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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO JADILSON MIGUEL DA SILVA REFORMAS PRÓ-CAPITAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: A REESTRUTURAÇÃO DO ENSINO MÉDIO PELO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DE PERNAMBUCO RECIFE 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE EDUCAÇÃO ... · educação.....36 CAPÍTULO 2: A AGENDA PARA A EDUCAÇÃO NA SAÍDA DA CRISE DO CAPITAL E O EMBATE CONTRA ... educação

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

JADILSON MIGUEL DA SILVA

REFORMAS PRÓ-CAPITAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: A REESTRUTURAÇÃO

DO ENSINO MÉDIO PELO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DE

PERNAMBUCO

RECIFE

2013

2

JADILSON MIGUEL DA SILVA

REFORMAS PRÓ-CAPITAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: A REESTRUTURAÇÃO

DO ENSINO MÉDIO PELO PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DE

PERNAMBUCO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientador: Daniel Alvares Rodrigues

RECIFE

2013

3

Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria Janeide Pereira da Silva, CRB-4/1262

S586e Silva, Jadilson Miguel da.

Reformas pró-capital na educação escolar : a reestruturação do ensino

médio pelo programa de educação integral de Pernambuco / Jadilson

Miguel da Silva . – Recife: O autor, 2013.

125 f. : 30 cm.

Orientador: Daniel Alvares Rodrigues.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Pernambuco, CE.

Programa de Pós-graduação em Educação, 2013.

Inclui bibliografia.

1. Educação – Aspectos Econômicos. 2. Educação – Ensino Médio.

3. Pernambuco – Ensino Integral. 4. UFPE - Pós-graduação. I. Rodrigues,

Daniel Alvares. II. Título.

CDD 338.4737 (22. ed.) UFPE (CE2013-62)

4

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

REFORMAS PRÓ-CAPITAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR: a

reestruturação do ensino médio pelo programa de educação integral de

Pernambuco.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dr. DANIEL ALVARES RODRIGUES

1º Examinador/Presidente

_____________________________________________

Prof. Dr. DANTE HENRIQUE MOURA

2º Examinador

_____________________________________________

Profª. Drª. CLARISSA MARTINS DE ARAÚJO 3ª Examinadora

_____________________________________________ Profª Drª ERIKA SURUAGY ASSIS DE

FIGUEIREDO

4ª Examinadora

RECIFE, 30 de agosto de 2013

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AGRADECIMENTOS

O curso de mestrado representou em nossa trajetória um considerável

amadurecimento teórico, acadêmico e político. Ao longo dessa jornada, destacamos

o Centro de Educação da UFPE como o lugar, por excelência, que nos possibilitou

as vivências acadêmicas, políticas, lúdicas e artísticas. Foi no CE onde vivenciamos,

mesmo anteriormente ao curso de mestrado, uma universidade mais aberta a

pensar as questões sociais. O diálogo entre universidade e movimentos sociais se

deu de forma mais intenso neste centro.

Aqui tivemos nossos primeiros contatos com as elaborações teórico políticas

que se colocam numa perspectiva de transformação da realidade, a partir das

contradições do modo de produzir a vida que está em voga. Alargamos nossa

compreensão sobre o processo educativo-formativo, que antes julgávamos tão

restrito ao espaço escolar.

Assim, foram muitas as pessoas com as quais tivemos relações que

repercutiram consideravelmente na nossa formação e, consequentemente, na

consecução deste estudo.

Agradecemos, desta forma, aos companheiros do GEPMARX – Grupo de

Estudos e Pesquisas Marxista da UFPE -, sobretudo a figura de seu coordenador e

nosso orientador Daniel Rodrigues, pelo exemplo de intelectual engajado com as

lutas sociais. Destacamos ainda o companheirismo dos colegas Alberto Cordeiro,

Leandro Fontes e João Lopes também do GEPMARX. Agradecemos às

contribuições obtidas com os companheiros do GEMOC – Grupo de Estudos sobre a

Modernidade do Capital – sobretudo as pessoas de Maurício Gonçalves e Jocsã

Carlos. Agradecemos aos envolvidos no Projeto Espaço Socialista que tem

promovido debates importantes no Recife, sobretudo o coletivo do GEMARX.

Agradecemos ao amigo Jetson Lourenço pela presença importante no

desenvolvimento desse estudo e nas atividades político-acadêmicas. Não poderia

esquecer a companheira Ana Pessoa, com a qual dividimos angústias típicas da

pressão dos prazos acadêmicos. Agradecemos ainda às professoras Clarissa

Martins, Erika Suruagy e Socorro Abreu pela participação e contribuição em nosso

trabalho. Agradecemos também a todos os amigos da Turma 29 do PPGE e todos

os demais amigos. E, por fim, destacamos o conforto e a doçura do seio familiar tão

importante para mim ao longo de todos os meus anos.

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RESUMO

As reformas que se operam no âmbito da educação formal, especificamente na educação escolar, apresentam, no seio de uma sociedade capitalista, um caráter classista e estão articuladas ao movimento global de transformação das bases produtivas desse modo de produção da vida. Por sua vez, a regulação das relações sociais mediadas pela ação do Estado vai funcionar como uma tarefa necessária ao rearranjo das condições de recomposição da acumulação do capital. A partir da crise estrutural e cada vez mais profunda deste último, as reformas, seja no âmbito educacional ou em outras esferas, são expressões das estratégias de encobrimento das contradições inerentes a esse sistema e, ao mesmo tempo, execução de um programa fundamental para a consecução do seu avanço. Este estudo abordou a reforma expressada pela reestruturação do Ensino Médio na rede estadual de Pernambuco através do Programa de Educação Integral. Para aprofundar a compreensão da natureza dessa reforma, buscamos investigar determinantes históricos de ordem econômica, política e ideológica, munidos da hipótese de que o referido programa foi criado na intenção de atender aos requisitos político pedagógicos, postos a partir da crise do capital mais recente, para a educação dos trabalhadores. Pudemos, assim, localizar as relações dessa reforma específica ao conjunto de reformas educacionais conservadoras que vem se dando no país em diferentes momentos. Por sua vez, essas reformas estão articuladas aos desígnios de uma educação cada vez mais orientada no sentido de dar respostas à vida produtiva capitalista atual. Efetivou-se uma pesquisa bibliográfica no campo da pesquisa educacional que analisa as relações entre Trabalho e Educação. Posteriormente, à luz das categorias teóricas e analíticas – modo de produção, relações sociais, forças produtivas, luta de classes – demos impulso a análise documental e a realização de entrevistas com sujeitos envolvidos na gestão do Programa de Educação Integral de Pernambuco. Por fim, concluiu-se que a reestruturação do Ensino Médio através do Programa de Educação Integral guarda fortes relações com os aspectos das reformas educacionais impulsionadas pelas injunções do capital, em suas estratégias de saída de sua crise. Longe de ser uma escola que veio ofertar uma educação centrada na emancipação humana em relação ao trabalho alienado, o projeto em curso representa uma aproximação mais eficaz entre a educação e a vida produtiva capitalista nos limites atuais.

Palavras-chave: Crise do Capital - Reforma Educacional - Ensino Médio - Programa de Educação Integral

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ABSTRACT

The reforms that we have seen inside formal education systems, especially those ones performed inside the schools, presents, inside a capitalist society patterns, a very clear feature of a specific social class. Those reforms are related to the way we produce life into a capitalism society. For its turn, the State social regulations is necessary to get the conditions of a free development of capitalism back. From the latest structural capitalism crisis till now, the reforms at education area or other social areas, works as strategies to hide the capitalist contradictions. At the same time, they help capitalism development, besides of the crisis. This research analyzed the reform that occurred at Pernambuco Public High School System through its Integral Education Program. In order to understand deeply this reform we aimed to investigate ideological, political and historical causes. We headed the investigation with the hypothesis that this educational program was created under political and educational circumstances originated because of capitalism recent crisis. So, we could understand the relations between this specific reform and the other ones that have been performed in different historical moments. These reforms are concerned to a kind of education project that aims to follow the capitalist requests. We have done a bibliography research in the specific area of education named Work and Education. Then after, handing some theoretical and analytical categories – social relations, means of production, social class fight – we have done a documental analyze and some interviews with professionals from Pernambuco Integral Educational Program. We concluded that the transformations at high school features through Integral Educational Program have much to do with the features that have been seen in the general transformations causes by capitalism crisis and its way to recover from it. In fact, that’s not a new kind of school that promotes the human autonomy. It is an affective school that fits the education in a private logic.

Key-words: Integral Educational Program – Educational Reforms – Crisis of the Capital – High School

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LISTA DE ABREVIATURAS

BM – Banco Mundial

CEEGP - Centro Experimental de Ensino Ginásio Pernambucano

FMI – Fundo Monetário Internacional

ICE - Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação

KIPP - Knowledge is Power Program (O conhecimento é um programa de poder)

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação

OCDE - Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONU - Organização das Nações Unidas

OS - Organização Social

PDCA - Plan, Do, Chack, Act (Planejamento, Execução, Avaliação e Ação)

PNE - Plano Nacional de Educação

POCENTRO - Programa de Desenvolvimento de Centros de Ensino Experimental

TEAR - Tecnologia Empresarial Aplicada à Educação

TEO - Tecnologia Empresarial Odebrecht

Tese - Tecnologia Empresarial Socioeducacional

TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação

TWI - Training within Industry (Treinamento dentro da Indústria)

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS

INTRODUÇÃO...........................................................................................................10

CAPÍTULO 1: O CAPITAL E SUAS CRISES: REPERCUSSÕES SOBRE O

TRABALHO E A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR..............................................16

1.1 Breve nota acerca das crises do capital e suas

saídas....................................................................................................................16

1.2 A saída da crise pelas mudanças na organização social do trabalho: a

reestruturação produtiva.....................................

1.3 ..................................................20

1.4 As crises e o Estado capitalista: reformas e rebatimentos nas políticas sociais,

em especial na educação.....................................................................................28

1.5 O neoliberalismo na recomposição do capital em crise e suas incursões na

educação...............................................................................................................36

CAPÍTULO 2: A AGENDA PARA A EDUCAÇÃO NA SAÍDA DA CRISE DO

CAPITAL E O EMBATE CONTRA-HEGEMÔNICO..................................................44

2.1 A escola e a formação para o trabalho assalariado: sua gênese e funcionalidade

ao capitalismo.............................................................................................................44

2.2 A retomada da Teoria do Capital Humano como mecanismo de saída da crise do

capital pela educação.................................................................................................53

2.3 A Sociedade do Conhecimento: um mote recorrente que recai sobre a educação

na saída da crise........................................................................................................59

2.4 O Relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI da

UNESCO....................................................................................................................62

2.5 Formação baseada nas competências para a empregabilidade..........................72

2.6 Um embate contra-hegemônico no campo da educação: formação humana na

perspectiva socialista.................................................................................................75

2.6.1 Politecnia e escola unitária................................................................................78

10

CAPÍTULO 3: SOBRE A METODOLOGIA...............................................................85

3.1 Delimitação do campo da pesquisa......................................................................87

3.2 Delimitação dos sujeitos.......................................................................................87

3.3 Natureza e organização da pesquisa...................................................................88

3.4 Procedimento de análise......................................................................................90

CAPÍTULO 4: O PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DA REDE ESTADUAL

DE PERNAMBUCO: UMA SAÍDA DE ATENDIMENTO ÀS INJUNÇÕES DO

CAPITAL NA PAUTA EDUCACIONAL.....................................................................91

4.1 O modelo de escola charter: o protótipo do Programa de educação

Integral........................................................................................................................91

4.2 Os Centros de Ensino Experimental: o projeto piloto do Programa de Educação

Integral........................................................................................................................94

4.2.1 A proposta pedagógica dos Centros de Ensino Experimental..........................97

4.2.2 A gestão nos Centros de Ensino Experimental...............................................100

4.3 O Programa de Educação Integral.....................................................................102

4.3.1 A proposta pedagógica do Programa de Educação Integral: a continuidade da

educação interdimensional.......................................................................................108

4.3.2 Resiliência, Autoajuda e Criatividade..............................................................112

4.3.3 A gestão tecnicista do Programa de Educação Integral.................................114

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................118

REFERÊNCIAS .......................................................................................................122

11

INTRODUÇÃO

A dissertação aqui disposta consiste no resultado de nossa pesquisa sobre a

materialização da reforma educacional realizada através do Programa de Educação

Integral da rede estadual de Pernambuco. Ela foi realizada durante nosso curso de

mestrado no Programa de Pós Graduação em Educação, na Universidade Federal

de Pernambuco. Essa pesquisa buscou versar sobre o referido programa,

localizando-o como componente de um conjunto estratégico de reformas pró

mundialização do capital, operadas também no campo educacional e ainda em

pleno curso no país. Logo, foi na vinculação dessa reforma representada pelo

Programa de Educação Integral com um movimento histórico, econômico e político

mais amplo, o fio condutor que nos permitiu explicitá-lo em seus mais internos

processos, escamoteados numa aparência enganosa.

Segundo Neves (2004) os anos de 1990 e os anos iniciais de 2000

comportam um conjunto de reformas na educação escolar brasileira. Essas reformas

se colocam na busca de adaptar a escola aos objetivos econômicos, políticos e

ideológicos do projeto burguês mundial nessa etapa do capitalismo monopolista-

financeiro. Destarte, o Programa de Educação Integral consiste num projeto

educacional que está posto sob essa tendência hegemônica, com suas devidas

particularidades.

Assim, ocorreu que a ampliação da reforma sobre o ensino médio na rede

estadual após 2008, concretizando-se através da criação do Programa de Educação

Integral, ainda guardou consigo os fundamentos político pedagógicos trazidos para a

rede estadual por meio do projeto piloto dos Centros de Ensino Experimental,

iniciado em 2004, que iniciou o processo de reforma sobre o ensino médio da rede.

Dessa forma, as mudanças no tempo da jornada de trabalho escolar, a

reorganização das relações de trabalho dos docentes com esse programa, a

rearrumação curricular, bem como outras de caráter pedagógico que atingiram

diretamente o cotidiano da comunidade escolar, causaram impactos e expectativas

entre professores e alunos. Ademais, a áurea promissora com que se revestiu essa

reforma em melhorar os resultados da educação pública da rede estadual tem

chamado atenção não apenas dos docentes e discentes, mas também de outros

governos estaduais e até mesmo de um segmento da mídia.

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Ao passo que estávamos inseridos nos meandros dessa reforma que se

abateu sobre o ensino médio, como professor da rede pública estadual, pudemos

vivenciar in loco os desdobramentos da mesma na totalidade do projeto político

pedagógico escolar. Houve mudanças plausíveis na organização pedagógica

escolar, com a inserção de disciplinas complementares assim como projetos e

parcerias na gestão com agentes externos. Essa percepção favoreceu um florescer

de questões sobre o fenômeno em curso. Tudo isso influenciou, direta e

indiretamente, no surgimento de perguntas pelas quais pudemos orientar nosso

estudo. Dessa forma, buscamos desenvolver um estudo no âmbito da universidade

por julgar a ultrapassagem do senso comum, através do conhecimento acadêmico

científico, uma forma de conhecimento importante e também ferramenta de

transformação da realidade. Segundo Minayo (2010) A escolha de um tema não

emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo.

A escolha do tema surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas.

É, pois, fruto de determinada inserção no real.

Buscamos aprofundar a compreensão das circunstâncias que determinaram

as condições de implementação da reforma educacional para o ensino médio na

rede estadual de Pernambuco, tendo como corte o Programa de Educação Integral

de Pernambuco. Para isso, primeiramente supúnhamos que o que realmente levou à

criação da “nova” escola para o ensino médio não era necessariamente a vontade

de “salvar” a escola pública do suposto caos em que se encontrava. Muito menos

consistiu em impulso a vontade de oferecer uma educação de melhor qualidade

social para os filhos e filhas da classe trabalhadora, principal demanda da escola

pública no contexto brasileiro e pernambucano.

Assim, surgiu a primeira hipótese de que essas mudanças estavam

articuladas a um movimento maior, e seus determinantes não eram apenas frutos de

uma conjuntura local, mas, por outro lado, de determinantes sócio-econômicos e

ideo-políticos que ultrapassavam as fronteiras do próprio estado de Pernambuco e

do próprio país. Abrimos, dessa maneira, a trilha de um estudo cujo caráter de

totalidade dialética não poderia estar ausente.

Os fundamentos da reforma sobre o ensino médio, materializada na

particularidade do Programa de Educação Integral de Pernambuco, tinham como

pano de fundo todo um processo histórico vinculado, sobremaneira, à própria crise

do capital, despontada nos anos 1960-70. As estratégias que a classe capitalista

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dominante lançou mão na recomposição da acumulação do capital provocou um

reordenamento no conjunto das relações sociais capitalistas nas últimas décadas

em nível mundial. A educação não ficou ilesa a esse processo. Diante da crise do

capital, a conjuntura levou às mudanças na organização do Estado e na educação

do trabalhador.

Ao dissecarmos os traços que estão presentes no Programa de Educação

Integral de Pernambuco, num primeiro momento, percebemos que a determinação

real dessa reforma, de fato, não foi aquilo que o discurso governamental e

empresarial espalhou aos quatro ventos: uma educação de melhor qualidade para o

aluno da escola pública simplesmente. Percebemos que foi, em linhas gerais, a

necessidade de ofertar uma escola e uma educação mais adequada aos requisitos e

anseios atuais do capital que forneceu a lenha para a fogueira dessa reforma.

A questão primária que nos ocorreu então foi: Quais os reais determinantes

da reestruturação sobre o ensino médio na rede estadual através do Programa de

Educação Integral de Pernambuco? Daí, buscamos conhecer e analisar

determinações sócio-históricos, políticas, econômicas e ideológicas para darmos

conta de forma mais densa da compreensão da reforma pela qual está passando a

educação básica, mais especificamente o ensino médio propedêutico na rede

estadual.

Como modo de precisarmos o caminho de nosso estudo chegamos à

hipótese central, mais elaborada, de que o projeto de reforma educacional que

consiste no Programa de Educação Integral de Pernambuco está posto no intuito de

atender com maior efetividade às injunções emanadas do capital em sua agenda

político pedagógica para a formação da força de trabalho frente ao contexto de

enfrentamento da crise de acumulação capitalista, nos limites da particularidade

regional.

Na execução dessa tarefa, nosso estudo buscou elementos da discussão

teórica acumulada no campo de trabalho e educação, pela nossa aproximação com

a perspectiva desse campo e por julgar ser o mesmo capaz de oferecer categorias

para desvelar nosso objeto nos termos em que colocamos nossas questões. As

relações trabalho/capital e suas implicações nos processos educacionais são de

grande relevância nas pesquisas do campo de trabalho e educação e o nosso

estudo se insere nesse âmbito. Ainda nesse campo, conseguimos extrair

14

fundamentos que nos ajudaram a apontar alternativas à reforma em curso, pois a

mesma consiste numa influência da lógica do capital sobre a educação.

Ao tratarmos do Programa de Educação Integral, cabe uma breve menção

nesse espaço - pelo seu caráter de complementaridade temática - a dois estudos

recentes realizados aqui no estado de Pernambuco. Trata-se dos estudos de Leite

(2009) e de Henry Junior (2010). O primeiro tratou da forma como se deu o processo

de parcerias no setor educacional na rede estadual de Pernambuco entre o governo

e a iniciativa privada através de um estudo de caso sobre o Ginásio Pernambucano,

que se transformaria no primeiro Centro de Ensino Experimental, protótipo do

programa por nós estudado. O segundo estudo, ideologicamente alinhado aos

anseios conservadores sobre o campo educacional, versou sobre as possibilidades

de se replicar na íntegra o modelo dos Centros de Ensino Experimental, tal como

previa a proposta na fase inicial do projeto. Este último trata-se de um estudo

arquitetado em torno de perguntas elaboradas acerca dos percalços à ampliação do

projeto dos Centros Experimentais. Ao respondê-las, o autor apresenta uma forte

argumentação calcada em mensurabilidade técnica apontando que seria possível o

modelo para toda a rede estadual. Apresenta, assim, um estudo técnico com uma

forte semelhança ao de uma consultoria educacional privada.

De nossa parte, ao estudar a reforma educacional realizada através do

Programa de Educação Integral, pensamos que ajudamos na compreensão mais

totalizadora do objeto, que leva em conta as bases materiais que sustentam esse

tipo de reforma educacional. Ao mesmo passo, se oferece elementos teóricos e

políticos de complementaridade, aprofundamento e de confronto aos dois estudos

citados acima, que versaram sobre temáticas extremamente próximas. Assim,

intentamos explorar um movimento da realidade do objeto que o considera como um

produto histórico, cujas raízes múltiplas estão assentadas em processos de alcance

mundial.

Para darmos norte ao estudo, elaboramos como objetivo geral: explicitar as

relações e nexos estabelecidos entre a reestruturação em curso do ensino médio

pelo Programa de Educação Integral com a proposta do capital de formação da força

de trabalho com vistas ao enfrentamento da crise. E, como objetivos específicos,

estabelecemos: 1) Analisar a concepção de educação para o ensino médio presente

no Programa de Educação Integral; 2) Identificar as influências teórico políticas

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presentes na implementação dessa reforma educacional; 3) Evidenciar os aspectos

políticos-pedagógicos do referido programa;

Para desenvolvermos o percurso de nosso estudo lançamos mão, em termos

metodológicos, de uma pesquisa calcada no materialismo histórico dialético, cujo

caráter de totalidade da realidade é importante. É na apreensão das múltiplas

determinações onde encontramos uma possibilidade concreta de desvelar os

movimentos mais internos da realidade. Ainda utilizamos a pesquisa documental e a

entrevista semi-estruturada como instrumentos metodológicos necessários para o

percurso da pesquisa.

Como forma de apresentação de nosso estudo, estruturamos a dissertação

em três capítulos, na intenção de promover uma mais clara explicitação de nosso

objeto. Os capítulos, na forma em que se sucedem, procuram fundamentar uma

compreensão dialética, na medida em que fornecem elementos mais abrangentes

para um posterior desvendar de movimentos internos, mais particulares. No mesmo

compasso, a leitura pode fazer uma espécie de caminho inverso, no sentido de

encontrar determinantes dos aspectos e movimentos mais internos numa realidade

que é mais ampla, mais totalizadora.

Desse modo, resgatamos no primeiro capítulo um dado que pode ser

considerado o grande impulsionador das transformações operadas na organização

social do trabalho, na ação estatal e na reforma de ordem política caracterizada pelo

avanço do neoliberalismo: trata-se da crise do capital. A partir desse ponto,

pudemos localizar uma grande referência para balizar a nossa análise para mais

adiante, pois é o modo de produção capitalista que regula as relações sociais atuais.

No segundo capítulo, atentamos em fazer as mediações dessa crise do

capital com a educação. Através das transformações no Estado, na base produtiva e

na política, pôde-se alcançar a esfera educacional através de elaborações político-

teóricas norteadoras que ajudaram nas reformas da educação dos trabalhadores.

Ainda nesse capítulo, fizemos um resgate histórico das relações entre a escola e o

modo de produção capitalista, como mais um suporte na compreensão de nosso

objeto. Por fim, ele ainda traz um apanhado conciso sobre as contribuições do

campo de estudos de Trabalho e Educação. Ao compreendermos o programa por

nós analisado como um projeto conservador de uma ordem capitalista cada vez

mais controladora, surgiu a forte necessidade de apontar perspectivas em

16

contraposição ao quadro da realidade encontrada. Nesse ínterim, foi nos estudos

desse campo onde encontramos elaborações de uma agenda contra-hegemônica.

No terceiro capítulo trazemos com maior profundidade a construção

metodológica de nossa pesquisa. Isso ajuda, sobretudo, na compreensão do quarto

capítulo que se aproxima da materialização da reforma sobre a educação, através

de uma análise mais esmiuçada do Programa de Educação Integral de Pernambuco.

Buscamos resgatar os moldes precursores dessa reforma, bem como evidenciar os

aspectos políticos pedagógicos desse programa. Localiza-se, nesse capítulo, uma

análise mais empírica daquilo que vínhamos tecendo num âmbito mais geral.

Por fim, registramos nossas considerações finais, e indicamos os estudos e

documentos fundamentais em nossa pesquisa na lista de referências.

17

CAPÍTULO 1 – O CAPITAL E SUAS CRISES: REPERCUSSÕES SOBRE O TRABALHO E A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR

O Programa de Educação Integral acompanha as tendências de reforma

operadas no âmbito da educação formal das últimas décadas. Por sua vez, essas

reformas educacionais estão relacionadas ao movimento mais geral de crise global

do capital e de suas estratégias de recomposição a partir dos anos de 1970. Assim,

as bases materiais de produção do sistema capitalista bem como as relações

capital/trabalho nos oferecem as condições de apreensão dos nexos e

determinações da educação escolar nas últimas décadas, especialmente nos anos

correntes. Sem essa vinculação, todavia, podemos cair num problema de

compreender essa educação formal por fora das relações sociais. Portanto, poderia

ser uma compreensão que abordaria a educação sem levar em conta a disputa de

projetos que perpassa o campo educacional. Assim, é pela opção de considerar as

repercussões do modo de produção capitalista, que guiaremos nossa análise.

1.1 Breve nota acerca das crises do capital e suas saídas

O capitalismo, modo de produção sob o qual vivemos hoje, se colocou como

modo de produção da vida aos poucos, em contraposição ao feudalismo. Sua

gênese e desenvolvimento inicial entre alguns estudiosos é fruto de muita polêmica.

Existem argumentos diversos, desde os que apontam o fortalecimento do comércio

e das cidades como determinante para o advento do capitalismo até os que

localizam na forma de propriedade dos meios de produção, a terra em específico,

tais determinantes (SWEEZY, 1977). Há aí, portanto, uma controvérsia sobre as

causas que alçaram primeiramente a Europa Ocidental para o capitalismo e,

consequentemente, o restante do mundo. O estopim estaria na produção ou na

circulação? Ou haveria uma concomitância desses fatores? Esse, pois, é um debate

entre pesquisadores que ainda rende muitas explicações, mas que tem importância

para entendermos a sociedade atual em sua gênese e também fundamentar o

contexto maior no qual se encontra o objeto de nossa pesquisa, visto que é nas

múltiplas relações estabelecidas entre o nosso objeto e o modo de produção

18

capitalista que nos debruçaremos para compreendê-lo em seu movimento real e

histórico.

O que é certo é que uma vez consolidado o capitalismo como modo de

produção da vida, algo posto sob muitas resistências e conflitos, o mesmo logrou ao

longo de um tempo relativamente pequeno um alcance sobre todos os recantos e

sociedades do planeta, levando consigo seu modus operandi e suas contradições

para os mais diversos povos, acomodando-se e entrando em conflito com o modo

anterior de produzir a vida destas sociedades. Assim, o capital atingiu um nível tal de

hegemonia que, baseadas no senso comum, as pessoas pensam ser este o eterno e

único modo de produzir as condições necessárias à vida humana. Houve, assim,

uma consequente naturalização do capitalismo e das relações sociais dentro de

seus limites.

No entanto, há algo com que o capital tem se defrontado frequentemente em

sua história, causando sempre grandes transtornos e transformações nas

estratégias de sua acumulação e, consequentemente, na vida dos trabalhadores:

são as crises. Essas, por sua vez, são frutos das contradições das leis históricas

que regem o próprio capital, são inerentes ao mesmo e colocam na ordem do dia a

urgência de estratégias para a continuação de sua acumulação e vigência. A crise,

assim, não surge de algo externo ao sistema do capital, mas sim nas entrelinhas da

própria dominação do capital sobre o trabalho. Ou seja, a condição de não

realização das mercadorias produzidas, caracterizada numa superprodução advinda,

sobretudo, do avanço das forças produtivas em contradição com as relações sociais,

tem sempre ocasionado transformações na totalidade das relações sociais no modo

de produção capitalista. Alia-se a isso, mais recentemente, a intensa concorrência

internacional com o movimento de mundialização do capital.

Mas não é como fruto das próprias contradições do capitalismo que a crise é

explicitada pelos intelectuais engajados com a hegemonia burguesa. A exemplo da

crise dos anos 1970-90, forjaram-se sempre elaborações para dar conta daquilo que

supostamente se constituía nas suas causas.

No olhar vesgo da burguesia, a crise atual, uma vez mais, aparece como um desvio das leis ‘naturais do mercado’. A pedra de toque dos neoconservadores está na crítica à excessiva intervenção e agigantamento do Estado e, postula-se, como remédio, a volta da ‘regulação’ do mercado e as políticas monetaristas. (FRIGOTTO, 2010, p.84)

19

Como se num movimento de idas e voltas, outrora, na crise de 1929, o que se

viu foi a orientação de o Estado assumir a responsabilidade da regulação de um

mercado irresponsável que jogara a economia capitalista mundial num moinho de

distúrbios. Agora, evidencia-se o suposto afastamento do Estado para um suposto

bem estar do mercado.

Para Karl Marx (2006), estudioso no qual baseamo-nos fundamentalmente,

estudar a regularidade das leis que são inerentes ao capital e as contradições que

tendem a levá-lo a crises, foi um trabalho de uma vida inteira, mas que até hoje nos

ajuda a elucidar as questões que discorreremos nessa pesquisa. Assim, ao

analisarmos a acumulação histórica capitalista, a primeira característica que salta

aos olhos é a subsunção do trabalho ao capital. O caráter pernicioso dessa relação

tem reservado ao trabalho, fundamento ontológico da produção da vida pelo homem

com a natureza, um aviltamento do sentido humano do mesmo. O homem, enquanto

ser social e histórico que se constrói através do trabalho, não tem reconhecido neste

uma forma de engrandecimento pessoal e alargamento de suas possibilidades

humanas. O trabalho no advento do capital torna-se estranhado, alienado, ou seja,

algo que não contribui para a instituição da vida de forma humanizadora, mas antes,

coisifica os homens e suas relações. Dessa forma, de antemão, podemos apontar

que as saídas das crises capitalistas estão sempre diretamente relacionadas a

arrochos para a classe trabalhadora e mudanças outras para a classe dominante,

em nome da manutenção de uma maneira de produzir a vida em que os limites da

lógica da mercadoria parecem insubstituíveis. As crises, sempre necessárias ao

capital como uma forma de dar um salto adiante, é um processo também

caracterizado pela destruição das forças produtivas então disponíveis. Nesse

sentido, as transformações atingem o conjunto das relações sociais, incluindo

também a própria classe dominante. A questão é que os benefícios dessas

reestruturações sempre geram e concentram as riquezas fundamentalmente nas

mãos da classe dominante, ao passo que intensifica a exploração sobre a força de

trabalho.

No enfrentamento das crises, essa parceria capital-trabalho se torna ainda

mais dura para o último. A retroalimentação da locomotiva capitalista tem

significado, historicamente, mudanças no trabalho que lhe rendem um caráter cada

20

vez mais alienante e pauperizante. Às classes trabalhadoras, indispensáveis no

processo de saída das crises, as reformas políticas e econômicas às tornam mais

vulneráveis no que tange ao aparato das políticas sociais. Aqui, não é surpresa

vermos que na mais recente erupção da crise eclodida em 2008 nos EUA e que

ainda se segue, cujo epicentro hoje está nos países europeus onde os trabalhadores

alcançaram um Estado de Bem-Estar Social, a redução e extinção das políticas

sociais são o primeiro e principal ataque por parte dos capitalistas e suas agências

sobre os trabalhadores e suas conquistas. Mas vale lembrar que essa crise é

apenas a continuação da crise iniciada nos anos 1970-90 que, por sua vez, é uma

sequência da própria crise estrutural do capital.

