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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
O MITO JUDAICO CRISTÃO DA CRIAÇÃO E SUA RELEVÂNCIA ARQUETÍPICA NA ARTETERAPIA
Valtemir Graça Melo Pereira
ORIENTADOR: Profa. Ms. Fátima Alves
Rio de Janeiro
2012
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
O MITO JUDAICO CRISTÃO DA CRIAÇÃO E SUA RELEVÂNCIA ARQUETÍPICA NA ARTETERAPIA
Monografia, apresentada à Universidade Candido Mendes, Instituto A Vez do Mestre, como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em ARTETERAPIA EM EDUCAÇÃO E SAÚDE.
RIO DE JANEIRO
2012
AGRADECIMENTO
Gratidão perene aos sábios, capazes e pacientes mestres desta jornada.
DEDICATÓRIA
Aos amantes da arte.
Aos amadores na arte.
Aos terapeutas com arte.
RESUMO
Este trabalho monográfico apresenta o mito da criação segundo a tradição judaica
cristã e sua possível abordagem na arteterapia. Busca-se apresentar sua
descrição, bem como as hipóteses quanto á sua formação no que diz respeito às
influências das demais crenças antigas referentes à origem do ser humano sobre
a terra. O trabalho procura evidenciar a presença arquetípica do mito da criação
na vida do ser humano, fato inerente a quaisquer mitos em todas as civilizações.
Assim, a pesquisa apresenta a relevância de abordar este mito como elemento
arquetípico e, deste modo, viável ao espaço arteterapêutico.
METODOLOGIA
A pesquisa procura apresentar o mito judaico cristão da criação para além de sua
conotação religiosa. O estudo do mito, em Jung, é o ponto de vista teórico de
maior evidência, todavia ela se espraia por outras vertentes necessárias ao bom
entendimento do que se propõe. A visão histórico filosófica de mitologias e suas
implicações, são aspectos igualmente abordados, embora uma análise detalhada
extrapolaria os limites de uma monografia.
A implicação religiosa da narrativa é mencionada em seu aspecto teológico, isto
é, levam-se em consideração os estudos de caráter científico, onde a literalidade
da narrativa permaneceu em plano secundário. A sociologia da religião oferece
diretrizes para a compreensão de como este e demais mitos entraram na história
da humanidade, em épocas as mais remotas. A contribuição da psicologia da
religião, no que tange a linguagem mitológica, é igualmente significativa, tendo-
se em vista o conteúdo arquetípico da narrativa. E nesse aspecto quase se
confunde com a filosofia da religião, quando esta é vista sob o prisma da
influência no comportamento e significado da vida em sua relação com o
sagrado.
A proposta da pesquisa consiste em oferecer subsídios á utilização do conteúdo
da narrativa mítica estudada, no espaço arteterapêutico. O conhecimento das
múltiplas implicações e suas origens, bem como a abordagem histórica e
sociológica do mito, além de seu conteúdo arquetípico fornece meios para uma
aplicação visando análise sábia no processo de busca, do indivíduo, quanto ao
entendimento de si mesmo, ou seja, no fazer emergir seus conteúdos
inconscientes.
A aplicação desta narrativa mítica, como as demais, é facilitada por técnicas
apropriadas ao paciente e a critério do arteterapeuta. Nesse sentido, a pesquisa
busca a orientação de profissionais de arteterapia através de literatura
disponível quanto à abordagem de narrativas míticas em arteterapia, bem como
a observação da prática arteterápica em situações próprias.
Assim, compreenda-se que a presente pesquisa tem por objetivo cooperar com
informações, no que tange ao mito judaico cristão da criação, oxalá úteis na
prática da arteterapia.
SUMÁRIO
PÁGINA
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I 12
A CRIAÇÃO: O MITO JUDAICO CRISTÃO E DEMAIS
TRADIÇÕES DA ANTIGUIDADE
CAPÍTULO II 19
OS ARQUÉTIPOS E SEU PAPEL NO INCONSCIENTE
CAPÍTULO III 29
A NARRATIVA JUDAICA CRISTÃ DA CRIAÇÃO
E O PROCESSO ARTETERAPÊUTICO
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA 41
ÍNDICE 43
9
INTRODUÇÃO
O estudo da mitologia é bastante extenso nas diversas áreas do
conhecimento da mente humana. É ponto comum entre os estudiosos das mais
diversas tendências, serem os mitos imagens representativas das mais
diversas particularidades da psique, bem como os entrelaçamentos entre eles,
reveladores das atividades de origem inconsciente, principalmente do
indivíduo. Por intermédio dos ritos sagrados, diversos grupos humanos
renovavam suas alianças com os seres sobrenaturais, o que produzia uma
sensação de amparo diante dos perigos. A consciência mítica mostrava-se
assim operativa, isto é, trazia resultados, trazendo os valores desejados pela
sociedade. Desse modo, as forças e os fenômenos da natureza estavam
representados simbolicamente em seres divinos ou sobrenaturais, geralmente
antropomórficos, isto é, concebidos segundo figuras humanas.
Os mitos greco romanos, tem maior divulgação, principalmente no
ocidente, devido a expansão da cultura helênica desde a antiguidade e a sua
assimilação como fonte de todo ideal de vida pelo império romano. A expansão
de Roma seria fator preponderante na divulgação dos elementos culturais
gregos presentes através dos séculos que se seguiram a sua dominação.
Assim, tornaram-se a principal fonte de comparação nas práticas terapêuticas
e, entre elas, a arteterapia. Por esse motivo, é comum encontrar-se obras de
estudo mitológico, via de regra, direcionadas quase que exclusivamente à
mitologia grega. Mesmo entre os teóricos mais profícuos no estudo da psique,
poucos se aventuraram ou se aventuram por outras tradições, isto é, às
mitologias de outros povos e regiões carecem de maior estudo quanto sua
expressão simbólica do interior do ser humano.
10
Dentre as muitas tradições milenares a judaica e, posteriormente
assumida pelo cristianismo, é também pródiga em elementos míticos,
igualmente arquétipos da mente humana. Como demais mitologias ela não se
formou apenas com elementos da cultura dos hebreus. Nas várias andanças
este povo amealhou elementos culturais, os mais diversos tornando-os, pelo
decorrer do tempo arraigados à sua própria cultura. Bom lembrar ser este povo
ter, em sua formação, a agregação de diversos grupos nômade, a ele
chegados em parcerias voluntárias, pela escravidão ou por laços familiares.
Desse modo, os elementos culturais se aglutinaram e deram origem às
narrativas míticas. O mito em questão, narra a criação do mundo e de seus
elementos de modo onde se identificam elementos de narrativas míticos de
outros povos. Quando da escrita da saga hebréia, possivelmente no terceiro
século antes de Cristo, já a narrativa, até então oral, apresentava semelhanças,
entre outras, com as mesopotâmicas, egípcias e persas. Por séculos, desde a
sua formação, o relacionamento dos hebreus passou por contatos bastante
íntimos com essas culturas. Exemplo maior está no convívio de quatro séculos,
como escravo, no Egito. No capítulo primeiro é estudada essa semelhança
dentro do contexto histórico do povo hebreu.
No capítulo segundo estuda-se os arquétipos e seu lugar no
inconsciente. Vê-se que mito, em verdade, expressa o irracional, o não
pensado no ser humano. Em função, também disso, Jung considera os mitos
portadores de arquétipos, ou seja, esses símbolos inconscientes herdados
através dos séculos da aventura humana na terra. Essas figuras
representativas, do potencial de vida a ser descoberto pelo indivíduo, dão a
este a dimensão de sua realidade inconsciente e a possibilidade de torná-la
parte de seu todo como pessoa.
