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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE CASCAVEL CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS NÍVEL DE MESTRADO PROFISSIONAL MARILU GRASSI UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA DO GÊNERO POEMA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO CASCAVEL PR 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE CASCAVEL

CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LETRAS

NÍVEL DE MESTRADO PROFISSIONAL

MARILU GRASSI

UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA DO GÊNERO POEMA: DESAFIOS E

POSSIBILIDADES PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO

CASCAVEL – PR

2015

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MARILU GRASSI

UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA DO GÊNERO POEMA: DESAFIOS E

POSSIBILIDADES PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO

Dissertação apresentada à Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – para obtenção do título de Mestre em Letras, junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado em Letras, área de concentração Linguagem e Sociedade. Linha de Pesquisa: Leitura e produção textual: diversidade social e práticas docentes. Orientadora: Prof.ª Drª Carmen Teresinha Baumgärtner

CASCAVEL – PR

2015

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MARILU GRASSI

UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA DO GÊNERO POEMA: DESAFIOS E

POSSIBILIDADES PARA LETRAMENTO LITERÁRIO

Esta dissertação foi julgada adequada para a obtenção do Título de Mestre em Letras e aprovada em sua forma final - Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Letras, Nível de Mestrado Profissional (Profletras), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.

COMISSÃO EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Profª Drª Carmen Teresinha Baumgärtner

Orientadora (Unioeste – Profletras - Cascavel) ___________________________________________________________________

Profª Drª. Lilian Cristina BusatoRitter 1º membro titular (UEM - Maringá)

___________________________________________________________________

Profª Drª Terezinha da Conceição Costa-Hübes 2º membro titular (Unioeste – Profletras - Cascavel)

___________________________________________________________________

Profº Drº Antonio Donizeti da Cruz 1º membro suplente (Unioeste – Cascavel)

___________________________________________________________________

Profª Drª Greice da Silva Castela 2º membro suplente (Unioeste – Profletras - Cascavel)

Cascavel, julho de 2015.

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

G798s Grassi, Marilu

Uma sequência didática do gênero poema: desafios e possibilidades para

o letramento literário. /Marilu Grassi.— Cascavel, 2015. 110 p.

Orientadora: Profª. Drª. Carmen Teresinha Baumgärtner

Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras

1.Sequência didática. 2. Gênero discursivo. 3. Poema. I. Baumgärtner,

Carmen Teresinha. II. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. III. Título. CDD 20.ed. 418

Ficha catalográfica elaborada por Helena Soterio Bejio – CRB 9ª/965

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Com a ajuda de Deus.

Em nome de Jesus.

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AGRADECIMENTOS

Em especial a Deus, pela força e pela fé, e por permitir a realização deste

trabalho.

À Santíssima Maria, pelo milagre realizado em minha vida.

À minha orientadora Carmen Teresinha Baumgärtner, pela presença,

paciência e contribuições dedicadas a mim e ao meu trabalho. A ela, minha sincera

gratidão por me acompanhar neste trajeto.

Aos docentes do Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras),

que me mostraram o caminho para o conhecimento.

Aos meus pais, com todo o meu amor e afeto, pelo incondicional apoio em

todos os momentos. Sou eternamente grata pela dedicação!

Aos meus irmãos, pela presença e apoio incondicional em todas as minhas

batalhas. Tê-los como irmãos é tirar a sorte grande!

Aos meus filhinhos, Ícaro e Thales, que são a razão do meu viver. Amo

vocês!

À colega Solange A. Medeiros, pela disponibilidade e pela troca de

experiências que contribuíram significativamente para esta dissertação.

Aos alunos que participaram desta pesquisa, por terem concedido a ela o

espaço necessário.

Ao Emerson Fulgêncio de Lima, pela tranquilidade que me proporcionou

nesses últimos meses. Pessoa maravilhosa!

Às minhas amigas Fabiana Panini e Lucimara Zenatti, pela amizade e por

acreditarem em mim. É muito bom tê-las como amigas!

À CAPES, pela bolsa concedida.

A todos e todas, meu muito obrigada por fazerem parte da minha vida e

permitirem a realização desse sonho!

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A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária, é um método de liberação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio. Diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história; em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não-dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior, linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras, imitação dos antigos, cópia do real, cópia de cópia da ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraíso, do inferno, do limbo, Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Antologia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métrica e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!

(Paz, 1982,p.7)

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GRASSI, Marilu. Uma sequência didática do gênero poema: desafios e

possibilidades para o aperfeiçoamento do letramento literário. 2015.110fl.

Dissertação (Mestrado Profissional em Letras) – Universidade do oeste do Paraná –

UNIOESTE, Cascavel.

RESUMO

A presente pesquisa, de natureza aplicada, investigou a aplicabilidade e as contribuições do procedimento Sequência Didática como recurso para se trabalhar a leitura do gênero discursivo poema, com vistas à promoção do letramento literário. Por meio de uma metodologia centrada na pesquisa-ação, são descritas e analisadas intervenções numa sala de aula, composta por alunos do 8º ano da rede estadual de um município do interior do Paraná/BR. A concepção bakhtiniana de gêneros do discurso e a proposta de sequência didática de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) entre outros, formam o referencial teórico de base. Foram utilizados como instrumento de coleta de dados a observação participante, auxiliada pelo diário de campo, videogravações e depoimentos dos alunos participantes. Encontramos no paradigma qualitativo um caminho viável para o desenvolvimento desta pesquisa, orientada para a transformação de uma dada situação. A análise dos dados aponta para a importância da presença do mediador na formação do leitor, pois, além de contribuir para a interação entre texto e leitor, intensifica a motivação para a leitura e produção textual. Mostra também que a Sequência Didática pode ser uma metodologia eficiente para auxiliar os educadores na promoção do aperfeiçoamento do letramento literário, uma vez que houve mudanças positivas na conduta do aluno como interlocutor ativo do processo comunicativo. Por fim, a elaboração deste trabalho, na qualidade de pesquisa-ação, possibilitou que dialogássemos com teorias importantes para a nossa formação docente. Dessa forma, esperamos que os resultados possam colaborar para uma reflexão sobre possibilidades e melhorias no ensino da leitura de poemas em sala de aula.

PALAVRAS-CHAVE: Sequência Didática. Gênero Discursivo. Poema.

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GRASSI, Marilu. A teaching sequence of the textual genre poem: challenges and possibilities for literary literacy. 2015.110fl.Dissertation (Masters‘ in Letters- Profletras) – State University of West Paraná. Cascavel.

ABSTRACT

This current study, of an applied nature, has investigated the applicability and the contributions of the teaching Sequence procedure as a resource to approach the reading of the discursive genre, poem, based on the promotion of the literary literacy. Through the methodology centered on action research, classroom interventions are described and analyzed, which are composed of 8th grade students of the of the public education system of a county of the countryside of Paraná / BR. The Bakhtin's conception of speech genres and the proposed teaching sequence Dolz, Noverraz and Schneuwly (2004) among others, form the basis of the theoretical reference. The observation of the participants has been used as instrument of collection, which has been supported by field report, videotaping, and students testimonials. We have found in the qualitative paradigm a viable way of development of this research, guided by the transformation of such situation. The data analysis points to the importance to the presence of the mediator on the training process of the reader, because, besides contributing to the interaction between the text and the reader, it intensifies the motivation to the reading, as well as to the textual production. It also shows that teaching sequence (TS) may be an effective methodology to support the educators on providing training to the literary literacy, once there has been positive changes on the behavior of the student as active interlocutor of the communicative process. Finally, the elaboration of this work, while action research allowed us to dialogue with important theories to our teacher training. So that, we expect that the results obtained here may collaborate to a thinking about the possibilities and improvements on the reading teaching of poems in the classroom.

KEY-WORDS: Teaching Sequence. Discursive Genre. Poem.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Características do gênero discursivo poema .......................................... 32

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Esquema da sequência didática ............................................................... 45

Figura 2 - O plano de ação ........................................................................................ 79

Figura 3– Pesquisa na biblioteca .............................................................................. 82

Figura 4 - Confecção do mural .................................................................................. 86

Figura 5– Caixas poéticas ......................................................................................... 89

Figura 6 - Os versos escolhidos ................................................................................ 89

Figura 7 - A autora do poema.................................................................................... 97

Figura 8 - A decoração .............................................................................................. 99

Figura 9 - O painel ..................................................................................................... 99

Figura 10 - Nossos declamadores ........................................................................... 100

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LISTA DE ABREVIATURAS

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

DCE - Diretrizes Curriculares Estaduais

SD - Sequência Didática

LP- Língua Portuguesa

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

1 ARCABOUÇO TEÓRICO ...................................................................................... 15

1.1 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO ....................................... 15

1.1.1 Gêneros discursivos ......................................................................................... 18

1.2 LETRAMENTO .................................................................................................... 22

1.2.1 Letramento literário .......................................................................................... 26

1.3 A OPÇÃO PELO POEMA.................................................................................... 31

2 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................... 36

2.1 A NATUREZA DA PESQUISA ............................................................................ 36

2.2 INSTRUMENTOS DE PESQUISA ...................................................................... 40

2.3 O CONTEXTO DA PESQUISA ........................................................................... 41

3 SEQUÊNCIA DIDÁTICA ........................................................................................ 44

3.1 SEQUÊNCIA DIDÁTICA – UMA PERSPECTIVA PARA O ENSINO DA

LÍNGUA .............................................................................................................. 44

3.2 APRESENTAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA ................................................. 48

4 DESCRIÇÃO DAS OFICINAS, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO .......................... 73

4.1 CONVERSA INICIAL ........................................................................................... 74

4.2 APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO ...................................................................... 78

4.3 PRODUÇÃO INICIAL .......................................................................................... 79

4.4 MÓDULOS .......................................................................................................... 81

4.4.1 Módulo I ............................................................................................................ 82

4.4.2 Módulo II ........................................................................................................... 90

4.4.3 Módulo III .......................................................................................................... 92

4.5 PRODUÇÃO FINAL ............................................................................................ 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 103

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 106

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação insere-se no Programa de Pós - Graduação da

Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), a qual se vincula ao

programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS). O programa de

Mestrado Profissional em Letras objetiva qualificar os mestrandos/docentes para

proporcionar melhora na qualidade do ensino de nível fundamental, com vistas a

efetivar o aumento da proficiência desses alunos no que se refere às habilidades de

leitura e escrita. O trabalho desenvolveu-se na linha de pesquisa leitura e produção

textual, diversidade social e práticas docentes, tendo como enfoque o ensino e a

aprendizagem escolar da Língua Portuguesa, pautado na concepção

sociointeracionista da linguagem.

O foco de intervenção é um trabalho didático fundamentado nos gêneros

discursivos conforme orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN

BRASIL, 1997; 1998), do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD, 2003) e das

Diretrizes Curriculares Estaduais – DCE, de ora em diante - (PARANÁ, 2008), na

perspectiva de contribuir para a promoção da leitura e do letramento literário de um

grupo de educandos de uma escola pública do município de Foz do Iguaçu do

estado do Paraná.

Acreditamos que os gêneros do discurso, quando não trabalhados de forma

artificial, constituem-se no melhor instrumento pedagógico no desenvolvimento e

apropriação da língua. Apropriar-se de diferentes gêneros como habilidade de uso

da língua falada e escrita é essencial para o desenvolvimento do letramento.

O trabalho didático foi organizado por meio do gênero discursivo poema,

considerando-se o procedimento de Sequência Didática (SD)1, termo cunhado por

Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), entendendo que, por meio dela, poderíamos

atingir o propósito mencionado.

O objetivo geral desta pesquisa foi investigar as contribuições de uma

Sequência Didática com foco no gênero discursivo poema para o letramento literário

de alunos do 8º ano do Ensino Fundamental.

Os objetivos específicos foram:

1O procedimento sequência didática é discutido mais detalhadamente no referencial teórico deste

estudo.

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1) Elaborar e aplicar uma Sequência Didática (SD), em um 8º ano do

Ensino Fundamental da rede pública estadual de ensino de Foz do

Iguaçu/ PR, conforme proposição de Dolz, Noverraz e Schneuwly

(2004).

2) Analisar o percurso e os resultados do trabalho com a SD no contexto

em pauta.

3) Avaliar se e como o trabalho com a SD contribui para o letramento

literário dos alunos participantes da pesquisa.

Este trabalho fundamentou-se nos estudos de Bakhtin (2003) e do Círculo

sobre linguagem, língua e interação, e em Bakhtin (2003) sobre gêneros discursivos.

Para a realização do aporte teórico referente à Sequência Didática, conforme dito

anteriormente, recorremos aos trabalhos de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004).

Quando é proposto um trabalho na perspectiva do desenvolvimento do

letramento literário, é necessário direcionar a prática no sentido de não só

proporcionar aos educandos habilidades de ler os gêneros da esfera literária, mas

também de poder, diante deles, construir novos significados, apontando caminhos

acerca da interpretação do mundo, vivenciados por escritor e leitor.

A escolha pelo letramento literário deu-se pelo interesse de aperfeiçoar um

projeto de leitura desenvolvido em uma escola estadual do município de Foz do

Iguaçu com alunos do Ensino Fundamental. O desenvolvimento desse projeto trouxe

avanços nas práticas de leitura, comprovados pela melhora dos resultados obtidos

na Prova Brasil e nos índices do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica-, e conquistou leitores, porém faltava-nos conhecimento teórico e preparação

didático-pedagógica que possibilitassem uma relação entre a teoria e a prática.

No final de todo ano letivo, o projeto encerrava-se com um recital de poemas

apresentado à comunidade. Tal evento ofertava uma oportunidade para os

educandos interagirem com o discurso literário e acabava despertando grande

interesse dos alunos pelo gênero discursivo poema. Diante desse interesse,

propusemos, nesta pesquisa, um trabalho sistemático com poemas, adotando

questões de ensino e de aprendizagem que contemplassem o domínio da produção

e da leitura de textos desse gênero e o conceito de letramento e letramento literário.

A metodologia adotada apoiou-se na pesquisa- ação como método de

pesquisa, uma vez que articulou produção de conhecimento com a ação educativa,

e houve a preocupação em intervir na própria sala de aula. O enfoque foi qualitativo,

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pois objetivamos compreender os significados dos fatos sem que houvesse a

necessidade de quantificar dados. O método de abordagem foi o de base

etnográfica, visto que nos propusemos a pensar o ensino e a aprendizagem em um

dado contexto cultural. Como o PROFLETRAS prevê uma intervenção pedagógica, a

pesquisa constituiu-se como aplicada, pois enfocou problemas concretos e

pretendeu contribuir para uma reflexão sobre possibilidades de melhoria no ensino.

Os dados de pesquisa foram produzidos por meio de anotações em diário de campo,

depoimento escrito dos alunos participantes, gravações de aulas em áudio-vídeo.

Organizamos nosso trabalho em cinco partes. No capítulo 1, Arcabouço

Teórico, apresentamos os pressupostos teóricos que fundamentaram esta pesquisa.

Inicialmente, sob a perspectiva teórica bakhtiniana, buscamos caracterizar a

linguagem como forma de interação social que se estabelece entre indivíduos

socialmente organizados e inseridos numa situação concreta de comunicação. Ainda

neste capítulo, partindo da premissa de que o uso social da leitura e da escrita é

fundamental para que a pessoa consiga interagir de forma plena, trouxemos

reflexões sobre a importância do letramento e do letramento literário. Finalizamos

esse capítulo com uma discussão acerca da estrutura composicional do gênero

poema e sua relevância no aperfeiçoamento da leitura e da escrita.

Já no capítulo 2, Considerações Metodológicas, apresentamos o percurso

metodológico através da descrição da pesquisa-ação como método de pesquisa.

Ressaltamos não só a construção do objeto desta pesquisa, mas também o

processo de escolha, elaboração e aplicação do instrumento de geração de dados.

Além disso, apresentamos as características do ambiente em que ocorreu a

pesquisa e os perfis dos alunos participantes.

Em seguida, no capítulo 3, Sequência Didática, descrevemos o

procedimento da Sequência Didática e apresentamos o exemplar do material

elaborado e utilizado no projeto de intervenção.

No capítulo 4, Descrição das oficinas, Análise e Interpretação,

apresentamos a discussão e análise dos dados a partir das atividades realizadas e

das informações produzidas pelos instrumentos de geração de dados.

Nas Considerações Finais, concluindo o percurso metodológico e analítico

de exploração do corpus da pesquisa, tecemos nossas conclusões sobre os

resultados obtidos a partir da análise dos dados.

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1 ARCABOUÇO TEÓRICO

O referencial teórico que fundamenta este trabalho passa, primeiramente,

por uma abordagem sobre a noção de linguagem, interação verbal, dialogismo e

gêneros discursivos na perspectiva de Bakhtin. Em seguida, apresenta algumas

considerações sobre letramento e letramento literário. Esses conceitos oferecem

maior possibilidade de compreensão e de visualização da língua como ferramenta

interativa. Por último, explicamos a opção pela escolha do gênero discursivo poema.

1.1 CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM COMO INTERAÇÃO

Embarcar na corrente do pensamento de Bakhtin requer, assim, nos seus próprios termos, uma forma de pensar incontestavelmente dialógica (SOUZA, 1994, p.104).

Os princípios teóricos que norteiam este trabalho estão pautados na

perspectiva discursiva e interacional da linguagem sustentados pelo pensamento

bakhtiniano. A concepção de linguagem assumida é fundamental, pois ela

estabelece não só a prática pedagógica, como as metodologias adotadas.

