Uma Definição Espiritual Do Tempo - Carlos H. Do C. Silva

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    Introduo

    A experincia espiritual de Isabel da Trindade (n. 1880 - 1906, carmelita deDijon, beatificada por Joo Paulo II em 25 de Novembro de 1984) situa em ter-mos de Cu na Terraeste seu particular dom de vivncia do Eterno no tempo, e t-la- levado a caracterizar esta temporalidade como um comeo deprogresso e acesso

    * Estudo sobre a figura da Beata Isabel da Trindade (doravante abreviada, nestas notas, pela sigla IT), carmelitadescala em Dijon e excelsa testemunha espiritual do Dom de Deus, no Centenrio da sua morte, ocorrida em 1906.Dedicamo-lo tambm, por ocasio da Jubilao da Prof. Doutora Maria Manuela Carvalho, a esta prestigiada telogada Fac. de Teologia, da U.C.P. de Lisboa, que, alis, muito se interessou pela temtica escatolgica, ainda na senda espiri-tual de Hans Urs Von Balthasar, um dos primeiros a salientar a mensagem de Isabel da Trindade (vide infra). Dada a na-tureza analtica deste nosso estudo, remetemos para uma geral informao sobre a figura, carisma e at informaobibliogrfica sobre Elisabeth de la Trinit (1880-1906), no s nas snteses de vrios Autores infracitadas, mas ainda in-clusas em nossos estudos (j publicados): Carlos H. do C. SILVA, A Diafania de uma Presena: A Bem-AventuradaIrm Isabel da Trindade (O.C.D.) (Estudo de Apresentao traduo das Obras Espirituaisde Isabel da Trindade,(elaborado em Nov. de 1986), ISABEL DA TRINDADE, Obras Espirituais, ed., selec. e trad. por P. Manuel Reis O.C.D.

    e Carlos H. do C. Silva), Oeiras, ed. Carmelo, 1989, pp. XVII-LII; e Id., Orao da Presena Tempo psicolgico eexperincia mstica da inhabitatio divina em Isabel da Trindade (Conf. na II. Semana de Espiritualidade, A Oraoe o Homem orante, org. Padres Carm. Desc., Centro de Espiritualidade, Avessadas /Marco de Canaveses, 8/29 Ag.,1985), in: Vrs. Auts., O Homem Orante, Pao dArcos/Oeiras, ed. Carmelo, 1987, pp. 71-149; Id., Experincia trini-tria em Isabel da Trindade e Faustina Kowalska, in: Vrs. Auts.,Jubileu: Abundncia de Misericrdia (3 Semana da

    Uma definio espiritual do Tempo

    como eternidade comeada e sempre em progresso

    ou o ensinamento do Cu na Terrasegundo Elisabeth de la Trinit*

    Carlos H. do C. Si lva

    Faculdade de Cincias Humanas (UCP), Lisboa

    Il [le Christ] veut que l o Il est, nous y soyons aussi, nonseulement durant lternit, mais dj dans le temps quiest lternit commence, mais toujours en progrs.

    (ELISABETH DE LA TRINIT, Le Ciel dans la Foi, I, 1, in: uvres compltes, p. 99; sublinhmos)

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    Espiritualidade sobre a Misericrdia de Deus, Balsamo, 25-30 de Abril de 2000), Ftima, Ed. Marianos da ImaculadaConceio, 2001, pp. 63-119; Id., A Elevao Santssima Trindade na experincia orante da Beata Irm Isabel daTrindade, o.c.d. (n. 18-7-1880-9-11-1906), (Conferncia na CNIR-FNIRF, a convite da Ir. do Bom Pastor, daCongr. das Irms da Apresentao de Maria, na Escola de Enfermagem de S. Vicente de Paulo, em Lisboa, a 14 de No-vembro de 1999), in: Rev. de Espiritualidade,XII, n 47, Julho/ Setembro (2004), pp. 213-240.

    1Alguns dos primeiros estudos de sntese sobre a mensagem e doutrina espiritual de IT, como seja o caso exem-plar de M. M. PHILIPON, O.P., La doctrine spirituelle (= La doctrine spirituelle de soeur lisabeth de la Trinit, Bruges,

    Descle, 1937), pp. 299 e segs., depois em Id., (d.), crits spirituels dlisabeth de la Trinit, Lettres, Retraites et Indits,Paris, Seuil, 1948, parece-nos que acertaram em manter como epgrafe da lio de IT: Comment on peut trouver le cielsur la terre (cf. Carmel de Dijon [M. Germaine de Jsus], Sur lisabeth de la Trinit, religieuse carmlite, 1880-1906,Souvenirs, Dijon, Carmel de Dijon/ Impr. Jobard, 1915 ; citar-se- por esta reed. sob a sigla S ), ou Le Ciel sur la Terre[Cf. IT : Il me semble que jai trouv mon Ciel sur la terrepuisque le Ciel cest Dieu et Dieu, cest mon me. (L (=Lettres[du Carmel]) 122, in: OC, p. 408], o que d o timbre dos seus outros escritosespirituais Cf. referncias em: Conrad deMEESTER, Introduction a Le Ciel dans la Foi (=Le Ciel sur la Terre), in: OC, pp. 96-97, e nossas reservas em: CarlosH. do C. SILVA, A diafania de uma presena: A bem-aventurada Irm Isabel da Trindade (O.C.D.), in: IT, Obras Es-

    pirituais, ed. e trad. por P. Manuel Reis e Carlos H. do C. Silva, Oeiras, ed. Carmelo, 1989, pp. XIX-LII, videp. XLVIe n. (Sobre este mbito do Cu cf. infrans. 39, 53, 137, 186) Note-se que todas as citaes so feitas a partir de: OC(=LISABETH DE LA TRINIT, Oeuvres compltes, d. critique P. Conrad de MEESTER, OCD, Paris, Cerf, [1979-19801 em 2 vols. 3 ts.], na verso apenas em 1 vol. preparada por Jacques Lonchampt, 1991) seguida da paginao destaltima ed. (1991). Alm daquelas siglas CT(por conseguinte, em substituio da de Conrad de Meester nas OC: CF), eL, utilizam-se as seguintes: GV (=La grandeur de notre vocation); DR (= Dernire retraite) ; LA (=Laisse-toi aimer), emTraits spirituels, in: OC, pp. 133 e segs.; 153 e segs. ; e, 195 e segs.) eJ (=Journal); NI(=Notes intimes); P (=Posies)(in: OC, pp. 811 e segs. ; 893 e segs. ; e, 927 e segs.)

    2 Vide, em especial, CT3, in: OCp. 100: Demeurez en moi.[Jo 15, 4] Cest le Verbe de Dieu qui donne cet ordre,qui exprime cette volont. Demeurez en moi, non pas pour quelques instants, quelques heures qui doivent passer, mais de-meurez dune faon permanente, habituelle. Demeurez en moi, priez en moi, adorez en moi, aimez en moi, souffrez enmoi, travaillez, agissez en moi. Demeurez en moi pour vous prsenter toute personne ou toute chose, pntrez toujours plusavant en cette profondeur. (). (o recto sublinhado nosso). Muitas vezes ocorrente este vocabulrio de IT: demeurez,etc. (demeure 36 x; demeurer 129 x!...) na dupla acepo de permanecer e de habitar,fazer morada, no que foi o prin-cipal timbre da sua experincia espiritual: o dom da inhabitatio da Santssima Trindade na sua alma. Um breve conspecto

    do uso deste seu vocabulrio pode hoje consultar-se na Concordncia de IT: Carmel Bourges, Les mots dlisabeth dela Trinit, - Concordance, (prcde dun Essai sur lisabeth crivainpar Conrad de Meester,o.c.d.), Moerzeke/ Heule,Carmel Bourges/ Carmel-Edit, 2006; doravante abrev. IT-Conc.). Vide IT-Conc., pp. 201-203.

    3 Diz IT sua amiga Franoise no texto-ensinamento de 1906, que constituir GV (=La grandeur de notre voca-tion), 6, in: OC, pp. 133 e segs., videp. 136: je crois vraiment que Dieu veut que ta vie scoule dans une sphre o lonrespire lair divin. Oh ! vois-tu, jai une compassion profonde pour les mes qui ne vivent pas plus haut que la terre et ses ba-nalits ; je pense quelles sont esclaves (). Vide infran. 7. IT v claro na luz que, como em S. Paulo, rasga o vu da ilu-so habitual do quotidiano: Hier saint Paul, soulevant un peu le voile, me permettait de plonger mon regard en lhritagedes saints dans la lumire, afin que je voie (). (DR 9, in : OC, p. 159) . IT termina o CT 44, in: OC, p. 127 por essecair do ltimo vu (inclusive da f): Un jour le voile tombera, nous serons introduites dans les parvis ternels, et l nous chan-terons au sein de lAmour infini.

    4 O caminho de tal revelao est sob este particular signo mariano, exemplum da alma perfeita. comoJanua co-eli(da Ladainha de N. Senhora, dita lauretana) que descobre esse rasgo do Cu assim antecipado: Quand jauraidit mon consummatum est [Jo 19, 30], cest encore elle, Janua coeli, qui mintroduira dans les parvis divins, (). (DR41; in: OC, p. 185). Cf. Dominique POIROT, La Vierge Marie dans la vie spirituelle dlisabeth, in: J. CLAPIER,Laventure mystique, pp. 413-440 ; infran. 186.

    a essa morada de Deus.1 Por um lado, a profunda meditao do Advento que as-sim mora connosco2, por outro esse dinamismo da Graa que rasga o vu da per-cepo mundana3 e, como em janua coeli, permite a viso beatfica4, tal

    antecipado Cu, na inhabitao trinitriaque constitui o seu particular carisma.

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    Cest toute la Trinit qui habite dans lme qui laime en vrit, cest--dire en gar-

    dant sa parole! Et lorsque cette me a compris sa richesse, toutes ses joies naturelles ou sur-

    naturelles qui peuvent lui venir de la part des cratures ou de la part mme de Dieu, ne font

    que linviter rentrer en elle-mme pour jouir du Bien substantiel quelle possde, et quinest autre que Dieu Lui-mme.5

    Nesta carmelita, mesmo antes de o ser6j em tal recolhimento e amorosa aten-o ao Dom encarnado7, e nesta Bem-aventurada que ensina tambm esse cami-nho do mais interior8, onde j neste aqum se tange o Alm, documenta-se umapeculiar afirmao acerca do tempo que, mais do que o simbolismo habitual e es-pacial dos lugares geogrfico-escatolgicos, suscita uma releitura tambm trinit-

    ria e diferentedo quadro temporal em que o encontro espiritual com Cristo se d.9

    Se, como na generalidade dos Espirituais, em Isabel da Trindade se acentuaa valncia mstica da Cruzcomo a eternidade no tempo, valorizando-se o agora

    5 Cf. DR28 ; in : OC, p. 175. IT s pode reconhecer este mesmo andamento espiritual, porque desde j vivemisticamente essa presena da Trindade em si, ainda que no referido tempo de Advento no recolhimento da Virgem (cf.CT 40, in: OC, p. 124): La Trinit, voil notre demeure, notre chez nous la maison paternelle do nous ne devons jamais

    sortir. (

    CT2, in:

    OC,p. 99) Foi a tese saliente desde as interpretaes do P. M.-M. PHILIPON,

    La doctrine spiri-tuelle, ed. cit., pp. 81 e segs.: Lhabitation de la Trinit. Vide infrans. 106, 151, 177, 178, 1846 No s a experincia de recolhimento e mstico carisma que IT possua j antes de entrar para o Carmelo (cf. S

    (=Souvenirs), Introduction, p. 6: Le recueillement peut tre considr comme caractristique de cette me [de IT];().), mas ainda a conscincia deste estado de carmelita(mesmo sem o ser, de fora) e que ela torna acessvel a outrasalmas. Cf. L 133 (A Germaine de Gemeaux, (7.08.1902)), in: OC, p. 421: Ce Ciel, ma petite Germaine, vous le portezen votre me, vous pouvez dj tre carmlite, car la carmlite, cest au-dedans que Jsus la reconnat, cest--dire son me.

    7 Cf. CT4, in: OC, p. 100: il ne faut pas sarrter pour ainsi dire la surface, il faut entrer toujours plus en ltredivin par le recueillement.