[...] a crise dos anos 1970-90 não é uma crise fortuita e meramente conjuntural, mas uma manifestação específica de uma crise estrutural. O que entrou em crise nos anos 1970 constituiu-se em mecanismo de solução da crise dos anos 1930: as políticas estatais, mediante o fundo público, financiando o padrão de acumulação capitalista nos últimos cinquenta anos. A crise não é, portanto, como explica a ideologia neoliberal, resultado da demasiada interferência do Estado, da garantia de ganhos de produtividade e da estabilidade dos trabalhadores e das despesas sociais. Ao contrário, a crise é um elemento constituinte, estrutural, do movimento cíclico da acumulação capitalista, assumindo formas específicas que variam de intensidade no tempo e no espaço. (FRIGOTTO, 2010, p.66)

As crises sempre trazem consigo uma materialidade específica, apesar de

sua mesma gênese estrutural. Cada novo elemento que se coloca para enfrentar a

crise em andamento se torna um obstáculo num momento posterior. Se a entrada do

Estado foi a solução para a crise de 1929, posteriormente este mesmo Estado foi

apontado como a causa da crise nos anos 1970-90 pelos neoliberais (FRIGOTTO,

2010). É como se fosse um jogo no qual a solução sempre se transformasse no

próximo desafio. Vale lembrar, entretanto, que a crise que estamos encarando nos

dias atuais tem um caráter universal - porque não se restringe a um ramo específico

- e global, porque não se limita a poucos países (ALVES, 2011)

É justamente nos momentos de recomposição do capital que aparece com

grande frequência a palavra reforma como algo extremamente fundamental. Torna-

se algo imperativo à consecução da acumulação as reformas que atingem o âmbito

econômico, político, ideológico, etc. Evidentemente que essas reformas são

21

apresentadas como indispensáveis para o conjunto da sociedade, havendo aí um

grande esforço de natureza ideológica para sua disseminação, aceitação e

materialização. E para salvaguardar as condições necessárias para o

prosseguimento da acumulação não se leva em conta se isso acarretará um maior

sufoco por parte do trabalho, explorado pelo capital. Essas reformas podem adquirir

uma abrangência estrutural e atingir diversos campos da nossa sociedade, em

especial o campo educacional, setor de relevância na nossa pesquisa.

Por sua vez, essas reformas necessárias para assegurar os interesses

hegemônicos foram implementadas pelos agentes constituídos historicamente,

respaldados pela sociedade e que, sobretudo, foram indispensáveis na mediação do

trajeto para esse modo de produção. O Estado Moderno e suas faces subsequentes

é o agente fundamental na articulação desse processo. Geralmente colocado como

um ente que não representa os interesses de qualquer classe, mas garante o

convívio das diferentes classes em seu conjunto, o Estado frequentemente figura em

muitas análises como uma instituição que está para além do conflito capital-trabalho.

Aparece como se fosse uma coisa exterior a esse conflito, sobreposto de forma

idealizada em relação à luta de classes. Entretanto, apreendendo o movimento real

do Estado, percebemos seu papel fundamental na manutenção e desenvolvimento

do capitalismo. É sobre o papel de mediação estatal para saída da crise que

retomaremos mais adiante. Antes, porém, é adequado passarmos sobre o contexto

de mudanças evidenciadas na organização da produção a partir da década de 1980,

fundamentalmente caracterizada pelo incremento de uma nova base técnico-

científica. Essas mudanças conformaram transformações na ação estatal e,

consequentemente, nas políticas educacionais.

1.2 A saída da crise pelas mudanças na organização social do trabalho: a

reestruturação produtiva

Pelas relações historicamente conformadas entre os imperativos do modo de

produção capitalista e os sistemas educacionais, a reorganização evidenciada no

âmbito da base produtiva no contexto de saída da crise capitalista dos anos 1970-

90, apresenta-se como ponto fundamental na compreensão mais aprofundada de

22

nosso objeto. Este último é, em certos aspectos, decorrência dessas mudanças. Um

novo padrão de acumulação sob a advento do toyotismo estava sendo implantado

em todo o globo para a reconstituição da base de produção do capital. Estava em

curso, portanto, uma reestruturação produtiva.

O movimento de posição (e reposição) dos métodos de produção de mais-valia relativa denomina-se reestruturação produtiva, em que o capital busca novas formas de organização do trabalho mais adequadas à autovalorização do valor. [...] O que surge, hoje, com o novo complexo de reestruturação produtiva, cujo momento predominante é o toyotismo, é mais um elemento compositivo do longo processo de racionalização do trabalho vivo que teve origem com o fordismo-taylorismo. (ALVES, 2011, p.33,34)

Foi então na década de 80 que consideráveis transformações passaram a

tomar corpo na alçada da produção. O salto tecnológico significativo, a automação, a

robótica e a microeletrônica chegaram para modificar a realidade da fábrica,

inserindo-se e se desenvolvendo nas relações de trabalho e de produção do capital.

Esse conjunto de elementos deve ser refletido articuladamente com a ideia de que

respondem propriamente à recomposição da acumulação capitalista, pois o contexto

em que aparecem e se firmam é o de crise do modelo de acumulação fordista.

Não é necessário muito esforço para perceber que as relações sociais e os

postos de trabalho tem sofrido, a partir daí, modificações com uma certa rapidez.

Pelo fato de estar em curso uma reestruturação do tecido produtivo, as pessoas são

estimuladas a adquirir novas habilidades e até valores enquanto mão de obra, que

até então não era requerida. O âmbito produtivo na medida em que sofre

transformações, acaba submetendo os trabalhadores a se adequarem a elas. Essas

transformações são estendidas a praticamente todas as esferas da vida social.

A grande influência da economia, das novas tecnologias e da crescente

importância do conhecimento desembocou na denominada sociedade da informação

ou sociedade do conhecimento que é, na verdade, um elemento político ideológico

importante na reestruturação do próprio capital face a sua crise. Trataremos dessa

questão com mais atenção mais adiante.

O fato é que essa reestruturação, dentre outros pontos, foi marcada pela

influência da economia globalizada na organização da produção e dos mercados, na

interação com as tecnologias da informação, no aumento da flexibilidade da

produção, nas novas tecnologias de gestão e da comercialização e, finalmente, foi

23

marcada pelas mudanças organizativas que redefiniram os processos de trabalho

(ANTUNES, 2011). Todos esses movimentos tiveram como peça fundamental a

atuação de um ente que abordaremos com maior profundidade também mais

adiante: o Estado.

É preciso não esquecer que o capitalismo, para se fortalecer como modelo de produção, apoiou-se fortemente nos Estados Nacionais. Os governos coordenavam as políticas econômicas e industriais dentro de seu domínio; estabeleciam salários mínimos e condições trabalhistas de contratação; também não vacilavam em oferecer todo tipo de privilégios às empresas e aos grupos empresariais para atraí-los para seus territórios, o que levava a esforçar-se para garantir um ambiente social sem perturbações. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 15)

O processo de trabalho passa a ser guiado por novos padrões de busca de

produtividade. A produção em série e de massa passa a ser substituída por uma

produção flexível mais adequada às novas injunções do mercado. A hiper

especialização do fordismo ganha um caráter mais generalista. No processo atual

continua a especialização, mas houve, por um lado, a fusão de atividades

possibilitada pela robótica e pela informática. O emprego de novos padrões de

gestão da força de trabalho, a exemplo dos Círculos de Controle de Qualidade,

estão na direção de uma intensificação da exploração do capital sobre o trabalho

(FRIGOTTO, 2001).

Portanto, a acumulação flexível surge como estratégia corporativa que busca enfrentar as condições críticas do desenvolvimento capitalista na etapa da crise estrutural do capital caracterizada pela crise de sobreacumulação, mundialização financeira e novo imperialismo. Constitui um novo ímpeto de expansão da produção de mercadorias e de vantagem comparativa na concorrência internacional que se acirra a partir de meados da década de 1960, compondo uma nova base tecnológica, organizacional e sociometabólica para a exploração da força de trabalho. (ALVES, 2011, p.13)

É necessário pontuar, aqui, o perigo de super dimensionar a categoria de

acumulação flexível, pois o capital sempre procurou “flexibilizar” as suas condições

de produção, sobretudo a força de trabalho, configurando-se esse esforço numa de

suas características ao longo de seu próprio desenvolvimento histórico (ALVES,

2011, p.14). Mesmo no toyotismo combinam-se processos produtivos extremamente

24

elaborados, marcados pela alta tecnologia que requer uma qualificação compatível,

até processos precarizados, marcados pela desqualificação e desregulamentação.

Realidades como o trabalho escravo e infantil também surgem nesse ínterim

(SOUSA, 2010).

A mesma especialização flexível articula o expressivo desenvolvimento

tecnológico com a desconcentração produtiva. Sai de cena, dessa forma, a grande

fábrica que produz todas as peças de um determinado produto e entra a produção

enxuta, ou associada. Nessa última, há uma difusão da produção de partes de uma

mercadoria em diferentes lugares, mas que, no final, acaba sendo concentrada.

Cabe salientar, todavia, que o toyotismo não necessariamente sucede o

fordismo em totalidade absoluta, mas mescla-se com esse, substituindo-o

completamente apenas em alguns locais pontuais da economia globalizada. Além do

mais, seu caráter mais conciliatório entre as classes antagônicas ajudou na ofensiva

capitalista sobre o trabalho.

O toyotismo é a expressão plena de uma ofensiva ideológica (e material) do capital na produção. Ele é um dispositivo organizacional e ideológico cuja intentio recta é buscar debilitar (e anular) ou negar o caráter antagônico do trabalho vivo no seio da produção do capital. (ALVES, 2011, p. 60)

A respeito do fordismo, forma de organização social do trabalho anterior e, de

certa forma, concomitante ao toyotismo, se compreende fundamentalmente como

[...] a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo do século XX, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista, pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões. (ANTUNES, 2011, p.25)

Recusando-se a uma produção em massa nos moldes fordistas, postulava-se

que a forma flexível, associada posteriormente ao toyotismo, não estaria sujeita à

alienação do trabalho nos parâmetros fordista. No entanto, há de se ressaltar a

25

existência paralela entre fordismo e toyotismo, em vez de uma extinção total do

primeiro.

[...] há a existência de uma combinação de processos produtivos, articulando o fordismo com processos flexíveis, ‘artesanais’, tradicionais. Em suas palavras: ‘a insistência de que não há nada essencialmente novo no impulso para a flexibilização e de que o capitalismo segue periodicamente esses tipos de caminhos é por certo correta [...] mas considero igualmente perigoso fingir que nada mudou, quando os fatos da desindustrialização e da transferência geográfica de fábricas, das práticas mais flexíveis de emprego do trabalho e da flexibilidade dos mercados de trabalho, da automação e da inovação de produtos olham a maioria dos trabalhadores de frente’. (HARVEY, 1992 apud ANTUNES, 2011, p.29)

Segundo o pensamento de Antunes (2011) há quatro fatores que

desembocaram no toyotismo: a necessidade de o trabalhador atuar

simultaneamente em várias máquinas, o fato da empresa ter que aumentar a

produção sem aumentar a quantidade de trabalhadores, a importação para a

indústria automobilística japonesa da experiência das técnicas de gestão dos

supermercados americanos que resultou no método de produção kanban (produzir

somente o necessário e fazê-lo no melhor tempo) e, finalmente, o alargamento

dessas experiências para as empresas fornecedoras e subcontratadas. Além disso,

no pioneirismo japonês, havia a necessidade de se produzir para um mercado

interno que pedia produtos diferenciados e em pequena quantidade. O pioneirismo

japonês não esteve sozinho, pois outros arranjos evidenciaram-se na época, mas

não tão significativamente quanto o primeiro.

Surge, de fato, a partir de meados da década de 1970, um novo tipo de empreendimento capitalista em determinadas regiões do mercado mundial, uma série de experimentos produtivos representando o novo regime de acumulação flexível com o capital reencontrando-se com o seu ser-precisamenta-assim. Por exemplo, na década de 1980, rica em inovações capitalistas, salienta-se a especialização flexível, na Terceira Itália; ou o kalmarianismo, na Suécia. Entretanto, o que possui maior capacidade de expressar as necessidades imperativas do capitalismo mundial é a experiência do toyotismo no Japão. É como se, a partir daí, o capital tivesse descoberto o segredo (ou o mistério) de um novo padrão de mercadorias. (ALVES, 2011, p.17)

26

Segundo Ricardo Antunes (2011) a produção no toyotismo se volta para o

consumo. Diferentemente do fordismo da produção em série e de massa, a

produção no toyotismo é diversificada e está sempre a postos para suprir as

necessidades de consumo. A produção aqui é realizada levando-se em

consideração o estoque mínimo. O just in time garante no toyotismo o melhor

aproveitamento do tempo durante todo o processo de produção, do transporte ao

estoque. A relação homem/máquina do fordismo se torna um tanto obsoleta. O

operário deve operar com mais de uma máquina. Assim surge o trabalho em equipe.

Uma equipe de trabalhadores frente a uma gama de máquinas automatizadas

exigindo maior destreza e tomadas de decisões rápidas.

Um outro elemento do toyotismo é estender às empresas terceirizadas a

produção de elementos básicos para posterior confecção de um produto. As

empresas fornecedoras, assim, acabaram absorvendo as mesmas práticas da

organização principal: o just in time, a flexibilização, a terceirização, a

subcontratação, o controle de qualidade total, etc. Tudo isso resultava numa

intensificação do trabalho seja na organização mor, seja nas fornecedoras. Ou seja,

não passava de uma errônea impressão a compreensão de que o trabalho no

toyotismo adquirira um caráter menos alienante do que no fordismo. Toda a

aparente diversificação de ações no trabalho visava, no fundo, a intensificação da

acumulação e a racionalização do trabalho.

[...] julgamos pertinente afirmar que a ‘substituição’ do fordismo pelo toyotismo não deve ser entendida, o que nos parece óbvio, como um novo modelo de organização societária, livre das mazelas do sistema produtor de mercadorias e, o que é menos evidente e mais polêmico, mas também nos parece claro, não deve nem menos ser concebido como um avanço em relação ao capitalismo da era fordista e taylorista. (ANTUNES, 2011, p.39)

O que ocorre acerca do toyotismo é uma aparente eliminação da separação

entre elaboração e execução. Mas isso não passa de uma aparência porque não

são os trabalhadores que decidem o que produzir e como produzir. Ou seja, a velha

condição de venda da força-de-trabalho continua a mesma. Mas, diversamente do

fordismo, no toyotismo há uma queda do número de trabalhadores da indústria

(operariado fabril), ou seja, há uma redução da classe operária industrial tradicional.

Isso ocorreu principalmente nos países de capitalismo central. O que veio à tona,

27

então, foi o aumento de trabalhadores do setor de serviços, bem como evidenciou-

se uma maior diversificação entre os trabalhadores no geral.

Na medida em que [...] o fantástico progresso técnico vem demarcado pela lógica privada de exclusão, este conjunto de métodos e técnicas de organização e gestão do processo produtivo não só se inscreve nesta lógica como é um mecanismo de ampliação da mesma. Os custos humanos são cada vez mais amplamente evidenciados pelo desemprego estrutural que aumenta, atingindo sobretudo os jovens e os velhos, o emprego precário e a produção, mesmo no Primeiro Mundo, de cidadãos de segunda classe. (FRIGOTTO, 2001. p. 46)

Num pólo estão os trabalhadores mais qualificados e intelectualizados, a

bordo dos processos envoltos de mais tecnologias e ocupando posições mais

centrais na produção de mercadorias; no outro estão os trabalhadores mais

precários. Surge a presença feminina com maior expressividade, bem como uma

intensificação da subproletarização: trabalho temporário, parcial, terceirizado, etc. A

classe trabalhadora torna-se mais heterogeneizada, fragmentada e complexificada.

Tudo isso regado à regressão dos direitos sociais adquiridos durante o welfare state,

na Europa, sobretudo.

Segundo Marx (2006), com o desenvolvimento da subsunção real do trabalho

ao capital não seria o trabalhador industrial, mas uma crescente capacidade de

trabalho socialmente combinada que se converte no agente real do processo de

trabalho total. Assim, esse intelectual já vislumbrava, a partir de seus estudos

sistemáticos sobre o capital, traços de uma tendência que passou a se concretizar

no advento toyotista da produção flexível, especificamente no novo tipo de trabalho

requisitado. Este último, caracterizado agora por uma polivalência, por um caráter

multi-facetado (ANTUNES, 2011).

Estabelece-se um complexo processo interativo entre trabalho e ciência produtiva, que não leva à extinção do trabalho, como imaginou Habermas, mas a um processo de retroalimentação que necessita cada vez mais de uma força de trabalho ainda mais complexa, multifuncional, que deve ser explorada de maneira mais intensa e sofisticada, ao menos nos ramos produtivos dotados de

maior incremento tecnológico. (ANTUNES, 2011, p.121)

28

Em outras palavras, o trabalho vivo, mesmo continuando insubstituível, só

tem sofrido uma intensa exploração, na medida em que avançam as técnicas

implementadas na base produtiva.

O crescimento da produtividade do trabalho nas últimas décadas, por conta das inovações tecnológico-organizacionais do capital, significou uma tendência à diminuição relativa do trabalho vivo na produção social, no interior de uma ordem mercantil sob predomínio da acumulação financeirizada que preserva a obrigação de trabalhar. Longe de representar uma liberação favorável a todos, próxima de uma fantasia paradisíaca, o aumento da produtividade do trabalho social tornou-se uma ameaça, contribuindo não apenas para a rarefação do emprego, mas para a precarização dos estatutos salariais. (ALVES,2011, p.25)

É preciso pontuar que essa nova face do capital apropria-se crescentemente

da dimensão intelectual do trabalho. Há uma maior captura da subjetividade dos

trabalhadores que passam a ser mais integracionistas. Esse saber intelectual é

subsequentemente transferido para as máquinas informatizadas, que demandam

uma maior interação entre o trabalhador e a nova máquina inteligente.

O cérebro dos operários e dos empregados, não está mais livre, como no taylorismo-fordismo. Deve-se combater nos locais de trabalho e nas instâncias da reprodução social o pensamento crítico ou aquilo que Gramsci tratou como ‘um curso de pensamentos pouco conformistas’. Incentivam-se habilidades cognitivo-comportamentais pró-ativas e propositivas no sentido adaptativo aos constrangimentos sistêmicos. No plano linguístico-locucional deve-se trocar a sintaxe da luta de classes para a sintaxe da concertação social. (ALVES, 2011, p. 65)

Nesse sentido, o toyotismo é um avanço em relação à captura da “alma” do

trabalho vivo. Coisa que não foi executada com tamanha precisão no âmbito

fordista.

O fordismo ainda era, de certo modo, uma ‘racionalização inconclusa’, pois, embora instaurasse uma sociedade ‘racionalizada’, não conseguia incorporar à racionalidade capitalista na produção as variáveis psicológicas do comportamento do trabalhador assalariado, que o toyotismo procura desenvolver por meio de mecanismos de envolvimento estimulado do trabalho vivo. (ALVES, 2011, p.100)

29

Todas essas injunções vão desaguar sobre a educação de forma implacável.

Enquanto campo de formação da força de trabalho importante para atender às

demandas do capital, a escola vai ser o alvo em cheio da implementação de

reformas que vão operar na conformação da classe trabalhadora nesse novo

contexto capitalista.

Para tratarmos das transformações advindas da organização da produção e

que alcançam o campo educacional, é necessário considerarmos, antes de tudo, o

papel importante do Estado na consolidação dos desígnios do capital. Isso porque

cabe ao Estado o fornecimento de serviços básicos à população mediante políticas

sociais de educação, saúde, previdência, etc. Essa promoção das políticas sociais,

por sua vez, sofreu influências do capital em sua cruzada de recomposição devido à

crise.

1.3 As crises e o Estado capitalista: reformas e rebatimentos nas políticas

sociais, em especial na educação

Convém agora fazermos uma retomada da natureza e da ação do Estado

dentro do modo de produção capitalista para que possamos compreender com maior

precisão os tipos de mediações efetivadas por este ao longo da história que

viabilizam suas relações com a economia, a sociedade e as classes sociais, bem

como ajudar na elucidação das articulações tão estreitas entre os interesses do

capital e a educação dos trabalhadores, no contexto de enfrentamento da crise

capitalista. Os ajustes estruturais e as reformas no âmbito do Estado garantem o

processo de produção e reprodução do capital, e isso é de fundamental importância.

Com o advento da modernidade, o Estado tem sido levado em consideração

em análises das questões sociais porque ele reflete em sua dinâmica as

contradições de classes. Assim, o Estado torna-se uma forma ampliada de

socialização das condições gerais de produção (MINAYO, 2010). É das

transformações ocorridas no aparelho estatal, devido ao movimento experimentado

pelo sistema do capital, que partirão as disposições necessárias para se implantar

reformas mais estruturais que, por sua vez, permitem reformas educacionais do tipo

vivenciadas na própria experiência do Programa de Educação Integral de

Pernambuco. Um Estado menos defensor do direito social e mais aberto às

30

parcerias com a iniciativa privada no provimento de políticas públicas, mais

focalizadas, passa a ser uma tendência marcante.

Ao ser questionado o papel do Estado no contexto das políticas neoliberais,

tornam-se necessários as reformas e os ajustes estruturais do mesmo.

Organizações como o FMI, o BM e a OMC trataram de implementar essa agenda,

principalmente nos países considerados em desenvolvimento. Esses ajustes

materializaram um ataque às conquistas dos trabalhadores e a uma privatização do

serviços públicos. É importante destacar, entretanto, que a forma com que esses

organismos influenciaram nas reformas na periferia do capital não foi linear. A

intensidade e amplitude em cada país dependeu da realidade social, política e

econômica.

É sobretudo na década de 1990, sob o período dos governos de Fernando

Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que a reforma do Estado

brasileiro toma corpo, a partir das reformas estruturais adotadas como estratégias

para a superação da crise do capitalismo em escala mundial. Tomam forma devido a

uma sistemática subsunção da política e da economia do país à organicidade do

capital globalizado. A marca neoliberal nos princípios das políticas públicas,

sobretudo nas educacionais, passaram a legitimar e impulsionar as parcerias entre o

setor público e o setor privado na efetivação de programas e projetos educacionais

(SILVA; ANTONIO; CECILIO, 2010).

Mas é a reforma do Estado o ponto principal que evidencia a influência das

políticas neoliberais. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995,

aglutina os pressupostos gerais que estabelece diretrizes e define objetivos para a

reforma da administração pública. A privatização figurou como um dos eixos centrais

nesse importante documento. Na educação, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o

Plano Nacional de Educação (PNE), aprovados ainda na vigência do governo FHC,

também se enquadram no contexto de consolidação das reformas. Acabam por

estimular a transferência de recursos públicos para o setor privado e acenam no

sentido da busca de otimização dos recursos existentes para as políticas sociais,

sem ampliá-los (COSTA, 2006).

Ao retomarmos a teorização mais aprofundada sobre o Estado, é importante

passarmos pelas acepções da tradição teórico-política liberal, na qual há uma

tendência à compreensão do Estado como uma expressão de uma ordem social

mais ou menos harmônica, e que representa a totalidade consensual da sociedade.

31

Nessa compreensão de Estado, os indivíduos, independentemente da classe social,

são livres para intercambiar o poder ao longo do tempo. É um entendimento que

podemos dizer está aproximado às formulações de Adam Smith sobre a mão

invisível do mercado, que permite a todo e qualquer indivíduo intercambiar

mercadorias a depender de sua vontade própria.

O que ocorre é que em ambas as compreensões expostas acima, aquela

sobre o Estado e a outra sobre o mercado, as condições concretas em que estes se

assentam, bem como as relações de poder que se fazem presentes no movimento

da realidade, são ofuscadas por uma explicação nebulosa e, porque não dizer,

idealizada. Essa explicação não demonstra que o Estado, nas sociedades

classistas, é uma expressão mediadora da dominação política.

É, na verdade, o “resumo oficial” de uma sociedade de classes e, consequentemente, não é neutro diante das lutas e dos antagonismos sociais produzidos por desigualdades e iniquidades estruturais. Da mesma forma que o mercado “realmente existente” – e não o que imaginam os teóricos liberais -, o Estado é o lugar onde sujeitos formalmente livres e iguais, mas profundamente desiguais, estabelecem relações políticas de superordenação e subordinação. (BORÓN, 1994, p. 249)

Para focarmos melhor a questão do Estado, é necessário descermos a esfera

da produção, como se estivéssemos de fato “pisando no chão” para compreender as

suas determinações. No processo produtivo em si, os sujeitos estão dispostos em

diferentes posições e isso, além de determinar as classes fundamentais, lança as

bases que vão dar na posterior configuração do Estado. Porém, para a efetivação da

complexa dominação política de uma classe pela outra se requer outras mediações

além da estrutura estatal, como a ideologia e o partido político, sem os quais o

domínio político econômico da burguesia não poderá alcançar a totalidade da

sociedade civil (BORÓN, 1994). Existe um controle ideológico sobre as premissas

contraditórias e conflituosas da sociedade capitalista que é fundamental para a sua

continuidade. Aqui cabe atentar para o fato de que não é a origem social dos

quadros dirigentes que estabelece o traço classista do Estado, mas sua estrutura

interna em funcionamento, sua anatomia funcional. Podemos considerar que

[...] a articulação concreta do Estado com a reprodução capitalista pode ser descoberta se se examinam dois tipos de seletividade

32

sistêmica que se acham ‘incorporadas no seio do sistema de instituições políticas’. Estes mecanismos permitem ao Estado destilar “os interesses classistas do universo de interesses estreitos, de curto prazo...” Por outro lado, o Estado burguês deve ter uma “seletividade complementar que consiste em proteger o capital coletivo dos conflitos e interesses de natureza anticapitalista.” (CLAUSS OFFE, 1990 apud BORÓN, 1994, p. 258)

Se aprofundarmos no modo como as teorias liberais concebem a natureza do

Estado, logo veremos que nestas a sociedade não é apresentada em sua

organização conflituosa de classes. Uma nuvem de conciliação é sempre posta

como o papel fundamental do Estado.

Por outro lado, muitas leituras marxistas apresentaram por algum tempo a

compreensão do Estado permeado por um mínimo de dialética. Essas leituras

marxistas encurtadas anulava o Estado de qualquer iniciativa autônoma, como se

esse fosse um servo unânime da burguesia. Em uma tendência se compreendia o

Estado apenas como reflexo da base econômica, sem qualquer ação própria por

parte deste, era como se fosse um braço da burguesia sem qualquer musculatura,

rígido e travado. Configurava-se, assim, uma vinculação entre Estado e economia

que não correspondia à realidade, pois perdiam-se os múltiplos movimentos desta

última. Uma outra vertente insistiu veementemente numa visão instrumental do

Estado compreendendo este como o “comitê executivo da burguesia”, como se

fosse unicamente atendido os interesses dessa classe (BORÓN, 1994).

Por isso, uma outra interpretação realmente alinhada à natureza do método

marxista apresenta a capacidade de teorizar o Estado levando em conta toda uma

riqueza de múltiplas determinações. Nenhuma determinação, em isolamento, pode

dar conta sozinha da plenitude do fenômeno que é o Estado e as mediações que

este opera no seio do capitalismo. De modo geral, Atílio Borón (1994) nos aponta

quatro dimensões importantes na recuperação plena do significado do Estado dentro

desta tradição:

1 - um “pacto de dominação” mediante o qual uma determinada aliança de classes constrói um sistema hegemônico susceptível de gerar um bloco histórico. 2 – uma aliança dotada de seus correspondentes aparatos burocráticos e capaz de transformar-se, sob determinadas circunstâncias, em um “ator corporativo”. 3 – um cenário da luta pelo poder social, um terreno onde se dirimem os conflitos entre distintos projetos sociais que definem um padrão de organização econômica e social. 4 – o representante dos “interesses

33

universais” da sociedade e, enquanto tal, a expressão orgânica da comunidade nacional. (BORÓN, 1994, p.255)

Gentil Corazza (1987) traz uma interessante leitura do Estado em correlação

com as relações sociais de produção de uma sociedade, ou seja, a compreensão do

Estado pressupõe a compreensão das estruturas básicas de funcionamento dessa

sociedade, da forma mais fundamental desta em produzir as condições de vida para

todos. Por isso, aqui há um foco nas mediações entre as relações de produção e a

natureza do Estado. Este último está como o resultado, um produto das relações

sociais. Cabe, pois, ao Estado uma função básica de preservação dessas relações

de produção. Isso significa a garantia da manutenção e reprodução de ambas as

classes sociais: a capitalista e a trabalhadora. Sendo assim, o interesse do Estado

não é especificamente o interesse de uma classe, mas sim os interesses que vão

assegurar a continuidade dessa relação contraditória e desigual. Ao criticar as

formas limitadas de compreensão do Estado que apontam uma falsa separação

entre estado e sociedade, o autor adverte que:

A incapacidade de conceber a realidade social como um todo único, constituído pelas relações sociais capitalistas de produção, de que a economia, o Estado e a sociedade não são partes separáveis, mas aspectos apenas analiticamente distinguíveis, é que impede a compreensão do que seja o Estado e de sua ação sobre a economia e a sociedade. (CORAZZA, 1987, p.22)

A economia, o Estado e a sociedade são apenas aspectos analíticos de um

todo que são as relações de produção. Assim, as relações sociais de produção se

colocam como um ponto indispensável para superar as leituras insuficientes sobre a

natureza do Estado. Esse último, figura como uma síntese dessa sociedade e sua

economia, e como tal, é tão contraditório quanto as relações sociais vigentes. Assim,

as modificações experimentadas na sociedade capitalista, terão repercussões na

ação do Estado, tal como o que ocorreu ao longo da década de 1990 no aparelho de

Estado brasileiro, para poder acompanhar as mudanças ocorridas na política e na

base de produção do capital a nível mundial.

Para Engels (1980 apud CORAZZA, 1987, p22), o “Estado é, antes, um

produto da sociedade”. E, para todo efeito, a sociedade em que vivemos é a

34

sociedade capitalista. Logo, para se compreender o Estado, é necessário

entendermos essa sociedade fundamentalmente.

É sempre na relação direta dos proprietários das condições de produção com os produtores diretos que encontramos o segredo mais íntimo, o fundamento oculto de toda a construção social e, por conseguinte, da forma política das relações de soberania e de dependência, em suma, de cada forma específica de Estado. (MARX, 1980 apud CORAZZA, 1987, p.22)

Essa importante relação que Marx nos expõe acima não pode ser encarada

como um achado de uma fórmula definitiva, uma categoria rígida. A forma de

recepção e reprodução pouco dialética constituiu-se no erro das interpretações

marxistas hoje criticadas. A partir dessa relação, o autor nos oferece uma categoria

viva que pode e deve ser alargada para poder dar conta da realidade,

especificamente aqui, para dar conta do entendimento da natureza do Estado.