O capitulo terceiro compara o mito ao desenvolvimento do processo
arteterapêutico. Nele são analisadas as fases do mito da criação com o,
contudo subjacente do inconsciente humano. A perspectiva do fator criação é
observada do ponto de vista da possibilidade da inerência ao ser humano da
11
capacidade criadora e, assim, produtora de vida. Na análise desse mito e sua
utilização no espaço terapêutico pode causar algum desconforto, pois é parte
inerente ao imaginário do ocidente, de tradição religiosa cristã. Todavia esta
perspectiva mística pode ser dissociada enquanto se trabalha numa análise
arquetípica.
12
CAPÍTULO I
A CRIAÇÃO: O MITO JUDAICO CRISTÃO E DEMAIS
TRADIÇÕES DA ANTIGUIDADE
“A história da cultura ocidental procura nos tempos atuais
rever suas formas e conteúdos num diálogo difícil, mas
rico, com culturas e sabedorias ―outras visões originárias
de várias formas distantes: desde o mundo oriental, por
exemplo, até indígenas de diferentes origens. Por outro
lado, uma complementar revisão profunda de sua tradição,
uma ―faxina‖ em suas origens [...] pode fazê-lo
redescobrir riquezas esquecidas, numa interação de
culturas e de visões do mundo mais amplas do que aquelas
a que os modernos manuais nos acostumaram
“(CHEVITARESE; CORNELLI, 2007).
A maioria dos cristãos ou aquelas religiões que seguem os princípios
básicos da Bíblia acreditam nas histórias contadas na Bíblia. Na verdade,
essas histórias são geralmente consideradas não apenas como meras
histórias, mas também como verdadeiros relatos históricos de pessoas
importantes, eventos e conceitos da fé cristã. No entanto, as histórias da
mitologia greco romana e outras, são geralmente considerados como nada
mais do que ficção histórias, fantasia. A idéia de que os antigos viram estas
histórias como sua religião parece loucura para muitas pessoas agregadas à fé
bíblica. Essa idéia parece lançar um estigma da irracionalidade, quase
ignorância, sobre os povos antigos e sua cultura. Neste capítulo serão
13
abordadas as semelhanças e as possíveis relações e influências de mitos da
antiguidade na formação do mito judaico cristão da criação. Na verdade, a
pesquisa limita-se aos mitos gregos e mesopotâmicos.
1.1 – Os gregos e sua fé politeísta
A cultura grega, imortal é imortal e nela se fundamentam todas as
culturas advindas ao ocidente, mesmo após o declínio de sua influência e
poder no mundo. O império grego antigo era muito mais vasto do que
moderna Grécia. Abrangia inclusive a região onde vivia os antigos judeus. A
cultura judaica, cuja religião foi a base do cristianismo, sofreu a influência da
ocupação grega, praticamente em todos os seus aspectos. Portanto, é
necessário tentar entender que ambos os gregos e os cristãos antigos podem
ter crenças similares sobre o mundo que eles estavam vivendo dentro. O fato é
que os mitos gregos conter caracteres não-realistas e incrível, eventos e outros
elementos, mas na comparação entre de histórias da mitologia grega com
diferentes relatos bíblicos, é evidente que alguns paralelos entre os dois
existem, e que a visão dos gregos antigos dos eventos do mundo no início são
muito semelhantes aos dos cristãos antigos e contemporâneos.
As semelhanças começam com as histórias da criação, embora essas
semelhanças sejam mínimas. Em ambos a história da criação cristã, Genesis,
e em muitos relatos da história da criação da Grécia Antiga, a terra começou
com a escuridão e nada, um vazio, ou o caos, como é conhecido pelos gregos
(Gênesis 1:2; Tripp 159). Este Chaos era o significado portador que ele deu à
luz de Gênesis, a terra, o Tártaro; submundo, Eros, o amor e o sexo, Erebus,
as trevas, e Nyx; noite (Tripp 159). Na história da criação cristã, Deus é o
paralelo ao caos grego em que ele inventa as mesmas coisas com a exceção
de um submundo, a criação de Adão e Eva e sua reprodução posterior pode
ser comparável ao Eros como Chaos furo (Gênesis 1: 1-18). No entanto, ao
contrário do Caos, Deus não é um vazio de nada, mas o início de todas as
coisas. Deus também continua a ser o governante de todo o mundo em
14
histórias bíblicas, enquanto o caos grego é deslocada por vários reais seres
divinos, o mais importante e permanente daqueles que estão Zeus (Tripp 606;
Hesíodo 2-3).
Há também uma ligeira semelhança nas separações ou quedas em
equipa relacionamentos com Deus e Zeus, deus mais tarde chefe dos gregos
antigos. Embora as inflações em cada caso fossem muito diferentes, tanto as
quedas foram os produtos de artifício, a tentação, engano e. Em ambos os
casos, a tentação estava na forma de alimentos (Gn 3:1-6; Tyrell e Brown
15). Provavelmente, a semelhança mais importante nas duas quedas, no
entanto, é o papel negativo que reproduz mulher em cada um. Na Bíblia, a
mulher realmente leva o homem à queda de Deus e como a punição para que
o exílio queda do Jardim do Éden, enquanto a mitologia grega cita que a
mulher era a punição para a queda de Zeus (Gênesis 3:6-24, Hesíodo 4). Na
antiga cultura grega, a mulher foi projetado para tornar o homem infeliz
(Hesíodo 4). Embora ela desempenha papéis diferentes, Mulher,
eventualmente, leva a culpa por todo o sofrimento humano e tristeza em ambas
as histórias (Tyrell e Brown 17).
Em ambas as contas antigas gregas e cristã do mundo no início, existem
histórias de grandes enchentes que destruiu a maior parte da humanidade
(Gênesis 7; Tripp 608). Na versão da Bíblia do dilúvio, Deus torna-se frustrado
com a maldade do mundo e decide destruir a terra com um dilúvio, embora
entristece a fazê-lo (Gênesis 6:5-7). No entanto, Deus encontrou Noé para ser
um homem bom e justo, e ele pediu a Noé que construísse uma arca que
flutuam sobre as águas (Gênesis 6:9-14). Na arca, Noé foi levar sua esposa,
três filhos, suas esposas, e dois de cada ser vivente (Gênesis 6:18-22). Deste
modo, Deus poderia ter certeza de que o mundo seria repovoada. Na história
do dilúvio grego, Zeus torna-se muito irritado com os homens e decide destruí-
los como vingança por suas impiedades (Tripp 608). Sua intenção é destruir
toda a humanidade. No entanto, Prometeu, que diz a seu filho, Deucalião, para
construir uma arca para Deucalião e sua esposa poderiam escapar Zeus ira,
frustra tentativa de Zeus.Nesta história de Prometeu assegura que a vida
15
mortal vai continuar. Embora as histórias são diferentes em alguns aspectos,
os paralelos mostram que os gregos antigos e os seguidores da fé cristã
parecem concordar que um grande dilúvio foi um evento significativo nos
primeiros anos do mundo. Como assim, ambos acreditam que alguém
sobreviveu a esta inundação pela construção de uma arca e viver lá até a
inundação diminuiu. Essas pessoas sobreviveram para continuar a vida
humana.
