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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS
HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
ANDRÉ MAGNO PEREIRA DOS SANTOS
Manchas de lazer em São Paulo: a evolução recente dos
estabelecimentos comerciais e equipamentos urbanos de lazer na
Vila Madalena (SP)
São Paulo
2017
ANDRÉ MAGNO PEREIRA DOS SANTOS
Manchas de lazer em São Paulo: a evolução recente
dos estabelecimentos comerciais e equipamentos
urbanos de lazer na Vila Madalena (SP)
Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; para a conclusão do curso de bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Fabio Betioli Contel
São Paulo
2017
ANDRÉ MAGNO PEREIRA DOS SANTOS
Manchas de lazer em São Paulo: a evolução recente
dos estabelecimentos comerciais e equipamentos
urbanos de lazer na Vila Madalena (SP)
Trabalho de Graduação Individual apresentado ao Departamento de Geografia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo; para a conclusão do curso de bacharelado. Orientador: Prof. Dr. Fabio Betioli Contel
Data:__/__/__ BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Prof. Dr. Fabio Betioli Contel ___________________________________ Prof.(a) Dr.(a) ___________________________________ Prof.(a) Dr.(a)
São Paulo
2017
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu professor Fábio Betioli Contel, que se tornou para mim
uma referência em relação à sua postura tanto como professor quanto pessoal;
à sua honestidade e a seu esforço; e pelo seu grande conhecimento acerca da
geografia.
Agradeço a todos os professores da Geografia que me possibilitaram
uma formação crítica e reflexiva. Formo-me com a sensação que tive um
excelente aprendizado.
Agradeço a USP, a FFLCH, e ao Departamento de Geografia pelas
relações de ensino-aprendizagem.
Agradeço também a todos aqueles que colaboraram e colaboram na luta
por uma USP mais popular e democrática.
Aos meus amigos que muito me ajudaram, tanto em relação ao TGI
quanto às conversas e ao companheirismo do dia-a-dia, que me ajudaram a
realizar esta etapa da minha vida com alegria.
Agradeço a meus irmãos, pessoas fundamentais em minha vida.
LEISURE SPOTS IN THE METROPOLIS: THE RECENT
EVOLUTION OF THE COMMERCIAL ESTABLISHMENTS AND
URBAN LEISURE EQUIPMENT IN VILA MADALENA (SP)
RESUMO
Neste Trabalho de Graduação Individual, analisamos as relações entre o
desenvolvimento da mancha de lazer da Vila Madalena e as formas de
apropriações de seu ambiente construído do bairro. A Vila Madalena é um
bairro localizado na zona Oeste de São Paulo entre os Distritos de Pinheiros e
Alto de Pinheiros. O bairro da Vila Madalena é privilegiado por um grande
crescimento econômico localizado especialmente no quadrante sudoeste do
município paulistano. O surgimento daquilo que viria a ser a “mancha de lazer”
da Vila Madalena remonta ao ano de 1970, com um forte movimento dos
estudantes após o Conjunto Residencial da USP (CRUSP) ser fechado por
intervenção do aparato repressivo militar. Estes estudantes, desalojados,
buscaram moradias baratas próximas a universidade. Com isto, o bairro
recebeu diversos grupos ligados a determinados movimentos culturais,
principalmente movimentos relativos à produção cinematográfica. O afluxo
destes indivíduos, grande parte deles diretamente ligados a atividades
culturais, colaborou para o surgimento de um novo status do bairro. A partir
destes eventos, o ambiente construído da Vila Madalena passa a sofrer maior
assédio por parte de agentes imobiliários, e a especulação imobiliária afugenta
grande número de antigos moradores (mesmo levando em conta o fato de que
eles mesmos ajudaram a criar o novo status do bairro). Passados mais de 30
anos desta mudança nos usos do espaço ali no bairro, os estabelecimentos de
lazer da Vila Madalena se elitizaram, mudando em grande medida suas
características físicas. Junto a isso, tais estabelecimentos são centralizados
nas mãos de poucos grupos de empresários. Hoje, o espaço geográfico do
bairro se afasta bastante daquilo que foi a Vila Madalena em outras épocas; um
capital com forte poder de atuação se apropria de parcelas daquele espaço
produzindo outro padrão de estabelecimentos e novas formas de sociabilidade
para seus usuários.
Palavras-chave: Vila Madalena, Ambiente Construído, Mancha de Lazer
ABSTRACT
This Individual Undergraduate Project analyzes the relationships
between the development of the Vila Madalena Neighborhood's leisure spot
and the appropriation forms of the neighborhood's built environment. Vila
Madalena is a neighborhood located at the West Zone of São Paulo, between
the Pinheiros and Alto de Pinheiros districts. Vila Madalena Neighborhood is
privileged by a fast economic growth located specially at the southwest
quadrant of the Municipality of São Paulo. The appearing of what would
become the Vila Madalena’s “leisure spot” goes back to the year of 1970, with
an intense movement of students after the shutdown of the University of São
Paulo dormitories by the intervention of the military repressive apparatus. These
dislodged students sought cheap housing near the university. The
neighborhood then received several groups connected to certain cultural
movements, mainly the ones related to film production. The influx of these
individuals, most of them directly tied to cultural activities, collaborated to the
appearance of a new neighborhood status. From these events, the Vila
Madalena’s built environment began to face increased harassment of estate
agents, and the real estate speculation drives away a large number of former
residents (even lifting into account the fact that themselves helped building the
new neighborhood’s status). After more than 30 years from this change in the
space usage on the neighborhood, the Vila Madalena’s leisure establishments
got elitist, changing in great measure their physical features. Along with that,
such establishments are centralized on the hands of a few group of
entrepreneurs. Today, the neighborhood’s geographic space is largely far from
what Vila Madalena was in other times; capital with strong acting power
appropriates parts of that space, producing a different pattern of establishments
and new relations of sociability for their clients.
Key-words: Vila Madalena, Built Environment, Leisure Spot
LISTA DE SIGLAS
ABRASEL Associação Brasileira de Bares e Restaurantes
ABRESI Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo
ACSP Associação Comercial de São Paulo
CPDU Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano
CRUSP Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo
FES Formação Econômica e social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
JUCESP Junta Comercial do Estado de São Paulo
TGI Trabalho de Graduação Individual
TPU Termo de Permissão de Uso
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE IMAGENS
Figura 1 Escola Municipal Estado da Guanabara. ........................................ 23
Figura 2 Time de futebol feminino da Vila Madalena de 1934 ...................... 24
Figura 3 Ilustração da matéria Chope, celulóide e empanadas, do jornal
Folha de S. Paulo.......................................................................................... 38
Figura 4 Foto do bar Empanadas. ................................................................ 53
Figura 5 Foto do bar Zepellin. ....................................................................... 56
Figura 6 Foto da construção do estabelecimento O Pasquim Bar & Prosa. . 56
Figura 7 Foto do bar O Pasquim Bar & Prosa. .............................................. 57
Figura 8 Foto bar Sujinho. ............................................................................. 58
Figura 9 Foto da hamburgueria John & Paul Burger ..................................... 59
Figura 10 Foto da Paleteca. .......................................................................... 59
Figura 11 Foto do bar Na Quebrada ............................................................. 61
Figura 12 Foto do bar Seu Domingos em construção. .................................. 63
Figura 13 Foto do Bar Seu Domingos ........................................................... 63
Figura 14 Foto da loja de antiguidades, que viria a ser Armazém Piola. ...... 66
Figura 15 Foto do estabelecimento Armazém Piola...................................... 66
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 12
1 A EVOLUÇÃO DA VILA MADALENA: AMBIENTE CONSTRUÍDO, TOTALIDADE E
CENTRALIZAÇÃO DE CAPITAL ............................................................................................ 16
1.1 As origens do Bairro da Vila Madalena ...................................................................... 21
1.2 Características recentes da ocupação do bairro ...................................................... 25
2 MANCHA DE LAZER DA VILA MADALENA: DEFINIÇÃO GERAL DO CONCEITO
E ABORDAGENS CORRELATAS .......................................................................................... 29
2.1 O conceito de mancha de lazer e seu uso na geografia ......................................... 31
2.2 A constituição da mancha de lazer da Vila Madalena ............................................. 33
3 CONCENTRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DOS ESTABELECIMENTOS
DE LAZER DA VILA MADALENA .......................................................................................... 42
3.1 Delimitação e concentração dos estabelecimentos de lazer da Vila Madalena .. 46
3.2 A evolução dos estabelecimentos de lazer e atual organização espacial ............ 48
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................... 70
ANEXOS ................................................................................................................................ 74
12
INTRODUÇÃO
Este Trabalho de Graduação Individual (TGI) é resultado dos
aprendizados adquiridos durante a realização do curso de graduação em
Geografia na Universidade de São Paulo. No entanto, direcionamos nossos
esforços para a realização desta pesquisa durante o último ano (2015). Este
ano foi também de realização do projeto de iniciação científica, que muito
colaborou para efetuação do presente trabalho.
Buscamos compreender o desenvolvimento da mancha de lazer no
bairro da Vila Madalena e sua atual lógica de organização espacial. Para isso,
tivemos como premissa o fato de que a produção do espaço é indissociável do
modo de produção capitalista. Mediante a isso, tornou-se importante
compreender o espaço em suas múltiplas relações, tanto no que se refere à
apropriação capitalista quanto às relações de sociabilidade nele (no espaço)
existentes.
A Vila Madalena é um bairro localizado na Zona Oeste de São Paulo
entre os Distritos de Pinheiros e Alto de Pinheiros. O bairro da Vila Madalena
fez parte de um grande crescimento econômico ocorrido especialmente no
contexto maior onde ele está localizado, o quadrante sudoeste do município
paulistano. O bairro é hoje considerado como um local de habitação de
indivíduos de classe média alta, recebendo moradores atraídos –
principalmente – pela história do lugar, assim como pelos resultados das
intervenções urbanas que muito favoreceram a localidade.
Nos últimos anos, os veículos de mídia têm se voltado à divulgação de
eventos ligados aos vários tipos de aglomerações de pessoas que tem se dado
em torno dos bares na Vila Madalena (principalmente durante a Copa do
Mundo de 2016, realizada no Brasil, e durante os últimos carnavais). Seja com
a temática dos conflitos causados por estas movimentações no bairro, seja
pelas temáticas do lazer e do turismo, o fato é que o bairro tem sido
reconhecido por uma grande quantidade de pessoas como uma área
relacionada ao funcionamento destes bares e estabelecimentos voltados ao
“lazer”.
13
Para melhor compreender este fenômeno, a revisão bibliográfica
realizada acabou por mostrar que o conceito de “mancha de lazer” poderia ser
bastante operacional. Utilizá-lo nos exigiu grandes esforços a cada vez que nos
aproximávamos dele. A partir também da análise das fontes documentais e das
conversas com nosso orientador, pudemos perceber a necessidade de se
compreender a complexidade do fenômeno e de realizarmos uma esforçada
busca de instrumentos de análise para que pudéssemos alcançar um
conhecimento profundo sobre o fenômeno, respeitando suas diversas ligações
com tantas outras variáveis que apareceram no caminho.
Neste processo de realização da pesquisa, foi marcante ouvir os sons,
sentir o cheiro dos alimentos que ganhavam as ruas e perceber as relações e
as formas de sociabilidade existentes em torno dos estabelecimentos. Estes
elementos nos deram maior certeza da importância do conceito de mancha de
lazer para a investigação, devido à coesão existente entre os
estabelecimentos. Os primeiros contatos com a área de estudo, ainda
exploratórios, nos mostraram que aqueles elementos da paisagem revelavam
singularidade, composta a partir da série de estabelecimentos ligados a estas
modalidades de lazer privado (bares, restaurantes, casas noturnas, etc.).
Nosso TGI está dividido em três capítulos, cada um contendo dois
subitens. No primeiro capítulo, buscamos apresentar nosso referencial teórico,
trazendo para o debate autores que trabalham com a perspectiva da
importância tanto das especificidades de cada localidade quando as leis gerais
do modo de produção capitalista. Para isso, autores como David Harvey, Milton
Santos e Neil Smith nos ajudaram, proporcionando-nos um aprofundamento
referente às formas de apropriação do sistema dominante, sem perder de vista
as especificidades materiais e sociais da localidade, incluindo aí as ricas
relações de sociabilidade existentes.
O primeiro subitem deste capítulo trata justamente das origens do bairro.
Buscamos fazer uma recuperação histórica do lugar, mostrando a época em
que a Vila Madalena ainda era caracterizada pelo predomínio de simples
trabalhadores braçais e com grande participação da igreja católica na
constituição do bairro. No seguinte subitem, analisamos a evolução das
14
características econômicas do bairro a partir da análise dos dados do Censo de
2010 (IBGE) e de autores/pesquisadores que trataram dos processos de
valorização da cidade de São Paulo.
No segundo capítulo, trazemos algumas abordagens já feitas em
diversas áreas sobre o fenômeno da mancha de lazer. No primeiro subitem
deste capítulo, explicamos o conceito de mancha de lazer de José Guilherme
Cantor Magnani (2002) e seu diálogo com a geografia. Esta ideia, por
considerar a mancha de lazer tanto a partir de sua base material quanto das
relações de sociabilidade, nos deu uma importante ferramenta proporcionadora
de uma maior solidez no argumento, dialogando intimamente com os
referencias dos geógrafos que também embasaram nosso estudo.
No segundo Subitem, fizemos uma recuperação da história recente do
bairro. Buscamos analisar crônicas e jornais de épocas anteriores à atual, que
nos proporcionaram o conhecimento de importantes fatos históricos e do
imaginário construído sobre o bairro. Para isso, as crônicas de Antonio Ivo
Pezzoti (1999), Enio Squeff (2002) e Levino Ponciano (2000) nos fizeram
avançar significativamente em nossa análise. Estes textos nos levaram a
entender melhor as ideias que remontam ao surgimento da mancha de lazer e
da importância das relações de sociabilidade para a sua constituição.
