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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
JADILSON MIGUEL DA SILVA
REFORMAS PRÓ-CAPITAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: A REESTRUTURAÇÃO
DO ENSINO MÉDIO PELO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DE
PERNAMBUCO
RECIFE
2013
2
JADILSON MIGUEL DA SILVA
REFORMAS PRÓ-CAPITAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: A REESTRUTURAÇÃO
DO ENSINO MÉDIO PELO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DE
PERNAMBUCO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador: Daniel Alvares Rodrigues
RECIFE
2013
3
Catalogação na fonte
Bibliotecária Maria Janeide Pereira da Silva, CRB-4/1262
S586e Silva, Jadilson Miguel da.
Reformas pró-capital na educação escolar : a reestruturação do ensino
médio pelo programa de educação integral de Pernambuco / Jadilson
Miguel da Silva . – Recife: O autor, 2013.
125 f. : 30 cm.
Orientador: Daniel Alvares Rodrigues.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.
Programa de Pós-graduação em Educação, 2013.
Inclui bibliografia.
1. Educação – Aspectos Econômicos. 2. Educação – Ensino Médio.
3. Pernambuco – Ensino Integral. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Rodrigues,
Daniel Alvares. II. Título.
CDD 338.4737 (22. ed.) UFPE (CE2013-62)
4
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
REFORMAS PRÓ-CAPITAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: a
reestruturação do ensino médio pelo programa de educação integral de
Pernambuco.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. DANIEL ALVARES RODRIGUES
1º Examinador/Presidente
_____________________________________________
Prof. Dr. DANTE HENRIQUE MOURA
2º Examinador
_____________________________________________
Profª. Drª. CLARISSA MARTINS DE ARAÚJO 3ª Examinadora
_____________________________________________ Profª Drª ERIKA SURUAGY ASSIS DE
FIGUEIREDO
4ª Examinadora
RECIFE, 30 de agosto de 2013
5
AGRADECIMENTOS
O curso de mestrado representou em nossa trajetória um considerável
amadurecimento teórico, acadêmico e político. Ao longo dessa jornada, destacamos
o Centro de Educação da UFPE como o lugar, por excelência, que nos possibilitou
as vivências acadêmicas, políticas, lúdicas e artísticas. Foi no CE onde vivenciamos,
mesmo anteriormente ao curso de mestrado, uma universidade mais aberta a
pensar as questões sociais. O diálogo entre universidade e movimentos sociais se
deu de forma mais intenso neste centro.
Aqui tivemos nossos primeiros contatos com as elaborações teórico políticas
que se colocam numa perspectiva de transformação da realidade, a partir das
contradições do modo de produzir a vida que está em voga. Alargamos nossa
compreensão sobre o processo educativo-formativo, que antes julgávamos tão
restrito ao espaço escolar.
Assim, foram muitas as pessoas com as quais tivemos relações que
repercutiram consideravelmente na nossa formação e, consequentemente, na
consecução deste estudo.
Agradecemos, desta forma, aos companheiros do GEPMARX – Grupo de
Estudos e Pesquisas Marxista da UFPE -, sobretudo a figura de seu coordenador e
nosso orientador Daniel Rodrigues, pelo exemplo de intelectual engajado com as
lutas sociais. Destacamos ainda o companheirismo dos colegas Alberto Cordeiro,
Leandro Fontes e João Lopes também do GEPMARX. Agradecemos às
contribuições obtidas com os companheiros do GEMOC – Grupo de Estudos sobre a
Modernidade do Capital – sobretudo as pessoas de Maurício Gonçalves e Jocsã
Carlos. Agradecemos aos envolvidos no Projeto Espaço Socialista que tem
promovido debates importantes no Recife, sobretudo o coletivo do GEMARX.
Agradecemos ao amigo Jetson Lourenço pela presença importante no
desenvolvimento desse estudo e nas atividades político-acadêmicas. Não poderia
esquecer a companheira Ana Pessoa, com a qual dividimos angústias típicas da
pressão dos prazos acadêmicos. Agradecemos ainda às professoras Clarissa
Martins, Erika Suruagy e Socorro Abreu pela participação e contribuição em nosso
trabalho. Agradecemos também a todos os amigos da Turma 29 do PPGE e todos
os demais amigos. E, por fim, destacamos o conforto e a doçura do seio familiar tão
importante para mim ao longo de todos os meus anos.
6
RESUMO
As reformas que se operam no âmbito da educação formal, especificamente na educação escolar, apresentam, no seio de uma sociedade capitalista, um caráter classista e estão articuladas ao movimento global de transformação das bases produtivas desse modo de produção da vida. Por sua vez, a regulação das relações sociais mediadas pela ação do Estado vai funcionar como uma tarefa necessária ao rearranjo das condições de recomposição da acumulação do capital. A partir da crise estrutural e cada vez mais profunda deste último, as reformas, seja no âmbito educacional ou em outras esferas, são expressões das estratégias de encobrimento das contradições inerentes a esse sistema e, ao mesmo tempo, execução de um programa fundamental para a consecução do seu avanço. Este estudo abordou a reforma expressada pela reestruturação do Ensino Médio na rede estadual de Pernambuco através do Programa de Educação Integral. Para aprofundar a compreensão da natureza dessa reforma, buscamos investigar determinantes históricos de ordem econômica, política e ideológica, munidos da hipótese de que o referido programa foi criado na intenção de atender aos requisitos político pedagógicos, postos a partir da crise do capital mais recente, para a educação dos trabalhadores. Pudemos, assim, localizar as relações dessa reforma específica ao conjunto de reformas educacionais conservadoras que vem se dando no país em diferentes momentos. Por sua vez, essas reformas estão articuladas aos desígnios de uma educação cada vez mais orientada no sentido de dar respostas à vida produtiva capitalista atual. Efetivou-se uma pesquisa bibliográfica no campo da pesquisa educacional que analisa as relações entre Trabalho e Educação. Posteriormente, à luz das categorias teóricas e analíticas – modo de produção, relações sociais, forças produtivas, luta de classes – demos impulso a análise documental e a realização de entrevistas com sujeitos envolvidos na gestão do Programa de Educação Integral de Pernambuco. Por fim, concluiu-se que a reestruturação do Ensino Médio através do Programa de Educação Integral guarda fortes relações com os aspectos das reformas educacionais impulsionadas pelas injunções do capital, em suas estratégias de saída de sua crise. Longe de ser uma escola que veio ofertar uma educação centrada na emancipação humana em relação ao trabalho alienado, o projeto em curso representa uma aproximação mais eficaz entre a educação e a vida produtiva capitalista nos limites atuais.
Palavras-chave: Crise do Capital - Reforma Educacional - Ensino Médio - Programa de Educação Integral
7
ABSTRACT
The reforms that we have seen inside formal education systems, especially those ones performed inside the schools, presents, inside a capitalist society patterns, a very clear feature of a specific social class. Those reforms are related to the way we produce life into a capitalism society. For its turn, the State social regulations is necessary to get the conditions of a free development of capitalism back. From the latest structural capitalism crisis till now, the reforms at education area or other social areas, works as strategies to hide the capitalist contradictions. At the same time, they help capitalism development, besides of the crisis. This research analyzed the reform that occurred at Pernambuco Public High School System through its Integral Education Program. In order to understand deeply this reform we aimed to investigate ideological, political and historical causes. We headed the investigation with the hypothesis that this educational program was created under political and educational circumstances originated because of capitalism recent crisis. So, we could understand the relations between this specific reform and the other ones that have been performed in different historical moments. These reforms are concerned to a kind of education project that aims to follow the capitalist requests. We have done a bibliography research in the specific area of education named Work and Education. Then after, handing some theoretical and analytical categories – social relations, means of production, social class fight – we have done a documental analyze and some interviews with professionals from Pernambuco Integral Educational Program. We concluded that the transformations at high school features through Integral Educational Program have much to do with the features that have been seen in the general transformations causes by capitalism crisis and its way to recover from it. In fact, that’s not a new kind of school that promotes the human autonomy. It is an affective school that fits the education in a private logic.
Key-words: Integral Educational Program – Educational Reforms – Crisis of the Capital – High School
8
LISTA DE ABREVIATURAS
BM – Banco Mundial
CEEGP - Centro Experimental de Ensino Ginásio Pernambucano
FMI – Fundo Monetário Internacional
ICE - Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação
KIPP - Knowledge is Power Program (O conhecimento é um programa de poder)
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
OCDE - Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONU - Organização das Nações Unidas
OS - Organização Social
PDCA - Plan, Do, Chack, Act (Planejamento, Execução, Avaliação e Ação)
PNE - Plano Nacional de Educação
POCENTRO - Programa de Desenvolvimento de Centros de Ensino Experimental
TEAR - Tecnologia Empresarial Aplicada à Educação
TEO - Tecnologia Empresarial Odebrecht
Tese - Tecnologia Empresarial Socioeducacional
TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação
TWI - Training within Industry (Treinamento dentro da Indústria)
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
9
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
CAPÍTULO 1: O CAPITAL E SUAS CRISES: REPERCUSSÕES SOBRE O
TRABALHO E A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR..............................................16
1.1 Breve nota acerca das crises do capital e suas
saídas....................................................................................................................16
1.2 A saída da crise pelas mudanças na organização social do trabalho: a
reestruturação produtiva.....................................
1.3 ..................................................20
1.4 As crises e o Estado capitalista: reformas e rebatimentos nas políticas sociais,
em especial na educação.....................................................................................28
1.5 O neoliberalismo na recomposição do capital em crise e suas incursões na
educação...............................................................................................................36
CAPÍTULO 2: A AGENDA PARA A EDUCAÇÃO NA SAÍDA DA CRISE DO
CAPITAL E O EMBATE CONTRA-HEGEMÔNICO..................................................44
2.1 A escola e a formação para o trabalho assalariado: sua gênese e funcionalidade
ao capitalismo.............................................................................................................44
2.2 A retomada da Teoria do Capital Humano como mecanismo de saída da crise do
capital pela educação.................................................................................................53
2.3 A Sociedade do Conhecimento: um mote recorrente que recai sobre a educação
na saída da crise........................................................................................................59
2.4 O Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI da
UNESCO....................................................................................................................62
2.5 Formação baseada nas competências para a empregabilidade..........................72
2.6 Um embate contra-hegemônico no campo da educação: formação humana na
perspectiva socialista.................................................................................................75
2.6.1 Politecnia e escola unitária................................................................................78
10
CAPÍTULO 3: SOBRE A METODOLOGIA...............................................................85
3.1 Delimitação do campo da pesquisa......................................................................87
3.2 Delimitação dos sujeitos.......................................................................................87
3.3 Natureza e organização da pesquisa...................................................................88
3.4 Procedimento de análise......................................................................................90
CAPÍTULO 4: O PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DA REDE ESTADUAL
DE PERNAMBUCO: UMA SAÍDA DE ATENDIMENTO ÀS INJUNÇÕES DO
CAPITAL NA PAUTA EDUCACIONAL.....................................................................91
4.1 O modelo de escola charter: o protótipo do Programa de educação
Integral........................................................................................................................91
4.2 Os Centros de Ensino Experimental: o projeto piloto do Programa de Educação
Integral........................................................................................................................94
4.2.1 A proposta pedagógica dos Centros de Ensino Experimental..........................97
4.2.2 A gestão nos Centros de Ensino Experimental...............................................100
4.3 O Programa de Educação Integral.....................................................................102
4.3.1 A proposta pedagógica do Programa de Educação Integral: a continuidade da
educação interdimensional.......................................................................................108
4.3.2 Resiliência, Autoajuda e Criatividade..............................................................112
4.3.3 A gestão tecnicista do Programa de Educação Integral.................................114
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................118
REFERÊNCIAS .......................................................................................................122
11
INTRODUÇÃO
A dissertação aqui disposta consiste no resultado de nossa pesquisa sobre a
materialização da reforma educacional realizada através do Programa de Educação
Integral da rede estadual de Pernambuco. Ela foi realizada durante nosso curso de
mestrado no Programa de Pós Graduação em Educação, na Universidade Federal
de Pernambuco. Essa pesquisa buscou versar sobre o referido programa,
localizando-o como componente de um conjunto estratégico de reformas pró
mundialização do capital, operadas também no campo educacional e ainda em
pleno curso no país. Logo, foi na vinculação dessa reforma representada pelo
Programa de Educação Integral com um movimento histórico, econômico e político
mais amplo, o fio condutor que nos permitiu explicitá-lo em seus mais internos
processos, escamoteados numa aparência enganosa.
Segundo Neves (2004) os anos de 1990 e os anos iniciais de 2000
comportam um conjunto de reformas na educação escolar brasileira. Essas reformas
se colocam na busca de adaptar a escola aos objetivos econômicos, políticos e
ideológicos do projeto burguês mundial nessa etapa do capitalismo monopolista-
financeiro. Destarte, o Programa de Educação Integral consiste num projeto
educacional que está posto sob essa tendência hegemônica, com suas devidas
particularidades.
Assim, ocorreu que a ampliação da reforma sobre o ensino médio na rede
estadual após 2008, concretizando-se através da criação do Programa de Educação
Integral, ainda guardou consigo os fundamentos político pedagógicos trazidos para a
rede estadual por meio do projeto piloto dos Centros de Ensino Experimental,
iniciado em 2004, que iniciou o processo de reforma sobre o ensino médio da rede.
Dessa forma, as mudanças no tempo da jornada de trabalho escolar, a
reorganização das relações de trabalho dos docentes com esse programa, a
rearrumação curricular, bem como outras de caráter pedagógico que atingiram
diretamente o cotidiano da comunidade escolar, causaram impactos e expectativas
entre professores e alunos. Ademais, a áurea promissora com que se revestiu essa
reforma em melhorar os resultados da educação pública da rede estadual tem
chamado atenção não apenas dos docentes e discentes, mas também de outros
governos estaduais e até mesmo de um segmento da mídia.
12
Ao passo que estávamos inseridos nos meandros dessa reforma que se
abateu sobre o ensino médio, como professor da rede pública estadual, pudemos
vivenciar in loco os desdobramentos da mesma na totalidade do projeto político
pedagógico escolar. Houve mudanças plausíveis na organização pedagógica
escolar, com a inserção de disciplinas complementares assim como projetos e
parcerias na gestão com agentes externos. Essa percepção favoreceu um florescer
de questões sobre o fenômeno em curso. Tudo isso influenciou, direta e
indiretamente, no surgimento de perguntas pelas quais pudemos orientar nosso
estudo. Dessa forma, buscamos desenvolver um estudo no âmbito da universidade
por julgar a ultrapassagem do senso comum, através do conhecimento acadêmico
científico, uma forma de conhecimento importante e também ferramenta de
transformação da realidade. Segundo Minayo (2010) A escolha de um tema não
emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo.
A escolha do tema surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas.
É, pois, fruto de determinada inserção no real.
Buscamos aprofundar a compreensão das circunstâncias que determinaram
as condições de implementação da reforma educacional para o ensino médio na
rede estadual de Pernambuco, tendo como corte o Programa de Educação Integral
de Pernambuco. Para isso, primeiramente supúnhamos que o que realmente levou à
criação da “nova” escola para o ensino médio não era necessariamente a vontade
de “salvar” a escola pública do suposto caos em que se encontrava. Muito menos
consistiu em impulso a vontade de oferecer uma educação de melhor qualidade
social para os filhos e filhas da classe trabalhadora, principal demanda da escola
pública no contexto brasileiro e pernambucano.
Assim, surgiu a primeira hipótese de que essas mudanças estavam
articuladas a um movimento maior, e seus determinantes não eram apenas frutos de
uma conjuntura local, mas, por outro lado, de determinantes sócio-econômicos e
ideo-políticos que ultrapassavam as fronteiras do próprio estado de Pernambuco e
do próprio país. Abrimos, dessa maneira, a trilha de um estudo cujo caráter de
totalidade dialética não poderia estar ausente.
Os fundamentos da reforma sobre o ensino médio, materializada na
particularidade do Programa de Educação Integral de Pernambuco, tinham como
pano de fundo todo um processo histórico vinculado, sobremaneira, à própria crise
do capital, despontada nos anos 1960-70. As estratégias que a classe capitalista
13
dominante lançou mão na recomposição da acumulação do capital provocou um
reordenamento no conjunto das relações sociais capitalistas nas últimas décadas
em nível mundial. A educação não ficou ilesa a esse processo. Diante da crise do
capital, a conjuntura levou às mudanças na organização do Estado e na educação
do trabalhador.
Ao dissecarmos os traços que estão presentes no Programa de Educação
Integral de Pernambuco, num primeiro momento, percebemos que a determinação
real dessa reforma, de fato, não foi aquilo que o discurso governamental e
empresarial espalhou aos quatro ventos: uma educação de melhor qualidade para o
aluno da escola pública simplesmente. Percebemos que foi, em linhas gerais, a
necessidade de ofertar uma escola e uma educação mais adequada aos requisitos e
anseios atuais do capital que forneceu a lenha para a fogueira dessa reforma.
A questão primária que nos ocorreu então foi: Quais os reais determinantes
da reestruturação sobre o ensino médio na rede estadual através do Programa de
Educação Integral de Pernambuco? Daí, buscamos conhecer e analisar
determinações sócio-históricos, políticas, econômicas e ideológicas para darmos
conta de forma mais densa da compreensão da reforma pela qual está passando a
educação básica, mais especificamente o ensino médio propedêutico na rede
estadual.
Como modo de precisarmos o caminho de nosso estudo chegamos à
hipótese central, mais elaborada, de que o projeto de reforma educacional que
consiste no Programa de Educação Integral de Pernambuco está posto no intuito de
atender com maior efetividade às injunções emanadas do capital em sua agenda
político pedagógica para a formação da força de trabalho frente ao contexto de
enfrentamento da crise de acumulação capitalista, nos limites da particularidade
regional.
Na execução dessa tarefa, nosso estudo buscou elementos da discussão
teórica acumulada no campo de trabalho e educação, pela nossa aproximação com
a perspectiva desse campo e por julgar ser o mesmo capaz de oferecer categorias
para desvelar nosso objeto nos termos em que colocamos nossas questões. As
relações trabalho/capital e suas implicações nos processos educacionais são de
grande relevância nas pesquisas do campo de trabalho e educação e o nosso
estudo se insere nesse âmbito. Ainda nesse campo, conseguimos extrair
14
fundamentos que nos ajudaram a apontar alternativas à reforma em curso, pois a
mesma consiste numa influência da lógica do capital sobre a educação.
Ao tratarmos do Programa de Educação Integral, cabe uma breve menção
nesse espaço - pelo seu caráter de complementaridade temática - a dois estudos
recentes realizados aqui no estado de Pernambuco. Trata-se dos estudos de Leite
(2009) e de Henry Junior (2010). O primeiro tratou da forma como se deu o processo
de parcerias no setor educacional na rede estadual de Pernambuco entre o governo
e a iniciativa privada através de um estudo de caso sobre o Ginásio Pernambucano,
que se transformaria no primeiro Centro de Ensino Experimental, protótipo do
programa por nós estudado. O segundo estudo, ideologicamente alinhado aos
anseios conservadores sobre o campo educacional, versou sobre as possibilidades
de se replicar na íntegra o modelo dos Centros de Ensino Experimental, tal como
previa a proposta na fase inicial do projeto. Este último trata-se de um estudo
arquitetado em torno de perguntas elaboradas acerca dos percalços à ampliação do
projeto dos Centros Experimentais. Ao respondê-las, o autor apresenta uma forte
argumentação calcada em mensurabilidade técnica apontando que seria possível o
modelo para toda a rede estadual. Apresenta, assim, um estudo técnico com uma
forte semelhança ao de uma consultoria educacional privada.
De nossa parte, ao estudar a reforma educacional realizada através do
Programa de Educação Integral, pensamos que ajudamos na compreensão mais
totalizadora do objeto, que leva em conta as bases materiais que sustentam esse
tipo de reforma educacional. Ao mesmo passo, se oferece elementos teóricos e
políticos de complementaridade, aprofundamento e de confronto aos dois estudos
citados acima, que versaram sobre temáticas extremamente próximas. Assim,
intentamos explorar um movimento da realidade do objeto que o considera como um
produto histórico, cujas raízes múltiplas estão assentadas em processos de alcance
mundial.
Para darmos norte ao estudo, elaboramos como objetivo geral: explicitar as
relações e nexos estabelecidos entre a reestruturação em curso do ensino médio
pelo Programa de Educação Integral com a proposta do capital de formação da força
de trabalho com vistas ao enfrentamento da crise. E, como objetivos específicos,
estabelecemos: 1) Analisar a concepção de educação para o ensino médio presente
no Programa de Educação Integral; 2) Identificar as influências teórico políticas
15
presentes na implementação dessa reforma educacional; 3) Evidenciar os aspectos
políticos-pedagógicos do referido programa;
Para desenvolvermos o percurso de nosso estudo lançamos mão, em termos
metodológicos, de uma pesquisa calcada no materialismo histórico dialético, cujo
caráter de totalidade da realidade é importante. É na apreensão das múltiplas
determinações onde encontramos uma possibilidade concreta de desvelar os
movimentos mais internos da realidade. Ainda utilizamos a pesquisa documental e a
entrevista semi-estruturada como instrumentos metodológicos necessários para o
percurso da pesquisa.
Como forma de apresentação de nosso estudo, estruturamos a dissertação
em três capítulos, na intenção de promover uma mais clara explicitação de nosso
objeto. Os capítulos, na forma em que se sucedem, procuram fundamentar uma
compreensão dialética, na medida em que fornecem elementos mais abrangentes
para um posterior desvendar de movimentos internos, mais particulares. No mesmo
compasso, a leitura pode fazer uma espécie de caminho inverso, no sentido de
encontrar determinantes dos aspectos e movimentos mais internos numa realidade
que é mais ampla, mais totalizadora.
Desse modo, resgatamos no primeiro capítulo um dado que pode ser
considerado o grande impulsionador das transformações operadas na organização
social do trabalho, na ação estatal e na reforma de ordem política caracterizada pelo
avanço do neoliberalismo: trata-se da crise do capital. A partir desse ponto,
pudemos localizar uma grande referência para balizar a nossa análise para mais
adiante, pois é o modo de produção capitalista que regula as relações sociais atuais.
No segundo capítulo, atentamos em fazer as mediações dessa crise do
capital com a educação. Através das transformações no Estado, na base produtiva e
na política, pôde-se alcançar a esfera educacional através de elaborações político-
teóricas norteadoras que ajudaram nas reformas da educação dos trabalhadores.
Ainda nesse capítulo, fizemos um resgate histórico das relações entre a escola e o
modo de produção capitalista, como mais um suporte na compreensão de nosso
objeto. Por fim, ele ainda traz um apanhado conciso sobre as contribuições do
campo de estudos de Trabalho e Educação. Ao compreendermos o programa por
nós analisado como um projeto conservador de uma ordem capitalista cada vez
mais controladora, surgiu a forte necessidade de apontar perspectivas em
16
contraposição ao quadro da realidade encontrada. Nesse ínterim, foi nos estudos
desse campo onde encontramos elaborações de uma agenda contra-hegemônica.
No terceiro capítulo trazemos com maior profundidade a construção
metodológica de nossa pesquisa. Isso ajuda, sobretudo, na compreensão do quarto
capítulo que se aproxima da materialização da reforma sobre a educação, através
de uma análise mais esmiuçada do Programa de Educação Integral de Pernambuco.
Buscamos resgatar os moldes precursores dessa reforma, bem como evidenciar os
aspectos políticos pedagógicos desse programa. Localiza-se, nesse capítulo, uma
análise mais empírica daquilo que vínhamos tecendo num âmbito mais geral.
Por fim, registramos nossas considerações finais, e indicamos os estudos e
documentos fundamentais em nossa pesquisa na lista de referências.
17
CAPÍTULO 1 – O CAPITAL E SUAS CRISES: REPERCUSSÕES SOBRE O TRABALHO E A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR
O Programa de Educação Integral acompanha as tendências de reforma
operadas no âmbito da educação formal das últimas décadas. Por sua vez, essas
reformas educacionais estão relacionadas ao movimento mais geral de crise global
do capital e de suas estratégias de recomposição a partir dos anos de 1970. Assim,
as bases materiais de produção do sistema capitalista bem como as relações
capital/trabalho nos oferecem as condições de apreensão dos nexos e
determinações da educação escolar nas últimas décadas, especialmente nos anos
correntes. Sem essa vinculação, todavia, podemos cair num problema de
compreender essa educação formal por fora das relações sociais. Portanto, poderia
ser uma compreensão que abordaria a educação sem levar em conta a disputa de
projetos que perpassa o campo educacional. Assim, é pela opção de considerar as
repercussões do modo de produção capitalista, que guiaremos nossa análise.
1.1 Breve nota acerca das crises do capital e suas saídas
O capitalismo, modo de produção sob o qual vivemos hoje, se colocou como
modo de produção da vida aos poucos, em contraposição ao feudalismo. Sua
gênese e desenvolvimento inicial entre alguns estudiosos é fruto de muita polêmica.
Existem argumentos diversos, desde os que apontam o fortalecimento do comércio
e das cidades como determinante para o advento do capitalismo até os que
localizam na forma de propriedade dos meios de produção, a terra em específico,
tais determinantes (SWEEZY, 1977). Há aí, portanto, uma controvérsia sobre as
causas que alçaram primeiramente a Europa Ocidental para o capitalismo e,
consequentemente, o restante do mundo. O estopim estaria na produção ou na
circulação? Ou haveria uma concomitância desses fatores? Esse, pois, é um debate
entre pesquisadores que ainda rende muitas explicações, mas que tem importância
para entendermos a sociedade atual em sua gênese e também fundamentar o
contexto maior no qual se encontra o objeto de nossa pesquisa, visto que é nas
múltiplas relações estabelecidas entre o nosso objeto e o modo de produção
18
capitalista que nos debruçaremos para compreendê-lo em seu movimento real e
histórico.
O que é certo é que uma vez consolidado o capitalismo como modo de
produção da vida, algo posto sob muitas resistências e conflitos, o mesmo logrou ao
longo de um tempo relativamente pequeno um alcance sobre todos os recantos e
sociedades do planeta, levando consigo seu modus operandi e suas contradições
para os mais diversos povos, acomodando-se e entrando em conflito com o modo
anterior de produzir a vida destas sociedades. Assim, o capital atingiu um nível tal de
hegemonia que, baseadas no senso comum, as pessoas pensam ser este o eterno e
único modo de produzir as condições necessárias à vida humana. Houve, assim,
uma consequente naturalização do capitalismo e das relações sociais dentro de
seus limites.
No entanto, há algo com que o capital tem se defrontado frequentemente em
sua história, causando sempre grandes transtornos e transformações nas
estratégias de sua acumulação e, consequentemente, na vida dos trabalhadores:
são as crises. Essas, por sua vez, são frutos das contradições das leis históricas
que regem o próprio capital, são inerentes ao mesmo e colocam na ordem do dia a
urgência de estratégias para a continuação de sua acumulação e vigência. A crise,
assim, não surge de algo externo ao sistema do capital, mas sim nas entrelinhas da
própria dominação do capital sobre o trabalho. Ou seja, a condição de não
realização das mercadorias produzidas, caracterizada numa superprodução advinda,
sobretudo, do avanço das forças produtivas em contradição com as relações sociais,
tem sempre ocasionado transformações na totalidade das relações sociais no modo
de produção capitalista. Alia-se a isso, mais recentemente, a intensa concorrência
internacional com o movimento de mundialização do capital.
Mas não é como fruto das próprias contradições do capitalismo que a crise é
explicitada pelos intelectuais engajados com a hegemonia burguesa. A exemplo da
crise dos anos 1970-90, forjaram-se sempre elaborações para dar conta daquilo que
supostamente se constituía nas suas causas.
No olhar vesgo da burguesia, a crise atual, uma vez mais, aparece como um desvio das leis ‘naturais do mercado’. A pedra de toque dos neoconservadores está na crítica à excessiva intervenção e agigantamento do Estado e, postula-se, como remédio, a volta da ‘regulação’ do mercado e as políticas monetaristas. (FRIGOTTO, 2010, p.84)
19
Como se num movimento de idas e voltas, outrora, na crise de 1929, o que se
viu foi a orientação de o Estado assumir a responsabilidade da regulação de um
mercado irresponsável que jogara a economia capitalista mundial num moinho de
distúrbios. Agora, evidencia-se o suposto afastamento do Estado para um suposto
bem estar do mercado.
Para Karl Marx (2006), estudioso no qual baseamo-nos fundamentalmente,
estudar a regularidade das leis que são inerentes ao capital e as contradições que
tendem a levá-lo a crises, foi um trabalho de uma vida inteira, mas que até hoje nos
ajuda a elucidar as questões que discorreremos nessa pesquisa. Assim, ao
analisarmos a acumulação histórica capitalista, a primeira característica que salta
aos olhos é a subsunção do trabalho ao capital. O caráter pernicioso dessa relação
tem reservado ao trabalho, fundamento ontológico da produção da vida pelo homem
com a natureza, um aviltamento do sentido humano do mesmo. O homem, enquanto
ser social e histórico que se constrói através do trabalho, não tem reconhecido neste
uma forma de engrandecimento pessoal e alargamento de suas possibilidades
humanas. O trabalho no advento do capital torna-se estranhado, alienado, ou seja,
algo que não contribui para a instituição da vida de forma humanizadora, mas antes,
coisifica os homens e suas relações. Dessa forma, de antemão, podemos apontar
que as saídas das crises capitalistas estão sempre diretamente relacionadas a
arrochos para a classe trabalhadora e mudanças outras para a classe dominante,
em nome da manutenção de uma maneira de produzir a vida em que os limites da
lógica da mercadoria parecem insubstituíveis. As crises, sempre necessárias ao
capital como uma forma de dar um salto adiante, é um processo também
caracterizado pela destruição das forças produtivas então disponíveis. Nesse
sentido, as transformações atingem o conjunto das relações sociais, incluindo
também a própria classe dominante. A questão é que os benefícios dessas
reestruturações sempre geram e concentram as riquezas fundamentalmente nas
mãos da classe dominante, ao passo que intensifica a exploração sobre a força de
trabalho.
No enfrentamento das crises, essa parceria capital-trabalho se torna ainda
mais dura para o último. A retroalimentação da locomotiva capitalista tem
significado, historicamente, mudanças no trabalho que lhe rendem um caráter cada
20
vez mais alienante e pauperizante. Às classes trabalhadoras, indispensáveis no
processo de saída das crises, as reformas políticas e econômicas às tornam mais
vulneráveis no que tange ao aparato das políticas sociais. Aqui, não é surpresa
vermos que na mais recente erupção da crise eclodida em 2008 nos EUA e que
ainda se segue, cujo epicentro hoje está nos países europeus onde os trabalhadores
alcançaram um Estado de Bem-Estar Social, a redução e extinção das políticas
sociais são o primeiro e principal ataque por parte dos capitalistas e suas agências
sobre os trabalhadores e suas conquistas. Mas vale lembrar que essa crise é
apenas a continuação da crise iniciada nos anos 1970-90 que, por sua vez, é uma
sequência da própria crise estrutural do capital.
