96
Universidade Católica de Brasília Virtual PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA Especialização ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE, VIOLÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS NO RIO DE JANEIRO: CONSTRUINDO PAUTAS PARA OS DIREITOS HUMANOS. Autor: Fábio do Nascimento Simas BRASÍLIA 2009

Universidade Católica de Brasília Virtual · A Deus e Minha extensa e intensa família, pela vida, suporte, carinho, atenção, sorrisos, ... me dá orgulho de bater no peito que

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade Católica de

Brasília Virtual

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA

Especialização

ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE, VIOLÊNCIA E

TRÁFICO DE DROGAS NO RIO DE JANEIRO:

CONSTRUINDO PAUTAS PARA OS DIREITOS HUMANOS.

Autor: Fábio do Nascimento Simas

BRASÍLIA 2009

Universidade Católica de

Brasília PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS E A COLABORES DA JUSTIÇA

Especialização ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE,

VIOLÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS NO RIO DE JANEIRO:

CONSTRUINDO PAUTAS PARA OS DIREITOS HUMANOS.

Autor: Fábio do Nascimento Simas

Orientador: Erich Meier

BRASÍLIA 2009

FÁBIO DO NASCIMENTO SIMAS

Adolescentes Ameaçados de Morte, Violência e Tráfico de drogas no Rio de Janeiro:

Construindo pautas para os direitos humanos.

Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos: Proteção e Assistência a Vítimas e a Colabores da Justiça, da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direitos Humanos. Orientador: Erich Meier

Brasília 2009

À Nilza, Jair, Alessandra e Júlia: por tudo que para mim representam. Essenciais na minha existência.

AGRADECIMENTOS

A Deus e Minha extensa e intensa família, pela vida, suporte, carinho, atenção, sorrisos, solidariedade e pelo exemplo de superação, garra e união - que nunca perde essa mania. Desde a grande Vó Maria a todas aos tios, tias, primos, cunhado e vizinhos. Aos meus amigos Afonso, Eric, Didi, Marotte, Carla, Jr.A2 & Fabrícia, Polly, Helt, Alex, Will, V1, André, Amado que estiveram mais perto de mim nesses últimos meses e anos dividindo preocupações, afetos e aquela boemia desenfreada regada à política, futebol (de tantos sorrisos e prantos), samba, festas e cotidiano regadas a cervejas bem geladas dos bares da vida. Fazendo-nos brabos demais e acreditar visceralmente que é preciso viver e viver não é brincadeira não. Aos meus outros tantos amigos do peito de todas as partes do Brasil e do mundo que mesmo às vezes mais ou menos raros habitam cotidianamente meu pensamento e meu coração. Que me dá orgulho de bater no peito que tenho um milhão de amigos. Às colegas de Especialização e de Projeto Legal Ana Carla e Flávia Garcia que pelo companheirismo, apoio e compromisso com a trajetória dessa formação, compartilhando conhecimentos e dificuldades. Ao Marcelo, Mônica, Eduardo e todos os outros colegas de PPCAAM e PROVITA que realizaram esse curso. Aos todos os colegas e ex-colegas da Organização de Direitos Humanos Projeto Legal pelo companheirismo, qualidade técnica, sensibilidade política, proveitosos debates e afinidades onde aprendi e aprendo muitas coisas alimentando a vontade de construir um mundo mais justo que com coragem enfrentam essa gente careta e covarde. Aos colegas Alexandre, Aline, Graziela, Carlos e Flávias (Pereira & Garcia) que me ajudaram com seus textos e trabalhos na construção dessa monografia. À Secretaria Especial dos Direitos Humanos, através da Coordenadora Márcia Soares e sua equipe pela ética, aprendizado, empenho na Política de Proteção e na oportunidade de realização desse curso. À Universidade Católica de Brasília pela troca de conhecimento e infra-estrutura para a conclusão de mais essa etapa. A todas as mães, pais e familiares que perderam seus filhos e entes queridos e as inúmeras crianças, adolescentes e jovens que não chegaram à vida adulta por essa política genocida que tanto tem dizimado milhares de vidas. A todos e todas que mantém forte a luta e a esperança pela construção de uma sociedade em que impere a cidadania e a democracia, dedicando se preciso suas próprias vidas em prol da transformação social. Que prezam em lutar quando é fácil ceder.

6

Desses vinte anos nenhum foi feito pra mim e agora você quer que eu fique assim igual a você. É mesmo como vou crescer se nada cresce por aqui? Quem vai tomar contar dos doentes? E quando tem chacina de adolescente, como é que você se sente? Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel Sempre mais do mesmo. Não era isso que você queria ouvir. (...) Eu realmente não sabia que eu pensava assim E agora você quer um retrato do país Mas queimaram o filme Enquanto isso na enfermaria todos os doentes estão cantando sucessos populares. Todos os índios foram mortos. (Renato Russo. Mais do Mesmo, 1987.)

RESUMO

SIMAS, Fábio do Nascimento. Adolescentes Ameaçados de Morte, Violência e Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro: construindo pautas para os Direitos Humanos. 2009. Monografia (Especialização em Direitos Humanos). Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.

O presente trabalho busca fazer uma análise de crianças e adolescentes inseridos

no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no

estado do Rio de Janeiro (PPCAAM) cuja situação de risco de morte se deu através

de ameaça do tráfico de drogas, através de coletas documentais e bibliográficas.

Pretende-se identificar o fenômeno do tráfico de drogas entendido como um

componente expressivo da violência urbana que tem contribuído de forma

significativa para os altos índices de extermínio desses sujeitos entendidos em

condições peculiares de desenvolvimento.

Além disso, através de uma análise que privilegie a ótica de defesa dos direitos

humanos, busca-se romper com algumas construções sociais que tem contribuído

para o processo de violação de direitos de crianças e adolescentes e propor

estratégias de intervenção nessa realidade.

Palavras-chave: Crianças e Adolescentes, Direitos Humanos, Violência, Tráfico de

Drogas.

ABSTRACT

SIMAS, Fábio do Nascimento. Adolescentes Ameaçados de Morte, Violência e Tráfico de Drogas no Rio de Janeiro: Construindo pautas para os Direitos Humanos. 2009. Monografia (Especialização em Direitos Humanos). Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.

The present work intends to make an analysis of the children and adolescents that

are protected for PPCAAM – Program of Protection to Children and Adolescents

threatened of death– in the Rio de Janeiro state, when the situation of death risk was

given through for drug traffic. The research was made through collection of

documents and bibliographies.

It is intended to identify the drug traffic phenomenon as a expression of the urban

violence that has contributed to significant form for the high numbers of this youth

killed, citizens understood as a special condition of development.

Also, through an analysis that privileges the optics that defenses the human rights,

one search is to breach with social constructions that have contributed for the

process of breaking the children and adolescents rights and suggest strategies of

intervention in this reality.

Keywords. Children and Adolescentes, Human Rights, Violence, Drug Traffic.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 13

1- CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL: ASSISTENCIALISMO, REPRESSÃO E CIDADANIA...............................................................................................19 1.1- DA COLÔNIA AO CÓDIGO DE 27................................................................................19 1.2- DO ESTADO NOVO AO GOLPE DE 64........................................................................25 1.3- DO MODELO FUNABEM À DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL...................29 1.4- DA PROTEÇÃO INTEGRAL ÀS INCERTEZAS DO SÉCULO XXI...........................33 2- VIOLÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS NO RIO DE JANEIRO..............................39 2.1- VIOLÊNCIA E SOCIEDADE AUTORITÁRIA..............................................................39 2.2- DOS "CAPOEIRAS" À LEI DE SEGURANÇA NACIONAL........................................45 2.3- DO TRÁFICO COMO EXPRESSÃO DA VIOLÊNCIA À SUA FRAGMENTAÇÃO..50 2.4- DA JUVENILIZAÇÃO À POLÍTICA DE EXTERMÍNIO............................................. 55 3-O PROGRAMA DE PROTEÇÃO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE: OBJETIVOS E CONTEXTUALIZAÇÃO.....................................................................................................60 3.1- A PROTEÇÃO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE...................................................................................................................................60 3.2- O PPCAAM NO RIO DE JANEIRO...............................................................................63 4- TRÁFICO DE DROGAS E ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE..........66 4.1- METODOLOGIA E COLETA DE DADOS....................................................................66 4.2- ADOLESCENTES AMEAÇADOS E SUAS RELAÇÕES COM O TRÁFICO DE DROGAS NO RIO DE JANEIRO...........................................................................................69 4.3- PRINCIPAIS AMEAÇAS DO TRÁFICO DE DROGAS E SUA INSERÇÃO NA VIOLÊNCIA URBANA HOJE................................................................................................78 4.4- CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................84 5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................89

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

DNCr Departamento Nacional da Criança

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente.

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

FCBIA Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência

FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor

FUNABEM Fundação Nacional do Bem- Estar do Menor

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IHA Índice de homicídios na Adolescência

IPEA Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

LBA Legião Brasileira de Assistência

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MNMMR Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua

OFRJ Observatório de Favelas do Rio de Janeiro

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PPCAAM Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte

PROVITA Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas

SAM Serviço Nacional de Assistência aos Menores

SEDH Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SPDCA Secretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente

UNICEF Fundo das Nações Unidas para Infância

12

13

INTRODUÇÃO

Estou preso à vida e olho meu companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles considero a enorme realidade O presente é tão grande não nos afastemos Não nos afastemos muito Vamos de mãos de dadas (...) O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. (Carlos Drumonnd, Mãos Dadas, 1940)

A crise no padrão de acumulação capitalista deflagrada em meados da

década de 70 do século passado fez com que a classe dominante burguesa

delineasse um novo padrão político/econômico/cultural, tendo como proposta

fundamental a reorganização da sociedade a partir da lógica do mercado em

detrimento ao modelo de Estado de Bem-Estar Social, com conseqüente redução do

papel do Estado. Tal modelo se baseia nos princípios da privatização, da cidadania

subordinada à condição de consumidor e da flexibilização dos direitos sociais,

inclusive dos direitos humanos.

Some-se a este contexto o elevado padrão do desenvolvimento tecnológico e

a financeirização do padrão de acumulação, passando para o capital financeiro

como categoria extremamente dominante. Esse processo perverso cuja grande

parte dos Estados Nacionais reproduziram tal lógica ocasionou no fechamento de

milhões de postos de trabalho, multiplicação da miséria/indigência e exponencial

aumento da desigualdade social. De acordo com relatório da Organização das

Nações Unidas, 2% dos adultos que habitam o planeta detém 50% da riqueza

enquanto os 50% adultos mais pobres detém 1% dela. Nos países considerados

periféricos, ou de terceiro-mundo, como o Brasil, esse processo se deu de forma

mais emblemática visto que nestes países nunca fora consolidado um modelo

eficiente de proteção social. Surge então, nessa lógica adotada, uma categoria de

indivíduos supérfluos ao modelo adotado pelo sistema, passíveis de serem

eliminados. (MOTA 2008)

14

Neste cenário se multiplica o número de extermínio de jovens e pobres,

especialmente aqueles pertencentes às periferias urbanas das grandes metrópoles.

É o recrudescimento do fenômeno da violência urbana, que de acordo com Misse

(2006: xi):

A violência urbana diz respeito a uma multiplicidade de eventos (que nem sempre apontam para o significado mais forte da expressão violência) que parecem vinculados ao modo de vida das grandes metrópoles na modernidade tardia.

Na perspectiva da violência urbana nas periferias e favelas das grandes

metrópoles, especialmente aquelas de países subdesenvolvidos como o Brasil, um

fator ganha destaque: o ingresso massivo de jovens no comércio ilegal de

entorpecentes, um mercado mundial que gera bilhões de dólares.

Trazendo esta questão para o contexto do Rio de Janeiro, talvez o estado que

mais tenha criado o imaginário do traficante de drogas, geralmente o varejista,

especialmente pela exposição midiática que se faz do local e das altas cifras dos

índices de letalidade, pretende-se analisar essa questão a partir da minha

experiência no PPCAAM - Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes

Ameaçados de Morte no estado fluminense executado pela Organização de Direitos

Humanos Projeto Legal, Centro de Defesa de direitos de crianças e adolescentes

desde 1993.

Cabe destacar que a questão do tráfico de drogas como movimento

expressivo da violência urbana no Rio de Janeiro surgiu na década de 80,

especialmente a partir do barateamento da cocaína, aumentando consideravelmente

a oferta em substituição à maconha, mantendo lucros exorbitantes, tomando a partir

de então centralidade da atenção pública. Este movimento do tráfico se constituiu

nos presídios através da articulação entre os assaltantes de banco e os presos

políticos sob a égide da Lei de Segurança Nacional no contexto do último decênio da

ditadura militar no Brasil. O movimento denominado “falange vermelha”1 foi o

embrião desse processo em que presos assaltantes e presos comuns passaram a

1 Ressalta-se e será demonstrado ao longo do trabalho que esse movimento apresenta características bem diferentes do que se apresenta o tráfico de drogas na contemporaneidade.

15

se utilizar argumentos políticos e econômicos para neutralizar suas práticas criminais

e justificar sua forma de organização, visto que no ano de seu surgimento, em

meados de 79, esses sujeitos não foram beneficiados pela anistia política.(Misse

2006)

Em meados da década de 80 e 90, ocorre o processo de fragmentação e

multiplicação dos pontos de venda de varejo de drogas e se consolida o ingresso

massivo de jovens nessas atividades, inclusive com uma espécie de organização

hierarquizada no processo de trabalho nesse ramo. Na passagem para esse século,

se verifica a intensidade do ingresso cada vez mais precoce de jovens e o aumento

considerável da letalidade das ações, seja através de disputas entre facções por

ponto de venda e nas ações das policias militar e civil. (Ibid. , WAISELFISZ 2006)

Vale ressaltar que tráfico de drogas é uma atividade extremamente articulada,

envolvendo setores políticos e econômicos internacionais, e um canal de passagem

de variadas outras atividades ilícitas. Entretanto, o setor que aparece como grande

preocupante para o Estado e estabelecimento da “ordem pública” é o varejista, que

concentra a maioria de seus pontos de vendas em periferias e favelas dos grandes

centros urbanos e o setor mais baixo da hierarquia deste mercado.

Talvez a categoria que representa no imaginário social o que há de mais

“perigoso” na sociedade: o traficante do varejo. Sujeitos estes pertencentes às

classes subalternas com baixo acesso aos direitos sociais constitucionalmente

garantidos em sua maioria sendo os alvos mais estigmatizados e marginalizados

desta sociedade.

A resposta do Estado a essas configurações tem sido a repressão através de

suas forças policiais e uma tendência à ampliação das populações carcerárias,

caracterizando-se na ampliação do Estado Penal em detrimento do Estado Social, o

que se constitui um paradoxo, alimentando a lógica da insegurança. (WAQUANT

2001)

O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte-

PPCAAM, gerido pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, entendendo o

16

mesmo inserido na política da infância e adolescência, surgiu como uma resposta

aos altíssimo índice de assassinato de jovens, um dos maiores do mundo e o Rio de

Janeiro se configura em um Estado de índice mais elevado. Para se ter uma idéia

deste fenômeno, entre 87 e 2001 na guerra entre judeus e palestinos foram

registrados 467 assassinatos enquanto no Rio de Janeiro no mesmo período o

número é de 3937 vítimas e o estado registrou o índice de 102,8 óbitos por

homicídio em cada 100 mil jovens sendo a maior média nacional (WASELFISZ

2006).

De acordo com a média no atendimento desde sua implementação, pode-se

afirmar que seis em cada dez casos acompanhados pelo PPCAAM do Rio de

Janeiro, a ameaça de morte que ensejou o ingresso no programa é oriunda do

tráfico de drogas e o contexto dos outras seis unidades de federação (Minas Gerais,

Espírito Santo, São Paulo, Distrito Federal, Pernambuco e Pará) executoras do

programa não parece ser díspare desta realidade.

Deste modo, pretende-se discorrer acerca do envolvimento de jovens com o

tráfico no setor varejista do Rio de Janeiro tendo como ponto de análise os

adolescentes atendidos pelo Programa de Proteção, pairando através de alguns

caminhos a serem percorridos:

• os principais motivos de ameaça de morte contra jovens perpetradas

pelo tráfico de drogas;

• perfil dos jovens atendidos pelo programa cuja ameaça se deu pelo

tráfico de drogas;

• a Trajetória das políticas para infância e adolescência que tanto

consolidaram as práticas de violência;

• a realidade do tráfico de drogas no setor varejista no Rio de Janeiro no

final da primeira década do século XXI.

Nesta temática, parte-se de um processo de levantamentos bibliográfico e

documental em uma perspectiva metodológica cuja abordagem considera a

historicidade das concepções e dos processos sociais, visualizando o ser-humano

nas suas condições subjetivas e objetivas, as condições socioeconômicas de

produção de fenômenos e as contradições sociais nelas inseridas.

17

Entende-se neste contexto, a adolescência/juventude como uma fase

contraditória de construção e absorção de valores e referenciais em uma sociedade

inserida em um contexto de cidadania atrelada à condição de consumidor. Na

análise da inserção de jovens no mercado ilícito do narcotráfico, parte-se do

pressuposto de que estão submetidos a uma das piores formas de exploração de

trabalho infantil de acordo com a Organização Internacional do Trabalho.

Deste modo, no processo de construção deste trabalho, destina-se ao

Capítulo 1 o recorte histórico de violação de direitos de crianças, adolescentes e

jovens ao longo do processo de formação social brasileira profundamente marcada

por contradições. Merecem destaque assim, as legislações e políticas para infância

cuja gênese paira no binômio assistencialismo X repressão até o alcance de sujeitos

de direitos a esse público após séculos de aprisionamento, mesmo que o cenário

atual apresente incertezas quanto à efetivação dessas garantias em antagônicas

correlações de forças.

O Capítulo 2 se destina, a partir de referenciais teóricos, a fazer um resgate

no fenômeno do comércio de drogas varejistas ilícitas no Rio de Janeiro desde sua

substituição ao jogo do bicho/ assaltos a bancos em meados da década de 70 como

principal complicador no estabelecimento da ordem pública, passando a fase de

fragmentação do “movimento” e o crescente envolvimento de jovens nessa

atividade, bem como o alto índice de letalidade na contemporaneidade. Pretende-se

discutir as formas de enfrentamento encontradas pela Segurança Pública seja pelo

viés da repressão e corrupção e o crescente envolvimento de sujeitos em condições

peculiares nessas atividades.

No Capítulo 3, se fará a apresentação do PPCAAM- Programa de Proteção a

Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte, serviço elaborado para atender a

demanda do Sistema de Garantias de Direitos da Crianças em situações de ameaça

de morte desse público.

Finalmente, o último capítulo, buscará de forma crítica e breve, analisar a

questão do tráfico de drogas e ameaça de morte de adolescentes, tendo como base

18

os adolescentes atendidos de julho de 2007 a junho de 2009 cuja ameaça se deu

através de sua inserção no tráfico de drogas, e estabelecer proposições de

intervenção a esse cenário cuja violação de direitos humanos é um componente

marcante do cotidiano.

19

1 CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL:

ASSISTENCIALISMO, REPRESSÃO E CIDADANIA.

E se definitivamente a sociedade Só te tem desprezo e horror E mesmo nas galeras é nocivo És um estorvo, um tumor. A lei fecha o livro, te pregam na cruz. Depois chamam os urubus (Chico Buarque. Hino de Duran, 1979)

Para se compreender a trajetória na questão dos direitos de crianças e

adolescentes no nosso país, torna-se necessário abarcar os contextos históricos,

políticos e culturais de cada época, analisando as correlações de forças presentes e

seus impactos na sociedade, e particularmente na situação dos sujeitos em

formação. De acordo com Faleiros (2004, p.1)- “o espaço público se constrói e

desconstrói socialmente pela disputa de poder, de legitimidade, de controle político,

de valores éticos e religiosos, de dominação simbólica e de interesses econômicos”.

Embora se reconheça que crianças e adolescentes vivem e sofrem violações

de direitos em todas as camadas sociais, parte-se de uma opção política e

metodológica ao analisar de forma mais intensa as crianças e adolescentes oriundos

de famílias da classe trabalhadora, aquelas que em seu conjunto possuem mais

obstáculos para obtenção de exercer e garantir seus direitos humanos em uma

sociedade formada por contradições de classes antagônicas.

1.1- Da Colônia ao Código de 27

Até os últimos séculos do segundo milênio, a sociedade, de uma forma

geral, considerava a criança apenas como um pequeno adulto. Na obra antológica

de Ariès, Philipe (81) denominada “História da Criança e da Família”, se faz uma

análise da infância através de arte, em que essa época da vida não era

reconhecida. As crianças esculpidas nas artes plásticas apresentavam as mesmas

20

características físicas dos adultos, mas em tamanho reduzido. No século XV, por

exemplo, o anjo-adolescente animaria a pintura religiosa, caminhando para uma

identificação de iconografia leiga.