No capítulo 3, buscamos compreender a configuração espacial dos
estabelecimentos de lazer, analisando sua atual organização econômica e a
evolução dos principais fixos geográficos ligados a estas atividades. Para
realizarmos esta análise, buscamos de início documentos em fontes oficiais,
mas também em organizações patronais e em órgãos públicos. No caso das
instituições patronais, encontramos barreiras para acessar os dados referentes
aos estabelecimentos de lazer, que eram de acesso restrito; nos órgãos
públicos, revelou-se certa “falta de preocupação” com o fenômeno.
No primeiro subitem, a discussão se dá em torno das possibilidades de
delimitação da mancha de lazer da Vila Madalena. Esta tentativa de
estabelecer um “zoneamento” do fenômeno estudado nos levou a uma
importante discussão de caráter teórico e empírico, sendo a percepção da
mancha dependente também da subjetividade daquele que a analisa. Tal
15
decisão nos exigiu uma enorme sensibilidade e flexibilidade para não
desconsiderarmos as especificidades geográficas da localidade, assim como
não desconsiderarmos as subjetividades existentes neste processo de análise.
No segundo subitem deste último capítulo, buscamos aprofundar nossa
pesquisa documental em revistas, jornais e em páginas da internet. As páginas
de internet dos próprios estabelecimentos que compõe a mancha de lazer
tiveram grande importância, por disponibilizarem informações de bares e
restaurantes que, na verdade, pertencem ao mesmo grupo empresarial.
Diversas páginas de internet mostraram indicativos do processo de
centralização do comando dos bares e restaurantes, já que se verificou que os
estabelecimentos eram de propriedade de poucos grupos econômicos.
Estas são as linhas gerais pelas quais apresentaremos nossa pesquisa
neste Trabalho de Graduação Individual. Como evoluiu a ocupação e os usos
do espaço na Vila Madalena? Como se deu a evolução dos principais
estabelecimentos de lazer? Qual a delimitação possível que pode ser feita da
mancha de lazer, a partir de uma visão geográfica? Qual é a forma de
propriedade dos estabelecimentos, que em suas respectivas “fachadas”
parecem ser propriedade de distintos grupos econômicos? Qual o impacto do
fenômeno da mancha de lazer no bairro? Procuramos, nos limites do possível,
fazer frente a este conjunto de problemas em nossa pesquisa. Se elucidarmos
estas questões, consideraremos nossos objetivos contemplados.
16
1 A EVOLUÇÃO DA VILA MADALENA: AMBIENTE CONSTRUÍDO,
TOTALIDADE E CENTRALIZAÇÃO DE CAPITAL
Partindo da ideia de que o espaço é indissociável do modo de produção
capitalista, consideramos importante discutir os desdobramentos desta relação,
estudando o espaço em sua complexidade, com reflexões que tornem
explícitas as particularidades espaciais e as peculiaridades de sua produção
em conjunto com o modo de produção dominante. O espaço e as relações
sociais tornam-se, então, o ponto de partida de nossas discussões, ganhando
importantes colaborações pelas discussões dos geógrafos David Harvey
(1982), Milton Santos (1977 e 1994), Neil Smith (1988).
David Harvey (1982) teve grande importância para a compreensão da
produção do espaço urbano ao trazer para o debate o conceito de ambiente
construído. Em seu estudo, Harvey busca compreender a produção do espaço
urbano em diálogo com o desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Para Harvey, o ambiente construído é produzido pela fixação de equipamentos
e infraestruturas no espaço através das relações sociais de produção. O
processo de exploração de classes pode ser percebido, também, a partir da
análise das formas de apropriação dos próprios lugares em que a população
habita. Ou seja, a exploração pode ser percebida não só no momento do
trabalho (nos locais onde efetivamente se realiza a relação trabalhador x
patrão), mas também na apropriação do ambiente construído por este trabalho,
no intuito de utilizar aquilo que foi construído socialmente como forma de obter
mais capital.
Nesse sentido, os interesses de acumulação podem ser vistos tanto nas
próprias relações de trabalho quanto na apropriação do ambiente construído.
Harvey lembra que, se por um lado, o trabalho cria valor de uso, por outro, o
capital busca formas de apropriá-lo e de dominá-lo. Enquanto o trabalho define
a qualidade de vida como valor de uso, o capital define a qualidade de vida
como mercadoria. Sendo assim, há uma constante busca do capital para
perverter a lógica da qualidade de vida definida pelo trabalho, em favor de uma
lógica de dominação do trabalho que possibilite a acumulação de capital.
17
Harvey também argumenta que o capital realiza uma busca incessante
para controlar a construção do ambiente construído e de se apropriar do que já
foi (do que é, de como será e do que será) construído e fixado no espaço
urbano. Esta ideia traz à tona o fato de que a leitura sobre a luta de classes
não se limita à exploração do trabalhador no momento de trabalho. A partir
desta leitura, fica evidente a importância da análise geográfica e do conceito de
espaço geográfico para a compreensão das contradições do modo de
produção capitalista.
A categoria formação socioespacial (FSE) de Milton Santos (1977) é
também elucidativa desta importância da relação entre os arranjos espaciais
historicamente produzidos e o modo de produção capitalista, pensando-os ao
mesmo tempo e considerando-os inseparáveis. Baseada nas propostas
originais de Karl Marx, Friedrich Engels e Vladmir Lenin sobre a formação
econômico-social (FES), a formação socioespacial pode ser considerada como
a concretização das características espaciais historicamente produzidas em
cada localidade, com qualitativos e quantitativos específicos; todavia, tais
características de cada localidade, ainda que sejam especificas, são
indissociáveis do modo de produção dominante. A formação socioespacial
(FSE) existe então como resultado de relações sociais mais amplas (do modo
de produção dominante) com as diversas características espaciais existentes,
dentro do movimento de reprodução do capital; ela é resultado e condição da
reprodução do modo de produção capitalista.
As transformações que se dão no desenvolvimento do modo de
produção capitalista agem em diálogo com as transformações dos arranjos
espaciais num movimento único, que produzem mudanças um ao outro, sob o
domínio do modo de produção dominante. O que é novo não existe em toda
parte (de forma homogênea) como um padrão espacial, a não ser se
consideramos o novo também como uma nova forma de utilizar determinadas
características espaciais do passado sobreviventes no espaço, para suprir as
exigências do momento de desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Esta leitura nos possibilita analisar as localidades e os fenômenos
espaciais pelo viés da totalidade, ou seja, analisar os múltiplos fatores que
18
existem em cada fração do espaço considerando sua especificidade e a
importância de seu arranjo espacial, além de suas relações com as estruturas
gerais da sociedade capitalista.
Este estudo de Milton Santos, retomando a categoria espaço, traz
importantes contribuições neste sentido, e nos sugere importantes rumos para
as discussões geográficas. O espaço é visto não apenas como algo passivo à
realização do capital, mas o oposto é advogado aqui: as características
espaciais tornam-se elementos fundamentais para a compreensão da
organização sociedade e para o próprio desenvolvimento do modo de produção
capitalista.
Entretanto, devemos compreender as transformações das necessidades
do sistema capitalista de produção. Para fazermos uma leitura contemporânea
deste debate, retomamos aquilo que Milton Santos (1994) chamou de
verticalidades. Esta ideia colabora para elucidar o fato de que as formações
econômicas e sociais tendem a estar relacionadas a interesses externos ao
lugar, em detrimento dos interesses locais, genuinamente constituídos.
Segundo Milton Santos (1994, p.19),
a tendência atual é que os lugares se unam verticalmente e tudo é feito para isso, em toda parte. Créditos internacionais são postos a disposição dos países mais pobres para permitir que as redes se estabeleçam ao serviço do grande capital. Mas os lugares também se podem unir horizontalmente, reconstruindo aquela base de vida comum susceptível de criar normas locais, normas regionais.
Os interesses da reprodução do modo de produção capitalistas se dão
na apropriação das características espaciais previamente existentes à sua
instalação, entrando em confronto com os interesses e os usos do espaço
daqueles que vivem na localidade. As chamadas “relações horizontais” entre os
lugares dão espaço às relações verticalizadas, atendendo interesses externos
à localidade, mudando suas características.
No livro O Espaço do Cidadão, Milton Santos ([1987] 2000) trata
justamente do efeito destas relações verticalizadas e seus impactos na
habitação do espaço. Temos uma importante discussão na inversão da ideia de
19
cidadania em direção ao fenômeno do consumo. Os habitantes das cidades em
países capitalistas assistem a constituição de uma cidade desigual, com seus
equipamentos dispostos de maneira a se afastar das garantias mínimas à
cidadania a todos os seus membros.
Milton Santos salienta a mudança de uma consciência conduzida
através de relações orgânicas entre homem-natureza e entre os próprios seres
humanos para o momento em que o desenvolvimento das relações sociais
passa a ser conduzida a partir de interesses externos a elas. Segundo Milton
Santos, a nova organização da sociedade e do espaço constitui um novo
modelo de organização dos lugares em que as normas ocorrem a partir de
componentes externos – e, portanto, verticais – às relações horizontais entre
às pessoas.
Nesta mudança, a cidadania aparece transmutada e diretamente
equiparada ao consumo e, por conseguinte, em propriedade de bens e serviços
por certos grupos sociais. Como bem visto por Milton Santos, o resultado disso
pode ser visto na distribuição desigual dos equipamentos de lazer. Em O
Espaço do Cidadão, Milton Santos já mostrava a concentração dos fixos
geográficos1 voltados ao lazer no centro histórico de São Paulo e no centro
expandido; os dados datam o fim da década de 1970 e início de 1980.
Segundo esta pesquisa, a porcentagem destes fixos concentrados nestas duas
zonas seria a seguinte: cinemas 73,6 %, Hotéis 97,79%, museus 61,7%,
Restaurantes 90,66%, Teatros 89,7% (SANTOS, [1987] 2000, p.90).
Neil Smith (1988) é outro importante autor que nos ajuda a aprofundar
esta discussão, ao compreender os processos de produção e diferenciação
espacial a partir da lógica do desenvolvimento capitalista e da lei geral de
1Retomemos aqui a discussão de Milton Santos em Metamorfose do Espaço Habitado (2007)
sobre os fixos e fluxos. Segundo Milton Santos a compreensão do espaço geográfico deve ser feita a partir de seus fixos e fluxos, em suas qualidade e quantidades. A compreensão geográfica das localidades depende da análise de seus fixos, que geram e recebem fluxos de maneira peculiar dependendo de suas qualidades e quantidades, é claro, em conjunto com as demandas do modo de produção dominante. Segundo Milton Santos, os fixos são “os próprios instrumentos de trabalho e as forças produtivas em geral, incluindo a massa de homens. Não é por outra razão que os diversos lugares, criados para exercitar o trabalho, não são idênticos e os rendimentos por eles obtidos estão em adequação dos objetos ao processo mediato de trabalho” (SANTOS, 2007, p.86)
20
acumulação. Smith parte da premissa de que o capital, com o intuito de atender
a lei geral de acumulação, tende a empregar o valor excedente do capital em
novos meios de sua acumulação. Grande parcela deste investimento é
aplicada no desenvolvimento de novas tecnologias que favorecem a
reprodução capitalista.
Para Neil Smith, ocorre o “encolhimento” do espaço geográfico e a
“equalização” das diferenças geográficas. Isto é, os novos investimentos do
capital desencadearam um vigoroso processo de desenvolvimento científico e
tecnológico, permitindo a intensificação do processo produtivo e a expansão
espacial dos investimentos capitalistas. O desenvolvimento técnico-científico
permite a superação das adversidades que o meio geográfico pode oferecer e
a evolução dos meios de comunicação/circulação. Estes últimos permitem a
aplicação das novas tecnologias em escala cada vez maior, relativizando a
importância das barreiras que o espaço venha a oferecer.
Ainda segundo Smith, a equalização das diferenças geográficas e a
supressão do espaço pelo tempo que decorrem deste processo – e que são
promovidos principalmente pelos avanços tecnológicos –, fazem com que as
diferenças do espaço geográfico se tornem superadas para a reprodução
capitalista. Assim sendo, o processo de acumulação de capital é favorecido
pela expansão espacial dos processos produtivos e pela abertura de novos
mercados.
Se por um lado, o capital atravessa as fronteiras do espaço geográfico,
equalizando as diferenças e diminuindo as distâncias, por outro, temos a
tendência de diferenciação espacial. Para Neil Smith, a diferenciação do
espaço deve ser vista sob o viés da lógica de concentração e centralização do
capital. Segundo o autor (SMITH, 1988, p.179), a centralização do capital
“exagera os efeitos e os objetivos da concentração do capital”. Como forma de
ampliar os efeitos da acumulação de capital, o destino de capitais individuais –
que antes atuavam de maneira autônoma em relação aos outros (capitais) – foi
à centralização de capital. Ou seja, grande parte de capitais que antes atuavam
de forma mais autônoma, ou “pulverizada”, se associaram para otimizar os
efeitos de acumulação. Temos então o poder de decisão centralizado em
21
poucas mãos, podendo atuar as firmas com maior potencial para sua
reprodução.
1.1 As origens do Bairro da Vila Madalena
A realização da parte empírica de nossa pesquisa mostrou que estas
lógicas acima descritas parecem ser bastante operacionais para o estudo da
evolução dos usos do espaço na Vila Madalena. O processo de
desenvolvimento do bairro sugere que, ao longo do tempo, houve mudanças
expressivas em sua organização, com um forte processo de “verticalização” da
dinâmica da vida local. Consideramos que isto tenha se dado a partir dos
avanços das relações capitalistas e às novas formas de organização do capital
que ali se instalaram.
