o objetivo de permitir eventual ajuste ou

correção.

3.2. ELEMENTOS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Nesta seção, o trabalho abordará os critérios, indicadores e padrões que qualificam

essa avaliação; e os modelos lógicos e analíticos de avaliação que servem de base para

compreender a estrutura, as etapas e os objetivos dos programas avaliados.

3.2.1 – Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa

Costa e Castanhar (2003), afirmam que, se a avaliação é uma forma de mensurar o

desempenho, é necessário definir medidas para a aferição do resultado obtido. Elas são

denominadas de critérios de avaliação, sendo que a partir desse ponto, não existe mais

consenso sobre aspectos conceituais e metodológicos. Alguns dos critérios mais comuns,

segundo os autores, são:

“- eficiência – termo originado nas ciências sociais econômicas que significa a menor

relação custo/benefício possível para o alcance dos objetivos estabelecidos no

programa;

94

- eficácia – medida do grau em que o programa atinge os seus objetivos e metas;

- impacto (ou efetividade) – indica se o projeto tem efeitos (positivos) no ambiente

externo em que interveio, em termos técnicos, econômicos, socioculturais,

institucionais e ambientais;

- sustentabilidade – mede a capacidade de continuidade dos efeitos benéficos

alcançados através do programa social, após seu término;

- análise custo-efetividade – similar à ideia de custo de oportunidade e ao conceito de

pertinência; é feita a comparação de formas alternativas da ação social para a

obtenção de determinados impactos, para ser selecionada aquela atividade/projeto

que atenda os objetivos com o menor custo;

- satisfação do beneficiário – avalia a atitude do usuário em relação à qualidade do

atendimento que está obtendo do programa;

- equidade – procura avaliar o grau em que os benefícios de um programa estão sendo

distribuídos de maneira justa e compatível com as necessidades do usuário.”

(COSTA; CASTANHAR, p. 973)

Ademais, Barry Bozeman (2000) elabora um modelo de medição de efetividade

da transferência de tecnologia de acordo com várias teorias presentes na literatura. O modelo,

que é chamado de Contigent Effectiveness Model pode ser apresentado conforme a figura:

Figura 5 - Contigent Effectiveness Model

Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 636

Cada dimensão da transferência de tecnologia no modelo acima é destrinchada

pelo autor e podem ser sintetizadas conforme as seguintes tabelas:

95

Quadro 5 - Dimensões do Contigent Effectiveness Model

Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 637

Além disso, a efetividade da transferência de tecnologia, dependendo de cada

espécie de teoria a ser utilizada, pode ser medida por vários critérios, conforme o autor

sintetiza:

Quadro 6 - Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (1)

Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 638

96

Quadro 7 - Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (2)

Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 645

Contudo, a aplicação desses critérios requer formas específicas de

operacionalização, já que devem ser calculadas a partir da identificação e quantificação dos

resultados obtidos, sendo tal categoria de medidas denominada de indicadores, que podem

variar dependendo da área e do propósito da avaliação (COSTA; CASTANHAR, 2003). Um

indicador deve ser compreendido como um parâmetro, ou valor derivado de parâmetros que

forneçam informações sobre o estado de um fenômeno, com uma extensão significativa (VAN

BELLEN, 2005 apud TREVISAN; VAN BELLEN, 2008). O propósito dos indicadores é:

mensurar os resultados e gerir o desempenho; atestar (ou não) o alcance de objetivos; embasar

a análise crítica dos resultados e do processo de tomada de decisão; contribuir para a melhoria

contínua de planos, programas, processos e projetos; facilitar o planejamento e o controle do

desempenho; viabilizar a análise comparativa do desempenho em áreas ou ambientes

semelhantes (PINHO, 2011 apud RUA; ROMANINI, 2013).

Tendo em vista os critérios e indicadores que serão utilizados, resta fazer as

comparações com o referencial (GARCIA, 2001). Segundo Costa e Castanhar (2003), os

padrões de referência podem ser classificados como: absolutos (as metas estabelecidas são

consideradas como o padrão a ser alcançado); históricos (comparação dos resultados ao longo

do tempo); normativos (comparação do desempenho com programas similares ou

semelhantes); teóricos (estabelecidos na própria elaboração do programa, sob a hipótese de

obtenção dos resultados planejados); negociados ou de compromisso (baseiam-se em algum

97

procedimento específico para sua fixação, normalmente decorrente de consensos entre as

partes envolvidas na gestão e os formuladores).

Superadas as fases de definição dos componentes da avaliação, do

estabelecimento de critérios, indicadores e padrões de referência, inicia-se a fase de definição

ou concepção da pesquisa avaliativa, que é a etapa destinada a coletar dados e informações

para responder as perguntas de avaliação, alimentar indicadores e aplicar critérios. Os dados

são coletados por meio de fontes, que são as pessoas, as instituições, os documentos ou os

repositórios que oferecem os dados ao pesquisador, podendo ser primárias ou secundárias. As

fontes primárias referem-se aos dados coletados diretamente pelos avaliadores com o intuito

específico de alimentar os indicadores ou de obter informação para a avaliação, ao passo que

as fontes secundárias representam os dados coletados por outras pessoas ou instituições para

outras finalidades (RUA; ROMANINI, 2013).

As pesquisas podem ser quantitativas ou qualitativas. A lógica da pesquisa

quantitativa, por amostragem ou por censo, implica a análise de magnitudes, para tanto,

devendo a complexidade dos fenômenos ser reduzida a padrões uniformizados. Por isso se

utilizam recursos que padronizam as perguntas e respostas possíveis, por exemplo,

questionários com perguntas fechadas (alternativas pré-determinadas). A lógica da pesquisa

qualitativa é outra, pois se buscam regularidades dentro de contextos que admitem as

manifestações das diferenças entre os informantes, sendo o interesse em aprofundar as

informações, não estimar a magnitude dos eventos. Assim, se aplicam as entrevistas em

profundidades, podendo ser não-estruturadas (sem perguntas previamente formuladas, tendo

apenas a indicação de um tema a ser explorado), semi-estruturadas (reunindo perguntas

amplas, que podem dar origem a questões outras no momento da entrevista) ou estruturadas

(com todas as perguntas elaboradas com antecedência; não se indagando nada além do que

está registrado no roteiro de entrevista) (RUA; ROMANINI, 2013).

3.2.2 – Modelos lógicos e analíticos de avaliação

O processo de avaliação será facilitado e mais útil se baseado em um

planejamento consistente capaz de estabelecer relações causais, estas que permitem esperar

que a intervenção produza um determinado efeito, como objetivado por determinado

programa. Nesse sentido, uma maneira de permitir que a avaliação de programas públicos

98

possa contribuir para testar a própria consistência do planejamento é através da definição

prévia da matriz lógica do programa (COSTA; CASTANHAR, 2003).

Sendo assim, o desenho de um programa público pode ser sintetizado em uma

sequência de definições correspondentes a graus sucessivos de agregação de objetivos

(TREVISAN; VAN BELLEN, 2008). Da diversa variedade de modelos que podem ser

empregados para se compreender o desenho de uma política pública e proporcionar sua

análise e avaliação, o modelo de avaliação desenvolvido por Evert Vedung (1997) será fulcral

no âmbito dessa pesquisa.

Como dito anteriormente, a avaliação se inicia pela definição dos seus usuários,

ou stakeholders. Nesse sentido, o modelo de avaliação de atores interessados, também

desenvolvido por Vedung (1997), será empregado, tanto para os interessados na avaliação,

quanto para os interessados no programa, como se segue:

Figura 6 – Modelo de avaliação de atores interessados (stakeholders)

Fonte: VEDUNG, 1997.

Considerando que o método autor se aplica a políticas públicas cujas decisões já

foram tomadas e são tidas como dadas, seu modelo avalia a implementação e os objetivos

alcançados e por alcançar. O autor não disserta em profundidade sobre os meandros do

processo decisório, mas se debruça sobre o que chama de “teoria da intervenção”, que são, em

síntese, os motivos, os pressupostos, as causas e hipóteses que levaram à intervenção por

parte do poder público, bem como, os objetivos que o governo pretende ao realizar aquela

intervenção (VEDUNG, 1997). A teoria da intervenção pode ser representada segundo esse

exemplo:

99

Figura 7 - Teoria da intervenção

Fonte: VEDUNG, 1997, p. 225.

O modelo acima representa a ação do programa empreendido pela política

pública, como decidido pelos policymakers, sobre os fatores determinantes de uma condição

problemática que se visa modificar. Cumpre chamar atenção para os fatos de que as setas

representam a influência do programa sobre a situação-problema, não um desencadeamento

do mesmo. Um leitor desavisado pode cair no engano de achar que os tópicos ao final são

desdobramentos do programa. Mas não, segundo o modelo de Vedung (1997, p. 225) é a

influência de um programa, estabelecido pelo governo (de cima para baixo) sobre uma

situação que se busca transformar.

Verifica-se, portanto, que os objetivos da política pública, bem como a decisão de

implementá-la são dados, que fornecerão os parâmetros para a avaliação da implementação e

constatação do êxito nos objetivos. Insta colacionar os modelos analíticos de Vedung:

Figura 8 – Modelo de sistema simplificado

Fonte: VEDUNG, 1997.

100

O modelo acima transcrito representa o sistema simplificado de avaliação, no qual

se entende por input os recursos empreendidos na realização da política pública segundo a

teoria que motivou a intervenção. A política é implementada na fase conversion, ou seja, na

conversão das entradas obtidas no resultado almejado, ou output, que por sua vez, produz seus

efeitos na sociedade, os outcomes, estes que se verificam em curto, médio e longo prazo.

Outro modelo analítico apresentado por Vedung (1997) é o modelo de consecução

de objetivos, como se segue:

Figura 9 – Modelo de consecução de objetivos

Fonte: VEDUNG, 1997.

Este modelo representa a relação entre a intervenção e sua finalidade, o objetivo

pelo qual a ação governamental foi desempenhada. Através da análise da teoria da

intervenção, a prospecção do resultado final evidenciará se a implementação da política

pública, considerando os fatores externos intervenientes, foi capaz de alcançar o desejado pelo

poder público.

Os modelos acima mencionados representam o desenho da política pública, no

sentido em que esta foi concebida em relação às suas etapas e objetivos, permitindo uma

compreensão analítica da intervenção que auxilia na atividade avaliativa. Porém, como

ensinado por Costa e Castanhar (2003), há a necessidade de elaboração de critérios e

indicadores, para comparação com os padrões de referência dados. Assim, os autores

propuseram outro modelo lógico que complementa os anteriores, relacionando objetivos do

projeto (explícitos ou implícitos) a variáveis operacionais e a indicadores (formas de

mensuração) que permitem mensurar o grau em que os objetivos gerais e específicos do

projeto vão sendo atingidos (COSTA; CASTANHAR, 2003), como se segue:

101

Quadro 8 – Exemplo de modelo lógico

Exemplo de modelo lógico aplicado a projetos de agricultura irrigada

Objetivo Variável Indicador Informação

necessária

Método de coleta

de dados Aumentar a

produção

agrícola dos

beneficiários do

projeto

- Volume da

produção agrícola

- Valor da

produção agrícola

- Quantidade

produzida por cultura

- Faturamento com a

produção (por cultura)

- Dados sobre

produção

- Dados sobre

receita

financeira

- Pesquisa secundária

(anuários de

produção)

- Pesquisa de campo

Fonte: adaptado de COSTA; CASTANHAR, 2003, p. 978.

A utilização desse modelo lógico em complemento aos anteriores permitirá

enxergar as etapas e os objetivos da intervenção como padrões de referência, assim como os

indicadores que servirão para mensurar a adequação dos meios aos fins, ou seja, o correto

seguimento do processo de implementação em relação ao fim que se destina, possibilitando

responder aos critérios estabelecidos, em especial, em relação à eficácia e efetividade da

política pública.

Tendo sido estudados os modelos lógicos e analíticos que serão utilizados na

abordagem metodológica da presente pesquisa, faz-se necessários aplicar tudo o que foi

desenvolvido até agora de arcabouço metodológico à avaliação específica que este trabalho

pretende fazer. Portanto, a próxima seção será dedicada a expor a metodologia específica

dessa dissertação, que será utilizada para avaliar os programas PROSUB, Guarani e H-XBR.

3.3. A METODOLOGIA ESPECÍFICA DA PESQUISA

Após o desenvolvimento dos elementos de uma avaliação de políticas públicas,

faz-se mister fazer a aplicação de todo o arcabouço metodológico na pesquisa que se pretende

desenvolver nessa dissertação. Para tanto, esta seção se dedicará a expor como se transcorrerá

a metodologia específica do presente trabalho para avaliar os programas propostos.

102

3.3.1 – Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa

A pergunta avaliativa que pautará a pesquisa será: quais os fatores que

influenciaram a efetividade dos processos de transferência de tecnologia durante a execução

dos programas militares avaliados, de forma a estarem conforme as diretrizes da PND e da

END?

A fim de responder tal questionamento, os critérios utilizados serão eficácia e

efetividade. Considerando a eficácia como o atingimento de objetivos, tal critério levará em

conta os processos de transferência de tecnologia em relação aos objetivos traçados na PND e

na END. Não obstante, como visto no capítulo sobre CT&I, a efetiva transferência de

tecnologia ocorre quando há absorção do conhecimento e difusão do mesmo para outros

empreendimentos, dessa forma, o critério que aborda os efeitos transformadores nos

destinatários é a efetividade, portanto, não há como ser desconsiderado também esse critério

para responder a pergunta avaliativa. Em outras palavras, os programas serão considerados

eficazes se obtiverem efetividade nos seus respectivos processos de transferência de

tecnologia.

Sendo assim, qual indicador usar para medir a efetividade do processo de

transferência de tecnologia? Para obter uma resposta é que no início dessa dissertação foi

desenvolvido um capítulo a aprofundar os conceitos de CT&I, em especial, de transferência

de tecnologia, know why e know how. Nesse sentido, foi constatado que uma verdadeira

transferência de tecnologia é aquela que transfere o know why, além do know how,

contribuindo para o aumento efetivo da capacitação industrial do receptor. Ademais, a

absorção de tecnologia é aperfeiçoada quando ocorre a difusão dos conhecimentos obtidos

para outros empreendimentos, contribuindo para a independência tecnológica no setor.

Destarte, pode-se observar pelo menos três indicadores que serão usados para responder aos

critérios acima: transferência de know why; possibilidade de difusão; possibilidade de alcançar

independência no setor.

Utilizando o que foi desenvolvido acima sobre a obra de Barry Bozeman (2000), a

presente pesquisa não utilizará todos os critérios por ele desenvolvidos, tendo em vista que

eles variam conforme o tipo de pesquisa e literatura adotada e que as limitações de tempo e de

acesso a informações não permitem o uso exaustivo de seu modelo no presente caso. Pela

teoria desenvolvida no capítulo anterior, o principal objetivo deste trabalho é avaliar se nos

programas estudados houve transferência de tecnologia para o capital humano envolvido

103

(transferência de know-why) e se essa transferência teve o condão de contribuir para o

aumento da capacitação tecnológica e industrial do país, contribuindo para sua independência

tecnológica nos setores. Sendo assim, dos critérios desenvolvidos por Bozeman (2000), dois

serão utilizados: economic development; e scientific technical human capital. Tendo eles

como base, inclusive, sendo consonantes com a pergunta avaliativa acima, servirão para

desenvolver os indicadores e métodos de coleta de informações da pesquisa, como será

explicado a seguir.

Segundo Rua e Romanini (2013), os indicadores podem ser objetivos e subjetivos.

Os objetivos se referem a eventos concretos da realidade social, são indicadores em geral

quantitativos, construídos a partir de estatísticas públicas ou registros administrativos, ao

passo que os subjetivos são indicadores qualitativos utilizados para captar percepções,

sensações ou opiniões, utilizam técnicas do tipo pesquisas de opinião, grupos focais ou grupos

de discussão. Considerando que a tecnologia, em especial o know why, como dito

anteriormente, representa um ativo intangível que geralmente é armazenado em capital

humano, em cérebros, não há como obter um indicador objetivo para medir quantitativamente

a tecnologia recebida, por esse motivo, a medição precisa ser qualitativa, com a utilização de

indicadores subjetivos e suas respectivas técnicas de pesquisa. Portanto, os indicadores serão

baseados na percepção, opinião e sensação dos implementadores dos referidos programas, em

especial, aqueles que estiveram diretamente envolvidos no processo de transferência de

tecnologia como recipiendários.

Os três indicadores acima servirão de base para responder ao critério de

efetividade da transferência de tecnologia, sendo que a verificação da efetividade responderá

ao critério da eficácia. Por fim, cabe corresponder cada critério a um padrão de referência.

Tendo em vista que a eficácia está relacionada ao atingimento de objetivos, o padrão de

referência que será adotado será absoluto, qual seja, as diretrizes para programas militares e

indústria de defesa previstas na PND e na END. Quanto ao critério da efetividade, levando em

conta seu atributo de produzir efeitos e impactos transformadores na sociedade, o padrão de

referência adequado é teórico, que por sua vez está ligado às razões e formulações que

embasaram a intervenção, prevendo a hipótese de atingimento das metas. Ou seja, levar-se-á

como padrão de referência teórico para caracterizar a efetividade a teoria da intervenção de

cada programa em relação à transferência de tecnologia, bem como os elementos teóricos de

CT&I também relacionados que permitem conceituar e qualificar essa transação. A teoria de

CT&I será usada para estabelecer o referencial de transferência de tecnologia efetiva e a

teoria da intervenção estabelecerá o referencial de efetividade para o respectivo programa.

104

Dessa forma, o primeiro grupo de componentes da avaliação, relativos à

concepção da mesma, pode ser exposto conforme o quadro abaixo:

Quadro 9 – Componentes da concepção da avaliação

Perguntas avaliativas

Houve efetiva transferência de tecnologia durante a execução dos

programas militares avaliados conforme as diretrizes da PND e da

END?

Critérios Eficácia do programa e efetividade da transferência de tecnologia

Indicadores Subjetivos: transferência de know why; possibilidade de difusão;

possibilidade de alcançar independência no setor (nacionalização)

Padrão de referência

Absoluto quanto à eficácia: diretrizes da PND e da END

Teórico quanto à efetividade: teoria da intervenção e teoria de

CT&I Fonte: Elaboração própria

Em relação às estratégias e técnicas, é preciso explicitar a lógica da pesquisa e as

fontes que serão trabalhadas. Como já dito anteriormente, a pesquisa pode ser quantitativa ou

qualitativa e as fontes podem ser primárias ou secundárias. Considerando que a presente

pesquisa não busca analisar magnitudes, mas se concentra em avaliar a implementação de três

programas em seus aspectos específicos, em especial, a transferência de tecnologia, dentro de

uma abordagem estratégica segundo as diretrizes da PND e da END, pode-se constatar que se

trata de uma pesquisa qualitativa. Ademais, tendo em vista que se pretende medir a

transferência de tecnologia por meio de indicadores subjetivos ditos acima, as fontes

principais da pesquisa devem ser primárias, sem prejuízo de fontes secundárias como

assessórias ou subsidiárias. Nesse sentido, segundo Rua e Romanini (2013), como o objetivo

é aprofundar as informações e não estimar a magnitude dos eventos, os procedimentos

aplicados são as entrevistas em profundidade, que podem ser não estruturadas (sem perguntas

previamente formuladas); semiestruturadas (reunindo perguntas amplas, que podem dar

origem a questões outras no momento da entrevista) ou estruturadas (com todas as perguntas

elaboradas previamente, não se indagando nada além). No mesmo diapasão, como se trata de

uma avaliação de processo, os desenhos da avaliação se adaptam ao contexto, ao problema e à

abrangência da pesquisa, podendo combinar métodos quantitativos e qualitativos: surveys

com questionários fechados, entrevistas semiestruturadas ou abertas e observação (RAMOS;

SCHABBACH, 2012).

O universo dos informantes ou da população envolvida em políticas públicas pode

se estender tornando por vezes impossível considerá-lo em sua totalidade, portanto, a amostra

considera uma pequena parte desse universo que representa o todo (GIL, 2008). Também

105

levando em conta a lógica da pesquisa qualitativa, Antônio Gil (2008) afirma que ela

prescinde de maior rigor ou precisão estatística. Por esse motivo, dentro dos diversos tipos de

amostragem presentes nas ciências sociais, a amostragem por acessibilidade parece a mais

adequada ao presente trabalho, sendo aquela que a escolha dos elementos que farão parte da

amostra ocorre por conta da acessibilidade ou conveniência do pesquisador (GIL, 2008).

Sendo assim, as entrevistas mencionadas acima dependem do acesso do pesquisador aos

entrevistados, o que pode depender de diversas circunstâncias, variando de programa para

programa, no entanto, sem comprometer o rigor metodológico, vez que se trata de uma

abordagem qualitativa de programas militares muito específicos, não se objetivando analisar

magnitudes e dispensando a produção de estatísticas nesses casos.

Acerca do instrumento de coleta, este consistirá num questionário estruturado,

contendo perguntas abertas e fechadas. Os dois tipos de perguntas são necessários porque, ao

mesmo tempo em que se busca verificar a ocorrência de critérios teóricos, a opinião e a

percepção dos entrevistados são de suma importância para caracterizar os indicadores

subjetivos, de forma que não se pode restringir eventual acréscimo em suas respostas. Assim,

a adoção de um questionário estruturado misto de perguntas abertas e fechadas se mostra a

opção mais equilibrada e adequada. Maiores detalhes sobre o questionário serão

desenvolvidos em item seguinte.

O último componente trata do teste e da revisão dos instrumentos de coleta, nesse

caso, o questionário. Gil (2008) ensina que a revisão, ou pré-teste, do questionário é feito com

a aplicação de alguns questionários a elementos que pertencem à população pesquisada, de

forma que os mesmos, além de responderem às perguntas, possam também fornecer

informações sobre as dificuldades encontradas. No caso da presente pesquisa, insta considerar

que o método é qualitativo e a amostragem é por acessibilidade, não tendo cunho estatístico,

portanto, já existe uma dificuldade natural em encontrar elementos dentro do universo

pesquisado dispostos a responderem o questionário definitivo, tendo em vista que fazem parte

de grandes programas militares, que envolvem muitos aspectos sigilosos e normas para

atendimento a outros públicos. Sendo assim, os elementos do universo pesquisado que

estiverem dispostos a preencher os questionários não podem ser desperdiçados com questões

de revisão, devendo ser considerados respondentes definitivos. Entretanto, para assegurar a

validade e precisão dos questionários, a revisão será feita por profissional que possui

capacitação técnica e qualificação semelhante aos entrevistados, presumindo que a formação

análoga do revisor permite entender o questionário da mesma forma que os respondentes

106

definitivos, inclusive podendo detectar eventuais imperfeições e dificuldades que estes

possam encontrar. Assim, o orientador desta pesquisa funcionará também como revisor.

Quadro 10 – Componentes do planejamento da avaliação

Técnica de pesquisa Entrevistas

Amostra Amostragem por acessibilidade

Instrumento de coleta de

dados

Questionário misto: estruturado de perguntas abertas e fechadas

Revisão Profissionais com formação semelhante aos respondentes

definitivos (orientador) Fonte: Elaboração própria

Com o fito de realizar as avaliações dos programas, como mencionado

anteriormente, a investigação da pesquisa usará as seguintes fontes primárias: a) conteúdos

originais e não-classificados dos respectivos contratos de transferência de tecnologia dos

referidos programas, quando disponíveis; b) documentos oficiais do governo, obtidos tanto na

forma física, quanto através de publicações eletrônicas e de sítios da internet, tais como, a

PND, a END, legislação afim, informações dos setores de comunicação social, relatórios das

Forças Armadas, relatórios apresentados ao Congresso Nacional, notas oficiais à imprensa,

notícias difundidas em veículos oficiais, estatísticas, entre outras; c) entrevistas com

implementadores de base dos programas, diretamente envolvidos no processo de transferência

de tecnologia. Isso se dá sem o prejuízo de consultas a outras fontes primárias que se mostrem

necessárias ou a fontes secundárias, tais como, livros e artigos, acadêmicos ou não, sobre os

programas, bem como, notícias de outros veículos, especializados ou não.

Para interpretar as informações coletadas, Marconi e Lakatos (2003) afirmam que

dois elementos são importantes: a construção de tipos, modelos e esquemas e a ligação com a

teoria. Assim, a interpretação dos dados coletados será feita de acordo com o arcabouço

teórico desenvolvido no capítulo anterior, bem como com as diretrizes da PND e da END

explicitadas anteriormente e os modelos lógicos e analíticos genéricos e específicos, estes que

serão expostos posteriormente. A forma como os dados se relacionarão com os indicadores,

critérios e padrões, assim como as variáveis e os modelos lógicos e analíticos da pesquisa,

será detalhada em item posterior.

107

Quadro 11 – Componentes da execução da avaliação

Fontes primárias

a) Contratos de transferência de tecnologia, quando

disponíveis;

b) Documentos oficiais;

c) Entrevista com implementadores

Fontes secundárias Informações das diversas fontes especializadas (oficiais ou não)

Interpretação dos dados Arcabouço teórico sobre CT&I e Estudos Estratégicos/Modelos

analíticos Fonte: Elaboração própria

Verificados os componentes específicos da presente avaliação, passar-se-á ao

desenvolvimento dos critérios para a escolha dos programas, antes do estudo dos modelos

lógicos e analíticos, variáveis e demais detalhes sobre os indicadores e instrumentos de coleta.

3.3.2 – Diretrizes da END e os critérios para a escolha dos programas

Prosseguindo no estudo da metodologia da presente pesquisa, faz-se mister

dissertar brevemente sobre os critérios utilizados para a escolha dos programas avaliados. O

presente item relatará rapidamente as razões da escolha dos programas PROSUB, Guarani e

H-XBR.

Primeiramente, a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa

são os principais documentos oficiais que devem nortear a atuação do país em relação à sua

defesa e demais aspectos estratégicos que possam lhe dizer respeito. Dentro desses aspectos,

em especial na END, encontra-se a Base Industrial de Defesa (BID), vale transcrever:

“A presente Estratégia Nacional de Defesa trata da reorganização e reorientação das

Forças Armadas, da organização da Base Industrial de Defesa e da política de

composição dos efetivos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Ao propiciar a

execução da Política Nacional de Defesa com uma orientação sistemática e com

medidas de implementação, a Estratégia Nacional de Defesa contribuirá para

fortalecer o papel cada vez mais importante do Brasil no mundo.” (BRASIL, 2012d,

p. 1)

Ademais, a END elenca a BID como prioridade:

“A Estratégia Nacional de Defesa organiza-se em torno de três eixos estruturantes.

(...)

O segundo eixo estruturante refere-se à reorganização da Base Industrial de Defesa,

para assegurar que o atendimento às necessidades de tais produtos por parte das

Forças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional, preferencialmente

as de emprego dual (militar e civil).” (BRASIL, 2012d, p. 10)

108

Em seguida, o documento passa a definir a BID e prever sua reorganização

conforme as seguintes diretrizes:

“A defesa do Brasil requer a reorganização da Base Industrial de Defesa (BID) -

formada pelo conjunto integrado de empresas públicas e privadas, e de organizações

civis e militares, que realizem ou conduzam pesquisa, projeto, desenvolvimento,

industrialização, produção, reparo, conservação, revisão, conversão, modernização

ou manutenção de produtos de defesa (Prode) no País – o que deve ser feito de

acordo com as seguintes diretrizes:

(a) Dar prioridade ao desenvolvimento de capacitações tecnológicas independentes.

Essa meta condicionará as parcerias com países e empresas estrangeiras, ao

desenvolvimento progressivo de pesquisa e de produção no País.

(b) Subordinar as considerações comerciais aos imperativos estratégicos.

Isso importa em organizar o regime legal, regulatório e tributário da Base Industrial

de Defesa, para que reflita tal subordinação.

(c) Evitar que a Base Industrial de Defesa polarize-se entre pesquisa avançada e

produção rotineira.

Deve-se cuidar para que a pesquisa de vanguarda resulte em produção de vanguarda.

(d) Usar o desenvolvimento de tecnologias de defesa como foco para o

desenvolvimento de capacitações operacionais.

Isso implica buscar a modernização permanente das plataformas, seja pela

reavaliação à luz da experiência operacional, seja pela incorporação de melhorias

provindas do desenvolvimento tecnológico.” ).” (BRASIL, 2012d, p. 21-22)

Quanto às aquisições pelas Forças Armadas em relação à BID, assim se

posicionou a END:

“O Ministro da Defesa delegará aos órgãos das três Forças, poderes para executarem

a política formulada pela Secretaria quanto a encomendas e compras de produtos

específicos de sua área, sujeita, tal execução, à avaliação permanente pelo

Ministério.

O objetivo é que a política de compras de produtos de defesa seja capaz de:

(a) otimizar o dispêndio de recursos;

(b) assegurar que as compras obedeçam às diretrizes da Estratégia Nacional de

Defesa e de sua elaboração, ao longo do tempo; e

(c) garantir, nas decisões de compra, a primazia do compromisso com o

desenvolvimento das capacitações tecnológicas nacionais em produtos de defesa.”

(BRASIL, 2012d, p. 24)

Por fim, tratando especificamente da estruturação das Forças Armadas em relação

aos seus equipamentos, assim dispõe a END:

“Em relação ao equipamento, o planejamento deverá priorizar, com compensação

comercial, industrial e tecnológica:

- no âmbito das três Forças, sob a condução do Ministério da Defesa, a aquisição de

helicópteros de transporte e de reconhecimento e ataque;

- na Marinha, o projeto e fabricação de submarinos convencionais que permitam

a evolução para o projeto e fabricação, no País, de submarinos de propulsão

nuclear, de meios de superfície e aéreos priorizados nesta Estratégia;

- no Exército, os meios necessários ao completamento dos sistemas operacionais das

brigadas e do sistema de monitoramento de fronteiras; o aumento da mobilidade

tática e estratégica da Força Terrestre, sobretudo das Forças de Emprego Estratégico

e das forças estacionadas na região amazônica; a nova família de blindados sobre

rodas; os sistemas de mísseis e radares antiaéreos (defesa antiaérea); a produção de

munições e o armamento e o equipamento individual do combatente, entre outros,

aproximando-os das tecnologias necessárias ao combatente do futuro; e

109

- na Força Aérea, a aquisição de aeronaves de caça que substituam, paulatinamente,

as hoje existentes, buscando a possível padronização; a aquisição e o

desenvolvimento de armamentos, e sistemas de autodefesa, objetivando a

autossuficiência na integração destes às aeronaves; e a aquisição de aeronaves de

transporte de tropa.” (BRASIL, 2012d, p. 31-32, grifos nossos)

Sendo assim, a END, como diretriz para as políticas públicas de Defesa, em

síntese, ressalta que: a) a BID é prioritária para a inserção internacional do Brasil; b) a BID

deve ser reestruturada a fim de propiciar que as Forças Armadas nela se apóiem,

especialmente, em tecnologias de domínio nacional; c) a obtenção de tecnologia pelos

programas de Defesa, por meio de parceiros internacionais, deve caminhar em direção à

independência tecnológica; d) as aquisições e os aspectos comerciais devem estar

subordinados ao desenvolvimento das capacitações tecnológicas nacionais.

Cabe destacar que a primeira Estratégia Nacional de Defesa do país foi aprovada

pelo Decreto nº 6703, de 18 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008). Posteriormente, a END

foi revisada e a nova redação foi aprovada em 2012. Os trechos acima destacados são da END

de 2012, por apresentar o texto mais atualizado. Contudo, os referidos trechos possuem

dispositivos semelhantes, com redação praticamente idêntica ao documento de 2008. Assim,

não há prejuízo em utilizar a redação da END de 2012 somente nesses trechos colacionados,

que pautam a avaliação dos programas em comento.

Como a END é a diretriz de política pública que pauta essa avaliação, os

programas escolhidos tem que correspondência com o referido documento ou estar sob sua

égide. Assim, os programas escolhidos têm que, pelo menos, serem posteriores ao dia 18 de

dezembro de 2008, ocasião da entrada em vigor da primeira END. Ainda que muitos

programas possam ter um histórico longo de elaboração e desenvolvimento, a pesquisa

utilizará a assinatura dos contratos administrativos como termo inicial para os fins da presente

avaliação, tendo em vista que são os documentos vinculantes cujas cláusulas direcionam o

andamento dos programas, já expressando um compromisso internacional obrigatório. Ou

seja, os programas avaliados precisam ter seus contratos firmados após 18 de dezembro de

2008.

Além disso, a END traz como prioridade o desenvolvimento da capacitação

tecnológica nacional dentro das aquisições de Defesa, sendo que a transferência de tecnologia

é um dos instrumentos para tal. Portanto, além do critério temporal acima, os programas

avaliados precisam possuir um processo de transferência de tecnologia para sua

implementação.

110

Por fim, a END elenca as prioridades para cada Força no sentido dos

equipamentos que devem ser adquiridos, contemplando cada uma delas em seu meio natural e

precípuo de atividade, sendo o Exército Brasileiro a Força Terrestre, a Marinha do Brasil a

Força Naval e a Força Aérea Brasileira, como o próprio nome já diz, a força aeronáutica.

Sendo assim, a presente avaliação escolherá um programa representativo de cada setor

industrial correspondente às esferas de atuação das Forças singulares. Então, serão escolhidos

um programa referente à indústria terrestre, um programa referente à indústria naval e um

programa referente à indústria aeronáutica.

Eis os critérios:

Contrato posterior a 18 de dezembro de 2008 (vigência da END);

Previsão de transferência de tecnologia;

Correspondência com cada setor industrial correspondente às atividades

das Forças: indústria terrestre, naval e aeronáutica.

Destarte, os programas escolhidos que se enquadram em todos esses critérios

foram o PROSUB, da Marinha do Brasil, o Guarani, do Exército Brasileiro e o H-XBR, que

embora seja do Ministério da Defesa e se direcione as três Forças, é atualmente coordenado

pela Força Aérea Brasileira. Além disso, esses programas estão em estágio avançado de

implementação, o que permite melhor avaliação. Como já ressaltado anteriormente, não se

pretende fazer um estudo comparado entre os programas, tendo em vista que eles são

diferentes entre si em questões de complexidade e agentes implementadores. Portanto, essas

diferenças são consideradas para depreender quais os fatores comuns entre eles, não obstante

quem os executa ou quão difícil eles sejam, que influenciam nos processos de transferência de

tecnologia de programas militares brasileiros, de forma que atinjam os objetivos estratégicos

acima mencionados, que é o objetivo da presente pesquisa. Maiores detalhes sobre os

programas serão desenvolvidos no capítulo seguinte.

3.3.3 – Instrumentos de coleta de dados

Como desenvolvido anteriormente, o presente trabalho corresponde à lógica de

uma pesquisa qualitativa, com o objetivo não de analisar magnitudes, mas de aprofundar

informações, sobretudo, mediante coleta de dados de fontes primárias, utilizando como

instrumento as entrevistas por meio de questionários. “Questionário é um instrumento de

111

coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas

por escrito e sem a presença do entrevistador” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 201).

Para elaboração do questionário, foram utilizadas como referências as obras de

Gil (2008) e Marconi e Lakatos (2003), observando suas lições sobre processo de elaboração,

classificação das perguntas, vocabulário, ordem das perguntas, dentre outras.

Como visto anteriormente, os critérios adotados serão eficácia e efetividade da

transferência de tecnologia, sendo que, para medi-las, os indicadores verificados no primeiro

capítulo sobre arcabouço teórico de CT&I consistem em: transmissão de know why;

possibilidade de difusão para outros empreendimentos e; possibilidade de alcançar

independência tecnológica no setor. Nesse sentido, o questionário deverá possuir perguntas

que possam conferir valor a esses indicadores.

Para verificar a transmissão do know why, será utilizada o Quadro 2 (LUCENA

SILVA; PEDONE, 2011), constante no item 2.5.3 do capítulo anterior, como referência, vez

que ela distingue os fluxos presentes numa transferência de tecnologia, sobretudo, quais

aspectos correspondem aos conhecimentos básicos, ao know-how e ao know-why. Sendo

assim, para constatar o know-why nos referidos programas, basta verificar se o implementador

confirmou o recebimento dos fluxos correspondentes ao mesmo. A fim de garantir que o

respondente não seja influenciado para marcar tais itens, o questionário não identificará quais

aspectos pertencem a cada fluxo. Apenas para lembrar o que foi desenvolvido no capítulo

anterior, os quatro primeiros fluxos correspondem ao simples fluxo de conhecimentos, os três

seguintes correspondem ao fluxo de know-how e os três últimos, ao fluxo de know-why.

Ademais, com o fito de verificar a possibilidade de difusão e de independência tecnológica,

por se tratar de questão subjetiva que depende da percepção do entrevistado, o questionário

apresentará tais indagações em forma de perguntas abertas.

Além disso, a independência tecnológica está intimamente ligada à

nacionalização, pois se trata de trazer a produção e domínio de tecnologias para o país, sendo

que isso se dá mediante ação e participação de empresas brasileiras nos empreendimentos

realizados. Conforme desenvolvido no capítulo anterior, para assegurar a reestruturação e o

desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, assim como a efetiva nacionalização da

produção e da tecnologia, não bastam que as empresas sejam somente brasileiras, mas

possuam controle acionário brasileiro, ou seja, de capital nacional. Portanto, a participação de

empresas brasileiras de capital nacional também será considerada para medir a independência

tecnológica objetivada pelos programas.

112

Tendo sido expostas a forma como os principais indicadores serão valorados por

meio do questionário, outros aspectos se mostram interessantes para a presente avaliação.

Como se trata de uma avaliação de processo, em que se busca conferir o andamento da

implementação de acordo com os objetivos dos programas, o questionário também trará

perguntas sobre o estágio da implementação e sobre eventuais obstáculos e dificuldades, a fim

de verificar os fatores que possam influenciar o andamento do programa, em especial, da

transferência de tecnologia.

