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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ- REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” FAMÍLIA E SAÚDE MENTAL MARIA NATÁLIA DE ASSIS FERREIRA ORIENTADORA: PROF ª. FABIANE MUNIZ DA SILVA RIO DE JANEIRO MARÇO/2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

FAMÍLIA E SAÚDE MENTAL

MARIA NATÁLIA DE ASSIS FERREIRA

ORIENTADORA: PROF ª. FABIANE MUNIZ DA SILVA

RIO DE JANEIRO MARÇO/2005

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

Trabalho monográfico apresentado como requisito parcial para obtenção do Grau de Especialista em Terapia de Família.

RIO DE JANEIRO MARÇO/2005

FAMÍLIA E SAÚDE MENTAL

MARIA NATÁLIA DE ASSIS FERREIRA

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à amiga Márcia Guimarães, por me encorajar nos momentos difíceis e por sua grande ajuda na construção deste trabalho. À minha família (esposo e filha) por sua compreensão e apoio dispensados ao meu envolvimento total com este estudo. Aos colegas de especialização, pela calorosa acolhida e à minha orientadora, Professora Fabiane, por sua ajuda, auxiliando-me a formular e expressar melhor meus pensamentos.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles que de alguma forma colaboraram para a feitura desta monografia.

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RESUMO

O presente estudo pretende desenvolver uma reflexão acerca de

como atuar em famílias que têm em seu padrão de relacionamento um portador

de transtorno mental.

Através de pesquisas e de modelos teóricos ligados ao tema,

podemos destacar a falta de fronteiras nítidas dentro da família como fatores

que precipitam o aparecimento de padrões de comportamento violento

envolvendo o usuário e os seus familiares.

A intervenção terapêutica supõe uma alternativa para a mudança de

um padrão relacional no qual a sobrecarga e as dificuldades se impõem. Essa

mudança estrutural pretende envolver todos os membros das famílias

trabalhadas com uma unidade sistêmica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I

A Reforma Psiquiátrica no Brasil 09

CAPÍTULO II

Breve histórico da família 27

CAPÍTULO III

A família do portador de transtorno mental e o provimento de cuidados 36

CAPÍTULO IV

Entrevista 45

CONCLUSÃO 47

BIBLIOGRAFIA 49

ÍNDICE 50

ANEXOS 51

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INTRODUÇÃO

Esse trabalho pretende mostrar que as dificuldades que mais afetam

os familiares do doente mental advêm, sobretudo, de mudanças nas

mentalidades que alteram condutas, comportamentos. Nesse sentido, o modelo

psicológico, e, com destaque para a psicanálise, sustentado numa concepção

individualista da pessoa e na análise dos processos intrapsíquicos, tiveram

penetração bastante significativa.

Nesses estratos, estabelecendo suas relações familiares,

interpessoais, entre os sexos, que se aproximam em maior nível de igualdade

entre os homens e mulheres.

Para uma nova parceria em torno da distribuição de peso do cuidado

do portador de transtorno mental entre a sua família e os serviços, na

perspectiva de que a saúde e a assistência sejam direito de todos, universal e

um dever do Estado, o que implica numa forte articulação entre o movimento

da reforma psiquiátrica brasileira, que luta pelos direitos de uma minoria,

particularmente, pelos seus direitos civis, com o movimento da Reforma

Sanitária, que luta na perspectiva da universalidade dos direitos sociais na área

de saúde e pelo controle social.

Para a luta em prol da criação de serviços adequados de refúgio,

nos momentos de crise e agudização dos quadros clínicos, que, sem configurar

internamento, produziam novas formas de atenção ininterruptas, sete dias por

semana e 24 oras por dia, dentro das necessidades dos usuários e de suas

famílias, e não meramente restritos aos interesses burocráticos e formais da

Instituição.

As experiências institucionais substitutivas têm proposto, de uma

maneira bastante diversificada e heterogênea, a retomada de uma abordagem

holística, interativa e complexa em relação aos transtornos mentais.

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A construção de um modelo de aproximação global em relação ao

fenômeno da saúde e da doença mental pressupõe a utilização de múltiplas

tecnologias na elaboração de estratégias e práticas terapêuticas, que não se

reduzem a intervir exclusivamente na bioquímica do cérebro ou na dimensão

psicológica dos fenômenos.

Para a realização dessa tarefa é recomendável pluridimencionar o

campo clínico, diversificando as linguagens e os discursos, multiplicando as

formas de comunicação e conexão com outros saberes e disciplinas.

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CAPÍTULO I

A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

É apresentado a seguir um breve histórico sobre o surgimento do

tratamento psiquiátrico na nossa sociedade. Três experiências iniciais de

atendimento psiquiátrico no Brasil, além de abordar o contexto da reforma

psiquiátrica.

O termo manicômio surge a partir do século XIX e designa mais

especificadamente o hospital psiquiátrico já como a função de dar atendimento

médico sistemático e especializado. Para Foucault, a prática de retirar os

doentes mentais do convívio social para colocá-los em um lugar específico teve

origem na cultura árabe, com a criação do primeiro hospício no século VIII.

Enquanto na Europa foram criados no século XV com a ocupação árabe na

Espanha.

No século XVII,os hospícios se proliferam e no século seguinte,

Philippe Pinel, diretor dos hospitais de Bicêtre e da Salpêtriere, foi um dos

primeiros a libertar os pacientes do manicômio das correstes proporcionando-

lhes uma liberdade de movimentos por si só terapêutica. Mesmo após as

reformas instituídas no século XIX por Pinel, o tratamento dado ao interno do

manicômio, ainda era mais uma prática de tortura do que uma prática médica.

Segundo Castel, as práticas de exclusão consistem em construir

espaços fechados e isolados no seio da comunidade: guetos, dispensários

para leprosos, asilos para loucos, prisões para os criminosos. Enfim (...) certas

categorias da população se vêem obrigadas a um status especial que lhe

permita coexistir na comunidade, mas com a privação de certos direitos e da

participação em certas atividades sociais.

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Uma outra experiência salientada é o serviço de saúde Dr. Candido

Ferreira que foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como modelo

de tratamento no Brasil, é um dos atuais exemplos do processo de abertura

manicomial. O serviço de saúde possui projetos que visam reintegrar os

pacientes à sociedade, por exemplo, hospital dia, núcleo de oficinas e trabalho,

entre outros.

Segundo o Sistema Único de Saúde, no período de janeiro/agosto

de 1999, foram internadas na rede pública do país para atendimento

psiquiátrico 276 mil pessoas numa média de 34 mil internações por mês.

Percebemos com este dado a urgência de mudanças no sistema de

atendimento psiquiátrico.

A reforma do sistema de atendimento psiquiátrico brasileiro vem

sendo discutida há cerca de dez anos desde quando foi apresentado no

congresso o primeiro projeto prevendo a reforma, no sistema de saúde mental

do país. O projeto do Deputado Federal Paulo Delgado (PT-MG) propõe uma

mudança radical no sistema, isto é, seriam proibidas a partir de sua aprovação

novas internações em hospitais psiquiátricos e toda a rede de hospitais do tio

seria extinta em cinco anos. Além disso, o projeto prevê tratamentos

alternativos e interferência de uma autoridade judiciária, que decida ou não

pela internação caso seja solicitado pelo paciente. O projeto de lei foi aprovado

pela Câmara dos Deputados, mas foi muito alterado no Senado e atualmente

está parado no Congresso aguardando sua aprovação.

Ainda que haja necessidade de alteração na legislação que

atualmente vigora no país sobre a questão psiquiátrica, data de 1934, permite

atitudes como o seqüestro manicomial de qualquer pessoa que tenha sido

diagnosticada como portadora de transtorno mental, uma medida cada vez

mais condenada nos meios médicos.

O Ministério da Saúde anunciou que vai descredenciar dez hospitais

psiquiátricos, entre eles a Casa de Saúde Dr. Eiras, maior hospital psiquiátrico

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do Rio de Janeiro, a Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, está sobre

intervenção do Município desde 18 de junho. Os interventores encontraram

uma situação de calamidade: nos dez primeiros dias de junho dez pacientes

morreram. Era grande o número de pessoas com desnutrição e com

tuberculose (Jornal O Globo, agosto/2004).

1.1. O PERCURSO DO MOVIMENTO DA REFORMA

PSIQUIÁTRICA

O exercício de reconstituição do percurso da reforma apresenta-se

conectado tanto à possibilidade de revisão dos principais referenciais teóricos

que possibilitam a emergência deste movimento, quanto a reatualização de um

olhar crítico sobre os paradigmas fundantes do saber psiquiátrico.

A proposta de Birman & Costa (1994), formulam a hipótese de que a

psiquiatria clássica veio desenvolvendo uma crise tanto teórica, quanto prática,

detonada principalmente pelo fato de ocorrer uma mudança radical no seu

objeto, que deixa de ser o tratamento da doença mental para ser a promoção

da saúde mental, e é desse contexto que surgem as novas psiquiatrias.

