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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 2014/2015 RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA ROBERTO ACIOLY MELLO INICIAÇÃO CIENTÍFICA VOLUNTÁRIA/ EDITAL IC 2014/2015 PLANO DE TRABALHO: Evolução morfológica da habitação unifamiliar Relatório final apresentado à Coordenadoria de Iniciação Científica e Integração Acadêmica da UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ UFPR por ocasião do desenvolvimento das atividades voluntárias de Iniciação Científica Edital 2014-2015. NOME DO ORIENTADOR: Prof. Dr. Antonio Manoel Nunes Castelnou, neto Departamento de Arquitetura e Urbanismo TÍTULO DO PROJETO: História da Habitação no Continente Americano BANPESQ/THALES: 2014015431 CURITIBA PR 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – 2014/2015

RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA

ROBERTO ACIOLY MELLO

INICIAÇÃO CIENTÍFICA – VOLUNTÁRIA/ EDITAL IC 2014/2015

PLANO DE TRABALHO:

Evolução morfológica da habitação unifamiliar

Relatório final apresentado à Coordenadoria de

Iniciação Científica e Integração Acadêmica da

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – UFPR por

ocasião do desenvolvimento das atividades

voluntárias de Iniciação Científica – Edital

2014-2015.

NOME DO ORIENTADOR:

Prof. Dr. Antonio Manoel Nunes Castelnou, neto

Departamento de Arquitetura e Urbanismo

TÍTULO DO PROJETO:

História da Habitação no Continente Americano

BANPESQ/THALES: 2014015431

CURITIBA PR

2015

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1 TÍTULO

Evolução morfológica da habitação unifamiliar

2 RESUMO

A habitação constitui em reduto das mais íntimas relações de convivência social, além de

expressar, por meio da sua composição formal e organização espacial, não somente laços

familiares, mas também normas de conduta coletiva e costumes presentes na vida doméstica.

Além disso, a arquitetura residencial depende de condicionantes materiais, recursos humanos e

aspectos geográficos, o que torna seu estudo de amplo interesse nas mais diversas áreas do

conhecimento, uma vez que sobre ela incidem aspectos antropológicos, psicológicos e

sociológicos, assim como questões relacionadas ao mundo social, cultural e religioso de

diferentes povos. Apesar disto, pode-se dizer que há valores imutáveis, os quais se repetem na

evolução do pensamento arquitetônico através das eras.

Esta pesquisa em iniciação científica, de caráter teórico-conceitual e cunho exploratório,

visa enfocar o desenvolvimento evolutivo da residência desde simples abrigo até a moradia de

nossos dias, com vistas à criação de material para apoio didático-pedagógico. Seu objetivo geral é

abordar a obra habitacional de modo genérico, porém, de modo específico, dar enfoque especial

na comparação entre tipologias residenciais de épocas distintas.

Como metodologia de pesquisa, fez-se a revisão web e bibliográfica, partindo-se de um

texto-base, ao qual se seguiu a sua complementação, em conjunto ao estudo descritivo e

comparativo de 03 (três) casos ilustrativos. Tendo como resultado um texto preliminar para uma

miniapostila da área de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, são comparadas a Villa

Foscari (1550/60) de Andrea Palladio (1508-80); a Casa com Pátio Octogonal (1826/29), de Karl

F. Schinkel (1781-1841); e a Goldenberg House (1959), de Louis Kahn (1901-74).

A partir da descrição, ilustração e análise comparativa dessas obras antológicas da história

da habitação humana – respectivamente representativas da arquitetura residencial do

Renascimento, Neoclassicismo e Modernismo –, pôde-se avaliar mudanças e continuidades em

praticamente cinco séculos de tradição habitacional. Concluiu-se que houve semelhanças

separadas por gerações de pensamentos e também diferenças nas abordagens de um dos temas

arquitetônicos mais importantes da arquitetura – a moradia humana –, demonstrando que, apesar

de transformações no tempo e no espaço, muitos aspectos permanecem como contributo à

metodologia de projeto habitacional contemporâneo.

Palavras-chave: Arquitetura. Habitação. Arquitetura Residencial.

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2

3 INTRODUÇÃO

Adriano Cornoldi inicia seu livro La Arquitectura de La Vivienda Unifamiliar (Barcelona:

Gustavo Gili, 2009. 290p.) – ainda sem tradução para o português – com a frase: “Uma boa casa

é aquela em que se vive bem”. Está justamente aí a essência que norteou todo o seu trabalho,

dedicando a discussão subsequente ao desenvolvimento da residência desde abrigo à morada de

nossos dias. Partindo da leitura e tradução deste texto e com o intuito de realizar um estudo

complementar através da comparação entre tipologias residenciais de épocas distintas, essa

pesquisa em iniciação científica trata da análise comparativa de 03 (três) habitações produzidas

em tempos e espaços diferentes, explicando sua contemporaneidade através de suas formas e

ambientes, os quais refletem o tema do habitáculo humano com abordagens particulares.

