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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS ENGENHARIA AMBIENTAL JÚLIA FIGUEIREDO PINTO Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na transição rumo à Economia 4.0 São Carlos, SP 2018

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS

ENGENHARIA AMBIENTAL

JÚLIA FIGUEIREDO PINTO

Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na transição

rumo à Economia 4.0

São Carlos, SP

2018

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JÚLIA FIGUEIREDO PINTO

Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na transição

rumo à Economia 4.0

Monografia apresentada ao curso de graduação em

Engenharia Ambiental da Escola de Engenharia de São

Carlos da Universidade de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Mateus Cecílio Gerolamo

São Carlos, SP

2018

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

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A Ana Carla, Fred, João e Thiago por todo suporte e compreensão durante esses anos.

E ao meu avô Carlos, que tanto gostaria de me ver formar.

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AGRADECIMENTOS

Todos que passaram por minha vida contribuíram de alguma forma para este trabalho.

Agradeço a todos os mestres e pessoas inspiradoras que, ao longo da minha trajetória, me

questionaram, apoiaram, ensinaram e colaboraram para que eu buscasse cada vez mais o co-

nhecimento. Obrigada aos que me mostraram o valor das pequenas coisas, o sabor de cada

conquista, obrigada aos que vibraram e choraram juntos. Cada passo foi dado graças à ajuda

de vocês.

Sou muito grata aos meus professores do ensino fundamental e médio que me introduziram ao

mundo dos livros e me mostraram o prazer e a importância do processo de aprendizagem.

Agradeço também meus professores da USP São Carlos, que me mostraram o mundo da En-

genharia Ambiental e o poder de transformação que temos a partir de agora em nossas mãos.

Obrigada a todos meus amigos e amigas que se fizeram ou estavam presentes durante esses

anos. Obrigada especial aos amigos que fiz para a vida no CAASO, à minha turma Ambiental

012 e à Fabi, pela amizade e por estar sempre presente nesses seis anos de faculdade.

Ao meu orientador, muito obrigada por ter aceitado esse desafio, trazendo contribuições tão

importantes para este trabalho.

E não menos importante, obrigada à minha família, que me ensinou e permitiu que eu me de-

senvolvesse como pessoa, estudante e profissional. Em especial, agradeço meus pais, por me

darem todo suporte, apoio e condições necessárias para que eu estudasse, por me ouvirem e

me aconselharem, por me guiarem na vida pessoal e profissional; e aos meus irmãos, por esta-

rem presentes, por fazerem parte do meu dia-a-dia, por me questionarem e me fazerem cres-

cer. Vocês são minha inspiração. O que desenvolvi de inteligência emocional foi, em grande

parte, graças a vocês quatro.

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“Eu acredito que as maiores inovações do século XXI serão na interseção da biologia com a

tecnologia. Uma nova Era está começando.” - Steve Jobs.

(ISAACSON, 2011)

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RESUMO

PINTO, J. F. Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na transição ru-

mo à Economia 4.0. 2018. 100 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola de

Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

Vivemos em meio a uma crise de esgotamento de recursos naturais e degradação de ecossis-

temas; aumento global de doenças como depressão, estafa e HIV; e incertezas políticas e eco-

nômicas. Scharmer (2010) defende que o sistema atual vem produzindo resultados indeseja-

dos devido ao baixo grau de conscientização dos indivíduos e, consequentemente, das organi-

zações e sociedade. Ao estudar a Evolução dos Sistemas Econômicos, o autor identifica cinco

estágios de conscientização da sociedade que refletem na economia, chamando-os de Econo-

mia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0, Economia 3.0 e Economia 4.0 e destacando que esta-

mos em meio à transição da Economia 3.0 para a 4.0 (SCHARMER, 2014). Paralelamente,

Ellen MacArthur Foundation (2010) utiliza o conceito de Economia Circular, originária de

diversas Escolas de Pensamento que vêm desenvolvendo abordagens alternativas de produção

com o objetivo de preservar o capital natural, otimizar o uso de recursos naturais, estimular a

efetividade e excluir impactos negativos do sistema. Desse modo, a Economia Circular visa

criar uma economia regenerativa e restaurativa por princípio. O presente trabalho busca, por

meio de uma contribuição teórica, levantar os pontos que devem ser endereçados para que a

transição para a Economia 4.0 aconteça de forma completa e, em seguida, avalia o potencial

da Economia Circular em auxiliar nesta transição. Isso se dá sob a ótica dos oito fatores-chave

propostos por Scharmer: Natureza, Trabalho, Capital, Tecnologia, Liderança, Consumo, Co-

ordenação e Posse. Conclui-se que, ao total, 27 aspectos devem ser abordados para uma tran-

sição efetiva rumo à Economia 4.0, sendo 13 deles auxiliados pela Economia Circular. Esta

endereça mais fortemente os fatores-chave Natureza, Tecnologia, Consumo, Coordenação e

Posse, enquanto outras inovações institucionais devem trabalhar pontos relacionados a Traba-

lho, Capital e Liderança a fim de que a sociedade e organizações elevem seu nível de consci-

ência e transacionem rumo a um modelo econômico ecocêntrico.

Palavras-Chave: Economia Circular. Economia 4.0. Transição. Evolução dos Sistemas

Econômicos. Sistema Econômico Eco-cêntrico. Teoria U.

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ABSTRACT

PINTO, J. F. Evaluation of Circular Economy’s potential in assisting the transition from

towards Economy 4.0. 2018. 100 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola

de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

We are in the middle of a crisis of natural resources’ depletion and degradation of ecosystems;

global increase of diseases such as depression, overwork and HIV; and political and economic

uncertainties. Scharmer (2010) argues that the current system has produced undesirable re-

sults due to the low level of awareness among individuals and, hence, among organizations

and society. During the study of Economic Systems’ Evolution, Scharmer identifies five stag-

es of society’s consciousness level that reflect in economics – Economy 0.0, Economy 1.0,

Economy 2.0, Economy 3.0 and Economy 4.0 –, highlighting that we are in the midst of

Economy 3.0 to 4.0 transition (SCHARMER, 2014). At the same time, Ellen MacArthur

Foundation (2010) uses the concept of Circular Economy, which was originated from Schools

of Thoughts that have developed alternative production approaches aiming to preserve natural

capital, optimize the use of natural resources, stimulate effectiveness and eliminate system’s

negative impacts. In other words, Circular Economy intents to create a regenerative and re-

storative economy by principle. This dissertation aims, as a theoretical contribution, to raise

points that must be addressed in order to fully transact into Economy 4.0 and, therefore, to

evaluate the potential of Circular Economy to support this transition. This assessment is based

on the eight key factors proposed by Scharmer: Nature, Labor, Capital, Technology, Leader-

ship, Consumption, Coordination and Ownership. In conclusion, a total of 27 aspects should

be addressed for an effective transition towards Economy 4.0, whilst 13 of them are assisted

by the Circular Economy. It addresses more strongly Nature, Technology, Consumption, Co-

ordination and Ownership key factors, while other institutional innovations should address

issues related to Labor, Capital and Leadership in order to both society and organizations raise

their level of awareness and move towards a ecocentric economic model.

Keywords: Circular Economy. Economy 4.0. Transition. Economic Systems’ Evolution.

Ecocentric Economic System. Theory U.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Auxílio da Economia Circular na transição rumo à Economia 4.0. .......................... 29

Figura 2: Estrutura do trabalho ................................................................................................. 30

Figura 3: Definições e princípios da Economia Circular. ........................................................ 36

Figura 4: Oportunidades da Economia Circular para 2030 na Europa. .................................... 39

Figura 5: Evolução dos Sistemas Econômicos. ........................................................................ 57

Figura 6: Evolução da Economia 3.0 para Economia 4.0. ....................................................... 65

Figura 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0. ................ 70

Figura 8: Pontos endereçados pela Economia Circular na transição da Economia 3.0 para a

4.0. ............................................................................................................................................ 89

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Benefícios da Economia Circular. ........................................................................... 47

Quadro 2: A Matriz da Evolução Econômica. .......................................................................... 58

Quadro 3: Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0. ............................... 73

Quadro 4: A Economia Circular como elemento de transição para a Natureza 4.0. ................ 75

Quadro 5: A Economia Circular como elemento de transição para o Trabalho 4.0. ................ 78

Quadro 6: A Economia Circular como elemento de transição para o Capital 4.0. ................... 78

Quadro 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Tecnologia 4.0. ............ 80

Quadro 8: A Economia Circular como elemento de transição para a Liderança 4.0. .............. 82

Quadro 9: A Economia Circular como elemento de transição para o Consumo 4.0. ............... 83

Quadro 10: A Economia Circular como elemento de transição para a Coordenação 4.0. ....... 85

Quadro 11: A Economia Circular como elemento de transição para a Posse 4.0. ................... 87

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

3D – Três Dimensões

ACC – Ação Coletiva baseada na Conscientização

CCC – Consumo Consciente Colaborativo

CEO – Chief Executive Officer

CO2 – Dióxido de Carbono

EC – Economia Circular

FAO – Food and Agriculture Organization

HIV – Human Immunodeficiency Virus (virus da imunodeficiência humana)

MIT – Massachusetts Institute of Technology

ONGs – Organizações Não-Governamentais

PIB – Produto Interno Bruto

RESOLVE – Ferramenta Regenerate, Share, Optimise, Loop, Virtualise, Exchange

TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação

UE – União Europeia

UNEP – United Nations Environmental Program

ZERI – Zero Emissions Research & Innitiatives

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SUMÁRIO

1. Introdução ......................................................................................................................... 25

1.1. Objetivos .................................................................................................................... 28

1.2. Método de pesquisa e estrutura do texto .................................................................... 29

2. Revisão bibliográfica ........................................................................................................ 31

2.1. Economia Circular ..................................................................................................... 31

2.1.1. Princípios da Economia Circular ........................................................................ 35

2.1.2. Características da Economia Circular ................................................................ 39

2.1.3. Escolas de Pensamento ....................................................................................... 42

2.2. A Evolução dos Sistemas Econômicos ...................................................................... 49

2.2.1. A Teoria U .......................................................................................................... 49

2.2.2. Os pontos de acupuntura .................................................................................... 52

2.2.3. Da Economia 0.0 à Economia 4.0 ...................................................................... 54

3. Desenvolvimento, resultados e discussão ......................................................................... 67

3.1. Relação entre os conceitos ......................................................................................... 67

3.2. Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 ................................................... 71

3.3. A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0 .................. 75

3.4. Considerações Finais ................................................................................................. 91

5. Conclusão ......................................................................................................................... 93

Referências ............................................................................................................................... 97

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1. Introdução

Diversos grupos científicos apontam que o modelo atual de produção industrial, com alta ex-

tração de recursos naturais, resultantes de atividades econômicas antrópicas1, tem extrapolado

a capacidade de reposição e recuperação desses recursos na Terra e excedido os limites do

planeta (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a, 2013b; HAWKEN; LOVINS;

LOVINS, 2018; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002; ROCKSTRÖM et al., 2009;

SCHARMER, 2014). População, consumo per capta e a perda de biodiversidade estão cres-

cendo a taxas antes nunca vistas (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). De acor-

do com Global Footprint Network (2017), ultrapassamos nosso “orçamento ambiental” em

2017 em 70%, ou seja, foi necessário 1,7 planeta Terra para suprir a demanda econômica da-

quele ano, excedendo a capacidade de recuperação natural do planeta.

Ellen MacArthur Foundation (2013a) descreve que, desde meados do século XX, com o cres-

cimento acelerado de economias de consumo e economias extrativistas, houve crescimento

exponencial de externalidades negativas. Estas são efeitos indesejados e prejudiciais à popu-

lação causados por atividades antrópicas, e.g. aumento das emissões de CO2, perda de quali-

dade do solo, queda na qualidade de vida, poluição atmosférica, entre outros. No mais, a insti-

tuição levanta que mecanismos como regulações ou precificação de danos buscam controlar

tais externalidades negativas, enquanto (WINANS; KENDALL; DENG, 2017) defende a im-

plementação de instrumentos regulatórios e econômicos é necessária para endereçar questões

que não seriam endereçadas na ausência de uma intervenção governamental.

Além disso, a flutuação do preço de commodities – minerais ou agrícolas – cria incertezas no

mercado, aumenta riscos relacionados a novos investimentos e afeta diretamente os custos de

produção que utilizam matérias-primas e energia baratas e de fácil acesso. Segundo Ellen

MacArthur Foundation (2013b), este cenário pode causar altos prejuízos ambientais e econô-

micos. A Comissão Europeia acredita que pode surgir novamente um “price shock” no mer-

cado internacional, fenômeno resultante da demanda crescente por insumos e oferta restrita

dos mesmos, levando ao aumento de preços e a vulnerabilidade do mercado – situação seme-

lhante à crise do petróleo de 1970 (EUROPEAN COMMISSION, 2014).

Murray, Skene e Haynes (2017) destacam que passamos por um período de crescimento inin-

terrupto e com baixa inflação (até 2008), que, auxiliados pela globalização de mercados de

1 Atividades econômicas resultados de intervenção humana.

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capital, melhorias em tecnologias da informação, produção off shore, entre outros, fez com

que houvesse um aumento exponencial no consumo de eletroeletrônicos, roupas e bens de

consumo. Isso contrasta, entretanto, com a atual necessidade de redução do consumo e extra-

ção de recursos naturais. Esses e outros fatores que serão abordados ao longo deste trabalho

afetam direta e indiretamente cenários econômicos, ambientais e socioculturais.

Diante disso, Otto Scharmer aponta que o sistema atual, apesar de ser mantido e alimentado

pelos próprios indivíduos e instituições, produz resultados que são indesejados por todos

(SCHARMER, 2010). Exemplos são a crise financeira global em 2008, a crise do petróleo em

1970, prejuízos ambientais gerados por grandes indústrias, doenças e crises de ansiedade, en-

tre outras. Segundo o autor, a principal causa deste contexto é a falta de conexão com a ver-

dadeira e mais profunda consciência do indivíduo, que pode ser estendida a organizações e

sociedades.

Nasce então a necessidade de acessar um nível de consciência mais profundo e mudar a per-

cepção do mundo atual para que seja possível adaptar-se aos novos desafios institucionais,

que afloram diante de um sistema que está próximo ao colapso (SCHARMER, 2010). A Teo-

ria U defende que o indivíduo deve passar por uma trajetória de autoconhecimento para au-

mentar seu grau de conscientização interna e percepção sobre sistema em que está inserido.

Expandindo essa teoria para aplicação em sociedade e organizações, Scharmer (2014) desen-

volve o conceito Economia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0, Economia 3.0 e Economia 4.0,

abordando o desenvolvimento do nível de consciência da sociedade e a evolução do sistema

econômico e do capitalismo ao longo dos séculos. Para isso, o autor estabelece oito fatores-

chave a partir dos quais desenvolve a análise: Natureza, Trabalho, Capital, Tecnologia, Lide-

rança, Consumo, Coordenação e Posse.

O Estágio 0.0 é caracterizado pelo sistema comunal, durante a Era Pré-Moderna, onde a eco-

nomia e o trabalho eram baseados na autossuficiência e dependente principalmente do capital

natural. O Estágio 1.0 se dá na época de Estados controladores e economia mercantilista, com

dependência do capital humano e escravidão. A Economia 2.0, por sua vez, é baseada no livre

mercado, desenvolve o capital industrial e desenvolve-se na era da primeira Revolução Indus-

trial, tendo commodities como base da economia. A Economia 3.0 é caracterizada pela eco-

nomia social de mercado, onde há regulamentação e estabelecimento de redes de negociação,

com capital principalmente financeiro. E por fim, o Estágio 4.0 é resultado do capital criativo

cultural, compartilhamento de ecossistemas e recursos comuns e incentivo ao empreendedo-

rismo social e privado.

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Tal abordagem defende que a sociedade está em constante mudança e, atualmente, se encami-

nha para um modelo mais integrado, tecnológico, colaborativo e de consciência mais elevada

– transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0. A sociedade avança para um estágio de

consciência mais profundo, observando a escassez dos recursos naturais, esgotamento da for-

ça de trabalho, e, principalmente, a insuficiência e incapacidade da tecnologia e automação

centradas no sistema em resolver problemas globais e complexos, como as mudanças climáti-

cas. Parte-se para um estágio de conscientização ecocêntrica, voltado para o todo e não para o

benefício individual, onde o diálogo, consumo consciente, empreendedorismo, trabalho em

rede, integração de stakeholders, cidadãos, setores da indústria e sociedade desenvolvem pa-

peis importantes para resolução de problemas globais de forma consciente e intencional.

Scharmer defende que a abordagem de silos não tem sido suficiente para resolver os diversos

desafios que surgem da Sociedade 3.0 devido sua complexidade e profundidade da causa do

problema. Assim, a solução deve ser arquitetada integrando sociedade e seus hábitos de con-

sumo, produtores, indústria, governos e lideranças (SCHARMER, 2010).

Paralelamente, o sistema de produção atual é baseado na extração, produção, consumo e des-

carte, sendo amparado pela mão-de-obra barata, produção em massa, fácil e alta disponibili-

dade de recursos naturais e energia, baixa internalização das externalidades negativas2, entre

outros fatores (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a). Entretanto, as fontes de

matérias-primas são finitas e, uma vez que toda a matéria é deslocada para o final do sistema,

evidencia-se a escassez dos recursos naturais e ao aumento do volume de rejeitos para dispo-

sição em aterros. Sendo assim, a Economia Circular propõe um novo modelo econômico de

uso dos bens naturais que assegure seu uso prolongado e responsável, baseando-se no concei-

to “extrair, transformar, reutilizar” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017a?).

A Economia Circular gera inovações e induz corporações a criarem externalidades positivas

no lugar de negativas, convida a sociedade a repensar seu modo de consumo, propõe novos

modelos de gerenciamento de recursos naturais e sua recuperação, defende o uso de energias

renováveis, entre outras características (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a,

2015b). Peschl et. al. (2010) acredita que não devemos reformular e reestruturar processos,

mas sim repensá-los e redesenhá-los de forma que se tornem efetivos e radicalmente inovado-

res, e não somente eficientes. Planing (2015) afirma que a “situação atual está favorável para

2 Quando instituições que geram externalidades negativas se responsabilizam e tomam ações para solucionar os

problemas causados por elas mesmas ou suas atividades.

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tomar ações no sentido da Economia Circular” e Yuan, Bi e Moriguichi3 (2006, apud

KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017) defendem que a Economia Circular “requer uma

reforma completa de todo o sistema de atividades humanas”, na qual (LOWE; EVANS, 1995)

acredita que parte da solução é composta por conceitos de Economia Circular como manufa-

tura consciente, design for environment, virtualização de produtos, ecologia industrial, reuso

de energia4, entre outros.

Para Scharmer (2014, p. 83) não há “desafio de pesquisa mais importante atualmente do que

inventar e testar inovações institucionais que darão poder, escala e sustentação à Economia

4.0”. Sendo assim, torna-se necessário encontrar meios, criar ferramentas e buscar soluções

sistêmicas que possibilitem e potencializem a transição para uma sociedade cocriativa e de

economia ecocêntrica.

Portanto, este trabalho busca identificar teoricamente os aspectos que devem ser abordados

para uma transição completa rumo à Economia 4.0 e analisar se e como a Economia Circular

pode auxiliar na transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0. Assim, evidencia-se os pon-

tos endereçados pela Economia Circular e elucida-se pontos que ainda precisariam ser desen-

volvidos por outras iniciativas e inovações institucionais a fim de sustentar, potencializar e

concretizar a trajetória rumo à Economia 4.0. A Figura 1 a seguir ilustra a proposição da Eco-

nomia Circular como elemento auxiliador na transição para a Economia 4.0 dentro da Evolu-

ção dos Sistemas Econômicos.

1.1. Objetivos

Acredita-se que o modelo de Economia Circular pode contribuir para o processo de mudança

rumo à Economia 4.0. Assim, este trabalho busca identificar os pontos que devem ser ende-

reçados na transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0 sob a ótica dos oito fatores-

chave para, então, avaliar o potencial da Economia Circular em auxiliar na transição

rumo à Economia 4.0. Os objetivos específicos do trabalho são:

a) Realizar revisão bibliográfica sobre o modelo de Economia Circular;

b) Realizar revisão bibliográfica sobre conceito de Economia 4.0;

3 Yuan, Z., Bi, J., Moriguichi, Y. The circular economy: a new development strategy in China. Journal of

Industrial Ecology, vol 10 (1–2), p. 4–8. 2006. 4 É importante destacar que energia não pode ser reciclada, somente utilizada em cascata para usos em tempera-

tura e pressão menores (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). Dessa forma, no presente trabalho,

quando surgirem expressões sobre reuso de energia, refere-se a seu uso em cadeia.

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c) Estudar uma possível relação entre os dois conceitos;

d) Desenvolver uma matriz dos pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 para

cada um dos oito fatores-chave e

e) Identificar a contribuição da Economia Circular na transição para Economia 4.0 e pon-

tuar suas evidências.

