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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA ANDRÉ MAGNO PEREIRA DOS SANTOS Manchas de lazer em São Paulo: a evolução recente dos estabelecimentos comerciais e equipamentos urbanos de lazer na Vila Madalena (SP) São Paulo 2017

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, … · Dedico a Ana e Antonio, que sempre me deram forças nos momentos mais difíceis que passei. AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS

HUMANAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

ANDRÉ MAGNO PEREIRA DOS SANTOS

Manchas de lazer em São Paulo: a evolução recente dos

estabelecimentos comerciais e equipamentos urbanos de lazer na

Vila Madalena (SP)

São Paulo

2017

ANDRÉ MAGNO PEREIRA DOS SANTOS

Manchas de lazer em São Paulo: a evolução recente

dos estabelecimentos comerciais e equipamentos

urbanos de lazer na Vila Madalena (SP)

Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; para a conclusão do curso de bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Fabio Betioli Contel

São Paulo

2017

ANDRÉ MAGNO PEREIRA DOS SANTOS

Manchas de lazer em São Paulo: a evolução recente

dos estabelecimentos comerciais e equipamentos

urbanos de lazer na Vila Madalena (SP)

Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; para a conclusão do curso de bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Fabio Betioli Contel

Data:__/__/__ BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Prof. Dr. Fabio Betioli Contel ___________________________________ Prof.(a) Dr.(a) ___________________________________ Prof.(a) Dr.(a)

São Paulo

2017

Dedico a Ana e Antonio, que sempre

me deram forças nos momentos mais

difíceis que passei.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu professor Fábio Betioli Contel, que se tornou para mim

uma referência em relação à sua postura tanto como professor quanto pessoal;

à sua honestidade e a seu esforço; e pelo seu grande conhecimento acerca da

geografia.

Agradeço a todos os professores da Geografia que me possibilitaram

uma formação crítica e reflexiva. Formo-me com a sensação que tive um

excelente aprendizado.

Agradeço a USP, a FFLCH, e ao Departamento de Geografia pelas

relações de ensino-aprendizagem.

Agradeço também a todos aqueles que colaboraram e colaboram na luta

por uma USP mais popular e democrática.

Aos meus amigos que muito me ajudaram, tanto em relação ao TGI

quanto às conversas e ao companheirismo do dia-a-dia, que me ajudaram a

realizar esta etapa da minha vida com alegria.

Agradeço a meus irmãos, pessoas fundamentais em minha vida.

LEISURE SPOTS IN THE METROPOLIS: THE RECENT

EVOLUTION OF THE COMMERCIAL ESTABLISHMENTS AND

URBAN LEISURE EQUIPMENT IN VILA MADALENA (SP)

RESUMO

Neste Trabalho de Graduação Individual, analisamos as relações entre o

desenvolvimento da mancha de lazer da Vila Madalena e as formas de

apropriações de seu ambiente construído do bairro. A Vila Madalena é um

bairro localizado na zona Oeste de São Paulo entre os Distritos de Pinheiros e

Alto de Pinheiros. O bairro da Vila Madalena é privilegiado por um grande

crescimento econômico localizado especialmente no quadrante sudoeste do

município paulistano. O surgimento daquilo que viria a ser a “mancha de lazer”

da Vila Madalena remonta ao ano de 1970, com um forte movimento dos

estudantes após o Conjunto Residencial da USP (CRUSP) ser fechado por

intervenção do aparato repressivo militar. Estes estudantes, desalojados,

buscaram moradias baratas próximas a universidade. Com isto, o bairro

recebeu diversos grupos ligados a determinados movimentos culturais,

principalmente movimentos relativos à produção cinematográfica. O afluxo

destes indivíduos, grande parte deles diretamente ligados a atividades

culturais, colaborou para o surgimento de um novo status do bairro. A partir

destes eventos, o ambiente construído da Vila Madalena passa a sofrer maior

assédio por parte de agentes imobiliários, e a especulação imobiliária afugenta

grande número de antigos moradores (mesmo levando em conta o fato de que

eles mesmos ajudaram a criar o novo status do bairro). Passados mais de 30

anos desta mudança nos usos do espaço ali no bairro, os estabelecimentos de

lazer da Vila Madalena se elitizaram, mudando em grande medida suas

características físicas. Junto a isso, tais estabelecimentos são centralizados

nas mãos de poucos grupos de empresários. Hoje, o espaço geográfico do

bairro se afasta bastante daquilo que foi a Vila Madalena em outras épocas; um

capital com forte poder de atuação se apropria de parcelas daquele espaço

produzindo outro padrão de estabelecimentos e novas formas de sociabilidade

para seus usuários.

Palavras-chave: Vila Madalena, Ambiente Construído, Mancha de Lazer

ABSTRACT

This Individual Undergraduate Project analyzes the relationships

between the development of the Vila Madalena Neighborhood's leisure spot

and the appropriation forms of the neighborhood's built environment. Vila

Madalena is a neighborhood located at the West Zone of São Paulo, between

the Pinheiros and Alto de Pinheiros districts. Vila Madalena Neighborhood is

privileged by a fast economic growth located specially at the southwest

quadrant of the Municipality of São Paulo. The appearing of what would

become the Vila Madalena’s “leisure spot” goes back to the year of 1970, with

an intense movement of students after the shutdown of the University of São

Paulo dormitories by the intervention of the military repressive apparatus. These

dislodged students sought cheap housing near the university. The

neighborhood then received several groups connected to certain cultural

movements, mainly the ones related to film production. The influx of these

individuals, most of them directly tied to cultural activities, collaborated to the

appearance of a new neighborhood status. From these events, the Vila

Madalena’s built environment began to face increased harassment of estate

agents, and the real estate speculation drives away a large number of former

residents (even lifting into account the fact that themselves helped building the

new neighborhood’s status). After more than 30 years from this change in the

space usage on the neighborhood, the Vila Madalena’s leisure establishments

got elitist, changing in great measure their physical features. Along with that,

such establishments are centralized on the hands of a few group of

entrepreneurs. Today, the neighborhood’s geographic space is largely far from

what Vila Madalena was in other times; capital with strong acting power

appropriates parts of that space, producing a different pattern of establishments

and new relations of sociability for their clients.

Key-words: Vila Madalena, Built Environment, Leisure Spot

LISTA DE SIGLAS

ABRASEL Associação Brasileira de Bares e Restaurantes

ABRESI Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo

ACSP Associação Comercial de São Paulo

CPDU Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano

CRUSP Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo

FES Formação Econômica e social

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

JUCESP Junta Comercial do Estado de São Paulo

TGI Trabalho de Graduação Individual

TPU Termo de Permissão de Uso

USP Universidade de São Paulo

LISTA DE IMAGENS

Figura 1 Escola Municipal Estado da Guanabara. ........................................ 23

Figura 2 Time de futebol feminino da Vila Madalena de 1934 ...................... 24

Figura 3 Ilustração da matéria Chope, celulóide e empanadas, do jornal

Folha de S. Paulo.......................................................................................... 38

Figura 4 Foto do bar Empanadas. ................................................................ 53

Figura 5 Foto do bar Zepellin. ....................................................................... 56

Figura 6 Foto da construção do estabelecimento O Pasquim Bar & Prosa. . 56

Figura 7 Foto do bar O Pasquim Bar & Prosa. .............................................. 57

Figura 8 Foto bar Sujinho. ............................................................................. 58

Figura 9 Foto da hamburgueria John & Paul Burger ..................................... 59

Figura 10 Foto da Paleteca. .......................................................................... 59

Figura 11 Foto do bar Na Quebrada ............................................................. 61

Figura 12 Foto do bar Seu Domingos em construção. .................................. 63

Figura 13 Foto do Bar Seu Domingos ........................................................... 63

Figura 14 Foto da loja de antiguidades, que viria a ser Armazém Piola. ...... 66

Figura 15 Foto do estabelecimento Armazém Piola...................................... 66

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 12

1 A EVOLUÇÃO DA VILA MADALENA: AMBIENTE CONSTRUÍDO, TOTALIDADE E

CENTRALIZAÇÃO DE CAPITAL ............................................................................................ 16

1.1 As origens do Bairro da Vila Madalena ...................................................................... 21

1.2 Características recentes da ocupação do bairro ...................................................... 25

2 MANCHA DE LAZER DA VILA MADALENA: DEFINIÇÃO GERAL DO CONCEITO

E ABORDAGENS CORRELATAS .......................................................................................... 29

2.1 O conceito de mancha de lazer e seu uso na geografia ......................................... 31

2.2 A constituição da mancha de lazer da Vila Madalena ............................................. 33

3 CONCENTRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DOS ESTABELECIMENTOS

DE LAZER DA VILA MADALENA .......................................................................................... 42

3.1 Delimitação e concentração dos estabelecimentos de lazer da Vila Madalena .. 46

3.2 A evolução dos estabelecimentos de lazer e atual organização espacial ............ 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 70

ANEXOS ................................................................................................................................ 74

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INTRODUÇÃO

Este Trabalho de Graduação Individual (TGI) é resultado dos

aprendizados adquiridos durante a realização do curso de graduação em

Geografia na Universidade de São Paulo. No entanto, direcionamos nossos

esforços para a realização desta pesquisa durante o último ano (2015). Este

ano foi também de realização do projeto de iniciação científica, que muito

colaborou para efetuação do presente trabalho.

Buscamos compreender o desenvolvimento da mancha de lazer no

bairro da Vila Madalena e sua atual lógica de organização espacial. Para isso,

tivemos como premissa o fato de que a produção do espaço é indissociável do

modo de produção capitalista. Mediante a isso, tornou-se importante

compreender o espaço em suas múltiplas relações, tanto no que se refere à

apropriação capitalista quanto às relações de sociabilidade nele (no espaço)

existentes.

A Vila Madalena é um bairro localizado na Zona Oeste de São Paulo

entre os Distritos de Pinheiros e Alto de Pinheiros. O bairro da Vila Madalena

fez parte de um grande crescimento econômico ocorrido especialmente no

contexto maior onde ele está localizado, o quadrante sudoeste do município

paulistano. O bairro é hoje considerado como um local de habitação de

indivíduos de classe média alta, recebendo moradores atraídos –

principalmente – pela história do lugar, assim como pelos resultados das

intervenções urbanas que muito favoreceram a localidade.

Nos últimos anos, os veículos de mídia têm se voltado à divulgação de

eventos ligados aos vários tipos de aglomerações de pessoas que tem se dado

em torno dos bares na Vila Madalena (principalmente durante a Copa do

Mundo de 2016, realizada no Brasil, e durante os últimos carnavais). Seja com

a temática dos conflitos causados por estas movimentações no bairro, seja

pelas temáticas do lazer e do turismo, o fato é que o bairro tem sido

reconhecido por uma grande quantidade de pessoas como uma área

relacionada ao funcionamento destes bares e estabelecimentos voltados ao

“lazer”.

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Para melhor compreender este fenômeno, a revisão bibliográfica

realizada acabou por mostrar que o conceito de “mancha de lazer” poderia ser

bastante operacional. Utilizá-lo nos exigiu grandes esforços a cada vez que nos

aproximávamos dele. A partir também da análise das fontes documentais e das

conversas com nosso orientador, pudemos perceber a necessidade de se

compreender a complexidade do fenômeno e de realizarmos uma esforçada

busca de instrumentos de análise para que pudéssemos alcançar um

conhecimento profundo sobre o fenômeno, respeitando suas diversas ligações

com tantas outras variáveis que apareceram no caminho.

Neste processo de realização da pesquisa, foi marcante ouvir os sons,

sentir o cheiro dos alimentos que ganhavam as ruas e perceber as relações e

as formas de sociabilidade existentes em torno dos estabelecimentos. Estes

elementos nos deram maior certeza da importância do conceito de mancha de

lazer para a investigação, devido à coesão existente entre os

estabelecimentos. Os primeiros contatos com a área de estudo, ainda

exploratórios, nos mostraram que aqueles elementos da paisagem revelavam

singularidade, composta a partir da série de estabelecimentos ligados a estas

modalidades de lazer privado (bares, restaurantes, casas noturnas, etc.).

Nosso TGI está dividido em três capítulos, cada um contendo dois

subitens. No primeiro capítulo, buscamos apresentar nosso referencial teórico,

trazendo para o debate autores que trabalham com a perspectiva da

importância tanto das especificidades de cada localidade quando as leis gerais

do modo de produção capitalista. Para isso, autores como David Harvey, Milton

Santos e Neil Smith nos ajudaram, proporcionando-nos um aprofundamento

referente às formas de apropriação do sistema dominante, sem perder de vista

as especificidades materiais e sociais da localidade, incluindo aí as ricas

relações de sociabilidade existentes.

O primeiro subitem deste capítulo trata justamente das origens do bairro.

Buscamos fazer uma recuperação histórica do lugar, mostrando a época em

que a Vila Madalena ainda era caracterizada pelo predomínio de simples

trabalhadores braçais e com grande participação da igreja católica na

constituição do bairro. No seguinte subitem, analisamos a evolução das

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características econômicas do bairro a partir da análise dos dados do Censo de

2010 (IBGE) e de autores/pesquisadores que trataram dos processos de

valorização da cidade de São Paulo.

No segundo capítulo, trazemos algumas abordagens já feitas em

diversas áreas sobre o fenômeno da mancha de lazer. No primeiro subitem

deste capítulo, explicamos o conceito de mancha de lazer de José Guilherme

Cantor Magnani (2002) e seu diálogo com a geografia. Esta ideia, por

considerar a mancha de lazer tanto a partir de sua base material quanto das

relações de sociabilidade, nos deu uma importante ferramenta proporcionadora

de uma maior solidez no argumento, dialogando intimamente com os

referencias dos geógrafos que também embasaram nosso estudo.

No segundo Subitem, fizemos uma recuperação da história recente do

bairro. Buscamos analisar crônicas e jornais de épocas anteriores à atual, que

nos proporcionaram o conhecimento de importantes fatos históricos e do

imaginário construído sobre o bairro. Para isso, as crônicas de Antonio Ivo

Pezzoti (1999), Enio Squeff (2002) e Levino Ponciano (2000) nos fizeram

avançar significativamente em nossa análise. Estes textos nos levaram a

entender melhor as ideias que remontam ao surgimento da mancha de lazer e

da importância das relações de sociabilidade para a sua constituição.