A relação básica da sociedade capitalista entre capitalistas e assalariados

enquanto classes sociais fundamentais nos oferece os elementos para entendermos

esse Estado capitalista com maior riqueza de detalhes. É que essa relação se

caracteriza por ser conflituosa, mas pode se aparentar harmônica e livre. Não passa

de uma aparência. É como se os trabalhadores fossem plenamente livres para

vender sua mão de obra. Há, pois, um caráter de relação de igualdade, puramente

econômica, regulada livremente pelo mercado como um mero contrato. Mas é

preciso atentarmos que a expropriação do excedente produzido pela mão-de-obra

assalariada pode até se apresentar como uma relação justa, contratual, mas que de

fato não o é, a não ser em sua aparência. O aspecto privado dessa relação não

seria mesmo possível sem a presença do Estado e suas instituições como uma

espécie de porto seguro onde as partes envolvidas podem recorrer ao mesmo tempo

em que esse Estado permite a manutenção da própria relação (CORAZZA, 1987).

A sociedade capitalista se constitui justamente pela forma de apropriação do

excedente criado pelo trabalho em sua costura de classes, permitindo a troca

desigual entre o produto de maior valor criado pelos trabalhadores no processo

produtivo e o salário que é recebido por estes. Esconde-se nessa relação por meio,

sobretudo, da ideologia, as contradições reais que permitem a exploração do

trabalho. Para tal, o Estado entra em ação e é um “aspecto” e não uma parte dessa

relação, porque parte indica a possibilidade de separação concreta, e “aspecto” só é

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separável analiticamente por uma operação da mente. O Estado seria assim, o

aspecto coercitivo das relações sociais capitalistas de produção.

Ao passo que os capitalistas estão desarmados dos instrumentos de coerção

oficiais, o Estado vem e desempenha esse papel com um dissimulado caráter

impessoal. Há, portanto, uma separação no capitalismo entre a coerção econômica

e a coerção política que permite uma dominação de classe igualmente dissimulada.

Faz sentido, dessa forma, os questionamentos seguintes:

Por que a dominação de classe não fica sendo o que é, sujeição de uma parte da população a uma outra? Por que ela reveste a forma de uma dominação estatal oficial, ou o que vem a ser o mesmo, por que o aparelho de coerção estatal não se constitui como aparelho particular da classe dominante, por que ele se separa desta última e reveste a forma de uma aparelho público, impessoal, separado da sociedade? (SALAMA, 1980, apud CORAZZA,1987, p.21)

Temos, então, que a função primordial do Estado é estabelecer as condições

de reprodução da relação social capitalista, mesmo que isso signifique em perdas

pontuais aos capitalistas. O fundamental é a manutenção da totalidade deste modo

de produção, com suas nuances, evidentemente.

Foi importante fazermos esse trajeto para pontuarmos que é nas relações

sociais de produção de onde parte a origem e a essência do Estado capitalista. Isso

nos ajuda a elucidar a questão sem riscos de levar nossa compreensão pelas

aparências das coisas, idealizando a realidade e distanciando-se dela. Com esse

movimento teórico compreenderemos melhor o papel do Estado e suas mutações no

contexto de recomposição do capital frente a suas crises.

É por isso que ao lançar a ofensiva para a reconstrução plena das condições

em que se permitisse a retomada do avanço da acumulação capitalista por volta da

década de sessenta do século XX em diante, as prescrições neoliberais, que

aprofundaremos a seguir, lançaram-se sobre o Estado de Bem Estar Social de forma

a recolocar o papel deste na organização da economia, sobretudo. A partir daí, entra

em cena com maior intensidade as ideias liberais ora retomadas por teóricos como

Hayek. Essas ideias postulam que o Estado deve se afastar o máximo da

interferência nos mercados. Este último, tido pelos neoliberais como campo pleno da

sagacidade e iniciativa humana, deveria ser deixado à vontade para desenvolver-se

e permitir aos cidadãos as condições de participar dele, como se todos os cidadãos

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tivessem as mesmas chances materiais ou posse dos meios de produção. Assim, se

no enfrentamento da crise de 1929, o Estado fora chamado à regular os desvarios

do mercado, impedindo que os próprios capitalistas se destruíssem em sua

contenda fratricida, nessa crise posta no último quartel do século XX, o papel

delegado ao Estado era o afastamento dos assuntos do mercado como ponte para a

saída da crise (BORÓN, 1994). Percebemos então que a relação estatal pode sofrer

deslocamentos em função dos interesses das classes fundamentais, sobretudo em

função da manutenção do modo de produção capitalista, mas não pode ser banido

dessas balizações, apesar de ser excretado em alguns momentos. Não pode ser

banido porque é fundamental e necessário.

No contexto neoliberal de recomposição da acumulação capitalista, a

constante ideia de retirada do Estado de um papel interventor na economia estava

colada à redução desse mesmo Estado na promoção de políticas sociais estáveis e

fortes. A previdência, a educação e a saúde, bem como outros setores, passam a

sofrer fortes injunções políticas, administrativas e econômicas advindas da lógica do

mercado, ora ocupando um espaço que era de exclusividade estatal. Evidentemente

que esse processo não se deu de um minuto ao outro, porém, levou décadas e

ainda vem em curso nos dias atuais não apenas sobre os países de capitalismo

central, mas sobre o conjunto das nações do globo.

Nos dias de hoje, ainda num contexto de saída da crise que se arrasta e se

agudiza, está em voga a discussão que coloca o conflito entre Estados-nação versus

agências político-econômicas transnacionais. Estas últimas, segundo essa

compreensão, tem se sobreposto aos primeiros de forma impiedosa, desmantelando

um Estado que garantiu, especificamente no caso europeu, ao longo de décadas,

direitos sociais ao conjunto da população. Muitas leituras do conflito explicitado

acima esquecem que o Estado-nação representou, na verdade, uma etapa da

acumulação do capital. Etapa esta que contava com a ameaça do socialismo real,

logo a concessão de benefícios aos trabalhadores tornava-se algo necessário. É

importante, no entanto, salientar a movimentação política dos trabalhadores em

conquistar essas garantias sociais por parte do Estado. No entanto, em seu

conjunto, essa fase serviu de amortecimento às possíveis radicalizações por parte

do trabalho. Em poucos anos, o capital apontaria sua ofensiva, através do

neoliberalismo, pauperizando essas garantias sociais. A crise experimentada dos

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anos 1960/70 em diante daria gás para ser levado a cabo uma grande reforma

econômica, política e ideológica que tem atingiria todo o globo.

O campo educacional não esteve livre das influências ocorridas no campo

econômico e político. A escola, a exemplo do próprio Programa de Educação

Integral de Pernambuco, vai sofrer as transformações advindas desses outros

campos.

Como produto e fator conformados, por sua vez, da discórdia social, a escola está necessariamente envolvida nos grandes conflitos inerentes a uma economia capitalista e a um Estado capitalista liberal. Esses conflitos residem na contradição entre a relação desigual subjacente à produção capitalista e a base democrática do Estado capitalista liberal. A escola é essencial para a acumulação do capital e para a reprodução das relações de produção capitalista dominantes, e é considerada pelos pais e pelos jovens como um meio para uma maior participação na vida econômica e política (CARNOY;LEVIN, 1985, apud ENGUITA, 1989, p.229)

Passemos, então, ao movimento experimentado pelo Estado devido ao

surgimento das políticas de matriz neoliberal, que até hoje tem peso no caráter das

políticas sociais ofertadas por esse mesmo Estado.

1.4 O neoliberalismo na recomposição do capital em crise e suas incursões na

educação

Ao refletirmos acerca do neoliberalismo e sua incursão no campo das

políticas sociais, podemos apreender os efeitos que o mesmo causou no campo

educacional. Foi seguindo a cartilha neoliberal de formatação da ação estatal que,

em Pernambuco, por volta dos anos 2000, a iniciativa privada pôde co-participar

com o Estado na oferta de políticas sociais consideradas fundamentais. Na

educação, o processo se deu com a parceria entre governo e empresariado na

criação de um ensino médio reformado, ao “bom” modelo pedagógico pró-capital. O

mote de desqualificação da escola pública que se tinha como consenso também

ajudou na implantação dessa escola reformada que culminou, anos mais tarde, no

Programa de Educação Integral. É primordial, assim, fazermos uma retomada do

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neoliberalismo para melhor entendermos as nuances da escola reformada

representada hoje pelo Programa de Educação Integral de Pernambuco.

Dessa forma, foi após a II Guerra Mundial que surgiram os pressupostos de

uma resposta política e econômica contra o Estado de Bem-Estar Social

intervencionista na economia. Essa resposta tinha como fins reorganizar as relações

entre o Estado, a economia e a sociedade face à crise da acumulação do capital que

se colocava. Ou seja, as forças hegemônicas, diante de uma crise de

superprodução, colocaram em ação um programa de mudanças. Essas, por sua

vez, tiveram seu impulso e fundamentação no bojo da recomposição da crise, e

procuraram os melhores meios de se legitimar.

A proposta neoliberal se organizava em torno de ideias que pregavam a

necessidade de um Estado decisivamente desinteressado da regulação da

economia. Era exatamente um ataque na contramão do que aconteceu no pós crise

de 1929, quando os estragos da livre movimentação do mercado tiveram que ser

pertinentemente acompanhados pela supervisão e regulação do Estado. As

intervenções estatais na economia através dessas regulações passam a ser

criticadas como indesejável “burocratismo estatal” e como inibidoras da livre

iniciativa das pessoas no mercado. Nessa mudança há sintomaticamente

[...] uma marcha acelerada de reversão das nacionalizações efetuadas no pós-guerra. Esta maré privatizante marca uma ruptura muito clara com as estratégias industriais anteriores, que valorizavam as empresas públicas como instrumentos fundamentais para um desenvolvimento econômico soberano. (FERNANDES,1995, p.55)

O apelo pelo livre comércio em torno dessas reformas macroeconômicas e

estruturais deram o contexto do surgimento das instituições irmãs que são o Banco

Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Nascidas a partir das deliberações de

Bretton Woods, essas instituições colocariam em funcionamento juntamente aos

governos o motor do neoliberalismo.

Podemos apontar inexoravelmente que um marco teórico dessa aurora

neoliberal é o conhecido texto do filósofo e economista austríaco Friedrich A. Hayek

intitulado O Caminho da Servidão. Trata-se de um ataque fervoroso contra qualquer

limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como uma

ameaça letal à liberdade econômica e política (ANDERSON, 1995). Além disso,

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trazia uma mensagem de que a social democracia conduziria a um tipo de servidão

moderna, tal o qual fizera o nazismo alemão. Este homem fez parte da Escola de

Viena de Economia como um importante membro. Esta escola, dentre outros feitos,

se esforçou no movimento de atualização do liberalismo clássico. Nos fundamentos

expressos em seu livro, Hayek

[...] insiste em que todo planejamento econômico dos Estados é uma ingerência nos direitos e liberdades individuais, incluindo entre elas, portanto, a liberdade econômica de poder escolher; tal caminho levaria a posturas autoritárias. O motor da economia e do bem-estar deve ser a pessoa, considerada individualmente, não o Estado. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p.85)

Na verdade, toda a formulação teórica que se segue a partir daqui pelos

pensadores pró-neoliberalismo leva um certo tempo para serem aceitas e

implantadas, porém vão orquestradas na mesma linha de crítica ao “excesso de

ação estatal”. Mas uma vez disseminadas, tornam-se o eixo político e ideológico

pelo qual os capitalistas em parceria com os governos vão lançar-se na

recomposição de seus interesses devido à crise da acumulação de capital em curso.

A partir daí, o que se vê é uma propalada receita de reformatação do Estado para

atender às necessidades da conjuntura demandadas pelo capital.

[...] o Estado tende a reduzir o seu papel tradicional no setor público, transferindo as responsabilidades que tem a ver com o chamado Estado do Bem-Estar para o âmbito privado, para empresas privadas. A sua principal função limita-se à programação e à tomada de decisões que favoreçam essa transferência de poderes, não vacilando em assumir os erros dos grupos empresariais que fracassarem em seu jogo de mercado. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p.19)

Como se percebe a partir da citação acima, o Estado não é necessariamente

anulado e ignorado como tanto apregoavam os defensores ferrenhos do modelo

neoliberal. Na verdade, a atividade econômica capitalista em todos os seus aspectos

precisava era de uma nova formatação de Estado que atendesse com maior eficácia

as demandas da acumulação. Engana-se, portanto, quem pensar que o

neoliberalismo significa ausência da ação estatal. O que há, na verdade, é uma forte

influência ideológica sobre o senso-comum formando opiniões superficiais acerca da

ação do Estado.

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Através de uma apresentação fetichizada da realidade, o Estado aparece na

literatura neoliberal como uma instituição sem grande importância, o que não é

verdade. Pois se esconde o papel fundamental desse Estado reformado, mas

conservador em sua essência. A ação estatal continua sendo fundamental para

organizar as articulações dos interesses capitalistas caracterizados pelo capital

monopolista e sua transnacionalização. É importante destacar que nesses anos de

fortes injunções neoliberais,

A direitização do clima ideológico e político do Ocidente nos anos 80 trouxe consigo um duplo movimento: por um lado, uma supersticiosa exaltação do mercado, fechando os olhos para os resultados catastróficos que seu funcionamento autônomo havia produzido no passado – até desembocar na Grande Depressão de 1929 – e absolvendo-o piedosamente de suas culpas. Por outro, uma recíproca satanização do Estado como causador de todas as desgraças e infortuitos que, de diferentes maneiras, afetaram as sociedades capitalistas. (BORÓN, 1998, p. 77)

Assim, o que importava era retirar de cena ou enfraquecer significativamente

as ações do Estado de Bem-Estar Social, na Europa principalmente. Passou-se a

associar tudo o que era estatal a sinônimo de ineficiência, enquanto a iniciativa

privada figurava como a fonte da eficiência para todas as atividades.

É bom lembrar que o Estado de Bem-Estar Social, durante décadas, mediou a

convivência nos países europeus entre as classes fundamentais de forma

razoavelmente estável e conciliatória. Durante esses anos, a classe trabalhadora

europeia foi assistida por políticas sociais um tanto robustas, ao mesmo tempo em

que o capital continuava sua acumulação voraz por outro lado. Podemos concluir

que nesse intervalo de tempo foi possível o “crescimento do bolo” para todos, mas

isso apenas no cenário europeu. O sistema capitalista, durante esse mesmo tempo,

jogava diferentemente com as classes trabalhadoras nos países de capitalismo

periférico. Nesses últimos, além das políticas sociais fracas, que não conseguiam

atingir grande parte das populações, a margem de participação popular nas

decisões políticas era consideravelmente mais reduzidas do que na Europa. Apesar

disso, a proposta neoliberal, nos seus vários matizes, tem encontrado legitimação

por via democrática. Mas nos parece que essa legitimação democrática não passa

daquela formal.

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O neoliberalismo, enquanto uma prescrição de âmbito mundial de reforma do

Estado e prioridade da atividade mercadológica livre, experimentou terreno em

diversos países, e no caso dos países de capitalismo central, principalmente no

Reino Unido do governo de Margaret Thatcher, ocasionou uma redução do alcance

da ação das políticas sociais.

A ascensão de políticas neoliberais, a partir de 1979, com a vitória de Thatcher, na Grã-Betanha, e de Reagan, nos Estados Unidos promove a desregulamentação da concorrência e a liberalização comercial, além de adotar políticas antissindicais, impulsionando, deste modo, novos patamares de flexibilidade e contribuindo para instaurar um novo poder do capital sobre o trabalho assalariado. (ALVES, 2011, p.20)

Ao mesmo tempo, acarretou repercussões nas instâncias de decisão e

participação popular por onde se alastrou, reduzindo-as evidentemente, como

citávamos antes. Foi o que ocorreu, por exemplo, em sua implantação pioneira no

Chile:

O neoliberalismo chileno, bem entendido, pressupunha a abolição da democracia e a instalação de uma das mais cruéis ditaduras militares do pós-guerra. Mas a democracia em si mesma- como explicava incansavelmente Hayek – jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava Hayek, podiam-se facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais de cada agente econômico de em dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse. (BORÓN, 1995, p. 63)

Fica claro, assim, que a estrutura da sociedade capitalista dividida em

proprietários dos meios de produção e assalariados se trata de uma instituição

sagrada e intocável, que a tudo pode sacrificar para manter-se vigente. O contrato

entre esses agentes econômicos figura como uma espécie de célula fundamental do

organismo maior, não podendo ser alterada, pois isso resultaria numa

desestabilização ampla do modo de produção capitalista.

Ao reportar-se à América Latina e as repercussões neoliberais por essa

região, não podemos esquecer que o molde autoritário do capitalismo aqui

implantado tem raízes muito peculiares e profundas, que derivam de nosso passado

colonial e da modalidade reacionária e dependente com a qual nossas sociedades

se integraram ao capitalismo mundial (BORÓN, 1998). No caso da implantação das

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políticas neoliberais em países como o Chile, ao mesmo passo em que os

indicadores econômicos iam demonstrando algum tipo de avanço, os indicadores

sociais iam piorando. As taxas inflacionárias, por exemplo, vistas em países como o

próprio Brasil respingavam sobre as classes trabalhadoras em cheio, aumentando o

fosso que separava os mais ricos dos mais pobres. Apesar disso tudo, surpreende

que no Brasil, durante a década de oitenta, os ataques neoliberais conviveram com

um recrudescimento da resistência popular. Centrais sindicais de trabalhadores

foram criadas num clara expressão de organização social.

Apesar das resistências na década de 1980 conhecida como “a década

perdida”, o que se viu na sequência foi um fortalecimento das políticas de cunho

neoliberal que tomou conta do Estado brasileiro, principalmente na década de 1990

a partir de reformas no aparelho de Estado no governo de Fernando Henrique

Cardoso. Com a criação de um ministério governamental para tratar da reforma do

aparelho de Estado, o governo FHC inaugura uma alvorada de ações neoliberais

que se alastrarão, por sua vez, sobre a ação dos governos estaduais (COSTA,

2006).

Enriquecendo ainda mais o debate, Therborn (1985) nos alerta sobre o risco

de compreendermos o neoliberalismo como um projeto mais coerente e unificado do

que ele é na realidade. Temos que levar em conta que paralelo ao neoliberalismo,

mas não necessariamente em total função dele, mudanças entre o Estado, mercado

e empresas ocorreram. O neoliberalismo fundamentalmente é um conjunto de

receitas econômicas e programas políticos com inspirações principalmente nas

obras de Hayek e Friedman. Devemos, portanto atentar a uma configuração mais

complexa por trás das mudanças.

Se definirmos o neoliberalismo em termos das perspectivas definidas por Hayek e Friedman, não acredito que a democracia cristã alemã, por exemplo, se encaixe nessa definição. Vistas por esse ângulo, as principais áreas de vitória do neoliberalismo têm sido os países anglo-saxões. (THERBORN, 1995, p.40)

O neoliberalismo, portanto, estaria articulado, e não necessariamente

produzindo as mudanças entre o Estado, o mercado e as empresas. Deve-se levar

em consideração que o poder dos Estados também diminuiu em função da

ascensão de um mercado genuinamente mundial.

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Perry Anderson (1998) compreende que o neoliberalismo consiste numa

doutrina completa e coerente. Crê que Hayek desenvolveu toda uma epistemologia

e teoria ética da história. A contribuição de Friedman teria sido de teor mais

propagandístico e superficial em oposição a uma maior complexidade filosófica do

primeiro.

Como elementos de combate teórico e prático ao projeto neoliberal em toda a

sua extensão e faces, Therborn (1995) assinala a necessidade de análises

empíricas rigorosas sobre os novos mecanismos de acumulação, os processos de

mudança cultural e de destruição social. Por sua vez, Perry Anderson (1998)

assinala que não devemos nos iludir com a ideia de que o neoliberalismo é

anacrônico. Continua a ser uma ameaça ativa em todo o mundo.

É nesse contexto que desemboca sobre os sistemas de educação

fundamental, médio, superior e profissional uma série de influências político

pedagógicas que consistem num esforço de aproximar os processos de formação

aos novos desígnios do capital concatenados com a ofensiva neoliberal e as

mudanças na base produtiva. Não importa que se trata de um país de capitalismo

avançado ou outro qualquer da periferia. Nessas elaborações e diretrizes que

recaem sobre os processos formais de educação, um traço muito importante é que

há uma preocupação em se esconder, em mascarar os antagonismo de classe, ao

mesmo tempo que se lança sobre a educação uma ótica e tratamento mais

tecnicista.

Outra das operações centrais do pensamento neoliberal em geral e, em particular, no campo educacional, consiste em transformar questões políticas e sociais em questões técnicas. Nessa operação, os problemas sociais – e educacionais – não são tratados como questões políticas, como resultado – e objeto – de lutas em torno da distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos e de poder, mas como questões técnicas, de eficácia/eficiência na gerência e administração de recursos humanos e materiais. Assim, a situação desesperadora enfrentada cotidianamente em nossas escolas por professoras/es e estudantes é vista como resultado de uma má gestão e desperdício de recursos por parte dos poderes públicos, como falta de produtividade e esforço por parte de professoras/es e administradores/as educacionais, como consequência de métodos “atrasados” e ineficientes de ensino e de currículos inadequados e anacrônicos. (SILVA, 2001, p.18)

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O capital passa, nesse contexto, a atender algumas demandas fragmentadas

da sociedade, mas sempre de forma incompleta, paliativa. Ou mesmo toma para si

demandas clamadas pela classe trabalhadora e, em torno delas, rearticula um

consenso de classes, com a colaboração mais decisiva da classe trabalhadora.

Todas essas ações visam minar as possibilidades de expressão da luta de classes e

aparar as possíveis arestas a partir da transformação dos sujeitos em novos

“cidadãos colaboradores e responsáveis”.

É imprescindível entender que, a partir dos modelos de economia neoliberal, a cidadania é estimulada a se ver como um conjunto de consumidores, em um mundo em que a economia tem apenas uma regra: tudo em prol da obtenção de lucros para o empresariado. O darwinismo economicista reinante só favorece os conteúdos culturais e títulos acadêmicos que são demandados pelo mercado. O sistema educacional é utilizado como uma instituição bancária, em que são realizados investimentos em estudos e títulos com os quais depois será viável encontrar um posto de trabalho e obter benefícios econômicos e sociais. Para isso, se tentará evitar o acesso de alunos e alunas àquelas informações e estratégias de análise crítica que possam criar contradições para o sistema capitalista vigente. (TORRES SANTOMÉ, 2003, p. 151)

O objeto de estudo - a escola reformada para o ensino médio do Programa

de Educação Integral de Pernambuco - aparenta ter tomado posto para atender com

melhor qualidade educacional à demanda de jovens que a ela recorre. Demanda

esta formada, majoritariamente, por jovens das classes mais populares e em maior

situação de reconhecida vulnerabilidade social. No entanto, a aparência da oferta de

uma melhor educação a um público dela historicamente renegado, esconde que

essa escola vem a atender com maior eficiência às injunções impostas à educação

formal pelas transformações vivenciadas na órbita da economia capitalista.

Revestidas de uma áurea de atendimento aos direitos do cidadão, o que se tem é

uma escola cujos impactos neoliberais acertam em cheio alguns aspectos de sua

organização pedagógica e administrativa.

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CAPÍTULO 2 – A AGENDA PARA A EDUCAÇÂO NA SAÍDA DA CRISE DO

CAPITAL E O EMBATE CONTRA-HEGEMÔNICO

Neste capítulo recuperaremos as origens da relação entre a escola com o

modo de produção capitalista, passando brevemente pela análise das relações

sociais anteriores ao capitalismo, em um recorte educacional. Em seguida,

versaremos sobre elaborações teórico-ideológicas que permeiam a educação na

atualidade, sendo indispensáveis às relações capitalistas de produção nesse início

de século. Por fim, apresentamos as contribuições desenvolvidas pelos sujeitos que

estão na perspectiva contra-hegemônica, já que a escola e os processos

educacionais são campos de disputa.

2.1 A escola e a formação para o trabalho assalariado: sua gênese e

funcionalidade ao capitalismo

A educação pode ser considerada um campo de disputa de hegemonia. Ela é

um importante componente do todo das relações sociais. E ao analisarmos suas

mediações na história das sociedades passadas, tomando-a numa acepção ampla,

podemos perceber sua força em articular outros processos sociais fora de seus

limites imediatos.

Mas a educação ou, se quisermos ser mais abrangentes, a formação, não é

algo que se limita ao âmbito da instituição escolar. Os homens, ao produzirem as

condições de sua existência genérica, o fazem permeados de processos formativos.

Nesse sentido, é a necessidade vital de produzir a própria existência por meio do trabalho o determinante para que os seres humanos dominem os conhecimentos e as práticas sociais necessários a essa produção, ou seja, é preciso que sejam formados, não obrigatoriamente em instituições especificamente destinadas a esse fim. Por isso, a escola apresentou-se ‘inicialmente inessencial, um luxo e não uma necessidade primária’. (MOURA; FILHO; SILVA, 2012, p.2)

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No capitalismo, entretanto, a escola se tornará um espaço de disputa entre

projetos que representam os interesses antagônicos das classes sociais

fundamentais como nunca talvez antes o fora. Essa disputa se dá pelo fato de,

A educação, quando apreendida no plano das determinações e relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações, apresenta-se historicamente como um campo da disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe. (FRIGOTTO, 2010, p.27)

A educação então, em especial os processos educacionais formais, tem tido

uma correlação histórica mais acentuada com os processos produtivos a partir da

industrialização na Europa. Na história ocidental anterior ao modo de produção

capitalista, os sistemas escolares tiveram, todavia, mais a ver com fatores e fins

políticos, religiosos e militares do que com fins econômicos.

Por conseguinte, torna-se claro que as escolas antecederam o capitalismo e a indústria e continuaram desenvolvendo-se com eles [...] pode-se afirmar que, desde um certo momento de desenvolvimento do capitalismo que seria tão difícil quanto ocioso datar, as necessidades deste em termos de mão de obra foram o fator mais poderoso a influir nas mudanças ocorridas no sistema escolar em seu conjunto e entre as quatro paredes da escola. (ENGUITA, 1989, p.129-130)

No modo de produção capitalista, a formação adquire então um caráter de

massificação e de extrema importância para a produção da vida nesses marcos,

visto que a mão de obra assalariada precisava de um determinado coeficiente

educacional: seja para uma acomodação cultural ou para operar diretamente na

produção de mercadorias, cada vez mais marcada por processos tecnológicos mais

avançados. O desenvolvimento das forças produtivas, com o suporte da ciência e da

técnica, vem alçando a escola a um patamar cada vez mais essencial à

sociabilidade nos termos do capital. Segundo Ferraro (2009), é fato inegável de que

aquilo que hoje se conhece como escola é produto e, ao mesmo tempo, elemento

constituinte da sociedade burguesa, embora a classe dominante, representada em

seus intelectuais, tenha um certo temor com relação a educação do povo.

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O movimento de alfabetização e de busca da instrução escolar em geral, que fora retomado com o desenvolvimento do comércio e a urbanização a partir dos séculos XI e XII, teria novo e rigoroso impulso a partir das grandes revoluções da segunda metade do século XVIII: a Revolução Industrial, na Inglaterra, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Mas, nesse ponto, uma coisa precisa ficar bem clara: o capitalismo e sua ideologia, o liberalismo, mantiveram desde o início uma relação ambígua e até conflituosa com a escola, portanto esta, se por um lado se afigurava necessária, por outro despertava temor. (FERRARO, 2009, p.309)

O medo entre intelectuais burgueses com relação à medida educacional a ser

dada ao povo preocupava seriamente alguns deles como, por exemplo, Bernard de

Mandeville. Este, diferentemente de Locke que se preocupava em prescrever uma

pedagogia para as Escolas de Caridade, defendia a extinção dessas instituições

(FERRARO, 2009). Tinha medo de que o povo pudesse se instruir e demonstrar

maior insatisfação com o status quo.

Para fazer feliz a sociedade e manter as pessoas contentes, mesmo nas circunstâncias mais humildes, é indispensável que o maior número delas seja, ao mesmo tempo que pobres, também totalmente ignorantes. O saber amplia e multiplica os nossos desejos, e quanto menos coisas um homem ambicione, tanto mais facilmente se lhe poderão satisfazer as necessidades. Portanto, o bem-estar e felicidade de todo Estado ou Reino exigem que os conhecimentos da classe pobre trabalhadora se limitem à esfera de suas ocupações e que nunca se estendam [...] para além do que se relaciona com a sua profissão. Quanto mais conhecimento do mundo e das coisas alheias ao seu trabalho ou emprego tenha um pastor, um lavrador ou qualquer outro camponês, tanto mais difícil lhe será suportar com alegria e satisfação as fadigas e dificuldades de seu ofício. (MANDEVILLE, 2001, apud FERRARO, 2009, p. 312)

Retomando o percurso histórico sobre a massificação da escola no

capitalismo e suas relações com essa forma de produzir a vida, trataremos de

aspectos do contexto da formação educacional no modo de produção que o

antecedeu, o feudalismo, como forma de compreender as relações entre a educação

e o modo de produção atual com maior densidade histórica. Focaremos

especificamente na região da Europa Ocidental porque, a partir dela, que o

capitalismo surgiu e se espalhou pelo resto do mundo.

Ali, durante séculos de feudalismo, os processos educacionais da maioria da

população estava na esfera do campo e se dava principalmente nas relações

cotidianas do trabalho camponês que se confundia com a própria residência, ainda

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não havia distinção nitidamente demarcada entre local de trabalho e lar. Isso era

possível porque os produtores diretos, os camponeses sobretudo, não estavam

separados dos meios de produção como ocorrerá na vigência do capitalismo

(WOOD, 2001).

(...) nas economias pré-industriais os homens dispõem a seu critério de seu tempo de trabalho – e de seu tempo em geral – ou seja, decidem sua duração, sua intensidade, suas interrupções. (ENGUITA, 1989, p. 9)

Isso significa que os homens e mulheres, especialmente aqueles das classes

sociais populares tinham um controle maior sobre o que produzir e como produzir.

Diferentemente, no capitalismo, o controle do trabalho dos sujeitos está rigidamente

e intensamente dominado por outrem. É adequado salientar que no capitalismo, o

domínio da força de trabalho do outro vale ouro ao capitalista. De resto,

diversamente do escravismo, por exemplo, não há responsabilização do capitalista

pela captura ou conservação em termos de sobrevivência dos sujeitos quando

velhos. Ainda há a vantagem no capitalismo de se obter a colaboração e o

compromisso do trabalhador, diferentemente dos parâmetros do trabalho

escravagista forçado.

No mundo do camponês feudal, a própria família era como um seio da

aprendizagem. O conhecimento e a destreza para o trabalho era obtida no próprio

local de trabalho que confundia-se com o próprio local de morada. Este local

constituía-se numa espécie de unidade econômica quase autossuficiente.

Em geral, a aprendizagem e a educação tinham lugar como socialização direta de uma geração por outra, mediante a participação cotidiana das crianças nas atividades da vida adulta e sem a intervenção sistemática de agentes especializados que representa hoje a escola, instituição que então desempenhava um papel marginal. (ENGUITA, 1989, p. 107)

Não havia, assim, muita distinção entre a profissão e a vida privada.

