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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
MESTRADO ACADÊMICO EM SOCIOLOGIA
SERGIANA DE SOUSA BEZERRA
TRABALHO E SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS NO INSTITUTO
PSIQUIÁTRICO GOVERNADOR STÊNIO GOMES
FORTALEZA - CEARÁ
2018
SERGIANA DE SOUSA BEZERA
TRABALHO E SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS NO INSTITUTO
PSIQUIÁTRICO GOVERNADOR STÊNIO GOMES
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Estudos Sociais e Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para o título de Mestre em Sociologia. Área de concentração: Sociologia
Orientadora: Profa. Dra. Rosemary de Oliveira Almeida
FORTALEZA - CEARÁ
2018
SERGIANA DE SOUSA BEZERA
TRABALHO E SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS NO INSTITUTO
PSIQUIÁTRICO GOVERNADOR STÊNIO GOMES
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Centro de Estudos Sociais e Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para o título de Mestre em Sociologia. Área de concentração: Sociologia
Aprovada em: 30 de agosto de 2018.
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por sempre me surpreende em todas as coisas da minha vida e me
possibilitar vivenciar experiências únicas.
À minha família, em especial a minha mãe Josefa, ao meu pai Sergimar (in memorian)
e meu irmão Sergio, pela compreensão nos momentos em que estive ausente, pela
torcida constante, pelos ensinamentos e o amor dedicado durante todos esses anos
de vida.
Ao meu companheiro de vida, Jair, pela constante parceria, cuidado e por escolher
sonhar comigo. Agradeço por me incentivar e torcer para que tudo fosse finalizado da
melhor forma possível. Obrigada por tudo!
Aos meus demais familiares que sempre apoiaram todas as minhas escolhas e torcem
pela minha felicidade.
Aos meus amigos que constroem comigo uma relação de confiança, parceria e afeto.
Aos queridos colegas de mestrado, pelo compartilhamento de conhecimento, parceria
e respeito, Elionardo, Camila, Alana e Fernanda. Em especial a Laís, deixo registrado
meus sinceros agradecimentos, pela ajuda e apoio desde o início dessa jornada, por
sua sensibilidade e empatia constante, pelas trocas de material de estudo e
conhecimento que me fortaleceu para a finalização dessa pesquisa.
À Fernanda que dividiu desde a graduação vivências de aflições e aprendizado,
obrigada por ser ombro, pela escuta e por me ajudar a trilhar o mestrado de forma
mais leve.
À Profa. Dr.ª Rosemary, por toda sua dedicação, delicadeza, acolhimento e partilha
de conhecimento. Muito obrigada por todas as contribuições com as orientações
durante esse processo.
Ao Prof. Dr. Bosco por todas as contribuições que possibilitaram novo olhar para o
trajeto metodológico dessa pesquisa. Agradeço pelo acolhimento, pela sensibilidade
de compartilhamento do conhecimento e por sempre estimular a pesquisa na área da
saúde do trabalhador.
À Profa. Dr.ª Celina pelas sugestões, críticas e contribuições que foram essenciais
para a pesquisa.
Ao Prof. Dr. Paulo pelas contribuições, pelo apoio e disponibilidade demonstrada no
tratamento dos dados na análise estatística.
Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) por possibilitar o
desenvolvimento dessa pesquisa.
À Secretaria da Justiça e Cidadania do Governo do Estado do Ceará, ao seu Serviço
de Atendimento Psicossocial do Trabalhador pelos dados fornecidos e a incansável
Lúcia Bertini pelas colaborações na pesquisa.
Finalmente, agradeço a todos os interlocutores que participaram direta e
indiretamente desta pesquisa; aos agentes penitenciários toda a minha sincera
gratidão.
RESUMO
Essa pesquisa buscou compreender a realidade de saúde de agentes penitenciários
que atuam em instituição que possui dupla característica: ser prisional e manicomial.
Almejou-se com a pesquisa, identificar os fatores psicossociais presentes no ambiente
de trabalho e a partir das percepções dos agentes penitenciários, conhecer sua
atuação nesse cenário. O trajeto metodológico adotado nesse estudo tem natureza
quali-quantitativa, teve como interlocutores dezessete agentes penitenciários que
atuam no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, localizado no município de
Itaitinga, no estado do Ceará. Assim, como técnicas de coleta de dados, foram
utilizados o Questionário Psicossocial de Copenhague - COPSOQ II versão
média,diário de campo e as entrevistas do tipo semiestruturadas. O trabalho de campo
foi realizado, no período de setembro de 2016 até março de 2018. Os resultados
apontaram para uma exposição a fatores psicossociais relacionados com as
exigências laborais, na relação com as chefias, com o local de trabalho e a saúde e
bem-estar dos profissionais. O fenômeno da violência também esteve presente em
conjunto com aspectos sociais e relacionais.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Fatores psicossociais. Agentes penitenciários.
ABSTRACT
This research sought to understand the health reality of penitentiary agents who work
in an institution that has dual characteristics, being prison and asylum. With the
research, it was aimed to identify the psychosocial factors present in the work
environment, and from the perceptions of the penitentiary agents, to know their
performance in this scenario. The methodological approach adopted in this study is
qualitative and quantitative in nature, and was attended by seventeen penitentiary
agents who work in the Governador Stênio Gomes Psychiatric Institute, located in the
municipality of Itaitinga, state of Ceará. Thus, as data collection techniques, the
Copenhagen Psycho-Social Questionnaire - COPSOQ II medium version, the field
diary and semi-structured interviews were used. Fieldwork was carried out from
September 2016 to March 2018. The results pointed to an exposure to psychosocial
factors related to labor demands, relationships with managers, the workplace and
health and well-being. The phenomenon of violence was also present and combined
with social and relational aspects.
Keywords: Worker's health. Psychosocial factors. Penitentiary agents.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AGPS Agentes Penitenciários
CBO Classificação Brasileira de Ocupações
CEREST Centros de Referência em Saúde do Trabalhador
CLT Consolidação das Leis Trabalhistas
COPAS Coordenadoria de Políticas e Atenção à Saúde
COPSOQ Questionário Psicossocial de Copenhague
CPPL 2 Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto
CPPL 3 Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá Neto
EU-OSHA Agência Europeia de Saúde e Segurança no Trabalho
HCTP Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
IPF Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa.
IPGSG Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes
IPPOO I Instituto Penal Professor Olavo Oliveira I
IPPOO II Instituto Penal Professor Olavo Oliveira II
IPPS Instituto Penal Paulo Sarasate;
NUAST Núcleo de Atenção à Saúde do Trabalhador
NUDAE Núcleo de Dados e Estatística
OIT Organização Internacional do Trabalho
PIRS Penitenciária Industrial Regional de Sobral;
PNST Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
RENAST Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
SEJUS Secretaria da Justiça e Cidadania do Governo do Estado do Ceará
SPSS Statistical Package for Social Sciences
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido
UECE UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
UPDAOBL Unidade Prisional Desembargador Adalberto de Oliveira Barros Leal
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................10
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA........................................16
2.1 TRAJETO METODOLÓGICO........................................................................18
2.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS...............................................................22
2.3 LÓCUS DA PESQUISA..................................................................................23
2.4 SUJEITOS DO ESTUDO...............................................................................24
2.5 ASPECTOS ÉTICOS.....................................................................................24
3 AS PRISÕES E OS MANICÔMIOS: DOS ENTRELAÇOS HISTÓRICOS
AOS DIAS ATUAIS ......................................................................................26
3.1 HISTÓRICOS DAS INSTITUIÇÕES PUNITIVAS E O SURGIMENTO DA
CATEGORIA PROFISSIONAL AGENTE DE SEGURANÇA
PENITENCIÁRIO..........................................................................................26
3.2 “O AMBIENTE QUE REPRESENTA AS DUAS GRANDES ESCÓRIAS DA
SOCIEDADE (O LOUCO E O CRIMINOSO)”: MANICÔMIOS, HOSPITAIS
E INSTITUTOS DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO EM MEIO
JUDICIÁRIO..................................................................................................32
4 TRABALHO E SAÚDE EM AMBIENTE MANICOMIAL: OS OLHARES
DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS A PARTIR DAS VIVÊNCIAS NO
SISTEMA PENITENCIÁRIO.........................................................................40
4.1 PERFIL GERAL DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS DO INSTITUTO
PSIQUIÁTRICO GOVERNADO STÊNIO GOMES........................................42
4.1.1 “Tem que ter sangue no olho, porque não é para qualquer um não”: o
trabalho de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico
Governado Stênio Gomes..........................................................................45
4.2 TRABALHO E CONDIÇÕES PSICOSSOCIAIS: AMBIENTE, SENTIDOS E
SATISFAÇÃO NO TRABALHO.....................................................................64
4.3 “LOCAL ADOECEDOR?”: OS DISTINTOS OLHARES SOBRE O
AMBIENTE E SUAS RELAÇÕES COM A SAÚDE DO PROFISSIONAL....77
5 RELAÇÃO SAÚDE E TRABALHO INTRAMUROS E EXTRAMUROS.......93
5.1 “MAIS DA METADE DO SISTEMA ENCONTRA-SE ADOECIDA”:
SAÚDE, BEM-ESTAR E ADOECIMENTO DE AGENTES
PENITENCIÁRIOS........................................................................................93
5.2 VIOLÊNCIAS E OS IMPACTOS NA SAÚDE DE AGENTES
PENITENCIÁRIOS......................................................................................105
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................122
REFERÊNCIAS............................................................................................126
APÊNDICES.................................................................................................135
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA..........135
APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E
ESCLARECIDO...........................................................................................136
ANEXO..........................................................................................................137
ANEXO A - QUESTIONÁRIO SOBRE FATORES PSICOSSOCIAIS.......... 137
10
1 INTRODUÇÃO
O contexto das relações de trabalho possui na atualidade singularidades
que transbordam para o campo de vida pessoal dos profissionais no modelo de
produção capitalista. O adoecer é, portanto, resultado das relações precárias de
trabalho impostas ao trabalhador, acrescentando a esse contexto os fatores
psicossociais, biológicos, culturais, econômicos, históricos, afetivos e políticos
presentes no cotidiano de vida e que incidem sobre a saúde dos trabalhadores.
A valorização e o processo de trabalho estão sob a ótica de manutenção
do capital. O avanço do capitalismo com a globalização, que se afirma com mais força
a partir da reestruturação produtiva e socioespacial na facilidade de comunicação e
transporte de informações, permite manter uma competitividade no mercado
mundializado que possibilita não só instituir legislações trabalhistas menos rigorosas
como diminuir direitos e políticas públicas de proteção ao trabalho e à saúde,
geralmente frágeis ou inexistentes, além de constituir trabalhadores fragilizados e uma
sociedade civil insuficientemente informada e organizada para defender seus direitos
(RIGOTTO, 2004).
As políticas públicas que visam proteção à saúde de profissionais são
direcionadas pela Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora
(BRASIL, 2012), entretanto Paim (2009) alerta que, historicamente, serviços, ações e
políticas públicas voltadas para a proteção, prevenção e o cuidado de profissionais
são fragilizados. Apesar dos avanços na área, persiste ainda a invisibilidade de ações
que atuem de forma ampla, principalmente com profissionais que trabalham em
ambiente prisional.
Kaufman (1988) afirma que a pesquisa no cárcere é mais comumente
realizada com os internos, existindo poucos estudos que abordem a saúde de
profissionais que atuam no sistema penitenciário, principalmente agentes
penitenciários.
A literatura brasileira e internacional que discute a saúde de agentes
penitenciários que atuam no ambiente prisional (CHIES, 2001; LOURENÇO, 2010;
ESPER; RAMOS, 2007; TSCHIEDEL, 2012) aborda um contexto de trabalho imerso
a fatores de riscos presentes no ambiente, nas relações entre os internos e
profissionais, nas condições organizacionais precárias, com grande incidência de
11
doenças infectocontagiosas, além, das violências interpessoais; esses fatores incidem
como agravos e determinantes na saúde dos agentes penitenciários.
Essa pesquisa se desenvolveu no intuito de desvendar e conhecer o
sistema penitenciário cearense no que se refere à relação de saúde e de trabalho dos
agentes penitenciários. Este tema foi motivado pela crescente curiosidade de
compreender o cotidiano dessa profissão que é pouco discutida nos meios
acadêmicos.
O cotidiano dos grandes complexos prisionais não aguçava, até então,
interesse, já que se procurava algo pouco trilhado. A partir desse desejo inicial, em
pesquisa bibliográfica sobre o assunto, foi encontrado um documentário chamado “A
Casa dos Mortos” retratando a realidade de um manicômio judiciário no estado da
Bahia.
O documentário “A Casa dos Mortos”, de autoria da antropóloga Débora
Diniz, relata a realidade do Manicômio Judiciário de Salvador, hoje já extinto. Traz
ainda a discussão da vida no espaço manicomial, repleto de invisibilidade, exclusão
social e violação de direitos, alicerçado na arte cinematográfica. Foi por meio do
contato com o documentário e em face da realidade de inúmeros espaços prisionais
denominados de hospitais de custódia ou instituições psiquiátricas, pouco notado pela
sociedade e, invisíveis diante do Estado, que se inspirou nesse escrito de arte e
realidade para elaborar essa pesquisa a partir dos olhares dos profissionais que atuam
nesses espaços.
O interesse por esse cenário de estudo se deve a incessante vontade de
verdade Nietzsche (1992), para compreender a realidade ocupacional e de saúde em
ambiente manicomial. Com isso vieram os questionamentos, dentre eles: como é a
realidade de trabalho de agentes penitenciários em instituição manicomial/prisional?
Como está a saúde desses profissionais após sua inserção laboral?
No anseio de buscar respostas a tais indagações, foi identificado o Instituto
Psiquiátrico Governador Stênio Gomes – também conhecido por ser o único
manicômio judiciário no estado do Ceará – como campo empírico; e os agentes
penitenciários, como os sujeitos de estudo dessa pesquisa.
Buscou-se, por meio desse estudo, compreender a realidade de saúde de
agentes penitenciários que atuam em instituição que possui dupla característica – ser
prisional e ser manicomial –, almejando ainda identificar os fatores psicossociais
12
presentes no ambiente de trabalho e conhecer a atuação dos agentes penitenciários
a partir das percepções desses profissionais.
O agente penitenciário expressa, para muitos, a visão de serem os
detentores de poder no meio institucional. Nas primeiras aparições em ambiente
punitivo, ele era associado a uma profissão pouco quista entre os indivíduos.
Inicialmente conhecido como carrasco, atuava na execução final das penas,
posteriormente, como carcereiro, na guarda do cárcere, do suplício dos indivíduos,
deixando, assim, a guilhotina pela vigilância das celas. A população mais pobre, com
pouco acesso ao emprego, era a mesma que era presa e também de onde vinham as
indicações para o cargo de carcereiro, inclusive a não aceitação desse cargo poderia
acarretar a prisão (PESTANA, 1981; BRITTO, 1926; CARVALHO, 2014).
Apesar de as formas punitivas e de contratação de profissionais, que
constituem o sistema prisional, terem mudado, existem características que vêm, ao
longo do tempo, se mostrando constantes nesse meio. Os agentes penitenciários,
atuantes em penitenciárias e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, estão
imersos em constantes relações de poder e disciplinamento de corpos, além de
operarem em condições de trabalho precárias.
As condições de saúde e de trabalho desses profissionais são reveladas
em pesquisas realizadas com os agentes penitenciários que atuam em unidades
penitenciárias brasileiras. Salla (1997), em pesquisa feita com a categoria, revela o
ambiente prisional sujo, insalubre, pouco iluminado, com alto índice de doenças entre
os internos. Lourenço (2010) acrescenta a presença de acúmulo de mofo, pouca
ventilação e estrutura física antiga, com instalações elétricas e hidráulicas com
problemas, como características comuns desses espaços. Já Borges (2011) afirma
que a estrutura física dos presídios favorece a disseminação de patologias que
possuem estreita vinculação com ambientes insalubres.
O cárcere é um local onde coabitam muitas pessoas que possuem pouca
assistência à saúde, apresentando doenças e em condições sanitárias precárias.
Juntam-se a esses fatores as características gerais brasileiras das prisões, como:
locais úmidos, com presença de ratos e baratas, infectos, com pouca ou nenhuma
ventilação, e sem condições de higiene. Esse ambiente físico favorece a
disseminação de patologias entre os diferentes sujeitos que o compõem.
O trabalho, em meio prisional, possibilita a ocorrência de modificação no
cotidiano de vida dos profissionais, os elementos contidos no ambiente ocupacional
13
podem invadir e modificar a forma de se relacionar e de se comportar, afetando os
sentimentos e as formas que os profissionais se expressam. É um processo de
institucionalização (Goffman, 1985) dos indivíduos sobre os ganchos desse ambiente.
A atuação de agente penitenciário envolve relação direta com o contexto
da violência coletiva, física, psicológica e simbólica presentes nas correlações de
poder que permeiam as prisões. Com isso, esses profissionais são constantemente
submetidos a atividades que necessitam de permanente autocontrole emocional,
estando sujeitos também a situações que envolvem riscos para a sua vida e saúde.
De acordo com a pesquisa realizada por Ferreira (2016), episódios de
agressões e ameaças no trabalho têm se tornado crescentes entre grande parte de
agentes penitenciários no Brasil. O exercício do trabalho que proporciona o contato
direto com a população encarcerada e os altos níveis de estresse no trabalho
contribuem para a formação de um ambiente violento. Somados a isso ainda existe o
desgaste gerado pelo pequeno número de profissionais que atuam, destoando-se do
número de internos.
Imerso a esse contexto de trabalho estão os agentes penitenciários que
atuam nos hospitais de custódia e de tratamento psiquiátrico, ambiente ambíguo e
estigmatizado historicamente, o qual representa as duas grandes escórias da
sociedade: o louco e o criminoso (CARRARA, 2010).
O trabalho em instituições psiquiátricas traz o imaginário social construído
do louco, louco este que deve ser posto longe da sociedade, principalmente se
oferecer risco. Nesse cenário social, existe a presença do universo da saúde mental
com pouca predominância nos relatos sobre sistema penitenciário. Nos institutos
psiquiátricos ou hospitais de custódia existentes no sistema penitenciário, os agentes
penitenciários vivenciam o cotidiano das prisões, somados aos aspectos singulares
presentes no ambiente manicomial.
A realidade de trabalho nas instituições psiquiátricas no sistema prisional,
que é repleto de retratos estigmatizantes e preconceituosos, lança a esses
profissionais novos desafios no que se refere a custódia dos internos; possibilita
envolvimento direto com o adoecimento e sofrimento de internos; pode gerar desgaste
emocional; afeta a percepção generalizada que os agentes têm sobre os internos e;
possui singularidades que incidem sobre a saúde desses profissionais que estão
expostas ao longo desse texto dissertativo.
14
Esta pesquisa é baseada metodologicamente na abordagem de estratégias
qualitativas e quantitativas, utilizando-se de questionário fechado e entrevista
semiestruturada para coleta dos dados. Os dados foram analisados a partir de
interpretações das narrativas dos interlocutores desse estudo em conjunto com as
informações obtidas por meio de estudo estatístico, estando estes organizados em
sessões e discutidos nos quatros capítulos dessa pesquisa.
Portanto, esta pesquisa estrutura-se em quatro capítulos. O primeiro,
intitulado “Aspectos metodológicos da pesquisa em ambiente em manicômio
judiciário”, apresenta o tipo de estudo realizado, a delimitação do campo de pesquisa,
os interlocutores desse estudo e a metodologia utilizada para a concretude do mesmo.
O segundo capítulo “As prisões e os manicômios: dos entrelaços históricos
aos dias atuais”, aborda o histórico da categoria profissional agente penitenciário, a
partir dos locais de atuação deles, com desdobramentos que se entrelaçam no
surgimento dos ambientes prisionais e nos manicômios judiciários correspondentes
aos dias atuais, possibilitando, assim, reflexões sobre os espaços de atuação destes
e conexões com a realidade de ambiente ocupacional atual.
O terceiro capítulo “Trabalho e saúde em ambiente manicomial: os olhares
dos agentes penitenciários a partir das vivências no sistema penitenciário”, propõe
discutir, por meio das percepções dos agentes penitenciários, o trabalho desses
profissionais, de modo a desvendar a rotina deles, bem como o cotidiano laboral, as
principais dificuldades e possibilidades de atuação. No capítulo, foi descrito e
analisado também o perfil dos agentes penitenciários, os fatores psicossociais
presentes na atuação e a descrição e os riscos psicossociais presentes no local de
trabalho desses profissionais.
O capítulo quatro “A saúde de agentes penitenciários intramuros e
extramuros”, tem como recorte temático a relação de trabalho e saúde intramuros e
extramuros desses profissionais. Foram discutidos os principais adoecimentos dessa
categoria profissional, sua condição de saúde e bem-estar, compreendendo também
o fenômeno da violência que envolve o cotidiano de trabalho e saúde de agentes
penitenciários mediante a discussão centrada no contexto social desse fenômeno. Por
fim, são apresentadas algumas “Considerações Finais”, na qual são sintetizadas as
conclusões obtidas nesse estudo.
15
2 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Após a descoberta da temática de estudo, vieram os anseios, a
preocupação com o que seria encontrado em campo, em como seria o contato direto
com os interlocutores. Será que eles vão aceitar participar da pesquisa? Qual será a
melhor forma de iniciar uma aproximação?
Assim, é necessário ressaltar que as primeiras aproximações com o campo
não foram fáceis. Sempre que era falado sobre a pesquisa percebia-se estranheza
nos olhares e falas das pessoas, desde professores, colegas do mestrado até amigos.
“Cuidado, espera passar todas essas rebeliões para iniciar essa pesquisa, é bom que
você pensa se é viável”; “Esses agentes não são flor que se cheire não viu, tome
cuidado”; “Não se iluda, eles comandam os presídios, não sofrem e nem adoecem
com nada não”; “Menina, esses agentes tem a vida mansa, todos têm rabo preso com
os internos”.
Todas essas afirmativas remetem as discussões tecidas por Moraes (2013)
e Lourenço (2010) em seus estudos, quando abordam a forma como é vista essa
categoria profissional e de como essas falas, por meio das interações entre os
elementos do cotidiano de trabalho, meio social e o imaginário social sobre os espaços
de trabalho dessa categoria, são, por vezes, incorporadas pelos agentes prisionais,
como alerta Goffman (2012).
Na busca dos interlocutores que dariam forma e conteúdo ao estudo, de
início, foram realizados contatos com agentes penitenciários que pudessem indicar
colegas de profissão que atuassem no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio
Gomes, campo empírico da pesquisa. Nessa saga, foi possível conseguir, por meio
de amigos, o contato de um agente penitenciário. Esse agente era um dos chefes das
4 equipes de agentes penitenciários do Instituto e se disponibilizou a ser entrevistado
e ajudar em todo o decorrer da pesquisa.
Esses primeiros contatos aconteceram por mensagens no aplicativo
whatsapp, no qual os agentes contatados não usavam fotos. Pediam para não serem
identificados.
Por meio dos primeiros contatos, foi possível a entrada no Instituto
Psiquiátrico Governador Stênio Gomes – IPGSG. A entrada em um complexo
penitenciário, o distanciamento do mesmo do espaço urbano da cidade, os olhares de
curiosidade e desconfiança das pessoas que vendiam frutas ao redor, as falas de
16
revolta de algumas mulheres, companheiras de internos, pela situação deles no
IPGSG, a passagem pela portaria inicial e o longo caminho à pé após a portaria até
chegar ao Instituto, entre os diversos olhares e o ambiente de isolamento, trouxeram
reflexões sobre controle, disciplina, isolamento, insegurança e condições de vivências
de pessoas que ocupam esse complexo composto por presídios e pelo Instituto.
Ao adentrar no corredor inicial da Instituição, onde se localiza o setor
administrativo e as salas de atendimentos, foi possível também o contato com o gestor
da Instituição que se mostrou inicialmente incomodado com o tema da pesquisa.
Constituindo como um dos entraves no início do estudo.
A aprovação da pesquisa no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos da UECE e na Escola de Gestão Penitenciária da Secretaria de Justiça e
Cidadania - Sejus possibilitou a inserção em campo e maior contato com os agentes
penitenciários.
A partir disso, apareceram algumas surpresas, muitos agentes agradeciam
ou se espantavam por estarem sendo ouvidos em uma pesquisa acadêmica. Essa
situação em alguns momentos também gerou insegurança aos entrevistados, pois
alguns achavam que as entrevistas e os questionários tinham viés investigativo e
punitivo ou que poderia ter relação direta com Secretaria de Justiça e Cidadania do
Ceará - Sejus.
Olha, você não é da Sejus? Porque você poderia ser uma pessoa mandada por eles para saber da gente, você também poderia ser de alguma facção querendo se infiltrar aqui para saber sobre a gente. Não poderia? Mas, estou confiando em você não sei por que, mas, sinto que você se importa com a gente, vou te dar uma chance e confiar no que você está me falando (AGP 1, em: 05 de fevereiro de 2018).
Essa fala esteve presente na primeira entrevista realizada em campo, após
explicado e indagado sobre o interesse em participar da pesquisa, um dos
entrevistados disparou essas perguntas, acalmando-se apenas quando mostrado o
documento de identidade da pesquisadora. A presença da insegurança, desconfiança
e medo é recorrente entre os agentes penitenciários. Posteriormente traremos a
discussão desses sentimentos.
Para tanto, o lugar de trabalho, mas também de vivência e convívio é lugar
habitado por eles a no mínimo um ano1; a chegada de uma pessoa que não vivencia
essa realidade, não possui a experiência de trabalho, escuta, visões, condutas e falas,
1 Os sujeitos que participaram da pesquisa de campo possuem, de acordo com o critério de inclusão, atuação no Instituto em estudo há no mínimo um ano como agente penitenciário.
17
causa estranheza; pedir licença para entrar foi a forma que a pesquisa foi conduzida,
quando as perguntas eram voltadas à pesquisadora procurou-se respondê-las de
forma a falar sobre essa vivência recente que estava sendo construída por meio das
conversas com os agentes. Acredita-se que essa forma gerou confiança, proximidade
e maior abertura para as falas. Cada pessoa conta o espaço e sobre a trajetória de
vida a partir do seu olhar, não cabe à pesquisa interferir nesse fluxo.
Ao longo da pesquisa alguns agentes penitenciários mostraram-se
incomodados com as perguntas no momento da entrevista, afirmavam sentir receio
de passar informações sobre sua atuação e o funcionamento do Instituto, na sessão
que discute o relacionamento com as chefias aborda esse contexto com maior
frequência.
O fenômeno da violência coletiva esteve presente no período da coleta de
dados da pesquisa, durante alguns dias de idas e vindas no trajeto até o IPGSG
ocorreu a Chacina em Cajazeira, localidade próxima ao Instituto, que motivou
bloqueios, assaltos e reinvindicações da população sobre o acontecido na BR 116. As
chacinas, rebeliões e a greve dos agentes penitenciários também fizeram parte do
contexto de construção desse estudo, algumas vezes impossibilitando o acesso ao
campo por longos períodos.
A vivência com pesquisa em ambiente manicomial/prisional possibilitou ter
contato direto com as fragilidades e as relações de poder existentes na instituição,
com isso, os interlocutores desse estudo inicialmente mostravam-se desconfortáveis
em falar sobre sua rotina e de suas dificuldades, ao longo da construção dessa
pesquisa eles foram contribuindo de forma mais espontânea e leve, compreendendo
a pesquisa como espaço de voz.
2.1 TRAJETO METODOLÓGICO
Para melhor contemplar o objeto de estudo dessa pesquisa, a abordagem
utilizada foi baseada em estratégias qualitativas e quantitativas, pois se entende que
a associação de procedimentos e estratégias diferentes amplia a compreensão da
realidade estudada e torna a investigação mais rica de elementos analíticos,
descortinando métodos de pesquisa baseados apenas nos aspectos centrados em
uma natureza de estudo.
18
Minayo e Sanches (1993) afirmam não haver contradições entre
investigações qualitativas e quantitativas, uma vez que são de natureza diferente.
Entretanto, podem ser utilizadas em conjunto com o objetivo de encaminhar estratégia
de integração na prática da investigação. A partir de uma investigação quali-
quantitativa as relações sociais podem, assim, ser analisadas em diferentes aspectos,
dentre os quais as contribuições quantitativas podem gerar questões para serem
aprofundadas qualitativamente e vice-versa.
Os dados quantitativos foram essenciais para o desenvolvimento dessa
pesquisa, pois, por meio deles, foi possível construir o perfil dos profissionais que
atuam na instituição pesquisada, coletar dados expressos de forma precisa e
detalhada no questionário fechado e, quando somados aos aspectos qualitativos,
conseguiram ampliar a aproximação com a realidade, de forma conjunta, trazendo
outros ângulos de um novo olhar para o estudo.
A metodologia é um processo construtivo dentro da pesquisa que não pode
ser definido de forma imutável. Esta pesquisa, desde o início, esteve a pleno vapor,
seguindo caminhos que se cruzaram e se distanciaram, conhecendo becos e
travessias bem-aceitas, e outras mais sombrias. Portanto, a metodologia segue um
curso no instante em que a pesquisa começa. Neste sentido, chega um momento que
se faz necessário escolher e direcionar alguns caminhos e instrumentos
metodológicos que proporcionem melhor compreensão da realidade.
Os procedimentos utilizados para a coleta de dados foram, roteiro de
entrevista semiestruturada, anotações em diário de campo e aplicação do
Questionário Psicossocial de Copenhague – COPSOQ II versão média.
O Questionário Psicossocial de Copenhague – COPSOQ foi desenvolvido
e validado por Kristensen e Borg (2000) com a colaboração do Danish National
Institute for Occupational Health in Copenhagen. É um instrumento multidimensional,
que apresenta indicadores de exposição de riscos psicossociais por meio de
subescalas presentes em cada dimensão. Este instrumento possui consenso
internacional quanto à validade, modernidade e compreensibilidade na avaliação de
dimensões psicossociais presentes no contexto laboral.
O COPSOQ possui versão curta, média e longa, entretanto, a tradução da
versão original para o português possibilitou a construção de uma versão média que
apresenta elementos mais precisos para utilização em saúde ocupacional, mostrando
uma identificação mais completa de dimensões psicossociais.
19
Nesse estudo, foi utilizado o Questionário Psicossocial de Copenhague –
COPSOQ II, versão média (Anexo A), com 88 questões divididas em nove sessões.
As perguntas iniciais do questionário possibilitaram a construção do perfil dos
interlocutores dessa pesquisa, porém, elas não estão na composição das sessões,
pois foi realizada uma análise separada mediante a construção de duas tabelas
juntamente com as informações identificadas nas entrevistas, compreendendo os
dados pessoais e os locais de atuação dos sujeitos no sistema penitenciário cearense
mencionados no terceiro capítulo.
Cada sessão foi dividida a partir de um conjunto de características e
elementos presentes no questionário que possibilitaram a análise de riscos
psicossociais. A sessão um refere-se ao ambiente de trabalho e é constituída pelas
questões 1-18, apresentando a relação entre os profissionais e os fatores
psicossociais no ambiente de trabalho. A sessão dois aborda os sentidos do trabalho,
sendo constituída pelas questões 19-44, demonstrando o ritmo de trabalho, a
demanda emocional do trabalho, e ainda avalia a importância do trabalho dos
profissionais a partir da percepção deles e dos sentimentos envoltos na atuação. A
sessão três diz respeito à satisfação no trabalho, formada pelas questões 45-48.
Nessa sessão foram mencionados os elementos que avaliam o grau de satisfação dos
profissionais sobre: suas perspectivas futuras, as condições físicas de trabalho e a
maneira como usam suas habilidades no trabalho de uma forma geral. A sessão
quatro, denominada como local de trabalho aborda as características estruturais do
local de trabalho dos profissionais e as relações com os superiores. A sessão cinco
refere-se ao pensamento em relação ao superior imediato, expondo os fatores sobre
o relacionamento com os chefes de equipe e a chefia imediata dos agentes
penitenciários, esta é constituída por quatro questões. A sessão seis, saúde e bem-
estar, foi constituída por 12 questionamentos, abordando aspectos como o sono, nível
de desgaste, exaustão, problemas para relaxar e o estresse. A sessão sete refere-se
à percepção que os profissionais têm sobre a saúde deles de uma forma geral, isto
realizado apenas em um único questionamento. A sessão oito, intitulada trabalho e
vida pessoal, compreende a relação e os entraves presentes na vida pessoal dos
profissionais mediante a atuação deles. A sessão nove, conflito e outros
comportamentos ofensivos, reuniu seis questões que abordam dados sobre os
conflitos, atos violentos e outros comportamentos ofensivos sofridos por agentes
20
penitenciários do Instituto. Todas as sessões foram analisadas conjuntamente com os
dados colhidos em entrevistas.
Para a análise dos resultados, foi realizada a interpretação fator a fator, ou seja,
o COPSOQ não afere um único construto, mas, sim, diversos riscos psicossociais e
variáveis de saúde, stress e satisfação. Desta forma, foram calculadas médias de cada
sessão de acordo com sua respectiva subescala.
Quadro 1 – Descrição das sessões e de suas respectivas subescalas.
Sessões Subescalas
Sessão 1: Ambiente de Trabalho Sempre, frequentemente, às vezes, raramente,
nunca/ quase nunca.
Sessão 2: Sentidos do Trabalho Extremamente, muito, mais ou menos, pouco, muito
pouco.
Sessão 3: Satisfação no Trabalho Muito satisfeito, satisfeito, não satisfeito, pouco
satisfeito.
Sessão 4: Local de Trabalho Extremamente, muito, mais ou menos, pouco, muito
pouco.
Sessão 5: Pensamentos sobre o
superior imediato
Extremamente, muito, mais ou menos, pouco, muito
pouco.
Sessão 6: Saúde e bem-estar Sempre, frequentemente, às vezes, raramente,
nunca/ quase nunca.
Sessão 7: Sua saúde Excelente, muito boa, boa, razoável, ruim.
Sessão 8: Trabalho e vida pessoal Sim, com frequência; sim, algumas vezes;
raramente; não, nunca.
Sessão 9: Conflito e outros
comportamentos ofensivos
Sim, diariamente; sim, semanalmente; sim,
mensalmente; sim, poucas vezes; não.
Fonte: Elaborado pela autora.
A entrevista semiestruturada foi realizada por meio de um roteiro de
perguntas (Apêndice A), composto por dez questões abertas, respondidas pelos
21
entrevistados com a utilização de recurso de gravação de voz e com prévia
autorização. As questões abordaram o tempo de atuação dos profissionais na
instituição, a descrição das atividades realizadas pelos profissionais, o trabalho em
ambiente manicomial/prisional, a percepção que possuem sobre seu trabalho, as
relações entre os diferentes atores que fazem parte do ambiente de trabalho, o
entendimento de saúde após o início do trabalho na instituição pesquisada e a relação
violência/saúde no contexto de trabalho.
2.2 COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
O período de coleta de dados ocorreu entre setembro de 2016 até março
de 2018 com progressivas aproximações com o campo. A aplicação dos questionários
e entrevistas aconteceram nos meses de fevereiro e março de 2018, após aprovação
do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do
Ceará, e da anuência da pesquisa pela Escola de Gestão Penitenciária da Secretaria
de Justiça e Cidadania - Sejus do estado do Ceará.
