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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA DEFESA E
DA SEGURANÇA
GUILHERME TADEU BERRIEL DA SILVA OLIVEIRA
UMA AVALIAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
DO PROSUB, GUARANI E H-XBR
Niterói
2016
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo avaliar a implementação dos processos de
transferência de tecnologia dos programas PROSUB, Guarani e H-XBR a fim de constatar
quais os fatores comuns que os influenciam, vez que são distintos, de forma que estejam
alinhados às diretrizes traçadas pela Política Nacional de Defesa (PND) e Estratégica
Nacional de Defesa (END). A presente pesquisa se justifica como um instrumento para
auxiliar uma eventual correção de rumos na implementação dos referidos programas, que são
relevantes no contexto estratégico nacional e representam o emprego de grandes valores do
Erário público, sendo, portanto, de interesse não só das instituições envolvidas, mas também
da academia e de toda a sociedade. Para realizar essa pesquisa, além do primeiro capítulo
introdutório, no segundo capítulo foi estabelecido um referencial teórico acerca da área de
Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e sua inserção nos Estudos Estratégicos e na política
de Defesa, bem como os aspectos teóricos e jurídicos existentes na literatura sobre
transferência de tecnologia e nacionalização. A metodologia utilizada foi a de avaliação de
políticas públicas, com a explicitação de modelos lógicos e analíticos, elaboração de
indicadores e dos instrumentos de coleta e fontes que auxiliaram a atividade avaliativa, sendo
a abordagem desenvolvida e especificada no terceiro capítulo. O quarto capítulo contém as
avaliações propriamente ditas dos referidos programas à luz dos objetivos políticos e
estratégicos traçados, sendo constatado que o Projeto Guarani obteve avaliação positiva, se
mostrando condizente com os objetivos estratégicos, ao passo que os programas PROSUB e
H-XBR, não obtiveram o mesmo resultado. Por fim, as conclusões da pesquisa permitem
constatar que, ainda que se trate de programas distintos em complexidade e agentes
implementadores, existem fatores e deficiências comuns no ambiente institucional que os
pautam, influenciando nos processos de transferência de tecnologia dos mesmos.
Palavras-chave: Ciência, Tecnologia e Inovação. Defesa. Transferência de Tecnologia.
Aquisições de Defesa. Base Industrial de Defesa.
ABSTRACT
This dissertation intends to evaluate the implementation of the technology transfer processes
of PROSUB, Guarani and H-XBR programs, in order to verify what the common factors that
influence them, once they are distinct, and if they are according to the directives imposed by
the National Defense Policy (NDP) and the National Defense Strategy (NDS). This research
is justified as an instrument to help eventual route corrections in their implementation, which
are relevant in the national strategic scenario and represent public money spending, therefore,
interesting not only the concerning institutions, but also the academy and the whole society.
To perform this research, besides the first introductory chapter, the second chapter established
a theoretical reference about Science, Technology and Innovation (ST&I) and its insertion in
Strategic Studies and in Defense policies, as well as the theoretical and legal aspects
concerning transfer of technology and nationalization. The methodology used was public
policy evaluation, with the demonstration of logical and analytical models, the sources of
research and the formulation of indicators and data collect instruments that help the
evaluation, being the approach developed and specified in the third chapter. The fourth
chapter contains the evaluations themselves of the mentioned programs according to the fixed
political and strategic objectives, being observed that Guarani Project has achieved positive
evaluation, showing itself according to the strategic objectives, while PROSUB and H-XBR
did not achieve the same result. At last, the conclusions of this research allow saying that,
even those programs are different in complexity and implementation agents, there are
common factors and shortcomings in the institutional environment that affect their technology
transfer processes.
Keywords: Science, Technology and Innovation. Defense. Transfer of Technology. Defense
Acquisitions. Defense Industrial Base.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Síntese histórica do RINP.............................................................................. 34
Quadro 2 – Fluxos internacionais de transferência de tecnologia.................................... 59
Quadro 3 – Diferentes definições de políticas públicas ................................................... 76
Quadro 4 – Síntese dos principais conceitos ................................................................... 92
Quadro 5 – Dimensões do Contigent Effectiveness Model............................................... 95
Quadro 6 – Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (1)........................... 95
Quadro 7 – Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (2)........................... 96
Quadro 8 – Exemplo de modelo lógico............................................................................ 101
Quadro 9 – Componentes da concepção da avaliação...................................................... 104
Quadro 10 – Componentes do planejamento da avaliação................................................. 106
Quadro 11 – Componentes da execução da avaliação........................................................ 107
Quadro 12 – Questionário de entrevista............................................................................. 112
Quadro 13 – Modelo lógico específico............................................................................... 116
Quadro 14 – Conexão entre as partes do Contrato Principal e os contratos derivados...... 125
Quadro 15 – Resumo dos contratos de transferência de tecnologia do PROSUB............. 130
Quadro 16 – Resumo da propriedade intelectual no PROSUB.......................................... 133
Quadro 17 – Operações de Offset previstas no Contrato nº 8 do PROSUB....................... 133
Quadro 18 – Empreendimentos Modulares do PROSUB e da obtenção da planta
nuclear do SN-BR..........................................................................................
136
Quadro 19 – Metas globais e parciais dos Empreendimentos Modulares.......................... 137
Quadro 20 – Resposta do 1º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB 144
Quadro 21 – Resposta do 2º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB 145
Quadro 22 – Resposta do 3º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB 145
Quadro 23 – Empresas selecionadas de acordo com o Plano de Gerenciamento da
Nacionalização...............................................................................................
149
Quadro 24 – Quadro resumo dos contratos do Projeto Guarani......................................... 163
Quadro 25 – Etapas do Projeto Guarani............................................................................. 164
Quadro 26 – Entregas do Projeto Guarani.......................................................................... 164
Quadro 27 – Resumo das cláusulas de transferência de tecnologia do Guarani................. 167
Quadro 28 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no Guarani....... 173
Quadro 29 – Principais stakeholders privados do Projeto Guarani (nomes, origem e
função no projeto...........................................................................................
176
Quadro 30 – Fatores de multiplicação para projetos de compensação............................... 185
Quadro 31 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no H-XBR....... 193
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (1)...................................... 26
Figura 2 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (2)...................................... 27
Figura 3 – Complexo militar-industrial-acadêmico dos Estados Unidos.......................... 43
Figura 4 – Fluxos de capacidades transferidas ................................................................. 59
Figura 5 – Contigent Effectiveness Model ........................................................................ 94
Figura 6 – Modelo de avaliação de atores interessados (stakeholders)............................. 98
Figura 7 – Teoria da intervenção....................................................................................... 99
Figura 8 – Modelo de sistema simplificado....................................................................... 99
Figura 9 – Modelo de consecução de objetivos................................................................. 100
Figura 10 – ToT no PROSUB: Empreendimentos Modulares da COGESN...................... 126
Figura 11 – Cronograma original do PROSUB................................................................... 127
Figura 12 – Teoria da intervenção do PROSUB................................................................. 137
Figura 13 – Modelo de Atores Interessados do PROSUB (Stakeholders Model)............... 139
Figura 14 – Modelo de Sistema Simplificado do PROSUB............................................... 140
Figura 15 – Modelo de Consecução de Objetivos do PROSUB......................................... 157
Figura 16 – Teoria da intervenção do Projeto Guarani........................................................ 168
Figura 17 – Modelo de Atores Interessados do Guarani (Stakeholders Model).................. 170
Figura 18 – Modelo de Sistema Simplificado do Guarani.................................................. 171
Figura 19 – Modelo de Consecução de Objetivos do Guarani............................................ 179
Figura 20 – Distribuição dos 50 EC-725 por bases............................................................. 183
Figura 21 – Teoria da intervenção do H-XBR.................................................................... 186
Figura 22 – Modelo de Atores Interessados do H-XBR (Stakeholders Model).................. 188
Figura 23 – Modelo de Sistema Simplificado do H-XBR................................................... 190
Figura 24 – Modelo de Consecução de Objetivos do H-XBR............................................. 202
LISTA DE ANEXOS
Anexo A – Lista de respondentes do questionário padrão................................................. 227
Anexo B – Questionários respondidos em relação ao PROSUB....................................... 228
Anexo C – Questionário respondido e lista de fornecedores nacionais em relação ao
Guarani.............................................................................................................
240
Anexo D – Questionário respondido em relação ao H-XBR............................................. 247
Anexo E – Respostas da Marinha do Brasil por meio do Sistema de Informação ao
Cidadão............................................................................................................
251
Anexo F – Contrato nº 015/2012 – DCT (Guarani)........................................................... 261
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACF Advocacy Coalition Framework
AEC Atomic Energy Comission
AIEA Agência Internacional de Energia Atômica
AMAZUL Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A.
AMRJ Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro
BACEN Banco Central do Brasil
BID Base Industrial de Defesa
BNDES Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social
EB Exército Brasileiro
EM Empreendimento Modular
END Estratégia Nacional de Defesa
ENGEPROM Engeprom Equipamentos Industriais LTDA
ENGESA Engenheiros Especializados S.A.
C4ISR Comando, Controle, Comunicações, Computação, Informação, Vigilância e
Reconhecimento
CBS Consórcio Baía de Sepetiba
C&T Ciência e Tecnologia
CEA Centro Experimental de Aramar
CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear
CNPq Conselho Nacional de Pesquisas
COCOM Coordinating Comitee for Multilateral Export Controls
COGESN Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento do Submarino com
Propulsão Nuclear
COPESP Coordenadoria de Projetos Especiais
CPAB Convenção para a Proibição de Armas Biológicas
CPAQ Convenção para a Proibição de Armas Químicas
CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação
CTA Centro Tecnológico da Aeronáutica
CTEx Centro Tecnológico do Exército
CTMSP Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo
DARPA Defense Advanced Research Project Agency
DCNS Direction des Constructions Navales et Services
DCT Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército
DCTA/
COMAER
Departamento de Ciência e Tecnologia do Comando da Aeronáutica
EACTT Equipe de Absorção de Conhecimentos e Transferência de Tecnologia
EBN Estaleiro e Base Naval
EUA Estados Unidos da América
FAB Força Aérea Brasileira
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
GPS Global Positioning System
GTE Grupo de Transporte Especial
ICN Itaguaí Construções Navais
ICOC Código Internacional de Conduta Contra a Proliferação de Mísseis Balísticos
ICP Industrial Cooperation Project
INPI Instituto Nacional da Propriedade Industrial
IPEN Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
LABGENE Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica
LBDN Livro Branco de Defesa Nacional
LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OM Organizações Militares
ONG Organização Não Governamental
OSDR Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
MB Marinha do Brasil
MD Ministério da Defesa
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MF Ministério da Fazenda
MIT Massachussets Institute of Technology
MTCR Missile Technology Control Regime
NASA National Aeronautics and Space Administration
NFBR Nova Família de Blindados de Rodas
NIH National Institute of Health
NUCLEP Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A.
NSF National Science Foundation
NSG Nuclear Suppliers Group
ONR Office of Naval Research
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PD&I Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
PDN Política de Defesa Nacional
PEC Projeto de Emenda Constitucional
PGN Plano de Gerenciamento da Nacionalização
PLS Projeto de Lei do Senado
PNB Programa Nuclear Brasileiro
PND Política Nacional de Defesa
PNM Programa Nuclear da Marinha
PNP Programa de Nacionalização da Produção
PROSUB Programa de Desenvolvimento de Submarinos
RAM Revolução nos Assuntos Militares
REMAX Reparo de Metralhadora Automatizado X
RH Recursos Humanos
RINP Regime Internacional de Não Proliferação
S-BR Submarino com propulsão convencional
SAE/PR Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
SCTEx Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército
SLI Suporte Logístico Integrado
SN-BR Submarino com propulsão nuclear
TCU Tribunal de Contas da União
TIC Tecnologias de informação e comunicação
TNP Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
ToT Transfer of Technology
UF6 Hexafluoreto de Urânio
UFEM Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas
UNIFEI Universidade Federal de Itajubá
VANT Veículo Aéreo Não Tripulado
VBTP-MR Viatura Blindada de Transporte de Pessoal Média de Rodas
VIP Very Important Person
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 15
2 ARCABOUÇO TEÓRICO E CONCEITUAL............................................. 20
2.1 CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (CT&I)........................................ 20
2.2 ESTUDOS ESTRATÉGICOS E A ÁREA DE CT&I...................................... 24
2.3 TECNOLOGIA MILITAR E A IMPORTÂNCIA DA ÁREA DE CT&I
PARA DEFESA................................................................................................
28
2.3.1 Aspectos conceituais gerais.............................................................................. 28
2.3.2 Cerceamento tecnológico.................................................................................. 32
2.3.3 Inovações tecnológicas e Revolução nos Assuntos Militares........................... 36
2.3.4 CT&I como política pública para a Defesa....................................................... 40
2.4 NACIONALIZAÇÃO....................................................................................... 48
2.5 TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA......................................................... 50
2.5.1 Conceito............................................................................................................ 50
2.5.2 Problematizando a transferência de tecnologia................................................. 53
2.5.3 Aprofundando os conceitos de know why e know how..................................... 55
2.5.4 Aspectos jurídicos............................................................................................. 60
2.6 A QUESTÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS.......................................... 65
2.7 AS EMPRESAS ESTRATÉGICAS DE DEFESA........................................... 72
3 METODOLOGIA: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS............. 74
3.1 REVISÃO DE LITERATURA......................................................................... 74
3.1.1 Histórico e definições de políticas públicas...................................................... 74
3.1.2 Modelos explicativos de políticas públicas....................................................... 78
3.1.3 Análise de implementação................................................................................ 82
3.1.4 Avaliação de políticas públicas......................................................................... 89
3.2 ELEMENTOS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.................... 93
3.2.1 Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa.................. 93
3.2.2 Modelos lógicos e analíticos de avaliação........................................................ 97
3.3 A METODOLOGIA ESPECÍFICA DA PESQUISA...................................... 101
3.3.1 Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa.................. 102
3.3.2 Diretrizes da END e os critérios para a escolha dos programas....................... 107
3.3.3 Instrumentos de coleta de dados....................................................................... 110
3.3.4 Modelos lógicos e analíticos............................................................................. 113
4 AVALIANDO A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA DOS
PROGRAMAS MILITARES........................................................................
118
4.1 PROSUB........................................................................................................... 118
4.1.1 Considerações iniciais....................................................................................... 118
4.1.2 Antecedentes..................................................................................................... 121
4.1.3 Aspectos contratuais e etapas do programa...................................................... 124
4.1.4 Contratos de transferência de tecnologia.......................................................... 127
4.1.5 Teoria da intervenção e objetivos..................................................................... 136
4.1.6 Modelos analíticos............................................................................................ 138
4.1.7 Avaliação da implementação............................................................................ 141
4.1.7.1 Transferência de know-why.............................................................................. 141
4.1.7.2 Possibilidade de difusão.................................................................................... 147
4.1.7.3 Possibilidade de independência nacional (nacionalização).............................. 148
4.1.8 Conclusões........................................................................................................ 156
4.2 PROJETO GUARANI...................................................................................... 159
4.2.1 Considerações iniciais....................................................................................... 159
4.2.2 Antecedentes..................................................................................................... 161
4.2.3 Aspectos contratuais e etapas do programa...................................................... 162
4.2.4 Contratos de transferência de tecnologia.......................................................... 165
4.2.5 Teoria da intervenção e objetivos..................................................................... 167
4.2.6 Modelos analíticos............................................................................................ 169
4.2.7 Avaliação da implementação............................................................................ 172
4.2.7.1 Transferência de know-why.............................................................................. 172
4.2.7.2 Possibilidade de difusão................................................................................... 174
4.2.7.3 Possibilidade de independência nacional (nacionalização).............................. 175
4.2.8 Conclusões........................................................................................................ 179
4.3 PROJETO H-XBR............................................................................................ 180
4.3.1 Considerações iniciais....................................................................................... 180
4.3.2 Antecedentes..................................................................................................... 181
4.3.3 Aspectos contratuais e etapas do programa...................................................... 182
4.3.4 Contratos de transferência de tecnologia.......................................................... 184
4.3.5 Teoria da intervenção e objetivos..................................................................... 186
4.3.6 Modelos analíticos............................................................................................ 188
4.3.7 Avaliação da implementação............................................................................ 190
4.3.7.1 Transferência de know-why.............................................................................. 191
4.3.7.2 Possibilidade de difusão.................................................................................... 194
4.3.7.3 Possibilidade de independência nacional (nacionalização).............................. 195
4.3.8 Conclusões........................................................................................................ 201
5 CONCLUSÕES............................................................................................... 204
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................... 212
ANEXO A........................................................................................................ 227
ANEXO B........................................................................................................ 228
ANEXO C........................................................................................................ 240
ANEXO D........................................................................................................ 247
ANEXO E........................................................................................................ 251
ANEXO F......................................................................................................... 261
15
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
O objetivo geral da pesquisa é analisar quais os fatores comuns que influenciam a
implementação de processos de transferência de tecnologia em programas militares distintos,
de forma que os mesmos possam estar alinhados aos objetivos políticos e estratégicos para
aquisições de Defesa. O objetivo específico é avaliar a implementação de três programas
militares, um de cada Força singular, quais sejam, o PROSUB, da Marinha do Brasil, o
Guarani do Exército Brasileiro e o H-XBR, sob coordenação da Força Aérea Brasileira, no
que concernem à transferência de tecnologia, a fim de averiguar se seus processos de foram
satisfatórios para atender o desejo pela autoridade pública expresso na Política Nacional de
Defesa (PND) e na Estratégica Nacional de Defesa (END).
O binômio segurança e desenvolvimento constitui elemento sempre presente na
política externa brasileira até o contexto hodierno. Mesmo oscilando em relevância ou
transitando na pauta de prioridades, o Brasil manteve constância em acreditar que o
subdesenvolvimento gera conflitos e ameaça a paz internacional, bem como, impede uma
atuação verdadeiramente independente e autônoma por parte do país no concerto das nações.
Nesse sentido, a PND pressupõe que a defesa do País é inseparável do seu
desenvolvimento, vez que a projeção brasileira no concerto das nações e sua inserção nos
foros decisórios internacionais ensejam a adoção de um modelo de defesa específico,
desenvolvido ao longo do texto (BRASIL, 2012c). O mesmo documento reconhece que o
desenvolvimento independente e autônomo está no domínio de tecnologias sensíveis que
possuem valor estratégico, tais como a cibernética, nuclear e aeroespacial e que a cooperação
internacional é instrumento da obtenção dessas tecnologias (p. 6). Tal cooperação é feita com
tradicionais aliados, muitos desenvolvidos e com novos parceiros, vários ainda em
desenvolvimento, visando ampliar o leque de opções (p. 8). Esse pensamento também está
explicitado no Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) (BRASIL, 2012b).
A END, por sua vez, também consagra a intimidade entre defesa e
desenvolvimento e a cooperação internacional, entre outros, como meio de desenvolver a
Base Industrial de Defesa (BID) do Brasil, através de parcerias estratégicas para obtenção de
tecnologia, para exploração do comércio exterior e para a reforma gradual das organizações
internacionais, através da maior representatividade e poder decisório de países em
desenvolvimento (BRASIL, 2012d). Segundo a diretiva oficial, cabe transcrever:
16
“Projeto forte de defesa favorece projeto forte de desenvolvimento. Forte é o projeto
de desenvolvimento que, sejam quais forem suas demais orientações, se guie pelos
seguintes princípios:
(a) Independência nacional efetivada pela mobilização de recursos físicos,
econômicos e humanos, para o investimento no potencial produtivo do País.
Aproveitar os investimentos estrangeiros, sem deles depender.
(b) Independência nacional alcançada pela capacitação tecnológica autônoma,
inclusive nos estratégicos setores espacial, cibernético e nuclear. Não é independente
quem não tem o domínio das tecnologias sensíveis, tanto para a defesa, como para o
desenvolvimento; e
(c) Independência nacional assegurada pela democratização de oportunidades
educativas e econômicas e pelas oportunidades para ampliar a participação popular
nos processos decisórios da vida política e econômica do País.” (BRASIL, 2012d,
p.2)
Sendo assim, conforme as mais importantes diretivas das políticas exterior e de
defesa brasileiras, o entendimento convergente é que ambas são indissociáveis e constituem
instrumentos do Estado brasileiro para seu desenvolvimento, sua autonomia e independência e
para propiciar o rearranjo da governança global, mediante maior atuação dos países em
desenvolvimento. “Pela dissuasão e pela cooperação, o Brasil fortalecerá, assim, a estreita
vinculação entre sua política de defesa e sua política externa, historicamente voltada para a
causa da paz, da integração e do desenvolvimento” (BRASIL, 2012b, p. 51).
Parafraseando o ex-chanceler Araújo Castro, o Ministro Celso Amorim
considerou que o Brasil contemporâneo mais uma vez enfrenta a diretriz dos 3D. Ao passo
que para Castro significavam desarmamento, descolonização e desenvolvimento, Amorim
afirma que “um Brasil democrático, em desenvolvimento e independente no mundo deve ter o
respaldo de uma defesa robusta, indispensável a uma grande estratégia de paz” (AMORIM,
2013, p. 2). Assim, resta claro que faz parte da estratégia de inserção internacional brasileira a
utilização da cooperação internacional como meio de obtenção de tecnologias para
incremento da Base Industrial de Defesa e, por conseguinte, o desenvolvimento autônomo e
independente do país, sobretudo em tecnologias sensíveis, para auferir uma defesa robusta
que respalde a posição soberana do Brasil no concerto das nações. Corroborando tal assertiva,
a END elenca como ponto positivo que deve ser observado o “condicionamento da compra de
produtos de defesa no exterior à transferência substancial de tecnologia, inclusive por meio de
parcerias para pesquisa e fabricação no Brasil de partes desses produtos ou de sucedâneos a
eles” (BRASIL, 2012d, p. 27).
Nesse diapasão, a transferência de tecnologia possui seus limites, trâmites e
acordos reduzidos a termo em contratos escritos. Entretanto, considerando que a tecnologia é
uma questão estratégica vital, a detenção da mesma se torna um diferencial no que concerne
às relações de poder e de dependência, ocasionando muita resistência por parte dos expoentes
17
tecnológicos em transferir aquilo que lhes custou muito investimento e lhe propicia
superioridade em relação a outros concorrentes, sejam países ou até mesmo empresas rivais
no mercado. O que ocorre, então, é que nos contratos de transferência de tecnologia, os
vendedores tendem a esconder os verdadeiros conhecimentos tecnológicos (know why) e
entrega somente as instruções (know how), o que permite de fato a montagem de produtos no
país recipiendário, mas mantém a relação de dependência com a matriz tecnológica (LONGO,
2007).
Na mesma senda, muito se utiliza o termo nacionalização para qualificar
determinados programas militares, no sentido que tais empreendimentos teriam reflexo na
indústria do país, ao fazer com que a produção de bens, prestação de serviços técnicos e
domínio de tecnologia se dessem dentro do território nacional. O objetivo é fazer com que a
produção de meios militares se torne cada vez mais independente do exterior. Contudo,
quando se verifica que a definição de empresa brasileira no ordenamento jurídico é bem
ampla, podendo até englobar empresas de capital totalmente estrangeiro que atuam no país, se
passa a questionar o real significado da nacionalização. Nacionalizar a produção de um meio
de defesa, incluindo sua tecnologia, significa simplesmente trazê-los para dentro do território
nacional? Isso de fato garantiria independência tecnológica e produtiva?
Tendo em vista a importância vital da obtenção de tecnologia de defesa para o
desenvolvimento independente do Brasil e sua inserção autônoma no cenário internacional,
faz-se mister aprofundar o entendimento sobre os conceitos de know why e know how
existentes na literatura, a fim de fortalecer o arcabouço teórico que pode servir de subsídios à
elaboração de contratos de transferência de tecnologia. Da mesma forma, torna-se imperioso
debater o conceito de nacionalização e investigar como se dá a definição e empresas
brasileiras no ordenamento jurídico pátrio. A única forma de melhor compreender tais
conceitos é partir de uma pesquisa interdisciplinar, trazendo à baila tanto as normas e
doutrinas jurídicas, quanto a literatura específica das ciências exatas e sociais, em especial,
dos estudos estratégicos.
Daí a importância da presente pesquisa e a razão pela qual ela se justifica. Além
de tratar de um aspecto sensível da soberania do país, que é o papel estratégico das aquisições
de Defesa, especialmente no suprimento de novos meios às Forças e na movimentação da
BID, os programas militares representam o dispêndio de enormes quantias de dinheiro
público e por isso afetam a sociedade como um todo. Sendo a transferência de tecnologia uma
diretriz política para a tomada de decisão nas referidas aquisições, faz-se necessário avaliar os
fatores que influenciam os mencionados processos nos programas brasileiros, de maneira que
18
eles estejam de fato alinhados aos objetivos traçados e fazendo bom uso dos recursos
públicos. Assim, é uma pesquisa que interessa aos tomadores de decisão, às Forças, à BID, à
academia e à sociedade brasileira em geral.
Nesse sentido, o presente trabalho pretende responder a seguinte pergunta: quais
os fatores comuns que influenciam os processos de transferência de tecnologia em programas
militares, de forma em que eles estejam alinhados às diretrizes políticas e estratégicas dos
documentos oficiais? A partir do estudo de caso dos programas PROSUB, Guarani e H-XBR,
pretende-se obter uma avaliação dos seus respectivos processos e responder a tal
questionamento. É necessário esclarecer que são programas distintos, tanto em complexidade,
quanto em histórico, antecedentes e agentes implementadores, portanto, não é objetivo deste
trabalho realizar um estudo comparado entre eles. O que se busca fazer é, a partir do
referencial teórico e da metodologia escolhida, é avaliá-los em si mesmos e identificar em
cada um deles a ação de fatores comuns que influenciam seus processos de transferência
tecnológica, de forma a direcioná-los para o objetivo que lhes é requerido. Sendo assim,
justamente a diferença entre os programas é que reforça a existência e atuação comum dos
fatores investigados, ou seja, o que é similar em três programas diferentes.
Dessa forma, o objeto da presente pesquisa será a implementação dos processos
de transferência de tecnologia dos Programas PROSUB, Guarani e H-XBR. A delimitação do
objeto de pesquisa se dará, inicialmente, pelo fornecimento de um arcabouço teórico e
conceitual sobre Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), nacionalização, transferência de
tecnologia e da questão das empresas envolvidas nesse processo. No mesmo sentido, no que
concerne à transferência de tecnologia, aprofundar-se-á o entendimento dos conceitos de
know why e know how. Tudo isso será feito no segundo capítulo, a fim de se obter base para
delimitar o entendimento de contrato de transferência de tecnologia e seus critérios de eficácia
e efetividade1.
O terceiro capítulo se dedicará a expor a abordagem metodológica do presente
trabalho. Considerando que tais programas representam a ação política do Estado, a
metodologia escolhida será a de avaliação de políticas públicas, com ênfase na análise de
implementação, tendo em vista que são programas não finalizados, sob a ótica do modelo
estagista do policy cycle. Assim, procedendo à revisão de literatura e ao detalhamento do
método específico dessa pesquisa, a partir dos modelos lógicos e analíticos, busca-se elaborar
1 Por eficácia se entende o grau de atingimento de determinado objetivo por certa ação, ao passo que a
efetividade representa a medida em que determinada ação traz benefícios à população visada. Já a eficiência se
preocupa não com o fim, mas com os meios, visando a melhor e mais racional utilização dos recursos para
atingir determinado objetivo (CASTRO, 2006)
19
critérios, indicadores e padrões de referência para avaliar os processos de transferência de
tecnologia dos referidos programas, bem como as fontes de pesquisa e os instrumentos de
coleta que permitirão valorá-los.
No quarto capítulo, a referida base conceitual será utilizada para embasar, sob a
lente metodológica desenvolvida, a avaliação da implementação dos programas PROSUB,
Guarani e H-XBR e seus respectivos processos de transferência de tecnologia, à luz da PND e
da END. Por fim, as conclusões permitirão constatar, além de cada resultado individual
quanto ao alcance dos objetivos estratégicos propostos, quais os fatores comuns que agem nos
mencionados processos, mesmo em programas militares tão distintos.
20
CAPÍTULO 2
ARCABOUÇO TEÓRICO E CONCEITUAL
2.1 – CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (CT&I)
Esse trabalho dedicará alguns itens a fornecer uma base conceitual sobre aspectos
mais gerais concernentes ao trinômio Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Esse esforço se
faz necessário, pois o entendimento das categorias mais abrangentes é fundamental para a
compreensão daquelas mais específicas. Em outras palavras, antes de se debruçar sobre os
conceitos mais específicos que a presente pesquisa adotará, é preciso tentar estabelecer
algumas possíveis definições e conceituações de ciência, tecnologia e inovação.
Segundo Longo (2007, p. 2), a ciência pode ser definida como “uma atividade
dirigida à aquisição e ao uso de novos conhecimentos sobre o Universo, compreendendo
metodologia, meios de comunicação e critérios de sucesso próprios” e também como “o
conjunto organizado dos conhecimentos relativos ao Universo, envolvendo seus fenômenos
naturais, ambientais e comportamentais”.
Já acerca da definição de tecnologia, assim se pronuncia o autor:
“é o conjunto organizado de todos os conhecimentos científicos, empíricos ou
intuitivos empregados na produção e comercialização de bens e serviços. A palavra
tecnologia tem sua origem no substantivo grego techne que significa arte ou
habilidade. Assim, a tecnologia é um conjunto de atividades práticas voltadas para
alterar o mundo e não, necessariamente, compreendê-lo. A ciência busca formular as
‘leis’ às quais se subordina a natureza, a tecnologia utiliza tais formulações para
produzir bens e serviços que atendam as suas necessidades”. (LONGO, 2007, p. 3)
Viegas (in SANTOS; JABUR, 2007, p. 147) entende como “tecnologia, ou know-
how, ou savoir faire, o conjunto de conhecimentos técnicos, científicos, comerciais,
administrativos, financeiros ou de outra natureza, de caráter e utilidade práticos, para uso
empresarial ou profissional” e que possui valor econômico, decorrendo tanto da vivência e da
experiência, quanto de processos específicos de pesquisa e desenvolvimento.
Por sua vez, na obra de Assafim (2013) podem-se ver dois possíveis sentidos na
conceituação de tecnologia, um mais amplo, outro mais restrito. De maneira ampla, a
tecnologia pode ser definida como “o conjunto de conhecimentos científicos cuja adequada
utilização pode ser fonte de utilidade ou benefícios para a Humanidade” (MITYC, 1992 apud
ASSAFIM, 2013, p. 13). Da forma mais restrita, a tecnologia é “o conjunto de conhecimentos
21
e informações próprio de uma obra, que pode ser utilizado de forma sistemática para o
desenho, desenvolvimento e fabricação de produtos ou a prestação de serviços” (p. 14). Nesse
sentido, quando se trata de contratos de transferência de tecnologia no plano internacional, o
autor afirma que o referido vocábulo deve ser compreendido no seu sentido amplo,
abrangendo “tanto os conhecimentos técnicos propriamente ditos, como os conhecimentos
comerciais e as experiências em matéria de administração de empresas e de marketing”
(ASSAFIM, 2013, p. 14). Não obstante, a definição que o autor apresenta também coaduna
com o sentido estrito, considerando a tecnologia como o “tratado ou o conjunto ordenado de
conhecimentos relativos à técnica industrial” (ASSAFIM, 2013, p.14) esta entendida como “o
conjunto de métodos que servem para a obtenção, transformação ou transporte e um ou vários
produtos naturais” (NOVOA, 1975 apud ASSAFIM, 2013, p. 14).
Duarte (2012), a partir da diferenciação terminológica entre técnica e tecnologia,
afirma que a técnica, em síntese, está ligada à produção com base na experiência, nos aspectos
locais e na replicação limitada, ao passo que a tecnologia representa “uma técnica capaz de
ser reproduzida conscientemente em qualquer lugar e a qualquer momento” (p. 9), em
decorrência da propagação do conhecimento por trás da técnica e da universalização que isso
acarreta.
Denis Barbosa (2003) apresenta a definição mais sucinta e, talvez por isso, mais
abrangente de tecnologia. O autor considera tecnologia um conjunto de informações ou,
simplesmente, uma informação, reconhecendo que existem “informações que se acham
voltadas para a produção, ou circulação de bens” (p. 3). Como uma informação é um bem
jurídico, é passível de tutela pelo Direito. Quando se trata de uma informação tecnológica,
“desde que absolutamente original, isto é, informação de que somente uma pessoa natural ou
jurídica disponha, o conhecimento técnico pode ser objeto de propriedade, como se fosse uma
coisa material” (p.3). Nesse sentido, o autor desenvolve todo seu pensamento sobre a
disciplina jurídica da propriedade intelectual.
De todas as conceituações analisadas supra, pode-se depreender que um fator
comum a todas, exceto a última, é que a tecnologia representa um conjunto de conhecimentos
aplicados à realidade empresarial prática. Ciência e tecnologia não são sinônimos, ao passo
que a primeira representa o agregado de conhecimentos sobre a compreensão do universo, a
segunda representa uma atividade que transforma o mundo real. Portanto, a tecnologia pode
ser tanto de base científica, como pode também resultar da experiência, da intuição etc. Nos
últimos dois séculos, ciência e tecnologia (C&T) parecem andar cada vez mais juntas e
indissociáveis, o que explica a ligeira confusão entre os termos e talvez a associação
22
automática entre eles no senso comum, por isso se fala no binômio C&T. Sendo assim,
importante salientar que a tecnologia pode ser vista ora comportando-se como “fator de
produção, ao lado do capital, insumos e mão-de-obra” ora “comportando-se como uma
mercadoria, como um bem privado, passível de ser objeto de operações comerciais”
(FURTADO, 2012, p.27).
A definição de tecnologia como uma informação não é satisfatória quando
coadunada com as demais, sobretudo para o fim a que se presta este trabalho, que é distinguir
tecnologia da técnica no âmbito dos contratos de transferência de tecnologia, tendo como
parâmetro o desejo do país de se tornar tecnologicamente independente. Muito embora não se
possa negar que tecnologia envolve informações sobre desenvolvimento de produtos e
processos, a expressão “informação” pode ser prejudicial e provocar confusão quando se
diferencia know why do know how, vez que a mesma pode ser entendida tanto como dados
técnicos, quanto conhecimento científico. No decorrer do trabalho, tal diferença será
entendida.
Por fim, o termo inovação pode definido como:
“a solução de um problema, tecnológico, utilizada pela primeira vez,
compreendendo a introdução de um novo produto ou processo no mercado em
escala comercial tendo, em geral, positivas repercussões sócio-econômicas.”
(LONGO, 2007, p. 8)
Dessa definição, destacamos dois pontos que merecem maior desenvolvimento. O
primeiro ponto diz respeito à inovação representar a introdução de um novo produto ou
processo no mercado. Aqui vale ressaltar a diferença entre inovação e invenção. Ainda
segundo Longo (2007, p. 8), a invenção é “a solução para um problema tecnológico,
considerada nova e suscetível de utilização”, que significa “um estágio do desenvolvimento
no qual é produzida uma nova idéia, desenho ou modelo para um novo ou melhor produto,
processo ou sistema”, chamando atenção para o fato de que seus “efeitos podem ficar restritos
ao âmbito do laboratório onde foi originada”. Ou seja, a invenção pode surgir, solucionar um
problema tecnológico, até ser patenteada, mas não significa que será introduzida no mercado
para comercialização. Por outro lado, a inovação representa a introdução no mercado de um
novo produto ou processo, assim definidos pelo Manual de Oslo:
“Uma inovação tecnológica de produto é a implantação/comercialização de um
produto com características de desempenho aprimoradas de modo a fornecer
objetivamente ao consumidor serviços novos ou aprimorados. Uma inovação de
processo tecnológico é a implantação/adoção de métodos de produção ou
comercialização novos ou significativamente aprimorados. Ela pode envolver
mudanças de equipamento, recursos humanos, métodos de trabalho ou uma
combinação destes.” (OCDE; FINEP, 2004, p. 21)
23
Longo (2007, p. 8) considera dois tipos de inovação: incremental e de ruptura:
“inovações incrementais, aquelas que melhoram produtos ou processos, sem alterá-
los na sua essência (ex.: a evolução do automóvel). São chamadas de inovações de
ruptura, aquelas que representam um salto tecnológico, e que mudam as
características dos setores produtivos nos quais são utilizadas (ex.: o laser, o
transistor).”
O segundo ponto que merece destaque é o que concerne às repercussões sócio-
econômicas de uma inovação. Nesse sentido, insta mencionar a importante obra de Joseph
Alois Schumpeter (1997), lançada originalmente em 1911, em que o autor trabalha, dentre
outros temas, a relação entre inovações tecnológicas e desenvolvimento econômico. Segundo
o autor, o conceito de inovação engloba qualquer um dos seguintes aspectos:
“1) Introdução de um novo bem — ou seja, um bem com que os consumidores ainda
não estiverem familiarizados — ou de uma nova qualidade de um bem. 2)
Introdução de um novo método de produção, ou seja, um método que ainda não
tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria de transformação,
que de modo algum precisa ser baseada numa descoberta cientificamente nova, e
pode consistir também em nova maneira de manejar comercialmente uma
mercadoria. 3) Abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o
ramo particular da indústria de transformação do país em questão não tenha ainda
entrado, quer esse mercado tenha existido antes, quer não. 4) Conquista de uma nova
fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados, mais uma vez
independentemente do fato de que essa fonte já existia ou teve que ser criada. 5)
Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de
uma posição de monopólio (por exemplo, pela trustificação) ou a fragmentação de
uma posição de monopólio.” (SCHUMPETER, 1997, p. 76)
Schumpeter identifica o empresário inovador como o agente que introduz novos
produtos e processos no mercado. A relação entre inovação e novos mercados, para o autor,
decorre da ação do produto empreendedor, que inicia a mudança econômica e os
consumidores, se preciso, são levados a desejar coisas novas, diferentes da que consumiam
habitualmente (SCHUMPETER, 1997), gerando um fenômeno que viria a ser chamado de
technology push (COOMBS et. al., 1987). Assim, o impulso fundamental responsável por
mover a economia não seriam fenômenos naturais ou sociais, mas as inovações que a empresa
capitalista cria e destrói. Novos produtos e processos são os agentes propulsores da economia,
à medida que criam e refletem novas necessidades e hábitos derivados da oferta de novos
produtos e serviços (SCHUMPETER, 1997).
Por outro lado, Jacob Schmookler (1966 apud COOMBS et. al., 1987), ao estudar
a atividade inventiva de algumas indústrias da metade do século XIX aos anos 1950,
constatou que, em síntese, o aumento das inovações estava, na realidade, respondendo ao
aumento da respectiva demanda, representando o fenômeno que viria a ser chamado de
demand pull.
24
Em resumo, em relação às inovações e seus impactos sócio-econômicos, dos
muitos aspectos possíveis que podem ser relacionados, destacamos pontualmente o debate
entre as correntes tradicionais do technology push, que afirma, em síntese, que as inovações
tecnológicas criam necessidades de mercado, e do demand pull, dizendo que as inovações
respondem às demandas de mercado que vão surgindo, ambas com impacto na economia e na
sociedade. Existem teorias que criticam ambos os fenômenos acima, como a neo-
schumpeteriana ou evolucionista, que adota conceitos como Paradigma Tecnológico e
Trajetória Tecnológica para explicar os processos de mudança tecnológica, incremental e
radical (DOSI, 1982 apud FURTADO, 2012), mas que não são relevantes para a presente
pesquisa, vez que esta não trata propriamente do impacto econômico de inovações, mas da
importância estratégica de uma transferência de tecnologia bem-sucedida em determinados
programas. Por isso, nos limitamos a tal menção somente para fins conceituais sobre
inovação.
2.2 – ESTUDOS ESTRATÉGICOS E A ÁREA DE CT&I
Tendo aprofundado os conceitos que o presente trabalho usará acerca de ciência e
tecnologia, de semelhante modo, faz-se imperativo localizar esta pesquisa em seu recorte
disciplinar a fim de deixar claras as relações entre as diversas áreas que esta investigação
tange, bem como, evidenciar a importância da mesma e por que ela se justifica.
Nesse sentido, antes de verificar a importância da presente pesquisa, que
representa, em menor escala, a importância da área de CT&I para a Defesa como um todo, o
primeiro esforço que será feito consistirá em demonstrar quais disciplinas estão envolvidas
em tal tema, definindo as mesmas e mostrando suas relações.
A ação política apresenta importância basilar na construção do pensamento das
relações de poder entre os homens. Por meio dessa ação, os feixes de forças existentes nos
agregados humanos geram formas de organização e controle político de uns sobre outros.
Considerando a política como a atividade ou de práxis humana, relativa a tudo o
que diz respeito à vida na cidade (pólis), ao passar dos séculos, na modernidade, passou a
designar o conjunto de atividades que, de alguma maneira, tem como referência o Estado,
este, tido como o ápice da organização do poder político, tornando o conceito de política
praticamente indissociável do conceito de poder (BOBBIO et al., 1998, p. 954). Ademais,
25
Maynaud (1960 apud DALLARI, 2013) conceitua a política como, num sentido geral, a
orientação dada à gestão dos negócios da comunidade, englobando a totalidade dos fatores do
homem: ideologias sociais, crenças religiosas, interesses de classe ou de grupo, dentre outros.
Sendo assim, por sua amplitude, influência e importância, o Estado é considerado a principal
sociedade política. Finalmente, insta colacionar a lição de Weber (1979, p. 56), que considera
a política como a “participação no poder ou a luta pela distribuição de poder, seja entre
Estados ou entre grupos dentro de um Estado”.
Assim, tem-se que o Estado, como sociedade política, é uma das formas de
expressão do poder, dessa relação de mando e obediência sob pena de coerção. Não obstante,
conforme o conceito weberiano apresentado acima, a relação de poder não se restringe apenas
à esfera estatal, mas transcende o plano doméstico e se apresenta também na relação entre a
pluralidade dos entes políticos presentes no sistema internacional. Nessa toada, pede-se vênia
para propor mais dois conceitos. Ainda segundo Weber (1979), o Estado possui o monopólio
da violência legítima na circunscrição de seu território, ao passo que Tucídides (2001), desde
a antiguidade, já chamava a atenção para o poder sendo exercido de forma violenta entre as
nações mais fortes sobre as mais fracas.
Diante dessas considerações preliminares, verifica-se que é justamente pensando
em tal relação de poder, manifestado pelo uso da violência, da força propriamente dita, da
política em sua essência, é que Figueiredo (2010) escreve sobre os Estudos Estratégicos, no
texto objeto da presente análise, trazendo sua conceituação, histórico, panorama geral e
brasileiro, bem como, suas perspectivas em relação ao futuro da disciplina.
Nesse sentido, o preâmbulo temático elaborado supra não foi em vão, ao
contrário, corrobora a assertiva introdutória de Figueiredo (2010), que delimita a abrangência
do termo “estratégia”. O autor desconsidera seu emprego em expressões como “estratégia de
marketing” ou “estratégia financeira” e traz à baila os sentidos amplo e estrito que emprestam
significado ao vocábulo dentro do recorte que pretende trabalhar. Assim, em sentido amplo, o
termo diz respeito ao “papel do poder militar na política internacional, em face dos meios
econômicos, políticos e diplomáticos (mas não apenas desses), tendo em vista a consecução
dos objetivos de Estado” (p. 272). Por outro lado, em sentido estrito, representa o “conjunto
de procedimentos que informa as operações militares, requerendo, assim, conhecimentos
especializados e particulares, tais como aqueles ensinados e praticados nas escolas de altos
estudos militares” (p. 272). Dessa forma, segundo o autor, “os Estudos Estratégicos tem como
focos centrais a defesa e a segurança dos sistemas estatais nos âmbitos nacional e
internacional” (FIGUEIREDO, 2010, p. 273), abrangendo diversas subáreas, tais como:
26
relações entre Forças Armadas e sociedade; investigações sobre as organizações e instituições
militares; estudos de história militar; exames das conexões entre o poder político e a indústria
de defesa; pesquisas relativas à ciência; à tecnologia e à eficiência militar; inquéritos teóricos
a respeito das interações entre “Estudos Estratégicos e relações internacionais”, dentre outros
(FIGUEIREDO, 2010).
Baylis e Wirtz (in BAYLIS et al., 2002, p. 12) localizam a disciplina Estudos
Estratégicos como uma especialização da subárea de Estudos de Segurança, esta que por sua
vez está abrangida pelas Relações Internacionais, que integram a Ciência Política, da seguinte
forma:
Figura 1 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (1)
Fonte: Extraído e adaptado de BAYLIS; WIRTZ in BAYLIS et. al., 2002, p. 12
Em caminho divergente, Ayson (in REUS-SMIT; SNIDAL, 2008) considera que a
área de Estudos Estratégicos mereça figurar junto com Relações Internacionais como subárea
direta da Ciência Política. Isso porque a ênfase que a disciplina dá ao uso político da força e
às decisões estratégicas tomadas no seio do mesmo âmbito político tornam desnecessária a
intermediação das Relações Internacionais e dos Estudos de Segurança para ligá-la à Ciência
Política. Segundo o autor, apenas uma área dos Estudos Estratégicos tocam as relações entre
estados e, quanto aos Estudos de Segurança, estes se debruçam mais sobre elementos passivos
e condicionais da prevenção da guerra, ao passo que a estratégia se trata mais da ação política.
Assim, interpretando o entendimento do autor, pode-se localizar a disciplina de Estudos
Estratégicos da seguinte forma:
27
Figura 2 – Localização disciplinar dos Estudos Estratégicos (2)
Fonte: ALVES, 2014
O presente trabalho adota o entendimento de Ayson, pelos seus próprios
argumentos, vez que, como se verá, as decisões sobre estratégia e defesa nacional são tomadas
principalmente no âmbito interno do estado. Pode haver influência de questões externas numa
tomada de decisão estratégica? Obviamente, mas há de se considerar fatores internos que não
tocam diretamente às relações internacionais, tais como disputas e interesses políticos,
questões orçamentárias e de gestão, base industrial de defesa, desenvolvimento econômico e
social, mobilização nacional, entre outros.
Não obstante, considerando a relação íntima entre Relações Internacionais,
Estudos Estratégicos e Estudos de Defesa apontada por Rocha (2015), evidencia-se que todas
possuem como elemento central a atuação do Estado como lócus privilegiado do exercício do
poder, que permeia desde as relações interestatais, até o relacionamento de um estado com seu
próprio povo.
Nesse sentido, o pleno exercício do poder no plano internacional, entendido como
a possibilidade de um Estado de realizar a sua própria vontade, está ligado à capacidade que o
mesmo possui de instrumentalizar seus recursos em prol do interesse nacional que se busca.
Dentre os diversos aspectos que constituem a capacidade nacional, a Defesa é um dos mais
basilares para garantir a soberania do Estado.
A Defesa, por sua vez, não somente abarca as Forças Armadas em si, mas todo
um sistema que propicia ao Estado meios para garantir a sua segurança, tais como, serviços de
inteligência estratégica, base industrial de defesa, capacidade de mobilização etc. (ROCHA,
2015). Mas um item que merece destaque é a capacidade científica, tecnológica e inovacional
do Estado, vez que a tecnologia tem se tornado uma arena de competição entre os países e
uma das maiores responsáveis pelas discrepâncias entre os mesmos.
Dessa forma, diante do exposto até agora, pode-se constatar que a área de Estudos
Estratégicos é uma disciplina que figura ao lado de Relações Internacionais, sendo
interseccionada por esta, como subáreas diretas da Ciência Política. Dentro da definição de
28
Estudos Estratégicos, por sua vez, se encontram diversas áreas menores que estão
relacionadas ao exercício do poder militar, não só política internacional, mas também na
defesa nacional, sendo chamados de Estudos de Defesa. Dentro desses Estudos de Defesa,
vislumbramos a área de CT&I como parte integrante da estrutura de defesa de determinado
estado. A presente pesquisa aborda justamente essa relação entre CT&I e Defesa, ressaltando
a importância daquela para esta, em especial, nos contratos de transferência de tecnologia que
o país tem firmado com fornecedores internacionais em grandes programas militares, com o
objetivo de desenvolver a base industrial do país.
2.3 – TECNOLOGIA MILITAR E A IMPORTÂNCIA DA ÁREA DE CT&I PARA
DEFESA
2.3.1 – Aspectos conceituais gerais
No item anterior, localizamos a área de CT&I dentro da disciplina de Estudos
Estratégicos, a fim de situar a presente pesquisa no seu respectivo campo de produção de
conhecimento. No presente item, aprofundaremos o estudo conceitual da tecnologia ligada ao
poder militar e os aspectos que com ela se relacionam e influenciam, bem como,
ressaltaremos a importância da área de CT&I para Defesa.
O primeiro conceito a ser desenvolvido será o de tecnologia militar, depois seguir-
se-ão outros conceitos relacionados. Longo define tecnologia militar como sendo:
“o agregado organizado de todos os conhecimentos – científicos, empíricos,
intuitivos –, além de habilidades, experiências e organização, requeridos para
produzir, disponibilizar e empregar bens e serviços para fins bélicos, incluindo tanto
conhecimentos teóricos como práticos, meios físicos, técnicas, métodos e
procedimentos produtivos, gerenciais e organizacionais, entre outros.” (LONGO,
2007b, p. 120)
O autor elabora uma definição que conjuga a conceituação normalmente
disseminada do termo tecnologia militar, referente aos conhecimentos requeridos para a
produção de equipamentos e serviços específicos, com sua proposta de abordar também a
estratégia, a tática e conduta militares no referido conceito, tendo em vista que o autor as
29
considera como “tecnologias de processo” na condução de guerras e batalhas (LONGO,
2007b).
O autor também aponta um intenso debate entre duas correntes: uma, que acredita
que a tecnologia militar de produto domina os aspectos estratégicos e operacionais, sendo
estes condicionados pelos equipamentos disponíveis; outra, que rejeita o determinismo
tecnológico e prega que os objetivos militares são definidos a princípio e depois se buscam
tecnologias de bens e serviços para alcançá-los (LONGO, 2007b). No mesmo sentido, Elliot
Cohen (2002) nomeia dois grupos de historiadores militares e até mesmo soldados e sua
concepção da tecnologia militar. Os “tecnófilos” são os fascinados por nuances e detalhes
técnicos, que acabam por assumir papel central nas políticas públicas. Por outro lado, os
“tecnófobos” afirmam que a habilidade e efetividade organizacional são mais determinantes
para o resultado de uma batalha do que simplesmente equipamentos. Não obstante, Longo
afirma que não importa quem é prevalente, mas sim “a necessidade de uma eficiente
integração entre o desenvolvimento tecnológico, a estratégica militar e os conceitos
operacionais. Quanto melhor tal integração, mais efetivas as forças militares” (LONGO, 1986
apud LONGO, 2007b, p. 121).
A tecnologia militar é encarada de diversas formas pela variedade de atores que
com ela se envolvem. Segundo Cohen (2002), existem quatro grandes pontos de vista sobre a
tecnologia militar. A primeira perspectiva é de que a tecnologia seria algo predeterminado,
como se os cientistas que a desenvolvessem andassem por um corredor extenso com várias
portas trancadas, cada qual contendo um baú do tesouro. O progresso científico consistiria em
andar por esse corredor, destrancar tais portas e abrir os baús se apropriando do tesouro, algo
só possível de ser usufruído pelos detentores das chaves e da força para carregar os baús, ou
seja, para um seleto grupo de pessoas. Tal perspectiva é normalmente rechaçada por
historiadores da tecnologia e da engenharia, para estes, a tecnologia em sua forma final está
longe de ser predeterminada, mais se trata de uma construção no sentido “forma segue a
função”, ou seja, a forma assumida pela tecnologia militar serve para atender necessidades
militares em particular. A terceira perspectiva é a da “forma segue a falha”, na qual uma nova
tecnologia militar surge como resposta a alguma falha percebida na tecnologia preexistente. A
última diz respeito a fatores estéticos ou outros não-racionais, por exemplo, a resistência a
uma inovação tal como veículos aéreos não tripulados por parte de pilotos de aeronaves.
Nenhuma dessas teorias é completamente satisfatória, mas sua amplitude pode auxiliar no
entendimento de como e por que as tecnologias militares existem (COHEN in BAYLIS et. al.,
2002).
30
Dessa forma, a tecnologia pode assumir diversas formas e variações, conforme o
que Cohen (2002) chama de estilos nacionais. O estilo nacional, por sua vez, pode ser
determinado por uma variedade de coisas como: pressupostos políticos; trade-offs2 entre
diversas opções de hardware; processos de interação entre tecnologias novas e suas respostas
(medidas e contramedidas); tecnologias invisíveis (como o rádio); e a busca pela supremacia
tecnológica, em geral ou em determinados nichos específicos (COHEN in BAYLIS et. al.,
2002).
Mas emitir um conceito próprio significa dizer que a tecnologia militar é
essencialmente diferente da civil? Na realidade, como se pôde depreender, ambas as espécies
se diferem quanto à aplicação, uma se dá no meio militar e outra para uso civil, mas na
essência são a mesma coisa, o que chama a atenção para outros conceitos que serão
desenvolvidos a seguir.
Ao longo da história humana dificilmente se vê um desenvolvimento tecnológico
relevante que não esteja intimamente ligado a questões de segurança e defesa (LONGO,
2007b). Muitas inovações do tipo, que foram concebidas para atender necessidades militares,
acabaram sendo utilizadas para um bem sucedido uso civil. Noutro passo, também ocorreram
diversas descobertas de iniciativa civil que foram empregadas no meio militar. Tais
fenômenos são conhecidos, respectivamente, por spin off e por spin on/in.
Sendo assim, ocorre um spin off quando há um transbordamento da tecnologia de
uso militar para o uso civil. Como exemplo, pode-se citar a Arpanet, que foi um sistema
desenvolvido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América que interligava
computadores no país, com vistas a garantir as comunicações dentro do território mesmo que
parte do sistema fosse comprometida. Tal sistema transbordou na atual rede mundial de
computadores, ou Internet, que serve tanto para uso militar quanto para uso civil. Além disso,
o Global Positioning System (GPS) foi um sistema militar de localização e posicionamento
via satélites, mas que hoje também é amplamente utilizado no meio civil (LONGO, 2007b).
Por outro lado, ocorre um spin on/in quando uma tecnologia oriunda do meio civil é
introduzida no meio militar para ser empregada para fins bélicos. Como exemplo, tem-se
diversas descobertas em biologia, informática, nanotecnologia, e comunicações que são
lideradas por gastos civis, mas que tem transbordado para propósitos militares (TAYLOR;
TATHAM, 2008 apud SILVA, 2011). Nesse sentido, para tais segmentos foi cunhado o
2 Entende-se por trade off como uma situação em que se precisa escolher ou ponderar entre duas coisas que são
opostas ou que não podem ser tidas ao mesmo tempo (MERRIAM-WEBSTER. Trade-off. Disponível em:
<http://www.merriam-webster.com/dictionary/trade%E2%80%93off>. Acesso em 31/03/2016).
31
termo dual use technology, ou de uso dual, aquela “possível de ser utilizada para produzir ou
melhorar bens ou serviços de uso civil ou militar” (LONGO, 2007b, p. 122). Mas é necessário
apontar que o termo “dual” é apenas para fins analíticos, pois é muito difícil discernir se uma
tecnologia é somente para uso militar ou civil, podendo até ser considerada de usos múltiplos
(MOLAS-GALLART, 1998 apud BRUSTOLIN, 2014).
Duarte (2012), por sua vez, apresenta uma visão crítica sobre esse
transbordamento e da utilização dual referida acima. Por meio de uma análise da evolução
histórica, o autor procura demonstrar que não existe uma relação determinista entre tecnologia
militar e desenvolvimento econômico. No mesmo sentido, a respeito do spin in/off, afirma que
os fenômenos de spin off foram pontuais, ocorrendo em alguns casos nos últimos 200 anos e
mais incisivamente entre a Segunda Guerra Mundial e as primeiras décadas da Guerra Fria,
dentro de um contexto social muito específico que é dos Estados Unidos, se diferenciando da
sua contraparte soviética, por exemplo, que embora investisse na indústria militar, falhava em
transbordá-la para a civil. Hodiernamente, assevera o autor que a relação entre os usos duais
parece ser o padrão de spin in, ou seja, transbordamento para o setor bélico. Ademais, aponta
que existe grande especialização de técnicas militares e não militares, de maneira que, com
exceção de itens específicos, não existe possibilidade de transferência de produtos e
procedimentos. Não obstante, Silva (2011) afirma que não é importante identificar se
prepondera um ou outro fenômeno, mas tem-se atualmente uma interdependência civil-militar
em desenvolvimento tecnológico.
A END considera três os setores estratégicos para o Brasil em termos
tecnológicos, quais sejam, a espacial, cibernética e nuclear (BRASIL, 2012c). Apenas para
ilustrar os últimos conceitos aqui tratados, vale colacionar um trecho da END em que eles são
notórios, embora não explícitos:
Como decorrência de sua própria natureza, esses setores transcendem a divisão entre
desenvolvimento e defesa, entre o civil e o militar.
Os setores espacial e cibernético permitirão, em conjunto, que a capacidade de
visualizar o próprio País não dependa de tecnologia estrangeira e que as três Forças,
em conjunto, possam atuar em rede, instruídas por monitoramento que se faça
também a partir do espaço.
O Brasil tem compromisso – decorrente da Constituição e da adesão a Tratados
Internacionais – com o uso estritamente pacífico da energia nuclear. Entretanto,
afirma a necessidade estratégica de desenvolver e dominar essa tecnologia. O Brasil
precisa garantir o equilíbrio e a versatilidade da sua matriz energética e avançar em
áreas, tais como as de agricultura e saúde, que podem se beneficiar da tecnologia de
energia nuclear. E levar a cabo, entre outras iniciativas que exigem independência
tecnológica em matéria de energia nuclear, o projeto do submarino de propulsão
nuclear. (BRASIL, 2012c, p. 3)
32
Outro conceito a ser tratado é o de tecnologias sensíveis que, segundo Longo,
representa aquela “de qualquer natureza, civil ou militar, que determinado país ou grupo de
países considera ser necessário não dar acesso, durante certo tempo, a outros países,
hipoteticamente por razões de segurança” (LONGO, 2007b, p. 122).
Nesse diapasão, quando se fala nessa categoria sensível e definindo-as quanto à
restrição ao acesso, não há como deixar de fora outro tema muito importante nas relações
internacionais e, em especial, no que toca aos fluxos de transferência de tecnologia. O
cerceamento será tratado no item a seguir.
2.3.2 – Cerceamento tecnológico
Segundo Longo, um fenômeno constante da história da humanidade foi o fato de
que os “detentores de conhecimentos que lhes conferiam vantagens significativas no tocante
ao poderio militar sempre tentaram proteger tais conhecimentos do acesso por parte dos seus
opositores reais ou potenciais” (LONGO, 2007b, p. 124). Seguindo a tradição científica
moderna, representada pela máxima “saber é poder” (BACON, 1825), herdou-se a associação
do conhecimento ao poder, ou seja, os conhecimentos tecnológicos que possibilitam uma
vantagem em termos de exercício de poder, em especial, na produção de artefatos bélicos,
tornaram-se o maior diferenciador entre países.
Nesse sentido, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, os países que
lideram o desenvolvimento científico e tecnológico têm cerceado o acesso de terceiros às
tecnologias e produtos que considerem sensíveis, incluindo até as de uso dual (LONGO;
MOREIRA, 2009). Portanto, William Moreira (2015) define o cerceamento tecnológico como
sendo um conjunto de políticas, normas e ações empreendidas por estados, organizações
internacionais ou empresas no sentido de restringir, dificultar ou negar o acesso, a posse ou
uso de bens sensíveis e serviços diretamente vinculados, por parte de estados, instituições,
centros de pesquisas ou empresas e terceiros.
Durante a Guerra Fria, o principal objetivo do cerceamento tecnológico era negar
conhecimento ao bloco oponente, a fim de manter a supremacia tecnológica em áreas
estratégicas. Após o fim daquele período histórico e da bipolaridade, emergiram atores não-
estatais que passaram a consistir as “novas ameaças” à segurança internacional, tais como o
terrorismo e o crime organizado transnacional. Uma grande parcela da preocupação em
33
cercear tecnologia foi redirecionada para evitar que armas de destruição em massa e outros
aparatos sensíveis pudessem cair nas mãos desses atores, em especial, após os ataques de 11
de setembro de 2001, nos EUA (LONGO; MOREIRA, 2009). Em relação à área nuclear,
talvez a principal preocupação do cerceamento tenha sido a manutenção da hegemonia
econômica, militar e política entre detentores de artefatos nucleares, haja vista os
instrumentos normativos quanto ao tema, particularmente o Atomic Energy Act dos EUA em
1946 e o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968 (LONGO, 2007b).
Não obstante, além dos objetivos específicos acima, os países desenvolvidos tem
utilizado a prática do cerceamento a fim de manter as vantagens estratégicas, não somente
militares, mas também comerciais, alcançadas graças aos valiosos conhecimentos que detêm
por meio de suas empresas, valendo destaque para a “tríade” EUA, União Europeia e Japão
(LONGO; MOREIRA, 2009).
Segundo William Moreira (2015), as ações de cerceamento se dividem em dois
tipos: ações de negação e ações de intimidação. As ações de negação podem ser de acesso,
posse e uso. A negação de acesso ocorre quando o detentor de conhecimento denega o acesso
ao mesmo formal ou informalmente, assim como, restringe ou embarga, através de listas de
controle. A negação de posse ocorre quando há a apreensão de equipamentos e produtos,
absorção das capacitações, sobretudo através de aquisição de empresas, brain drain, quando
se cria incentivos e condições mais atrativas para os profissionais mais qualificados não
permanecerem no país que necessita da tecnologia e, por fim, da neutralização da posse por
qualquer meio, inclusive com o uso da força. A negação de uso se dá, sobretudo, mediante
cláusulas contratuais que proíbem a venda, transferência ou reexportação. As ações de
intimidação, por sua vez, consistem em ameaças e pressões, políticas, econômicas e/ou
militares, por meio de instituições de estado, internacionais, acadêmicas e/ou campanhas
midiáticas, com o fito de desencorajar o acesso de determinado país a determinada tecnologia.
De acordo com o mesmo autor, são três os principais mecanismos de
cerceamento: o Regime Internacional de Não Proliferação (RINP), as posturas unilaterais e a
competição de mercado (MOREIRA, 2013, 2015).
O RINP consiste na ampla gama de atos internacionais, arranjos multilaterais e
unilaterais, além de agências e sistemas de verificação que representam os esforços de
controle sobre tecnologias e bens sensíveis. Segue uma síntese histórica de algum desses
esforços (LONGO; MOREIRA, 2009).
34
Quadro 1 – Síntese histórica do RINP
Ano Evento
1946 Entra em vigor nos EUA o "Atomic Energy Act" (MacMahon Act), que proibia a transferência
para o exterior de quaisquer conhecimentos relativos à energia atômica. O Ato determinou como
o Governo poderia controlar e gerir a tecnologia nuclear. Uma das mais significativas decisões
contidas no Ato foi que o desenvolvimento de armas nucleares e a gestão de energia nuclear
deveriam estar sob controle civil. Para esse fim, foi criada a Comissão de Energia Atômica nos
EUA.
1949 Criado o "Coordinating Committee for Multilateral Export Controls" – COCOM, para coordenar
as restrições à exportação de tecnologias sensíveis, com o objetivo de coibir certas transferências
para os países comunistas, basicamente a União Soviética, a China e os países do Leste Europeu.
Com o fim da Guerra Fria, o COCOM foi extinto em março de 1994, quando era composto por
17 países industrializados, incluindo os membros da OTAN (exceto a Islândia) e mais o Japão e a
Austrália. Foi substituído pelo "Wassenaar Arrangement", que entrou em vigor em 1996.
1957 Criada a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), uma organização autônoma no seio
das Nações Unidas, com o objetivo de promover o emprego pacífico da energia nuclear e
desencorajar seu uso para fins militares.
1969 Entrou em vigor o Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e o Caribe,
ou Tratado de Tlateloco, que proíbe e previne na região o “teste, uso, manufatura, produção ou
aquisição por qualquer modo de quaisquer armas nucleares” além de “receber, guardar, instalar,
movimentar ou qualquer forma de posse de qualquer arma nuclear”. Com a adesão de Cuba, em
2002, a América Latina e Caribe tornaram-se "Zona Livre de Armas Nucleares" e o Tratado de
Tlateloco passou a ser considerado modelo para o estabelecimento de tais zonas.
1970 Entrou em vigor o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que havia aberto à
assinatura em 1968. O TNP proíbe os cinco Estados nucleares reconhecidos à época, China,
França, Rússia, Reino Unido e EUA, de transferirem armas nucleares ou prestarem assistência
para a sua obtenção. Os Estados não-nucleares foram definidos como aqueles que não tenham
explodido um artefato nuclear até o dia 1 de janeiro de 1967. O Tratado proíbe aos Estados não-
nucleares de receber, desenvolver, produzir ou adquirir armas nucleares e os obriga a assinar um
acordo de salvaguardas sobre todo material nuclear por eles utilizado. A Agência Internacional de
Energia Atômica é a instituição que verifica o cumprimento do TNP com inspeções e
investigações. Esse tratado pode ser entendido como assimétrico e discriminatório, pois promove
um desequilíbrio de poder e estabelece duas categorias de países: os nucleares e os não nucleares.
1974 Criado o Grupo dos Supridores Nucleares (Nuclear Suppliers Group - NSG). Em 1974, a Índia,
até então considerada um país não-nuclear, explodiu uma bomba atômica, chamando a atenção
para o fato que a transferência de tecnologia nuclear para fins pacíficos poderia, também, ser
empregada com finalidades bélicas. Nesse mesmo ano foi criado o regime do NSG, uma
associação informal de países que possuem tecnologia nuclear e que procuram contribuir para a
não-proliferação de armas nucleares.