A hipótese desses autores é que a importância dada pela psiquiatria

à terapêutica das enfermidades dá lugar a um projeto muito mais amplo e

ambicioso, que é o de promover a saúde mental, não apenas em um ou outro

indivíduo, mas na comunidade em geral, a terapêutica deixa de ser individual

para ser coletiva, deixa de ser assistencial para ser preventiva.

1.2. ANTECEDENTES TEÓRICOS DA REFORMA

O estudo do modelo psiquiátrico clássico, enquanto saber e prática,

é abordado na obra de diversos autores, dentre eles, destaca-se Michel

Foucault, com sua história da loucura na idade clássica, que representa um

verdadeiro marco, uma reviravolta nas histórias, tanto da psiquiatria quanto da

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loucura. Uma outra obra a ser destacada é Manicômios, Prisões e Correntes,

de Gaffman (1974), que esmiúça a estrutura, a natureza das instituições

psiquiátricas definidas no bojo que o autor denomina de instituições totais.

A figura do médico clínico, surgida a partir de 1793, tem em Pinel

sua principal e primeira expressão. A Tecnologia Pineliana, segundo Castel

(1978), estabelece a doença com problema de ordem moral e inaugura um

tratamento da mesma forma adjetivado, ordenando o espaço, valendo-se das

diversas espécies de alienados existentes. Pinel postula o isolamento como

fundamental a fim de executar regulamentos de polícia interna e observar a

sucessão dos sintomas para descrevê-los. O hospital do século XVIII deveria

criar condições para que a verdade do mal explodisse, tornando-se lócus de

manifestação da verdadeira doença. Nesse contexto, inauguram-se práticas

centradas no baluarte asilar, estruturando uma relação entre medicina e

hospitalização, fundada na tecnologia hospitalar e em poder institucional, com

um novo mandato social; o de assistência e tutela. A obra de Pinel estruturada

sobre uma tecnologia de saber e intervenção sobre a loucura. O hospital

representa o primeiro e mais importante passo histórico para a medicalização

do hospital, transformando-o em instituição médica. Este processo marca, a

partir da assunção de Pinel à direção de uma instituição pública de

beneficência, a primeira reforma da instituição hospitalar, com a fundação da

psiquiatria e do hospital psiquiátrico. As colônias atualizam, então, o

compromisso da psiquiatria emergente com a realidade do contexto sócio

histórico da modernidade. Na prática, o modelo das colônias serve para ampliar

a importância social e política da psiquiatria, e neutralizar, em que pese seu

princípio de liberdade e de reforma da instituição asilar clássica, não se

diferenciam dos asilos pinelianos.

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1.3. COMUNIDADE TERAPÊUTICA E PSICOTERAPIA

INSTITUCIONAL: A PEDAGOGIA DA SOCIABILIDADE

Em 1946, T. H. Main denomina Comunidade Terapêutica, o trabalho

que vinha desenvolvendo em companhia de Bion & Reichman, no Monthield

Hospital, no Birmingham.

Somente em 1959, na Inglaterra, Maxwel Jones consagra o termo

com base em uma série de experiências em um hospital psiquiátrico,

inspiradas nos trabalhos de Simon, Sullivan, Menninger, Bion e Reichman.

Com isso o termo Comunidade Terapêutica passa a caracterizar um processo

de reforma institucional, predominantemente restrito ao hospital psiquiátrico e

coletivas, objetivando uma transformação da dinâmica institucional asilar.

Maxwel Jones torna-se o mais importante autor da Comunidade

Terapêutica. Ao organizar, nos primeiros momentos de sua experiência os

internos em grupos de discussão, grupos operativos e grupos de atividade,

objetiva o envolvimento do sujeito em sua própria terapia e com os demais,

assim como faz da função terapêutica, uma tarefa não apenas para técnicos,

mas também dos próprios internos, dos familiares e da comunidade. Jones

trabalha com o termo “Aprendizagem ao vivo” onde, segundo ele:

“A oportunidade de analisar o comportamento em

situações reais do hospital, representa uma das maiores

vantagens na comunidade terapêutica. O paciente é

colocado em posição onde possa com o auxílio dos outros

aprender novos meios e superar as dificuldades,

relaciona-se positivamente com as pessoas que o podem

auxiliar, gerando dessa forma uma aprendizagem ao vivo”

(Jones, 1972: 23).

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“A Comunidade Terapêutica é um local em que todos os

componentes doentes, enfermeiros e médicos estão

unidos em um total comprometimento, onde as

contradições da realidade representam o húmus de onde

germina a ação terapêutica recíproca” (Basaglia, 1985:

1118).

Para Birman (1992),

“A proposta básica da humanização dos asilos para a sua

transformação em efetivos hospitais psiquiátricos deveria

passar agora pela instauração de uma microsociedade

em que, pela organização coletiva do trabalho e dos

grupos de discussão do conjunto das atividades

hospitalares, seriam instituídos ou internados como os

agentes sociais da sua existência asilar” (Birman, 1992:

85).

Para Fleming (1986),

“A explosão psicanalítica ocorrida logo após a guerra, leva

a psicoterapia institucional a ser uma tentativa de

conciliação da psiquiatria com a psicanálise,

principalmente a tradição lacaniana, na medida em que

passa a existir um movimento para a introdução da

psicanálise nas instituições psiquiátricas” (Fleming, 1986:

45).

Para Oury (1992),

“O objetivo da psicoterapia institucional é criar um coletivo

orientado de tal forma que tudo possa ser empregado

(terapias biológicas e analíticas, limpeza dos sistemas

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alienantes e socioeconômicos) para que o psicótico

chegue a um campo onde ele possa se referenciar,

delimitar seu corpo entre parte e totalidade através dos

objetos institucionais que são tanto ateliês, reuniões,

lugares privilegiados como participação em sistemas

concretos de gestão ou de organização” (Oury, 1992: 28).

A psiquiatria preventiva ou comunitária surge no contexto da crise do

organicismo mecanicista e situa-se no cruzamento da psiquiatria de setor e da

socioterapia inglesa, ela nasceu nos Estados Unidos.

Segundo Birman & Costa (1994: 54), os três níveis de prevenção

são assim definidos:

Prevenção primária – intervenção nas condições possíveis de

formação da doença mental, condições etiológicas que podem ser de origem

individual, ou do meio.

Prevenção secundária – intervenção que busca a realização de

diagnósticos e tratamento precoce da doença mental.

Prevenção terciária – se define pela busca da readaptação do

paciente à vida social, após a sua melhoria.

O projeto da psiquiatria preventiva determina que as intervenções

precoces, primária e secundária, evitem o surgimento ou desenvolvimento de

casos de doenças, decretando, dessa forma, obsolescência do hospital

psiquiátrico; aumentando a prevenção no meio social e reduzindo as condutas

patológicas.

A antipsiquiatria procura romper, no âmbito teórico, com o modelo

assistencial vigente, buscando destituir definitivamente, o valor do saber

médico, da explicação, compreensão e tratamento das doenças mentais.

Surge, assim, um novo projeto de comunidade terapêutica e um lugar no qual o

saber psiquiátrico possa ser reinterrogado numa perspectiva diferente daquela

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médica. A antipsiquiatria busca um diálogo entre a razão e a loucura,

enxergando a loucura entre os homens e não dentro deles.

Com uma crítica radical ao paradigma psiquiátrico, a tradição

iniciada por Franco Basaglia e continuada pelo movimento da psiquiatria

democrática italiana, afirma a urgência de revisão das relações, a partir das

quais o saber médico se estrutura. A tradição basagliana vem matizada com

cores múltiplas, traz em seu interior a necessidade de uma análise histórico-

crítica a respeito da sociedade e da forma como esta se relaciona com o

sofrimento e as diferenças. É antes de tudo, um movimento político. Na medida

em que o trabalho e o pensamento de Franco Basaglia, possibilita todo esse

debate, embora ele mesmo não participe desta comissão, o projeto de lei

apresentado pelo próprio inspira-se em suas idéias e termina por ser

identificado publicamente ao seu nome, passando a ser conhecida como Lei

Basaglia, aprovada em 13 de maio de 1978, introduzindo importantes avanços

na assistência psiquiátrica.

1.4. A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

A reforma psiquiátrica é entendida como um processo histórico de

formulação crítica e prática que tem como objetivo e estratégia o

questionamento e elaboração de propostas de transformação do modelo

clássico e do paradigma da psiquiatria.

No Brasil, a reforma psiquiátrica é um processo que surge, a partir

da conjuntura da redemocratização em fins da década de 70 com o surgimento

de um novo ator, o movimento dos trabalhadores em saúde mental (MTSM)

que desempenha durante um longo período, o principal papel, tanto na

formulação teórica na organização de novas práticas.