De início, foi realizada simultaneamente a aplicação do questionário e da
entrevista com os 17 agentes penitenciários que contribuíram de forma voluntária para
a pesquisa, tendo cada aplicação duração média de 30 minutos. Em seguida, foi
realizada a tabulação dos dados dos questionários respondidos, possibilitando a
construção de frequências e médias dos domínios. Fez-se a análise de correlação
linear entre as variáveis e os domínios, fixou-se pl 0,05. Os dados foram processados
no Statistical Package for Social Sciences – SPSS 20, com licença Nº 10101131007.
A análise estatística possibilitou obter os valores em porcentagens de cada subescala
das dimensões.
Os dados obtidos sobre as condições psicossociais dos profissionais por
meio da análise estatística foram somados aos elementos qualitativos ancorados nas
falas dos interlocutores do estudo mediante as entrevistas. Estes foram organizados
por meio dos elementos discutidos em cada sessão que direcionaram a construção
dessa pesquisa.
As entrevistas foram analisadas sobre a perspectiva interpretativa de
Minayo (2007), contemplando as etapas descritas pela autora de pré-análise,
exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação dos dados.
A análise dos dados alcançados pelas narrativas dos sujeitos foi feita com
22
interpretações, interferência e diálogo com os autores que proporcionaram a trilha
para essa pesquisa, buscando, assim, abrir novas discussões teóricas e
interpretativas.
Durante a pesquisa, foram construídos gráficos para detalhar fatores
presentes em cada sessão, baseados estes nos objetivos desse estudo a fim de
aprofundar as análises em conjunto com as narrativas trazidas pelas aplicações das
entrevistas. A harmonia entre os dados obtidos nas entrevistas e questionários
resultou em categorias de estudo que foram discutidas nesta pesquisa.
2.3 LÓCUS DA PESQUISA
O cenário de estudo dessa pesquisa é o Instituto Psiquiátrico Governador
Stênio Gomes – IPGSG, que está vinculado à Secretaria da Justiça e Cidadania do
Governo do Estado do Ceará – SEJUS e faz parte do Sistema Penitenciário Cearense.
De acordo com o Núcleo de Dados e Estatísticas - NUDAE (2015), o
Sistema Penitenciário do Estado do Ceará é composto por 11 penitenciárias e
presídios, dois complexos hospitalares, duas colônias agrícolas, unidades de cadeias
públicas, masculinas e femininas, um IPPO-I, oito casas do Albergado, dois
destacamentos e delegacias.
O Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes foi inaugurado em 1968,
é uma unidade masculina, tem capacidade para 120 internos, e localiza-se na BR 116,
KM17, no município de Itaitinga – CE.
Atualmente o Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes encontra-se
com 136 presos. O quadro profissional que compõe a Instituição é formado por dois
técnicos de enfermagem, um médico psiquiatra, quatro auxiliares de enfermagem, três
enfermeiros, um médico clínico geral, um assistente social, um fisioterapeuta e 35
agentes penitenciários (NUDAE, 2015).
23
2.4 SUJEITOS DO ESTUDO
Os interlocutores dessa pesquisa são os agentes penitenciários que
trabalham no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. O critério de inclusão
foi o vínculo do agente à instituição, com, no mínimo, um ano de atuação, bem como
estar em pleno desempenho de suas funções. A pesquisa não contemplou agentes
penitenciários que estavam atuando em cargos administrativos e de chefias,
compreendendo ser necessário enfatizar apenas a atuação do profissional como
agente penitenciário para maior aproximação com o universo de trabalho dessa
categoria, detendo-se, assim, aos objetivos desse estudo.
No momento da pesquisa existiam no Instituto Psiquiátrico Governador
Stênio Gomes 35 agentes penitenciários atuando na instituição, com o critério de
inclusão da pesquisa e a existência de alguns profissionais que estavam em período
de férias, afastados por adoecimento ou foram realocados para outras unidades. O
contato, durante o período em campo, foi feito com 17 agentes penitenciários que se
interessaram em contribuir de forma voluntária para a pesquisa. Os agentes foram
convidados a participar do estudo, momento em que foi explicado a pesquisa e
esclarecido que poderiam desistir a qualquer momento da pesquisa.
2.5 ASPECTOS ÉTICOS
Esta pesquisa obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com
Seres Humanos da UECE, considerando a Resolução n° 466 de 12 de dezembro de
2012, que compreende os aspectos éticos envolvendo pesquisas científicas que
trabalham com seres humanos. Como processo inerente ao desenvolvimento da
pesquisa, foi utilizado o Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE (Apêndice
2), em que foram explicitados, antes da coleta de dados, o objetivo do estudo e a
importância da colaboração para esse processo.
A autorização para aplicação do questionário e da entrevista, com
gravação, foi solicitada a todos os participantes do estudo, esclarecendo que a
participação era voluntária e que a qualquer momento poderiam deixar de fazer parte
da pesquisa sem nenhum prejuízo. A identidade do participante não será revelada,
utilizando-se os dados coletados somente para a pesquisa. No entanto, os resultados
poderão ser veiculados nos artigos científicos ou nas revistas especializadas, e/ou nos
24
encontros científicos e congressos, sem tornar possível a identificação dos
entrevistados. Os dados retornarão para o local da pesquisa com o objetivo de
contribuir para o trabalho dos profissionais.
25
3 AS PRISÕES E OS MANICÔMIOS: DOS ENTRELAÇOS HISTÓRICOS AOS DIAS
ATUAIS
3.1 HISTÓRICOS DAS INSTITUIÇÕES PUNITIVAS E O SURGIMENTO DA
CATEGORIA PROFISSIONAL AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIO
As penitenciárias e presídios, bem como os manicômios judiciários, não
foram instituições postas e sempre existentes no contexto social. Por vezes, tende-se
a naturalizar o cotidiano e a acreditar que as instituições atuais, como as prisões,
sempre existiram, ainda que numa versão primitiva. Entretanto, a realidade histórica
dessas instituições revela sua forma de surgimento e seus primeiros objetivos distintos
dos atuais.
Inicialmente, a visão e o modelo de prisão que existiam, a partir das
reflexões de Leal (2001), revelam não ter a natureza de pena-castigo, mas sim de
caráter acautelatório como o de guardar o réu ou o condenado como forma de
preservá-lo do julgamento ou da execução. Na Idade Média, surge o ideário da pena
eclesiástica, que se utilizava da reclusão individual de monges em celas para reflexões
sobre seus pecados. E, na Idade Moderna, com a crise socioeconômica que abalou a
Europa, houve aumento da pobreza e de atos delituosos cometidos por indivíduos,
motivados pela manutenção de sua sobrevivência, junto às pessoas consideradas
ociosas e ladrões. Diante da necessidade de se criar espaços destinados a
recolhimento de pessoas que cometessem algum ato delituoso e com o objetivo de
serem disciplinadas, foi criado o Castelo de Bridwell (PRACIANO, 2007).
A partir do surgimento desse Castelo são criadas as primeiras casas de
correção e trabalho “com intuito de serem sanções para vagabundos e alívio para os
pobres” (PRACIANO, 2017, p. 67), instituídas na Inglaterra e, posteriormente,
ganhando espaço em toda Europa.
No que se refere aos profissionais que compõem esses espaços de
punição, não existem estudos direcionados sobre o histórico do surgimento da
categoria profissional que hoje se reconhece como agente de segurança penitenciário.
Em todas as pesquisas realizadas2, foram encontrados apenas artigos e livros que
2As fontes de pesquisas foram: pesquisa em bases de dados, tais como a plataforma de pesquisa Scielo, as bibliotecas da UECE e da UFC e livros.
26
abordam o surgimento das prisões e manicômios judiciários, alguns deles mostrando
dados sucintos sobre os profissionais que faziam parte desses locais. Fato
questionador, pois os profissionais que participaram desse ambiente podem, com
suas trajetórias, contribuir na compreensão da formação dessas instituições.
O aparato punitivo, ao longo de seu processo histórico, contou com
profissionais que eram destinados a manter as normas do modelo punitivo vigente à
época, o que atualmente conhecemos pela categoria profissional de agentes
penitenciários. Carvalho (2014) afirma que, quando a execução penal se baseava no
suplício do corpo, em que o indivíduo julgava e executava suas leis, essa categoria
profissional surgia como a figura do carrasco e era encarregada da concretização da
execução punitiva.
Assim como o modelo punitivo passou por modificações, os profissionais
que fizeram parte também passaram por esse processo. Os carrascos eram
comumente conhecidos por levar à execução os indivíduos à guilhotina, dentre outras
funções que faziam com que a pena fosse executada. Quando mudado o contexto das
normas punitivas, agora embasadas não somente na desobediência de um soberano,
mas do poder divino, surgem os carcereiros.
Independente do termo histórico adotado para a profissão dos agentes de
segurança penitenciária, inicialmente todos os termos guardam em comum
o fato de sempre terem estado ligadas às situações de torturas, agressão, vigilância e fiscalização e a outros mecanismos disciplinadores utilizados para aplicar o castigo considerado justo, para punir o desvio, promover a adequação e manter uma determinada ordem social (LOPES, 2002, p.4).
Orientados pelos escritos de Britto (1926), Pestana (1981) e Lopes (2002),
em seus estudos, revelam que desde o surgimento dessa profissão poucos eram os
que se interessavam em exercê-la. Os autores afirmam que houve uma época em que
as pessoas eram indicadas a ocupar tais cargos e, caso se recusassem a trabalhar
como carcereiros, eram presas. O indicado ao cargo pertencia à população mais
pobre, com poucas ofertas de emprego, sendo induzido à condição de dominado e
submisso ao aceite como vítima da não escolha profissional.
Em Carvalho (2014), é afirmado que, na Idade Média, com o surgimento do
espaço punitivo, centrou-se a punição ao controle da mente, pois as violações da
época, como já mencionamos, correspondiam à desobediência e à vontade divina.
Assim, “substituiu-se a guilhotina e os demais aparatos de mutilação corporal pela
27
tecnologia punitiva do cárcere. A cela – prisão em isolamento solitário – e,
consequentemente, o carrasco, dá lugar ao carcereiro” (idem, p.12).
Siqueira (2016) afirma que o modelo contemporâneo de punição assume
forma a partir do século XVIII, esse modelo têm aspectos sociais, jurídicos, políticos e
econômicos que o sustenta. Baseia-se em uma sociedade disciplinar, intervindo nos
conflitos sociais sob interesse de uma classe social, em que Wacquant (2007) reflete
a partir de suas pesquisas que as prisões assumem papel importante na lógica
neoliberal de gerenciamento das parcelas discriminadas da população por meio do
encarceramento como forma de enfrentamento aos problemas sociais.
Zaffaroni (1988) contribui nessa discussão afirmando que a pena, da forma
como tem se caracterizado historicamente, contempla apenas a manifestação de
poder. Foucault (1897) reforça essa ideia e descreve a prisão como a região mais
sombria do aparelho de justiça, local onde o poder de punir “que não ousa mais se
exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade
em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se
inscrever entre os discursos do saber”.
De acordo com o que já foi exposto, pode-se compreender que o direito de
punir nas fases da Idade Média e da Idade Moderna, no intuito de vingança privada e
divina, era exercido pelo indivíduo, pois ainda não existia uma organização em relação
à sociedade. Com a criação do Estado, a punição passou a ser exercida por ele,
constituindo-se o ente legitimado a exercer o monopólio do uso da força por seu
representante: primeiramente, o soberano; depois da Revolução Francesa, a
sociedade burguesa, por intermédio dos órgãos encarregados para tal fim.
Foi mediante a criação do primeiro espaço coletivo punitivo, já exposto na
discussão, que surgiram as prisões em outros países com a característica de
instituições fechadas, que visavam um meio de pagamento de pena, castigo, pelo
comportamento contrário às leis vigentes.
Com o surgimento do cumprimento de pena com privação de liberdade em
espaços coletivos, em que várias pessoas dividem celas, pátios e espaço de convívio,
veio a necessidade de um profissional que aplicasse a lei e normas vigentes da
instituição, impedindo e contendo as manifestações consideradas impróprias aos
sentenciados. Esse profissional é o guarda prisional.
De acordo com o Decreto nº 3.706 de 29 de abril de 1924, para que uma
pessoa pudesse exercer o cargo de guarda prisional, deveria ser nomeado pelo diretor
28
do estabelecimento penal. O candidato também deveria ser brasileiro, ter mais de 21
e menos de 45 anos, gozar de boa saúde e boa aparência física, provar bons
antecedentes, moralidade e conduta, sujeitar-se à prática do estabelecimento e fazer
exame de competência. Eram preferidos os que já tivessem exercido práticas
análogas.
Quando questionado a um dos interlocutores desse estudo sobre quais
requisitos essa categoria profissional deveria ter para exercer o cargo atualmente, o
AGP 15 responde: “é necessário obedecer às normas daqui, ter preparo físico para
aguentar as escalas, que às vezes dobram e ter sangue no olho, porque não é para
qualquer um não” (AGP 15, em: 27 de março de 2018).
O AGP 15 aborda algo não escrito no Decreto de 1924, mas presente no
histórico da profissão desde seu surgimento: ter coragem de exercer tal ofício,
compreendendo que suas práticas interferem diretamente em vidas privadas de
liberdade em ambiente historicamente estigmatizado.
No que se refere ao território brasileiro, a primeira cadeia construída foi em
São Paulo, em 1784, quando ainda era província, e destinava-se a recolher
criminosos, inclusive escravos, para aguardar a execução de suas penas. Deram
início, assim, os primeiros estabelecimentos correcionais, primeiramente no Rio de
Janeiro, em 1850, e em São Paulo, em 1852.
A estrutura física e higiênica desses espaços prisionais historicamente,
conforme nos informa Salla (1997), era precária: ambiente sujo, insalubre, pouca
iluminação, alto índice de doenças entre os internos, péssima alimentação, não
havendo separação de presos cumprindo penas comuns com inimputáveis em razão
de transtornos mentais.
Dentro do contexto desse convívio, existiam os agentes penitenciários que
conviviam e que ainda hoje convivem não só com o ambiente laboral insalubre e com
pouca qualificação para trabalho, como também coabitam com os internos que
apresentam transtornos mentais. Historicamente, essa profissão foi considerada
aversiva pela sociedade. De acordo com Lopes (2002), os agentes de segurança se
sentem, atualmente, invisíveis e estigmatizados pela sociedade, além de serem
responsabilizados por fugas, motins, extorsão, corrupção, e omitem-se, muitas vezes,
de assumir publicamente essa profissão.
Goffman (2003), em seus estudos sobre as estruturas e as relações sociais
estabelecidas em instituições fechadas, como as prisões, aborda que a finalidade
29
desses espaços é excluir o preso completamente do mundo social de origem, de modo
que assimile as regras e aprenda as condutas e códigos comuns às prisões como
forma de necessidade básica de sobrevivência. Ele ainda contribui nesse contexto
com o conceito de instituições totais, que é definida em seus estudos como “um local
de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação
semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo,
leva uma vida fechada e formalmente administrada” (idem, 2003, p.11).
Partindo deste pensamento, em que Golffman contribui significativamente
para traçar horizontes no que se refere às instituições postas, pode-se perceber a
presença dessa característica desde a formação das primeiras instituições brasileiras
até os dias atuais, encontrando nas diferentes falas dos sujeitos que as compõem os
traços de sentimento de exclusão por trabalhar em espaços estigmatizados e
esquecidos.
Goffman ressalva que são exemplos de instituições totais: as prisões,
hospitais psiquiátricos, manicômios, acrescentando-se aqui os manicômios judiciários
como instituições fechadas que se propõem compreender a partir das contribuições
do autor.
Apesar da latente semelhança estrutural entre as prisões e os manicômios
judiciários, por serem estes locais onde está a questão social repleta de estigma e
preconceitos, os manicômios judiciários apresentam suas características e objetivos
singulares de importante conhecimento para se traçar diálogos com a temática de
estudo.
3.2 “OS AMBIENTES QUE REPRESENTAM AS DUAS GRANDES ESCÓRIAS DA
SOCIEDADE (O LOUCO E O INFRATOR)”: MANICÔMIOS, HOSPITAIS DE
CUSTÓDIA E INSTITUTOS DE TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO EM MEIO
JUDICIÁRIO
Os manicômios judiciários são instituições complexas, que conseguem articular, de um lado, duas realidades mais deprimentes das sociedades modernas – o asilo de alienados e a prisão – e, de outro, dois dos fantasmas mais trágicos que “perseguem” a todos: o criminoso e o louco (CARRARA, 2010, p.17).
Nos últimos vinte anos, existem discussões latentes que entrelaçam
conceitos fundamentais no que se refere à loucura, à saúde mental e às instituições
voltadas ao cuidado e tratamento de indivíduos com transtornos mentais. Entretanto,
30
observa-se que existe um embaraço obscuro quando se refere à saúde mental e sua
relação com o campo judiciário, perpassando, desde o início, dos manicômios
judiciários até os diálogos mais atuais dentro dos movimentos de luta antimanicomial
brasileiros.
É imprescindível trilhar, no entanto, a discussão sobre o recorte histórico
dos manicômios judiciários no cenário brasileiro para maior compreensão desse
panorama.
De acordo com os estudos de Carrara (2010), a Inglaterra é o primeiro país
a erigir um estabelecimento destinado aos loucos infratores, a prisão especial de
Broadmoor, criada em 1863. Antes, o autor afirma que apenas a França e os Estados
Unidos possuíam, em alguns presídios, anexos para tratamento destinado a esse
público. Interessante perceber que a Inglaterra também foi o mesmo país que institui
o primeiro estabelecimento prisional.
Mas quem são mesmo esses loucos infratores a quem se destinaram os
manicômios judiciários? Para o Código Penal brasileiro de 1890, os loucos infratores
eram indivíduos penalmente irresponsáveis que deveriam ser devolvidos às suas
famílias depois de cometidos crimes. Caso esses indivíduos representassem
“ameaças à segurança”, deveriam ser encaminhados a hospícios públicos, fato esse
decidido pelo juiz.
Os manicômios judiciários não foram primordialmente pensados para
abrigar, de um modo geral, qualquer pessoa com sofrimento ou transtornos mentais
que cometesse crimes. Santos, Farias e Pinto (2014, p.30) afirmam: “destinavam-se
especialmente aos criminosos considerados como degenerados, natos, de índole,
anômalos morais”.
Todas essas denominações são versões distintas do que viria a ser
chamado mais tarde de “personalidades psicopáticas” ou “sociopatas”. Asilos e
prisões se mostravam incapazes de recebê-los porque eram percebidos ora como
habitantes de uma região intermediária entre a sanidade e a loucura ou entre a
irresponsabilidade e a responsabilidade moral, e ora como habitantes de uma região
em que tais termos não faziam mais qualquer sentido.
No cenário brasileiro, os manicômios judiciários surgiram em meio a
embates de saberes entre a psiquiatria e o judiciário. Conforme Santos e Farias (2014
p. 518),
31
A Escola Clássica do Direito Penal foca o livre arbítrio do homem e a pena figura como reparação do dano social. Em contraposição, a Escola Positiva credita ao próprio homem a essência da transgressão e do crime, responsabiliza o sujeito, deslocando o olhar do crime para a personalidade do sujeito, alvo de intensas avaliações médico-jurídicas.
Existe uma disputa entre as discussões transcritas nos documentos oficiais
acerca dos manicômios judiciários com clara relação de poder que impera nesse
cenário. Sergio Carrara (1998) descreve em sua obra – “Crime e loucura: o
aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século” – o surgimento do
primeiro manicômio judiciário brasileiro imerso nesse cenário de contradições e
disputas.
Surge uma forte discussão, a partir do caso analisado pelo autor, em que
Custódio, um rapaz que matou seu padrasto, foi inicialmente diagnosticado como
manomaníaco. Porém, após a fuga dele do Hospício Nacional e de denúncias feitas à
referida instituição, Custódio passou pela avaliação de alguns médicos legais que
deram o diagnóstico de ser ele degenerado ou criminoso nato. Nesse caso, o Hospício
nega-se a aceitá-lo e culmina na solicitação, por partes de vários médicos e de outros
profissionais, como os magistrados, de um espaço direcionado a esses sujeitos, no
caso, o manicômio judiciário.
Ocorre a incidência de uma visão biodeterminista que diz o seguinte: os
sujeitos que são classificados como criminosos natos e são considerados dentro de
hospícios como ameaça a uma ordem devem ser colocados em liberdade sem que
haja um consenso entre a psiquiatria e o judiciário. Permaneceu, assim, até a criação,
em 1903, com o Decreto 1132, que dispõe sobre a obrigatoriedade de se criar
manicômios judiciários em cada Estado (BRASIL, 1903).
Diante disso, instituiu-se a Seção Lombroso, do Hospício Nacional,
especialmente destinada ao recolhimento dos “loucos criminosos”. Não era
propriamente um manicômio judiciário, mas uma sessão de internação destinada a
esse público. Posteriormente, acontecimentos com forte traço intencional de
demonstrar à sociedade o perfil de criminosos perigosos, que eram veiculadas
matérias em jornais abordando frases como: “estavam internados 41 loucos da pior
espécie”, “gente perigosa, sempre com intuito do mal”, remeteram ao fim dessa Seção.
(CARRARA, 1987)
Em 1920 é criado o primeiro Manicômio Judiciário do Brasil e da América
Latina, localizado no Rio de Janeiro, significando não apenas a fundação de ua
instituição voltada substancialmente às pessoas com transtornos mentais que
32
cometeram crimes, mas uma fonte de pesquisa e de desenvolvimento da psiquiatria
no que se refere a experimentos, conforme nos alerta Carrara (1987) e Santos, Farias
(2014).
Apesar dos entraves que existiam entre a psiquiatria e o judiciário, os juízes
e médicos concordavam em um aspecto: a necessidade de espaços mais específicos
e segregados. Com isso, Carrara (2010) descreve que houve o decreto brasileiro nº
1.132, de 22 de dezembro de 1903, que regulamentou o início da reforma dos
hospícios, incluindo as seções especiais aos condenados, que eram recolhidos às
prisões federais por apresentarem sintomas psiquiátricos, e aos inimputáveis, para a
internação compulsória.
Com a construção do primeiro manicômio psiquiátrico no Brasil, o
Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, Diniz (2011 p. 104) afirma que esse e
dispositivo foi amplamente difundido nos estados do País, totalizando, atualmente, “23
Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico abrangendo: Hospitais de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico, Centros, Institutos, Unidades, Enfermarias
Psiquiátricas e Alas específicas em unidades prisionais”.
Cabe ressaltar que o termo, atualmente usado “Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico”, foi proposto pela Reforma Penal de 1984, cumprindo-se,
assim, as respectivas mudanças no Código Penal Brasileiro e na Lei de Execução
Penal.
Desde o surgimento dos primeiros manicômios no Brasil, a equipe que
trabalhava nesse espaço era constituída por médico, enfermeira e diretor da
instituição. Posteriormente, foram incluídos os primeiros agentes penitenciários que
desempenhavam, como principal função, vigiar e conter agressões dos internos.
Diante da análise destas informações históricas apresentadas e das falas
de alguns interlocutores desse estudo, pode-se perceber que o processo que
desencadeou os manicômios judiciários e as prisões brasileiras foi regado por forte
estigma, exclusão social, além da presença da disciplina e punição3. Discutido por
Foucault (1997) e Goffman (1961) em seus estudos, encontra-se, nesses espaços, a
mistura do caráter de punição, característico da prisão em conjunto com o “inocente
doente”, presente nos hospícios.
3Embasamo-nos em Foucault para a discussão de disciplina e punição.
33
Nas décadas de 1960 e 1970, surgem nos países da Europa e nos Estados
Unidos novas propostas para assistência à saúde mental. Livros como “A História da
Loucura” de Foucault (1997) e “Manicômios, Prisões e Conventos” de Goffman (2001),
além de se constituírem reflexões importantes para a condição dos excluídos,
abalando as mais arraigadas convicções de ciência, colocam em questão o modo
como o grande internamento foi produzido, criticam os arranjos por meio dos quais os
indivíduos foram constituídos como loucos e impulsionam a discussão sobre a
subjetividade e a cidadania dos indivíduos que possuem algum transtorno mental.
Em face desses avanços, Arbex (2013, p.14) reforça a necessidade deles
frente às condições das instituições voltadas ao tratamento e cumprimento de pena
em hospitais de custódias e instituições psiquiátricas; com estrutura precária e com a
maioria dos indivíduos presos sem diagnóstico de adoecimento. Os internos eram
“epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, que se
tornara incômodo para alguém com mais poder”. A estudiosa ainda afirma que os
internos comiam ratos, bebiam esgoto ou urina, eram espancados, morriam de frio, de
fome e de doença. A lógica de limpeza social de indivíduos indesejáveis dominou a
história por muitos anos.
Débora Diniz retrata no documentário “A casa dos mortos” a existência, nos
Hospitais de Custódia, desse ideário de ambiente presente nas instituições. Ela ainda
afirma haver três mortes possíveis nesse ambiente: o indivíduo mata; ou ele se mata;
ou ele morre, seja física, seja simbolicamente.
Silvia e Brandi (2014), ao comentar o poema “A Casa dos Mortos” –
mediante testemunho de “Bubu”, um dos internos do Hospital de Custódia da Bahia –
que serve de mote para o filme de Diniz, mostram que, nos manicômios judiciários,
“sobrevêm às mortes sem batidas de sino, ou seja, as mortes daquelas pessoas que
não merecem condolências”. (idem, p.23)
Atualmente, percebe-se que ainda existem traços desse ambiente
segregador e estigmatizante materializado nas instituições. O AGP 15 afirma que “a
gente trabalha com o que a mídia chama de lixo da sociedade, são pessoas
analfabetas ou semianalfabetas, nível de escolaridade muito baixo, na sua maioria
viveu sempre na pobreza, nas drogas, da prostituição.” (AGP 15, em: 27 de março de
2018).
Conforme nos alerta Foucault (1961, p. 69), o controle da sociedade sobre
os indivíduos começa no corpo. O corpo é uma realidade biopolítica, “o controle da
34
sociedade sobre os indivíduos não se efetua somente pela consciência ou pela
ideologia, mas também no corpo e com o corpo.” Percebe-se que esse controle dos
corpos, tanto nos asilos e hospitais psiquiátricos como nas prisões e nos hospitais de
custódia, ainda está presente, hoje, no cenário do país, perpassando também pelo
contexto atual do judiciário sobre a medida de segurança.
Para além da relação de poder existente, temos, historicamente, a
presença de forte segregação social vislumbrada nas afirmativas de Resende (1990)
e Engel (2001) quando se referem a essas instituições. Os autores também atentam
para a função segregadora que sempre existiu, desde o início das funções primordiais
do pretenso tratamento asilar, nos primeiros hospícios destinados a tratamento de
doentes mentais; porém, outras funções se constituiriam a partir da pedra angular já
fixada no decorrer do tempo.
Cabe ressaltar que a função segregadora, presente nos discursos dos
autores, se materializa nos hospitais psiquiátricos e nos manicômios que Amarante
(1987), Pitta (2001) e Paim (2000) discutem em seus estudos. A exclusão social dentro
desses espaços, as constantes negligências e as violências vivenciadas por
indivíduos classificados como não detentores de razão durante muito tempo eram
impostas de forma hegemônica.
A idealização de tratamento em saúde mental em espaço que reproduz
exclusão e adoecimentos é uma realidade historicamente ineficiente, adoecedora e
reprodutora de violações de direitos. As prisões como ideário de ressocialização de
indivíduos por si já mostra sua ineficiência e quando associada a um espaço que se
propõem custodiar pessoas que estão cumprindo medida de segurança e que
possuem transtornos mentais radicaliza a concepção de instituição manicomial e
prisão.
É necessário compreender que cada pessoa possui uma trajetória de vida
e que não se reduz ao crime ou ao sofrimento, e que o conceito de periculosidade é
uma das maiores expressões de violações institucionais de direitos humanos como
bem reflete Brisset (2009), caminha na contramão nos conceitos e práticas atuais de
cuidado em saúde mental e mostra o quanto o controle disciplinar do Estado sobre as
expressões da questão social se mantem atual.
As práticas atuais de atenção e cuidado em saúde mental têm raízes no
processo de redemocratização, a partir das contribuições de diferentes atores sociais
que deram novas possibilidades de olhares para essa área, que outrora centrava-se
35
no modelo biomédico, em concepções hospitalocêntricas, com ampla medicalização
e exclusão social como formas de tratamento.
Amarante (1995) aborda a conceituação de reforma psiquiátrica brasileira
como um processo inovador, de quebra dos paradigmas da psiquiatria e
transformação do seu modelo clássico através de propostas e questionamento para
um olhar além do institucional, sua visão é direcionada para a desinstitucionalização
percebendo-a em seu processo histórico, político e social. Foi desencadeada com
grande participação popular nos movimentos de lutas por democracia e mudanças
que problematizaram as organizações governamentais, as condições de saúde e
melhorias nas condições de vida, em meio a esse contexto existiu grande
fortalecimento dos movimentos sociais.
O estigma, preconceito e discriminação historicamente associados à
loucura deram a ela o lugar da exclusão, do aprisionamento, do confinamento e da
improdutividade. De acordo com reflexões de Gama (2015), a loucura torna-se
problemática social a partir do advento da ordem burguesa que lhe confere o título de
inutilidade social, passando a ser rejeitada. Foucault (1987), já trazia em suas
afirmações que as internações assumiram em seus primórdios uma medida
econômica e de precaução social, com valor de intervenção, na qual a loucura assume
outro significado diferente da Idade Média, em que era concebida como algo místico.
Com o advento da burguesia a loucura passa a significar a incapacidade para o
trabalho, impossibilidade de integrar-se em grupo e a improdutividade.
A loucura enquanto construção social sofre modificações, entretanto, o
lugar da improdutividade, da exclusão e da não participação nos espaços coletivos
ainda é presente na atualidade. O tratamento em espaço territorial no qual usuários
de diferentes serviços substitutivos que compõem a Rede de Atenção Psicossocial do
território em que residem, junto a dinamicidade das relações intersetoriais entre as
diferentes políticas públicas desse território possibilita o acesso, a participação, a
autonomia, o protagonismo e o convívio desses sujeitos com dispositivos de
assistência, possibilitando a ampliação e/ou construção da rede de apoio de cuidado,
que outrora era restrito ao espaço hospitalar/manicomial.
A Reforma Psiquiátrica priorizou o atendimento público à população,
objetivando garantir o acesso aos serviços e o respeito aos direitos e liberdade de
todos aqueles que necessitasse desta demanda, buscando reestruturar a assistência
com promoção a saúde mental e serviços em âmbito comunitário e familiar.
36
Em 1989, surge o projeto Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), um ano
após a criação do SUS, apenas em 2001 esse projeto lei foi aprovado, passados 12
anos em tramitação no Congresso Nacional, ficando regulamentado como Lei Federal
10.216 (2001). Tem como objetivo a regulamentação dos direitos sociais aos sujeitos
que possuem adoecimento mental e uma progressiva extinção dos hospícios no
Brasil. Diante disso, são colocados em discussão os conceitos intrínsecos à política
de internação compulsória de loucos infratores, tais como: inimputabilidade, medida
de segurança, periculosidade, entre outros temas não aprofundados na Reforma
Psiquiátrica.
Carrara (2010) afirma que, com as novas diretrizes do Plano Nacional de
Saúde para o Sistema Penitenciário, se inicia uma nova etapa na Reforma Psiquiátrica
com a inclusão dos fundamentos teórico-práticos dos HCTP na pauta das discussões.
As repercussões das aprovações legislativas são inúmeras e decorrem da integração
dos HCTP às diretrizes gerais da reforma psiquiátrica, que redireciona a assistência a
pessoa em sofrimento que cometeu ato que infringiu o sistema de legislação vigente.
Dentre essas medidas, está a extinção do HCTP.
A Resolução Nº 113 (2010) e a Recomendação nº 35 de (2011) do
Conselho Nacional de Justiça normatizam a implantação de políticas antimanicomiais
da Lei 10.216 nas medidas de segurança. Contudo, Figueirêdo, Delevati e Tavares
(2014) apontam que há uma grande resistência à adesão destes princípios pelos
juristas que ainda se pautam em terminologias técnico-científicas já ultrapassadas,
como a noção de periculosidade, e centralizam suas decisões na internação em
HCTP, baseados em legislações de medida de segurança vigente desde a década de
1940, silenciando, desta forma, novas possibilidades de práticas jurídicas neste
campo.
Em outra resolução, a de nº 4, o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (BRASIL, 2010) detalha os procedimentos antimanicomiais na prática
judiciária e prevê a substituição dos últimos manicômios existentes, estipulando, com
base na resolução, o prazo de dez anos para a substituição do modelo manicomial do
cumprimento da medida de segurança para o modelo antimanicomial. Em 2011, o
Conselho Nacional de Justiça forma um grupo de trabalho para fiscalização e
acompanhamento da execução da medida de segurança (Brasil, 2011).
Carrara (2010) reflete, em seus estudos, que a efetivação plena da
proposta de extinção dos HCTPs no Brasil deverá contar com a formação e
37
capacitação dos profissionais da área da saúde e da área jurídica para atuarem no
campo da atenção psicossocial.
Pelbart (1993) atenta para o fato de que é preciso inicialmente desconstruir
o manicômio mental, que confina o imaginário acerca da loucura na desrazão, na
periculosidade, na legitimação da lógica da institucionalização, entre outras práticas
conservadoras. Também diz ser necessário superar as dificuldades do modelo, ainda
presente no manicômio judiciário, que impede a sua extinção. Outro grande desafio é
a longa permanência pela prorrogação contínua das medidas de segurança, como as
falhas na Rede de Atenção Psicossocial na efetivação da desinstitucionalização.
O cenário atual revela que a medida de segurança e a periculosidade são
os pilares sustentadores da internação compulsória de sujeitos em sofrimento que
cometeram atos ditos ilegais no bojo de mudanças jurídicas inadiáveis (SANTOS,
FARIAS, PINTO, 2015). De acordo com o Censo realizado em 2011, A custódia e o
tratamento psiquiátrico no Brasil, um em cada quatro indivíduos em medida de
segurança não deveria estar internado e 21% da população encarcerada cumpre pena
além do tempo previsto.
De acordo com os dados do Censo (2011) sobre o estado do Ceará, o
Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes – IPGSG, no ano da pesquisa,
representava “a décima terceira unidade em população dos Hospitais de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico (HCTPs) e das Alas de Tratamento Psiquiátrico (ATPs), o que
correspondia a 3% da população dos 26 Estabelecimentos de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico do país e a 11% das pessoas internadas da Região Nordeste”. (idem,
p.94)
O Censo retrata uma informação que traz à tona a discussão aqui proferida:
pelo menos 44% dos indivíduos em medida de segurança não deveriam estar presos
por cumprirem medida de segurança, uma vez que: estavam com a “periculosidade”
cessada; tinham sentença de desinternação; já havia sido extinta a medida de
segurança; ou ainda pela internação ter acontecido sem processo judicial.