1.2 – Influência mesopotâmica: da confusão à ordem
Um estudo comparativo das narrativas míticas mesopotâmicas e ugaríticas revela semelhanças e diferenças entre estes e o texto de Gênesis capítulos 1 a 11. Alguns textos do poema Enuma-Elish, bem exemplificam essas similitudes.
No primeiro momento, verifica-se que o autor do capítulo 1 de Gênesis, ao refletir sobre a criação do mundo natural, e diante do confronto com os mitos politeístas, não se desfez da forma lingüística e dos arquétipos de que era portador o mito. Contudo, transmite uma mensagem de cunho ético, a saber, o ensino da não divinização dos elementos do mundo natural, bem como da soberania de um único Deus diante de sua própria criação. A criação como ordem de Deus sobre o caos é o início da narrativa. Para se obter o sentido disso, bem como de todo o primeiro capítulo de Gênesis, deve-se passar pela compreensão que os povos orientais primitivos tinham do mundo que os cercava,incluindo-se aqui Israel. Com base na comparação entre as narrativas do poema Enuma- Elish, narrativa mesopotâmica da criação, e o capítulo primeiro de Gênesis, verifica-se que os povos antigos entendiam o mundo criado a partir do elemento água, sendo a terra um produto posterior que aparece como um disco que flutua sobre as águas que, de tão distantes, se tornam em abismos. Esse disco chamado terra é coberto por um toldo, chamado céu, no qual estão suspensos os astros. Sobre o toldo circulam as águas superiores que, de tempos em tempos, são derramadas na forma de chuva através de aberturas chamadas comportas, janelas do céu.
16
A luz e as trevas são aceitas como poderes bem diferentes, com lugares próprios de repouso, até O momento em que devem projetar-se sobre o céu para designar o dia e a noite, cada um no seu respectivo turno (LAPPLE, 1984, p. 41). Esse resumo do conteúdo geral de narrativas antigas acerca da criação indica que o texto do Gênesis não é tão diferente dos demais textos míticos: diferente é a maneira como o autor bíblico compreendeu e utilizou esse conhecimento, subvertendo o ensino divinizante do mito.
No Enuma-Elish existe a idéia da criação como resultado de um forte combate no qual os adversários são a deidade criadora e o inimigo representado pelo caos. Este não tem forma, ou seja, é o caos por definição, contudo aparece como monstro de dimensões cósmicas, na forma da deusa Tiamat, na concepção mitológica mesopotâmica. De acordo com Mckenzie (1971, p. 89), nesse tipo de combate, os princípios que se opõem são exemplificados através de dualismos, tais como luz e trevas, ordem e desordem (caos), o bom e o mau. No dualismo, a oposição entre esses dois elementos é o sustentáculo da realidade, e a vida da terra é o resultado dessa tensão.
Os antigos contavam a história através de conflitos dos deuses, tais como a narrativa do conflito entre Marduk e Tiamat. Esses conflitos eram, na verdade, representações da realidade dos antigos, que espelhavam conflitos sociais através dos conflitos dos deuses. O mito mesopotâmico da criação espelha a vida das pessoas em um mundo sustentado pela tensão constante, por exemplo, pelo conflito entre Marduk e Tiamat. Essa tensão é constatada no fato de o mito mesopotâmico da criação estava inserido nas festividades de ano novo, que reviviam, através de rituais de morte e vida, o ciclo da fertilidade. Tiamat precisa morrer para que o mundo possa ser criado; da mesma forma, um deus foi morto e do seu sangue foi criado o ser humano. A criação celebrada no ano novo mesopotâmico não era um princípio absoluto, mas um evento anual, cíclico e ritualístico, por isso, repetitivo. Todos os anos a divindade criadora deveria derrotar o seu adversário, que nunca será totalmente nem finalmente destruído. O dualismo proposto nos mitos orientais antigos é excluído na proposta bíblica visto que tudo o que Deus criou é bom. Para Grelot (1982, p. 45) “a criação bíblica não pode ser concebida dentro de um campo fechado, no qual se defrontam princípios opostos, bons e maus”.
Gênesis 1 apresenta uma única criação, com um único criador, sem interlocutores: todo o ato criador se dá a partir dele, e é seguido pelo descanso sabático, representando o cessar da atividade criativa. A criação tem um começo, um fim e um único causador (MCKENZIE, 1980, p. 23). Nesse sentido, a criação não é um ato a ser repetido ritualisticamente.
17
Observa-se, assim, que o autor do Gênesis coloca a divindade criadora fora dos ciclos das forças naturais, não confundindo a criação com o próprio criador (MCKENZIE, 1971, p. 90). Gunkel (apud (ROBERT e FEUILLET, 1970, p. 311-312) fez uma comparação entre os mitos babilônicos da criação do mundo e a narrativa do capítulo 1 de Gênesis, mostrando que o caráter ético do texto bíblico distingue-o do Enuma-Elish. Argumenta Gunkel que, enquanto os mitos babilônicos são expressos através de uma poesia “selvagem e grotesca, titânica e bárbara 17, o texto bíblico da criação reflete acalma solene e sublime de uma prosa sóbria”.
No mito mesopotâmico da criação, os deuses surgem em meio ao curso dos acontecimentos, sendo que, em Gênesis, capítulo 1, Deus continua o mesmo do início até o fim da criação. Na narrativa mítica, o ato criador é bem enfatizado, na medida em que Marduk golpeia a deusa-monstro no decorrer de uma luta dura, construindo o mundo com partes do seu corpo. Em Gênesis, capítulo 1, a criação não é fruto de uma luta titânica, mas é simplesmente resultado da palavra criadora de Deus. Deus fala e as coisas acontecem. Assim, a ênfase bíblica não está no ato criador, mas no seu resultado, a saber, a obra criada. Na narrativa bíblica, o mundo criado não é o resultado de um difícil equilíbrio de forças, mas é regido pelo desígnio soberano de Deus. A partir da constatação de que o criador está apartado do jogo entre as forças naturais e os deuses por elas representados, poder-se-á entender o verso 2 do capítulo 1 de Gênesis : “Ora, a terra estava vazia e vaga e as trevas cobriam o abismo e um vento de Deus pairava sobre as águas“. O texto lembra-nos, por comparação, que as águas abismais e desordenadas dos mitos mesopotâmicos eram regidas por Tiamat (águas salgadas) e Apsu, seu marido (águas doces), e misturadas em um único princípio. A deusa-monstro demonstra seu grande poder agitando às águas abismais e, com isso, provoca o caos e a desordem. O autor de Gênesis capítulo 1, no dizer de Mckenzie (1980, p. 28), reescreveu o mito sumério de tal forma que esvaziou a idéia do combate cósmico. O mundo não poderia ter surgido de um combate entre deuses, como no poema Enuma Elish, porque na proposta teológica do autor bíblico não há outra realidade divina que não seja ‘elohim’ (Deus). O escriba transforma o mito em um evento singular e único, na medida em que não menciona os nomes dos deuses, visto que não há inimigos contra asoberania divina, pois o Criador é único.