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Uma crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental –

mais também – e principalmente – uma crítica estrutural ao saber e às

instituições psiquiátricas clássicas, dentro de toda a movimentação política-

social que caracteriza a conjuntura de redemocratização.

O início do movimento de reforma psiquiátrica, últimos anos da

década de 70, nessa época, começou a se delinear um projeto que se inscreve

nesta conjuntura histórica com características conceituais distintas de outros

projetos de transformação a ele anteriores ou contemporâneos. O conceito de

reforma psiquiátrica se apresenta como sendo política e conceitualmente

problemático.

1.4.1. Periodização da reforma psiquiátrica brasileira

Quando se inicia a reforma? É difícil quando se inicia o processo de

reforma da prática e do saber psiquiátrico. Tanto na França com o

aparecimento do primeiro asilo psiquiátrico, quanto no Brasil, a partir da criação

do hospício de Pedro II, no Rio de Janeiro, é possível localizar críticas,

resistências e projetos de mudanças instituições e das práticas da psiquiatria.

O período que vai da constituição da medicina mental no Brasil, em meados do

século XIX até as primeiras décadas deste século, mais precisamente até a

Segunda Guerra Mundial, será considerada a Trajetória Higienista que diz

respeito ao aparecimento e desdobramento de um projeto de medicalização

social, no qual a psiquiatria surge como um instrumento técnico científico de

poder, em uma medicina que se auto-denomina social sua prática se instrui de

poder dominador, disciplinar, auxiliar na organização das instituições

dispositivos de controle político e social – é uma psiquiatria de higiene moral.

Após a Segunda Guerra Mundial surgem experiências sócio

terapêuticas como a comunidade terapêutica inglesa, a psicoterapia

institucional e a psiquiatria de setor franceses.

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É quando a arcaica concepção de prevenção da psiquiatria

higienista, autora denominada de profilania, passa a superar a idéia de

prevenção as desordens mentais, para alcançar o projeto de promoção de

saúde mental. Nesse projeto, a psiquiatria não visa simplesmente à terapêutica

e a prevenção das doenças mentais, mas constrói um novo objeto: a saúde

mental.

A partir de então, uma série de experiências são desenvolvidas no

Brasil, inspiradas no preventivo ou nos modelos das comunidades terapêuticas,

na psicoterapia institucional e no setor como: Manual de Assistência

Psiquiátrica: plano integrado de saúde mental.

Alguns momentos são importantes na reforma psiquiátrica brasileira,

o primeiro é a significativa conjuntura dos últimos anos do regime militar

autocrático, quando assiste-se inicialmente ao fim do “milagre econômico”, com

o conseqüente processo de distensão – abertura democrática. Este momento

em que as estratégias autoritárias começam a defrontar-se com o seu fim, com

o crescimento da insatisfação popular decorrente da falta de liberdade e da

sempre crescente perda de participação e ingresso social das classes médias e

baixas.

Outro momento da reforma psiquiátrica é a trajetória sanitarista,

iniciando nos primeiros anos da década de 80, quando parte considerável do

movimento da reforma sanitária e não apenas o da psiquiatria passa a ser

incorporado, ou a incorporar-se no aparelho do Estado. Resultado: por um lado

de uma tática desenvolvida inicialmente no seio do movimento sanitário de

ocupação dos espaços públicos de poder e de tomada de decisão como forma

de introduzir mudanças no sistema de saúde em um momento em que, por fim

da ditadura, renova-se as lideranças da tecnoburocracia. Por outro, se constitui

como proveniente de uma tática – esta de iniciativa do estado de absorver o

pensamento e o pessoal crítico em seu interior, seja como objetivo de alcançar

legitimidade, seja para reduzir os problemas agravados com adoção de uma

política de saúde excessivamente privatizante, custosa e elitista.

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O início da trajetória institucional da estratégia sanitarista é uma

tentativa tímida de continuar fazendo reformas, sem construir o paradigma

psiquiatria, sem construir novas formas de atenção de cuidados, sem inventar

novas possibilidades de produção e reprodução de subjetividades.

O movimento pela reforma psiquiátrica mantinha-se voltado para a

questão da transformação do ato de saúde, do papel normatizador das

instituições e, portanto, da desinstitucionalização como desospitalização

(redução do número de leitos, do tempo médico, de permanência hospitalar, do

número de internações, aumento do número de altas hospitalares). Cabe

considerar que, ao lado de uma política progressiva de redução do número de

leitos psiquiátricos, existiu um proeminente aumento do número de serviços

ambulatoriais, hospitais-dia, centro de convivência e outros recursos e

tecnologias, menos, talvez, no Rio e em outros estados.

Segundo Jairo Goldbrg (1989), a trajetória da desinstitucionalização

é caracterizada, sobretudo pelo surgimento de novos serviços, estratégias e

conceitos em saúde mental, com o aparecimento do Caps, do Naps, das

cooperativas sociais e da retomada da estratégia da reabilitação psicossocial.

1.5. O ESTADO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL E

ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA

A década de 70 inicia-se com a transformação de denominações do

Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) para Divisão Nacional de Saúde

Mental (DINSAM), o que denota a influência do preventivismo. O início da

década de 70 foi marcada pela tentativa tanto do Ministério da Saúde, quanto

da Previdência Social, principalmente orçamento público no setor da saúde, de

introduzir planos e programas de caráter preventivista. Apesar das boas

iniciativas previdenciárias de estabelecer um programa de psiquiatria

preventiva, a Previdência Social é absolutamente dominada pela iniciativa

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privada, que não permite o avanço de programas considerados não-

hospitalizantes.

Em 1977, são apresentadas na VI Conferência Nacional de Saúde,

as Diretrizes Programáticas de Saúde Mental, que lançam o Plano Integrado de

Saúde Mental (Pisam) do Ministério da Saúde, pela primeira vez, concretiza

uma política de saúde mental de caráter preventivo em significativa parte do

território nacional. Neste mesmo ano, o Plano Pronta Ação (PPA) atualiza os

propósitos do Plano Nacional de Saúde/PNS, de 1968, e regula: o destino dos

hospitais da previdência; o credenciamento dos médicos, dos convênios e sua

renovação; a condição para a expansão de serviços; o seguro de saúde

privado.

Com conseqüência do desenvolvimento prático da co-Gestão, na

Colônia Juliano Moreira é criado em 1982, o Hospital Jurandir Manfredini, auto

definido como o primeiro serviço verdadeiramente “alternativo” de assistência

psiquiátrica ao modelo asilar tradicional.

Em 21 deste mesmo ano, é aprovado o Programa de Reorientação

da Assistência Psiquiátrica, elaborado pelo CONASP pela Portaria nº 33.108.

Foi o primeiro plano público brasileiro a contar, em sua elaboração, com a

sociedade civil organizada, apesar de não ter a participação direta de

associações de usuários e familiares, mas ainda por canais muito restritos e

alternadamente burocráticos.

1.5.1. Associações de usuários e familiares

Enquanto os movimentos de familiares adotam a ideologia do

determinismo biológico das doenças, possibilitando um processo de

medicalização do problema, os movimentos de usuários tendem a assumir

posições mais radicais e estruturais, combatendo as internações compulsórias,

as práticas violentas da psiquiatria e adotando a defesa das teorias não-

biológicas para explicação das doenças mentais, no mesmo espírito proposto

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pela antipsiquiatria e pela teoria da rotulação. No Brasil os primeiros

movimentos dos quais encontram registros surgem a partir das vindas de

Basaglia e da mobilização promovidas em torno de suas conferências (Revista

Rádice - Basto, 1980). Uma outra associação importante é a Sosintra, fundada

no Rio de Janeiro, 1979, e até hoje existente. Foi criada a partir da

necessidade de os familiares encontrarem formas melhores de lidar e participar

do tratamento de seus problematizados – uma expressão alternativa para

referir-se aos doentes proposta por esta sociedade, é um movimento que

nasce da constatação da insuficiência da assistência pública, que busca

soluções na participação dos próprios familiares e usuários.

O movimento de saúde mental no Brasil, ora identificado como

movimento de luta antimanicomial, ora como movimento pela reforma

psiquiátrica ou alternativa psiquiátrica e assim por diante, com suas propostas,

revolucionárias ou utópicas em alguns momentos, pragmáticos e normativas

em outros, cumpre um importante e único papel no campo das transformações

em saúde mental: é o ator político a construir as propostas e as possibilidades

de mudanças. Se algumas de suas propostas são cooptadas ou capturadas

pelas instituições e entidades (mesmo algumas contra-reformismo), o certo é

que estas são levadas a modernizarem seus discursos e projetos políticos para

não ficarem defasadas das épocas e dos cenários que o movimento vem

construindo.