Dessa forma, diante do exposto, o questionário de coleta de dados será estruturado

da seguinte forma:

Quadro 12 – Questionário de entrevista 1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que período.

2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?

3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?

4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de tecnologia,

assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido programa.

Design do

Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Procedimentos de

produção/cronograma e

organização

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Produção/ Know-how de

organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de

engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e

expertise

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Desenvolvimento de

Tecnologias e pesquisa de

conhecimentos, dados,

procedimentos, entre outros.

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento do programa?

Corresponde às expectativas iniciais?

6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de relacionamento da

empresa com a cedente? Em quais aspectos?

7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em momento

posterior? E manutenido/modificado também?

8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros empreendimentos,

militares ou civis?

9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a independência

tecnológica do país no respectivo setor?

113

Fonte: elaboração própria com base em LUCENA SILVA; PEDONE, 2011.

As perguntas 1, 2 e 3, que são mais genéricas, tem o condão de expor o

envolvimento do entrevistado com o programa avaliado, de verificar o andamento da

implementação e eventuais dificuldades que tem ocorrido no processo. As perguntas vão

ficando mais específicas e alternadas quanto ao objetivo a partir das questões 4 e 5, sendo que

estas visam atribuir valor ao indicador referente à transmissão de know why. As questões 6 e 7

atribuem valor ao indicador referente à possibilidade de independência tecnológica do setor,

ao passo que a questão 8 visa responder ao indicador sobre a possibilidade de difusão para

outros empreendimentos. Por fim, a questão 9 retorna ao indicador relativo à independência,

finalizando o questionário.

Além do questionário, que se dedicará a colher informações de entrevistados,

outras fontes primárias serão hauridas por meio de revisão de literatura e pesquisa

documental, tais como os contratos disponíveis de transferência de tecnologia, respostas e

comunicações oficiais de órgãos governamentais e militares, dentre outros. Os dados de

fontes secundárias também serão coletados por meio de revisão e pesquisa. Sobretudo, os

demais dados mencionados servirão para auxiliar a compreensão dos objetivos e metas dos

programas em questão.

3.3.4 – Modelos lógicos e analíticos

Após o desenvolvimento dos componentes específicos dessa avaliação e dos

instrumentos de coleta de dados, este item se dedicará ao estudo dos modelos lógicos e

analíticos que pautarão a pesquisa. O objetivo é esclarecer o relacionamento entre as variáveis

do modelo, as informações coletadas e os valores que elas atribuem os indicadores e critérios,

em outras palavras, a forma com que os dados serão interpretados para elaborar a presente

avaliação.

A pesquisa de que se trata este trabalho pode ser melhor compreendida quando

explicitada por um modelo analítico que demonstra os mecanismos de relacionamento entre

as variáveis verificadas. Assim, tomando-se uma expressão lógica “A → B = C”, tem-se que

A causa B e este, por sua vez, possui igualdade com C. Nesse sentido, ao nomear as variáveis

com os elementos da pesquisa, considera-se C o objetivo das políticas públicas segundo as

114

diretrizes oficiais, A representa o contrato de transferência de tecnologia e B o processo de

transferência de tecnologia desencadeado pelo contrato. Em outras palavras, o termo inicial da

avaliação é o contrato (A), que inicia a transferência de tecnologia (B), e esta deve estar de

acordo com os objetivo da política pública que ensejou a intervenção estatal na realidade (C).

Nesse diapasão, ao serem avaliados os programas acima mencionados, duas

conclusões podem ser obtidas acerca da expressão analítica: a primeira é que A → B = C e a

segunda é que A → B ≠ C. A assertiva no primeiro caso significa que o contrato ocasionou

uma transferência de tecnologia que foi apta a satisfazer o objetivo da política pública. Já no

segundo caso, o processo de transferência de tecnologia consectário do contrato firmado não

foi capaz de atingir a meta da política pública. Nesta hipótese, seguindo o modelo de análise,

o valor de B, decorrente de A, não foi suficiente para alcançar a igualdade com C, ou seja, o

processo de transferência de tecnologia adotado dentro dos programas militares não foi

condizente com os objetivos traçados pela PND e END.

Pode-se argumentar que ainda existem duas inferências lógicas de A → B ≠ C,

quais sejam, A → B < C ou A → B > C. Nesses casos, a primeira inferência significaria que

A → B não alcançou a igualdade com C por representar valor menor e a segunda, que A → B

não seria igual a C por ter alcançado valor maior. Aplicando o modelo ao tema da pesquisa, a

contratação e a subseqüente transferência de tecnologia não teriam satisfeito o objetivo por

apresentar, ou insuficiência na medida de transmissão tecnológica verificada, ou o grau de

tecnologia obtido teria superado o desejado pela política pública. Sendo assim, considerando

que quando uma meta mínima não é só alcançada, mas superada e não existe limite máximo,

pode-se afirmar que houve sucesso no respectivo esforço, pois, de fato, o mínimo fora alçado.

Por outro lado, o mesmo não se pode dizer de uma meta não alcançada por um esforço que

não produziu valor suficiente, como é o caso da primeira inferência. Assim, para os fins dessa

pesquisa, considerar-se-á como um programa bem-sucedido quando for verificado que A → B

= C ou quando A → B ≠ C sendo que A → B > C.

Noutro passo, ainda se faz preciso estabelecer as variáveis independentes e

dependentes desse modelo analítico que o trabalho pretende adotar. Ora, levando em conta

que A e C são dados e representam, respectivamente, o contrato entre o cedente e o adquirente

de tecnologia e a diretriz de políticas públicas para Defesa consubstanciada na PND e na

END, verifica-se que tais fatores não são flexíveis, não se permitem a alterações, são dados.

Basta observar que o contrato é um instrumento obrigacional vinculante que, embora seja

alterável, depende do consenso das partes, o que forma um novo contrato, por sua vez

obrigatório. Ademais, a presente avaliação não tem o condão de estudar o processo decisório

115

ou a negociação que levou ao contrato, pois se trata de uma análise de implementação e uma

avaliação de processo. Portanto, o contrato, como termo inicial da transferência de tecnologia

é considerado um dado. Por sua vez, o objetivo da política pública é dado pelo alto nível do

governo, representado pelas diretrizes oficiais que devem orientar as políticas públicas

decorrentes, o que também é um dado fornecido previamente aos programas avaliados para

direcionar sua execução. Assim, o único fator que é flexível e alterável é B, representando o

grau de transferência de tecnologia efetivamente obtido que, por sua vez, deve se pautar pelos

valores definidos por C. Sendo assim, considerando que B pretende ser igual a C e que para

isso depende de A, tem-se que A e C são as variáveis independentes do modelo, ao passo que

B é a variável dependente.

Finalmente, a pesquisa pretende seguir o modelo analítico e propor a questão: A

→ B = C? Se ao final da avaliação dos mencionados programas for verificado que B ≠ C e B

< C, em outras palavras, que o grau de transferência tecnológica resultado dos projetos for

insuficiente em relação ao objetivo traçado pelas políticas públicas ao realizarem a

intervenção, infere-se pela lógica que o problema se deu na relação A → B, qual seja, no

processo de transferência de tecnologia decorrente do contrato firmado, cujos valores foram

responsáveis por B não ter alcançado C. Por outro lado, se B = C, entender-se-á que A → B

não apresentou problemas, de outra forma, a transferência de tecnologia foi adequada.

Sendo assim, para verificar a correspondência da transferência de tecnologia com

o objetivo das diretrizes de políticas públicas, como dito anteriormente, os critérios adotados

serão eficácia e efetividade. A eficácia é um critério genérico, que corresponde ao atingimento

das metas dos programas, ao passo que a efetividade mede o impacto transformador da

transferência de tecnologia. Portanto, considerando que os objetivos direcionados pela PND e

END para os programas é a transferência de tecnologia efetiva, tem-se que será eficaz o

programa que demonstrou efetividade em sua transferência. Para medir os referidos critérios,

serão utilizados os indicadores: transferência de know-why, possibilidade de difusão e

possibilidade de independência tecnológica. Esses três indicadores servem para qualificar a

variável dependente B, ou seja, a transferência de tecnologia que ocorreu nos programas

estudados, tendo em vista que as outras variáveis já são dadas. Também, como já

desenvolvido, os indicadores serão valorados por meio de dados obtidos em entrevistas por

questionário aos implementadores que tiveram envolvimento com a transmissão tecnológica e

por outras fontes assessórias. Dessa forma, a forma de valoração da relação B = C pode ser

destrinchada e exposta conforme o modelo lógico de Costa e Castanhar (2003) da seguinte

forma:

116

Quadro 13 – Modelo lógico específico

Modelo lógico aplicado aos processos de transferência de tecnologia dos programas

avaliados

Objetivo (C) Variável (B) Indicadores (B) Informação

necessária (B)

Método de coleta de

dados (B) - Aumentar a

capacitação

industrial do

país.

- Contribuir para

independência

tecnológica no

setor.

- Obtenção de

tecnologia.

- Transferência de

know-why.

- Possibilidade de

difusão.

- Possibilidade de

alcançar

independência

(nacionalização).

- Dados sobre

transferência de

know-why nos

programas.

- Percepção sobre

possibilidade de

difusão e

independência.

- Dados sobre

participação de

empresas brasileiras

- Entrevistas por meio de

questionário.

- Pesquisa documental

(contratos, documentos

oficiais, etc.)

- Pesquisa secundária

Fonte: elaboração própria com base em COSTA; CASTANHAR, 2003, p. 978.

Tendo procedido à valoração da variável dependente B, os programas serão

avaliados conforme os modelos de Evert Vedung (1997) mencionados acima. Primeiramente,

para fins de análise, cada programa será submetido ao Modelo de Sistema Simplificado

(Figura 8), a fim de evidenciar os insumos (inputs) destinados ao programa, o processo de

conversão (conversion), os resultados (outputs) e os efeitos e impactos (outcomes)

pretendidos com a transferência de tecnologia de cada um. Em seguida, tendo o valor de B,

cada programa será submetido ao Modelo de Atingimento de Objetivos (Figura 9), a fim de

fazer a comparação do processo de transferência com o objetivo da política pública traçado

pela PND e END, verificando a eventual influência de fatores externos. O resultado final da

aplicação desses modelos deve responder à proposição lógica da pesquisa, qual seja, A → B =

C, em outras palavras, os contratos de transferência de tecnologia ocasionaram processos

efetivos que satisfazem o objetivo da PND e da END para programas de Defesa?

Resta lembrar que a presente avaliação é de processo, ou seja, tem o objetivo de

analisar a implementação e verificar se ela está acontecendo de acordo com o planejado e se

tudo isso está em consonância com as diretrizes traçadas pela PND e pela END. Portanto,

como os programas ainda estão em implementação, não há como medir os resultados ou

impactos transformadores por questões temporais, mas se trata de uma coleta sobre o quê já

aconteceu até o momento e se na percepção dos implementadores, o processo está ocorrendo

conforme o planejado.

Dessa forma, uma vez explicitada a abordagem metodológica que será aplicada

nas avaliações dos programas militares escolhidos, quais sejam, PROSUB, Guarani e H-XBR,

o próximo capítulo se dedicará a avaliá-los, a fim de constatar como se comportam os fatores

117

comuns que influenciam os respectivos processos de transferência de tecnologia de forma a

fazê-los se enquadrarem nos objetivos propostos pela PND e END para as aquisições de

Defesa.

118

CAPÍTULO 4

AVALIANDO A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA DOS PROGRAMAS

MILITARES

O presente capítulo será dedicado à avaliação da implementação dos processos de

transferência de tecnologia dos programas militares selecionados, conforme a metodologia

desenvolvida acima.

Primeiramente, cabe ressaltar que não é objetivo deste trabalho fazer comparações

entre os programas avaliados, que variam quanto à sua complexidade, recursos empreendidos,

e aspectos circunstanciais que cada um teve que enfrentar. Por exemplo, um submarino com

propulsão nuclear é um meio deveras mais complexo tecnologicamente do que um helicóptero

de médio porte, que por sua vez é mais sofisticado que um blindado de transporte de pessoal,

como se verá posteriormente. É de se esperar que um processo de transferência de tecnologia

dos mais complexos seja também mais desafiador, sobretudo ao se considerar o tanto de

tecnologia sensível que possui.

Nesse diapasão, insta recordar que cada setor aqui analisado possui seu próprio

contexto dentro da realidade brasileira, variando desde seus antecedentes históricos até o

número de empresas brasileiras que fornecem os componentes. Dessa forma, esta pesquisa

não quer imprimir caráter de competição aos programas avaliados, sequer compará-los. O que

se fará é tão somente a aplicação de uma metodologia em cada programa para que ele seja

avaliado por si mesmo, em relação às diretrizes propostas pela END, a fim de constatar os

fatores comuns que os influenciam.

4.1. PROSUB

4.1.1 – Considerações iniciais

O primeiro programa militar a ser avaliado será o Programa de Desenvolvimento

de Submarinos (PROSUB) da Marinha do Brasil, que consiste na: construção de quatro

submarinos convencionais; construção de um submarino de propulsão nuclear; uma Unidade

119

de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), inaugurada em 1º de março de 2013 pela

Presidente da República; e um complexo de Estaleiro e Base Naval (EBN) que se encontra em

construção às margens da Baía de Sepetiba, no Município de Itaguaí – RJ (MARINHA DO

BRASIL, 2014). Não obstante, o propósito central do PROSUB é a construção do submarino

de propulsão nuclear, do qual derivam todos os outros projetos envolvidos no programa

(TECHNO NEWS, 2012).

Conforme salientamos anteriormente, o PROSUB está inserido na lógica da END

(BRASIL, 2012d, p. 31-32) para os projetos estratégicos brasileiros. Nesse sentido, o

programa possui três aspectos de grande importância para o país: o estratégico, o tecnológico

e o industrial (MARINHA DO BRASIL, 2014).

O aspecto estratégico diz respeito à capacidade superior de ocultação e mobilidade

que o submarino com propulsão nuclear possui em relação aos convencionais, de propulsão

“diesel-elétrica”. O submarino movido a energia nuclear tem uma fonte virtualmente

inesgotável de energia e pode desenvolver altas velocidades por tempo ilimitado, cobrindo

áreas geográficas consideráveis, o que acrescenta uma nova dimensão ao Poder Naval do país,

garantindo maior capacidade de dissuasão (MARINHA DO BRASIL, 2014). O aspecto

tecnológico se refere ao salto que o programa representará para o país, decorrente de um

grande processo de transferência de tecnologia, do fortalecimento da industrial nacional e da

melhoria da qualificação técnica de profissionais envolvidos, propiciando ao Brasil a

capacidade de desenvolver e construir seus próprios submarinos no futuro, de forma

independente (MARINHA DO BRASIL, 2014). O terceiro aspecto corresponde à indústria

nacional, vez que o programa prevê: conteúdo local de mais de 90% para a construção da

UFEM e do EBN, mediante transferência de tecnologia; nacionalização de sistemas e

equipamentos para os submarinos convencionais, incluindo a fabricação de sistemas,

equipamentos e componentes, treinamento em softwares e suporte técnico para as empresas

durante a fabricação dos itens; e nacionalização dos sistemas e equipamentos para o

submarino nuclear, como continuação aprofundada do processo em curso para os

convencionais, dado que o projeto do mesmo será realizado pelo próprio país (MARINHA

DO BRASIL, 2014).

Segundo dispõe a END (BRASIL, 2012d), no objetivo de negação do uso do mar,

o Brasil contará com força submarina de envergadura, composta de submarinos convencionais

e de submarinos com propulsão nuclear. Os submarinos convencionais serão empregados na

tarefa básica de negação do uso do mar, em ações contra força ou tráfego marítimo inimigo e,

em tempos de paz, contribuirão para a defesa das bacias petrolíferas brasileiras, com ênfase

120

no Pré-Sal. Já os submarinos nucleares serão empregados em mar aberto, as chamadas águas

azuis, acompanhando e neutralizando uma força naval que ameace o Brasil, isso dentro da

estratégia de movimento que o aparelho proporciona (MARINHA DO BRASIL, 2014).

É importante salientar que a Marinha do Brasil, além do PROSUB, possui outro

programa diretamente ligado ao submarino com propulsão nuclear, o Programa Nuclear da

Marinha (PNM), que é ligado ao Programa Nuclear Brasileiro (PNB) e engloba tanto o

domínio de todas as etapas do ciclo de combustível nuclear quanto o desenvolvimento de um

Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica (LABGENE), incluindo seu reator

nuclear. Esse programa está a cargo do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo

(CTMSP) (MARINHA DO BRASIL, 2014). O domínio do ciclo do combustível já foi

atingido, sendo a conversão da pasta base (yellow cake) de Urânio em Hexafluoreto de Urânio

(UF6) e seu enriquecimento feitos no Centro Experimental de Aramar (CEA). Ainda pendente

está a elaboração da planta nuclear para emprego naval, que será totalmente desenvolvida

pelo país, das pesquisas feitas no LABGENE, não sendo tal tecnologia objeto do contrato de

transferência com a França. Esses dois programas estão a cargo da Coordenadoria-Geral do

Programa de Desenvolvimento do Submarino com Propulsão Nuclear (COGESN)

(MARINHA DO BRASIL, 2014).

O PROSUB é desenvolvido dentro de uma parceria entre Brasil e França. No dia

23 de dezembro de 2008 foi assinado um plano de ação pelos presidentes de cada país,

prevendo a cooperação entre defesa, especialmente na área de submarino, entre outras

(TECHNONEWS, 2012). Ao escolher a França para tal empreendimento, a Marinha do Brasil

levou em consideração: a capacidade para desenvolver tecnologia própria, emprego de

métodos e processos familiarizados com os empregados no Ocidente e de mais fácil absorção

pelos técnicos e engenheiros brasileiros, ter fornecedor e ter comprador de material de defesa

e, principalmente, contratualmente, aceitar transferir tecnologia de projeto de submarinos

convencionais e nucleares. Ao aceitar as condições brasileiras para a transferência de

tecnologia, além de já ser exportadora de submarinos, a França de tornou a parceira ideal para

a realização do projeto (CORRÊA, 2012). Sendo assim, a referida parceria é executada

principalmente, no lado brasileiro, pela Marinha do Brasil, pela Construtora Odebrecht e pela

Itaguaí Construções Navais (ICN), e no lado francês, pela Direction des Constructions

Navales et Services (DCNS) (TECHNO NEWS, 2012). Embora estes sejam os principais,

outros atores também participam do projeto, como a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa

S.A. (AMAZUL), que é uma empresa pública ligada à Marinha do Brasil (MB), o Consórcio

121

Baía de Sepetiba (CBS), que é uma parceria entre a Odebrecht e a DCNS, e a Nuclebrás

Equipamentos Pesados S.A. (NUCLEP), entre outros (TECHNO NEWS, 2012).

Nesse sentido, cabe destacar que a principal missão da DCNS é auxiliar a MB a

projetar o casco resistente do futuro submarino de propulsão nuclear brasileiro, o qual será

construído no estaleiro de submarinos em Itaguaí (CORRÊA, 2012). Ou seja, a parceria com a

França, como já dito, não envolve a construção e transferência referente à tecnologia nuclear,

essa parte será desenvolvida somente pelo Brasil, o objetivo é aprender com os franceses a

projetar submarinos de propulsão nuclear. A preferência em relação à França se deu em

função do casco hidrodinâmico do projeto francês derivar do submarino nuclear classe Rubis.

Assim, além do modelo do casco do submarino convencional francês se destacar pela relativa

facilidade de transição para o nuclear, possuem correspondência no emprego de subsistemas,

como de combate, sensores, armamentos, controle de plataforma etc., que também terão seus

conhecimentos absorvidos pelos cientistas, técnicos e engenheiros brasileiros (CORRÊA,

2012). Dessa forma, o objetivo do Brasil é aprender, mediante a aquisição e construção dos

quatro submarinos convencionais da francesa DCNS, como, futuramente, projetar e construir

seu próprio submarino com propulsão nuclear.

4.1.2 – Antecedentes

Os antecedentes históricos do PROSUB remontam à história do programa nuclear

brasileiro. Após a Segunda Guerra Mundial, a tecnologia nuclear ganhou destaque, sobretudo,

como definidora do poderio das grandes potências mundiais. De semelhante modo, tal

tecnologia, por seu alto valor estratégico, associado ao seu potencial econômico, acarretam o

cerceamento por parte das nações que a dominam (FONSECA JÚNIOR, 2015). Sendo assim,

o Brasil, desde aquela época, buscava parceiros que pudessem fornecer acesso à tecnologia

nuclear a fim de desfrutar de suas vantagens, tendo pleiteado junto aos EUA, à França e à

Alemanha, porém, sem lograr êxito num primeiro momento (HENRIQUES, 2011 apud

FONSECA JÚNIOR, 2015).

A década de 1950, em relação à tecnologia nuclear, foi marcada por um forte

debate entre duas correntes, uma que buscava a autonomia brasileira em exploração de areias

monazídicas e pesquisa nuclear, com destaque para o Almirante Álvaro Alberto, presidente do

Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), e outra, que defendia o papel do Brasil como

122

exportador de monazita, aceitando a dependência dos EUA na tecnologia nuclear,

representada pelo Emb. João Neves da Fontoura e o Itamaraty (JESUS, 2011). Sem entrar nos

meandros da disputa, cabe sintetizar que o Brasil, ao mesmo tempo que firmou diversos

tratados com os EUA que assumiam a posição referida acima, por outro lado, conseguiu

firmar uma parceria com a antiga Alemanha Ocidental a fim de adquirir ultracentífugras para

enriquecer urânio no território nacional, embora tais equipamentos fossem obsoletos já na

época, chegando ao território nacional somente em 1956, após um embargo de quatro anos

pelo Reino Unido (JESUS, 2011). No ano de 1954, foi lançado ao mar pelos EUA o primeiro

submarino de propulsão nuclear, o USS Nautilus, que pode operar sem depender de atmosfera

e passar anos sem reabastecimento, produzindo seu próprio ar e água potável, provocando

uma revolução nos assuntos militares (FONSECA JÚNIOR, 2015).

Outro marco importante na luta do Brasil pela independência nuclear aconteceu

em 1962, a promulgação por João Goulart da Lei Número 4.118 – que garantia o monopólio

da União sobre a pesquisa e a lavra das jazidas de materiais nucleares, bem como o comércio

de tais minérios e a produção e industrialização de materiais nucleares – e a recomendação de

construção da primeira central nuclear brasileira com o uso do urânio presente no território

nacional, bem como a elevação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), então

importante instituição de pesquisa e desenvolvimento nuclear, à categoria de autarquia federal

(JESUS, 2011).

Na década de 1970 podem ser citados outros eventos muito importantes para o

programa nuclear brasileiro, em especial, para a pretensão da Marinha do Brasil de dominar a

tecnologia nuclear. Em 1976 o então Capitão-Tenente Othon Luiz Pinheiro da Silva foi

indicado para fazer um curso de engenharia nuclear no Massachussets Institute of Technology

(MIT) e quando retornou, em 1978, o Almirante Maximiano da Fonseca determinou que ele

fizesse um relatório analisando se o país poderia contar com a propulsão nuclear (SILVA,

2012). O relatório enfatizava que a capacidade de construir um submarino de propulsão

nuclear no Brasil passaria obrigatoriamente por duas etapas: o domínio do ciclo de

enriquecimento do combustível nuclear e a construção de um reator piloto para testes

(FONSECA JÚNIOR, 2015). O relatório fora aprovado e em dezembro do mesmo ano, foi

incluído na agenda naval um programa para projetar e construir um submarino nuclear,

representando uma das decisões mais importantes para o desenvolvimento tecnológico

nacional e o marco zero da independência brasileira na geração de energia nuclear

(FONSECA JÚNIOR, 2015).

123

No final dos anos 1970 a Marinha do Brasil estabeleceu uma parceria com o

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), ligado ao Governo do Estado de São

Paulo (FONSECA JÚNIOR, 2015) e em 4 de setembro de 1982, ambas as instituições fizeram

a primeira operação de enriquecimento de urânio em uma ultracentrífuga desenvolvida e

completamente fabricada no Brasil (SILVA, 2012). Na década de 1980, a CNEN se juntou à

Marinha no desenvolvimento de seu programa nuclear, foi criada a Coordenadoria de Projetos

Especiais (COPESP), embrião do que seria, em 1995, o Centro Tecnológico da Marinha em

São Paulo (CTMSP), onde se desenvolve o Programa Nuclear da Marinha (PNM) e, mais

precisamente no ano de 1987, o Presidente Sarney anunciara o controle do enriquecimento de

urânio (FONSECA JÚNIOR, 2015).

Por outro lado, a década de 1990 representou um grande obstáculo ao programa

nuclear brasileiro, mais especificamente, ao programa nuclear da marinha, que abrange

também o desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear. Segundo Fonseca Júnior

(2015), foram causas para esse atraso: a antipatia do Presidente Collor com o programa

nuclear da Marinha; a restrição orçamentária imposta pelo governo; a concepção estratégica

conservadora do então Ministro da Marinha, que priorizava a manutenção das obrigações

mínimas da Força no lugar de um projeto cujo retorno se daria a longo prazo (MARTINS

FILHO, 2011); a transferência para a reserva do Almirante Othon, ator e idealizador do PNM

e; a falta de priorização à proteção dos recursos marítimos brasileiros na Política de Defesa

Nacional (PDN) assinada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ainda segundo Fonseca Júnior (2015), na década de 2000, foram fatores

importantes para a recolocação do PNM e do projeto de construção do submarino nuclear na

agenda política: a terceira revisão da PDN em 2005, o anúncio da descoberta do “pré-sal”, a

reeleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, as posses de Nelson Jobim no Ministério da

Defesa e do Almirante Júlio Soares de Moura Neto no Comando da Marinha e a edição da

Estratégia Nacional de Defesa em 2008. No ano de 2008, o Presidente Lula visitou, a convite

do Ministro da Defesa, o CTMSP e se impressionou com a grandeza do programa, que

sobrevivia com escassos recursos e vislumbrou o status que o Brasil iria adquirir como um

dos raros países que possuem o domínio do ciclo de enriquecimento de urânio. Assim, o

Presidente garantiu ao Almirante Bezerril, diretor do CTMSP, a liberação de R$ 1,04 bilhão

para os próximos oito anos, aproximadamente R$ 130 milhões por ano para a Marinha

concluir o projeto das instalações de propulsão nuclear para submarinos, o que permitiu

acelerar a obra do Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica (LABGENE) e

continuar a Usina de Produção do Hexafluoreto de Urânio (FONSECA JÚNIOR, 2015).

124

Segundo Fonseca Júnior (2015), pode-se dizer que a visita de Lula constituiu o marco zero da

inserção do futuro Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) na Agenda

Nacional.

A partir de então, havia a necessidade de decidir se o projeto de construção do

submarino com propulsão nuclear seguiria com desenvolvimento autóctone, ou se procuraria

um parceiro que pudesse transferir a referida tecnologia. Decidiu-se pela segunda opção, pois

a Marinha do Brasil não teria o tempo e os recursos que o desenvolvimento autóctone

demanda (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Como já dito anteriormente, a

França foi o parceiro escolhido e em 2008 o Presidente Lula e o Presidente francês Sarkozy

firmaram um acordo prevendo o futuro programa de desenvolvimento de submarinos

(MARINHA DO BRASIL, 2014).

Martins Filho (2011), quando relata o histórico do programa nuclear brasileiro,

especialmente o da Marinha, com ênfase no submarino nuclear, trabalha com o conceito de

“oportunismo tecnológico”, que parte da percepção de que as doutrinas e estratégias militares

respondem mais a orientações militares e a percepções dos estadistas sobre a política

internacional do que à natureza em si das tecnologias dos armamentos. Ou seja, é a visão de

que a tecnologia ajuda na estratégia militar, mas não a modifica. Assim, o apoio ou não a

determinado projeto não varia não pelo valor da tecnologia propriamente dita que ele

compreende, mas do papel dela dentro da conjuntura estratégica do país e da inserção deste

nas relações internacionais. Acerca do programa nuclear da Marinha, o autor, sob essa ótica,

indica que as coalizões político-militares nacionalistas tenderam a apoiar com mais vigor o

projeto do submarino nuclear do que as coalizões “internacionalistas” ou “neoliberais”,

independentemente do regime político ou da ideologia dominante, mas como resultado das

relações de forças dos componentes dessas coalizões conforme o tempo e a influência sobre o

processo decisório.

4.1.3 – Aspectos contratuais e etapas do programa

Conforme é cediço e já mencionado, a formalização de uma relação obrigacional

se dá mediante negócios jurídicos bilaterais, mais especificamente, os acordos ou os contratos.

O PROSUB, como programa militar complexo que é não foge ao padrão, sendo a sua

estrutura contratual desenvolvida no presente item.

125

Primeiramente, há de destacar que, na França, as tecnologias sensíveis

permanecem sob controle do Estado, o que fez com que as contratações do PROSUB fossem

precedidas de atos celebrados entre as autoridades brasileiras e francesas, definindo os limites

gerais do programa (MARINHA DO BRASIL, 2014). Cumpre colacionar:

“Foram, então, assinados, em 23 de dezembro de 2008, os seguintes documentos:

- Plano de Ação (Parceria Estratégica), entre o Brasil e a França, firmado pelos

respectivos Presidentes, prevendo cooperação na área de defesa, em particular na

área de submarinos, entre outras;

- Acordo, entre os dois países, na área de submarinos, firmado pelos respectivos

Ministros de Defesa;

- Ajuste Técnico, entre os Ministérios da Defesa do Brasil e da França, firmado

pelos Comandantes das Marinhas desses países, relativo à concepção, construção e

comissionamento técnico de submarinos; e

- Contrato Principal, firmado pela MB e pelo Consórcio Baía de Sepetiba (CBS),

uma parceria entre a empresa DCNS e a brasileira Odebrecht, relativo à ToT e

Prestação de Serviços Técnicos Especializados, destinados a capacitar a Força a

projetar e construir Submarinos Convencionais e Nucleares, não havendo

transferência de tecnologia na área nuclear.” (MARINHA DO BRASIL, 2014, p. 5)

Após a assinatura dos referidos compromissos internacionais, os contratos

executivos do PROSUB puderam ser assinados entre os implementadores, seguindo uma

lógica de engenharia contratual, ou seja, um contrato principal e diversos outros contratos

assessórios que disciplinam aspectos distintos do programa, sem que isso implique em

subcontratações (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Nesse sentido, cabe

transcrever a estrutura de contratos do PROSUB:

Quadro 14 – Conexão entre as partes do Contrato Principal e os contratos derivados

Parte do Prosub Contrato Objeto

Submarinos

convencionais diesel

elétricos

(S-BR)

Contrato 1

Contrato 1A

40000/2009-

005/00

Fornecimento do pacote de materiais

necessários para a fabricação, construção e

entrega dos submarinos, e dos serviços do

Pacote de Logística pela DCNS.

Contrato 1B

40000/2009-

006/00

Construção, pela Itaguaí Construções Navais

S.A., de quatro S-BR, envolvendo

transferência de tecnologia e assistência

técnica da DCNS.

Submarino com

propulsão nuclear

(SN-BR)

Contrato 2

Contrato 2A

Anexo 2 ao

Contrato

40000/2009-

007/00

Fornecimento do pacote de materiais

necessários para a fabricação, construção e

entrega do SN-BR pela DCNS.

Contrato 2B

40000/2009-

007/00

Contratação preliminar da construção, pela

Itaguaí Construções Navais S.A., de um SN-

BR, com transferência de tecnologia e

assistência técnica da DCNS.

Torpedos e

contramedidas

Contrato 3

40000/2009-008/00

Aquisição junto à DCNS de trinta torpedos

F21 e cinquenta despistadores de torpedo.

Estaleiro e Base Naval Contrato 4

40000/2009-009/00

Construção, equipagem e comissionamento do

estaleiro e da base naval pela construtora

Norberto Odebrecht S.A.

Administração dos

contratos

Contrato 5

40000/2009-010/00

Planejamento, coordenação e gestão das

interfaces entre todas as prestações decorrentes

126

do Contrato Principal e dos contratos

subordinados pelo Consórcio Baia de Sepetiba.

Transferência de

Tecnologia

Contrato 6

40000/2009-011/00

Transferência de tecnologia, transferência de

know-how, prestação da assistência técnica,

transferência de documentos, treinamento e

suporte (DTS), e transferência de informações

técnicas e expertise pela DCNS, necessários

aos projetos, construção, operação e

manutenção dos submarinos, do estaleiro e da

base naval.

Programa de Offset Contrato 8

40000/2009-012/00

Compensação comercial, industrial e

tecnológica a ser realizada pela DCNS ou suas

subcontratadas ao Brasil ou à Marinha em

decorrência do contrato principal e dos

documentos contratuais.

Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 25

Nesse sentido, o gerenciamento do PROSUB estrutura-se em Empreendimentos

Modulares (EM), que é um instrumento para os casos em que o porte e a complexidade de

uma meta exigem o desdobramento da mesma em metas parciais interdependentes e

escalonadas harmonicamente no tempo, permitindo o alcance total de meta original ao

término (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). A estruturação em EMs também se

relaciona à gestão da tecnologia envolvida. Em linhas gerais, o PROSUB se desdobra nos

seguintes EMs:

Figura 10 – ToT no PROSUB: Empreendimentos Modulares da COGESN

Fonte: HIRSCHFELD, 2014.

Os EMs discriminados acima se dariam ao longo do tempo segundo o cronograma

original da seguinte forma:

127

Figura 11 – Cronograma original do PROSUB

Fonte: LOPES, 2015.

Entretanto, em que pese o cronograma original acima, o PROSUB não foi capaz

de atender as etapas no tempo previsto, dentre as causas está, principalmente, a restrição

orçamentária decorrente do ajuste fiscal empreendido no Brasil à época da elaboração deste

trabalho. Nesse sentido, várias renegociações do cronograma já foram feitas, tanto para a

entrega do Estaleiro, quanto para o primeiro dos submarinos convencionais, denominado

“Riachuelo”. O submarino já teve sua data de prontificação postergada duas vezes, de 2015

para 2017, e depois de 2017 para 2018. A expectativa, agora, é de que a entrega desse

submarino ao setor operativo da Marinha só aconteça em 2019 ou 2020 (LOPES, 2015).

Tendo sido expostos os aspectos contratuais gerais do PROSUB, bem como as

etapas e a cronologia do desenvolvimento do programa, o próximo item se dedicará a analisar

os pontos específicos que concernem à transferência de tecnologia.

4.1.4 – Contratos de transferência de tecnologia

Como demonstrado anteriormente, o PROSUB se encaixa numa estrutura

contratual em que um contrato principal de desdobra em diversos outros derivados, que

128

regulamentam e aprofundam aspectos distintos do programa. Entretanto, dos sete contratos

que regulam o PROSUB, apenas alguns interessam a essa pesquisa, vez que tratam de

transferência de tecnologia. Sendo assim, a pesquisa se deitará, principalmente, sobre os

Contratos nº 6, específico sobre transferência de tecnologia, e nº 8, que trata das ações de

Offset. Além desses, haverá menções aos Contratos nº 1A e nº 2A, que tratam do Programa de

Nacionalização da Produção (PNP), que visa à capacitação nacional para desenvolvimento,

produção e manutenção de equipamentos e sistemas relativos aos submarinos convencionais e

ao nuclear. Esses quatro contratos contemplam os processos de transferência de tecnologia no

PROSUB (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÂO, 2013). Os contratos serão abordados a

seguir, na ordem dita acima.

Por se tratar de uma contratação referente a uma tecnologia sensível, de grande

porte e muito complexa, é de se esperar que os instrumentos contratuais fossem classificados,

especialmente no que tange à transferência de tecnologia. Não obstante, esta pesquisa buscou

junto à Marinha do Brasil o máximo de informações ostensivas possíveis em relação ao

Contrato nº 6, mediante o Serviço de Informação ao Cidadão da referida instituição, sob os

auspícios da nova Lei de Acesso à Informação (BRASIL, 2011). Como resposta, a Marinha

do Brasil enviou um resumo do Contrato nº6, com suas subdivisões em 6.1, 6.2 e 6.3, cada

qual referente a um aspecto da transferência de tecnologia do PROSUB (MARINHA DO

BRASIL, 2015a), também disponível no Anexo E, valendo colacionar:

“CONTRATO 6.1 – ToT PARA O PROJETO DE DETALHAMENTO E A

CONSTRUÇÃO DOS S-BR

O processo de transferência de tecnologia para os S-BR, ocorreu na cidade de

Cherbourg na França, englobou a qualificação de profissionais de diversos níveis e

especialidades para a construção e para o projeto de detalhamento da seção

modificada do submarino e também a consultoria técnica durante a construção e a

realização desse projeto.

Para a atividade de construção a MB selecionou cerca de oitenta e um profissionais

entre aqueles que participaram da construção de submarinos no AMRJ, pois este era

um dos pré-requisitos. A esse grupo foram incorporados outros profissionais da

NUCLEP e da ICN, sem experiência específica nessa área, mas que já trabalharam

em obras de complexidade compatível.

Nesse mesmo local, um grupo, composto de vinte engenheiros, participou de um

treinamento que os capacitou a fazer o projeto de detalhamento de uma seção que

será inserida no Submarino Scorpène para transformá-lo no S-BR. Parte deste grupo,

após o fim do projeto da seção intermediária, incorporou ao projeto do SN-BR.