Compartilhamos com o pensamento de Geraldi, segundo o qual ―uma diferente

concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas

principalmente um ―novo conteúdo‖ de ensino‖ (GERALDI, 2003, p. 45). (grifos do

autor)

Bakhtin (2003) concebe a linguagem como forma de interação social que se

estabelece entre indivíduos socialmente organizados e inseridos numa situação

concreta de comunicação. A linguagem, segundo ele, é a única possibilidade de

socialização, é unidade que compõe o sujeito. Os Parâmetros Curriculares Nacionais

pontuam que ―[...] é pelas atividades de linguagem que o homem se constitui sujeito,

só por intermédio delas é que tem condições de refletir sobre si mesmo.‖ (BRASIL,

2006, p. 24). Destarte, é por meio da linguagem que o homem compreende o

contexto social em que está inserido.

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A verdadeira substância da língua, na concepção bakhtiniana, é constituída

pelo fenômeno da interação verbal entre os falantes. A língua se concretiza a partir

das situações. De acordo com Geraldi (2003), a linguagem não serve apenas para

transmitir informações, mas para possibilitar ao locutor agir sobre o seu interlocutor e

sobre o mundo, construindo vínculos que não existiam. Desse modo, entendemos

que a linguagem é um instrumento semiótico usado para a comunicação e para a

ação entre as pessoas enunciativas constituídas por dois ou mais indivíduos

socialmente organizados.

As palavras de Geraldi nos ajudam a compreender a afirmação de Bakhtin de

que a interação é que dá substância à língua (BAKHTIN, 1997). Para o autor russo,

o que importa é o caráter interacional, enunciativo do discurso, e não os aspectos

formais da língua. Ele afirma que a língua está sempre a serviço de um locutor que a

usa numa determinada condição de enunciação em que a palavra, o signo, está de

acordo com a situação social estabelecida concretamente. O estudo da linguagem,

nessa perspectiva, considera sempre a produção de sentido num dado contexto em

que sujeito e linguagem estão, irrevogavelmente, atrelados. (LIMA, 2012, p. 174).

Tomando-se como ponto de reflexão o fato de que o ser humano vive em

sociedade, e concebendo-se a linguagem como forma de socialização, podemos

entendê-la como essencialmente dialógica, conforme propõe Bakhtin. Para ele,

todos os enunciados no processo de comunicação são dialógicos, isto é, nenhum

texto seria inteiramente original, ele sempre dialoga com um texto anterior,

carregando suas marcas.

O homem, para Bakhtin, constrói-se à medida que vai ao encontro do outro:

―cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará eco no

discurso ou no comportamento subsequente do ouvinte‖ (BAKHTIN, 2003, p. 292). O

mundo é transpassado por relações dialógicas, em que o outro é fundamental na

construção de nossa identidade, sendo a palavra o território comum entre locutor e

interlocutor. Sobre esse assunto, o autor explica:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão de um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade (BAKHTIN, 1997, p. 113).

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Entretanto, o sentido da palavra, na concepção bakhtiniana, não existe em si

mesmo, ela é elaborada na enunciação concreta e única que se dá a partir da

interação verbal através das enunciações.

O fenômeno da interação verbal envolve duas ou mais pessoas que

interagem por perguntas e respostas, mesmo sem a presença do outro. Nas

enunciações, o discurso social é ininterrupto. Os interlocutores sociais têm sempre

um horizonte social e uma audiência que configuram as trocas verbais de acordo

com as diversas esferas da prática e que delimitam ‗o que‘ e o ‗como‘ pode ser dito;

assim a significação carrega as marcas das condições sociais.

Nesse sentido, Fiorin (2006, p.19) afirma que ―todos os enunciados, no

processo de comunicação, independente de sua dimensão, são dialógicos‖. Para

ele, a palavra possui uma dialogização interna, uma vez que, nela, se faz presente a

palavra de outros, ou seja, todo discurso é, inevitavelmente, ocupado, atravessado,

pelo discurso alheio.

Esse encontro de vozes sociais produz resultados de polifonia, que é

quando essas vozes se deixam ouvir. Para Bakhtin, a polifonia é o elemento

fundamental de toda a enunciação, pois em um mesmo texto, se revelam inúmeras

vozes. Nesse sentido, o texto é concebido "[...] como um 'tecido de muitas vozes', ou

de muitos textos ou discursos que se entrecruzam, se completam, respondem umas

às outras ou polemizam entre si no interior do texto". (BARROS, 1999, p. 34) (grifo

da autora).

Para Bezerra (2005, p. 193), Bakhtin não restringe uma função secundária

ao autor no processo da polifonia, pois ―o que caracteriza a polifonia é a posição do

autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico‖.

Quando trabalhamos nessa concepção de linguagem, é necessário mostrar

ao aluno o papel que o outro assume na relação dialógica. A sala de aula deve se

configurar em um lugar em que o educando tenha palavra, e que ela possa

encontrar ecos em seu próprio discurso e no discurso do outro.

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1.1.1 Gêneros discursivos

O que tem esse termo [gênero] e área de estudos que ele representa para atrair tanta atenção? O que lhe permite agrupar sobre o mesmo guarda-chuva terminológico críticos literários, retóricos, sociólogos, cientistas cognitivistas, especialistas em tradução automática, linguistas computacionais e analista do discurso, especialistas em Inglês para Fins Específicos e professores de língua? O que é isso que nos permite reunir sob o mesmo rótulo publicitários, especialistas em comunicação empresarial e defensores do inglês Simplificado? (CANDLIN,1993, p. 46).

A tese do dialogismo manifesta-se em torno do tratamento dos gêneros do

discurso. Bakhtin (2003) considera o enunciado como unidade de comunicação

verbal, e o gênero discursivo como tipos relativamente estáveis de enunciados,

referindo-se a formas de comunicação social materializadas em textos que circulam

em nossa sociedade, presentes no nosso dia a dia.

Os gêneros se organizam com base nas finalidades e intenções do locutor.

As diversas esferas de comunicação produzem diferentes enunciados, os quais são

considerados como unidade real da comunicação verbal, visto que são unidades

concretas do discurso. Eles são determinados por suas condições específicas e por

seus objetivos (BAKHTIN, 2003).

Bakhtin considera os enunciados como produtos de interação social em uma

dada comunidade linguística, e, por serem relativamente estáveis, são formas de

dizer que não precisam ser inventadas a cada vez que nos comunicamos, estão a

nossa disposição, e circulam nos diferentes meios e esferas da atividade humana.

Bakhtin (2003, p. 302) afirma que ―se não existissem os gêneros do discurso e se

não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da

fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação

verbal seria quase impossível.‖

Para alcançarmos sucesso em nossa comunicação nos diversos campos da

atividade humana, é fundamental escolhermos os meios adequados, de modo que a

composição do nosso enunciado atinja a finalidade almejada. Por isso, segundo

Bakhtin (2003):

Aprender a falar significa aprender a construir enunciados [...]. Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma

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forma que o organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da fala (BAKHTIN, 2003, p. 302).

Para haver uma melhor circulação nas inúmeras esferas de comunicação,

considerando que qualquer interação entre interlocutores organiza-se por meio dos

gêneros discursivos, a apropriação deles é fundamental. Eles são ferramentas que,

além de ampliar a competência linguística e discursiva dos alunos na produção e na

compreensão de textos adequados à esfera de circulação, propiciam formas de

participação na sociedade. Marcuschi, apoiado nas ideias deBakhtin, nos diz:

Desde que nos constituímos como seres sociais, nos achamos envolvidos em uma máquina sociodiscursiva. E um dos instrumentos mais poderosos dessa máquina são os gêneros textuais, sendo que seus domínios e manipulação dependem boa parte da forma de nossa inserção social e de nosso poder social (MARCUSCHI, 2008, p. 162).

É comum encontrar pessoas com muita dificuldade para se comunicar

oralmente ou por meio da escrita em algumas situações de interação verbal. Esse

fator pode representar alguns obstáculos e levá-las à exclusão social. O domínio dos

gêneros discursivos nas diversas esferas sociais é fundamental, e a escola não pode

se abster dessa responsabilidade.

Para Bakhtin (2003):

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso. (BAKHTIN, 2003. p. 285).

Bakhtin (2003) diferencia os gêneros entre primários e secundários. Essa

diferenciação, para ele, é importante, pois a natureza de cada enunciado deve ser

definida pela análise dessas duas espécies de gêneros, pelo fato de que, se

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considerássemos apenas os gêneros primários, teríamos uma simplificação

demasiada da linguagem.

Os gêneros primários são textos da linguagem cotidiana que, numa situação

discursiva, podem ser controlados diretamente. Eles aparecem em circunstâncias de

uma comunicação verbal espontânea (BAKHTIN, 2003) e possuem relação direta

com a realidade. Alguns dos gêneros primários são: a linguagem cotidiana, a

familiar, etc. Já os gêneros secundários são os mais complexos, aparecem em

circunstâncias de uma comunicação cultural mais evoluída, personificam-se,

principalmente, pela escrita, e exigem uma linguagem mais oficializada. Esses

gêneros, como por exemplo – o romance, o teatro, o discurso científico ideológico –

caracterizam-se pelas formas padronizadas de organização do discurso.

Segundo Bakhtin (1997), os gêneros secundários, muitas vezes, absorvem e

transmutam os gêneros primários em virtude de situações mais complexas de

enunciação. A interação cotidiana em sala de aula, que está mais ligada aos

gêneros primários, pode invocar formas composicionais e marcas linguísticas mais

próximas dos gêneros secundários, e assim formar o aluno para situações de

circulação em esferas de comunicação pública, uma vez que a escola é um lugar

social destinado à construção da escrita e de muitos gêneros secundários, tanto

orais como escritos.

Os contatos entre gêneros primários e secundários, de acordo com Machado

(2010), modificam esses gêneros e os complementam. Por exemplo, um diálogo

pode deixar de estar apenas no contexto de comunicação e se transformar em um

texto artístico.

Nessa direção, Carvalho (2001) declara:

Não é absurdo dizer que os gêneros primários são instrumentos de criação dos gêneros secundários. Daí, podem-se apontar as características dos gêneros textuais: são formas-padrão de um enunciado que possuem conteúdo, uma estruturação específica e mutável a partir das relações estabelecidas entre os interlocutores; do mesmo modo, um estilo ou certa configuração de unidades linguísticas (CARVALHO, 2001, p.2).

Os diversos gêneros que circulam em nossa sociedade ganharam espaço na

escola desde que foi percebida a necessidade de se pensar o texto situado em um

determinado contexto de produção, não apenas como pretexto para o ensino de

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estruturas gramaticais. Políticas educacionais como os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN BRASIL, 1997,1998) e as Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE-

PARANÁ, 2008) apresentam propostas de ensino e aprendizagem de línguas

norteadas pelos gêneros discursivos.

Os PCNs ressaltam que, no processo de ensino e aprendizagem da língua

materna, deve-se proporcionar aos educandos condições para interagirem de forma

eficiente em diferentes atividades discursivas. Por essa razão, salienta-se:

No processo de ensino e aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 32).

As DCEs afirmam que o aprimoramento da competência sócio-comunicativa

do aluno acontecerá com maior propriedade se lhe for dado conhecer, nas práticas

de leitura, escrita e oralidade, o caráter dinâmico dos gêneros discursivos. Assim, é

―[...] tarefa da escola possibilitar que seus alunos participem de diferentes práticas

sociais que utilizem a leitura, a escrita e a oralidade, com a finalidade de inseri-los

nas diversas esferas de interação‖.(PARANÁ, 2008, p. 48).

Entretanto, as atividades de linguagem na escola não podem ser reduzidas

apenas à leitura e escrita de textos, mas devem proporcionar a oportunidade de

atuar discursivamente, em uso real, comunicativo e interativo, nas diversas esferas

sociais.

A escola é uma extensão das relações sociais em que se movem e se

constituem os sujeitos. O trabalho com os gêneros discursivos pode ser um

instrumento de transformação dos conhecimentos. Portanto, há necessidade de um

estudo sistematizado de determinados gêneros, conforme proposta teórico-

metodológica da Sequência Didática (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWL, 2004).

Com esse pressuposto, e considerando a existência de gêneros primários e

secundários, o que caberia à escola ensinar? Dolz e Schneuwly (2004) consideram

que, a priori, o trabalho com gêneros discursivos secundários gera conflitos, uma vez

que não estão vinculados à necessidade imediata do aluno. Concordando com os

autores suíços, destacamos que o trabalho com o gênero poema, em pauta nesta

dissertação, não é tarefa fácil, pois ele não está diretamente ligado ao cotidiano do

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aluno e apresenta um formato de leitura que foge da padronização. Porém, os

autores salientam que ―o trabalho escolar será realizado, evidentemente, sobre

gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira insuficiente, sobre aqueles

dificilmente acessíveis, espontaneamente, pela maioria dos alunos; e sobre gêneros

públicos e não privados [...]‖ (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 83).

Introduzir o poema enquanto gênero na sala de sala de aula é fundamental,

pois, ele permite, por meio de linguagem figurada (metáforas, metonímias,

hipérboles, eufemismos, antíteses etc.), a formação de leitores que possuem uma

visão mais sensível da língua (BACK; BORTTOLI; CIPRIANO, 2013).

Feitas essas considerações sobre gêneros de discurso na perspectiva

interacionista de linguagem, a seguir abordamos a questão do letramento e do

letramento literário, porque entendemos que uma proposta de ensino com foco na

leitura de poemas deve ser construída com base nas práticas sociais em que a

leitura e a declamação de poemas estejam presentes.

1.2 LETRAMENTO

Letramento não é um gancho Em que se pendura cada som enunciado, Não é treinamento repetitivo De uma habilidade, Nem um martelo Quebrando blocos de gramática. [...] Letramento é, sobretudo, Um mapa do coração do homem, Um mapa de quem você é, E de tudo que pode ser (CHONG, 1996 apud SOARES, 2004, p.40).

A escola é a instância que tem a função mediadora de promover os

indivíduos à aquisição da leitura e da escrita. Se considerarmos que, nas últimas

décadas, uma quantidade enorme de informação é produzida a cada momento, o

uso social da leitura e da escrita torna-se essencial para o indivíduo inserir-se

política e culturalmente na sociedade.

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Fazemos parte de uma sociedade letrada, em que a leitura e a escrita estão

presentes em todos os níveis educacionais e sociais. A alfabetização, concebida

como mera aquisição da técnica ou habilidade de leitura e escrita, não atende mais

à demanda da sociedade, pois, embora necessário, o conhecimento das letras não é

suficiente para uso competente da língua escrita. Ser alfabetizado não significa que

o indivíduo domine as habilidades de leitura e escrita e possa participar ativamente

de situações de comunicação que lhe são solicitadas. Neste enfoque de reflexão,

em meados da década de 1980, surge o termo ―letramento‖, ampliando o sentido

que, tradicionalmente, se conhecia por alfabetização. Mortatti (2007) explica:

Os primeiros registros de uso do termo ―letramento‖ no Brasil são creditados a: Mary Kato (1986), que o utiliza para salientar aspectos de ordem psicolinguística envolvidos na aprendizagem da linguagem, em especial sua aprendizagem escolar, por parte de crianças, e Leda Tfouni (1988), que estabelece um sentido para o termo, centrado nas práticas sociais de leitura e escrita e nas mudanças por elas geradas numa sociedade quando esta se torna letrada. Mas o termo passou a ser usado mais sistemática e extensivamente na década de 1990, a partir de publicações de Tfouni (1995), Kleiman (1995) e Soares (1995) (MORTATI, 2007,p.160).

Soares (2004) afirma que o letramento surgiu da necessidade de reconhecer

e nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que

as normas do ler e escrever, resultantes da aprendizagem do sistema de escrita.

Para a autora, houve um momento que os termos analfabetizado e alfabetizado não

eram mais suficientes para definir pessoas que haviam se apropriado da leitura e

escrita, contudo, não conseguiam utilizar tais saberes para produzir uma carta, um

ofício ou um simples bilhete. Destarte, o termo letramento surgiu em meio ao campo

semântico das palavras alfabetização, alfabetizar, analfabetismo e analfabeto.

A preocupação com o analfabetismo funcional levou a almejar o letramento

em vez da alfabetização. A UNESCO define analfabeto funcional como toda pessoa

que sabe escrever seu próprio nome, assim como lê e escreve frases simples e

efetua cálculos básicos, porém é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e

a escrita em atividades cotidianas, impossibilitando, desse modo, seu

desenvolvimento pessoal e profissional. Ou seja, o analfabeto funcional não

consegue extrair o sentido das palavras, nem colocar ideias no papel por meio da

escrita.

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Soares (1998, p.72) explica que ―letramento não é pura e simplesmente um

conjunto de habilidades individuais, é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura

e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social‖. Ela define

alfabetização como ação de ensinar/aprender a ler e a escrever. E letramento como

o resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever, ou seja, o estado ou

condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se

apropriado da escrita.

Destarte, a definição de indivíduo letrado significa que houve a apropriação

da leitura e da escrita, mas, sobretudo, que essa pessoa consegue interagir de

forma plena com os diversos gêneros discursivos que circulam na sociedade. Assim:

Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever; uma criança letrada (tomando este adjetivo no campo semântico de letramento e de letrar, e não com o sentido que tem tradicionalmente na língua, este dicionarizado) é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer de leitura e de escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes contextos e circunstâncias. (SOARES, 2004, p.52).

Quando trabalhamos com a perspectiva do letramento, consideramos que

letrar é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto em que leitura e escrita

tenham sentido. É preparar o aluno para a realidade na qual está inserido, e

perceber que, na medida em que ele vai se envolvendo em práticas de letramento,

vai construindo um novo olhar e transformando seu papel social. Soares (2004)

acredita que:

Socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural - não se trata propriamente de mudar de nível ou de classe social, cultural, mas de mudar seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura - sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente (SOARES, 2004, p. 37).

Por isso, o letramento possibilita inserir o indivíduo na cultura escrita, dando-

lhe condições de responder às demandas da sociedade, de agir sobre o mundo para

transformá-lo, de buscar sua liberdade e perceber as ideologias nos discursos.