Antes de a Vila Madalena ser considerada como bairro referência em
termos de lazer, cultura e arte, e de ter se tornado um bairro de residentes de
classe média, não se tinha lá grandes reconhecimentos sobre o bairro. Na
verdade, pelo contrário, segundo Enio Squeff, em seu livro Vila Madalena:
Crônica histórica e sentimental, chegava-se até a se omitir o nome do bairro
em favor de nomes de outros mais conhecidos. Segundo Squeff (2002, p. 18),
ao atendendente que perguntava ao adolescente onde mora, Antônio titubeia. Vai dizer “Vila Madalena” – mas o homem não saberá do que está falando. Nem adivinha que ainda ontem os jornais mal chegavam a Vila (...) o que se conhece no resto da cidade é a região de Pinheiros. Antes que o homem descubra que ele mora no humilde subdistrito de Vila Madalena, do bairro de Pinheiros, ele encurta a resposta e diz que mora em Pinheiros mesmo.
Um relato recorrente sobre a constituição do bairro da Vila Madalena é o
de que a Vila surgiu a partir do loteamento do sítio de um imigrante português
que tinha três filhas: Ida, Madalena e Beatriz. Esta seria a origem dos nomes
das Vilas.
Com o passar do tempo, os impulsos urbanizadores da Light
colaboraram para o reforço da urbanização da Vila Madalena. Foi em meados
22
da década de 1910 que chegaram os portugueses sensibilizados pelo anúncio
de “que a Light ia construir na área uma estação de bondes elétricos, (os
portugueses) foram chegando, como quem não quer nada” (PEZZOTTI, 1999,
p.15).
Os migrantes portugueses eram pessoas de condições econômicas
simples e de baixo grau de educação formal, em busca de conseguirem
condições melhores do que tinham em sua pátria. Eram eles “Pedreiros,
Padeiros, Jardineiros, açougueiros, sapateiros ou construtores de túmulos de
cemitério no cemitério São Paulo, no cemitério do Araça, no cemitério da
consolação” (PEZZOTTI, 1999, p.15).
O bairro teve também grande influência do catolicismo em sua formação.
Enio Squeff (2002) chega a comparar o bairro à freguesia, buscando o
significado da origem da palavra, do latim filius gregis, que significa “filho da
mesma grei” ou “filho da mesma paróquia, do mesmo rebanho”. Antonio Ivo
Pezzotti conta em seu livro Vila Madalena e suas figuras notáveis (1999)
histórias sobre os tipos simples, mas “notáveis” da Vila Madalena. Um dos
personagens dessa história é a figura de seu irmão, o Padre Olavo Pezzoti,
primeiro vigário da Paróquia de Santa Madalena e São Miguel Arcanjo.
Através da leitura do livro de Antonio Ivo Pezzotti, podemos perceber a
importância do Padre Olavo Pezzotti na constituição da vida social e do
ambiente construído da Vila Madalena. A partir das reivindicações do Padre – e
de pressões da comunidade junto às autoridades municipais – foram instalados
ali os seguintes equipamentos urbanos:
1. uma creche para a população infantil;
2. um grupo escolar instalado no terreno da igreja, que veio a se chamar
Escola Municipal Padre Olavo Pezzotti;
3. O Liceu Santa Madalena, que atuava para a qualificação profissional dos
jovens;
4. Um ambulatório, que foi construído através de um mutirão feito pelos
moradores.
23
Figura 1 Escola Municipal Estado da Guanabara, que mais tarde se tornaria Escola Municipal Padre Olavo Pezzotti. Resultado dos esforços do Padre Olavo Pezzotti e da comunidade do Bairro da Vila Madalena para a melhoria do meio ambiente construído local (PEZZOTTI, 1999, p.31)
Os esforços do Padre também se direcionaram para as atividades de
lazer, e um fato relevante em relação a isso pode ser entrevisto nos diálogos
do Padre com um eletricista que trabalhava na Light, com o intuito de produzir
um local para rodar filmes no bairro. Antonio Ivo Pezzotti conta em seu livro
que houve “memoráveis sessões noturnas de cinema ao ar livre” até o dia em
que “paroquianos mais ‘esclarecidos’ inventaram de exigir filmes menos chatos
e levaram ao Padre o desejo de ver coisas mais picantes, como faziam todos
os cinemas de São Paulo e do mundo” (PEZZOTTI, 1999, p.36).
Outra atividade de lazer de grande destaque que começa a ser praticada
no Bairro é o futebol de várzea, levado a cabo por homens e mulheres. Na
imagem a seguir podemos ver um time de futebol feminino do bairro que,
segundo Pezzotti, marcou pelo pioneirismo da prática deste esporte por
mulheres, em 1934.
24
Figura 2 Time de futebol feminino da Vila Madalena de 1934 (PEZZOTTI, 1999, p.117)
Na visão de Squeff (2002), em meados da década de 1970, a Vila
Madalena já não era vista como um bairro tão harmonioso. Na verdade, pelo
contrário, o bairro parecia ser caracterizado pela violência que lá existia. Ao
contar a história de um dos locais que no futuro viria a se tornar um dos bares
de grande referência da Vila Madalena – o “Sujinho” – Squeff argumenta que
antes de o lugar se tornar mais seguro e lucrativo, os donos de
estabelecimentos se referiam a ele como um lugar “mal frequentado”, onde
por debaixo da camisa de alguns frequentadores não se percebiam revólveres (ainda não haviam bandidos escancarados); mas a catadura, o jeito de pedir a bebida e, não raro, a recusa agressiva a pagá-la transformaram o jovem migrante vindo da Bahia em uma espécie de refém de seu mau negócio (SQUEFF, 2002, p.50).
Segundo Levino Ponciano (2000), as características da Vila Madalena
mudariam a partir da chegada dos estudantes da Universidade de São Paulo
(USP), que ocorreu após o já mencionado fechamento do Conjunto Residencial
da USP. Se relocalizaram no bairro uma diversidade de grupos, incluindo os
chamados Hippies, assim como artistas e intelectuais, que passariam a
colaborar para a transformação da “atmosfera” do bairro, mudando os usos do
25
espaço e as próprias características dos estabelecimentos comerciais e de
lazer ali instalados. Os novos moradores constituíam demanda constante aos
bares. Os estudantes tiveram demandas que colaboraram não só com a
manutenção dos estabelecimentos de lazer já existentes, mas também por
estabelecimentos que fornecessem outros tipos de serviços e produtos.
Ainda que várias considerações de Ponciano (2000) pareçam carecer de
uma maior comprovação – sobretudo no que diz respeito aos frequentadores
novos e antigos da Vila Madalena – podemos aferir, que a partir da chegada
dos novos grupos, houve uma significativa mudança do status da localidade e
um aumento na demanda por novos estabelecimentos (além de demandas
qualitativas diferentes em relação aos estabelecimentos). Tudo isso em junção
aos novos movimentos culturais que colaboraram para o surgimento de novos
símbolos e signos apreciados pelos frequentadores.
1.2 Características recentes da ocupação do bairro
Heitor Frúgoli Jr. (2000) identifica que, a partir de meados da década de
1970, houve uma série de transformações no espaço urbano que colaboraram
para a valorização do quadrante sudoeste da cidade de São Paulo. As
principais áreas contempladas pelas operações urbanas foram a Avenida
Paulista, a Avenida Faria Lima e a Avenida Luiz Carlos Berrini.
Segundo Frúgoli Jr. (2000), houve uma série de iniciativas, dadas pela
influência direta de atores privados junto ao poder público (principalmente
atores ligados ao setor imobiliário), para o desenvolvimento de obras que
estimulassem a valorização da área. Tais obras possibilitaram a atração de
investimentos de empresas (principalmente as do setor terciário, como por
exemplo, as sedes e serviços administrativos de grandes empresas), além de
sensibilizar classes sociais mais abastadas economicamente para se
instalarem nestas áreas “beneficiárias” da valorização do quadrante sudoeste.
Estas alterações no ambiente construído se deram principalmente em obras
que melhoraram as condições de mobilidade urbana. Entre estas áreas
26
privilegiadas, a própria Vila Madalena se torna uma zona bastante valorizada,
estando próxima das grandes obras de estruturação do espaço urbano.
A partir da tabulação de dados ligados ao valor do rendimento médio
mensal domiciliar (IBGE, Censo 2010), produzimos um mapa que evidencia a
grande concentração de indivíduos com alto rendimento nos Distritos de
Pinheiros e Alto de Pinheiros, distritos em que a Vila Madalena está localizada,
segundo as informações presentes no site da Subprefeitura de Pinheiros2.
O mapa 1 permite identificar como é relevante a concentração de
pessoas de alta renda nesta parcela da cidade, público que colabora com a
ressignificação dos espaços da Vila Madalena.
2 Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/subprefeituras/qualidade_na_gestao/arquivos/10_converse_com_a_subprefeitura_pinheiros.pdf. Acesso em: 21/10/2015>
27
Mapa 1 – Renda domiciliar Média. Com destaque para os Distritos Pinheiros e Alto de Pinheiros. Fonte: Censo 2010, IBGE. Elaboração: André Magno Pereira dos Santos
Neste mapa é possível visualizar a existência de uma população de alto
poder aquisitivo residindo na Vila Madalena, ou mesmo em outros bairros
próximos (também “beneficiários” da implantação ali de novas infraestruturas
urbanas). Este grupo de pessoas difere muito daqueles grupos de outrora, com
os hippies ou universitários que procuraram lugares de moradia mais baratos
no Bairro nas décadas de 1970 e 80.
A valorização do quadrante sudoeste colabora para o estabelecimento
de residências e para a concentração de pessoas de alto poder aquisitivo na
28
Vila Madalena e em suas proximidades. Nesse sentido podemos inferir, ainda,
que o público frequentador dos estabelecimentos na mancha de lazer muda
também seu perfil, divergindo daquele público antigo.
É possível dizer que a procura por residências deste novo “público” de
mais alta renda na área possibilitou novas oportunidades e novos usos do
ambiente construído no bairro da Vila Madalena, hoje mais “sofisticado”. Some-
se a estes fatores o desenvolvimento econômico das pessoas que ali
continuam a morar – além da procura por moradias no local proporcionada
pelos modismos que caracterizam a atual sociedade de consumo – e a
concentração de pessoas de alto poder aquisitivo nas proximidades, como
elementos que podem nos ajudar a entender as atuais dinâmicas de
funcionamento do bairro. A partir disso, transformam-se as necessidades de
consumos (criadas por e para esta classe) para satisfazer suas demandas.
29
2 MANCHA DE LAZER DA VILA MADALENA: DEFINIÇÃO GERAL DO
CONCEITO E ABORDAGENS CORRELATAS
A revisão bibliográfica realizada para a redação desta pesquisa mostrou
que o trabalho que mais se preocupou em explicar a configuração espacial da
Vila Madalena foi aquele elaborado por colegas estudiosos da Administração –
Renato Telles et al. (2011) – intitulado Clusters comerciais: Um estudo sobre
concentrações de bares na cidade de São Paulo. Neste estudo, temos uma
análise comparativa de bares da Vila Madalena e da Vila Olímpia, além de
outros bares em localidades isoladas (fora das áreas de concentração de
estabelecimentos do tipo). Ao todo, foram estudados 24 bares naquela
pesquisa, sendo 10 deles na Vila Madalena e 10 na Vila Olímpia, além de mais
4 bares fora de áreas de concentração.
A leitura do trabalho de Telles et al. (2011) nos sugere que no tipo de
aglomeração clusters há maiores necessidades de cooperação entre os
estabelecimentos, assim como esta aglomeração “obriga” a necessidade de
realização de “promoções” para atrair a clientela. Além disso, a concentração
de estabelecimentos aparece como essencial para a atração da clientela,
devido à variedade de opções encontradas no local. A pesquisa sugere ainda
que bares de menor porte – com menor grau de organização e a dependência
maior dos bares em seu entorno – consolida esta necessidade de cooperação
e competitividade, estabelecendo relações horizontais entre os
estabelecimentos.
Segundo Telles et al. (2011), os fatores que aproximam os
estabelecimentos de lazer de um modelo de cluster de negócios comerciais3
são os seguintes: concentração geográfica, ausência de posições privilegiadas
3Telles et al. (2011) compreendem os “clusters comerciais” a partir da concentração, cooperação e competitividade entre os estabelecimentos. No caso da mancha de lazer da Vila Madalena, os autores perceberam algumas características que aproximam a concentração de bares no bairro ao conceito de cluster, como empréstimo de estoques de bebidas, ajuda entre os funcionários e a existência de “promoções”. Em certa medida, segundo os autores, os estabelecimentos trabalham com menor taxa de lucro em relação ao número de funcionários x clientela, são mais antigos, de pequeno porte, com poucos funcionários e de grau de organização menor, dependendo em grande medida da própria concentração para atração do público consumidor. Os fatores pontuados permitem encontrar sinonímias entre o conceito de “mancha de lazer” e de “cluster comercial” para entendermos como se dão os usos do espaço na Vila Madalena.
30
(em relação aos proprietários dos estabelecimentos), cooperação,
competitividade e relações horizontais entre empresas do clusters de negócios.
De uma maneira geral, segundo argumentam os autores (Telles et al.,
2011), os bares estudados da Vila Madalena estão mais próximos de
contemplar os requisitos acima que os da Vila Olímpia pelos seguintes fatores:
1. Menor porte; 2. Menor quantidade de funcionários por estabelecimentos; 3.
Rendimentos inferiores em cerca de 65% que os da Vila Olímpia; 4. Sensação
de igualdade entre os proprietários e menor desvio padrão de lucros; 5. Maior
existência promoções e empréstimos de estoques de bebidas.
Em nossas reflexões acerca do fenômeno de concentração de
estabelecimentos de lazer na Vila Madalena, sentimos a necessidade de
instrumentos conceituais úteis para compreensão tanto das formas de
apropriação do espaço urbano quanto das relações de sociabilidade que
derivam desta apropriação. Neste sentido, os trabalhos do professor José
Guilherme Cantor Magnani (1996, 2002 e 2003) tiveram uma substancial
importância para nossa investigação, sobretudo por nos apresentarem o
conceito já mencionado de “manchas de lazer”. Este conceito, além de nos
ajudar a perceber as relações de sociabilidade existentes no espaço,
possibilitou-nos um fecundo diálogo com os geógrafos que embasam nosso
referencial teórico.