O primeiro ato da criação, no Gênesis, refere-se à luz. Como primeiro evento, passa a idéia do combate cósmico, visto não haver qualquer reação das trevas contra o poder da luz. Essa luz não é proveniente do sol, da lua, nem de outros luminares celestes; estes só passam a existir, a partir do quarto
18
dia da criação. A luz nesse texto é a interferência modificadora de Deus, pondo ordem no caos representado pelas trevas. A reflexão do autor bíblico não se preocupa com o problema de um caos não criado, existente antes da criação. Não é o que existe antes da criação o objeto da reflexão do autor do primeiro capítulo de Gênesis, mas a idéia de que Deus é livre e soberano para ordenar a sua criação, frustrando qualquer possibilidade de confusão ou caos. Sobre esse pensamento, escreve Loretz (1979 p. 95-96):
“A absoluta força criadora de deus não é aí descrita ainda com as expressões lingüísticas da filosofia grega. Isto acontece em Gn 1,1-2,4a, segundo as possibilidades de expressão do mito: superação do caos, vitória da luz sobre a treva, transformação da terra em espaço vital. O Deus de Israel realiza tudo isto e o seu povo o chama criador.”
O autor bíblico não estava pensando na criação a partir do nada, mas no
estado de tensão entre a luz as trevas, ou seja, no poder de Deus que, com a sua luz (elemento peculiar à divindade criadora), põe ordem no caos (escuridão). Sendo assim, o caos não está diretamente relacionado à criação no sentido de vir dela ou de independer dela (CHILDS, 1960, p. 31). Reforça-se a idéia de que o autor do Gênesis descarta as lutas primordiais, mas utiliza o conhecimento dessas lutas para mostrar que Deus é soberano e, debaixo dele, não há caos ou desordem. Ele põe ordem sobre as águas agitadas. Os deuses não são nada diante do criador absoluto. Sua criação não é resultado de tramas entre os deuses, mas é ordenada no primeiro dia, no segundo dia, no terceiro dia, no quarto dia, no quinto dia, no sexto dia, chegando, no final, à constatação deque tudo era muito bom.
19
CAPÍTULO II
OS ARQUÉTIPOS E SEU PAPEL NO INCONSCIENTE
O conceito de inconsciente, isto é, a sua existência é inquestionável, a partir dos estudos de Sigmund Freud e Karl Gustav Jung. Antes pensava-se o
inconsciente de uma perspectiva filosófica, portanto não considerada como
científica. O próprio Jung, comentado sobre a contribuição de Freud para a
psicologia, diz que ele “provou empiricamente a existência de uma psique
inconsciente, que antes era apenas um postulado filosófico nas obras de Carl
Gustav Carus e Eduard von Hartman” (l963, p. 151).
2.1 – O inconsciente para Freud e Jung
Jung confirma e aceita o fato de Freud seja o pioneiro, o primeiro cientista a tentar explorar empiricamente o segundo plano inconsciente da
consciência. Assim, de uma visão filosófica, o conceito de inconsciente
introduziu-se cientificamente no campo da psicologia, como disse Jung: “A
psicologia do inconsciente foi introduzida por Freud, graças aos temas gnósticos
da sexualidade por um lado, e da autoridade paterna nociva por outro” (1963, p.
177, 178).
A divisão do aparelho psíquico entre consciente e inconsciente, tornou-se
uma premissa estruturante da psicanálise e um divisor de águas na
compreensão das doenças mentais nos dias de Freud e, segundo ele, o
psiquismo dividia-se em: consciente, pré-consciente e inconsciente. Essa
20
divisão, num sentido descritivo, estabelecia dois tios de inconscientes, mas num
sentido dinâmico apenas um, ou seja, o inconsciente e o consciente.
“Percebemos, contudo, que temos dois tipos de
inconsciente: um que é latente, mas capaz de tornar-
se consciente, e outro que é reprimido e não é em si
próprio e sem mais trabalho, capaz de tornar-se
consciente” (Freud, 1996, p.23).
De acordo com essas palavras de Freud, o pré-consciente encontra-se
provavelmente, muito mais próximo do consciente que o inconsciente, portanto
mais passível de ser evocado. Já o inconsciente possui materiais jamais
tornados conscientes, possuindo anda outros excluídos da consciência por meio
da censura e da repressão, assim inacessíveis á consciência. Desse modo, a
repressão consiste apenas em afastar determinado fato dom consciente,
mantendo-o à distância. Freud considerava o inconsciente como um “quarto de
despejo” dos desejos reprimidos. Logo o inconsciente seria formado ou
constituído por conteúdos praticamente oriundos da repressão. Porém, o
afastamento de um determinado conteúdo provocador de ansiedade pode se
transformar em sintomas histéricos com origem freqüente, provável, numa antiga
repressão.
Jung concorda com essa visão freudiana: “É geralmente conhecido o
ponto de vista freudiano segundo o qual os conteúdos do inconsciente se
reduzem às tendências infantis reprimidas, devido à incompatibilidade de seu
caráter” (1978, p.3). Nesse aspecto, a repressão seria um processo iniciado na
primeira infância sob a influência moral do meio e do ambiente, perdurando por
toda a vida. Essa forma de entender o aparelho psíquico, na perspectiva de o
inconsciente originar-se a partir da repressão, leva a entendê-lo como sendo
estritamente pessoal, ou seja, ele é formado a partir das experiências
vivenciadas pelo indivíduo em sua limitada existência. Fica assim evidente o
conceito freudiano do inconsciente ser estritamente individual.
21
Para Jung, o inconsciente de fato possui conteúdos da experiência
pessoal (1978, p. 32). Ele compartilha dessa visão de Freud, mas inclui também
elementos e componentes além da vivência pessoal, abrindo, assim, caminho
para um olhar transpessoal dessa instância reprimida.
2.2 – O inconsciente coletivo
Para Jung, o conceito de inconsciente não é considerado como um
repositório de experiências exclusivamente pessoais ou reprimidas. É visto
também como um lugar de atividade psicológica, mais objetivo e referente às
bases filogenéticas e instintivas dos humanos. Segundo ele, a origem do
inconsciente coletivo encontra-se na base herdada do cérebro. Daryl Sharp, diz:
“O inconsciente coletivo contém toda a herança espiritual da evolução da
humanidade, nascida novamente na estrutura cerebral de cada indivíduo” (1997,
p.89). Jung concorda com a existência de conteúdos de ordem pessoal na
instância inconsciente da psique, mas com o devido ao seu espírito crítico e
pesquisador, constatou, em seus trabalhos, a existência de conteúdos de ordem
não pessoal, ou seja, há uma camada mais subjacente à camada pessoal. Essa
formulação teórica deriva-se da presença de fenômenos psicológicos
impossíveis de serem explicados com base na existência pessoal do indivíduo.
Assim, ele concluiu ser o inconsciente transpessoal, uma instância composta
pelas experiências primordiais da espécie humana. Desse modo, os conteúdos
do inconsciente não se limitam somente ao período da existência histórica do
indivíduo. Jung então postula:
“Uma camada mais ou menos superficial do
inconsciente é indubitavelmente pessoal. Nós a
denominamos inconsciente pessoal. Este, porém,
repousa sobre uma camada mais profunda, que já
22
não tem sua origem em experiências ou aquisições
pessoais, sendo inata. Esta camada mais profunda é
o que chamamos inconsciente coletivo. (2003, p. 15).