No capítulo 3, buscamos compreender a configuração espacial dos

estabelecimentos de lazer, analisando sua atual organização econômica e a

evolução dos principais fixos geográficos ligados a estas atividades. Para

realizarmos esta análise, buscamos de início documentos em fontes oficiais,

mas também em organizações patronais e em órgãos públicos. No caso das

instituições patronais, encontramos barreiras para acessar os dados referentes

aos estabelecimentos de lazer, que eram de acesso restrito; nos órgãos

públicos, revelou-se certa “falta de preocupação” com o fenômeno.

No primeiro subitem, a discussão se dá em torno das possibilidades de

delimitação da mancha de lazer da Vila Madalena. Esta tentativa de

estabelecer um “zoneamento” do fenômeno estudado nos levou a uma

importante discussão de caráter teórico e empírico, sendo a percepção da

mancha dependente também da subjetividade daquele que a analisa. Tal

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decisão nos exigiu uma enorme sensibilidade e flexibilidade para não

desconsiderarmos as especificidades geográficas da localidade, assim como

não desconsiderarmos as subjetividades existentes neste processo de análise.

No segundo subitem deste último capítulo, buscamos aprofundar nossa

pesquisa documental em revistas, jornais e em páginas da internet. As páginas

de internet dos próprios estabelecimentos que compõe a mancha de lazer

tiveram grande importância, por disponibilizarem informações de bares e

restaurantes que, na verdade, pertencem ao mesmo grupo empresarial.

Diversas páginas de internet mostraram indicativos do processo de

centralização do comando dos bares e restaurantes, já que se verificou que os

estabelecimentos eram de propriedade de poucos grupos econômicos.

Estas são as linhas gerais pelas quais apresentaremos nossa pesquisa

neste Trabalho de Graduação Individual. Como evoluiu a ocupação e os usos

do espaço na Vila Madalena? Como se deu a evolução dos principais

estabelecimentos de lazer? Qual a delimitação possível que pode ser feita da

mancha de lazer, a partir de uma visão geográfica? Qual é a forma de

propriedade dos estabelecimentos, que em suas respectivas “fachadas”

parecem ser propriedade de distintos grupos econômicos? Qual o impacto do

fenômeno da mancha de lazer no bairro? Procuramos, nos limites do possível,

fazer frente a este conjunto de problemas em nossa pesquisa. Se elucidarmos

estas questões, consideraremos nossos objetivos contemplados.

16

1 A EVOLUÇÃO DA VILA MADALENA: AMBIENTE CONSTRUÍDO,

TOTALIDADE E CENTRALIZAÇÃO DE CAPITAL

Partindo da ideia de que o espaço é indissociável do modo de produção

capitalista, consideramos importante discutir os desdobramentos desta relação,

estudando o espaço em sua complexidade, com reflexões que tornem

explícitas as particularidades espaciais e as peculiaridades de sua produção

em conjunto com o modo de produção dominante. O espaço e as relações

sociais tornam-se, então, o ponto de partida de nossas discussões, ganhando

importantes colaborações pelas discussões dos geógrafos David Harvey

(1982), Milton Santos (1977 e 1994), Neil Smith (1988).

David Harvey (1982) teve grande importância para a compreensão da

produção do espaço urbano ao trazer para o debate o conceito de ambiente

construído. Em seu estudo, Harvey busca compreender a produção do espaço

urbano em diálogo com o desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Para Harvey, o ambiente construído é produzido pela fixação de equipamentos

e infraestruturas no espaço através das relações sociais de produção. O

processo de exploração de classes pode ser percebido, também, a partir da

análise das formas de apropriação dos próprios lugares em que a população

habita. Ou seja, a exploração pode ser percebida não só no momento do

trabalho (nos locais onde efetivamente se realiza a relação trabalhador x

patrão), mas também na apropriação do ambiente construído por este trabalho,

no intuito de utilizar aquilo que foi construído socialmente como forma de obter

mais capital.

Nesse sentido, os interesses de acumulação podem ser vistos tanto nas

próprias relações de trabalho quanto na apropriação do ambiente construído.

Harvey lembra que, se por um lado, o trabalho cria valor de uso, por outro, o

capital busca formas de apropriá-lo e de dominá-lo. Enquanto o trabalho define

a qualidade de vida como valor de uso, o capital define a qualidade de vida

como mercadoria. Sendo assim, há uma constante busca do capital para

perverter a lógica da qualidade de vida definida pelo trabalho, em favor de uma

lógica de dominação do trabalho que possibilite a acumulação de capital.

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Harvey também argumenta que o capital realiza uma busca incessante

para controlar a construção do ambiente construído e de se apropriar do que já

foi (do que é, de como será e do que será) construído e fixado no espaço

urbano. Esta ideia traz à tona o fato de que a leitura sobre a luta de classes

não se limita à exploração do trabalhador no momento de trabalho. A partir

desta leitura, fica evidente a importância da análise geográfica e do conceito de

espaço geográfico para a compreensão das contradições do modo de

produção capitalista.

A categoria formação socioespacial (FSE) de Milton Santos (1977) é

também elucidativa desta importância da relação entre os arranjos espaciais

historicamente produzidos e o modo de produção capitalista, pensando-os ao

mesmo tempo e considerando-os inseparáveis. Baseada nas propostas

originais de Karl Marx, Friedrich Engels e Vladmir Lenin sobre a formação

econômico-social (FES), a formação socioespacial pode ser considerada como

a concretização das características espaciais historicamente produzidas em

cada localidade, com qualitativos e quantitativos específicos; todavia, tais

características de cada localidade, ainda que sejam especificas, são

indissociáveis do modo de produção dominante. A formação socioespacial

(FSE) existe então como resultado de relações sociais mais amplas (do modo

de produção dominante) com as diversas características espaciais existentes,

dentro do movimento de reprodução do capital; ela é resultado e condição da

reprodução do modo de produção capitalista.

As transformações que se dão no desenvolvimento do modo de

produção capitalista agem em diálogo com as transformações dos arranjos

espaciais num movimento único, que produzem mudanças um ao outro, sob o

domínio do modo de produção dominante. O que é novo não existe em toda

parte (de forma homogênea) como um padrão espacial, a não ser se

consideramos o novo também como uma nova forma de utilizar determinadas

características espaciais do passado sobreviventes no espaço, para suprir as

exigências do momento de desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Esta leitura nos possibilita analisar as localidades e os fenômenos

espaciais pelo viés da totalidade, ou seja, analisar os múltiplos fatores que

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existem em cada fração do espaço considerando sua especificidade e a

importância de seu arranjo espacial, além de suas relações com as estruturas

gerais da sociedade capitalista.

Este estudo de Milton Santos, retomando a categoria espaço, traz

importantes contribuições neste sentido, e nos sugere importantes rumos para

as discussões geográficas. O espaço é visto não apenas como algo passivo à

realização do capital, mas o oposto é advogado aqui: as características

espaciais tornam-se elementos fundamentais para a compreensão da

organização sociedade e para o próprio desenvolvimento do modo de produção

capitalista.

Entretanto, devemos compreender as transformações das necessidades

do sistema capitalista de produção. Para fazermos uma leitura contemporânea

deste debate, retomamos aquilo que Milton Santos (1994) chamou de

verticalidades. Esta ideia colabora para elucidar o fato de que as formações

econômicas e sociais tendem a estar relacionadas a interesses externos ao

lugar, em detrimento dos interesses locais, genuinamente constituídos.

Segundo Milton Santos (1994, p.19),

a tendência atual é que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda parte. Créditos internacionais são postos a disposição dos países mais pobres para permitir que as redes se estabeleçam ao serviço do grande capital. Mas os lugares também se podem unir horizontalmente, reconstruindo aquela base de vida comum susceptível de criar normas locais, normas regionais.

Os interesses da reprodução do modo de produção capitalistas se dão

na apropriação das características espaciais previamente existentes à sua

instalação, entrando em confronto com os interesses e os usos do espaço

daqueles que vivem na localidade. As chamadas “relações horizontais” entre os

lugares dão espaço às relações verticalizadas, atendendo interesses externos

à localidade, mudando suas características.

No livro O Espaço do Cidadão, Milton Santos ([1987] 2000) trata

justamente do efeito destas relações verticalizadas e seus impactos na

habitação do espaço. Temos uma importante discussão na inversão da ideia de

19

cidadania em direção ao fenômeno do consumo. Os habitantes das cidades em

países capitalistas assistem a constituição de uma cidade desigual, com seus

equipamentos dispostos de maneira a se afastar das garantias mínimas à

cidadania a todos os seus membros.

Milton Santos salienta a mudança de uma consciência conduzida

através de relações orgânicas entre homem-natureza e entre os próprios seres

humanos para o momento em que o desenvolvimento das relações sociais

passa a ser conduzida a partir de interesses externos a elas. Segundo Milton

Santos, a nova organização da sociedade e do espaço constitui um novo

modelo de organização dos lugares em que as normas ocorrem a partir de

componentes externos – e, portanto, verticais – às relações horizontais entre

às pessoas.

Nesta mudança, a cidadania aparece transmutada e diretamente

equiparada ao consumo e, por conseguinte, em propriedade de bens e serviços

por certos grupos sociais. Como bem visto por Milton Santos, o resultado disso

pode ser visto na distribuição desigual dos equipamentos de lazer. Em O

Espaço do Cidadão, Milton Santos já mostrava a concentração dos fixos

geográficos1 voltados ao lazer no centro histórico de São Paulo e no centro

expandido; os dados datam o fim da década de 1970 e início de 1980.

Segundo esta pesquisa, a porcentagem destes fixos concentrados nestas duas

zonas seria a seguinte: cinemas 73,6 %, Hotéis 97,79%, museus 61,7%,

Restaurantes 90,66%, Teatros 89,7% (SANTOS, [1987] 2000, p.90).

Neil Smith (1988) é outro importante autor que nos ajuda a aprofundar

esta discussão, ao compreender os processos de produção e diferenciação

espacial a partir da lógica do desenvolvimento capitalista e da lei geral de

1Retomemos aqui a discussão de Milton Santos em Metamorfose do Espaço Habitado (2007)

sobre os fixos e fluxos. Segundo Milton Santos a compreensão do espaço geográfico deve ser feita a partir de seus fixos e fluxos, em suas qualidade e quantidades. A compreensão geográfica das localidades depende da análise de seus fixos, que geram e recebem fluxos de maneira peculiar dependendo de suas qualidades e quantidades, é claro, em conjunto com as demandas do modo de produção dominante. Segundo Milton Santos, os fixos são “os próprios instrumentos de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa de homens. Não é por outra razão que os diversos lugares, criados para exercitar o trabalho, não são idênticos e os rendimentos por eles obtidos estão em adequação dos objetos ao processo mediato de trabalho” (SANTOS, 2007, p.86)

20

acumulação. Smith parte da premissa de que o capital, com o intuito de atender

a lei geral de acumulação, tende a empregar o valor excedente do capital em

novos meios de sua acumulação. Grande parcela deste investimento é

aplicada no desenvolvimento de novas tecnologias que favorecem a

reprodução capitalista.

Para Neil Smith, ocorre o “encolhimento” do espaço geográfico e a

“equalização” das diferenças geográficas. Isto é, os novos investimentos do

capital desencadearam um vigoroso processo de desenvolvimento científico e

tecnológico, permitindo a intensificação do processo produtivo e a expansão

espacial dos investimentos capitalistas. O desenvolvimento técnico-científico

permite a superação das adversidades que o meio geográfico pode oferecer e

a evolução dos meios de comunicação/circulação. Estes últimos permitem a

aplicação das novas tecnologias em escala cada vez maior, relativizando a

importância das barreiras que o espaço venha a oferecer.

Ainda segundo Smith, a equalização das diferenças geográficas e a

supressão do espaço pelo tempo que decorrem deste processo – e que são

promovidos principalmente pelos avanços tecnológicos –, fazem com que as

diferenças do espaço geográfico se tornem superadas para a reprodução

capitalista. Assim sendo, o processo de acumulação de capital é favorecido

pela expansão espacial dos processos produtivos e pela abertura de novos

mercados.

Se por um lado, o capital atravessa as fronteiras do espaço geográfico,

equalizando as diferenças e diminuindo as distâncias, por outro, temos a

tendência de diferenciação espacial. Para Neil Smith, a diferenciação do

espaço deve ser vista sob o viés da lógica de concentração e centralização do

capital. Segundo o autor (SMITH, 1988, p.179), a centralização do capital

“exagera os efeitos e os objetivos da concentração do capital”. Como forma de

ampliar os efeitos da acumulação de capital, o destino de capitais individuais –

que antes atuavam de maneira autônoma em relação aos outros (capitais) – foi

à centralização de capital. Ou seja, grande parte de capitais que antes atuavam

de forma mais autônoma, ou “pulverizada”, se associaram para otimizar os

efeitos de acumulação. Temos então o poder de decisão centralizado em

21

poucas mãos, podendo atuar as firmas com maior potencial para sua

reprodução.

1.1 As origens do Bairro da Vila Madalena

A realização da parte empírica de nossa pesquisa mostrou que estas

lógicas acima descritas parecem ser bastante operacionais para o estudo da

evolução dos usos do espaço na Vila Madalena. O processo de

desenvolvimento do bairro sugere que, ao longo do tempo, houve mudanças

expressivas em sua organização, com um forte processo de “verticalização” da

dinâmica da vida local. Consideramos que isto tenha se dado a partir dos

avanços das relações capitalistas e às novas formas de organização do capital

que ali se instalaram.