No contexto nacional, o Brasil foi colônia de Portugal por quase quatro

séculos, na modalidade de exploração, isto é, as riquezas produzidas nessas terras

eram direcionadas a atender o máximo dos interesses da coroa lusitana exercendo

uma dominação política e econômica, tal fato marca profundamente as raízes

culturais de nossa sociedade, com forte expressão cultural até os dias de hoje.

A estrutura econômica vigente no período colonial se baseava na exportação

de produtos agrícolas, ouro, madeira e açúcar, através do uso da mão-de-obra

escrava indígena e posteriormente africana. A dominação da metrópole européia se

dava através da repressão militarizada do Estado conjugado pela legitimação

religiosa que a Igreja Católica propunha. Neste sentido, o cuidado com as crianças

indígenas era realizado através dos padres jesuítas que, desconsiderando suas

tradições religiosas e culturais, as batizavas sob a égide cristã da época e as

educavas com o escopo de introduzi-las ao trabalho escravo.

Sob o aspecto econômico no contexto do tráfico negreiro, as crianças eram

menos rentáveis do que o adulto escravo, este com um ano de trabalho custeava o

preço de seu custo para os donos de propriedades. Assim, aliada a outros fatores,

ocorria uma grande mortalidade de crianças e elas se separavam de suas mães

biológicas, que por sua vez serviam aos interesses das mulheres brancas, das

classes mais abastadas, na função de amas-de-leite.

Segundo Nunes (2007, p.77-8), as crianças escravas viviam com suas mães

até os cinco ou seis anos, quando passavam a ser objeto de uso e abuso das

crianças brancas, seja como um brinquedo, “sacos de pancadas” ou animais de

estimação das sinhais. Exerciam também afazeres domésticos até completarem 12

anos quando eram incorporadas ao trabalho nos engenhos. Cabe destacar que de

acordo com a época, a criança escrava quando completava uma dúzia de anos de

vida, era considerada adulta possuindo assim valor de mercadoria na dinâmica

escravocrata.

21

A questão do pouco ou nenhum acesso à Política de Saúde e falta de atenção

das autoridades políticas ao tema, restringido unicamente à atuação da Igreja

Católica levou a um elevadíssimo número de abandono e morte precoce destes

sujeitos. A situação foi adquirindo contornos políticos, se configurando em uma

problemática pública, chegando a levar o Vice-Rei em 1726 a exercer duas medidas:

coletas de esmolas na comunidade para socorro às crianças e sua internação sob a

égide de se proteger a honra privada em um prisma católico/ assistencialista.

(Priore, 2006)

Tendo em vista este cenário, no mesmo ano foi criada a “Roda dos Expostos”,

vinculada à Santa Casa de Misericórdia, um verdadeiro “depósito” humano que se

estabelecia no recolhimento de crianças em situação de abandono ou de rua a partir

de um pressuposto conservador de “salvar a honra das famílias”. A construção se

baseava em uma roda onde a criança abandonada era jogada, separada por um

muro onde não se tinha contato visual entre as partes internas e externas. Segundo

estatísticas da época, cerca de 90% das crianças inseridas na Roda vinham a

falecer seja por falta de estruturas para acolhimento da própria Santa Casa seja por

total desinteresse da Corte dominante. Ressalta-se que a última Roda dos Expostos

utilizada em nosso país foi extinta na década de cinqüenta do século XX.

Após a independência do Brasil em 1822, marcada profundamente pela

decadência da Coroa Portuguesa e a emergência mundial da ascensão da

burguesia industrial, a questão de políticas para Infância e Adolescência se funda

em questão de ordem pública, se mantendo na perspectiva de controle e repressão

do Estado frente à situação de abandono e pobreza da população. Nas décadas

seguintes, se assiste a um período de mudanças na relação desta apresentando

mudanças significativas na legislação no qual podem se destacar: o fim do tráfico

negreiro decretado em 1831 (embora só efetivado em 1850), a Lei do Ventre Livre

sancionada em 1871.

Esta lei (nº 2040 de 27 de maio de 1871) dispunha que seriam livres os filhos

das mães escravas que deveriam ficar em poder dos proprietários de suas mães até

a idade de oito anos. Após essa idade, a classe proprietária poderia escolher entre

22

utilizar a criança para atividades domésticas até a mesma completar 21 anos de

idade ou entregá-las ao Estado recebendo indenização e caso a escrava fosse

liberada, a mesma tinha direito sobre seu filho desde que fosse menor de 08 anos.

Sobre as crianças abandonadas, o art. 2º diz que:

O governo poderá entregar a associações por ele autorizadas os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder destes em virtude do Art. 1o, §6o.2

Na prática, a criança filha de escravos só passou a exercer de fato o seu

direito à convivência familiar com sua família de origem após a promulgação da

abolição da escravatura em 1888. Tal decisão, ao menos no âmbito formal,

representou uma importante modificação no padrão de produção no país e

representou um fato político fundamental de incorporação do negro como sujeito

ativo da sociedade brasileira. No entanto, tendo em vista que o Estado não se

comprometeu a acolher esta população seja pelo acesso ao mercado de trabalho ou

mesmo na garantia de seus direitos fundamentais, a população ex-escrava se

defrontou com enormes dificuldades para manter sua própria subsistência, restando-

lhe, de certo modo, a margem subalterna do país cuja desigualdade perdura até os

dias de hoje em que se questiona a afetiva democratização do país.

Ainda no contexto da Lei do Ventre Livre, aqueles escravos que serviram aos

senhores até a idade de 14 e 15 anos e tivessem aprendido algum ofício nesta

convivência, deveriam exercer suas habilidades profissionais aos senhores brancos

por pelo menos dez anos como forma de gratidão a eles e aqueles que se

recusavam a tal serviço, eram considerados indolentes, rebeldes e, por conseguinte

perigosos. É neste cenário que segundo Coimbra apud Nunes (2007) que se

começa a consolidar a associação entre pobreza e criminalidade, isto é, a

construção do mito das classes perigosas sob o parâmetro da absorção do

movimento higienista no Brasil.

2 §6o: Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no §1o, se, por sentença do juízo criminal, reconhecer-se que os senhores das mães os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.

23

Este movimento que propunha a análise da sociedade a partir de um viés da

medicina, considera a absorção de hábitos higiênicos como recurso principal de

desenvolvimento, pairando sob uma perspectiva moralizadora, individualista e

controladora das classes populares, estigmatizando os sujeitos pela sua condição de

pobreza, desconsiderando todas as contradições históricas inerentes à sociedade.

No período ganhava força às idéias do criminologista italiano Cesare Lombroso,

relacionando certas características físicas à possibilidade de cometimento de delitos.

Ressalte-se que Embora tais idéias tiveram seu êxito no final do século XIX e

início do Século XX, observa-se no cenário atual, o que alguns intelectuais

denominam de pós-modernidade, um movimento de retomada desses paradigmas

pelas forças conservadoras dominantes, atravessando seu discurso ideológico. Uma

das características prementes neste discurso é, segundo Chauí (2003, p.21):

Realizar a lógica do poder fazendo com que as divisões e as diferenças apareçam como simples diversidade das condições de vida de cada um e a multiplicidades das instituições (...) apareça como um conjunto de esferas identificadas umas as outras, harmoniosa e funcionalmente entrelaçada condição para um poder unitário se exerça sobre a totalidade do social (...) o discurso do poder já precisa ser um discurso ideológico, na medida em que este se caracteriza, justamente, pelo ocultamento da divisão, da diferença e da contradição.

O arcabouço ideológico higienista predominou o início do século XX,

difundindo muitas de suas idéias na primeira legislação específica sobre crianças e

adolescentes no Brasil: O Código de Menores de 1927. Porém, cabe registrar,

algumas medidas que precederam o código como a criação da Escola Correcional

15 de Novembro para atender os adolescentes envolvidos em atos considerados

ilícitos em 1903. Vinte anos depois, se autorizou a criação do Primeiro Juizado de

Menores e no ano seguinte o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores e o

Abrigo de Menores.

O Código de Menores de 1927 (Decreto n° 17.943-A, de 12 de outubro de

1927), redigido por Mello Mattos estabelecia ao mesmo tempo a questão dos

cuidados com a higiene de crianças e a vigilância pública sobre a infância, galgando

24

ao Juiz de Menores a suspensão do Pátrio Poder e ações destinadas aos

abandonados, “delinqüentes” ou possível candidato a sê-lo.

Em relação aos delitos cometidos, a legislação determinava que os menores

de quatorze anos não seriam submetidos ao processo penal e entre 16 e 18, o

“menor” seria encaminhado à prisão de adultos em lugares separados destes e um

caráter de responsabilização dos pais de adolescentes em “situação irregular”.

Destaca-se que embora apresente o caráter do sujeito em formação como

objeto do direito e represente perspectivas conservadoras em sua gênese, o Código

Mello Mattos representou a primeira preocupação legal no que se refere a uma

legislação específica para infância. Tanto é que muitos setores da burguesia

nacional da época demonstraram contrariedade ao Código especialmente no que

concerne à regularização do trabalho autorizando-o a partir dos 12 anos se

estivesse freqüentando o ensino primário, senão aos catorze anos.

No cenário Internacional, merece destaque nesse período, a criação do

Comitê de Proteção da Infância em 1919 através da Sociedade das Nações,

também conhecida como Liga das Nações, de certo modo, um embrião da ONU -

Organização das Nações Unidas, instituição criada em 45 pelos países “vencedores”

da Segunda Guerra Mundial com o escopo de organizar a Paz em âmbito mundial.

O Comitê diz que os Estados Nacionais não sejam os únicos soberanos no que diz

respeito aos direitos da criança.

O legado do referido Comitê diz respeito que foi a partir dele que em 1924 foi

adotada a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança. Esta declaração é

considerada a primeira normativa internacional no que diz respeito à defesa dos

direitos da criança, embora, não tivesse o impacto mundial necessário ao

reconhecimento da proteção de tais direitos, muito em parte relacionados ao

momento histórico por que passava, além do próprio enfraquecimento da Liga das

Nações, extinta em 42 às vésperas da Segunda Guerra Mundial.

25

1.2- Do Estado Novo ao Golpe de 64

Após um contexto de crise do padrão de acumulação do capital, deflagrada

mundialmente com a queda da bolsa de Nova Iorque em 1929, a economia e a

política brasileira passaram por um período de transição especialmente com a crise

do café3, principal produto de exportação do mercado brasileiro, ocasionando uma

mudança na correlação de forças no bojo das classes dominantes no país.

Em 1930, com o enfraquecimento político e econômico das oligarquias

cafeeiras, e apoiado por outros setores da burguesia, bem como de setores militares

médios e base sociais populares, Getúlio Vargas chega ao poder, dando um novo

(re) significado à formação sócio-histórica brasileira, embora não se considere um

processo revolucionário como muitos denominam este período. Assim, de acordo

com Behring & Boschetti (2006, p.105):

O movimento de 1930 não foi a Revolução Burguesa no Brasil, com o incremento da indústria como interpretam muitos intelectuais e historiadores, mas foi sem dúvida um momento de inflexão no longo processo de constituição de relações sociais tipicamente capitalistas no Brasil. Vargas esteve à frente de uma ampla coalizão de forças em que impulsionou profundas mudanças no Estado e na sociedade brasileira.

Ressalta-se que em anos anteriores à mudança política de 30, o país vivia

momentos de tensão e redefinições na questão social brasileira, na qual pode se

destacar a efervescência do movimento operário, o surgimento do Partido

Comunista Brasileiro em 1922 e as crescentes reivindicações de setores burgueses

contra a hegemonia política do setor cafeeiro.

Em 1934, é promulgada uma nova Constituição, no qual se mantém um

cunho higienista e moralizador no tocante ao atendimento à juventude brasileira.

Assim, ficou estabelecido no art.138 que:

Incumbe à União, Estados e Municípios, assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar; estimular a educação eugênica; amparar a maternidade e a infância; socorrer as famílias de prole numerosa; proteger a juventude contra toda exploração,

3 Para se ter uma idéia, que em meados da década de 20, a produção do café para exportação era responsável pro cerca de 70% do Produto Interno Bruto brasileiro.

26

bem como o abandono físico, moral e intelectual; adotar medidas legislativas e administrativas tendentes e restringir a mortalidade, as morbidades infantis e de higiene social que impeçam a propagação das doenças transmissíveis; cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais. (grifos meus)

Os primeiros anos do Governo Vargas foram marcados por disputas de

hegemonia de diversos grupos sociais e um processo de modernização

conservadora com a industrialização do país. Todavia, a radicalização de setores do

movimento tenentista com o crescimento do movimento fascista brasileiro, alterou o

contexto do “pacto” da conjunção de diversos atores sociais no poder estabelecido.

Assim, neste contexto, é instaurado um golpe de Estado em 1937, perdurando

quase uma década.

A forma de dominação e manutenção do poder nesta ditadura condensava

elementos políticos, ideológicos como o populismo, mandonismo e paternalismo,

através de concessão e privilégios, combinados com assistencialismo e repressão.

Nesse período, foram criadas diversas instituições, proporcionando o processo de

implementação da política social no país. Assim, destacam-se as criações do

Ministério do Trabalho em 1930 e dois anos depois a Carteira de Trabalho, símbolo

da cidadania brasileira4 a partir daquele período, cujo mecanismo ideológico

conservador perdura a atualidade.

Cabe destacar nesse período, a criação do Ministério da Educação e Saúde

Pública em 30, a promulgação da Consolidação das Leis Trabalhistas em 43 e a

Legião Brasileira de Assistência em 42. Esta instituição, implementada para atender

às famílias dos praças que serviam na 2ª Guerra Mundial, de caráter filantrópico,

assistencialista, dirigida pela Primeira Dama Darcy Vargas, constituindo, o que

muitos autores denominam de processo de primeiro-damismo das políticas de

assistência social no país, perdurando até os dias pós - Sistema Único de

Assistência Social. O cunho Católico ainda permanecia como predominante nas

políticas de atenção á infância nesse período.

4 O autor Wanderlei Guilherme dos Santos denomina o fenômeno de “cidadania regulada”, isto é, a condição de cidadão para as classes populares está atribuída a posse da Carteira de Trabalho.

27

Em 1941, foi criado o SAM - Sistema Nacional de Assistência aos Menores,

vinculado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores sob o escopo de extirpar a

ameaça de meninos perigosos e suspeitos, cuja ação repressiva se tornava um

componente do cotidiano destas instituições. O Departamento Nacional da Criança

também surgiu nesse período, cuja fonte de preocupação eram as mulheres que

cuidavam de crianças consideradas “causadoras” de doenças pela falta de

condições higiênicas, foram criadas creches nesse período.

Ressalta-se nesse período, a ampliação das condições e direitos sociais da

classe trabalhadora sob um viés conservador e repressivo em um contexto de

supressão de direitos civis e políticos, o que muitos autores denominam de inversão

da ordem dos direitos, considerando a cronologia de Marshall e as gerações de

direitos humanos dos países desenvolvidos, sobretudo na Europa Ocidental. Tais

aspectos, de certo modo, contribuem para o processo de atrofia da cidadania nesse

país subdesenvolvido e reflete a dinâmica de autoritarismo, favor e tutela com que

se opera a política e direitos sociais do país, em particular de crianças e

adolescentes oriundos da classe trabalhadora.

O período correspondente entre 46 a 64 foi marcado pelo retorno à

democracia política após a cessação da Ditadura Varguista. Vargas voltaria ao

poder através da via eleitoral e sua “era” foi encerrada em 1954 com seu suicídio.

Nos anos seguintes, a política econômica nacional adquiriu importantes contornos

com o grande crescimento do parque industrial brasileiro sob uma perspectiva

desenvolvimentista com ênfase na abertura de mercados ao capital internacional,

culminando nesse período com a expansão das empresas multinacionais nesse

país.

No âmbito internacional, merece destaque a promulgação da Convenção

Internacional dos Direitos Humanos em 1948 pela ONU - Organização das Nações

Unidas (criada três anos antes), o que se constitui até os dias atuais na principal

normativa mundial sobre esses direitos essenciais. Nessa declaração se incluem os

direitos e liberdades de crianças e adolescentes. Em 1946, foi criada a UNICEF -

Fundo das Nações Unidas para Infância, destinada a assistência emergencial de

milhões de crianças do planeta, muitas das quais vítimas conseqüentes dos

28

estragos causados pela 2a Guerra Mundial, se desdobrando em 1959 na

Declaração dos Direitos da Criança contendo dez princípios relevantes de proteção

de direitos humanos de crianças e adolescentes, embora não se constituísse em

um documento para cumprimento obrigatório pelos países membros.

Esse período foi marcado internacionalmente pelo fenômeno da Guerra Fria

e dos anos de crescimento econômico, especialmente nos países da Europa

Ocidental, marcado pela ampliação do Estado interventor e ampliação dos direitos

sociais. De acordo com alguns analistas, foi a forma encontrada pelo capital para

sua própria reprodução, visto o avanço do modelo socialista em todo o globo. No

contexto brasileiro, os primeiros anos 60, embora se mantivesse o corporativismo

em diversos setores, se via uma intensa mobilização dos setores progressistas da

nossa sociedade com fortalecimento dos sindicatos e movimentos estudantis

interrompidos no golpe militar de 1964.

No tocante à área da infância, houve a continuidade do modelo SAM e DNCr

havendo um crescimento no financiamento a instituições privadas, proporcionando

um grande número de obras sociais. Ressalta-se o caráter corrupto nesses

convênios com muitas instituições falsificando o número de crianças atendidas para

maior obtenção de recursos. O modelo SAM, a cada ano ganhava mais críticas da

sociedade e da igreja pelo seu caráter de marginalização de crianças pobres.

Orientando para a formação profissional qualificada de jovens, foi implementado

neste contexto o SENAI e SENAC (Serviço Nacional de Aprendizado Industrial e

Comercial) cuja manutenção se dava pelo desconto na folha de pagamento dos

trabalhadores e a administração ficava por conta do empresariado. (FALEIROS,

2004)

Se conforme mencionado, os primeiros anos da década de 60, o país

apresentava fôlegos democráticos com a incorporação no aparato estatal de

setores comprometidos com os interesses da maioria da população embora se

deflagrava uma crise econômica, esse fenômeno foi interrompido em 1964 com o

golpe militar de abril, ora denominado por Netto (2001) de Contra-Revolução

Preventiva, financiado em sua maior parte pelo capital internacional, sobretudo

estadunidense, representando um dos momentos mais infelizes na nossa história:

29

um rompimento através da força e da repressão a toda caminhada democrática

existente até então.

O que o golpe derrotou foi uma alternativa econômico-social e política que era virtualmente a reversão do já mencionado fio condutor da formação social brasileira. O que os estrategistas de 1964 obtiveram foi a postergação de uma inflexão política que poderia- ainda que sem lesionar de imediato os fundamentos da propriedades e mercados capitalistas- romper com a heteronomia econômica do país e com a exclusão política da massa do povo. (Netto 2001, p.25)

Nesse cenário, que atingiu seu ápice nos idos de 1968, ocasião da

implementação do Ato Institucional Nº5, os direitos políticos e civis foram

suprimidos com exílio de várias lideranças políticas, sindicalistas, artistas,

escritores, além do uso incondicional da força: prendendo, torturando e

assassinando centenas de brasileiros, resgatando o que há de mais conservador,

autoritário e reacionário na história nacional. Estima-se cerca de quatro centenas de

vidas dizimadas por esse modelo sejam entre mortos oficiais e desaparecidos

políticos. (ALMEIDA 2004)

1.3- Do modelo FUNABEM à Doutrina da Proteção Integral

A égide militarista pós-64 representou um estágio de acumulação capitalista

que privilegiasse o trinômio-Estado, burguesia nacional e burguesia internacional,

sendo esta a maior beneficiária desse modelo. O poder político se dava de forma

centralizada com o absoluto controle do Congresso Nacional e dos governadores

sob a ideologia da Segurança Nacional. Em 64, o modelo do SAM fora substituído

pela FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor.

O modelo FUNABEM e nos estados denominadas as FEBEMs – Fundação

Estadual do Bem-Estar do Menor, fora criado vide as duras críticas do modelo

anterior sobretudo em relação a torturas, maus-tratos quando não mortes de

“menores” em suas unidades. Esse modelo se baseava em um conluio público/

privado realizando convênios com municípios e estados cuja fonte de financiamento

se baseava no sistema per-capita, o que favorecia o aumento do processo de

institucionalização. As FEBEMs atendiam os “menores” considerados perigosos ou

30

abandonados através de seus centros de internação, muito das vezes precedidos

pela passagem nos Centros de Triagem e Recepção, reproduzindo o processo de

criminalização da juventude pobre e negra daquela época.

Embora os modelos FUNABEM/FEBEMs em sua gênese buscava uma

ruptura com o antigo SAM o que se viu foi a continuidade do processo violador de

crianças e adolescentes. Acrescenta-se e se fundamenta nesse processo a

situação econômica política com que o país passava. Após o golpe de 64 e até

meados de 70, o parque industrial brasileiro se intensificou com um largo

crescimento da economia brasileira sob um viés repressor e voltado prioritariamente

para o capital estrangeiro em uma perspectiva de modernização conservadora.