[...] a crise dos anos 1970-90 não é uma crise fortuita e meramente conjuntural, mas uma manifestação específica de uma crise estrutural. O que entrou em crise nos anos 1970 constituiu-se em mecanismo de solução da crise dos anos 1930: as políticas estatais, mediante o fundo público, financiando o padrão de acumulação capitalista nos últimos cinquenta anos. A crise não é, portanto, como explica a ideologia neoliberal, resultado da demasiada interferência do Estado, da garantia de ganhos de produtividade e da estabilidade dos trabalhadores e das despesas sociais. Ao contrário, a crise é um elemento constituinte, estrutural, do movimento cíclico da acumulação capitalista, assumindo formas específicas que variam de intensidade no tempo e no espaço. (FRIGOTTO, 2010, p.66)
As crises sempre trazem consigo uma materialidade específica, apesar de
sua mesma gênese estrutural. Cada novo elemento que se coloca para enfrentar a
crise em andamento se torna um obstáculo num momento posterior. Se a entrada do
Estado foi a solução para a crise de 1929, posteriormente este mesmo Estado foi
apontado como a causa da crise nos anos 1970-90 pelos neoliberais (FRIGOTTO,
2010). É como se fosse um jogo no qual a solução sempre se transformasse no
próximo desafio. Vale lembrar, entretanto, que a crise que estamos encarando nos
dias atuais tem um caráter universal - porque não se restringe a um ramo específico
- e global, porque não se limita a poucos países (ALVES, 2011)
É justamente nos momentos de recomposição do capital que aparece com
grande frequência a palavra reforma como algo extremamente fundamental. Torna-
se algo imperativo à consecução da acumulação as reformas que atingem o âmbito
econômico, político, ideológico, etc. Evidentemente que essas reformas são
21
apresentadas como indispensáveis para o conjunto da sociedade, havendo aí um
grande esforço de natureza ideológica para sua disseminação, aceitação e
materialização. E para salvaguardar as condições necessárias para o
prosseguimento da acumulação não se leva em conta se isso acarretará um maior
sufoco por parte do trabalho, explorado pelo capital. Essas reformas podem adquirir
uma abrangência estrutural e atingir diversos campos da nossa sociedade, em
especial o campo educacional, setor de relevância na nossa pesquisa.
Por sua vez, essas reformas necessárias para assegurar os interesses
hegemônicos foram implementadas pelos agentes constituídos historicamente,
respaldados pela sociedade e que, sobretudo, foram indispensáveis na mediação do
trajeto para esse modo de produção. O Estado Moderno e suas faces subsequentes
é o agente fundamental na articulação desse processo. Geralmente colocado como
um ente que não representa os interesses de qualquer classe, mas garante o
convívio das diferentes classes em seu conjunto, o Estado frequentemente figura em
muitas análises como uma instituição que está para além do conflito capital-trabalho.
Aparece como se fosse uma coisa exterior a esse conflito, sobreposto de forma
idealizada em relação à luta de classes. Entretanto, apreendendo o movimento real
do Estado, percebemos seu papel fundamental na manutenção e desenvolvimento
do capitalismo. É sobre o papel de mediação estatal para saída da crise que
retomaremos mais adiante. Antes, porém, é adequado passarmos sobre o contexto
de mudanças evidenciadas na organização da produção a partir da década de 1980,
fundamentalmente caracterizada pelo incremento de uma nova base técnico-
científica. Essas mudanças conformaram transformações na ação estatal e,
consequentemente, nas políticas educacionais.
1.2 A saída da crise pelas mudanças na organização social do trabalho: a
reestruturação produtiva
Pelas relações historicamente conformadas entre os imperativos do modo de
produção capitalista e os sistemas educacionais, a reorganização evidenciada no
âmbito da base produtiva no contexto de saída da crise capitalista dos anos 1970-
90, apresenta-se como ponto fundamental na compreensão mais aprofundada de
22
nosso objeto. Este último é, em certos aspectos, decorrência dessas mudanças. Um
novo padrão de acumulação sob a advento do toyotismo estava sendo implantado
em todo o globo para a reconstituição da base de produção do capital. Estava em
curso, portanto, uma reestruturação produtiva.
O movimento de posição (e reposição) dos métodos de produção de mais-valia relativa denomina-se reestruturação produtiva, em que o capital busca novas formas de organização do trabalho mais adequadas à autovalorização do valor. [...] O que surge, hoje, com o novo complexo de reestruturação produtiva, cujo momento predominante é o toyotismo, é mais um elemento compositivo do longo processo de racionalização do trabalho vivo que teve origem com o fordismo-taylorismo. (ALVES, 2011, p.33,34)
Foi então na década de 80 que consideráveis transformações passaram a
tomar corpo na alçada da produção. O salto tecnológico significativo, a automação, a
robótica e a microeletrônica chegaram para modificar a realidade da fábrica,
inserindo-se e se desenvolvendo nas relações de trabalho e de produção do capital.
Esse conjunto de elementos deve ser refletido articuladamente com a ideia de que
respondem propriamente à recomposição da acumulação capitalista, pois o contexto
em que aparecem e se firmam é o de crise do modelo de acumulação fordista.
Não é necessário muito esforço para perceber que as relações sociais e os
postos de trabalho tem sofrido, a partir daí, modificações com uma certa rapidez.
Pelo fato de estar em curso uma reestruturação do tecido produtivo, as pessoas são
estimuladas a adquirir novas habilidades e até valores enquanto mão de obra, que
até então não era requerida. O âmbito produtivo na medida em que sofre
transformações, acaba submetendo os trabalhadores a se adequarem a elas. Essas
transformações são estendidas a praticamente todas as esferas da vida social.
A grande influência da economia, das novas tecnologias e da crescente
importância do conhecimento desembocou na denominada sociedade da informação
ou sociedade do conhecimento que é, na verdade, um elemento político ideológico
importante na reestruturação do próprio capital face a sua crise. Trataremos dessa
questão com mais atenção mais adiante.
O fato é que essa reestruturação, dentre outros pontos, foi marcada pela
influência da economia globalizada na organização da produção e dos mercados, na
interação com as tecnologias da informação, no aumento da flexibilidade da
produção, nas novas tecnologias de gestão e da comercialização e, finalmente, foi
23
marcada pelas mudanças organizativas que redefiniram os processos de trabalho
(ANTUNES, 2011). Todos esses movimentos tiveram como peça fundamental a
atuação de um ente que abordaremos com maior profundidade também mais
adiante: o Estado.
É preciso não esquecer que o capitalismo, para se fortalecer como modelo de produção, apoiou-se fortemente nos Estados Nacionais. Os governos coordenavam as políticas econômicas e industriais dentro de seu domínio; estabeleciam salários mínimos e condições trabalhistas de contratação; também não vacilavam em oferecer todo tipo de privilégios às empresas e aos grupos empresariais para atraí-los para seus territórios, o que levava a esforçar-se para garantir um ambiente social sem perturbações. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 15)
O processo de trabalho passa a ser guiado por novos padrões de busca de
produtividade. A produção em série e de massa passa a ser substituída por uma
produção flexível mais adequada às novas injunções do mercado. A hiper
especialização do fordismo ganha um caráter mais generalista. No processo atual
continua a especialização, mas houve, por um lado, a fusão de atividades
possibilitada pela robótica e pela informática. O emprego de novos padrões de
gestão da força de trabalho, a exemplo dos Círculos de Controle de Qualidade,
estão na direção de uma intensificação da exploração do capital sobre o trabalho
(FRIGOTTO, 2001).
Portanto, a acumulação flexível surge como estratégia corporativa que busca enfrentar as condições críticas do desenvolvimento capitalista na etapa da crise estrutural do capital caracterizada pela crise de sobreacumulação, mundialização financeira e novo imperialismo. Constitui um novo ímpeto de expansão da produção de mercadorias e de vantagem comparativa na concorrência internacional que se acirra a partir de meados da década de 1960, compondo uma nova base tecnológica, organizacional e sociometabólica para a exploração da força de trabalho. (ALVES, 2011, p.13)
É necessário pontuar, aqui, o perigo de super dimensionar a categoria de
acumulação flexível, pois o capital sempre procurou “flexibilizar” as suas condições
de produção, sobretudo a força de trabalho, configurando-se esse esforço numa de
suas características ao longo de seu próprio desenvolvimento histórico (ALVES,
2011, p.14). Mesmo no toyotismo combinam-se processos produtivos extremamente
24
elaborados, marcados pela alta tecnologia que requer uma qualificação compatível,
até processos precarizados, marcados pela desqualificação e desregulamentação.
Realidades como o trabalho escravo e infantil também surgem nesse ínterim
(SOUSA, 2010).
A mesma especialização flexível articula o expressivo desenvolvimento
tecnológico com a desconcentração produtiva. Sai de cena, dessa forma, a grande
fábrica que produz todas as peças de um determinado produto e entra a produção
enxuta, ou associada. Nessa última, há uma difusão da produção de partes de uma
mercadoria em diferentes lugares, mas que, no final, acaba sendo concentrada.
Cabe salientar, todavia, que o toyotismo não necessariamente sucede o
fordismo em totalidade absoluta, mas mescla-se com esse, substituindo-o
completamente apenas em alguns locais pontuais da economia globalizada. Além do
mais, seu caráter mais conciliatório entre as classes antagônicas ajudou na ofensiva
capitalista sobre o trabalho.
O toyotismo é a expressão plena de uma ofensiva ideológica (e material) do capital na produção. Ele é um dispositivo organizacional e ideológico cuja intentio recta é buscar debilitar (e anular) ou negar o caráter antagônico do trabalho vivo no seio da produção do capital. (ALVES, 2011, p. 60)
A respeito do fordismo, forma de organização social do trabalho anterior e, de
certa forma, concomitante ao toyotismo, se compreende fundamentalmente como
[...] a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo do século XX, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista, pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. (ANTUNES, 2011, p.25)
Recusando-se a uma produção em massa nos moldes fordistas, postulava-se
que a forma flexível, associada posteriormente ao toyotismo, não estaria sujeita à
alienação do trabalho nos parâmetros fordista. No entanto, há de se ressaltar a
25
existência paralela entre fordismo e toyotismo, em vez de uma extinção total do
primeiro.
[...] há a existência de uma combinação de processos produtivos, articulando o fordismo com processos flexíveis, ‘artesanais’, tradicionais. Em suas palavras: ‘a insistência de que não há nada essencialmente novo no impulso para a flexibilização e de que o capitalismo segue periodicamente esses tipos de caminhos é por certo correta [...] mas considero igualmente perigoso fingir que nada mudou, quando os fatos da desindustrialização e da transferência geográfica de fábricas, das práticas mais flexíveis de emprego do trabalho e da flexibilidade dos mercados de trabalho, da automação e da inovação de produtos olham a maioria dos trabalhadores de frente’. (HARVEY, 1992 apud ANTUNES, 2011, p.29)
Segundo o pensamento de Antunes (2011) há quatro fatores que
desembocaram no toyotismo: a necessidade de o trabalhador atuar
simultaneamente em várias máquinas, o fato da empresa ter que aumentar a
produção sem aumentar a quantidade de trabalhadores, a importação para a
indústria automobilística japonesa da experiência das técnicas de gestão dos
supermercados americanos que resultou no método de produção kanban (produzir
somente o necessário e fazê-lo no melhor tempo) e, finalmente, o alargamento
dessas experiências para as empresas fornecedoras e subcontratadas. Além disso,
no pioneirismo japonês, havia a necessidade de se produzir para um mercado
interno que pedia produtos diferenciados e em pequena quantidade. O pioneirismo
japonês não esteve sozinho, pois outros arranjos evidenciaram-se na época, mas
não tão significativamente quanto o primeiro.
Surge, de fato, a partir de meados da década de 1970, um novo tipo de empreendimento capitalista em determinadas regiões do mercado mundial, uma série de experimentos produtivos representando o novo regime de acumulação flexível com o capital reencontrando-se com o seu ser-precisamenta-assim. Por exemplo, na década de 1980, rica em inovações capitalistas, salienta-se a especialização flexível, na Terceira Itália; ou o kalmarianismo, na Suécia. Entretanto, o que possui maior capacidade de expressar as necessidades imperativas do capitalismo mundial é a experiência do toyotismo no Japão. É como se, a partir daí, o capital tivesse descoberto o segredo (ou o mistério) de um novo padrão de mercadorias. (ALVES, 2011, p.17)
26
Segundo Ricardo Antunes (2011) a produção no toyotismo se volta para o
consumo. Diferentemente do fordismo da produção em série e de massa, a
produção no toyotismo é diversificada e está sempre a postos para suprir as
necessidades de consumo. A produção aqui é realizada levando-se em
consideração o estoque mínimo. O just in time garante no toyotismo o melhor
aproveitamento do tempo durante todo o processo de produção, do transporte ao
estoque. A relação homem/máquina do fordismo se torna um tanto obsoleta. O
operário deve operar com mais de uma máquina. Assim surge o trabalho em equipe.
Uma equipe de trabalhadores frente a uma gama de máquinas automatizadas
exigindo maior destreza e tomadas de decisões rápidas.
Um outro elemento do toyotismo é estender às empresas terceirizadas a
produção de elementos básicos para posterior confecção de um produto. As
empresas fornecedoras, assim, acabaram absorvendo as mesmas práticas da
organização principal: o just in time, a flexibilização, a terceirização, a
subcontratação, o controle de qualidade total, etc. Tudo isso resultava numa
intensificação do trabalho seja na organização mor, seja nas fornecedoras. Ou seja,
não passava de uma errônea impressão a compreensão de que o trabalho no
toyotismo adquirira um caráter menos alienante do que no fordismo. Toda a
aparente diversificação de ações no trabalho visava, no fundo, a intensificação da
acumulação e a racionalização do trabalho.
[...] julgamos pertinente afirmar que a ‘substituição’ do fordismo pelo toyotismo não deve ser entendida, o que nos parece óbvio, como um novo modelo de organização societária, livre das mazelas do sistema produtor de mercadorias e, o que é menos evidente e mais polêmico, mas também nos parece claro, não deve nem menos ser concebido como um avanço em relação ao capitalismo da era fordista e taylorista. (ANTUNES, 2011, p.39)
O que ocorre acerca do toyotismo é uma aparente eliminação da separação
entre elaboração e execução. Mas isso não passa de uma aparência porque não
são os trabalhadores que decidem o que produzir e como produzir. Ou seja, a velha
condição de venda da força-de-trabalho continua a mesma. Mas, diversamente do
fordismo, no toyotismo há uma queda do número de trabalhadores da indústria
(operariado fabril), ou seja, há uma redução da classe operária industrial tradicional.
Isso ocorreu principalmente nos países de capitalismo central. O que veio à tona,
27
então, foi o aumento de trabalhadores do setor de serviços, bem como evidenciou-
se uma maior diversificação entre os trabalhadores no geral.
Na medida em que [...] o fantástico progresso técnico vem demarcado pela lógica privada de exclusão, este conjunto de métodos e técnicas de organização e gestão do processo produtivo não só se inscreve nesta lógica como é um mecanismo de ampliação da mesma. Os custos humanos são cada vez mais amplamente evidenciados pelo desemprego estrutural que aumenta, atingindo sobretudo os jovens e os velhos, o emprego precário e a produção, mesmo no Primeiro Mundo, de cidadãos de segunda classe. (FRIGOTTO, 2001. p. 46)
Num pólo estão os trabalhadores mais qualificados e intelectualizados, a
bordo dos processos envoltos de mais tecnologias e ocupando posições mais
centrais na produção de mercadorias; no outro estão os trabalhadores mais
precários. Surge a presença feminina com maior expressividade, bem como uma
intensificação da subproletarização: trabalho temporário, parcial, terceirizado, etc. A
classe trabalhadora torna-se mais heterogeneizada, fragmentada e complexificada.
Tudo isso regado à regressão dos direitos sociais adquiridos durante o welfare state,
na Europa, sobretudo.
Segundo Marx (2006), com o desenvolvimento da subsunção real do trabalho
ao capital não seria o trabalhador industrial, mas uma crescente capacidade de
trabalho socialmente combinada que se converte no agente real do processo de
trabalho total. Assim, esse intelectual já vislumbrava, a partir de seus estudos
sistemáticos sobre o capital, traços de uma tendência que passou a se concretizar
no advento toyotista da produção flexível, especificamente no novo tipo de trabalho
requisitado. Este último, caracterizado agora por uma polivalência, por um caráter
multi-facetado (ANTUNES, 2011).
Estabelece-se um complexo processo interativo entre trabalho e ciência produtiva, que não leva à extinção do trabalho, como imaginou Habermas, mas a um processo de retroalimentação que necessita cada vez mais de uma força de trabalho ainda mais complexa, multifuncional, que deve ser explorada de maneira mais intensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos dotados de
maior incremento tecnológico. (ANTUNES, 2011, p.121)
28
Em outras palavras, o trabalho vivo, mesmo continuando insubstituível, só
tem sofrido uma intensa exploração, na medida em que avançam as técnicas
implementadas na base produtiva.
O crescimento da produtividade do trabalho nas últimas décadas, por conta das inovações tecnológico-organizacionais do capital, significou uma tendência à diminuição relativa do trabalho vivo na produção social, no interior de uma ordem mercantil sob predomínio da acumulação financeirizada que preserva a obrigação de trabalhar. Longe de representar uma liberação favorável a todos, próxima de uma fantasia paradisíaca, o aumento da produtividade do trabalho social tornou-se uma ameaça, contribuindo não apenas para a rarefação do emprego, mas para a precarização dos estatutos salariais. (ALVES,2011, p.25)
É preciso pontuar que essa nova face do capital apropria-se crescentemente
da dimensão intelectual do trabalho. Há uma maior captura da subjetividade dos
trabalhadores que passam a ser mais integracionistas. Esse saber intelectual é
subsequentemente transferido para as máquinas informatizadas, que demandam
uma maior interação entre o trabalhador e a nova máquina inteligente.
O cérebro dos operários e dos empregados, não está mais livre, como no taylorismo-fordismo. Deve-se combater nos locais de trabalho e nas instâncias da reprodução social o pensamento crítico ou aquilo que Gramsci tratou como ‘um curso de pensamentos pouco conformistas’. Incentivam-se habilidades cognitivo-comportamentais pró-ativas e propositivas no sentido adaptativo aos constrangimentos sistêmicos. No plano linguístico-locucional deve-se trocar a sintaxe da luta de classes para a sintaxe da concertação social. (ALVES, 2011, p. 65)
Nesse sentido, o toyotismo é um avanço em relação à captura da “alma” do
trabalho vivo. Coisa que não foi executada com tamanha precisão no âmbito
fordista.
O fordismo ainda era, de certo modo, uma ‘racionalização inconclusa’, pois, embora instaurasse uma sociedade ‘racionalizada’, não conseguia incorporar à racionalidade capitalista na produção as variáveis psicológicas do comportamento do trabalhador assalariado, que o toyotismo procura desenvolver por meio de mecanismos de envolvimento estimulado do trabalho vivo. (ALVES, 2011, p.100)
29
Todas essas injunções vão desaguar sobre a educação de forma implacável.
Enquanto campo de formação da força de trabalho importante para atender às
demandas do capital, a escola vai ser o alvo em cheio da implementação de
reformas que vão operar na conformação da classe trabalhadora nesse novo
contexto capitalista.
Para tratarmos das transformações advindas da organização da produção e
que alcançam o campo educacional, é necessário considerarmos, antes de tudo, o
papel importante do Estado na consolidação dos desígnios do capital. Isso porque
cabe ao Estado o fornecimento de serviços básicos à população mediante políticas
sociais de educação, saúde, previdência, etc. Essa promoção das políticas sociais,
por sua vez, sofreu influências do capital em sua cruzada de recomposição devido à
crise.
1.3 As crises e o Estado capitalista: reformas e rebatimentos nas políticas
sociais, em especial na educação
Convém agora fazermos uma retomada da natureza e da ação do Estado
dentro do modo de produção capitalista para que possamos compreender com maior
precisão os tipos de mediações efetivadas por este ao longo da história que
viabilizam suas relações com a economia, a sociedade e as classes sociais, bem
como ajudar na elucidação das articulações tão estreitas entre os interesses do
capital e a educação dos trabalhadores, no contexto de enfrentamento da crise
capitalista. Os ajustes estruturais e as reformas no âmbito do Estado garantem o
processo de produção e reprodução do capital, e isso é de fundamental importância.
Com o advento da modernidade, o Estado tem sido levado em consideração
em análises das questões sociais porque ele reflete em sua dinâmica as
contradições de classes. Assim, o Estado torna-se uma forma ampliada de
socialização das condições gerais de produção (MINAYO, 2010). É das
transformações ocorridas no aparelho estatal, devido ao movimento experimentado
pelo sistema do capital, que partirão as disposições necessárias para se implantar
reformas mais estruturais que, por sua vez, permitem reformas educacionais do tipo
vivenciadas na própria experiência do Programa de Educação Integral de
Pernambuco. Um Estado menos defensor do direito social e mais aberto às
30
parcerias com a iniciativa privada no provimento de políticas públicas, mais
focalizadas, passa a ser uma tendência marcante.
Ao ser questionado o papel do Estado no contexto das políticas neoliberais,
tornam-se necessários as reformas e os ajustes estruturais do mesmo.
Organizações como o FMI, o BM e a OMC trataram de implementar essa agenda,
principalmente nos países considerados em desenvolvimento. Esses ajustes
materializaram um ataque às conquistas dos trabalhadores e a uma privatização do
serviços públicos. É importante destacar, entretanto, que a forma com que esses
organismos influenciaram nas reformas na periferia do capital não foi linear. A
intensidade e amplitude em cada país dependeu da realidade social, política e
econômica.
É sobretudo na década de 1990, sob o período dos governos de Fernando
Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que a reforma do Estado
brasileiro toma corpo, a partir das reformas estruturais adotadas como estratégias
para a superação da crise do capitalismo em escala mundial. Tomam forma devido a
uma sistemática subsunção da política e da economia do país à organicidade do
capital globalizado. A marca neoliberal nos princípios das políticas públicas,
sobretudo nas educacionais, passaram a legitimar e impulsionar as parcerias entre o
setor público e o setor privado na efetivação de programas e projetos educacionais
(SILVA; ANTONIO; CECILIO, 2010).
Mas é a reforma do Estado o ponto principal que evidencia a influência das
políticas neoliberais. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995,
aglutina os pressupostos gerais que estabelece diretrizes e define objetivos para a
reforma da administração pública. A privatização figurou como um dos eixos centrais
nesse importante documento. Na educação, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o
Plano Nacional de Educação (PNE), aprovados ainda na vigência do governo FHC,
também se enquadram no contexto de consolidação das reformas. Acabam por
estimular a transferência de recursos públicos para o setor privado e acenam no
sentido da busca de otimização dos recursos existentes para as políticas sociais,
sem ampliá-los (COSTA, 2006).
Ao retomarmos a teorização mais aprofundada sobre o Estado, é importante
passarmos pelas acepções da tradição teórico-política liberal, na qual há uma
tendência à compreensão do Estado como uma expressão de uma ordem social
mais ou menos harmônica, e que representa a totalidade consensual da sociedade.
31
Nessa compreensão de Estado, os indivíduos, independentemente da classe social,
são livres para intercambiar o poder ao longo do tempo. É um entendimento que
podemos dizer está aproximado às formulações de Adam Smith sobre a mão
invisível do mercado, que permite a todo e qualquer indivíduo intercambiar
mercadorias a depender de sua vontade própria.
O que ocorre é que em ambas as compreensões expostas acima, aquela
sobre o Estado e a outra sobre o mercado, as condições concretas em que estes se
assentam, bem como as relações de poder que se fazem presentes no movimento
da realidade, são ofuscadas por uma explicação nebulosa e, porque não dizer,
idealizada. Essa explicação não demonstra que o Estado, nas sociedades
classistas, é uma expressão mediadora da dominação política.
É, na verdade, o “resumo oficial” de uma sociedade de classes e, consequentemente, não é neutro diante das lutas e dos antagonismos sociais produzidos por desigualdades e iniquidades estruturais. Da mesma forma que o mercado “realmente existente” – e não o que imaginam os teóricos liberais -, o Estado é o lugar onde sujeitos formalmente livres e iguais, mas profundamente desiguais, estabelecem relações políticas de superordenação e subordinação. (BORÓN, 1994, p. 249)
Para focarmos melhor a questão do Estado, é necessário descermos a esfera
da produção, como se estivéssemos de fato “pisando no chão” para compreender as
suas determinações. No processo produtivo em si, os sujeitos estão dispostos em
diferentes posições e isso, além de determinar as classes fundamentais, lança as
bases que vão dar na posterior configuração do Estado. Porém, para a efetivação da
complexa dominação política de uma classe pela outra se requer outras mediações
além da estrutura estatal, como a ideologia e o partido político, sem os quais o
domínio político econômico da burguesia não poderá alcançar a totalidade da
sociedade civil (BORÓN, 1994). Existe um controle ideológico sobre as premissas
contraditórias e conflituosas da sociedade capitalista que é fundamental para a sua
continuidade. Aqui cabe atentar para o fato de que não é a origem social dos
quadros dirigentes que estabelece o traço classista do Estado, mas sua estrutura
interna em funcionamento, sua anatomia funcional. Podemos considerar que
[...] a articulação concreta do Estado com a reprodução capitalista pode ser descoberta se se examinam dois tipos de seletividade
32
sistêmica que se acham ‘incorporadas no seio do sistema de instituições políticas’. Estes mecanismos permitem ao Estado destilar “os interesses classistas do universo de interesses estreitos, de curto prazo...” Por outro lado, o Estado burguês deve ter uma “seletividade complementar que consiste em proteger o capital coletivo dos conflitos e interesses de natureza anticapitalista.” (CLAUSS OFFE, 1990 apud BORÓN, 1994, p. 258)
Se aprofundarmos no modo como as teorias liberais concebem a natureza do
Estado, logo veremos que nestas a sociedade não é apresentada em sua
organização conflituosa de classes. Uma nuvem de conciliação é sempre posta
como o papel fundamental do Estado.
Por outro lado, muitas leituras marxistas apresentaram por algum tempo a
compreensão do Estado permeado por um mínimo de dialética. Essas leituras
marxistas encurtadas anulava o Estado de qualquer iniciativa autônoma, como se
esse fosse um servo unânime da burguesia. Em uma tendência se compreendia o
Estado apenas como reflexo da base econômica, sem qualquer ação própria por
parte deste, era como se fosse um braço da burguesia sem qualquer musculatura,
rígido e travado. Configurava-se, assim, uma vinculação entre Estado e economia
que não correspondia à realidade, pois perdiam-se os múltiplos movimentos desta
última. Uma outra vertente insistiu veementemente numa visão instrumental do
Estado compreendendo este como o “comitê executivo da burguesia”, como se
fosse unicamente atendido os interesses dessa classe (BORÓN, 1994).
Por isso, uma outra interpretação realmente alinhada à natureza do método
marxista apresenta a capacidade de teorizar o Estado levando em conta toda uma
riqueza de múltiplas determinações. Nenhuma determinação, em isolamento, pode
dar conta sozinha da plenitude do fenômeno que é o Estado e as mediações que
este opera no seio do capitalismo. De modo geral, Atílio Borón (1994) nos aponta
quatro dimensões importantes na recuperação plena do significado do Estado dentro
desta tradição:
1 - um “pacto de dominação” mediante o qual uma determinada aliança de classes constrói um sistema hegemônico susceptível de gerar um bloco histórico. 2 – uma aliança dotada de seus correspondentes aparatos burocráticos e capaz de transformar-se, sob determinadas circunstâncias, em um “ator corporativo”. 3 – um cenário da luta pelo poder social, um terreno onde se dirimem os conflitos entre distintos projetos sociais que definem um padrão de organização econômica e social. 4 – o representante dos “interesses
33
universais” da sociedade e, enquanto tal, a expressão orgânica da comunidade nacional. (BORÓN, 1994, p.255)
Gentil Corazza (1987) traz uma interessante leitura do Estado em correlação
com as relações sociais de produção de uma sociedade, ou seja, a compreensão do
Estado pressupõe a compreensão das estruturas básicas de funcionamento dessa
sociedade, da forma mais fundamental desta em produzir as condições de vida para
todos. Por isso, aqui há um foco nas mediações entre as relações de produção e a
natureza do Estado. Este último está como o resultado, um produto das relações
sociais. Cabe, pois, ao Estado uma função básica de preservação dessas relações
de produção. Isso significa a garantia da manutenção e reprodução de ambas as
classes sociais: a capitalista e a trabalhadora. Sendo assim, o interesse do Estado
não é especificamente o interesse de uma classe, mas sim os interesses que vão
assegurar a continuidade dessa relação contraditória e desigual. Ao criticar as
formas limitadas de compreensão do Estado que apontam uma falsa separação
entre estado e sociedade, o autor adverte que:
A incapacidade de conceber a realidade social como um todo único, constituído pelas relações sociais capitalistas de produção, de que a economia, o Estado e a sociedade não são partes separáveis, mas aspectos apenas analiticamente distinguíveis, é que impede a compreensão do que seja o Estado e de sua ação sobre a economia e a sociedade. (CORAZZA, 1987, p.22)
A economia, o Estado e a sociedade são apenas aspectos analíticos de um
todo que são as relações de produção. Assim, as relações sociais de produção se
colocam como um ponto indispensável para superar as leituras insuficientes sobre a
natureza do Estado. Esse último, figura como uma síntese dessa sociedade e sua
economia, e como tal, é tão contraditório quanto as relações sociais vigentes. Assim,
as modificações experimentadas na sociedade capitalista, terão repercussões na
ação do Estado, tal como o que ocorreu ao longo da década de 1990 no aparelho de
Estado brasileiro, para poder acompanhar as mudanças ocorridas na política e na
base de produção do capital a nível mundial.
Para Engels (1980 apud CORAZZA, 1987, p22), o “Estado é, antes, um
produto da sociedade”. E, para todo efeito, a sociedade em que vivemos é a
34
sociedade capitalista. Logo, para se compreender o Estado, é necessário
entendermos essa sociedade fundamentalmente.
É sempre na relação direta dos proprietários das condições de produção com os produtores diretos que encontramos o segredo mais íntimo, o fundamento oculto de toda a construção social e, por conseguinte, da forma política das relações de soberania e de dependência, em suma, de cada forma específica de Estado. (MARX, 1980 apud CORAZZA, 1987, p.22)
Essa importante relação que Marx nos expõe acima não pode ser encarada
como um achado de uma fórmula definitiva, uma categoria rígida. A forma de
recepção e reprodução pouco dialética constituiu-se no erro das interpretações
marxistas hoje criticadas. A partir dessa relação, o autor nos oferece uma categoria
viva que pode e deve ser alargada para poder dar conta da realidade,
especificamente aqui, para dar conta do entendimento da natureza do Estado.