Para Tfouni, ―enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por

um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-

históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade‖ (1995, p. 20).

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Segundo essa autora, a alfabetização significa a aprendizagem do código escrito,

enquanto o letramento considera os impactos que a aprendizagem da leitura e da

escrita tem em uma sociedade.

Corroboramos com Magda Soares quando diz que ―o ideal seria alfabetizar

letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura

e escrita, de forma que o indivíduo se torne ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado‖

(SOARES, 2004, p.47). Na sociedade atual, que é permeada pela cultura escrita, é

fundamental que os indivíduos saibam como produzir, entendam as mensagens e,

principalmente, possam viver em um ambiente onde ler e escrever sejam práticas

comuns.

Facilitar a disposição de uma vasta gama de materiais de leitura para os

educando é importante, pois o nível de letramento pode ser ampliado na medida em

que o indivíduo se depara com distintos tipos de leituras, tais como: ―literatura, livros

didáticos, obras técnicas, dicionários, listas, enciclopédias, quadros de horários,

cartas formais e informais, rótulos, cardápios, sinais de trânsito, sinalização urbana,

receitas‖ (SOARES, 2004, p.69).

Segundo Kleiman (2006), será por meio dessa interação que os educandos

conseguirão efetivar sua aprendizagem, independente da faixa etária em que se

encontrem e/ou da série e modalidade de ensino em que estejam inseridos. No que

se refere à apropriação dos processos de linguagem, verifica-se que, conforme a

aprendizagem é construída, os educandos passam a participar de forma mais ativa

na sociedade letrada.

Nos referenciais teóricos publicados por Kleiman (2006) e Soares (2004)

observamos que ambas concordam que a escola é a instituição de maior

representatividade para a construção do letramento, entretanto, o que constatamos

é que muitos educadores preocupam-se apenas em alfabetizar o aluno, em lugar de

torná-lo letrado, possibilitando, dessa forma, apenas que o aluno se aproprie dos

códigos para construir as competências que lhes permitirão ler e escrever, mas se

esquecendo de motivá-los a trazer tais habilidades para seu cotidiano, tanto no lar

como na escola. No que se refere ao trabalho do professor em prol do letramento,

Justo e Rubio (2013) fazem a seguinte afirmação:

Cabe aos professores transformar o aluno alfabetizado em uma pessoa letrada e isso se dá através de incentivos variados, no que diz respeito a diversos tipos de leituras, utilização de exercícios de

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interpretação e compreensão, além de vários outros tipos de ferramentas como revistas, jornais, internet, etc... O processo de ensino-aprendizagem de leitura e de escrita na escola não pode ser configurado como um mundo à parte e não ter a finalidade de preparar o sujeito para a realidade na qual se insere. Então, podemos dizer que, ensinar na perspectiva do letramento significa não somente levar o aluno a ser um analista de sua língua, mas, sobretudo um usuário consciente de que cada habilidade linguística tem um espaço específico de uso, ocorre de forma diferenciada e deve estar adequada à situação de comunicação (JUSTO; RUBIO, 2013, p.6).

À medida que a pessoa se torna letrada, adquire as estruturas intelectuais e

os saberes necessários para ressignificar seu cotidiano, podendo, inclusive,

participar de avanços tecnológicos significativos. Portanto, é imprescindível repensar

o papel social da escola, pois o letramento possibilita que o indivíduo modifique suas

condições iniciais, saciando expectativas sócio-econômicas e culturais da sociedade.

Para isso, é importante que os professores sejam letrados em sua área. Silva (1998)

afirma:

Os professores precisam desenvolver uma intimidade com os textos utilizados junto a seus alunos e possuir justificativas claras para a sua adoção. E mais: precisam conhecer a sua origem histórica e situá-los dentro de uma tipologia. Essa intimidade e esse conhecimento exigem que os professores se situem na condição de leitores, pois sem o testemunho vivo de convivência com os textos ao nível da docência não existe como alimentar a leitura junto aos alunos (SILVA,1998, p.65).

Assim, para que haja um ensino de qualidade, é necessário que nós,

professores, compreendamos o nosso papel social na construção de eventos de

letramento, pois somos mediadores entre os alunos e o objeto de conhecimento. É

grande a nossa responsabilidade em propiciar um maior grau de letramento aos

nossos alunos, uma vez que possibilitará melhores condições de inserirem-se

plenamente na sociedade, garantindo o pleno direito do exercício da cidadania.

1.2.1 Letramento literário

Se, por não ser que de excesso de socialismo ou barbárie, todas as nossas disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é

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a disciplina literária que devia ser salva, pois todas as outras ciências estão presentes no monumento literário. (BARTHES, 1980, p.25).

Formar os alunos como cidadãos da cultura-escrita é uma das principais

finalidades educativas da escola. A leitura literária exerce um papel preponderante

na conquista do domínio da capacidade da leitura e escrita. Lajolo enfatiza também

a importância da leitura literária no currículo escolar:

É a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso, a literatura é importante no currículo escolar. O cidadão para exercer, plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro: mas porque precisa ler muitos (LAJOLO, 2002, p.106)

Mas, o que significa ser um leitor competente? Para Colomer (2007), o leitor

competente não é aquele que possui conhecimentos informativos sobre a literatura,

nem tampouco alguém que tenha adquirido um aparato instrumental adequado para

uma análise textual própria da função de um leitor profissional especializado, mas é

alguém que sabe construir sentido nas obras lidas.

A leitura literária é, sem dúvida, um dos mais importantes instrumentos na

formação do leitor, pois, além de permitir o aumento do conhecimento de mundo,

possibilita fruição e prazer. Paulino (2004) afirma que formar um leitor literário

significa ajudar a constituir um sujeito que saiba fazer suas escolhas sobre leitura,

que reconheça construções e significações de cunho artístico, e que usa de

estratégias de leitura que sejam adequadas aos textos literários e aceita o pacto

ficcional proposto, reconhecendo marcas linguísticas de subjetividade,

intertextualidade e interdiscursividade.

Uma vez que entendemos a necessidade de letrar os alunos e não apenas

alfabetizar, trazemos essa valorização às práticas sociais de leitura e escrita também

para o ensino da Literatura. Diante dessa necessidade, estabelece-se a pertinência

do sintagma Letramento Literário. Sobre esse assunto, Zappone (2008) considera:

Para a apropriação do conceito e letramento aos estudos literários, estabelecemos a pertinência do sintagma letramento literário, sendo esse compreendido como o conjunto de práticas sociais que usam a escrita ficcional ou escrita literária enquanto sistema simbólico e

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enquanto tecnologia em contextos específicos e para objetivos específicos (ZAPPONE, 2008, p.31).

O trabalho com um conjunto de práticas sociais que utilizam a escrita

literária é requisito na conquista do letramento literário. Segundo Filipouski (2006),

por meio do desenvolvimento do letramento literário, aprimora-se a capacidade de

pensar e agir do leitor. Nessa direção, Coelho aponta:

A escola é, hoje, o espaço privilegiado, em que deverão ser lançadas as bases para a formação do indivíduo. E, nesse espaço, privilegiamos os estudos literários, pois, de maneira mais abrangente do que quaisquer outros, eles estimulam o exercício da mente; a percepção do real em suas múltiplas significações; a consciência do eu em relação ao outro; a leitura do mundo em seus vários níveis e, principalmente, dinamizam o estudo e conhecimento da língua, da expressão verbal significativa e consciente, condição para a plena realidade do ser (COELHO, 2000, p.20).

O letramento literário auxilia professor e aluno a não só a ler e interpreter

literatura, mas também a desenvolver a leitura e escrita como um processo de

significação e apropriação da literatura. Porém, para que isso aconteça, é necessário

haver atividades significativas norteadas pela leitura de um texto, em que se

promova a interação texto/leitor, discussão e produção de um saber relevante. Com

essa direção, o leitor poderá encontrar sentidos e atribuir significados no mundo

onde vive, favorecendo sua autonomia nas práticas sociais de leitura. A literatura

proporciona a participação ativa do sujeito como leitor analítico, reflexivo, com

potencial para formular suas próprias interpretações.

Diante dessa reflexão, o professor, como mediador entre o texto literário e os

educandos, deve traçar os caminhos que os educandos devem percorrer, precisa

levá-los a compreender, dialogar e discutir com aquilo que leram, estabelecer uma

relação de troca, uma experiência que os leve a questionar e tecer novas

concepções acerca da leitura realizada. E, nesse sentido, Jean Paul afirma que:

Se a literatura é verdadeiramente um patrimônio é, antes de mais nada, um patrimônio de debates, de trabalho interpretativo e propósito da pessoa humana, de sua sociabilidade, da diversidade sociocultural, e das possibilidades do uso da língua (Jean Paul, apud COLOMER, 2007, p. 27)

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De posse desse patrimônio, os educandos apropriam-se dos mecanismos da

linguagem, tornando-se leitores mais competentes no uso da língua, podendo

exercer melhor seus direitos como cidadãos, e se beneficiar da produção cultural.

Colomer (2007) também acredita que o contato com a literatura leva as crianças a

interiorizar os modelos do discurso, as palavras ou formas sintáticas presentes nos

textos que leem.

O texto literário, por sua riqueza de elementos culturais, permite a integração

com outros aprendizados, com os conhecimentos sociais, filosóficos, éticos,

históricos, artístico e, principalmente, com os linguísticos. Para Leadhy-Dios (2004),

a literatura, por se tratar de uma disciplina sustentada por um triângulo

interdisciplinar composto da combinação assimétrica de estudos da língua, estudos

culturais e estudos sociais, é fundamental no processo de educar sujeitos sociais.

Antônio Cândido define literatura como:

O processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor (CANDIDO, 2004, p.180).

Consoante às palavras de Cândido, entendemos que o texto literário

proporciona ao indivíduo maior sensibilidade e possibilita que ele desenvolva uma

visão crítica mais acentuada da realidade. Petit também confia na relevância da

literatura na formação do homem. Ela acredita que o jovem que entra em contato

com a literatura tem mais curiosidade pelo mundo real, pela atualidade e pelas

questões sociais, possui também melhores condições de imaginar, sonhar, superar

uma dificuldade afetiva, a solidão ou uma hipersensibilidade (PETIT, 2009, p. 160).

Cosson (2009, p. 16) considera que é no exercício da leitura e da escrita dos

textos literários ―que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos

padronizados da sociedade letrada e se constrói um modo próprio de se fazer dono

da linguagem que, sendo minha, é também de todos.‖

Um pressuposto para o letramento literário é não só desenvolver no

educando a capacidade de ler e compreender gêneros da esfera literária, mas

também levá-lo a descobrir o gosto do prazer estético em experiências que a leitura

pode proporcionar. Entretanto, para que o professor consiga levar o encantamento

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da literatura aos educandos, é essencial que seja um leitor. Petit (2009, p. 160)

traduz este sentimento quando diz que ―[...] para transmitir o amor pela leitura, e

acima de tudo pela leitura de obras literárias, é necessário que se tenha

experimentado esse amor‖.

O texto literário cumpre com sua função social, pois satisfaz a necessidade

espiritual e material e ajuda na manutenção ou na mudança dos valores sociais. Eco

(2003) diz que a literatura é arte e, por isso, ela nos convida à liberdade de

interpretação e nos coloca frente às ambiguidades da linguagem e da vida de uma

forma única e mágica.

Diante de seu caráter humanizador, a leitura de textos literários deve ser

garantida a todos, pois contribui para uma vida plena. Para Candido (2004), a fruição

da arte e da literatura é um direito inaliável, pois confere às pessoas um caráter

libertador. Ele acredita que a literatura tem tudo a ver com a luta pelos direitos

humanos e pode ser um instrumento consciente de desmascaramento ―pelo fato de

focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deles, como a

miséria, a servidão, a mutilação espiritual‖ (CANDIDO, 2004, p. 186).

Diante dessa reflexão, é possível perceber a importância que nós,

educadores, possuímos diante do letramento e da humanização de nossos

educandos. Pensando sobre esse processo, realizamos um estudo que tem como

foco a literatura e, no caso desta pesquisa, o texto poético tem sua razão de ser.

Compreendemos que o tempo escolar é escasso, porém é necessário criar espaços

distintos para a leitura literária, abrirmos os caminhos, para que, depois, nossos

educandos possam se aventurar sozinhos.

Mediante as considerações aqui expostas, na seção seguinte discutimos

sobre a opção pelo gênero poema para a elaboração e aplicação do projeto de

intervenção didático-pedagógica. Encerramos a presente seção com as palavras

provocantes de Grammonte:

:

A pensar a fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido. Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. [...]A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. [...] Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos

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para caminhos que devem necessariamente ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido. [...] Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida. Ler pode tornar o homem perigosamente humano (GRAMMONTE, 1999, p. 71-72)

1.3 A OPÇÃO PELO POEMA

Um bom poema pode ser estudado, relido e meditado vezes sem conta pelo resto da vida. Você jamais cessará de encontrar coisas novas nele, novos prazeres e encantos, e também novas ideias a respeito de você mesmo e do mundo (ADLER; DOREN, 1974, p. 219).

Acreditamos que o trabalho com o gênero discursivo poema pode ser um

instrumento eficaz na busca do aperfeiçoamento do letramento literário, uma vez que

sua essência permite perpassar vários gêneros e possibilita, também, trabalhar de

forma sublime com a subjetividade, devido à riqueza de seus elementos

caracterizadores como o sentido figurado, as metáforas, o ritmo, a rima, a

sonoridade.

Inserir o texto poético nas atividades de leitura e escrita com vistas ao

letramento é sugestão dos PCNs (2006), conforme texto a seguir:

A exploração dos efeitos de sentido produzidos pelos recursos fonológicos, sintáticos, semânticos, na leitura e na releitura de poemas poderá abrir aos leitores caminhos para novas investidas poéticas, para muito além desse universo limitado – temporal e espacialmente – de formação. (BRASIL, 2006, p.74).

O poema, quando bem explorado, é um importante aliado para o

aperfeiçoamento do letramento, uma vez que sua leitura demanda um olhar mais

atento, permitindo múltiplas leituras e atribuições de sentido. Para Colomer (2007), a

leitura de poemas, por desestabilizar a leitura espontânea, ferir a ordem lógico-

referencial de nossos hábitos de compreensão e representação do mundo e tornar

visível o processo de construção do sentido, requer um esforço interpretativo maior

do que o habitual em outras leituras.

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A proposta, apresentada neste trabalho, parte do conceito bakhtiniano de

que todo gênero corresponde a um enunciado que é relativamente estável no

conjunto das práticas discursivas em função do conteúdo temático (objeto de sentido

avaliativamente construído), da estrutura composicional (elementos de estrutura e

significação) e do estilo (as marcas linguístico-enunciativas). Esses conceitos são

discutidos nos PCN‘s, como mostra esse trecho:

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino (BRASIL, 1998, p. 23).

Para definição das características desse gênero, buscamos subsídios

teóricos em Perfeito e Vedovato (2011). As autoras estabeleceram as principais

características desse gênero em termos bakhtinianos:

Quadro 1 - Características do gênero discursivo poema

Contexto

de produção

Produtor: é representado sempre pelo papel social do poeta.

Destinatário: varia de acordo com os objetivos do autor.

Suporte: livros, jornais, internet, materiais didáticos diversos, entre

outros.

Contexto histórico e pessoal: normalmente influencia a forma-

linguagem empregada, bem como o arranjo do poema.

A construção

composicional

Apresentação: organização em versos, estrofes, rimas ou em versos

brancos e/ou livres. Pode respeitar, em casos específicos, a

metrificação. O ritmo é marcado pela relação do poeta com o seu

contexto. Assim, pode pulsar desenfreado no Modernismo ou pode se

apresentar de modo marcado como proposto pelos estudos literários

tradicionais.

O conteúdo Variável.

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temático

As marcas

linguístico-

enunciativas

Figura de linguagem e pensamento; forte presença de estratos

fonéticos/efeitos sonoros de linguagem, preocupação com a

construção visual. Possível emprego de neologismos, de utilização de

palavras-imagem e de paralelismo sintático.

Fonte: Perfeito; Vedovato (2011, p. 251).

Essas características, evidentemente, encontram-se indissociavelmente

ligadas ao contexto de produção. A teoria mobilizada pelo Círculo Bakhtin não traçou

planos para a didatização dos gêneros discursivos. Segundo Perfeito e Vedovato

(2011), essa é uma tarefa não muito fácil. As autoras afirmam que ―é preciso ter

convicção sobre a relevância da apropriação desses aportes teóricos para

abordagem nos domínios pedagógicos, pois a prática, nesses termos, é a garantia

de que a teoria será desenvolvida na perspectiva enunciativa, dialógica‖.

(PERFEITO; VEDOVATO, 2011, p. 247-248).

A aplicação da SD exigiu um cuidado maior, pois esse gênero requer mais

do falante, uma vez que envolve textos simples e complexos. Bakhtin (2006, p. 263)

considera o gênero ―poema‖ secundário, como verificamos na citação seguinte:

Os gêneros discursivos secundários (complexos-romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) – artístico, cientifico, sociopolítico, etc. No processo da sua formação, eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata. Esses gêneros primários, que integram os complexos, aí se transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios: por exemplo, a réplica do diálogo cotidiano ou a carta no romance. (BAKHTIN, 2003, p.263)

Acreditamos que, no Brasil, o âmbito escolar pode ser o único espaço que

realmente garanta à criança acesso a esse gênero. Ligia Averbuck acredita ser

responsabilidade da escola ―desenvolver no aluno (leitor) sua habilidade para sentir

a poesia, apreciar o texto literário, sensibilizar-se para a comunicação através do

poético e usufruir da poesia como uma forma de comunicação com o mundo‖

(AVERBUCK, 1982, p. 66). Nessa direção, Jolibert pontua:

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Quando a escola não exerce seu papel de mediadora, o campo da poesia pode permanecer totalmente estranho para muitas crianças, em particular às que pertencem a um meio familiar onde pouco ou nada se lê e onde as urgências funcionais mascaram a necessidade do imaginário [...], onde não se vê nem se ouve poemas na televisão [...] o imaginário segue outros caminhos que não a linguagem escrita (JOLIBERT,1994, p.195).