1979 O Congresso Norte-Americano aprovou o “Export Administration Act” e o “Arms Export
Control”, estabelecendo mecanismos de controle de exportação de bens de uso bélico, de
emprego nuclear e de uso dual. Em 1991, foi adicionada ao Export Administration Act, uma
relação de países - da qual faz parte o Brasil - que têm projetos de mísseis que causavam
preocupação aos EUA.
1987 Criado o Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR), inicialmente formado pelo
Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e EUA. Na década de 80, com o objetivo
de dificultar e, se possível, impedir a proliferação de vetores de armas de destruição em massa ,
os membros do G-7, produziram normas para o controle de exportações de bens e tecnologias de
aplicação em mísseis com capacidade para transportar cargas superiores a 500 kg a distâncias
maiores que 300 km. Esse trabalho deu origem, em 1987, ao “Missile Technology Control
Regime” (MTCR). Em julho de 1992, foi decidida a expansão dos objetivos do MTCR para
abranger a não-proliferação de veículos aéreos não tripulados – VANTs para armas de destruição
de massa, e flexibilizando a carga de 500 kg e o alcance de 300 km. Em 2002, o MTCR foi
suplementado pelo Código Internacional de Conduta Contra a Proliferação de Mísseis Balísticos
(ICOC), também conhecido como Código de Conduta Hague, o qual se propõe a impedir a
proliferação de sistemas de transporte não tripulados, independentemente da carga e do alcance
dos mesmos.
1996 O Brasil adere ao regime de controle de exportação de materiais nucleares, o Grupo de
35
Supridores Nucleares (NSG).
Criado o "Wassenaar Arrangement". Considerado o substituto do COCOM, tem o propósito de
contribuir para a segurança e a estabilidade internacional, pelo estímulo à transparência e à
responsabilidade nas transferências de armas convencionais, bens sensíveis e tecnologias duais,
de modo a evitar a proliferação indevida de armas de destruição em massa ou a formação de
desequilíbrios de poder militar em certas regiões do mundo. O Brasil não faz parte desse órgão.
1997 Entrou em vigor a Convenção para a Proibição de Armas Químicas (CPAQ), da qual o Brasil é
signatário.
1998 Brasil adere ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear - TNP, em vigor desde 1970.
2001 Estabelecido o "Homeland Security Presidential Directive", pelo governo dos EUA, que proíbe
certos estudantes estrangeiros de receber educação e treinamento em áreas sensíveis, que tenham
direta aplicação no desenvolvimento e uso de armas de destruição em massa. As áreas de estudo
consideradas sensíveis constam da “Technology Alert List” – TAL que compreende uma vasta
relação de tópicos que vão de munição convencional até robótica e planejamento urbano.
2003 Revisada a “Technology Alert List” (TAL) pelo Departamento de Estado dos EUA, que emitiu
novas orientações a todo o corpo diplomático norte-americano no exterior, para a aplicação da
TAL. Segundo o Departamento de Estado dos EUA, os seguintes países apoiam o terrorismo e
compõe a “lista crítica”: Cuba, Irã, Iraque, Líbia, Coreia do Norte, Sudão e Síria.
2004 A Resolução 1540 foi adotada pelo Conselho de Segurança em sua reunião de nº 4956, em 28 de
abril de 2004. Por ela, os 191 Estados-Membros devem abster-se de prover qualquer forma de
apoio a atores não-estatais que procurem desenvolver, adquirir, manufaturar, possuir, transportar
ou utilizar armas nucleares, químicas e biológicas e seus meios de lançamento.
Fonte: LONGO; MOREIRA, 2009, p. 83
O Brasil aderiu a vários desses instrumentos, tais como: a Convenção para a
Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sua
Destruição (CPAQ); o Grupo de Supridores Nucleares (NSG); a Convenção sobre a Proibição
do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e à Base
de Toxinas, e sua Destruição (CPAB); Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
(TNP); e Regime de Controle de tecnologia de Mísseis (MTCR). Mas existem outros que o
país não participa, como o Protocolo Adicional ao TNP, o “Wassennar Arrangement”, o
Grupo da Austrália e o “Zanger Comittee” (LONGO; MOREIRA, 2009).
Entretanto, além do regime de atos e arranjos internacionais, os países
estabelecem em sua ordem interna, mediante legislações e instituições, seus regimes próprios
de cerceamento tecnológico (MOREIRA, 2013). Nesse sentido, considerando que empresas e
pessoas detentoras de conhecimento tecnológico estão submetidas às leis de seu país, muitas
vezes são restringidas nas suas atividades mercantis em relação aos produtos e tecnologias
considerados sensíveis pela legislação pátria, havendo restrições a venda, revenda, exportação
etc. Pode haver, inclusive, uma eficácia extraterritorial dessa legislação (MOREIRA, 2013),
quando, por exemplo, determinado país é proibido de exportar certo produto por possuir
alguns elementos cuja tecnologia pertence a outro país que possui normas internas de restrição
à venda daquela tecnologia. No Brasil, o controle de exportação de bens sensíveis se dá pela
36
Lei nº 9.112/95, sendo sensíveis os “bens de uso duplo e os bens de uso na área nuclear,
química e biológica” (BRASIL, 1995, art. 1º, §1º).
Finalmente, o cerceamento por questões de competição do mercado se dá quando
empresas detentoras de tecnologia se recusam a fornecer os conhecimentos que garantem as
vantagens comparativas de seus produtos, sob o risco de expor aquilo que as diferencia no
mercado, abrindo caminho para eventuais e indesejados competidores (MOREIRA, 2015).
A fim de contornar tais obstáculos impostos ao acesso a tecnologias sensíveis,
estados e empresas adotam algumas alternativas, quais sejam: a transferência de tecnologia,
que será abordada detalhadamente em momento posterior; os programas mobilizadores (para
estimular o desenvolvimento autóctone); a engenharia reversa (desmontagem do produto para
investigar como ele foi produzido e absorver conhecimento); a cópia (simples reprodução); a
espionagem; e até o dreno de cérebros (atração de recursos humanos qualificados para o país)
(LONGO; MOREIRA, 2010).
Dessa forma, o cerceamento tecnológico, mediante suas ações e mecanismos,
constitui um grande obstáculo para os países em desenvolvimento adquirirem conhecimentos
em tecnologias sensíveis que propiciem sua inserção mais autônoma e independente no
concerto internacional. Quando se trata de transferência de tecnologia, é um dos temas de
maior relevância, haja vista a relação, na maioria das vezes, tensa entre cedente e
recipiendário de tecnologia, o primeiro querendo ceder menos e o último querendo receber
mais. Dessa forma, é importante situar os contratos de transferência de tecnologia que o Brasil
tem firmado em seus programas militares nesse contexto de cerceamento, bem como, avaliá-
los sob esse prisma, a fim de depreender se o país de fato tem recebido tecnologia.
2.3.3 – Inovações tecnológicas no meio militar e Revolução nos Assuntos Militares
O tema de inovações tecnológicas no meio militar provoca debates, dentre os
quais se destaca também a Revolução nos Assuntos Militares (RAM), que, por ser o mais
simbólico da introdução de novos equipamentos e formas de guerra, demonstra mais um
aspecto da relevância do papel da área de CT&I para a Defesa e dos seus desafios hodiernos.
Por esse motivo, não pode o tema deixar de ser abordada, ainda que somente em linhas gerais.
Andrew Krepinevich (1994) define a RAM como a aplicação de novas
tecnologias num número significativo de sistemas, combinada com conceitos operacionais
37
inovadores e adaptações organizacionais de modo a alterar o caráter e a condução do conflito,
produzindo um grande aumento do potencial de combate e da eficiência militar das forças
armadas. No mesmo sentido, Turner (2000 apud LONGO, 2007b) afirma que a RAM é uma
grande mudança na natureza da guerra, resultante do emprego de novas tecnologias as quais
combinadas com as dramáticas mudanças na doutrina, nos conceitos operacional e
organizacional militares, alteram fundamentalmente o caráter e a conduta das operações
militares.
A definição de RAM, bem como sua sistematização na literatura se deu a partir da
década de 80 do século XX, embora o fenômeno já pudesse ser constatado antes. Como
exemplo, em meados do século XIX, a combinação do telégrafo (ao permitir comunicação em
tempo real entre autoridades civis e militares e entre comandantes militares), das ferrovias (ao
permitir movimentação em massa de tropas e de suprimentos, tanto no inverno quanto na
condução de cercos) e do rifle (que tornou o engajamento da infantaria mais letal a grandes
distâncias) transformaram a guerra daquela época em relação à anterior (COHEN in BAYLIS
et. al., 2002). Krepinevich (1994) menciona exemplos mais antigos. Exemplo mais recentes
vão desde a blitzkrieg alemã, o uso de artefatos nucleares, passando pela Guerra do Golfo em
1991, nos Bálcãs 96/99, Afeganistão em 2001, do Golfo em 2003, até Líbia em 2011
(ROCHA, 2015; CHAPMAN, 2013; COHEN in BAYLIS et. al., 2002)
A ideia de revolução na conduta das atividades militares em decorrência de
inovações tecnológicas foi introduzida por Michael Roberts, em 1956 (TURNER, 2000 apud
LONGO, 2007b). Entretanto, a origem emblemática do tema se deu em 1982, com o panfleto
do Marechal Nikolai Ogarkov, da URSS, no qual o oficial, ao analisar os conflitos então
recentes no Afeganistão e entre Israel e Síria, observou que uma “revolução técnico-militar”
em curso no Ocidente estaria aumentando a efetividade dos armamentos convencionais, sob o
risco de fazer com que a superioridade tecnológica dos EUA causasse grande desvantagem
aos soviéticos, até então confiantes em sua capacidade numérica (LONGO, 2007b; ROCHA,
2015; CHAPMAN, 2013; COHEN in BAYLIS et. al., 2002).
Segundo Krepinevich (1994), a RAM se estrutura em quatro elementos: inovação
tecnológica, desenvolvimento de sistemas (com as novas tecnologias), criação de novos
conceitos operacionais (para empregar eficazmente os sistemas) e adaptação organizacional.
Cada elemento, por si, é uma condição necessária, mas não suficiente, para auferir os maiores
ganhos em efetividade que a revolução caracteriza. Dessa forma, a RAM envolve uma
mudança de paradigma na natureza e na condução das operações militares que torna obsoleta
ou irrelevante uma ou mais competências fundamentais de um competidor dominante e/ou
38
cria uma ou mais competências fundamentais em alguma nova dimensão da guerra
(HUNDLEY, 1999).
Hodiernamente, pode-se verificar uma RAM acontecendo sob o impulso das
tecnologias de informação e comunicação (TIC), cujos benefícios se dão pela combinação da
capacidade de comando, controle, comunicações, computação, informação (inteligência),
vigilância e reconhecimento (C4ISR, na sigla em inglês), somado a forças dotadas de armas
de precisão, integradas, com redes de sensores sofisticados, radares, satélites, veículos aéreos
não tripulados e tecnologia stealth (LONGO, 2007b; ROCHA, 2015).
Por outro lado, existe outra linha de estudiosos que encaram com ressalvas a
questão das inovações no meio militar (BIDDLE, 2002; ROSEN, 1991; DUARTE, 2012;
PROENÇA JR., 2011). Duarte (2012) afirma que o desenvolvimento tecnológico, numa
perspectiva histórica, não é sinônimo de inovação combatente, da mesma forma que uma nova
tecnologia não é sempre – e necessariamente – fonte para uma inovação dentro de forças
armadas.
Segundo o autor, existem três condições sociais para o desenvolvimento
tecnológico: i) necessidade social; ii) recursos sociais disponíveis; e iii) um ethos social
favorável. Da mesma forma, a tecnologia militar também é tão social e subordinada aos
interesses e particularidades de uma sociedade como qualquer outra espécie, mas que possui
as particularidades inerentes à atividade bélica que acabam por constranger o seu
desenvolvimento dentro das organizações militares. Em síntese, o autor aponta exemplos
históricos3 de inovações que não surtiram efeitos satisfatórios ou desejados no campo de
batalha, menciona que o emprego dos recursos utilizados deve levar em conta a padronização
característica das forças, muitas vezes não se justificando e afirma que o ethos militar é
altamente conservador, pouco dado a mudanças e não raro preferindo as formas e
equipamentos mais conhecidos e seguros ao uso de uma inovação incerta (DUARTE, 2012).
Nesse sentido, uma inovação militar ampla seria apenas possível em tempos de
paz e com a alternância geracional de oficiais. Em tempos de guerra, o impacto de inovações
seria sempre limitado e pautado por um claro índice de desempenho e por uma condição
estratégica específica. Além disso, ainda que uma inovação pudesse produzir um ganho de
desempenho, seria possível que fosse descartada pela incompatibilidade com outros aspectos
3 Dentre os exemplos mencionados, estão os arcos longos dos ingleses que eram mais leves, precisos, versáteis,
de fácil manuseio e reposição e culturalmente assimilados na sociedade em relação ao arcabuz que, mesmo
sendo tecnologicamente superior, era mais caro, de difícil manuseio, transporte, lento de recarga e de pouca
precisão. Além disso, destaca o papel da cavalaria em relação aos primeiros carros de combate à época da
Primeira Guerra Mundial, que apresentavam falta de velocidade, carência de movimentação tática, complexidade
de reposição e longos ciclos de manutenção (DUARTE, 2012).
39
da organização militar, quais sejam: por insuficiência de recursos disponíveis ou alocados
pela liderança política; resistência institucional; ou por não apresentar ganho aparente de
desempenho estratégico (ROSEN, 1991).
Biddle (2002), por sua vez, assume que a tecnologia se desenvolveu rapidamente
nos últimos cem anos, provocando um acelerado aumento no alcance, letalidade, velocidade e
inteligência das forças armadas, no entanto, os conflitos contemporâneos demonstram que,
não obstante o emprego de inovações, certos princípios doutrinários permaneciam os mesmos
desde o início do século e eram recorridos continuamente pelos combatentes, quais sejam:
forças combinadas; integração de movimento e fogo de supressão; uso agressivo de cobertura
e ocultação; profundidade defensiva e; reservas. Assim, o autor admite que a tecnologia
algum dia possa revolucionar o caráter das operações militares dentro de uma RAM, mas
garante que esse dia ainda não chegou, pois o que ela fez até agora foi punir com mais
severidade os erros dos exércitos em não cumprir os referidos princípios básicos da doutrina
militar.
Proença Júnior (2011) também questiona o falacioso argumento do reducionismo
tecnológico, em que se argumenta que uma melhor tecnologia causa automaticamente um
melhor arranjo de defesa. O autor não nega a importância ou o impacto das inovações em
artefatos e seus reflexos no combate, mas o equipamento não pode ser determinista em si
mesmo, ao contrário, para que uma vantagem combatente possa ser de fato auferida, se faz
necessário considerar outros aspectos como um todo, quais sejam: projeto político de defesa;
tutela civil; vontade e habilidade humana; capacidade de aprendizado, tanto no uso da
tecnologia, quanto no aperfeiçoamento doutrinários por meio da experiência e na exploração
de vantagens e desvantagens dos meios.
Sendo assim, embora seja inegável que o progresso tecnológico influenciou na
forma de se fazer a guerra, não são todas as inovações que podem ser empregadas e
devidamente aproveitadas nas forças armadas, de forma que a tecnologia em si mesma não é
suficiente para se compreender ou explicar a maneira com que vantagens combatentes surgem
e desaparecem. De semelhante modo, a rigidez e a especialização que caracterizam o meio
militar, salvos exemplos históricos pontuais, obstaculizam inovações, especialmente as que
podem ser empregadas no meio civil. Assim, CT&I como política de defesa não pode
prescindir da interdependência que a concepção inovacional hodierna aponta entre o âmbito
militar e o não militar.
O debate acerca da introdução de inovações tecnológicas no meio militar, da qual
a RAM faz parte, reforça a conexão entre CT&I e Defesa. Ainda que não haja consenso, sobre
40
o papel definitivo da atividade inovadora em conflitos bélicos, o estudo da RAM permite a
melhor priorização dos investimentos em tecnologias a se implementar e desenvolvimentos a
custear (ROCHA, 2015), bem como qual inovação pode efetivamente ser empregada em
combate.
2.3.4 – CT&I como política pública para a Defesa
Esse item se dedicará a focar o debate da área de CT&I como política pública
oficial praticada por governos em relação ao atributo estatal da Defesa. Duarte (2012) ensina
que o desenvolvimento tecnológico e sua difusão se dão por um processo sociológico, sendo
seu efeito inovador determinado pelo seu significado e pela sua utilidade num determinado
contexto social. Assim, como a dinâmica do processo envolve a percepção da sociedade, há a
participação da vontade política na disponibilização dos recursos destinados à produção
tecnológica. Sendo assim, a partir de uma perspectiva histórica, demonstra o autor como a
participação do poder político como determinador ou demandante de novas formas de
organização e produção, fossem para fins comerciais, fosse para fins bélicos, foi que deu
impulso ao desenvolvimento tecnológico e industrial, nada sugerindo que a tecnologia tenha
se emancipado dessa origem.
A tradição científica que herdamos contemporaneamente remonta à Revolução
Científica, que teve início no século XVII na Europa, cujo embrião fora na Renascença
italiana, mas logo frutificou impulsionada pela criação do método científico, principalmente
por Francis Bacon e René Descartes, e pela institucionalização da ciência por diversos países
europeus, por meio de academias e sociedades científicas. Nesse estágio, a ciência estava
pouquíssimo ligada à produção de bens e serviços (LONGO, 2009). Posteriormente, a partir
do século XVIII experimentou-se a Revolução Industrial, também chamada de Revolução
Tecnológica, que pode ser dividida em duas partes: a “revolução do carvão e do ferro”, de
1780 a 1850, e a “revolução do aço e da eletricidade”, de 1850 a 1914 (LONGO, 2009). Foi
caracterizada pela introdução de máquinas no processo produtivo permitindo a produção em
escala, mas sem a aplicação sistemática da ciência, ao contrário, foi realizada com base em
experimentos empíricos, frutos do engenho artesanal e mecânico (HALL; HALL, 1954 apud
LONGO, 2009).
41
A ciência se preocupava, principal e inicialmente, a responder as questões
relativas ao universo, só em momento posterior que passou a, gradativamente, explicar
também as indagações oriundas das máquinas, processos e produtos criados pelo homem.
Assim, somente no final do século XIX é que a tecnologia passou a fazer uso significativo da
ciência, sobretudo na indústria química e nos usos da energia elétrica (LONGO, 2009). A
partir de então, as descobertas científicas e os avanços tecnológicos e em inovação cresceram
exponencialmente. Entretanto, até o estourar das duas guerras mundiais do século XX, a
pesquisa acadêmica em ciências e engenharias não era tida como uma responsabilidade
governamental, mas quase todo seu financiamento vinha de contribuições privadas
(KLEIMAN, 1995 apud BRUSTOLIN, 2014).
Com o início da Primeira Guerra Mundial, já se podia observar a delineação da
íntima ligação entre ciência e tecnologia e, em consequência, em ambos os lados contendores,
os cientistas foram envolvidos no esforço de guerra, como exemplo, para estudar a detecção
de submarinos, desenvolvimento de novos aviões e aprimoramento de explosivos e gases
tóxicos. Entretanto, ao término do conflito, com exceção da Alemanha e da Rússia, a ligação
fomentada entre a comunidade científica e tecnológica com o governo foi, praticamente,
desativada (LONGO, 2009). Já a eclosão da Segunda Guerra Mundial mudou
consideravelmente o modelo de inovações, sobretudo nos EUA (PURSELL, 1979 apud
BRUSTOLIN, 2014), mas o potencial científico e tecnológico foi mobilizado também na
Inglaterra e na Rússia (LONGO, 2009).
O destaque dado aos EUA se dá por causa do seu modelo, que se tornou
paradigmático e emblemático. Com o início do desenvolvimento da bomba atômica, surgiu a
percepção de que atrasos no desenvolvimento e produção de tecnologias armamentistas
poderiam ser militarmente desastrosos para o país (HOLLEY Jr., 1997 apud BRUSTOLIN,
2014), ademais, iniciada a Guerra Fria e a competição com o bloco soviético, potencializou-se
ainda mais a busca por inovação militar (GALISON, 1988 apud BRUSTOLIN, 2014). Nesse
sentido, havia a necessidade de se ampliar a capacidade científica e tecnológica, mas de forma
além do que a concorrência industrial poderia oferecer. Tornou-se necessária, portanto, a
intervenção do Estado, mediante a promoção do envolvimento das universidades junto às
indústrias e empresas para atender às necessidades tecnológicas militares (ROGER, 1992
apud BRUSTOLIN, 2014), gerando um modelo de inovação que ficou conhecido por
“complexo militar-industrial-acadêmico” (LESLIE, 1993 apud BRUSTOLIN, 2014). O pós-
guerra tornou evidente que a capacidade científica e tecnológica havia passado a ser o grande
ordenador do poder mundial, nos aspectos políticos, econômicos e militares, elevando a área
42
de CT&I à categoria de preocupação política central nos países mais desenvolvidos (LONGO,
2009).
Nesse diapasão, em novembro de 1944, o Presidente Roosevelt enviou um ofício
ao diretor do Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (OSRD, em inglês) da
Presidência da República dos EUA, o engenheiro Vannevar Bush, fazendo uma previsão e
quatro indagações (LONGO, 2009), cujo resumo colacionamos.
“(1) Como aproveitar e divulgar as contribuições ao conhecimento científico feitas
durante nosso esforço de guerra; (2) O que poderia ser feito para organizar um
programa a fim de dar continuidade no trabalho feito em medicina e áreas
relacionadas; (3) o que o governo poderia fazer para ajudar as atividades de pesquisa
de organizações públicas e privadas; (4) se seria possível propor um programa eficaz
para a descoberta e o desenvolvimento de talentos científicos dentre a juventude
estadunidense, para que o futuro da pesquisa científica no país fique assegurado num
nível comparável ao dos tempos de guerra.” (BUSH, 1945 apud BRUSTOLIN,
2014, p. 21)
Como resposta, Bush e sua equipe enviaram um relatório intitulado “Ciência, a
fronteira sem fim” (Science – The endless frontier), ressaltando a importância do progresso
científico para o tratamento de doenças, para a segurança nacional e para o bem-estar da
população, propondo o estabelecimento duma política nacional para o desenvolvimento
científico que renove o talento científico do país por meio da inclusão dos militares, bem
como, a criação de uma fundação de apoio às pesquisas básicas e aplicadas e ao ensino de
ciência (BUSH, 1945; LONGO, 2009; BRUSTOLIN, 2014). Bush e sua equipe são
considerados os principais formuladores do baseado no complexo militar-industrial-
acadêmico, mencionado acima e representado abaixo (BUSH, 1945; BRUSTOLIN, 2014).
43
Figura 3 – Complexo militar-industrial-acadêmico dos Estados Unidos
Fonte: BRUSTOLIN, 2014, p. 24
Dessa forma, o referido modelo de Bush, empregado hodiernamente, sofreu
diversas alterações e adaptações ao longo de sua história, mas sua estrutura básica permanece
próxima aos fundamentos originais elaborados pelo autor (BRUSTOLIN, 2014). O modelo
original previa uma fundação que centralizava o apoio à pesquisa científica básica e aplicada,
a National Science Foundation (NSF), mas o entendimento governamental sobre a
importância estratégica da área de CT&I evoluiu e fez a estrutura de multiplicar para diversas
agências ao longo dos anos, como a National Institute of Health (NIH), Office of Naval
Research (ONR), Atomic Energy Comission (AEC), National Aeronautics and Space
Administration (NASA), a Defense Advanced Research Project Agency (DARPA), dentre
outras (LONGO, 2009).
A estrutura fundamental tripartite em que figuram nos vértices o governo, as
empresas e a academia, foi adotada em outros modelos, que variam segundo a importância ou
funcionalidade de cada elemento e a dinâmica na qual eles interagem. Como exemplo, há o
“Triângulo de Sábato”, que localiza seus vértices funcionalmente, estando o governo no topo
e os demais nas bases, sob o entendimento que a esfera governamental é a responsável por
formular e implementar políticas públicas e mobilizar recursos para os demais vértices
(FIGUEIREDO, 1993). Na década de 1990 foi desenvolvido o argumento “Triple Helix” que,
44
em síntese, utilizando os mesmos atores, não coloca uma relação de preponderância entre
eles, mas, ao dar mais destaque à relação universidade-empresa, equilibra a importância de
todos os domínios envolvidos (política, ciência e economia) e atribui às relações dinâmicas
entre os agentes um movimento verdadeiramente produtivo com riqueza de oportunidades
para inovação (DAGNINO, 2003; MYLLER; PEREIRA, 2015).
No Brasil, a modernização da produção se deu a partir dos anos 1930, época do
Primeiro Ciclo Industrial Militar do país, sob a premissa de que até então, todo o parque
industrial era baseado em tecnologia estrangeira (AMARANTE in PINTO et. al., 2004). Mas
a Segunda Guerra Mundial e a postura estadunidense durante e após ela em relação à CT&I
inspiraram o Brasil. Na década de 1950, o país passou a expandir e dar uma organização
sistêmica à comunidade científica, tecnológica e empresarial, sendo capaz de mobilizá-la
conforme os interesses e necessidades nacionais, no que tange à política, economia, soberania
e defesa (LONGO, 2009). Noutro passo, à medida que o ciclo de pesquisa e desenvolvimento
se expandia, o Brasil assinou um acordo militar com os EUA de repasse de material bélico,
propiciando o acesso a equipamentos de baixo custo, deixando a produção local em segundo
plano (AMARANTE in PINTO et. al., 2004). Datam dessa década o Conselho Nacional de
Pesquisa (CNPq) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Ao final da década de
1970, o Brasil já havia implementado o que se poderia considerar um “sistema nacional de
desenvolvimento científico e tecnológico” (LONGO, 2009, p. 11). Por outro lado, o contexto
político e social dos anos 1990 e 2000 causaram um desnecessário “quase aniquilamento” da
base industrial de defesa do país, com a consequente redução da atividade dos centros de
pesquisa e desenvolvimento, responsáveis pelo conhecimento científico da referida atividade
tecnológica militar (AMARANTE in PINTO et. al., 2004).
Ao tecer considerações sobre o potencial militar-industrial-acadêmico do Brasil,
assim se posicionou Brustolin (2014):
“1. Há interesse do Ministério da Defesa em reestruturar o seu modelo de inovação,
unindo governo, indústrias e universidades (conforme a Estratégica Nacional de
Defesa); 2. Ao mesmo tempo, as indústrias de material bélico do Brasil contêm tal
motivação (expressa na missão da ABIMDE); 3. E que projetos envolvendo a
Defesa foram agraciados recentemente no meio acadêmico do País (Programa Pró-
Defesa), além de multiplicaram-se programas de estudo na área (de acordo com o
Livro Branco de Defesa Nacional). Delineia-se, assim, a existência, no Brasil, de
instituições semelhantes às dos Estados Unidos, a saber: militares, industriais e
acadêmicas. Todas dispostas a interagir e a buscar a produção de ciência e
tecnologia, tanto militar, quanto civil.” (BRUSTOLIN, 2014, p. 68)
Entretanto, ao analisar comparativamente os modelos de inovações do Brasil e dos
EUA, Brustolin (2014) concluiu que a estrutura brasileira, embora tenha potencial e condições
45
propícias para fomentar a produção de tecnologia própria, ainda há muito que se aperfeiçoar
nas suas instituições, propondo o autor uma importação adaptativa e seletiva do modelo
estadunidense, aproveitando o que o país já desenvolveu e experimentou com sucesso, com a
finalidade de alcançar a diretriz estratégica da PND e da END, qual seja, se tornar um país
inovador e gradualmente independente da tecnologia estrangeira. Vale transcrever:
“Se o governo brasileiro não se articular de forma a planejar, modelar, integrar e
desenvolver, o País jamais aproveitará a capacidade plena de sua Defesa Nacional.
O que fica claro no complexo militar3industrial3acadêmico é que o governo diz o
que quer. A ação primeira parte do governo e dos militares (que, evidentemente, são
agentes governamentais). Os editais para a articulação das universidades e das
indústrias têm origem com o governo dizendo o que deseja – essa é a regra. O Brasil
possui algumas diretrizes, dentre as quais a Política e a Estratégia Nacional de
Defesa, que almejam planejar, antecipar e detalhar as necessidades para produzir,
localmente, ciência e tecnologia. Entretanto, só com um modelo claro e integrado é
possível dominar o conhecimento para não ser necessária a dependência eterna à
expertise alheia. Desse modo, as tecnologias prioritárias selecionadas para o Brasil
no Programa de Articulação e Equipamentos de Defesa4, podem, em grande parte,
ser desenvolvidas no País, auxiliando-o a cumprir as suas metas, a lidar com os seus
próprios problemas e a desenvolver-se, nesse processo. Deixar, por conseguinte, de
agir estrategicamente de forma a implementar não só a Defesa, mas também a
ciência e tecnologia da nação, inclusive em termos civis, é ir contra o interesse
público.” (BRUSTOLIN, 2014, p. 120)
Em outra corrente, Duarte (2012) afirma não haver vínculo causal e histórico entre
inovação tecnológica militar e desenvolvimento econômico pelas seguintes razões: as
condições sociais dentro e fora das forças armadas são marcadamente distintas e não ocorrem
convergentemente em termos temporais e de efeitos e existe grande especialização de técnicas
militares e civis, sendo que a transferência de um meio para o outros só se dá em itens
específicos excepcionais. Nesse sentido, o autor afirma que em alguns casos cruciais, alguns
entraves à pesquisa e desenvolvimento em empreitadas civis fugiam da lógica capitalista e,
por isso, demandaram articulação com outros setores da sociedade, sobretudo do governo,
com a participação dos militares, por gozarem de precedência executiva perante outras
instituições. Esse modelo foi praticado ao longo do século XX, porém, desde 1970, as
organizações militares teriam voltado a ser um vetor menos eficaz de inovação tecnológica
em uma sociedade, pelos motivos já aduzidos.
Serrão e Longo (2012) elaboraram um trabalho sobre a avaliação do poder
nacional, ou seja, a capacidade de um estado de exercer sua própria vontade
4 “O Plano de Articulação e Equipamento da Defesa (PAED) é, em termos simples, o principal instrumento que
o Estado dispõe para garantir o fornecimento dos meios que as Forças Armadas necessitam, bem como a
infraestrutura que irá provê-los. Por meio dele, o Ministério da Defesa planeja e executa as compras associadas
aos projetos estratégicos de defesa, ao mesmo tempo em que organiza e sustenta, com esses investimentos, o
setor industrial de defesa no país” (BRASIL. Ministério da Defesa. Plano de Articulação e Equipamentos de
Defesa. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/industria-de-defesa/paed>. Acesso em 31/03/2016).
46
independentemente da vontade alheia ou, ainda, de impor sua vontade a outros (WEBER,
1979). Para avaliar tal atributo, diversos indicadores poderiam ser utilizados nas mais variadas
fórmulas, abordando desde Produto Interno Bruto, passando por efetivo de Forças Armadas,
território, população, produção de aço, combustível até muitas outras. Os autores
sistematizaram várias fórmulas já utilizadas na literatura para avaliar o poder nacional, no
entanto, ao concluir sua pesquisa, uma das críticas que fizeram foi a inadequação dos
indicadores referentes a CT&I nas fórmulas até então existentes. Isso porque “na realidade, a
capacidade nacional de dominar os ciclos de inovação capitalistas é de suma importância na
medida em que possibilita ao Estado elevado crescimento econômico e a criação de uma força
militar eficiente” (SERRÃO; LONGO, 2012, p. 24). No mesmo sentido:
“A capacidade de inovação possibilita taxas diferenciadas de acumulação de capital
entre as nações e o domínio do processo permite manter a liderança nesse círculo
cumulativo, gerando uma vantagem econômica comparativa entre os países. Os
recursos econômicos podem, por sua vez, serem empregados na capacitação e
modernização militar.” (SERRÃO; LONGO, 2012, p. 24)
Dessa forma, os referidos autores concluem que a variável correspondente a CT&I
deveria representar o principal indicador no cálculo de poder nacional no mundo hodierno,
bem como, o grande diferenciador entre os poderes de estados. Nesse diapasão, o possuidor
de tecnologia exerce influência e poder, vez que em todos os aspectos das relações humanas
existe algum grau, maior ou menor, de dependência de algum bem tecnológico. O mesmo se
aplica aos meios de Defesa. A área de CT&I imiscuiu-se de tal forma na maneira de se fazer
guerra, que atualmente quem não possui instrumentos de defesa avançados, está fadado a
sucumbir perante potências estrangeiras que os possuem.
Entretanto, existe um aspecto importante a ser considerado quando se insere a área
de CT&I na política de defesa. Proença Júnior e Diniz (1998) criticam esse conceito de
“poder nacional” pela impossibilidade de se quantificar exatamente os poderes dos estados
numa tentativa de predeterminar o resultado de conflitos, principalmente quando não se leva
em conta as diversas circunstâncias e a complexidade que se podem dar o relacionamento dos
mesmos, variando na forma com a qual eles exerceriam sua vontade. Como exemplo, os
autores ressaltam a possibilidade de, num desafio global comum, o poder nacional de
determinado estado ser dissipado em várias frentes, no entanto, em sua fragilidade, pode ele
ser combinado inteligentemente com poderes de eventuais outros aliados, resultando numa
situação favorável não prevista na quantificação original. No mesmo sentido, dividir o poder
nacional em expressões, nas quais CT&I seria uma delas, incorreria no risco de tomar tal fator
47
em si mesmo, sem considerá-lo um processo social, cultural e principalmente político, como
todos os outros.
Dessa forma, tendo em vista a natureza eminentemente política dos supostos
componentes do “poder nacional”, existem riscos à adoção de uma política de defesa que vise
aumentá-lo, representados pelo dilema da segurança e pela corrida armamentista. Tais
conceitos consistem, em síntese, na visão hostil que determinado Estado adquire, por parte de
outros estados, ao se armar. Isso o traz uma percepção de insegurança que o leva a se armar
ainda mais, agravando o sentimento de hostilidade nas suas relações externas. Por outro lado,
outro estado que encara o primeiro com desconfiança, tende a também se armar cada vez mais
para se contrapor ao rival, provocando uma suposta corrida armamentista. Assim, os autores
consideram falaciosos esses paradoxos de segurança, pois a competição não é na questão de
armas em si, mas, na oposição entre duas metas políticas radicalmente opostas. Sendo assim,
chamam atenção para a necessidade de uma política de defesa ter, como um de seus
componentes essenciais, uma bem articulada relação entre política declaratória, aquilo que os
estados dizem que vão fazer, e uma política concreta, aquilo que efetivamente fazem, de
forma a efetivamente integrar defesa e diplomacia (PROENÇA JÚNIOR; DINIZ, 1998). Esse
entendimento foi adotado pela PND (BRASIL, 2012b) e pela END (BRASIL, 2012c), que
estabelecem, no primeiro caso, as metas políticas do Brasil de forma transparente e previsível
para sua relação com outros estados e, no segundo caso, as formas de como atingi-las.
Existem principalmente duas formas de obtenção de CT&I: através de Pesquisa e
Desenvolvimento, onde se busca desenvolver tecnologia autóctone, e de acordos de
transferência de tecnologia, em que se paga para obter tecnologia já pronta e segura (VIEGAS
in SANTOS; JABUR, 2007). A fim de reduzir a discrepância tecnológica entre o Brasil e os
países desenvolvidos, as compras de material bélico envolvendo transferência de tecnologia
tem sido uma estratégia priorizada pelo país. Contudo, um dos maiores desafios quando se
busca adquirir tecnologia estrangeira, é garantir que ela possa ser de fato absorvida e
incremente efetivamente a capacidade tecnológica nacional, rompendo a relação de
dependência com as potências desenvolvidas.
Destarte, pode-se constatar nesse item a inserção da área de CT&I na Defesa,
sobretudo, como política pública praticada pelo Estado, por meio de suas instituições civis e
militares, em integração com as universidades e a iniciativa privada. Noutro passo, tal modelo
de complexo militar-industrial-acadêmico, embora tenha experimentado sucesso,
especialmente nos EUA, tem sofrido questionamentos e alterações ao longo da história, com
48
novas propostas de tal relacionamento, sobretudo quanto às críticas existentes à visão de que
os militares possuem papel importante nesse contexto.
Diante dos conceitos desenvolvidos e dos pontos em que a área trabalhada toca o
setor, levando em consideração os debates existentes sobre os mesmos, pode-se chegar a
algumas conclusões. A primeira e mais importante delas, da qual decorrem todas as outras, é
que o papel de CT&I na Defesa deve ser enxergado através da ótica política, considerando
que o desenvolvimento tecnológico é fruto de um processo social e que a guerra é um
fenômeno político.
Portanto, o papel da área de CT&I na Defesa não é de modo algum determinista,
nem deve nortear, por si só, as políticas públicas do setor numa relação causal para se obter o
desenvolvimento econômico. Contudo, dentro do prisma proposto, a inserção da mesma como
prioridade estratégica nos documentos oficiais representa a utilização de uma política
declaratória, que permite a interpretação das ações concretas do país em prol da modernização
das forças e da capacitação industrial brasileira sem que isso importe na percepção de uma
postura belicista ou competitiva que ameace a segurança internacional ou comprometa outros
aspectos da política externa, especialmente na necessidade do país com atraso tecnológico de
superar os desafios do cerceamento imposto globalmente.
Reforça-se, portanto, a importância e a justificativa da presente pesquisa. O Brasil
tem uma política declaratória que afirma a importância da área de CT&I para Defesa no
sentido de capacitar a base industrial do país e contribuir para sua atuação autônoma no
cenário global. No mesmo sentido, tem firmado, no âmbito internacional, diversos contratos
de transferência de tecnologia que envolvem os mais importantes programas de Defesa do
país. A tecnologia obtida através desses programas constitui somente instruções e técnicas
obsoletas que mantém o atraso em relação ao mundo, ou são capazes de aperfeiçoar a base
industrial de defesa do país permitindo o desenvolvimento independente da capacidade
nacional como preconiza o objetivo político traçado?
2.4 – NACIONALIZAÇÃO
Muito se fala em nacionalização para qualificar programas militares de produção
e/ou aquisição de meios de defesa. A princípio, isso significaria que o Brasil busca relações de
parceria com governos e empresas estrangeiras a fim de desenvolver a capacidade industrial
49
nacional, sendo que tais negociações e compras são condicionadas à fabricação dos meios no
Brasil, assim como a importação da tecnologia inerente. Os limites, prazos, quantidade de
produtos fabricados no exterior e nacionalmente, quantidade de tecnologia, tudo pode variar
conforme o contrato. Em muitos casos, a nacionalização é estimada em porcentagem do
produto em insumos nacionais, por exemplo, 90% de nacionalização de determinado meio
significaria que tal produto possui 90% do total de insumos necessários para sua fabricação
adquiridos dentro do país. Ainda exemplificando, o Programa de Desenvolvimento de
Submarino com Propulsão Nuclear (PROSUB) da Marinha do Brasil objetiva a longo prazo, a
nacionalização em 100%, ou seja, completa, de todas as peças, partes, componentes, sistemas
e serviços do submarino nuclear (HIRSCHFELD, 2014).
O processo de nacionalização, além do propósito de aumentar a capacitação
industrial, possui outros aspectos importantes relacionadas ao desenvolvimento social, como a
geração de empregos, fomento da infra-estrutura, da educação, moradia, comércio e serviços
assessórios e outros semelhantes. A transferência de tecnologia faz parte do processo de
nacionalização.
De tão importante para a política industrial do país, em especial, em relação à
indústria de defesa, a nacionalização ganhou contornos oficiais, ao ser consagrada na
Estratégia Nacional de Defesa, devendo nortear as políticas públicas relacionadas. Além dos
trechos mencionados supra, também colacionamos:
“(a) Completar, no que diz respeito ao programa de submarino de propulsão nuclear,
a nacionalização completa e o desenvolvimento em escala industrial do ciclo do
combustível (inclusive a gaseificação e o enriquecimento) e da tecnologia da
construção de reatores, para uso exclusivo do Brasil;
(...)
(a) Dar prioridade ao desenvolvimento de capacitações tecnológicas independentes.
Essa meta condicionará as parcerias com países e empresas estrangeiras, ao
desenvolvimento progressivo de pesquisa e de produção no País.
(...)
6. No esforço de reorganizar a Base Industrial de Defesa, buscar-se-ão parcerias com
outros países, com o objetivo de desenvolver a capacitação tecnológica nacional, de
modo a reduzir progressivamente a compra de serviços e de produtos acabados no
exterior. A esses interlocutores estrangeiros, o Brasil deixará sempre claro que
pretende ser parceiro, não cliente ou comprador. O País está mais interessado em
parcerias que fortaleçam suas capacitações independentes, do que na compra de
produtos e serviços acabados. Tais parcerias devem contemplar, em princípio, que
parte substancial da pesquisa e da fabricação seja desenvolvida no Brasil, e ganharão
relevo maior, quando forem expressão de associações estratégicas abrangentes.”
(BRASIL, 2012d, pp. 20-22)
Diante do exposto, pode-se definir a nacionalização como o ato de “expandir e
manter a parcela da base científica e tecnológica de interesse do País, com vistas à obtenção
da capacidade de nele produzir os bens e serviços de que necessita” (BONFADINI, 1996, p.
50
49). Por sua vez, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
considera, para fins de subvenção econômica, a nacionalização da tecnologia “os projetos
capazes de gerar propriedade ou absorção de tecnologia por parte de instituições brasileiras”
(BNDES, 2015). A referida instituição foi além, não só definindo, mas estabelecendo métodos
para apurar a nacionalização de um empreendimento. Assim, o índice de nacionalização pode
ser calculado em termos de valor e de peso, cada qual com sua respectiva fórmula (BNDES,
2013).
2.5 – TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
2.1.1 – Conceito
Como já salientado, a tecnologia pode se comportar como mercadoria, como bem
privado, sujeita ao amparo jurídico que rege a propriedade, assim, o “processo de compra e
venda ou aluguel de tecnologia é, normalmente, referido como transferência de tecnologia”
(LONGO, 2007a, p. 6).
No entanto, Furtado (2012) nos chama a atenção para a diferença entre
transferência e comércio de tecnologia. Ao passo que a transferência de tecnologia é um ato
de comunicação, de transferência de conhecimento, podendo ocorrer por diversos meios como
contratos de know how, licença de propriedade industrial, investimento direto, assistência
técnica, educação não específica, entre outros, a comercialização de tecnologia se trata do
comércio de tecnologia explícita, ou seja, uma transação que não importe em um fator
cognitivo da atividade empresarial (BARBOSA, 2003).
Nesta senda, a transferência de tecnologia ocorre quando “um conjunto de
conhecimentos, habilidades e procedimentos aplicáveis aos problemas da produção são
transferidos, por transação de caráter econômico, de uma organização a outra, ampliando a
capacidade de inovação da organização receptora” (INPI, 2010 apud MOREIRA, 2011, p.
144).
A transferência de tecnologia também encontra conceituação na ordem jurídica
brasileira, em especial, no que tange à Defesa. A Portaria Normativa Nº 1888/MD, de 23 de
dezembro de 2010, que aprovou a Política de Propriedade Intelectual do Ministério da Defesa,
51
define o termo como o “processo de transferência de conhecimento tecnológico caracterizado
pela cessão de direitos sobre criação, que pode ocorrer por licenciamento para outorga de
direito de uso ou exploração de criação ou simplesmente por fornecimento de tecnologia”
(BRASIL, 2010, art. 3º, XI).
Segundo Assafim (2013), a transferência de tecnologia pode ser “homogênea” ou
“heterogênea”, conforme a capacidade tecnológica dos sujeitos envolvidos na transação. A
transferência homogênea se dá entre sujeitos com substancial igualdade de capacidade
tecnológica, o que geralmente acontece entre empresas do mesmo setor ou análogos. A
transferência heterogênea se dá quando o adquirente possui uma capacidade tecnológica
notadamente inferior ao cedente, sendo o que ocorre entre empresas de países industrializados
para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
Um termo muito utilizado dentro desse tema que também merece a devida
distinção e conceituação é o chamado offset. Muitas vezes tal termo é utilizado como
sinônimo de transferência de tecnologia, mas isso não é conceitualmente preciso. Segundo
Longo e Moreira (2009), a transferência de tecnologia pode se dar por meio de um contrato
direto e independente, mas também associada à compra de um produto com atributo
tecnológico com cláusula de contrapartida, essa chamada de offset. Para definir o conceito de
dessa expressão, a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional
(UNCITRAL, na sigla em inglês) elaborou um manual que unifica a terminologia:
“Offset. Transactions referred to in the Legal Guide as offsets normally involve the
supply of goods of high value or technological sophistication and may include the
transfer of technology and know-how, promotion of investments and facilitating
access to a particular market. Two types of offset transactions may be distinguished.
Under a "direct offset" the parties agree to supply to each other goods that are
technologically or commercially related (e.g., component parts or products that are
marketed together). A direct offset can contain features of a buy-back transaction
(i.e., transfer of production equipment and technology, and purchase by the
transferor of the resulting products). The difference between such a direct offset and
a buy-back transaction is that in a direct offset both parties commit themselves to
purchase over a period of time goods from each other, whereas under a buy-back
transaction the party that has supplied the production facility commits itself to
purchase goods resulting from the production facility. The expression "indirect
offset" typically refers to a transaction where a governmental agency that procures,
or approves the procurement of, goods of high value requires from the supplier that
counter-purchases are made in the procuring country or that economic value is
provided to the procuring country in the form of investment, technology or
assistance in third markets. The counter-export goods are not technologically related
to the export goods (Le., they are not components of the export goods, as in direct
offset, and they are not resultant products of the facility provided under the export
contract, as in buy-back). The governmental agency often stipulates guidelines for
the offset, for example, as to the industrial sectors or regions that are to be assisted
in such a way. However, within such guidelines, the party committed to
counterpurchase or to providing such assistance is normally free to choose the
contracting partners. A countertrade transaction may involve elements of both direct
52
and indirect offset transactions. Offsets are sometimes referred to as industrial
participation or industrial cooperation.” (UNCITRAL, 1993, p. 9)
Portanto, o termo offset designa uma compensação por determinada compra de
produtos de alto valor ou sofisticação tecnológica, na qual o contratado (vendedor) se
compromete a compensar os benefícios de sua escolha como fornecedor realizando
contrapartidas comerciais, industriais e/ou tecnológicas que beneficiem o contratante. Assim,
na prática, o offset pode ser direto, indireto ou ambos, conforme os exemplos acima. Dessa
forma, a transferência de tecnologia advinda de uma compra consiste em uma espécie de
offset, mas nem todo offset consiste em uma transferência de tecnologia. Assim, offset é uma
categoria, transferência de tecnologia, uma espécie. Tanto é que o offset pode se dar no
mesmo empreendimento ou em setores e aspectos diversos do contratante, podendo abranger
tanto o compromisso de realizar compras de produtos não-relacionados, quanto investimentos
em P&D em áreas relacionadas ou não ao objeto principal da compra. Todos os detalhes e
aspectos da compensação são negociados em contrato.
Nesse diapasão, cabe destacar a Portaria Normativa nº 764/MD, do Ministério da
Defesa, de 27 de dezembro de 2002 (BRASIL, 2002b). O referido instrumento aprova a
Política e as Diretrizes de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica do Ministério da
Defesa, ou seja, é o instrumento norteador da mencionada pasta em relação a offset. Cabe
fazer algumas transcrições, primeiro sobre os objetivos:
“Art. 2 o A Política de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica do
Ministério da Defesa tem os seguintes objetivos: I - promoção do crescimento dos
níveis tecnológico e qualitativo das indústrias de defesa, com a modernização dos
métodos e processos de produção e aquisição de novas tecnologias, visando ao
estado da arte; II - fomento e fortalecimento dos setores de interesse do Ministério
da Defesa, criando condições para o aperfeiçoamento das indústrias de defesa e da
sua base tecnológica, visando a aumentar suas cargas de trabalho e também a
permitir a competitividade no mercado internacional; III - ampliação do mercado de
trabalho, mediante a criação de novas oportunidades de emprego de alto nível
tecnológico, através da especialização e do aperfeiçoamento dos recursos humanos
dos setores de interesse; IV - obtenção de recursos externos, de toda ordem, diretos e
indiretos, para elevar a capacitação industrial e tecnológica dos setores de interesse
da área de defesa; e V - incremento da nacionalização e a progressiva independência
do mercado externo, no que diz respeito a produtos de defesa.” (BRASIL, 2002b)
Sobre os condicionamentos:
“Art. 8 o As negociações de contratos de importação de produtos de defesa
realizadas por qualquer uma das Forças Armadas, com valor líquido - F.O.B. acima
de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos), ou valor equivalente
em outra moeda, seja em uma única compra ou cumulativamente com um mesmo
fornecedor, num período de até doze meses, devem incluir, necessariamente, um
Acordo de Compensação, desde que amparadas por dispositivos legais vigentes. Art.
9 o As negociações de contratos de importação com valores abaixo de US$
5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos), ou valor equivalente em outra
53
moeda, podem incluir Acordos de Compensação, desde que sejam do interesse da
Força Armada contratante e que estejam amparadas por dispositivos legais
vigentes.” (BRASIL, 2002b)
Por fim, sobre as prioridades:
“Art. 18. Os benefícios decorrentes dos Acordos de Compensação devem,
prioritariamente, atender às áreas de interesse da Força Armada contratante, em
termos de: I - tecnologia; II - fabricação de materiais ou equipamentos; III -
nacionalização da manutenção; IV - treinamento de pessoal; V - exportação; e VI -
incentivos financeiros à Indústria de Defesa Brasileira. Parágrafo único. Em
situações especiais e no interesse do Ministério da Defesa, esses benefícios podem
ser repassados para outra Força Armada ou demais entidades públicas ou privadas.”
(BRASIL, 2002b)
Contata-se, portanto, que a política do Ministério da Defesa para os acordos de
offset consistem, em síntese, utilizar seu poder de compra, especialmente em aquisições de
grande vulto, para obter acordos de compensação que obtenham ganhos tecnológicos,
industriais e comerciais para a base industrial de defesa brasileira.
Assim, a transferência de tecnologia se constitui uma alternativa ponderável para
governos e empresas buscarem soluções para questões tecnológicas, vez que apresenta
diversas vantagens5, quais sejam:
“a tecnologia escolhida e a ser adquirida já está testada e em uso com sucesso; o risco
tecnológico é mínimo ou inexistente; há pouca ou nenhuma demanda por investimento em
PD&E; é possível a implantação em curto prazo; há possibilidade de pagamento posterior aos
custos da operação, a partir das vendas; acesso a financiamentos e a incentivos
governamentais; há o aporte de marca do cedente, normalmente bem conhecida; o risco
comercial é menor tendo em vista, por exemplo, o consumo imitativo; e, por fim, uma
tecnologia consolidada desencoraja competidores.” (LONGO; MOREIRA, 2009, p. 11)
Em contrapartida, a opção pela transferência de tecnologia também apresenta
diversos desafios, tais como o regime de cerceamento tecnológico e a efetiva cessão e
absorção de conhecimentos tecnológicos, como desenvolveremos a seguir.
2.1.2 – Problematizando a transferência de tecnologia
Conforme fora ressaltado supra, a transferência de tecnologia constitui
instrumento do desenvolvimento nacional e, por conseguinte, possui importância estratégica
5 A opção pela transferência de tecnologia contrasta com a opção pela geração autóctone, através de esforços próprios em
P&D, que apresentam as seguintes razões: “inexistência da tecnologia; peculiaridades de materiais e do mercado; necessidade
para complementar a transferência de tecnologia; custo elevado; incentivos estimuladores; política e estratégia da empresa;
interesse estratégico nacional; tecnologias não acessíveis” (MOREIRA, 2015).
54
para a defesa do país, em especial, no domínio de áreas sensíveis, com o objetivo de propiciar
ao mesmo uma inserção independente e autônoma na política internacional. Assim, a fim de
delimitar o problema a ser pesquisado, se faz necessária a abordagem de alguns conceitos
acerca do tema.
Quando a transferência de tecnologia se apresenta como heterogênea, conforme
vimos acima, muitos inconvenientes e perigos podem ser detectados, tais como: falta de
recursos econômicos e de cultura de inovações tecnológicas em muitos países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento; dificuldades de instalação ou montagem da
tecnologia no ambiente concreto do país receptor; as pretensões egoístas dos concedentes de
tecnologia que, longe de fomentar um verdadeiro e eficiente desenvolvimento, procuram
acentuar a dependência industrial desses países; o pagamento de preços e royalties excessivos,
com remessa de divisas para o estrangeiro; a aquisição de tecnologia obsoleta ou inadequada
e, sobretudo, o risco de subordinar a economia do país às grandes potências ou aos complexos
industriais multinacionais (ASSAFIM, 2013). Em outras palavras, pode-se depreender e
reforçar que numa transferência de tecnologia entre sujeitos de capacidade desigual, um dos
maiores perigos torna-se a questão estratégica da relação de dependência entre o menos
desenvolvido ao mais desenvolvido.
Retomando o conceito de tecnologia, Longo (2007a) ensina que a tecnologia é o
conjunto organizado de todos os conhecimentos científicos, empíricos ou intuitivos
empregados na produção e comercialização de bens e serviços, representando um agregado de
atividades práticas voltadas para alterar o mundo e não, necessariamente, compreendê-lo,
sendo que este último seria o intuito precípuo da ciência. Modernamente, a ligação entre a
ciência e a tecnologia tornou-se estreita a partir do momento em que o método científico
passou a ser utilizado na geração de conhecimentos associados à criação ou melhoria de bens
ou serviços, em outras palavras, para a inovação tecnológica, cunhando o binômio Ciência e
Tecnologia, ou C&T.
Ainda segundo o cientista, o domínio do conjunto de conhecimentos específicos
abrangidos na tecnologia permite a elaboração das instruções necessárias à produção de bens
e de serviços, no entanto, a simples posse dessas instruções (plantas, desenhos, especificações,
normas, manuais), que são expressões materiais e incompletas dos conhecimentos e a
capacidade e usá-las, não significa que o usuário tornou-se detentor da tecnologia, ou seja, dos
conhecimentos que permitiram a sua geração. O problema reside quando se emprega a palavra
tecnologia para designar tais instruções e não os conhecimentos que propiciaram a base para a
sua geração, estes que, geralmente, são intangíveis e estão armazenados em cérebros de
55
pessoas, algo que tem sido freqüente e possui sérias implicações na compreensão do potencial
de independência tecnológica de uma indústria ou de um país (LONGO, 2007a). Cabe
transcrever:
“O comércio internacional de tecnologia explícita, normalmente regulamentado e
controlado pelos governos nacionais, é genericamente considerado como uma
operação de transferência de tecnologia. Na realidade, os contratos comerciais
podem ou não propiciar uma verdadeira transferência dos conhecimentos do
vendedor para o comprador. Na maioria dos casos, tais contratos firmados entre
empresas envolvem na realidade uma simples "venda ou aluguel de instruções", na
qual, quase sempre, o vendedor não transfere os conhecimentos que geraram as
instruções.” (LONGO; MOREIRA, 2009, p. 12)
Nesse sentido, o autor faz a distinção do que seria know why e know how. Para
ele, as instruções referidas acima, ou seja, as informações sobre como produzir algo seriam a
técnica e não a tecnologia, portanto, o know how. Por outro lado, os conhecimentos
necessários à produção das instruções e sistematização da técnica seria a própria tecnologia,
ou o know why, o entendimento do porquê dos processos que permite a elaboração de
instruções (LONGO, 2007a).
Assim, segundo o autor, a confusão entre os referidos conceitos faz com que
muitos dos contratos de transferência de tecnologia contemplem a transmissão de instruções e
não da tecnologia em si, ou seja, transfere-se o know how e esconde-se o principal, que é o
know why. Isso mantém a relação de dependência entre a empresa recipiendária e a cedente,
ou pior, a dependência de um país em relação a outro, pois o conhecimento específico para
entender, modificar, inovar, permanece de posse do mais desenvolvido enquanto as instruções
transferidas estão fadadas a obsolescência, perpetuando a discrepância tecnológica entre
desenvolvidos e subdesenvolvidos. Portanto, para que haja uma transferência tecnológica que
propicie o desenvolvimento independente e autônomo, é fundamental que se transmita o know
why, além do know how. Sendo assim, o Brasil tem firmado contratos de transferência de
tecnologia na área de defesa que transmitem de fato a tecnologia, o know why, ou o país só
tem recebido as instruções, o know how?
2.1.3 – Aprofundando os conceitos de know why e know how
A expressão know how é mais familiar para quem lida com assuntos de
tecnologia, inclusive, podendo fazer parte de seu conceito, segundo algumas das transcrições
56
supra. De fato, em relevante parte da literatura jurídica, a referida expressão é tratada quase
como sinônimo de tecnologia, principalmente quando se aborda os contratos de transferência
de tecnologia não patenteada como contratos de fornecimento de know how (VIEGAS in
SANTOS; JABUR, 2007). Autores como Assafim (2013) e Maria Helena Diniz (2009)
também entendem know how como tecnologia não patenteada, mas que só aquela que
caracteriza segredo industrial. Não obstante, referido termo pode ser entendido como o
“conhecimento ou o conjunto de conhecimentos técnicos que não são de domínio público e
que os empresários utilizam nos processos de fabricação ou comercialização de produtos, na
prestação de serviços ou na organização de unidades ou dependências empresariais”
(ASSAFIM, 2013, p. 199). Nesse sentido, sem abordar a discussão que há entre os juristas se
o know how é só segredo industrial ou também abrange conhecimento de domínio público,
que será feita posteriormente, há de se reconhecer que o termo significa conhecimento
técnico-industrial (ASSAFIM, 2013, p. 199).
Noutro passo, a literatura que sai do âmbito jurídico e se relaciona mais ao campo
das ciências e engenharias apresenta uma nova concepção sobre o que seria o know how.
Como já desenvolvido anteriormente, as negociações que envolvem transferência de
tecnologia lidam com um aspecto importantíssimo da competitividade no mercado
empresarial, haja vista que a tecnologia, como fator de produção, agrega valor aos produtos,
produz inovações, bem como, reduz custos na produção ou no processo de bens e serviços.
Assim, a tecnologia passou a ser diferencial entre concorrentes, mas mais do que isso, tornou-
se instrumento de manutenção da relação de dependência de estados subdesenvolvidos e em
desenvolvimento perante estados desenvolvidos. Como bem salienta William Moreira:
“Somos herdeiros de uma tradição científica moderna que associa saber a poder. A
máxima de Francis Bacon – “sapientia est potentia” – é reveladora de um novo olhar
para a ciência, que rompe com o modo escolástico e medieval de pensar. Trata-se de
um enfoque utilitário que iria se desenvolver ao longo da modernidade e se incrustar
no sistema de produção econômica que prevaleceu.
A consequência natural foi o estímulo aos detentores de conhecimentos com
potencial de representar um diferencial de competitividade nos planos econômico e
militar, e naturalmente, político, a protegerem esses conhecimentos do acesso de
eventuais competidores. Quanto maior o poder representado por um conjunto de
conhecimentos, maior o grau de proteção.” (MOREIRA, 2011, pp. 142-143)
Nesse diapasão, considerando que os detentores de tecnologia tendem a protegê-
la, um dos maiores desafios nas negociações sobre transferência de tecnologia é saber
distinguir entre: a) aquisição de conhecimento científico e tecnológico que de fato permita a
capacitação do país recipiendário e a consequente redução do gap tecnológico e rompimento
dos vínculos de dependência entre este e os países desenvolvidos e b) compra de meras
57
instruções técnicas que podem até aumentar a capacidade produtiva do adquirente, mas que
mantém as relações de dependência e não representam agregação de conhecimento, sequer um
salto tecnológico.
Pensando nessa necessidade de distinção, Longo (2007a) elaborou os conceitos de
know why e know how. Segundo o autor, o domínio de conhecimentos específicos que
constitui a tecnologia permite a elaboração de instruções necessárias à produção de bens e
serviços, estando geralmente armazenada em cérebros de pessoas. As instruções, que podem
ser consubstanciadas em plantas, desenhos, especificações, normais e manuais, entre outros,
são meramente expressões materiais de um conhecimento tecnológico prévio. Assim, a posse
de instruções não significa que o detentor possua o domínio da tecnologia que as geraram. O
autor afirma que frequentemente tem sido usada a palavra tecnologia para designar tão
somente instruções, sobretudo nos contratos de transferência da mesma, causando grande
confusão. Portanto, quando há somente a transferência de instruções, o adquirente não auferiu
capacitação tecnológica, mas simplesmente se tornou um montador de produtos, mantendo a
relação de dependência tecnológica com a matriz. Nesse sentido, cumpre transcrever:
“As instruções, o saber apenas como fazer (know how) para produzir algo, e não
porque fazer (know why), é o que se deve entender por técnica. Porém, diversos
autores, principalmente da área do direito, usam a palavra tecnologia como tradução
de know how.
Tecnologia instruções técnica.
(know why) (know how)
Para quem produziu as instruções, estas são expressões do “know why”; para
quem simplesmente as usa, não passam de “know how” (técnicas).
Se o detentor de todos os conhecimentos que resultaram numa dada tecnologia
transferir para um terceiro apenas as instruções de como fazer um bem ou serviço,
este terá absorvido apenas técnica. Assim, o que para um é, intrinsicamente,
tecnologia, para o outro pode ser apenas uma técnica. Desse fato, pode resultar
grande confusão na compreensão da questão tecnológica.” (LONGO, 2007a, p. 4,
grifos do autor)
Nesse sentido, para o autor, o know why (saber por que) seria a tecnologia, ou
seja, o conjunto de conhecimentos que permitiram a elaboração das instruções para produção
de bens ou serviços, ao passo que know how (saber fazer) constituiria a técnica representada
por tais instruções e demais expressões materiais do conhecimento. Vale repetir, a verdadeira
transferência de tecnologia se dá com a transmissão do know why além do know how, não só
deste último.
Muito embora possa se argumentar que a definição acima mencionada dos autores
juristas de know how abranja todo o conhecimento necessário para a fabricação de um produto
58
ou processo, podendo não ser restrita somente às técnicas, o emprego de tal termo por si só
não resolve a problemática do relativismo entre o conhecimento tal como percebido pelo
cedente e como percebido pelo adquirente, logo, não contribui para resolver o imbróglio das
negociações de transferência de tecnologia no que concerne ao cerceamento tecnológico por
parte das potências desenvolvidas6. Vale reforçar, o que para um pode ser tecnologia, para
outro pode ser apenas a técnica, adquirir somente técnica não representa aquisição de
conhecimento. Nesse sentido, constata-se a importância da distinguir entre tecnologia e
técnica, entre know why e know how.
Insta desatacar como outros autores entendem os conceitos de know why e know
how. Brick (2014), por exemplo, considera o primeiro como sinônimo de ciência e o segundo
como sinônimo de tecnologia. Para o autor, o know why, saber por que, estaria diretamente
relacionado ao conhecimento teórico do universo, que serviria de fundamento para as
posteriores transformações que a tecnologia faria na prática, no mundo real, ou seja, através
do know how, saber fazer. Essa distinção, de fato, contribui para diferenciar os termos e para
eventual negociação de transferência de tecnologia, vez que evita o consumo somente de
saber fazer, em detrimento do conhecimento, que fica retido nas potências desenvolvidas,
mantendo a relação de dependência. Embora utilize termos distintos para qualificar know why
e know how, seu entendimento é o mesmo apresentado por Longo, qual seja, o know how é a
expressão material daquele conhecimento propiciado pelo know why.
Tendo constatado a importância da distinção entre know why e know how, o
próximo passo é tentar estabelecer alguns critérios que os representem na prática. Em outras
palavras, o que, na realidade prática, representa o know why e o know how? Como discernir
quais dos trâmites e procedimentos envolvidos numa transferência de tecnologia representam
um e outro?
A fim de responder tal questionamento, Lucena Silva e Pedone (2011) trazem
relevantes elucidações sobre os fluxos internacionais de transferência de tecnologia, o que
auxilia na compreensão do que consistem know why e know how. Vale colacionar:
6 Assafim, em relação aos conhecimentos representados pelo termo know-how, afirma que “tais conhecimentos, porém,
costumam ser de natureza e intensidade muito mais variada. Explica-se, deste modo, que, na realidade do tráfego e, às vezes,
também nas normas jurídicas positivas, seja empregada uma vasta terminologia para fazer referência a esses conhecimentos,
quais sejam: técnicos, saber-fazer, segredo industrial, experiência, etc. É justamente a imprecisão que reina neste campo o
que dificulta bastante a delimitação do conceito de know-how e afins” (ASSAFIM, 2013, p. 198). Ou seja, mesmo a doutrina
jurídica reconhece as limitações do termo, o que reforça a necessidade da distinção entre know-how e know-why proposta por
Longo (2007), a fim de melhor delimitar os conhecimentos e fluxos presentes numa transferência de tecnologia.
59
Quadro 2 – Fluxos internacionais de transferência de tecnologia
Fluxo A Conhecimentos
Design do Produto/Especificações
Materiais/Especificações dos componentes
Design dos processos e projetos
Procedimentos de produção/cronograma e organização
Fluxo B Know-How
Produção/Organização Know-How
Operação/habilidades gerenciais
Conhecimento de manutenção e procedimentos
Fluxo C Know-Why
Processos/Design da produção e engenharia Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e conhecimentos de dados de
engenharia
Gerenciamento de Projeto/ Procedimentos de engenharia e expertise
Desenvolvimento de Tecnologias e pesquisa de conhecimentos,
dados, procedimentos, entre outros. Fonte: LUCENA SILVA, A. H.; PEDONE, L. (2011, p. 239) - Adaptado de Baark, E. (1997). - Military technology and
absorptive capacity in China and India: implications for modernization. In Military Capacity and the Risk of War: China,
India, Pakistan and Iran. (pp. 84-109). Oxford: Oxford University Press. Apud TSAI. Ming-Yen, 2003. From Adversaries to
Partners? Chinese and Russian Military Cooperation after the end of the Cold War. Greewoog Publishing Group=Praeger.