A relação básica da sociedade capitalista entre capitalistas e assalariados
enquanto classes sociais fundamentais nos oferece os elementos para entendermos
esse Estado capitalista com maior riqueza de detalhes. É que essa relação se
caracteriza por ser conflituosa, mas pode se aparentar harmônica e livre. Não passa
de uma aparência. É como se os trabalhadores fossem plenamente livres para
vender sua mão de obra. Há, pois, um caráter de relação de igualdade, puramente
econômica, regulada livremente pelo mercado como um mero contrato. Mas é
preciso atentarmos que a expropriação do excedente produzido pela mão-de-obra
assalariada pode até se apresentar como uma relação justa, contratual, mas que de
fato não o é, a não ser em sua aparência. O aspecto privado dessa relação não
seria mesmo possível sem a presença do Estado e suas instituições como uma
espécie de porto seguro onde as partes envolvidas podem recorrer ao mesmo tempo
em que esse Estado permite a manutenção da própria relação (CORAZZA, 1987).
A sociedade capitalista se constitui justamente pela forma de apropriação do
excedente criado pelo trabalho em sua costura de classes, permitindo a troca
desigual entre o produto de maior valor criado pelos trabalhadores no processo
produtivo e o salário que é recebido por estes. Esconde-se nessa relação por meio,
sobretudo, da ideologia, as contradições reais que permitem a exploração do
trabalho. Para tal, o Estado entra em ação e é um “aspecto” e não uma parte dessa
relação, porque parte indica a possibilidade de separação concreta, e “aspecto” só é
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separável analiticamente por uma operação da mente. O Estado seria assim, o
aspecto coercitivo das relações sociais capitalistas de produção.
Ao passo que os capitalistas estão desarmados dos instrumentos de coerção
oficiais, o Estado vem e desempenha esse papel com um dissimulado caráter
impessoal. Há, portanto, uma separação no capitalismo entre a coerção econômica
e a coerção política que permite uma dominação de classe igualmente dissimulada.
Faz sentido, dessa forma, os questionamentos seguintes:
Por que a dominação de classe não fica sendo o que é, sujeição de uma parte da população a uma outra? Por que ela reveste a forma de uma dominação estatal oficial, ou o que vem a ser o mesmo, por que o aparelho de coerção estatal não se constitui como aparelho particular da classe dominante, por que ele se separa desta última e reveste a forma de uma aparelho público, impessoal, separado da sociedade? (SALAMA, 1980, apud CORAZZA,1987, p.21)
Temos, então, que a função primordial do Estado é estabelecer as condições
de reprodução da relação social capitalista, mesmo que isso signifique em perdas
pontuais aos capitalistas. O fundamental é a manutenção da totalidade deste modo
de produção, com suas nuances, evidentemente.
Foi importante fazermos esse trajeto para pontuarmos que é nas relações
sociais de produção de onde parte a origem e a essência do Estado capitalista. Isso
nos ajuda a elucidar a questão sem riscos de levar nossa compreensão pelas
aparências das coisas, idealizando a realidade e distanciando-se dela. Com esse
movimento teórico compreenderemos melhor o papel do Estado e suas mutações no
contexto de recomposição do capital frente a suas crises.
É por isso que ao lançar a ofensiva para a reconstrução plena das condições
em que se permitisse a retomada do avanço da acumulação capitalista por volta da
década de sessenta do século XX em diante, as prescrições neoliberais, que
aprofundaremos a seguir, lançaram-se sobre o Estado de Bem Estar Social de forma
a recolocar o papel deste na organização da economia, sobretudo. A partir daí, entra
em cena com maior intensidade as ideias liberais ora retomadas por teóricos como
Hayek. Essas ideias postulam que o Estado deve se afastar o máximo da
interferência nos mercados. Este último, tido pelos neoliberais como campo pleno da
sagacidade e iniciativa humana, deveria ser deixado à vontade para desenvolver-se
e permitir aos cidadãos as condições de participar dele, como se todos os cidadãos
36
tivessem as mesmas chances materiais ou posse dos meios de produção. Assim, se
no enfrentamento da crise de 1929, o Estado fora chamado à regular os desvarios
do mercado, impedindo que os próprios capitalistas se destruíssem em sua
contenda fratricida, nessa crise posta no último quartel do século XX, o papel
delegado ao Estado era o afastamento dos assuntos do mercado como ponte para a
saída da crise (BORÓN, 1994). Percebemos então que a relação estatal pode sofrer
deslocamentos em função dos interesses das classes fundamentais, sobretudo em
função da manutenção do modo de produção capitalista, mas não pode ser banido
dessas balizações, apesar de ser excretado em alguns momentos. Não pode ser
banido porque é fundamental e necessário.
No contexto neoliberal de recomposição da acumulação capitalista, a
constante ideia de retirada do Estado de um papel interventor na economia estava
colada à redução desse mesmo Estado na promoção de políticas sociais estáveis e
fortes. A previdência, a educação e a saúde, bem como outros setores, passam a
sofrer fortes injunções políticas, administrativas e econômicas advindas da lógica do
mercado, ora ocupando um espaço que era de exclusividade estatal. Evidentemente
que esse processo não se deu de um minuto ao outro, porém, levou décadas e
ainda vem em curso nos dias atuais não apenas sobre os países de capitalismo
central, mas sobre o conjunto das nações do globo.
Nos dias de hoje, ainda num contexto de saída da crise que se arrasta e se
agudiza, está em voga a discussão que coloca o conflito entre Estados-nação versus
agências político-econômicas transnacionais. Estas últimas, segundo essa
compreensão, tem se sobreposto aos primeiros de forma impiedosa, desmantelando
um Estado que garantiu, especificamente no caso europeu, ao longo de décadas,
direitos sociais ao conjunto da população. Muitas leituras do conflito explicitado
acima esquecem que o Estado-nação representou, na verdade, uma etapa da
acumulação do capital. Etapa esta que contava com a ameaça do socialismo real,
logo a concessão de benefícios aos trabalhadores tornava-se algo necessário. É
importante, no entanto, salientar a movimentação política dos trabalhadores em
conquistar essas garantias sociais por parte do Estado. No entanto, em seu
conjunto, essa fase serviu de amortecimento às possíveis radicalizações por parte
do trabalho. Em poucos anos, o capital apontaria sua ofensiva, através do
neoliberalismo, pauperizando essas garantias sociais. A crise experimentada dos
37
anos 1960/70 em diante daria gás para ser levado a cabo uma grande reforma
econômica, política e ideológica que tem atingiria todo o globo.
O campo educacional não esteve livre das influências ocorridas no campo
econômico e político. A escola, a exemplo do próprio Programa de Educação
Integral de Pernambuco, vai sofrer as transformações advindas desses outros
campos.
Como produto e fator conformados, por sua vez, da discórdia social, a escola está necessariamente envolvida nos grandes conflitos inerentes a uma economia capitalista e a um Estado capitalista liberal. Esses conflitos residem na contradição entre a relação desigual subjacente à produção capitalista e a base democrática do Estado capitalista liberal. A escola é essencial para a acumulação do capital e para a reprodução das relações de produção capitalista dominantes, e é considerada pelos pais e pelos jovens como um meio para uma maior participação na vida econômica e política (CARNOY;LEVIN, 1985, apud ENGUITA, 1989, p.229)
Passemos, então, ao movimento experimentado pelo Estado devido ao
surgimento das políticas de matriz neoliberal, que até hoje tem peso no caráter das
políticas sociais ofertadas por esse mesmo Estado.
1.4 O neoliberalismo na recomposição do capital em crise e suas incursões na
educação
Ao refletirmos acerca do neoliberalismo e sua incursão no campo das
políticas sociais, podemos apreender os efeitos que o mesmo causou no campo
educacional. Foi seguindo a cartilha neoliberal de formatação da ação estatal que,
em Pernambuco, por volta dos anos 2000, a iniciativa privada pôde co-participar
com o Estado na oferta de políticas sociais consideradas fundamentais. Na
educação, o processo se deu com a parceria entre governo e empresariado na
criação de um ensino médio reformado, ao “bom” modelo pedagógico pró-capital. O
mote de desqualificação da escola pública que se tinha como consenso também
ajudou na implantação dessa escola reformada que culminou, anos mais tarde, no
Programa de Educação Integral. É primordial, assim, fazermos uma retomada do
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neoliberalismo para melhor entendermos as nuances da escola reformada
representada hoje pelo Programa de Educação Integral de Pernambuco.
Dessa forma, foi após a II Guerra Mundial que surgiram os pressupostos de
uma resposta política e econômica contra o Estado de Bem-Estar Social
intervencionista na economia. Essa resposta tinha como fins reorganizar as relações
entre o Estado, a economia e a sociedade face à crise da acumulação do capital que
se colocava. Ou seja, as forças hegemônicas, diante de uma crise de
superprodução, colocaram em ação um programa de mudanças. Essas, por sua
vez, tiveram seu impulso e fundamentação no bojo da recomposição da crise, e
procuraram os melhores meios de se legitimar.
A proposta neoliberal se organizava em torno de ideias que pregavam a
necessidade de um Estado decisivamente desinteressado da regulação da
economia. Era exatamente um ataque na contramão do que aconteceu no pós crise
de 1929, quando os estragos da livre movimentação do mercado tiveram que ser
pertinentemente acompanhados pela supervisão e regulação do Estado. As
intervenções estatais na economia através dessas regulações passam a ser
criticadas como indesejável “burocratismo estatal” e como inibidoras da livre
iniciativa das pessoas no mercado. Nessa mudança há sintomaticamente
[...] uma marcha acelerada de reversão das nacionalizações efetuadas no pós-guerra. Esta maré privatizante marca uma ruptura muito clara com as estratégias industriais anteriores, que valorizavam as empresas públicas como instrumentos fundamentais para um desenvolvimento econômico soberano. (FERNANDES,1995, p.55)
O apelo pelo livre comércio em torno dessas reformas macroeconômicas e
estruturais deram o contexto do surgimento das instituições irmãs que são o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Nascidas a partir das deliberações de
Bretton Woods, essas instituições colocariam em funcionamento juntamente aos
governos o motor do neoliberalismo.
Podemos apontar inexoravelmente que um marco teórico dessa aurora
neoliberal é o conhecido texto do filósofo e economista austríaco Friedrich A. Hayek
intitulado O Caminho da Servidão. Trata-se de um ataque fervoroso contra qualquer
limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma
ameaça letal à liberdade econômica e política (ANDERSON, 1995). Além disso,
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trazia uma mensagem de que a social democracia conduziria a um tipo de servidão
moderna, tal o qual fizera o nazismo alemão. Este homem fez parte da Escola de
Viena de Economia como um importante membro. Esta escola, dentre outros feitos,
se esforçou no movimento de atualização do liberalismo clássico. Nos fundamentos
expressos em seu livro, Hayek
[...] insiste em que todo planejamento econômico dos Estados é uma ingerência nos direitos e liberdades individuais, incluindo entre elas, portanto, a liberdade econômica de poder escolher; tal caminho levaria a posturas autoritárias. O motor da economia e do bem-estar deve ser a pessoa, considerada individualmente, não o Estado. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p.85)
Na verdade, toda a formulação teórica que se segue a partir daqui pelos
pensadores pró-neoliberalismo leva um certo tempo para serem aceitas e
implantadas, porém vão orquestradas na mesma linha de crítica ao “excesso de
ação estatal”. Mas uma vez disseminadas, tornam-se o eixo político e ideológico
pelo qual os capitalistas em parceria com os governos vão lançar-se na
recomposição de seus interesses devido à crise da acumulação de capital em curso.
A partir daí, o que se vê é uma propalada receita de reformatação do Estado para
atender às necessidades da conjuntura demandadas pelo capital.
[...] o Estado tende a reduzir o seu papel tradicional no setor público, transferindo as responsabilidades que tem a ver com o chamado Estado do Bem-Estar para o âmbito privado, para empresas privadas. A sua principal função limita-se à programação e à tomada de decisões que favoreçam essa transferência de poderes, não vacilando em assumir os erros dos grupos empresariais que fracassarem em seu jogo de mercado. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p.19)
Como se percebe a partir da citação acima, o Estado não é necessariamente
anulado e ignorado como tanto apregoavam os defensores ferrenhos do modelo
neoliberal. Na verdade, a atividade econômica capitalista em todos os seus aspectos
precisava era de uma nova formatação de Estado que atendesse com maior eficácia
as demandas da acumulação. Engana-se, portanto, quem pensar que o
neoliberalismo significa ausência da ação estatal. O que há, na verdade, é uma forte
influência ideológica sobre o senso-comum formando opiniões superficiais acerca da
ação do Estado.
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Através de uma apresentação fetichizada da realidade, o Estado aparece na
literatura neoliberal como uma instituição sem grande importância, o que não é
verdade. Pois se esconde o papel fundamental desse Estado reformado, mas
conservador em sua essência. A ação estatal continua sendo fundamental para
organizar as articulações dos interesses capitalistas caracterizados pelo capital
monopolista e sua transnacionalização. É importante destacar que nesses anos de
fortes injunções neoliberais,
A direitização do clima ideológico e político do Ocidente nos anos 80 trouxe consigo um duplo movimento: por um lado, uma supersticiosa exaltação do mercado, fechando os olhos para os resultados catastróficos que seu funcionamento autônomo havia produzido no passado – até desembocar na Grande Depressão de 1929 – e absolvendo-o piedosamente de suas culpas. Por outro, uma recíproca satanização do Estado como causador de todas as desgraças e infortuitos que, de diferentes maneiras, afetaram as sociedades capitalistas. (BORÓN, 1998, p. 77)
Assim, o que importava era retirar de cena ou enfraquecer significativamente
as ações do Estado de Bem-Estar Social, na Europa principalmente. Passou-se a
associar tudo o que era estatal a sinônimo de ineficiência, enquanto a iniciativa
privada figurava como a fonte da eficiência para todas as atividades.
É bom lembrar que o Estado de Bem-Estar Social, durante décadas, mediou a
convivência nos países europeus entre as classes fundamentais de forma
razoavelmente estável e conciliatória. Durante esses anos, a classe trabalhadora
europeia foi assistida por políticas sociais um tanto robustas, ao mesmo tempo em
que o capital continuava sua acumulação voraz por outro lado. Podemos concluir
que nesse intervalo de tempo foi possível o “crescimento do bolo” para todos, mas
isso apenas no cenário europeu. O sistema capitalista, durante esse mesmo tempo,
jogava diferentemente com as classes trabalhadoras nos países de capitalismo
periférico. Nesses últimos, além das políticas sociais fracas, que não conseguiam
atingir grande parte das populações, a margem de participação popular nas
decisões políticas era consideravelmente mais reduzidas do que na Europa. Apesar
disso, a proposta neoliberal, nos seus vários matizes, tem encontrado legitimação
por via democrática. Mas nos parece que essa legitimação democrática não passa
daquela formal.
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O neoliberalismo, enquanto uma prescrição de âmbito mundial de reforma do
Estado e prioridade da atividade mercadológica livre, experimentou terreno em
diversos países, e no caso dos países de capitalismo central, principalmente no
Reino Unido do governo de Margaret Thatcher, ocasionou uma redução do alcance
da ação das políticas sociais.
A ascensão de políticas neoliberais, a partir de 1979, com a vitória de Thatcher, na Grã-Betanha, e de Reagan, nos Estados Unidos promove a desregulamentação da concorrência e a liberalização comercial, além de adotar políticas antissindicais, impulsionando, deste modo, novos patamares de flexibilidade e contribuindo para instaurar um novo poder do capital sobre o trabalho assalariado. (ALVES, 2011, p.20)
Ao mesmo tempo, acarretou repercussões nas instâncias de decisão e
participação popular por onde se alastrou, reduzindo-as evidentemente, como
citávamos antes. Foi o que ocorreu, por exemplo, em sua implantação pioneira no
Chile:
O neoliberalismo chileno, bem entendido, pressupunha a abolição da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras militares do pós-guerra. Mas a democracia em si mesma- como explicava incansavelmente Hayek – jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava Hayek, podiam-se facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de em dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse. (BORÓN, 1995, p. 63)
Fica claro, assim, que a estrutura da sociedade capitalista dividida em
proprietários dos meios de produção e assalariados se trata de uma instituição
sagrada e intocável, que a tudo pode sacrificar para manter-se vigente. O contrato
entre esses agentes econômicos figura como uma espécie de célula fundamental do
organismo maior, não podendo ser alterada, pois isso resultaria numa
desestabilização ampla do modo de produção capitalista.
Ao reportar-se à América Latina e as repercussões neoliberais por essa
região, não podemos esquecer que o molde autoritário do capitalismo aqui
implantado tem raízes muito peculiares e profundas, que derivam de nosso passado
colonial e da modalidade reacionária e dependente com a qual nossas sociedades
se integraram ao capitalismo mundial (BORÓN, 1998). No caso da implantação das
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políticas neoliberais em países como o Chile, ao mesmo passo em que os
indicadores econômicos iam demonstrando algum tipo de avanço, os indicadores
sociais iam piorando. As taxas inflacionárias, por exemplo, vistas em países como o
próprio Brasil respingavam sobre as classes trabalhadoras em cheio, aumentando o
fosso que separava os mais ricos dos mais pobres. Apesar disso tudo, surpreende
que no Brasil, durante a década de oitenta, os ataques neoliberais conviveram com
um recrudescimento da resistência popular. Centrais sindicais de trabalhadores
foram criadas num clara expressão de organização social.
Apesar das resistências na década de 1980 conhecida como “a década
perdida”, o que se viu na sequência foi um fortalecimento das políticas de cunho
neoliberal que tomou conta do Estado brasileiro, principalmente na década de 1990
a partir de reformas no aparelho de Estado no governo de Fernando Henrique
Cardoso. Com a criação de um ministério governamental para tratar da reforma do
aparelho de Estado, o governo FHC inaugura uma alvorada de ações neoliberais
que se alastrarão, por sua vez, sobre a ação dos governos estaduais (COSTA,
2006).
Enriquecendo ainda mais o debate, Therborn (1985) nos alerta sobre o risco
de compreendermos o neoliberalismo como um projeto mais coerente e unificado do
que ele é na realidade. Temos que levar em conta que paralelo ao neoliberalismo,
mas não necessariamente em total função dele, mudanças entre o Estado, mercado
e empresas ocorreram. O neoliberalismo fundamentalmente é um conjunto de
receitas econômicas e programas políticos com inspirações principalmente nas
obras de Hayek e Friedman. Devemos, portanto atentar a uma configuração mais
complexa por trás das mudanças.
Se definirmos o neoliberalismo em termos das perspectivas definidas por Hayek e Friedman, não acredito que a democracia cristã alemã, por exemplo, se encaixe nessa definição. Vistas por esse ângulo, as principais áreas de vitória do neoliberalismo têm sido os países anglo-saxões. (THERBORN, 1995, p.40)
O neoliberalismo, portanto, estaria articulado, e não necessariamente
produzindo as mudanças entre o Estado, o mercado e as empresas. Deve-se levar
em consideração que o poder dos Estados também diminuiu em função da
ascensão de um mercado genuinamente mundial.
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Perry Anderson (1998) compreende que o neoliberalismo consiste numa
doutrina completa e coerente. Crê que Hayek desenvolveu toda uma epistemologia
e teoria ética da história. A contribuição de Friedman teria sido de teor mais
propagandístico e superficial em oposição a uma maior complexidade filosófica do
primeiro.
Como elementos de combate teórico e prático ao projeto neoliberal em toda a
sua extensão e faces, Therborn (1995) assinala a necessidade de análises
empíricas rigorosas sobre os novos mecanismos de acumulação, os processos de
mudança cultural e de destruição social. Por sua vez, Perry Anderson (1998)
assinala que não devemos nos iludir com a ideia de que o neoliberalismo é
anacrônico. Continua a ser uma ameaça ativa em todo o mundo.
É nesse contexto que desemboca sobre os sistemas de educação
fundamental, médio, superior e profissional uma série de influências político
pedagógicas que consistem num esforço de aproximar os processos de formação
aos novos desígnios do capital concatenados com a ofensiva neoliberal e as
mudanças na base produtiva. Não importa que se trata de um país de capitalismo
avançado ou outro qualquer da periferia. Nessas elaborações e diretrizes que
recaem sobre os processos formais de educação, um traço muito importante é que
há uma preocupação em se esconder, em mascarar os antagonismo de classe, ao
mesmo tempo que se lança sobre a educação uma ótica e tratamento mais
tecnicista.
Outra das operações centrais do pensamento neoliberal em geral e, em particular, no campo educacional, consiste em transformar questões políticas e sociais em questões técnicas. Nessa operação, os problemas sociais – e educacionais – não são tratados como questões políticas, como resultado – e objeto – de lutas em torno da distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos e de poder, mas como questões técnicas, de eficácia/eficiência na gerência e administração de recursos humanos e materiais. Assim, a situação desesperadora enfrentada cotidianamente em nossas escolas por professoras/es e estudantes é vista como resultado de uma má gestão e desperdício de recursos por parte dos poderes públicos, como falta de produtividade e esforço por parte de professoras/es e administradores/as educacionais, como consequência de métodos “atrasados” e ineficientes de ensino e de currículos inadequados e anacrônicos. (SILVA, 2001, p.18)
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O capital passa, nesse contexto, a atender algumas demandas fragmentadas
da sociedade, mas sempre de forma incompleta, paliativa. Ou mesmo toma para si
demandas clamadas pela classe trabalhadora e, em torno delas, rearticula um
consenso de classes, com a colaboração mais decisiva da classe trabalhadora.
Todas essas ações visam minar as possibilidades de expressão da luta de classes e
aparar as possíveis arestas a partir da transformação dos sujeitos em novos
“cidadãos colaboradores e responsáveis”.
É imprescindível entender que, a partir dos modelos de economia neoliberal, a cidadania é estimulada a se ver como um conjunto de consumidores, em um mundo em que a economia tem apenas uma regra: tudo em prol da obtenção de lucros para o empresariado. O darwinismo economicista reinante só favorece os conteúdos culturais e títulos acadêmicos que são demandados pelo mercado. O sistema educacional é utilizado como uma instituição bancária, em que são realizados investimentos em estudos e títulos com os quais depois será viável encontrar um posto de trabalho e obter benefícios econômicos e sociais. Para isso, se tentará evitar o acesso de alunos e alunas àquelas informações e estratégias de análise crítica que possam criar contradições para o sistema capitalista vigente. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 151)
O objeto de estudo - a escola reformada para o ensino médio do Programa
de Educação Integral de Pernambuco - aparenta ter tomado posto para atender com
melhor qualidade educacional à demanda de jovens que a ela recorre. Demanda
esta formada, majoritariamente, por jovens das classes mais populares e em maior
situação de reconhecida vulnerabilidade social. No entanto, a aparência da oferta de
uma melhor educação a um público dela historicamente renegado, esconde que
essa escola vem a atender com maior eficiência às injunções impostas à educação
formal pelas transformações vivenciadas na órbita da economia capitalista.
Revestidas de uma áurea de atendimento aos direitos do cidadão, o que se tem é
uma escola cujos impactos neoliberais acertam em cheio alguns aspectos de sua
organização pedagógica e administrativa.
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CAPÍTULO 2 – A AGENDA PARA A EDUCAÇÂO NA SAÍDA DA CRISE DO
CAPITAL E O EMBATE CONTRA-HEGEMÔNICO
Neste capítulo recuperaremos as origens da relação entre a escola com o
modo de produção capitalista, passando brevemente pela análise das relações
sociais anteriores ao capitalismo, em um recorte educacional. Em seguida,
versaremos sobre elaborações teórico-ideológicas que permeiam a educação na
atualidade, sendo indispensáveis às relações capitalistas de produção nesse início
de século. Por fim, apresentamos as contribuições desenvolvidas pelos sujeitos que
estão na perspectiva contra-hegemônica, já que a escola e os processos
educacionais são campos de disputa.
2.1 A escola e a formação para o trabalho assalariado: sua gênese e
funcionalidade ao capitalismo
A educação pode ser considerada um campo de disputa de hegemonia. Ela é
um importante componente do todo das relações sociais. E ao analisarmos suas
mediações na história das sociedades passadas, tomando-a numa acepção ampla,
podemos perceber sua força em articular outros processos sociais fora de seus
limites imediatos.
Mas a educação ou, se quisermos ser mais abrangentes, a formação, não é
algo que se limita ao âmbito da instituição escolar. Os homens, ao produzirem as
condições de sua existência genérica, o fazem permeados de processos formativos.
Nesse sentido, é a necessidade vital de produzir a própria existência por meio do trabalho o determinante para que os seres humanos dominem os conhecimentos e as práticas sociais necessários a essa produção, ou seja, é preciso que sejam formados, não obrigatoriamente em instituições especificamente destinadas a esse fim. Por isso, a escola apresentou-se ‘inicialmente inessencial, um luxo e não uma necessidade primária’. (MOURA; FILHO; SILVA, 2012, p.2)
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No capitalismo, entretanto, a escola se tornará um espaço de disputa entre
projetos que representam os interesses antagônicos das classes sociais
fundamentais como nunca talvez antes o fora. Essa disputa se dá pelo fato de,
A educação, quando apreendida no plano das determinações e relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações, apresenta-se historicamente como um campo da disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe. (FRIGOTTO, 2010, p.27)
A educação então, em especial os processos educacionais formais, tem tido
uma correlação histórica mais acentuada com os processos produtivos a partir da
industrialização na Europa. Na história ocidental anterior ao modo de produção
capitalista, os sistemas escolares tiveram, todavia, mais a ver com fatores e fins
políticos, religiosos e militares do que com fins econômicos.
Por conseguinte, torna-se claro que as escolas antecederam o capitalismo e a indústria e continuaram desenvolvendo-se com eles [...] pode-se afirmar que, desde um certo momento de desenvolvimento do capitalismo que seria tão difícil quanto ocioso datar, as necessidades deste em termos de mão de obra foram o fator mais poderoso a influir nas mudanças ocorridas no sistema escolar em seu conjunto e entre as quatro paredes da escola. (ENGUITA, 1989, p.129-130)
No modo de produção capitalista, a formação adquire então um caráter de
massificação e de extrema importância para a produção da vida nesses marcos,
visto que a mão de obra assalariada precisava de um determinado coeficiente
educacional: seja para uma acomodação cultural ou para operar diretamente na
produção de mercadorias, cada vez mais marcada por processos tecnológicos mais
avançados. O desenvolvimento das forças produtivas, com o suporte da ciência e da
técnica, vem alçando a escola a um patamar cada vez mais essencial à
sociabilidade nos termos do capital. Segundo Ferraro (2009), é fato inegável de que
aquilo que hoje se conhece como escola é produto e, ao mesmo tempo, elemento
constituinte da sociedade burguesa, embora a classe dominante, representada em
seus intelectuais, tenha um certo temor com relação a educação do povo.
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O movimento de alfabetização e de busca da instrução escolar em geral, que fora retomado com o desenvolvimento do comércio e a urbanização a partir dos séculos XI e XII, teria novo e rigoroso impulso a partir das grandes revoluções da segunda metade do século XVIII: a Revolução Industrial, na Inglaterra, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Mas, nesse ponto, uma coisa precisa ficar bem clara: o capitalismo e sua ideologia, o liberalismo, mantiveram desde o início uma relação ambígua e até conflituosa com a escola, portanto esta, se por um lado se afigurava necessária, por outro despertava temor. (FERRARO, 2009, p.309)
O medo entre intelectuais burgueses com relação à medida educacional a ser
dada ao povo preocupava seriamente alguns deles como, por exemplo, Bernard de
Mandeville. Este, diferentemente de Locke que se preocupava em prescrever uma
pedagogia para as Escolas de Caridade, defendia a extinção dessas instituições
(FERRARO, 2009). Tinha medo de que o povo pudesse se instruir e demonstrar
maior insatisfação com o status quo.
Para fazer feliz a sociedade e manter as pessoas contentes, mesmo nas circunstâncias mais humildes, é indispensável que o maior número delas seja, ao mesmo tempo que pobres, também totalmente ignorantes. O saber amplia e multiplica os nossos desejos, e quanto menos coisas um homem ambicione, tanto mais facilmente se lhe poderão satisfazer as necessidades. Portanto, o bem-estar e felicidade de todo Estado ou Reino exigem que os conhecimentos da classe pobre trabalhadora se limitem à esfera de suas ocupações e que nunca se estendam [...] para além do que se relaciona com a sua profissão. Quanto mais conhecimento do mundo e das coisas alheias ao seu trabalho ou emprego tenha um pastor, um lavrador ou qualquer outro camponês, tanto mais difícil lhe será suportar com alegria e satisfação as fadigas e dificuldades de seu ofício. (MANDEVILLE, 2001, apud FERRARO, 2009, p. 312)
Retomando o percurso histórico sobre a massificação da escola no
capitalismo e suas relações com essa forma de produzir a vida, trataremos de
aspectos do contexto da formação educacional no modo de produção que o
antecedeu, o feudalismo, como forma de compreender as relações entre a educação
e o modo de produção atual com maior densidade histórica. Focaremos
especificamente na região da Europa Ocidental porque, a partir dela, que o
capitalismo surgiu e se espalhou pelo resto do mundo.
Ali, durante séculos de feudalismo, os processos educacionais da maioria da
população estava na esfera do campo e se dava principalmente nas relações
cotidianas do trabalho camponês que se confundia com a própria residência, ainda
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não havia distinção nitidamente demarcada entre local de trabalho e lar. Isso era
possível porque os produtores diretos, os camponeses sobretudo, não estavam
separados dos meios de produção como ocorrerá na vigência do capitalismo
(WOOD, 2001).
(...) nas economias pré-industriais os homens dispõem a seu critério de seu tempo de trabalho – e de seu tempo em geral – ou seja, decidem sua duração, sua intensidade, suas interrupções. (ENGUITA, 1989, p. 9)
Isso significa que os homens e mulheres, especialmente aqueles das classes
sociais populares tinham um controle maior sobre o que produzir e como produzir.
Diferentemente, no capitalismo, o controle do trabalho dos sujeitos está rigidamente
e intensamente dominado por outrem. É adequado salientar que no capitalismo, o
domínio da força de trabalho do outro vale ouro ao capitalista. De resto,
diversamente do escravismo, por exemplo, não há responsabilização do capitalista
pela captura ou conservação em termos de sobrevivência dos sujeitos quando
velhos. Ainda há a vantagem no capitalismo de se obter a colaboração e o
compromisso do trabalhador, diferentemente dos parâmetros do trabalho
escravagista forçado.
No mundo do camponês feudal, a própria família era como um seio da
aprendizagem. O conhecimento e a destreza para o trabalho era obtida no próprio
local de trabalho que confundia-se com o próprio local de morada. Este local
constituía-se numa espécie de unidade econômica quase autossuficiente.
Em geral, a aprendizagem e a educação tinham lugar como socialização direta de uma geração por outra, mediante a participação cotidiana das crianças nas atividades da vida adulta e sem a intervenção sistemática de agentes especializados que representa hoje a escola, instituição que então desempenhava um papel marginal. (ENGUITA, 1989, p. 107)
Não havia, assim, muita distinção entre a profissão e a vida privada.
Aprendizagem e serviço doméstico caminhavam juntos. A socialização familiar dava
conta de preparar o camponês para a aceitação das relações feudais. Porém, além
de nobres, artesãos e camponeses, existia na Idade Média uma crescente parte da
população que, despojada de meios de vida, viviam na mendicância. Essa
49
população cresceu drasticamente quando das expropriações massivas das terras
dos camponeses para utilização na produção de matéria-prima para a indústria.