Uma vez que o habitar doméstico cobre principalmente a vida privada, o valor da habitação reside antes de tudo em sua capacidade de favorecer a sensação de lembrança calorosa e discreta relação entre os próprios espaços “interiores” (sejam fechados ou abertos, cobertos ou descobertos); seu valor arquitetônico reside na capacidade que tem os espaços em si mesmos de expressar com sua forma aquela lembrança e aquela relação. (CORNOLDI, 2009, p. 5. Trad. Autor)

O livro tomado como base para a pesquisa trata-se de uma compilação de fatos históricos

que narram cronologicamente a técnica formal da evolução da construção habitacional, a qual

passa pela análise descritiva de estilos, a constituição das partes de uma moradia, a influência

norte-americana, a identidade dos interiores e o equilíbrio das residências até a explicação de

importantes conceitos ligados ao tema, como o Raumplan, este definido pelo arquiteto Adolf Loos

(1870-1933), assim como as relações dos espaços e cômodos de uma residência e as

concepções centrífuga e centrípeta do lar desde e/ou em direção a um determinado centro, ora da

filosofia britânica ora centro-europeia, além da versão americana, magistralmente representada

por Frank Lloyd Wright (1867-1959), no conjunto de suas praire houses.

Com esse material em mãos, chegou-se a conclusões simples, mas sem serem simplórias.

Optou-se em comparar exemplares do Renascimento, Neoclassicismo e Modernismo – através

respectivamente dos projetos da Villa Foscari de Andrea Palladio (1508-80); da Casa com Pátio

Octogonal de Karl Friedrich Schinkel (1781-1841); e da Casa Goldenberg de Louis I. Kahn (1901-

74) –, estes colocados frente a frente a fim de compreender o que mudou e o que foi mantido em

mais de 450 anos de intervalo pelas diferentes sociedades em que essas obras antológicas da

arquitetura foram criadas e construídas. Obviamente, a generalização de qualquer resultado

dessa comparação tão sintética seria perigosa como argumento de uma arquitetura imutável ou

estagnada. O intuito da comparação é principalmente buscar semelhanças separadas por

gerações de pensamentos, assim como diferenças nas abordagens de um dos temas

arquitetônicos mais estudados da história da edificação – a arquitetura doméstica –,

demonstrando a importância das analogias para a compreensão da arquitetura, além de entregar

uma prova de que há aspectos antigos que devem participar da metodologia de projeto ainda

hoje, indicando quais são e como empregá-los.

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3

4 REVISÃO DA LITERATURA

Para a revisão web e bibliográfica da presente pesquisa, além da leitura e tradução da

primeira parte da referência básica do trabalho (CORNOLDI, 2009) – o que será apresentado em

anexo quando da apresentação oral durante o EVINCI –, optou-se em fazer um breve panorama

biográfico e histórico dos 03 (três) arquitetos, cujas obras são analisadas na sequência, de modo

a contextualizá-los no tempo e no espaço, permitindo enquadrá-los em momentos estéticos

distintos – Renascimento, Neoclassicismo e Modernismo –, para assim se construir analogias.

No decorrer da história, na tentativa de analisar conceitual e teoricamente a arquitetura, na

maioria das vezes os pesquisadores procuram analogias, as quais fornecem um modo de

organizar projetos em ordem hierárquica, na qual é possível identificar o que o arquiteto pensou

prioritariamente e o que deixou para um estágio posterior no processo criativo. Toda analogia,

seja arquitetônica ou não, é a comparação entre casos paralelos, podendo ser positiva – quando

fundamentada em similitudes existentes – ou negativa – mais baseada nas diferenças entre os

objetos e/ou na inversão de uma forma ou método estabelecido. O processo analógico em

arquitetura é usado tanto para se analisar algo desconhecido como para criar o novo a partir do

existente, possuindo deste modo 02 (dois) propósitos: empregar o conhecimento existente como

ponto de partida para a conceituação do projeto; e conferir um significado preciso a uma obra

através do estabelecimento de relações formais ou funcionais entre o novo e o existente.

(SNYDER et CATANASE, 1984).

Andrea Palladio (Padua, 1508 – Vicenza, 1580)

Nascido no auge do Renascimento italiano, Palladio

(Figura 01) não apenas deixou uma numerosa obra

construída, mas também escreveu um dos tratados

ilustrados sobre arquitetura mais importantes da história: I

Quattro Libri dell'Architettura (“Os Quatro Livros da

Arquitetura”, 1570). Segundo Deborah Howard1, citada por

Pereira (2009), não seria exagero afirmar que mais já foi

publicado sobre ele do que sobre qualquer outro arquiteto.

Isto talvez porque Palladio – seja como arquiteto ou teórico –

personifique como ninguém o pensamento classicista da

segunda metade do século XVI.

Andrea di Pietro della Gondola nasceu em 30 de novembro de 1508, na cidade de Pádua,

Província de Vêneto, ao nordeste da Itália, iniciando na atividade arquitetônica aos 16 anos,

1 HOWARD, D. Four centuries of literature on Palladio. In: JOURNAL OF THE SOCIETY OF ARCHITECTURAL HISTORIANS, v. XXXIX, n. 3, 1980. p. 224.

FIGURA 01

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4 patrocinado por mestres canteiros – Giovanni da Porlezza e Girolamo Pittoni –, com os quais

manteve relações de trabalho por mais de duas décadas. Em 1538, aos 30 anos de idade,

conheceu o mecenas, poeta, linguista e arquiteto aficionado Gian Giorgio Trissino (1458-1555), o

qual passou a protegê-lo e lhe conferiu o nome clássico Palladio2. (SHARP, 1993)

Ainda segundo Sharp (1993), seu primeiro

projeto independente foi a Villa Godi (Lonedo,

c.1538/42). Entre 1547 e 1549, viveu em Roma

para, segundo a tradição renascentista, estudar e

desenhar detalhadamente os monumentos antigos

da cidade. Em 1549, realizou a Basílica

(Prefeitura) de Vicenza, montando sobre uma

estrutura gótica preexistente uma grande loggia

de dois níveis em homenagem à tradição clássica

(Figura 02). Entre 1550 e 1556, Palladio trabalhou

com Daniele Barbaro (1513-70) em uma reedição

da obra de Vitruvio, ao mesmo tempo em que já

possuía números encargos de palácios e vilas da

aristocracia veneziana e vicentina. Entre suas

melhores obras palacianas está a Villa Barbaro

(Maser, c.1555), embora sua mansão mais

famosa seja a Villa Capra (Vicenza, 1566), esta mais conhecida como La Rotonda (Figura 03).

