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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ATROPOLOGIA ANA CAROLINA CARVALHO DE ALMEIDA NASCIMENTO O SEXTO SENTIDO DO PESQUISADOR: A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA DE EDISON CARNEIRO RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ATROPOLOGIA

ANA CAROLINA CARVALHO DE ALMEIDA NASCIMENTO

O SEXTO SENTIDO DO PESQUISADOR:

A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA DE EDISON CARNEIRO

RIO DE JANEIRO

2010

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ANA CAROLINA CARVALHO DE ALMEIDA NASCIMENTO

O SEXTO SENTIDO DO PESQUISADOR:

A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA DE EDISON CARNEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio

de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre

Orientador:

Prof. Dr. José Reginaldo Santos Gonçalves

Rio de Janeiro

2010

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NASCIMENTO, Ana Carolina Carvalho de Almeida (1983-)

O sexto sentido do pesquisador: a experiência etnográfica de Edison Carneiro.

Rio de Janeiro, 2010.

174 f.

Dissertação (Mestrado em Sociologia - com concentração em Antropologia) –

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, 2010.

Orientador: José Reginaldo Santos Gonçalves.

1. Antropologia 2. Experiência Etnográfica 3. História da Antropologia 4.

Antropologia das Religiões Afro-Brasileiras 5. Edison Carneiro

I. GONÇALVES, JOSÉ REGINALDO SANTOS (Orient.). II. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Programa de Pós-

Graduação em Sociologia e Antropologia. III. Título

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ANA CAROLINA CARVALHO DE ALMEIDA NASCIMENTO

O SEXTO SENTIDO DO PESQUISADOR:

A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA DE EDISON CARNEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Mestre

Aprovada em 06 de maio de 2010

Banca Examinadora

______________________________________________________________________________

Prof. Dr. José Reginaldo Santos Gonçalves – Orientador (PPGSA – UFRJ)

______________________________________________________________________________

Profa. Dra. Regina Abreu (PPGMS – UNIRIO)

______________________________________________________________________________

Prof. Dr. Marco Antonio Gonçalves (PPGSA – UFRJ)

______________________________________________________________________________

Profa. Dra. Márcia Contins (Suplente) (PPCIS – UERJ)

______________________________________________________________________________

Profa. Dra. Elsje Lagrou (Suplente) (PPGSA – UFRJ)

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Resumo

Proponho neste trabalho uma reflexão sobre a experiência etnográfica de Edison Carneiro

em Salvador (Bahia), nos anos 1930. Lanço a hipótese de que neste período ele se elabora

subjetivamente enquanto um pesquisador de campo, definindo uma identidade autoral que o

particularizaria em relação aos seus mestres, Nina Rodrigues e Arthur Ramos. Ao travar

encontros e negociações com pais e mães-de-santo de terreiros de candomblé “nagôs”, “bantos”

ou “caboclos”, ele escreve sua própria história do candomblé da Bahia. Procuro dialogar com as

leituras correntes da obra do autor no campo que se convencionou chamar dos estudos afro-

brasileiros. Exploro também a idéia de que Carneiro atua como um mediador entre os universos

aos quais está vinculado: intelectuais e nativos, antropologia brasileira e norte-americana, centro

e periferia, papel que seria permitido pela ambigüidade constitutiva de sua própria figura.

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Abstract

Through this paper I propose a reflection about the ethnographic experience of Edison

Carneiro in Salvador (Bahia) in the 1930‟s. I launch the hypothesis that in this time period he

elaborates himself subjectively as a field researcher, defining an author identity that

particularizes him from his masters, Nina Rodrigues and Arthur Ramos. By setting up meetings

and negotiations with cult chiefs (pais e mães-de-santo) of “nagô”, “banto” or “caboclo”

candomble worship houses (terreiros de candomblé), he writes his own history of Bahia‟s

candomble. I intend to dialogue with current readings on the author‟s work in the field that has

been called afro-brazilian studies. I also explore the idea that Carneiro acts as a mediator

between the universes he is bound: intellectuals and natives, Brazilian and North-American

anthropology, center and periphery, this being a role granted by his figure‟s constitutive

ambiguity.

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À memória de Edison Carneiro, a um só tempo “Jovem Feiticeiro” e “Mestre Antigo”

A Waldir, Bráulio, Vicente e Philon, que dividiram comigo suas memórias

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Agradecimentos

Ao meu orientador, José Reginaldo Santos Gonçalves, que me “apresentou” ao Edison

Carneiro e me acompanhou com dedicação e paciência ao longo de toda a graduação e do

mestrado.

À Professora Martha Abreu, que me ensinou que a história, a cultura e as festas são

políticas, e que devemos olhar para elas sempre procurando as frestas, a resistência, as lutas dos

“de baixo”.

À Professora Regina Abreu, que compartilha do encantamento por Edison Carneiro e

dividiu comigo tão generosamente conversas, idéias e materiais de pesquisa.

Ao Professor Marco Antonio Gonçalves que aceitou gentilmente o convite para participar

de minha banca e também se deixou encantar por Edison Carneiro.

Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Aos meus Professores,

que me incentivaram a fazer este trabalho, leram e comentaram suas versões preliminares, e

foram referências intelectuais que me inspiraram ao longo de minha formação: Maria Laura

Viveiros de Castro Cavalcanti, Yvonne Maggie, Peter Fry, Emerson Giumbelli, Olívia Cunha e

Matthias Rohrig Assunção. À CAPES que financiou a pesquisa e permitiu a realização deste

trabalho.

Ao Professor Waldir Freitas Oliveira, que me recebeu em sua casa em Salvador em uma

manhã de sol para contar suas tantas histórias, numa conversa na varanda sob a sombra das

árvores de seu quintal.

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Aos Professores Bráulio do Nascimento e Vicente Salles, companheiros de Edison

Carneiro, de seu projeto e de sua missão. Guardo com carinho nossos bate-papos, almoços, aulas

e entrevistas.

A Philon Carneiro, pelos encontros emocionados e presentes inesquecíveis.

A todos da Biblioteca Amadeu Amaral, do Museu de Folclore Edison Carneiro, que

facilitaram o meu acesso aos arquivos. À Doralice e Mariza, pelos cuidados com os papéis de

Edison Carneiro. À Diretora do Museu, Cláudia Márcia Ferreira.

Regina Abreu me sugeriu olhar para o encontro entre Edison Carneiro e Ruth Landes a

partir de uma “antropologia da amizade”. Agradeço às amizades inspiradoras de Fernanda Mesa,

Adriana Xerez, Ana Letícia Canegal, Nina Pinheiro Bitar, Maria Raquel Passos Lima, Bruno

Cardoso, Ana Gabriela Morim de Lima, Flora Moana Van de Beuque, Natasha Neri, Sílvia

Monnerat e Mariana da Luz. Um agradecimento especial a Clarissa Menezes, que desenhou os

mapas que acompanham essa dissertação e a Maria Raquel Passos Lima e Paloma Espínola, que

revisaram o texto.

A Ana, Guilherme e Popó, minha família conquistada, que me acolheu na sua casa e em

suas vidas.

A Francisco que, como Edison Carneiro, “carrega consigo outros mundos que a

imaginação e os livros lhe meteram na cabeça”, e me leva pela mão a passear por eles.

Aos meus pais, Luiz Carlos e Terezinha, e meu irmão Leandro, com todo o meu amor.

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Sumário

Apresentação................................................................................................................................16

Capítulo 1

Edison Carneiro: um intelectual em permanente movimento................................................18

1.1 – O que importa é o povo: Edison Carneiro e os estudos de folclore......................................20

1.2 – Ô dai-me licença, Ô dai-me licença! Abre a porta, Que eu quero vir dançar: O lugar da

etnografia de Edison Carneiro no campo de estudos das religiões afro-

brasileiras.......................................................................................................................................23

1.3 - Está à mão, uma incrível macafuzada, e eu por nada no mundo o passaria à maquina:

Os arquivos de Edison Carneiro e a produção de sua memória.....................................................26

Capítulo 2

Edison Carneiro entre mundos

2.1 - To Edison, on the contrary, the “field” was his life as well………………………………….38

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2.2 - Das Religiões Negras para os Negros Bantos:

O lugar do trabalho de campo na trajetória de Edison Carneiro..................................................50

2.3 – Redes intelectuais e políticas da antropologia brasileira na década de 1930.......................67

2.4 - Crônica juvenil da maravilhosa Bahia: O encontro entre Edison Carneiro e Ruth

Landes............................................................................................................................................72

2.5 - Coligir notas, classificar dados, sistematizar o material recolhido:

Manual de pesquisa......................................................................................................................80

2.6 - A gente qué samba, Mas a poliça contrareia…

Por uma escrita militante......................................................................................................86

2.7 – Edison Carneiro mediador....................................................................................................91

2.8 - Conseguir um lugar ao sol para o negro banto da Bahia:

O II Congresso Afro-Brasileiro e a União das Seitas Afro-Brasileiras........................................99

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Capítulo 3

Edison Carneiro em campo

3.1 – Jogo de Pureza(s) e Impureza(s): dos “nagôs” para os “bantos”, dos “bantos” para os

“caboclos”, dos “candomblés de caboclo” para as “sessões de caboclo”....................................107

3.2 – As diversas maneiras, formas inesperadas, particularidades interessantes:

Da teoria para a etnografia...........................................................................................................115

3.3 – África no Brasil...................................................................................................................121

3.4 – Uma obra coletiva...............................................................................................................125

3.5 - O eminente scholar (e candomblezeiro) dr. Édison Carneiro.............................................137

Considerações Finais

Roteiro Lírico e Sentimental da “Cidade da Bahia” (e outros lugares por onde passou e se

encantou o poeta.........................................................................................................................143

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Anexos:

Anexo I: Textos de Edison Carneiro

Onde Judas perdeu as botas (1931)..............................................................................................146

Presente à mãe d‟água (1934)......................................................................................................149

Anexo II: Artigos de Edison Carneiro publicados em

periódicos....................................................................................................................................154

Referências...............................................................................................................................167

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Lista de Ilustrações

Figura 1: Dia do Folclore, ano de 1961. Edison Carneiro entregando flores a uma

baiana.............................................................................................................................................22

(Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro)

Figura 2: Documento de Edison Carneiro guardado no Arquivo Edison Carneiro do Museu de

Folclore Edison Carneiro. Ficha de um Terreiro de Umbanda produzida por Edison Carneiro para

a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro...............................................................................35

(Arquivo Edison Carneiro/ Bibllioteca Amadeu Amaral/ Museu de Folclore Edison Carneiro)

Figura 3: Doação da Coleção de Livros de Edison Carneiro para a Biblioteca Amadeu Amaral

(sem data). Vemos na fotografia a viúva de Edison Carneiro, Dona Magdalena Carneiro e seu

filho, Philon Carneiro. Na fotografia também estão retratados o Professor Bráulio do Nascimento

e a Diretora do Museu do Folclore Cláudia Márcia Ferreira.........................................................36

(Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro)

Figura 4: Edison Carneiro em seu escritório em casa, no bairro do Leblon, Rio de Janeiro.

Destaco a imagem de Exu em uma das prateleiras da estante, ao fundo da foto...........................37

(Acervo de Philon Carneiro)

Figura 5: Mapa 1: Alguns pontos da circulação cotidiana de Edison

Carneiro..............................48

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Figura 6: O grupo da Academia dos Rebeldes. Jantar oferecido a Edison Carneiro quando da

publicação de Religiões Negras, na noite de 27 de novembro de 1936, no restaurante Recreio

Baiano, Baixa dos Sapateiros, em Salvador. Sentados, da esquerda para a direita, Azevedo

Marques, João Cordeiro, Edison Carneiro, Jorge Amado e Clóvis Amorim; em pé, Áydano do

Couto Ferraz (à esquerda) e Alves Ribeiro....................................................................................49

(Acervo do Professor Waldir Freitas Oliveira. Publicada em Revista de Cultura da

Bahia./Secretaria da Cultura e Turismo do estado da Bahia. Conselho Estadual de Cultura – n.20

(2002)

Figura 7: Mapa 2: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o

livro Religiões Negras...................................................................................................................65

Figura 8: Mapa 3: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o

livro Negros Bantos......................................................................................................................66

Figura 9: Famosa foto publicada em muitos trabalhos de história da antropologia. Édison

Carneiro, Raimundo Lopes, Charles Wagley, Heloisa Alberto Torres, Claude Lévi-Strauss, Ruth

Landes, Luís de Castro Faria, no jardim do Museu Nacional em 1939.........................................71

(Publicada em Corrêa, Mariza. Antropólogas e Antropologia. Belo Horizonte, Editora UFMG,

2003).

Figura 10: Edison Carneiro em 1939, aos 26 anos de idade. Foto de Ruth Landes.

……………………………………………………………………………………………............78

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(National Anthropological Archives, Smithsonian Institution. Publicada em Colle, Saly. Ruth

Landes – A Life in Anthropology. University of Nebrasca Press, 2003).

Figura 11: Mapa 4: Circulação de Edison Carneiro com Ruth Landes........................................79

Figura 12: Mapa 5: Lugares de Realização dos Eventos que fizeram parte do Segundo Congresso

Afro-Brasileiro.............................................................................................................................106

Figura 13: Desenho de Edison Carneiro, publicada no livro Negros Bantos com a legenda

“Mappa do sul da Africa, vendo-se assignalados os principaes pontos de partida dos negros

bantus para o Brasil”....................................................................................................................114

Figura 14: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-

de-santo João da pedra Preta, do candomblé da Goméa”............................................................134

Figura 15: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-

de-santo Manuel Paim, do Alto do Abacaxi................................................................................135

Figura 16: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “A

paramenta official dos candomblés característicamente caboclos).............................................136

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Apresentação

Proponho aqui um exame da experiência etnográfica de Edison Carneiro (Salvador, 1912

– Rio de Janeiro, 1972) na cidade de Salvador dos anos 1930, entre pais e mães de santo de

terreiros de candomblé “nagô”, “banto” e “de caboclo” e mestres de capoeira, samba e batuque.

Reflito sobre como Edison Carneiro se iniciou na experiência do trabalho de campo e como

construiu sua relação com seus informantes.

Este autor circula ao longo de sua carreira entre mundos bastante diversos: as ciências

sociais e o folclore; a antropologia brasileira e a norte-americana; o universo dos intelectuais e o

universo nativo; o Rio de Janeiro e a Bahia. Encontrando em campo uma trajetória tão

heterogênea, tive de fazer algumas escolhas que me guiassem. Orientei-me entre a escrita de seus

livros e artigos de jornal, o material do Arquivo Edison Carneiro guardado no Museu de Folclore

Edison Carneiro e o trabalho de campo e entrevistas realizadas com pessoas que tiveram uma

inserção especial na trajetória pessoal de Edison Carneiro.

O primeiro capítulo da dissertação introduz um diálogo entre a minha própria experiência

de pesquisa com o material que encontrei no meu trabalho de campo e a experiência de pesquisa

do autor em seu trabalho de campo.

No segundo capítulo descrevo as redes de relação pessoal com as quais Edison Carneiro

esteve envolvido ao longo da década em foco: os intelectuais que de alguma forma participaram

do processo de institucionalização acadêmica da disciplina antropológica brasileira e os chefes

de culto de terreiros de candomblé de Salvador. Apresento também um evento singular, o

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Segundo Congresso Afro-Brasileiro organizado pelo autor em Salvador, no ano de 1937, no qual

promove um encontro entre essas duas redes de pessoas.

No terceiro capítulo busco refletir sobre como tais redes de relação pessoal e intelectual

irão repercutem na escrita dos seus textos, mas precisamente, dos seus dois primeiros livros,

Religiões Negras e Negros Bantos.

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Capítulo 1

Edison Carneiro: um intelectual em permanente movimento

A primeira vez que ouvi falar no nome de Edison Carneiro foi ainda no início do curso de

graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eu era bolsista de

iniciação científica em uma pesquisa sobre As Festas do Divino Espírito Santo, orientada pelo

Professor José Reginaldo Santos Gonçalves. O trabalho de pesquisa começou por uma leitura da

bibliografia sobre festas populares em que dividíamos, apenas para fins esquemáticos, os autores

que a produziram entre antropólogos, historiadores e folcloristas. A este último conjunto

pertenciam uma série de autores que não costumam ser lidos no curso de Ciências Sociais, dentre

eles, Edison Carneiro. Partimos para a leitura do livro de Luís Rodolfo Vilhena, o primeiro

grande estudo sobre esse grupo de autores, que renovou entre os estudiosos o interesse pelo

assunto e impulsionou uma série de pesquisas sobre cada um deles. Contudo, embora tais

folcloristas sejam lidos por Vilhena como um conjunto, possuem trajetórias e pensamento

bastante heterogêneos.

Eu passava tardes inteiras na Biblioteca Amadeu Amaral do Museu de Folclore lendo

textos sobre os mais diversos assuntos, de autores como Renato Almeida, Manuel Diégues

Junior, Alceu Maynard Araújo e do próprio Edison Carneiro. Sem saber ao certo o que devia

buscar nesses textos, procurei meu orientador pedindo que delimitasse melhor o que eu deveria

fazer na pesquisa, pois achava que estava perdendo tempo lendo tantos textos sem dar uma

direção mais específica a essas leituras. Ele me respondeu que é exatamente nesse momento em

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que nos vemos perdidos em meio ao material que estamos fazendo pesquisa de verdade. E ele

estava certo! A partir de então, a figura de Edison Carneiro destacou-se aos poucos, despertando

cada vez mais o meu interesse.

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1.1 – O que importa é o povo1:

Edison Carneiro e os estudos de folclore

A imagem de Edison Carneiro folclorista é uma das mais poderosas das que foram

produzidas sobre o autor. A atuação de Edison Carneiro mais destacada em suas biografias foi a

que se deu na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, como integrante do grupo de trabalho

que a estruturou; membro do conselho técnico, a partir do ano de 1958, quando foi instaurada

pelo governo de Juscelino Kubitschek, e Diretor-Executivo até 1964, quando passou a ser

perseguido pela ditadura militar (Carneiro já havia sofrido perseguições e prisões durante o

regime do Estado Novo de Getúlio Vargas) 2.

Estes “folcloristas” concebiam a “cultura popular” como objeto de uma preocupação

política: era preciso preservá-la para garantir a permanência da „identidade nacional”. Sua

atuação se deu de forma mobilizadora: conseguiram criar agências estatais, fizeram apelos à

imprensa, produziram publicações do movimento, realizaram congressos e festivais folclóricos

pelo país com grande número de participantes.

A formação do campo de estudos de folclore foi marcada por uma relação de permanente

tensão com as ciências sociais em fase de institucionalização acadêmica no Brasil, a partir da

figura de Florestan Fernandes e da escola paulista de sociologia, que se esforçou para definir o

formato dessas ciências e demarcar suas fronteiras.

Edison Carneiro foi uma das lideranças principais do movimento folclórico,

principalmente por suas pesquisas nas escolas de samba cariocas, a participação em congressos

1 Góes, 1971

2 Para um exame detalhado da trajetória dessas instituições, ver Cavalcanti e Vilhena, 1992; e Vilhena, 1997.

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que discutiam os rumos que estas deveriam tomar, as publicações sobre o assunto e sobre muitos

outros temas da “cultura popular”.

Edison Carneiro, dentre esse grupo dos folcloristas, aparecia como um dos mais atuantes,

uma liderança do grupo, incentivando debates, articulando congressos, apresentações,

publicações, mediando conflitos, conciliando diferenças.

É assim que ele aparece na fala de Vicente Salles, seu companheiro na Campanha de

Defesa do Folclore Brasileiro:

O Edison nos ensinou uma coisa importante, que era não só conviver com a

teoria, como conviver também com a prática, ele nos levava aos grupos

populares (...) escolas-de-samba, partido alto (...) ele nos proporcionava isso de

ir à fonte, de não ficar no gabinete, era do estilo dele de trabalho essa pesquisa

participante (...) o Edison nos impulsionava no sentido teórico e no sentido

prático (...) e os contatos que ele fazia, lá na nossa repartição a gente recebia os

pais-de-santo, e recebia também grandes figuras, Niemeyer, Luis Carlos Prestes,

a gente convivia com essas polaridades, com esses extremos, a vida dele era

uma vida de abertura pra todos os ângulos (...) Era aceito porque falava de igual

pra igual, tinha esse dom de ser um elemento aglutinador, ele falava bem, se

expressava bem e não impunha barreiras no seu contato com as figuras

populares, ele próprio era uma figura popularíssima3.

Ao mesmo tempo, foi ele quem esteve em diálogo mais próximo com Florestan

Fernandes, formulando o corpo teórico do que seria a ciência do folclore, uma vez que os

folcloristas eram acusados pelos cientistas sociais, entre outras coisas, de “anotadores

arbitrários”. Foi aí que ele chamou pela primeira vez a minha atenção. Se existia uma disputa de

campos e de identidades intelectuais, Edison Carneiro parecia transitar entre os dois lados.