O discurso da época dizia que o “o bolo” deveria crescer para depois ser

dividido, o que de fato nunca ocorreu e volta e meia esse discurso volta à tona pelos

setores conservadores com a desigualdade social se intensificando. Nesse

contexto, houve um deslocamento populacional para as grandes cidades,

representando um êxodo urbano com a população rural deixando de ser a maioria

da nação.

Em curto prazo, esse modelo econômico da ditadura militar não conseguiu se

estabelecer, deflagrando uma crise já nos idos dos anos 70 representando uma

dívida externa gigantesca e o agravamento da situação de trabalho com altas taxas

de desemprego e aprofundamento da situação de miséria para milhões de

trabalhadores.

Assim, as crianças e adolescentes da classe trabalhadora sofreram com o

processo de exclusão, não acesso à escola e necessidade de se inserir

precocemente no mercado de trabalho. O modelo FUNABEM além de não permitir

um novo projeto de vida com garantias de cidadania aos jovens, representou toda

uma perspectiva repressora, autoritária, centralizadora e conservadora do poder

vigente na época.

No âmbito internacional, pode-se destacar a crise econômica impulsionada

pela escassez do petróleo em meados dos anos 70 e no âmbito cultural e político, a

31

efervescência dos movimentos sociais especialmente aqueles destinados a defesa

ou a possibilidade de criar identidade de direitos dos grupos socialmente excluídos

como os negros, os homossexuais, o movimento feminista, os hippies. A questão da

imagem, do efêmero ganhava contornos jamais vistos até então, assim como a

liberdade sexual e apologia ao uso de drogas como a maconha e o LSD (ácido

lisérgico), por exemplo.

No final dos anos 70, a ditadura militar entra em crise política e econômica e

em 79 é promulgada a Lei da Anistia que devolvia ao país cidadãos contrários ao

sistema que se encontravam exilados no exterior e libertava gradativamente presos

políticos da época. Ressalta-se que o regime militar brasileiro juntou em suas

penitenciárias presos políticos, muito deles pertencentes a grupos revolucionários e

presos comuns. Foi nesse bojo, acrescido a outros fatores que serão explorados

nos próximos capítulos que surgiu o embrião do alto comércio varejista de drogas

no Rio de Janeiro.

No mesmo ano, é implementado o Código de Menores em substituição à

legislação de 27 para a área da infância e juventude do nosso país. Embora

decorridos mais de meio século, o código de 79 seguiu a mesma concepção, isto é,

permaneceu a perspectiva da Doutrina da Situação Irregular legislando para os

“menores” abandonados e delinqüentes, só sendo julgada nessa situação. De

acordo com sua gênese estar em situação de pobreza se caracterizava como um

defeito unicamente do indivíduo assim como as questões relacionadas à conduta

análoga à prática de crime, maus-tratos, etc. O Juiz de Direito era a figura central

pois além de julgar ele funcionava com um “vigia” do ir e vir de crianças e um viés

policialesco. (FALEIROS, 2001)

Com o advento da década de 80, assiste-se ao gradativo enfraquecimento da

ditadura militar e intensa mobilização dos setores progressistas da sociedade

brasileira, na qual merece destaque o movimento sindical, o movimento negro, de

mulheres, da luta pela terra, presos políticos e particularmente de crianças e

adolescentes. As preocupações de políticos, intelectuais, militantes e setores da

32

Igreja Católica5 com a situação de crianças e adolescentes, especialmente aqueles

inseridos nos modelos FUNABEM/FEBEM se intensificava, sobretudo pela tortura

da institucionalização a que passavam e as condições sociais das crianças filhas da

pobreza.

Assim, merece destaque o nascimento em 1985 do Movimento Nacional de

Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) considerado o primeiro movimento social de

expressão destinado à defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Por

conseguinte é fundado o Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(DCA) movimento mobilizador da Assembléia Constituinte em prol de uma

legislação que privilegiasse direitos humanos para esse público.

Nesse período, cessa o governo militar e o país passa pelo processo de

abertura político-democrática impulsionada pelo movimento de Diretas Já que

previa eleições diretas paras os cargos executivos e legislativos nas três esferas de

governabilidade, cessando com uma fase dolorosa da história recente do país.

Ressalta-se que a ditadura militar é representante de um resgate a uma das

piores fases da formação social brasileira, embora tenha terminado oficialmente em

meados da década de 80, algumas bases políticas e econômicas permanecem

hegemônicas até os dias atuais6. Em outras palavras, as práticas de tortura,

homicídio e desaparecimentos, embora não ligados diretamente à repressão política

ao antigo regime, compõe o cotidiano que viola direitos de milhares de jovens.

Então em 1988 é promulgada a Constituição Federal, considerada uma das

legislações mais avançadas no que se refere à construção de uma sociedade mais

justa e democrática. A legislação de estratégia sócio-democrata assegura direitos

5 Embora se tenha mencionado historicamente o caráter repressor , moralista e conservador com que se delineou a atuação da Igreja Católica com Crianças e Adolescentes, merece destaque aqueles movimentos que lutavam pela cidadania e defesa de direitos dessa população como as Comunidades Eclesiais de Base que teve um papel importante na época da ditadura contrária as práticas militares. Entretanto, tais setores nunca possuíram hegemonia no discurso oficial da instituição. (SALES, 2007) 6 Pode-se mencionar que forças políticas que apoiavam a ditadura militar permaneceram e permanecem ocupando cargos políticos importantes, sejam no Congresso Nacional e no Senado por exemplo, mesmo mais de 20 do fim da ditadura, assim como altos setores da burguesia nacional como o setor de tele-comunicações por exemplo. Recentemente, em uma propaganda política na televisão, o deputado estadual Flávio Bolsonaro do PP- Partido Progressista do Rio de Janeiro fazia enorme elogios a ditadura militar no país, inclusive defendendo o retorno do regime.

33

universais e instala no plano legal a tentativa de o Bem Estar-Social Welfare State

no Brasil. Interesse notar que ele surge, ao menos no plano legal, quase quatro

décadas após da Europa e numa época de crise deste modelo político no velho

continente acrescentada da crise político-econômica das repúblicas socialistas.

No tocante à área da infância e da juventude, o art.227 da Constituinte foi a

pedra fundamental da garantia formal dos direitos humanos de crianças e

adolescentes no Brasil. No ano seguinte, no cenário internacional, é estabelecida a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente pela

Organização das Nações Unidas, documento internacional fundamental de Proteção

às crianças e adolescentes do planeta, de caráter obrigatório de cumprimento aos

países que ratificaram o documento.7

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição Federal de 88)

No ano seguinte é promulgado o Estatuto da Criança e Adolescente,

inaugurando a Era de Direitos (Bobbio 1992) para esse público.

1.4- Da Proteção Integral às incertezas do Século XXI

O ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069, promulgado em

julho de 1990 representou o primeiro grito de liberdade em quase cinco séculos

aprisionados no que se refere aos direitos humanos para esse público no Brasil

pautando sua gênese em três esferas fundamentais: a proteção integral, prioridade

absoluta e pessoa em condição peculiar em desenvolvimento. O ECA é aprovado

numa época em que o Brasil experimenta os primeiros meses de um governo eleito

7 Tal documento, que dá a família um aspecto principal de proteção, foi ratificada por cerca de 192 países. Observa-se que os Estados Unidos da América foi um dos países que não assinou a Convenção.

34

pelo voto direto após quase três décadas, cujo pleito pela primeira vez na nossa

história republicana prevê o voto do adolescente.

Nesta legislação, podem-se destacar dois fatores normativos fundamentais

para ampliação da esfera democrática para este setor: o surgimento dos Conselhos

Tutelares, órgãos autônomos eleitos pela comunidade cujo objetivo é zelar pelo

cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes e os Conselhos de Direitos o

qual sob uma articulação Estado/ Sociedade formula, controla políticas e orçamento

público conjugando instâncias paritárias de controle e definição de políticas públicas.

No tocante a infância, tal documento busca romper com a lógica histórica de

institucionalização a que violaram tantas crianças e adolescente, valoriza a família

como lócus fundamental de desenvolvimento e especialmente dispõe sobre todas as

crianças e adolescentes brasileiras, não somente aquela que se encontrava em

situação irregular (abandono, ato infracional). Há também no marco legal a

supressão do termo “menor”8, pejorativo e estigmatizante representante das

doutrinas anteriores que não supunha crianças e adolescentes como sujeitos de

direitos.

Há nos anos seguintes a promulgação do Código de Defesa do Consumidor,

a Lei Orgânica da Saúde, a Lei de Diretrizes e bases da Educação e Lei Orgânica da

Assistência Social conformando para o Estado Brasileiro formulações para a

construção de uma sociedade mais justa e democrática.

No cenário mundial, todavia/ contraditoriamente a realidade brasileira assiste

à derrocada do Estado de Bem-Estar e a ascensão do modelo liberal impulsionado

pelos governos Reagan e Tatcher (EUA, Reino Unido) trazendo à tona a

necessidade de esvaziamento do Estado e o endeusamento do mercado,

reproduzindo valores como a privatização, o individualismo e a concorrência. Uns

dos baluartes deste processo se demonstra através da globalização da economia,

8 O termo menor, infelizmente, continua a ser bastante utilizado pela sociedade e meios de comunicação referindo-se especialmente à criança/adolescente das classes populares, especialmente nas situações de abandono, conduta análoga a crime ou só pelo fato de residir nas ruas, periferias e favelas. O que ao meu ver, transmite a renovação do conservadorismo já às vésperas da década de dez do século XXI.

35

com os desenvolvimentos tecnológicos do final do século e o amplo predomínio da

financeirização da economia em contraponto ao processo de mobilização política.

No Brasil, na última década do século passado, paradoxalmente a conquista

histórica de 88, se assiste ao processo de Contra-Reforma do Estado Brasileiro

(BEHRING 2006) a partir dos condicionantes externos referidos e sobremaneira pelo

modelo político adotado pelos governos no período. Isto é se a Carta de 88

referendava a participação popular e a garantia dos direitos sociais, a década

seguinte pregava a diminuição do Estado com a multiplicação das privatizações e a

sujeição da governabilidade às leis impostas pelo mercado financeiro, iniciada no

Governo Collor e se intensificando no Governo Fernando Henrique Cardoso.

Tais fatores representaram novas configurações nas expressões da questão

social brasileira com o alargamento do abismo social, aumento de desemprego e da

pauperização da população.

Sendo assim, ao mesmo tempo em que se observa a área da infância e da

Juventude transcender sua condição periférica na agenda da política pública e uma

cultura de direitos a partir da participação popular na esfera pública, cresce a

situação de miséria de milhares de famílias com crianças e adolescentes a mercê da

ótica da lucratividade e privatização, tendo o recrudescimento da violência urbana

como conseqüência, dentre outros fatores, desses fenômenos na vida desses seres

em desenvolvimento. É neste contexto que milhares de adolescentes e jovens se

inserem no trabalho ilícito do tráfico de drogas com maior ênfase.

O modelo FUNABEM é substituído em 1990 pela FCBIA - Fundação Centro

Brasileiro para a Infância e Adolescência e em 95 se transformado, já sob a égide

FHC, no DCA-Departamento da Criança e Adolescente vinculado ao Ministério da

Justiça, passando em 98 à Secretaria Nacional dos Direitos Humanos que no ano

seguinte recebe status de ministério.

Em 2003, já na gestão Lula, surge a SPDCA - Secretaria de Promoção dos

Direitos da Criança e do Adolescente vinculada a recém criada Secretaria Especial

dos Direitos Humanos na Presidência da República. Importante notar neste

36

processo a passagem da área da infância e da juventude outrora vinculada a

Assistência ou a Justiça à pasta referente aos Direitos Humanos. A realização das

Conferências Nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente que no ano

corrente chega à oitava edição é elemento deste progresso. Em 2000, ratificado pelo

Brasil em 2004, a ONU estabelece o Protocolo Facultativo para a Convenção dos

Direitos da Criança Relativo ao Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados.

Nesse cenário pós-ECA ocorre a multiplicação de Organizações não

Governamentais, na qual pode-se destacar os Centros de Defesa de Crianças e

Adolescentes, fruto do art.87 da legislação especial. Ressalta-se a importância da

sociedade civil na execução e debate sobre as políticas públicas como expressões

do processo democrático. Porém, esse fenômeno do crescimento exponencial do

Terceiro Setor deve ser analisado também sob a ótica da época, isto é, a

substituição e/ ou repasse de atribuições estatais, reproduzindo lógicas de

enfrentamento à questão social como a refilantropização e privatização, constitutivos

do modelo neoliberal vigente.

Na passagem para o século XXI, se assiste a pequenas mudanças nas

configurações de famílias com crianças e adolescentes, melhora em alguns

indicadores sociais de crianças e adolescentes. Assim, se destaca: decréscimo

contínuo nas taxas de mortalidade infantil, maior acesso à educação, melhora nas

condições de habitação e redução nas taxas de desnutrição (UNICEF 2003), embora

distante das estatísticas dos países desenvolvidos. Um destaque negativo desses

tempos é o aumento crescente do número de adolescentes cumprindo medidas

sócio-educativas de internação9 e do número de homicídios por arma de fogo desse

público apresentando uma das maiores taxas do planeta. (Waiselfisz 2006)

Ressalta-se que o aumento do número de adolescentes inseridos no Sistema

Sócio-Educativo e assassinados nesta época está intimamente ligado ao processo

de criminalização e estigmatização da juventude pobre brasileira em detrimento às

9 Embora, conforme mencionado o ECA tenha proporcionado direitos nunca antes vistos aos adolescentes autores de ato infracional provocando ruptura com os modelos FEBEMs e SAMs, não são raros as denúncias de maus-tratos, tortura e mortes de adolescentes nas unidades sob a roupagem da nova legislação, indicando que há um longo caminho a percorrer para efetiva proteção integral.

37

afirmativas conservadoras de que o ECA favorece a impunidade e estimula a prática

de atos ilícitos.

O PPCAAM - Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados

de Morte, fonte de análise deste trabalho, surge nesse contexto como uma espécie

de resposta governamental aos altos índices de homicídios de crianças,

adolescentes e jovens no ano de 2003.

Outro fator que merece destaque neste período e tem se acentuado nos idos

da contemporaneidade é o apelo dos meios de comunicação em massa em discutir

e espetacularizar a questão a infância e da juventude a partir de uma alguma

situação envolvendo violência, especialmente nos ambientes urbanos como os

meninos do tráfico, bem como as rebeliões nas casas de medidas de internação,

predominadas por visões sem historicidades em um modo de vida baseado na

expansão da lógica do consumo, do ter em detrimento do ser, da supervalorização

da construção midiática da imagem engendradas pelas forças hegemônicas. (Sales

2007)

A respostas e discursos governamentais a estas situações tem sido em sua

grande maioria pautadas na repressão e na filantropia. A reação de represália se

manifesta no contexto bélico mundial de enfrentamento a questão social vide a

expansão carcerária nos EUA (WACQUANT 2001) e a violência institucional nos

guetos das grandes metrópoles urbanas a determinados grupos sociais. Outro vetor

deste processo concomitante à diminuição do Estado é tratamento dispensado à

questão social como algo de benesse, retornando as primeiras décadas do séc.XX,

desconectando de uma perspectiva histórica e garantidora de direitos.

Atualmente, se assiste ao fenômeno da assistencialização das Políticas

Sociais com redução das questões de seguridade à questão da assistência social e

não complementares como dispõe a Constituição Federal.

Cabe destacar aí como pontuaram Sales (2007), Mota (2008), percebe-se no

Governo Lula um processo de continuidade deste modelo até mesmo porque um

movimento político tão expressivo mundialmente como o Neo-Liberal e tão presente

38

nos mais de dez anos de governos eleitos por votos diretos democráticos no país.

Por outro lado, há que se considerar no âmbito da administração federal a

incorporação política inédita de setores progressistas excluídos historicamente do

cenário político brasileiro, como a criação do Ministério das Mulheres, dos negros e

a política de enfrentamento à homofobia. Na área da infância e adolescência merece

destaque algumas regulamentações ao menos no âmbito normartivo: O Plano

Nacional de Enfrentamento à Exploração Sexual, o Plano Nacional de Promoção,

Proteção e Defesa do Direito à Convivência Familiar e Comunitária e o Sistema

Nacional de Atendimento Sócio-Educativo- SINASE.10

Em relação às políticas socais apesar de ações governamentais específicas,

especialmente na redução da fome e sensível melhora em alguns indicadores, tais

medidas tem sido insuficientes para reduzir a pobreza das famílias brasileiras e,

sobretudo diminuir consideravelmente o maior chaga da sociedade braseira: a sua

gigantesca desigualdade social. Sendo esta a principal propulsora que viola direitos

no nosso país, cenário que se produz e reproduz o fenômeno da violência em que

estão submetidos milhões de crianças e adolescentes, quiçá aqueles inseridos no

trabalho do tráfico de drogas.

10 Este documento regula medidas e procedimentos que garantam os direitos humanos de adolescentes autores de ato infracional inseridos no Sistema Sócio-Educativo

39

2 VIOLÊNCIA E TRÁFICO DE DROGAS NO RIO DE

JANEIRO

Por trás do muro da verdade Tem uma realidade que o mundo não quer ver Tem gente chorando e sofrendo Da vida se maldizendo Com vontade de morrer (..) Somos frutos de um regime que soma sem dividir E também não dão bola aos problemas Que existem por aí (G.Martins, Regina do Bezerra e Batatinha. Muro da Verdade, 2000)

2.1- Violência e Sociedade Autoritária.

No presente capítulo, espera-se traçar uma análise acerca da violência

urbana na sociedade contemporânea fazendo um recorte que privilegie a temática

central do presente trabalho, isto é, o fenômeno social do tráfico de drogas,

especialmente em seu ramo do varejo que tanto vitimiza crianças, adolescentes e

jovens em especial no Rio de Janeiro.

Observa-se que os traficantes de drogas das grandes periferias dos centros

urbanos, em particular o Rio de Janeiro, concentrado basicamente em favelas, tem

ganhado contornos de uma espécie de categoria social, quase sempre

fantasmagórica, representando pelo senso comum reproduzido pelo discurso

hegemônico como a face do mal, a figura da crueldade e da opressão, quiçá o

grande responsável por todos os problemas que assola a violência na modernidade

tardia, passível de ser execrado da sociedade, seja pela via da prisão ou do

extermínio em que a produção do medo adquire contornos sem precedentes.

(BATISTA V. & BATISTA N. 2003, LACERDA 2009, Zaccone 2008)

Buscando romper com tal paradigma predominante e escapar das armadilhas

da simplificação, almeja-se no bojo desse fenômeno interpretá-lo na sua relação

com o modelo de sociedade adotado e na complexidade em que paira a questão da

40

violência. Assim, passa-se a compreensão do fenômeno da violência como produto

ou expressão da produção e reprodução de relações sociais, envolvendo sujeitos

em determinadas inserções na vida social se estabelecendo sob várias modalidades

de forma desigual. Trazendo essa discussão para o atravessamento da formação

social brasileira, cabe enfatizar o hematoma histórico que permeou o escravismo de

cerca de quatro séculos das populações africanas e indígenas, as ditaduras que

mancharam o legado republicano no decorrer do séc.XX, além do histórico de

extermínios extras ou oficiais da população pobre e trabalhadora, sobretudo pelas

mãos do Estado, cercado de construções de prática e sentidos. De acordo com

Sales (2007, p.59):

A violência é, pois, manifestação do poder, expressão de como as relações sociais estão aqui organizadas, de como o capitalismo se engendrou e se perpetua no país. É exploração, opressão e dominação, mas não é somente força pura, é também ideologia e sutileza. Violência que embora seja estruturalmente produzida pelas elites, como um dos mecanismos que sustentam e fazem a política e a economia, não constitui seu patrimônio exclusivo. Reproduzida pelos mais diversos estratos sociais, tende, porém a ser associada de maneira reducionista e invertida, pelo senso comum aos pobres e miseráveis, vistos como ‘classes perigosas’ e de onde provém os ‘maus elementos’. Associação que se reforça e ganha visibilidade, sobretudo por meio dos indivíduos mais insubmissos das classes trabalhadoras11 nos seus embates cotidianos, nem sempre visíveis, contra o processo de sujeição e também como expressão dele. (grifos meus)

Resgatando essa trajetória do país das contradições, vê-se o quão enorme

esta é marcada pelo autoritarismo engendrado pela classe dominante e produzido

e reproduzido continuamente pelos mecanismos de controle e produção da verdade

como a religião, as forças políticas, as universidades e, sobretudo na

contemporaneidade: a mídia. Percebe-se uma atrofia na construção democrática,

que sequer ainda fora constituído, cujo exercício de cidadania sempre se fez através

de privilégio de classes ou como concessões periódicas e controladas, podendo ser

retiradas quando os interesses da classe dominante assim o determinar como o fez

nos períodos ditatórias (CHAUÍ 1989).