    8 semelhana da predestinao lida em Thrse de Lisieux de que o seu Cu se iria passar a fazer o bem na Terra(em frmula que, como hoje se sabe, se fica devendo mais Ir. Agns do que de St. Teresinha: cf. Carnet jaune 17.7(in: Derniers entretiens, uvres compltes, ed. N.E.C., Paris, Cerf/ Descle, 1992, pp. 269-270) e videoutras refern-

    cias em nosso estudo : Carlos H. do C. SILVA, O miniatural em Santa Teresa do Menino Jesus Da mudana de es-cala na via de santidade, in: Didaskalia, XXXII 2, (2002), pp. 147-243) IT formula a sua misso espiritual, comoum ajudar as almas contemplativas a entrarem mais fundo no mistrio vivo de Deus: Il me semble quau Ciel, ma mis-sion sera dattirer les mes en les aidant sortir delles pour adhrer Dieu par un mouvement tout simple et tout amoureux,et de les garder en ce grand silence du dedans qui permet Dieu de simprimer en elles, de les transformer en Lui-mme. (L(=Lettres(du Carmel) OC, pp. 341 e segs.), 335 ( sur Marie-Odile ; 28.10.1906), in : OC, p. 792).

    9 Vide imagens em IT como: vers le lieu qui est son but, ce lieu spacieux chant par le psalmiste, qui est, ilme semble, linsondable Trinit : Immensus Pater, immensus Filius, immensus Spiritus sanctus !... (DR 44 ; OC, p.187) Cf. Roland MAISONNEUVE, Les mystiques chrtiens et leurs visions de Dieu un et trine, Paris, Cerf, 2000, com v-rias referncias a IT, pp. 42, 44, 76 et passim. Saliente-se o imaginrio triangular , diortico, irradiante dessas lu-zes da Trindade, no caso de IT, preferentemente caracterizado de dentro e no coneprivilegiado que a Virgem: si petite,

    si recueillie en face de Dieu, dans le secret du temple (cf. ibid., p. 300 cit. CT, 39 in: OC, p. 123). E videainda DR40, in:OC, p. 184: Une crature qui fut aussi la grande louange de gloire de la Sainte Trinit. Elle rpondit pleinement llec-tion divine () Son me est si simple. Les mouvements en sont si profonds que lon ne peut les surprendre. Elle semble repro-duire sur la terre cette vie qui est celle de ltre divin, ltre simple. Aussi elle est si transparente, si lumineuse, quon la prendrait

    pour la lumire, pourtant elle nest que le miroir du Soleil de justice : Speculum justitiae !

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    10 Cf. DR5, in : OC, p. 156 : lil de son me ouvert sous les clarts de la foi, dcouvre son Dieu prsent, vivant enelle ; son tour elle demeure si prsente Lui(). . E videainda a universalidade simblicaem Ren GUNON, Le

    symbolisme de la Croix, Paris, d. Vga, 1957 e reed., pp. 224 e segs.: Le vortex sphrique universel; e c. XXIII: Signi-fication de laxe vertical; linfluence de la volont du Ciel. (pp 243 e segs.) Sobre aquelas dimenses do tempo, sobre-tudo o que simboliza na verticalcomo umaparalaxe, ou essa suplementar dimenso de uma sincronicidadeglobal, videasua expresso potica em Fernando PESSOA, A Mmia, i e iii: Esquece-me de sbito/ Como o espao, e o tempo/ Emvez de horizontal/ vertical./ () Um momento afluente/ Dum rio sempre a ir/ Esquecer-se de ser,/ Espao misterioso/ Entreespaos desertos/ Cujo sentido nulo/ E sem ser nada a nada./ E assim a hora passa/ Metafisicamente. (em Cancioneiro, in:F.P., Obra Potica, ed. M. Aliete Galhoz, Rio de Janeiro, Aguilar ed., 1972, pp. 131 e 133); tambm em Roberto JUAR-ROZ, Poesia vertical(1958): desde toda la muerte/ haca atrs del nacer,/ a encontrarse con lo nada del comienzo/ para retro-ceder y desnadarse. (in: Poesia Vertical, antologia e trad., Porto, Campo das Letras, 1998, p. 65) e a sua simbolizaogeomtrica em Rudy RUCKER, The Fourth Dimension, Boston, Houghton Mifflin Co., 1984, pp. 165 et passim.

    11 No a quadratura habitual da coisa, como Ding, tal em Heidegger (Das Ding, in: Id., Vortrge und Aufstze,Tbingen, G. Neske, 19673, t. II, pp. 37 e segs.,

    videpp. 51 e segs. sobre

    das Viertige entre

    Erde und Himmel, die Gttli-chen und die Sterblichen), cruzassim e ainda de Cu e Terra, do que sinal de tal conjugao dramtica, at como sm-bolo expiatrio (a quarentena, a Quaresma); outrossim, a tradeque resolve a oposio na mediao sempre dinmica deum terceiro elemento, uma mediao. Na experincia crist o trinitrio divino deixa-se muitas vezes figurar pelo triflio, oupelo tringulo inscrito na circunferncia, simbolizando neste mais simples polgono inscrito nessa imagem de eternidade(o crculo, tambm a esfera), a Vida absoluta de perfeito Amor no sem fim dessa relao no mago do Absoluto. Videa interessante gravura do sc. XVI (in: Iconographie chrtienne) que se constitui quase como um mandala da Trindade e deque nos servimos em: Carlos H. do C. SILVA, Experincia trinitria em Isabel da Trindade e Faustina Kowalska, in: Vrs.

    Auts.,Jubileu: Abundncia de Misericrdia (3 Semana da Espiritualidade sobre a Misericrdia de Deus, Balsamo, 25-30de Abril de 2000), Ftima, Ed. Marianos da Imaculada Conceio, 2001, pp. 63-119, videsobretudo pp. 84-85 e 100-101.Havamos esboado esta interpretao esquemticanos Anexos de IT, Obras Espirituais, trad. e ed. cit., : Carlos H. doC. SILVA, Sinopse dos tpicos asctico-msticos, in: ibid., pp. 547-550.

    12 Pensada nomeadamente por DESCARTES, Princ. II, 36: Deum esse primariam motus causam: et eadem sempermotus quantitatem in universo conservare, in; A.-T., t. VIII, pp. 61-62. No um tempo criado ou sequer de infindo de-senvolvimento, como passagem da potncia ao acto, ou mtrica de algo, mas na imediatez em acto en sorte que la lu-mire naturelle nous fait voir clairement que la conservation et la cration ne diffrent quau regard de notre faon de penser(III Med., in: A.-T., t. III, p. 39) da sua infinitude criadora, instante a instante. Clos dans sa propre suffisance, chaqueinstant est une plnitude() une petite ternit. () Cest pourquoi la continuit de la dure nest quune cration indfini-ment continue. A chaque instant lunivers est donc aussi proche de Dieu quau premier instant de la cration. como sin-tetiza Mikio KAMIYA, La thorie cartsienne du temps, Tokyo, Librairie d. France Tosho, 1982, p. 130. Criao, pois,continuadanesta acepo instante: Il [Dieu] ne la conserve pas [chaque chose] telle quelle peut avoir t quelque temps au-

    paravant, mais prcisment telle quelle est en ce mme instant quil la conserve. A aco de Deus coincide assim o simplesdesse eterno tempo oportuno, como reconhece Jean WAHL, Du role de lide de linstant dans la philosophie de Des-

    cartes, Paris, Vrin, 1953, p. 19: Laction de Dieu est une action unique et simple; nous avons pass de linstant du temps linstant qui est au-dessus du temps et des instants ., e como se formular depois no ocasionalismo de Malebranche. Videainda outras referncias em nosso estudo : Carlos H. do C. SILVA, Cogito e Temporalidade em Descartes Comun. aoColquio Descartes/ Leibniz, Soc. Cientf. da U.C.P./ Depart. Filos. Fac. C. Hum., Lisboa, (13-14.12. 1996) (a publi-car); Id., A vontade de pensarou a cogitatio segundo o voluntarismo cartesiano, (Comun. ao Colquio Descartes, Leib-

    de um encontro real, de uma oportunidade assim sempre verticalmente dis-ponvel e iminente ao longo do ritmo horizontal da vida10, por outro lado, omodo como nela se deu a experimentar a inhabitao trinitria traz consigo uma

    completa transformao desta geometria crucial, dir-se-ia, na figura concn-trica, no abrao infindo, de uma tal triangulao de Amor11 Uma tempora-lidade que se reabsorve em cada momento como se num recomeo permanente,dando no s renovado sentido ao esquema fecundssimo da Criao conti-nuada12, mas tambm desta viso sub specie aeternitatisque, neste caso, no

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    imobiliza13, porm suscita uma especial caracterizao da celeridade do Espritoe da sintonia melhor se diria, ento, sincronia com Ele.14

    Donde possuir-se em Isabel da Trindade, alis no incio dos seus tratados

    espirituais (no Ciel sur la Terree na Dernire retraite), que melhor se diriamlongas cartas ou registos de Retiro15, essa definio do tempo como a eterni-dade comeada e sempre em progresso:

    remplir loffice qui sera le sien durant lternit et auquel elle doit dj sexercer dans

    le temps, qui est lternit commence, mais toujours en progrs.16

    qual eco ainda amoroso de despedida desta vida (j muito doente que se en-contrava na altura).17

    Entrada, pois, num Universo vibrtil em que, nem o aparente cerzido dotemporal, nem a estabilidade do Eterno subsistem sem a transformao energtica

    niz e a Modernidade, Fac. de Letras de Lisboa, 27-29 Nov. de 1996), in: Vrs. Auts., Descartes, Leibniz e a Modernidade,[Actas], Lisboa, Ed. Colibri, 1998, pp. 63-79.

    13 Como aconteceria na perspectiva de ESPINOZA, Eth. II, prop. XLIV, corol. II e XLVI (in: C. Gebhardt (ed.).S. Opera, Heidelberg, C. Winters, reed. 1972, vol. II, pp. 126-127); (cf. F. MIGNINI, Sub specie aeternitatis in: Re-

    vue Philosophique de la France et de ltranger,n 1, janv.-mars (1994), pp. 41-54 ;

    videtambm : Chantal JAQUET,

    Sub specie aeternitatis, tude des concepts de temps, dure et ternit chez Spinoza, Paris, Kim, 1997, pp. 109 e segs.) emque j est implcita uma concepo de todas as perfeies ao mesmo tempo, reduzindo o singulis momentisda infinitudecartesiana figura espacializante de um totum Cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, A Gnose espinoziana Destino racionalista de uma tradio sbia, in: Didaskalia, VII (1977), pp.259-308 e videainda Yannis PRELO-RENTZOS, Temps, dure et ternit dans les Principes de la philosophie de Descartes de Spinoza, Paris, Pr. Univ. de Pa-ris Sorbonne, 1996, pp. 13 e segs.

    14 Tal sincronicidade, como j foi pensada por C. G. JUNG, Synchronizitt als ein Prinzip akausaler Zusamme-nhnge in: Naturerklrung und Psykhe, Zrich, Rascher V., 1952, reed.: in: Id., Die Dynamik des Unbeswussten, Zurich,Rascher V., 1967, como um princpio de relao em coetaneidade, ou sem a sequncia e o associativismo causal. Cf.

    Joan CHODOROW, Encountering Jung on Active Imagination, Princeton, Princ. Univ. Pr., 1997 e Roderick MAIN,Jung on Synchronicity and the Paranormal, London, Routledge, 1997.

    15 Sobre a gnese e redaco destes Tratados espirituais, cf. ainda Conrad de MEESTER, Introduction gn-rale a OC, pp. 32 e segs. bem assim as respectivas Introdues a CF, GV, DR e LA, in: ibid.). So todos textos de teste-munho de despedida da sua existncia terrena, redigidos no Vero de 1906, pouco antes da sua morte no Outonoseguinte. IT revela, pela abundncia de citaes e de ecos, quer da liturgia e das fontes bblicas (sobretudo das Epstolasde S. Paulo cf. Jean-Michel GRIMAUD, O.S.B., Ouvrir les critures avec lisabeth de la Trinit, in: Jean CLAPIER,O.C.D., (dir.), Laventure mystique (= lisabeth de la Trinit Laventure mystique, - Sources, exprience thologale, rayon-nement, (Recherches Carmlitaines), Toulouse, d. du Carmel, 2006; doravante assim abreviado), pp. 15-52), quer dasleituras j assimiladas (por ex. de S, Joo da Cruz) e que mais a esto a impressionar (caso de Ruusbroec e ngela de Fo-ligno), uma orquestrao das vrias sugestes numa nova unidade.

    6 Cf. DR1, in: OC, p. 153 (sublinhmos). Videtambm CT1, in: OC, p. 99 (texto cit. em exergo).17 Estes textos so escritos em 1906 (supran. 15), j se encontrando a poucos meses do termo da sua vida, sofrendo

    da doena de Addison, quadro que na poca era incurvel. Cf. Dominique-Marie DAUZET, La mystique bien tempre criture fminine de lexprience spirituelle XIXe-XXe sicle, Paris, Cerf, 2006, c. II: lisabeth de la Trinit (1880-1906)Andante, con dolore, pp. 67 e segs., com referncia a Thomas ADDISON, + 1860, autor de estudo sobre essa tubercu-lose das cpsulas supra-renais, e que deu nome quela doena. Sobre este perodo da vida de IT vide a recente biografia porConrad de MEESTER, lisabeth de la Trinit, Biographie, Paris, Pr. de la Renaissance, 2006, pp. 637 e segs.