3 Entrevista realizada com Vicente Salles, que integrou, junto a Edison Carneiro, a Campanha de Defesa do Folclore

Brasileiro.

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Figura 1: Dia do Folclore, ano de 1961. Edison Carneiro entregando flores a uma baiana

Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro

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1.2 - Ô dai-me licença,

Ô dai-me licença!

Abre a porta,

Que eu quero vir dançar4

O lugar da etnografia de Edison Carneiro no campo de estudos das religiões afro-

brasileiras

O segundo momento em que a figura de Edison Carneiro me foi apresentada foi durante a

leitura do livro A Cidade das Mulheres, da antropóloga americana Ruth Landes, que fez

pesquisas em Salvador entre os anos de 1938 e 1939. Ali novamente Edison Carneiro aparecia

em destaque, como um guia da antropóloga americana pelos terreiros de candomblé de Salvador,

numa relação que parecia bastante íntima com mães, pais, filhas e filhos de santo. Comecei a

pensar que, além de folclorista e talvez cientista social, ele também era de alguma forma um

“nativo”. E uma frase que ouvi durante as aulas que discutiram esse livro no meu curso de

graduação não saiu de minha cabeça: “Edison Carneiro foi um etnógrafo, mas morreu como

folclorista”. O que será que estava em jogo nessas classificações?

Na mesma ocasião li os livros de Beatriz Góis Dantas e Stefania Capone, sobre a

“construção da pureza nagô”. Com isso, revelou-se mais uma face do autor, que até então eu

pouco conhecia e não conseguia compreender muito bem: mais uma vez, como parte de um

grupo de autores, os fundadores do campo dos estudos afro-brasileiros, ao lado de outros de

quem já tinha ouvido falar bastante: Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Roger Bastide, Pierre

Verger. Uma das primeiras referências em sua biografia para a qual se chama atenção é a

organização do II Congresso Afro-Brasileiro em Salvador, em 1937, um congresso que dava

4 Cantiga do “caboclo Ogum” recolhida por Edison Carneiro na “sessão de caboclo” de Carmosa.

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sequência ao I Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Gilberto Freyre em Recife, alguns

anos antes. Gilberto Freyre já havia publicado Casa-Grande & Senzala e Edison Carneiro, com

apenas 24 anos, já travava um diálogo intenso com o sociólogo. Se, por um lado, o lugar de

Edison Carneiro nas Ciências Sociais ganhava para mim uma nova dimensão – de “peso”‒ já que

figurava como um dos fundadores de um campo de estudos, por outro, as mesmas autoras que

me chamaram atenção para isso pareciam-me dar por encerrado qualquer possível interesse na

obra do etnógrafo.

Essa é outra das imagens mais fortes que foram produzidas sobre o autor. Seguindo a

análise já clássica de Beatriz Góis Dantas do tema da construção da “pureza nagô”, Carneiro tem

sido genericamente lido como parte de um conjunto amplo de pesquisadores que estariam

comprometidos com a construção e valorização do que seria a tradição nagô ou ioruba, e com a

consequente desvalorização de outras tradições religiosas, principalmente as identificadas como

bantos ou caboclos (Dantas, 1988; Silva, 1992 e 1995; Santos, 1995; Healey, 1996; Capone,

2004; Nucci, 2005). Essas leituras exploram as alianças que teriam se estabelecido entre tais

pesquisadores e os chefes de culto dos três terreiros de candomblé tidos como os mais antigos da

Bahia: O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho (Sociedade São Jorge do Engenho Velho

ou Ilê Axé Iyá Nassô Oká), o Terreiro do Gantois (Sociedade São Jorge do Gantois ou Ilê Iyá

Omi Axé Yamassê) e o Centro Cruz Santa do Axé do Opó Afonjá (Ilê Axé Opô Afonjá), os dois

últimos nascidos de cisões do primeiro.

Porém, em seus textos escritos sobre o II Congresso Afro-Brasileiro, ele enfatizava o lugar

de destaque dos pais de santo nas mesas de discussão, não só os de terreiros de candomblé nagô,

mas também bantos e caboclos. A partir do II Congresso Afro-Brasileiro, Carneiro buscou

incentivar a congregação dos chefes de cultos brasileiros de origem africana (tal qual os definia)

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em torno de uma associação que unificasse as lutas pelas suas reivindicações – a União das

Seitas Afro-Brasileiras. O congresso contou com a participação, em presença ou com o envio de

comunicações, de boa parte dos intelectuais brasileiros que se preocupavam com o tema das

relações raciais, além de norte-americanos, cubanos e nigerianos; das lideranças de terreiros de

candomblé de tradições diversas e mestres de capoeira, samba e batuque, tanto participando das

mesas de discussão, quanto organizando apresentações, festas e festivais para os congressistas.

Tal empreendimento do congresso nos anos 1930 pareceu-me uma experimentação interessante.

Em alguns de seus escritos, Carneiro parecia de fato um defensor da “pureza nagô”, um

teórico evolucionista, o que me provocava certo desânimo. Como dar conta desse incômodo?

Talvez fossem as minhas próprias ambiguidades em relação ao meu campo que mostravam-se

explícitas. Em outros lugares, a sua escolha por categorias como “rebeldia”, “beleza”,

“importância”, para falar de alguns pais de santo de terreiros de caboclo, e, da mesma forma, a

categoria “tirania” para falar de mães de santo de terreiros nagô, reacendiam meu interesse. Não

por inverterem o discurso da pureza, mas porque mostravam que as relações cotidianas entre ele

e cada um desses sujeitos ganhavam espaço em meio às teses mais generalizantes, produzindo

uma escrita dividida contra si mesma.

Seus textos insistiam em me fazer questionar essa imagem fixada. Neles, teoria e

etnografia se articulam de forma complexa: se, de um lado temos a tese da “pureza nagô”, de

outro, temos sua autoria, que é singular.

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1.3 - Está à mão, uma incrível macafuzada, e eu por nada no mundo o passaria à maquina:5

Os arquivos de Edison Carneiro e a produção de sua memória

Depois de ler a maior parte de seus livros, continuei a pesquisa, buscando nos seus

arquivos documentos de outras naturezas.

O arquivo Edison Carneiro do Museu de Folclore Edison Carneiro, no bairro do Catete, no

Rio de Janeiro, indexado no acervo dos folcloristas da Campanha de Defesa do Folclore

Brasileiro, é composto de três caixas. A primeira delas contém manuscritos e primeiras versões

de textos, publicados por ele em sua maioria, outros publicados após a sua morte, e alguns

poucos inéditos; na segunda está sua correspondência expedida e recebida entre 1941 e 1971,

quase toda referente às atividades na CDFB; e na terceira, pareceres de leitura e documentos dos

mais variados: convites para eventos, certificados, mandados de busca e apreensão, documentos

de sua aposentadoria, contratos, recortes de jornal.

A informação que se tinha no Museu do Folclore, onde está guardado o acervo, é a de que

ele fora doado pela Fundação Casa de Rui Barbosa onde estava antes disso, mas não havia

nenhuma documentação referente a essa doação. Só se sabia disso por haver um carimbo da

fundação em um documento de Pedro Nava que veio por engano no conjunto. Procurei reunir

mais pistas da trajetória desse arquivo em entrevistas com a diretora do Museu de Folclore,

Cláudia Márcia Ferreira e com uma funcionária antiga da Casa de Rui Barbosa, Eliane

Vasconcelos. Mesmo assim não conseguimos encontrar documentos ou datas da doação. A

história que se contava era que a viúva de Edison Carneiro quis doar o arquivo para a Fundação

Casa de Rui Barbosa, pois o diretor responsável na época, Plínio Doile, era amigo da família.

5 Edison Carneiro, em carta a Arthur Ramos, sobre um “vocabulário maluco nagô-português” em que estava

trabalhando. (Oliveira e Lima, 1987)

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Quando a atual diretora do Museu de Folclore assumiu o cargo, os arquivos foram depositados lá

definitivamente. Dos livros de Edison Carneiro, ele próprio levou muitos para a Biblioteca

Amaral, quando de sua fundação, em 1961, para iniciar a formação de seu acervo. Já na década

de 1990, seu filho Philon fez a doação dos restantes. O arquivo encontra-se atualmente em fase

de digitalização, como parte dos preparativos para a comemoração do centenário de Edison

Carneiro, que se aproxima. A funcionária responsável pelo arquivo contou que nos últimos cinco

anos a procura desses documentos por pesquisadores cresceu enormemente.

Os arquivos do Museu de Folclore foram produzidos com uma marca fortemente

profissional, oficial e formal. Eu me perguntava o quanto este controle partiu da família que

selecionou o que deveria ir para o Museu e o que não deveria, ou dos responsáveis pela

organização do arquivo no Museu de Folclore, já que sua própria história, em certa medida, se

confunde com a de Edison Carneiro. Não há quase nada nesta coleção que se aproxime de um

arquivo “pessoal”: cartas, diários, fotografias de família, ou mesmo cadernos de campo. Alguns

dos artigos que poderiam ser lidos como um diário de campo foram organizados por Vicente

Salles numa publicação póstuma, o livro Folguedos Tradicionais, em 1974.

O fato me levou a continuar a busca nos arquivos das instituições de pesquisa de Salvador,

sua cidade natal ‒ o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, o Arquivo Público da Bahia, o

Arquivo Histórico Municipal, a Biblioteca Pública do Estado da Bahia e a Fundação Casa de

Jorge Amado. A única coisa que encontrei foram os jornais da época em que escrevia. Estava

interessada também no restante de sua biblioteca e em possíveis anotações suas nas páginas dos

livros. Imaginei que parte deste material teria ficado com a família.

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Resolvi, então, iniciar o contato através do historiador Waldir Freitas Oliveira, que eu

soubera ter sido seu amigo6. Consegui seu telefone com a secretária do Centro de Estudos Afro-

Orientais da Universidade Federal da Bahia, do qual ele é um dos fundadores, e marcamos um

encontro. O professor me recebeu em sua casa em Camaçari (Salvador), em uma manhã de sol

para contar suas tantas histórias, numa conversa na varanda sob a sombra das árvores de seu

quintal.

Foi aí que descobri que não poderia mesmo ter encontrado o material que estava

procurando:

Os livros dele... foi uma história terrível. Ela [Magdalena] se mudou pra Bahia,

trouxe os livros, o caminhão tombou no caminho, os livros se perderam. O que

restou tá tudo no Museu Edison Carneiro lá no Catete. (Entrevista com Waldir

Freitas Oliveira).

A parte do material guardado por Edison Carneiro que não se perdeu ou não está no Museu

de Folclore foi deixado por sua viúva aos cuidados de Waldir: sua coleção da revista O

Momento, publicação de sua juventude; um álbum com artigos publicados em jornal, guardados

e anotados por ele; e outros manuscritos de textos não publicados.

À medida que fui mergulhando nos arquivos do Museu de Folclore, pude perceber que

Edison Carneiro realizou um intenso arquivo de si, selecionando, organizando e documentando

seu passado. Há alguns traços bem marcados em relação aos documentos que guardou. A

primeira marca é a profissional. São contratos de trabalho, referências a pagamentos de artigos

encomendados, pareceres de leitura, convites para palestras, congressos ou para escrever artigos,

pagamentos de passagens, estadia, ajuda de custo e honorários para congressos, reuniões,

6 Infelizmente não tive a oportunidade de encontrar Vivaldo da Costa Lima, que, como Waldir Freitas Oliveira, foi

fundador do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia e grande amigo de Edison

Carneiro. O Professor Vivaldo encontrava-se hospitalizado na ocasião de minha visita a Salvador.

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palestras. Aparecem referências de muitas viagens a vários lugares, principalmente à Bahia. A

segunda marca é a de um grande articulador que movimentava debates, publicações, discussões e

críticas. Ele publicou muitas críticas de artigos e livros e procurava estabelecer uma

comunicação intensa com outros autores. Estava sempre lendo muito, comentando, criticando,

publicando, enviando, recebendo e pedindo livros. Também escrevia às editoras propondo

publicações de livros, artigos e coleções. A terceira é a de um autor muito cioso da circulação de

seus textos: mandava exemplares de seus livros e artigos para as pessoas, acompanhava se estava

sendo citado, publicado, lido e comentado. Há muitas cópias de cartas expedidas reivindicando o

pagamento de publicações não autorizadas e de direitos autorais. Há também muitos artigos

publicados em jornais de ampla circulação ou revistas especializadas, destacados e guardados

por ele em pastas, tendo anotados à mão a data e o veículo de publicação.

O resultado de tanta movimentação é a publicação de cerca de vinte livros que poderiam

ser classificados nas áreas de literatura, história, etnografia ou folclore, todos marcados por esse

interesse pela “religião” e pela “cultura popular”, e muito fortemente também por suas

preocupações de militante comunista: Lenita (com Dias da Costa e Jorge Amado), em 1931;

Religiões Negras, em 1936; Negros Bantos, em 1937; Castro Alves – Ensaio de compreensão,

em 1937; Guerra de Los Palmares (edição mexicana) e O Quilombo dos Palmares (edição

brasileira), em 1947; Trajetória de Castro Alves, em 1947; Candomblés da Bahia, em 1948;

Antologia do Negro Brasileiro, em 1950; Dinâmica do Folclore, em 1950; Linguagem Popular

da Bahia, em 1951; O Folclore Nacional, em 1954; A Cidade de Salvador, em 1954; A

Conquista da Amazônia, em 1956; O Negro em Minas Gerais, em 1956; A Sabedoria Popular,

em 1957; A Insurreição Praieira, em 1960; Ladinos e Crioulos, em 1964; Dinâmica do Folclore

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(edição ampliada), em 1965 (além de duas publicações póstumas, Folguedos Tradicionais7, em

1974 e Ursa Maior8, em 1980). Além da escrita dos livros, organizou congressos e publicou,

desde os dezesseis anos de idade, um volume surpreendente de artigos, tanto em jornais de ampla

circulação, como em revistas especializadas e acadêmicas, além de verbetes para enciclopédias e

dicionários.

Para me situar em meio à tão extensa produção, produzi um ensaio da bibliografia de

Edison Carneiro (que segue em apêndice) no qual tento acompanhar a publicação de tantos

artigos. Parti de um mapeamento produzido por Gilfrancisco, autor que publicou em coletânea

as poesias escritas por Edison Carneiro na adolescência (Gilfrancisco, 2006). Incluí os registros

reunidos na hemeroteca da base de dados digital da Biblioteca Amadeu Amaral. Certamente a

lista permanece incompleta, mas já dá uma idéia das tantas áreas e assuntos sobre os quais

escreveu. Ele não foi um intelectual facilmente classificável a partir de nenhuma identidade

disciplinar, no entanto, procurou costurar as suas tantas áreas de interesse a partir de uma

categoria que seria englobante: povo.

Bacharel em direito como todo mundo (...) tenho trabalhado em história,

etnografia e folclore e um pouco (muito pouco) em literatura. Em todos esses

campos do saber o que me importa é sempre o povo – as suas vicissitudes, as

suas expectativas, as suas esperanças. Usando esta ou aquela técnica de

trabalho, procuro sentir o povo lutando e sofrendo por construir uma nação e

uma cultura. (Entrevista de Edison Carneiro a Tânia Góes, “Gente muito

especial”. Rio de Janeiro, Correio da Manhã 28/03/71).

Dentre tantas possibilidades de material, escolhi trabalhar com um período delimitado da

trajetória de Edison Carneiro, a década de 1930, em relação ao qual lanço a hipótese de que é o

7 organizada por Vicente Salles

8 organizada e publicada pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia

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período de formação de sua subjetividade, em que vão sendo desenhadas as atitudes que vão

marcar toda a sua atuação.

Uma diversidade de materiais produzidos pelo autor no período em questão permite situar

sua experiência de pesquisa e entrever a realização das construções que realizou de si. A

produção de então concentra-se principalmente em pesquisas em terreiros de candomblé (por

isso priorizo aqui suas análises sobre a religião). Tal escrita apresenta a sua reelaboração

particular desta experiência de pesquisa e nos fornece uma entrada no mundo de santo da

“Cidade da Bahia” dos anos 1930 (aquela que nos é guiada por ele, uma das entradas entre tantas

possíveis).

Em 1936 foi publicado seu primeiro livro, Religiões Negras, e, em 1937, o segundo,

Negros Bantos, ambos pela Biblioteca de Divulgação Científica, dirigida por Arthur Ramos, na

Editora Civilização Brasileira. Pela mesma coleção saiu também o volume O Negro no Brasil,

que reúne as comunicações apresentadas no II Congresso Afro-Brasileiro, organizado por Edison

Carneiro em Salvador, no ano de 1937. Ao longo do processo de escrita dos livros é intensa a

troca de correspondência entre Edison Carneiro e Arthur Ramos, ou, pelo menos, é intenso o

envio de cartas de Carneiro para o mesmo. Esta correspondência foi publicada, atendendo a uma

sugestão da viúva, Magdalena Carneiro, por Waldir Freitas Oliveira e Vivaldo Costa Lima,

respectivamente historiador e antropólogo da Universidade Federal da Bahia e amigos próximos

do casal. Os dois autores incluíram na publicação uma introdução e extensos comentários

relativos a cada uma dessas cartas.

Fiz pesquisas também no Arquivo Arthur Ramos vendido à Biblioteca Nacional em 1956,

parte pela sua viúva Luiza Ramos, parte pela UFRJ. O arquivo soma uma das mais extensas

coleções sob a guarda da Divisão de Manuscritos da BN. São cerca de cinco mil documentos. A

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consulta é facilitada com um Inventário Analítico do arquivo, publicado em livro, que lista os

nomes dos interlocutores, datas das cartas e documentos e um resumo do conteúdo de cada um

deles. Toda a movimentação de Arthur Ramos entre as redes políticas e institucionais do campo

da antropologia de sua época podem ser acompanhadas pela documentação guardada ali.

Algumas características da biografia de Edison Carneiro parecem especialmente

significativas no processo que estou chamando de “formador de sua subjetividade”. Procurei

refletir sobre os sentidos que ele confere para cada uma delas em sua narrativa. O autor não

produziu nenhum relato autobiográfico. Nessa direção encontrei algumas de suas respostas à já

citada entrevista de jornal, raros documentos que se aproximam de um diário de campo em seu

arquivo e alguns textos em que ele de alguma forma comenta suas experiências de pesquisa.

Neste sentido, destaco as correspondências trocadas com Ruth Landes, Vivaldo da Costa Lima e

Hildegardes Viana9 (no que diz respeito às suas pesquisas de campo entre terreiros de candomblé

de Salvador, que são o objeto de meu interesse). Em muitos dos textos, Edison Carneiro procura

se retirar da situação que descreve. Ele não é um autor que constrói sua narrativa na primeira

pessoa, refletindo sobre suas experiências num diário, tecendo impressões sobre seus encontros

etnográficos e sobre as situações que enfrenta em campo. Acompanhei quais foram os lugares

por onde ele passou e quem foram as pessoas com quem travou relações ao colocar em diálogo

os seus livros, seus artigos de jornal e sua correspondência. Por outro lado, seus companheiros de

juventude privilegiam em suas falas a circulação de Edison em campo, construindo-o a partir de

uma imagem de intimidade com o universo afro-brasileiro de Salvador. Várias imagens do

etnógrafo circulando em campo – para além daquela que entrevemos em seus textos ‒ são

desenhadas afetivamente por Ruth Landes e pelos seus companheiros de juventude, em artigos

publicados em jornais.

9 Todos estes conjuntos de documentos estão guardados nos arquivos do Museu de Folclore Edison Carneiro

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Tive a oportunidade de me encontrar com algumas pessoas que têm uma inserção

bastante especial na biografia de Edison Carneiro: o Professor Waldir Freitas Oliveira,

historiador baiano, que foi grande amigo de Edison Carneiro; os Professores Bráulio do

Nascimento e Vicente Salles, seus companheiros na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro.

Tive também alguns encontros bastante emocionado com o filho de Edison Carneiro, Philon

Carneiro.

Procurei imaginar os possíveis diálogos entre todas as imagens do autor que vão sendo

produzidas ao olhá-lo de diferentes ângulos: a construção de si, as falas de seus companheiros de

juventude no momento em que transcorrem os acontecimentos em foco, as falas de seus amigos e

de sua família produzidas posteriormente, as leituras dos textos de Edison Carneiro

empreendidas pela literatura antropológica e historiográfica, o material guardado em seu arquivo.