1.6. A TRAJETÓRIA DA REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL

O movimento de reforma psiquiátrica teve seu período inicial aos

não de 1978 a 1980 e teve como estopim a crise da DINSAM (Divisão Nacional

de Saúde Mental); órgão do Ministério da Saúde responsável pela formulação

das políticas de saúde mental. Em abril de 1978, profissionais de quatro

unidades da DISAM, no Rio de Janeiro, iniciaram um movimento de greve, que

gerou a demissão de 260 estagiários e profissionais.

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Na DISAM, bolsistas trabalhavam como médicos, psicólogos,

enfermeiros e assistentes sociais, muitos ocupando cargos de chefia, no

entanto, havia denúncias de condições precárias de trabalho, ameaças,

violência aos profissionais e aos pacientes, além de suspeitas de mortes não

esclarecidas.

Nasce, nesse período, o MTSM, como espaço de luta, organizando

encontros e fóruns envolvendo profissionais, entidades e setores sociais. A

pauta inicial do movimento gira em torno das questões trabalhistas, envolvendo

aspectos salariais, relação clientela, instituição e profissionais, formação de

mão-de-obra, condição de atendimento, modelo médico assistencial etc.

Em outubro de 1978, foi realizado o V Congresso Brasileiro de

Psiquiatria como oportunidade de organização de movimentos que já estavam

de desenvolvendo em alguns estados, eventos que ficou conhecido como

Congresso de Abertura, onde movimentos de saúde mental participaram de

encontro de setores considerados conservadores com a participação da

Associação Brasileira de Psiquiatria como formação de uma frente ampla que

abordou não só questões relativas a política de saúde mental, mas também

abordou o regime político nacional.

Nos dias 20 e 21 de janeiro foi realizado em São Paulo o I

Congresso Nacional dos trabalhadores em Saúde Mental, que teve como ponto

principal a luta pela transformação do sistema de atenção à saúde e sua

vinculação aos outros segmentos sociais, além da crítica ao modelo asilar dos

grandes hospitais psiquiátricos públicos como o reduto de marginalizados.

O I Encontro Regional dos Trabalhadores em Saúde Mental,

realizado entre os dias 23 a 25 de maio de 1980, discutiu a política nacional de

saúde mental, os problemas sociais relacionados a doença mental, as

condições de trabalho dos profissionais de vida da população, onde dentre

outras questões são discutidos os direitos dos pacientes psiquiátricos. Na

mesma ocasião é forma de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no

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Congresso Nacional, com objetivo de apurar irregularidades na assistência

psiquiátrica no Brasil.

1.7. A CO-GESTÃO

A co-gestão representou um novo modelo de gerenciamento de

hospitais públicos, sendo um sistema dinâmico e mais descentralizado, sendo

elemento importante para a revitalização do modelo de assistência deficiente e

viciado no que diz respeito ao seu caráter e sua prática privatizante.

1.8. O PLANO DO CONASP

O Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária

(Brasil MPAS/CONASP, 1983a) é criada pelo decreto nº86329 de 02 de

setembro de 1981, ligado ao Ministério da Previdência e Assistência Social,

devido a “crise financeira” da Previdência Social e sua incapacidade de saná-

la.

O CONASP apresenta um plano geral para a saúde previdenciária,

um para saúde oral e outro para assistência psiquiátrica. No que tange a essa

última, o plano alinha diretrizes gerais de uma reformulação da assistência, que

coincide com as determinações técnicas da OPAS/OMS, que incluem a

descentralização executiva e financeira de regionalização e hierarquização de

serviços e do fortalecimento da atuação estatal.

1.9. ENCONTROS DE COORDENADORES DA REGIÃO

SUDESTE E AS CONFERÊNCIAS DE SAÚDE MENTAL

I Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região

Sudeste. Aconteceu em Vitória, no Espírito Santo, entre os dias 26 e 28 de

setembro de 1985, tendo como tema “Políticas de Saúde Mental para a Região

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Sudeste”, tendo como principal objetivo refletir sobre a assistência à saúde

mental na região após a criação da co-gestão e o plano do CONASP.

I Encontro Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro. Ocorreu

nos dias 4 e 5 de outubro de 1986, no Instituto de Psiquiatria da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, com o objetivo de “provocar” os debates para a I

Conferência Estadual de Saúde Mental.

I Conferência Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro.

Aconteceu na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, entre os dias 12 e 14

de março de 1987 e teve como principal tema a Política Nacional de Saúde

Mental na Reforma Sanitária, bem como a situação de saúde mental no

contexto geral da saúde, os limites da abrangência de universo da saúde

mental, a política e o tipo de modelo de assistência à saúde mental.

II Encontro de Coordenadores da Saúde Mental da Região

Sudeste. Realizada em Barbacena, entre os dias 2 e 4 de abril de 1987, tendo

como temas principais: “Saúde mental na rede pública: situações atuais e

avaliação das propostas” e um desdobramento do I Encontro de

Coordenadores com: “A saúde mental na reforma sanitária”.

No documento final constatou-se o fato de não ter ocorrido expansão

nos leitos manicomiais hospitalares na região, a implantação das Comissões

Interinstitucionais de Saúde Mental (CISM), o fortalecimento da articulação

interinstitucional no subsetor e uma considerável expansão da rede

ambulatorial e de outros recursos externos.

I Conferência Nacional de Saúde Mental. Como desdobramento

da 8ª Conferência Nacional de Saúde, regionalizou-se a I Conferência Nacional

da Saúde Metal entre os dias 25 e 28 de junho de 1987, tendo como temas:

economia, sociedade e Estado – impactos sobre a saúde e a doença mental,

reforma sanitária e reorganização da assistência à saúde mental e cidadania e

doença mental – direitos, deveres e legislação do doente mental.

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1.10. A TRAJETÓRIA DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO

Iniciou-se na segunda metade da década de 80, tendo grande

importância para a saúde mental brasileira. Nesse período ocorreram vários

eventos e acontecimentos importantes: a 8ª Conferência Nacional de Saúde

Mental; a I Conferência Nacional de Saúde Mental; o II Congresso Nacional de

Trabalhadores de Saúde Mental, também conhecido como o “Congresso de

Bauru”, a criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (São Paulo), e o

primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial (Santos), a Associação Loucos pela

Vida (Juqueri), a apresentação do Projeto Lei 3.657/89, de autoria do Deputado

Paulo Delgado e a realização da 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental.

Esse período é marcado pela ruptura no processo de reforma

psiquiátrica brasieira, que não se restringia apenas ao aspecto técnico-

assistencial, mas começa a alcançar uma dimensão mais geral e complexa,

mas abrange também os campos técnicos-assistencial, políticos judiciário,

teórico-conceitual e sociocultural.

Neste contexto ocorre em Brasília a 8ª Conferência Nacional de

Saúde que aconteceu entre os dias 17 e 21 de março de 1986. Essa

conferência teve caráter de consulta e participação popular, com a participação

de vários setores da comunidade, que resultou de um processo de vários

setores da comunidade, que resultou de um processo de vários pré-

conferências (estaduais e municipais) e em reuniões pelas mais variadas

entidades e instituições da sociedade civil.

Desta conferência surgiu uma nova concepção de saúde como um

dever do Estado e direito do cidadão, e a definição de princípios básicos; a

universalização do acesso a saúde, descentralização e democratização. Sendo

o Estado promotor de políticas de bem estar e a saúde sob uma nova visão,

como qualidade de vida.

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Como desdobramento da Conferência Nacional, forma propostas

conferenciais temáticas, entre elas, as de saúde do trabalhador, saúde da

mulher, saúde do idoso, saúde da criança, recursos humanos em saúde e a de

saúde mental.

Nos dias 3 a 6 de dezembro de 1987, foi realizada em Bauru, cidade

escolhida por estar sob administração progressista, o que facilitou a realização

de eventos. Neste congresso houve a grande participação de lideranças

municipais, técnicos, usuários e familiares, na defesa da luta antimanicomial.

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CAPÍTULO II

BREVE HISTÓRICO DA FAMÍLIA

Diante a constatação de que a família é historicamente construída,

nossa pretensão foi de fazer uma breve recapitulação histórica da família no

sentido de facilitar nossa visão diante do papel representado pelos membros da

mesma, que se modificam de acordo com as injunções sócio-econômicas e

políticas de cada momento histórico.

Nosso objetivo com este capítulo é verificar a mudança e a

permanência de padrões sociais e culturais sofridos pela família que possam

estar influenciando seu comportamento.

Vimos que em Roma (século II) a consangüinidade valia muito

pouco, a maior importância era dada ao nome da família.

Aborto e contracepção eram práticas usuais. O recurso a um método

de contracepção era certo em todas as classes da população e poderia ser

feita em qualquer momento da gestação.

A lei concedia um privilégio para as mães que tivessem três filhos,

entendendo que assim elas haviam cumprido seu dever, este número de filhos

era o que predominava. Em todos os escritos da época falam de “famílias com

seus três filhos”.