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    18 Comparando com Thrse de Lisieux e a sua imagem da alavanca de Arquimedes aplicada vida espiritual na ex-

    acta cincia do necessrio ponto de apoio que ela diz ser o Amor de Jesus (cf.Ms C 36r: Ce quArchimde na pu obtenirparce que sa demande ne sadressait point Dieu (), Les Saints lont obtenu dans toute sa plenitude. Le Tout-Puissant leur adonn pour point dappui: Lui-mme, et Lui seul., in: Sainte THRSE DE LENFANT-JSUS ET DE LA SAINTE-FACE,

    Manuscrits autobiographiques, d. critique, Oeuvres compltes - Nouv. d. du Centenaire, Paris/Lisieux, Cerf/ Descle,1992; (doravante cit. por esta ed.), p. 419), tambm no caso de IT se encontra neste ofcio de Amor, nesta Caridade, o quese diria o fundamento para toda esta conjugao do Eterno no tempo (como revelao da Misericrdia de Deus) e dotempo na Eternidade (como expresso da Sua Justia divina, a tempo). Esta conscincia de transformao em Amor, comoo nico necessrio (Lc10, 42 : hens destin khrea) ainda retomada, a partir da Carta aos Filipenses (Fil3, 8-10)por IT: DR 36, in: OC, p. 181: Pour son amour jai tout perdu, tenant toutes choses pour du fumier, afin de gagner le Christ,afin dtre trouv en Lui non avec ma propre justice mais avec la justice qui vient de Dieu par la Foi

    19 Origens da conscincia do devir como ordo, ksmos Entre outros, cf. Richard Broxton ONIANS, The Ori-

    gins of European Thought, About the Body, the Mind, the Soul, the World Time and Fate, Cambridge, Cambr. Univ. Pr.,1951, pp. 303 e segs.: Fate and Time. Videtambm M. R. WRIGHT, Cosmology in Antiquity, London/ N.Y., Rout-ledge, 1995, sobretudo pp. 126 e segs.: Time and eternity.

    20 Cf. ANAXIMANDRO, Frag. B 1, in: D.-K. (=H. DIELS e W. KRANZ, Die Fragmente der Vorsokratiker, Du-blin/ Zurich, Weidmann, 196612), t. I, p. 89: ex hn d he gnesis esti tos osi, ka tn phthorn eis tata gnesthai kat

    e espiritualque assim pelo dinamismo da Caridade18 faz determinar um outrosentido para o tempo (como tambm para a eternidade), e sentido esse que, emnosso entender, se anuncia naquela frmula de Isabel da Trindade.

    Viso espectral, no apenas do Alm no aqum, mas de um tertium quenem c, nem l, nem tempo, nem eternidade, seja assim comeo ou reco-meo no Dom trinitrio assim vivido e para o que naquela mesma pretensadefinio fica indefinido, porque qui ainda sem nome

    1. Os quadros tradicionais e referenciais da temporalidade

    poie mnontos ainos en hen kat arithmn iosanainion eikna, toton hn d khrnon onomkamen.

    Plato, Tim., 37 d; trad.: fez da eternidade imvel e ni-ca, esta imagem que progride segundo o nmero, isto queportempo designamos. (recto nosso)

    O contraste entre o sentido temporal da existncia e uma sua determina-o eterna, ainda que projectada como horizonte excessivo daquela, provm

    desde as origens da conscincia do devir universal e da conscincia complemen-tar de algo que assim permanece ou se mantm.19 Desde a palavra inaugural dopensamento ocidental, em Anaximandro de Mileto, se manifesta esta tensoentre o que se mantm segundo essa ordem deveniente do tempo e o quecomo princpio de toda essa cclica ordem, ainda que sem limitao clara, per-siste sem fim, eterna fonte de tudo20

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    E o mesmo ecoa nas formulaes arcaicas da percepo do tempo ligadacom os ritmos cosmo-biolgicos21 e quer atenta evanescncia da prpria vida o homem um p, ao p regressado22, quer progressiva idealizao de um

    Cu permanente, no s das estrelas fixas, mas de uma Grande Ordem quefosse princpio de todos os calendrios.23

    Oposio, pois, entre a vida terrena sujeita ao efmero das suas vrias expres-ses, pluralidade fragmentante do real multplice, e a vida permanente visadacomo unidade imvel ou persistncia uniforme e exemplar.24 Posio esta quevem moldar, em dicotomia e at metafsica expresso, um Motor Imvel, umaeternidade passiva e tragicamente longnqua do hic et nuncdo acontecer25

    t khren: didnai gr aut dken ka tsin alllois ts adikas kat tn to khrnou txin. [da (do peiron) provm a g-nese dos seres e a sua corrupo segundo o que se mantm: com efeito do-se uns aos outros justia da injustia segundoa ordem do tempo.; sublinhmos.] Cf. M. HEIDEGGER, Der Spruch des Anaximander, in: Holzwege, Frankfurt-a.-M., V. Klostermann, 19634, pp. 296 e segs. e videtambm Charles H. KAHN,Anaximander and the Origins of GreekCosmology, N.Y./ London, Columbia Univ. Pr., 1960, pp. 166 e segs; e videJean FRRE, Apeiron lorigine du de-venir (1981), in: Id., Temps, dsir et vouloir en Grce ancienne, Paris, Vrin/ Dion, 1995, pp. 115-134.

    21 Vide Martin C. MOORE-EDE, Frank M. SULZMAN, and Charles A. FULLER, The Clock That Time Us,

    Physiology of the Circadian Timing System,Cambridge (Mass.), Harvard Univ. Pr., 1982, pp. 1 e segs. e art. Chronobio-

    logy, in : Samuel L. MACEY (ed.), Encyclopedia of Time, N.Y./ London, Garland Publ. 1994, pp. 97-103. Vide aindaEugne MINKOWSKI, Le temps vcu, tudes phnomnologiques et psychopathologiques, Neuchatel, Delachaux et Niestl,1968. Cf. tambm, nessa longeva tradio de uma temporalidade rtmicae universal : Gabriel FAUBERT e Pierre CR-PON, La chronobiologie chinoise, Paris, Albin Michel, 1983, pp. 14 e segs.

    22 Cf Gn 3, 19: tu s p e em p te hs-de tornar.; tambm outras expresses dessa fragilidade temporaldo ho-mem: Sl 39 (38), 6-7: a minha existncia, perante Ti, como um nada; cada um no mais do que um sopro. / Cada ho-mem passa como uma simples sombra(). Cf. Michel HULIN, La face cache du temps, Limaginaire de lau-del, Paris,Fayard, 1985, pp. 217 e segs. : Isral.

    23 O tema dagrande ordem, do Macrocosmos por simetria com a escala microcsmica do humano, encontra-seatestada nas origens do Calendrio, ligada com o Grande Ano (cf. Mircea LIADE, Le Mythe de lternel Retour,

    Archtypes et rptition, Paris, Gallimard, 1949 e reed., pp. 83 e segs.: Anne, nouvelle anne, cosmogonie), segundo

    a precesso equinocial e o trnsito do Sol ao longo do Zodaco em c. de 25.000 anos. Ainda M. LIADE, Traitdhistoire des religions, Paris, Payot, 1964, 147 e segs.: Le Temps sacr et le mythe de lternel recommencement. Ocmputo variado e tambm simblico refere 30.000 anos, etc. ainda na cosmogoniaque chega a Heraclito e doxografiarespectiva. Vide G. S. KIRK, Heraclitus, The Cosmic Fragments, Cambridge/ London/ N.Y., Cambr. Univ. Pr., 1978reed. , pp. 65 et passim.

    24 Mentalidade comparativa e de correspondncias, como se disse, entre o microcosmos e o Macrocosmos, tal seapresenta numa vasta tradio de antigos Imprios e civilizaes precoces: cf. Ren BERTHELOT, La pense de lAsie etlastrobiologie, Paris, Payot, 1972, pp. 47 e segs.; sobretudo pp. 54 e segs.: La phase bio-astrale et le calendrier; tambmBernard DEFORGE, Le commencement est un dieu Un itinraire mythologique, Paris, Belles Lettres, 1990, pp. 147 e segs.

    25A transposio da perenidade do esquema mtico, para o Cu das Ideias, j numa leitura metafsica, conduz, porvia ainda de Parmnides (cf., entre outros, Catherine COLLOBERT, Ltre de Parmnide ou le refus du temps, Paris, Kim,

    1993; vide infran. 50) e de Plato, Teologia aristotlica do livro XII daMetaph.A se requere, uma vez mais, a imo-bilidade do ser, sob a forma da sua intemporalidadedita como ainios, isto , eterna. O lgosganha assim um estatuto di-vino, celeste, longe do histrico ou sequer do existente, mesmo quando, como no pensar do Estagirita, se releve o realismodo indivduo e da substncia primeira, entretanto, em si mesma a-temporal. Cf. Arnold HERMANN, To Think Like God,- Pythagoras and Parmenides The Origins of Philosophy, Las Vegas, Parmenides Publ., 2004, pp. 191 e segs.

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    26 Desvalorizao ligada com as ideias de evanescnciado devire com a noo de perca que est presente nascategorias do pensamento antigo e at na mentalidade trgica vide, por exemplo, Clment ROSSET, Logique du pire,Elments pour une philosophie tragique, Paris, PUF, 1971, pp. 78 e segs. E Jacqueline de ROMILLY, Le temps dans latragdie grecque, Paris, Vrin, 1971, pp. 11 e segs.; tambm Jean FRRE, Les Grecs et le dsir de ltre, Paris, Belles Lettres,1981 e mesmo em Aristteles: cf. Victor GOLDSCHMIDT, Temps physique et temps tragique chez Aristote Commentaire sur le Quatrime livre de la Physique (10-14) et sur la Potique, Paris, Vrin, 1982, pp. 223 e segs. (emcontraste com o apreo positivo do tempo-durao na tradio hebraica cf. Claude TRESMONTANT, Essai sur la

    pense hbraque,Paris, Cerf, 19623, pp. 38 e segs.: Le temps et leternit). H. BERGSON captou bem o sentido

    evolutivo e positivo dessa temporalidade aberta historicamente sobre o eterno Cf. La pense et le mouvant, 19341, p.217; reed. d. du Centenaire, Paris, PUF, 19632, p. 1425, quando critica a tese grega, de Plotino, de que h mais noimutvel do que no mutvel... et lon passe du stable linstable par une simple diminution. Or cest le contraire qui estla vrit. Ainda Thorleif BOMAN, Das hebrische Denken im Vergleich mit dem griechischen, Gttingen, Vandenhoeck& Ruprecht, 1968, pp. 104 e segs. : Zeit und Raum.

    27 Pelos sculos, sempre - frmula que tambm IT usa: le Seigneur tout-puissant, qui tait, qui est, qui seradans les sicles des sicles (DR 20, in: OC, p. 167; cit. deApoc4, 8.10) coincide com a reformulao eletica deMELISSO DE SAMOS,frag. B 1, in: D.-K., t. I, p. 268: ae hn h ti hn ka ae stai [sempre foi e sempre ser]efrag. B 2, in: ibid.,: sti te ka ae hn ka ae estai kai arkhn ouk khei oud teleutn, [ e sempre foi e sempre sere no tem princpio nem fim], que ainda a da tradio bblica a propsito da eternidadede Deus: Hebr13, 8e Is 41,4; 44, 6 noApoc 1, 17; 2, 8; 22, 13; compare com Rom 16, 26, Tgo 1, 17 Vide infran. 70.

    28 Da o trnsito entre Bereshtlido como No princpio (gr. En arkh, ou na Vulg.: In principio), mais lit-eralmente at: cabea(cf. hebr. sht), ainda persistente emJo 1, 1, e um Ao comeo j como incio de umprocesso temporal e no instncia metafsica de referncia. A leitura temporaldesse mais acima eterno, como antese comoincio do prprio tempo (como em St. Agostinho, Conf.,XI 10, 12; e XIII, 15) pode at parecer paradoxal mascorresponde ao esquema mtico e narrativo de uma sucessividade da ordo de todas as coisas. Entre outros, cf. Vrs. Auts.,In principio Interprtations des premiers versets de la Gense, Paris, d. Augustiniennes, 1973. Cf. tambm IT, CT22 eao citarJo 1, 1 tendo presente a lio de BOSSUET, vide infran. 72.