Devido a sua propensão de ser dramatizado, lido em voz alta e recitado, o

poema é um excelente instrumento na aprendizagem da comunicação oral. Por ser

unidade de sentido em sua maioria curta, possui a vantagem de poder ser lido,

recitado e analisado em apenas uma aula, o que facilita o processo de ensino.

Não é nossa pretensão fazer com que todos os nossos alunos se

transformem em poetas. Contudo, é necessário criar oportunidades para o prazer

estético, mostrar as multiplicidades das funções linguísticas, a autonomia da

linguagem, conduzir o aluno à leitura literária, encantá-lo para, consequentemente,

formar leitores e, talvez, poetas.

Acreditamos que a poesia contida nos poemas, por sua essência

humanizadora e reflexiva, é fonte de questionamento da realidade. Filipouski (2006)

declara:

A poesia é uma das formas mais radicais que a educação pode oferecer de exercício de liberdade através da leitura, de oportunidade de crescimento e problematização das relações entre pares e de compreensão do contexto onde interagem (FILIPOUSKI, 2006, p. 338).

Sobre esse aspecto, Bragatto entende que a leitura do poema ―abre

possibilidades aos leitores de não terem apenas pensamentos ou opiniões

convergentes, mas, sobretudo divergentes, geradores de uma multiplicidade de

ideias e interpretações (BRAGATTO, 1995, p.18). Com isso, podemos instaurar a

riqueza de questionamentos, a polêmica com o que o processo de produção de

sentidos se torna infinito.

Os PCNs (BRASIL, 2006) conferem ao ensino do gênero discursivo poema,

a perspectiva de contagiar, isto é, de despertar o interesse do leitor em buscar

outros textos do mesmo gênero para ler:

A exploração dos efeitos de sentido produzidos pelos recursos fonológicos, sintáticos, semânticos, na leitura e na releitura de poemas poderá abrir aos leitores caminhos para novas investidas

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poéticas, para muito além desse universo limitado – temporal espacialmente – de formação (BRASIL, 2006, p. 74).

Diante dessas considerações, percebemos o valor desse gênero na

formação do leitor e na potencialidade que representa para a ampliação do

letramento literário. O poema pode estar associado a outras práticas sociais, por

meio de métodos que tornem a leitura literária significativa para o educando, com

atividades que possam manter um diálogo com os interesses dele. Entretanto, o que

observamos é que o trabalho com o poema nas escolas ainda adquire um status

secundário, na maioria das vezes, utilizado apenas em datas comemorativas, para

ilustrar cartões, ou como pré-texto para atividades gramaticais.

Uma breve pesquisa, realizada nos registros de conteúdos dos professores

no estabelecimento de ensino em que essa pesquisa foi realizada, apontou que o

trabalho com o poema tem deixado muitas lacunas. Encontramos pouquíssimas

anotações sobre o ensino do poema e, quando localizadas, percebemos o caráter

secundário dispensado a esse gênero.

Diante desse quadro, percebemos a necessidade de inserir efetivamente o

poema nas salas de aula. Cabe ao professor buscar uma participação efetiva dos

alunos nas atividades propostas, ser o mediador entre o texto poético e o aluno,

levá-lo a dialogar com o texto, pois se o aluno for submetido a um trabalho pouco

estimulante, pode apresentar resistência e considerar o gênero de difícil

compreensão.

Confiamos que a partir do momento que conseguirmos contemplar os

elementos da linguagem poética e os interesses temáticos dos alunos, o poema

pode ser um importante aliado no aprendizado da língua oral e escrita, mas,

principalmente, na expansão do seu letramento literário.

Após termos realizado neste primeiro capítulo a discussão sobre o arcabouço

teórico, em que, fundamentados na perspectiva interacionista de linguagem,

discutimos questões relativas a gêneros de discurso e letramento, literário, no

próximo capítulo apresentamos a metodologia utilizada no desenvolvimento da

pesquisa.

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2 METODOLOGIA DA PESQUISA

Neste capítulo, apresentamos os aspectos metodológicos do presente trabalho, a

natureza da pesquisa, os instrumentos de geração de dados e o contexto

sociocultural no qual ocorre a investigação.

2.1 A NATUREZA DA PESQUISA

Toda e qualquer atividade desenvolvida, seja ela teórica ou prática, requer procedimento adequados. Justamente é o que a palavra método traduz. Assim sendo, também o estudo e o aproveitamento das atividades acadêmicas não dispensam um caminho adequado, qual seja, a organização, a disciplina, a dedicação corretamente orientada. Tudo isso facilita a atividade e obtém dela maior rendimento (BASTOS; KELLER, 1997, p. 11).

A coleta de dados e a análise deste trabalho se fundamentaram no modelo

de pesquisa qualitativo – interpretativo de cunho etnográfico.

Essa pesquisa se norteou na abordagem etnográfica, pois a busca de

respostas para o questionamento apresentado neste estudo implicou em interpretar

o discurso e o comportamento dos sujeitos da pesquisa dentro do seu contexto

social. Segundo Geertz (1978), o método etnográfico interpreta as questões culturais

que servem não apenas como pano de fundo, mas também como emaranhado do

qual não é possível escapar na avaliação do fenômeno. O cunho etnográfico,

segundo Gerhard e Silveira (2010), pode ser descrito da seguinte maneira:

- uso da observação participante, da entrevista intensiva e da análise de documentos;

- interação entre pesquisador e objeto pesquisado; - flexibilidade para modificar os rumos da pesquisa; - ênfase no processo, e não nos resultados finais; - visão dos sujeitos pesquisados sobre suas experiências; - não intervenção do pesquisador sobre o ambiente pesquisado; - variação do período, que pode ser de semanas, de meses e até

de anos;

- coleta dos dados descritivos, transcritos literalmente para a utilização no relatório (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p.41).

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Diante dessa descrição, é possível perceber o quanto a etnografia pode ser

importante em pesquisas educacionais, pois valoriza e reconhece os múltiplos

sentidos dos fatos que se apresentam no contexto de uma sala de aula. A pesquisa

etnográfica constitui uma ferramenta valiosíssima, porque estuda os sujeitos nos

seus ambientes naturais. Ludke e André (1986) consideram que:

O uso da etnografia em educação deve envolver uma preocupação em pensar o ensino e aprendizagem dentro de um contexto cultural mais amplo. Da mesma maneira, as pesquisas sobre a escola não devem se restringir ao que se passa no âmbito da escola, mas sim relacionar o que é aprendido dentro e fora da escola (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.14).

Esta pesquisa está inserida no campo da pesquisa-ação, pois houve

interação direta entre pesquisador e os sujeitos dela participantes. Por ser pesquisa-

ação, houve a preocupação em intervir na própria sala de aula em que atuamos,

devido à compreensão de que há lacunas a serem superadas.

Entendemos que a pesquisa-ação caracteriza-se como um avanço, na

medida em que se criam estratégias para que o professor, ou o investigador, avalie a

sua própria prática e aprimore o seu ensino. A pesquisa-ação, segundo Thiollent

(2000), é aquela em que o pesquisador, a partir de base empírica, propõe uma ação

ou resolução de um determinado problema de modo cooperativo ou participativo.

Corroborando com essas discussões, Fonseca (2002) nos diz:

A pesquisa-ação pressupõe uma participação planejada do pesquisador na situação problemática a ser investigada. O processo de pesquisa recorre a uma metodologia sistemática, no sentido de transformar as realidades observadas, a partir da sua compreensão, conhecimento e compromisso para a ação dos elementos envolvidos na pesquisa. O objeto da pesquisa-ação é uma situação social situada em conjunto e não um conjunto de variáveis isoladas que se poderiam analisar independentemente do resto. Os dados recolhidos no decurso do trabalho não têm valor significativo em si, interessando enquanto elementos de um processo de mudança social. O investigador abandona o papel de observador em proveito de uma atitude participativa e de uma relação sujeito a sujeito com os outros parceiros. O pesquisador, quando participa na ação, traz consigo uma série de conhecimentos que serão o substrato para a realização da sua análise reflexiva sobre a realidade e os elementos que a integram. A reflexão sobre a prática implica em modificações no conhecimento do pesquisador (FONSECA, 2002, p.35).

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Entendemos que a pesquisa-ação requer ação, tanto na prática como na

pesquisa, sendo necessária uma reação imediata e eficaz na medida em que

ocorram os eventos para que, de fato, haja condições para transformar situações

indesejadas dentro da própria escola. Para Thiollent (2000), parte-se da articulação

do conhecimento para conscientizar pessoas a solucionar problemas significativos

para a sociedade.

Quanto aos meios de investigação, a pesquisa foi de campo. Como

procedimento inicial de estudo, fundamentamo-nos em referenciais bibliográficos

que permitiram a construção de todo o processo desencadeado. Os autores

pesquisados contribuíram para a elaboração da fundamentação teórica, apresentada

anteriormente, com o intuito de fortalecer discussões embasadas em princípios

científicos.

Ao definir esse tipo de pesquisa, Fonseca (2002) estabelece:

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o assunto (FONSECA, 2002, p.32).

A efetivação da pesquisa bibliográfica depende de um estudo delineado de

forma sistematizada, a partir da consulta de fontes primárias ou secundárias, para

que sejam tecidos os principais aspectos das obras consultadas. Ao mesmo tempo,

o estudo produzido, configura-se como um referencial de pesquisa para outros

estudiosos.

Caracterizou-se como pesquisa de campo porque se realizou no local onde

ocorreu o fato social que estava sendo investigado, baseou-se nos fatos tais quais

ocorreram na realidade, sem que interferíssemos nos resultados.

Quanto à natureza, a pesquisa caracterizou-se como qualitativa porque

possuíamos um ambiente natural (sala de aula), um grupo específico (um 8º ano de

uma escola pública no município de Foz do Iguaçu/PR), e o objetivo era

compreender os significados dos fatos sem que houvesse necessidade de fazer

comparações nem de quantificar dados.

Ao buscarmos os aspectos teóricos que definem tal pesquisa, Gerhardt e

Silveira (2010) destacam:

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As características da pesquisa qualitativa são: objetivação do fenômeno; hierarquização das ações de descrever, compreender, explicar, precisão das relações entre o global e o local em determinado fenômeno; observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural; respeito ao caráter interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados empíricos; busca de resultados os mais fidedignos possíveis; oposição ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências (GERHARDT; SILVEIRA, 2010, p.32).

Gerhardt e Silveira (2010) afirmam que a pesquisa qualitativa é utilizada por

pesquisadores que buscam métodos de análise capazes de explicar o porquê das

coisas, sem que os princípios quantitativos (métodos e técnicas estatísticas) sejam

seu principal objetivo.

O principal instrumento da pesquisa qualitativa é o pesquisador, pois tem

contato direto com a atividade a ser investigada em um trabalho de campo, conforme

explica Rey:

A pesquisa qualitativa também envolve a imersão do pesquisador no campo de pesquisa, considerando este como cenário social em que tem lugar o fenômeno estudado em todo o conjunto de elementos que o constitui, e que, por sua vez, está constituído por ele. O pesquisador vai construindo, de forma progressiva e sem seguir nenhum outro critério que não seja o de sua própria reflexão teórica, os distintos elementos relevantes que irão se configurar no modelo do problema estudado. (REY, 2002 apud REY 2005, p.81).

Os dados desta pesquisa foram gerados por meio de depoimentos, de

anotações feitas por nós, e gravações em áudio e vídeo. Bogdan e Biklen (1994)

afirmam que, na pesquisa qualitativa, os dados são recolhidos em forma de palavras

e imagens, sendo que a maior preocupação está no processo e não no produto ou

resultado.

Como resultado de pesquisas qualitativas, são produzidas informações

aprofundadas e ilustrativas sobre aspectos da realidade de interesse do

pesquisador, que, segundo Minayo (2002), apoiam-se em um grande universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes que delineiam um

conjunto de processos e de fenômenos.

Na pesquisa qualitativa, o pesquisador busca compreender a totalidade dos

fenômenos estudados, procurando interpretá-los a partir da utilização de

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instrumentos formais e semi-estruturados que lhe permitem analisar as informações

captadas de forma organizada e intuitiva (GERHARDT; SILVEIRA, 2009).

A interpretação do ambiente, nesta pesquisa, deu-se a partir de um projeto

previamente traçado que buscava responder questões problematizadoras a partir

das de nossas considerações. Como diz Bradey (1993, p. 433) ―na pesquisa

qualitativa, o pesquisador é um interpretador da realidade‖.

Esta pesquisa é de natureza aplicada, visto que detectou um problema que

envolve uma questão de linguagem dentro do campo do ensino da Língua

Portuguesa, e objetivou contribuir para a solução desse problema de forma concreta

e imediata. Vilaça (2010), buscando em vários autores os objetivos da pesquisa

aplicada, aponta-os: buscar respostas e resoluções para os problemas, formular

teorias, testar teorias, produzir conhecimentos, caracterizar um contexto ou uma

população, mensurar fenômenos, identificar probabilidades, observar e descrever

comportamentos, explorar um aspecto pouco conhecido, determinar condições de

fenômenos e estabelecer classificações.

A pesquisa propôs-se vincular o trabalho científico à necessidade de buscar

a solução para o baixo índice de letramento dos alunos. Buscou-se o conhecimento

para a solução de problemas específicos de uma sala de aula de uma determinada

comunidade escolar.

2.2 INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar (BARTHES, 1980, p.47).

Considerando a facilidade dos métodos eletrônicos na revisão dos eventos

para análise de dados, optamos pelos registros em áudio e vídeo. Para Sadalla e

Larocca (2004), a videogravação é um instrumento bastante adequado quando se

pretende estudar alguns fenômenos complexos, como por exemplo, a prática

pedagógica, por ser ela carregada de vivacidade e dinamismo e por sofrer

interferência simultânea de múltiplas variáveis. Segundo elas, ―a vídeogravação

permite registrar, até mesmo, acontecimentos fugazes e não-repetíveis que muito

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provavelmente escapariam a uma observação direta‖ (SADALLA; LAROCCA, 2004,

p. 423).

Como a pesquisa se refere a um grupo de adolescentes, é relevante

observar que eles são inquietos, falam ao mesmo tempo e, mediante a gravação em

vídeo, é possível capturar acontecimentos que não seriam possíveis de serem

registrados por escrito no momento da ocorrência.

Porém, as gravações não dispensam nem substituem os diários de campo e

a observação participante. Mediante a observação participante, houve a interação

pesquisador/ pesquisado, e as relações desenvolvidas com o grupo permitiu a

autoanálise, implicou em saber ouvir, em partilhar os afetos de uma comunidade

escolar, em aprender com os erros cometidos durante o trabalho e tirar proveito

deles.

O diário de campo é fonte de informações adicionais, já que possibilita

retratar também a realidade vista pela óptica do investigador, sua interpretação e

conclusões a respeito dos fatos, articulando teoria e prática. Para Symon (2004, p.

98), os diários são usados para o registro de ―reações, sentimentos,

comportamentos específicos, interações sociais, atividades e/ou eventos‖, em um

período de tempo determinado. O diário de campo, nesta pesquisa, permitiu dar voz

aos participantes da pesquisa, propiciou suporte para que pudéssemos entrar em

contato com as visões que eles têm da realidade, com os insights da aprendizagem,

e colaborou para o processo de reflexão a respeito do tema estudado.

2.3 O CONTEXTO DA PESQUISA

Acho que só há um caminho para a ciência — ou para a filosofia: encontrar um problema, ver a sua beleza e apaixonarmo-nos por ele; casarmo-nos com ele até que a morte nos separe — a não ser que encontremos outro problema ainda mais fascinante (POPPER, 1987, p. 59)

Para realizar esta pesquisa, tomou-se como campo de investigação uma

turma de alunos de um colégio situado na periferia da cidade de Foz do Iguaçu –

PR. A escolha justifica-se pelo fato de atuarmos como professora da disciplina de

Língua Portuguesa nesse estabelecimento de ensino por mais de quinze anos.

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O colégio conta com aproximadamente 600 alunos matriculados nos três

turnos. Oferece o Ensino Fundamental II, Ensino Médio e a modalidade EJA. Por

situar-se em um bairro próximo à divisa com o Paraguai, atende muitos alunos

oriundos desse país.

Uma grande parte dos alunos matriculados nesse estabelecimento de ensino

trabalha em diversas atividades na fronteira que divide Foz do Iguaçu (Brasil) e

Ciudad Del Este (Paraguai). Nesse ambiente de trabalho, é comum perceber

práticas legais e ilegais dividindo um mesmo espaço, e essa realidade acaba se

refletindo em sala de aula. Cardin (2012) aponta:

No interior de um universo dinâmico, milhares de sujeitos sociais disputam e se articulam em torno de interesses diversos, a luta pela sobrevivência de uns divide o mesmo território com os esforços ambiciosos de outros pelo lucro alto e fácil. A fronteira se apresenta como um imenso caldeirão, de conteúdo denso e quente, onde borbulham interesses e temperos diferentes, onde os aromas se misturam, resultando em uma realidade ímpar (CARDIN, 212, p. 208).