A presente proposta de análise do fenômeno a partir da ideia de
Magnani encontra coerência pela busca de compreender o fenômeno em suas
múltiplas relações. Acreditamos ainda que o diálogo com as ideias derivadas
da antropologia urbana nos ajuda a ter uma maior compreensão sobre as
questões geográficas do fenômeno. Pretendemos tratar o fenômeno em sua
complexidade. E o espaço geográfico é, como já mencionado, indissociável das
relações que nele se dão. Sendo assim, o modo de produção capitalista, os
fixos geográficos do ambiente construídos e as relações de sociabilidade
ajudam, em suas múltiplas interconexões, a mostrar com maior nitidez o que é
o espaço geográfico.
Ao compreendermos o desenvolvimento da mancha de lazer e dos
principais processos relacionados a ela, buscamos desnaturalizar a ideia de
31
“centralidade”, a partir da própria análise de seu desenvolvimento histórico. Ou
seja, consideremos aqui tanto as diferentes formas de sociabilidade quanto as
ações de atores capitalistas como constituintes da mancha de lazer em um
processo histórico conflituoso, considerando que estes últimos têm um maior
poder de transformação das paisagens urbanas.
2.1 O conceito de mancha de lazer e seu uso na geografia
O princípio de formulação do conceito de “mancha” explicitado por José
Guilherme Cantor Magnani (2002) é o fato de que a forma de apropriação dos
lugares muda quando se tem um ponto de referência visível para um grande
número de pessoas. A mancha se constitui através da concentração de
equipamentos (de lazer) em determinada localidade, que produz coesão e cria
fronteiras. É fundamental que estes estabelecimentos se relacionem uns com
os outros, seja complementando um ao outro, seja competindo. Para Magnani
(2002, p. 23):
as atividades que (a mancha de lazer) oferece e as práticas que propicia são o resultado de uma multiplicidade de relações entre seus equipamentos, edificações e vias de acesso, o que garante uma maior continuidade, transformando-a, assim, em ponto de referência físico, visível e público para um número mais amplo de usuários.
A mancha se torna referência visível quando as atividades
proporcionadas por seus fixos são percebidas pelas pessoas de forma
concentrada. Para explicar o conceito de mancha, Magnani (2002) remete à
dimensão empírica do fenômeno, descrevendo séries de movimentações que
giram em torno dos equipamentos concentrados, alterando substancialmente
as características das paisagens urbanas.
Nas definições de Magnani (op. cit.), a mancha de lazer está diretamente
relacionada à sua base física. Os equipamentos de lazer podem ser de
diversos tipos: cafés, restaurantes, bares, casas de dança, pubs etc. Em
oposição às configurações espaciais mais espontâneas (de bares e “botecos”
32
geralmente mais simples, mais dispersos), temos outra configuração, em que
se multiplicam os equipamentos de lazer da localidade, produzindo
centralidade em termos de lazer e de consumo.
A geógrafa Carmen Janete Rekovvsky (2014), em seu estudo Bares e
Restaurantes Alemães e as Manchas de Lazer em Porto Alegre – RS,
estabeleceu importantes discussões sobre os conceitos de lazer e de consumo.
Tais orientações são dignas de atenção para a compreensão da ideia de
mancha de lazer e de seu uso pela geografia. A autora, ao analisar
principalmente estabelecimentos ligados à alimentação, diferencia o consumo
de refeições em duas formas (REKOVVSKY, 2014, p.186),
o consumo cotidiano e trivial, o chamado feijão com arroz; e o consumo alimentar como forma de sair da rotina e atividade de lazer [...] o comer como atividade de lazer pode ainda motivar maiores deslocamentos, ter maior duração e ser mais dispendioso. Os espaços de consumo podem ser também distintos daqueles cotidianos e suscitar a formação de redes de sociabilidades próprias ao espaço de lazer.
Rekovvsky (2014) compreende as atividades de lazer, em bares e
restaurantes, para além do “comer e o beber”. Ou seja, as relações que
envolvem este tipo de lazer podem possuir um complexo significado social,
dignos de intensas reflexões. A autora sinaliza ainda a importância do estudo
da mancha de lazer “por dar subsídio para o estudo das sociabilidades urbanas
e da apropriação dos espaços” (REKOVVSKY, 2014, p.186). Se a ideia de
“apropriação do espaço” nos sugere a discussão sobre o uso capitalista do
espaço geográfico, os estudos sobre as formas de sociabilidade urbanas nos
levam a questões mais gerais, considerando a compreensão do espaço urbano
como indissociável das práticas de sociabilidade nele existentes. Partindo
destes pressupostos, temos a pretensão de compreender um importante
movimento: a ressignificação dos espaços urbanos através das práticas de
sociabilidade em diálogo com as transformações econômicas do espaço
urbano, com a instalação dos diferentes tipos de uso capitalista do território,
mediando às relações de sociabilidades futuras.
33
O desenvolvimento da mancha de lazer é parte constituinte da
transformação do ambiente construído, possibilitando novas formas de
apropriação causadas pelo interesse de atores privados. Consideramos que na
medida em que se tem a valorização do local, por conta do desenvolvimento
das atividades de lazer, novos investimentos são atraídos, causando uma
cadeia de eventos: a modernização de estabelecimentos antigos e a instalação
de uma nova série de estabelecimentos modernos, aumentando o grau de
organização e de sofisticação da mancha de lazer. Nesse sentido, quanto
maior a visibilidade da mancha de lazer, maior é a busca de transformar o valor
de uso em valor de troca pelo capital.
2.2 A constituição da mancha de lazer da Vila Madalena
Assim como todas as fontes de informação de uma pesquisa devem ser
vistas de modo crítico, as crônicas e as diversas representações midiáticas e
publicitárias merecem um tratamento atento à lógica do discurso que as
configuram. Não negamos, portanto, o conteúdo apresentado por tais fontes,
ao contrário, pensamos que elas nos possibilitam um aprofundamento da
compreensão do imaginário criado recentemente sobre a Vila Madalena.
Conforme mencionado, Levino Ponciano (2000) também argumenta que
as transformações das características do bairro da Vila Madalena se deram
muito por conta das chegadas dos estudantes da Universidade de São Paulo
(USP) após a ditadura militar ter fechado autoritariamente o Conjunto
Residencial da USP no início da década de 70. Nesta situação, muitos
estudantes buscaram moradias baratas próximas à universidade. Isto mudaria
o cenário e alguns hábitos da Vila Madalena, com um aumento de
determinadas atividades culturais e demanda por serviços de lazer – incluindo,
no caso, um aumento considerável na demanda por bares definindo ainda mais
o status de bairro cultural e boêmio.
34
Fazendo jus a ideia de totalidade de Milton Santos, consideramos que
aquilo que foi materializado no espaço deve ser considerado para a
compreensão do desenvolvimento das características espaciais da localidade,
obviamente, que isso se dá em diálogo às necessidades da reprodução do
Capital. Nesse sentido, consideramos que a constituição do que é a Vila
Madalena hoje teve influência dos fixos geográficos de lazer e das relações de
sociabilidade implementados desde a década de 1970 e começo da década de
1980, e que a frequência deste novo público colaborou para o sucesso de
alguns estabelecimentos da época. Obviamente que isto não significa que
considerarmos que a mancha de lazer da Vila Madalena seja fruto apenas das
presenças desses grupos sociais específicos. É importante considerarmos que
a partir dos acontecimentos daquele tempo (da chegada dos estudantes) foram
se desenvolvendo tantos outros, que os incrementaram e podem chegar até
mesmo a subverter alguns significados.
O geógrafo Ubirajara Rosa dos Santos (2010), em sua dissertação,
mostra indícios da importância das migrações desses grupos para a
transformação da paisagem gastronômica da Vila Madalena. Em seu trabalho,
Santos busca compreender se há uma “paisagem gastronômica4” com uma
identidade específica na Vila Madalena comparando os restaurantes do bairro
da Vila Madalena com os do bairro do bexiga.
Santos sistematizou os dados encontrados no guia São Paulo – Capital
mundial da gastronomia, de 19975, editado pela Associação Brasileira de
Gastronomia, Hospedagem e Turismo (ABRESI). O autor tem como ponto de
partida a constatação da existência de 3.000 estabelecimentos selecionados e
descritos pelo guia São Paulo – Capital Mundial da Gastronomia, distribuídos
na Região Metropolitana de São Paulo. Com a exclusão de bares e de
4O conceito de paisagem gastronômica é compreendido por Santos (2010) a partir da percepção da territorialidade de restaurantes regionais em localidades específicas. A paisagem gastronômica é compreendida através da organização econômico-espacial e de sua organização sociocultural. Este tipo de organização é fruto das ações de atores sociais – com suas histórias e identidades – que carregam os símbolos e ícones remetentes a sua identidade na constituição e manutenção de seus negócios no setor de alimentício (restaurantes). Um dos critérios que fundamentou o trabalho de Santos foi justamente a compreensão da construção destas paisagens, buscando avaliar se as características dos estabelecimentos se relacionam com a identidade e origens de seus proprietários. 5 Ao entrarmos em contato com a ABRESI no dia 22 de agosto de 2016, tivemos a informação que o guia trabalhado por Santos (2010) foi a única versão editada pela instituição, como mencionado a edição é do ano de 1997.
35
restaurantes localizados em shoppings centers6, limitou-se à análise de 1.998
restaurantes.
A partir disso, Santos analisou as características dos restaurantes
localizados nos bairros Bexiga e Vila Madalena. Segundo sua pesquisa, a Vila
Madalena aparece como paisagem mais distanciada de uma identidade
gastronômica que o bairro do bexiga; o autor constatou ainda que
no Bexiga 63% dos entrevistados responderam que um dos motivos da abertura do restaurante regional foi a tradição e a origem; 25% conhecimentos das técnicas da culinária regional; 25% alegaram o mercado; 13% outros motivos, já na Vila Madalena as motivações para a abertura de restaurantes de cozinha regional foram: 21% por tradição e pela origem; 36% pelo conhecimento das técnicas culinárias; 64% pela demanda do mercado consumidor; 7% comprou a empresa pronta; 7% porque o ponto já possuía essa tradição; 7% pela gastronomia; 7% porque queriam abrir um restaurante de sua especialidade com qualidade no Bairro(SANTOS, 2010, p.85).
Nas suas considerações finais, Santos aponta que um dos fatores que
levaram a este resultado foi justamente o fato de que os restaurantes da Vila
Madalena conheceram outro tipo de desenvolvimento histórico, a partir da
chegada de diversos grupos mais ligados a movimentos culturais a partir do
ano de 1970. Santos considera que o forte movimento das migrações Italianas
para o Bairro do Bexiga e a continuidade da direção destes estabelecimentos
pelas famílias de origem italiana colaboram para a manutenção da paisagem
gastronômica com forte ligação a esta identidade. Já a Vila Madalena se liga,
segundo o autor, mais aos “modismos” e ao mercado.
O bar conhecido como Sujinho, de razão social Snacks Bar Canarinho,
inaugurado em 1978, na Rua Mourato Coelho – uma das principais ruas da
mancha de lazer da Vila Madalena hoje – figura como um dos bares que
melhor remetem à história da constituição da atual mancha de lazer da Vila
Madalena. Entretanto, em seu início, segundo Squeff (2002), o bar se
apresentava como um negócio “incerto”, pois
6 A exclusão de bares e shopping centers evidencia o caráter da pesquisa, intimamente relacionado com paisagens gastronômicas e identidades. No caso estudado, percebeu-se que o bairro Bexiga estaria mais ligado as identidades gastronômicas italianas e o bairro da Vila Madalena à gastronomia portuguesa.
36
parece ter sido sempre assim, no começo, quando o alugou do ‘Senhor Campos’, pai da ex-jornalista e ex-deputada brizolista Cidinha Campos, Renato não tinha muito a ideia de que o aguardava. A vila, naquele ponto, era o que descrevem os mais antigos moradores: uma esquina entre duas ruas (a Wisard com a Mourato Coelho) que ficavam desertas ao cair da noite. Mal o sol se punha, as casas e cercanias fechavam suas portas, as ruas mergulhavam nas sombrias, mal iluminadas por alguns raros pontos de luz (SQUEFF, 2002, p. 50).
Ao lermos este texto, podemos perceber aspectos de outro tempo e de
outros usos do espaço da Vila Madalena, ou seja, relações mais
horizontalizadas em que o valor de uso dos lugares encontra-se menos
assediado pelos interesses capitalistas para transformarem-se em valor de
troca. Nesta época, o potencial dos negócios no setor de lazer ainda não
estava consolidado, embora o Sujinho tenha marcado época posteriormente.
Esta citação parece representar bem o período destas transformações
que ocorreram no espaço da Vila Madalena e em seus estabelecimentos, já no
que diz respeito a um bar conhecido pelo nome de Sujinho, visto como “mal
encarado” em uma época anterior. Squeff também concorda com a ideia de
que as coisas parecem ter sido transformadas a partir da chegada daqueles
que ficaram conhecidos pelos moradores tradicionais como ‘hippies’. Para o
autor (SQUEFF, 2002, p.51 e p.52), “logo as coisas tomariam outro rumo. Aos
poucos, em vez de sujeitos ‘mal-encarados’, os que vão chegando com a noite
são barbudos e cabeludos...”. Cabe realçar ainda o fato de que esta afirmação
pode nos ajudar a compreender o imaginário que foi se construindo em relação
ao bairro, e nosso interesse se dá pela análise documental da crônica de
Squeff.
Outro fixo geográfico que figura entre os estabelecimentos dessa
transição que queremos demarcar, é o Bar Empanadas, que nasceu em 1980,
como Martin Fierro. Em sua página da internet, o bar reivindica que sua
imagem está historicamente ligada a artistas, intelectuais, estudantes etc. A
própria página do site zela pela referência cult, e suas ligações com
intelectuais, estudantes, artistas etc.:
37
Cult desde sempre, o bar logo atraiu os estudantes da USP, os jornalistas, os alternativos, os intelectuais de esquerda, e principalmente dos cineastas da Tatu Filmes e a Filme Brasil que discutiam seus projetos de roteiro em nossas mesas, numa época tranquila na Vila Madalena7.