    29 Cf. Claude TRESMONTANT, Essai sur la pense hbraque, ed. cit., pp. 37 e segs. ; vide Id., tudes demtaphysique biblique, Paris, Gabalda, 1955, pp. 81 e segs. : La temporalit du monde e pp. 121 e segs. : Latemporalit de la Gnse, cf. p. 150 : La philosophie biblique de lhistoire sinaugure ds la gnse du monde physique etbiologique, antrieurement lhomme. Elle sachve les Apocalypses avec la consommation, la plnitude de la cration

    parvenue son point ultime de maturation. Non seulement avec lachvement de lhomme, mais aussi avec celui du monde toutentier (cf. Rom 8, 22). Cf. tambm Richard SORABJI, Time, Creation and the Continuum, Theories in Antiquity and theEarly Middle Ages, London, Duckworth, 1983, pp. 193 e segs.

    30 Cf. Jean DANILOU, Platonisme et thologie mystique, Doctrine spirituelle de saint Grgoire de Nysse, Paris,Aubier-Montaigne, 1944; Vrs. Auts., Plotino e il Neoplatonismo in Oriente e in Occidente (Atti del Convegno Intern.

    tendencial e natural desvalorizao do tempo (at do crnico) face a estaeternidade do Princpio, ou de uma instncia metafsica26, contrape-se, entre-tanto, a radical assimetria ontolgica e criadora de um Deus bblico que, sendo

    embora, o que sempre foi, e ser27

    , intervm na histria, melhor,faz histriapela valorizao nica de cada momento assim tangente ao eterno na dife-rena, entretanto, irredutvel da sua mesma circunstncia.28Assim, aos concei-tos bem arrumados de eterno Ser e temporal devir, sobrepe-se esta visopositiva, criacionista do tempo como bem, desarticulando-se o Eterno divinono mistrio da Encarnao e catapultando-se as criaturas de uma natureza est-tica para uma ressurreio universal, uma eternizao do circunstancial.29

    De permeio fica uma doutrina to ideal como o platonismo, no semgrande interferncia neste ltimo timbre da temporalidade hebraico-crist30,

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    invertendo o drama dir-se-ia at a teo-dramtica da vida crist, num calen-drio fracturado e dual de durao corprea e acesso anmico a uma realidadeimortal.31 De facto, a prpria definio, no Timeu, do tempo como a imagem

    mvel da eternidade, embora j legitime o movimento e a salvao das aparn-cias, ainda assim sobrevaloriza a ascenso do fuso da Necessidade at ao cerneimvel desse eterno Bem que culmina toda a realidade:

    fez da eternidade, imvel e nica, esta imagem que progride segundo o nmero,

    isto que por tempo designamos.32

    Ento, compreensvel que a doutrina de tal eternidade de Deus (ainda as-sim pensada a partir da Theologagrega) e o lamento pela condio efmera33,mesmo que j no trgica, mas peregrina e em retorno a tal Unidade, tenha re-coberto a vivncia proftica hebraica de uma manifestao do Senhor dos tem-

    Roma, 1970), Roma, Accademia Nazionale dei Lincei, 1974; e Andrew LOUTH, The Origins of the Christian MysticalTradition, From Plato to Denys, Oxford, Clarendon Pr., 1981. A influncia neoplatnica (sobretudo de PLOTINO, En.,III, 6, 6) ainda sensvel em Gregrio de Nissa, justamente na sua concepo de tempo:

    videMaria Cndida Monteiro

    PACHECO, S. Gregrio de Nissa, Criao e Tempo, Braga, Publ. Fac. Filosofia, 1983, pp. 220 e segs.; viden. seguinte.Mais tarde, e em contexto carmelitano, est presente em S. Joo da Cruz: cf. Andr BORD, Plotin et Jean de la Croix,Paris, Beauchesne, 1996, sobretudo pp. 150 e segs.

    31 Usa-se aquele conceito de Theodramatik que foi desenvolvido na vasta sntese teolgica de Hans Urs VonBALTHASAR, Theodramatik, Einsiedeln, Johannes V., 1973 segs., explicado logo no t. I: Prolegomena, como inter-medirio entre a estticae a lgica, justamente como o discurso do tempo tambm assim o ser enquanto theo-prxis.Sobre esta categoria ainda na leitura da mensagem espiritual de IT (e tambm de Teresa de Lisieux), cotejando semdvida a meditao de Adrianne Speyr, cf. infran. 68. Ainda Cl. TRESMONTANT, tudes de mtaphysique biblique,ed. cit., p. 157 : La Cration ne pourrait sachever sans lIncarnation et la Parousie du Christ qui est la Tte de lOEuvre H na interpretao que os Padres (em geral) fazem da tradio platnica a novidade de emprestarem mudanano seioda eterna economiada Criao: cf., no caso dos Capadcios, Jean DANILOU, Ltre et le temps chez Grgoire de Nysse,

    Leiden, Brill, 1970, pp. 95 e segs.: Changement; e viden. anterior.32 Cf. PLATO, Timeu 37 d: poie mnontos ainos en hen katarithmn iosan ainion aikna, toton hn d

    khrnon onomkamen. Vide, entre outros, Remi BRAGUE, Pour en finir avec le temps, image mobile de lternit(Platon, Time, 37 d) in : Id., Du temps chez Platon et Aristote, Quatre tudes, Paris, PUF, 1982, pp. 11-71. Cf. infran. 82 e videNelson PIKE, God and Timelessness, London, Routledge, 1970, pp. 6 e segs.; Richard SORABJI, Time,Creation and the Continuum, ed. cit., pp. 108 e segs.: Is Eternity Timelessness? Plato.

    33 O vale de lgrimas - condio tempor- no s da bem expressiva frmula de Sl (83) 84, 7: In vallelacrymarum retomada na Salve Regina, e da sensibilidade do cristianismo, em particular, tridentino, mas no eco dacaverna, condio nossa: hemetra physis, como se l em PLATO, Rep., VII, 514 a e segs., e se retoma no simbolismoextremado, escatolgico, do tempo espacialmente alegorizado em DANTE, Div. Com., Inf. I, v. 13 segs., etc. Sempre osentido de efemeridadeda vida humana agora elevado extrema expresso de um limesinultrapassvel, donde tambm

    essa melancolia. Cf., entre outros, S. G. F. BRANDON, History, Time and Deity, - A Historical and Comparative Studyof the Conception of Time in Religious Thought and Practice, N.Y., Manchester Univ. Pr. / Barnes & Noble, 1965, pp. 65e segs.: Time as the Sorrowful Weary Wheel and as Illusion e, num registo de experincia monstica, cf. Jean-CharlesNAULT, OSB, La saveur de Dieu, Lacdie dans le dynamisme de lagir, Paris, Cerf, 2006, pp. 419 e segs.: Mlancolie ettideur ou lacdie dans lasctique et mystique; vide infran. 56.

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    34 O Ancio dos dias como no Apoc20, 11; 21, 5-6 Cf. Richard SORABJI, Time, Creation and theContinuum, ed. cit., pp. 181 e segs. No dilogo com a cincia actual e nova problematizao cosmolgica, cf. D.NOVAK e Norbert SAMUELSON (eds.), Creation and the End of Days, Judaism and Scientific Cosmology, Lanham/

    N.Y./ London, Univ. Pr. of Amrica, 1986.35 Cf. a lio da parbola do filho prdigo, Lc15, 11 e segs. O movimento essencial de regresso antes comoconversio ou no gr. epistroph, no no retorno ao passado, mas na converso (ainda metnoia, cf. Paul AUBIN, Le problmede la conversion - tude sur un terme commun lhellnisme et au christianisme des trois premiers sicles, Paris, Beauchesne,1963, pp. 50 e segs.) ao fundamental presente (mas latente), tal se caracteriza como um dos traos dominantes e tpicos detoda a vivncia judaica: a teshuvah da raiz chb nesse voltar-seproftico ainda para o essencial. Cf.Jer 3, 14: Voltai, filhosrebeldes orculo do Senhor porque Eu sou vosso Senhor.; etc. vide Dom Pierre MIQUEL, Soeur Agns EGRON e SoeurPaula PICARD, Les mots-cls de la Bible, Rvlation Israel, Paris, Beauchesne, 1996, pp. 265-266. No como mero arre-pendimento, mas resposta de redeno tambm do que foi no que, ento, haja de ser reabilitao ontolgica. Cf. ainda

    Abraham HESCHEL, God in search of Man, - A Philosophy of Judaism, N. Y., Farrar, Straus & Cudahy, 1955, pp. 145 esegs.; e videAdin STEINSALTZ, La rose aux treize petals, trad. do ingl., Paris, Albin Michel, 1989 e reed., p. 137 e segs.: LaTechouvah, cf. p. 137:

    Elle [latechouvah

    ] constitue ainsi, dans un certain sens, la plus haute expression de la libert humaineet comme une sorte de concretisation humaine du divin. Cf. Rachel ELIOR, HaBaD: The Contemplative Ascent to God,in: Arthur GREEN, (ed.),Jewish Spirituality, - From the Sixteenth-Century Revival to the Present, (vol. 14 of World Spiri-tuality: An Encyclopedic History of the Religious Quest), N.Y., Crossroad, 1994, pp. 157-205. Esta converso positivaenvolve ainda o sentido doperdo Cf. outras referncias em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, Da ambiguidade es-piritual do perdo, in: Rev. de Espiritualidade,XI, n 43, Julho/ Set., (2003), pp. 189-204.

    36 Cf. St. AGOSTINHO, De civ. Dei,XIV, 28 os dois amores, as duas origens distintas; XVIII, 1 e segs. aeconomia paralela das duas cidades; XIX, 11 e segs.: os fins ltimos e a Bem-aventurana Entre outros, videJaroslavPELIKAN, The Mystery of Continuity, Time and History, Memory and Eternity in the Thought of Saint Augustine, Charlottesville,Univ. Press of Virginia, 1986, pp. 34 e segs.: History salientando a continuidadeentre tempo e eternidade, alis luztambm de uma interpretao da durao vivida e psicolgica; neste sentido, cf. ainda Erich LAMPEY, Das Zeitproblem nach denbekenntnissen Augustins, Regensburg, V. Josef Habbel, 1960; ainda Richard SORABJI, Time, Creation and the Continuum, ed.

    cit., pp. 165 e segs., sem esquecer o importante estudo de Horst GNTHER, Zeit der Geschichte. Welterfahrung undZeitkategorien in der Geschichtsphilosophie, Franfurt-a.-M., Fischer Taschenbuch V., 1993, pp. 40 e segs.; e videoutras refernciasem nossos estudos: Carlos H. do C. SILVA, A memria essencial segundo Santo Agostinho, in: Vrs. Auts., Os LongosCaminhos do Ser Homenagem a Manuel Barbosa da Costa Freitas, org. Cassiano Reimo e Manuel Cndido Pimentel, Lisboa,Universidade Catlica Ed., 2003, pp. 613-655; e Id., Solido ou Comunho de Ser Do Neoplatonismo de Agostinho deHipona, in: Santo Agostinho: O Homem, Deus e a Cidade Actas do Congresso (11-13 de Novembro de 2004), Leiria, ed.Centro de Formao e Cultura/ Diocese de Leiria-Ftima, 2005, pp. 237-267. Vide tambm Paul RICOEUR, LeChristianisme et le sens de lHistoire, in: Id., Histoire et vrit, Paris, Seuil, 1955, pp. 81-98.