Westport, CT, 2003).
Segundo os autores, os fluxos “A” e “B” podem contribuir para o
desenvolvimento da capacidade do país recipiente, mas o fluxo “C”, em que são repassados
princípios científicos importantes e habilidades de engenharia, pode contribuir para o
desenvolvimento de capacidades tecnológicas capazes de conceber e produzir armas de forma
autônoma (LUCENA SILVA; PEDONE, 2011). Nesse sentido, corrobora-se a assertiva que
apenas com a transferência de know why é possível romper com as relações de dependência
das matrizes tecnológicas dos países desenvolvidos.
No mesmo diapasão, William Moreira (2011) apresenta outro fluxograma, mais
sintetizado, que destrincha os fluxos de transferência de tecnologia. Segue:
Figura 4 – Fluxos de capacidades transferidas
Fonte: SCOTT-KEMMINS; BELL, 1985 apud MOREIRA, 2011, p.146
60
Pode-se depreender da ilustração acima que, semelhantemente, os fluxos “A” e
“B” incrementam a capacidade produtiva da empresa adquirente de tecnologia. Contudo,
afirma o autor em relação ao fluxo “C” que “a real alavancagem tecnológica somente ocorrerá
se houver a plena transferência de conhecimento, expertise e experiência para geração e
condução de mudanças tecnológicas e inovações” (MOREIRA, 2011, p. 145).
Resta cabal a importância da distinção e aprofundamento das definições de know
why e know how, vez que a utilização correta dos referidos conceitos, ainda que com
expressões diferentes, lança luz sobre a complexidade inerente ao processo de transferência de
tecnologia, propiciando melhores negociações, evitando confusões e, principalmente, obtendo
os resultados de fato almejados. Sendo assim, acerca dos resultados, “importa destacar que a
verdadeira transferência só ocorrerá se houver a absorção de amplos conhecimentos que
habilitem os receptores a, além promover inovações no setor correspondente, proporcionar a
difusão dos conhecimentos para outros empreendimentos” (MOREIRA, 2011, p. 147).
No mesmo sentido:
“O fato é que a verdadeira transferência só ocorre quando o receptor absorve o
conjunto de conhecimentos que lhe permite inovar, isto é, quando o comprador
domina os conhecimentos envolvidos a ponto de ficar em condições de criar nova
tecnologia (LONGO, 1987). Um contrato bem negociado, associado à disposição do
detentor da tecnologia em efetivamente cedê-la, pode resultar em verdadeira
transferência. Como a tecnologia tem no homem o seu único recipiente, a efetiva
transferência se dá por um processo de pergunta, por quem não sabe, e resposta de
quem sabe, até a total compreensão por parte de quem perguntou. Assim, para que a
verdadeira transferência ocorra é preciso que o vendedor se disponha a ceder seus
conhecimentos e que o comprador tenha equipe técnica capacitada.” (LONGO;
MOREIRA, 2009, p. 12)
Dessa forma, segundo Longo e Moreira (2009), as etapas da efetiva transferência
de tecnologia são: a absorção; a adaptação; o aperfeiçoamento; a inovação; e a difusão.
2.1.4 – Aspectos jurídicos
Se fossem abordados todos os aspectos jurídicos concernentes à transferência de
tecnologia, seria necessária mais uma pesquisa como essa, tanto que existe todo um ramo do
Direito voltado à tutela da Propriedade Intelectual, à qual se subsume o tema, com sua própria
disciplina, literatura e campos práticos de atuação de juristas e demais operadores. Por esse
motivo, o presente trabalho recortará tais aspectos, trazendo à baila tão somente aqueles
61
indispensáveis para a compreensão da situação e da previsão jurídica da transferência de
tecnologia, bem como seus atributos legais e contratuais que são necessários à formação de
um arcabouço teórico e conceitual para o desenvolvimento da pesquisa, que é o objetivo deste
capítulo.
No mundo hodierno, já se tornou lugar comum afirmar que bens materiais têm
menos importância do que o conhecimento e a informação. A propriedade intelectual, em
especial, a industrial adquiriu importância extraordinária ao longo do século XX, sobretudo,
nas últimas décadas. Hoje, os valores de empresas e governos estão mais nos seus ativos
intangíveis do que nos tangíveis, por exemplo, os softwares e as tecnologias de uma empresa,
o índice de confiança que os papéis governamentais possuem no mercado financeiro, entre
outros (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).
Nesse sentido, convencionou-se chamar de propriedade imaterial todo bem que
tem ou pode vir a ter valor intrínseco substancial, mas que não tem qualquer suporte material
ou seu valor excede em muito o valor do meio físico no qual estão apoiados (VIEGAS in
SANTOS; JABUR, 2007). É um termo genérico, que comporta tanto os bens e direitos da
personalidade (direito à liberdade, liberdade de expressão, consciência, de imprensa,
privacidade, intimidade), quanto os bens intelectuais, a propriedade derivada do esforço da
inteligência humana, que inclui os direitos autorais (incluindo direitos de autor e proteção do
software) e a propriedade industrial, constituída dos direitos sobre patentes (de invenção e de
modelos de utilidade), sobre desenhos industriais e sobre marcas (VIEGAS in SANTOS;
JABUR, 2007). Além desses exemplos, existem bens que não são tratados como
“propriedade”, mas tem afinidade com a propriedade industrial, como a tecnologia não
patenteada, o know-how e os serviços técnicos (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007), é
sobre esse último aspecto que repousa a presente pesquisa.
O instrumento jurídico da transferência de tecnologia é o contrato. Segundo
Assafim:
“O contrato de transferência de tecnologia é o negócio jurídico cujo objeto é a
transmissão de determinados bens imateriais (criações, segredos e software)
protegidos por institutos de propriedade intelectual ou de determinados
conhecimentos técnicos de caráter substancial e secreto não suscetíveis de proteção
monopólica.” (ASSAFIM, 2013, p. 41)
Sob a abrangência da expressão “contrato de transferência de tecnologia”, estão
englobadas a licença sobre direitos da propriedade industrial (patentes e modelos de
utilidade), de propriedade intelectual (programas de computador) e a aquisição de outros
conhecimentos tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de
62
assistência técnica e científica), assim como as licenças de marca e desenhos industriais,
segundo a legislação aplicável7 e com base em normas administrativas
8 (ASSAFIM, 2013).
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é o órgão brasileiro
responsável pela tutela administrativa da propriedade industrial. Segundo a instituição, os
contratos de transferência de tecnologia existentes são os licenciamentos de patentes,
desenhos industriais e marcas, além de assistência técnica e do fornecimento de tecnologia
(know-how), assim como, por equiparação, os contratos de franquia (INPI, 2015a). Cabe
transcrever as definições do referido órgão:
“1) Licença e cessão para exploração de patente e desenho industrial: contratos para
autorizar a exploração por terceiros do objeto de patente, regularmente depositada
ou concedida no país e pedido de desenho industrial, identificando direito de
propriedade industrial. (...)
2) Licença e cessão para uso de Marca: contrato que se destina a autorizar o uso
efetivo, por terceiros, de marca regularmente depositada ou registrada no país.
3) Franquia: envolve serviços, transferência de tecnologia e transmissão de padrões,
além de uso de marca ou patente. (...)
4) Fornecimento de Tecnologia: contrato que estipula as condições para a aquisição
de conhecimentos e de técnicas não amparados por direitos, incluindo
conhecimentos e técnicas não amparados por propriedade industrial depositados ou
concedidos no Brasil (Know How).
5) Serviços de Assistência Técnica e Científica: incluem a obtenção de técnicas para
elaborar projetos ou estudos e a prestação de alguns serviços especializados.” (INPI,
2015a)
A transmissão de tecnologia propriamente dita se dá, fundamentalmente, na
circulação econômica da patente e do know-how (ASSAFIM, 2013). Viegas (in SANTOS;
JABUR, 2007) chama de contratos de transferência de tecnologia em sentido estrito os de
fornecimento de tecnologia não patenteada, know how e de alguns tipos de contratos de
serviços.
Considerando o que já foi dito no item anterior, a transferência de tecnologia
propriamente dita, então pode se dar pela licença de patente ou pelo fornecimento de
tecnologia não patenteada. Cabe, portanto, diferenciar a tecnologia patenteada da não
patenteada. Segundo Denis Barbosa:
“Uma patente, na sua formulação clássica, é um direito, conferido pelo Estado, que
dá ao seu titular a exclusividade da exploração de uma tecnologia. Como
contrapartida pelo acesso do público ao conhecimento dos pontos essenciais do
invento, a lei dá ao titular da patente um direito limitado no tempo, no pressuposto
de que é socialmente mais produtiva em tais condições a troca da exclusividade de
7 A tutela jurídica da propriedade industrial no Brasil se dá principalmente pela Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996
(BRASIL, 1996), conhecida como LPI, ou Lei da Propriedade Industrial. Outro diploma legal relevante para o tema é a Lei nº
9.609, de 19 de fevereiro de 1998, que protege a propriedade intelectual dos programas de computador e sua comercialização
(BRASIL, 1998). 8 Ato Normativo nº 135 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 15 de abril de 1997 (apud ASSAFIM,
2013, p. 44).
63
fato (a do segredo da tecnologia) pela exclusividade temporária de direito.”
(BARBOSA, 2003, p. 295)
Como se pode ver, a patente é um direito de exploração econômica de uma
tecnologia em determinado período de tempo, sob a condição e contrapartida de acesso
público ao conhecimento daquela tecnologia. Ou seja, a patente trata de uma tecnologia
publicada, mas protegida mercadologicamente em favor do proprietário da invenção ou do
modelo de utilidade9. Por outro lado, a tecnologia não patenteada, também chamada de know-
how pelos juristas, pode assim ser definida:
“Enquanto que a patente define-se como uma exclusividade de direito, o know-how
resume uma situação de fato: a posição de uma empresa que tem conhecimentos
técnicos e de outra natureza, que lhe dão vantagem na concorrência, seja para entrar
no mercado, seja para disputá-lo em condições favoráveis.
(...)
O know-how é, assim, o corpo de conhecimentos, técnicos e de outra natureza,
necessários para dar a uma empresa acesso, manutenção ou vantagem no seu próprio
mercado.” (BARBOSA, 2003, pp. 626-627)
Como vimos anteriormente, existe um debate na doutrina jurídica se a tecnologia
não patenteada constitui também um segredo industrial ou não. Assafim (2013) e Diniz
(2009) pensam que a tecnologia não patenteada é um segredo industrial. Por outro lado, assim
argumenta Viegas:
“Igualmente, não se deve confundir o conceito de tecnologia não patenteada com o
conceito de segredos de indústria ou de negócio. De fato, a tecnologia não
patenteada, objeto de um contrato de fornecimento de know-how, pode ser secreta e,
enquanto mantida em sigilo, pode qualificar-se como segredo de indústria ou de
negócio, mas essa tecnologia pode igualmente ser muito valiosa mesmo que não seja
secreta.” (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007, p. 149)
Em outras palavras, o know how10
pode se tratar de um conhecimento que pode
ser dominado por mais de uma empresa do ramo, mas de acesso restrito às demais, ao passo
que o segredo industrial pode ser uma conhecimento ao qual ninguém, além do titular, tem
acesso sem o seu consentimento (CORREA, 1997 apud VIEGAS in SANTOS; JABUR,
2007).
9 Sobre a patente de invenção: “concepção resultante do exercício da capacidade de criação do homem que represente uma
solução nova para um problema técnico existente dentro de um determinado campo tecnológico e que possa ser fabricada. As
invenções podem ser referentes a produtos industriais (compostos, composições, objetos, aparelhos, dispositivos, etc.) e a
atividades industriais (processos, métodos, etc.). As Patentes de Invenção conferem proteção às criações de caráter técnico,
visando um efeito técnico peculiar” (INPI, 2015b, 2.1.1). Sobre o modelo de utilidade: “criação referente a um objeto de uso
prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo,
que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. Este objeto deve ser tridimensional (como instrumentos,
utensílios e ferramentas) e suscetível de aplicação industrial” (INPI, 2015b, 2.1.2). 10 Quando mencionamos o termo know how nesse item, é porque assim que se refere a doutrina jurídica à tecnologia não
patenteada. O leitor deve ter em mente a distinção entre know how e know why feita anteriormente.
64
Conclui-se, portanto, que a tecnologia não patenteada é valiosa e faz parte do
ativo intangível de uma ou mais empresas, podendo ser secreta ou não. Na realidade prática,
vale ressaltar o tema da presente pesquisa e os aspectos desenvolvidos anteriormente, quais
sejam: que a tecnologia é importante instrumento para a defesa de um país; representa um
diferenciador e um fator de dependência entre países subdesenvolvidos ou em desenvolvidos
em relação aos países desenvolvidos; por esse motivo, as tecnologias mais sensíveis são
cerceadas pelos seus detentores, tanto por questões de segurança internacional quanto por
competição de mercado; e a transferência de tecnologia é um meio pelo qual países menos
desenvolvidos buscam aperfeiçoar sua base industrial de defesa a fim de buscar autonomia no
cenário internacional, como o Brasil tem feito através de grandes programas militares. Nesse
sentido, a tecnologia não patenteada nesse aspecto confunde-se com o segredo industrial, ou
seja, é mantida em segredo, pois não é interesse que as tecnologias de submarinos nucleares
ou de carros e helicópteros de guerra sejam públicas, por exemplo. Dessa forma, para os fins
da presente pesquisa considerar-se-á tecnologia não patenteada, ou know-how como também
segredo de indústria, ou seja, a natureza secreta da tecnologia a transferir.
Nesse diapasão, em relação à patente, a tecnologia não patenteada tem a vantagem
do acesso restrito, protegido por segredo empresarial, excluindo outros dos seus benefícios.
Entretanto, sua desvantagem é que a proteção via segredo não pode ser oponível a terceiros
que venham a desenvolver ou adquirir a mesma informação de forma autônoma (VIEGAS in
SANTOS; JABUR, 2007).
Segundo Viegas (in SANTOS; JABUR, 2007), o contrato de fornecimento de
tecnologia não patenteada tem, na maioria absoluta das vezes, um caráter misto, vez que
inclui uma transmissão dos conhecimentos que constituem a tecnologia e uma prestação de
serviços, pois a absorção da tecnologia implica quase sempre em serviços de treinamento e de
assistência técnica. Assafim (2013) chama a atenção para o fato de que um contrato de
transferência de tecnologia pode abranger várias categorias de bens imateriais dentro do
mesmo objeto, por exemplo, uma licença de patente que traz consigo um programa de
computador. Em relação à assistência técnica e aos serviços que podem ou não ser assessórios
ao contrato de fornecimento de tecnologia, assim ensina Assafim:
“A primeira (assistência técnica) é uma atividade ou serviço pelo qual o seu
prestador contribui com dados, informações ou experiências técnicas que são de
conhecimento público, sendo indiferente que sejam ou não segredos. É precisamente
a irrelevância do caráter secreto que distingue a assistência técnica do know-how,
pois neste, o segredo é essencial. Por outro lado, os serviços de engenharia
(engineering) abarcam, desde a elaboração de informações, planos ou estudos, até a
execução do correspondente projeto e, entre os conhecimentos técnicos incluídos
nesses serviços, podem constar desde aqueles que estão protegidos por direitos de
65
propriedade industrial, passando pelos segredos, até os conhecimentos de utilização
geral” (ASSAFIM, 2013, p. 200)
Com o objetivo de dar segurança aos contratos e fazê-los oponíveis em relação a
terceiros, no Brasil, todo contrato de transferência de tecnologia deve ser registrado junto ao
INPI e, se houver previsão de remessa de divisas ao exterior, registra-se também no Banco
Central do Brasil (BACEN) (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).
Dessa forma, esses são os aspectos jurídicos essenciais para o embasamento
teórico e conceitual da presente pesquisa, valendo sintetizar: os contratos de transferência de
tecnologia estão subsumidos à disciplina jurídica da propriedade industrial, que por sua vez,
está dentro do conjunto da propriedade intelectual, que faz parte do universo da propriedade
imaterial; o instrumento jurídico da transferência de tecnologia é o contrato; o contrato de
transferência de tecnologia, segundo a legislação brasileira, pode designar vários tipos de
fluxos (patentes, marcas, desenho industrial, franquia, programas de computador,
fornecimento de tecnologia, assistência técnica); no entanto, a transferência de tecnologia em
sentido estrito se dá pela licença de patente e pelo contrato de fornecimento de tecnologia; o
contrato de fornecimento de tecnologia se refere à tecnologia não patenteada, ou know-how,
segundo os juristas, sendo que, para os fins da presente pesquisa, se trata de tecnologia de
natureza secreta; os contratos de transferência de tecnologia devem ser registrados no INPI e,
se houver remessa de divisas ao exterior, também no BACEN.
2.6 – A QUESTÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS
O processo de nacionalização, em síntese, visa transferir o que é produzido no
exterior para dentro do país, através da atuação de instituições e empresas brasileiras. Nesse
sentido, vale aprofundar o entendimento de empresa brasileira. A redação original da
Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) trazia em seu artigo 171 a definição de
empresa brasileira, conforme transcrevemos:
“Art. 171. São consideradas:
I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
administração no País;
II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em
caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas
domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno,
entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu
66
capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas
atividades.”
O texto constitucional fazia uma distinção entre empresas brasileiras e empresas
brasileiras de capital nacional, deixando subentendido que as primeiras poderiam ser de
capital estrangeiro. Nos parágrafos subseqüentes, a Carta Magna previa uma série de
incentivos e tratamentos diferenciados às de capital nacional. Nesse caso, como poderiam as
de capital estrangeiro ser consideradas brasileiras? Isso ocorre porque, em relação à atuação
de sociedades estrangeiras no Brasil, o artigo 11, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (LINDB) dispõe que “não poderão, entretanto, ter no Brasil
filiais, agências ou estabelecimentos, antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo
Governo brasileiro, ficando sujeitas à legislação brasileira” (BRASIL, 1942). Ou seja, para
uma empresa estrangeira exercer sua atividade no Brasil, precisa ela estabelecer alguma filial
ou agência registrada no país, sujeita à lei nacional. Nesse caso, tal empresa também será
considerada brasileira para fins de contratações (SANTOS; JABUR, 2007). Vale destacar:
“Na maioria dos casos, entretanto, as empresas estrangeiras que operam no Brasil o
fazem não por meio de filiais ou agências, mas por meio de subsidiárias, que são
sociedades brasileiras, organizadas e com sede no Brasil. E como tal sujeitas à lei
brasileira, independentemente da nacionalidade dos seus quotistas ou acionistas e/ou
da origem do seu capital social” (SANTOS; JABUR, 2007, p. 19)
Dessa forma, o ordenamento jurídico admitia que existissem empresas
consideradas brasileiras, mas que tivessem capital social originário do exterior, bem como,
sócios e acionistas estrangeiros. Além de empresas brasileiras de capital nacional. No entanto,
sob o prisma da globalização e do avanço neoliberal, sobretudo na década de 90 do século
XX, e no contexto da crise brasileira desde a década anterior, a Emenda Constitucional nº 6
de 1995 revogou o artigo 171 da Constituição, eliminando a distinção entre empresas
brasileiras de capital estrangeiro e de capital nacional, bem como, qualquer tratamento
diferenciado entre elas. Tendo sido revogado, a definição de sociedade brasileira restou no
artigo 60 da antiga Lei das Sociedades por Ações (BRASIL, 1940), cuja redação foi mantida
pela nova Lei das S. A. (BRASIL, 1976), que diz: “são nacionais as sociedades organizadas
na conformidade da lei brasileira e que têm no País a sede de sua administração”. Ou seja,
para ser uma considerada brasileira, basta que a sociedade tenha no território brasileiro a sede
de sua administração, que é o que ocorre com as subsidiárias registradas, ainda que seu capital
ou seus acionistas sejam estrangeiros.
Nesse sentido, cumpre dissertar um pouco mais, em linhas gerais, sobre o poder
decisório e a administração de uma empresa constituída em sociedade. Como pessoa jurídica,
67
o exercício da vontade de uma sociedade empresária é definido por pessoas legal e
contratualmente, investidas para tal. Quem possui esse poder de definir os rumos da sociedade
são os sócios, e esse poder é medido conforme suas quotas ou ações na sociedade. Em
sociedades empresárias, aplica-se o princípio majoritário nas deliberações sociais (COELHO,
2014). Ou seja, os rumos da sociedade são definidos pela maioria votante dos seus quotistas
ou acionistas. Quem possui mais quotas ou ações, também corre mais riscos, portanto, possui
maior poder na hora de votar. Caso um sócio, sozinho, possua mais da metade das quotas ou
ações votantes, ele é considerado majoritário ou controlador e pode definir sozinho o rumo da
sociedade empresária (COELHO, 2014). Nas sociedades limitadas, o representante legal é o
administrador, que é definido e substituído pela maioria societária qualificada. Já a
representação legal das sociedades anônimas é feita pelo diretor, eleito em assembleia geral.
Tanto numa quanto noutra, os representantes legais não precisam, necessariamente, ser sócios
(COELHO, 2014).
No mesmo sentido, sendo uma sociedade empresária uma pessoa jurídica se
constitui um sujeito de direito personalizado, podendo, por conseguinte, praticar todo e
qualquer ato ou negócio jurídico não proibido por lei. Inclusive, pode a sociedade ser titular
de “patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de
cada um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica
responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumir” (COELHO, 2009, p. 114).
Assim, quando se trata de propriedade industrial, aquela imaterial que também representa bem
jurídico e que abrange os conhecimentos tecnológicos, patenteados ou não, ela também
integra o patrimônio da empresa. A tecnologia patenteada, embora publicada, confere à
empresa o direito exclusivo de explorá-la economicamente, vindo a constituir um de seus
ativos. A tecnologia não patenteada, aquela que é alvo do que aqui chamamos de transferência
de tecnologia, também integra o patrimônio das empresas, embora não seja protegida quanto à
exploração econômica exclusiva. Por esse motivo, quando há um contrato de transferência de
tecnologia, há uma transação patrimonial. A empresa cedente vende seu ativo, que é a
tecnologia, em troca de uma quantia em dinheiro. A empresa recipiendária despende de seu
patrimônio a quantia em dinheiro e incorpora a tecnologia comprada. Parte da doutrina
jurídica entende que o domínio de tecnologia não patenteada, mesmo que seja secreta, não
enseja um direito de propriedade e sim um direito de posse11
, mas, não obstante, integrando
legitimamente o patrimônio do seu detentor (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).
11 Para melhor esclarecer a diferença entre propriedade e posse, o Código Civil Brasileiro diz que “o proprietário tem a
faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou
68
O antigo artigo 171 da Constituição Federal possuía a preocupação em classificar
as empresas brasileiras de capital nacional pelo controle efetivo, ou seja, pela titularidade da
maioria do capital votante ou poder decisório nas mãos de pessoas domiciliadas no país. Não
havendo mais tal dispositivo, como visto, foi admitida como empresa brasileira aquela que
possui capital oriundo de qualquer nacionalidade, mas que tenha sua sede no país, inclusive,
podendo tais sócios estrangeiros definir os rumos da dita sociedade brasileira conforme seu
alvedrio.
Em outras palavras, resumindo, a sociedade empresária tem a propriedade da
tecnologia inerente aos seus produtos e o os seus sócios, independente da nacionalidade que
forem, decidem os rumos que essa sociedade vai ou não tomar.
Dessa forma, quando se pensa em nacionalização como um dos “fatores que
garantem a soberania, o progresso e à integridade do patrimônio nacional do País”
(BONFADINI, 1996, p. 41), em seu intuito de propiciar uma produção de meios de defesa
gradualmente independente do exterior, há de se pensar duas vezes no conceito de empresa
brasileira. Será que a nacionalização pode ser tão somente conferir a produção de um meio de
defesa a uma ou várias empresas brasileiras? Considerando que uma empresa tida como
brasileira pode possuir controle efetivo de sócios estrangeiros, como isso poderia garantir uma
capacitação industrial independente do exterior? Como garantir que tais empresas vão tomar
decisões societárias segundo os melhores interesses do país? Tais questionamentos não
pretendem assumir um cunho nacional-desenvolvimentista, defender o protecionismo ou algo
semelhante. O que se pretende mostrar aqui é a contradição conceitual que existe quando se
fala hodiernamente em nacionalização e empresas brasileiras, como acima desenvolvido.
Assim, falar em nacionalização, considerando sua finalidade estratégica de assegurar a
soberania nacional na indústria de defesa, só faria sentido se as empresas brasileiras
envolvidas nesse processo fossem controladas efetivamente por brasileiros. Por outro lado, se
se quer manter uma economia inclinada aos ditames neoliberais, evitando o protecionismo e a
intervenção no mercado, produzindo reflexos na indústria de defesa, ao admitir que empresas
controladas por sócios estrangeiros sejam tidas como brasileiras, possibilitando sua atuação
em projetos estratégicos, não se consegue falar efetivamente em nacionalização.
Após a revogação do artigo 171 da Constituição Federal, outras tentativas foram
feitas para mais uma vez definir o conceito de empresa brasileira. Em 2011 foi proposta uma
detenha” (BRASIL, 2002a, art. 1.228). Por outro lado, em relação à posse, assim diz o referido diploma: “Considera-se
possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (BRASIL,
2002a, art. 1.196). Ou seja, a propriedade é o direito de exercer todos e quaisquer poderes previstos no respectivo artigo, já a
posse é o exercício de fato de alguns daqueles poderes, mas não de todos eles.
69
emenda à constituição, a PEC 123/2011, que visava inserir mais uma vez a definição que o
antigo artigo 171 apresentava de empresas brasileiras de capital nacional, entretanto, a
referida proposta foi arquivada em 2015, em decorrência do término da legislatura sem
avanço do respectivo processo legislativo (CÂMARA, 2015). Não obstante, tramita no
Congresso Nacional a Proposta de Lei do Senado (PLS) nº 89/2014, de autoria do senador
Roberto Requião que objetiva editar uma lei infraconstitucional que também repete a
definição do revogado artigo 171, visando diferenciar uma empresa brasileira de capital
estrangeiro de uma de capital nacional, bem como, prevendo incentivos econômicos para esta.
Hierarquicamente, estaria abaixo de uma norma constitucional, mas, como legislação
ordinária, seria plenamente dotada de força normativa e vinculante. Até a elaboração desse
trabalho, o mencionado projeto estava sendo apreciado na Comissão de Assuntos Econômicos
do Senado Federal e havia recebido um relatório desfavorável pelo senador Francisco
Dornelles, contrário à proposta, argumentando o seguinte (SENADO, 2015):
“Entendemos que o PLS nº 89, de 2014, ao restabelecer a discriminação das
empresas brasileiras por origem de capital, será prejudicial ao País, pois os custos
desse tipo de política são maiores que os benefícios, além de não induzir o aumento
da produtividade. Ao estimular a criação de proteções e privilégios, ainda que
temporários, para empresas brasileiras de capital nacional, o Projeto caminha em
direção contrária, pois retira o incentivo à realização de inovações e ao incremento
da produtividade.
A história da evolução da indústria brasileira mostra que as políticas protecionistas
geraram inúmeros casos de ineficiência e baixa produtividade. Devido às limitações
de infraestrutura e ao contexto institucional brasileiro, a proteção tende a gerar
dependência das empresas em relação ao setor público em vez do progresso
tecnológico, do aumento da competitividade e da busca por maior inserção no
mercado internacional.
Ademais, o protecionismo tende a limitar a concorrência, gerando uma transferência
de renda dos consumidores para as empresas protegidas, na forma de preços mais
elevados, e dos contribuintes para o governo, na forma de tarifas de importação de
importação de produtos ou de benefícios tributários.
Assim, as evidências empíricas mostram que, para o caso brasileiro, não há garantia
alguma de que a distinção das empresas brasileiras por origem de capital, seja nas
compras públicas ou para fins de proteção comercial, resultará em aumento da
produtividade, avanços tecnológicos e maior competitividade.
Por fim, destacamos que o ordenamento jurídico atual não impede que políticas
industriais beneficiem empresas nacionais em nome da defesa nacional, da soberania
tecnológica, ou mesmo do fortalecimento de setores industriais de capital nacional.”
Vale repetir que não se discute no presente trabalho o mérito da diferenciação
entre empresas brasileiras de capital estrangeiro e nacional no sentido de receberem
tratamento distinto. O que se discute aqui é que não faz sentido se falar em nacionalização,
em termos conceituais, quando se constata a forma com que a legislação aborda atualmente a
definição de empresa brasileira, em especial na indústria de defesa. Em sentido divergente do
apresentado pelo senador Dornelles, Rossi (2007) afirma que o direito ao desenvolvimento,
70
previsto no artigo 219 da Constituição Federal e em outros instrumentos jurídicos
internacionais seria fundamento suficiente para o tratamento diferenciado entre empresas de
capital estrangeiro e de capital nacional, em que pesem os acordos internacionais de comércio
que caminham na direção contrária, em especial, os da Organização Mundial do Comércio
(OMC).
Outro aspecto relevante para se destacar nesse contexto é a questão da remessa de
divisas ao exterior oriunda de contratos de transferência de tecnologia. Para tanto, insta
mencionar alguns dispositivos jurídicos importantes: Lei nº 4.131/6212
(BRASIL, 1962) e a
Portaria nº 436/58 do Ministério da Fazenda13
(BRASIL, 1958). Com base nesses diplomas e
em outros assessórios, Viegas (in SANTOS; JABUR, 2007) ensina que entre pessoas jurídicas
independentes, ou seja, quando a fornecedora de tecnologia não detém qualquer participação
no capital da adquirente, ou detém uma participação minoritária (menos de 50% do capital
votante), não existe limites ao pagamento de remuneração ao exterior. A remuneração pode
ser fixada livremente entre as partes e os percentuais contidos na Portaria MF nº 436/58 se
dão somente para a dedução do Imposto de Renda. Por outro lado, quando a fornecedora da
tecnologia detém a maioria (mais de 50%) do capital votante da receptora, os percentuais da
referida portaria servem tanto para limitar a dedução, quanto para a remessa ao exterior de
royalties pelo licenciamento de marcas e patentes, quais sejam, a proporção de 1 a 5%
(dependendo da “essencialidade” da respectiva atividade) sobre o preço líquido de vendas dos
produtos ou serviços comercializados pela adquirente (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).
Em outras palavras, a interpretação final da legislação envolvida é de que só se pode remeter
ao exterior aquilo que é possível deduzir para fins de Imposto de Renda (de 1 a 5%, como dito
acima) (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007).
Entretanto, tal se aplica à transferência de tecnologia protegida por direitos de
propriedade industrial. Quando há a transmissão de tecnologia não patenteada entre uma
controladora e sua filial ou subsidiária no Brasil, existe uma celeuma entre a posição do INPI
(tradicionalmente ligada à proteção da indústria nacional) e correntes doutrinárias mais
liberais (VIEGAS in SANTOS; JABUR, 2007). Ao passo que o INPI entende que a limitação
aplicada à transferência de tecnologia protegida também se aplica a não patenteada, Viegas e
outros autores (BARBOSA, 1984 e TEIXEIRA,1974 apud VIEGAS in SANTOS; JABUR,
2007) entendem, pela interpretação dos dispositivos legais e regulamentares concernentes,
12 Disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior e dá outras providências. 13 Estabelece coeficientes percentuais máximos para a dedução de Royalties, pela exploração de marcas e patentes, de
assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, amortização, considerados os tipos de produção, segundo o grau
de essencialidade.
71
que não existe limitação à remessa de remuneração por transferência de tecnologia não
patenteada, assistência técnica ou serviços técnicos entre subsidiárias brasileiras e suas
controladores estrangeiras. Não obstante, na prática tem sido aplicada a posição do INPI em
limitar a remessa de remuneração, nos parâmetros do parágrafo anterior, em relação à
transferência de tecnologia entre subsidiárias nacionais e controladoras estrangeiras, como
exemplo, segue a ementa de um precedente jurisprudencial:
“RELATOR : DESEMBARGADORA FEDERAL LILIANE RORIZ APELANTE :
KONINKLIJKE PHILIPS ELETRONICS N V ADVOGADO : RODRIGO
SERGIO BONAN DE AGUIAR E OUTROS APELADO : INSTITUTO
NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI PROCURADOR :
ANDRE LUIS BALLOUSSIER ANCORA DA LUZ ORIGEM : TRIGÉSIMA
SÉTIMA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200651015041578) (...) E M
E N T A. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA
DE TECNOLOGIA. AVERBAÇÃO. LIMITAÇÃO PELO INPI. POSSIBILIDADE.
ONEROSIDADE EXCESSIVA DO CONTRATO. ROYALTY. PERCENTUAL
MÁXIMO FIXADO. 1. A formação de um contrato internacional de transferência
de tecnologia envolve aspectos diversos e específicos. De um lado, tem-se o detentor
da tecnologia – o transferente ou licenciador –, via de regra localizado em um país
produtor de tecnologia, do chamado primeiro mundo, e, de outro, o receptor, ou
licenciado, quase sempre sediado em um país em vias de desenvolvimento ou
subdesenvolvido. Enquanto os objetivos primordiais do primeiro são a maximização
da remuneração de sua tecnologia, otimizando sua exploração, e a busca de seu uso
como forma de ingresso em novos mercados, os principais objetivos do segundo são
a obtenção de inovação tecnológica e a capacitação tecnológica em si. 2. A atuação
do INPI, ao examinar os contratos que lhe são submetidos para averbação ou
registro, pode e deve avaliar as condições na qual os mesmos se firmaram, em
virtude da missão que lhe foi confiada por sua lei de criação, a Lei nº 5.648, de
11/12/1970. A meta fixada para o INPI é, em última análise, a de dar efetivação às
normas de propriedade industrial, mas sem perder de vista a função social,
econômica, jurídica e técnica das mesmas e considerando sempre o desejável
desenvolvimento econômico do país. 3. A Lei nº 9.279/1996 somente retirou do
INPI, ao revogar o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 5.648/70, o juízo de
conveniência e oportunidade da contratação, ou seja, o poder de definir quais as
tecnologias seriam as mais adequadas ao desenvolvimento econômico do País. Esse
juízo, agora, é unicamente das partes contratantes. Persiste, todavia, o poder de
reprimir cláusulas abusivas, especialmente as que envolvam pagamentos em moedas
estrangeiras, ante a necessidade de remessa de valores ao exterior, funcionando,
nesse aspecto, no mínimo como agente delegado da autoridade fiscal. 4. A
disseminação massiva da produção em escala global havia gerado uma queda brutal
nos preços, devido ao excesso de oferta, o que deu origem a uma onerosidade
excessiva, comprometendo a execução do contrato, caso se mantivesse o valor fixo
incidindo sobre cada produto comercializado. 5. É razoável e proporcional o
percentual de 5% fixado para remessa de royalties por ser este o coeficiente
percentual máximo permitido para dedução fiscal, conforme o art. 12 da Lei n.
4.131/62, e valor máximo mais freqüente, além de ser adotado como referência para
os contratos de licença e transferência de tecnologia. 6. Apelação improvida.”
(BRASIL, 2008)
Portanto, diante do que fora desenvolvido acima, pode-se constatar uma grande
indefinição nas instituições brasileiras no que se refere às políticas de nacionalização, quando
coadunadas com os mecanismos institucionais e jurídicos que regulam as definições de
empresas brasileiras e remessas de lucros. Vê-se, por um lado, um segmento que busca
72
fomentar indústria nacional, por meio da aquisição de tecnologia competitiva e limitação de
remessas de divisas ao exterior, em prol do desenvolvimento do país e, por outro lado, quem
entenda que tal desenvolvimento só pode se dar dentro da lógica neoliberal, com abertura dos
mercados e mitigação do protecionismo.
2.7 – AS EMPRESAS ESTRATÉGICAS DE DEFESA
Até elaboração desse trabalho, ainda não há definição de empresa brasileira fora
dos parâmetros desenvolvidos acima. Por outro lado, uma importante contribuição ao tema foi
feita pela Lei nº 12.598/2012 (BRASIL, 2012), que dispõe sobre compras e contratações em
defesa, bem como, prevê incentivos à área. Mas, além disso, o referido diploma trouxe
diversas definições, dentre as quais a de empresa estratégica de defesa no seu artigo 2º, inciso
IV, vale transcrever:
“IV - Empresa Estratégica de Defesa - EED - toda pessoa jurídica credenciada pelo
Ministério da Defesa mediante o atendimento cumulativo das seguintes condições:
a) ter como finalidade, em seu objeto social, a realização ou condução de atividades
de pesquisa, projeto, desenvolvimento, industrialização, prestação dos serviços
referidos no art. 10, produção, reparo, conservação, revisão, conversão,
modernização ou manutenção de PED no País, incluídas a venda e a revenda
somente quando integradas às atividades industriais supracitadas;
b) ter no País a sede, a sua administração e o estabelecimento industrial, equiparado
a industrial ou prestador de serviço;
c) dispor, no País, de comprovado conhecimento científico ou tecnológico próprio
ou complementado por acordos de parceria com Instituição Científica e Tecnológica
para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e
desenvolvimento de tecnologia, produto ou processo, relacionado à atividade
desenvolvida, observado o disposto no inciso X do caput;
d) assegurar, em seus atos constitutivos ou nos atos de seu controlador direto ou
indireto, que o conjunto de sócios ou acionistas e grupos de sócios ou acionistas
estrangeiros não possam exercer em cada assembleia geral número de votos superior
a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser exercidos pelos acionistas
brasileiros presentes; e
e) assegurar a continuidade produtiva no País;”
Note-se a condição prevista na alínea d do dispositivo colacionado supra. O
legislador preocupou-se em rotular como Empresa Estratégica de Defesa aquela que possui,
pelo menos, um mínimo de capital nacional que permita a expressão do interesse de sócios e
acionistas brasileiros na decisão da empresa. Antes de se consubstanciar como lei, a Lei nº
12.598/2012 era a Medida Provisória nº 544/2011, cuja Exposição de Motivos (BRASIL,
2011) evidencia o seguinte entendimento:
73
“(...) 3. A END determina a organização da indústria de defesa para que possa ser
assegurada ao País autonomia operacional necessária ao exercício das competências
atribuídas às Forças Armadas, sob o pressuposto de que a organização, o preparo e o
emprego da Marinha, do Exército e da Aeronáutica devem corresponder ao
desenvolvimento econômico e tecnológico nacional.
4. É nessa ordem de idéias que a END situa a reorganização da indústria de defesa
como um de seus eixos estruturantes, assegurando que o atendimento das
necessidades de equipamento das Forças Armadas esteja atrelado ao
desenvolvimento de tecnologias sob domínio nacional. Para tanto, faz-se necessário
capacitar a indústria para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à
defesa do País. (...)
14. Note-se que as definições tratadas no presente projeto de Medida Provisória têm
a finalidade de proporcionar marco legal para as compras e contratações de interesse
da área de defesa, em especial, para servir de orientação ao poder público e à
iniciativa privada, observados os efeitos sobre o planejamento de curto, médio e
longo prazo. Por essas razões, produto de defesa, produto estratégico de defesa e
sistema de defesa são conceitos que serão considerados no conjunto de iniciativas
voltado à empresa estratégica de defesa, que dependerá do credenciamento do
Ministério da Defesa e do cumprimento cumulativo de condições garantidoras da
proteção dos interesses estratégicos do País afetos ao desenvolvimento de
tecnologias nacionais e, também, à concessão de incentivos à área de defesa, como
financiamentos, regimes tributários e garantias.”
Nesse sentido, a MP nº 544/2011, convertida na Lei nº 12.598/2012, tem em sua
justificativa um entendimento pautado pelas diretrizes da END, buscando criar medidas legais
para efetivar as estratégias nela apontadas. Portanto, pode-se dizer que tanto a END, quanto a
Lei nº 12.598/2011 demonstram o entendimento de que, realmente, para fomentar o
desenvolvimento autônomo da indústria nacional em defesa, a nacionalização é fundamental
para o interesse soberano do país. Mas, além disso, depreende-se que também consideram
indesejável ou arriscado que empresas brasileiras que não possuam relevante capital nacional
atuem sem limites em um setor tão estratégico, buscando dar preferência àquelas que possuem
capital nacional. Dessa forma, a referida legislação compartilha do entendimento
argumentado supra de que a nacionalização é conceitualmente incompatível com a indefinição
de empresa brasileira segundo seu capital social ou acionário.
74
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
O presente capítulo é dedicado ao desenvolvimento da abordagem metodológica
que pautará esta pesquisa. A metodologia a ser utilizada será a de avaliação de políticas
públicas, sendo que a primeira seção conterá uma revisão de literatura sobre o referido
método, abordando os aspectos históricos e conceituais sobre a análise de implementação e
avaliação de políticas públicas. A segunda trará os modelos analíticos que serão empregados
para avaliar os programas militares e, finalmente, na última seção será sintetizado e
detalhando o método que será seguido para a avaliação que presente pesquisa propõe.
3.1. REVISÃO DE LITERATURA
3.1.1 – Histórico e definições de políticas públicas
Na primeira metade do século XX, diversos estudiosos sentiram a necessidade de
conciliar as perspectivas teórica e prática da Política e introduzir, nas suas análises, questões
normativas e não apenas descrições empíricas, propiciando o surgimento dos estudos de
políticas públicas (policy sciences, em inglês) (HOWLETT; RAMESH, 2003 apud MOTA,
2010). Embora as bases teóricas desses estudos possam remontar aos clássicos da
modernidade como More, Maquiavel, Bacon, Montesquieu ou Rousseau (BIRKLAND,
2001), foi nos anos 1940, nos EUA, que o chamado “pai fundador” dos estudos de políticas
públicas, Harold Laswell (in VILLANUEVA, 1992) iniciou sua produção, lançando, um
pouco depois, uma obra emblemática em 1951 intitulada “The Policy Orientation”
(DELEON; MARTELL, 2006), afirmando que tal disciplina se preocuparia em, não só
compreender o processo de produção de políticas públicas, mas também em prover dados que
permitam a interpretação de problemas societais (PARSONS, 1995 apud MOTA, 2010).
O processo acima pode ser verificado conforme ensina Faria (2003). Nos seus
primórdios, a ciência política considerava as políticas públicas quase exclusivamente como
outputs do sistema político, priorizando a investigação dos inputs, ou seja, nos processos de
75
formação das políticas públicas, sobretudo, o processo decisório e a articulação de demandas
e interesses (FARIA, 2003). Contudo, a partir da década de 1950, as políticas públicas vieram
a representar uma unidade de análise, conferindo destaque aos aspectos dinâmicos do
chamado policy process e aos distintos atores, estatais e não estatais, usualmente envolvidos
(RADAELLI, 1995 apud FARIA, 2003).
O reconhecimento dos estudos de políticas públicas como disciplina por parte da
comunidade científica viria somente mais tarde, no final dos anos 1960, com o início de sua
afirmação. A organização de conferências sobre políticas públicas fomentou a criação, no
início da década de 1970, de diversas associações e publicações relacionadas com o domínio
das políticas públicas, mas que se refletiu na elaboração, por parte da comunidade científica,
principalmente, de obras literárias sobre o tema, não tanto nas universidades, que resistiam a
uma disciplina que rompia abruptamente com as fronteiras tradicionais (PARSONS, 1995
apud MOTA, 2010). Somente nessa mesma década, é que também tomou força na Europa,
especialmente na Alemanha, a preocupação com tal campo específico das políticas (FREY,
2000). Foi somente nos anos 1980 e 1990 que o estudo das políticas públicas se consolidou
como disciplina, diante do crescente interesse de outros países, que não os EUA, pelo tema
(PARSONS, 1995 apud MOTA, 2010).
No Brasil, os primeiros trabalhos sobre políticas se davam sobre o estudo do
Estado brasileiro, seu papel, seu intervencionismo, sobre as instituições que o constituiriam e
os processos de negociação de interesses, isso, sendo que a produção acadêmica dos anos
1960 manteve esse traço de continuidade (MELO, 1999). Já os primeiros estudos de políticas
públicas dos anos 1970 se revestiram de caráter empírico rigoroso e centravam-se nas
questões relativas ao Estado desenvolvimentista: planejamento econômico, políticas
industriais ou políticas de desenvolvimento regional (MELO, 1999). Os trabalhos de corte
social estavam subsumidos nesse prisma, tendo os mais significativos sido produzidos no
final do regime ditatorial (MELO, 1999).
Mesmo após o fim do período autoritário, constatou-se que os obstáculos à
consecução de política sociais efetivas continuaram existindo, o que fortaleceu os estudos de
políticas públicas. A perplexidade e o desencantamento em relação ao Estado se coadunavam
com a difusão internacional da idéia de reforma do aparelho estatal, vindo a consistir o
princípio organizador da agenda pública dos anos 1980-1990 (TREVISAN; VAN BELLEN,
2008). Assim, no Brasil, o estudo de políticas públicas experimentou um boom na década de
1980, sob impulso da transição democrática (MELO, 1999), mudando o foco da imaginação
social brasileira do Estado, a partir do anos 1990, paulatinamente, para a sociedade civil
76
(TREVISAN; VAN BELLEN, 2008). Nos últimos anos, multiplicaram-se as dissertações e
teses sobre temas relacionados às políticas governamentais; disciplinas de políticas públicas
foram criadas ou inseridas nos programas de graduação e pós-graduação; criaram-se linhas de
pesquisa especialmente voltadas para essa área; instituíram-se agências de fomento à pesquisa
e linhas especiais de financiamento (ARRETCHE, 2003); criaram-se fóruns específicos em
espaços acadêmicos e se informatizaram os periódicos nacionais e internacionais sobre o tema
(SOUZA, 2003).
Mas o que se entende por “política pública”? Jobert e Muller (1989 apud MELO,
1999) consideram a análise de políticas públicas lato sensu com a análise do “Estado em
ação”. De semelhante modo, Pedone (1986) considera políticas públicas como sendo o nexo
entre teoria e ação do Estado, cuja definição pode se apresentar sob diversas facetas, dada sua
multidisciplinaridade, sendo assim, sua análise não pode estar separada do ambiente da
cultura política e dos grupos ao redor e cuja formulação deve ser responsável, não podendo
desconsiderar o debate entre fatos e valores. Outros exemplos de definições podem ser vistos
conforme o quadro a seguir.
Quadro 3 – Diferentes definições de políticas públicas
Característica
principal Enunciado Autores
Ênfase na
finalidade.
“Um programa projetado com metas, valores e práticas” LASSWELL
& KAPLAN
“Um conjunto de decisões inter-relacionadas referentes à seleção de
objetivos e dos meios para atingi-los” JENKINS
“Estratégias que apontam para diversos fins, todos eles, de alguma
forma desejados pelos diversos grupos que participam do processo
decisório”
SARAVIA
Adição dos
elementos
“governo” e
“sociedade”.
“A alocação oficial de valor para toda a sociedade” EASTON
“A soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou por
delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos” PETERS
Declaração do
caráter público e
ideia de
intervenção na
realidade.
“Fluxo de decisões públicas, orientado para manter o equilíbrio
social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa
realidade”
SARAVIA
“Sistema de decisões públicas que visa a ações e omissões,
preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a
realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da
definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos
recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos”
SARAVIA
“Uma regra formulada por alguma autoridade governamental que
expressa uma intenção de influenciar, alterar, regular, o
comportamento individual ou coletivo através do uso de sanções
positivas ou negativas”
LOWI
“Tudo o que um governo decide fazer ou deixar de fazer” DYE
Fonte: Elaboração própria, com base em RUA; ROMANINI, 2013, Unidade I, pp. 3-4.
77
Após uma análise de diversas dessas definições, Mota (2010) traz a seguinte
conclusão:
"política pública é a)
um processo contínuo de decisões, por acção ou omissão, b)
tomadas por órgãos públicos, ou outros por eles empossados, e c)
expressas em
textos (leis, regras, regulamentos, entre outros), práticas, símbolos e discursos, que
refletem d)
o resultado da conjugação de perspectivas que diversos actores têm
relativamente a e)
um problema societal real, ou que seja expectável que venha a
surgir. Assim, e com a finalidade de f) produzir impactos reais na vida dos cidadãos,
a política deverá g)
especificar grupos alvo e meios (humanos, financeiros, logísticos,
organizacionais, etc.) que idealmente deverão ser alocados, h)
bem como o tipo e
conteúdo da provisão." (MOTA, 2010, p. 8)
É importante fazer uma distinção. Embora na língua portuguesa a palavra
"política" seja comum aos termos "política" e "política pública", eles não são a mesma coisa
(RUA; ROMANINI, 2013), ou seja, a palavra "pública" não é uma simples adjetivação da
palavra "política". A diferença é evidente na língua inglesa:
"A literatura sobre 'policy analysis' diferencia três dimensões da política. Para a
ilustração dessas dimensões tem se adotado na ciência política o emprego dos
conceitos em inglês de 'polity' para denominar as instituições políticas, 'politics' para
os processos políticos e, por fim, 'policy' para os conteúdos da política." (FREY,
2000, p. 216)
Em outras palavras, "política" é o termo em inglês politics e representa o processo
político, de ações e negociações entre os atores envolvidos, ao passo que "política pública" é o
termo policy, significando a dimensão e o conteúdo material das decisões políticas (FREY,
2000).
O próximo ponto que demanda atenção é o termo “pública”. O que torna uma
política (policy), pública? Rua e Romanini (2013) ensinam que existem duas abordagens para
a natureza pública das políticas públicas: a “estatocêntrica” e a “policêntrica” ou
“multicêntrica”. Segundo a abordagem estatocêntrica, a dimensão “pública” da política
(policy) se dá em virtude de decisões e ações revestidas do poder extroverso e da autoridade
soberana do Estado, ou seja, que possuem caráter jurídico de “imperatividade” fundamentadas
na autoridade do Poder Público, dependendo, portanto, de uma estrutura legal de
procedimentos e de processos institucionais governamentais. A abordagem policêntrica, por
sua vez, não é focada no protagonismo do Estado na produção de políticas públicas, ao
contrário, enfatiza a capacidade de atuação pluralista de outros atores não necessariamente
estatais: policy networks, organizações não-governamentais (ONGs), organismos
internacionais etc. (RUA; ROMANINI, 2013).
Considerando que a Defesa é uma atribuição precípua do Estado, como já
desenvolvido, muito embora possa se estudar a participação de outros atores no processo
78
político que envolve a elaboração, decisão e a implementação de uma política pública, não há
como desconsiderar o protagonismo estatal, por ser o detentor do monopólio legítimo do uso
da força (WEBER, 1979). Ao passo que a abordagem policêntrica se concentra na resposta de
um problema "público", a estatocêntrica, busca responder a um problema "político", que
corresponde a uma situação à qual os governos se veem constrangidos a dar algum tipo de
resposta: indicar à sociedade o que pretendem fazer a respeito, tendo em vista que o custo
político de se omitir frente ao problema pode ser elevado para os governantes (perda de
legitimidade, fragilização frente às forças de oposição etc.) (RUA; ROMANINI, 2013). Nesse
sentido, considerando que a decisão política em Defesa é atribuição exclusiva do Estado14
, a
abordagem da presente pesquisa se aproximará da estatocêntrica, vez que o tema está
diretamente relacionado à própria razão de ser do ente estatal como organização política e, por
isso, eventual problematização não toca somente ao interesse público, mas representa um
verdadeiro problema político que um Estado tem que responder, tanto para seus cidadãos
quanto para outros estados.
3.1.2 – Modelos explicativos de políticas públicas
Para se estudar e analisar uma política pública, diversos autores propuseram
variados modelos para que seu processo de produção pudesse ser enxergado e interpretado.
Embora nenhum de tais modelos refletisse a realidade, por serem abstrações sobre a vida real
(DYE, 1972 apud MOTA, 2010), possuíam valor heurístico, ajudando na melhor
compreensão da realidade (BIRKLAND, 2001). A ideia de que a política pública pudesse ser
compreendida como uma série de etapas em um processo foi primeiramente difundida de
forma sistemática por Harold Laswell, que em seu trabalho mais recente defendia um ciclo de
cinco etapas para o processo de políticas públicas: formação de agenda, formulação da
política pública, decisão, implementação e avaliação (HOWLETT; GIEST in ARARAL JR et
al., 2013). Tal modelo era limitado e não respondia a várias questões (HOWLETT; GIEST in
ARARAL JR et al., 2013), no entanto, a concepção do processo de produção de políticas
públicas como um ciclo evolutivo (policy cycle) se iniciava.
14 Leva-se em conta a atribuição primordial do Estado como organização política, sob a construção teórica dos filósofos
políticos modernos, como Hobbes, Locke, Rousseau que é garantir a segurança dos seus cidadãos em relação à vida e a
segurança, acompanhada ou não de outros valores, conforme o autor.
79
De 1953 a 1965, o autor David Easton advogou o chamado Modelo Sistêmico,
cuja teoria se consolidou naquele último ano (MOTA, 2010). Segundo esse modelo, o
processo de produção de políticas públicas é entendido como um sistema que influencia e é
influenciado pelo contexto envolvente (BIRKLAND, 2001), sendo que o sistema recebe
inputs e produz outputs, tornando-se estes em novos inputs, criando um movimento de
feedback (MOTA, 2010). A crítica a esse modelo se deu no sentido de que não apresenta
curiosidade sobre o que se passa dentro do sistema, também chamado de blackbox, ou seja, de
que forma diversos atores interagem de modo a promoverem ou impedirem a produção de
políticas (BIRKLAND, 2001).
O modelo da política pública desagregada em estágios distintos inspirou outros
autores que deram continuidade à interpretação do policy cycle considerando a possibilidade
de modificação do valor de suas etapas conforme os resultados avaliados. Assim surgiu o
Modelo Estagista, ou Modelo de Policy Cycle, como uma combinação da proposta de Laswell
com a possibilidade de feedback do Modelo Sistêmico de Easton (MOTA, 2010).
Muitos autores propuseram divisões do policy cycle, também chamado de
abordagem seqüencial (LIMA; D’ASCENZI, 2013). As propostas apresentam mais ou menos
etapas, com diferenças graduais, subdivisões ou refinos (RUA; ROMANINI, 2013), mas
comum a todas as propostas são as fases da formulação, da implementação e do controle dos
impactos das políticas públicas (FREY, 2000). A presente pesquisa adotará a concepção do
policy cycle adotada por Pedone (1986), na qual o autor divide o processo do estudo de
políticas públicas em cinco etapas: Formação de Assuntos Públicos e de Políticas Públicas;
Formulação de Políticas Públicas; Processo Decisório; Implementação das Políticas;
Avaliação de Políticas. Essa é a concepção prevalecente até os dias atuais, embora alguns
autores prefiram subdividir algumas dessas fases.
Acerca de cada uma dessas etapas, assim ensina Pedone (1986, p. 12):
“a) Formação de Assuntos Públicos e de Políticas Públicas - momento em que as
questões públicas surgem e formam correntes de opinião ao seu redor. Isto contribui
para a formação da agenda política, composta de questões que merecem políticas
definidas.
b) Formulação de Políticas Públicas - processo de elaboração de políticas no
Executivo, no Legislativo e em outras instituições públicas, sob os pontos de vista
da racionalidade econômica, da racionalidade político-sistêmica ou da formulação
responsável.
c) Processo Decisório - interligado com o anterior, porém com delimitações
próprias, onde atuam os grupos de pressão exercendo influência sobre os decisores,
em qualquer das instâncias citadas.
d) Implementação das Políticas - processo de execução das políticas resultantes dos
processos de formulação e decisão em políticas públicas, interrelacionando as
políticas, os programas, as administrações públicas e os grupos sociais envolvidos
ou que sofrem a ação governamental ou os problemas sociais.
80
e) Avaliação de Políticas - aqui consideram-se quais os padrões distributivos das
políticas resultantes, isto é, quem recebe o que, quando e como, e que diferença fez
com relação à situação anterior à implementação. Analisam-se os efeitos pretendidos
e as conseqüências indesejáveis, bem como quais os impactos mais gerais na
sociedade, na economia e na política.”
Apesar de todas as melhorias que passou, o Modelo Estagista, ou abordagem
seqüencial, sofreu e sofre críticas, tais como:
“− Não apresenta um argumento causal, não são apresentados pistas sobre o que
causa o movimento de uma fase para a outra;
− A cadeia de fases proposta não tem uma base empírica, dado que o processo não
tem de percorrer necessariamente todas as fases e pode ocorrer por uma ordem
diferente;
− A proposta assenta num preconceito legalista e top-down, estando assim
enquadrada numa lógica hierárquica;
− Não considera que as novas políticas são influenciadas pelas já existentes – o que
Hogwood e Peters designam de “policy succession”;
− Ignora alguns elementos que não estão relacionados com a típica concepção de
problem-solving, como por exemplo, a disputa de poder e a aprendizagem.”
(MOTA, 2010)
No entanto, apesar das críticas, o modelo possui grande valor heurístico, vez que
permite: a) estudar em cada fase/parte do processo de produção os fatores e atores que têm um
papel mais relevante; b) visualizar um “tipo-ideal”15
do processo de tomada de decisão
racional; c) centrar no cenário geral e não em atores específicos (JANN; WEGRICH in
FISCHER et al., 2007).
Novos modelos alternativos ao policy cycle tem surgido, como por exemplo, o
“Punctuated Equilibrium” de Jones e Baumgartner (2005, 2009 apud BOUSHEY in
ARARAL JR et al., 2013), o modelo “Garbage Can” de Cohen, March e Olsen (1972 apud
SOUZA, 2006) e o “Advocacy Coalition Framework”, de Sabatier e Jenkins-Smith (1993
apud WEIBLE; NOHRSTEDT in ARARAL JR et al., 2013).
O modelo do “equilíbrio interrompido” (punctuated equilibrium) traz às políticas
públicas concepções de biologia e computação (SOUZA, 2006). Da biologia veio a noção de
equilíbrio interrompido, ou seja, a política pública se caracteriza por longos períodos de
estabilidade, interrompidos por períodos de instabilidade, que geram mudanças nas políticas
anteriores, ao passo que da computação veio a noção de que os seres humanos possuem
limitação na sua capacidade de processas informação e fazem isso paralelamente, não com
uma informação de cada vez (SOUZA, 2006). Dessa forma, mudanças nas políticas públicas
decorrem de maneira estável, vez que alterações radicais enfrentam consideráveis barreiras
políticas e institucionais, no entanto, inovações adotadas em curto prazo podem ocasionar um
15 Na concepção weberiana (MOTA, 2010).
81
feedback positivo e causar uma mudança radical na política em comento (BOUSHEY in
ARARAL JR et al., 2013). Assim, as políticas decorrem em padrões incrementais e não-
incrementais, variando conforme a atenção política dada a determinado assunto. Quando há
pouca atenção, os ajustes geralmente são delegados e incrementais, mantendo a política
pública constante, porém, quando há muita atenção política focada em determinado assunto,
as forças que mantém o equilíbrio são rompidas, gerando alteração brusca na política pública
(BOUSHEY in ARARAL JR et al., 2013).
O modelo garbage can ou “lata de lixo” argumenta que escolhas de políticas
públicas são feitas como se as alternativas estivessem em uma lata de lixo, ou seja, vários
problemas e poucas soluções (SOUZA, 2006). O processo de formação de agenda é uma
mistura de ordem e caos, ou “anarquia organizada” (KINGDON, 1984 apud MUCCIARONI
in ARARAL JR et al., 2013), sendo que a “lata” é o item mais permanente e previsível do
processo de produção de políticas públicas, representando os arranjos institucionais e os
procedimentos que moldam o comportamento. Entretanto, o foco central do modelo é o “lixo”
dentro dessa lata, pois os itens que alcançam a agenda pública surgem do misto de itens
dentro dela mediante a verificação de três critérios ou correntes: problema, solução e política.
Em outras palavras, um item que alcança a agenda pública para formação de uma política
deve consistir num problema reconhecido, cuja solução é disponível e viável e que exista um
ambiente político oportuno e propício (MUCCIARONI in ARARAL JR et al., 2013).
Talvez o que mais se distanciou do modelo da abordagem seqüencial talvez tenha
sido o modelo Advocacy Coalition Framework (ACF) (MOTA, 2010). As críticas que
fundaram a referida teoria são: insatisfação com o policy cycle como teoria causal;
necessidade de maior relevância das informações técnicas e científicas nos processos de
política pública; insatisfação com as perspectivas top-down e bottom-up da literatura de
implementação; necessidade de uma perspectiva de longo prazo para entender o processo de
políticas públicas; e a necessidade de se desenvolver teorias que assumam agentes humanos
mais realistas em detrimento de modelos de atores racionais encontrados na microeconomia
WEIBLE; NOHRSTEDT in ARARAL JR et al., 2013). Nesse sentido, o modelo ACF é
baseado na ideia de que os grupos de interesse se organizam em comunidades que, entre si,
partilham um conjunto de valores e crenças e que geralmente desenvolvem uma ação
concertada, em forma de “coligações”, que utilizam seus recursos para competir com outras,
sob a mediação de policy brokers, gerando a formulação de políticas que irão ser
implementadas e produzirão resultados e impactos (MOTA, 2010). Assim, cada subsistema
82
que integra uma política pública é composto por um número de coalizões de defesa que se
distinguem pelos seus valores, crenças, idéias e pelos recursos que dispõem (SOUZA, 2006).
Outra abordagem que tem se destacado é a policy network, que a partir da teoria
das redes sociais, traz aos estudos de políticas públicas aspectos análogos (WU; KNOKE in
ARARAL JR et al., 2013), muito embora também sofra a influência de várias disciplinas,
como a Ciência Política e os Estudos Organizacionais (MOTA, 2010). O objetivo dessa
abordagem analítica é entender como os relacionamentos entre atores envolvidos no
policymaking determinam os efeitos de decisões em políticas públicas coletivas. Para tanto,
essa análise precisa de dois componentes distintos. Primeiro, identificar os atores relevantes
no processo de policymaking, não só governamentais, mas extragovernamentais, como
Organizações Não-Governamentais (ONGs), grupos de interesse e até indivíduos influentes.
Segundo, deve-se descrever o tipo de interação social que ocorre entre tais atores durante o
processo da política pública (WU; KNOKE in ARARAL JR et al., 2013). Assim, as relações
de interdependência e a disputa por recursos tornaram-se então os principais elementos das
“novas” relações no domínio da produção de políticas (HUDSON; LOWE, 2004 apud
MOTA, 2010). A abordagem das policy networks permite tanto enxergar a dimensão das
redes sociais na formulação das políticas públicas, quanto responde a questões sobre suas
origens, sua permanência no tempo e como se dão suas mudanças (WU; KNOKE in
ARARAL JR et al., 2013).
Não obstante, todos esses modelos alternativos surgiram sobre a base do policy
cycle, não tendo nenhum destes sido capaz de quebrar com o paradigma de base (DELEON,
1999a apud MOTA, 2010).
Diante do exposto, cabe ressaltar que a presente pesquisa recairá principalmente
sobre as duas últimas etapas do policy cycle, quais sejam, a implementação e avaliação dos
programas militares PROSUB, Guarani e H-XBR, no que tange à transferência de tecnologia.
3.1.3 – Análise de implementação
Até o final da década de 1960, não se dava muita atenção à fase de implementação
de políticas públicas, vez que era entendida como a etapa em que os funcionários da estrutura
burocrática do estado simplesmente estavam cumprindo ordens (BIRKLAND, 2001), bem
como a visão do aparelho político como uma blackbox não despertava o interesse pelo tema
83
(MOTA, 2010). Contudo, as crises energéticas da década de 1970 e a consequente
necessidade de contenção despertaram uma preocupação com a eficiência e eficácia das
políticas de welfare state, dado que se começou a perceber que os objetivos delineados em
alguns desses programas não estavam sendo cumpridos (PÜLZL; TREIB in FISCHER et al.,
2007).
Com uma obra lançada pela primeira vez em 1973, os autores Pressman e
Wildavsky (1984) questionaram os estudos de políticas públicas até então, afirmando que o
fato de decisões terem sido tomadas em relação a políticas públicas expressas em diplomas
legais, não significava necessariamente que tais políticas seriam executadas, nem que
atenderiam os objetivos dos seus formuladores. Em outras palavras, as decisões permanecem
como intenções, a menos que sejam desenvolvidas as ações capazes de transformá-las em
intervenção na realidade (RUA; ROMANINI, 2013). Sendo assim, implementação significa
“realizar, fazer, executar, produzir, concluir”16
uma política pública, tendo como parâmetros
os objetivos iniciais e as expectativas dos decisores, tendo em vista que, se os objetivos não
são alcançados, uma explicação possível é o “déficit de implementação” (PRESSMAN;
WILDAVSKY, 1984). Vale transcrever:
“Promessas podem criar esperança, mas promessas não cumpridas podem levar à
desilusão e frustração. Ao concentrar na implementação dos programas e na sua
iniciação, nós poderemos aumentar a probabilidade de que promessas sobre políticas
públicas sejam cumpridas. Menos promessas poderão ser feitas havendo maior
consciência sobre os obstáculos ao seu cumprimento, porém mais delas poderão ser
mantidas.” (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1984, p. 6, tradução livre)
A fase de implementação ganhou tanto destaque que acabou se tornando uma
subdisciplina do estudo de políticas públicas (MOTA, 2010), sendo assim definida por
Pedone (1986, p. 31):
“A implementação de políticas públicas envolve ações por indivíduos ou grupos
públicos ou privados que se destinam a atingir os objetivos colocados em decisões
anteriores. Isto não só envolve a primeira ação como também aquelas ações
posteriores destinadas a corrigir pequenos desvios ou mesmo realizar grandes
mudanças nas políticas.”