No I Seminário de Prevenção e Combate à Tortura (2018) realizado na
cidade de Fortaleza - CE, Márcia Lustosa, representante do Fórum Cearense de Luta
Antimanicomial no evento, apresentou alguns dados do relatório construído a partir de
uma visita técnica ao Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes a pedido do
Ministério Público do Estado do Ceará em 2017. A visita identificou 104 pessoas
internadas, dentre elas, 38 cumprindo medida de segurança, com casos de internação
38
há 17 anos na instituição; 15 pessoas em tratamento, com duração entre 2 meses à 8
anos; 32 esperando laudo pericial e 2 pessoas em internação compulsória.
A precariedade da estrutura física da instituição também foi apresentada no
evento. Durante a visita foi identificado ambiente insalubre, com problemas de
instalação elétrica e abastecimento de água, celas sem colchões e ambiente pouco
higienizado.
A desinstitucionalização foi abordada nos dados apresentados no
Seminário, atualmente existem cinco pessoas acompanhadas no processo de
desinternação, entre elas, uma com 29 anos de internação no Instituto. Entretanto,
mesmo iniciado o processo de desinstitucionalização existem dificuldades para a
inserção dessas pessoas na Rede de Atenção Psicossocial dos seus municípios de
origem. Márcia Lustosa (2018) afirma que é necessário maior suporte do Estado para
intervenção nesse contexto, necessitando maior efetividade das políticas públicas
para viabilização do tratamento das pessoas em processo de desinternação e retorno
à comunidade, com garantia de atendimento integral da Rede de Atenção
Psicossocial.
Em face de tal realidade, os agentes penitenciários, ao abordar a
desinstitucionalização do Instituto Stênio Gomes, afirmam que
Isso não é viável, porque uma pessoa que tem conhecimento da doença, do problema, quando sabe que o ato foi cometido pela doença, reconhece e até que aceita. Mas tem muitas famílias pobres e que não tem entendem que existe a doença por traz do crime e falam que é “senvergonhice”, que fez por que quis, que está se fazendo de doido. Acho que o que vai acontecer é o que já aconteceu no manicômio mesmo, família não aguenta e devolve para lá novamente. Teve um interno que voltou, o Aristeu. O Aristeu era totalmente fora do tempo, do espaço, de tudo, ele voltou por que disseram que ele roubou um celular, mentira. Não tem como, ele não teria discernimento de fazer isso, a família arranjou uma desculpa para trazê-lo de volta (AGP 14, em: 16 de junho de 2017).
O AGP 13 diz ter muitos internos “que não têm visita da família. A maior
parte dos casos são atos cometidos contra suas famílias, mataram pai, mãe, e por
causa disso a família rejeitava e não ia” (AGP 13, em: 13 de fevereiro de 2018).
Afirmam não acreditar no sucesso do processo de desinstitucionalização, mesmo já
conhecendo, mediante leituras, experiências exitosas, como o caso de Minas Gerais,
com o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento
Mental (PAI-PJ); e o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI), em
Goiás.
39
Com base nessas experiências exitosas nos dois estados citados, o Comitê
Cearense de Combate à Tortura, guiado pelo Ministério Público do Estado do Ceará,
vem desenvolvendo estratégias para executar esses programas no Instituto
Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, cujo intuito é a mudança na forma de cuidado
e de cumprimento de pena, direcionando o tratamento na comunidade. Entretanto,
percebe-se ainda uma fragilidade dessa discussão com os profissionais que atuam no
Instituto.
40
4 TRABALHO E SAÚDE EM AMBIENTE MANICOMIAL: OS OLHARES DOS
AGENTES PENITENCIÁRIOS A PARTIR DAS VIVÊNCIAS NO SISTEMA
PENITENCIÁRIO
Pensar a saúde dos profissionais que atuam no sistema penitenciário
perpassa pelo direcionamento conceitual de saúde. É necessário, no entanto, situar
que essa discussão é conduzida pelo conceito ampliado de saúde, ou seja, que se
distancia da centralidade do campo biológico e passa a ser percebida juntamente com
os aspectos econômicos, sociais, históricos, culturais, políticos, afetivos, e com as
relações sociais existentes no cotidiano de vida.
O conceito de saúde passou por modificações ao longo do tempo, tendo
seu conceito ampliado e pensado por diferentes atores sociais. Estudantes,
pesquisadores, a população em geral e profissionais da área de saúde, por meio de
discussões desencadeadas historicamente desde a Reforma Sanitária e Psiquiátrica,
a Conferência de Alma Ata, a VIII Conferência Nacional da Saúde, a Constituição
Federal de 1988 até os dias atuais, com outros momentos que conduziram e
inspiraram reflexões acerca de fatores que determinam, agravam, afetam e
constituem a saúde em seu aspecto integral.
Reis (1999) aborda o processo saúde-doença-cuidado interligado às
análises subjetivas e objetivas no cotidiano de vida de indivíduos, compreendendo,
em seus estudos, que essa análise está diretamente associada aos determinantes
sociais da saúde, principalmente no que se refere às condições de vida e trabalho da
população.
As condições materiais de vida e de trabalho que os indivíduos e grupos
ocupam estão intimamente entrelaçadas com a saúde, tornando-se constantes
discussões e objeto de estudos acerca do bem-estar de trabalhadores nos seus
diferentes postos de trabalho. Os fatores de risco psicossociais do trabalho também
são temas centrais nessa discussão, por serem considerados como variáveis que
interferem na saúde dos indivíduos por meio de processos psicológicos e fisiológicos.
Os riscos psicossociais no trabalho resultam da interação entre o indivíduo,
as suas condições de vida e de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho –
OIT (2007) aponta os seguintes riscos psicossociais: sobrecarga do horário do
trabalhador, sobrecarga de trabalho mental e físico, monotonia, burnout, assédio
moral, violência, insegurança no emprego e stress. Como consequência da exposição
41
a estes riscos, pode-se apontar: acidentes de trabalho, absentismo, doenças
cardiovasculares, ansiedade, depressão, stress, deterioração do ambiente social no
trabalho, decréscimo da produtividade e qualidade do trabalho.
Diante do exposto, compreende-se ser necessário o debate sobre as
relações que se estabelecem entre os processos de trabalho e de saúde dos
profissionais. E, partindo da compreensão das experiências vivenciadas no ambiente
de trabalho, das formas de contratação, da quantidade excessiva de tempo que as
atividades de trabalho ocupam no cotidiano de vida de um indivíduo, das percepções
e sentidos desse trabalho, das relações entre os sujeitos que fazem parte desse
espaço ocupacional, bem como da organização, remuneração, relações de poder que
estabelecem os fluxos do processo de trabalho, depreende-se que são fatores
relevantes que estão ligados diretamente ao profissional e, portanto, à saúde deles.
Assim, em meio ao exposto acerca do contexto saúde e trabalho, pretende-
se dialogar durante esse capítulo com o cenário das relações trabalhistas
contemporâneas no ambiente manicomial. Os diferentes cenários de trabalho que se
apresentam atualmente se encontram gestados pela lógica majoritariamente
neoliberal presente no capitalismo. Segundo Antunes (2011) (1999), Harvey (1987),
Netto (2001), o trabalho é concebido com forte presença da reestruturação produtiva,
precarização das formas de contratação, flexibilização dos vínculos trabalhistas,
remuneração mínima, ambiente de trabalho segmentado, acordos firmados pelo
Estado de forma desigual para com a classe trabalhadora, liofilização organizacional
e acumulação flexível. Nesse cenário, encontra-se a exclusão da grande parcela de
pessoas do mercado de trabalho que vive à margem do desemprego ou subemprego.
O trabalho de agentes de segurança penitenciária está imerso nessa lógica,
entretanto, possui algumas singularidades no campo empírico da pesquisa com
ramificações em todo o sistema penitenciário cearense.
Ancorados na Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora – PNST (2012), que apresenta em seu texto a necessidade de priorizar
ações em saúde com trabalhadores em situação de maior vulnerabilidade, como
aqueles inseridos em atividades precárias de trabalho de maior risco para saúde,
propõe-se aqui compreender a saúde de agentes penitenciários com base no cenário
cearense por intermédio dos olhares e falas dos agentes penitenciários que atuam no
Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, uma vez que estão imersos nesse
contexto de trabalho adoecedor e insalubre, nos diferentes espaços prisionais do país,
42
segundo pesquisas recentes realizadas por Lourenço (2010), Moraes (2015) e
Ferreira (2016).
4.1 PERFIL GERAL DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS DO INSTITUTO
PSIQUIÁTRICO GOVERNADO STÊNIO GOMES
Os agentes penitenciários que atuam no Instituto Psiquiátrico Governado
Stênio Gomes apresentaram, durante a coleta de dados realizada com a ajuda do
Questionário Copenhagen Psychosocial Questionnaire – COPSOQ Médio e roteiro de
entrevista, variáveis socioeconômicas que tornaram possível identificar algumas
características para construção dos dados representados na tabela 1 (um) e 2 (dois),
possibilitando, assim, a construção do perfil desses profissionais.
Tabela 01 – Distribuição dos profissionais do Instituto Psiquiátrico Governador Stênio
Gomes de acordo com as variáveis socioeconômicas.
Idade (2018) (n=17) Nº % (média +/- desvio padrão)
29-39 6 35,4%
40-45 6 35,4%
52-58 5 29,5%
Sexo (n=17)
Feminino 0 -
Masculino 17 100%
Escolaridade (n=17)
2º grau/técnico 2 11,8%
Superior incompleto 2 11,8%
Superior completo 13 76,5%
Formação (n=13)
Graduação em Direito 4 23,5%
Pós graduação em Segurança Pública 1 5,9%
Graduação em História e Geografia 2 11,8%
Graduação em Letras e Pedagogia 2 11,8%
Graduação em Administração e Recursos Humanos 3 17,7%
Graduação em Marketing Digital 1 5,9%
Com quem reside (n=17)
Cônjuge/Companheiro 14 82,4%
Pais 1 5,9%
Sozinho 2 11,8%
Nº de filhos (n=17)
0 6 35,3%
1 9 52,2%
2 2 11,8%
3 a 4 1 6,5%
Nº de Filhos <7 anos (n=17)
0 12 70,6%
1 5 29,4%
43
Tempo que trabalha no Instituto (n=17)
1 ano 8 47,1%
1-2 anos 5 29,4%
3-5 anos 3 17,6%
5-10 anos 1 5,9%
Fonte: Elaborada pela autora.
Analisando a Tabela 1, nota-se a predominância de agentes
penitenciários com idade entre 29-39 e 40-45 anos, totalizando 70,8% da amostra;
29,5% dos profissionais estão com 52-58 anos em fase próxima à aposentadoria. A
média da faixa etária de idades dos entrevistados é de 42 anos, com 10,50 de desvio
padrão.
No que se refere ao sexo, 100% dos profissionais são homens. Predomina-
se esta característica pelo fato de o Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes
ser uma instituição voltada para o público masculino. De acordo com Taets (2012), a
profissão possui predomínio histórico da figura masculina em sua composição, pois a
divisão das unidades prisionais é realizada pelo critério de sexo, havendo, no estado
do Ceará, predominância de unidades masculinas, em que os agentes penitenciários
que atuam nesses locais são homens. A predominância do sexo masculino nessa
pesquisa assemelha-se aos resultados de outros estudos realizados recentemente
com agentes penitenciários no Brasil (LOURENÇO, 2010) e na França (BOUDHOUKA
et al., 2015).
De acordo com a pesquisa realizada pelo Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias – INFOPEN (2014), existiam, no período da divulgação
dos dados, 45.619 agentes penitenciários atuando no sistema penitenciário brasileiro,
dentre eles, 36.114 do sexo masculino e 9.505 feminino. Ferreira (2016), em pesquisa
realizada com agentes penitenciários do sexo feminino no âmbito nacional, confirma
essa tendência majoritariamente masculina da profissão no cenário cearense ao
afirmar que existe baixo quantitativo de agentes penitenciários do sexo feminino, hoje,
no estado.
A situação da escolaridade predominante é de 76,5% dos profissionais
com ensino superior completo e com formação em diferentes cursos de graduação e
pós-graduação, entretanto, existe uma prevalência entre os cursos de Direito, com
23,5%, seguidos dos cursos de História, Geografia, Pedagogia e Letra. Quando
questionados sobre a escolha da graduação em Direito, afirmam ser uma forma de
conhecer sobre a legislação penitenciária e por ter, na grade curricular do curso,
44
disciplinas que são recorrentes nos editais dos concursos públicos atuais para os
quais pretendem se candidatar.
No que se refere à situação conjugal, 82,4% dos profissionais afirmam ser
casados e residirem com seus cônjuges; 70,5% possuem filhos; dentre eles, 52,2%
têm um filho que, em sua maioria, está acima de sete anos de idade (70,6%).
Os profissionais estão, em sua maioria, 47,1%, há um ano no Instituto
Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, seguidos de 1-2 anos de tempo de atuação,
com 29,4%. Dentre as falas dos entrevistados, há relatos da existência de rotatividade
no trabalho do Instituto. Ainda segundo eles, existe uma relação direta com indicações
e trocas nas alocações dos agentes penitenciários, tornando-se persistentes
informações que abordam ser poucos os que permanecem na instituição por muitos
anos.
Durante a aplicação dos questionários e a realização das entrevistas, os
agentes penitenciários mencionaram os locais que atuaram antes de chegar ao
Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Os dados foram redigidos na tabela
02.
Tabela 02- Tempo e locais de atuação de agentes penitenciários que antecederam o
trabalho no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes
Fonte: Elaborado pela autora.
Profissionais (n=14)
Tempo de atuação
no Sistema
Penitenciário
IPPOO I*
IPPOO 2*
Unidade
Prisional
Irmã Imelda Lima Ponte
s
Cadeias
Públicas
CPPL 2*
CPPL 3*
UPDAOBL*
PIRS*
IPPS*
Sejus*
IPF*
AGP 1 20 anos X X
AGP 2 13 anos X X
AGP 3 05 anos X X X
AGP 4 10 anos X X X
AGP 5 10 anos X X X
AGP 6 20 anos X X
AGP 7 32 anos X X
AGP 8 20 anos X X X
AGP 9 10 anos X
AGP 10 10 anos X
AGP 11 10 anos X X X
AGP 12 05 anos X
AGP 13 15 anos X X
AGP 14 10 anos X X
45
A tabela 2 demonstra, de forma detalhada, a quantidade de tempo que cada
interlocutor dessa pesquisa tem no sistema penitenciário cearense, com maior
prevalência de profissionais com 10-20 anos de atuação. Dentre as unidades
prisionais e instituições que compõem o sistema, as cadeias públicas e o IPPO 2 são
as em que mais ocorreram atuação dos agentes penitenciários antes de iniciar suas
atividades no Instituto pesquisado.
4.1.1 “Tem que ter sangue no olho, porque não é para qualquer um não”: o
trabalho de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico Governado Stênio
Gomes
É necessário obedecer às normas daqui, ter preparo físico para aguentar as escalas que às vezes dobram e ter sangue no olho, porque não é para qualquer um não (AGP 15, em: 27 de março de 2018).
Essa fala foi dita por muitos Agentes Penitenciários – AGPS4 durante as
entrevistas, mudando, por vezes, algum vocabulário ou ficando evidente nas
entrelinhas de cada compartilhamento de experiência profissional no sistema
penitenciário. Nas falas estão presentes muitas características e sentimentos que
permeiam essa atuação: as normas, que direcionam as condutas e a organização dos
processos de trabalho; o preparo físico, que é exigido aos AGPS desde que se tornam
candidatos às vagas (um dos critérios das últimas formas de contratação); e as
escalas, que dividem e estabelecem a organização das equipes e dos plantões
realizados pelos profissionais.
A expressão “ter sangue no olho” e a afirmação de que a profissão não é
para qualquer pessoa, dita pelo AGP 15, é recorrente entre as falas proferidas por
agentes penitenciários que atuam em diferentes cenários de trabalho. Pesquisas
realizadas por Moraes (2015) e Lourenço (2010) com agentes penitenciários que
atuam em presídios identificaram que os agentes compreendem que nem todas as
pessoas estão aptas a exercer essa profissão.
Para alguns AGPS do Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, é
necessário privar-se de sentimentos, demonstrar ter força e garra em seu trabalho,
fazer com que a disciplina e a ordem sejam estabelecidas e naturalizar um cenário de
4 Agente penitenciário é a forma como esses profissionais são conhecidos e denominados no seu ambiente de trabalho no cenário cearense. Entretanto, a nominação formal do cargo é “Agente de Segurança Penitenciário”. Durante a pesquisa, foi percebido que são várias as formas de tratamento para denominar a profissão, tais como: carcereiro, guarda, agente. Adotamos a denominação Agente Penitenciário - AGP, pois compreendemos ser a forma que os sujeitos que participaram da pesquisa se reconhecem.
46
prática profissional que, inicialmente, causou surpresas, medos, aflições e angústias.
Porém, com o passar dos anos, como estratégia para exercer o que a função de
agente penitenciário requer, observando as orientações normativas e sociais, fez-se
necessário mudar as percepções sobre o aprisionamento e as relações de trabalho.
Essas mudanças vão de encontro com o que Lourenço (2010) denomina
de dores do aprisionamento. Segundo o autor, os profissionais sofrem privações no
interior dos muros, desde não poderem expressar seus sentimentos até não ter
liberdade de atuação. Diante de tais restrições, os agentes passam a procurar formas
de conviver nesse espaço por meio de “jeitinhos” para conseguir o que pretendem,
endurecendo, assim, suas relações, diminuindo sua sensibilidade com os sujeitos que
dividem a mesma realidade ocupacional e afastando-se do relacionamento com a
pessoa que está privada de liberdade. Entretanto, Lourenço acrescenta que as dores
do aprisionamento persistem fora do espaço ocupacional, pois ela é percebida
intramuros e extramuros, o que se torna evidente com as restrições que os agentes
penitenciários precisam fazer sobre suas escolhas de espaço de lazer, de mudança
na forma de se comportar e conviver socialmente e no medo da violência no ambiente
de trabalho.
Chies (2001), um dos pesquisadores em Ciências Sociais, pioneiro nos
estudos com agentes penitenciários, relata, em sua pesquisa realizada com a
categoria no estado do Rio Grande do Sul, que a vivência cotidiana em ambiente
prisional causa nos agentes penitenciários o que ele denomina ser um processo de
prisionização. O AGP, convivendo com os diferentes sujeitos que estão cumprindo
pena nas unidades do sistema, tem seu comportamento afetado.
O que Chies e Lourenço trouxeram em suas pesquisas, Goffman (1985) já
discutia, em seus estudos, sob a ótica da instituição e das forças que nela atuam, o
processo que denominou de institucionalização, assim como seus efeitos nos
indivíduos institucionalizados, trazendo à discussão o processo de mortificação do eu
e a construção do novo eu por meio do adestramento demandado institucionalmente,
do controle do comportamento, do corpo e das atitudes. Essa demanda institucional
de apreender o espaço do aprisionamento e de socialização do universo prisional é
posta tanto aos internos como aos agentes, pois, de acordo com Moraes (2015), os
agentes penitenciários necessitam entender a dinâmica da prisão, já que podem
depender disto para sua própria sobrevivência, sobretudo para manutenção da ordem.
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Esse cenário de instituição total5 e a caracterização histórica da profissão
não desencadearam muitas pesquisas relacionadas aos agentes penitenciários,
quando comparados ao número de estudos realizados com pessoas privadas de
liberdade no cenário do sistema penitenciário brasileiro. Além desse aspecto,
percebe-se uma relação conflituosa entre pesquisa em ambiente prisional e agente
penitenciário. Kauffman (1988, p. 271) contempla essa afirmação quando diz que,
“infelizmente, nem todos os pesquisadores que estudam os presos têm se esforçado
para manter uma relação cordial com os agentes penitenciários”.
Os agentes penitenciários do Instituto identificam em suas narrativas pouca
presença de pesquisas na área, apenas dois dos entrevistados afirmam terem
participado de pesquisa sobre sua atuação, entretanto, nunca souberam os resultados
da mesma, não houve retorno do pesquisador após a coleta de dados.
Os agentes penitenciários possuem uma trajetória de atuação no sistema
penitenciário, poucos são os que, ao entrar na carreira, foram alocados diretamente
no Instituto sem que antes tenham atuado em outros espaços do sistema penitenciário
cearense, como detalhado no subcapítulo anterior. Entretanto, o que não foi
apresentado até então foram os caminhos e motivos que trouxeram os AGPS até a
instituição. Como os agentes penitenciários que atuam no Instituto chegaram nessa
instituição? Quais motivos os fizeram estar aqui?
Moça, fique logo sabendo os agentes que trabalham aqui chegaram por cinco motivos: ou porque tem um peixe grande que colocou ele aqui ou está doente principalmente psicologicamente, aqui tem muitos assim ou tem vício em drogas e não podem ficar em unidades que tem circulação da droga ou porque estão cumprindo pena administrativa ou estão aguardando os últimos anos para se aposentar, vem para cá porque é o local mais leve do sistema (AGP 17, em: 3 de março de 2018).
Dentre os 17 agentes penitenciários entrevistados durante a pesquisa, 13
falaram sobre como chegaram ao Instituto e sua trajetória profissional no sistema
penitenciário, sendo que apenas um deles foi alocado no início da carreira no Instituto,
enquanto os demais tiveram uma maior caminhada até a chegada na Instituição.
Dentre as falas, a que mais se repete é a de que eles foram alocados no Instituto
porque pediram e por atribuírem ao espaço a característica de ser calmo, onde as
pessoas privadas de liberdade não oferecem risco, além de ser baixo o número de
ameaças proferidas contra os agentes. Acrescentam ainda que, comparado a outras
5 Conceito fundamentado em Goffman, discutido no tópico sobre manicômio judiciário.
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unidades do sistema, o Instituto têm poucas pessoas cumprindo pena, o que torna
mais fácil o seu controle, gerando, assim, maior sentimento de segurança.
Eu assim que passei no concurso vim para cá, tinha um grande amigo na Sejus que me ajudou, pedi para ele me colocar no local mais de boa do sistema (AGP 12, em: 23 de março de 2018). Eu vim para cá porque me apresentei lá na Sejus e como tinha vaga aqui me colocaram para cá, eu não pedi. Não conhecia como era aqui, ainda bem que não pedi, por que talvez se eu tivesse pedido não teriam me colocado com certeza, por saber que é tão bom assim (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).
A maioria dos entrevistados afirmam que estão no Instituto por indicações
de pessoas que possuem influência nas alocações dos profissionais, falam também
não ser fácil conseguir uma vaga, pois é um dos espaços mais disputados do sistema
penitenciário cearense para atuar. Foram unânimes em dizer que, mesmo que fosse
proposto trabalhar em outros locais do sistema, prefeririam não sair e gostariam de
permanecer na Instituição.
Existem alguns AGPS que não chegaram ao Instituto porque escolheram.
O AGP 11 afirma: “eu estou aqui porque estou sendo responsabilizado pela fuga de
três presos do local que eu trabalhava, estou esperando a sentença, essa juíza tem
marcação comigo já é a segunda vez que passo por isso, vim para cá para esperar
esse processo” (em: 8 de fevereiro de 2018). Assim como o AGP 11, existem outros
agentes que apresentaram, em suas falas, que estão no Instituto porque tiveram
problemas com o uso de substâncias psicoativas, relatando ainda que foram alocados
nessa Instituição porque a oferta e o contato com as substâncias é menor.
Barbosa (2005), ao abordar em sua tese sobre os principais
funcionamentos e valores que informam a vida cotidiana aprisionada, problematizou
o universo prisional de forma ampla, mostrando que, entre os espaços de
aprisionamento e cumprimento de pena do sistema penitenciário, existe tanto a
circulação de substâncias psicoativas como a sua venda, bem como o monitoramento
sobre a circulação e o lucro obtido por detentos dentro das prisões.
Assim como existe o uso de substâncias entre os internos, os AGPS
afirmam existir também entre os profissionais, em que alguns fazem uso da substância
e outros fazem a intermediação de vendas e trocas entre os sujeitos que estão
privados de liberdade.
O Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes é uma instituição que
possui pessoas que estão privadas de liberdade e em sofrimento, alguns com
diagnósticos de transtornos mentais que as tornam inimputáveis de seus atos,
49
estando sob medida de segurança. No entanto, os profissionais que atuam junto à
equipe de saúde da Instituição – os agentes penitenciários especificamente – não
tiveram quaisquer viés seletivo para o trabalho, predominando os “jeitinhos” e as
indicações de gestores historicamente presentes na trajetória da profissão.
Quando indagados sobre quais atividades desempenham na Instituição, os
agentes penitenciários afirmam:
Aqui a gente cuida da custódia dos presos, auxilia os enfermeiros na aplicação de medicação, dar suporte ao educador físico, fisioterapeuta, a recreadora, os médicos, esse pessoal que faz esses serviços sociais e tem uma faculdade que eu não lembro, psicologia também, atendimento, escolta às vezes, como a unidade não tem ambulatório completo a gente tem que levar à hospitais. Quando há o momento de crise a gente leva para o mental de Messejana (AGP 8, em: 3 de março de 2018).
Trabalho de 8 da manhã às 08h da manhã do outro dia, nós temos aqui atividades diversas, desse o atendimento de levar o paciente para o psicólogo, terapeuta ocupacional, o serviço social, isso aqui funciona muito bem, tem dias de visita, aqui é muito dinâmico, praticamente cada dia tem uma rotina, mas toda essa rotina nós já sabemos de “có e saltiado” como vai ser, ou o atendimento médico ou o dia de visita ou dia de recreação ou dia da terapeuta ocupacional, a alteração quando ocorre é quando tem algum problema nesse dia, o médico falta ou outro profissional aí é que não ocorre o atendimento (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018).
Os AGP 8 e AGP 2 afirmam que a profissão tem como função atuar no
Instituto com objetivo de custodiar, conduzir as pessoas que estão privadas de
liberdade até suas consultas e atividades programadas, e ainda fazer a escolta. O
AGP 7 acrescenta dizendo: “eu faço a segurança dos pacientes, faço a segurança dos
meus superiores e só isso mesmo” (em: 28 de fevereiro de 2018). O AGP 5 reafirma
a fala do AGP 7 acrescentando que faz a segurança dos internos para manter a ordem
na instituição.
Por ser uma instituição psiquiátrica, é recorrente nos plantões realizados
pelos agentes penitenciários existir, com maior frequência, consultas e atendimentos
pela equipe de saúde, assim como a escolta a hospitais, principalmente o Hospital de
Saúde Mental Professor Frota Pinto por ele ser a referência utilizada pelo Instituto
sobre internações e emergências em saúde mental.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, a profissão
está contida entre as profissões reconhecidas pelo Ministério do Trabalho. A CBO e o
Ministério do Trabalho a define como,
Vigiam dependências e áreas públicas e privadas com a finalidade de prevenir, controlar e combater delitos como porte ilícito de armas e munições e outras irregularidades; zelam pela segurança das pessoas, do patrimônio e pelo cumprimento das leis e regulamentos; recepcionam e controlam a movimentação de pessoas em áreas de acesso livre e restrito; fiscalizam
50
pessoas, cargas e patrimônio; escoltam pessoas e mercadorias. Controlam objetos e cargas; vigiam parques e reservas florestais, combatendo inclusive focos de incêndio; vigiam presos. Comunicam-se via rádio ou telefone e prestam informações ao público e aos órgãos competentes (MINISTÉRIO DO TRABALHO, 2007, p. 23).
Os profissionais de segurança penitenciária não possuem regulamentação
federal da sua profissão na Constituição Federal vigente. O Art. nº 44 elenca o corpo
integrante da segurança pública nacional, entretanto, a categoria agente penitenciário
não é mencionada. Diante desse cenário, cada estado se responsabiliza pela
regulamentação da profissão pautada na Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210
de 11 de julho de 1984).
A Lei Estadual Nº 14.582, de 21 de dezembro de 2009, foi criada para
redenominar a carreira de guarda penitenciário para agente penitenciário que integra
a carreira de segurança penitenciária. Porém, com as modificações da Lei Nº 14.966,
de 13 de julho de 2011, as atribuições do cargo de agente penitenciário foram
estabelecidas e se constituem em: fazer “atendimento, vigilância, custódia, guarda,
escolta, assistência e orientação de pessoas recolhidas aos estabelecimentos penais
estaduais”.
Santos (2010) conceitua o trabalho desempenhado pelo AGPS a partir de
um conjunto de atividades que afirma ser:
Cuidar da disciplina e segurança dos presos; fazer rondas periódicas; fiscalizar o trabalho e o comportamento da população carcerária; observar os regulamentos e as normas institucionais; providenciar assistência aos presos; informar às autoridades competentes sobre as ocorrências surgidas durante o seu período de trabalho; verificar as condições de limpeza e higiene das celas e instalações sanitárias de uso dos presos; deslocar o encarcerado da cela até os locais de atendimento como enfermarias e salas das equipes técnicas. (SANTOS, 2010, p.58)
No que se refere às orientações de atribuição de agentes penitenciários
que atuam em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, não há atribuições
específicas, a Lei de Execução Penal – LEP (1998) trata apenas a quem a instituição
se destina, explícito em seu Art. 99, aos inimputáveis e semi-imputáveis; e no Art. 100,
traz a obrigatoriedade do exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao
tratamento de todos os internos; e finaliza com o art. 101, que expõe que o tratamento
ambulatorial deverá ser realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
ou em outro local com dependência médica adequada.
Os agentes penitenciários que atuam no Instituto, quando questionados
sobre seu exercício na instituição, relatam que, ao chegar, não receberam capacitação
51
ou direcionamentos para trabalhar. Inclusive, alguns trouxeram em suas falas que
tiveram a iniciativa de pedir ajuda e dicas a AGPS que já estavam em atividade há
mais tempo, e assim conseguiram exercer com mais segurança seus atos. Entretanto,
prevalece, nas narrativas, que não houve nenhum preparo para o trabalho no Instituto.
Nós somos os primeiros a chegar na hora do surto ou da indisciplina, adotamos um procedimento padrão de contenção, às vezes somos agredidos nesses momentos, por que eles estão fora de se, levamos todos nessa situação para sala de disciplina, lá eles vão ser tratados (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).
Ao mesmo tempo em que são os primeiros profissionais chamados a
vivenciar e conduzir o atendimento no momento de surto, segundo as falas dos AGP
3 e AGP 16, os agentes ainda não são capacitados para fazer essa conduta, pois não
recebem treinamento. O que existe é uma forma de contenção física reproduzida pela
maioria, mas que, segundo o AGP 3, foi sendo adquirida na vivência do trabalho: “a
gente sabe que não pode dar as costas para eles por que podem surtar e nos agredir,
sabemos disso por que quando chegamos pedimos as dicas de como fazer para os
agentes que estão aqui a mais tempo” (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).
Conhecer o local de trabalho e os fatores que o compõem é crucial para o
profissional que atua em todas as áreas. Nesse entendimento, surgem as
necessidades que levam a aperfeiçoar e modificar práticas padronizadas, como as
que são aprendidas nas formações que acontecem no início da carreira de agentes
penitenciários. No entanto, hospitais de custódia necessitam de procedimentos que
cooperem para o cuidado que é proposto nesse espaço. Segundo o AGP 3, não existe
alinhamento de práticas de condutas com os internos.
O conhecimento de condutas e procedimentos de trabalho é determinante
para o agente penitenciário em instituições psiquiátricas, pois repercute decisivamente
na vida dos sujeitos envolvidos no ato, no momento do surto, e, dependendo da forma
que é conduzido, pode acarretar muitas complicações no quadro de saúde da pessoa,
possibilitando inclusive sua morte.
O AGP 12 traz também em sua fala o que muitos agentes relataram nas
entrevistas: “nunca recebi nenhum curso ou capacitação para estar aqui lidando com
essas pessoas que estão adoecidas, de início foi bem difícil, me apoiei na equipe que
tinha pessoas já experientes que me ajudaram saber lidar” (em: 23 de março de 2018).
O AGP 7 acrescenta à discussão que a experiência na atuação como agente
penitenciário é essencial para atuar no Instituto.
52
Aqui você tem que ter um pouco de experiência né para trabalhar com loucos, melhor ter uma experienciazinha para trabalhar com eles, é diferente trabalhar com eles e trabalhar com gente normal, agente não tem nenhum preparo para trabalhar com eles, o preparo aqui é só a experiência mesmo (AGP 7, em: 28 de fevereiro de 2018).
Santana e Alves (2015), em pesquisa realizada no Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico em Minas Gerais – HCT com profissionais que atuavam na
instituição, identificou, na fala dos entrevistados, que não haviam qualquer tipo de
preparação para ingressar na instituição. Os participantes da pesquisa demonstraram
falta de conhecimento no início da prática profissional e ausência de capacitação ou
orientação sobre o trabalho a ser desenvolvido, assim como o desconhecimento dos
objetivos e da realidade do HCT. Segundo as autoras, houve, em sua pesquisa,
unanimidade entre as falas dos profissionais sobre a necessidade de cursos
preparatórios e treinamentos que tornassem possíveis ações de acordo com a
necessidade da instituição.
Fernandes et al. (2002), em pesquisa realizada com agentes penitenciários
que atuavam em penitenciária na cidade de Salvador, também destacaram a falta de
capacitação dos agentes penitenciários para atuarem nas instituições. Nessa
pesquisa, foi identificado, pelos autores, que a ausência da capacitação leva os
profissionais a utilizar recursos como a violência ou, então, ceder a ameaças e
tentativas de corrupção.
O direcionamento normativo da função de agente penitenciário e as
pesquisas em Instituições Psiquiátricas e Hospitais de Custódia demonstram que
esses profissionais não possuem orientações específicas para atuar na custódia de
pessoas que se encontram privada de liberdade que necessitam de tratamento em
saúde mental.
O AGP 1 (em: 5 de fevereiro de 2018) afirma que o trabalho no Instituto
engloba “o contato com os presos pelo fato de serem, posso dizer assim, presos
diferentes, por serem apenados que estão em tratamento”. O AGP 14 já traz um
tratamento diferente da maioria das falas dos agentes, ele diz:
Aqui a pessoa tem que ter um pouco de psicologia para entender, conversar, dialogar por que tudo aqui é na conversa, você conversa com eles, você pergunta como está o remédio, você chega segura, o médico dá o remédio, a gente conversa, interage com ele, é diferente de preso normal, que não tem problema mental (AGP 14, em: 26 de fevereiro).
Os agentes revelam, em suas falas, que há um contato mais direto com o
interno do Instituto e o interesse em conversar e interagir com essas pessoas que
53
fazem morada na instituição. No entanto, esse comportamento se distancia da
realidade de trabalho de agentes penitenciários de modo geral, pois o que prevalece
entre as falas e os atos dos AGPS são o afastamento e os contatos pontuais com
internos com objetivos específicos.
Alguns agentes, como o AGP 1, AGP 14, AGP 3 e AGP 11, expõem a
necessidade de se ter um perfil de profissional específico para trabalhar no Instituto.
O AGP 11 afirma que os agentes devem entender “mais de cuidado, ser mais
humanitário, perfil mais de compreensão”; e o AGP 3 complementa: “trabalhamos
mais com pessoas enfermas, por que todos que estão cometeram crimes pela
condição de terem problemas mentais, então a gente tem lidar com eles tendo em
mente que ele são doentes mentais, não sabiam o que estavam fazendo” (em: 22 de
fevereiro de 2018).