No caso de suas villas, de acordo com Pereira (2009), há a constante repetição de um

esquema organizativo de planta, que em geral divide a casa em 03 (três) faixas longitudinais e 03

(três) transversais. Longitudinalmente, a faixa central contém o salão principal, ligado a pórticos ou

portais de entrada, enquanto nas duas laterais, ficam os salões menores, compondo

dependências privadas. Porém, tal esquema organizativo inicial é manipulado de diferentes

formas, gerando ambiências muito distintas em cada projeto.

Palladio joga com a altura dos salões e compartimentos (simples, dupla), com seus forros (planos, abobadados, compostos), com suas aberturas e com seus acessos (pórticos em projeção, varandas escavadas, escadarias retas ou laterais, rampas, janelas termais, serlianas) obtendo grande diversidade de resultados. O tema das entradas é rico em alternativas: ora surgem pórticos colunares simples (Emo, Barbaro, Badoer), em projeção (Chiericati, Capra), sobre pódio alto (Foscari), com ordens superpostas (Cornaro), com semicolunas (Pisani in Montagnana), com pilastras lisas (Gazzotti, Thiene) e rusticadas (Pisani in Bagnolo), com pilares lisos (Saraceno) e rusticados (Caldogno), além de pórticos especiais (como a serliana da Villa Poiana). (PEREIRA, 2009, p. 01)

2 Trissimo retirou o nome Palladio a partir de um personagem de seu poema épico A Itália liberta dos Godos, providenciando que seu protegido recebesse uma educação humanista com ênfase na arquitetura. (N. Autor)

FIGURA 02

FIGURA 03

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A sutileza das variantes palladianas pode

ser ilustrada pela Villa Cornaro (Figura 04), que

tem o mesmo pórtico de dois níveis com ordens

superpostas nas fachadas anterior – em projeção

desde o volume da casa – e posterior – onde as

colunas estão no mesmo plano do volume da

casa e a varanda é interiorizada. Por sua vez,

ainda conforme Pereira (2009), os palácios

privados de Palladio enfrentam o problema de

inserir o esquema simétrico das villas nas situações complexas dos lotes urbanos devido à

proximidade entre empenas, por vezes coladas. Tendo deixado alguns exemplares no estilo

romano do grande pátio central porticado (Thiene, Trissino), o arquiteto buscou também fazer a

inclusão de sua obra de quatro fachadas dentro das cidades italianas. Ademais, além de edifícios

novos, Palladio projetou importantes intervenções em edifícios já existentes, em um processo que

se pode comparar às reciclagens feitas hoje em dia por arquitetos especializados em prédios

históricos do patrimônio.

Conectadas à tradição teórica e experimental de Leon Battista Alberti (1404-72) e Donato

Bramante (1444-1514), em Palladio a teoria e a prática arquitetônica fundem-se em uma só

função, na que os princípios da arte procedem da experiência, mas que, ao se apoiarem

amplamente na natureza, corrigem-se de forma contínua (SHARP, 1993). Sua reinterpretação do

legado vitruviano se traduz em uma execução totalmente empírica da arquitetura sacra e civil,

tanto em suas villas campestres e palácios urbanos como na inspiração no templo antigo da igreja

moderna. (WUNDRAM et PAPE, 2004)

Embora Palladio tenha projetado poucas igrejas em comparação a palácios e villas, estes

edifícios apresentam a mesma densidade de investigação compositiva verificada nos anteriores.

Segundo Pereira (2009), seus projetos de templos revelam de forma muito forte a importância dos

estudos das ruínas romanas. E ainda hoje se usa princípios resgatados por Palladio na

construção de edificações para culto. Suas premissas foram seguidas no mundo moderno e a

vasta literatura que trata do arquiteto continua a aumentar, sendo atualmente usada por

estudantes e arquitetos contemporâneos (PUPPI, 1973).

Foi a partir de 1560 que Palladio passou a

se dedicar à construção de obras religiosas,

sendo suas igrejas mais conhecidas aquelas

situadas em Veneza: San Giorgio Maggiore

(1565) e Il Redentore (1576); esta que possui

fortes relevos nas fachadas e uma só nave

(Figura 05). Em 1570, aos 62 anos, publicou I

FIGURA 04

FIGURA 05

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6 Quattro Libri dell'Architettura, na mesma época em que foi nomeado assessor de arquitetura da

República de Veneza, devido à morte de Jacopo Sansovino (1486-1570). Em 19 de agosto de

1580, aos 72 anos de idade, faleceu em Vicenza quando se ocupava do Teatro Olímpico; uma

curiosa reinvenção do teatro clássico, com teto baixo, mas conservando a cavea e a forma

arquitetônica do cenário. (SHARP, 1993)

A influência de Andrea Palladio foi enorme tanto na Itália como no exterior, primeiramente

na França e, a partir da sua dinâmica expansão, na Inglaterra, gerando o chamado Palladianismo,

o qual expressava a difusão das suas ideias de síntese entre empirismo e idealismo através de

uma arquitetura baseada na simetria, na perspectiva e na proporção de essência grecorromana –

elementos defendidos em seu tratado (PALLADIO, 1570). Tal modelo teórico acabou sendo

resgatado em meados do século XVIII, fazendo aparecer o Neopalladianismo, o qual se

fundamentava na tríade representava pela beleza, pela funcionalidade e pela solidez estrutural.