A partir de meados da década de 1970, surgiram autores que expunham uma
teoria generalizável sobre implementação, que podem ser divididas em três grandes escolas ou
abordagens: a escola top-down; a escola bottom-up; e as teorias híbridas (GOGGIN et al.,
1990 apud MOTA, 2010).
16 “to carry out, accomplish, fulfill, produce, complete” (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1984, p. xxi).
84
A escola top-down, também chamada de 1ª geração (MOTA, 2010) ou desenho
prospectivo (ELMORE, 1979 apud LIMA; D’ASCENZI, 2013), parte da premissa de que a
implementação se inicia com uma decisão de topo que é (ou deveria ser) implementada tal e
qual como formulada, negligenciando qualquer influência dos implementadores (PÜLZL;
TREIB in FISCHER et al., 2007). Há uma clara distinção entre decisão e operacionalização,
que possuiriam arenas e atores distintos (LIMA; D’ASCENZI, 2013). Assim, se a
implementação é uma consequência da decisão política, a explicação para sua trajetória está
no processo que lhe deu origem, mudando-se o foco para o processo de formulação, suas
normas estruturantes e suas lacunas (LIMA; D’ASCENZI, 2013). Eventuais “problemas” na
execução são responsabilidade dos formuladores, que devem evitá-los elaborando regras que
estruturam a implementação, tais como: manter a política clara, evitar ambigüidades na
definição do objetivo, financiamento e das responsabilidades e manter controle efetivo sobre
os implementadores, limitando a margem de manobra destes (HILL, 2007 apud LIMA;
D’ASCENZI, 2013).
Há autores que buscam a “implementação perfeita”, como Hood (1976 apud
MOTA, 2010), Hogwood e Gunn (1984 apud MOTA, 2010) e Dunsire (1990 apud MOTA,
2010), defendendo uma execução rigorosa e uma avaliação controlada para o sucesso da
política. Por outro lado, existem autores que admitem que as direções proferidas pelos
policymakers podem não ser tão claras e objetivas, resultando sim de um processo de
negociação, inclusive podendo haver interferências no processo de implementação (MOTA,
2010). Nesse sentido, Bardach (1977) reconhece que o processo de implementação é
eminentemente de caráter político, sendo comparado a um jogo e, assim, demandando o
“estabelecimento de regras”, bem como uma monitorização por parte dos níveis de topo.
Assim, autores como Sabatier e Mazmanian (1980), Van Meter e Van Horn (1996
apud LIMA; D’ASCENZI, 2013) e Howlett e Ramesh (1995 apud LIMA; D’ASCENZI,
2013) buscaram fornecer e delimitar variáveis independentes para o estudo da implementação
de políticas públicas, destacando-se pela sua contribuição metodológica e propedêutica
(CARDIM, 2006 apud MOTA, 2010). Lima e D’Ascenzi (2013) sistematizaram essas
contribuições em quatro variáveis principais que influenciam o êxito de uma implementação:
a natureza do problema-alvo da política; as variáveis normativas que estruturam a
implementação; as variáveis contextuais, como apoio do público, contexto econômico e
contexto político; e a organização do aparato administrativo.
As críticas à escola top-down se baseiam no fato de os pressupostos acima nem
sempre são verificados, pois, como os objetivos são resultados de processos políticos, nem
85
sempre são claros e objetivos, além de haver uma subestimação da capacidade dos
funcionários de base de tomarem decisões autônomas no decorrer da implementação diária
(HOWLETT; RAMESH, 2003 apud MOTA, 2010).
Nesse cenário de crítica é que, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980,
surge a escola bottom-up, ou 2ª geração, ou ainda, desenho retrospectivo (ELMORE, 1996
apud LIMA; D’ASCENZI, 2013), afirmando que os estudos de implementação também
devem ter em consideração as relações dos funcionários de base com os beneficiários, assim
como as influências que os contextos locais podem exercer nos impactos da política (PÜLZL;
TREIB in FISCHER et al., 2007). A abordagem enfatiza que a discricionariedade dos
implementadores é inevitável e pode ser desejável, já que esses autores detêm conhecimento
das situações locais e podem adaptar o plano a elas (O’BRIEN; LI, 1999).
A principal ênfase dos estudos bottom-up é no comportamento dos funcionários
de base, chamados de street-level bureaucrats ou workers (LIPSKY, 1969). Considerado o
pai fundador da referida abordagem (MOTA, 2010), Lipsky (1969) define burocracias de
nível de rua como as agências nas quais os trabalhadores interagem diretamente com cidadãos
no curso de suas tarefas e que têm substancial discrição na execução do trabalho (LIMA;
D’ASCENZI, 2013). As decisões que tais funcionários tomam, as rotinas que estabelecem e
os dispositivos que criam para lidar com as pressões e incertezas do trabalho efetivamente
tornam-se as políticas públicas que implementam (LIPSKY, 1980). O papel de fazer políticas
públicas desses agentes é construído sob dois aspectos: o alto grau de discrição e a relativa
autonomia em relação à autoridade organizacional, sendo que são as condições de trabalho é
que determinam a atuação desse tipo de burocracia (LIMA; D’ASCENZI, 2013)
Para o autor, esses burocratas se deparam com a necessidade de tomar decisões
em condições de incerteza sobre alocações de recursos e, para lidar com tais incertezas do
trabalho, desenvolveram três respostas: criam padrões de práticas que tendem a limitar a
demanda, maximizar a utilização de recursos disponíveis e obter a conformidade dos clientes,
criando soluções para os constrangimentos que encontram; modificam o conceito de seu
trabalho, restringem seu objetivo e reduzem a distância entre recursos disponíveis e objetivos
atingidos e; transformam o conceito de matéria-prima (seus clientes) para tornar mais
aceitável tal distância entre realizações e objetivos (LIPSKY, 1980). Quando as políticas
públicas consistem em muitas low-level decisions, os agentes street-level acabam por
determinar sua implementação (LIPSKY, 1980).
Sabatier (1986 apud MOTA, 2010) critica a abordagem bottom-up, argumentando
que o poder dos burocratas de nível de rua tem um poder circunscrito pelos parcos recursos de
86
que dispõem e por normas e obrigações profissionais, que levam à possibilidade de serem
sancionados pelo não cumprimento das mesmas. Matland (1995 apud LIMA; D’ASCENZI,
2013) chama a atenção para o fato de que nas democracias, o controle sobre as políticas deve
ser dos representantes eleitos, sendo que o poder dos implementadores não deriva dessa base.
Não obstante, ainda que a discricionariedade seja importante para o desenvolvimento das
atividades, por outro, seu exercício permite modificar a política pública à revelia das
concepções de seus formuladores e dos grupos de interesse a ela relacionados, contribuindo
com a imprevisibilidade da implementação.
Lima e D’Ascenzi (2013, p. 105) fazem a seguinte síntese sobre as duas
abordagens:
“Os modelos apresentados diferenciam-se quanto ao foco de análise. O primeiro
centra-se nas características da estrutura normativa, o segundo, nos atores
implementadores e em suas ações. Em comum, as abordagens enfatizam as
condições e limitações materiais, vistas como determinantes da trajetória do
processo de implementação. Tal ênfase deixa espaço à inserção de variáveis ligadas
às idéias, aos valores e às concepções de mundo dos atores.”
Insatisfeitos com o suposto antagonismo e a estéril disputa entre as abordagens
acima, foram elaboradas algumas propostas de perspectivas de síntese e contingentes
(O’TOOLE, 2004 apud MOTA, 2010), são as chamadas teorias híbridas (HILL; HUPE, 2002)
ou de 3ª geração (GOGGIN et al., 1990 apud MOTA, 2010).
Considerados os pais da 3ª geração, Goggin, Bowman, Lester e O’Toole (1990
apud MOTA, 2010), desenvolveram uma teoria que também se preocupa com a importância
que diversos atores e diversos níveis têm para o estudo da implementação, como as anteriores.
Mas, segundo eles, o fluxo de informação e comunicação entre os diversos níveis (quer
descendente, quer ascendente) é de extrema importância, daí o papel central que os middle-
range ocupam na implementação (HILL; HUPE, 2002).
Entretanto, Birkland (2001) chama a atenção para o fato de que a utilização de
determinada abordagem depende muito da política pública em questão. Nesse sentido, Elmore
(1980 apud MOTA, 2010) baseia as suas metodologias de “forward mapping” e de
“backward mapping”. A primeira inicia o seu estudo nas decisões de topo, analisando como a
estrutura operacional utiliza os instrumentos e recursos disponíveis, ao passo que a segunda,
foca nos atores envolvidos na disponibilização da política e os grupos-alvo, continuando a
análise em sentido ascendente, com a identificação das redes que de formaram para lidar com
determinado problema, bem como as estratégias utilizadas (PÜLZL; TREIB in FISCHER et
al., 2007). Embora Elmore tenha exposto seu trabalho antes da formalização da 3ª geração,
87
sua preocupação em conjugar ambas as perspectivas anteriores pode fazer dele um dos
primeiros sintetizadores, considerando que diferentes assuntos e circunstâncias demandam
diferentes abordagens de referência (MOTA, 2010). A partir dessa análise, diversas correntes
surgiram, afirmando que a implementação é um misto de ações do poder central e dos atores
locais (PÜLZL; TREIB in FISCHER et al., 2007).
Também vale destacar a contribuição de Scharpf (1978 apud MOTA, 2010), ao
dar importância ao conceito de redes, surgido nos anos 1980 (HILL; HUPE, 2002),
asseverando a relevância das relações de colaboração e de coordenação (PÜLZL; TREIB in
FISCHER et al., 2007), de forma a facilitar o estilo consultivo da governança, reduzir o
conflito e atribuir previsibilidade ao processo de implementação (HILL; HUPE, 2002). Outro
que merece destaque é Jan-Erik Lane (1987 apud MOTA, 2010), que alega que a
implementação resulta da combinação de duas preocupações: responsabilidade em relação ao
cumprimento de objetivos de forma que atinjam resultados (top-down); e confiança que terá
que ser atribuída aos operacionais na decisão sobre a melhor forma de alcançar os objetivos
(bottom-up) (HILL; HUPE, 2002).
Lima e D’Ascenzi (2013) também propõem um modelo que conjuga um pouco
das duas escolas tradicionais e acrescenta. Segundos os autores, ambos os modelos
privilegiam as condições materiais do processo de implementação e não tomam como variável
relevante os aspectos culturais que são mediadores, às vezes necessários, ao entendimento da
trajetória da política e do resultado alcançado. O modelo proposto parte dos incentivos e
constrangimentos materiais à ação dos atores, mas enfatiza os elementos cognitivos e
ideológicos que explicam essa ação. Assim, é dada uma grande relevância à forma como os
atores absorvem à ideia inerente à política pública em relação ao objetivo que se almeja.
Portanto, os autores acreditam que a trajetória e conformação do processo de implementação
são influenciadas pelas características e o conteúdo do plano, pelas estruturas e dinâmicas dos
espaços organizacionais e pelas idéias valores e as concepções de mundo dos atores
implementadores.
Feitas as considerações sobre os principais aspectos teóricos e metodológicos
concernentes à análise de implementação, questiona-se, qual das abordagens será utilizada no
presente trabalho? A presente pesquisa busca avaliar a implementação do processo de
transferência de tecnologia de programas militares que foram iniciados sob as diretrizes da
PND e da END. Ou seja, os objetivos gerais das políticas públicas de Defesa são dados e a
responsabilidade da implementação dos programas cabe aos militares, estes, subsumidos a
uma estrutura normativa peculiarmente rígida, dado que o ethos militar é profundamente
88
baseado na hierarquia e na disciplina, o que dá pouco espaço a atuação autônoma dos atores
locais ou de base. Numa perspectiva top-down, tais informações já seriam suficientes para
analisar a implementação dos referidos programas militares. Contudo, como desenvolvido no
capítulo anterior, a transferência de tecnologia que de fato é efetiva e verdadeira, pouco reside
em meios materiais ou tangíveis, mas se dá principalmente através da absorção de
conhecimentos (know-why) por meio de recursos humanos, armazenadas em cérebros
(LONGO, 2007a).
Dessa forma, não há como qualificar a transferência de tecnologia dos programas
militares em comento apenas analisando os níveis de topo, há que se pesquisar os níveis de
base que estiveram pessoalmente envolvidos na implementação da transferência de
tecnologia, ou seja, os atores do nível básico que estiveram diretamente relacionados à
absorção dos conhecimentos transferidos. No capítulo seguinte serão detalhadas as estruturas
de implementação dos programas avaliados. Ou seja, os agentes implementadores de base são
determinantes para se avaliar o sucesso ou não da tecnologia, o que se aproxima da
abordagem bottom-up. Noutro passo, considerando mais uma vez que o meio militar é pouco
dado à autonomia e discricionariedade dos atores de base, até porque os programas estão
sujeitos a contratos administrativos internacionais elaborados pelos níveis de topo, não se
pode conceber que implementadores locais possam substancialmente influenciar na forma
com que a transferência de tecnologia será feita na prática cotidiana. Vale repetir, todos os
detalhes dos trâmites estão previstos nos contratos, que são formulados pelos níveis de topo.
Nesse diapasão, não se pode pender para qualquer dos extremos das abordagens
top-down ou bottom-up, mas há de se encontrar um ponto de equilíbrio que permita uma visão
adequada da implementação dos programas militares analisados. Assim, considerando que o
objetivo é fixado pelos níveis de topo e a estrutura é rígida e de pouco espaço para autonomia
dos implementadores de base, a análise da implementação deverá se aproximar da abordagem
top-down no que concerne à imperatividade do objetivo da política pública e da forma de
implementação, que são dados pela PND, END e contratos. Contudo, a avaliação qualitativa
dos programas em relação à transferência de tecnologia deverá se aproximar da abordagem
bottom-up, considerando os níveis de base como determinantes do sucesso ou não da política
pública, pois estes, e só estes, quem qualificam a implementação mediante os conhecimentos
recebidos ou não dos cedentes de tecnologia, tendo em vista que só eles podem afirmar com
segurança o que aprenderam ou não.
89
3.1.4 – Avaliação de políticas públicas
Nesse item, será abordada a última fase do policy cicle, como dito acima: a
avaliação de políticas públicas. Avaliar significa determinar a valia de algo, atribuir um valor
(FERREIRA, 1999 apud TREVISAN; VAN BELLEN, 2008), tanto em português, quanto
outras línguas como o espanhol e o inglês (MOKATE, 2002; GARCIA, 2001). Embora
tenhamos dito que a etapa de avaliação é a última do ciclo de políticas públicas, cabe reiterar
o propósito didático e heurístico daquela divisão, pois, na realidade, a avaliação expressa um
potente instrumento que pode – e deve – ser integrado a todo ciclo de sua gestão, subsidiando
desde a identificação do problema, o levantamento de alternativas, a formulação, a
implementação, os ajustes e as decisões sobre sua manutenção, aperfeiçoamento, mudança de
rumo ou interrupção (RUA; ROMANINI, 2013). A avaliação, portanto, não está circunscrita
somente ao momento posterior e final à implementação de uma política pública (RUA;
ROMANINI, 2013).
Sendo assim, a avaliação tem o propósito de guiar os tomadores de decisão,
orientando-os quanto à continuidade, necessidade de correções ou mesmo suspensão de uma
determinada política ou programa (COSTA; CASTANHAR, 2003). Mas além de aprimorar o
processo de tomada de decisão, a avaliação permite aos formuladores e gestores de políticas
públicas desenharem políticas mais consistentes, com melhores resultados e melhor utilização
dos recursos, bem como promove a responsabilização por decisões e ações (accountability)
dos governos perante o parlamento, agências reguladoras e fiscalizadoras e os cidadãos
(RAMOS; SCHABBACH, 2012). Nesse sentido, é indispensável que a avaliação cause
consequências no modus operandi da política pública em questão, de forma que os
avaliadores sejam capazes de formular recomendações de alta qualidade e de elaborar planos
de ação com o intuito de aperfeiçoar as políticas, os programas, e os projetos (RUA;
ROMANINI, 2013).
Não existe uma única definição de avaliação. Ala-Harja e Helgason (2000 apud
TREVISAN; VAN BELLEN, 2008) afirmam que o termo compreende a avaliação dos
resultados de um programa em relação aos objetivos propostos. Garcia (2001) define
avaliação como a operação na qual é julgado o valor de uma iniciativa organizacional, a partir
de um quadro referencial ou padrão comparativo previamente definido, ou, ainda, a operação
de constatar a presença ou a quantidade de um valor desejado nos resultados de uma ação
empreendida para obtê-lo, tendo como base um quadro referencial ou critérios de
90
aceitabilidade pretendidos. O Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da OCDE assinala
que o propósito da avaliação é determinar a pertinência e alcance dos objetivos, a eficiência,
efetividade, impacto e sustentabilidade do desenvolvimento (TREVISAN; VAN BELLEN,
2008). Fator relevante para todas as definições acima é a relação da avaliação com a
verificação do atingimento de objetivos, o que é criticado por Mokate (2002), que afirma que
tais definições falham em resgatar o conceito de “valor” ou de “mérito”, supondo que o plano
e os objetivos correspondentes já têm um valor reconhecido e aceito em si.
Rua e Romanini (2013) definem a etapa como a avaliação formal de políticas,
programas ou projetos17
, como o exame sistemático de quaisquer intervenções planejadas na
realidade, baseado em critérios explícitos e mediante procedimentos reconhecidos de coleta e
análise de informação sobre seu conteúdo, sua estrutura, seu processo, seus produtos, sua
qualidade, efeitos e/ou seus impactos. As autoras chamam a atenção para duas dimensões
nessa definição. A primeira é uma dimensão técnica que se refere à coleta e análise, segundo
procedimentos reconhecidos, de informações. A segunda é uma dimensão valorativa,
consistindo no exame das informações obtidas, à luz de critérios específicos, com a finalidade
de extrair conclusões acerca do valor da política pública. Esse julgamento não visa classificar
a política como “boa”, “má”, “sucesso” ou “fracasso”, mas consiste num processo de apoio ao
aprendizado contínuo, em busca de melhores decisões e de uma gestão mais madura.
Nesse diapasão, considerando as referidas dimensões acima, Costa e Castanhar
(2003) apresentam uma definição ainda mais sintética, com clara exposição de conceitos, de
avaliação, que se trata do exame sistemático e objetivo de um projeto ou programa, finalizado
ou em curso, que contemple seu desempenho, implementação e resultados, tendo em vista a
determinação de sua eficiência, efetividade, impacto, sustentabilidade e relevância de seus
objetivos.
Os estudos sobre avaliação de políticas públicas se apresentam, historicamente,
divididos em fases. Derlien (2001) classificou o histórico da avaliação em fases evolutivas, de
acordo com as três funções básicas atribuídas a ela: informação, realocação e legitimação.
Nos anos 1960, a avaliação de políticas públicas dava ênfase preponderante sobre na função
de informação, politicamente focada na melhoria dos programas, de forma que os gestores a
utilizavam como mecanismo de feedback. Nos anos 1980, a função predominante foi a
(re)alocação, durante a segunda etapa de institucionalização, destinando-se a promover uma
alocação racional de recursos no processo orçamentário (DERLIEN, 2001).
17 “Uma política é executada por meio de programas e projetos; cada uma dessas instâncias pode ser considerada como uma
unidade específica, em seu âmbito, para fins de avaliação” (RUA; ROMANINI, 2013, Unidade X, p. 7)
91
Durante a década de 1990, a tônica política passava a ser a função de legitimação
(DERLIEN, 2001). Nessa década, verificou-se um abrangente movimento de reforma de
Estado e de seu aparelho administrativo nos países desenvolvidos, que rapidamente proliferou
para os demais, ficando conhecido como Nova Gestão Pública, ou New Public Management
(RAMOS; SCHABBACH, 2012). O novo paradigma, em termos gerais, visava uma
redefinição do papel do Estado e a implantação de mecanismos de gestão oriundos da
iniciativa privada na administração pública (RAMOS; SCHABBACH, 2012). Nesse âmbito
de profundas transformações, a prioridade deixou de residir nos processos e passou a enfatizar
os resultados, tendo a avaliação assumido a condição de instrumento estratégico para toda a
gestão pública, possibilitando constatar se os objetivos eram atingidos e viabilizando a
prestação de contas do Estado à sociedade (RUA; ROMANINI, 2013).
Tendo visto o conceito e o breve histórico da avaliação de políticas públicas,
passaremos a expor os conceitos específicos subsumidos a tal categoria. Entretanto,
primeiramente cabe fazer uma distinção entre avaliação, monitoramento e acompanhamento.
O monitoramento se diferencia da avaliação em vários aspectos, sendo o mais importante que,
ao passo que a avaliação é o exame discreto e profundo de processos, produtos, qualidade,
efeitos e impactos das ações realizadas, o monitoramento é o exame contínuo de insumos,
atividades, processos, produtos, efeitos e impactos das ações, com a finalidade de otimizar a
sua gestão. Em outras palavras, o monitoramento é uma função inerente à gestão dos
programas, devendo ser capaz de prover informações sobre os mesmos para seus gestores
(RUA; ROMANINI, 2013). O monitoramento é uma atividade gerencial interna, que permite
o exame da implementação, como está sendo realizada, se está atingindo os objetivos, quais
os problemas interferindo, etc. Por sua vez, a avaliação pode ser realizada antes, durante a
implementação ou mesmo algum tempo depois (RAMOS; SCHABBACH, 2012). Embora em
ambos os instrumentos a provisão de informações seja característica, inclusive, utilizando a
avaliação as informações do monitoramento, a avaliação vai além, pois verifica se o plano
originalmente traçado está, de fato, produzindo as transformações pretendidas (RAMOS;
SCHABBACH, 2012), ou ainda, pode utilizar a metodologia “Avaliação Independente de
Objetivos” (RUA; ROMANINI, 2013). Verifica-se, portanto, que a avaliação é uma atividade
mais profunda, que julga técnica e valorativamente as políticas públicas, ao passo que o
monitoramento recolhe informações continuamente para verificar o andamento e
conformidade das ações com o plano, visando subsidiar a gestão.
Embora Ramos e Schabbach (2012) considerem monitoramento e
acompanhamento sinônimos, Rua e Romanini (2013) afirmam que o acompanhamento
92
corresponde às atividades de registro e de documentação do processo de implementação da
política pública, com a finalidade de assegurar o cumprimento do plano de atividades ou de
ação, mas sem questionar a sua pertinência frente ao problema a ser solucionado.
Dentro dos estudos de avaliação, existem diversos outros conceitos e
terminologias que são utilizados no desempenhar da atividade avaliativa e que merecem
destaque na presente pesquisa. Rua e Romanini (2013), ao dissertar sobre tais conceitos,
elaboraram o seguinte quadro sinótico, que será utilizado como base para este trabalho:
Quadro 4 - Síntese dos Principais Conceitos
Público-alvo É o conjunto de pessoas ao qual se destina uma intervenção. Também pode ser
designado como população-objetivo, população-meta ou grupo focal.
Insumo
(Input)
São os diversos recursos alocados a uma intervenção, a fim de realizar as metas e
objetivos pretendidos: dinheiro, instalações físicas, equipamentos, pessoas,
conhecimento, tecnologia, etc.
Produto
(Output)
Expressa uma saída (bens ou serviços) de um sistema que processou inputs ou insumos.
Os produtos podem ser preliminares, intermediários ou finais.
Meta
São produtos expressos quantitativamente, contendo, no mínimo, informação sobre que
quantidade de qual produto a ser produzida em que prazo. As metas podem ser, elas
próprias, objetivos específicos. Porém, mais corretamente, seriam desdobramentos ou
partes dos objetivos específicos.
Objetivo
Objetivo é a descrição clara e precisa de uma situação-problema resolvida.
Objetivo superior corresponde aos impactos pretendidos (outcomes), que deverão ser
atingidos mediante a consecução dos objetivos de projeto (ou gerais).
Objetivo geral corresponde aos efeitos pretendidos (outcomes), que deverão ser
alcançados mediante a consecução dos objetivos específicos.
Objetivos específicos correspondem aos produtos (outputs).
Efeito
(Outcome)
É a mudança (positiva ou negativa) provocada por uma intervenção na realidade. Os
efeitos guardam relação direta com os produtos finais de uma intervenção.
Impacto
(Outcome)
É a mudança positiva ou negativa, prevista ou imprevista, decorrente dos efeitos de uma
intervenção. Usualmente os impactos são observados no médio ou longo prazo e não se
limitam à órbita restrita da intervenção, podendo atingir outras esferas. Ex. Aumento da
escolaridade materna, que leva à redução da mortalidade infantil.
Pressuposto São condições essenciais à consecução dos objetivos e metas de uma intervenção que
tem como característica o fato de não se encontrarem sob o controle do projeto ou dos
seus gestores.
Fonte: Adaptado de RUA; ROMANINI, 2013, Unidade X, p. 12.
Desde a década de 1960, com os estudos pioneiros de avaliação de políticas
públicas, até o boom da década de 1990, ocorreram significativos avanços na área de
avaliação. Além do refino dos conceitos, surgiram diversas formas de classificar uma
avaliação. As várias tipologias permitem discriminar e agrupar as avaliações conforme
diversos aspectos.
Segundo as classificações propostas por Rua e Romanini (2013) e Ramos e
Schabbach (2012), é válido tentar enquadrar a presente pesquisa em suas categorias.
Primeiramente, considerando que os Programas PROSUB, Guarani e H-XBR já foram
93
iniciados e estão em fase de implementação, ainda não concluídos, a pesquisa fará uma
avaliação intermediária, ou de meio-termo. Será feita uma avaliação externa, dado que se trata
se trabalho apresentado à instituição que não faz parte do agentes participantes da
implementação. Considerando os objetivos traçados na PND e na END, essa dissertação fará
uma avaliação centrada em objetivos dos referidos programas militares. A presente pesquisa
não se enquadra nas categorias de especialistas, adversários ou participantes, vez que, como já
dito, se trata de avaliação externa. A função da avaliação é em parte formativa, pois visa
coletar e prover de informações durante o processo de implementação, a fim de proporcionar
julgamento sobre os rumos do programa, e parte de conformidade, pois tem o objetivo de
verificar se a implementação está de acordo com as normas formais que tutelam o processo,
tais como PND, END e contratos de transferência de tecnologia. Por fim, trata-se de avaliação
de processo, tendo em vista que busca analisar a adequação entre meios e fins e o modelo de
causalidade dos mencionados programas, com o objetivo de permitir eventual ajuste ou
correção.
3.2. ELEMENTOS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Nesta seção, o trabalho abordará os critérios, indicadores e padrões que qualificam
essa avaliação; e os modelos lógicos e analíticos de avaliação que servem de base para
compreender a estrutura, as etapas e os objetivos dos programas avaliados.
3.2.1 – Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa
Costa e Castanhar (2003), afirmam que, se a avaliação é uma forma de mensurar o
desempenho, é necessário definir medidas para a aferição do resultado obtido. Elas são
denominadas de critérios de avaliação, sendo que a partir desse ponto, não existe mais
consenso sobre aspectos conceituais e metodológicos. Alguns dos critérios mais comuns,
segundo os autores, são:
“- eficiência – termo originado nas ciências sociais econômicas que significa a menor
relação custo/benefício possível para o alcance dos objetivos estabelecidos no
programa;
94
- eficácia – medida do grau em que o programa atinge os seus objetivos e metas;
- impacto (ou efetividade) – indica se o projeto tem efeitos (positivos) no ambiente
externo em que interveio, em termos técnicos, econômicos, socioculturais,
institucionais e ambientais;
- sustentabilidade – mede a capacidade de continuidade dos efeitos benéficos
alcançados através do programa social, após seu término;
- análise custo-efetividade – similar à ideia de custo de oportunidade e ao conceito de
pertinência; é feita a comparação de formas alternativas da ação social para a
obtenção de determinados impactos, para ser selecionada aquela atividade/projeto
que atenda os objetivos com o menor custo;
- satisfação do beneficiário – avalia a atitude do usuário em relação à qualidade do
atendimento que está obtendo do programa;
- equidade – procura avaliar o grau em que os benefícios de um programa estão sendo
distribuídos de maneira justa e compatível com as necessidades do usuário.”
(COSTA; CASTANHAR, p. 973)
Ademais, Barry Bozeman (2000) elabora um modelo de medição de efetividade
da transferência de tecnologia de acordo com várias teorias presentes na literatura. O modelo,
que é chamado de Contigent Effectiveness Model pode ser apresentado conforme a figura:
Figura 5 - Contigent Effectiveness Model
Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 636
Cada dimensão da transferência de tecnologia no modelo acima é destrinchada
pelo autor e podem ser sintetizadas conforme as seguintes tabelas:
95
Quadro 5 - Dimensões do Contigent Effectiveness Model
Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 637
Além disso, a efetividade da transferência de tecnologia, dependendo de cada
espécie de teoria a ser utilizada, pode ser medida por vários critérios, conforme o autor
sintetiza:
Quadro 6 - Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (1)
Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 638
96
Quadro 7 - Critérios de efetividade da transferência de tecnologia (2)
Fonte: BOZEMAN, 2000, p. 645
Contudo, a aplicação desses critérios requer formas específicas de
operacionalização, já que devem ser calculadas a partir da identificação e quantificação dos
resultados obtidos, sendo tal categoria de medidas denominada de indicadores, que podem
variar dependendo da área e do propósito da avaliação (COSTA; CASTANHAR, 2003). Um
indicador deve ser compreendido como um parâmetro, ou valor derivado de parâmetros que
forneçam informações sobre o estado de um fenômeno, com uma extensão significativa (VAN
BELLEN, 2005 apud TREVISAN; VAN BELLEN, 2008). O propósito dos indicadores é:
mensurar os resultados e gerir o desempenho; atestar (ou não) o alcance de objetivos; embasar
a análise crítica dos resultados e do processo de tomada de decisão; contribuir para a melhoria
contínua de planos, programas, processos e projetos; facilitar o planejamento e o controle do
desempenho; viabilizar a análise comparativa do desempenho em áreas ou ambientes
semelhantes (PINHO, 2011 apud RUA; ROMANINI, 2013).
Tendo em vista os critérios e indicadores que serão utilizados, resta fazer as
comparações com o referencial (GARCIA, 2001). Segundo Costa e Castanhar (2003), os
padrões de referência podem ser classificados como: absolutos (as metas estabelecidas são
consideradas como o padrão a ser alcançado); históricos (comparação dos resultados ao longo
do tempo); normativos (comparação do desempenho com programas similares ou
semelhantes); teóricos (estabelecidos na própria elaboração do programa, sob a hipótese de
obtenção dos resultados planejados); negociados ou de compromisso (baseiam-se em algum
97
procedimento específico para sua fixação, normalmente decorrente de consensos entre as
partes envolvidas na gestão e os formuladores).
Superadas as fases de definição dos componentes da avaliação, do
estabelecimento de critérios, indicadores e padrões de referência, inicia-se a fase de definição
ou concepção da pesquisa avaliativa, que é a etapa destinada a coletar dados e informações
para responder as perguntas de avaliação, alimentar indicadores e aplicar critérios. Os dados
são coletados por meio de fontes, que são as pessoas, as instituições, os documentos ou os
repositórios que oferecem os dados ao pesquisador, podendo ser primárias ou secundárias. As
fontes primárias referem-se aos dados coletados diretamente pelos avaliadores com o intuito
específico de alimentar os indicadores ou de obter informação para a avaliação, ao passo que
as fontes secundárias representam os dados coletados por outras pessoas ou instituições para
outras finalidades (RUA; ROMANINI, 2013).
As pesquisas podem ser quantitativas ou qualitativas. A lógica da pesquisa
quantitativa, por amostragem ou por censo, implica a análise de magnitudes, para tanto,
devendo a complexidade dos fenômenos ser reduzida a padrões uniformizados. Por isso se
utilizam recursos que padronizam as perguntas e respostas possíveis, por exemplo,
questionários com perguntas fechadas (alternativas pré-determinadas). A lógica da pesquisa
qualitativa é outra, pois se buscam regularidades dentro de contextos que admitem as
manifestações das diferenças entre os informantes, sendo o interesse em aprofundar as
informações, não estimar a magnitude dos eventos. Assim, se aplicam as entrevistas em
profundidades, podendo ser não-estruturadas (sem perguntas previamente formuladas, tendo
apenas a indicação de um tema a ser explorado), semi-estruturadas (reunindo perguntas
amplas, que podem dar origem a questões outras no momento da entrevista) ou estruturadas
(com todas as perguntas elaboradas com antecedência; não se indagando nada além do que
está registrado no roteiro de entrevista) (RUA; ROMANINI, 2013).
3.2.2 – Modelos lógicos e analíticos de avaliação
O processo de avaliação será facilitado e mais útil se baseado em um
planejamento consistente capaz de estabelecer relações causais, estas que permitem esperar
que a intervenção produza um determinado efeito, como objetivado por determinado
programa. Nesse sentido, uma maneira de permitir que a avaliação de programas públicos
98
possa contribuir para testar a própria consistência do planejamento é através da definição
prévia da matriz lógica do programa (COSTA; CASTANHAR, 2003).
Sendo assim, o desenho de um programa público pode ser sintetizado em uma
sequência de definições correspondentes a graus sucessivos de agregação de objetivos
(TREVISAN; VAN BELLEN, 2008). Da diversa variedade de modelos que podem ser
empregados para se compreender o desenho de uma política pública e proporcionar sua
análise e avaliação, o modelo de avaliação desenvolvido por Evert Vedung (1997) será fulcral
no âmbito dessa pesquisa.
Como dito anteriormente, a avaliação se inicia pela definição dos seus usuários,
ou stakeholders. Nesse sentido, o modelo de avaliação de atores interessados, também
desenvolvido por Vedung (1997), será empregado, tanto para os interessados na avaliação,
quanto para os interessados no programa, como se segue:
Figura 6 – Modelo de avaliação de atores interessados (stakeholders)
Fonte: VEDUNG, 1997.
Considerando que o método autor se aplica a políticas públicas cujas decisões já
foram tomadas e são tidas como dadas, seu modelo avalia a implementação e os objetivos
alcançados e por alcançar. O autor não disserta em profundidade sobre os meandros do
processo decisório, mas se debruça sobre o que chama de “teoria da intervenção”, que são, em
síntese, os motivos, os pressupostos, as causas e hipóteses que levaram à intervenção por
parte do poder público, bem como, os objetivos que o governo pretende ao realizar aquela
intervenção (VEDUNG, 1997). A teoria da intervenção pode ser representada segundo esse
exemplo:
99
Figura 7 - Teoria da intervenção
Fonte: VEDUNG, 1997, p. 225.
O modelo acima representa a ação do programa empreendido pela política
pública, como decidido pelos policymakers, sobre os fatores determinantes de uma condição
problemática que se visa modificar. Cumpre chamar atenção para os fatos de que as setas
representam a influência do programa sobre a situação-problema, não um desencadeamento
do mesmo. Um leitor desavisado pode cair no engano de achar que os tópicos ao final são
desdobramentos do programa. Mas não, segundo o modelo de Vedung (1997, p. 225) é a
influência de um programa, estabelecido pelo governo (de cima para baixo) sobre uma
situação que se busca transformar.
Verifica-se, portanto, que os objetivos da política pública, bem como a decisão de
implementá-la são dados, que fornecerão os parâmetros para a avaliação da implementação e
constatação do êxito nos objetivos. Insta colacionar os modelos analíticos de Vedung:
Figura 8 – Modelo de sistema simplificado
Fonte: VEDUNG, 1997.
100
O modelo acima transcrito representa o sistema simplificado de avaliação, no qual
se entende por input os recursos empreendidos na realização da política pública segundo a
teoria que motivou a intervenção. A política é implementada na fase conversion, ou seja, na
conversão das entradas obtidas no resultado almejado, ou output, que por sua vez, produz seus
efeitos na sociedade, os outcomes, estes que se verificam em curto, médio e longo prazo.
Outro modelo analítico apresentado por Vedung (1997) é o modelo de consecução
de objetivos, como se segue:
Figura 9 – Modelo de consecução de objetivos
Fonte: VEDUNG, 1997.
Este modelo representa a relação entre a intervenção e sua finalidade, o objetivo
pelo qual a ação governamental foi desempenhada. Através da análise da teoria da
intervenção, a prospecção do resultado final evidenciará se a implementação da política
pública, considerando os fatores externos intervenientes, foi capaz de alcançar o desejado pelo
poder público.
Os modelos acima mencionados representam o desenho da política pública, no
sentido em que esta foi concebida em relação às suas etapas e objetivos, permitindo uma
compreensão analítica da intervenção que auxilia na atividade avaliativa. Porém, como
ensinado por Costa e Castanhar (2003), há a necessidade de elaboração de critérios e
indicadores, para comparação com os padrões de referência dados. Assim, os autores
propuseram outro modelo lógico que complementa os anteriores, relacionando objetivos do
projeto (explícitos ou implícitos) a variáveis operacionais e a indicadores (formas de
mensuração) que permitem mensurar o grau em que os objetivos gerais e específicos do
projeto vão sendo atingidos (COSTA; CASTANHAR, 2003), como se segue:
101
Quadro 8 – Exemplo de modelo lógico
Exemplo de modelo lógico aplicado a projetos de agricultura irrigada
Objetivo Variável Indicador Informação
necessária
Método de coleta
de dados Aumentar a
produção
agrícola dos
beneficiários do
projeto
- Volume da
produção agrícola
- Valor da
produção agrícola
- Quantidade
produzida por cultura
- Faturamento com a
produção (por cultura)
- Dados sobre
produção
- Dados sobre
receita
financeira
- Pesquisa secundária
(anuários de
produção)
- Pesquisa de campo
Fonte: adaptado de COSTA; CASTANHAR, 2003, p. 978.
A utilização desse modelo lógico em complemento aos anteriores permitirá
enxergar as etapas e os objetivos da intervenção como padrões de referência, assim como os
indicadores que servirão para mensurar a adequação dos meios aos fins, ou seja, o correto
seguimento do processo de implementação em relação ao fim que se destina, possibilitando
responder aos critérios estabelecidos, em especial, em relação à eficácia e efetividade da
política pública.
Tendo sido estudados os modelos lógicos e analíticos que serão utilizados na
abordagem metodológica da presente pesquisa, faz-se necessários aplicar tudo o que foi
desenvolvido até agora de arcabouço metodológico à avaliação específica que este trabalho
pretende fazer. Portanto, a próxima seção será dedicada a expor a metodologia específica
dessa dissertação, que será utilizada para avaliar os programas PROSUB, Guarani e H-XBR.
3.3. A METODOLOGIA ESPECÍFICA DA PESQUISA
Após o desenvolvimento dos elementos de uma avaliação de políticas públicas,
faz-se mister fazer a aplicação de todo o arcabouço metodológico na pesquisa que se pretende
desenvolver nessa dissertação. Para tanto, esta seção se dedicará a expor como se transcorrerá
a metodologia específica do presente trabalho para avaliar os programas propostos.
102
3.3.1 – Critérios, indicadores, padrões de referência e pesquisa avaliativa
A pergunta avaliativa que pautará a pesquisa será: quais os fatores que
influenciaram a efetividade dos processos de transferência de tecnologia durante a execução
dos programas militares avaliados, de forma a estarem conforme as diretrizes da PND e da
END?
A fim de responder tal questionamento, os critérios utilizados serão eficácia e
efetividade. Considerando a eficácia como o atingimento de objetivos, tal critério levará em
conta os processos de transferência de tecnologia em relação aos objetivos traçados na PND e
na END. Não obstante, como visto no capítulo sobre CT&I, a efetiva transferência de
tecnologia ocorre quando há absorção do conhecimento e difusão do mesmo para outros
empreendimentos, dessa forma, o critério que aborda os efeitos transformadores nos
destinatários é a efetividade, portanto, não há como ser desconsiderado também esse critério
para responder a pergunta avaliativa. Em outras palavras, os programas serão considerados
eficazes se obtiverem efetividade nos seus respectivos processos de transferência de
tecnologia.
Sendo assim, qual indicador usar para medir a efetividade do processo de
transferência de tecnologia? Para obter uma resposta é que no início dessa dissertação foi
desenvolvido um capítulo a aprofundar os conceitos de CT&I, em especial, de transferência
de tecnologia, know why e know how. Nesse sentido, foi constatado que uma verdadeira
transferência de tecnologia é aquela que transfere o know why, além do know how,
contribuindo para o aumento efetivo da capacitação industrial do receptor. Ademais, a
absorção de tecnologia é aperfeiçoada quando ocorre a difusão dos conhecimentos obtidos
para outros empreendimentos, contribuindo para a independência tecnológica no setor.
Destarte, pode-se observar pelo menos três indicadores que serão usados para responder aos
critérios acima: transferência de know why; possibilidade de difusão; possibilidade de alcançar
independência no setor.
Utilizando o que foi desenvolvido acima sobre a obra de Barry Bozeman (2000), a
presente pesquisa não utilizará todos os critérios por ele desenvolvidos, tendo em vista que
eles variam conforme o tipo de pesquisa e literatura adotada e que as limitações de tempo e de
acesso a informações não permitem o uso exaustivo de seu modelo no presente caso. Pela
teoria desenvolvida no capítulo anterior, o principal objetivo deste trabalho é avaliar se nos
programas estudados houve transferência de tecnologia para o capital humano envolvido
103
(transferência de know-why) e se essa transferência teve o condão de contribuir para o
aumento da capacitação tecnológica e industrial do país, contribuindo para sua independência
tecnológica nos setores. Sendo assim, dos critérios desenvolvidos por Bozeman (2000), dois
serão utilizados: economic development; e scientific technical human capital. Tendo eles
como base, inclusive, sendo consonantes com a pergunta avaliativa acima, servirão para
desenvolver os indicadores e métodos de coleta de informações da pesquisa, como será
explicado a seguir.
Segundo Rua e Romanini (2013), os indicadores podem ser objetivos e subjetivos.
Os objetivos se referem a eventos concretos da realidade social, são indicadores em geral
quantitativos, construídos a partir de estatísticas públicas ou registros administrativos, ao
passo que os subjetivos são indicadores qualitativos utilizados para captar percepções,
sensações ou opiniões, utilizam técnicas do tipo pesquisas de opinião, grupos focais ou grupos
de discussão. Considerando que a tecnologia, em especial o know why, como dito
anteriormente, representa um ativo intangível que geralmente é armazenado em capital
humano, em cérebros, não há como obter um indicador objetivo para medir quantitativamente
a tecnologia recebida, por esse motivo, a medição precisa ser qualitativa, com a utilização de
indicadores subjetivos e suas respectivas técnicas de pesquisa. Portanto, os indicadores serão
baseados na percepção, opinião e sensação dos implementadores dos referidos programas, em
especial, aqueles que estiveram diretamente envolvidos no processo de transferência de
tecnologia como recipiendários.
Os três indicadores acima servirão de base para responder ao critério de
efetividade da transferência de tecnologia, sendo que a verificação da efetividade responderá
ao critério da eficácia. Por fim, cabe corresponder cada critério a um padrão de referência.
Tendo em vista que a eficácia está relacionada ao atingimento de objetivos, o padrão de
referência que será adotado será absoluto, qual seja, as diretrizes para programas militares e
indústria de defesa previstas na PND e na END. Quanto ao critério da efetividade, levando em
conta seu atributo de produzir efeitos e impactos transformadores na sociedade, o padrão de
referência adequado é teórico, que por sua vez está ligado às razões e formulações que
embasaram a intervenção, prevendo a hipótese de atingimento das metas. Ou seja, levar-se-á
como padrão de referência teórico para caracterizar a efetividade a teoria da intervenção de
cada programa em relação à transferência de tecnologia, bem como os elementos teóricos de
CT&I também relacionados que permitem conceituar e qualificar essa transação. A teoria de
CT&I será usada para estabelecer o referencial de transferência de tecnologia efetiva e a
teoria da intervenção estabelecerá o referencial de efetividade para o respectivo programa.
104
Dessa forma, o primeiro grupo de componentes da avaliação, relativos à
concepção da mesma, pode ser exposto conforme o quadro abaixo:
Quadro 9 – Componentes da concepção da avaliação
Perguntas avaliativas
Houve efetiva transferência de tecnologia durante a execução dos
programas militares avaliados conforme as diretrizes da PND e da
END?
Critérios Eficácia do programa e efetividade da transferência de tecnologia
Indicadores Subjetivos: transferência de know why; possibilidade de difusão;
possibilidade de alcançar independência no setor (nacionalização)
Padrão de referência
Absoluto quanto à eficácia: diretrizes da PND e da END
Teórico quanto à efetividade: teoria da intervenção e teoria de
CT&I Fonte: Elaboração própria
Em relação às estratégias e técnicas, é preciso explicitar a lógica da pesquisa e as
fontes que serão trabalhadas. Como já dito anteriormente, a pesquisa pode ser quantitativa ou
qualitativa e as fontes podem ser primárias ou secundárias. Considerando que a presente
pesquisa não busca analisar magnitudes, mas se concentra em avaliar a implementação de três
programas em seus aspectos específicos, em especial, a transferência de tecnologia, dentro de
uma abordagem estratégica segundo as diretrizes da PND e da END, pode-se constatar que se
trata de uma pesquisa qualitativa. Ademais, tendo em vista que se pretende medir a
transferência de tecnologia por meio de indicadores subjetivos ditos acima, as fontes
principais da pesquisa devem ser primárias, sem prejuízo de fontes secundárias como
assessórias ou subsidiárias. Nesse sentido, segundo Rua e Romanini (2013), como o objetivo
é aprofundar as informações e não estimar a magnitude dos eventos, os procedimentos
aplicados são as entrevistas em profundidade, que podem ser não estruturadas (sem perguntas
previamente formuladas); semiestruturadas (reunindo perguntas amplas, que podem dar
origem a questões outras no momento da entrevista) ou estruturadas (com todas as perguntas
elaboradas previamente, não se indagando nada além). No mesmo diapasão, como se trata de
uma avaliação de processo, os desenhos da avaliação se adaptam ao contexto, ao problema e à
abrangência da pesquisa, podendo combinar métodos quantitativos e qualitativos: surveys
com questionários fechados, entrevistas semiestruturadas ou abertas e observação (RAMOS;
SCHABBACH, 2012).
O universo dos informantes ou da população envolvida em políticas públicas pode
se estender tornando por vezes impossível considerá-lo em sua totalidade, portanto, a amostra
considera uma pequena parte desse universo que representa o todo (GIL, 2008). Também
105
levando em conta a lógica da pesquisa qualitativa, Antônio Gil (2008) afirma que ela
prescinde de maior rigor ou precisão estatística. Por esse motivo, dentro dos diversos tipos de
amostragem presentes nas ciências sociais, a amostragem por acessibilidade parece a mais
adequada ao presente trabalho, sendo aquela que a escolha dos elementos que farão parte da
amostra ocorre por conta da acessibilidade ou conveniência do pesquisador (GIL, 2008).
Sendo assim, as entrevistas mencionadas acima dependem do acesso do pesquisador aos
entrevistados, o que pode depender de diversas circunstâncias, variando de programa para
programa, no entanto, sem comprometer o rigor metodológico, vez que se trata de uma
abordagem qualitativa de programas militares muito específicos, não se objetivando analisar
magnitudes e dispensando a produção de estatísticas nesses casos.
Acerca do instrumento de coleta, este consistirá num questionário estruturado,
contendo perguntas abertas e fechadas. Os dois tipos de perguntas são necessários porque, ao
mesmo tempo em que se busca verificar a ocorrência de critérios teóricos, a opinião e a
percepção dos entrevistados são de suma importância para caracterizar os indicadores
subjetivos, de forma que não se pode restringir eventual acréscimo em suas respostas. Assim,
a adoção de um questionário estruturado misto de perguntas abertas e fechadas se mostra a
opção mais equilibrada e adequada. Maiores detalhes sobre o questionário serão
desenvolvidos em item seguinte.
O último componente trata do teste e da revisão dos instrumentos de coleta, nesse
caso, o questionário. Gil (2008) ensina que a revisão, ou pré-teste, do questionário é feito com
a aplicação de alguns questionários a elementos que pertencem à população pesquisada, de
forma que os mesmos, além de responderem às perguntas, possam também fornecer
informações sobre as dificuldades encontradas. No caso da presente pesquisa, insta considerar
que o método é qualitativo e a amostragem é por acessibilidade, não tendo cunho estatístico,
portanto, já existe uma dificuldade natural em encontrar elementos dentro do universo
pesquisado dispostos a responderem o questionário definitivo, tendo em vista que fazem parte
de grandes programas militares, que envolvem muitos aspectos sigilosos e normas para
atendimento a outros públicos. Sendo assim, os elementos do universo pesquisado que
estiverem dispostos a preencher os questionários não podem ser desperdiçados com questões
de revisão, devendo ser considerados respondentes definitivos. Entretanto, para assegurar a
validade e precisão dos questionários, a revisão será feita por profissional que possui
capacitação técnica e qualificação semelhante aos entrevistados, presumindo que a formação
análoga do revisor permite entender o questionário da mesma forma que os respondentes
106
definitivos, inclusive podendo detectar eventuais imperfeições e dificuldades que estes
possam encontrar. Assim, o orientador desta pesquisa funcionará também como revisor.
Quadro 10 – Componentes do planejamento da avaliação
Técnica de pesquisa Entrevistas
Amostra Amostragem por acessibilidade
Instrumento de coleta de
dados
Questionário misto: estruturado de perguntas abertas e fechadas
Revisão Profissionais com formação semelhante aos respondentes
definitivos (orientador) Fonte: Elaboração própria
Com o fito de realizar as avaliações dos programas, como mencionado
anteriormente, a investigação da pesquisa usará as seguintes fontes primárias: a) conteúdos
originais e não-classificados dos respectivos contratos de transferência de tecnologia dos
referidos programas, quando disponíveis; b) documentos oficiais do governo, obtidos tanto na
forma física, quanto através de publicações eletrônicas e de sítios da internet, tais como, a
PND, a END, legislação afim, informações dos setores de comunicação social, relatórios das
Forças Armadas, relatórios apresentados ao Congresso Nacional, notas oficiais à imprensa,
notícias difundidas em veículos oficiais, estatísticas, entre outras; c) entrevistas com
implementadores de base dos programas, diretamente envolvidos no processo de transferência
de tecnologia. Isso se dá sem o prejuízo de consultas a outras fontes primárias que se mostrem
necessárias ou a fontes secundárias, tais como, livros e artigos, acadêmicos ou não, sobre os
programas, bem como, notícias de outros veículos, especializados ou não.
Para interpretar as informações coletadas, Marconi e Lakatos (2003) afirmam que
dois elementos são importantes: a construção de tipos, modelos e esquemas e a ligação com a
teoria. Assim, a interpretação dos dados coletados será feita de acordo com o arcabouço
teórico desenvolvido no capítulo anterior, bem como com as diretrizes da PND e da END
explicitadas anteriormente e os modelos lógicos e analíticos genéricos e específicos, estes que
serão expostos posteriormente. A forma como os dados se relacionarão com os indicadores,
critérios e padrões, assim como as variáveis e os modelos lógicos e analíticos da pesquisa,
será detalhada em item posterior.
107
Quadro 11 – Componentes da execução da avaliação
Fontes primárias
a) Contratos de transferência de tecnologia, quando
disponíveis;
b) Documentos oficiais;
c) Entrevista com implementadores
Fontes secundárias Informações das diversas fontes especializadas (oficiais ou não)
Interpretação dos dados Arcabouço teórico sobre CT&I e Estudos Estratégicos/Modelos
analíticos Fonte: Elaboração própria
Verificados os componentes específicos da presente avaliação, passar-se-á ao
desenvolvimento dos critérios para a escolha dos programas, antes do estudo dos modelos
lógicos e analíticos, variáveis e demais detalhes sobre os indicadores e instrumentos de coleta.
3.3.2 – Diretrizes da END e os critérios para a escolha dos programas
Prosseguindo no estudo da metodologia da presente pesquisa, faz-se mister
dissertar brevemente sobre os critérios utilizados para a escolha dos programas avaliados. O
presente item relatará rapidamente as razões da escolha dos programas PROSUB, Guarani e
H-XBR.
Primeiramente, a Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa
são os principais documentos oficiais que devem nortear a atuação do país em relação à sua
defesa e demais aspectos estratégicos que possam lhe dizer respeito. Dentro desses aspectos,
em especial na END, encontra-se a Base Industrial de Defesa (BID), vale transcrever:
“A presente Estratégia Nacional de Defesa trata da reorganização e reorientação das
Forças Armadas, da organização da Base Industrial de Defesa e da política de
composição dos efetivos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Ao propiciar a
execução da Política Nacional de Defesa com uma orientação sistemática e com
medidas de implementação, a Estratégia Nacional de Defesa contribuirá para
fortalecer o papel cada vez mais importante do Brasil no mundo.” (BRASIL, 2012d,
p. 1)
Ademais, a END elenca a BID como prioridade:
“A Estratégia Nacional de Defesa organiza-se em torno de três eixos estruturantes.
(...)
O segundo eixo estruturante refere-se à reorganização da Base Industrial de Defesa,
para assegurar que o atendimento às necessidades de tais produtos por parte das
Forças Armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional, preferencialmente
as de emprego dual (militar e civil).” (BRASIL, 2012d, p. 10)
108
Em seguida, o documento passa a definir a BID e prever sua reorganização
conforme as seguintes diretrizes:
“A defesa do Brasil requer a reorganização da Base Industrial de Defesa (BID) -
formada pelo conjunto integrado de empresas públicas e privadas, e de organizações
civis e militares, que realizem ou conduzam pesquisa, projeto, desenvolvimento,
industrialização, produção, reparo, conservação, revisão, conversão, modernização
ou manutenção de produtos de defesa (Prode) no País – o que deve ser feito de
acordo com as seguintes diretrizes:
(a) Dar prioridade ao desenvolvimento de capacitações tecnológicas independentes.
Essa meta condicionará as parcerias com países e empresas estrangeiras, ao
desenvolvimento progressivo de pesquisa e de produção no País.
(b) Subordinar as considerações comerciais aos imperativos estratégicos.
Isso importa em organizar o regime legal, regulatório e tributário da Base Industrial
de Defesa, para que reflita tal subordinação.
(c) Evitar que a Base Industrial de Defesa polarize-se entre pesquisa avançada e
produção rotineira.
Deve-se cuidar para que a pesquisa de vanguarda resulte em produção de vanguarda.
(d) Usar o desenvolvimento de tecnologias de defesa como foco para o
desenvolvimento de capacitações operacionais.
Isso implica buscar a modernização permanente das plataformas, seja pela
reavaliação à luz da experiência operacional, seja pela incorporação de melhorias
provindas do desenvolvimento tecnológico.” ).” (BRASIL, 2012d, p. 21-22)
Quanto às aquisições pelas Forças Armadas em relação à BID, assim se
posicionou a END:
“O Ministro da Defesa delegará aos órgãos das três Forças, poderes para executarem
a política formulada pela Secretaria quanto a encomendas e compras de produtos
específicos de sua área, sujeita, tal execução, à avaliação permanente pelo
Ministério.
O objetivo é que a política de compras de produtos de defesa seja capaz de:
(a) otimizar o dispêndio de recursos;
(b) assegurar que as compras obedeçam às diretrizes da Estratégia Nacional de
Defesa e de sua elaboração, ao longo do tempo; e
(c) garantir, nas decisões de compra, a primazia do compromisso com o
desenvolvimento das capacitações tecnológicas nacionais em produtos de defesa.”
(BRASIL, 2012d, p. 24)
Por fim, tratando especificamente da estruturação das Forças Armadas em relação
aos seus equipamentos, assim dispõe a END:
“Em relação ao equipamento, o planejamento deverá priorizar, com compensação
comercial, industrial e tecnológica:
- no âmbito das três Forças, sob a condução do Ministério da Defesa, a aquisição de
helicópteros de transporte e de reconhecimento e ataque;
- na Marinha, o projeto e fabricação de submarinos convencionais que permitam
a evolução para o projeto e fabricação, no País, de submarinos de propulsão
nuclear, de meios de superfície e aéreos priorizados nesta Estratégia;
- no Exército, os meios necessários ao completamento dos sistemas operacionais das
brigadas e do sistema de monitoramento de fronteiras; o aumento da mobilidade
tática e estratégica da Força Terrestre, sobretudo das Forças de Emprego Estratégico
e das forças estacionadas na região amazônica; a nova família de blindados sobre
rodas; os sistemas de mísseis e radares antiaéreos (defesa antiaérea); a produção de
munições e o armamento e o equipamento individual do combatente, entre outros,
aproximando-os das tecnologias necessárias ao combatente do futuro; e
109
- na Força Aérea, a aquisição de aeronaves de caça que substituam, paulatinamente,
as hoje existentes, buscando a possível padronização; a aquisição e o
desenvolvimento de armamentos, e sistemas de autodefesa, objetivando a
autossuficiência na integração destes às aeronaves; e a aquisição de aeronaves de
transporte de tropa.” (BRASIL, 2012d, p. 31-32, grifos nossos)
Sendo assim, a END, como diretriz para as políticas públicas de Defesa, em
síntese, ressalta que: a) a BID é prioritária para a inserção internacional do Brasil; b) a BID
deve ser reestruturada a fim de propiciar que as Forças Armadas nela se apóiem,
especialmente, em tecnologias de domínio nacional; c) a obtenção de tecnologia pelos
programas de Defesa, por meio de parceiros internacionais, deve caminhar em direção à
independência tecnológica; d) as aquisições e os aspectos comerciais devem estar
subordinados ao desenvolvimento das capacitações tecnológicas nacionais.
Cabe destacar que a primeira Estratégia Nacional de Defesa do país foi aprovada
pelo Decreto nº 6703, de 18 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008). Posteriormente, a END
foi revisada e a nova redação foi aprovada em 2012. Os trechos acima destacados são da END
de 2012, por apresentar o texto mais atualizado. Contudo, os referidos trechos possuem
dispositivos semelhantes, com redação praticamente idêntica ao documento de 2008. Assim,
não há prejuízo em utilizar a redação da END de 2012 somente nesses trechos colacionados,
que pautam a avaliação dos programas em comento.
Como a END é a diretriz de política pública que pauta essa avaliação, os
programas escolhidos tem que correspondência com o referido documento ou estar sob sua
égide. Assim, os programas escolhidos têm que, pelo menos, serem posteriores ao dia 18 de
dezembro de 2008, ocasião da entrada em vigor da primeira END. Ainda que muitos
programas possam ter um histórico longo de elaboração e desenvolvimento, a pesquisa
utilizará a assinatura dos contratos administrativos como termo inicial para os fins da presente
avaliação, tendo em vista que são os documentos vinculantes cujas cláusulas direcionam o
andamento dos programas, já expressando um compromisso internacional obrigatório. Ou
seja, os programas avaliados precisam ter seus contratos firmados após 18 de dezembro de
2008.
Além disso, a END traz como prioridade o desenvolvimento da capacitação
tecnológica nacional dentro das aquisições de Defesa, sendo que a transferência de tecnologia
é um dos instrumentos para tal. Portanto, além do critério temporal acima, os programas
avaliados precisam possuir um processo de transferência de tecnologia para sua
implementação.
110
Por fim, a END elenca as prioridades para cada Força no sentido dos
equipamentos que devem ser adquiridos, contemplando cada uma delas em seu meio natural e
precípuo de atividade, sendo o Exército Brasileiro a Força Terrestre, a Marinha do Brasil a
Força Naval e a Força Aérea Brasileira, como o próprio nome já diz, a força aeronáutica.
Sendo assim, a presente avaliação escolherá um programa representativo de cada setor
industrial correspondente às esferas de atuação das Forças singulares. Então, serão escolhidos
um programa referente à indústria terrestre, um programa referente à indústria naval e um
programa referente à indústria aeronáutica.
Eis os critérios:
Contrato posterior a 18 de dezembro de 2008 (vigência da END);
Previsão de transferência de tecnologia;
Correspondência com cada setor industrial correspondente às atividades
das Forças: indústria terrestre, naval e aeronáutica.
Destarte, os programas escolhidos que se enquadram em todos esses critérios
foram o PROSUB, da Marinha do Brasil, o Guarani, do Exército Brasileiro e o H-XBR, que
embora seja do Ministério da Defesa e se direcione as três Forças, é atualmente coordenado
pela Força Aérea Brasileira. Além disso, esses programas estão em estágio avançado de
implementação, o que permite melhor avaliação. Como já ressaltado anteriormente, não se
pretende fazer um estudo comparado entre os programas, tendo em vista que eles são
diferentes entre si em questões de complexidade e agentes implementadores. Portanto, essas
diferenças são consideradas para depreender quais os fatores comuns entre eles, não obstante
quem os executa ou quão difícil eles sejam, que influenciam nos processos de transferência de
tecnologia de programas militares brasileiros, de forma que atinjam os objetivos estratégicos
acima mencionados, que é o objetivo da presente pesquisa. Maiores detalhes sobre os
programas serão desenvolvidos no capítulo seguinte.
3.3.3 – Instrumentos de coleta de dados
Como desenvolvido anteriormente, o presente trabalho corresponde à lógica de
uma pesquisa qualitativa, com o objetivo não de analisar magnitudes, mas de aprofundar
informações, sobretudo, mediante coleta de dados de fontes primárias, utilizando como
instrumento as entrevistas por meio de questionários. “Questionário é um instrumento de
111
coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas
por escrito e sem a presença do entrevistador” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 201).
Para elaboração do questionário, foram utilizadas como referências as obras de
Gil (2008) e Marconi e Lakatos (2003), observando suas lições sobre processo de elaboração,
classificação das perguntas, vocabulário, ordem das perguntas, dentre outras.
Como visto anteriormente, os critérios adotados serão eficácia e efetividade da
transferência de tecnologia, sendo que, para medi-las, os indicadores verificados no primeiro
capítulo sobre arcabouço teórico de CT&I consistem em: transmissão de know why;
possibilidade de difusão para outros empreendimentos e; possibilidade de alcançar
independência tecnológica no setor. Nesse sentido, o questionário deverá possuir perguntas
que possam conferir valor a esses indicadores.
Para verificar a transmissão do know why, será utilizada o Quadro 2 (LUCENA
SILVA; PEDONE, 2011), constante no item 2.5.3 do capítulo anterior, como referência, vez
que ela distingue os fluxos presentes numa transferência de tecnologia, sobretudo, quais
aspectos correspondem aos conhecimentos básicos, ao know-how e ao know-why. Sendo
assim, para constatar o know-why nos referidos programas, basta verificar se o implementador
confirmou o recebimento dos fluxos correspondentes ao mesmo. A fim de garantir que o
respondente não seja influenciado para marcar tais itens, o questionário não identificará quais
aspectos pertencem a cada fluxo. Apenas para lembrar o que foi desenvolvido no capítulo
anterior, os quatro primeiros fluxos correspondem ao simples fluxo de conhecimentos, os três
seguintes correspondem ao fluxo de know-how e os três últimos, ao fluxo de know-why.
Ademais, com o fito de verificar a possibilidade de difusão e de independência tecnológica,
por se tratar de questão subjetiva que depende da percepção do entrevistado, o questionário
apresentará tais indagações em forma de perguntas abertas.
Além disso, a independência tecnológica está intimamente ligada à
nacionalização, pois se trata de trazer a produção e domínio de tecnologias para o país, sendo
que isso se dá mediante ação e participação de empresas brasileiras nos empreendimentos
realizados. Conforme desenvolvido no capítulo anterior, para assegurar a reestruturação e o
desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, assim como a efetiva nacionalização da
produção e da tecnologia, não bastam que as empresas sejam somente brasileiras, mas
possuam controle acionário brasileiro, ou seja, de capital nacional. Portanto, a participação de
empresas brasileiras de capital nacional também será considerada para medir a independência
tecnológica objetivada pelos programas.
112
Tendo sido expostas a forma como os principais indicadores serão valorados por
meio do questionário, outros aspectos se mostram interessantes para a presente avaliação.
Como se trata de uma avaliação de processo, em que se busca conferir o andamento da
implementação de acordo com os objetivos dos programas, o questionário também trará
perguntas sobre o estágio da implementação e sobre eventuais obstáculos e dificuldades, a fim
de verificar os fatores que possam influenciar o andamento do programa, em especial, da
transferência de tecnologia.
Dessa forma, diante do exposto, o questionário de coleta de dados será estruturado
da seguinte forma:
Quadro 12 – Questionário de entrevista 1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que período.
2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?
3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?
4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de tecnologia,
assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido programa.
Design do
Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Procedimentos de
produção/cronograma e
organização
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Produção/ Know-how de
organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de
engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e
expertise
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Desenvolvimento de
Tecnologias e pesquisa de
conhecimentos, dados,
procedimentos, entre outros.
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento do programa?
Corresponde às expectativas iniciais?
6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de relacionamento da
empresa com a cedente? Em quais aspectos?
7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em momento
posterior? E manutenido/modificado também?
8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros empreendimentos,
militares ou civis?
9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a independência
tecnológica do país no respectivo setor?
113
Fonte: elaboração própria com base em LUCENA SILVA; PEDONE, 2011.
As perguntas 1, 2 e 3, que são mais genéricas, tem o condão de expor o
envolvimento do entrevistado com o programa avaliado, de verificar o andamento da
implementação e eventuais dificuldades que tem ocorrido no processo. As perguntas vão
ficando mais específicas e alternadas quanto ao objetivo a partir das questões 4 e 5, sendo que
estas visam atribuir valor ao indicador referente à transmissão de know why. As questões 6 e 7
atribuem valor ao indicador referente à possibilidade de independência tecnológica do setor,
ao passo que a questão 8 visa responder ao indicador sobre a possibilidade de difusão para
outros empreendimentos. Por fim, a questão 9 retorna ao indicador relativo à independência,
finalizando o questionário.