Estes sujeitos sociais, em sua maioria, trabalham em péssimas condições de

higiene e alimentação. São carregadores de volume, guias, cigarreiros (quem

transporta o cigarro), barqueiro (quem leva a mercadoria pelo rio), sacoleiros (quem

atravessa e distribui as mercadorias no Brasil), laranjas (quem transporta

mercadoria), enfim, ocupam um imenso rol de atividades instáveis e clandestinas, as

quais não oferecem nenhum tipo de segurança, tampouco condições de trabalho e

de renumeração.

Eles são oriundos de diversas etnias, com predominância de árabes e

chineses. Muitos vieram atraídos pela construção da usina de Itaipu, outros pela

oportunidade de ganhar dinheiro fácil no comércio da fronteira.

A turma escolhida para a realização da pesquisa é o 8° ano A. Essa turma

conta com um total de 30 alunos, na faixa etária de 12 a 15 anos, que frequentam

regularmente as aulas no período matutino. Lembramos que, por ser uma pesquisa

qualitativa, apoiados em Minayo (2002), o critério numérico não é levado em

consideração para garantir a amostragem de qualidade, nem a possibilidade de

abrangência do problema investigado em suas múltiplas funções.

Após a apresentação da metodologia da pesquisa e da caracterização do

contexto e dos sujeitos participantes, a seguir abordamos a noção de sequência

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didática (SD) como metodologia para o trabalho didático com o gênero poema,

acompanhada do material organizado no formato SD, que foi efetivada em sala de

aula com o objetivo de ampliar o letramento literário de uma turma de alunos do 8º

ano do EF, conforme descrito anteriormente.

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3 SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Propõe-se, primeiramente, neste capítulo, um aprofundamento teórico a

respeito das discussões sobre sequências didáticas propostas por Dolz, Noverraz e

Schneuwly (2004). Posteriormente, apresentamos o exemplar do material utilizado

no projeto de intervenção aplicado, e finalizamos com relato e análise dos resultados

obtidos na pesquisa.

3.1 SEQUÊNCIA DIDÁTICA – UMA PERSPECTIVA PARA O ENSINO DA LÍNGUA

Quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares (MARCUSCHI, 2002, p. 19).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997; 1998), o Plano Nacional

do Livro Didático (PNLD) e as Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE- PARANÁ,

2008), como dito anteriormente, preceituam que o ensino da LP esteja ancorado no

trabalho com os gêneros discursivos/textuais. Entretanto, para que estes entrem em

sala de aula, é necessário que passem por um processo de transposição didática,

por meio do qual são definidos, do conjunto de conhecimentos sobre um dado

gênero discursivo, quais conteúdos serão ensinados, tendo em vista os propósitos

pretendidos.

Nessa direção, compreendemos que a sequência didática, orientação teórico-

metodológica proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), baseado nos

conceitos bahktinianos, direciona para um trabalho que favorece ―a promoção dos

alunos ao domínio dos gêneros e das situações de comunicação‖. (DOLZ;

NOVERRAZ; SCHENEUWLY, 2004, p. 97).

As sequências didáticas são atividades que, ligadas entre si, planejadas etapa

por etapa de acordo com os objetivos escolares, propõem o aperfeiçoamento de

uma determinada prática de linguagem. Para Araújo (2013), são atividades

sequenciadas executadas de forma gradual e planejada por meio de núcleos

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temáticos e procedimentais, para que o educando se aproprie dos aspectos

componentes da língua escrita e oral.

O direcionamento do processo de ensino apoiado em sequência didática

parte dos saberes prévios dos educandos, permitindo-lhes se apropriar de novos

conhecimentos científicos na medida em que são orientados progressivamente,

passo a passo, pelo professor. A partir de estudos exploratórios, pesquisas,

atividades orais e escritas sobre um determinado gênero, os educandos terão a

oportunidade de vivenciar, de forma intensa, o processo de construção de novos

saberes.

Para Dolz, Noverraz e Schneuwly, ―uma sequência didática tem,

precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto,

permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada

situação de comunicação‖ (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais também orientam neste sentido:

No processo de ensino aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental, espera-se que o aluno amplie o domínio discursivo nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania (BRASIL,1998,p.32).

Ao promover o encaminhamento da SD, Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004)

apontam para um procedimento que possibilita criar um espaço para que o professor

desenvolva um trabalho com práticas de linguagem, conforme podemos observar na

figura abaixo.

Figura 1 - Esquema da sequência didática

Fonte: Dolz; Noverraz;Schneuwly (2004, p.98)

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De acordo com o esquema, ao promover o encaminhamento da SD, Dolz,

Noverraz e Schneuwly (2004) afirmam que o professor precisará apresentar aos

educandos as atividades a serem realizadas e os gêneros abordados para que,

posteriormente, realizem a produção inicial ou diagnóstica. Em seguida, após a

análise dos dados gerados, dar-se-á a implementação dos módulos a serem

trabalhados, até que possam realizar uma produção final.

Depois do contato com os diversos módulos, os educandos poderão realizar

uma produção final. Com ela, o professor poderá perceber os conteúdos

assimilados, as dúvidas e o progresso obtido com a sequência didática do gênero

proposto.

Ao longo da abordagem de cada módulo, o professor deverá trabalhar com

os problemas evidenciados na produção inicial (oral ou escrita), direcionando os

instrumentos necessários para que os educandos consigam superá-los.

Anteriormente à produção inicial dos educandos, o professor deve ter claro os

objetivos a serem alcançados. Entretanto, é possível que necessite fazer algumas

adaptações, entre as quais os autores mencionam:

- analisar as produções dos alunos em função dos objetivos da sequência e das características do gênero;

- escolher as atividades indispensáveis para a realização da continuidade da sequência;

- prever e elaborar, para os casos de insucesso, um trabalho mais profundo e intervenções diferenciadas no que diz respeito às dimensões mais problemáticas (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p.111).

Se os alunos não conhecerem os gêneros discursivos trabalhados na SD,

obviamente o professor não precisará elaborar uma produção inicial, podendo

avançar em direção ao módulo inicial. Ao longo do trabalho, poderá ser utilizada

avaliação formativa e continuada (FREITAS, 2004) para identificar aspectos gerais

da aprendizagem.

Os conteúdos da sequência didática são organizados de forma lógica,

apoiando-se em distintos níveis de complexidade. O número de módulos executados

varia de acordo com os conteúdos a serem abrangidos, os objetivos do professor e o

perfil da turma, entre outros fatores que influenciam em seu desenvolvimento prático.

Ao descrever a importância da elaboração de uma SD, Araújo (2013) considera:

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[...] a ideia central de uma SD é a didatização de um gênero cuja produção é processualmente elaborada. Embora, tal conceito tenha sido, em princípio, apresentado para o ensino de escrita, pode e deve ser empregada para o ensino de leitura e de análise linguística. Acreditamos que ensino de um gênero, seja escrito ou oral, implica na realização de procedimentos, atividades e exercícios sistemáticos que envolvem esses três componentes do ensino de língua: leitura, análise linguística e produção (ARAUJO, 2013, p.324-325).

O trabalho em sala de aula permitirá ao aluno observar a evolução lógica da

SD e de seus módulos. No que diz respeito às produções, cabe ao professor

escolher as metodologias mais adequadas, as quais podem ser desenvolvidas de

modo coletivo ou individual. Essas produções precisam passar pelo processo de

reescrita, uma fase importante para a efetivação da aprendizagem.

A progressão da SD deve acompanhar a promoção dos alunos nas distintas

séries da educação. É importante que o professor tenha consciência de que, em

uma sequência didática, não é necessário abranger todas as dimensões ensináveis

do gênero em si. Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) orientam um trabalho de

apropriação da linguagem em ―espiral‖. Isso significa que o trabalhado deve ser

planejado de acordo com o nível dos alunos, entendendo que o mesmo gênero pode

ser retomado em etapas seguintes.

Para facilitar esse processo, os autores sugerem que o professor realize um

agrupamento de gêneros, e estes, embora não possam ser classificados de forma

absoluta, podem ser postos sobre certa hierarquia marcada por uma progressão.

Assim, no ano seguinte, ainda que não seja o mesmo professor a trabalhar com uma

determinada turma, o novo profissional poderá dar continuidade ao trabalho

desenvolvido.

Ao organizar o ensino adotando a SD, é necessário que o professor esteja

ciente de que o foco é o domínio do gênero e a ação que o educando pode realizar

através dele, e não a temática, tradição muito adotada no Brasil.

Dando continuidade a este capítulo, apresentamos a Sequência Didática.

Contudo, gostaríamos de esclarecer que, tendo em vista que a SD apresentada

nesta dissertação conta, primeiro, com a proposta para ser apresentada em sala de

aula, os verbos por nós utilizados, quando flexionados, constam no tempo presente

ou no futuro do indicativo.

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3.2 APRESENTAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Nesta seção, é apresentada uma proposta metodológica que visa inserir o

poema nas atividades de leitura e escrita com vistas ao aperfeiçoamento do

letramento literário.

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4 DESCRIÇÃO DAS OFICINAS, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

[...] A importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. [...] a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós (BARROS, 2019, p.109).

Neste capítulo, apresentamos a análise e discussão dos dados,

evidenciando o processo de transposição didática do gênero poema para o trabalho

com o letramento literário. A estrutura de base da SD foi constituída pelas seguintes

etapas: Apresentação da Situação; Produção Inicial; Módulo1; Módulo 2; Módulo 3 e

Produção Final.

Após a produção final, garantimos a circulação do gênero, sugestão de

Costa-Hübes (2008) baseada na proposta teórica metodológica de Dolz, Noverraz e

Schneuwly (2004). Segundo a autora, ―uma vez reescrito o texto e sanados os seus

problemas, este deve cumprir a sua função social, ou seja, é o momento da

circulação do gênero, tendo em vista o(s) interlocutor(es) definido(s) inicialmente‖

(COSTA-HÜBES, 2008,p.168).

No estudo em questão, conforme dito anteriormente, foram utilizados os

instrumentos de diário de campo, observação participante, gravação em áudio e

vídeo, com registros de cunho etnográfico. As atividades foram aplicadas com o

objetivo de promover a leitura e a ampliação do letramento literário dos participantes.

A Sequência Didática foi trabalhada ao longo de 28 dias letivos.

Sintetizamos, aqui, também, os registros mais relevantes do nosso diário de campo

no desenvolvimento da SD. Esses registros são importantes uma vez que se trata de

uma pesquisa-ação e neles contenham percepções e decisões tomadas durante o

desenvolvimento do projeto.

Destacamos que o material em análise (diário de campo, figuras, áudio e

vídeos), seguindo-se os procedimentos de ética em pesquisa, está sendo utilizado

para fins de estudo acadêmico, e seu uso foi autorizado pelos responsáveis, tanto

pela escola, quanto pelos alunos. Os termos de consentimento para uso das

informações e das imagens estão disponíveis nos arquivos da pesquisa.

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4.1 CONVERSA INICIAL

Em uma conversa inicial com os educandos, antes da Apresentação da

Situação, investigamos as impressões que eles tinham a respeito de gostar de ler.

Os trechos a seguir, coletados durante as gravações das aulas, expressam alguns

momentos desse diálogo. Embora estes tenham sidos coletados em áudio,

procedemos a sua edição, fazendo apenas adequações no que tange às normas da

escrita. P refere-se à professora, e A refere-se a alunos, seguindo-se um número

cardinal que identifica os alunos conforme sua inserção no diálogo. Empregamos [...]

para indicar trechos inaudíveis, e [[]] para registrar comentários da pesquisadora.

P: Você gosta de ler? A1: Se o livro for bom sim. P: E de ler poemas. A1: Não. P: [...] Gosta de ler poemas? A2: Mais ou menos. P: Por quê? A2: [...] são confusos. P: Você gosta de ler poemas? A3: Gostar mesmo não sei..... mas já declamei duas vezes. P: Quando? A3: Uma vez no dia das mães e outra na semana da pátria. P: Você gosta de ler? A4: Gosto, mas os professores só passam livros chatos. P: Gostaria de participar de um projeto que envolve a leitura de poemas? A4: Acho que não....é chato ler poemas, dá pra ser sobre outra coisa?

Durante o diálogo, foi possível perceber que os educandos demonstraram

interesse pela leitura, porém apresentavam ressalvas quanto à leitura de poemas,

conforme constatamos na fala de A1- ―Não‖, A2- ―Mais ou menos‖, A3- ―não sei‖, A4-

―é chato‖.

Essas manifestações são indícios de que a prática de leitura de poemas é

algo que não está presente no gosto desses alunos. Quando A3 diz que declamou

―uma vez no dia das mães e outra na semana da pátria‖ observamos um tratamento

que qualificamos como secundário para os poemas, tendo em vista o seu uso

apenas em datas comemorativas. Essa prática escolar pode ser apontada como um

dos motivos da rejeição à leitura de poemas, quando se despreza seu valor estético,

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em favor de um uso moralizante ou pedagógico. Compartilhamos com o ponto de

vista de Gebara, dizendo ser necessário ―assumir que o texto poético não é espaço

para posturas moralizantes ou didatismo, nem veículos dos valores a serem

preservados pela sociedade ou grupo social a que pertencem o autor e o leitor‖.

(GEBARA, 2002, p 35).

De certo modo, os alunos consideram o poema e seu estudo difícil. A

resposta de A2 confirma esse entendimento quando diz que os poemas são

―confusos‖. Averbuck (1993) constatou a ausência do ensino do poema na escola e

afirma que, quando acontece, são inúmeros os erros cometidos como, por exemplo,

um estudo pautado somente em transmitir conhecimentos sobre rima, métrica,

versos, estrofes e aspectos gramaticais. Pinheiro (2012) acredita que a ideia de que

o poema possui uma linguagem mais rebuscada e estrutura complexa afasta o

poema da sala de aula. Porém, a leitura do poema vai além de sua estrutura, é

sentimento, experiência estética. Não podemos privar os alunos da riqueza que há

nesse gênero discursivo. Para Pinheiro (2003), existe uma crise de leitura de

poemas na sala e, segundo ele, isso acontece porque a poesia não é vista com um

valor em si mesma, em sua essência.

É fundamental fazer uma boa escolha do texto poético. Na seleção,

conforme afirma Pinheiro (2003), deve-se levar em consideração os critérios

estéticos que o constituem, como o ludismo sonoro, as imagens simbólicas e a

riqueza da linguagem figurada que ele contém.

Nas respostas de A4, há uma reclamação quanto aos livros que os

professores definem para leitura. Segundo A4, trata-se de ―livros chatos‖. Práticas de

leitura e de abordagem do texto literário podem estar por trás da ideia de que os

livros que a escola oferece são chatos. Conforme Rocco (1994), o jovem gosta de

ler, o que não gosta é de ler os livros que a escola pede. Portanto, há a necessidade

de um trabalho específico para que os alunos descubram e reconheçam a boa

literatura.

O contato com o texto literário é fundamental e compete à escola essa

função. Segundo Barbosa (2009), a escola deve repensar suas escolhas e, para

tanto, é importante ouvir o que dizem os alunos sobre os livros que leem por desejo

ou por obrigação. Além disso, segundo a autora, é importante que o professor

conheça os motivos de resistência à leitura do texto literário, não só para buscar

uma aproximação com os alunos, mas também, e talvez principalmente, para que

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possa oferecer a eles oportunidades de conhecer textos e autores dos quais ainda

não aprenderam a gostar.

A escola, como principal agenciadora do letramento (KLEIMAN, 2006) e por

conseguinte, do letramento literário, deve ajudar o aluno a perceber que a leitura

pode ser uma atividade prazerosa. Acreditamos que o gosto pela leitura é algo a ser

―ensinado‖, portanto ela precisa fazer parte do cotidiano escolar.

Após essas perguntas de aquecimento inicial sobre gosto de leitura, e tendo

em vista a constatação de que havia pouco interesse de participar de um projeto de

leitura, buscamos estratégias para motivar a turma a ouvir a proposta que tínhamos

a fazer. A primeira estratégia consistiu em declamar o poema ―Caso do Vestido‖ de

Carlos Drummond de Andrade. Explicamos o contexto histórico do poema, falamos

um pouco sobre o autor e iniciamos a declamação. Como havíamos decorado o

poema, ficou mais fácil se concentrar no timbre da voz, na entonação, no ritmo e na

expressão corporal. O trecho a seguir, constante no diário de pesquisa, descreve

nossa percepção quanto a esse momento:

O poema de Carlos Drummond de Andrade contagiou a turma. Eles aplaudiram, ficaram entusiasmados. Sugeri então que encenássemos o poema, aproveitei o momento de empolgação e distribuímos os papéis. Como eu já havia decorado o poema, os alunos acharam que eu deveria participar. Três alunas, as mais extrovertidas, encenaram os outros papéis. Foi divertido, muitos queriam dar sugestões, muitas risadas. Indaguei se eles haviam, realmente, gostado do poema e eles afirmaram que sim, que ―esse poema era mesmo muito legal‖. Uma aluna me pediu se havia, na biblioteca, livros de poemas, pois ela queria ler. (DIÁRIO DE PESQUISA, 26 de setembro de 2014).

A outra atividade proposta utilizada para motivação era a de assistirmos ao

filme ―Sociedade dos Poetas Mortos‖ (Dead Poets Society. Direção: Peter Weir, 128

minutos, 1989) que conta a história de um professor de poesia que inspirava seus

alunos a perseguir as suas paixões individuais e tornar suas vidas extraordinárias.

Passadas algumas informações técnicas sobre o filme, pedimos para eles que,

durante o filme, anotassem trechos que lhes chamassem a atenção.

A nossa preocupação, sempre que vamos exibir um filme, é se

conseguiremos a atenção da turma. Sabemos o quanto fica difícil quando os alunos

não se interessam, eles querem sair da aula, conversar com os colegas, enfim,

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achar um pretexto para passar o tempo. Mas, como já suspeitávamos, o filme

cativou.