Aprendizagem e serviço doméstico caminhavam juntos. A socialização familiar dava

conta de preparar o camponês para a aceitação das relações feudais. Porém, além

de nobres, artesãos e camponeses, existia na Idade Média uma crescente parte da

população que, despojada de meios de vida, viviam na mendicância. Essa

49

população cresceu drasticamente quando das expropriações massivas das terras

dos camponeses para utilização na produção de matéria-prima para a indústria.

Surgiram para os adultos indigentes algumas casas de internamento (workhouses,

hópitaux, Zuchthausen) e para as crianças surgiram os orfanatos. Esses orfanatos

foram, durante o século XVIII, alvo da cobiça dos industriais para conversão dessas

crianças em mão-de-obra barata e passiva de disciplinamento (ENGUITA, 1989).

Na Inglaterra, as workhouses converteram-se em School of Industry ou Colleges of Labour. O essencial não era já pôr os vagabundos e seus filhos a fazer um trabalho útil com vistas a sua manutenção, mas educá-los na disciplina e nos hábitos necessários para trabalhar posteriormente. (FURNISS, 1965, apud ENGUITA, 1989, p. 109)

É justamente nesse contexto que apareceram os já mencionados pensadores

da nova classe em plena ascensão: a burguesia. Eles clamavam a necessidade de

se dar educação para o povo, com todo o devido cuidado de não ser em demasia.

Isso pode ser compreendido como um meio de fortalecer o próprio projeto urbano-

industrial, em detrimento do poder feudal e da Igreja. A inserção na organização

mais impessoal e regulamentada da indústria moderna precisava dos serviços da

instituição escolar. Era então oferecido educação ao povo, sobretudo, para que se

aprendesse a respeitar a nova ordem social sem questioná-la decisivamente.

O crescimento da indústria exigia um tipo de trabalhador diferente daquele do

campo. O camponês não estava acostumado à submissão ativa que exigia o

trabalho industrial. Era preciso fazer com que o trabalhador passasse por uma

mudança adaptativo-cultural, aceitando trabalhar para outro nas condições

obrigatórias que esse outro oferecia, pois o trabalhador feudal ainda estava muito

ligado à propriedade. Nesse sentido, para os adultos, expropriados da terra, a fome

ou a força os faziam buscar a “oportunidade” de trabalho. Para as crianças, que

apresentavam a característica de serem modeladas e adaptadas às novas relações

de produção, a educação se fazia mais necessária. Para isso, a escola foi o locus

ideal para se tirar bons resultados, embora essa não tenha sido a razão de sua

criação.

O acento deslocou-se então da educação religiosa e, em geral, do doutrinamento ideológico, para a disciplina material, para a organização da experiência escolar de forma que gerasse nos jovens

50

os hábitos, as formas de comportamento, as disposições e os traços de caráter mais adequados para a indústria. (ENGUITA, 1989, p.114)

Assim, a escola logo seria percebida pelos capitalistas em seu potencial de

oferecer uma educação para o povo nos termos por eles designados. Ou seja, ela

levaria a cabo o desafio de adequar as gerações às novas relações sociais

capitalistas.

Na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a função social da educação de forma controlada para responder às demandas do capital. (FRIGOTTO, 2010, p.28)

O foco, dessa forma, não era apenas ensinar um conjunto de conteúdos num

determinado tempo, mas ter os alunos confinados nas salas de aulas submetidos a

um olhar vigilante do professor que resultaria na devida adequação comportamental.

Assemelhando-se à disciplina militar, nas escolas metodistas inglesas no século

XIX, a primeira coisa a ser aprendida pelos alunos era a pontualidade. Em

detrimento à instrução que ficava em segundo plano, o que se tinha era uma busca

incessante pela compostura e pela ordem (ENGUITA, 1989). .

Foi através da escola que os povos que imigraram para os Estados Unidos no

tempo de seu processo de industrialização foram acomodados às novas relações

industriais. Na escola, assimilavam a disciplina e a moral para adequarem-se ao

capitalismo americano. Mesmo que os ingleses que aí chegavam, já aportavam

impregnados do estímulo e da moral puritana, muitos eram os irlandeses e povos do

leste europeu que precisavam adequar-se. Era preciso acabar com os hábitos

irregulares de trabalho dessas populações e alinhá-los com aqueles necessários

para a crescente indústria americana. Esta requeria uma nova organização do

tempo. A escola figurava como uma espécie de solução preventiva para as

resistências individuais e coletivas às novas condições de trabalho e,

consequentemente, de vida (ENGUITA, 1989).

Com a chegada das ideias de gestão científica do trabalho de F. W. Taylor, a

produção nas indústrias foi submetida a uma revisão em prol de uma maior

eficiência. Surgia um sistema baseado no controle absoluto de produtos e processos

de produção pelos gerentes, assim como emergia a obrigação de máxima

51

padronização e rotinização para os trabalhadores. Paralelo a isso, a atuação de

reformadores da educação não tardou em vir à tona, a exemplo de Frank Spaulding,

Franklin Bobbit e Ellwood P. Cubberley (ENGUITA, 1989). Estes partiam do

reconhecimento da liderança do mundo empresarial, e pautavam a escola como se

esta tivesse o dever de servir à comunidade, confundindo esta com as empresas.

Aqui podemos perceber a forte relação do teor do projeto educacional que

consta na elaboração dos quatro pilares de Delors, que veremos mais adiante, e que

influencia o Programa de Educação Integral de Pernambuco, com estas primeiras

incursões de empresas americanas sobre o campo educacional. Tal como aparece

no documento dos quatro pilares de Delors, o teor de colaboracionismo de classe na

responsabilização da educação dos sujeitos e o cuidado com as questões

comunitárias cidadãs são centrais.

É nesse ínterim que as fundações americanas criadas, por figuras como

Rockfeller, Carnigie e Ford, compreendem e se debruçam sobre a educação e seus

assuntos. Princípios e normas da organização das fábricas foram exportados para a

escola.

O movimento de reforma da educação foi abrangente. Frank Spaulding personificou melhor que ninguém a introdução da análise de custo benefício em termos de produção escolar. Ele propôs que se avaliasse o produto das escolas com medidas tais como a proporção de jovens de determinada faixa de idade nela matriculados, os dias de frequência por ano, o tempo necessário por aluno para realizar um determinado trabalho, a porcentagem de promoções, etc. (ENGUITA, 1989, p.126)

Por sua vez, Bobbit postulou os seguintes pontos de influência taylorista para

introdução no projeto escolar:

1 – fixar as especificações e padrões do produto final que se deseja (o aluno egresso); 2 – fixar as especificações e padrões para cada fase de elaboração do produto (matérias, anos acadêmicos, trimestres, dias ou unidades letivas); 3 – empregar os métodos tayloristas para encontrar os métodos mais eficazes a respeito e assegurar que fossem seguidos pelos professores; 4 – determinar, em função disso, as qualificações padronizadas exigidas aos professores; [...] 8 – selecionar os meios materiais mais adequados; 9 – traduzir todas as tarefas a realizar em responsabilidades individualizadas e exigíveis; 10 – estimular sua produtividade mediante um sistema de incentivos; 11 – controlar permanentemente

52

o fluxo do “produto parcialmente desenvolvido”, isto é, o aluno. (BOBBITT, 1913 apud ENGUITA, 1989, p.127)

Já Ellwood P. Cubberley, pontuava a necessária presença de uma figura

específica, tal qual no processo de organização do trabalho taylorista, que era o

especialista em eficiência que

[...] deveria estudar todas as fases do processo educacional, as necessidades da sociedade e da indústria, o estado do produto (o aluno) nas distintas fases, a eficácia dos distintos métodos, a relação entre custos e eficiência, etc., e fornecer, com base nisso, os dados e conclusões pertinentes às autoridades escolares e ao público. Assim se abria caminho para os estudos sobre o emprego do tempo, a onipresença dos testes, a avaliação da eficácia dos professores, etc. (ENGUITA, 1989, p.127)

Se nos chama atenção a “frieza” com que se colocou as implantações

tayloristas no seio dos processos educacionais, igualmente nos aguça a atenção o

caráter humanista com que hoje se reveste as influências do toyotismo na educação.

Ao acompanhar a suposta “humanização” do trabalho nas organizações produtivas

capitalistas, desemboca hoje sobre a educação elaborações aparentemente mais

preocupadas com o bem estar e a promoção humanista da sociedade.

Enguita (1989), refletindo sobre as razões de o capitalismo ter sido tão

competente em dar forma aos processos educacionais formais elenca: a influência

no poder político das grandes empresas, o provimento de fundos em um

considerável número de iniciativas privadas ajustadas aos interesses das grandes

empresas, a compreensão da escola como um caminho para o trabalho assalariado

resultando na aceitação da subordinação às empresas e, por fim, as escolas por

serem organizações, apresentam elementos em comum com as empresas que

facilitam a correlação. Certamente os capitalistas e seus representantes sabem que

A experiência da escolaridade é algo muito mais amplo, profundo e complexo que o processo da instrução; algo que cala em crianças e jovens muito mais fundo e produz efeitos muitos mais duradouros que alguns dados, cifras, regras e máximas que, na maioria dos casos, logo esquecerão. (ENGUITA, 1989, p.158)

É na imersão sistemática nas relações sociais que a escola imputa nos

indivíduos os traços que tem a ver com o projeto pedagógico desta. Há uma

53

interiorização dos imperativos das relações sociais vigentes no terreno escolar

regada à condimentos educacionais.

[...] a escola cerceia as condições da ação coletiva ao inserir os indivíduos numa trama de práticas sociais que os relacionam entre si como elementos atomizados e isolados, com interesses contrapostos e mutuamente hostis. (ENGUITA, 1989, p. 193)

A escola ainda contribui na interiorização pelos indivíduos de seu destino e

suas oportunidades enquanto uma responsabilidade pessoal. A quem alcançar boas

realizações em suas carreiras é considerado como mérito seu, pessoal, a quem não

alcançar atribui-se uma culpa personalizada. A escola acaba prometendo a quem se

dedicar uma mobilidade social - no caso de quem é das classes populares -, ou a

manutenção a quem é materialmente melhor localizado. Esse movimento,

evidentemente, é feito na ocultação dos determinantes sociais que são decisivos na

situação dessa realidade desigual dos indivíduos. Nesse sentido, a escola contribui

também para suprimir as contradições e fontes potenciais de conflitos entre classes

na sociedade.

A escola, tal como estruturada na modernidade, é uma instituição burguesa, no sentido de que é nascida do ventre da sociedade do capital, se vincula ao ideário democrático-burguês e toma parte na dinâmica produtiva e reprodutiva dessa sociedade. Portanto, a escola como microestrutura da sociedade burguesa relaciona-se através de redes complexas, tensas e contraditórias com a dinâmica social maior (SOUSA, 2010, p.175)

Mas, pelas tensões e contradições citadas acima, é importante que se leve

em conta que a escola não é uma mera instituição passiva a serviço do capital. As

pessoas não são matérias-primas que são facilmente moldadas. Os indivíduos

podem dar respostas que não coincidem com àquelas designadas por esta

instituição. Não é possível que uma escola em grande parte direcionada para a

formação para o trabalho assalariado seja a que sempre prevalecerá. Novas

propostas que visam o resgate da formação desprendida dessas amarras devem ser

valorizadas e seguidas por todos envolvidos com a educação humanizadora dos

sujeitos.

54

A partir desse ponto, buscaremos situar as elaborações teóricas de efeitos

práticos sobre os processos de reformas implementadas ao longo das últimas

décadas no âmbito da educação formal. Ao responder às demandas da dinâmica

capitalista no final do século XX e início do XXI, as políticas educacionais sobre a

educação básica sofreram modificações orquestradas em nível global. Apreender

essas mudanças operadas na educação nos auxilia a apreender as determinações

históricas que incidem na particularidade da reforma do ensino médio observado na

rede estadual de Pernambuco, através do Programa de Educação Integral.

2.2 A retomada da Teoria do Capital Humano como mecanismo de saída da

crise do capital pela educação

Daremos conta nesse tópico de discorrer sobre as injunções e características

da Teoria do Capital Humano, arcabouço teórico econômico sistematizado no

contexto da recomposição capitalista e que influenciou as políticas educacionais em

cheio, no sentido de ajustá-las às transformações econômicas, políticas e sociais.

Numa fase de agudização da crise do capital, essa teoria está sendo retomada em

seus fundamentos como forma de ofertar uma saída pelo campo educacional.

Foi por volta dos anos de 1960 em diante, que alguns estudiosos americanos

da economia dão corpo ao conceito de capital humano a partir da investigação das

determinações, na alçada das relações capitalistas, que jogam a educação ao

patamar de um fator de produtividade. Em linhas gerais, tomou-se como certo o fato

de que um acréscimo marginal de educação significava uma maior produtividade. O

conhecimento do trabalhador tornava-se assim um investimento requisitado.

Os trabalhadores transformaram-se em capitalistas, não pela difusão da propriedade das ações da empresa, como o folclore colocaria a questão, mas pela aquisição de conhecimentos e de capacidades que possuem valor econômico. Esse conhecimento e essas capacidades são em grande parte o produto de investimento e, combinado com outros investimentos humanos, são responsáveis predominantemente pela superioridade produtiva dos países tecnicamente avançados. (SCHULTZ, 1973, p. 35)

A formulação do capital humano surge no contexto de recomposição da crise

num ponto em que o capital monopolista dava as coordenadas na formatação de um

55

Estado intervencionista, arranjador das condições gerais dessa fase do capital.

Nessa crise da superprodução capitalista veio à baila a evidência do

subdesenvolvimento latente e das cruéis contradições entre o capital e o trabalho.

Buscou-se, dessa forma, justificar através da Teoria do Capital Humano o cenário

sócio-econômico vigente, ao passo que a mesma teoria serviu como receita de um

programa de desenvolvimento dirigido principalmente às nações tidas como

subdesenvolvidas. A formulação teórica do capital humano esteve assim inserida no

teor das políticas disseminadas pelo mundo no âmbito da educação através da

mediação de organismos como o Banco Mundial e a OCDE – Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

A educação passou a ser vista como elemento de mediação importante para

o aumento da acumulação de capital. Dessa forma, a Teoria do Capital Humano

procura jogar a culpa do atraso no desenvolvimento dos países na falta de nível

educacional da força de trabalho. Passa-se a especular que o aumento da

“dosagem” educacional teria repercussões na produção de riquezas bem como

melhorias gerais nas condições de vida da população. Uma das determinações que

levam a implantação dos nortes dessa teoria é que a força-de-trabalho, enquanto

mercadoria especial para o capital, tornar-se-ia mais intensamente explorada caso

houvesse à disposição maior quantidade desta num determinado nível de

escolarização. Além do mais, essa teoria faz parte de uma gama de mecanismos

que objetivam solucionar as contradições do capitalismo numa etapa de acumulação

ampliada.

Na América Latina, até os dias correntes, o efeito da implementação das

políticas influenciadas pelas diretrizes da Teoria do Capital Humano, sobretudo a

partir da modernização conservadora no período de regimes ditatoriais civil-militar,

foi a fragmentação dos sistemas educacionais e o tratamento da educação numa

perspectiva mais economicista (FRIGOTTO, 2010).

Foram muitos os estudos pró Teoria do Capital Humano e outros na

retaguarda da crítica. Com relação aos que lançaram uma crítica sobre a Teoria do

Capital Humano, Frigotto (2010) os divide entre aqueles que entendiam haver um

vínculo direto e linear entre educação e produtividade, e outros que se opunham a

esse postulado, pois compreendiam que a escola não era capitalista, mas sim, o

capitalismo prescindia dela. Na continuação da abordagem sobre esses estudos, o

autor elabora a observação de que ambas as tendências pecavam por nivelarem

56

práticas sociais de natureza distinta – a produção em si e os processos educacionais

– bem como de estabelecerem uma articulação mecânica entre infraestrutura e

superestrutura na apropriação dessa questão, explicitando a atuação teórica de um

marxismo pouco dialético.

Vale a pena destacar entre aqueles que criticaram os posicionamentos da

correlação direta entre educação e vida produtiva a figura de Cláudio Salm, pela sua

elaboração pertinente, porém ainda passível de alguns questionamentos. De modo

geral, segundo Frigotto (2010), Salm desmistifica o vínculo direto e linear entre

produção e qualificação. Diz que o crescente progresso técnico não demanda um

crescente processo de qualificação. Pontua que o avanço do capital via incremento

do progresso técnico determina uma crescente desnecessidade do trabalhador

qualificado, uma redução do tempo de trabalho necessário, redução dos custos de

produção e submissão cada vez mais intensa do processo de trabalho e da

qualificação aos imperativos econômicos. Desmistifica, assim, eixos centrais da

defesa dos postulados da Teoria do Capital Humano.

A Teoria do Capital Humano apresenta um caráter circular, pois o que é

determinante na origem passa a ser determinado posteriormente, ou seja, a

educação que era tida como fator do desenvolvimento econômico e da equalização

social passa a ser determinada pelos imperativos econômicos Frigotto (2010). Além

disso, o caráter de classe inerente a essa teoria se esconde numa aparência

nebulosa que apaga as verdadeiras relações dos vínculos entre educação e a vida

produtiva nos marcos capitalistas. As diretrizes em torno da Teoria do Capital

Humano escamoteiam o fato de que o subdesenvolvimento tem a ver com as

relações de poder e dominação. Nela, o subdesenvolvimento passa a ser

considerado uma mera questão de modernização de alguns fatores, com especial

atenção para a questão do capital humano.

Para superar a circularidade da Teoria do Capital Humano, anteriormente

exposta, a análise sobre esta realidade deve ser feita a partir do ângulo da classe

dominada, segundo Frigotto (2010). Isso significa historicizar as relações sociais de

produção onde se situam as práticas educacionais e efetivar uma crítica que leve em

conta as reais relações de produção e não um simulacro destas.

Sendo assim, para os defensores da teoria burguesa, o capital humano só

pode ser potenciado através da “dosagem” na oferta de educação. Nesse ponto

Frigotto (2010) nos assinala que os vínculos da educação com os desígnios do

57

capital, mesmo não se constituindo numa prática social fundamental no capitalismo,

pauta-se como uma prática mediadora e, por isso, pode e deve ser reorientada.

[...] a escola, ainda que contraditoriamente, por mediações de natureza diversa, insere-se no movimento geral do capital e, neste sentido, a escola se articula com interesses capitalistas. Entretanto, a escola, ao explorar igualmente as contradições inerentes à sociedade capitalista, é ou pode ser um instrumento de mediação na negação destas relações sociais de produção. [...] Isto nos indica, então, que a escola não é por natureza capitalista no interior deste modo de produção. Tende a ser articulada com os interesses do capital, mas exatamente por não ser inerente ou orgânica desse modo de produção, pode articula-se com outros interesses antagônicos ao capital. (FRIGOTTO, 2010, p. 35)

Um nível mínimo de escolaridade generalizada e um prolongamento da

mesma, tal como proclamado pela Teoria do Capital Humano, tem a ver com as

necessidades mais gerais do capital, são funcionais à fase do capitalismo

monopolista. Uma escolaridade que abranja fundamentalmente as habilidades de

cálculo e leitura, além de fomentar traços políticos e ideológicos funcionais às

empresas e organizações, torna-se extremamente necessária.

Paralelamente, a desqualificação do trabalho escolar – principalmente para a

classe trabalhadora – durante o prolongamento da escolaridade, também atende

devidamente aos mesmos interesses. A escola ocupa, segundo Frigotto (2010)

“cada vez mais gente e maior tempo e que, embora não produza mais valia, é

extremamente necessária ao sistema capitalista monopolista para a realização de

mais valia; e, nesse sentido, ela será um trabalho produtivo”. Assim como o capital

em seu movimento vai exigindo contraditoriamente o trabalho improdutivo, para seu

subsequente avanço, a escola “improdutiva” cumpre uma mediação necessária e

produtiva na manutenção das relações capitalistas. Assim, a desqualificação da

escola, cumpre um tipo de mediação importante no interior desse modo de

produção.

Cabe ressaltar, entretanto, que se a ampliação do acesso à escola e o prolongamento da própria escolaridade representam, ao mesmo tempo, uma forma econômica e política de gerir as necessidades do capital e uma resposta à pressão da classe trabalhadora por mais escolaridade, carrega consigo a tendência à elevação dos patamares escolares muito além do que é conveniente (econômica e politicamente) para a funcionalidade do modo de produção

58

capitalista. Esta é uma tensão permanente, cuja origem se localiza no caráter contraditório e antagônico das relações sociais desse modo de produção. (FRIGOTTO, 2010, p.185)

Temos aí, portanto, e mais uma vez, o eterno tensionamento da burguesia

quando se trata da educação para a classe trabalhadora. Os “serviços de

inteligência” pró-capitalista sempre souberam desse risco e, não obstante, sempre

se mostraram eficazes em permear as concepções e as práticas educacionais para

regular as possíveis contradições promissoras de transformações.

A desqualificação da escola nega o acesso à classe trabalhadora ao saber

mais elaborado. Mantém-se, com isso, essa classe na margem das decisões sobre

questões importantes da sociedade. É uma desqualificação orgânica, uma

“improdutividade produtiva”, imprescindível à manutenção da sociedade de classes

nos marcos do capital.

É importante pontuar que no caso brasileiro, passado algum tempo, não se

constatou a realização das promessas postas a partir dos anos da década de 1960,

em que a política econômica, associada rapidamente ao capital internacional, aliou-

se a uma política educacional embasada nos pressupostos da Teoria do Capital

Humano. Essa aliança previa o acesso a trabalhos qualificados e a níveis de renda

cada vez mais elevados. O que se viu foi uma maior concentração de renda e

mudanças no trabalho com um número crescente de subempregados e

terceirizados, além das fileiras de pessoas com diploma, mas desempregadas

(FRIGOTTO, 2010).

Vale salientar que como derivada da Teoria Neoclássica do Desenvolvimento,

a Teoria do Capital humano se coloca como promissora em dois aspectos: no macro

e microeconômico. No macroeconômico o investimento em capital humano

determina o aumento da produtividade, compreendido como um meio de saída do

atraso econômico de um país, por exemplo. O lado micro aparece como elemento

de distinção individual de produtividade e renda bem como mobilidade social.

Chama-nos a atenção que pesquisas acerca da Teoria do Capital Humano,

colocam que aspectos ligados a valores e atitudes são mais importantes que os

aspectos meramente cognitivos, a quem a teoria tem dado mais foco. Valores e

atitudes fomentam hábitos de funcionalidade, respeito à hierarquia e disciplina na

organização. Além do mais, como se associa salário e renda a um esforço e decisão

59

pessoal, individual, a uma margem educacional que se desdobraria numa margem

de prosperidade econômica, fica estabelecido que o insucesso do indivíduo ocorre

devido a sua própria responsabilidade.

Frigotto (2010) também analisa e destaca o caráter de classe do método de

análise da Teoria do Capital Humano, pois esta se encontra embasada num

positivismo funcional à sociedade burguesa. Em vez de ser um instrumento teórico

de elevação do senso comum à consciência crítica, ela é uma forma de preservação

do senso comum com uma considerável dosagem de nebulosidade. A concepção de

homem e de sociedade no método positivista incrustado na Teoria do Capital

Humano interessa à classe dominante.

A análise econômica burguesa, ao negar-se a transcender a esfera da troca de mercadorias, apenas glorifica a liberdade superficial do mercado, mercado que alcança seu desenvolvimento máximo sob o capitalismo. Desenvolvimento esse onde as relações entre pessoas acabam se tornando relação entre coisas. Descreve, então, apenas as aparências superficiais desse modo de produção. (FRIGOTTO, 2010, p. 72)

E continua a ideia:

Ao apresentar essa descrição do real, como uma análise científica, neutra, objetiva, acaba por reforçar o mundo da pseudoconcreticidade, da visão fetichizada do real, uma análise que não transcende o senso comum. E é nesta esfera que a Teoria do Capital Humano se insere. (FRIGOTTO, 2010, p.72)

Fica claro, assim, que a desigualdade é culpa do indivíduo. Quem tem mais é

porque se esforçou e trabalhou mais na obtenção de bens materiais. Assim, a

sociedade capitalista não estaria dividida em classes, mas em estratos. A relação

entre classes passa a ser uma relação entre indivíduos.

Mesmo tendo seus embasamentos teóricos fundados na economia

neoclássica em que o liberalismo constituiu sua ideologia e arcabouço jurídico-

político de domínio, dando forma ao Estado Liberal, a Teoria do Capital Humano

encontra espaço de desenvolvimento e projeção apenas na fase monopolista. Nessa

fase do capitalismo, a incorporação do progresso técnico ao capital, constitui-se

numa notável ferramenta no processo de concentração e centralização de capitais.

60

A incorporação de uma inovação tecnológica por parte de um capitalista individual lhe permite um lucro maior na medida em que lhe faculta – durante o período em que é o único a ter essa inovação – rebaixar o valor das mercadorias em relação ao socialmente determinado. (MARX, 1980, apud FRIGOTTO, 2010, p. 102)

É importante destacar que a visão do capital humano compreende o sistema

educacional em termos de “eficiência”. Numa perspectiva tecnicista, aborda

metodologicamente a educação como campo de investimento. A educação reduz-se

a um fator de produção. A meritocracia aparece como uma forma de superação das

desigualdades sociais. Não há espaço, nessa visão, que apreenda o tipo de

mediação que a educação realiza historicamente no conjunto das práticas sociais.

A análise, sob este ângulo, não leva em conta o próprio movimento do capital que, pelo progresso técnico incorporado à produção, como arma de competição intercapitalista, desqualifica o trabalho e, ao mesmo tempo, produz uma complexificação na divisão social do trabalho. (FRIGOTTO, 2010, p. 160)

Dessa forma, não é uma preparação profissional imediata a que a

especificidade da escola está relacionada, mas na promoção de um conhecimento

geral articulado ao treinamento efetivado nos setores do sistema produtivo. Frigotto

(2010) pontua que ao observarmos a prática escolar, não da ótica do trabalho

produtivo material imediato, mas sob o aspecto do trabalho “intelectual”, podemos

perceber a contribuição da escola na reprodução da força de trabalho,

especialmente naqueles que supervisionam, administram e planejam em nome do

capital.

2.3 A sociedade do conhecimento: um mote recorrente que recai sobre a

educação na saída da crise

Em consonância com as transformações na organização produtiva e seus

reflexos nos demais campos e instituições, a educação também recebeu influências

de formulações teóricas acerca dessas mudanças no contexto de recomposição do

capital em crise. Merece ser revisitada, dessa forma, a propalada sociedade do

conhecimento, uma formulação teórica que tem até hoje muita passagem entre os

61

intelectuais da educação que estão organicamente atrelados à hegemonia burguesa,

da defesa dos interesses dos capitalistas. A crescente literatura que toca neste tema

apresenta uma sociedade do conhecimento sem classes e, consequentemente, sem

luta de classes. Uma sociedade harmônica e aparentemente nova porque repleta de

novidades.

[...] fundada não mais sobre processos excludentes característicos de um processo produtivo transformador da natureza e consumidor de fontes de energia não renovável, mas de uma economia global onde o principal recurso é o conhecimento, o qual não teria limites e estaria ao alcance de todos, opera dentro de um nível profundamente ideológico e apologético. (FRIGOTTO, 2001, p.37)

Segundo Duarte (2003), a sociedade do conhecimento é uma ideologia

produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo da reprodução ideológica do

capitalismo. De fato, esse esforço de inculcar os preceitos da sociedade do

conhecimento são necessários para estabelecer as novidades conservadoras da

sociabilidade capitalista. São conservadoras porque apenas na aparência se trata de

novidade, pois o fundamento e a lógica interna continua semelhante. O que ocorre,

por ora, se assemelha ao que já foi visto antes na própria história do capitalismo.

É importante salientar que, quando surgiu, no começo do século XX, o fordismo chegou a inspirar, como a chamada acumulação flexível de hoje, uma série de fantasias utópicas e celebrou o revolucionar das condições de produção e de vida material. (ALVES, 2011, p.15)

A educação, nesse sentido, é espaço privilegiado e fundamental. O novo

padrão de acumulação requer consensos entre as classes e nada melhor que supor

todos num mesmo barco e igualmente responsáveis por ele. Frigotto (2001) destaca

a valorização da educação básica nesse contexto de imposição das ideias da

sociedade do conhecimento para formar trabalhadores com capacidade de

abstração, polivalentes, flexíveis e criativos. Todos subordinados aos imperativos da

lógica de mercado em que a integração e a flexibilidade são importantes para uma

produtividade e competitividade eficientes.

[...] a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança, ou seja, enquanto a educação tradicional seria resultante de sociedades estáticas, nas

62

quais a transmissão do conhecimento e tradições produzidos pelas gerações passadas era suficiente para assegurar a formação das novas gerações, a nova educação deve pautar-se no fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios, pois um conhecimento que é tido hoje como verdadeiro pode ser superado em poucos anos ou mesmo em alguns meses. O indivíduo que não aprender a se atualizar estará condenado ao eterno anacronismo, à eterna defasagem de seus conhecimentos. (DUARTE, 2003, p.10)

A microeletrônica, a microbiologia e as novas fontes de energia constituíram

elementos fundamentais da nova base técnico-científica e é sobre o controle delas

que os grandes grupos econômicos e seus organismos representantes vão lançar a

nova ofensiva político ideológica que atingiu em cheio os processos formativos. Isso

ocorreu porque houve uma ampliação da capacidade intelectual associada à

produção. Em muitos casos, chegando a substituir parte das tarefas dos

trabalhadores por autômatos. Eis o porquê da informação ser tão cara a essa nova

base de produção, pois a sociedade do conhecimento também é chamada de

sociedade da informação.

A cada salto tecnológico, com sua respectiva produção de máquinas, corresponde uma forma-mercadoria predominante, a partir da qual se constitui a estrutura socioreprodutiva. É possível dizer que a forma-mercadoria da Quarta Idade da Máquina é a mercadoria-informação que constitui, na etapa da produção, elementos da gestão, logística, design e planejamento e vendas. O insumo-informação é um dos principais fatores da nova produção de mercadorias. (ALVES, 2011, p.72)

Mas é fundamental destacar que as tecnologias, ao passo que diminuíram a

necessidade quantitativa do trabalho vivo, foram exigindo uma nova tipologia

qualitativo desse mesmo trabalho. É nesse ponto que a requisição de um nível de

escolaridade específico ganha importância e passa a ser defendida pelos

organismos representantes do capital. A conjuntura demanda um tipo de trabalhador

com uma qualificação mais atenta às diversas particularidades da produção flexível.

O empresariado parece estar se dando conta de que o baixo nível de escolaridade de amplas camadas da população começa a se constituir em obstáculo efetivo à reprodução ampliada do capital, em um horizonte que sinaliza para o emprego, em ritmo cada vez mais acelerado, no Brasil, de novas tecnologias de base microeletrônica e da informática assim como de métodos mais racionalizadores de

63

organização da produção e do trabalho, na atual década. (NEVES, 1993: 10 apud FRIGOTTO, 2001, p.47)

Cabe aqui a pergunta: o despertar do empresariado local sobre o problema do

baixo nível de escolaridade e sua consequência para a o nível de competitividade

das organizações locais, ou sediadas nessa região, não teria sido um determinante

importante na implementação da reforma do ensino médio da rede estadual?