Surgiram para os adultos indigentes algumas casas de internamento (workhouses,
hópitaux, Zuchthausen) e para as crianças surgiram os orfanatos. Esses orfanatos
foram, durante o século XVIII, alvo da cobiça dos industriais para conversão dessas
crianças em mão-de-obra barata e passiva de disciplinamento (ENGUITA, 1989).
Na Inglaterra, as workhouses converteram-se em School of Industry ou Colleges of Labour. O essencial não era já pôr os vagabundos e seus filhos a fazer um trabalho útil com vistas a sua manutenção, mas educá-los na disciplina e nos hábitos necessários para trabalhar posteriormente. (FURNISS, 1965, apud ENGUITA, 1989, p. 109)
É justamente nesse contexto que apareceram os já mencionados pensadores
da nova classe em plena ascensão: a burguesia. Eles clamavam a necessidade de
se dar educação para o povo, com todo o devido cuidado de não ser em demasia.
Isso pode ser compreendido como um meio de fortalecer o próprio projeto urbano-
industrial, em detrimento do poder feudal e da Igreja. A inserção na organização
mais impessoal e regulamentada da indústria moderna precisava dos serviços da
instituição escolar. Era então oferecido educação ao povo, sobretudo, para que se
aprendesse a respeitar a nova ordem social sem questioná-la decisivamente.
O crescimento da indústria exigia um tipo de trabalhador diferente daquele do
campo. O camponês não estava acostumado à submissão ativa que exigia o
trabalho industrial. Era preciso fazer com que o trabalhador passasse por uma
mudança adaptativo-cultural, aceitando trabalhar para outro nas condições
obrigatórias que esse outro oferecia, pois o trabalhador feudal ainda estava muito
ligado à propriedade. Nesse sentido, para os adultos, expropriados da terra, a fome
ou a força os faziam buscar a “oportunidade” de trabalho. Para as crianças, que
apresentavam a característica de serem modeladas e adaptadas às novas relações
de produção, a educação se fazia mais necessária. Para isso, a escola foi o locus
ideal para se tirar bons resultados, embora essa não tenha sido a razão de sua
criação.
O acento deslocou-se então da educação religiosa e, em geral, do doutrinamento ideológico, para a disciplina material, para a organização da experiência escolar de forma que gerasse nos jovens
50
os hábitos, as formas de comportamento, as disposições e os traços de caráter mais adequados para a indústria. (ENGUITA, 1989, p.114)
Assim, a escola logo seria percebida pelos capitalistas em seu potencial de
oferecer uma educação para o povo nos termos por eles designados. Ou seja, ela
levaria a cabo o desafio de adequar as gerações às novas relações sociais
capitalistas.
Na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a função social da educação de forma controlada para responder às demandas do capital. (FRIGOTTO, 2010, p.28)
O foco, dessa forma, não era apenas ensinar um conjunto de conteúdos num
determinado tempo, mas ter os alunos confinados nas salas de aulas submetidos a
um olhar vigilante do professor que resultaria na devida adequação comportamental.
Assemelhando-se à disciplina militar, nas escolas metodistas inglesas no século
XIX, a primeira coisa a ser aprendida pelos alunos era a pontualidade. Em
detrimento à instrução que ficava em segundo plano, o que se tinha era uma busca
incessante pela compostura e pela ordem (ENGUITA, 1989). .
Foi através da escola que os povos que imigraram para os Estados Unidos no
tempo de seu processo de industrialização foram acomodados às novas relações
industriais. Na escola, assimilavam a disciplina e a moral para adequarem-se ao
capitalismo americano. Mesmo que os ingleses que aí chegavam, já aportavam
impregnados do estímulo e da moral puritana, muitos eram os irlandeses e povos do
leste europeu que precisavam adequar-se. Era preciso acabar com os hábitos
irregulares de trabalho dessas populações e alinhá-los com aqueles necessários
para a crescente indústria americana. Esta requeria uma nova organização do
tempo. A escola figurava como uma espécie de solução preventiva para as
resistências individuais e coletivas às novas condições de trabalho e,
consequentemente, de vida (ENGUITA, 1989).
Com a chegada das ideias de gestão científica do trabalho de F. W. Taylor, a
produção nas indústrias foi submetida a uma revisão em prol de uma maior
eficiência. Surgia um sistema baseado no controle absoluto de produtos e processos
de produção pelos gerentes, assim como emergia a obrigação de máxima
51
padronização e rotinização para os trabalhadores. Paralelo a isso, a atuação de
reformadores da educação não tardou em vir à tona, a exemplo de Frank Spaulding,
Franklin Bobbit e Ellwood P. Cubberley (ENGUITA, 1989). Estes partiam do
reconhecimento da liderança do mundo empresarial, e pautavam a escola como se
esta tivesse o dever de servir à comunidade, confundindo esta com as empresas.
Aqui podemos perceber a forte relação do teor do projeto educacional que
consta na elaboração dos quatro pilares de Delors, que veremos mais adiante, e que
influencia o Programa de Educação Integral de Pernambuco, com estas primeiras
incursões de empresas americanas sobre o campo educacional. Tal como aparece
no documento dos quatro pilares de Delors, o teor de colaboracionismo de classe na
responsabilização da educação dos sujeitos e o cuidado com as questões
comunitárias cidadãs são centrais.
É nesse ínterim que as fundações americanas criadas, por figuras como
Rockfeller, Carnigie e Ford, compreendem e se debruçam sobre a educação e seus
assuntos. Princípios e normas da organização das fábricas foram exportados para a
escola.
O movimento de reforma da educação foi abrangente. Frank Spaulding personificou melhor que ninguém a introdução da análise de custo benefício em termos de produção escolar. Ele propôs que se avaliasse o produto das escolas com medidas tais como a proporção de jovens de determinada faixa de idade nela matriculados, os dias de frequência por ano, o tempo necessário por aluno para realizar um determinado trabalho, a porcentagem de promoções, etc. (ENGUITA, 1989, p.126)
Por sua vez, Bobbit postulou os seguintes pontos de influência taylorista para
introdução no projeto escolar:
1 – fixar as especificações e padrões do produto final que se deseja (o aluno egresso); 2 – fixar as especificações e padrões para cada fase de elaboração do produto (matérias, anos acadêmicos, trimestres, dias ou unidades letivas); 3 – empregar os métodos tayloristas para encontrar os métodos mais eficazes a respeito e assegurar que fossem seguidos pelos professores; 4 – determinar, em função disso, as qualificações padronizadas exigidas aos professores; [...] 8 – selecionar os meios materiais mais adequados; 9 – traduzir todas as tarefas a realizar em responsabilidades individualizadas e exigíveis; 10 – estimular sua produtividade mediante um sistema de incentivos; 11 – controlar permanentemente
52
o fluxo do “produto parcialmente desenvolvido”, isto é, o aluno. (BOBBITT, 1913 apud ENGUITA, 1989, p.127)
Já Ellwood P. Cubberley, pontuava a necessária presença de uma figura
específica, tal qual no processo de organização do trabalho taylorista, que era o
especialista em eficiência que
[...] deveria estudar todas as fases do processo educacional, as necessidades da sociedade e da indústria, o estado do produto (o aluno) nas distintas fases, a eficácia dos distintos métodos, a relação entre custos e eficiência, etc., e fornecer, com base nisso, os dados e conclusões pertinentes às autoridades escolares e ao público. Assim se abria caminho para os estudos sobre o emprego do tempo, a onipresença dos testes, a avaliação da eficácia dos professores, etc. (ENGUITA, 1989, p.127)
Se nos chama atenção a “frieza” com que se colocou as implantações
tayloristas no seio dos processos educacionais, igualmente nos aguça a atenção o
caráter humanista com que hoje se reveste as influências do toyotismo na educação.
Ao acompanhar a suposta “humanização” do trabalho nas organizações produtivas
capitalistas, desemboca hoje sobre a educação elaborações aparentemente mais
preocupadas com o bem estar e a promoção humanista da sociedade.
Enguita (1989), refletindo sobre as razões de o capitalismo ter sido tão
competente em dar forma aos processos educacionais formais elenca: a influência
no poder político das grandes empresas, o provimento de fundos em um
considerável número de iniciativas privadas ajustadas aos interesses das grandes
empresas, a compreensão da escola como um caminho para o trabalho assalariado
resultando na aceitação da subordinação às empresas e, por fim, as escolas por
serem organizações, apresentam elementos em comum com as empresas que
facilitam a correlação. Certamente os capitalistas e seus representantes sabem que
A experiência da escolaridade é algo muito mais amplo, profundo e complexo que o processo da instrução; algo que cala em crianças e jovens muito mais fundo e produz efeitos muitos mais duradouros que alguns dados, cifras, regras e máximas que, na maioria dos casos, logo esquecerão. (ENGUITA, 1989, p.158)
É na imersão sistemática nas relações sociais que a escola imputa nos
indivíduos os traços que tem a ver com o projeto pedagógico desta. Há uma
53
interiorização dos imperativos das relações sociais vigentes no terreno escolar
regada à condimentos educacionais.
[...] a escola cerceia as condições da ação coletiva ao inserir os indivíduos numa trama de práticas sociais que os relacionam entre si como elementos atomizados e isolados, com interesses contrapostos e mutuamente hostis. (ENGUITA, 1989, p. 193)
A escola ainda contribui na interiorização pelos indivíduos de seu destino e
suas oportunidades enquanto uma responsabilidade pessoal. A quem alcançar boas
realizações em suas carreiras é considerado como mérito seu, pessoal, a quem não
alcançar atribui-se uma culpa personalizada. A escola acaba prometendo a quem se
dedicar uma mobilidade social - no caso de quem é das classes populares -, ou a
manutenção a quem é materialmente melhor localizado. Esse movimento,
evidentemente, é feito na ocultação dos determinantes sociais que são decisivos na
situação dessa realidade desigual dos indivíduos. Nesse sentido, a escola contribui
também para suprimir as contradições e fontes potenciais de conflitos entre classes
na sociedade.
A escola, tal como estruturada na modernidade, é uma instituição burguesa, no sentido de que é nascida do ventre da sociedade do capital, se vincula ao ideário democrático-burguês e toma parte na dinâmica produtiva e reprodutiva dessa sociedade. Portanto, a escola como microestrutura da sociedade burguesa relaciona-se através de redes complexas, tensas e contraditórias com a dinâmica social maior (SOUSA, 2010, p.175)
Mas, pelas tensões e contradições citadas acima, é importante que se leve
em conta que a escola não é uma mera instituição passiva a serviço do capital. As
pessoas não são matérias-primas que são facilmente moldadas. Os indivíduos
podem dar respostas que não coincidem com àquelas designadas por esta
instituição. Não é possível que uma escola em grande parte direcionada para a
formação para o trabalho assalariado seja a que sempre prevalecerá. Novas
propostas que visam o resgate da formação desprendida dessas amarras devem ser
valorizadas e seguidas por todos envolvidos com a educação humanizadora dos
sujeitos.
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A partir desse ponto, buscaremos situar as elaborações teóricas de efeitos
práticos sobre os processos de reformas implementadas ao longo das últimas
décadas no âmbito da educação formal. Ao responder às demandas da dinâmica
capitalista no final do século XX e início do XXI, as políticas educacionais sobre a
educação básica sofreram modificações orquestradas em nível global. Apreender
essas mudanças operadas na educação nos auxilia a apreender as determinações
históricas que incidem na particularidade da reforma do ensino médio observado na
rede estadual de Pernambuco, através do Programa de Educação Integral.
2.2 A retomada da Teoria do Capital Humano como mecanismo de saída da
crise do capital pela educação
Daremos conta nesse tópico de discorrer sobre as injunções e características
da Teoria do Capital Humano, arcabouço teórico econômico sistematizado no
contexto da recomposição capitalista e que influenciou as políticas educacionais em
cheio, no sentido de ajustá-las às transformações econômicas, políticas e sociais.
Numa fase de agudização da crise do capital, essa teoria está sendo retomada em
seus fundamentos como forma de ofertar uma saída pelo campo educacional.
Foi por volta dos anos de 1960 em diante, que alguns estudiosos americanos
da economia dão corpo ao conceito de capital humano a partir da investigação das
determinações, na alçada das relações capitalistas, que jogam a educação ao
patamar de um fator de produtividade. Em linhas gerais, tomou-se como certo o fato
de que um acréscimo marginal de educação significava uma maior produtividade. O
conhecimento do trabalhador tornava-se assim um investimento requisitado.
Os trabalhadores transformaram-se em capitalistas, não pela difusão da propriedade das ações da empresa, como o folclore colocaria a questão, mas pela aquisição de conhecimentos e de capacidades que possuem valor econômico. Esse conhecimento e essas capacidades são em grande parte o produto de investimento e, combinado com outros investimentos humanos, são responsáveis predominantemente pela superioridade produtiva dos países tecnicamente avançados. (SCHULTZ, 1973, p. 35)
A formulação do capital humano surge no contexto de recomposição da crise
num ponto em que o capital monopolista dava as coordenadas na formatação de um
55
Estado intervencionista, arranjador das condições gerais dessa fase do capital.
Nessa crise da superprodução capitalista veio à baila a evidência do
subdesenvolvimento latente e das cruéis contradições entre o capital e o trabalho.
Buscou-se, dessa forma, justificar através da Teoria do Capital Humano o cenário
sócio-econômico vigente, ao passo que a mesma teoria serviu como receita de um
programa de desenvolvimento dirigido principalmente às nações tidas como
subdesenvolvidas. A formulação teórica do capital humano esteve assim inserida no
teor das políticas disseminadas pelo mundo no âmbito da educação através da
mediação de organismos como o Banco Mundial e a OCDE – Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
A educação passou a ser vista como elemento de mediação importante para
o aumento da acumulação de capital. Dessa forma, a Teoria do Capital Humano
procura jogar a culpa do atraso no desenvolvimento dos países na falta de nível
educacional da força de trabalho. Passa-se a especular que o aumento da
“dosagem” educacional teria repercussões na produção de riquezas bem como
melhorias gerais nas condições de vida da população. Uma das determinações que
levam a implantação dos nortes dessa teoria é que a força-de-trabalho, enquanto
mercadoria especial para o capital, tornar-se-ia mais intensamente explorada caso
houvesse à disposição maior quantidade desta num determinado nível de
escolarização. Além do mais, essa teoria faz parte de uma gama de mecanismos
que objetivam solucionar as contradições do capitalismo numa etapa de acumulação
ampliada.
Na América Latina, até os dias correntes, o efeito da implementação das
políticas influenciadas pelas diretrizes da Teoria do Capital Humano, sobretudo a
partir da modernização conservadora no período de regimes ditatoriais civil-militar,
foi a fragmentação dos sistemas educacionais e o tratamento da educação numa
perspectiva mais economicista (FRIGOTTO, 2010).
Foram muitos os estudos pró Teoria do Capital Humano e outros na
retaguarda da crítica. Com relação aos que lançaram uma crítica sobre a Teoria do
Capital Humano, Frigotto (2010) os divide entre aqueles que entendiam haver um
vínculo direto e linear entre educação e produtividade, e outros que se opunham a
esse postulado, pois compreendiam que a escola não era capitalista, mas sim, o
capitalismo prescindia dela. Na continuação da abordagem sobre esses estudos, o
autor elabora a observação de que ambas as tendências pecavam por nivelarem
56
práticas sociais de natureza distinta – a produção em si e os processos educacionais
– bem como de estabelecerem uma articulação mecânica entre infraestrutura e
superestrutura na apropriação dessa questão, explicitando a atuação teórica de um
marxismo pouco dialético.
Vale a pena destacar entre aqueles que criticaram os posicionamentos da
correlação direta entre educação e vida produtiva a figura de Cláudio Salm, pela sua
elaboração pertinente, porém ainda passível de alguns questionamentos. De modo
geral, segundo Frigotto (2010), Salm desmistifica o vínculo direto e linear entre
produção e qualificação. Diz que o crescente progresso técnico não demanda um
crescente processo de qualificação. Pontua que o avanço do capital via incremento
do progresso técnico determina uma crescente desnecessidade do trabalhador
qualificado, uma redução do tempo de trabalho necessário, redução dos custos de
produção e submissão cada vez mais intensa do processo de trabalho e da
qualificação aos imperativos econômicos. Desmistifica, assim, eixos centrais da
defesa dos postulados da Teoria do Capital Humano.
A Teoria do Capital Humano apresenta um caráter circular, pois o que é
determinante na origem passa a ser determinado posteriormente, ou seja, a
educação que era tida como fator do desenvolvimento econômico e da equalização
social passa a ser determinada pelos imperativos econômicos Frigotto (2010). Além
disso, o caráter de classe inerente a essa teoria se esconde numa aparência
nebulosa que apaga as verdadeiras relações dos vínculos entre educação e a vida
produtiva nos marcos capitalistas. As diretrizes em torno da Teoria do Capital
Humano escamoteiam o fato de que o subdesenvolvimento tem a ver com as
relações de poder e dominação. Nela, o subdesenvolvimento passa a ser
considerado uma mera questão de modernização de alguns fatores, com especial
atenção para a questão do capital humano.
Para superar a circularidade da Teoria do Capital Humano, anteriormente
exposta, a análise sobre esta realidade deve ser feita a partir do ângulo da classe
dominada, segundo Frigotto (2010). Isso significa historicizar as relações sociais de
produção onde se situam as práticas educacionais e efetivar uma crítica que leve em
conta as reais relações de produção e não um simulacro destas.
Sendo assim, para os defensores da teoria burguesa, o capital humano só
pode ser potenciado através da “dosagem” na oferta de educação. Nesse ponto
Frigotto (2010) nos assinala que os vínculos da educação com os desígnios do
57
capital, mesmo não se constituindo numa prática social fundamental no capitalismo,
pauta-se como uma prática mediadora e, por isso, pode e deve ser reorientada.
[...] a escola, ainda que contraditoriamente, por mediações de natureza diversa, insere-se no movimento geral do capital e, neste sentido, a escola se articula com interesses capitalistas. Entretanto, a escola, ao explorar igualmente as contradições inerentes à sociedade capitalista, é ou pode ser um instrumento de mediação na negação destas relações sociais de produção. [...] Isto nos indica, então, que a escola não é por natureza capitalista no interior deste modo de produção. Tende a ser articulada com os interesses do capital, mas exatamente por não ser inerente ou orgânica desse modo de produção, pode articula-se com outros interesses antagônicos ao capital. (FRIGOTTO, 2010, p. 35)
Um nível mínimo de escolaridade generalizada e um prolongamento da
mesma, tal como proclamado pela Teoria do Capital Humano, tem a ver com as
necessidades mais gerais do capital, são funcionais à fase do capitalismo
monopolista. Uma escolaridade que abranja fundamentalmente as habilidades de
cálculo e leitura, além de fomentar traços políticos e ideológicos funcionais às
empresas e organizações, torna-se extremamente necessária.
Paralelamente, a desqualificação do trabalho escolar – principalmente para a
classe trabalhadora – durante o prolongamento da escolaridade, também atende
devidamente aos mesmos interesses. A escola ocupa, segundo Frigotto (2010)
“cada vez mais gente e maior tempo e que, embora não produza mais valia, é
extremamente necessária ao sistema capitalista monopolista para a realização de
mais valia; e, nesse sentido, ela será um trabalho produtivo”. Assim como o capital
em seu movimento vai exigindo contraditoriamente o trabalho improdutivo, para seu
subsequente avanço, a escola “improdutiva” cumpre uma mediação necessária e
produtiva na manutenção das relações capitalistas. Assim, a desqualificação da
escola, cumpre um tipo de mediação importante no interior desse modo de
produção.
Cabe ressaltar, entretanto, que se a ampliação do acesso à escola e o prolongamento da própria escolaridade representam, ao mesmo tempo, uma forma econômica e política de gerir as necessidades do capital e uma resposta à pressão da classe trabalhadora por mais escolaridade, carrega consigo a tendência à elevação dos patamares escolares muito além do que é conveniente (econômica e politicamente) para a funcionalidade do modo de produção
58
capitalista. Esta é uma tensão permanente, cuja origem se localiza no caráter contraditório e antagônico das relações sociais desse modo de produção. (FRIGOTTO, 2010, p.185)
Temos aí, portanto, e mais uma vez, o eterno tensionamento da burguesia
quando se trata da educação para a classe trabalhadora. Os “serviços de
inteligência” pró-capitalista sempre souberam desse risco e, não obstante, sempre
se mostraram eficazes em permear as concepções e as práticas educacionais para
regular as possíveis contradições promissoras de transformações.
A desqualificação da escola nega o acesso à classe trabalhadora ao saber
mais elaborado. Mantém-se, com isso, essa classe na margem das decisões sobre
questões importantes da sociedade. É uma desqualificação orgânica, uma
“improdutividade produtiva”, imprescindível à manutenção da sociedade de classes
nos marcos do capital.
É importante pontuar que no caso brasileiro, passado algum tempo, não se
constatou a realização das promessas postas a partir dos anos da década de 1960,
em que a política econômica, associada rapidamente ao capital internacional, aliou-
se a uma política educacional embasada nos pressupostos da Teoria do Capital
Humano. Essa aliança previa o acesso a trabalhos qualificados e a níveis de renda
cada vez mais elevados. O que se viu foi uma maior concentração de renda e
mudanças no trabalho com um número crescente de subempregados e
terceirizados, além das fileiras de pessoas com diploma, mas desempregadas
(FRIGOTTO, 2010).
Vale salientar que como derivada da Teoria Neoclássica do Desenvolvimento,
a Teoria do Capital humano se coloca como promissora em dois aspectos: no macro
e microeconômico. No macroeconômico o investimento em capital humano
determina o aumento da produtividade, compreendido como um meio de saída do
atraso econômico de um país, por exemplo. O lado micro aparece como elemento
de distinção individual de produtividade e renda bem como mobilidade social.
Chama-nos a atenção que pesquisas acerca da Teoria do Capital Humano,
colocam que aspectos ligados a valores e atitudes são mais importantes que os
aspectos meramente cognitivos, a quem a teoria tem dado mais foco. Valores e
atitudes fomentam hábitos de funcionalidade, respeito à hierarquia e disciplina na
organização. Além do mais, como se associa salário e renda a um esforço e decisão
59
pessoal, individual, a uma margem educacional que se desdobraria numa margem
de prosperidade econômica, fica estabelecido que o insucesso do indivíduo ocorre
devido a sua própria responsabilidade.
Frigotto (2010) também analisa e destaca o caráter de classe do método de
análise da Teoria do Capital Humano, pois esta se encontra embasada num
positivismo funcional à sociedade burguesa. Em vez de ser um instrumento teórico
de elevação do senso comum à consciência crítica, ela é uma forma de preservação
do senso comum com uma considerável dosagem de nebulosidade. A concepção de
homem e de sociedade no método positivista incrustado na Teoria do Capital
Humano interessa à classe dominante.
A análise econômica burguesa, ao negar-se a transcender a esfera da troca de mercadorias, apenas glorifica a liberdade superficial do mercado, mercado que alcança seu desenvolvimento máximo sob o capitalismo. Desenvolvimento esse onde as relações entre pessoas acabam se tornando relação entre coisas. Descreve, então, apenas as aparências superficiais desse modo de produção. (FRIGOTTO, 2010, p. 72)
E continua a ideia:
Ao apresentar essa descrição do real, como uma análise científica, neutra, objetiva, acaba por reforçar o mundo da pseudoconcreticidade, da visão fetichizada do real, uma análise que não transcende o senso comum. E é nesta esfera que a Teoria do Capital Humano se insere. (FRIGOTTO, 2010, p.72)
Fica claro, assim, que a desigualdade é culpa do indivíduo. Quem tem mais é
porque se esforçou e trabalhou mais na obtenção de bens materiais. Assim, a
sociedade capitalista não estaria dividida em classes, mas em estratos. A relação
entre classes passa a ser uma relação entre indivíduos.
Mesmo tendo seus embasamentos teóricos fundados na economia
neoclássica em que o liberalismo constituiu sua ideologia e arcabouço jurídico-
político de domínio, dando forma ao Estado Liberal, a Teoria do Capital Humano
encontra espaço de desenvolvimento e projeção apenas na fase monopolista. Nessa
fase do capitalismo, a incorporação do progresso técnico ao capital, constitui-se
numa notável ferramenta no processo de concentração e centralização de capitais.
60
A incorporação de uma inovação tecnológica por parte de um capitalista individual lhe permite um lucro maior na medida em que lhe faculta – durante o período em que é o único a ter essa inovação – rebaixar o valor das mercadorias em relação ao socialmente determinado. (MARX, 1980, apud FRIGOTTO, 2010, p. 102)
É importante destacar que a visão do capital humano compreende o sistema
educacional em termos de “eficiência”. Numa perspectiva tecnicista, aborda
metodologicamente a educação como campo de investimento. A educação reduz-se
a um fator de produção. A meritocracia aparece como uma forma de superação das
desigualdades sociais. Não há espaço, nessa visão, que apreenda o tipo de
mediação que a educação realiza historicamente no conjunto das práticas sociais.
A análise, sob este ângulo, não leva em conta o próprio movimento do capital que, pelo progresso técnico incorporado à produção, como arma de competição intercapitalista, desqualifica o trabalho e, ao mesmo tempo, produz uma complexificação na divisão social do trabalho. (FRIGOTTO, 2010, p. 160)
Dessa forma, não é uma preparação profissional imediata a que a
especificidade da escola está relacionada, mas na promoção de um conhecimento
geral articulado ao treinamento efetivado nos setores do sistema produtivo. Frigotto
(2010) pontua que ao observarmos a prática escolar, não da ótica do trabalho
produtivo material imediato, mas sob o aspecto do trabalho “intelectual”, podemos
perceber a contribuição da escola na reprodução da força de trabalho,
especialmente naqueles que supervisionam, administram e planejam em nome do
capital.
2.3 A sociedade do conhecimento: um mote recorrente que recai sobre a
educação na saída da crise
Em consonância com as transformações na organização produtiva e seus
reflexos nos demais campos e instituições, a educação também recebeu influências
de formulações teóricas acerca dessas mudanças no contexto de recomposição do
capital em crise. Merece ser revisitada, dessa forma, a propalada sociedade do
conhecimento, uma formulação teórica que tem até hoje muita passagem entre os
61
intelectuais da educação que estão organicamente atrelados à hegemonia burguesa,
da defesa dos interesses dos capitalistas. A crescente literatura que toca neste tema
apresenta uma sociedade do conhecimento sem classes e, consequentemente, sem
luta de classes. Uma sociedade harmônica e aparentemente nova porque repleta de
novidades.
[...] fundada não mais sobre processos excludentes característicos de um processo produtivo transformador da natureza e consumidor de fontes de energia não renovável, mas de uma economia global onde o principal recurso é o conhecimento, o qual não teria limites e estaria ao alcance de todos, opera dentro de um nível profundamente ideológico e apologético. (FRIGOTTO, 2001, p.37)
Segundo Duarte (2003), a sociedade do conhecimento é uma ideologia
produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do
capitalismo. De fato, esse esforço de inculcar os preceitos da sociedade do
conhecimento são necessários para estabelecer as novidades conservadoras da
sociabilidade capitalista. São conservadoras porque apenas na aparência se trata de
novidade, pois o fundamento e a lógica interna continua semelhante. O que ocorre,
por ora, se assemelha ao que já foi visto antes na própria história do capitalismo.
É importante salientar que, quando surgiu, no começo do século XX, o fordismo chegou a inspirar, como a chamada acumulação flexível de hoje, uma série de fantasias utópicas e celebrou o revolucionar das condições de produção e de vida material. (ALVES, 2011, p.15)
A educação, nesse sentido, é espaço privilegiado e fundamental. O novo
padrão de acumulação requer consensos entre as classes e nada melhor que supor
todos num mesmo barco e igualmente responsáveis por ele. Frigotto (2001) destaca
a valorização da educação básica nesse contexto de imposição das ideias da
sociedade do conhecimento para formar trabalhadores com capacidade de
abstração, polivalentes, flexíveis e criativos. Todos subordinados aos imperativos da
lógica de mercado em que a integração e a flexibilidade são importantes para uma
produtividade e competitividade eficientes.
[...] a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança, ou seja, enquanto a educação tradicional seria resultante de sociedades estáticas, nas
62
quais a transmissão do conhecimento e tradições produzidos pelas gerações passadas era suficiente para assegurar a formação das novas gerações, a nova educação deve pautar-se no fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios, pois um conhecimento que é tido hoje como verdadeiro pode ser superado em poucos anos ou mesmo em alguns meses. O indivíduo que não aprender a se atualizar estará condenado ao eterno anacronismo, à eterna defasagem de seus conhecimentos. (DUARTE, 2003, p.10)
A microeletrônica, a microbiologia e as novas fontes de energia constituíram
elementos fundamentais da nova base técnico-científica e é sobre o controle delas
que os grandes grupos econômicos e seus organismos representantes vão lançar a
nova ofensiva político ideológica que atingiu em cheio os processos formativos. Isso
ocorreu porque houve uma ampliação da capacidade intelectual associada à
produção. Em muitos casos, chegando a substituir parte das tarefas dos
trabalhadores por autômatos. Eis o porquê da informação ser tão cara a essa nova
base de produção, pois a sociedade do conhecimento também é chamada de
sociedade da informação.
A cada salto tecnológico, com sua respectiva produção de máquinas, corresponde uma forma-mercadoria predominante, a partir da qual se constitui a estrutura socioreprodutiva. É possível dizer que a forma-mercadoria da Quarta Idade da Máquina é a mercadoria-informação que constitui, na etapa da produção, elementos da gestão, logística, design e planejamento e vendas. O insumo-informação é um dos principais fatores da nova produção de mercadorias. (ALVES, 2011, p.72)
Mas é fundamental destacar que as tecnologias, ao passo que diminuíram a
necessidade quantitativa do trabalho vivo, foram exigindo uma nova tipologia
qualitativo desse mesmo trabalho. É nesse ponto que a requisição de um nível de
escolaridade específico ganha importância e passa a ser defendida pelos
organismos representantes do capital. A conjuntura demanda um tipo de trabalhador
com uma qualificação mais atenta às diversas particularidades da produção flexível.
O empresariado parece estar se dando conta de que o baixo nível de escolaridade de amplas camadas da população começa a se constituir em obstáculo efetivo à reprodução ampliada do capital, em um horizonte que sinaliza para o emprego, em ritmo cada vez mais acelerado, no Brasil, de novas tecnologias de base microeletrônica e da informática assim como de métodos mais racionalizadores de
63
organização da produção e do trabalho, na atual década. (NEVES, 1993: 10 apud FRIGOTTO, 2001, p.47)
Cabe aqui a pergunta: o despertar do empresariado local sobre o problema do
baixo nível de escolaridade e sua consequência para a o nível de competitividade
das organizações locais, ou sediadas nessa região, não teria sido um determinante
importante na implementação da reforma do ensino médio da rede estadual?
Tal como tem sido historicamente conturbado o dilema da burguesia acerca
da oferta de educação aos trabalhadores, não é diferente as tensões e contradições
que cercam a defesa da escola básica. Segundo Frigotto (2001, p.85) “Esta
demanda real de mais conhecimento, mais qualificação geral, mais cultura geral se
confronta com os limites imediatos da produção, da estreiteza do mercado e da
lógica do lucro”.