Além do questionário, que se dedicará a colher informações de entrevistados,
outras fontes primárias serão hauridas por meio de revisão de literatura e pesquisa
documental, tais como os contratos disponíveis de transferência de tecnologia, respostas e
comunicações oficiais de órgãos governamentais e militares, dentre outros. Os dados de
fontes secundárias também serão coletados por meio de revisão e pesquisa. Sobretudo, os
demais dados mencionados servirão para auxiliar a compreensão dos objetivos e metas dos
programas em questão.
3.3.4 – Modelos lógicos e analíticos
Após o desenvolvimento dos componentes específicos dessa avaliação e dos
instrumentos de coleta de dados, este item se dedicará ao estudo dos modelos lógicos e
analíticos que pautarão a pesquisa. O objetivo é esclarecer o relacionamento entre as variáveis
do modelo, as informações coletadas e os valores que elas atribuem os indicadores e critérios,
em outras palavras, a forma com que os dados serão interpretados para elaborar a presente
avaliação.
A pesquisa de que se trata este trabalho pode ser melhor compreendida quando
explicitada por um modelo analítico que demonstra os mecanismos de relacionamento entre
as variáveis verificadas. Assim, tomando-se uma expressão lógica “A → B = C”, tem-se que
A causa B e este, por sua vez, possui igualdade com C. Nesse sentido, ao nomear as variáveis
com os elementos da pesquisa, considera-se C o objetivo das políticas públicas segundo as
114
diretrizes oficiais, A representa o contrato de transferência de tecnologia e B o processo de
transferência de tecnologia desencadeado pelo contrato. Em outras palavras, o termo inicial da
avaliação é o contrato (A), que inicia a transferência de tecnologia (B), e esta deve estar de
acordo com os objetivo da política pública que ensejou a intervenção estatal na realidade (C).
Nesse diapasão, ao serem avaliados os programas acima mencionados, duas
conclusões podem ser obtidas acerca da expressão analítica: a primeira é que A → B = C e a
segunda é que A → B ≠ C. A assertiva no primeiro caso significa que o contrato ocasionou
uma transferência de tecnologia que foi apta a satisfazer o objetivo da política pública. Já no
segundo caso, o processo de transferência de tecnologia consectário do contrato firmado não
foi capaz de atingir a meta da política pública. Nesta hipótese, seguindo o modelo de análise,
o valor de B, decorrente de A, não foi suficiente para alcançar a igualdade com C, ou seja, o
processo de transferência de tecnologia adotado dentro dos programas militares não foi
condizente com os objetivos traçados pela PND e END.
Pode-se argumentar que ainda existem duas inferências lógicas de A → B ≠ C,
quais sejam, A → B < C ou A → B > C. Nesses casos, a primeira inferência significaria que
A → B não alcançou a igualdade com C por representar valor menor e a segunda, que A → B
não seria igual a C por ter alcançado valor maior. Aplicando o modelo ao tema da pesquisa, a
contratação e a subseqüente transferência de tecnologia não teriam satisfeito o objetivo por
apresentar, ou insuficiência na medida de transmissão tecnológica verificada, ou o grau de
tecnologia obtido teria superado o desejado pela política pública. Sendo assim, considerando
que quando uma meta mínima não é só alcançada, mas superada e não existe limite máximo,
pode-se afirmar que houve sucesso no respectivo esforço, pois, de fato, o mínimo fora alçado.
Por outro lado, o mesmo não se pode dizer de uma meta não alcançada por um esforço que
não produziu valor suficiente, como é o caso da primeira inferência. Assim, para os fins dessa
pesquisa, considerar-se-á como um programa bem-sucedido quando for verificado que A → B
= C ou quando A → B ≠ C sendo que A → B > C.
Noutro passo, ainda se faz preciso estabelecer as variáveis independentes e
dependentes desse modelo analítico que o trabalho pretende adotar. Ora, levando em conta
que A e C são dados e representam, respectivamente, o contrato entre o cedente e o adquirente
de tecnologia e a diretriz de políticas públicas para Defesa consubstanciada na PND e na
END, verifica-se que tais fatores não são flexíveis, não se permitem a alterações, são dados.
Basta observar que o contrato é um instrumento obrigacional vinculante que, embora seja
alterável, depende do consenso das partes, o que forma um novo contrato, por sua vez
obrigatório. Ademais, a presente avaliação não tem o condão de estudar o processo decisório
115
ou a negociação que levou ao contrato, pois se trata de uma análise de implementação e uma
avaliação de processo. Portanto, o contrato, como termo inicial da transferência de tecnologia
é considerado um dado. Por sua vez, o objetivo da política pública é dado pelo alto nível do
governo, representado pelas diretrizes oficiais que devem orientar as políticas públicas
decorrentes, o que também é um dado fornecido previamente aos programas avaliados para
direcionar sua execução. Assim, o único fator que é flexível e alterável é B, representando o
grau de transferência de tecnologia efetivamente obtido que, por sua vez, deve se pautar pelos
valores definidos por C. Sendo assim, considerando que B pretende ser igual a C e que para
isso depende de A, tem-se que A e C são as variáveis independentes do modelo, ao passo que
B é a variável dependente.
Finalmente, a pesquisa pretende seguir o modelo analítico e propor a questão: A
→ B = C? Se ao final da avaliação dos mencionados programas for verificado que B ≠ C e B
< C, em outras palavras, que o grau de transferência tecnológica resultado dos projetos for
insuficiente em relação ao objetivo traçado pelas políticas públicas ao realizarem a
intervenção, infere-se pela lógica que o problema se deu na relação A → B, qual seja, no
processo de transferência de tecnologia decorrente do contrato firmado, cujos valores foram
responsáveis por B não ter alcançado C. Por outro lado, se B = C, entender-se-á que A → B
não apresentou problemas, de outra forma, a transferência de tecnologia foi adequada.
Sendo assim, para verificar a correspondência da transferência de tecnologia com
o objetivo das diretrizes de políticas públicas, como dito anteriormente, os critérios adotados
serão eficácia e efetividade. A eficácia é um critério genérico, que corresponde ao atingimento
das metas dos programas, ao passo que a efetividade mede o impacto transformador da
transferência de tecnologia. Portanto, considerando que os objetivos direcionados pela PND e
END para os programas é a transferência de tecnologia efetiva, tem-se que será eficaz o
programa que demonstrou efetividade em sua transferência. Para medir os referidos critérios,
serão utilizados os indicadores: transferência de know-why, possibilidade de difusão e
possibilidade de independência tecnológica. Esses três indicadores servem para qualificar a
variável dependente B, ou seja, a transferência de tecnologia que ocorreu nos programas
estudados, tendo em vista que as outras variáveis já são dadas. Também, como já
desenvolvido, os indicadores serão valorados por meio de dados obtidos em entrevistas por
questionário aos implementadores que tiveram envolvimento com a transmissão tecnológica e
por outras fontes assessórias. Dessa forma, a forma de valoração da relação B = C pode ser
destrinchada e exposta conforme o modelo lógico de Costa e Castanhar (2003) da seguinte
forma:
116
Quadro 13 – Modelo lógico específico
Modelo lógico aplicado aos processos de transferência de tecnologia dos programas
avaliados
Objetivo (C) Variável (B) Indicadores (B) Informação
necessária (B)
Método de coleta de
dados (B) - Aumentar a
capacitação
industrial do
país.
- Contribuir para
independência
tecnológica no
setor.
- Obtenção de
tecnologia.
- Transferência de
know-why.
- Possibilidade de
difusão.
- Possibilidade de
alcançar
independência
(nacionalização).
- Dados sobre
transferência de
know-why nos
programas.
- Percepção sobre
possibilidade de
difusão e
independência.
- Dados sobre
participação de
empresas brasileiras
- Entrevistas por meio de
questionário.
- Pesquisa documental
(contratos, documentos
oficiais, etc.)
- Pesquisa secundária
Fonte: elaboração própria com base em COSTA; CASTANHAR, 2003, p. 978.
Tendo procedido à valoração da variável dependente B, os programas serão
avaliados conforme os modelos de Evert Vedung (1997) mencionados acima. Primeiramente,
para fins de análise, cada programa será submetido ao Modelo de Sistema Simplificado
(Figura 8), a fim de evidenciar os insumos (inputs) destinados ao programa, o processo de
conversão (conversion), os resultados (outputs) e os efeitos e impactos (outcomes)
pretendidos com a transferência de tecnologia de cada um. Em seguida, tendo o valor de B,
cada programa será submetido ao Modelo de Atingimento de Objetivos (Figura 9), a fim de
fazer a comparação do processo de transferência com o objetivo da política pública traçado
pela PND e END, verificando a eventual influência de fatores externos. O resultado final da
aplicação desses modelos deve responder à proposição lógica da pesquisa, qual seja, A → B =
C, em outras palavras, os contratos de transferência de tecnologia ocasionaram processos
efetivos que satisfazem o objetivo da PND e da END para programas de Defesa?
Resta lembrar que a presente avaliação é de processo, ou seja, tem o objetivo de
analisar a implementação e verificar se ela está acontecendo de acordo com o planejado e se
tudo isso está em consonância com as diretrizes traçadas pela PND e pela END. Portanto,
como os programas ainda estão em implementação, não há como medir os resultados ou
impactos transformadores por questões temporais, mas se trata de uma coleta sobre o quê já
aconteceu até o momento e se na percepção dos implementadores, o processo está ocorrendo
conforme o planejado.
Dessa forma, uma vez explicitada a abordagem metodológica que será aplicada
nas avaliações dos programas militares escolhidos, quais sejam, PROSUB, Guarani e H-XBR,
o próximo capítulo se dedicará a avaliá-los, a fim de constatar como se comportam os fatores
117
comuns que influenciam os respectivos processos de transferência de tecnologia de forma a
fazê-los se enquadrarem nos objetivos propostos pela PND e END para as aquisições de
Defesa.
118
CAPÍTULO 4
AVALIANDO A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA DOS PROGRAMAS
MILITARES
O presente capítulo será dedicado à avaliação da implementação dos processos de
transferência de tecnologia dos programas militares selecionados, conforme a metodologia
desenvolvida acima.
Primeiramente, cabe ressaltar que não é objetivo deste trabalho fazer comparações
entre os programas avaliados, que variam quanto à sua complexidade, recursos empreendidos,
e aspectos circunstanciais que cada um teve que enfrentar. Por exemplo, um submarino com
propulsão nuclear é um meio deveras mais complexo tecnologicamente do que um helicóptero
de médio porte, que por sua vez é mais sofisticado que um blindado de transporte de pessoal,
como se verá posteriormente. É de se esperar que um processo de transferência de tecnologia
dos mais complexos seja também mais desafiador, sobretudo ao se considerar o tanto de
tecnologia sensível que possui.
Nesse diapasão, insta recordar que cada setor aqui analisado possui seu próprio
contexto dentro da realidade brasileira, variando desde seus antecedentes históricos até o
número de empresas brasileiras que fornecem os componentes. Dessa forma, esta pesquisa
não quer imprimir caráter de competição aos programas avaliados, sequer compará-los. O que
se fará é tão somente a aplicação de uma metodologia em cada programa para que ele seja
avaliado por si mesmo, em relação às diretrizes propostas pela END, a fim de constatar os
fatores comuns que os influenciam.
4.1. PROSUB
4.1.1 – Considerações iniciais
O primeiro programa militar a ser avaliado será o Programa de Desenvolvimento
de Submarinos (PROSUB) da Marinha do Brasil, que consiste na: construção de quatro
submarinos convencionais; construção de um submarino de propulsão nuclear; uma Unidade
119
de Fabricação de Estruturas Metálicas (UFEM), inaugurada em 1º de março de 2013 pela
Presidente da República; e um complexo de Estaleiro e Base Naval (EBN) que se encontra em
construção às margens da Baía de Sepetiba, no Município de Itaguaí – RJ (MARINHA DO
BRASIL, 2014). Não obstante, o propósito central do PROSUB é a construção do submarino
de propulsão nuclear, do qual derivam todos os outros projetos envolvidos no programa
(TECHNO NEWS, 2012).
Conforme salientamos anteriormente, o PROSUB está inserido na lógica da END
(BRASIL, 2012d, p. 31-32) para os projetos estratégicos brasileiros. Nesse sentido, o
programa possui três aspectos de grande importância para o país: o estratégico, o tecnológico
e o industrial (MARINHA DO BRASIL, 2014).
O aspecto estratégico diz respeito à capacidade superior de ocultação e mobilidade
que o submarino com propulsão nuclear possui em relação aos convencionais, de propulsão
“diesel-elétrica”. O submarino movido a energia nuclear tem uma fonte virtualmente
inesgotável de energia e pode desenvolver altas velocidades por tempo ilimitado, cobrindo
áreas geográficas consideráveis, o que acrescenta uma nova dimensão ao Poder Naval do país,
garantindo maior capacidade de dissuasão (MARINHA DO BRASIL, 2014). O aspecto
tecnológico se refere ao salto que o programa representará para o país, decorrente de um
grande processo de transferência de tecnologia, do fortalecimento da industrial nacional e da
melhoria da qualificação técnica de profissionais envolvidos, propiciando ao Brasil a
capacidade de desenvolver e construir seus próprios submarinos no futuro, de forma
independente (MARINHA DO BRASIL, 2014). O terceiro aspecto corresponde à indústria
nacional, vez que o programa prevê: conteúdo local de mais de 90% para a construção da
UFEM e do EBN, mediante transferência de tecnologia; nacionalização de sistemas e
equipamentos para os submarinos convencionais, incluindo a fabricação de sistemas,
equipamentos e componentes, treinamento em softwares e suporte técnico para as empresas
durante a fabricação dos itens; e nacionalização dos sistemas e equipamentos para o
submarino nuclear, como continuação aprofundada do processo em curso para os
convencionais, dado que o projeto do mesmo será realizado pelo próprio país (MARINHA
DO BRASIL, 2014).
Segundo dispõe a END (BRASIL, 2012d), no objetivo de negação do uso do mar,
o Brasil contará com força submarina de envergadura, composta de submarinos convencionais
e de submarinos com propulsão nuclear. Os submarinos convencionais serão empregados na
tarefa básica de negação do uso do mar, em ações contra força ou tráfego marítimo inimigo e,
em tempos de paz, contribuirão para a defesa das bacias petrolíferas brasileiras, com ênfase
120
no Pré-Sal. Já os submarinos nucleares serão empregados em mar aberto, as chamadas águas
azuis, acompanhando e neutralizando uma força naval que ameace o Brasil, isso dentro da
estratégia de movimento que o aparelho proporciona (MARINHA DO BRASIL, 2014).
É importante salientar que a Marinha do Brasil, além do PROSUB, possui outro
programa diretamente ligado ao submarino com propulsão nuclear, o Programa Nuclear da
Marinha (PNM), que é ligado ao Programa Nuclear Brasileiro (PNB) e engloba tanto o
domínio de todas as etapas do ciclo de combustível nuclear quanto o desenvolvimento de um
Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica (LABGENE), incluindo seu reator
nuclear. Esse programa está a cargo do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo
(CTMSP) (MARINHA DO BRASIL, 2014). O domínio do ciclo do combustível já foi
atingido, sendo a conversão da pasta base (yellow cake) de Urânio em Hexafluoreto de Urânio
(UF6) e seu enriquecimento feitos no Centro Experimental de Aramar (CEA). Ainda pendente
está a elaboração da planta nuclear para emprego naval, que será totalmente desenvolvida
pelo país, das pesquisas feitas no LABGENE, não sendo tal tecnologia objeto do contrato de
transferência com a França. Esses dois programas estão a cargo da Coordenadoria-Geral do
Programa de Desenvolvimento do Submarino com Propulsão Nuclear (COGESN)
(MARINHA DO BRASIL, 2014).
O PROSUB é desenvolvido dentro de uma parceria entre Brasil e França. No dia
23 de dezembro de 2008 foi assinado um plano de ação pelos presidentes de cada país,
prevendo a cooperação entre defesa, especialmente na área de submarino, entre outras
(TECHNONEWS, 2012). Ao escolher a França para tal empreendimento, a Marinha do Brasil
levou em consideração: a capacidade para desenvolver tecnologia própria, emprego de
métodos e processos familiarizados com os empregados no Ocidente e de mais fácil absorção
pelos técnicos e engenheiros brasileiros, ter fornecedor e ter comprador de material de defesa
e, principalmente, contratualmente, aceitar transferir tecnologia de projeto de submarinos
convencionais e nucleares. Ao aceitar as condições brasileiras para a transferência de
tecnologia, além de já ser exportadora de submarinos, a França de tornou a parceira ideal para
a realização do projeto (CORRÊA, 2012). Sendo assim, a referida parceria é executada
principalmente, no lado brasileiro, pela Marinha do Brasil, pela Construtora Odebrecht e pela
Itaguaí Construções Navais (ICN), e no lado francês, pela Direction des Constructions
Navales et Services (DCNS) (TECHNO NEWS, 2012). Embora estes sejam os principais,
outros atores também participam do projeto, como a Amazônia Azul Tecnologias de Defesa
S.A. (AMAZUL), que é uma empresa pública ligada à Marinha do Brasil (MB), o Consórcio
121
Baía de Sepetiba (CBS), que é uma parceria entre a Odebrecht e a DCNS, e a Nuclebrás
Equipamentos Pesados S.A. (NUCLEP), entre outros (TECHNO NEWS, 2012).
Nesse sentido, cabe destacar que a principal missão da DCNS é auxiliar a MB a
projetar o casco resistente do futuro submarino de propulsão nuclear brasileiro, o qual será
construído no estaleiro de submarinos em Itaguaí (CORRÊA, 2012). Ou seja, a parceria com a
França, como já dito, não envolve a construção e transferência referente à tecnologia nuclear,
essa parte será desenvolvida somente pelo Brasil, o objetivo é aprender com os franceses a
projetar submarinos de propulsão nuclear. A preferência em relação à França se deu em
função do casco hidrodinâmico do projeto francês derivar do submarino nuclear classe Rubis.
Assim, além do modelo do casco do submarino convencional francês se destacar pela relativa
facilidade de transição para o nuclear, possuem correspondência no emprego de subsistemas,
como de combate, sensores, armamentos, controle de plataforma etc., que também terão seus
conhecimentos absorvidos pelos cientistas, técnicos e engenheiros brasileiros (CORRÊA,
2012). Dessa forma, o objetivo do Brasil é aprender, mediante a aquisição e construção dos
quatro submarinos convencionais da francesa DCNS, como, futuramente, projetar e construir
seu próprio submarino com propulsão nuclear.
4.1.2 – Antecedentes
Os antecedentes históricos do PROSUB remontam à história do programa nuclear
brasileiro. Após a Segunda Guerra Mundial, a tecnologia nuclear ganhou destaque, sobretudo,
como definidora do poderio das grandes potências mundiais. De semelhante modo, tal
tecnologia, por seu alto valor estratégico, associado ao seu potencial econômico, acarretam o
cerceamento por parte das nações que a dominam (FONSECA JÚNIOR, 2015). Sendo assim,
o Brasil, desde aquela época, buscava parceiros que pudessem fornecer acesso à tecnologia
nuclear a fim de desfrutar de suas vantagens, tendo pleiteado junto aos EUA, à França e à
Alemanha, porém, sem lograr êxito num primeiro momento (HENRIQUES, 2011 apud
FONSECA JÚNIOR, 2015).
A década de 1950, em relação à tecnologia nuclear, foi marcada por um forte
debate entre duas correntes, uma que buscava a autonomia brasileira em exploração de areias
monazídicas e pesquisa nuclear, com destaque para o Almirante Álvaro Alberto, presidente do
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), e outra, que defendia o papel do Brasil como
122
exportador de monazita, aceitando a dependência dos EUA na tecnologia nuclear,
representada pelo Emb. João Neves da Fontoura e o Itamaraty (JESUS, 2011). Sem entrar nos
meandros da disputa, cabe sintetizar que o Brasil, ao mesmo tempo que firmou diversos
tratados com os EUA que assumiam a posição referida acima, por outro lado, conseguiu
firmar uma parceria com a antiga Alemanha Ocidental a fim de adquirir ultracentífugras para
enriquecer urânio no território nacional, embora tais equipamentos fossem obsoletos já na
época, chegando ao território nacional somente em 1956, após um embargo de quatro anos
pelo Reino Unido (JESUS, 2011). No ano de 1954, foi lançado ao mar pelos EUA o primeiro
submarino de propulsão nuclear, o USS Nautilus, que pode operar sem depender de atmosfera
e passar anos sem reabastecimento, produzindo seu próprio ar e água potável, provocando
uma revolução nos assuntos militares (FONSECA JÚNIOR, 2015).
Outro marco importante na luta do Brasil pela independência nuclear aconteceu
em 1962, a promulgação por João Goulart da Lei Número 4.118 – que garantia o monopólio
da União sobre a pesquisa e a lavra das jazidas de materiais nucleares, bem como o comércio
de tais minérios e a produção e industrialização de materiais nucleares – e a recomendação de
construção da primeira central nuclear brasileira com o uso do urânio presente no território
nacional, bem como a elevação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), então
importante instituição de pesquisa e desenvolvimento nuclear, à categoria de autarquia federal
(JESUS, 2011).
Na década de 1970 podem ser citados outros eventos muito importantes para o
programa nuclear brasileiro, em especial, para a pretensão da Marinha do Brasil de dominar a
tecnologia nuclear. Em 1976 o então Capitão-Tenente Othon Luiz Pinheiro da Silva foi
indicado para fazer um curso de engenharia nuclear no Massachussets Institute of Technology
(MIT) e quando retornou, em 1978, o Almirante Maximiano da Fonseca determinou que ele
fizesse um relatório analisando se o país poderia contar com a propulsão nuclear (SILVA,
2012). O relatório enfatizava que a capacidade de construir um submarino de propulsão
nuclear no Brasil passaria obrigatoriamente por duas etapas: o domínio do ciclo de
enriquecimento do combustível nuclear e a construção de um reator piloto para testes
(FONSECA JÚNIOR, 2015). O relatório fora aprovado e em dezembro do mesmo ano, foi
incluído na agenda naval um programa para projetar e construir um submarino nuclear,
representando uma das decisões mais importantes para o desenvolvimento tecnológico
nacional e o marco zero da independência brasileira na geração de energia nuclear
(FONSECA JÚNIOR, 2015).
123
No final dos anos 1970 a Marinha do Brasil estabeleceu uma parceria com o
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), ligado ao Governo do Estado de São
Paulo (FONSECA JÚNIOR, 2015) e em 4 de setembro de 1982, ambas as instituições fizeram
a primeira operação de enriquecimento de urânio em uma ultracentrífuga desenvolvida e
completamente fabricada no Brasil (SILVA, 2012). Na década de 1980, a CNEN se juntou à
Marinha no desenvolvimento de seu programa nuclear, foi criada a Coordenadoria de Projetos
Especiais (COPESP), embrião do que seria, em 1995, o Centro Tecnológico da Marinha em
São Paulo (CTMSP), onde se desenvolve o Programa Nuclear da Marinha (PNM) e, mais
precisamente no ano de 1987, o Presidente Sarney anunciara o controle do enriquecimento de
urânio (FONSECA JÚNIOR, 2015).
Por outro lado, a década de 1990 representou um grande obstáculo ao programa
nuclear brasileiro, mais especificamente, ao programa nuclear da marinha, que abrange
também o desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear. Segundo Fonseca Júnior
(2015), foram causas para esse atraso: a antipatia do Presidente Collor com o programa
nuclear da Marinha; a restrição orçamentária imposta pelo governo; a concepção estratégica
conservadora do então Ministro da Marinha, que priorizava a manutenção das obrigações
mínimas da Força no lugar de um projeto cujo retorno se daria a longo prazo (MARTINS
FILHO, 2011); a transferência para a reserva do Almirante Othon, ator e idealizador do PNM
e; a falta de priorização à proteção dos recursos marítimos brasileiros na Política de Defesa
Nacional (PDN) assinada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ainda segundo Fonseca Júnior (2015), na década de 2000, foram fatores
importantes para a recolocação do PNM e do projeto de construção do submarino nuclear na
agenda política: a terceira revisão da PDN em 2005, o anúncio da descoberta do “pré-sal”, a
reeleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, as posses de Nelson Jobim no Ministério da
Defesa e do Almirante Júlio Soares de Moura Neto no Comando da Marinha e a edição da
Estratégia Nacional de Defesa em 2008. No ano de 2008, o Presidente Lula visitou, a convite
do Ministro da Defesa, o CTMSP e se impressionou com a grandeza do programa, que
sobrevivia com escassos recursos e vislumbrou o status que o Brasil iria adquirir como um
dos raros países que possuem o domínio do ciclo de enriquecimento de urânio. Assim, o
Presidente garantiu ao Almirante Bezerril, diretor do CTMSP, a liberação de R$ 1,04 bilhão
para os próximos oito anos, aproximadamente R$ 130 milhões por ano para a Marinha
concluir o projeto das instalações de propulsão nuclear para submarinos, o que permitiu
acelerar a obra do Laboratório de Geração de Energia Núcleo Elétrica (LABGENE) e
continuar a Usina de Produção do Hexafluoreto de Urânio (FONSECA JÚNIOR, 2015).
124
Segundo Fonseca Júnior (2015), pode-se dizer que a visita de Lula constituiu o marco zero da
inserção do futuro Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) na Agenda
Nacional.
A partir de então, havia a necessidade de decidir se o projeto de construção do
submarino com propulsão nuclear seguiria com desenvolvimento autóctone, ou se procuraria
um parceiro que pudesse transferir a referida tecnologia. Decidiu-se pela segunda opção, pois
a Marinha do Brasil não teria o tempo e os recursos que o desenvolvimento autóctone
demanda (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Como já dito anteriormente, a
França foi o parceiro escolhido e em 2008 o Presidente Lula e o Presidente francês Sarkozy
firmaram um acordo prevendo o futuro programa de desenvolvimento de submarinos
(MARINHA DO BRASIL, 2014).
Martins Filho (2011), quando relata o histórico do programa nuclear brasileiro,
especialmente o da Marinha, com ênfase no submarino nuclear, trabalha com o conceito de
“oportunismo tecnológico”, que parte da percepção de que as doutrinas e estratégias militares
respondem mais a orientações militares e a percepções dos estadistas sobre a política
internacional do que à natureza em si das tecnologias dos armamentos. Ou seja, é a visão de
que a tecnologia ajuda na estratégia militar, mas não a modifica. Assim, o apoio ou não a
determinado projeto não varia não pelo valor da tecnologia propriamente dita que ele
compreende, mas do papel dela dentro da conjuntura estratégica do país e da inserção deste
nas relações internacionais. Acerca do programa nuclear da Marinha, o autor, sob essa ótica,
indica que as coalizões político-militares nacionalistas tenderam a apoiar com mais vigor o
projeto do submarino nuclear do que as coalizões “internacionalistas” ou “neoliberais”,
independentemente do regime político ou da ideologia dominante, mas como resultado das
relações de forças dos componentes dessas coalizões conforme o tempo e a influência sobre o
processo decisório.
4.1.3 – Aspectos contratuais e etapas do programa
Conforme é cediço e já mencionado, a formalização de uma relação obrigacional
se dá mediante negócios jurídicos bilaterais, mais especificamente, os acordos ou os contratos.
O PROSUB, como programa militar complexo que é não foge ao padrão, sendo a sua
estrutura contratual desenvolvida no presente item.
125
Primeiramente, há de destacar que, na França, as tecnologias sensíveis
permanecem sob controle do Estado, o que fez com que as contratações do PROSUB fossem
precedidas de atos celebrados entre as autoridades brasileiras e francesas, definindo os limites
gerais do programa (MARINHA DO BRASIL, 2014). Cumpre colacionar:
“Foram, então, assinados, em 23 de dezembro de 2008, os seguintes documentos:
- Plano de Ação (Parceria Estratégica), entre o Brasil e a França, firmado pelos
respectivos Presidentes, prevendo cooperação na área de defesa, em particular na
área de submarinos, entre outras;
- Acordo, entre os dois países, na área de submarinos, firmado pelos respectivos
Ministros de Defesa;
- Ajuste Técnico, entre os Ministérios da Defesa do Brasil e da França, firmado
pelos Comandantes das Marinhas desses países, relativo à concepção, construção e
comissionamento técnico de submarinos; e
- Contrato Principal, firmado pela MB e pelo Consórcio Baía de Sepetiba (CBS),
uma parceria entre a empresa DCNS e a brasileira Odebrecht, relativo à ToT e
Prestação de Serviços Técnicos Especializados, destinados a capacitar a Força a
projetar e construir Submarinos Convencionais e Nucleares, não havendo
transferência de tecnologia na área nuclear.” (MARINHA DO BRASIL, 2014, p. 5)
Após a assinatura dos referidos compromissos internacionais, os contratos
executivos do PROSUB puderam ser assinados entre os implementadores, seguindo uma
lógica de engenharia contratual, ou seja, um contrato principal e diversos outros contratos
assessórios que disciplinam aspectos distintos do programa, sem que isso implique em
subcontratações (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Nesse sentido, cabe
transcrever a estrutura de contratos do PROSUB:
Quadro 14 – Conexão entre as partes do Contrato Principal e os contratos derivados
Parte do Prosub Contrato Objeto
Submarinos
convencionais diesel
elétricos
(S-BR)
Contrato 1
Contrato 1A
40000/2009-
005/00
Fornecimento do pacote de materiais
necessários para a fabricação, construção e
entrega dos submarinos, e dos serviços do
Pacote de Logística pela DCNS.
Contrato 1B
40000/2009-
006/00
Construção, pela Itaguaí Construções Navais
S.A., de quatro S-BR, envolvendo
transferência de tecnologia e assistência
técnica da DCNS.
Submarino com
propulsão nuclear
(SN-BR)
Contrato 2
Contrato 2A
Anexo 2 ao
Contrato
40000/2009-
007/00
Fornecimento do pacote de materiais
necessários para a fabricação, construção e
entrega do SN-BR pela DCNS.
Contrato 2B
40000/2009-
007/00
Contratação preliminar da construção, pela
Itaguaí Construções Navais S.A., de um SN-
BR, com transferência de tecnologia e
assistência técnica da DCNS.
Torpedos e
contramedidas
Contrato 3
40000/2009-008/00
Aquisição junto à DCNS de trinta torpedos
F21 e cinquenta despistadores de torpedo.
Estaleiro e Base Naval Contrato 4
40000/2009-009/00
Construção, equipagem e comissionamento do
estaleiro e da base naval pela construtora
Norberto Odebrecht S.A.
Administração dos
contratos
Contrato 5
40000/2009-010/00
Planejamento, coordenação e gestão das
interfaces entre todas as prestações decorrentes
126
do Contrato Principal e dos contratos
subordinados pelo Consórcio Baia de Sepetiba.
Transferência de
Tecnologia
Contrato 6
40000/2009-011/00
Transferência de tecnologia, transferência de
know-how, prestação da assistência técnica,
transferência de documentos, treinamento e
suporte (DTS), e transferência de informações
técnicas e expertise pela DCNS, necessários
aos projetos, construção, operação e
manutenção dos submarinos, do estaleiro e da
base naval.
Programa de Offset Contrato 8
40000/2009-012/00
Compensação comercial, industrial e
tecnológica a ser realizada pela DCNS ou suas
subcontratadas ao Brasil ou à Marinha em
decorrência do contrato principal e dos
documentos contratuais.
Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 25
Nesse sentido, o gerenciamento do PROSUB estrutura-se em Empreendimentos
Modulares (EM), que é um instrumento para os casos em que o porte e a complexidade de
uma meta exigem o desdobramento da mesma em metas parciais interdependentes e
escalonadas harmonicamente no tempo, permitindo o alcance total de meta original ao
término (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). A estruturação em EMs também se
relaciona à gestão da tecnologia envolvida. Em linhas gerais, o PROSUB se desdobra nos
seguintes EMs:
Figura 10 – ToT no PROSUB: Empreendimentos Modulares da COGESN
Fonte: HIRSCHFELD, 2014.
Os EMs discriminados acima se dariam ao longo do tempo segundo o cronograma
original da seguinte forma:
127
Figura 11 – Cronograma original do PROSUB
Fonte: LOPES, 2015.
Entretanto, em que pese o cronograma original acima, o PROSUB não foi capaz
de atender as etapas no tempo previsto, dentre as causas está, principalmente, a restrição
orçamentária decorrente do ajuste fiscal empreendido no Brasil à época da elaboração deste
trabalho. Nesse sentido, várias renegociações do cronograma já foram feitas, tanto para a
entrega do Estaleiro, quanto para o primeiro dos submarinos convencionais, denominado
“Riachuelo”. O submarino já teve sua data de prontificação postergada duas vezes, de 2015
para 2017, e depois de 2017 para 2018. A expectativa, agora, é de que a entrega desse
submarino ao setor operativo da Marinha só aconteça em 2019 ou 2020 (LOPES, 2015).
Tendo sido expostos os aspectos contratuais gerais do PROSUB, bem como as
etapas e a cronologia do desenvolvimento do programa, o próximo item se dedicará a analisar
os pontos específicos que concernem à transferência de tecnologia.
4.1.4 – Contratos de transferência de tecnologia
Como demonstrado anteriormente, o PROSUB se encaixa numa estrutura
contratual em que um contrato principal de desdobra em diversos outros derivados, que
128
regulamentam e aprofundam aspectos distintos do programa. Entretanto, dos sete contratos
que regulam o PROSUB, apenas alguns interessam a essa pesquisa, vez que tratam de
transferência de tecnologia. Sendo assim, a pesquisa se deitará, principalmente, sobre os
Contratos nº 6, específico sobre transferência de tecnologia, e nº 8, que trata das ações de
Offset. Além desses, haverá menções aos Contratos nº 1A e nº 2A, que tratam do Programa de
Nacionalização da Produção (PNP), que visa à capacitação nacional para desenvolvimento,
produção e manutenção de equipamentos e sistemas relativos aos submarinos convencionais e
ao nuclear. Esses quatro contratos contemplam os processos de transferência de tecnologia no
PROSUB (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÂO, 2013). Os contratos serão abordados a
seguir, na ordem dita acima.
Por se tratar de uma contratação referente a uma tecnologia sensível, de grande
porte e muito complexa, é de se esperar que os instrumentos contratuais fossem classificados,
especialmente no que tange à transferência de tecnologia. Não obstante, esta pesquisa buscou
junto à Marinha do Brasil o máximo de informações ostensivas possíveis em relação ao
Contrato nº 6, mediante o Serviço de Informação ao Cidadão da referida instituição, sob os
auspícios da nova Lei de Acesso à Informação (BRASIL, 2011). Como resposta, a Marinha
do Brasil enviou um resumo do Contrato nº6, com suas subdivisões em 6.1, 6.2 e 6.3, cada
qual referente a um aspecto da transferência de tecnologia do PROSUB (MARINHA DO
BRASIL, 2015a), também disponível no Anexo E, valendo colacionar:
“CONTRATO 6.1 – ToT PARA O PROJETO DE DETALHAMENTO E A
CONSTRUÇÃO DOS S-BR
O processo de transferência de tecnologia para os S-BR, ocorreu na cidade de
Cherbourg na França, englobou a qualificação de profissionais de diversos níveis e
especialidades para a construção e para o projeto de detalhamento da seção
modificada do submarino e também a consultoria técnica durante a construção e a
realização desse projeto.
Para a atividade de construção a MB selecionou cerca de oitenta e um profissionais
entre aqueles que participaram da construção de submarinos no AMRJ, pois este era
um dos pré-requisitos. A esse grupo foram incorporados outros profissionais da
NUCLEP e da ICN, sem experiência específica nessa área, mas que já trabalharam
em obras de complexidade compatível.
Nesse mesmo local, um grupo, composto de vinte engenheiros, participou de um
treinamento que os capacitou a fazer o projeto de detalhamento de uma seção que
será inserida no Submarino Scorpène para transformá-lo no S-BR. Parte deste grupo,
após o fim do projeto da seção intermediária, incorporou ao projeto do SN-BR.
CONTRATO 6.2 – ToT PARA O PROJETO DO SN-BR
Antes de enviar para França os oficiais engenheiros para participar do processo de
ToT da DCNS, a MB tomou as seguintes medidas:
1 - Fez uma seleção rigorosa dos engenheiros, formando um grupo com 1 PHD, 13
Mestres com bastante experiência na área naval e mais 17 engenheiros graduados,
sendo 26 da COGESN e 5 do CTMSP; e
129
2 - Realizou, no Brasil, um ano antes do início da fase de ToT na França, um pré-
treinamento bastante detalhado com uma elevada carga horária, com as seguintes
atividades:
a) estudo orientado para o conhecimento de normas técnicas alemãs específicas para
projeto de submarino, que recebemos junto com o contrato de construção dos
submarinos da Classe Tupi, que possibilitou aos engenheiros conhecer critérios de
projeto de sistemas de submarinos convencionais;
b) exercício de projeto de exeqüibilidade de um submarino de 1700 t, com a
elaboração de relatórios, englobando as áreas de estrutura, propulsão, eletricidade,
sistemas de combate, sistemas auxiliares e arranjo geral. Com isso foram elaboradas
várias perguntas sobre as dúvidas que apareceram e sobre informações adicionais;
c) curso de proteção radiológica no IPEN/SP; e
d) palestras sobre os sistemas do LABGENE do CTMSP, do qual derivará a
propulsão do submarino nuclear.
O processo de ToT da DCNS compreende duas fases:
Na França, em Lorient - AGO2010 a MAI2012 – englobou as seguintes atividades:
a) tecnologia de projeto de submarino convencional, transmitida por instrutores da
DCNS, por meio de aulas, conferências, estudos dirigidos, On Job Trainning (OJT) e
visitas técnicas a organizações da DCNS, a submarinos nucleares e a indústrias
francesas da área de Defesa. Essa fase foi avaliada por meio de provas, cujos bons
resultados mostraram que os conhecimentos fornecidos foram absorvidos;
b) exercício de projeto de um submarino convencional de 3.000t, tendo sido
produzidos documentos técnicos de projeto;
c) Working Groups – estudo de interfaces, para definir requisitos técnicos, entre a
parte nuclear e a não nuclear do submarino e entre o submarino nuclear e o estaleiro,
tendo sido produzidos, documentos de projeto para a propulsão do submarino
nuclear e para o estaleiro em Itaguaí; e
d) tecnologia de projeto de submarinos nucleares e estudo de engenharia de um
submarino nuclear.
- No Brasil – JUL2012 até final de 2025 – Transferência de Tecnologia nas
modalidades de Assistência Técnica; Know How; expertise e Transferência de
Documentos, Treinamento e Suporte (DTS) para o Corpo Técnico de Projeto do SN-
BR para o desenvolvimento das atividades de Projeto e de Construção do
submarino.
Durante esse período, a DCNS prestará assistência técnica ao projeto e à construção
do SN-BR, por meio de equipe composta por cerca de 25 engenheiros experientes da
Empresa, no Brasil, e de forma remota, a partir da França, em salas de Tele-
Presença.
De AGO2012 a JUL2013 foi realizado um curso, no Brasil, de projeto de
submarinos para 18 novos oficias engenheiros da MB, que se juntaram ao grupo de
projeto original.
A ToT de Apoio Logístico Integrado (ALI) foi realizado por meio de cursos em
Lorient, na França, no período de JUN2012 a DEZ2012, e prossegue no Brasil
através de OJT.
CONTRATO 6.3 – ToT PARA O PROJETO E A CONSTRUÇÃO DA UFEM E
DO EBN
O processo de ToT para o projeto e construção da Unidade de Fabricação de
Estruturas Metálicas (UFEM), do Estaleiro de Construção, do Estaleiro de
Manutenção e da Base Naval (EBN), inclui a apresentação pela DCNS de requisitos
e informações técnicas, a avaliação e certificação do projeto e consultoria técnica
durante a construção.
Na primeira fase a DCNS forneceu, por meio de reuniões, seminários e um pacote
de documentos técnicos, os requisitos necessários ao projeto da UFEM e do EBN e à
especificação de aquisição dos seus sistemas e equipamentos, como mostrado a
seguir:
UFEM – 254 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil (STBO) e 83
para a especificação de equipamentos (STBI); e
EBN - 175 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil (STBO) e 83
para a especificação de equipamentos (STBI).” (MARINHA DO BRASIL, 2015a,
pp. 1-3)
130
Quadro 15 – Resumo dos contratos de transferência de tecnologia do PROSUB
Contrato 6.1 – S-BR
Transferência de Tecnologia em Cherbourg, França.
- 81 profissionais do AMRJ, NUCLEP e ICN.
- 20 engenheiros capacitados a projetar a seção intermediária do S-BR.
Contrato 6.2 – SN-BR
Pré-treinamento no Brasil pela MB:
- 1 PhD, 13 Mestres e 17 engenheiros graduados.
Na França, em Lorient - AGO2010 a MAI2012 –
a) tecnologia de projeto de submarino convencional.
b) exercício de projeto de um submarino convencional de 3.000t, tendo
sido produzidos documentos técnicos de projeto;
c) Working Groups – estudo de interfaces, para definir requisitos técnicos,
entre a parte nuclear e a não nuclear do submarino e entre o submarino
nuclear e o estaleiro
d) tecnologia de projeto de submarinos nucleares e estudo de engenharia de
um submarino nuclear.
No Brasil – JUL2012 até final de 2025 –
-Transferência de Tecnologia nas modalidades de Assistência Técnica;
Know How; expertise e Transferência de Documentos, Treinamento e
Suporte (DTS) para o Corpo Técnico de Projeto do SN-BR para o
desenvolvimento das atividades de Projeto e de Construção do submarino.
- Assistência técnica: 25 engenheiros da DCNS.
De AGO2012 a JUL2013 foi realizado um curso, no Brasil, de projeto de
submarinos para 18 novos oficias engenheiros da MB, que se juntaram ao
grupo de projeto original.
A ToT de Apoio Logístico Integrado (ALI) foi realizado por meio de
cursos em Lorient, na França, no período de JUN2012 a DEZ2012, e
prossegue no Brasil através de OJT.
Contrato 6.3 – UFEM e
EBN
-DCNS: requisitos e informações técnicas, a avaliação e certificação do
projeto e consultoria técnica durante a construção.
Na primeira fase a DCNS forneceu, por meio de reuniões, seminários e um
pacote de documentos técnicos, os requisitos necessários ao projeto da
UFEM e do EBN e à especificação de aquisição dos seus sistemas e
equipamentos, como mostrado a seguir:
UFEM – 254 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil
(STBO) e 83 para a especificação de equipamentos (STBI); e
EBN - 175 grupos de documentos para o projeto de engenharia civil
(STBO) e 83 para a especificação de equipamentos (STBI)
Fonte: Elaboração própria.
No ano de 2011, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou uma Auditoria de
Natureza Operacional nos programas PROSUB e H-XBR, a fim de avaliar os respectivos
processos de transferência de tecnologia. Tratava-se de uma operação inédita na referida
instituição, o que levou a várias pesquisas em outras instituições, especialistas e materiais
especializados a fim de se elaborar uma metodologia para desempenhar a tarefa. Em 2013, o
TCU emitiu um relatório da mencionada auditoria, explicando com detalhes os aspectos da
concepção, estruturação, formalização, gerenciamento e controle dos processos de
transferência de tecnologia dos mencionados programas (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013). O citado documento foi publicado e também traz muitas informações
131
detalhadas sobre os contratos de ToT do PROSUB, bem como as impressões da instituição
sobre os processos.
No presente item, este trabalho não se dedicará a informar as conclusões do TCU
a respeito dos contratos do PROSUB. Eventuais críticas e considerações serão feitas no
momento da avaliação em item posterior. Por ora, somente extrair-se-ão trechos dos contratos
acima relacionados para prover o máximo possível de informações sobre as cláusulas dos
documentos que pautam a transferência de tecnologia. Assim, sobre o Contrato nº 6, vale
transcrever:
“219. No Prosub, o Contrato de Transferência de Tecnologia (Contrato 6)
estabelece que, “sem prejuízos de outras modalidades que sejam necessárias”, serão
adotadas as modalidades “Pacote de Informações Técnicas, Assistência Técnica e
Treinamento” para o cumprimento dos objetivos visados nos três conjuntos em que
foram organizados os processos de transmissão das tecnologias: conjunto para
construção dos submarinos convencionais (S-BR), conjunto para projeto dos
submarinos, e conjunto para ToT relativa ao Estaleiro e à Base Naval (Cláusulas 2.3
e 2.4). Essas modalidades de acesso às tecnologias serão viabilizadas mediante o
compromisso da DCNS de outorgar “acesso amplo e direito de uso, sob a forma de
Licença Geral de Uso de know-how e Informações Técnicas e expertise”, com vistas
a dotar a Marinha “de todos os conhecimentos técnicos necessários ao Projeto,
Construção, operação, e manutenção dos Submarinos, do Estaleiro Naval e da Base
Naval” (Cláusula 2.1). Sem prejuízo dessa licença geral, a DCNS tem ainda a
obrigação jurídica de fornecer, mediante “Licenças Específicas de Uso de know-
howe Informações técnicas e expertise”, know-how para o desenvolvimento pela
Marinha das seguintes atividades compreendidas nos três conjuntos acima
mencionados (Cláusula 2.1, “i” a “v”):
i) construção, pela Sociedade de Propósito Específico (SPE) ou mesmo pela própria
Marinha, de quatro submarinos com propulsão diesel-elétrica (S-BR) e capacitação
para a conclusão do processo de projeto de construção do submarino com propulsão
nuclear (SN-BR);
ii) operação e manutenção dos quatro S-BR;
iii) concepção e elaboração do projeto básico do SN-BR;
iv) consecução das atividades integrantes do processo de projeto do SN-BR,
compreendendo o projeto de definição, o processo de construção e as especificações
técnicas detalhadas; e
v) concepção e elaboração do projeto do Estaleiro e da Base Naval, adequados à
construção, operação e manutenção de submarinos.
220. O tratamento conferido aos direitos relativos à propriedade intelectual
referente às tecnologias a serem transferidas está previsto na cláusula 10 do Contrato
6. Os direitos autorais sobre os projetos de submarinos convencionais (S-BR) são de
propriedade exclusiva da DCNS, à exceção dos direitos autorais sobre os projetos de
construção da Seção Intermediária do S-BR, os quais, por representarem esforço de
desenvolvimento conjunto, submeter-se-ão ao regime de co-propriedade, sendo a
Marinha e a DCNS detentoras de partes iguais.
221. O Contrato 6 indica os direitos autorais que são e continuarão a ser de
propriedade exclusiva da DCNS:
a) pacote de Informações Técnicas para a construção do S-BR;
b) pacote de Informações Técnicas do estaleiro e da base naval;
c) documentos transferidos pela DCNS à Marinha em cumprimento às
obrigações assumidas em razão do Contrato 6 e que tenham relação com o know-
how objeto da transferência de tecnologia, treinamento e assistência técnica; e
d) informações e dados, incluindo, mas não se limitando a, desenho dos
módulos desenvolvidos pela DCNS prévia ou independentemente do contrato, que
venham a ser usados para a elaboração do projeto de construção da Parte
Intermediária do S-BR, desde que assim declarados por escrito pela DCNS à
132
Marinha antes do início da elaboração do projeto de construção da seção
intermediária do S-BR.
222. A Marinha poderá utilizar a transferência de know-how, a prestação de
Assistência Técnica, a Transferência de Documentos, Treinamento e Suporte e a
Transferência de Informações Técnicas e Expertise para seu uso exclusivo, desde
que aplicados às seguintes finalidades:
a) operar e executar a manutenção dos quatro S-BR segundo, pelo menos, os
mesmos padrões de qualidade, desempenho e segurança estabelecidos para os quatro
S-BR do contrato principal e/ou nos documentos contratuais.
b) modernizar os quatro S-BR sob sua exclusiva responsabilidade e risco;
c) projetar e construir, ou mandar que construam, novos submarinos de
propulsão convencional distintos do S-BR, concebidos pela Marinha;
d) projetar e construir, ou mandar que construam, novos estaleiros navais e/ou
novas bases navais, de forma a permitir a perfeita construção, manutenção, reparo e
operação dos submarinos e/ou de outros submarinos pertencentes à esquadra da
Marinha ou que venham a ser futuramente integrados à sua esquadra, atendendo a,
pelo menos, os mesmos padrões de qualidade, desempenho e segurança
estabelecidos para o estaleiro, a base naval e/ou os submarinos no Contrato Principal
e/ou nos documentos contratuais; e
e) projetar, construir, operar e manter navios de superfície, simuladores e outros
meios relacionados a submarinos.
223. A cláusula 2.5.1 do Contrato 6 estabelece limitação à exportação dos
submarinos de propulsão convencional distintos do S-BR ao proibir, até o décimo
terceiro ano após a assinatura do Contrato 6, que a Marinha venda, ceda ou transfira
tais meios sem a concordância da DCNS. Após esse período, a Marinha poderá
vender, ceder ou transferir aqueles equipamentos independentemente de anuência da
DCNS.
224. Na hipótese de ser necessário à Marinha dar conhecimento a Terceiro
Autorizável das licenças e direitos autorais objeto da transferência de tecnologia e
assistência técnica, com a finalidade de construir ou manter submarinos
convencionais distintos dos S-BR, manter e modernizar os S-BR e construir novos
submarinos de propulsão nuclear, ela dará conhecimento ao Terceiro Autorizável
apenas das licenças e direitos autorais objeto da transferência de tecnologia e
assistência técnica apenas na extensão necessária para executar as atividades das
quais tenha sido incumbido pela Marinha. As operações pontuais de manutenção
poderão ser executadas por terceiro que não seja um Terceiro Autorizável.
225. Importante destacar que a DCNS busca resguardar, ao máximo, as
informações transferidas à Marinha, ao definir Terceiro Autorizável como uma
empresa brasileira que atenda às seguintes condições:
a) de cujo capital não participe, direta ou indiretamente, em mais de 10%,
terceiro cuja atividade inclua a construção ou manutenção de submarinos;
b) que não seja manifestamente associada a ou licenciada por terceiro cuja
atividade inclua construção ou manutenção de submarinos; e
c) de cujo grupo de controle não participe, direta ou indiretamente, terceiro cuja
atividade inclua construção ou manutenção de submarinos.
226. Adicionalmente, o contrato define que Operação Pontual de Manutenção ou
Reparo não abrange as atividades de modernização, conversão e manutenção geral
(major overhaul).
227. Os direitos autorais sobre os Projetos do SN-BR serão de propriedade da
Marinha, sem que qualquer direito sobre eles resultem em favor da DCNS, devido à
Transferência de Tecnologia e à Assistência Técnica que se obrigou a transferir e
prestar, conforme Contrato 6.
228. Também pertencem à Marinha os direitos sobre a propriedade intelectual dos
projetos relativos à construção do EBN, uma vez que ela é destinatária da
transferência de tecnologia para elaboração desses projetos.” (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 35-37)
133
Quadro 16 – Resumo da propriedade intelectual no PROSUB
Propriedade Intelectual
Marinha do Brasil DCNS
- Projeto do SN-BR na íntegra;
- Projeto do EBN;
- Utilização da tecnologia transferida para seu uso
exclusivo nas seguintes finalidades:
a) operar e executar a manutenção dos quatro S-BR
segundo.
b) modernizar os quatro S-BR sob sua exclusiva
responsabilidade e risco.
c) projetar e construir, ou mandar que construam,
novos submarinos de propulsão convencional distintos
do S-BR, concebidos pela Marinha;
d) projetar e construir, ou mandar que construam,
novos estaleiros navais e/ou novas bases navais
e) projetar, construir, operar e manter navios de
superfície, simuladores e outros meios relacionados a
submarinos.
- Projeto do S-BR.
- Pacote de Informações Técnicas para a construção
do S-BR;
- Pacote de Informações Técnicas do estaleiro e da
base naval;
- Documentos transferidos pela DCNS à Marinha em
cumprimento às obrigações assumidas em razão do
Contrato 6 e que tenham relação com o know-how
objeto da transferência de tecnologia, treinamento e
assistência técnica; e
- Informações e dados, incluindo, mas não se
limitando a, desenho dos módulos desenvolvidos pela
DCNS prévia ou independentemente do contrato, que
venham a ser usados para a elaboração do projeto de
construção da Parte Intermediária do S-BR, desde que
assim declarados por escrito pela DCNS à Marinha
antes do início da elaboração do projeto de construção
da seção intermediária do S-BR.
- Projeto da seção intermediária do S-BR (co-propriedade)
- Proibição de comercializar submarino distinto do S-
BR por treze anos;
- Transmitir tecnologia a terceiro somente na extensão
necessária e com autorização da DCNS.
- Obrigação de outorgar “acesso amplo e direito de
uso, sob a forma de Licença Geral de Uso de know-
how e Informações Técnicas e expertise”, com vistas a
dotar a Marinha “de todos os conhecimentos técnicos
necessários ao Projeto, Construção, operação, e
manutenção dos Submarinos, do Estaleiro Naval e da
Base Naval” e atividades necessárias relacionadas.
Fonte: Elaboração própria.
Além do Contrato nº 6, específico da transferência de tecnologia dos submarinos
convencionais, do submarino nuclear e do estaleiro e base naval, o Contrato nº 8 também é
importante para analisar o processo de aquisição de tecnologia, vez que trata das operações de
offset derivadas do PROSUB, quais sejam, as compensações que a DCNS deverá efetuar em
contrapartida à sua escolha como fornecedora. Segundo resposta da Marinha do Brasil
(2015b, ANEXO E), por meio do Serviço de Informação ao Cidadão, o Contrato nº 8 pode ser
resumido em 21 operações que se darão da seguinte forma:
Quadro 17 – Operações de Offset previstas no Contrato nº 8 do PROSUB
OFFSET 1 – Taxa de Licença Relacionada à Construção dos 4 (quatro) S-BR
OFFSET 2 – Taxa de Licença Relacionada à Construção da Base Naval e do
Estaleiro
OFFSET 3 – Programa de Nacionalização do S-BR e do SN-BR
OFFSET 4 – Projeto Detalhado da Seção Intermediária do S-BR
OFFSET 5 – Capacitação em Engenharia de Apoio Logístico dos Submarinos
OFFSET 6 – Projeto do SN-BR
OFFSET 7 – Criação da Sociedade de Propósito Específico (SPE)
OFFSET 8 – Treinamento de EMC/EMI - Compatibilidade
Eletromagnética/Interferência Eletromagnética (Electromagnetic Compatibility/
Electromagnetic Interference Training - EMC/ EMI)
134
OFFSET 9 – Treinamento de Manutenção do Sistema de Combate
OFFSET 10 – Sistema de Combate - Engenharia, Integração, Manutenção e Apoio
OFFSET 11 – Treinamento de Manutenção do Sonar
OFFSET 12 – Treinamento de Manutenção do IPMS
OFFSET 13 – Treinamento do Quadro Elétrico Principal
OFFSET 14 – Treinamento de Manutenção do Motor Elétrico da Propulsão
OFFSET 15 – Raia Acústica Móvel
OFFSET 16 – Assistência Técnica para o NAe São Paulo
OFFSET 17 – Apoio a Estudos de Hidrodinâmica
OFFSET 18 – Análise do Projeto do Módulo de Propulsão do SN-BR Desenvolvido
pela MB
OFFSET 19 – AMRJ Modernização
OFFSET 20 – IPMS - Desenvolvimento, Integração, Manutenção e Apoio
OFFSET 21 – Projeto Preliminar de Laboratórios Fonte: MARINHA DO BRASIL, 2015b (ANEXO E)
Dessas operações, até a última informação em 2014, apenas as operações 7 e 8
haviam sido concluídas, as operações 13 e 14 ainda não haviam iniciado e as demais estariam
em execução (HIRSCHFELD, 2014). Além dessas informações, cabe complementar:
“19 operações são diretamente ligadas à concepção, construção, operação e
manutenção dos quatro submarinos convencionais (S-BR) e do submarino com
propulsão nuclear (SN-BR), além de duas operações voltadas para a assistência
técnica na manutenção de equipamentos e sistemas do NAe São Paulo; e a
modernização de setores do Arsenal de Marinha, no Rio de Janeiro.
18 delas estão diretamente ligadas à Transferência de Tecnologia (ToT), que é
efetuada por meio de treinamentos teóricos e práticos, cursos de formação
profissional (OJT - On Job Training), assessoria da DCNS, além do fornecimento de
documentação técnica.
O montante estabelecido para os projetos acima, que corresponde a €
4.345.200.000,00 (quatro bilhões, trezentos e quarenta e cinco milhões e duzentos
mil Euros), destina-se ao conhecimento e capacitações a serem agregados ao País.
Dentre os principais offsets previstos em contrato, a compensação que trata da
transferência de conhecimento na área de projeto para o SN-BR é uma das mais
importantes, pois possibilitará a futura construção do primeiro Submarino com
Propulsão Nuclear brasileiro.
Além deste, o contrato de offset contempla ainda o Programa de Nacionalização
tanto para o SBR quanto para o SN-BR, o que vem impulsionando e desenvolvendo
a indústria de defesa nacional por meio da transferência de conhecimento na
produção de sistemas e equipamentos. O Programa para os S-BR possui, atualmente,
104 projetos candidatos, nas seguintes áreas de atuação:
- Fabricação de sistemas, equipamentos e componentes;
- Treinamento para o desenvolvimento e integração de softwares específicos de
importantes sistemas; e
- Suporte técnico para as empresas brasileiras durante a fabricação dos itens
Valores envolvidos: € 100 milhões para os quatro S-BR e, pelo menos, outros € 100
milhões para o SN-BR.
Os projetos candidatos são destinados à nacionalização dos principais sistemas,
equipamentos e itens dos submarinos com propulsão convencional (S-BR) e,
futuramente, para o primeiro submarino com propulsão nuclear (SN-BR). Como
exemplo pode-se citar baterias, motor elétrico principal, motores elétricos, quadros
elétricos, compressores de ar, sistema de combate, tubos de torpedos, mancais de
escora, sistema de monitoramento das baterias, válvulas de casco, bombas d’água
etc.
Outra compensação importante é a que trata do Sistema de Combate para o
Submarino o que possibilitará a transferência de tecnologia para o Brasil com o
135
objetivo de alcançar autonomia e independência nesta área.” (MARINHA DO
BRASIL, 2015b, pp. 2-3)
Além dos Contratos nos
6 e 8, o processo de ToT no PROSUB está inserido no
condão de nacionalizar o máximo possível da produção dos submarinos no Brasil, de forma a
alavancar a Indústria de Defesa e obter independência e autonomia na área, conforme já dito
anteriormente. Nesse sentido, os Contratos nos
1A e 2A tratam do Programa de
Nacionalização da Produção, que se desenvolve da seguinte forma:
“Programa de nacionalização da produção – item C.
269. O controle da execução do Programa de Nacionalização da Produção (PNP)
se faz por meio do Plano de Gerenciamento da Nacionalização da Produção (peça
62), o qual apresenta 93 projetos candidatos à nacionalização ordenados por escala
de prioridade estabelecida pela Marinha.
270. A implementação desses projetos é monitorada por meio de Fases de
Implementação, onde cada projeto deve percorrer cinco fases para que se consiga o
objetivo de nacionalizar determinado componente ou sistema:
Fase 1: Caracterização do produto.
Fase 2: Prospecção e seleção de fornecedores
Fase 3: Negociação
Fase 4: Decisão
Fase 5: Processo de acompanhamento de contrato.
271. Um plano de acompanhamento é anexado a cada contrato e estabelece o
procedimento a ser seguido pelo fornecedor e seus subcontratados no intuito de
monitorar a fabricação de cada item a ser nacionalizado.
272. A estrutura da DCNS para o acompanhamento ainda não se confirmou e
aponta para uma das duas alternativas:
i) acompanhamento por meio de uma equipe dedicada; ou
ii) contratação de uma empresa brasileira para acompanhar a fabricação, o
controle, a gestão das recomendações da DCNS, bem como os testes de aceitação de
fabricação.
273. Os marcos para essa fase são:
i) DCNS: são definidos em cada Plano de Acompanhamento do contrato com o
fornecedor, prevendo estágios que permitam garantir o cumprimento do calendário e
atingimento da qualidade técnica almejada;
ii) Marinha: testes de aceitação;
iii) assinatura do Certificado Temporário de Aceitação após a entrega do
produto. O Plano de Gerenciamento da Nacionalização não identifica quem é
responsável por assinar o referido certificado.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013, pp. 43-44)
Esses são os principais instrumentos contratuais que versam sobre a transferência
de tecnologia no PROSUB, que também servirão como base para a avaliação que pretende
esse trabalho.
136
4.1.5 – Teoria da intervenção e objetivos
Conforme desenvolvido anteriormente, Vedung (1997) chama de Teoria da
Intervenção a análise dos problemas e causas que motivam a intervenção, de forma a se
entender quais são as ações esperadas da política pública sobre a condição que se visa
transformar. Assim, entender a teoria da intervenção por trás do PROSUB torna-se imperativo
para a avaliação da implementação desse programa no que tange à transferência de
tecnologia, pois poderão ser evidenciados os objetivos do mesmo, ou seja, o rumo final que a
política pública nele representada almeja alcançar. Assim, poder-se-á avaliar a implementação
a fim de averiguar se ela caminha na direção correta.
Para investigar a teoria da intervenção do PROSUB, utilizar-se-á o referencial
teórico elaborado no primeiro capítulo, em especial no que concernem aos objetivos
colocados pela END (BRASIL, 2012c), quais sejam: o domínio de tecnologias sensíveis, a
reestruturação da Base Industrial de Defesa, a independência nacional na construção de meios
de defesa e a ação autônoma do Brasil no cenário internacional. Além desses objetivos gerais,
também os específicos, no que tangem à construção de um submarino com propulsão nuclear
e à missão da Marinha do Brasil de proteger as águas jurisdicionais brasileiras.
Ademais, os objetivos específicos do PROSUB também podem ser encontrados
no Relatório de Auditoria de Natureza Operacional feito pelo TCU (2013), que de forma
detalhada explicita as metas do programa. Sendo assim, as metas globais associadas aos
Empreendimentos Modulares do PROSUB são demonstradas da seguinte forma:
Quadro 18 - Empreendimentos Modulares do Prosub e da obtenção da planta nuclear do SN-
BR.
EM Título Meta Global
18
Infraestrutura, construção
e manutenção de
submarinos.
Dotar o país de infraestrutura para construção, manutenção e
operação de submarinos.
19 Construção de submarino
de propulsão nuclear.
Dotar a Marinha de submarino com propulsão nuclear, a fim de
contribuir para a garantia de negação do uso do mar e o controle
marítimo das áreas estratégicas de acesso ao Brasil, além de permitir
a manutenção e o desenvolvimento da capacidade de construção
desses meios navais no país.
20 Construção de submarinos
convencionais.
Dotar a Marinha de novos submarinos, a fim de contribuir para a
garantia de negação do uso do mar e o controle marítimo das áreas
estratégicas de acesso ao Brasil, além de permitir a manutenção e o
desenvolvimento da capacidade de construção desses maios navais
no país.
Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 39
137
Quadro 19 - Metas globais e parciais dos Empreendimentos Modulares.
EM Meta Global Metas Parciais
18 Dotar o país de infraestrutura para construção, manutenção e
operação de submarinos.
Construção de um
estaleiro naval e de uma
base naval;
Construção/aquisição de
próprios nacionais
residenciais.
19
Dotar a Marinha de submarino com propulsão nuclear, a fim de
contribuir para garantia de negação do uso do mar e o controle
marítimo das áreas estratégicas de acesso ao Brasil, além de
permitir a manutenção e o desenvolvimento da capacidade de
construção desses meios navais no país.
Obtenção da plataforma
do submarino com
propulsão nuclear;
Obtenção da propulsão
nuclear para o submarino
nuclear.
20
Dotar a Marinha de novos submarinos, a fim de contribuir para a
garantia de negação do uso do mar e o controle marítimo das
áreas estratégicas de acesso ao Brasil, além de permitir a
manutenção e o desenvolvimento da capacidade de construção
desses meios navais no país.
Obtenção de submarinos
de propulsão convencional;
Obtenção de torpedos e
contramedidas para
emprego dos S-BR.
Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 39-40.
De posse dessas informações, já se pode desenhar o modelo de Teoria da
Intervenção do PROSUB, a partir do Contrato Principal (MARINHA DO BRASIL, 2014, p.
5) que, conforme ensina Vedung (1997, p. 225), representamos a seguir:
Intervenção PROSUB (como decidido)
↓
Conversão planejada Empreendimentos Modulares 18, 19 e 20.
↓ Resultados pretendidos Estaleiro e Base Naval
Quatro submarinos nucleares
Um submarino com propulsão nuclear
↓ Efeitos imediatos pretendidos Dotar o país de infraestrutura para construção,
manutenção e operação de submarinos
Contribuir para a garantia de negação do uso do
mar e o controle marítimo das áreas estratégicas
de acesso ao Brasil
↓ Efeitos intermediários pretendidos
(determinantes do problema) Capacidade de negação do uso do mar
diminuída
Não domínio das tecnologias sensíveis inerentes
e necessárias
Futura obsolescência dos meios atuais
↓ Hipóteses causais Déficit tecnológico
Desestruturação da Base Industrial de Defesa
↓ Efeitos últimos pretendidos
(condição problemática que se busca
mudar)
Dependência tecnológica na produção e
desenvolvimento desses meios navais
Comprometimento da ação autônoma do país
Figura 12 – Teoria da intervenção do PROSUB
138
Fonte: Elaboração própria a partir da adaptação da metodologia de VEDUNG, 1997, p. 225.
Vale lembrar que o modelo acima representa a ação do programa empreendido
pela política pública sobre os fatores determinantes de uma condição problemática que se visa
modificar. Não se trata de uma representação dos desdobramentos naturais do PROSUB, mas
a influência do mesmo, como política pública governamental (de cima para baixo) sobre uma
situação-problema.