Figura 1: Auxílio da Economia Circular na transição rumo à Economia 4.0.

Fonte: A autora.

1.2. Método de pesquisa e estrutura do texto

Este trabalho é estruturado de acordo com os conceitos propostos por Whetten (2003) para o

desenvolvimento de uma contribuição teórica, uma vez que este é um estudo de escopo teóri-

co que visa contribuir para a análise da transição da Economia 3.0 para a 4.0 e o impacto da

Economia Circular nessa mudança.

Segundo Whetten (2003), uma teoria, para que seja completa, bem fundamentada e aceita,

deve ser composta por quatro elementos: o quê, como, por quê e quem-onde-quando. O pri-

meiro elemento deve abordar quais as variáveis, conceitos e outros fatores são necessários

para o entendimento do fenômeno em questão e o segundo elemento deve apresentar como

esses conceitos estão relacionados. Ambos “o quê” e “como” representam o domínio e des-

crevem a teoria e seu conteúdo. O “por quê” constitui a justificativa da teoria, sua relevância e

as relações de causalidades dentro das dinâmicas socioeconômicas do estudo. Este deve trazer

proposições lógicas e explicar a teoria a fim de “desafiar e estender o conhecimento existen-

te”, fundamentando-se nos “o quês” e “comos” e permitindo que tais proposições sejam pas-

síveis de serem testadas e pesquisadas dentro das limitações especificadas no estudo. Por fim,

o quarto elemento “quem-onde-quando” representa a delimitação do escopo da contribuição

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teórica, devendo-se indicar local, período/data, público, entre outras características que dizem

respeito ao contexto de realização da pesquisa, além de permitir um ciclo de feedback e vali-

dação da teoria por meio de sua aplicação ou teste no mesmo ou em novos contextos.

Diante disso, após a introdução, justificativa e objetivos abordados no capítulo anterior, ini-

cia-se a apresentação dos “o quês” na revisão bibliográfica de ambos os conceitos – Economia

Circular e Economia 4.0. Em Economia Circular (Item 2.1) é apresentado seu histórico, prin-

cipais características e conceitos e as escolas de pensamentos atuantes no mercado. Em segui-

da, no Item 2.2, estuda-se a Evolução dos Sistemas Econômicos – suas origens na Teoria U,

os pontos de acupuntura e desconexões do sistema e os conceitos de Economia 0.0, 1.0, 2.0,

3.0 e Economia 4.0.

No Item Desenvolvimento, resultados e discussão aborda-se os elementos “como”, “por quê”

e “quem-onde-quando”. Primeiramente, em Relação entre os conceitos busca-se entender se e

como os conceitos de Economia Circular e Economia 4.0 estão relacionados. Em seguida, no

Item 3.2 propõe-se uma matriz para identificar e evidenciar pontos relevantes à transição ru-

mo à Economia 4.0 para os oito fatores-chave propostos por Scharmer, além de apresentar as

delimitações do escopo do trabalho. E então, aplica-se a matriz de forma teórica para Econo-

mia Circular no Item 3.3, buscando identificar a contribuição da Economia Circular na trajetó-

ria para a Economia 4.0, validar a proposição do estudo e apresentar e discutir os resultados,

evidenciando pontos não tocados pela Economia Circular e observando oportunidades para

outras inovações institucionais colaborarem na transição para a Economia 4.0. A Figura 2

ilustra de forma visual como o presente trabalho está estruturado.

Figura 2: Estrutura do trabalho

Fonte: A autora.

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2. Revisão bibliográfica

Para melhor entendimento deste trabalho, serão apresentados alguns conceitos e as origens

tanto do modelo de Economia Circular quanto de Economia 4.0. Para o primeiro, vale desta-

car a aproximação dos limites ecossistêmicos, princípios e características da Economia Circu-

lar. Também serão abordadas as atuais escolas de pensamento do modelo.

Em relação ao conceito de Economia 4.0, inicia-se com sua origem na Teoria U, discutindo a

necessidade de conscientização do indivíduo e identificação das atuais falhas e resultados

indesejados gerados pelo atual sistema. A partir disso, expande-se o conceito para organiza-

ções e sociedades e ilumina-se os modelos de Economia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0 e

Economia 3.0 para então chegar ao conceito de Economia 4.0.

2.1. Economia Circular

O conceito de Economia Circular na academia ainda é superficial e de pouco desenvolvimen-

to teórico, uma vez que sua origem vem essencialmente e quase exclusivamente de profissio-

nais do meio político, corporativo, de fundações, consultoria, entre outros (KORHONEN;

HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017). Dessa forma, o

conceito é largamente utilizado em empresas e também em países da União Europeia, como

Holanda, França, Suécia, Finlândia e Alemanha, e nos Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino

Unido, China (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018).

Segundo Winans, Kendal e Deng (2017), não há claras evidências do surgimento do conceito

de Economia Circular. Murray, Skene e Haynes (2017) cita autores e figuras importantes que,

introduziram de certa forma o conceito, datados de 1848, década de 1960, 1970 e 1980, entre

outros, destacando que o que todos tem em comum são a abordagem do conceito de ciclo fe-

chado. Para Winans, Kendall e Deng (2017), pode-se dizer que alguns dos autores de Escolas

de Pensamentos, como John Lyle, William McDonough, Michael Braungart, Walter Stahel, e

até sob inspiração do Clube de Roma com a publicação Limits to Growth, influenciaram e

substanciaram o conceito de Economia Circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,

2015b; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002; MEADOWS, 1972).

Baseando-se na definição de Desenvolvimento Sustentável de satisfazer as “necessidades das

gerações presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas pró-

prias necessidades” (WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND

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DEVELOPMENT, 1987, p. 41), os autores Korhonen; Honkasalo; Seppälä (2018, p. 39) pro-

põe a seguinte definição para o conceito de Economia Circular:

A economia circular é uma economia construída a partir de sistemas sociais

de produção-consumo que maximiza o serviço produzido a partir do fluxo

linear natureza-sociedade-natureza e fluxo de energia. Isso se dá usando flu-

xos cíclicos de materiais, fontes de energia renováveis e fluxos de energia ti-

po cascata. [...] A economia circular limita o fluxo de produção a um nível

que a natureza tolera e utiliza ciclos ecossistêmicos em ciclos econômicos

respeitando suas taxas naturais de reprodução.

Para os autores Kirchherr, Reike e Hekkert (2017, p. 229), o conceito de Economia Circular

está frequentemente ligado aos 3R (reduzir, reutilizar e reciclar), porém sem destacar a neces-

sidade de uma mudança sistêmica e transacionar de um modelo linear para circular. Os mes-

mos definem Economia Circular como “sistema econômico que substitui o conceito de fim de

vida por meio da redução, reuso alternativo, reciclagem e recuperação de materiais na produ-

ção, distribuição e consumo”.

Como citado anteriormente, o conceito de Economia Circular vem sendo desenhado também

por atores de fora do ramo acadêmico, uma vez que é vista como um meio para que negócios

operacionalizem e implementem o conceito de desenvolvimento sustentável (KIRCHHERR;

REIKE; HEKKERT, 2017). Dessa forma, a fundação Ellen MacArthur, foi criada em 2010

com o objetivo de “inspirar uma geração a repensar, redesenhar e construir um futuro positi-

vo” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b, p. 1), trazendo uma nova proposição

de economia de mercado dentro do conceito de Economia Circular e consolidando diversos

autores e algumas definições. Esta propõe uma economia em que todos os bens utilizados na

produção hoje farão parte da matéria prima da produção do amanhã, criando um ciclo virtuoso

que garante a prosperidade e reuso dos materiais e energia em um contexto onde os recursos

disponíveis no mundo são finitos (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).

O Comitê de Auditoria Ambiental de Londres defende que a Economia Circular cria uma

economia mais robusta por meio da valorização dos produtos e dos materiais que os com-

põem, se afastando do modelo atual de economia linear (HOUSE OF COMMONS, 2014).

Esta é baseada no conceito extrair – produzir – descartar, enquanto a Economia Circular

substitui o descarte pelo reuso, recuperação dos materiais, processo de remanufatura e reci-

clagem, criando o conceito “extrair – produzir – reutilizar”. Segundo Murray, Skene e

Haynes (2017), o modelo linear deteriora o meio ambiente por meio de processos de extração

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de recursos naturais agressivo, como a mineração, e por meio da perda de valor do capital

natural causada pela poluição de resíduos.

Geissdoerfer et al.5 (2017, apud KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017) e Schut et al.

6

(2015, apud KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017) acreditam que a definição de Econo-

mia Circular mais notável apresentada foi a proposta pela Ellen MacArthur Foundation. Para

a fundação, a característica principal da Economia Circular é ser regenerativa e restaurativa

por princípio e design, garantindo que os produtos, materiais e componentes tenham o mais

alto nível de utilidade e valor o tempo todo. Ou seja: que estes sejam, desde o princípio, dese-

nhados e concebidos para que permaneçam o máximo possível na cadeia de valor em sua

forma de mais alta utilidade (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).

Para Murray, Skene e Haynes (2017), entende-se por restaurativo não só a prevenção, mas

também reparação de danos e redução de poluição por meio da criação de sistemas dentro da

própria indústria. Desse modo, é possível criar um ciclo de vida do produto em que o design,

extração, produção, uso e reuso estejam totalmente interligados e sejam intencionalmente de-

senhados para que matéria e energia tenham seu maior aproveitamento e, ao fim da vida útil,

sejam recuperados (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).

Por conceito, a Economia Circular é um ciclo que “preserva e aprimora o capital natural, oti-

miza a produção de recursos e minimiza riscos sistêmicos administrando estoques finitos e

fluxos renováveis”, podendo ser replicável em qualquer escala minimizando danos à econo-

mia e ao meio ambiente (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017a?). Assim, esse mo-

delo econômico “extrair, transformar, reutilizar”, se bem estruturado e planejado, se torna

uma alternativa atraente e viável para empresas, uma vez que utiliza menos recursos naturais,

respeita os limites físicos e biológicos da Terra e gera valor para o negócio.

Como se pode perceber, a Economia Circular é abrangente e engloba intencionalmente diver-

sos conceitos, tornando-se conceito guarda-chuva e transdisciplinar. As chamadas Escolas de

Pensamento da Economia Circular têm suas raízes no final de 1970 (ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2017b) e, segundo a Fundação, o conceito abraça sete diferentes escolas que

serão abordadas as diante (a saber: Design Regenerativo, Economia de Performance, Cradle

to Cradle, Ecologia Industrial, Biomimética, Blue Economy e Capitalismo Natural), que têm,

5Geissdoerfer, M., et al., 2017. The circular economy – a new sustainability paradigm. Journal of Cleaner Pro-

duction, v. 143, 757–768. 6 Schut, E., Crielaard, M., Mesman, M., 2015. Circular Economy in the Dutch Construction Sector: A Perspec-

tive for the Market and Government.

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entretanto, princípios e características em comum. Essas são a base para uma economia mais

circular, onde a criação de valor é dissociada do consumo de recursos finitos e potencializada

pelos mecanismos de recuperação e circulação dos materiais nos ciclos biológico e técnico.

Para melhor distinguir os ciclos de matéria, a Ellen MacArthur Foundation (2013b) usa o

conceito de ciclo biológico e técnico, delineando a origem e o fim da matéria na cadeia produ-

tiva e sua capacidade de recirculação e reintrodução no sistema. Os chamados nutrientes bio-

lógicos são provenientes dos ciclos bio-geo-químicos da Terra e constituem o ciclo biológico

de materiais renováveis, sendo nutrientes regenerados por processos naturais da biosfera. Os

nutrientes técnicos, por sua vez, devem ser projetados e recirculados de forma que garanta a

maior utilidade possível de seu material na cadeia de valor, evitando a disposição em aterros.

Dessa forma, o fechamento do ciclo técnico depende do gerenciamento efetivo dos recursos

finitos, onde nutrientes técnicos devem ser recuperados e reintroduzidos na cadeia produtiva

(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002;

RIBEIRO; KRUGLIANSKAS, 2014).

É importante destacar que, para que haja sucesso na Economia Circular, só deve haver efetivo

consumo dos nutrientes do ciclo biológico e sua posterior reinserção na biosfera, enquanto o

consumo dos nutrientes técnicos deve ser substituído somente por seu uso e reuso. Isso se

deve ao fato de que, se os nutrientes biológicos forem manejados corretamente, estes serão

regenerados naturalmente por processos biológicos, ou com ajuda do homem, e se tornam

recursos infinitos. Por outro lado, não é possível repor nutrientes técnicos na biosfera, deven-

do-se maximizar sua utilização na cadeia de valor e recuperá-los por intervenção humana e

adição de energia. Nutrientes técnicos são recursos finitos e, se mal geridos após o consumo,

serão encaminhados para disposição final em aterros e não retornarão mais à cadeia produtiva

(RIBEIRO; KRUGLIANSKAS, 2014).

O modelo econômico linear é um modelo que não se sustenta ao longo dos anos, transferindo

toda a matéria de uma ponta a outra do sistema, sem se preocupar com a disponibilidade de

matéria prima na ponta inicial e nem com a disposição dos resíduos na ponta final do sistema.

Garantir eficiência e maior aproveitamento dos materiais e energia é importante, porém, ainda

assim não garante a manutenção do modelo produtivo em longo prazo. No mais, os recursos

naturais estão se esgotando e as áreas disponíveis para aterros são cada vez mais escassas ou

perigosas (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b; RIBEIRO; KRUGLIANSKAS,

2014; SCHARMER, 2014), o que torna necessário fechar o ciclo da cadeia produtiva e proje-

tar processos capazes de regenerar e recuperar matéria prima.

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2.1.1. Princípios da Economia Circular

Apresentados os aspectos gerais da Economia Circular, abaixo são explicitados seus três prin-

cípios, baseados nos desafios enfrentados pela economia industrial atual (ELLEN

MACARTHUR FOUNDATION, 2013a). Para (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ,

2018), a Economia Circular busca estender a utilização de resíduos e subprodutos por meio da

reciclagem e criação de alto valor no uso e aplicação dos materiais embutidos nos produtos e

isso se faz possível através da aplicação dos três princípios a seguir (ilustrados pela Figura 3),

segundo a ELLEN MACARTHUR FOUNDATION (2013a).

a) Preservar e aumentar o capital natural por meio do controle do estoque finito de

nutrientes técnicos e equilibrando os fluxos de recursos renováveis.

Ao escolher os recursos pra produção, a Economia Circular tem o dever de utilizar

tecnologias e processos que permitam eficiência, efetividade e reutilização. Serviços

devem ser priorizados frente a produtos, aumentando sua utilização e o número de

usuários, e sempre que possível, com entregas virtuais (i.e. produtos de mídia online

no lugar de mídia física). Desse modo, com um fluxo de nutrientes biológicos equili-

brado, é possível aumentar o capital natural, criando condições para regeneração (i.e.

tempo de regeneração do solo) e, no caso de nutrientes técnicos, sua utilização terá

maior aproveitamento com o controle consciente do estoque finito e aplicações de tec-

nologias na produção favoráveis à recuperação.

b) Otimizar a produção de recursos fazendo com que produtos, componentes e ma-

teriais circulem no mais alto nível de utilidade o tempo todo, tanto no ciclo técni-

co quanto no biológico.

O design de produtos deve ser pensado desde o começo para facilitar e permitir rema-

nufatura, restauração, reciclagem. Deve-se evitar produtos de composição híbrida

(mistura de muitos materiais que não podem ser posteriormente separados para recu-

peração), peças de difícil desmontagem, baixa qualidade, entre outros. Os componen-

tes biológicos e tecnológicos devem circular o máximo possível dentro da cadeia antes

de serem descartados. Isso é chamado de “poder dos círculos internos”, onde os com-

ponentes circulam internamente, onde o reuso, remanufatura e reparo demandam me-

nos recursos e energia, contribuindo para a economia e evitando a perda de qualidade

dos materiais (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018).

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Figura 3: Definições e princípios da Economia Circular.

Fonte: Ellen MacArthur Foundation (2015a, p.6).

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Para os nutrientes biológicos, como na Figura 3, deve-se priorizar o reaproveitamento

do material no mesmo estado e, quando tal fato não for mais possível, utilizar-se da

extração de matérias, digestão anaeróbia (com produção de energia por biogás) e, con-

sequentemente, permitir a regeneração dos componentes por decomposição na biosfe-

ra. Assim, esses se transformam novamente em componentes valiosos para novas pro-

duções. Referente ao ciclo técnico, o maior valor se concentra no primeiro circulo in-

terno, o de compartilhamento do recurso e/ou produto no seu estado atual. Nota-se que

o produto deve ser sempre utilizado, e não consumido, prolongando sua vida por meio

de atividades como manutenção e restauração do produto.

O próximo inner loop é o poder da reutilização e redistribuição dos componentes, co-

mo em produtos modulares, que suas partes podem ser reinseridas na fabricação de

partes e peças de novos produtos. Como próxima opção, deve-se adotar a renovação

dos componentes, onde se aplica mais energia e mais trabalho para estes serem rema-

nufaturados. E, como última alternativa, deve-se reciclá-los, uma vez que pode haver

perda de qualidade dos componentes devido às condições físico-químicas do processo

de reciclagem. A escola de pensamento Cradle to Cradle (Berço a Berço) chama essa

queda na qualidade do produto de downcycling (MCDONOUGH; BRAUNGART,

2002).

Em contraponto, Sung (2015, p. 1) apresenta a definição de upcycling como o “pro-

cesso em que materiais usados são convertidos em algo de maior valor e/ou qualidade

em sua segunda vida”. Dessa forma, é considerado um dos melhores meios para redu-

zir o uso de materiais e energia e ainda contribuir para a produção e desenvolvimento

sustentável.

E por fim, vale ressaltar que o valor dos círculos internos, tanto biológico quanto téc-

nico, não se dá somente ao material de seus componentes, mas também aos processos,

energia e trabalho neles investidos. Se um produto é diretamente encaminhado para

aterro, não serão desperdiçados somente seus componentes, mas toda a estrutura neles

investida que apresenta grande valor econômico para a sociedade.

c) Estimular a efetividade do sistema revelando e excluindo as externalidades nega-

tivas desde o princípio.

O último princípio da Economia Circular é a capacidade de identificar todas as exter-

nalidades, positivas e negativas, do sistema e excluir as externalidades negativas do

projeto desde sua criação. O sistema deve ser eficiente, reduzir prejuízos e otimizar

todos os recursos energéticos, materiais e laborais. Novamente o design tem uma con-

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tribuição importante para eliminar os impactos negativos, escolhendo materiais menos

prejudiciais ao meio ambiente, eliminando o uso de substâncias tóxicas e possibilitan-

do formas de reutilização, recuperação e reciclagem dos componentes.

Porém, nesse tópico, mais importante que o design é entender as reais necessidades de

um produto e propor conceitos que as atendam, tornando o sistema efetivo. Isso pode

se dar por meio do compartilhamento de produtos, do fornecimento de serviços e, por

vezes, substituição ou extinção de produtos. No mais, sempre que possível, deve-se

recorrer a entregas virtuais, preservando o equilíbrio do fluxo de nutrientes biológicos

e minimizando o uso de nutrientes técnicos.

Walter Stahel, fundador do Product Life Institute e pai do conceito de Economia de Perfor-

mance, abordado a frente, resume em uma frase a importância e a ordem de relevância dos

círculos internos: “Não conserte o que não está quebrado, não remanufature algo que possa

ser consertado e não recicle um produto que possa ser remanufaturado” (ALLWOOD; CLIFT,

2011).

Um estudo da McKinsey, SUN e Ellen MacArthur Foundation, apresentado na Figura 4 a

seguir, identificou que, atualmente, os custos com recursos primários, financeiros e com ex-

ternalidades negativas para os mercados de mobilidade, alimentação e ambiente construído

são de € 7,2 trilhões. Até 2030, seguindo o atual caminho da economia linear, tais custos po-

derão reduzir para € 6,3 trilhões. Entretanto, se tomarmos o caminho da Economia Circular

para o desenvolvimento, pode-se economizar ainda cerca de € 900 bilhões de benefícios lí-

quidos, o que representaria um gasto de € 5,4 trilhões em 2030 para o mesmo cenário. Dessa

forma, seria possível gerar até € 1,8 trilhões de benefícios para a sociedade, ambiente e eco-

nomia até o ano de 2030, além de oportunidades de regeneração, renovação e inovação na

indústria (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a).

Tal estudo, apesar de ser aplicado à Europa, pode ser estendido e interpretado com a mesma

lógica para outros países, demonstrando que a Economia Circular traz benefícios financeiros

se comparado ao atual sistema linear de produção, além dos já esperados benefícios ambien-

tais, e supera os danos gerados pelo efeito rebote. A Comissão Europeia (EUROPEAN

COMMISSION, 2014), por sua vez, estima que haverá uma redução na necessidade de novos

materiais de 17 a 24% até o ano de 2030 por meio de melhorias de eficiência na utilização dos

recursos. E ainda afirma que, com uma melhor utilização dos recursos naturais, pode-se pou-

par até € 630 milhões por ano na indústria europeia e gerar mais de 180 mil novos empregos

diretos com a implementação da Economia Circular.