Aqui surge o distanciamento criado pela psicologia analítica com relação à
psicanálise, embora não seja esse o motivo principal do rompimento de Freud
com Jung. Foi com a descoberta e a postulação de Inconsciente Coletivo que
Jung se impulsionou em suas pesquisas (Stein, 1998, p. 81). A expressão
“camada mais profunda” era a denominação dada por ele ao substrato psíquico
coletivo, designado assim, algo de natureza não individual, mas universal, não
pessoal, mas impessoal, isto é, seus conteúdos e modos de comportamento
existentes são os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Suas
manifestações emergem na cultura como motivos universais representando uma
combinação única dos potenciais existentes no coletivo como um todo. Seria a
instância portadora das experiências primordiais da espécie humana. É a
história de todos que viveram antes: história essa social, biológica e intelectual
do gênero humano. Os conteúdos do inconsciente coletivo, “em outras palavras,
são idênticos em todos os seres humanos, constituindo, portanto um substrato
psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada
indivíduo” (Jung, 2003, p.15). Para Jung, então, enquanto o inconsciente coletivo
é composto essencialmente de conteúdos outrora conscientes, mas esquecidos
ou reprimidos, o inconsciente coletivo é constituído de elementos jamais
conscientes, portanto não adquiridos na vivência pessoal. Tais elementos devem
sua existência e origem apenas à hereditariedade psíquica. Hereditariedade
para Jung é uma hipótese, segundo a qual o inconsciente, à semelhança da
história evolutiva do corpo, possui uma história herdada:
“Assim como nosso corpo é um verdadeiro museu de
órgãos, cada um com a sua longa evolução histórica
devemos esperar encontrar também na mente uma
organização análoga. Nossa mente não poderia
jamais ser um produto sem história, em situação
23
oposta ao corpo em que existe. Por “história” não
estou querendo me referir àquela que a mente
constrói através de referências conscientes ao
passado, por meio da linguagem e de outras tradições
culturais: refiro-me ao desenvolvimento biológico, pré
histórico e inconsciente da mente no homem primitivo,
cuja psique estava muito próxima à dos animais. Esta
psique, infinitamente antiga, é a base de nossa
mente, assim como a estrutura de nosso corpo se
fundamenta no molde anatômico dos mamíferos em
geral (Jung, 2002, p. 67).
Jung diz, assim, que os conteúdos do inconsciente coletivo constituem a base
da psique em si mesma, com um caráter imutável e idêntico a si própria em toda
parte. Seus conteúdos são considerados universais por aparecerem
regularmente em todos os homens. Para ele, assim como o corpo é depositário
de relíquias do passado, carregando sua longa evolução histórica, é de se
esperar encontrar algo análogo na organização e estruturação da mente
humana. Essa mente antiga é a base da mente moderna. Um biólogo ou um
anatomista são capazes de encontrar em nossos corpos aspectos de um molde
anatômico original. Um pesquisador experiente e bem treinado da alma, também
encontrará na psique moderna as analogias existentes entre as imagens
oníricas do homem moderno e as expressões da mente primitiva. Os conteúdos
psíquicos foram herdados tais como os elementos morfológicos do corpo. Por
isso, Jung chamou tal camada de inconsciente coletivo. As imagens ou os
conteúdos por ele produzidos são coletivos por terem sido encontrados
regularmente em todos os lugares. Ele constatou que povos, culturas, costumes
e crenças distantes umas das outras, sem nenhuma ligação histórica ou social,
tendem a manifestar e expressar as mesmas imagens.
“Embora a tradição e a expansão mediante a
migração de fato existam, há como já dissemos,
24
inúmeros casos que não podem ser explicados desse
modo, exigindo, pois a hipótese de uma revivescência
autóctone. Estes casos são tão numerosos que não
podemos deixar de supor a existência de um
substrato anímico coletivo” (Jung, 2002, p. 157).
À semelhança do corpo, possuidor de várias linguagens para se expressar, indo
da verbal até a postura, o inconsciente tem como linguagem os símbolos, as
fantasias produzidas por ele mesmo. Para Jung, o inconsciente se comunica e é
fonte de criatividade e potencialidade, não sendo apenas um depositário de
conteúdos. A sua linguagem é simbólica, isto é, utiliza elementos como imagens
ou até esmo palavras com sentidos além do convencional (Jung, 2002, p. 20).
Em uma visão mais abrangente, o símbolo orienta para conteúdos ainda não
tornados conscientes para a pessoa. O símbolo, neste caso, representa a
situação psíquica do indivíduo, e ele é essa situação num dado momento.
Essa comunicação do inconsciente faz pensar tanto na vivacidade
quanto na autonomia dele em produzir seu material simbólico e, com isso, se
comunicando. È carregado de energia. Somente a compreensão de uma
comunicação simbólica, permite conhecer ou adentrar no mundo da mente
humana.
Para chegar a evidencia da universalidade dos conteúdos do
inconsciente coletivo, Jung aplicou métodos diversos. A análise dos sonhos foi o
primeiro deles, pois são produtos espontâneos da psique inconsciente e,
portanto, surgem independentemente da vontade humana. Nas palavras de
Jung,
“Os sonhos contêm imagens e associações de
pensamentos que não criamos através da intenção
consciente. Eles aparecem de modo espontâneo, sem
nossa intervenção e revelam uma atividade psíquica
alheia à nossa vontade prática” (1978, p. 7).
25
Para a psicologia analítica, a atenção e a interpretação dos sonhos
têm uma importância fundamental. Ela entende o sonho como produto natural da
psique objetiva ou inconsciente, de onde se pode esperar indicações de certas
tendências básicas da natureza do processo psíquico. Conclui-se, então, serem
os sonhos provenientes das profundezas da psique coletiva.
“Mediante o sonho, inversamente, penetramos no
ser humano mais profundo, mais geral, mais
verdadeiro, mais durável, mergulhando ainda na
penumbra da noite original, quando ainda estava no
todo e o todo nele, no seio da natureza indiferenciada
e despersonalizada” (Jung, 1963, p. 360).
Uma outra fonte foram os registros dos delírios dos doentes mentais.
Jung estimulava seus pacientes a contar, pintar ou representar as imagens
emergentes de seus inconscientes. O resultado foi o aparecimento de temas
comuns existentes em outras civilizações completamente distantes de onde
esses pacientes tinham nascido e vivido. No livro “O arquétipos e o inconsciente
coletivo” ele narra de como essa fonte se lhe tornou esclarecedora.
A terceira fonte utilizada por Jung foi a literatura, as artes em geral,
bem como as narrativas míticas e os contos de fadas. Com isso, ele abriu um
vasto campo de pesquisa quanto às bases psíquicas do ser humano. Referente
aos mitos, ele acreditava serem nada mais do que manifestações da essência
da alma, fato este negado por muitos círculos científicos e até religiosos.
Por fim, outra fonte comprobatória foram suas inúmeras viagens para
diferentes países e povos. No livro “Memórias, Sonhos e Reflexões”, escrito em
1957, há todo um capítulo dedicado especificamente à narrativa dessas viagens
(p. 212 a 252). O enorme estudo transcultural realizado por ele, abrangendo
regiões diversas da Ásia, África e América, confirma a formulação conceitual de
um extrato coletivo, cujos conteúdos são comuns a todos os homens.
26
2.3 – O termo arquétipo
As imagens e os conteúdos do inconsciente coletivo foram denominados
de arquétipos, por Jung. O termo não é originário de seus escritos, mas foi
tomado emprestado de autores anteriores a ele. A originalidade reside no fato
dele comprovar que tais arquétipos estavam presentes ou impressos no
psiquismo humano de forma coletiva. Ele especificou os conteúdos do
inconsciente pessoal como complexos e os conteúdos do inconsciente coletivo
de arquétipos. Todavia, do ponto de vista dinâmico, não há essa separação, pois
tanto os conteúdos do inconsciente pessoal quanto do inconsciente coletivo
relacionam-se entre si.