Tal como tem sido historicamente conturbado o dilema da burguesia acerca

da oferta de educação aos trabalhadores, não é diferente as tensões e contradições

que cercam a defesa da escola básica. Segundo Frigotto (2001, p.85) “Esta

demanda real de mais conhecimento, mais qualificação geral, mais cultura geral se

confronta com os limites imediatos da produção, da estreiteza do mercado e da

lógica do lucro”.

Face à questão da possível falta de mão-de-obra para operar sobre a nova

base tecnológica – que exige novos conhecimentos, mas não necessariamente

superiores – a educação básica pode elevar, ao mesmo tempo, a possibilidade da

classe trabalhadora tomá-la como um elemento para um processo progressivo de

emancipação. Evidentemente que essa tomada dependerá de organização política e

da luta social. Enquanto a luta de classe parece estar ‘morna’ no campo

educacional, o capital tem avançado com suas resoluções sobre a educação de

todos. Um importante marco desse avanço é o documento diretriz elaborado pelos

seus representantes e disseminado mundo afora.

2.4 O Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI

da UNESCO

O propalado documento da Comissão Internacional sobre Educação para o

Século XXI, sob a coordenação de Jacques Delors, tem influenciado em muitos

países os fundamentos pedagógicos para as redes de ensino públicas em

consonância com os interesses hegemônicos. De modo geral, o documento

encontra-se articulado às políticas para conciliação de classe necessária ao

processo de mundialização do capital pela educação.

Também conhecido como Relatório Jacques Delors, esse documento

influenciou em cheio os fundamentos educacionais do Programa de Educação

64

Integral de Pernambuco. E tal como o nosso objeto, o relatório dessa comissão se

coloca, na verdade, como norte para as reformas necessárias no âmbito

educacional. No fundo, favorecem ao atendimento dos interesses capitalistas de

uma formação mais “antenada” com as demandas e transformações globais

advindas da economia. Evidentemente que essa formulação é revestida de uma

roupagem “humanista”, supostamente preocupada apenas com o desenvolvimento

humano, pois ela mesma reconhece que a globalização econômica gerou grandes

danos sociais a grande parte da humanidade.

Para lançarmos mais luz na compreensão sobre o nosso objeto, é necessário

fazer uma breve abordagem sobre o caráter teórico e político do Relatório Jacques

Delors, já que este o fundamenta em cheio, apontando suas vinculações com o

projeto da sociabilidade capitalista na recomposição de sua crise estrutural na

atualidade. Nesse sentido, o relatório não perde de vista que uma motivação

importante pela qual se justifica a implantação das diretrizes para a educação do

século XXI é o advento da denominada sociedade da informação. A necessidade de

uma educação que responda aos desafios de uma sociedade em que a técnica e os

meios de informação e comunicação estão em constante mudança é algo central no

documento. A sociedade da informação seria, assim, um fenômeno promissor do

nosso tempo. A educação, por sua vez, deveria estar dando respostas a essa

demanda.

Nas formulações para a educação no âmbito da sociedade do conhecimento,

o peso sobre os aspectos cognitivos é um ponto considerável. Segundo essa lógica,

o trabalhador deveria ter uma compreensão mais diversificada do processo

produtivo, o que demanda um nível de operação cognitiva mais elevada que no

fordismo.

Com os progressos atuais e previsíveis da ciência e da técnica, e a importância crescente do cognitivo e do imaterial na produção de bens e serviços, todos devemos convencer-nos das vantagens de repensar o lugar ocupado pelo trabalho e seus diferentes estatutos na sociedade de amanhã. (DELORS, 2012, p.16)

Fica claro, então, que há aí a requisitada flexibilidade do trabalho por parte do

capital, facilitando a exploração à moda toyotista. Exige-se uma mão-de-obra que

seja dinâmica e multi-competente para atender as inovações na organização do

65

trabalho, acompanhando o constante incremento de ciência e tecnologia sob a

lógica da sociedade das mercadorias. Essa mão-de-obra, pois, deve procurar o

constante aperfeiçoamento para que possa se manter empregada. Os sujeitos são

impelidos a buscarem um nível de empregabilidade adquirindo as competências

oscilantes requeridas pelas injunções de cada momento e lugar do capital no

mundo. Corrobora-se, dessa forma, a pedagogia das competências que prevê que

os sujeitos adquiram continuamente competências generalistas e adquiram

capacidade de adaptação.

Na indústria, especialmente para os operadores e os técnicos, o domínio do cognitivo e do informativo nos sistemas de produção torna de certo modo obsoleta a noção de qualificação profissional e leva a que se dê mais importância à competência pessoal. O progresso técnico modifica, inevitavelmente as qualificações exigidas pelos novos processos de produção. As tarefas puramente físicas são substituídas por tarefas de produção mais intelectuais ou mentais, como o comando de máquinas, a sua manutenção e sua vigilância, ou por tarefas de concepção, de estudo e de organização, à medida que as máquinas também se tornam mais “inteligentes”, e que o trabalho se “desmaterializa”. (DELORS, 2012, p.76)

Há um forte componente consensual de classes que permeia o Relatório

Jacques Delors. O fetiche de uma sociedade global em que a inovação científico-

tecnológica parece dar as rédeas da organização social, sobretudo da formação,

acaba encobrindo as bases materiais sobre as quais essa sociedade está

repousada, esquecendo assim as diferenças brutais e violentas entre as classes

sociais bem como a perniciosidade da divisão do trabalho no capitalismo. Se há

menção às desigualdades, trata-se apenas de uma mediação formal para se tentar

materializar as reformas propostas. Esconde-se que a questão fundamental da

apropriação das riquezas continua sendo feita por uma minoria, ao passo que

desestimula as possibilidades de se operar em cima das contradições que a

realidade apresenta. Joga, dessa forma, a educação como instrumento de

implementação das reformas requisitadas pelo capital e de encobrimento das

contradições sociais.

A educação deve encarar esse problema, uma vez que, na perspectiva do parto doloroso de uma sociedade mundial, ela situa-se no coração do desenvolvimento tanto do ser humano como das comunidades. Cabe-lhe a missão de fazer que todos, sem exceção,

66

façam frutificar seus talentos e potencialidades criativas, o que implica, por parte de cada um, a capacidade de se responsabilizar pela realização de seu projeto pessoal. (DELORS, 2012, p.15)

O ideário neoliberal da individualização das responsabilidades aparece com

grande requinte. A responsabilização do projeto pessoal indicado no relatório tem

seu correspondente em nosso objeto quando o aluno do Programa de Educação

Integral é estimulado a trilhar seu próprio projeto de vida, através das orientações do

Protagonismo Juvenil, e responsabilizar-se por ele, mesmo que fracasse. A

educação e a vida figuram como um jogo competitivo onde uns ganham e outros

perdem, cabendo ao jogador os louros ou as dores pelas suas jogadas. O campo

desse jogo é o mercado e sua lógica.

As inovações precisam ser acompanhadas pelos sujeitos, tanto na vida

profissional quanto pessoal, e não há campo melhor para essa adaptação do que a

escola. As relações interpessoais harmoniosas requeridas pela organização flexível

de origem toyotista também se apresentam no Relatório Jacques Delors quando

este demonstra um forte interesse em educar o cidadão colaborador face a todo tipo

de problema, em especial aqueles ligado à comunidade em que vive.

A relação com a matéria e a técnica deve ser complementada com a aptidão para as relações interpessoais. O desenvolvimento dos serviços exige, pois, cultivar qualidades humanas que as formações tradicionais não transmitem, necessariamente, e que correspondem à capacidade de estabelecer relações estáveis e eficazes entre as pessoas. Finalmente, é provável que nas organizações ultratecnicistas do futuro os déficits relacionais possam criar graves disfunções, exigindo qualificações de um novo tipo, com base mais comportamental do que intelectual, o que pode ser uma oportunidade para os não diplomados ou com preparação deficiente em nível superior. (DELORS, 2012, p.78)

A ajuda mútua pacífica aparece como um valor que o mundo muito carece.

No entanto, esse consenso tem uma determinação política por debaixo: manter a

classe trabalhadora apaziguada e cordial desde cedo, na formação recebida já na

escola, além de aceitar como naturais as expressivas desigualdades sociais.

O conceito de educação ao longo de toda a vida, elaborado pela comissão,

estimula que cada indivíduo aprenda a conduzir seu destino em um mundo

globalizado marcado pela rapidez das transformações das relações que os homens

mantêm com o espaço e o tempo. Assim, apresenta-se o suposto que as mudanças

67

que afetam o emprego se alastrarão por todo o globo e exigirá uma reorganização

de ritmo de vida. A educação ao longo de toda a vida desdobra-se em quatro pilares:

aprender a viver juntos, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser.

Esses quatro pilares estarão presentes em cheio nos traços do Programa de

Educação Integral de Pernambuco.

Em sua interessante análise, Mueller (2012) observa que a relação de

continuidade e descontinuidade entre o Sistema Taylorista/Fordista e o Sistema

Toyota de produção pode ser encontrada no desenvolvimento histórico entre o

método dos Quatro Passos de Charles Allen (o Training within Industry – TWI –

desenvolvido com base nas necessidades do complexo militar-industrial americano

no começo do século XX), o Sistema Toyota de Produção e os princípios dos Quatro

pilares para a educação do século XXI de Delors.

O fio condutor que interliga todos esses métodos e sistemas é a racionalização necessária à valorização do valor, que necessita se apropriar dos nexos causais existentes na relação entre trabalho e educação, onde que a subsunção real do trabalhador não é suficiente para que os níveis de extração de sobrevalor se mantenham em um patamar aceitável, pois este vem se desenvolvendo para que haja a subsunção total do ser social ao capital. (MUELLER, 2012, p.14)

Continuando em sua observação, Mueller (2012) expõe mais

especificamente as aproximações entre o TWI e os Quatro Pilares de Delors.

O ‘aprender a viver juntos’ tem em sua concepção uma aproximação ao que foi proposto por um dos itens dos ‘Programas J’ chamado ‘Relações de Trabalho’: a criação e implementação de um conjunto de técnicas e métodos que estimulem o convívio harmonioso entre e intra níveis hierárquicos, e o trabalho cooperado por meio de objetivos comuns previstos tanto para a produção como para a organização como um todo. O controle sobre as relações sociais no ambiente produtivo é uma condição fundamental e que foi pensada e viabilizada desde os ‘Quatro Passos’ até os ‘Quatro Pilares’ sendo que nestes, o objetivo econômico central foi mascarado por objetivos ‘humanizantes’ previstos para a educação no século XXI. Este controle passa necessariamente pelo expurgo e anulação da produção de organismos incentivadores da não-conciliação dos objetivos da força de trabalho aos objetivos empresariais, como, por exemplo, os sindicatos e os partidos políticos. (MUELLER, 2012, p.13)

68

É claro aqui o alinhamento do conteúdo do relatório com a organização

flexível típica do pós-fordismo. A qualificação profissional mais delimitada dar lugar a

uma aprendizagem na qual é necessário adquirir competências mais amplas. A

preparação do indivíduo para enfrentar situações problemas, imprevisibilidades,

trabalho em equipe são postas como uma necessidade pedagógica. As situações

problemas que são encontradas na organização flexível aportam como uma

responsabilidade de cada trabalhador. Para isso, subjetivamente, tem-se que se

fomentar nos indivíduos um senso rigoroso de responsabilidade pelos resultados,

mesmo que eles não decidam de um todo o que e como produzir nessas

organizações. Chama-nos ainda a atenção o forte componente de filantropia inserido

no relatório.

Confiar a membros da comunidade as funções de auxiliares ou de paraprofissionais no seio do sistema escolar, também pode ser considerado uma forma de participação. Assim a associação de um professor oriundo da própria comunidade com um professor nomeado pelo Estado revelou-se extremamente útil no contexto da recente reforma da educação na Guiné. (DELORS, 2012, p.109)

De fato, há uma consonância entre essa filantropia e a modificação nas ações

do Estado. Sai de cena o Estado de Bem Estar Social e entra, cada vez mais

acentuadamente, um Estado que precisa do voluntariado cidadão para resolver os

problemas sociais. Não é a toa que grandes corporações nacionais, sobretudo as de

mídia, estimulam largamente o voluntariado nas questões sociais, em consonância

com a hegemonia capitalista da qual fazem parte enquanto classe.

Na correlação entre Estado e mercado, as diretrizes do Relatório Jacques

Delors apontam uma tendência para a educação que é fruto das necessidades de

mão-de-obra qualificada para o momento atual do capital. Ao Estado, é direcionada

a função de garantir as bases desse atendimento. Assim, o Estado continua forte na

execução das garantias dos interesses do capital, não tendo, de fato, nada de

Estado Mínimo.

[...] o aperfeiçoamento do sistema educativo exige que os políticos assumam todas as suas responsabilidades. Não podem deixar que as coisas ocorram como se as leis de mercado conseguissem corrigir as falhas ou, então, como se para tal bastasse uma espécie de autorregulação. (DELORS, 2012, p. 24)

69

A própria compreensão de educação como investimento de caráter

econômico, mesmo que se procure escamotear isso, foi algo claramente defendido

nos debates da comissão pelo próprio organizador.

No decurso dos debates, defendi uma solução mais radical. Dado que a educação ao longo de toda a vida vai adquirindo cada vez mais importância, poderia encarar-se à hipótese de atribuir a cada jovem que inicia a escolaridade um crédito em tempo que lhe desse direito a determinado número de anos de educação. Esse valor seria creditado na conta de uma instituição que, em relação a cada jovem, se encarregaria, por assim dizer, de gerenciar o capital de tempo atribuído por intermédio de meios financeiros adequados. (DELORS, 2012, p.24)

Como artifício de tirar do foco principal a luta de classes, o relatório, de forma

genérica, encara os problemas do mundo como uma “crise das relações sociais”,

ocasionadas como se por fora das relações sociais de produção. A educação seria,

assim, uma forma de aparar as arestas de uma sociedade marcada pela diversidade

e injustiça social. Ou seja, a diversidade seria um fator dessa “crise das relações

sociais” e, invertê-la em algo positivo, seria uma tarefa inadiável da educação para a

cidadania.

Confrontada com a crise das relações sociais, a educação deve, pois, assumir a difícil tarefa que consiste em fazer da diversidade um fator positivo de compreensão entre indivíduos e grupos humanos. A sua maior ambição torna-se oferecer a todos os meios necessários a uma cidadania consciente e ativa, que só pode realizar-se plenamente em um contexto de sociedades democráticas. (DELORS, 2012, p.43)

No que consiste ao contexto de sociedade democrática a que se refere o

relatório, é questionável a concepção de democracia desse documento, visto que,

de modo geral, é o caráter classista que vigora no seio de sua elaboração. Ao

encararmos a democracia na vigência de uma sociedade burguesa, é no âmbito da

formalidade, e não substancialmente, que a mesma tende a se exercer. Mesmo na

Europa dos vivenciados anos de Bem Estar Social do pós segunda guerra, o que se

vê hoje é o avanço da tecnocracia, comprimindo a vontade da população em

questões importantes de alguns países europeus.

70

Fica claro, a partir das “pistas e recomendações” do documento, sua voz em

favor da construção de condições educacionais mundiais adequadas ao nosso

tempo. Cabe, assim, a pergunta: quem está por detrás determinando as supostas

exigências de nosso tempo, senão o capital?

Os sistemas educacionais devem responder os múltiplos desafios das sociedades da informação, na perspectiva de um enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adaptada às exigências de nosso tempo. (DELORS, 2012, p.56)

De fato, o relatório que estamos tratando tem uma vinculação com a própria

Teoria do Capital Humano da qual já tratamos antes. Dessa forma, tal como os

pressupostos da Teoria do Capital Humano, o Relatório Jacque Delors apresenta a

compreensão de que o incremento de educação nos países de capitalismo periférico

seria uma solução para seu atraso e para sua inserção no mundo em transformação

permanente.

Tal constatação, porém, não deve levar os países em desenvolvimento a negligenciar os motores clássicos de crescimento, em particular, o indispensável ingresso no universo da ciência e da tecnologia, com tudo o que isso implica em matéria de adaptação de culturas e de modernização de mentalidades. (DELORS, 2012, p.13)

Já não há mais dúvida de que as exigências de nosso tempo são, na verdade,

as exigências historicamente postas ao capital para a continuação de sua

acumulação. Pois, dando-se conta das contradições e efeitos perversos do

capitalismo, o relatório delega à educação algo a mais que apenas fator de

crescimento econômico, tal como se fazia na Teoria do Capital Humano.

Contudo, tendo consciência de que o modelo de crescimento atual depara-se com limites evidentes, devido às desigualdades que produz e aos custos humanos e ecológico que comporta, a Comissão julga necessário definir a educação não apenas na perspectiva de seus efeitos sobre o crescimento econômico, mas de acordo com uma visão mais ampla: a do desenvolvimento humano. (DELORS, 2012, p.57)

O tom escatológico de alguns trechos do relatório anuncia o suposto

problema principal vivido pela humanidade: a partilha injusta de conhecimento. A

71

apropriação desigual das riquezas produzidas, articulada à exploração do trabalho,

sequer aparecem no relatório. Em sua cruzada de mundialização, a meta por ora é

estabelecer condições mínimas globais de formação da força de trabalho, para que

se possa operar mais facilmente com os deslocamentos de ciência e tecnologia na

produção de mercadorias. Dispondo de mais opções da mercadoria força-de-

trabalho, o capital terá mais condições de seguir seu caminho.

Uma primeira conclusão parece impor-se: os países em desenvolvimento não devem negligenciar nada que lhes possa facilitar a indispensável entrada no universo da ciência e da tecnologia, e o que isso abrange em matéria de adaptação de culturas e de modernização de mentalidades. Considerados nessa perspectiva, os investimentos em matéria de educação e de pesquisa constituem uma necessidade, e uma das principais preocupações da comunidade internacional deve ser o risco de total marginalização dos excluídos do progresso, em uma economia mundial em rápida transformação. Se não se fizer um grande esforço para afastar esse risco, alguns países, incapazes de participar na competição tecnológica internacional, poderão chegar a constituir bolsões de miséria, de desespero e de violência impossíveis de serem reabsorvidos por meio da assistência e de ações humanitárias. Mesmo no interior dos países desenvolvidos, há grupos sociais inteiros em risco de serem excluídos do processo de socialização constituído, até há pouco tempo, por uma organização do trabalho de tipo industrial. Em ambos os casos, o problema essencial continua a ser o da partilha desigual de conhecimentos e de competências. (DELORS, 2012, p.61)

A inclusão e a exclusão das pessoas nesse mundo que se desenha se dá a

partir do estabelecimento de requisitos no campo educacional, diretamente

relacionado ao domínio de habilidades gestadas na sociedade da informação. A

busca pela inclusão, nos termos dessa sociedade, se apresenta como algo

veementemente desejado para, em última instância, se deter as rédeas sobre o

controle total do trabalho. Certamente não se trata de inclusão perpassada pela

emancipação humana de fato.

Mas a comissão se propõe a um desenvolvimento que não se resuma aos

aspectos econômicos. O desenvolvimento humano compreende questões de

natureza ética, cultural e ecológica. No que tange ao incremento da técnica no

âmbito da produção, o relatório se coloca preocupado com o emprego, reforçando,

nas entrelinhas, o emprego pauperizado, aí denominado de autoemprego. Como

72

mais uma pista e recomendação, o relatório coloca, em extrema sintonia com os

requisitos do capital:

Estabelecer novas relações entre política educativa e política de desenvolvimento, a fim de reforçar as bases do saber e do saber-fazer nos países em questão: estimular a iniciativa, o trabalho em equipe, as sinergias realistas, levando em conta os recursos locais, o autoemprego e o espírito empreendedor. (DELORS, 2102, p.70)

Os sistemas formais de educação, pois, são o foco da reforma anunciada pelo

relatório e largamente introduzido no projeto educacional do Programa de Educação

Integral de Pernambuco. O projeto de sociedade hegemonizada pelo capital fica

claro quando do ataque ao que até aqui significaram os sistemas educacionais

tradicionais.

As necessidades de adaptação e de reciclagem que se fizeram sentir no campo profissional das sociedades industriais invadiram, pouco a pouco, os outros países e as outras áreas de atividade. Contesta-se a pertinência dos sistemas educativos criados ao longo dos anos – tanto formais quanto informais -, e a sua capacidade de adaptação é colocada em dúvida. Esses sistemas, apesar do extraordinário desenvolvimento da escolarização, mostram-se pouco flexíveis por natureza e estão à mercê do mínimo erro de antecipação, sobretudo quando se trata de preparar competências para o futuro. (DELORS, 2012, P.88)

A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em Jomtien, na

Tailândia, tratou da educação básica, principalmente a inicial. Mas agora é a

educação secundária um importante foco nas orientações do relatório.

A Comissão entende, porém, que deve constar na agenda das grandes conferências internacionais do próximo século um empenho semelhante a favor do ensino secundário. Esse deve ser concebido como uma ‘plataforma giratória’ na vida de cada um: é nesse momento que os jovens devem poder decidir em função dos seus gostos e aptidões; é também nessa fase que eles podem adquirir as capacidades que os levem a ter pleno sucesso na vida de adultos. (DELORS, 2012, p.100)

A mobilidade pró capital dos proletários dá o tom da formulação acima. A nota

musical que embala o impulso de continuação das reformas é a flexibilidade

73

mercadológica. Pelo que veremos, o Programa de Educação Integral já parece ter

dado a largada nesse desafio.

2.5 Formação baseada nas competências para a empregabilidade

Um pano de fundo, também impulsionador, no conjunto de ações na área da

formação da força de trabalho como elemento na saída da crise do capital, é a

formação baseada nas competências. Segundo Kuenzer (2008, p.42) “os arranjos

flexíveis de competências diferenciadas expressam a forma de organização das

propostas pedagógicas na produção flexível”. Assim, o foco nas competências é

levado em conta porque é dito que através desse modelo se resultaria numa certa

empregabilidade por parte dos sujeitos. Assim esses estariam aptos para o mundo

do trabalho nos termos que ele hoje o é.

O modelo das competências enquanto um norte na agenda educacional, com

base nas ideias capitalistas atuais, se articula, no final das contas, como um

componente do conjunto de ações de enfrentamento da queda tendencial da taxa de

lucro. Assim, esse modelo é parte das estratégias de enfrentamento da crise

(RODRIGUES, 2007), ao mesmo passo em que se apresenta como uma novidade

de caráter amenizador em relação à “brutalidade” do taylorismo-fordismo. Demarca-

se, por meio do modelo das competências, uma feição aparentemente mais

“humana” na organização do trabalho.

Embora a ninguém ocorra educar para a incompetência, e se considere que o conceito de competência não seja novo, é preciso reconhecer que ele tem assumido um novo significado a partir do alargamento que tem sofrido, particularmente o conceito de formação profissional em face das novas demandas do mundo do trabalho. Estas demandas, a partir da substituição progressiva dos processos rígidos, de base eletromecânica, pelos de base flexível, de base microeletrônica, tem deslocado o conceito de formação profissional dos modos de fazer para a articulação entre conhecimentos, atitudes e comportamentos, com ênfase nas habilidades cognitivas, comunicativas e criativas. Ou, para usar as expressões correntes, trata-se agora não apenas de aprender conhecimentos e modos operacionais, mas de ‘saber, saber fazer, saber ser e saber conviver’, agregando saberes cognitivos, psicomotores e socioafetivos (KUENZER, 2009, p.16)

74

Visando o aumento da produtividade, a divisão social do trabalho vai

operando de forma cada vez mais fetichizada. Alguns teóricos chegam, inclusive, a

negá-la. O modelo de competências, que contribui indiscutivelmente no projeto

político pedagógico implantando na reestruturação do ensino médio pelo Programa

de Educação Integral, está relacionado com essa “nova” divisão do trabalho, embora

proclame o fim desta. Por sua vez, a simplificação do trabalho, apesar de aparentar

ser um processo cada vez mais complexo, resulta num movimento de produção

cada vez mais socializado pelos trabalhadores em rede. Já seus resultados são

cada vez mais apropriados de forma desigual, privada.

Cooperação e concorrência operam como dois pilares mor na formação

fundamentada no modelo das competências para a empregabilidade. O capital

colocou em cena com maior aperfeiçoamento, devido às mudanças na base

produtiva, a necessidade de uma força produtiva nova que é a força coletiva. Mesmo

distanciada no espaço, a força produtiva se faz coletiva pelo avanço das técnicas,

sobretudo as da informação e comunicação.

Desta nova base técnica e modo de operar da inteligência humana disseminada pela revolução das máquinas informacionais surge, como derivação ideológica, o denominado ‘modelo das competências profissionais’, ideologia orgânica da formação profissional, que exige dos novos operadores saberes em ação (savoir faire), talentos, capacidade de inovar, criatividade e autonomia no local de trabalho. O modelo das competências profissionais é o terreno ideológico a partir do qual se disseminam as noções estruturantes de flexibilidade, transferibilidade, polivalência e empregabilidade que irão determinar o uso, controle, formação e avaliação do desempenho da força de trabalho. Este será o novo léxico ideológico que permeará a pedagogia escolar e empresarial imbuída do espírito toyotista. (ALVES, 2011, p.76)

A cooperação dos assalariados torna-se condição necessária na produção,

mas os requisitos são exigidos individualmente. Isso demanda a concorrência

individual para uma maior produtividade em cooperação coletiva. Eis uma grande

contradição. A postura do trabalhador em relação aos outros passa a ser focada e

valorizada. As atitudes permeiam fortemente o teor do viés das competências. No

entanto, essa postura é importante, sobretudo, para a produtividade nos marcos

toyotistas.

75

Uma das características do modelo das competências são os vários saberes, incluindo o ‘saber ser’ (...) Aparentemente a preocupação é com o sujeito trabalhador e, indo mais além, com a formação integral do sujeito. No entanto, essa aparência é fruto do próprio fetiche. (RODRIGUES, 2007, p.21)

Na medida em que se impõe como norte, o modelo das competências para a

empregabilidade visa reorganizar o trabalho vivo, pauperizando-o

fundamentalmente.

Na medida em que a produção enxuta elimina trabalho vivo, ela o desloca para as redes de subcontratação. A lógica da lean production se impõe na cadeia produtiva. A constituição de uma redundância de força de trabalho como mercadoria significa incentiva uma nova inserção não salarial para a massa de força de trabalho supérflua. No limite, o espírito do toyotismo nos conduz à ideologia extrema da abolição do regime salarial, cujo sonho é o mundo dos prestadores de serviços, um mundo da produção constituído por uma miríade de empresas individuais de prestação de serviços individuais (o léxico do trabalhador assalariado como ‘colaborador’ é sintoma desta intervenção de posição social). Assim, a máscara do toyotismo aparece como máscara do autoempreendedorismo que se explicita nos locais de trabalho pela exigência de autoativação dos operadores. Ao ser projetada para o mercado de trabalho, a autoativação se transfigura no empreendedorismo e empregabilidade. (ALVES, 2011, p.104)

Ao nos aproximarmos do nosso objeto, percebemos a presença das

contribuições do modelo de competências em seu projeto político pedagógico

através da apostila utilizada na formação dos docentes que ingressam no Programa

de Educação Integral.

Qual a diferença entre aprendizagem e competência? A aprendizagem está relacionada com o processo de aquisição/construção dos conhecimentos por parte da pessoa, que é a vida da assimilação (apreensão de conhecimentos). Já a competência é a capacidade que a pessoa demonstra de saber aplicar na prática os conhecimentos apreendidos, por intermédio do desenvolvimento de habilidades. (COSTA, 2012, p.14)

Corrobora-se, assim, no modelo pedagógico implantado através do Programa

de Educação Integral, o modelo de competências para a empregabilidade. Aparece

uma total sintonia e imbricação com os requisitos do capital na formação da força de

trabalho na atualidade.

76

A empregabilidade refere-se à capacidade de o trabalhador – por sua polivalência e flexibilidade – ainda que perdendo temporariamente o emprego, manter-se empregável por deter um conjunto de habilidades básicas, específicas e de gestão capazes de assegurar-lhe a condição de qualificar-se para uma nova ocupação, serviço ou profissão. (COSTA, 2012, p. 45)

Assim, numa educação fundamentada nas competências para a

empregabilidade, a educação tem como foco a preparação dos aspectos que são

aqueles em sintonia com o mercado. A força de trabalho enquanto mercadoria

especial determina os traços mais conjunturais na proposta educacional posta pelo

Programa de Educação Integral. O que está em pauta nesse projeto, em termos

sobretudo ideológicos, é o fim das classes e a consequente absorção numa “classe

única”: a capitalista.

2.6 Um embate contra-hegemônico no campo da educação: formação humana

na perspectiva socialista

O capital e suas leis imanentes têm demonstrado, ao longo de sua vigência,

uma profunda coisificação dos homens e suas relações. O desenvolvimento do valor

de troca como fundamento central num mundo em que quase tudo pode se tornar

mercadorias espalhou pelas mais diversas sociedades uma lógica perversa em

grande escala, de consequências desastrosas tanto para os homens e mulheres

quanto para a natureza, dado o grande passivo que é gerado, seja social ou

ambiental.

Esse “espírito” capitalista se impregnou nas mais diferentes áreas da vida

social, tornando-se, mediante forte influência ideológica, na forma socialmente

naturalizada de se organizar a vida e sua reprodução. Mas apesar de ter

influenciado demasiadamente o senso comum, contudo, o capital nunca pôde

apagar de vez os conflitos e as contradições que se expressam ora mais, ora menos

acentuadamente na realidade.

Nesse raio de influência sobre todos os campos da vida social, o capital

impôs sob seu guarda-chuva a formação da classe trabalhadora como mais um meio

77

importante de difundir-se e perpetuar-se. A escola, enquanto lócus formal dos

processos educacionais vem sendo privilegiada pelos interesses capitalistas devido

ao papel importante que a mesma realiza na consecução de um projeto de

sociedade.

Nesse sentido, uma vez percorrido todo um caminho teórico nessa pesquisa

para evidenciar as relações do modo de produção capitalista com a educação

formal, julgamos necessário discorrermos sobre as contribuições político teóricas

contra-hegemônicas que vislumbram nos processos educacionais, sobretudo na

escola, um lugar de disputa propício à construção de uma sociedade que supere a

lógica das mercadorias.

Trata-se da alternativa baseada em torno do resgate do fundamento

humanizador do trabalho, algo que tem um caráter revolucionário e que está em

contraposição à sociabilidade burguesa que aliena esse mesmo trabalho. O trabalho

que dentro do capitalismo se constitui enquanto trabalho alienado, priva o homem da

possibilidade de se reconhecer no próprio trabalho e se humanizar com ele. Faz com

que o ser humano não se reconheça com o trabalho que ele mesmo realiza. Aí, de

antemão, aparece uma questão mais ampla que a educação escolar, que é a

formação humana. Esta nem se origina nem se limita ao sistema educacional formal.