Este pesquisador foi ao longo da vida chamado de etnógrafo, folclorista, historiador,

jornalista, comunista, africanista, e escreveu trabalhos que poderiam ser classificados em todas

essas áreas. Escreveu principalmente sobre religiões afro-brasileiras, samba, escolas de samba,

capoeira e arte popular, mas também sobre a história da escravidão, a história da cidade de

Salvador, os abolicionistas, Castro Alves, os quilombos, os estudos de folclore, a linguagem, as

danças, as festas populares, e mais centenas de textos de crítica literária e resenhas das

publicações que saíam em todas essas áreas de seu interesse. Uma das imagens mais fortes que

ficou de meu trabalho de campo foi a de Philon Carneiro lembrando de seu pai, que acordava e,

ainda de cuecas, ia pro seu escritório em casa escrever durante a manhã inteira antes de ir pro

trabalho. Chama atenção também em seu arquivo não só o quanto ele publicava, mas também o

enorme número de convites que recebia para dar palestras, cursos, aulas e participar de

congressos nacionais e internacionais, em universidades e institutos de folclore. Ao longo da

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vida trabalhou também como jornalista, tradutor, foi funcionário público do SESI, professor de

folclore da Biblioteca Nacional, e Diretor Executivo da Campanha de Defesa do Folclore

Brasileiro A movimentação de Edison é intensa e ele está exercendo atividades tanto com a

UNESCO, por exemplo, e ao mesmo tempo recebendo o convite para ser jurado num concurso

que escolheria a “Miss Escurinha da Guanabara” (1961).

Eu tentei desenhar um panorama amplo desses espaços de circulação que foram

aparecendo pra mim ao entrar em contato com seus arquivos e conversar com algumas pessoas

em meu trabalho de campo, que me contaram suas memórias e histórias do Edison Carneiro. O

que me chamou mais a atenção na trajetória do Edison Carneiro foi essa característica da

movimentação, do trânsito, da circulação entre esses muitos universos diferentes - o quanto vai

construindo cada um desses universos ao passar por eles e o quanto constrói a si mesmo, narra a

sua história a partir de cada um desses lugares.

Carneiro tem sido lido a partir de óticas que tentam enquadrá-lo ora como um partidário

da tese da “pureza nagô”, um etnógrafo que não conseguiu acesso à universidade, um folclorista,

ora um militante, e até mesmo um “candomblezeiro”. Procuro perceber seu trânsito entre essas

dimensões, que é justamente o que confere especificidade à sua obra. Carneiro transita de forma

mais ou menos tensa e mais ou menos controlada entre todos esses universos: os intelectuais, as

instituições acadêmicas, o jornalismo, os pais e mães de santo de terreiros de candomblés

“nagôs”, “bantos” e “caboclos” e os mestres de capoeira, samba e batuque. Ele parece jamais se

identificar inteiramente com algum desses universos dentro dos quais circula. Seus textos

emergem dessa tensão, repercutindo as diversas relações de troca às quais está vinculado.

Nenhuma dessas leituras me parece ter lançado um olhar mais atento sobre eles. É a isso que

tento me dedicar aqui.

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Figura 2: Documento de Edison Carneiro guardado no Arquivo Edison Carneiro do Museu de Folclore

Edison Carneiro. Ficha de um Terreiro de Umbanda produzida por Edison Carneiro para a Campanha de

Defesa do Folclore Brasileiro

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Figura 3: Doação da Coleção de Livros de Edison Carneiro para a Biblioteca Amadeu Amaral (sem data).

Vemos na fotografia a viúva de Edison Carneiro, Dona Magdalena Carneiro e seu filho, Philon Carneiro.

Na fotografia também estão retratados o Professor Bráulio do Nascimento e a Diretora do Museu do

Folclore Cláudia Márcia Ferreira.

Acervo Áudio-Visual do Museu de Folclore Edison Carneiro

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Figura 4: Edison Carneiro em seu escritório em casa, no bairro do Leblon, Rio de Janeiro.

Destaco a imagem de Exu em uma das prateleiras da estante, ao fundo da foto.

(Acervo de Philon Carneiro)

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Capítulo 2

Edison Carneiro entre mundos

2.1 - To Edison, on the contrary, the “field” was his life as well10

Algumas marcas da biografia de Edison Carneiro apresentam-se como especialmente

significativas no processo que aqui chamo, como já dito, de “formador de sua subjetividade”. No

presente capítulo, busco refletir sobre os sentidos que ele lhes confere em sua narrativa.

Na narrativa de Edison Carneiro de sua experiência etnográfica, o encontro inicial com o

universo dos terreiros de candomblé e rodas de samba, capoeira e batuque da cidade de Salvador,

irá ocorrer a partir da relação com seu pai:

Meu pai sempre foi um estudioso, e rodeado do seu talento, desenvolvi dentro

de mim uma curiosidade imensa para pesquisar coisas importantes. Fui sempre

envolvido pelo folclore. (entrevista de Edison Carneiro a Tânia Góes, “Gente

muito especial”. Rio de Janeiro, Correio da Manhã 28/03/71).

Antonio Joaquim de Souza Carneiro era professor da Escola Politécnica e um intelectual

de prestígio na Bahia de então. Seu interesse por outras áreas além da engenharia faziam dele

uma figura bastante peculiar. Escreveu dois romances, Furundungu e Meu Menino, usando

negros como personagens principais; um estudo sobre mitos africanos no Brasil, resultado de

suas pesquisas “coletando fatos folclóricos na capital e no interior do estado” (Oliveira e Lima,

10

Landes, 2002.

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1987); estudou também ocultismo e esoterismo e foi dono de uma vasta biblioteca em que

constavam títulos de todos esses campos.

Não encontrei nada indicando que Edison tenha ou não acompanhado seu pai nessas

viagens de coleta, ou mesmo que frequentasse com ele os terreiros ou festas populares da Bahia.

Mas sem dúvida seu envolvimento inicial com o universo afro-brasileiro foi influenciado por seu

pai e pelo ambiente da casa em que cresceu, de férteis discussões intelectuais e políticas.

Essa imagem de Souza Carneiro foi desenhada pelos companheiros mais próximos do

filho, jovens para quem a figura do velho professor e o ambiente de sua casa são descritos como

aglutinadores de suas primeiras movimentações na cena cultural, política e intelectual de

Salvador. O componente do grupo que mais se destacou, Jorge Amado, constrói uma memória

afetiva na qual Edison Carneiro, seu pai e a casa da família na Rua dos Barris ocupam lugar

especial, tanto na sua iniciação no universo da cultura popular e dos candomblés baianos, que

viriam a ser os cenários principais de seus romances, como também na agitação política, que

marca toda a sua trajetória. Amado dedica seu discurso de posse na Academia de Letras da

Bahia, no ano de 1985, a apresentar-se antes de tudo como um membro da Academia dos

Rebeldes.

O Professor Souza Carneiro, fascinante personagem, digno das páginas de um

romance, progressista e batalhador. Catedrático da Escola Politécnica, substituía

qualquer professor, ministrando as mais diversas matérias. Senhor de

imaginação e de magia, um mestre da vida, cujo nome pronuncio com ternura e

com saudade. Souza Carneiro era uma espécie de papa das doutrinas esotéricas

e das ciências ocultas da Bahia. Em sua ampla residência nos Barris, alcunhada

de Brasil – por enorme, desorganizada e entregue às baratas – nos abrigamos, os

rebeldes. O Professor Souza Carneiro não nos olhava com suspeita nem com

reserva; ao contrário, dava-nos caloroso apoio, compartilhava de nossas

inquietações, sustentava nossa batalha, em sua casa nos Barris, pobre e

misteriosa. O professor, segundo afirmava, escondia no quintal um avião – um

avião sim senhores – que lhe serviria para controlar do alto dos céus as

próximas eleições, às quais pretendia concorrer, candidato à deputado pela

oposição. Nunca me foi dado ver o aparelho, bem camuflado certamente no

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mataral do terreno, mas quem iria duvidar que ele estivesse ali, pronto para

decolar? (Amado, 1985).

A casa da Rua dos Barris, que, de tão grande, recebeu o nome de Brasil, uma

casa alugada, cujo quintal deu um loteamento, e onde ingenuamente

tramávamos à luz de velas. Galinhas invadiam a sala, os sem-teto que moravam

no porão vinham pedir café e Edison num pobre pijama ralo, um cigarro

Colomy no queixo, batia à máquina, imperturbável. (Ferraz, 1972).

A Academia dos Rebeldes pode ser vista como um dos muitos movimentos modernistas

que explodiram no Brasil dos anos 1920. Reuniu romancistas, poetas, escritores: o etnógrafo

Edison de Souza Carneiro (1912-1972), o romancista Jorge Amado de Faria (1912-2001), o

poeta Sosígenes Marinho Costa (1901-1968), o poeta e depois dirigente comunista, Áydano

Pereira do Couto Ferraz (1914-1985), Raulino Walter da Silveira (1915-1970), o fundador do

Clube de Cinema da Bahia, em 1950, João de Castro Cordeiro (1905-1938), o romancista Clovis

Gonçalves Amorim (1912-1970), o sonetista piauiense, José Severiano da Costa Andrade (1906-

1974), o poeta cronista José Alves Ribeiro (1909-1978), os poetas José Bastos (1905-1937) e De

Souza Aguiar, o contista Oswaldo Dias da Costa (1907-1979), Otávio Moura e João Amado

Pinheiro Viegas (1865-1937) (Gilfrancisco, 2008). Era um espaço de discussão, produção

literária, crítica modernista, valorização do nacional e da cultura popular. Reunidos por sua

afinidade na crítica às academias de letras e na busca pelo universo da cultura popular de

Salvador, que opõem ao cotidiano das elites do “pobre mundo burguês” da cidade que batizam

de “Lixópolis”. Seus encontros aconteciam em lugares que iam desde sebos e livrarias até a uma

tenda espírita, passando por bares de Salvador ou a casa da família Souza Carneiro. O grupo

movimentava publicações em jornais, revistas e suplementos literários (todas de curtíssima

duração ‒ de poucos meses a no máximo um ano - por terem sido censuradas ou por não terem

recursos para se manter).

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A Academia dos Rebeldes foi muito pouco estudada, e dela restam pouquíssimos

documentos11

. Encontrei alguns artigos de jornal assinados por seus membros Jorge Amado e

Áydano do Couto em que falam sobre ela, além das memórias de Jorge Amado. Seu registro

mais expressivo foi a revista O Momento, principal publicação do grupo, que circulou entre julho

de 1931 e julho de 1932 , totalizando nove números. Tive acesso pela primeira vez à coleção

completa da revista na casa do Professor Waldir Freitas Oliveira, que guarda a coleção que

pertenceu ao próprio Edison Carneiro. Na Biblioteca Nacional também há uma coleção

completa.

O projeto editorial e gráfico de O Momento me parece bastante semelhante ao de outras

publicações independentes da época. Ela é feita principalmente de artigos, pequenas notas,

crônicas, poesias, contos e fotografias, alguns assinados, outros não, dos próprios membros da

Academia dos Rebeldes (muitos dos textos e poesias dedicados de um para outro membro) e

mais anúncios de seus livros e dos de Souza Carneiro a serem publicados. Em meio a eles, e

provavelmente o que sustentava a produção, publicação e circulação da revista, propagandas das

mais variadas: lojas de roupas femininas, cinemas, promoções, médicos, dentistas, pastas de

dente, funerárias, produtos de fotografia, concursos, livrarias, casas lotéricas, padarias,

pastelarias, cafés, sabonetes, móveis, casas de penhores e dos bares e restaurantes que

costumavam frequentar (talvez trocados por suas contas de jantares e comemorações); também

curiosas notícias de coluna social, fotos de eventos e pessoas, notas de aniversários, casamentos,

nascimentos, falecimentos.

Além da revista, Edison publicou no mesmo período em outros jornais e revistas de

circulação corrente e outros de curtíssima duração. Tem início aí uma longa carreira como

11

Encontrei alguns comentários em Gilfrancisco 2008, Freitas e Oliveira 1987, além da entrevista que realizei com o

Professor Waldir Oliveira.

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jornalista. Na mesma época se filia ao Partido Comunista: “do grupo dos rebeldes, não era ele só

que era comunista. Entraram no partido no mesmo dia, Edison, Jorge, Áydano e Reginaldo

Guimarães, todos eles entraram juntos” – destacou o Professor Waldir Freitas Oliveira em nossa

longa conversa. Dentre os tantos retratos que se pode pintar de Edison Carneiro, o de militante

comunista foi o que saiu com as cores mais fortes nas histórias deste seu velho amigo.

É nesta atividade já intensa de escrita que ele está envolvido enquanto cursa a Faculdade

de Direito de Salvador. Sua atividade intelectual se reflete numa extensa produção escrita,

mesmo contando tão pouca idade. Assim, para o grupo dos rebeldes ele aparece como a figura de

seu pai, como uma referência intelectual:

Havia lido quase tudo e, por isso, sabia de muita coisa, sendo capaz de atender,

à tarde, em sua mesa do “Bahia-Bar”, as variadas consultas dos mais jovens

contemporâneos da faculdade, diante dele colocados na condição de discípulos.

Veio daí o seu apelido de “Mestre Antigo”. (Ferraz, 1980).

Em alguns desses primeiros textos, Edison Carneiro escreve como cronista, contista, poeta.

A “Cidade da Bahia” é o cenário de suas poesias de adolescência, e as religiões afro-brasileiras

formam o universo que povoa o seu imaginário12

.

Ameaça

-Meu anjinho,

não me despreze...

olhe, veja lá

se você não me quiser...

eu não me mato, não!

Mas vou

ao Pau Miúdo

e trago,

para botar na sua porta

uma coisa feita

dessas que fazem

12

Essas poesias foram publicadas recentemente em uma coletânea (Gilfrancisco, 2006).

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morrer de amor,

preparada,

minha beleza, pelas mãos

do grande mago

Jubiabá!13

Essa forma de elaborar a escrita não vai mais ser encontrada em seus textos posteriores,

em que ele aparece cada vez mais preocupado em fazer jus à rubrica do etnógrafo cientista.

Além de ser a referência intelectual do grupo, os “rebeldes” contam as histórias de

Edison apontando-o como o grande intermediário entre as duas “cidades” em que dividem

Salvador: uma, a do pobre mundo burguês, outra, a dos risos, cantos, danças e mistérios afro-

brasileiros. O artigo de Jorge Amado, escrito na ocasião de lançamento do livro Religiões Negras

nos sugere que o trabalho de campo de Edison Carneiro não se dá nos moldes das etnografias

clássicas, a imersão em uma outra sociedade exótica e distante.

O jovem feiticeiro

Sentimental, se estendeu pela sua Cidade, amando as suas ruas, as suas

festas, os seus costumes, as suas casas coloniais, farreando nas festas do

Bonfim, correndo os candomblés, se espedaçando no carnaval religioso da

Bahia, olhando com olhos compridos todas as suas meninas. Rapaz estranho,

esse. Leva na sua alma a alma mística e sensual da Cidade da Bahia, corre as

suas ruas de nomes poemáticos e doces, é, por assim dizer, o seu filho mais

amado. Noutra época menos angustiosa que a nossa, Edison Carneiro não seria

ensaísta. Seria o grande poeta desta Cidade da Bahia de Todos os Santos.

Eterno cicerone que leva os amigos aos pais de santo, aos onze anos

estudava ocultismo, se debruçava dias e dias na biblioteca de seu pai (...) aos

doze hipnotiza, aos quatorze já é o maior amante da Cidade da Bahia. Corre pela

Cidade, se dá com todo mundo, carrega consigo um outro mundo que a

imaginação e os livros do pai lhe meteram na cabeça. Tudo que o cerca, é irreal:

a Cidade secular com os seus candomblés e as suas feiras, os livros de

ocultismo, os olhos das mulatas.

(...) Com a raça africana da Bahia, ele sofreu, ele riu em grandes

gargalhadas, ele dançou nas macumbas, comeu comidas de estranhos nomes,

amou. (...) Não fala um estudioso das Religiões Negras. Fala um membro das

13

Poesia de Edison Carneiro. Publicada originalmente na coluna Musa Capenga, do jornal A Noite, de Salvador, em

22 de outubro de 1928 (Gilfrancisco, 2006).

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religiões negras que é ao mesmo tempo um dos sujeitos mais cultos do Brasil.

(Amado, 1936).

Assim, a imagem do etnógrafo construída pelos companheiros é muito identificada com o

universo nativo. Mas na escrita do próprio Edison Carneiro, isso nem sempre surge dessa forma.

Diante das duas diferentes perspectivas eu me perguntava: qual era, afinal, a natureza e a

intensidade da relação do autor com o objeto deste seu tão grande interesse? Como o próprio

Edison experimenta tal relação e como a elabora em sua escrita? O que o movia em direção a

esse universo e até que ponto ele se envolveu ou foi envolvido por ele? Que sentimentos e

emoções estão presentes nesse encontro: curiosidade, fascínio, identidade, estranhamento? Qual

o seu modelo de “estar lá”: o “eu estive lá” dos antropólogos modernos ou algo mais próximo de

um “eu sempre estive aqui”? Sua etnografia está falando tanto de suas “andanças” por toda a

vida, das memórias de sua infância, como de suas entrevistas como jornalista e de sua pesquisa

de campo como antropólogo.

Nenhum dos primeiros livros de Carneiro é organizado em torno de uma experiência

exaustiva e delimitada de trabalho de campo. Tampouco a pesquisa realizada para eles está

relacionada a um vínculo institucional ou universitário, um contrato de financiamento ou é parte

de algum projeto ou instituição mantenedora. Em algumas de suas primeiras crônicas de jornal,

suas poesias de juventude, seus textos literários, ele parece querer descrever um cenário

cotidiano e se colocar como um personagem do universo religioso afro-brasileiro, por exemplo,

no poema já citado, recorrendo a um famoso pai de santo para realizar uma conquista amorosa.

Nos textos que batiza de etnografias, em muitos momentos ele não se apresenta como um

pesquisador que se desloca para passar um período determinado de tempo imerso em uma outra

sociedade ou cultura, mas como alguém que “sempre esteve lá”.

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Uma das suas muitas maneiras de elaborar na etnografia os caminhos pelos quais foi

conhecendo este que se tornou seu objeto de estudo foi através de sua própria experiência como

um baiano e das suas memórias de infância. Enquanto desenha suas imagens da cidade de

Salvador, ele vai desenhando a si próprio, como alguém imerso no universo afro-brasileiro. As

memórias que constrói e reconstrói de seu cotidiano infantil e adolescente aparecem povoadas de

moças que se jogam ao mar atendendo aos chamados de Iemanjá, ebós e vudus nas

encruzilhadas, mulheres em transe, cânticos de rodas de capoeira, tipos de rua cantarolando

sambas, histórias de pais de santo acusados de desonestidade pela crítica popular. As

demarcações de espaço e tempo e as informações relativas a onde, como e através de quem

conheceu as pessoas e eventos evocados por sua memória aparecem de forma fragmentada,

fluida, por vezes vacilante: “há coisa de seis ou sete anos”, “impressionou a opinião pública

baiana”, “bastante conhecida na Bahia”, “antigamente”, “em menino era fato banal ver nas ruas

da velha cidade”, “se não me engano em 1920”, “ficou célebre o caso”, “os negros da Bahia

contaram-me”, “essa frase que ouvi muitas vezes na Bahia”. Na introdução do livro Religiões

Negras, ele localiza o contexto de realização de suas pesquisas, “um pouco por toda parte”, e

poderíamos acrescentar “um pouco por toda vida”. Refere-se “acidentalmente a pontos do

interior”, que não sabemos exatamente em quais circunstâncias conheceu; traça mapas das festas

e dos terreiros de bairros afastados do centro de Salvador, de cidades do interior, do recôncavo e

do litoral da Bahia. Pouco se sabe sobre essas viagens, quais os motivos de sua realização, com

quem foi, onde ficou. Para algumas foi como enviado especial do jornal. Terá ido para outras

acompanhando seu pai? Algumas dessas cidades visitou através dos livros de sua biblioteca. É

certo que os dados de sua etnografia foram sendo coletados por todos esses caminhos, muitos

deles distantes de expedições estritamente científicas de pesquisas.

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Em outros desses textos, articula sua experiência numa estratégia de escrita em que

poderíamos identificar uma sensibilidade eminentemente modernista, ao registrar a busca, ainda

em sua juventude, por um universo que povoa seu imaginário, em que espera encontrar a

experiência autêntica em outra cultura, alteridade próxima no espaço, mas a partir da qual ele

contesta os valores da sociedade em que vive, num encontro que desestabiliza suas crenças e

opera uma profunda transformação em sua própria subjetividade. Encontrei dois textos de Edison

Carneiro, o primeiro escrito em 1931 e publicado na revista O Momento da Academia dos

Rebeldes, e o segundo em 1934 no jornal A Batalha (e que ele inclui como apêndice de seu livro

Religiões Negras) em que descreve suas experiência de encontro (no primeiro, um samba de roda

na periferia, no segundo, um presente para Iemanjá, que culmina numa possessão pelo deus

Ogum) em primeira pessoa, a partir de suas próprias sensações e emoções, num estilo de escrita

que se diferencia de todos os seus textos posteriores em que fala dos mesmos lugares e eventos.