Jung justifica a aplicação do termo em função de seu sentido histórico,
afirmando:
“’Archetypus’ é uma perífrase explicativa do Eidos
platônico. Para aquilo que nos ocupa, a denominação
é precisa e de grande ajuda, pois nos diz que no
concernente aos conteúdos do inconsciente coletivo,
estamos tratando de tipos arcaicos, ou melhor,
primordiais, isto é, de imagens universais que
existiram desde os tempos mais remotos” (2003, p.
16).
Os arquétipos seriam as estruturas presentes no aparelho psíquico, as
idéias originais, a forma original de onde tudo foi formado. O termo arquétipo
para Jung significa então, algo que foi primeiro, original, uma imagem primordial
referente ao mais primitivo desenvolvimento da psique. Samuels explica como
27
se cristalizou essas imagens originais ou primordiais no desenvolvimento da
psique:
“Certas experiências fundamentais ocorrem e se
repetem por milhões de anos. Tais experiências, mais
as emoções e afetos que as acompanham, formam
um resíduo psíquico estrutural – uma disposição para
viver segundo certas direções que já se encontram na
psique (...) experiências repetidas deixam estruturas
psíquicas residuais que se transformam em estruturas
arquetípicas (1989, p. 44)
As estruturas arquetípicas são a cristalização de experiências no
decorrer do tempo. Ele é uma forma preexistente e inconsciente que faz parte da
estrutura psíquica herdada e pode, portanto, manifestar-se espontaneamente
sempre e em toda parte. As imagens e representações típicas, Jung denominou
de representações arquetípicas. Os arquétipos seriam, então, formas sem
conteúdo próprio e servem para organizar ou canalizar o material psicológico.
“Para Jung, o arquétipo é fonte primária de energia e padronização psíquica.
Constitui a fonte essencial de símbolos psíquicos, os quais atraem energia,
estruturam-na e levam, em última instância, à criação de civilização e cultura”
(Stein, 1998, p. 81). O arquétipo seria uma forma inconsciente que assume um
conteúdo específico a partir da experiência individual da pessoa. Assim, embora
tenha a forma dos mais variados comportamentos humanos, assume matizes de
acordo com a consciência individual com a qual se manifesta. Suas formas são,
em si mesmas, vazias e só terão conteúdo determinado quando preenchidas
pelas experiências vividas pelo indivíduo. Segundo Jung,
“Basta saber que não existe uma só idéia ou
concepção essencial que não possua antecedentes
históricos. Em última análise, estes se fundamentam
em formas arquetípicas primordiais, cuja concretude
28
data de uma época em que a consciência ainda não
pensava, mas percebia” (2003, p. 42)
Assim, ele afirma ser o arquétipo portador de formas primordiais sem conteúdo,
que representam a possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação.
Ao ocorrer algo na vida do indivíduo, o arquétipo correspondente é ativado de tal
forma que uma força compulsiva se impõe, reagindo de maneira instintiva. Isso
explica o conceito de arquétipo como representação psicológica universal dos
padrões de comportamento humano.
Além de tudo, é importante saber que dentro desse caráter universal dos
arquétipos, inclui-se sua autonomia para se expressarem e se manifestarem. O
inconsciente coletivo, cujo conteúdo são os arquétipos, é uma instância ativa
constantemente interferindo direta e indiretamente na vida consciente, através
de sua peculiar energia psíquica.
29
CAPÍTULO III
A NARRATIVA JUDAICA CRISTÃ DA CRIAÇÃO E O
PROCESSO ARTETERAPÊUTICO
“Criou, pois, Deus o homem à sua imagem e
semelhança; á imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou” (Livro do Gênesis,
Capítulo I, versículo 27).
Numa linguagem muito próxima à dos mitos, comumente utilizada pelos
povos antigos do Oriente Médio, os textos bíblicos sobre a criação, são
compostos por um conjunto de escritos das tradições Javista, Eloísta e
Sacerdotal, conforme explanado no primeiro capítulo. Eles compõem uma das
primeiras tentativas de reflexão das grandes questões da existência. A Bíblia,
portanto, não parece ser uma simples tentativa de relatar acontecimentos de
eras remotas, mas também indicar pistas quanto ao ato criador e o ser humano
como coparticipante do mesmo.
O mito da criação é, assim, instrumento a ser utilizado no entendimento do
ser humano, também criador de si mesmo, de sua história. Uma apreciação,
generalizada, do mito, faz-se necessária.
30
3.1 – A função do mito
Para Grelot (1982, p.27) não é tarefa simples definir mito em classificação abrangente a todas as áreas de pesquisa Seu argumento consiste no fato de os
mitos antigos se apresentarem, em geral, como histórias que colocavam em
cena seres divinos, deuses e deusas, bem como seres humanos, num processo
de interação entre eles. Na verdade, os povos orientais antigos tratavam suas
grandes questões existenciais, os seus dramas, espelhando-se nos dramas dos
deuses. Inquietações tais como o sofrimento, a morte e o fim das coisas, a
existência do ser humano, a misteriosa atração sexual entre as pessoas, o
porquê das inundações que destruíam as plantações e vidas humanas, tudo isso
se expressava na forma de narração explicativa através de rituais divinizados.
Piazza (1976, p. 133) classifica os mitos em três grupos abrangentes.
Segundo ele, os mitos podem ser religiosos, quando estabelecem a relação
entre os homens e a divindade, tendo como exemplo a criação do ser humano;
classificatórios, quando estabelecem as relações dos homens entre si, tendo
como exemplo a criação das classes sociais; etiológicos, quando estabelecem
as relações do homem com o mundo que o cerca, tendo como exemplo o
surgimento dos animais peculiares à região, acrescentando-se, ainda a origem
de determinados nomes ou locais. Delimita-se assim o universo na ênfase do
mito religioso, como o aqui abordado, que procede dos arquétipos (ou
mitologemas), os quais operam em todas as religiões. A narrativa mítica utiliza
os arquétipos, visto que eles evocam nas pessoas realidades intrínsecas aos
símbolos constituintes dos mitos. Acerca desta relação entre o mito e o
arquétipo ou mitologema, afirma Piazza:
“Mas se quisermos ir mais fundo na questão,
devemos levar em consideração os problemas do
homem, que elaborou o mito. Este, por mais primitivo
que fosse, não deixou de perceber que o mundo,
apesar de todas as possibilidades que lhe oferecia,
31
não lhe dava um apoio suficientemente sólido para
justificar os seus anseios de totalidade e
transcendência (...). Ora, o mito é a expressão deste
anseio pelo absoluto, medializado pelo símbolo.”
(1976, p. 133, 134)
No estudo das religiões, os mitos são encarados como símbolos que
transmitem verdades acerca da existência humana ou da realidade sobrenatural.
A rigor, o mito encerra uma tradição. A respeito de como o mito plenifica uma
tradição, sendo ele próprio esta tradição, afirma Rocha:
“A partir dessa idéia podemos pensar que o mito
carrega consigo uma mensagem que não está dita
diretamente, uma mensagem cifrada. O mito esconde
alguma coisa. O que ele procura dizer não é
explicado literalmente. Não “está na cara”. O mito não
é objetivo. O que ele afirma o faz, de toda evidência,
com muita sutileza. O mito fala enviesado, fala bonito,
fala poético. Fala sério sem ser direto e óbvio”. (1985,
p. 9, 10).