11 O processo de criminalização do MST - Movimento de Trabalhadores Sem Terra, talvez o único movimento social de forte expressão no país, talvez seja um exemplo dessa construção ideológica da violência.

41

A própria estrutura cronológica dos direitos de cidadania marshaliana ocorreu

de forma invertida com os direitos sociais, embora a milhas de distância do modelo

europeu na chamada Era de Ouro (HOBSBAWN 1995), sendo garantidos em

períodos de supressão dos direitos políticos e civis.

Fazendo uma breve análise sobre a questão da construção do medo na

sociedade brasileira, que atualmente é uma produção de um mercado muito

rentável, Chauí (1989) discorre que se pode falar em divisão social do medo: a

classe dirigente teme perder o poder e seus privilégios; a classe dominante

burguesa teme perder seus lucros e suas influências; a classe média teme a

pobreza e a proletarização; a classe trabalhadora teme a fome, a violência patronal

e a arbitrariedade dos poderes constituídos. E acrescenta:

Os medos dos que estão no baixo político, econômico e social são de queda na desumanização, medos de perder a condição humana e por isso medos que dizem respeito aos seus direitos, mais do que isto. As classes populares não chegam a falar em nome dos direitos, falam em nome de algo que é pressuposto pelos direitos e que por estes deve ser concretizado, falam em nome da justiça. (CHAUÍ 1989:10)

A sociedade que viola direitos continuamente de nossas crianças,

adolescentes e jovens é aquela formada por força de uma tradição político cultural

com ênfase na esfera privada e recuo das funções públicas do Estado que se

acentua sob o formato neoliberal.

O movimento neoliberal nada mais é que o modelo político/ econômico/

cultural engendrado pelos países dominantes após crise no modelo de acumulação

do capital deflagrada nas últimas décadas do século XX. Nesse modelo se constrói

uma ênfase na considerada redução do Estado como regulador das políticas,

especialmente nas políticas sociais e econômicas, agregando com ele valores como

a exacerbação da concorrência, do individualismo, redução, quando não eliminação,

dos direitos sociais, outrora fruto de conquistas da classe da trabalhadora, hoje

vistas como privilégios12 (ORTIZ 2002).

12 Não é a toa que se tem discutido continuamente mais (contra)reformas do Sistema Previdenciário Brasileiro e na Consolidação das Leis Trabalhistas com o caráter de reduzir direitos da classe que vive do trabalho.

42

Nesse mesmo período ocorrem importantes transformações tecnológicas

incorporando à produção de novas fontes de energias e matérias-primas otimizando

a produção social do trabalho e diminuindo seu tempo que ao invés de se reduzir a

carga horária, assistiu-se a intensificação da mesma multiplicando parcela

significativa de desempregados. Acrescenta-se aí a predominância do capitalismo

financeiro sobre o industrial. (MENEGATI 2006, NETTO & BRAZ 2007)

Reforça-se que a permanência e manutenção de um excedente de

trabalhadores desempregados é elemento absolutamente imprescindível para a

reprodução do sistema capitalista. Assim na análise Marx (2002, p.735):

Se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista, ela se torna, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista e mesmo, condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta como se fosse criado e mantido por ele. Ela proporciona o material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser explorada, independentemente dos limites do verdadeiro incremento da população.

O saldo dessa ofensiva capitalista é habitarmos um mundo em que cerca de

2% dos adultos detêm 50% de toda riqueza produzida socialmente enquanto 58%

dos adultos terráqueos mais pobres possuem 1% da mesma (MOTA 2008). Nos

paises de terceiro-mundo como o Brasil que, de certo modo, nunca experienciaram

um modelo eficaz de proteção social e perderam concorrência do mercado com os

países ricos na economia globalizada, as conseqüências desse modelo foram

trágicas para a maior parcela da população. Não obstante a conjuntura internacional,

a maioria dos países, incluindo o Brasil13, adotou tal política seja por imposição das

agências político-financeiras internacionais, seja por opção política de seus

governantes.

No monumento de desigualdade social chamado Brasil (HOBSBAWN 1995),

o desemprego cresceu, segundo o IBGE, de 6,2% a 10% entre 1995 a 2003 no

13 Behring & Boschetty (2006) denominam de Contra-Reforma os governos e políticas de cunho neoliberais pós-90 no país.

43

processo em que a produção do trabalho não acompanhou a destruição do mesmo

(BEHRING & BOSCHETTI 2006). De acordo com o coeficiente de Gini14 (0,593), que

mede a desigualdade social do planeta, o Brasil ocupa oitava posição neste ranking

ficando atrás de países da África Central; o estudo ainda mostrou que 46,9% da

renda nacional está concentrada nas mãos dos 10% mais ricos, enquanto os 10%

mais pobres ficam com 0,7% da renda. Porém, o último informe da desigualdade do

país apresentado pelo IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas mostrou

uma sensível queda para a taxa de 0,493, ainda permanecendo como uma das

maiores do mundo15. Ressalta-se que tais índices variam de acordo com as regiões

do país, havendo regiões onde a disparidade é muito maior.

Já a Agência Brasil16 nos idos dos dezenove anos do Estatuto da Criança e

do Adolescente informou que 55% das crianças brasileiras com até seis anos de

idade estão abaixo da linha da pobreza, isto é, cuja renda per capita familiar seja de

até meio salário-mínimo. Na mesma reportagem, a pesquisadora Enide Rocha

aponta que para cada adulto pobre haja pelo menos duas ou três crianças nessa

situação e que “envolve-se em um delito quem já estava fora de qualquer

mecanismo lícito de ascensão social, como a escola e o trabalho legal”.

Há de frisar que o país possui um parque industrial super desenvolvido e se

constitui em uma das maiores economias do planeta, considerada emergente por

alguns especialistas.

Analisando a relação entre esses pólos e a violência chegando a ponto da

barbárie nos dias atuais, Menegati (2006, p.76) alerta que:

Como não existe um termo médio para a riqueza, visto que é definida não pela aparência do consumo, mas pelo controle dos meios de produção, não

14 O coeficiente de Gini, vinculado ao PNUD- Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, varia de zero a um, fazendo estimativa acerca da desigualdade social dos países. Segundo a sua metodologia, hipoteticamente os países mais próximo do coeficiente zero apresentariam as menores desigualdades sociais. (Folha de São Paulo. São Paulo, 07/09/05. Disponível em :http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u112798.shtml. Consulta em 13/10/09 às 23h30. 15 Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 04/08/09. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1254377-9356,00-DESIGUALDADE+SOCIAL+CAI+NO+BRASIL+EM+MEIO+AOS+EFEITOS+DA+CRISE+DIZ+IPEA.html. Consulta em 13/10/09 16 Agência Brasil. Brasília, 13 de julho de 2009. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/07/13/materia.2009-07-13.8068592670/view. Consulta em 13/10/09.

44

há contorcionismo possível que acomode, dada a atual ordem, a co-existência pacífica entre ricos muitos ricos e pobres muito pobres. Dessa forma, os conflitos que se observam não consistem numa questão de falência da escola pública ou de falha na função paterna ou de gastos excessivos com a universidade pública elitista, como se anda alardeando pelas veredas desse país. Trata-se apenas da lógica nua da organização monopolizada da riqueza social num regime de concorrência.

A resposta que os Estados Nacionais, em particular o brasileiro tem sido

através de duas grandes vertentes: o encarceramento e o extermínio. Essa

intervenção repressiva cujas vítimas são as populações pobres dos países tem sido

um negativo marco que se reproduz na passagem do século. A problemática da

questão social tem se tornado cada vez mais caso de polícia e o famigerado Estado

de Bem-Estar Social vêm se transformando no Estado Penal. Com a supremacia do

capital selvagem sobre o social, torna-se imprescindível reforçar as ações que

procuram garantir a “segurança”. (WAQUANT 2001).

Embora o neoliberalismo defenda a redução do Estado na vida social, ele tem

sido forte e cada vez com mais aparato e investimento nos ramos de segurança

pública e penitenciária, quando não na economia fornecendo ajudas ao setor

financeiro vide a última crise internacional. Esse modelo tem aumentado na última

década em escalas exponenciais as taxas de homicídios de jovens. Ressalta-se que

tal lógica tem feito multiplicar os lucros da industria bélica e em nome da guerra à

criminalidade, às drogas e, agora no século XXI, ao terrorismo cabe até “flexibilizar”

direitos humanos universalmente garantidos.17

Essas vítimas da violência letal e potenciais “clientes” do sistema prisional/

sócio-educativo são compostas em sua absoluta maioria por jovens, negros, de

baixa escolaridade e moradores de periferias e favelas, publico este que ingressa

massivamente no trabalho ilícito no tráfico de drogas. É lógico que não se pode fazer

uma associação direta entre pobreza e violência, porém a primeira não pode se

desconsiderada para se compreender a segunda.

17 A Era Bush e sua ofensiva contra o que considera o terror têm dizimado milhares de vidas e desrespeitado continuamente Tratados Internacionais, dentre eles até a Declaração Universal dos Direitos Humanos, propagando violações diretas às liberdades individuais em nome dessa guerra declarada para garantir a “segurança” mundial e a manutenção do novo processo de acumulação capitalista. (MARQUES, 2006)

45

2.2- Dos “Capoeiras” à Lei de Segurança Nacional.

É notório que o mercado ilícito de drogas e as alternativas adotadas pelo

poder público para seu enfrentamento tem gerado um vasto contingente de vítimas

fatais, sobretudo jovens na contemporaneidade. Entretanto, o tráfico de drogas,

especialmente no Rio de Janeiro ganhou contornos expressivos no contexto da

violência urbana no final da década de 70, se expandido como fenômeno na

década seguinte.

Sobre violência urbana, Misse (2006, p.xi, xii) discorre que:

A violência urbana diz respeito a uma multiplicidade de eventos (que nem sempre apontam para o significado mais forte da expressão violência) que parecem vinculados ao modo de vida das grandes metrópoles na modernidade tardia. Esses eventos podem reunir na mesma denominação geral, motivações e características muito distintas, desde vandalismos, desordens públicas, motins e saques e até ações criminosas individuais de diferentes tipos, inclusive não intencionais como as provocadas por negligência ou consumo excessivo de álcool e outras drogas. Alem disso, a expressão violência urbana tenta dar um significado mais sociológico a esses eventos, interligando-os as causas mais complexas e a motivações muito variadas, numa abordagem que preconiza a necessidade de não desvincular desses eventos da complexidade e de estilos de vida e situações existentes numa grande metrópole.

Antes do surgimento deste “fenômeno”, cabe em primeira análise permear

sobre as construções sociais que antecederam ou emergiram à questão do tráfico

como problema central da ordem da segurança pública. Pode-se dizer que no

histórico da violência no Rio de Janeiro, alguns fatores, dentre outros, são notórios

e transitam nesse percurso: o envolvimento direto (não só omissão) de agentes do

Estado nas práticas criminosas, a “perseguição” aos setores subalternos da

população fluminense (mesmo quando a preocupação central na ditadura militar

eram os “subversivos”), o reiterado discurso do “medo” (mesmo que em escalas

diferentes), aumento da pena e mais repressão como solução aos problemas da

violência e o discurso que “na minha época era mais pacífico” - sob um pano de

fundo de desrespeito às leis pelas autoridades. (ibid.)

46

Na segunda metade do século XIX, a zona urbana mais populosa do Rio de

Janeiro era dividida em “maltas” grupos formados por capoeiras com identidades

próprias compostos em sua maioria por escravos e homens livres pobres se

tornando a forma mais comum de resistência desses setores na época, formando

grupos disputando territórios. De 1850 a 1880, por exemplo, a proporção da

população carcerária para cada 100mil habitantes duplicou. (SOARES apud MISSE

2006). Outrora contravenção nos liames imperiais, a prática da capoeira ou

associação em grupos ou maltas foi transformada em crime no primeiro Código

Criminal da República cuja proclamação ocorrera praticamente concomitante à

abolição oficial da escravatura.

As maltas praticamente desapareceram na primeira década do século XX no

Rio de Janeiro através das repressões policiais e desterrados para Fernando de

Noronha.18 Os capoeiristas, por sua vez, apesar de importante movimento de

resistência à Revolta da Vacina, “sumiram do mapa” na década de 20.

Observa-se que sob a égide ideológica lombrosiana, conforme resgatado no

primeiro capítulo deste trabalho, a sociedade brasileira e em particular a do Rio de

Janeiro, capital da república na época, não ofereceram quaisquer suportes

político/econômico/social que pudesse absorver a mão-de-obra recém abolida da

escravatura, restando aos mesmos a pauperização, a miséria e a indigência, traços

marcantes na formação brasileira rebatendo substancialmente, aliado a outros

fatores político-históricos, na juventude pobre e ameaçada de morte nos dias de

hoje.

Foram nessas primeiras décadas do séc. XX que começam a surgir as

favelas19, locais onde a população pobre carioca se instalou em um cenário de

precariedade. Neste sentido, cabe uma discrição de como era vista a favela na

década de 20 através da obra “Mistério do Rio”:

18 Embora não se esteja medindo crueldade e opressão que infelizmente se perpetuam, cabe uma inocente ironia : os “perigosos” da virada do século XX e do final dos anos 70 e 80 eram “despejados” para os arquipélagos de Fernando de Noronha e Ilha Grande. Nos dias atuais, a população encarcerada oficialmente sofre com o excessivo calor das masmorras de Bangu. 19 O próprio termo “favela” hoje usado em todo o Brasil foi criado nessa época para designar o morro acima da Central do Brasil no Rio de Janeiro, hoje denominado Morro da Providência.

47

Encravada no Rio de Janeiro, a favela é uma cidade dentro da cidade. Perfeitamente diversa e absolutamente autônoma. Não atingidas pelos regulamentos da prefeitura e longe das vistas da Polícia. Na favela ninguém paga imposto e não se vê um guarda civil. Na favela, a lei é do mais forte e a do mais valente. A navalha liquida os casos. E a coragem dirime todas as tendências. Há muito crime, muita morte, porque são essas as soluções para todos os gêneros de negócios - os negócios de honra como os negócios de dinheiro. (COSTALLAT apud MISSE 2006, p.147)

Observa-se que não é de hoje, embora haja um discurso muito mais

multiplicador, o estereotipo que se faz da população favelada como perigosa e um

local de ausência do aparato estatal.

Fazendo um breve parêntese na discussão cronológica da violência urbana

do Rio de Janeiro, cabe um esclarecimento sobre o conceito de favela adotado

neste trabalho. Embora que nesta década, se utilize cada vez mais seja pelos

meios de comunicação e pelos próprios moradores o termo “comunidade”,

pretende-se neste trabalho adotar a terminologia favela. Assim, utiliza-se a

seguinte determinação:

As favelas constituem moradas singulares no conjunto da cidade, compondo o tecido urbano, estando, portanto, integrado a este, sendo, todavia, tipos de ocupação que não seguem aqueles padrões hegemônicos que o Estado e o mercado definem como sendo o modelo de ocupação e uso do solo nas cidades. Estes modelos, em geral, são referenciados em teorias urbanísticas e pressupostos culturais vinculados a determinadas classes e grupos sociais hegemônicos que consagram o que é um ambiente saudável, agradável e adequado às funções que uma cidade deve exercer no âmbito do modelo civilizatório em curso. (OFRJ, 2009)

Nas décadas de 30 e 40 ocorre a multiplicação das favelas no Rio de

Janeiro e vertiginoso crescimento populacional para os subúrbios nos anos

cinqüenta e a questão da violência urbana ganha novos contornos com o maior

acesso a armas de fogo, substituindo a navalha utilizadas nos roubos. Aliado a

esse aspecto surge como expressão da violência, ganhando maiores repercussões

e vítimas mais fatais, o fenômeno do “jogo do bicho”. (MISSE 2006)

Criado pelo Barão de Drummond no século XIX, o “jogo do bicho”,

caracterizado como “contravenção penal” começa a ganhar notoriedade nas

48

páginas policiais20 a partir da década de 50 onde a atividade aumenta sua

rentabilidade, e são cada vez mais sangrentos os confrontos por disputa por pontos

de vendas. O jogo é organizado em redes que distribuem as apostas, contando

com hierarquias desde o gerente ao vendedor com suas áreas de atuação dividas

por territórios. O jogo do bicho representou a atividade criminosa de maior atenção

da opinião pública e preocupação das políticas de segurança pública até o

incremento do tráfico de drogas, além dos inúmeros escândalos de envolvimento

em corrupção de agentes do Estado nesse marcado (ibid.).

Outro fato preocupante à ordem pública se referia aos crescentes assaltos a

bancos. Desde o final da década de 50, incrementado na década seguinte com a

reforma do sistema bancário em que o número de agência multiplicou. Na década

de 60 merece destaque também a circulação das atividades criminosas para Zona

Sul, área nobre da cidade, outrora praticamente exclusiva do Centro da cidade e

subúrbios e o surgimento dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense,

especialmente no município de Duque de Caxias. (ibid.).

Nesta época, com o golpe militar de 64 e articulação de grupos

revolucionários, formado principalmente por jovens oriundos da classe-média

contrários ao regime vigente, esses mesmos grupos seja para a manutenção

financeira de suas atividades e para libertar presos políticos, utilizaram-se de

prática de assaltos a banco e seqüestros, complexificando ainda mais o cenário

político-criminal da época.

Interessante resgatar as terminologias utilizadas em cada época para

designar a categoria social considerada perigosa e criminosa pela hegemonia

vigente: passa-se do capoeira do início do século ao malandro até a década de 50

que já o classifica como marginal e do vagabundo da década de 70 em diante

como demonstra Misse (2006, p.150-77). Arriscaria a classificar no mundo de hoje

o “vagabundo” como o traficante.

20 É nessa época também que ocorre o aumento de referências jornalísticas ao fenômeno da criminalidade formando um incremento de uma imprensa “especializada” na área.

49

A intervenção ao cenário relatado pelo governo militar se denominava a Lei

de Segurança Nacional na qual se enquadravam os alvos prediletos do direito

penal na época. Esta lei, criada na década de 50 e modificada a partir da ditadura

militar nos anos 60, tinha como principal doutrina a luta contra o inimigo principal,

as forças internas da “agitação”, transformada em preceito constitucional

aniquilando o Estado Democrático de Direito, uma vez que anulou os poderes do

Poder Legislativo, subjugando a sociedade e os aparatos político-jurídicos.

(COIMBRA, 2002). O Decreto Lei-898 de 1969 passou os crimes contras às

instituições financeiras para Justiça Militar, inclusive aumentando suas penas, visto

que o roubo a bancos foi uma das principais estratégias dos grupos guerrilheiros

brasileiros para se subsistir economicamente.

A estratégia político-penal-carcerária da ditadura militar foi a de juntar presos

políticos contrários ao regime com presos comuns através de dois fundamentos

como bem observa Amorim apud Lacerda (2009, p.16): despolitizar o movimento

revolucionário tratando todos como presos criminosos comuns e, ao mesmo tempo,

neutralizar as pressões internacionais sobre anistia a presos políticos.

Foi nessa junção, particularmente no Rio de Janeiro expressando no presídio

situado no arquipélago de Ilha Grande, entre presos comuns e presos político21 que

supostamente surgiu um movimento chamado de falange vermelha. Esse

movimento buscava integrar os detentos, administrar os conflitos entre os mesmos,

além de lutar por condições mais dignas dentro dos presídios. À primeira vista um

esboço revolucionário para época. Contudo, trata-se de um equívoco afirmar que os

presos políticos da ditadura militar tenham sido os propulsores da violência urbana

gerada pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

Em meados da década de 70 ocorre, em todo o Brasil particularmente no

Rio de Janeiro, um relevante aumento da violência urbana, especialmente na

progressão de assaltos a bancos, roubo e furto a residências e automóveis,

rebeliões e mortes em presídios, seqüestro e extorsão a comerciantes e

empresários, além do crescimento dos grupos de extermínio em particular na

21 Lacerda (2009, p.17) discorre sobre relatos de desigualdades entre presos como o isolamento dos condenados comuns por crimes considerados políticos do regime autoritário.

50

Baixada Fluminense. É nessa época que começa a crescer na classe média a

demanda por segurança particular, cercando seus prédios e condomínios. Há no

decorrer da década uma enorme ascensão de adolescentes a integrarem unidades

de internação por roubo e diminuição por motivos de furto (MISSE 2006).

Em um segundo momento, muitos que participavam na organização coletiva

“falange” dentro dos presídios, sejam egressos ou fugitivos do sistema

penitenciário, passaram a realizar em conjuntos aquelas atividades ilícitas

anteriores com destaque para roubos de bancos. Algumas divisões entre os presos

comuns deram origens a outras “falanges” como a da Zona Sul e a do Jacaré22, por

exemplo.

2.3- Do Tráfico como expressão da violência à sua fragmentação.

O tráfico de drogas ilícitas no Rio de Janeiro remonta a meados do século XX,

sobretudo na comercialização da maconha. O uso desta droga estava ligado às

populações marginalizadas do período como as prostitutas, os assaltantes,

presidiários, etc. com seus pontos de venda concentrado em áreas pobres da

cidade.