Face à questão da possível falta de mão-de-obra para operar sobre a nova
base tecnológica – que exige novos conhecimentos, mas não necessariamente
superiores – a educação básica pode elevar, ao mesmo tempo, a possibilidade da
classe trabalhadora tomá-la como um elemento para um processo progressivo de
emancipação. Evidentemente que essa tomada dependerá de organização política e
da luta social. Enquanto a luta de classe parece estar ‘morna’ no campo
educacional, o capital tem avançado com suas resoluções sobre a educação de
todos. Um importante marco desse avanço é o documento diretriz elaborado pelos
seus representantes e disseminado mundo afora.
2.4 O Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI
da UNESCO
O propalado documento da Comissão Internacional sobre Educação para o
Século XXI, sob a coordenação de Jacques Delors, tem influenciado em muitos
países os fundamentos pedagógicos para as redes de ensino públicas em
consonância com os interesses hegemônicos. De modo geral, o documento
encontra-se articulado às políticas para conciliação de classe necessária ao
processo de mundialização do capital pela educação.
Também conhecido como Relatório Jacques Delors, esse documento
influenciou em cheio os fundamentos educacionais do Programa de Educação
64
Integral de Pernambuco. E tal como o nosso objeto, o relatório dessa comissão se
coloca, na verdade, como norte para as reformas necessárias no âmbito
educacional. No fundo, favorecem ao atendimento dos interesses capitalistas de
uma formação mais “antenada” com as demandas e transformações globais
advindas da economia. Evidentemente que essa formulação é revestida de uma
roupagem “humanista”, supostamente preocupada apenas com o desenvolvimento
humano, pois ela mesma reconhece que a globalização econômica gerou grandes
danos sociais a grande parte da humanidade.
Para lançarmos mais luz na compreensão sobre o nosso objeto, é necessário
fazer uma breve abordagem sobre o caráter teórico e político do Relatório Jacques
Delors, já que este o fundamenta em cheio, apontando suas vinculações com o
projeto da sociabilidade capitalista na recomposição de sua crise estrutural na
atualidade. Nesse sentido, o relatório não perde de vista que uma motivação
importante pela qual se justifica a implantação das diretrizes para a educação do
século XXI é o advento da denominada sociedade da informação. A necessidade de
uma educação que responda aos desafios de uma sociedade em que a técnica e os
meios de informação e comunicação estão em constante mudança é algo central no
documento. A sociedade da informação seria, assim, um fenômeno promissor do
nosso tempo. A educação, por sua vez, deveria estar dando respostas a essa
demanda.
Nas formulações para a educação no âmbito da sociedade do conhecimento,
o peso sobre os aspectos cognitivos é um ponto considerável. Segundo essa lógica,
o trabalhador deveria ter uma compreensão mais diversificada do processo
produtivo, o que demanda um nível de operação cognitiva mais elevada que no
fordismo.
Com os progressos atuais e previsíveis da ciência e da técnica, e a importância crescente do cognitivo e do imaterial na produção de bens e serviços, todos devemos convencer-nos das vantagens de repensar o lugar ocupado pelo trabalho e seus diferentes estatutos na sociedade de amanhã. (DELORS, 2012, p.16)
Fica claro, então, que há aí a requisitada flexibilidade do trabalho por parte do
capital, facilitando a exploração à moda toyotista. Exige-se uma mão-de-obra que
seja dinâmica e multi-competente para atender as inovações na organização do
65
trabalho, acompanhando o constante incremento de ciência e tecnologia sob a
lógica da sociedade das mercadorias. Essa mão-de-obra, pois, deve procurar o
constante aperfeiçoamento para que possa se manter empregada. Os sujeitos são
impelidos a buscarem um nível de empregabilidade adquirindo as competências
oscilantes requeridas pelas injunções de cada momento e lugar do capital no
mundo. Corrobora-se, dessa forma, a pedagogia das competências que prevê que
os sujeitos adquiram continuamente competências generalistas e adquiram
capacidade de adaptação.
Na indústria, especialmente para os operadores e os técnicos, o domínio do cognitivo e do informativo nos sistemas de produção torna de certo modo obsoleta a noção de qualificação profissional e leva a que se dê mais importância à competência pessoal. O progresso técnico modifica, inevitavelmente as qualificações exigidas pelos novos processos de produção. As tarefas puramente físicas são substituídas por tarefas de produção mais intelectuais ou mentais, como o comando de máquinas, a sua manutenção e sua vigilância, ou por tarefas de concepção, de estudo e de organização, à medida que as máquinas também se tornam mais “inteligentes”, e que o trabalho se “desmaterializa”. (DELORS, 2012, p.76)
Há um forte componente consensual de classes que permeia o Relatório
Jacques Delors. O fetiche de uma sociedade global em que a inovação científico-
tecnológica parece dar as rédeas da organização social, sobretudo da formação,
acaba encobrindo as bases materiais sobre as quais essa sociedade está
repousada, esquecendo assim as diferenças brutais e violentas entre as classes
sociais bem como a perniciosidade da divisão do trabalho no capitalismo. Se há
menção às desigualdades, trata-se apenas de uma mediação formal para se tentar
materializar as reformas propostas. Esconde-se que a questão fundamental da
apropriação das riquezas continua sendo feita por uma minoria, ao passo que
desestimula as possibilidades de se operar em cima das contradições que a
realidade apresenta. Joga, dessa forma, a educação como instrumento de
implementação das reformas requisitadas pelo capital e de encobrimento das
contradições sociais.
A educação deve encarar esse problema, uma vez que, na perspectiva do parto doloroso de uma sociedade mundial, ela situa-se no coração do desenvolvimento tanto do ser humano como das comunidades. Cabe-lhe a missão de fazer que todos, sem exceção,
66
façam frutificar seus talentos e potencialidades criativas, o que implica, por parte de cada um, a capacidade de se responsabilizar pela realização de seu projeto pessoal. (DELORS, 2012, p.15)
O ideário neoliberal da individualização das responsabilidades aparece com
grande requinte. A responsabilização do projeto pessoal indicado no relatório tem
seu correspondente em nosso objeto quando o aluno do Programa de Educação
Integral é estimulado a trilhar seu próprio projeto de vida, através das orientações do
Protagonismo Juvenil, e responsabilizar-se por ele, mesmo que fracasse. A
educação e a vida figuram como um jogo competitivo onde uns ganham e outros
perdem, cabendo ao jogador os louros ou as dores pelas suas jogadas. O campo
desse jogo é o mercado e sua lógica.
As inovações precisam ser acompanhadas pelos sujeitos, tanto na vida
profissional quanto pessoal, e não há campo melhor para essa adaptação do que a
escola. As relações interpessoais harmoniosas requeridas pela organização flexível
de origem toyotista também se apresentam no Relatório Jacques Delors quando
este demonstra um forte interesse em educar o cidadão colaborador face a todo tipo
de problema, em especial aqueles ligado à comunidade em que vive.
A relação com a matéria e a técnica deve ser complementada com a aptidão para as relações interpessoais. O desenvolvimento dos serviços exige, pois, cultivar qualidades humanas que as formações tradicionais não transmitem, necessariamente, e que correspondem à capacidade de estabelecer relações estáveis e eficazes entre as pessoas. Finalmente, é provável que nas organizações ultratecnicistas do futuro os déficits relacionais possam criar graves disfunções, exigindo qualificações de um novo tipo, com base mais comportamental do que intelectual, o que pode ser uma oportunidade para os não diplomados ou com preparação deficiente em nível superior. (DELORS, 2012, p.78)
A ajuda mútua pacífica aparece como um valor que o mundo muito carece.
No entanto, esse consenso tem uma determinação política por debaixo: manter a
classe trabalhadora apaziguada e cordial desde cedo, na formação recebida já na
escola, além de aceitar como naturais as expressivas desigualdades sociais.
O conceito de educação ao longo de toda a vida, elaborado pela comissão,
estimula que cada indivíduo aprenda a conduzir seu destino em um mundo
globalizado marcado pela rapidez das transformações das relações que os homens
mantêm com o espaço e o tempo. Assim, apresenta-se o suposto que as mudanças
67
que afetam o emprego se alastrarão por todo o globo e exigirá uma reorganização
de ritmo de vida. A educação ao longo de toda a vida desdobra-se em quatro pilares:
aprender a viver juntos, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser.
Esses quatro pilares estarão presentes em cheio nos traços do Programa de
Educação Integral de Pernambuco.
Em sua interessante análise, Mueller (2012) observa que a relação de
continuidade e descontinuidade entre o Sistema Taylorista/Fordista e o Sistema
Toyota de produção pode ser encontrada no desenvolvimento histórico entre o
método dos Quatro Passos de Charles Allen (o Training within Industry – TWI –
desenvolvido com base nas necessidades do complexo militar-industrial americano
no começo do século XX), o Sistema Toyota de Produção e os princípios dos Quatro
pilares para a educação do século XXI de Delors.
O fio condutor que interliga todos esses métodos e sistemas é a racionalização necessária à valorização do valor, que necessita se apropriar dos nexos causais existentes na relação entre trabalho e educação, onde que a subsunção real do trabalhador não é suficiente para que os níveis de extração de sobrevalor se mantenham em um patamar aceitável, pois este vem se desenvolvendo para que haja a subsunção total do ser social ao capital. (MUELLER, 2012, p.14)
Continuando em sua observação, Mueller (2012) expõe mais
especificamente as aproximações entre o TWI e os Quatro Pilares de Delors.
O ‘aprender a viver juntos’ tem em sua concepção uma aproximação ao que foi proposto por um dos itens dos ‘Programas J’ chamado ‘Relações de Trabalho’: a criação e implementação de um conjunto de técnicas e métodos que estimulem o convívio harmonioso entre e intra níveis hierárquicos, e o trabalho cooperado por meio de objetivos comuns previstos tanto para a produção como para a organização como um todo. O controle sobre as relações sociais no ambiente produtivo é uma condição fundamental e que foi pensada e viabilizada desde os ‘Quatro Passos’ até os ‘Quatro Pilares’ sendo que nestes, o objetivo econômico central foi mascarado por objetivos ‘humanizantes’ previstos para a educação no século XXI. Este controle passa necessariamente pelo expurgo e anulação da produção de organismos incentivadores da não-conciliação dos objetivos da força de trabalho aos objetivos empresariais, como, por exemplo, os sindicatos e os partidos políticos. (MUELLER, 2012, p.13)
68
É claro aqui o alinhamento do conteúdo do relatório com a organização
flexível típica do pós-fordismo. A qualificação profissional mais delimitada dar lugar a
uma aprendizagem na qual é necessário adquirir competências mais amplas. A
preparação do indivíduo para enfrentar situações problemas, imprevisibilidades,
trabalho em equipe são postas como uma necessidade pedagógica. As situações
problemas que são encontradas na organização flexível aportam como uma
responsabilidade de cada trabalhador. Para isso, subjetivamente, tem-se que se
fomentar nos indivíduos um senso rigoroso de responsabilidade pelos resultados,
mesmo que eles não decidam de um todo o que e como produzir nessas
organizações. Chama-nos ainda a atenção o forte componente de filantropia inserido
no relatório.
Confiar a membros da comunidade as funções de auxiliares ou de paraprofissionais no seio do sistema escolar, também pode ser considerado uma forma de participação. Assim a associação de um professor oriundo da própria comunidade com um professor nomeado pelo Estado revelou-se extremamente útil no contexto da recente reforma da educação na Guiné. (DELORS, 2012, p.109)
De fato, há uma consonância entre essa filantropia e a modificação nas ações
do Estado. Sai de cena o Estado de Bem Estar Social e entra, cada vez mais
acentuadamente, um Estado que precisa do voluntariado cidadão para resolver os
problemas sociais. Não é a toa que grandes corporações nacionais, sobretudo as de
mídia, estimulam largamente o voluntariado nas questões sociais, em consonância
com a hegemonia capitalista da qual fazem parte enquanto classe.
Na correlação entre Estado e mercado, as diretrizes do Relatório Jacques
Delors apontam uma tendência para a educação que é fruto das necessidades de
mão-de-obra qualificada para o momento atual do capital. Ao Estado, é direcionada
a função de garantir as bases desse atendimento. Assim, o Estado continua forte na
execução das garantias dos interesses do capital, não tendo, de fato, nada de
Estado Mínimo.
[...] o aperfeiçoamento do sistema educativo exige que os políticos assumam todas as suas responsabilidades. Não podem deixar que as coisas ocorram como se as leis de mercado conseguissem corrigir as falhas ou, então, como se para tal bastasse uma espécie de autorregulação. (DELORS, 2012, p. 24)
69
A própria compreensão de educação como investimento de caráter
econômico, mesmo que se procure escamotear isso, foi algo claramente defendido
nos debates da comissão pelo próprio organizador.
No decurso dos debates, defendi uma solução mais radical. Dado que a educação ao longo de toda a vida vai adquirindo cada vez mais importância, poderia encarar-se à hipótese de atribuir a cada jovem que inicia a escolaridade um crédito em tempo que lhe desse direito a determinado número de anos de educação. Esse valor seria creditado na conta de uma instituição que, em relação a cada jovem, se encarregaria, por assim dizer, de gerenciar o capital de tempo atribuído por intermédio de meios financeiros adequados. (DELORS, 2012, p.24)
Como artifício de tirar do foco principal a luta de classes, o relatório, de forma
genérica, encara os problemas do mundo como uma “crise das relações sociais”,
ocasionadas como se por fora das relações sociais de produção. A educação seria,
assim, uma forma de aparar as arestas de uma sociedade marcada pela diversidade
e injustiça social. Ou seja, a diversidade seria um fator dessa “crise das relações
sociais” e, invertê-la em algo positivo, seria uma tarefa inadiável da educação para a
cidadania.
Confrontada com a crise das relações sociais, a educação deve, pois, assumir a difícil tarefa que consiste em fazer da diversidade um fator positivo de compreensão entre indivíduos e grupos humanos. A sua maior ambição torna-se oferecer a todos os meios necessários a uma cidadania consciente e ativa, que só pode realizar-se plenamente em um contexto de sociedades democráticas. (DELORS, 2012, p.43)
No que consiste ao contexto de sociedade democrática a que se refere o
relatório, é questionável a concepção de democracia desse documento, visto que,
de modo geral, é o caráter classista que vigora no seio de sua elaboração. Ao
encararmos a democracia na vigência de uma sociedade burguesa, é no âmbito da
formalidade, e não substancialmente, que a mesma tende a se exercer. Mesmo na
Europa dos vivenciados anos de Bem Estar Social do pós segunda guerra, o que se
vê hoje é o avanço da tecnocracia, comprimindo a vontade da população em
questões importantes de alguns países europeus.
70
Fica claro, a partir das “pistas e recomendações” do documento, sua voz em
favor da construção de condições educacionais mundiais adequadas ao nosso
tempo. Cabe, assim, a pergunta: quem está por detrás determinando as supostas
exigências de nosso tempo, senão o capital?
Os sistemas educacionais devem responder os múltiplos desafios das sociedades da informação, na perspectiva de um enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adaptada às exigências de nosso tempo. (DELORS, 2012, p.56)
De fato, o relatório que estamos tratando tem uma vinculação com a própria
Teoria do Capital Humano da qual já tratamos antes. Dessa forma, tal como os
pressupostos da Teoria do Capital Humano, o Relatório Jacque Delors apresenta a
compreensão de que o incremento de educação nos países de capitalismo periférico
seria uma solução para seu atraso e para sua inserção no mundo em transformação
permanente.
Tal constatação, porém, não deve levar os países em desenvolvimento a negligenciar os motores clássicos de crescimento, em particular, o indispensável ingresso no universo da ciência e da tecnologia, com tudo o que isso implica em matéria de adaptação de culturas e de modernização de mentalidades. (DELORS, 2012, p.13)
Já não há mais dúvida de que as exigências de nosso tempo são, na verdade,
as exigências historicamente postas ao capital para a continuação de sua
acumulação. Pois, dando-se conta das contradições e efeitos perversos do
capitalismo, o relatório delega à educação algo a mais que apenas fator de
crescimento econômico, tal como se fazia na Teoria do Capital Humano.
Contudo, tendo consciência de que o modelo de crescimento atual depara-se com limites evidentes, devido às desigualdades que produz e aos custos humanos e ecológico que comporta, a Comissão julga necessário definir a educação não apenas na perspectiva de seus efeitos sobre o crescimento econômico, mas de acordo com uma visão mais ampla: a do desenvolvimento humano. (DELORS, 2012, p.57)
O tom escatológico de alguns trechos do relatório anuncia o suposto
problema principal vivido pela humanidade: a partilha injusta de conhecimento. A
71
apropriação desigual das riquezas produzidas, articulada à exploração do trabalho,
sequer aparecem no relatório. Em sua cruzada de mundialização, a meta por ora é
estabelecer condições mínimas globais de formação da força de trabalho, para que
se possa operar mais facilmente com os deslocamentos de ciência e tecnologia na
produção de mercadorias. Dispondo de mais opções da mercadoria força-de-
trabalho, o capital terá mais condições de seguir seu caminho.
Uma primeira conclusão parece impor-se: os países em desenvolvimento não devem negligenciar nada que lhes possa facilitar a indispensável entrada no universo da ciência e da tecnologia, e o que isso abrange em matéria de adaptação de culturas e de modernização de mentalidades. Considerados nessa perspectiva, os investimentos em matéria de educação e de pesquisa constituem uma necessidade, e uma das principais preocupações da comunidade internacional deve ser o risco de total marginalização dos excluídos do progresso, em uma economia mundial em rápida transformação. Se não se fizer um grande esforço para afastar esse risco, alguns países, incapazes de participar na competição tecnológica internacional, poderão chegar a constituir bolsões de miséria, de desespero e de violência impossíveis de serem reabsorvidos por meio da assistência e de ações humanitárias. Mesmo no interior dos países desenvolvidos, há grupos sociais inteiros em risco de serem excluídos do processo de socialização constituído, até há pouco tempo, por uma organização do trabalho de tipo industrial. Em ambos os casos, o problema essencial continua a ser o da partilha desigual de conhecimentos e de competências. (DELORS, 2012, p.61)
A inclusão e a exclusão das pessoas nesse mundo que se desenha se dá a
partir do estabelecimento de requisitos no campo educacional, diretamente
relacionado ao domínio de habilidades gestadas na sociedade da informação. A
busca pela inclusão, nos termos dessa sociedade, se apresenta como algo
veementemente desejado para, em última instância, se deter as rédeas sobre o
controle total do trabalho. Certamente não se trata de inclusão perpassada pela
emancipação humana de fato.
Mas a comissão se propõe a um desenvolvimento que não se resuma aos
aspectos econômicos. O desenvolvimento humano compreende questões de
natureza ética, cultural e ecológica. No que tange ao incremento da técnica no
âmbito da produção, o relatório se coloca preocupado com o emprego, reforçando,
nas entrelinhas, o emprego pauperizado, aí denominado de autoemprego. Como
72
mais uma pista e recomendação, o relatório coloca, em extrema sintonia com os
requisitos do capital:
Estabelecer novas relações entre política educativa e política de desenvolvimento, a fim de reforçar as bases do saber e do saber-fazer nos países em questão: estimular a iniciativa, o trabalho em equipe, as sinergias realistas, levando em conta os recursos locais, o autoemprego e o espírito empreendedor. (DELORS, 2102, p.70)
Os sistemas formais de educação, pois, são o foco da reforma anunciada pelo
relatório e largamente introduzido no projeto educacional do Programa de Educação
Integral de Pernambuco. O projeto de sociedade hegemonizada pelo capital fica
claro quando do ataque ao que até aqui significaram os sistemas educacionais
tradicionais.
As necessidades de adaptação e de reciclagem que se fizeram sentir no campo profissional das sociedades industriais invadiram, pouco a pouco, os outros países e as outras áreas de atividade. Contesta-se a pertinência dos sistemas educativos criados ao longo dos anos – tanto formais quanto informais -, e a sua capacidade de adaptação é colocada em dúvida. Esses sistemas, apesar do extraordinário desenvolvimento da escolarização, mostram-se pouco flexíveis por natureza e estão à mercê do mínimo erro de antecipação, sobretudo quando se trata de preparar competências para o futuro. (DELORS, 2012, P.88)
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, na
Tailândia, tratou da educação básica, principalmente a inicial. Mas agora é a
educação secundária um importante foco nas orientações do relatório.
A Comissão entende, porém, que deve constar na agenda das grandes conferências internacionais do próximo século um empenho semelhante a favor do ensino secundário. Esse deve ser concebido como uma ‘plataforma giratória’ na vida de cada um: é nesse momento que os jovens devem poder decidir em função dos seus gostos e aptidões; é também nessa fase que eles podem adquirir as capacidades que os levem a ter pleno sucesso na vida de adultos. (DELORS, 2012, p.100)
A mobilidade pró capital dos proletários dá o tom da formulação acima. A nota
musical que embala o impulso de continuação das reformas é a flexibilidade
73
mercadológica. Pelo que veremos, o Programa de Educação Integral já parece ter
dado a largada nesse desafio.
2.5 Formação baseada nas competências para a empregabilidade
Um pano de fundo, também impulsionador, no conjunto de ações na área da
formação da força de trabalho como elemento na saída da crise do capital, é a
formação baseada nas competências. Segundo Kuenzer (2008, p.42) “os arranjos
flexíveis de competências diferenciadas expressam a forma de organização das
propostas pedagógicas na produção flexível”. Assim, o foco nas competências é
levado em conta porque é dito que através desse modelo se resultaria numa certa
empregabilidade por parte dos sujeitos. Assim esses estariam aptos para o mundo
do trabalho nos termos que ele hoje o é.
O modelo das competências enquanto um norte na agenda educacional, com
base nas ideias capitalistas atuais, se articula, no final das contas, como um
componente do conjunto de ações de enfrentamento da queda tendencial da taxa de
lucro. Assim, esse modelo é parte das estratégias de enfrentamento da crise
(RODRIGUES, 2007), ao mesmo passo em que se apresenta como uma novidade
de caráter amenizador em relação à “brutalidade” do taylorismo-fordismo. Demarca-
se, por meio do modelo das competências, uma feição aparentemente mais
“humana” na organização do trabalho.
Embora a ninguém ocorra educar para a incompetência, e se considere que o conceito de competência não seja novo, é preciso reconhecer que ele tem assumido um novo significado a partir do alargamento que tem sofrido, particularmente o conceito de formação profissional em face das novas demandas do mundo do trabalho. Estas demandas, a partir da substituição progressiva dos processos rígidos, de base eletromecânica, pelos de base flexível, de base microeletrônica, tem deslocado o conceito de formação profissional dos modos de fazer para a articulação entre conhecimentos, atitudes e comportamentos, com ênfase nas habilidades cognitivas, comunicativas e criativas. Ou, para usar as expressões correntes, trata-se agora não apenas de aprender conhecimentos e modos operacionais, mas de ‘saber, saber fazer, saber ser e saber conviver’, agregando saberes cognitivos, psicomotores e socioafetivos (KUENZER, 2009, p.16)
74
Visando o aumento da produtividade, a divisão social do trabalho vai
operando de forma cada vez mais fetichizada. Alguns teóricos chegam, inclusive, a
negá-la. O modelo de competências, que contribui indiscutivelmente no projeto
político pedagógico implantando na reestruturação do ensino médio pelo Programa
de Educação Integral, está relacionado com essa “nova” divisão do trabalho, embora
proclame o fim desta. Por sua vez, a simplificação do trabalho, apesar de aparentar
ser um processo cada vez mais complexo, resulta num movimento de produção
cada vez mais socializado pelos trabalhadores em rede. Já seus resultados são
cada vez mais apropriados de forma desigual, privada.
Cooperação e concorrência operam como dois pilares mor na formação
fundamentada no modelo das competências para a empregabilidade. O capital
colocou em cena com maior aperfeiçoamento, devido às mudanças na base
produtiva, a necessidade de uma força produtiva nova que é a força coletiva. Mesmo
distanciada no espaço, a força produtiva se faz coletiva pelo avanço das técnicas,
sobretudo as da informação e comunicação.
Desta nova base técnica e modo de operar da inteligência humana disseminada pela revolução das máquinas informacionais surge, como derivação ideológica, o denominado ‘modelo das competências profissionais’, ideologia orgânica da formação profissional, que exige dos novos operadores saberes em ação (savoir faire), talentos, capacidade de inovar, criatividade e autonomia no local de trabalho. O modelo das competências profissionais é o terreno ideológico a partir do qual se disseminam as noções estruturantes de flexibilidade, transferibilidade, polivalência e empregabilidade que irão determinar o uso, controle, formação e avaliação do desempenho da força de trabalho. Este será o novo léxico ideológico que permeará a pedagogia escolar e empresarial imbuída do espírito toyotista. (ALVES, 2011, p.76)
A cooperação dos assalariados torna-se condição necessária na produção,
mas os requisitos são exigidos individualmente. Isso demanda a concorrência
individual para uma maior produtividade em cooperação coletiva. Eis uma grande
contradição. A postura do trabalhador em relação aos outros passa a ser focada e
valorizada. As atitudes permeiam fortemente o teor do viés das competências. No
entanto, essa postura é importante, sobretudo, para a produtividade nos marcos
toyotistas.
75
Uma das características do modelo das competências são os vários saberes, incluindo o ‘saber ser’ (...) Aparentemente a preocupação é com o sujeito trabalhador e, indo mais além, com a formação integral do sujeito. No entanto, essa aparência é fruto do próprio fetiche. (RODRIGUES, 2007, p.21)
Na medida em que se impõe como norte, o modelo das competências para a
empregabilidade visa reorganizar o trabalho vivo, pauperizando-o
fundamentalmente.
Na medida em que a produção enxuta elimina trabalho vivo, ela o desloca para as redes de subcontratação. A lógica da lean production se impõe na cadeia produtiva. A constituição de uma redundância de força de trabalho como mercadoria significa incentiva uma nova inserção não salarial para a massa de força de trabalho supérflua. No limite, o espírito do toyotismo nos conduz à ideologia extrema da abolição do regime salarial, cujo sonho é o mundo dos prestadores de serviços, um mundo da produção constituído por uma miríade de empresas individuais de prestação de serviços individuais (o léxico do trabalhador assalariado como ‘colaborador’ é sintoma desta intervenção de posição social). Assim, a máscara do toyotismo aparece como máscara do autoempreendedorismo que se explicita nos locais de trabalho pela exigência de autoativação dos operadores. Ao ser projetada para o mercado de trabalho, a autoativação se transfigura no empreendedorismo e empregabilidade. (ALVES, 2011, p.104)
Ao nos aproximarmos do nosso objeto, percebemos a presença das
contribuições do modelo de competências em seu projeto político pedagógico
através da apostila utilizada na formação dos docentes que ingressam no Programa
de Educação Integral.
Qual a diferença entre aprendizagem e competência? A aprendizagem está relacionada com o processo de aquisição/construção dos conhecimentos por parte da pessoa, que é a vida da assimilação (apreensão de conhecimentos). Já a competência é a capacidade que a pessoa demonstra de saber aplicar na prática os conhecimentos apreendidos, por intermédio do desenvolvimento de habilidades. (COSTA, 2012, p.14)
Corrobora-se, assim, no modelo pedagógico implantado através do Programa
de Educação Integral, o modelo de competências para a empregabilidade. Aparece
uma total sintonia e imbricação com os requisitos do capital na formação da força de
trabalho na atualidade.
76
A empregabilidade refere-se à capacidade de o trabalhador – por sua polivalência e flexibilidade – ainda que perdendo temporariamente o emprego, manter-se empregável por deter um conjunto de habilidades básicas, específicas e de gestão capazes de assegurar-lhe a condição de qualificar-se para uma nova ocupação, serviço ou profissão. (COSTA, 2012, p. 45)
Assim, numa educação fundamentada nas competências para a
empregabilidade, a educação tem como foco a preparação dos aspectos que são
aqueles em sintonia com o mercado. A força de trabalho enquanto mercadoria
especial determina os traços mais conjunturais na proposta educacional posta pelo
Programa de Educação Integral. O que está em pauta nesse projeto, em termos
sobretudo ideológicos, é o fim das classes e a consequente absorção numa “classe
única”: a capitalista.
2.6 Um embate contra-hegemônico no campo da educação: formação humana
na perspectiva socialista
O capital e suas leis imanentes têm demonstrado, ao longo de sua vigência,
uma profunda coisificação dos homens e suas relações. O desenvolvimento do valor
de troca como fundamento central num mundo em que quase tudo pode se tornar
mercadorias espalhou pelas mais diversas sociedades uma lógica perversa em
grande escala, de consequências desastrosas tanto para os homens e mulheres
quanto para a natureza, dado o grande passivo que é gerado, seja social ou
ambiental.
Esse “espírito” capitalista se impregnou nas mais diferentes áreas da vida
social, tornando-se, mediante forte influência ideológica, na forma socialmente
naturalizada de se organizar a vida e sua reprodução. Mas apesar de ter
influenciado demasiadamente o senso comum, contudo, o capital nunca pôde
apagar de vez os conflitos e as contradições que se expressam ora mais, ora menos
acentuadamente na realidade.
Nesse raio de influência sobre todos os campos da vida social, o capital
impôs sob seu guarda-chuva a formação da classe trabalhadora como mais um meio
77
importante de difundir-se e perpetuar-se. A escola, enquanto lócus formal dos
processos educacionais vem sendo privilegiada pelos interesses capitalistas devido
ao papel importante que a mesma realiza na consecução de um projeto de
sociedade.
Nesse sentido, uma vez percorrido todo um caminho teórico nessa pesquisa
para evidenciar as relações do modo de produção capitalista com a educação
formal, julgamos necessário discorrermos sobre as contribuições político teóricas
contra-hegemônicas que vislumbram nos processos educacionais, sobretudo na
escola, um lugar de disputa propício à construção de uma sociedade que supere a
lógica das mercadorias.
Trata-se da alternativa baseada em torno do resgate do fundamento
humanizador do trabalho, algo que tem um caráter revolucionário e que está em
contraposição à sociabilidade burguesa que aliena esse mesmo trabalho. O trabalho
que dentro do capitalismo se constitui enquanto trabalho alienado, priva o homem da
possibilidade de se reconhecer no próprio trabalho e se humanizar com ele. Faz com
que o ser humano não se reconheça com o trabalho que ele mesmo realiza. Aí, de
antemão, aparece uma questão mais ampla que a educação escolar, que é a
formação humana. Esta nem se origina nem se limita ao sistema educacional formal.
[...] a formação humana é analisada na relação entre o processo histórico de objetivação do gênero humano e a vida do indivíduo como ser social. O que faz do indivíduo um ser genérico, isto é, um representante do gênero humano, é a atividade vital, a qual é definida por Marx como aquela que assegura a vida de uma espécie. No caso dos seres humanos, sua atividade vital, que é o trabalho, distingue-se daquelas de outras espécies vivas por ser uma atividade consciente que se objetiva em produtos que passam a ter funções definidas pela prática social. Por meio do trabalho o ser humano incorpora, de forma historicamente universalizadora, a natureza ao campo dos fenômenos sociais. Nesse processo, as necessidades humanas ampliam-se, ultrapassando o nível das necessidades de sobrevivência e surgindo necessidades propriamente sociais. (SAVIANI; DUARTE, 2010, p.426)
É na elaboração do mundo objetivo que o ser genérico do homem figura com
desdobramentos objetivos e subjetivos ao mesmo tempo. Ocorre que ao longo da
história social dos homens, marcada pela divisão social do trabalho e pelo
antagonismo de classes, a apropriação dos resultados da objetivação dos seres
humanos foi e é apropriada de forma desigual. É lamentável e muito danoso que a
78
totalidade da produção material e não material – sobretudo no capitalismo com seu
acentuado impulso nas forças produtivas – não tenha sido nem seja posta em favor
de todos os seres humanos.