[...] a formação humana é analisada na relação entre o processo histórico de objetivação do gênero humano e a vida do indivíduo como ser social. O que faz do indivíduo um ser genérico, isto é, um representante do gênero humano, é a atividade vital, a qual é definida por Marx como aquela que assegura a vida de uma espécie. No caso dos seres humanos, sua atividade vital, que é o trabalho, distingue-se daquelas de outras espécies vivas por ser uma atividade consciente que se objetiva em produtos que passam a ter funções definidas pela prática social. Por meio do trabalho o ser humano incorpora, de forma historicamente universalizadora, a natureza ao campo dos fenômenos sociais. Nesse processo, as necessidades humanas ampliam-se, ultrapassando o nível das necessidades de sobrevivência e surgindo necessidades propriamente sociais. (SAVIANI; DUARTE, 2010, p.426)

É na elaboração do mundo objetivo que o ser genérico do homem figura com

desdobramentos objetivos e subjetivos ao mesmo tempo. Ocorre que ao longo da

história social dos homens, marcada pela divisão social do trabalho e pelo

antagonismo de classes, a apropriação dos resultados da objetivação dos seres

humanos foi e é apropriada de forma desigual. É lamentável e muito danoso que a

78

totalidade da produção material e não material – sobretudo no capitalismo com seu

acentuado impulso nas forças produtivas – não tenha sido nem seja posta em favor

de todos os seres humanos.

Ocorre que não há outra maneira de o indivíduo humano se formar e se desenvolver como ser genérico senão pela dialética entre a apropriação da atividade humana objetivada no mundo da cultura (aqui entendida como tudo aquilo que o ser humano produz em termos materiais e não materiais) e a objetivação da individualidade por meio da atividade vital, isto é, do trabalho. Na sociedade capitalista, o trabalho produz riqueza objetiva e subjetiva, mas nem uma nem outra podem ser plenamente apropriadas por aqueles que trabalham. (SAVIANI; DUARTE, 2010, p.426)

A superação da sociedade capitalista, de acordo com a obra marxiana, não

descarta a riqueza material e espiritual produzida nos termos do trabalho alienado

dessa mesma sociedade. A travessia, no entanto, significa a total transformação da

forma histórica humana do trabalho alienado em autoatividade. Saviani e Duarte

(2010) pontuam quatro aspectos dessa mudança na atividade humana: a relação do

sujeito com os resultados da atividade humana, a relação do sujeito com sua própria

atividade, a relação do sujeito consigo mesmo como ser genérico e a relação do

sujeito com os outros sujeitos. Acrescentaríamos ainda a relação do sujeito com seu

meio.

Faz-se necessário pontuar que a travessia é, sobretudo, uma tarefa

educacional em sentido mais amplo que a educação formal. Mesmo não sendo a

escola o lócus primordial dessa superação do modo de produção, é preciso destacar

que essa tarefa não pode descartar o conhecimento sistemático na formação da

classe trabalhadora. Porém, não são poucos os pesquisadores que aprofundam a

questão da construção do projeto socialista em sua articulação com a escola. O

fazem principalmente à luz do legado teórico marxiano, no qual toda a discussão se

pauta a partir da apreensão da forma de como os homens produzem a vida no seio

das relações sociais, mais particularmente sob o advento do capitalismo.

É impossível compreender a temática educacional em si mesma, pois metodológica e teoricamente é o contexto e suas determinantes econômicas, sociais, políticas, etc. que fornece a chave explicativa do conteúdo e da forma que a educação assumiu (e assume) na história das mais diferentes formações sociais e econômicas. Penso que as formulações de Marx e Engels sobre educação e ensino

79

sempre aparecem coladas às observações e análises que fazem sobre as condições de vida e trabalho das classes sociais, particularmente da classe trabalhadora. Não estavam preocupados em elaborar teorias gerais e abstratas sobre os aspectos e dimensões da vida social que estudavam; ao contrário, analisando as condições de vida e de trabalho do proletariado de então é que acabaram formulando a necessária união da instrução com o trabalho material. (LOMBARDI apud MOURA; FILHO; SILVA, 2012, p.04)

Esses pesquisadores estão espalhados pelas universidades e movimentos

sociais, e colocam como fundamento teórico e político, em torno do qual balizam

suas questões, a categoria trabalho. A educação, portanto, não é tratada por eles de

forma isolada da totalidade social. É a partir e em torno dessas questões que

passaremos a seguir sobre as contribuições de influência marxista acerca de uma

educação não sujeita aos imperativos do capitalismo, destacando os legados de

Marx e Gramsci.

2.6.1 Politecnia e escola unitária

A elaboração de Marx em torno das questões educacionais não é tão vasta,

mas extremamente significativa na tomada de um projeto social que se paute em

alternativa à sociabilidade burguesa. Nessa elaboração destaca-se o princípio da

união trabalho e ensino, tão retomada pelos pensadores marxistas.

O princípio da união trabalho e ensino aparece de dois modos distintos nas elaborações de Marx. Em determinados momentos ele se coloca como proposta articulada à realidade contraditória do trabalho abstrato. Nesse caso, esse princípio surge como proposta para enfrentar as questões mais imediatas que afligem as classes trabalhadoras. É um modo de contraposição aos malefícios da degradação do trabalho e uma maneira que visa ao fortalecimento teórico e prático dos trabalhadores, seja como força de trabalho que precisa enfrentar como mercadoria as relações de mercado, seja como sujeito social revolucionário. Noutras ocasiões aparece como reflexão que pensa a articulação entre trabalho e ensino no contexto de novas relações sociais que tenham superado as contradições capitalistas. (SOUSA, 2010, p. 39)

80

Há muitos pensadores no campo da luta anti-capitalista que se apropriaram

dos conceitos e elaborações de Marx e Gramsci, sobretudo, para desenvolver uma

proposição teórico política que dê conta, no campo educacional, de construir

elementos de superação a partir das contradições encontradas no seio da sociedade

capitalista.

Apesar de apresentarem alguns confrontos conceituais pontuais, esse

coletivo de sujeitos se articulam numa unidade pelos mesmos fins que comungam: a

construção de uma educação baseada na omnilateralidade. Isso compreende, de

antemão, uma educação baseada na formação integral do homem, tal como

elaborou Marx. É a partir do processo educacional que toma o homem como

centralidade, considerando as dimensões intelectual, física e tecnológica, que Marx

procura postular uma educação que dê conta de todas as esferas da vida do ser

humano, por isso, omnitaleral. A partir da educação preocupada com as três

dimensões citadas acima, surge o termo politecnia, largamente utilizado, que ficou

cunhado devido às próprias referências do autor e de estudiosos seus acerca dessa

elaboração sobre a educação do homem emancipado das relações capitalistas.

Mas é no conjunto da obra de Marx que se deve buscar o entendimento mais

aprofundado da elaboração de politecnia. Esta, também denominada de instrução

politécnica, é o norte da formação integral. Assim, a educação politécnica está

associada a um sujeito integralmente desenvolvido e ela não compreende apenas o

domínio das técnicas, mas o domínio intelectual sobre as mesmas. Há uma

indissociabilidade entre educação do corpo, educação intelectual e educação

tecnológica. Essa integração daria na formação integral dos homens e mulheres,

diferentemente da unilateralidade hegemonicamente vivenciada na educação dentro

dos limites do capital.

É preciso resgatar que a união entre instrução e trabalho, como elemento

fundamental na proposição de formação humana integral, é uma elaboração teórica

gestada a partir do próprio avanço das forças produtivas com o advento da indústria.

Essa transformação acarretou mudanças nas bases técnicas, na divisão do trabalho

e tendeu a exigir um trabalhador de maior versatilidade. Politecnia e industrialização

estão, assim, relacionadas, porque é a partir do desenvolvimento das contradições

de uma forma histórica de produzir que, segundo Marx, se pode construir um

caminho de superação das relações sociais injustas. Nesse mote, vem junto a

superação das dualidades entre trabalho intelectual e manual, cultura técnica e

81

cultura geral, educação profissional e educação geral extremamente funcionais ao

capitalismo. Percebemos, assim, uma clara distância do receituário educacional

firmado nas competências e habilidades (CIAVATTA; RAMOS, 2012).

Ao pautar-se sobre o desenvolvimento das forças produtivas, a escola unitária

gramsciana traz à baila a questão de um industrialismo de novo tipo. Diferente

daquele industrialismo fundado na intensificação da exclusão social que submete a

educação ao confinamento imediatista, utilitarista e excludente do mercado, o novo

tipo de industrialismo aponta como espaço necessário ao desenvolvimento humano

fora dos marcos da coisificação capitalista, a escola básica unitária ou politécnica.

Unitária por apresentar um caráter integrador entre cultura e ciência mediado pelo

caráter histórico do trabalho industrial moderno. Esta escola estaria em oposição a

uma outra que está tradicionalmente posta em torno de uma ciência abstraída das

relações de produção (NOSELLA, 2004).

No âmbito da disputa das ideias sobre os processos educacionais, Frigotto

(2001) destaca um interessante embate entre as ideias conservadoras e àquelas do

campo crítico.

[...] o resgate de conceitos de escola unitária, formação omnilateral e/ou politécnica, tecnológico industrial produzidas no interior da concepção de homem e do processo de ‘emancipação humana’ em Marx e Engels e posteriormente em Gramsci, que surgem na década de 80 no pensamento educacional brasileiro, sustentam-se na mesma materialidade histórico-social das relações sociais de produção e relações políticas de onde emergem os conceitos de polivalência, policognição, multi-habilitação, formação abstrata, tão caros aos homens de negócio, e, ao mesmo tempo, demarcam uma perspectiva ético-política de formação humana numa direção que lhes é antagônica e interessa às classes trabalhadoras. (FRIGOTTO, 2001, p.67)

Os mecanismos de exclusão na órbita do capital resultam nas péssimas

condições materiais de grande parte da população e na apropriação

acentuadamente desigual das riquezas. A quebra destes mecanismos se coloca

numa perspectiva objetiva e subjetiva e é fundamental para o cultivo da

omnilateralidade. A socialização da produção se torna o imperativo necessário na

luta pela tomada de consciência. Está posto de forma clara, desde já, a necessidade

da superação da forma social capitalista para o estabelecimento da

omnilateralidade. Segundo Sousa (2010) enquanto a politecnia está relacionada a

82

um tipo de formação do sujeito trabalhador nos termos da produção capitalista,

omnilateralidade se refere à formação do próprio homem, livre das determinações da

sociabilidade capitalista.

Esmiuçando a formulação gramsciana de escola unitária, percebemos que é

colocada a tarefa de se identificar os eixos básicos de cada área do conhecimento

que, em sua unidade, carrega o caráter do diverso. A ciência apresentada como

síntese do diverso e do múltiplo possui, por excelência, um princípio unitário. Daí

que o desdobramento importante dessa formulação de escola unitária é que, para

além das relações efetivadas no âmbito escolar, os sujeitos produzem seu

conhecimento na realidade concreta, envolvendo as dimensões social, cultural,

estética, etc. É a partir daqui que se pode definir o “sujeito do conhecimento” que

deve tender à universalidade, como requisito de o ser democrático. (FRIGOTTO

2001).

A análise do aspecto intelectual, isto é, da consciência, revela que o homem não se mantém preso as suas condições situacionais e pessoais. Ele é capaz de transcender a situação, assim como as opções e os pontos de vista pessoais, para colocar-se na perspectiva universal, entrando em comunicação com os outros e reconhecendo suas condições situacionais, assim como suas opções e seus próprios pontos de vista. Funda-se aí, a legitimidade da educação, que emerge, então, como uma comunicação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação humana. (SAVIANI; DUARTE, 2010, p.426)

Se a escola unitária se postula democrática por seu fundamento de

universalidade, ela deve partir da realidade concreta dos sujeitos e tomá-los como

igualmente merecedores da emancipação humana. Assim, diferentemente do peso

mor na dimensão cognitiva nas formulações burguesas da sociedade do

conhecimento, na escola unitária as dimensões biológica, social, econômica,

política, cultural e valorativa, são igualmente importantes. Evidentemente que as

formulações burguesas também buscam se colocar em outras dimensões além da

cognitiva, mas o faz permeadas pelo ranço do trabalho alienado, com o intuito de

submeter de forma cada vez mais intensa o trabalho ao capital. Por outro lado, as

formulações antagônicas se pautam num horizonte de universalidade humana.

Esta forma de conceber a relação da escola com a realidade social, ao contrário de dilatar o currículo escolar na lógica da particularidade

83

de cada problema que aparece criando novas matérias sem base disciplinar orgânica, e portanto uma forma arbitrária, coloca o desafio de se identificar os ‘núcleos unitários’ historicamente necessários dos campos de conhecimento que tratam a societas rerum e societas hominum e que, uma vez construídos e apropriados concretamente, permitem ao aluno, ele mesmo, analisar e interpretar as infindáveis questões e problemas que a realidade apresenta. (FRIGOTTO, 2001, p.74)

A formulação da escola unitária não legitima as polarizações. O que há nesta

elaboração é uma unidade dialética entre teoria e técnica. Nenhuma dessas duas,

em específico, pode definir o núcleo de conteúdos, nem os processos e métodos.

Mas enquanto a classe trabalhadora não tenha ascendido ao poder político, a

concretização plena da politecnia e da escola unitária será apenas uma

possibilidade na agenda das lutas sociais. Contudo, ela tem sido pauta importante

no momento para muitos pesquisadores. O ensino médio integrado, como um

elemento de construção desta caminhada, tem sido um norte orientador dos

pesquisadores e educadores que disputam a escola para elevar as condições

políticas e intelectuais da classe trabalhadora que a ela tem acesso. O fazem

enquanto uma estratégia de construção de uma nova sociedade.

O ensino médio integrado abrange a unificação da educação com a produção

material, portando consigo o germe da politecnia. Mesmo necessitando a politecnia

de uma revolução plena, ela é possível de ser iniciada dentro das contradições do

modo de produção capitalista. Essa luta defendida por intelectuais do campo de

trabalho e educação estaria dada no âmbito do Estado e na sua relação com a

sociedade civil, bem como nos movimentos sociais. Mas esta integração entre

educação e trabalho perpassa a tarefa que poderíamos apontar como sendo

especificamente da escola.

Para tanto, no caminho para a ‘travessia’ em direção à escola unitária, laica, politécnica, universal, pública e gratuita é necessário reclamar por ‘escolas técnicas (teóricas e práticas)’, com base no princípio educativo do trabalho, onde está o germe do ensino que poderá elevar a educação da classe operária bastante acima do nível das classes superior e média. Se essa tese é válida para a classe trabalhadora em geral, para o caso do Brasil, imerso no capitalismo neoliberal como quase todo o planeta e, além disso, estando na periferia desse sistema capital, ela tem mais vigor ainda. (LOMBARDI apud MOURA; FILHO; SILVA, 2012, p.21)

84

Nos debates sobre o ensino médio e a educação profissional, as

contribuições do campo de trabalho e educação buscam uma integração desses

dois compreendendo que o ensino médio não deve ser imediatamente

profissionalizante e sim promover uma formação sólida para o mundo do trabalho.

Assim, no contexto brasileiro, essa luta se coloca em contraposição ao dualismo

estrutural que tem caracterizado historicamente as políticas de educação.

O rompimento do dualismo característico da educação brasileira tem seu

lócus fora da escola. Não se resolve apenas com reformas no campo educacional.

Dessa forma, é uma tarefa com imbricações de ordem político econômica, de maior

amplitude do que a escola, que envolve mudanças estruturais na ordem social. Por

isso, é preciso atentar para

O risco no uso do conceito ‘dualidade educacional’, sem a identificação das particularidades históricas da totalidade do processo, conduz ao abandono da dialética, das mediações e contradições dos fenômenos sociais. O importante são as raízes sociais da questão, a questão estrutural das classes sociais que lhe dão sustentação e sua ideologização como educação desejável. (CIAVATTA; RAMOS, 2008, p.27)

O ensino médio integrado se coloca como minimizador da dualidade e parte

de um projeto maior de travessia. Se coloca no horizonte da escola unitária e

politécnica. Mas a educação formal, embora seja espaço de contradições, tem

pertencido ao metabolismo social do capital, contribuindo com os processos de

interiorização dominantes. Nesse sentido, a necessidade é se mover no plano das

contradições como forma de ruptura e superação do sistema vigente. Paralelamente,

surge a emergência de desenvolver processos educativos que afirmem valores,

conhecimentos e atitudes que contribuam com a emancipação da classe

trabalhadora. Assim, aparece no horizonte a revolução como processo

transformador-educador do homem e das circuntâncias, sendo a própria carente de

uma educação para ser realizada (SOUSA, 2010).

O processo revolucionário é um processo educativo porque pretende romper com toda a ordem vigente, as relações de produção, as correspondentes estruturas jurídicas e políticas, os valores, ideias, formas de consciência, moral e costumes dominantes, toda a interiorização reificada, enfim, e formar o homem para novas relações nas quais possa ele afirmar-se em liberdade plena. Trata-se da educação do homem mesmo ou, para dizer de outra forma, é a

85

reeducação do homem para que ele possa se reconstruir como tal, como ser não alienado/estranhado. (SOUSA, 2010, p.35)

Educação e revolução podem ser vistas como práticas a serem

compatibilizadas. É na junção delas que se torna possível trilhar uma outra

realidade, livre de mazelas sociais históricas que tem marcado nossas sociedades.

86

CAPÍTULO 3 – SOBRE A METODOLOGIA DO ESTUDO

A aparência com que certo fenômeno observado se apresenta significa

apenas a sinalização de um processo mais profundo, em que reside aquilo que

podemos denominar a essência desse mesmo fenômeno, o movimento mais

estrutural desse mesmo fenômeno, que é real e, de certa forma, independe da

subjetividade do investigador, existe em si. Seu sentido, no entanto, só vem à tona

no enfrentamento deste com o sujeito observador/pesquisador. Segundo Kosik

(1976) a “coisa em si”, ou seja, a estrutura da coisa não se manifesta imediata e

diretamente. É necessário um esforço para compreendê-la porque a percepção

imediata não capta a estrutura da coisa.

Romper os limites da aparência consiste em aprofundar-se no movimento

concreto real do fenômeno e, a partir de esforços sucessivos, o apreender, levando-

se em conta que essa apreensão não é absoluta. Dessa forma, podemos captar os

múltiplos determinantes que estão na estrutura desse movimento real e

conhecermos devidamente no que consiste aquilo que antes se apresentava apenas

em aparência. Essa aparência fenomênica e a essência das coisas não coincidem.

Se assim o fosse, segundo Kosik (1976) a ciência e a filosofia seriam inúteis.

No trato com o objeto ou fenômeno a ser estudado, o sujeito se relaciona com

o mesmo, de forma a enfrentá-lo dialeticamente, buscando romper a aparência dada

e extraindo do objeto o que ele pode nos informar, a exemplo das próprias

categorias teóricas. Dessa forma, a objetividade concreta que existe

independentemente do sujeito pesquisador é perpassada por um crivo subjetivo,

visto que a pesquisa consiste numa apreensão da realidade por um sujeito e,

consequentemente, a sua subjetividade se imbrica.

A dialética, do ponto de vista filosófico, enseja a dissolução de

dicotomias tais como qualitativo/qualitativo, macro/micro, interioridade/exterioridade com que se debatem as diversas correntes sociológicas. Com relação aos significados, ela os considera como parte integrante da totalidade, devendo ser compreendidos e interpretados tanto no nível das representações sociais como das determinações essenciais. Sob esse enfoque, não se entende a ação humana independentemente do significado que lhe é atribuído pelo autor, mas também não se identifica essa ação com a interpretação que o ator social lhe reserva. (MINAYO, 2010, p.25)

87

Marx nos lega, na verdade, um método de investigação que o mesmo utilizou

durante toda a sua vida para compreender o movimento concreto real da sociedade

civil burguesa. O método, então, figura como o próprio processo de desenvolvimento

das coisas, da totalidade concreta (MINAYO, 2010).

A totalidade concreta como concepção dialético-materialista do conhecimento do real significa, portanto, um processo indivisível, cujos momentos são: a destruição da pseudoconcreticidade, isto é, da fetichista e aparente objetividade do fenômeno, e o conhecimento da sua autêntica objetividade; em segundo lugar, conhecimento do caráter histórico do fenômeno, no qual se manifesta de modo característico a dialética do individual e do humano em geral; e enfim o conhecimento do conteúdo objetivo e do significado do fenômeno, da sua função objetiva e do lugar histórico que ela ocupa no seio do corpo social. (KOSIK, 1976, p.61)

Esse percurso de investigação nos é fundamental, em função de que nosso

objeto de estudo se apresenta dentro e em correlação aos marcos da sociabilidade

burguesa e suas leis históricas, em movimento dialético. Evidentemente, o

movimento real do capital vai adquirindo novos desígnios. Assim, o esforço dialético

deve ser orgânico no sentido de dar conta da compreensão mais precisa desses

elementos.

Pretendemos fazer um estudo com vistas à contribuição de uma discussão

fundamental para a importante tarefa histórica da construção de uma escola

comprometida com um projeto social transformador em relação ao sistema em que

vivemos. Assim, ao trilharmos essa forma de apreensão da realidade, torna-se mister

a compreensão da particularidade do nosso objeto em relação a uma totalidade

histórica maior, tal como o evidenciado na dialética marxista.

Toda a obra de Marx é coerente com o princípio básico de sua metodologia de investigação científica: tem a marca da totalidade. Por isso mesmo, uma das polêmicas sobre a contribuição de seu trabalho para as Ciências Sociais se deve ao fato da dificuldade de catalogá-la, pois ela é, ao mesmo tempo, Filosofia, História, Economia, Sociologia e Antropologia. É esse caráter de abrangência, que tenta, de uma perspectiva histórica, cercar o objeto de conhecimento por meio de compreensão de todas as mediações e correlações, constituindo a riqueza, a novidade e a propriedade da dialética marxista. (MINAYO, 2010, p.107)

88

Consiste uma etapa fundamental apreendermos o movimento geral do capital

para darmos conta dos elementos que contribuem nas determinações da política

educacional local, sobretudo na reforma do ensino médio protagonizada pelo

governo do estado de Pernambuco pelo atual Programa de Educação Integral.

3.1 Delimitação do campo da pesquisa

Ao considerarmos que o nosso estudo aborda o processo de reforma

implementada sobre o ensino médio da rede estadual de Pernambuco, através do

recorte no Programa de Educação Integral, o mesmo se encaminha na direção dos

estudos que leva em conta os efeitos da crise do capitalismo e suas repercussões

nas ações do Estado, sobretudo nas políticas sociais, pois as reformas aparecem

como tarefas fundamentais de uma agenda de adequação da educação dos

trabalhadores para um mundo em transformação no enfrentamento da crise.

As mudanças que se abatem sobre a educação não se restringem a

Pernambuco, nem ao Brasil. Mas acabamos por delimitar dentro do conjunto de

reformas, essa específica que está em curso no âmbito da rede estadual, incidindo

sobre o ensino médio – fase da educação básica de transição para o trabalho ou

para a educação superior -. Ademais, a especificidade da reforma aqui

materializada, apresenta um caráter de pioneirismo no país em termos de

formatação de proposta pedagógica para o ensino médio, daí o porquê de ela está

servindo como modelo de replicação em outras redes de ensino público Brasil afora,

como nos estados do Ceará, Piauí e mais recentemente São Paulo.

Considerando tais pressupostos, temos claro que os nexos e mediações

existentes entre a reforma em curso no ensino médio da rede estadual e os efeitos

mais abrangentes da recomposição da crise capitalista sobre o Estado e a

organização do trabalho são de fundamental importância na explicitação de nosso

objeto. Partimos, dessa forma, de uma contextualização mais ampla para situar a

reforma local na educação estadual.

3.2 Delimitação dos sujeitos

89

Os sujeitos de nossa pesquisa são formados pelas instâncias e seus

respectivos representantes relacionados com a gestão da educação na alçada do

Programa de Educação Integral de Pernambuco. Esses sujeitos são a Secretaria

Executiva de Educação Profissional, subdivisão da Secretaria de Educação de

Pernambuco que responde pelas escolas do Programa de Educação Integral e pelas

escolas técnicas da rede estadual, a equipe gestora de algumas escolas do

programa e seus respectivos documentos institucionais. Optamos por esses sujeitos

na esfera da gestão devido ao intento de compreender os fundamentos do projeto a

partir do grupo mais ligado com a formatação e coordenação geral do modelo.

Assim, não buscamos nem os docentes nem os alunos do Programa de Educação

Integral, pois não nos focamos na percepção desses sujeitos diante desse modelo

escolar.

3.3 Natureza e organização da pesquisa

O desenvolvimento do estudo englobou pesquisa bibliográfica, caracterizada

como aquela que se realiza a partir do registro de pesquisas anteriores (SEVERINO,

2007). Além disso, lançamos mão da pesquisa documental e da entrevista do tipo

semi-estruturada. Num primeiro momento foram selecionadas as fontes

bibliográficas que nos pudessem fornecer elementos teóricos para contextualizar a

crise do capital e suas repercussões políticas, econômicas, ideológicas e mesmo

pedagógicas. Passamos à exploração dessas fontes através da leitura desse

material, da elaboração e da análise de fichas sobre os mesmos.

Afim de apreender substâncias que possam ou não respaldar a nossa

hipótese, lançamos mão da pesquisa documental, num momento posterior ao

estabelecimento dos objetivos da pesquisa. Buscamos os documentos inscritos no

âmbito dessas instâncias, mediados pelos seguintes critérios: A importância do

documento na sistematização político pedagógica do Programa de Educação

Integral; o teor propositivo do documento, em termos da formação oferecida pelo

programa;

Através desses critérios orientadores chegamos até as leis, apostilas de

formação continuada, cartilha, regimento interno e projeto político pedagógico de

90

algumas escolas. Buscamos os documentos de duas escolas pelo critério de

consolidação no programa – uma delas – e de inserção recente no programa - a

outra -, como forma de ter uma amostra que leve em conta as pontas do processo.

No geral, esses documentos aglutinam os fundamentos e os nortes da reforma pela

qual o ensino médio na rede vem sendo perpassado. Assim, passamos a elaborar

fichas, sínteses e quadros analíticos desse material para uma análise mais

minuciosa.

Na Secretaria Executiva de Educação Profissional, foram selecionados dois

gestores que respondem pelo conjunto das escolas do Programa de Educação

Integral. O critério de escolha nesse caso foi a disponibilidade destes em nos

conceder uma entrevista. Um deles, com maior envolvimento na parte da gestão do

programa, especialmente na formação dos gestores das escolas. O outro, com

maior envolvimento nos aspectos pedagógicos do programa, com maior

relacionamento com a formação dos professores do programa. Aproveitamos, dessa

forma, como critério de entrevista na Secretaria de Educação, a própria divisão

interna deles. Estas entrevistas contribuem na elaboração de nossa dissertação à

medida que sempre vamos nos servir delas como elemento analisador das teses

vistas nos documentos. Ademais, por sua natureza, a entrevista permite tratar de

temas complexos que dificilmente poderiam ser investigados adequadamente

através de questionários (ALVES-MAZZOTI; GEWANDZNAJDER, 2001).

Considerando os pressupostos da pesquisa, construímos um roteiro que

serviu de suporte para essas entrevistas. Entendendo, como Minayo (2010) que o

roteiro é um guia, nunca um obstáculo. O roteiro não deve, portanto, prever todas as

situações e condições de trabalho de campo. Deve facilitar a emergência de temas

novos. Eis os pontos desse roteiro:

- Envolvimento com a gestão mais ampla do Programa de Educação Integral;

-Conhecimento dos elementos políticos e pedagógicos que caracterizam o Programa

de Educação Integral;

-Condições de perceber a repercussão concreta da proposta do ensino médio

reformado através da ação educativa das escolas;

As entrevistas foram em número de 04 e permitiram levantar informações

sobre as características pedagógicas e de gestão encontradas nas escolas

reformadas e pertencentes ao programa.

91

3.4 Procedimento de análise

O esforço de coleta e análise dos dados, com o auxílio de referenciais

teóricos pertinentes, nos permitiu perceber as mediações político pedagógicas que

se estabelecem entre a reforma do ensino médio na rede estadual de Pernambuco,

ora levado a cabo pelo Programa de educação Integral, e o movimento mais geral

do capital, especialmente nos elementos mais específicos advindos do contexto de

sua crise.

A categoria básica de análise da sociedade é o modo de produção, no

pensamento marxista. Historicamente determinado, o modo de produção apresenta

como categoria mediadora das relações sociais o trabalho (MINAYO, 2010). Assim

sendo, transcorreu-se um procedimento de análise dos dados coletados tendo como

categoria de análise o modo de produção, a luta entre as classes fundamentais, as

relações sociais em conflito com o avanço das forças produtivas. Através dessas

categorias foi possível explicitar o movimento real do fenômeno estudado,

desvelando aquilo que não seria possível perceber num olhar imediato.

92

CAPÍTULO 4 – O PROGRAMA DE EDUCAÇÃO INTEGRAL DA REDE ESTADUAL

DE PERNAMBUCO: UMA SAÍDA DE ATENDIMENTO ÀS INJUNÇÕES DO

CAPITAL NA PAUTA EDUCACIONAL

Neste capítulo versaremos sobre as experiências precursoras do Programa

de Educação Integral: do protótipo, no qual se inspirou o programa, ao projeto piloto

desenvolvido na rede estadual. Em seguida, por ter essa parte um caráter mais

empírico, nos aproximaremos da materialização da reforma educacional através da

análise dos documentos e de entrevistas, sempre mediando esse movimento com a

construção teórica levantada nesse estudo.

4.1 – O modelo de escola charter: o protótipo do Programa de Educação

Integral

Visando uma determinada melhoria, em termos de eficiência, no ensino e na

gestão de escolas públicas, o modelo educacional chamado de escola charter

tornou-se recentemente um exemplo de inovação na materialização de reformas

educacionais através da formação de parcerias entre secretarias de educação,

empresas, lideranças e organizações da sociedade civil. A questão fundamental é a

busca pela implantação da parceria público privada como forma de atingir

“melhores” resultados nos serviços públicos. Em outros termos, a implantação de

uma racionalização típica da produção capitalista atual, ora transplantada para a

oferta dos serviços públicos.

Essas escolas, por estarem mais livres de regulações estatais, apresentam

maior autonomia para experimentar inovações advindas da lógica mercantil. Isso se

faz na intenção de alcançar metas e resultados estipulados a partir de padrões,

sobretudo, quantitativos. Padrões esses que são importados das tecnologias

empresariais.

Os Estados Unidos foram pioneiros no modelo de escola charter, com a

fundação da primeira escola em 1992, em Minesota. Foi nesse país onde essas

instituições se proliferaram com maior peso e, dezoito anos após, registrava-se o

93

número de 4.662 escolas, abarcando mais de 1 milhão de estudantes (DIAS, 2010).

Além do mais, esse modelo consistiu num fenômeno que também se replicou em

outros países como Austrália, Japão, França, etc.

Em cidades americanas como Chicago e Nova Iorque, o modelo de escola

charter foi um destaque nas reformas implementadas em suas redes públicas de

ensino. A partir do envolvimento de fundações e organizações do terceiro setor, a

gestão passou por mudanças em prol da suposta melhoria de resultados do ensino.

Foi algo então muito comum a criação de organizações para fazer a co-gestão

dessas escolas juntamente ao poder público.