(ACKERMAN, 1980)

Karl Friedrich Schinkel (Neuruppin, 1781 – Berlim, 1841)

Principal expoente do Neoclassicismo prussiano, Karl

Friedrich Schinkel (Figura 06) nasceu em 13 de março de

1781, na cidade alemã de Neuruppin, Distrito de Ostprignitz-

Ruppin, em Brandemburgo, território que pertencia à antiga

Prússia. Discípulo de David Gilly (1748-1808) em Berlim,

viajou pela Itália e França entre 1803 e 1805, voltando ao

seu país quando o mesmo estava ocupado pela França e

imerso em uma grave crise econômica. Passou então a se

dedicar à cenografia e à pintura de cunho romântico,

inspirando-se em motivos clássicos e medievais. Em 1810,

aos 29 anos de idade, foi nomeado Diretor da Junta de

Obras da Prússia e, após a vitória sobre os franceses,

passou a se dedicar a uma série de edifícios colossais, os quais expressavam as ambições

culturais de seu país. (SHARP, 1993)

Naquele momento, consolidava-se uma arquitetura de Estado baseada no classicismo,

através de um estilo neorromano promovido pela Escola de Belas Artes prussiana. Inspirado por

suas viagens à Roma e suas incursões no mundo industrial francês e britânico, Schinkel

abandonou o medieval gótico com o qual trabalhava e lançou-se para um neoclassicismo

domiciliar, urbano e burguês (BURELLI, 1983). O conhecimento da realidade fabril da Europa

ocidental o fez questionar a ideia da utilização de novos materiais. Como servidor do Ministério de

Obras Públicas, atingiu o máximo cargo dentro de suas atribuições como arquiteto (RDV, 2015).

E, embora tenha começado como pintor e cenógrafo, foi o maior responsável pela arquitetura

FIGURA 06

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7 neoclássica prussiana, expressa por um estilo neogrego, puro e austero, forjado pela situação

econômica, mas também reflexo do idealismo germânico, que via na Grécia ateniense o modelo

de liberdade política e moral. (AAVV, 1982; COLLECTED ARCHITECTURAL DESIGNS, 1982)

De acordo com Sharp (1993), a primeira

grande obra de Schinkel em Berlim foi o Neue

Wache en Unter den Linden (“Novo Corpo de

Guarda”, 1816/18); um simples cubo com um

pórtico dórico à sua frente (Figura 07). Em abril

de 1818, tornou-se o encarregado pela

reconstrução do Nationaltheater (Figura 08),

cujas obras prolongaram-se até 1821 e para as

quais realizou um projeto que articulava com

claridade as três funções do edifício: auditório,

sala de concertos e salões de recepção, dentro

de um disciplinado exterior de colunas, pilastras e

cornijas. Já o foco do Altes Museum (1823/30),

sua obra mais célebre em Berlim, é a rotonda

central destinada a exibir estátuas antigas,

enquanto que a colunata da fachada central

deriva da estoa grega (Figura 09).

Por ser arquiteto da Corte, Schinkel

também foi autor de muitos interiores e

residências de veraneio da família real prussiana,

como o pavilhão do parque do castelo de

Charlottenburg (1824/25), o castelo Glienecke

(1824/37) e os castelos de Charlottenhof

(1826/29) e Babelsberg (1834/49), ambos em

Potsdam. Suas relações com a realeza permitiram que realizasse os maiores projetos da década

de 1830: o palácio do Rei Otto von Wittelsbach na Acrópole de Atenas (1834) e uma residência de

verão da Czariana da Rússia em Orianda, na Criméia (1838, Ucrânia). Nenhum desses dois

últimos foi construído, mas os desenhos ainda são conservados como prova máxima desse

momento culminante de diálogo entre a Prússia neoclássica e a Atenas de Péricles.

(SZAMBIEN, 2000; STEFFENS, 2003)

Em sua última etapa, Schinkel surpreendeu com um funcionalismo aparentemente

clássico, fazendo uso de vazios. Em 09 de setembro de 1840, sofreu um ataque apoplético,

iniciando uma difícil fase de perda de conhecimento e acabando por falecer em 09 de outubro de

1841, aos 60 anos de idade, em seu departamento da Academia de Arquitetura.

FIGURA 07

FIGURA 08

FIGURA 09

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Louis I. Kahn (Isola di Osel, 1901 – Nova York, 1974)

Considerado um dos arquitetos mais relevantes da

segunda metade do século XX, Louis Isadore Kahn (Figura

10) nasceu em 05 de março de 1901, em Saaremaa, uma

das ilhas do arquipélago de Moonsud (Estônia) e tendo como

nome original Itze-Leib Schmuilowsky. Chegou aos EUA com

cinco anos de idade, quando sua família estabeleceu-se na

Filadélfia PA. Naturalizou-se norte-americano em 15 de maio

de 1914; e licenciou-se pela Universidade da Pensilvânia em

1924, aos 23 anos. Durante a Grande Depressão, na década

de 1930, sua atividade foi grande, projetando uma série de

moradias subvencionadas pelo Estado. (SHARP, 1993)

Em 1941, ainda de acordo com Sharp (1993), Kahn

associou-se a George Howe e, posteriormente, a Oscar Stonorov, parceria que durou até 1948.