Ocorre que não há outra maneira de o indivíduo humano se formar e se desenvolver como ser genérico senão pela dialética entre a apropriação da atividade humana objetivada no mundo da cultura (aqui entendida como tudo aquilo que o ser humano produz em termos materiais e não materiais) e a objetivação da individualidade por meio da atividade vital, isto é, do trabalho. Na sociedade capitalista, o trabalho produz riqueza objetiva e subjetiva, mas nem uma nem outra podem ser plenamente apropriadas por aqueles que trabalham. (SAVIANI; DUARTE, 2010, p.426)
A superação da sociedade capitalista, de acordo com a obra marxiana, não
descarta a riqueza material e espiritual produzida nos termos do trabalho alienado
dessa mesma sociedade. A travessia, no entanto, significa a total transformação da
forma histórica humana do trabalho alienado em autoatividade. Saviani e Duarte
(2010) pontuam quatro aspectos dessa mudança na atividade humana: a relação do
sujeito com os resultados da atividade humana, a relação do sujeito com sua própria
atividade, a relação do sujeito consigo mesmo como ser genérico e a relação do
sujeito com os outros sujeitos. Acrescentaríamos ainda a relação do sujeito com seu
meio.
Faz-se necessário pontuar que a travessia é, sobretudo, uma tarefa
educacional em sentido mais amplo que a educação formal. Mesmo não sendo a
escola o lócus primordial dessa superação do modo de produção, é preciso destacar
que essa tarefa não pode descartar o conhecimento sistemático na formação da
classe trabalhadora. Porém, não são poucos os pesquisadores que aprofundam a
questão da construção do projeto socialista em sua articulação com a escola. O
fazem principalmente à luz do legado teórico marxiano, no qual toda a discussão se
pauta a partir da apreensão da forma de como os homens produzem a vida no seio
das relações sociais, mais particularmente sob o advento do capitalismo.
É impossível compreender a temática educacional em si mesma, pois metodológica e teoricamente é o contexto e suas determinantes econômicas, sociais, políticas, etc. que fornece a chave explicativa do conteúdo e da forma que a educação assumiu (e assume) na história das mais diferentes formações sociais e econômicas. Penso que as formulações de Marx e Engels sobre educação e ensino
79
sempre aparecem coladas às observações e análises que fazem sobre as condições de vida e trabalho das classes sociais, particularmente da classe trabalhadora. Não estavam preocupados em elaborar teorias gerais e abstratas sobre os aspectos e dimensões da vida social que estudavam; ao contrário, analisando as condições de vida e de trabalho do proletariado de então é que acabaram formulando a necessária união da instrução com o trabalho material. (LOMBARDI apud MOURA; FILHO; SILVA, 2012, p.04)
Esses pesquisadores estão espalhados pelas universidades e movimentos
sociais, e colocam como fundamento teórico e político, em torno do qual balizam
suas questões, a categoria trabalho. A educação, portanto, não é tratada por eles de
forma isolada da totalidade social. É a partir e em torno dessas questões que
passaremos a seguir sobre as contribuições de influência marxista acerca de uma
educação não sujeita aos imperativos do capitalismo, destacando os legados de
Marx e Gramsci.
2.6.1 Politecnia e escola unitária
A elaboração de Marx em torno das questões educacionais não é tão vasta,
mas extremamente significativa na tomada de um projeto social que se paute em
alternativa à sociabilidade burguesa. Nessa elaboração destaca-se o princípio da
união trabalho e ensino, tão retomada pelos pensadores marxistas.
O princípio da união trabalho e ensino aparece de dois modos distintos nas elaborações de Marx. Em determinados momentos ele se coloca como proposta articulada à realidade contraditória do trabalho abstrato. Nesse caso, esse princípio surge como proposta para enfrentar as questões mais imediatas que afligem as classes trabalhadoras. É um modo de contraposição aos malefícios da degradação do trabalho e uma maneira que visa ao fortalecimento teórico e prático dos trabalhadores, seja como força de trabalho que precisa enfrentar como mercadoria as relações de mercado, seja como sujeito social revolucionário. Noutras ocasiões aparece como reflexão que pensa a articulação entre trabalho e ensino no contexto de novas relações sociais que tenham superado as contradições capitalistas. (SOUSA, 2010, p. 39)
80
Há muitos pensadores no campo da luta anti-capitalista que se apropriaram
dos conceitos e elaborações de Marx e Gramsci, sobretudo, para desenvolver uma
proposição teórico política que dê conta, no campo educacional, de construir
elementos de superação a partir das contradições encontradas no seio da sociedade
capitalista.
Apesar de apresentarem alguns confrontos conceituais pontuais, esse
coletivo de sujeitos se articulam numa unidade pelos mesmos fins que comungam: a
construção de uma educação baseada na omnilateralidade. Isso compreende, de
antemão, uma educação baseada na formação integral do homem, tal como
elaborou Marx. É a partir do processo educacional que toma o homem como
centralidade, considerando as dimensões intelectual, física e tecnológica, que Marx
procura postular uma educação que dê conta de todas as esferas da vida do ser
humano, por isso, omnitaleral. A partir da educação preocupada com as três
dimensões citadas acima, surge o termo politecnia, largamente utilizado, que ficou
cunhado devido às próprias referências do autor e de estudiosos seus acerca dessa
elaboração sobre a educação do homem emancipado das relações capitalistas.
Mas é no conjunto da obra de Marx que se deve buscar o entendimento mais
aprofundado da elaboração de politecnia. Esta, também denominada de instrução
politécnica, é o norte da formação integral. Assim, a educação politécnica está
associada a um sujeito integralmente desenvolvido e ela não compreende apenas o
domínio das técnicas, mas o domínio intelectual sobre as mesmas. Há uma
indissociabilidade entre educação do corpo, educação intelectual e educação
tecnológica. Essa integração daria na formação integral dos homens e mulheres,
diferentemente da unilateralidade hegemonicamente vivenciada na educação dentro
dos limites do capital.
É preciso resgatar que a união entre instrução e trabalho, como elemento
fundamental na proposição de formação humana integral, é uma elaboração teórica
gestada a partir do próprio avanço das forças produtivas com o advento da indústria.
Essa transformação acarretou mudanças nas bases técnicas, na divisão do trabalho
e tendeu a exigir um trabalhador de maior versatilidade. Politecnia e industrialização
estão, assim, relacionadas, porque é a partir do desenvolvimento das contradições
de uma forma histórica de produzir que, segundo Marx, se pode construir um
caminho de superação das relações sociais injustas. Nesse mote, vem junto a
superação das dualidades entre trabalho intelectual e manual, cultura técnica e
81
cultura geral, educação profissional e educação geral extremamente funcionais ao
capitalismo. Percebemos, assim, uma clara distância do receituário educacional
firmado nas competências e habilidades (CIAVATTA; RAMOS, 2012).
Ao pautar-se sobre o desenvolvimento das forças produtivas, a escola unitária
gramsciana traz à baila a questão de um industrialismo de novo tipo. Diferente
daquele industrialismo fundado na intensificação da exclusão social que submete a
educação ao confinamento imediatista, utilitarista e excludente do mercado, o novo
tipo de industrialismo aponta como espaço necessário ao desenvolvimento humano
fora dos marcos da coisificação capitalista, a escola básica unitária ou politécnica.
Unitária por apresentar um caráter integrador entre cultura e ciência mediado pelo
caráter histórico do trabalho industrial moderno. Esta escola estaria em oposição a
uma outra que está tradicionalmente posta em torno de uma ciência abstraída das
relações de produção (NOSELLA, 2004).
No âmbito da disputa das ideias sobre os processos educacionais, Frigotto
(2001) destaca um interessante embate entre as ideias conservadoras e àquelas do
campo crítico.
[...] o resgate de conceitos de escola unitária, formação omnilateral e/ou politécnica, tecnológico industrial produzidas no interior da concepção de homem e do processo de ‘emancipação humana’ em Marx e Engels e posteriormente em Gramsci, que surgem na década de 80 no pensamento educacional brasileiro, sustentam-se na mesma materialidade histórico-social das relações sociais de produção e relações políticas de onde emergem os conceitos de polivalência, policognição, multi-habilitação, formação abstrata, tão caros aos homens de negócio, e, ao mesmo tempo, demarcam uma perspectiva ético-política de formação humana numa direção que lhes é antagônica e interessa às classes trabalhadoras. (FRIGOTTO, 2001, p.67)
Os mecanismos de exclusão na órbita do capital resultam nas péssimas
condições materiais de grande parte da população e na apropriação
acentuadamente desigual das riquezas. A quebra destes mecanismos se coloca
numa perspectiva objetiva e subjetiva e é fundamental para o cultivo da
omnilateralidade. A socialização da produção se torna o imperativo necessário na
luta pela tomada de consciência. Está posto de forma clara, desde já, a necessidade
da superação da forma social capitalista para o estabelecimento da
omnilateralidade. Segundo Sousa (2010) enquanto a politecnia está relacionada a
82
um tipo de formação do sujeito trabalhador nos termos da produção capitalista,
omnilateralidade se refere à formação do próprio homem, livre das determinações da
sociabilidade capitalista.
Esmiuçando a formulação gramsciana de escola unitária, percebemos que é
colocada a tarefa de se identificar os eixos básicos de cada área do conhecimento
que, em sua unidade, carrega o caráter do diverso. A ciência apresentada como
síntese do diverso e do múltiplo possui, por excelência, um princípio unitário. Daí
que o desdobramento importante dessa formulação de escola unitária é que, para
além das relações efetivadas no âmbito escolar, os sujeitos produzem seu
conhecimento na realidade concreta, envolvendo as dimensões social, cultural,
estética, etc. É a partir daqui que se pode definir o “sujeito do conhecimento” que
deve tender à universalidade, como requisito de o ser democrático. (FRIGOTTO
2001).
A análise do aspecto intelectual, isto é, da consciência, revela que o homem não se mantém preso as suas condições situacionais e pessoais. Ele é capaz de transcender a situação, assim como as opções e os pontos de vista pessoais, para colocar-se na perspectiva universal, entrando em comunicação com os outros e reconhecendo suas condições situacionais, assim como suas opções e seus próprios pontos de vista. Funda-se aí, a legitimidade da educação, que emerge, então, como uma comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana. (SAVIANI; DUARTE, 2010, p.426)
Se a escola unitária se postula democrática por seu fundamento de
universalidade, ela deve partir da realidade concreta dos sujeitos e tomá-los como
igualmente merecedores da emancipação humana. Assim, diferentemente do peso
mor na dimensão cognitiva nas formulações burguesas da sociedade do
conhecimento, na escola unitária as dimensões biológica, social, econômica,
política, cultural e valorativa, são igualmente importantes. Evidentemente que as
formulações burguesas também buscam se colocar em outras dimensões além da
cognitiva, mas o faz permeadas pelo ranço do trabalho alienado, com o intuito de
submeter de forma cada vez mais intensa o trabalho ao capital. Por outro lado, as
formulações antagônicas se pautam num horizonte de universalidade humana.
Esta forma de conceber a relação da escola com a realidade social, ao contrário de dilatar o currículo escolar na lógica da particularidade
83
de cada problema que aparece criando novas matérias sem base disciplinar orgânica, e portanto uma forma arbitrária, coloca o desafio de se identificar os ‘núcleos unitários’ historicamente necessários dos campos de conhecimento que tratam a societas rerum e societas hominum e que, uma vez construídos e apropriados concretamente, permitem ao aluno, ele mesmo, analisar e interpretar as infindáveis questões e problemas que a realidade apresenta. (FRIGOTTO, 2001, p.74)
A formulação da escola unitária não legitima as polarizações. O que há nesta
elaboração é uma unidade dialética entre teoria e técnica. Nenhuma dessas duas,
em específico, pode definir o núcleo de conteúdos, nem os processos e métodos.
Mas enquanto a classe trabalhadora não tenha ascendido ao poder político, a
concretização plena da politecnia e da escola unitária será apenas uma
possibilidade na agenda das lutas sociais. Contudo, ela tem sido pauta importante
no momento para muitos pesquisadores. O ensino médio integrado, como um
elemento de construção desta caminhada, tem sido um norte orientador dos
pesquisadores e educadores que disputam a escola para elevar as condições
políticas e intelectuais da classe trabalhadora que a ela tem acesso. O fazem
enquanto uma estratégia de construção de uma nova sociedade.
O ensino médio integrado abrange a unificação da educação com a produção
material, portando consigo o germe da politecnia. Mesmo necessitando a politecnia
de uma revolução plena, ela é possível de ser iniciada dentro das contradições do
modo de produção capitalista. Essa luta defendida por intelectuais do campo de
trabalho e educação estaria dada no âmbito do Estado e na sua relação com a
sociedade civil, bem como nos movimentos sociais. Mas esta integração entre
educação e trabalho perpassa a tarefa que poderíamos apontar como sendo
especificamente da escola.
Para tanto, no caminho para a ‘travessia’ em direção à escola unitária, laica, politécnica, universal, pública e gratuita é necessário reclamar por ‘escolas técnicas (teóricas e práticas)’, com base no princípio educativo do trabalho, onde está o germe do ensino que poderá elevar a educação da classe operária bastante acima do nível das classes superior e média. Se essa tese é válida para a classe trabalhadora em geral, para o caso do Brasil, imerso no capitalismo neoliberal como quase todo o planeta e, além disso, estando na periferia desse sistema capital, ela tem mais vigor ainda. (LOMBARDI apud MOURA; FILHO; SILVA, 2012, p.21)
84
Nos debates sobre o ensino médio e a educação profissional, as
contribuições do campo de trabalho e educação buscam uma integração desses
dois compreendendo que o ensino médio não deve ser imediatamente
profissionalizante e sim promover uma formação sólida para o mundo do trabalho.
Assim, no contexto brasileiro, essa luta se coloca em contraposição ao dualismo
estrutural que tem caracterizado historicamente as políticas de educação.
O rompimento do dualismo característico da educação brasileira tem seu
lócus fora da escola. Não se resolve apenas com reformas no campo educacional.
Dessa forma, é uma tarefa com imbricações de ordem político econômica, de maior
amplitude do que a escola, que envolve mudanças estruturais na ordem social. Por
isso, é preciso atentar para
O risco no uso do conceito ‘dualidade educacional’, sem a identificação das particularidades históricas da totalidade do processo, conduz ao abandono da dialética, das mediações e contradições dos fenômenos sociais. O importante são as raízes sociais da questão, a questão estrutural das classes sociais que lhe dão sustentação e sua ideologização como educação desejável. (CIAVATTA; RAMOS, 2008, p.27)
O ensino médio integrado se coloca como minimizador da dualidade e parte
de um projeto maior de travessia. Se coloca no horizonte da escola unitária e
politécnica. Mas a educação formal, embora seja espaço de contradições, tem
pertencido ao metabolismo social do capital, contribuindo com os processos de
interiorização dominantes. Nesse sentido, a necessidade é se mover no plano das
contradições como forma de ruptura e superação do sistema vigente. Paralelamente,
surge a emergência de desenvolver processos educativos que afirmem valores,
conhecimentos e atitudes que contribuam com a emancipação da classe
trabalhadora. Assim, aparece no horizonte a revolução como processo
transformador-educador do homem e das circuntâncias, sendo a própria carente de
uma educação para ser realizada (SOUSA, 2010).
O processo revolucionário é um processo educativo porque pretende romper com toda a ordem vigente, as relações de produção, as correspondentes estruturas jurídicas e políticas, os valores, ideias, formas de consciência, moral e costumes dominantes, toda a interiorização reificada, enfim, e formar o homem para novas relações nas quais possa ele afirmar-se em liberdade plena. Trata-se da educação do homem mesmo ou, para dizer de outra forma, é a
85
reeducação do homem para que ele possa se reconstruir como tal, como ser não alienado/estranhado. (SOUSA, 2010, p.35)
Educação e revolução podem ser vistas como práticas a serem
compatibilizadas. É na junção delas que se torna possível trilhar uma outra
realidade, livre de mazelas sociais históricas que tem marcado nossas sociedades.
86
CAPÍTULO 3 – SOBRE A METODOLOGIA DO ESTUDO
A aparência com que certo fenômeno observado se apresenta significa
apenas a sinalização de um processo mais profundo, em que reside aquilo que
podemos denominar a essência desse mesmo fenômeno, o movimento mais
estrutural desse mesmo fenômeno, que é real e, de certa forma, independe da
subjetividade do investigador, existe em si. Seu sentido, no entanto, só vem à tona
no enfrentamento deste com o sujeito observador/pesquisador. Segundo Kosik
(1976) a “coisa em si”, ou seja, a estrutura da coisa não se manifesta imediata e
diretamente. É necessário um esforço para compreendê-la porque a percepção
imediata não capta a estrutura da coisa.
Romper os limites da aparência consiste em aprofundar-se no movimento
concreto real do fenômeno e, a partir de esforços sucessivos, o apreender, levando-
se em conta que essa apreensão não é absoluta. Dessa forma, podemos captar os
múltiplos determinantes que estão na estrutura desse movimento real e
conhecermos devidamente no que consiste aquilo que antes se apresentava apenas
em aparência. Essa aparência fenomênica e a essência das coisas não coincidem.
Se assim o fosse, segundo Kosik (1976) a ciência e a filosofia seriam inúteis.
No trato com o objeto ou fenômeno a ser estudado, o sujeito se relaciona com
o mesmo, de forma a enfrentá-lo dialeticamente, buscando romper a aparência dada
e extraindo do objeto o que ele pode nos informar, a exemplo das próprias
categorias teóricas. Dessa forma, a objetividade concreta que existe
independentemente do sujeito pesquisador é perpassada por um crivo subjetivo,
visto que a pesquisa consiste numa apreensão da realidade por um sujeito e,
consequentemente, a sua subjetividade se imbrica.
A dialética, do ponto de vista filosófico, enseja a dissolução de
dicotomias tais como qualitativo/qualitativo, macro/micro, interioridade/exterioridade com que se debatem as diversas correntes sociológicas. Com relação aos significados, ela os considera como parte integrante da totalidade, devendo ser compreendidos e interpretados tanto no nível das representações sociais como das determinações essenciais. Sob esse enfoque, não se entende a ação humana independentemente do significado que lhe é atribuído pelo autor, mas também não se identifica essa ação com a interpretação que o ator social lhe reserva. (MINAYO, 2010, p.25)
87
Marx nos lega, na verdade, um método de investigação que o mesmo utilizou
durante toda a sua vida para compreender o movimento concreto real da sociedade
civil burguesa. O método, então, figura como o próprio processo de desenvolvimento
das coisas, da totalidade concreta (MINAYO, 2010).
A totalidade concreta como concepção dialético-materialista do conhecimento do real significa, portanto, um processo indivisível, cujos momentos são: a destruição da pseudoconcreticidade, isto é, da fetichista e aparente objetividade do fenômeno, e o conhecimento da sua autêntica objetividade; em segundo lugar, conhecimento do caráter histórico do fenômeno, no qual se manifesta de modo característico a dialética do individual e do humano em geral; e enfim o conhecimento do conteúdo objetivo e do significado do fenômeno, da sua função objetiva e do lugar histórico que ela ocupa no seio do corpo social. (KOSIK, 1976, p.61)
Esse percurso de investigação nos é fundamental, em função de que nosso
objeto de estudo se apresenta dentro e em correlação aos marcos da sociabilidade
burguesa e suas leis históricas, em movimento dialético. Evidentemente, o
movimento real do capital vai adquirindo novos desígnios. Assim, o esforço dialético
deve ser orgânico no sentido de dar conta da compreensão mais precisa desses
elementos.
Pretendemos fazer um estudo com vistas à contribuição de uma discussão
fundamental para a importante tarefa histórica da construção de uma escola
comprometida com um projeto social transformador em relação ao sistema em que
vivemos. Assim, ao trilharmos essa forma de apreensão da realidade, torna-se mister
a compreensão da particularidade do nosso objeto em relação a uma totalidade
histórica maior, tal como o evidenciado na dialética marxista.
Toda a obra de Marx é coerente com o princípio básico de sua metodologia de investigação científica: tem a marca da totalidade. Por isso mesmo, uma das polêmicas sobre a contribuição de seu trabalho para as Ciências Sociais se deve ao fato da dificuldade de catalogá-la, pois ela é, ao mesmo tempo, Filosofia, História, Economia, Sociologia e Antropologia. É esse caráter de abrangência, que tenta, de uma perspectiva histórica, cercar o objeto de conhecimento por meio de compreensão de todas as mediações e correlações, constituindo a riqueza, a novidade e a propriedade da dialética marxista. (MINAYO, 2010, p.107)
88
Consiste uma etapa fundamental apreendermos o movimento geral do capital
para darmos conta dos elementos que contribuem nas determinações da política
educacional local, sobretudo na reforma do ensino médio protagonizada pelo
governo do estado de Pernambuco pelo atual Programa de Educação Integral.
3.1 Delimitação do campo da pesquisa
Ao considerarmos que o nosso estudo aborda o processo de reforma
implementada sobre o ensino médio da rede estadual de Pernambuco, através do
recorte no Programa de Educação Integral, o mesmo se encaminha na direção dos
estudos que leva em conta os efeitos da crise do capitalismo e suas repercussões
nas ações do Estado, sobretudo nas políticas sociais, pois as reformas aparecem
como tarefas fundamentais de uma agenda de adequação da educação dos
trabalhadores para um mundo em transformação no enfrentamento da crise.
As mudanças que se abatem sobre a educação não se restringem a
Pernambuco, nem ao Brasil. Mas acabamos por delimitar dentro do conjunto de
reformas, essa específica que está em curso no âmbito da rede estadual, incidindo
sobre o ensino médio – fase da educação básica de transição para o trabalho ou
para a educação superior -. Ademais, a especificidade da reforma aqui
materializada, apresenta um caráter de pioneirismo no país em termos de
formatação de proposta pedagógica para o ensino médio, daí o porquê de ela está
servindo como modelo de replicação em outras redes de ensino público Brasil afora,
como nos estados do Ceará, Piauí e mais recentemente São Paulo.
Considerando tais pressupostos, temos claro que os nexos e mediações
existentes entre a reforma em curso no ensino médio da rede estadual e os efeitos
mais abrangentes da recomposição da crise capitalista sobre o Estado e a
organização do trabalho são de fundamental importância na explicitação de nosso
objeto. Partimos, dessa forma, de uma contextualização mais ampla para situar a
reforma local na educação estadual.
3.2 Delimitação dos sujeitos
89
Os sujeitos de nossa pesquisa são formados pelas instâncias e seus
respectivos representantes relacionados com a gestão da educação na alçada do
Programa de Educação Integral de Pernambuco. Esses sujeitos são a Secretaria
Executiva de Educação Profissional, subdivisão da Secretaria de Educação de
Pernambuco que responde pelas escolas do Programa de Educação Integral e pelas
escolas técnicas da rede estadual, a equipe gestora de algumas escolas do
programa e seus respectivos documentos institucionais. Optamos por esses sujeitos
na esfera da gestão devido ao intento de compreender os fundamentos do projeto a
partir do grupo mais ligado com a formatação e coordenação geral do modelo.
Assim, não buscamos nem os docentes nem os alunos do Programa de Educação
Integral, pois não nos focamos na percepção desses sujeitos diante desse modelo
escolar.
3.3 Natureza e organização da pesquisa
O desenvolvimento do estudo englobou pesquisa bibliográfica, caracterizada
como aquela que se realiza a partir do registro de pesquisas anteriores (SEVERINO,
2007). Além disso, lançamos mão da pesquisa documental e da entrevista do tipo
semi-estruturada. Num primeiro momento foram selecionadas as fontes
bibliográficas que nos pudessem fornecer elementos teóricos para contextualizar a
crise do capital e suas repercussões políticas, econômicas, ideológicas e mesmo
pedagógicas. Passamos à exploração dessas fontes através da leitura desse
material, da elaboração e da análise de fichas sobre os mesmos.
Afim de apreender substâncias que possam ou não respaldar a nossa
hipótese, lançamos mão da pesquisa documental, num momento posterior ao
estabelecimento dos objetivos da pesquisa. Buscamos os documentos inscritos no
âmbito dessas instâncias, mediados pelos seguintes critérios: A importância do
documento na sistematização político pedagógica do Programa de Educação
Integral; o teor propositivo do documento, em termos da formação oferecida pelo
programa;
Através desses critérios orientadores chegamos até as leis, apostilas de
formação continuada, cartilha, regimento interno e projeto político pedagógico de
90
algumas escolas. Buscamos os documentos de duas escolas pelo critério de
consolidação no programa – uma delas – e de inserção recente no programa - a
outra -, como forma de ter uma amostra que leve em conta as pontas do processo.
No geral, esses documentos aglutinam os fundamentos e os nortes da reforma pela
qual o ensino médio na rede vem sendo perpassado. Assim, passamos a elaborar
fichas, sínteses e quadros analíticos desse material para uma análise mais
minuciosa.
Na Secretaria Executiva de Educação Profissional, foram selecionados dois
gestores que respondem pelo conjunto das escolas do Programa de Educação
Integral. O critério de escolha nesse caso foi a disponibilidade destes em nos
conceder uma entrevista. Um deles, com maior envolvimento na parte da gestão do
programa, especialmente na formação dos gestores das escolas. O outro, com
maior envolvimento nos aspectos pedagógicos do programa, com maior
relacionamento com a formação dos professores do programa. Aproveitamos, dessa
forma, como critério de entrevista na Secretaria de Educação, a própria divisão
interna deles. Estas entrevistas contribuem na elaboração de nossa dissertação à
medida que sempre vamos nos servir delas como elemento analisador das teses
vistas nos documentos. Ademais, por sua natureza, a entrevista permite tratar de
temas complexos que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente
através de questionários (ALVES-MAZZOTI; GEWANDZNAJDER, 2001).
Considerando os pressupostos da pesquisa, construímos um roteiro que
serviu de suporte para essas entrevistas. Entendendo, como Minayo (2010) que o
roteiro é um guia, nunca um obstáculo. O roteiro não deve, portanto, prever todas as
situações e condições de trabalho de campo. Deve facilitar a emergência de temas
novos. Eis os pontos desse roteiro:
- Envolvimento com a gestão mais ampla do Programa de Educação Integral;
-Conhecimento dos elementos políticos e pedagógicos que caracterizam o Programa
de Educação Integral;
-Condições de perceber a repercussão concreta da proposta do ensino médio
reformado através da ação educativa das escolas;
As entrevistas foram em número de 04 e permitiram levantar informações
sobre as características pedagógicas e de gestão encontradas nas escolas
reformadas e pertencentes ao programa.
91
3.4 Procedimento de análise
O esforço de coleta e análise dos dados, com o auxílio de referenciais
teóricos pertinentes, nos permitiu perceber as mediações político pedagógicas que
se estabelecem entre a reforma do ensino médio na rede estadual de Pernambuco,
ora levado a cabo pelo Programa de educação Integral, e o movimento mais geral
do capital, especialmente nos elementos mais específicos advindos do contexto de
sua crise.
A categoria básica de análise da sociedade é o modo de produção, no
pensamento marxista. Historicamente determinado, o modo de produção apresenta
como categoria mediadora das relações sociais o trabalho (MINAYO, 2010). Assim
sendo, transcorreu-se um procedimento de análise dos dados coletados tendo como
categoria de análise o modo de produção, a luta entre as classes fundamentais, as
relações sociais em conflito com o avanço das forças produtivas. Através dessas
categorias foi possível explicitar o movimento real do fenômeno estudado,
desvelando aquilo que não seria possível perceber num olhar imediato.
92
CAPÍTULO 4 – O PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DA REDE ESTADUAL
DE PERNAMBUCO: UMA SAÍDA DE ATENDIMENTO ÀS INJUNÇÕES DO
CAPITAL NA PAUTA EDUCACIONAL
Neste capítulo versaremos sobre as experiências precursoras do Programa
de Educação Integral: do protótipo, no qual se inspirou o programa, ao projeto piloto
desenvolvido na rede estadual. Em seguida, por ter essa parte um caráter mais
empírico, nos aproximaremos da materialização da reforma educacional através da
análise dos documentos e de entrevistas, sempre mediando esse movimento com a
construção teórica levantada nesse estudo.
4.1 – O modelo de escola charter: o protótipo do Programa de Educação
Integral
Visando uma determinada melhoria, em termos de eficiência, no ensino e na
gestão de escolas públicas, o modelo educacional chamado de escola charter
tornou-se recentemente um exemplo de inovação na materialização de reformas
educacionais através da formação de parcerias entre secretarias de educação,
empresas, lideranças e organizações da sociedade civil. A questão fundamental é a
busca pela implantação da parceria público privada como forma de atingir
“melhores” resultados nos serviços públicos. Em outros termos, a implantação de
uma racionalização típica da produção capitalista atual, ora transplantada para a
oferta dos serviços públicos.
Essas escolas, por estarem mais livres de regulações estatais, apresentam
maior autonomia para experimentar inovações advindas da lógica mercantil. Isso se
faz na intenção de alcançar metas e resultados estipulados a partir de padrões,
sobretudo, quantitativos. Padrões esses que são importados das tecnologias
empresariais.
Os Estados Unidos foram pioneiros no modelo de escola charter, com a
fundação da primeira escola em 1992, em Minesota. Foi nesse país onde essas
instituições se proliferaram com maior peso e, dezoito anos após, registrava-se o
93
número de 4.662 escolas, abarcando mais de 1 milhão de estudantes (DIAS, 2010).
Além do mais, esse modelo consistiu num fenômeno que também se replicou em
outros países como Austrália, Japão, França, etc.
Em cidades americanas como Chicago e Nova Iorque, o modelo de escola
charter foi um destaque nas reformas implementadas em suas redes públicas de
ensino. A partir do envolvimento de fundações e organizações do terceiro setor, a
gestão passou por mudanças em prol da suposta melhoria de resultados do ensino.
Foi algo então muito comum a criação de organizações para fazer a co-gestão
dessas escolas juntamente ao poder público.
Em Nova York, lideranças da Secretaria de Educação ajudaram na criação de uma organização sem fins lucrativos, financiada por fundações do setor privado, o ‘New York City for Charter School Excellence’, para ajudar na formação dessas escolas, além de atuar como proponente do modelo junto a pais, formadores de opinião e legisladores. (DIAS, 2010, p.13)
As especificidades da implementação dessas escolas charters em diversos
locais, em termos de legalidade, não nos impedem de visualizar traços comuns a
essas experiências. Elas são cogerenciadas por uma organização do setor privado
sem fins lucrativos, possuem mais autonomia no recrutamento e seleção de
gestores e professores que as demais escolas públicas e estimulam um perfil de
forte comprometimento com as atividades escolares por parte dos alunos. A questão
relacionada a auto responsabilização pela carreira do alunado que nos chama
atenção aqui é: não estariam os interesses transplantados da lógica mercadológica
por detrás dessa requisição de comprometimento integral dos alunos? O que nos
parece, de antemão, é que essas reformas na educação escolar não estão
descoladas de demandas originadas da lógica das mercadorias. Logo, o
comprometimento e auto responsabilização do alunado, como diferencial em relação
às escolas públicas comuns, traz embutido os fundamentos de um projeto de
formação, mais atualizado com as questões solicitadas pelo mercado globalizado do
nosso tempo.