Antes de a Vila Madalena ser considerada como bairro referência em

termos de lazer, cultura e arte, e de ter se tornado um bairro de residentes de

classe média, não se tinha lá grandes reconhecimentos sobre o bairro. Na

verdade, pelo contrário, segundo Enio Squeff, em seu livro Vila Madalena:

Crônica histórica e sentimental, chegava-se até a se omitir o nome do bairro

em favor de nomes de outros mais conhecidos. Segundo Squeff (2002, p. 18),

ao atendendente que perguntava ao adolescente onde mora, Antônio titubeia. Vai dizer “Vila Madalena” – mas o homem não saberá do que está falando. Nem adivinha que ainda ontem os jornais mal chegavam a Vila (...) o que se conhece no resto da cidade é a região de Pinheiros. Antes que o homem descubra que ele mora no humilde subdistrito de Vila Madalena, do bairro de Pinheiros, ele encurta a resposta e diz que mora em Pinheiros mesmo.

Um relato recorrente sobre a constituição do bairro da Vila Madalena é o

de que a Vila surgiu a partir do loteamento do sítio de um imigrante português

que tinha três filhas: Ida, Madalena e Beatriz. Esta seria a origem dos nomes

das Vilas.

Com o passar do tempo, os impulsos urbanizadores da Light

colaboraram para o reforço da urbanização da Vila Madalena. Foi em meados

22

da década de 1910 que chegaram os portugueses sensibilizados pelo anúncio

de “que a Light ia construir na área uma estação de bondes elétricos, (os

portugueses) foram chegando, como quem não quer nada” (PEZZOTTI, 1999,

p.15).

Os migrantes portugueses eram pessoas de condições econômicas

simples e de baixo grau de educação formal, em busca de conseguirem

condições melhores do que tinham em sua pátria. Eram eles “Pedreiros,

Padeiros, Jardineiros, açougueiros, sapateiros ou construtores de túmulos de

cemitério no cemitério São Paulo, no cemitério do Araça, no cemitério da

consolação” (PEZZOTTI, 1999, p.15).

O bairro teve também grande influência do catolicismo em sua formação.

Enio Squeff (2002) chega a comparar o bairro à freguesia, buscando o

significado da origem da palavra, do latim filius gregis, que significa “filho da

mesma grei” ou “filho da mesma paróquia, do mesmo rebanho”. Antonio Ivo

Pezzotti conta em seu livro Vila Madalena e suas figuras notáveis (1999)

histórias sobre os tipos simples, mas “notáveis” da Vila Madalena. Um dos

personagens dessa história é a figura de seu irmão, o Padre Olavo Pezzoti,

primeiro vigário da Paróquia de Santa Madalena e São Miguel Arcanjo.

Através da leitura do livro de Antonio Ivo Pezzotti, podemos perceber a

importância do Padre Olavo Pezzotti na constituição da vida social e do

ambiente construído da Vila Madalena. A partir das reivindicações do Padre – e

de pressões da comunidade junto às autoridades municipais – foram instalados

ali os seguintes equipamentos urbanos:

1. uma creche para a população infantil;

2. um grupo escolar instalado no terreno da igreja, que veio a se chamar

Escola Municipal Padre Olavo Pezzotti;

3. O Liceu Santa Madalena, que atuava para a qualificação profissional dos

jovens;

4. Um ambulatório, que foi construído através de um mutirão feito pelos

moradores.

23

Figura 1 Escola Municipal Estado da Guanabara, que mais tarde se tornaria Escola Municipal Padre Olavo Pezzotti. Resultado dos esforços do Padre Olavo Pezzotti e da comunidade do Bairro da Vila Madalena para a melhoria do meio ambiente construído local (PEZZOTTI, 1999, p.31)

Os esforços do Padre também se direcionaram para as atividades de

lazer, e um fato relevante em relação a isso pode ser entrevisto nos diálogos

do Padre com um eletricista que trabalhava na Light, com o intuito de produzir

um local para rodar filmes no bairro. Antonio Ivo Pezzotti conta em seu livro

que houve “memoráveis sessões noturnas de cinema ao ar livre” até o dia em

que “paroquianos mais ‘esclarecidos’ inventaram de exigir filmes menos chatos

e levaram ao Padre o desejo de ver coisas mais picantes, como faziam todos

os cinemas de São Paulo e do mundo” (PEZZOTTI, 1999, p.36).

Outra atividade de lazer de grande destaque que começa a ser praticada

no Bairro é o futebol de várzea, levado a cabo por homens e mulheres. Na

imagem a seguir podemos ver um time de futebol feminino do bairro que,

segundo Pezzotti, marcou pelo pioneirismo da prática deste esporte por

mulheres, em 1934.

24

Figura 2 Time de futebol feminino da Vila Madalena de 1934 (PEZZOTTI, 1999, p.117)

Na visão de Squeff (2002), em meados da década de 1970, a Vila

Madalena já não era vista como um bairro tão harmonioso. Na verdade, pelo

contrário, o bairro parecia ser caracterizado pela violência que lá existia. Ao

contar a história de um dos locais que no futuro viria a se tornar um dos bares

de grande referência da Vila Madalena – o “Sujinho” – Squeff argumenta que

antes de o lugar se tornar mais seguro e lucrativo, os donos de

estabelecimentos se referiam a ele como um lugar “mal frequentado”, onde

por debaixo da camisa de alguns frequentadores não se percebiam revólveres (ainda não haviam bandidos escancarados); mas a catadura, o jeito de pedir a bebida e, não raro, a recusa agressiva a pagá-la transformaram o jovem migrante vindo da Bahia em uma espécie de refém de seu mau negócio (SQUEFF, 2002, p.50).

Segundo Levino Ponciano (2000), as características da Vila Madalena

mudariam a partir da chegada dos estudantes da Universidade de São Paulo

(USP), que ocorreu após o já mencionado fechamento do Conjunto Residencial

da USP. Se relocalizaram no bairro uma diversidade de grupos, incluindo os

chamados Hippies, assim como artistas e intelectuais, que passariam a

colaborar para a transformação da “atmosfera” do bairro, mudando os usos do

25

espaço e as próprias características dos estabelecimentos comerciais e de

lazer ali instalados. Os novos moradores constituíam demanda constante aos

bares. Os estudantes tiveram demandas que colaboraram não só com a

manutenção dos estabelecimentos de lazer já existentes, mas também por

estabelecimentos que fornecessem outros tipos de serviços e produtos.

Ainda que várias considerações de Ponciano (2000) pareçam carecer de

uma maior comprovação – sobretudo no que diz respeito aos frequentadores

novos e antigos da Vila Madalena – podemos aferir, que a partir da chegada

dos novos grupos, houve uma significativa mudança do status da localidade e

um aumento na demanda por novos estabelecimentos (além de demandas

qualitativas diferentes em relação aos estabelecimentos). Tudo isso em junção

aos novos movimentos culturais que colaboraram para o surgimento de novos

símbolos e signos apreciados pelos frequentadores.

1.2 Características recentes da ocupação do bairro

Heitor Frúgoli Jr. (2000) identifica que, a partir de meados da década de

1970, houve uma série de transformações no espaço urbano que colaboraram

para a valorização do quadrante sudoeste da cidade de São Paulo. As

principais áreas contempladas pelas operações urbanas foram a Avenida

Paulista, a Avenida Faria Lima e a Avenida Luiz Carlos Berrini.

Segundo Frúgoli Jr. (2000), houve uma série de iniciativas, dadas pela

influência direta de atores privados junto ao poder público (principalmente

atores ligados ao setor imobiliário), para o desenvolvimento de obras que

estimulassem a valorização da área. Tais obras possibilitaram a atração de

investimentos de empresas (principalmente as do setor terciário, como por

exemplo, as sedes e serviços administrativos de grandes empresas), além de

sensibilizar classes sociais mais abastadas economicamente para se

instalarem nestas áreas “beneficiárias” da valorização do quadrante sudoeste.

Estas alterações no ambiente construído se deram principalmente em obras

que melhoraram as condições de mobilidade urbana. Entre estas áreas

26

privilegiadas, a própria Vila Madalena se torna uma zona bastante valorizada,

estando próxima das grandes obras de estruturação do espaço urbano.

A partir da tabulação de dados ligados ao valor do rendimento médio

mensal domiciliar (IBGE, Censo 2010), produzimos um mapa que evidencia a

grande concentração de indivíduos com alto rendimento nos Distritos de

Pinheiros e Alto de Pinheiros, distritos em que a Vila Madalena está localizada,

segundo as informações presentes no site da Subprefeitura de Pinheiros2.

O mapa 1 permite identificar como é relevante a concentração de

pessoas de alta renda nesta parcela da cidade, público que colabora com a

ressignificação dos espaços da Vila Madalena.

2 Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/subprefeituras/qualidade_na_gestao/arquivos/10_converse_com_a_subprefeitura_pinheiros.pdf. Acesso em: 21/10/2015>

27

Mapa 1 – Renda domiciliar Média. Com destaque para os Distritos Pinheiros e Alto de Pinheiros. Fonte: Censo 2010, IBGE. Elaboração: André Magno Pereira dos Santos

Neste mapa é possível visualizar a existência de uma população de alto

poder aquisitivo residindo na Vila Madalena, ou mesmo em outros bairros

próximos (também “beneficiários” da implantação ali de novas infraestruturas

urbanas). Este grupo de pessoas difere muito daqueles grupos de outrora, com

os hippies ou universitários que procuraram lugares de moradia mais baratos

no Bairro nas décadas de 1970 e 80.

A valorização do quadrante sudoeste colabora para o estabelecimento

de residências e para a concentração de pessoas de alto poder aquisitivo na

28

Vila Madalena e em suas proximidades. Nesse sentido podemos inferir, ainda,

que o público frequentador dos estabelecimentos na mancha de lazer muda

também seu perfil, divergindo daquele público antigo.

É possível dizer que a procura por residências deste novo “público” de

mais alta renda na área possibilitou novas oportunidades e novos usos do

ambiente construído no bairro da Vila Madalena, hoje mais “sofisticado”. Some-

se a estes fatores o desenvolvimento econômico das pessoas que ali

continuam a morar – além da procura por moradias no local proporcionada

pelos modismos que caracterizam a atual sociedade de consumo – e a

concentração de pessoas de alto poder aquisitivo nas proximidades, como

elementos que podem nos ajudar a entender as atuais dinâmicas de

funcionamento do bairro. A partir disso, transformam-se as necessidades de

consumos (criadas por e para esta classe) para satisfazer suas demandas.

29

2 MANCHA DE LAZER DA VILA MADALENA: DEFINIÇÃO GERAL DO

CONCEITO E ABORDAGENS CORRELATAS

A revisão bibliográfica realizada para a redação desta pesquisa mostrou

que o trabalho que mais se preocupou em explicar a configuração espacial da

Vila Madalena foi aquele elaborado por colegas estudiosos da Administração –

Renato Telles et al. (2011) – intitulado Clusters comerciais: Um estudo sobre

concentrações de bares na cidade de São Paulo. Neste estudo, temos uma

análise comparativa de bares da Vila Madalena e da Vila Olímpia, além de

outros bares em localidades isoladas (fora das áreas de concentração de

estabelecimentos do tipo). Ao todo, foram estudados 24 bares naquela

pesquisa, sendo 10 deles na Vila Madalena e 10 na Vila Olímpia, além de mais

4 bares fora de áreas de concentração.

A leitura do trabalho de Telles et al. (2011) nos sugere que no tipo de

aglomeração clusters há maiores necessidades de cooperação entre os

estabelecimentos, assim como esta aglomeração “obriga” a necessidade de

realização de “promoções” para atrair a clientela. Além disso, a concentração

de estabelecimentos aparece como essencial para a atração da clientela,

devido à variedade de opções encontradas no local. A pesquisa sugere ainda

que bares de menor porte – com menor grau de organização e a dependência

maior dos bares em seu entorno – consolida esta necessidade de cooperação

e competitividade, estabelecendo relações horizontais entre os

estabelecimentos.

Segundo Telles et al. (2011), os fatores que aproximam os

estabelecimentos de lazer de um modelo de cluster de negócios comerciais3

são os seguintes: concentração geográfica, ausência de posições privilegiadas

3Telles et al. (2011) compreendem os “clusters comerciais” a partir da concentração, cooperação e competitividade entre os estabelecimentos. No caso da mancha de lazer da Vila Madalena, os autores perceberam algumas características que aproximam a concentração de bares no bairro ao conceito de cluster, como empréstimo de estoques de bebidas, ajuda entre os funcionários e a existência de “promoções”. Em certa medida, segundo os autores, os estabelecimentos trabalham com menor taxa de lucro em relação ao número de funcionários x clientela, são mais antigos, de pequeno porte, com poucos funcionários e de grau de organização menor, dependendo em grande medida da própria concentração para atração do público consumidor. Os fatores pontuados permitem encontrar sinonímias entre o conceito de “mancha de lazer” e de “cluster comercial” para entendermos como se dão os usos do espaço na Vila Madalena.

30

(em relação aos proprietários dos estabelecimentos), cooperação,

competitividade e relações horizontais entre empresas do clusters de negócios.

De uma maneira geral, segundo argumentam os autores (Telles et al.,

2011), os bares estudados da Vila Madalena estão mais próximos de

contemplar os requisitos acima que os da Vila Olímpia pelos seguintes fatores:

1. Menor porte; 2. Menor quantidade de funcionários por estabelecimentos; 3.

Rendimentos inferiores em cerca de 65% que os da Vila Olímpia; 4. Sensação

de igualdade entre os proprietários e menor desvio padrão de lucros; 5. Maior

existência promoções e empréstimos de estoques de bebidas.

Em nossas reflexões acerca do fenômeno de concentração de

estabelecimentos de lazer na Vila Madalena, sentimos a necessidade de

instrumentos conceituais úteis para compreensão tanto das formas de

apropriação do espaço urbano quanto das relações de sociabilidade que

derivam desta apropriação. Neste sentido, os trabalhos do professor José

Guilherme Cantor Magnani (1996, 2002 e 2003) tiveram uma substancial

importância para nossa investigação, sobretudo por nos apresentarem o

conceito já mencionado de “manchas de lazer”. Este conceito, além de nos

ajudar a perceber as relações de sociabilidade existentes no espaço,

possibilitou-nos um fecundo diálogo com os geógrafos que embasam nosso

referencial teórico.