Assim que nasciam, os recém-nascidos menino ou menina, eram

confiados a uma nutriz e estas amamentavam e educavam. A educação dos

meninos até a puberdade era confiada a nutriz e a um “pedagogo” também

chamado “nutridor”, encarregado de sua boa educação. O pedagogo, nutriz e o

irmão de leite formavam uma “vice-família”.

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Ao falar sobre o amor da família, um filósofo estóico, explicou que

esse amor corresponde à natureza, que é também a razão, e que por

conseguinte, as crianças amavam a mãe, a nutriz e o pedagogo.

A distância entre pais e filhos era vertiginosa, os filhos se dirigiam

aos pais chamando-os de “senhor” e “senhora”.

A prática da adoção demonstrava também outro exemplo do pouco

“naturalismo” da “família” romana. Dava-se uma criança em adoção como se

dava uma filha em casamento. Haviam dois meios de se ter filhos: gerando-os

ou adotando-os. A adoção propiciava tudo que o casamento favorecia.

As adoções tinham como objetivo o impedimento da extinção de

uma estirpe, e também para adquirir a condição de pai de família, que era

exigida por lei aos candidatos públicos aos governos das províncias.

As crianças era “deslocadas como peões no tabuleiro de xadrez da

riqueza e do poder”, não eram amadas nem mimadas, tais cuidados competiam

à criadagem.

No século III, o casamento romano era um ato privado, um ato onde

não havia um contrato de casamento, mas apenas um contrato de dote. As

pessoas se casavam para ter direito a um dote (era um dos meios honrosos de

se enriquecer).

As transformações foram se fazendo com a passagem da moral

cívica que ditava normativamente os deveres. Considerando as pessoas

“soldados do dever cívico ou criaturas morais responsáveis”. Na moral cívica:

“Casar-se é um dos deveres do cidadão”. Já na moral do casal: “Quem quer

ser um homem de bem só deve fazer amor para ter filhos”, o estado de

casamento não servia para os prazeres venéreos. Na velha moral cívica, a

esposa era apenas um instrumento da função de cidadão e chefe da família,

fazia filhos e aumentava o patrimônio.

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Na segunda moral do casal, a mulher era considerada uma amiga,

tornou-se companheira de toda uma vida. Só lhe resta continuar racional ou

seja, conhecendo sua inferioridade natural, obedecendo ao esposo e

respeitando como um verdadeiro chefe que respeita seus auxiliares devotados.

O casamento passou a não ser mais visto como um fenômeno

natural, foram decretadas leis especiais para incitar os cidadãos a se casarem.

Casar-se não queria dizer nesta época a fundamentação de um lar, mas

passou a ser uma opção, da qual mulher faz parte.

A esposa e os filhos eram vistos como um dos elementos da casa. O

amor conjugal não existia, se caso o casal se entendesse bem, era ótimo, isto

não era colocado como uma condição para o casamento.

O surgimento da vida conjugal como sentimento iniciava-se de uma

forma muito tímida, onde o papel da mulher era elevado ao nível dos amigos,

que tanta importância tinha na vida conjugal.

O casamento sempre foi visto como um dever e com o intuito de

procriar, a mulher e os filhos ocupam uma condição de inferioridade.

Phillipe Aires aponta alguns acontecimentos marcantes que teriam

mudado a história. Apresenta uma visão histórica do aparecimento e do

predomínio da família moderna no mundo ocidental.

Apresenta também uma rica descrição do surgimento da família

nuclear burguesa composta pelo triângulo pai, mãe e filho e por um conjunto de

combinação de autoridade e amor paternal.

Preocupado inicialmente com o surgimento da infância como

categoria social, Áries mostra como a família moderna trouxe consigo um novo

conjunto de atitudes em relação às crianças, ao descrever as formas de

intimidade entre pais e filhos.

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Na família antiga o sentimento entre o casal, entre os pais e os

filhos, não era necessário, se existisse, tanto melhor.

As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas fora

da família (com vizinhos, amigos, amos e criados, crianças e velhos, homens e

mulheres). As famílias conjugais se diluíam nesse meio.

No século XV, as crianças não tinham nenhuma importância e

viviam ausente da cena familiar.

A transmissão dos valores e dos conhecimentos ou seja, a

socialização da criança, não eram asseguradas nem controladas pela família.

A criança era logo afastada de seus pais e a educação era garantida

pela aprendizagem e convívio com os adultos.

Na Idade Média, não existia o sentimento de família e sim outra

forma de relação de parentesco que é a linhagem, entendendo-se por linhagem

os laços de sangue, não havia intimidade, havia solidariedade a todos os

descendentes de um mesmo ancestral.

Por causa da preocupação com a indivisão dos lares, vários casais

viviam numa mesma propriedade que eles haviam se recusado a dividir. A

indivisão quase sempre também foi estendida aos filhos que eram impedidos

de obter qualquer adiantamento sobre sua herança, fazendo com que eles se

agregassem a casa paterna sob a autoridade do ancestral.

A indivisão muitas vezes se mantinha após a morte dos pais.

Na linhagem não se levava em conta os valores nascidos na

coabitação e intimidade, ao contrário, o sentimento de família está ligado à

casa, ao governo da casa, e à vida na casa.

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A sociabilidade era muito valorizada no século XVII, onde as visitas,

conversas, encontros e trocas eram essenciais para elevar a posição social e

manter as relações sociais com o conjunto do grupo, formando uma rede de

relações.

“A arte de fazer sucesso era a arte de ser agradável e amável em

sociedade”.

Os tratados de cortesia, as regras de oral e as artes de amar

serviam para iniciar o rapaz e/ou a dama na vida em sociedade, uma vida em

que tudo se passava através dos contatos humanos e das conversações.

Dada a grande importância em saber se comportar em sociedade

surgiram os manuais de civilidade, é um tratado muito necessário para treinar a

juventude em todas as maneiras e modos de agir louváveis, ou seja, para

ensinar as boas maneiras, como deveria portar-se à mesa, como se vestir,

como pentear-se isto mostra a importância que se atribuía a assuntos que hoje

se tornaram triviais.

Atualmente as pessoas estão submetidas a todos os tipos de

autoridades públicas e controles policiais, o Estado tomou o lugar de ditador de

boas maneiras no treinamento do indivíduo desde a escola te o tráfego das

ruas e o serviço militar.

A partir do século XIV iniciou o desenvolvimento da família moderna,

havendo uma degradação progressista e lenta da situação no lar.

O homem manteve e até mesmo aumentou a autoridade que nos

séculos XI e XII lhe havia sido dado pela necessidade de manter a integridade

do patrimônio indivisivo.

A mulher casada torna-se incapaz e todos os seus atos tinham que

ser autorizados pelo marido ou pela justiça.

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Com o enfraquecimento dos laços de linhagem a autoridade do

marido dentro de casa tornam-se maior e a mulher e os filhos se submetiam a

ela mais estritamente.

A partir daí se deu início a uma mudança nos hábitos e nas

condições sociais.

No século XV e XVI surgiu e desenvolveu-se o sentimento de

família, sendo reconhecida como um valor e exaltada com todas as forças da

emoção.

A família assumiu um novo lugar, ocorrendo mudanças na atitude

em relação à criança que passou a desenvolver-se num novo clima afetivo e

moral graças a uma intimidade maior entre pais e filhos.

A partir do século XVIII, a desigualdade entre os filhos de uma

mesma família seria considerada uma injustiça intolerável. O modelo nuclear

de família se consolidou a partir desse século.

A volta da criança ao lar foi um grande acontecimento e o fato

responsável pelo nascimento de sentimentos novos de afetividade, onde a

criança torna-se um elemento indispensável da vida cotidiana e os adultos

passaram a se preocupar com sua educação, carreira e futuro.

A família do século XVII diferenciava-se da família moderna, onde a

primeira mantinha como uma de suas principais características a sociabilidade,

existindo nas grandes casas, ela era um centro de relações sociais, a capital de

uma pequena sociedade complexa e hierarquizada, comandada pelo chefe de

família. O sentimento de casa não existia.

A família moderna ao contrário, se separa do mundo e se opõe a

sociedade, trata-se do grupo solitário dos pais e filhos. Muda de sentido, deixa

de ser apenas uma unidade econômica e torna-se um lugar de refúgio, de

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afetividade, onde se estabelecem relações de sentimentos entre o casal e os

filhos. Portanto, torna-se um lugar (bom ou mau) de atenção à infância.

Desenvolvendo novas funções absorve o indivíduo, recolhendo-o e

defendendo-o.

Por outro lado, enquanto grupo, a família separa-se mais

nitidamente do espaço público. O pai de família torna-se uma figura oral que

inspira respeito a toda a sociedade.

2.1. O DISCURSO HIGIENISTA E OS NOVOS PAPÉIS DE

HOMENS E MULHERES NA FAMÍLIA

A fim de uma melhor compreensão as modificações dos papéis

familiares e de sua evolução não deixaria de analisar a questão da higiene.