A título de exemplificação, um modelo representativo das escolas charters é a
rede KIPP (Knowledge is Power Program), da cidade americana de Houston.
94
Quando se visita uma dessas escolas, não há como não observar a cultura estabelecida, muito diferente da escola pública regular. Se um visitante entra na sala de aula, os alunos sequer viram a cabeça, mantendo-se o tempo todo concentrados nas atividades. Ao caminhar de uma sala ambiente para outra, os alunos da KIPP andam em filas organizadas. Há uma lei de silêncio mesmo nos corredores, e somente alunos da oitava série ganham o privilégio de poder conversar entre si. Nas escolas KIPP de Nova York, os alunos são proibidos de usar bonés, maquiagem, unhas postiças, brincos muito grandes e vestir calças largas no estilo ‘hip hop’. Em uma área da escola, há uma parede com os nomes das universidades para as quais os alunos planejam entrar. Frases que simbolizam a cultura KIPP são encontradas por todas as partes: ‘Se há um problema, nós buscamos a solução’. ‘Se precisamos de ajuda, nós perguntamos.’ ‘Não há atalhos. E não é uma realidade só da KIPP. É uma realidade da vida.’ ‘Trabalhe duro. Seja gentil.’ (DIAS, 2010, p.15)
É importante atentarmos que está inserido nesse projeto escolar traços de um
esforço pedagógico e ideológico no sentido de influir na subjetividade dos alunos – a
maioria deles pertencentes às classes sociais mais exploradas. Essa influência se
trata de uma ideologia capitalista temperada à moda da produção toyotista. Não é
por acaso que, na rede de escolas KIPP, 81% dos alunos provém de famílias que
vivem abaixo da linha de pobreza naquele país. Desse total, 60% são negros e 35%
são hispânicos (DIAS, 2010). Não é, portanto, algo de se impressionar que a escola
continue com uma função importante de educar para a acomodação e aceitação das
relações sociais de produção capitalista, da forma que estas estão dadas hoje. Se
na época da industrialização, a escola, como vimos anteriormente, cumpria uma
mediação importante na consolidação do capitalismo industrial, hoje ela ainda é
igualmente relevante na consolidação do acordo entre as classes. Evidentemente, o
projeto político pedagógico prevalecente sofre sensível influência da hegemonia
econômica, política e ideológica do capital contemporâneo e suas consequentes
configurações.
Em casos como o vivenciado em Chicago, o modelo de escola charter chega
a permitir uma flexibilidade tal que qualquer pessoa que inove no campo educacional
pode se tornar um “fornecedor de serviços escolares”, recebendo incentivo do
governo para montar e ampliar uma rede de escolas charter de acordo com a sua
experiência piloto desenvolvida.
Uma das primeiras escolas charter da cidade, Perspective chartes, é um exemplo do tipo de autonomia com resultados descrito
95
por Guzman. Criada em 1997 por duas professoras da rede pública da cidade, essa escola charter se destaca pelos seus resultados com alunos do ensino médio. A escola foi convidada pelo prefeito de Chicago a fazer parte do Programa Renascença 2010 e a se tornar uma rede, abrindo três novas unidades e desenvolvendo um plano para mais sete escolas até 2014. (DIAS, 2012, p.19)
Segundo Dias (2012) dos 408 mil alunos da rede pública de Chicago por volta
de 2006, 20 mil eram atendidos pelas escolas de modelo charter. Com o programa
de expansão chamado Programa Renascença (Renaissance 2010), se tinha como
meta implantar cem novas escolas nesse modelo. Ao se espalhar nessas
dimensões, a escola charter se tornou não apenas uma inspiração, mas um modelo
real para que se replicasse esse tipo de escola até no Brasil. Foi o caso do projeto
piloto – o dos Centros de Ensino Experimental – que desembocou, mais tarde, no
Programa de Educação Integral da rede estadual de Pernambuco.
Através da iniciativa do empresariado, aliado às reformas ocorridas no
aparelho de Estado sob a égide das conformações políticas neoliberais,
Pernambuco saiu na frente no país no modelo de escola charter para o ensino
médio. O projeto viria a servir como base de um modelo educacional replicado em
outras redes Brasil afora.
4.2 Os Centros de Ensino Experimental: o projeto piloto do Programa de
Educação Integral
A atual Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano,
localizada na Rua da Aurora, em Recife, foi o marco inicial do projeto piloto que
resultaria posteriormente no Programa de Educação Integral de Pernambuco. Nessa
escola, reconhecida pela sua importância histórica, passaram alunos que se
tornaram referências nacionais nas artes e na política. Construída no século XIX, a
escola ostenta um prédio de bela fachada neoclássica e um pátio interno rodeado
por arcos.
Mas foi por volta do início dos anos 2000, quando a instituição encontrava-se
com uma estrutura física bastante deteriorada, apesar do tombamento histórico do
prédio, que o Ginásio Pernambucano passou a ser o palco pioneiro da reforma que
96
incidiu sobre o ensino médio da rede estadual. Não haveria vitrine melhor do que o
centenário educandário como um apoio na experimentação e divulgação de um
ensino médio público reformado. Foi então que através da Lei Estadual 12.965 de 26
de dezembro de 2005, criou-se mais 13 Centros de Ensino Experimental, dando a
largada da expansão.
Os Centros de Ensino Experimental foram implantados para iniciar a
reestruturação do ensino médio na rede estadual. O modelo de escola charter foi em
que se basearam os sujeitos idealizadores dessa empreitada. Iniciado em 2004 com
o Ginásio Pernambucano, o projeto dos centros anunciava em seu discurso um
processo reativo à crise de qualidade da escola pública. Crise esta tida como um
grande problema ou gargalo no desenvolvimento do país, tal como postulava a
renovada Teoria do Capital Humano. Particularmente, o próprio Ginásio
Pernambucano estava em uma decadência visível em sua estrutura física, e o
ensino público ali, como em qualquer outra escola da rede estadual de Pernambuco,
apresentava muitos problemas. Tinha-se, portanto, um contexto e um pretexto
favorável a uma reforma. Nesse caso, uma reforma pró-capital empreitada pelos
empresários e pelo Governo de Pernambuco disfarçada sob o manto de ser uma
nova escola pública eficiente, de resultados quantitativos precisos.
O modelo protagonizado pelo Ginásio Pernambucano adotou uma gestão e
uma proposta pedagógica que se diferenciava das demais escolas regulares da rede
estadual. Figurava, assim, como uma novidade no campo educacional local. E foi
nesse ínterim de reformas, que foi criado um parceiro institucional para dividir a
função de gestão com o próprio Estado. Apareceu, dessa forma, tal como o New
York City for Charter School Excellence da experiência americana, o ICE – Instituto
de Co-Responsabilidade pela Educação – uma organização sem fins lucrativos e de
direito privado que articulava a participação do setor privado na gestão dos Centros
Experimentais. O ICE propôs uma filosofia de trabalho diferente do que havia então
nas escolas da rede estadual, bem como uma nova proposta pedagógica e gerencial
para a escola (MAGALHÃES, 2008). Constatava-se, assim, que a reforma não era
apenas física como ocorreu com o próprio Ginásio Pernambucano, mas a mesma se
inseria profundamente nos fundamentos pedagógicos e da gestão educacional.
Para firmar essa parceria entre o empresariado e o poder público em regime
de colaboração e co-responsabilidade, foi criado, pela Lei Estadual 12.588 de 21 de
maio de 2004 o PROCENTRO – Programa de Desenvolvimento dos Centros de
97
Ensino Experimental – na estrutura da Secretaria de Educação da rede estadual. A
função estratégica do PROCENTRO era assessorar nas condições necessárias para
a ampliação do número de escolas no modelo do CEEGP (Centro de Ensino
Experimental Ginásio Pernambucano).
O PROCENTRO é fruto de uma constatação: a de que o Poder Público, por si só, não possui condições de implementar uma escola pública de qualidade para o ensino médio. Essa constatação, que se reflete no abandono do antigo Ginásio Pernambucano, revela-se nas dificuldades financeiras para o financiamento do ensino médio; nos entraves institucionais que dificultam uma gestão eficiente; nas ineficiências observáveis nas taxas de abandono, evasão e repetência neste nível de ensino. (MAGALHÃES, 2008, p. 27)
O PROCENTRO ainda abarcava a função de identificar e promover o pessoal
necessário para liderar o programa, ocupando os cargos de gestão. Era uma
estratégia similar ao das organizações sob a hegemônica influência toyotista:
seletividade intencional para cargos de chefia como forma de amenizar os conflitos e
fortalecer o controle sobre os demais trabalhadores. Era preciso um exército de
primeira linha na execução do projeto de forte corte ideológico. Era necessário um
pelotão de frente que “vestisse a camisa” com mais afinco.
A experiência do Procentro nos mostra a importância de encontrar gestores no setor público com talento e energia para liderar a implantação de uma proposta que crie novos padrões de colaboração entre setor público e privado no Brasil. Essa não é uma tarefa fácil. Recursos financeiros não são suficientes. O elemento-chave para inovação está na qualidade do capital humano e nas leis e estruturas organizacionais que regem o funcionamento das redes públicas. Profissionais com perfil de liderança ficam muitas vezes escondidos, subutilizados, seja na escola, no órgão central ou regional, pois, na rede pública, em geral, são escassos os sistemas internos de identificação e desenvolvimento de profissionais qualificados que possam assumir posições de gestão e inovação. (DIAS, 2010, p.25)
A partir da já citada premissa de que a escola pública estava em crise -
especialmente a pauperizada situação do ensino médio – e que o atraso em
desenvolvimento do país e da região se devia a falta de investimentos educacionais,
foi firmado um termo de cooperação técnica entre o poder público e o setor privado
com a devida mediação da Secretaria de Educação do estado de Pernambuco e do
98
ICE. Esse termo se colocava na busca da implantação de uma rede de escolas
públicas de ensino médio que fosse referência em inovação na gestão e no modelo
pedagógico. Além disso, procurava envolver empresas e empreendedores sociais no
projeto para, juntamente ao poder público, fortalecer a ideia. Estava lançada a
semente do futuro Programa de Educação Integral, caracterizado por uma
aproximação mais efetiva dos processos educacionais formais na rede estadual às
requisições do capital na atualidade para o campo da formação da força de trabalho.
Antes de chegarmos propriamente ao programa em foco, faz-se necessário
aprofundarmo-nos nos aspectos pedagógicos e de gestão do projeto piloto – o dos
Centros Experimentais – para apreendermos com mais precisão em que parâmetros
estão dispostos os fundamentos, diretrizes pedagógicas e as mediações que as
dezenas de escolas inseridas no Programa de Educação Integral efetuam hoje na
reforma em curso.
4.2.1 A proposta pedagógica dos Centros de Ensino Experimental
Com a implantação do primeiro Centro de Ensino Experimental,
estabeleceram-se também algumas mudanças no campo pedagógico. Por uma
questão de diferenciação em relação as demais escolas da rede e apresentação de
resultados que validassem essa experiência piloto, era necessário inovar em
diversos aspectos e divulgar os resultados obtidos. Foi aí que Antônio Carlos Gomes
da Costa e Bruno Silveira trouxeram a formulação da proposta pedagógica,
denominada de Educação Interdimensional, com foco no Protagonismo Juvenil e na
Pedagogia da Presença (LIMA,2009). Na ocasião, os formuladores supracitados
faziam parte, respectivamente, da consultoria Modus Faciendi – que prestava
serviços a várias instituições do Terceiro Setor, a exemplo do Instituto Ayrton Sena –
e da Fundação Odebrecht.
O Protagonismo Juvenil foi um ponto central nessa proposta de inovação
educacional. Se propunha a formação de um jovem que aprendesse a exercer
efetivamente a sua cidadania através de vivências tanto na escola quanto na
comunidade. Isso implicava numa educação que apostasse no desenvolvimento da
capacidade do jovem de identificar situações cotidianas importantes e, a partir do
99
discernimento dos elementos que a compõe, posicionar-se de modo protagonista.
Seria uma forma de orientá-lo para o exercício da autonomia cidadã.
Outro elemento do Protagonismo Juvenil era que o jovem conseguisse prever
os resultados de suas ações e comportamentos. Para isso era requerido que o
jovem tivesse uma compreensão mínima de si próprio e um entendimento da
diversidade social que o circundava. Como complementaridade da proposta do
Protagonismo Juvenil, elaborou-se a Educação para Valores que se pautava no
aprimoramento do jovem como pessoa humana. Aí, fomentava-se o jovem como
uma potencial fonte de iniciativas, predisposto à ação e compromissado com as
suas responsabilidades. O Protagonismo Juvenil se desdobrava assim num
protagonismo estudantil. Era preciso que o estudante se apropriasse dos
conhecimentos sistematizados pelo currículo, fundamentalmente da competência da
leitura, escrita, da matemática e do raciocínio lógico (MAGALHÃES, 2008). Não é
preciso lançar mão de muita minúcia para perceber as aproximações entre essa
proposta educacional dos Centros Experimentais e as formulações pedagógicas
trazidas pelo Relatório Jacques Delors da UNESCO. Prever situações problemas,
posicionar-se diante delas e adquirir determinadas competências são os pilares
sobre os quais a educação para a acomodação às exigências do capital se
caracterizam na atualidade.
Outra elaboração inserida no projeto se tratava da denominada Cultura da
Trabalhabilidade. Esta visava o fomento ao jovem para este inserir-se no novo
mundo do trabalho através do desenvolvimento de habilidades específicas em
consonância com essa demanda. Lavava-se em conta o suposto de que as
inovações tecnológicas pediam um profissional autoconfiante, disposto a assumir
riscos e facilmente adaptável às mudanças constantes. Era requisitado, como forma
de operacionalizar tudo isso, que o jovem elaborasse seu Projeto de Vida, Plano de
Carreira e Programa de Ação para alcançar suas metas profissionais e acadêmicas.
Na execução desse planejamento se criaram as etapas a serem seguidas pelos
alunos: aprender a definir metas para sua vida de forma clara e objetiva, fazer um
diagnóstico pessoal identificando suas habilidades e qualidades, identificar e
analisar os obstáculos, dificuldades pessoais e oportunidades e, finalmente,
escrever seu plano de carreira, definindo o que e como conquistar ao longo dos
anos posteriores (LIMA, 2009).
100
O Empreendedorismo e o Associativismo Juvenil, também incluídos na
proposta, pautavam-se no incentivo aos jovens de aprender a desenvolver formas
de auto-organização e co-gestão para fins diversos: sociais, esportivas, etc.
Apareceram iniciativas como a Junior Achiviement, que era uma empresa junior para
promover entre os estudantes os elementos necessários para desenvolver o espírito
empreendedor e entender a importância das empresas nas atividades das
comunidades. A certificação profissional também estava contida na proposta
pedagógica para que os jovens desenvolvessem competências para continuar seus
aprendizados e para o mundo do trabalho (MAGALHÃES, 2008). .
Ainda tinha a presença de formulações específicas como as Práticas e
Vivências que se propunham a desenvolver competências e valores nos jovens no
tocante aos relacionamentos interpessoais. O jovem precisava aprender a integrar
seu projeto individual ao projeto da sociedade em que ele estava inserido. A
Presença Educativa materializada na educação integral caracterizava-se na
presença de professores e alunos em horário integral. Dava-se ênfase ao projeto de
vida de cada aluno bem como ao empreendedorismo. A justificativa para o horário
integral (7h30 às 17h) era a possibilidade de permitir a participação efetiva dos
professores, alunos e da comunidade. A integralidade da ação educativa deveria
levar em conta as diversas dimensões do ser humano como a afetiva, social,
cultural, emocional, etc, Essa integralidade tem, assim, correlação clara com a
fundamentação da proposta do relatório Jacques Delors: aprender a ser, aprender a
conviver, aprender a fazer e aprender a aprender.
Após um ano com uma proposta pedagógica que focava no ensino de
projetos em torno de centros de interesses e em materiais desenvolvidos pelos
professores, percebeu-se que era necessário atentar para ajustes cujo foco fosse o
vestibular, com apoio de livros didáticos e predominância de aulas expositivas. Isso
ocorreu devido ao fato do resultado no vestibular dos primeiros egressos não terem
sido satisfatórios, pois esse teste de admissão na universidade privilegiava a
aferição de conteúdos obtidos no ensino médio. Dessa forma, mesmo continuando
com as atividades interdisciplinares, a proposta pedagógica sofreu uma
reorganização.
Um outro desafio encontrado foi a adaptação da proposta pedagógica inicial. Idealizada por consultores externos, precisou ser
101
adaptada à realidade dos alunos matriculados: o desenho curricular proposto contemplava muitos projetos interdisciplinares e oficinas extracurriculares, sem levar em conta o real déficit de aprendizado dos alunos da rede pública ao ingressarem no primeiro ano do ensino médio. Outro ponto de tensão foi o preparo para o vestibular. A proposta não estava direcionada para esse objetivo, mas os alunos, ao ingressarem, tinham essa expectativa. Os idealizadores do programa não imaginavam que os próprios alunos dos Centros chegariam demandando mais conteúdo, sonhando em ter uma educação, como muitos resumem, “igual a de escola particular”. (DIAS, 2010, p.26)
Os Centros Experimentais passaram então a se organizar em torno desses
três eixos: educação acadêmica de qualidade, preparação para a vida e educação
profissionalizante. Esperava-se, portanto, que o jovem desenvolvesse competências
e habilidades durante o ensino médio, necessárias para sua inserção e permanência
no mercado, bem como desenvolver seu espírito empreendedor, protagonista na
comunidade e na sociedade como um todo. (MAGALHÃES, 2008)
4.2.2 A gestão nos Centros de Ensino Experimental
Os Centros Experimentais trouxeram também um novo desenho de gestão. A
partir da adaptação de um modelo de gerenciamento de perspectiva empresarial, os
Centros Experimentais foram uma espécie de laboratório para uma posterior
ampliação. Tratava-se do modelo de gestão PDCA – Plan, Do,Check, Act (Planejar,
fazer, avaliar, agir). Esse modelo anunciava uma gestão mais eficiente para a
escola.
O papel do empresariado, portanto, dentro da ética da co-responsabilidade, vai muito além de apenas contribuir financeiramente. É, na realidade, um agente da transformação, desafiando paradigmas e trazendo para o setor público mais eficiência na gestão dos processos. (MAGALHÃES, 2008, p.21)
Percebemos que a ideia de trazer eficiência para o setor público é
impulsionada na necessidade originada nos interesses capitalistas de maior
racionalização dos processos visando uma produtividade técnica mais expressiva.
102
A filosofia de gestão em pauta se baseava numa tecnologia de gestão
desenvolvida pelo grupo Odebrecht, participante no conglomerado de empresas que
formularam o projeto de reforma para e escola média. Se tratava da TEO
(Tecnologia Empresarial Odebrecht).
A TEO é definida como a arte de coordenar e integrar tecnologias específicas e educar pessoas. Entenda-se como tecnologias específicas, os diferentes saberes, as diversas áreas do conhecimento. Em se tratando da escola, as diversas disciplinas e atividades de apoio. Seus princípios fundamentais tem como foco os elementos: ser humano, comunicação, sinergia, criatividade, parceria, produtividade, educação pelo trabalho e reinvestimento. Enquanto descentralização, delegação planejada, tarefa empresarial, resultados e responsabilidade social da empresa, constituem o elenco dos conceitos essenciais. Várias instituições do terceiro setor se espelham nesta tecnologia, entre elas os Projetos Sociais apoiados pela Fundação Odebrecht, o Hospital Irmã Dulce e o Instituto Aliança. (LIMA, 2009, p.23)
Para servir ao projeto dos Centros de Ensino Experimental, foram feitas
algumas adaptações. Para isso foi justificado que a TEO estava mais para uma
“tomada de consciência” do que para um manual de técnicas. Na adaptação da TEO
para o PROCENTRO, um novo nome foi dado: Tese (Tecnologia Empresarial
Socioeducacional)
A Tese é versátil. Trata-se de um instrumento de gestão eficaz à medida que o ciclo de planejamento é simples e a projeção dos resultados esperados e respectivos indicadores geram relatórios inteligentes, permitindo o acompanhamento por todos os parceiros internos e externos. A Tese, também, constitui um excelente instrumento para desenvolver o protagonismo, sobretudo pela ênfase em princípios e valores, a visão correta de uma empresa e o papel educativo do empresário. (MAGALHÃES, 2008, p.30)
A premissa era que ao fazer uso da Tese, os gestores, professores e alunos
estariam com um alinhamento pedagógico-organizacional que permitiria um bom
planejamento tanto no Projeto de Vida como no Plano de Ação da escola. Os
resultados poderiam ser percebidos, a posteriori, nas próprias posturas e ações dos
sujeitos do Centro Experimental. Ou seja, estava em jogo um grande projeto
educacional de transformação das atitudes e posturas dos sujeitos abarcados por
ele, desde o aluno até o gestor. Seria uma espécie de comunidade educativa,
103
densamente antenada entre si, como se numa equipe disposta a vencer num jogo
competitivo de mercado.
Um Conselho Gestor também foi pensado para auxiliar na gestão dos Centros
Experimentais. Formado por um grupo de 09 a 15 pessoas, esse conselho era
formado por membros indicados pela Secretaria de Educação em parceria com o
ICE e tinha que ter necessariamente um representante do PROCENTRO e do ICE.
Esse conselho podia sugerir modificações no Plano de Ação da escola e
acompanhar os resultados.
No tocante ao trabalho docente, o que se verificou foi o estabelecimento de
uma gestão de maior cobrança de resultados quantificáveis. A partir da instalação de
uma política de premiação, o controle dos resultados do trabalho docente se tornaria
mais mensurável. Tal como indicado no Relatório Jacques Delors, os Centros
Experimentais trataram de materializar os nortes a proposta.
A inspeção deve não só controlar o desempenho dos professores, mas também manter com eles um diálogo sobre a evolução dos saberes, sobre os métodos e sobre as fontes de informação. Convém refletir quanto aos meios de identificar e de recompensar os bons professores. (DELORS, 2012, p.129)
A gestão apresentava-se assim, diferentemente das demais escolas da rede
estadual na ocasião, com uma inserção maior por parte da iniciativa privada. Em
relação às reformas neoliberais experimentadas na ação do Estado na década de
1990, que permitia uma maior flexibilização na oferta das políticas sociais, abrindo
espaço para a inserção da lógica privada num campo que era primordialmente da
ação estatal, o que se via no caso dos Centros Experimentais era a concretização
desse movimento.
4.3 O Programa de Educação Integral
Em 2008, a proposta dos Centros de Ensino Experimental passou por uma
ampliação e se tornou uma política pública de expressão significativa na rede
estadual. A partir da Lei Complementar nº 125, de 10 de julho de 2008, foi criado o
104
Programa de Educação Integral que multiplicou o projeto piloto para um número
maior de escolas. Essa alteração, todavia, era algo que já vinha se desenhando, na
medida em que cada vez mais o Estado arcava com a maior parte dos custos
dessas escolas.
Até 2005, com exceção do salário-base dos professores, coberto pela rede estadual, todos os outros itens eram custeados pelo ICE e parceiros. Mas na medida em que o programa se expandiu, houve reversão significativa da participação do setor privado nos custos. Em 2006, quando o número de Centros subiu de dois para 13, o ICE assumia apenas o investimento inicial e, em 2007, a rede já contava com 20 Centros e 10 mil alunos, a um custo total de 56 milhões de reais, 95% dos quais cobertos pelo Estado. (DIAS, 2010, p.31)
Constata-se, portanto, que se tratava de um argumento falacioso utilizado por
parte do empresariado, de que o Poder Público era ineficiente na gestão e tinha
sérias dificuldades financeiras no financiamento do ensino médio. O que ocorreu,
passado alguns anos, foi um abandono da iniciativa privada no financiamento do
projeto por ela encabeçado. O considerável aporte financeiro desse setor ocorreu
apenas numa fase inicial, a do projeto piloto. Daí, podemos levantar a questão de
que a fase “dourada” de financiamento mais robusto da iniciativa privada, não
passava de uma estratégia provisória de disseminação de uma escola reformada,
posteriormente levada a cabo pela ação estatal. O Estado, perpassado pelas
transformações de influência neoliberal ao longo dos últimos anos, deu consecução
aos projetos que atendiam aos anseios do desenvolvimentismo capitalista. Ou seja,
o projeto pode ser localizado sob a égide das ações políticas do capital no que tange
a seu processo mais específico das políticas educacionais.
Em 2013, o conjunto das Escolas de Referência em Ensino Médio que
constitui o Programa de Educação Integral da rede de ensino estadual de
Pernambuco já conta com o número de 260 escolas. Destas, 122 funcionando em
horário integral de segunda à sexta-feira, das 7h30 às 17h, e outras 138 em horário
semi-integral, ou seja, funcionando em horário completo três dos cinco dias de
aulas. O número de 110 mil estudantes é atendido nestas escolas, representando
uma porcentagem no entorno de 10% do total de alunos da rede estadual como um
todo. Dessa forma, a perspectiva é de continuidade da ampliação do modelo
(SEDUC, 2013).
105
Ao observarmos a lei Complementar nº 125, de 10 de julho de 2008, que criou
o programa, destacamos os seguintes pontos importantes do artigo 2º que trata das
finalidades do mesmo:
I – Executar a Política Estadual do Ensino Médio, em consonância com as diretrizes das políticas educacionais fixadas pela secretaria de educação; II – Sistematizar e difundir inovações pedagógicas; [...] VI – Consolidar o modelo de gestão para resultados nas Escolas de Referência em Ensino Médio do Estado, com o aprimoramento dos instrumentos gerenciais de planejamento, acompanhamento e avaliação; [...] VIII – Viabilizar parcerias com instituições de ensino e pesquisa, entidades públicas ou privadas que visem a colaborar com a expansão do Programa de Educação Integral no âmbito estadual;
Uma vez atendidas as demandas obrigatórias da legislação educacional,
percebemos claramente que o programa ainda se projeta como uma tendência na
rede estadual. O número de escolas cresce a cada ano. Evidentemente, esse
processo ocorre inserindo-se a escola na totalidade da proposta do Programa de
Educação Integral, herdada do projeto piloto. É importante salientar que a ampliação
dessas escolas na rede vem acompanhada de uma diminuição do número de turmas
do ensino fundamental. Isso pode ser evidenciado na fala do entrevistado 3, que se
trata de uma gestora no âmbito da Secretaria de Educação.
A proposta do governo é ir mais adiante. Primeiro tem que reorganizar, ou seja, reordenar a rede do estado porque apenas o ensino médio é competência nossa. Então é assim... a partir do momento em que os municípios dessem conta de seu fundamental, da creche ao nono ano, cada um tomando conta do que é seu e dando conta dele, aí sim, seria maravilhoso. Teríamos só o ensino médio na rede e com qualidade. Poderíamos focar somente no ensino médio e implementar essa proposta para o total das escolas. Mas certamente esse panorama que nós almejamos irá se concretizar, pois o Governo está realmente empenhado na multiplicação dessa escola.
106
Está acontecendo, por ora, uma reestruturação que abarca a rede como um
todo, e não apenas as escolas do Programa de Educação Integral. Mas a tendência
verificada é o movimento de privilegiar apenas a oferta do Ensino Médio. Sendo
assim, a rede estadual poderá, futuramente, ser exclusivamente de escolas de
ensino médio, inseridas na proposta que hoje é das escolas do Programa de
Educação Integral.
Com relação à abertura às inovações pedagógicas previstas na lei que criou o
programa, esta vem a garantir a experimentação e incorporação das mesmas. O
aparato legal, dessa forma, abre espaço para uma maior inserção de inovações
pedagógicas advindas das tecnologias empresariais, adaptadas para a educação
escolar. Isso é o que tem ocorrido já no projeto piloto, e que se coloca como uma
forte tendência a continuar. Não é por acaso que a palavra inovação aparece no
mundo da educação escolar. A exemplo do que ocorre com a inserção de ciência e
tecnologia na produção capitalista, como um fator de criação de valor importante, a
inovação pedagógica atenderá com maior eficiência ao papel que é delegado às
instituições de formação. Ou seja, na perspectiva das diretrizes postas desde a
retomada da Teoria do Capital Humano, educação e inovação educacional são
fatores importantes no aumento de competitividade de um país.
O modelo de gestão de resultados coloca a escola e seus processos sob a
égide da aferição técnico-quantitativa típica das organizações privadas. Os fins da
instituição escolar acabam, por assim dizer, sendo direcionados ao alcance
numérico de patamares que a coloquem numa situação de destaque em relação a
outras escolas. Eis o porquê das escolas apontarem em seus planos de ações
anual, no tópico intitulado “missão”, a excelência como foco. Esse processo,
evidentemente, é regado dentro da instituição a muita intensificação do trabalho e
cobrança aos profissionais da educação. Segundo o próprio entrevistado 3
Até a postura do professor muda. Primeiro porque é uma opção dele estar no programa. E aí ele sabe que aqui, ao vir para aqui, ele tem um compromisso de maior responsabilidade com os resultados. Ele vai ser cobrado por isso. Isso acontece porque o nosso plano de gestão possibilita um maior acompanhamento da atividade docente. Se ele se adaptar, tudo bem. Se não, o gestor tem o direito de devolver esse professor para a rede regular. Ou seja, esse indivíduo não dá certo no Programa Integral.
107
Não queremos fazer entender que não há intenso esforço docente dentro das
escolas da rede estadual que não fazem parte do Programa de Educação Integral,
mas nas escolas que pertencem ao programa, os profissionais são ainda mais
monitorados para a consecução das metas estabelecidas. Aí ainda há o fantasma do
medo de ser devolvido às escolas de turno regular e perder a gratificação salarial de
localização por fazer parte do programa. O foco principal, e em torno do qual se
colocam as relações pedagógicas dentro da escola, acaba sendo, assim, os
resultados e as metas a serem obtidos. Promoção e punição figuram como
elementos que regulam o andamento do processo educacional, tal como regulam na
organização privada as relações de trabalho.
As parcerias das quais a lei que criou o programa trata, atendem,
sobremaneira, a inserção das empresas privadas nas escolas, como esclarece o
entrevistado 1.
Há a cooperação das empresas em projetos específicos com grande parte das escolas. Mesmo o ICE tendo saído de cena, essa parceria continua na oferta, por exemplo, de cursos complementares que são dados dentro do horário. Vai desde cursinhos de língua, com parceria com a ABBA, por exemplo, até cursos de formação para o mercado de trabalho em parceria com a WALMART.