A maneira de se pensar e a forma de atuação não é unanimidade entre os
agentes, pois alguns agentes declaram que trabalham de acordo com o que é
orientado nas normas de sua atuação. O AGP 5 relata, em sua fala, o pensamento de
uma parte expressiva dos agentes entrevistados.
Eu não sinto que o ambiente do manicômio altere meu trabalho, para mim é o mesmo tratamento deles serem especiais, por terem distúrbios psicológicos, mas para mim eles são presos como qualquer um eu tenho o mesmo tratamento, sempre colocando dentro da LEP garantindo sempre a harmonia dentro da unidade (AGP 5, em: 26 de fevereiro de 2018).
Apesar de falas recorrentes sobre manter a ordem, custodiar e disciplinar,
essas formas de atuação do agente penitenciário não são condizentes com os
objetivos do aprisionamento moderno, pois é a ressocialização dos apenados, em seu
processo de cumprimento de pena, um dos principais objetivos, além da punição de
acordo com a Lei de Execução Penal.
A Lei de Execução Penal – LEP, Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, traz,
em seu texto, a punição, a disciplina e os espaços punitivos e elenca, em vários
artigos, os mecanismos de ressocialização que visam, pelo processo reeducativo,
pelo trabalho e pela profissionalização escolar, possibilitar aos indivíduos privados de
liberdade o retorno ao convívio social (NASCIMENTO, 2015).
As funções aqui você tem que ir de encontro com a ressocialização que é diferenciada das outras unidades por que é no quesito aqui das pessoas que tem problemas psíquicos ou que fazem tratamento por algum motivo, drogas bebidas ou alguma outra coisa, por algum vício que recebe esse tratamento especial diferente das outras unidades e vem para cá para se ressocializar. Executa serviço externo, como escolta para você devolver o interno quando ele ganha alta, que ele precisa deixar em casa com o responsável, nós fazemos escolta também nos hospitais, escolta é você ficar em prontidão,
54
ficar durante 12 horas com atenção daquele interno, em qualquer canto que ele estiver, então nós fazemos esse tipo de serviço (AGP 11, em: 8 de fevereiro de 2018).
A ressocialização, evidenciada pelo AGP 11 no Instituto, deveria estar no
direcionamento central de todos os profissionais que atuam na instituição. A
institucionalização dos sujeitos que fazem morada no Instituto afeta seu tratamento,
propaga a exclusão social e anda na contramão da literatura e das políticas públicas
no campo da saúde mental.
Correia (2006) discute, em seus estudos, que o desprestígio presente na
categoria profissional de agente penitenciário é decorrente das críticas proferidas a
estes sobre a atuação deles a partir da execução penal, que nega a ressocialização e
as orientações de condutas com os internos das instituições.
O desprestígio, a invisibilidade e a imagem do carcereiro ligada à violência
no imaginário social é algo presente na atualidade. No entanto, nos últimos concursos
realizados pelo Governo do Estado do Ceará com a Secretaria da Justiça e Cidadania
– SEJUS, houve crescimento significativo no número de inscritos para o cargo. No
último concurso, realizado em 2017, se inscreveram 76.906, segundo dados da
Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado divulgados no site oficial do Governo do
Estado do Ceará. Foram ofertadas no edital 850 vagas para candidatos do sexo
masculino e 150 para candidatos do sexo feminino.
De acordo com o edital, para concorrer à vaga de agente penitenciário, o
candidato precisava ter escolaridade mínima e ter concluído o ensino médio,
a) Ser brasileiro, ou gozar das prerrogativas dos Decretos Nº 70.391/72 e Nº 70.436/72; b) Ter idade mínima de 18 (dezoito) anos completos, no ato da nomeação; c) Estar em dia com as obrigações eleitorais e, se do sexo masculino, do Serviço Militar; d) Gozar de boa saúde física e mental atestada pela perícia médica admissional oficial; e) Possuir ilibada conduta pública e privada, comprovada documentalmente por certidões negativas e certidões de antecedentes criminais, demonstrando não estar o interessado respondendo a processo criminal ou ter sido indiciado criminalmente; f) Não ter sofrido condenação criminal com pena privativa de liberdade transitada em julgado ou qualquer condenação incompatível com o exercício do cargo pretendido; g) Não ter sido demitido do serviço público com a nota “a bem do serviço público”; h) Ter o nível de escolaridade correspondente ao ensino médio completo, ou curso profissionalizante de ensino médio, em instituição reconhecida pelo Ministério da Educação; i) Possuir aptidão para o cargo. (GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, 2017)
A remuneração inicial bruta era de R$ 3.747,29 reais, já inclusa a
Gratificação de Atividades Especiais e de Risco – GAER, prevista na Lei Nº 16.102 do
ano de 2016, e o adicional noturno.
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Os critérios exigidos para quem vai exercer o cargo de agente penitenciário
estão mais específicos, como contratação por meio de concurso público; exigências
distintas da maioria dos concursos, especificando como critério, além dos
antecedentes criminais, uma investigação social e funcional que traz como requisito
essencial para o cargo atributos como: honra, respeitabilidade, seriedade, dignidade
e bons costumes. Colocando ainda em edital a necessidade de haver nos candidatos
idoneidade moral e de serem irrepreensíveis e inatacáveis.
Os critérios dos concursos públicos para agente penitenciário exigem um
tipo de perfil profissional que se deseja obter nos espaços ocupacionais do sistema
penitenciário dessa profissão. Esse perfil parte de um referencial que se deseja para
a categoria profissional. A figura do agente penitenciário está, historicamente, atrelada
às condutas “ilegais”, porém, o perfil de profissional irrepreensível e inatacável,
solicitado no edital do concurso, traz a responsabilização da estrutura degradante do
encarceramento para os agentes penitenciários, requerendo representações morais
de comportamento ditos como aceitáveis e descartando todo contexto multifacetado
de fatores que reverberam para a situação atual do aprisionamento e para as relações
de forças e poder provenientes do Estado para com as instituições.
Taets (2002) afirma que existe um esforço institucional para uma visão de
que o agente penitenciário seja radicalmente diferente do interno. A autora, no
entanto, problematiza que as escolhas dos agentes são feitas por meio de
experiências pessoais e institucionais.
Ao questionar alguns candidatos6 do último edital ao cargo de AGP sobre
a motivação que os levou a se inscreverem para o cargo, a maioria das respostas
afirmava que se devia à estabilidade financeira que o concurso proporcionava e à
aprovação temporária no sistema penitenciário para tentar outros concursos em
outras áreas. A maioria dos candidatos vislumbrava no concurso a chance de serem
empregados num momento em que o país se encontra com mais de 13,7 milhões de
pessoas desempregadas, segundo dados publicados do IBGE sobre os três primeiros
meses do ano de 2018, fruto dos desarranjos econômicos e estruturais acrescidos
desde 2015.
6 Essas indagações foram realizadas pela pesquisadora, de maneira informal, com 20 candidatos ao cargo de agente de segurança penitenciária que estavam matriculados em um cursinho preparatório para o concurso na cidade de Fortaleza.
56
Os relatos dos candidatos ao cargo de agente penitenciário vão de
encontro com as falas dos agentes penitenciários que participaram da pesquisa
realizada por Taest (2002). Eles relatam, segundo a autora, e são unânimes em dizer
que a opção pela profissão foi motivada pela remuneração, não procuraram a
profissão por uma possível identificação, mas pelo interesse financeiro.
No cenário do Instituto, os AGPS afirmam ter optado pela profissão, em sua
maioria, pela remuneração, pela estabilidade do concurso público e pelo tempo de
trabalho semanal. O AGP 3 diz que optou pela profissão “porque nesse mundo onde
a gente um dia tem um trabalho e no outro não tem é melhor se garantir no concurso
público que tem um salário razoável” (em: 22 de fevereiro de 2018).
O AGP 2, em sua fala, afirma que os critérios para exercer a carreira não
foram sempre assim.
Antes da constituição de 88 era tudo por meio da canetada, mas depois nós tivemos concurso em 1995, 1998, 2005, 2007 e o último em 2017, houve também um período de terceirização das unidades, um período em que foi dividido os agentes estatutários e em regime de CLT, mas não foram todas (AGP 2, em: 08 de fevereiro de 2018).
Marx (1998) já trazia, em suas reflexões, as crises existentes no capitalismo
como inerentes ao desenvolvimento desse modelo, pois a produção capitalista
constrói barreiras para sua expansão. O capitalismo contemporâneo, pautado no
neoliberalismo, no estado mínimo, nas inovações tecnológicas e na
desterritorialização que vem tomando forma desde a década de 70, intensifica a busca
de lucro que cria períodos de destruição massiva das forças produtivas e ciclos de
prosperidade, e alternam-se historicamente (MOTA, 2013).
O desemprego predominante no cenário atual é fruto de inúmeros fatores,
mas, entre as falas da população, destaca-se: a motivação centrada na crise que o
país se encontra, uma das crises cíclicas do capital. Nesses momentos de crise,
impera-se o estado mínimo para as políticas sociais, a privatização das empresas e
propriedades públicas, a flexibilização das formas de contratação, demissões em
massa, aumento dos empregos informais e vulnerabilidade social.
No Instituto Psiquiátrico Governado Stênio Gomes, os agentes são todos
concursados, divididos em quatro equipes, numa média de 8 a 10 profissionais por
equipe. Um AGP atua como chefe de equipe – chefia imediata dos agentes – estando
estes subordinados ao chefe de segurança. Nas equipes, existem ainda os
profissionais que são denominados pelos AGPS como “os desvios de função”, ou seja,
57
pessoas que fizeram concurso para os cargos administrativos no sistema penitenciário
e, segundo alguns entrevistados, pela baixa quantidade de AGPS, foram direcionados
para o cargo de agente penitenciário, exercendo a função há muitos anos, porém não
fazem escolta e nem porte de armas.
Aqui nós temos um pessoal que é os desvios de função, eles não são AGPS, eles são desvio de função, são de outros cargos que estão sendo usados como AGP, nessa equipe aqui que eu estou somos 5 AGP só, o resto é desvio de função. Isso torna as equipe com maior quantidade de gente, mas tem muita coisa para fazer (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018).
Durante a pesquisa na Instituição, foi observado que muitos agentes
exercem, dentro do sistema penitenciário, a carreira administrativa, seja nas chefias
ou atuando em funções que não são as de agentes penitenciários. Paralelo a esse
fato, existe uma necessidade de AGPS para exercer suas funções em todos os
espaços de atuação no sistema e, por isso, alguns profissionais foram alocados para
suprir essa necessidade.
Os agentes penitenciários que atuam no Instituto trabalham em regime de
plantão de 24 horas trabalhadas por 72 horas de descanso. Nos plantões, as escalas
são organizadas por um agente da equipe, que também se encarrega das dinâmicas
de trabalho do dia.
A escala de revezamento que fazemos ao chegar no plantão sobre o que iremos fazer no dia é de responsabilidade de 1 AGP que faz essa escala, aqui na entrada onde ficamos é o corpo da guarda, é onde nos distribuímos nas escalas ficam 1 lá no pátio com eles por 2 horas,a cada 2 horas há trocas de quem fica lá, aí por exemplo, quem ficou de 8 às 10 horas nesse plantão no próximo fica de 10 às 12 no seguinte e assim sucessivamente, os demais agentes ficam alguns no corpo da guarda ou fazendo outras atividades, reversamos também, minha equipe tem 8 pessoas, mas depende do dia vamos nos distribuindo nas atividades. No período da noite da para a gente descansar um pouquinho, mas durante o dia a gente fica se reversando entre as outras atividades (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018).
O plantão dos AGPS no Instituto possui organização semelhante entre
todas as quatro equipes de trabalho. Os agentes cumprem as escalas com supervisão
do chefe de segurança. Todos os agentes trouxeram, em suas falas, que não há
incidentes noturnos que os impeçam de descansar nos horários estipulados
individualmente. Relatam também que possuem uma hora de almoço, sendo este
fornecido pela instituição. E, a depender da movimentação do dia, conseguem
desenvolver suas atividades com mais tranquilidade, exceto nos dias de visita ou de
algum evento quando essa rotina é alterada.
Os AGPS que atuam no Instituto cumprem, em sua maioria, 60 horas
trabalhadas. Essas horas decorrem da soma de plantões realizados no mês, dentre
58
os quais estão os plantões extras que os profissionais fazem para o aumento de seus
salários. Em entrevista realizada com o AGP 12, ele afirma que “quase todo mundo
aqui não trabalha só aqui, faz plantão em outros locais do sistema para aumentar a
renda, muitos tem família e necessita de outros meios para se sustentar” (em: 27 de
março de 2018)
Essa realidade de dois ou mais locais de trabalho é presente no contexto
dos agentes penitenciários no estado, pois muitos necessitam complementar sua
renda para se manter na profissão e custear suas necessidades. Este fato ocorre com
a maioria dos trabalhadores brasileiros que precisam garantir a sobrevivência frente
às flexibilizações das leis trabalhistas, da desigualdade existente entre salários e da
diminuição das ofertas de emprego.
A liofilização organizacional que Antunes (1995) aborda em suas
discussões é fruto de uma sociedade capitalista fundamentada nos preceitos que
promovem enxugamentos dos postos de trabalho. O trabalho humano é visto, dessa
forma, como mero reprodutor dos interesses do capital, numa lógica de diminuição do
trabalho vivo, mas sem querer eliminá-lo. Os efeitos da baixa contratação para cargos
geram: trabalhos precarizados nos diferentes ambientes ocupacionais; aumento de
atividades para um número menor de trabalhadores; falta de condições de realização
da atividade laboral pelo número reduzido de profissionais no cenário de trabalho;
diminuição das remunerações, que se asseguram no exército de reserva; e crescente
massa de desempregados, que precisam se submeter a esses salários para garantia
do trabalho.
O concurso público gera uma sensação de estabilidade financeira, visto
como uma das alternativas de trabalho mais cobiçada a ser alcançada. Porém, ainda
que na condição aparentemente estável e segura, possui fatores que devem ser
refletidos antes de identificar o servidor público como profissional que tem garantidos
seus direitos constitucionais, inclusive de trabalho.
O profissional, que deveria cumprir uma carga horária semanal para
garantir descanso, momentos de lazer e espaços além dos muros do Instituto, não foi
o encontrado nas falas dos AGPS. Lourenço (2010) afirma que há uma percepção
lúdica em relação ao tempo em que os AGPS passam na prisão, pois muitos
permanecem mais tempo encarcerados no ambiente prisional que os próprios
condenados.
59
Esse regime de plantão é bom porque podemos trabalhar fazendo outros plantões para aumentar nossa renda, mas em compensação a gente não descansa como deveria. Eu me sinto muito cansado, às vezes chego para o plantão já exausto, mas penso que preciso fazer isso, porque a remuneração é baixa e tenho que pagar as contas (AGP 12, 03 de março de 2018).
O trabalho em regime de plantões pode, por vezes, parecer ser menos
dispendioso quanto ao tempo em relação ao trabalho diário de oito horas, como é mais
frequente entre os empregados regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas –
CLT. Porém, as doze horas seguidas de trabalho em ambiente fechado gera mais
cansaço, desgaste, sobrecarga de trabalho e maior quantidade de tempo em ambiente
de aprisionamento.
Chies (2008), em trabalho desenvolvido com profissionais que fazem parte
dos grupos na sociedade carcerária, afirma que a sobrecarga e acumulações de
trabalho tendem a provocar alterações da sociabilidade e o desenvolvimento de
doenças psicossomáticas. Entre os resultados dessa pesquisa, identificou-se que em
torno de 90% dos pesquisados declararam que, após começar a trabalhar no sistema
penitenciário, passaram a desconfiar mais das pessoas; 43,33% afirmaram ter mais
dificuldade em desenvolver amizades; e 50% manifestaram que desenvolveram
alguma doença e dores físicas no corpo depois do ingresso.
Os agentes penitenciários que atuam no Instituto relatam com frequência
que sentem insônia, acordam várias vezes durante o dia e não conseguem dormir
novamente. Atrelam esses fatores ao estresse e ao cansaço do trabalho em conjunto
com as condições desfavoráveis de desenvolvimento de suas funções nos diferentes
locais onde realizam seus plantões.
As falas dos agentes estão diretamente atreladas às condições precárias
de trabalho no que se refere a instrumentos, transporte, espaço e baixo número de
profissionais. É recorrente também nas falas a reclamação de que as estruturas físicas
não são adequadas para realizar o trabalho, já que as salas são utilizadas para
inúmeras atividades, como local do descanso e de trabalho do chefe de segurança.
Desde que eu aqui a gente nunca conseguiu uma viatura para cá, ai fica meio complicado, às vezes me parece que não tem muito interesse e aí eu estou até me policiando para colocar mais o pé no freio, por que aqui é assim: preso vem para cá, quem traz é o pessoal lá da unidade que ele esta ou a polícia, mas quem tem que levar é a gente, e aí às vezes a gente tem 5 ou 6 internos prontos para devolver e diminuir a nossa população e não tem viatura. Para a gente usar a viatura a gente precisa pedir uma da Sejus, mas não é toda hora que está disponível, às vezes tem um preso da unidade vizinha mas a gente não pode ir a pé, como não tem viatura o preso acaba ficando 15, 20 dias aqui. Está mais que na hora da gente ter nossa viatura para fazer esse tipo de serviço (AGP 4, em: 28 de fevereiro de 2018).
60
Entre as atividades desenvolvidas pelos AGPS, existe a escolta para levar
os internos para as unidades prisionais de onde foram encaminhados. Esse
procedimento é realizado com frequência no Instituto e é motivado pelas solicitações
de avaliações psicológicas dos internos. No entanto, a instituição não possui veículo
próprio destinado à unidade para realização desse procedimento, ocasionando,
assim, desconforto entre os agentes e os internos que não necessitam passar mais
dias no Instituto e já poderiam retornar às suas unidades onde cumprem pena.
É comum nas falas dos AGPS, no que se refere às condições precárias de
trabalho e ao ambiente das unidades prisionais, enfatizarem sobre o número reduzido
do efetivo de profissionais de segurança no sistema penitenciário. O AGP 8 traz em
sua fala esse contexto.
Nosso problema maior no sistema é efetivo, nós não temos efetivos, mesmo com esse concurso agora com os que vão entrar ainda é muito pouco, melhora, mas não é o suficiente, nós precisaríamos no mínimo 10.000 agentes, nos somos hoje 2136 agentes, para uma população carcerária de
28.000 presos (AGP 8, em: 03 de março de 2018).
Em 2008, quando foi divulgado o Plano Diretor do Sistema Penitenciário do
Estado do Ceará, existiam apenas 609 AGPS efetivados. De acordo com o
documento, havia um deficit de 1.713 AGPS, pois se considerava que a quantidade
ideal de agentes seria de um agente para cada cinco presos. No entanto, hoje, temos
uma quantidade de aproximadamente 28 mil pessoas privadas de liberdade no
sistema penitenciário, com apenas 2.150 agentes em atividade, segundo dados
publicados no site do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema
Penitenciário do Estado do Ceará (2018). Isso só mostra que é urgente a interferência
do Estado na situação atual que reverbera o cotidiano do trabalho em ambiente
encarcerado.
No Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, até o mês de março,
existiam 120 internos com um quantitativo aproximado de 35 agentes penitenciários.
Conforme orientação do Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará,
o Instituto está com um quantitativo de AGPS ideal para seu funcionamento.
Entretanto, a fala que o AGP 8 traz é sobre a categoria profissional, pois, de acordo
com seu relato, e por já ter trabalhado no cargo de direção de uma unidade, percebe
que a superlotação carcerária é uma problemática recorrente na maioria das unidades
prisionais do Estado.
61
Existe ainda dentre as falas dos entrevistados uma comparação entre as
profissões policial militar e agente penitenciário, em que o AGP 10 afirma que “existe
uma rivalidade entre os profissionais da segurança pública, principalmente entre
policiais e agentes, mas em geral até melhorou muito. Eu acho que temos um objetivo
comum entre a gente, entre nós da segurança” (em: 8 de fevereiro de 2018)
Com certeza, com certeza. Por mais que seja uma outra profissão também de segurança como a dos os policiais, temos semelhanças e diferenças. Lidamos com pessoas que infringem ou infringiram a lei, que estão a margem da lei. O policial militar está nas ruas trabalhando com cidadãos e bandidos, alguns policiais contestam falando que é mais difícil ainda porque não sabe com quem esta lidando, mas enfim, eles não tem que fazer esse trabalho eles não são nem psiquiatras para ficar querendo saber o perfil das pessoas, eles trabalham na contenção do crime, o AGP tem outro cenário, 100% das pessoas que estão aqui estão marginalizadas, se tivesse rezando não estava aqui, alguma coisa foi feita para estar aqui, estamos com essas pessoas 24h do nosso serviço (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018).
O policial, de acordo com Hugher (1962), faz uma tarefa socialmente
degradante e lida com pessoas que são consideradas a “escória social”, logo, devem
ser mantidas fora do contato da sociedade pelo Estado. Essa atividade, mesmo
degradante, deve ser realizada para que os demais membros possam conviver de
acordo com as normas vigentes na sociedade. Dentre as atribuições do policial, está
a de ser um verdadeiro “super-homem”, com força e aptidão para o risco, sendo-lhe
incumbida a missão de retirar “os criminosos” da sociedade (MORAES; PAULA, 2010).
A profissão de policial está inserida em um contexto social assim como a
de agentes penitenciários. As duas profissões possuem uma identidade construída
historicamente relacionada à punição de indivíduos. As reflexões feitas por Listgarten
(2002) sobre os instrumentos de dominação que são utilizados pela organização com
os profissionais policiais, para promover à consolidação dos conjuntos de valores que
dão sustentação à instituição, assemelham-se aos processos de relação de poder e
submissão que os agentes penitenciários vivenciam em seu espaço de trabalho.
Percebe-se, portanto, que as relações entre as profissões, realizadas por
diferentes AGPS e policiais, mostram que as divergências e conflitos são
semelhantes, pois perpassam pelo cenário da segurança pública atual, seja
diretamente nas ruas, compondo o rol de profissionais que integram a segurança
pública, ou lidando cotidianamente com pessoas que cometeram atos que infringem
as normas legais e morais de uma sociedade, e, por esse motivo, fazem morada em
unidades prisionais.
62
Outra característica preponderante que se observa é a militarização das
práticas que se destacam nas duas categorias, como: adoção de formas truculentas;
abuso de autoridade; correção por meio do castigo e do sujeitamento forçado à
autoridade. Os choques, humilhações e violência são práticas análogas, quando se
refere, historicamente, aos manicômios judiciários e aos atos praticados por
profissionais que atuam nesse espaço, assim como aos atos de policiais que estão
nas ruas da cidade.
A militarização, de acordo com a Cartilha pela Desmilitarização da Polícia
e da Política (2016), é um modo de operação bélico que advém das Forças Armadas
e de seu sistema militar. Representa, portanto, o processo de adoção de modelos e
procedimentos militares que foram elaborados para serem utilizados em tempos de
guerra e exceção, mas que, hoje, vêm sendo utilizados em atividades com
profissionais de segurança pública que deveriam promover a prevenção de violência
e promoção da segurança pública. A formação desses profissionais ainda mantém
esse modelo, trazendo a noção de que um inimigo interno deve se exterminar,
encarcerar e combater.
A militarização das práticas de agentes penitenciários no Instituto é
identificada quando se percebe, nas falas dos entrevistados, o discurso de castigar o
indivíduo que infringe as regras da instituição. Os AGPS, quando levam os internos
para a sala de disciplina, lugar este onde podem desempenhar seu papel disciplinar,
punem os corpos dos indivíduos, que já se encontram fragilizados pelo seu processo
de adoecimento e encarceramento, infligindo, assim, os direitos deles. Outro fator
recorrente, citado por eles, diz respeito ao autoritarismo para garantir uma ordem
estabelecida pela instituição por meio de intimidações e gritos.
A atuação dos agentes penitenciários é marcada por uma relação de
afastamento com o detento, sendo este visto como inimigo que deve ser mantido longe
do convívio, já que as aproximações geram retaliações para os internos e para os
agentes, segundo relatos do AGP 8, AGP 11 e AGP 12. No Instituto, existe uma
aproximação maior entre alguns agentes com os internos, por estes serem vistos
como pessoas que estão adoecidas e que não oferecem riscos de agressão e/ou
ameaças nessa relação. No entanto, a figura da pessoa que está privada de liberdade
é, majoritariamente, vista pelos os agentes como inimiga dentro das unidades
prisionais.
63
Salla (2002), em artigo publicado sobre a militarização do sistema
penitenciário brasileiro, afirma que, desde a intervenção militar no massacre no
Carandiru, tem crescido a presença de militares e forças armadas em penitenciárias.
Segundo o autor, um conjunto de fatores tem gerado a militarização no sistema
penitenciário, dentre eles estão: o intenso processo de crescimento do
encarceramento; a quantidade reduzida de agentes penitenciários; a necessidade de
ações que garantam a ordem e a disciplina; e a presença de policiais militares em
vários setores e nas atividades das unidades penitenciárias, inclusive na direção de
unidades e na formação de agentes por meio de cursos de condicionamento físico e
pessoal. A militarização é compreendida por Salla como “o abandono dos princípios
ressocializadores da pena privativa de liberdade e uma negação das diretrizes legais
estabelecidas” (idem, p.2).
Existem, atualmente, vários movimentos que discutem sobre a
desmilitarização da polícia, entretanto, percebe-se que, embora a profissão de agente
penitenciário não componha o rol de profissões da segurança pública, esta se
apresenta afetada pelo modelo de militarização instituído, com maior prevalência no
país, desde 1964 e que vem se ramificando em vários cenários de trabalho, sendo,
atualmente, fortalecido no âmbito político.
O trabalho de agentes penitenciários perpassa por diferentes aspectos. O
AGP 15 trouxe, em sua fala no início do subcapítulo, a presença das atribuições, das
funções, da figura social que representa a categoria, bem como os fatores subjetivos
que incluem a atuação deles. Compreender saúde é perpassar por esses relatos e
perceber os fatores que determinam o bem-estar do indivíduo, transcritos nas
entrelinhas e aprofundadas ao longo desse texto dissertativo.
4.2 TRABALHO E CONDIÇÕES PSICOSSOCIAIS: AMBIENTE, SENTIDOS E
SATISFAÇÃO NO TRABALHO
Nesse subcapítulo, serão abordadas informações dos Domínios: Ambiente,
Sentidos e Satisfação no Trabalho. Conforme foi exposto no trajeto metodológico, a
análise estatística descritiva dos dados dos questionários possibilitou a construção de
nove domínios apresentando questões que tratam sobre os elementos que lhes dão
nome.
64
Para melhor delimitação desses dados, foram realizados três gráficos que
indicam alguns elementos de cada domínio para condução da discussão,
entrelaçando esses dados com as narrativas dos interlocutores do estudo.
Gráfico 01 - Distribuição das questões da Sessão 1 – Ambiente de Trabalho
(N=17)
Fonte: Elaborado pela autora.
O ambiente de trabalho possui um conjunto de elementos que conduzem e
dão forma à atividade laboral, sendo eles: a influência que o profissional tem sobre
sua atuação; as relações entre os sujeitos que dividem o mesmo espaço ocupacional;
e o trabalho em equipe. Ao mesmo tempo em que constituem o ambiente e influenciam
o trabalho dos profissionais, esses elementos podem gerar desgastes, sofrimento,
adoecimento ou fortalecimento da saúde dos trabalhadores. Essas relações são
percebidas no contexto de trabalho dos AGPS no Instituto.
A Sessão um (1) é constituída por 18 questões, no entanto, para melhor
aprofundamento dos dados e compreensão do ambiente de trabalho dos agentes
penitenciários, foram observadas as relações entre os colegas na mesma equipe e no
trabalho de equipe, escolhendo-se cinco questões que tratam sobre esses fatores e
estão expressos no Gráfico um (1).
Os agentes penitenciários declararam com maior prevalência, de acordo
com o gráfico, que 41,2% (Questão 03, Gráfico 1) possuem, às vezes, grau de
17,5
41,236,3
5,9 5,9
17,5
52,9 52,9 52,9
47,1
41,2
5,9 5,9
17,6 17,6
0
10
20
30
40
50
60
Q3Tem elevadograu de influência
sobre seu trabalho?
Q5 Existe um bomclima de trabalho
entre você e os seuscolegas?
Q10 Há cooperaçãoentre seus colegas
de trabalho?
Q13 Você se senteparte de seu grupo
de trabalho?
Q17 Com quefrequência seus
colegas estãodispostos a ouvir
seus problemas notrabalho?
Sessão 1
Sempre Frequentemente Às vezes
65
influência elevado sobre como fazer seu trabalho, ou seja, percebe-se que não há
significativa influência dos agentes que atuam no Instituto sobre seu trabalho.
Diferentemente do dado apresentado sobre a influência do agente penitenciário no
trabalho, em entrevista feita ao AGP 5 e AGP 7, estes relataram que conseguem ter
influência sobre as atividades que irão executar. Porém, a maioria dos agentes
entrevistados afirma que as atividades já postas nos treinamentos são as que
conduzem suas ações.
Poucas vezes pensei sobre eu ter influência sobre como vou fazer minhas tarefas aqui, eu me guio pelo que me dizem, pelos treinamentos, pela escuta dos mais velhos, acredito que todos façam assim, não dar tempo da gente ficar pensando muito não (AGP 11, em: 8 de fevereiro de 2018).
Marx (1982) já apresentava, em suas discussões sobre trabalho, a
presença da alienação, compreendida também pelo autor como estranhamento,
processo em que o trabalhador não se vê como cativo e explorado em sua atividade.
Perde-se, portanto, a capacidade de questionamento sobre seus atos, passando
apenas por meras repetições sem que se tenha a percepção do processo de trabalho
por inteiro, ficando aquém desse trabalho realizado, o que implica na falta de
efetivação da capacidade de criação.
O que se verifica é que os profissionais possuem pouca autonomia sobre o
modo de realização de seu trabalho, imperando entre as falas a preocupação de se
manter no ambiente de trabalho condutas que garantam o respeito, a ordem, o
controle e a disciplina.
Eles aqui têm respeito pelos agentes, nas outras unidades por eles serem em maior número, muitos deles não respeitam. Nas outras unidades a gente não consegue ter o controle da segurança e acaba que os presos acham que tem um controle maior, então fica complicado manter uma ordem e a disciplina, exigir que os presos respeitem fica complicado pelo baixo efetivo. Aqui a gente consegue a ordem, a disciplina e o respeito (AGP 5, em: 26 de fevereiro de 2018).
Aqui não têm facções, por que quem manda aqui são os agentes penitenciários, ainda é um campo em que a gente consegue controlar, os agentes controlam mesmo! Nas outras unidades é meio difícil o controle por que é uma quantidade muito reduzida de agentes (AGP 7, em 28 de fevereiro de 2018).
Os agentes identificam, no Instituto, a presença do respeito pela figura do
agente penitenciário; conseguem garantir o direcionamento das condutas e o controle;
afirmam mandar; e comparam a instituição com as demais unidades do sistema
prisional, afirmando que, atualmente, não conseguem com facilidade, em outras
unidades, o que conseguiram no Instituto.
66
“Pra segurar cadeia tem que ser doutor em cadeia” (MORAES, 2015, p.15).
Essa frase foi proferida por um agente penitenciário durante a pesquisa realizada por
Moraes em uma unidade prisional. A função de ser doutor em cadeia, no exercício de
vigiar e disciplinar indivíduos aprisionados, direciona a profissão de agente
penitenciário. É importante questionar se a baixa autonomia, identificada nos relatos
dos entrevistados da pesquisa sobre como realizar o trabalho, está associada à
condição de agente disciplinador e normatizador de condutas ou se existe uma
contradição nessa atuação.
Moraes (2015) pontua que a categoria profissional de agentes
penitenciários vivencia, na atualidade, múltiplas relações de poder – entre
profissionais e entre eles e os internos –, sendo reconhecidos como os “chefes dos
presídios”. Por ser o profissional que mais tem contato direto com os internos, isso
desencadeia maior proximidade, como relações de trocas, sentimento de posse em
relação ao outro na condição de submisso, entre outros fatores comuns nos discursos
que permeiam o exercício profissional dessa categoria de trabalho.
Percebe-se, aqui, clara relação de poder e disciplina, no formato de punição
dos corpos transgressores, das normas postas em sociedade. Ancorando-se em
Foucault (1993) quando, nos anos 70, já considerava a sociedade disciplinar e
afirmava que as instituições detinham um poder exercido sob o controle na vida dos
indivíduos, o biopoder, que atuava no pólo disciplinar e biopolítico, compreende-se
que a pena privativa de liberdade é uma dimensão do exercício do poder do Estado.
Nascimento (2015) contribui com a discussão quando afirma que existe uma relação
de conflitos de interesse nas relações de poder estabelecidas em ambientes
prisionais, em que o Estado traz a punição sob um tipo particular de controle dos
corpos, e os funcionários das instituições materializam esse controle por meio da
disciplina, do domínio das forças sobre o corpo dócil e na apropriação do tempo do
apenado.
No Instituto, os corpos aprisionados são geridos por meio da dominação,
em que a imposição da disciplina, da submissão e do poder toma o lugar de uma
atuação truculenta que pode gerar situações de tortura. Para Aroldo Caetano (2018),
a tortura é permitida na naturalização de atos violentos. Afirma ainda o autor que o
fato de pessoas que precisam de tratamento em saúde mental permanecer em prisões
configura-se uma forma violenta que leva à tortura.
67
O mesmo profissional que encontra-se como influenciador e direcionador
de ações é também envolto nas relações de poder de uma estrutura social maior, com
forte predominância do Estado em manter essas instituições totais. Essas relações de
poder presentes nas instituições totais afetam a saúde dos profissionais e de todos os
sujeitos que fazem parte dela, produzem contradições do fazer profissional tornando
o trabalho que deveria ser espaço de socialização e desenvolvimento humano, em
ambiente que produz sofrimento, desgastes e adoecimentos, a partir de uma lógica
de exclusão e aprisionamento da classe não produtora de capital.
Os agentes penitenciários estabelecem relações não somente com os
internos, mas com os colegas de profissão, mais conhecidos como “companheiros de
farda”, que forma a equipe de trabalho para atuar em conjunto para melhor
funcionamento da instituição. Segundo informações extraídas do COPSOQ,
referentes ao bom clima de trabalho entre os colegas, à presença de cooperação entre
os profissionais e ao sentimento de pertencimento ao grupo, a média é de 52,9% em
relação à identificação desses fatores no ambiente de trabalho de forma frequente.
Em entrevista, o AGP 12 fala da existência de harmonia nas relações de
trabalho entre os agentes penitenciários do Instituto, identificando que os entraves de
relacionamentos não estão associados às relações entre os agentes penitenciários.
As relações entre os profissionais, de acordo com Wagner (2009), são
estabelecidas mediante o processo de interação entre os membros da equipe,
possibilitando, assim, a criação de vínculos profissionais e de amizade, o que pode
facilitar trocas de experiências, diminuir a competição entre pares e o trabalho
fragmentado, aumentar ou proporcionar uma rede de apoio entre os profissionais, algo
fundamental para as relações e o autocuidado.