Parávamos o filme em alguns momentos, alguns sugeridos por mim, outros,

por eles, para que pudessem anotar algumas passagens. A anotação do diário de

pesquisa a seguir ilustra esse trabalho.

Quando o filme terminou, eu e mais alguns alunos estávamos emocionados. Reservamos um espaço para debate. Eles comentarem sobre as impressões que tiveram. Então, pedi para transcreverem no quadro as frases que haviam extraído do filme. Esses foram os trechos:

- ―Carpe diem. Aproveitem o dia, meninos. Façam de suas vidas uma coisa extraordinária."

- ―Não importa o que dizem a você, palavras e ideias podem mudar o mundo‖.

- ―Não lemos e escrevemos poesia porque é bonitinho, lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana e a raça humana está repleta de paixão.

- ―Medicina, lei, negócios e engenharia são ocupações nobres para manter a vida. Mas poesia, beleza, romance e amor são razões para ficar vivo‖.

- ―Quando você pensa que conhece alguma coisa, você tem que olhar de outra forma. Mesmo que pareça bobo ou errado, você deve tentar!‖

Comentamos os trechos. Um aluno me falou que já estava gostando do projeto. (DIÁRIO DE PESQUISA, 02 de outubro de 2014).

Nessas anotações podemos perceber o processo de apropriação da palavra

de outrem (BAKHTIN, 1997, 2003), por meio dos trechos do filme selecionados e

registrados pelos alunos. Observamos que o diálogo com o filme havia se iniciado e

estava sendo materializado por meio dessas menções. Além disso, observamos o

indício de engajamento de um aluno para participação no projeto de intervenção

didática. Entendemos isso como uma contrapalavra (BAKHTIN, 1997) com sentido

de adesão, diferente das contrapalavras iniciais, em que os alunos manifestaram

pouco interesse em interagir com poemas.

Outro aspecto que destacamos é a motivação, que deve ser considerada um

requisito, uma condição prévia da aprendizagem. Nesse sentido, encontrar maneiras

de favorecer o envolvimento dos educandos em tarefas de aprendizagem é um

desafio para nós professores. A estratégia funcionou, conseguimos despertar o

interesse da turma para ouvir a proposta. O fato de uma aluna ter se interessado por

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livros de poemas e de outro afirmar que estava gostando do projeto, nos deixou mais

tranquilos para a etapa seguinte, em que apresentaríamos a proposta, ou seja, a

Apresentação da Situação.

4.2 APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO

Conforme Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), a Apresentação da Situação

deverá ser o momento em que os educandos construirão uma representação da

situação de comunicação proposta na SD, e da atividade de linguagem a ser

executada. Portanto, cabe a nós, professores, apresentar o gênero discursivo que

será estudado e compartilhar com a turma, ou seja, o projeto de comunicação em

que estarão envolvidos durante o percurso da SD. Nessa etapa, é importante

também discutir com os educandos a situação de interação que o trabalho deverá

atender quanto à Produção Final e a Circulação do Gênero. Para isso, organizamos

uma ―roda de conversa‖.

Depois de expostas as principais etapas do projeto, entregamos um

pequeno diário para cada aluno. Ele seria utilizado para que os alunos copiassem

alguns poemas, anotassem ideias e impressões, e para que registrassem suas

criações poéticas.

Estava um pouco apreensiva com essa proposta de atividade, pois não sabia a reação dos meninos quanto a possuir e escrever em um diário, [[dado que em nossa cultura o uso de diários é visto como algo restrito às meninas (ou mulheres)]]. Cuidei para que os diários deles fossem diferentes dos das meninas. Porém, eles me surpreenderam, aceitaram bem. Os alunos personalizaram a capa com nomes como ―diário poético‖ ou ―registros poéticos‖. (DIÁRIO DE PESQUISA, 07 de outubro).

Nesse trecho observamos que um conceito pré-concebido, de que meninos

não estariam dispostos a escreverem seus diários, foi desconfirmado pelos alunos

dessa turma. Ao contrário do imaginado por nós, houve aceitação da proposta.

Enquanto ilustravam o diário com canetinhas coloridas, giz e lápis de cor, um grupo

de alunos nos ajudava na confecção dos cartazes que continham, mesmo que não

integralmente, o plano de ação da nossa sequência didática. O plano de ação é

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importante uma vez que nos ajuda a organizar e coordenar a prática escolar. Tem

por finalidade ajudar a concretizar os objetivos e, para isso, é necessário estabelecer

o desenvolvimento da ação no tempo.

Figura 2 - O plano de ação

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática.

4.3 PRODUÇÃO INICIAL

A Produção Inicial permitiu que sondássemos os conhecimentos prévios dos

educandos, percebendo, assim, suas dificuldades sobre o conteúdo para, então,

propormos atividades. Foi nessa etapa que construímos ―momentos privilegiados de

observação, que permitem refinar a sequência, modulá-la e adaptá-la de maneira

mais precisa às capacidades reais dos alunos de uma dada turma‖ (DOLZ;

NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 102).

Em nosso entendimento, como dito anteriormente, uma produção escrita

autoral, nesse momento, não seria necessária. Ao proporcionarmos aos educandos

o contato e a interação com uma variedade de poemas, pudemos, por meio de

atividades orais, diagnosticar o conhecimento deles sobre esse gênero, bem como

suas dificuldades. Assim, fizemos uma adaptação em relação ao que propõem Dolz;

Noverraz; Schneuwly quanto à produção inicial. Segundo os autores mencionados, a

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Produção Inicial compreenderia a escrita de textos, tendo em vista que tinham como

foco a produção escrita.

No caso da SD em análise, o foco não é a escrita, mas sim a leitura de

poemas com vistas à ampliação do letramento literário. Desse modo, mantivemos a

expressão Produção Inicial, todavia entendendo-a como produção de sentidos

realizada por meio do contato e da leitura de uma variedade de textos do gênero

poema. O que fizemos foi uma adaptação quanto ao conteúdo da expressão

mencionada. Portanto, o que denominamos de Produção Inicial abarca a produção

de sentidos por meio da leitura dos poemas.

Iniciamos com a leitura de alguns poemas previamente selecionados. Ao se

lidar com leitura de poemas, é necessário que aspectos como musicalidade, ritmo

sejam percebidos e evidenciados por meio da leitura em voz alta. Bosi afirma: ―Se o

leitor conseguir dar, em voz alta, o tom justo ao poema, ele terá feito uma boa

interpretação, isto é, uma leitura ‗afinada‘ com o espírito do texto.‖ (BOSI, 2003 p.

469).

Pensando assim, propusemos que eles realizassem a leitura dos poemas

em voz alta, que imprimissem aos versos o ritmo adequado. Pela resistência de

alguns, percebemos que, muitas vezes, a leitura desse gênero pode ser

intimidadora, pois eles se mostraram arredios. Interpretamos esse posicionamento

como decorrente da imagem que os alunos e a professora fariam uns dos outros.

Portanto, a leitura dos poemas em voz alta em sala de aula consistiria em um

momento em que estivessem expondo-se ao outro a sua apreciação valorativa

(BAKHTIN, 1997), em que o interlocutor não era o autor do poema, e sim os colegas

da sala e a professora. Destacamos, contudo, que a própria resistência à realização

da atividade já configura uma avaliação de si mesmos, tangenciada pelo olhar do

outro.

Assim compreendida essa situação, insistimos, pois estávamos num

ambiente de ensino e de aprendizagem, em que avaliações negativas iniciais podem

ser superadas por meio do processo em andamento.

Além disso, no que diz respeito à obra literária, esta é produzida tendo em

vista a interlocução, e é durante a leitura que ela ganha vida e ressignificação.

Segundo Iser (1996), é só na leitura que os textos se tornam efetivos e que os textos

nos tocam quando, ao constituirmos o sentido na leitura, experimentamos um mundo

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que, embora não exista mais, se deixa ver e, embora nos seja estranho, podemos

compreender.

O trabalho com poemas é desafiador porque se trata de ‗gênero secundário‘

(BAKHTIN, 2003), dado que seus temas, estrutura composicional e estilo linguístico

são mais complexos, se comparados a gêneros presentes no cotidiano como o bate-

papo, o bilhete, etc, e pouco frequente no dia a dia das pessoas. Em relação a esse

8º ano, podemos dizer que é um gênero quase desconhecido, isto é, não está

presente em suas histórias de vida realmente vivida e experimentada, o que

demanda ao professor maior esforço no desenvolvimento do trabalho didático.

Nessa perspectiva, como professores mediadores de leitura, devemos

oferecer subsídios, estímulos para encorajar nossos educandos a realizarem a

leitura, tornando-a um momento em que se dá sentido ao texto, fazendo-a fluir.

Alguns alunos tentaram, a princípio de forma tímida, sem muita entonação.

Observamos que teríamos muito trabalho pela frente, mas entendíamos que a

insistência valeria a pena, pois o poema é um momento de encontro com outras

vozes, outros mundos, num diálogo que envolve emoção, sensações, visões de

mundo. A busca pela expansão do letramento literário implica na realização de

práticas sociais mediadas por gêneros discursivos produzidos nesse campo de

comunicação humana.

Foi por meio dos Módulos que buscamos diversas atividades e estratégias

para trabalharmos as dificuldades que os educandos apresentaram na Produção

Inicial. Eles foram construídos em torno das características do gênero discursivo

estudado: a situação de comunicação, a forma composicional, o conteúdo temático e

as marcas linguísticas.

4.4 MÓDULOS

Os Módulos foram construídos em torno das características do gênero

discursivo estudado: a situação de comunicação, a forma composicional, o conteúdo

temático e as marcas linguísticas.

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4.4.1 Módulo I

Uma das atividades previstas consistia em fazer uma pesquisa sobre

poemas. Essa ação despertou grande empolgação, pois a atribuição dessa tarefa

requereu que os alunos assumissem a responsabilidade de realizarem a pesquisa.

Tomando-se as ideais bakhtinianas como referência, entendemos que as interações

humanas, travadas por meio do diálogo (concordando, discordando, refutando etc.)

compreendem assumir compromissos. Notamos que os alunos apresentaram

pensamento participativo, não-indiferente, diante de nossa solicitação para que

realizassem a pesquisa. Esta, por sua vez, foi por nós proposta com o entendimento

de que se configura como uma grande aliada no diálogo com outros textos.

Corroborarmos com Demo (1997, p.16-17) quando diz que a ―pesquisa é o processo

que deve aparecer em todo o trajeto educativo, como princípio educativo que é‖.

Levamos os alunos à biblioteca. Lá, eles pesquisaram livros que continham

poemas, leram, analisaram o conteúdo temático, as características do gênero

discursivo e selecionaram os poemas que eles mais gostaram. Situações como

essas são importantes para os alunos aprenderem a gerenciar e a selecionar as

informações localizadas, da forma mais proveitosa possível. A figura seguinte ilustra

esse momento de diálogo intertextual.

Figura 3– Pesquisa na biblioteca

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática.

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Quando retornamos à sala de aula, o momento era de socializar a pesquisa

e os poemas, por eles, selecionados. Conforme havíamos combinado antes, eles

deveriam justificar as suas escolhas, partilhar seus conhecimentos. Esse momento é

importante, pois incentiva atitudes de cooperação, faz com que os alunos se

direcionem, reflitam e encontrem maneiras adequadas de repassar as informações

coletadas. Quando os alunos compartilham o conhecimento, não estão apenas

dividindo ou repassando informações, mas abrindo espaço para troca, para o

crescimento pessoal e cultural.

Entretanto, nem todos puderam participar nesse momento. Na escola, temos

horários pré-estabelecidos. É comum sairmos frustrados por termos planejado e não

termos conseguido concluir a atividade. A sala de aula é palco de muitos ruídos,

acontecimentos inesperados surgem a todo momento, e o professor precisa ser

flexível. Alguns alunos ficaram aborrecidos porque queriam dizer seus poemas, ter a

oportunidade de se expressar, já outros, ficaram aliviados com a oportunidade de se

esquivar dessa atividade.

Na aula seguinte, planejamos o encontro dos alunos com três ilustres

escritores da cidade, conhecidos na região por serem grandes poetas. Antes da

chegada dos escritores, montamos o que costumávamos organizar em todas as

aulas, a roda de conversa, batizada por nós de roda poética, conforme ilustra o texto

a seguir:

Recepcionamos com o entusiasmo merecido. Os alunos, munidos com seus apontamentos, aguardavam ansiosos o momento da entrevista. O assunto era o texto poético. A conversa fluiu, os alunos, encantados, queriam saber a opinião deles sobre poemas, onde buscavam suas inspirações, os temas mais recorrentes nos poemas, a primeira experiência com o fazer poético, enfim, muitas perguntas para pouco tempo. A conversa foi encerrada e alguns poemas declamados. (DIÁRIO DE PESQUISA, 09 de outubro de 2014).

A presença dos convidados em sala de aula enriqueceu, grandemente, a

aula. Aqueles alunos que ainda apresentavam algum tipo de ressalva a respeito de

poemas se renderam aos encantos desses poetas. Eram tantas perguntas, tantas

confidências que o tempo voava. O sinal batia para o término de mais uma jornada

de trabalho, mas alguns alunos insistiam, queriam aproveitar um pouco mais a

presença dos convidados em sala.

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A análise que fazemos desse evento em sua singularidade concreta e viva é

de que a avaliação dos alunos diante das experiências únicas vivenciadas pelos

poetas convidados foi satisfatória, uma vez que as histórias contadas e os poemas

declamados serviram para diminuir a distância entre o mundo da poesia e o mundo

da vida.

Segundo Bakhtin (2010), a contraposição concreta entre os interlocutores

(eu/outro) é o princípio constitutivo maior do ato realizado. Assim, é no plano das

contraposições axiológicas (a valoração que os alunos atribuíam a poemas em

oposição com a valoração dos poetas) que cada um orienta (ou reorienta) seus atos.

Além disso, buscar a participação de familiares e de pessoas da comunidade

é uma boa estratégia para despertar o interesse dos alunos para determinados

assuntos. Sem contar que a quebra de rotina em sala de aula é fundamental.

Percebemos que, a partir desse encontro, o poema ganhou um status diferente em

sala de aula, foi visto com mais respeito, com um cuidado maior.

Muitas vezes, o professor não consegue chegar até o aluno. Práticas

pedagógicas que saiam da rotina, que tornem relevante o aprendizado, que

busquem alcançar cada um dos alunos com seus diferentes interesses e modos de

aprender, pode ser um diferencial quando se trata de ensino, e especialmente

quando se focaliza o trabalho com poemas. É fundamental buscar a diversificação

das atividades, assim, potencializa-se ―[...] pela diversificação das atividades e dos

exercícios, as chances de cada aluno se apropriar dos instrumentos e noções

propostos, respondendo, assim, às exigências de diferenciação do ensino.‖ (DOLZ;

NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 109).

No dia a dia de sala de aula, é importante proporcionar um ambiente criativo

de incentivo à leitura. A montagem de um mural foi um dos artifícios que buscamos

como ferramenta para esse propósito. Munidos de papéis diversos, tesoura, fita

adesiva, iniciamos as atividades de confecção do mural. Dividimos as tarefas. O

trabalho coletivo, segundo Vygotsky;Luria;Leontiev (1998), favorece a interação

social dos educandos, que se influenciam mutuamente em busca da organização do

grupo. Alguns alunos cortavam os papéis, outros selecionavam os poemas, outros

fixavam no mural.

O mural pode ser um importante subsídio para a circulação dos textos e uma

boa ferramenta para construção de sentidos por meio da leitura. Entendemos que o

texto funciona como uma entidade significativa capaz de (re) construir o mundo.

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Contudo, para que sua finalidade seja realmente cumprida, é primordial a interação

dos interlocutores no interior do texto com o objetivo de (re) construir os sentidos. A

leitura é uma prática de construção de sentidos. Ler é compreender. Esse é o

fundamento da leitura. Entretanto, para que essa atividade social se cumpra, é

substancial que os autores (leitores) interajam dentro do texto, numa relação

dialógica. Kleiman (2004, p.37) nos diz que ―a compreensão dependerá das relações

que o leitor estabelece com o autor durante a leitura‖.

O mural ficou exposto na sala de aula durante o desenvolvimento do projeto.

Semanalmente, trocávamos os poemas para possibilitar uma diversidade maior de

textos a serem lidos, declamados e analisados. Com a proposta do mural, notamos a

melhora da capacidade leitora dos alunos, que constantemente eram chamados

para lerem os poemas em voz alta. Ele possibilitou, no decorrer do processo de

ensino e aprendizagem, tomar a leitura como um processo ativo e interativo.

Esse recurso didático, usado de forma adequada, pode ser um excelente

aliado no desenvolvimento do letramento. Entretanto, é importante construí-lo

juntamente com os alunos, discutindo cada passo do processo, assim, o educando

passa de simples expectador à participante ativo. Pensando assim, tentamos

envolver os alunos em todas as etapas, desde a sua confecção até a escolha dos

textos.

Nem todos os alunos se interessaram pela atividade, alguns ficaram alheios,

conversando sobre outros assuntos. Tentamos motivá-los, mas nem todos

participaram, aproveitavam o momento de agitação para esquivar-se do trabalho,

conversar sobre outros assuntos. Ainda assim, essa atitude não nos passou

desapercebida, e entendemo-la também como um tipo de resposta ao que havíamos

proposto. Tal responsividade também expressa uma atitude avaliativa, e a

suspensão da interlocução.

Então, resolvemos aguardar e tentar ganhar a atenção deles em outro

momento. Respeitar as diferenças individuais, as habilidades, interesses e

preferências de cada um é necessário, por isso, teríamos que criar novos contextos

para aproximar os alunos.

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Figura 4 - Confecção do mural

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática.

Quando o mural ficou pronto, notamos que os alunos gostaram do resultado.