Na passagem dos Centros Experimentais para o Programa de Educação
Integral, é importante citarmos que, diferentemente de diversas experiências de
escolas charters, sobretudo algumas norte-americanas, ocorreu um movimento de
“estatização” na experiência pernambucana. Ou seja, o projeto piloto dos Centros
Experimentais permitia uma parceria na gestão direta das escolas, na qual o instituto
de direito privado – o ICE – podia participar com muito mais peso, inclusive nos
conselhos deliberativos. O governo do estado, assim, diminuiu consideravelmente o
peso do ICE e tomou para a sua estrutura – a Secretaria de Educação – a quase
totalidade das rédeas do programa.
É importante demarcar esse ponto porque o avanço desse tipo de parceria
poderia cogitar à inserção futura de OS’s (Organizações Sociais de direito privado)
no campo da educação estadual. Seria algo semelhante ao que ocorre hoje no setor
de saúde do próprio estado de Pernambuco onde fundações de direito privado
gerenciam recursos públicos para prover serviços fundamentais de saúde à
108
população através da construção de novos hospitais. E não seria por falta de
condições legais que essa tendência poderia se concretizar, pois,
[...] a legislação brasileira permite esse tipo de gestão compartilhada há mais de uma década. As Organizações Sociais (OS), entidades do direito privado, foram legalmente reconhecidas a partir da Lei 9.637, aprovada em 1998. A principal inovação foi a admissão de que as OS’s, desde que legalmente constituídas, podem firmar convênios para exercer atividades típicas do Estado, recebendo para isso repasse de recursos públicos em forma de valores orçamentários, material, bens imóveis e pessoal. (DIAS, 2010, p.21)
Mas há um entrave que causa uma insegurança jurídica na implantação de
projetos da iniciativa privada na educação pública. É que a Lei Nº 9.394, de 1996
(LDB), no Art. 77, faz uma restrição no recebimento de recursos públicos por parte
de instituições educacionais. Apenas escolas comunitárias, confessionais e
filantrópicas podem receber esses recursos em forma de bolsas de estudo.
Mesmo assim, era latente o desejo de concretizar a ação das OS’s na rede
pública estadual, como atesta o desejo dos criadores do programa, ainda na fase
dos Centros Experimentais.
O governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, aprovou a replicação do modelo educacional para esses colégios, que serão Organizações Sociais vinculadas à Secretaria de Educação do Estado e ao Instituto de Co-responsabilidade pela Educação, mais independentes, com regime próprio para gerir os recursos provenientes do Governo Estadual, da iniciativa privada e da comunidade. (ODEBRECHT,2005)
Na medida em que o governo Eduardo Campos, do estado de Pernambuco,
concentrou nas mãos da Secretaria de Educação os rumos da replicação do projeto
piloto, o ICE passou a atuar apenas como captador de parcerias externas e de
projetos complementares, diminuindo seu peso na gestão dessas escolas.
Entretanto, o projeto piloto deixou sua marca nos fundamentos do projeto político
pedagógico das escolas do programa, que continuaram com uma formatação geral
de escola reformada para adequar-se mais eficientemente a formação requisitada
pelos anseios do capital na contemporaneidade.
Um dado importante sobre a natureza da ação estatal que nos chama
atenção é que, segundo Neves (2005), na esteira de ações de contratendência à
109
queda tendencial da taxa global de lucros, o Estado é quem se encarrega da
reprodução da força de trabalho ampliada. Isso significa que, através de sua ação no
ensino, na formação profissional, na pesquisa científica, nas inovações tecnológicas,
etc, ele acaba por propiciar altas taxas de mais-valia e de exploração.
4.3.1 A proposta pedagógica do Programa de Educação Integral: a continuação
da educação interdimensional
Em termos de fundamentos teórico-pedagógicos, que consiste na “alma” do
projeto da escola reformada nessa reestruturação do ensino médio pernambucano,
a transformação dos Centros Experimentais para o Programa de Educação Integral
não representou mudanças significativas. Esses fundamentos continuam inseridos
no projeto político pedagógico das escolas do programa e são vivenciados, seja nas
capacitações docentes, nos seus regimentos internos e nos planos de ação.
Basta darmos uma olhada na fundamentação teórica do Projeto Político
Pedagógico de uma das escolas que tomamos para análise para percebermos a
continuidade dos mesmos fundamentos dos Centros Experimentais:
O Projeto Político Pedagógico elaborado pela comunidade escolar está baseado nos princípios da co-responsabilidade entre todos que fazem parte da formação dos jovens educandos. Propõe atuar como fonte inovadora em conteúdos, métodos e gestão, bem como estimular o desenvolvimento de estratégias educacionais voltadas para a questão do Protagonismo Juvenil. (ESCOLA DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO PORTO DIGITAL, 2011)
O desenho pedagógico do programa, elaborado ainda na vigência dos
Centros Experimentais, foi fruto de uma consultoria privada e não de um amplo e
profundo debate entre professores, gestores, sindicato, alunos e pais de alunos das
escolas da rede. Ao encomendar um “pacote pedagógico” à consultoria educacional,
o governo delegava a função de executar aspectos da política educacional do ensino
médio à iniciativa privada, representada naquele momento pelo ICE. Basta darmos
uma olhada na Missão, descrita no Plano de Ação de umas das escolas, para
percebermos a absorção das elaborações típicas das organizações privadas.
110
A Escola de Referência em Ensino Médio Diário de Pernambuco busca ser um modelo de excelência na formação de cidadãos empreendedores focados no desenvolvimento de suas capacidades de criação, autonomia, responsabilidades individual e coletiva (ESCOLA DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2012).
O “modelo de excelência” substitui o que poderia ser “uma escola pública de
qualidade”, o empreendedorismo, a criatividade, a autonomia e a responsabilidade
podem ser enquadradas numa compreensão nos termos dos valores vigentes nas
organizações privadas na atualidade. O formato desse modelo político pedagógico,
que tem permeado todas as escolas do programa, veio trazer uma elaboração muito
mais aproximada com os elementos da denominada Sociedade do Conhecimento,
da qual já falamos.
O que ocorreu na passagem para o Programa de Educação Integral foi a
permanência da proposta político pedagógica organizada para os Centros
Experimentais, pela consultoria Modus Faciendi, presidida então por Antônio Carlos
Gomes da Costa. No momento, seu irmão, proprietário de outra instituição de
consultoria educacional privada, chamada Pacthus, é o responsável pelo apoio no
desenho pedagógico ao programa, como afirma o entrevistado 2:
Todos participam aqui de uma formação do professor Alfredo. Ele agora é o nosso consultor, já que seu irmão morreu. Agora a nossa parceria é com a Pacthus. Na verdade, o material praticamente não difere do material que era do professor Antônio Carlos. A Pacthus do professor Alfredo inclusive já elaborou uma cartilha que usamos na formação de todo professor e professora que adere ao Programa de educação Integral. Além disso, o livro da professora Ivaneide, que usamos na formação dos gestores, também apresenta muita contribuição do professor Antônio Carlos inserido nele.
A proposta pedagógica no Programa de Educação Integral se destrincha em
torno da Abordagem Educativa Interdimensional que leva em conta a Pedagogia da
Presença e a Cultura da Trabalhidade, tal como era no projeto piloto. Daí o nome
“integral” do programa se dá por uma suposta completude da formação do sujeito.
Nesses termos, o “integral” do programa contém relação direta com a formulação do
Relatório Jacques Delors.
A escola adotará a concepção pedagógica de educação interdisciplinar e suas tecnologias, que estruturará ações sociais,
111
educativas e tecnológicas voltadas para promover o desenvolvimento integral do educando, abrangendo: o aprender a ser, o aprender a conviver, o aprender a conhecer e o aprender a fazer (ESCOLA DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO PORTO DIGITAL, 2007).
Quanto à Cultura da Trabalhidade, se procura desenvolver as condições de
que o aluno ingresse, permaneça e suba no mercado de trabalho. Os quatros pilares
do Relatório Jacques Delors é desdobrado em quatro competências elaboradas pela
consultoria. O “aprender a ser” é desdobrado na “competência pessoal”, é a
qualidade da relação que a pessoa estabelece consigo mesma. O “aprender a
conviver” desdobra-se na “competência relacional” e leva em conta a qualidade dos
relacionamentos que a pessoa estabelece com os outros. O “aprender a fazer”
desdobra-se na “competência produtiva” e diz respeito ao desenvolvimento de
habilidades e destrezas para o mundo do trabalho. Finalmente o “aprender a
conhecer” desdobra-se na “competência cognitiva” e articula-se com o modo com
que o indivíduo lida com o conhecimento. Assim, o educador que se alinhe ao
projeto deve sempre fazer uma auto-análise sob à luz dos quatro pilares do
conhecimento do relatório de Delors. (LIMA, 2012).
Competências e Valores, desse modo, misturam-se na matriz teórica do
programa:
Distinguindo o processamento dos conhecimentos e dos valores pelas pessoas, podemos reafirmar que os conhecimentos entram nelas pela via da assimilação e saem traduzidos em competências, habilidades e capacidades. Já o caminho para a entrada dos valores nas pessoas são as práticas e vivências que resultam em mudanças de comportamentos e atitudes. Os conhecimentos fundamentam: o que sei? Os valores fundamentam: o que sou? (COSTA, 2012, p.31)
Vale salientar que os valores que se buscam nessa proposta educacional são
aqueles consonantes com a importância para a vida nas organizações capitalistas
contemporâneas. Analisar situações e tomar decisões diante delas torna-se um valor
supremo no projeto pedagógico que, na verdade, emana do mundo do trabalho
alienado.
Ao encarar o jovem como um sujeito portador de potencialidades, emerge o
protagonismo juvenil como um elemento que deve permear a totalidade da proposta
dessas escolas.
112
Nossa proposta de ação formativa dirigida aos educandos tem como propósito um interesse nobre, superior e comum: nobre, porque o desenvolvimento de competências, capacidades e habilidades dos adolescentes e jovens deve representar uma causa: algo pelo qual vale a pena trabalhar e lutar; superior, porque este objetivo deve estar acima dos demais interesses dos diversos atores da comunidade educativa; comum, porque representa a ideia-força que deve mobilizar as intenções, sentimentos e ações dos educadores familiares, escolares, comunitários e midiáticos. (COSTA, 2012, p.35)
O protagonismo juvenil está inserido como método de ação social e educativa
ao mesmo tempo. Está envolto com o desenvolvimento no jovem de competências
para enfrentar as situações problemas das organizações privadas. Ao mesmo
passo, abarca o jovem numa áurea de auto-responsibilização pelas suas escolhas,
como vemos no próprio guia do educando.
Tudo depende de você. Se você não quiser educar-se, de nada adiantará ter os melhores educadores e as melhores condições de ensino. A responsabilidade principal pelo que vai acontecer em sua vida, nesta etapa decisiva de sua educação, portanto, é toda sua. (COSTA, 2010, p.11)
Trabalha-se decisivamente, portanto, a subjetividade dos futuros
assalariados. O bem comum figura como a justificativa ideal para se trabalhar essas
habilidades nos jovens.
A Cultura da Trabalhidade, entendida enquanto uma forma importante de
compreensão e ação diante do novo mundo do trabalho, está fortemente articulada
com uma compreensão mais alargada de empreendedorismo. Cultiva-se a
consciência de um jovem desligado de sua identidade de classe explorada.
Fomenta-se, primordialmente, a formação do ser capitalista de forma aprimorada.
O conceito de empreendedorismo tradicionalmente refere-se àquelas pessoas que demonstram capacidade de abrir o seu próprio negócio. Hoje em dia, porém, ser empreendedor inclui e ultrapassa a perspectiva de abertura do próprio negócio, pois o empreendedorismo passa a ser visto como a capacidade de transformar sonhos em visões, visões em planos e planos e em realidade. Como podemos ver, no conceito ampliado de empreendedorismo, coexistem várias formas de praticá-lo. Ele está ligado em todas elas aos processos de autorealização do ser humano. Nessa linha, a ação do empreendedor pode se concretizar fazendo carreira em uma organização pública ou privada; abraçando
113
uma causa social; desenvolvendo ações de cooperativismo ou associativismo; atuando na esfera política; abrindo seu próprio negócio, dentre outras. (COSTA, 2012, p.44)
Assim, em vistas à formação de um jovem de novo tipo, isto é, mais apto a
desempenhar as funções num mundo marcado pelo capital globalizado, a proposta
pedagógica vem a favorecer a formação dessa força de trabalho nos termos
requeridos. Num mercado que demanda pessoas cada vez mais criativas,
polivalentes, flexíveis, proativas e hábeis no trabalho em equipe, o programa oferece
um conjunto de atividades educativas que auxiliam no desenvolvimento pessoal,
relacional, produtivo e cognitivo dos alunos.
A Cultura da Trabalhidade está em alerta para as constantes transformações
do mundo do trabalho e se propõe a desenvolver um núcleo de habilidades que não
estejam sujeitas a tantas oscilações. Em oposição a um conjunto de habilidades
específicas que estariam submetidas às intempéries do mercado, o programa se
propõe a cultivar um conjunto de habilidades básicas que protegeriam os jovens do
desemprego estrutural, que sejam habilidades que o acompanhe ao longo de sua
trajetória profissional. No entanto, isso não passa de uma justificativa falaciosa, pois
a verdadeira intenção é formação da força de trabalho com um maior patamar de
qualificação e um futuro barateamento.
A Educação para Valores coloca-se como preocupada em viabilizar um jovem
autônomo e o Protagonismo Juvenil na afirmação de um jovem enquanto cidadão
solidário. Cabe aqui refletir se esse cidadão solidário não seria mesmo um cidadão
solitário, sem consciência de classe.
4.3.2 Resiliência, Autoajuda e Criatividade
A exemplo da literatura de auto ajuda desenvolvida para calhar os
fundamentos ideológicos do capital na contemporaneidade, a proposta pedagógica
do programa traz embutida as linhas gerais desse movimento de luta individual.
O conceito-chave deste tipo de superação é Resiliência: conjunto de qualidades, não excepcionais, que quando bem articuladas e suficientemente desenvolvidas resulta na capacidade da pessoa
114
crescer na adversidade. Trata-se de uma singular e integradora capacidade humana que é desenvolvida a partir do somatório de um conjunto de qualidades comuns às pessoas. (COSTA, 2012, p.57)
A tal resiliência, no contexto da proposta, figura como um amortecedor para
os percalços do mundo do trabalho flexível. Funciona como um modo de adaptar-se
aos possíveis fracassos da competitividade de mercado.
[...] o resiliente é desafiado e convidado a romper e ultrapassar possíveis atitudes individualistas para o enfrentamento de situações-problema, porque ele volta-se sistematicamente para o alcance de sinergia positiva para com àqueles com os quais age e interage. (COSTA, 2012, p.60)
A resiliência está fortemente atrelada à sinergia, um fundamento caro às
organizações capitalistas atuais. A sinergia criada na ação coletiva é considerada
um fator de aumento da capacidade de resiliência no indivíduo. Assim, ocorre um
suposto aumento do potencial do aluno vencer os desafios, segundo o entrevistado
1
O nosso aluno ele sabe mais o que quer. Diferentemente de uma escola de bairro, de turno matutino ,noturno e tal, o aluno aqui do programa ele aprende a passar por cima dos percalços da vida real. Temos exemplos de alunos pobres, mas que aprenderam aqui que é preciso conquistar seu lugar e hoje tem muitos deles na universidade federal. Eu acho que isso é um fruto dessa questão pessoal que trabalhamos neles através de fazer eles entenderem que o futuro deles depende de suas escolhas.
Não é a toa que a tecnologia educacional que perpassa a proposta do
programa se fundamente em princípios e valores que se colocam como
despertadores do sentimento de auto-estima. Sem ela, o sujeito estará fadado ao
fracasso. Assim, o ambiente escolar deve oportunizar ao aluno a conquista da
autoconfiança, autodeterminação, auto-estima e autonomia.
Alia-se a essa característica da auto-estima a criatividade e a sensibilidade.
Pois no contexto de introdução considerável de tecnologia no processo de trabalho,
é frequentemente requisitado o trabalho que seja criativo. Criatividade e
sensibilidade figuram como atributos humanos valorizados (COSTA, 2012).
115
Assim, a criatividade é levada em consideração por ser um atributo pessoal
que se acopla bem ao trabalho em rede da era da Sociedade do Conhecimento.
A criatividade grupal é aquela que responde pela capacidade humana de colocar cérebros, sentimentos, corpos e espíritos para atuarem de forma interconectada, gerando uma soma, que vai muito além da adição das partes. Hoje, somos muito mais capazes de colocar computadores trabalhando em rede do que levar corações e mentes a atuarem da mesma forma. As didáticas cooperativas (colocar os educandos para descobrir e construir soluções trabalhando em grupo) são o único caminho para o verdadeiro trabalho em equipe de que dependerá o poder e a riqueza das pessoas, organizações e nações na Era do Conhecimento. (COSTA, 2012, p.71)
Assim, os educadores precisam se estruturar para enfrentar os percalços do
contexto educacional do século XXI. É preciso, segundo toda essa formulação,
superar a sala de aula como único ambiente de aprendizagem. Novos métodos e
técnicas com base nas TIC’s (Tecnologias da Informação e Comunicação) devem
ser constantemente buscados. Docência e didáticas cooperativas como células de
aprendizagem, times, comunidades virtuais de aprendizagem são incentivadas pelas
diretrizes pedagógicas que guiam o programa.
Os jovens devem, ao final, revelarem-se capazes de analisar situações e
tomar decisões diante das necessidades de um mundo em constante transformação.
Dessa forma, eles estariam “empoderados”. Mas o que podemos compreender disso
é que está em curso a constituição de um trabalhador coletivo altamente funcional
aos atuais arranjos produtivos.
4.3.3 A gestão tecnicista
Como uma figura central, o gestor é tido como aquele que “arrasta pelo
exemplo”. Consciente da influência que exerce sobre seus liderados, tem que
permanecer sempre com um espírito motivado e de líder. O gestor líder deve “ter um
perfil forjado pela ética, vocação para servir, compromisso [...] coragem para decidir,
persistência, incentivador de responsabilidades e paixão pelo que faz” (LIMA, 2009,
p.31). Seus resultados dependem de sua postura, que deve ser impregnada do
116
espírito empresarial. Seu negócio deve ser encarado como o ensino de qualidade
oferecido na escola por ele gerido. Chama-nos atenção nesse ponto o tom passional
da relação que o sujeito gestor deve ter com sua função e seus fins. É como se para
superar sua objetividade caótica e perversa, o capitalismo também precisasse dessa
paixão cega.
Foi com o foco nesse sujeito gestor que em 2009, a Tese, dos Centros
Experimentais, sofreu algumas alterações e resultou no TEAR – Tecnologia
Empresarial Aplicada à Educação. Sob a organização de Ivaneide Áurea de A. P.
Lima (2009), o TEAR é utilizado no Programa de Educação Integral para a formação
dos gestores que ingressam no mesmo. Além dos fundamentos fincados na TEO da
Odebrecht, o TEAR também tem base nas aprendizagens fundamentais do Relatório
Jacques Delors.
O alinhamento do líder com o liderado é posto como uma situação
fundamental no “negócio da escola”.
Portanto, a educação de qualidade deve ser o negócio da escola – o que ocupa a mente de cada um de seus integrantes, de acordo com suas áreas específicas. Deve gerar resultados – satisfação da comunidade pelo desempenho dos educandos, educadores e gestores. Além disso, todos estão a serviço da comunidade e dos investidores sociais (governo e empresas parceiras, fontes de vida da organização escolar) e devem sentir-se realizados pelo que fazem e pelos resultados que obtêm. Mas, tudo isso só é possível se houver parceria entre gestor e liderado, entre educador e educando, entre escolas, educadores e familiares, enfim, uma equipe sinérgica, uma sociedade de confiança. (LIMA, 2009, p.36)
O gestor-empresário deve estabelecer uma confiança com sua equipe e
efetivar uma dinâmica comunicação com o investidor social para viabilizar seu
“negócio” que é o ensino de qualidade. Assim, é preciso que o gestor procure
descentralizar as decisões e suas consequências. Para que várias pessoas
assumam suas responsabilidades e desdobramentos destas, é preciso que a
organização tenha claro seus objetivos para todos seus componentes, e o gestor
deve estar atento a isso. Não pode faltar um processo de interação caracterizado
por relações de caráter transparente e responsável.
Os fins da organização privada e da escola são aproximados no programa,
com a devida especificidade requerida pela formação.
117
O objetivo da tarefa empresarial é produzir serviços de qualidade que beneficiem à comunidade e aos investidores. A área educacional não foge à regra. A primeira produção são as riquezas morais – reforço aos princípios e a formação de valores éticos; a segunda, trata das riquezas tangíveis – garantia do ensino público de qualidade, no qual o estudante seja portador das habilidades básicas requeridas para atuar como cidadão produtivo. (LIMA, 2009, p.48)
A gestão, assim, deve estar atenta para gerar o ciclo do PDCA (planejar,
fazer, avaliar, agir). Ao absorver esse conceito, a gestão estará sempre agindo de
forma controlada e planejada, reagindo continuamente e repetidamente. O “plan”
(planejar), o “do” (executar), o “check” (verificar, avaliar) e o “act” (agir), assim, não
saem de cena na passagem dos Centros Experimentais para o Programa de
Educação Integral.
A premissa sobre a qual a gestão da escola deve estar embasada é na
atitude empresarial. Assim, deve estar preparada para a formação de cidadãos
dispostos a empresariar suas competências e habilidades. A formação
interdimensional dispensada pela escola é tida como geradora de riquezas morais e,
indiretamente, materiais. O PDCA terá, dessa maneira, peso na formação de líderes
eficientes para a sociabilidade burguesa dos dias atuais. Cabe aqui a ressalva que o
tipo de liderança que se busca é aquele adaptável ao capitalismo globalizado. Na
fala do empresário Emílio Odebrecht fica clara o alinhamento desse novo desenho
de escola com os requisitos das organizações privadas.
‘A educação é, essencialmente, um processo de comunicação visando a uma influência construtiva sobre o outro. Nesse sentido, as instituições educacionais podem formar indivíduos críticos, capazes de conferir riqueza, inovação e versatilidade às organizações que os atraíram, enquanto concretizam os planos de vida e carreira que formularam para si próprios.’ (LIMA, 2009, p.94)
Mais do que nunca, vem à tona o impulso mais forte na reforma em curso: a
necessidade da inserção objetiva e subjetiva da força de trabalho qualificada para os
desafios do capital na atualidade. Isso significa uma certa margem de auto-
realização para o indivíduo que é propagada como uma necessária busca
incessante pelo sucesso.
118
Com relação à existência de Conselho Gestor, a exemplo do que ocorria nos
Centros Experimentais, este ainda continua no programa, mas sem o peso
determinante do ICE e do PROCENTRO. Agora os conselhos são formados pelo
representante do Programa de Educação Integral, que representa o Governo através
da Secretaria de Educação, por representante da educação do Governo Municipal,
por representante dos Conselhos Municipais ou Estadual de Educação,
representantes de Instituições de Ensino Superior e parceiros privados (LIMA, 2009).
O gestor deve primar pelos valores centrais da proposta. Disciplina, respeito e
confiança são considerados ingredientes fundamentais para a educação integral
ofertada nessas escolas. O compromisso e a força de vontade que encobre líder e
liderados é tido como importante na equipe que busca objetivos em comum. A
escola assim deve incentivar a autonomia e a ação cidadã dos jovens, envolver os
alunos em atividades que necessitem de estratégias de resolução de problemas
reais (pro capital e não para a superação), criar um ambiente de desenvolvimento
das potencialidades dos jovens e de possibilidades de construção de seu projeto de
vida e, também, promover ao educando o desenvolvimento das competências
cognitiva, produtiva, relacional e pessoal.
Na gestão mais ampla do Programa de Educação Integral, cinco premissas
foram definidas como de elevada importância: o Protagonismo Juvenil, Formação
Permanente, Atitude Empresarial, Corresponsabilidade e Replicabilidade. Além
disso, o processo de comunicação dentro da escola deve ser primado tal como
numa empresa. Para que cada parte esteja antenada com o todo, a comunicação
tem que fluir rápido e ser eficiente. Os pressupostos da Sociedade da Informação
influenciam essas formulações.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diversos programas e projetos em vigência na educação brasileira – entre
eles o Programa de Educação Integral de Pernambuco – de maneira mediada,
relacionam-se enquanto reformas aos ajustes estruturais experimentados pelo
Estado e pela organização do trabalho, devido às estratégias de recomposição da
acumulação capitalista e devido às transformações operadas em sua base
produtiva. Além disso, sofrem a influência dos organismos internacionais que
imputam uma agenda política da hegemonia burguesa. Nesse estudo, então,
buscamos explicitar os nexos e relações do programa por nós estudado com esse
movimento maior, referido acima.
A reforma iniciada com a criação dos Centros de Ensino Experimental e
prosseguida com o Programa de Educação Integral, na rede estadual de ensino de
Pernambuco, confirma a tendência de adequação da educação formal – neste caso
específico o ensino médio – aos requesitos da agenda político-ideológica capitalista
promovida a partir do advento das políticas neoliberais e articuladas aos limites da
acumulação flexível.
Conforma-se, a partir de determinantes originados na conjuntura econômico-
política, um projeto de escola com foco na formação de força de trabalho de novo
tipo, inserindo-se com maior precisão os processos educacionais formais na ordem
da economia globalizada. Nesse contexto, a educação tornou-se um sutil fator
econômico de competitividade não facilmente distinguível como tal, pois se
apresenta como uma grande aurora promissora de elevação intelectual para todos,
organizando todas as pessoas em torno de um comum projeto societário. Assim, os
conhecimentos adquiridos e as atitudes conformadas nos alunos são caros a esse
projeto em curso.
A formação do futuro trabalhador está completamente a mercê de uma gestão
tecnicista dos sistemas escolares que trata de se alinhar sistematicamente à
promoção de uma formação que atenda às necessidades psicofísicas, políticas e
econômicas advindas da produção de matriz toyotista. Mas na medida em que o
projeto se aprofunda, o mesmo se reveste de uma aparência enganosa na qual é
apreendido pelo senso comum um entendimento de que esse tipo de reforma é
movido exclusivamente pelo desejo de retirar a escola pública da situação precária
em que se encontra.
120
Fica claro, ao chegarmos a esse ponto de conclusão de nosso estudo, que a
luta de classes continua muito viva, apesar de nebulosamente embutida e suprimida
no projeto político pedagógico da escola do Programa de Educação Integral de
Pernambuco. Essa escola acaba por explicitar, como uma fresta que possibilita uma
visão de uma realidade mais ampla, um movimento intencional verificado no campo
da educação de reformar os conteúdos, a organização e os fins do projeto
educacional da classe trabalhadora. Explicita, pois, a prevalência dos interesses
hegemônicos sobre a educação dos trabalhadores.
Mas a escola, por sua vez, está inserida num campo disputável.
Evidentemente há um avanço dos interesses conservadores sobre a educação, e
tem sido muito forte e em escala mundial. Resulta disso que temos recolocada na
ordem do dia a questão da organização política dos trabalhadores do mundo para
construir uma agenda alternativa a esse modo de produção tão caro a maioria dos
seres humanos e da própria natureza. Essa passagem não deixa de ser um
processo educacional, não se dando apenas na escola, mas tomando-a como parte
desse projeto para um avanço em relação à lógica do sistema capitalista.
Diferentemente do que ocorria nos processos educacionais formais no
período em que o fordismo era hegemônico, o que existe na aurora do século XXI
em termos de educação formal é uma captura mais intensa e “apaixonada” da
subjetividade das pessoas. Se no feudalismo o sujeito podia regular a intensidade de
seu trabalho, ao passo que estava ligado diretamente aos meios de produção, o que
ocorre hoje é uma tomada da regulação do tempo de trabalho dos sujeitos sem
distinção clara entre o local de trabalho e o lar.
Dessa forma, o Programa de Educação Integral caracteriza-se num projeto
tão integrado às requisições atuais de formação da força de trabalho quanto era o
projeto piloto dos Centros Experimentais. Guarda consigo o carma de ser uma
escola reformada para atender com mais eficácia a essas requisições. Isso,
evidentemente, com muito mais requinte do que as escolas regulares, de um turno,
que havia antes dessa experiência na rede estadual.
Ocorre no programa, desde o ingresso do aluno no primeiro ano do ensino
médio, um tipo de estímulo ao engajamento orgânico do futuro empregado
assalariado. Isso favorecerá com que o futuro assalariado consiga operar com maior
sucesso os novos dispositivos técnico-organizacionais da produção capitalista atual.
121
Quanto aos docentes e gestores, o projeto de formação estabelece, a partir
da capacitação destes ao ingressar no programa, um “rito de passagem” para uma
escola “diferente”, na qual a lógica da produtividade mercadológica baliza as
relações de trabalho com maior intensidade. Essa lógica, de forma paulatina, vai se
materializando concomitantemente a uma redução da participação democrática,
outrora mais presente. Os gestores das escolas do Programa de Educação Integral
não são eleitos pela comunidade escolar, e os professores contam com a constante
chance de serem desligados do programa.
Em suma, nessa propositiva mescla pedagógica de Educação
Interdimensional, Pedagogia da Presença, Protagonismo Juvenil e Cultura da
Trabalhidade, se configura o arcabouço político-ideológico necessário para reformar
a escola do Ensino Médio na rede estadual, na tentativa de oferecer essa formação
de novo tipo, mais antenada às demandas mundiais para a formação dos
trabalhadores.
Esse percurso de pesquisa que fizemos, retomando questões mais nas raízes
das determinações sócio-históricas que configuraram a reestruturação do Ensino
Médio através do Programa de Educação Integral, possibilitou perceber o
movimento da reforma dessa escola em sua relação com o todo, com a forma como
a sociedade atual está organizada e em movimento constante. Analisamos como a
reforma educacional se inseriu na estrutura social vigente, como se acomodou nas
nuances das relações de classe, procurando apaziguar os conflitos e construir o
consenso.
No processo de reprodução capitalista, ajudado pela participação da escola,
esconde-se a real motivação de dominação do trabalho humano e aumento da
expropriação desse mesmo trabalho. Tendo o capital a extração da mais-valia como
um objetivo central para a sua realização, ele busca operar através de seus agentes,
como o Estado, para possibilitar que as condições básicas a sua acumulação se
reproduzam socialmente. É necessário compreender que a força de trabalho se
forma com um tempo necessário para sua reprodução, incluindo processos
formativos gerais e o aprendizado específico. O fetiche é que essa preparação,
longe de ser algo para a formação humana, é destinada mais no sentido da
formação da mercadoria força de trabalho.
Mas é preciso disputar não só os espaços fora da escola, mas dentro dela
também. Na medida em que os sistemas educacionais atendem a demanda popular
122
de acesso ao saber socialmente produzido, é pelo teor político desses sistemas que
a luta deve ser travada. A escola não pode ser um lugar de clara adequação das
capacidades intelectuais e comportamentais dos alunos à lógica da acumulação
capitalista atual. Mesmo sendo a socialização do conhecimento uma necessidade
capitalista em função de seu movimento de intensificação e racionalização do
trabalho, não podemos deixar que a escola funcione totalmente conforme tal projeto.
É nas contradições que os que se reconhecem enquanto classe trabalhadora,
devem buscar os elementos de disputa e de construção de uma outra realidade.
123
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