O tráfico de drogas ganhou expressão como atividade ilícita no Brasil e Rio de

Janeiro e a partir do final dos anos 70 e início dos anos 80 devido à conjugação em

maior ou menor escala de alguns fatores descritos nos próximos parágrafos.

Primeiramente, pelo considerável barateamento da cocaína em meados da

década da 70. Consolidação essa que se deu a partir da produção na Colômbia,

que antes dessa época atuava com mais ênfase na distribuição aliada à tradicional

produção peruana. Tal circulação foi possível também pela consolidação das redes

de tráfico internacional como a Bolívia e o Paraguai, através de aeroportos no Rio de

Janeiro, São Paulo e Paraná com expressivos destinos à Europa e Estados Unidos,

transportadas em pedaços com a oferta a baixos preços. (MISSE 2006)

22 De acordo com Misse (2006), a falange do Jacaré oriunda do presídio Frei Caneca é embrião da facção Terceiro Comando.

51

A cocaína, produzida quimicamente através da extração da folha da coca,

historicamente fora consumida em pequena escala por setores da elite econômica

do país e até o período em apreço sempre fora muito cara e de difícil acesso. Assim,

gradativamente a cocaína foi substituindo a maconha como o principal produto de

comercialização do tráfico de drogas.

Essa substituição claramente se deu por razões econômicas, pois a venda da

maconha tinha até então uma lucratividade relativamente baixa. Com esse

fenômeno, o consumo da cocaína cresceu vertiginosamente inclusive nas

populações pobres.

Em relação à maconha, pode-se notar nesse período uma mudança cultural

sobre a mesma. Outrora considerada “marginalizada”, a partir dos anos 70 ganha

aceitação por variados setores da sociedade. Passa a ser consumida então por

intelectuais, artistas, estudantes, geralmente seu uso ritualizado em pequenos

grupos causando efeitos como alteração da consciência. (VELHO apud MISSE,

2006). No âmbito internacional há no período uma efervescência de movimentos

sociais, conhecido como “contra-cultura” sob o lema “paz e amor” integrando sons e

imagens “psicodélicas” que pressupõe alteração na consciência23. Assim seu

consumo aumenta consideravelmente a partir desta época e se torna uma droga

lucrativa para o tráfico embora não tão rentável quanto a cocaína.

Acrescentam-se aí alguns fatores que tornaram esse mercado promissor para

época, tais como: o aumento na demanda de consumo cocaína na Europa e

Estados Unidos, as enormes fronteiras (de dimensões continentais) que o Brasil

possui e o desenvolvimento do parque industrial brasileiro contando com estrutura e

logística na preparação dos insumos da cocaína. (LACERDA 2009)

23 O disco “Sgt. Pepper’s Lonely Heart Club Band”(1967), considerado uma das referência musicais do século XX, dos Beatles já final dos anos 60 aponta essa característica, assim como festival de Rock in Roll Woodstock em 1968, o cinema e o movimento hippye, entre outros. Há também o aumento do consumo de drogas sintéticas com destaque para o LCD- ácido lisérgico embora concentrada nas classes altas e médias mas de pouco consumo se comparada a maconha e a cocaína e pouco expressiva para se analisar sua comercialização com o fenômeno da violência urbana.

52

Lucrativo, atraente e menos arriscado que outras atividades como seqüestro e

roubo a bancos e carros-fortes, por exemplo, o tráfico de drogas passa a se deslocar

como atividade ilícita mais importante para os criminosos da época. Há uma

passagem no filme Cidade de Deus24 que o personagem “Zé Pequeno” explora o

assunto afirmando que vender pó seria o grande negócio na época.

Neste sentido, começa a crescer substancialmente o contingente de

integrantes no tráfico de drogas, muitos deles oriundos de grupos de assaltantes de

bancos e antigos traficantes, concentrando seus pontos de venda através de

territórios. A situação de desemprego e miséria com que passava a classe

trabalhadora do país e Rio de Janeiro na época constituiu terreno fértil para

aquisição de mão-de-obra na atividade.

Assim, as atividades principais da denominada “Falange Vermelha” passam a

ser o tráfico de drogas. O montante financeiro investido no comércio da cocaína veio

primeiramente a partir de assaltos a bancos e instituições financeiras. A organização

se deu ainda fragmentada no início dos anos 80, não havendo hierarquias ou ligação

empresarial direta com os fornecedores, atacadistas e distribuidores. Cabe destacar

que esse fenômeno, pelo menos até o início dos anos 80 ainda não haviam

despertado grandes interesses pelas autoridades de segurança pública. (MISSE

2006)

Ressalta-se que o tráfico de drogas localizados em favelas e periferias se

constituiu e se constitui no âmbito do varejo.

Há registro nessa época conhecida como primeira geração do tráfico (id.) de

cunho social e assistencialista dos donos das bocas-de-fumo. Amorim apud Lacerda

(2009, p.19) a partir de um relato de um ex-presidiário exemplifica isso:

“Nós, ex-assaltantes de bancos que entramos no mercado do tóxico, catequizamos os favelados e mostramos a eles que o governo não está com nada e não faz nada pra ver o lado deles. Então, nós damos alimentação, remédios, roupas, material escolar, uniforme para as crianças e até dinheiro. Pagamos médicos, enterros e não deixamos os favelados

24 Filme brasileiro de 2002 dirigido e produzido por Fernando Meirelles, inspirado no livro homônimo do escritor Paulo Lins.

53

saírem de lá pra nada. Até briga de marido e mulher nós resolvemos dentro da favela, pois não pode pintar sujeira pra polícia não entrar“.

Observa-se que esse discurso também legitimava em um maior apoio das

populações pobres onde a atividade ilícita era desenvolvida, especialmente em

situações de repressão policial. Além disso, deve se considerar que a população

pauperizada historicamente vilipendiada pelo Estado e carente de políticas básicas

sempre via com “maus-olhos” sua atuação especialmente por suas policiais.

Já na primeira parte da década de 80, o comércio no varejo de drogas ilícitas

se encontra direcionado a duas grandes redes: o Comando Vermelho outrora

denominado Falange Vermelha, ganhando o novo nome a partir da imprensa e

comandando a maior parte dos pontos de venda e o Terceiro Comando cujas

origens remontam à falange do Jacaré que se instaurou no presídio Frei Caneca. A

principal articulação desses grupos se localizava nos presídios.

Os domínios das áreas do varejo eram disputados por ex-assaltantes de

banco e antigos donos de bocas-de-fumo cuja resolução dos conflitos era na força,

resultando em dezenas de mortes nesse período. Misse (2006, p.234-5) aponta que

houve no período uma tentativa de organização por oligopólio com base nas favelas

baseado em um discurso ideológico de “revolta contra a miséria” ou “apoio aos

pobres”. Os intermediários com o atacado eram pessoas ligadas à cúpula do jogo do

bicho, ex-policias e pequenos intermediários, havendo relatos de conivência com o

poder policial.

No entanto, como o mesmo autor aponta, a tentativa de se estabelecer uma

poderosa organização oligopólica do varejo de drogas frustrou já na metade dos

anos 80 devido a alguns aspectos como: a prisão dos principais líderes do Comando

Vermelho e Terceiro Comando, deslealdade de subordinados devido à ganância dos

mesmos e a concorrência de varejistas independentes através de intermediários do

atacado ligado a ex-policiais e policiais corruptos. Tais fatos foram decisivos para o

que se tem estabelecido hoje no tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

54

Merece destaque nessa análise o conceito de “mercadoria política” definido

por Misse (2006, p.209) e imprescindível para a manutenção de grupos criminosos,

definindo a como: “toda mercadoria que combine custos e recursos políticos

(expropriados ou não do Estado) para produzir um valor de troca político ou

econômico”. Nessa “mercadoria” se encaixam as extorsões policiais, corrupções e

favorecimentos ilícitos.

Assim, na perspectiva de se compreender a trajetória do tráfico de drogas no

Rio de Janeiro e sua ligação com o extermínio de inúmeras vidas, é imprescindível a

compreensão dessa terminologia, especialmente pela relação histórica das polícias

na manutenção deste mercado ilícito. Em outras palavras, desde seu nascedouro do

tráfico de drogas como fenômeno expressivo da violência urbana no Rio de Janeiro,

a policia sempre foi um componente fundamental ativo nessa atividade seja

cobrando taxas ilícitas para manutenção dos pontos de venda, seja negociação de

ocupação de áreas, seja no transporte da droga e tráfico de armas, ou até na

extorsão/ seqüestro e prisão e libertação de traficantes25 a partir de interesses

meramente econômicos, por que não dizer gananciosos. Observa-se, portanto, de

acordo com as leis mercadológicas, que a “mercadoria política” tem valor mais

elevado em épocas de maior repressão policial.

Além disso, a postura policial não conseguira romper com o paradigma da

ditadura militar perpetuando práticas como tortura, extorsão e execuções

extrajudiciais. Um exemplo claro disso, já em meados da década de 80 a reação dos

agentes policiais contrários à política de respeito aos direitos humanos adotada na

gestão de Leonel Brizola tendo eles o apoio midiático. Pra se ter uma idéia o

discurso da “opinião pública” já apontava para a diminuição do gasto público em

políticas sociais (excessivo para algum deles) e o maior aparelhamento repressor

das polícias (LACERDA 2009).

É justamente nesse período que se tem delineado o deslocamento da figura

do inimigo público número um: do subversivo da ditadura militar para o traficante de

drogas.

25 A fuga “cinematográfica” do traficante Luiz Carlos Encina cuja alcunha de Escadinha do presídio da Ilha Grande em 1986 pode ser um exemplo desse envolvimento. (LACERDA 2009)

55

2.4- Da Juvenilização à Política de Extermínio.

A prisão dos principais líderes do mercado do varejo no tráfico de drogas em

meados da década de 80 pode representar ao mesmo tempo uma maior

fragmentação no “movimento” como também a força desse mercado ilícito. Ou seja,

mesmo com a prisão26 dos “chefes” que se sucederam ao longo da década de 90

até aos dias de hoje, o comércio de drogas ilícitas em favelas e bairros pobres do

Rio de Janeiro permaneceram expressiva.

Um recorte nesse período marca e mostra a tendência a que se levou a

referida atividade econômica: trata-se de uma empresa cujo objetivo é o lucro e

acumulação capitalista de forma ilícita e a disputa por mercado ou traição e dívidas

são feitas através do uso da violência. De acordo com Freixo (2006, p.1):

O tráfico é uma empresa capitalista das mais eficientes e completamente adaptada à realidade neoliberal que se instalou no Brasil na década de 1990. É uma empresa concentradora de renda, altamente lucrativa, que utiliza mão-de-obra barata. É uma empresa que se estabeleceu num espaço onde ela não tem nenhuma preocupação com exigências legais ou cobranças de impostos. É uma empresa com forte produção de alienação do trabalho, onde a mão-de-obra não tem a menor idéia do quanto rende a empresa. E o efeito social disso é terrível.

Neste contexto, nos anos 90 se assiste a maior fragmentação do movimento

com os comandos não obedecendo a uma estrutura hierárquica, tão pouco

organizada. A estrutura do varejo se baseia em vendas por consignação. As

articulações em facções se constituem muito mais como proteção mútua entre os

diferentes pontos de venda, especialmente se articulando em situações de tomada

de áreas para comercialização bem como suporte bélico e humano em situações de

invasão. Essa maior fragmentação representou um crescimento nas disputas por

pontos de vendas, ocasionando em aumento exponencial do número de vítimas

26 Em 1987, uma ano após a fuga do traficante “Escadinha” do presídio de Ilha Grande, é inaugurado o presídio denominado de segurança máxima Bangu 1, iniciando um processo de Estado Penal e resolução dos problemas de violência pública através do encarceramento que se estende com mais ofensivas nas décadas seguintes. Hoje por exemplo, já existe o Presídio Bangu 8. (LACERDA 2009)

56

fatais. Surgem assim novas “facções” como o CVJ - Comando Vermelho Jovem,

ADA - Amigos dos Amigos, TCP - Terceiro Comando Puro, por exemplo.

Geralmente às substituições dos donos dentro do “movimento” (em caso de

prisão ou morte) se deram por graus de parentesco, mas são constantes os relatos

de traição e assassinatos nas disputas pelo postos antes ocupados. Na década de

90, há também um aumento na aquisição de armas utilizadas de alto poder de

destruição, além de provocar mais mortes e ferimentos, revela um pano de fundo de

outra atividade ilícita extremamente articulada com o tráfico cujo enfrentamento tem

sido reconhecidamente inócuo: o tráfico de armas.

Em relação à dominação territorial por grupos armados na atividade do tráfico

nos idos de sua fragmentação no varejo, Misse (2006, p. 237-8) estabelece uma

classificação em quatro formas de ocupação/ dominação:

1- Mandonismo - quando o “dono” possui um histórico de referência com o

local, sendo ele herdeiro familiar de algum “dono” antigo, reconhecido por uma

parcela significativa comunitária;

2- Dominação não-legítima com pretensão de legitimidade local - quando os

donos e os gerentes são oriundos do mesmo local onde exercem suas atividades

fornecendo auxílios assistencialistas aos moradores porém não obtém sequer apoio

da metade da população.

3- Tirania Centralizada - quando o “dono” é alheio ao local e a dominação

ocorre através da imposição da força e do medo estabelecendo contatos com

subordinados moradores do local.

4- Tirania Segmentada - vários donos de diferentes origens alheias à

comunidade disputando permanentemente fatias do mercado e território sem

quaisquer preocupações com os moradores.

Foi a partir dessa fase que o número de jovens aumentou massivamente sua

inserção no tráfico de drogas. Com a crescente prisão dos líderes, gradativamente a

idade média do traficante, seja nas funções de liderança ou subalternidade foi

diminuindo. Cruz Neto at all. (2001) apresenta estatísticas do Juizado da Infância e

da Juventude do Rio de Janeiro mostrando que o ato infracional tráfico de drogas

57

em 1996 ultrapassa roubos e furtos como aquele de maior incidência. Já o Anuário

Estatístico do Rio de Janeiro no final da década de 90 apontava que 60% da

população carcerária do estado em regime fechado fora condenada por tráfico de

drogas (ZACCONE 2008). Interessante notar que recebem o mesmo tratamento

penal quem tem o comando do varejo e aquelas atividades dos estratos mais baixos

da hierarquia do “movimento”, formados em sua maioria por jovens pobres de baixa

renda e escolarização (id.).

Cabe destacar também a enorme falta de políticas sociais efetivas para esse

público no período de Contra-Reforma produzindo um terreno fértil para inclusão nas

atividades ilícitas. Entretanto, enfatiza-se que quase 1% desses jovens ingressam no

tráfico. (FREIXO 2006)

Além disso, as políticas de segurança públicas que se sucederam

especialmente nos governos Marcelo Alencar (94-99) e Família Garotinho (Antony

Garotinho de 99 a 2002 e Rosinha Garotinho de 2003 a 2006) tinham como escopo

o enfrentamento bélico ao tráfico em um discurso repressivo e penal. Aumentar as

penas e exterminar os traficantes viraram lema e primeira ordem na política de

segurança pública em iminente consonância com o projeto neoliberal de aumento

das ações de confronto e encarceramento.

Destaca-se que na gestão Alencar, cujo comando da segurança pública

estava a cargo de um coronel com histórico de atuação na ditadura militar, fora

criada a “condecoração faroeste” que consistia em premiações de policiais

responsáveis por mortes de supostos traficantes. Foi nessa mesma gestão que

ocorreu a Operação Rio27 considerada como uma espécie de apartheid social e

intensa marginalização da população pobre. Nos governos da família campista

ocorreu uma continuidade desse processo baseada na militarização como solução

dos conflitos e alguns fatos envolvendo corrupção de agentes da alta cúpula da

segurança pública28.

27 A Operação Rio foi em 94 a resposta governamental repressiva impulsionada pelo “arrastão” realizado um ano antes na praia de Ipanema. 28 O então chefe de Polícia Álvaro Lins, que chegou a ser eleito deputado estadual (nossa!), foi acusado e detido por envolvimento em corrupção.

58

Há que se destacar o papel da mídia na produção e reprodução do medo.

Batista Vera 2003, discorrendo sobre análise de Nilo Batista (p.106-7) aponta que:

Assistimos à ultrapassagem de sua função comunicativa para “executivização dessas agências de comunicação social do sistema penal”. Ele aponta a necessidade que o empreendimento neoliberal tem “de um poder punitivo onipresente e capilarizado, para o controle penal dos contingentes humanos que ele mesmo marginaliza”. É por isso que os discursos que legitimam a crença como rito sagrado na solução de conflitos são estimulados e incorporados à massa argumentativa dos editoriais e crônicas de jornal. Esses processos sincrônicos estão todos impregnados do medo. De um medo que é insegurança generalizada, mas que se desdobra em um medo cotidiano muito concreto. Esses processos se transformam assim em discursos, em teorias criminológicas baseadas num senso comum, mas que revigoram a ode ao extermínio e pedem por políticas criminais com derramamento de sangue.

A violência urbana na década de 90 é marcada de uma maneira geral pela

acentuação de um processo de extermínio da população pobre e negra de favelas,

bem como seu encarceramento. Merece destaque também três acontecimentos com

repercussões internacionais que contaram com a participação direta de policiais e

até hoje não esclarecido processualmente manchando de sangue a capital do

purgatório da beleza e do caos29: as chacinas da Candelária, Vigário Geral e Acari.

Também se acentua a propagação da procura por segurança privada e

aumento nas grades do condomínio30, transformando-as em um mercado

extremamente promissor. Há quem diga que o ramo de segurança privada no Brasil

é o mais lucrativo do mundo.

Na presente década cujo recorte da violência urbana, em particular do tráfico

de drogas no Rio de Janeiro, será mais explorada no capítulo seguinte, pode-se

destacar alguns aspectos como: elevado crescimento nas taxas de homicídios

sobretudo de jovens pobres; mudança legislativa com aumento de pena para o

traficante de drogas; complexificação, heterogeneidade e fragmentação do tráfico e

surgimento das “milícias”; crise no padrão de acumulação do mercado do tráfico e

ingresso cada vez mais precoce de jovens na atividade.

29 “Rio 40º Graus.” Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Carlos Laufer, 1992. 30 “Me deixa”. De Marcelo Yuka, 1999.

59

A leitura que se faz desse fenômeno do tráfico de drogas corresponde ao

estabelecimento de um terreno fértil para aquisição de mão-de-obra barata dessa

empresa capitalista que se constitui maciçamente jovem despossuída de proteção

social com a atrofia do Estado engendrada pela ofensiva neoliberal. O tráfico de

droga mostrado quase que exclusivamente como aquele dos varejos e morros,

representa apenas a escala mais baixa desse ramo mercadológico que é

extremamente lucrativo movimentando bilhões de dólares envolvendo setores

políticos e econômicos internacionais e um canal de passagem e lavagem de

dinheiro de diversas atividades ilícitas. Segundo o especialista em Direito Penal Luiz

Flávio Gomes (2009), denomina-se crime organizado a atividade ilícita que mantém

a conjunção de alguns fatores, nos quais se destaca: hierarquia estrutural,

planejamento empresarial com claro objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos

avançados, conexão estrutural ou funcional com o poder público e/ou com o poder

político, ofertas de prestações sociais, alto poder de intimidação e conexão

internacional.31

Assim se propõe a necessária desconstrução do tráfico de drogas no varejo

das favelas e dos morros como categoria “crime organizado” e o entendimento do

varejo como a ponta do iceberg nesta atividade extremamente lucrativa.

31 Talvez a rede internacional de tráfico de drogas e armas pode se encaixar nesse conceito.

60

3 O PROGRAMA DE PROTEÇÃO A CRIANÇAS E

ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE: OBJETIVOS E

CONTEXTUALIZAÇÃO

Mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos, ou quase brancos Quase pretos de tão pobres E pobres são como podres E todos sabem como se tratam os pretos (Caetano Veloso, Gilberto Gil. Haiti, 1993)

3.1- A Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte

O PPCAAM- Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados

de Morte é coordenado nacionalmente pela Secretaria Especial dos Direitos

Humanos da Presidência da República através da Subsecretaria de Promoção dos

Direitos da Criança e do Adolescente. O PPCAAM tem como objetivo a preservação

da vida de crianças e adolescentes ameaçados de morte através de uma medida

protetiva especial buscando assegurar a garantia dos direitos fundamentais, tais

como o direito à convivência familiar, comunitária, educação, saúde, entre outros

(Garcia 2006). Essa política está norteada pelos seguintes princípios:

1– Prioridade Absoluta para a criança e o adolescente; 2– Doutrina da Proteção Integral (proteção física, psíquica e social); 3– Execução das ações de proteção sob a responsabilidade de entidades executoras, públicas ou privadas, conveniadas com o Poder Público; 4 – Máximo sigilo sobre a localização dos protegidos; 5– Não vinculação entre a concessão da proteção e eventual colaboração em processo judicial ou inquérito policial por parte do adolescente; 6– Apoio à família; 7– Possibilidade de manutenção da proteção enquanto durar a ameaça; 8– Respeito ao interesse dos protegidos e de suas famílias na inclusão e permanência nos programas de proteção, sendo privilegiado o princípio do maior e melhor interesse da criança e do adolescente; e 9- Trabalho em rede.