Ferreira (2016) traz, em sua pesquisa, os diversos riscos ocupacionais
presentes no cotidiano laboral dos agentes penitenciários, dentre eles estão: o baixo
suporte social e a baixa predominância de rede de apoio. Os AGPS do Instituto
declaram ter bom convívio entre seus pares e afirmam, numa média de 47,1%
(Questão 17 do Gráfico 1), que, frequentemente, seus colegas estão dispostos a ouvir
seus problemas, o que mostra uma realidade diversa dos estudos sobre as interações
presentes no ambiente de trabalho de agentes penitenciários.
No tocante aos sentidos, os significados e sentimentos relacionados a esse
trabalho, que estarão em discussão a partir do gráfico da Sessão 2, indicam que o
domínio evidencia fatores psicossociais nas atividades laborais dos agentes
68
penitenciários, permitindo compreender, de forma mais detalhada e ampla, os
sentimentos presentes nessa atuação.
Gráfico 02 - Distribuição das questões da Sessão 2 – Sentidos do Trabalho (N=17)
Fonte: Elaborada pelo autora.
O trabalho e seus sentidos no capitalismo possuem singularidades que
transbordam para o campo de vida dos profissionais. Corrêa (2015) afirma que, no
modelo de produção capitalista, o adoecer é resultado das relações precárias de
trabalho impostas ao trabalhador e a valorização e o processo de trabalho estão sob
a ótica de manutenção do capital. O avanço do capitalismo com a globalização, que
se afirma com mais força a partir da reestruturação produtiva e socioespacial na
facilidade de comunicação e transporte de informações, permite manter uma
competitividade no mercado mundializado que possibilita instituir: legislações
trabalhistas menos rigorosas; diminuição de direitos, políticas públicas de proteção do
trabalho e saúde, frágeis ou inexistentes; trabalhadores fragilizados e sociedade civil
insuficientemente informada e organizada para defender seus direitos (RIGOTTO,
2004).
O processo saúde-doença-cuidado, nesta perspectiva, só pode ser
entendido a partir de seu caráter social, definido aqui pelas forças produtivas e de
69
produção que incidem diretamente sobre o viver, o adoecer, os sentidos e os
sentimentos de atuação no trabalho.
Lourenço (2008, p.78) contribui para essa discussão quando afirma que o
aumento “das doenças relacionadas ao trabalho pode representar a expressão dos
efeitos psicopatológicos da organização e gestão do trabalho na vida das pessoas”.
O cenário que se apresenta atualmente sob esses macroprocessos incide sobre o
cotidiano de vida dos trabalhadores e sobre os diferentes ambientes ocupados e
vividos pelas populações.
Os agentes penitenciários não estão ilesos, ao serem indagados sobre o
significado de seu trabalho e se esse possui sentido para os profissionais aponta a
média de 47,1% (Questão 22, Gráfico 2), que às vezes essa atuação possui sentido.
A inconstância da percepção dos profissionais sobre o sentido e o significado desse
trabalho pode ser compreendida pelos fatores que determinam a dinâmica dessa
atuação.
Quando Dejours (1992) discursa sobre a significação do trabalho, ele
compreende o conteúdo significativo do sujeito e do objeto como componente dessa
relação; fatores individuais e coletivos são considerados nessa dinâmica. Entende-se,
portanto, ser o processo de construções coletivas e individuais o caminho para um
trabalho significativo.
O sentido e significado desse trabalho estiveram presentes nas falas dos
AGPS, atrelados aos sentimentos que estão envoltos nessa atuação. Para os agentes
penitenciários, são variados os sentimentos que permeiam a atuação. O AGP 9 diz
ser um “masoquismo” gostar de seu trabalho, por este o colocar em situações
extremas de violência e desumanização e, ao mesmo tempo, causar sentimento de
impotência em momentos que ultrapassam suas possibilidades de ação.
É tipo um masoquismo, eu gosto muito do que eu faço é tanto que eu estava estudando para polícia militar, mas eu desisti, prefiro aqui. Mas uma coisa ruim é presenciar rebeliões, mortes, já tirei presos de um tambor de lixo cortados, já assisti mortes, já tentei evitar e não consegui, 6 contra um só. A gente fica meio perturbado, a gente ver 6 detentos matar 1 é meio difícil, você atirar para cima e não poder atirar, se fosse na liberdade eu poderia reagir e matar a pessoa que estava tentando matar a outra, mas no sistema penal eu não posso fazer isso por que o preso é custódia do Estado. E até para eu entrar na cela sozinho não tem condições (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018).
O AGP 8 e o AGP 11 afirmam que a profissão é uma das mais perigosas
do mundo, logo, se sentem inseguros. Além disso, ainda relatam que muitos ligam a
atuação deles à injustiça e à corrupção. “Essa nossa profissão é uma das profissões
70
mais perigosas do mundo, em outras unidades os presos nos ameaçam, nos matam,
inclusive ontem mataram um agente penitenciário perto de Orós.” AGP 9. Calou-se e
chorou durante alguns minutos, logo depois pediu para interromper a entrevista.
Quando retornou, relatou que já perdeu inúmeros colegas de profissão
pelas ameaças presentes dentro das unidades prisionais; afirmou também estar no
Instituto por ser um local calmo e por o número de ameaças ser inferior quando
comparado a outras unidades do sistema.
Os sentimentos relacionados à insegurança estão associados ao medo e
às desconfianças presentes nos comportamentos dos AGPS. Douglas (1998) traz a
reflexão de que para falar de cooperação e solidariedade no trabalho é necessário
compreender a rejeição e desconfiança. Afirmou ainda que as pessoas são afetadas
pela confiança que as cerca e o sentimento de desconfiança é expandido ou diminuído
a partir das relações entre os sujeitos.
Os agentes penitenciários, no Instituto, atuam em cooperação com os
colegas de trabalho e mantêm um bom relacionamento em equipe, como exposto na
Sessão1. Verifica-se, no entanto, que existe forte sentimento de desconfiança, assim
como uma condição de alerta constante sobre pessoas que não conhecem. Há ainda,
unanimidade, quando dizem desconfiar dos presos de unidades prisionais que
atuaram, antes de iniciar o trabalho no Instituto.
Durante a coleta de dados, no momento em que a pesquisadora estava em
campo, foram inúmeras as perguntas sobre sua identidade, profissão, se trabalhava
na Sejus, cujos olhares eram de constante estranhamento, permeando além das
entrevistas. Moraes (2015) afirma, em sua pesquisa, que também presenciou a
insegurança dos agentes enquanto estava em campo coletando informações sobre o
trabalho dessa categoria profissional. A condição de permanente estado de alerta.
Chauvenet (apud MORAES, 2015) relatou que a missão de vigilância é desenvolvida
desencadeando, no profissional, a faculdade de ver, estando presente a rapidez no
olhar, a mobilidade, a acuidade e sensibilidade auditiva que lhes permitem prever
incidentes.
A calmaria, o barulho, os gritos, as batidas de trancas e os constantes sons
de vozes falando pelo rádio fazem os sons do Instituto. Neles, não estão embutidos,
de acordo com os agentes, o risco de fugas, as agressões e as ações violentas dos
internos. A maioria dos agentes está no Instituto depois de uma trajetória de atuação
em unidades que apresentam alto índice de ameaças e conflitos entre os AGPS e os
71
internos, logo, a sensação de insegurança dentre as falas e a preocupação com os
sons estão mais associadas ao histórico profissional dos agentes, misturando-se ao
contexto de violência coletiva e urbana presente no seu cotidiano de vida.
Esses sentimentos e sensações podem desencadear aumento de insônia,
nervosismo e paranoia, evidenciadas, de forma expressiva, entre as pesquisas com a
categoria. Esper e Ramos (2007) afirmam que a vida no cárcere é uma das fontes de
agravos para a saúde mental. Goldberg (1996) fala sobre a situação de saúde de
profissionais que trabalham em prisões, num estudo realizado na França, e observou:
sintomatologia de 24% de depressão; 24,6 % de transtorno de ansiedade e; 41,8 %
de distúrbio do sono entre os profissionais.
Chies (2001), no estudo realizada com a profissão no Presídio Regional de
Pelotas, identificou a sobrecarga do trabalho, as acumulações emocionais e físicas e
o estresse como elementos que afetam tanto a sociabilidade dos profissionais como
da saúde deles, sendo presente entre os profissionais dores, alergias, gastrite,
estresse e insônia.
Quando os agentes penitenciários do Instituto foram indagados sobre a
demanda emocional no trabalho, 47,1% (Questão 20, Gráfico 2) afirmam ser
frequentemente elevada, e 41,2% (Questão 31, Gráfico 2) dizem se envolver
emocionalmente no trabalho. O AGP 10 conta que os agentes no Instituto costumam
se envolver, emocionalmente, com os internos por perceberem neles a presença da
doença e não do crime. Relata ainda que são poucas as visitas realizadas pelos
familiares, sendo constante a falta de itens básicos de higiene. Por esse motivo, é
recorrente alguns AGPS trazerem de suas casas itens como sabonete e pasta de
dente, assim como máquinas de cortar cabelo, além de promoverem jogos de futebol
entre os agentes e os internos.
A relação de proximidade, pouco recorrente em outras unidades, e o tempo
que os AGPS passam, em cada plantão no pátio, com os internos geram maiores
contatos com as fragilidades presentes entre eles, desde a identificação com o
adoecimento à sobrecarga emocional.
O desgaste profissional pode ser gerado pela sobrecarga emocional no
trabalho. Para Laurell e Noriega (1989), o desgaste é resultado de processos
adaptativos que ocasionam a perda da capacidade do trabalhador para se adaptar em
função da intensidade da carga de trabalho imposta. Corrêa (2015) acrescenta que
essa manifestação, em nível coletivo, gera repercussões em todas as circunstâncias
72
da vida do trabalhador, afetando o desenvolvimento das potencialidades desses
profissionais.
Quando questionados sobre sentir prazer em falar de seu trabalho para
amigos, 5,9% (Questão 33, Gráfico 2) dos AGPS afirmam sentir. A partir disso, foi
indagado se eles recomendariam seu trabalho para um amigo: 35,3% (Questão 23,
Gráfico 2) das respostas revelam que, às vezes, recomendam.
O sentimento de prazer foi abordado em outra perspectiva nas entrevistas:
o prazer na realização do trabalho. Ao serem indagados, os AGPS 10, 11, 7, 5, 8, 1,
12 e 4 relatam que seu trabalho é prazeroso; já os AGPS 2, 3 e 6 não identificam
prazer na atuação; e o AGP 17 não soube definir.
Os relatos são variados sobre sentir prazer em realizar seu trabalho, que
vai desde “considero prazeroso, tenho satisfação no meu trabalho”, até se referirem
que não há ligação entre prazer e trabalho: “não é prazeroso, prazeroso é um negócio
muito subjetivo, trabalho prazeroso?”; ou mesmo consideram o trabalho prazeroso no
início da carreira: “mas pela dificuldade, pelo estresse, pelo fator emocional vai
desaparecendo um pouco essa vontade de ser agente”.
Quando relatam sobre seu trabalho com amigos, afirmam serem visto de
forma negativa. O AGP 4, em sua fala, expressa esse aspecto:
Acho, a gente tem crescido muito, mas às vezes a gente é visto como um nada, você está em uma roda de amigos por aí e você diz que é agente penitenciário, logo percebo o olhar diferente, alguns amigos falam que é por conta da corrupção, mas as pessoas acham que entram as coisas no presídio pelo agente, eu não vejo nem tanto pela corrupção não, é por que causa aquele impacto nas pessoas, tipo: “ixi trabalha no presídio e tal”. Logo a gente percebe um certo distanciamento sabe, talvez tenha medo, acha que a gente esta envolvido com alguma coisa, então assim é um serviço complicado, não é para todo mundo, mas eu gosto, já me acostumei e a gente vai ganhando espaço, e agora estamos direto saindo na mídia (AGP 4, em: 28 de fevereiro de 2018).
Segundo depoimento dos agentes penitenciários, o fato de não sentir
prazer em falar sobre seu trabalho com amigos ou não indicar essa atividade para um
colega não está relacionado a não sentir prazer no trabalho que executam. A maioria
dos AGPS diz sentir prazer em realizar seu trabalho, porém, a ausência de prazer em
falar de seu trabalho para outras pessoas está mais associada ao estigma presente
nessa atuação e na forma como a profissão é vista pela sociedade.
O reconhecimento e o elogio sobre o trabalho realizado são fatores que
incidem sobre a saúde e bem-estar dos profissionais no contexto laboral, além de
influenciar nas relações prazerosas. Quando questionados sobre o reconhecimento e
73
elogio que os superiores fazem sobre seu trabalho, 47,1% (Questão 26, Gráfico 2)
dos AGPS afirmam que, às vezes, o trabalho tem o reconhecimento de seus
superiores. Confirmam, com prevalência de 52,9% (Questão 37, Gráfico 2), que
frequentemente sabem o que se espera sobre o desempenho de suas atividades.
Kohen (2013) diz existir uma construção de fatores interligados nas
relações de trabalho que é representado pela figura geométrica do triângulo. Em cada
uma de suas arestas encontra-se a representação dos aspectos: o trabalho, o
reconhecimento e sofrimento. O autor afirma que, quando há um corte em um dos
lados desse triângulo, pode ocorrer o sofrimento nos profissionais.
A falta do trabalho ou o não reconhecimento das atividades desenvolvidas
pelos profissionais, a violência laboral, precarização das formas de trabalho,
privatizações do cuidado, tudo isso gera angústias e sofrimento, atingindo a saúde
dos profissionais e podendo afetar o sentimento que se desenvolve por essa ação.
Durante este estudo, o conceito de precarização no trabalho é utilizado com
base em Mattoso (1995). O autor define precarização como um conjunto amplo e
variado de mudanças em relação ao mercado de trabalho, às condições de trabalho,
à qualificação dos trabalhadores e direitos trabalhistas, no contexto do processo de
ruptura do modelo de desenvolvimento fordista e de emergência de um novo padrão
produtivo.
Há predominância de 70,6% (Questão 27, Gráfico 2) dos profissionais que
identificam ser importante o seu trabalho. O AGP 5 confirma esse dado com a fala de
que o trabalho do AGP “é um trabalho diferenciado, que possui um grau de risco, mas
tem sua importância dentre as demais outras profissões” (em: 26 de fevereiro de
2018). E o AGP 10 complementa afirmando que “a profissão tem uma relevância e
importância por que nós estamos no hospital psiquiátrico, onde tem pessoas que
precisam da gente” (em: 26 de fevereiro de 2018).
O trabalho, segundo Marx, é uma condição necessária ao ser humano em
qualquer tempo histórico. Frigotto (1983) diz que é uma ação que ultrapassa sua
redução às relações sociais de produção capitalista, pois possibilita a capacidade de
criação e modificação da realidade a partir da ação consciente do trabalho, estando
associado a todas as dimensões da vida humana.
As ações correspondentes a um profissional que atua em determinada área
possibilita a este a capacidade de criação e transformação quando o trabalho é visto
pelo sujeito que o desempenha como importante. Na fala do AGP 10, este diz que o
74
reconhecimento da importância dessa ação na vida de outras pessoas pode trazer
uma razão para seu ato e, por mais que esteja envolto por variados sentimentos,
existe a percepção da sua importância para cada profissional, assim como a
satisfação em sua atuação.
Gráfico 03 – Distribuição das questões da Sessão 3 – Satisfação no Trabalho (N=17)
Fonte: Elaborado pela autora.
Vê-se, mediante o Gráfico 3, que as questões da Sessão 3 apresentam a
satisfação dos profissionais em alguns aspectos relacionados ao trabalho. Foram
utilizadas todas as questões desse domínio para a construção do gráfico e a
constituição de sua análise. No que se refere às suas perspectivas futuras, 52,9%
(Questão 45) estão satisfeitos em relação às condições físicas de trabalho; 47,1%
(Questão 46) relatam não satisfeitos com a maneira como usam suas habilidades e
52,9% (Questão 47) dizem estar satisfeitos; e, considerando todos os aspectos de seu
trabalho, 41,2% (Questão 48) afirmam estar satisfeitos.
A satisfação em relação às perspectivas futuras dos agentes penitenciários
do Instituto, de acordo com suas falas, está associada à garantia de estabilidade
financeira e de envelhecimento com perspectiva de aposentadoria. Os que pretendem
sair da profissão afirmam acreditar que, futuramente, estarão em outra profissão,
principalmente nas que escolheram a partir do curso de graduação.
17,6
5,9 5,9 5,9
52,9
5,9
52,9
41,2
5,9
47,1
29,4 29,4
0
10
20
30
40
50
60
Q45 O quanto vocêestá satisfeito comsuas perspectivas
futuras
Q46 O quanto vocêestá satisfeito com ascondições físicas de
trabalho
Q47 O quanto vocêestá satisfeito com amaneira como usasuas habilidades
Q48 O quanto vocêestá satisfeito comseu trabalho como
um todo, levando emconsideração todos
os aspectos
Sessão 3
Muito satisfeito Satisfeito Não Satisfeito
75
Dejours (1992) assegura que a satisfação no trabalho é um componente
essencial para o bem-estar do indivíduo. Cada indivíduo possui perspectivas de
realização no contexto profissional, e a efetivação destas gera satisfação no trabalho.
A insatisfação sobre as condições físicas do trabalho, que é recorrente
entre as falas dos AGPS que atuam no Instituto, persistem nos espaços de atuação
dessa profissão, tanto no âmbito nacional como internacional. Os elementos
presentes no local de trabalho insalubre e precário também geram adoecimentos. No
próximo subcapítulo, será conhecido e problematizado esse local de trabalho.
4.3 “LOCAL ADOECEDOR?”: OS DISTINTOS OLHARES SOBRE O AMBIENTE E
SUAS RELAÇÕES COM A SAÚDE DO PROFISSIONAL
Você me pergunta sobre a minha saúde depois que entrei aqui, mas, é porque você acha o manicômio um lugar adoecedor? (AGP 16, em: 26 de fevereiro de 2018)
O manicômio judiciário, denominado hoje como Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico ou Instituição Psiquiátrica, é um espaço arquitetônico que tem
por finalidade trazer a punição em formato de isolamento e trancafiamento, cuja
proposta é custodiar pessoas que estão em cumprimento de medida de segurança,
que se encontram adoecidas no ambiente aprisionado e vigiado.
Essa definição suscita inúmeras indagações a partir da pergunta colocada
pelo entrevistado AGP 16; expõe questionamentos sobre a forma como os
profissionais se relacionam com esse espaço e o percebe; dispõe sobre quais
relações são estabelecidas entre os sujeitos que as gerencia; e desperta o interesse
em conhecer o ambiente físico de trabalho dos agentes e como a saúde desses
profissionais podem ser pensadas a partir da vivência laboral. É nesse sentido que se
pretende dialogar nas próximas linhas.
Fontes (2003), em seu estudo dissertativo sobre arquitetura de serviços de
saúde trouxe à discussão a forma como o espaço tem sido utilizado como fator que
pode propiciar bem-estar aos diferentes sujeitos que o ocupam, ocorrendo, segundo
a autora, a crescente valorização nos processos de planejamento em saúde pública
do espaço. Com base nessa afirmação, o estudo resultou em uma discussão acerca
da visão da loucura por meio dos espaços arquitetônicos que lhes foram destinados
ao longo do tempo, trazendo a problematização dos ambientes construídos pela
sociedade, que foram determinantes, por vezes, para as condições de vida e de
relações entre pessoas e o espaço.
76
Em conformidade com a pesquisa da autora sobre espaços e arquitetura
nos diferentes momentos de pensar e tratar a loucura, estimulou-se a possibilidade de
reflexão sobre a constituição do espaço manicômio judiciário que atende a visão social
do cuidado ao louco criminoso infrator traz a discussão sobre o paralelo entre hospital
e manicômio judiciário, assunto este presente nas falas dos entrevistados da pesquisa
e na discussão do surgimento dos manicômios.
Aqui é hospital, mas também é prisão, por isso que é o manicômio judiciário. Aqui trata pessoas doentes que cometeram crimes, mas que por estarem doentes estão sob o cuidado de uma equipe de saúde, como no hospital mesmo (AGP 11, em: 8 de fevereiro de 2018).
Ao pensar sobre cuidado em saúde, este foi, historicamente,
institucionalizado, medicalizado e controlado na figura do hospital. O
tratamento/punição em manicômio segue a mesma linearidade de espaço e
significados.
Aqui é um hospital, vejo eles como pacientes e estão presos, nós estamos no hospital psiquiátrico, onde têm pessoas que têm problemas mentais. É prisão, mas também hospital e precisam da gente, principalmente para conter os surtos (AGP 1, em: 5 de fevereiro de 2018).
Existem agentes penitenciários que não diferenciam o Instituto de outras
unidades penitenciárias. O AGP 5 afirma que não houve mudanças em seu
comportamento de quando trabalhava em grandes unidades prisionais, como na
CPPL 1, para hoje, no Instituto.
As representações do espaço em que atuam os AGPS podem influir nas
práticas de trabalho de profissionais, principalmente quando se refere ao ambiente
penitenciário. Os hospitais de custódia possuem um ideário de custódia e tratamento
em saúde mental a pessoas que estão cumprindo medida de segurança, com isso as
condutas profissionais tendem priorizar a saúde do interno por meio de relações que
possam contribuir para fortalecer o tratamento. Em unidades prisionais, o convívio
com os presos é priorizado pelo afastamento e indiferença, contatos pontuais, pois
quaisquer aproximações podem caracterizar envolvimento com trocas e corrupções,
conforme Lourenço (2010) alerta.
A relação tratamento-custódia pode influenciar a saúde do trabalhador que
atua nesse ambiente. Pitta (1994), em seus estudos, traz a figura do hospital
historicamente como espaço duro de cuidado, onde permeiam fatores que possibilitam
o adoecimento de profissionais, atingindo, assim, a saúde dos sujeitos envolvidos.
Lourenço (2010), Tschiedel (2012), Corrêa (2015) e Rumin et al. (2011) listam os
77
inúmeros fatores físicos, biológicos, químicos e psicossociais que estão presentes no
ambiente prisional e atingem, de forma longitudinal, a saúde de profissionais que
atuam nesses espaços.
Haroldo Caetano (2018) afirma que esse ambiente, compreendido por
muitos como hospital, pela idealização do cuidado e tratamento, é uma visão
equivocada. Ele apresenta a problematização do ambiente hospitalar e lança
questionamentos, tais como: os hospitais possuem celas, salas de disciplinas e
internações ininterruptas como forma de aprisionamento?
Torna-se necessária a discussão, a partir dos olhares dos agentes
penitenciários, sobre a saúde do trabalhador imerso nesse ambiente dual que possui
condicionantes e agravos à saúde desses profissionais.
É nesse lugar rodeado e constituído por representações que o profissional,
agente penitenciário, trabalha em constante implicação, em que ele ora afeta o espaço
e ora é afetado por ele, seja disciplinando e vigiando os indivíduos a partir da exclusão,
isolamento e punição, e/ou sendo submisso e vigiado por uma relação maior que
Foucault nos possibilita pensar em algo macroestrutural constituído nos dispositivos
punitivos.
Pensar a relação de trabalho e saúde em ambiente complexo e entrelaçado
por conceitos e visões distintas de cuidado é, no mínimo, desafiador. Assim, é
necessário compreender a estrutura manicomial do Instituto para refletir sobre como
os profissionais estão identificados ou consumidos nesses muros. A saúde envolve,
portanto, relações, sentimentos, convivência, identificação, contato, dentre outros
fatores que estão presentes no local de trabalho, sejam de forma concreta, com a
presença de espaço físico precário, ou de forma subjetiva. Ancorados nesses fatores,
trabalhadores podem adoecer ou melhorar sua condição de saúde no ambiente em
que trabalham.
Pode-se perceber, com a fala do AGP 16 e da maioria dos entrevistados,
que a referência que eles trazem do espaço em que trabalham não é do Instituto
Psiquiátrico Governador Stênio Gomes, mas do manicômio judiciário, assim como se
observa na fala da população que habita e trabalha próximo ao local. Apesar da
nomenclatura do espaço ter mudado há anos, a referência é ao espaço manicomial,
que carrega toda uma representatividade na figura do manicômio.
Há várias formas de proporcionar mudanças de procedimentos e condutas
de tratamento, cuidado e aprisionamento quando se identifica que o embasamento de
78
tais práticas são adoecedoras e violadoras de direitos humanos de uma população
historicamente discriminada e estigmatizada. Muitos dos espaços manicomiais
mudaram de endereço, nome, entretanto, as formas de “custódia e tratamento”
permanecem com a visão central biomédica e produtora de torturas do manicômio.
Autores como Perbalt (1998) discute esse fato a partir do conceito de manicômio
mental, afirmando estar imbricado nas subjetividades das relações entre as pessoas
e no imaginário social de uma sociedade com histórico de repressões, exclusões,
desigualdade, preconceito, holocaustos, e com a visão de gerência de poder que
domina e decide quem deve viver e morrer, é a figura do manicômio legitimado.
O cuidado em espaços trancafiados, como discutido no capítulo anterior, é
algo histórico e motivado, segundo Brasil e Coelho (2009), por contratos humanos que
atendem a necessidades em um determinado tempo e constroem instituições que
ditam o que as pessoas são. Nesse cenário, estão envolvidos diferentes sujeitos,
dentre eles estão os que trabalham e os que direcionam e gerenciam esse espaço, as
chefias.
As sessões quatro (4) e cinco (5) fazem parte deste subcapítulo, trazendo
à análise aspectos que tratam sobre o local de trabalho a partir das relações e
percepções dos agentes penitenciários sobre suas chefias.
A Sessão quatro (4), denominada como Local de Trabalho, traz alguns
fatores presentes nas questões, sendo estes analisados por meio da subescala que
mede a intensidade7 como cada elemento se apresenta. Dentre os fatores que esse
domínio é constituído, estão: confiança dos superiores no trabalho realizado pelos
trabalhadores, a segurança dos profissionais sobre as informações fornecidas pelos
superiores, o reconhecimento dos superiores sobre o trabalho dos profissionais,
dentre outros elementos que estão presentes no gráfico da Sessão 4.
A partir das dez questões que compuseram essa sessão, foram
selecionadas seis para compreensão das relações entre os profissionais e a equipe
que compõe a gestão da Instituição. Essas indagações foram respondidas baseadas
nos relacionamentos dos agentes penitenciários com a direção; gestão da Instituição.
A escolha dessas questões foi realizada mediante análise do questionário com o
objetivo de trazer para discussão elementos como: confiança, divisão do trabalho,
7 A subescala desse domínio apresenta a intensidade de cada fator presente nas indagações do questionário, representando: 5= extremamente, 4= muito, 3= pouco frequente, 2= pouco, 1= muito pouco. É uma subescala direcionada pelo Questionário para alguns domínios, dentre eles estão o domínio 4 e 6.
79
reconhecimento, liberdade de expressão, dados fundamentais para compreender o
local de trabalho dos profissionais.
Gráfico 04 - Distribuição das questões da Sessão 4 – Local de Trabalho (N=14)
Fonte: Elaborado pela autora.
No Instituto, existem alguns cargos de chefias que estão relacionados
diretamente com o trabalho dos agentes penitenciários. O chefe de equipe é a chefia
imediata, que possui contato direto com os profissionais; é ele que gerencia o trabalho
dos AGPS em suas escalas, organiza e direciona suas ações. Nos fins de semana,
quando não há o chefe de segurança, a equipe administrativa e a direção na
instituição, segundo o AGP 8, são os chefes de equipe que gerenciam todo o Instituto.
Existe, na instituição, quatro equipes, com um chefe de equipe em cada uma delas. O
chefe de segurança e disciplina lidera os chefes de equipe e são, geralmente,
escolhidos pela direção da instituição. A direção e coordenação do Instituto são os
gestores que conduzem a instituição. Essa sessão problematiza as relações entre eles
e os AGPS que atuam no Instituto.
Observando o Gráfico 4, percebe-se que há baixa confiança dos superiores
no trabalho realizado pelos agentes penitenciários 41,2% (Questão 49), o trabalho não
35,3
5,9 5,9
17,6
11,8
5,9
23,3 23,3 23,317,6
41,2
35,3
41,2
52,9 52,9 52,9
35,5
47,1
0
10
20
30
40
50
60
Q49 Ossuperiorescofiam notrabalho
realizado pelostrabalhadores?
Q52 Ossuperioresescondem
informaçõesimportantes?
Q53 O trabalhobem-feito éreconhecido
pelossuperiores?
Q56 Todas assugestõesfornecidas
pelostrabalhadores
são levadas emconsideração
pelossuperiores?
Q57 Ostrabalhadores
podemexpressar
livrementesuas ideias esentimentos?
Q58 O trabalhoé distribuídocom justiça?
Domínio 4
Extremamente Muito Pouco frequente
80
reconhecido pelos superiores 52,9% (Questão 53), as sugestões fornecidas pelos
trabalhadores são pouco consideradas pelos superiores 52,9% (Questão 56) e o
trabalho não é distribuído com justiça 47,1% (Questão 58). Essas questões
prevalecem no Instituto, mostrando, assim, a fragilidade das relações entre os
superiores e os agentes penitenciários.
O entrevistado AGP 12 afirma que os problemas de relacionamentos no
Instituto não estão centrados nas relações entre os agentes penitenciários, como
mencionado na Sessão um (1), e complementa dizendo que a relação com a chefia
gera conflitos entre as equipes, estando presentes favorecimentos de profissionais em
detrimentos de outros. Alguns profissionais preferiram não responder às questões
desse domínio, e optaram em não expor suas percepções sobre pontos relacionadas
com suas chefias.
O AGP 1, nas primeiras entrevistas realizadas na pesquisa, afirmou haver,
por parte da gestão, comportamentos que escondem a realidade do local: “quando
vem fiscalização eles maqueam tudo, colocam roupas nos internos e limpam o local”.
Do mesmo modo, o AGP 12 acredita que nem todas as informações são passadas
sem que antes sejam distorcidas pela direção do Instituto.
As relações que se estabelecem no local de trabalho criam ou fragilizam os
vínculos entre os sujeitos que fazem parte desse espaço. O não reconhecimento do
trabalho e a desconfiança nos direcionamentos que são apresentados pela direção
geram desgastes entre os profissionais e podem fragilizar os vínculos entre as chefias
e os agentes penitenciários.
As chefias, de acordo com Nassar (apud Leite et al., 2016), são os
principais artífices da boa comunicação interna, possuindo responsabilidades que
levam a instituição a crescer e a desenvolver-se. Quando essas chefias possuem
conflitos e apresentam baixa confiabilidade em relação aos profissionais, afeta toda a
instituição, desde a forma de atuação que se encontra no Instituto, não padronizada,
conforme discutido nos subcapítulos anteriores, até as conduções gerenciais que
precarizam o trabalho dos profissionais.
81
Gráfico 05 - Distribuição das questões da Sessão 5 – Pensamento sobre o Superior Imediato (N=17)
Fonte: Elaborado pela autora.
A sessão cinco (5), intitulada como pensamento sobre o superior imediato,
apresenta fatores existentes nas questões que conduzem a análise sobre o
relacionamento com os chefes de equipe e a chefia imediata dos agentes
penitenciários.
Durante a coleta de dados, predominou o fato de ter como prioridade, entre
os interlocutores dessa pesquisa, agentes penitenciários das quatro equipes de
trabalho da instituição. Com isso, podem-se compreender os aspectos desse estudo
pelos diferentes olhares dos sujeitos que fazem parte do Instituto.
A instituição é formada, em seus aspectos físicos e relacionais, pelos
sujeitos que fazem parte dela, pois, sem a ação humana, ela não existiria e nem
conseguiria se manter ao longo dos anos; as paredes, as celas, o telhado, os muros
estão postos e mantidos por pessoas. As chefias fazem a gerência e organização para
que o funcionamento do Instituto prevaleça.
De acordo com Goffman (1987), o material de trabalho da equipe dirigente
constitui-se de elementos humanos e a sua tarefa se reduz à administração,
gerenciamento e controle de pessoas. O autor ainda acrescenta que a equipe dirigente
enfrenta o que ele chama de problemas de governante, se comparar o funcionamento
das instituições ao do Estado, e apresenta problemas parecidos com os que os
governantes possuem, como: conflitos entre meios e fins; manutenção de padrões
29,435,3 35,3
5,911,8
5,9
47,152,9
70,6
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Q59 Com que frequência seussuperiores o escutam emrelação aos problemas de
trabalho?
Q60 Com que frequência seussuperiores fornecem apoio e
ajuda?
Q61 Com que frequência seussuperiores falam com você
sobre o desenvolvimento doseu trabalho?
Domínio 5
Sempre Frequentemente Pouco frequente
82
humanitários versus eficiência institucional; distanciamento versus afeição pelos
sujeitos e; esforços para evitar fugas. Pode-se entender a equipe de dirigentes que
Goffman utiliza em seu estudo como a equipe de chefes de do Instituto.
Existem padrões de condutas, em ambiente prisional, que repercutem em
comportamentos centrados na eficiência institucional. Verifica-se, no entanto, que os
chefes de equipe do Instituto não priorizam a satisfação no trabalho de AGPS e não
possibilitam oportunidades a esses profissionais, gerando insatisfação.
É no espaço constituído entre o sentimento de inutilidade ou de
desqualificação que o trabalhador passa a não se sentir parte integrante do processo
construtivo de seu trabalho, principalmente quando suas atividades não representam
significações ou reconhecimento, o que pode gerar no trabalhador o sentimento de
frustração, estagnação, fazendo-o acreditar que não é capaz de executar aquilo que
desejava ou não se perceber enquanto sujeito social que pode intervir nesse processo
(PITTA, 1994).
O AGP 12 traz, em sua fala, a presença da insatisfação no trabalho com o
chefe de equipe, que é motivada pelo baixo reconhecimento de sua atuação na
instituição: “eu trabalho bastante, faço o meu melhor, mas o chefe não ver isso”.
Tschiedel (2012) afirma que o trabalho dos agentes penitenciários são
permeados por elementos como: o descrédito no trabalho, desânimo e o não
reconhecimento de suas ações. A presença desses fatores no local de trabalho
contribui para a existência de riscos psicossociais, que podem geram tensão,
esgotamento e fadiga nos profissionais.
A condução nas resoluções dos conflitos que surgem em equipe e o
planejamento das atividades são algumas das atividades realizadas pelos chefes de
equipe. Os agentes penitenciários afirmam, no entanto, que não é constante o esforço
dos chefes de equipe em resolver conflitos e realizar um bom planejamento para as
atividades que serão desempenhadas pelos AGPS.
O local de trabalho é abordado por meio do Questionário Copenhagen
Psychosocial Questionnaire – COPSOQ a partir das relações com os gestores e as
chefias imediatas dos agentes penitenciários. Notou-se, porém, que havia a
necessidade de problematizar e compreender o local de trabalho desses profissionais
a partir do espaço físico, pois, conforme Lourenço (2010) e Ferreira (2016), existem
fatores de risco presentes no espaço ocupacional dos AGPS importantes de serem
analisados.