Solicitamos que alguns deles fizessem a leitura dos poemas do mural e quatro

alunas se ofereceram para fazê-la. A leitura realizada mostrou que seria preciso

investir mais atenção em conteúdos como ritmo, entonação, expressão, para que os

alunos conseguissem explorar esses elementos da estética do poema, uma vez que

também são dispositivos para a produção de sentidos.

Outra atividade proposta que buscava incentivar a leitura e o letramento

literário era colecionar poemas, assim como eles colecionam figurinhas, latinhas de

refrigerantes, selos, etc. A ideia era confeccionar pequenas caixas, as quais

batizamos de ―caixas poéticas‖, para que os alunos pudessem colecionar poemas.

Esse costume de colecionar pode ser uma alternativa divertida para despertar o

interesse dos alunos. Ele tem sido um pouco esquecido, devido à popularização da

internet, mas é um passatempo que dá à criança a oportunidade de criar algo só

seu, e ainda dá a oportunidade de ser partilhado com os outros. Nossa intenção era

desenvolver, nesses colecionadores, um gosto acentuado pela leitura e pesquisa.

Também incentivaríamos os alunos a serem mais organizados, responsáveis e

curiosos.

Encorajamos os alunos a aceitar esse desafio, a criar objetivos, a se

organizarem. Cada equipe deveria colecionar os poemas que os interessassem.

Fizemos um sorteio para definirmos quem seria o guardião da caixa, aquele que

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zelaria por ela, que organizaria para que circulasse em cada casa, para que todos

pudessem contribuir com a coleção.

Contudo, explicamos que a coleção não seria deles. Os poemas seriam

distribuídos em praça pública em uma atividade a qual chamaríamos de ―Poemando

nas Ruas‖. Esse projeto visava a sensibilizar as pessoas a lerem poemas, a também

se encantarem com esse gênero discursivo.

A maioria das caixas ficou lotada com versos de diversos autores, épocas e

temas. Mas em uma equipe o trabalho não funcionou. A caixa ficou vazia, por vários

motivos como falta de organização, interesse e descaso com a atividade. Então,

conversamos com a turma para buscarmos uma solução. Os alunos sugeriram que

todas as equipes colaborassem trazendo poemas para essa caixa, assim todas as

caixas seriam utilizadas no projeto.

Perguntamos então para os alunos o motivo do desinteresse. E um dos

alunos falou:

Não gosto de estudar professora, nem de ler, mas preciso tirar nota, senão reprovo. Eu gostava de estudar antes, agora perdi a vontade. Sabe, em casa não tenho muito tempo para estudar. Prefiro fazer outras coisas. (aula14/10/2014)

Esse exemplo demonstra nossa realidade em sala de aula. Com o passar do

tempo, parece que a escola não consegue mais prender suas atenções, causando o

desinteresse pelo estudo. Na maioria das vezes, quando não há interesse pela

atividade, acabam tumultuando a aula. E quando se deparam com professores

inseguros, o tumulto fica ainda maior. O desafio é procurar estratégias que façam o

educando aderir às propostas feitas, o que pressupõe aprendizagem. Espera-se do

professor que conduza seus alunos e busque compreender e negociar as situações

de aprendizagem planejadas.

A próxima etapa desse projeto era realizar o passeio e distribuir os versos

colecionados. Porém, os inúmeros ensaios do recital, o final do ano letivo sempre

turbulento, com professores realizando as revisões dos conteúdos para as

avaliações finais e o fato de muitos alunos precisarem trabalhar no período contrário

ao turno de aula, fizeram com que não pudéssemos realizá-lo.

Nos fundamentos de Bakhtin, compreendemos que o cunho social dos fatos

de linguagem define o texto como objeto da interação social no qual as palavras são

percebidas como produtos de trocas sociais, ligadas a uma situação material

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concreta que determina as condições de vida de uma comunidade linguística. Dessa

forma, como não conseguimos ultrapassar os muros do colégio, decidimos que

faríamos essa atividade no colégio mesmo, visitando as salas de aulas e os setores

de administração do colégio. Muitos ficaram surpresos, alguns se emocionaram. Os

alunos, a princípio tímidos, soltaram-se, liam os poemas, comentavam sobre o

conteúdo dos versos e sobre seus autores. Foi um momento importante do projeto,

eles se sentiram os verdadeiros mediadores da leitura de poemas que estimulavam

a sensibilização poética. O diretor da escola perguntou para um aluno qual era a

finalidade do projeto, e a resposta dele foi essa:

A1: Queríamos ver como as pessoas se sentiam ao ler os poemas. Se elas iriam conseguir esquecer um pouco dos problemas da vida. Alguns não quiseram participar, mas a maioria leu e gostou. Elogiaram nosso projeto. A bibliotecária do colégio foi quem mais gostou, chegou quase a chorar. (aula 24/ 11/2014)

Essa prática social, envolvendo a escrita, proporcionou uma oportunidade de

aperfeiçoamento do letramento, uma vez que motivou os alunos a ler com atenção a

refletir sobre os versos.

Entendendo que poesia é sentimento, é emoção, acreditamos que esse

sentimento foi partilhado com os alunos e o corpo administrativo da escola. O

compartilhamento de impressões e opiniões sobre versos preferidos possibilitou um

despertar de sentidos, um suscitar de emoções. Partindo do pressuposto de que o

ser humano é dotado de sentimentos e emoções, acreditamos que a poesia pode

despertar o encantamento pela literatura e, consequentemente, formar novos

leitores. Compartilhamos com Saraiva (2001) a ideia de que é importante oportunizar

a vivência de situações de leitura através da abordagem de diferentes

manifestações literárias, propondo atividades em sala de aula que motivem os

alunos à recepção do texto, ao desenvolvimento do senso crítico, à recorrência a

outras formas de expressão, tendo como suporte a leitura realizada.

A seguir, consta mostra da coletânea versos selecionados pelos alunos:

―Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa./ Não sou alegre nem sou triste: sou poeta...‖, trecho do poema Motivo, de Cecília Meireles. ―De tudo ao meu amor serei atento/Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/Que mesmo em face do maior encanto/Dele se encante mais meu pensamento‖, trecho do poema Soneto de Felicidade de Vinícius de Moraes.

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―Quero que todos os dias do ano/todos os dias da vida/de meia em meia hora/de 5 em 5 minutos/me digas: Eu te amo....‖, trecho do poema ―Quero‖ de Carlos Drummond de Andrade

Figura 5– Caixas poéticas

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática

Figura 6 - Os versos escolhidos

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática

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4.4.2 Módulo II

Na primeira aula deste Módulo, tínhamos como finalidade relacionar os

recursos poéticos à produção de sentido. Para desenvolver esse trabalho,

trouxemos para a sala o poema Trem de Ferro de Manuel Bandeira. Como

estratégia, propusemos criar uma leitura que valorizasse a musicalidade do poema

que imita um trem em movimento. Discutimos os passos, dividimos a turma em

equipes e cada uma delas interpretaria uma parte do poema.

Agitação total, indisciplina, muitos alunos faziam o apito do trem ao mesmo tempo, dificuldade de controlar uma turma de 31 alunos. Isso me fez pensar que, muitas vezes, nós, professores, escolhemos atividades mais monótonas, justamente para evitar tumulto, indisciplina e, como consequência, deixamos de proporcionar experiências muito mais significativas aos alunos, causando reclamações dos alunos que dizem que as aulas são cansativas, sem graça. (DIÁRIO DA PESQUISA, 16 de outubro de 2014).

Os alunos desta pesquisa, em sua maioria, estão na pré-adolescência. Essa

fase é um período de transição, eles passam por mudanças biológicas, psicológicas

e sociais. Em meio a esse turbilhão de mudanças, o desafio é ajudá-los a equilibrar

responsabilidades com a dispersão natural da idade. A escola é, para eles, um

espaço para vivenciarem afetividades, ansiedades, abandonos, fazendo com que a

função educativa da escola fique, muitas vezes, relegada ao segundo plano. Fatores

como o pouco valor dado para a educação no país, a falta de perspectivas e o

imediatismo, contribuem para que eles não consigam estabelecer uma conexão

entre educação e futuro.

Próprio da idade, eles estão o tempo todo querendo chamar a atenção,

insistem em querer dizer que não estão gostando das coisas, seja por meio da

inquietação, dos questionamentos, da clara oposição diante da conduta do

professor. Nesse período, é natural que haja instabilidade. E sabemos que críticas,

reprovações, exigências aumentam a confusão. Eles reivindicam voz, querem ver

seus valores inseridos na escola, e quando existe o desencontro entre a cultura

escolar e juvenil, há um distanciamento fazendo com que não vejam sentido na

escola.

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É fundamental estabelecer uma relação que favoreça a construção conjunta

do conhecimento, valorizando a bagagem de valores e conhecimentos prévios

trazidos por eles. Fornecer aos alunos referenciais que trazem uma relação de

confiança e respeito mútuo possibilita a discussão e ressignificação de muitas

questões.

Contornada a agitação, tivemos um momento bastante expressivo. Muitos

queriam dar dicas de como interpretar, outros, queriam filmar. Percebi que o

interesse pelo poema e seu autor cresceu, a atividade teve significado para eles, por

isso, o envolvimento foi grande. Muitos professores reclamam da dispersão dos

alunos, contudo, buscar modelos de atividade que despertem a motivação deles

pode ser um importante passo para o alcance de melhores resultados no processo

de ensino e aprendizagem.

E, para sistematizar melhor os conteúdos propostos, propusemos algumas

questões referentes ao texto poético e solicitamos que os alunos as respondessem

no caderno.

Nesse momento, constatei o que percebo faz algum tempo. Alguns alunos dificilmente fazem as atividades escritas por completo, preferem esperar pela resposta do professor na hora da correção. Instiguei-os, queria entender o motivo do desinteresse, e as respostas que vieram foram essas: ―eu não sei fazer‖, ―sou burro professora‖, ―não entendo as perguntas‖. (DIÁRIO DA PESQUISA, 16 de outubro de 2014).

O que ouvimos, o tempo todo, nas salas dos professores, é que os alunos

não têm interesse, têm preguiça e não querem estudar. Entretanto, até que ponto o

desinteresse não estaria ligado ao fator baixa autoestima, o que resulta em

dificuldades de aprendizagem?

Evasões escolares e reprovações podem estar relacionadas ao fator baixa

autoestima. Quando o aluno se sente incapaz, ele se comporta de maneira que o

sucesso se torne menos provável. É fundamental que o educando possa se sentir

capaz para aprender, pois uma boa autoestima resulta em melhor desempenho

escolar, desenvolve a autoconfiança para que ele argumente sobre suas ideias e

lide melhor com críticas e com os desafios de realizar as tarefas propostas.

Quando o educando tem uma percepção positiva de si, ele se envolve nas

atividades com mais confiança. Sabemos que a escola é um lócus importante no

desenvolvimento humano. Concordamos com Tavares (2002) quando ela questiona

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o que seria trabalhar com a autoestima ―negativa‖ do aluno, senão promover a

aprendizagem? Buscar formas para que o aluno consiga atingir a aprendizagem é o

caminho para melhorar a autoestima dele. Um bom nível de letramento possibilitará

melhores condições para o aluno atuar na sociedade com a autoconfiança

necessária.

4.4.3 Módulo III

Para este módulo, as atividades elaboradas procuraram abarcar de forma

significativa e contextualizada a sistematização da teoria do gênero discursivo

poema. Para tanto, as atividades abordaram, conforme indicação de PARANÁ

(2008), o ensino da língua materna, a partir do contexto social e histórico em que os

sujeitos estão inseridos, bem como o contexto de produção do enunciado, uma vez

que os seus significados são sociais e historicamente construídos. O recorte a seguir

retrata uma dessas atividades:

Atividades referentes ao estudo do poema ―A Valsa‖ de Casemiro de Abreu.

CONTEÚDO TEMÁTICO

1. Quais são os conteúdos mais explorados nos poemas? 2. Que conteúdo ou tema é descrito no texto? 3. Você conhece o ritmo musical de uma valsa? Além de retratar o

assunto do poema, o autor buscou recriar o ritmo desse tipo de música no poema. Como ele fez isso?

4. Nesse poema, o eu poético se dirige a uma moça. Segundo ele, o que ela fazia no dia anterior?

5. ―Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... — Não negues, Não mintas... — Eu vi!...‖

6. Por que você acha que essa estrofe foi repetida quatro vezes?

ESTRUTURA COMPOSICIONAL

1. Quantas estrofes têm o poema? a) Quantos versos há em cada estrofe? b) Há palavras que rimam? Quais são elas?

2. Há repetições de palavras no poema?

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3. Os poemas têm título? 4. Onde vocês acham que poderíamos buscar mais informações

sobrepoemas?

ANÁLISE DA SITUAÇÃO SOCIAL DE PRODUÇÃO

1. O texto em análise pertence ao gênero poema. Como, geralmente, tomamos conhecimento desse gênero?

2. Onde circulam? 3. Por que ele foi produzido, ou seja, qual a sua função social? 4. Quem escreve e quem lê esse gênero? 5. Como é a sua organização e a sua linguagem? 6. Você tem interesse em ler esse gênero? 7. Qual a importância desse gênero para a sociedade? 8. Quem produziu o texto? 9. O texto foi produzido para circular em qual veículo? 10. Ao ler o texto, você consegue entender o assunto abordado totalmente? Se

sim, explique por quê? Se não, Aponte quais informações você não domina e necessita pesquisar.

RECONHECIMENTO DO GÊNERO DISCURSIVO

1. Em se tratando do gênero em questão, o texto apresenta algumas características que o identificam. Quais são?

2. A linguagem empregada no texto está adequada ao gênero e à situação de interação? Por quê?

3. Há rimas nos poemas? 4. Observem quais são as sílabas fortes e fracas de cada verso. Há alguma

mudança de alguma estrofe para outra? 5. Você conhece alguns poemas? Qual é o seu poema preferido?

AMPLIANDO A LINGUAGEM

1. Com suas palavras, explique o que você entende por:

Lascivo:

Volvias (verbo volver):

Sifo:

Gala:

Prostada:

Turbada:

Cismavas (verbo sismar):

Cruento:

2. Consulte o dicionário e confira o significado das palavras:

3. Observe essas mesmas palavras no texto. Você julga possível substituí-las pelo

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significado atribuído pelo dicionário, sem alterar o sentido do texto? A que lusão conclusão você chega?

As atividades descritas promoveram o contato com enunciados concretos do

gênero discursivo poema e possibilitaram fazer uma análise linguística que, segundo

Bakhtin (2003), contemplam os três elementos que compõem o gênero discursivo:

conteúdo temático, estilo e construção composicional. O trabalho de reflexão sobre a

organização do texto compreende a materialidade da língua em situações concretas

de uso, pois, conforme Bakhtin (2003, p. 265), ―a língua passa a integrar a vida

através de enunciados concretos (que a realizam)‖.

O estudo do conteúdo temático justifica-se uma vez que ele é um dos

aspectos constitutivos dos enunciados concretos e possui certa estabilidade. Ele nos

remete aos assuntos das diferentes atividades humanas, atribui sentidos e recortes

para um dado gênero do discurso. As atividades voltadas para a análise do estudo

temático levaram os alunos a entender que o tema é um aspecto constitutivo dos

enunciados-concretos.

O estudo do estilo, ou seja, o reconhecimento do gênero discursivo,

possibilitou a reflexão sobre a escolha dos recursos linguísticos (fraseológicos,

gramaticais e lexicais) na composição do gênero. Nas atividades que contemplavam

a construção composicional, buscou-se um estudo sobre a estruturação do texto, o

modo como ele é organizado e reconhecido na sociedade.

Na escolha desses aspectos, estão incluídas as vozes sociais e as

ideologias pretendidas. Dessa forma, procuramos resgatar a noção de que os textos

apresentam características próprias que são socialmente organizadas e que a

atenção deve voltar-se para a língua em uso, frisando que o texto se manifesta por

meio dos gêneros.

Compreendemos que as atividades propostas funcionaram como elementos

facilitadores da compreensão, ou seja, da assimilação dos conteúdos. Os alunos

participaram bem da atividade, contudo percebemos, diante da reação deles, que

essa abordagem não é muito comum nas salas de aula, mesmo sendo sugestão dos

Parâmetros Curriculares Nacionais.

Com o propósito de investigar possíveis avanços no conhecimento do

gênero discursivo em pauta, promovemos um momento para que os alunos

pudessem relatar suas impressões.

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Constatamos que os alunos, em sua maioria, compreenderam o valor social

do gênero poema. Os relatos dos alunos no final da atividade, momento em que

pretendíamos investigar os conhecimentos adquiridos, nos mostram esse

aprendizado.

A1: Foi muito importante conhecer melhor sobre poemas. Eu aprendi que o poema é um texto bom para expressar nossos sentimentos [...] A2: Eu achava que todo poema tinha que ter rimas. Agora sei que há muitos tipos de poemas. A3: No poema, a linguagem deve ser mais elaborada, [...] como a professora falou, é um jogo de palavras, por isso, tem que pensar bem na escolha das palavras. A4: Nunca tinha prestado muito atenção nos poemas... agora sei que muita gente lê e escreve.

A partir do momento que A1 percebeu que uma das funções sociais do

poema que é a expressão dos sentimentos, A2 compreendeu que o poema não

segue nenhuma estrutura fixa como ele imaginava anteriormente, A3 se deu conta

da estrutura composicional do poema e notou que a linguagem desse gênero deve

ser bem pensada para melhor alcançar o propósito comunicativo e A4 percebeu a

dimensão desse gênero discursivo, constatamos que os alunos refletiram sobre o

valor social do gênero e assimilaram conceitos importantes.

Esse relato nos mostrou que a SD estava atingindo o seu propósito, que,

segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), é o de procurar favorecer a mudança e

a promoção dos alunos ao domínio dos gêneros e das situações de comunicação.