A presente proposta de análise do fenômeno a partir da ideia de

Magnani encontra coerência pela busca de compreender o fenômeno em suas

múltiplas relações. Acreditamos ainda que o diálogo com as ideias derivadas

da antropologia urbana nos ajuda a ter uma maior compreensão sobre as

questões geográficas do fenômeno. Pretendemos tratar o fenômeno em sua

complexidade. E o espaço geográfico é, como já mencionado, indissociável das

relações que nele se dão. Sendo assim, o modo de produção capitalista, os

fixos geográficos do ambiente construídos e as relações de sociabilidade

ajudam, em suas múltiplas interconexões, a mostrar com maior nitidez o que é

o espaço geográfico.

Ao compreendermos o desenvolvimento da mancha de lazer e dos

principais processos relacionados a ela, buscamos desnaturalizar a ideia de

31

“centralidade”, a partir da própria análise de seu desenvolvimento histórico. Ou

seja, consideremos aqui tanto as diferentes formas de sociabilidade quanto as

ações de atores capitalistas como constituintes da mancha de lazer em um

processo histórico conflituoso, considerando que estes últimos têm um maior

poder de transformação das paisagens urbanas.

2.1 O conceito de mancha de lazer e seu uso na geografia

O princípio de formulação do conceito de “mancha” explicitado por José

Guilherme Cantor Magnani (2002) é o fato de que a forma de apropriação dos

lugares muda quando se tem um ponto de referência visível para um grande

número de pessoas. A mancha se constitui através da concentração de

equipamentos (de lazer) em determinada localidade, que produz coesão e cria

fronteiras. É fundamental que estes estabelecimentos se relacionem uns com

os outros, seja complementando um ao outro, seja competindo. Para Magnani

(2002, p. 23):

as atividades que (a mancha de lazer) oferece e as práticas que propicia são o resultado de uma multiplicidade de relações entre seus equipamentos, edificações e vias de acesso, o que garante uma maior continuidade, transformando-a, assim, em ponto de referência físico, visível e público para um número mais amplo de usuários.

A mancha se torna referência visível quando as atividades

proporcionadas por seus fixos são percebidas pelas pessoas de forma

concentrada. Para explicar o conceito de mancha, Magnani (2002) remete à

dimensão empírica do fenômeno, descrevendo séries de movimentações que

giram em torno dos equipamentos concentrados, alterando substancialmente

as características das paisagens urbanas.

Nas definições de Magnani (op. cit.), a mancha de lazer está diretamente

relacionada à sua base física. Os equipamentos de lazer podem ser de

diversos tipos: cafés, restaurantes, bares, casas de dança, pubs etc. Em

oposição às configurações espaciais mais espontâneas (de bares e “botecos”

32

geralmente mais simples, mais dispersos), temos outra configuração, em que

se multiplicam os equipamentos de lazer da localidade, produzindo

centralidade em termos de lazer e de consumo.

A geógrafa Carmen Janete Rekovvsky (2014), em seu estudo Bares e

Restaurantes Alemães e as Manchas de Lazer em Porto Alegre – RS,

estabeleceu importantes discussões sobre os conceitos de lazer e de consumo.

Tais orientações são dignas de atenção para a compreensão da ideia de

mancha de lazer e de seu uso pela geografia. A autora, ao analisar

principalmente estabelecimentos ligados à alimentação, diferencia o consumo

de refeições em duas formas (REKOVVSKY, 2014, p.186),

o consumo cotidiano e trivial, o chamado feijão com arroz; e o consumo alimentar como forma de sair da rotina e atividade de lazer [...] o comer como atividade de lazer pode ainda motivar maiores deslocamentos, ter maior duração e ser mais dispendioso. Os espaços de consumo podem ser também distintos daqueles cotidianos e suscitar a formação de redes de sociabilidades próprias ao espaço de lazer.

Rekovvsky (2014) compreende as atividades de lazer, em bares e

restaurantes, para além do “comer e o beber”. Ou seja, as relações que

envolvem este tipo de lazer podem possuir um complexo significado social,

dignos de intensas reflexões. A autora sinaliza ainda a importância do estudo

da mancha de lazer “por dar subsídio para o estudo das sociabilidades urbanas

e da apropriação dos espaços” (REKOVVSKY, 2014, p.186). Se a ideia de

“apropriação do espaço” nos sugere a discussão sobre o uso capitalista do

espaço geográfico, os estudos sobre as formas de sociabilidade urbanas nos

levam a questões mais gerais, considerando a compreensão do espaço urbano

como indissociável das práticas de sociabilidade nele existentes. Partindo

destes pressupostos, temos a pretensão de compreender um importante

movimento: a ressignificação dos espaços urbanos através das práticas de

sociabilidade em diálogo com as transformações econômicas do espaço

urbano, com a instalação dos diferentes tipos de uso capitalista do território,

mediando às relações de sociabilidades futuras.

33

O desenvolvimento da mancha de lazer é parte constituinte da

transformação do ambiente construído, possibilitando novas formas de

apropriação causadas pelo interesse de atores privados. Consideramos que na

medida em que se tem a valorização do local, por conta do desenvolvimento

das atividades de lazer, novos investimentos são atraídos, causando uma

cadeia de eventos: a modernização de estabelecimentos antigos e a instalação

de uma nova série de estabelecimentos modernos, aumentando o grau de

organização e de sofisticação da mancha de lazer. Nesse sentido, quanto

maior a visibilidade da mancha de lazer, maior é a busca de transformar o valor

de uso em valor de troca pelo capital.

2.2 A constituição da mancha de lazer da Vila Madalena

Assim como todas as fontes de informação de uma pesquisa devem ser

vistas de modo crítico, as crônicas e as diversas representações midiáticas e

publicitárias merecem um tratamento atento à lógica do discurso que as

configuram. Não negamos, portanto, o conteúdo apresentado por tais fontes,

ao contrário, pensamos que elas nos possibilitam um aprofundamento da

compreensão do imaginário criado recentemente sobre a Vila Madalena.

Conforme mencionado, Levino Ponciano (2000) também argumenta que

as transformações das características do bairro da Vila Madalena se deram

muito por conta das chegadas dos estudantes da Universidade de São Paulo

(USP) após a ditadura militar ter fechado autoritariamente o Conjunto

Residencial da USP no início da década de 70. Nesta situação, muitos

estudantes buscaram moradias baratas próximas à universidade. Isto mudaria

o cenário e alguns hábitos da Vila Madalena, com um aumento de

determinadas atividades culturais e demanda por serviços de lazer – incluindo,

no caso, um aumento considerável na demanda por bares definindo ainda mais

o status de bairro cultural e boêmio.

34

Fazendo jus a ideia de totalidade de Milton Santos, consideramos que

aquilo que foi materializado no espaço deve ser considerado para a

compreensão do desenvolvimento das características espaciais da localidade,

obviamente, que isso se dá em diálogo às necessidades da reprodução do

Capital. Nesse sentido, consideramos que a constituição do que é a Vila

Madalena hoje teve influência dos fixos geográficos de lazer e das relações de

sociabilidade implementados desde a década de 1970 e começo da década de

1980, e que a frequência deste novo público colaborou para o sucesso de

alguns estabelecimentos da época. Obviamente que isto não significa que

considerarmos que a mancha de lazer da Vila Madalena seja fruto apenas das

presenças desses grupos sociais específicos. É importante considerarmos que

a partir dos acontecimentos daquele tempo (da chegada dos estudantes) foram

se desenvolvendo tantos outros, que os incrementaram e podem chegar até

mesmo a subverter alguns significados.

O geógrafo Ubirajara Rosa dos Santos (2010), em sua dissertação,

mostra indícios da importância das migrações desses grupos para a

transformação da paisagem gastronômica da Vila Madalena. Em seu trabalho,

Santos busca compreender se há uma “paisagem gastronômica4” com uma

identidade específica na Vila Madalena comparando os restaurantes do bairro

da Vila Madalena com os do bairro do bexiga.

Santos sistematizou os dados encontrados no guia São Paulo – Capital

mundial da gastronomia, de 19975, editado pela Associação Brasileira de

Gastronomia, Hospedagem e Turismo (ABRESI). O autor tem como ponto de

partida a constatação da existência de 3.000 estabelecimentos selecionados e

descritos pelo guia São Paulo – Capital Mundial da Gastronomia, distribuídos

na Região Metropolitana de São Paulo. Com a exclusão de bares e de

4O conceito de paisagem gastronômica é compreendido por Santos (2010) a partir da percepção da territorialidade de restaurantes regionais em localidades específicas. A paisagem gastronômica é compreendida através da organização econômico-espacial e de sua organização sociocultural. Este tipo de organização é fruto das ações de atores sociais – com suas histórias e identidades – que carregam os símbolos e ícones remetentes a sua identidade na constituição e manutenção de seus negócios no setor de alimentício (restaurantes). Um dos critérios que fundamentou o trabalho de Santos foi justamente a compreensão da construção destas paisagens, buscando avaliar se as características dos estabelecimentos se relacionam com a identidade e origens de seus proprietários. 5 Ao entrarmos em contato com a ABRESI no dia 22 de agosto de 2016, tivemos a informação que o guia trabalhado por Santos (2010) foi a única versão editada pela instituição, como mencionado a edição é do ano de 1997.

35

restaurantes localizados em shoppings centers6, limitou-se à análise de 1.998

restaurantes.

A partir disso, Santos analisou as características dos restaurantes

localizados nos bairros Bexiga e Vila Madalena. Segundo sua pesquisa, a Vila

Madalena aparece como paisagem mais distanciada de uma identidade

gastronômica que o bairro do bexiga; o autor constatou ainda que

no Bexiga 63% dos entrevistados responderam que um dos motivos da abertura do restaurante regional foi a tradição e a origem; 25% conhecimentos das técnicas da culinária regional; 25% alegaram o mercado; 13% outros motivos, já na Vila Madalena as motivações para a abertura de restaurantes de cozinha regional foram: 21% por tradição e pela origem; 36% pelo conhecimento das técnicas culinárias; 64% pela demanda do mercado consumidor; 7% comprou a empresa pronta; 7% porque o ponto já possuía essa tradição; 7% pela gastronomia; 7% porque queriam abrir um restaurante de sua especialidade com qualidade no Bairro(SANTOS, 2010, p.85).

Nas suas considerações finais, Santos aponta que um dos fatores que

levaram a este resultado foi justamente o fato de que os restaurantes da Vila

Madalena conheceram outro tipo de desenvolvimento histórico, a partir da

chegada de diversos grupos mais ligados a movimentos culturais a partir do

ano de 1970. Santos considera que o forte movimento das migrações Italianas

para o Bairro do Bexiga e a continuidade da direção destes estabelecimentos

pelas famílias de origem italiana colaboram para a manutenção da paisagem

gastronômica com forte ligação a esta identidade. Já a Vila Madalena se liga,

segundo o autor, mais aos “modismos” e ao mercado.

O bar conhecido como Sujinho, de razão social Snacks Bar Canarinho,

inaugurado em 1978, na Rua Mourato Coelho – uma das principais ruas da

mancha de lazer da Vila Madalena hoje – figura como um dos bares que

melhor remetem à história da constituição da atual mancha de lazer da Vila

Madalena. Entretanto, em seu início, segundo Squeff (2002), o bar se

apresentava como um negócio “incerto”, pois

6 A exclusão de bares e shopping centers evidencia o caráter da pesquisa, intimamente relacionado com paisagens gastronômicas e identidades. No caso estudado, percebeu-se que o bairro Bexiga estaria mais ligado as identidades gastronômicas italianas e o bairro da Vila Madalena à gastronomia portuguesa.

36

parece ter sido sempre assim, no começo, quando o alugou do ‘Senhor Campos’, pai da ex-jornalista e ex-deputada brizolista Cidinha Campos, Renato não tinha muito a ideia de que o aguardava. A vila, naquele ponto, era o que descrevem os mais antigos moradores: uma esquina entre duas ruas (a Wisard com a Mourato Coelho) que ficavam desertas ao cair da noite. Mal o sol se punha, as casas e cercanias fechavam suas portas, as ruas mergulhavam nas sombrias, mal iluminadas por alguns raros pontos de luz (SQUEFF, 2002, p. 50).

Ao lermos este texto, podemos perceber aspectos de outro tempo e de

outros usos do espaço da Vila Madalena, ou seja, relações mais

horizontalizadas em que o valor de uso dos lugares encontra-se menos

assediado pelos interesses capitalistas para transformarem-se em valor de

troca. Nesta época, o potencial dos negócios no setor de lazer ainda não

estava consolidado, embora o Sujinho tenha marcado época posteriormente.

Esta citação parece representar bem o período destas transformações

que ocorreram no espaço da Vila Madalena e em seus estabelecimentos, já no

que diz respeito a um bar conhecido pelo nome de Sujinho, visto como “mal

encarado” em uma época anterior. Squeff também concorda com a ideia de

que as coisas parecem ter sido transformadas a partir da chegada daqueles

que ficaram conhecidos pelos moradores tradicionais como ‘hippies’. Para o

autor (SQUEFF, 2002, p.51 e p.52), “logo as coisas tomariam outro rumo. Aos

poucos, em vez de sujeitos ‘mal-encarados’, os que vão chegando com a noite

são barbudos e cabeludos...”. Cabe realçar ainda o fato de que esta afirmação

pode nos ajudar a compreender o imaginário que foi se construindo em relação

ao bairro, e nosso interesse se dá pela análise documental da crônica de

Squeff.

Outro fixo geográfico que figura entre os estabelecimentos dessa

transição que queremos demarcar, é o Bar Empanadas, que nasceu em 1980,

como Martin Fierro. Em sua página da internet, o bar reivindica que sua

imagem está historicamente ligada a artistas, intelectuais, estudantes etc. A

própria página do site zela pela referência cult, e suas ligações com

intelectuais, estudantes, artistas etc.:

37

Cult desde sempre, o bar logo atraiu os estudantes da USP, os jornalistas, os alternativos, os intelectuais de esquerda, e principalmente dos cineastas da Tatu Filmes e a Filme Brasil que discutiam seus projetos de roteiro em nossas mesas, numa época tranquila na Vila Madalena7.