A atmosfera em que tal transformação se opera é cuidadosamente descrita a partir das próprias

sensações corporais, cheiros e sons pelos quais se via completamente envolvido14

.

Numa velha crônica (fevereiro de 1934), descrevo a chegada do santo Ogum, tal

como o observei no candomblé do Oxumarê, na Mata Escura (...) as filhas-de-

santo completamente bêbadas, excitadas pelo ritmo sexual da música bárbara.

Fechando a marcha, a gente mais diversa do mundo. Negros, mulatos, soldados,

mulheres-de-saia, cabrochas, o diabo (...) E os meninos, os rapazes, e mesmo as

cabrochas e os homens semi-embriagados que acompanham a procissão pagã

começam a andar dançando (...) A poeira forma uma nuvem espessa em torno

de nós, sufocando-nos. A música produzida pelos instrumentos mágicos nos

enlouquece (...) Suamos por todos os poros. Os bondes passam. Os passageiros

pensarão que formamos um afoxé (...) A dona da casa provoca o santo de uma

negra alta, bonita e alegre. A nega cambaleia, de cabeça baixa, os braços caídos,

segura pela outra. A orquestra toca uma marcha guerreira. Vejo o fragor da

batalha, ouço o silvar das flechas... Ouço as vozes de comando do obá... Vejo os

corpos lustrosos dos combatentes que caem... E vejo, enfim, personificando

14

Dada a singularidade desses textos em relação ao conjunto da obra de Edison Carneiro resolvi incluí-los como

apêndices a esta dissertação.

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tudo isso, Ogum, o deus da guerra, que possui agora a negra, altivo, enorme,

dominador. A negra já não é mais a negra, mas Ogum. (Carneiro, 1936)

É interessante observar que ele começa a descrição como um observador, fora da cena,

até que, conforme o ritual se realiza, a música passa a exercer efeito sobre ele e ele já faz parte

do grupo, juntamente confundido, pelos passageiros do bonde, que estão de fora, com um afoxé.

Edison pode ainda atuar como um etnógrafo formado pelos manuais de antropologia da

época, que vai a campo munido de bloco de notas, gravador, máquina fotográfica e um arsenal

de teorias científicas, produzindo uma escrita que procura ser ao máximo objetiva e distanciada.

E pode ser também o jornalista realizando entrevistas que vão circular amplamente na sociedade

baiana. Sua escrita oscila entre todos esses estilos narrativos, que podem ser combinados até

dentro de um mesmo livro.

As fronteiras entre o exótico e o familiar, ou o “eu” e o “outro” são elaboradas por ele de

forma complexa. Edison não constrói discursivamente seu objeto de estudo como uma alteridade

radical. Certamente está presente em seu texto a ideia de um encontro com o “outro”, mas por

este encontro não ser temporal e espacialmente localizado, e por, em muitos momentos, ele

privilegiar a ideia de que “sempre esteve lá”, esta alteridade também não aparece como exótica e

distante. Sua relação com o campo oscila entre diferentes graus de intensidade: ora elabora uma

relação distanciada, ora se identifica, levando a questionar em que medida ele é e não é um

personagem do universo de que está tratando.

Eu me perguntava: quando essa relação com o outro passou a ser mediada pela ideia de

“trabalho de campo” e Edison Carneiro a se reconhecer como um “etnógrafo”? O que deu a ele

essa condição que antes não tinha? Quando começou (ou não) a ser reconhecido pelos

antropólogos como um de seus pares? Quando os textos que ele escrevia passaram a ser

“etnografias”?

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Figura 5:

Mapa 1: Alguns pontos da circulação cotidiana de Edison Carneiro

1- Mar Grande, onde ele ficou escondido da perseguição polícia política no início do ano de 1936/ 2- Rua

dos Barris 68 (Barris)/ 3 - Rua do Sodré no 87 (Dois de Julho)/ 4- Rua Poeira 41 (Nazaré): casas em que

Edison Carneiro morou entre os anos de 1936 e 1938/ 5 - Faculdade de Direito da Bahia – Ladeira da

Praça 19 (Centro)/ 6 – Largo do Cruzeiro de São Francisco, onde ficava um centro espírita que abrigou

temporariamente as reuniões da Academia dos Rebeldes/ 7- Restaurante/ Bar Café das Meninas – Rua da

Ajuda, onde se reuniam os membros da Academia dos Rebeldes/ 8 - Livraria Editora Bahiana Ghignone e

cia ltda - Rua Conselheiro Dantas 23 – Editora dos primeiros livros de Edison Carneiro/ 9 - Restaurante

Recreio Baiano – Rua Dr. J J Seabra no 271/ 10 - Bar e Bilhar Brunswick – Rua da Assembléia n

o 08,

onde se reuniam os integrantes da Academia dos Rebeldes/ 11 - Redação do jornal Estado da Bahia, para

o qual Edison escreveu desde 1936 - Rua Portugal no 06 – Comércio

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Figura 6: O grupo da Academia dos Rebeldes. Jantar oferecido a Edison Carneiro quando da publicação

de Religiões Negras, na noite de 27 de novembro de 1936, no restaurante Recreio Baiano, Baixa dos

Sapateiros, em Salvador. Sentados, da esquerda para a direita, Azevedo Marques, João Cordeiro, Edison

Carneiro, Jorge Amado e Clóvis Amorim; em pé, Áydano do Couto Ferraz (à esquerda) e Alves

Ribeiro(Acervo do Professor Waldir Freitas Oliveira. Publicada em Revista de Cultura da

Bahia./Secretaria da Cultura e Turismo do estado da Bahia. Conselho Estadual de Cultura – n.20 (2002)

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2.2 - Das Religiões Negras para os Negros Bantos:

O lugar do trabalho de campo na trajetória de Edison Carneiro

As marcações na trajetória de Edison Carneiro (pelo fato de sua narrativa e suas escolhas

teóricas e metodológicas sugerirem isso) que associo ao início de suas atividades como etnógrafo

profissional referem-se à escrita de seus primeiros livros. Em 1936 foi publicado o primeiro,

Religiões Negras – Notas de Etnografia Religiosa, e, em 1937, o segundo, Negros Bantos –

Notas de Etnografia Religiosa e Folclore, ambos pela Biblioteca de Divulgação Científica,

dirigida por Arthur Ramos, na Editora Civilização Brasileira.

Religiões Negras foi escrito em menos de um mês, enquanto estava instalado no Mar

Grande, na Ilha de Itaparica, escondido da perseguição da polícia política na casa de um colega

de turma da faculdade. Na nota introdutória ele indica que as pesquisas para o livro foram

realizadas no terreiro do Engenho Velho, e “um pouco por toda parte”. Na primeira das cartas

enviadas por Edison Carneiro a Arthur Ramos, datada de 04 de janeiro de 1936, ele começa

assim: “O meu amigo Jorge Amado ganhou. Afinal, sempre me decidi a escrever o livro sobre

negros que ele reclama insistentemente há coisa de três anos. Estou a escrevê-lo aqui no Mar

Grande, neste ano da graça de 1936, já tendo mesmo escrito dois capítulos” .

No Arquivo Arthur Ramos, guardado na Biblioteca Nacional, há uma outra carta, enviada

por Jorge Amado em 08/03/1935 em que diz “Aí seguem os originais do livro de Edison. Fiz as

emendas que o autor pediu. São aliás muito poucas... Eu gostei do livro, principalmente devido

ao documentário inédito. Peço-lhe que faça tudo que estiver nas suas mãos para que o livro não

demore muito nos prelos da Editora Nacional. Isso porque sei das condições financeiras do autor.

Ele queria um prefácio seu...”. Muito provavelmente o Edison a que se refere é Edison Carneiro.

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A carta não está acompanhada dos originais do livro, assim não posso dizer se se referia ao

Religiões Negras (o que não coincidiria com a data em que Edison Carneiro indica estar

começando a escrevê-lo) ou a algum outro texto de Carneiro escrito anteriormente a esse e que

acabou não sendo publicado.

Na carta enviada no dia 27 de janeiro do mesmo, conta que o livro já estava pronto,

faltando apenas um capítulo. O pouco tempo dedicado à escrita do livro poderia ser explicado

pela não necessidade de realização de meses de pesquisa e trabalho de campo. Poderia se

argumentar que ele falava de um campo em que esteve imerso durante toda a sua vida. Mas este

livro é muito menos organizado em torno dessas observações e quase todo composto de

referências aos textos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, principalmente, e também Morgan,

Manuel Querino, Renato Mendonça, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior. Apesar de algumas

“escapadas” para a Bahia ‒ (como se refere à região continental da cidade, diferenciando-a da

ilha), em que visitou festas à Iemanjá e sambas de roda, colhendo canções e tirando fotografias

para o livro ‒ como estava escondido, concentrou seu trabalho nas leituras destes autores. É

provável que o tenha escrito tão rápido por ter passado o mês “desocupado”. Não estava

comprometido com nenhuma outra ocupação profissional, não tinha sido ainda formalmente

contratado como redator de nenhum jornal ou revista e, como estava se escondendo da polícia

política, provavelmente passava a maior parte do tempo dentro da casa, lendo e escrevendo.

Não fica muito claro se as descrições no livro são suas ou de Nina Rodrigues e de Arthur

Ramos. Elas aparecem pontuadas o tempo todo por citações desses autores e menos por alusões

ao seu próprio trabalho de campo. Mesmo quando as suas próprias observações aparecem, elas

parecem vir como complementares as de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, comparando-as com

as do primeiro no tempo – o que Edison Carneiro viu em campo nas décadas de 1920 e 1930 e o

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que Nina Rodrigues viu 20 ou 30 anos antes, o que existia e não existe mais, o que Nina

Rodrigues nem imaginou e Edison Carneiro viu acontecer ‒ e as de Arthur Ramos no espaço ‒

adicionando itens às descrições deste último, com as informações colhidas em lugares diferentes

dos visitados por ele: listas de outros nomes para os orixás, outros lugares da cidade em que se

realizam as festas, outros cânticos e lendas que ouviu. Assim ele foi se colocando como herdeiro

e ao mesmo tempo continuador desses estudos, dialogando com seus mestres.

Em um momento de incipiente institucionalização acadêmica da antropologia, quando

ainda não estavam lançadas as bases do que viria a ser considerada uma “etnografia científica”, o

processo de formação daqueles que começavam a ser chamados de antropólogos ou etnógrafos

depende menos da formação acadêmica especializada do que de se estar circulando entre

determinados espaços e redes de pessoas e das correntes teóricas e metodológicas às quais

estavam se filiando. É nessa direção que ganha sentido o movimento do jovem Edison Carneiro,

pelo diálogo com Arthur Ramos e pela citação de seus livros e dos de Nina Rodrigues. A

identidade intelectual de etnógrafo, Edison Carneiro, até então jornalista e bacharel em direito,

foi modeladando a partir do diálogo com estes autores. Ele foi construindo sua identidade

intelectual se autoproclamando herdeiro e continuador de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, eles

próprios também vindos de outra formação, a medicina, e que foram se fazendo etnógrafos, ou

antropólogos, ao longo de suas carreiras.

Nesse momento de formação da ciência social acadêmica no Brasil, momento em que as

fronteiras disciplinares ainda estavam precariamente demarcadas, o que vem a ser mais tarde

definido como disciplinas autônomas, Antropologia, Sociologia, História, eram produzido pelos

chamados intelectuais polivalentes: homens de letras, advogados, médicos. Ao querer demarcar

um domínio próprio para essas ciências, os argumentos desses intelectuais vão se orientar na

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diferenciação entre os “cientistas” e os “literatos”, “ensaístas”, “diletantes”. Cada vez mais

apresentando-se como um especialista e construindo textos partilhando dos mesmos interesses

temáticos, teóricos e metodológicos dos autores que começaram a se intitular antropólogos ou

etnógrafos, Edison vai procurou estabelecer uma proximidade com Arthur Ramos e colocar-se

em seu círculo de relações.

O autor escreve uma determinada história da antropologia do Brasil ao colocar seu mito

de origem no campo dos estudos sobre o negro iniciados por Nina Rodrigues e continuados por

Arthur Ramos, destacando algumas marcações na trajetória e na produção intelectual desses

autores. Entre as primeiras frases da nota introdutória ao primeiro livro, Edison Carneiro lança a

pedra fundamental de seu ofício como etnógrafo: os estudos iniciados por Nina Rodrigues.

O próprio Nina construiu para si esse mito de primeiro estudioso do assunto. O médico

legista maranhense foi professor da faculdade de medicina da Bahia por 17 anos e um intelectual

tomado em alta conta nos círculos médicos internacionais. Sua constante luta para que a

medicina legal fosse considerada um ramo autônomo da medicina no Brasil faz com que seja

tomado como um dos grandes mitos de origem da medicina legal no país. Mas um outro mito

que criou para si mesmo ao se apresentar como o primeiro estudioso a tratar das religiões dos

negros da Bahia, faz com que seja lembrado também como o precursor de um outro campo do

saber, o dos estudos antropológicos sobre os negros, ou mesmo da própria disciplina da

antropologia brasileira. Depois de algumas publicações na área da medicina legal, Nina começou

a publicar em 1896 uma série de artigos na Revista Brazileira que viriam a ser publicados no

livro O Animismo Fetichista dos Negros Bahianos. O livro é publicado em francês, em 1900,

como L‟animisme Fétichiste dês négres de Bahia. Em 1935 Arthur Ramos publica a edição

brasileira, com prefácio e notas seus, na coleção que dirigia, Biblioteca de Divulgação Científica,

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da Editora Civilização Brasileira (o livro foi o segundo a ser publicado por Arthur Ramos na

coleção, tendo sido o primeiro o seu próprio O Negro Brasileiro no ano anterior). Entre 1900 e

1905 Nina Rodrigues publica em revistas os artigos que viriam a ser reunidos em 1933 em “Os

Africanos no Brasil”, editado por Homero Pires. É no primeiro destes livros que, segundo Mariza

Corrêa, Nina Rodrigues “gaba-se de ser o primeiro a tratar do assunto” (Corrêa, 1998).

Mariza Corrêa desenvolveu uma tese fundamental em seu livro A Escola Nina Rodrigues

e a Antropologia no Brasil para se entender como este mito se tornou poderoso ao ser

retoricamente repetido pelos autoproclamados discípulos de Nina Rodrigues, que forjaram seus

próprios mitos de origem como antropólogos ao narrar a história da disciplina a partir do médico

antropólogo maranhense (Corrêa, 1998). Para a autora, ao contar a história da antropologia que

reivindica para Nina a prioridade na inauguração dos estudos sobre as relações raciais e se

colocar como seus discípulos diretos, eles estariam, com isso, reivindicando legitimidade para

seus nomes.

Arthur Ramos, que se apresenta como “o mais humilde dos seus discípulos”, é também

médico, psiquiatra. Formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1926, e logo depois foi

contratado como médico assistente no Hospício São João de Deus e em seguida como médico

legista do Instituto Nina Rodrigues. Em 1931, ele publica O problema psicológico do

curandeirismo, fruto das observações em casas de candomblé. A partir do crescente interesse

pelas práticas religiosas afro-brasileiras e pelas relações raciais, ele começa a publicar sucessivos

artigos sobre o negro baiano: “Os horizontes míticos do negro na Bahia”; “A possessão fetichista

na Bahia”; “Os instrumentos musicais dos candomblés da Bahia”; “O mito de Iemanjá e suas

raízes inconscientes”. A partir de 1937, no livro As Culturas Negras no Novo Mundo, o médico

passa a se definir como antropólogo (Corrêa, 1998).

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Arthur Ramos é apresentado por Edison Carneiro como seu “padrinho” até esse

momento. Ele é não só seu editor, mas uma importante referência profissional. Assim, entre 1936

e 1938, é intensa a troca de correspondências entre os dois. É bem verdade que só temos certeza

sobre o envio de cartas de Edison Carneiro a Arthur Ramos – foram 35 cartas nesse período de

38 meses, guardadas no arquivo de Arthur Ramos. A centralidade que a hipótese relativa à

influência de Arthur Ramos nesta fase da trajetória de Edison Carneiro ganhou em meu trabalho

se justifica pela disponibilidade dos documentos que nos dão acesso privilegiado a essa relação e

ao que analiso como os reflexos dela. As respostas a estas cartas não estão nos arquivos de

Edison Carneiro.

É provável que Edison Carneiro tenha se aproximado de Arthur Ramos intermediado por

Jorge Amado, depois que o médico alagoano já tinha se transferido para o Rio de Janeiro, em

1934. Jorge Amado veio para o Rio de Janeiro em 1929 cursar a Faculdade de Direito e logo

começou a participar dos círculos intelectuais da capital, nos quais a sua relação com Arthur

Ramos deve ter se estreitado bastante, quando da chegada deste último. Não encontrei registros

sobre como Edison Carneiro conheceu Arthur Ramos ou sobre como Jorge Amado conheceu

Arthur Ramos, de maneira que não sei exatamente como se deram essas aproximações. Ainda em

Salvador, Amado recorda ter “penetrado o mistério dos candomblés” na companhia de Ramos

(Amado, 1985). Em muitas das cartas enviadas por Edison Carneiro a Arthur Ramos, o nome de

Jorge Amado se faz presente. Diferentemente de Jorge Amado, Carneiro não menciona em

nenhum lugar uma convivência mais próxima com Arthur Ramos ainda em Salvador.

Já a relação entre Edison Carneiro com o romancista Jorge Amado é bem mais próxima

que a que o jovem etnógrafo conseguiu estabelecer com seu mestre. No arquivo de Edison

Carneiro não há nenhuma carta de Jorge Amado e a correspondência deste último não está

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disponibilizada para consulta pública, assim não podemos saber se há cartas trocadas entre os

dois nos arquivos da Fundação Casa de Jorge Amado. Mas muitas das cartas enviadas por Edison

Carneiro a Arthur Ramos e outras trocadas entre Jorge Amado e Arthur Ramos (guardadas do

Arquivo Arthur Ramos da Biblioteca Nacional), indicam uma comunicação intensa entre os

jovens “rebeldes” Carneiro e Amado depois da transferência do romancista para a capital. Jorge

Amado está presente numa fotografia datada de 27 de novembro de 1936 ao lado de Edison e de

outros integrantes da Academia dos Rebeldes num jantar oferecido em homenagem ao etnógrafo

por ocasião do lançamento de seu primeiro livro, Religiões Negras, no restaurante Recreio

Baiano, antigo ponto de encontro do grupo. Esta e outras fotografias foram guardadas pelo

Professor Waldir Freitas Oliveira, a quem foram confiadas por Dona Magdalena Carneiro, viúva

de Edison Carneiro. Ela sugere a continuidade da relação de amizade entre Edison Carneiro e

Jorge Amado.

Esta relação parece ter perdurado pela vida dos dois, atravessada por dois regimes

ditatoriais – o Estado Novo de Getúlio Vargas e a ditadura militar de 1964 – que perseguiram

politicamente estes dois declarados comunistas.

A circulação do romancista Amado entre o Rio de Janeiro e Salvador era bastante

frequente e com ela levava e trazia notícias, cartas de Edison Carneiro que, perseguido pela

polícia política nem sempre podia se utilizar do correio, artigos e fotografias que Carneiro temia

serem apreendidos e queria que chegassem a salvo às mãos de seu editor. Em pelo menos uma

oportunidade Edison Carneiro pôde retribuir. Philon Carneiro se lembrou de uma situação em

sua casa no Rio de Janeiro em que uma de suas tias, irmã de Edison, já com mais idade escondeu

Jorge Amado em um baú sobre o qual ficou sentada durante uma revista realizada pelos militares

do golpe de 1964.

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Mas voltando aos anos 1930, quando seu companheiro baiano começou a flertar com a

antropologia, Amado foi um grande incentivador e mobilizou sua influência sobre Arthur Ramos

em prol de Edison Carneiro.

Arthur Ramos é também uma de suas principais referências teóricas até então. A

correspondência indica os esforços de Edison Carneiro no sentido de estreitar a relação e recorrer

a este apoio: ele envia para o professor todos os artigos que escreve, as reportagens que publica,

as fotografias que tira, pede livros que não encontrava nas bibliotecas ou livrarias de Salvador e

também indicações de leitura, faz elogios aos livros publicados do mestre, mostrando ser seu

leitor assíduo. Edison Carneiro estava nesse momento envolvido nos preparativos da organização

do Segundo Congresso Afro-Brasileiro, que se realizaria em 1937 em Salvador e mais uma vez

procura o apoio e a colaboração de Arthur Ramos. Em boa parte, os muitos adiamentos que se

sucederam em relação à data inicialmente programada para o evento se devem à espera pela

disponibilidade de Arthur Ramos para participar.