CONTRATO 6.2 – ToT PARA O PROJETO DO SN-BR

Antes de enviar para França os oficiais engenheiros para participar do processo de

ToT da DCNS, a MB tomou as seguintes medidas:

1 - Fez uma seleção rigorosa dos engenheiros, formando um grupo com 1 PHD, 13

Mestres com bastante experiência na área naval e mais 17 engenheiros graduados,

sendo 26 da COGESN e 5 do CTMSP; e

129

2 - Realizou, no Brasil, um ano antes do início da fase de ToT na França, um pré-

treinamento bastante detalhado com uma elevada carga horária, com as seguintes

atividades:

a) estudo orientado para o conhecimento de normas técnicas alemãs específicas para

projeto de submarino, que recebemos junto com o contrato de construção dos

submarinos da Classe Tupi, que possibilitou aos engenheiros conhecer critérios de

projeto de sistemas de submarinos convencionais;

b) exercício de projeto de exeqüibilidade de um submarino de 1700 t, com a

elaboração de relatórios, englobando as áreas de estrutura, propulsão, eletricidade,

sistemas de combate, sistemas auxiliares e arranjo geral. Com isso foram elaboradas

várias perguntas sobre as dúvidas que apareceram e sobre informações adicionais;

c) curso de proteção radiológica no IPEN/SP; e

d) palestras sobre os sistemas do LABGENE do CTMSP, do qual derivará a

propulsão do submarino nuclear.

O processo de ToT da DCNS compreende duas fases:

Na França, em Lorient - AGO2010 a MAI2012 – englobou as seguintes atividades:

a) tecnologia de projeto de submarino convencional, transmitida por instrutores da

DCNS, por meio de aulas, conferências, estudos dirigidos, On Job Trainning (OJT) e

visitas técnicas a organizações da DCNS, a submarinos nucleares e a indústrias

francesas da área de Defesa. Essa fase foi avaliada por meio de provas, cujos bons

resultados mostraram que os conhecimentos fornecidos foram absorvidos;

b) exercício de projeto de um submarino convencional de 3.000t, tendo sido

produzidos documentos técnicos de projeto;

c) Working Groups – estudo de interfaces, para definir requisitos técnicos, entre a

parte nuclear e a não nuclear do submarino e entre o submarino nuclear e o estaleiro,

tendo sido produzidos, documentos de projeto para a propulsão do submarino

nuclear e para o estaleiro em Itaguaí; e

d) tecnologia de projeto de submarinos nucleares e estudo de engenharia de um

submarino nuclear.

- No Brasil – JUL2012 até final de 2025 – Transferência de Tecnologia nas

modalidades de Assistência Técnica; Know How; expertise e Transferência de

Documentos, Treinamento e Suporte (DTS) para o Corpo Técnico de Projeto do SN-

BR para o desenvolvimento das atividades de Projeto e de Construção do

submarino.

Durante esse período, a DCNS prestará assistência técnica ao projeto e à construção

do SN-BR, por meio de equipe composta por cerca de 25 engenheiros experientes da

Empresa, no Brasil, e de forma remota, a partir da França, em salas de Tele-

Presença.

De AGO2012 a JUL2013 foi realizado um curso, no Brasil, de projeto de

submarinos para 18 novos oficias engenheiros da MB, que se juntaram ao grupo de

projeto original.

A ToT de Apoio Logístico Integrado (ALI) foi realizado por meio de cursos em

Lorient, na França, no período de JUN2012 a DEZ2012, e prossegue no Brasil

através de OJT.

CONTRATO 6.3 – ToT PARA O PROJETO E A CONSTRUÇÃO DA UFEM E

DO EBN

O processo de ToT para o projeto e construção da Unidade de Fabricação de

Estruturas Metálicas (UFEM), do Estaleiro de Construção, do Estaleiro de

Manutenção e da Base Naval (EBN), inclui a apresentação pela DCNS de requisitos

e informações técnicas, a avaliação e certificação do projeto e consultoria técnica

durante a construção.

Na primeira fase a DCNS forneceu, por meio de reuniões, seminários e um pacote

de documentos técnicos, os requisitos necessários ao projeto da UFEM e do EBN e à

especificação de aquisição dos seus sistemas e equipamentos, como mostrado a

seguir:

UFEM – 254 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil (STBO) e 83

para a especificação de equipamentos (STBI); e

EBN - 175 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil (STBO) e 83

para a especificação de equipamentos (STBI).” (MARINHA DO BRASIL, 2015a,

pp. 1-3)

130

Quadro 15 – Resumo dos contratos de transferência de tecnologia do PROSUB

Contrato 6.1 – S-BR

Transferência de Tecnologia em Cherbourg, França.

- 81 profissionais do AMRJ, NUCLEP e ICN.

- 20 engenheiros capacitados a projetar a seção intermediária do S-BR.

Contrato 6.2 – SN-BR

Pré-treinamento no Brasil pela MB:

- 1 PhD, 13 Mestres e 17 engenheiros graduados.

Na França, em Lorient - AGO2010 a MAI2012 –

a) tecnologia de projeto de submarino convencional.

b) exercício de projeto de um submarino convencional de 3.000t, tendo

sido produzidos documentos técnicos de projeto;

c) Working Groups – estudo de interfaces, para definir requisitos técnicos,

entre a parte nuclear e a não nuclear do submarino e entre o submarino

nuclear e o estaleiro

d) tecnologia de projeto de submarinos nucleares e estudo de engenharia de

um submarino nuclear.

No Brasil – JUL2012 até final de 2025 –

-Transferência de Tecnologia nas modalidades de Assistência Técnica;

Know How; expertise e Transferência de Documentos, Treinamento e

Suporte (DTS) para o Corpo Técnico de Projeto do SN-BR para o

desenvolvimento das atividades de Projeto e de Construção do submarino.

- Assistência técnica: 25 engenheiros da DCNS.

De AGO2012 a JUL2013 foi realizado um curso, no Brasil, de projeto de

submarinos para 18 novos oficias engenheiros da MB, que se juntaram ao

grupo de projeto original.

A ToT de Apoio Logístico Integrado (ALI) foi realizado por meio de

cursos em Lorient, na França, no período de JUN2012 a DEZ2012, e

prossegue no Brasil através de OJT.

Contrato 6.3 – UFEM e

EBN

-DCNS: requisitos e informações técnicas, a avaliação e certificação do

projeto e consultoria técnica durante a construção.

Na primeira fase a DCNS forneceu, por meio de reuniões, seminários e um

pacote de documentos técnicos, os requisitos necessários ao projeto da

UFEM e do EBN e à especificação de aquisição dos seus sistemas e

equipamentos, como mostrado a seguir:

UFEM – 254 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil

(STBO) e 83 para a especificação de equipamentos (STBI); e

EBN - 175 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil

(STBO) e 83 para a especificação de equipamentos (STBI)

Fonte: Elaboração própria.

No ano de 2011, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou uma Auditoria de

Natureza Operacional nos programas PROSUB e H-XBR, a fim de avaliar os respectivos

processos de transferência de tecnologia. Tratava-se de uma operação inédita na referida

instituição, o que levou a várias pesquisas em outras instituições, especialistas e materiais

especializados a fim de se elaborar uma metodologia para desempenhar a tarefa. Em 2013, o

TCU emitiu um relatório da mencionada auditoria, explicando com detalhes os aspectos da

concepção, estruturação, formalização, gerenciamento e controle dos processos de

transferência de tecnologia dos mencionados programas (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013). O citado documento foi publicado e também traz muitas informações

131

detalhadas sobre os contratos de ToT do PROSUB, bem como as impressões da instituição

sobre os processos.

No presente item, este trabalho não se dedicará a informar as conclusões do TCU

a respeito dos contratos do PROSUB. Eventuais críticas e considerações serão feitas no

momento da avaliação em item posterior. Por ora, somente extrair-se-ão trechos dos contratos

acima relacionados para prover o máximo possível de informações sobre as cláusulas dos

documentos que pautam a transferência de tecnologia. Assim, sobre o Contrato nº 6, vale

transcrever:

“219. No Prosub, o Contrato de Transferência de Tecnologia (Contrato 6)

estabelece que, “sem prejuízos de outras modalidades que sejam necessárias”, serão

adotadas as modalidades “Pacote de Informações Técnicas, Assistência Técnica e

Treinamento” para o cumprimento dos objetivos visados nos três conjuntos em que

foram organizados os processos de transmissão das tecnologias: conjunto para

construção dos submarinos convencionais (S-BR), conjunto para projeto dos

submarinos, e conjunto para ToT relativa ao Estaleiro e à Base Naval (Cláusulas 2.3

e 2.4). Essas modalidades de acesso às tecnologias serão viabilizadas mediante o

compromisso da DCNS de outorgar “acesso amplo e direito de uso, sob a forma de

Licença Geral de Uso de know-how e Informações Técnicas e expertise”, com vistas

a dotar a Marinha “de todos os conhecimentos técnicos necessários ao Projeto,

Construção, operação, e manutenção dos Submarinos, do Estaleiro Naval e da Base

Naval” (Cláusula 2.1). Sem prejuízo dessa licença geral, a DCNS tem ainda a

obrigação jurídica de fornecer, mediante “Licenças Específicas de Uso de know-

howe Informações técnicas e expertise”, know-how para o desenvolvimento pela

Marinha das seguintes atividades compreendidas nos três conjuntos acima

mencionados (Cláusula 2.1, “i” a “v”):

i) construção, pela Sociedade de Propósito Específico (SPE) ou mesmo pela própria

Marinha, de quatro submarinos com propulsão diesel-elétrica (S-BR) e capacitação

para a conclusão do processo de projeto de construção do submarino com propulsão

nuclear (SN-BR);

ii) operação e manutenção dos quatro S-BR;

iii) concepção e elaboração do projeto básico do SN-BR;

iv) consecução das atividades integrantes do processo de projeto do SN-BR,

compreendendo o projeto de definição, o processo de construção e as especificações

técnicas detalhadas; e

v) concepção e elaboração do projeto do Estaleiro e da Base Naval, adequados à

construção, operação e manutenção de submarinos.

220. O tratamento conferido aos direitos relativos à propriedade intelectual

referente às tecnologias a serem transferidas está previsto na cláusula 10 do Contrato

6. Os direitos autorais sobre os projetos de submarinos convencionais (S-BR) são de

propriedade exclusiva da DCNS, à exceção dos direitos autorais sobre os projetos de

construção da Seção Intermediária do S-BR, os quais, por representarem esforço de

desenvolvimento conjunto, submeter-se-ão ao regime de co-propriedade, sendo a

Marinha e a DCNS detentoras de partes iguais.

221. O Contrato 6 indica os direitos autorais que são e continuarão a ser de

propriedade exclusiva da DCNS:

a) pacote de Informações Técnicas para a construção do S-BR;

b) pacote de Informações Técnicas do estaleiro e da base naval;

c) documentos transferidos pela DCNS à Marinha em cumprimento às

obrigações assumidas em razão do Contrato 6 e que tenham relação com o know-

how objeto da transferência de tecnologia, treinamento e assistência técnica; e

d) informações e dados, incluindo, mas não se limitando a, desenho dos

módulos desenvolvidos pela DCNS prévia ou independentemente do contrato, que

venham a ser usados para a elaboração do projeto de construção da Parte

Intermediária do S-BR, desde que assim declarados por escrito pela DCNS à

132

Marinha antes do início da elaboração do projeto de construção da seção

intermediária do S-BR.

222. A Marinha poderá utilizar a transferência de know-how, a prestação de

Assistência Técnica, a Transferência de Documentos, Treinamento e Suporte e a

Transferência de Informações Técnicas e Expertise para seu uso exclusivo, desde

que aplicados às seguintes finalidades:

a) operar e executar a manutenção dos quatro S-BR segundo, pelo menos, os

mesmos padrões de qualidade, desempenho e segurança estabelecidos para os quatro

S-BR do contrato principal e/ou nos documentos contratuais.

b) modernizar os quatro S-BR sob sua exclusiva responsabilidade e risco;

c) projetar e construir, ou mandar que construam, novos submarinos de

propulsão convencional distintos do S-BR, concebidos pela Marinha;

d) projetar e construir, ou mandar que construam, novos estaleiros navais e/ou

novas bases navais, de forma a permitir a perfeita construção, manutenção, reparo e

operação dos submarinos e/ou de outros submarinos pertencentes à esquadra da

Marinha ou que venham a ser futuramente integrados à sua esquadra, atendendo a,

pelo menos, os mesmos padrões de qualidade, desempenho e segurança

estabelecidos para o estaleiro, a base naval e/ou os submarinos no Contrato Principal

e/ou nos documentos contratuais; e

e) projetar, construir, operar e manter navios de superfície, simuladores e outros

meios relacionados a submarinos.

223. A cláusula 2.5.1 do Contrato 6 estabelece limitação à exportação dos

submarinos de propulsão convencional distintos do S-BR ao proibir, até o décimo

terceiro ano após a assinatura do Contrato 6, que a Marinha venda, ceda ou transfira

tais meios sem a concordância da DCNS. Após esse período, a Marinha poderá

vender, ceder ou transferir aqueles equipamentos independentemente de anuência da

DCNS.

224. Na hipótese de ser necessário à Marinha dar conhecimento a Terceiro

Autorizável das licenças e direitos autorais objeto da transferência de tecnologia e

assistência técnica, com a finalidade de construir ou manter submarinos

convencionais distintos dos S-BR, manter e modernizar os S-BR e construir novos

submarinos de propulsão nuclear, ela dará conhecimento ao Terceiro Autorizável

apenas das licenças e direitos autorais objeto da transferência de tecnologia e

assistência técnica apenas na extensão necessária para executar as atividades das

quais tenha sido incumbido pela Marinha. As operações pontuais de manutenção

poderão ser executadas por terceiro que não seja um Terceiro Autorizável.

225. Importante destacar que a DCNS busca resguardar, ao máximo, as

informações transferidas à Marinha, ao definir Terceiro Autorizável como uma

empresa brasileira que atenda às seguintes condições:

a) de cujo capital não participe, direta ou indiretamente, em mais de 10%,

terceiro cuja atividade inclua a construção ou manutenção de submarinos;

b) que não seja manifestamente associada a ou licenciada por terceiro cuja

atividade inclua construção ou manutenção de submarinos; e

c) de cujo grupo de controle não participe, direta ou indiretamente, terceiro cuja

atividade inclua construção ou manutenção de submarinos.

226. Adicionalmente, o contrato define que Operação Pontual de Manutenção ou

Reparo não abrange as atividades de modernização, conversão e manutenção geral

(major overhaul).

227. Os direitos autorais sobre os Projetos do SN-BR serão de propriedade da

Marinha, sem que qualquer direito sobre eles resultem em favor da DCNS, devido à

Transferência de Tecnologia e à Assistência Técnica que se obrigou a transferir e

prestar, conforme Contrato 6.

228. Também pertencem à Marinha os direitos sobre a propriedade intelectual dos

projetos relativos à construção do EBN, uma vez que ela é destinatária da

transferência de tecnologia para elaboração desses projetos.” (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 35-37)

133

Quadro 16 – Resumo da propriedade intelectual no PROSUB

Propriedade Intelectual

Marinha do Brasil DCNS

- Projeto do SN-BR na íntegra;

- Projeto do EBN;

- Utilização da tecnologia transferida para seu uso

exclusivo nas seguintes finalidades:

a) operar e executar a manutenção dos quatro S-BR

segundo.

b) modernizar os quatro S-BR sob sua exclusiva

responsabilidade e risco.

c) projetar e construir, ou mandar que construam,

novos submarinos de propulsão convencional distintos

do S-BR, concebidos pela Marinha;

d) projetar e construir, ou mandar que construam,

novos estaleiros navais e/ou novas bases navais

e) projetar, construir, operar e manter navios de

superfície, simuladores e outros meios relacionados a

submarinos.

- Projeto do S-BR.

- Pacote de Informações Técnicas para a construção

do S-BR;

- Pacote de Informações Técnicas do estaleiro e da

base naval;

- Documentos transferidos pela DCNS à Marinha em

cumprimento às obrigações assumidas em razão do

Contrato 6 e que tenham relação com o know-how

objeto da transferência de tecnologia, treinamento e

assistência técnica; e

- Informações e dados, incluindo, mas não se

limitando a, desenho dos módulos desenvolvidos pela

DCNS prévia ou independentemente do contrato, que

venham a ser usados para a elaboração do projeto de

construção da Parte Intermediária do S-BR, desde que

assim declarados por escrito pela DCNS à Marinha

antes do início da elaboração do projeto de construção

da seção intermediária do S-BR.

- Projeto da seção intermediária do S-BR (co-propriedade)

- Proibição de comercializar submarino distinto do S-

BR por treze anos;

- Transmitir tecnologia a terceiro somente na extensão

necessária e com autorização da DCNS.

- Obrigação de outorgar “acesso amplo e direito de

uso, sob a forma de Licença Geral de Uso de know-

how e Informações Técnicas e expertise”, com vistas a

dotar a Marinha “de todos os conhecimentos técnicos

necessários ao Projeto, Construção, operação, e

manutenção dos Submarinos, do Estaleiro Naval e da

Base Naval” e atividades necessárias relacionadas.

Fonte: Elaboração própria.

Além do Contrato nº 6, específico da transferência de tecnologia dos submarinos

convencionais, do submarino nuclear e do estaleiro e base naval, o Contrato nº 8 também é

importante para analisar o processo de aquisição de tecnologia, vez que trata das operações de

offset derivadas do PROSUB, quais sejam, as compensações que a DCNS deverá efetuar em

contrapartida à sua escolha como fornecedora. Segundo resposta da Marinha do Brasil

(2015b, ANEXO E), por meio do Serviço de Informação ao Cidadão, o Contrato nº 8 pode ser

resumido em 21 operações que se darão da seguinte forma:

Quadro 17 – Operações de Offset previstas no Contrato nº 8 do PROSUB

OFFSET 1 – Taxa de Licença Relacionada à Construção dos 4 (quatro) S-BR

OFFSET 2 – Taxa de Licença Relacionada à Construção da Base Naval e do

Estaleiro

OFFSET 3 – Programa de Nacionalização do S-BR e do SN-BR

OFFSET 4 – Projeto Detalhado da Seção Intermediária do S-BR

OFFSET 5 – Capacitação em Engenharia de Apoio Logístico dos Submarinos

OFFSET 6 – Projeto do SN-BR

OFFSET 7 – Criação da Sociedade de Propósito Específico (SPE)

OFFSET 8 – Treinamento de EMC/EMI - Compatibilidade

Eletromagnética/Interferência Eletromagnética (Electromagnetic Compatibility/

Electromagnetic Interference Training - EMC/ EMI)

134

OFFSET 9 – Treinamento de Manutenção do Sistema de Combate

OFFSET 10 – Sistema de Combate - Engenharia, Integração, Manutenção e Apoio

OFFSET 11 – Treinamento de Manutenção do Sonar

OFFSET 12 – Treinamento de Manutenção do IPMS

OFFSET 13 – Treinamento do Quadro Elétrico Principal

OFFSET 14 – Treinamento de Manutenção do Motor Elétrico da Propulsão

OFFSET 15 – Raia Acústica Móvel

OFFSET 16 – Assistência Técnica para o NAe São Paulo

OFFSET 17 – Apoio a Estudos de Hidrodinâmica

OFFSET 18 – Análise do Projeto do Módulo de Propulsão do SN-BR Desenvolvido

pela MB

OFFSET 19 – AMRJ Modernização

OFFSET 20 – IPMS - Desenvolvimento, Integração, Manutenção e Apoio

OFFSET 21 – Projeto Preliminar de Laboratórios Fonte: MARINHA DO BRASIL, 2015b (ANEXO E)

Dessas operações, até a última informação em 2014, apenas as operações 7 e 8

haviam sido concluídas, as operações 13 e 14 ainda não haviam iniciado e as demais estariam

em execução (HIRSCHFELD, 2014). Além dessas informações, cabe complementar:

“19 operações são diretamente ligadas à concepção, construção, operação e

manutenção dos quatro submarinos convencionais (S-BR) e do submarino com

propulsão nuclear (SN-BR), além de duas operações voltadas para a assistência

técnica na manutenção de equipamentos e sistemas do NAe São Paulo; e a

modernização de setores do Arsenal de Marinha, no Rio de Janeiro.

18 delas estão diretamente ligadas à Transferência de Tecnologia (ToT), que é

efetuada por meio de treinamentos teóricos e práticos, cursos de formação

profissional (OJT - On Job Training), assessoria da DCNS, além do fornecimento de

documentação técnica.

O montante estabelecido para os projetos acima, que corresponde a €

4.345.200.000,00 (quatro bilhões, trezentos e quarenta e cinco milhões e duzentos

mil Euros), destina-se ao conhecimento e capacitações a serem agregados ao País.

Dentre os principais offsets previstos em contrato, a compensação que trata da

transferência de conhecimento na área de projeto para o SN-BR é uma das mais

importantes, pois possibilitará a futura construção do primeiro Submarino com

Propulsão Nuclear brasileiro.

Além deste, o contrato de offset contempla ainda o Programa de Nacionalização

tanto para o SBR quanto para o SN-BR, o que vem impulsionando e desenvolvendo

a indústria de defesa nacional por meio da transferência de conhecimento na

produção de sistemas e equipamentos. O Programa para os S-BR possui, atualmente,

104 projetos candidatos, nas seguintes áreas de atuação:

- Fabricação de sistemas, equipamentos e componentes;

- Treinamento para o desenvolvimento e integração de softwares específicos de

importantes sistemas; e

- Suporte técnico para as empresas brasileiras durante a fabricação dos itens

Valores envolvidos: € 100 milhões para os quatro S-BR e, pelo menos, outros € 100

milhões para o SN-BR.

Os projetos candidatos são destinados à nacionalização dos principais sistemas,

equipamentos e itens dos submarinos com propulsão convencional (S-BR) e,

futuramente, para o primeiro submarino com propulsão nuclear (SN-BR). Como

exemplo pode-se citar baterias, motor elétrico principal, motores elétricos, quadros

elétricos, compressores de ar, sistema de combate, tubos de torpedos, mancais de

escora, sistema de monitoramento das baterias, válvulas de casco, bombas d’água

etc.

Outra compensação importante é a que trata do Sistema de Combate para o

Submarino o que possibilitará a transferência de tecnologia para o Brasil com o

135

objetivo de alcançar autonomia e independência nesta área.” (MARINHA DO

BRASIL, 2015b, pp. 2-3)

Além dos Contratos nos

6 e 8, o processo de ToT no PROSUB está inserido no

condão de nacionalizar o máximo possível da produção dos submarinos no Brasil, de forma a

alavancar a Indústria de Defesa e obter independência e autonomia na área, conforme já dito

anteriormente. Nesse sentido, os Contratos nos

1A e 2A tratam do Programa de

Nacionalização da Produção, que se desenvolve da seguinte forma:

“Programa de nacionalização da produção – item C.

269. O controle da execução do Programa de Nacionalização da Produção (PNP)

se faz por meio do Plano de Gerenciamento da Nacionalização da Produção (peça

62), o qual apresenta 93 projetos candidatos à nacionalização ordenados por escala

de prioridade estabelecida pela Marinha.

270. A implementação desses projetos é monitorada por meio de Fases de

Implementação, onde cada projeto deve percorrer cinco fases para que se consiga o

objetivo de nacionalizar determinado componente ou sistema:

Fase 1: Caracterização do produto.

Fase 2: Prospecção e seleção de fornecedores

Fase 3: Negociação

Fase 4: Decisão

Fase 5: Processo de acompanhamento de contrato.

271. Um plano de acompanhamento é anexado a cada contrato e estabelece o

procedimento a ser seguido pelo fornecedor e seus subcontratados no intuito de

monitorar a fabricação de cada item a ser nacionalizado.

272. A estrutura da DCNS para o acompanhamento ainda não se confirmou e

aponta para uma das duas alternativas:

i) acompanhamento por meio de uma equipe dedicada; ou

ii) contratação de uma empresa brasileira para acompanhar a fabricação, o

controle, a gestão das recomendações da DCNS, bem como os testes de aceitação de

fabricação.

273. Os marcos para essa fase são:

i) DCNS: são definidos em cada Plano de Acompanhamento do contrato com o

fornecedor, prevendo estágios que permitam garantir o cumprimento do calendário e

atingimento da qualidade técnica almejada;

ii) Marinha: testes de aceitação;

iii) assinatura do Certificado Temporário de Aceitação após a entrega do

produto. O Plano de Gerenciamento da Nacionalização não identifica quem é

responsável por assinar o referido certificado.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013, pp. 43-44)

Esses são os principais instrumentos contratuais que versam sobre a transferência

de tecnologia no PROSUB, que também servirão como base para a avaliação que pretende

esse trabalho.

136

4.1.5 – Teoria da intervenção e objetivos

Conforme desenvolvido anteriormente, Vedung (1997) chama de Teoria da

Intervenção a análise dos problemas e causas que motivam a intervenção, de forma a se

entender quais são as ações esperadas da política pública sobre a condição que se visa

transformar. Assim, entender a teoria da intervenção por trás do PROSUB torna-se imperativo

para a avaliação da implementação desse programa no que tange à transferência de

tecnologia, pois poderão ser evidenciados os objetivos do mesmo, ou seja, o rumo final que a

política pública nele representada almeja alcançar. Assim, poder-se-á avaliar a implementação

a fim de averiguar se ela caminha na direção correta.

Para investigar a teoria da intervenção do PROSUB, utilizar-se-á o referencial

teórico elaborado no primeiro capítulo, em especial no que concernem aos objetivos

colocados pela END (BRASIL, 2012c), quais sejam: o domínio de tecnologias sensíveis, a

reestruturação da Base Industrial de Defesa, a independência nacional na construção de meios

de defesa e a ação autônoma do Brasil no cenário internacional. Além desses objetivos gerais,

também os específicos, no que tangem à construção de um submarino com propulsão nuclear

e à missão da Marinha do Brasil de proteger as águas jurisdicionais brasileiras.

Ademais, os objetivos específicos do PROSUB também podem ser encontrados

no Relatório de Auditoria de Natureza Operacional feito pelo TCU (2013), que de forma

detalhada explicita as metas do programa. Sendo assim, as metas globais associadas aos

Empreendimentos Modulares do PROSUB são demonstradas da seguinte forma:

Quadro 18 - Empreendimentos Modulares do Prosub e da obtenção da planta nuclear do SN-

BR.

EM Título Meta Global

18

Infraestrutura, construção

e manutenção de

submarinos.

Dotar o país de infraestrutura para construção, manutenção e

operação de submarinos.

19 Construção de submarino

de propulsão nuclear.

Dotar a Marinha de submarino com propulsão nuclear, a fim de

contribuir para a garantia de negação do uso do mar e o controle

marítimo das áreas estratégicas de acesso ao Brasil, além de permitir

a manutenção e o desenvolvimento da capacidade de construção

desses meios navais no país.

20 Construção de submarinos

convencionais.

Dotar a Marinha de novos submarinos, a fim de contribuir para a

garantia de negação do uso do mar e o controle marítimo das áreas

estratégicas de acesso ao Brasil, além de permitir a manutenção e o

desenvolvimento da capacidade de construção desses maios navais

no país.

Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 39

137

Quadro 19 - Metas globais e parciais dos Empreendimentos Modulares.

EM Meta Global Metas Parciais

18 Dotar o país de infraestrutura para construção, manutenção e

operação de submarinos.

Construção de um

estaleiro naval e de uma

base naval;

Construção/aquisição de

próprios nacionais

residenciais.

19

Dotar a Marinha de submarino com propulsão nuclear, a fim de

contribuir para garantia de negação do uso do mar e o controle

marítimo das áreas estratégicas de acesso ao Brasil, além de

permitir a manutenção e o desenvolvimento da capacidade de

construção desses meios navais no país.

Obtenção da plataforma

do submarino com

propulsão nuclear;

Obtenção da propulsão

nuclear para o submarino

nuclear.

20

Dotar a Marinha de novos submarinos, a fim de contribuir para a

garantia de negação do uso do mar e o controle marítimo das

áreas estratégicas de acesso ao Brasil, além de permitir a

manutenção e o desenvolvimento da capacidade de construção

desses meios navais no país.

Obtenção de submarinos

de propulsão convencional;

Obtenção de torpedos e

contramedidas para

emprego dos S-BR.

Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 39-40.

De posse dessas informações, já se pode desenhar o modelo de Teoria da

Intervenção do PROSUB, a partir do Contrato Principal (MARINHA DO BRASIL, 2014, p.

5) que, conforme ensina Vedung (1997, p. 225), representamos a seguir:

Intervenção PROSUB (como decidido)

Conversão planejada Empreendimentos Modulares 18, 19 e 20.

↓ Resultados pretendidos Estaleiro e Base Naval

Quatro submarinos nucleares

Um submarino com propulsão nuclear

↓ Efeitos imediatos pretendidos Dotar o país de infraestrutura para construção,

manutenção e operação de submarinos

Contribuir para a garantia de negação do uso do

mar e o controle marítimo das áreas estratégicas

de acesso ao Brasil

↓ Efeitos intermediários pretendidos

(determinantes do problema) Capacidade de negação do uso do mar

diminuída

Não domínio das tecnologias sensíveis inerentes

e necessárias

Futura obsolescência dos meios atuais

↓ Hipóteses causais Déficit tecnológico

Desestruturação da Base Industrial de Defesa

↓ Efeitos últimos pretendidos

(condição problemática que se busca

mudar)

Dependência tecnológica na produção e

desenvolvimento desses meios navais

Comprometimento da ação autônoma do país

Figura 12 – Teoria da intervenção do PROSUB

138

Fonte: Elaboração própria a partir da adaptação da metodologia de VEDUNG, 1997, p. 225.

Vale lembrar que o modelo acima representa a ação do programa empreendido

pela política pública sobre os fatores determinantes de uma condição problemática que se visa

modificar. Não se trata de uma representação dos desdobramentos naturais do PROSUB, mas

a influência do mesmo, como política pública governamental (de cima para baixo) sobre uma

situação-problema.

Pelos objetivos acima delineados e pelo embasamento anterior, constata-se que o

país tem tido sua atuação autônoma comprometida no cenário internacional, por carência de

meios de defesa adequados e pela dependência que possui de fornecimento estrangeiro de

tecnologias para a produção desses bens. Essa situação problemática tem como causas

prováveis o déficit tecnológico que o Brasil ostenta em relação aos países desenvolvidos e a

desestruturação da Base Industrial de Defesa que não atende às necessidades das Forças

Armadas. No caso específico da Marinha, verifica-se que essas causas provocam uma

capacidade de negação do uso do mar diminuída, agravada pela futura necessidade de

aquisição de novos submarinos diante da certa obsolescência dos meios atuais por ação do

tempo, mas que esbarra no não domínio das tecnologias necessárias para solucionar tal

problema. Nesse sentido, o PROSUB surge como resposta que visa transformar essa situação,

mediante não só a aquisição de novos submarinos, inclusive com propulsão nuclear, mas

também obtenção de tecnologia e infraestrutura capaz de proporcionar ao país capacidade de

construir, manter e operar submarinos independentemente.

4.1.6 – Modelos analíticos

Seguindo a metodologia desenvolvida no capítulo anterior, para avaliar a

implementação do PROSUB, as informações fornecidas até agora serão apresentadas em

modelos analíticos, que facilitarão o entendimento do programa e basearão a abordagem

metodológica que conduzirá a avaliação.

Nesse sentido, o primeiro modelo analítico a ser apresentado será o Modelo de

Atores Interessados (stakeholders) do PROSUB, que pode ser representado da seguinte

forma:

139

Figura 13 – Modelo de Atores Interessados do PROSUB (Stakeholders Model)

Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997.

O modelo acima representa os atores que possuem algum interesse na política

pública representada pelo PROSUB. Como o programa se originou de uma parceria entre os

governos brasileiro e francês, ambos são retratados no modelo. Ligados ao governo brasileiro

estão o Ministério da Defesa, a Marinha do Brasil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos da

Presidência da República (SAE/PR). Segundo o Relatório do TCU, essas três instituições

seriam os stakeholders governamentais principais do PROSUB, e deveriam ser os

responsáveis pela concepção, estruturação, formalização e controle do PROSUB

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63). No entanto, segundo apurou o

tribunal, a ação do Ministério da Defesa teria sido incipiente e a SAE/PR não teria se

envolvido na formulação de políticas públicas para apoiar o PROSUB (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63-64). A Marinha do Brasil, naturalmente, é a principal

concebedora e executora do programa, bem como principal usuária, vez que operará os

submarinos e pretende concentrar a tecnologia sensível advinda do programa. Ligado ao

governo francês, encontra-se a DCNS, estatal, que é a principal fornecedora dos produtos e da

tecnologia inerentes ao PROSUB.

Também interessada no PROSUB está a Base Industrial de Defesa, sobretudo

como uma das beneficiárias do programa, tendo em vista o seu objetivo de nacionalizar o

máximo possível da produção e da tecnologia em comento, em cumprimento às diretrizes da

END. Sendo assim, dentro do segmento da indústria de Defesa no referido modelo,

encontram-se também as sociedades empresariais que atuam no PROSUB, tanto com

participação estatal, a exemplo da ENGEPROM, da AMAZUL e da ICN, quanto

140

eminentemente privadas, como a Odebrecht e as demais fornecedoras de equipamentos em

geral, inclusive as destinatárias de offset. Ao lado da indústria, está também a academia, ou as

universidades. Conforme demonstrado em capítulo anterior, a lógica do complexo militar-

acadêmico-industrial tem pautado as aquisições e a gestão de meios de Defesa no último

século. Sendo assim, além do setor acadêmico que trata do desenvolvimento das ciências que

guarnecerão os submarinos propriamente ditos, está o segmento que avalia os programas

dentro da lógica das ciências sociais e políticas, em seu cunho estratégico, como o presente

trabalho.

Por fim, considerando que o PROSUB é um programa estratégico governamental,

a sociedade em geral é um ator interessado no mesmo, tendo em vista não só sua condição de

beneficiária como um todo dos efeitos do programa para o país, mas também pelo emprego de

recursos públicos do erário nacional, constituído, sobretudo, das contribuições da sociedade.

Dessa forma, à sociedade interessam os rumos que tomará o PROSUB.

O segundo modelo a ser apresentado será o Modelo de Sistema Simplificado, que

fornecerá um panorama geral da política pública representada pelo PROSUB, em seus

insumos, conversão, resultados e efeitos esperados. Segue:

Figura 14 – Modelo de Sistema Simplificado do PROSUB

Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997

141

Esse modelo toma como base as informações obtidas até agora para demonstrar a

concepção do PROSUB como política pública em suas fases pós-decisão, mostrando o

processo de conversão dos insumos aplicados nos resultados e efeitos desejados, de acordo

com as metas do programa e diretrizes da END.

No capítulo sobre a abordagem metodológica apresentamos também o Modelo de

Consecução de Objetivos, que relaciona a política pública e suas metas, considerando os

fatores externos. Entretanto, esse modelo precisa do desenvolvimento de mais algumas

informações, bem como da avaliação da implementação, que será feita no item a seguir.

4.1.7 – Avaliação da implementação

Tendo demonstrado os modelos analíticos que permitem a visualização do

PROSUB como política pública, dentro da ótica da teoria da intervenção, sob o aspecto dos

atores interessados (stakeholders) e dentro do panorama geral do programa em relação a

insumos, conversão, resultados e efeitos, passa-se agora à avaliação da implementação do

programa propriamente dita, no que tange ao seu processo de transferência de tecnologia.

Conforme desenvolvido no capítulo anterior, baseado no referencial teórico

plasmado anteriormente, são três os indicadores que serão utilizados para medir a eficácia e

efetividade da transferência de tecnologia no PROSUB, quais sejam: transferência de know-

why; possibilidade de difusão; possibilidade de alcançar independência no setor

(nacionalização). Para atribuir valor a cada indicador, serão utilizadas entrevistas com

implementadores e outros documentos hábeis a conferir as informações necessárias.

4.1.7.1 – Transferência de “Know-why”

O primeiro indicador a ser valorado será a transferência de know-why no

PROSUB. Primeiramente, antes de introduzir os resultados da pesquisa e as respostas dos

entrevistados, cabe trazer à baila informações importantes sobre o processo de transferência

de tecnologia no programa.

142

O Relatório de Auditoria de Natureza Operacional do TCU teve o objetivo de

avaliar os processos de ToT no PROSUB e no H-XBR. Como é de se esperar de uma

instituição governamental de tal porte, existe um maior número de pessoas envolvidas na

avaliação e maior acesso às informações necessárias. Assim, o que for possível de ser extraído

daquele relatório que possua o mesmo objetivo dessa pesquisa e que possa colaborar com ela,

será feito. Nesse sentido, o TCU avaliou o processo de ToT no PROSUB em quatro fases:

concepção, estruturação, formalização e controle (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,

2013). Vale citar algumas das conclusões a que o tribunal chegou:

“83. Antes da formalização dos projetos, não foram adequadamente avaliadas ou

foram deixadas a cargo das empresas contratadas, condicionantes importantes como:

participação da indústria nos processos de transferência de tecnologia; estratégias

para identificar as necessidades tecnológicas e oportunidades de comercialização;

articulação entre Forças Armadas, universidades, institutos de P,D&I e empresas;

sistemas de reconhecimento e medição das tecnologias; definição do processo de

propriedade intelectual; bem como a gestão do conhecimento a ser adquirido.”

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 13)

Ademais:

“387. No tocante à concepção dos projetos, concluímos que a decisão política de se

aproveitar a oportunidade oferecida pelo governo francês de cooperar com o Brasil

na área de defesa superou a orientação técnica dos projetos, apesar de estes serem

caracterizados por sua complexidade e ineditismo.

[...] 390. Concluímos que, em razão da falta de um adequado exame das

condicionantes dos processos de ToT, antes da estruturação e formalização dos

projetos, o alcance dos resultados visados pelo Projeto H-XBR e pelo Prosub

dependerá da capacidade da Aeronáutica e da Marinha, respectivamente, em detectar

e superar os riscos que surgirem durante a execução dos empreendimentos.