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Figura 4: Oportunidades da Economia Circular para 2030 na Europa.

Fonte: Ellen MacArthur Foundation (2015a, p. 11).

A China, por exemplo, tem se tornado um país de grande interesse para pesquisas em Econo-

mia Circular. O conceito se popularizou no país com a maior população mundial na década de

1990 e, nos anos 2000, adotou a Economia Circular como a principal ferramenta para mudan-

ças ambientais e desenvolvimento econômico para os próximos 10 anos, usando mecanismos

para desenvolvimento de produtos e de novas tecnologias, atualização de equipamentos e me-

lhoria do gerenciamento da indústria (MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017; WINANS;

KENDALL; DENG, 2017).

2.1.2. Características da Economia Circular

A seguir, descreve-se as características fundamentais que devem integrar idealmente qualquer

sistema circular segundo a Ellen MacArthur Foundation (2013b).

a) Excluir as perdas desde o princípio

Segundo Ribeiro e Kruglianskas (2014), resíduo é algo criado pela humanidade.

McDonough e Braungart (2002) também defendem que na natureza tudo é

reaproveitado – o suposto resíduo de uma árvore, por exemplo, serve de alimento para

decomposição do solo, que servirá por sua vez de adubo para outras árvores. No fim,

tudo na natureza é cíclico, e o “sistema linear” é uma criação do homem.

Cerca de 80% dos impactos ambientais do ciclo de vida de produtos são determinados

no momento de sua concepção (ROYAL SOCIETY OF ARTS, 2013, p. 10), o que faz

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do designer um importante contribuinte para redução de externalidades negativas e,

principalmente, resíduos. O mesmo autor diz: “resíduos são falhas do projeto” (p.7).

Entretanto, é importante ressaltar que eficiência por si só não é suficiente para a

transição para uma economia mais circular. Ela não resolverá o problema da finitude

dos recursos naturais (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b), cabendo aos

consumidores, designers e empresas a habilidade crítica de identificar as reais

necessidades que devem ser atendidas e, então desenvolver produtos que garantam a

efetividade do sistema, cumprindo com sua finalidade e, preferencialmente,

compartilhando recursos.

b) Criar resiliência por meio do estímulo à diversidade

Ellen MacArthur Foundation (2013b) defende que a diversidade é a principal caracte-

rística para garantir a versatilidade e resiliência de diversos sistemas, sejam eles ambi-

entais (i.e. diversidade na cadeia alimentar) ou econômicos (i.e. empresas grandes e

pequenas, onde a primeira garante volume de mercado e eficiência em épocas próspe-

ras e a segunda, flexibilidade de modelos de negócios para adaptação a crises). Ribeiro

e Kruglianskas (2014) adicionam ainda que as características diversas de produtos,

como modularidade, versatilidade e adaptabilidade, dão maior vida útil a eles no mer-

cado.

c) Fontes de energia renováveis movem a economia

Segundo (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018), aproximadamente 75%

da produção global de energia é baseada em fontes não renováveis e intensiva emissão

de combustíveis fósseis. Dessa forma, uma das razões para adoção da energia renová-

vel é diminuir a dependência de recursos dos sistemas, garantir a resiliência desses em

épocas de crise, evitar a emissão de contaminantes e poluentes e promover a recicla-

gem natural (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; KORHONEN;

HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). Assim como os componentes biológicos, a energia

renovável é consumida, mas retorna para a biosfera possibilitando seu uso posterior. E,

como característica da diversidade, uma gama de opções de energias renováveis ga-

rante que, em caso de crises energéticas, o sistema será suficientemente resiliente para

operar, contando com diferentes fontes de energia.

d) Pensar de forma sistêmica

Ellen MacArthur Foundation (2015a) diz que diversos elementos no mundo real inte-

gram “sistemas complexos nos quais diferentes partes estão fortemente ligadas a cada

uma das outras, com algumas consequências surpreendentes”, sendo mais fortes jun-

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tas, interligadas e integradas. Assim, para que a alteração no sistema e mudança rumo

à Economia Circular seja efetiva, tal interconectividade deve ser levada em considera-

ção. Ribeiro e Kruglianskas (2014) ainda reforçam que deve haver um foco especial

na interconectividade dos fluxos de matéria e energia, considerando não só suas rela-

ções de cada parte com o todo, mas também com outras partes.

Dessa forma, a Economia Circular busca otimizar sistemas no lugar de componentes,

obtendo maior valor a partir do redesign da manufatura e fornecimento de serviços, do

que somente a partir da maior eficiência nos processos (MURRAY; SKENE;

HAYNES, 2017).

e) “Waste is food” e mecanismos de feedback

Na Economia Circular não há desperdícios. Portanto, tudo que é resíduo de um pro-

cesso, deve alimentar outro processo (waste is food), tanto no ciclo biológico ou técni-

co (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a). Isso torna o sistema restaurati-

vo, alimentando diversos ciclos e prolongando a vida do componente na cadeia de va-

lor. Tal conceito funciona muito bem nos chamados Parques Eco-Industriais, onde,

por meio da ecologia industrial, empresas compartilham recursos e subprodutos

(MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017).

Para que os preços cumpram com seu papel de passar mensagens ao consumidor, estes

devem refletir custos reais do processo, incluindo custos de produção e eventuais ex-

ternalidades negativas causados pelo sistema. Outros mecanismos de feedback tam-

bém devem existir para alimentar e aprimorar o funcionamento do modelo circular,

como uso de tecnologias para identificar tendências e preferências do consumidor.

Desse modo, a transparência deve ser exercitada e aplicada a todo o processo, sendo

necessário remover “subsídios perversos” de produtos e matéria-prima que dificultem

a transição para a Economia Circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,

2015a), como subsídios para combustíveis fósseis.

A Economia Circular ainda propõe novas ações para o consumo de produtos e recursos que

ajudam na transição para um modelo circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,

2015a). Elas convidam o produtor, consumidor e órgãos legislativos a repensarem o modo de

fazer negócios, facilitando o compartilhamento, apoiando o uso de energias renováveis, entre

outros, por meio da ferramenta RESOLVE (Regenerate, Share, Optimise, Loop, Virtualise,

Exchange), apresentada a seguir:

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a) Regenerar: apoiar o uso de energia e materiais renováveis, recuperar, reter e restaurar

a saúde dos ecossistemas e devolver recursos biológicos recuperados à biosfera.

b) Share (compartilhar): compartilhar bens, reutilizar e usar produtos de segunda mão e

prolongar a vida dos produtos por meio de práticas como manutenção, mas garantindo

que os produtos terão durabilidade e capacidade de atualização para tal.

c) Otimizar: aumentar o desempenho, eficiência e efetividade do produto; remover resí-

duos durante a produção e na cadeia de suprimentos; e alavancar o uso de tecnologias

como big data, automação, sensoriamento e direção remota.

d) Loop (círculos): remanufaturar produtos e/ou componentes, reciclar materiais, usar di-

gestão anaeróbia e extrair substancias bioquímicas de resíduos orgânicos e retornar pa-

ra o ciclo biológico.

e) Virtualizar: desmaterializar direta e indiretamente produtos, como por exemplo, prio-

rizar livros, filmes, mídia, reuniões e compras online no lugar de materiais físicos ou

compras e reuniões presenciais.

f) Exchange (trocar): substituir materiais não renováveis antigos por novos materiais

mais avançados e renováveis, usar e incentivar novas tecnologias (como impressora

3D – três dimensões – para modularidade, por exemplo) e optar por novos produtos

e/ou serviços que seguem os princípios da Economia Circular.

2.1.3. Escolas de Pensamento

Segundo Korhonen; Honkasalo; Seppälä (2018), o conceito de Economia Circular é “vaga-

mente baseado em uma coleção fragmentada de ideias derivadas de alguns campos científicos,

emergentes e conceitos semicientíficos”. Assim, o autor destaca diversos conceitos, sendo

Ecologia Industrial, Simbiose Industrial, Cradle-to-Cradle design, Biomimética, Economia de

Performance, Capitalismo Natural, Resiliência do Sistema Social-Ecológico, Conceito de Ze-

ro Emissions, Sistemas Produto-Serviço, Produção mais Limpa, dentre outros.

Alguns deles são chamados pela Ellen MacArthur Foundation de Escolas de Pensamento e

serão abordados a seguir. São conceitos que abrangem pensamentos e visões distintas de mo-

delos de negócios, e abordam diferentes meios para resolução de problemas atuais de escassez

de recursos. Entretanto, todos convergem, em grandes termos, para as mesmas ideias centrais

de construção de ciclos fechados, observação da natureza e eliminação de desperdícios, carac-

terísticas centrais da Economia Circular (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a).

Ainda segundo (KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018), as escolas de pensamento

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que mais influenciaram o conceito de Economia Circular tenha sido Cradle-to-Cradle e Eco-

logia Industrial, entretanto, o conceito ainda não é claro e de difícil compreensão.

Murray, Skene e Haynes (2017) destacam que uma das principais diferenças entre o conceito

de Economia Circular e as Escolas de Pensamento é que a primeira surgiu principalmente de

legislações e políticas (e.g. China), enquanto as escolas surgiram de grupos acadêmicos. Esta

pode ser, então, uma das justificativas para a baixa representatividade de artigos acadêmicos

de Economia Circular.

a) Design Regenerativo

Um professor americano na década de 1970 desenvolveu um conceito onde todos os sistemas,

podem e deveriam ser manejados de forma que o ele próprio gerasse os insumos materiais e

energéticos necessários para se manter. Tal modelo já se aplicava para a agricultura, mas de-

veria ir além disso. Tal conceito se tornou conhecido como Design Regenerativo, em que um

sistema deveria, desde seu projeto, ser concebido para se “recriar” e ser autossuficiente

(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a).

O professor e idealizador John T. Lyle fundamentou uma das características base para a Eco-

nomia Circular, que mais tarde deram origem a conceitos como Economia de Performance e

Cradle to Cradle (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).

b) Performance Economy (Economia de Performance)

O arquiteto e economista Walter Stahel foi quem, pela primeira vez, em 1976, esboçou o con-

ceito de economia circular, apresentado como uma visão de economia em ciclos. Stahel apon-

tou seus possíveis impactos na geração de emprego, redução de recursos, diminuição e pre-

venção de resíduos e possibilidade de competitividade econômica, além de apresentar pela

primeira vez o conceito de “ciclo fechado” e Cradle to Cradle (ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2013a).

O Product Life Institute, criado por Stahel e fundado na Suíça, possui quatro objetivos princi-

pais: extensão da vida do produto, bens de vida longa, atividades de recondicionamento e pre-

venção de desperdício. Também defende a implementação de uma “economia de serviço fun-

cional”, onde serviços devem atender as necessidades dos consumidores e serem então substi-

tuídos por produtos. Mais tarde o conceito ficou conhecido como Economia de Performance

(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).

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c) Cradle to Cradle (Berço a Berço)

O conceito Cradle to Cradle nasceu na década de 1990, resultado da parceria do químico

alemão Michael Braungart com o arquiteto americano Bill McDonough, se tornando mais

tarde um processo de certificação. A filosofia se baseia no conceito de ciclo fechado, defen-

dendo que “resíduo é igual alimento” (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).

Além disso, Cradle to Cradle faz uso da discriminação dos nutrientes em biológicos e técni-

cos, já apresentados, focando não só na eficiência dos processos, mas também na efetividade e

impactos positivos que podem ser alavancados por meio do design consciente do produto

(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002).

Por meio do design, é possível proporcionar inovação, qualidade, durabilidade, segurança

(eliminação de materiais tóxicos) e, principalmente, potencializar a recirculação dos materiais

e componentes dentro da cadeia de valor, projetando-os para a remanufatura. Além disso, o

conceito de Berço a Berço defende o uso de energia de fontes renováveis (preferencialmente

solar), celebra o a diversidade dos ecossistemas e promove cuidados no gerenciamento de

insumos, como, por exemplo, suprimento de água nos processos (MCDONOUGH;

BRAUNGART, 2002).

d) Ecologia Industrial

Lowe e Evans (1995) descrevem Ecologia Industrial como uma ferramenta de gestão ambien-

tal para casar inputs e outputs de sistemas industriais, respeitando a capacidade ambiental e

regional. Dessa forma, Ecologia Industrial guia a transformação da indústria para o desenvol-

vimento sustentável, movendo do modelo econômico para o linear, integrando e harmonizan-

do a indústria com meio ambiente, compartilhando assim muitos aspectos comuns com o con-

ceito de Economia Circular (LOWE; EVANS, 1995; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017).

Segundo Allwood e Clift (2011), a Ecologia Industrial busca entender, por meio da engenha-

ria química, o ecossistema industrial de forma integrada e, assim, eliminar subprodutos inde-

sejáveis a partir da observação do sistema e seus fluxos de materiais e energia. Reid Lifset e

Thomas Graedel estudaram os processos industriais a fim de estabelecer ciclos fechados, onde

as restrições ecológicas locais devem ser respeitadas, considerando e moldando os impactos

negativos e positivos para aproximar o funcionamento do sistema industrial do funcionamento

e modelo de ciclos observado na natureza (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,

2017b?).

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e) Biomimética

A Biomimética é “uma abordagem para inovação que busca soluções sustentáveis para os

desafios humanos por meio da formulação de padrões e estratégias já testadas pelo tempo de

experiência da natureza” (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018). A idealizadora do conceito e

autora do livro, Janine Benyus, argumenta que a biomimética estuda e imita os melhores de-

signs e processos naturais para criar produtos, processos e políticas para que humanos se

adaptem à “vida na Terra” em longo prazo (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018; ELLEN

MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?).

O conceito se baseia em três princípios fundamentais: 1) natureza como modelo, 2) natureza

como medida e a 3) natureza como mentora (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION,

2013a). Assim, é possível estudar e simular modelos da natureza utilizando um padrão ecoló-

gico para o que é sustentabilidade e aprendendo com o mundo natural.

Murray, Skene e Haynes (2017, p. 377) por outro lado, defendem que este é um argumento

fraco do ponto de vista da sustentabilidade, visto que não é possível que a tecnologia reprodu-

za o que a natureza é capaz de fazer. Uma solução seria praticar “bioparticipação”, em que

“aprendemos a cumprir nosso papel na biosfera, ao invés de imitar aspectos dela, enquanto

fazemos uso da tecnologia”.

f) Blue Economy (Economia Azul)

A Blue Economy é um movimento que coloca em ação a filosofia ZERI - Zero Emissions Re-

search & Innitiatives do empresário Gunter Pauli. ZERI é uma plataforma open source para

“mentes criativas” postarem suas soluções para desafios globais. Incentivando o empreende-

dorismo, pessoas podem deixar suas ideias disponíveis para o mundo, devendo ser baseadas

em 21 princípios que giram em torno de 1) uma economia onde não há desperdício e da 2)

observação e imitação dos processos naturais (PAULI, 2018a).

Blue Economy vem para consolidar os estudos de caso da plataforma em um relatório e incen-

tivar movimentos, investimentos e soluções locais para a implementação de uma economia

circular, onde não existem resíduos, soluções são baseadas na natureza e processos usam

energias renováveis (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2017b?). O movimento é

aplicável a qualquer modelo de negócio, focando nos recursos naturais e economia locais,

produzindo produtos de alta qualidade, baixo custo e gerando empregos, além de produzir

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efeitos cascata de impactos positivos e oportunidades de mercado competitivas (PAULI,

2018b).

g) Capitalismo Natural

O Capitalismo Natural é o primeiro conceito a abordar novos modelos econômicos circulares

do ponto de vista do lucro. A escola defende que a próxima revolução industrial já está acon-

tecendo e é possível que interesses econômicos e ambientais se sobreponham, onde os negó-

cios podem atender às necessidades do consumidor, aumentar os lucros e ainda ajudar a resol-

ver problemas ambientais (HAWKEN; LOVINS; LOVINS, 2018, 2007).

Desenvolvido por Paul Hawken, Amory Lovins e Hunter Lovins, o livro “Capitalismo Natu-

ral: Criando a próxima revolução industrial” é baseado em quatro princípios que são interliga-

dos: 1) aumentar a produtividade dos recursos, 2) redesenhar a indústria em modelos biológi-

cos, com ciclos fechados e sem desperdícios, 3) deslocar a venda de produtos para modelos de

fornecimento de serviços; 4) reinvestir no capital natural (HAWKEN; LOVINS; LOVINS,

2018, 2007).

~

Com base no que foi apresentado, pode-se dizer que a Economia Circular é derivada de diver-

sos outros conceitos que compartilham dos mesmos objetivos: criar modelos de negócios em

que não haja desperdícios e os ciclos sejam fechados; fazer uso consciente, equilibrado, efici-

ente e efetivo dos recursos naturais, respeitando e valorizando os nutrientes biológicos e téc-

nicos; aumentar a vida útil de produtos por meio da recirculação de cadeias internas de valor;

promover diversidade nos sistemas e eliminar as externalidades negativas.

A Economia Circular é, ao mesmo tempo, uma nova estratégia para empresas adotarem práti-

cas rumo ao desenvolvimento sustentável e uma oportunidade para diminuir custos de produ-

ção por meio do reuso de materiais, eficiência energética e seu uso em cascata, além de evitar

penalidades regulatórias (LOWE; EVANS, 1995; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017).

Diante disso, cabe às empresas, indústrias e designers selecionar as melhores tecnologias,

ferramentas de design, insumos e processos que melhor se encaixem em seus modelos de pro-

dução. No mais, esses novos (ou adaptados) modelos de negócios serão capazes de promover

uma economia que irá aumentar e preservar o capital natural, gerar empregos e produzir ex-

ternalidades positivas para a sociedade. E cabe aos consumidores e outros atores sociais a

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transformação e conscientização para que haja demanda e deslocamento da economia linear

atual para uma economia mais circular.

Entretanto, Murray, Skene e Haynes (2017) descrevem que ainda não está claro como a Eco-

nomia Circular pode endereçar fatores sociais do desenvolvimento sustentável, como igualda-

de geracional, de gênero, racial, religiosa, igualdade de oportunidades, financeira, entre ou-

tras. Tal fato é confirmado por Kirchherr, Reike e Hekkert (2017), que destacam que somente

13% das publicações levantadas em seu estudo sobre Economia Circular abrangem holistica-

mente os três pilares do desenvolvimento sustentável.

Apesar disso, a transição para a Economia Circular pode trazer diversos benefícios para dife-

rentes stakeholders, sendo alguns deles descritos no Quadro 1 abaixo.

Quadro 1: Benefícios da Economia Circular.

Atores Benefícios da Economia Circular

Economia Reduções de custo com matéria-prima, gestão de resíduos e de emissões;

Redução de riscos na volatilidade e suprimento de materiais no mercado;

Criação de oportunidades de novos negócios e crescimento nos setores pri-

mário, secundário e terciário;

Redução das externalidades e

Estabelecimento de sistemas econômicos mais resilientes.

Consumi-

dores

Melhoria da qualidade dos produtos;

Redução da obsolescência programada;

Maior possibilidade de escolha e

Benefícios secundários - por exemplo, novas funções dos produtos.

Empresas Potencial de lucro em novos negócios

Novas formas de relacionamento com clientes;

Oportunidades em novos modelos de negócio

Novas oportunidades de financiamento;

Criação de resiliência e vantagem competitiva;

Redução custos e riscos com matérias primas;

Redução nos gastos com legislação e regulação ambiental;

Ganhos diretos com recuperação/ reciclagem dos materiais que eram descar-

tados;

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Possibilidade de green marketing para novos produtos e serviços;

Redução da complexidade dos produtos e ciclos de vida mais gerenciáveis e

Estímulo à inovação e ecodesign.

Sociedade Geração de empregos;

Aumento do senso de comunidade, cooperação e participação através da

economia compartilhada;

Benefícios socioculturais e de bem-estar;

Meio Am-

biente

Redução no uso de matéria-prima virgem;

Aumento do tempo de vida de matéria-prima por meio da eficiência no uso

dos materiais e sua recuperação ao longo da cadeia;

Diminuição da geração de resíduos e consequente alocação em aterros sani-

tários;

Diminuição na geração de emissões;

Fonte: Adaptado de Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018); Ribeiro e Kruglianskas (2014) e Sung (2015)

Entretanto, para que essa transição seja efetiva e traga resultados desejados, é necessária uma

mudança de cultura e de visão de negócios em toda a cadeia do ciclo de vida do produto, in-

cluindo todos os interessados e afetados pelo processo. Mudanças devem ocorrer na concep-

ção de produtos, nos processos de produção, criar oportunidades e formas de transformação

dos resíduos em recursos, novos modelos de negócios e de mercado e também novos padrões

de comportamento dos consumidores (EUROPEAN COMMISSION, 2014). A European

Commission (2014) aponta ainda que deve haver uma mudança sistêmica e inovadora em

diferentes níveis de organizações, sociedade, tecnologia, finanças e políticas, para que essa

transformação seja completa.