Acontece no século XIX marcando a hegemonia do médico sobre a vida da

família brasileira, estabelecendo uma nova fase no desenvolvimento dos

indivíduos.

Segundo Costa1, em seus estudos, os médicos foram os grande

aliados da família real no processo de modernização, pelo qual passou o Rio

de Janeiro da época levando o poder para o Estado deslocando-o do senhor

das terras. Reforçando a tutela do Estado, os médicos contribuíram para a

diminuição do poder do pater famílias e, portanto, abriram para a mulher novas

possibilidades.

A higiene conseguiu impor à família uma educação física, moral,

intelectual e sexual, inspirada nos ensinamentos sanitários da época. Enquanto

alterava o perfil sanitário da família, modificou também sua feição social,

contribuindo junto com outras instâncias sociais, para transformá-la na

instituição conjugal e nuclear características dos nossos tempos.

1 Livro Tecendo por trás dos panos. P. 89.

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A família nuclear e conjugal, higienicamente tratada e regulada,

tornou-se sinônimo histórico da família burguesa.

A vida privada dos indivíduos foi ligada ao destino político de uma

determinada classe social, a burguesia, de duas maneiras historicamente

novas. Por outro lado, o corpo, o sexo e os sentimentos conjugais, parentais e

filiais passaram a ser usados como instrumentos de dominação política e sinais

de diferenciação social daquela classe. Por outro lado, a ética que ordena o

convívio social burguês modelou o convívio familiar, reproduzindo no interior

das casas, os conflitos e antagonismos de classes existentes na sociedade. As

relações intrafamiliares se tornaram uma reprodução das relações entre

classes sociais. Abriram para a mulher novas possibilidades de exercer o

controle sobre os homens onde sua habilidade feminina de bem receber,

dependia do sucesso de um salão, de um jantar, ou de uma recepção.

Aos médicos se deve a criação de uma nova forma de submissão

das mulheres: a submissão por amor ao marido, aos filhos e ao lar. A eles se

deve a regulação dos novos papéis sociais do homem e da mulher.

Baseados na ciência da época que atribuía uma “natureza” distinta à

mulher, mais frágil, delicada e afetiva, incapaz de qualquer atividade intelectual,

passaram a defender sua não participação na vida pública e a determiná-la em

sua relação com a família e a maternidade. A educação aos filhos, a partir de

então passou de ser uma obrigação e se transformou num ato espontâneo de

amar, chamando-o de “instinto materno”. Afinal, sendo o amor materno natural,

instintivo, toda mulher que não se sentia imbuída deste espírito altruísta de

amar e dedicação aos filhos passou a si sentir envergonhada e/ou culpada se

acaso não correspondesse a este modo, buscando de todas as maneiras se

enquadrar no modelo que a sociedade lhe havia traçado.

O amor aos filhos era extensivo também ao pai. Este deixava de ser

simplesmente o provedor econômico da família, aquele que na qualidade de

dono, controlava com rédeas curtas sua mulher e sua prole, para se

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transformar no pai, no chefe de família, naquele que devia zelar pela felicidade

e bem estar de sua esposa e filhos.

Diante desta nova função de pai, o homem deveria encontrar sua

mais alta realização humana.

Finalmente o amor entre pais e filhos, sonhado pela higiene

concretizou-se.

A influência dos higienistas na vida da família se fizeram perceber

em várias outras instâncias, mas procuramos nos prender mais as

transformações dos papéis e sentimentos que é o que nos interessa para a

análise do nosso trabalho.

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CAPÍTULO III

A FAMÍLIA DO PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL

E O PROVIMENTO DE CUIDADOS

Diferentemente das doenças de base anatomofisiológicas,

identificáveis clínica e laboratorialmente, o transtorno mental tem origem

multifatorial (biológica, social, psíquica e cultural) e é identificado sobretudo

pelos seus sintomas, com freqüência o comportamento desviante,

transgressor, que viola as normas socialmente aceitas. Uma outra

particularidade do transtorno mental decorre do fato de que o “paciente”,

mesmo sofrendo psiquicamente, quase nunca se reconhece como um portador

de transtorno mental, como um “doente”, e por isso nem sempre aceita o

tratamento. A condição de enfermo, quase sempre, lhe é imposta.

A identificação do transtorno mental ocorre geralmente através da

família ou grupos próximos do portador desse sintoma, pela observação de

ruptura com o comportamento convencional do indivíduo. O transtorno mental

tende a sobrecarregar a família emocionalmente, pois o convívio com uma

pessoa que não se considera enferma costuma gerar tensões. Quando se

esgotam os argumentos para convencer o portador dessa enfermidade, de sua

realidade e necessidade de tratamento, muitas vezes a família tem que recorrer

a expedientes persuasivos e até mesmo repressivos para ser ouvida.

Obviamente, essas estratégias são acompanhadas por sentimentos de culpa e

raiva associados a atitudes de superproteção para com o enfermo. Cria-se uma

zona tensionante permeada por sentimentos ambivalentes. O transtorno mental

também traz para a família a vivência com o estigma, já que é associado à

imprevisibilidade de ações e à conduta perigosa. Em decorrência disso, seu

portador padece de uma discriminação social que é extensível à sua família.

Contraditoriamente, a família, por partilhar os mesmos códigos culturais da

sociedade, tem também uma atitude reativa e segregadora em relação ao

portador de transtorno mental. Apresenta sentimentos de proteção simultâneos

com sentimentos de rejeição, cuja ambigüidade constitui fonte de angústia.

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Todas as questões que circunscrevem essa patologia manifestam-se nas

exigências específicas por cuidados que a enfermidade provoca em virtude de

dependência total ou parcial que desencadeia.

É importante ressaltar que o transtorno mental implica uma

sobrecarga emocional e temporal por exigir da família de seu portador maior

dedicação, tendo em vista que, nas crises, ele precisa ser cuidado e vigiado em

função do risco de auto-agressão, como também de heteroagressão. Tais

cuidados têm caráter de emergência na família; configuram-se situações

conflitantes entre os produtores de renda/provedores e dependentes de

cuidados. Suscitam também os códigos envoltos nos laços de afiliação e

parentesco, pois a família é

“uma unidade de relações sociais, de vivências sócio-

afetivas que se estrutura em torno a um sistema de

códigos e categorias que estabelecem uma rede de

reciprocidade, de trocas de direitos e deveres entre seus

membros” (Fausto Neto, 1982: 21).

Vale lembrar, ainda, que os vínculos de parentesco circunstanciados

pelos códigos mútuos de direitos e deveres aguçam sentimentos de culpa em

situações de descaso ou descuido em relação ao portador de transtorno

mental, ao mesmo tempo em que impulsionam os familiares a uma maior

atenção e preocupação. A negatividade de atitudes frente ao portador de

transtorno mental, porém, revela o dilema das condições objetivas, materiais e

subjetivas impostas à família do paciente.

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3.1. A DINÂMICA E O PERCURSO DA RELAÇÃO ENTRE A

FAMÍLIA, OS SERVIÇOS PSIQUIÁTRICOS E O PORTADOR

DE TRANSTORNO MENTAL

Geralmente, as famílias chegam aos serviços psiquiátricos

angustiadas, estressadas, com aguçado sentimento de culpa, sem

compreender o transtorno mental e sem saber como lidar cotidiana e

praticamente com as questões que este coloca, e com seus recursos materiais

e psicossociais saturados e/ou esgotados.

Os serviços tradicionais do manicômio são estruturados com base

no internamento em tempo integral e na abordagem predominantemente

maciça, medicamentosa e centrada na figura do médico, delimitando sua ação

sobre a família de forma pontual, particularmente no ato da internação, quando

lhe é solicitado prestar informações sobre as características do portador de

transtorno mental e da evolução de seu quadro clínico. A família é encarada

como uma unidade separada do enfermo e por isso é excluída da intervenção

terapêutica.

Como toda forma de abordagem implica uma organização e

interpelação de saberes, competências e mandatos sociais, e suas práticas

correspondentes, a família tende a responder a essa ação deliberada da

psiquiatria tradicional considerando as instituições de natureza manicomial o

destino social e de cura por excelência do portador de transtorno mental.