61

O surgimento do programa se deu como uma espécie de resposta e

preocupação governamental aos altíssimos índices de extermínio de crianças e

adolescentes, considerado um dos maiores do globo. Para se ter uma idéia, de 1993

a 2002, o número de jovens assassinados por armas de fogo cresceu 88,6%

(Waiselfisz 2004). Destaca-se aí que a implementação do programa esteve no bojo

da criação da SPDCA em 2002 através de intervenção governamental, na qual

ganha destaque na gestão do então ministro Nilmário Mirando que anos antes como

deputado já havia apresentado proposta de criação de um projeto de lei para o

programa.

A primeira experiência datou do ano de 2003 no estado de Minas Gerais e

atualmente o programa é executado em outras sete unidades da federação: Rio de

Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Distrito Federal, Pará, Pernambuco e Alagoas.

Ressalta-se que os programas, com exceção de Minas Gerais são executado por

organizações não-governamentais, geralmente com trajetória na área de direitos

humanos de crianças e adolescentes.

A principal referência em programa de proteção a pessoas ameaçadas que

permeou a implementação do PPCAAM é o PROVITA- Programa de Proteção a

Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, o único programa de proteção a pessoas

ameaçadas nos moldes da sociedade civil de expressão até então. Na trajetória do

PPCAAM observa-se, uma diferenciação do caráter dos programas, tanto no que se

refere à metodologia e normas de segurança quanto no seu aspecto político. A

principal “ruptura” que se estabelece diz respeito a não obrigatoriedade do

adolescente prestar o testemunho, algo que no PROVITA é fundamental para

permanência do usuário na rede de proteção.

Tal concepção se baseia em uma perspectiva de “ponderação de interesses”,

isto é, entre a necessidade de proteção de crianças e adolescentes ameaçados de

morte acionando toda uma rede de serviços da área da infância e juventude ou a

“desejosa pretensão punitiva do Estado frente a possíveis crimes que possam

emergir com a aparição do caso” (NICODEMOS 2006, p.12). Além disso, cabe

enfatizar que na grande maioria dos casos atendidos pelo PPCAAM não há

processo em que o adolescente se encontra testemunha em um processo judicial.

62

Outro aspecto relevante dessa diferenciação se refere ao aspecto de

legislação: enquanto o PROVITA se fundamenta na Lei 9807/99, o PPCAAM está

vinculado a Lei 8069/90- O Estatuto da Criança e do Adolescente que conforme

descrito nos capítulos anteriores se fundamenta em três pilares: proteção integral,

prioridade absoluta e pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Há que se

destacar que existe um projeto de lei no Congresso Nacional que regulamenta o

PPCAAM e esse mesmo projeto prevê que o dispositivo legal estará norteado pelos

parâmetros da Doutrina da Proteção Integral.

Assim, o PPCAAM compõe o chamado Sistema de Garantias de Direitos da

Criança e do Adolescente, formado por diversos órgãos que atuam na defesa,

garantia e controle social destes direitos. No decorrer deste capítulo, espera-se

traçar uma análise acerca da violência urbana na sociedade contemporânea fazendo

um recorte que privilegie a temática central do presente trabalho, isto é, o fenômeno

social do tráfico de drogas, especialmente em seu ramo do varejo que tanto vitimiza

crianças, adolescentes e jovens em especial no Rio de Janeiro.

Geralmente as equipes que executam o PPCAAM e acompanham os casos

são formadas por técnicos nas áreas de psicologia, serviço social e direito além da

equipe de apoio. Os casos são encaminhados ao PPCAAM através dos Conselhos

Tutelares, Poder Judiciário e Ministério Público. Uma vez observada a situação de

ameaça de morte, que se dá nas entrevistas de avaliação, conjugada com a

voluntariedade dos usuários em ingressarem na rede de proteção e não tendo

possibilidade de proteção por meios ditos como convencionais32, há o ingresso no

programa.

Uma vez ingressando no programa, o adolescente ameaçado e sua família

(no caso de a família também ingressar no programa) são deslocados para um local

afastado do risco de morte que ensejou a inserção no programa. O monitoramento

dos casos é feito através de visitas domiciliares e institucionais. Norteia o

32 Como a possibilidade do adolescente e/ou família se mudar para um local seguro sem a interferência direta do programa ou, considerando a gravidez do risco, o órgão solicitante aplicar a medida protetiva de acolhimento institucional ao adolescente em uma comarca distante do risco, entre outros.

63

acompanhamento do programa a articulação entre as diversas políticas de proteção

a criança e ao adolescente conforme preconizado no art.86 do Estatuto da Criança e

do Adolescente no sentido de se buscar a garantia dois direitos sociais desse

público em certa situação de vulnerabilidade afastado do seu local de origem.

Busca-se também o rompimento com as circunstâncias que geraram a situação de

ameaça de morte do adolescente, tornando a intervenção um desafio para seus

operadores.

Nesses cerca de seis anos de execução do programa pode-se ainda destacar

alguns aspectos como: consolidação de procedimentos no âmbito nacional;

expansão do programa para quase todas as regiões do país, especialmente os

estados com maiores índices de vitimização letal de crianças e adolescente; a

elaboração de um projeto de lei que regulamente o programa; a sua inserção na

Agenda Social do Governo Federal como uma das prioridades na política para

infância e adolescência e sua vinculação ao Sistema Nacional de Proteção a

Pessoas Ameaçadas.

Há que se observar que o Programa por si só é inócuo para a gradativa

redução da taxa de homicídios de crianças e adolescentes, isto é, pela

operacionalização do programa e especialmente que os assassinatos de crianças e

adolescentes não são, em sua maioria, precedidos de ameaça de morte. Todavia, a

execução deste serviço, fundamental no contexto atual, dever servir de subsídio

para uma atuação mais ampla no sentido de construir estratégias governamentais

de enfrentamento ao triste cenário em que os assassinatos de crianças,

adolescentes e jovens compõem o cotidiano de nosso país.

3.2- O PPCAAM no Rio de Janeiro.

O Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte

(PPCAAM) surgiu no Rio de Janeiro no ano de 2005 sendo executado desde então

pela Organização de Direitos Humanos Projeto Legal. Destaca-se que esta

organização não-governamental, pautada no dispositivo do art.87 V do Estatuto da

Criança e do Adolescente, possui há 15 anos uma trajetória voltada à intervenção

64

jurídico-social de defesa de direitos humanos, destacando-se aí a atuação com

adolescentes autores de ato infracional. Compõe a trajetória institucional a

participação e representação em espaços de controle social, no qual se destaca os

Conselhos e Fóruns de Direitos da Infância e Adolescência e entidade fundadora

da Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do

Adolescente (ANCED).

A temática do enfrentamento ao extermínio de jovens permeia o legado da

Organização de Direitos Humanos Projeto Legal que já atuara em meados da

década de 90 nos casos das chacinas da Candelária e Acari, por exemplo. Merece

destaque também a discussão que se faz acerca da ponderação de interesses em

situação de criança e adolescente testemunha.

Uma das principais características do PPCAAM fluminense, em relação a

outros estados, é o processo de continuidade que se dá na execução do PPCAAM

visto que a entidade gestora é a mesma desde sua implementação e a discussão

política que se faz nos espaços públicos acerca dos alarmantes índices de

vitimização letal infanto-juvenil. E nessa temática, o Rio de Janeiro possui um

destaque negativo.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)33, o

Estado do Rio de Janeiro possui cerca de 15,3 milhões de habitantes, sendo 38,4%

jovens de zero a 24 anos, distribuídos em 92 municípios. Levando em consideração

os dados do penúltimo Mapa da Violência (WAISELFISZ 2006) que faz um recorte

por unidades de federação, o Rio de Janeiro liderava a taxa de homicídios de jovens

de 15 a 24 anos, com uma média de 102,8 óbitos para cada 100 mil habitantes. Já o

mais recente Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros de 2008 (id.) , aponta

que dos 40 municípios com maiores taxas médias de homicídios em cada 100 mil

habitantes, 6 são do Estado do Rio de Janeiro.

Embora os dados de letalidade sejam fundamentais para a compreensão da

complexidade em que se encontra a violência urbana no Rio de Janeiro, o cenário

33 In: www.ibge.gov.br. Consulta em 31/03/2008.

65

que mais propõe assassinatos de crianças e adolescentes na maioria das vezes não

pressupõe uma ameaça anterior, mas as características dos adolescentes

assassinados são quase a mesma.

É esse contexto que permeia a execução do programa fluminense, entendida

como uma medida específica de proteção e uma medida afirmativa de direitos e

também se parte da perspectiva de construção de um novo ou novos projetos de

vida com essa parcela de sujeitos que chegaram à tamanha situação de

vulnerabilidade com a ameaça à cessação de sua própria existência através da força

da violência.

Por se tratar de um programa que se situa no bojo das relações políticos-

institucionais da política para infância e adolescência do Rio de Janeiro, muito das

vezes o PPCAAM se encontra no cerne das correlações de força e relações de

poder, muito das vezes contraditória, que demarcam essa política seja no âmbito

judiciário, Conselho Tutelar e executivo, por exemplo.

Como se observa na quase totalidade dos casos acompanhados pelo

programa, o estágio da ameaça de morte surge em meio a uma escala de não

garantia de direitos sociais fundamentais, como saúde, educação, assistência

social, convivência familiar, trabalho, etc.

66

4 ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE E SUA

INSERÇÃO NO TRÁFICO DE DROGAS NO RIO DE

JANEIRO

A gente não quer só dinheiro A gente quer dinheiro e felicidade A gente não quer só dinheiro, A gente quer inteiro não pela metade (Arnaldo Antunes, S.Brito, Marcelo Fromer. Comida, 1987) Não quero ter a terrível lamentação De quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada(Clarice Lispector. A Paixão segundo GH, 1964)

4.1- Metodologia e Coleta de Dados.

Neste trabalho, há o escopo de estabelecer uma análise quantitativa e

qualitativa acerca dos adolescentes acompanhados pelo Programa de Proteção a

Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte no Rio de Janeiro cuja ameaça de

morte se originou a partir do tráfico de drogas.

Nessa análise busca a construção de um arcabouço que estabeleça uma

visão de totalidade dos fenômenos sociais, considerando os indivíduos em suas

dimensões individuais, particulares e universais. O que se observa é que os fatos,

acontecimentos são produto de construções sociais que se dão em um modelo de

sociedade que parte do princípio em que as riquezas produzidas coletivamente são

acumuladas de forma desigual por uma pequena minoria, constituindo a partir

deste ponto as relações sociais.

As relações sociais, de acordo com os quais os indivíduos produzem, as relações sociais de produção alteram-se, transformam-se com a modificação e o desenvolvimento dos meios materiais de produção, das forças produtivas. Em sua totalidade, as relações de produção formam o que se chama de relações sociais: a sociedade e, particularmente, uma sociedade em um determinado estágio de desenvolvimento histórico, uma sociedade com caráter distintivo particular. (MARX apud IAMAMOTO & CARVALHO 2003, p.30)

67

Os olhares sobre o objeto, as idéias se constituem em um modo

historicamente determinado de se produzir e reproduzir a existência do homem.

Assim de acordo com Iamamoto & Carvalho (2003, p.30)

Neste processo se reproduzem concomitantemente as idéias e representações que expressam estas relações e as condições materiais em que se produzem, encobrindo o antagonismo que as permeia. Assim, a produção social não trata de produção de objetos materiais, mas de relações sociais entre as pessoas, entre classes sociais que personificam determinadas categorias econômicas. Na sociedade de que se trata, o capital é a relação social determinante que dá a dinâmica e a inteligibilidade de todo o processo da vida social.

Entendendo, portanto que os fenômenos ora analisados no presente

trabalho estão intrinsecamente conectados ao modelo de sociedade vigente em

que os adolescentes ameaçados de morte por seu envolvimento no tráfico de

drogas é uma das expressões, considerando as dimensões individuais, particulares

e universais.

Na pesquisa documental, buscou se utilizar o material que o PPCAAM-RJ

tem em seus registros. Deste modo, coletou-se um total de 28 casos em que a

ameaça de morte se deu pelo tráfico de drogas. Observa-se que é utilizada a

classificação das situações de ameaça que a Coordenação Nacional do Programa

realiza com todos as unidades de federação. Assim, as situações de ameaça são

as seguintes: envolvimento com o tráfico, ameaça policial, grupo de extermínio,

conflito com a comunidade, exploração sexual, testemunha.

O número referido representa o total de casos cuja ameaça se deu nesta

modalidade entre julho de 2007 e junho de 2009, bem como alguns cruzamentos

com as estatísticas gerais do programa. O recorte temporal privilegiou a

contemporaneidade do fenômeno.

Destarte, se utilizou os seguintes instrumentais:

68

1- Ficha Cadastral - Formulário em que há o preenchimento de

informações gerais sobre o caso do adolescente ameaçado, sendo

preenchido pelos técnicos.

2- Termo de Declarações - Documento elaborado pelos técnicos do

programa na ocasião da entrevista de avaliação de caráter

descritivo contendo informações sobre ameaça de morte e

encaminhamentos dados ao caso.

3- Planilhas Eletrônicas - Documentos eletrônicos em que são

preenchidas e arquivadas as informações mais relevantes dos

casos. Utilizou-se de duas: uma de controle interno do PPCAAM-

RJ e outra encaminhada mensalmente à Coordenação Nacional

pelos estados que executam o programa.

Há que se registrar ainda o zelo que se buscou na coleta e apresentação das

informações com ênfase no caráter sigiloso do programa.

Tais coletas documentais se associam à investigação bibliográfica,

especialmente aquelas que buscaram tratar o fenômeno nesses últimos anos,

contando também com recurso de matérias publicadas em jornal e a contribuição da

pesquisa via Internet.

Espera-se assim a partir dessas informações, contribuir para uma maior

compreensão desse fenômeno, desmistificar alguns conceitos utilizados pelo senso

comum e produzido e reproduzido pelos meios de construção da verdade, sobretudo

a grande mídia, qualificando a intervenção do Programa de Proteção e propor

alternativas de enfrentamento a esse cenário que tanto viola os valiosos direitos

humanos.

69

4.2- Adolescentes ameaçados e suas relações com o tráfico de drogas

no Rio de Janeiro.

Como se observou ao longo do capítulo passado, devido às mortes e prisões

dos traficantes mais velhos, o controle do mercado do varejo de drogas ficou nas

mãos de cada vez mais jovens, reduzindo de forma significativa a média de idade

dos mesmos. Importante observar que até meados da década de 80 e início da

década de 90, o trabalho de crianças e adolescentes no tráfico geralmente se

baseava nas funções de hierarquia mais baixa.

Merece também destaque a generalização da extorsão policial, as transações

comerciais envolvendo “mercadoria política” (MISSE 2006) e aumento no poderio

bélico para a generalização e recrudescimento da violência nos conflitos armados.

Basicamente pouco se alterou em relação a estrutura organizacional do

tráfico que remonta desde a década de 60. Isto é, em cada uma das redes do varejo

delas há um dono responsável pelo território, seguido do gerente geral e demais

gerentes, os soldados responsáveis pela defesa armada e proteção armada da

“firma”, os endoladores (que separa e embala a droga em pequenas quantidades),

vapores (que vende a droga no varejo) e aviões (que vigia a polícia e indica os

clientes para a compra). (AZEVEDO 2006, MISSE 2006, OFRJ 2006, CRUZ NETO

et all 2001, RAMOS 2009)

A comercialização do varejo se dá principalmente através da venda por

consignação e não se percebe uma estrutura de uma rede homogênea, pelo

contrário, a tendência é pela cada vez mais heterogeneidade nos territórios de

comercialização de drogas no varejo - cada uma das facções (CV, ADA, TC)

geralmente se unem entre si em ações para suporte bélico, invasão de território ou

para proteção quando há ameaça de facção rival, embora a identificação simbólica

com as facções seja um componente expressivo inclusive para os moradores das

favelas que não são do tráfico, o que é a grande maioria dos casos.

70

O poderio bélico e econômico e especialmente a ausência do poder público

na garantia dos direitos sociais e a histórica repressão aos moradores de favelas fez

e faz com que essas facções “ditem” as regras dentro desses espaços, julgando e

arbitrando de acordo com suas determinações. Muitos são os exemplos de

moradores expulsos, senão mortos por desrespeitar uma norma estabelecida pelo

tráfico. Contudo, não se trata de um “Estado paralelo” como se costuma propagar,

mas a ação opressora e omissa do poder público com essas populações,

historicamente excluídas da riqueza socialmente produzida.

Cabe ainda antes de entrar na análise dos dados que se direciona do

pressuposto que o ingresso e atuação de crianças, adolescentes e jovens no

comércio ilícito de drogas se constitui como trabalho. E das piores formas de

exploração do trabalho infantil de acordo com a OIT - Organização Internacional do

Trabalho. Assim, de acordo com a Convenção 182 (1999), o trabalho de crianças e

adolescentes no tráfico se constitui duas das quatro consideradas piores formas:

(a) Todas as formas (...), inclusive trabalho forçado ou compulsório de crianças e adolescentes para serem utilizados em conflitos armados; (b) Utilização, demanda e oferta de crianças para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes.

4.2.1- Perfil dos adolescentes:

75%

25%

Sexo

Masculino

Feminino

Gráfico 1

71

Embora haja uma predominância do sexo masculino, pode-se considerar que

tal estimativa não se difere muito das proporções que se faz nos casos

acompanhados do PPCAAM de um modo geral. Para se ter uma idéia, desde 2005,

30% dos adolescentes protegidos são do sexo feminino e no último ano esta taxa

caiu um pouco para 18%.

Todavia quando se faz uma comparação com outros índices no contexto da

violência, a disparidade é muito maior. De acordo com o IHA - índice de homicídios

na adolescência (OFRJ 2009), a chance de um adolescente do sexo masculino ser

vítima desse tipo de violência é de 12 maior e dos adolescentes em cumprimento de

medidas sócio-educativas em meio fechado (internação e internação provisória) 90%

eram do sexo masculino. (ROCHA apud CONANDA & SEDH 2006).

Como se observa, há um forte recorte na questão de gênero quando se

analisa a violência contra adolescente em particular a violência letal ou a ameaça

dela. Isto aponta, de certo modo, que se não forem criadas políticas específicas de

enfrentamento à letalidade, haverá na população adulta uma acentuada disparidade

populacional entre os sexos.

Chama atenção ainda que dos casos cujas ameaças de traficantes de drogas

são direcionadas ao sexo feminino se dão em sua grande parte por envolvimento

amoroso das adolescentes pelos trabalhadores do tráfico. Não é de se espantar que

em um contexto marcado por privação de bens materiais na sociedade que se

estabelece pela busca desenfreada pelo consumo (que é quase sinônimo de poder),

há certa atração dessas meninas pelos homens integrantes do tráfico.

Na atual sociedade de consumo em que vivemos, onde a dimensão do ter ofusca a do ser, é difícil encontrar um adolescente que não queira aquela roupa de marca que todos do grupo desejam, ou então aquele tênis ou aquela moto que chama a atenção do sexo oposto. (GARCIA & SIMAS 2009)

Além disso, há uma construção social nas favelas/ periferias de poder

elevado das mulheres que são namoradas de traficantes. Pode-se citar como

exemplo, um caso que a adolescente transportava certa quantidade de drogas para

72

outra favela a pedido do namorado que atuava no mercado do varejo do tráfico.

Pega em flagrante pela polícia, a adolescente passou para o estágio de ameaçada

de morte.

Embora alguns estudos recentes têm demonstrado um sensível crescimento

de mulheres inseridas no trabalho do tráfico chegando a ocupar alguns cargos altos

na hierarquia do varejo, raramente o PPCAAM-RJ acompanhou casos nessas

características.

Cor

32%

54%

0%0%0%

14%BrancaPretaAmarelaPardaIndígenaIgnorado

Gráfico 2

Quando se faz a estatística por cor, 54% se declararam pretos, enquanto

brancos e pardos correspondem respectivamente às cifras de 32% e 14%. Ressalta-

se que a metodologia utilizada na ficha cadastral se baseia em autodeclaração,

assim como trabalha o IBGE. Utiliza-se o recorte por cor como indicador específico

das condições de acesso aos direitos, diferenças e desigualdades que se estabelece

pela cor da pele em nosso país buscando elementos para o entendimento do

processo de discriminação racial existente. Assim, busca-se para maior

compreensão desse processo histórico à desigualdade que se dá entre brancos e

não brancos.

Fazendo cruzamento de dados com o Sistema Sócio-Educativo, observa-se

que nos regimes de internação e internação provisória 63% desses adolescentes

não eram brancos e destes 97% eram afrodescendentes e a taxa de analfabetismo

entre os negros está na faixa de 13% e 6% entre os brancos nas áreas urbanas

73

(ibid.) No IHA, que analisa os assassinatos na adolescência nas cidades brasileiras

com mais de 100mil habitantes, a chance de ser vítima de violência letal é 2,6 maior

do adolescente negro ou pardo34.