Pelos objetivos acima delineados e pelo embasamento anterior, constata-se que o
país tem tido sua atuação autônoma comprometida no cenário internacional, por carência de
meios de defesa adequados e pela dependência que possui de fornecimento estrangeiro de
tecnologias para a produção desses bens. Essa situação problemática tem como causas
prováveis o déficit tecnológico que o Brasil ostenta em relação aos países desenvolvidos e a
desestruturação da Base Industrial de Defesa que não atende às necessidades das Forças
Armadas. No caso específico da Marinha, verifica-se que essas causas provocam uma
capacidade de negação do uso do mar diminuída, agravada pela futura necessidade de
aquisição de novos submarinos diante da certa obsolescência dos meios atuais por ação do
tempo, mas que esbarra no não domínio das tecnologias necessárias para solucionar tal
problema. Nesse sentido, o PROSUB surge como resposta que visa transformar essa situação,
mediante não só a aquisição de novos submarinos, inclusive com propulsão nuclear, mas
também obtenção de tecnologia e infraestrutura capaz de proporcionar ao país capacidade de
construir, manter e operar submarinos independentemente.
4.1.6 – Modelos analíticos
Seguindo a metodologia desenvolvida no capítulo anterior, para avaliar a
implementação do PROSUB, as informações fornecidas até agora serão apresentadas em
modelos analíticos, que facilitarão o entendimento do programa e basearão a abordagem
metodológica que conduzirá a avaliação.
Nesse sentido, o primeiro modelo analítico a ser apresentado será o Modelo de
Atores Interessados (stakeholders) do PROSUB, que pode ser representado da seguinte
forma:
139
Figura 13 – Modelo de Atores Interessados do PROSUB (Stakeholders Model)
Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997.
O modelo acima representa os atores que possuem algum interesse na política
pública representada pelo PROSUB. Como o programa se originou de uma parceria entre os
governos brasileiro e francês, ambos são retratados no modelo. Ligados ao governo brasileiro
estão o Ministério da Defesa, a Marinha do Brasil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República (SAE/PR). Segundo o Relatório do TCU, essas três instituições
seriam os stakeholders governamentais principais do PROSUB, e deveriam ser os
responsáveis pela concepção, estruturação, formalização e controle do PROSUB
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63). No entanto, segundo apurou o
tribunal, a ação do Ministério da Defesa teria sido incipiente e a SAE/PR não teria se
envolvido na formulação de políticas públicas para apoiar o PROSUB (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63-64). A Marinha do Brasil, naturalmente, é a principal
concebedora e executora do programa, bem como principal usuária, vez que operará os
submarinos e pretende concentrar a tecnologia sensível advinda do programa. Ligado ao
governo francês, encontra-se a DCNS, estatal, que é a principal fornecedora dos produtos e da
tecnologia inerentes ao PROSUB.
Também interessada no PROSUB está a Base Industrial de Defesa, sobretudo
como uma das beneficiárias do programa, tendo em vista o seu objetivo de nacionalizar o
máximo possível da produção e da tecnologia em comento, em cumprimento às diretrizes da
END. Sendo assim, dentro do segmento da indústria de Defesa no referido modelo,
encontram-se também as sociedades empresariais que atuam no PROSUB, tanto com
participação estatal, a exemplo da ENGEPROM, da AMAZUL e da ICN, quanto
140
eminentemente privadas, como a Odebrecht e as demais fornecedoras de equipamentos em
geral, inclusive as destinatárias de offset. Ao lado da indústria, está também a academia, ou as
universidades. Conforme demonstrado em capítulo anterior, a lógica do complexo militar-
acadêmico-industrial tem pautado as aquisições e a gestão de meios de Defesa no último
século. Sendo assim, além do setor acadêmico que trata do desenvolvimento das ciências que
guarnecerão os submarinos propriamente ditos, está o segmento que avalia os programas
dentro da lógica das ciências sociais e políticas, em seu cunho estratégico, como o presente
trabalho.
Por fim, considerando que o PROSUB é um programa estratégico governamental,
a sociedade em geral é um ator interessado no mesmo, tendo em vista não só sua condição de
beneficiária como um todo dos efeitos do programa para o país, mas também pelo emprego de
recursos públicos do erário nacional, constituído, sobretudo, das contribuições da sociedade.
Dessa forma, à sociedade interessam os rumos que tomará o PROSUB.
O segundo modelo a ser apresentado será o Modelo de Sistema Simplificado, que
fornecerá um panorama geral da política pública representada pelo PROSUB, em seus
insumos, conversão, resultados e efeitos esperados. Segue:
Figura 14 – Modelo de Sistema Simplificado do PROSUB
Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997
141
Esse modelo toma como base as informações obtidas até agora para demonstrar a
concepção do PROSUB como política pública em suas fases pós-decisão, mostrando o
processo de conversão dos insumos aplicados nos resultados e efeitos desejados, de acordo
com as metas do programa e diretrizes da END.
No capítulo sobre a abordagem metodológica apresentamos também o Modelo de
Consecução de Objetivos, que relaciona a política pública e suas metas, considerando os
fatores externos. Entretanto, esse modelo precisa do desenvolvimento de mais algumas
informações, bem como da avaliação da implementação, que será feita no item a seguir.
4.1.7 – Avaliação da implementação
Tendo demonstrado os modelos analíticos que permitem a visualização do
PROSUB como política pública, dentro da ótica da teoria da intervenção, sob o aspecto dos
atores interessados (stakeholders) e dentro do panorama geral do programa em relação a
insumos, conversão, resultados e efeitos, passa-se agora à avaliação da implementação do
programa propriamente dita, no que tange ao seu processo de transferência de tecnologia.
Conforme desenvolvido no capítulo anterior, baseado no referencial teórico
plasmado anteriormente, são três os indicadores que serão utilizados para medir a eficácia e
efetividade da transferência de tecnologia no PROSUB, quais sejam: transferência de know-
why; possibilidade de difusão; possibilidade de alcançar independência no setor
(nacionalização). Para atribuir valor a cada indicador, serão utilizadas entrevistas com
implementadores e outros documentos hábeis a conferir as informações necessárias.
4.1.7.1 – Transferência de “Know-why”
O primeiro indicador a ser valorado será a transferência de know-why no
PROSUB. Primeiramente, antes de introduzir os resultados da pesquisa e as respostas dos
entrevistados, cabe trazer à baila informações importantes sobre o processo de transferência
de tecnologia no programa.
142
O Relatório de Auditoria de Natureza Operacional do TCU teve o objetivo de
avaliar os processos de ToT no PROSUB e no H-XBR. Como é de se esperar de uma
instituição governamental de tal porte, existe um maior número de pessoas envolvidas na
avaliação e maior acesso às informações necessárias. Assim, o que for possível de ser extraído
daquele relatório que possua o mesmo objetivo dessa pesquisa e que possa colaborar com ela,
será feito. Nesse sentido, o TCU avaliou o processo de ToT no PROSUB em quatro fases:
concepção, estruturação, formalização e controle (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,
2013). Vale citar algumas das conclusões a que o tribunal chegou:
“83. Antes da formalização dos projetos, não foram adequadamente avaliadas ou
foram deixadas a cargo das empresas contratadas, condicionantes importantes como:
participação da indústria nos processos de transferência de tecnologia; estratégias
para identificar as necessidades tecnológicas e oportunidades de comercialização;
articulação entre Forças Armadas, universidades, institutos de P,D&I e empresas;
sistemas de reconhecimento e medição das tecnologias; definição do processo de
propriedade intelectual; bem como a gestão do conhecimento a ser adquirido.”
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 13)
Ademais:
“387. No tocante à concepção dos projetos, concluímos que a decisão política de se
aproveitar a oportunidade oferecida pelo governo francês de cooperar com o Brasil
na área de defesa superou a orientação técnica dos projetos, apesar de estes serem
caracterizados por sua complexidade e ineditismo.
[...] 390. Concluímos que, em razão da falta de um adequado exame das
condicionantes dos processos de ToT, antes da estruturação e formalização dos
projetos, o alcance dos resultados visados pelo Projeto H-XBR e pelo Prosub
dependerá da capacidade da Aeronáutica e da Marinha, respectivamente, em detectar
e superar os riscos que surgirem durante a execução dos empreendimentos.
[...] 393. Concluímos que as circunstâncias em que foram implementados o
Prosub e o Projeto H-XBR não permitiram que os órgãos envolvidos dispusessem
das condições mais adequadas em termos de prazo, acesso a informações,
capacidades técnicas para as negociações dos contratos, análise dos riscos e
oportunidades envolvidos nos empreendimentos. Isso suscita a possibilidade de que
os compromissos acordados nessas condições possam ter resultado num
balanceamento de custos e benefícios demasiadamente favorável aos particulares,
em detrimento do interesse público.
[...] 397. Outro aspecto importante a ser considerado na análise da adequação
dos arranjos contratuais é a compatibilização dos objetos e prestações estabelecidos
nas relações obrigacionais às necessidades que motivaram a implementação do
projeto. Essa compatibilização foi prejudicada em razão de falhas na etapa de
concepção dos empreendimentos associadas à impossibilidade de acesso a
informações sobre as tecnologias antes das contratações.
[...] 400. Em relação à etapa de gerenciamento e controle dos projetos,
concluímos que há, no Prosub, flagrante descompasso entre a relevância das
obrigações de transferência de tecnologia previstas no contrato e os
mecanismos concebidos para aferir e mensurar a efetivação dessa
transferência. O instrumento contratualmente previsto para controle temporal
da realização das atividades de transferência de tecnologia - o Plano de
Aceitação de Marcos - presta-se fundamentalmente para viabilizar a liquidação
financeira das obrigações (cumprimento formal), pouco informando sobre o
cumprimento do seu objeto (cumprimento material).” (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 61-62, grifos nossos)
143
Em outras palavras, segundo apurou o TCU, o processo de transferência de
tecnologia no PROSUB já haveria nascido com problemas. Isso porque, em resumo, em
decorrência da necessidade de se aproveitar a oportunidade surgida de parceria com a França,
tomou-se a decisão política de levar a cabo o programa. Entretanto, o curto prazo para a
tomada de decisão e negociação prejudicou a fase de concepção e estruturação da
transferência de tecnologia que se visava obter. Ou seja, não foi possível estabelecer desde o
início os níveis de tecnologia esperados e não houve acesso às informações técnicas e
tecnológicas necessárias previamente, o que teria prejudicado as negociações dos contratos de
transferência de tecnologia, em detrimento do interesse público (TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO, 2013).
Nesse sentido, considerando o problema na concepção e estruturação do PROSUB
no que tange à transferência de tecnologia, o TCU concluiu que o sucesso do programa
depende da capacidade da Marinha do Brasil de detectar e corrigir eventuais falhas durante a
implementação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Nesse sentido, o órgão
recomendou ao Comando da Marinha que:
“a. estabeleça indicadores para mensurar a evolução dos processos de
transferência de tecnologia do Prosub, para avaliar de forma objetiva os benefícios
de se onerar a aquisição/desenvolvimento de equipamentos sob o argumento de que
haverá capacitação da indústria nacional, ou da própria Força; e
b. adote medidas de retenção de recursos humanos capacitados nos processos de
transferência de tecnologia do Prosub, com vistas a garantir a transmissão dos
conhecimentos adquiridos mediante transferência de tecnologia.” (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 65)
Não obstante, o tribunal reconheceu que foi adequada a providência adotada pela
Marinha do Brasil diante da impossibilidade do acesso a informações sobre as tecnologias
antes da contratação da DCNS, qual seja, estabelecer uma cláusula (2.2 do Contrato nº 6) que
não limita o dever da fornecedora de efetivar toda a Transferência de Tecnologia, a
transferência de know-how, a prestação de Assistência Técnica, a Transferência de
Documentos, Treinamento e Suporte e a transferência de informações técnicas e expertise,
necessárias à adequada execução de todos os encargos assumidos pela DCNS e intervenientes
na contratação, principalmente com respeito à consecução do objetivo precípuo do projeto
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Ou seja, na impossibilidade de conhecer
antecipadamente as tecnologias que se visa obter, tenta-se ao máximo ampliar o escopo da
transferência no instrumento contratual.
Em síntese, às recomendações do TCU à Marinha do Brasil, esta respondeu que já
havia iniciado o estudo e a preparação para estabelecer os indicadores de medição de
144
evolução dos processos de transferência de tecnologia, bem como havia tomado a medida de
reter os recursos humanos mediante as empresas estatais ENGEPROM e AMAZUL, muito
embora não pudesse garantir a inamovibilidade dos oficiais militares envolvidos (TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Nesse diapasão, em relação à transferência de know-why, esta pesquisa buscou
entrevistar agentes de implementação que estiveram diretamente envolvidos no processo de
transferência de tecnologia no PROSUB. Os questionários estão anexos (ANEXO B), mas
insta colacionar no corpo desse trabalho os trechos e as respostas mais relevantes para a
medição que se busca. Como foi colocado anteriormente, para medir a obtenção do know-why
foi utilizada uma tabela com os fluxos de conhecimentos numa transferência de tecnologia.
Apenas para lembrar o que foi desenvolvido no capítulo do referencial teórico, os quatro
primeiros fluxos correspondem ao simples fluxo de conhecimentos, os três seguintes
correspondem ao fluxo de know-how e os três últimos, ao fluxo de know-why. Seguem abaixo
as respostas dos entrevistados:
Quadro 20 – Resposta do 1º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB
Design do
Produto/Especificações*
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Design dos processos e projetos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Procedimentos de
produção/cronograma e
organização
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Produção/ Know-how de
organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de
engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e
expertise
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias e
pesquisa de conhecimentos, dados,
procedimentos, entre outros.
(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Design do Produto/Especificações* - O Design do Submarino não faz parte da Transferência de Tecnologia
para Construção. A DCNS apenas vai fornecer as especificações técnicas. Fonte: RIBEIRO JÚNIOR, 2015 (ANEXO B).
145
Quadro 21 – Resposta do 2º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB
Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Procedimentos de
produção/cronograma e
organização
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Produção/ Know-how de
organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de
engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e
expertise
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias e
pesquisa de conhecimentos, dados,
procedimentos, entre outros.
(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
( X ) Satisfatória* - Considerando a contribuição individual dos projetos candidatos no programa de
nacionalização Fonte: TALON, 2015 (ANEXO B).
Quadro 22 – Resposta do 3º entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no PROSUB
Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Procedimentos de
produção/cronograma e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de
engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e
expertise
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias e
pesquisa de conhecimentos, dados,
procedimentos, entre outros.
(x) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Fonte: BARBOSA JÚNIOR, 2015 (ANEXO B).
146
As respostas acima transcritas devem ser cotejadas com as demais respostas dos
questionários (ANEXO B) e com outros documentos referentes ao tema. Isso porque a
transferência de tecnologia no PROSUB é deveras complexa e abarca diversos aspectos,
sistemas e subsistemas dentro das máquinas que são os submarinos, como pode ser
depreendido da leitura dos questionários. De um modo geral, dos três indicadores
correspondentes ao fluxo de know-why, em todos os questionários, apenas o último não
estaria previsto no contrato. Ou seja, dois dos três fluxos de know-why estiveram presentes na
transferência de tecnologia. Os demais fluxos de know how e simples conhecimentos foram
satisfatórios em sua maioria. Apenas um dos entrevistados (RIBEIRO JÚNIOR, 2015)
marcou não haver previsão em alguns fluxos de know-how e conhecimentos (ANEXO B).
Segundo os entrevistados (BARBOSA JÚNIOR, 2015; RIBEIRO JÚNIOR, 2015;
TALON, 2015, ANEXO B), no momento atual do programa ainda não é possível afirmar se a
tecnologia transferida é satisfatória e corresponde às expectativas iniciais, porém, no que foi
executado até o momento o estágio corrente do programa está alinhado aos seus objetivos.
Um dos entrevistados (BARBOSA JÚNIOR, 2015) respondeu que na parte do PROSUB em
que ele atuou a transferência foi satisfatória e tem condições de complementar as pesquisas e
o desenvolvimento que algumas empresas da BID já realizam (ANEXO B).
Diante das respostas do implementadores acima, pode-se ver que um dos três
fluxos de know-why não estava previsto no contrato de transferência de tecnologia do
PROSUB, não sendo, portanto, transferido aos recipiendários. Em que pese o resultado não
ideal, conforme a metodologia aqui adotada, há de se considerar que o processo já nasceu com
falhas, segundo apuração do TCU (2013). A não previsão no contrato daquele fluxo pode
estar relacionada à referida falha na concepção e estruturação do programa. Dessa forma, são
necessárias investigações ulteriores para verificar se a causa da não transferência do referido
fluxo que excedem a alçada do presente trabalho.
Contudo, é imperativo considerar que as negociações e as subseqüentes fases de
concepção e estruturação estão ambientadas num contexto de cerceamento tecnológico, como
desenvolvido anteriormente. Ou seja, trata-se de uma relação tensa entre quem almeja
tecnologia que não possui e quem a possui, mas não deseja que ela seja compartilhada. Dessa
forma, não é de interesse da França que o Brasil domine e desenvolva tecnologia para obter
autonomia na produção de submarinos, motivo pelo qual falhas na concepção e estruturação
do programa proporcionam brechas para que se retenha um ou outro fluxo de conhecimento,
ou ainda se transfira tecnologia ultrapassada.
147
Não obstante, há de se destacar que os entrevistados não responderam que a
transferência do fluxo ausente foi insatisfatória, mas que não era prevista contratualmente.
Assim, seguindo o modelo lógico do capítulo anterior, em que o contrato causa um processo
que apresenta um resultado (A→B=C), pode-se inferir que a transferência de know-why, ainda
que tenha um fluxo faltante, correu conforme a previsão contratual. Logo, se o resultado não
corresponde à transferência ideal almejada pela END, a deficiência é do instrumento
contratual. Destarte, a conclusão em relação à transferência de know-why no PROSUB é que
ela existiu e foi conforme o contratado, mas não foi plena, segundo a metodologia e o
referencial teórico adotados por essa pesquisa, possivelmente relacionando-se às falhas de
concepção e estruturação apontadas pelo TCU (2013), que, dentro de um contexto de
cerceamento tecnológico, propicia ou facilita a retenção de importantes fluxos de
conhecimento.
4.1.7.2 – Possibilidade de difusão
Quanto ao indicador referente à possibilidade de difusão do conhecimento obtido
no processo de transferência de tecnologia, todos os entrevistados responderam
positivamente, afirmando que as informações transmitidas podem ser empregadas em outros
empreendimentos além do PROSUB.
A auditoria do TCU, por outro lado, relatou que “a dualidade das tecnologias não
foi abordada na estruturação do PROSUB” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p.
16), mas informou que a Marinha ainda iria contatar os institutos nacionais de ciência e
tecnologia para avaliar a possibilidade de uso dual dos sistemas e equipamentos do programa
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Entretanto, o primeiro entrevistado (TALON, 2015) respondeu: “sim, a gestão do
conhecimento aplicada a esse programa tem como meta permitir que o Know-How adquirido
pelas empresas brasileiras possa ser utilizado em projetos duais e para as outras forças”
(ANEXO B, p. 234). O segundo (RIBEIRO JÚNIOR, 2015) respondeu: “sim, embora as
atividades relacionadas com a construção de submarinos sejam muito específicas, podemos
esperar algum tipo de difusão, principalmente nas áreas de gerenciamento, qualidade e solda”
(ANEXO B, p. 231). Por fim, o terceiro (BARBOSA JÚNIOR, 2015) também respondeu
148
afirmativamente, alegando que: “sim. O conhecimento da metodologia francesa para a
engenharia e integração de Sistemas de Combate bem como conhecimento sobre uma
plataforma para desenvolvimento de software de Sistemas de Combate” (ANEXO B, p. 227).
Verifica-se que a constatação do TCU nesse quesito encontra-se defasada por
razões de tempo. Segundo a presente pesquisa apurou com os entrevistados, numa informação
obtida mais recentemente, já há o vislumbre de setores específicos que podem ser
beneficiados pelo transbordamento e pela difusão dos conhecimentos tecnológicos obtidos
pela transferência no âmbito do PROSUB. Portanto, o indicador em comento apresenta
resultado positivo.
4.1.7.3 – Possibilidade de independência no setor (nacionalização)
Em relação à possibilidade de independência no setor, além da percepção dos
implementadores sobre o aspecto, outros fatores também devem ser considerados como o
processo de nacionalização da produção e a regulação da propriedade intelectual, conforme
desenvolvido no capítulo do referencial teórico, pois todas essas questões interferem na
medida de dependência externa. Iniciaremos a avaliação desse indicador com as
considerações sobre nacionalização e posteriormente com a regulação da propriedade
intelectual.
Como desenvolvido anteriormente, o PROSUB possui a ambiciosa meta de obter
o máximo de nacionalização, ainda que gradualmente, na produção dos submarinos
convencionais e com propulsão nuclear, visando uma taxa próxima a quase totalidade de
insumos produzidos no país (HIRSCHFELD, 2014). Para isso, conta com um Programa de
Nacionalização da Produção (PNP) (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013), em que
busca acionar a BID brasileira para atuar no empreendimento.
Contudo, à época da auditoria do TCU, o órgão apurou que “16 das 20 empresas
selecionadas são indústrias europeias que criaram subsidiárias brasileiras para a fabricação de
componentes para submarinos” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 44). O
relatório apresenta a lista de empresas selecionadas na época:
149
Quadro 23 – Empresas selecionadas de acordo com o Plano de Gerenciamento da
Nacionalização
Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 45
O tribunal prosseguiu em sua avaliação:
“276. Com base no Relatório de Progresso 8 (peça 60), é possível constatar que os
projetos de nacionalização em estágio mais avançado (Fase 5) envolvem empresas
subsidiárias de fornecedores internacionais da DCNS, as quais criaram, ou criarão,
subsidiárias brasileiras para a produção dos componentes e sistemas demandados
pelo Prosub. Essa constatação se baseia na evidência de que apenas 4 entre 20
projetos que alcançaram a Fase 5 da implementação do PNP contam com empresas
previamente existentes no Brasil, ou seja, não constituídas por indústrias
estrangeiras mediante criação de subsidiárias brasileiras com a finalidade de atender
às necessidades contratuais de nacionalização de componentes e sistemas dos
submarinos a serem construídos.
277. Conforme explicitamos no tópico 4.1, a END preconiza a reestruturação da
indústria de material de defesa para assegurar que o atendimento das necessidades
de equipamento das forças armadas apoie-se em tecnologias sob domínio nacional.
Nesta linha, uma das diretrizes estabelecidas é a capacitação da indústria nacional de
material de defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à
defesa. Entretanto, a forma como vem sendo conduzido o PNP coloca em risco a
perenidade da produção em território nacional, na medida em que a maioria
dos projetos em estado mais avançado e, portanto, com maior probabilidade de
êxito, são executados por empresas brasileiras controladas por capital
estrangeiro.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 45, grifos nossos)
O TCU também leva em conta a distinção feita no primeiro capítulo entre
empresa brasileira de capital estrangeiro e de capital nacional para avaliar as empresas
envolvidas no processo de nacionalização do PROSUB. Ao apontar a indefinição presente na
legislação, o órgão prossegue:
“303. No que se refere à Base Industrial de Defesa, tal possibilidade se apresenta
como um risco para os processos de ToT, na medida em que viabiliza o aporte de
150
recursos públicos, via acordos de compensação, em empresas sob controle de capital
estrangeiro. Inclusive empresas inseridas nas cadeias de fornecedores das
contratadas (DCNS, no caso do Prosub e Eurocopter, no caso do H-XBR),
caracterizando, na verdade, um subsídio para que instalem plantas fabris no Brasil.
Esta possibilidade não se coaduna com a diretriz 22 da Estratégia Nacional de
Defesa, que determina a capacitação da indústria nacional de material de
defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa.
304. Nos dois projetos verificamos a ausência de medidas mitigatórias a este risco,
o que poderia ser implementado se o PNP, no caso do Prosub, e os ICPs, no caso do
H-XBR, admitissem apenas empresas credenciadas pelo Ministério da Defesa, como
Empresa Estratégica de Defesa, na forma do inciso IV do artigo 2º da Lei 12.598, de
22/3/2012 (resultante da conversão da Medida Provisória 544).
305. Como não há no Prosub ou no H-XBR restrição à participação de empresas
sob controle de capital estrangeiro como beneficiárias de processos de transferência
de tecnologia, também não há nenhum mecanismo legal ou contratual que imponha
restrições à possibilidade de que empresas de capital nacional beneficiadas por
processos de ToT sejam adquiridas por grupos estrangeiros.
306. Os dois riscos formam uma combinação que pode resultar em uso de
recursos públicos para financiar a instalação, no país, de empresas controladas
por capital estrangeiro, o que não garante independência tecnológica em
segmentos sensíveis para a segurança nacional; ou capacitar empresas de
capital nacional que, posteriormente, poderão ser controladas por grupos
estrangeiros. Essas duas possibilidades contrariam o fim visado pela END.”
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 48-49, grifos nossos)
O TCU também critica a legislação brasileira, não somente no que tange às
empresas brasileiras, mas na regulação das aquisições de defesa, em especial as mais
complexas como o PROSUB, apontando para a insuficiência da Lei nº 12.598/12 em regulá-
las (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). No mesmo sentido, em que pese o
PROSUB ter sido elaborado antes da referida lei, o tribunal sugeriu que a Marinha do Brasil
adaptasse o PNP para abarcar apenas Empresas Estratégicas de Defesa, porém, ela respondeu
que tal alteração poderia encarecer o empreendimento, caso fosse aceito pela DCNS, o que
faz com que seja uma medida a ser observada apenas em futuros projetos (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Assim, o órgão fiscalizador conclui que o PNP, naquela configuração, não se
mostrava capaz de alavancar a indústria nacional, conforme prescreve a Diretriz 22 da END,
na medida em que envolve poucas empresas controladas por capital nacional e ainda reserva a
elas projetos de baixo conteúdo tecnológico (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Sobre o risco desse tipo de arranjo, assim se manifestou o tribunal:
363. Consoante conclusão havida no item 275, 16 de 20 empresas que se
encontravam na fase de acompanhamento de contrato eram subsidiárias de indústrias
europeias, das quais, apenas 3 não eram subsidiárias da DCNS. A Marinha registra
que outras duas também não são. [transferir tecnologia com recursos públicos
para subsidiárias de empresas estrangeiras que já são fornecedoras nas suas
matrizes, é jogar dinheiro pelo ralo por duas razões: os recursos não servem
para beneficiar a indústria de defesa verdadeiramente brasileira; é
transferência de tecnologia para quem já a possui, é fazer treinamento de
recursos humanos às expensas do Erário]
151
364. O reparo feito pela Marinha não invalida a constatação feita no relatório de
que muitas das empresas brasileiras envolvidas no Prosub são, de fato, subsidiárias
de empresas estrangeiras, com todos os potenciais riscos descritos no relatório, o
mais destacado deles consistindo no subsídio para a transferência de conhecimento
da empresa estrangeira para uma de suas subsidiárias, portanto, para si mesma.
365. No item 304, foi sugerida medida para mitigar o risco de se fazer incentivo
para transferência de tecnologia da empresa estrangeira para sua subsidiária
brasileira, o que, embora fosse útil para alojar conhecimento localmente, poderia
resultar em sua perda, caso a subsidiária fosse fechada pela sede [...].” (TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, PP. 57-58, grifos nossos)
Ou seja, no atual arranjo de nacionalização do PROSUB, segundo o TCU, é
prejudicial à BID brasileira, bem como, um desperdício de dinheiro público, vez que os
recursos estariam sendo despendidos em subsidiárias de empresas estrangeiras que já são
fornecedoras em sua origem. Dessa forma, a vultosa quantia representada pelo programa não
estaria de fato beneficiando a indústria brasileira de capital nacional, bem como estaria
financiando a transferência de tecnologia de quem já a possui, pois a matriz só faz transferir
para a subsidiária, em outras palavras, para si mesma, o conhecimento existente. Além disso,
ainda que o conhecimento adentre o território nacional, não há garantias de que este não será
perdido, vez que a matriz pode fechar a subsidiária brasileira a qualquer momento.
Acerca do Programa de Nacionalização da Produção, um dos entrevistados desta
pesquisa, Talon (2015), gerente do empreendimento, assim informou sobre o projeto:
“O Programa de Nacionalização da Produção prevê 104 projetos candidatos que
constituem sistemas, equipamentos ou itens que compõem o pacote de material dos
Submarinos de Propulsão Convencional. Na situação corrente desse Programa,
existem vinte projetos em execução, dezessete em aprovação pela Marinha, treze
projetos em análise, quatro em elaboração de minuta de contrato entre a DCNS e
empresas brasileiras, quarenta e cinco projetos em processo de busca de
fornecedores e, ainda, cinco cujos processos não foram iniciados. Dentre esses
projetos, a MB priorizou 58 levando em consideração os seguintes aspectos
estratégicos: conteúdo tecnológico a ser transferido à Indústria Brasileira, barreiras
tecnológicas a serem suplantadas, tempo médio entre reparos do equipamento que
compõe o projeto e criticidade do projeto para o S-BR. Para implementar o
Programa de Nacionalização, até o momento, já foram visitadas mais de 200
empresas brasileiras para participarem como fornecedoras desse Programa.”
(ANEXO B, p 232)
Quando perguntado a respeito dos maiores óbices à implementação do programa,
respondeu:
“O Programa de Nacionalização dos S-BR possui um orçamento, em créditos de
Offset, de cem milhões de euros para “custear” os 104 projetos candidatos previstos
em contrato. Este orçamento é o grande obstáculo para a implementação dos
projetos candidatos, pois limita o escopo e as atividades de produção das empresas
brasileiras.” (ANEXO B, p. 232)
Não obstante a contribuição que o implementador trouxe à pesquisa, em suas
respostas não se vê enfrentada a questão das empresas brasileiras de capital nacional. Quando
152
ele informa sobre as empresas brasileiras que participam do projeto, não deixa claro quantas
possuem ou não capital nacional e quantas outras são subsidiárias. Da mesma forma, quando
perguntado dos óbices, não menciona a questão, mas se refere à questão orçamentária, que
considera pequena em relação à necessidade do projeto. Sobre o orçamento, tendo em vista os
riscos apresentados acima pelo TCU, não se sabe se eventual aumento estimularia a
participação de empresas de capital nacional, estas geralmente menores em relação às
subsidiarias estrangeiras, ou se permaneceria o risco de dinheiro público estar financiando
entes privados estrangeiros já possuidores de tecnologia. Considerando que a resposta do
entrevistado, ainda que mais recente, não refuta as afirmações do TCU, estas serão
consideradas na valoração do indicador referente à nacionalização.
No que concerne à regulação da propriedade intelectual, também apontada no
referencial teórico anteriormente, em resumo do que foi visto acima, os direitos de
propriedade intelectual referentes aos projetos do submarino com propulsão nuclear (SN-BR)
e à construção do Estaleiro e Base Naval serão de propriedade da Marinha do Brasil, sem que
qualquer direito sobre eles resultem em favor da DCNS (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013). Noutro passo, em relação aos submarinos convencionais (S-BR) os direitos
de propriedade intelectual permanecem exclusivos da DCNS, podendo a Marinha do Brasil,
como licença de uso, utilizar toda a tecnologia recebida para: operar e manutenir os S-BR;
modernizar os quatro S-BR sob sua exclusiva responsabilidade e risco (sem participação da
DCNS); projetar e construir novos submarinos convencionais distintos dos S-BR, concebidos
pela Marinha e; projetar e construir novos estaleiros e bases navais nos moldes do EBN
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Contudo, no caso da Marinha conceber e
projetar submarinos convencionais distintos do S-BR, não poderá exportá-los dentro do prazo
de treze anos, salvo com concordância da DCNS, bem como toda empresa que estiver
envolvida nesse projeto e que receberia conhecimento da Marinha, deverá ter a aprovação da
DCNS, numa lógica e evitar concorrência (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Quanto as empresas brasileiras envolvidas no PNP, a regulação da propriedade intelectual
será negociada caso a caso entre a DCNS e os fornecedores envolvidos. (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Entretanto, o TCU fez, de igual sorte, severas considerações:
“230. Ao empreendermos uma análise acerca das regras estabelecidas para os
direitos sobre propriedade intelectual, verificamos que são impostas severas
restrições à Marinha no que tange ao uso da propriedade intelectual
proveniente da transferência de tecnologia. 231. A proibição de utilizar o projeto de construção dos S-BR para produzir
novas embarcações além das quatro unidades contratadas, sem qualquer
153
garantia de receber informações de atualizações do projeto dos S-BR, dificulta
futuras modernizações que poderiam estender o ciclo de vida destes meios
navais, contribuindo para o diferimento de novos investimentos em
equipamentos similares. Saliente-se que o Contrato 6 permite à Marinha
modernizar os S-BR sob sua exclusiva responsabilidade e risco, o que, obviamente
envolve assumir nível de risco superior àquele de uma modernização mediante
assistência técnica da DCNS.
232. Adicionalmente, o Contrato 6 também proíbe a Marinha de replicar o projeto
dos S-BR, podendo construir novos submarinos convencionais distintos dos S-BR
para seu próprio emprego. A limitação em negociar eventual projeto, distinto do S-
BR, elaborado pela Marinha, por até treze anos após a assinatura do Contrato 6,
representa uma forma de a DCNS preservar sua posição de mercado, evitando
possível concorrência por parte do Brasil.
[...]236. Por fim, analisando o tratamento dado aos direitos de propriedade
intelectual envolvidos nas transações de offset (Contrato 8), bem como no PNP,
observamos que o mapeamento das capacidades e gargalos, na fase de concepção,
teriam permitido regulação mais objetiva no sentido de atender as necessidades
tecnológicas visadas pela Estratégia Nacional de Defesa para a Base Industrial de
Defesa. Negociar os direitos de propriedade intelectual caso a caso reflete
desconhecimento de prioridades em termos de necessidades de capacitação
tecnológica da BID, deixando esta decisão para a DCNS e seus fornecedores, num
visível conflito de interesses.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp.
37-38, grifos nossos)
Em resposta, a Marinha do Brasil refutou a conclusão do órgão, alegando que a
cláusula 2.5 do Contrato nº 6 permitiria a livre utilização da tecnologia recebida em futuros
projetos e que o impedimento contratual à modernização dos submarinos convencionais não
seria problema, pois ela já teria efetuado outras modernizações em outros meios navais com
sucesso, sem participação dos fornecedores originais (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013). Em réplica, o TCU afirmou que haveria sim restrições, pois a mesma cláusula
do contrato citada pela Marinha trazia exceções, quais sejam: o impedimento de construir
novas embarcações com base no projeto original; e necessária observância de requisitos
estabelecidos para o SN-BR e para o Estaleiro e Base Naval nos futuros projetos de
submarinos nucleares brasileiros e estaleiros e bases navais (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013). Verifica-se, assim, um cerceamento tecnológico, nos termos do referencial
teórico desenvolvido anteriormente. Não obstante, vale destacar:
“369. Ainda sobre restrição à propriedade intelectual, ela alcança até mesmo
conhecimento não oriundo dos ajustes firmados entre Marinha e DCNS. Nesse
sentido, deve-se observar a limitação à exportação, constante da cláusula 2.5.1 do
contrato 6, que consiste no impedimento, por 13 anos, a partir da vigência dos
contratos atuais, de negócios que envolvam a venda, cessão ou transferência de
submarinos de propulsão convencional distintos do S-BR, a menos que a DCNS e a
Marinha concordem com a operação. Portanto, mesmo que a Marinha desenvolva
seu próprio projeto de submarino convencional nesse ínterim, ela estará impedida, a
menos da concordância da DCNS, de negociá-los.
370. Portanto, há sim restrições oriundas dos ajustes firmados com a DCNS.
371. Nada obstante, devem ser levados em consideração os seguintes aspectos
ressaltados pela Marinha. A produção dos quatros S-BR e do SN-BR, com a
assistência da DCNS, vai capacitar a Marinha a desenvolver seus próprios projetos e
a construir submarinos convencionais e nucleares. A restrição de comercialização de
154
projetos próprios durante 13 anos não é impactante porque o desenvolvimento dos
quatro submarinos no ajuste atual com a DCNS, tempo durante o qual a Marinha e a
indústria nacional estarão se capacitando, levará 15 anos.
372. Dessa forma, ainda que presentes as restrições elencadas, elas não deverão
causar impacto deletério para a Marinha.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,
2013, pp. 58-59)
Em síntese, o TCU atribui essas restrições e falhas contratuais aos problemas já
mencionados na concepção e estruturação do PROSUB em relação à transferência de
tecnologia, decorrentes da necessidade de se aproveitar a janela de oportunidade obtida na
aproximação política com a França. Nesse sentido, eventuais correções de rumos devem ser
feitas no momento da implementação do programa (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,
2013).
A fim de fornecer informações mais recentes sobre a questão, bem como a
percepção dos implementadores sobre a possibilidade do PROSUB realmente propiciar
independência tecnológica no setor de submarinos, a pesquisa colaciona as respostas dos
entrevistados.
À pergunta “após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá
necessidade de relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?” os
entrevistados responderam:
“No programa da nacionalização, o fundamental é que, ao final do processo, as
empresas brasileiras sejam autônomas e independentes na fabricação para, no futuro,
suprirem a demanda da Marinha para a manutenção e/ou construção de submarinos.
Para muitos equipamentos, o processo de nacionalização ocorrerá de forma
progressiva, garantindo o cumprimento do cronograma de construção de cada
submarino convencional e, ao mesmo tempo, a capacitação crescente da indústria,
visando à plena produção do item. À medida que a construção dos submarinos
avançar, do SBR-1 até o SBR-4, a quantidade de componentes nacionais será maior
até que, no final do programa, as empresas estejam aptas a fornecer, senão a
totalidade, o máximo de elementos do equipamento.” (TALON, 2015; ANEXO B, p.
233)
“Conforme mencionado acima, o objetivo a ser alcançado pela transferência de
tecnologia para a construção é a construção de submarinos convencionais, do Brasil,
de forma autônoma e independente. Desta forma, é fundamental para o sucesso do
processo, que ao final do mesmo, a MB/ICN/NUCLEP sejam capazes de construir
submarinos convencionais de forma autônoma e independente.” (RIBEIRO
JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p. 231)
“Sim, pois o Programa prevê atividades a serem realizadas no Brasil no que diz
respeito à Integração do Sistema de Combate (Setting-to-Work, Verificação e
Validação, Qualificação, Testes no Porto e no Mar) e manutenção corretiva e
evolutiva dos módulos de software que desenvolvemos.” (BARBOSA JÚNIOR,
2015; ANEXO B, p. 226)
À pergunta “a tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido
totalmente no país em momento posterior? E manutenido/modificado também?” o primeiro
155
entrevistado (TALON, 2015) respondeu: “Como comentado acima, o processo é progressivo e
no final do programa o objetivo é que as empresas brasileiras apoiem a Marinha do Brasil nas
tarefas de manutenção corretiva e evolutiva, além de participarem no desenvolvimento de
novos meios.” (ANEXO B, p. 234). Os demais entrevistados responderam:
“Ao final do processo é esperado que a MB adquira a capacitação para construir
submarinos convencionais e posteriormente também é esperado que esta mão-de-
obra qualificada seja empregada na construção do submarino com propulsão nuclear.
A capacitação para projetar, alterar ou manter submarinos não faz parte do escopo
do contrato de transferência de tecnologia para construção de submarinos
convencionais. Estas outras capacitações são objeto de outros contratos” (RIBEIRO
JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p. 231)
“Sim, a meu ver sim. Considerando o produto sendo o Sistema de Combate, que em
uma visão de Engenharia de Sistemas pode ser caracterizado com um Sistema de
Sistemas. Cada um dos subsistemas pode ser considerado um produto diferente.
Com relação ao CMS este desenvolvimento deve ser planejado considerando a
singularidade e a complexidade do subsistema. O planejamento do desenvolvimento
do CMS está diretamente ligado às decisões de quais outros subsistemas, de
complexidade similar ou ainda maior (i.e. Sonar, Radar e Torpedo), serão parte do
Sistema de Combate.
Com relação ao Sistema de Combate é importante mencionar que a MB e certas
indústrias da BID (Fundação Ezute incluso) já têm condições de iniciar o
desenvolvimento de determinados subsistemas e, portanto, a tecnologia e
conhecimento obtidos completam e/ou fazem com que o know-how e know-why
sejam ainda mais dominados. Há outros subsistemas, os quais têm programas
distintos de desenvolvimento nacional, que certamente se beneficiarão das
informações e conhecimentos obtidos através do ToT/ToK do PROSUB.”
(BARBOSA JÚNIOR, 2015; ANEXO B, pp. 226-227)
Por fim, à pergunta “em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa
concretamente contribui para a independência tecnológica do país no respectivo setor?” os
entrevistados responderam:
“A independência tecnológica só poderá ser avaliada quando as empresas brasileiras
forem participar de projetos futuros e conseguirem inovar nas suas áreas de atuação,
mas a análise do momento atual, verifica-se que a transferência de tecnologia, por
meio do Programa de Nacionalização, vem contribuindo satisfatoriamente para
elevar os patamares tecnológicos das empresas brasileiras beneficiadas.” (TALON,
2015; ANEXO B, p. 235)
“Sim, a independência tecnológica na área de construção de submarinos
convencionais será obtida ao final do processo de construção/testes de aceitação,
quando a DCNS, como garantidora do processo e autoridade de projeto, ratificar a
construção, sem ressalvas.” (RIBEIRO JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p. 231)
“Sim. Mas é importante lembrar que o ciclo de transferência, a meu ver, somente se
conclui com a aplicação do conhecimento absorvido. Esse aspecto é fundamental
para o domínio tecnológico e, consequentemente, para a independência da indústria
neste segmento.” (BARBOSA JÚNIOR, 2015; ANEXO B, p 227)
Em geral, os implementadores entrevistados responderam positivamente às
indagações que atribuem valor ao indicador da independência tecnológica e industrial no
setor. Ainda que alguns deles alertem para o fato de que uma resposta segura só pode ser dada
156
ao final do programa, ou ao fim do ciclo de absorção tecnológica, que é a difusão e a
capacidade inovacional das empresas beneficiadas, resta um consenso de que a
implementação do programa efetivamente tem se alinhado aos seus objetivos, ao disposto no
contrato e tem de fato elevado o patamar tecnológico das empresas beneficiadas.
Dessa forma, quanto à possibilidade de se obter independência tecnológica por
meio da transferência de tecnologia, no PROSUB, a resposta não pode ser integralmente
positiva. Segundo a percepção dos implementadores, há aumento da nacionalização e do
patamar tecnológico em geral, mas, tendo em vista o parecer do TCU, ainda que exista um
incremento na indústria nacional, as falhas constantes na legislação e na estruturação do
programa de nacionalização e na regulação da propriedade intelectual constituem severo óbice
à consecução do objetivo previsto na END de obter autonomia na produção de submarinos
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Sendo assim, ao aplicar o modelo lógico do contrato, que gera um processo que
atende às diretrizes da políticas públicas (A→B=C), no que concerne ao indicador
independência tecnológica, segundo o que foi apurado conforme a presente pesquisa, o
resultado foi a insuficiência da implementação do programa, da forma atual, em atingir o
objetivo plasmado na END (A→B≠C). A referida conclusão não significa que o programa
não contribuiu em nada para o indicador. Ao contrário, houve contribuição como atestam os
implementadores, sobretudo porque, como visto a tecnologia sensível restará sob o poder da
Marinha do Brasil e das empresas a ela ligadas, mas as restrições legais e contratuais
impedem a total consecução do objetivo desejado pela END, em especial pela política de
offset e de nacionalização no que concerne à escolha de fornecedores nacionais de capital
majoritariamente brasileiro e pela regulação da propriedade intelectual. Dessa forma, mais
uma vez pode-se observar que a implementação dos contratos segue com sucesso, no entanto,
os contratos em si apresentaram restrições decorrentes da concepção e estruturação falha do
programa, conforme apontado pelo TCU (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
4.1.8 – Conclusões
Antes de passar às conclusões sobre a avaliação dos contratos de transferência de
tecnologia do PROSUB, faz-se mister trazer mais uma consideração do Tribunal de Contas da
União (2013), mas que não concerne aos indicadores acima. Segundo apurou o tribunal, uma
157
das falhas na engenharia contratual do programa é a relação de dependência que ele possui
diretamente com outro programa da Marinha, qual seja, o Programa Nuclear da Marinha
(PNM). Como visto, quanto ao submarino de propulsão nuclear (SN-BR), a transferência de
tecnologia se refere apenas ao projeto da plataforma do mesmo, que será feita pela Marinha
do Brasil, empregando o conhecimento obtido por meio dos S-BR, sob assistência e
supervisão da DCNS.
Conforme aponta o tribunal, o dever de transferência de tecnologia pela DCNS
ficou contratualmente condicionado ao cumprimento por parte da Marinha de suas obrigações
de absorção e de elaboração da planta nuclear dentro do PNM (TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO, 2013). Ou seja, o sucesso da transferência de tecnologia do PROSUB, dentro de
seu objetivo precípuo que é a construção do SN-BR, depende do “êxito de ações cuja
execução não se insere no arranjo contratual do próprio projeto, dentre elas as atividades
previstas no PNM” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 62). Sendo assim,
eventuais obstáculos e atrasos, por diversos motivos, dentre os quais as restrições
orçamentárias apontadas acima, no âmbito do PNM comprometem diretamente o sucesso do
PROSUB e de seu processo de transferência de tecnologia.
Nesse sentido, com as informações obtidas até o momento sobre a implementação
do PROSUB no que se refere à transferência de tecnologia, trazemos o seguinte modelo
analítico:
Figura 15 – Modelo de Consecução de Objetivos do PROSUB
Fonte: Elaboração própria com adaptação de VEDUNG, 1997.
158
A fim de responder a indagação proposta pelo modelo de consecução de objetivos
e da presente avaliação, os fatores internos do PROSUB que são relevantes para seu objetivo
são representados pelos indicadores acima valorados, quais sejam: transmissão de know-why,
que apresentou ótimo resultado, mas insatisfatório dentro da plenitude almejada pela END;
possibilidade de difusão, que apresentou resultado positivo; e possibilidade de alcançar
independência tecnológica no setor, que apresentou bom resultado com efetiva contribuição,
mas com restrições que o impedem de alcançar plenamente o objetivo almejado pela END.
Acerca dos fatores externos que influenciam a consecução dos objetivos, tem-se
principalmente a restrição orçamentária, que afeta tanto o PROSUB, quanto o PNM,
dificultando o cumprimento de prazos e objetivos, em especial, de offset como visto acima.
Também o próprio PNM, que é essencial para o cumprimento do objetivo precípuo do
PROSUB, que é a construção do SN-BR. Por fim, tem-se a legislação, tanto no sentido das
normas de ordem pública que regem o programa, dentro dos aspectos das aquisições de defesa
e da questão das empresas brasileiras, tanto em normas de ordem privada, que são refletidas
nos arranjos contratuais deficitários em razão de problemas na concepção e estruturação do
programa.
Dessa forma, a presente pesquisa conclui que a implementação dos contratos de
transferência de tecnologia do PROSUB, não obstante tenha tido sucesso em adquirir
tecnologia sensível efetiva para o Brasil e elevar o patamar tecnológico das empresas
brasileiras envolvidas, da forma que se apresenta pelos dados obtidos até a data deste
trabalho, não se mostra suficiente para atingir o fim último almejado pela END (2012d), qual
seja, obter independência e autonomia industrial e tecnológica no setor de produção de
submarinos. Essa insuficiência se mostra não por defeito da implementação ou da atuação dos
agentes implementadores, mas por deficiência na concepção e estruturação do programa
decorrente da decisão política em se aproveitar a oportunidade de firmar parceria com a
França naquele momento, o que acabou por refletir na definição do arranjo contratual e abrir
espaço para a verificação do cerceamento tecnológico.
O PROSUB, implementado pela Marinha do Brasil, é o programa mais complexo
que foi avaliado nesse trabalho, tendo sido constatado como se comportam os fatores que
influenciam o seu processo de transferência de tecnologia de forma a alinhá-lo com os
objetivos políticos e estratégicos, consistindo na maior avaliação desta pesquisa. A seguir,
serão avaliados os programas menos complexos, implementados por agentes distintos, a fim
de verificar a influência dos mencionados fatores comuns.
159
4.2. O PROJETO GUARANI
4.2.1 – Considerações iniciais
O segundo programa a ser avaliado nesta pesquisa será o Projeto Guarani. O
referido projeto tem por objetivo transformar as Organizações Militares de Infantaria
Motorizada em Mecanizada e modernizar as Organizações Militares de Cavalaria
Mecanizada, bem como, substituir as antigas viaturas Urutu e Cascavel fabricadas pela
Engesa há mais de 40 anos. Para tanto, está sendo desenvolvida uma nova família de Viaturas
Blindadas de Rodas, a fim de dotar a Força Terrestre de meios para incrementar a dissuasão e
a defesa do território nacional (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016).
O Projeto Guarani está inserido numa lógica maior de implementação de uma
Nova Família de Blindados de Rodas (NFBR) por parte do Exército, sendo esta concebida
para dotar as unidades/subunidades mecanizadas, considerando todas as modificações
introduzidas no combate das unidades mecanizadas no final do século passado e incorporando
as novas tendências para o desenvolvimento de viaturas blindadas de rodas (CARRILHO,
2014).
A NFBR foi baseada em dois tipos de “chassis”, um leve e um médio, originando
duas subfamílias de blindados. A subfamília de blindados médios é caracterizada por um
“chassi” único, preferencialmente do tipo 6 x 6 (podendo ser 8 x 8 para algumas versões),
com boa mobilidade através campo, baixa silhueta, sobre o qual serão desenvolvidos os
diversos tipos de viaturas médias integrantes da família (CARRILHO, 2014), nas versões de
reconhecimento, de transporte de pessoal, morteiro, socorro, posto de comando, central de
tiro, oficina e ambulância (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016). O nome “Guarani” dado ao
projeto se refere, dentro da subfamília média, às Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal
Média de Rodas, ou simplesmente VBTP – MR, que foi o primeiro tipo de viatura escolhido
para ser desenvolvido e servir como base para as demais versões (CARRILHO, 2014).
Atualmente, também está sendo estudado o desenvolvimento de uma Viatura Blindada de
Reconhecimento Média de Rodas, em configuração 8 x 8, a partir da plataforma base do
VBTP-MR (CARRILHO, 2014).
O Guarani é um blindado de transporte de pessoal, e não de engajamento, o que
faz com que sua missão seja levar um grupo de combate em segurança até uma determinada
160
área de conflito. Contudo, para melhor realizar essa função e também para fornecer apoio à
tropa, o Guarani conta com armas e escotilhas para atiradores, caso necessário (MEDEIROS
et al., 2013). De semelhante modo, o Exército formulou uma série de exigências para a
eficiência do veículo dentro desse objetivo, quais sejam: transmissão automática; ar
condicionado; capacidade anfíbia para a transposição de cursos d’água; capacidade de
operação noturna; capacidade para transportar 8 militares além dos 3 tripulantes do blindado;
possibilidade de ser transportado em aeronaves KC-390; proteção blindada STANAG 2
(munição perfurante incendiária, minas anticarro e IED), podendo receber proteção adicional;
baixa assinatura térmica e assinatura radar; aviso de detecção por laser; utilização de
metralhadora 7,62, .50 ou canhão 30mm; possibilidade de utilização do Reparo de
Metralhadora Automatizado X (REMAX); capacidade de navegação por GPS ou inercial;
baixa dependência logística e facilidade de manutenção; capacidade de deslocamentos a
grandes distâncias; e grande índice de nacionalização (MEDEIROS et. al., 2014).
Em 2006, a Força terrestre decidiu que o desenvolvimento das viaturas Guarani
deveria ser autônomo, por meio do Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército em parceria
com empresa nacional ou consórcio (CARRILHO, 2014). Sendo assim, em síntese o
financiamento do Projeto Guarani veio de um convênio entre a Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP), órgão da União, e a Fundação Ricardo Franco, pertencente ao Exército
Brasileiro, nesses moldes:
“Segundo o convênio a FINEP deveria aportar o valor total de até R$10.445.852,24
(dez milhões, quatrocentos e quarenta e cinco mil, oitocentos e cinquenta e dois
reais e vinte e quatro centavos), sendo R$10.130.000,00 (dez milhões, cento e trinta
mil reais) destinados à Fundação Ricardo Franco por meio de aporte direto, e
R$315.852,24 (trezentos e quinze mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e vinte e
quatro centavos) destinados a Bolsas de Desenvolvimento Tecnológico, a serem
transferidos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico.
Em contrapartida o Executor, no caso o Comando do Exército/DCT, tendo a frente a
Fundação Ricardo Franco, obrigou-se a empenhar o valor de R$12.000.000,00 (doze
milhões de reais) sob a forma de recursos financeiros e R$3.000.000,00 (três
milhões de reais) sob a forma de recursos não-financeiros.
Esse tipo de contrato (recursos da FINEP e contrapartida do Exército) é
extremamente vantajoso para a execução do projeto. Se por um lado a gerência
recebe um aporte financeiro da FINEP, aliviando o orçamento do Exército com os
custos do projeto, por outro lado cria um compromisso por parte do Comando do
Exército em investir um valor como contrapartida. Este compromisso obriga o órgão
responsável pelo orçamento da Força a prever uma reserva orçamentária para fins de
cumprimento do convênio.” (CARRILHO, 2014, p. 29)
Além dessa estrutura de financiamento, o Exército abriu um processo seletivo
para escolher uma empresa parceira que executasse o projeto. Assim, para ser a co-executora
do projeto, junto com o próprio Exército, por meio do seu Departamento de Ciência e
Tecnologia, foi escolhida a empresa IVECO, divisão da FIAT S/A, também chamada de
161
FIAT/IVECO, para desenvolver e fabricar o primeiro lote-piloto das VBTP-MR
(CARRILHO, 2014).
Tendo sido feitas as considerações gerais e introdutórias a respeito do Projeto
Guarani, a seguir o estudo se aprofunda com mais detalhes sobre seus antecedentes, arranjos
contratuais, etapas e resultados, para, posteriormente, fornecer os modelos analíticos e
proceder à avaliação do projeto.
4.2.2 – Antecedentes
O antecedente histórico do Brasil com blindados de combate remonta ao ano de
1921, quando o país adquiriu viaturas de origem francesa e italiana, estas no ano de 1938
(MEDEIROS et. al., 2013). A aproximação do Brasil com os aliados durante a Segunda
Guerra Mundial trouxe diversos blindados de origem norte-americana. A partir do acordo
militar de 1952 com o EUA, o Brasil recebeu os carros de combate M-41 Walker Bulldog, das
viaturas blindadas de transporte de pessoal (VBTP) M-113, das peças de artilharia
autopropulsada M-108 e das viaturas-socorro M-578, que equiparam as Brigadas de Infantaria
e Cavalaria Blindada, assim como os Regimentos de Cavalaria Blindada das Brigadas de
Cavalaria Mecanizada do Exército (SOUZA JÚNIOR, 2010 apud MEDEIROS et al., 2014).
Durante as décadas de 1970 e 1980, o país investiu no desenvolvimento da sua
Base Industrial de Defesa, sendo que, no setor de carros de combate, destacavam-se as
brasileiras Bernardini e ENGESA, tendo o Exército Brasileiro adquirido, desta última, os
veículos EE-9 Cascavel e o VBTP EE-11 Urutu (MEDEIROS et al., 2014), que equipam a
Força até hoje, mas que são os meios que serão gradualmente substituídos pelo VBTP-MR
“Guarani”. A necessidade da substituição das mencionadas viaturas por uma nova família de
blindados foi constatada pelo Exército Brasileiro em 1998 (FERREIRA, 2014).
Além dos antecedentes em relação aos blindados, cabe ressaltar um histórico
essencial e fundamental para a implementação do Projeto Guarani, que foi o desenvolvimento
dos sistemas de C&T no âmbito do Exército Brasileiro. Até meados da década de 2010, o
Sistema de Ciência e Tecnologia do Exército (SCTEx) não era priorizado e o
desenvolvimento de produtos de defesa apresentavam vícios como: projetos idealizados e
conduzidos por um determinado engenheiro militar, falta de alinhamento com os interesses do
Exército, escassez de recursos financeiros e humanos, projetos desenvolvidos pelo Exército
162
sem parcerias com empresas, resultados insatisfatórios decorrentes de não cumprimento de
prazos e custos acima do previsto (CARRILHO, 2014).
Em 2005, a partir da unificação do Sistema de Tecnologia da Informação com o
Sistema de Ciência e Tecnologia, foi criado em 2005, o Departamento de Ciência e
Tecnologia (DCT) do Exército Brasileiro. O órgão projetou-se perante a Força e refletiu o
convencimento do Alto Comando do Exército de que no mundo hodierno não existe guerra,
sequer dissuasão sem C&T (CARRILHO, 2014). Outros órgãos foram criados dentro desse
sistema, levando a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) dentro da Força a outra época,
buscando uma reorganização que incluísse parceria com empresas nacionais e/ou estrangeiras,
fomentando a BID e assinando contratos com a FINEP para aporte de recursos financeiros,
focando os estudos para o desenvolvimento de tecnologias consideradas fundamentais para o
Exército (CARRILHO, 2014). Esse novo modelo foi utilizado para a concepção, formulação e
implementação do Projeto Guarani.
4.2.3 – Aspectos contratuais e etapas do programa
Em dezembro de 2007 foi firmado um acordo entre o Ministério da Defesa e a
IVECO prevendo o desenvolvimento conjunto de um blindado de transporte de pessoal sobre
rodas (MEDEIROS et al., 2014). A estrutura contratual do Projeto Guarani é simples. Trata-se
de um contrato principal que prevê a fabricação em série no país de 2044 unidades do VBTP-
MR “Guarani”, conforme especificações e composições de lotes a serem definidos por
intermédio de termos aditivos. Esse contrato principal é o Contrato nº 04/2009, firmado entre
o Comando do Exército e a FIAT/IVECO em 18 de dezembro de 2009, mas que veio a ser
publicado em 20/01/2010 (BRASIL, 2015a).
Os contratos posteriores, que tratavam dos lotes seguintes foram assinados pelo
Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT) do Exército. O contrato para o
desenvolvimento e fabricação do lote-piloto previa a entrega de 16 (dezesseis) viaturas, para o
Exército Brasileiro, com base no Projeto Básico, incluindo dentre outras atividades, o
gerenciamento do projeto e a transferência de tecnologia (CARRILHO, 2014).
Além do lote-piloto, o Exército contratou um Lote de Experimentação Doutrinária
por meio, primeiramente, do Contrato nº 15/2012, assinado em 07 de agosto de 2012, cuja
cópia se encontra em anexo (ANEXO F) e prevê o desenvolvimento e fabricação de 86
163
viaturas. Em 16 de dezembro de 2013, o Exército adquiriu mais 26 unidades para o LED por
meio do Contrato nº 23/2013 (BRASIL, 2015b) e, por fim, em dezembro de 2014, a Força
contratou a entrega de mais 60 viaturas para compor o lote experimental, por meio do
Contrato nº 20/2014 (BRASIL, 2015b).
Os referidos contratos representam os instrumentos jurídicos principais que
pautam o Projeto Guarani, contudo, existem contratos assessórios, firmados tanto com a
IVECO quanto outros fornecedores que tratam de outros aspectos inerentes ao projeto. Nesse
sentido, cabe colacionar:
“Em 6 de janeiro de 2011, é firmado um contrato guarda-chuva com a AEL
Sistemas para instalação da torreta UT30 BR em algumas centenas de blindados, no
valor de R$440 milhões.
[...]
Em 12 de fevereiro de 2014.Após pequenas aquisições para testes em Setembro de
2011, foi contratado os sistema SOTAS de comunicações para o veículo da empresa
holandesa (sic) Thales, que atua no país através da subsidiária Omnisys. Os sistema
tinha previsão para ser entregue em junho de 2014.
Em 20 de setembro de 2012, O Exército Brasileiro assinou com a subsidiária da
Elbit Systems no Brasil, Ares Aeroespacial e Defesa Ltda., um contrato de
R$49.418.088,00 para fornecer 76 Remote Controlled Weapon Stations (RCWS),
batizado de REMAX para entregas entre 2012 e 2015. REMAX é uma estação
estabilizadora de armas para metralhadoras de 12.7/7.62 mm.
[...]
Em 13 de setembro de 2012, a AEL Sistemas S.A, outra subsidiária da Elbit
Systems no Brasil, recebeu um pedido de produção de torretas operadas
remotamente UT-30BR de 30mm para o blindado, no valor de US$15 milhões,
também para serem entregues em dois anos. Este anúncio faz parte do contrato-
quadro (framework contract) de US$260 milhões (R$440 milhões) anunciado em 6
de janeiro de 2011, para instalar a torreta UT30 BR em algumas centenas de
blindados .” (MEDEIROS et al., 2014, pp. 9-10)
Finalmente, até o momento em que este trabalho estava sendo escrito, o último
contrato referente o projeto era o Contrato nº 16/2015, que previa o Desenvolvimento da
interface de integração do REMAX 3 à plataforma da VBTP-MR Guarani (BRASIL, 2015b).
Quadro 24 - Resumo dos principais contratos do Guarani
Contrato Data Descrição
Contrato nº 01/2007 - FRF N/D - Lote-piloto de 16 unidades.
Contrato nº 04/2009 -
Principal 18 de dezembro de 2009
- Fabricação em série no país de 2044
unidades do VBTP-MR “Guarani”,
conforme termos aditivos.
Contrato nº 15/2012
(ANEXO F) 07 de agosto de 2012
- Desenvolvimento e fabricação de 86
viaturas para o Lote de Experimentação
Doutrinária (LED)
Contrato nº 23/2013 16 de dezembro de 2013 - Desenvolvimento e fabricação de 26
unidades para o LED.
Contrato nº 20/2014 04 de dezembro de 2014 - Desenvolvimento e fabricação de 60
unidades para o LED.
Contrato nº 16/2015 18 de dezembro de 2015 - Integração do REMAX 3 à VBTP-MR
“Guarani”
Fonte: elaboração própria com base na bibliografia referenciada.
164
O Projeto Guarani, até o momento, seguiu as seguintes etapas:
Quadro 25 – Etapas do Projeto Guarani ANO PRINCIPAIS ENTREGAS - GUARANI
2008 – Aquisição de 3 torretas modelo UT 30
2009 – Protótipo da VBTP concluído
2010 – Aquisição de 13 torretas modelo Platt
2011 N/A
2012
– Início das obras de infraestrutura no 33º BIMec (Cascavel/PR). – Aquisição do CBT (Computer Basic Treinament). – Aquisição de ferramental para manutenção. – Aquisição de 10 torres modelo UT30 e 76 modelos REMAX. – Aquisição de 86 plataformas de VBTP-MR (6x6). – Início de desenvolvimento de munição 30mm pela CBC.
2013 – Início do desenvolvido da VBR-MR (8x8). – Aquisição 102 sistemas C2. – Aquisição ferramental de manutenção para 33º BI MEC e 15º Blog.
2014 Entrega do Guarani ao 15º Brigada de Infantaria Mecanizada de
Cascavel-PR. Fonte: EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016.
Dentro do Projeto Guarani, o Exército Brasileiro organizou as principais entregas
a serem realizadas dentro de subprojetos indexados pelo nível de prioridade, apresentando a
seguinte estrutura:
Quadro 26 – Entregas do Projeto Guarani
Subprojeto Prio ENTREGA
P&D
1 Versões da NFBR, conforme as CONDOP
2 Nacionalização da munição 30 mm, dos tipos traçante e explosiva -
incendiária
3 Sistema de simulação para a NFBR, integrado com os sistemas táticos
de simulação
4 Aço balístico nacional
PREPARO
1 Experimentação Doutrinária de Infantaria Mecanizada
2 Sistema de Gerenciamento do Campo de Batalha
3 Programa Padrão de Formação e Qualificação dos Cabos e Soldados
Fuzileiros Mecanizados
4 Programa Padrão de Adestramento Básico das Unidades de Infantaria
Mecanizada
5 Cadernos de Instrução do Pel Fuz Mec
6 Manual de Campanha de Companhia de Fuzileiros Mecanizada
7 Manual de Campanha do Batalhão de Infantaria Mecanizado
RH 1 Criação de Cursos de capacitação para operação da NFBR
2 Criação de Cursos de capacitação para manutenção da NFBR
3 QO das OM previstas para receber a NFBR
INFRAESTRUTURA 1 Projeto de impacto ambiental das OM
2 Adequação das OM a serem contempladas com a NFBR
SLI 1 Suporte Logístico Integrado
GESTÃO 1 Documentos do Projeto
165
Fonte: EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016.
4.2.4 – Contratos de transferência de tecnologia
A disposições contratuais acerca da transferência de tecnologia fazem parte do
corpo dos instrumentos principal e aditivos de aquisição das viaturas. Ou seja, não existem
contratos específicos para a transferência, mas cláusulas dentro dos contratos que abordam a
questão.
Nesse diapasão, a presente pesquisa logrou êxito em obter cópia integral do
Contrato nº 015/2012 (ANEXO F), que prevê o desenvolvimento e a fabricação de 86 viaturas
para compor o lote de experimentação doutrinária. Da leitura do referido instrumento,
colacionamos as cláusulas concernentes à nacionalização, transferência de tecnologia e
regulação da propriedade intelectual.
Primeiramente, quanto à nacionalização:
“3.16 A CONTRATADA obriga-se a atingir, até o final da vigência deste
CONTRATO, índice de nacionalização igual ou superior a 60% (sessenta por
cento) do preço na Plataforma Automotiva da VBTP-MR experimentais (excluídos o Sistema de Armas e o Sistema de Comando e Controle).