Através de nossa pesquisa documental, encontramos outros materiais
que relacionam estes novos frequentadores (intelectuais, alternativos,
estudantes etc.) à produção do status cultural e artístico do bairro. A matéria
Chope, celulóide e empanadas, assinada por Antonio Gonçalves Filho (1985),
sinaliza esta influência da chegada dos produtores cinematográficos nas
transformações das características do bairro na década de 80:
para “Sorte” dos tradicionais moradores desse bairro aldeia, a instalação de produtores cinematográficos na “Vila” e o modismo que sempre acompanha o nada discreto charme da “gente do cinema” transformaram a Vila numa área privilegiada, cuja verticalização pode ser medida pelo vertiginoso aumento dos preços dos alugueis. E os tipos exóticos começaram a escassear, embora circulem pelas feiras de sábado de chinelos de couro, calça de algodão cru, discos de Tarancón, “esquenta pernas” peruanos e devedores de empanadas8.
O autor relaciona a chegada do público do cinema à produção de um
novo status para o bairro. Este novo status seria responsável pela atração de
um público de maior poder aquisitivo, influenciado pelo “modismo que
acompanha o nada discreto charme do cinema”. Por outro lado, o aumento
dos preços dos aluguéis fez com que os “tipos exóticos” que lá viviam fossem
expulsos. “Tipos exóticos” não menos importantes na história da constituição
da mancha de lazer que o público do cinema. A imagem a seguir parece
representar bem o imaginário da época – e também como uma imagem que
colaborou para construção do imaginário de bairro cultural e boêmio através da
reprodução desta ideia.
7 http://www.empanadasbar.com.br/empanadas_bar.htm, última visualização em 20/08/2015. 8GONÇALVES FILHO, Antonio. Folha de S. Paulo. Ilustrada. Chope, celulóide e empanadas.
38
Figura 3. Ilustração da matéria produzida pelo jornal Folha de S. Paulo, de título: Chope, celulóide e empanadas, assinada por Antonio Gonçalves Filho, 1985
Segundo Solange Whitaker Verri (2014), em História imediata da Vila
Madalena: uma análise das influências em 2012 da história cultural do Bairro
na década de 1980, a percepção da Vila Madalena como bairro cultural,
boêmio e de vanguarda é insuficiente. Tais características podem ser
produzidas não só a partir de fatos históricos que dizem respeito a
determinados grupos, mas também por publicizações e construções de
percepções sem critérios mais precisos. Portanto, temos que nos precaver em
relação à perspectiva de que a história cultural do bairro tenha seu início
somente após das chegadas dos referidos grupos de intelectuais, estudantes,
artistas etc. mencionados nos diversos materiais que estudamos. Nas palavras
de Verri (2014, 119), “dizer que o bairro é um local de ‘intelectuais, artistas e
inteligência’ é um modo de transferir os sentidos dos termos para o imaginário
das pessoas, a ideia e a imagem do lugar com gente intelectual, artista e da
inteligência.”
39
Esse raciocínio nos mostra a que a ideia que se tem de “lugar boêmio” e
“lugar cultural” em relação à Vila Madalena deve ser pensada em outros
termos, pois ainda que o lugar tenha características culturais e boêmias
reconhecidas por um grupo grande de pessoas, não podemos defini-lo apenas
a partir desta característica. Pois é possível identificar diversas formas de
inteligência, de cultura e de “boemia” que não possuem o mesmo status, vide a
imensa vida cultural que podem ser notadas em diversos lugares: os saraus, o
movimento Hip-Hop, as festas, os movimentos de luta por direitos, etc. são
frutos de uma grande riqueza da cultura periférica. Nesse sentido, é
questionável diferenciar a Vila Madalena de outros lugares tendo como critério
apenas o fator cultural em seus moldes mais clássicos (ligados à “alta cultura”,
como o cinema, as artes plásticas, as músicas “eruditas”, etc).
A autora afirma que a Vila Madalena teve sim grande influência da
chegada de estudantes, artistas, vanguardistas, intelectuais, boêmios etc. em
meados da década de 1970, período da constituição da mancha de lazer.
Porém, tem-se o outro “lado da moeda”, ou seja, o modo como a história e os
símbolos do bairro são trabalhados através da lógica mercantilista. Não se tem
de fato uma característica específica de identidade gastronômica, mas sim o
estabelecimento de bares que se desenvolveram a partir de novas demandas,
tanto pelos grupos que vieram morar na Vila Madalena em outras épocas
quanto pelas ressignificações das características do local orientadas pela
lógica de consumo.
É justamente sobre as influências dos grupos que frequentavam a Vila
Madalena em meados da década de 1970 e da coisificação dos signos e do
lugar através de sua publicização que Verri desenvolve sua tese. A
concentração de bares e seu relativo sucesso possuem relações tanto com
estes grupos que frequentavam a Vila Madalena nestas épocas quanto à
consolidação de uma imagem produzida pela lógica de consumo. Segundo a
autora,
nesse contexto, são tantos os sentidos atribuídos à Vila Madalena como um lugar de intelectuais, militantes de esquerda, artista, bicho grilo, vanguarda, alternativo, charmoso, boêmio etc., que em meio a todas as possibilidades, o consumidor se identifica com o que mais lhe convém Todos os
40
signos atribuídos ao local tomam parte do “espetáculo da quantidade”, em detrimento da qualidade, enquanto o que se está pesquisando é justamente em que medida isto corresponde ao real e ou ao imaginário (VERRI, 2014, p.97).
É possível, nesse sentido, inferir que o uso e a reprodução do status de
bairro cultural e boêmio é uma forma de aprimorar a acumulação histórica das
relações de sociabilidade em moldes capitalistas. Sendo assim, devemos ter
em mente que tais conceitos de boemia, cultura e lazer não devem ser vistos
de maneira naturalizada. A essência das relações culturais e das formas de
sociabilidade produzidas historicamente é vista aqui em confronto aos
interesses dos capitais, que buscam tornar os usos do espaço urbano mais
próximos da lógica da mercadoria.
O site da marca Hilton Hotels 7 Resorts faz sugestões sobre “o que fazer
na Vila Madalena” em relação aos turistas que frequentam o estabelecimento.
O site coloca em evidência o fato de o bairro ser um dos mais agitados de São
Paulo. Entre as opções mostradas pelo site, o destaque vai para o “agito
noturno” dos bares e botecos9 daquela área. Além de ressaltar que o lugar
“concentra intelectuais e artistas” e “ateliers, galerias de artes brechós e
grafites que ficam no bairro”, toda a representação feita pelo Hotel se relaciona
ao pacote de coisas que os turistas podem se utilizar ao visitar São Paulo; mais
especificamente, a Vila Madalena, segundo o Hilton Hotels 7 Resorts,
é um dos lugares mais badalados, se não o mais, da cidade de São Paulo e principal reduto dos Boêmios de Plantão (...) Em suas ruas funcionam bares para todos os gostos, charmosos botecos com azulejos nas paredes, caldinho de feijão e chope gelado, disputando espaço com o samba e o Rock das baladas (...) Todo esse agito noturno dá lugar aos intelectuais que percorrem as charmosas livrarias à tarde (...) Sem esquecer
9Nossa concepção de boteco busca se associar ao imaginário do senso comum. Ou seja, bares
de pequeno porte, com baixo grau de organização das relações de trabalho e intimamente
ligados a bairro residencial. Através do site Comida di Buteco, encontramos uma percepção
que se associa a com que trabalhamos. Segundo o site, botecos são bares que são tocados
pelos próprios donos dos estabelecimentos, envolvendo na maioria das vezes famílias e que
tenham boa comida possuem alma (grifo dos próprios autores do texto).
< http://www.comidadibuteco.com.br/apresentacao/> acesso em 06/11/2016.
41
que mais que uma região boêmia, Vila Madalena concentra intelectuais e artistas10.
10 http://hiltonmorumbi.com.br/o-que-fazer-em-vila-madalena/. Acesso em 25/09/2016.
42
3 CONCENTRAÇÃO E CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DOS
ESTABELECIMENTOS DE LAZER DA VILA MADALENA
Apesar da enorme popularidade da Vila Madalena no imaginário da
população paulistana, não foi tarefa fácil encontrar dados oficiais sobre a
concentração e disposição de estabelecimentos de lazer no bairro. Em nossa
pesquisa, partimos da busca de informações em instituições patronais, como
sindicatos e associações; e de órgãos públicos, como Prefeitura, Subprefeitura
e Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP). Em alguns casos,
encontramos barreiras para acessar os dados que as instituições patronais
diziam possuir; em outros, revelou-se certa falta de preocupação com o
fenômeno por parte dos órgãos públicos.
Entramos em contato com a Associação Brasileira de Gastronomia,
Hospedagem e Turismo (ABRESI) e não obtivemos informações sobre a
localização e a concentração de estabelecimentos de lazer no bairro; nem
mesmo em uma escala maior, referentes ao número de estabelecimentos
localizados nos distritos de Pinheiros e Alto de Pinheiros, onde o bairro está
localizado. Segundo a ABRESI, os dados que a associação possui são
referentes aos estabelecimentos de empresários associados, que não
representam, portanto, a totalidade dos estabelecimentos existentes no bairro
(e, para além disso, eram dados de “acesso restrito”). Confirmamos ainda que
o guia São Paulo – Capital Mundial da Gastronomia, de 199711, utilizado por
Santos (2010) em sua dissertação foi à última versão editada pela ABRESI. A
ABRESI afirmou ainda que o Guia não contemplava todos os bares e
restaurantes da capital, já que tinha caráter seletivo, e não constituía um
“censo” destes estabelecimentos na cidade.
Em contato com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes
(ABRASEL), não encontramos dados referentes à quantidade de
estabelecimentos no bairro da Vila Madalena, sendo que a associação afirmou
não haver uma sistematização de tais dados em relação ao bairro. Uma
11O Guia foi produzido a partir dos esforços de João Padanovsk e editado pela ABRESI e pelo
SINHORES em 1997. O guia foi à base dos estudos de SANTOS (2010) para a composição de
sua dissertação “Uma leitura geográfica da gastronomia da cidade de São Paulo: paisagem e
identidades gastronômicas do Bexiga e da Vila Madalena”.
43
informação relevante que coletamos com a assessoria de imprensa da
ABRASEL foi a estimativa de que existam 56 mil bares na Região
Metropolitana de São Paulo. A mesma negativa foi dada em relação aos dados
referentes à Vila Madalena quando entramos em contato à Associação
Comercial de São Paulo – ACSP.
Em visita à Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), tivemos
a resposta de que a pesquisa sobre a concentração de estabelecimentos se dá
a partir da busca pela Razão Social de cada fixo geográfico comercial
desejado. Segundo funcionários do local, a JUCESP não trabalha com
informações por localidades específicas. Entretanto, em pesquisas no site da
JUCESP, encontramos fixos geográficos comerciais (sem distinção) listados
por ruas, conforme a disposição do site. Os estabelecimentos aparecem
listados pela razão social, e não pelo nome fantasia, que são as que aparecem
nas fachadas dos bares, e tornam conhecidos os estabelecimentos
popularmente.
Em visita à Subprefeitura de Pinheiros, conversamos com o Sr. Flávio
Cury, da Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano (CPDU), da Subprefeitura
de Pinheiros. Com ele tivemos a informação de que a Subprefeitura não possui
dados sistematizados a respeito dos estabelecimentos de lazer em áreas
específicas do município. Existem cadastros de empresas e de alvarás, no
entanto, tais informações não são trabalhadas de forma sistemática pela
Prefeitura. Não há uma organização sobre o número de estabelecimentos por
algum critério específico ou alguma classificação dos estabelecimentos por
“zoneamentos” e localidades específicas. Uma informação relevante que
conseguimos na Subprefeitura de Pinheiros é referente ao número de
estabelecimentos que têm permissão de uso de mesas e cadeiras nas
calçadas – Termo de Permissão de Uso (TPU); segundo o registro, existiam
230 estabelecimentos com esta permissão no bairro de Pinheiros até outubro
de 2015 (data de nossa visita a Subprefeitura).
Ademais, em nossas conversas com o Sr. Flávio Cury – e com outros
funcionários da Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano –, constatamos
que as ruas que possuíam maior destaque em relação à concentração de fixos
44
geográficos da área de lazer são: Aspicuelta; Harmonia; Fradique Coutinho;
Mourato Coelho; Fidalga; Girassol; e Wisard.
A urbanista Débora Jun Portugheis, em seu trabalho de Iniciação
Cientifica, foi uma das pesquisadoras que teve maior preocupação com o
crescimento do número de estabelecimentos de lazer na Vila Madalena.
Através do site da JUCESP, a autora tabulou os registros de abertura de
estabelecimentos comerciais relacionados a atividades noturnas e alimentação
nas últimas três décadas.
Segundo a autora, o período entre 1980 e 1990, se caracteriza como o
ápice de registro de estabelecimentos relacionados ao lazer noturno e
alimentação. Nesta época (1980 – 1990), a Rua Fidalga liderou o número de
registros de abertura, com 12 fixos geográficos, seguida pelas Ruas Mourato
Coelho (11), Rua Fradique Coutinho (7) e Girassol (6).
O período entre 1990 e 2000, possui também grande relevância. Nesta
época, a Rua Aspicuelta liderou o número de registros, com 10 fixos
geográficos registrados. Seguida pelas Ruas Mourato Coelho (8), Wisard (8) e
Fidalga (6). As ruas Mourato Coelho e Fidalga permanecem em destaque.