Entretanto, nas camadas populares e na religiosidade fundamentalista, o
termo mito se constitui em grande ameaça à fé, pelo fato da compreensão que
falar em mito, significa destruir a realidade histórica. O conceito popular e
depreciativo do mito como tudo aquilo que se contrapõe à realidade é um legado
não só do Iluminismo e do Positivismo (Loretz, 1979, p 13) mas, segundo Eliade
(1993, p. 11), tem raízes nos primeiros cristãos, para quem tudo deveria
fundamentar-se nas escrituras sagradas e, sem isso, qualquer fato seria
considerado falso, uma fábula a ser desprezada. Contrapondo-se à abordagem
popularesca, Jesi (1976, p.94) utiliza o termo mito a partir de uma terminologia
técnica própria dos estudos das ciências humanas desde o século XIX,
chamando-o de “rosto transcendente da história, ou seja, o mito articula-se
32
paralelamente à história, como ponto de referência que lhe confere sentido
transcendente, justificando-a no plano metafísico, verificando-se, desse modo,
uma via filosófica no caminho do mito. Por isso, o mito não é simplesmente a
narração de um conto, mas uma realidade vivente, conforme afirma Malinowsky,
citado por Childs (1960, p. 18). Essa realidade foi exposta em narrativas, não
necessariamente históricas inventadas o verdadeiras do ponto de vista histórico,
mas o resultado de manifestações de uma realidade superior e mais importante
para o grupo primitivo, e que determina o modo de vida e o destino das pessoas.
Isso quer dizer que o homem primitivo projetava nos deuses os seus próprios
dramas correntes, dramas esses que se espelhavam na pergunta pelas
constantes estiagens, na pergunta pela realidade da morte, na pergunta pela
tragédia humana, quer marcada pelas guerras, quer marcadas pelas enchentes.
Pode-se dizer por ISS, que p mito representou para os seres humanos das
sociedades primitivas a única manifestação válida da realidade conforme aponta
Childs (p. 17-18).
A preservação dos mitos na antiguidade, segundo Bentzen (1986, p. 261)
deveu-se a relação entre este e o rito quando ele foi celebrado e explicado
através das celebrações anuais, verdadeiras festas quando os dramas humanos
eram expostos através das histórias dos deuses. Ainda segundo Betzen os
mitos da criação foram os mais expressos em ritos e encontrados pelos
israelitas a partir do assentamento das tribos na terra de Canaã. Armstrong
(1994, p. 25) endossa esse pensamento, inserindo o conceito de que os ritos
revelam a distância entre os celebrantes e os deuses mencionados nos mitos.
As pessoas não esperavam que os deuses se envolvessem em suas vidas
profanas, visto que as ações divinas haviam se realizado em um tempo sagrado,
fora do alcance e da compreensão humana. Contudo, o que era mito e rito se
tornou expressão textual.
33
3.2 – Arteterapia e mitos
O processo arteterapêutico possibilita à pessoa a descoberta de
caminhos para o conhecimento de si mesmo, através do uso das técnicas e
expressões artísticas, fazendo fluir e desenvolver se potencial criativo. Segundo
Eliade (2007), igualmente os mitos incitam o processo criativo abrindo novas
perspectivas para a inventividade ou criatividade. Para Campbell,
“... os mitos são metáforas da potencialidade
espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que
animam nossa vida animam o mundo”. (2007, p. 37)
Jung ao estudar o homem arcaico em comparação ao homem civilizado,
concluiu que ambos sentem e percebem o mundo da mesma forma. O homem
primitivo não vê o mundo de maneira diferente do moderno, na verdade o que os
difere são suas hipóteses, a forma como consideram os eventos da natureza.
Para o homem moderno, os eventos podem ser explicados através de relações
causais perceptíveis. Já o homem primitivo, que tem uma visão mágica do
mundo, explica tais eventos através de termos não-perceptíveis, sobrenaturais.
“Parece que o processo de cura mobiliza essas forças
para alcançar os seus objetivos. É que as
representações míticas, com seu simbolismo
característico, atingem as profundezas da alma
humana, os subterrâneos da história, aonde a razão,
a vontade e a boa intenção nunca chegam. Isso
porque elas também provêm daquelas profundezas e
falam uma linguagem, que, na verdade, a razão
34
contemporânea não entende, mas mobilizam e põem
a vibrar no íntimo do homem. A regressão que
poderia assustar-nos à primeira vista é, portanto,
muito mais um “reculer pour mieux sauter”, um
concentrar e integrar forças, que no decorrer da
evolução vão constituir uma nova ordem.” (Jung, C.G.
, 2007, p. 13).
A crença nos poderes sobrenaturais, nas sociedades arcaicas, é devida,
em parte, às projeções do inconsciente sobre o mundo físico, de tal maneira que
não há distinção entre as projeções e o mundo objetivo. Deste modo, enquanto
o homem arcaico está inserido física e psiquicamente no seu mundo, o homem
moderno acredita estar apartado da natureza. O homem moderno enxerga o
mundo de maneira objetiva, negando sua realidade psíquica, ou seja, negando
as projeções arcaicas do inconsciente. Nas sociedades tribais os mitos são
vivos, pois cumprem sua função de dar sentido ao mundo como nos explica
Boechat (2008):
“Os trabalhos de Malinowski deixaram clara a noção
fundamental do mito vivo nas sociedades tribais. Há
uma importância essencial da mitologia na
organização da vida diária dessas culturas. Sem o
mito, essas sociedades simplesmente não se
organizariam. O nascimento, a infância, o casamento,
a caça e a guerra, o comércio e a morte, todas as
atividades, enfim, são ritualizadas e mitologizadas
para ganharem sentido.” (Boechat, 2008, p. 19)
A grande importância dada à objetividade no mundo moderno em
detrimento dos mitos constitui, segundo Jung, um perigo ao mundo psíquico,
uma vez que aqueles fazem parte do inconsciente coletivo e agem como
35
mediadores entre o consciente e o inconsciente. Sobre a importância do mito
como guia e auxilio para lidar com os conflitos, Armstrong (2005) escreve:
“No mundo pré-moderno, a mitologia era
indispensável. Ela ajudava as pessoas a encontrar
sentido em suas vidas, além de revelar regiões da
mente humana que de outro modo permaneceriam
inacessíveis. Era uma forma inicial de psicologia. As
histórias de deuses e heróis que descem às
profundezas da terra, lutando contra monstros e
atravessando labirintos, trouxeram à luz os
mecanismos misteriosos da psique, mostrando as
pessoas como lidar com as crises íntimas. Quando
Freud e Jung iniciaram a moderna investigação da
alma, voltaram-se instintivamente para a mitologia
clássica para explicar suas teorias, dando uma nova
interpretação aos velhos mitos.” (Armstrong, 2005,
p.15)
O homem antigo dava sentido ao mundo através dos mitos. Com a
modernidade o homem perdeu sua capacidade de produção simbólica,
passando esta a ter uma importância psíquica, uma vez que o inconsciente
conserva essa capacidade. Deste modo, ligação entre os mitos arcaicos e os
símbolos do inconsciente é de grande valor para o trabalho analítico, uma vez
que permite interpretar os símbolos tanto em seu aspecto histórico universal
como no sentido psicológico, como veremos na relação simbólica entre a saga
do herói e o desenvolvimento egóico.