Tais informações corroboram que o caminho a percorrer para a tão falada

democracia racial no Brasil é ainda muito extenso. Como tem se observado ao longo

deste trabalho que manteve a inquietude de resgatar continuamente a formação

social brasileira, há uma dívida social imensa com as populações pretas e pardas no

nosso país mesmo passado 110 anos da abolição oficial da escravatura e uma

tentativa ainda tímida de implantar políticas de cotas como afirmação de direitos.

Como diria o poeta João Nabuco, “a escravidão permanecerá por muito tempo como

a característica nacional do Brasil”35.

Assim, de acordo com a análise de Sales (2007, p.)

A população jovem de bairro e comunidades pobres é alvo também da limpeza étnico-social contra negros, pardos e mulatos da parte de grupos de justiceiros, exterminadores, policiais, dentre outros. Isso mostra que o traço étnico-racial combina-se, sob a forma de opressão, à exploração e á violência, significando mais um fator de vulnerabilidade em geral e em particular, dos adolescentes pobres brasileiros. São discriminações, como se sabe, que atualizam o drama da inexistência da cidadania dos tempos pré-republicanos.

Um dado que chamou a atenção nesse recorte, é que as taxas de

adolescentes brancas do sexo feminino é mais elevada chegando a 50% no período

avaliado.

34 Porém, o documento adverte que enquanto o IBGE trabalha com autodeclaração, os índices mostrados se baseiam em informações dos documentos preenchidos pelos funcionários públicos que preenchem os documentos de certidão de óbito. Outrossim, são dados de relevância para uma análise qualitativa dessa disparidade. 35 Nabuco, Joaquim. “Noites do norte”.

74

0

5

10

0-9anos

11anos

13anos

15anos

17anos

19anos

21anos

S1

Idade

Gráfico 3

No que se refere à idade dos meninos inseridos no programa cuja ameaça de

morte se deu pelo tráfico de drogas, há maior concentração nas idades entre 14 e 16

anos. Observa-se que fazendo uma análise histórica dos casos do PPCAAM-RJ, nos

últimos anos a idade média dos adolescentes protegidos tem diminuído, e que essa

amostra corrobora com isso, inclusive apresentando um caso cuja ameaça se deu a

uma criança de onze anos.

Tais fatores se encontram sintonizados sobre o que apontam estudos

recentes como o feito em 2006 pelo Observatório de Favelas sobre meninos no

tráfico e o Mapa da Violência (Waiselfisz 2006) que tanto o ingresso de meninos no

tráfico e as mortes por assassinatos tem nos últimos anos atingido idades mais

baixas, complexificando ainda mais o problema, configurando-se assim um triste

quadro de sujeitos que têm suas vidas interrompidas em função da violência antes

mesmo de chegar à adolescência.

No outro patamar, o número de jovens36 que recém completam a maioridade

e são vítimas de homicídios é extenso, considerando que os mesmos já não contam

com o suporte da Doutrina da Proteção Integral. Urge a implementação de políticas

públicas para as Juventudes do nosso país.

36Há o ingresso de jovens ameaçados de morte no PPCAAM de 18 a 21 anos quando os mesmos recebem extinção da medida ou passam a cumprir medida sócio-educativa em meio aberto e não podem retornar para suas residências em função da situação de ameaça de morte.

75

41%

10%

45%

4%Escolaridade

Analfabeto 1-4a série incompleta do ensino fundamental

4a série completa do ensino fundamental 5-8a série incompleta do ensino fundamental

Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto

Ensino médio completo Educação superior incompleta

Gráfico 4

No tocante à escolaridade, as taxas se encontram bem divididas entre

aqueles que estão entre o 1º e 4º ano do Ensino Fundamental e os que estão entre

o 5º e 9º ano do Ensino Fundamental. Todavia, nestes casos, os adolescentes

estavam cursando (ou cursaram) os primeiros anos desse segundo ciclo do ensino

fundamental. De uma forma geral, se percebe um cenário de baixa escolaridade: se

a média de idade oscila entre 14 e 16 anos, de acordo com o ciclo que seria o

padrão esperado, pois se geralmente o processo de escolarização tem início aos

cinco anos, esses adolescentes deveriam estar ingressando o ensino médio.

Apenas um caso analisado cursava o ensino médio que também não

representava o perfil predominante nesta pesquisa: tratava-se de adolescente do

sexo feminino e branca.

Ainda na análise dos dados de escolarização, há de se reconhecer alguns

obstáculos para se fazer uma compreensão mais aprofundada da temática como:

adolescente que está matriculado em um ano letivo, mas não está freqüentando;

adolescente que estudou em regime de ciclos cursando mais de uma série em um

ano; adolescentes que completaram ou estão em fase de conclusão do primeiro

ciclo do Ensino Fundamental que sequer domina escrita ou leitura.

Há de se registrar que o acesso à escola pública nessas duas décadas de

constituição cidadã melhorou. De acordo com o censo do IBGE (2004) Cerca de

76

97% das crianças e adolescentes freqüentavam o ensino fundamental. Porém há

muito que se fazer em relação a melhorias na qualidade do ensino público. O

recentíssimo resultado do Exame Nacional do Ensino Médio37 comprova que das

100 escolas que obtiveram as maiores notas, 83 pertencem a instituições privadas.

Tais fatores indicam um abismo social entre crianças e adolescentes de classes

mais abastadas em relação aquelas de famílias mais pobres e deflagra que a

educação brasileira de qualidade permanece entregue ao grande capital.

Uma das formas de prevenção e criação de alternativas ao ingresso de

crianças e adolescentes no ciclo da violência, em particular da violência letal, é o

investimento em políticas de educação que seja pública e de qualidade, atreladas ao

direito de atividades culturais, artísticas, esportivas e de lazer. Destaca-se que os

exercícios a tais atividades sejam efetivados sob o âmbito do exercício de um direito,

uma vez que, em diversos programas em variadas instituições principalmente do

chamado Terceiro Setor, sob a ótica da eficiência e eficácia, reproduzem uma lógica

conservadora de que o ingresso de crianças e adolescentes de setores populares

em tais atividades estariam “tirando a criança do vício, do tráfico” ou “ocupando um

tempo ocioso”, enquanto que as mesmas atividades quando exercidas por crianças

e adolescentes de setores de maior poder aquisitivo são consideradas como aquelas

que a tornem mais sofisticadas e cultas. O que por si só tal compreensão é

reprodutora de violência.

A educação é lócus privilegiado de desenvolvimento de uma sociedade e seu

acesso bem como a qualidade deve ser uma das prioridades governamentais em

uma tentativa de romper com o ciclo de violência que tanto assola crianças,

adolescentes e jovens. Não obstante, a educação deve vir acompanhada da

garantia de outros direitos sociais que conformam o Estado Democrático de Direito.

Em relação à renda, optou-se por não apresentá-los no formato de gráficos

como tem sido os outros itens, uma vez que constatada a dificuldade em estabelecer

alguns dados. Isto se exemplifica pela dinamicidade e ausência de uma renda fixa

mensal destes adolescentes cuja realidade sua e de seus pais é marcada por

inserções em sub-empregos, oscilando os valores entre as semanas e os meses. 37 In: www.oglobo.com.br Consulta em 30/04/09.

77

Mas pode-se apontar que a renda média das famílias desses adolescentes

ameaçados por tráfico gira entre meio salário mínimo e um salário mínimo e meio.

Percebe-se um aumento na renda dessas populações a partir da expansão dos

programas assistenciais, em particular o PBF - Programa Bolsa-Família que embora

tenha diminuído sensivelmente alguns bolsões de misérias tem sido ainda inócuo

para a diminuir a enorme parcela de miseráveis no nosso país. Além disso, tais

políticas não terão êxitos se vierem acompanhadas do sucateamento da previdência

social, da saúde pública e da precarização do trabalho e aumento do desemprego e

sub-emprego. (MOTA 2008)

Nos casos apreciados, 43% deles são oriundos da capital, enquanto 32% e

21% as ameaças se deram no interior do estado e região metropolitana

respectivamente. O que se observa é que há em curso uma tendência ao

deslocamento e expansão da violência para o interior dos estado, fato também

observado pelo último Mapa da Violência dos municípios (Waiselfisz 2008). Por

outro lado, as solicitações de casos ao programa de proteção, de certo modo, não

seguem um padrão fixo (ameaça-encaminhamento) uma vez que ela depende de

vários fatores, nos quais se destaca: possibilidade da família ou órgão de prevenir

ou reprimir o risco de morte por meios convencionais; capacidade de articulação

política e reconhecimento de suas atribuições legais das portas de entrada do

programa; repasse de conhecimento do programa de proteção. Tais fatores geram

uma espécie de desafio dessa política de proteção uma vez que alguns municípios

com altos índices de letalidades de jovens acionaram poucas vezes o programa.

Outra questão emblemática que passa a ser quase uma fotografia desses

meninos e meninas ameaçados de morte é de sete em cada dez casos a referência

familiar principal ser a mãe. Tais fatores conformam o novo modelo de família que se

apresenta com a configuração monoparental se acentuado nas populações pobres e

a mulher tendo que exercer múltiplas atividades para garantir o cuidado de seus

filhos. Embora haja uma construção do senso comum que tende a culpabilizar

excessivamente os pais/ a família pelo envolvimento de crianças, adolescentes e

jovens com atividades ilícitas, deve-se compreender o significado de família hoje

fazendo o recorte acerca da situação das famílias pobres brasileiras, sobretudo no

papel que a mulher vem assumindo nesse cenário de barbárie capitalista.

78

O que se observa, então, no Brasil, em todas as classes sociais e com maior ênfase nas camadas médias e populares, é uma erosão da capacidade da família em termos de aglutinação e regulação dos indivíduos para a vida em sociedade. E isto torna-se um problema mais amplo, na medida em que o Estado na atual conjuntura, deliberadamente desinteressa-se de tudo que concerne à reprodução dos trabalhadores e suas famílias, disponibilizando-a para a capitalização e para a privatização. Logo, às famílias brasileiras cabe mover-se entre uma dilacerada rede de proteção social e múltiplas e exaustivas estratégias de sobrevivência, o que concorre para tornar mais frágeis os vínculos sociais e pessoais num país onde a cidadania é um sonho distante. (SALES 2007, p.71)

Essa condição segundo a mesma autora faz com que cada vez mais para

garantia de seus sustentos, mães e filhos (crianças e adolescentes) ingressem no

mercado de trabalho às vezes de forma muito precoce conduzindo uma redefinição

nas relações de sociabilidade e hierarquia familiar.

4.3- Principais ameaças do Tráfico de Drogas e sua inserção na

violência urbana hoje.

Em primeira vista, vale destacar a dificuldade que se encontra no sentido de

traçar um paralelo objetivo das principais situações de ameaças de morte

perpetradas pelo tráfico de drogas no PPCAAM-RJ bem como estabelecê-la como

elementos para compreensão do fenômeno da violência urbana no Rio de Janeiro

hoje, sobretudo pela conjunção de muitos fatores que levaram aos adolescentes à

situação de ameaça (inclusive em alguns casos serem mais de um os motivos) e a

complexidade com que se encontra o tema da violência no contexto fluminense

hoje marcada por heterogeneidades.

Assim, de acordo com os casos em análise, podem-se mencionar as

principais ameaças detectadas, sendo aqui expostas em ordem decrescente:

a) Práticas de roubos e furtos em territórios dominados pelo tráfico: Como,

conforme mencionado, o poder do tráfico exerce um domínio territorial que se

expressa principalmente através da força, há uma regra estabelecida em quase

todas as favelas dominadas por tráfico: a reprovação da prática de roubos e furtos

79

nesses locais ou em áreas próximas. A justificativa apresentada se dá pelo papel

muito das vezes exercido pelo tráfico como mediador das relações de conflito

dentro de seu território, preocupação com a repressão policial em áreas próximas

às favelas inibindo o deslocamento dos consumidores ou a cobrança de restituição

do valor subtraído, gerando dívidas. Cabem ainda duas considerações: não há

registro de repulsa aos adolescentes que praticam roubos/ furtos fora da área de

domínio territorial do tráfico e dos casos analisados já há um histórico de práticas

de roubos e furtos desses adolescentes - o que dá uma dimensão que nem todas

práticas desse tipo representariam diretamente uma situação de ameaça de morte.

b) “X-9” ou delator: Situação em que o adolescente fornece informações de

atividades ilícitas consideradas relevantes realizadas pelo tráfico a terceiros,

geralmente a policiais e em um caso analisado, delação à outra facção. O delator,

sob a alcunha de “X-9” possui pouca tolerância do tráfico cuja descoberta de

delação, de certa forma, corresponde a uma ameaça de morte iminente. Tal

suposição se observa quando em muitos casos analisado somente o contato e o

diálogo com policiais, já se tornaram suficientes para se recair uma desconfiança

do tráfico e, por conseguinte a ameaça de morte. Chamou a atenção um caso em

que um adolescente que fazia biscates entregando drogas foi pego no “asfalto” por

policiais e obrigado a revelar os locais de pontos de venda com o rosto coberto por

um pano.

c) Desejo de abandonar o tráfico com furto: Os estudos recentes têm

apontado que no trabalho do tráfico há uma grande rotatividade de pessoas e que

não há grandes represálias aos que deixam o tráfico (OFRJ 2006). Dois casos

apresentaram esta característica sendo que em um deles, o adolescente jogou fora

o rádio de comunicação do tráfico e outro fez “desaparecer” consigo duas pistolas.

d) Queima de arquivo: situação em que o adolescente testemunhou um ato

praticado por traficantes, geralmente assassinato. Chamou atenção um caso em

que o adolescente testemunhou o assassinato de seu próprio padrasto.

80

e) Perda da Carga - quando o adolescente atuante no tráfico fica

responsável por tomar conta de uma certa quantidade de drogas ou armas e as

mesmas desaparecem na contabilidade do tráfico.

f) Dívidas com o Tráfico - situação em que o adolescente contrai dívidas com

a boca de fumo por aquisição de drogas e não apresenta recursos financeiros para

cobrir a dívida. Ressalta-se que em ocasiões de perda de carga e pratica de roubo,

também podem se contrair dívidas.

g) Troca de Comando - Havendo mudança de comando no domínio armado

no território por outra facção e o adolescente outrora pertencente à força anterior é

expulso e ameaçado pelo novo comando. Há registro de um caso de um

adolescente ameaçado na ocasião de ocupação por milícia.

h) Envolvimento Amoroso - talvez a mais controversa. Embora possam

acarretar a ameaça em outras modalidades acima, pode surgir a situação de risco

em função de um envolvimento amoroso com algum integrante do tráfico.

Geralmente são ameaças direcionadas ao sexo feminino e no histórico do

programa há registro de ameaças em função da adolescente terminar o

relacionamento amoroso ou de trair o namorado traficante. Há um caso curioso

desses analisados em que o adolescente sofreu ameaça por ter tido um

envolvimento amoroso com a namorada de um traficante38.

Um aspecto importante que se vê na maioria dos meninos atendidos no

PPCAAM e apontado pelo estudo do Observatório de Favelas de 2006 é o pouco

ou quase nenhum exercício do chamado direito à cidade pelos adolescentes

envolvidos com o tráfico. Isto é, entende-se como a cidade como espaço público de

circulação, dos encontros e acesso das pessoas a esses lugares. O que se vê, no

entanto é uma crescente segmentação da população pobre em espaços populares.

Cito como exemplo a realização de encontro de grupo de mães do PPCAAM no

espaço da UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro que se situa em

frente ao Estádio do Maracanã, em um desses encontros algumas mães

38 “fura-olho” segundo o gíria utilizada.

81

(originárias em sua maioria da cidade e região metropolitana do Rio de Janeiro)

sequer tinham visto o estádio de perto (a não ser passando de trem) muito menos a

referida universidade pública. Trata-se de uma lógica perversa que vem sendo

engendrada e afastando mais o convívio com a diferença que é notória da cidade e

muitos deles são sente pertencentes a este tecido social, enfermando a

democracia.

Muito desses meninos em espaços populares como apresentações

artísticas, bailes costumam se referir com orgulho e identidade sobre a favela de

origem. Porém em espaços mais formais como locais de trabalho (por exemplo) há

certo receio em dizer onde residem pela perversa associação que se faz entre

favela e violência.

Outro aspecto a ressaltar é que os adolescentes trabalhadores do tráfico

ocupam uma rotina de trabalho excessiva, completamente insalubre, o que por si

só já o caracteriza, conforme mencionado, como uma das prejudiciais formas de

trabalho. De acordo com a pesquisa realizada pelo Observatório de Favelas (OFRJ

2006) quase 60% dos entrevistados afirmaram trabalhar pelo menos 10 horas por

dia sem intervalos e 57,4% afirmaram não ter nenhuma folga.

Embora haja poucos estudos recentes publicados e a análise dos casos

atendidos pelo PPCAAM pode fornecer um recorte pontual, destacam-se aspectos

sobre o tráfico de drogas e a violência urbana no Rio de Janeiro no final da primeira

década deste novo século. (RAMOS 2009)

I- Crise econômica do tráfico- O mercado do tráfico que emergiu nos anos 80

e 90 com o boom da cocaína, não se encontra com a explosão de lucratividade de

outrora. Como apontou o mais recente estudo sobre o tema no Rio de Janeiro

(OFRJ 2006), de uma forma geral o trabalho do tráfico diminui seus ganhos. Alguns

meninos optam por praticar roubos de carro e assaltos fora das favelas por ser

mais rentável economicamente, embora os riscos de morte e prisão sejam mais

elevados. A “crise” se instaurou através da conjunção de alguns elementos:

aumento da repressão policial ocasionando valores mais elevados de mercadoria

política e aquisição de mais armas de fogo com maiores poderes destrutivos; certa

82

inibição de consumidores para se deslocar aos pontos de venda devido à

intensificação dos confrontos; aumento do consumo da classe média (de maiores

poderes aquisitivos) de drogas sintéticas que em muito das vezes são traficadas

pela própria classe média e comercializadas em condomínios, prédios e festas;

heterogeneidade nos domínios de território se intensificando com o surgimento das

“milícias”.

II- A explosão do Crack- Considerada de um elevado poder destrutivo, o

crack que se extrai da pasta da cocaína e produz um intenso efeito alucinógeno

tem intensificado seu uso nos últimos anos no Rio de Janeiro. A grande parcela

dos jovens usuários de drogas que se encontram no PPCAAM são ou foram

usuários deste entorpecente cuja explosão de consumo se dá principalmente por

seu baixo preço de venda. O crack39 pelos seus efeitos e por toda situação de

alarme gerado pela opinião pública acrescida pela carência de políticas de saúde

de atenção ao uso e abuso de álcool e outras drogas tem se tornado um elemento

relevante no contexto da violência urbana carioca e fluminense.

III - As Milícias - Formadas por policiais, ex-militares e integrantes de grupos

de extermínio em seus comandos, as milícias, como forte expressão da violência,

se instaurou no Rio nos idos de 2006 e tem sua base na dominação tirana de

territórios cobrando taxas ilegais e abusivas de moradores de favelas e periferias

para serviços de seguranças, tv a cabo, botijão de gás e serviços de transportes

alternativos, entre outros sob a égide da proibição de roubo e tráfico de

drogas40(CANNO & LOTT 2008, SIMAS & LACERDA 2008). Esses grupos usam e

abusam de práticas repressoras aos moradores de comunidades pobres como a

extorsão, seqüestro, tortura e mortes cessando liberdades individuais e direitas

civis de milhares de cariocas. Embora a maior parte geográfica ocupada pelas

milícias não possuíam um histórico efetivo de controle armado pelo tráfico de

drogas, não são raros os confrontos bélicos por disputa territorial entre esses

grupos e os traficantes, complexificando ainda mais a violência. Atualmente, esses

39 Há relatos de adolescentes atendidos pelo PPCAAM que faziam uso de uma droga denominada pelos mesmos de Desireè, uma mistura de crack com maconha. 40 Embora haja alguns registros de venda de drogas em territórios controlados pelos milicianos. (CANNO & LOTT 2008)

83

grupos exercem dominação de território de praticamente todas as comunidades

pobres da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, área mais extensa e populosa.

IV - Heterogeneidade do fenômeno - Nesses finais de década percebe-se a

violência urbana no Rio de Janeiro cada vez mais emblemática e heterogênea.

Considerando que a violência no Rio de Janeiro entre grupos armados ilícitos se

dão especialmente por domínios e disputas por territorialidade(SILVA et all), pode-

se dizer hoje que as favelas e periferias dominadas por grupos armados ilícitos se

dividem em quatro: Milícias, CV-Comando Vermelho, TC- Terceiro Comando, ADA-

Amigo dos Amigos e nas áreas dominadas por esses grupos há grandes

disparidades- seja na lucratividade de suas atividades ilícitas, no poderio bélico de

cada território, seja nos variáveis níveis de repressão desses grupos em

determinados territórios.41

De outro modo, há um plano de fundo fundamental no estabelecimento

desses grupos, na relação entre eles e na relação com o Estado e sociedade de

uma forma geral no fenômeno da violência: a atuação das policiais militares e civis.