3.16.1 É desejável que a CONTRATADA atinja, até o final da vigência deste
CONTRATO, índice de nacionalização igual ou superior a 70% (setenta por
cento), do valor da Plataforma Automotiva da VBTP-MR experimentais
(excluídos o Sistema de Armas e o Sistema de Comando e Controle), de acordo com
a seguinte prioridade: aço balístico para fabricação da carcaça da viatura, a produção
e instalação de spall liner e blindagem adicional, os conjuntos do trem de potência e
as partes, peças, componentes e conjuntos de maior mortalidade” (ANEXO F, p.
263, grifos nossos)
Quanto à transferência de tecnologia e absorção de conhecimentos:
“6.1 De acordo com o Art. 67 da Lei nº 8.666/93, a CONTRATANTE, por
intermédio da Gerência Técnica do Projeto, designará uma comissão para realizar o
acompanhamento e a fiscalização dos trabalhos.” (ANEXO F, p. 265)
“11.5 A CONTRATADA deverá prover um PACOTE LOGÍSTICO, que
contemplará as seguintes atividades e entregáveis:
a. Realização de treinamentos de manutenção no modelo “on the job training”, em
instalações da CONTRATADA ou na Gerência Técnica do Projeto, no CIBld (Santa
Maria-RS), no 33º BI Mtz ou no 15º B Log, ambos em Cascavel-PR, e em outras 03
(três) Organizações Militares do Exército Brasileiro a serem definidas, visando o
credenciamento de engenheiros e técnicos do Exército Brasileiro para execução de
todas as atividades requeridas para a manutenção das VBTP-MR experimentais e
realizadas no âmbito do Pacote Logístico provido pela CONTRATADA, conforme
descritos no Anexo A. As atividades de manutenção descritas neste item deverão
estar em conformidade com o Plano de Manutenção da VBTP-MR;” (ANEXO F,
pp. 271)
166
“12.1 O EB designará, sob a forma de Estágio em Indústria Civil, a partir do início
deste CONTRATO, uma EQUIPE DE ABSORÇÃO DE CONHECIMENTOS E
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA (EACTT), composta por 03 (três) Oficiais
do Quadro de Engenheiros Militares, para adquirir conhecimentos das tarefas
concernentes à execução do objeto deste CONTRATO, sob coordenação e
orientação da CONTRATADA, com a finalidade de absorver e transferir
conhecimentos e tecnologias relativos ao objeto deste CONTRATO.
12.2 Caberá à CONTRATADA submeter à aprovação da Gerência Técnica do
Projeto a forma de integração dos militares da EACTT à sua equipe encarregada da
execução do presente CONTRATO, de acordo com as suas aptidões específicas, os
quais cumprirão a jornada normal de trabalho na empresa. A CONTRATADA
deverá disponibilizar, também, todos os meios necessários à execução de suas
tarefas no projeto.
[...]
12.4 A CONTRATADA garantirá aos integrantes da EACTT o pleno acesso às
informações, dados e documentos técnicos, bem como às atividades e às áreas
relacionadas à execução do objeto deste CONTRATO. Os integrantes do EACTT
estarão sujeitos a todas as obrigações e limitações dispostas na Cláusula 13.
12.5 A CONTRATADA deverá diligentemente assistir a Gerência Técnica do
Projeto na absorção de conhecimentos e na transferência de tecnologia para o EB,
nas condições estabelecidas neste CONTRATO.” (ANEXO F, pp. 273-274)
Por fim, quanto à regulação da propriedade intelectual, colacionamos:
“14.2 Todos os direitos de propriedade intelectual anteriores à celebração deste
CONTRATO, incluindo dados, especificações, processos, técnicas, tecnologias,
‘know-how’, marcas, patentes ou qualquer outra forma, doravante denominados de
PROPRIEDADE INTELECTUAL PRÉ-EXISTENTE, utilizados ou não para a
execução do objeto deste CONTRATO, continuarão a ser de propriedade exclusiva
dos respectivos proprietários, não podendo qualquer parte cedê-los, transferi-los,
aliená-los, divulgá-los, comercializá-los ou industrializá-los, ou de qualquer forma
deles dispor, sem prévio consentimento dos respectivos proprietários por meio de
instrumento jurídico adequado.
14.2.1 A CONTRATA reconhece como parte da PROPRIEDADE INTELECTUAL
PRÉ-EXISTENTE do EB a propriedade intelectual gerada durante o
desenvolvimento da VBTP-MR, objeto do Contrato nº 01/2007-FRF, de 21 de
dezembro de 2007 e seus Termos Aditivos, e se obriga, durante a execução do
presente Contrato a desenvolver, em conjunto com a CONTRATANTE, o projeto
detalhado da VBTP-MR experimentais, integrando da melhor forma a solicitação
constante do Anexo A e também os Sistemas de Armas e de Comando e Controle
que serão fornecidos pela CONTRATANTE.
[...]
14.3 Os direitos de propriedade intelectual resultantes da execução do objeto deste
CONTRATO, pela CONTRATADA, por meio de subcontratada ou de qualquer
outra forma, são considerados propriedade intelectual adquirida e são exclusivos do
EB, desde que não configure propriedade intelectual pré-existente. Os direitos de
propriedade resultantes de quaisquer alterações ou melhorias do objeto do presente
CONTRATO, que no futuro possam surgir, deverão ser proporcionais ao nível de
utilização do projeto original” (ANEXO F, pp. 276-277)
O que chama a atenção de forma relevante neste contrato é a preocupação na
transferência de tecnologia de tudo que viesse a fazer parte do desenvolvimento. Este fato tem
como objetivo principal fornecer ao EB uma posição de domínio sobre as tecnologias
necessárias para a fabricação deste tipo de viatura, condição fundamental para a conquista da
independência tecnológica no setor (CARRILHO, 2014, p. 33). De semelhante modo, por
167
prever propriedade intelectual para o Exército Brasileiro, o licenciamento para produção e
exploração comercial da VBTP-MR “Guarani” dependerá de autorização deste, que também
auferirá o pagamento de “royalties”, cabendo colacionar:
“15.1.1 Tal licenciamento deverá ser objeto de instrumento jurídico específico, onde
serão estabelecidos os ‘royalties’ relativos à comercialização dos produtos
decorrentes da execução do objeto deste CONTRATO quer serão no máximo de 8%
(oito por centro) e no mínimo de 3% (três por cento) sobre a receita líquida que
venha a ser auferida pela CONTRATADA” (ANEXO F, p. 278)
Sendo assim, segue um quadro resumo das disposições contratuais referentes à
transferência de tecnologia no Projeto Guarani.
Quadro 27 – Resumo das cláusulas de transferência de tecnologia do Guarani
Nacionalização
- Índice de nacionalização obrigatoriamente igual ou superior a 60% do
valor da parte automotiva da VBTP-MR
- Desejável índice de nacionalização igual ou superior a 70% do valor
da parte automotiva da VBTP-MR.
Transferência de tecnologia
- Gerência Técnica acompanhando e fiscalizando o processo.
- “On the job training” para manutenção das VBTP-MR.
- Equipe de Absorção de Conhecimentos e Transferência de Tecnologia
(EACTT)
Forma de integração da equipe depende de aprovação da Gerência
Técnica.
Pleno acesso às informações, dados e documentos técnicos, bem
como às atividades e às áreas relacionadas à execução do contrato.
- IVECO deve assistir diligentemente a absorção de tecnologia por parte
da Gerência Técnica.
Propriedade Intelectual
- Propriedade intelectual pré-existente permanece sob domínio do
respectivo proprietário.
- IVECO reconhece parte da propriedade intelectual pré-existente como
sendo do EB no que se refere ao primeiro contrato do lote piloto.
- A propriedade intelectual adquirida durante o desenvolvimento das
VBTP-MR experimentais é de domínio exclusivo do EB.
- Previsão de pagamento de “royalties” para o EB em decorrência da
produção e exploração comercial das VBTP-MR pela IVECO.
Fonte: Elaboração própria com base no ANEXO F
Essas são as principais cláusulas referentes ao processo de transferência de
tecnologia como um todo dentro do Projeto Guarani. Outras cláusulas assessórias serão
utilizadas ao longo da avaliação do projeto nos itens subseqüentes.
4.2.5 – Teoria da intervenção e objetivos
A teoria da intervenção no Projeto Guarani pode ser inferida por meio de
informações ostensivas divulgadas pelo próprio Exército Brasileiro, bem como pode ser
168
deduzida mediante os aspectos desenvolvidos no referencial teórico e fontes secundárias que
se debruçaram sobre o programa.
Nesse sentido, a teoria da intervenção do Contrato nº 01/2007-FRF, o primeiro do
Projeto Guarani, juntamente com seus posteriores, com destaque para o Contrato nº 015/2012,
que se encontra em anexo (ANEXO F), pode ser representada da seguinte forma:
Intervenção Projeto Guarani (como decidido)
Contrato nº 01/2007–FRF e posteriores
↓
Conversão planejada Previsão de 2044 unidades da VBTP-MR
Desenvolvimento e Fabricação do lote-piloto
Desenvolvimento e Fabricação do Lote de
Experimentação Doutrinária
Novos contratos ao longo do tempo
↓ Resultados pretendidos 2044 VBTP-MR “Guarani”
↓ Efeitos imediatos pretendidos Dotar o Exército Brasileiro de uma Nova
Família de Blindados de Rodas. (EXÉRCITO
BRASILEIRO, 2016)
↓ Efeitos intermediários pretendidos
(determinantes do problema) Necessidade de substituição das viaturas
“Urutu” e “Cascavel”
Necessidade de adquirir blindados modernos
Não domínio das tecnologias inerentes e
necessárias para desenvolvimento nativo
↓ Hipóteses causais Déficit tecnológico
Desestruturação da Base Industrial de Defesa
↓ Efeitos últimos pretendidos
(condição problemática que se busca
mudar)
Dependência tecnológica na produção e
desenvolvimento desses meios terrestres
Comprometimento da ação autônoma do país
Figura 16 – Teoria da intervenção do Projeto Guarani
Fonte: Elaboração própria a partir da bibliografia e de VEDUNG, 1997, p. 225.,
Pelo modelo acima delineado e pelo embasamento anterior, constata-se que o país
tem tido sua atuação autônoma comprometida no cenário internacional, por carência de meios
de defesa adequados e pela dependência que possui de fornecimento estrangeiro de
tecnologias para a produção desses bens, aqui, em especial, veículos blindados de transporte
terrestre de rodas. Essa situação problemática tem como causas prováveis o déficit
tecnológico que o Brasil ostenta em relação aos países desenvolvidos e a desestruturação da
Base Industrial de Defesa que não atende às necessidades das Forças Armadas. No caso
específico do Projeto Guarani, o país fabricava blindados entre os anos 70 e 80, sendo que os
meios atuais estão em uso há quase 40 anos, contudo, a falência das principais fabricantes
nacionais de viaturas blindadas (ENGESA e Bernardini) em decorrência das crises daquela
169
época fez o país perder substancial capacidade industrial e tecnológica de produzir tais meios,
necessitando hoje de apoio externo para alcançar novamente tal patamar. Assim, vê-se a
condição determinante do problema, que é a obsolescência dos meios em utilização
atualmente, bem como da necessidade de adquirir viaturas modernas, mas que esbarra no não
domínio das tecnologias necessárias para solucionar tal empecilho. Nesse sentido, o Projeto
Guarani visa transformar essa situação, mediante a aquisição de novas viaturas por meio de
parceria com empresa estrangeira, visando também a obtenção de tecnologia e infraestrutura
capaz de proporcionar ao país capacidade de construir, manter e operar blindados
independentemente.
O objetivo geral do Projeto Guarani, como mencionado no modelo acima, é dotar
o Exército Brasileiro com uma nova família de blindados de rodas, mas existem vários outros
objetivos específicos ligados ao projeto que merecem igual destaque, vale transcrever:
“a. Obter a NFBR, por desenvolvimento ou aquisição.
b. Adequar a infraestrutura física das Organizações Militares (OM) a serem
contempladas com a NFBR.
c. Obter a capacidade de desenvolver e produzir a munição para os sistemas de
armas da NFBR.
d. Planejar e prover os meios de simulação necessários à capacitação e ao
adestramento do pessoal no uso da NFBR.
e. Obter simuladores para a capacitação dos operadores da NFBR.
f. Contribuir com o planejamento e implantação do SLI necessário à NFBR.
g. Contribuir com a capacitação, qualificação e treinamento dos recursos humanos
para a NFBR.
h.Contribuir com a integração dos diferentes sistemas componentes da
NFBR, estabelecendo uma interface com os sistemas conexos (cibernética, guerra
eletrônica etc).
i. Contribuir com o aumento da autonomia tecnológica nacional na área de proteção
de viaturas e em outras áreas de interesse do Exército.
j. Contribuir com o gerenciamento dos contratos necessários para a consecução
dos objetivos propostos para a implantação da NFBR.
k. Implantar os planos de compensação comercial, tecnológica e industrial.
l. Participar do planejamento e coordenação da Experimentação Doutrinária.
m. Prever as sucessivas modernizações da frota e a desativação do MEM.
n. Coordenar as ações de implantação da NFBR, permitindo o desenvolvimento das
versões previstas nas respectivas CONDOP.” (EXÉRCITO BRASILEIRO, 2016)
4.2.6 – Modelos analíticos
Quanto aos modelos analíticos do Projeto Guarani, o primeiro a ser apresentado é
o Modelo de Atores Interessados (stakeholders) que pode ser representado da seguinte forma:
170
Figura 17 – Modelo de Atores Interessados do Guarani (Stakeholders Model)
Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997.
O Projeto Guarani é originado do governo brasileiro, especialmente, do Exército
Brasileiro. Ligados ao governo brasileiro estão o Exército Brasileiro, a FINEP e o BNDES. O
Exército, além de idealizador e executor do projeto, também é seu beneficiário, vez irá operar
os blindados Guarani. A FINEP é uma das principais financiadoras do projeto em parceria
com o Exército e a Fundação Ricardo Franco, a ele ligada, bem como o BNDES, que
financiou à IVECO a construção da fábrica de blindados em Sete Lagoas-MG (CARRILHO,
2014). O segundo ator interessado que merece destaque é a IVECO, empresa italiana ligada
ao grupo Fiat, que é a co-desenvolvedora das VBTP-MR, ao lado do Exército Brasileiro, e
também sua fabricante licenciada pelos contratos acima mencionados.
Também interessada no Guarani está a Indústria de Defesa como um todo,
sobretudo como uma das beneficiárias do programa, tendo em vista o seu objetivo de
nacionalizar progressivamente no mínimo 60% da produção, em valor, da plataforma
automotiva da viatura (ANEXO F). Sendo assim, dentro do segmento da indústria de Defesa
no referido modelo, encontram-se também as demais fornecedoras de equipamentos para os
veículos, nacionais e estrangeiras. Ao lado da indústria, está também a academia, ou as
universidades. Conforme demonstrado em capítulo anterior, a lógica do complexo militar-
acadêmico-industrial tem pautado as aquisições e a gestão de meios de Defesa no último
século. Sendo assim, interessadas no programa estão os segmentos ligados à parte técnica do
blindado, com destaque para o Instituto Militar de Engenharia (IME), integrante do Sistema
de Tecnologia do Exército Brasileiro, mas também o segmento que avalia os programas
171
dentro da lógica das ciências sociais e políticas, em seu cunho estratégico, como o presente
trabalho.
Por fim, considerando que o Projeto Guarani é um programa estratégico
governamental, a sociedade em geral é um ator interessado no mesmo, tendo em vista não só
sua condição de beneficiária como um todo dos efeitos do programa para o país, mas também
pelo emprego de recursos públicos do erário nacional, constituído, sobretudo, das
contribuições da sociedade. Dessa forma, à sociedade interessam os rumos que tomará o
Projeto Guarani.
Em seguida, o Projeto Guarani pode ser apresentado em seu panorama geral
conforme o Modelo de Sistema Simplificado, cuja representação se dá da seguinte forma:
Figura 18 – Modelo de Sistema Simplificado do Guarani
Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997
Esse modelo toma como base as informações obtidas até agora para demonstrar a
concepção do Projeto Guarani como política pública em suas fases pós-decisão, mostrando o
processo de conversão dos insumos aplicados nos resultados e efeitos desejados, de acordo
com as metas do programa e diretrizes da END. Seguir-se-á a avaliação da implementação do
referido projeto.
172
4.2.7 – Avaliação da implementação
Tendo desenvolvido os aspectos preparatórios para a avaliação do Projeto
Guarani, segue-se a análise e valoração dos indicadores utilizados na presente pesquisa, quais
sejam: tranferência de know-why; possibilidade de difusão; e possibilidade de independência
nacional.
4.2.7.1 – Transferência de “Know-why”
O primeiro indicador a ser avaliado será a transferência de know-why do Projeto
Guarani. Segundo Ferreira (2014), o Exército Brasileiro identificou a necessidade de
substituir as viaturas Cascavel e Urutu por uma nova família de blindados em 1998. De 1998
a 2006, a Força terrestre se debruçou sobre um trabalho chamado de Definição do Material,
em que o Centro Tecnológico do Exército (CTEx) fez um anteprojeto do que seria a solução
para tal necessidade, fazendo estudos de viabilidade técnica e econômica. Em uma Reunião
Decisória em 2006, o Exército decidiu desenvolver a nova família de blindados segundo a
proposta do CTEx. A partir do anteprojeto formulado, houve um projeto conceitual da viatura
que serviu de base para iniciar o processo seletivo para a empresa parceira, sendo vencedora a
IVECO (FERREIRA, 2014). Esses dados demonstram que a fase de concepção e estruturação
do Projeto Guarani foi longa, especialmente no que concerne ao planejamento das licitações e
contratos.
Assim, como visto anteriormente, os contratos do Guarani prevêem o
acompanhamento do desenvolvimento e produção das viaturas por uma Gerência Técnica do
Exército, com a participação de uma Equipe de Absorção de Conhecimentos e Transferência
de Tecnologia (EACTT), que possuía amplo acesso aos documentos e à cadeia produtiva dos
blindados. Dessa forma, o contato da equipe de engenheiros militares se dava in loco e
contratualmente não havia restrições a ele, proporcionando a transferência não só das
instruções e das técnicas, mas também do conhecimento transferido pela empresa cedente.
Nesse sentido, acerca dos fluxos de conhecimentos presentes no Projeto Guarani, cabe
colacionar a resposta do implementador questionado por esta pesquisa:
173
Quadro 28 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no Guarani
Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Procedimentos de
produção/cronograma e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e
expertise
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Desenvolvimento de Tecnologias e
pesquisa de conhecimentos, dados,
procedimentos, entre outros.
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não
sei
Fonte: PINTO, 2016 (ANEXO C).
Do quadro acima, pode-se constatar a transferência satisfatória de todos os fluxos
de conhecimento presentes numa transmissão tecnológica, segundo o referencial teórico desta
pesquisa. Portanto, tanto conhecimentos básicos, representados pelas quatro primeiras linhas,
quanto know-how, pelas três linhas seguintes, e principalmente know-why, representado pelas
três últimas linhas, estão satisfatoriamente presentes no processo de transferência de
tecnologia do Projeto Guarani. Cabe transcrever a resposta do entrevistado (PINTO, 2016):
“Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o
desenvolvimento do programa? Corresponde às expectativas iniciais?
Resposta: Sim, a transferência de tecnologia vem correspondendo às expectativas.
Naturalmente, sempre ficamos com a sensação de que poderia ser melhor, mas
acredito que estarnos aprendendo muito, Exército e as empresas civis que participam
dos desenvolvimentos. No caso da IVECO, o Exército recebe a tecnologia de duas
formas: pela participação de Engenheiros no desenvolvimento nas instalações da
empresa (intangível) e pelo recebimento do Pacote de Dados Técnicos (tangível).”
(ANEXO C, p. 239)
Dessa forma, segundo o modelo lógico da presente pesquisa (A→B=C), no qual
os contratos causam processos de transferência de tecnologia que devem condizer com as
diretrizes de políticas públicas para aquisições de Defesa plasmadas na END, em relação ao
Projeto Guarani, no indicador concernente à transferência de know-why, pode-se dizer que
174
houve resultado plenamente positivo, logrando o projeto êxito em alcançar o objetivo
proposto pela END.
4.2.7.2 – Possibilidade de difusão
Acerca do indicador referente à possibilidade de difusão, a presente pesquisa
apurou que o Projeto Guarani, como desenvolvido anteriormente, tem o objetivo de
gradualmente aperfeiçoar a plataforma automotiva da VBTP-MR e adaptar a outros modelos
de viatura, tais como socorro médico, comando e controle, reconhecimento etc. Da mesma
forma, se pretende desenvolver uma viatura 8x8 utilizando como base o blindado Guarani.
Dessa forma, verifica-se que o próprio projeto prevê um transbordamento da tecnologia obtida
no desenvolvimento das VBTP-MR, de forma a proporcionar a criação de outros tipos de
viaturas.
No mesmo sentido, segundo Ferreira (2014), o Guarani vai ser a plataforma base e
haverá modificações conforme as necessidades dos modelos derivados, por exemplo, para
uma viatura posto de comando as modificações serão pequenas, para uma viatura morteiro as
modificações também não serão muito grandes, porém, a viatura de reconhecimento
demandará grandes alterações. Vê-se, portanto, que o Projeto Guarani contempla não só o
esforço para fabricação de uma viatura específica, mas todo um esforço de absorção da
tecnologia e transbordamento, por meio de P&D, para adaptá-las conforme as necessidades e
prioridades do Exército Brasileiro, ainda que conte com a participação de empresa privada
parceira, como no caso da IVECO.
Cabe transcrever também a resposta do entrevistado (PINTO, 2016) acerca de sua
percepção sobre a possibilidade de difusão da tecnologia recebida:
“A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros
empreendimentos, militares ou civis?
Resposta: Sim, principalmente para a área militar. Na área civil fica mais difícil por
causa dos elevados preços dos produtos, que são consequência das grandes
exigências (condições de operação) dos materiais de emprego militar.” (ANEXO C,
p. 240)
Destarte, pode-se observar que o Projeto Guarani foi concebido de forma a prever
a difusão da tecnologia transferida como estágio do próprio projeto, tal qual o PROSUB,
como analisado anteriormente. Também, o implementador entrevistado possui a mesma
175
percepção sobre a possibilidade de transbordamento do conhecimento recebido para outros
empreendimentos. Assim, tem-se que o Projeto Guarani, no que tange a este indicador,
apresentou resultado positivo, atendendo às diretrizes da END, apresentando-se o modelo
lógico como A→B=C, ou seja, o contrato desencadeou um processo que atende aos objetivos
traçados pela alta política.
4.2.7.3 – Possibilidade de independência no setor (nacionalização)
O indicador referente à possibilidade de independência no setor nesse trabalho é
medido, além da percepção do implementador, por meio de dois aspectos principais: primeiro,
a nacionalização da produção e a participação de empresas brasileiras no empreendimento e,
segundo, a regulação da propriedade intelectual.
Segundo Ferreira (2014), a estratégia para absorver tecnologia foi fazer a
contratação no país, não por meio de uma contratação de empresa estrangeira diretamente,
mas por uma empresa que pudesse demonstrar a capacidade de executar o projeto em
território nacional. Diz ele que uma transferência de tecnologia de uma matriz para um
escritório seria mínima, mas de uma matriz para uma empresa do grupo já constituída no país
tem chances de ser maior. Assim, a transferência de tecnologia não é explicitada, mas consiste
numa ação indireta em que se exige da empresa que ela realizasse no país o processo de forma
que o Exército pudesse participar desse processo dentro dela. De semelhante modo, o Exército
também transferiu para a empresa uma tecnologia, qual seja, a especificação de um blindado
para atender às necessidades específicas do Brasil.
Nesta senda, o projeto visa obter um índice de nacionalização mínimo de 60%,
como foi visto anteriormente. De acordo com Ferreira (2014), é um índice que ao Exército
pareceu razoável, considerando as especificidades de um material de uso militar e a economia
globalizada em que vivemos. Os 60% de nacionalização já foram atingidos, trabalha-se para
conseguir aumentar para 70% ou até 100%, o que seria estrategicamente muito importante,
mas também muito difícil pelos motivos citados anteriormente, tendo em vista que alguns
itens são de tecnologias dominadas por alguns países específicos.
Sendo assim, o Projeto Guarani conta atualmente com 68 fornecedores nacionais,
entre empresas brasileiras de capital nacional e estrangeiro, conforme tabela que se encontra
em anexo (ANEXO C). Dos fornecedores, alguns se destacam pela importância dos seus
176
produtos. A tabela a seguir mostra os principais fornecedores do Guarani, com a
nacionalidade do capital controlador, a subsidiária brasileira correspondente e o produto que
integra o blindado:
Quadro 29 - Principais stakeholders privados do Projeto Guarani (nomes, origem e função no
projeto) Empresa Subsidiária brasileira Função
Grupo Thales (França) Omnisys -Intercomunicador SOTAS
Elbit Systems (Israel) -AEL Sistemas
-Ares Aeroespacial e
Defesa
-Canhão automático UT-30BR
-REMAX
IBD (Alemanha) Grupo Inbra -Spall linner
FIAT (Itália) IVECO -Produção do blindado e integração
Grupo ZF (Alemanha) ZF do Brasil -Transmissão
FPT Industrial (Itália) -Motor
Companhia Brasileira de
Cartuchos (Brasil)
-Munição 30x173mm do canhão UT-
30BR
Usiminas (Brasil) -Blindagem
Fonte: MEDEIROS et al., 2014, p. 7.
Um dos pontos que se pode verificar é a participação grande de subsidiárias
brasileiras de empresas privadas estrangeiras na execução do projeto. Dos principais
fornecedores das mais importantes peças do blindado, apenas duas são efetivamente
brasileiras, considerando a origem nacional de seu capital. Quando se analisa a lista completa
de fornecedores (ANEXO C), vê-se que os demais produtos que podem ser de empresas de
capital nacional são, em geral, tecnologicamente menos complexos. Ressalvas devem ser
feitas ao REMAX, que embora seja construído pelas empresas ditas acima, foi concebido e
projetado pelo Exército, que detém sua propriedade intelectual (FERREIRA, 2014), da
mesma forma como ocorre com o blindado como um todo e a participação da italiana IVECO,
como se verá a seguir.
O segundo aspecto a ser analisado é a regulação da propriedade intelectual no
Projeto Guarani. Nesse ponto, a pesquisa apurou uma estrutura bem particular de regulação
neste projeto. Como se viu anteriormente, por força contratual, a propriedade intelectual sobre
a VBTP-MR pertence exclusivamente ao Exército Brasileiro, ressalvadas as propriedades pré-
existentes empregadas pelos fornecedores no desenvolvimento do blindado. Isso significa
dizer que a viatura, como produto finalizado, com a integração de todos os seus componentes,
pertence à Força terrestre, tendo em vista que foi ela quem concebeu o projeto e deu as
especificações para a IVECO produzir. Contudo, a suspensão do blindado, por exemplo, que
integrava originalmente outro blindado da referida empresa, o Centauro, permanece sendo de
titularidade da IVECO no que diz respeito à propriedade intelectual (FERREIRA, 2014).
177
Nesse sentido, a produção do Guarani é feita sob licença do Exército, de forma
que o contrato firmado prevê algumas questões que merecem destaque. Primeiramente, é
permitido que haja exportação das VBTP-MR pela fabricante para outros compradores,
porém, deve ser feito o pagamento de royalties à referida Força singular pela utilização da
propriedade intelectual. Ademais, existe a possibilidade do Exército, como detentor dos
mencionados direitos, de substituir a empresa parceira no desenvolvimento e produção dos
blindados, da seguinte forma:
“15.4 A CONTRATADA perderá o licenciamento para produção e exploração
comercial da VBTP-MR nos seguintes casos:
a) Desistência ou recusa unilateral, por parte da CONTRATADA, da produção
da VBTP-MR no Brasil; ou
b) Comprovada incapacidade, voluntária ou não, da CONTRATADA, para
produção da VBTP no Brasil, ainda que tal incapacidade seja temporária; ou
c) Nos casos em que houver imposição legal ou judicial
15.5 Na ocorrência de quaisquer dos casos previstos na Subcláusula 15.4, a
CONTRATADA poderá ser fornecedora de sistemas, componentes ou materiais de
sua PROPRIEDADE INTELECTUAL PRÉ-EXISTENTE. Caso isso não ocorra, a
CONTRATADA poderá licenciar o EB, ou a outro que este indicar, por meio de
acordo entre o EB e a CONTRATADA, dentro da legislação em vigor e mediante a
remuneração correspondente, toda a sua propriedade intelectual que for necessária
para produção, no Brasil, da VBTP-MR, seus derivados ou configurações.
15.5.1 No caso de necessidade de propriedade intelectual de terceiro, subcontratado
ou fornecedor, a CONTRATADA entregará ao EB uma lista dos fornecedores de
sistemas, componentes ou materiais e não se oporá à transferência dos direitos ao
EB ou a outro que este vier a indicar” (ANEXO F, p. 278-279)
Em síntese, o que as cláusulas colacionadas permitem que o Exército, se
verificada a necessidade conforme as previsões contratuais, pode substituir a IVECO na
produção do Guarani, conferindo o licenciamento da produção a outro que possa fazê-lo no
Brasil, podendo a empresa substituída permanecer fornecendo seus componentes específicos
ou licenciar à própria Força ou a outro a possibilidade de fornecer tais produtos, não podendo
se opor, também, à transferência de direitos por qualquer terceiro que participe do projeto.
Esse dado é muito importante para atribuir valor ao indicador referente à
possibilidade de independência do respectivo setor, vez que o Exército Brasileiro, como
detentor da propriedade intelectual do veículo, não permanece, ao menos contratualmente,
numa relação de dependência da IVECO na fabricação do blindado Guarani, podendo
substituí-la, verificadas as hipóteses contratuais.
Acerca da percepção do implementador questionado por esta pesquisa (PINTO,
2016) sobre a possibilidade de obter independência no setor, assim foram suas respostas:
“6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de
relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?
Resposta: Entendo que sim, pois o grande produto do trabalho até agora não é a
VBTP-MR, ou a munição que a CBC está fabricando, mas sim a retomada da
178
capacidade de projetar e fabricar blindados no Brasil e o reforço da BID (arrasto
tecnológico).
7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no
país em momento posterior? E manutenido/modificado também?
Resposta: Acredito que sim, com alguma dificuldade, mas poderia ser desenvolvido
no Brasil. A manutenção e a modificação são mais simples que o desenvolvimento.
[...]
9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para
a independência tecnológica do país no respectivo setor?
Resposta: Eu diria que contribui, mas, a meu ver, para realmente obtermos
independência tecnológica seriam necessários muitos investimentos no setor, por
longo período. Para isso, entendo que a Sociedade Brasileira precisaria entender a
importância de Forças Armadas independentes tecnologicamente e de pronto
emprego. Talvez isso se consolide no futuro.” (ANEXO C, pp. 239-240)
Pelas respostas do entrevistado (PINTO, 2016), pode-se depreender que a
obtenção da independência no setor de produção de blindados, especialmente do Guarani, é
possível e o projeto efetivamente contribui para isso, não obstante a dificuldade que possa
existir para alcançar tal objetivo, destacando-se a necessidade de manter o relacionamento
com a cedente a fim de proporcionar cada vez maior reforço à BID e à capacidade do país de
projetar e construir blindados. Ou seja, o Guarani não se encerra na VBTP-MR, mas faz parte
de um projeto estratégico de longo prazo para obter cada vez mais capacitação tecnológica no
setor. Para lograr êxito no referido objetivo, o respondente alerta para a necessidade de
maiores investimentos e por longo período de tempo.
Em síntese, acerca da nacionalização, o Projeto Guarani apresenta o problema da
pequena participação de empresas de capital nacional em pontos mais complexos da
fabricação do blindado, prevendo índice de 60% da construção em território nacional.
Contudo, tal defeito parece ser mitigado por alguns aspectos: economia globalizada e
detenção de itens exclusivamente por outros países (FERREIRA, 2014); razoabilidade do
índice de nacionalização, tendo em vista que o BNDES requer 70% para empreendimentos
civis (FERREIRA, 2014); e, principalmente, domínio da propriedade intelectual do blindado
por parte do Exército Brasileiro.
Dessa forma, não obstante o desafio da maior nacionalização, a titularidade do
patrimônio intelectual pela Força terrestre propicia que a cadeia de produção do Guarani,
ainda que seja internacionalizada, permaneça sob controle brasileiro, podendo haver,
inclusive, a substituição da empresa fabricante e de seus fornecedores, sem, contudo,
comprometer a posição do Exército Brasileiro como ator central e controlador da empreitada.
Verifica-se que tal modelo de estruturação do Projeto Guarani confere valor positivo ao
indicador referente à possibilidade de independência nacional no setor de blindados,
atendendo às diretrizes da END, sendo A→B=C.
179
4.2.8 – Conclusões
Para seguir com as conclusões dessa pesquisa a respeito da avaliação do processo
de transferência de tecnologia do Projeto Guarani, insta fornecer seu o Modelo de Consecução
de Objetivos, que pode ser representado da seguinte forma:
Figura 19 – Modelo de Consecução de Objetivos do Guarani
Fonte: Elaboração própria com adaptação de VEDUNG, 1997.
A fim de responder a indagação proposta pelo modelo de consecução de objetivos
e da presente avaliação, os fatores internos do Guarani que são relevantes para seu objetivo
são representados pelos indicadores acima valorados, quais sejam: transmissão de know-why,
que apresentou resultado satisfatório dentro das diretrizes END; possibilidade de difusão, que
apresentou resultado positivo, condizendo com os objetivos de políticas públicas; e
possibilidade de alcançar independência tecnológica no setor, que apresentou igualmente
resultado satisfatório em relação ao almejado pela END. Mesmo havendo o desafio do índice
de nacionalização, com a participação de empresas de capital nacional, a questão da regulação
da propriedade intelectual, e sua titularidade exclusiva por parte do Exército Brasileiro, torna
o país o centro de comando da cadeia produtiva do Guarani, ainda que esta seja
internacionalizada.
180
A respeito dos fatores externos que tem constituído os maiores obstáculos ao
projeto, o implementador entrevistado (PINTO, 2016) respondeu que são dois: as dificuldades
gerenciais, sobretudo no que concerne à logística de materiais de defesa (controlados) e à
demora no processo de tomada de decisão; e a disponibilização de recursos financeiros
(ANEXO C)
Dessa forma, a presente pesquisa conclui que a implementação do Projeto
Guarani, no que diz respeito à transferência de tecnologia, tem contribuído com a aquisição de
conhecimento para o país, de forma a fomentar a Base Industrial de Defesa, se mostrando
condizente com as diretrizes da END (2012d), quais sejam, obter independência e autonomia
industrial e tecnológica no setor de materiais de defesa, aqui no caso, blindados. Constata-se
uma grande preocupação da Força terrestre nas fases de concepção e estruturação do projeto,
que tem permitido o sucesso do mesmo no objetivo proposto.
4.3. PROJETO H-XBR
4.3.1 – Considerações iniciais
O Programa H-XBR é um empreendimento do Ministério da Defesa, gerenciado
pela Força Aérea Brasileira (FAB), que tem como objetivo adquirir cinquenta helicópteros de
origem européia modelos EC-725, que serão progressivamente fabricados no Brasil pela
empresa Helibras, para as três forças singulares (SILVA, 2015). O programa visa a produção,
industrialização, desenvolvimento e fornecimento no Brasil das referidas aeronaves, mediante
desenvolvimento da indústria nacional, com a efetiva transferência de tecnologia e ampliação
da capacidade industrial brasileira no campo aeronáutico (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013).
A empresa brasileira Helibras estabeleceu um consórcio com a francesa
Eurocopter para produzir as cinquenta aeronaves, que serão distribuídas em dezesseis
unidades para a FAB, dezesseis para o Exército Brasileiro, dezesseis para a Marinha do Brasil
e duas para transporte especial, tendo como orçamento inicial estimado a quantia de 1,84
bilhões de euros, portanto, tem o programa a obrigação de incluir cláusulas de offset
(SERRÃO; RAMOS; PEDONE, 2014).
181
4.3.2 – Antecedentes
As origens do Programa H-XBR remontam aos contatos na área militar realizados
entre Brasil e França, na gestão do ministro da Defesa Waldir Pires, no contexto da ausência
de definições sobre o programa F-X. Na ocasião, houve a implementação de uma solução
temporária para substituir os antigos caças Mirage III da FAB por um lote de 12 aeronaves
Mirage 2000 (SILVA, 2015). Essa operação, além do seu próprio acordo firmado em 15 de
julho de 2005, foi acompanhada de outro acordo mais amplo de cooperação na área da
aeronáutica militar, incluindo a identificação de possibilidades de fornecimento de aeronaves,
equipamentos, armamentos e serviços (SILVA, 2015). Os contatos entre Brasil e França se
intensificavam, até que no encontro entre os respectivos presidentes em 12 de fevereiro de
2008, ambos salientaram o forte potencial de cooperação na área de defesa, no campo nuclear
civil, no setor de biocombustíveis (SILVA, 2015).
Na Marinha do Brasil, desde 2006, se estudava a substituição dos helicópteros
SH-3 por meio das propostas das empresas Eurocopter (modelo AS-532 Cougar), Augusta
Westland (EH-101 Merlin) e Sikorsky (SH-60 Seahawk) (RIBEIRO, 2013 apud SILVA,
2015). Na FAB, em 2007, foi aberta uma licitação com pedidos de oferta para a aquisição de
dois lotes de helicópteros, um de transporte (Programa CMH-X) e outro de ataque (Programa
AH-X), tendo recebido as propostas da Eurocopter (modelo EC-725), da Augusta Westland e
da russa Rosoboronexport (SILVA, 2015).
No início de 2008, a Helibras e a então EADS Brasil, conglomerado ao qual
pertence a Eurocopter e que hoje pertence ao Airbus Group, anunciaram seus planos de
investirem em uma linha de produção do modelo EC-725 Super Cougar no Brasil, mas para
isso precisariam da garantia de encomenda de pelos menos 50 unidades em 10 anos (SILVA,
2015).
Em 21 de julho de 2008, foi lançada pelo Ministério da Defesa e pelo Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) a Portaria Interministerial nº
1.068, prevendo a constituição de um grupo para estudar as necessidades decorrentes da
operação de helicópteros de médio porte. Esse grupo ficou sob a coordenação da FAB. Além
disso, o Comando da Aeronáutica ficou responsável pela coordenação com as demais Forças
Singulares (SILVA, 2015).
182
No âmbito da FAB, o projeto CMH-X foi encerrado e substituído pelo Programa
H-XBR, especialmente pela força que este ganhou em decorrência dos diálogos diretos entre
os presidentes do Brasil e da França (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Na
esfera das demais Forças, o Programa também foi aprovado e incorporado conforme suas
necessidades específicas (SILVA, 2015).
O contrato do Programa H-XBR foi finalmente firmado no dia 23 de dezembro de
2008, pelo então Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Juniti Saito,
representando também as demais Forças, dando início formal ao primeiro projeto conjunto
das três Forças singulares de aquisição de material militar, desde a criação do Ministério da
Defesa (SILVA, 2015).
4.3.3 – Aspectos contratuais e etapas do programa
O arranjo contratual do Programa H-XBR, em resumo, está estruturado em três
contratos: o principal, o Contrato de Offset e Cooperação Industrial e o Contrato CLS,
referente à logística, material de suporte e treinamento (SILVA, 2014). O contrato principal
firmado entre a FAB e o consórcio Helibras/Eurocopter, o Contrato 008/CTA-SDDP/2008,
além de cuidar do fornecimento de aeronaves, atribuiu ao contratado a obrigação de fomentar
a indústria aeronáutica brasileira (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
A presente pesquisa tentou obter a cópia dos documentos em tela, mas não obteve
sucesso por serem confidenciais, nem sequer uma resposta ou síntese por parte da FAB, como
ocorreu com a Marinha do Brasil. Nesse sentido, trabalhar-se-ão as informações ostensivas
disponíveis.
As principais entregas do contrato H-XBR são:
“• Fornecimento de 50 EC725 em configurações BR
• 16 para a Força Aérea Brasileira
• 16 para a Marinha do Brasil
• 16 para o Exercito do Brasil
• 2 VIP para o GTE
• Pacote inicial de sobressalentes
• Desenvolvimento e qualificação das versões específicas
para cada força.
• Transferência tecnológica e industrial que inclui:
• Pacote de Cooperação Industrial valorizado em 90% do valor total do contrato.
– Criação da Nova Helibras
– Criação de um Centro de Engenharia.
• Pacote de offset valorizado em 10% do valor total do contrato
183
– Criação de um centro de apoio técnico para os equipamentos de missão (Flir,
HUMS, Exocet)
– Transferência de tecnologia para desenvolvimento de helicópteros do ONERA
para o CTA.
– “Data packages “ para o Pantera e Esquilo , modernizados.
A transferência de tecnologia é mais importante que os helicópteros.” (SILVA,
2014)
A primeira missão realizada por um dos helicópteros do Programa H-XBR se deu
em outubro de 2011, quando um EC-725 da FAB (denominado de H-36 Caracal) apoiou o
resgate de um grupo que ficou refém de indígenas no contexto de um protesto (SILVA, 2015).
Em 13 de junho de 2014, a Marinha do Brasil recebeu o primeiro EC-725 fabricado no Brasil,
ou seja, todas as etapas de montagem se deram em território nacional (GALANTE, 2014). O
primeiro prazo para a entrega de todas as aeronaves seria o ano de 2017, porém, as restrições
orçamentárias que atingiram o programa fizeram o prazo ser dilatado em dois anos, ou seja,
para 2019 (GALANTE, 2015). Segundo o entrevistado desta pesquisa em relação ao Projeto
H-XBR (RESPONDENTE A, 2016), até o presente momento, já foram entregues 44% das
aeronaves previstas (ANEXO D).
Após a entrega de todos os helicópteros, eles, a princípio, distribuídos da seguinte
forma entre as Forças e pelo país:
Figura 20 – Distribuições dos 50 EC-725 por bases
Fonte: SILVA, 2014.
Tendo visto, em síntese, os aspectos contratuais gerais e as etapas do H-XBR,
passa-se ao estudo específico das disposições contratuais referentes à transferência de
tecnologia no âmbito do programa.
184
4.3.4 – Contratos de transferência de tecnologia
O arranjo contratual do Programa H-XBR, em especial, focando no que concerne
à transferência de tecnologia, consiste num contrato principal, que possui uma cláusula que
remete a Acordo de Cooperação Industrial e Compensação Comercial, Industrial e
Tecnológica, este que estabelece compensações (offset) e Projetos de Cooperação Industrial
(Industrial Cooperation Project – ICP), com vistas ao desenvolvimento da indústria de
aviação de asa rotativa, além de vários termos aditivos que foram assinados ao longo dos anos
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Segundo apurou o TCU, o portfólio de ações de transferência de tecnologia no
Programa H-XBR contempla 22 ICPs, além de sete Projetos de Compensação (offset)
relacionados à transferência de tecnologia para simuladores de vôo; integração de mísseis ar-
superfície; instalação de câmeras de imagem térmica em helicópteros Esquilo/Fennec;
modernização das aeronaves Esquilo, Panther e Super Puma/Cougar; suporte técnico e
transferência de tecnologia ao Departamento de Ciência e Tecnologia do Comando da
Aeronáutica (DCTA/COMAER) Espacial na área de veículos de asa rotativa (TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). “A curva de nacionalização prevê que 50%, em valor, dos
componentes do helicóptero sejam nacionais na entrega do último lote” (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 47). A previsão é que o H-XBR permita o desenvolvimento
de um helicóptero brasileiro na década de 2020 (SILVA, 2014).
Conforme também apurou o relatório, nem o MDIC, nem a FAB, se envolveram
no dimensionamento dos níveis de tecnologia que se pretendia obter no H-XBR, porém, após
a contratação da Helibras, o MDIC começou a atuar nos ICPs e passou a formular estudos e
propostas referentes à transferência de tecnologia, ao passo que à FAB, coordenando as três
Forças, coube o estabelecimento dos requisitos operacionais das aeronaves e o processo de
aquisição decorrente (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). De semelhante modo,
também ficou sendo responsabilidade do MDIC sobre a participação e a integração dos
setores empresarial e de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), bem como a
dualidade das tecnologias (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Como dito, a transferência de tecnologia se processa por meio do Acordo de
Compensação e Cooperação Industrial, que contempla os ICPs e os Projetos de Compensação
(offset). Os Projetos de Compensação totalizam € 47.235.814,00 distribuídos em dez projetos
185
de offset diretos (quando o beneficiário é o próprio Programa H-XBR) e indiretos (quando o
beneficiário está fora do projeto). O valor global desses projetos é de € 187.783.050,00, o qual
se obtém a partir da multiplicação de cada projeto individual por um fator, conforme ilustra a
tabela a seguir (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Quadro 30 – Fatores de multiplicação para projetos de compensação
Descrição Fator de
Multiplicação
Co-produção 2 a 5
Produção sob licença 2 a 5
Produção subcontratada 1 a 3
Investimentos na Indústria Aeroespacial Brasileira 5 a 6
Treinamento para Indústrias Brasileiras 3 a 5
Treinamento na empresa contratada e/ou assistência técnica no Brasil 3 a 5
Transferência de Tecnologia 4 a 7
Aquisição de produtos da Indústria Aeroespacial Brasileira 3
Contratação de serviços à Indústria Aeroespacial e à Instituições Brasileiras 2 a 5
Ambiente de engenharia 3 a 5
Doação e/ou empréstimo de equipamentos e sistemas 4 a 6
Custos na fase de desenvolvimento 4 a 6
Fonte: TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 32
Por sua vez, os Projetos de Cooperação Industrial (ICPs) correspondem a
investimentos que o consórcio Helibras/Eurocopter fará em empresas localizadas no Brasil, a
fim de capacitá-las a integrar a cadeia produtiva do H-XBR. São 22 projetos que totalizam €
1.708.047.450,00 em créditos de compensação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO). O
ICP se inicia com a assinatura de um Memorando de Entendimento entre o consórcio e a
empresa selecionada para participar do projeto. Em seguida, é elaborado um Descritivo de
Serviços que detalha as ações a serem executadas. Contudo, a responsabilidade por selecionar
as empresas é do próprio consórcio, sendo este obrigado a prover a capacitação para o projeto,
cabendo à FAB o reconhecimento do seu cumprimento na forma de créditos de compensação.
Em outras palavras, o consórcio escolhe as empresas, fornece a capacitação e a FAB somente
reconhece o cumprimento das obrigações, emitindo os créditos, não interferindo diretamente
na execução dos ICPs (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Acerca da regulação da propriedade intelectual nos contratos do Projeto H-XBR,
cabe transcrever:
“237. No Projeto H-XBR, os direitos relativos à propriedade intelectual são tratados
na cláusula 17 do Contrato de Despesa 008/CTA – SDDP/08 e seus
desdobramentos. Como regra geral, caberá à Aeronáutica apenas os direitos de
propriedade adquiridos que tenham sido pagos ao consórcio. Além disso, o
consórcio garante à Aeronáutica a licença de utilização da propriedade intelectual
envolvida na informação técnica gerada pelo desenvolvimento dos seguintes
sistemas: Anti Surface Warfare – ASUW Tactical Mission System e Electronic
Warfare System.
186
238. O consórcio também garante à Aeronáutica a licença de utilização para uso
próprio, excluídos os direitos de comercialização, envolvidos na informação técnica
gerada pelo desenvolvimento da integração do Míssil AM39 Block 2 Mod 2 no
helicóptero EC-725.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 38)
Essas são as principais informações ostensivas que esta pesquisa conseguiu obter
acerca dos contratos de transferência de tecnologia do Programa H-XBR. Passa-se agora ao
estudo da teoria da intervenção da política pública que o referido projeto representa.
4.3.5 – Teoria da intervenção e objetivos
Como dito anteriormente, os contratos inerentes ao Projeto H-XBR são
classificados, portanto, não disponíveis publicamente. Nesse sentido, como também afirmam
Serrão, Ramos e Pedone (2014), os objetivos específicos do projeto podem ser inferidos a
partir de uma compilação de informações públicas e divulgações oficiais. Assim, para
estabelecer a teoria da intervenção e os objetivos do projeto, utilizaremos as informações até
aqui desenvolvidas, em especial, as diretrizes da END (2012d) e a bibliografia referenciada.
A teoria da intervenção do Contrato 008/CTA – SDDP/2008, o principal do
Programa H-XBR, e seus assessórios pode ser representada da seguinte forma:
Intervenção H-XBR (como decidido)
Contrato 008/CTA – SDDP/2008 e assessórios
↓
Conversão planejada Duplicação da capacidade de produção da
fábrica e do número de funcionários
Transferência de tecnologia para a Helibras e
fornecedores locais
Programas Industriais EC725/EC225
Inovação, parcerias e convênios
(SILVA, 2014)
↓ Resultados pretendidos 50 helicópteros EC725
↓ Efeitos imediatos pretendidos Projetos de integração: manufatura de
componentes, atualização e manutenção técnica
dos equipamentos no Brasil, desenvolvimento
da capacidade industrial da Helibras, instalação
do simulador no Brasil, integração à cadeia
produtiva global da Eurocopter
Projetos de compensação comercial: ToT nas
áreas de: sensores eletro-óticos, integração de
mísseis, simulação, VANTs, engenharia de
produção de componentes dinâmicos.
(SERRÃO; RAMOS; PEDONE, 2014)
187
↓ Efeitos intermediários pretendidos
(determinantes do problema) Necessidade operacional de helicópteros de
médio porte
Não domínio da tecnologia inerentes e
necessárias para desenvolvimento nativo
Futura obsolescência dos meios atuais
↓ Hipóteses causais Déficit tecnológico
Desestruturação da Base Industrial de Defesa
↓ Efeitos últimos pretendidos
(condição problemática que se busca
mudar)
Dependência tecnológica na produção e
desenvolvimento desses meios áereos
Comprometimento da ação autônoma do país
Figura 21 – Teoria da intervenção do H-XBR
Fonte: Elaboração própria a partir da bibliografia e de VEDUNG, 1997, p. 225.
Pelo modelo acima delineado e pelo embasamento anterior, constata-se que o país
tem tido sua atuação autônoma comprometida no cenário internacional, por carência de meios
de defesa adequados e pela dependência que possui de fornecimento estrangeiro de
tecnologias para a produção desses bens, aqui, em especial, aeronaves de asas rotativas. Essa
situação problemática tem como causas prováveis o déficit tecnológico que o Brasil ostenta
em relação aos países desenvolvidos e a desestruturação da Base Industrial de Defesa que não
atende às necessidades das Forças Armadas. No caso específico do Projeto H-XBR, verifica-
se que não há a possibilidade do desenvolvimento nativo de helicópteros, muito embora o país
fabrique esse tipo de aeronaves há 30 anos (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Assim, essas causas provocam uma redução da capacidade operacional das Forças singulares
que operam helicópteros de médio porte, agravada pela futura necessidade de aquisição de
novos meios diante da certa obsolescência dos meios atuais por ação do tempo, mas que
esbarra no não domínio das tecnologias necessárias para solucionar tal problema. Nesse
sentido, o Projeto H-XBR visa transformar essa situação, mediante não só a aquisição de
novas aeronaves, mas também obtenção de tecnologia e infraestrutura capaz de proporcionar
ao país capacidade de construir, manter e operar helicópteros independentemente, com
perspectivas ao desenvolvimento de um helicóptero brasileiro em 2020 (SILVA, 2014).
188
4.3.6 – Modelos analíticos
Quanto aos modelos analíticos do Projeto H-XBR, o primeiro a ser apresentado é
o Modelo de Atores Interessados (stakeholders) que pode ser representado da seguinte forma:
Figura 22 – Modelo de Atores Interessados do H-XBR (Stakeholders Model)
Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997.
O projeto H-XBR se originou de uma parceria entre os governos brasileiro e
francês, ambos são retratados no modelo. Ligados ao governo brasileiro estão o Ministério da
Defesa, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e a
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR). Segundo o
Relatório do TCU, o MD, MDIC e a SAE/PR seriam os stakeholders governamentais
principais do projeto, e deveriam ser os responsáveis pela concepção, estruturação,
formalização e controle do H-XBR (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63).
Segundo apurou o tribunal, o Ministério da Defesa se envolveu diretamente no projeto, desde
o estabelecimento da Portaria Interministerial nº 1.068/2008, participando das negociações
dos contratos e na definição dos níveis de tecnologia almejados e nas fases subseqüentes
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 63-64). O MDIC atua nos estudos e
formulações referentes à transferência de tecnologia, à ampliação da capacidade industrial,
aos aspectos econômico-financeiros, especialmente nas compensações e cooperação
industrial, ao passo que a SAE/PR não teria se envolvido na formulação de políticas públicas
para apoiar o H-XBR (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). A Força Aérea
189
Brasileira é a coordenadora do H-XBR, mas a Marinha e o Exército também são beneficiários
do projeto, visto que também receberão aeronaves.
Também interessada no H-XBR está a Indústria de Defesa, sobretudo como uma
das beneficiárias do programa, tendo em vista o seu objetivo de nacionalizar
progressivamente até 50% da produção, em valor, dos helicópteros previstos no projeto
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Sendo assim, dentro do segmento da
indústria de Defesa no referido modelo, encontram-se também as sociedades empresariais que
atuam no projeto, principalmente a Helibras e a Eurocopter, a primeira brasileira e adquirente
e a segunda cedente de equipamentos e tecnologia, bem como as demais fornecedoras de
equipamentos em geral, nacionais e estrangeiras, inclusive as destinatárias de offset. Ao lado
da indústria, está também a academia, ou as universidades. Conforme demonstrado em
capítulo anterior, a lógica do complexo militar-acadêmico-industrial tem pautado as
aquisições e a gestão de meios de Defesa no último século. Sendo assim, além do setor
acadêmico que se beneficia de alguns projetos de cooperação, em especial, a Universidade
Federal de Itajubá (UNIFEI) (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013), está o segmento
que avalia os programas dentro da lógica das ciências sociais e políticas, em seu cunho
estratégico, como o presente trabalho.
Por fim, considerando que o H-XBR é um programa estratégico governamental, a
sociedade em geral é um ator interessado no mesmo, tendo em vista não só sua condição de
beneficiária como um todo dos efeitos do programa para o país, mas também pelo emprego de
recursos públicos do erário nacional, constituído, sobretudo, das contribuições da sociedade.
Dessa forma, à sociedade interessam os rumos que tomará o H-XBR.
Em seguida, o Projeto H-XBR pode ser apresentado em seu panorama geral
conforme o Modelo de Sistema Simplificado, cuja representação se dá da seguinte forma:
190
Figura 23 – Modelo de Sistema Simplificado do H-XBR
Fonte: Elaboração própria com base em VEDUNG, 1997
Esse modelo toma como base as informações obtidas até agora para demonstrar a
concepção do H-XBR como política pública em suas fases pós-decisão, mostrando o processo
de conversão dos insumos aplicados nos resultados e efeitos desejados, de acordo com as
metas do programa e diretrizes da END. Seguir-se-á a avaliação da implementação do Projeto
H-XBR.
4.3.7 – Avaliação da implementação
Passa-se a valoração dos três indicadores utilizados para a avaliação do Projeto H-
XBR, segundo a metodologia da presente pesquisa.
191
4.3.7.1 – Transferência de “Know-why”
Acerca do indicador referente à transferência do know-why, de semelhante
maneira ao que foi desenvolvido anteriormente no PROSUB, a presente pesquisa também
utilizará substancialmente o Relatório de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas da
União no PROSUB e no Projeto H-XBR (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013) para
obter informações sobre o processo de transferência de tecnologia do H-XBR, tendo em vista
que o referido órgão teve a possibilidade de analisar uma grande quantidade de informações
sobre o projeto, muitas das quais indisponíveis ao público, e para o mesmo fim a que propõe
essa pesquisa. Nesse sentido, cumpre trazer à baila as seguintes considerações do tribunal,
muitas que também valeram para o PROSUB acima:
“83. Antes da formalização dos projetos, não foram adequadamente avaliadas ou
foram deixadas a cargo das empresas contratadas, condicionantes importantes como:
participação da indústria nos processos de transferência de tecnologia; estratégias
para identificar as necessidades tecnológicas e oportunidades de comercialização;
articulação entre Forças Armadas, universidades, institutos de P,D&I e empresas;
sistemas de reconhecimento e medição das tecnologias; definição do processo de
propriedade intelectual; bem como a gestão do conhecimento a ser adquirido.”
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 13)
Ademais:
“387. No tocante à concepção dos projetos, concluímos que a decisão política de se
aproveitar a oportunidade oferecida pelo governo francês de cooperar com o Brasil
na área de defesa superou a orientação técnica dos projetos, apesar de estes serem
caracterizados por sua complexidade e ineditismo.
[...] 390. Concluímos que, em razão da falta de um adequado exame das
condicionantes dos processos de ToT, antes da estruturação e formalização dos
projetos, o alcance dos resultados visados pelo Projeto H-XBR e pelo Prosub
dependerá da capacidade da Aeronáutica e da Marinha, respectivamente, em detectar
e superar os riscos que surgirem durante a execução dos empreendimentos.
[...] 393. Concluímos que as circunstâncias em que foram implementados o
Prosub e o Projeto H-XBR não permitiram que os órgãos envolvidos dispusessem
das condições mais adequadas em termos de prazo, acesso a informações,
capacidades técnicas para as negociações dos contratos, análise dos riscos e
oportunidades envolvidos nos empreendimentos. Isso suscita a possibilidade de que
os compromissos acordados nessas condições possam ter resultado num
balanceamento de custos e benefícios demasiadamente favorável aos particulares,
em detrimento do interesse público.
[...] 397. Outro aspecto importante a ser considerado na análise da adequação
dos arranjos contratuais é a compatibilização dos objetos e prestações estabelecidos
nas relações obrigacionais às necessidades que motivaram a implementação do
projeto. Essa compatibilização foi prejudicada em razão de falhas na etapa de
concepção dos empreendimentos associadas à impossibilidade de acesso a
informações sobre as tecnologias antes das contratações..” (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 61-62)
192
De semelhante modo ao que ocorreu com o PROSUB, o processo de transferência
de tecnologia no Projeto H-XBR já haveria nascido com problemas. Isso porque, em resumo,
em decorrência da necessidade de se aproveitar a oportunidade surgida de parceria com a
França, tomou-se a decisão política de levar a cabo o programa. Entretanto, o curto prazo para
a tomada de decisão e negociação prejudicou a fase de concepção e estruturação da
transferência de tecnologia que se visava obter. Todo o processo de concepção e negociação
do Projeto H-XBR durou apenas 22 dias (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Vale transcrever:
“155. No caso do Projeto H-XBR, a exiguidade do prazo para a negociação dos
contratos, determinada pela necessidade de se aproveitar a janela de oportunidade
oferecida pelo Grupo EADS e pelo Acordo de Cooperação Brasil-França, implicou
risco ponderável para a elaboração dos Projetos de Cooperação Industrial, para a
definição das metas de transferência de tecnologia, para a adequabilidade do
processo de negociação, bem como para a definição dos critérios para a seleção das
empresas e das instituições de ciência e tecnologia que farão parte do projeto. Não
obstante, observamos que alguns desses entraves foram atenuados com a celebração
dos primeiros termos aditivos aos contratos de aquisição e ao acordo de
compensação e cooperação industrial que adequaram algumas das cláusulas
acordadas à nova configuração do projeto (cf. tópico 4).” (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, pp. 23-24)
Considerando o problema na concepção e estruturação do Projeto H-XBR no que
tange à transferência de tecnologia, o TCU concluiu que o sucesso do programa também
depende da capacidade da FAB de detectar e corrigir eventuais falhas durante a
implementação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Segundo o entrevistado da FAB a respeito do Projeto H-XBR (RESPONDENTE
A, 2016), “a transferência de transferência de tecnologia do projeto está vinculada ao Offset
contratado” (ANEXO D, p. 244). Ou seja, dependem dos resultados dos Projetos de
Compensação e dos Projetos de Cooperação Industrial, como desenvolvido acima. Segundo o
entrevistado, “uma parte da tecnologia relacionada ao projeto já foi transferida, capacitando a
indústria nacional no desenvolvimento, fabricação e manutenção de sistemas e materiais”
(ANEXO D, p. 244).
Além disso, o entrevistado informou:
“O projeto HXBR conta com mais de 20 projetos de capacitação da indústria
nacional, já tendo sido executados e reconhecidos, mais de 20% de toda a
transferência de tecnologia prevista.
A título de exemplificação, sugiro que veja a matéria sobre a produção do punho do
EC 725 no Brasil em: http://www.toyomatic.com.br/
Veja também a capacitação do centro de engenharia da Helibras (uma das
beneficiárias da transferência de tecnologia) no site:
https://www.helibras.com.br/noticias/helibras-conclui-com-sucesso-testes-de-
integracao-do-h225m-com-missil-exocet/
Além disso, fruto da transferência de tecnologia por meio do Offset, foi instalado no
Rio de Janeiro (no Recreio) um simulador FFS (Full Flight Simulator) relativo ao
193
EC-725, juntando-se aos outros 4 no mundo. Antigamente os pilotos necessitavam ir
ao Exterior para fazerem os treinamentos no simulador. Com este equipamento
instalado no Brasil, os custos diminuem além de possibilitar o treinamento dos
pilotos civis e militares de outros países
(https://www.helibras.com.br/noticias/simulador-do-cts-da-helibras-recebe-
certificacao-da-anac/)
Veja também a capacitação da Helibras em reparos de componentes dinâmicos em
https://www.helibras.com.br/noticias/oficinas-da-helibras-recebem-certificacao-
internacional-para-manutencao-no-h225/” (ANEXO D, p. 244-245)
Nesse sentido, acerca dos fluxos de transferência de tecnologia, o entrevistado
dessa pesquisa respondeu:
Quadro 31 – Resposta do entrevistado sobre os fluxos de conhecimento no H-XBR
Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei
Design dos processos e projetos (X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Procedimentos de
produção/cronograma e
organização
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei
Produção/ Know-how de
organização (X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto (X) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto (X) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de
engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e
expertise
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias
e pesquisa de conhecimentos,
dados, procedimentos, entre
outros.
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (X) Satisfatória ( ) Não sei
Fonte: RESPONDENTE A, 2016 (ANEXO D).
Como foi colocado anteriormente, para medir a obtenção do know-why foi
utilizada uma tabela com os fluxos de conhecimentos numa transferência de tecnologia.
Apenas para lembrar o que foi desenvolvido no capítulo do referencial teórico, os quatro
primeiros fluxos correspondem ao simples fluxo de conhecimentos, os três seguintes
correspondem ao fluxo de know-how e os três últimos, ao fluxo de know-why.
Além disso, segundo Silva (2015), desde outubro de 2010, funciona na
dependência da fábrica da Helibras, o Grupo de Acompanhamento e Controle do H-XBR,
composto por integrantes das três Forças, responsável por acompanhar todo o processo
194
produtivo dos helicópteros. No mesmo diapasão, segundo o autor, os primeiros helicópteros
entregues foram produzidos na França, mas já contavam com o acompanhamento de técnicos
e militares brasileiros, visando o processo crescente de nacionalização. Como visto no
referencial teórico, o acompanhamento do processo por técnicos é fundamental para a
transmissão de know-why, visto que este reside mais em mentes humanas do que em
documentos, propriamente ditos. Sendo assim, há de reconhecer o esforço do projeto em
adquirir conhecimento tecnológico por meio do acompanhamento do processo, muito embora
o Tribunal de Contas da União (2013) tenha alertado para o fato de não haver medidas para
mitigar o risco de evasão desse capital humano para outros setores, dentro das Forças
Armadas e para o setor privado, tendo a FAB concordado com essa assertiva.
Segundo informou o entrevistado (RESPONDENTE A, 2016), no Projeto H-XBR
todos os fluxos referentes à transmissão de know-why estão presentes no projeto, o que já é
suficiente para atribuir valor positivo ao indicador, pois se tratam dos principais fluxos
considerados nesse trabalho, além do fato de terem sido demonstrados resultados concretos
dos projetos que envolver transferência de tecnologia. Contudo, não se pode ignorar que
existem fluxos não previstos ou insatisfatórios nas categorias de simples conhecimentos e
know-how, o que compromete a plenitude da tecnologia a ser transferida. Muito embora o
indicador aqui trabalhado se refira à transferência de know-why, não se pode olvidar que os
fluxos representam uma escala gradativa e progressiva de complexidade e importância,
mesmo estando os mais importantes presentes, os menos importantes também podem fazer
falta. Busca-se a transferência de know-why sim, mas além do que se recebe de know-how.
Nesse sentido, segundo o referencial teórico e a metodologia desse trabalho, ainda
que o Projeto H-XBR tivesse um ótimo desempenho no que tange à transferência de know-
why, inclusive com a demonstração concreta de resultados, o indicador, como um todo, não
pode ser considerado como suficiente para alcançar o almejado pela END. Assim, o modelo
lógico do indicador seria A→B≠C sendo que A→B<C.
4.3.7.2 – Possibilidade de difusão
Em relação à possibilidade de difusão, assim se manifestou o TCU (2013) em
relação ao Projeto H-XBR:
195
“110. Em se tratando do Projeto H-XBR, couberam aos representantes do MDIC os
estudos e a formulação de propostas referentes à transferência de tecnologia, à
ampliação da capacidade industrial, bem como aos aspectos econômico-financeiros
do projeto. O estabelecimento dos requisitos operacionais das aeronaves e o
processo de aquisição decorrente ficaram a cargo das três Forças, com a
coordenação da FAB.
111. A partir desta divisão de tarefas, estabelecida pela Portaria Interministerial
MD/MDIC 1.068/2008, fica evidenciado que a participação e a integração dos
setores empresarial e de P, D&I, bem como a dualidade das tecnologias deveriam ter
sido abordadas pelo MDIC. Entretanto a exiguidade de tempo destinado à
concepção, estruturação e negociação do Projeto H-XBR (conduzido em 22 dias)
implicou limitada análise acerca dos atores e interesses que se revelavam
importantes para o processo de ToT, especialmente daqueles relacionados à pesquisa
e desenvolvimento e ao fomento da indústria nacional de defesa.