83
No Instituto, os agentes contam o ambiente descrevendo sua estrutura
física e as modificações cotidianas que afetam a saúde deles.
Olha, aqui tem a Quadra Norte e a Quadra Sul, na norte a gente coloca os presos que a gente percebe que têm problemas mentais mais sérios,tipo retardo mental, a Quadra Sul é mais os que vêm de outras unidades principalmente na maioria do interior para realização de laudos periciais psiquiátricos, que são temporários, que conversam com você normalmente, provável ter esquizofrenia ou não, mas tem contato com a gente, conversa, quando nós estamos lá dentro ele fica ao redor da gente conversando assuntos mesmo do cotidiano da vida deles, já da quadra norte são dementes, são pessoas que não têm diálogo, passam o tempo perambulando dentro da unidade, andando em círculo (AGP 1, em: 5 de fevereiro de 2018).
O Instituto atualmente funciona próximo a outras unidades prisionais, com
sua estrutura administrativa e física seguindo o modelo carcerário, como relatado pelo
AGP 1.
A pesquisa em campo possibilitou conhecer a estrutura física e os espaços
de vivência laboral por meio de uma visita guiada por um chefe de equipe da
instituição. No momento, foi possível fazer um percurso por todo o Instituto. Durante
o trajeto da visita, houve participações de AGPS contando sobre os espaços e falando
sobre a rotina da vivência desse ambiente.
O chefe de equipe afirma que o instituto é composto por duas quadras que
são separadas por um pátio e pelo refeitório; a Quadra Sul fica mais próxima à sua
sala, onde se divide entre sala e lugar de descanso dos agentes, possuindo algumas
camas e uma mesa em que trabalha.
A gente tem dificuldade em relação a espaço,sabe, eu mesmo não tenho sala, fico numa mesa junto com as camas que os agentes se revezando para descansar, é alojamento e sala ao mesmo tempo. Isso incomoda, eu não me concentro para fazer as coisas burocráticas que tenho para fazer (CHEFE DE EQUIPE, em: 3 de fevereiro de 2018).
É reconhecido, entre as falas dos entrevistados e a do chefe de segurança,
que o Instituto tem estrutura pequena. Alguns agentes acrescentam a essa fala o
desconforto em relação ao espaço de descanso, que tem pouca privacidade. O local
é usado como dormitório, guarda de pertences e ambiente de trabalho do chefe de
equipe.
A divisão que o chefe de equipe afirma ter nas quadras é feita pelos agentes
e pela equipe de profissionais de saúde. E somente após definição do laudo e
constatado que o indivíduo está em medida de segurança, é que estes são
direcionados para as quadras.
84
Durante a visita, o AGP 7 se aproxima e afirma que o Instituto possui salas
de disciplina que ficam próximas à Quadra Sul, tendo aparência de celas8, onde são
levados os internos que cometeram alguma indisciplina: “ é um local de isolamento,
triagem e atenção ao surto” (AGP 7, em: 28 de fevereiro de 2018) . A Quadra Norte
fica mais próxima das salas de atendimento médico e psiquiátrico; e das salas de
atendimento psicológico, bem como do serviço social.
Aqui tem uma ala norte e uma ala sul, o pátio, tem também as salas de disciplina que é quando eles estão em crise, mas também serve para quando chega um preso de fora e vem para passar um tempo, elas também funcionam como se fosse uma triagem, é triagem, castigo e isolamento, as três coisas juntas, castigo, triagem e isolamento. Aqui por mais que não pareça, acontece castigo, por que tem disciplina e aqui tem também uma indisciplina, tem normas que eles acabam não cumprindo. (AGP 7, em: 28 de fevereiro de 2018)
Porto (2000) descreve as condições de trabalho em loci, caracterizando os
espaços a partir da infraestrutura física que viabiliza, em maior ou menor medida, o
exercício laboral. O ambiente pode apresentar, a partir da sua divisão de setores e
características, tais como a que o AGP 7 trouxe em sua fala, algum dano ou agravo à
saúde dos sujeitos que constituem esse espaço.
O espaço denominado pelos agentes como sala de disciplina é o local onde
são feitos os atendimentos denominados como triagem. O período em que ficam na
instituição para essa triagem é definida judicialmente, mas, segundo o AGP 9, pode
ter duração de 40 dias. Esse mesmo espaço é usado para cumprimento de disciplina,
que se dá mediante as regras da instituição e normativas do sistema penal, ou seja, é
o lugar do castigo; mas também é o espaço de atendimento a situações de surtos,
onde enfermeiros e técnicos de enfermagem costumam medicar e deixar em
observação os internos. Esse espaço das salas de disciplinas é mais próximo ao local
onde se concentram o maior número de agentes no período diurno, que é o corpo da
guarda.
O AGP 2 conta que o Instituto tem duas entradas: a principal, por onde o
administrativo e a gerência da instituição entram e possuem suas salas, recepção,
diretoria, administração; é também onde acontece o fluxo de entrada e saída de
visitas, como advogados e profissionais que atuam na administração da instituição;
após essa entrada, tem um corredor largo que dar acesso a dois banheiros e ao
8As celas que são referidas ao longo do texto. É uma denominação dada dentro do Sistema Penitenciário para os locais de aprisionamentos que lembram salas pequenas, mas com grades e pouca ventilação, com espaço para cama.
85
estacionamento para os agentes penitenciários; depois do estacionamento, existe
uma porta que dar acesso ao corpo da guarda, lugar em que ficam os agentes; esse
espaço é pequeno, possui uma televisão que fica ligada o dia todo, e há a presença
constante de um agente que sempre monitora o movimento do dia, os horários de
entrada e saída dos demais agentes do plantão, controle do horário de almoço,
descanso e o momento de “ir para dentro”9.
A segunda entrada é por meio de um portão grande preto, logo após a
entrada principal. Essa entrada é mais utilizada pelos agentes penitenciários, que
adentram com seus carros e estacionam em um espaço depois do portão. Nesse
mesmo espaço, existe uma sala pequena onde ficam as algemas, bastão, chaves,
uma mesa e cadeira; sala onde circulam cotidianamente os agentes para pegar os
objetos que estão lá. Nas extremidades do corpo da guarda, existe, no lado direito,
uma grade que possibilita o acesso à Quadra Sul e aos espaços que ficam próximos
dela; na extremidade esquerda do corpo da guarda, existe outra grade que dá acesso
ao pátio e à Quadra Norte, local em que os agentes mais circulam entre abertura e
batidas de tranca; essa grade é por onde os internos se comunicam com os agentes.
O local do corpo da guarda é onde se podem ter todas as notícias do que
está acontecendo, é o local de escuta, é também o lugar em que ouve, mais
intensamente, os gritos, os silêncios e os ecos que direcionam o dia de trabalho. “Ei,
ei, (fortes batidas consecutivas na grade do portão), ei, tô com fome, me dá café!” grita
um interno batendo com copo na grade do portão que dá acesso ao pátio e recepção.
Um AGP olha para a pesquisadora e diz: “se eu der café toda hora para eles não tem
café que aguente, deixa ele bater, uma hora ele cansa”.
Fazendo uma volta até a lateral do prédio, onde ficam as quadras e a
estrutura em que os agentes trabalham, há uma escada; subindo, pode-se ter uma
visão geral de todo o prédio, entretanto, a vista é mais focada no pátio e nas quadras,
onde os AGPS ficam, no período noturno, se revezando na vigília dos presos quando
esses já têm se recolhido às celas.
A estrutura física do Instituto remete ao que Foucault (1983) denomina
como observatórios da multiplicidade humana, local com arquitetura baseada em
9 Expressão utilizada pelos agentes quando devem cumprir suas duas horas de plantão na parte interna da instituição, onde têm contato direto com os internos, local em que os internos passam desde as 7 horas da manhã até as 18 horas; ficam todos juntos, sem algema, sem nada que os impeçam de se movimentar dentro do quadrilátero denominado como pátio.
86
dispositivo que permite a observação constante dos sujeitos que coabitam essa
instituição. De acordo com Foucault, a arquitetura de dispositivos punitivos foi
projetada para permitir o controle interior, para tornar visíveis os que nela se
encontram. O autor traz ainda o símbolo do panóptico, que é uma construção em anel,
com uma torre no seu interior, vazada por grandes janelas, que permitem a
observação irrestrita dos compartimentos à sua volta. A disposição de compartimentos
em torno de pátios, mesmo sem a torre central de vigilância, também favorece os
procedimentos de inspeção, controle e distribuição dos indivíduos, de modo a
assegurar a primazia da disciplina.
O formato apresentado se faz contemporâneo comparado com a estrutura
do Instituto, onde existe um espaço mais elevado em que os profissionais fazem a
vigília, a centralidade do pátio entre as celas, e a estrutura pequena do ambiente de
trabalho dos agentes penitenciários facilita a sua função de vigiar.
Durante o dia, de acordo com o AGP 2, no período das 7h às 18h, os
internos ficam no pátio. Esse pátio é onde acontecem, algumas vezes, os jogos de
futebol entre os AGPS e os internos e onde, a cada duas horas, os AGPS se revezam
dentro do tempo de plantão para ficar nesse ambiente.
Eu sempre fui acostumado a trabalhar com uma grade separando o agente do preso, então quando eu entrei a primeira vez eu fiquei receoso sim, mas, estourando meia hora eu já percebi que não iria acontecer nada, por que é como se você tivesse alí e estivesse apenas outro preso igual a eles, eles não tem interesse em fazer mal a você, enquanto em outras unidades você não pode nem pensar em ficar assim, se você ficar é 99% de chances de acontecer alguma coisa e você ser uma moeda de troca (AGP 4, em: 28 de fevereiro de 2018). Eles ficam soltos o dia todo, tem agente que não consegue estar aqui por isso, não é tão simples como se pensa, a gente senta lá no refeitório quando dá o tempo de entrar para ficar as duas horas com eles e em menos de cinco segundos aparecem uns dez falando ao mesmo tempo comigo, eu saio tonto, doidinho de lá. Experimenta conversar com doido, eles falam a mesma coisa várias vezes (AGP 10, em: 8 de fevereiro de 2018).
O espaço do pátio é temido pelos profissionais que chegam ao Instituto,
pois há o receio de ficar sem as grades que separam os internos e os agentes. É
unânime entre os agentes quando dizem que o Instituto não é um espaço que exige
esforço físico no trabalho. Porém, segundo relatos deles, existe um desgaste psíquico
elevado ocasionado tanto pelo relacionamento mais próximo com os internos como
pela pressão sobre o trabalho a partir das chefias.
A relação de medo, insegurança e o trabalho de agentes penitenciários é
algo presente na maioria dos espaços de trabalho e de convivência. Lourenço (2010),
87
por meios de estudos, trouxe dados de que o sentimento de medo aflige o trabalho
desses profissionais dentro e fora dos muros de prisões; cerca de 70% da sua amostra
retrata a dificuldade dos AGPS para dormir por passarem à noite pensando em
episódios de violência.
As grades significam a segurança para os agentes do não contato, da
“proteção”. São unânimes, nas narrativas dos entrevistados, as comparações feitas
acerca do ambiente do Instituto com o de outras unidades em que atuaram antes. O
pátio traz a simbologia mais forte da diferença, pois nele não há grades, existindo a
interação direta entre agentes e internos. É o espaço da vivência das duas horas de
plantão que é retratada, por alguns agentes, como momento prazeroso de convívio,
porque exclui a figura do preso e mostra a visão de outra pessoa que não está privada
de liberdade. É o espaço da conversa sobre coisas que, por vezes, não são
entendidas, mas que devem ser ouvidas. Já outros veem o pátio e seu tempo de
trabalho nesse espaço como algo negativo, adoecedor, irritante, e que não deveria
existir.
A estrutura do Instituto assemelha-se aos demais locais do sistema
penitenciário quando comparada às condições de salubridade referentes à higiene, às
estruturas físicas antigas, ao ambiente com pouca ventilação dentro das celas. Borges
(2011) afirma que a estrutura física dos presídios favorece a disseminação de
patologias que possuem estreita vinculação com ambientes insalubres.
A realidade de ambiente sujo e com grande concentração de doenças
transmissíveis é algo que se apresenta no Instituto. O AGP 13 afirma “ser o Instituto
um local com forte odor em várias celas, com presença de ratos, internos sujos, que
defecaram e passam dias sem nenhum tipo de higienização.” (idem, em: 13 de
fevereiro de 2018)
Lourenço (2010), Diniz (2016) e Ferreira (2016), dentre outros estudiosos
sobre prisões e manicômios judiciários, já abordavam, em suas discussões, as
condições precárias de higiene e os ambientes insalubres de presídios e manicômios
judiciários; com a presença de acúmulo de mofo, pouca ventilação e estrutura física
antiga, instalações elétricas e hidráulicas com problemas.
O AGP 14 reforça a fala do AGP 13 quando afirma que “o Instituto é muito
imundo, o cuidado com os internos é muito ruim, mas quando vai alguma fiscalização,
como eles avisam, o pessoal maquia” (AGP 14, em: 16 de março de 2018). O AGP 6
contribui nos contando que “no sistema como um todo tem muitos agentes com
88
doenças de pele, coceira, frieira, os internos têm pouca higiene, pelo nosso contato
mais direto com eles a gente acaba pegando” (AGP 6, em: 3 de março de 2018).
Os locais pouco ventilados e que albergam um grande quantitativo de
pessoas compartilhando do mesmo espaço, aliadas às precárias condições de
higiene, falta de controle da qualidade dos alimentos fornecidos e uso de drogas
ilícitas configuram-se como fatores de risco à saúde desta população (BORGES,
2011).
As doenças dermatológicas, de vias respiratórias e transtornos mentais são
os principais tipos de adoecimentos presentes entre as pessoas privadas de liberdade.
Tais patologias são condicionadas ou agravadas a partir das condições estruturais no
que se refere ao espaço e à convivência entre os sujeitos que coabitam um mesmo
ambiente de vida. Dividem diariamente o espaço que, para um, é único naquele
momento; e, para o outro, representa o espaço de trabalho que está presente pela
soma de tempo de sua vida.
É a partir dessas relações que se constata o ambiente e todas as interações
vivenciadas pelos sujeitos que constituem esse espaço, seja na transmissão de
doenças, seja na troca de diálogos ou de sentimentos, ou mesmo na vivência e
contaminação pela condição dada no espaço. O Instituto é, portanto, um local que
abriga um grande quantitativo de pessoas compartilhando do mesmo ambiente e
trazendo, a essas interações, históricos de adoecimentos e formas de vivências.
A saúde de agentes penitenciários tem sido, cotidianamente, impactada de
forma negativa. A partir das pesquisas de Corrêa (2009), Reis et al. (2012) e Silva et
al. (2012), é possível perceber como esse impacto é determinado pelas condições de
trabalho que são impostas historicamente aos agentes e influem na saúde desses
profissionais. As condições dos locais de trabalho estão intimamente associadas aos
espaços físicos, às instalações elétricas, às condições organizacionais, ao trabalho
em equipe, às perturbações ergonômicas, dentre outros riscos que são enfrentados
diariamente pelos trabalhadores do sistema penitenciário.
O Instituto traz diversidade de sentidos e sentimentos aos AGPS, sendo o
ambiente que representa a calmaria e a barbárie, é “o local onde tem os crimes mais
bárbaros, porque é aquele que acaba matando a mãe, a esposa”, é insalubre e
adoecedor “pois meche com nossos nervos”, mas também é local de interação e
descontração “quando a gente tem um tempo a gente joga uma bola com eles”. Para
alguns agentes, é um local que proporcionou melhora para sua saúde – afirmação
89
unânime entre os entrevistados –, por acreditarem ser o Instituto um dos locais mais
calmos do sistema penitenciário e, por isso, a existência dessa instituição é legitimada
pelos AGPS.
O Local de trabalho também é o lugar das relações, das socializações, de
trocas, é o lugar “macabro”, mas calmo e almejado. A partir da vivência e
aproximações iniciais com esse espaço, retoma-se a indagação: é local adoecedor ou
fortalecedor da saúde dos profissionais? Essa dúvida foi respondida pelos diferentes
olhares dos AGPS, pois é necessário trazer à discussão as relações de trabalho que
envolvem a vida intramuros e extramuros desses profissionais, para melhor
compreensão das condições de saúde dos profissionais, que serão discutidas no
próximo capítulo.
90
5 RELAÇÃO SAÚDE E TRABALHO INTRAMUROS E EXTRAMUROS
5.1 “MAIS DA METADE DO SISTEMA ENCONTRA-SE ADOECIDA”: SAÚDE, BEM-
ESTAR E ADOECIMENTO DE AGENTES PENITENCIÁRIOS
O título do subcapítulo foi retirado de uma fala do AGP 3, um dos
interlocutores dessa pesquisa. Quando indagado se percebe que agentes
penitenciários adoecem pelo exercício do trabalho, o AGP 3 afirma que “mais da
metade do sistema encontra-se adoecida, quando vem para o Instituto é um estágio
final, digamos assim, eles já vêm adoecidos de outras unidades, principalmente
psicologicamente”.
A literatura brasileira que aborda o adoecimento de agentes penitenciários,
como Lourenço (2010), Ferreira (2016), Vasconcelos (2002), dentre outros, discutem
o adoecimento associado à atuação desses profissionais em unidades prisionais,
tornando-se escasso o estudo de AGPS que trabalham em Hospitais de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico ou Institutos Psiquiátricos que compõem o sistema
penitenciário.
Desde 1960, houve o aumento de iniciativas para minimizar os efeitos
negativos da atividade laboral na saúde de trabalhadores por meio de estudos e
investimentos de pesquisadores, líderes sindicais, trabalhadores e governantes.
Conforme discute Paim (2009), a saúde do trabalhador não foi inserida logo
de início no sistema público de saúde no Brasil, esta nasceu por três eixos: a saúde
pública, medicina previdenciária e medicina do trabalho. A medicina do trabalho não
teve tanto destaque para os órgãos de saúde pública, não se consolidou como
conhecemos hoje por saúde ocupacional ou saúde do trabalhador, isso só veio a
acontecer a partir de 1930, com a criação do Ministério do Trabalho e implantação de
outras ações direcionadas a esse âmbito.
A partir do ano de 2002, a saúde do trabalhador começa a receber maior
incentivo e afirmação por meio da Portaria nº 1.679 (2002), que cria a Rede Nacional
de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador – RENAST. Esta tem como objetivo a
integração da rede de serviços ofertados no Sistema Único de Saúde - SUS, no que
se refere à assistência e vigilância nas ações sobre saúde do/a trabalhador(a).
As ações em saúde, com ênfase no trabalhador, tiveram avanços no
período da ditadura militar, em meio à repressão e à procura por apoio populacional
91
pelos governantes. A implementação do Ministério da Saúde e os movimentos sociais
desencadeados nesse período impulsionaram a concretização, em nível legislativo,
por meio das lutas populacionais, do que temos hoje como Política Nacional de Saúde
do Trabalhador e da Trabalhadora (2012), resultado este de todo o processo histórico
de luta por direitos.
No que se refere ao estado do Ceará, foi instituído o Plano Estadual de
Saúde (2012-2015), que traz a Rede Estadual de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador, embasada na RENAST e voltada para atenção à saúde do/a
trabalhador(a) de forma integral. A pretensão é que a atenção integral em saúde de
trabalhadores se desenvolva em todos os pontos da rede de atenção do SUS, desde
a atenção básica até os serviços de média e alta complexidade, e nos Centros de
Referência em Saúde do Trabalhador- CEREST. Inserido nessa estrutura, existe a
Coordenadoria de Políticas e Atenção à Saúde- COPAS10 e o Núcleo de Atenção à
Saúde do Trabalhador – NUAST11 (BRASIL, 2014).
A saúde, como uma política pública, é assegurada como direito
fundamental12em âmbito constitucional, mas sua operacionalização vem sendo
constantemente precarizada, principalmente no que se refere à saúde de
trabalhadores, isso por ter sido direcionada em contexto neoliberal, com profundas
contradições desde sua criação.
A trajetória das políticas públicas não é linear, ela segue uma dinâmica de
correlações de forças que permeiam as relações de construção destas e englobam,
por vezes, conceitos fundamentalistas e descritivos (SOUSA, 2006; LEMIEX, 1994).
A operacionalização da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora está, intrinsecamente, associada ao exercício do trabalho, à percepção
das relações que se estabelecem no campo de atuação e à forma como as mudanças,
no âmbito organizacional, possibilitam transformações e influências na saúde de cada
profissional, juntamente com os aspectos sociais, políticos e demais fatores
10A Coordenadoria de Políticas e Atenção à Saúde é responsável pela coordenação da Rede Estadual de Atenção à Saúde do Trabalhador no Ceará. 11 O Núcleo de Atenção à Saúde do Trabalhador – NUAST tem como atribuições a coordenação do processo de incorporação de ações de saúde do trabalhador nas diferentes instâncias do SUS, estabelecendo diretrizes e monitoramento da aplicação dos recursos repassados para implementação das ações. 12 No que se refere a direitos fundamentais, atualmente existem cinco gerações, assim chamadas; os direitos de primeira geração são de liberdade individuais, civis e políticas, onde o Estado não interfere; os de segunda geração são os econômicos, sociais e culturais; os de terceira geração são os de fraternidade, existindo ainda os de quarta geração, que são os de democracia direta, pluralismo jurídico e acesso a informações; e o de quinta geração, que é o direito a paz.
92
ambientais e biológicos. É possível apontar que esse conjunto de aspectos apresenta
possibilidades que podem afetar a saúde de profissionais.
A escassez de produção nessa área, principalmente em relação à saúde
de agentes penitenciários, revela a necessidade de se discutir a saúde, o bem-estar
e o adoecimento com os trabalhadores que atuam em instituições prisionais e
psiquiátricas. Esse tema e suas indagações estarão sendo pensadas nesse
subcapítulo a partir das falas dos entrevistados e das sessões 06 e 07.
A Sessão seis (6) é constituída por 12 questionamentos, dentre eles, foram
selecionadas as questões que tivessem aspectos como: sono, desgaste, exaustão,
problemas para relaxar e estresse. São fatores presentes no âmbito de trabalho dos
agentes penitenciários e que se faz necessário analisar a partir do Gráfico 06.
Gráfico 06 - Distribuição das questões da Sessão 6 – Saúde e bem-estar (N=17)
Fonte: Elaborado pela autora.
Quando indagados com que frequência dormiam mal e tinha problemas de
insônia, prevalece em 47,1% (Questão 70, Gráfico 6) os agentes penitenciários com
dificuldades para dormir. O AGP 8 traz em sua fala o que foi identificado nos dados,
acrescentando alguns motivos: “eu sinto dificuldades para dormir, fico agoniado, é
como se eu estivesse agitado sempre, tomo medicação, um calmante para dormir
melhor” (em: 3 de março de 2018).
A rotina de trabalho em regime de plantão, com constantes alterações dos
horários para dormir e acordar, necessitando ficar atento durante a noite, pois pode
ser necessário despertar para intervir em alguma situação, é corriqueira na atividade
23,5
5,9
29,4
5,9
29,4
47,141,2
29,4
70,6
47,1
29,423,5
41,2
5,9
23,5
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Q70 Dorme mal? Q71 Se sentedesgastado?
Q73 Se sentefisicamente
exausto?
Q78 Temproblemas para
relaxar?
Q81 Ficaestressado?
Sessão 6
Sempre Frequentemente Às vezes
93
profissional de agentes penitenciários. As adaptações que necessitam fazer, desde o
local onde dormem até o tempo de sono que é alterado pelos plantões extras,
seguidos ou com intervalo menores de 72 horas de descanso, como é previsto, pode
alterar na qualidade do sono.
Além dos plantões, como mencionado pelo AGP 8, existe a constante
agitação dos profissionais pela espera do que pode vir a acontecer. O cotidiano de
trabalho, a violência, o medo e a rotina desperta no AGP a iniciativa de sempre ser o
profissional pronto ao serviço. Essa realidade ultrapassa o cenário intramuros do
cotidiano de vida desses profissionais, atingindo seu sono, causando angústias e
sofrimento.
Lourenço (2010) e Tschiede (2013), em suas pesquisas com agentes
penitenciários, constataram que o medo, a violência e o sofrimento estão presentes
no cotidiano laboral a partir da organização, das condições e das relações de trabalho
desses profissionais. Lourenço identificou que 70,4% dos agentes penitenciários
tinham dificuldade para dormir, pensando na violência; 62,7% já haviam acordado no
meio da noite, pensando em situações violentas; e 64,4% evitavam pensar sobre o
assunto. O pesquisador enfatiza que o medo é um dos sentimentos que mais aflige o
AGP fora dos muros das prisões.
Muitos dos agentes entrevistados afirmam fazer uso de medicações para
conseguir dormir; alguns dizem que apenas por meio delas conseguem descansar.
Andrade (2015), agente penitenciária e pesquisadora da área da segurança pública e
do sistema penitenciário, afirma, em trabalho realizado sobre o estigma presente na
atuação de AGPS, que um dos impactos na saúde desses profissionais e que afeta
diretamente sua qualidade de vida é a dificuldade para dormir, associada a ansiedade
e angústia.
De acordo com os parâmetros da OMS, a qualidade de vida é a percepção
que os indivíduos têm em relação à sua vida, no contexto cultural e no sistema de
valores em que vivem, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e
preocupações. O contexto laboral é transversal a todos esses aspectos e é visto como
um dos elementos necessários para se pensar a qualidade de vida.
A violência, o medo e o sentimento de angústia, contidos na fala do AGP e
nas discussões dos pesquisadores sobre a temática que incide sobre a qualidade do
sono desses profissionais, podem ser pensados em conjunto com os dados
94
identificados sobre a dificuldade em relaxar, que apresenta predominância de 70,6%
(Q 78, Gráfico 6) nesse estudo.
Esse dado foi um dos mais elevados entre as nove sessões dessa
pesquisa. Quando indagados, em entrevista, sobre o motivo por sentir dificuldade em
relaxar, os AGP trazem vários elementos em suas falas, desde o histórico de atuação,
“a gente vem de unidades que não dar para relaxar”; o risco em trabalhar no sistema
penitenciário, “o Instituto é mais calmo, mas o risco continua, estamos no sistema
penitenciário ainda”; como a profissão é vista no imaginário social, “a sociedade cobra
da gente resposta que não podemos dar”; até a necessidade em trabalhar além da
carga horária da profissão, afetando diretamente o tempo de descanso, “era para ser
3 dias de folga para que a gente pudesse descansar, mas, o salário é pouco e
precisamos fazer mais plantões, por isso não dar para descansar a mente e relaxar”.
Os discursos revelam a dinâmica de agentes penitenciários que vivem
circundados dos elementos de seu trabalho, a dificuldade em relaxar, como foi
exposto, está diretamente associada ao contexto de trabalho desses profissionais.
Em pesquisa realizada na Penitenciária Estadual da cidade de Três Passos
– RS, sobre os sintomas da síndrome de burnout em agentes penitenciários, Satler
(2014), identificou-se que os agentes entrevistados também apresentaram dificuldade
em relaxar, relacionando essa situação ao cotidiano de trabalho e à vida desses
profissionais.
Benevides (2001) afirma ser necessário ter descanso, assim como
desenvolver atividades de lazer e momentos que proporcionem relaxamento, com
programações que não estejam associadas ao trabalho, para que os indivíduos
possam conviver melhor com suas atividades laborais. O cotidiano de vivência por
muito tempo em ambiente prisional, como discutido por Lourenço (2010) e Chies
(2001), causam nos sujeitos que coabitam nesse ambiente as dores do
aprisionamento e aprisionização, como abordado no capítulo anterior. A proximidade
dos agentes penitenciários com os internos e as mudanças de comportamento que
acontecem por meio desses processos também passam pela esfera da tensão,
pressão e violência, afetando diretamente sua saúde.
Nas falas dos agentes, o fenômeno da violência é identificado como
elemento predominante que determina ou condiciona algumas situações. De acordo
com os estudos de Minayo et al. (2017, p.446), “a violência não é sinônimo de crime,
embora a maioria dos crimes em que são acusados os presos seja praticada com
95
violência”. No Instituto, de acordo com os AGPS, os delitos cometidos pelos internos
são situações de extrema violência e, em sua maioria, contra familiares ou pessoas
próximas.
A violência se apresenta de forma estrutural e histórica no cenário
brasileiro, suas ramificações afetam diretamente a saúde de profissionais que atuam
em ambiente prisional, pois, nesse cenário, existe um contingente populacional que
contribui para o incremento da criminalidade, violência e insegurança social, além de
serem vítimas de lesões, traumas e vários tipos de adoecimento em maiores
proporções do que a população em geral (MINAYO, 2017).
Posteriormente, será apresentado um subcapítulo que abordará, de forma
mais detalhada, a violência para melhor compreensão de seus tentáculos que atingem
e formam o cenário de atuação dos agentes penitenciários.
O desgaste foi mencionado nos questionamentos realizados,
apresentando, em 41,2% (Q71, Gráfico 6) dos agentes, a sensação de estar
frequentemente desgastados.
As mudanças na dinâmica do trabalho nos últimos anos incidem de forma
generalizada em todos os trabalhadores. No Instituto não é diferente, os conflitos nas
relações entre os agentes penitenciários e as chefias, a não efetividade do trabalho
ocasionado pelas condições estruturais, precarização das condições de trabalho,
atuação em ambiente manicomial, invisibilidade da categoria profissional perante o
Estado e a sociedade civil e a visibilidade do estigma e preconceitos com essa
profissão podem desgastar o profissional da área.
O conceito de desgaste no trabalho está ancorado em Laurell e Noriega
(1989) e se define como resultado de processos adaptativos que acometem o
trabalhador, sendo entendido ainda como a perda da capacidade efetiva e/ou
potencial, biológica e psíquica não se referindo a um processo isolado. Suas
repercussões não geram, necessariamente, patologias, mas desencadeiam
repercussões em todos os níveis da vida do trabalhador (CORRÊA, 2015).
Seligmann-Silva (1994) expõe que os diversos problemas de saúde dos
trabalhadores constituem processos de desgaste. Para essa autora, o desgaste do
trabalhador compreenderia três dimensões: a primeira, decorrente dos acidentes de
trabalho ou da ação de substâncias tóxicas; uma segunda, pela fadiga crônica e; a
terceira, pelo desgaste da esperança, que afeta a identidade do trabalhador, atinge
seus valores e crenças e pode ferir sua dignidade.
96
Minayo et al. (2008, p.50), em pesquisa realizada sobre saúde e trabalho
de policiais militares no Rio de Janeiro, afirma que, “do ponto de vista dos riscos e da
segurança, entendemos que se o processo de trabalho constitui um lócus privilegiado
da realização humana, ele também produz (em escala específica referente às
condições em que é exercido) desgaste físico e mental”.
O trabalho de agentes penitenciários, assim como de qualquer outro
trabalho, pode proporcionar felicidade, prazer, realização, desenvolvimento de
potencial criativo ou causar desgaste. A prevalência do desgaste foi analisada a partir
da frequência em que esses profissionais se sentem exaustos fisicamente e
emocionalmente. Na Sessão três (3), apresentou a prevalência de alta demanda
emocional entre os agentes, e, quando indagados sobre a exaustão emocional em
sua atuação, afirmaram ser elevada, estando associada também ao relacionamento
com os internos e com os agentes penitenciários.
No capítulo anterior, foi mencionado que a relação entre os agente
penitenciários é harmônica e proporciona uma rede de apoio entre eles, entretanto, o
fato de identificar nos “colegas de farda” o adoecimento ocasiona, em alguns agentes,
a associação de um possível adoecimento decorrente da convivência.
No primeiro dia de coleta de dados em campo, foi dito pelo AGP que era
responsável pela escala do dia: “você veio para o lugar certo, aqui só tem agente
doente e são doidos viu, você vai dar remédio para a gente?” Outros agentes relatam,
em suas falas, que existem muitos colegas de profissão adoecidos. Quando
questionados sobre quais adoecimentos mais acometem esses profissionais, eles
trazem na fala a depressão, a síndrome do pânico, sofrimentos relacionados à
convivência sob ameaça e medo, e ainda relatam que existem algumas pessoas, não
no Instituto, mas em outros locais do sistema, que apresentam muitas queixas de
coceiras e alergias causando urticárias e dermatites; outra queixa recorrente é a
tuberculose. Os entrevistados não falam de seus adoecimentos, principalmente
quando relacionado a sofrimento e transtornos mentais leves.
Na pesquisa realizada por Moraes (2015, p. 35) com agentes
penitenciários, também houve uma maior facilidade de os profissionais entrevistados
identificarem o outro como o profissional que está adoecido, não falando de si. Os
agentes “consideravam outros agentes doentes e cheios de problemas em função do
desgaste no trabalho, mas não se reconheciam adoecidos”. Moraes embute na
reflexão a existência de códigos de virilidade, que são constituídos da necessidade de
97
demonstração de serem fortes, de “aguentar qualquer parada”, isto associado ao
medo de serem identificados como profissionais que sofrem e adoecem.
Segundo os AGPS 10, 9, 8, 17, 7, 3 e 1, os agentes penitenciários que
atuam no Instituto se encontram adoecidos, identificam em seus colegas
psicopatologias ocasionadas pelo contato com o interno, com os colegas de trabalho;
pelo uso prejudicial de substâncias psicoativas; por terem passado por situações de
risco de morte em outras unidades prisionais e; pelas agressões e ameaças. Afirmam
também ter crescido o número de suicídios na categoria profissional.
O desgaste emocional acarretado pelo contato com os internos do Instituto
é representado na fala do AGP 2:
Aqui no Stênio Gomes por ser menos presos, vamos dizer que é mais calmo, mas, em compensação nós temos um contato maior com o preso, nós ficamos lá dentro.Conversar com doido e ficar no meio de doido é meio complicado, a conversa do doido é difícil, nós temos que ter muito preparo mental para lidar, o doido pergunta a mesma coisa 3x, defeca, bebe a urina e aqui é um local onde tem os crimes mais bárbaros, porque é aquele que acaba matando a mãe, a esposa (AGP 2, em: 2 de fevereiro de 2018).
O trabalho direto com pessoas com sofrimentos e transtornos mentais
exige conhecimento e capacitação profissional. É necessário compreender as
singularidades que atingem diretamente o cuidado e a atenção à saúde desses
internos. Os ambientes que proporcionam enclausuramento e exclusão social não
conseguem proporcionar o tratamento adequado, além de causar piora no
adoecimento, situação esta constatada por vários pesquisadores, profissionais de
saúde e estudiosos do assunto. Diante disso, a atuação em manicômio judiciário
apresenta-se contraditória e pouco eficiente.
O despreparo dos agentes penitenciários para a atuação no Instituto,
constatado nesse estudo, revela a fragilidade em que os profissionais estão expostos
e os riscos psicossociais presentes nesse contexto, pois o trabalho com os internos
da instituição é pouco discutido e são inúmeras as dúvidas e inseguranças em como
atuar.