Através de nossa pesquisa documental, encontramos outros materiais

que relacionam estes novos frequentadores (intelectuais, alternativos,

estudantes etc.) à produção do status cultural e artístico do bairro. A matéria

Chope, celulóide e empanadas, assinada por Antonio Gonçalves Filho (1985),

sinaliza esta influência da chegada dos produtores cinematográficos nas

transformações das características do bairro na década de 80:

para “Sorte” dos tradicionais moradores desse bairro aldeia, a instalação de produtores cinematográficos na “Vila” e o modismo que sempre acompanha o nada discreto charme da “gente do cinema” transformaram a Vila numa área privilegiada, cuja verticalização pode ser medida pelo vertiginoso aumento dos preços dos alugueis. E os tipos exóticos começaram a escassear, embora circulem pelas feiras de sábado de chinelos de couro, calça de algodão cru, discos de Tarancón, “esquenta pernas” peruanos e devedores de empanadas8.

O autor relaciona a chegada do público do cinema à produção de um

novo status para o bairro. Este novo status seria responsável pela atração de

um público de maior poder aquisitivo, influenciado pelo “modismo que

acompanha o nada discreto charme do cinema”. Por outro lado, o aumento

dos preços dos aluguéis fez com que os “tipos exóticos” que lá viviam fossem

expulsos. “Tipos exóticos” não menos importantes na história da constituição

da mancha de lazer que o público do cinema. A imagem a seguir parece

representar bem o imaginário da época – e também como uma imagem que

colaborou para construção do imaginário de bairro cultural e boêmio através da

reprodução desta ideia.

7 http://www.empanadasbar.com.br/empanadas_bar.htm, última visualização em 20/08/2015. 8GONÇALVES FILHO, Antonio. Folha de S. Paulo. Ilustrada. Chope, celulóide e empanadas.

38

Figura 3. Ilustração da matéria produzida pelo jornal Folha de S. Paulo, de título: Chope, celulóide e empanadas, assinada por Antonio Gonçalves Filho, 1985

Segundo Solange Whitaker Verri (2014), em História imediata da Vila

Madalena: uma análise das influências em 2012 da história cultural do Bairro

na década de 1980, a percepção da Vila Madalena como bairro cultural,

boêmio e de vanguarda é insuficiente. Tais características podem ser

produzidas não só a partir de fatos históricos que dizem respeito a

determinados grupos, mas também por publicizações e construções de

percepções sem critérios mais precisos. Portanto, temos que nos precaver em

relação à perspectiva de que a história cultural do bairro tenha seu início

somente após das chegadas dos referidos grupos de intelectuais, estudantes,

artistas etc. mencionados nos diversos materiais que estudamos. Nas palavras

de Verri (2014, 119), “dizer que o bairro é um local de ‘intelectuais, artistas e

inteligência’ é um modo de transferir os sentidos dos termos para o imaginário

das pessoas, a ideia e a imagem do lugar com gente intelectual, artista e da

inteligência.”

39

Esse raciocínio nos mostra a que a ideia que se tem de “lugar boêmio” e

“lugar cultural” em relação à Vila Madalena deve ser pensada em outros

termos, pois ainda que o lugar tenha características culturais e boêmias

reconhecidas por um grupo grande de pessoas, não podemos defini-lo apenas

a partir desta característica. Pois é possível identificar diversas formas de

inteligência, de cultura e de “boemia” que não possuem o mesmo status, vide a

imensa vida cultural que podem ser notadas em diversos lugares: os saraus, o

movimento Hip-Hop, as festas, os movimentos de luta por direitos, etc. são

frutos de uma grande riqueza da cultura periférica. Nesse sentido, é

questionável diferenciar a Vila Madalena de outros lugares tendo como critério

apenas o fator cultural em seus moldes mais clássicos (ligados à “alta cultura”,

como o cinema, as artes plásticas, as músicas “eruditas”, etc).

A autora afirma que a Vila Madalena teve sim grande influência da

chegada de estudantes, artistas, vanguardistas, intelectuais, boêmios etc. em

meados da década de 1970, período da constituição da mancha de lazer.

Porém, tem-se o outro “lado da moeda”, ou seja, o modo como a história e os

símbolos do bairro são trabalhados através da lógica mercantilista. Não se tem

de fato uma característica específica de identidade gastronômica, mas sim o

estabelecimento de bares que se desenvolveram a partir de novas demandas,

tanto pelos grupos que vieram morar na Vila Madalena em outras épocas

quanto pelas ressignificações das características do local orientadas pela

lógica de consumo.

É justamente sobre as influências dos grupos que frequentavam a Vila

Madalena em meados da década de 1970 e da coisificação dos signos e do

lugar através de sua publicização que Verri desenvolve sua tese. A

concentração de bares e seu relativo sucesso possuem relações tanto com

estes grupos que frequentavam a Vila Madalena nestas épocas quanto à

consolidação de uma imagem produzida pela lógica de consumo. Segundo a

autora,

nesse contexto, são tantos os sentidos atribuídos à Vila Madalena como um lugar de intelectuais, militantes de esquerda, artista, bicho grilo, vanguarda, alternativo, charmoso, boêmio etc., que em meio a todas as possibilidades, o consumidor se identifica com o que mais lhe convém Todos os

40

signos atribuídos ao local tomam parte do “espetáculo da quantidade”, em detrimento da qualidade, enquanto o que se está pesquisando é justamente em que medida isto corresponde ao real e ou ao imaginário (VERRI, 2014, p.97).

É possível, nesse sentido, inferir que o uso e a reprodução do status de

bairro cultural e boêmio é uma forma de aprimorar a acumulação histórica das

relações de sociabilidade em moldes capitalistas. Sendo assim, devemos ter

em mente que tais conceitos de boemia, cultura e lazer não devem ser vistos

de maneira naturalizada. A essência das relações culturais e das formas de

sociabilidade produzidas historicamente é vista aqui em confronto aos

interesses dos capitais, que buscam tornar os usos do espaço urbano mais

próximos da lógica da mercadoria.

O site da marca Hilton Hotels 7 Resorts faz sugestões sobre “o que fazer

na Vila Madalena” em relação aos turistas que frequentam o estabelecimento.

O site coloca em evidência o fato de o bairro ser um dos mais agitados de São

Paulo. Entre as opções mostradas pelo site, o destaque vai para o “agito

noturno” dos bares e botecos9 daquela área. Além de ressaltar que o lugar

“concentra intelectuais e artistas” e “ateliers, galerias de artes brechós e

grafites que ficam no bairro”, toda a representação feita pelo Hotel se relaciona

ao pacote de coisas que os turistas podem se utilizar ao visitar São Paulo; mais

especificamente, a Vila Madalena, segundo o Hilton Hotels 7 Resorts,

é um dos lugares mais badalados, se não o mais, da cidade de São Paulo e principal reduto dos Boêmios de Plantão (...) Em suas ruas funcionam bares para todos os gostos, charmosos botecos com azulejos nas paredes, caldinho de feijão e chope gelado, disputando espaço com o samba e o Rock das baladas (...) Todo esse agito noturno dá lugar aos intelectuais que percorrem as charmosas livrarias à tarde (...) Sem esquecer

9Nossa concepção de boteco busca se associar ao imaginário do senso comum. Ou seja, bares

de pequeno porte, com baixo grau de organização das relações de trabalho e intimamente

ligados a bairro residencial. Através do site Comida di Buteco, encontramos uma percepção

que se associa a com que trabalhamos. Segundo o site, botecos são bares que são tocados

pelos próprios donos dos estabelecimentos, envolvendo na maioria das vezes famílias e que

tenham boa comida possuem alma (grifo dos próprios autores do texto).

< http://www.comidadibuteco.com.br/apresentacao/> acesso em 06/11/2016.

41

que mais que uma região boêmia, Vila Madalena concentra intelectuais e artistas10.

10 http://hiltonmorumbi.com.br/o-que-fazer-em-vila-madalena/. Acesso em 25/09/2016.

42

3 CONCENTRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DOS

ESTABELECIMENTOS DE LAZER DA VILA MADALENA

Apesar da enorme popularidade da Vila Madalena no imaginário da

população paulistana, não foi tarefa fácil encontrar dados oficiais sobre a

concentração e disposição de estabelecimentos de lazer no bairro. Em nossa

pesquisa, partimos da busca de informações em instituições patronais, como

sindicatos e associações; e de órgãos públicos, como Prefeitura, Subprefeitura

e Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP). Em alguns casos,

encontramos barreiras para acessar os dados que as instituições patronais

diziam possuir; em outros, revelou-se certa falta de preocupação com o

fenômeno por parte dos órgãos públicos.

Entramos em contato com a Associação Brasileira de Gastronomia,

Hospedagem e Turismo (ABRESI) e não obtivemos informações sobre a

localização e a concentração de estabelecimentos de lazer no bairro; nem

mesmo em uma escala maior, referentes ao número de estabelecimentos

localizados nos distritos de Pinheiros e Alto de Pinheiros, onde o bairro está

localizado. Segundo a ABRESI, os dados que a associação possui são

referentes aos estabelecimentos de empresários associados, que não

representam, portanto, a totalidade dos estabelecimentos existentes no bairro

(e, para além disso, eram dados de “acesso restrito”). Confirmamos ainda que

o guia São Paulo – Capital Mundial da Gastronomia, de 199711, utilizado por

Santos (2010) em sua dissertação foi à última versão editada pela ABRESI. A

ABRESI afirmou ainda que o Guia não contemplava todos os bares e

restaurantes da capital, já que tinha caráter seletivo, e não constituía um

“censo” destes estabelecimentos na cidade.

Em contato com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes

(ABRASEL), não encontramos dados referentes à quantidade de

estabelecimentos no bairro da Vila Madalena, sendo que a associação afirmou

não haver uma sistematização de tais dados em relação ao bairro. Uma

11O Guia foi produzido a partir dos esforços de João Padanovsk e editado pela ABRESI e pelo

SINHORES em 1997. O guia foi à base dos estudos de SANTOS (2010) para a composição de

sua dissertação “Uma leitura geográfica da gastronomia da cidade de São Paulo: paisagem e

identidades gastronômicas do Bexiga e da Vila Madalena”.

43

informação relevante que coletamos com a assessoria de imprensa da

ABRASEL foi a estimativa de que existam 56 mil bares na Região

Metropolitana de São Paulo. A mesma negativa foi dada em relação aos dados

referentes à Vila Madalena quando entramos em contato à Associação

Comercial de São Paulo – ACSP.

Em visita à Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), tivemos

a resposta de que a pesquisa sobre a concentração de estabelecimentos se dá

a partir da busca pela Razão Social de cada fixo geográfico comercial

desejado. Segundo funcionários do local, a JUCESP não trabalha com

informações por localidades específicas. Entretanto, em pesquisas no site da

JUCESP, encontramos fixos geográficos comerciais (sem distinção) listados

por ruas, conforme a disposição do site. Os estabelecimentos aparecem

listados pela razão social, e não pelo nome fantasia, que são as que aparecem

nas fachadas dos bares, e tornam conhecidos os estabelecimentos

popularmente.

Em visita à Subprefeitura de Pinheiros, conversamos com o Sr. Flávio

Cury, da Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano (CPDU), da Subprefeitura

de Pinheiros. Com ele tivemos a informação de que a Subprefeitura não possui

dados sistematizados a respeito dos estabelecimentos de lazer em áreas

específicas do município. Existem cadastros de empresas e de alvarás, no

entanto, tais informações não são trabalhadas de forma sistemática pela

Prefeitura. Não há uma organização sobre o número de estabelecimentos por

algum critério específico ou alguma classificação dos estabelecimentos por

“zoneamentos” e localidades específicas. Uma informação relevante que

conseguimos na Subprefeitura de Pinheiros é referente ao número de

estabelecimentos que têm permissão de uso de mesas e cadeiras nas

calçadas – Termo de Permissão de Uso (TPU); segundo o registro, existiam

230 estabelecimentos com esta permissão no bairro de Pinheiros até outubro

de 2015 (data de nossa visita a Subprefeitura).

Ademais, em nossas conversas com o Sr. Flávio Cury – e com outros

funcionários da Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano –, constatamos

que as ruas que possuíam maior destaque em relação à concentração de fixos

44

geográficos da área de lazer são: Aspicuelta; Harmonia; Fradique Coutinho;

Mourato Coelho; Fidalga; Girassol; e Wisard.

A urbanista Débora Jun Portugheis, em seu trabalho de Iniciação

Cientifica, foi uma das pesquisadoras que teve maior preocupação com o

crescimento do número de estabelecimentos de lazer na Vila Madalena.

Através do site da JUCESP, a autora tabulou os registros de abertura de

estabelecimentos comerciais relacionados a atividades noturnas e alimentação

nas últimas três décadas.

Segundo a autora, o período entre 1980 e 1990, se caracteriza como o

ápice de registro de estabelecimentos relacionados ao lazer noturno e

alimentação. Nesta época (1980 – 1990), a Rua Fidalga liderou o número de

registros de abertura, com 12 fixos geográficos, seguida pelas Ruas Mourato

Coelho (11), Rua Fradique Coutinho (7) e Girassol (6).

O período entre 1990 e 2000, possui também grande relevância. Nesta

época, a Rua Aspicuelta liderou o número de registros, com 10 fixos

geográficos registrados. Seguida pelas Ruas Mourato Coelho (8), Wisard (8) e

Fidalga (6). As ruas Mourato Coelho e Fidalga permanecem em destaque.