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2.2. A Evolução dos Sistemas Econômicos

Otto Scharmer é um cientista alemão, conferencista sênior no Massachusetts Institute of

Technology (MIT), que vem se dedicando a pesquisas sobre tecnologias sociais7 que promo-

vam mudanças sistêmicas e inovações profundas. Autor dos livros “Teoria U: Como liderar

pela percepção e realização do futuro emergente” (2010) e “Liderar a partir do futuro que

emerge: Evolução do sistema econômico egocêntrico para o ecocêntrico” (2014), Scharmer

desenvolve conceitos que promovem o entendimento do campo social em que estamos inseri-

dos, fazendo análises profundas sobre o comportamento humano, social e econômico. No

primeiro livro, pauta-se a conscientização do indivíduo, por meio da imersão no processo de

presencing e, no segundo livro, busca-se identificar padrões na evolução econômica da socie-

dade ao longo dos séculos por meio de diferentes níveis de conscientização da sociedade e de

organizações.

O foco desta seção é entender o processo de conscientização individual (Teoria U) e coletivo

(Evolução dos Sistemas Econômicos) para assim identificar os elementos necessários para a

transição da Economia 3.0 para a Economia 4.0.

2.2.1. A Teoria U

Korten8 (2009 apud PESCHL et al., 2010) e Taylor

9 (2008 apud PESCHL et al., 2010) ale-

gam que estamos “no meio de uma crise” generalizada, envolvendo o sistema financeiro, mu-

danças climáticas, extinção de espécies, pobreza e fome a nível global e aumento de conflitos

por recursos naturais e água. Scharmer (2014, 2010) também defende que vivemos em época

de dificuldades econômicas, políticas, sociais e ambientais onde são produzidos resultados

que muitas vezes não são desejados por todos, como desastres ambientais, doenças globais

(depressão, obesidade, doenças tropicais, vírus da imunodeficiência humana - HIV, etc.), cri-

ses financeiras e instabilidade econômicas, como, por exemplo, variações no preço de com-

modities e fragilidades políticas ou mesmo ambientais.

7 Tecnologias sociais são “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a

comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” (PORTAL BRASIL, 2010). A Teoria

U se autodenomina uma tecnologia social que, através do processo de presencing, permite extrair os fatos neces-

sários, sem julgamentos, para gerar profunda mudança interna capaz de deslocar o local a partir do qual opera-

mos (SCHARMER, 2010). 8 KORTEN, D. Agenda for a new economy: from phantom wealth to real wealth. San Francisco: Berrett-

Koehler, 2009 9 TAYLOR, G. Evolution’s edge: thte coming colapse and transformation of our world. Gabriola Island: New

Society, 2008.

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Esses problemas são endereçados com soluções locais, por vezes regionais ou globais, mas

que visam combater somente uma frente de um problema muito maior. São soluções paliati-

vas, ou temporárias, para problemas que deveriam ser discutidos mais a fundo, com mais ato-

res e buscando e analisando a causa-raiz do problema (SCHARMER, 2010).

O autor ainda destaca incapacidade da liderança atual de enxergar problemas e desafios glo-

bais de forma integrada e sistêmica, propondo soluções que trazem consequências cada vez

piores e resultados insustentáveis. A abordagem de silos não funciona para trazer soluções

atuais e articuladas, individualizando problemas sistemáticos e tratando sintomas separada-

mente, com um “setor social responsável por cada sintoma”. Exemplos são as divisões de

departamentos, Organizações Não-Governamentais (ONGs), carreiras e cargos muito especí-

ficos para problemas que deveriam ser analisados de forma holística (SCHARMER, 2010).

O autor observa ainda que vivemos em época de fracassos institucionais que provocam lacu-

nas nas áreas ecológica, social e espiritual, que não são endereçados conscientemente pelos

atores do sistema e criam o que denomina de divisores ecológico, social e espiritual-cultural.

O vazio interior causado pelo divisor espiritual-cultural leva ao maior consumo de bens e,

consequentemente, exaustão dos recursos naturais (divisor ecológico), que, por sua vez, leva

aos divisores socioeconômicos.

O divisor espiritual-cultural diz respeito à desconexão da pessoa com seu próprio grau de

consciência, bem-estar e felicidade onde, apesar do padrão de vida material ter melhorado

rapidamente em alguns países, questões como estafa e depressão continuaram aumentando

nos últimos 50 anos (DIENER; SELIGMAN10

, 2004 apud SCHARMER, 2014). As taxas de

suicídio têm aumentado e se tornado uma das maiores causas de morte, o que representa so-

mente a ponta de um sistema que violenta o próprio ser humano (SCHARMER, 2014) e, por

fim, pessoas estão desconectadas com seu propósito, ignorando seus sentimentos e pensamen-

tos, e agindo de forma que o sistema e a situação pedem, mas não da forma que acreditam ser

melhor (SCHARMER, 2014).

Na esfera ecológica, Scharmer (2014) destaca diversas falhas no relacionamento homem-

natureza que se referem ao esgotamento dos recursos naturais e consumo de 70% a mais de

recursos do que o planeta é capaz de se recompor, sendo necessário três planetas Terra para

suprir as necessidades do homem em 2050 (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2017;

10

DIENER, E.; SELIGMAN, M. Beyond Money: toward na economy of wellbeing. Psychological Science in

the Public Interest, v.5, n.1, p.31, 2004.

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SCHARMER, 2014); diminuição de 1/3 das áreas férteis aráveis e cultiváveis desde 1970

(UNEP - UNITED NATIONS ENVIRONMENTAL PROGRAM, 2005); poluição de lençóis

freáticos e ao mesmo tempo aumento em seis vezes da demanda por água doce – até 2025,

estima-se que 2/3 da população mundial viverá em áreas de escassez de água (UNEP, 2005);

cerca de 60% dos ecossistemas analisados pela Avaliação Ecossistêmica do Milênio foram

degradados ou estavam sendo manejados de forma insustentável (UNEP, 2005); estima-se que

os benefícios dos serviços ecossistêmicos11

cheguem a US$ 70 trilhões por ano, porém estes

são mal administrados (UNEP, 2005).

E por fim, no divisor socioeconômico, Scharmer (2014) defende que a sociedade está mais

consciente dessas falhas depois da crise econômica de 2008, porém ainda destaca discrepân-

cias em relação à renda, concentração de riqueza, entre outros. Uma das evidências é 10% da

população mundial receber metade de toda a renda gerada globalmente (DAVIES et al12

. ,

2007 apud SCHARMER, 2014), enquanto 1% da população detém 40% da riqueza global

frente à metade da população mundial que possui 1% dos bens (MILANOVIC13

, 2006 apud

SCHARMER, 2014). E, espantosamente, as necessidades básicas das pessoas ainda não são

devidamente supridas, uma vez que mais de 10% da população sofre de fome, sendo que 98%

dessas pessoas se encontram em países em desenvolvimento (FAO14

, 2012 apud

SCHARMER, 2014).

A Teoria U é, portanto, um processo desenvolvido por Otto Scharmer que busca tornar o ato

da tomada de decisão mais consciente, com um nível de atenção elevado, promovendo o auto-

conhecimento e identificação da situação em que o indivíduo se encontra para ser capaz de

mudar seu local de operação. Partindo da percepção do ambiente no entorno, o processo passa

pela identificação do nosso chamado ponto cego e então torna o indivíduo apto a tomar ações

e prototipar soluções para os problemas que enfrenta. Assim, o processo do U torna o indiví-

duo capaz de tomar melhores decisões por meio do deslocamento de seu lugar de operação.

Nosso ponto de operação é nossa fonte mais profunda de inspiração, que deve ser genuíno e

conhecido por nós, e nosso nível mais profundo de consciência é vivenciado quando “perce-

11

Benefícios prestados pelos ecossistemas à vida humana. 12

DAVIES, J.B. et al. Estimating the level and distribution of global household wealth. Cambridge: Nation-

al Bureau of Economic Research, 2009.2009. 13

MILANOVIC, B. Global income inequality: what it is and why it matters. Economic & Social Affairs, DE-

SA Working Paper, nº26 (ST/ESA/2006/DWP/26). Disponível

em:<http://www.un.org/esa/desa/papers/2006/wp26_2006.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2018. 14

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS. The State of food insecu-

rity in the world. 2012. Disponível em:<http://www.fao.org/3/a-i4646e.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2018.

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bemos e concretizamos a mais elevada possibilidade futura de uma pessoa – atuando com

base na presença daquilo que deseja emergir”, definido por SCHARMER (2014, p.21) como

presencing15

. Vale notar que o U apresenta elementos cíclicos e lineares, permitindo que o

ponto final da jornada seja em local diferente do ponto de partida, representando o desenvol-

vimento e conscientização ao longo do processo.

Scharmer chama essa jornada de uma nova tecnologia social para endereçar, de forma sistê-

mica e consciente, os desafios globais enfrentados, trazendo resultados desejados por todos

(SCHARMER, 2010), ajudando indivíduos e lideranças a melhorar a qualidade de seus resul-

tados produzidos. Se o modelo for extrapolado para sistemas, a qualidade dos resultados do

sistema naturalmente será diretamente proporcional à conscientização dos participantes que

operam esse sistema (SCHARMER, 2014, p. 19). Com isso, Scharmer busca em seu segundo

livro “Liderar a partir do futuro que emerge” compreender a evolução dos sistemas econômi-

cos por meio do processo de conscientização do U aplicado a transformações de indivíduos,

sociedade e organizações.

2.2.2. Os pontos de acupuntura

Scharmer (2014), em um segundo momento, faz uma profunda análise da economia e socie-

dade ao longo dos séculos sob diversos pontos de acupuntura – pontos de desconexão estrutu-

ral e limites do sistema – divididos na questão ecológica, questão de renda, financeira, tecno-

lógica, liderança, consumo, governança e direitos de posse. Essa análise, entre outras funções,

busca auxiliar líderes a compreender melhor o ecossistema e os movimentos históricos da

sociedade e economia, além de dar embasamento para tomar decisões agregadoras, intencio-

nalmente positivas, evitando erros do passado e identificando as tendências que emergem do

futuro.

Todos apresentam sintomas aparentes na superfície que levam a limites sistêmicos onde, a

partir deste ponto, pode ocorrer uma quebra de continuidade e então surgir necessidade imi-

nente de mudança, promovendo o deslocamento do ponto de operação para um novo estágio.

(SCHARMER, 2010). Abaixo, são apresentadas as desconexões estruturais e seus limites sis-

têmicos (SCHARMER, 2014, p.48):

15

A palavra vem da combinação em inglês de sensing (sensibilizar-se – com o significado de sentir ou perceber

as possibilidade futuras) e presence (presença – no sentido de estar no momento presente). É o auge do U, ponto

em que a partir dele a pessoa pode tomar decisões conscientes e prototipar soluções desejadas.

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Ecossistemas atingiram o limite para extração de bens naturais, resultado da dissocia-

ção entre o crescimento ilimitado e os recursos naturais finitos. Desse modo, atinge-se

o limite sistêmico em que o crescimento deve ser limitado e a administração dos re-

cursos naturais deve ser feita de acordo com as condições finitas do planeta para que

seja possível continuar com atividades econômicas baseadas em recursos naturais;

O desequilíbrio na distribuição de renda esbarra nos limites da desigualdade quando

necessidades básicas de parte da sociedade não são atendidas, desrespeitando os direi-

tos humanos básicos. O sintoma superficial é o fato de 1% de a população mundial de-

ter 40% da riqueza, o que leva ao limite sistêmico da necessidade de cumprimento dos

direitos humanos básicos;

Scharmer defende que há dissociação entre economia real e financeira16

, o que beira os

limites da especulação no momento em que menos de 1,4% de todas as transações

mundial são provenientes do comércio real. Ou seja, existe uma lacuna estrutural entre

a economia financeira (câmbios e especulações de bolsa de valores), que movimenta

US$ 1,5 quadrilhão, e a economia real (transações de comércio), a qual movimenta

0,02 quadrilhão de dólares;

A tecnologia por sua vez sofre da síndrome dos paliativos tecnológicos17

, focando na

mitigação os sintomas sociais por meio da criação de novas “parafernálias tecnológi-

cas”. Entretanto, não visa propor soluções sustentáveis nem criar de soluções sistêmi-

cas voltadas para as causas fundamentais dos problemas enfrentados;

A desconexão da liderança é causada pelo distanciamento entre os tomadores de deci-

sões e os afetados pelas próprias decisões, gerando silos institucionais. As decisões

top-down tradicionais não conseguem mais gerar resultados que todos querem devido

à dissociação entre antigas ferramentas da liderança e os desafios atuais. Isso resulta

em um limite sistêmico regido pela autogovernança direta, distribuída e dialógica18

;

Os limites do consumismo são resultados do sintoma superficial da estafa, depressão e

aumento do consumismo sem consequente aumento do bem-estar. Observa-se que o

Produto Interno Bruto (PIB) de países é desconexo desses fatores, o que cria a neces-

sidade de promover novas formas de compreensão de felicidade, saúde e bem-estar

que não seja sob a ótica do processo econômico e consumismo.

16

Valores de transações do mercado de câmbio internacional (economia/capital financeiro especulativo) superam

em valores de transações de comércio internacional (economia real) (SCHARMER, 2014). 17

Uso da tecnologia para resolução de problemas sem entender suas causas fundamentais (SCHARMER, 2014). 18

Liderança top-down que opera em silos tradicionais institucionais (SCHARMER, 2014).

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A falha na governança esbarra na incapacidade de governos enfrentarem os desafios

sistêmicos, onde partes se dissociam do todo. Para sanar essa lacuna, é necessário criar

mecanismos colaborativos de governança e reconfigurar as fronteiras de competição e

cooperação entre países.

E por fim, os sintomas como utilização excessiva de recursos escassos, exemplificado

pela Tragédia dos Comuns19

, representam divergências entre as formas atuais de posse

e a melhor utilização social atual. Recursos naturais deveriam ser garantidos para as

futuras gerações como ativos sociais ou recursos comuns – direitos de posse para uso

comum entre propriedades pública e privada.

Desse modo, identificar os pontos de acupuntura garante um maior entendimento dos fluxos

de comunicação, de bens e de poder no estágio em questão. Se utilizadas as ferramentas da

Teoria U, é possível buscar a transformação interior mais profunda, no nível individual, social

ou organizacional, para identificar qual melhor caminho a seguir e decisão a ser tomada. So-

mente a partir da mudança da qualidade da atenção que as pessoas dedicam às ações que rea-

lizam é que possível mudar o comportamento do sistema, seja individualmente ou coletiva-

mente (SCHARMER, 2010). Assim, líderes e instituições devem guiar o rumo a ser tomado

pela economia para que os melhores resultados sejam produzidos, descolocando o ponto de

operação do sistema. Como cita Arnold Tonybee (SCHARMER, 2014, p.54): “a mudança

estrutural ocorre quando a elite de uma sociedade não tem mais como reagir com criatividade

a importantes desafios sociais e, em consequência, antigas formações sociais são substituídas

por novas”.

2.2.3. Da Economia 0.0 à Economia 4.0

Em seu segundo livro, Scharmer faz uma análise da evolução do capitalismo baseando-se nos

desafios e pontos de acupuntura enfrentados durante a evolução econômica. Com isso, o autor

identifica diferentes etapas da evolução da sociedade e características em comum e as classifi-

ca de acordo com seu estado de consciência e ideologia predominante na época estudada,

chamando-as de Sociedade 1.0, Sociedade 2.0, Sociedade 3.0 e Sociedade 4.0. É importante

observar que aspectos de uma época podem se fazer presentes em outra, não havendo uma

delimitação rígida e exclusiva para cada etapa da Sociedade. Tal evolução é melhor abordada

a seguir (SCHARMER, 2014, p. 55).

19

O uso de recursos comuns de forma individualizada e irrestrita em uma comunidade acaba por comprometer

sua disponibilidade, prejudicando toda a comunidade (HARDIN, 1968).

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55

Na Sociedade 1.0, organizações são centradas na hierarquia e o poder do estado é o predomi-

nante, sendo baseada em uma figura centralizadora, que detém todo o poder decisório, orien-

tada pelo Estado e que preza pela estabilidade. Esse modelo do desenvolvimento social se

remete à época dos czar, imperadores e ditadores nas Rússia, China e Europa até aproxima-

damente o século XVIII, por exemplo. Entretanto, é possível encontrar evidências ainda no

século XXI. Esse modelo não permite que haja dinamismo e liberdade por parte da população,

contendo a iniciativa individual. No mais, o poder na Sociedade 1.0 é coercitivo, baseado na

punição e força militar, com ideologia mercantilista e fortes interesses comerciais e financei-

ros e nível de consciência que Scharmer chama de “tradicional”.

Ao atingir a estabilidade, Scharmer defende que a sociedade foi em busca do crescimento,

evoluindo para o estágio 2.0, baseando-se na competição, mentalidade neoliberal e neoclássi-

ca e voltada para o livre mercado – laissez-faire. Com isso, surgem mercados mais dinâmicos,

empreendimentos, direitos de propriedade e um sistema bancário que proporciona acesso ao

capital. A sociedade sai do foco único e exclusivo do Estado e cria o setor privado. A consci-

entização passa a ser “egossistêmica”, onde os atores despertam interesses próprios para atuar

e influenciar a economia. Ao mesmo tempo, explode a Revolução Industrial do século XIX,

de enorme crescimento econômico e dinamismo, que provoca, entretanto, a geração de exter-

nalidades negativas, como exploração desenfreada de recursos naturais, trabalho escravo e

infantil, maior desigualdade econômica, entre outros. A remuneração é baseada no mercado,

concedendo incentivos (cenouras) aos criadores de bons resultados.

No processo evolutivo de sanar os efeitos prejudiciais da Sociedade 2.0, a evolução para a 3.0

cria medidas para “restringir o mecanismo de mercado em áreas nas quais as externalidades

negativas são disfuncionais e inaceitáveis” (SCHARMER, 2014, p. 58). Isso gera estruturas

voltada para os stakeholders e para a economia social de mercado, organizadas em grupos de

interesse que criam, negociam e implementam medidas como direitos trabalhistas, legislação

de previdência social e proteção ambiental, bancos centrais para proteção da moeda nacional,

entre outras. Com isso, surge o terceiro setor (sociedade civil e ONGs, além do setor públi-

co/Estado e setor privado/empreendedor) para garantir a conscientização de todos os atores,

estabelecendo parcerias e transformando a fonte de poder baseada em normas e valores e não

mais baseada no mercado. A fonte de poder se torna normativa e baseada em valores e a ideo-

logia dominante é a socialdemocrata ou progressista.

Entretanto, a Sociedade 3.0 não consegue reagir rapidamente aos problemas globais que sur-

gem (crise do petróleo, mudanças de fatores demográficos, escassez de recursos naturais, por

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56

exemplo) e, com o tempo, soluções antes criadas se tornam problemas para a evolução do

sistema, como subsídios para combustíveis fósseis que impedem a transição para energias

renováveis. Todos esses fatores representam limitações da Sociedade 3.0: favorecimento de

determinados grupos de interesse e criação de conflitos de interesse; ações reativas (e não

proativas) às externalidades negativas; e dificuldades em criar externalidades positivas inten-

cionalmente. Com isso, a Sociedade 4.0 busca maior interação setorial (cocriação) e maior

conscientização, com mentalidade e ação centrada no ecossistema.

Desse modo, Scharmer (2014) entende que nos encontramos, ou deveríamos transacionar da

Sociedade 3.0 para 4.0, onde resultados seriam produzidos intencionalmente, com nível de

consciência mais elevado. A Sociedade 4.0 é baseada no bem ecossistêmico e centrada no

todo que emerge, criando ações coletivas baseadas na conscientização e interligando setores

público – privado – civil.

As Sociedades, em resposta aos desafios e desequilíbrios enfrentados em cada um dos está-

gios, produziu reações atualizando a lógica de seu modelo econômico, estruturando novos

mecanismos de coordenação (estruturas hierárquicas, modelos de mercado, criação de redes e

conscientização) e da evolução do seu nível de consciência. Assim, como reflexo da reestrutu-

ração econômica frente às dificuldades estruturais de cada estágio social, Scharmer (2014)

identificou cinco estágios dentro da Evolução dos Sistemas Econômicos de acordo com os

pontos de acupuntura apresentados, a Economia 0.0, Economia 1.0, Economia 2.0, Economia

3.0 e Economia 4.0.