A persistência do quadro clínico e a ineficácia da intervenção

tendem a cronificar o portador de transtorno mental, que se torna passível de

entrar no circuito do revolving door, ou seja, circula de um hospital para outro,

com ou sem intercalamento no convívio doméstico. O distanciamento

prolongado, a falta de convívio direto entre o portador de transtorno mental e

sua família, a desinformação e o despreparo moldam condutas e cristalizam

posições. A família perde o pouco traquejo que tinha com o portador de

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transtorno mental e as condições emocionais para o convívio. O portador de

transtorno mental, por sua vez, perde paulatinamente, com as freqüentes

reinternações, seu espaço no âmbito doméstico. Perda que se revela na

ausência de cama ou de rede a ele destinada; falta de lugar para guardar seus

pertences de uso pessoal e cotidiano. Perda real, objetiva, que se reproduz

simbolicamente na ruptura das condições relacionais para o convívio. O

portador de transtorno mental, ao mesmo tempo em que é um integrante do

grupo familiar, tende, com as reinternações seguidas, a tornar-se um estranho,

um outro, em função da própria vida manicomial, que o mortifica e o

empobrece em termos relacionais. O portador de transtorno mental adapta-se

forçosamente à vida institucional e se torna dependente de seus muros,

fenômeno expresso no hospitalismo – situação de reinternações ou de

manutenção no ambiente hospitalar sem recomendação clínica, em que “há o

desejo consciente e inconsciente do paciente de ser cuidado pela instituição”

(Galizzi, 1994).

Os novos serviços (centros de atenção psicossocial, lares abrigados,

pensões protegidas, hospital-dia, hospital-noite etc.), construídos no cerne do

movimento da reforma psiquiátrica brasileira, calcados na internação parcial, no

trabalho em equipe e na abordagem grupal, procuram resgatar a complexidade

do transtorno mental, buscam construir novas formas de relação entre a

sociedade e a loucura e, com isso, contribuem para a construção de novas

práticas e novas representações sobre a loucura. Visam incluir a família em

sua abordagem, executando um trabalho educativo de esclarecimento, de

capacitação, dividindo com ela o ônus dos cuidados, à medida que os Centros

de Atenção Psicossocial o portador de transtorno mental passa o dia todo.

Observa-se que a atenção diferenciada dos novos serviços modifica

a relação da família com os serviços e sua representação dos mesmos. Esse

fato foi identificado na Itália por Giannicheda (1989), que indicou a distinção

entre os serviços destinados à terapia e à cura, voltados principalmente para a

reabilitação e a ressocialização, e os serviços alusivos a fornecer cuidados

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relacionados à população com quadros clínicos mais graves e destinados às

pessoas mais pobres e mais estigmatizadas, de baixa eficácia.

No Brasil, o estudo de Pereira (1997), na Colônia Juliano Moreira,

apontou que os familiares entendem que,

“se existem duas modalidades de atendimento

concomitantes, é porque essas formas vêm responder as

necessidades diferentes, ou seja, o hospital psiquiátrico

funciona par atender os casos mais graves, e os

hospitais-dia, e outras modalidades de atenção diária

pretendem atender uma clientela de casos mais amenos”

(Pereira, 1997: 108).

A família compreende, assim, que a coexistência de serviços

diversificados conformam uma divisão social do trabalho que separa os

usuários “de risco”, portanto, passíveis de convivência no mesmo espaço social

dos “normais”, em função de suas crises serem eventuais, dos usuários que

exigem uma atenção contínua, prolongada, considerados como loucos

propriamente ditos. Esse fato explicita também o dilema do processo de

reforma psiquiátrica de construir novas oportunidades de ação com essa

“clientela de risco” ou “clientela de atenção contínua” (Vasconcelos, 1992)

cujos vínculos com a família encontram-se desgastados e necessitando de

reconstrução, pois a rejeição e o abandono tendem a crescer nesse grupo

proporcionalmente ao aumento do número de reinternações (Sgambati, 1983).

À medida que a família é incluída na abordagem do serviço, passa

gradualmente a compreender melhor a natureza do transtorno e aprende a lidar

com sua “sintomatologia” – o comportamento desviante – e torna-se mais

sensível para aceitar o “paciente” em casa, visto que “quanto maior for a crença

de poder controlar este comportamento, maior será a intenção comportamental

de permanecer com o doente mental em casa” (Crispim, 1992).

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O que se pretende mostrar, portanto, são as alterações que a

abordagem do serviço pode desencadear nas atitudes dos familiares. Há uma

pedagogia institucional que interfere e de certa forma modifica a relação da

família com o portador de transtorno mental. Evidencia-se, desse modo, que,

se a família abandona o portador de transtorno mental é porque também foi

abandonada pelos serviços assistenciais e, conseqüentemente, pelo Estado.

3.2. A EXPERIÊNCIA DO CAPS DE SÃO PAULO: ABORDAGEM

INSPIRADA PELO MODELO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

E/OU DESINSTITUCIONALIZAÇÃO

Um exemplo de coerência com a perspectiva da

desinstitucionalização psiquiátrica na busca de interação da família no

tratamento e da criação de uma rede de solidariedade, que viabilize àquela

possibilidade de lidar de forma mais saudável com o transtorno mental, é

apontado por Melman, quando este descreve a experiência do Centro de

Atenção Psicossocial Professor Luís Rocha Cerqueira de São Paulo, que, além

de pioneiro como projeto piloto de CAPS no país, apresenta um trabalho

bastante avançado na abordagem da família.

A elaboração de grupos de discussão e informação, de grupos

psicoterapêuticos voltados para a família e os pacientes e do atendimento

familiar foi um dos passos na direção de uma maior interação do serviço com a

instituição familiar.

Foi com o advento da greve dos profissionais de saúde do estado de

São Paulo, durante o governo de Orestes Quércia, em 1990, que os familiares

dos usuários do CAPS empreenderam um início de participação efetiva no

serviço e uma relação de suporte mútuo.

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Ao apoiar a greve, os familiares organizaram-se para que houvesse

espaços e programações que envolvessem os usuários e familiares, em locais

públicos e até em casa de algumas famílias, e durante esse período não

houveram recaídas dos usuários em tratamento.

Fundou-se, então, a Associação Franco Basaglia, que tornou-se um

importante dispositivo de integração dos familiares e de responsividade às suas

demandas. Tal associação voltou-se para a busca (através de reuniões e da

elaboração de estratégias) de estimular a participação mais efetiva dos

familiares.

Formou-se então o Núcleo Familiar (Melman, 1998: 103), na

entidade, que se responsabilizou pela organização de reuniões mensais, em

que os participantes conversavam, trocavam experiências, ouviam palestras,

assistiam a vídeos, planejavam atividades etc. Com o tempo percebeu-se a

necessidade de que houvesse estratégias mais efetivas para envolver os

familiares, e em março de 1993, aconteceu a primeira reunião do Grupo de

Familiares no CAPS (idem). O Grupo de Familiares se dividiu em dois

trabalhos: a Reunião de Projetos e o Grupo Terapêutico.

A experiência do Grupo de Familiares possibilitou aos profissionais

do CAPS e também aos participantes do trabalho perceber a importância do

espaço de troca de experiências como um primeiro passo para a intervenção

em questões ligadas ao estresse familiar ao lidar com a loucura, ao preconceito

e ao desconhecimento em torno do assunto, que provocam isolamento social,

aos sentimentos de frustração e impotência etc.

Num primeiro momento, houve por parte dos profissionais a

preocupação em conhecer os familiares, suas características (cultura, visão de

mundo, inserção na sociedade, concepções sobre a loucura etc.) e suas

demandas. Para tal valorizou-se a experiência de vida que cada um trazia ao

relatar suas vivências. O acolhimento e o ambiente voltado para a

receptividade influenciaram de forma bastante positiva nesse processo.

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A troca de experiências entre os familiares foi o que Melman

denominou de uma “valiosa ferramenta para ampliar a capacidade de lidar com

os problemas” (1998: 122), visto que a identificação com outros que passam ou

passaram por situações semelhantes diminui ou elimina a sensação de

isolamento e abandono existente entre muitos familiares. Nesse sentido, o

respeito pela singularidade de cada um (valorizando as particularidades de

cada experiência) foi um passo fundamental, como também a ênfase nas

relações interpessoais na família (em vez de se enfatizar os processos

psicopatológicos).

A valorização das potencialidades de cada sujeito também foi ponto

importante do trabalho do grupo, a partir da perspectiva de valorização da

subjetividade de cada um. As pessoas passariam a se identificar não somente

como um familiar, na medida em que teriam a “chance de descobrir novas

facetas e novos papéis no movimento de busca e afirmação de sua

singularidade”.

A realização de ações e projetos foi um progresso no trabalho do

Grupo Familiar, e a saída para fora do grupo foi um passo importante no

processo de subjetivação e desenvolvimento de potencialidades pessoais

citado anteriormente. Entre os projetos realizados pelos familiares e

profissionais da instituição situam-se:

§ a programação de viagens de fim de semana;

§ a criação de um clube (Clube do Basaglia), projeto em que se

pudesse organizar atividades voltadas par ao lazer e a troca de experiências,

em que fossem envolvidos usuários, familiares e a sociedade como um todo (o

projeto que seria organizado por serviços de saúde mental e ONGs deveria

abranger artistas, designers, artesãos, esportistas, intelectuais, empresários

etc.);

§ a realização de festas;

§ a montagem de oficinas culturais, com o apoio da Secretaria

de Cultura de São Paulo, que constituíram conquistas importantes como a

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criação de um programa de rádio e a abertura de um espaço na TV

comunitária;

§ a realização de cursos para familiares, que oferecessem

informações e conhecimentos sobre a saúde mental;

§ a formação da rede de ONGs: a Associação Franco Basaglia

começou a ser solicitada por organizações prestadoras de serviços de saúde

mental para a realização de palestras, prestação de informações etc. Com o

passar do tempo, o crescimento de organizações voltadas para a área de

saúde mental proporcionou o surgimento da idéia de incentivar as várias

organizações, que mesmo mantendo a sua autonomia, teriam ideais comuns

relativas à saúde mental.