Em 1947, tornou-se crítico de projetos e professor de arquitetura da Universidade de Yale para,

em 1957, assumir a mesma cátedra na Universidade da Filadéfia, onde permaneceu até sua

aposentadoria.

O trabalho docente e profissional de Kahn influenciou profundamente toda uma geração de arquitetos, na qual se questionaram sistematicamente todos os princípios da arquitetura. Suas interrogações essenciais levaram-no a insistir na Forma subjacente de um projeto e na sua resolução estilística. A obra de Kahn é notável por suas formas simples e composições platônicas. Com tijolo e concreto, criou uma arquitetura contemporânea de grande força e monumentalidade. (SHARP, 1993, p.86. Trad. Autor)

Segundo Rosa (2006), a obra completa de Louis Kahn define-se por seguir a linha austera

e limpa da arquitetura corbusieriana. Entretanto, várias edificações de sua autoria foram

claramente influenciadas pela monumentalidade de ruínas antigas, incorporando-se à maneira

moderna de Le Corbusier (1886-1965) uma crítica tipológica da arquitetura e a busca constante

por uma nova poética. Seus trabalhos exibem igualmente uma aguda sensibilidade das variações

de implantação e um hábil manejo da luz natural. Apesar que profundo enraizamento no

Modernismo internacional, Kahn recorreu por vezes à sua formação em Belas Artes e a seu

impulso poético para criar um vocabulário

arquitetônico próprio, que acabou se

transformando no ponto de partida para muitos

arquitetos posteriores. (SCULLY, 1963; ETH,

1969)

Entre suas principais obras, é fundamental

citar: o Edifício de Pesquisa Médica Alfred Newton

FIGURA 10

FIGURA 11

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9 Richards (Figura 11), construído entre 1957 e

1961, na Filadélfia PA; o Instituto Salk para

Estudos Biológicos (Figura 12), realizado entre

1959 e 1965, em La Jolla CA; e a Escola e

Primeira Igreja Unitária (Figura 13) de Rochester

NY, criada entre 1959 e 1969. Estes e outros

trabalhos de Kahn foram obras-primas do uso da

forma e da ordem a mercê da construção

inspirada. (ROSA, 2006)

Kahn foi um dos arquitetos mais influentes

do século passado, cujos temas principais,

conforme Begoña (2015), eram a materialidade e

a luz. Através da simplicidade e aspereza

conceitual do concreto aparente e do tijolo, ele

acentuava o caráter monolítico de seus edifícios

que são monumentais e “atemporais”, exibindo

uma "construção reflexiva dos espaços" – forma

como ele mesmo definia sua obra. Por outro lado,

nos interiores, a manipulação da luz em todas as

suas obras conferia o drama necessário para

transmitir o sentimento intrínseco dos materiais.

Famoso por suas frases críticas e seus

aforismos, Louis Kahn afirmava que seu desejo

era descobrir “o que um material queria ser”. Indiscutivelmente impactantes foram suas obras

realizadas na Ásia, entre os anos 1960 e 1980, como a Instituto Indiano de Administração de

Ahmedabad (Gujarat – Índia, 1962/74) e o Setor Governamental de Sher-e-Bangla Nagar (Daca –

Bangladesh, 1962/83). Por sua vez, é tida como sua obra-prima a Biblioteca da Academia Phillips

Exeter (Figura 14), criada entre 1965 e 1971, em Exeter NH (EUA). Em sua vida profissional,

Kahn concretizou cerca de 200 projetos. A coleção de seus desenhos no arquivo da Universidade

da Pensilvânia registra mais de 6.300 exemplares, muitas obras e trabalhos formais de seu

escritório, além de 100 modelos, fotografias e correspondências (BEGOÑA, 2005). Ele faleceu aos

73 anos de idade, em 17 de março de 1974, devido a um ataque cardíaco em Nova York.

Mais de 30 anos após sua morte, foi inaugurado em Manhattan o memorial Franklin Roosvelt, que não pôde ser construído durante a vida do arquiteto devido a problemas financeiros. A conclusão do parque Four Freedom é uma homenagem tanto ao ex-presidente como para Kahn. A obra revive o talento do arquiteto em encontrar o monumental no simples e, apesar de sua grande escala, apresenta uma especial atenção aos detalhes. (BEGOÑA, 2015, p. 01)

FIGURA 12

FIGURA 13

FIGURA 14

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ESTUDO DE CASO I VILLA FOSCARI 1550/60 – Mira (Veneza, Itália)

Andrea Palladio

A Villa Foscari, também conhecida

como La Malcontenta3 (Figuras 15 e 16),

configura-se como um palácio suburbano,

situando-se próximo a Veneza, orientado

em direção a uma via d’água (Rio Brenta)

que, a partir de Pádua, conduz à cidade

dos canais. O edifício, criado entre 1550 e

1560, a cargo dos irmãos Nicolò e Luigi

Foscari, é considerado um dos exemplos

mais significativos da arquitetura palla-

diana.

A implantação em planta de forma

retangular caracteriza-se pela presença de

uma sala central cruciforme, que se

desenvolve em duas plantas de altura,

situada sobre o eixo longitudinal do edifício,

além de uma rigorosa hierarquia e simetria

entre os espaços menores adjacentes

(Figuras 17 a 19). O conjunto projeta-se

para o rio em um frontão de ordem jônica,

avançado e elevado sobre um

embasamento ao que se ascende, desde

ambos os lados, por meio de duas

escadarias (Figuras 20 e 21).