Em nossa pesquisa em sites e revistas online, encontramos duas
abordagens referentes à concentração de estabelecimentos de lazer na Vila
Madalena, possuindo as duas sentidos diversos. A matéria do Caderno
Cotidiano da Folha de S. Paulo intitulada Cresce o número de queixas sobre o
barulho em São Paulo (SPINELLI; BARROS, 2008, C1) trata dos conflitos
cotidianos decorrentes da concentração de bares na localidade. Já a matéria
da Veja Vila Madalena: Reduto Baladeiro (DUNDER, 2010) tem o caráter mais
publicitário que jornalístico, pois procura mostrar as atrações do bairro, entre
elas a concentração dos estabelecimentos.
A abordagem feita pela Veja São Paulo (DUNDER, 2010) apresenta
aspectos que remetem ao lado “positivo” da concentração. O subtítulo explicita
o enfoque do texto: Não existe noite vazia onde a renda média dos domicílios é
9.000 Reais e metade das famílias não tem filhos. Segundo a matéria, a
concentração de bares dificulta qualquer passagem mais “apressada” pelas
45
ruas da Vila, pois há grandes “atrações” em todas as direções: “quase 300
bares, restaurantes e lanchonetes e mais de quarenta livrarias e lojas de
artesanato”. A preocupação de mostrar o número dos bares (300) é feita aqui
com a intenção de evidenciar a grande quantidade de fixos geográficos que
compõe a mancha de lazer do bairro. Pelo teor da reportagem, o bairro acaba
sendo definido como um reduto do lazer, ou como diz a revista, um “reduto
baladeiro”.
A matéria da Folha de S. Paulo (SPINELLI; BARROS, 2008, C1) mostra
aspectos dos conflitos em áreas de concentrações de bares. Nela encontramos
algumas referências da dimensão da área que compõe a mancha de lazer da
Vila Madalena. Segundo o jornal, a área que engloba o Bairro de Pinheiros,
onde se localiza a Vila Madalena, é “campeã” em número de denúncias
referentes à chamada Lei do PSIU12. A Folha de S. Paulo destaca a grande
concentração de bares na Vila Madalena na Rua Mourato Coelho (SPINELLI;
BARROS, 2008, C1): “na Rua Mourato Coelho, Vila Madalena, nos 6
quarteirões entre as ruas Pinheiros e Wisard, se enfileiram 56 bares”. Segundo
a mesma matéria, “a Prefeitura não tem controle sobre o número de bares
instalados em uma única rua ou região”.
A grande concentração de estabelecimentos de lazer na Vila Madalena
se torna evidente, e seu estudo pode ajudar compreender a transformação do
ambiente construído naquele bairro, que se tornou uma importante centralidade
em termos de lazer. Como buscamos assinalar, o conceito de mancha de lazer
se torna cada vez mais sólido quando o interpretamos como a possibilidade de
compreender as formas de apropriação capitalista do espaço e as
transformações nas formas de sociabilidade nele existentes.
12O Programa do Silêncio Urbano da Prefeitura Municipal de São Paulo (PSIU) busca mediar
os conflitos que se dão pela poluição sonora com base da aplicação das Leis Municipais
n°12.879, 13 de Julho de 1999 e n°11.804, 19 de Junho de 1995. A primeira limita o
funcionamento de estabelecimentos (como bares, igrejas, salões etc.) até 01h00min da manhã.
A segunda trata de limitar os ruídos através da quantidade de decibéis emitidos e do período
da emissão.
46
3.1 Delimitação e concentração dos estabelecimentos de lazer da Vila
Madalena
No trabalho de Dantas (2008), encontramos uma importante reflexão
acerca das possibilidades de delimitação do bairro da Vila Madalena. Em sua
análise, a autora mostra o quão seria insuficiente uma delimitação absoluta do
bairro da Vila Madalena. Segundo Dantas, a questão envolve certa
subjetividade dos personagens e de um jogo de interesses, já que
é comum a sobreposição de um bairro a outro, o que acaba aumentando ou diminuindo suas áreas. Isso acontece principalmente em decorrência da especulação imobiliária, que na ânsia de valorizar determinados imóveis, adota muitas vezes o nome do bairro vizinho. Assim, quem define espacialmente o que é a Vila Madalena hoje, são os próprios
moradores, além dos especuladores (DANTAS, 2008, p. 33).
Esta apreciação de Dantas nos remete ao nosso diálogo com o Sr.
Flávio Cury, da CPDU, quando buscamos saber sobre a existência de alguma
delimitação oficial do bairro. Segundo Cury, existem diferentes zoneamentos e
delimitações possíveis em relação ao bairro. Este fato abre algumas
possibilidades de interpretações da extensão da localidade da mancha de
lazer, que é também uma das preocupações desta pesquisa.
Se existem áreas em que há uma valorização e um status social maior,
existem também os interesses comerciais dos donos de bares e restaurantes
para afirmarem que seus estabelecimentos façam parte do tradicional bairro da
Vila Madalena. Acreditamos, no entanto, que devemos estar atentos ao
desenvolvimento histórico do bairro e de sua mancha de lazer, dando relevo as
relações de identidades com o lugar. Portanto, um fator de fundamental
importância envolvido neste zoneamento – para além da definição oficial da
Prefeitura – é a definição que é dada pelo senso comum, isto é, pela
identificação subjetiva e coletivamente construída por aqueles que frequentam
e/ou que vivem no bairro.
Devido ao fato de a mancha de lazer ser “um ponto de referência física,
visível e pública para um amplo público de pessoas” (MAGNANI, 2002, p.23),
47
consideramos que a ela se relaciona com pelo menos três fatores: 1. o
ambiente construído do bairro; 2. a percepção dos moradores do bairro e dos
“usuários” da mancha de lazer (e suas distintas relações de sociabilidade); e 3.
as relações que se dão entre os estabelecimentos comerciais, que
desenvolvem nexos que dependem da contiguidade existente entre eles. As
representações subjetivas de todos os agentes envolvidos podem nos levar, no
entanto, a delimitações distintas, onde determinados lugares podem estar ou
não dentro das considerações e dos circuitos realizados pelos frequentadores.
Portanto, não nos compete aqui definir a dimensão do que é a mancha de lazer
de modo rígido, ou mesmo uma relação intimamente ligada a uma
compreensão de uma territorialidade absoluta em relação ao bairro.
Em nossa perspectiva geográfica, buscaremos uma compreensão sobre
a dimensão da mancha de lazer da Vila Madalena e uma classificação de seus
principais estabelecimentos, ainda que seja de forma exploratória (para
posteriores aprimoramentos), seguindo o rigor do método e das teorias
geográficas que embasam nosso estudo. Para isso, torna-se premente uma
pesquisa empírica para tornar mais explícito o que classificamos como sendo a
mancha de lazer da Vila Madalena.
As reflexões acerca do jogo de interesses e de identidades que nos
remetem a delimitação da mancha de lazer nos possibilitam adentrar no debate
a respeito das diferentes territorialidades encontradas no bairro. Alguns
estabelecimentos que compõem a área estudada podem simplesmente ser
compreendidos como “tradicionais”, obedecendo à lógica historicamente
construída na Vila (ainda que possam estar localizados em bairros limítrofes). É
o caso, por exemplo, de alguns estabelecimentos localizados nos bairros
Sumarezinho, Alto de Pinheiros, Pinheiros, etc. que reivindicam o status de bar
da Vila Madalena.
Um exemplo empírico que pode ajudar a melhorar – e compreender – o
raciocínio acima descrito é o caso da Mercearia São Pedro, um dos mais
conhecidos bares da Vila Madalena. É considerado como um estabelecimento
“histórico” da Vila Madalena, entretanto, ele se localiza, do ponto de vista
oficial, no Bairro de Sumarezinho. O mesmo raciocínio serve quando pensamos
48
no Bar Tribunal, que se localiza nas proximidades. Algumas páginas de internet
especializadas em lazer colocam tais bares, ora como Vila Madalena, ora como
Sumarezinho. Segundo a Revista Veja e a Folha de São Paulo13, o bar
Mercearia São Pedro e o Bar O Tribunal estão localizados na Vila Madalena.
Por outro lado, para o BaresSP e a própria Revista Veja14, a Mercearia São
Pedro e o Bar Tribunal estão localizados no bairro de Sumarezinho.
Para procurar esclarecer alguns destes pontos, realizamos alguns
trabalhos de campo de caráter exploratório no Bairro. Em um destes trabalhos
de campo no bairro, conversamos com os funcionários da referida Mercearia
São Pedro, e recebemos a informação que havia correspondências postais que
chegavam tanto com o endereço do Bairro Sumarezinho quanto da Vila
Madalena. No entanto, afirmou-se que o estabelecimento é identificado pela
maioria do público como pertencente ao Bairro da Vila Madalena.
3.2 A evolução dos estabelecimentos de lazer e atual organização
espacial
A mancha de lazer, fundada a partir dos estabelecimentos relacionados
a circuitos culturais no bairro da Vila Madalena em meados de 1980, sofreu ao
longo do tempo um forte movimento de apropriação por parte dos novos
interesses capitalistas. Isto se deu principalmente através do processo de
centralização do comando (da propriedade) dos principais estabelecimentos
deste tipo, que foram comprados e passaram a ser propriedade de poucos
grupos capitalistas. Estes grupos, por sua vez, são beneficiários dos símbolos
construídos a partir das relações de sociabilidade historicamente construídas
ali.
A centralização de capitais ligados ao setor de lazer possibilita grandes
transformações das características espaciais do bairro. Os poucos
13Fonte: <http://vejasp.abril.com.br/estabelecimento/mercearia-sao-pedro/> e <http://guia1.folha.com.br/guia/bares/barrestaurante/568497/bar_tribunal>. Acesso em 02/09/2015 14Fonte: <http://vejasp.abril.com.br/estabelecimento/tribunal>; e <http://www.baressp.com.br/bares/mercearia-sao-pedro>. Acesso em 02/09/2015.
49
estabelecimentos que ainda nos remetem a tradição do bairro transformaram
suas características e receberam novos investimentos para atender às
demandas atuais. Alguns estabelecimentos não resistiram ao processo de
valorização da mancha de lazer, dando lugar a outros mais sofisticados, que
atendem a uma nova lógica de organização. Grande parte dos
estabelecimentos de lazer é gerenciada por poucos capitais centralizados,
dirigidos por grupo de associados. Estes grupos foram tomando e centralizando
o controle de quarteirões inteiros, através da compra dos fixos geográficos
existentes (ou abertura de novos estabelecimentos).
Encontramos nas páginas dos próprios empreendimentos de lazer do
bairro evidências do processo de centralização de capitais ligados a este
serviço. A centralização do capital através de associações entre investidores
tornou possíveis a consolidação e a expansão de seus negócios em
localidades de seus interesses. Diversos capitais associados se confundem em
uma rede de proprietários dos estabelecimentos, que é dificilmente decifrável.
Como modo de mostrar a complexidade da organização de algumas destas
redes de estabelecimentos, fizemos o esforço de sintetizar informações obtidas
em nossa pesquisa documental.
Iniciamos pelas informações obtidas na página do grupo Cia. Tradicional
de Comércio15, cujos estabelecimentos se estendem para os muitos endereços,
até mesmo para além do bairro da Vila Madalena (e mesmo da cidade e do
Estado de São Paulo). Vejamos os 22 estabelecimentos pertencentes a Cia
tradicional de Comércio e suas localizações: o Bar Original está localizado no
Bairro do Brás, na cidade de São Paulo; o Bar Pirajá se estende por 3
endereços, Faria Lima, Morumbi, e Alphaville, também na cidade de São Paulo;
a Pizzaria Brás, que por sua vez possui filiais em endereços nos bairros de
Higienópolis, Moema, Pinheiros, Perdizes, Tatuapé – São Paulo (a mesma
pizzaria também possui sedes em Cambuí, Campinas e na Barra da Tijuca e
no Jardim Botânico, na Cidade do Rio de Janeiro); o estabelecimento
Lanchonete da Cidade se localiza no Jardim Paulista – São Paulo; o
estabelecimento ICI Brasserie atende pelos endereços Jardim Paulista, Vila
15<http://www.ciatradicional.com.br/nossas-casas/>, Acesso em 01/8/2016.
50
Nova Conceição, Brooklin e Alto de Pinheiros – São Paulo. Por fim, dois
estabelecimentos presentes no bairro da Vila Madalena: o SubAstor localizado
na Rua Delfina que, além de possuir endereço na Vila Madalena, possui uma
unidade no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro; e o Bar Astor, também
localizado na rua Delfina e no bairro de Ipanema – Rio de Janeiro.
O renomado estabelecimento Boteco São Bento, um dos símbolos da
Vila Madalena, é outro empreendimento que apresenta evidências do processo
de centralização do comando de estabelecimentos de lazer por um mesmo
grupo de empresários. Além do Boteco São Bento, localizado na movimentada
esquina da Rua Mourato Coelho com a Rua Aspicuelta, temos as unidades
(com o mesmo nome fantasia) em Itaim Bibi, na cidade de São Paulo, e em
Cambuí, na cidade de Campinas16.
O empreendimento Quintal do Espeto apresenta mais quatro unidades
além do estabelecimento localizado na Rua Mourato Coelho, no bairro da Vila
Madalena. Tais unidades se localizam nos bairros Moema (duas unidades),
Alto da Lapa e Tatuapé17. O mesmo se aplica ao Bar Venga (de inspirações
espanholas) que além da unidade da Rua Delfina, na Vila Madalena, possuí
unidades no Rio de Janeiro nos bairros do Leblon, Copacabana e Ipanema18.
A padaria Villa Grano 24h também apresenta o mesmo cenário de
centralização da propriedade dos estabelecimentos. A unidade pioneira do
grupo se estabeleceu na Vila Madalena, em frente o Bar Empanadas, na Rua
Wisard. Além desta unidade, temos as seguintes: Villa Grano Pães, na cidade
de Hortolândia (SP); Arizona Pães, localizada no bairro do Tremembé; e Santa
Maria Pães, localizada entre o bairro Sumurezinho e Vila Madalena, as duas
últimas localizadas na cidade de São Paulo19.