[...] 393. Concluímos que as circunstâncias em que foram implementados o

Prosub e o Projeto H-XBR não permitiram que os órgãos envolvidos dispusessem

das condições mais adequadas em termos de prazo, acesso a informações,

capacidades técnicas para as negociações dos contratos, análise dos riscos e

oportunidades envolvidos nos empreendimentos. Isso suscita a possibilidade de que

os compromissos acordados nessas condições possam ter resultado num

balanceamento de custos e benefícios demasiadamente favorável aos particulares,

em detrimento do interesse público.

[...] 397. Outro aspecto importante a ser considerado na análise da adequação

dos arranjos contratuais é a compatibilização dos objetos e prestações estabelecidos

nas relações obrigacionais às necessidades que motivaram a implementação do

projeto. Essa compatibilização foi prejudicada em razão de falhas na etapa de

concepção dos empreendimentos associadas à impossibilidade de acesso a

informações sobre as tecnologias antes das contratações.

[...] 400. Em relação à etapa de gerenciamento e controle dos projetos,

concluímos que há, no Prosub, flagrante descompasso entre a relevância das

obrigações de transferência de tecnologia previstas no contrato e os

mecanismos concebidos para aferir e mensurar a efetivação dessa

transferência. O instrumento contratualmente previsto para controle temporal

da realização das atividades de transferência de tecnologia - o Plano de

Aceitação de Marcos - presta-se fundamentalmente para viabilizar a liquidação

financeira das obrigações (cumprimento formal), pouco informando sobre o

cumprimento do seu objeto (cumprimento material).” (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 61-62, grifos nossos)

143

Em outras palavras, segundo apurou o TCU, o processo de transferência de

tecnologia no PROSUB já haveria nascido com problemas. Isso porque, em resumo, em

decorrência da necessidade de se aproveitar a oportunidade surgida de parceria com a França,

tomou-se a decisão política de levar a cabo o programa. Entretanto, o curto prazo para a

tomada de decisão e negociação prejudicou a fase de concepção e estruturação da

transferência de tecnologia que se visava obter. Ou seja, não foi possível estabelecer desde o

início os níveis de tecnologia esperados e não houve acesso às informações técnicas e

tecnológicas necessárias previamente, o que teria prejudicado as negociações dos contratos de

transferência de tecnologia, em detrimento do interesse público (TRIBUNAL DE CONTAS

DA UNIÃO, 2013).

Nesse sentido, considerando o problema na concepção e estruturação do PROSUB

no que tange à transferência de tecnologia, o TCU concluiu que o sucesso do programa

depende da capacidade da Marinha do Brasil de detectar e corrigir eventuais falhas durante a

implementação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Nesse sentido, o órgão

recomendou ao Comando da Marinha que:

“a. estabeleça indicadores para mensurar a evolução dos processos de

transferência de tecnologia do Prosub, para avaliar de forma objetiva os benefícios

de se onerar a aquisição/desenvolvimento de equipamentos sob o argumento de que

haverá capacitação da indústria nacional, ou da própria Força; e

b. adote medidas de retenção de recursos humanos capacitados nos processos de

transferência de tecnologia do Prosub, com vistas a garantir a transmissão dos

conhecimentos adquiridos mediante transferência de tecnologia.” (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 65)

Não obstante, o tribunal reconheceu que foi adequada a providência adotada pela

Marinha do Brasil diante da impossibilidade do acesso a informações sobre as tecnologias

antes da contratação da DCNS, qual seja, estabelecer uma cláusula (2.2 do Contrato nº 6) que

não limita o dever da fornecedora de efetivar toda a Transferência de Tecnologia, a

transferência de know-how, a prestação de Assistência Técnica, a Transferência de

Documentos, Treinamento e Suporte e a transferência de informações técnicas e expertise,

necessárias à adequada execução de todos os encargos assumidos pela DCNS e intervenientes

na contratação, principalmente com respeito à consecução do objetivo precípuo do projeto

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Ou seja, na impossibilidade de conhecer

antecipadamente as tecnologias que se visa obter, tenta-se ao máximo ampliar o escopo da

transferência no instrumento contratual.

Em síntese, às recomendações do TCU à Marinha do Brasil, esta respondeu que já

havia iniciado o estudo e a preparação para estabelecer os indicadores de medição de

144

evolução dos processos de transferência de tecnologia, bem como havia tomado a medida de

reter os recursos humanos mediante as empresas estatais ENGEPROM e AMAZUL, muito

embora não pudesse garantir a inamovibilidade dos oficiais militares envolvidos (TRIBUNAL

DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Nesse diapasão, em relação à transferência de know-why, esta pesquisa buscou

entrevistar agentes de implementação que estiveram diretamente envolvidos no processo de

transferência de tecnologia no PROSUB. Os questionários estão anexos (ANEXO B), mas

insta colacionar no corpo desse trabalho os trechos e as respostas mais relevantes para a

medição que se busca. Como foi colocado anteriormente, para medir a obtenção do know-why

foi utilizada uma tabela com os fluxos de conhecimentos numa transferência de tecnologia.

Apenas para lembrar o que foi desenvolvido no capítulo do referencial teórico, os quatro

primeiros fluxos correspondem ao simples fluxo de conhecimentos, os três seguintes

correspondem ao fluxo de know-how e os três últimos, ao fluxo de know-why. Seguem abaixo

as respostas dos entrevistados:

Quadro 20 – Resposta do 1º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB

Design do

Produto/Especificações*

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Design dos processos e projetos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Procedimentos de

produção/cronograma e

organização

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Produção/ Know-how de

organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de

engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e

expertise

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias e

pesquisa de conhecimentos, dados,

procedimentos, entre outros.

(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Design do Produto/Especificações* - O Design do Submarino não faz parte da Transferência de Tecnologia

para Construção. A DCNS apenas vai fornecer as especificações técnicas. Fonte: RIBEIRO JÚNIOR, 2015 (ANEXO B).

145

Quadro 21 – Resposta do 2º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB

Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Procedimentos de

produção/cronograma e

organização

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Produção/ Know-how de

organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de

engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e

expertise

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias e

pesquisa de conhecimentos, dados,

procedimentos, entre outros.

(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

( X ) Satisfatória* - Considerando a contribuição individual dos projetos candidatos no programa de

nacionalização Fonte: TALON, 2015 (ANEXO B).

Quadro 22 – Resposta do 3º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB

Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Procedimentos de

produção/cronograma e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de

engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e

expertise

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias e

pesquisa de conhecimentos, dados,

procedimentos, entre outros.

(x) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Fonte: BARBOSA JÚNIOR, 2015 (ANEXO B).

146

As respostas acima transcritas devem ser cotejadas com as demais respostas dos

questionários (ANEXO B) e com outros documentos referentes ao tema. Isso porque a

transferência de tecnologia no PROSUB é deveras complexa e abarca diversos aspectos,

sistemas e subsistemas dentro das máquinas que são os submarinos, como pode ser

depreendido da leitura dos questionários. De um modo geral, dos três indicadores

correspondentes ao fluxo de know-why, em todos os questionários, apenas o último não

estaria previsto no contrato. Ou seja, dois dos três fluxos de know-why estiveram presentes na

transferência de tecnologia. Os demais fluxos de know how e simples conhecimentos foram

satisfatórios em sua maioria. Apenas um dos entrevistados (RIBEIRO JÚNIOR, 2015)

marcou não haver previsão em alguns fluxos de know-how e conhecimentos (ANEXO B).

Segundo os entrevistados (BARBOSA JÚNIOR, 2015; RIBEIRO JÚNIOR, 2015;

TALON, 2015, ANEXO B), no momento atual do programa ainda não é possível afirmar se a

tecnologia transferida é satisfatória e corresponde às expectativas iniciais, porém, no que foi

executado até o momento o estágio corrente do programa está alinhado aos seus objetivos.

Um dos entrevistados (BARBOSA JÚNIOR, 2015) respondeu que na parte do PROSUB em

que ele atuou a transferência foi satisfatória e tem condições de complementar as pesquisas e

o desenvolvimento que algumas empresas da BID já realizam (ANEXO B).

Diante das respostas do implementadores acima, pode-se ver que um dos três

fluxos de know-why não estava previsto no contrato de transferência de tecnologia do

PROSUB, não sendo, portanto, transferido aos recipiendários. Em que pese o resultado não

ideal, conforme a metodologia aqui adotada, há de se considerar que o processo já nasceu com

falhas, segundo apuração do TCU (2013). A não previsão no contrato daquele fluxo pode

estar relacionada à referida falha na concepção e estruturação do programa. Dessa forma, são

necessárias investigações ulteriores para verificar se a causa da não transferência do referido

fluxo que excedem a alçada do presente trabalho.

Contudo, é imperativo considerar que as negociações e as subseqüentes fases de

concepção e estruturação estão ambientadas num contexto de cerceamento tecnológico, como

desenvolvido anteriormente. Ou seja, trata-se de uma relação tensa entre quem almeja

tecnologia que não possui e quem a possui, mas não deseja que ela seja compartilhada. Dessa

forma, não é de interesse da França que o Brasil domine e desenvolva tecnologia para obter

autonomia na produção de submarinos, motivo pelo qual falhas na concepção e estruturação

do programa proporcionam brechas para que se retenha um ou outro fluxo de conhecimento,

ou ainda se transfira tecnologia ultrapassada.

147

Não obstante, há de se destacar que os entrevistados não responderam que a

transferência do fluxo ausente foi insatisfatória, mas que não era prevista contratualmente.

Assim, seguindo o modelo lógico do capítulo anterior, em que o contrato causa um processo

que apresenta um resultado (A→B=C), pode-se inferir que a transferência de know-why, ainda

que tenha um fluxo faltante, correu conforme a previsão contratual. Logo, se o resultado não

corresponde à transferência ideal almejada pela END, a deficiência é do instrumento

contratual. Destarte, a conclusão em relação à transferência de know-why no PROSUB é que

ela existiu e foi conforme o contratado, mas não foi plena, segundo a metodologia e o

referencial teórico adotados por essa pesquisa, possivelmente relacionando-se às falhas de

concepção e estruturação apontadas pelo TCU (2013), que, dentro de um contexto de

cerceamento tecnológico, propicia ou facilita a retenção de importantes fluxos de

conhecimento.

4.1.7.2 – Possibilidade de difusão

Quanto ao indicador referente à possibilidade de difusão do conhecimento obtido

no processo de transferência de tecnologia, todos os entrevistados responderam

positivamente, afirmando que as informações transmitidas podem ser empregadas em outros

empreendimentos além do PROSUB.

A auditoria do TCU, por outro lado, relatou que “a dualidade das tecnologias não

foi abordada na estruturação do PROSUB” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p.

16), mas informou que a Marinha ainda iria contatar os institutos nacionais de ciência e

tecnologia para avaliar a possibilidade de uso dual dos sistemas e equipamentos do programa

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Entretanto, o primeiro entrevistado (TALON, 2015) respondeu: “sim, a gestão do

conhecimento aplicada a esse programa tem como meta permitir que o Know-How adquirido

pelas empresas brasileiras possa ser utilizado em projetos duais e para as outras forças”

(ANEXO B, p. 234). O segundo (RIBEIRO JÚNIOR, 2015) respondeu: “sim, embora as

atividades relacionadas com a construção de submarinos sejam muito específicas, podemos

esperar algum tipo de difusão, principalmente nas áreas de gerenciamento, qualidade e solda”

(ANEXO B, p. 231). Por fim, o terceiro (BARBOSA JÚNIOR, 2015) também respondeu

148

afirmativamente, alegando que: “sim. O conhecimento da metodologia francesa para a

engenharia e integração de Sistemas de Combate bem como conhecimento sobre uma

plataforma para desenvolvimento de software de Sistemas de Combate” (ANEXO B, p. 227).

Verifica-se que a constatação do TCU nesse quesito encontra-se defasada por

razões de tempo. Segundo a presente pesquisa apurou com os entrevistados, numa informação

obtida mais recentemente, já há o vislumbre de setores específicos que podem ser

beneficiados pelo transbordamento e pela difusão dos conhecimentos tecnológicos obtidos

pela transferência no âmbito do PROSUB. Portanto, o indicador em comento apresenta

resultado positivo.

4.1.7.3 – Possibilidade de independência no setor (nacionalização)

Em relação à possibilidade de independência no setor, além da percepção dos

implementadores sobre o aspecto, outros fatores também devem ser considerados como o

processo de nacionalização da produção e a regulação da propriedade intelectual, conforme

desenvolvido no capítulo do referencial teórico, pois todas essas questões interferem na

medida de dependência externa. Iniciaremos a avaliação desse indicador com as

considerações sobre nacionalização e posteriormente com a regulação da propriedade

intelectual.

Como desenvolvido anteriormente, o PROSUB possui a ambiciosa meta de obter

o máximo de nacionalização, ainda que gradualmente, na produção dos submarinos

convencionais e com propulsão nuclear, visando uma taxa próxima a quase totalidade de

insumos produzidos no país (HIRSCHFELD, 2014). Para isso, conta com um Programa de

Nacionalização da Produção (PNP) (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013), em que

busca acionar a BID brasileira para atuar no empreendimento.

Contudo, à época da auditoria do TCU, o órgão apurou que “16 das 20 empresas

selecionadas são indústrias europeias que criaram subsidiárias brasileiras para a fabricação de

componentes para submarinos” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 44). O

relatório apresenta a lista de empresas selecionadas na época:

149

Quadro 23 – Empresas selecionadas de acordo com o Plano de Gerenciamento da

Nacionalização

Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 45

O tribunal prosseguiu em sua avaliação:

“276. Com base no Relatório de Progresso 8 (peça 60), é possível constatar que os

projetos de nacionalização em estágio mais avançado (Fase 5) envolvem empresas

subsidiárias de fornecedores internacionais da DCNS, as quais criaram, ou criarão,

subsidiárias brasileiras para a produção dos componentes e sistemas demandados

pelo Prosub. Essa constatação se baseia na evidência de que apenas 4 entre 20

projetos que alcançaram a Fase 5 da implementação do PNP contam com empresas

previamente existentes no Brasil, ou seja, não constituídas por indústrias

estrangeiras mediante criação de subsidiárias brasileiras com a finalidade de atender

às necessidades contratuais de nacionalização de componentes e sistemas dos

submarinos a serem construídos.

277. Conforme explicitamos no tópico 4.1, a END preconiza a reestruturação da

indústria de material de defesa para assegurar que o atendimento das necessidades

de equipamento das forças armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional.

Nesta linha, uma das diretrizes estabelecidas é a capacitação da indústria nacional de

material de defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à

defesa. Entretanto, a forma como vem sendo conduzido o PNP coloca em risco a

perenidade da produção em território nacional, na medida em que a maioria

dos projetos em estado mais avançado e, portanto, com maior probabilidade de

êxito, são executados por empresas brasileiras controladas por capital

estrangeiro.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 45, grifos nossos)

O TCU também leva em conta a distinção feita no primeiro capítulo entre

empresa brasileira de capital estrangeiro e de capital nacional para avaliar as empresas

envolvidas no processo de nacionalização do PROSUB. Ao apontar a indefinição presente na

legislação, o órgão prossegue:

“303. No que se refere à Base Industrial de Defesa, tal possibilidade se apresenta

como um risco para os processos de ToT, na medida em que viabiliza o aporte de

150

recursos públicos, via acordos de compensação, em empresas sob controle de capital

estrangeiro. Inclusive empresas inseridas nas cadeias de fornecedores das

contratadas (DCNS, no caso do Prosub e Eurocopter, no caso do H-XBR),

caracterizando, na verdade, um subsídio para que instalem plantas fabris no Brasil.

Esta possibilidade não se coaduna com a diretriz 22 da Estratégia Nacional de

Defesa, que determina a capacitação da indústria nacional de material de

defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa.

304. Nos dois projetos verificamos a ausência de medidas mitigatórias a este risco,

o que poderia ser implementado se o PNP, no caso do Prosub, e os ICPs, no caso do

H-XBR, admitissem apenas empresas credenciadas pelo Ministério da Defesa, como

Empresa Estratégica de Defesa, na forma do inciso IV do artigo 2º da Lei 12.598, de

22/3/2012 (resultante da conversão da Medida Provisória 544).

305. Como não há no Prosub ou no H-XBR restrição à participação de empresas

sob controle de capital estrangeiro como beneficiárias de processos de transferência

de tecnologia, também não há nenhum mecanismo legal ou contratual que imponha

restrições à possibilidade de que empresas de capital nacional beneficiadas por

processos de ToT sejam adquiridas por grupos estrangeiros.

306. Os dois riscos formam uma combinação que pode resultar em uso de

recursos públicos para financiar a instalação, no país, de empresas controladas

por capital estrangeiro, o que não garante independência tecnológica em

segmentos sensíveis para a segurança nacional; ou capacitar empresas de

capital nacional que, posteriormente, poderão ser controladas por grupos

estrangeiros. Essas duas possibilidades contrariam o fim visado pela END.”

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 48-49, grifos nossos)

O TCU também critica a legislação brasileira, não somente no que tange às

empresas brasileiras, mas na regulação das aquisições de defesa, em especial as mais

complexas como o PROSUB, apontando para a insuficiência da Lei nº 12.598/12 em regulá-

las (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). No mesmo sentido, em que pese o

PROSUB ter sido elaborado antes da referida lei, o tribunal sugeriu que a Marinha do Brasil

adaptasse o PNP para abarcar apenas Empresas Estratégicas de Defesa, porém, ela respondeu

que tal alteração poderia encarecer o empreendimento, caso fosse aceito pela DCNS, o que

faz com que seja uma medida a ser observada apenas em futuros projetos (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Assim, o órgão fiscalizador conclui que o PNP, naquela configuração, não se

mostrava capaz de alavancar a indústria nacional, conforme prescreve a Diretriz 22 da END,

na medida em que envolve poucas empresas controladas por capital nacional e ainda reserva a

elas projetos de baixo conteúdo tecnológico (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Sobre o risco desse tipo de arranjo, assim se manifestou o tribunal:

363. Consoante conclusão havida no item 275, 16 de 20 empresas que se

encontravam na fase de acompanhamento de contrato eram subsidiárias de indústrias

europeias, das quais, apenas 3 não eram subsidiárias da DCNS. A Marinha registra

que outras duas também não são. [transferir tecnologia com recursos públicos

para subsidiárias de empresas estrangeiras que já são fornecedoras nas suas

matrizes, é jogar dinheiro pelo ralo por duas razões: os recursos não servem

para beneficiar a indústria de defesa verdadeiramente brasileira; é

transferência de tecnologia para quem já a possui, é fazer treinamento de

recursos humanos às expensas do Erário]

151

364. O reparo feito pela Marinha não invalida a constatação feita no relatório de

que muitas das empresas brasileiras envolvidas no Prosub são, de fato, subsidiárias

de empresas estrangeiras, com todos os potenciais riscos descritos no relatório, o

mais destacado deles consistindo no subsídio para a transferência de conhecimento

da empresa estrangeira para uma de suas subsidiárias, portanto, para si mesma.

365. No item 304, foi sugerida medida para mitigar o risco de se fazer incentivo

para transferência de tecnologia da empresa estrangeira para sua subsidiária

brasileira, o que, embora fosse útil para alojar conhecimento localmente, poderia

resultar em sua perda, caso a subsidiária fosse fechada pela sede [...].” (TRIBUNAL

DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, PP. 57-58, grifos nossos)

Ou seja, no atual arranjo de nacionalização do PROSUB, segundo o TCU, é

prejudicial à BID brasileira, bem como, um desperdício de dinheiro público, vez que os

recursos estariam sendo despendidos em subsidiárias de empresas estrangeiras que já são

fornecedoras em sua origem. Dessa forma, a vultosa quantia representada pelo programa não

estaria de fato beneficiando a indústria brasileira de capital nacional, bem como estaria

financiando a transferência de tecnologia de quem já a possui, pois a matriz só faz transferir

para a subsidiária, em outras palavras, para si mesma, o conhecimento existente. Além disso,

ainda que o conhecimento adentre o território nacional, não há garantias de que este não será

perdido, vez que a matriz pode fechar a subsidiária brasileira a qualquer momento.

Acerca do Programa de Nacionalização da Produção, um dos entrevistados desta

pesquisa, Talon (2015), gerente do empreendimento, assim informou sobre o projeto:

“O Programa de Nacionalização da Produção prevê 104 projetos candidatos que

constituem sistemas, equipamentos ou itens que compõem o pacote de material dos

Submarinos de Propulsão Convencional. Na situação corrente desse Programa,

existem vinte projetos em execução, dezessete em aprovação pela Marinha, treze

projetos em análise, quatro em elaboração de minuta de contrato entre a DCNS e

empresas brasileiras, quarenta e cinco projetos em processo de busca de

fornecedores e, ainda, cinco cujos processos não foram iniciados. Dentre esses

projetos, a MB priorizou 58 levando em consideração os seguintes aspectos

estratégicos: conteúdo tecnológico a ser transferido à Indústria Brasileira, barreiras

tecnológicas a serem suplantadas, tempo médio entre reparos do equipamento que

compõe o projeto e criticidade do projeto para o S-BR. Para implementar o

Programa de Nacionalização, até o momento, já foram visitadas mais de 200

empresas brasileiras para participarem como fornecedoras desse Programa.”

(ANEXO B, p 232)

Quando perguntado a respeito dos maiores óbices à implementação do programa,

respondeu:

“O Programa de Nacionalização dos S-BR possui um orçamento, em créditos de

Offset, de cem milhões de euros para “custear” os 104 projetos candidatos previstos

em contrato. Este orçamento é o grande obstáculo para a implementação dos

projetos candidatos, pois limita o escopo e as atividades de produção das empresas

brasileiras.” (ANEXO B, p. 232)

Não obstante a contribuição que o implementador trouxe à pesquisa, em suas

respostas não se vê enfrentada a questão das empresas brasileiras de capital nacional. Quando

152

ele informa sobre as empresas brasileiras que participam do projeto, não deixa claro quantas

possuem ou não capital nacional e quantas outras são subsidiárias. Da mesma forma, quando

perguntado dos óbices, não menciona a questão, mas se refere à questão orçamentária, que

considera pequena em relação à necessidade do projeto. Sobre o orçamento, tendo em vista os

riscos apresentados acima pelo TCU, não se sabe se eventual aumento estimularia a

participação de empresas de capital nacional, estas geralmente menores em relação às

subsidiarias estrangeiras, ou se permaneceria o risco de dinheiro público estar financiando

entes privados estrangeiros já possuidores de tecnologia. Considerando que a resposta do

entrevistado, ainda que mais recente, não refuta as afirmações do TCU, estas serão

consideradas na valoração do indicador referente à nacionalização.

No que concerne à regulação da propriedade intelectual, também apontada no

referencial teórico anteriormente, em resumo do que foi visto acima, os direitos de

propriedade intelectual referentes aos projetos do submarino com propulsão nuclear (SN-BR)

e à construção do Estaleiro e Base Naval serão de propriedade da Marinha do Brasil, sem que

qualquer direito sobre eles resultem em favor da DCNS (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013). Noutro passo, em relação aos submarinos convencionais (S-BR) os direitos

de propriedade intelectual permanecem exclusivos da DCNS, podendo a Marinha do Brasil,

como licença de uso, utilizar toda a tecnologia recebida para: operar e manutenir os S-BR;

modernizar os quatro S-BR sob sua exclusiva responsabilidade e risco (sem participação da

DCNS); projetar e construir novos submarinos convencionais distintos dos S-BR, concebidos

pela Marinha e; projetar e construir novos estaleiros e bases navais nos moldes do EBN

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Contudo, no caso da Marinha conceber e

projetar submarinos convencionais distintos do S-BR, não poderá exportá-los dentro do prazo

de treze anos, salvo com concordância da DCNS, bem como toda empresa que estiver

envolvida nesse projeto e que receberia conhecimento da Marinha, deverá ter a aprovação da

DCNS, numa lógica e evitar concorrência (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Quanto as empresas brasileiras envolvidas no PNP, a regulação da propriedade intelectual

será negociada caso a caso entre a DCNS e os fornecedores envolvidos. (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Entretanto, o TCU fez, de igual sorte, severas considerações:

“230. Ao empreendermos uma análise acerca das regras estabelecidas para os

direitos sobre propriedade intelectual, verificamos que são impostas severas

restrições à Marinha no que tange ao uso da propriedade intelectual

proveniente da transferência de tecnologia. 231. A proibição de utilizar o projeto de construção dos S-BR para produzir

novas embarcações além das quatro unidades contratadas, sem qualquer

153

garantia de receber informações de atualizações do projeto dos S-BR, dificulta

futuras modernizações que poderiam estender o ciclo de vida destes meios

navais, contribuindo para o diferimento de novos investimentos em

equipamentos similares. Saliente-se que o Contrato 6 permite à Marinha

modernizar os S-BR sob sua exclusiva responsabilidade e risco, o que, obviamente

envolve assumir nível de risco superior àquele de uma modernização mediante

assistência técnica da DCNS.

232. Adicionalmente, o Contrato 6 também proíbe a Marinha de replicar o projeto

dos S-BR, podendo construir novos submarinos convencionais distintos dos S-BR

para seu próprio emprego. A limitação em negociar eventual projeto, distinto do S-

BR, elaborado pela Marinha, por até treze anos após a assinatura do Contrato 6,

representa uma forma de a DCNS preservar sua posição de mercado, evitando

possível concorrência por parte do Brasil.

[...]236. Por fim, analisando o tratamento dado aos direitos de propriedade

intelectual envolvidos nas transações de offset (Contrato 8), bem como no PNP,

observamos que o mapeamento das capacidades e gargalos, na fase de concepção,

teriam permitido regulação mais objetiva no sentido de atender as necessidades

tecnológicas visadas pela Estratégia Nacional de Defesa para a Base Industrial de

Defesa. Negociar os direitos de propriedade intelectual caso a caso reflete

desconhecimento de prioridades em termos de necessidades de capacitação

tecnológica da BID, deixando esta decisão para a DCNS e seus fornecedores, num

visível conflito de interesses.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp.

37-38, grifos nossos)

Em resposta, a Marinha do Brasil refutou a conclusão do órgão, alegando que a

cláusula 2.5 do Contrato nº 6 permitiria a livre utilização da tecnologia recebida em futuros

projetos e que o impedimento contratual à modernização dos submarinos convencionais não

seria problema, pois ela já teria efetuado outras modernizações em outros meios navais com

sucesso, sem participação dos fornecedores originais (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013). Em réplica, o TCU afirmou que haveria sim restrições, pois a mesma cláusula

do contrato citada pela Marinha trazia exceções, quais sejam: o impedimento de construir

novas embarcações com base no projeto original; e necessária observância de requisitos

estabelecidos para o SN-BR e para o Estaleiro e Base Naval nos futuros projetos de

submarinos nucleares brasileiros e estaleiros e bases navais (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013). Verifica-se, assim, um cerceamento tecnológico, nos termos do referencial

teórico desenvolvido anteriormente. Não obstante, vale destacar:

“369. Ainda sobre restrição à propriedade intelectual, ela alcança até mesmo

conhecimento não oriundo dos ajustes firmados entre Marinha e DCNS. Nesse

sentido, deve-se observar a limitação à exportação, constante da cláusula 2.5.1 do

contrato 6, que consiste no impedimento, por 13 anos, a partir da vigência dos

contratos atuais, de negócios que envolvam a venda, cessão ou transferência de

submarinos de propulsão convencional distintos do S-BR, a menos que a DCNS e a

Marinha concordem com a operação. Portanto, mesmo que a Marinha desenvolva

seu próprio projeto de submarino convencional nesse ínterim, ela estará impedida, a

menos da concordância da DCNS, de negociá-los.

370. Portanto, há sim restrições oriundas dos ajustes firmados com a DCNS.

371. Nada obstante, devem ser levados em consideração os seguintes aspectos

ressaltados pela Marinha. A produção dos quatros S-BR e do SN-BR, com a

assistência da DCNS, vai capacitar a Marinha a desenvolver seus próprios projetos e

a construir submarinos convencionais e nucleares. A restrição de comercialização de

154

projetos próprios durante 13 anos não é impactante porque o desenvolvimento dos

quatro submarinos no ajuste atual com a DCNS, tempo durante o qual a Marinha e a

indústria nacional estarão se capacitando, levará 15 anos.

372. Dessa forma, ainda que presentes as restrições elencadas, elas não deverão

causar impacto deletério para a Marinha.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,

2013, pp. 58-59)

Em síntese, o TCU atribui essas restrições e falhas contratuais aos problemas já

mencionados na concepção e estruturação do PROSUB em relação à transferência de

tecnologia, decorrentes da necessidade de se aproveitar a janela de oportunidade obtida na

aproximação política com a França. Nesse sentido, eventuais correções de rumos devem ser

feitas no momento da implementação do programa (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,

2013).

A fim de fornecer informações mais recentes sobre a questão, bem como a

percepção dos implementadores sobre a possibilidade do PROSUB realmente propiciar

independência tecnológica no setor de submarinos, a pesquisa colaciona as respostas dos

entrevistados.

À pergunta “após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá

necessidade de relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?” os

entrevistados responderam:

“No programa da nacionalização, o fundamental é que, ao final do processo, as

empresas brasileiras sejam autônomas e independentes na fabricação para, no futuro,

suprirem a demanda da Marinha para a manutenção e/ou construção de submarinos.

Para muitos equipamentos, o processo de nacionalização ocorrerá de forma

progressiva, garantindo o cumprimento do cronograma de construção de cada

submarino convencional e, ao mesmo tempo, a capacitação crescente da indústria,

visando à plena produção do item. À medida que a construção dos submarinos

avançar, do SBR-1 até o SBR-4, a quantidade de componentes nacionais será maior

até que, no final do programa, as empresas estejam aptas a fornecer, senão a

totalidade, o máximo de elementos do equipamento.” (TALON, 2015; ANEXO B, p.

233)

“Conforme mencionado acima, o objetivo a ser alcançado pela transferência de

tecnologia para a construção é a construção de submarinos convencionais, do Brasil,

de forma autônoma e independente. Desta forma, é fundamental para o sucesso do

processo, que ao final do mesmo, a MB/ICN/NUCLEP sejam capazes de construir

submarinos convencionais de forma autônoma e independente.” (RIBEIRO

JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p. 231)

“Sim, pois o Programa prevê atividades a serem realizadas no Brasil no que diz

respeito à Integração do Sistema de Combate (Setting-to-Work, Verificação e

Validação, Qualificação, Testes no Porto e no Mar) e manutenção corretiva e

evolutiva dos módulos de software que desenvolvemos.” (BARBOSA JÚNIOR,

2015; ANEXO B, p. 226)

À pergunta “a tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido

totalmente no país em momento posterior? E manutenido/modificado também?” o primeiro

155

entrevistado (TALON, 2015) respondeu: “Como comentado acima, o processo é progressivo e

no final do programa o objetivo é que as empresas brasileiras apoiem a Marinha do Brasil nas

tarefas de manutenção corretiva e evolutiva, além de participarem no desenvolvimento de

novos meios.” (ANEXO B, p. 234). Os demais entrevistados responderam:

“Ao final do processo é esperado que a MB adquira a capacitação para construir

submarinos convencionais e posteriormente também é esperado que esta mão-de-

obra qualificada seja empregada na construção do submarino com propulsão nuclear.

A capacitação para projetar, alterar ou manter submarinos não faz parte do escopo

do contrato de transferência de tecnologia para construção de submarinos

convencionais. Estas outras capacitações são objeto de outros contratos” (RIBEIRO

JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p. 231)

“Sim, a meu ver sim. Considerando o produto sendo o Sistema de Combate, que em

uma visão de Engenharia de Sistemas pode ser caracterizado com um Sistema de

Sistemas. Cada um dos subsistemas pode ser considerado um produto diferente.

Com relação ao CMS este desenvolvimento deve ser planejado considerando a

singularidade e a complexidade do subsistema. O planejamento do desenvolvimento

do CMS está diretamente ligado às decisões de quais outros subsistemas, de

complexidade similar ou ainda maior (i.e. Sonar, Radar e Torpedo), serão parte do

Sistema de Combate.

Com relação ao Sistema de Combate é importante mencionar que a MB e certas

indústrias da BID (Fundação Ezute incluso) já têm condições de iniciar o

desenvolvimento de determinados subsistemas e, portanto, a tecnologia e

conhecimento obtidos completam e/ou fazem com que o know-how e know-why

sejam ainda mais dominados. Há outros subsistemas, os quais têm programas

distintos de desenvolvimento nacional, que certamente se beneficiarão das

informações e conhecimentos obtidos através do ToT/ToK do PROSUB.”

(BARBOSA JÚNIOR, 2015; ANEXO B, pp. 226-227)

Por fim, à pergunta “em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa

concretamente contribui para a independência tecnológica do país no respectivo setor?” os

entrevistados responderam:

“A independência tecnológica só poderá ser avaliada quando as empresas brasileiras

forem participar de projetos futuros e conseguirem inovar nas suas áreas de atuação,

mas a análise do momento atual, verifica-se que a transferência de tecnologia, por

meio do Programa de Nacionalização, vem contribuindo satisfatoriamente para

elevar os patamares tecnológicos das empresas brasileiras beneficiadas.” (TALON,

2015; ANEXO B, p. 235)

“Sim, a independência tecnológica na área de construção de submarinos

convencionais será obtida ao final do processo de construção/testes de aceitação,

quando a DCNS, como garantidora do processo e autoridade de projeto, ratificar a

construção, sem ressalvas.” (RIBEIRO JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p. 231)

“Sim. Mas é importante lembrar que o ciclo de transferência, a meu ver, somente se

conclui com a aplicação do conhecimento absorvido. Esse aspecto é fundamental

para o domínio tecnológico e, consequentemente, para a independência da indústria

neste segmento.” (BARBOSA JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p 227)

Em geral, os implementadores entrevistados responderam positivamente às

indagações que atribuem valor ao indicador da independência tecnológica e industrial no

setor. Ainda que alguns deles alertem para o fato de que uma resposta segura só pode ser dada

156

ao final do programa, ou ao fim do ciclo de absorção tecnológica, que é a difusão e a

capacidade inovacional das empresas beneficiadas, resta um consenso de que a

implementação do programa efetivamente tem se alinhado aos seus objetivos, ao disposto no

contrato e tem de fato elevado o patamar tecnológico das empresas beneficiadas.

Dessa forma, quanto à possibilidade de se obter independência tecnológica por

meio da transferência de tecnologia, no PROSUB, a resposta não pode ser integralmente

positiva. Segundo a percepção dos implementadores, há aumento da nacionalização e do

patamar tecnológico em geral, mas, tendo em vista o parecer do TCU, ainda que exista um

incremento na indústria nacional, as falhas constantes na legislação e na estruturação do

programa de nacionalização e na regulação da propriedade intelectual constituem severo óbice

à consecução do objetivo previsto na END de obter autonomia na produção de submarinos

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Sendo assim, ao aplicar o modelo lógico do contrato, que gera um processo que

atende às diretrizes da políticas públicas (A→B=C), no que concerne ao indicador

independência tecnológica, segundo o que foi apurado conforme a presente pesquisa, o

resultado foi a insuficiência da implementação do programa, da forma atual, em atingir o

objetivo plasmado na END (A→B≠C). A referida conclusão não significa que o programa

não contribuiu em nada para o indicador. Ao contrário, houve contribuição como atestam os

implementadores, sobretudo porque, como visto a tecnologia sensível restará sob o poder da

Marinha do Brasil e das empresas a ela ligadas, mas as restrições legais e contratuais

impedem a total consecução do objetivo desejado pela END, em especial pela política de

offset e de nacionalização no que concerne à escolha de fornecedores nacionais de capital

majoritariamente brasileiro e pela regulação da propriedade intelectual. Dessa forma, mais

uma vez pode-se observar que a implementação dos contratos segue com sucesso, no entanto,

os contratos em si apresentaram restrições decorrentes da concepção e estruturação falha do

programa, conforme apontado pelo TCU (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

4.1.8 – Conclusões

Antes de passar às conclusões sobre a avaliação dos contratos de transferência de

tecnologia do PROSUB, faz-se mister trazer mais uma consideração do Tribunal de Contas da

União (2013), mas que não concerne aos indicadores acima. Segundo apurou o tribunal, uma

157

das falhas na engenharia contratual do programa é a relação de dependência que ele possui

diretamente com outro programa da Marinha, qual seja, o Programa Nuclear da Marinha

(PNM). Como visto, quanto ao submarino de propulsão nuclear (SN-BR), a transferência de

tecnologia se refere apenas ao projeto da plataforma do mesmo, que será feita pela Marinha

do Brasil, empregando o conhecimento obtido por meio dos S-BR, sob assistência e

supervisão da DCNS.

Conforme aponta o tribunal, o dever de transferência de tecnologia pela DCNS

ficou contratualmente condicionado ao cumprimento por parte da Marinha de suas obrigações

de absorção e de elaboração da planta nuclear dentro do PNM (TRIBUNAL DE CONTAS

DA UNIÃO, 2013). Ou seja, o sucesso da transferência de tecnologia do PROSUB, dentro de

seu objetivo precípuo que é a construção do SN-BR, depende do “êxito de ações cuja

execução não se insere no arranjo contratual do próprio projeto, dentre elas as atividades

previstas no PNM” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 62). Sendo assim,

eventuais obstáculos e atrasos, por diversos motivos, dentre os quais as restrições

orçamentárias apontadas acima, no âmbito do PNM comprometem diretamente o sucesso do

PROSUB e de seu processo de transferência de tecnologia.

Nesse sentido, com as informações obtidas até o momento sobre a implementação

do PROSUB no que se refere à transferência de tecnologia, trazemos o seguinte modelo

analítico:

Figura 15 – Modelo de Consecução de Objetivos do PROSUB

Fonte: Elaboração própria com adaptação de VEDUNG, 1997.