Em nossa pesquisa em sites e revistas online, encontramos duas

abordagens referentes à concentração de estabelecimentos de lazer na Vila

Madalena, possuindo as duas sentidos diversos. A matéria do Caderno

Cotidiano da Folha de S. Paulo intitulada Cresce o número de queixas sobre o

barulho em São Paulo (SPINELLI; BARROS, 2008, C1) trata dos conflitos

cotidianos decorrentes da concentração de bares na localidade. Já a matéria

da Veja Vila Madalena: Reduto Baladeiro (DUNDER, 2010) tem o caráter mais

publicitário que jornalístico, pois procura mostrar as atrações do bairro, entre

elas a concentração dos estabelecimentos.

A abordagem feita pela Veja São Paulo (DUNDER, 2010) apresenta

aspectos que remetem ao lado “positivo” da concentração. O subtítulo explicita

o enfoque do texto: Não existe noite vazia onde a renda média dos domicílios é

9.000 Reais e metade das famílias não tem filhos. Segundo a matéria, a

concentração de bares dificulta qualquer passagem mais “apressada” pelas

45

ruas da Vila, pois há grandes “atrações” em todas as direções: “quase 300

bares, restaurantes e lanchonetes e mais de quarenta livrarias e lojas de

artesanato”. A preocupação de mostrar o número dos bares (300) é feita aqui

com a intenção de evidenciar a grande quantidade de fixos geográficos que

compõe a mancha de lazer do bairro. Pelo teor da reportagem, o bairro acaba

sendo definido como um reduto do lazer, ou como diz a revista, um “reduto

baladeiro”.

A matéria da Folha de S. Paulo (SPINELLI; BARROS, 2008, C1) mostra

aspectos dos conflitos em áreas de concentrações de bares. Nela encontramos

algumas referências da dimensão da área que compõe a mancha de lazer da

Vila Madalena. Segundo o jornal, a área que engloba o Bairro de Pinheiros,

onde se localiza a Vila Madalena, é “campeã” em número de denúncias

referentes à chamada Lei do PSIU12. A Folha de S. Paulo destaca a grande

concentração de bares na Vila Madalena na Rua Mourato Coelho (SPINELLI;

BARROS, 2008, C1): “na Rua Mourato Coelho, Vila Madalena, nos 6

quarteirões entre as ruas Pinheiros e Wisard, se enfileiram 56 bares”. Segundo

a mesma matéria, “a Prefeitura não tem controle sobre o número de bares

instalados em uma única rua ou região”.

A grande concentração de estabelecimentos de lazer na Vila Madalena

se torna evidente, e seu estudo pode ajudar compreender a transformação do

ambiente construído naquele bairro, que se tornou uma importante centralidade

em termos de lazer. Como buscamos assinalar, o conceito de mancha de lazer

se torna cada vez mais sólido quando o interpretamos como a possibilidade de

compreender as formas de apropriação capitalista do espaço e as

transformações nas formas de sociabilidade nele existentes.

12O Programa do Silêncio Urbano da Prefeitura Municipal de São Paulo (PSIU) busca mediar

os conflitos que se dão pela poluição sonora com base da aplicação das Leis Municipais

n°12.879, 13 de Julho de 1999 e n°11.804, 19 de Junho de 1995. A primeira limita o

funcionamento de estabelecimentos (como bares, igrejas, salões etc.) até 01h00min da manhã.

A segunda trata de limitar os ruídos através da quantidade de decibéis emitidos e do período

da emissão.

46

3.1 Delimitação e concentração dos estabelecimentos de lazer da Vila

Madalena

No trabalho de Dantas (2008), encontramos uma importante reflexão

acerca das possibilidades de delimitação do bairro da Vila Madalena. Em sua

análise, a autora mostra o quão seria insuficiente uma delimitação absoluta do

bairro da Vila Madalena. Segundo Dantas, a questão envolve certa

subjetividade dos personagens e de um jogo de interesses, já que

é comum a sobreposição de um bairro a outro, o que acaba aumentando ou diminuindo suas áreas. Isso acontece principalmente em decorrência da especulação imobiliária, que na ânsia de valorizar determinados imóveis, adota muitas vezes o nome do bairro vizinho. Assim, quem define espacialmente o que é a Vila Madalena hoje, são os próprios

moradores, além dos especuladores (DANTAS, 2008, p. 33).

Esta apreciação de Dantas nos remete ao nosso diálogo com o Sr.

Flávio Cury, da CPDU, quando buscamos saber sobre a existência de alguma

delimitação oficial do bairro. Segundo Cury, existem diferentes zoneamentos e

delimitações possíveis em relação ao bairro. Este fato abre algumas

possibilidades de interpretações da extensão da localidade da mancha de

lazer, que é também uma das preocupações desta pesquisa.

Se existem áreas em que há uma valorização e um status social maior,

existem também os interesses comerciais dos donos de bares e restaurantes

para afirmarem que seus estabelecimentos façam parte do tradicional bairro da

Vila Madalena. Acreditamos, no entanto, que devemos estar atentos ao

desenvolvimento histórico do bairro e de sua mancha de lazer, dando relevo as

relações de identidades com o lugar. Portanto, um fator de fundamental

importância envolvido neste zoneamento – para além da definição oficial da

Prefeitura – é a definição que é dada pelo senso comum, isto é, pela

identificação subjetiva e coletivamente construída por aqueles que frequentam

e/ou que vivem no bairro.

Devido ao fato de a mancha de lazer ser “um ponto de referência física,

visível e pública para um amplo público de pessoas” (MAGNANI, 2002, p.23),

47

consideramos que a ela se relaciona com pelo menos três fatores: 1. o

ambiente construído do bairro; 2. a percepção dos moradores do bairro e dos

“usuários” da mancha de lazer (e suas distintas relações de sociabilidade); e 3.

as relações que se dão entre os estabelecimentos comerciais, que

desenvolvem nexos que dependem da contiguidade existente entre eles. As

representações subjetivas de todos os agentes envolvidos podem nos levar, no

entanto, a delimitações distintas, onde determinados lugares podem estar ou

não dentro das considerações e dos circuitos realizados pelos frequentadores.

Portanto, não nos compete aqui definir a dimensão do que é a mancha de lazer

de modo rígido, ou mesmo uma relação intimamente ligada a uma

compreensão de uma territorialidade absoluta em relação ao bairro.

Em nossa perspectiva geográfica, buscaremos uma compreensão sobre

a dimensão da mancha de lazer da Vila Madalena e uma classificação de seus

principais estabelecimentos, ainda que seja de forma exploratória (para

posteriores aprimoramentos), seguindo o rigor do método e das teorias

geográficas que embasam nosso estudo. Para isso, torna-se premente uma

pesquisa empírica para tornar mais explícito o que classificamos como sendo a

mancha de lazer da Vila Madalena.

As reflexões acerca do jogo de interesses e de identidades que nos

remetem a delimitação da mancha de lazer nos possibilitam adentrar no debate

a respeito das diferentes territorialidades encontradas no bairro. Alguns

estabelecimentos que compõem a área estudada podem simplesmente ser

compreendidos como “tradicionais”, obedecendo à lógica historicamente

construída na Vila (ainda que possam estar localizados em bairros limítrofes). É

o caso, por exemplo, de alguns estabelecimentos localizados nos bairros

Sumarezinho, Alto de Pinheiros, Pinheiros, etc. que reivindicam o status de bar

da Vila Madalena.

Um exemplo empírico que pode ajudar a melhorar – e compreender – o

raciocínio acima descrito é o caso da Mercearia São Pedro, um dos mais

conhecidos bares da Vila Madalena. É considerado como um estabelecimento

“histórico” da Vila Madalena, entretanto, ele se localiza, do ponto de vista

oficial, no Bairro de Sumarezinho. O mesmo raciocínio serve quando pensamos

48

no Bar Tribunal, que se localiza nas proximidades. Algumas páginas de internet

especializadas em lazer colocam tais bares, ora como Vila Madalena, ora como

Sumarezinho. Segundo a Revista Veja e a Folha de São Paulo13, o bar

Mercearia São Pedro e o Bar O Tribunal estão localizados na Vila Madalena.

Por outro lado, para o BaresSP e a própria Revista Veja14, a Mercearia São

Pedro e o Bar Tribunal estão localizados no bairro de Sumarezinho.

Para procurar esclarecer alguns destes pontos, realizamos alguns

trabalhos de campo de caráter exploratório no Bairro. Em um destes trabalhos

de campo no bairro, conversamos com os funcionários da referida Mercearia

São Pedro, e recebemos a informação que havia correspondências postais que

chegavam tanto com o endereço do Bairro Sumarezinho quanto da Vila

Madalena. No entanto, afirmou-se que o estabelecimento é identificado pela

maioria do público como pertencente ao Bairro da Vila Madalena.

3.2 A evolução dos estabelecimentos de lazer e atual organização

espacial

A mancha de lazer, fundada a partir dos estabelecimentos relacionados

a circuitos culturais no bairro da Vila Madalena em meados de 1980, sofreu ao

longo do tempo um forte movimento de apropriação por parte dos novos

interesses capitalistas. Isto se deu principalmente através do processo de

centralização do comando (da propriedade) dos principais estabelecimentos

deste tipo, que foram comprados e passaram a ser propriedade de poucos

grupos capitalistas. Estes grupos, por sua vez, são beneficiários dos símbolos

construídos a partir das relações de sociabilidade historicamente construídas

ali.

A centralização de capitais ligados ao setor de lazer possibilita grandes

transformações das características espaciais do bairro. Os poucos

13Fonte: <http://vejasp.abril.com.br/estabelecimento/mercearia-sao-pedro/> e <http://guia1.folha.com.br/guia/bares/barrestaurante/568497/bar_tribunal>. Acesso em 02/09/2015 14Fonte: <http://vejasp.abril.com.br/estabelecimento/tribunal>; e <http://www.baressp.com.br/bares/mercearia-sao-pedro>. Acesso em 02/09/2015.

49

estabelecimentos que ainda nos remetem a tradição do bairro transformaram

suas características e receberam novos investimentos para atender às

demandas atuais. Alguns estabelecimentos não resistiram ao processo de

valorização da mancha de lazer, dando lugar a outros mais sofisticados, que

atendem a uma nova lógica de organização. Grande parte dos

estabelecimentos de lazer é gerenciada por poucos capitais centralizados,

dirigidos por grupo de associados. Estes grupos foram tomando e centralizando

o controle de quarteirões inteiros, através da compra dos fixos geográficos

existentes (ou abertura de novos estabelecimentos).

Encontramos nas páginas dos próprios empreendimentos de lazer do

bairro evidências do processo de centralização de capitais ligados a este

serviço. A centralização do capital através de associações entre investidores

tornou possíveis a consolidação e a expansão de seus negócios em

localidades de seus interesses. Diversos capitais associados se confundem em

uma rede de proprietários dos estabelecimentos, que é dificilmente decifrável.

Como modo de mostrar a complexidade da organização de algumas destas

redes de estabelecimentos, fizemos o esforço de sintetizar informações obtidas

em nossa pesquisa documental.

Iniciamos pelas informações obtidas na página do grupo Cia. Tradicional

de Comércio15, cujos estabelecimentos se estendem para os muitos endereços,

até mesmo para além do bairro da Vila Madalena (e mesmo da cidade e do

Estado de São Paulo). Vejamos os 22 estabelecimentos pertencentes a Cia

tradicional de Comércio e suas localizações: o Bar Original está localizado no

Bairro do Brás, na cidade de São Paulo; o Bar Pirajá se estende por 3

endereços, Faria Lima, Morumbi, e Alphaville, também na cidade de São Paulo;

a Pizzaria Brás, que por sua vez possui filiais em endereços nos bairros de

Higienópolis, Moema, Pinheiros, Perdizes, Tatuapé – São Paulo (a mesma

pizzaria também possui sedes em Cambuí, Campinas e na Barra da Tijuca e

no Jardim Botânico, na Cidade do Rio de Janeiro); o estabelecimento

Lanchonete da Cidade se localiza no Jardim Paulista – São Paulo; o

estabelecimento ICI Brasserie atende pelos endereços Jardim Paulista, Vila

15<http://www.ciatradicional.com.br/nossas-casas/>, Acesso em 01/8/2016.

50

Nova Conceição, Brooklin e Alto de Pinheiros – São Paulo. Por fim, dois

estabelecimentos presentes no bairro da Vila Madalena: o SubAstor localizado

na Rua Delfina que, além de possuir endereço na Vila Madalena, possui uma

unidade no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro; e o Bar Astor, também

localizado na rua Delfina e no bairro de Ipanema – Rio de Janeiro.

O renomado estabelecimento Boteco São Bento, um dos símbolos da

Vila Madalena, é outro empreendimento que apresenta evidências do processo

de centralização do comando de estabelecimentos de lazer por um mesmo

grupo de empresários. Além do Boteco São Bento, localizado na movimentada

esquina da Rua Mourato Coelho com a Rua Aspicuelta, temos as unidades

(com o mesmo nome fantasia) em Itaim Bibi, na cidade de São Paulo, e em

Cambuí, na cidade de Campinas16.

O empreendimento Quintal do Espeto apresenta mais quatro unidades

além do estabelecimento localizado na Rua Mourato Coelho, no bairro da Vila

Madalena. Tais unidades se localizam nos bairros Moema (duas unidades),

Alto da Lapa e Tatuapé17. O mesmo se aplica ao Bar Venga (de inspirações

espanholas) que além da unidade da Rua Delfina, na Vila Madalena, possuí

unidades no Rio de Janeiro nos bairros do Leblon, Copacabana e Ipanema18.

A padaria Villa Grano 24h também apresenta o mesmo cenário de

centralização da propriedade dos estabelecimentos. A unidade pioneira do

grupo se estabeleceu na Vila Madalena, em frente o Bar Empanadas, na Rua

Wisard. Além desta unidade, temos as seguintes: Villa Grano Pães, na cidade

de Hortolândia (SP); Arizona Pães, localizada no bairro do Tremembé; e Santa

Maria Pães, localizada entre o bairro Sumurezinho e Vila Madalena, as duas

últimas localizadas na cidade de São Paulo19.