Mas todos os leitores dessas cartas concordam que há claros sinais de uma “assimetria”

na relação entre os dois (Colle, 2003; Corrêa, 2003). Edison Carneiro buscava nela apoio

intelectual e pessoal, mas para Arthur Ramos a relação não passava de um contrato profissional

entre editor e autor. Os silêncios de Arthur Ramos reforçam a sugestão, não só por não termos

acesso ao conjunto das cartas enviadas por ele, mas também porque em muitas das cartas escritas

por Carneiro ele cobra respostas de Arthur Ramos, fazendo muitas tentativas diferentes: ora faz

uso de um tom formal, outras vezes se dirige de forma carinhosa e faz brincadeiras. Nas poucas

cartas enviadas por Arthur Ramos a Edison Carneiro, cujas cópias estão no arquivo do primeiro,

ele oscila entre a formalidade e a rispidez. Numa delas responde ao questionamento de Carneiro

sobre o atraso na publicação de seu livro e a um pedido de adiantamento dos direitos autorais.

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Ramos somente indica que ele deve se comunicar diretamente com a editora. Em outra, Arthur

Ramos responde a uma brincadeira de Edison, mais uma de suas muitas tentativas de estreitar a

comunicação entre os dois:

Bahia, 20-IV-38

Prof. Dr. Arthur Ramos

Há tempos, no anno passado, créamos, na Bahia, o Syndicato da Glória

de V. EX., com o fim principal de formar um ambiente de sympathia maior em

torno das suas obras.

Este Syndicato, cujo presidente de honra é o romancista Jorge Amado, e

os signatários desta, respectivamente, Edison Carneiro e Áydano do Couto

Ferraz, presidente effectivo e secretário geral, está a pique de ser dissolvido, em

virtude de V. Ex. estar proscratinando a publicação de “O Negro no Brasil”

(annaes do Congresso Afro-Brasileiro da Bahia), cujos resultados materiaes

muito serviriam para melhorar a deplorável situação da chefia desta organização

trabalhista.

Agora mesmo, o escriptor bahiano Edison Carneiro vae lançar, dizemos,

vae dirigir um boletim da Livraria Editora Bahiana (“Letras”), publicação

quinzenal, com um público mínimo garantido de 3000 pessoas. Caso a

reclamação deste Syndicato não seja attendida, o referido periódico deixará de

ser o órgão official do citado Syndicato, fazendo o boy-cott das obras do Prof.

Dr. Arthur Ramos.

Neste número, a apparecer nos princípios de maio, sahirá uma nota

sobre “Arthur Ramos e os estudos Afro-Brasileiros” (com retrato), coisas que

interessarão a V.Ex. O Syndicato aproveita a oportunidade para solicitar a

acatada collaboração de V.Ex.

Lançando este “ultimatum”, o Syndicato lembra novamente a V.

Ex. que é de inteira urgência a publicação de “O Negro no Brasil”, com o

pagamento dos direitos autoraes aos signatários desta, - sob pena de dissolução

do Syndicato da Gloria do Prof. Arthur Ramos.

Deus Guarde a V. Excia.

Edison Carneiro

Aydano do Couto Ferraz

(Oliveira e Lima, 1987)

Não consegui decifrar integralmente a resposta de Arthur Ramos. Ele guardou em seu

arquivo o rascunho da carta, escrito numa caligrafia que apresenta dificuldades de leitura. Mas

vê-se que sua reação é bastante ríspida. Parece que esta resposta nunca chegou às mãos de

Edison Carneiro. Áydano do Couto Ferraz, grande amigo dele, recebeu a carta e não a entregou,

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buscando apaziguar os ânimos. Talvez Edison Carneiro nunca tenha percebido com clareza a

distância que Arthur Ramos impunha à relação entre eles. Ou talvez a percebesse, mas não

desistia das tentativas de desfazê-la.

Mariza Corrêa em um de seus muitos textos de história da antropologia brasileira

apresenta assim a relação de assimetria: “o jovem mulato baiano procurando o apoio do

professor de medicina, branco, já consagrado” (Corrêa, 2003). Mais que ser a principal

referência para Edison Carneiro até então, Arthur Ramos é a principal referência brasileira no

campo de estudos sobre o negro e está conectado a uma rede internacional de pesquisadores,

principalmente norte-americanos e cubanos, envolvidos com os chamados estudos afro-

americanos.

Francamente não sei o que lhe diga. Nunca tive palavras para me explicar,

nesses momentos. Estou contente, inteiramente envaidecido com a sua amizade,

com a sua collaboração, com o seu estímulo, sem o qual talvez esse livro e toda

a minha atividade posterior, nunca apparecessem à tona. Você é o pae das

“Religiões”- e teve por ella, carinhos de pae mesmo. Eu lhe agradeço de todo o

coração. (Carta de 30/11/1936 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira

e Lima, 1987).

Por outro lado, Arthur Ramos já se transferira para o Rio de Janeiro e a relação com

Edison significava para ele uma das formas de manter seus vínculos com a Bahia. Edison

Carneiro manda pra ele notícias e presentes vindos dos terreiros de candomblé, cânticos e

fotografias de rodas de capoeira, “troços” de samba e afoxé, todos os registros do seu intenso

trabalho de campo – ou de suas andanças pela cidade – e, assim, Arthur Ramos se mantém

atualizado em relação aos lugares, pessoas e eventos sobre os quais muito escrevia, mas, ao que

parece, pouco visitava. Ele reconhece a proximidade de Edison Carneiro com o campo e é só nos

momentos que precisa fazer uso dela que parece se interessar por essa relação. Carneiro, por sua

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vez, também sabe fazer uso de sua proximidade com o universo afro-brasileiro de Salvador, de

que Arthur Ramos estava afastado. Ao pedir a ajuda de Arthur Ramos para tentar uma colocação

profissional para um de seus irmãos no Rio de Janeiro, ele parece querer sutilmente trocar o

pedido por um caderno que recolheu em seu trabalho de campo e que enviaria de presente a

Arthur Ramos.

Não só pela posição de Arthur Ramos no campo intelectual, mas também pelo prestígio

institucional e político que detinha, nesse momento, em que Edison Carneiro enfrentava

extremas dificuldades financeiras, era perseguido pela polícia política e não contava com

nenhuma posição profissional estável, ele de certa maneira dependia de boas relações. Chamo

atenção para a forma como se dirige a Arthur Ramos nas cartas: “caro amigo”, “do amigo e

admirador”, “o velho camarada”, “agradeço de todo o coração o que você tem feito”. O apoio

que busca aí embaralha as fronteiras entre o pessoal e o profissional.

Tal instabilidade profissional o leva a publicar muitos artigos de jornal, aparentemente

sem o cuidado que gostaria de dispensar aos seus textos. Nas cartas que escreve para Arthur

Ramos, Carneiro não constrói sua identidade profissional como jornalista, mas apresenta a

profissão como uma contingência. Preocupado com o ineditismo de sua pesquisa, a partir da qual

ele ingressaria com uma contribuição original no campo dos estudos sobre o negro, o autor se

mostra incomodado em ter que vender para o jornal suas reportagens antes de publicá-las em

livro. Provavelmente não recebia ainda do jornal um salário mensal, mas por matéria publicada.

Eu ia lhe mandar umas notas sobre a capoeira, mas a miséria... ela me fez, para

ganhar uns cobres, cometer um artigo sobre a Capoeira de Angola, que o Estado

da Bahia publicará brevemente. Espero que a mesma coisa não aconteça com o

samba. Tenho tantas letras de samba... (carta de 06/06/1936 de Edison Carneiro

para Arthur Ramos, Oliveira e Lima, 1987).

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Carneiro expõe suas dificuldades financeiras para Arthur Ramos em outras situações. Em

diversas dessas cartas, Edison insiste com pressa para a publicação de seus livros, e dos volumes

em que foram publicadas as comunicações dos dois congressos afro-brasileiros. Estava

certamente interessado não só na publicação dos volumes assinado por ele, como no recebimento

dos direitos autorais. Afirmar uma identidade intelectual é importante para ele, não só para

marcar seu lugar num campo de estudos, como pela possibilidade de melhorar sua situação

financeira.

Estes três meses em que estive fora da Cidade me arruinaram totalmente o

pobre, o minguado, o deficitário orçamento. Para conseguir o trabalho de

Hercules de reequilibrá-lo, estou precisando de um favor seu. Desejaria que

você aceitasse (mesmo no escuro) e programasse na Biblioteca, mais um livreco

meu, para este anno. Si possível, annunciasse logo também. Isso me habilitaria a

conseguir uns adiantamentos, optimos sob todos os aspectos, com amigos daqui.

O livro conterá vários estudos já publicados. O troço estará pronto dentro de três

meses. Se for possível, farei ainda um ensaio único sobre os candomblés daqui.

Consiga, amigo velho, que a Civilização aceite, programe e anuncie. Isso,

calculo, será fácil para você e me desafogará bastante. (Carta de 08/01/1938 de

Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987).

Ele estava começando a sua carreira e tentava uma colocação profissional mais estável.

Um daqueles adiantamentos do pagamento dos direitos autorais seria destinado aos custos com

um concurso para livre-docente de Direito Internacional na Faculdade da Bahia (e já

vislumbrando um concurso para catedrático mais tarde). Logo em seguida ele desfaz o pedido –

não poderia concorrer à vaga antes de completar três anos de formado.

Muito lentamente, Edison constrói sua independência em relação a Arthur Ramos. Chamo

atenção para um deslocamento significativo de perspectiva entre o livro Religiões Negras e o

Negros Bantos. Enquanto o primeiro é organizado em torno dessas referências, o segundo o é em

torno de suas observações de campo. Em Negros Bantos Edison Carneiro constrói sua autoria

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como o primeiro pesquisador a estudar os negros bantos da Bahia, aquele que viu e deu a devida

importância a alguma coisa que tinha passado despercebida a Nina Rodrigues e Arthur Ramos.

Apesar das afirmativas de Edison, quando do lançamento de Negros Bantos, Arthur Ramos tenta

puxar para si essa primazia nas orelhas dos livros. Para a literatura especializada das religiões

afro-brasileiras, foi mesmo Edison Carneiro que ficou como o primeiro autor a estudar os negros

bantos, porém, o que mais importa aqui é o quanto ele se percebe e se constrói a partir daí e o

significado que confere a esse ineditismo em seu projeto autoral. Ainda durante o processo de

escrita do primeiro livro, seus interesses se voltam nessa direção.

Mal acabo de escrever este, já penso noutro livro. Estou interessado, agora, em

encontrar traços negros bantos na Bahia (...). E aqui chega a ocasião de lhe

aborrecer. Eu sou um limpo... Para poder cometer um troço sério sobre os

negros bantos, preciso de livros sobre. Os mais descritivos. Você não poderia

me emprestar os que tivesse (...). Estou recolhendo um material formidável

sobre samba, capoeira e batuque. E seria uma pena perder tudo... (Carta de

27/01/1936 de Edison Carneiro a Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987).

No livro Religiões Negras Edison já faz um capítulo sobre os candomblés de caboclo e

depois disso passa a se orientar no sentido de procurá-los. Ele se diz “desajudado” em relação a

eles, por não encontrar, na Bahia, bibliografia sobre o assunto para analisar o material que vinha

recolhendo. Pede então que Arthur Ramos envie do Rio de Janeiro alguns livros pelo correio.

Pouco tempo depois lamenta que Ramos não possa mandá-los. Em decorrência da dificuldade,

lança-se a campo. Não que antes disso não soubesse da existência desses terreiros em Salvador,

ou que não conhecesse rodas de samba, capoeira e batuque, que, inclusive, conta ter

acompanhado desde a sua infância e adolescência em Salvador. O encontro com os negros

bantos não é um momento marcado. Mas ele narra seu encontro em campo como uma descoberta

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e nas cartas enviadas a Arthur Ramos registra todos os passos da construção dessa narrativa do

encontro:

Estou reunindo enorme material pro Negros Bantus. E brevemente lhe mandarei

explicações mais detalhadas sobre capoeira e sobre samba.

E sobre a bibliografia bantu que lhe pedi?

Arranjei um ótimo campo de observação – o candomblé da Goméa (Angola). Já

tenho observações notáveis, que vão espantar a turma.

(carta de 23/04/1936 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,

1987).

Na sua carta, há umas coisas misteriosas sobre os bantus. Vamos lá, mano.

Podemos falar claro... Explique o que você pensa do caso, sem receio de me

melindrar. Mas, por favor, não banque o detetive dos romances policiais, que

desde o começo já conhece o bandido!

Pena que você não me possa mandar livros sobre os negros do sul da África.

Aqui não é difícil, é impossível encontrar livros assim...

(carta de 11/05/36 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,

1987).

Ao narrar o encontro com os negros bantos em campo narra ao mesmo tempo a sua

iniciação na etnografia:

Este livro, produto da observação direta dos candomblés e do folclore negro na

Bahia foi escrito ao acaso, no escuro. De certo modo, ele vale como uma proeza

audaciosa, já que não se encontra, aqui, nas livrarias ou nas bibliotecas, nada de

interessante sobre o negro do sul da África, seja qual for o motivo a estudar. O

pesquisador tem de contar, apenas, com um fator – o seu possível sexto

sentido... (Carneiro, 1937).

Em Religiões Negras o autor já falava em etnografia. Nele e também em seus artigos de

jornal os caminhos de sua circulação em campo já são traçados, mas é a partir de Negros Bantos

que passará a afirmar a valorização de uma determinada modalidade de pesquisa e a construir

sua imagem como um pesquisador de campo. Passando a se apoiar cada vez mais em suas

pesquisas de campo, demarca um domínio em relação àqueles que

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Quando resolvem estudar candomblé, colhem material chamando os negros aos

seus escritórios para entrevistas, porque são muito orgulhosos ou muito

preguiçosos pra visitar os templos nos arrabaldes. Mas você tem de ir a eles.

Você não pode esperar que se portem com naturalidade num escritório ou num

hotel. E eles saberão que você os respeita, se for a eles. (Edison Carneiro citado

em Landes, 2002).

É aqui que narra sua iniciação no trabalho de campo (“observação direta”) e constrói uma

identidade autoral. Nesta medida podemos dizer que sua subjetividade é construída a partir deste

encontro com o “outro” (mais especificamente, com um outro “outro”, os bantos e não mais os

nagô). Edison Carneiro se constrói como autor de, mais do que uma obra, uma nova linhagem de

estudos.

Penso que este é o meu livro, pois elle é feito, quase todo, de pesquizas

pessoais. Eu abro caminho com este livro. (Carta de 27/03/1937 de Edison

Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987).

Os negros bantos, na Bahia, criaram toda uma série de orixás, muitos dos quais

até agora não classificados nem registrados pelos observadores das religiões

afro-brasileiras. (Carneiro, 1937).

Arthur Ramos vai deixando de ser construído como um de seus pares, para ser posicionado

como um de seus “outros”.

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Figura 7:

Mapa 2: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o livro

Religiões Negras:

1 - Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho - Travessa Joaquim dos Couros – Acupe de Brotas

(Antigo Engenho Velho do Rio Vermelho de Baixo / 2- Candomblé do Oxumarê – Av. Vasco da Gama –

Engenho Velho da Federação (Antiga Mata escura)/ 3- Terreiro do Pai-de-Santo João da Pedra Preta ou

Joãozinho da Goméia - Candomblé da Goméia – Estrada de rodagem Bahia-Feira na altura do Km 2 , na

Goméa - São Caetano / 4- Terreiro do Pai de Santo Jubiabá – Morro da Cruz do Cosme – 205 – Caixa

D‟água / 5- casa de Martiniano do Bonfim – Caminho Novo do Taboão – Comércio

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Figura 8:

Mapa 3: Terreiros de Candomblé em que Edison Carneiro fez trabalho de campo para o livro Negros Bantos:

1 - Terreiro do Pai-de-Santo João da Pedra Preta ou Joãozinho da Goméia - Candomblé da Goméia – Estrada de

rodagem Bahia-Feira na altura do Km 2 , na Goméa - São Caetano / 2) Terreiro do Pai-de-Santo Manuel Paim –

candomblé Estrela de Jerusalém a) Rua do Abacaxi, 50 - Periperi/ b)Av. Centenário, Vila América (antiga Rua da

Lama)/ c) Cabula/ 3- Germina e Manuel Lupércio do Espírito Santo – Candomblé Filho das Águas – Largo da

Calçada - Liberdade/ 4- casa de Martiniano do Bonfim – Caminho Novo do Taboão – Comércio/ 5- Terreiro Ilê Axé

Opô Afonjá – São Gonçalo do Retiro / 6- Terreiro de Bernardino da Paixão – candomblé do Bate-Folha - Travessa

de São Jorge 65 - Mata Escura do Retiro / 7 - Terreiro do Gantois – Alto do Gantois 33 – Federação / 8- Terreiro do

Pai de Santo Jubiabá – Morro da Cruz do Cosme – 205 – Caixa D‟água / 9- Pai-de-Santo Manuel da Formiga ou

Manuel Falefá (Manuel Vitorino Costa) - Candomblé do Poço Bètá - Formiga 118 - São Caetano/ 10- Pai-de-Santo

Jacinto - Candomblé do Oxumarê – Av. Vasco da Gama – Engenho Velho da Federação (Antiga Mata escura) / 11-

Pai-de-Santo Ciríaco – candomblé do Tumba Juçara - Ladeira da Vila América, nº 2, Travessa nº 30, - Vasco da

Gama

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2.3 – Redes Intelectuais e Políticas da Antropologia Brasileira na década de 1930

Os textos reunidos por Edison Carneiro em seus dois primeiros livros poderiam ser

classificados como textos de história, antropologia, jornalismo, linguística, estudos de música.

Contudo, já na introdução ao seu primeiro livro, ele escolhe se apresentar como um etnógrafo,

escolha reafirmada na introdução ao segundo. Pareceu-me interessante entender porque essa

escolha se fez importante dentre tantas possibilidades e por quais vias ele foi se construindo

dessa forma e se fazendo um etnógrafo. Os caminhos que me sugeriram respostas a essas

reflexões partiram de um mapeamento do campo intelectual e político da antropologia acadêmica

que começa a se institucionalizar nos anos de 1930. Com base nesse mapeamento torna-se

possível perceber como Edison Carneiro vai galgando seu lugar no campo de estudos sobre o

negro e sobre as relações raciais (uma das duas grandes linhas em que se dividia a antropologia

acadêmica nesse momento); em grande parte tal lugar parte da relação que o autor busca

construir com Arthur Ramos. Todo o movimento de Edison nessa direção é melhor

compreendido quando percebemos que no momento em que esse campo de estudos está sendo

formado, Arthur Ramos vai se posicionando como “o dono do assunto” . Arthur Ramos ocupava

a cátedra de Psicologia na Universidade do Distrito Federal, criada em 1935, e em 1939 foi

indicado para a cátedra de Antropologia e Etnografia da Universidade do Brasil. Ele disputava a

posição de destaque com Dona Heloísa Alberto Torres, vice-diretora do Museu Nacional entre

1935 e 1937 e diretora entre 1938 e 1955. Dona Heloísa tinha sido indicada por Gilberto Freyre

para substituí-lo na cátedra de Antropologia da Universidade do Distrito Federal. A política da

disciplina estava então polarizada entre os dois, mas no campo dos estudos antropológicos sobre

o negro, Arthur Ramos reinava absoluto. Estar sob a sua tutela representava para quase todos os

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pesquisadores – e para Edison não foi diferente – o caminho mais seguro para a entrada neste

campo.

A Antropologia veio a descobrir o Brasil, como campo de estudo, no final dos anos trinta,

quando expedições de intelectuais franceses e americanos foram organizadas para territórios

distantes dos centros de poder, dentro dos estados do Mato Grosso, da Amazônia, da Bahia e do

Rio de Janeiro. Ao longo das décadas de 1930 e 1940 forma-se uma rede entre intelectuais dos

Estados Unidos, Brasil e Cuba, criando o campo dos estudos afro-americanos. Fazem pesquisas

na Bahia, neste período, uma série de intelectuais estrangeiros, entre eles Robert Park, Donald

Pierson, Ruth Landes, Melville Herskovits e Franklin Frazier. Carneiro vai se atando a essa rede

como um de seus nós, ao incentivar publicações, provocar debates, agenciar pesquisadores em

outros estados do país e também de fora dele para a participação no congresso que organiza.