Em Nova York, lideranças da Secretaria de Educação ajudaram na criação de uma organização sem fins lucrativos, financiada por fundações do setor privado, o ‘New York City for Charter School Excellence’, para ajudar na formação dessas escolas, além de atuar como proponente do modelo junto a pais, formadores de opinião e legisladores. (DIAS, 2010, p.13)

As especificidades da implementação dessas escolas charters em diversos

locais, em termos de legalidade, não nos impedem de visualizar traços comuns a

essas experiências. Elas são cogerenciadas por uma organização do setor privado

sem fins lucrativos, possuem mais autonomia no recrutamento e seleção de

gestores e professores que as demais escolas públicas e estimulam um perfil de

forte comprometimento com as atividades escolares por parte dos alunos. A questão

relacionada a auto responsabilização pela carreira do alunado que nos chama

atenção aqui é: não estariam os interesses transplantados da lógica mercadológica

por detrás dessa requisição de comprometimento integral dos alunos? O que nos

parece, de antemão, é que essas reformas na educação escolar não estão

descoladas de demandas originadas da lógica das mercadorias. Logo, o

comprometimento e auto responsabilização do alunado, como diferencial em relação

às escolas públicas comuns, traz embutido os fundamentos de um projeto de

formação, mais atualizado com as questões solicitadas pelo mercado globalizado do

nosso tempo.

A título de exemplificação, um modelo representativo das escolas charters é a

rede KIPP (Knowledge is Power Program), da cidade americana de Houston.

94

Quando se visita uma dessas escolas, não há como não observar a cultura estabelecida, muito diferente da escola pública regular. Se um visitante entra na sala de aula, os alunos sequer viram a cabeça, mantendo-se o tempo todo concentrados nas atividades. Ao caminhar de uma sala ambiente para outra, os alunos da KIPP andam em filas organizadas. Há uma lei de silêncio mesmo nos corredores, e somente alunos da oitava série ganham o privilégio de poder conversar entre si. Nas escolas KIPP de Nova York, os alunos são proibidos de usar bonés, maquiagem, unhas postiças, brincos muito grandes e vestir calças largas no estilo ‘hip hop’. Em uma área da escola, há uma parede com os nomes das universidades para as quais os alunos planejam entrar. Frases que simbolizam a cultura KIPP são encontradas por todas as partes: ‘Se há um problema, nós buscamos a solução’. ‘Se precisamos de ajuda, nós perguntamos.’ ‘Não há atalhos. E não é uma realidade só da KIPP. É uma realidade da vida.’ ‘Trabalhe duro. Seja gentil.’ (DIAS, 2010, p.15)

É importante atentarmos que está inserido nesse projeto escolar traços de um

esforço pedagógico e ideológico no sentido de influir na subjetividade dos alunos – a

maioria deles pertencentes às classes sociais mais exploradas. Essa influência se

trata de uma ideologia capitalista temperada à moda da produção toyotista. Não é

por acaso que, na rede de escolas KIPP, 81% dos alunos provém de famílias que

vivem abaixo da linha de pobreza naquele país. Desse total, 60% são negros e 35%

são hispânicos (DIAS, 2010). Não é, portanto, algo de se impressionar que a escola

continue com uma função importante de educar para a acomodação e aceitação das

relações sociais de produção capitalista, da forma que estas estão dadas hoje. Se

na época da industrialização, a escola, como vimos anteriormente, cumpria uma

mediação importante na consolidação do capitalismo industrial, hoje ela ainda é

igualmente relevante na consolidação do acordo entre as classes. Evidentemente, o

projeto político pedagógico prevalecente sofre sensível influência da hegemonia

econômica, política e ideológica do capital contemporâneo e suas consequentes

configurações.

Em casos como o vivenciado em Chicago, o modelo de escola charter chega

a permitir uma flexibilidade tal que qualquer pessoa que inove no campo educacional

pode se tornar um “fornecedor de serviços escolares”, recebendo incentivo do

governo para montar e ampliar uma rede de escolas charter de acordo com a sua

experiência piloto desenvolvida.

Uma das primeiras escolas charter da cidade, Perspective chartes, é um exemplo do tipo de autonomia com resultados descrito

95

por Guzman. Criada em 1997 por duas professoras da rede pública da cidade, essa escola charter se destaca pelos seus resultados com alunos do ensino médio. A escola foi convidada pelo prefeito de Chicago a fazer parte do Programa Renascença 2010 e a se tornar uma rede, abrindo três novas unidades e desenvolvendo um plano para mais sete escolas até 2014. (DIAS, 2012, p.19)

Segundo Dias (2012) dos 408 mil alunos da rede pública de Chicago por volta

de 2006, 20 mil eram atendidos pelas escolas de modelo charter. Com o programa

de expansão chamado Programa Renascença (Renaissance 2010), se tinha como

meta implantar cem novas escolas nesse modelo. Ao se espalhar nessas

dimensões, a escola charter se tornou não apenas uma inspiração, mas um modelo

real para que se replicasse esse tipo de escola até no Brasil. Foi o caso do projeto

piloto – o dos Centros de Ensino Experimental – que desembocou, mais tarde, no

Programa de Educação Integral da rede estadual de Pernambuco.

Através da iniciativa do empresariado, aliado às reformas ocorridas no

aparelho de Estado sob a égide das conformações políticas neoliberais,

Pernambuco saiu na frente no país no modelo de escola charter para o ensino

médio. O projeto viria a servir como base de um modelo educacional replicado em

outras redes Brasil afora.

4.2 Os Centros de Ensino Experimental: o projeto piloto do Programa de

Educação Integral

A atual Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano,

localizada na Rua da Aurora, em Recife, foi o marco inicial do projeto piloto que

resultaria posteriormente no Programa de Educação Integral de Pernambuco. Nessa

escola, reconhecida pela sua importância histórica, passaram alunos que se

tornaram referências nacionais nas artes e na política. Construída no século XIX, a

escola ostenta um prédio de bela fachada neoclássica e um pátio interno rodeado

por arcos.

Mas foi por volta do início dos anos 2000, quando a instituição encontrava-se

com uma estrutura física bastante deteriorada, apesar do tombamento histórico do

prédio, que o Ginásio Pernambucano passou a ser o palco pioneiro da reforma que

96

incidiu sobre o ensino médio da rede estadual. Não haveria vitrine melhor do que o

centenário educandário como um apoio na experimentação e divulgação de um

ensino médio público reformado. Foi então que através da Lei Estadual 12.965 de 26

de dezembro de 2005, criou-se mais 13 Centros de Ensino Experimental, dando a

largada da expansão.

Os Centros de Ensino Experimental foram implantados para iniciar a

reestruturação do ensino médio na rede estadual. O modelo de escola charter foi em

que se basearam os sujeitos idealizadores dessa empreitada. Iniciado em 2004 com

o Ginásio Pernambucano, o projeto dos centros anunciava em seu discurso um

processo reativo à crise de qualidade da escola pública. Crise esta tida como um

grande problema ou gargalo no desenvolvimento do país, tal como postulava a

renovada Teoria do Capital Humano. Particularmente, o próprio Ginásio

Pernambucano estava em uma decadência visível em sua estrutura física, e o

ensino público ali, como em qualquer outra escola da rede estadual de Pernambuco,

apresentava muitos problemas. Tinha-se, portanto, um contexto e um pretexto

favorável a uma reforma. Nesse caso, uma reforma pró-capital empreitada pelos

empresários e pelo Governo de Pernambuco disfarçada sob o manto de ser uma

nova escola pública eficiente, de resultados quantitativos precisos.

O modelo protagonizado pelo Ginásio Pernambucano adotou uma gestão e

uma proposta pedagógica que se diferenciava das demais escolas regulares da rede

estadual. Figurava, assim, como uma novidade no campo educacional local. E foi

nesse ínterim de reformas, que foi criado um parceiro institucional para dividir a

função de gestão com o próprio Estado. Apareceu, dessa forma, tal como o New

York City for Charter School Excellence da experiência americana, o ICE – Instituto

de Co-Responsabilidade pela Educação – uma organização sem fins lucrativos e de

direito privado que articulava a participação do setor privado na gestão dos Centros

Experimentais. O ICE propôs uma filosofia de trabalho diferente do que havia então

nas escolas da rede estadual, bem como uma nova proposta pedagógica e gerencial

para a escola (MAGALHÃES, 2008). Constatava-se, assim, que a reforma não era

apenas física como ocorreu com o próprio Ginásio Pernambucano, mas a mesma se

inseria profundamente nos fundamentos pedagógicos e da gestão educacional.

Para firmar essa parceria entre o empresariado e o poder público em regime

de colaboração e co-responsabilidade, foi criado, pela Lei Estadual 12.588 de 21 de

maio de 2004 o PROCENTRO – Programa de Desenvolvimento dos Centros de

97

Ensino Experimental – na estrutura da Secretaria de Educação da rede estadual. A

função estratégica do PROCENTRO era assessorar nas condições necessárias para

a ampliação do número de escolas no modelo do CEEGP (Centro de Ensino

Experimental Ginásio Pernambucano).

O PROCENTRO é fruto de uma constatação: a de que o Poder Público, por si só, não possui condições de implementar uma escola pública de qualidade para o ensino médio. Essa constatação, que se reflete no abandono do antigo Ginásio Pernambucano, revela-se nas dificuldades financeiras para o financiamento do ensino médio; nos entraves institucionais que dificultam uma gestão eficiente; nas ineficiências observáveis nas taxas de abandono, evasão e repetência neste nível de ensino. (MAGALHÃES, 2008, p. 27)

O PROCENTRO ainda abarcava a função de identificar e promover o pessoal

necessário para liderar o programa, ocupando os cargos de gestão. Era uma

estratégia similar ao das organizações sob a hegemônica influência toyotista:

seletividade intencional para cargos de chefia como forma de amenizar os conflitos e

fortalecer o controle sobre os demais trabalhadores. Era preciso um exército de

primeira linha na execução do projeto de forte corte ideológico. Era necessário um

pelotão de frente que “vestisse a camisa” com mais afinco.

A experiência do Procentro nos mostra a importância de encontrar gestores no setor público com talento e energia para liderar a implantação de uma proposta que crie novos padrões de colaboração entre setor público e privado no Brasil. Essa não é uma tarefa fácil. Recursos financeiros não são suficientes. O elemento-chave para inovação está na qualidade do capital humano e nas leis e estruturas organizacionais que regem o funcionamento das redes públicas. Profissionais com perfil de liderança ficam muitas vezes escondidos, subutilizados, seja na escola, no órgão central ou regional, pois, na rede pública, em geral, são escassos os sistemas internos de identificação e desenvolvimento de profissionais qualificados que possam assumir posições de gestão e inovação. (DIAS, 2010, p.25)

A partir da já citada premissa de que a escola pública estava em crise -

especialmente a pauperizada situação do ensino médio – e que o atraso em

desenvolvimento do país e da região se devia a falta de investimentos educacionais,

foi firmado um termo de cooperação técnica entre o poder público e o setor privado

com a devida mediação da Secretaria de Educação do estado de Pernambuco e do

98

ICE. Esse termo se colocava na busca da implantação de uma rede de escolas

públicas de ensino médio que fosse referência em inovação na gestão e no modelo

pedagógico. Além disso, procurava envolver empresas e empreendedores sociais no

projeto para, juntamente ao poder público, fortalecer a ideia. Estava lançada a

semente do futuro Programa de Educação Integral, caracterizado por uma

aproximação mais efetiva dos processos educacionais formais na rede estadual às

requisições do capital na atualidade para o campo da formação da força de trabalho.

Antes de chegarmos propriamente ao programa em foco, faz-se necessário

aprofundarmo-nos nos aspectos pedagógicos e de gestão do projeto piloto – o dos

Centros Experimentais – para apreendermos com mais precisão em que parâmetros

estão dispostos os fundamentos, diretrizes pedagógicas e as mediações que as

dezenas de escolas inseridas no Programa de Educação Integral efetuam hoje na

reforma em curso.

4.2.1 A proposta pedagógica dos Centros de Ensino Experimental

Com a implantação do primeiro Centro de Ensino Experimental,

estabeleceram-se também algumas mudanças no campo pedagógico. Por uma

questão de diferenciação em relação as demais escolas da rede e apresentação de

resultados que validassem essa experiência piloto, era necessário inovar em

diversos aspectos e divulgar os resultados obtidos. Foi aí que Antônio Carlos Gomes

da Costa e Bruno Silveira trouxeram a formulação da proposta pedagógica,

denominada de Educação Interdimensional, com foco no Protagonismo Juvenil e na

Pedagogia da Presença (LIMA,2009). Na ocasião, os formuladores supracitados

faziam parte, respectivamente, da consultoria Modus Faciendi – que prestava

serviços a várias instituições do Terceiro Setor, a exemplo do Instituto Ayrton Sena –

e da Fundação Odebrecht.

O Protagonismo Juvenil foi um ponto central nessa proposta de inovação

educacional. Se propunha a formação de um jovem que aprendesse a exercer

efetivamente a sua cidadania através de vivências tanto na escola quanto na

comunidade. Isso implicava numa educação que apostasse no desenvolvimento da

capacidade do jovem de identificar situações cotidianas importantes e, a partir do

99

discernimento dos elementos que a compõe, posicionar-se de modo protagonista.

Seria uma forma de orientá-lo para o exercício da autonomia cidadã.

Outro elemento do Protagonismo Juvenil era que o jovem conseguisse prever

os resultados de suas ações e comportamentos. Para isso era requerido que o

jovem tivesse uma compreensão mínima de si próprio e um entendimento da

diversidade social que o circundava. Como complementaridade da proposta do

Protagonismo Juvenil, elaborou-se a Educação para Valores que se pautava no

aprimoramento do jovem como pessoa humana. Aí, fomentava-se o jovem como

uma potencial fonte de iniciativas, predisposto à ação e compromissado com as

suas responsabilidades. O Protagonismo Juvenil se desdobrava assim num

protagonismo estudantil. Era preciso que o estudante se apropriasse dos

conhecimentos sistematizados pelo currículo, fundamentalmente da competência da

leitura, escrita, da matemática e do raciocínio lógico (MAGALHÃES, 2008). Não é

preciso lançar mão de muita minúcia para perceber as aproximações entre essa

proposta educacional dos Centros Experimentais e as formulações pedagógicas

trazidas pelo Relatório Jacques Delors da UNESCO. Prever situações problemas,

posicionar-se diante delas e adquirir determinadas competências são os pilares

sobre os quais a educação para a acomodação às exigências do capital se

caracterizam na atualidade.

Outra elaboração inserida no projeto se tratava da denominada Cultura da

Trabalhabilidade. Esta visava o fomento ao jovem para este inserir-se no novo

mundo do trabalho através do desenvolvimento de habilidades específicas em

consonância com essa demanda. Lavava-se em conta o suposto de que as

inovações tecnológicas pediam um profissional autoconfiante, disposto a assumir

riscos e facilmente adaptável às mudanças constantes. Era requisitado, como forma

de operacionalizar tudo isso, que o jovem elaborasse seu Projeto de Vida, Plano de

Carreira e Programa de Ação para alcançar suas metas profissionais e acadêmicas.

Na execução desse planejamento se criaram as etapas a serem seguidas pelos

alunos: aprender a definir metas para sua vida de forma clara e objetiva, fazer um

diagnóstico pessoal identificando suas habilidades e qualidades, identificar e

analisar os obstáculos, dificuldades pessoais e oportunidades e, finalmente,

escrever seu plano de carreira, definindo o que e como conquistar ao longo dos

anos posteriores (LIMA, 2009).

100

O Empreendedorismo e o Associativismo Juvenil, também incluídos na

proposta, pautavam-se no incentivo aos jovens de aprender a desenvolver formas

de auto-organização e co-gestão para fins diversos: sociais, esportivas, etc.

Apareceram iniciativas como a Junior Achiviement, que era uma empresa junior para

promover entre os estudantes os elementos necessários para desenvolver o espírito

empreendedor e entender a importância das empresas nas atividades das

comunidades. A certificação profissional também estava contida na proposta

pedagógica para que os jovens desenvolvessem competências para continuar seus

aprendizados e para o mundo do trabalho (MAGALHÃES, 2008). .

Ainda tinha a presença de formulações específicas como as Práticas e

Vivências que se propunham a desenvolver competências e valores nos jovens no

tocante aos relacionamentos interpessoais. O jovem precisava aprender a integrar

seu projeto individual ao projeto da sociedade em que ele estava inserido. A

Presença Educativa materializada na educação integral caracterizava-se na

presença de professores e alunos em horário integral. Dava-se ênfase ao projeto de

vida de cada aluno bem como ao empreendedorismo. A justificativa para o horário

integral (7h30 às 17h) era a possibilidade de permitir a participação efetiva dos

professores, alunos e da comunidade. A integralidade da ação educativa deveria

levar em conta as diversas dimensões do ser humano como a afetiva, social,

cultural, emocional, etc, Essa integralidade tem, assim, correlação clara com a

fundamentação da proposta do relatório Jacques Delors: aprender a ser, aprender a

conviver, aprender a fazer e aprender a aprender.

Após um ano com uma proposta pedagógica que focava no ensino de

projetos em torno de centros de interesses e em materiais desenvolvidos pelos

professores, percebeu-se que era necessário atentar para ajustes cujo foco fosse o

vestibular, com apoio de livros didáticos e predominância de aulas expositivas. Isso

ocorreu devido ao fato do resultado no vestibular dos primeiros egressos não terem

sido satisfatórios, pois esse teste de admissão na universidade privilegiava a

aferição de conteúdos obtidos no ensino médio. Dessa forma, mesmo continuando

com as atividades interdisciplinares, a proposta pedagógica sofreu uma

reorganização.

Um outro desafio encontrado foi a adaptação da proposta pedagógica inicial. Idealizada por consultores externos, precisou ser

101

adaptada à realidade dos alunos matriculados: o desenho curricular proposto contemplava muitos projetos interdisciplinares e oficinas extracurriculares, sem levar em conta o real déficit de aprendizado dos alunos da rede pública ao ingressarem no primeiro ano do ensino médio. Outro ponto de tensão foi o preparo para o vestibular. A proposta não estava direcionada para esse objetivo, mas os alunos, ao ingressarem, tinham essa expectativa. Os idealizadores do programa não imaginavam que os próprios alunos dos Centros chegariam demandando mais conteúdo, sonhando em ter uma educação, como muitos resumem, “igual a de escola particular”. (DIAS, 2010, p.26)

Os Centros Experimentais passaram então a se organizar em torno desses

três eixos: educação acadêmica de qualidade, preparação para a vida e educação

profissionalizante. Esperava-se, portanto, que o jovem desenvolvesse competências

e habilidades durante o ensino médio, necessárias para sua inserção e permanência

no mercado, bem como desenvolver seu espírito empreendedor, protagonista na

comunidade e na sociedade como um todo. (MAGALHÃES, 2008)

4.2.2 A gestão nos Centros de Ensino Experimental

Os Centros Experimentais trouxeram também um novo desenho de gestão. A

partir da adaptação de um modelo de gerenciamento de perspectiva empresarial, os

Centros Experimentais foram uma espécie de laboratório para uma posterior

ampliação. Tratava-se do modelo de gestão PDCA – Plan, Do,Check, Act (Planejar,

fazer, avaliar, agir). Esse modelo anunciava uma gestão mais eficiente para a

escola.

O papel do empresariado, portanto, dentro da ética da co-responsabilidade, vai muito além de apenas contribuir financeiramente. É, na realidade, um agente da transformação, desafiando paradigmas e trazendo para o setor público mais eficiência na gestão dos processos. (MAGALHÃES, 2008, p.21)

Percebemos que a ideia de trazer eficiência para o setor público é

impulsionada na necessidade originada nos interesses capitalistas de maior

racionalização dos processos visando uma produtividade técnica mais expressiva.

102

A filosofia de gestão em pauta se baseava numa tecnologia de gestão

desenvolvida pelo grupo Odebrecht, participante no conglomerado de empresas que

formularam o projeto de reforma para e escola média. Se tratava da TEO

(Tecnologia Empresarial Odebrecht).

A TEO é definida como a arte de coordenar e integrar tecnologias específicas e educar pessoas. Entenda-se como tecnologias específicas, os diferentes saberes, as diversas áreas do conhecimento. Em se tratando da escola, as diversas disciplinas e atividades de apoio. Seus princípios fundamentais tem como foco os elementos: ser humano, comunicação, sinergia, criatividade, parceria, produtividade, educação pelo trabalho e reinvestimento. Enquanto descentralização, delegação planejada, tarefa empresarial, resultados e responsabilidade social da empresa, constituem o elenco dos conceitos essenciais. Várias instituições do terceiro setor se espelham nesta tecnologia, entre elas os Projetos Sociais apoiados pela Fundação Odebrecht, o Hospital Irmã Dulce e o Instituto Aliança. (LIMA, 2009, p.23)

Para servir ao projeto dos Centros de Ensino Experimental, foram feitas

algumas adaptações. Para isso foi justificado que a TEO estava mais para uma

“tomada de consciência” do que para um manual de técnicas. Na adaptação da TEO

para o PROCENTRO, um novo nome foi dado: Tese (Tecnologia Empresarial

Socioeducacional)

A Tese é versátil. Trata-se de um instrumento de gestão eficaz à medida que o ciclo de planejamento é simples e a projeção dos resultados esperados e respectivos indicadores geram relatórios inteligentes, permitindo o acompanhamento por todos os parceiros internos e externos. A Tese, também, constitui um excelente instrumento para desenvolver o protagonismo, sobretudo pela ênfase em princípios e valores, a visão correta de uma empresa e o papel educativo do empresário. (MAGALHÃES, 2008, p.30)

A premissa era que ao fazer uso da Tese, os gestores, professores e alunos

estariam com um alinhamento pedagógico-organizacional que permitiria um bom

planejamento tanto no Projeto de Vida como no Plano de Ação da escola. Os

resultados poderiam ser percebidos, a posteriori, nas próprias posturas e ações dos

sujeitos do Centro Experimental. Ou seja, estava em jogo um grande projeto

educacional de transformação das atitudes e posturas dos sujeitos abarcados por

ele, desde o aluno até o gestor. Seria uma espécie de comunidade educativa,

103

densamente antenada entre si, como se numa equipe disposta a vencer num jogo

competitivo de mercado.

Um Conselho Gestor também foi pensado para auxiliar na gestão dos Centros

Experimentais. Formado por um grupo de 09 a 15 pessoas, esse conselho era

formado por membros indicados pela Secretaria de Educação em parceria com o

ICE e tinha que ter necessariamente um representante do PROCENTRO e do ICE.

Esse conselho podia sugerir modificações no Plano de Ação da escola e

acompanhar os resultados.

No tocante ao trabalho docente, o que se verificou foi o estabelecimento de

uma gestão de maior cobrança de resultados quantificáveis. A partir da instalação de

uma política de premiação, o controle dos resultados do trabalho docente se tornaria

mais mensurável. Tal como indicado no Relatório Jacques Delors, os Centros

Experimentais trataram de materializar os nortes a proposta.

A inspeção deve não só controlar o desempenho dos professores, mas também manter com eles um diálogo sobre a evolução dos saberes, sobre os métodos e sobre as fontes de informação. Convém refletir quanto aos meios de identificar e de recompensar os bons professores. (DELORS, 2012, p.129)

A gestão apresentava-se assim, diferentemente das demais escolas da rede

estadual na ocasião, com uma inserção maior por parte da iniciativa privada. Em

relação às reformas neoliberais experimentadas na ação do Estado na década de

1990, que permitia uma maior flexibilização na oferta das políticas sociais, abrindo

espaço para a inserção da lógica privada num campo que era primordialmente da

ação estatal, o que se via no caso dos Centros Experimentais era a concretização

desse movimento.

4.3 O Programa de Educação Integral

Em 2008, a proposta dos Centros de Ensino Experimental passou por uma

ampliação e se tornou uma política pública de expressão significativa na rede

estadual. A partir da Lei Complementar nº 125, de 10 de julho de 2008, foi criado o

104

Programa de Educação Integral que multiplicou o projeto piloto para um número

maior de escolas. Essa alteração, todavia, era algo que já vinha se desenhando, na

medida em que cada vez mais o Estado arcava com a maior parte dos custos

dessas escolas.

Até 2005, com exceção do salário-base dos professores, coberto pela rede estadual, todos os outros itens eram custeados pelo ICE e parceiros. Mas na medida em que o programa se expandiu, houve reversão significativa da participação do setor privado nos custos. Em 2006, quando o número de Centros subiu de dois para 13, o ICE assumia apenas o investimento inicial e, em 2007, a rede já contava com 20 Centros e 10 mil alunos, a um custo total de 56 milhões de reais, 95% dos quais cobertos pelo Estado. (DIAS, 2010, p.31)

Constata-se, portanto, que se tratava de um argumento falacioso utilizado por

parte do empresariado, de que o Poder Público era ineficiente na gestão e tinha

sérias dificuldades financeiras no financiamento do ensino médio. O que ocorreu,

passado alguns anos, foi um abandono da iniciativa privada no financiamento do

projeto por ela encabeçado. O considerável aporte financeiro desse setor ocorreu

apenas numa fase inicial, a do projeto piloto. Daí, podemos levantar a questão de

que a fase “dourada” de financiamento mais robusto da iniciativa privada, não

passava de uma estratégia provisória de disseminação de uma escola reformada,

posteriormente levada a cabo pela ação estatal. O Estado, perpassado pelas

transformações de influência neoliberal ao longo dos últimos anos, deu consecução

aos projetos que atendiam aos anseios do desenvolvimentismo capitalista. Ou seja,

o projeto pode ser localizado sob a égide das ações políticas do capital no que tange

a seu processo mais específico das políticas educacionais.

Em 2013, o conjunto das Escolas de Referência em Ensino Médio que

constitui o Programa de Educação Integral da rede de ensino estadual de

Pernambuco já conta com o número de 260 escolas. Destas, 122 funcionando em

horário integral de segunda à sexta-feira, das 7h30 às 17h, e outras 138 em horário

semi-integral, ou seja, funcionando em horário completo três dos cinco dias de

aulas. O número de 110 mil estudantes é atendido nestas escolas, representando

uma porcentagem no entorno de 10% do total de alunos da rede estadual como um

todo. Dessa forma, a perspectiva é de continuidade da ampliação do modelo

(SEDUC, 2013).

105

Ao observarmos a lei Complementar nº 125, de 10 de julho de 2008, que criou

o programa, destacamos os seguintes pontos importantes do artigo 2º que trata das

finalidades do mesmo:

I – Executar a Política Estadual do Ensino Médio, em consonância com as diretrizes das políticas educacionais fixadas pela secretaria de educação; II – Sistematizar e difundir inovações pedagógicas; [...] VI – Consolidar o modelo de gestão para resultados nas Escolas de Referência em Ensino Médio do Estado, com o aprimoramento dos instrumentos gerenciais de planejamento, acompanhamento e avaliação; [...] VIII – Viabilizar parcerias com instituições de ensino e pesquisa, entidades públicas ou privadas que visem a colaborar com a expansão do Programa de Educação Integral no âmbito estadual;

Uma vez atendidas as demandas obrigatórias da legislação educacional,

percebemos claramente que o programa ainda se projeta como uma tendência na

rede estadual. O número de escolas cresce a cada ano. Evidentemente, esse

processo ocorre inserindo-se a escola na totalidade da proposta do Programa de

Educação Integral, herdada do projeto piloto. É importante salientar que a ampliação

dessas escolas na rede vem acompanhada de uma diminuição do número de turmas

do ensino fundamental. Isso pode ser evidenciado na fala do entrevistado 3, que se

trata de uma gestora no âmbito da Secretaria de Educação.

A proposta do governo é ir mais adiante. Primeiro tem que reorganizar, ou seja, reordenar a rede do estado porque apenas o ensino médio é competência nossa. Então é assim... a partir do momento em que os municípios dessem conta de seu fundamental, da creche ao nono ano, cada um tomando conta do que é seu e dando conta dele, aí sim, seria maravilhoso. Teríamos só o ensino médio na rede e com qualidade. Poderíamos focar somente no ensino médio e implementar essa proposta para o total das escolas. Mas certamente esse panorama que nós almejamos irá se concretizar, pois o Governo está realmente empenhado na multiplicação dessa escola.

106

Está acontecendo, por ora, uma reestruturação que abarca a rede como um

todo, e não apenas as escolas do Programa de Educação Integral. Mas a tendência

verificada é o movimento de privilegiar apenas a oferta do Ensino Médio. Sendo

assim, a rede estadual poderá, futuramente, ser exclusivamente de escolas de

ensino médio, inseridas na proposta que hoje é das escolas do Programa de

Educação Integral.

Com relação à abertura às inovações pedagógicas previstas na lei que criou o

programa, esta vem a garantir a experimentação e incorporação das mesmas. O

aparato legal, dessa forma, abre espaço para uma maior inserção de inovações

pedagógicas advindas das tecnologias empresariais, adaptadas para a educação

escolar. Isso é o que tem ocorrido já no projeto piloto, e que se coloca como uma

forte tendência a continuar. Não é por acaso que a palavra inovação aparece no

mundo da educação escolar. A exemplo do que ocorre com a inserção de ciência e

tecnologia na produção capitalista, como um fator de criação de valor importante, a

inovação pedagógica atenderá com maior eficiência ao papel que é delegado às

instituições de formação. Ou seja, na perspectiva das diretrizes postas desde a

retomada da Teoria do Capital Humano, educação e inovação educacional são

fatores importantes no aumento de competitividade de um país.

O modelo de gestão de resultados coloca a escola e seus processos sob a

égide da aferição técnico-quantitativa típica das organizações privadas. Os fins da

instituição escolar acabam, por assim dizer, sendo direcionados ao alcance

numérico de patamares que a coloquem numa situação de destaque em relação a

outras escolas. Eis o porquê das escolas apontarem em seus planos de ações

anual, no tópico intitulado “missão”, a excelência como foco. Esse processo,

evidentemente, é regado dentro da instituição a muita intensificação do trabalho e

cobrança aos profissionais da educação. Segundo o próprio entrevistado 3

Até a postura do professor muda. Primeiro porque é uma opção dele estar no programa. E aí ele sabe que aqui, ao vir para aqui, ele tem um compromisso de maior responsabilidade com os resultados. Ele vai ser cobrado por isso. Isso acontece porque o nosso plano de gestão possibilita um maior acompanhamento da atividade docente. Se ele se adaptar, tudo bem. Se não, o gestor tem o direito de devolver esse professor para a rede regular. Ou seja, esse indivíduo não dá certo no Programa Integral.

107

Não queremos fazer entender que não há intenso esforço docente dentro das

escolas da rede estadual que não fazem parte do Programa de Educação Integral,

mas nas escolas que pertencem ao programa, os profissionais são ainda mais

monitorados para a consecução das metas estabelecidas. Aí ainda há o fantasma do

medo de ser devolvido às escolas de turno regular e perder a gratificação salarial de

localização por fazer parte do programa. O foco principal, e em torno do qual se

colocam as relações pedagógicas dentro da escola, acaba sendo, assim, os

resultados e as metas a serem obtidos. Promoção e punição figuram como

elementos que regulam o andamento do processo educacional, tal como regulam na

organização privada as relações de trabalho.

As parcerias das quais a lei que criou o programa trata, atendem,

sobremaneira, a inserção das empresas privadas nas escolas, como esclarece o

entrevistado 1.

Há a cooperação das empresas em projetos específicos com grande parte das escolas. Mesmo o ICE tendo saído de cena, essa parceria continua na oferta, por exemplo, de cursos complementares que são dados dentro do horário. Vai desde cursinhos de língua, com parceria com a ABBA, por exemplo, até cursos de formação para o mercado de trabalho em parceria com a WALMART.