A importância dessa experiência está no caráter exemplas de tais

atividades para os profissionais (refiro-me não só a assistentes sociais, mas

também a psiquiatras, psicólogos, terapeutas familiares, entre outros), que

tencionam tornar realidade os ideais de uma reforma psiquiátrica ampla que

conte com a participação de profissionais, usuários, familiares e todos os

seguimentos da sociedade. Vale também ressaltar a reapropriação dos

conhecimentos de terapia familiar para outros dispositivos, superando as

limitações do setting terapêutico convencional.

A ampliação dessas abordagens para outras instituições similares ao

CAPS Luís Rocha Cerqueira também é de suma importância, visto que

privilegiam o apoio aos familiares, inclusive no que concerne aos desafios

sociais, culturais e econômicos oriundos do trabalho com portadores de

transtorno mental.

A família passa a ser mais que um receptor de intervenções por

parte dos profissionais, torna-se um agente ativo no próprio processo de apoio

psicossocial, no desenvolvimento de projetos e no planejamento e avaliação

dos próprios serviços, vindo a interferir, inclusive, na própria política de

assistência psiquiátrica.

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CAPÍTULO IV

ENTREVISTA

Entrevista com Márcia Maria de Souza Santos Guimarães,

assistente social e terapeuta familiar do CAPSI, CARIM, IPUB, UFRJ.

1) Como fica emocionalmente a família do usuário em relação à sua

desinstitucionalização?

Os familiares ficam totalmente desestabilizados, esse sentimento é

muito forte no início. Com a seqüência do trabalho, esse processo vai se

equilibrando e eles acabam fazendo uma parceria com os profissionais, no que

resulta em um bom resultado de terapia e socialização.

2) O usuário aceita bem o encaminhamento ao CAPS, Hospital/Dia?

E a sua família?

O usuário aceita muito bem e a sua família sente-se acolhida e

amparada pela instituição.

3) Quantas unidades existem no Rio de Janeiro? Quais as oficinas

mais procuradas pelo usuário?

Existem no Rio de Janeiro 5 unidades e as mais procuradas são:

pintura, marcenaria, jardinagem, informática, trabalhos manuais, teatro, dança,

poesia, sexualidade.

4) Como é o relacionamento entre os pacientes, os familiares, com

os profissionais das CAPS, Hospital/Dia?

De uma forma geral é boa, mas os conflitos acontecem e são

discutidos.

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5) Qual a finalidade do encaminhamento do usuário para o CAPS,

Hospital/Dia?

A necessidade de acabar com o isolamento e a tentativa de maior

socialização, diminuindo a sobrecarga familiar.

6) Qual a diferença entre CAPS e Hospital/Dia?

O CAPS é o centro de atenção psicossocial, normalmente a porta é

aberta para a rua e o Hospital/Dia funciona dentro de um hospital.

7) O usuário que apresenta uma agressividade muito acentuada, ou

recaídas, como é tratado?

É atendido a nível ambulatorial, com medicação adequada e com o

apoio necessário. A internação é o último recurso a ser usado.

8) Como é a rotina de um usuário do CAPS?

É atendido na segunda, terça e sexta-feira. Às 09hs, café com o

usuário e seus familiares. Às 10hs, vão para as oficinas. Às 12hs, almoço. Às

13hs, retornam às oficinas. Às 1430hs, lanche. Às 16hs, regresso para casa.

Eles participam de palestras, passeios, teatros e formam grupos.

9) Quais são os profissionais que compõem a equipe para

atendimento ao usuário e seus familiares?

Serviços social, psicólogo, enfermeiro, terapeuta ocupacional,

fonoaudiólogo, psicopedagogo, psiquiatra.

10) Você, como profissional dessa equipe, como visualiza o amanhã

desse usuário, juntamente com seus familiares?

Se o usuário valorizar o tratamento dando seqüência e participação,

o prognóstico é bom.

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CONCLUSÃO

É de grande interesse apresentar ao leitor uma visão ao mesmo

tempo panorâmica e específica desde o nascimento da psiquiatria até as

propostas de reformulação e críticas ao modelo psiquiátrico.

O objetivo é delinear os marcos fundamentais tanto do modelo

psiquiátrico clássico quanto das principais correntes de reformas psiquiátricas,

a fim de procurar estabelecer as relações históricas e metodológicas entre

estas e o movimento da reforma psiquiátrica no Brasil.

O exercício de reconstituição do percurso da reforma psiquiátrica

apresenta-se conectado tanto a possibilidade de revisão dos principais

referenciais teóricos que influenciam ou possibilitam a emergência desse

movimento quanto a reatualização de um olhar histórico crítico sobre os

paradigmas fundantes do saber psiquiátrico.

A psiquiatria clássica veio desenvolvendo uma crise tanto teórica

quanto prática, detonada principalmente pelo fato de ocorrer uma radical

mudança no seu objeto que deixa de ser o tratamento da doença mental para

ser a promoção da saúde mental e daí surgem as novas experiências, as

novas psiquiatrias.

A questão central desse período encontra-se referida, ainda, a

crença de que o manicômio é uma instituição de cura e que torna-se urgente

resgatar este caráter positivo da instituição através de uma reforma interna na

organização psiquiátrica.

Esta crítica envolve um longo percurso gerando-se no interior do

hospício até atingir a sua periferia, inicia-se com os movimentos das

comunidades terapêuticas psicoterapia institucional e atingindo o seu extremo

com a instalação das terapias de família.

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A importância dada pela psiquiatria tradicional a terapêutica das

enfermidades dá lugar a um projeto mais amplo e ambicioso que é o de

promover a saúde mental, não apenas em um ou outro indivíduo, mas na

comunidade em geral, incluindo principalmente as famílias desses portadores

de transtorno mental dando-lhes o suporte necessário para uma convivência

saudável.

Vista dessa forma a terapêutica deixa de ser individual para ser

coletiva, deixa de ser assistencial para ser preventiva, durante a pesquisa tanto

bibliográfica quanto exploratória concluímos que de uma forma ou de outra a

psiquiatria passa a construir um novo projeto, um projeto eminentemente social

que tem conseqüências políticas e ideológicas muito significativas para o nosso

país.

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BIBLIOGRAFIA AMARANTE, P. Loucos pela Vida. Rio de Janeiro: Panorama ENSP, 1995.

COSTA, J. F. Ordem Médica e Norma Familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1983.

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COELHO, Ronaldo Simões. Primeira unidade psiquiátrica em hospital geral no

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SARACENO, Benedito. Libertando identidade da reabilitação psicossocial

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MELMAN, Jonas. Repensando o cuidado em relação aos familiares de

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 02 AGRADECIMENTOS 03 DEDICATÓRIA 04 RESUMO 05 INTRODUÇÃO 07

CAPÍTULO I

A Reforma Psiquiátrica no Brasil 09 1.1. O percurso do movimento da Reforma Psiquiátrica 11 1.2. Antecedentes teóricos da Reforma 11 1.3. Comunidade Terapêutica e Psicoterapia Institucional: a Pedagogia da Sociabilidade 13 1.4. A Reforma Psiquiátrica no Brasil 16 1.4.1. Periodização da Reforma Psiquiátrica brasileira 17 1.5. O Estado e as políticas de saúde mental e assistência psiquiátrica 19 1.5.1. Associações de usuários e familiares 20 1.6. A trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil 21 1.7. A co-gestão 23 1.8. O plano do CONASP 23 1.9. Encontros de coordenadores da Região Sudeste e as conferências de saúde mental 23 1.10. A trajetória da desinstitucionalização 25 CAPÍTULO II Breve histórico da família 27 2.1. O discurso higienista e os novos papéis de homens e mulheres

na família 33 CAPÍTULO III A família do portador de transtorno mental e o provimento de cuidados 36 3.1. A dinâmica e o percurso da relação entre a família, os serviços psiquiátricos e o portador de transtorno mental 38 3.2. A experiência do CAPS de São Paulo: abordagem inspirada pelo

modelo de atenção psicossocial e/ou desinstitucionalização 41 CAPÍTULO IV Entrevista 45 CONCLUSÃO 47 BIBLIOGRAFIA 49 ANEXOS 51

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ANEXOS