O congresso realizou-se entre 11 e 19 de janeiro de 1937. Carneiro organizou as mesas

com apresentação de comunicações, nos salões do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia; a

exposição de objetos utilizados nas cerimônias religiosas do candomblé com curadoria do

Professor Estácio de Lima, no Instituto Nina Rodrigues; as apresentações de samba e capoeira no

Clube de Regatas Itapagipe e as festas em alguns terreiros de Salvador, que fizeram parte da

programação do congresso. Participaram, presencialmente ou com o envio de comunicações que

foram lidas nas mesas, e depois integraram o livro O Negro no Brasil, Arthur Ramos, Jorge

Amado, Áydano do Couto Ferraz, Clóvis Amorim, Reginaldo Guimarães, Martiniano Eliseu do

Bonfim, Manoel Diégues Junior (Alagoas), Alfredo Brandão, Renato Mendonça, Jacques

Raymundo, Robalinho Cavalcanti (Rio de Janeiro), Dante de Laytano, Dario Bittencourt (Rio

Grande do Sul), Melville Herskovits (Northwestern University, USA), Salvador Garcia Agüero

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(Cuba), Donald Pierson (Universidade de Chicago, USA), Eugênia Ana dos Santos, Manoel

Bernardino da Paixão e Manuel Vitorino dos Santos.

Nesse momento muito particular entre as décadas de 1930 e 1940 as discussões

atravessam de baixo para cima e de cima para baixo a linha do equador. Edison Carneiro

intermediou o encontro de pesquisadores estrangeiros com o universo afro-brasileiro da Bahia. O

primeiro deles, vindo em 1936, foi Donald Pierson, da Universidade de Chicago, cujas pesquisas

resultaram no livro Brancos e Pretos na Bahia. Depois disso, entre 1938 e 1939, guiou as

pesquisas de Ruth Landes, da Universidade de Columbia, para o livro A Cidade das Mulheres.

Carneiro se colocava como um guia de boa parte dos antropólogos que empreenderam suas

pesquisas na Bahia, desde os seus companheiros da Academia dos Rebeldes na juventude, até

Donald Pierson e Ruth Landes. Sua intimidade com o campo fez dele o passaporte para a entrada

e livre circulação desses pesquisadores estrangeiros.

Todos os pesquisadores norte-americanos que vinham para o Brasil interessados em fazer

pesquisas sobre os negros estavam em comunicação direta com Arthur Ramos, por meio de

quem entravam no país, e Ramos recomendava que conhecessem antes de tudo a Bahia e

intermediava a visita recomendando-os a Edison Carneiro.

Em parte, é desses estudos que nasce a antropologia acadêmica no Brasil. Mariza Corrêa,

preocupada com a questão acerca de como surgiu/foi inventado o cenário institucional da

antropologia no Brasil, destaca como um dos marcos fundadores uma fotografia de 1939 em que

aparecem, nos jardins do Museu Nacional, Claude Lévi-Strauss, Ruth Landes, Charles Wagley,

Heloísa Alberto Torres, Luís Castro Faria, Raimundo Lopes e Edison Carneiro. É por estar

circulando entre estes espaços e personagens, com relações complexas e variáveis, que a autora o

coloca como integrante da comunidade antropológica (Corrêa, 1988).

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Já instalado no Rio de Janeiro, Carneiro viajou de volta à Bahia, integrando as expedições

do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil, para a compra de

bonecas representando orixás, encomendadas às mães e filhas-de-santo de Salvador, para a

exposição etnográfica, dentro da Exposição Histórica do Mundo Português, organizada por

Heloísa Alberto Torres, então diretora do Museu Nacional (Corrêa, 2003) 15

.

O período de formação da antropologia acadêmica no Brasil coincide com o período em

que Edison Carneiro se constrói subjetivamente como um etnógrafo. No entanto, o pesquisador

nunca conseguiu uma situação profissional estável no campo da antropologia acadêmica.

Sofreu perseguição, porque ele quis se candidatar a professor de antropologia e

não deixaram. O concurso nunca se realizou. Ele ficou terrivelmente frustrado.

Ele se encaminhou pro folclore pra ganhar algum dinheiro, porque fizeram um

curso de folclore na Biblioteca Nacional e pagavam a ele pra dar o curso. Daí

surgiu depois a Comissão Brasileira de Folclore, graças a Renato Almeida, de

quem ele era muito amigo. (Entrevista com Waldir Freitas Oliveira)16

.

As pistas sugerem que seu lugar no mundo acadêmico da antropologia está vinculado às

suas relações no mundo afro-brasileiro da Bahia.

15

Em 1940, Portugal preparou o que seria a última exposição de um império colonial, a Exposição Histórica do

Mundo Português (...). Como parte da história do mundo português, o Brasil foi convidado a participar (...)

Como parte dos preparativos para a participação do país na exposição, a então diretora do Museu Nacional,

Heloisa Alberto Torres, foi convidada a organizar uma “exposição etnográfica” que faria parte das coleções

enviadas do Brasil. Dona Heloisa passou boa parte do ano de 1939 encomendando peças para a exposição. Entre

elas, 14 bonecas de 70 centímetros de altura, “apresentando traços característicos de diferentes tipos

antropológicos negros da Bahia e vestidas com a indumentária típica dos diferentes orixás que as mães de santo

encarnam nas festas religiosas” e “12 orixás, de 25 centímetros de altura, esculpidos em madeira, representando

diferentes deuses africanos” – entre eles, um São Jorge.

Os mediadores dessa compra foram Édison Carneiro e Ruth Landes, que encomendaram as bonecas às mães e

filhas de santo em Salvador. (Corrêa, 2003).

16

O concurso referido aqui era para a cátedra de Antropologia e Etnografia da Universidade do Brasil, ocupada até

então por Arthur Ramos, quando ele aceitou, em 1949, o convite para dirigir o Departamento de Ciências Sociais da

UNESCO. Intencionavam disputar a vaga Edison Carneiro, Maria Alice Moura Pessoa, Heloísa Torres e Marina São

Paulo Vasconcelos, assistente de Ramos. Os três primeiros pediram ao Conselho Universitário a concessão de

“notório saber” para suprir a ausência de títulos e os três pedidos foram negados (Corrêa, 2003).

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Figura 9: Famosa foto publicada em muitos trabalhos de história da antropologia. Édison Carneiro,

Raimundo Lopes, Charles Wagley, Heloisa Alberto Torres, Claude Lévi-Strauss, Ruth Landes, Luís de

Castro Faria, no jardim do Museu Nacional em 1939.

(Publicada em Corrêa, Mariza. Antropólogas e Antropologia. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2003).

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2.4 – Cronica juvenil da maravilhosa Bahia17

O encontro entre Edison Carneiro e Ruth Landes

Dentre os antropólogos estrangeiros que fizeram pesquisas no Brasil, devo destacar a

presença de Ruth Landes, que teceu com Edison Carneiro uma associação de importância sem

par em ambas as biografias.

Aluna de Ruth Benedict e Franz Boas na Universidade de Columbia, Ruth Landes decidiu

fazer uma pesquisa antropológica de campo na Bahia e no Rio de Janeiro, em 1938 e 1939.

Inicialmente seu interesse era estudar as relações raciais no Brasil, ou nas próprias palavras da

antropóloga, "realizar uma pesquisa antropológica sobre a vida dos negros naquele país",

especialmente na Bahia (Landes, 2002). Landes buscava realizar um estudo comparativo das

relações entre negros e brancos no Brasil e nos Estados Unidos da América. O interesse da

estudiosa nasceu das informações que recebeu de que no Brasil negros e brancos conviveriam

bem e livremente. Ela apresenta assim o olhar que os antropólogos norte-americanos

compartilhavam sobre o Brasil, ao compará-lo com seu próprio país, onde os conflitos raciais

eram intensos.

Landes decidiu passar um ano na Universidade de Fisk, uma escola somente para negros

na cidade de Nashville, Tennessee, por ser o lugar com a melhor coleção de livros e materiais

sobre os negros e, também, pela crença de que ela deveria se “acostumar” a viver com os negros

antes de partir para as terras ao sul do Equador.

De lá, partiu para o Rio de Janeiro, onde passou três meses se dedicando a aprender a

língua portuguesa. A antropóloga aportou numa terra estrangeira, sem domínio da língua, e

procurou entrar em contato com algum intelectual local. Landes trazia uma carta de

17

Nota de Ruth Landes à primeira edição brasileira de A Cidade das Mulheres

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recomendação de seus professores da Universidade de Colúmbia destinada à Artur Ramos.

Permaneceu algum tempo ainda nesta cidade recebendo aulas de uma professora de português,

até que decidiu, seguindo a orientação de Ramos, partir para a cidade de Salvador na Bahia.

Lá viveu algumas semanas de estranhamento numa cultura que não dominava. Demorou

algum tempo até encontrar um caminho que a levasse a seus objetivos de pesquisar a

comunidade negra na Bahia. A antropóloga conta que em um domingo, pela manhã, o Dr.

Hosannah de Oliveira, conhecido pediatra para quem Ruth trouxera uma carta de apresentação de

amigos do Rio de Janeiro, a levou para passear pela cidade a fim de lhe mostrar os “africanos”.

Mas ela não gostou da excursão, por pensar que os negros baianos deviam ser abordados de

maneira mais pessoal. Ruth Landes queria vê-los vivendo a sua própria vida e não apenas como

alvos de um questionário. É depois disso que a pesquisadora conhece Édison Carneiro.

O etnógrafo baiano tinha apenas vinte e sete anos, mas o número e a originalidade de seus

estudos sobre o negro brasileiro e os candomblés e a sua sólida reputação fizeram-na esperar um

homem muito mais idoso. Ele já estivera homiziado e preso por causa de sua oposição a Getúlio

Vargas e deveria ser preso novamente durante a estadia de Ruth Landes no Brasil.

Pareceu-me significativo que Edison fosse um mulato, da cor trigueira

chamada parda no Brasil. Era significativo porque as cartas de apresentação

vinham de colegas brancos, que não haviam mencionado a sua raça ou cor. Para

eles isso não importava. Aceitavam-no pelo seu provado valor como jornalista e

como erudito (Landes, 2002).

O encontro com Édison Carneiro abriu-lhe as portas da pesquisa, da Bahia e de uma

longa relação afetiva. Édison transitava com traquilidade entre as rodas de intelectuais baianos,

os terreiros de candomblé e os principais expoentes da comunidade negra na Bahia. Ele

concordava que Ruth deveria “ir aos negros” e que não poderia esperar que eles se portassem

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com naturalidade num escritório ou num hotel. Édison se prontificou a apresentá-la se às pessoas

que julgava importantes de serem conhecidas.

Édison empreendia as suas próprias pesquisas de campo entre os negros,

colhendo material para o jornal que o contratara como repórter e para o novo

livro que planejava escrever. De modo que concordamos em fundir os nossos

recursos, os nossos conhecimentos, o nosso tempo, as nossas observações.

Preciso dizer que a devedora fui eu? Na verdade, a sua companhia convenceu a

polícia de que eu era politicamente culpada; mas, naquela terra, onde a tradição

trancava as mulheres solteiras em casa ou as lançava à sarjeta, eu teria sido

incapaz de me locomover, a menos que escoltada por um homem de boa

reputação. E ali estava ele. Além do mais, para os negros era a melhor garantia

possível de que eu não era uma espiã de classe alta, nem uma simples enxerida;

e, até certo ponto, ele anulava o mal-estar que sentiam na presença de

estrangeiros. Édison que vivera entre eles toda a sua vida e os descrevia na

imprensa diária, apresentava-me e era considerado o meu “protetor”. (Landes,

2002).

Durante os meses seguintes, Édison Carneiro e Ruth Landes visitaram pessoas, comendo

com elas nas suas casas, conversando tardes inteiras sobre coisas de seu interesse, passando dias

e semanas em cerimônias e festas. Durante o período em que estiveram juntos, Édison Carneiro,

aconselhava Ruth Landes sobre como devia portar-se ou vestir-se na Bahia.

A primeira pessoa com quem Édison acertou uma visita formal foi um

negro de cerca de 80 anos conhecido como Martiniano. Era uma instituição na

Bahia, e na verdade em todo o Brasil; consideravam-no um sábio no seu mundo.

Fomos ao Engenho Velho num domingo de tarde, quando o tempo

devia inaugurar o período de festas cultuando Oxalá, o idoso pai dos deuses

africanos.

Prosseguindo no seu programa de me apresentar àqueles que eram bons

exemplos do modo de vida dos negros, Édison me levou a visitar o primo de

Martiniano, Felipe Néri.

(Landes, 2002)

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Edison Carneiro é o personagem central do livro A Cidade das Mulheres, em que Ruth

Landes narra esta pesquisa de campo. Nele, além de Ruth Landes escrever todo o tempo na

primeira pessoa relatando passo a passo sua experiência de campo, são apresentadas algumas

conclusões sobre o candomblé na Bahia. O livro, que traduz a pesquisa de Ruth Landes e sua

íntima relação com Édison Carneiro, é hoje considerado um clássico no estudo do candomblé e

das relações inter-culturais na Bahia.

A polícia secreta de Getúlio Vargas expulsou Ruth Landes da Bahia pouco antes do

Carnaval do ano de 1939. A pesquisadora continuou a se corresponder com Édison Carneiro até

a morte deste na década de setenta. Ao longo de uma troca de cartas que durou mais de trinta

anos, Ruth Landes e Édison Carneiro discutiram sobre seus projetos, pesquisas, relações

profissionais e amorosas. Ruth Landes e Édison Carneiro falaram também de suas lembranças

dos encontros com os membros da comunidade negra da Bahia.

Podemos identificar a realização por Edison Carneiro de um exercício de memória, ao ler

o livro de Ruth Landes e comentar, nas cartas trocadas entre os dois, a experiência de pesquisa

que dividiram. Carneiro reviu a tradução original e também fez as correções sugeridas por

Landes, na ocasião de uma nova visita dela ao Brasil em 1966, um ano antes da publicação da

primeira edição brasileira de A Cidade das Mulheres (publicado em 1967 pela Editora

Civilização Brasileira, vinte anos depois da publicação americana). Acrescentou notas, com

nomes completos e apelidos de pessoas, a tradução de gírias e expressões locais, as histórias e

endereços dos terreiros de candomblé de Salvador, as datas exatas dos acontecimentos, os nomes

de políticos a quem Landes se refere, os lugares por onde passaram, os compositores e as

músicas da época, os estabelecimentos comerciais da cidade.

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I read your book and was amazed to see how undying are indeed the memories

of that time – those beautiful and glorious days of Bahia. Even the simplest

things – like the song of Master Domingos and the name Áydano and the others

called me, Mestre Antigo, were not forgotten by you. It‟s wonderful. It amuses

me (or, in Portuguese, eu acho graça) to read the things you recall. I am grateful

to you for not letting that year die, for reviving those incidents of our daily life

among the blacks of Bahia, for upholding the dreamy, the one-thousand night

tale of our friendly partnership18

.(Carta de Edison Carneiro para Ruth Landes)

Em parte, o processo que o levou a valorizar a perspectiva do trabalho de campo

relacionava-se a outros diálogos intelectuais que Edison Carneiro começa a travar, colocando-se

sob influência da antropologia cultural norte-americana. Essa troca de influência tem uma de

suas marcações fundamentais revelada no posicionamento que assume, ainda que tardiamente,

em relação ao episódio que envolveu as duras críticas feitas publicamente por Arthur Ramos e

Melville Herskovits ao trabalho de Ruth Landes, e que a perseguiram ao longo de toda sua

carreira. Não me concentro aqui em detalhar o episódio, o que já foi feito muito cuidadosamente

por outros autores (Healey, 1996; Cole, 2003, Corrêa, 2003). Considero importante destacar a

repercussão da relação com Landes no processo de sua construção subjetiva como um etnógrafo

profissional e de sua escolha pela pesquisa de campo, a partir da qual ele se afastou

crescentemente das perspectivas de Arthur Ramos. A substância da crítica de Carneiro a Ramos

18

Li o seu livro e fiquei maravilhado ao ver como são de fato inesquecíveis as memórias daquela época – aqueles

dias bonitos e gloriosos na Bahia. Até as coisas mais simples – como a música do mestre Domingos e o nome que

Àydano e os outros me chamavam, Mestre Antigo, não foram esquecidos por você. É fenomenal. Divirto-me, acho

graça, ao ler as coisas que você se recorda. Sou grato a você por não deixar aquele ano morrer, por relembrar

aqueles incidentes da nossa vida cotidiana entre os negros de Bahia, por sustentar a nossa sonhadora e amigável

parceria de mil e uma noites.

Este trecho é de uma carta enviada por Edison Carneiro a Ruth Landes, cuja cópia está no arquivo do Museu de

Folclore. O fato de ter feito cópias dessas cartas sugere mais um indício da realização de um arquivo de si.

Em nenhuma das cartas que estão no Museu de Folclore encontramos um tom que denuncie o envolvimento

amoroso entre os dois, muito provavelmente porque este arquivo foi preparado por sua viúva. Para Waldir Oliveira,

amigo do casal: Madalena tinha horror a Ruth Landes, porque sabia que tinha havido um caso entre os dois.

Madalena não gostava de Ruth Landes, não gostava nem que se falasse no nome dela.

(Entrevista com Waldir Freitas Oliveira)

A maior parte da correspondência trocada entre eles integra a coleção Ruth Landes Papers, do National

Anthropological Archives, órgão que integra a Smithsonian Institution, à qual não tive acesso. Uma análise

cuidadosa destas cartas está em Cunha, 2004.

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está na superficialidade que ele vê no contato pessoal deste último com os candomblés da Bahia,

contrastando-a com a intimidade que ele próprio e Landes teriam estabelecido (Carneiro, 1964).

Antes disso, em 1935, Carneiro publica uma crítica ao autor, que não tinha ainda tomado como

seu mestre: em Arthur Ramos, o negro, a bem dizer, se despersonaliza, vale apenas como objeto

de estudo. (citado em Oliveira e Lima, 1987). Ambas as críticas seguem a mesma linha ao

contrapor um contato mais aproximado proporcionado pelo trabalho de campo e a relação

estabelecida por uma pesquisa “de gabinete”.

Fui um dos amigos a quem Arthur Ramos a apresentou, por carta, na

Bahia. Durante cerca de seis meses eu a acompanhei a quase todos os

candomblés da cidade; indiquei-lhe as pessoas com quem deveria trabalhar – e

com as quais trabalhou, todas as tarde, nos dias úteis; forneci-lhe livros; juntos

assistimos a cerimônias públicas e privadas dos candomblés, participamos da

vida popular da cidade e discutimos o andamento das pesquisas, verificamos

dados e seguimos pistas por eles sugeridas.

Artur Ramos, que se considerava e era considerado os dono do assunto,

não podia estar contente. (...) consciente de que o seu contato pessoal com os

candomblés da Bahia era superficial, no intervalo de mais de dez anos desde que

Artur Ramos transferira residência para o Rio de Janeiro (Carneiro, 1964).

Edison Carneiro retira sua autoridade etnográfica dessa “observação direta”. Quando

marca sua opção por “ir a eles”, está também participando da fundação da tradição do trabalho

de campo na antropologia brasileira. As tradições que irá inventar para o outro se relacionam

com as tradições que inventa para si. Primeiro estuda os nagô, se colocando como um herdeiro

de Arthur Ramos e Nina Rodrigues. Depois, se volta para os banto e dialoga com a antropologia

boasiana do trabalho de campo.

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Figura 10: Edison Carneiro em 1939, aos 26 anos de idade. Foto de Ruth Landes. National

Anthropological Archives, Smithsonian Institution (Publicada em Colle, Saly. Ruth Landes – A Life in

Anthropology. University of Nebrasca Press, 2003).

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Figura 11:

Mapa 4: Circulação de Edison Carneiro com Ruth Landes:

1) Hotel em que ela ficou hospedada na Rua Chile, na Cidade Alta/ 2) Casa de Martiniano do Bonfim –

Caminho Novo do Taboão – Comércio/ 3) Terreiro do Engenho Velho – Travessa Joaquim dos Couros –

Acupe de Brotas (Antigo Engenho Velho do Rio Vermelho de Baixo)/ 4) Casa de Amor e Zezé – Rua

Alto do Gantois – Federação/ 5) Cabeceiras da ponte – Península de Itapagipe/ 6) Terreiro de Mãe Didi –

São Caetano/ 7) Terreiro de Mãe Sabina – Quintas da Barra/ 8 – Terreiro de Mãe Flaviana – Vila Flaviana

– Engenho Velho da Federação – Antigo Rio Vermelho de Cima/ 9 – Igreja de Nossa Senhora da

Conceição da Praia/ 10 – Igreja do Bonfim – Monte Serrat

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2.5 - Coligir notas, classificar dados, sistematizar o material recolhido:

Manual de pesquisa

Um componente indissociável do modo como Carneiro entendia o trabalho de campo e a

etnografia é o aprendizado da linguagem. Deste aprendizado faz parte sua atenção às categorias

nativas, que ele chama de “pitorescas expressões”, registrando-as destacadamente no texto, em

itálico ou entre aspas, não deixando escapar a gramática, a fonética, a pronúncia, a origem e os

usos cotidianos das palavras.