A estruturação das salas ao redor

do salão revela a atitude de Palladio para

com a harmonia matemática: o desen-

volvimento das salas processa-se em um

contínuo aumento do volume destas,

tomando como base as dimensões da sala

anterior para as da sala seguinte.

(WUNDRAM et PAPE, 2004)

A forma articulada confere ao salão central, ao mesmo tempo,

magnificência e domesticidade. Este duplo caráter reforça-se mediante a

iluminação que se consegue através de vazios situados em altura,

culminando em amplas janelas na parede do fundo, orientada na direção

do campo. No interior do salão, foram dispostos pequenos vazios que

permitem ver, a partir de alguns cômodos superiores, o espaço situado

abaixo (Figuras 22 a 25).

3 Segundo a lenda, esta villa é conhecida como La Malcontenta (“A Descontente”) devido a uma dama da casa Foscari

ter sido relegada à solidão em seu interior graças à sua conduta viciosa. Contudo, o lugar já era assim apelidado desde 1431, por recordar o descontentamento mostrado pelos habitantes de Pádua e Piove di Sacco pela construção do Naviglio del Brenta. (N. Autor)

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ESTUDO DE CASO II CASA COM PÁTIO OCTOGONAL 1826 – Projeto para Berlim (Alemanha)

Karl Friedrich Schinkel

Este projeto não realizado de

Schinkel trata-se de uma habitação

urbana projetada para um solar alargado

situado entre dois edifícios colineares já

existentes em Berlim (Figura 26). A casa

estava destinada à nova burguesia

comercial, prevendo em planta baixa duas

lojas com armazéns e casas anexas para

inquilinos; no primeiro pavimento, um

apartamento, distinguido pela maior altura,

destinado ao proprietário do edifício; e, no

segundo pavimento, apartamentos de

aluguel.

O edifício distribui-se ao redor de um

pátio octogonal que proporciona

iluminação aos cômodos interiores

(Figuras 27 e 28). As salas e salões

situam-se no lado da rua, enquanto que a

cozinha e as peças de serviços de todas

as plantas dão para o pátio de serviços

situado na parte posterior. O pátio central

determina a forma dos cômodos

contíguos: 04 (quatro) deles tem um lado

que forma um ângulo de 45º com seus

lados adjacentes.

Nas plantas de primeiro e segundo

pavimentos, o octógono reforça-se

mediante a presença de um balcão

corrido, que funciona como um corredor

de comunicação entre os cômodos

adjacentes. O conjunto organiza-se

seguindo dois eixos de simetria ortogonais

entre si (Figura 29).

Sobre o eixo principal situam-se em

profundidade: o decorado vestíbulo de entrada, o

vão da escada principal, o pátio octogonal, as outras

escadas, diversos espaços e o pátio de serviço,

como se pode observar na perspectiva de Schinkel

redesenhada (Figura 30).

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12

ESTUDO DE CASO III GOLDENBERG HOUSE 1959 – Projeto para Montgomery County PA (EUA)

Louis I. Kahn

Este projeto residencial de Kahn,

embora nunca construído, apresenta-se

inovador no que se refere à concepção do

espaço de habitação. A complexidade da

implantação da Goldenberg House reside

na natureza contraditória de seu núcleo. A

composição está realizada por meio de

quadrados concêntricos que organizam o

pátio central e o passeio perimetral

(Figura 31). Assim, pátio e passeio

prolongam-se na sala de estar tripartida,

que se dilata no estúdio e na cozinha,

situados na coroa periférica à qual

também pertencem os dormitórios, os

aposentos para convidados e a lavanderia

(Figuras 32 e 33).

As zonas de serviço exercem uma

função de diafragma, seja entre peça e

peça, seja entre peça e corredor de

conexão. Desta maneira, o espaço central

converte-se no espaço de conexão da

casa e, ao mesmo tempo, percorre toda a

implantação; descoberto e ao mesmo

tempo coberto, centrípeto e centrífugo,

pátio e, ao mesmo tempo, ambiente

(Figura 34).

Em uma entrevista à Revista

Perspecta (1961), Kahn disse: “Quiçá o

interior quer se estender ao exterior e

saltar mais pra lá dos muros. E, no

entanto, se lhe tem reprimido por causa do

esquema preconcebido já escolhido. E

esta coberta [...] que a diagonal seja algo

ao qual se adaptar [...] que possa ser uma

espécie de conclusão contingente”.

Kahn tenta aplicar a diagonal como limite formal do

térreo, uma vez que, ao longo dela, a estrutura ortogonal

recebe incisões no seu contorno exterior. Sua intenção era

criar uma fachada interessante, jogando com paredes

abertas e fechadas (SCHUBERT, 2014). Tais características

constituem a peculiaridade dessa casa e, pela particular

potencialidade geométrica que expressam, transformou-se

em referência de partido para muitos arquitetos

contemporâneos (Figura 35).

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5 MATERIAIS E MÉTODOS

Como metodologia de pesquisa, fez-se a revisão web e bibliográfica, partindo-se de um

texto-base, ao qual se seguiu a sua complementação, em conjunto ao estudo descritivo e

comparativo de 03 (três) casos ilustrativos. Tendo como resultado um texto preliminar para uma

miniapostila da área de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, foram analisadas a Villa

Foscari (1550/60) de Andrea Palladio (1508-80); a Casa com Pátio Octogonal (1826/29), de Karl

F. Schinkel (1781-1841); e a Goldenberg House (1959), de Louis I. Kahn (1901-74). A partir da

descrição, ilustração e análise comparativa dessas obras antológicas– respectivamente

representativas da arquitetura residencial do Renascimento, Neoclassicismo e Modernismo –,

pôde-se apontar mudanças e continuidades em quase cinco séculos de tradição habitacional.