Esse desgaste também é gerado, de acordo com o AGP 3, pelo que ele
denomina ser o oposto das ameaças, a “chantagem emocional”; o agente afirma que
é recorrente no trabalho haver internos que não conseguem ameaçar os profissionais
com o objetivo de troca por algum benefício próprio. O fato da maioria dos internos
não receber visitas e serem constantes as necessidades de itens de higiene básica,
bem como a necessidade recorrente de atenção, leva-os a necessitar pedir materiais,
98
comida e momentos em que sejam ouvidos, o que o AGP 3 afirma identificar como
chantagens, afirmando que tais práticas o afeta por estar acostumado com o
afastamento com os internos.
O desgaste pelo contato com os colegas de profissão também foi
mencionado pelos agentes nas entrevistas. O AGP 2 aborda, em sua fala, a
convivência com os colegas como fator de desgaste, sofrimento e adoecimento.
Se você falar com todos os agentes daqui vai ver que alguns são muito mais carregados do que eu, às vezes eu não sei se eu adoeço por causa do preso ou se é por causa do colega. Eu tenho colegas bem mais doentes que o preso, que não teria nem condições de raciocinar para responder esse questionário, você vai ver. É por isso que meu comportamento aqui e que alguns não entendem é que quando estou de férias ou folga e vou sair não chamo nenhum colega AGP, por que eles vão falar sobre o sistema, e eu não quero ficar falando sobre isso direto. Isso é uma forma de me blindar (AGP 2, em: 2 de fevereiro de 2018).
Conforme o Gráfico 6, o desgaste apresenta-se prevalente no trabalho dos
agentes penitenciários do Instituto, 41,2% (Questão 71) dos agentes afirmam que
frequentemente sentem-se desgastados. Ao indagá-los em entrevista sobre a
motivação do desgaste, afirmam está associado ao estresse e ao desgaste emocional.
A exaustão física foi indagada, os agentes afirmam em 41,2% (Questão 73) às vezes
se sentem exaustos fisicamente. Quando abordaram a exaustão física esteve
associada à rotina de plantões extras que fazem, entretanto, o desgaste emocional
esteve mais presente nas narrativas.
O estresse é algo que predomina entre os discursos dos agentes
penitenciários. Pesquisas realizadas com esses profissionais abordam, de forma
corriqueira, a presença do estresse na atuação dos AGPS. Tschiedel (2012)
identificou, em sua pesquisa com AGPS, que eles sempre se referem ao estresse
como decorrente das tensões de trabalho, principalmente do contato com o preso,
acarretando, assim, doenças. Chies (2001) também constatou o estresse entre os
agentes que participaram de sua pesquisa, afirmando que, em conjunto com a
sobrecarga e as acumulações físicas e emocionais, este afeta a sociabilidade dos
profissionais.
No Instituto, os agentes penitenciários, ou seja, em 47,1% (Q 81, Gráfico
6), mostram-se estar frequentemente estressados.
Essa profissão é estressante e perigosa, não é a toa que a segunda profissão mais perigosa do mundo, a primeira são os mergulhadores e a segunda somos nós, temos um alto grau de estresse aqui, por isso que são esses 3 dias de folga, para a gente ter descanso da mente, cansa a mente você lidar com vários problemas sociais e psicológicos dos internos. A gente precisa de descanso. (AGP 8, em: 26 de fevereiro de 2018)
99
Eu não sofro com estresse, troco plantões e negocio para outras pessoas para me substituir, assim posso ficar de 10 a 15 dias em casa de folga, por isso não sofro com estresse. (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018)
Em meio ao cotidiano de trabalho que possuem fatores estressores, alguns
AGPS utilizam “estratégias de sobrevivência” por identificarem no Instituto um espaço
que ocasiona estresse, o AGP 3 aborda em sua fala as táticas que utiliza, estando
mais dias afastado do ambiente de trabalho.
Moraes (2015) afirma que, em 1997, foi realizada, pelo Instituto de Ciência
e Tecnologia da Universidade de Manchester, uma pesquisa sobre as profissões mais
estressantes entre as 104 investigadas, ficando em primeiro lugar a dos agentes
penitenciários. O estresse nas falas dos agentes está sempre associado ao ambiente
ocupacional e ao perigo que a atuação pode ocasionar. Não estar estressado, de
acordo com as falas, remete a não estar no ambiente de trabalho, e ainda enfatizam
o tempo de descanso entre os plantões como necessário.
Molina e Calvo (2007), em pesquisa realizada com essa categoria
profissional, identificaram que 48% de sua amostra apresenta vulnerabilidade alta
para o surgimento do estresse. Acrescentou também que o ambiente contribui para
que o trabalhador sofra desgastes físicos e emocionais, assim como o estresse.
O estresse é compreendido como um risco psicossocial para saúde de
profissionais. Kristensen et al. (2005) afirmam que o conceito de estresse é
abrangente e o compreende, ancorado nos preceitos do COPSOQ, como
consequência das elevadas exigências no trabalho e do baixo apoio social. A OIT
classifica o estresse como um risco psicossocial para os trabalhadores, afirmando que
ele poder ser expresso individualmente ou coletivamente acrescentando que pode
gerar consequências sobre o adoecimento e sofrimento de profissionais, decréscimo
na qualidade do trabalho e a deterioração do ambiente social.
O AGP 2, em entrevista, afirmou, repetidamente, que o estresse faz parte
de seu cotidiano, causando desgaste e irritação: “eu faço tratamento com os
psicólogos da Sejus, por conta dessa questão de ficar estressado, eu pensava que
não iria absorver essas coisas do trabalho, quando eu vi que estava levando isso para
casa, procurei ajuda”.
Assim como o AGP 2, alguns agentes penitenciários são acompanhados
por um setor na Sejus denominado de Serviço de Atendimento Psicossocial do
100
Trabalhador – SAPT, que atua com enfoque na escuta e no acolhimento do sofrimento
do trabalhador advindo de questões do trabalho e pessoais.
O SAPT não é conhecido pela maioria dos agentes penitenciários que
participaram dessa pesquisa. Seis deles afirmam fazer acompanhamento psicológico
com profissionais do setor, e oito afirmam desconhecer o serviço.
De acordo com um dos profissionais que atuam na equipe do SAPT13, o
setor surgiu embasado nos pedidos de agentes penitenciários, decorrentes de
situações que aconteceram no cenário de trabalho desses profissionais. Entretanto, o
profissional afirmou que o setor é pouco conhecido pelos profissionais que atuam no
sistema penitenciário cearense e faz somente um ano que o SAPT foi oficializado em
diário oficial. O desconhecimento foi justificado pela pouca divulgação da existência
do setor aos profissionais que atuam no sistema penitenciário.
São em média 220 atendimentos mensais voltados para demandas de
atendimento clínico psicológico, orientações e encaminhamentos previdenciários, com
afastamentos, atestados e perícias. Consoante informação do setor, houve um
aumento considerável entre os agentes penitenciários que atuam no sistema
penitenciário cearense que se afastaram do trabalho por doenças ocupacionais.
Dentre os motivos mais recorrentes nos atendimentos estão o uso abusivo de
substâncias psicoativas, estresse elevado que provoca alterações comportamentais,
dificuldades no relacionamento com familiares após início do trabalho como AGP,
sensação de pressão constante no trabalho, pânico e sensação de perseguição,
assim como os efeitos negativos no seu cotidiano de vida relacionados à sua atuação.
Outro dado identificado pelo setor faz referência ao Instituto estar como uma das
instituições que apresenta maior demanda de profissionais estressados e em
sofrimento.
Entretanto, quando indagados, por meio do COPSOQ, sobre como
avaliavam sua saúde de um modo geral na Sessão sete (7), os AGPS afirmam, com
52,9%, ser boa, e outros, 23,5%, ser razoável. Dado este que diverge das falas dos
agentes em entrevista e de alguns elementos já discutidos.
13 O SAPT é constituído por uma equipe composta por: um psicólogo, um assistente social, que é coordenadora do setor, um psiquiatra, um assistente administrativo e um agente penitenciário que atua como articulador. De acordo com a equipe, o setor atua com poucos recursos materiais e em parceria com universidades públicas e outras instituições para promover atividades de promoção a saúde.
101
Em entrevista feita aos AGPS, estes afirmam que o modo como avaliam
sua saúde está relacionado à percepção desta depois que iniciaram a atuação no
Instituto. Os agentes percebem melhora em sua saúde mesmo com os fatores
psicossociais presentes no ambiente. As narrativas apresentam-se unânimes quando
afirmam que, comparado a outras unidades que constituem o sistema penitenciário, o
Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes é mais calmo, possui menor presença
de ameaças, passa a sensação para os AGPS de segurança, incidindo, assim, sobre
a percepção da melhora de sua saúde.
5.2 VIOLÊNCIAS E OS IMPACTOS NA SAÚDE DE AGENTES PENITENCIÁRIOS
Estamos diante de um navio negreiro. Como melhorar a estrutura desse navio negreiro se ele continua sendo navio negreiro? Achamos que vamos acabar com os manicômios judiciários os transformando em transatlântico, mas devo lembrá-los que ele continuará sendo navio negreiro (CAETANO, 2018).
A analogia ao navio negreiro, proferida de forma assertiva por Aroldo
Caetano14, no I Seminário de Prevenção e Combate à Tortura, realizado em Fortaleza
(2018), propõe compreender a violência predominante nos Hospitais de Custódia e
Instituições Psiquiátricas, e em outras unidades prisionais, associada à formação
histórica do Brasil no contexto de violência, a partir do período de escravidão, em que
naturalizavam a condição desumana, forçavam trabalhos, prendiam, vendiam,
compravam e transportavam pessoas em “navios negreiros”. Calcula-se que cerca de
18 milhões de pessoas foram compradas, entretanto, o período que passavam nos
navios, sendo transportados até a chegada em território brasileiro, acarretaram dez
milhões de mortes; apenas oito milhões sobreviveram à experiência nos navios
negreiros (CAETANO, 2018).
O “transatlântico”, trazido nas reflexões de Haroldo, remete às
intencionalidades de ajustes nas instituições manicomiais, nas pequenas
modificações nos nomes das instituições (mudando a denominação de manicômio
judiciário para Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico), nas práticas de
atuações de profissionais e no ambiente. Apesar disso, não geram mudanças nas
bases que sustentam esse espaço, continuando a ser um lugar segregador, punitivo
e repleto de práticas violentas que afeta a todos os sujeitos que o constitui.
14 Aroldo Caetano é promotor de justiça do Ministério Público do Estado de Goiás e foi um dos responsáveis pela extinção do manicômio judiciário existente em Goiás por meio da criação do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (PAILI).
102
Basaglia (1985) afirma que as “instituições da violência”, justificada e
legitimada, estão repletas de práticas de violência fundamentadas na exclusão e no
poder centralizado. Atrelados ao cenário manicomial, o Instituto está imerso no
contexto geral do sistema penitenciário cearense, visto que não há como desvinculá-
lo dos fatores que afetam esse contexto.
O Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes integra o sistema
penitenciário cearense, onde atuam profissionais que possuem vivências em várias
outras instituições do sistema e, portanto, trazem, em sua trajetória, elementos
compreendidos no cotidiano geral das unidades prisionais do sistema penitenciário.
As constantes comparações entre os espaços onde atuaram e o Instituto exemplificam
essa afirmação, assim como a presença de narrativas violentas sofridas e praticadas
por esses agentes em sua carreira profissional. Em todas as entrevistas, esteve
presente algum aspecto que se remeteu, diretamente ou de forma análoga, à
violência, seja em seus rebatimentos na sua vida intramuros ou em atividades e
vivências fora dos muros do Instituto.
Wieviorka (1997, 2006) compreende a violência como parte da vida
humana e das interações sociais, persistentes em todas as culturas, que se modificam
a partir do contexto histórico global de cada sociedade. Afirma ainda que a violência,
no mundo contemporâneo, tem caráter financeiro e econômico e está articulada a uma
rede de interesses. Para o autor, a violência tem relação com a reestruturação
produtiva e o declínio do movimento operário, pois, no mundo contemporâneo, faltam
espaços para que expressões de conflito sejam discutidas de forma passível pelos
atores. Com isso, o autor diz que a violência traduz a existência de problemas sociais
que não são mais debatidos em sociedade para buscar soluções. Minayo et al. (2017)
propõe a desnaturalização da visão romântica de um tempo em que, na sociedade,
não existia violência, trazendo, assim, a importância de compreender e registrar a
dinâmica desse fenômeno no cenário brasileiro.
Arendt (1994) contribui na discussão ao abordar a presença da violência no
campo de luta por dominação de pessoas, grupos e instituições, e a compreende a
partir da concepção de que todos os seres humanos a produzem em suas relações e
a integra em sua subjetividade, não estando apenas como um atributo do outro.
Compreende-se, a partir da perspectiva de Minayo et al. (2017), a violência
brasileira de forma estrutural e histórica, com fundamentos no contexto de extrema
desigualdade social.
103
“Exclusão de uma parte considerável da população aos direitos mais elementares, de uma formação urbana (onde se concentram mais de 80% das mortes violentas) não acompanhada de políticas sociais de proteção, de uma casta política patrimonialista e em boa parte corrupta e desatenta aos anseios da população, de uma sociedade machista e preconceituosa, terreno fértil para desvalorização da vida, banalização da morte e da impunidade. [...] Assim como a presença de racismo estrutural, falta de políticas públicas voltadas para inclusão social e elevadas taxas de desemprego.” (MINAYO et al., 2017, p.40)
Os autores acrescentam, a partir de um estudo feito pela WHO (2014), que
o Brasil, atualmente, encontra-se entre os países mais violentos do mundo, ocupando
a 11º colocação e o 16º lugar entre os países das Américas com crescentes aumentos
nas taxas de violência letal. Cerqueira et al (2016) apresentam, em sua pesquisa, a
existência de diferentes taxas de violência letal registradas nos estados brasileiros,
com maiores taxas de homicídios, entre 2004-2014, na região Nordeste, em que o
Ceará ocupa o terceiro como o estado que mais registrou homicídios nesse período,
afetando, principalmente, a população mais pobre, negra e residentes de bairros
periféricos. Outro dado identificado na pesquisa trata-se da migração da violência das
grandes metrópoles para as cidades menores, os interiores.
O homicídio, no imaginário social, é visto como a própria violência, ficando
cada vez mais presente práticas de agressão cometidas por grupos organizados,
causando, dessa forma, grandes impactos coletivos. Esses atos são reconhecidos
pela OMS (2002) como violências coletivas. Exemplos desses grupos que possuem
expressões macrossociais são as facções criminosas (DIAS, 2016) que estão
diretamente associadas ao sistema penitenciário brasileiro.
Esse cenário repercute diretamente no contexto de trabalho de agentes
penitenciários, tornando-se desafiador compreendê-lo a partir da relação violência-
saúde. É um desafio que está imerso na relação do visível e do invisível, que Guindani
(2015) alerta ser necessário um olhar de cautela sobre o indizível para não naturalizar
a barbárie e nem racionalizá-la sem contextualizar com a realidade social.
Minayo (2006) afirma que, nos últimos trinta anos no Brasil, as doenças
infectocontagiosas cederam lugar para as doenças degenerativas e para os agravos.
O impacto da violência sobre a saúde da população é uma das causas de
morbimortalidades que tem crescido nos últimos anos, denominada pela OMS como
causas externas. Atualmente, encontra-se entre as principais causas de morte da
população provocadas por agravos sociais, acidentes, agressões, lesões, dentre
outras expressões sociais da violência.
104
Gomez (2017), em sua pesquisa sobre a violência nas relações e nos
ambientes de trabalho, afirma que faz parte do contexto da dinâmica da violência
social brasileira profissionais sofrerem alguma de suas expressões. O agente
penitenciário que atua no Instituto está imerso em uma relação de “afetos”, em que
ele afeta e é afetado por constantes situações de violência em seu ambiente de
trabalho.
Não há como compreender este universo sem fazer relação ao contexto do
sistema penitenciário brasileiro, que tem se apresentado como tema central nos
debates cotidianos. Destacam-se, entre os noticiários de jornais, discussões acerca
do aumento de mortes em exercício do trabalho de profissionais que compõem esse
sistema. Com manchetes sem meios de comunicação e pesquisas realizadas em meio
prisional (LOURENÇO, 2010; MORAES, 215; FERREIRA, 2016) sobre profissionais e
internos que adoecem e morrem no emaranhado composto pelo fenômeno da
violência e da atuação profissional. A incidência desses fatos tem acontecido no
trabalho realizado, tanto internamente quanto externo, nas instituições que compõem
o sistema penitenciário.
É possível fazer uma síntese desses dados ao analisar os últimos vinte cinco
anos, em que se vivenciou a eclosão de inúmeras rebeliões em todo o país. Difícil não
lembrar de uma das mais históricas, a vivenciada no Carandiru (1992), em São Paulo;
a de Urso Branco (2002) em Rondônia; a de Pedreirinhas (2013) no Maranhão; a de
Cascavel (2014) no Paraná e; a de Curado (2015) em Pernambuco. No início do ano
de 2017, houveram episódios seguidos de rebeliões em vários estados brasileiros,
como no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, com 67 mortos. No dia seguinte, na
Unidade Prisional de Puraquequara (UPP) e, seis dias depois, na Cadeia Raimundo
Vidal Pessoa, localizadas no Estado de Manaus (ISTOÉ; FOLHA DE SÃO PAULO;
CORREIOS BRASILIENSE, 2017).
As rebeliões que iniciaram o mês de maio de 2016 ocorreram em várias
unidades penitenciárias da Região Metropolitana de Fortaleza – CE, acontecendo, de
forma simultânea, em diversas instituições prisionais. De acordo com pesquisas
realizadas por Nascimento (2017), as que sofreram maiores danos foram as unidades
da Região Metropolitana de Fortaleza: Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri
Moura Costa – IPF; Unidade Prisional Agente Luciano Lima de Andrade – UPALAL,
mais conhecida por “Carrapicho”; Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor
Clodoaldo Pinto – CPPL II; Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá
105
Neto – CPPL III e; Casa de Privação Provisória de Liberdade Provisória Agente Elias
Alves da Silva – CPPL IV.
As consequências dessas rebeliões ocasionaram a morte de 18 internos,
danos patrimoniais por meio da depredação do interior das unidades e cenas cruéis
de execuções de presos compartilhadas por meio de redes sociais de forma ampla. A
contenção da rebelião só foi possível após três dias de seu início (NASCIMENTO,
2017).
Esse episódio foi associado à greve de agentes penitenciários, iniciada por
meio do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Penitenciário do Ceará
(SINDASP-CE) no mesmo período15. Nascimento (2017) explica que a greve teve
relação com o início das rebeliões e motins, que antecedeu a rebelião ocorrida no
Complexo Penitenciário de Itaitinga e que provocou quebras de grades das celas,
proporcionando aos internos livre circulação nas galerias da unidade, fato que gerou
insegurança para os agentes penitenciários. Com isso, iniciaram-se reivindicações por
melhorias nas condições de trabalho, entre outras pautas, tais como: o aumento do
número de efetivos e aquisição de materiais de segurança. Depois de votado em
assembleia geral da categoria, provocada pelo SINDASP-CE, teve início a greve, com
duração de 18 horas seguidas, findada somente após acordo entre o sindicato e o
governo do estado. Entretanto, a decisão em manter as visitas de familiares por parte
da Sejus, mesmo com número reduzido de agentes penitenciários, convocando o
Batalhão de Choque da Polícia Militar e os AGPS, que estavam em cargos
comissionados e que não aderiram à greve, para atuar no dia das visitas, proporcionou
o ápice da rebelião no Complexo Penitenciário de Itaitinga, pois os agentes
penitenciários que estavam em greve não permitiram a entrada do batalhão e os
familiares foram impedidos de realizar a visita. (NASCIMENTO, 2017)
Conforme Nascimento relata em seu estudo, o cenário já se mostrava
propício à ocorrência de um estopim nas unidades prisionais, pois havia sido firmado
um acordo de paz entre as facções criminosas que atuam em disputas por territórios
de vendas de drogas. A partir desse acordo, houve o envio à Assembleia Legislativa
de Fortaleza de uma lei para ser votada que previa o bloqueio de sinal telefônico no
entorno dos presídios, ocorrendo represália pelo crime organizado, o que ocasionou
incêndios em ônibus e ataques a delegacias. Foram deixados nos ônibus bilhetes com
15 Foram noticiados em algumas reportagens matérias que indicavam ligação direta entre a greve dos agentes e a rebelião que ocorreu no Complexo Penitenciário de Itaitinga, em reportagens divulgadas no G1, UOL.
106
reivindicações acerca das condições de alimentação, de tratamento com presos e de
estrutura física das prisões, bem como ameaças aos AGPS caso não fossem
cumpridas tais exigências. O não cumprimento das exigências gerou insatisfação
dentro e fora dos presídios, sendo um dos fatores que colaborou para as rebeliões
nesse período.
No início do ano de 2017, houveram episódios seguidos de rebeliões em
vários estados brasileiros, como no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, com 67
mortos. Ocorreu também na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista –
RR, além de um motim na Penitenciária de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte assim
como no estado do Ceará. De acordo com o Jornal Folha de São Paulo (2017), foram
133 mortos nos quinze primeiros dias do mês de janeiro. Dentre os mortos e feridos,
estão internos e agentes penitenciários.
Somados a esses dados, existe um paralelo que pode ser traçado: na
mesma proporção em que tem aumentado o número de rebeliões no país, tem
crescido a população carcerária brasileira, com 607.731 pessoas presas. Atualmente,
há cerca de 300 presos para cada cem mil habitantes no país. O número de presos é,
consideravelmente, superior as quase 377 mil vagas do sistema penitenciário,
totalizando um deficit de 231.062 vagas e uma taxa de ocupação média dos
estabelecimentos de 161%. Comparado a outros países, o Brasil é o quarto país com
maior população prisional do mundo (LEVANTAMENTO NACIONAL DE
INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS, 2014).
O Relatório de Monitoramento de Presos nas Unidades Prisionais do Ceará
(2015) aponta que, em dezembro de 2014, a população carcerária estava com 21.320
presos. O cenário de superlotação é constantemente denunciado pelos profissionais
prisionais e pelos internos. Trata-se de celas lotadas, baixo números de profissionais
para desempenhar atividades com centenas de internos, grande ociosidade entre os
sujeitos. E, ainda que sejam ofertados cursos e atividades durante o cumprimento de
pena, estes ainda não suprem a necessidade crescente de internos. O
encarceramento em massa, discutido por diversos pesquisadores (CHIES, 2001;
MORAES, 2010, FERREIRA, 2016), é também percebido no Ceará.
Em inúmeros noticiários de jornais, as manchetes sinalizam uma “crise no
sistema prisional”. Sabe-se, no entanto, que não existe um motivo isolado que
justifique essa série de acontecimentos, mas, sim, um conjunto de motivações que
envolvem o aumento do índice de violência no país, o baixo investimento em políticas
107
públicas; forte segregação e injustiças sociais; criminalização da população pobre;
condições precárias dos presídios; negligência do Estado perante as condições do
sistema penitenciário.
É nesse cenário que agentes penitenciários desempenham suas
atividades, repleto de interesses nebulosos. Presenciam os efeitos desse cenário
nacional pessoas privadas de liberdade, profissionais que atuam nesses espaços e a
sociedade civil, pelos efeitos intramuros e extramuros que essa realidade
desencadeia.
Rapaz, para ser sincero, é isso mesmo, tá na chuva tem que se molhar, quando realmente estava naqueles dias de matança total, mas na época que ficou corriqueiro as rebeliões e chacinas, eu colocava minha funcional no final da carteira, ficava muito receoso, até por que quando chega são 4 a 5 caras armados, eu vou fazer o que com apenas uma arma e sozinho? Quando os caras chegam é um pelo lado, outro pelo outro, um pelas costas, aí não tem condição e eu não sou de ferro. (AGP 3, em: 22 de fevereiro de 2018) Eu sofri muitas ameaças nas outras unidades, eu sou conhecido no sistema penal por agente Pernambuco, eu sou de lá, trabalhei lá temporariamente e depois fiz o concurso aqui, entrei no IPPO 2 e fiquei conhecido como agente Pernambuco, a agencia de disciplina me avisou que minha cabeça estava valendo 100.000 reais no IPPO2, estou marcado, isso por que eu fazia vistoria eu tirava celular, tirava a droga, aprendia mulher de preso com droga, isso tudo aí foi fazendo eles me odiar. Isso foi um dos motivos de eu sair de lá, mas não foi só por isso, problemas pessoais também. Os presos por mais que sejam muitos, eles conhecem a gente, sabe quem nós somos, eles sabem o dia que eu estou, ele sabe a hora que saio. (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018)
O AGP 3 faz referência, no contexto acima, sobre as rebeliões ocorridas
em 2016. Segundo o AGP 4, nos dias em que ocorria a rebelião, a circulação nas ruas
da cidade de Fortaleza era arriscada, visto que os constantes noticiários anunciavam
ônibus incendiados por grupos de pessoas, assaltos e ameaças sobre a piora desse
cenário. O receio em sair e ser identificado como agente penitenciário, mencionado
na fala do AGP 3, decorre das ameaças feitas por meio dos bilhetes deixados nos
ônibus incendiados. A existência de ameaças e a necessidade de não ser reconhecido
como agente penitenciário é uma realidade constante na vida desses profissionais.
Moraes (2015) confirma essa informação em sua pesquisa.
O AGP 9 fala sobre a realidade de muitos AGPS que trabalham em grandes
unidades penitenciárias. Ficar “marcado” é uma expressão recorrente nas falas dos
AGPS. O AGP 17 e 12 afirmam conhecer muitos colegas que atuam nas CPPL I e II
e que estão “marcados” para morrer: “eles tiram uma foto do rosto da gente e mandam
para o grupo de whatsapp da facção, é suficiente para que todos os presos saibam
quem somos e planeje a nossa morte” (AGP 5, em: 22 de fevereiro de 2018).
108
Em suas narrativas, os AGPS afirmam que muitos internos de outras
unidades prisionais têm informações sobre o cotidiano dos agentes. Além do AGP 9,
outros dois AGPS afirmam que “suas cabeças estão rolando dentro do sistema”,
expressão utilizada pelos agentes para identificar que estão sob ameaça de morte.
O cotidiano de trabalhadores do sistema penitenciário revela-se repleto de
violência e medo, conforme os estudos realizados por pesquisadores da área
(ADORNO, 2007; SALLA, 2007; LOPES, 2002; VASCONCELOS, 2000; FERNANDES
et al., 2002; VASCONCELOS, 2000).
Ferreira (2016) afirma que a violência no ambiente de trabalho contribui
para o desenvolvimento de problemas de saúde entre agentes penitenciários. O
cotidiano de trabalho desses profissionais, marcado por ameaças e estresse, pode
trazer consequências graves para a sua integridade física e psicológica, tais como
ansiedade e estresse.
O AGP 8 fala que os internos do Instituto não ameaçam os AGPS. Dia ainda
que há riscos “quando aparece na instituição algum “se faz de doido”16, que faz parte
de algum grupo criminoso e tenta envolver outros internos”, mas, segundo ele, “logo
são identificados e transferidos para suas unidades de origem”. Os AGPS afirmam
que nas outras unidades em que atuavam foram vítimas de agressões e ameaças
pelos internos.
Os interlocutores dessa pesquisa expõem, em suas narrativas, as
agressões físicas decorrentes do contato com o interno do Instituto, porém afirmam
não ser algo constante. Abordam também que esse comportamento mais agressivo
do interno, sempre que ocorreu, esteve associado a um momento de surto do interno.
Alves e Binder (2014), em pesquisa realizada com funcionários de duas
penitenciárias em São Paulo, trazem uma realidade presente no contexto geral dos
trabalhos de agentes penitenciários: funcionários vítimas de violência por parte dos
internos. Algumas agressões descritas revelam o terror a que foram submetidos os
trabalhadores penitenciários em situações de rebelião e tentativas de fuga.
Minayo (2006) alerta que a violência de cunho coletivo, expressa na
realidade brasileira, constitui-se, primordialmente, de negócios ilegais e tem bases
econômicas; possui, frequentemente, origem globalizada e se beneficia das
16 Expressão utilizada pelos agentes penitenciários para identificar os internos que não são do Instituto, mas que foram encaminhados por ordem judicial para serem avaliados.
109
facilidades geradas por meio das mudanças no modo de produção e riqueza dos
aparatos técnico-informacionais e comunicacionais.
O que a autora aborda é o que se presencia na realidade dos grupos e
organizações criminosas que atuam, de acordo com Dias (2017), de forma ampla no
sistema penitenciário brasileiro. Essa atuação é gerida por chefias dentro e fora dos
presídios por meio de celulares e meios que facilitem a comunicação. E estas chefias
estão imersas e são sustentados pelo comércio ilegal de substâncias psicoativas,
proporcionando relações de controle e poder dentro e fora do sistema penitenciário. A
violência coletiva está imerge no cotidiano de vida dos agentes penitenciários, com
capilaridades dentro e fora de seu ambiente de trabalho.
A Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador – PNST (2004,
p. 32) aborda a violência como objeto de preocupação de saúde.
Entre os problemas de saúde relacionados ao trabalho deve ser ressaltado o aumento das agressões e episódios de violência contra o trabalhador no seu local de trabalho, traduzida pelos acidentes e doenças do trabalho; violência decorrente de relações de trabalho deterioradas, como no trabalho escravo e envolvendo crianças; a violência ligada às relações de gênero e ao assédio moral, caracterizada pelas agressões entre pares, chefias e subordinados.
As constantes divergências entre os agentes penitenciários e suas chefias,
o ambiente insalubre, a ausência de capacitação profissional para atuação com os
internos, a diversidade de pensamento e a prática sobre a atuação profissional, o
aumento da quantidade de agentes em sofrimento e adoecidos, o pouco
conhecimento sobre serviços voltados à saúde do trabalhador ofertados pela Sejus e
o uso de formas agressivas em suas práticas para manter ordem e disciplinamento
foram alguns dos elementos identificados no Instituto e que podem contribuir,
sobremaneira, para tornar, tanto os agentes quanto os internos, mais vulneráveis às
práticas violentas.
110
Gráfico 07 - Distribuição das questões da Sessão 9 – Conflito e outros comportamentos ofensivos (N=17)
Fonte: Elaborado pela autora.
A sessão nove (9) apresenta os dados sobre os conflitos e outros
comportamentos ofensivos sofridos por agentes penitenciários do Instituto. Pode-se
perceber que existe predominância, entre as respostas, em 97% (Questão 83) dos
profissionais que não foram expostos a paqueras indesejáveis; 52,9% (Questão 85)
afirmaram não sofrer ameaças em seu local de trabalho e; 76,5% (Questão 87) não
foram expostos ao assédio moral nos últimos 12 meses de trabalho.
Em entrevista, as narrativas dos agentes penitenciários mostram que, no
Instituto, existem menos ameaças por parte dos internos, porém, o AGP 7 revela que
“o fato de ser agente penitenciário já é um risco, somos ameaçados e mortos
independente de onde atuamos, soube esses dias que existe um batismo para entrar
nas facções e esse batismo é a morte de um AGP”.
O baixo quantitativo relacionado a ameaças de violência no local de
trabalho de agentes penitenciários é divergente das pesquisas atuais realizadas com
a categoria, como exposto. No entanto, o fato de ser agente, no cenário atual, os
coloca novamente dentro das análises realizadas e registradas na literatura, melhor
dizendo, de constante medo, vigilância, ameaças e violência.
Outro elemento identificado é a associação de situações violentas e de
medo no relacionamento com os internos. A relação entre os agentes e os internos é,
5,9
35,5
23,5
97
52,9
76,5
0
20
40
60
80
100
120
Q83 Você foi exposto apaqueras (flertes)
indesejáveis?
Q85 Você foi exposto aameaças de violência no
seu localde trabalho?
Q87 Você foi exposto aassédio moral no trabalho
nosúltimos 12 meses?
Sessão 9
Sim, poucas vezes Não
111
geralmente, uma relação temida, repleta de violência psicológica, construída por
afastamentos e aproximações que geram modificações no agente e no interno.
No Instituto, existe maior aproximação entre os internos e os agentes, como
já foi discutido no capítulo anterior, entretanto, o estranhamento e o receio predominou
entre as falas logo nos primeiros dias de trabalho dos agentes vivenciando essa
realidade, pois o que predomina, nas unidades penitenciárias e demais locais onde
esses profissionais atuam, é o afastamento como meio de segurança e forma de não
envolvimento.
O contato entre agentes e internos, a vivência e o convívio com constantes
possibilidades de “trocas” e “favores”, o baixo salário e outros elementos presentes no
ambiente prisional, de acordo com os AGPS do Instituto, facilitam atos ilegais
cometidos pelos AGPS: “infelizmente têm agentes que compactuam com o lado do
mal e a gente sabe por que as informações surgem, agora a pouco pegamos um
companheiro fazendo tráfico de celular e levamos para a delegacia” (AGP 9, em: 22
de fevereiro de 2018).
O AGP 2 afirma que existem muitos agentes que praticam atos ilegais, mas
alerta depender de cada profissional, de suas escolhas, e afirma que todos os
profissionais que atuam no sistema e fora dele estão propensos a cometer esses atos:
“associam com a gente por que nós temos muita aproximação com os presos, mas,
toda área tem, médicos, enfermeiros; infelizmente é do ser humano.”
Existe, no imaginário social, a construção da imagem do agente como
profissional pronto a se corromper, por estar este atrelado ao funcionamento das
instituições que formam o sistema penitenciário. Quando a instituição é um manicômio
judiciário, como no Instituto pesquisado, existe a predominante figura da atuação com
o louco infrator, duas figuras repelidas e excluídas, historicamente, na sociedade,
assim como todos que estão associados a elas. Machado (2017), em entrevista para
uma revista, apresenta os manicômios judiciários como cenário de dupla violência
institucional, o cárcere e o manicômio.
As instituições totais reproduzem nos sujeitos suas características. O
manicômio é um espaço social degradante que produz estigmas (Goffman, 1980). Os
agentes penitenciários, em uma relação constante de “afetos”, são estigmatizados, e
a vivência nessa instituição possibilita a criação de uma subcultura, discutida por
Goffman (1996). Essa subcultura pode ser pensada a partir da relação do convívio
com os internos, que perpassa por adaptações, formação de diálogos e meios de
112
sobrevivência na vida intramuros, com os códigos de convívio para garantir a
harmonia ou o caos no ambiente prisional.
Falas como “eu não quero que o sistema entre em mim”, “eu mudei muito
meu linguajar depois que entrei aqui”, “adotamos algumas palavras para nos
comunicar” são identificadas entre as narrativas dos agentes. Entretanto, os códigos
e adaptações demonstram estarem presentes apenas nos diálogos entre os agentes
penitenciários.
Mudar o linguajar também, você acaba absorvendo isso. Cada profissão tem sua forma de se pronunciar e nos temos algumas palavras muito da gente, espescoçado (é aquele que esta devendo e o pessoal quer pegar, que o pessoal esta indo atrás), cruzeta (uma covardia, fez cruzetagem: fez covardia), e têm muitos, eu tento não absorver essas linguagens, quanto menos eu tiver na minha vida do sistema é melhor (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018).