[...]
118. Quanto à dualidade das tecnologias, o uso dual restringiu-se ao possível
desenvolvimento da versão civil do EC-725 para atender aos requisitos da
Petrobras.”
Quanto à possibilidade de difusão da tecnologia recebida, especialmente na sua
dualidade, o TCU apurou que, a princípio, se restringiria à fabricação de uma versão civil do
EC725, para atender os requisitos da Petrobras. Entretanto, acerca da possibilidade de difusão,
assim se manifestou o entrevistado dessa pesquisa (RESPONDENTE A, 2016) quanto ao
Projeto H-XBR:
“A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros
empreendimentos, militares ou civis?
Resposta: Com certeza. Esse é um dos objetivos da transferência da tecnologia, ou
seja, a difusão do que foi aprendido e conhecido e sua ampliação e exploração para
outras áreas. Como exemplo podemos citar que, os conhecimentos adquiridos para o
desenvolvimento de uma peça da aeronave (como citado o punho da pá) poderá
ampliar os estudos na área de engenharia mecânica, aerodinâmica, liga de materiais,
etc.” (ANEXO D, pp. 245-246)
Ou seja, segundo o que a presente pesquisa apurou, a possibilidade de difusão das
tecnologias recebidas no Projeto H-XBR vão além da fabricação da versão civil do EC725,
mas pode agregar bastante às áreas do conhecimento, especialmente, engenharia mecânica, de
materiais, aerodinâmica etc. Dessa forma, o indicador referente à difusão apresenta valor
plenamente positivo, segundo o modelo lógico A→B=C, atendendo ao que almeja à END.
4.3.7.3 – Possibilidade de independência no setor (nacionalização)
Em relação ao último indicador, referente à possibilidade de alcançar
independência no setor, compreendendo os dois aspectos principais da participação de
196
empresas brasileiras na produção (nacionalização) e da regulação da propriedade intelectual,
nos parágrafos a seguir será desenvolvido o que a presente pesquisa apurou sobre o Projeto H-
XBR.
Acerca, primeiramente, da nacionalização, esta se dá no H-XBR, como já dito,
mediante os projetos de compensação (offset). Nesse sentido, o TCU afirmou que o H-XBR
tem uma curva de nacionalização progressiva de até 50%, em valor, dos componentes dos
helicópteros a serem entregues no último lote. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO,
2013). Acerca do processo de nacionalização até aquele momento da auditoria, assim se
manifestou a corte de contas:
“287. Com base nas informações coletadas nesta fiscalização, podemos inferir que
os pontos de controle dos projetos de offset inseridos no Projeto H-XBR são
similares aos estabelecidos para o Prosub, ou seja, consistem de procedimento de
verificação, semelhante a uma prestação de contas do contratado (o consórcio
Helibras/Eurocopter) à COPAC, que tem a atribuição de reconhecer os créditos
referentes a cada transação.
288. Em análise pormenorizada dos termos de referência de dois dos projetos de
compensação (Forward Looking Infra-Red - FLIR e Health and Usage Monitoring
System - HUMS), observamos que se trata de capacitação de empresas brasileiras
para prestação de serviços de manutenção de equipamentos relacionados ao Projeto
H-XBR, sem maiores ambições no que se refere ao aprendizado de tecnologias
sensíveis que permitam à indústria nacional ao menos reproduzir tais equipamentos.
289. Embora tais projetos envolvam qualificação de mão de obra, não se mostram
suficientes para alavancar a indústria nacional, pois apenas criam, no Brasil,
empresas nacionais capazes de prestar assistência técnica, sob licença da empresa
detentora da tecnologia. Não há evidências de que se pretenda produzir
equipamentos similares aos quais serão assistidos tecnicamente, nem mesmo
garantia de que a empresa nacional receberá treinamentos para atualização dos
novos produtos comercializados pela empresa estrangeira detentora da tecnologia.
Enfim, trata-se de projetos de qualificação de mão de obra dedicada à manutenção,
sem perspectivas de evolução para a produção de equipamentos.” (TRIBUNAL DE
CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 46-47)
A primeira crítica que o tribunal apresentou ao Projeto H-XBR e seu processo de
nacionalização foi a respeito de dois projetos de compensação, que na realidade se tratava tão
somente de uma capacitação de empresas nacionais para realizar manutenção e assistência
técnica, sob licença da empresa detentora de tecnologia. Ou seja, poderia a haver a
nacionalização de um serviço, mas não da tecnologia inerente.
Outro aspecto seria o conteúdo dos ICPs, pois, segundo o órgão de contas, a
análise pormenorizada dos 22 ICPs constatou que existe uma extensa utilização de insumos
importados. Existem peças que, embora passem pelo processo final de fabricação no Brasil,
são insumos pré-fabricados e importados. Dessa forma, não se pode considerá-los para aferir
o real teor de insumos e serviços acrescidos à aeronave pela indústria doméstica (TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 47).
197
Além disso, mais um ponto relevante sobre o offset do H-XBR seria sua
efetividade em qualificar a Base Industrial de Defesa brasileira e sua mão de obra. A análise
dos ICPs pelo tribunal chegou às seguintes constatações:
“1) entre as nove empresas participantes dos ICPs, cinco são representantes
nacionais de fornecedores estrangeiros da Eurocopter. Os projetos de cooperação
industrial relacionados às outras quatro empresas representam 22,7% (€
388.000.000,00), em valor, do total de € 1.700.000.000,00 em créditos de
cooperação;
2) dos cinco projetos de cooperação industrial em execução envolvendo as quatro
empresas que não são representantes nacionais de fornecedores estrangeiros da
Eurocopter, três consistem em projetos de produção parcial de componentes, um
refere-se à montagem e um se refere à manutenção;
3) os três projetos que envolvem produção (parcial) de componentes representam
20% (€ 341.000.000,00), em valor, do total de € 1.700.000.000,00 em créditos de
cooperação;
4) os ICPs que envolvem empresas representantes de fornecedores estrangeiros da
Eurocopter somam € 1.300.000.000,00, o que corresponde a 77,3%, em valor dos
créditos de cooperação industrial.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013,
pp. 47-48)
O relatório do TCU sobre a participação da indústria brasileira no H-XBR,
considerando as empresas de capital nacional, apresentam graves constatações. Chama a
atenção o parco número de empresas brasileiras de capital nacional participantes dos projetos
de cooperação, consistindo na minoria dos fornecedores selecionados. Além disso, as
empresas de capital nacional representam os projetos menos complexos, tratando apenas de
produção parcial, montagem e manutenção. Também possuem os menores valores em termos
de compensação, representando apenas 22,7% dos créditos de cooperação. Nesse diapasão,
assim se manifestou o TCU:
“305. Como não há no Prosub ou no H-XBR restrição à participação de empresas
sob controle de capital estrangeiro como beneficiárias de processos de transferência
de tecnologia, também não há nenhum mecanismo legal ou contratual que imponha
restrições à possibilidade de que empresas de capital nacional beneficiadas por
processos de ToT sejam adquiridas por grupos estrangeiros.
306. Os dois riscos formam uma combinação que pode resultar em uso de
recursos públicos para financiar a instalação, no país, de empresas controladas
por capital estrangeiro, o que não garante independência tecnológica em
segmentos sensíveis para a segurança nacional; ou capacitar empresas de
capital nacional que, posteriormente, poderão ser controladas por grupos
estrangeiros. Essas duas possibilidades contrariam o fim visado pela END.”
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 49, grifos nossos)
De semelhante forma ao que ocorreu no PROSUB, o TCU chama a atenção para
dois fatores preocupantes no H-XBR que põem em risco o processo de nacionalização: a
inexistência de restrição à participação de empresas sob controle de capital estrangeiro como
beneficiárias de processos de transferência de tecnologia, nem a restrição à aquisição de
empresas de capital nacional por grupos estrangeiros. Assim, a utilização de recursos públicos
198
para fomentar a transferência de tecnologia para empresas de capital estrangeiro não se
coaduna com a diretriz 22 da END, que determina a capacitação da indústria nacional de
material de defesa para que conquiste autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013).
Em determinado ponto do Relatório de Auditoria Operacional do TCU, este diz
que uma transferência de tecnologia entre uma matriz e uma sua subsidiária, na realidade, se
trata de uma transferência para si mesma, representando um desperdício de recursos públicos,
quando remunerada pelo Erário, principalmente porque não contribui para o fomento da base
industrial brasileira nem para a autonomia em materiais de defesa (TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO, 2013, p. 57).
O mesmo raciocínio pode ser aplicado no que concerne ao Projeto H-XBR, tendo
em vista a cedente principal de tecnologia dos helicópteros, qual seja, a Eurocopter, que
pertence ao grupo Airbus, também é acionista controladora da Helibras, a receptora de
tecnologia (HELIBRAS, 2014).
Ora, pelo que se tem observado no Projeto H-XBR, em seus projetos de
compensação que envolvem transferência de tecnologia e cooperação industrial, é que as
empresas selecionadas, principalmente para os projetos de maior valor e complexidade
tecnológica são, em sua maioria, subsidiárias de empresas estrangeiras, já fornecedoras em
sua matriz. De semelhante forma, a própria Helibras é uma empresa sob controle de capital
estrangeiro e, principalmente, da própria Eurocopter, que deveria ser a fornecedora de
tecnologia.
Acerca da regulação da propriedade intelectual da tecnologia transferida dentro do
Projeto H-XBR, além do trecho colacionado na página 181, assim se manifestou o TCU:
“239. Ao analisarmos as cláusulas contratuais relativas aos direitos de propriedade
intelectual, percebemos que a extensão de tais direitos ainda resta sem o devido
esclarecimento sobre as possibilidades de uso e as hipóteses que envolvem empresas
participantes dos projetos de cooperação industrial (ICPs). A possibilidade do
envolvimento de terceiros em processos de transferência de tecnologia na
condição de transferidor de conhecimento também é fonte de risco quanto à
efetividade dos recursos aplicados em transações de compensação, pois
representam investimentos já contratados e cujo direito de uso de eventuais
direitos de propriedade não se sabe se poderá ser de titularidade da
Aeronáutica ou de empresas nacionais. Deste modo, cabe à Aeronáutica e ao
MDIC, com o apoio do Ministério da Defesa, definir claramente a regulação
contratual das questões atinentes à propriedade intelectual nas contratações do
Projeto H-XBR.” (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, p. 38, grifos
nossos)
Resumidamente, os direitos de propriedade intelectual permanecem, via de regra,
sendo do consórcio Helibras/Eurocopter, salvo os que foram adquiridos onerosamente pela
199
FAB, que não restaram claros quais são. Além desses, há licença de utilização sobre alguns
sistemas técnicos. Há também a licença de utilização para uso próprio, ou seja, não podendo
usar para fins comerciais as informações técnicas geradas pela integração de um míssil ao
helicóptero EC725. Ademais, o ponto levantado pelo TCU foi em relação aos direitos de
propriedade intelectual referentes aos terceiros que participam dos projetos de compensação,
especialmente dos ICPs. Assim concluiu o órgão:
“399. No H-XBR, concluímos que a extensão dos direitos relativos à propriedade
intelectual envolvidos nos projetos de cooperação industrial (ICPs) ainda resta sem o
devido esclarecimento. A possibilidade do envolvimento de terceiros (fornecedores
da Eurocopter) em processos de transferência de tecnologia, na condição de
transferidor de conhecimento, constitui risco para a efetividade dos recursos
aplicados nessas transações de compensação, pois representam investimentos já
contratados e cujo direito de uso de eventuais direitos de propriedade não se sabe se
poderão ser de titularidade da Aeronáutica ou de empresas nacionais.” (TRIBUNAL
DE CONTAS DA UNIÃO, 2013, P. 62)
Em outras palavras, resta sem o devido esclarecimento o quê as empresas
beneficiadas pelos projetos de compensação poderão fazer com as tecnologias transferidas,
levando em conta os direitos de propriedade intelectual a elas referentes. Nesse sentido, assim
o órgão recomendou e determinou ao Comando da Aeronáutica:
“(iv) Recomendar ao Comando da Aeronáutica que:
a. intervenha nos projetos de cooperação industrial para que as indústrias
selecionadas detenham os direitos de propriedade intelectual referentes às
tecnologias absorvidas;
b. estude a possibilidade de adotar medidas de retenção de recursos humanos
durante e após a execução do Projeto H-XBR, a fim de evitar que recursos públicos
empregados em capacitação profissional sejam perdidos;
(v) Determinar ao Comando da Aeronáutica que:
a. mantenha controle de todos os custos relacionados ao Projeto H-XBR e
demais projetos sob sua gestão, incorporando a estes custos, entre outros, os valores
pagos a título de juros e de taxa de compromisso referentes às operações de crédito
contratadas para financiá-los, a fim de se obter a verdadeira dimensão do volume de
recursos públicos alocados a cada projeto; e
b. formalize critérios para reconhecimento dos créditos relativos aos Projetos de
Cooperação Industrial, considerando, em especial, o fato de que tais processos de
transferência de tecnologia se encontram em curso.” (TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO, 2013, p. 65)
Em resposta, a FAB informou que: realiza gestões para que o máximo possível
dos direitos de propriedade se tornem posse das indústrias beneficiárias dos ICPs, dentro do
limite do contrato comercial, do acordo de compensação e da legislação aplicável; que não
dispõe de instrumentos que impeçam a evasão de ativos humanos capacitados pelo projeto,
por estarem vinculados a empresas privadas; que tomou as providências necessárias quanto ao
controle de custos e; que firmado um termo de cooperação técnica entre o MD e o MDIC para
200
formalização do reconhecimento de créditos relativos aos ICPs (TRIBUNAL DE CONTAS
DA UNIÃO, 2013).
Além das informações acima, cabe transcrever a percepção do implementador
entrevistado nessa pesquisa (RESPONDENTE A, 2016) acerca da possibilidade do Projeto H-
XBR propiciar independência nacional no respectivo setor.
“6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de
relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?
Resposta: Não existe a obrigação dessa vinculação com a empresa cedente. Até
mesmo porque, a escolha de empresas cedentes de T&T são apresentadas pela
Contratada e aprovada pela Contratante (União). O vínculo que porventura haja é
somente para operacionalização e futuros contratos em outros projetos.
7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no
país em momento posterior? E manutenido/modificado também?
Resposta: Produção total no Brasil seria em um futuro além de 15/20 anos.
Atualmente, existe um projeto de Offset cujo objetivo é realmente esse: produção
integral de um helicóptero 100% nacional. Nossa indústria hoje não possui essa
capacidade no ramos de helicópteros (diferentemente da aviação de asas fixas,
como, por exemplo, a EMBRAER). Tal projeto de Offset contempla os estudos
(inclusive com o envio de pesquisadores ao exterior), modelos matemáticos,
cálculos aerodinâmicos e produção de protótipos, com a futura comercialização do
modelo. O respectivo projeto ainda está em andamento já tendo passado da 1º fase
prosseguindo para a 2ª fase que trata do congelamento do modelo já estudado e
desenvolvido em laboratórios.
[...]
9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para
a independência tecnológica do país no respectivo setor?
Resposta: Certamente. Transferência de tecnologia não é adquirida da noite para o
dia. Leva-se anos para se obter um conhecimento e difundi-la e isso traz a soberania
do nosso País e a independência de outros países.” (ANEXO D, pp. 245-246)
Segundo avaliou o implementador, a percepção é positiva quanto à contribuição
do Projeto H-XBR para a independência nacional no setor. Espera-se que o relacionamento
com a cedente de tecnologia não seja obrigatório, sendo substituído pelas destinatárias de
transferência de tecnologia. De semelhante modo, contempla a produção total de um
helicóptero brasileiro num futuro além de 15 ou 20 anos, com a contribuição dos projetos de
offset do H-XBR para a indústria nacional, vez que esta, atualmente, é deficitária quanto à
produção de helicópteros. Por fim, o entrevistado considera que a transferência de tecnologia
exige um processo de anos, mas que o projeto teria sido capaz de contribuir com a soberania
do país.
Sendo assim, quanto ao indicador referente à possibilidade de alcançar
independência nacional, verifica-se que: se prevê a nacionalização de apenas 50% em valor
dos componentes dos helicópteros; não há participação suficiente de empresas brasileiras de
capital nacional no Projeto H-XBR, seja quantitativamente, seja qualitativamente; a
propriedade intelectual transferida para Aeronáutica, segundo os dados ostensivos, é
201
excepcional e restrita quanto à comercialização; existe obscuridade quanto à regulação da
propriedade intelectual em relação aos terceiros beneficiados pelos projetos de offset;
contudo, o projeto é capaz de contribuir para o desenvolvimento de helicóptero 100%
nacional num horizonte a partir de 15 ou 20 anos e proporcionar a independência do país no
setor.
Dessa forma, conclui-se que pode haver sim uma contribuição do Projeto H-XBR
para a independência nacional do país na produção de helicópteros, entretanto, havendo essa
contribuição ela é pequena, levando em conta o pequeno índice de nacionalização almejado e
aos insatisfatórios aportes à indústria de capital brasileiro, ainda demandando grande parcela
de insumos importados. Ainda que se vislumbre a possibilidade de produção de um
helicóptero nacional, não se pode esquecer do controle acionário que empresas estrangeiras
possuem nas possíveis fornecedoras desses helicópteros, especialmente a Helibras, que é
controlada pela própria Eurocopter, integrante do grupo Airbus. Da mesma forma, a
obscuridade na regulação da propriedade intelectual dificulta a percepção da possibilidade de
independência, tendo em vista que não se pode vislumbrar o que se poderia fazer com essa
tecnologia recebida ou seu uso comercial. Portanto, o modelo lógico do referido indicador
aponta para a insuficiência do mesmo para garantir o cumprimento das diretrizes da END, ou
seja, A→B≠C, sendo que A→B<C.
4.3.8 – Conclusões
Para seguir com as conclusões dessa pesquisa a respeito da avaliação do processo
de transferência de tecnologia do Projeto H-XBR, insta fornecer seu o Modelo de Consecução
de Objetivos, que pode ser representado da seguinte forma:
202
Figura 24 – Modelo de Consecução de Objetivos do H-XBR
Fonte: Elaboração própria com adaptação de VEDUNG, 1997.
A fim de responder a indagação proposta pelo modelo de consecução de objetivos
e da presente avaliação, os fatores internos do H-XBR que são relevantes para seu objetivo
são representados pelos indicadores acima valorados, quais sejam: transmissão de know-why,
que apresentou ótimo resultado, mas insatisfatório dentro da plenitude almejada pela END;
possibilidade de difusão, que apresentou resultado positivo; e possibilidade de alcançar
independência tecnológica no setor, que apresentou resultado ruim, em decorrência dos
problemas com o baixo índice de nacionalização, com a participação de empresas de capital
nacional e com a questão da regulação da propriedade intelectual, impedindo o alcance pleno
do objetivo almejado pela END.
A respeito dos fatores externos que tem constituído os maiores obstáculos ao
projeto, o implementador entrevistado (RESPONDENTE A, 2016) respondeu que são dois: a
flutuação cambial, que reflete no aumento de custos do projeto, tendo em vista que o contrato
foi assinado em euros; o aporte financeiro por parte do Governo, que depende de questões
orçamentárias e aprovação (ANEXO D)
Dessa forma, a presente pesquisa conclui que a implementação dos contratos de
transferência de tecnologia do Projeto H-XBR, embora possa ter contribuído com a aquisição
de tecnologia para o país, da forma que se apresenta pelos dados obtidos até a data deste
trabalho, possui sérios entraves à efetiva independência do setor em termos de atuação da
Base Industrial de Defesa brasileira, não se mostrando adequado ao objetivo proposto pela
END (2012d), qual seja, obter independência e autonomia industrial e tecnológica no setor de
203
materiais de defesa, aqui no caso, helicópteros. De semelhante modo ao que ocorreu com o
PROSUB, essa insuficiência se dá não por defeito da implementação ou da atuação dos
agentes implementadores, mas por deficiência na concepção e estruturação do programa
decorrente da decisão política em se aproveitar a oportunidade de firmar parceria com a
França naquele momento, o que acabou por refletir na definição do arranjo contratual.
204
CAPÍTULO 5
CONCLUSÕES
Esta dissertação teve o objetivo de investigar quais os fatores comuns que
influenciam os processos de transferência de tecnologia de programas militares, de forma que
eles estejam alinhados com as diretrizes políticas e estratégicas para aquisições de Defesa.
Para tanto, se dedicou a avaliar o processo de transferência de tecnologia de alguns programas
militares escolhidos e distintos entre si em complexidade e instituições implementadoras, a
fim de verificar a influência dos mencionados fatores comuns e se os mesmos estão ocorrendo
em consonância com as diretrizes plasmadas na END (2012d), especialmente no que concerne
ao seu objetivo de conferir uma atuação autônoma no cenário internacional, por meio da
obtenção de independência tecnológica e da reestruturação da Base Industrial de Defesa,
devendo as aquisições de material bélico se pautar nesses direcionamentos.
Sendo assim, após a exposição do referencial teórico que pauta este trabalho e da
abordagem metodológica que foi utilizada, procedeu-se à avaliação dos programas PROSUB,
Guarani e H-XBR no que tange às expectativas dos seus contratos e processos de
transferência de tecnologia. Buscou-se analisar os resultados preliminares obtidos em relação
aos resultados esperados. Diante do exposto, seguem-se as conclusões que a presente pesquisa
depreendeu das avaliações realizadas.
Primeiramente, cabe reforçar novamente que não foi objetivo deste trabalho fazer
equiparações entre os programas avaliados, que se diferem quanto à sua complexidade,
recursos empreendidos, e aspectos circunstanciais que cada um teve que enfrentar. Por
exemplo, um submarino com propulsão nuclear é um meio deveras mais complexo
tecnologicamente do que um helicóptero de médio porte, que por sua vez é mais sofisticado
que um blindado de transporte de pessoal. É de se esperar que um processo de transferência
de tecnologia do primeiro exemplo seja mais desafiador, sobretudo ao se considerar o tanto de
tecnologia sensível que o mesmo possui, ao contrário do último, que, segundo Ferreira (2014)
não possui tantas tecnologias sensíveis. No mesmo sentido, cada setor aqui analisado possui
seu próprio contexto dentro da realidade brasileira, variando desde seus antecedentes
históricos até o número de empresas brasileiras que fornecem os componentes. Dessa forma,
esta pesquisa não quer imprimir caráter de competição aos programas avaliados. O que se fez
foi buscar a existência de fatores comuns influenciadores dos processos de transferência de
205
tecnologia entre eles e aplicar uma metodologia em cada programa para que ele fosse avaliado
por si mesmo, em relação às diretrizes propostas pela END.
Sendo assim, a pesquisa constatou, por meio do referencial teórico, que existem
fatores comuns entre os programas militares que podem ser usados para avaliar os respectivos
processos de transferência de tecnologia, quais sejam: transferência de know-why, além do
know-how; possibilidade de difusão dos conhecimentos recebidos para outros
empreendimentos e; possibilidade de alcançar independência nacional no setor, referente à
nacionalização da produção, especialmente no que tange à atuação de empresas nacionais e
regulação da propriedade intelectual advinda dos processos. Cada fator influencia no
alinhamento ou não da transferência de tecnologia dos programas aos objetivos traçados pela
END para as aquisições de Defesa, seja qual for o grau de complexidade e quem é o
responsável por implementar o programa. Assim, cada um foi utilizado como indicador dentro
da metodologia utilizada para a atividade avaliativa.
A partir da aplicação metodológica da avaliação de políticas públicas, utilizando
os modelos lógicos e analíticos propostos e as fontes escolhidas para obtenção de dados, cada
indicador foi valorado em cada programa, permitindo que esta pesquisa chegasse a algumas
conclusões sobre cada um deles. As principais fontes utilizadas foram algumas das cláusulas
contratuais dos respectivos empreendimentos, o relatório da auditoria do TCU (2013),
documentos e respostas oficiais emitidas pelas Forças e, principalmente, entrevistas com
implementadores por meio de questionário misto em amostragem por acesso, entre outras
fontes primárias e secundárias. É possível que uma suposta parcialidade dos entrevistados
tenha influenciado na avaliação de forma a não depreciar o próprio trabalho, porém, há de se
salientar que, pela leitura das respostas, os questionados não temeram em responder
negativamente alguns dos itens perguntados, sendo que tal sinceridade deve ser considerada.
Em relação ao PROSUB, a presente pesquisa concluiu que a implementação dos
processos de transferência de tecnologia, não obstante tenha tido sucesso em adquirir
tecnologia sensível efetiva para o Brasil e elevar o patamar tecnológico das empresas
brasileiras envolvidas, não se mostrou suficiente para atingir o fim último de se obter
independência e autonomia industrial e tecnológica no setor de produção de submarinos,
sobretudo por deficiência nos fluxos de conhecimentos a serem transmitidos, pela tímida
participação de empresas de capital nacional na nacionalização da produção e por restrições
ao uso da propriedade intelectual. Essa insuficiência se mostra não por defeito da
implementação ou da atuação dos agentes implementadores, mas por deficiência na
concepção e estruturação do programa decorrente da decisão política em se aproveitar a
206
oportunidade de firmar parceria com a França naquele momento, o que acabou por refletir na
definição do arranjo contratual e abrir espaço para a verificação do cerceamento tecnológico.
Acerca do Projeto Guarani, a conclusão desse trabalho foi que a implementação
do Projeto Guarani, no que diz respeito à transferência de tecnologia, tem contribuído com a
aquisição de conhecimento para o país, de forma a fomentar a Base Industrial de Defesa, se
mostrando condizente com as diretrizes da END (2012d), quais sejam, obter independência e
autonomia industrial e tecnológica no setor de materiais de defesa, aqui no caso, blindados.
Constata-se uma grande preocupação da Força terrestre nas fases de concepção e estruturação
do projeto, que tem permitido o sucesso do mesmo no objetivo proposto. Ademais, além da
verificação positiva de todos os fluxos de conhecimento e da possibilidade de difusão, o
projeto é marcado pela detenção da propriedade intelectual do veículo integrado nas mãos do
Exército Brasileiro, o que permite o controle da cadeia produtiva do mesmo, ainda que esta
seja internacionalizada.
Finalmente, quanto ao Projeto H-XBR, a pesquisa concluiu que a implementação
dos seus contratos de transferência de tecnologia, embora possa ter contribuído com a
aquisição de tecnologia para o país, apresenta relevantes obstáculos à efetiva independência
do setor em termos de atuação da Base Industrial de Defesa brasileira, não se mostrando
adequado ao objetivo proposto pela END (2012d), qual seja, obter independência e autonomia
industrial e tecnológica no setor de materiais de defesa, aqui no caso, helicópteros. De
semelhante modo ao que ocorreu com o PROSUB, essa insuficiência se dá não por defeito da
implementação ou da atuação dos agentes implementadores, mas por deficiência na
concepção e estruturação do programa decorrente da mesma janela de oportunidade política
em relação à França, o que acabou por refletir na definição dos termos do contrato. Valendo
mencionar que tal processo decisório durou apenas 22 dias, sendo verificada a ausência de
alguns fluxos de conhecimento e óbices quanto à nacionalização da produção e obtenção de
propriedade intelectual. Mais uma vez, se pode constatar que a carência dos mecanismos
institucionais que regem os programas abre espaço para a prática cada vez maior de
cerceamento tecnológico.
Em termos de políticas públicas, considerando o entendimento de que
representam o nexo entre teoria e ação por parte do Estado (PEDONE, 1986), especialmente o
PROSUB e o H-XBR evidenciam um descompasso nesse nexo. Os respectivos modelos de
teoria da intervenção (FIGURAS 12 e 21), baseados em Vedung (1997), apontam como
hipóteses causais das referidas intervenções o déficit tecnológico e a desestruturação da BID,
que provocam a dependência tecnológica em relação aos respectivos meios de defesa e o
207
consequente comprometimento da ação autônoma do país. Contudo, os resultados dessa
pesquisa apontam que as intervenções representadas pelos mencionados programas não se
mostram, até o momento, suficientes para modificar tal condição problemática que as ensejou.
Ou seja, a ação do Estado não apresenta perfeito nexo com a teoria que a motivou nos
programas PROSUB e H-XBR.
Vale reforçar que tal conclusão não significa dizer que os citados programas são
fracassados. Ao discorrer sobre a abordagem metodológica, trabalhou-se com a análise de
implementação enxergada pelas duas tradicionais escolas a fim de efetuar a presente pesquisa:
top-down e bottom-up. A primeira prioriza as decisões políticas de topo, seu processo de
formulação e as normas estruturantes que direcionam a implementação aos objetivos fixados.
A segunda preconiza a capacidade dos agentes implementadores de tomar decisões e criar
rotinas e dispositivos para lidar com as incertezas, pressões e escassez de recursos que muitas
vezes trabalham, sendo relevantes para determinar o sucesso ou não da implementação.
Verificada a impossibilidade de escolher uma ou outra escola diante da peculiaridade das
aquisições de defesa e do meio militar, a pesquisa utilizou a escola top-down para avaliar os
contratos de transferência de tecnologia, por meio dos documentos oficiais e instituições
envolvidas, e a escola bottom-up para verificar o sucesso ou não da transferência de
tecnologia, mediante entrevista aos agentes implementadores.
Ao questionar os responsáveis pela absorção de tecnologia, verificou-se que tais
programas obtiveram sucesso na transferência da mesma, abaixo da expectativa que se
propuseram, mas ainda assim possuem a potencialidade de elevar o patamar tecnológico da
indústria de defesa brasileira. Assim, dentro da ótica bottom-up, é possível afirmar que no que
dependia da ação dos agentes implementadores para prosseguir com os programas diante das
eventuais incertezas, eles tem dado efetivo seguimento aos mesmos dentro da estrutura
proposta. Isso se corrobora pelos índices positivos de transferência de fluxos de
conhecimento, possibilidade de difusão e pelas sucessivas correções que os programas
procederam, mediante termos aditivos contratuais ou outras medidas, com destaque para as
apontadas pelo TCU (2013).
Por outro lado, a problemática em relação aos programas se verificou ao analisar
os contratos de transferência de tecnologia sob a perspectiva top-down. Sendo assim, como de
fato prega a escola, o destaque negativo retorna às fases de formulação das políticas públicas,
em especial, os momentos de concepção e estruturação dos programas avaliados. Nesse
aspecto, a deficiência de mecanismos estruturantes constituiu obstáculo à implementação dos
mesmos em direção aos objetivos propostos.
208
Das avaliações realizadas, dos já mencionados fatores comuns que influenciaram
os processos, pode-se depreender um fator maior que os abrange, comum a todos os
programas que influenciou diretamente no resultado alcançado por eles foi o ambiente
institucional que pautou as respectivas contratações. Em outras palavras, sob o prisma da
pergunta de pesquisa proposta por este trabalho, além dos fatores comuns da transferência de
know-why, da possibilidade de difusão e possibilidade de nacionalização, ao término das
avaliações, foi possível constatar um fator maior que os abrange e também é comum aos
programas militares, influenciando o processo de transferência de tecnologia, que é o
ambiente institucional do país em que se desenvolve a atividade. Esse ambiente compreende:
as instituições políticas responsáveis pela tomada de decisão; a legislação aplicável a
aquisições de defesa; a legislação concernente às empresas brasileiras; a estrutura contratual
de cada programa; o orçamento e mecanismos relacionados; e os agentes implementadores
dos mesmos.
Como dito anteriormente, as decisões finais sobre o PROSUB e o H-XBR foram
tomadas politicamente, ou seja, pelos mais altos agentes políticos do Brasil e da França, para
aproveitarem uma janela de oportunidade para cooperação em defesa entre os dois países.
Assim, diante da necessidade de se tomar uma decisão em um curto prazo, os referidos
programas apresentaram defeitos em suas fases de concepção e estruturação que refletiram
nos seus respectivos processos de transferência de tecnologia (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013). A decisão do Projeto Guarani, por ser menos complexo e envolver menos
recursos, foi tomada dentro do Exército Brasileiro, como resultado de uma concepção que
durou desde 1998 (FERREIRA, 2014) e uma estruturação que transcorreu sem a mesma
necessidade de pressa que os programas mencionados acima. Diante de tais resultados, faz-se
necessário considerar um processo mais transparente e participativo de tomada de decisão,
considerando o regime democrático do país, de forma que a maior participação de atores
capacitados, com diferentes pontos de vista e informações, possa contribuir para a melhora na
qualidade das negociações, da concepção e da estruturação de programas, bem como da
priorização política do tema.
A legislação também possui influência determinante nos processos de transmissão
tecnológica dos programas. A respeito do PROSUB e do H-XBR, por exemplo, verificou-se
que o aparato legal existente no Brasil, tanto à época da contratação quanto hodiernamente
com o advento da Lei nº 12.598/2012, se mostra insuficiente para reger aquisições de defesa
mais complexas, como no referido caso (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013,
p.62). Ademais, a legislação também encontra lacunas no que concerne à definição de
209
empresas brasileiras de capital nacional e sua participação nesses programas, bem como à
restrição de empresas estrangeiras de as adquirirem ou de fecharem suas subsidiárias em
território nacional, sendo certo que a transferência de tecnologia de uma matriz para sua
subsidiária pouco acrescenta em conhecimento para o país (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013). Além disso, a legislação também não contribui para mitigar o risco de evasão
do capital humano capacitado nos respectivos processos de aquisição tecnológica, não
somente no sentido proibitório, mas na falta de criação de condições estimulantes para a
permanência de tais recursos.
Nesse sentido, há um grande óbice ao que se entende hoje por nacionalização, que
apresenta um critério tão somente territorial para a produção de meios de defesa dentro do
país, deixando a desejar no que tange à capacitação da indústria de capital nacional e na
obtenção da propriedade intelectual. No Projeto Guarani, por apresentar uma estrutura menos
complexa, logrou em obter resultado positivo na transferência de tecnologia. Ainda que
enfrente o mesmo desafio da nacionalização mencionado acima, ele é mitigado em
decorrência do domínio do patrimônio intelectual do projeto pela Força terrestre, que coloca o
país no centro da cadeia produtiva do blindado.
Nesse diapasão, a legislação reflete diretamente na estrutura contratual que rege
os programas no aspecto da transferência de tecnologia, especialmente no que diz respeito à
participação de capital humano no processo de absorção, à nacionalização, com a participação
de empresas brasileiras de capital nacional e à regulação da propriedade intelectual. Os três
programas possuem a previsão contratual de utilizar pessoal qualificado para acompanhar os
projetos e absorver tecnologia, embora, como já mencionado, há poucas garantias de que
esses recursos humanos não se evadam para outras áreas ou localidades.
Contudo, quanto à propriedade intelectual, o Projeto Guarani se destaca em
conferir a titularidade do blindado ao Exército Brasileiro, ainda que possua uma cadeia
produtiva internacionalizada, esta é centralizada no Brasil, que comanda o desenvolvimento e
produção, podendo substituir os fornecedores e fazendo jus ao recebimento de royalties em
eventuais exportações para outros compradores (ANEXO F). O PROSUB também possui
previsão de direitos de propriedade intelectual exclusivos à Marinha do Brasil, especialmente
do SN-BR, da UFEM e EBN, contudo, seus contratos possuem algumas restrições quanto à
comercialização dos submarinos convencionais S-BR e transferência de tecnologia a terceiros
(TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2013). Já o Projeto H-XBR demonstra falta de
clareza na extensão dos direitos relativos à propriedade intelectual envolvidos nos ICPs, além
da possibilidade do envolvimento de terceiros (fornecedores da Eurocopter) em processos de
210
transferência de tecnologia representar risco, pois se trata de um empreendimento já
contratado, mas que não se sabe se a FAB ou empresas nacionais poderão ser titulares de
eventuais direito de uso sobre o conhecimento recebido (TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO, 2013).
Na mesma toada, chama a atenção um fator salientado por todos os
implementadores entrevistados: a restrição orçamentária como fator externo e maior obstáculo
à implementação dos programas. Isso consiste em mais um mecanismo institucional que se
mostra insatisfatório para que os programas avaliados possam cumprir seus prazos, arcar com
suas despesas e melhor negociar os termos de contratos. A oscilação das verbas também
mostra a variação da prioridade dos referidos programas dentro da agenda política.
Dessa forma, a presente pesquisa conclui que os processos de transferência de
tecnologia dos programas PROSUB, Guarani e H-XBR foram concebidos, elaborados e
estruturados dentro de um ambiente institucional imperfeito, que constituiu obstáculo para
que se pudessem alcançar os objetivos traçados pela PND e pela END, sendo tal o maior fator
comum aos programas que influenciaram seus respectivos processos. Ainda que o Projeto
Guarani tenha tido sucesso nesta avaliação, também está inserido na assertiva acima, pois,
sendo o menos tecnologicamente complexo de todos os programas, corrobora a conclusão do
Tribunal de Contas da União (2013) que o aparato legal brasileiro se mostra insatisfatório
para reger contratações mais complexas, como nos casos do PROSUB e H-XBR.
Sendo o desenvolvimento tecnológico um processo social e a guerra um
fenômeno político, a área de CT&I e sua inserção como prioridade estratégica para pautar as
aquisições de defesa, deve também ser entendida pela ótica da política (PROENÇA JÚNIOR;
DINIZ, 1998; DUARTE, 2012), não só nos aspectos técnicos, operacionais ou táticos. Por
esse motivo é que a PND (BRASIL, 2012c) e a END (BRASIL, 2012d) instrumentalizam a
aquisição de tecnologia para obtenção da independência nacional, um objetivo político. Isso
se corrobora pela constatação nos programas avaliados de um ambiente de cerceamento
tecnológico em que as aquisições de materiais de defesa estão inseridas em todas as suas
fases. Verificou-se que as carências institucionais que surgiram nos programas apresentam
relação com o maior ou menor grau de tecnologias retidas à transferência. Maiores as
deficiências, maior o cerceamento, menores as deficiências, menor o cerceamento. Trata-se
mesmo, no fim das contas, de uma relação política, ou seja, entre duas forças representadas
por quem não tem tecnologia e quer adquirir e quem a tem e não deseja ceder.
Constata-se, portanto, que os resultados desta pesquisa apontam para um
despreparo institucional para implementar as decisões políticas em aquisições de defesa de
211
forma a atingir os objetivos traçados pelas diretrizes também políticas. Portanto, para alcançar
as referidas metas de estado, faz-se necessário o aperfeiçoamento das instituições
responsáveis por reger e implementar as políticas públicas concernentes.
Em outras palavras, para que aquisições militares possam ser utilizadas como
instrumentos de políticas públicas para elevação do patamar tecnológico e da reestruturação
da base industrial de defesa nacional, não podem gerar em si mesmas, isoladamente,
expectativas quanto ao objetivo estratégico de independência tecnológica, mas devem fazer
parte de um conjunto integrado e maior de políticas referentes ao setor, especialmente as que
refletem nos mecanismos institucionais que irão reger tais aquisições e implementá-las.
Isso quer dizer, concretamente: maior transparência na negociação, tomada de
decisão, concepção e estruturação dos programas; aperfeiçoamento na legislação que rege
contratações complexas e seus instrumentos contratuais; melhor definição do conceito de
nacionalização e empresas brasileiras de forma melhor qualificar tal processo em programas
militares, priorizando a participação da indústria de capital nacional; formulação e
implementação de políticas públicas assessórias para “preparar o terreno” em relação a
empresas de capital nacional, para que estejam aptas a absorver tecnologia e dar seguimento a
difusão da mesma, de forma que os programas militares não dependam de subsidiárias
estrangeiras, bem como reter o capital humano capacitado no país; políticas públicas que
busquem elevar o patamar tecnológico do país que não dependam de transferência de
tecnologia, a partir de processos de P&D por exemplo, mas que ao lado dela seja mais uma
vertente de atuação em prol da Defesa; e priorização política das questões estratégicas
brasileiras, especialmente as representadas pelas aquisições de defesa, que se reflitam na
disposição de recursos financeiros suficientes, estáveis e previsíveis, permitindo maior poder
de barganha nas negociações de aquisição de tecnologia e o efetivo cumprimento de prazos e
compromissos.
212
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HOWLETT, M. RAMESH, M. WU, X. (Eds.) Routledge Handbook of Public Policy.
London and New York: Taylor and Francis Books, 2013.
227
ANEXO A – Lista dos respondentes do questionário padrão
BARBOSA JÚNIOR, Carlos Eduardo de Almeida (Engº). Especialista em Engenharia de
Sistemas, Fundação Ezute. Coordenador Técnico e Arquiteto do Sistema CMS do PROSUB.
Questionário enviado em 04 de novembro de 2015. Respondido em 11 de novembro de 2015.
PINTO, Eduardo Gomes Ferreira (TC). Adjunto do Projeto de P&D da Família de Blindados
Guarani, Exército Brasileiro. Questionário enviado em 21 de outubro de 2015. Respondido
em 22 de março de 2016.
RESPONDENTE A. Oficial superior, Gerente do Programa H-XBR, Força Aérea Brasileira.
Questionário enviado em 08 de dezembro de 2015. Respondido em 10 de fevereiro de 2016.
RIBEIRO JÚNIOR, Euclides (CF R1 – EN). Fiscal do Contrato de Transferência de
Tecnologia de Construção de Submarinos Convencionais do PROSUB, Marinha do Brasil.
Questionário enviado em 08 de outubro de 2015. Respondido em 12 de novembro de 2015.
TALON, João Domingos (CMG R1 – FN). Gerente do Programa de Nacionalização do
PROSUB, Marinha do Brasil. Questionário enviado em 08 de outubro de 2015. Respondido
em 12 de novembro de 2015.
228
ANEXO B – Questionários respondidos em relação ao PROSUB
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa
Laboratório Defesa e Política[s]
Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira
QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA
1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que
período.
Resposta:
Carlos Eduardo de Almeida Barbosa Junior
Cargo: Especialista em Engenharia de Sistemas
Função: Coordenador Técnico e Arquiteto do Sistema CMS
Período: Set/2011 a Dez/2014
2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?
Resposta:
O PROSUB é muito amplo e complexo e por este motivo é dividido em vários
empreendimentos (i.e. Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas – UFEM, Estaleiro,
Base Naval, Projeto e Construção dos S-BR e, por fim, Projeto e Construção do SN-BR).
Cada um dos empreendimentos é então subdividido em fases e, no caso dos submarinos, em
grandes sistemas que compõem o navio.
No meu caso específico, pude atuar nas fases de projeto e desenvolvimento do Sistema
de Combate dos S-BR, mais especificamente na prontificação de um subsistema denominado
CMS (Subsistema de Gerenciamento do Sistema de Combate), considerado o “maestro” do
Sistema de Combate, dada sua posição central no tratamento de dados coletados por sensores
embarcados, criação e gerenciamento da situação tática e consciência situacional de combate
e, por fim, no gerenciamento do processo de engajamento através da utilização do subsistema
de armas.
No âmbito do CMS absorvemos conhecimento de sua arquitetura, de software e
hardware, através de atividades ditas OJT (on-the-job training) e fomos responsáveis pela
construção, do zero, de dois módulos de seu software. No tocante a este escopo, as atividades
foram concluídas, sendo a visão sistêmica do CMS absorvida e os módulos sob nossa
229
responsabilidade sendo especificados, projetados, desenvolvidos, integrados e testados pela
nossa equipe em trabalhos supervisionados por representantes da empresa DCNS e da MB.
Para desempenhar nossas atividades seguimos o processo de desenvolvimento da
DCNS que no caso do Sistema de Combate tem papel de Autoridade de Projeto e Integradora
do Sistema e, mais especificamente no caso do subsistema CMS, tem papel de fornecedora,
pois o desenvolve e o mantem internamente, em uma divisão interna de Sistemas que atende
inclusive outros programas, de submarinos e de navios de superfície.
Conforme mencionado, ao longo dos trabalhos na França nós fomos duplamente
supervisionados: Pelos franceses com papel de autoridade de projeto, os quais nos delegaram
algumas responsabilidades, e pelos representantes da MB, ora responsáveis pelo
acompanhamento da nacionalização de partes do Sistema de Combate (incluindo partes do
software), ora diretamente envolvidos no próprio ToT/ToK do mesmo Sistema.
No tocante ao Sistema de Combate, o mesmo encontra-se na presente data em término
da etapa de integração de seus vários subsistemas. Esta etapa deve ser concluída com os testes
de aceitação em plataforma de integração, ainda em solo francês.
3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?
Resposta:
Distanciamento entre a produção e as atividades de ToT/ToK. Foi criado um conjunto
de atividades em paralelo à produção para a realização da transferência de conhecimento. A
meu ver fazer parte das equipes de produção, de forma gerenciada, teria sido mais eficiente.
4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de
tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido
programa.
Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Procedimentos de produção/cronograma e
organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Processos/Design da produção e engenharia,
Know-Why, Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
230
conhecimentos de dados de engenharia
Gerenciamento de Projeto/ Procedimentos de
engenharia e expertise ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória (x) Satisfatória ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias e pesquisa
de conhecimentos, dados, procedimentos,
entre outros.
(x) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento
do programa? Corresponde às expectativas iniciais?
Resposta:
A transferência pode ser considerada satisfatória. Logicamente o processo poderia ter
sido realizado de forma a prover maior experiência prática, através da remoção dos obstáculos
mencionados na questão 3. Isso aumentaria consideravelmente nosso nível de prontidão para
manutenção e evolução do Sistema no futuro.
A meu ver é importante destacar que o ciclo de absorção de conhecimento pode ser
considerado fechado apenas quando este ativo absorvido puder ser empregado dentro da
realidade nacional, no âmbito do programa. Este ciclo se fecha quando for necessário realizar
a dita manutenção e/ou evolução do sistema aqui no Brasil, dentro da realidade nacional, de
forma alinhada com os objetivos da Marinha do Brasil. Ainda não chegamos nesta fase e,
portanto, tal conhecimento ainda não foi empregado fora do contexto de transferência
realizado nas dependências da DCNS, na França.
6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de
relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?
Resposta:
Sim, pois o Programa prevê atividades a serem realizadas no Brasil no que diz respeito
à Integração do Sistema de Combate (Setting-to-Work, Verificação e Validação, Qualificação,
Testes no Porto e no Mar) e manutenção corretiva e evolutiva dos módulos de software que
desenvolvemos.
7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em
momento posterior? E manutenido/modificado também?
Resposta:
Sim, a meu ver sim. Considerando o produto sendo o Sistema de Combate, que em
uma visão de Engenharia de Sistemas pode ser caracterizado com um Sistema de Sistemas.
Cada um dos subsistemas pode ser considerado um produto diferente.
231
Com elação ao CMS este desenvolvimento deve ser planejado considerando a
singularidade e a complexidade do subsistema. O planejamento do desenvolvimento do CMS
está diretamente ligado às decisões de quais outros subsistemas, de complexidade similar ou
ainda maior (i.e. Sonar, Radar e Torpedo), serão parte do Sistema de Combate.
Com relação ao Sistema de Combate é importante mencionar que a MB e certas
indústrias da BID (Fundação Ezute incluso) já têm condições de iniciar o desenvolvimento de
determinados subsistemas e, portanto, a tecnologia e conhecimento obtidos completam e/ou
fazem com que o know-how e know-why sejam ainda mais dominados. Há outros subsistemas,
os quais têm programas distintos de desenvolvimento nacional, que certamente se
beneficiarão das informações e conhecimentos obtidos através do ToT/ToK do PROSUB.
8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros
empreendimentos, militares ou civis?
Resposta:
Sim. O conhecimento da metodologia francesa para a engenharia e integração de
Sistemas de Combate bem como conhecimento sobre uma plataforma para desenvolvimento
de software de Sistemas de Combate.
9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a
independência tecnológica do país no respectivo setor?
Resposta:
Sim. Mas é importante lembrar que o ciclo de transferência, a meu ver, somente se
conclui com a aplicação do conhecimento absorvido. Esse aspecto é fundamental para o
domínio tecnológico e, consequentemente, para a independência da indústria neste segmento.
232
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa
Laboratório Defesa e Política[s]
Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira
QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA
1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que
período.
Resposta:
Capitão-de-Fragata (EM) Euclides Ribeiro Júnior
Fiscal do Contrato de Transferência de Tecnologia de Construção de Submarinos
Convencionais
2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?
Resposta:
No que se refere à Transferência de Tecnologia para Construção dos Submarinos
Convencionais (Contrato 6.1), os conhecimentos a serem obtidos encontram-se estabelecidos
no Contrato 6. Os conhecimentos a serem obtidos nesta parte do Contrato estão relacionados
com o aprendizado da maneira “COMO” a DCNS constrói submarinos. A Maioria dos
treinamentos é realizada na modalidade On the Job Training (OJT), ou seja, na medida em
que os operários brasileiros executam as diversas atividades de construção de um submarino
vão absorvendo os conhecimentos.
O objeto do contrato de transferência de tecnologia para construção dos submarinos
convencionais, assinado entre a Marinha do Brasil e a DCNS, é composto basicamente por
três entregáveis:
Pacote de Dados Técnicos;
OJT (On the JOB Training) e Treinamento para Construção e
Assistência Técnica.
O Pacote de Dados Técnicos é constituído pelos documentos suficientes e necessários para
Construção dos Submarinos Convencionais.
O treinamento para a construção foi dividido em 04 fases, relacionadas abaixo:
233
Fase 1: Aquisição de Base – Realizada na França para reforçar os conhecimentos dos
trainees brasileiros e para detalhar os novos conhecimentos, através de aulas teóricas e
práticas.
Fase 2: Aplicação inicial dos conhecimentos e tecnologias, sob supervisão da DCNS –
Realizada na França e no Brasil para colocar os trainees em situações reais de trabalho
(OJT na França, durante a construção das seções 3 e 4 e no Brasil durante a
Construção da Seção de Qualificação e OJT nas oficinas e durante a construção do S-
BR1); e
Fase 3: Reprodução no Brasil dos itens aprendidos, através da Transferência de
Tecnologia, com apoio da Assistência Técnica da DCNS;
Fase 4: Autonomia na Construção e Aumento da Produtividade.
As atividades de Assistência Técnica estão sendo desenvolvidas durante a construção dos
SBR no Brasil, para suportar as atividades nas quais já houve treinamento, com o objetivo de
fornecer apoio técnico aos treinandos (Fase 3 do processo de treinamento).
De uma forma genérica os S-BR são construídos no Brasil pelos técnicos
qualificados/treinados pela DCNS, utilizando o Pacote de Dados Técnicos, sob a supervisão
da assistência técnica desta empresa.
Atualmente a fase de treinamento na França foi encerrada e foi iniciada a fase de assistência
técnica no Brasil, como também a fase de treinamentos no Brasil, para cobrir as lacunas de
conhecimento que não foram contempladas durante a fase de treinamento na França. As
atividades de assistência técnica e Treinamento no Brasil encontram-se em andamento,
criando o ambiente propício para a multiplicação do conhecimento obtido.
Ressalta-se que durante a execução dos treinamentos, os treinandos elaboram Relatórios
Técnicos (RETEC), com o objetivo de solidificar e materializar o conhecimento adquirido.
No Brasil a Seção de qualificação teve a sua fabricação prontificada e a NUCLEP foi
homologada pela DCNS para fabricar os cascos resistentes dos Submarinos convencionais,
representando um grande progresso na direção de atingir a autonomia na Construção.
Até o presente momento 259 brasileiros participaram do processo de transferência de
tecnologia na França, sendo 99 servidores da MB (civis e militares), 90 funcionários da
Itaguaí Construções Navais (ICN) e 70 funcionários da NUCLEP.
3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?
Resposta:
234
Como em qualquer projeto desta complexidade e magnitude, existem discursões pontuais
relacionados com a sua implementação, entretanto, no atual estágio de execução, não
configuram nenhum grande óbice ou obstáculo para o programa, porém devem ser
acompanhados com atenção. Entre os pontos de vigilância do contrato, cita-se o fornecimento
do Pacote de Dados Técnicos.
4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de
tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido
programa.
Design do Produto/Especificações* ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Design dos processos e projetos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Procedimentos de
produção/cronograma e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( X ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why,
Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e
expertise
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias e
pesquisa de conhecimentos, dados,
procedimentos, entre outros.
(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Design do Produto/Especificações* - O Design do Submarino não faz parte da Transferência de Tecnologia
para Construção. A DCNS apenas vai fornecer as especificações técnicas.
5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento
do programa? Corresponde às expectativas iniciais?
Resposta:
No atual estágio das atividades de construção, ainda não é possível avaliar se as expectativas
iniciais estão sendo correspondidas, mas em virtude do cumprimento de algumas metas
intermediárias, como por exemplo, a homologação da NUCLEP para fabricar o Casco
Resistente dos SBR, é possível inferir que o estágio atual de execução está alinhado com os
objetivos do programa.
235
6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de
relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?
Resposta:
Conforme mencionado acima, o objetivo a ser alcançado pela transferência de tecnologia para
a construção é a construção de submarinos convencionais, do Brasil, de forma autônoma e
independente. Desta forma, é fundamental para o sucesso do processo, que ao final do
mesmo, a MB/ICN/NUCLEP sejam capazes de construir submarinos convencionais de forma
autônoma e independente.
7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em
momento posterior? E manutenido/modificado também?
Resposta:
Ao final do processo é esperado que a MB adquira a capacitação para construir submarinos
convencionais e posteriormente também é esperado que esta mão-de-obra qualificada seja
empregada na construção do submarino com propulsão nuclear.
A capacitação para projetar, alterar ou manter submarinos não faz parte do escopo do
contrato de transferência de tecnologia para construção de submarinos convencionais.
Estas outras capacitações são objeto de outros contratos
8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros
empreendimentos, militares ou civis?
Resposta:
Sim, embora as atividades relacionadas com a construção de submarinos sejam muito
específicas, podemos esperar algum tipo de difusão, principalmente nas áreas de
gerenciamento, qualidade e solda.
9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a
independência tecnológica do país no respectivo setor?
Resposta:
Sim, a independência tecnológica na área de construção de submarinos convencionais será
obtida ao final do processo de construção/testes de aceitação, quando a DCNS, como
garantidora do processo e autoridade de projeto, ratificar a construção, sem ressalvas.
236
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa
Laboratório Defesa e Política[s]
Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira
QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA
1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que
período.
Resposta:
Eng.: João Domingos Talon
Gerente do Programa de Nacionalização do PROSUB desde 2012
2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?
Resposta:
O Programa de Nacionalização da Produção prevê 104 projetos candidatos que constituem
sistemas, equipamentos ou itens que compõem o pacote de material dos Submarinos de
Propulsão Convensional. Na situação corrente desse Programa, existem vinte projetos em
execução, dezessete em aprovação pela Marinha, treze projetos em análise, quatro em
elaboração de minuta de contrato entre a DCNS e empresas brasileiras, quarenta e cinco
projetos em processo de busca de fornecedores e, ainda, cinco cujos processos não foram
iniciados. Dentre esses projetos, a MB priorizou 58 levando em consideração os seguintes
aspectos estratégicos: conteúdo tecnológico a ser transferido à Indústria Brasileira, barreiras
tecnológicas a serem suplantadas, tempo médio entre reparos do equipamento que compõe o
projeto e criticidade do projeto para o S-BR. Para implementar o Programa de
Nacionalização, até o momento, já foram visitadas mais de 200 empresas brasileiras para
participarem como fornecedoras desse Programa.
3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?
Resposta:
O Programa de Nacionalização dos S-BR possui um orçamento, em créditos de Offset, de
cem milhões de euros para “custear” os 104 projetos candidatos previstos em contrato. Este
orçamento é o grande obstáculo para a implementação dos projetos candidatos, pois limita o
escopo e as atividades de produção das empresas brasileiras.
237
4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de
tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido
programa.
Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos
componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Design dos processos e projetos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Procedimentos de produção/cronograma
e organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Produção/ Know-how de organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Processos/Design da produção e
engenharia, Know-Why, Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/
Procedimentos de engenharia e expertise ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X ) Satisfatória* ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias e
pesquisa de conhecimentos, dados,
procedimentos, entre outros.
(X) Não previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
( X ) Satisfatória* - Considerando a contribuição individual dos projetos candidatos no programa de
nacionalização
5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento
do programa? Corresponde às expectativas iniciais?
Resposta:
No Programa de Nacionalização dos SBR os principais projetos nos quais ocorre
Transferência de Tecnologia são: desenvolvimento de módulos de software para o projeto de
engenharia e integração do sistema de combate, para o projeto do sistema de gerenciamento
integrado da plataforma, a produção das baterias, sistema de monitoramento de baterias,
produção de válvulas de água salgada, produção de bombas hidráulicas, produção de
geradores, produção de sistema de movimentação de armas e tubos de torpedo.
A transferência de tecnologia nesses processos tem contribuindo para as empresas brasileiras
envolvidas na evolução nos seus métodos de desenvolvimento. A participação das empresas
brasileiras inicia a criação de uma massa crítica de conhecimento no desenvolvimento desses
sistemas.
238
Como as atividades estão em andamento, ainda não é possível avaliar se as expectativas
iniciais estão sendo correspondidas, mas os projetos em execução estão alinhados com os
objetivos do programa.
6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de
relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?
Resposta:
No programa da nacionalização, o fundamental é que, ao final do processo, as empresas
brasileiras sejam autônomas e independentes na fabricação para, no futuro, suprirem a
demanda da Marinha para a manutenção e/ou construção de submarinos.
Para muitos equipamentos, o processo de nacionalização ocorrerá de forma progressiva,
garantindo o cumprimento do cronograma de construção de cada submarino convencional e,
ao mesmo tempo, a capacitação crescente da indústria, visando à plena produção do item. À
medida que a construção dos submarinos avançar, do SBR-1 até o SBR-4, a quantidade de
componentes nacionais será maior até que, no final do programa, as empresas estejam aptas a
fornecer, senão a totalidade, o máximo de elementos do equipamento.
7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em
momento posterior? E manutenido/modificado também?
Resposta:
Como comentado acima, o processo é progressivo e no final do programa o objetivo é que as
empresas brasileiras apoiem a Marinha do Brasil nas tarefas de manutenção corretiva e
evolutiva, além de participarem no desenvolvimento de novos meios.
8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros
empreendimentos, militares ou civis?
Resposta:
Sim, a gestão do conhecimento aplicada a esse programa tem como meta permitir que o
Know-How adquirido pelas empresas brasileiras possa ser utilizado em projetos duais e para
as outras forças.
9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a
independência tecnológica do país no respectivo setor?
Resposta:
239
A independência tecnológica só poderá ser avaliada quando as empresas brasileiras forem
participar de projetos futuros e conseguirem inovar nas suas áreas de atuação, mas a análise
do momento atual, verifica-se que a transferência de tecnologia, por meio do Programa de
Nacionalização, vem contribuindo satisfatoriamente para elevar os patamares tecnológicos
das empresas brasileiras beneficiadas.
247
ANEXO D – Questionário respondido em relação ao H-XBR
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Instituto de Estudos Estratégicos (INEST)
Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa
Laboratório Defesa e Política[s]
Pesquisador: Guilherme Tadeu Berriel da Silva Oliveira
QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA
1) Por favor, me diga seu nome, cargo e função que desempenhou no programa e em que
período.
Resposta: Por questões de segurança, prefiro não informar o nome (acredito que não fará
diferença no processo de sua pesquisa). Posso informar que sou oficial superior do quadro da
aviação.
Estou no projeto desde início de 2014 como gerente adjunto. No final de 2015 assumi
a função de gerente do Projeto H-XBR.
2) Como está o andamento do programa? Em que estágio se encontra?
Resposta: De acordo com o PMI, estamos na fase de Execução. O projeto, o qual se iniciou
em 2008 com a assinatura do contrato, vem se desenvolvendo com entregas de etapas e
aeronaves relacionadas. No total são 16 aeronaves para cada Força Armada mais 2 da
Presidência da República, totalizando 50 aeronaves, sendo já entregues 44% delas.
3) Quais tem sido as dificuldades e obstáculos na implementação do programa?
Resposta: Um dos grandes obstáculos, os quais apontamos como riscos ao projeto, é a
flutuação cambial (tendo em vista que o contrato foi assinado em moeda estrangeira – Euros)
e os aportes financeiros destinados ao projeto, tendo em vista que depende-se de aprovação de
LOA e liberação orçamentária do governo federal.
A reportagem é um pouco antiga mas seve de base de dados e histórico
(http://www.defesanet.com.br/bid/noticia/19000/Corte-no-orcamento-adia-entrega-de-
helicopteros/)
4) Por favor, levando em consideração os fluxos de conhecimentos numa transferência de
tecnologia, assinale quais estão presentes e/ou previstos e em que medida no referido
programa.
248
Design do Produto/Especificações ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )
Satisfatória ( ) Não sei
Materiais/Especificações dos componentes ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )
Satisfatória ( ) Não sei
Design dos processos e projetos
( X ) Não
previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Procedimentos de produção/cronograma e
organização ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória
( X )
Satisfatória ( ) Não sei
Produção/ Know-how de organização
( X ) Não
previsto ( ) Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Operação/habilidades gerenciais ( ) Não previsto ( X )
Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Conhecimento de manutenção e
procedimentos ( ) Não previsto
( X )
Insatisfatória ( ) Satisfatória ( ) Não sei
Processos/Design da produção e engenharia,
Know-Why, Conhecimentos
Produto/Técnicas de mercado e
conhecimentos de dados de engenharia
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )
Satisfatória ( ) Não sei
Gerenciamento de Projeto/ Procedimentos de
engenharia e expertise ( ) Não previsto ( ) Insatisfatória
( X )
Satisfatória ( ) Não sei
Desenvolvimento de Tecnologias e pesquisa
de conhecimentos, dados, procedimentos,
entre outros.
( ) Não previsto ( ) Insatisfatória ( X )
Satisfatória ( ) Não sei
5) Em geral, a transferência de tecnologia tem sido satisfatória para o desenvolvimento
do programa? Corresponde às expectativas iniciais?
Resposta: A transferência de tecnologia do projeto está vinculada ao Offset contratado.
Assim, uma parte da tecnologia relacionada ao projeto já foi transferida, capacitando a
indústria nacional no desenvolvimento, fabricação e manutenção de sistemas e materiais.
O projeto HXBR conta com mais de 20 projetos de capacitação da indústria nacional,
já tendo sido executados e reconhecidos, mais de 20% de toda a transferência de tecnologia
prevista.
A título de exemplificação, sugiro que veja a matéria sobre a produção do punho do
EC 725 no Brasil em: http://www.toyomatic.com.br/
Veja também a capacitação do centro de engenharia da Helibras (uma das
beneficiárias da transferência de tecnologia) no site:
https://www.helibras.com.br/noticias/helibras-conclui-com-sucesso-testes-de-integracao-do-
h225m-com-missil-exocet/
249
Além disso, fruto da transferência de tecnologia por meio do Offset, foi instalado no
Rio de Janeiro (no Recreio) um simulador FFS (Full Flight Simulator) relativo ao EC-725,
juntando-se aos outros 4 no mundo. Antigamente os pilotos necessitavam ir ao Exterior para
fazerem os treinamentos no simulador. Com este equipamento instalado no Brasil, os custos
diminuem além de possibilitar o treinamento dos pilotos civis e militares de outros países
(https://www.helibras.com.br/noticias/simulador-do-cts-da-helibras-recebe-certificacao-da-
anac/)
Veja também a capacitação da Helibras em reparos de componentes dinâmicos em
https://www.helibras.com.br/noticias/oficinas-da-helibras-recebem-certificacao-internacional-
para-manutencao-no-h225/
6) Após a realização da transferência de tecnologia, ainda haverá necessidade de
relacionamento da empresa com a cedente? Em quais aspectos?
Resposta: Não existe a obrigação dessa vinculação com a empresa cedente. Até mesmo
porque, a escolha de empresas cedentes de T&T são apresentadas pela Contratada e aprovada
pela Contratante (União). O vínculo que porventura haja é somente para operacionalização e
futuros contratos em outros projetos.
7) A tecnologia obtida permitiria que o produto fosse desenvolvido totalmente no país em
momento posterior? E manutenido/modificado também?
Resposta: Produção total no Brasil seria em um futuro além de 15/20 anos. Atualmente, existe
um projeto de Offset cujo objetivo é realmente esse: produção integral de um helicóptero
100% nacional. Nossa indústria hoje não possui essa capacidade no ramos de helicópteros
(diferentemente da aviação de asas fixas, como, por exemplo, a EMBRAER). Tal projeto de
Offset contempla os estudos (inclusive com o envio de pesquisadores ao exterior), modelos
matemáticos, cálculos aerodinâmicos e produção de protótipos, com a futura comercialização
do modelo. O respectivo projeto ainda está em andamento já tendo passado da 1º fase
prosseguindo para a 2ª fase que trata do congelamento do modelo já estudado e desenvolvido
em laboratórios.
8) A tecnologia transferida permitiria a difusão do conhecimento para outros
empreendimentos, militares ou civis?
Resposta: Com certeza. Esse é um dos objetivos da transferência da tecnologia, ou seja, a
difusão do que foi aprendido e conhecido e sua ampliação e exploração para outras áreas.
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Como exemplo podemos citar que, os conhecimentos adquiridos para o desenvolvimento de
uma peça da aeronave (como citado o punho da pá) poderá ampliar os estudos na área de
engenharia mecânica, aerodinâmica, liga de materiais, etc.
9) Em sua opinião, a tecnologia obtida pelo programa concretamente contribui para a
independência tecnológica do país no respectivo setor?
Resposta: Certamente. Transferência de tecnologia não é adquirida da noite para o dia. Leva-
se anos para se obter um conhecimento e difundi-la e isso traz a soberania do nosso País e a
independência de outros países.