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir das fichas resumidas da análise dos três casos, apresentadas anteriormente, é

possível tecer alguns comentários sobre as obras estudadas. O conector central em forma de sala

cruciforme na Villa Foscari (Caso I), de caráter fechado; e os pátios abertos – tanto na obra de

Schinkel (Caso II), que tem formato octogonal, como na de Kahn (Caso III), de forma quadrangular

– remetem a um sentido de circulação inevitável das grandes residências construídas desde

tempos remotos. Este partido distributivo – ou seja, de um núcleo (pátio ou sala central) para o

qual se conectam diversos ambientes – consiste em uma tipologia bastante recorrente na

morfologia habitacional. Comprova-se, na observação da importância da localização e concepção

formal desse elemento, de caráter aglutinador e articulador, o incontornável valor de reunir e

distribuir os espaços da habitação como se conhece até hoje.

Apesar de serem de diferentes momentos históricos, as três soluções arquitetônicas

apresentam o mesmo partido de uma centralidade da qual partem – e também chegam –

ambientes secundários e adjacentes da moradia. Paradoxalmente, esses espaços centrais devem

sua existência aos ambientes que os cercam e os conformam e, embora sejam as peças-chave

dos projetos analisados, são também vazios e isolados do seu contexto imediato. Tal

indissociabilidade caracteriza essas residências e revela a maestria com a qual foram planejadas.

Outro ponto em comum diz respeito à aplicação de eixos de simetria, a qual possui caráter

linear e absoluto na obra palladiana (Caso I) e na casa de Schinkel Caso II), enquanto na proposta

de Kahn (Caso III) adquire um caráter radial e relativo. Disto resulta a configuração mais livre e

multiforme da Goldenberg House, mais dinâmica em termos plásticos do que as anteriores. Nela,

não é o pátio em si o caminho de circulação no interior da casa, mas o cordão limítrofe, ou seja,

um corredor já dentro da residência que margeia e delimita o pátio em “O”, o qual abriga tal

função, sem retirar, contudo, a importância desse elemento como ponto central a partir do qual se

desenvolve a moradia.

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Embora criadas em momentos diferentes da história da arquitetura, as três casas

aproximam-se de um ideal de organização racional, ordenamento espacial e lógica funcional que

caracteriza o espírito clássico, este sim atemporal. Essas habitações expressam os valores de sua

época com precisão e de maneira sintética, seja através do classicismo do qual Palladio foi um

dos maiores representantes – e também difusor por meio de seu tratado publicado no final do

século XVI –, seja através do neoclassicismo de Schinkel, fruto de uma época marcada por

descobertas arqueológicas que fizeram os artistas retomarem muitos dos princípios já explorados

pelos renascentistas da época palladiana, mas que adquirem uma tônica especial em meados do

século XIX. O que mudou foram os materiais e as técnicas construtivas, além obviamente do perfil

dos usuários, embora haja a permanência do anseio pela exatidão, retidão e perfeição –

elementos de associação ideológica e moral aos burgueses e aristocratas para os quais

trabalhavam Palladio e Schinkel. Nas duas épocas aqui confrontadas, a inspiração na antiguidade

clássica, no que se refere aos ideais de clareza, harmonia e ordem, vê-se respeitada, além de

evidenciada na plástica secundária das edificações, as quais estão carregadas e elementos

grecorromanos (frontões, colunatas, cúpulas, etc.).

Por sua vez, Louis Kahn, embora imerso e impregnado pelo espírito do modernismo, não

nega em sua obra a busca pelo ordenamento geométrico, pelo controle espacial e pela exatidão

construtiva. De qualquer modo, mantém-se afastando dos esquemas corbusierianos – de

inspiração nitidamente classicista –, conferindo maior dinamismo, variedade e relatividade a seu

partido, quase como uma atitude maneirista, ou seja, aplica a priori uma fórmula (casa-pátio), mas

a altera com genialidade e provocação. Soma-se a isto sua evidente distinção dos anteriores pela

não incorporação de elementos ornamentais de base clássica, além da adoção da tecnologia

industrial, estão tão cara ao pensamento moderno.

Por fim, acrescenta-se que, embora fachadas, cortes e plantas tenham se modificado

plasticamente no intervalo desses séculos representados pelos casos analisados, o tipo

arquitetônico caracterizado pelo espaço central sobrevive, transitando entre épocas e lugares

diferentes, desde a antiga residência suméria à atual norte-americana, trazendo luz ao interior

dessas casas e funcionando como elemento articulador de ambientes. Seja aberto ou fechado,

sem ou com um diferenciado pé-direito que dá acesso a grandes janelas como fez Palladio, ele

consiste em uma permanência morfológica no projeto habitacional.

7 CONCLUSÃO

O desenvolvimento arquitetônico do habitáculo humano concorda diretamente com a

sociedade que o produz, sendo por ela regido, concebido e produzido. A casa é reduto da

intimidade, da vida privada e da convivência doméstica, mas também sobre ela incidem valores

morais, sociais e coletivos. Um projeto residencial não deriva somente dos anseios da família que

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15 ali vai viver, mas também os pressupostos estéticos, das regras funcionais e dos imperativos

tecnológicos que incidem sobre a construção arquitetônica.