Os empreendimentos Salve Jorge, Cervejaria Patriarca e Posto 6

pertencem ao mesmo grupo de associados, ambos possuem unidade na Vila

Madalena. A Cervejaria Patriarca está localizada na Rua Mourato Coelho; já os

16<http://botecosaobento.com.br/>. Acesso em 09/09/2016 17<http://www.quintaldoespeto.com.br/>. Acesso em 09/09/2016 18<http://venga.com.br/donde-estamos/>. Acesso em 09/09/2016 19<http://www.villagrano.com.br/index.php/historia>. Acesso em 09/09/2016

51

bares Posto 6 e Salve Jorge estão na Rua Aspicuelta. O Salve Jorge20 possui

unidades também nos bairros: São Bento (centro), Itaim Bibi e na sede do

Corinthians, Tatuapé. A Cervejaria Patriarca, além de possuir uma Unidade

localizada na Rua Mourato Coelho, atende também no endereço do bairro do

Tatuapé21.

No site do Armazém Piola22, localizado na Rua Aspicuelta, Vila

Madalena, encontramos também uma nota afirmando que o estabelecimento

faz parte de um blend, ou seja, uma mistura dos estabelecimentos Salve Jorge,

Posto 6, Cervejaria Patriarca e Posto 6 e a Pizzaria Piola. A Pizzaria Piola faz

parte, na verdade, de uma rede internacional de estabelecimentos deste tipo,

que também trabalha por franquia em diversas partes do mundo. O grupo Piola

possui casas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Além de

possuir empreendimentos em países como Estados Unidos da América;

México, Panamá, Colômbia, Chile, Argentina, Itália e Turquia.

Os bares Genésio (Rua Fidalga), Filial (Rua Fidalga) e Genial (Rua

Girassol) constituem mais uma evidência do processo de centralização do

comando de estabelecimentos de lazer, concentrando-se ambos no próprio

bairro da Vila Madalena23. Estes bares possuem relação de proximidade física

dentro da mancha de lazer da Vila Madalena, e pertencem ao mesmo

proprietário.

Temos outros casos de centralização do comando dos estabelecimentos

de lazer no bairro, porém não encontramos informações diretas nas páginas de

internet dos estabelecimentos. Por meio da revista on-line Guia da Vila24

encontramos a informação de que os bares Dona Nina, Seu Domingos,

Quitandinha e o bar Na Quebrada pertencem a associados em comum.

Para analisarmos as transformações das características dos fixos

geográficos, listamos primeiramente os estabelecimentos que remontam a

origem do status cultural e boêmio do bairro. O Bar Empanadas, fundado em

20<http://barsalvejorge.com.br/historia/>. Acesso em 01/08/2016. 21<http://cervejariapatriarca.com.br/>. Acesso em 23/08/2016. 22<http://www.armazempiola.com.br/casa.swf>. Acesso em 23/08/2016. 23<http://www.barfilial.com.br/>. Acesso em 23/08/2016. 24<http://guiadavila.tudoeste.com.br/2016/04/06/para-bebericar-e-relaxar/>. Acesso em 23/08/2016

52

1980, é nesse sentido um dos principais estabelecimentos mais longevos do

bairro. Não é fortuito, portanto, que um de seus principais atrativos se dá

através da valorização de sua tradição. Como podemos observar em seu site

oficial, o estabelecimento mostra sua satisfação pela manutenção de

determinadas características do fixo geográfico original – que se expandiu – e

de sua decoração interna, que é motivo de destaque por parte de seu site25:

o bar era um pequeno salão, com um balcão e algumas mesinhas de lata. Este salão, que é hoje apenas uma parte do bar, continua lá e, exceto pelas mesas que agora são de madeira, ele é exatamente como era, com seus pôsteres de filmes, o ônibus pintado a mão pelo Chocante e as fotos de novos e antigos frequentadores.

Na mesma página, o estabelecimento ainda nos ajuda a evidenciar que

a mudança não foi apenas física, mas também do perfil de seus

frequentadores. Ainda que o bar continue a apresentar a sua empanada como

um de seus principais atrativos, temos lá novas relações de sociabilidade e da

apropriação de seus símbolos. Constatamos ainda que foi um grupo social

diferente do atual que ajudou a transformar as características do bairro e a criar

seus símbolos. O site nos remete a frequência de pessoas de alto poder de

aquisitivo e de frequentadores vindo de outros bairros da cidade,

frequentadores diferentes daqueles que vieram originalmente transformar a Vila

Madalena no passado, conforme o site, “hoje, o público ficou mais eclético,

recebendo universitários de todos os cantos da cidade, patricinhas e

mauricinhos, atletas e neo-hippies, e também quarentões e cinquentões,

saudosos de uma época em que o Empanadas era só deles”26.

Sobre a organização econômica dos estabelecimentos, encontramos

informações de que o Empanadas passou para as mãos de quatro sócios,

entre os quais três eram antigos funcionários do estabelecimento. O fato de

não serem agentes econômicos com poder de concentrar um grande capital é

algo que vai “na contramão” da lógica dos negócios da Vila Madalena. Ainda

assim, conforme nossas pesquisas, o bar passou para o controle dos ex-

25<http://www.empanadasbar.com.br/empanadas_bar.htm>. Acesso em 23/08/2016 26 Idem.

53

funcionários através de arrendamento, e não se tornou de fato uma

propriedade destes novos associados. Encontramos em uma página do site do

Museu da Pessoa uma história contada por Robson, um dos quatro associados

atuais, afirmando que o bar passou para as mãos de três de seus antigos

funcionários por meio de arrendamento, no período do Governo Collor, em

meados dos anos 1990, período de grande instabilidade econômica no Brasil.

Segundo Robson, os antigos donos romperam a sociedade, com um deles

ficando com um novo empreendimento lançados pelos ex-sócios, uma fábrica

de empanadas, e outro com o Empanadas. Porém, o dono do bar Empanadas

resolveu arrendar o estabelecimento:

tinha o bar Empanadas e tinha a fábrica, um ficou com a fábrica e o outro com o bar. O chileno, Reinaldo, resolveu ir embora pro interior, escolheu a gente pra arrendar o bar. Logo depois do Plano Collor, propôs o sistema de arrendamento do bar. Fizemos vários contratos de dois anos, três anos27.

Figura 4. Fachada do Bar Empanadas, toldo verde. Fonte: autoria própria (02/09/2016)

Assim como o Empanadas, outro estabelecimento preocupado em tentar

manter suas características originais é o bar Mercearia São Pedro. Conforme

pudemos perceber em trabalho de campo realizado no dia 12 de Agosto de

2016, existe uma mercearia – uma pequena venda de itens de consumo

alimentar – que funciona em conjunto com um bar no mesmo endereço. O bar

guarda a imagem de “boteco” simples. O popular pastel de feira – lanche

27 <http://www.museudapessoa.net/pt/conteudo/historia/robson-do-empanadas-bar-48625>. Acesso em 25/07/2016

54

tradicional em estabelecimentos modestos no bairro de São Paulo – é um dos

grandes atrativos do estabelecimento.

A decoração do bar é fortemente ligada a objetos culturais, com discos,

vídeos, livros e fotografias espalhados pelo estabelecimento. Além do consumo

de bebidas e de alimentos, a mercearia disponibiliza outros tipos de serviços,

tais como, exposições culturais, aluguel de vídeos, além de manter a venda

dos já mencionados pequenos itens de mercearia. No entanto, as atividades de

locadora e mercearia se demonstram como assessórias às atividades

relacionadas ao consumo de bebidas e alimentos, fazendo parte da decoração

do bar. O bar é atrativo de um grande fluxo de pessoas à noite para a

socialização através de atividades relacionadas ao lazer, que giram em torno

principalmente do consumo de bebidas e de alimentos.

O Bar Bartolo foi referência como um dos principais estabelecimentos de

lazer na época em que a mancha de lazer do bairro se constituía; porém, ao

longo de sua história, seu imóvel original foi sendo transformado, e ocupado

por outros estabelecimentos que muito mudaram suas características. O

Bartolo, que já serviu para a veiculação de filmes de média, longa e curta-

metragem na década de 1980, foi um fixo geográfico de grande importância

para os já mencionados grupos ligados ao “mundo do cinema”. Segundo

reportagem da Folha de S. Paulo,

a CDI, Cinema Distribuição Independente, lançará hoje, a partir das 20 horas no Bar Bartolo, (rua Fradique Coutinho 1097), um cartaz de seus 200 filmes, entre média curta e longa metragem, que estão a disposição do público, a empresa já existe a um ano e meio, administrada por cineastas interessados em levar sua produção independente às escolas, sindicatos, universidades, associações, etc. (ZANINI, 1983, p.27)

Nesta época, o bar se associava a vários eventos do cinema e da

política, tão latentes no momento em que se constituía a mancha de lazer do

bairro. Torna-se digno de nota a intenção da empresa CDI de levar a produção

do cinema independente para recintos que possuem marcadamente em sua

essência características políticas e culturais, que é o caso das escolas,

sindicatos, universidades, associações. Ao que tudo indica, o Bartolo teve

55

dificuldade em atender as novas demandas e fazer frente à concorrência com

os outros estabelecimentos. Um anúncio do Jornal Folha de S. Paulo vai ao

encontro desta constatação. Em um pequeno anúncio encontrado em nossa

pesquisa documental, era constatado que o Bar Bartolo “foi um dos pioneiros

da Vila Madalena, vivia lotado, mas perdeu seu trono com a multiplicação da

concorrência. Bom lugar para se tomar um cafezinho na madrugada”

(REVISTA DA FOLHA, p.46, 1996).

O Bar Bartolo deu lugar, há alguns anos atrás, ao Bar Zeppelin

Madalena. Porém, o Zeppelin não conseguiu se manter por muito tempo,

passando para as mãos de outro grupo de empresários, que abriram o

estabelecimento O Pasquim Bar & Prosa. Este empreendimento busca manter

o status de “ponto de encontro” cultural da Vila Madalena, mas o fez de uma

maneira que o afasta da origem do bairro e de seus antecessores. O fixo

geográfico em que existia o bar Zeppelin foi totalmente destruído, dando lugar

a uma arquitetura nova, mais sofisticada. Já em relação aos aspectos culturais,

os donos do estabelecimento foram buscar inspiração no Jornal O Pasquim, do

Rio de Janeiro, que marcou época no período da ditadura como um veículo de

informação contestador da época.

A ferramenta Google Maps nos permitiu justapor três imagens que

ajudam a mostrar as transformações substanciais que ocorreram no endereço

do que foi um dia o Bar Bartolo (e também o Bar Zeppelin)28. Encontramos

imagens a partir da época de existência do Bar Zeppelin.

28 Disponível em <https://www.google.com.br/maps/@-23.5580768,46.6902913,3a,75y,315.18h,89.57t/data=!3m7!1e1!3m5!1sppuEDY9CUeZG5qnN_LmRg!2e0!5s20100201T000000!7i13312!8i6656!6m1!1e1>. Acesso em 27/07/2016.

56

Figura 5: Foto do Bar Zepellin, datada de fevereiro de 2010, obtida através do recurso Street View.

Acesso em 27/07/2016.

Figura 6: Foto da construção do que veio a ser o estabelecimento O Pasquim Bar & Prosa, datada de

Abril do ano de 2014, obtida através do recurso Street View. Acesso em 27/07/2016.

57

Figura 7: Fachada do Bar O Pasquim Bar & Prosa. Fonte: autoria própria (08/09/2016)

Estas imagens colaboram para mostrar o afastamento do

estabelecimento de suas origens, tanto no que diz respeito aos seus aspectos

simbólicos quanto materiais. O bar se apresenta gentrificado29, fazendo a linha

“boteco chique”, como é o caso de tantos outros bares da localidade. A

primeira imagem é de quando o estabelecimento era ainda o Bar Zepelim; no

momento posterior, podemos observar que houve a destruição de sua estrutura

e, em seguida, a construção de um fixo geográfico moderno para receber o

empreendimento gentrificado O Pasquim Bar & Prosa.

Muitos outros bares, assim como o Bartolo, não conseguiram se manter

na Vila Madalena. Possivelmente o principal exemplo deste processo seja o já

citado Sujinho. Como vimos em Squeff (2002), o bar se originou como um

negócio incerto, e teve um relativo apogeu a partir da chegada de uma nova

clientela, os estudantes expulsos do Conjunto Residencial da USP (chamados

então de “Hippies”). Como vimos em Squeff (2002), estes novos moradores do

29 Importantes são as considerações de Neil Smith (2007) sobre o conceito de Gentrificação.

Para o autor, o processo de gentrificação está associado às fronteiras que o capital tende a

ultrapassar. A fronteira, no entanto, não é uma linha espacialmente delimitada. São as

localidades de interesses capitalistas para atender suas novas demandas. Quando referimos a

bares “gentrificados” da Vila Madalena, consideramos aqueles fixos geográficos que sofreram

uma transformação para atender e criar novos padrões na Vila Madalena, estabelecimentos

intimamente relacionados aos padrões da classe média alta que se concentra na localidade e

em seus arredores.

58

bairro ajudaram a manter a rentabilidade do estabelecimento e a produzir um

novo status ao bar.

O estabelecimento Sujinho (que se localizava na esquina da Rua

Mourato Coelho com a Wisard) deu lugar a outros estabelecimentos ao longo

do tempo, que promoveram um significativo afastamento do lugar em relação

às características do bairro, principalmente em seus aspectos culturais. O fixo

geográfico, apesar de não sofrer grandes transformações físicas, abrigou

diferentes tipos de novos empreendimentos. Tais empreendimentos preteriram

as características tradicionais e sucumbiram a tendências da moda, da

sociedade de consumo contemporânea. Após o Sujinho, foram abertos no

mesmo local o empreendimento Hamburgueria John & Paul Burger e a

sorveteria Paleteca (que no período atual, também já se encontra fechada),

como mostram as imagens abaixo30.

30<https://www.google.com.br/maps/@-23.5569256,-46.6922118,3a,75y,218.96h,90.92t/data=!3m7!1e1!3m5!1sVewRTuIWuez-DI_yj2BB_A!2e0!5s20110201T000000!7i13312!8i6656!6m1!1e1>.Acesso em 25/07/2016.