Os empreendimentos Salve Jorge, Cervejaria Patriarca e Posto 6
pertencem ao mesmo grupo de associados, ambos possuem unidade na Vila
Madalena. A Cervejaria Patriarca está localizada na Rua Mourato Coelho; já os
16<http://botecosaobento.com.br/>. Acesso em 09/09/2016 17<http://www.quintaldoespeto.com.br/>. Acesso em 09/09/2016 18<http://venga.com.br/donde-estamos/>. Acesso em 09/09/2016 19<http://www.villagrano.com.br/index.php/historia>. Acesso em 09/09/2016
51
bares Posto 6 e Salve Jorge estão na Rua Aspicuelta. O Salve Jorge20 possui
unidades também nos bairros: São Bento (centro), Itaim Bibi e na sede do
Corinthians, Tatuapé. A Cervejaria Patriarca, além de possuir uma Unidade
localizada na Rua Mourato Coelho, atende também no endereço do bairro do
Tatuapé21.
No site do Armazém Piola22, localizado na Rua Aspicuelta, Vila
Madalena, encontramos também uma nota afirmando que o estabelecimento
faz parte de um blend, ou seja, uma mistura dos estabelecimentos Salve Jorge,
Posto 6, Cervejaria Patriarca e Posto 6 e a Pizzaria Piola. A Pizzaria Piola faz
parte, na verdade, de uma rede internacional de estabelecimentos deste tipo,
que também trabalha por franquia em diversas partes do mundo. O grupo Piola
possui casas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Além de
possuir empreendimentos em países como Estados Unidos da América;
México, Panamá, Colômbia, Chile, Argentina, Itália e Turquia.
Os bares Genésio (Rua Fidalga), Filial (Rua Fidalga) e Genial (Rua
Girassol) constituem mais uma evidência do processo de centralização do
comando de estabelecimentos de lazer, concentrando-se ambos no próprio
bairro da Vila Madalena23. Estes bares possuem relação de proximidade física
dentro da mancha de lazer da Vila Madalena, e pertencem ao mesmo
proprietário.
Temos outros casos de centralização do comando dos estabelecimentos
de lazer no bairro, porém não encontramos informações diretas nas páginas de
internet dos estabelecimentos. Por meio da revista on-line Guia da Vila24
encontramos a informação de que os bares Dona Nina, Seu Domingos,
Quitandinha e o bar Na Quebrada pertencem a associados em comum.
Para analisarmos as transformações das características dos fixos
geográficos, listamos primeiramente os estabelecimentos que remontam a
origem do status cultural e boêmio do bairro. O Bar Empanadas, fundado em
20<http://barsalvejorge.com.br/historia/>. Acesso em 01/08/2016. 21<http://cervejariapatriarca.com.br/>. Acesso em 23/08/2016. 22<http://www.armazempiola.com.br/casa.swf>. Acesso em 23/08/2016. 23<http://www.barfilial.com.br/>. Acesso em 23/08/2016. 24<http://guiadavila.tudoeste.com.br/2016/04/06/para-bebericar-e-relaxar/>. Acesso em 23/08/2016
52
1980, é nesse sentido um dos principais estabelecimentos mais longevos do
bairro. Não é fortuito, portanto, que um de seus principais atrativos se dá
através da valorização de sua tradição. Como podemos observar em seu site
oficial, o estabelecimento mostra sua satisfação pela manutenção de
determinadas características do fixo geográfico original – que se expandiu – e
de sua decoração interna, que é motivo de destaque por parte de seu site25:
o bar era um pequeno salão, com um balcão e algumas mesinhas de lata. Este salão, que é hoje apenas uma parte do bar, continua lá e, exceto pelas mesas que agora são de madeira, ele é exatamente como era, com seus pôsteres de filmes, o ônibus pintado a mão pelo Chocante e as fotos de novos e antigos frequentadores.
Na mesma página, o estabelecimento ainda nos ajuda a evidenciar que
a mudança não foi apenas física, mas também do perfil de seus
frequentadores. Ainda que o bar continue a apresentar a sua empanada como
um de seus principais atrativos, temos lá novas relações de sociabilidade e da
apropriação de seus símbolos. Constatamos ainda que foi um grupo social
diferente do atual que ajudou a transformar as características do bairro e a criar
seus símbolos. O site nos remete a frequência de pessoas de alto poder de
aquisitivo e de frequentadores vindo de outros bairros da cidade,
frequentadores diferentes daqueles que vieram originalmente transformar a Vila
Madalena no passado, conforme o site, “hoje, o público ficou mais eclético,
recebendo universitários de todos os cantos da cidade, patricinhas e
mauricinhos, atletas e neo-hippies, e também quarentões e cinquentões,
saudosos de uma época em que o Empanadas era só deles”26.
Sobre a organização econômica dos estabelecimentos, encontramos
informações de que o Empanadas passou para as mãos de quatro sócios,
entre os quais três eram antigos funcionários do estabelecimento. O fato de
não serem agentes econômicos com poder de concentrar um grande capital é
algo que vai “na contramão” da lógica dos negócios da Vila Madalena. Ainda
assim, conforme nossas pesquisas, o bar passou para o controle dos ex-
25<http://www.empanadasbar.com.br/empanadas_bar.htm>. Acesso em 23/08/2016 26 Idem.
53
funcionários através de arrendamento, e não se tornou de fato uma
propriedade destes novos associados. Encontramos em uma página do site do
Museu da Pessoa uma história contada por Robson, um dos quatro associados
atuais, afirmando que o bar passou para as mãos de três de seus antigos
funcionários por meio de arrendamento, no período do Governo Collor, em
meados dos anos 1990, período de grande instabilidade econômica no Brasil.
Segundo Robson, os antigos donos romperam a sociedade, com um deles
ficando com um novo empreendimento lançados pelos ex-sócios, uma fábrica
de empanadas, e outro com o Empanadas. Porém, o dono do bar Empanadas
resolveu arrendar o estabelecimento:
tinha o bar Empanadas e tinha a fábrica, um ficou com a fábrica e o outro com o bar. O chileno, Reinaldo, resolveu ir embora pro interior, escolheu a gente pra arrendar o bar. Logo depois do Plano Collor, propôs o sistema de arrendamento do bar. Fizemos vários contratos de dois anos, três anos27.
Figura 4. Fachada do Bar Empanadas, toldo verde. Fonte: autoria própria (02/09/2016)
Assim como o Empanadas, outro estabelecimento preocupado em tentar
manter suas características originais é o bar Mercearia São Pedro. Conforme
pudemos perceber em trabalho de campo realizado no dia 12 de Agosto de
2016, existe uma mercearia – uma pequena venda de itens de consumo
alimentar – que funciona em conjunto com um bar no mesmo endereço. O bar
guarda a imagem de “boteco” simples. O popular pastel de feira – lanche
27 <http://www.museudapessoa.net/pt/conteudo/historia/robson-do-empanadas-bar-48625>. Acesso em 25/07/2016
54
tradicional em estabelecimentos modestos no bairro de São Paulo – é um dos
grandes atrativos do estabelecimento.
A decoração do bar é fortemente ligada a objetos culturais, com discos,
vídeos, livros e fotografias espalhados pelo estabelecimento. Além do consumo
de bebidas e de alimentos, a mercearia disponibiliza outros tipos de serviços,
tais como, exposições culturais, aluguel de vídeos, além de manter a venda
dos já mencionados pequenos itens de mercearia. No entanto, as atividades de
locadora e mercearia se demonstram como assessórias às atividades
relacionadas ao consumo de bebidas e alimentos, fazendo parte da decoração
do bar. O bar é atrativo de um grande fluxo de pessoas à noite para a
socialização através de atividades relacionadas ao lazer, que giram em torno
principalmente do consumo de bebidas e de alimentos.
O Bar Bartolo foi referência como um dos principais estabelecimentos de
lazer na época em que a mancha de lazer do bairro se constituía; porém, ao
longo de sua história, seu imóvel original foi sendo transformado, e ocupado
por outros estabelecimentos que muito mudaram suas características. O
Bartolo, que já serviu para a veiculação de filmes de média, longa e curta-
metragem na década de 1980, foi um fixo geográfico de grande importância
para os já mencionados grupos ligados ao “mundo do cinema”. Segundo
reportagem da Folha de S. Paulo,
a CDI, Cinema Distribuição Independente, lançará hoje, a partir das 20 horas no Bar Bartolo, (rua Fradique Coutinho 1097), um cartaz de seus 200 filmes, entre média curta e longa metragem, que estão a disposição do público, a empresa já existe a um ano e meio, administrada por cineastas interessados em levar sua produção independente às escolas, sindicatos, universidades, associações, etc. (ZANINI, 1983, p.27)
Nesta época, o bar se associava a vários eventos do cinema e da
política, tão latentes no momento em que se constituía a mancha de lazer do
bairro. Torna-se digno de nota a intenção da empresa CDI de levar a produção
do cinema independente para recintos que possuem marcadamente em sua
essência características políticas e culturais, que é o caso das escolas,
sindicatos, universidades, associações. Ao que tudo indica, o Bartolo teve
55
dificuldade em atender as novas demandas e fazer frente à concorrência com
os outros estabelecimentos. Um anúncio do Jornal Folha de S. Paulo vai ao
encontro desta constatação. Em um pequeno anúncio encontrado em nossa
pesquisa documental, era constatado que o Bar Bartolo “foi um dos pioneiros
da Vila Madalena, vivia lotado, mas perdeu seu trono com a multiplicação da
concorrência. Bom lugar para se tomar um cafezinho na madrugada”
(REVISTA DA FOLHA, p.46, 1996).
O Bar Bartolo deu lugar, há alguns anos atrás, ao Bar Zeppelin
Madalena. Porém, o Zeppelin não conseguiu se manter por muito tempo,
passando para as mãos de outro grupo de empresários, que abriram o
estabelecimento O Pasquim Bar & Prosa. Este empreendimento busca manter
o status de “ponto de encontro” cultural da Vila Madalena, mas o fez de uma
maneira que o afasta da origem do bairro e de seus antecessores. O fixo
geográfico em que existia o bar Zeppelin foi totalmente destruído, dando lugar
a uma arquitetura nova, mais sofisticada. Já em relação aos aspectos culturais,
os donos do estabelecimento foram buscar inspiração no Jornal O Pasquim, do
Rio de Janeiro, que marcou época no período da ditadura como um veículo de
informação contestador da época.
A ferramenta Google Maps nos permitiu justapor três imagens que
ajudam a mostrar as transformações substanciais que ocorreram no endereço
do que foi um dia o Bar Bartolo (e também o Bar Zeppelin)28. Encontramos
imagens a partir da época de existência do Bar Zeppelin.
28 Disponível em <https://www.google.com.br/maps/@-23.5580768,46.6902913,3a,75y,315.18h,89.57t/data=!3m7!1e1!3m5!1sppuEDY9CUeZG5qnN_LmRg!2e0!5s20100201T000000!7i13312!8i6656!6m1!1e1>. Acesso em 27/07/2016.
56
Figura 5: Foto do Bar Zepellin, datada de fevereiro de 2010, obtida através do recurso Street View.
Acesso em 27/07/2016.
Figura 6: Foto da construção do que veio a ser o estabelecimento O Pasquim Bar & Prosa, datada de
Abril do ano de 2014, obtida através do recurso Street View. Acesso em 27/07/2016.
57
Figura 7: Fachada do Bar O Pasquim Bar & Prosa. Fonte: autoria própria (08/09/2016)
Estas imagens colaboram para mostrar o afastamento do
estabelecimento de suas origens, tanto no que diz respeito aos seus aspectos
simbólicos quanto materiais. O bar se apresenta gentrificado29, fazendo a linha
“boteco chique”, como é o caso de tantos outros bares da localidade. A
primeira imagem é de quando o estabelecimento era ainda o Bar Zepelim; no
momento posterior, podemos observar que houve a destruição de sua estrutura
e, em seguida, a construção de um fixo geográfico moderno para receber o
empreendimento gentrificado O Pasquim Bar & Prosa.
Muitos outros bares, assim como o Bartolo, não conseguiram se manter
na Vila Madalena. Possivelmente o principal exemplo deste processo seja o já
citado Sujinho. Como vimos em Squeff (2002), o bar se originou como um
negócio incerto, e teve um relativo apogeu a partir da chegada de uma nova
clientela, os estudantes expulsos do Conjunto Residencial da USP (chamados
então de “Hippies”). Como vimos em Squeff (2002), estes novos moradores do
29 Importantes são as considerações de Neil Smith (2007) sobre o conceito de Gentrificação.
Para o autor, o processo de gentrificação está associado às fronteiras que o capital tende a
ultrapassar. A fronteira, no entanto, não é uma linha espacialmente delimitada. São as
localidades de interesses capitalistas para atender suas novas demandas. Quando referimos a
bares “gentrificados” da Vila Madalena, consideramos aqueles fixos geográficos que sofreram
uma transformação para atender e criar novos padrões na Vila Madalena, estabelecimentos
intimamente relacionados aos padrões da classe média alta que se concentra na localidade e
em seus arredores.
58
bairro ajudaram a manter a rentabilidade do estabelecimento e a produzir um
novo status ao bar.
O estabelecimento Sujinho (que se localizava na esquina da Rua
Mourato Coelho com a Wisard) deu lugar a outros estabelecimentos ao longo
do tempo, que promoveram um significativo afastamento do lugar em relação
às características do bairro, principalmente em seus aspectos culturais. O fixo
geográfico, apesar de não sofrer grandes transformações físicas, abrigou
diferentes tipos de novos empreendimentos. Tais empreendimentos preteriram
as características tradicionais e sucumbiram a tendências da moda, da
sociedade de consumo contemporânea. Após o Sujinho, foram abertos no
mesmo local o empreendimento Hamburgueria John & Paul Burger e a
sorveteria Paleteca (que no período atual, também já se encontra fechada),
como mostram as imagens abaixo30.
30<https://www.google.com.br/maps/@-23.5569256,-46.6922118,3a,75y,218.96h,90.92t/data=!3m7!1e1!3m5!1sVewRTuIWuez-DI_yj2BB_A!2e0!5s20110201T000000!7i13312!8i6656!6m1!1e1>.Acesso em 25/07/2016.