158

A fim de responder a indagação proposta pelo modelo de consecução de objetivos

e da presente avaliação, os fatores internos do PROSUB que são relevantes para seu objetivo

são representados pelos indicadores acima valorados, quais sejam: transmissão de know-why,

que apresentou ótimo resultado, mas insatisfatório dentro da plenitude almejada pela END;

possibilidade de difusão, que apresentou resultado positivo; e possibilidade de alcançar

independência tecnológica no setor, que apresentou bom resultado com efetiva contribuição,

mas com restrições que o impedem de alcançar plenamente o objetivo almejado pela END.

Acerca dos fatores externos que influenciam a consecução dos objetivos, tem-se

principalmente a restrição orçamentária, que afeta tanto o PROSUB, quanto o PNM,

dificultando o cumprimento de prazos e objetivos, em especial, de offset como visto acima.

Também o próprio PNM, que é essencial para o cumprimento do objetivo precípuo do

PROSUB, que é a construção do SN-BR. Por fim, tem-se a legislação, tanto no sentido das

normas de ordem pública que regem o programa, dentro dos aspectos das aquisições de defesa

e da questão das empresas brasileiras, tanto em normas de ordem privada, que são refletidas

nos arranjos contratuais deficitários em razão de problemas na concepção e estruturação do

programa.

Dessa forma, a presente pesquisa conclui que a implementação dos contratos de

transferência de tecnologia do PROSUB, não obstante tenha tido sucesso em adquirir

tecnologia sensível efetiva para o Brasil e elevar o patamar tecnológico das empresas

brasileiras envolvidas, da forma que se apresenta pelos dados obtidos até a data deste

trabalho, não se mostra suficiente para atingir o fim último almejado pela END (2012d), qual

seja, obter independência e autonomia industrial e tecnológica no setor de produção de

submarinos. Essa insuficiência se mostra não por defeito da implementação ou da atuação dos

agentes implementadores, mas por deficiência na concepção e estruturação do programa

decorrente da decisão política em se aproveitar a oportunidade de firmar parceria com a

França naquele momento, o que acabou por refletir na definição do arranjo contratual e abrir

espaço para a verificação do cerceamento tecnológico.

O PROSUB, implementado pela Marinha do Brasil, é o programa mais complexo

que foi avaliado nesse trabalho, tendo sido constatado como se comportam os fatores que

influenciam o seu processo de transferência de tecnologia de forma a alinhá-lo com os

objetivos políticos e estratégicos, consistindo na maior avaliação desta pesquisa. A seguir,

serão avaliados os programas menos complexos, implementados por agentes distintos, a fim

de verificar a influência dos mencionados fatores comuns.

159

4.2. O PROJETO GUARANI

4.2.1 – Considerações iniciais

O segundo programa a ser avaliado nesta pesquisa será o Projeto Guarani. O

referido projeto tem por objetivo transformar as Organizações Militares de Infantaria

Motorizada em Mecanizada e modernizar as Organizações Militares de Cavalaria

Mecanizada, bem como, substituir as antigas viaturas Urutu e Cascavel fabricadas pela

Engesa há mais de 40 anos. Para tanto, está sendo desenvolvida uma nova família de Viaturas

Blindadas de Rodas, a fim de dotar a Força Terrestre de meios para incrementar a dissuasão e

a defesa do território nacional (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016).

O Projeto Guarani está inserido numa lógica maior de implementação de uma

Nova Família de Blindados de Rodas (NFBR) por parte do Exército, sendo esta concebida

para dotar as unidades/subunidades mecanizadas, considerando todas as modificações

introduzidas no combate das unidades mecanizadas no final do século passado e incorporando

as novas tendências para o desenvolvimento de viaturas blindadas de rodas (CARRILHO,

2014).

A NFBR foi baseada em dois tipos de “chassis”, um leve e um médio, originando

duas subfamílias de blindados. A subfamília de blindados médios é caracterizada por um

“chassi” único, preferencialmente do tipo 6 x 6 (podendo ser 8 x 8 para algumas versões),

com boa mobilidade através campo, baixa silhueta, sobre o qual serão desenvolvidos os

diversos tipos de viaturas médias integrantes da família (CARRILHO, 2014), nas versões de

reconhecimento, de transporte de pessoal, morteiro, socorro, posto de comando, central de

tiro, oficina e ambulância (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016). O nome “Guarani” dado ao

projeto se refere, dentro da subfamília média, às Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal

Média de Rodas, ou simplesmente VBTP – MR, que foi o primeiro tipo de viatura escolhido

para ser desenvolvido e servir como base para as demais versões (CARRILHO, 2014).

Atualmente, também está sendo estudado o desenvolvimento de uma Viatura Blindada de

Reconhecimento Média de Rodas, em configuração 8 x 8, a partir da plataforma base do

VBTP-MR (CARRILHO, 2014).

O Guarani é um blindado de transporte de pessoal, e não de engajamento, o que

faz com que sua missão seja levar um grupo de combate em segurança até uma determinada

160

área de conflito. Contudo, para melhor realizar essa função e também para fornecer apoio à

tropa, o Guarani conta com armas e escotilhas para atiradores, caso necessário (MEDEIROS

et al., 2013). De semelhante modo, o Exército formulou uma série de exigências para a

eficiência do veículo dentro desse objetivo, quais sejam: transmissão automática; ar

condicionado; capacidade anfíbia para a transposição de cursos d’água; capacidade de

operação noturna; capacidade para transportar 8 militares além dos 3 tripulantes do blindado;

possibilidade de ser transportado em aeronaves KC-390; proteção blindada STANAG 2

(munição perfurante incendiária, minas anticarro e IED), podendo receber proteção adicional;

baixa assinatura térmica e assinatura radar; aviso de detecção por laser; utilização de

metralhadora 7,62, .50 ou canhão 30mm; possibilidade de utilização do Reparo de

Metralhadora Automatizado X (REMAX); capacidade de navegação por GPS ou inercial;

baixa dependência logística e facilidade de manutenção; capacidade de deslocamentos a

grandes distâncias; e grande índice de nacionalização (MEDEIROS et. al., 2014).

Em 2006, a Força terrestre decidiu que o desenvolvimento das viaturas Guarani

deveria ser autônomo, por meio do Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército em parceria

com empresa nacional ou consórcio (CARRILHO, 2014). Sendo assim, em síntese o

financiamento do Projeto Guarani veio de um convênio entre a Financiadora de Estudos e

Projetos (FINEP), órgão da União, e a Fundação Ricardo Franco, pertencente ao Exército

Brasileiro, nesses moldes:

“Segundo o convênio a FINEP deveria aportar o valor total de até R$10.445.852,24

(dez milhões, quatrocentos e quarenta e cinco mil, oitocentos e cinquenta e dois

reais e vinte e quatro centavos), sendo R$10.130.000,00 (dez milhões, cento e trinta

mil reais) destinados à Fundação Ricardo Franco por meio de aporte direto, e

R$315.852,24 (trezentos e quinze mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e vinte e

quatro centavos) destinados a Bolsas de Desenvolvimento Tecnológico, a serem

transferidos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico.

Em contrapartida o Executor, no caso o Comando do Exército/DCT, tendo a frente a

Fundação Ricardo Franco, obrigou-se a empenhar o valor de R$12.000.000,00 (doze

milhões de reais) sob a forma de recursos financeiros e R$3.000.000,00 (três

milhões de reais) sob a forma de recursos não-financeiros.

Esse tipo de contrato (recursos da FINEP e contrapartida do Exército) é

extremamente vantajoso para a execução do projeto. Se por um lado a gerência

recebe um aporte financeiro da FINEP, aliviando o orçamento do Exército com os

custos do projeto, por outro lado cria um compromisso por parte do Comando do

Exército em investir um valor como contrapartida. Este compromisso obriga o órgão

responsável pelo orçamento da Força a prever uma reserva orçamentária para fins de

cumprimento do convênio.” (CARRILHO, 2014, p. 29)

Além dessa estrutura de financiamento, o Exército abriu um processo seletivo

para escolher uma empresa parceira que executasse o projeto. Assim, para ser a co-executora

do projeto, junto com o próprio Exército, por meio do seu Departamento de Ciência e

Tecnologia, foi escolhida a empresa IVECO, divisão da FIAT S/A, também chamada de

161

FIAT/IVECO, para desenvolver e fabricar o primeiro lote-piloto das VBTP-MR

(CARRILHO, 2014).

Tendo sido feitas as considerações gerais e introdutórias a respeito do Projeto

Guarani, a seguir o estudo se aprofunda com mais detalhes sobre seus antecedentes, arranjos

contratuais, etapas e resultados, para, posteriormente, fornecer os modelos analíticos e

proceder à avaliação do projeto.

4.2.2 – Antecedentes

O antecedente histórico do Brasil com blindados de combate remonta ao ano de

1921, quando o país adquiriu viaturas de origem francesa e italiana, estas no ano de 1938

(MEDEIROS et. al., 2013). A aproximação do Brasil com os aliados durante a Segunda

Guerra Mundial trouxe diversos blindados de origem norte-americana. A partir do acordo

militar de 1952 com o EUA, o Brasil recebeu os carros de combate M-41 Walker Bulldog, das

viaturas blindadas de transporte de pessoal (VBTP) M-113, das peças de artilharia

autopropulsada M-108 e das viaturas-socorro M-578, que equiparam as Brigadas de Infantaria

e Cavalaria Blindada, assim como os Regimentos de Cavalaria Blindada das Brigadas de

Cavalaria Mecanizada do Exército (SOUZA JÚNIOR, 2010 apud MEDEIROS et al., 2014).

Durante as décadas de 1970 e 1980, o país investiu no desenvolvimento da sua

Base Industrial de Defesa, sendo que, no setor de carros de combate, destacavam-se as

brasileiras Bernardini e ENGESA, tendo o Exército Brasileiro adquirido, desta última, os

veículos EE-9 Cascavel e o VBTP EE-11 Urutu (MEDEIROS et al., 2014), que equipam a

Força até hoje, mas que são os meios que serão gradualmente substituídos pelo VBTP-MR

“Guarani”. A necessidade da substituição das mencionadas viaturas por uma nova família de

blindados foi constatada pelo Exército Brasileiro em 1998 (FERREIRA, 2014).

Além dos antecedentes em relação aos blindados, cabe ressaltar um histórico

essencial e fundamental para a implementação do Projeto Guarani, que foi o desenvolvimento

dos sistemas de C&T no âmbito do Exército Brasileiro. Até meados da década de 2010, o

Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército (SCTEx) não era priorizado e o

desenvolvimento de produtos de defesa apresentavam vícios como: projetos idealizados e

conduzidos por um determinado engenheiro militar, falta de alinhamento com os interesses do

Exército, escassez de recursos financeiros e humanos, projetos desenvolvidos pelo Exército

162

sem parcerias com empresas, resultados insatisfatórios decorrentes de não cumprimento de

prazos e custos acima do previsto (CARRILHO, 2014).

Em 2005, a partir da unificação do Sistema de Tecnologia da Informação com o

Sistema de Ciência e Tecnologia, foi criado em 2005, o Departamento de Ciência e

Tecnologia (DCT) do Exército Brasileiro. O órgão projetou-se perante a Força e refletiu o

convencimento do Alto Comando do Exército de que no mundo hodierno não existe guerra,

sequer dissuasão sem C&T (CARRILHO, 2014). Outros órgãos foram criados dentro desse

sistema, levando a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) dentro da Força a outra época,

buscando uma reorganização que incluísse parceria com empresas nacionais e/ou estrangeiras,

fomentando a BID e assinando contratos com a FINEP para aporte de recursos financeiros,

focando os estudos para o desenvolvimento de tecnologias consideradas fundamentais para o

Exército (CARRILHO, 2014). Esse novo modelo foi utilizado para a concepção, formulação e

implementação do Projeto Guarani.

4.2.3 – Aspectos contratuais e etapas do programa

Em dezembro de 2007 foi firmado um acordo entre o Ministério da Defesa e a

IVECO prevendo o desenvolvimento conjunto de um blindado de transporte de pessoal sobre

rodas (MEDEIROS et al., 2014). A estrutura contratual do Projeto Guarani é simples. Trata-se

de um contrato principal que prevê a fabricação em série no país de 2044 unidades do VBTP-

MR “Guarani”, conforme especificações e composições de lotes a serem definidos por

intermédio de termos aditivos. Esse contrato principal é o Contrato nº 04/2009, firmado entre

o Comando do Exército e a FIAT/IVECO em 18 de dezembro de 2009, mas que veio a ser

publicado em 20/01/2010 (BRASIL, 2015a).

Os contratos posteriores, que tratavam dos lotes seguintes foram assinados pelo

Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército. O contrato para o

desenvolvimento e fabricação do lote-piloto previa a entrega de 16 (dezesseis) viaturas, para o

Exército Brasileiro, com base no Projeto Básico, incluindo dentre outras atividades, o

gerenciamento do projeto e a transferência de tecnologia (CARRILHO, 2014).

Além do lote-piloto, o Exército contratou um Lote de Experimentação Doutrinária

por meio, primeiramente, do Contrato nº 15/2012, assinado em 07 de agosto de 2012, cuja

cópia se encontra em anexo (ANEXO F) e prevê o desenvolvimento e fabricação de 86

163

viaturas. Em 16 de dezembro de 2013, o Exército adquiriu mais 26 unidades para o LED por

meio do Contrato nº 23/2013 (BRASIL, 2015b) e, por fim, em dezembro de 2014, a Força

contratou a entrega de mais 60 viaturas para compor o lote experimental, por meio do

Contrato nº 20/2014 (BRASIL, 2015b).

Os referidos contratos representam os instrumentos jurídicos principais que

pautam o Projeto Guarani, contudo, existem contratos assessórios, firmados tanto com a

IVECO quanto outros fornecedores que tratam de outros aspectos inerentes ao projeto. Nesse

sentido, cabe colacionar:

“Em 6 de janeiro de 2011, é firmado um contrato guarda-chuva com a AEL

Sistemas para instalação da torreta UT30 BR em algumas centenas de blindados, no

valor de R$440 milhões.

[...]

Em 12 de fevereiro de 2014.Após pequenas aquisições para testes em Setembro de

2011, foi contratado os sistema SOTAS de comunicações para o veículo da empresa

holandesa (sic) Thales, que atua no país através da subsidiária Omnisys. Os sistema

tinha previsão para ser entregue em junho de 2014.

Em 20 de setembro de 2012, O Exército Brasileiro assinou com a subsidiária da

Elbit Systems no Brasil, Ares Aeroespacial e Defesa Ltda., um contrato de

R$49.418.088,00 para fornecer 76 Remote Controlled Weapon Stations (RCWS),

batizado de REMAX para entregas entre 2012 e 2015. REMAX é uma estação

estabilizadora de armas para metralhadoras de 12.7/7.62 mm.

[...]

Em 13 de setembro de 2012, a AEL Sistemas S.A, outra subsidiária da Elbit

Systems no Brasil, recebeu um pedido de produção de torretas operadas

remotamente UT-30BR de 30mm para o blindado, no valor de US$15 milhões,

também para serem entregues em dois anos. Este anúncio faz parte do contrato-

quadro (framework contract) de US$260 milhões (R$440 milhões) anunciado em 6

de janeiro de 2011, para instalar a torreta UT30 BR em algumas centenas de

blindados .” (MEDEIROS et al., 2014, pp. 9-10)

Finalmente, até o momento em que este trabalho estava sendo escrito, o último

contrato referente o projeto era o Contrato nº 16/2015, que previa o Desenvolvimento da

interface de integração do REMAX 3 à plataforma da VBTP-MR Guarani (BRASIL, 2015b).

Quadro 24 - Resumo dos principais contratos do Guarani

Contrato Data Descrição

Contrato nº 01/2007 - FRF N/D - Lote-piloto de 16 unidades.

Contrato nº 04/2009 -

Principal 18 de dezembro de 2009

- Fabricação em série no país de 2044

unidades do VBTP-MR “Guarani”,

conforme termos aditivos.

Contrato nº 15/2012

(ANEXO F) 07 de agosto de 2012

- Desenvolvimento e fabricação de 86

viaturas para o Lote de Experimentação

Doutrinária (LED)

Contrato nº 23/2013 16 de dezembro de 2013 - Desenvolvimento e fabricação de 26

unidades para o LED.

Contrato nº 20/2014 04 de dezembro de 2014 - Desenvolvimento e fabricação de 60

unidades para o LED.

Contrato nº 16/2015 18 de dezembro de 2015 - Integração do REMAX 3 à VBTP-MR

“Guarani”

Fonte: elaboração própria com base na bibliografia referenciada.

164

O Projeto Guarani, até o momento, seguiu as seguintes etapas:

Quadro 25 – Etapas do Projeto Guarani ANO PRINCIPAIS ENTREGAS - GUARANI

2008 – Aquisição de 3 torretas modelo UT 30

2009 – Protótipo da VBTP concluído

2010 – Aquisição de 13 torretas modelo Platt

2011 N/A

2012

– Início das obras de infraestrutura no 33º BIMec (Cascavel/PR). – Aquisição do CBT (Computer Basic Treinament). – Aquisição de ferramental para manutenção. – Aquisição de 10 torres modelo UT30 e 76 modelos REMAX. – Aquisição de 86 plataformas de VBTP-MR (6x6). – Início de desenvolvimento de munição 30mm pela CBC.

2013 – Início do desenvolvido da VBR-MR (8x8). – Aquisição 102 sistemas C2. – Aquisição ferramental de manutenção para 33º BI MEC e 15º Blog.

2014 Entrega do Guarani ao 15º Brigada de Infantaria Mecanizada de

Cascavel-PR. Fonte: EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016.

Dentro do Projeto Guarani, o Exército Brasileiro organizou as principais entregas

a serem realizadas dentro de subprojetos indexados pelo nível de prioridade, apresentando a

seguinte estrutura:

Quadro 26 – Entregas do Projeto Guarani

Subprojeto Prio ENTREGA

P&D

1 Versões da NFBR, conforme as CONDOP

2 Nacionalização da munição 30 mm, dos tipos traçante e explosiva -

incendiária

3 Sistema de simulação para a NFBR, integrado com os sistemas táticos

de simulação

4 Aço balístico nacional

PREPARO

1 Experimentação Doutrinária de Infantaria Mecanizada

2 Sistema de Gerenciamento do Campo de Batalha

3 Programa Padrão de Formação e Qualificação dos Cabos e Soldados

Fuzileiros Mecanizados

4 Programa Padrão de Adestramento Básico das Unidades de Infantaria

Mecanizada

5 Cadernos de Instrução do Pel Fuz Mec

6 Manual de Campanha de Companhia de Fuzileiros Mecanizada

7 Manual de Campanha do Batalhão de Infantaria Mecanizado

RH 1 Criação de Cursos de capacitação para operação da NFBR

2 Criação de Cursos de capacitação para manutenção da NFBR

3 QO das OM previstas para receber a NFBR

INFRAESTRUTURA 1 Projeto de impacto ambiental das OM

2 Adequação das OM a serem contempladas com a NFBR

SLI 1 Suporte Logístico Integrado

GESTÃO 1 Documentos do Projeto

165

Fonte: EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016.

4.2.4 – Contratos de transferência de tecnologia

A disposições contratuais acerca da transferência de tecnologia fazem parte do

corpo dos instrumentos principal e aditivos de aquisição das viaturas. Ou seja, não existem

contratos específicos para a transferência, mas cláusulas dentro dos contratos que abordam a

questão.

Nesse diapasão, a presente pesquisa logrou êxito em obter cópia integral do

Contrato nº 015/2012 (ANEXO F), que prevê o desenvolvimento e a fabricação de 86 viaturas

para compor o lote de experimentação doutrinária. Da leitura do referido instrumento,

colacionamos as cláusulas concernentes à nacionalização, transferência de tecnologia e

regulação da propriedade intelectual.

Primeiramente, quanto à nacionalização:

“3.16 A CONTRATADA obriga-se a atingir, até o final da vigência deste

CONTRATO, índice de nacionalização igual ou superior a 60% (sessenta por

cento) do preço na Plataforma Automotiva da VBTP-MR experimentais (excluídos o Sistema de Armas e o Sistema de Comando e Controle).

3.16.1 É desejável que a CONTRATADA atinja, até o final da vigência deste

CONTRATO, índice de nacionalização igual ou superior a 70% (setenta por

cento), do valor da Plataforma Automotiva da VBTP-MR experimentais

(excluídos o Sistema de Armas e o Sistema de Comando e Controle), de acordo com

a seguinte prioridade: aço balístico para fabricação da carcaça da viatura, a produção

e instalação de spall liner e blindagem adicional, os conjuntos do trem de potência e

as partes, peças, componentes e conjuntos de maior mortalidade” (ANEXO F, p.

263, grifos nossos)

Quanto à transferência de tecnologia e absorção de conhecimentos:

“6.1 De acordo com o Art. 67 da Lei nº 8.666/93, a CONTRATANTE, por

intermédio da Gerência Técnica do Projeto, designará uma comissão para realizar o

acompanhamento e a fiscalização dos trabalhos.” (ANEXO F, p. 265)

“11.5 A CONTRATADA deverá prover um PACOTE LOGÍSTICO, que

contemplará as seguintes atividades e entregáveis:

a. Realização de treinamentos de manutenção no modelo “on the job training”, em

instalações da CONTRATADA ou na Gerência Técnica do Projeto, no CIBld (Santa

Maria-RS), no 33º BI Mtz ou no 15º B Log, ambos em Cascavel-PR, e em outras 03

(três) Organizações Militares do Exército Brasileiro a serem definidas, visando o

credenciamento de engenheiros e técnicos do Exército Brasileiro para execução de

todas as atividades requeridas para a manutenção das VBTP-MR experimentais e

realizadas no âmbito do Pacote Logístico provido pela CONTRATADA, conforme

descritos no Anexo A. As atividades de manutenção descritas neste item deverão

estar em conformidade com o Plano de Manutenção da VBTP-MR;” (ANEXO F,

pp. 271)

166

“12.1 O EB designará, sob a forma de Estágio em Indústria Civil, a partir do início

deste CONTRATO, uma EQUIPE DE ABSORÇÃO DE CONHECIMENTOS E

TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA (EACTT), composta por 03 (três) Oficiais

do Quadro de Engenheiros Militares, para adquirir conhecimentos das tarefas

concernentes à execução do objeto deste CONTRATO, sob coordenação e

orientação da CONTRATADA, com a finalidade de absorver e transferir

conhecimentos e tecnologias relativos ao objeto deste CONTRATO.

12.2 Caberá à CONTRATADA submeter à aprovação da Gerência Técnica do

Projeto a forma de integração dos militares da EACTT à sua equipe encarregada da

execução do presente CONTRATO, de acordo com as suas aptidões específicas, os

quais cumprirão a jornada normal de trabalho na empresa. A CONTRATADA

deverá disponibilizar, também, todos os meios necessários à execução de suas

tarefas no projeto.

[...]

12.4 A CONTRATADA garantirá aos integrantes da EACTT o pleno acesso às

informações, dados e documentos técnicos, bem como às atividades e às áreas

relacionadas à execução do objeto deste CONTRATO. Os integrantes do EACTT

estarão sujeitos a todas as obrigações e limitações dispostas na Cláusula 13.

12.5 A CONTRATADA deverá diligentemente assistir a Gerência Técnica do

Projeto na absorção de conhecimentos e na transferência de tecnologia para o EB,

nas condições estabelecidas neste CONTRATO.” (ANEXO F, pp. 273-274)

Por fim, quanto à regulação da propriedade intelectual, colacionamos:

“14.2 Todos os direitos de propriedade intelectual anteriores à celebração deste

CONTRATO, incluindo dados, especificações, processos, técnicas, tecnologias,

‘know-how’, marcas, patentes ou qualquer outra forma, doravante denominados de

PROPRIEDADE INTELECTUAL PRÉ-EXISTENTE, utilizados ou não para a

execução do objeto deste CONTRATO, continuarão a ser de propriedade exclusiva

dos respectivos proprietários, não podendo qualquer parte cedê-los, transferi-los,

aliená-los, divulgá-los, comercializá-los ou industrializá-los, ou de qualquer forma

deles dispor, sem prévio consentimento dos respectivos proprietários por meio de

instrumento jurídico adequado.

14.2.1 A CONTRATA reconhece como parte da PROPRIEDADE INTELECTUAL

PRÉ-EXISTENTE do EB a propriedade intelectual gerada durante o

desenvolvimento da VBTP-MR, objeto do Contrato nº 01/2007-FRF, de 21 de

dezembro de 2007 e seus Termos Aditivos, e se obriga, durante a execução do

presente Contrato a desenvolver, em conjunto com a CONTRATANTE, o projeto

detalhado da VBTP-MR experimentais, integrando da melhor forma a solicitação

constante do Anexo A e também os Sistemas de Armas e de Comando e Controle

que serão fornecidos pela CONTRATANTE.

[...]

14.3 Os direitos de propriedade intelectual resultantes da execução do objeto deste

CONTRATO, pela CONTRATADA, por meio de subcontratada ou de qualquer

outra forma, são considerados propriedade intelectual adquirida e são exclusivos do

EB, desde que não configure propriedade intelectual pré-existente. Os direitos de

propriedade resultantes de quaisquer alterações ou melhorias do objeto do presente

CONTRATO, que no futuro possam surgir, deverão ser proporcionais ao nível de

utilização do projeto original” (ANEXO F, pp. 276-277)

O que chama a atenção de forma relevante neste contrato é a preocupação na

transferência de tecnologia de tudo que viesse a fazer parte do desenvolvimento. Este fato tem

como objetivo principal fornecer ao EB uma posição de domínio sobre as tecnologias

necessárias para a fabricação deste tipo de viatura, condição fundamental para a conquista da

independência tecnológica no setor (CARRILHO, 2014, p. 33). De semelhante modo, por

167

prever propriedade intelectual para o Exército Brasileiro, o licenciamento para produção e

exploração comercial da VBTP-MR “Guarani” dependerá de autorização deste, que também

auferirá o pagamento de “royalties”, cabendo colacionar:

“15.1.1 Tal licenciamento deverá ser objeto de instrumento jurídico específico, onde

serão estabelecidos os ‘royalties’ relativos à comercialização dos produtos

decorrentes da execução do objeto deste CONTRATO quer serão no máximo de 8%

(oito por centro) e no mínimo de 3% (três por cento) sobre a receita líquida que

venha a ser auferida pela CONTRATADA” (ANEXO F, p. 278)

Sendo assim, segue um quadro resumo das disposições contratuais referentes à

transferência de tecnologia no Projeto Guarani.

Quadro 27 – Resumo das cláusulas de transferência de tecnologia do Guarani

Nacionalização

- Índice de nacionalização obrigatoriamente igual ou superior a 60% do

valor da parte automotiva da VBTP-MR

- Desejável índice de nacionalização igual ou superior a 70% do valor

da parte automotiva da VBTP-MR.

Transferência de tecnologia

- Gerência Técnica acompanhando e fiscalizando o processo.

- “On the job training” para manutenção das VBTP-MR.

- Equipe de Absorção de Conhecimentos e Transferência de Tecnologia

(EACTT)

Forma de integração da equipe depende de aprovação da Gerência

Técnica.

Pleno acesso às informações, dados e documentos técnicos, bem

como às atividades e às áreas relacionadas à execução do contrato.

- IVECO deve assistir diligentemente a absorção de tecnologia por parte

da Gerência Técnica.

Propriedade Intelectual

- Propriedade intelectual pré-existente permanece sob domínio do

respectivo proprietário.

- IVECO reconhece parte da propriedade intelectual pré-existente como

sendo do EB no que se refere ao primeiro contrato do lote piloto.

- A propriedade intelectual adquirida durante o desenvolvimento das

VBTP-MR experimentais é de domínio exclusivo do EB.

- Previsão de pagamento de “royalties” para o EB em decorrência da

produção e exploração comercial das VBTP-MR pela IVECO.

Fonte: Elaboração própria com base no ANEXO F

Essas são as principais cláusulas referentes ao processo de transferência de

tecnologia como um todo dentro do Projeto Guarani. Outras cláusulas assessórias serão

utilizadas ao longo da avaliação do projeto nos itens subseqüentes.

4.2.5 – Teoria da intervenção e objetivos

A teoria da intervenção no Projeto Guarani pode ser inferida por meio de

informações ostensivas divulgadas pelo próprio Exército Brasileiro, bem como pode ser

168

deduzida mediante os aspectos desenvolvidos no referencial teórico e fontes secundárias que

se debruçaram sobre o programa.

Nesse sentido, a teoria da intervenção do Contrato nº 01/2007-FRF, o primeiro do

Projeto Guarani, juntamente com seus posteriores, com destaque para o Contrato nº 015/2012,

que se encontra em anexo (ANEXO F), pode ser representada da seguinte forma:

Intervenção Projeto Guarani (como decidido)

Contrato nº 01/2007–FRF e posteriores

Conversão planejada Previsão de 2044 unidades da VBTP-MR

Desenvolvimento e Fabricação do lote-piloto

Desenvolvimento e Fabricação do Lote de

Experimentação Doutrinária

Novos contratos ao longo do tempo

↓ Resultados pretendidos 2044 VBTP-MR “Guarani”

↓ Efeitos imediatos pretendidos Dotar o Exército Brasileiro de uma Nova

Família de Blindados de Rodas. (EXÉRCITO

BRASILEIRO, 2016)

↓ Efeitos intermediários pretendidos

(determinantes do problema) Necessidade de substituição das viaturas

“Urutu” e “Cascavel”

Necessidade de adquirir blindados modernos

Não domínio das tecnologias inerentes e

necessárias para desenvolvimento nativo

↓ Hipóteses causais Déficit tecnológico

Desestruturação da Base Industrial de Defesa

↓ Efeitos últimos pretendidos

(condição problemática que se busca

mudar)

Dependência tecnológica na produção e

desenvolvimento desses meios terrestres

Comprometimento da ação autônoma do país

Figura 16 – Teoria da intervenção do Projeto Guarani

Fonte: Elaboração própria a partir da bibliografia e de VEDUNG, 1997, p. 225.,

Pelo modelo acima delineado e pelo embasamento anterior, constata-se que o país

tem tido sua atuação autônoma comprometida no cenário internacional, por carência de meios

de defesa adequados e pela dependência que possui de fornecimento estrangeiro de

tecnologias para a produção desses bens, aqui, em especial, veículos blindados de transporte

terrestre de rodas. Essa situação problemática tem como causas prováveis o déficit

tecnológico que o Brasil ostenta em relação aos países desenvolvidos e a desestruturação da

Base Industrial de Defesa que não atende às necessidades das Forças Armadas. No caso

específico do Projeto Guarani, o país fabricava blindados entre os anos 70 e 80, sendo que os

meios atuais estão em uso há quase 40 anos, contudo, a falência das principais fabricantes

nacionais de viaturas blindadas (ENGESA e Bernardini) em decorrência das crises daquela

169

época fez o país perder substancial capacidade industrial e tecnológica de produzir tais meios,

necessitando hoje de apoio externo para alcançar novamente tal patamar. Assim, vê-se a

condição determinante do problema, que é a obsolescência dos meios em utilização

atualmente, bem como da necessidade de adquirir viaturas modernas, mas que esbarra no não

domínio das tecnologias necessárias para solucionar tal empecilho. Nesse sentido, o Projeto

Guarani visa transformar essa situação, mediante a aquisição de novas viaturas por meio de

parceria com empresa estrangeira, visando também a obtenção de tecnologia e infraestrutura

capaz de proporcionar ao país capacidade de construir, manter e operar blindados

independentemente.

O objetivo geral do Projeto Guarani, como mencionado no modelo acima, é dotar

o Exército Brasileiro com uma nova família de blindados de rodas, mas existem vários outros

objetivos específicos ligados ao projeto que merecem igual destaque, vale transcrever:

“a. Obter a NFBR, por desenvolvimento ou aquisição.

b. Adequar a infraestrutura física das Organizações Militares (OM) a serem

contempladas com a NFBR.

c. Obter a capacidade de desenvolver e produzir a munição para os sistemas de

armas da NFBR.

d. Planejar e prover os meios de simulação necessários à capacitação e ao

adestramento do pessoal no uso da NFBR.

e. Obter simuladores para a capacitação dos operadores da NFBR.

f. Contribuir com o planejamento e implantação do SLI necessário à NFBR.

g. Contribuir com a capacitação, qualificação e treinamento dos recursos humanos

para a NFBR.

h.Contribuir com a integração dos diferentes sistemas componentes da

NFBR, estabelecendo uma interface com os sistemas conexos (cibernética, guerra

eletrônica etc).

i. Contribuir com o aumento da autonomia tecnológica nacional na área de proteção

de viaturas e em outras áreas de interesse do Exército.

j. Contribuir com o gerenciamento dos contratos necessários para a consecução

dos objetivos propostos para a implantação da NFBR.

k. Implantar os planos de compensação comercial, tecnológica e industrial.

l. Participar do planejamento e coordenação da Experimentação Doutrinária.

m. Prever as sucessivas modernizações da frota e a desativação do MEM.

n. Coordenar as ações de implantação da NFBR, permitindo o desenvolvimento das

versões previstas nas respectivas CONDOP.” (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016)

4.2.6 – Modelos analíticos

Quanto aos modelos analíticos do Projeto Guarani, o primeiro a ser apresentado é

o Modelo de Atores Interessados (stakeholders) que pode ser representado da seguinte forma:

170

Figura 17 – Modelo de Atores Interessados do Guarani (Stakeholders Model)

Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997.

O Projeto Guarani é originado do governo brasileiro, especialmente, do Exército

Brasileiro. Ligados ao governo brasileiro estão o Exército Brasileiro, a FINEP e o BNDES. O

Exército, além de idealizador e executor do projeto, também é seu beneficiário, vez irá operar

os blindados Guarani. A FINEP é uma das principais financiadoras do projeto em parceria

com o Exército e a Fundação Ricardo Franco, a ele ligada, bem como o BNDES, que

financiou à IVECO a construção da fábrica de blindados em Sete Lagoas-MG (CARRILHO,

2014). O segundo ator interessado que merece destaque é a IVECO, empresa italiana ligada

ao grupo Fiat, que é a co-desenvolvedora das VBTP-MR, ao lado do Exército Brasileiro, e

também sua fabricante licenciada pelos contratos acima mencionados.

Também interessada no Guarani está a Indústria de Defesa como um todo,

sobretudo como uma das beneficiárias do programa, tendo em vista o seu objetivo de

nacionalizar progressivamente no mínimo 60% da produção, em valor, da plataforma

automotiva da viatura (ANEXO F). Sendo assim, dentro do segmento da indústria de Defesa

no referido modelo, encontram-se também as demais fornecedoras de equipamentos para os

veículos, nacionais e estrangeiras. Ao lado da indústria, está também a academia, ou as

universidades. Conforme demonstrado em capítulo anterior, a lógica do complexo militar-

acadêmico-industrial tem pautado as aquisições e a gestão de meios de Defesa no último

século. Sendo assim, interessadas no programa estão os segmentos ligados à parte técnica do

blindado, com destaque para o Instituto Militar de Engenharia (IME), integrante do Sistema

de Tecnologia do Exército Brasileiro, mas também o segmento que avalia os programas

171

dentro da lógica das ciências sociais e políticas, em seu cunho estratégico, como o presente

trabalho.

Por fim, considerando que o Projeto Guarani é um programa estratégico

governamental, a sociedade em geral é um ator interessado no mesmo, tendo em vista não só

sua condição de beneficiária como um todo dos efeitos do programa para o país, mas também

pelo emprego de recursos públicos do erário nacional, constituído, sobretudo, das

contribuições da sociedade. Dessa forma, à sociedade interessam os rumos que tomará o

Projeto Guarani.

Em seguida, o Projeto Guarani pode ser apresentado em seu panorama geral

conforme o Modelo de Sistema Simplificado, cuja representação se dá da seguinte forma:

Figura 18 – Modelo de Sistema Simplificado do Guarani

Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997

Esse modelo toma como base as informações obtidas até agora para demonstrar a

concepção do Projeto Guarani como política pública em suas fases pós-decisão, mostrando o

processo de conversão dos insumos aplicados nos resultados e efeitos desejados, de acordo

com as metas do programa e diretrizes da END. Seguir-se-á a avaliação da implementação do

referido projeto.

172

4.2.7 – Avaliação da implementação

Tendo desenvolvido os aspectos preparatórios para a avaliação do Projeto

Guarani, segue-se a análise e valoração dos indicadores utilizados na presente pesquisa, quais

sejam: tranferência de know-why; possibilidade de difusão; e possibilidade de independência

nacional.

4.2.7.1 – Transferência de “Know-why”

O primeiro indicador a ser avaliado será a transferência de know-why do Projeto

Guarani. Segundo Ferreira (2014), o Exército Brasileiro identificou a necessidade de

substituir as viaturas Cascavel e Urutu por uma nova família de blindados em 1998. De 1998

a 2006, a Força terrestre se debruçou sobre um trabalho chamado de Definição do Material,

em que o Centro Tecnológico do Exército (CTEx) fez um anteprojeto do que seria a solução

para tal necessidade, fazendo estudos de viabilidade técnica e econômica. Em uma Reunião

Decisória em 2006, o Exército decidiu desenvolver a nova família de blindados segundo a

proposta do CTEx. A partir do anteprojeto formulado, houve um projeto conceitual da viatura

que serviu de base para iniciar o processo seletivo para a empresa parceira, sendo vencedora a

IVECO (FERREIRA, 2014). Esses dados demonstram que a fase de concepção e estruturação

do Projeto Guarani foi longa, especialmente no que concerne ao planejamento das licitações e

contratos.