Seja no genocídio praticado por elas42, na política de segurança pública que preza

pela exacerbação da repressão e da conivência e corrupção que historicamente

mancham as relações entre as policiais e a sociedade.

Assim, na complexa teia que envolve a situação de crianças e adolescentes

envolvidos no tráfico e a situação de ameaça de morte, bem como as altas taxas

de letalidade na violência gerada por esse comércio ilícito, cabe ainda algumas

sinalizações. Se a ameaça perpetrada pelo tráfico se constitui como aquela

modalidade de risco de morte que mais corresponde aos meninos protegidos seja

no PPCAAM-RJ ou em outros estados que dispõe em sua totalidade estimativas

41 Implantada inicialmente no final do ano passado através do Governo Sérgio Cabral as UPP- Unidades de Polícias Pacificadoras já ocupam quatro favelas na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com seu conceito, esse modelo prevê uma espécie de “ ocupação social” através do Estado pela Segurança Pública em áreas de favelas e periferias. Ainda não se possuem elementos suficientes para se avaliar tais políticas, mas é fundamental a ocupação do Estado em áreas de maiores vulnerabilidades e que essa ocupação seja acompanhada de outras políticas públicas de qualidade e baseada no respeito aos direitos humanos. Todavia, há alguns relatos de comportamentos criminalizadores dos agentes com a população favelada sob uma ótica conservadora e preconceituosa e um fato polêmico nesse contexto foi a proibição de realização de bailes funk em locais ocupados pela UPP, o que ao meu ver já fere direitos fundamentais. 42 Em recente matéria, a polícia do Rio de Janeiro fora considerada a mais letal do mundo.

84

semelhantes, pode-se dizer que as situações geradoras de maiores cifras de

extermínio de adolescentes envolvidos com o tráfico não incidem, de uma forma

geral, em decorrência das seis tipologias apresentadas.

Seja através de relatos dos próprios adolescentes, seja nas mais variados

estudos sobre o tema (MISSE 2006, OFRJ 2006, SOARES 2000, ZACONNE 2008)

os maiores óbitos por homicídios desses jovens ocorrem nas situações onde há os

confrontos armados que podem ser de dois tipos: disputa por território e incursão

policial.

Não se quer dizer com isso que não sejam alarmantes as mortes ocorridas

por conseqüência das situações mencionadas. Muito pelo contrário e ainda tem as

situações de homicídios ocorridas por conflitos interpessoais seja pelo tráfico ou

não cujo contexto de fácil obtenção de armas de fogo e resolução dos conflitos pelo

viés da violência seja latente. Além disso, a análises dessas tristes histórias, as

centenas de vidas que são preservadas é um campo fértil de subsídios para a

construção de políticas eficazes ao enfrentamento do extermínio de crianças e

adolescentes.

4.4- Considerações Finais.

A crescente e emergente inserção de crianças, adolescentes e jovens no

mercado ilícito do tráfico de drogas tem ganhado contornos expressivos nos últimos

anos seja tanto pela extensa cobertura midiática que se faz sobre a temática, quanto

os elevados índices de homicídios praticados direta ou indiretamente na

movimentação desse mercado, fazendo com que o Brasil e em particular o Rio de

Janeiro batam recordes de mortes desses sujeitos que sequer chegam à idade

adulta. (WAISELFISZ 2006)

Na atenção a este fenômeno de desvalorização do direito à vida, cabe

algumas problematizações desenvolvidas ao longo desse trabalho. O primeiro delas

diz respeito ao público específico que sofre essas violências: populações

socialmente excluídas da garantia dos direitos de dignidade. Para se ater à situação

85

de crianças, adolescentes e jovens nessas condições na contemporaneidade é

notório que se compreenda o lastro histórico de condições de subalternidade,

repressão e assistencialismo a que passaram esses sujeitos na formação social

brasileira que só teve um reconhecimento ao menos no âmbito legal como sujeitos

de direitos 168 anos depois da independência do Estado Brasileiro.

O segundo aspecto diz respeito às opções político-institucionais adotados

pelo Estado ao longo de nossa trajetória para o enfrentamento da criminalidade, em

consonância com a afirmativa de BATISTA & BATISTA (2003) que todo crime é

político, de forma arbitrária através da imposição do medo e da força do

autoritarismo mesmo se este se dê acima da lei ou que a lei se modifique para

legitimar tais práticas contrárias aos documentos internacionais de defesa de direitos

humanos, o que se considera um grande hematoma na construção e consolidação

de um Estado Democrático de Direito no Brasil.

O terceiro tópico se expressa na intensificação desse cenário na modernidade

tardia com a construção ideológica das soluções via intensificação da repressão

bélica, responsável pela cessação e mutilação de milhares de vidas alimentando um

mercado que movimenta bilhões de dólares, e aumento exponencial das taxas da

população carcerária com o Estado Penal substituindo o Estado Social em épocas

de concentração de renda jamais vistas e de intensa internacionalização do mercado

e das tecnologias e cada vez menos globalização dos direitos sociais. Tempos em

que há a inexorável ofensiva capitalista endeusando o consumo e cada vez mais a

população se encontra excluída dessa condição.

São esses traços que demarcam a vida de milhares de crianças,

adolescentes e jovens acompanhados pelo Programa de Proteção a Crianças e

Adolescentes Ameaçados de Morte que tampouco projetam o futuro e se encontram

em ameaça de seus direitos mais elementares. Recorrendo a trajetória desses

meninos e meninas acompanhados pelo PPCAAM do Rio de Janeiro, longe de

serem soldados ou inocentes (CRUZ NETO et all 2001), são permeados de

processos de violência seja pela ameaça à sua vida, a pouca escolarização, a luta

86

diária por uma sobrevivência digna em que a lei antes de ser plenamente efetivada

nas garantia de seus direitos fundamentais os abraça com seus braços de

estivador43.

Embora haja algumas pequenas variações numéricas, na análise dos

adolescentes ameaçados por traficantes de drogas, estes não escapam ao perfil

daqueles que são mais exterminados nesse modelo de sociedade: moradores de

favelas, do sexo masculino, pretos ou pardos, de baixa escolaridade, filhos de

famílias monoparentais em que a genitora se destaca nas referências afetivas e

emocionais.

Importante destacar também que são variadas e múltiplas as situações que

geram ameaças de morte a esses meninos e meninas geralmente por cometimento

de roubos / furtos e delação, mas podendo chegar à ameaça devido a um

envolvimento amoroso com algum membro do tráfico.

Partindo do princípio que o trabalho de adolescente antes de qualquer debate

se caracteriza como uma das piores formas de exploração do trabalho infantil de

acordo com a Organização Internacional do Trabalho, foi possível ao longo desse

trabalho também desconstruir alguns conceitos vomitados pela opinião hegemônica,

nos quais se pode afirmar, dentre outros:

1- O tráfico de drogas no varejo das favelas e periferias não pode ser

considerado crime organizado, como dispõe sua clássica definição.

Pelo contrário, é mais fragmentado, heterogêneo que se possa

imaginar;

2- Não se considera a presença de um “Estado Paralelo” organizado

pelo tráfico. Na verdade há uma ausência generalizada do Estado

em políticas básicas e nas resoluções de conflitos e forte presença

na repressão, corrupção e estigmatização.

43 Hino de Duran. Chico Buarque, 1979.

87

3- O Problema de enfrentamento ao tráfico não deve ser pautado em

um maior número de prisões e assassinatos, o que a história tem

demonstrado que tais medidas só colaboram com cessação de

direitos e é efetiva para uma mudança desse quadro44.

Os traficantes de drogas longe de serem os criminosos irrecuperáveis e

figura central do “mal” que assola o tecido social, é antes de qualquer coisa, um

sujeito com histórias próprias, desejos e vontades (de serem vistos, reconhecidos,

respeitados, admirados) geralmente com vidas marcada por privações de diversas

naturezas, especialmente de seus direitos sociais.

Desse modo, só surtirá grandes efeitos às políticas de redução da violência

se estas vierem acompanhada com políticas públicas sociais de qualidade e

realmente efetivas como educação, saúde, assistência social, trabalho, lazer, entre

outros que nesse primeiro momento talvez tenha que se estabelecer corrigindo a

enorme dívida social que se tem com as populações e esferas da sociedade menos

favorecidas historicamente sob o princípio da equidade. Sendo que este não pode

se sobrepor à igualdade. Assim, de acordo com Almeida 2004 (p.64):

É necessário imprimir a visão de totalidade necessária à apreensão dos processos sociais em suas múltiplas determinações. Mais do que propor políticas voltadas para determinados segmentos sociais – necessárias, importantes, mas não suficientes -, é urgente se lutar contra a ofensiva neoliberal e se formular políticas públicas de acesso universal, que, partindo do reconhecimento das desigualdades de classe, de gênero e de etnia e das particularidades geracionais, sejam capazes de prever a eliminação de barreiras que impedem o acesso daqueles que se encontram em condições subalternas à riqueza material e espiritual produzida coletivamente. O que está em jogo, portanto, fundamentalmente, é a primazia do princípio da igualdade sobre o da eqüidade.

Enfim, o esforço pela garantia e conquistas desses direitos fundamentais tão

vilipendiados no nosso cotidiano repleto de torturas, desaparecimentos, genocídios

de sujeitos que muitos deles sequer chega à fase adulta, em que a inserção de

jovens no tráfico é uma das expressões, deve se pautar como uma luta

44 Destaco, embora metodologicamente não se explorado nesse trabalho, alguns pontos devem necessários para um debate aprofundado do tema como: legalização das drogas, controle efetivo de armas de fogo e reordenamento das políticas de segurança pública.

88

anticapitalista. Assim é preciso, como apontou Netto (2009, p.11) que a defesa dos

direitos humanos deve se inserir: 1- na defesa de uma democracia substantiva que

provoque a socialização da política corroborando com a socialização do poder; 2- na

garantia e ampliação de direitos sociais universais.

Trata-se, portanto, de árduo e dispendioso caminho e não diga que a vitória

está perdida pois é de batalhas que se vive a vida.45

45 Tente outra vez. Raul Seixas, Paulo Coelho e Marcelo Motta, 1975.

89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS

– ALMEIDA, Suely . “Violência e Direitos Humanos no Brasil”. In: Ética e Direitos

Humanos. Revista Praia Vermelha: Estudos de Política e Teoria Social Nº11.

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Universidade Federal do Rio de

Janeiro: Rio de Janeiro, 2004.

– ARIÈS, Philipe. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro:

Guanabara, 1981.

– AZEVEDO, Flávia Pereira de. O adolescente e o estigma da pobreza violenta:

aspectos relevantes para a inserção no mundo do crime. Trabalho de conclusão

de curso de graduação em serviço social pela Faculdade de Serviço Social da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2006.

– BATISTA, Nilo & Batista, Vera Malaguti. “Todo crime é político”. In: Revista Caros

Amigos Nº77, agosto de 2003. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2003.

– BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de

uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

– BEHRING, Elaine & Boschetti, Ivanete. Política Social: fundamentos e história.

São Paulo: Cortez, 2006.

– BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

– BRASIL, República Federativa do. Lei nº 2040 de 27 de maio de 1871.

– BRASIL, República Federativa do. Código de Menores. Decreto n° 17.943-A, de

12 de outubro de 1927.

– BRASIL, República Federativa do. Constituição Federal do Brasil de 05 de

outubro de 1988.

90

– BRASIL, República Federativa do. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº

8069 de 13 de Julho de 1990.

– BRASIL, República Federativa do. Lei Orgânica da Assistência Social. Lei nº

8742 de 07 de dezembro de 1993.

– BRASIL, República Federativa do. Lei da Proteção Especial de Vítimas e

Testemunhas. Lei Nº 9807 de 13 de julho de 1999.

– BRASIL, República Federativa do. Estatuto do Desarmamento. Lei Nº 10826 de

22 de dezembro de 2003.

– BRASIL, República Federativa do. Lei anti-drogas. Lei nº 11 343 de 23 de agosto

de 2006.

– CANO, Ignácio & Ribeiro, Eduardo. “Homicídios no Rio de Janeiro e no Brasil:

dados, políticas públicas e perspectivas.” In: Homicídios no Brasil. Cruz, Marcos

Vinícius & Batitucci, Eduardo (orgs.). Editora FGV, 2007.

– CANO, Ignácio & Loot, Carolina. “Seis por meia dúzia?: um estudo exploratório

do fenômeno das ‘chamadas’ milícias no Rio de Janeiro”. In: Segurança, tráfico e

milícias no Rio de Janeiro. Justiça Global. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich

Böll, 2008.

– CONANDA & SEDH. SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Sócio-

Educativo. Brasília, 2006.

– CONANDA & CNAS - Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito

de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006.

– CHAUÍ, Marilena. “Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas”.

10ªedição. São Paulo: Cortez, 2003.

91

– ________. “Direitos humanos e medo.” In: São Paulo: Comissão de Justiça e

Paz, Brasiliense 1989. in: www.dhnet.org.br/direitos/textos/.../chaui.html.

Consulta em 13/10/09.

– COIMBRA, Cecília Maria Bouças. “Doutrina de Segurança Nacional e produção

de subjetividade.” In: Clínica e Política: subjetividade e violação dos direitos

humanos. Rauter (et al). Rio de Janeiro: Instituto Franco Basaglia/Editora

TeCorá, 2002.

– CRUZ NETO, Otávio (et al.). Nem soldados nem inocentes: Juventude e tráfico

de drogas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.

– FALEIROS, Vicente de Paula. “Infância e Adolescência: trabalhar, punir, educar,

assistir, proteger”.In: “Políticas Públicas e Serviço Social.” Rio de Janeiro: Ágora,

2004.

- FREIXO, Marcelo. “Tráfico Nada tem de Revolucionário”. São Paulo: Folha de

São Paulo. Caderno Especial nº 32, abril de 2006. Disponível em:

http://www.assistentesocial.com.br/cadespecial32.pdf. Acesso em: 13 de outubro

de 2009.

– GARCIA, Aline & Fábio Simas. “Ameaça de morte e tráfico: a experiência do

Projeto Legal.” In: Redes de Valorização da Vida- Rio de Janeiro. Fernandes,

Fernando Lannes (org.). Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2009.

– GARCIA, Flávia Detoni. “O Programa de Proteção a Criança e ao Adolescente

Ameaçados de Morte no Estado do Rio de Janeiro.” In: A proteção e o direito à

vida: responsabilidade de quem?. Rio de Janeiro: Organização de Direitos

Humanos Projeto Legal e Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006.

– GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: o que se entende por isso depois da Lei

nº10.217/01? (Apontamentos sobre a perda da eficácia de grande parte da Lei

92

9.034/95). Jus Navigandi. Teresina, ano 6. n.56, abr. 2002. Disponível em:

www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2919. Acesso em 28 out.2009.

– HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo:

Companhia das Letras, 1995.

– IAMAMOTO, Marilda & Carvalho, Raul de. Relações sociais e serviço social no

Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 15ªEdição. São

Paulo: Cortez, 2003.

– IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD- Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílio. Rio de Janeiro: IBGE. 2004.

– LACERDA, Alexandre Magno. Hegemonia e Resistência: imprensa, violência e

cultura popular. Dissertação de mestrado em sociologia e direito pelo Centro de

Estudos Gerais da Universidade Federal Fluminense: Niterói, 2009.

– MENEGAT, Marildo. O olho da barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

– MARQUES, Elídio. Imperialismo e direitos humanos no século XXI: restrições

legais e violações diretas às liberdades individuais na atual fase de acumulação

capitalista. Tese de Doutorado. Escola de Serviço Social da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, 2006.

– MISSE, Michel. Crime e violência no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro:

Lúmen Juris, 2006.

– MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 1 e 2. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira 2002.

93

– MOTA, Ana Elizabeth (org.). O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado,

política e sociedade. 2a. Edição. São Paulo: Cortez, 2008.

– NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no

Brasil pós-64. 5ªEdição. São Paulo: Cortez, 2001.

– NETTO, José Paulo & Marcelo Braz. Economia Política: uma introdução crítica.

Biblioteca Básica do Serviço Social, Volume 1. 3a Edição. São Paulo: Cortez,

2007

– NETTO, José Paulo. “Democracia e Direitos Humanos na América Latina:

aportes necessários ao debate.” In: Direitos Humanos e Questão Social na

América Latina. Freire, Silene de Moraes. (org.). 1ªEdição: Rio de Janeiro:

Gramma 2009.

– NICODEMOS, Carlos. “O direito humano à vida e a política de enfrentamento ao

extermínio de criança no Brasil”.In: A proteção e o direito à vida:

responsabilidade de quem?. Rio de Janeiro: Organização de Direitos Humanos

Projeto Legal, 2006.

– NUNES, Deise Gonçalves. ”Uma breve história da (in) visibilidade do abandono

de crianças e adolescentes brasileiras”.In: Direitos Humanos: violência e pobreza

na América Latina contemporânea. Freire (org.). Rio de Janeiro: Letra e imagem,

2007.

– OFRJ- Observatório de Favelas. O que é favela, afinal?. Rio de Janeiro:

Observatório de Favelas, 2009.

– ORTIZ, Fátima Grave. “Trabalho, desemprego e serviço social”. In: Multifaces do

trabalho. Revista Serviço Social & Sociedade. Nº 69. São Paulo: Cortez, 2002.

– PRIORE, Mary Del. (org.). História das Crianças no Brasil. 5ªEdição. São Paulo:

Contexto, 2006.

94

– RAMOS, Silvia. Meninos do Rio: jovens, violência armada e polícia nas favelas

cariocas. Boletim segurança e cidadania nº13/ ano 8. Rio de Janeiro: Cesec-

Centro de Estudos de Segurança e Cidadania. Universidade Cândido Mendes,

2009.

– RELATORIA dos Direitos da Criança - Comissão Interamericana de Direitos

Humanos - Organização dos Estados Americanos. São Paulo: Núcleo de

Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, 2004.

– REVISTA Le Monde Diplomatique Brasil. Acabar com o narcotráfico: a

legalização das drogas e seus impactos na sociedade. Ano 3, nº26, setembro de

2009. São Paulo: Instituto Pólis, 2009.

– SALES, Mione Apolinário et all. Política Social, Família e Juventude- uma

questão de direitos .São Paulo: Cortez, 2004.

– SALES, Mione Apolinário. (in) visibilidade perversa: adolescentes infratores como

metáfora da violência. São Paulo: Cortez, 2007.

– SILVA, Jailson de Souza & Urani André (coords.). Crianças no narcotráfico: um

diagnóstico rápido. Brasília: OIT- Organização Internacional do Trabalho, 2002.

– SILVA, Jailson de Souza et all. “Grupos criminosos armados com domínio de

território: reflexões sobre a territorialidade do crime na região metropolitana do

Rio de Janeiro”. In: Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro. Justiça

Global. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2008.

—————————— (coord.). Pesquisa- Caminhada de crianças, adolescentes e jovens

na rede do tráfico de drogas no varejo do Rio de Janeiro, 2004-2006. Rio de

Janeiro: Observatório de Favelas, 2006.

– SIMAS, Fábio & Magno, Alexandre. “Milícias e ameaça de morte de crianças e

adolescentes no Rio de Janeiro.” Anais do: II Seminário Internacional de Direitos

Humanos, Violência e Pobreza. A situação de crianças e adolescentes na

95

América Latina hoje. PROEALC- Programa de Estudos de América Latina e

Caribe da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.

– SOARES, Luís Eduardo. Meu casaco de general: quinhentos dias no front da

segurança pública do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Companhia das Letras,

2000.

– UNICEF- Relatório da situação da infância e adolescência brasileiras. UNICEF:

Brasília, 2003.

– WACQUANT, Loic. As Prisões da Miséria .Rio de Janeiro: Zahar, 2001

– WAISELFSZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência IV: os jovens do Brasil. Brasília:

Uinesco, Instituto Ayrton Senna, Secretaria Especial dos Direitos Humanos,

2004.

—————————— . Mapa da violência 2006, os jovens no Brasil. Brasília: Editora

OEI, 2006.

—————————— . Mapa da violência dos municípios brasileiros 2008. Brasília:

Sangari, RITLA, MS, MJ 2008.

– ZACONNE, Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas?. 2ª

Edição. Revan: Rio de Janeiro, 2008.

– ZAVERUCHA, Jorge. “A crescente inserção das Forças Armadas na segurança

pública.” In: Homicídios no Brasil. Cruz, Marcos Vinícius & Batitucci, Eduardo

(orgs.). Editora FGV, 2007.

96

Quem tem consciência para ter coragem Quem tem a força de saber que existe E no centro da própria engrenagem Inventa a contra-mola que resiste Quem não vacila mesmo derrotado Quem já perdido nunca desespera E envolto em tempestade decepado Entre os dentes segura a primavera (João Ricardo & Apolinário. Primavera nos Dentes, 1973).