Na passagem dos Centros Experimentais para o Programa de Educação

Integral, é importante citarmos que, diferentemente de diversas experiências de

escolas charters, sobretudo algumas norte-americanas, ocorreu um movimento de

“estatização” na experiência pernambucana. Ou seja, o projeto piloto dos Centros

Experimentais permitia uma parceria na gestão direta das escolas, na qual o instituto

de direito privado – o ICE – podia participar com muito mais peso, inclusive nos

conselhos deliberativos. O governo do estado, assim, diminuiu consideravelmente o

peso do ICE e tomou para a sua estrutura – a Secretaria de Educação – a quase

totalidade das rédeas do programa.

É importante demarcar esse ponto porque o avanço desse tipo de parceria

poderia cogitar à inserção futura de OS’s (Organizações Sociais de direito privado)

no campo da educação estadual. Seria algo semelhante ao que ocorre hoje no setor

de saúde do próprio estado de Pernambuco onde fundações de direito privado

gerenciam recursos públicos para prover serviços fundamentais de saúde à

108

população através da construção de novos hospitais. E não seria por falta de

condições legais que essa tendência poderia se concretizar, pois,

[...] a legislação brasileira permite esse tipo de gestão compartilhada há mais de uma década. As Organizações Sociais (OS), entidades do direito privado, foram legalmente reconhecidas a partir da Lei 9.637, aprovada em 1998. A principal inovação foi a admissão de que as OS’s, desde que legalmente constituídas, podem firmar convênios para exercer atividades típicas do Estado, recebendo para isso repasse de recursos públicos em forma de valores orçamentários, material, bens imóveis e pessoal. (DIAS, 2010, p.21)

Mas há um entrave que causa uma insegurança jurídica na implantação de

projetos da iniciativa privada na educação pública. É que a Lei Nº 9.394, de 1996

(LDB), no Art. 77, faz uma restrição no recebimento de recursos públicos por parte

de instituições educacionais. Apenas escolas comunitárias, confessionais e

filantrópicas podem receber esses recursos em forma de bolsas de estudo.

Mesmo assim, era latente o desejo de concretizar a ação das OS’s na rede

pública estadual, como atesta o desejo dos criadores do programa, ainda na fase

dos Centros Experimentais.

O governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, aprovou a replicação do modelo educacional para esses colégios, que serão Organizações Sociais vinculadas à Secretaria de Educação do Estado e ao Instituto de Co-responsabilidade pela Educação, mais independentes, com regime próprio para gerir os recursos provenientes do Governo Estadual, da iniciativa privada e da comunidade. (ODEBRECHT,2005)

Na medida em que o governo Eduardo Campos, do estado de Pernambuco,

concentrou nas mãos da Secretaria de Educação os rumos da replicação do projeto

piloto, o ICE passou a atuar apenas como captador de parcerias externas e de

projetos complementares, diminuindo seu peso na gestão dessas escolas.

Entretanto, o projeto piloto deixou sua marca nos fundamentos do projeto político

pedagógico das escolas do programa, que continuaram com uma formatação geral

de escola reformada para adequar-se mais eficientemente a formação requisitada

pelos anseios do capital na contemporaneidade.

Um dado importante sobre a natureza da ação estatal que nos chama

atenção é que, segundo Neves (2005), na esteira de ações de contratendência à

109

queda tendencial da taxa global de lucros, o Estado é quem se encarrega da

reprodução da força de trabalho ampliada. Isso significa que, através de sua ação no

ensino, na formação profissional, na pesquisa científica, nas inovações tecnológicas,

etc, ele acaba por propiciar altas taxas de mais-valia e de exploração.

4.3.1 A proposta pedagógica do Programa de Educação Integral: a continuação

da educação interdimensional

Em termos de fundamentos teórico-pedagógicos, que consiste na “alma” do

projeto da escola reformada nessa reestruturação do ensino médio pernambucano,

a transformação dos Centros Experimentais para o Programa de Educação Integral

não representou mudanças significativas. Esses fundamentos continuam inseridos

no projeto político pedagógico das escolas do programa e são vivenciados, seja nas

capacitações docentes, nos seus regimentos internos e nos planos de ação.

Basta darmos uma olhada na fundamentação teórica do Projeto Político

Pedagógico de uma das escolas que tomamos para análise para percebermos a

continuidade dos mesmos fundamentos dos Centros Experimentais:

O Projeto Político Pedagógico elaborado pela comunidade escolar está baseado nos princípios da co-responsabilidade entre todos que fazem parte da formação dos jovens educandos. Propõe atuar como fonte inovadora em conteúdos, métodos e gestão, bem como estimular o desenvolvimento de estratégias educacionais voltadas para a questão do Protagonismo Juvenil. (ESCOLA DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO PORTO DIGITAL, 2011)

O desenho pedagógico do programa, elaborado ainda na vigência dos

Centros Experimentais, foi fruto de uma consultoria privada e não de um amplo e

profundo debate entre professores, gestores, sindicato, alunos e pais de alunos das

escolas da rede. Ao encomendar um “pacote pedagógico” à consultoria educacional,

o governo delegava a função de executar aspectos da política educacional do ensino

médio à iniciativa privada, representada naquele momento pelo ICE. Basta darmos

uma olhada na Missão, descrita no Plano de Ação de umas das escolas, para

percebermos a absorção das elaborações típicas das organizações privadas.

110

A Escola de Referência em Ensino Médio Diário de Pernambuco busca ser um modelo de excelência na formação de cidadãos empreendedores focados no desenvolvimento de suas capacidades de criação, autonomia, responsabilidades individual e coletiva (ESCOLA DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2012).

O “modelo de excelência” substitui o que poderia ser “uma escola pública de

qualidade”, o empreendedorismo, a criatividade, a autonomia e a responsabilidade

podem ser enquadradas numa compreensão nos termos dos valores vigentes nas

organizações privadas na atualidade. O formato desse modelo político pedagógico,

que tem permeado todas as escolas do programa, veio trazer uma elaboração muito

mais aproximada com os elementos da denominada Sociedade do Conhecimento,

da qual já falamos.

O que ocorreu na passagem para o Programa de Educação Integral foi a

permanência da proposta político pedagógica organizada para os Centros

Experimentais, pela consultoria Modus Faciendi, presidida então por Antônio Carlos

Gomes da Costa. No momento, seu irmão, proprietário de outra instituição de

consultoria educacional privada, chamada Pacthus, é o responsável pelo apoio no

desenho pedagógico ao programa, como afirma o entrevistado 2:

Todos participam aqui de uma formação do professor Alfredo. Ele agora é o nosso consultor, já que seu irmão morreu. Agora a nossa parceria é com a Pacthus. Na verdade, o material praticamente não difere do material que era do professor Antônio Carlos. A Pacthus do professor Alfredo inclusive já elaborou uma cartilha que usamos na formação de todo professor e professora que adere ao Programa de educação Integral. Além disso, o livro da professora Ivaneide, que usamos na formação dos gestores, também apresenta muita contribuição do professor Antônio Carlos inserido nele.

A proposta pedagógica no Programa de Educação Integral se destrincha em

torno da Abordagem Educativa Interdimensional que leva em conta a Pedagogia da

Presença e a Cultura da Trabalhidade, tal como era no projeto piloto. Daí o nome

“integral” do programa se dá por uma suposta completude da formação do sujeito.

Nesses termos, o “integral” do programa contém relação direta com a formulação do

Relatório Jacques Delors.

A escola adotará a concepção pedagógica de educação interdisciplinar e suas tecnologias, que estruturará ações sociais,

111

educativas e tecnológicas voltadas para promover o desenvolvimento integral do educando, abrangendo: o aprender a ser, o aprender a conviver, o aprender a conhecer e o aprender a fazer (ESCOLA DE REFERÊNCIA EM ENSINO MÉDIO PORTO DIGITAL, 2007).

Quanto à Cultura da Trabalhidade, se procura desenvolver as condições de

que o aluno ingresse, permaneça e suba no mercado de trabalho. Os quatros pilares

do Relatório Jacques Delors é desdobrado em quatro competências elaboradas pela

consultoria. O “aprender a ser” é desdobrado na “competência pessoal”, é a

qualidade da relação que a pessoa estabelece consigo mesma. O “aprender a

conviver” desdobra-se na “competência relacional” e leva em conta a qualidade dos

relacionamentos que a pessoa estabelece com os outros. O “aprender a fazer”

desdobra-se na “competência produtiva” e diz respeito ao desenvolvimento de

habilidades e destrezas para o mundo do trabalho. Finalmente o “aprender a

conhecer” desdobra-se na “competência cognitiva” e articula-se com o modo com

que o indivíduo lida com o conhecimento. Assim, o educador que se alinhe ao

projeto deve sempre fazer uma auto-análise sob à luz dos quatro pilares do

conhecimento do relatório de Delors. (LIMA, 2012).

Competências e Valores, desse modo, misturam-se na matriz teórica do

programa:

Distinguindo o processamento dos conhecimentos e dos valores pelas pessoas, podemos reafirmar que os conhecimentos entram nelas pela via da assimilação e saem traduzidos em competências, habilidades e capacidades. Já o caminho para a entrada dos valores nas pessoas são as práticas e vivências que resultam em mudanças de comportamentos e atitudes. Os conhecimentos fundamentam: o que sei? Os valores fundamentam: o que sou? (COSTA, 2012, p.31)

Vale salientar que os valores que se buscam nessa proposta educacional são

aqueles consonantes com a importância para a vida nas organizações capitalistas

contemporâneas. Analisar situações e tomar decisões diante delas torna-se um valor

supremo no projeto pedagógico que, na verdade, emana do mundo do trabalho

alienado.

Ao encarar o jovem como um sujeito portador de potencialidades, emerge o

protagonismo juvenil como um elemento que deve permear a totalidade da proposta

dessas escolas.

112

Nossa proposta de ação formativa dirigida aos educandos tem como propósito um interesse nobre, superior e comum: nobre, porque o desenvolvimento de competências, capacidades e habilidades dos adolescentes e jovens deve representar uma causa: algo pelo qual vale a pena trabalhar e lutar; superior, porque este objetivo deve estar acima dos demais interesses dos diversos atores da comunidade educativa; comum, porque representa a ideia-força que deve mobilizar as intenções, sentimentos e ações dos educadores familiares, escolares, comunitários e midiáticos. (COSTA, 2012, p.35)

O protagonismo juvenil está inserido como método de ação social e educativa

ao mesmo tempo. Está envolto com o desenvolvimento no jovem de competências

para enfrentar as situações problemas das organizações privadas. Ao mesmo

passo, abarca o jovem numa áurea de auto-responsibilização pelas suas escolhas,

como vemos no próprio guia do educando.

Tudo depende de você. Se você não quiser educar-se, de nada adiantará ter os melhores educadores e as melhores condições de ensino. A responsabilidade principal pelo que vai acontecer em sua vida, nesta etapa decisiva de sua educação, portanto, é toda sua. (COSTA, 2010, p.11)

Trabalha-se decisivamente, portanto, a subjetividade dos futuros

assalariados. O bem comum figura como a justificativa ideal para se trabalhar essas

habilidades nos jovens.

A Cultura da Trabalhidade, entendida enquanto uma forma importante de

compreensão e ação diante do novo mundo do trabalho, está fortemente articulada

com uma compreensão mais alargada de empreendedorismo. Cultiva-se a

consciência de um jovem desligado de sua identidade de classe explorada.

Fomenta-se, primordialmente, a formação do ser capitalista de forma aprimorada.

O conceito de empreendedorismo tradicionalmente refere-se àquelas pessoas que demonstram capacidade de abrir o seu próprio negócio. Hoje em dia, porém, ser empreendedor inclui e ultrapassa a perspectiva de abertura do próprio negócio, pois o empreendedorismo passa a ser visto como a capacidade de transformar sonhos em visões, visões em planos e planos e em realidade. Como podemos ver, no conceito ampliado de empreendedorismo, coexistem várias formas de praticá-lo. Ele está ligado em todas elas aos processos de autorealização do ser humano. Nessa linha, a ação do empreendedor pode se concretizar fazendo carreira em uma organização pública ou privada; abraçando

113

uma causa social; desenvolvendo ações de cooperativismo ou associativismo; atuando na esfera política; abrindo seu próprio negócio, dentre outras. (COSTA, 2012, p.44)

Assim, em vistas à formação de um jovem de novo tipo, isto é, mais apto a

desempenhar as funções num mundo marcado pelo capital globalizado, a proposta

pedagógica vem a favorecer a formação dessa força de trabalho nos termos

requeridos. Num mercado que demanda pessoas cada vez mais criativas,

polivalentes, flexíveis, proativas e hábeis no trabalho em equipe, o programa oferece

um conjunto de atividades educativas que auxiliam no desenvolvimento pessoal,

relacional, produtivo e cognitivo dos alunos.

A Cultura da Trabalhidade está em alerta para as constantes transformações

do mundo do trabalho e se propõe a desenvolver um núcleo de habilidades que não

estejam sujeitas a tantas oscilações. Em oposição a um conjunto de habilidades

específicas que estariam submetidas às intempéries do mercado, o programa se

propõe a cultivar um conjunto de habilidades básicas que protegeriam os jovens do

desemprego estrutural, que sejam habilidades que o acompanhe ao longo de sua

trajetória profissional. No entanto, isso não passa de uma justificativa falaciosa, pois

a verdadeira intenção é formação da força de trabalho com um maior patamar de

qualificação e um futuro barateamento.

A Educação para Valores coloca-se como preocupada em viabilizar um jovem

autônomo e o Protagonismo Juvenil na afirmação de um jovem enquanto cidadão

solidário. Cabe aqui refletir se esse cidadão solidário não seria mesmo um cidadão

solitário, sem consciência de classe.

4.3.2 Resiliência, Autoajuda e Criatividade

A exemplo da literatura de auto ajuda desenvolvida para calhar os

fundamentos ideológicos do capital na contemporaneidade, a proposta pedagógica

do programa traz embutida as linhas gerais desse movimento de luta individual.

O conceito-chave deste tipo de superação é Resiliência: conjunto de qualidades, não excepcionais, que quando bem articuladas e suficientemente desenvolvidas resulta na capacidade da pessoa

114

crescer na adversidade. Trata-se de uma singular e integradora capacidade humana que é desenvolvida a partir do somatório de um conjunto de qualidades comuns às pessoas. (COSTA, 2012, p.57)

A tal resiliência, no contexto da proposta, figura como um amortecedor para

os percalços do mundo do trabalho flexível. Funciona como um modo de adaptar-se

aos possíveis fracassos da competitividade de mercado.

[...] o resiliente é desafiado e convidado a romper e ultrapassar possíveis atitudes individualistas para o enfrentamento de situações-problema, porque ele volta-se sistematicamente para o alcance de sinergia positiva para com àqueles com os quais age e interage. (COSTA, 2012, p.60)

A resiliência está fortemente atrelada à sinergia, um fundamento caro às

organizações capitalistas atuais. A sinergia criada na ação coletiva é considerada

um fator de aumento da capacidade de resiliência no indivíduo. Assim, ocorre um

suposto aumento do potencial do aluno vencer os desafios, segundo o entrevistado

1

O nosso aluno ele sabe mais o que quer. Diferentemente de uma escola de bairro, de turno matutino ,noturno e tal, o aluno aqui do programa ele aprende a passar por cima dos percalços da vida real. Temos exemplos de alunos pobres, mas que aprenderam aqui que é preciso conquistar seu lugar e hoje tem muitos deles na universidade federal. Eu acho que isso é um fruto dessa questão pessoal que trabalhamos neles através de fazer eles entenderem que o futuro deles depende de suas escolhas.

Não é a toa que a tecnologia educacional que perpassa a proposta do

programa se fundamente em princípios e valores que se colocam como

despertadores do sentimento de auto-estima. Sem ela, o sujeito estará fadado ao

fracasso. Assim, o ambiente escolar deve oportunizar ao aluno a conquista da

autoconfiança, autodeterminação, auto-estima e autonomia.

Alia-se a essa característica da auto-estima a criatividade e a sensibilidade.

Pois no contexto de introdução considerável de tecnologia no processo de trabalho,

é frequentemente requisitado o trabalho que seja criativo. Criatividade e

sensibilidade figuram como atributos humanos valorizados (COSTA, 2012).

115

Assim, a criatividade é levada em consideração por ser um atributo pessoal

que se acopla bem ao trabalho em rede da era da Sociedade do Conhecimento.

A criatividade grupal é aquela que responde pela capacidade humana de colocar cérebros, sentimentos, corpos e espíritos para atuarem de forma interconectada, gerando uma soma, que vai muito além da adição das partes. Hoje, somos muito mais capazes de colocar computadores trabalhando em rede do que levar corações e mentes a atuarem da mesma forma. As didáticas cooperativas (colocar os educandos para descobrir e construir soluções trabalhando em grupo) são o único caminho para o verdadeiro trabalho em equipe de que dependerá o poder e a riqueza das pessoas, organizações e nações na Era do Conhecimento. (COSTA, 2012, p.71)

Assim, os educadores precisam se estruturar para enfrentar os percalços do

contexto educacional do século XXI. É preciso, segundo toda essa formulação,

superar a sala de aula como único ambiente de aprendizagem. Novos métodos e

técnicas com base nas TIC’s (Tecnologias da Informação e Comunicação) devem

ser constantemente buscados. Docência e didáticas cooperativas como células de

aprendizagem, times, comunidades virtuais de aprendizagem são incentivadas pelas

diretrizes pedagógicas que guiam o programa.

Os jovens devem, ao final, revelarem-se capazes de analisar situações e

tomar decisões diante das necessidades de um mundo em constante transformação.

Dessa forma, eles estariam “empoderados”. Mas o que podemos compreender disso

é que está em curso a constituição de um trabalhador coletivo altamente funcional

aos atuais arranjos produtivos.

4.3.3 A gestão tecnicista

Como uma figura central, o gestor é tido como aquele que “arrasta pelo

exemplo”. Consciente da influência que exerce sobre seus liderados, tem que

permanecer sempre com um espírito motivado e de líder. O gestor líder deve “ter um

perfil forjado pela ética, vocação para servir, compromisso [...] coragem para decidir,

persistência, incentivador de responsabilidades e paixão pelo que faz” (LIMA, 2009,

p.31). Seus resultados dependem de sua postura, que deve ser impregnada do

116

espírito empresarial. Seu negócio deve ser encarado como o ensino de qualidade

oferecido na escola por ele gerido. Chama-nos atenção nesse ponto o tom passional

da relação que o sujeito gestor deve ter com sua função e seus fins. É como se para

superar sua objetividade caótica e perversa, o capitalismo também precisasse dessa

paixão cega.

Foi com o foco nesse sujeito gestor que em 2009, a Tese, dos Centros

Experimentais, sofreu algumas alterações e resultou no TEAR – Tecnologia

Empresarial Aplicada à Educação. Sob a organização de Ivaneide Áurea de A. P.

Lima (2009), o TEAR é utilizado no Programa de Educação Integral para a formação

dos gestores que ingressam no mesmo. Além dos fundamentos fincados na TEO da

Odebrecht, o TEAR também tem base nas aprendizagens fundamentais do Relatório

Jacques Delors.

O alinhamento do líder com o liderado é posto como uma situação

fundamental no “negócio da escola”.

Portanto, a educação de qualidade deve ser o negócio da escola – o que ocupa a mente de cada um de seus integrantes, de acordo com suas áreas específicas. Deve gerar resultados – satisfação da comunidade pelo desempenho dos educandos, educadores e gestores. Além disso, todos estão a serviço da comunidade e dos investidores sociais (governo e empresas parceiras, fontes de vida da organização escolar) e devem sentir-se realizados pelo que fazem e pelos resultados que obtêm. Mas, tudo isso só é possível se houver parceria entre gestor e liderado, entre educador e educando, entre escolas, educadores e familiares, enfim, uma equipe sinérgica, uma sociedade de confiança. (LIMA, 2009, p.36)

O gestor-empresário deve estabelecer uma confiança com sua equipe e

efetivar uma dinâmica comunicação com o investidor social para viabilizar seu

“negócio” que é o ensino de qualidade. Assim, é preciso que o gestor procure

descentralizar as decisões e suas consequências. Para que várias pessoas

assumam suas responsabilidades e desdobramentos destas, é preciso que a

organização tenha claro seus objetivos para todos seus componentes, e o gestor

deve estar atento a isso. Não pode faltar um processo de interação caracterizado

por relações de caráter transparente e responsável.

Os fins da organização privada e da escola são aproximados no programa,

com a devida especificidade requerida pela formação.

117

O objetivo da tarefa empresarial é produzir serviços de qualidade que beneficiem à comunidade e aos investidores. A área educacional não foge à regra. A primeira produção são as riquezas morais – reforço aos princípios e a formação de valores éticos; a segunda, trata das riquezas tangíveis – garantia do ensino público de qualidade, no qual o estudante seja portador das habilidades básicas requeridas para atuar como cidadão produtivo. (LIMA, 2009, p.48)

A gestão, assim, deve estar atenta para gerar o ciclo do PDCA (planejar,

fazer, avaliar, agir). Ao absorver esse conceito, a gestão estará sempre agindo de

forma controlada e planejada, reagindo continuamente e repetidamente. O “plan”

(planejar), o “do” (executar), o “check” (verificar, avaliar) e o “act” (agir), assim, não

saem de cena na passagem dos Centros Experimentais para o Programa de

Educação Integral.

A premissa sobre a qual a gestão da escola deve estar embasada é na

atitude empresarial. Assim, deve estar preparada para a formação de cidadãos

dispostos a empresariar suas competências e habilidades. A formação

interdimensional dispensada pela escola é tida como geradora de riquezas morais e,

indiretamente, materiais. O PDCA terá, dessa maneira, peso na formação de líderes

eficientes para a sociabilidade burguesa dos dias atuais. Cabe aqui a ressalva que o

tipo de liderança que se busca é aquele adaptável ao capitalismo globalizado. Na

fala do empresário Emílio Odebrecht fica clara o alinhamento desse novo desenho

de escola com os requisitos das organizações privadas.

‘A educação é, essencialmente, um processo de comunicação visando a uma influência construtiva sobre o outro. Nesse sentido, as instituições educacionais podem formar indivíduos críticos, capazes de conferir riqueza, inovação e versatilidade às organizações que os atraíram, enquanto concretizam os planos de vida e carreira que formularam para si próprios.’ (LIMA, 2009, p.94)

Mais do que nunca, vem à tona o impulso mais forte na reforma em curso: a

necessidade da inserção objetiva e subjetiva da força de trabalho qualificada para os

desafios do capital na atualidade. Isso significa uma certa margem de auto-

realização para o indivíduo que é propagada como uma necessária busca

incessante pelo sucesso.

118

Com relação à existência de Conselho Gestor, a exemplo do que ocorria nos

Centros Experimentais, este ainda continua no programa, mas sem o peso

determinante do ICE e do PROCENTRO. Agora os conselhos são formados pelo

representante do Programa de Educação Integral, que representa o Governo através

da Secretaria de Educação, por representante da educação do Governo Municipal,

por representante dos Conselhos Municipais ou Estadual de Educação,

representantes de Instituições de Ensino Superior e parceiros privados (LIMA, 2009).

O gestor deve primar pelos valores centrais da proposta. Disciplina, respeito e

confiança são considerados ingredientes fundamentais para a educação integral

ofertada nessas escolas. O compromisso e a força de vontade que encobre líder e

liderados é tido como importante na equipe que busca objetivos em comum. A

escola assim deve incentivar a autonomia e a ação cidadã dos jovens, envolver os

alunos em atividades que necessitem de estratégias de resolução de problemas

reais (pro capital e não para a superação), criar um ambiente de desenvolvimento

das potencialidades dos jovens e de possibilidades de construção de seu projeto de

vida e, também, promover ao educando o desenvolvimento das competências

cognitiva, produtiva, relacional e pessoal.

Na gestão mais ampla do Programa de Educação Integral, cinco premissas

foram definidas como de elevada importância: o Protagonismo Juvenil, Formação

Permanente, Atitude Empresarial, Corresponsabilidade e Replicabilidade. Além

disso, o processo de comunicação dentro da escola deve ser primado tal como

numa empresa. Para que cada parte esteja antenada com o todo, a comunicação

tem que fluir rápido e ser eficiente. Os pressupostos da Sociedade da Informação

influenciam essas formulações.

119

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diversos programas e projetos em vigência na educação brasileira – entre

eles o Programa de Educação Integral de Pernambuco – de maneira mediada,

relacionam-se enquanto reformas aos ajustes estruturais experimentados pelo

Estado e pela organização do trabalho, devido às estratégias de recomposição da

acumulação capitalista e devido às transformações operadas em sua base

produtiva. Além disso, sofrem a influência dos organismos internacionais que

imputam uma agenda política da hegemonia burguesa. Nesse estudo, então,

buscamos explicitar os nexos e relações do programa por nós estudado com esse

movimento maior, referido acima.

A reforma iniciada com a criação dos Centros de Ensino Experimental e

prosseguida com o Programa de Educação Integral, na rede estadual de ensino de

Pernambuco, confirma a tendência de adequação da educação formal – neste caso

específico o ensino médio – aos requesitos da agenda político-ideológica capitalista

promovida a partir do advento das políticas neoliberais e articuladas aos limites da

acumulação flexível.

Conforma-se, a partir de determinantes originados na conjuntura econômico-

política, um projeto de escola com foco na formação de força de trabalho de novo

tipo, inserindo-se com maior precisão os processos educacionais formais na ordem

da economia globalizada. Nesse contexto, a educação tornou-se um sutil fator

econômico de competitividade não facilmente distinguível como tal, pois se

apresenta como uma grande aurora promissora de elevação intelectual para todos,

organizando todas as pessoas em torno de um comum projeto societário. Assim, os

conhecimentos adquiridos e as atitudes conformadas nos alunos são caros a esse

projeto em curso.

A formação do futuro trabalhador está completamente a mercê de uma gestão

tecnicista dos sistemas escolares que trata de se alinhar sistematicamente à

promoção de uma formação que atenda às necessidades psicofísicas, políticas e

econômicas advindas da produção de matriz toyotista. Mas na medida em que o

projeto se aprofunda, o mesmo se reveste de uma aparência enganosa na qual é

apreendido pelo senso comum um entendimento de que esse tipo de reforma é

movido exclusivamente pelo desejo de retirar a escola pública da situação precária

em que se encontra.

120

Fica claro, ao chegarmos a esse ponto de conclusão de nosso estudo, que a

luta de classes continua muito viva, apesar de nebulosamente embutida e suprimida

no projeto político pedagógico da escola do Programa de Educação Integral de

Pernambuco. Essa escola acaba por explicitar, como uma fresta que possibilita uma

visão de uma realidade mais ampla, um movimento intencional verificado no campo

da educação de reformar os conteúdos, a organização e os fins do projeto

educacional da classe trabalhadora. Explicita, pois, a prevalência dos interesses

hegemônicos sobre a educação dos trabalhadores.

Mas a escola, por sua vez, está inserida num campo disputável.

Evidentemente há um avanço dos interesses conservadores sobre a educação, e

tem sido muito forte e em escala mundial. Resulta disso que temos recolocada na

ordem do dia a questão da organização política dos trabalhadores do mundo para

construir uma agenda alternativa a esse modo de produção tão caro a maioria dos

seres humanos e da própria natureza. Essa passagem não deixa de ser um

processo educacional, não se dando apenas na escola, mas tomando-a como parte

desse projeto para um avanço em relação à lógica do sistema capitalista.

Diferentemente do que ocorria nos processos educacionais formais no

período em que o fordismo era hegemônico, o que existe na aurora do século XXI

em termos de educação formal é uma captura mais intensa e “apaixonada” da

subjetividade das pessoas. Se no feudalismo o sujeito podia regular a intensidade de

seu trabalho, ao passo que estava ligado diretamente aos meios de produção, o que

ocorre hoje é uma tomada da regulação do tempo de trabalho dos sujeitos sem

distinção clara entre o local de trabalho e o lar.

Dessa forma, o Programa de Educação Integral caracteriza-se num projeto

tão integrado às requisições atuais de formação da força de trabalho quanto era o

projeto piloto dos Centros Experimentais. Guarda consigo o carma de ser uma

escola reformada para atender com mais eficácia a essas requisições. Isso,

evidentemente, com muito mais requinte do que as escolas regulares, de um turno,

que havia antes dessa experiência na rede estadual.

Ocorre no programa, desde o ingresso do aluno no primeiro ano do ensino

médio, um tipo de estímulo ao engajamento orgânico do futuro empregado

assalariado. Isso favorecerá com que o futuro assalariado consiga operar com maior

sucesso os novos dispositivos técnico-organizacionais da produção capitalista atual.

121

Quanto aos docentes e gestores, o projeto de formação estabelece, a partir

da capacitação destes ao ingressar no programa, um “rito de passagem” para uma

escola “diferente”, na qual a lógica da produtividade mercadológica baliza as

relações de trabalho com maior intensidade. Essa lógica, de forma paulatina, vai se

materializando concomitantemente a uma redução da participação democrática,

outrora mais presente. Os gestores das escolas do Programa de Educação Integral

não são eleitos pela comunidade escolar, e os professores contam com a constante

chance de serem desligados do programa.

Em suma, nessa propositiva mescla pedagógica de Educação

Interdimensional, Pedagogia da Presença, Protagonismo Juvenil e Cultura da

Trabalhidade, se configura o arcabouço político-ideológico necessário para reformar

a escola do Ensino Médio na rede estadual, na tentativa de oferecer essa formação

de novo tipo, mais antenada às demandas mundiais para a formação dos

trabalhadores.

Esse percurso de pesquisa que fizemos, retomando questões mais nas raízes

das determinações sócio-históricas que configuraram a reestruturação do Ensino

Médio através do Programa de Educação Integral, possibilitou perceber o

movimento da reforma dessa escola em sua relação com o todo, com a forma como

a sociedade atual está organizada e em movimento constante. Analisamos como a

reforma educacional se inseriu na estrutura social vigente, como se acomodou nas

nuances das relações de classe, procurando apaziguar os conflitos e construir o

consenso.

No processo de reprodução capitalista, ajudado pela participação da escola,

esconde-se a real motivação de dominação do trabalho humano e aumento da

expropriação desse mesmo trabalho. Tendo o capital a extração da mais-valia como

um objetivo central para a sua realização, ele busca operar através de seus agentes,

como o Estado, para possibilitar que as condições básicas a sua acumulação se

reproduzam socialmente. É necessário compreender que a força de trabalho se

forma com um tempo necessário para sua reprodução, incluindo processos

formativos gerais e o aprendizado específico. O fetiche é que essa preparação,

longe de ser algo para a formação humana, é destinada mais no sentido da

formação da mercadoria força de trabalho.

Mas é preciso disputar não só os espaços fora da escola, mas dentro dela

também. Na medida em que os sistemas educacionais atendem a demanda popular

122

de acesso ao saber socialmente produzido, é pelo teor político desses sistemas que

a luta deve ser travada. A escola não pode ser um lugar de clara adequação das

capacidades intelectuais e comportamentais dos alunos à lógica da acumulação

capitalista atual. Mesmo sendo a socialização do conhecimento uma necessidade

capitalista em função de seu movimento de intensificação e racionalização do

trabalho, não podemos deixar que a escola funcione totalmente conforme tal projeto.

É nas contradições que os que se reconhecem enquanto classe trabalhadora,

devem buscar os elementos de disputa e de construção de uma outra realidade.

123

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