A Evolução dos Sistemas Econômicos é dinâmica, e, como dito, características de um estágio

podem estar presentes simultaneamente em outros estágios, sem delimitar e tornar caracterís-

ticas do capitalismo, da economia e da sociedade exclusivos daquela fase. Uma Economia

pode apresentar elementos de um estágio anterior ou até mesmo já apresentar características

de um estágio futuro e, à medida que o modelo evolui, novas características são desenvolvi-

das, mas antigas ainda podem ser preservadas. A Figura 5 busca representar, de forma simpli-

ficada, o complexo processo evolutivo dos Sistemas Econômicos, ilustrando seus fatores ex-

clusivos, aspectos concomitantes com apenas um único estágio e/ou com vários estágios (so-

breposições).

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57

Figura 5: Evolução dos Sistemas Econômicos.

Fonte: A autora.

Scharmer (2014) analisa os cinco estágios da evolução econômica sob a perspectiva dos oito

pontos de acupuntura resultantes da desconexão estrutural do sistema, sendo esses: Natureza,

Trabalho, Capital, Tecnologia, Liderança, Consumismo, Coordenação e Posse. Dessa forma, o

autor elabora a Matriz da Evolução Econômica, representada no Quadro 2. A matriz simboliza

a jornada do desenvolvimento econômico e as possibilidades futuras – Economia 4.0 – e, co-

mo citado, um determinado estágio pode apresentar características de outros estágios evoluti-

vos, sejam eles passados ou futuros. Todas as combinações (390.625 possíveis) terão pontos

fortes e pontos cegos e, por isso, viver uma jornada pelo U, individual ou coletivamente, é

essencial para a evolução de uma sociedade para outra que produza resultados desejados e

supere as lacunas existentes no momento. A evolução dos estágios 0.0 a 4.0 e suas caracterís-

ticas serão abordadas a seguir, sob a perspectiva de cada fator-chave.

Natureza

A natureza, no estágio 0.0, representava a função de “mãe” – provedora da vida e elemento

essencial à sobrevivência dos povos por meio da caça e coleta de alimentos. Com a revolução

agrícola, o homem passa a enxergar a natureza como recurso (Economia 1.0), aumentando seu

impacto no meio ambiente. Ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, com a Revolução Indus-

trial (Economia 2.0), recursos naturais são tratados como commodities para alimentar as in-

dústrias têxtil e metalúrgica, fontes de energia, entre outros. Surge então na Economia 3.0,

normas e leis ambientais que a sociedade produz como resposta às externalidades negativas da

Economia 2.0 e as commodities passaram a ser elementos regulados (SCHARMER, 2014).

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58

Quadro 2: A Matriz da Evolução Econômica.

Estágio Natureza Trabalho Capital Tecnologia Liderança Consumo Coordenação Posse

0.0 - Comunal:

Conscientiza-

ção pré-

moderna

Mãe Natureza Autossufici-

ência

Capital natural Sabedoria nativa Comunidade Sobrevivência Comunidade Comunal

1.0 - Centrado

no Estado:

mercantilizan-

do, capitalismo

do estado,

conscientização

tradicional

Recursos Servidão,

escravidão

Capital huma-

no

Ferramentas: revolu-

ção agrícola

Autoritária

(chicotes)

Tradicional

(orientado por

necessidades)

Hierarquia e

controle

Pública

2.0 - Livre

mercado: lais-

sez-faire, cons-

cientização

egocêntrica

Commodities

(terra, maté-

rias-primas)

Trabalho co-

mo commodity

Capital indus-

trial

Máquinas: 1ª Revo-

lução Industrial (car-

vão, vapor, ferrovias)

Incentivos

(cenouras)

Consumismo

(consumo de

massas)

Mercados e

competição

Privada: com-

pra e venda da

posse privada

nos mercados

3.0 - Social de

mercado: regu-

lamentado,

conscientização

centrada nos

stakeholders

Commodities

(reguladas)

Trabalho co-

mo commodity

regulada

Capital finan-

ceiro

Automação centrada

no sistema: 2ª Revo-

lução Industrial (pe-

tróleo, motor de

combustão, produtos

químicos)

Participativa

(normas)

Consumo

consciente

coletivo

Redes de ne-

gociação

Mista: pública

e privada

4.0 - Cocriati-

vo: distribuído,

direto, dialógi-

co, conscienti-

zação ecocên-

trica

Ecossistema e

recursos co-

muns

Empreendedo-

rismo social e

privado

Capital criati-

vo cultural

(ciente das

externalida-

des)

Tecnologias centra-

das no ser humano:

3ª Revolução Indus-

trial (energia renová-

vel e tecnologia da

informação)

Cocriativa

(presença

coletiva)

Consumo

Consciente

Colaborativo

(CCC)

Ação Coletiva

baseada na

Conscientiza-

ção (ACC)

Acesso com-

partilhado a

serviços e

recursos co-

muns

Fonte: Scharmer (2014, p. 81).

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SCHARMER (2014, p. 87) defende que “commodities são produtos produzidos para o merca-

do com a finalidade de ser consumido”. Entretanto, recursos naturais não são produzidos pelo

homem e muito menos deveriam ser consumidos. Desse modo, na Economia 4.0, recursos

naturais não deveriam ser tratados como commodities, mas sim serem recursos comuns a to-

dos. Precisamos fechar novamente o ciclo de uso dos recursos naturais, uma vez que “toda

atividade econômica surge da natureza e a ela retorna” (SCHARMER, 2014, p. 86), surgindo

a necessidade de criar processos de design de ciclo fechado e processos de produção baseados

na experiência da natureza, ambos projetados intencionalmente para não gerar resíduos e rein-

troduzir todo o material na cadeia. No estágio atual, nenhuma dessas características é imple-

mentada, uma vez que os processos industriais produzem resíduos, grande parte da energia

utilizada não é renovável e o sistema é baseado em monoculturas e polos industriais que ma-

ximizam somente parte da produção, deixando o sistema vulnerável a crises e com baixa resi-

liência.

Trabalho

Na Economia 0.0, o trabalho era totalmente focado para produção ou obtenção de alimentos

para subsistência. Na evolução para o estágio 1.0, tal trabalho era realizado por escravos ou

servos com relação de dependência com seus senhores e, com a Revolução Industrial (Eco-

nomia 2.0), o trabalho passa a ser commodity – trabalhadores vendem seu tempo a um empre-

gador a um valor baixo. Novamente, na transição da Economia 2.0 para a 3.0, surgem entida-

des regularizadoras para relações empregador–empregado a fim de melhorar as condições de

trabalho e a vida dos trabalhadores (sindicatos, leis trabalhistas, previdência social, entre ou-

tros), tornando o trabalho uma “commodity regulada”.

Scharmer (2014) afirma que o significado do trabalho foi se perdendo com a divisão de tare-

fas ao longo da jornada 0.0 a 3.0. Trabalha-se por dinheiro, bonificações ou recompensas (ce-

nouras, como no estágio 2.0) e não se relaciona o trabalho à paixão pelo que se faz. O traba-

lho, assim, deve se reconectar ao empreendedorismo por meio da criatividade, propósito e

cocriação do futuro que emerge, trazendo mudanças positivas para a sociedade e gerando em-

pregos sem esbarrar nos limites de consumo dos recursos naturais. Alguns fatores são impor-

tantes para promover tal reconexão do trabalho com propósito (SCHARMER, 2014, p. 94):

espaços que permitem a inovação; proposição de desafios para o aprendizado; mecanismos de

sensibilização para contextualizar a o cenário mais amplo; capital; tecnologia; e estabelecer de

uma comunidade global em rede para criar coletivamente protótipos para a Sociedade 4.0.

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Capital

Scharmer apresenta diferentes formas existentes de capital, sendo elas capital físico, humano,

industrial, financeiro, social ou espiritual. O autor ainda defende que, ao longo da evolução

econômica, o capital apresentou diferentes significados, que acabaram por distorcer seu con-

ceito. Na Economia 0.0, o capital era essencialmente natural. Com a evolução para a Econo-

mia 1.0, o capital humano desenvolveu capital físico para manipulação dos recursos naturais

(ferramentas para agricultura e habilidades artesanais) e, com a acumulação do capital físico,

humano e financeiro, evolui-se para a Economia 2.0, onde a revolução industrial trouxe à tona

o capital industrial – maquinário pesado, linhas de produção e habilidades humanas individu-

ais. Novamente a sociedade se reestrutura para o acúmulo de capital e, na Economia 3.0, o

capital financeiro se desvincula cada vez mais da economia real no século XX20

resultado da

relativamente fácil mobilidade do capital financeiro (mudança de proprietário e de local muito

rápida, i. e. transações financeiras globais) em conjunto com a limitação espacial do capital

humano e físico (dificuldade de deslocamento de bens físicos, como fábricas, e mão-de-obra)

(SCHARMER, 2014). Desse modo, devido às transações bancárias, juros compostos, especu-

lações, entre outros, o capital financeiro tende a crescer exponencialmente, enquanto o capital

físico tende à degradação por sua limitação de mobilidade, tempo de uso e finitude. Assim, a

economia real deixa de receber investimentos frente à preferência por investimentos no capi-

tal financeiro e não consegue operar e crescer para atender determinados setores, como o so-

cial.

Na transição da Economia 3.0 para a 4.0, o capital tem o dever de, por meio de investimentos,

“impulsionar o processo transformativo da criação de valor” (SCHARMER, 2014, p. 104).

Assim, o capital se tornará ciente das externalidades que cria. No mais, no estágio 4.0, o di-

nheiro não deve ser mais tratado como uma commodity regulada, mas sim ser um possibilita-

dor intencional da concretização da criatividade e das ações empreendedoras em comunida-

des. Assim, o dinheiro e o capital 4.0 seriam vetores da economia para criar externalidades

positivas locais, permitindo a criação de produtos e serviços que atendem as reais necessida-

des regionais preferencialmente por meio do empreendedorismo. Dessa forma, a economia

ecossistêmica criativa deverá garantir o reinvestimento do dinheiro e do capital financeiro em

20

Valores das transações de cambio internacionais (capital financeiro) chegam a ser 75 vezes maiores (ordem de

US$ 1,5 quadrilhão) que o valor das transações do comércio real internacional (SCHARMER, 2014).

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outras formas de capital não monetários, como o capital natural, humano, social e cultu-

ral/criativo.

Tecnologia

Para que haja criação de valor nas atividades econômicas, há necessidade de aplicação do

conhecimento e de ferramentas (tecnologias) para transformar processos. No estágio 0.0, a

tecnologia era a sabedoria dos povos de controlar a natureza. Na evolução para o estágio 1.0,

há a criação de ferramentas para aprimorar as atividades humanas exercidas fisicamente com

o próprio corpo. No estágio 2.0, ferramentas evoluem para maquinários, como motores à va-

por, máquinas têxteis, metalúrgicas e linhas de produção, para desenvolvimento e aceleração

das mais diversas atividades da indústria por meio da implementação da energia e de sistemas

automatizados. Ao transacionar para a Economia 3.0, o homem desenvolve a indústria quími-

ca e as tecnologias giram em torno do motor à combustão, da energia proveniente do petróleo

e da automação de fábricas por meio de algoritmos, que vem a substituir o capital humano.

A Tecnologia 4.0 passa a empoderar experiências humanas individuais e coletivas e por meio

da conscientização dos indivíduos. As novas tecnologias da informação e comunicação (TICs)

permitem duplicar e estender funções cognitivas e comunicativas da sociedade, fortalecendo

conexões e fluxos de comunicação entre pessoas, pessoas-máquinas e máquinas-máquinas.

Outro fator a ser endereçado rumo à Economia 4.0 é reconectar os investimentos em pesquisa

e desenvolvimento às reais necessidades sociais, sem que sejam motivados por lucratividade

ou decisões políticas. E por fim, a Terceira Revolução Industrial deve fomentar o processo

criativo e evitar que os usuários se tornem receptores passivos, que inibirá a produção de cria-

tividade e, consequentemente, a geração de capital. Exemplos de tecnologias 4.0 criativas são

plataformas de opensourcing, onde usuários podem contribuir ativamente para a criação de

determinada ferramenta de forma aberta e online.

Liderança

Um líder deve identificar, perceber e concretizar o futuro. Scharmer (2014) expõe que a estru-

tura do corpo social coletivo na qual a liderança é exercida mudou ao longo dos estágios da

Matriz da Evolução Econômica. Na Economia 0.0, a liderança era comunitária e, ao evoluir

para a Economia 1.0, a estrutura abaixo do líder passa a ser hierárquica e autoritária, onde o

líder concentra o poder e exerce seu autoritarismo por meio de punições ou “chicotes”. No

estágio 2.0, a estrutura da liderança passa a ser dividida em diversas pirâmides hierárquicas e

independentes por meio da competição descentralização causada pelo segundo ator do siste-

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ma, o mercado. Já na Economia 3.0, a estrutura da liderança passa a ser mais participativa,

com a colaboração de diversos grupos de interesse que negociam e dialogam entre si.

O sistema atual já opera no modelo 4.0 – o mundo “eco” –, com ecossistemas globais, entre-

tanto, a liderança ainda opera no estagio 2.0, com pensamento egocêntrico e conscientização

limitada. A liderança e os indivíduos não estão preparados para lidar com ecossistemas glo-

balmente interdependentes, visto que ainda operam em nível institucional e não global. Desse

modo, a liderança precisa expandir sua consciência e passar a operar de modo ecocêntrico,

incluindo principalmente o modo de escuta adequado para criar e comunicar uma visão conec-

tada com o todo e com a realidade. Assim, lideres poderão escutar, ver e compreender a situa-

ção atual, trazendo todos os stakeholders para participação nesse processo de compartilha-

mento e diálogo. Para isso, se deve fazer o uso de ferramentas de cossensibilização – para que

todo o sistema possa pensar e agir junto sobre os problemas a serem enfrentados – e de espa-

ços para prototipar e explorar o futuro que emerge, produzindo assim resultados desejados e

conscientes. Esse ambiente permite que a liderança 4.0 tenha capacidade de ajudar todo o

ecossistema e indivíduos a verem e criarem sentido (cossensibilização), a se conectarem com

a fonte (coinspiração) e a prototiparem novas possibilidades (cocriação) (SCHARMER,

2014).

Consumo

Scharmer (2014, p.126) cita que “o propósito definitivo de uma economia é atender as neces-

sidades de seus membros”. Desse modo, da mesma forma que sem os recursos naturais não

seria possível criar produtos por meio da transformação da matéria prima, de nada valeria a

criação de valor sem o consumo dos mesmos produtos. O consumo no estágio 0.0 era baseado

na sobrevivência, atendendo às necessidades imediatas da população local. A revolução agrí-

cola do estágio 1.0 torna a produção mais metódica e intencional, abrindo possibilidades para

maior consumo, geração de estoque e atendimento de necessidades futuras. Tal fato é acentu-

ado na Economia 2.0, que leva à produção e consumo em massa, com a incorporação de pu-

blicidades, estratégias e design de produtos. A Economia 3.0, por sua vez, aprimora esses fa-

tores e incorpora o marketing e o branding à administração de produtos, levando ao consu-

mismo global, desenfreado e sem precedentes (SCHARMER, 2014). Entretanto, surgem tam-

bém mecanismos de defesa do consumidor, regulamentações, entre outros meios para prote-

ção dos interesses dos consumidores.

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Scharmer (2014) defende que o primeiro aspecto da Economia 3.0 a ser combatido rumo à

Economia 4.0 referente ao consumo é o fato de que as necessidades dos clientes finais não ser

o que dita a produção, e sim a criação de um falso sentimento de necessidade dele, causando

uma desconexão sistêmica. No sistema atual, o consumidor é alvo da atividade econômica e

campanhas de marketing, e não parceiro e motivo delas. Assim, a criação de valor do estagio

4.0 deveria ser marcada pelo posicionamento do consumidor e suas necessidades no inicio da

produção, o que tornaria o processo muito mais transparente, inclusivo e com diálogo, e mi-

nimizaria externalidades negativas. Outra tendência para o consumo 4.0 é a transição da cons-

cientização egossistêmica para a ecossistêmica, onde o consumidor repensa seus hábitos de

consumo para gerar o bem-estar de todos, e não só seu próprio, de maneira coletiva, conscien-

te e intencional. Exemplos são boicote de algumas marcas, priorização de produtos locais ou

menos agressivos ao menos ambiente, entre outras iniciativas. E por fim, para que a transição

para o consumo 4.0 seja efetivo, é necessário desvincular a necessidade de compra e de deten-

ção de bens e produtos do conceito de bem-estar.

Coordenação

Com a evolução da sociedade, a divisão de trabalho (seja por meio de processos ou divisão

geográfica – local, regional e global) se tornou o modo mais produtivo para atender às neces-

sidades crescentes do mercado. Entretanto, tal divisão dificulta a observação do todo e do

contexto em constante mudança. A coordenação no estágio 0.0 era realizada em nível de co-

munidade, enquanto no estágio 1.0, a coordenação das atividades era feita a nível hierárquico,

com planejamento e economia centralizada. Já no estágio 2.0, a coordenação era guiada pelo

mercado e pela competição, principalmente devido à ascensão do mercado liberal e na Eco-

nomia 3.0, a negociação e o diálogo tomam conta da coordenação entre os diferentes grupos

de interesse, criando uma rede para diálogos e estabelecimento de normas.

Rumo a Coordenação 4.0, é importante desmistificar que a binaridade do sistema é a única

alternativa possível Scharmer (2014) – antagonismo capitalismo versus socialismo, mercados

versus governos. O modelo a Matriz da Evolução Econômica dá a possibilidade de realizar

390.625 interações e, assim, modelos não deveriam ser excludentes e sim garantir combina-

ções de diversas soluções. O que o autor chama de filosofia “ambos-e” deve ser implementa-

da, dando mais diversidade e resiliência ao sistema e garantir que os atores cooperem de ma-

neira conjunta e estreita, como por exemplo, a presença de governos, setor privado e socieda-

de civil. Outra característica importante da coordenação 4.0 é o fato de que uma economia,

diferentemente de uma empresa, deve ter uma liderança diferenciada, que se responsabiliza e

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presta contas pelas externalidades, positivas e negativas, que gera. E por fim, é também dever

da coordenação criar um mecanismo que promova a capacidade do sistema de se sentir, se ver

e se regenerar – a ação coletiva baseada na conscientização (ACC) –, juntamente com a cria-

ção de ambientes que facilitem essa jornada do U de forma coletiva.

Posse

Segundo Scharmer (2014), a posse é resultado da combinação de dois fatores: conjunto de

direitos e conjunto de responsabilidades. Tais direitos evoluem de acordo com sua legitimida-

de, que por sua vez, é resultado do senso de equilíbrio justo entre os direitos e as responsabi-

lidades dos membros de determinada comunidade. Eles podem se fazer cumprir por meio de

medidas legais, incluindo direito e responsabilidade pelo acesso, utilização, administração,

exclusão e direito de venda (alienação) (SCHARMER, 2014). Na Economia 0.0, o direito de

posse era na forma comunal, de livre acesso, por meio do compartilhamento dos direitos, res-

ponsabilidades e recursos comuns com todos da comunidade. O estágio 1.0 passa a formalizar

direitos de posse, sendo estes atribuídos ao Estado, devendo-se garantir acesso público e, por

definição, seu consumo não deve prejudicar ou reduzir o benefício à outra pessoa. O estágio

2.0 traz à tona a propriedade privada, com bens excludentes e rivais que podem ser vendidos

no mercado. E, finalmente, o estágio 3.0 torna o sistema uma mescla entre posses privadas e

bens públicos.

Finalmente o direito de propriedade no estágio 4.0 é baseado no acesso compartilhado a servi-

ços e recursos comuns, com o objetivo de equilibrar os direitos de propriedade com o bem-

estar da sociedade. Scharmer (2014) afirma que há um crescente reconhecimento de que qual-

quer forma de posse privada deveria incluir as responsabilidades pelas externalidades negati-

vas geradas a stakeholders que podem ser afetados, o que ilustra a tendência ao acesso com-

partilhado e assunção de responsabilidades sob a propriedade. Parte do esgotamento dos re-

cursos naturais pelas economias anteriores é resultado da falta de direitos de propriedade

transparentes e que prestassem contas sobre a utilização demasiada dos recursos naturais es-

cassos. Barnes21

(2006 apud SCHARMER, 2014, p. 145) em seu livro “Capitalism 3.0” suge-

re a criação de uma terceira categoria de direitos de propriedade que é “capaz de estender os

direitos de propriedade públicos e privados existentes” e baseada nos recursos comuns. Desse

modo, os direitos de posse seriam institucionalizados por meio de trustes a fim de prestar con-

21

BARNES, P. Capitalism 3.0: a guide to reclaiming the commons by Peter Barnes. San Francisco: Berret-

Koehler, 2006. v.61.

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65

tas a todos os stakeholders, presentes e futuros, e atuariam como administradores responsáveis

e éticos. No mais, Scharmer expõe ideias que vão no sentido de que o compartilhamento é a

tendência para um mundo mais transparente, “limpo, revigorante, urbano e pós-moderno”;

que atende às necessidades e dá experiências aos usuários, e não mais proprietários, sem acu-

mularem “tralhas” (SCHARMER, 2014, p. 146).