    37 Que ecoa ainda na potica, seja de um MILTON, The Paradise Lost(in: BEECHING (ed.) The English Po-ems of John Milton, London, Univ. Pr., 1948 e reed., pp. 113 e segs.), seja da gnose do nosso Teixeira de PASCOAES, Re-

    gresso ao Paraso, (reed. Lisboa, Assrio & Alvim, 1986) Vide tambm Vladimir JANKLVITCH, Lirrversible et la

    nostalgie, Paris, Flammarion, 1974, pp. 100 e segs. No se pode deixar de reconhecer que mesmo em IT, DR8, in: OC,p. 158: se refere este estado ideal de retorno ao Paraso a reconstituir simetricamente em novos Cus, nova Terra, dir-se-ia: par cette contemplation simple, qui rapproche la crature de ltat dinnocence dans lequel Dieu lavait cre avantla faute originelle, son image et sa ressemblance. E justifica ainda este imaginrio pela completadispeculatio deDeus em talperfeio da imagem: Tel a t le rve du Crateur: pouvoir se contempler en sa crature, (). (Ibid.)

    pos34 que fazAlianacom o seu povo e o ajuda desde este exlio a regressar casa do Pai.35 E, independentemente dos muitos desenvolvimentos e variantesque o pensamento patrstico trouxe a esta temporalidade crist, mormente no

    esquema da Cidade terrena e da Cidade de Deus, numa marcante teologia daHistria agostiniana36, bem assim a tentaes neoplatnicas de encarar tal re-torno como um regresso ao Paraso37, uma denegao do tempo e do mundo,at em concepes cclicas e de palingnese (como desde os Alexandrinos, em

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    Orgenes em particular)38, certo que ficou, para a Escolstica e para os qua-dros da intelligentia fideicrist, essa espcie de duplo patamar:

    1)da eternidade de Deus e dos fins ltimos, numa contemplao esttica eescatolgica; e,2)da temporalidade da Criao, segundo o Hexaemeron, ou mesmo uma

    Trindade econmica avant la lettrena perspectiva joaquimita, ou deoutro milenarismo mais ou menos persistente.39

    Como se se dissesse que as vrias e bsicas sensibilidades humanas em re-lao ao tempo e sua passagem se encontrassem implcitas no mito cristo assimcontado desde oAo comeo (como se o Era uma vez)40, at este ritmo dedesejo-expectante dofim dos tempos, seja no gnero apocalptico futurante41,seja como mais moderna dialctica de uma conscincia infeliz e projeco for-

    38 Sobre este ritmo de apokatstasis universal e renovo, cf. ainda o sentido da exegese de um Evangelho eterno an-tecipado em Orgenes : H. de LUBAC, Histoire et esprit, Lintelligence de lcriture daprs Origne, Paris, Aubier 1950,pp. 221 e segs.; e, sobre apalingenesis, cf. Jean-Marie DTR, La rincarnation et loccident, t. I: De Platon Origne,Paris, Trades, 2003, pp. 82 e segs. Sobre este tema

    videoutras referncias em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, Re-

    nascer para uma Vida Nova ou do tempo do Lgos, in: Rev. Prxis, 1, n 2, (2004), pp. 79-142.39 Cf. o esquema habitual do Gn 1, 1 - 2, 3: ou o Hexaemeron depois muito retomado pelos Padres (S. Baslio,

    hom., St. Agostinho, de Gen), videE. MANGENOT, Hexaemeron in: Dict. de Thol. Cath., t. VI, cols. 2328 e segs.Quanto Trindade no tempo, na perspectiva joaquimita, cf., entre outros, Marjorie REEVES,Joachim of Fiore and theProphetic Future, London, SPCK, 1976, pp. 1 e segs.: Joachim and the Meaning of History. Ainda sobre a trade dasIdades no modelo joaquimita, cf. Bernard McGINN, Symbolism in the Thought of Joachim of Fiore, in: Ann WIL-LIAMS, Prophecy and Millenarism Essays in Honour of Marjorie Reeves, Burnt Hill, Longman, 1980, pp. 143-164; Id.,Apocalypticism and Church Reform: 1100-1500, in: John J. COLLINS, (ed.), The Enciclopedia of Apocalypticism, vol.II: The Origins of Apocalypticism in Judaism and Christianity, N.Y./ London, Continuum Pr., 2000, pp. 92 et passim; Ro-berto RUSCONI, Antichrist and Antichrists, in: Ibid., pp. 300 e segs.: sobre o Liber figurarum atribudo a Joaquim deFiora. Trata-se sempre da leitura temporalizadae ao modo agostiniano continustada Histria apesar da tenso entre a

    civitas pellegrina e a civitas terrena vista na perspectiva da concrdiacom o Eterno e o terceiro estado (do Esprito)conciliador assim das outras Idades: videreferncias em Henri de LUBAC, S.J., La postrit spirituelle de Joachim deFlore, t. I: de Joachim Schelling, Paris/ Namur, Lethielleux/ Culture et Vrit, 1979 e reed., pp. 43 e segs. e videpp. 69e segs.: Joachimisme mdival. IT que cita com frequncia oApocalipsetem, entretanto, uma sensibilidade intimistaao antecipado desse Cu, desde j: CT44, in: OC, p. 127. Dans le ciel de son me, la louange de gloire commence djsonoffice de lternit. Son cantique est ininterrompu () elle adore toujours () (sublinhmos); L 330, in: O.C., p. 785:un Ciel anticip

    40 Vide supran. 28. Sintetiza Claude TRESMONTANT, Essai sur la pense hbraque, ed. cit., p. 35 : Lhistoire aune origine, bereschit. Elle est oriente, comme la maturation de larbre est oriente vers le fruit. Cf. a figurao mtica docomeo: Mircea LIADE, Le Sacr et le Profane, Paris, Gallimard, 1965, pp. 60 e segs.: Le Temps sacr et les mythes;videainda Jean MOUROUX, Le mystre du temps, Approche thologique, Paris, Aubier, 1962, pp. 34 e segs.: Dieu et le

    temps cosmique e tambm Jean PPIN, Thologie cosmique et thologie chrtienne, Paris, PUF, 1964.41 Vide supran. 39. Cf. A. LUNEAU, Lhistoire du salut chez les Pres de lglise. La doctrine des ges du monde, Paris, 1964. Sobre arepercusso deste tema j na Alta Idade Mdia, cf. Gerard BARTELINK, The Theme of the End of the World in the Works of Gregorythe Great, in: Caroline KROON e Daan den HENGST, (eds.), Ultima Aetas, Time, Tense and Transience in the Ancient World, (Studies inHonour of Jan den Boeft),Amsterdam, VU Univ. Pr., 2000, pp. 139-146.

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    42Ao modo hegeliano, em que o tempo se manifesta como destino e necessidadedo esprito, desde a prvia intu-io do Todo, at realizao histricado Absoluto: G. W. F. HEGEL, Phnom. des Geistes, Das absolute Wissen, ed.H. Glockner, p. 612 e seg.;

    videtambm Vorrede, II, p. 44; tambm

    Glaube und Wissen,in. Jubilums Ausgabe

    Glockner, t. I, pp. 279 e segs.; videpp. 293 e segs., onde conjuga o infinito e o finito na dialctica da Ideia; Id., Enz.III, 548 cf. scar Daniel BRAUER, Dialektik der Zeit, Untersuchungen zu Hegels Metaphysik der Weltgeschichte,Stuttgart, Gnther V., 1982, sobretudo pp. 155 e segs.: Die Struktur der geschichtlichen Zeit; cf. tambm JeanHYPPOLITE, Ruse de la Raison et Histoire chez Hegel, (1952), reed in: Id., Figures de la pense philosophique critsde Jean Hyppolite (1931-1968), t. I, Paris, PUF, 1971, pp. 150-157. Num rebatimentopsicolgico desta dialcticadir-se-ia que o que est presente a necessidade de uma reintegrao do homem, cf. Lode VAN HECKE, Cist., Le dsir danslexprience religieuse, - Lhomme runifi (Relecture de saint Bernard), Paris, Cerf, 1990, pp. 117 e segs.: Une dynamiquede lamour. Afinal o reconhecimento da presena do desejo de Deuscomo orao essencial para a realizao humana:Sl38(37), 10 Cf. ainda Jacques CHESSEX, Le dsir de Dieu, Paris, Grasset, 2005, pp. 345 e segs. e viden. seguinte.

    43 Sobre esta dimenso msticada saudade, cf. referncias em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, Saudade eExperincia Mstica (Comun. ao Colquio Luso-Galaico sobre a Saudade, Inst. Luso-Brasileiro de Filosofia, Viana do

    Castelo/ Santiago de Compostela, 2 Junho 1995), in:Actas do I Colquio Luso-Galaico sobre a Saudade,Viana do Castelo,Cmara Municipal, 1996, pp. 117-143, onde se salientam as expresses equivalentes desse desejo de Deus, por exem-plo, na experincia de St. Faustina Kowalska no termo pol. tesknota, etc., como tal nostalgia do divino. sempre afaltasentida a partir do comeo do excesso de Deus que incita a tal desejo: St. AGOSTINHO, Conf., I, 1, 1: inquietum est cornostrum, donec requiescat in te, etc. e videJacques DURANDEAUX, Lternit dans la vie quotidienne, Essai sur lessources et la structure du concept dternit, Bruges, Descle, 1964, pp. 129 e segs.: Le sens du dsir ; e cf. Jean NA-BERT, Le dsir de Dieu, Paris, Cerf, 1996, pp. 73 e segs.

    44 Cf. DR 25, in: O.C., p. 172; videtambm CT17, in: O.C., p. 108. De resto, vide 1Cor1, 23 e evoque-seainda Lc17, 21: o reino entre vs naparousadesde j. Sobre esta dimenso dopresentena tradio evanglica, cf. s-car CULLMANN, Christ et le temps, Neuchatel/ Paris, Delachaux & Niestl, 19662, pp. 86 et passim; vide tambm JeanMOUROUX, Le mystre du temps Approche thologique, Paris, Aubier, 1962, pp. 150 e segs.: Lternel prsent du

    Christ ressuscit. Videainda Bo REICKE, Christ et le Temps, in : Jean-Louis LEUBA, (dir.), Temps et eschatologie Donnes bibliques et problmatiques contemporaines, Paris, Cerf, 1994, pp. 65 e segs. uma evidncia espiritualem TH-RSE DE LISIEUX, LT (=Lettre) 87, 7, em Correspondance gnrale, t. I : 1877-1890, in : N.E.C., ed. cit., p. 473: Vo-

    yons la vie sous son jour vritable Cest un instant entre deux ternits, e LT 96, 16 ; in : Ibid., p. 504 : oui la vieest un trsor chaque instant cest une ternit, une ternit de joie pour le ciel().; outrossim para IT, vide ainda n. 50

    osamente alienantepara um sentido da Histria que s no fim haja de se evo-lar42; passando ainda pela prpria nostalgiado presente ausente, naquela sau-dade de Deus que bem se caracteriza no paradoxo cristo.43

    De facto, um humilhar-se para se elevar, um morrer para renascer,uma eternidade que no est no ontem, ou no amanh, mas coincide o agora,sem, entretanto, ser o efmero do momento passageiro: um Deus crucifi-cado, escndalo para a lgica proftica do tempo e da histria dos Judeus, eloucura para a coerncia metafsica da eternidade imvel dos Gregos e,condensa Isabel da Trindade:

    il me semble quIl me demande de vivre comme le Pre dans un ternel prsent, sans

    avant, sans aprs, mais tout entire en lunit de mon tre en ce maintenant ternel. Quel

    est-il, ce prsent ? Voici David qui me rpond : On ladorera toujours cause de Lui-

    mme. (Sl71, 15).44

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    conhecido o desacerto da expectativa futurante do messianismo, ainda dosprprios discpulos de Jesus interrogando o quando da vinda do Reino em re-lao referncia da Sua Presena entre ns, no ntimo daquele outro sentido da

    parousa, no apenas como evento histrico passageiro, mas comoAcontecimentoque se reactualiza, ou melhor, renova todos os tempos em si.45Donde at a tese darecapitulao de todas as coisas em Cristo46, constituindo Ele a Horaem que oEterno se faz tempo e, quase se diria no jogo do francs tambm de Isabel da Trin-dade, demeureque morada e demora, esse extraordinrio estarentre sere ha-ver (ou ter).47 Mistrio dessa Hora de Deusem que assim possvel estar-sesempropriamente ser possudo nem possuidor de tal tempo, nem se assimilandoontolgica e eternamente em absoluta absolvncia.48

    45 Cf. Lc 17, 21 e vide o sentido do krigma como acontecimento na tradio bblica e no hebraico como th:cf. John R. WILCH, Time and Event An Exegetical Study of the Use of th in the Old Testament in Comparasion to OtherTemporal Expressions in Clarification of the Concept of Time, Leiden, Brill, 1969. Videtambm o sentido de kairs, infrans. 167 e 182 Tome-se oAcontecimento no naquela efemeridade passageira do evento afinal s historicamente cons-titudo, mas a ttulo ontolgico de Ereignis, conjuntura ou advento do que assim se faz um e princpio de manifesta-o. como se um facto histrico que ultrapassasse esse ritmo dos acontecimentos e se constitusse como modelo eprincpio de revelao Cf. M. HEIDEGGER, Zeit und Sein, in: Id.,Zur Sache des Denkens, Tbingen, Max Nie-meyer V., 1969, pp. 22 e segs. e outras referncias em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, O Mesmo e a sua indife-rena temporal O parmenidianismo de Heidegger perspectivado a partir de Zeit und Sein, in: Rev. Port. de Filosofia,

    XXXIII- 4 (1977), pp. 299-349.46 Cf. o tema da recapitulatio, ou anakephalaosis, desde Ef1, 10, tipificada em St. IRENEU,Adv. Haer., III, 21,

    10 (PG, VII, c. 955b) ; V, 9, 1. VideAntonio ORBE, S.I.,Antropologa de San Ireneo, Madrid, B.A.C., 1969, pp.165 e segs.