Para Edison Carneiro o pesquisador deve “ir a eles” também munido do domínio do

idioma nativo. Em 1933, inicia, na companhia do romancista Guilherme Dias Gomes, um curso

de ioruba tomando como professor o babalaô Martiniano do Bonfim, e estudando num “guide

pratique” de missionários franceses. O aprendizado da linguagem nativa tem para Edison

Carneiro a importância de ser uma das etapas do ciclo de sua iniciação como etnógrafo.

Conhecia bem a língua nagô já ao tempo de nossas andanças noturnas nos

terreiros, e publicou um vocabulário num dos seus livros. Conversava no idioma

africano com Martiniano do Bonfim e Felisberto Sowzer, entre outros, como vi

e ouvi por várias vezes. (Ferraz, 1972).

Outra de suas estratégias é a redação de grandes glossários, um deles A Linguagem

Popular da Bahia publicado em livro, e outro, “Vocabulário dos termos usados nos candomblés

da Bahia”, como apêndice de Candomblés da Bahia.

O autor justifica a necessidade de se saber o nagô ou ioruba, ao afirmar a “extraordinária

fluência” com que “gregos e troianos” falam o nagô na Bahia e por ele designam os objetos de

culto, situações, cerimônias. Depois, se apóia em Arthur Ramos para notar a inexistência, na

literatura científica brasileira, de contribuições para o estudo das línguas sudanesas faladas no

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Brasil. Assim, cria uma lacuna que ele próprio vem a preencher, colocando-se como aquele que é

capaz de traduzir para outros pesquisadores os significados ocultos por esta outra língua nos

cânticos e expressões ouvidos e lidos em campo. É por esse motivo que, ao enviar de presente

para Arthur Ramos um caderno em mussulmi, um “raio de língua...”, mais um dos presentes e

notícias vindos dos terreiros de Salvador que costumava enviar a seu professor no Rio de Janeiro,

ele abre mão de todos os direitos sobre este manuscrito, mas pede ao seu editor que se refira ao

caderno como “parte da coleção de Edison Carneiro”. Parece ser importante para ele ser o autor

de referência quando o assunto é o conhecimento e a tradução dos idiomas africanos da Bahia.

Várias das palavras listadas em seus glossários fazem parte de sua própria linguagem

cotidiana, que surpreendemos nas cartas que escreve a Arthur Ramos e nas conversas com Ruth

Landes: “o monstrengo”; “preguiça, essa „dona Paula‟ que casou comigo”; “macafuzada”;

“barafunda”; “o bicho”; “a coisa”; “o troço”; “eu sou um limpo”; “nas tangas”; “facada”; “meter

a viola no saco”; “borocotós”; “farol”; “de cambulhada”. Não é à toa que Jorge Amado apelidou

o livro de “o vocabulário de falar baiano, do Mestre Edison Carneiro”.

Porém essa linguagem mais identificada não aparece nos livros. O efeito disso é a criação

de um jogo de continuidades e descontinuidades. Carneiro oscila entre diferentes formas de

elaborar sua subjetividade, sugerindo estar numa posição liminar. Isso lhe dá a possibilidade de

construir-se e reconstruir-se a cada situação: nos livros, em que privilegia o tom formal e

impessoal, limpando os sinais dessa identificação; nos diferentes comentários que seleciona para

as orelhas dos livros; nas conversas com Ruth Landes; nos encontros com seus amigos-

informantes em campo, em que usa uma linguagem repleta de gírias e expressões baianas; nas

cartas para Arthur Ramos; fazendo uso de sua experiência múltipla para elaborar também

múltiplas dimensões de sua subjetividade.

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Em alguns lugares as referências ao seu trabalho de campo aparecem de forma fluida. Ele

não parece participar dos eventos como um pesquisador, mas como alguém que circula

cotidianamente pelas festas e casas e absorve impressões de forma intuitiva. Esse seria, para

Ruth Landes, o método de trabalho de campo de Edison Carneiro.

In 1938-1939 Edison and I were endlessly available to the cult folk, endlessly

patient and cheerful, always alert, mindful to take notes and snap-shots. We

never used a tape recorder or a comparable instrument. Edison rarely took

detailed notes, but he had a highly sensitized memory. He produced feature

stories for his newspaper about cult doings; he wrote books; he wrote memos

for me, which I still keep. One saw all of him as an instrument for sopping up

impressions. From him I learned to listen – a technique that cannot be matched

for garnering insights. Watching me in the field years later, my husband said

that I gathered information the way a busy stream runs underground trough

woods; I must have modeled my technique after Edison‟s way19

. (Landes, 1970)

Outras vezes media a relação com o campo e com seus informantes a partir da imagem do

etnógrafo profissional: tira fotografias, colhe canções, pesquisa em arquivos e bibliotecas,

comparece a cerimônias representando o jornal, promove inquéritos, questionários quantitativos.

Através do gravador de som, da câmera fotográfica e do bloco de notas, ele não só se percebe,

mas se apresenta como etnógrafo. Com esses objetos materiais parece querer criar uma separação

entre sujeito e objeto de pesquisa.

Ainda que sua construção de si oscile, ao marcar o capítulo inaugurador de sua trajetória

como etnógrafo profissional, parece escolher enfatizar essa dimensão de sua subjetividade.

19

Entre os anos de 1938 e 1939, Edison e eu estávamos infinitamente disponíveis à cultura popular, infinitamente

pacientes e animados, atentos em tomar notas e tirar fotos instantâneas. Nós nunca usávamos gravadores ou um

instrumento comparável. Edison raramente tomava notas detalhadas, mas tinha uma memória altamente sensitiva.

Ele produzia artigos sobre os feitos culturais em seu jornal; escrevia livros, escrevia lembretes para mim, que ainda

guardo. Ele era visto como uma ferramenta para encharcar-se de impressões. Com ele aprendi a escutar – uma

técnica incomparável de propiciar intuições. Observando-me anos depois em campo, meu marido disse que eu

recolhia informação da mesma forma que um córrego denso flui subterraneamente sob a floresta; devo ter moldado

minha técnica à maneira de Edison.

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Sua autoridade etnográfica tem o conflito como princípio estruturador: ela é retirada da

observação direta, que só é possibilitada por este contato íntimo que ele tem com o campo. Mas

essa intimidade deve ser retirada do texto para legitimar a cientificidade de sua escrita. A marca

dessa cientificidade é colocada por ele no uso de uma linguagem sóbria, objetiva.

Yesterday they called to say they want to publish it, if I will write in the first

person. You see, I rest myself out or rather, I appear as an old missionary, and

you appear under the name of Edgar Souza (but I have extensive quotations

from the works of Edison Carneiro). However they want the real identities20

.

(Ruth Landes em carta a Edison Carneiro)

I can not accustom myself with the idea that you could not make the book you

would have written – a scientific one21

. (Resposta de Edison Carneiro)

Espero que você goste do livro – e da minha sobriedade de linguagem. (Edison

Carneiro numa outra carta a Ruth Landes, falando do livro que acabara de

lançar, O Quilombo dos Palmares)

Seu esforço por se separar do campo, é indicado pelos sentidos que guiam sua observação.

Sua descrição sugere um movimento de distanciamento ao apelar para os sentidos da visão e da

audição. Como etnógrafo, a marca do seu estar lá é a de um observador atento e cuidadoso, que

registra tudo o que vê. O olhar é um dos sentidos que media sua experiência em campo, ou, pelo

menos, é através dele que elabora textualmente essa experiência. Nós leitores vemos, a partir dos

olhos de Edison Carneiro, o que está à sua volta. Preocupado em apreender detalhadamente a

cena que está observando, ele parece seguir um manual ao descrever cada festa que visita,

comparando as semelhanças e diferenças entre as festas dedicadas a cada orixá e as festas de

20

Ontem eles ligaram dizendo que querem publicá-lo, se eu concordar em escrever na primeira pessoa. Eu não me

coloco no texto, ou às vezes apareço como uma velha missionária, e você aparece com o nome de Edgar Souza (mas

apresento citações extensas do trabalho de Edison Carneiro). No entanto eles querem as verdadeiras identidades. 21

Não consigo me conformar com a idéia de que você não pôde produzir o livro que iria escrever – um livro

científico.

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cada terreiro: as roupas, de que materiais são feitas, que cores têm, que objetos trazem, qual a

postura corporal com que dançam as filhas de santo, como se posicionam no espaço destinado

para a festa, que animais são sacrificados, que comidas são servidas, que objetos estão nos

altares, que instrumentos musicais são utilizados, quais as técnicas corporais que demandam, em

que momentos da festa cada orixá aparece, quem são as pessoas que frequentam, como vão

vestidas. Ele recria a partir de sua memória “altamente sensitiva”, como a descreve Ruth Landes,

imagens de alto poder expressivo, tamanha a quantidade de detalhes da cena que descreve.

O outro sentido é o da audição. Como observador, ele apenas descreve a cena que vê e

reproduz a fala que escuta, procurando também traduzi-la, atento às palavras usadas nos

diferentes terreiros ou cidades da Bahia para falar das mesmas coisas, à tradução do nagô para o

português, que quando não consegue fazer sozinho solicita a algum dos pais de santo com quem

está trabalhando, e aos significados dados a elas por cada um dos seus informantes e,

principalmente, aos “cânticos”, nos quais encontra palavras em nagô, quimbundo, mussulmí,

para ele importantes “lembranças” da África. Na maior parte das descrições, sua análise incide

sobre os cânticos. Fazendo essa escolha, entre a experiência sensorial múltipla que é uma festa

de candomblé, ele circunscreve um objeto de análise, que é apresentado como um documento

nativo, não mediado pela sua interpretação, mas registrado tal qual ouviu nas festas ou foi ditado

a ele por seus informantes.

Metáforas visuais e auditivas são parte desse esforço de separação. Edison se coloca como

alguém que está fora do acontecimento, observando a festa e identificando, pelas roupas que

vestem e pelas músicas que cantam, os orixás que estão sendo cultuados. Ele só se coloca como

parte da cena ao se localizar espacialmente nela, não se mostrando preocupado com o efeito que

sua presença possa provocar no desenrolar da cena que ouve e observa. Os outros sentidos –

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olfato, tato, paladar – através dos quais ele também experiencia as festas de candomblé, as visitas

aos terreiros e às casas das pessoas, são deixados de fora de sua escrita, bem como as

repercussões subjetivas desses eventos, os sentimentos e emoções que experienciou ao participar

deles.

A linguagem através da qual Carneiro busca organizar sua experiência, se faz através do

discurso do método científico, pretensamente objetivo e neutro, valorizando o controle e a busca

de coerência nos fatos narrados, preocupado em se afastar de um discurso coloquial e auto-

referenciado. Porém transita de forma tensa entre um modelo e outro. As memórias de infância e

algumas narrativas que “denunciam” uma identificação com o campo e sua experiência pessoal

permeiam a escrita de seus textos, revelando as ambiguidades constitutivas de sua figura.

A própria organização do acervo do autor no Museu de Folclore Edison Carneiro, que se

restringe a documentos oficiais e institucionais (além do material publicado), marcam a tentativa

de produzir um modelo de subjetividade em que “pessoal” e “etnográfico” figurem como

perfeitamente separados (Cunha, 2004).

Mas este esforço nunca é completamente bem sucedido. Nicholas Thomas traz à tona para

o tema do colecionamento o ponto de vista da subjetividade do colecionador. Em seu estudo das

viagens do Capitão Cook pelo pacífico, o autor explora uma categoria que nos permite lançar um

novo olhar sobre o universo de Carneiro: a paixão que se mistura ao “conhecimento legítimo” e o

esforço dos cientistas de representar seus interesses em termos que façam uma limpeza de

qualquer rastro dela (Thomas, 1994).

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2.6 - A gente qué samba,

Mas a poliça contrareia…22

Por uma escrita militante

Ao mesmo tempo em que está preocupado em construir um discurso científico, objetivo,

neutro, os papéis do político e do científico não são tomados por Edison Carneiro como

conflitantes, como o são os papéis pessoal e profissional. No que diz respeito a isso, é

interessante notar a observação de Mariza Corrêa “Édison Carneiro nunca teve um posto

acadêmico, apesar (ou talvez por causa) de sua luta política pelos direitos dos negros e das

associações religiosas de origem africana em Salvador” (Corrêa, 1988).

A identificação com o universo nativo que explicita é a identificação política. Ele não

separa esse programa de sua etnografia acadêmica, mas conjuga-os, bem como as suas

preocupações com o comunismo e com a religião.

Não são materialistas e, também nesse sentido, não são modernos. Os

pretos são bons e afetuosos e até as relações e a filosofia do culto são afáveis. A

sua religião proporciona uma resposta para cada situação. Parece que

necessitam desse tipo de segurança. É de fato a única segurança deles.

O verdadeiro ópio é a ignorância e o analfabetismo em que vivem, coisa

pela qual mal se pode culpá-los! Culpemos os latifundiários e toda a nossa

ineficiente economia. Na minha opinião, o candomblé é uma força criadora. Dá

às pessoas coragem e confiança e faz com que se concentrem na solução dos

problemas desta vida, e não na paz do outro mundo. Não sei onde estariam os

negros agora sem o candomblé! (Edison Carneiro citado em Landes, 2002).

Esta concepção “política” da religião repercute no modo como sua etnografia é

produzida, buscando se expressar nos termos de sua luta contra a pobreza dos negros da Bahia, a

perseguição policial ao candomblé e o preconceito das elites expressado pela imprensa. Tal

22

“Embolada” colhida por Edison Carneiro no Mar Grande (Carneiro, 1937).

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preocupação determina as categorias do seu discurso. Todas as suas entrevistas com pais de

santo no jornal iniciam-se por uma descrição detalhada da simplicidade de suas casas, de seus

terreiros, de suas roupas, de suas figuras e sua relação com a polícia. É para isso também que

chama sempre a atenção de Ruth Landes. Apesar de “fazer o possível para não citar o velho

Marx”, a noção de classe organiza seu pensamento, estendendo-a, inclusive, à descrição dos

orixás.

Omolu especialmente o velho, isto é, São Lázaro, - é muito querido nos

candomblés afro-bantos da Bahia. E isso talvez se justifique devido à miséria

em que vive a maioria dos negros, cujo único consolo talvez seja mesmo o de

Omolu, santo que os previne contra a bexiga ou outras moléstias que afetam

igualmente a pele. Sabe-se do verdadeiro horror que a simples perspectiva de ir

para o hospital faz nascer entre as populações pobres em geral e nos negros em

especial. Eles, quando vão para lá, fazem-no na qualidade de indigentes... Os

negros supõem que, em casa, se tratarão melhor. Principalmente devido à

intervenção do velho Omolu.

De Omolu pode dizer-se que é um orixá de classe, um orixá dos pobres.

Ele torna inútil a medicina oficial, livrando os negros do perigo de apodrecerem

nos hospitais. (Carneiro, 1937).

A persona do militante político é um componente fundamental de Edison Carneiro como

intelectual. A categoria perda é estruturante não só de seu objeto de pesquisa, mas também de

seu papel como alguém que deve salvá-lo (Gonçalves, 2002). Chamo atenção para o significado

desta posição no momento em que está escrevendo, o período da perseguição policial ao

candomblé, das prisões de chefes de culto, das apreensões de objetos sagrados e das proibições

de festas e cerimônias religiosas nos terreiros.

A perseguição política ao próprio Edison Carneiro se iniciou cedo, e perdurou até o fim

de sua vida, por movimentar publicações, mobilizar uma influente rede de relações, estar ligado

a jornais da oposição e, principalmente, pelo seu comprometimento com as chamadas “classes

populares”.

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Ele não pôde se formar, receber o grau no mesmo ano que se formou, porque foi

o ano da Intentona Comunista, em 1935. Ele era pra se formar em 1935, mas se

ele aparecesse pra receber o diploma, ele seria preso. Ele então se refugiou em

Mar Grande, na casa de um parente de João Ubaldo, e lá ficou escondido. No

outro ano ele se formou, veio receber o diploma quando a coisa tinha amansado.

Mas ele foi comunista desde cedo (Entrevista realizada com o Professor Waldir

Freitas Oliveira).

O ano de 1936 foi bastante movimentado para Édison Carneiro. O jornal O Estado da

Bahia o contratou como colaborador, tendo em vista seu grande conhecimento na área de cultos

populares. Carneiro aproveitou o espaço para denunciar os excessos do governo e da classe

dominante baiana.

Um desses episódios teve lugar quando Édison Carneiro foi enviado pelo jornal para

cobrir uma situação de conflito envolvendo as terras de uma reserva indígena, posto Paraguaçu,

ocorreram de 25 de outubro a 22 de novembro de 1936, em Itabuna. Carneiro e as autoridades

policiais terminaram entrando em impasse, com o primeiro mandando informações diariamente à

edição do jornal. Embora os últimos afirmassem ter sido um surto comunista, Édison defendia

que se tratava de reivindicação pelas terras doadas aos índios, das quais os fazendeiros queriam

apoderar-se. Para o jornalista baiano, o conflito tinha se transformado em simples ação de

repressão policial. As reportagens escritas por Carneiro fatalmente geraram a insatisfação dos

militares envolvidos e fazendeiros. No intento de assustar e tentar calar a voz do jornalista, ele

sofreu uma violenta agressão na noite de 25 de dezembro.

E a surra que Edison tomou, quando ele voltava pra casa do jornal, no Sodré,

não foi por causa de perseguição política, foi porque ele denunciou o que estava

se fazendo com os índios lá no núcleo Paraguaçu. O que tavam querendo era

dizer que os índios eram comunistas, estavam liderados por comunistas, mas o

que estava se querendo era tomar a terra dos índios para plantar cacau. E ele

denunciou tudo isso nos arquivos do Diário de Notícias. A surra que ele tomou,

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que foi uma surra feia, foi por causa disso, não foi porque ele era comunista não,

foi como jornalista corajoso, que botou os pontos nos is, disse o que tava se

passando lá em Ilhéus (Entrevista realizada com o Professor Waldir Freitas

Oliveira).

Em seguida, no ano de 1937, Carneiro continuou sendo ativamente perseguido. O nome

de Carneiro apareceu em telegrama enviado pelo Coronel Antônio Fernandes Dantas,

Comandante da Região Militar, ao Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, no dia

anterior do golpe que suscitou o Estado Novo. Figura neste telegrama: “Penúltima reunião foi

deliberada prisão imediata 29 comunistas constantes relação polícia Estado: foragidos 15, presos

3, sendo procurados 10, ignora-se 1. Sessão dia 7 pedida prisão mais 5, inclusive Anísio

Teixeira. Informa Governo que um, Edson Carneiro, acha-se foragido e demais interior Estado

polícia recebeu ordens prender” (Magalhães, 1982). O telegrama evidencia a tensão do período

anterior ao golpe que inaugurou a ditadura de Getúlio Vargas.

Ruth Landes menciona em A Cidade das Mulheres dois períodos em que Edison esteve

preso, por um curto período de tempo, um deles antes de sua chegada à Bahia e o outro durante

sua estada. Para a antropóloga americana, que fez suas pesquisas num momento político

conturbado, o Estado Novo, e que já era alvo de desconfianças por parte da polícia política, a

associação com Edison Carneiro só fez alimentar as suspeitas de espionagem que recaíam sobre

ela, o que culminou com sua expulsão do país. Em muitas passagens do livro e de um artigo

escrito por Landes no qual reflete sobre sua passagem pelo Brasil 30 anos depois (Landes, 1970),

a dupla aparece sendo perseguida por policiais à paisana – os “secretas”, identificados por

Edison. Aparecem aí também as técnicas desenvolvidas por ele para reconhecê-los e despistá-los,

o que reforça a ideia de que era perseguido constantemente.

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Édison se divertia – Bom, agora você sabe que é perigosa. Você é amiga de

quem não deve, você não deve ser vista nem com negros nem com gente

formada. Ou acabará na cadeia conosco, o ano que vem! (citado em Landes,

2002).

Ao longo da década de 1930, são muitas as suas mudanças de residência, ocasionadas tanto

pelas dificuldades financeiras que enfrentava a família, quanto pela perseguição política que faz

com que ele tenha que se esconder. Sua correspondência também deveria estar sendo vigiada e,

por isso, lançava mão de uma série de artimanhas para manter suas atividades em meio à

censura, recebendo sua correspondência por intermédio de outras pessoas, ou não postando o seu

endereço nos envelopes, mas o dos lugares em que estava trabalhando:

Vai assim em artigo, devido à insegurança da minha vida atualmente. Apenas

para não se perder a documentação. Sei lá si vou morrer ou, pelo menos,

apodrecer numa prisão! (Carta de 23/04/1936 de Edison Carneiro para Arthur

Ramos. Oliveira e Lima, 1987).