Ao mesmo tempo em que existe uma relação de aproximação entre os
internos e os agentes penitenciários, há também, nesse convívio, a presença de
violências interpessoais (OMS, 2002) expressa na dominação e no poder, que gera
atuações autoritárias e disciplinantes, exemplificadas na figura das salas de disciplina,
existentes na instituição, e nas constantes narrativas que visam “manter uma ordem”
dos agentes sobre sua atuação.
O autoritarismo presente nas formas de atuação de profissionais que atuam
no sistema penitenciário é problematizado por Salla (1997), assim como a
militarização de suas práticas. Solazzi (2007) aborda, em seus estudos, a
característica autoritária da sociedade brasileira, apresentando, em sua análise, o
caráter classista das forças de repressão e de controle social no Brasil.
As agressões das organizações e as relações de trabalho fazem parte das
principais formas de violência na atividade laboral, como problematiza Gomez (2017).
O assédio moral é uma forma de violência e esteve presente nos questionamentos
realizados com os agentes. Dos agentes penitenciários que responderam ao
questionamento, 76,5% (Questão 87, Gráfico 7) afirmam não ter sofrido, nos últimos
12 meses em seu ambiente de trabalho, assédio moral. O assédio moral é conceituado
no COPSOQ como sendo uma situação em que o profissional é, repetidamente,
exposto a um tratamento desagradável e degradante, sentindo dificuldade de se
defender.
Gomez (2017), em pesquisa bibliográfica realizada sobre a temática, por
meio de publicações dos 12 últimos anos, afirma que são poucas as pesquisas que
113
retratam o assédio moral, identificando apenas uma pesquisa nacional realizada com
o setor bancário. Diante de tal fato, como saber que esse tipo de violência ocorre, uma
vez que é pouco discutido no cotidiano dos profissionais e na sociedade de forma
geral. Em suas pesquisas, o autor identificou alto índice de assédio moral entre
profissionais da saúde e do sexo feminino.
Gráfico 08 - Distribuição das questões da Sessão 8 – Trabalho e vida pessoal (N=17)
Fonte: Elaborado pela autora.
Na Sessão oito (8), é abordada a relação entre o trabalho e a vida pessoal
dos agentes penitenciários. Prevalecem, entre os dados, que 47,1% (Questão 66) de
profissionais não identificam conflitos entre sua vida pessoal e o trabalho; 41,2%
(Questão 68) identificam não sentir demanda de energia grande no trabalho que afete
a vida pessoal; 47,1% não sente que seu trabalho toma seu tempo e; 52,9% (Questão
69) afirmam não haver, entre seus familiares e amigos, a percepção de que trabalham
muito.
5,9
11,8
5,9 5,9
17,6
11,8 11,8 11,8
47,1
41,2
47,1
52,9
0
10
20
30
40
50
60
Q66 Vocêfrequentemente senteum conflito entre seu
trabalho evida pessoal, de tal
forma a desejar estarem dois lugares ao
mesmo tempo?
Q67 Você sente que seutrabalho demandatanta energia que
ele acaba tendo umefeito negativo na sua
vida pessoal?
Q68 Você sente que seutrabalho toma tanto de
seu tempo queele acaba tendo um
efeito negativo na suavida pessoal?
Q69 A sua família eamigos dizem que você
trabalha muito?
Sessão 8
Sim, com certeza Sim, algumas vezes Não, nunca
114
Quando indagados, em entrevista, se necessitaram fazer mudanças em
seu cotidiano depois que iniciaram sua atuação como agentes penitenciários, apenas
três dos dezessete entrevistados trouxeram, em suas narrativas, que não fizeram
modificação em suas vidas quando começaram a trabalhar como AGP. Os demais
afirmam que precisam selecionar e analisar quais espaços públicos podem frequentar,
privando-se de momentos de lazer, e afirmam constante olhar vigilante sobre onde
irão passar.
O AGP 7 afirma que “a vida depois que se torna agente penitenciário fica
mais reservada, precisamos ficar mais em casa e sempre dar receio de andar em
público, ando armado”. O AGP 8 declara precisar se preocupar mais com sua
segurança e, por isso, adotou condutas para prevenir ações criminosas contra ele.
Eu passei a me preocupar com a minha segurança, com a da minha família, comecei a usar normas para me precaver contra os crimes, tipo: eu chego no restaurante eu já sento lá no fundo com a visão de todo o restaurante, eu não ando de ônibus, no meu carro eu geralmente ando do lado esquerdo e quando paro, eu já paro no meio fio para motoqueiro não passar por alí , ando sempre com o carro travado, vidros fechados, fumê e sempre armado (AGP 8, 03 de março de 2018).
O AGP 9 afirma que necessita privar-se de momentos de lazer, ou tê-los
em constante sentimento de tensão sobre o que pode vir a acontecer quando está
com pessoas que não conhecem e que podem reconhecê-lo por sua atuação.
Até na praia eu não fico sem camisa e nem desarmado, eu acho muito ruim por que esta todo mundo de sunga na praia e eu estou lá de bermuda e armado, não fico a vontade, se eu paro no sinal eu fico com uma coisa tensa, já peguei esofagite e gastrite nervosa e isso me incomodou muito, o medo. Já reagi a assalto, então tudo isso aí vai minando teu psicológico, é bem difícil, mas, a vida é assim. (AGP 9, em: 22 de fevereiro de 2018)
As modificações que os agentes penitenciários fizeram em sua vida, desde
aos locais que frequentam, as pessoas com quem se relacionam e o fato de preferirem
estar em suas casas ou em ambiente onde conhecem as pessoas, está diretamente
associado, de acordo com as falas dos agentes, ao sentimento de insegurança e medo
presentes em seu cotidiano de trabalho e vida.
Ainda ancorado na perspectiva dos estudos realizados por Minayo (2006),
compreende-se que a violência afeta diretamente a saúde e provoca mortes, lesões,
traumas físicos, agravos mentais, emocionais, diminuindo, desse modo, a qualidade
de vida das pessoas. Os agentes penitenciários do Instituto pesquisado relatam
constante “afetação” em seu cotidiano sobre os tentáculos da violência coletiva e
psicológica presente no fato de ter a profissão e ser agente penitenciário.
115
A relação visibilidade versus invisibilidade de agentes penitenciários
também foi abordada na entrevista buscando relacionar, a partir das narrativas, os
fatores que causam essa relação com o seu cotidiano. Como bem reflete Pelbart
(1993, p.135), “o invisível é também sempre um pouco indizível”. Provavelmente, essa
seria uma visão quase que certeira quando o assunto diz respeito ao trabalho de
agentes penitenciários que convivem com pessoas consideradas, por muitos, como
“escória da sociedade”, que dispara, por meio do contexto em que o sistema
penitenciário encontra-se, o sentimento de medo e afastamento. É um terreno
arenoso, pois faz saltar aos olhos a linha punitiva que atravessa o tecido social que
inclui o Estado.
“Não somos vistos, às vezes é como se a gente estivesse morto para
sociedade e ao mesmo tempo vivo para cumprir o plantão” (AGP 13, em: 13
de julho de 2017). O AGP 13 e outros agentes penitenciários manifestam, em
suas falas, o sentimento de invisibilidade de seu trabalho e, principalmente, a
invisibilidade da relevância de sua atuação para a sociedade civil.
Na Sessão dois (2), foi identificada a prevalência entre os AGPS que
analisam seu trabalho como relevante para a sociedade. Entretanto, o AGP 13 aborda
que a sociedade parece não perceber desta forma. Alguns AGPS afirmam que
preferem o campo do invisível, do anonimato, para não serem identificados como
agentes penitenciários, pois essa identificação pode gerar insegurança e
afastamentos.
Os AGPS 6, 8, 11, 2, 4 abordam, em suas narrativas, a necessidade de
“negar ou esconder sua profissão”: “nós temos que nos negar nossa profissão, não
podemos dizer qual a nossa profissão para as pessoas” (AGP 11, em: 8 de fevereiro
de 2018). Afirmam residir em locais onde a vizinhança não os conhece, onde poucos
amigos sabem que são agentes penitenciários. E, quando perguntam sobre profissão
deles, muitos respondem trabalhar na Sejus ou como segurança.
Eu não saio fardado de casa, meus vizinhos não sabem que sou agente, eu prefiro que eles não saibam. Cada agente age de uma forma, mas eu particularmente prefiro que não saibam. Com relação a dizer ou não com o que trabalho eu não gosto de dizer, quando perguntam eu digo que trabalho na secretaria de justiça ou que trabalho como segurança, mas raramente digo que sou agente (AGP 2, em: 8 de fevereiro de 2018). Eu nunca fui de tá nesse negócio de bar e esquina, com essa profissão a pessoa tem que redobrar a atenção, por que querendo ou não a pessoa é um alvo, mesmo que não faça mal a ninguém, mas quando você não pode atingir um AGP específico, você atinge a categoria, que é o alvo mais fácil e
116
vulnerável, por isso a pessoa não pode está se expondo (AGP 17, em: 26 de fevereiro de 2018).
Quando questionados sobre as motivações que os levam a não se
identificar como agente penitenciário para as pessoas, alguns responderam afirmando
ser menos estigmatizados: “antes eu falava e as pessoas associavam logo que eu era
corrupto, violento”. Outros disseram que: “com essa onda de violência que está ai
quanto menos a gente se identificar melhor”.
As redes sociais e demais meios de comunicação em massa atualmente
contribuem para noticiar acontecimentos, compartilhar informações, estando também
presentes nessas divulgações aspectos que produzem ou contribuem para formação
de pensamento sobre os assuntos noticiados. Recentemente, no mês de abril de
2018, a rede de televisão e comunicação Globo produziu a minissérie “Carcereiros”,
divulgada em 12 episódios no horário noturno. A minissérie foi baseada no livro de
autoria de Dráuzio Varella, com o nome “Carcereiros”, e traz depoimentos e cenas
ficcionalizadas por meio de vivências de agentes penitenciários.
A minissérie traz imagens de rebeliões, mortes, motins, penitenciárias com
ambiente insalubre e relatos sobre o cotidiano da vida de agentes penitenciários
baseados em profissionais que atuaram como agentes e que hoje estão aposentados,
mas que participaram da construção dessa minissérie. Não cabe a análise da
minissérie e quais realidades do ambiente prisional ela se propôs abordar, o fato é
que, em todos os episódios, estiveram cenas que traziam imagens violentas, seja no
cenário do cárcere ou na vida de agentes penitenciários.
Essa visão que se tem sobre o ambiente prisional, não somente por meio
da mídia, mas nas falas da população e dos profissionais que atuam em ambiente
prisional, faz refletir sobre esse espaço que surgiu com constante presença de
segregação, exclusão e agressões, e que atualmente permanece reproduzindo e
produzindo atos violentos dentro dos muros dos presídios e dos manicômios
judiciários. Assim também a literatura (MORAIS, 2015; NASCIMENTO, 2016; DINIZ,
2011), quando aborda o assunto, reforça e confirma essa realidade.
Esse panorama descrito sobre a realidade ocupacional de agentes
penitenciários, permeado por agressões, ameaças, invisibilidade, medo e ambiente
historicamente violento, foi problematizado por meio de aspectos sociais que estão
envoltos à saúde desses profissionais. Conforme Minayo (2006) discute em seus
estudos, o reconhecimento da violência como problemática a ser discutida na área da
117
saúde no Brasil vem se fazendo de forma lenta, fragmentada, intermitente, mas
progressiva. O campo da saúde do trabalhador, apesar de ter avançado em alguns
aspectos dessa discussão, ainda é muito incipiente, principalmente quando se refere
à saúde de agentes penitenciários.
118
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dessa dissertação, foram analisadas e discutidas questões que
permeiam a atuação e a saúde de agentes penitenciários, ancoradas estas nos fatores
psicossociais presentes nessa atuação, mas que proporcionaram a esta escrita maior
proximidade com a realidade de trabalho desses profissionais.
Com a pesquisa, podem-se identificar muitos fatores de riscos e condições
psicossociais que incidem sobre a saúde dos profissionais que atuam no Instituto
Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Em síntese, a análise realizada por meio da
abordagem qualitativa e quantitativa revelou a existência de alta prevalência de
demanda e envolvimento emocional entre os profissionais na sua atuação, a não
recomendação de seu trabalho para amigos; os sentimentos de insatisfação em falar
de sua atuação; a inconstância em perceber sentido em seu trabalho; a insatisfação
com as condições físicas do local de trabalho, além dos conflitos e baixo apoio na
relação entre profissionais e as chefias da instituição; a dificuldade para dormir; o
desgaste emocional; estresse e; problemas constantes para relaxar.
A violência coletiva ocasionada por grupos organizados, comumente
conhecidos como “facções”, esteve presente entre as narrativas desse estudo as
agressões e ameaças que fazem parte do cotidiano de vida extramuros e da trajetória
profissional dos agentes penitenciários que atuam no Instituto.
Entretanto, a violência presente no cotidiano de trabalho dos agentes no
Instituto refere-se mais a psicológica e simbólica, em detrimento da física, foram
identificados poucos relatos de agressões físicas proferidas pelos internos contra os
agentes penitenciários na instituição.
Pode-se perceber que existe cooperação e bom relacionamento entre os
agentes penitenciários. Os profissionais consideram o seu trabalho e o Instituto como
importantes, estão satisfeitos com seu trabalho e com as perspectivas futuras
relacionadas à estabilidade de emprego.
A forma como a metodologia foi conduzida ao longo desse percurso de
pesquisa proporcionou conhecimento da realidade desses profissionais a partir de
diferentes perspectivas que, possivelmente, um único instrumento de coleta de dados
não teria a possibilidade de aproximação com a temática de forma a contemplar
diferentes contextos que abrangem esse cenário.
119
O trabalho de agentes penitenciários que atuam no Instituto revela-se estar
imerso no cenário contemporâneo das relações trabalhistas atuais, repleto de
profissionais que não recebem capacitações ou treinamentos para exercerem suas
funções de forma a contemplar as necessidades dessa atuação, ocasionando, assim,
formas distintas de atuação e percepção sobre o que é seu trabalho; a presença de
pessoas que estão exercendo o cargo de agente penitenciário sem ter recebido
formação ou ter sido contratada para essa função, o que os agentes penitenciários
denominam de “os desvios de função”; ambiente e condições de trabalho
precarizados, com ausência de meios e materiais que proporcionem a atuação efetiva
dessa categoria; relacionamento entre os profissionais e a chefia fragilizado, gerando
insatisfação e; remuneração baixa, ocasionando sobrecarga de trabalho, com
plantões extras ou em outros empregos, para suprir a necessidade financeira dos
profissionais.
A proximidade na relação entre os profissionais e os internos do instituto,
assim como a pouca incidência de agressões e ameaças proferidas pelos internos
para com os agentes, revelam algumas singularidades presentes nesse estudo que
divergem dos achados na literatura sobre a profissão.
A visão de alguns profissionais sobre o interno do Instituto é divergente do
interno de outras instituições. O interno não é visto como preso, mas como doente,
assim como o Instituto não é visto como presídio, mas como hospital. Todavia, o
interno do instituto permanece custodiado e sob constante disciplinamento e
vigilância, não sendo “cuidado” pelos agentes como uma pessoa que necessita de
tratamento em saúde mental.
As condutas, que estão centradas no disciplinamento, na procura de
manter uma determinada ordem e no exercício de poder sobre os corpos aprisionados,
assemelham-se à realidade retratada nas pesquisas com agentes penitenciários que
atuam em penitenciárias e unidades que compõem o sistema penitenciário brasileiro.
Foi possível perceber, desde os primeiros capítulos, que a constituição
histórica da profissão perpassou por inúmeros estigmas e recortes de classes que
refletiram sobre a constituição dos espaços punitivos e de cumprimento de pena. As
transformações sofridas nesses espaços incidiram sobre a atuação desses
profissionais, com garantia de seleção para o cargo, legislação estadual que
regulamenta a profissão, organização sindical, dentre outros avanços. Entretanto, o
120
estigma presente na atuação do carcereiro e a prática disciplinadora ainda se
encontram videntes, de forma ampla, na categoria.
O contexto manicomial em que o Instituto está inscrito também foi discutido
nesse estudo, a partir de diálogos com a literatura atual que debate a saúde mental
no cenário brasileiro, identificou-se no Instituto uma instituição que objetiva custodiar
e realizar tratamento em saúde mental com traços fortes de estrutura prisional: com
salas de disciplina, castigo, separações em grades, estrutura arquitetônica típica de
panópticos; além de problemas elétricos, de abastecimento de água, estrutura física
precária e tratamento baseado no modelo biomédico. Esse cenário apresenta-se na
contramão e como forma de desarticulação do movimento de reforma psiquiátrica e
antimanicomial, que compreende ser necessário o cuidado, tratamento e vivência em
comunidade, além de violar direitos humanos dessas pessoas.
A percepção dos agentes penitenciários sobre o Instituto é de um espaço
de tratamento, cuidado e que deve permanecer existindo, pois representa um
ambiente positivo e calmo para esses profissionais e para os internos. Inicialmente,
esperava-se que o Instituto, por ser um espaço manicomial, representasse maiores
possibilidade de adoecimento aos profissionais, entretanto, percebe-se um conjunto
de fatores abordados na discussão ligados ao sistema penitenciário, não somente ao
Instituto, que contribui para a fragilização da saúde desses profissionais, agindo como
riscos psicossociais.
Compreende-se que as instituições prisionais permanecem existindo em
sociedade, por forte direcionamento e manutenção macrossocial em que o Estado
colabora diretamente, para existência dessas estruturas em conjunto com a sociedade
civil que, historicamente, prendeu e excluiu de seu convívio pessoas que cometessem
atos ditos errados e fora do contexto de normalidade moral. Essa lógica de exclusão
é regida dentro do modelo econômico vigente que descarta a classe não produtora de
capital.
Durante a pesquisa, notou-se a necessidade de conhecer, com maior
proximidade, a relação entre os internos e os agentes penitenciários dessa pesquisa
pelos elementos que surgiram referentes a essa relação, como a proximidade, com o
processo que teve início na instituição, a desinstitucionalização dos internos, e a
possibilidade da extinção da instituição. No entanto, o objetivo e tempo que o mestrado
proporciona para a pesquisa não seriam suficientes para compreender todos os
elementos que surgiram durante o estudo.
121
Percebe-se, ainda, a necessidade de continuação dessa pesquisa, de
modo a ampliar esse estudo para as demais instituições que constituem o sistema
penitenciário cearense e pelas constantes associações entre as falas dos
interlocutores desse estudo sobre as condições de trabalho e a saúde de outras
unidades prisionais, trazendo a necessidade de uma investigação ampla e ainda não
realizada no cenário cearense.
Por fim, esse estudo revelou que a atuação em instituição total, seja ela
manicomial ou com características duais entre prisão, hospital e manicômio, é repleta
de riscos que agravam e afetam a saúde de profissionais que atuam nesses espaços,
com forte estigma, estereótipos e precarização do trabalho.
122
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130
APÊNDICES
131
APÊNDICE A - Roteiro de entrevistas semiestruturadas
Entrevistado (como deseja ser chamado):
Tempo de atuação como agente penitenciário:
Data da entrevista:
Perguntas:
1- Você poderia descrever quais as atividades desempenha no Instituto Psiquiátrico
Governador Stênio Gomes?
2- Você poderia falar sobre como é ser um Agente Penitenciário trabalhando em um
Instituto Psiquiátrico, também conhecido como único Manicômio Judiciário do estado
do Ceará?
3- Você acha o trabalho de agentes penitenciários diferente de outras profissões? Por
quê?
4- Você percebe diferença entre o trabalho de agentes penitenciários que atuam em
outras unidades prisionais e os que atuam no Instituto? Por quê?
5- Se fosse dada a oportunidade de trabalhar em outra unidade prisional, você iria?
6- Como é a relação de vocês, enquanto profissionais, com os internos do Instituto?
Existe uma diferença de convívio e tratamento dos internos do Stênio Gomes para os
internos de outras unidades penitenciárias?
7- A partir do momento que você começou trabalhar como agente penitenciário você
percebe modificação no seu cotidiano de vida? Se sim, de que forma?
8- Você considera que seu trabalho prazeroso? Por quê?
9- Como percebe sua saúde depois que começou a trabalhar no Instituto?
10- Você percebe que existem agentes penitenciários que adoecem pelo exercício de
seu trabalho?
11- Você conhece programas voltados à saúde do trabalhador dos agentes
penitenciários na SEJUS?
12- O cenário da Segurança Pública no Brasil atualmente tem sido noticiado e
colocado em discussão nos meios de comunicação e na mídia, como você acha que
todos os acontecimentos (rebeliões, chacinas, disputas de “facções criminosas”)
podem afetar seu cotidiano de trabalho?
132
APÊNDICE B - Termo de consentimento livre e esclarecido
Estamos desenvolvendo uma pesquisa intitulada como: Trabalho e saúde de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Este estudo tem como objetivos, compreender a realidade de saúde de agentes penitenciários que atuam em instituição que possui dupla característica, ser prisional e manicomial. Almeja-se com a pesquisa, identificar os fatores psicossociais presentes no ambiente de trabalho e a partir das percepções dos agentes penitenciários, conhecer sua atuação nesse cenário.
Gostaríamos de contar com a sua participação no processo de elaboração do que será pesquisado através de uma entrevista que será gravada, caso você autorize. Esclarecemos que sua participação é voluntária e a qualquer momento poderá deixar de participar da pesquisa sem qualquer prejuízo. Salientamos que a sua identidade não será revelada. Comprometemo-nos a utilizar os dados coletados somente para a pesquisa e os resultados poderão ser veiculados através de artigos científicos em revistas especializadas e/ou encontros científicos e congressos sem tornar possível sua identificação. Os dados retornarão para o local da pesquisa e poderão contribuir para a melhoria dos serviços prestados aos usuários e profissionais.
Salientamos que a realização desta pesquisa pode gerar alguns riscos para os profissionais participantes deste processo, no que se refere ao sentimento de sofrimento ao lembrar de momentos que passaram, lembrando-se também de alguma situação constrangedora que possa ter marcado suas práticas de trabalho durante sua atuação profissional. Podendo ficar constrangido com alguma pergunta realizada nas entrevistas ou fatos que possam estão contidos no seu universo cultural e que para o sujeito seja uma situação de incômodo.
Se necessário, o (a) Sr. (a) poderá entrar em contato com a pesquisadora responsável Sergiana de Sousa Bezerra, e-mail: [email protected], e com a orientadora desta pesquisa a Profª Drª Rosemary de Oliveira Almeida, e-mail: [email protected]. O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará estará à disposição para qualquer esclarecimento no endereço: Av. Paranjana, 1.700, Campus do Itaperi, Fortaleza-Ceará, com horários de funcionamento: 08:00 às 12:00 e 13:00 às 17:00 horas, de segunda à sexta feira ou pelo telefone: (85) 31019890.
Este termo está elaborado em duas vias, sendo uma para o sujeito participante da pesquisa e outro para o arquivo do pesquisador. Tendo sido informado (a) sobre a pesquisa, Trabalho e saúde de agentes penitenciários no Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes. Declaro que concordo participar desse estudo de forma livre e esclarecida. Nome:_________________________________________________ Assinatura:______________________________________ Data:___/__/_____ _______________________________________________________ Assinatura da pesquisadora
133
ANEXO
134
ANEXO A - Questionário sobre fatores psicossociais
QUESTIONÁRIO SOBRE FATORES
PSICOSSOCIAIS
INSTRUÇÕES As questões contidas neste questionário versam sobre aspectos de saúde, bem-estar e ambiente de trabalho. Se você não estiver empregado, não preencha este questionário. As perguntas se referem às SUAS condições e às SUAS opiniões e, portanto, você deve responder sozinho. Não há respostas certas ou erradas. É importante que você responda TODAS as questões.
Se você desejar fazer comentários ou detalhar melhor suas respostas, há um espaço para isso próximo do
final do questionário. Responda as questões colocando um X no quadrado do item correspondente. Em
algumas questões você será solicitado a escrever um número ou algumas poucas palavras.
1. Sexo:
1. Masculino 2. Feminino
2 Qual sua data de nascimento? / / .
3 Qual a sua escolaridade?
1 . Primeiro Grau Incompleto
2. Primeiro Grau Completo
3. Segundo Grau Incompleto
4. Segundo Grau Completo
5. Técnico Incompleto 6. Técnico Completo
7. Superior Incompleto
8. Superior Completo
4 Qual a sua formação (Curso Técnico ou Superior)?
5 Você vive com alguém?
1. Sim, com meu cônjuge ou companheiro (a)
2. Sim, com outras pessoas que não o cônjuge ou companheiro (a) 3. Sim, com meus pais.
4. Não, vivo sozinho (a) – sou viúvo (a)
5. Não, vivo sozinho (a) – sou divorciado (a) separado (a) ou minha relação terminou
6. Não, sempre vive sozinho (a)
7. Outro (especifique)
DADOS PESSOAIS
135
6. Quantos filhos vivem com você atualmente? 0 sem filho, 1 filho, 2 filhos, 3 filhos, 4 filhos
7. Quantos desses possuem menos de 7 anos? 0 sem filho, 1 filho, 2 filhos, 3 filhos, 4 filhos
8. Por quanto tempo trabalha nesse mesmo local? 1: 1 ano, 2: 1 a 2 anos, 3: 3 a 5 anos, 4: 5 a 10 anos, 5: 10 a 20 anos.
9. Qual seu cargo ou função?
1: Agente penitenciário
136
As questões que se seguem são sobre o ambiente psicossocial e sua satisfação no trabalho. Algumas
das questões podem se adequar melhor ao seu trabalho, mas, por favor, responda a TODAS elas,
escolhendo apenas uma resposta para cada pergunta.
Sempre
Frequen-
temente
Às
vezes
Rara-
mente
Nunca/
quase
nunca
10 A sua carga de trabalho acumula-se por ser mal
distribuída?
1 2 3 4 5
11 O seu trabalho exige que você lide com situações 1 2 3 4 5
emocionalmente complicadas?
12 Tem um elevado grau de influência sobre o seu 1 2 3 4 5
trabalho?
13 Precisa trabalhar muito rapidamente? 1 2 3 4 5
14 Existe um bom clima de trabalho entre você e os seus 1 2 3 4 5
colegas?
15 No seu trabalho você tem de lidar com os problemas 1 2 3 4 5
pessoais de outras pessoas
16 Você escolhe com quem quer trabalhar? 1 2 3 4 5
17 Você tem alguma influência sobre como realizar o seu 1 2 3 4 5
FATORES PSICOSSOCIAIS DO TRABALHO
137
trabalho?
18 Você atrasa as tarefas que deve realizar? 1 2 3 4 5
19 Há cooperação entre seus colegas de trabalho? 1 2 3 4 5
20 Com que frequência não tem tempo para completar 1 2 3 4 5
todas as tarefas do seu trabalho?
21 Você tem tempo suficiente para realizar suas tarefas? 1 2 3 4 5
22 Você se sente parte de seu grupo de trabalho? 1 2 3 4 5
23 Você tem alguma influência sobre a quantidade de 1 2 3 4 5
trabalho que lhe é dado?
24 Com que frequência pensa em mudar de trabalho? 1 2 3 4 5
25 Com que frequência recebe ajuda e apoio dos seus 1 2 3 4 5
colegas?
26 Com que frequência seus colegas estão dispostos a 1 2 3 4 5
ouvir seus problemas no trabalho?
27 Com que frequência seus colegas elogiam o seu 1 2 3 4 5
trabalho?
138
Extrema-
mente Muito
Mais ou
menos Pouco
Muito
Pouco
28 O ritmo de trabalho é elevado? 1 2 3 4 5
29 A demanda emocional do trabalho é elevada? 1 2 3 4 5
30 O trabalho exige iniciativa? 1 2 3 4 5
31 O seu trabalho tem sentido (SIGNIFICADO)? 1 2 3 4 5
32 No seu contexto de trabalho, você é informado com
antecedência sobre as decisões, mudanças, ou planos para
1 2 3 4 5
o futuro?
33 O seu trabalho possui objetivos claros? 1 2 3 4 5
34 Existem demandas contraditórias no seu trabalho? 1 2 3 4 5
35 O seu trabalho é reconhecido e elogiado pelos
superiores?
1 2 3 4 5
36 O seu trabalho é importante? 1 2 3 4 5
37 Você recomendaria o seu local de trabalho para um amigo? 1 2 3 4 5
____________________________________________________________________________________
38 Você conhece as áreas de sua responsabilidade? 1 2 3 4 5
____________________________________________________________________________________
39 Os seus superiores o respeitam? 1 2 3 4 5
40 Você se envolve emocionalmente no seu trabalho? 1 2 3 4 5
41 Você utiliza suas habilidades e treinamento no seu
trabalho?
1 2 3 4 5
42 Você sente prazer em falar com os outros sobre o seu trablho? 1 2 3 4 5
139
43 Você recebe toda a informação necessária para
desempenhar bem o seu trabalho?
44 Você faz coisas no seu trabalho que são aceitas
1 2 3 4 5
1 2 3 4 5
45 O tratam com justiça no seu trabalho? 1 2 3 4 5
46 Você sabe exatamente o que se espera de você no trabalho? 1 2 3 4 5
47 Você algumas vezes tem de fazer coisas que deveriam 1 2 3 4 5
ser feitas de outra forma?
48 Você aprende coisas novas no seu trabalho? 1 2 3 4 5
49 Você, algumas vezes, tem de fazer coisas que considera
1 2 3 4 5
desnecessárias?
50 O ritmo de trabalho é elevado durante todo o dia? 1 2 3 4 5
51 Você sente que pode desenvolver suas habilidades no
1 2 3 4 5
seu trabalho?
52 Você considera seu local de trabalho importante para 1 2 3 4 5
você?
140
Com relação ao seu trabalho em geral, o quanto você está satisfeito:
Muito
satisfeito
Satisfeito Não
satisfeito
Pouco
satisfeito
53 Com suas perspectivas futuras 1 2 3 4
54 As condições físicas de trabalho 1 2 3 4
55 A maneira como usa suas habilidades 1 2 3 4
56 Com seu trabalho como um todo, levando em 1 2 3 4
consideração todos os aspectos
Extrema-
mente Muito
Mais ou
menos Pouco
Muito
pouco
57 Os superiores (gerentes, diretores) cofiam no 1 2 3 4 5
trabalho realizado pelo os trabalhadores?
58 Você confia na informação fornecida pelos superiores? 1 2 3 4 5
59 Os conflitos são resolvidos de forma justa? 1 2 3 4 5
60 Os superiores escondem informações importantes? 1 2 3 4 5
61 O trabalho bem-feito é reconhecido pelos superiores? 1 2 3 4 5
62 Os trabalhadores escondem informações uns dos outros? 1 2 3 4 5
63 Os trabalhadores confiam uns nos outros? 1 2 3 4 5
64 Todas as sugestões fornecidas pelos trabalhadores são 1 2 3 4 5
levadas em consideração pelos superiores?
65 Os trabalhadores podem expressar livremente suas ideias e 1 2 3 4 5
SOBRE O SEU LOCAL DE TRABALHO
141
sentimentos?
66 O trabalho é distribuído com justiça? 1 2 3 4 5
As questões seguintes dizem respeito às suas relações com seus superiores.
Sempre
Frequen-
temente
Às
vezes
Rara-
mente
Nunca/
quase
nunca
67 Com que frequência seus superiores o escutam em 1 2 3 4 5
relação aos problemas de trabalho?
68 Com que frequência seus superiores fornecem apoio e 1 2 3 4 5
ajuda?
69 Com que frequência seus superiores falam com você 1 2 3 4 5
sobre o desenvolvimento do seu trabalho?
142
Até que ponto você pode afirmar que seu superior imediato...
Extrema-
mente Muito
Mais ou
menos Pouco
Muito
pouco
70 Assegura que todos os trabalhadores tenham acesso a 1 2 3 4 5
oportunidades
71 Coloca a satisfação no trabalho como prioritária 1 2 3 4 5
72 É bom no planejamento do trabalho 1 2 3 4 5
73 É bom em resolver conflitos 1 2 3 4 5
As próximas questões são sobre a relação entre trabalho e vida privada.
Sim, com
frequência
Sim, algumas
vezes
Rara-
mente
Não,
nunca
74 Você frequentemente sente um conflito entre seu trabalho e vida
pessoal, de tal forma a desejar estar em dois lugares ao mesmo tempo? 1 2 3 4
Sim,
com
certeza
Sim, até
certo
ponto
Sim, mas
só um
pouco
Não, de
jeito
nenhum
75 Você sente que seu trabalho demanda tanta energia que 1 2 3 4
ele acaba tendo um efeito negativo na sua vida pessoal?
76 Você sente que seu trabalho toma tanto de seu tempo que 1 2 3 4
ele acaba tendo um efeito negativo na sua vida pessoal?
77 A sua família e amigos dizem que você trabalha muito? 1 2 3 4
Você tem mais algum comentário sobre o contexto psicossocial do seu trabalho?
TRABALHO E VIDA PESSOAL
143
SAÚDE E BEM-
ESTAR
Com que frequência você:
Sempre Frequen-
temente
Às
vezes
Rara-
mente Nunca
78 Dorme mal? 1 2 3 4 5
79 Se sente desgastado? 1 2 3 4 5
80 Sente dificuldade para pegar no sono? 1 2 3 4 5
81 Se sente emocionalmente exausto? 1 2 3 4 5
82 Acorda mais cedo do que deveria e não consegue 1 2 3 4 5
dormir de novo?
83 Se sente cansado? 1 2 3 4 5
84 Acorda diversas vezes e não consegue dormir de novo? 1 2 3 4 5
85 Tem problemas para relaxar? 1 2 3 4 5
86 Fica irritado? 1 2 3 4 5
87 Fica tenso? 1 2 3 4 5
88 Fica estressado? 1 2 3 4 5
144
Excelente Muito boa Boa Razoável Ruim
89 Em geral, você diria que sua saúde é: 1 2 3 4 5
Nos últimos 12 meses você:
Sim,
diária-
mente
Sim,
semanal-
mente
Sim,
mensal-
mente
Sim,
poucas
vezes
Não
90 Você foi exposto a paqueras (flertes) indesejáveis? 1 2 3 4 5
Colegas Superiores,
gerentes Subordinados
Clientes ou
pacientes
91 Se sim, por quem? (pode marcar vários itens) 1 2 3 4
Sim,
diária-
mente
Sim,
semanal-
mente
Sim,
mensal-
mente
Sim,
poucas
vezes
Não
92 Você foi exposto a ameaças de violência no seu local 1 2 3 4 5
de trabalho?
Colegas Superiores,
gerentes Subordinados
Clientes ou
pacientes
93 Se sim, por quem? (pode marcar vários itens) 1 2 3 4
Assédio moral no trabalho significa que uma pessoa é repetidamente exposta a um tratamento
desagradável e degradante, e que essa pessoa sente dificuldade de se defender.
Sim,
diária-
mente
Sim,
semanal-
mente
Sim,
mensal-
mente
Sim,
poucas
vezes
Não
94 Você foi exposto a assédio moral no trabalho nos 1 2 3 4 5
CONFLITOS E OUTROS COMPORTAMENTOS OFENSIVOS
147
últimos 12 meses?
Colegas Superiores,
gerentes Subordinados
Clientes ou
pacientes
95 Se sim, por quem? (pode marcar vários itens) 1 2 3 4
Muito obrigada por sua colaboração!