Assim, quando exigida a criatividade, nas circunstâncias as mais
diversas, como acontece no dia a dia, o potencial criativo se manifesta e produz
resultados satisfatórios às situações vivenciadas. Para Rubem Alves,
36
“As histórias míticas delimitam os contornos de uma
grande ausência que mora em nós (...) O mito não diz
como as coisas se deram. O que ele faz é reconstruir
a beleza trágica e comovente do destino humano de
que todos participamos. É quando nossos corpos
estremecem ao ouvir o coro que canta e sentimos que
navegamos juntos... O mito pequeno tece o meu
corpo. Espelho em que contemplo a minha alma. O
mito grande amarra os corpos solitários num destino
comum.” (Alves, 1988, p. 14, 24)
O mito, símbolo da ausência, do vazio, apresenta-se como a pista, o
caminho por onde a auto identificação acontece através da fluidez artística. As
escolhas feitas pelo indivíduo são facilitadas assim na narrativa do mito, onde
ele se identifica e se revela na prática de sua criatividade, isto é, o
conhecimento despertado, a identificação alcançada, impulsiona o processo
criativo, trazendo em seu bojo a criação, o símbolo recorrente do interior. O
caminho para a utilização do mito como instrumento terapêutico, de acordo
com Maciel (2000), seria conhecer o enredo mítico para poder detectá-lo nas
entrelinhas da queixa do cliente, e, desta forma, estar com o cliente e facilitar a
ele a experiência de viver o mito de forma consciente e voluntária, para que
assim possa livrar-se de sua compulsão à repetição e tornar-se livre para
construir sua história.
3.3 - Criatura criadora O mito judaico cristão da criação traz em sua narrativa os aspectos pertinentes à vida humana, sendo ao mesmo tempo o “mito grande” e o “mito
pequeno” (Alves, 1988). Enquanto cita a individualidade do ser humano, tecido,
37
ou melhor, moldado em argila, une esse mesmo ser humano com todos os
seus iguais e, porque não dizer, com toda a criação.
Perceber a capacidade criativa frente aos muitos caminhos que a vida
oferece, pode ser um ponto de partida com este mito. A narrativa possui todo
um conjunto de fatos interligados num processo de fazer vir a existir. A
narrativa, como visto no primeiro capítulo deste trabalho, se inicia com o caos,
com o nada, com o vazio. A partir daí, a imaginação divina se deixa levar pelo
desejo de fazer existir, construir, deixar ser, acontecer. A culminância do
processo se dá com a construção do ser humano. É a divindade tomando da
argila, moldando-a, dando-lhe vida. A compreensão de sua posição
privilegiada, de acordo com a narrativa, pode dar ao indivíduo a percepção de
seu poder a partir de sua visão criativa. A respeito dessa percepção, diz von
Franz:
“A experiência dessa extremidade mais elevada, ou
centro, traz ao indivíduo um senso de significado e de
realização, na presença do qual ele pode aceitar a si
mesmo e encontrar um caminho intermediário entre
os opostos presentes na natureza interior. Em vez de
ser uma pessoa fragmentada, obrigada a apegar-se a
apoios coletivos, o indivíduo torna-se um ser humano
inteiro, autoconfiante, que já não precisa viver como
um parasita do seu ambiente coletivo, mas que
enriquece e fortalece esse mesmo ambiente com sua
presença.” (1997, p. 63)
A arteterapia, com seus recursos e técnicas, tem papel importante enquanto
facilitadora desse encontro do indivíduo consigo mesmo, como elemento criador,
como autor de sua história. A utilização desse mito exige discernimento maior
38
por parte do terapeuta. Isso diz respeito, principalmente na cultura judaico cristã,
em função das crenças fundamentalistas arraigadas em muitos setores quanto à
literalidade dos textos religiosos. A visão divina do mito da criação, aliás, como
de tantos outros nas chamadas escrituras sagradas, pode interferir em muitos
pacientes, impedindo um mergulho profundo nos símbolos aí existentes e
possíveis reveladores da realidade interna de cada um. Deste modo, o estudo
deste mito e dos seus símbolos é a chave para um conhecimento profundo do
ser humano, um conhecimento que vai além do palpável e do racional, que
possibilita o religar do homem consigo mesmo e com a humanidade como um
todo.
39
CONCLUSÃO
“Existem deuses e deusas em todas as pessoas. Por meio deles, pode-se captar, pela introspecção, aquele momento em que alguma coisa que sabemos intuitivamente a nosso respeito se conecta com uma imagem nítida e com palavra claras.” (Jean Shinoda Bolen)
No estudo apresentado, permaneceram lacunas. Todavia são elas incentivo a uma busca mais aprimorada e mais extensa sobre as questões abordadas.
O fascinante campo de estudos sobre as mitologias é inesgotável. Percebe-se uma carência de aprofundamento e buscas nos sentidos mais amplos dos significados e apreciações carregados no bojo das narrativas das culturas as mais diversas.
No campo das escrituras sagradas concernentes a judeus e cristãos, como também à fé muçulmana em muitos aspectos, há toda uma jazida de conhecimentos, símbolos e arquétipos a serem estudados e aprofundados. A ainda jovem arteterapia tem aí um mundo de possibilidades a serem descobertas, analisadas e trazidas sem preconceitos e sem restrições para o espaço terapêutico. Há, todavia, de cuidar-se de não ferir as consciências e, assim, fazer surgirem barreiras a impedirem o mergulho no conhecimento e na divisa de caminhos a serem percorridos na busca da individuação, do encontro consigo mesmo.
Criatividade é a palavra chave, é a atitude de ousadia a ser tomada. Os deuses presentes em cada pessoa, como diz Bolen, estão vivos e prontos a se revelarem, a mostrarem ao indivíduo seu interior, seu conteúdo e, assim, tornar possível a renovação, a transformação, a conversão de caminhos. E nisso, a arte se faz presente. Sua capacidade de trazer para fora da pessoa seus medos, angustias e desencontros, promove a renovação, a reconstrução do ser, da vida. Ainda no dizer de Bolen (p. 13), é como olhar num espelho e contemplar o reflexo a que os outros reagem em nós e, assim, expor-nos mais claramente a nós mesmos, isto é, o autoconhecimento se dá, acontece,
40
possibilitando assim assumir novas formas, trilhar novos caminhos, buscar novas fontes de vida.
Concluir esta pesquisar elaborar o texto foi extremamente gratificante. Mas como foi dito acima, não é um trabalho final, completo. Ele é, sobretudo, o incentivo a busca de mais e melhores conhecimentos, de novas fontes, de novos rumos, de novas percepções. No mito abordado há uma destinação ao ser criado: o homem foi colocado no jardim criado pela divindade para o cultivar e guardar. A vida das gentes e de suas múltiplas culturas, e nelas seus mitos, constitui-se nesse jardim a ser cuidado, cultivado para ser fértil e abundante.
41
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43
INDICE
Página
SUMÁRIO 8
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I 12
A CRIAÇÃO: O MITO JUDAICO CRISTÃO E
DEMAIS TRADIÇÕES DA ANTIGUIDADE
1.1– Os gregos e sua fé politeísta 13
1.2 – Influência mesopotâmica: da confusão à ordem 15
CAPÍTULO II 19
OS ARQUÉTIPOS E SEU PAPEL NO INCONSCIENTE
2.1 – O inconsciente para Freud e Jung 19
2.2 – O inconsciente coletivo 21
2.3 – O termo arquétipo 26
CAPÍTULO III 29
A NARRATIVA JUDAICA CRISTÃ DA CRIAÇÃO E
O PROCESSO ARTETERAPÊUTICO
3.1 – A função do mito 30 3.2 – Arteterapia e mitos 33
3.3 - Criatura criadora 36
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA 41
ÍNDICE 43
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