Com esse sistema evolutivo em mente, Scharmer (2014) identificou, ao longo da evolução da

sociedade, fatores que foram decisivos para o desenvolvimento dos estágios apresentados,

representando destaques e características essenciais à produção. Na Economia 0.0, o fator

crítico era a natureza, ponto crucial para a produção e sobrevivência na época. Em seguida, no

estágio 1.0, o trabalho, juntamente com os recursos naturais, se tornam um fator decisivo ao

desenvolvimento da sociedade tradicional. Além da natureza e trabalho, na Economia 2.0 o

capital industrial entra como outro grande ator fundamental para a prosperidade e aumento da

produção. E, por fim, no estágio 3.0, a tecnologia surge como o quarto fator de destaque para

a evolução da economia, ao lado das commodities reguladas, do trabalho como commodity

regulada e do capital financeiro. Entretanto, o autor relata que na Economia 4.0 todos os oito

fatores-chave são cruciais para o desenvolvimento de uma sociedade cocriativa e de conscien-

tização ecocêntrica, visto que podem representar gargalos à evolução econômica se não forem

devidamente endereçados.

Assim, pode-se resumir a evolução da Economia 3.0 para a 4.0, elucidando todos os fatores-

chave da Matriz da Evolução Econômica, na Figura 6 a seguir.

Figura 6: Evolução da Economia 3.0 para Economia 4.0.

Fonte: A autora.

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~

Scharmer afirma que estamos produzindo resultados indesejados por estarmos desconectados

com o ambiente em nossa volta e com nossa sabedoria interior. Para começarmos a produzir

resultados positivos intencionalmente, seja na esfera do indivíduo, de organizações ou socie-

dade, é necessário que passemos por um processo de transformação e de elevação do nível de

consciência, chamado de processo de U. Por meio dele, somos capazes de atingir nosso nível

mais profundo de conexão e conhecimento interior, chamado de presencing. Ao passar por

esse processo, somos capazes de compreender o ambiente à nossa volta, de interiorizar as

demandas emergentes e prototipar ações conscientes que trarão resultados positivos e almeja-

dos.

Ao identificar as lacunas dos sistemas e classifica-las em divisores ecológicos, sociais e espi-

rituais-culturais, Scharmer desenvolve pontos de acupuntura que devem ser tratados, uma vez

que, atingido o limite desse fator-chave, a sociedade deve se reestruturar para um novo está-

gio de conscientização e organização dos atores.

O autor ainda identifica que, ao se reorganizar, a sociedade criar novos estágios de modelos

econômicos dentro do capitalismo, o que o faz estruturar a Matriz da Evolução Econômica de

acordo com os oito fatores-chave para o desenvolvimento. Segundo Scharmer (2014), nos

encontramos na transição da Sociedade e Economia 3.0 para a 4.0, onde expandimos nosso

nível de consciência ecossistêmico e centrado nos stakeholders para a consciência ecossistê-

mica. Nesse estágio, é possível enxergar os recursos naturais como elementos que precisam

ser preservados em prol do bem-estar comum, tornar o trabalho uma operação alavancada

pelo propósito do indivíduo e atender as necessidades reais da sociedade; construir lideranças

cocriativas, tecnologias centradas no humano, relações de consumo conscientes e ações de

coordenação coletivas e conscientes, além de mudar conceitos de posse e capital.

Entretanto, entende-se que tal afirmação pode não ser verdadeira para o contexto Brasileiro,

uma vez que apresentamos ainda fortes características que transacionam entre a Economia 2.0

e 3.0, como início da transação para automação centrada no sistema, consumo em massa, con-

cessão de incentivos, mercados e competição. Entretanto, já é possível observar alguns aspec-

tos que surgem da Economia 4.0 e conscientização ecossistêmica, como empreendedorismo,

surgimento de consumidores mais conscientes, tecnologias 4.0 e busca do uso de energias

renováveis e acesso compartilhado a serviços e recursos.

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3. Desenvolvimento, resultados e discussão

Baseando-se no conceito de Whetten (2003), apresentou-se na Revisão Bibliográfica, sobre-

tudo, os “o quês” desta contribuição teórica. Assim, neste capítulo será desenvolvido o “co-

mo” a Economia Circular e a transição para a Economia Circular estão relacionadas e o “por

quê” a Economia Circular tem potencial para endereçar essa transição. Além disso, delimita-

se o escopo da ferramenta desenvolvida e propõe-se aplicações para tal, caracterizando o es-

copo da pesquisa – “quem-onde-quando”.

3.1. Relação entre os conceitos

Por Economia Circular entendeu-se que este é um conceito guarda-chuva transdisciplinar,

nascido de diversas escolas de pensamento datadas desde 1970 e que expõe que o sistema

linear atual de produção (extrair, produzir e descartar) não se sustenta em longo prazo. Dessa

forma, a Ellen MacArthur Foundation consolida diversas filosofias e escolas de pensamento

que apresentam grande contribuição para o conceito de Economia Circular: uma economia

regenerativa e restaurativa por princípio que garante que os produtos, materiais e componen-

tes tenham o mais alto nível de utilidade e valor o tempo todo (ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2013). Segundo Murray, Skene e Haynes (2017), o conceito de Economia

Circular é o esforço mais recente em integrar atividade econômica com bem-estar ambiental

de forma sustentável, e isso se dá por meio de planejamento, produção, extração de recursos e

design de produtos, gestão de matéria-prima e resíduos a fim de maximizar o valor de ecossis-

temas e satisfazer as necessidades da população.

Por meio das escolas e das características da Economia Circular é possível criar, intencional-

mente, modelos de negócios circulares, eliminando perdas e resíduos desde o início da con-

cepção do produto, criando resiliência por meio do estímulo à diversidade, utilizando de fon-

tes de energia renováveis, promovendo o pensamento sistêmico e mecanismos de feedback e

reaproveitando recursos.

Pode-se dizer, a priori, que a Economia Circular é uma iniciativa dentro de um sistema eco-

nômico que busca conscientemente e intencionalmente endereçar alguns dos pontos dos divi-

sores levantados por Scharmer (2010). Segundo Sukhdev (2012), as empresas são as institui-

ções mais relevantes atualmente, representando cerca de 70% da geração de empregos e apro-

ximadamente 60% do PIB global, tendo assim grandes responsabilidades sobre os impactos

ambientais, sociais e econômicos que geram. Dessa forma, Planing (2015) defende que um

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dos exemplos clássico de inovação em empresas se da sob aspetos de Economia Circular, uma

vez que (PIGNEUR; OSTERWALDER, 2010) definem inovação em modelo de negócios

como “a criação de valor para companhias, consumidores e sociedade”. Para Murray, Skene e

Haynes (2017), a Economia Circular é um modo de conceituar e operacionalizar meios para

ecodesign, Produção mais Limpa, Ecologia Industrial, entre outros, para promover o desen-

volvimento regional e preservação natural. Entretanto, o autor afirma ainda haver limitações e

tensões para sua aplicação na área dos negócios.

A Economia Circular enxerga que o ritmo de extração de matéria-prima, o uso ineficaz dos

recursos nas indústrias e a alta geração e disposição de resíduos poderão ser os fatores limi-

tantes para o desenvolvimento econômico e bem-estar da população, como apontado pelo

autor. Assim, propõe modelos e ferramentas – como a ferramenta RESOLVE apresentada na

revisão bibliográfica – que abordam alguns dos elementos necessários para transacionar para

a Economia 4.0, endereçando principalmente questões tecnológicas, energéticas, de comparti-

lhamento de bens e também à extração de recursos naturais.

Ellen MacArthur Foundation (2015a) afirma que qualquer sistema que vê mais valor no con-

sumo do que na restauração dos recursos está fadado a grandes perdas na cadeia de valor, per-

dendo materiais do ciclo biológico e técnico, desperdiçando energia e trabalho e deixando de

agregar valor ao produto. Simultaneamente, como levantado por Scharmer (2014), as disrup-

turas e divisores levam a um estado de vazio interior, perda de sentido da vida e do trabalho,

desvio de princípios, desmotivação, descrença no sistema, entre outros sintomas, que têm co-

mo consequência a necessidade de preencher o vazio existencial por meio do consumo mate-

rial. Entretanto, essa atividade agrava e sobrecarrega o divisor ecológico, aumentando o fluxo

de matéria entre países menos desenvolvidos e desenvolvidos e, por conseguinte, agravando o

fator social e econômico. Em sumo, todos os fatores estão ligados e têm influências negativas

diretas.

Ao mesmo tempo em que a Economia Circular endereça as lacunas dos divisores ecológicos

por meio dos princípios 1) Preservar e aumentar o capital natural e 2) Otimizar a produção

de recursos fazendo com que produtos se mantenham no mais alto nível de utilidade, seu ter-

ceiro princípio apresenta alta sinergia com a ideia de Scharmer de que devemos elevar nosso

nível de consciência, tanto a nível individual quanto a nível de organizações e sociedade: di-

minuir a geração de externalidades negativas e aumentar e potencializar externalidades posi-

tivas do sistema de forma programada e intencional.

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As externalidades negativas cresceram exponencialmente com a aceleração do consumo e

extração de recursos naturais (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a). Sistemas

lineares contribuem para a instabilidade e incerteza da economia global, ameaçam a produti-

vidade de indústrias, colocam países em situações de risco – por meio da perda de biodiversi-

dade, degradação do solo, exposição a mudanças climáticas, etc. –, poluem o meio ambiente,

fazem uso de sustâncias tóxicas e acabam com as reservas naturais. Esse conjunto de fatores

faz com que o sistema e tomadores de decisão percam o controle sobre sua influência no mer-

cado e as consequências negativas que isso pode vir a gerar para diferentes países. Isso con-

firma a atuação em silos e a falta de conexão da liderança para lidar com problemas globais

sistêmicos apontados por Scharmer (2010).

Como levantando em literatura, a European Commission (2014) reforça que é necessária a

participação de diferentes organizações da sociedade, do ramo da tecnologia, finanças e polí-

ticas, para que haja uma mudança sistêmica, inovadora e efetiva no sentido da implementação

da Economia Circular. Paralelamente, Scharmer também defende que para que a transição

rumo à Economia 4.0 seja concretizada, é crucial a participação de atores da sociedade civil,

setor público e privado, mas, mais importante que isso, é a integração dessas organizações

para resolução dos desafios que emergem no futuro.

Com isso em mente, acredita-se que a Economia Circular apresenta sim potencial para ajudar

na transição da Economia 3.0 para a 4.0, a princípio em aspectos como natureza, tecnologia,

consumo e posse (Figura 7). Isso se deve ao fato que, além de endereçar em primeira mão a

escassez dos recursos naturais com soluções de ciclo fechado (relacionado aos limites da natu-

reza), ela ainda propõe tecnologias de produção com energias renováveis, mudança de hábitos

de consumo e mudança do conceito de posse de produtos para utilização de serviços, entre

outras abordagens, que estão direta ou indiretamente relacionadas aos fatores-chave na Evolu-

ção Econômica.

Desse modo, a fim de validar essa proposição, o trabalho dispõe da criação de uma ferramenta

para, primeiro, identificar os pontos a serem endereçados – levantados na literatura de Schar-

mer (2010, 2014) – para que haja efetiva transição da Economia 3.0 para a 4.0. Em seguida,

busca-se avaliar quais desses pontos podem ter potencial contribuição da Economia Circular –

exemplificando-os teoricamente – e quais pontos devem ser endereçados por outras inovações

institucionais a fim de intensificar a transição para a Economia 4.0 e garantir que esta seja

completa.

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Figura 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0.

Fonte: A autora.

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3.2. Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0

Como parte da metodologia, busca-se avaliar as principais características da Economia 3.0 e

da Economia 4.0, observando pontos que devem ser endereçados para cada um dos fatores-

chave e, assim, consolidá-los em uma matriz. Tais pontos foram levantados ao longo da revi-

são bibliográfica da Evolução dos Sistemas Econômicos, principalmente durante a leitura do

livro “Liderar a partir do futuro que emerge: A evolução do sistema econômico egocêntrico

para o ecocêntrico” (SCHARMER, 2014). O autor Scharmer (2014, p.83) levanta os seguintes

questionamentos para cada um dos fatores-chave das Economias a fim de orientar a discussão

da Economia 3.0 rumo à Economia 4.0:

1. Natureza: Como repensar a economia e a natureza partindo da mentalidade

do “pegar, fazer e jogar” até chegar a um design integrado de ciclo fechado no qual

tudo o que retiramos do planeta é retornado com a mesma qualidade ou até com uma

qualidade superior?

2. Trabalho: Como podemos voltar a vincular o trabalho – a profissão que esco-

lhemos – ao Trabalho – aquilo que adoramos fazer?

3. Capital: Como podemos voltar a associar a economia financeira com a eco-

nomia real reciclando o capital financeiro para promover e cultivar os recursos co-

muns ecológicos, sociais e culturais?

4. Tecnologia: Como podemos proporcionar um amplo acesso às tecnologias

essenciais da Terceira Revolução Industrial, combinando a tecnologia da informa-

ção, a energia regenerativa, e as tecnologias sociais para promover a criatividade in-

dividual e coletiva?

5. Liderança: Como podemos desenvolver uma capacidade de liderança coletiva

para inovar no âmbito do sistema como um todo?

6. Consumo: Como podemos reequilibrar o campo econômico de atuação para

que os consumidores possam se engajar no consumo colaborativo e consciente e

atuar como parceiros igualitários em uma economia voltada para promover o bem-

estar de todos?

7. Coordenação: Como podemos dar um fim à guerra das partes contra o todo

mudando o modo de consciência da conscientização egossistêmica à ecossistêmica?

8. Posse: Quais inovações nos direitos de propriedade poderiam dar voz as ge-

rações futuras e facilitar as melhores utilizações sociais dos recursos comuns escas-

sos?

Com isso, desenvolveu-se a “Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0”,

produto desse trabalho e apresentada no Quadro 3, que orientará a avaliação qualitativa do

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potencial da Economia Circular como elemento auxiliador para transição para a Economia

4.0.

Como recomendação de trabalho futuros, primeiramente destaca-se a necessidade de mais

desenvolvimento científico em torno do conceito de Economia Circular, como já citado em

literatura, e também Teoria U e Evolução dos Sistemas Econômicos, buscando e consolidando

evidências para enquadramento do atual estágio de consciência da sociedade no Brasil. No

mais, é também necessária a validação dessa ferramenta em casos reais de aplicação do mode-

lo de Economia Circular em organizações, visto que isso não compunha o escopo deste traba-

lho teórico. E por fim, cabe observar e aplicar a ferramenta a outras inovações organizacionais

e iniciativas que possam vir a contribuir e potencializar a transição rumo à Economia 4.0.

Desse modo, identifica-se possibilidades e ações complementares que tem potencial de auxili-

ar a sociedade e economia a operarem de forma mais consciente, ecocêntrica e cocriativa,

produzindo resultados intencionalmente positivos e benéficos para todos.

Ressalta-se que a ferramenta foi desenvolvida de forma teórica e sua aplicação deve ser con-

textualizada e embasada de acordo com o país, situação econômica e entre outras característi-

cas que podem diferir em resultados quando aplicada em outras circunstâncias.

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Quadro 3: Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0.

Fatores-chave Economia 3.0 Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 Economia 4.0

1. Natureza Commodities

reguladas

1.1. Transformar a cadeia de uso dos recursos naturais em um processo circular, e não linear

1.2. Deixar de considerar os recursos naturais como commodities

1.3. Basear a criação dos processos econômicos nos processos naturais (resíduo zero, energia solar, diversidade e

simbiose)

1.4. Designs de ciclo fechado

Ecossistema e

recursos comuns

2. Trabalho Trabalho (com-

modity regulada)

2.1. Reconectar o trabalho com o propósito

2.2. Fomentar o empreendedorismo

2.3. Criar espaços e mecanismos capacitadores para inovação

2.4. Propor desafios para a aprendizagem

2.5. Implantação de uma comunidade global em rede para criação coletiva de protótipos para a Sociedade 4.0

Empreendedo-

rismo social e

privado

3. Capital Capital financeiro

(cego a externali-

dades)

3.1. Uso do dinheiro para fomentar a criatividade a fim de gerar capital e criar valor

3.2. Garantir o reinvestimento do dinheiro e do capital financeiro em outras formas de capital não-monetárias:

capital humano, natural, social e cultural/criativo

Capital Criativo

4. Tecnologia Automação cen-

trada no sistema

4.1. Empoderar as experiências humanas individuais e coletivas e por meio da conscientização dos indivíduos

4.2. Criar um processo profundo de transformação de mentalidade e conscientização para que então as tecnologi-

as possam resolver efetivamente os problemas atuais

4.3. Reconectar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento às reais necessidades sociais

4.4. Criar tecnologias que fomentem o processo criativo

4.5. Incentivar o uso de energia renovável e Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)

Tecnologia cen-

trada no humano;

Energia renová-

vel; TICs

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Quadro 3: Matriz de pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 (continuação)

Fatores-chave Economia 3.0 Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 Economia 4.0

5. Liderança Participativa

(normas)

5.1. Desenvolver um novo método de escuta que conecte o indivíduo com a realidade atual

5.2. Usar ferramentas de cocriação e criação de espaços de prototipagem para ajudar todo o ecossistema e indiví-

duos a verem e criarem sentido (cossensibilização), a se conectarem com a fonte (coinspiração) e a prototiparem

novas possibilidades (cocriação)

Cocriativa (pre-

sença coletiva)

6. Consumo Consumo consci-

ente seletivo

6.1. Posicionar o consumidor no início do processo produtivo para atender suas necessidades

6.2. Cocriar hábitos de consumo conscientes, coletivos e intencionais

6.3. Desvincular o conceito de bem-estar do consumo de produtos

Consumo consci-

ente colaborativo

(CCC)

7. Coordenação Redes de negocia-

ção

7.1. Implementar a filosofia “ambos-e”, dando mais diversidade e resiliência ao sistema e garantindo que os ato-

res cooperem de maneira conjunta e estreita

7.2. Liderança econômica deve prestar contas de suas externalidades positivas e negativas

7.3. Criar um mecanismo de coordenação e ambientes que permitam a ação coletiva baseada na conscientização e

no coletivo

Ação coletiva

baseada na cons-

cientização (ACC)

8. Posse Mista (pública e

privada)

8.1. Posse privada deveria incluir as responsabilidades externalidades negativas geradas a stakeholders que po-

dem ser afetados

8.2. Institucionalização dos direitos de posse por meio de trustes a fim de prestar contas a todos os stakeholders

8.3. Priorização do uso compartilhado à posse

Acesso comparti-

lhado a recursos

comuns

Fonte: Adaptado de Scharmer (2014).

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3.3. A Economia Circular como elemento de transição para a Economia 4.0

A seguir, estuda-se a contribuição teórica e ideal da Economia Circular ponto a ponto na ma-

triz elaborada, sob a ótica dos oito fatores-chave da Economia 4.0. Tal abordagem foi feita

observando as características, princípios e evidências encontrados durante a revisão bibliográ-

fica de Economia Circular.

Natureza

A Economia Circular toca três dos quatro pontos necessários para a transição rumo ao estágio

4.0 de relação com a Natureza, como pode ser observado a seguir no Quadro 4.

Quadro 4: A Economia Circular como elemento de transição para a Natureza 4.0.

Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo

à Economia 4.0

Economia

Circular Evidências

Natureza 4.0

Ecossistema e

recursos comuns

1.1. Transformar a cadeia de uso dos

recursos naturais em um processo

circular, e não linear

1.1. Sim 1.1. Princípio básico da Economia

Circular

(ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2015a)

1.2. Deixar de considerar os recursos

naturais como commodities

1.2. Não 1.2.

(DICIONÁRIO MICHAELIS,

2018; SCHARMER, 2014)

1.3. Basear a criação dos processos

econômicos nos processos naturais

(resíduo zero, energia solar, diversi-

dade e simbiose)

1.3. Sim 1.3. Características da Economia

Circular; Biomimética

(BIOMIMICRY INSTITUTE,

2018; ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2017b;

KORHONEN; HONKASALO;

SEPPÄLÄ, 2018; LOWE;

EVANS, 1995; MURRAY;

SKENE; HAYNES, 2017;

PAULI, 2018)

1.4. Designs de ciclo fechado 1.4. Sim 1.4. Eliminação de desperdícios

desde o princípio; Cradle to

Cradle.(ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2013a; LOWE;

EVANS, 1995; MCDONOUGH;

BRAUNGART, 2002)

Fonte: A autora.

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O princípio básico da Economia Circular é a proposição de uma cadeia circular, onde os re-

cursos naturais são mantidos em seu mais alto nível de utilidade e valor de na cadeia produti-

va. Desse modo, é possível recuperar e regenerar os nutrientes biológicos e técnicos, reintro-

duzindo-os na cadeia e aumentando sua disponibilidade para outros fins, tornando a produção

e o uso dos produtos um processo circular, endereçando claramente o ponto 1.1.