    47 Cf. supra n. 2 e vide infran. 187. Cf. Claude TRESMONTANT, Essai sur la pense hbraque, ed. cit., p. 42:Laction cratrice de Dieu coexiste avec son reps, son Sabbat. Mon Pre est loeuvre jusqu maintenant (Jo 5, 17) ()Il y a un aujourdhui de Dieu Temos em portugus essa destrina entre o sere o estar(videJos ENES, Linguagene Ser, Lisboa, IN-CM, pp. 43 e segs., com a vantagem de apontar justamente para um estado intermdio entre a eter-nidadedo ser sem mais e a efemeridade do ter,ou do havercircunstanciado (ainda cf. Gabriel MARCEL, tre et avoir, Pa-ris, Aubier, 1935, pp. 224 e segs.: Esquisse dune phnomnologie de lavoir), ou da ordem do acidente (symbebeks,

    acompanhante como se diria com Aristteles): o estaraponta, outrossim, para a latncia do que est sendo (Wesen), deumprolongamento (seja da essncia existindo, empresena tambmAnwesen; seja do que acontece factualmente, ga-nhando certa durao e estatuto tambm depresena, ainda que como historial, memorial ainda Ereignis, cf. supran. 45). Por isso esta categoria do estaracaba por ser to til para caracterizar, na vida espiritual, a diferena entre: os me-ros estadosmsticos (halsegundo a nomenclatura da espiritualidade sufi - cf., por exemplo, Faouzi SKALI, La Voie sou-

    fie, Paris, Albin Michel, 1985, pp. 167 e segs., - de xtase mas transitrios e efmeros, e as veras estaesespirituais(maqam naquele mesmo vocabulrio), cuja aquisio estvel, no dispensando a graa, estabelece todavia uma reali-zao prpria de acordo com graus e tempos de tal exerccio interior. Cf. A. GARDEIL, La Structure de me et lExpri-ence Mystique, Paris, Gabalda, 1927, t. II, pp. 89 e segs. Para IT entre a Terra que se tem e o Cu que eternamente,delineia-se a sua vidacomo esse lugar da temporalidadeque constitui estado consagrado representado pela hora deDeus

    48Apesar de tudo em IT reflecte-se a linguagem de Ruusbroec (Oeuvres choisies, ed. cit., p. 145), quando este ca-racteriza em termos diferentes deposse simples, esse estado beatfico: cette contemplation conduit la possession. Orcette possession simple est la vie ternelle gote dans le lieu sans fond. (CT14, in : OC, p. 106) Poderia aqui estar impl-cita a noo de tempo divino como ilimitada fruio de tal durao Videainda Andr LOUF, OCSO, lisabeth de laTrinit et Ruusbroec, in : J. CLAPIER, Laventure mystique, pp. 53-69.

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    49 Caso de toda a linhagem dionisiana Cf. DIONSIO, PSEUDO-AREOPAGITA,Myst. Theol., c. I, in: PG, III,997 b e segs. e

    videtambm J. P. WILLIAMS,

    Denying Divinity, Apophasis in the Patristic Christian and Soto Zen BuddhistTraditions, Oxford, Oxf. Univ. Pr., 2000, pp. 36 et passim; videainda W. T. STACE, Time and Eternity, An Essay in the Phi-losophy of Religion, Princeton, Princeton Univ. Pr., 1952, pp. 28 e segs.: The Interpretation of the Negative Divine.

    50 Cf. PARMNIDES, Frag. B 8, v. 5: oud pot n oud estai, epe nyn stin [no foi nem ser, mas agora], in: D.-K. (=H. DIELS e W. KRANZ, Die Fragmente der Vorsokratiker, Dublin/Zrich, Weidmann, 196612),t. I. p. 235. Cf. David OBRIEN, Ltre et ltermit, in : tudes sur Parmnide, Problmes dinterprtation, t. II, Pa-ris, Vrin, 1987, pp. 135-162 ; tambm Catherine COLLOBERT, Ltre de Parmnide ou le refus du temps, ed. cit., pp.158 e segs. : Analyse du vers 8.5

    51 Cf. PLOTINO, En III, 7, 9, l. 70 e segs., videWerner BEIERWALTES, (ed.), PLOT., ber Ewigkeit und Zeit, (En.III. 7), Frankfurt-a.-M., 1967, vide pp. 255 et passim Cf. ainda Jean GUITTON, Le temps et lternit chez Plotin et saint Au-

    gustin, Paris, Vrin, 19714, pp. 228 e segs. : Le problme du prsent : mesure et nature du temps. Cf. infrans. 68 e 7052 Cf. suprans. 50 e 51. Tambm de relacionar com as teses vibratriasda realidade, no como o que , mas

    sempre est em continuada oscilao entre sere no-ser, entre positivo e negativo, etc., como o que ainda se tes-temunha na doutrina oriental de spanda: Lilian SILBURN, (trad. e introd.) Spandakrik Stances sur la vibration de Va-sugupta et leurs gloses, (Publ. De lInstitut de civilisation indienne, fasc. N 58), Paris, De Boccard, 1990, pp. 3 e segs.;

    Jaideva SINGH, (trad.), Spanda-kriks, The Divine Creative Pulsation, Delhi, Motilal Banarsidass Publ., 1980 e reed.Na tradio ocidental vai-se encontrar, outrossim, uma espcie de declinao do imutvel no tempo uma escala , con-tinuando o timbre platnico, como se manifesta em FLON, O ALEXANDRINO, Quod Deus sit imutabilis6, 32, in:ed. F. H. Colson e G. H. Whitaker, Loeb, London/ Cambridge (Mass.), Heinemann/ Harvard Univ. Pr., 1968, t. III,p. 24) cf. John WHITTAKER, God and Time in Philo of Alexandria, in: God, Time, Being Two Studies in theTranscendental Tradition in Greek Philosophy, Oslo, 1971, pp. 36 e segs. Vide infran. 169 e ainda diversa reflexo estticarecente de Bernard SALIGNON, Les dclinaisons du rel, La voix, lart, lternel retour, Paris, Cerf, 2006.

    53 Cf.Mt6, 10: elthto he basilea sou; genethto t thlem sou, hos en ourani ka ep gs. O ritmo do krigmacristo

    no o de subir aos Cus, mas defazer descerdo Alto, esta vontade de bem, esta Encarnao de amor donde o realismocristo que, desde Teresa de vila e outros, ecoa at aos nossos dias: por exemplo na Gaudium et spes, 12 e segs. Videainda, por exemplo, a posio de P. TEILHARD DE CHARDIN, Prsence de Dieu au Monde, in: Id., Hymne de lUnivers,Paris, Seuil, 1961, pp. 121 e segs., passando ainda por Teresa do Menino Jesus e IT Cf. Soeur MARIE-MICHELLE,O.C.D., Prsence de Thrse dAvila chez lisabeth de la Trinit, in: J. CLAPIER, Laventure mystique, pp. 71-111.

    Donde que tenha sido ainda muito importante ao longo da linguagem daTeologia mstica, seja nas formas mais apofticas49, seja nas expresses de umencontro dialogal com Deus, a caracterizao espiritual distintade: 1) um tal

    Agoraeterno, ainda assim influenciado pelo neoplatonismo, em especial pela li-o parmendea do nyn estn50 que ainda ecoa em Plotino51, em relao a 2)um eterno agora, refervel a cada tempo no mistrio sempre novo da sua iminn-cia e radical singularidade. No primeiro caso, o possvel monismo reduz o va-lor da temporalidade que se funde no oceano do Uno eterno; no segundo, acriatividade (at temporalmente expressa) torna diferencialmente fecunda aeterna vibrao do instante presente.52

    E, isto, que filosoficamente pode parecer mais complexo, traduz-se espiri-tualmente, ora na tendncia platonizante para umafuga mundie uma almejadavivncia do Cu, ora para um realismo em que se anteciparia a teologia dasrealidades terrenas , quais santas potncias da matria em que se reza o sen-tido central e encarnacional da f crist: adveniat regnum tuum, fiat voluntas tuasicut in caelo et in terra53

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    Na espiritualidade, lgica temporal progressiva e paulatina dos cami-nhos ascensionais e graduados contrape-se a evidncia, muitas vezes gratuita,do advento sbito, da revelao intempestiva, do reconhecimento que s des-

    cendo se sobe, que s na meditao do momento presentese pode encontrar areal Presena54 E, seja na economia negativa e purificante dos obstculos, atda noite escura e qual descida aos infernos da comunho com os pecadores,com a descrena, com a denegao mesma de Deus55, seja naquele aparentemomento indiferente emoldurado que seja de tdio, de acdiaat, ou de indi-

    ferenaque possa mesmo vir a ser santa indiferena56, certo que se descons-troi o apolneo esquema das justificaes mentais discursivas, das moraisteleolgicas, das teologias da histria e, outrossim, se atende a uma outra emi-nncia da hora.

    Le Christ vient [et] son arrive, indpendante du temps, consiste dans un ternel main-

    tenant, et un ternel dsir renouvelle ternellement les joies de larrive.57

    54 a emergnciado momento espiritual a tornar inopinado o tempo assim tocado pelo eterno Cf. 1Tes5, 2:

    hemra kyrou hos klptes en nykt`hotos rkhetai [o dia do Senhor vem de noite como um ladro]; tambm

    Mt,23, 12 Quanto a essa verdade da hora, assim despojada, na sua mesma humilde realidade, cf. infra n. 62.55Ateno, pois, ao percurso das negatividades, do drama da noite espiritualtambm (cf. desde Gregrio de

    Nissa a S. Joo da Cruz, passando tambm por St. Antnio de Lisboa e tantos outros). VideVrs. Auts, Nuit mysti-que, Nature et Grce, Saintet et Folie, in: tudes carmlitaines, 23e anne, vol. II, oct. (1938), e outras referncias emnosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, Tempo de densas trevas Questo da noite escura em Thrse de Lisieux oude sensvel obscurecimento da F?, in: Rev. de Espiritualidade,XIV, n. 54/56, Abril/ Dez. (2006), pp. 346-416. A ex-perincia crist no passa apenas por este realismo paradoxal da f que se quer crer, mas por uma atitude de descobriro tempo de real encontro a oportunidade no mais denso e qui abjecto (na expresso de Charles de Foucauld) deuma humilhao, uma descida aos infernos Vide, neste sentido, a palavra do monge Silvano do Monte Athos: tienston esprit en enfer et ne dsespre pas (apudJean-Claude LARCHET, Saint Silouane de lAthos, Paris, Cerf, 2004, pp. 41e segs. ; cf. Simone PACOT, Lvanglisation des profondeurs, Paris, Cerf, 1997, reed. 2005.

    56 Note-se, entretanto, a necessidade de discernir entre esses tempos indiferentes, por acdiaou torpor, comogerme de vicioso quietismo (Mme. Guyon, ainda Fnelon) e uma outra ataraxa (estica) transposta para a activi-dade crist (cf. Jean-Charles NAULT, La saveur de Dieu, Lacdie dans le dynamisme de lagir, ed. cit., pp. 261 e segs.; aindaNathalie NABERT, (ed.), Tristesse, acdie et mdecine des mes dans la tradition monastique et cartusienne, Paris, Beau-chesne, 2005) o zelo na caridade , num desprendimento, numa docilidade Vontade de Deus, no que se chamoua santa indiferena: cf. S. FRANCISCO DE SALES, Trait de lAmour de Dieu, IX, c. 4: De lunion de notre volontau bon plaisir de Dieu par lindiffrence (ed. A. RAVIER, S. Fr. de S., Oeuvres, Pliade, Paris, Gallimard, 1969, pp.768 e segs. Experimenta-se essa horade Deus em que sempre Ele a ter a primazia do prprio amor, como IT tambmh-de salientar, cf. infrans. 63, 167 e 185.

    57 No tanto o discernir os sinais dos tempos (D. Jos POLICARPO, Sinais dos Tempos, gnese histrica e inter-pretao teolgica, (Roma, Gregoriana; reed. in: Obras), ora na proftica herana de um tempo prospectivo, ora na her-

    menutica histrica do tempo a maise depois da Parousa, numa leitura ainda de trnsito historial, mas a coincidncia hicet nunccom o momento denso e sempre nico dessa experincia de Deus presente, Emanuel, ou Deus connosco Cf.Is7, 14 Umafidelidade ao tempo por ateno suapresena completa(Mc1, 15: le chrtien doit tirer profit dutemps et, surtout, en homme sage, il doit sauver, racheter, librer, affranchir le temps (cf Ef 5, 16; Col 4, 5. (Enzo BIANCHI,Les mots de la vie intrieure, trad. do ital., Paris, Cerf, 2001, pp. 48 e segs.: Fidlit dans le temps e vide p. 49).