Figura 8: O bar Sujinho, já bastante mudado em relação às características

originais, por Dantas 2008.

59

Figura 9: Em 2010, o bar Sujinho deu lugar a hamburgueria John & Paul Burger, datada de 2010,

obtida através do recurso Street View. Acesso em 25/07/2016.

Figura 10 Em um de nossos últimos trabalhos campo, o estabelecimento já estava fechado, com placa

de aluga-se. Fonte: autoria própria (02/09/2016)

A Paleteca, por sua vez, é um estabelecimento franqueado. Ou seja, os

mantenedores do estabelecimento devem pagar aos donos da marca pelo seu

60

uso, podendo assim vender os produtos patenteados pelo grupo que

originalmente empreendeu o negócio. O sítio eletrônico do grupo, como forma

de propaganda do licenciamento, afirma31:

Licenciamento, uma opção inteligente. O licenciamento Paleteca é um modelo de negócio onde o licenciado recebe o direito de usar a marca, comprar os produtos Paleteca, utilizar todo nosso know-how e adquirir todo o material de venda e marketing desenvolvido para a marca.

Além dos estabelecimentos já analisados, foi possível identificar com os

trabalhos de campo outras manifestações empíricas do processo de

transformação das características da mancha de lazer, tanto no que se refere

ao processo de centralização do comando – e de elitização – dos

estabelecimentos, como também do desenvolvimento de novas características

da paisagem do bairro e do crescimento da área correspondente.

Um dos principais fixos geográficos que manifesta bem estas mudanças

é a já mencionada Unidade da Padaria Villa Grano (localizada na Rua Wisard),

que reivindica fazer parte da configuração de mancha de lazer, realizando e

reafirmando proporcionar atividades relacionadas a esta mancha. Conforme as

considerações do site do próprio estabelecimento32,“a Padaria Villa Grano foi

fundada em 2006 com a proposta de ser mais que uma padaria e sim um

agradável ponto de encontro de clientes que buscam experiências

gastronômicas prazerosas.”

Os bares Dona Nina, Seu Domingos, Quitandinha e o Na Quebrada (dos

mesmos proprietários) ajudam a compor o conjunto de estabelecimentos

relacionados a bairros residenciais e tradicionais, além de buscarem se

relacionar com a cultura popular. Segundo a entrevista realizada pelo Guia da

Vila com o empresário Flávio Pires (um dos donos dos estabelecimentos)33: o

Quitandinha é um estabelecimento de lazer ligado ao público que gosta de

futebol; os bares Dona Nina e Seu Domingos se aproximam da linha “boteco”;

31<http://www.paleteca.com.br/licenciamento>. Acesso em 25/07/2016 32<http://www.villagrano.com.br/index.php/historia>. Acesso em 25/07/2016

33<http://guiadavila.tudoeste.com.br/2016/04/06/para-bebericar-e-relaxar/>, Acesso em 16/08/2016.

61

e o Na Quebrada está intimamente ligado aos moradores da Vila Madalena,

com o termo “quebrada” se relacionando a um lugar de identidade com os

moradores do bairro.

Figura 11 Bar Na Quebrada, destaque para a sofisticação do estabelecimento. Fonte: Autoria própria

(02/09/2016)

No próprio discurso de um dos proprietários – o Sr. Flávio Pires –,

podemos perceber que apesar de os bares Quitandinha, Dona Nina e Seu

Domingos fazerem apelo a “cultura popular” e procurarem se alinhar ao

conceito “boteco”, coube ao bar Na Quebrada a reivindicação de uma ligação

mais intima aos residentes do bairro. O próprio termo “Quebrada”, em algumas

áreas periféricas das grandes cidades brasileiras, faz referência a um local em

que a pessoa tem uma relação de pertencimento ao lugar. É comum que

membros da periferia de algumas partes das metrópoles dizerem “minha

quebrada”, referindo-se ao lugar de identificação. Apesar de a Vila Madalena

não poder ser considerado em hipótese alguma um bairro periférico, foi assim

estabelecida à referência de seu proprietário, Flávio Pires, para o Guia da Vila.

Segundo a matéria disposta no documento, “para Flávio (Pires), o Na

Quebrada, (fala de Flávio Pires) ‘como o nome indica, é um bar que tem total

ligação com a Vila Madalena, a nossa quebrada34’”.

34<http://guiadavila.tudoeste.com.br/2016/04/06/para-bebericar-e-relaxar/>. Acesso em

29/08/2016.

62

O bar Seu Domingos é também um exemplo sobre a

transformação/destruição recente da paisagem tradicional da Vila Madalena. O

antigo fixo geográfico que se localizava no endereço onde está localizado o Bar

Seu Domingos também obteve uma considerável transformação. Podemos

visualizar as fases deste processo a partir das imagens do Google Maps35.

35<https://www.google.com.br/maps/@-23.557557,-

46.6890697,3a,75y,244.74h,84.62t/data=!3m6!1e1!3m4!1skWFuPqYDM8EcULs3Jp8OSA!2e0!7i13312!8i6656!6m1!1e1>. Acesso em 16/08/2016

63

Figura 12: Foto do antigo fixo geográfico que deu lugar ao estabelecimento Seu Domingos, datada de fevereiro de 2010, obtida através do recurso Street View. Acesso em 16/08/2016.

Figura 13. Bar Seu Domingos, pelo próprio autor, datada 02/09/2016.

Os bares Genésio, Genial e Filial nos ajudam a evidenciar a tentativa

dos estabelecimentos de se associar à imagem de estabelecimento típico de

bairro residencial, como são os casos dos botecos. Estes bares, no entanto,

buscam tanto se associar aos referenciais de uma cultura popular como

também ao universo cultural que a Vila Madalena se ligou nesta história

recente, relacionado a uma arte mais ligada ao mundo erudito.

64

Nas paredes destes bares são vistas imagens que remetem: à história

do bairro; à escola de samba Pérola Negra, localizada no bairro; a times

profissionais futebol; e a artistas de músicas populares. Por outro lado, podem

ser vistas também diversas representações artísticas mais ligadas ao mundo

erudito, como quadros de artes plásticas, charges e quadrinhos de artistas

renomados; e também imagens de grandes intelectuais, como a pintura que

retrata o escritor Machado de Assis, no bar Genésio.

Na página do estabelecimento Filial, encontramos um questionamento

sobre o fato de o estabelecimento poder ser caracterizado tanto como bar

sofisticado quanto a linha boteco, este último que possuí características mais

populares. Como podemos ver no trecho a seguir, uma estratégia do

estabelecimento é de pontuar a característica do estabelecimento como um

lugar informal, com uma identificação entre frequentadores e funcionários, o

que é fortemente ligado aos tradicionais botecos de bairro residencial; no

entanto, sem deixar de lado os altos padrões de qualidade de bares

sofisticados:

se o bar é um lugar mais bonito, com atendimento de qualidade e cardápio bem cuidado, então o Filial é bar. Só a carta de cachaças do Filial, verdadeira cartilha pedagógica para formação de novos apreciadores de bebida, já valeria esse título... mas se boteco é um ambiente de grande informalidade, em que funcionários e fregueses praticamente confraternizam juntos, deixando no ar que a casa é de todos, então o Filial é boteco.

As grandes transformações na paisagem da Vila Madalena se tornam

ainda mais evidentes ao analisarmos o caso do estabelecimento Armazém

Piola, que é – como vimos – uma proposta de bar que “mistura” características

dos empreendimentos Salve Jorge, Posto 6 e Patriarca. O lugar, segundo a

página de internet do próprio estabelecimento, já foi um Armazém em sua

origem, se tornou uma oficina mecânica de carros de luxo e por fim, tornou-se

uma loja de antiguidades. Só então, com o investimento dos associados, é que

o lugar veio a buscar sua inserção na já composta mancha de lazer do bairro.

65

O estabelecimento nasce tendo em seu nome o conceito de armazém,

que remonta a sua história. Porém, em nossas visitas ao local, ficou evidente

que o local nada tem de armazém, com as atividades plenamente voltadas ao

consumo de alimentos e de bebidas. Através da ferramenta Google Street36,

conseguimos obter uma imagem do tempo em que o fixo geográfico era ainda

um loja de antiguidades (2010) e em seguida disponibilizamos uma foto atual

do estabelecimento.

36<https://www.google.com.br/maps/@-23.5581528,-46.6904128,3a,37.5y,155.39h,84.05t/data=!3m6!1e1!3m4!1s5SxPixsKjW18p89prq-aLQ!2e0!7i13312!8i6656!6m1!1e1>, Acesso em 31/08/2016.

66

Figura 14 Foto da loja de antiguidades, que deu lugar ao estabelecimento Armazém Piola, datada fevereiro de 2010, 31/08/2016.

Figura 15 Foto do estabelecimento Armazém Piola, datada de 07/09/2016, do próprio autor.

O processo de centralização do comando dos estabelecimentos e o

processo de gentrificação dos fixos geográficos listados até aqui evidenciam a

apropriação das características tradicionais e dos símbolos do bairro,

construídos através das inúmeras relações de sociabilidade entre seus antigos

frequentadores. Além disso, percebemos que as transformações das formas

67

arquitetônicas e a sofisticação de seus fixos geográficos são uma grande

mostra de que a evolução dos estabelecimentos dialoga tanto com a elitização

quanto a apropriação de estéticas de formas antigas e de seus símbolos mais

tradicionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos no presente trabalho que a gênese da mancha de lazer da

Vila Madalena remonta à chegada ali de uma quantidade significativa de

estudantes em 1970. Este movimento se deu, em grande medida, pelo

fechamento do CRUSP de maneira autoritária durante a ditadura militar. A

chegada destes alunos, e de grupos ligados a movimentos culturais, colaborou

para a consolidação de demandas por novos estabelecimentos de lazer e para

a mudança do status da Vila Madalena. Estúdios de cinema, diretores, atores,

entre outros profissionais ligados à “sétima arte” também se instalaram ali,

exercendo grande influência nas características do bairro, e em sua primeira

fase de grande transformação.

Junto a isto, teve a zona oeste de São Paulo um grande crescimento

econômico, relacionado a intervenções urbanas que tinham como intuito

atender as demandas de empresas privadas de serviços sofisticados, que

passaram a se estabelecer nesta parcela da metrópole (com excelente

localização para tais atividades). As parcerias público-privadas que deram

origem a várias transformações no ambiente construído local, colaboraram

para concentrar e consolidar no Bairro um público de alta renda, se localizando

nas adjacências da Vila Madalena, ou nela própria. Muito dos grupos sociais

alternativos e moradores tradicionais do bairro não conseguiram se manter ali

devido ao encarecimento de todos os elementos ligados à vida cotidiana (preço

dos imóveis, aluguéis, custo dos serviços e do comércio, etc.).

As formas de apropriação da Vila Madalena se alteraram devido à

concentração de estabelecimentos de lazer, cada vez mais “sofisticados” – e

voltados para um público com alto poder aquisitivo – consolidando nestes

padrões sua mancha de lazer. A partir da valorização do espaço ocorrida na

Zona Oeste de São Paulo, e da alta atratividade causada pelo novo status

boêmio e cultural da Vila, sua mancha de lazer recebeu maiores investimentos,

68

de diferentes grupos capitalistas voltados para a “indústria do lazer”. Ocorre

então o processo de centralização da propriedade dos estabelecimentos na

mão de grupos de associados.

Os estabelecimentos tiveram sua propriedade centralizada sob controle

de poucos donos, e também se elitizaram, passando a atender um novo

público. As relações de sociabilidade e a organização espacial se alteram

novamente. Poucos dos estabelecimentos que constituíam a gênese da

mancha de lazer “original” da Vila Madalena se mantiveram no local, e aqueles

que conseguiram permanecer, em geral, se afastam de suas características

originais, tanto em relação às formas de sociabilidade que propiciam, quanto

aos aspectos simbólicos e características arquitetônicas (ainda que tentem

estar relacionados a seus padrões estéticos originais).

Os estabelecimentos buscam se associar ao imaginário cultural e a

elementos que remetem as tradições do bairro. A Vila Madalena possui

estabelecimentos com nomes de armazém, mercearias, botecos (ou

correlatos), ainda que se afastando dos significados destes símbolos.

Paradoxalmente, a apropriação destes nomes que remetem aos aspectos

tradicionais do bairro altera suas características, transformando-o numa

centralidade em termos de estabelecimentos de lazer.

Por fim, acreditamos na importância de se discutir a ideia de clusters

comerciais. Os fatores apontados por Telles et al. (2011) se mostraram

distantes dos nossos resultados correspondentes a organização espacial da

mancha de lazer. O processo de centralização do comando dos

estabelecimentos de lazer que identificamos parece contradizer as explicações

dos colegas que se basearam no modelo dos clusters para o entendimento da

Vila Madalena atual. Nossa pesquisa parece contradizer este modelo,

principalmente em relação à ausência de posições privilegiadas entre os

estabelecimentos, que levaria a uma organização baseada em relação de

cooperação, competitividade e posições horizontais entre os estabelecimentos.

A atual organização espacial da Vila Madalena parece exigir outras

reflexões. Apesar de não ser a intenção principal deste trabalho discutir a

aplicabilidade do conceito cluster na Vila Madalena, acreditamos a importância

69

de se fazer a discussão em trabalhos futuros. Isto poderá colaborar para o

aprofundamento das discussões em torno da lógica espacial de organização da

Mancha de lazer do bairro da Vila Madalena.

70

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<http://www.paleteca.com.br/licenciamento>. Acesso em 25/07/2016.

74

ANEXOS

Anexo 1

Anexo 1 O que é a Vila Madalena? Zoneamento. Por Davis Brodi Bond/Idea! Zarvos. Retirado da

dissertação SAES, Franscisco Gonçalves da Cunha. 2014.

75

Anexo 2

Anexo 2 "O que fazer em Vila Madalena", por Rede de Hotéis Hilton37.

37 <http://hiltonmorumbi.com.br/o-que-fazer-em-vila-madalena/>, acesso em 20/08/2015