Assim, como visto anteriormente, os contratos do Guarani prevêem o

acompanhamento do desenvolvimento e produção das viaturas por uma Gerência Técnica do

Exército, com a participação de uma Equipe de Absorção de Conhecimentos e Transferência

de Tecnologia (EACTT), que possuía amplo acesso aos documentos e à cadeia produtiva dos

blindados. Dessa forma, o contato da equipe de engenheiros militares se dava in loco e

contratualmente não havia restrições a ele, proporcionando a transferência não só das

instruções e das técnicas, mas também do conhecimento transferido pela empresa cedente.

Nesse sentido, acerca dos fluxos de conhecimentos presentes no Projeto Guarani, cabe

colacionar a resposta do implementador questionado por esta pesquisa:

173

Quadro 28 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no Guarani

Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Procedimentos de

produção/cronograma e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e

expertise

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Desenvolvimento de Tecnologias e

pesquisa de conhecimentos, dados,

procedimentos, entre outros.

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não

sei

Fonte: PINTO, 2016 (ANEXO C).

Do quadro acima, pode-se constatar a transferência satisfatória de todos os fluxos

de conhecimento presentes numa transmissão tecnológica, segundo o referencial teórico desta

pesquisa. Portanto, tanto conhecimentos básicos, representados pelas quatro primeiras linhas,

quanto know-how, pelas três linhas seguintes, e principalmente know-why, representado pelas

três últimas linhas, estão satisfatoriamente presentes no processo de transferência de

tecnologia do Projeto Guarani. Cabe transcrever a resposta do entrevistado (PINTO, 2016):

“Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o

desenvolvimento do programa? Corresponde às expectativas iniciais?

Resposta: Sim, a transferência de tecnologia vem correspondendo às expectativas.

Naturalmente, sempre ficamos com a sensação de que poderia ser melhor, mas

acredito que estarnos aprendendo muito, Exército e as empresas civis que participam

dos desenvolvimentos. No caso da IVECO, o Exército recebe a tecnologia de duas

formas: pela participação de Engenheiros no desenvolvimento nas instalações da

empresa (intangível) e pelo recebimento do Pacote de Dados Técnicos (tangível).”

(ANEXO C, p. 239)

Dessa forma, segundo o modelo lógico da presente pesquisa (A→B=C), no qual

os contratos causam processos de transferência de tecnologia que devem condizer com as

diretrizes de políticas públicas para aquisições de Defesa plasmadas na END, em relação ao

Projeto Guarani, no indicador concernente à transferência de know-why, pode-se dizer que

174

houve resultado plenamente positivo, logrando o projeto êxito em alcançar o objetivo

proposto pela END.

4.2.7.2 – Possibilidade de difusão

Acerca do indicador referente à possibilidade de difusão, a presente pesquisa

apurou que o Projeto Guarani, como desenvolvido anteriormente, tem o objetivo de

gradualmente aperfeiçoar a plataforma automotiva da VBTP-MR e adaptar a outros modelos

de viatura, tais como socorro médico, comando e controle, reconhecimento etc. Da mesma

forma, se pretende desenvolver uma viatura 8x8 utilizando como base o blindado Guarani.

Dessa forma, verifica-se que o próprio projeto prevê um transbordamento da tecnologia obtida

no desenvolvimento das VBTP-MR, de forma a proporcionar a criação de outros tipos de

viaturas.

No mesmo sentido, segundo Ferreira (2014), o Guarani vai ser a plataforma base e

haverá modificações conforme as necessidades dos modelos derivados, por exemplo, para

uma viatura posto de comando as modificações serão pequenas, para uma viatura morteiro as

modificações também não serão muito grandes, porém, a viatura de reconhecimento

demandará grandes alterações. Vê-se, portanto, que o Projeto Guarani contempla não só o

esforço para fabricação de uma viatura específica, mas todo um esforço de absorção da

tecnologia e transbordamento, por meio de P&D, para adaptá-las conforme as necessidades e

prioridades do Exército Brasileiro, ainda que conte com a participação de empresa privada

parceira, como no caso da IVECO.

Cabe transcrever também a resposta do entrevistado (PINTO, 2016) acerca de sua

percepção sobre a possibilidade de difusão da tecnologia recebida:

“A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros

empreendimentos, militares ou civis?

Resposta: Sim, principalmente para a área militar. Na área civil fica mais difícil por

causa dos elevados preços dos produtos, que são consequência das grandes

exigências (condições de operação) dos materiais de emprego militar.” (ANEXO C,

p. 240)

Destarte, pode-se observar que o Projeto Guarani foi concebido de forma a prever

a difusão da tecnologia transferida como estágio do próprio projeto, tal qual o PROSUB,

como analisado anteriormente. Também, o implementador entrevistado possui a mesma

175

percepção sobre a possibilidade de transbordamento do conhecimento recebido para outros

empreendimentos. Assim, tem-se que o Projeto Guarani, no que tange a este indicador,

apresentou resultado positivo, atendendo às diretrizes da END, apresentando-se o modelo

lógico como A→B=C, ou seja, o contrato desencadeou um processo que atende aos objetivos

traçados pela alta política.

4.2.7.3 – Possibilidade de independência no setor (nacionalização)

O indicador referente à possibilidade de independência no setor nesse trabalho é

medido, além da percepção do implementador, por meio de dois aspectos principais: primeiro,

a nacionalização da produção e a participação de empresas brasileiras no empreendimento e,

segundo, a regulação da propriedade intelectual.

Segundo Ferreira (2014), a estratégia para absorver tecnologia foi fazer a

contratação no país, não por meio de uma contratação de empresa estrangeira diretamente,

mas por uma empresa que pudesse demonstrar a capacidade de executar o projeto em

território nacional. Diz ele que uma transferência de tecnologia de uma matriz para um

escritório seria mínima, mas de uma matriz para uma empresa do grupo já constituída no país

tem chances de ser maior. Assim, a transferência de tecnologia não é explicitada, mas consiste

numa ação indireta em que se exige da empresa que ela realizasse no país o processo de forma

que o Exército pudesse participar desse processo dentro dela. De semelhante modo, o Exército

também transferiu para a empresa uma tecnologia, qual seja, a especificação de um blindado

para atender às necessidades específicas do Brasil.

Nesta senda, o projeto visa obter um índice de nacionalização mínimo de 60%,

como foi visto anteriormente. De acordo com Ferreira (2014), é um índice que ao Exército

pareceu razoável, considerando as especificidades de um material de uso militar e a economia

globalizada em que vivemos. Os 60% de nacionalização já foram atingidos, trabalha-se para

conseguir aumentar para 70% ou até 100%, o que seria estrategicamente muito importante,

mas também muito difícil pelos motivos citados anteriormente, tendo em vista que alguns

itens são de tecnologias dominadas por alguns países específicos.

Sendo assim, o Projeto Guarani conta atualmente com 68 fornecedores nacionais,

entre empresas brasileiras de capital nacional e estrangeiro, conforme tabela que se encontra

em anexo (ANEXO C). Dos fornecedores, alguns se destacam pela importância dos seus

176

produtos. A tabela a seguir mostra os principais fornecedores do Guarani, com a

nacionalidade do capital controlador, a subsidiária brasileira correspondente e o produto que

integra o blindado:

Quadro 29 - Principais stakeholders privados do Projeto Guarani (nomes, origem e função no

projeto) Empresa Subsidiária brasileira Função

Grupo Thales (França) Omnisys -Intercomunicador SOTAS

Elbit Systems (Israel) -AEL Sistemas

-Ares Aeroespacial e

Defesa

-Canhão automático UT-30BR

-REMAX

IBD (Alemanha) Grupo Inbra -Spall linner

FIAT (Itália) IVECO -Produção do blindado e integração

Grupo ZF (Alemanha) ZF do Brasil -Transmissão

FPT Industrial (Itália) -Motor

Companhia Brasileira de

Cartuchos (Brasil)

-Munição 30x173mm do canhão UT-

30BR

Usiminas (Brasil) -Blindagem

Fonte: MEDEIROS et al., 2014, p. 7.

Um dos pontos que se pode verificar é a participação grande de subsidiárias

brasileiras de empresas privadas estrangeiras na execução do projeto. Dos principais

fornecedores das mais importantes peças do blindado, apenas duas são efetivamente

brasileiras, considerando a origem nacional de seu capital. Quando se analisa a lista completa

de fornecedores (ANEXO C), vê-se que os demais produtos que podem ser de empresas de

capital nacional são, em geral, tecnologicamente menos complexos. Ressalvas devem ser

feitas ao REMAX, que embora seja construído pelas empresas ditas acima, foi concebido e

projetado pelo Exército, que detém sua propriedade intelectual (FERREIRA, 2014), da

mesma forma como ocorre com o blindado como um todo e a participação da italiana IVECO,

como se verá a seguir.

O segundo aspecto a ser analisado é a regulação da propriedade intelectual no

Projeto Guarani. Nesse ponto, a pesquisa apurou uma estrutura bem particular de regulação

neste projeto. Como se viu anteriormente, por força contratual, a propriedade intelectual sobre

a VBTP-MR pertence exclusivamente ao Exército Brasileiro, ressalvadas as propriedades pré-

existentes empregadas pelos fornecedores no desenvolvimento do blindado. Isso significa

dizer que a viatura, como produto finalizado, com a integração de todos os seus componentes,

pertence à Força terrestre, tendo em vista que foi ela quem concebeu o projeto e deu as

especificações para a IVECO produzir. Contudo, a suspensão do blindado, por exemplo, que

integrava originalmente outro blindado da referida empresa, o Centauro, permanece sendo de

titularidade da IVECO no que diz respeito à propriedade intelectual (FERREIRA, 2014).

177

Nesse sentido, a produção do Guarani é feita sob licença do Exército, de forma

que o contrato firmado prevê algumas questões que merecem destaque. Primeiramente, é

permitido que haja exportação das VBTP-MR pela fabricante para outros compradores,

porém, deve ser feito o pagamento de royalties à referida Força singular pela utilização da

propriedade intelectual. Ademais, existe a possibilidade do Exército, como detentor dos

mencionados direitos, de substituir a empresa parceira no desenvolvimento e produção dos

blindados, da seguinte forma:

“15.4 A CONTRATADA perderá o licenciamento para produção e exploração

comercial da VBTP-MR nos seguintes casos:

a) Desistência ou recusa unilateral, por parte da CONTRATADA, da produção

da VBTP-MR no Brasil; ou

b) Comprovada incapacidade, voluntária ou não, da CONTRATADA, para

produção da VBTP no Brasil, ainda que tal incapacidade seja temporária; ou

c) Nos casos em que houver imposição legal ou judicial

15.5 Na ocorrência de quaisquer dos casos previstos na Subcláusula 15.4, a

CONTRATADA poderá ser fornecedora de sistemas, componentes ou materiais de

sua PROPRIEDADE INTELECTUAL PRÉ-EXISTENTE. Caso isso não ocorra, a

CONTRATADA poderá licenciar o EB, ou a outro que este indicar, por meio de

acordo entre o EB e a CONTRATADA, dentro da legislação em vigor e mediante a

remuneração correspondente, toda a sua propriedade intelectual que for necessária

para produção, no Brasil, da VBTP-MR, seus derivados ou configurações.

15.5.1 No caso de necessidade de propriedade intelectual de terceiro, subcontratado

ou fornecedor, a CONTRATADA entregará ao EB uma lista dos fornecedores de

sistemas, componentes ou materiais e não se oporá à transferência dos direitos ao

EB ou a outro que este vier a indicar” (ANEXO F, p. 278-279)

Em síntese, o que as cláusulas colacionadas permitem que o Exército, se

verificada a necessidade conforme as previsões contratuais, pode substituir a IVECO na

produção do Guarani, conferindo o licenciamento da produção a outro que possa fazê-lo no

Brasil, podendo a empresa substituída permanecer fornecendo seus componentes específicos

ou licenciar à própria Força ou a outro a possibilidade de fornecer tais produtos, não podendo

se opor, também, à transferência de direitos por qualquer terceiro que participe do projeto.

Esse dado é muito importante para atribuir valor ao indicador referente à

possibilidade de independência do respectivo setor, vez que o Exército Brasileiro, como

detentor da propriedade intelectual do veículo, não permanece, ao menos contratualmente,

numa relação de dependência da IVECO na fabricação do blindado Guarani, podendo

substituí-la, verificadas as hipóteses contratuais.

Acerca da percepção do implementador questionado por esta pesquisa (PINTO,

2016) sobre a possibilidade de obter independência no setor, assim foram suas respostas:

“6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de

relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?

Resposta: Entendo que sim, pois o grande produto do trabalho até agora não é a

VBTP-MR, ou a munição que a CBC está fabricando, mas sim a retomada da

178

capacidade de projetar e fabricar blindados no Brasil e o reforço da BID (arrasto

tecnológico).

7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no

país em momento posterior? E manutenido/modificado também?

Resposta: Acredito que sim, com alguma dificuldade, mas poderia ser desenvolvido

no Brasil. A manutenção e a modificação são mais simples que o desenvolvimento.

[...]

9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para

a independência tecnológica do país no respectivo setor?

Resposta: Eu diria que contribui, mas, a meu ver, para realmente obtermos

independência tecnológica seriam necessários muitos investimentos no setor, por

longo período. Para isso, entendo que a Sociedade Brasileira precisaria entender a

importância de Forças Armadas independentes tecnologicamente e de pronto

emprego. Talvez isso se consolide no futuro.” (ANEXO C, pp. 239-240)

Pelas respostas do entrevistado (PINTO, 2016), pode-se depreender que a

obtenção da independência no setor de produção de blindados, especialmente do Guarani, é

possível e o projeto efetivamente contribui para isso, não obstante a dificuldade que possa

existir para alcançar tal objetivo, destacando-se a necessidade de manter o relacionamento

com a cedente a fim de proporcionar cada vez maior reforço à BID e à capacidade do país de

projetar e construir blindados. Ou seja, o Guarani não se encerra na VBTP-MR, mas faz parte

de um projeto estratégico de longo prazo para obter cada vez mais capacitação tecnológica no

setor. Para lograr êxito no referido objetivo, o respondente alerta para a necessidade de

maiores investimentos e por longo período de tempo.

Em síntese, acerca da nacionalização, o Projeto Guarani apresenta o problema da

pequena participação de empresas de capital nacional em pontos mais complexos da

fabricação do blindado, prevendo índice de 60% da construção em território nacional.

Contudo, tal defeito parece ser mitigado por alguns aspectos: economia globalizada e

detenção de itens exclusivamente por outros países (FERREIRA, 2014); razoabilidade do

índice de nacionalização, tendo em vista que o BNDES requer 70% para empreendimentos

civis (FERREIRA, 2014); e, principalmente, domínio da propriedade intelectual do blindado

por parte do Exército Brasileiro.

Dessa forma, não obstante o desafio da maior nacionalização, a titularidade do

patrimônio intelectual pela Força terrestre propicia que a cadeia de produção do Guarani,

ainda que seja internacionalizada, permaneça sob controle brasileiro, podendo haver,

inclusive, a substituição da empresa fabricante e de seus fornecedores, sem, contudo,

comprometer a posição do Exército Brasileiro como ator central e controlador da empreitada.

Verifica-se que tal modelo de estruturação do Projeto Guarani confere valor positivo ao

indicador referente à possibilidade de independência nacional no setor de blindados,

atendendo às diretrizes da END, sendo A→B=C.

179

4.2.8 – Conclusões

Para seguir com as conclusões dessa pesquisa a respeito da avaliação do processo

de transferência de tecnologia do Projeto Guarani, insta fornecer seu o Modelo de Consecução

de Objetivos, que pode ser representado da seguinte forma:

Figura 19 – Modelo de Consecução de Objetivos do Guarani

Fonte: Elaboração própria com adaptação de VEDUNG, 1997.

A fim de responder a indagação proposta pelo modelo de consecução de objetivos

e da presente avaliação, os fatores internos do Guarani que são relevantes para seu objetivo

são representados pelos indicadores acima valorados, quais sejam: transmissão de know-why,

que apresentou resultado satisfatório dentro das diretrizes END; possibilidade de difusão, que

apresentou resultado positivo, condizendo com os objetivos de políticas públicas; e

possibilidade de alcançar independência tecnológica no setor, que apresentou igualmente

resultado satisfatório em relação ao almejado pela END. Mesmo havendo o desafio do índice

de nacionalização, com a participação de empresas de capital nacional, a questão da regulação

da propriedade intelectual, e sua titularidade exclusiva por parte do Exército Brasileiro, torna

o país o centro de comando da cadeia produtiva do Guarani, ainda que esta seja

internacionalizada.

180

A respeito dos fatores externos que tem constituído os maiores obstáculos ao

projeto, o implementador entrevistado (PINTO, 2016) respondeu que são dois: as dificuldades

gerenciais, sobretudo no que concerne à logística de materiais de defesa (controlados) e à

demora no processo de tomada de decisão; e a disponibilização de recursos financeiros

(ANEXO C)

Dessa forma, a presente pesquisa conclui que a implementação do Projeto

Guarani, no que diz respeito à transferência de tecnologia, tem contribuído com a aquisição de

conhecimento para o país, de forma a fomentar a Base Industrial de Defesa, se mostrando

condizente com as diretrizes da END (2012d), quais sejam, obter independência e autonomia

industrial e tecnológica no setor de materiais de defesa, aqui no caso, blindados. Constata-se

uma grande preocupação da Força terrestre nas fases de concepção e estruturação do projeto,

que tem permitido o sucesso do mesmo no objetivo proposto.

4.3. PROJETO H-XBR

4.3.1 – Considerações iniciais

O Programa H-XBR é um empreendimento do Ministério da Defesa, gerenciado

pela Força Aérea Brasileira (FAB), que tem como objetivo adquirir cinquenta helicópteros de

origem européia modelos EC-725, que serão progressivamente fabricados no Brasil pela

empresa Helibras, para as três forças singulares (SILVA, 2015). O programa visa a produção,

industrialização, desenvolvimento e fornecimento no Brasil das referidas aeronaves, mediante

desenvolvimento da indústria nacional, com a efetiva transferência de tecnologia e ampliação

da capacidade industrial brasileira no campo aeronáutico (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013).

A empresa brasileira Helibras estabeleceu um consórcio com a francesa

Eurocopter para produzir as cinquenta aeronaves, que serão distribuídas em dezesseis

unidades para a FAB, dezesseis para o Exército Brasileiro, dezesseis para a Marinha do Brasil

e duas para transporte especial, tendo como orçamento inicial estimado a quantia de 1,84

bilhões de euros, portanto, tem o programa a obrigação de incluir cláusulas de offset

(SERRÃO; RAMOS; PEDONE, 2014).

181

4.3.2 – Antecedentes

As origens do Programa H-XBR remontam aos contatos na área militar realizados

entre Brasil e França, na gestão do ministro da Defesa Waldir Pires, no contexto da ausência

de definições sobre o programa F-X. Na ocasião, houve a implementação de uma solução

temporária para substituir os antigos caças Mirage III da FAB por um lote de 12 aeronaves

Mirage 2000 (SILVA, 2015). Essa operação, além do seu próprio acordo firmado em 15 de

julho de 2005, foi acompanhada de outro acordo mais amplo de cooperação na área da

aeronáutica militar, incluindo a identificação de possibilidades de fornecimento de aeronaves,

equipamentos, armamentos e serviços (SILVA, 2015). Os contatos entre Brasil e França se

intensificavam, até que no encontro entre os respectivos presidentes em 12 de fevereiro de

2008, ambos salientaram o forte potencial de cooperação na área de defesa, no campo nuclear

civil, no setor de biocombustíveis (SILVA, 2015).

Na Marinha do Brasil, desde 2006, se estudava a substituição dos helicópteros

SH-3 por meio das propostas das empresas Eurocopter (modelo AS-532 Cougar), Augusta

Westland (EH-101 Merlin) e Sikorsky (SH-60 Seahawk) (RIBEIRO, 2013 apud SILVA,

2015). Na FAB, em 2007, foi aberta uma licitação com pedidos de oferta para a aquisição de

dois lotes de helicópteros, um de transporte (Programa CMH-X) e outro de ataque (Programa

AH-X), tendo recebido as propostas da Eurocopter (modelo EC-725), da Augusta Westland e

da russa Rosoboronexport (SILVA, 2015).

No início de 2008, a Helibras e a então EADS Brasil, conglomerado ao qual

pertence a Eurocopter e que hoje pertence ao Airbus Group, anunciaram seus planos de

investirem em uma linha de produção do modelo EC-725 Super Cougar no Brasil, mas para

isso precisariam da garantia de encomenda de pelos menos 50 unidades em 10 anos (SILVA,

2015).

Em 21 de julho de 2008, foi lançada pelo Ministério da Defesa e pelo Ministério

do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) a Portaria Interministerial nº

1.068, prevendo a constituição de um grupo para estudar as necessidades decorrentes da

operação de helicópteros de médio porte. Esse grupo ficou sob a coordenação da FAB. Além

disso, o Comando da Aeronáutica ficou responsável pela coordenação com as demais Forças

Singulares (SILVA, 2015).

182

No âmbito da FAB, o projeto CMH-X foi encerrado e substituído pelo Programa

H-XBR, especialmente pela força que este ganhou em decorrência dos diálogos diretos entre

os presidentes do Brasil e da França (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Na

esfera das demais Forças, o Programa também foi aprovado e incorporado conforme suas

necessidades específicas (SILVA, 2015).

O contrato do Programa H-XBR foi finalmente firmado no dia 23 de dezembro de

2008, pelo então Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito,

representando também as demais Forças, dando início formal ao primeiro projeto conjunto

das três Forças singulares de aquisição de material militar, desde a criação do Ministério da

Defesa (SILVA, 2015).

4.3.3 – Aspectos contratuais e etapas do programa

O arranjo contratual do Programa H-XBR, em resumo, está estruturado em três

contratos: o principal, o Contrato de Offset e Cooperação Industrial e o Contrato CLS,

referente à logística, material de suporte e treinamento (SILVA, 2014). O contrato principal

firmado entre a FAB e o consórcio Helibras/Eurocopter, o Contrato 008/CTA-SDDP/2008,

além de cuidar do fornecimento de aeronaves, atribuiu ao contratado a obrigação de fomentar

a indústria aeronáutica brasileira (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

A presente pesquisa tentou obter a cópia dos documentos em tela, mas não obteve

sucesso por serem confidenciais, nem sequer uma resposta ou síntese por parte da FAB, como

ocorreu com a Marinha do Brasil. Nesse sentido, trabalhar-se-ão as informações ostensivas

disponíveis.

As principais entregas do contrato H-XBR são:

“• Fornecimento de 50 EC725 em configurações BR

• 16 para a Força Aérea Brasileira

• 16 para a Marinha do Brasil

• 16 para o Exercito do Brasil

• 2 VIP para o GTE

• Pacote inicial de sobressalentes

• Desenvolvimento e qualificação das versões específicas

para cada força.

• Transferência tecnológica e industrial que inclui:

• Pacote de Cooperação Industrial valorizado em 90% do valor total do contrato.

– Criação da Nova Helibras

– Criação de um Centro de Engenharia.

• Pacote de offset valorizado em 10% do valor total do contrato

183

– Criação de um centro de apoio técnico para os equipamentos de missão (Flir,

HUMS, Exocet)

– Transferência de tecnologia para desenvolvimento de helicópteros do ONERA

para o CTA.

– “Data packages “ para o Pantera e Esquilo , modernizados.

A transferência de tecnologia é mais importante que os helicópteros.” (SILVA,

2014)

A primeira missão realizada por um dos helicópteros do Programa H-XBR se deu

em outubro de 2011, quando um EC-725 da FAB (denominado de H-36 Caracal) apoiou o

resgate de um grupo que ficou refém de indígenas no contexto de um protesto (SILVA, 2015).

Em 13 de junho de 2014, a Marinha do Brasil recebeu o primeiro EC-725 fabricado no Brasil,

ou seja, todas as etapas de montagem se deram em território nacional (GALANTE, 2014). O

primeiro prazo para a entrega de todas as aeronaves seria o ano de 2017, porém, as restrições

orçamentárias que atingiram o programa fizeram o prazo ser dilatado em dois anos, ou seja,

para 2019 (GALANTE, 2015). Segundo o entrevistado desta pesquisa em relação ao Projeto

H-XBR (RESPONDENTE A, 2016), até o presente momento, já foram entregues 44% das

aeronaves previstas (ANEXO D).

Após a entrega de todos os helicópteros, eles, a princípio, distribuídos da seguinte

forma entre as Forças e pelo país:

Figura 20 – Distribuições dos 50 EC-725 por bases

Fonte: SILVA, 2014.

Tendo visto, em síntese, os aspectos contratuais gerais e as etapas do H-XBR,

passa-se ao estudo específico das disposições contratuais referentes à transferência de

tecnologia no âmbito do programa.

184

4.3.4 – Contratos de transferência de tecnologia

O arranjo contratual do Programa H-XBR, em especial, focando no que concerne

à transferência de tecnologia, consiste num contrato principal, que possui uma cláusula que

remete a Acordo de Cooperação Industrial e Compensação Comercial, Industrial e

Tecnológica, este que estabelece compensações (offset) e Projetos de Cooperação Industrial

(Industrial Cooperation Project – ICP), com vistas ao desenvolvimento da indústria de

aviação de asa rotativa, além de vários termos aditivos que foram assinados ao longo dos anos

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Segundo apurou o TCU, o portfólio de ações de transferência de tecnologia no

Programa H-XBR contempla 22 ICPs, além de sete Projetos de Compensação (offset)

relacionados à transferência de tecnologia para simuladores de vôo; integração de mísseis ar-

superfície; instalação de câmeras de imagem térmica em helicópteros Esquilo/Fennec;

modernização das aeronaves Esquilo, Panther e Super Puma/Cougar; suporte técnico e

transferência de tecnologia ao Departamento de Ciência e Tecnologia do Comando da

Aeronáutica (DCTA/COMAER) Espacial na área de veículos de asa rotativa (TRIBUNAL

DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). “A curva de nacionalização prevê que 50%, em valor, dos

componentes do helicóptero sejam nacionais na entrega do último lote” (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 47). A previsão é que o H-XBR permita o desenvolvimento

de um helicóptero brasileiro na década de 2020 (SILVA, 2014).

Conforme também apurou o relatório, nem o MDIC, nem a FAB, se envolveram

no dimensionamento dos níveis de tecnologia que se pretendia obter no H-XBR, porém, após

a contratação da Helibras, o MDIC começou a atuar nos ICPs e passou a formular estudos e

propostas referentes à transferência de tecnologia, ao passo que à FAB, coordenando as três

Forças, coube o estabelecimento dos requisitos operacionais das aeronaves e o processo de

aquisição decorrente (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). De semelhante modo,

também ficou sendo responsabilidade do MDIC sobre a participação e a integração dos

setores empresarial e de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), bem como a

dualidade das tecnologias (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Como dito, a transferência de tecnologia se processa por meio do Acordo de

Compensação e Cooperação Industrial, que contempla os ICPs e os Projetos de Compensação

(offset). Os Projetos de Compensação totalizam € 47.235.814,00 distribuídos em dez projetos

185

de offset diretos (quando o beneficiário é o próprio Programa H-XBR) e indiretos (quando o

beneficiário está fora do projeto). O valor global desses projetos é de € 187.783.050,00, o qual

se obtém a partir da multiplicação de cada projeto individual por um fator, conforme ilustra a

tabela a seguir (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Quadro 30 – Fatores de multiplicação para projetos de compensação

Descrição Fator de

Multiplicação

Co-produção 2 a 5

Produção sob licença 2 a 5

Produção subcontratada 1 a 3

Investimentos na Indústria Aeroespacial Brasileira 5 a 6

Treinamento para Indústrias Brasileiras 3 a 5

Treinamento na empresa contratada e/ou assistência técnica no Brasil 3 a 5

Transferência de Tecnologia 4 a 7

Aquisição de produtos da Indústria Aeroespacial Brasileira 3

Contratação de serviços à Indústria Aeroespacial e à Instituições Brasileiras 2 a 5

Ambiente de engenharia 3 a 5

Doação e/ou empréstimo de equipamentos e sistemas 4 a 6

Custos na fase de desenvolvimento 4 a 6

Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 32

Por sua vez, os Projetos de Cooperação Industrial (ICPs) correspondem a

investimentos que o consórcio Helibras/Eurocopter fará em empresas localizadas no Brasil, a

fim de capacitá-las a integrar a cadeia produtiva do H-XBR. São 22 projetos que totalizam €

1.708.047.450,00 em créditos de compensação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO). O

ICP se inicia com a assinatura de um Memorando de Entendimento entre o consórcio e a

empresa selecionada para participar do projeto. Em seguida, é elaborado um Descritivo de

Serviços que detalha as ações a serem executadas. Contudo, a responsabilidade por selecionar

as empresas é do próprio consórcio, sendo este obrigado a prover a capacitação para o projeto,

cabendo à FAB o reconhecimento do seu cumprimento na forma de créditos de compensação.

Em outras palavras, o consórcio escolhe as empresas, fornece a capacitação e a FAB somente

reconhece o cumprimento das obrigações, emitindo os créditos, não interferindo diretamente

na execução dos ICPs (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Acerca da regulação da propriedade intelectual nos contratos do Projeto H-XBR,

cabe transcrever:

“237. No Projeto H-XBR, os direitos relativos à propriedade intelectual são tratados

na cláusula 17 do Contrato de Despesa 008/CTA – SDDP/08 e seus

desdobramentos. Como regra geral, caberá à Aeronáutica apenas os direitos de

propriedade adquiridos que tenham sido pagos ao consórcio. Além disso, o

consórcio garante à Aeronáutica a licença de utilização da propriedade intelectual

envolvida na informação técnica gerada pelo desenvolvimento dos seguintes

sistemas: Anti Surface Warfare – ASUW Tactical Mission System e Electronic

Warfare System.

186

238. O consórcio também garante à Aeronáutica a licença de utilização para uso

próprio, excluídos os direitos de comercialização, envolvidos na informação técnica

gerada pelo desenvolvimento da integração do Míssil AM39 Block 2 Mod 2 no

helicóptero EC-725.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 38)

Essas são as principais informações ostensivas que esta pesquisa conseguiu obter

acerca dos contratos de transferência de tecnologia do Programa H-XBR. Passa-se agora ao

estudo da teoria da intervenção da política pública que o referido projeto representa.

4.3.5 – Teoria da intervenção e objetivos

Como dito anteriormente, os contratos inerentes ao Projeto H-XBR são

classificados, portanto, não disponíveis publicamente. Nesse sentido, como também afirmam

Serrão, Ramos e Pedone (2014), os objetivos específicos do projeto podem ser inferidos a

partir de uma compilação de informações públicas e divulgações oficiais. Assim, para

estabelecer a teoria da intervenção e os objetivos do projeto, utilizaremos as informações até

aqui desenvolvidas, em especial, as diretrizes da END (2012d) e a bibliografia referenciada.

A teoria da intervenção do Contrato 008/CTA – SDDP/2008, o principal do

Programa H-XBR, e seus assessórios pode ser representada da seguinte forma:

Intervenção H-XBR (como decidido)

Contrato 008/CTA – SDDP/2008 e assessórios

Conversão planejada Duplicação da capacidade de produção da

fábrica e do número de funcionários

Transferência de tecnologia para a Helibras e

fornecedores locais

Programas Industriais EC725/EC225

Inovação, parcerias e convênios

(SILVA, 2014)

↓ Resultados pretendidos 50 helicópteros EC725

↓ Efeitos imediatos pretendidos Projetos de integração: manufatura de

componentes, atualização e manutenção técnica

dos equipamentos no Brasil, desenvolvimento

da capacidade industrial da Helibras, instalação

do simulador no Brasil, integração à cadeia

produtiva global da Eurocopter

Projetos de compensação comercial: ToT nas

áreas de: sensores eletro-óticos, integração de

mísseis, simulação, VANTs, engenharia de

produção de componentes dinâmicos.

(SERRÃO; RAMOS; PEDONE, 2014)

187

↓ Efeitos intermediários pretendidos

(determinantes do problema) Necessidade operacional de helicópteros de

médio porte

Não domínio da tecnologia inerentes e

necessárias para desenvolvimento nativo

Futura obsolescência dos meios atuais

↓ Hipóteses causais Déficit tecnológico

Desestruturação da Base Industrial de Defesa

↓ Efeitos últimos pretendidos

(condição problemática que se busca

mudar)

Dependência tecnológica na produção e

desenvolvimento desses meios áereos

Comprometimento da ação autônoma do país

Figura 21 – Teoria da intervenção do H-XBR

Fonte: Elaboração própria a partir da bibliografia e de VEDUNG, 1997, p. 225.

Pelo modelo acima delineado e pelo embasamento anterior, constata-se que o país

tem tido sua atuação autônoma comprometida no cenário internacional, por carência de meios

de defesa adequados e pela dependência que possui de fornecimento estrangeiro de

tecnologias para a produção desses bens, aqui, em especial, aeronaves de asas rotativas. Essa

situação problemática tem como causas prováveis o déficit tecnológico que o Brasil ostenta

em relação aos países desenvolvidos e a desestruturação da Base Industrial de Defesa que não

atende às necessidades das Forças Armadas. No caso específico do Projeto H-XBR, verifica-

se que não há a possibilidade do desenvolvimento nativo de helicópteros, muito embora o país

fabrique esse tipo de aeronaves há 30 anos (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Assim, essas causas provocam uma redução da capacidade operacional das Forças singulares

que operam helicópteros de médio porte, agravada pela futura necessidade de aquisição de

novos meios diante da certa obsolescência dos meios atuais por ação do tempo, mas que

esbarra no não domínio das tecnologias necessárias para solucionar tal problema. Nesse

sentido, o Projeto H-XBR visa transformar essa situação, mediante não só a aquisição de

novas aeronaves, mas também obtenção de tecnologia e infraestrutura capaz de proporcionar

ao país capacidade de construir, manter e operar helicópteros independentemente, com

perspectivas ao desenvolvimento de um helicóptero brasileiro em 2020 (SILVA, 2014).

188

4.3.6 – Modelos analíticos

Quanto aos modelos analíticos do Projeto H-XBR, o primeiro a ser apresentado é

o Modelo de Atores Interessados (stakeholders) que pode ser representado da seguinte forma:

Figura 22 – Modelo de Atores Interessados do H-XBR (Stakeholders Model)

Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997.

O projeto H-XBR se originou de uma parceria entre os governos brasileiro e

francês, ambos são retratados no modelo. Ligados ao governo brasileiro estão o Ministério da

Defesa, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e a

Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR). Segundo o

Relatório do TCU, o MD, MDIC e a SAE/PR seriam os stakeholders governamentais

principais do projeto, e deveriam ser os responsáveis pela concepção, estruturação,

formalização e controle do H-XBR (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63).

Segundo apurou o tribunal, o Ministério da Defesa se envolveu diretamente no projeto, desde

o estabelecimento da Portaria Interministerial nº 1.068/2008, participando das negociações

dos contratos e na definição dos níveis de tecnologia almejados e nas fases subseqüentes

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63-64). O MDIC atua nos estudos e

formulações referentes à transferência de tecnologia, à ampliação da capacidade industrial,

aos aspectos econômico-financeiros, especialmente nas compensações e cooperação

industrial, ao passo que a SAE/PR não teria se envolvido na formulação de políticas públicas

para apoiar o H-XBR (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). A Força Aérea

189

Brasileira é a coordenadora do H-XBR, mas a Marinha e o Exército também são beneficiários

do projeto, visto que também receberão aeronaves.

Também interessada no H-XBR está a Indústria de Defesa, sobretudo como uma

das beneficiárias do programa, tendo em vista o seu objetivo de nacionalizar

progressivamente até 50% da produção, em valor, dos helicópteros previstos no projeto

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Sendo assim, dentro do segmento da

indústria de Defesa no referido modelo, encontram-se também as sociedades empresariais que

atuam no projeto, principalmente a Helibras e a Eurocopter, a primeira brasileira e adquirente

e a segunda cedente de equipamentos e tecnologia, bem como as demais fornecedoras de

equipamentos em geral, nacionais e estrangeiras, inclusive as destinatárias de offset. Ao lado

da indústria, está também a academia, ou as universidades. Conforme demonstrado em

capítulo anterior, a lógica do complexo militar-acadêmico-industrial tem pautado as

aquisições e a gestão de meios de Defesa no último século. Sendo assim, além do setor

acadêmico que se beneficia de alguns projetos de cooperação, em especial, a Universidade

Federal de Itajubá (UNIFEI) (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013), está o segmento

que avalia os programas dentro da lógica das ciências sociais e políticas, em seu cunho

estratégico, como o presente trabalho.

Por fim, considerando que o H-XBR é um programa estratégico governamental, a

sociedade em geral é um ator interessado no mesmo, tendo em vista não só sua condição de

beneficiária como um todo dos efeitos do programa para o país, mas também pelo emprego de

recursos públicos do erário nacional, constituído, sobretudo, das contribuições da sociedade.

Dessa forma, à sociedade interessam os rumos que tomará o H-XBR.

Em seguida, o Projeto H-XBR pode ser apresentado em seu panorama geral

conforme o Modelo de Sistema Simplificado, cuja representação se dá da seguinte forma:

190

Figura 23 – Modelo de Sistema Simplificado do H-XBR

Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997

Esse modelo toma como base as informações obtidas até agora para demonstrar a

concepção do H-XBR como política pública em suas fases pós-decisão, mostrando o processo

de conversão dos insumos aplicados nos resultados e efeitos desejados, de acordo com as

metas do programa e diretrizes da END. Seguir-se-á a avaliação da implementação do Projeto

H-XBR.

4.3.7 – Avaliação da implementação

Passa-se a valoração dos três indicadores utilizados para a avaliação do Projeto H-

XBR, segundo a metodologia da presente pesquisa.