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    58A noo depatientia, na sua significao passiva e at de sofrimento, como um sustentar a situao, remeteainda para a humilitas (ou no gr. tapeintes), exactamente com essa acepo de suportar (gr. hypomon). a correspondn-cia descida de Deus at criatura no seu ritmo de knosis. Vide S. JOO CRISSTOMO, Hom. 28, 3(PG IV,272d) Ora, a

    demoraagudiza esta condio de tempo humilde, bsico, para fazer perdurar o que assim se reconhea

    durar. ainda o sentido daAn-wesen , comoprae-sens, o que vem presena e assim se manifesta; no caso, como ma-nifestao do eterno nesse pouco, pequeno, mero tempo. Cf. M. HEIDEGGER, Sein und Zeit, Tbingen, Max Ni-emeyer, 196310, 26, p. 117; ainda a nota definitudeda durao: 81, pp. 424 e seg.: ein Modus des ekstatischzuknftigen Seins zum Ende.; Id., Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs, (in: Gesamtausgabe II, t. 20), Frank-furt-a.-M., V. Klostermann, 1979 , 36: Die Zeit als das Sein, in dem Dasein seine Ganzheit sein kann.

    59 Cf. sntese em Wilfrid STINISSEN, Lternit au cur du temps, ed. cit., p. 133 : Le prsent, axe du temps.Cest aussi un sujet cumnique au plus haut point. Ici, toutes les religions convergent. Vivre dans linstant prsentest un conseil donn partout o rgne le souci de la croissance spirituelle de lhomme. Bouddha ou Christ, Krishnamurti(1895-1986) ou le Pre de Caussade (1675-1751) se donnent la main. Noo de que o tempo presente o da realidadeda Presena por excelncia, longe da memria e iluso dopassado, bem assim da mera imaginao dofuturo. Cf. ChiaraLUBICH, Ogni momento un dono, Roma, Citt Nuova, 2001; tambm, por exemplo, no budismo: o clssico DO-

    GEN, Shbgenz Uji, (tre-temps/ being-time), La Versanne, Encre Marine, 1997; Thich Nhat HANH, La plenitude delinstant, Vivre en pleine conscience, trad. do ingl., St.- Jean-de-Braye, d. Dangles, 1994; ainda J. KRISHNAMURTI,Truth and Actuality, London, Victor Gollancz, 1977; Id., The Flame of Attention, London, Krishnamurti Foundation,1983;; vide noutras correntes espirituais: Svami PRAJNANPAD, Lternel prsent. Questions et rponses, Paris, d. Acca-rias, 2002; Swami CHETANANANDA, The Open Moment, Reflections on the Spiritual Life, Portland, Rudra Pr., 1995;Daniel ODIER, Tantra, spontanit de lextase,Arles, Actes Sud, 2000 ; ric GEOFFROY, Linstant soufi,Arles, ActesSud, 2000, ; e vide infran. 62.

    60 Vide, por exemplo, Maurice de GANDILLAC, Valeur du temps dans la pdagogie spirituelle de Jean Tauler, ed.cit., pp.69 e segs.; Jasper HOPKINS, Nicholas of Cusas Dialectical Mysticism, ed. cit., pp. 9 e segs.

    61 Cf. referncias em MELQUIADES ANDRES, La Teologia Espaola en el Siglo XVI, Madrid, B.A.C., 1977, t.II, pp. 166 et passim : Valoracin de la prpria experincia; videtambm Henri BREMOND, Histoire littraire du sen-

    timent religieux en France, Bruges, Bloud & Gay, 1930, t. II ; Emmanuel RENAULT, Ste. Thrse dAvila et lexpriencemystique, Paris, Seuil, 1970. pp. 140 e segs.

    62 Cf. a orao domomento presente : Frre LAURENT DE LA RSURRECTION, [Nicolas Herman], Maxi-mes spirituels, c. 5, in: Id., crits et entretiens sur la Pratique de la prsence de Dieu, ed. Conrad de Meester, Paris, Cerf,1991, pp. 112 e segs.: De la prsence de Dieu; e videJean-Pierre de CAUSSADE, S.J., LAbandon la Providence di-

    Isto advm do adensamento da experincia orante, dos regimes de atenomeditativa e de um demorar-sefazendo esse tempo de eliminao do tempo,no como a vulgar pacincia ou um matar o tempo, mas ao contrrio, alon-

    gar o momento por essa escuta do nico real que nele o Presente.58

    E esta di-menso que conduz, no s nos grandes espirituais e meditativos a afirmar oprimado do eterno sobre o temporal, mas ao antesabor de tal eternidade naperca de sentido de tempo que tal ek-stasisimplica.59

    E, mais do que na contemplao essencial (e intemporal assim) de umEckhart, um Tauler na linhagem da Wesenmystikremissvel a moes numadialctica do Eterno60, importa fazer referncia linhagem da mstica experi-mental, at na traduo tambm psicolgica e devota, quer da espiritualidadepeninsular del siglo doro, quer da Escola francesa e, em particular, visitandinadesde o sc. XVII.61 Tradio esta em que se salienta a importncia do recolhi-mento, a ateno hora presente62 e at a constituio de exerccios espirituais

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    que tm como plo nuclear a reactualizao da F, no s pela liturgia sacra-mental, mas pela imaginao activae induo espirituala essa real e sempre pre-sente densidade do krigma.63 O tempo visionrio no assim uma revisitao

    histrica, um mero memorial, mas o acerto com tal latncia eternaj assimcomeada no tempo e em progresso (como disse a Beata Isabel da Trindade).64

    conhecida a herana espiritual franciscana mstica e tambm flamengaque, em obras traduzidas e divulgadas ao tempo de Isabel da Trindade, foramtambm por ela conhecidas, como sejam o Livro das Vises e Revelaesde

    ngela de Foligno e a seleco que Hello realizou de Ruusbroec, o Admirvel.65

    Nesta linhagem da tradio mstica, como tambm em S. Joo da Cruz que foialimento principal da sua sensibilidade carmelitana, (alis seguindo o exemplode Teresa do Menino Jesus, mencionado na Histoire dune me, que j lera an-

    vine, ed. Michel Olphe-Galliard, s.j., Paris, Descle, 1966, pp. 96 e segs. : De lexcellence de la volont de Dieu et dumoment prsent , e vide supran. 54.

    63 Uma repetio intensiva, tambm uma rtmica orante, sobretudo um acerto com a hora de Deus, donde a ex-traordinriaimportncia e regime tambm inspirado dos Exerccios espirituais, enquanto tal discernimento minucioso dasmoes em causa. Sobre esta analtica em St. INCIO DE LOYOLA, Ejercicios espirituales, IV, 328 e segs., in: Ig-nacio IPARRAGUIRRE, S.I. e CANDIDO DE DALMASES, S.I., San I. de L., Obras Completas, Madrid, B.A.C.,1977, pp. 282 e segs.; vide tambm o estudo de Pierre-Antoine FABRE, Ignace de Loyola, le lieu de limage, Paris, Vrin,2002 reed.; e algumas referncias sobre essa diferenciao espiritual em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, Da dife-rena pensada ao discernimento vivido, in: Rev. Port. Filos., 50 (1994), pp.411-441.

    64 Como se a grande intuio fosse a de um temporal estado de equilbrio entre a eternidade e o tempo, ou an-tes, como se o prprio tempo o fosse apenas desta sua miragem de eterno O que no deixa de evocar a frmula donosso pensador Agostinho da SILVA: Mais cmodo dizer que sempre houve tempo e que nunca houve tempo. O tempo unicamente a forma de ns, seres pensantes, entendermos a no existncia do tempo. (em Entrevista com A. da S., in:Filosofia, Dez. (1985); reed. in:A. da S., Dispersos, ed. Paulo Alexandre Esteves Borges, Lisboa, Ministrio da Educao,pp. 74-75; o recto nosso).

    65 Sabe-se como a tradio dos msticos do Reno e, em particular, os flamengos e a devotio modernativeram influnciana mstica peninsular do siglo dOro, estando ainda no eco de Santa Teresa de Jesus e de S. Joo da Cruz Cf. Pierre GROULT,Los msticos de los Pases Bajos y la Literatura Espiritual Espaola del Siglo XVI, trad. do francs, Madrid, Fund. Univ. Espaola,1976; e videtambm outras referncias em nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA,Experincia orante em Santa Teresa de Jesus, [

    I vol. da Col. Fundamenta, Fac. Teol., Lisboa, U.C.P.], Lisboa, ed. Didaskalia, 1986. No Carmelo francs, desde a fundaopor Ana de Jesus e Ana de S. Bartolomeu (cf. Henri BREMOND, Linvasion mystique, ed. cit., t. II, pp. 209 e segs.) sobre-tudo desde Mme.Acarie, ou como a carmelita Maria da Incarnao (Cf. Marguerite ACARIE, Lettres spirituelles, Paris, Cerf,1993; e tambm Christian RENOUX, Madame Acarie lit Thrse dAvila au lendemain de ldit de Nantes, in: BernardHOURS, (ed.), Carmes et carmlites en France du XVIIesicle nos jours, (Actes du colloque de Lyon (25-26 septembre 1997),Paris, Cerf, 2001, pp. 117-154) que a influncia do Oratrio de Berulo foi tambm marcante, inclusive na linhagem da de-voo ao Sagrado Corao que vinha da tradio visitandina de Paray-le-Monial. O caldeamento destas influncias ainda se re-flecte no sc. XIX e at no timbre espiritual de comunidades como as do Carmelo de Lisieux e da figura de Santa Teresa doMenino Jesus. Na poca pululava uma reedio de muitos livros de piedade (cf. Claude SAVART, Les catholiques en France au

    XIXesicle, Le tmoignage du livre religieux, Paris, Beauchesne, 1985, pp. 94 e segs.) que faziam constelao com a Imitao deJesus Cristo,alis apensa aos Salmos e ao Cnon da Missa e outras oraes noManuel du Chrtien.(cf. Chanoine GAUME (ed.),

    Manuel du Chrtien, Nouveau Testament Psaumes Imitation, Lyon/ Paris, Libr. Emmanuel Vitte, 1865 e reeds. ; videtam-bm Philippe MARTIN, Une religion des livres (1650-1850), Paris, Cerf, 2003, pp. 489 e segs.) Neste clima tm particular im-portncia as tradues (s vezes mais parfrases) de E. Hello de alguns espirituais como ngela de Foligno ou Ruusbroec, sendo

    justamente estas as obras que ho-de ser particularmente veiculantes daquela sensibilidade mstica do final da Idade Mdia e dadevotio modernacom que IT h-de contactar e profundamente assimilar.

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    66 Essa a linhagem interna do Carmelo e das leituras dos Autores espirituais, como S. Joo da Cruz. Cf. JeanRMY, Regards damour, lisabeth de la Trinit et Jean de la Croix, Paris, Cerf, 1993, onde se salientam essas leituras so-bretudo do Cntico Espiritual e da Chama Viva de Amor em paralelos espirituaisVide tambm Max Huot de LONG-CHAMP, lisabeth de la Trinit, lectrice de Jean de la Croix, in: J. CLAPIER, Laventure mystique, pp. 113-130. Nocaso de Teresa do Menino-Jesus, ainda muito recente, falecida em 1897, mas j em fama sanctitatis, IT leu a Histoiredune me, que j muito impressionara o Carmelo de Dijon e, em particular, a sua futura Prioresa, Madre Germana de

    Jesus. Cf. Conrad de MEESTER, O.C.D., La rencontre dlisabeth de la Trinit avec Thrse de Lisieux, in: J. CLA-PIER, Laventure mystique, pp. 131-163.

    67 Cf. CT 44, in: O.C., p. 127: Dans le ciel de notre me soyons louanges de gloire de la Sainte Trinit().; L 210,

    1, in: O.C., p. 560; L 269, in: O.C., p. 673 Muitas so as expresses deste vocabulrio do eterno no tempo: do Cuna Terra Cf., por exemplo, CT17, in: O.C., p. 108; DR25, in: O.C., p. 172 vide infra. Valer a pena ter como re-ferncia de fundo a reflexo global: Wilfrid STINISSEN, O.C.D., Lternit au coeur du temps, trad. do sueco, Toulouse,d. du Carmel, 2004, pp. 157 e segs.: Cette pulsation de lternit au coeur du temps. Cf. infran. 148.