Não se pode esquecer que há ainda outra característica, esta de maior abordagem natural

e concreta, que dita como a arquitetura habitacional será conformada. Trata-se dos

condicionantes físicos e climáticos: temperatura, insolação, declividade do solo e demais

elementos do ambiente físico onde se insere cada arquitetura também contribuem para o partido.

Em paralelo, fatores econômicos da localidade ou do proprietário somam-se aos requisitos de

moda da época em que se projeta, o que gera uma mistura indissociável do contexto espacial e

temporal para e em qual se constrói uma casa.

Apesar dessas particularidades que tornam cada casa única, há um elemento que conecta

toda a humanidade através da nossa condição de seres vivos, frágeis e imperfeitos; e de uma

efemeridade ímpar. Deve-se portanto entender e aceitar a existência de uma inteligência comum,

supracultural, que nos rege a todos e que suscita soluções semelhantes, mesmo que estas

estejam separadas por milhares de quilômetros e por centenas de anos. Nossa cultura e nossa

genética, aliadas às condições em que estamos inseridos, influenciam nosso comportamento no

meio social e, assim, nossas escolhas projetuais, moldando nossas vidas e, quiçá, nossos lares e

nossas cidades. Cabe a nós nos desprendermos de amarras e preconceitos de projeto para

redescobrimos soluções inovadores em lições do passado, em obras magistrais e em

experiências universais, como aquelas que procuraram ser aqui ilustradas. Embora limitado por

motivos acadêmicos, o presente trabalho de pesquisa pôde contribuir, mesmo de uma maneira

ainda introdutória, para uma melhor compreensão sobre o projeto habitacional. Mais do que

esgotar o tema, procurou alargar novos campos de conhecimento, experimentação e desafio.

8 REFERÊNCIAS

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16 PEREIRA, C. C. Princípios, valores e projeto arquitetônico: As lições de Andrea Palladio

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SCHUBERT, L. Louis Kahn, Goldenberg House, Montgomery County, Pennsylvania, USA,

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SNYDER, J.; CATANESE, A. Introdução à arquitetura. Rio de Janeiro: Campus, 1984.

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WUNDRAM, M.; PAPE, T. Obra arquitectónica completa: Palladio. Köln: Taschen, 2004.

9 FONTE DE ILUSTRAÇÕES

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f_arkitekten_Andrea_Palladio).jpg

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02 http://www2.regione.veneto.it/cultura/cms/images/vi01b.jpg 20/07/2015

03 http://faculty-staff.ou.edu/L/A-Robert.R.Lauer-1/rotondaPalladio.jpg 20/07/2015

04 http://www.boglewood.com/palladio/malcont2.jpg 20/07/2015

05 http://www.reidsitaly.com/images/veneto/venice/sights/redentore-long.jpg 20/07/2015

06 http://imagecache5d.allposters.com/CropHandler/crop.jpg?x=15&y=28&w=308&h=381&img=/5

3/5395/t4tjg00z&maxw=400&maxh=450

30/07/2015

07 https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/51/Berlin,_Mitte,_Unter_den_Linden,_Neue_

Wache_01.jpg

30/07/2015

08 http://www.bim-berlin.de/uploads/tx_braestate/Konzerthaus_03_1320x560.jpg 30/07/2015

09 http://www.franktoker.pitt.edu/1407/xMPerry%203website/20_TheRiseofFunctionalism/Schinkel

_AltesMuseum/AltesMuseumbestfac.jpg

30/07/2015

10 http://www.upenn.edu/gazette/0107/images/kahn_portrait.gif 30/07/2015

11 https://s-media-cache-

ak0.pinimg.com/736x/51/9c/a1/519ca1a91f683f7ca4549884866590bd.jpg

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13 http://mcnygenealogy.com/pics/_data/i/upload/2013/06/01/20130601105410-179ae5e7-me.jpg 30/07/2015

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14 http://www.lukez.com/website/wp-content/uploads/2014/07/Exeter_library1.jpg 30/07/2015

15 e 16 http://www.archweb.it/dwg/architetture_del_passato/Andrea_Palladio/Foscari_Malcontenta_ele

vations.jpg

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17 a 24 CORNOLDI, A. La arquitectura de la vivenda unifamiliar. Barcelona: Gustavo Gili, 2009. -

25 https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/736x/b5/89/f1/b589f11eaf5501ab0e5a28f028296e3b.jpg 30/07/2015

18 a 34 CORNOLDI, A. La arquitectura de la vivenda unifamiliar. Barcelona: Gustavo Gili, 2009. -

35 http://socks-studio.com/img/blog/louis-kahn-goldenberg-house-03.jpg 30/07/2015

10 APRECIAÇÃO DO ORIENTADOR

Este trabalho de iniciação científica cumpriu o cronograma inicial, permitindo atingir os objetivos

iniciais, não ocorrendo atrasos e imprevistos. Seu desenvolvimento junto ao professor-orientador

permitiu a complementação e publicação de material didático do curso de arquitetura e urbanismo da

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – UFPR. O aluno voluntário apresentou interesse e dedicação

satisfatórios na elaboração das tarefas indicadas pelo professor-orientador, permitindo o

desenvolvimento adequado da pesquisa. Tratando-se de um trabalho introdutório sobre o tema e da

vastidão de questões possíveis de serem abordadas em investigações nesse campo de trabalho,

considera-se que os resultados atingidos foram suficientes aos meios utilizados e aos fins pretendidos.

DATA E ASSINATURAS

Curitiba, julho de 2015.

Roberto Accioly Mello

Antonio Manoel Nunes Castelnou, neto