191

4.3.7.1 – Transferência de “Know-why”

Acerca do indicador referente à transferência do know-why, de semelhante

maneira ao que foi desenvolvido anteriormente no PROSUB, a presente pesquisa também

utilizará substancialmente o Relatório de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas da

União no PROSUB e no Projeto H-XBR (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013) para

obter informações sobre o processo de transferência de tecnologia do H-XBR, tendo em vista

que o referido órgão teve a possibilidade de analisar uma grande quantidade de informações

sobre o projeto, muitas das quais indisponíveis ao público, e para o mesmo fim a que propõe

essa pesquisa. Nesse sentido, cumpre trazer à baila as seguintes considerações do tribunal,

muitas que também valeram para o PROSUB acima:

“83. Antes da formalização dos projetos, não foram adequadamente avaliadas ou

foram deixadas a cargo das empresas contratadas, condicionantes importantes como:

participação da indústria nos processos de transferência de tecnologia; estratégias

para identificar as necessidades tecnológicas e oportunidades de comercialização;

articulação entre Forças Armadas, universidades, institutos de P,D&I e empresas;

sistemas de reconhecimento e medição das tecnologias; definição do processo de

propriedade intelectual; bem como a gestão do conhecimento a ser adquirido.”

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 13)

Ademais:

“387. No tocante à concepção dos projetos, concluímos que a decisão política de se

aproveitar a oportunidade oferecida pelo governo francês de cooperar com o Brasil

na área de defesa superou a orientação técnica dos projetos, apesar de estes serem

caracterizados por sua complexidade e ineditismo.

[...] 390. Concluímos que, em razão da falta de um adequado exame das

condicionantes dos processos de ToT, antes da estruturação e formalização dos

projetos, o alcance dos resultados visados pelo Projeto H-XBR e pelo Prosub

dependerá da capacidade da Aeronáutica e da Marinha, respectivamente, em detectar

e superar os riscos que surgirem durante a execução dos empreendimentos.

[...] 393. Concluímos que as circunstâncias em que foram implementados o

Prosub e o Projeto H-XBR não permitiram que os órgãos envolvidos dispusessem

das condições mais adequadas em termos de prazo, acesso a informações,

capacidades técnicas para as negociações dos contratos, análise dos riscos e

oportunidades envolvidos nos empreendimentos. Isso suscita a possibilidade de que

os compromissos acordados nessas condições possam ter resultado num

balanceamento de custos e benefícios demasiadamente favorável aos particulares,

em detrimento do interesse público.

[...] 397. Outro aspecto importante a ser considerado na análise da adequação

dos arranjos contratuais é a compatibilização dos objetos e prestações estabelecidos

nas relações obrigacionais às necessidades que motivaram a implementação do

projeto. Essa compatibilização foi prejudicada em razão de falhas na etapa de

concepção dos empreendimentos associadas à impossibilidade de acesso a

informações sobre as tecnologias antes das contratações..” (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 61-62)

192

De semelhante modo ao que ocorreu com o PROSUB, o processo de transferência

de tecnologia no Projeto H-XBR já haveria nascido com problemas. Isso porque, em resumo,

em decorrência da necessidade de se aproveitar a oportunidade surgida de parceria com a

França, tomou-se a decisão política de levar a cabo o programa. Entretanto, o curto prazo para

a tomada de decisão e negociação prejudicou a fase de concepção e estruturação da

transferência de tecnologia que se visava obter. Todo o processo de concepção e negociação

do Projeto H-XBR durou apenas 22 dias (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Vale transcrever:

“155. No caso do Projeto H-XBR, a exiguidade do prazo para a negociação dos

contratos, determinada pela necessidade de se aproveitar a janela de oportunidade

oferecida pelo Grupo EADS e pelo Acordo de Cooperação Brasil-França, implicou

risco ponderável para a elaboração dos Projetos de Cooperação Industrial, para a

definição das metas de transferência de tecnologia, para a adequabilidade do

processo de negociação, bem como para a definição dos critérios para a seleção das

empresas e das instituições de ciência e tecnologia que farão parte do projeto. Não

obstante, observamos que alguns desses entraves foram atenuados com a celebração

dos primeiros termos aditivos aos contratos de aquisição e ao acordo de

compensação e cooperação industrial que adequaram algumas das cláusulas

acordadas à nova configuração do projeto (cf. tópico 4).” (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 23-24)

Considerando o problema na concepção e estruturação do Projeto H-XBR no que

tange à transferência de tecnologia, o TCU concluiu que o sucesso do programa também

depende da capacidade da FAB de detectar e corrigir eventuais falhas durante a

implementação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Segundo o entrevistado da FAB a respeito do Projeto H-XBR (RESPONDENTE

A, 2016), “a transferência de transferência de tecnologia do projeto está vinculada ao Offset

contratado” (ANEXO D, p. 244). Ou seja, dependem dos resultados dos Projetos de

Compensação e dos Projetos de Cooperação Industrial, como desenvolvido acima. Segundo o

entrevistado, “uma parte da tecnologia relacionada ao projeto já foi transferida, capacitando a

indústria nacional no desenvolvimento, fabricação e manutenção de sistemas e materiais”

(ANEXO D, p. 244).

Além disso, o entrevistado informou:

“O projeto HXBR conta com mais de 20 projetos de capacitação da indústria

nacional, já tendo sido executados e reconhecidos, mais de 20% de toda a

transferência de tecnologia prevista.

A título de exemplificação, sugiro que veja a matéria sobre a produção do punho do

EC 725 no Brasil em: http://www.toyomatic.com.br/

Veja também a capacitação do centro de engenharia da Helibras (uma das

beneficiárias da transferência de tecnologia) no site:

https://www.helibras.com.br/noticias/helibras-conclui-com-sucesso-testes-de-

integracao-do-h225m-com-missil-exocet/

Além disso, fruto da transferência de tecnologia por meio do Offset, foi instalado no

Rio de Janeiro (no Recreio) um simulador FFS (Full Flight Simulator) relativo ao

193

EC-725, juntando-se aos outros 4 no mundo. Antigamente os pilotos necessitavam ir

ao Exterior para fazerem os treinamentos no simulador. Com este equipamento

instalado no Brasil, os custos diminuem além de possibilitar o treinamento dos

pilotos civis e militares de outros países

(https://www.helibras.com.br/noticias/simulador-do-cts-da-helibras-recebe-

certificacao-da-anac/)

Veja também a capacitação da Helibras em reparos de componentes dinâmicos em

https://www.helibras.com.br/noticias/oficinas-da-helibras-recebem-certificacao-

internacional-para-manutencao-no-h225/” (ANEXO D, p. 244-245)

Nesse sentido, acerca dos fluxos de transferência de tecnologia, o entrevistado

dessa pesquisa respondeu:

Quadro 31 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no H-XBR

Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei

Design dos processos e projetos (X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Procedimentos de

produção/cronograma e

organização

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei

Produção/ Know-how de

organização (X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto (X) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto (X) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de

engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e

expertise

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias

e pesquisa de conhecimentos,

dados, procedimentos, entre

outros.

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei

Fonte: RESPONDENTE A, 2016 (ANEXO D).

Como foi colocado anteriormente, para medir a obtenção do know-why foi

utilizada uma tabela com os fluxos de conhecimentos numa transferência de tecnologia.

Apenas para lembrar o que foi desenvolvido no capítulo do referencial teórico, os quatro

primeiros fluxos correspondem ao simples fluxo de conhecimentos, os três seguintes

correspondem ao fluxo de know-how e os três últimos, ao fluxo de know-why.

Além disso, segundo Silva (2015), desde outubro de 2010, funciona na

dependência da fábrica da Helibras, o Grupo de Acompanhamento e Controle do H-XBR,

composto por integrantes das três Forças, responsável por acompanhar todo o processo

194

produtivo dos helicópteros. No mesmo diapasão, segundo o autor, os primeiros helicópteros

entregues foram produzidos na França, mas já contavam com o acompanhamento de técnicos

e militares brasileiros, visando o processo crescente de nacionalização. Como visto no

referencial teórico, o acompanhamento do processo por técnicos é fundamental para a

transmissão de know-why, visto que este reside mais em mentes humanas do que em

documentos, propriamente ditos. Sendo assim, há de reconhecer o esforço do projeto em

adquirir conhecimento tecnológico por meio do acompanhamento do processo, muito embora

o Tribunal de Contas da União (2013) tenha alertado para o fato de não haver medidas para

mitigar o risco de evasão desse capital humano para outros setores, dentro das Forças

Armadas e para o setor privado, tendo a FAB concordado com essa assertiva.

Segundo informou o entrevistado (RESPONDENTE A, 2016), no Projeto H-XBR

todos os fluxos referentes à transmissão de know-why estão presentes no projeto, o que já é

suficiente para atribuir valor positivo ao indicador, pois se tratam dos principais fluxos

considerados nesse trabalho, além do fato de terem sido demonstrados resultados concretos

dos projetos que envolver transferência de tecnologia. Contudo, não se pode ignorar que

existem fluxos não previstos ou insatisfatórios nas categorias de simples conhecimentos e

know-how, o que compromete a plenitude da tecnologia a ser transferida. Muito embora o

indicador aqui trabalhado se refira à transferência de know-why, não se pode olvidar que os

fluxos representam uma escala gradativa e progressiva de complexidade e importância,

mesmo estando os mais importantes presentes, os menos importantes também podem fazer

falta. Busca-se a transferência de know-why sim, mas além do que se recebe de know-how.

Nesse sentido, segundo o referencial teórico e a metodologia desse trabalho, ainda

que o Projeto H-XBR tivesse um ótimo desempenho no que tange à transferência de know-

why, inclusive com a demonstração concreta de resultados, o indicador, como um todo, não

pode ser considerado como suficiente para alcançar o almejado pela END. Assim, o modelo

lógico do indicador seria A→B≠C sendo que A→B<C.

4.3.7.2 – Possibilidade de difusão

Em relação à possibilidade de difusão, assim se manifestou o TCU (2013) em

relação ao Projeto H-XBR:

195

“110. Em se tratando do Projeto H-XBR, couberam aos representantes do MDIC os

estudos e a formulação de propostas referentes à transferência de tecnologia, à

ampliação da capacidade industrial, bem como aos aspectos econômico-financeiros

do projeto. O estabelecimento dos requisitos operacionais das aeronaves e o

processo de aquisição decorrente ficaram a cargo das três Forças, com a

coordenação da FAB.

111. A partir desta divisão de tarefas, estabelecida pela Portaria Interministerial

MD/MDIC 1.068/2008, fica evidenciado que a participação e a integração dos

setores empresarial e de P, D&I, bem como a dualidade das tecnologias deveriam ter

sido abordadas pelo MDIC. Entretanto a exiguidade de tempo destinado à

concepção, estruturação e negociação do Projeto H-XBR (conduzido em 22 dias)

implicou limitada análise acerca dos atores e interesses que se revelavam

importantes para o processo de ToT, especialmente daqueles relacionados à pesquisa

e desenvolvimento e ao fomento da indústria nacional de defesa.

[...]

118. Quanto à dualidade das tecnologias, o uso dual restringiu-se ao possível

desenvolvimento da versão civil do EC-725 para atender aos requisitos da

Petrobras.”

Quanto à possibilidade de difusão da tecnologia recebida, especialmente na sua

dualidade, o TCU apurou que, a princípio, se restringiria à fabricação de uma versão civil do

EC725, para atender os requisitos da Petrobras. Entretanto, acerca da possibilidade de difusão,

assim se manifestou o entrevistado dessa pesquisa (RESPONDENTE A, 2016) quanto ao

Projeto H-XBR:

“A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros

empreendimentos, militares ou civis?

Resposta: Com certeza. Esse é um dos objetivos da transferência da tecnologia, ou

seja, a difusão do que foi aprendido e conhecido e sua ampliação e exploração para

outras áreas. Como exemplo podemos citar que, os conhecimentos adquiridos para o

desenvolvimento de uma peça da aeronave (como citado o punho da pá) poderá

ampliar os estudos na área de engenharia mecânica, aerodinâmica, liga de materiais,

etc.” (ANEXO D, pp. 245-246)

Ou seja, segundo o que a presente pesquisa apurou, a possibilidade de difusão das

tecnologias recebidas no Projeto H-XBR vão além da fabricação da versão civil do EC725,

mas pode agregar bastante às áreas do conhecimento, especialmente, engenharia mecânica, de

materiais, aerodinâmica etc. Dessa forma, o indicador referente à difusão apresenta valor

plenamente positivo, segundo o modelo lógico A→B=C, atendendo ao que almeja à END.

4.3.7.3 – Possibilidade de independência no setor (nacionalização)

Em relação ao último indicador, referente à possibilidade de alcançar

independência no setor, compreendendo os dois aspectos principais da participação de

196

empresas brasileiras na produção (nacionalização) e da regulação da propriedade intelectual,

nos parágrafos a seguir será desenvolvido o que a presente pesquisa apurou sobre o Projeto H-

XBR.

Acerca, primeiramente, da nacionalização, esta se dá no H-XBR, como já dito,

mediante os projetos de compensação (offset). Nesse sentido, o TCU afirmou que o H-XBR

tem uma curva de nacionalização progressiva de até 50%, em valor, dos componentes dos

helicópteros a serem entregues no último lote. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,

2013). Acerca do processo de nacionalização até aquele momento da auditoria, assim se

manifestou a corte de contas:

“287. Com base nas informações coletadas nesta fiscalização, podemos inferir que

os pontos de controle dos projetos de offset inseridos no Projeto H-XBR são

similares aos estabelecidos para o Prosub, ou seja, consistem de procedimento de

verificação, semelhante a uma prestação de contas do contratado (o consórcio

Helibras/Eurocopter) à COPAC, que tem a atribuição de reconhecer os créditos

referentes a cada transação.

288. Em análise pormenorizada dos termos de referência de dois dos projetos de

compensação (Forward Looking Infra-Red - FLIR e Health and Usage Monitoring

System - HUMS), observamos que se trata de capacitação de empresas brasileiras

para prestação de serviços de manutenção de equipamentos relacionados ao Projeto

H-XBR, sem maiores ambições no que se refere ao aprendizado de tecnologias

sensíveis que permitam à indústria nacional ao menos reproduzir tais equipamentos.

289. Embora tais projetos envolvam qualificação de mão de obra, não se mostram

suficientes para alavancar a indústria nacional, pois apenas criam, no Brasil,

empresas nacionais capazes de prestar assistência técnica, sob licença da empresa

detentora da tecnologia. Não há evidências de que se pretenda produzir

equipamentos similares aos quais serão assistidos tecnicamente, nem mesmo

garantia de que a empresa nacional receberá treinamentos para atualização dos

novos produtos comercializados pela empresa estrangeira detentora da tecnologia.

Enfim, trata-se de projetos de qualificação de mão de obra dedicada à manutenção,

sem perspectivas de evolução para a produção de equipamentos.” (TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 46-47)

A primeira crítica que o tribunal apresentou ao Projeto H-XBR e seu processo de

nacionalização foi a respeito de dois projetos de compensação, que na realidade se tratava tão

somente de uma capacitação de empresas nacionais para realizar manutenção e assistência

técnica, sob licença da empresa detentora de tecnologia. Ou seja, poderia a haver a

nacionalização de um serviço, mas não da tecnologia inerente.

Outro aspecto seria o conteúdo dos ICPs, pois, segundo o órgão de contas, a

análise pormenorizada dos 22 ICPs constatou que existe uma extensa utilização de insumos

importados. Existem peças que, embora passem pelo processo final de fabricação no Brasil,

são insumos pré-fabricados e importados. Dessa forma, não se pode considerá-los para aferir

o real teor de insumos e serviços acrescidos à aeronave pela indústria doméstica (TRIBUNAL

DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 47).

197

Além disso, mais um ponto relevante sobre o offset do H-XBR seria sua

efetividade em qualificar a Base Industrial de Defesa brasileira e sua mão de obra. A análise

dos ICPs pelo tribunal chegou às seguintes constatações:

“1) entre as nove empresas participantes dos ICPs, cinco são representantes

nacionais de fornecedores estrangeiros da Eurocopter. Os projetos de cooperação

industrial relacionados às outras quatro empresas representam 22,7% (€

388.000.000,00), em valor, do total de € 1.700.000.000,00 em créditos de

cooperação;

2) dos cinco projetos de cooperação industrial em execução envolvendo as quatro

empresas que não são representantes nacionais de fornecedores estrangeiros da

Eurocopter, três consistem em projetos de produção parcial de componentes, um

refere-se à montagem e um se refere à manutenção;

3) os três projetos que envolvem produção (parcial) de componentes representam

20% (€ 341.000.000,00), em valor, do total de € 1.700.000.000,00 em créditos de

cooperação;

4) os ICPs que envolvem empresas representantes de fornecedores estrangeiros da

Eurocopter somam € 1.300.000.000,00, o que corresponde a 77,3%, em valor dos

créditos de cooperação industrial.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013,

pp. 47-48)

O relatório do TCU sobre a participação da indústria brasileira no H-XBR,

considerando as empresas de capital nacional, apresentam graves constatações. Chama a

atenção o parco número de empresas brasileiras de capital nacional participantes dos projetos

de cooperação, consistindo na minoria dos fornecedores selecionados. Além disso, as

empresas de capital nacional representam os projetos menos complexos, tratando apenas de

produção parcial, montagem e manutenção. Também possuem os menores valores em termos

de compensação, representando apenas 22,7% dos créditos de cooperação. Nesse diapasão,

assim se manifestou o TCU:

“305. Como não há no Prosub ou no H-XBR restrição à participação de empresas

sob controle de capital estrangeiro como beneficiárias de processos de transferência

de tecnologia, também não há nenhum mecanismo legal ou contratual que imponha

restrições à possibilidade de que empresas de capital nacional beneficiadas por

processos de ToT sejam adquiridas por grupos estrangeiros.

306. Os dois riscos formam uma combinação que pode resultar em uso de

recursos públicos para financiar a instalação, no país, de empresas controladas

por capital estrangeiro, o que não garante independência tecnológica em

segmentos sensíveis para a segurança nacional; ou capacitar empresas de

capital nacional que, posteriormente, poderão ser controladas por grupos

estrangeiros. Essas duas possibilidades contrariam o fim visado pela END.”

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 49, grifos nossos)

De semelhante forma ao que ocorreu no PROSUB, o TCU chama a atenção para

dois fatores preocupantes no H-XBR que põem em risco o processo de nacionalização: a

inexistência de restrição à participação de empresas sob controle de capital estrangeiro como

beneficiárias de processos de transferência de tecnologia, nem a restrição à aquisição de

empresas de capital nacional por grupos estrangeiros. Assim, a utilização de recursos públicos

198

para fomentar a transferência de tecnologia para empresas de capital estrangeiro não se

coaduna com a diretriz 22 da END, que determina a capacitação da indústria nacional de

material de defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).

Em determinado ponto do Relatório de Auditoria Operacional do TCU, este diz

que uma transferência de tecnologia entre uma matriz e uma sua subsidiária, na realidade, se

trata de uma transferência para si mesma, representando um desperdício de recursos públicos,

quando remunerada pelo Erário, principalmente porque não contribui para o fomento da base

industrial brasileira nem para a autonomia em materiais de defesa (TRIBUNAL DE CONTAS

DA UNIÃO, 2013, p. 57).

O mesmo raciocínio pode ser aplicado no que concerne ao Projeto H-XBR, tendo

em vista a cedente principal de tecnologia dos helicópteros, qual seja, a Eurocopter, que

pertence ao grupo Airbus, também é acionista controladora da Helibras, a receptora de

tecnologia (HELIBRAS, 2014).

Ora, pelo que se tem observado no Projeto H-XBR, em seus projetos de

compensação que envolvem transferência de tecnologia e cooperação industrial, é que as

empresas selecionadas, principalmente para os projetos de maior valor e complexidade

tecnológica são, em sua maioria, subsidiárias de empresas estrangeiras, já fornecedoras em

sua matriz. De semelhante forma, a própria Helibras é uma empresa sob controle de capital

estrangeiro e, principalmente, da própria Eurocopter, que deveria ser a fornecedora de

tecnologia.

Acerca da regulação da propriedade intelectual da tecnologia transferida dentro do

Projeto H-XBR, além do trecho colacionado na página 181, assim se manifestou o TCU:

“239. Ao analisarmos as cláusulas contratuais relativas aos direitos de propriedade

intelectual, percebemos que a extensão de tais direitos ainda resta sem o devido

esclarecimento sobre as possibilidades de uso e as hipóteses que envolvem empresas

participantes dos projetos de cooperação industrial (ICPs). A possibilidade do

envolvimento de terceiros em processos de transferência de tecnologia na

condição de transferidor de conhecimento também é fonte de risco quanto à

efetividade dos recursos aplicados em transações de compensação, pois

representam investimentos já contratados e cujo direito de uso de eventuais

direitos de propriedade não se sabe se poderá ser de titularidade da

Aeronáutica ou de empresas nacionais. Deste modo, cabe à Aeronáutica e ao

MDIC, com o apoio do Ministério da Defesa, definir claramente a regulação

contratual das questões atinentes à propriedade intelectual nas contratações do

Projeto H-XBR.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 38, grifos

nossos)

Resumidamente, os direitos de propriedade intelectual permanecem, via de regra,

sendo do consórcio Helibras/Eurocopter, salvo os que foram adquiridos onerosamente pela

199

FAB, que não restaram claros quais são. Além desses, há licença de utilização sobre alguns

sistemas técnicos. Há também a licença de utilização para uso próprio, ou seja, não podendo

usar para fins comerciais as informações técnicas geradas pela integração de um míssil ao

helicóptero EC725. Ademais, o ponto levantado pelo TCU foi em relação aos direitos de

propriedade intelectual referentes aos terceiros que participam dos projetos de compensação,

especialmente dos ICPs. Assim concluiu o órgão:

“399. No H-XBR, concluímos que a extensão dos direitos relativos à propriedade

intelectual envolvidos nos projetos de cooperação industrial (ICPs) ainda resta sem o

devido esclarecimento. A possibilidade do envolvimento de terceiros (fornecedores

da Eurocopter) em processos de transferência de tecnologia, na condição de

transferidor de conhecimento, constitui risco para a efetividade dos recursos

aplicados nessas transações de compensação, pois representam investimentos já

contratados e cujo direito de uso de eventuais direitos de propriedade não se sabe se

poderão ser de titularidade da Aeronáutica ou de empresas nacionais.” (TRIBUNAL

DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, P. 62)

Em outras palavras, resta sem o devido esclarecimento o quê as empresas

beneficiadas pelos projetos de compensação poderão fazer com as tecnologias transferidas,

levando em conta os direitos de propriedade intelectual a elas referentes. Nesse sentido, assim

o órgão recomendou e determinou ao Comando da Aeronáutica:

“(iv) Recomendar ao Comando da Aeronáutica que:

a. intervenha nos projetos de cooperação industrial para que as indústrias

selecionadas detenham os direitos de propriedade intelectual referentes às

tecnologias absorvidas;

b. estude a possibilidade de adotar medidas de retenção de recursos humanos

durante e após a execução do Projeto H-XBR, a fim de evitar que recursos públicos

empregados em capacitação profissional sejam perdidos;

(v) Determinar ao Comando da Aeronáutica que:

a. mantenha controle de todos os custos relacionados ao Projeto H-XBR e

demais projetos sob sua gestão, incorporando a estes custos, entre outros, os valores

pagos a título de juros e de taxa de compromisso referentes às operações de crédito

contratadas para financiá-los, a fim de se obter a verdadeira dimensão do volume de

recursos públicos alocados a cada projeto; e

b. formalize critérios para reconhecimento dos créditos relativos aos Projetos de

Cooperação Industrial, considerando, em especial, o fato de que tais processos de

transferência de tecnologia se encontram em curso.” (TRIBUNAL DE CONTAS

DA UNIÃO, 2013, p. 65)

Em resposta, a FAB informou que: realiza gestões para que o máximo possível

dos direitos de propriedade se tornem posse das indústrias beneficiárias dos ICPs, dentro do

limite do contrato comercial, do acordo de compensação e da legislação aplicável; que não

dispõe de instrumentos que impeçam a evasão de ativos humanos capacitados pelo projeto,

por estarem vinculados a empresas privadas; que tomou as providências necessárias quanto ao

controle de custos e; que firmado um termo de cooperação técnica entre o MD e o MDIC para

200

formalização do reconhecimento de créditos relativos aos ICPs (TRIBUNAL DE CONTAS

DA UNIÃO, 2013).

Além das informações acima, cabe transcrever a percepção do implementador

entrevistado nessa pesquisa (RESPONDENTE A, 2016) acerca da possibilidade do Projeto H-

XBR propiciar independência nacional no respectivo setor.

“6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de

relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?

Resposta: Não existe a obrigação dessa vinculação com a empresa cedente. Até

mesmo porque, a escolha de empresas cedentes de T&T são apresentadas pela

Contratada e aprovada pela Contratante (União). O vínculo que porventura haja é

somente para operacionalização e futuros contratos em outros projetos.

7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no

país em momento posterior? E manutenido/modificado também?

Resposta: Produção total no Brasil seria em um futuro além de 15/20 anos.

Atualmente, existe um projeto de Offset cujo objetivo é realmente esse: produção

integral de um helicóptero 100% nacional. Nossa indústria hoje não possui essa

capacidade no ramos de helicópteros (diferentemente da aviação de asas fixas,

como, por exemplo, a EMBRAER). Tal projeto de Offset contempla os estudos

(inclusive com o envio de pesquisadores ao exterior), modelos matemáticos,

cálculos aerodinâmicos e produção de protótipos, com a futura comercialização do

modelo. O respectivo projeto ainda está em andamento já tendo passado da 1º fase

prosseguindo para a 2ª fase que trata do congelamento do modelo já estudado e

desenvolvido em laboratórios.

[...]

9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para

a independência tecnológica do país no respectivo setor?

Resposta: Certamente. Transferência de tecnologia não é adquirida da noite para o

dia. Leva-se anos para se obter um conhecimento e difundi-la e isso traz a soberania

do nosso País e a independência de outros países.” (ANEXO D, pp. 245-246)

Segundo avaliou o implementador, a percepção é positiva quanto à contribuição

do Projeto H-XBR para a independência nacional no setor. Espera-se que o relacionamento

com a cedente de tecnologia não seja obrigatório, sendo substituído pelas destinatárias de

transferência de tecnologia. De semelhante modo, contempla a produção total de um

helicóptero brasileiro num futuro além de 15 ou 20 anos, com a contribuição dos projetos de

offset do H-XBR para a indústria nacional, vez que esta, atualmente, é deficitária quanto à

produção de helicópteros. Por fim, o entrevistado considera que a transferência de tecnologia

exige um processo de anos, mas que o projeto teria sido capaz de contribuir com a soberania

do país.

Sendo assim, quanto ao indicador referente à possibilidade de alcançar

independência nacional, verifica-se que: se prevê a nacionalização de apenas 50% em valor

dos componentes dos helicópteros; não há participação suficiente de empresas brasileiras de

capital nacional no Projeto H-XBR, seja quantitativamente, seja qualitativamente; a

propriedade intelectual transferida para Aeronáutica, segundo os dados ostensivos, é

201

excepcional e restrita quanto à comercialização; existe obscuridade quanto à regulação da

propriedade intelectual em relação aos terceiros beneficiados pelos projetos de offset;

contudo, o projeto é capaz de contribuir para o desenvolvimento de helicóptero 100%

nacional num horizonte a partir de 15 ou 20 anos e proporcionar a independência do país no

setor.

Dessa forma, conclui-se que pode haver sim uma contribuição do Projeto H-XBR

para a independência nacional do país na produção de helicópteros, entretanto, havendo essa

contribuição ela é pequena, levando em conta o pequeno índice de nacionalização almejado e

aos insatisfatórios aportes à indústria de capital brasileiro, ainda demandando grande parcela

de insumos importados. Ainda que se vislumbre a possibilidade de produção de um

helicóptero nacional, não se pode esquecer do controle acionário que empresas estrangeiras

possuem nas possíveis fornecedoras desses helicópteros, especialmente a Helibras, que é

controlada pela própria Eurocopter, integrante do grupo Airbus. Da mesma forma, a

obscuridade na regulação da propriedade intelectual dificulta a percepção da possibilidade de

independência, tendo em vista que não se pode vislumbrar o que se poderia fazer com essa

tecnologia recebida ou seu uso comercial. Portanto, o modelo lógico do referido indicador

aponta para a insuficiência do mesmo para garantir o cumprimento das diretrizes da END, ou

seja, A→B≠C, sendo que A→B<C.

4.3.8 – Conclusões

Para seguir com as conclusões dessa pesquisa a respeito da avaliação do processo

de transferência de tecnologia do Projeto H-XBR, insta fornecer seu o Modelo de Consecução

de Objetivos, que pode ser representado da seguinte forma:

202

Figura 24 – Modelo de Consecução de Objetivos do H-XBR

Fonte: Elaboração própria com adaptação de VEDUNG, 1997.

A fim de responder a indagação proposta pelo modelo de consecução de objetivos

e da presente avaliação, os fatores internos do H-XBR que são relevantes para seu objetivo

são representados pelos indicadores acima valorados, quais sejam: transmissão de know-why,

que apresentou ótimo resultado, mas insatisfatório dentro da plenitude almejada pela END;

possibilidade de difusão, que apresentou resultado positivo; e possibilidade de alcançar

independência tecnológica no setor, que apresentou resultado ruim, em decorrência dos

problemas com o baixo índice de nacionalização, com a participação de empresas de capital

nacional e com a questão da regulação da propriedade intelectual, impedindo o alcance pleno

do objetivo almejado pela END.

A respeito dos fatores externos que tem constituído os maiores obstáculos ao

projeto, o implementador entrevistado (RESPONDENTE A, 2016) respondeu que são dois: a

flutuação cambial, que reflete no aumento de custos do projeto, tendo em vista que o contrato

foi assinado em euros; o aporte financeiro por parte do Governo, que depende de questões

orçamentárias e aprovação (ANEXO D)

Dessa forma, a presente pesquisa conclui que a implementação dos contratos de

transferência de tecnologia do Projeto H-XBR, embora possa ter contribuído com a aquisição

de tecnologia para o país, da forma que se apresenta pelos dados obtidos até a data deste

trabalho, possui sérios entraves à efetiva independência do setor em termos de atuação da

Base Industrial de Defesa brasileira, não se mostrando adequado ao objetivo proposto pela

END (2012d), qual seja, obter independência e autonomia industrial e tecnológica no setor de

203

materiais de defesa, aqui no caso, helicópteros. De semelhante modo ao que ocorreu com o

PROSUB, essa insuficiência se dá não por defeito da implementação ou da atuação dos

agentes implementadores, mas por deficiência na concepção e estruturação do programa

decorrente da decisão política em se aproveitar a oportunidade de firmar parceria com a

França naquele momento, o que acabou por refletir na definição do arranjo contratual.

204

CAPÍTULO 5

CONCLUSÕES

Esta dissertação teve o objetivo de investigar quais os fatores comuns que

influenciam os processos de transferência de tecnologia de programas militares, de forma que

eles estejam alinhados com as diretrizes políticas e estratégicas para aquisições de Defesa.

Para tanto, se dedicou a avaliar o processo de transferência de tecnologia de alguns programas

militares escolhidos e distintos entre si em complexidade e instituições implementadoras, a

fim de verificar a influência dos mencionados fatores comuns e se os mesmos estão ocorrendo

em consonância com as diretrizes plasmadas na END (2012d), especialmente no que concerne

ao seu objetivo de conferir uma atuação autônoma no cenário internacional, por meio da

obtenção de independência tecnológica e da reestruturação da Base Industrial de Defesa,

devendo as aquisições de material bélico se pautar nesses direcionamentos.

Sendo assim, após a exposição do referencial teórico que pauta este trabalho e da

abordagem metodológica que foi utilizada, procedeu-se à avaliação dos programas PROSUB,

Guarani e H-XBR no que tange às expectativas dos seus contratos e processos de

transferência de tecnologia. Buscou-se analisar os resultados preliminares obtidos em relação

aos resultados esperados. Diante do exposto, seguem-se as conclusões que a presente pesquisa

depreendeu das avaliações realizadas.

Primeiramente, cabe reforçar novamente que não foi objetivo deste trabalho fazer

equiparações entre os programas avaliados, que se diferem quanto à sua complexidade,

recursos empreendidos, e aspectos circunstanciais que cada um teve que enfrentar. Por

exemplo, um submarino com propulsão nuclear é um meio deveras mais complexo

tecnologicamente do que um helicóptero de médio porte, que por sua vez é mais sofisticado

que um blindado de transporte de pessoal. É de se esperar que um processo de transferência

de tecnologia do primeiro exemplo seja mais desafiador, sobretudo ao se considerar o tanto de

tecnologia sensível que o mesmo possui, ao contrário do último, que, segundo Ferreira (2014)

não possui tantas tecnologias sensíveis. No mesmo sentido, cada setor aqui analisado possui

seu próprio contexto dentro da realidade brasileira, variando desde seus antecedentes

históricos até o número de empresas brasileiras que fornecem os componentes. Dessa forma,

esta pesquisa não quer imprimir caráter de competição aos programas avaliados. O que se fez

foi buscar a existência de fatores comuns influenciadores dos processos de transferência de

205

tecnologia entre eles e aplicar uma metodologia em cada programa para que ele fosse avaliado

por si mesmo, em relação às diretrizes propostas pela END.

Sendo assim, a pesquisa constatou, por meio do referencial teórico, que existem

fatores comuns entre os programas militares que podem ser usados para avaliar os respectivos

processos de transferência de tecnologia, quais sejam: transferência de know-why, além do

know-how; possibilidade de difusão dos conhecimentos recebidos para outros

empreendimentos e; possibilidade de alcançar independência nacional no setor, referente à

nacionalização da produção, especialmente no que tange à atuação de empresas nacionais e

regulação da propriedade intelectual advinda dos processos. Cada fator influencia no

alinhamento ou não da transferência de tecnologia dos programas aos objetivos traçados pela

END para as aquisições de Defesa, seja qual for o grau de complexidade e quem é o

responsável por implementar o programa. Assim, cada um foi utilizado como indicador dentro

da metodologia utilizada para a atividade avaliativa.

A partir da aplicação metodológica da avaliação de políticas públicas, utilizando

os modelos lógicos e analíticos propostos e as fontes escolhidas para obtenção de dados, cada

indicador foi valorado em cada programa, permitindo que esta pesquisa chegasse a algumas

conclusões sobre cada um deles. As principais fontes utilizadas foram algumas das cláusulas

contratuais dos respectivos empreendimentos, o relatório da auditoria do TCU (2013),

documentos e respostas oficiais emitidas pelas Forças e, principalmente, entrevistas com

implementadores por meio de questionário misto em amostragem por acesso, entre outras

fontes primárias e secundárias. É possível que uma suposta parcialidade dos entrevistados

tenha influenciado na avaliação de forma a não depreciar o próprio trabalho, porém, há de se

salientar que, pela leitura das respostas, os questionados não temeram em responder

negativamente alguns dos itens perguntados, sendo que tal sinceridade deve ser considerada.

Em relação ao PROSUB, a presente pesquisa concluiu que a implementação dos

processos de transferência de tecnologia, não obstante tenha tido sucesso em adquirir

tecnologia sensível efetiva para o Brasil e elevar o patamar tecnológico das empresas

brasileiras envolvidas, não se mostrou suficiente para atingir o fim último de se obter

independência e autonomia industrial e tecnológica no setor de produção de submarinos,

sobretudo por deficiência nos fluxos de conhecimentos a serem transmitidos, pela tímida

participação de empresas de capital nacional na nacionalização da produção e por restrições

ao uso da propriedade intelectual. Essa insuficiência se mostra não por defeito da

implementação ou da atuação dos agentes implementadores, mas por deficiência na

concepção e estruturação do programa decorrente da decisão política em se aproveitar a

206

oportunidade de firmar parceria com a França naquele momento, o que acabou por refletir na

definição do arranjo contratual e abrir espaço para a verificação do cerceamento tecnológico.

Acerca do Projeto Guarani, a conclusão desse trabalho foi que a implementação

do Projeto Guarani, no que diz respeito à transferência de tecnologia, tem contribuído com a

aquisição de conhecimento para o país, de forma a fomentar a Base Industrial de Defesa, se

mostrando condizente com as diretrizes da END (2012d), quais sejam, obter independência e

autonomia industrial e tecnológica no setor de materiais de defesa, aqui no caso, blindados.

Constata-se uma grande preocupação da Força terrestre nas fases de concepção e estruturação

do projeto, que tem permitido o sucesso do mesmo no objetivo proposto. Ademais, além da

verificação positiva de todos os fluxos de conhecimento e da possibilidade de difusão, o

projeto é marcado pela detenção da propriedade intelectual do veículo integrado nas mãos do

Exército Brasileiro, o que permite o controle da cadeia produtiva do mesmo, ainda que esta

seja internacionalizada.

Finalmente, quanto ao Projeto H-XBR, a pesquisa concluiu que a implementação

dos seus contratos de transferência de tecnologia, embora possa ter contribuído com a

aquisição de tecnologia para o país, apresenta relevantes obstáculos à efetiva independência

do setor em termos de atuação da Base Industrial de Defesa brasileira, não se mostrando

adequado ao objetivo proposto pela END (2012d), qual seja, obter independência e autonomia

industrial e tecnológica no setor de materiais de defesa, aqui no caso, helicópteros. De

semelhante modo ao que ocorreu com o PROSUB, essa insuficiência se dá não por defeito da

implementação ou da atuação dos agentes implementadores, mas por deficiência na

concepção e estruturação do programa decorrente da mesma janela de oportunidade política

em relação à França, o que acabou por refletir na definição dos termos do contrato. Valendo

mencionar que tal processo decisório durou apenas 22 dias, sendo verificada a ausência de

alguns fluxos de conhecimento e óbices quanto à nacionalização da produção e obtenção de

propriedade intelectual. Mais uma vez, se pode constatar que a carência dos mecanismos

institucionais que regem os programas abre espaço para a prática cada vez maior de

cerceamento tecnológico.