4.5 PRODUÇÃO FINAL

A Produção Final possibilitou verificar se o aluno progrediu, construiu o

conhecimento do gênero e adquiriu e aperfeiçoou as capacidades liguísticas

requeridas. Segundo Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 107), ―a produção final

auxilia o aluno a [...] regular e controlar seu próprio comportamento de produtor de

textos, durante a revisão e reescrita‖.

Partindo do pressuposto de que, nas relações sociais vivenciadas em sala

de aula, o papel que o educando desempenha como sujeito estabelecido

socialmente é edificado dialogicamente na perspectiva de trabalhos com textos,

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solicitamos que os alunos escrevessem poemas. Durante o desenvolvimento dessa

etapa, houve questionamentos importantes que nos possibilitaram fazer uma

avaliação da SD.

A1: Professora, posso criar um soneto? É preciso contar as sílabas poéticas? A2: Os versos têm que rimar? A3: Quantas estrofes e versos precisamos fazer? A4: Professora, não ficou bom meu poema [...] faltou ritmo. [....] as palavras do meu poema não combinam. Ficou muito estranho. A5 Posso escrever sobre quando meu primo foi embora? A6: Não sei colocar as figuras de linguagens que a senhora explicou [....] tipo metáforas. Dá pra explicar de novo isso.

O contido nessas perguntas nos permite perceber que houve aprendizagem.

Se compararmos o diagnóstico inicial com esse momento de produção final, fica

evidente que os alunos compreenderam recursos poéticos, que houve aumento da

competência linguística em torno do gênero estudado e intenção da manifestação da

sensibilidade.

A1 mostrou que aprendeu, que conhece o que é um soneto, demonstrou

interesse em criar um, compreendeu a diferenciação entre sílabas gramaticais e

sílabas poéticas. Já A2 expressou preocupação com as rimas, o que é muito comum

quando exploramos esse gênero. A compreensão de que é comum encontrarmos

versos e estrofes nos poemas foi evidenciado por A3. O cuidado e atenção com a

posição da sílaba tônica foi notado por A4. Ele percebeu que os poemas têm ritmo e

quer imprimi-lo no seu poema também, e quando achou que não estava

conseguindo, achou-o estranho. Nota-se que ele tem a percepção de que o ritmo dá

beleza ao poema. A5 sabe a função desse gênero, pois compreendeu que nele cabe

a expressão do sentimento, quis expressar o que sentiu quanto à perda do seu

primo. Esse momento de criação poética poderá possibilitar o despertar da

sensibilidade, o entendimento da profundidade de uma relação. Mesmo que A7

tenha apresentado dúvidas sobre figuras de linguagens, é possível perceber que ele

sabe que é comum a presença delas nos poemas, pois inferiu a importância do uso

da linguagem conotativa no poema.

Antes da última produção final, solicitamos aos educandos que trocassem

seus textos para que fossem corrigidos por um colega. Por meio desse processo,

constatamos o quanto um aluno mais experiente pode ajudar outro menos

experiente. A aprendizagem obtida a partir dessa interação social resultou de um

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esforço coletivo e individual em produzir sentidos a partir das considerações do outro

(VYGOTSKY, 1999). Eles deveriam observar se o autor do poema conseguiu

transmitir as ideias pretendidas, se foi utilizado recursos da linguagem poética, e

também se havia equívocos quanto à ortografia, pontuação, concordância, etc.

A Produção Final e a Circulação do Gênero constituíram as etapas finais da

aplicação do projeto. Entretanto, não representam um ponto final, mas um marco

que possibilitará aos educandos agirem de forma mais autônoma em relação ao

conteúdo estudado.

A Circulação do Gênero, segundo Costa-Hübes (2008), é fundamental, pois

incute o real aos textos, não os limitando, dessa forma, ao ambiente de sala de aula

ou a propostas artificiais.

Os poemas criados pelos alunos durante o desenvolvimento da SD foram

reunidos em uma coletânea e fizeram parte do livro de poemas da turma. Todos os

alunos criaram seus poemas e os livros foram disponibilizados aos alunos.

Primeiramente, saiu a versão online e, posteriormente, a impressa. Segue um dos

poemas criado por uma aluna e que consta da antologia poética da sala.

Figura 7 - A autora do poema

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática

―A poesia é como o sol, ilumina a minha alma‖. As estrelas As estrelas são como coroas Que emolduram a minha cabeça Se eu pudesse pegá-las Faria delas um colar

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Faria vestidos, para sempre brilhar Que bom poder sonhar! ALINE OLIVEIRA ZENI

Como mostra esse exemplo, os alunos, de modo geral, se apropriaram do

gênero poema: aprendizagem da escrita em contextos de uso social da língua com

base em SD. Esse texto revelou significativo progresso da aluna, demonstrou que

ela soube utilizar as características próprias do gênero poema como a distribuição

dos versos em estrofes, título e linguagem figurada. Observamos, por meio das

produções dos alunos, avanços significativos relacionados às escolhas linguísticas,

as quais contemplaram as particularidades do gênero.

A outra ocasião de circulação do gênero consistiu no recital de poemas. No

momento dos ensaios, mediávamos a interação do educando com o texto, muitas

vezes, chamávamos a atenção para a pontuação, visto que, no poema, uma estrofe

completa a outra. Esclarecíamos o significado dos vocábulos e apontávamos os

recursos sinestésicos e as figuras de linguagem. Destarte, oportunizávamos uma

ligação mais expressiva com o texto.

Partíamos da concepção de linguagem como lugar de interação, de ação

entre os interlocutores. Foi possível comprovar, dessa forma, a validade da

linguagem como atividade dialógica, como elemento de fator de interação social.

Compreendemos o quanto um ensino efetivo da leitura pode contribuir para a

melhoria do letramento e, por conseguinte, do letramento literário. O recital de

poemas, desde sua elaboração até a culminância, foi permeado de interação dos

leitores com o texto, resultando em inúmeras de práticas de letramento.

Procuramos oferecer uma prática de linguagem em que o educando tivesse

a chance de expressar sua voz, numa relação de coautoria, visto que o texto seria

ressignificado. Acreditamos que o estudo do gênero preparou os educandos para

agirem com eficácia nas práticas sociais de linguagem. Segundo Bronckard (1999),

quanto mais dominamos um gênero, mais nos preparamos para a socialização e

inserção nas práticas sociais de comunicação humana. Desta forma, ao tratar o

gênero, tratamos a realidade social e suas relações com a linguagem.

No dia 20 de Novembro, apresentamos o recital de poemas. A escolha da

data deu-se devido ao fato de a escola ter preparado um vídeo e uma reflexão sobre

a Consciência Negra e então, aproveitaríamos o momento para nossa apresentação.

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No começo da manhã, começamos a organizar a decoração, montamos o som e instalamos as cortinas. A maioria dos alunos providenciou figurino. Os pais estavam chegando. Todos nós estávamos ansiosos. Pedi para a plateia o carinho e o silêncio necessário para as apresentações. E como sempre, nesse colégio, os alunos atenderam. Enfim, iniciamos com o texto inicial de abertura e prosseguimos com a declamação de poemas que envolviam um público atento e solidário. No final, fomos acolhidos no palco com uma enorme salva de palmas. Eles estavam felizes, orgulhosos. (DIÁRIO DA PESQUISA, 20 de novembro)

Figura 8– A decoração

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática

Figura 9– O painel

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática

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Figura 10 - Nossos declamadores

Fonte: Acervo da pesquisadora produzido durante a atividade de intervenção didática

No término do Recital de Poemas, alunos, professores e pedagogos

emitiram pareceres, uma vez que a partilha de opiniões é importante para a análise

dos resultados. A seguir, constam alguns:

Aluno A: ―Uma ótima experiência. Algo único que sempre será lembrado. Uma satisfação, apesar de trabalhoso. Um friozinho na barriga, nervosismo e medo de errar! Mas no fim tudo coopera para que o espetáculo fique ainda melhor. Uma experiência muito interessante.‖ Aluno B: ―Um evento bem organizado que fez os alunos do colégio viajar nas poesias, fez com que muitas pessoas conhecessem os bons autores. Me ajudou a falar em público e gostar de poemas brasileiros. Foi difícil decorar as poesias, mas os colegas de sala ajudaram muito‖. Aluno C: ―Bom, eu fiquei bem nervoso no começo e eu me preparei bastante. Li e reli muitas vezes [ ....] mas na hora de apresentar foi bem legal, gostei bastante. Tinha que ter mais recitais assim no colégio.‖ Aluno D: ―Me identifiquei muito com alguns poemas. Perdi um pouco o medo de falar em público. Aprendi muita coisa também. No final foi uma experiência de vida inesquecível‖. Aluno E: ―Foi muito organizado. Eu gostei desse recital de poemas. Foi o melhor em toda a minha vida‖ Aluno F: ―No início eu estava nervosa, pois iria apresentar para toda a escola, mas conforme fui treinando perdi a vergonha. Eu acho que aprendi muito, aprendi mais sobre poemas e vários autores como Carlos Drummond de Andrade, Paulo Leminski e outros. Adorei minha apresentação e o meu poema. Falaram que fiz as mães que estavam aqui chorarem. Tive uma experiência fantástica‖....aprendi que os sentimentos podem ser escritos [...] e também que os poemas me fazem entender meus sentimentos

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Pedagoga A: ―O recital de poemas foi um sucesso! Alunos considerados tímidos recitaram se superando e demonstrando sua capacidade. A organização, por parte da professora, foi exemplar e mesmo sem ter premiação de ganhar nota, os alunos se esforçaram, dando o seu melhor. Aprova de que foi muito bom, foi o comportamento do público, mais de 200 adolescentes assistindo em silêncio e se emocionando com as apresentações‖. Pedagoga B: ―O trabalho organizado foi desenvolvido de maneira bem envolvente e interessante, os alunos se empenharam e se apresentaram como ―gente grande, foi muito bom! Professora A: ―O recital de poemas foi uma grande oportunidade de transmitir cultura de forma lúdica e criativa, trabalhando com os alunos a importância do teatro e poesia, bem como, conseguiu despertar na plateia (alunos) a vontade de fazer parte de atividades como essa. Estão todos de parabéns, a professora pela dedicação e esforço e seus alunos por aceitarem o desafio, descobrindo um lado artístico em cada um, manifestando assim suas qualidades‖.

É difícil mensurar o efeito desse evento na vida dos educandos. Percebemos

o valor da literatura e da arte no desenvolvimento da sensibilidade, da oralidade e do

letramento literário. O recital contagiou a plateia, muitos, manifestaram o desejo de

participar dos próximos eventos literários. Acreditamos que, conforme orienta

Averbuck (1982), cumprimos com nossa responsabilidade de desenvolver no

educando a habilidade de sentir a poesia e de comunicar-se por meio do poético. Os

alunos, nessa prática de letramento, conseguiram dominar o gênero e por essa

razão, segundo Bronckard (1999), estavam preparados para a socialização e

inserção nessa prática social.

Ao término do recital, reunimos os alunos que apresentaram na sala dos

professores. O diretor da escola tinha uma proposta para eles, queriam que eles

apresentassem também para os alunos do período vespertino e noturno.

Concordamos em apresentar no período vespertino. E assim, o diretor prometeu que

conseguiria um ônibus para um passeio em local a ser escolhido por eles, que

decidiram por um balneário da cidade.

A academia de Letras da cidade soube do nosso recital e nos convidou para

apresentarmos em um evento chamado ―Semana Cultura Viva‖. Pedimos

autorização aos pais e fomos com um grupo de alunos. Nem todos puderam

comparecer. O evento aconteceu no dia 05 de dezembro de 2014 no CTG –

Charrua. Depois das apresentações e fotos para a imprensa, os alunos foram

convidados para o jantar.

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Eles estavam felizes e com a autoestima elevada. Após o jantar, alguns pais vieram buscá-los, mas a maioria não, então levamos cada aluno para suas casas, pois já passava das 23h e não seria adequado deixá-los no colégio nesse horário. Nesse momento, percebi que a confiança que eles depositavam em mim aumentava. Confidenciavam seus problemas, desabafavam. Pediram para que eu os chamassem no ano seguinte para futuras apresentações, mesmo que eu não fosse professora deles. (DIÁRIO DA PESQUISA, 05 de dezembro de 2014)

No dia 9 de Dezembro, fomos com 22 alunos e dois professores ao

balneário XX, no município de Foz do Iguaçu/PR. Levamos alguns poemas, que

foram lidos, após algumas risadas em uma roda de conversa depois do almoço.

Etapa concluída com a certeza de que um projeto como esse é trabalhoso,

mas o resultado compensa. Conseguimos despertar nos alunos uma pequena

chama, um interesse maior, um olhar mais atento, mais sensível no que diz respeito

a poema e poesia!

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, descrevemos a proposição de encaminhamento

metodológico para o processo de apropriação da língua portuguesa em uma sala de

Ensino Fundamental, tendo o poema como gênero-instrumento na ação didático-

pedagógica do aperfeiçoamento do letramento literário.

Consoante exposto anteriormente, os objetivos eram verificar a pertinência e

a aplicabilidade de um trabalho organizado a partir dos pressupostos já relatados e a

transposição didática proposta pelo grupo de estudo de Genebra no ensino da

língua por meio dos Gêneros Discursivos.

Cientes de que os educandos necessitam ampliar suas práticas de

letramento, com a clareza de que a leitura centrada no poema representa uma

oportunidade de interação com a cultura letrada, tão valorizada socialmente, fomos

compondo uma prática do ensino de poemas em uma turma do Ensino

Fundamental.

O trabalho desenvolvido com o gênero discursivo poema, que até então era

distante da realidade desses alunos, trouxe resultados satisfatórios. A interação com

o universo cultural e artístico, propiciada por meio desse gênero, oportunizou muitos

momentos de experiência estética com as palavras. Durante a execução do projeto,

muitas vezes, flagramos cenários empolgantes, em que os alunos liam, recitavam,

brincavam com ritmos e figuras de linguagens. Nos ensaios do recital, os alunos

envolveram-se nas atividades de maneira surpreendente, ajudando os colegas com

dificuldades na declamação, buscando ritmos e interpretações adequados para cada

poema.

O recital de poemas encontrou um terreno fértil para a constituição de uma

prática de letramento dialógica sob a ótica interacionista e discursiva, baseado nos

conceitos de Bakhtin. Foi possível perceber uma grande interação em sala de aula, e

oportunizou a convivência com o discurso literário, o qual, confiamos, resultou no

aperfeiçoamento do letramento literário e forneceu subsídios para uma melhor

conduta do aluno como interlocutor ativo do processo comunicativo.

Os subsídios teóricos que sustentaram a aplicação das atividades

proporcionaram princípios expressivos para a compreensão do gênero discursivo em

questão. Ao examinar as produções escritas e os depoimentos dos educandos,

percebemos que as atividades colaboraram para o aumento da capacidade

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linguística e proporcionaram aos educandos recursos para melhorar a capacidade

de ler e interagir com um texto-enunciado do gênero.

O percurso desenvolvido nos fez compreender que quando trabalhamos com

a perspectiva dos gêneros discursivos, conseguimos resgatar a função social do

ensino da Língua Portuguesa em contextos reais de comunicação. Aos alunos,

possibilitamos que eles vivenciassem um ensino da leitura e da escrita, pautados em

enunciados que nascem em situações concretas de produção.

Se o objetivo de uma SD é , segundo Dollz, Noverraz e Schneuwly (2004),

por um lado, focalizar uma situação de comunicação e as convenções de um gênero

e, por outro, organizar e articular diferentes atividades escolares, a fim de que

dificuldades de aprendizado possam ser ultrapassadas, ele foi alcançado.

No tocante aos resultados obtidos com o trabalho com a SD no contexto

investigado, consideramos que ela favoreceu a prática de um ensino e uma

aprendizagem contextualizada em que o foco era promover a competência no

domínio do gênero e não da tipologia textual. Destacamos, também, a necessidade

do cuidado no planejamento de uma SD, uma vez que ela não pode ser muito longa,

pois a demora na conclusão do projeto, acordado com os educandos, pode causar

desinteresse.

Evidentemente, não foi possível atingir resultados positivos com todos os

alunos, visto que alguns se recusaram a participar das atividades propostas.

Também, não obtivemos êxito em tudo que planejamos. Algumas propostas não se

cumpriram, principalmente aquelas planejadas para acontecerem no período do

contraturno escolar, pois muitos dos alunos, participantes da pesquisa, trabalham

nesse período e não puderam participar. Uma atividade extraclasse não aconteceu

porque alguns professores não puderam ceder suas aulas devido à necessidade de

cumprir com o calendário de avaliações da escola. Outro obstáculo encontrado foi a

não observância do tempo planejado para a aplicação da SD. Foram necessários

muito mais ensaios na preparação dos educandos para a declamação de poemas do

que planejamos. Tínhamos a preocupação de não expô-los no palco sem que eles

se sentissem realmente preparados e seguros.

Descobrimos que, apesar da resistência inicial com um trabalho com o

gênero discursivo poema - movida por um ensino pautado somente em transmitir

conhecimentos sobre rimas, métrica, versos, estrofes e aspectos gramaticais - os

alunos não são tão arredios à leitura do poema como muitos supõem.

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Esta pesquisa possibilitou analisar não só os alunos envolvidos, os avanços

e lacunas do ensino e aprendizagem, mas também nossas concepções e práticas

em sala de aula. Compreendemos que cabe ao educador ser o mediador entre o

conhecimento e o educando num ato de interação com a turma e não um simples

transmissor de conteúdos. Enfim, deste trabalho, ficamos com a percepção que

temos muito que aprender. Concluímos que a leitura literária é ensinável. Contudo, o

ensino e aprendizagem requerem planejamento e contínuas reformulações.

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