A discussão sobre o ponto 1.2 torna-se complexa uma vez que Scharmer (2014, p. 87) é preci-

so quando define commodities como “produtos produzidos para o mercado com a finalidade

de ser consumido” – o que consequentemente exclui os recursos naturais da definição de

commodity, visto que estes não são produzidos pelo homem e não deveriam ser consumidos.

Assim, Scharmer defende que, para que seja possível transacionar para a Economia 4.0, o

ecossistema e os recursos naturais devem ser bens comuns e compartilhados, não devendo

estar inclusos no debate de commodities.

Por outro lado, o Dicionário Michaelis (2018) define commodity como:

1. Mercadoria em estado bruto ou produto básico de grande importância no comér-

cio internacional, como café, cereais, algodão etc., cujo preço é controlado por bol-

sas internacionais.

2. Qualquer produto em estado bruto relativo à agropecuária ou à extração mineral

ou vegetal, de produção em larga escala mundial, dirigido para o comércio interna-

cional.

Portanto, percebe-se que os recursos naturais podem ou não ser definidos como commodities

e, entretanto, não foi encontrada uma definição de commodity por parte do conceito de Eco-

nomia Circular da Ellen MacArthur Foundation. Essa se refere diversas vezes aos recursos

naturais e seus derivados como commodities, chamando atenção para a volatilidade dos preços

das commodities, necessidade de regulação dos mesmos, produção e introdução de novas

commodities por meio da matéria proveniente da digestão anaeróbia, entre outros. Desse mo-

do, conclui-se que, diferentemente do conceito de Scharmer, a Economia Circular enxerga os

recursos naturais como commodities, mas coloca ponderações e sugere regulamentações e

recomendações para que seu consumo seja mais controlado e menos prejudicial para o meio

ambiente e economia.

As características da Economia Circular, apresentadas no tópico 2.1.2 abordam o ponto 1.3 a

ser endereçado rumo à Natureza 4.0. A Economia Circular estimula a diversidade para a cria-

ção de resiliência, defende o uso de energias renováveis para o processo de produção, exige

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um pensamento sistêmico para resolução de problemas complexos e tem como objetivo proje-

tar produtos resíduo-zero e, caso haja produção de resíduos, este deve ser incorporado em

outro processo (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018; ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2017b; KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; LOWE; EVANS,

1995; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017; PAULI, 2018). A escola de pensamento de Bi-

omimética aborda exatamente este ponto levantado por Scharmer para transacionar para o

estágio 4.0, baseando-se na experiência da natureza e nos processos naturais para criar proces-

sos econômicos de sucesso (BIOMIMICRY INSTITUTE, 2018).

E por fim, o item 1.4 também é um tópico que a Economia Circular endereça rumo à Natureza

4.0, quando, em suas características, defende que as perdas devem ser excluídas desde o prin-

cípio do projeto e que “waste is food”, eliminando desperdícios (KORHONEN;

HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; LOWE; EVANS, 1995; MCDONOUGH; BRAUNGART,

2002). Assim, a Economia Circular projeta e aconselha que, desde o princípio, componentes

de produtos sejam reintroduzidos em outras cadeias, fechando assim o ciclo. Outra escola de

pensamento que deu origem à Economia Circular e aborda exatamente o conceito de design

de ciclo fechado é o Cradle to Cradle.

Trabalho

A Economia Circular, em geral, não aborda a questão do trabalho sob a ótica da Economia 4.0

– empreendedorismo social e privado (Quadro 5). De acordo com a literatura levantada, não

encontrou-se evidências de a Economia Circular tem como objetivo criar relações de recone-

xão do trabalho com o propósito, criar espaços e mecanismos para inovação e nem propor

desafios para aprendizagem em conjunto que tangem o contexto de trabalho com propósito de

acordo com o modelo proposto por Scharmer (2014). Entretanto, como consequência de ações

da Economia Circular, esta pode criar ambientes favoráveis a tais práticas, como observado

em Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018).

Por outro lado, uma escola de pensamento ligada à Economia Circular busca implementar

uma comunidade global em rede para criação coletiva de protótipos que possam apoiar a tran-

sição para uma Sociedade 4.0. Como levantado na revisão de literatura, a plataforma Blue

Economy busca consolidar estudos de caso e incentivar investimentos, empreendedores e so-

luções locais em Economia Circular, criando uma rede colaborativa para solucionar desafios

globais e fomentar protótipos rumo a uma Sociedade e Economia 4.0 baseada na Economia

Circular, abordando o ponto 2.5 (PAULI, 2016, 2018).

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Quadro 5: A Economia Circular como elemento de transição para o Trabalho 4.0.

Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Economia

4.0

Economia

Circular Evidências

Trabalho 4.0

Empreendedorismo

social e privado

2.1. Reconectar o trabalho com o propósito 2.1. Não 2.1.

2.2. Fomentar o empreendedorismo 2.2. Não 2.2.

2.3. Criar espaços e mecanismos capacitadores

para inovação

2.3. Não 2.3.

2.4. Propor desafios para a aprendizagem 2.4. Não 2.4.

2.5. Implantação de uma comunidade global em

rede para criação coletiva de protótipos para a

Sociedade 4.0

2.5. Sim 2.5. Blue Econo-

my (PAULI,

2016)

Fonte: A autora.

Capital

O Quadro 6 evidencia a falta de vínculo concreto da Economia Circular com o Capital 4.0:

Quadro 6: A Economia Circular como elemento de transição para o Capital 4.0.

Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Economia

4.0

Economia

Circular Evidências

Capital 4.0

Capital Criativo

3.1. Uso do dinheiro para fomentar a criatividade

a fim de gerar capital e criar de valor

3.1. Não 3.1.

3.2. Garantir o reinvestimento do dinheiro e do

capital financeiro em outras formas de capital

não-monetárias: capital humano, natural, social e

cultural/criativo

3.2. Não 3.2.

Fonte: A autora.

Da mesma forma que acontece no Trabalho 4.0, pode-se dizer que a Economia Circular não

apresenta ações concretas para estimular a transição para o Capital 4.0. Porém, alguns resulta-

dos de iniciativas de Economia Circular, como descrito por Sung (2015) em sua revisão sobre

Upcycling, podem ter consequências indiretas que alavancam a busca para o Capital Criativo,

como: incentivo à criatividade por meio do design de produtos inovadores e que agregam va-

lor a seus componentes, tendo em mente a reinserção dos mesmos na cadeia produtiva (3.1);

investimentos e retorno de capital para produção e comunidade locais por meio de ciclos fe-

chados menores, aumentando a reutilização, renovação e reciclagem e evitando a internacio-

nalização da cadeia de produção (3.2).

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Tecnologia

A seguir, o Quadro 7 apresenta a contribuição da Economia Circular como elemento de tran-

sição para a Tecnologia 4.0.

O papel da Economia Circular em criar tecnologias centradas no ser humano não é tão eviden-

te, mas está fortemente ligado a seus princípios. Se olhado a fundo, todos os princípios bus-

cam mudar a forma que o ser humano idealiza, produz e se relaciona com os recursos naturais

e produtos por meio da mudança de mentalidade. Esta mudança de mindset deve estar presen-

te tanto no começo quanto no final da cadeia produtiva, ou seja, na contribuição para o design

de produtos e também ao enxergar valor na recuperação, remanufatura e reciclagem dos com-

ponentes.

Os dois primeiros princípios da Economia Circular apoiam o ponto 4.2 para a transição para a

Tecnologia 4.0, onde, a partir da conscientização dos stakeholders envolvidos no ciclo de vida

do produto (produtores, vendedores, consumidores, recicladores, entre outros), vê-se necessá-

rio o desenvolvimento de tecnologias que permitem a recuperação do valor agregado nos

componentes e materiais dado à crescente escassez dos recursos naturais (ELLEN

MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; MCDONOUGH; BRAUNGART, 2002). Em outras

palavras, com o crescente consumo e extração de recursos naturais, a sociedade toma consci-

ência do valor agregado aos produtos que seriam descartados, sendo suportados por princípios

da Economia Circular, e desenvolve tecnologias para resolver o problema de recuperação des-

ses produtos. Além de começar a desenvolver tecnologias para desenhá-los sem desperdícios.

O princípio três da Economia Circular – estimular a efetividade do sistema revelando e exclu-

indo as externalidades negativas desde o princípio – está mais ligado ao ponto 4.3., uma vez

que este busca tornar os sistemas efetivos e analisa a real necessidade de um produto, propon-

do eventualmente sua substituição por um serviço. Assim, a Economia Circular consegue en-

dereçar a Tecnologia 4.0 direcionando investimentos em pesquisa e desenvolvimento às reais

necessidades sociais, propondo a criação de serviços compartilhados para atender algumas

necessidades sem existir obrigatoriamente a posse de um produto para satisfação da mesma,

buscando entender fluxos que potencializem e tornem processos dentro e entre indústrias, por

exemplo (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013a; KORHONEN; HONKASALO;

SEPPÄLÄ, 2018; LOWE; EVANS, 1995).

Page 80: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA … · Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na ... O que desenvolvi de inteligência emocional foi ... Capital,

80

Quadro 7: A Economia Circular como elemento de transição para a Tecnologia 4.0.

Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Eco-

nomia 4.0

Economia

Circular Evidências

Tecnologia 4.0

Tecnologia cen-

trada no humano;

Energia renová-

vel; TICs

4.1. Empoderar as experiências humanas indi-

viduais e coletivas e por meio da conscientiza-

ção dos indivíduos

4.1. Não 4.1.

4.2. Criar um processo profundo de transfor-

mação de mentalidade e conscientização para

que então as tecnologias possam resolver

efetivamente os problemas atuais

4.2. Sim 4.2. Conscientização

de todos os stakehol-

ders envolvidos no

ciclo de vida do produ-

to (ELLEN

MACARTHUR

FOUNDATION,

2013a;

MCDONOUGH;

BRAUNGART, 2002)

4.3. Reconectar os investimentos em pesquisa

e desenvolvimento às reais necessidades soci-

ais

4.3. Sim 4.3. Busca da efetivi-

dade dos produtos

(ELLEN

MACARTHUR

FOUNDATION,

2013a; KORHONEN;

HONKASALO;

SEPPÄLÄ, 2018;

LOWE; EVANS,

1995)

4.4. Criar tecnologias que fomentem o proces-

so criativo

4.4. Não 4.4.

4.5. Incentivar o uso de energia renovável e

Tecnologias da Informação e Comunicação

(TICs)

4.5. Sim 4.5. Uso de energia

renovável nos proces-

sos e alguns elementos

de TICs (ELLEN

MACARTHUR

FOUNDATION,

2015a; KORHONEN;

HONKASALO;

SEPPÄLÄ, 2018;

LOWE; EVANS,

1995)

Fonte: A autora.

Page 81: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA … · Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na ... O que desenvolvi de inteligência emocional foi ... Capital,

81

Em relação à criação de tecnologias que fomentem o processo criativo, a Economia Circular

não apresenta iniciativas concretas que vão nesse sentido. Entretanto, a necessidade de mu-

dança no design de produtos por estimular indiretamente esta contribuição rumo à Economia

4.0. E por fim, a característica mais evidente de relação da Economia Circular com a Tecno-

logia 4.0 é a fomentação do uso de energia renovável nos processos produtivos, aplicando a

característica “waste is food”, no caso de digestão anaeróbia para produção de energia, ou

implementando energias renováveis (eólica, hídrica, solar, etc.) para garantir a resiliência do

sistema e aproveitar a disponibilidade desses recursos com sabedoria (ELLEN

MACARTHUR FOUNDATION, 2015a; KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018;

LOWE; EVANS, 1995).

Ellen MacArthur Foundation (2015b) ainda destaca que as tecnologias de informação e novas

tecnologias no ramo da indústria podem alavancar a aplicação do modelo econômico de Eco-

nomia Circular em larga escala. Isso se dá por meio do compartilhamento de informação efi-

ciente e rápido, da geração de dados de forma colaborativa, possibilidade de rastreamento de

materiais e consequente controle da logística reversa, entre outros. A tecnologia tem propor-

cionado novos modelos de negócios e escalabilidade que não eram possíveis há alguns anos

atrás, como compartilhamento de produtos, virtualização de materiais, logística reversa, ras-

treamento de materiais, entre outros. Porém, tal implementação dependerá da mudança de

comportamento do consumidor (PLANING, 2015) e elevação do seu nível de consciência.

Assim, é possível dizer que a Tecnologia 4.0 também será uma grande facilitadora da imple-

mentação da Economia Circular, e não só a Economia Circular será um elemento que auxilia

na transição para a Tecnologia 4.0.

Liderança

Na revisão de literatura do presente trabalho também não foram encontradas evidências de

que a Economia Circular influencie os processos necessários para a mudança rumo à Lideran-

ça Cocriativa na Economia 4.0 segundo os moldes de liderança apresentador por Scharmer

(2014) (Quadro 8).

Entretanto, a Ellen MacArthur Foundation realiza conferências internacionais em torno de

debates sobre o modelo econômico de Economia Circular e como implementá-lo da melhor

forma nos órgãos e empresas parceiros (e.g. Summit organizado pela Ellen MacArthur

Page 82: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA … · Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na ... O que desenvolvi de inteligência emocional foi ... Capital,

82

Foundation em 201722

; workshops de aceleração do grupo CE10023

). Tais fóruns influenciam

a liderança internacional para criação de novas soluções em Economia Circular e provocam

reflexões e debates em torno do tema, mas não seguem o modelo proposto para atingir a lide-

rança cocriativa de Scharmer, visto que não foram identificadas presença de ferramentas de

cocriação e espaços de prototipagem e desenvolvimento de métodos de escuta com a realidade

atual.

Quadro 8: A Economia Circular como elemento de transição para a Liderança 4.0.

Fatores-

chave

Pontos a serem endereçados rumo à Economia 4.0 Economia

Circular Evidências

Liderança 4.0

Cocriativa

(presença

coletiva)

5.1. Desenvolver um novo método de escuta que o

conecte com a realidade atual

5.1. Não 5.1

5.2. Usar ferramentas de cocriação e criação de espaços

de prototipagem para ajudar todo o ecossistema e indi-

víduos a verem e criarem sentido (cossensibilização), a

se conectarem com a fonte (coinspiração) e a prototipa-

rem novas possibilidades (cocriação)

5.2. Não 5.2.

Fonte: A autora.

Consumo

A Economia Circular, apesar de ser mais focada no processo criativo e produtivo de bens, tem

importante reflexo na relação consumidor-produto ou consumidor-serviço e, indiretamente,

provoca hábitos de consumo que podem influenciar modos de consumo consciente colabora-

tivo na Economia 4.0 (Quadro 9). Como apontado por Korhonen, Honkasalo e Seppälä

(2018), uma nova cultura de consumo é crucial para reduzir os insumos de matéria-prima e

energia do modelo linear.

Apesar de parte do relatório de Brundland convidar sociedade e empresas para adotarem uma

abordagem holística em relação a questões de consumo (MURRAY; SKENE; HAYNES,

2017), Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018) não apontam a mudança de hábitos dos con-

sumidores (ponto 6.2) como um objetivo da Economia Circular dentre os objetivos ambien-

tais, sociais e econômicos para promover o desenvolvimento sustentável. O consumo consci-

22

2017 Summit by the Ellen MacArthur Foundation. Disponível em

<https://www.ellenmacarthurfoundation.org/summit>. Acessado em 11/4/2018. 23

CE100 Brazil é um programa que busca fornecer ferramentas, meios de suporte e interação entre empresas

para facilitar o processo de implementação da Economia Circular no mercado. Disponível em:

<https://www.ellenmacarthurfoundation.org/news/ellen-macarthur-foundation-launches-ce100-brazil>. Acessado

em 11/4/2018.

Page 83: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA … · Avaliação do potencial da Economia Circular em auxiliar na ... O que desenvolvi de inteligência emocional foi ... Capital,

83

ente acaba sendo uma consequência de todo um projeto e design de produto que culmina no

uso prolongado do produto, na conscientização sobre o ciclo de vida e educação para seu reu-

so, remanufatura, reciclagem, entre outros. A Economia Circular por si só não apresenta práti-

cas concretas que buscam modificar o hábito do consumidor, mas, por meio da experiência e

uso do produto, pode ser que acarrete em futuros hábitos de consumo consciente. Sendo as-

sim, para que se atinja o consumo consciente colaborativo por meio da mudança de hábitos de

consumo, é necessário desenvolver um trabalho robusto e concreto em torno do tema. Planing

(2015) chama atenção para o fato de que fornecer somente informações racionais sobre o de-

sempenho econômico e ecológico do produto não serão suficientes para mudar os hábitos dos

consumidores a longo prazo e adiciona que o comportamento do consumidor é guiado pela

inconsciência e motivos enraizados.

Quadro 9: A Economia Circular como elemento de transição para o Consumo 4.0.

Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Economia

4.0

Economia

Circular Evidências

Consumo 4.0

Consumo cons-

ciente colabora-

tivo (CCC)

6.1. Posicionar o consumidor no início do processo

produtivo para atender suas necessidades

6.1. Sim

6.1. Design de

produtos; Cradle to

Cradle (ELLEN

MACARTHUR

FOUNDATION,

2013b;

MCDONOUGH;

BRAUNGART,

2002)

6.2. Cocriar hábitos de consumo conscientes, cole-

tivos e intencionais

6.2. Não (KORHONEN;

HONKASALO;

SEPPÄLÄ, 2018)

6.3. Desvincular o conceito de bem-estar do con-

sumo de produtos

6.3. Sim 6.3. Economia de

Performance; Efeti-

vidade (ELLEN

MACARTHUR

FOUNDATION,

2017b; SUNG,

2015)

Fonte: A autora.

Por outro lado, a Economia Circular toca diretamente o ponto 6.1. quando, no momento de

design de produto focado em seu ciclo de vida e reaproveitamento de materiais, envolve dife-

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84

rentes stakeholders, incluindo consumidores, para desenvolver um produto efetivo, que atenda

as necessidades do consumidor e intencionalmente preserve o meio ambiente. A escola de

pensamento Cradle to Cradle segue essa prática, abordando-a e expondo diversos exemplos

no livro de mesmo nome (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2013b; MCDONOUGH;

BRAUNGART, 2002). Peschl et al. (2010) ainda defende que o processo de open innova-

tion24

garante que os resultados desejados durante o design do produto sejam atingidos mais

rapidamente, uma vez que os atuais e futuros consumidores já estão envolvidos no processo

de criação, além de que ideias valiosas podem vir tanto de dentro, quanto de fora de empresas.

E por fim, a Economia Circular propõe a criação de novos modelos de negócios, onde os in-

divíduos devem dar preferência ao acesso a serviços no lugar de possuir produtos, tornando-se

assim usuários e não donos (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION; MCKINSEY &

COMPANY, 2014). A urbanização, por exemplo, é uma facilitadora desse modelo de negó-

cios que, graças à concentração populacional, possibilita o compartilhamento de serviços e

bens de forma rápida e em escala, além de facilitar a logística reversa de produtos. Desse mo-

do, a oportunidade e vantagens econômicas da implementação de serviços, sua escalabilidade

e vantagens ambientais contribuem para que tal modelo circular seja amplamente e rapida-

mente adotado (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015b). Assim, o bem estar será

proporcionado pelos serviços e não pela posse e consumo de produtos.

Planing (2015) reforça que, ao adotar a economia colaborativa, é possível aumentar a capaci-

dade de utilização e eficiência dos produtos, otimizando o uso dos recursos naturais e substi-

tuindo o acesso do produto por certa performance que satisfaça o consumidor. O autor ainda

estrutura quatro tipos de modelo de negócios do ponto de vista do consumidor que estão ali-

nhados com o ponto 6.3. da matriz, sendo eles: 1) modelo baseado na posse, onde o consumi-

dor compra o produto e detém o direito de usá-lo (comprar uma máquina de lavar roupa, por

exemplo); 2) modelo baseado no uso ou acesso ao produto, quando o consumidor compra o

direito de uso do produto por certo tempo (alugar uma máquina de lavar roupa por determina-

do tempo); 3) modelo baseado em performance, onde o consumidor paga por uma performan-

ce pré-definida, mas não delimitada ao produto (i.e. aluguel de uma máquina de lavar por x

ciclos de lavagem); e por fim 4) modelo baseado em resultados por meio da compra de deter-

24

Processo que permite alcançar as demandas e necessidades de stakeholders por meio de processos participati-

vos de design (PESCHL et al., 2010)

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85

minado resultado final, como por exemplo um serviço de lavagem de roupas, com retirada e

devolução.

Coordenação

No Quadro 10 é apresentada a relação da Economia Circular com a Coordenação para a Eco-

nomia 4.0.

Quadro 10: A Economia Circular como elemento de transição para a Coordenação 4.0.

Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Eco-

nomia 4.0

Economia

Circular Evidências

Coordenação

4.0

Ação coletiva

baseada na

conscientização

(ACC)

7.1. Implementar a filosofia “ambos-e”, dando

mais diversidade e resiliência ao sistema e

garantindo que os atores cooperem de maneira

conjunta e estreita

7.1. Sim 7.1. Criar resiliência por

meio do estímulo à diversi-

dade; pensamento sistêmico

(ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2015a;

LOWE; EVANS, 1995;

WINANS; KENDALL;

DENG, 2017)

7.2. Liderança econômica deve prestar contas

de suas externalidades positivas e negativas

7.2. Não 7.2

7.3. Criar um mecanismo de coordenação e

ambientes que permitam a ação coletiva base-

ada na conscientização e no coletivo

7.3. Sim 7.3 Rede inter-

organizacional e rede de

gestão ambiental. Parques

Eco-industriais

(KORHONEN;

HONKASALO; SEPPÄLÄ,

2018; LOWE; EVANS,

1995)

Fonte: A autora.

As características da Economia Circular são certeiras em relação à criação de resiliência por

meio do estímulo à diversidade, seja para sistemas ambientais, econômicos ou de ecologia

industrial (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a; LOWE; EVANS, 1995). Além

disso, o pensamento sistêmico garante a inclusão e interligação de partes desconexas, prati-

cando a filosofia “ambos-e”.

Apesar de a Economia Circular ser oriunda principalmente de meios não acadêmicos e sim de

meios regulatórios e de empresas e consultorias (KIRCHHERR; REIKE; HEKKERT, 2017;

KORHONEN; HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018; MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017;

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86

WINANS; KENDALL; DENG, 2017), não foi encontrado em literatura registros de que a

Economia Circular apresente práticas concretas para a prestação de contas sobre externalida-

des positivas e negativas de lideranças econômicas (7.2). Entretanto, ainda assim, incentiva

em seu terceiro princípio que haja identificação e eliminação das externalidades negativas,

tanto por parte das lideranças econômicas, quanto por parte das empresas – desconsideradas

na literatura de Scharmer (2014).

E, por fim, referente à criação um mecanismo de coordenação e ambientes que permitam a

ação coletiva baseada na conscientização e no coletivo (ponto 7.3), acredita-se que Parques

Eco-Industriais possam contribuir para a criação de um mecanismo de coordenação e gestão

de fluxos para o benefício comum (LOWE; EVANS, 1995). Korhonen, Honkasalo e Seppälä

(2018) ainda citam que a Economia Circular pode ser uma oportunidade de criação de rede

inter-organizacional e ambiental para promoção da gestão sustentável entre empresas-

consumidores e empresas-empresas.

Posse

A relação entre a Economia Circular e o último fator-chave pode ser observada no Quadro 11.

Novamente não foram encontradas evidências de que a Economia Circular cite a instituciona-

lização dos direitos de posse por meio da criação de trustes para prestação de conta aos

stakeholders (8.2). Ainda assim, algumas iniciativas de Economia Circular podem levar a

prestação de contas e mais transparência para com os consumidores, sociedade, entre outros

atores, como consequência da necessidade de comunicação das atividades desenvolvidas

(ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a, 2015b).

No terceiro princípio da Economia Circular, segundo a Ellen MacAarthur Foundation

(2015a), é colocada a necessidade de revelar e excluir as externalidades desde o início da con-

cepção dos produtos, o que naturalmente resulta na responsabilização das externalidades ge-

radas aos stakeholders pelo produtor (8.1). E, em relação ao ponto 8.3, a Economia Circular

atua fortemente na priorização do uso compartilhado de bens e desenvolvimento de serviços

frente à posse e desenvolvimento de produtos, possuindo grande interface com o Consumo

4.0 apresentado anteriormente (ELLEN MACARTHUR FOUNDATION, 2015a; ELLEN

MACARTHUR FOUNDATION; MCKINSEY & COMPANY, 2014; KORHONEN;

HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018).

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Quadro 11: A Economia Circular como elemento de transição para a Posse 4.0.

Fatores-chave Pontos a serem endereçados rumo à Eco-

nomia 4.0

Economia

Circular

Evidências

Posse 4.0

Acesso compar-

tilhado a recur-

sos comuns

8.1. Posse privada deveria incluir as responsa-

bilidades das externalidades negativas geradas

a stakeholders que podem ser afetados

8.1. Sim

8.1. Identificar e

eliminar as exter-

nalidades negativas

desde o princípio

(ELLEN

MACARTHUR

FOUNDATION,

2015a)

8.2. Institucionalização dos direitos de posse

por meio de trustes a fim de prestar contas a

todos os stakeholders

8.2. Não 8.2.

8.3. Priorização do uso compartilhado à posse 8.3. Sim 8.3. Uso comparti-

lhado; priorização

de serviços a pro-

dutos (ELLEN

MACARTHUR

FOUNDATION,

2015a;

KORHONEN;

HONKASALO;

SEPPÄLÄ, 2018)

Fonte: A autora.

Em seu reporte, Ellen Macarthur Foundation e Mckinsey & Company (2014) afirmam que

uma nova cultura de consumo é importante para o desenvolvimento da Economia Circular.

Porém, Korhonen, Honkasalo e Seppälä (2018) argumentam que não existe embasamento

científico para tal afirmação. Estes enxergam um novo modelo de consumo regido por grupos

de usuários e comunidades que compartilham funções, serviços e produtos físicos, onde novos

modelos de negócios devem adotar meios de aluguel de produtos, logística reversa, entre ou-

tros serviços.

~

Como observado na Figura 8 a seguir, dentre os 27 pontos a serem endereçados para a transi-

ção da Economia 3.0 para a Economia 4.0, a Economia Circular toca mais fortemente 13 de-

les, distribuídos principalmente entre os fatores-chave Natureza (três entre quatro fatores),

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Tecnologia (três entre cinco), Consumo, Coordenação (dois de três fatores) e Posse (dois de

três fatores cada). Endereçar o primeiro fator-chave é intrínseco aos conceitos de Economia

Circular, buscando fechar a cadeia produtiva e orientar o design de produtos para tal, além de

fomentar processos baseados na natureza, como energia renovável, diversidades e simbiose. O

único ponto em que há contradição é no entendimento de commodity, onde Scharmer defende

que recursos naturais devem deixar de ser considerados como tal, enquanto publicações de

Economia Circular continuam citando o uso de commodities, mas como recursos naturais que

devem ser geridos adequadamente.

Em segundo lugar, a Economia Circular aborda questões rumo à Tecnologia 4.0 no que tange

a transformação da mentalidade e conscientização para que tecnologias resolvam efetivamen-

te problemas – como, por exemplo, a proposição de tecnologias que atendam às necessidades

do consumidor prestando serviços no lugar de possuí-los, virtualização de materiais, entre

outros. Outro fator em que a Economia Circular colabora é na reconexão e realocação de in-

vestimentos de pesquisa e desenvolvimento voltados às necessidades sociais, que serão ende-

reçados a partir do momento em que se enxerga a necessidade de criação de um produto e,

então, projeta-se sua efetividade. E por fim, a Economia Circular já prevê o uso de energia

renovável para seus processos, atendendo o último item rumo à Tecnologia.

Também de acordo com seus princípios e características, a Economia Circular busca posicio-

nar o consumidor no início do processo produtivo a fim de garantir que suas necessidades

serão efetivamente atendidas, buscando produtos, serviços, materiais e soluções adequadas –

vide Cradle to Cradle. Consequentemente, ao buscar atender necessidades dos consumidores

e fornecer soluções e não mais produtos, a Economia Circular desvincula o conceito de bem-

estar da posse, que indiretamente influencia também em hábitos de consumos mais conscien-

tes, coletivos, compartilhados e intencionais.

Ao contrário do que era esperado, a Economia Circular representa um papel importante rumo

à Coordenação 4.0, uma vez que promove a criação de redes inter-organizacionais e de gestão

de sustentabilidade por meio de Parques Eco-Industriais e criação de ecossistemas que bus-

cam o compartilhamento e a gestão de insumos e resíduos de forma conjunta. Além disso,

ainda promove a resiliência e diversidade do sistema por meio da filosofia “ambos-e”. Assim,

a Economia Circular toca 2/3 dos pontos rumo a Ação Coletiva baseada na Conscientização.

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Figura 8: Pontos endereçados pela Economia Circular na transição da Economia 3.0 para a 4.0.

Fonte: A Autora.

O fator-chave Posse é endereçado em dois de seus três pontos referentes à transição para a

Economia 4.0 por meio da Economia Circular. O primeiro é ligado à identificação e elimina-

ção das externalidades negativas nos processos, evitando assim prejuízos aos atores envolvi-

dos no ciclo de vida dos produtos e responsabilizando empresas pelos danos causados ao am-

biente e sociedade. E o segundo ponto, fundamental à Economia Circular, é favorecer servi-

ços compartilhados a fim de maximizar os insumos e uso de produtos.

No mais, um dos cinco aspectos do Trabalho 4.0 é auxiliado pela Economia Circular. Por

meio da criação de uma comunidade global por meio da Escola de Pensamento Blue Economy

para compartilhamento e cocriação coletiva de protótipos para a Sociedade 4.0 a Economia

Circular auxilia a transição rumo à Economia 4.0. No mais, ainda há pontos que não são ende-

reçados diretamente pela Economia Circular, mas que sofrem influência indireta das ativida-

des de modelo circular.

E, por fim, não foram encontradas evidências em literatura sobre o auxílio da Economia Cir-

cular nos fatores-chave de Capital e Liderança 4.0 dentro dos aspectos de Scharmer. Entretan-

to, isso não significa que outras iniciativas, que não a Economia Circular, não possam auxiliar

na transição rumo à Economia 4.0, tornando esse processo de mudança mais completo e holís-

tico. Exemplos são novas certificações, como B Corp, Cradle to Cradle, iniciativas como Ca-

pitalismo Consciente, iniciativas de microcrédito, entre outras.

3/4

1/5

0

3/5

0

2/3 2/3 2/3

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

Pontos endereçados pela Economia Circular

13/27

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90

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3.4. Considerações Finais

Como levantado ao longo deste trabalho, Korhonen, Honkasalo e Seppälä, (2018) apontam

claros objetivos da Economia Circular dentro dos aspectos ambiental, econômico e social do

desenvolvimento sustentável. Como objetivo ambiental, a Economia Circular deve reduzir as

entradas de energia e materiais virgens e reduzir a geração de resíduos e emissões no sistema

de produção-consumo por meio da aplicação e ciclos de materiais e uso de energias renová-

veis. Na esfera econômica, busca reduzir os custos de energia e matéria-prima, reduzir custos

de gestão de resíduos e controle de emissões e reduzir os custos para legislação e tributação

ambiental, além de promover a inovação de produtos e criar oportunidades de marcado para

novos negócios. E por fim, no que tange o aspecto social, a Economia Circular deve fomentar

a economia compartilhada, gerando mais empregos, proporcionado tomadas de decisão mais

democráticas e promover o uso mais eficiente da capacidade física existente dos materiais

através da cooperação e criação do senso de comunidade para o usuário.

Entretanto, como apontado por Kirchherr, Reike e Hekkert (2017), o principal objetivo é pri-

meiro econômico, depois ambiental e o aspecto social é raramente abordado. Winans, Kendall

e Deng (2017) afirmam que, para que iniciativas de Economia Circular sejam sustentáveis em

sua implementação, é necessário que sejam integradas top-down e bottom-up, além de ressal-

tar que instrumentos regulatórios e econômicos (como subsídios e incentivos fiscais) funcio-

nam bem quando governos apresentam objetivos claros para curto e longo prazo.

E, por fim, como a Economia Circular é um conceito relativamente novo, ainda pode haver

limitações em sua aplicação (MURRAY; SKENE; HAYNES, 2017) e conceitos, especial-

mente ao que se refere a questões termodinâmicas, limites do Sistema de Economia Circular,

impactos de biocombustíveis, avaliação do ciclo de vida, desafios com o governo para pro-

mover gestão e coordenação de fluxos de matéria e energia, entre outros (KORHONEN;

HONKASALO; SEPPÄLÄ, 2018). No mais, Kirchherr, Reike e Hekkert (2017) afirmam

que, por vezes, consumidores e modelos de negócios não são vistos como facilitadores e pro-

motores de uma economia mais circular, enquanto Winans, Kendall e Deng (2017) argumen-

tam que o envolvimento de stakeholders em uma visão compartilhada pode superar as barrei-

ras econômicas e técnicas enfrentadas durante a implementação da Economia Circular. Os

autores ainda afirmam que a Ellen MacArthur Foundation e a McKinsey & Company estão

criando mecanismos para promover inovação social e tecnológica nessa área.

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92

Diante disso, evidencia-se a necessidade de desenvolver e aprofundar o conteúdo acadêmico

em torno do conceito de Economia Circular a fim de esclarecer aspectos observados por prati-

cantes da Economia Circular – empresas, legisladores, consultores, entre outros. Da mesma

forma, é necessário ampliar o conteúdo produzido em torno da Evolução dos Sistemas

Econômicos desenvolvido por Scharmer (2014), a fim de identificar e levantar mais evidên-

cias sobre o atual estado de conscientização da sociedade. E, além disso, desenvolver conteú-

do científico para avaliar o estágio em que se encontra o Brasil, visto que ainda apresentamos

muitos aspectos da Economia 2.0 e 3.0.

Ao longo da Revisão Bibliográfica e apresentação dos resultados teóricos deste trabalho, é

possível observar que a Economia Circular tem potencial para auxiliar alguns pontos na tran-

sição da Economia 3.0 para a 4.0. Assim, considera-se importante identificar outras inovações

institucionais que possam auxiliar outros fatores-chave para a transição rumo à Economia 4.0,

promovendo uma mudança holística. No mais, considera-se interessante também aplicar a

ferramenta em instituições que já apliquem a Economia Circular a fim de verificar na prática

os pontos aqui levantados de forma teórica.

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5. Conclusão

O presente trabalho buscou analisar quais os pontos que devem ser endereçados para que

ocorra uma transição efetiva da Economia 3.0 para a 4.0 e, baseando-se na ferramenta desen-

volvida, avaliar o potencial da Economia Circular em auxiliar na transição rumo à Economia

4.0. Para isso, realizou-se revisão bibliográfica em torno de ambos os conceitos, abordando

suas origens, principais características e, posteriormente, identificando suas possíveis correla-

ções.

Diversas referências em literatura foram encontradas em relação à escassez dos recursos natu-

rais e aos riscos que a extração desenfreada e mal planejada traz para a economia, meio ambi-

ente e bem estar futuro da população. A instabilidade no preço das commodities, alto consumo

de recursos minerais, desmatamento, uso ineficiente da água e do solo, entre outros fatores,

geram externalidades negativas que não podem mais ser absorvidas e recuperadas pelo plane-

ta. É necessário repensar o sistema produtivo e sua fonte de recursos a fim de garantir que

haverá disponibilidade de capital natural para o desenvolvimento de futuras gerações e ativi-

dades econômicas.

Dessa forma, surge a partir dos anos 1970, as denominadas escolas de pensamento pela Ellen

MacArthur Foundation, que iniciam a busca pela eficiência e efetividade de produtos, procu-

ram usar menos materiais tóxicos, inspiram-se na natureza para desenvolvimento de produtos,

usam energias renováveis, fomentam a diversidade, promovem uma economia de ciclo fecha-

do com reuso, remanufatura e reciclagem, entre outros aspectos. Em 2010, a Ellen MacArthur

Foundation consolida essas abordagens e unificando os princípios e características da Econo-

mia Circular alicerçados na preservação do capital natural, otimização de recursos e excluindo

externalidades negativas do sistema. Com isso, a Fundação busca impulsionar uma economia

que seja regenerativa e restaurativa por princípio, transformando o modelo de produção linear

em um modelo circular, onde a matéria-prima é extraída, produzida e reutilizada. A Economia

Circular cria e gera valor em torno dos produtos e materiais que são produzidos, busca mantê-

los em seu mais alto grau de valor pelo maior tempo possível (ELLEN MACARTHUR

FOUNDATION, 2015a).

Em seguida, na revisão da Evolução dos Sistemas Econômicos, de Otto Scharmer, observa-se

que o sistema produz resultados indesejados de forma inconsciente, sendo necessário que in-

divíduos, organizações e sociedade passem por uma jornada de conscientização para produzi-

rem resultados lúcidos e positivos para todos os atores do sistema. Essa jornada de conexão

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com o ponto de operação é denominada Teoria U, que, se expandida para a sociedade e orga-

nizações, identifica-se cinco grandes estados de consciência coletivos ao longo da história do

capitalismo que refletem em características da economia. São estes: sociedade e economia

voltada para a subsistência (Economia 0.0), sociedade centrada no estado e economia mercan-

tilista (Economia 1.0), livre mercado e sociedade de conscientização egocêntrica (Economia

2.0), economia social de mercado e baseada nos stakeholders (Economia 3.0) e economia

cocriativa, dialógica e ecocêntrica (Economia 4.0). Scharmer levanta falhas sistêmicas e con-

sequentes pontos de acupuntura que deveriam ser endereçados, além de defender que, entre

um estágio e outro, havia fatores limitantes que faziam com que a sociedade se reorganizasse

de forma a evoluir para o próximo nível de consciência. Entretanto características de diferen-

tes estágios podem coexistir, possibilitando 390.625 combinações no sistema (SCHARMER,

2014).

Ao estudar a Economia 4.0 e as características de seus oito fatores-chave – Natureza, Traba-

lho, Capital, Tecnologia, Liderança, Consumo, Coordenação e Posse –, identificou-se por

meio da ferramenta desenvolvida, 27 elementos a serem endereçados rumo à transição da

Economia 3.0 para a Economia 4.0. Alguns deles são: necessidade de transformação da cadeia

de uso de recursos naturais em processo circular; fomentar o empreendedorismo; garantir o

uso o dinheiro para gerar capital e criar valor em torno de ideias criativas e de capital não-

monetário; incentivar o uso de energias renováveis; desenvolver ferramentas de cocriação e

prototipagem para o processo do U; cocriar hábitos de consumo consciente, coletivos e inten-

cionais; desenvolver diversidade e resiliência no sistema; e priorizar o uso compartilhado à

posse.

Conclui-se que há relação entre os conceitos de Economia Circular e Economia 4.0, uma vez

que ambos visualizam a proximidade de limites ecossistêmicos, defendem a necessidade de

reduzir o uso de recursos naturais, acreditam na integração de diferentes atores para sanar

problemas sistêmicos, sustentam o uso de energias renováveis, apoiam o uso compartilhado

de bens, entre outros fatores harmônicos. Aplicando a ferramenta a fim de verificar a efetiva

contribuição da Economia Circular na transição para Economia 4.0, percebeu-se que essa en-

dereça mais fortemente os fatores-chave Natureza, Tecnologia, Consumo, Coordenação e

Posse. Trabalho 4.0 apresenta um aspecto que pode ser auxiliado pela Economia Circular,

endereçando, assim, um total de 13 pontos. Porém, Liderança e Capital não apresentam rela-

ção direta com a Economia Circular, apesar de que se acredita que a Economia Circular ainda

possa influenciar indiretamente alguns aspectos.

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Entretanto, visto que a Economia Circular não endereça todos os pontos necessários para uma

transição completa para a Economia 4.0, torna-se necessário que outras inovações institucio-

nais também contribuam para esse processo de transição. Desse modo, propõe-se duas linhas

para estudos futuros: explorar outras inovações institucionais que auxiliem na transição da

Economia 3.0 para 4.0 e aplicar a ferramenta desenvolvida neste trabalho; e aplicar a ferra-

menta desenvolvida em empresas e organizações que trabalham dentro do modelo de Econo-

mia Circular para verificar se os pontos abordados teoricamente pela Economia Circular se

aplicam na prática na transição para a Economia 4.0.

Ellen MacArthur Foundation (2013a) julga que nos encontramos no momento certo para que a

transição rumo ao modelo circular se concretize, uma vez que a escassez dos recursos naturais

está sensibilizando e pressionando tomadores de decisões, governos e empresas a repensar

modelos lineares de matéria e energia. Peschl et al. (2010) por sua vez, defende que, para que

não se perca a oportunidade de mudança na Economia Circular, são necessárias atitudes e

abordagens radicais. Portanto, acredita-se que, a fim de que a transição da Economia 3.0 para

a Economia 4.0 auxiliada pela Economia Circular seja efetiva e traga os resultados esperados,

é necessária uma mudança intencional e consciente de cultura e de visão de negócios em toda

a cadeia do ciclo de vida do produto, incluindo diversos atores para que a transformação seja

sistêmica, inovadora e completa. Atores esses que devem ser de níveis organizacionais, da

sociedade, ramo tecnológico, da área de finanças e políticas. E as mudanças, por sua vez, de-

vem ocorrer na concepção de produtos, nos processos de produção, criação de oportunidades

e formas de transformação dos resíduos em recursos, incentivo de novas tecnologias e fontes

renováveis de energia, permitindo que novos modelos de negócios e de mercado surjam, jun-

tamente com novos padrões de comportamento dos consumidores.

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