Em termos de políticas públicas, considerando o entendimento de que

representam o nexo entre teoria e ação por parte do Estado (PEDONE, 1986), especialmente o

PROSUB e o H-XBR evidenciam um descompasso nesse nexo. Os respectivos modelos de

teoria da intervenção (FIGURAS 12 e 21), baseados em Vedung (1997), apontam como

hipóteses causais das referidas intervenções o déficit tecnológico e a desestruturação da BID,

que provocam a dependência tecnológica em relação aos respectivos meios de defesa e o

207

consequente comprometimento da ação autônoma do país. Contudo, os resultados dessa

pesquisa apontam que as intervenções representadas pelos mencionados programas não se

mostram, até o momento, suficientes para modificar tal condição problemática que as ensejou.

Ou seja, a ação do Estado não apresenta perfeito nexo com a teoria que a motivou nos

programas PROSUB e H-XBR.

Vale reforçar que tal conclusão não significa dizer que os citados programas são

fracassados. Ao discorrer sobre a abordagem metodológica, trabalhou-se com a análise de

implementação enxergada pelas duas tradicionais escolas a fim de efetuar a presente pesquisa:

top-down e bottom-up. A primeira prioriza as decisões políticas de topo, seu processo de

formulação e as normas estruturantes que direcionam a implementação aos objetivos fixados.

A segunda preconiza a capacidade dos agentes implementadores de tomar decisões e criar

rotinas e dispositivos para lidar com as incertezas, pressões e escassez de recursos que muitas

vezes trabalham, sendo relevantes para determinar o sucesso ou não da implementação.

Verificada a impossibilidade de escolher uma ou outra escola diante da peculiaridade das

aquisições de defesa e do meio militar, a pesquisa utilizou a escola top-down para avaliar os

contratos de transferência de tecnologia, por meio dos documentos oficiais e instituições

envolvidas, e a escola bottom-up para verificar o sucesso ou não da transferência de

tecnologia, mediante entrevista aos agentes implementadores.

Ao questionar os responsáveis pela absorção de tecnologia, verificou-se que tais

programas obtiveram sucesso na transferência da mesma, abaixo da expectativa que se

propuseram, mas ainda assim possuem a potencialidade de elevar o patamar tecnológico da

indústria de defesa brasileira. Assim, dentro da ótica bottom-up, é possível afirmar que no que

dependia da ação dos agentes implementadores para prosseguir com os programas diante das

eventuais incertezas, eles tem dado efetivo seguimento aos mesmos dentro da estrutura

proposta. Isso se corrobora pelos índices positivos de transferência de fluxos de

conhecimento, possibilidade de difusão e pelas sucessivas correções que os programas

procederam, mediante termos aditivos contratuais ou outras medidas, com destaque para as

apontadas pelo TCU (2013).

Por outro lado, a problemática em relação aos programas se verificou ao analisar

os contratos de transferência de tecnologia sob a perspectiva top-down. Sendo assim, como de

fato prega a escola, o destaque negativo retorna às fases de formulação das políticas públicas,

em especial, os momentos de concepção e estruturação dos programas avaliados. Nesse

aspecto, a deficiência de mecanismos estruturantes constituiu obstáculo à implementação dos

mesmos em direção aos objetivos propostos.

208

Das avaliações realizadas, dos já mencionados fatores comuns que influenciaram

os processos, pode-se depreender um fator maior que os abrange, comum a todos os

programas que influenciou diretamente no resultado alcançado por eles foi o ambiente

institucional que pautou as respectivas contratações. Em outras palavras, sob o prisma da

pergunta de pesquisa proposta por este trabalho, além dos fatores comuns da transferência de

know-why, da possibilidade de difusão e possibilidade de nacionalização, ao término das

avaliações, foi possível constatar um fator maior que os abrange e também é comum aos

programas militares, influenciando o processo de transferência de tecnologia, que é o

ambiente institucional do país em que se desenvolve a atividade. Esse ambiente compreende:

as instituições políticas responsáveis pela tomada de decisão; a legislação aplicável a

aquisições de defesa; a legislação concernente às empresas brasileiras; a estrutura contratual

de cada programa; o orçamento e mecanismos relacionados; e os agentes implementadores

dos mesmos.

Como dito anteriormente, as decisões finais sobre o PROSUB e o H-XBR foram

tomadas politicamente, ou seja, pelos mais altos agentes políticos do Brasil e da França, para

aproveitarem uma janela de oportunidade para cooperação em defesa entre os dois países.

Assim, diante da necessidade de se tomar uma decisão em um curto prazo, os referidos

programas apresentaram defeitos em suas fases de concepção e estruturação que refletiram

nos seus respectivos processos de transferência de tecnologia (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013). A decisão do Projeto Guarani, por ser menos complexo e envolver menos

recursos, foi tomada dentro do Exército Brasileiro, como resultado de uma concepção que

durou desde 1998 (FERREIRA, 2014) e uma estruturação que transcorreu sem a mesma

necessidade de pressa que os programas mencionados acima. Diante de tais resultados, faz-se

necessário considerar um processo mais transparente e participativo de tomada de decisão,

considerando o regime democrático do país, de forma que a maior participação de atores

capacitados, com diferentes pontos de vista e informações, possa contribuir para a melhora na

qualidade das negociações, da concepção e da estruturação de programas, bem como da

priorização política do tema.

A legislação também possui influência determinante nos processos de transmissão

tecnológica dos programas. A respeito do PROSUB e do H-XBR, por exemplo, verificou-se

que o aparato legal existente no Brasil, tanto à época da contratação quanto hodiernamente

com o advento da Lei nº 12.598/2012, se mostra insuficiente para reger aquisições de defesa

mais complexas, como no referido caso (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013,

p.62). Ademais, a legislação também encontra lacunas no que concerne à definição de

209

empresas brasileiras de capital nacional e sua participação nesses programas, bem como à

restrição de empresas estrangeiras de as adquirirem ou de fecharem suas subsidiárias em

território nacional, sendo certo que a transferência de tecnologia de uma matriz para sua

subsidiária pouco acrescenta em conhecimento para o país (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013). Além disso, a legislação também não contribui para mitigar o risco de evasão

do capital humano capacitado nos respectivos processos de aquisição tecnológica, não

somente no sentido proibitório, mas na falta de criação de condições estimulantes para a

permanência de tais recursos.

Nesse sentido, há um grande óbice ao que se entende hoje por nacionalização, que

apresenta um critério tão somente territorial para a produção de meios de defesa dentro do

país, deixando a desejar no que tange à capacitação da indústria de capital nacional e na

obtenção da propriedade intelectual. No Projeto Guarani, por apresentar uma estrutura menos

complexa, logrou em obter resultado positivo na transferência de tecnologia. Ainda que

enfrente o mesmo desafio da nacionalização mencionado acima, ele é mitigado em

decorrência do domínio do patrimônio intelectual do projeto pela Força terrestre, que coloca o

país no centro da cadeia produtiva do blindado.

Nesse diapasão, a legislação reflete diretamente na estrutura contratual que rege

os programas no aspecto da transferência de tecnologia, especialmente no que diz respeito à

participação de capital humano no processo de absorção, à nacionalização, com a participação

de empresas brasileiras de capital nacional e à regulação da propriedade intelectual. Os três

programas possuem a previsão contratual de utilizar pessoal qualificado para acompanhar os

projetos e absorver tecnologia, embora, como já mencionado, há poucas garantias de que

esses recursos humanos não se evadam para outras áreas ou localidades.

Contudo, quanto à propriedade intelectual, o Projeto Guarani se destaca em

conferir a titularidade do blindado ao Exército Brasileiro, ainda que possua uma cadeia

produtiva internacionalizada, esta é centralizada no Brasil, que comanda o desenvolvimento e

produção, podendo substituir os fornecedores e fazendo jus ao recebimento de royalties em

eventuais exportações para outros compradores (ANEXO F). O PROSUB também possui

previsão de direitos de propriedade intelectual exclusivos à Marinha do Brasil, especialmente

do SN-BR, da UFEM e EBN, contudo, seus contratos possuem algumas restrições quanto à

comercialização dos submarinos convencionais S-BR e transferência de tecnologia a terceiros

(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Já o Projeto H-XBR demonstra falta de

clareza na extensão dos direitos relativos à propriedade intelectual envolvidos nos ICPs, além

da possibilidade do envolvimento de terceiros (fornecedores da Eurocopter) em processos de

210

transferência de tecnologia representar risco, pois se trata de um empreendimento já

contratado, mas que não se sabe se a FAB ou empresas nacionais poderão ser titulares de

eventuais direito de uso sobre o conhecimento recebido (TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO, 2013).

Na mesma toada, chama a atenção um fator salientado por todos os

implementadores entrevistados: a restrição orçamentária como fator externo e maior obstáculo

à implementação dos programas. Isso consiste em mais um mecanismo institucional que se

mostra insatisfatório para que os programas avaliados possam cumprir seus prazos, arcar com

suas despesas e melhor negociar os termos de contratos. A oscilação das verbas também

mostra a variação da prioridade dos referidos programas dentro da agenda política.

Dessa forma, a presente pesquisa conclui que os processos de transferência de

tecnologia dos programas PROSUB, Guarani e H-XBR foram concebidos, elaborados e

estruturados dentro de um ambiente institucional imperfeito, que constituiu obstáculo para

que se pudessem alcançar os objetivos traçados pela PND e pela END, sendo tal o maior fator

comum aos programas que influenciaram seus respectivos processos. Ainda que o Projeto

Guarani tenha tido sucesso nesta avaliação, também está inserido na assertiva acima, pois,

sendo o menos tecnologicamente complexo de todos os programas, corrobora a conclusão do

Tribunal de Contas da União (2013) que o aparato legal brasileiro se mostra insatisfatório

para reger contratações mais complexas, como nos casos do PROSUB e H-XBR.

Sendo o desenvolvimento tecnológico um processo social e a guerra um

fenômeno político, a área de CT&I e sua inserção como prioridade estratégica para pautar as

aquisições de defesa, deve também ser entendida pela ótica da política (PROENÇA JÚNIOR;

DINIZ, 1998; DUARTE, 2012), não só nos aspectos técnicos, operacionais ou táticos. Por

esse motivo é que a PND (BRASIL, 2012c) e a END (BRASIL, 2012d) instrumentalizam a

aquisição de tecnologia para obtenção da independência nacional, um objetivo político. Isso

se corrobora pela constatação nos programas avaliados de um ambiente de cerceamento

tecnológico em que as aquisições de materiais de defesa estão inseridas em todas as suas

fases. Verificou-se que as carências institucionais que surgiram nos programas apresentam

relação com o maior ou menor grau de tecnologias retidas à transferência. Maiores as

deficiências, maior o cerceamento, menores as deficiências, menor o cerceamento. Trata-se

mesmo, no fim das contas, de uma relação política, ou seja, entre duas forças representadas

por quem não tem tecnologia e quer adquirir e quem a tem e não deseja ceder.

Constata-se, portanto, que os resultados desta pesquisa apontam para um

despreparo institucional para implementar as decisões políticas em aquisições de defesa de

211

forma a atingir os objetivos traçados pelas diretrizes também políticas. Portanto, para alcançar

as referidas metas de estado, faz-se necessário o aperfeiçoamento das instituições

responsáveis por reger e implementar as políticas públicas concernentes.

Em outras palavras, para que aquisições militares possam ser utilizadas como

instrumentos de políticas públicas para elevação do patamar tecnológico e da reestruturação

da base industrial de defesa nacional, não podem gerar em si mesmas, isoladamente,

expectativas quanto ao objetivo estratégico de independência tecnológica, mas devem fazer

parte de um conjunto integrado e maior de políticas referentes ao setor, especialmente as que

refletem nos mecanismos institucionais que irão reger tais aquisições e implementá-las.

Isso quer dizer, concretamente: maior transparência na negociação, tomada de

decisão, concepção e estruturação dos programas; aperfeiçoamento na legislação que rege

contratações complexas e seus instrumentos contratuais; melhor definição do conceito de

nacionalização e empresas brasileiras de forma melhor qualificar tal processo em programas

militares, priorizando a participação da indústria de capital nacional; formulação e

implementação de políticas públicas assessórias para “preparar o terreno” em relação a

empresas de capital nacional, para que estejam aptas a absorver tecnologia e dar seguimento a

difusão da mesma, de forma que os programas militares não dependam de subsidiárias

estrangeiras, bem como reter o capital humano capacitado no país; políticas públicas que

busquem elevar o patamar tecnológico do país que não dependam de transferência de

tecnologia, a partir de processos de P&D por exemplo, mas que ao lado dela seja mais uma

vertente de atuação em prol da Defesa; e priorização política das questões estratégicas

brasileiras, especialmente as representadas pelas aquisições de defesa, que se reflitam na

disposição de recursos financeiros suficientes, estáveis e previsíveis, permitindo maior poder

de barganha nas negociações de aquisição de tecnologia e o efetivo cumprimento de prazos e

compromissos.

212

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WU, Chen-Yu. KNOKE, David. Policy Network Models. In: ARARAL JR, E. FRITZEN, S.

HOWLETT, M. RAMESH, M. WU, X. (Eds.) Routledge Handbook of Public Policy.

London and New York: Taylor and Francis Books, 2013.

227

ANEXO A – Lista dos respondentes do questionário padrão

BARBOSA JÚNIOR, Carlos Eduardo de Almeida (Engº). Especialista em Engenharia de

Sistemas, Fundação Ezute. Coordenador Técnico e Arquiteto do Sistema CMS do PROSUB.

Questionário enviado em 04 de novembro de 2015. Respondido em 11 de novembro de 2015.

PINTO, Eduardo Gomes Ferreira (TC). Adjunto do Projeto de P&D da Família de Blindados

Guarani, Exército Brasileiro. Questionário enviado em 21 de outubro de 2015. Respondido

em 22 de março de 2016.

RESPONDENTE A. Oficial superior, Gerente do Programa H-XBR, Força Aérea Brasileira.

Questionário enviado em 08 de dezembro de 2015. Respondido em 10 de fevereiro de 2016.

RIBEIRO JÚNIOR, Euclides (CF R1 – EN). Fiscal do Contrato de Transferência de

Tecnologia de Construção de Submarinos Convencionais do PROSUB, Marinha do Brasil.

Questionário enviado em 08 de outubro de 2015. Respondido em 12 de novembro de 2015.

TALON, João Domingos (CMG R1 – FN). Gerente do Programa de Nacionalização do

PROSUB, Marinha do Brasil. Questionário enviado em 08 de outubro de 2015. Respondido

em 12 de novembro de 2015.

228

ANEXO B – Questionários respondidos em relação ao PROSUB

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa

Laboratório Defesa e Política[s]

Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira

QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA

1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que

período.

Resposta:

Carlos Eduardo de Almeida Barbosa Junior

Cargo: Especialista em Engenharia de Sistemas

Função: Coordenador Técnico e Arquiteto do Sistema CMS

Período: Set/2011 a Dez/2014

2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?

Resposta:

O PROSUB é muito amplo e complexo e por este motivo é dividido em vários

empreendimentos (i.e. Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas – UFEM, Estaleiro,

Base Naval, Projeto e Construção dos S-BR e, por fim, Projeto e Construção do SN-BR).

Cada um dos empreendimentos é então subdividido em fases e, no caso dos submarinos, em

grandes sistemas que compõem o navio.

No meu caso específico, pude atuar nas fases de projeto e desenvolvimento do Sistema

de Combate dos S-BR, mais especificamente na prontificação de um subsistema denominado

CMS (Subsistema de Gerenciamento do Sistema de Combate), considerado o “maestro” do

Sistema de Combate, dada sua posição central no tratamento de dados coletados por sensores

embarcados, criação e gerenciamento da situação tática e consciência situacional de combate

e, por fim, no gerenciamento do processo de engajamento através da utilização do subsistema

de armas.

No âmbito do CMS absorvemos conhecimento de sua arquitetura, de software e

hardware, através de atividades ditas OJT (on-the-job training) e fomos responsáveis pela

construção, do zero, de dois módulos de seu software. No tocante a este escopo, as atividades

foram concluídas, sendo a visão sistêmica do CMS absorvida e os módulos sob nossa

229

responsabilidade sendo especificados, projetados, desenvolvidos, integrados e testados pela

nossa equipe em trabalhos supervisionados por representantes da empresa DCNS e da MB.

Para desempenhar nossas atividades seguimos o processo de desenvolvimento da

DCNS que no caso do Sistema de Combate tem papel de Autoridade de Projeto e Integradora

do Sistema e, mais especificamente no caso do subsistema CMS, tem papel de fornecedora,

pois o desenvolve e o mantem internamente, em uma divisão interna de Sistemas que atende

inclusive outros programas, de submarinos e de navios de superfície.

Conforme mencionado, ao longo dos trabalhos na França nós fomos duplamente

supervisionados: Pelos franceses com papel de autoridade de projeto, os quais nos delegaram

algumas responsabilidades, e pelos representantes da MB, ora responsáveis pelo

acompanhamento da nacionalização de partes do Sistema de Combate (incluindo partes do

software), ora diretamente envolvidos no próprio ToT/ToK do mesmo Sistema.

No tocante ao Sistema de Combate, o mesmo encontra-se na presente data em término

da etapa de integração de seus vários subsistemas. Esta etapa deve ser concluída com os testes

de aceitação em plataforma de integração, ainda em solo francês.

3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?

Resposta:

Distanciamento entre a produção e as atividades de ToT/ToK. Foi criado um conjunto

de atividades em paralelo à produção para a realização da transferência de conhecimento. A

meu ver fazer parte das equipes de produção, de forma gerenciada, teria sido mais eficiente.

4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de

tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido

programa.

Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Procedimentos de produção/cronograma e

organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Processos/Design da produção e engenharia,

Know-Why, Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

230

conhecimentos de dados de engenharia

Gerenciamento de Projeto/ Procedimentos de

engenharia e expertise ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias e pesquisa

de conhecimentos, dados, procedimentos,

entre outros.

(x) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento

do programa? Corresponde às expectativas iniciais?

Resposta:

A transferência pode ser considerada satisfatória. Logicamente o processo poderia ter

sido realizado de forma a prover maior experiência prática, através da remoção dos obstáculos

mencionados na questão 3. Isso aumentaria consideravelmente nosso nível de prontidão para

manutenção e evolução do Sistema no futuro.

A meu ver é importante destacar que o ciclo de absorção de conhecimento pode ser

considerado fechado apenas quando este ativo absorvido puder ser empregado dentro da

realidade nacional, no âmbito do programa. Este ciclo se fecha quando for necessário realizar

a dita manutenção e/ou evolução do sistema aqui no Brasil, dentro da realidade nacional, de

forma alinhada com os objetivos da Marinha do Brasil. Ainda não chegamos nesta fase e,

portanto, tal conhecimento ainda não foi empregado fora do contexto de transferência

realizado nas dependências da DCNS, na França.

6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de

relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?

Resposta:

Sim, pois o Programa prevê atividades a serem realizadas no Brasil no que diz respeito

à Integração do Sistema de Combate (Setting-to-Work, Verificação e Validação, Qualificação,

Testes no Porto e no Mar) e manutenção corretiva e evolutiva dos módulos de software que

desenvolvemos.

7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em

momento posterior? E manutenido/modificado também?

Resposta:

Sim, a meu ver sim. Considerando o produto sendo o Sistema de Combate, que em

uma visão de Engenharia de Sistemas pode ser caracterizado com um Sistema de Sistemas.

Cada um dos subsistemas pode ser considerado um produto diferente.

231

Com elação ao CMS este desenvolvimento deve ser planejado considerando a

singularidade e a complexidade do subsistema. O planejamento do desenvolvimento do CMS

está diretamente ligado às decisões de quais outros subsistemas, de complexidade similar ou

ainda maior (i.e. Sonar, Radar e Torpedo), serão parte do Sistema de Combate.

Com relação ao Sistema de Combate é importante mencionar que a MB e certas

indústrias da BID (Fundação Ezute incluso) já têm condições de iniciar o desenvolvimento de

determinados subsistemas e, portanto, a tecnologia e conhecimento obtidos completam e/ou

fazem com que o know-how e know-why sejam ainda mais dominados. Há outros subsistemas,

os quais têm programas distintos de desenvolvimento nacional, que certamente se

beneficiarão das informações e conhecimentos obtidos através do ToT/ToK do PROSUB.

8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros

empreendimentos, militares ou civis?

Resposta:

Sim. O conhecimento da metodologia francesa para a engenharia e integração de

Sistemas de Combate bem como conhecimento sobre uma plataforma para desenvolvimento

de software de Sistemas de Combate.

9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a

independência tecnológica do país no respectivo setor?

Resposta:

Sim. Mas é importante lembrar que o ciclo de transferência, a meu ver, somente se

conclui com a aplicação do conhecimento absorvido. Esse aspecto é fundamental para o

domínio tecnológico e, consequentemente, para a independência da indústria neste segmento.

232

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa

Laboratório Defesa e Política[s]

Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira

QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA

1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que

período.

Resposta:

Capitão-de-Fragata (EM) Euclides Ribeiro Júnior

Fiscal do Contrato de Transferência de Tecnologia de Construção de Submarinos

Convencionais

2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?

Resposta:

No que se refere à Transferência de Tecnologia para Construção dos Submarinos

Convencionais (Contrato 6.1), os conhecimentos a serem obtidos encontram-se estabelecidos

no Contrato 6. Os conhecimentos a serem obtidos nesta parte do Contrato estão relacionados

com o aprendizado da maneira “COMO” a DCNS constrói submarinos. A Maioria dos

treinamentos é realizada na modalidade On the Job Training (OJT), ou seja, na medida em

que os operários brasileiros executam as diversas atividades de construção de um submarino

vão absorvendo os conhecimentos.

O objeto do contrato de transferência de tecnologia para construção dos submarinos

convencionais, assinado entre a Marinha do Brasil e a DCNS, é composto basicamente por

três entregáveis:

Pacote de Dados Técnicos;

OJT (On the JOB Training) e Treinamento para Construção e

Assistência Técnica.

O Pacote de Dados Técnicos é constituído pelos documentos suficientes e necessários para

Construção dos Submarinos Convencionais.

O treinamento para a construção foi dividido em 04 fases, relacionadas abaixo:

233

Fase 1: Aquisição de Base – Realizada na França para reforçar os conhecimentos dos

trainees brasileiros e para detalhar os novos conhecimentos, através de aulas teóricas e

práticas.

Fase 2: Aplicação inicial dos conhecimentos e tecnologias, sob supervisão da DCNS –

Realizada na França e no Brasil para colocar os trainees em situações reais de trabalho

(OJT na França, durante a construção das seções 3 e 4 e no Brasil durante a

Construção da Seção de Qualificação e OJT nas oficinas e durante a construção do S-

BR1); e

Fase 3: Reprodução no Brasil dos itens aprendidos, através da Transferência de

Tecnologia, com apoio da Assistência Técnica da DCNS;

Fase 4: Autonomia na Construção e Aumento da Produtividade.

As atividades de Assistência Técnica estão sendo desenvolvidas durante a construção dos

SBR no Brasil, para suportar as atividades nas quais já houve treinamento, com o objetivo de

fornecer apoio técnico aos treinandos (Fase 3 do processo de treinamento).

De uma forma genérica os S-BR são construídos no Brasil pelos técnicos

qualificados/treinados pela DCNS, utilizando o Pacote de Dados Técnicos, sob a supervisão

da assistência técnica desta empresa.

Atualmente a fase de treinamento na França foi encerrada e foi iniciada a fase de assistência

técnica no Brasil, como também a fase de treinamentos no Brasil, para cobrir as lacunas de

conhecimento que não foram contempladas durante a fase de treinamento na França. As

atividades de assistência técnica e Treinamento no Brasil encontram-se em andamento,

criando o ambiente propício para a multiplicação do conhecimento obtido.

Ressalta-se que durante a execução dos treinamentos, os treinandos elaboram Relatórios

Técnicos (RETEC), com o objetivo de solidificar e materializar o conhecimento adquirido.

No Brasil a Seção de qualificação teve a sua fabricação prontificada e a NUCLEP foi

homologada pela DCNS para fabricar os cascos resistentes dos Submarinos convencionais,

representando um grande progresso na direção de atingir a autonomia na Construção.

Até o presente momento 259 brasileiros participaram do processo de transferência de

tecnologia na França, sendo 99 servidores da MB (civis e militares), 90 funcionários da

Itaguaí Construções Navais (ICN) e 70 funcionários da NUCLEP.

3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?

Resposta:

234

Como em qualquer projeto desta complexidade e magnitude, existem discursões pontuais

relacionados com a sua implementação, entretanto, no atual estágio de execução, não

configuram nenhum grande óbice ou obstáculo para o programa, porém devem ser

acompanhados com atenção. Entre os pontos de vigilância do contrato, cita-se o fornecimento

do Pacote de Dados Técnicos.

4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de

tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido

programa.

Design do Produto/Especificações* ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Design dos processos e projetos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Procedimentos de

produção/cronograma e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why,

Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e

expertise

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias e

pesquisa de conhecimentos, dados,

procedimentos, entre outros.

(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Design do Produto/Especificações* - O Design do Submarino não faz parte da Transferência de Tecnologia

para Construção. A DCNS apenas vai fornecer as especificações técnicas.

5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento

do programa? Corresponde às expectativas iniciais?

Resposta:

No atual estágio das atividades de construção, ainda não é possível avaliar se as expectativas

iniciais estão sendo correspondidas, mas em virtude do cumprimento de algumas metas

intermediárias, como por exemplo, a homologação da NUCLEP para fabricar o Casco

Resistente dos SBR, é possível inferir que o estágio atual de execução está alinhado com os

objetivos do programa.

235

6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de

relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?

Resposta:

Conforme mencionado acima, o objetivo a ser alcançado pela transferência de tecnologia para

a construção é a construção de submarinos convencionais, do Brasil, de forma autônoma e

independente. Desta forma, é fundamental para o sucesso do processo, que ao final do

mesmo, a MB/ICN/NUCLEP sejam capazes de construir submarinos convencionais de forma

autônoma e independente.

7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em

momento posterior? E manutenido/modificado também?

Resposta:

Ao final do processo é esperado que a MB adquira a capacitação para construir submarinos

convencionais e posteriormente também é esperado que esta mão-de-obra qualificada seja

empregada na construção do submarino com propulsão nuclear.

A capacitação para projetar, alterar ou manter submarinos não faz parte do escopo do

contrato de transferência de tecnologia para construção de submarinos convencionais.

Estas outras capacitações são objeto de outros contratos

8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros

empreendimentos, militares ou civis?

Resposta:

Sim, embora as atividades relacionadas com a construção de submarinos sejam muito

específicas, podemos esperar algum tipo de difusão, principalmente nas áreas de

gerenciamento, qualidade e solda.

9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a

independência tecnológica do país no respectivo setor?

Resposta:

Sim, a independência tecnológica na área de construção de submarinos convencionais será

obtida ao final do processo de construção/testes de aceitação, quando a DCNS, como

garantidora do processo e autoridade de projeto, ratificar a construção, sem ressalvas.

236

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa

Laboratório Defesa e Política[s]

Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira

QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA

1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que

período.

Resposta:

Eng.: João Domingos Talon

Gerente do Programa de Nacionalização do PROSUB desde 2012

2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?

Resposta:

O Programa de Nacionalização da Produção prevê 104 projetos candidatos que constituem

sistemas, equipamentos ou itens que compõem o pacote de material dos Submarinos de

Propulsão Convensional. Na situação corrente desse Programa, existem vinte projetos em

execução, dezessete em aprovação pela Marinha, treze projetos em análise, quatro em

elaboração de minuta de contrato entre a DCNS e empresas brasileiras, quarenta e cinco

projetos em processo de busca de fornecedores e, ainda, cinco cujos processos não foram

iniciados. Dentre esses projetos, a MB priorizou 58 levando em consideração os seguintes

aspectos estratégicos: conteúdo tecnológico a ser transferido à Indústria Brasileira, barreiras

tecnológicas a serem suplantadas, tempo médio entre reparos do equipamento que compõe o

projeto e criticidade do projeto para o S-BR. Para implementar o Programa de

Nacionalização, até o momento, já foram visitadas mais de 200 empresas brasileiras para

participarem como fornecedoras desse Programa.

3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?

Resposta:

O Programa de Nacionalização dos S-BR possui um orçamento, em créditos de Offset, de

cem milhões de euros para “custear” os 104 projetos candidatos previstos em contrato. Este

orçamento é o grande obstáculo para a implementação dos projetos candidatos, pois limita o

escopo e as atividades de produção das empresas brasileiras.

237

4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de

tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido

programa.

Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos

componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Procedimentos de produção/cronograma

e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Processos/Design da produção e

engenharia, Know-Why, Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/

Procedimentos de engenharia e expertise ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias e

pesquisa de conhecimentos, dados,

procedimentos, entre outros.

(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

( X ) Satisfatória* - Considerando a contribuição individual dos projetos candidatos no programa de

nacionalização

5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento

do programa? Corresponde às expectativas iniciais?

Resposta:

No Programa de Nacionalização dos SBR os principais projetos nos quais ocorre

Transferência de Tecnologia são: desenvolvimento de módulos de software para o projeto de

engenharia e integração do sistema de combate, para o projeto do sistema de gerenciamento

integrado da plataforma, a produção das baterias, sistema de monitoramento de baterias,

produção de válvulas de água salgada, produção de bombas hidráulicas, produção de

geradores, produção de sistema de movimentação de armas e tubos de torpedo.

A transferência de tecnologia nesses processos tem contribuindo para as empresas brasileiras

envolvidas na evolução nos seus métodos de desenvolvimento. A participação das empresas

brasileiras inicia a criação de uma massa crítica de conhecimento no desenvolvimento desses

sistemas.

238

Como as atividades estão em andamento, ainda não é possível avaliar se as expectativas

iniciais estão sendo correspondidas, mas os projetos em execução estão alinhados com os

objetivos do programa.

6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de

relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?

Resposta:

No programa da nacionalização, o fundamental é que, ao final do processo, as empresas

brasileiras sejam autônomas e independentes na fabricação para, no futuro, suprirem a

demanda da Marinha para a manutenção e/ou construção de submarinos.

Para muitos equipamentos, o processo de nacionalização ocorrerá de forma progressiva,

garantindo o cumprimento do cronograma de construção de cada submarino convencional e,

ao mesmo tempo, a capacitação crescente da indústria, visando à plena produção do item. À

medida que a construção dos submarinos avançar, do SBR-1 até o SBR-4, a quantidade de

componentes nacionais será maior até que, no final do programa, as empresas estejam aptas a

fornecer, senão a totalidade, o máximo de elementos do equipamento.

7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em

momento posterior? E manutenido/modificado também?

Resposta:

Como comentado acima, o processo é progressivo e no final do programa o objetivo é que as

empresas brasileiras apoiem a Marinha do Brasil nas tarefas de manutenção corretiva e

evolutiva, além de participarem no desenvolvimento de novos meios.

8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros

empreendimentos, militares ou civis?

Resposta:

Sim, a gestão do conhecimento aplicada a esse programa tem como meta permitir que o

Know-How adquirido pelas empresas brasileiras possa ser utilizado em projetos duais e para

as outras forças.

9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a

independência tecnológica do país no respectivo setor?

Resposta:

239

A independência tecnológica só poderá ser avaliada quando as empresas brasileiras forem

participar de projetos futuros e conseguirem inovar nas suas áreas de atuação, mas a análise

do momento atual, verifica-se que a transferência de tecnologia, por meio do Programa de

Nacionalização, vem contribuindo satisfatoriamente para elevar os patamares tecnológicos

das empresas brasileiras beneficiadas.

240

ANEXO C – Questionário respondido e lista de fornecedores nacionais em relação ao

Guarani

241

242

243

244

245

246

247

ANEXO D – Questionário respondido em relação ao H-XBR

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)

Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa

Laboratório Defesa e Política[s]

Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira

QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA

1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que

período.

Resposta: Por questões de segurança, prefiro não informar o nome (acredito que não fará

diferença no processo de sua pesquisa). Posso informar que sou oficial superior do quadro da

aviação.

Estou no projeto desde início de 2014 como gerente adjunto. No final de 2015 assumi

a função de gerente do Projeto H-XBR.

2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?

Resposta: De acordo com o PMI, estamos na fase de Execução. O projeto, o qual se iniciou

em 2008 com a assinatura do contrato, vem se desenvolvendo com entregas de etapas e

aeronaves relacionadas. No total são 16 aeronaves para cada Força Armada mais 2 da

Presidência da República, totalizando 50 aeronaves, sendo já entregues 44% delas.

3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?

Resposta: Um dos grandes obstáculos, os quais apontamos como riscos ao projeto, é a

flutuação cambial (tendo em vista que o contrato foi assinado em moeda estrangeira – Euros)

e os aportes financeiros destinados ao projeto, tendo em vista que depende-se de aprovação de

LOA e liberação orçamentária do governo federal.

A reportagem é um pouco antiga mas seve de base de dados e histórico

(http://www.defesanet.com.br/bid/noticia/19000/Corte-no-orcamento-adia-entrega-de-

helicopteros/)

4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de

tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido

programa.

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Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )

Satisfatória ( ) Não sei

Materiais/Especificações dos componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )

Satisfatória ( ) Não sei

Design dos processos e projetos

( X ) Não

previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Procedimentos de produção/cronograma e

organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória

( X )

Satisfatória ( ) Não sei

Produção/ Know-how de organização

( X ) Não

previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( X )

Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Conhecimento de manutenção e

procedimentos ( ) Não previsto

( X )

Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei

Processos/Design da produção e engenharia,

Know-Why, Conhecimentos

Produto/Técnicas de mercado e

conhecimentos de dados de engenharia

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )

Satisfatória ( ) Não sei

Gerenciamento de Projeto/ Procedimentos de

engenharia e expertise ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória

( X )

Satisfatória ( ) Não sei

Desenvolvimento de Tecnologias e pesquisa

de conhecimentos, dados, procedimentos,

entre outros.

( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )

Satisfatória ( ) Não sei

5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento

do programa? Corresponde às expectativas iniciais?

Resposta: A transferência de tecnologia do projeto está vinculada ao Offset contratado.

Assim, uma parte da tecnologia relacionada ao projeto já foi transferida, capacitando a

indústria nacional no desenvolvimento, fabricação e manutenção de sistemas e materiais.

O projeto HXBR conta com mais de 20 projetos de capacitação da indústria nacional,

já tendo sido executados e reconhecidos, mais de 20% de toda a transferência de tecnologia

prevista.

A título de exemplificação, sugiro que veja a matéria sobre a produção do punho do

EC 725 no Brasil em: http://www.toyomatic.com.br/

Veja também a capacitação do centro de engenharia da Helibras (uma das

beneficiárias da transferência de tecnologia) no site:

https://www.helibras.com.br/noticias/helibras-conclui-com-sucesso-testes-de-integracao-do-

h225m-com-missil-exocet/

249

Além disso, fruto da transferência de tecnologia por meio do Offset, foi instalado no

Rio de Janeiro (no Recreio) um simulador FFS (Full Flight Simulator) relativo ao EC-725,

juntando-se aos outros 4 no mundo. Antigamente os pilotos necessitavam ir ao Exterior para

fazerem os treinamentos no simulador. Com este equipamento instalado no Brasil, os custos

diminuem além de possibilitar o treinamento dos pilotos civis e militares de outros países

(https://www.helibras.com.br/noticias/simulador-do-cts-da-helibras-recebe-certificacao-da-

anac/)

Veja também a capacitação da Helibras em reparos de componentes dinâmicos em

https://www.helibras.com.br/noticias/oficinas-da-helibras-recebem-certificacao-internacional-

para-manutencao-no-h225/

6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de

relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?

Resposta: Não existe a obrigação dessa vinculação com a empresa cedente. Até mesmo

porque, a escolha de empresas cedentes de T&T são apresentadas pela Contratada e aprovada

pela Contratante (União). O vínculo que porventura haja é somente para operacionalização e

futuros contratos em outros projetos.

7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em

momento posterior? E manutenido/modificado também?

Resposta: Produção total no Brasil seria em um futuro além de 15/20 anos. Atualmente, existe

um projeto de Offset cujo objetivo é realmente esse: produção integral de um helicóptero

100% nacional. Nossa indústria hoje não possui essa capacidade no ramos de helicópteros

(diferentemente da aviação de asas fixas, como, por exemplo, a EMBRAER). Tal projeto de

Offset contempla os estudos (inclusive com o envio de pesquisadores ao exterior), modelos

matemáticos, cálculos aerodinâmicos e produção de protótipos, com a futura comercialização

do modelo. O respectivo projeto ainda está em andamento já tendo passado da 1º fase

prosseguindo para a 2ª fase que trata do congelamento do modelo já estudado e desenvolvido

em laboratórios.

8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros

empreendimentos, militares ou civis?

Resposta: Com certeza. Esse é um dos objetivos da transferência da tecnologia, ou seja, a

difusão do que foi aprendido e conhecido e sua ampliação e exploração para outras áreas.

250

Como exemplo podemos citar que, os conhecimentos adquiridos para o desenvolvimento de

uma peça da aeronave (como citado o punho da pá) poderá ampliar os estudos na área de

engenharia mecânica, aerodinâmica, liga de materiais, etc.

9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a

independência tecnológica do país no respectivo setor?

Resposta: Certamente. Transferência de tecnologia não é adquirida da noite para o dia. Leva-

se anos para se obter um conhecimento e difundi-la e isso traz a soberania do nosso País e a

independência de outros países.

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ANEXO E – Respostas da Marinha do Brasil por meio do Sistema de Informação ao Cidadão

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ANEXO F – Contrato nº 015/2012 – DCT (Guarani)

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