    68 O problema j se pe em PLOTINO, En III, 7, 4 ain interpretado como ae ntos e 6 t pn Cf. ainda R.SORABJI, Creation, Time and the Continuum, ed. cit., pp. 112 e segs. Ter uma sua expresso mais clara em FredericSCHLEIERMACHER, Der christliche Glaube, Berlin, W. de Gruyter, 1960, 52, 1 e segs., na opo pela eternidade deDeus como zeitlos, sem tempo. Haver, entretanto, para alguns, como at para H. Urs Von Balthasar uma espcie deum eterno agora que negativo, como negativo da eternidade, qual imobilidade da perca de Deus, como se diria em

    Adriana Von Speyr: cf. Vrs. Auts., La mission ecclsiale dAdrienne Von Speyr,Actes du colloque romain, Paris, Lethiel-leux, 1986, p. 157 : Une sorte deternit ngative de la perte de Dieu. Ser isto um nunca totalmente pensado em

    identidade ? Onde o mbito diferencialpara o instante incomparvele singular, positivamente eterno? Cf. ainda A. vonSPEYR, Die Pforten des ewigen Lebens, Einsiedeln, Johannes V., 1953, pp. 75 e segs.

    69A exigncia tradicional de que o eterno contenha tudo (ainda aeternitas est tota simul por contraste com o es-sencial ao tempus: S. TOMAS DE AQ., Sum. Theol., I, q. 10 a. 4), desde esta presocrtica imagem deperfeio circular:cf. HERACLITO,fragB 103: xynn gr arkh ka peras ep kyklou periphereas, in: D.-K., t. I, p. 174; ainda em PAR-

    tes de entrar no Convento66), Isabel da Trindade encontra aquele sublinhado deuma vida contemplativa que transpe do tempo na eternidade, e que apontapara uma emergncia do Eterno assim absorvente da vida exterior nesse Cu

    da alma, como ela mesma dir.67

    2. A Presena de sempreou de nunca?Novos delineamentos da eternidade.

    oud pot n oud stai, epe nyn stin

    (Parmnides, frag. B 8, v. 5 [nem foi, nem ser, ago-

    ra] in: Diels, H. e Kranz, W., Die Fragmente der Vor-sokratiker, t. I, p. 235)

    H realmente dois principais modos depensaro eterno: ou como todo otempo, ou como tempo nenhum.68 No primeiro caso, persiste um modelo cosmo-lgico da prpria concepo teolgica que remete Deus para umapermannciaao longo do tempo, e at excedendo-o ilimitadamente, porm como o infinito deum crculo em cuja circunferncia sempre o comeo e o fim se confundem.69

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    Do ponto de vista da lgica deste sempre Presente como o que sempre foi, e ser , encontra-se, de facto, essa figura da totalidadedo somatrio de to-dos os tempos que para a conscincia humana se dizem fragmentrios e discur-

    sivos mas que se podem presumir coetneos, todos em contemporaneidadeideal, na mente divina. o que diz S. Toms, retomando Bocio:

    eternidade que toda simultnea, o que no convm ao tempo, pois a eternidade medida

    do ser permanente, enquanto o tempo medida do movimento.70

    Desta configurao provm o sentido que coerentemente legitima entenderassim extensivamentea Omnipotncia, a Omniscincia de Deus, como a vi-glia total de todos os tempos que compem essa eternidade e a qual poderia atem termos tericos ser contempornea da Criao, se assim se compreendessecomo em aeternitatis mundi.71 Mas, mesmo que se sublinhe o fosso incompa-rvel entre o eterno de Deus e o comeo do tempo no acto criador, sem se ad-vogar qualquer tese do deus otiosus, numa espcie de extrapolao ilegtima dotempo para antes do mesmo e para tal eternidade, nem por isso se faz variaro sentido da lgica do Todo e das partes que aqui est implcito.72

    MNIDES,frag. B 5 (3), in: D.-K., t. I, p. 232; videO. J. BRENDEL, Symbolism of the Sphere. A contribution to the his-tory of earlier Greek philosophy, Leiden, Brill, 1977 e Lynne BALLEW, Straight and Circular A Study of Imagery in GreekPhilosophy,Assen, Van Gorcum, 1979, pp. 24 e segs. O timbre desta sensibilidade persiste em F. NIETZSCHE,Alsosprach Zarathustra, III, Der Genesende, 2: Alles bricht, Alles wird neu gefgt; ewig baut sich das gleiche Haus des Seins.

    Alles scheidet, Alles grsst sich wieder; ewig bleibt sich true der Ring des Seins. (in: Smtliche Werke, Kritische Studienaus-gabe, ed. G. Colli e M. Montinari, t. IV, pp. 272-273; doravante cit. por esta ed.; o recto nosso).

    70 Cf. S. TOMS DE AQUINO, Sum. Theol., I, q. 10, a. 4, resp.: ut dicit Boetius in libro De consol. [PL, t. 63,col. 858], ex hoc quod aeternitas est tota simul, quod tempori non convenit: quia aeternitas est mensura esse permanentis, tem-

    pus vero est mensura motus. Vide tambm supran. 27. ainda o totum simul de PLOTINO, cf. supran. 68; ainda o

    sub specie aeternitatiscf. supran. 13 e infran. 165.71 Deslocao bvia da eternidadedo Princpio para essa acepo totale extensiva ao mundo. Entre o eterno e o

    tempo, j a ordem das verdades eternas estabelecia intermediao numa outra diviso da Natureza: criada, mas cria-dora Cf. ESCOTO ERIGENA, De div. Nat., I, 441 b e segs.; cf. John J. OMEARA, Eriugena, Oxford, ClarendonPr., 2002, pp. 80 e segs.; videnosso estudo : Carlos H. do C. SILVA, O pensamento da diferena no De divisione na-turae de Escoto Erigena, in: Didaskalia, III, 2 (1973), pp. 247-304; Id., ERIGENA (Johannes Scottus Eriugena,c. 800-c. 877), De divisione naturae, in : Dicionrio Crtico de Religio, (em public.). A propsito do tema da eternidadedo mundoj desde BOCIO (cf. De aeternitate mundi, ed. e trad. Mrio A. Santiago de Carvalho, Lisboa, Colibri,1996), passando por S. Toms de Aquino e outros (cf. nosso estudo: Carlos H. do C. SILVA, Anlise da delimitao me-todolgica do problema da eternidade do mundo em S. Toms de Aquino, in: Didaskalia, IV (1974), pp.321-356) vide

    John MARENBON, Le temps, lternit et la prescience de Boce Thomas dAquin, Paris, Vrin, 2005, pp. 157 e segs.:

    Est-ce que lAquinate pense que lternit soit atemporelle?.72 Curioso o eco de BOSSUET, Elvations Dieu sur tous les mystres de la religion chrtienne, (na reed. de : Besan-on/ Lille/ Paris, 1845, p. 250 (cit. apudC. De MEESTER, in : E.T., uvres compltes, p. 113 e n. 3) : au commence-ment, sans commencement, avant tout commencement, au-dessus de tout commencement. Ligue-se este sentidoabsoluto (e absolvente) do comeo recriao eternano Verbo de Deus, ou seja, numa eternidade assim comeada

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    73 Transcendncia do tempo deliberadamente nesta formulao dplice, j que um transcenderem relaoao tempo, mas, por outro lado, tambm deletal movimento de transcender-se Como se nesta des-locao doritmo habitualdo temporal se evidenciassem os abismos intervalares, a transcendncia momento a momento Sobre oconceito de transcendncia aqui utilizado, vide Michel PICLIN, La notion de transcendance, Son sens Son volution, Pa-ris, A. Colin, 1969; e cf. tambm mmanuel LVINAS,

    Totalit et Infini, Essai sur lextriorit,La Haye, Martinus

    Nijhoff, 1968, pp. 75 e segs. e pp. 257 e segs.: Linfini du temps - em que o tempo recursivo comoperdo Remis-so ltima da temporalidade: Cette ternit est-elle une nouvelle structure du temps ou une vigilance extrme de la consciencemessianique? (Ibid., p. 261) Parece-nos que em IT o olhar transfigurado (de eternidade) se poderia ainda dizer de tal ex-pectativa da vinda perptua do Esposo cf. infran. 108.

    74 Sobre a criao continuada, cf. supra n. 12. Quanto meditao do momento presente, cf. J.-P. de CAUSSADE,LAbandon la Providence divine, ed. cit., p. 96: Le moment prsent est toujours plein de trsors infinis, il contient plus quevous navez de capacit. () La volont de Dieu se presente chaque instant comme une mer immense ; e p. 105 : Lim-mense action, qui (ds) le commencement des sicles jusqu la fin est toujours la mme en soi, scoule sur tous les moments, etelle se donne dans son immensit et identit lme simple qui ladore, laime, et en jouit uniquement. Vide supran. 62.

    75 Geometria no-euclidiana , mathesisdo infinito, aqui lembrada dos argumentos do continuum desde Zenode Eleia e sobretudo de Anaxgoras (cf. entre outros, R. SORABJI, Creation, Time and the Continuum, ed. cit., pp. 321

    e segs.; at tese dos infindos mundos possveisainda em Giordano Bruno e Leibniz, mas que retomada no apenas naperturbante cosmologia recente dos universos paralelos at dos diversos(mais do que universos), mas na reflexo sobreo n- dimensional de uma conscincia cuja mutao intuitiva abra para estes multplices parmetros longe da lgica aris-totlica do Todo e da parte, outrossim no que por holstico e por sinptico se poder significar. Cf. Lawrence M.KRAUSS, Hiding in the Mirror, The Mysterious allure of extra dimensions, from Plato to String Theory and Beyond, N.Y.,Vixing Pr., 2005; ainda Ren GUNON, Les principes du calcul infinitesimal, Paris, Gallimard, 1946, pp. 72 e segs. : La loi de continuit.

    76 Ou seja, o equivalente a descobrir Deus no como o objecto de uma subjectiva busca (finita), mas s desde Eleo poder (infindamente) reconhecer, ainda que sem tal substantivao objectiva e na aparncia de um mero dinamismoprprio Cf. tambm a lio bblica deste no fazer imagens, sequer do Eterno, outrossim, havendo de pr em prtica(e assim compreender) a atitude que j vem impregnada (afinal pelo dinamismo da F, hebr. emunah) desse olhar di-

    vino - como ainda em eco em mmanuel LVINAS, Du Dieu qui nous vient la pense, Paris, Vrin, 1986 reed., p. 12:comme si le visage de lautre homme, () tait le noeud de lintrigue mme du dpassement par Dieu, de lide de Dieu ()et o lInfini serait dmenti () dans la prsence ou dans la reprsentation. esclarecendo: Ce nest pas la finalit dune vi-se intentionelle que je pense linfini. Ma pense la plus profonde et qui porte toute la pense, ma pense de linfini plus ancienneque la pense du fini, estla diachronie mme du temps, la non-concidence(). (sublinhmos o recto).

    S na outra concepo da eternidade como transcendnciado tempo, naacepo do in-temporal, se pode abrir para uma conscincia infinitistaque per-ceba em cada instante tal eternidade, como a da denegao do trnsito finito do

    tempo a cada momento.73

    O nunccomo um agora, menos do que um nfimopunctual, abre-se assim a poder em si conter tudo, todos os tempos e lugares,toda a densidade dessa infinda tangncia criadora, seja como creatio continua,seja como apenas meditao da hora presente.74 Neste caso, no se pode pen-sar o tempo como parte do todo eterno, mas descobrir ad infinitum, em cadainstncia, esse rasgo que pe cada momento como centro eterno dessa outrageometria do infinitesimal.75

    Do ponto de vista mental j no se diriapensar finitamenteo Infinito, napreocupao coerente do tempo como discursividadedo Eterno, mas umpensarinfinitamenteainda que o finito, o aparentemente efmero e temporal, eterni-zando-o por essa contemplao.76

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    Ento, o eterno no ser todo o tempo, um sempre, mas tempo nenhum,um nuncaque faz ressaltar a ordem de Ser ou do divino para o plano de uma in-terseco relacional, uma constante momentnea de entre a infinda variedade,

    ou como o Novo que evangelicamente se anuncia sempre renovadamente.77

    Ao contrrio da tendncia litrgica e pedaggica que situa o rito da vida edo louvor da mesma de acordo com um itinerrio temporal defases e graus, deciclos que tendem dialecticamente para um ltimo absoluto crculo apenas no

    fim dos tempos78, a experincia mstica reabsorve todos esses tempos diversos ede uma memria narrativa no imediato des-narrar de tudo num pice de ilu-minao absorvente e, sobretudo, catrtico de toda essa consistncia mnsica.79

    Na concepo que Isabel da Trindade formula parece estar, primeira vista,predominantemente presente o sentido discursivo, e at biblicamente narrativo,desse Deus da Histria como Eternidade que a culmina.80 E, de facto, se be