Figura 8: O bar Sujinho, já bastante mudado em relação às características
originais, por Dantas 2008.
59
Figura 9: Em 2010, o bar Sujinho deu lugar a hamburgueria John & Paul Burger, datada de 2010,
obtida através do recurso Street View. Acesso em 25/07/2016.
Figura 10 Em um de nossos últimos trabalhos campo, o estabelecimento já estava fechado, com placa
de aluga-se. Fonte: autoria própria (02/09/2016)
A Paleteca, por sua vez, é um estabelecimento franqueado. Ou seja, os
mantenedores do estabelecimento devem pagar aos donos da marca pelo seu
60
uso, podendo assim vender os produtos patenteados pelo grupo que
originalmente empreendeu o negócio. O sítio eletrônico do grupo, como forma
de propaganda do licenciamento, afirma31:
Licenciamento, uma opção inteligente. O licenciamento Paleteca é um modelo de negócio onde o licenciado recebe o direito de usar a marca, comprar os produtos Paleteca, utilizar todo nosso know-how e adquirir todo o material de venda e marketing desenvolvido para a marca.
Além dos estabelecimentos já analisados, foi possível identificar com os
trabalhos de campo outras manifestações empíricas do processo de
transformação das características da mancha de lazer, tanto no que se refere
ao processo de centralização do comando – e de elitização – dos
estabelecimentos, como também do desenvolvimento de novas características
da paisagem do bairro e do crescimento da área correspondente.
Um dos principais fixos geográficos que manifesta bem estas mudanças
é a já mencionada Unidade da Padaria Villa Grano (localizada na Rua Wisard),
que reivindica fazer parte da configuração de mancha de lazer, realizando e
reafirmando proporcionar atividades relacionadas a esta mancha. Conforme as
considerações do site do próprio estabelecimento32,“a Padaria Villa Grano foi
fundada em 2006 com a proposta de ser mais que uma padaria e sim um
agradável ponto de encontro de clientes que buscam experiências
gastronômicas prazerosas.”
Os bares Dona Nina, Seu Domingos, Quitandinha e o Na Quebrada (dos
mesmos proprietários) ajudam a compor o conjunto de estabelecimentos
relacionados a bairros residenciais e tradicionais, além de buscarem se
relacionar com a cultura popular. Segundo a entrevista realizada pelo Guia da
Vila com o empresário Flávio Pires (um dos donos dos estabelecimentos)33: o
Quitandinha é um estabelecimento de lazer ligado ao público que gosta de
futebol; os bares Dona Nina e Seu Domingos se aproximam da linha “boteco”;
31<http://www.paleteca.com.br/licenciamento>. Acesso em 25/07/2016 32<http://www.villagrano.com.br/index.php/historia>. Acesso em 25/07/2016
33<http://guiadavila.tudoeste.com.br/2016/04/06/para-bebericar-e-relaxar/>, Acesso em 16/08/2016.
61
e o Na Quebrada está intimamente ligado aos moradores da Vila Madalena,
com o termo “quebrada” se relacionando a um lugar de identidade com os
moradores do bairro.
Figura 11 Bar Na Quebrada, destaque para a sofisticação do estabelecimento. Fonte: Autoria própria
(02/09/2016)
No próprio discurso de um dos proprietários – o Sr. Flávio Pires –,
podemos perceber que apesar de os bares Quitandinha, Dona Nina e Seu
Domingos fazerem apelo a “cultura popular” e procurarem se alinhar ao
conceito “boteco”, coube ao bar Na Quebrada a reivindicação de uma ligação
mais intima aos residentes do bairro. O próprio termo “Quebrada”, em algumas
áreas periféricas das grandes cidades brasileiras, faz referência a um local em
que a pessoa tem uma relação de pertencimento ao lugar. É comum que
membros da periferia de algumas partes das metrópoles dizerem “minha
quebrada”, referindo-se ao lugar de identificação. Apesar de a Vila Madalena
não poder ser considerado em hipótese alguma um bairro periférico, foi assim
estabelecida à referência de seu proprietário, Flávio Pires, para o Guia da Vila.
Segundo a matéria disposta no documento, “para Flávio (Pires), o Na
Quebrada, (fala de Flávio Pires) ‘como o nome indica, é um bar que tem total
ligação com a Vila Madalena, a nossa quebrada34’”.
34<http://guiadavila.tudoeste.com.br/2016/04/06/para-bebericar-e-relaxar/>. Acesso em
29/08/2016.
62
O bar Seu Domingos é também um exemplo sobre a
transformação/destruição recente da paisagem tradicional da Vila Madalena. O
antigo fixo geográfico que se localizava no endereço onde está localizado o Bar
Seu Domingos também obteve uma considerável transformação. Podemos
visualizar as fases deste processo a partir das imagens do Google Maps35.
35<https://www.google.com.br/maps/@-23.557557,-
46.6890697,3a,75y,244.74h,84.62t/data=!3m6!1e1!3m4!1skWFuPqYDM8EcULs3Jp8OSA!2e0!7i13312!8i6656!6m1!1e1>. Acesso em 16/08/2016
63
Figura 12: Foto do antigo fixo geográfico que deu lugar ao estabelecimento Seu Domingos, datada de fevereiro de 2010, obtida através do recurso Street View. Acesso em 16/08/2016.
Figura 13. Bar Seu Domingos, pelo próprio autor, datada 02/09/2016.
Os bares Genésio, Genial e Filial nos ajudam a evidenciar a tentativa
dos estabelecimentos de se associar à imagem de estabelecimento típico de
bairro residencial, como são os casos dos botecos. Estes bares, no entanto,
buscam tanto se associar aos referenciais de uma cultura popular como
também ao universo cultural que a Vila Madalena se ligou nesta história
recente, relacionado a uma arte mais ligada ao mundo erudito.
64
Nas paredes destes bares são vistas imagens que remetem: à história
do bairro; à escola de samba Pérola Negra, localizada no bairro; a times
profissionais futebol; e a artistas de músicas populares. Por outro lado, podem
ser vistas também diversas representações artísticas mais ligadas ao mundo
erudito, como quadros de artes plásticas, charges e quadrinhos de artistas
renomados; e também imagens de grandes intelectuais, como a pintura que
retrata o escritor Machado de Assis, no bar Genésio.
Na página do estabelecimento Filial, encontramos um questionamento
sobre o fato de o estabelecimento poder ser caracterizado tanto como bar
sofisticado quanto a linha boteco, este último que possuí características mais
populares. Como podemos ver no trecho a seguir, uma estratégia do
estabelecimento é de pontuar a característica do estabelecimento como um
lugar informal, com uma identificação entre frequentadores e funcionários, o
que é fortemente ligado aos tradicionais botecos de bairro residencial; no
entanto, sem deixar de lado os altos padrões de qualidade de bares
sofisticados:
se o bar é um lugar mais bonito, com atendimento de qualidade e cardápio bem cuidado, então o Filial é bar. Só a carta de cachaças do Filial, verdadeira cartilha pedagógica para formação de novos apreciadores de bebida, já valeria esse título... mas se boteco é um ambiente de grande informalidade, em que funcionários e fregueses praticamente confraternizam juntos, deixando no ar que a casa é de todos, então o Filial é boteco.
As grandes transformações na paisagem da Vila Madalena se tornam
ainda mais evidentes ao analisarmos o caso do estabelecimento Armazém
Piola, que é – como vimos – uma proposta de bar que “mistura” características
dos empreendimentos Salve Jorge, Posto 6 e Patriarca. O lugar, segundo a
página de internet do próprio estabelecimento, já foi um Armazém em sua
origem, se tornou uma oficina mecânica de carros de luxo e por fim, tornou-se
uma loja de antiguidades. Só então, com o investimento dos associados, é que
o lugar veio a buscar sua inserção na já composta mancha de lazer do bairro.
65
O estabelecimento nasce tendo em seu nome o conceito de armazém,
que remonta a sua história. Porém, em nossas visitas ao local, ficou evidente
que o local nada tem de armazém, com as atividades plenamente voltadas ao
consumo de alimentos e de bebidas. Através da ferramenta Google Street36,
conseguimos obter uma imagem do tempo em que o fixo geográfico era ainda
um loja de antiguidades (2010) e em seguida disponibilizamos uma foto atual
do estabelecimento.
36<https://www.google.com.br/maps/@-23.5581528,-46.6904128,3a,37.5y,155.39h,84.05t/data=!3m6!1e1!3m4!1s5SxPixsKjW18p89prq-aLQ!2e0!7i13312!8i6656!6m1!1e1>, Acesso em 31/08/2016.
66
Figura 14 Foto da loja de antiguidades, que deu lugar ao estabelecimento Armazém Piola, datada fevereiro de 2010, 31/08/2016.
Figura 15 Foto do estabelecimento Armazém Piola, datada de 07/09/2016, do próprio autor.
O processo de centralização do comando dos estabelecimentos e o
processo de gentrificação dos fixos geográficos listados até aqui evidenciam a
apropriação das características tradicionais e dos símbolos do bairro,
construídos através das inúmeras relações de sociabilidade entre seus antigos
frequentadores. Além disso, percebemos que as transformações das formas
67
arquitetônicas e a sofisticação de seus fixos geográficos são uma grande
mostra de que a evolução dos estabelecimentos dialoga tanto com a elitização
quanto a apropriação de estéticas de formas antigas e de seus símbolos mais
tradicionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatamos no presente trabalho que a gênese da mancha de lazer da
Vila Madalena remonta à chegada ali de uma quantidade significativa de
estudantes em 1970. Este movimento se deu, em grande medida, pelo
fechamento do CRUSP de maneira autoritária durante a ditadura militar. A
chegada destes alunos, e de grupos ligados a movimentos culturais, colaborou
para a consolidação de demandas por novos estabelecimentos de lazer e para
a mudança do status da Vila Madalena. Estúdios de cinema, diretores, atores,
entre outros profissionais ligados à “sétima arte” também se instalaram ali,
exercendo grande influência nas características do bairro, e em sua primeira
fase de grande transformação.
Junto a isto, teve a zona oeste de São Paulo um grande crescimento
econômico, relacionado a intervenções urbanas que tinham como intuito
atender as demandas de empresas privadas de serviços sofisticados, que
passaram a se estabelecer nesta parcela da metrópole (com excelente
localização para tais atividades). As parcerias público-privadas que deram
origem a várias transformações no ambiente construído local, colaboraram
para concentrar e consolidar no Bairro um público de alta renda, se localizando
nas adjacências da Vila Madalena, ou nela própria. Muito dos grupos sociais
alternativos e moradores tradicionais do bairro não conseguiram se manter ali
devido ao encarecimento de todos os elementos ligados à vida cotidiana (preço
dos imóveis, aluguéis, custo dos serviços e do comércio, etc.).
As formas de apropriação da Vila Madalena se alteraram devido à
concentração de estabelecimentos de lazer, cada vez mais “sofisticados” – e
voltados para um público com alto poder aquisitivo – consolidando nestes
padrões sua mancha de lazer. A partir da valorização do espaço ocorrida na
Zona Oeste de São Paulo, e da alta atratividade causada pelo novo status
boêmio e cultural da Vila, sua mancha de lazer recebeu maiores investimentos,
68
de diferentes grupos capitalistas voltados para a “indústria do lazer”. Ocorre
então o processo de centralização da propriedade dos estabelecimentos na
mão de grupos de associados.
Os estabelecimentos tiveram sua propriedade centralizada sob controle
de poucos donos, e também se elitizaram, passando a atender um novo
público. As relações de sociabilidade e a organização espacial se alteram
novamente. Poucos dos estabelecimentos que constituíam a gênese da
mancha de lazer “original” da Vila Madalena se mantiveram no local, e aqueles
que conseguiram permanecer, em geral, se afastam de suas características
originais, tanto em relação às formas de sociabilidade que propiciam, quanto
aos aspectos simbólicos e características arquitetônicas (ainda que tentem
estar relacionados a seus padrões estéticos originais).
Os estabelecimentos buscam se associar ao imaginário cultural e a
elementos que remetem as tradições do bairro. A Vila Madalena possui
estabelecimentos com nomes de armazém, mercearias, botecos (ou
correlatos), ainda que se afastando dos significados destes símbolos.
Paradoxalmente, a apropriação destes nomes que remetem aos aspectos
tradicionais do bairro altera suas características, transformando-o numa
centralidade em termos de estabelecimentos de lazer.
Por fim, acreditamos na importância de se discutir a ideia de clusters
comerciais. Os fatores apontados por Telles et al. (2011) se mostraram
distantes dos nossos resultados correspondentes a organização espacial da
mancha de lazer. O processo de centralização do comando dos
estabelecimentos de lazer que identificamos parece contradizer as explicações
dos colegas que se basearam no modelo dos clusters para o entendimento da
Vila Madalena atual. Nossa pesquisa parece contradizer este modelo,
principalmente em relação à ausência de posições privilegiadas entre os
estabelecimentos, que levaria a uma organização baseada em relação de
cooperação, competitividade e posições horizontais entre os estabelecimentos.
A atual organização espacial da Vila Madalena parece exigir outras
reflexões. Apesar de não ser a intenção principal deste trabalho discutir a
aplicabilidade do conceito cluster na Vila Madalena, acreditamos a importância
69
de se fazer a discussão em trabalhos futuros. Isto poderá colaborar para o
aprofundamento das discussões em torno da lógica espacial de organização da
Mancha de lazer do bairro da Vila Madalena.
70
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74
ANEXOS
Anexo 1
Anexo 1 O que é a Vila Madalena? Zoneamento. Por Davis Brodi Bond/Idea! Zarvos. Retirado da
dissertação SAES, Franscisco Gonçalves da Cunha. 2014.
75
Anexo 2
Anexo 2 "O que fazer em Vila Madalena", por Rede de Hotéis Hilton37.
37 <http://hiltonmorumbi.com.br/o-que-fazer-em-vila-madalena/>, acesso em 20/08/2015