Entre os documentos que compõem o arquivo de Edison Carneiro do Museu de Folclore

Edison Carneiro constam mandados de busca e apreensão para sua residência, estes já do período

da ditadura militar, quando foi afastado da direção da Campanha de Defesa do Folclore

Brasileiro, por sua ligação com o Partido Comunista. O autor se filiou ao partido ainda durante

seus anos de faculdade e a perseguição política a ele se estendeu até os últimos anos de sua vida.

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2.7 – Edison Carneiro mediador

Carneiro concebe seu papel de intelectual como o de um mediador. Esta categoria pode

ser válida para pensarmos em que bases ele formula sua relação, como intelectual, com a cultura

popular.

Para as “orelhas” do livro aproveite as seguintes coisas:

“... um dos guias da sua geração e um „leader‟ das reivindicações da raça negra

do Brasil”. Alves Ribeiro

(Carta de 27/09/1937 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,

1987).

“Polícia”, “autoridades”, “elite”, “intelectuais”, “imprensa”, bem como “classes

populares”, não são conjuntos homogêneos. São várias as estratégias de resistência e as

possibilidades de relacionamento entre o mundo do candomblé e o da cultura e religião oficiais.

Não são todos que reprimem, não se reprime sempre, nem a todos, nem da mesma forma

(Lühning, 1995/ 1996).

São poucas as fontes que registram a narrativa que os “nativos” fazem desse encontro. As

pistas indicam que Edison era chamado entre eles de “seu doutor” ou “meu pai”. Era visto como

um doutor, um cientista, mas será que diferente dos outros? Era visto como negro ou como

branco? Sua condição financeira favorecia uma maior identificação? Será que seus informantes

também viam nele essa ambiguidade, mais que em outros pesquisadores com quem tiveram

contato?

A ambiguidade da figura de Edison Carneiro, revelada nesse jogo de distanciamento/

aproximação, se estende ao seu corpo. Para ele próprio, o fato de ser “um homem de cor”

possibilita uma proximidade diferenciada com o campo. É isso que sinaliza quando indica ao seu

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editor os comentários que ele próprio seleciona para compor a orelha de seu livro. Os autores que

comentam a trajetória de Edison Carneiro o classificam como mulato. Não encontrei em nenhum

outro lugar, além deste citado aqui, Carneiro autoidentificando a cor de sua pele.

Para as “orelhas” do livro aproveite as seguintes coisas:

“Homem de cor, amigo da raça negra, é elle, hoje, sem nenhum partidarismo,

um dos orientadores, um „leader‟ dos homens de cor na Bahia” Flamma

(Carta de 27/09/1937 de Edison Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima,

1987).

No livro de Landes, Edison aparece circulando com bastante desenvoltura. Leva a

pesquisadora a festas em terreiros de tradições diversas, as casas de pessoas ligadas a estes

terreiros, a rodas de samba e capoeira, e parece sempre conhecer de perto suas histórias de vida,

e estar, em certa medida, presente em seu cotidiano. É recebido por essas pessoas às vezes com

certa reverência, e outras num registro mais informal.

Ele comparecia freqüentemente a essas festas, pois conhecia o ogã

encarregado de abater os animais dos sacrifícios, e as achava interessantes.

A rechonchuda filha do ogã sacrificador insistiu em levar Édison até o

nosso táxi, com outra moça a quem dava o braço, e comentou, amuada: - o dr.

Edison sempre dança até não poder mais! Mas hoje – nem nada!

-Ah, meu amor! – caçoou Edison, de bom-humor. – Você bem sabe que

o meu coração é seu! Sabe como me sinto honrado com a sua amizade! (Landes,

2002).

Enquanto circula com Ruth Landes pelos terreiros de Salvador, Edison recebe uma série de

convites para comparecer a festas, oferendas, apadrinhar bonecas sagradas. Em muitas dessas

situações aparece explicitamente que se espera que convites como esses devam render uma

notícia positiva no jornal. Em meio a isso, estabeleceu com a mãe de santo Eugênia Ana Santos,

Mãe Aninha, do terreiro do Axé de Opô Afonjá, uma relação de proteção mútua, ao que tudo

indica iniciada durante os preparativos para o congresso e que se estreitou progressivamente até a

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morte dela, tendo ficado inclusive refugiado em seu terreiro em um dos episódios de perseguição

pela polícia política.

No final de 1937, o escritor e etnógrafo Edison Carneiro, perseguido pelo

Estado Novo, veio refugiar-se no terreiro, sob o asilo de Mãe Aninha. Ficou em

casa de Oxun, e Aninha encarregou Senhora de velar por ele e prestar-lhe

assistência. Esse fato foi, por muitos anos, conhecido apenas de Senhora, até

que o próprio Edison deu-lhe divulgação pública (Santos, 1994).

Já lhe contei que ele me fez ogã?

É um posto honorário no candomblé, acessível a leigos de certa distinção.

Partilho essa honra com muitas pessoas eminentes e com alguns negros

humildes. Espera-se de nós que demos proteção ao templo, na forma de dinheiro

e de prestígio. Aninha descobriu que o meu anjo-da-guarda era Xangô, deus do

trovão e rei na região ioruba; de modo que me elevaram a ogã da corte de

Xangô. Naturalmente, peguei na alça do caixão no funeral de Aninha. Você não

pode imaginar como foi concorrido o enterro. (Edison Carneiro citado em

Landes, 2002).

Carneiro não publiciza essa condição. Em seu livro Candomblés da Bahia, escrito depois

disso, em que dedica um dos capítulos à descrição das cerimônias de “levantar o ogã”, ele

escolhe como “exemplo” a cerimônia dos ogãs de Xangô, sem mencionar sua própria

experiência. Para a “confirmação” do posto de ogã necessita-se ainda de outra cerimônia, da

qual fazem parte rituais mais demorados e mais complicados. Mais à frente, Carneiro explica a

Landes “Eu era então disputado como ogã pelo Engenho Velho e pelos candomblés de Aninha e

de Procópio, mas não me “confirmei” em nenhum” (Landes, 2002). Vários outros pesquisadores

das religiões afro-brasileiras foram ogãs de terreiros - Arthur Ramos, Donald Pierson, Melville

Herskovits.

Ele é, assim, usado como parte dos movimentos de resistência de pais e mães de santo em

sua luta ativa na construção de outra relação com os canais do poder, quando oficialmente não

havia espaço para isso. São várias as estratégias nessa direção, e a associação com políticos,

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autoridades e intelectuais que lhe davam visibilidade, prestígio e legitimidade, é uma delas. O

crescente movimento de valorização da “cultura negra” e da “cultura popular” que toma corpo

nos anos 1930, não parte só dos intelectuais. Os “nativos” também aprenderam a se definir em

termos de cultura e parte indissociável deste movimento é torná-la pública.

Uma das relações a que Edison Carneiro dá maior importância em seus textos deste

período foi a que ele construiu com a mãe de santo Dona Aninha. Segue a apresentação que ele

faz desta chefe de culto, num artigo que escreveu para o jornal logo após a morte de Aninha, em

1938. No ano anterior Edison tinha sido acolhido por ela em seu terreiro.

Foi decidido o seu apoio ao Congresso Afro-Brasileiro da Bahia. Eu e Áydano

do Couto Ferraz, que havíamos tomado a decisão de realizar o certame

científico de janeiro de 1937, mesmo às vésperas do Congresso ainda não

tínhamos podido procurar pessoalmente Aninha, de quem esperávamos

conseguir uma festa aos congressistas. João Calazans, indo a São Gonçalo,

encontrou-a em boa disposição para conosco. No dia seguinte, fomos finalmente

vê-la. A recepção excedeu a expectativa, pois em vez de uma simples mãe-de-

santo que se mostrava favorável ao Congresso, encontramos uma mulher

inteligente, que acompanhava e compreendia os nossos propósitos, que lia os

nossos estudos e amava a nossa obra. Aninha se comprometeu a escrever, e

escreveu, um trabalho sobre os quitutes trazidos pelo negro para a Bahia. E, em

apenas três dias de prazo, o Ôpô Afonjá pôde oferecer aos congressistas uma

das mais belas noites de que há memória nos fastos do candomblé no Brasil

(Carneiro, 1938).

Um jornal de grande circulação e um congresso de intelectuais do país inteiro se revelam

ferramentas privilegiadas para essas estratégias. Da parte de Edison Carneiro, é justamente dessa

associação que irá retirar sua autoridade etnográfica.

Seus primeiros informantes são pessoas ligadas aos terreiros “nagô” do Engenho Velho e

do Axé de Opô Afonjá, principalmente a mãe de santo Aninha e o babalaô Martiniano do

Bonfim. Ele procura escolher seus informantes privilegiados entre aqueles em quem localiza

uma relação com a tradição. A categoria tradição é usada para distinguir entre um tempo anterior

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e um posterior ao que teria sido a modernização da Cidade da Bahia. A marca desse tempo é a

relação com a África. Este é o tempo de “antigamente”, o “tempo de Nina Rodrigues”, dos

“velhos africanos”, daqueles que “ainda conheceram a escravidão”, e Martiniano do Bonfim é

um deles.

Martiniano do Bonfim foi a figura masculina mais impressionante das religiões

do negro brasileiro. Filho de escravos, estudou em Lagos, esteve na Inglaterra,

conhecia algumas cidades do país e falava inglês fluentemente. Podia passar

horas inteiras a conversar em nagô, que conhecia não de ouvido, mas por tê-lo

aprendido nas escolas dos missionários na Nigéria. Conhecia a maioria dos

grandes nomes das seitas africanas, podia cantar e dançar como ninguém e

merecia o respeito e a confiança universais dos negros da Bahia. Pedreiro e

pintor de profissão, abandonou a colher e a brocha para ensinar inglês aos

negros remediados da Cidade. Morreu com mais de oitenta anos (1943) e fez

mais de vinte filhos em diversas mulheres. Era um negro inteligente, instruído,

educado. Não fazia das suas habilidades como babalaô um comércio, nem muito

menos um meio de fazer mal ao próximo. Era fundamentalmente honesto em

assuntos religiosos, sendo fácil notar que acreditava realmente na força de tudo

o que fazia e nos poderes mágicos do que recomendava que se fizesse. Não

acumulava, à sua função de babalaô, a de medicine-men, limitando-se quando

muito, a aconselhar o sacrifício de um pombo ou outra prática mágica

igualmente inofensiva. Era recebido com homenagens especiais nos

candomblés, que se sentiam honrados com a sua presença. (Carneiro, 1948).

Enquanto Edison Carneiro é a porta de entrada de boa parte dos pesquisadores das religiões

afro-brasileiras na Bahia, o encontro com o babalaô Martiniano do Bonfim é narrado por ele

como responsável pela sua própria iniciação neste universo.

Martiniano tinha sido o principal informante de Nina Rodrigues e também recebeu papel

de destaque nas etnografias de Donald Pierson, Ruth Landes e Franklin Frazier. Não encontrei

nenhum registro de como se iniciou a relação de Carneiro com ele. É possível que, interessado

no assunto, tenha ele próprio ido procurar Martiniano. A partir daí, construíram uma relação

diferenciada. Ao que tudo indica, Edison não podia pagar a Martiniano pelas suas conversas,

como o faziam os outros pesquisadores, mesmo Nina Rodrigues e Ruth Landes. O que teria

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possibilitado esse outro tipo de relação, que faz com que ele se refira a este pesquisador como

“meu amigo Edison Carneiro”? Segue um trecho da apresentação de uma entrevista realizada

pelo jornal O Estado da Bahia com Martiniano do Bonfim. Esta é uma das primeiras da série de

reportagens que conta com Edison Carneiro como parte da equipe. Áydano do Couto Ferraz e

Reginaldo Guimarães, companheiros de Edison dos tempos da Academia dos Rebeldes também

estavam presentes no momento dessa entrevista, mas somente Edison conseguiria “conquistar a

confiança” de Martiniano.

Fomos ouvi-lo. Como todo negro africano, é desconfiado. Vê no branco um

inimigo tradicional, não acreditando jamais em suas boas intenções. As

experiências têm sido muitas. As traições incontáveis. Conquistada, porém, a

sua confiança, tudo se consegue. Sabedor disso, nos fizemos acompanhar de

Edison Carneiro, um antigo amigo do velho professor. Uma hora antes de

chegarmos, Edison Carneiro partiu para preparar o espírito do nosso homem23

.

O estreitamento dos laços com Martiniano aparece nas cartas em que escreve a Arthur

Ramos, nos dois livros em que ele é citado como fonte de informações (além de uma dedicatória

no segundo), nas posições que ocupa no II Congresso Afro-Brasileiro (presidente de honra) e na

União das Seitas Afro-Brasileiras (presidente) e é por ele que Edison inicia Ruth Landes no

mundo afro-brasileiro da Bahia. Ele vai sendo construído por Edison como uma figura também

ambígua, ora apresentado como “o babalaô Martiniano do Bonfim”, ora como “o Professor

Martiniano do Bonfim”, alguém capaz de fazer a mediação entre os intelectuais e os terreiros

para conseguir apoio para o congresso, seu professor do curso de nagô, homenageado em

diversas ocasiões e um leitor dos livros do próprio Edison Carneiro, e de Renato Mendonça,

23

Carneiro, Edison. “Martiniano, o famoso „babalaô‟ fez revelações interessantes”. O Estado da Bahia, Salvador, 14

de maio de 1936.

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Gilberto Freyre e Arthur Ramos (para quem Edison pede que envie livros, além de para si, para o

Professor Martiniano).

Mas aos poucos, Edison vai se aproximando dos chefes de outros terreiros: João da Pedra

Preta, do terreiro “caboclo” da Goméia; Manuel Paim, do terreiro “caboclo” Estrela de

Jerusalém; Manuel Bernardino da Paixão, do terreiro “banto” de Santa Bárbara; Manuel Falefá

da Formiga, do terreiro “jeje” do Poço Bètá e o casal Manuel Lupércio e Germina do Espírito

Santo, do terreiro de “caboclo” Filho das Águas. Sua associação com estas pessoas é duradoura ‒

começa na pesquisa para o Negros Bantos e estende-se às atividades do Congresso e da União

das Seitas Afro-Brasileiras. No decorrer dessas experiências, o pesquisador intensifica as trocas

com este grupo com o qual mantém uma atitude ambivalente.

O primeiro pai de santo mencionado no decorrer de sua pesquisa para o Negros Bantos é

João da Pedra Preta, ou Joãozinho da Goméia, do terreiro caboclo da Goméia. Nesta época, este

pai de santo desfrutava, por um lado, de grande fama na cidade de Salvador, e por outro, era alvo

de críticas por parte das mães e filhas de santo defensoras dos padrões da ortodoxia nagô (Silva e

Lody, 2002). Apesar desta oposição, Carneiro parece ter reconhecido o “poder” deste pai de

santo, que não é só o seu primeiro informante, como um dos principais, ganhando lugar de

destaque, tanto em seus livros, nas entrevistas para o jornal, como nas atividades do congresso. É

ele, ainda, que Carneiro vai escolher para fazer uma apresentação em programa de rádio,

divulgada amplamente em sua coluna no jornal.

Alguns anos mais tarde, em 1946, Joãozinho da Goméia se transfere para o Rio de Janeiro

e continua mobilizando atenções em sua direção e provocando polêmicas. Ainda na sua

despedida de Salvador, oferece uma festa no Teatro Jandaia com danças de candomblé. No Rio

de Janeiro participou de uma reportagem de jornal em que vestiu pessoas com as roupas dos

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orixás para serem fotografadas, realizou shows no Cassino da Urca, saiu fantasiado de vedete no

carnaval, participou dos desfiles das escolas de samba (Capone, 2004).

Nesse momento Edison está iniciando sua trajetória já de maneira peculiar. Parece-me

importante destacar isso, para entender o que significa a associação do pesquisador com este pai

de santo não ortodoxo. Curiosamente, no início da “carreira” de Joãozinho da Goméia, é Edison

Carneiro que estimula sua exposição pública, justamente onde reside a crítica das mães de santo

“tradicionais”24

.

24 Em fevereiro de 1939, Edison Carneiro se transferiu para o Rio de Janeiro, contratado para trabalhar em O Jornal.

Waldir Freitas Oliveira conta que ele se aproximou dos terreiros de umbanda, e encontrei vários artigos dele sobre as

macumbas cariocas. Alguns de seus informantes, pais e mães de santo de Salvador também se transferiram e

fundaram terreiros no Rio de Janeiro, entre eles Joãozinho da Goméia. Edison continuou a freqüentar o terreiro de

Joãozinho em Duque de Caxias.

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2.8 - Conseguir um lugar ao sol para o negro banto da Bahia25

:

O II Congresso Afro-Brasileiro e a União das Seitas Afro-Brasileiras

Edison Carneiro procurou empreender essa liderança através de suas reportagens no jornal,

da proposta peculiar do congresso, da criação da União das Seitas Afro-Brasileiras e de sua

atuação posterior à frente das instituições de Folclore.

Apontado por vários autores como o primeiro a buscar mobilizar a sociedade na luta pela

liberdade religiosa dos grupos de candomblé (Corrêa, 2003; Healey, 1996; Lühning, 1995/1996;

Nucci, 2005; Oliveira e Lima, 1987), Carneiro o fazia publicando no jornal entrevistas com os

pais de santo, em que falavam sobre sua religião, a relação com a polícia e suas reivindicações

pelo decreto da liberdade religiosa. Destaco o fato de as reportagens anunciadas na primeira

página do jornal serem feitas de entrevistas com pais de santo de terreiros de tradições diversas.

Se o objetivo delas é buscar legitimidade junto à sociedade para essas religiões, seu discurso não

exclui tradições outras que não a “nagô“ (são publicadas reportagens sobre a Mãe Aninha, do

terreiro “nagô” do Axé Opô Afonjá, e uma entrevista com o babalaô Martiniano do Bonfim,

associado a esta mãe de santo, mas também com os pais de santo Manuel Paim, do terreiro

Estrela de Jerusalém e João da Pedra Preta, do terreiro da Goméia, ambos de “candomblés de

caboclo” e ambas as reportagens publicadas com o subtítulo “Que diferença há entre a religião

dos brancos e a religião dos negros?”.

Outro evento preparativo do congresso, realizado um mês antes deste, foi a apresentação

na Rádio Commercial, para o grande público, de “cânticos de candomblés” dos filhos e filhas de

santo do mesmo terreiro de João da Pedra Preta.

25

Carneiro, 1937.

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A marca deste congresso em relação ao do Recife foi a participação de pais e mães de

santo de terreiros da Bahia, dividindo as mesas com os pesquisadores Eugênia Ana dos Santos,

do Axé do Opô Afonjá (com o trabalho Notas sobre comestíveis africanos), Manoel Bernardino

da Paixão (Ligeira explicação sobre a nação congo) e Manuel Vitorino dos Santos (O mundo

religioso do negro na Bahia), que integraram também a publicação organizada com os textos do

congresso; e em festas realizadas nos terreiros do Engenho Velho, do Gantois (esta também

transmitida pela rádio), de Procópio, da Goméia, de Aninha; de Bernardino e do Alaketu, para

receber os congressistas. Destaco novamente que, tanto os pais de santo que apresentaram

comunicações nas mesas do congresso, quanto os terreiros em que foram oferecidas festas para

os congressistas, integravam tradições diversas das religiões afro-brasileiras, “nagô”, “banto” e

“caboclo”.

Todas essas atividades foram diariamente anunciadas na primeira página do jornal e

comentadas nos dias que se seguiram.

Para Carneiro o congresso deveria se realizar quando fosse possível conseguir a presença

de um pesquisador de peso em Salvador, o que conferiria importância ao evento. Nos meses que

antecederam o congresso ele se mostra, nas cartas enviadas a Arthur Ramos, preocupado com o

seu apoio, colaboração e indicação de nomes para as mesas. Em parte, os muitos adiamentos em

relação ao período programado para a realização do congresso se devem à espera pela

disponibilidade de Arthur Ramos para participar. Gilberto Freyre seria também, para ele, uma

presença imprescindível no congresso, mas estaria em Portugal neste período.

Mas ele considerava igualmente imprescindível a participação dos pais e mães de santo

nas mesas de discussão e com a apresentação de comunicações sobre sua religião. A dificuldade

em fixar a data do congresso também se devia a esta outra exigência: “o congresso deve se

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realizar quando os candomblés estão funcionando”. Este é um dos alvos das críticas que recebeu

de Gilberto Freyre, em entrevista a um jornal pernambucano, depois reproduzida em O Estado

da Bahia. O outro foi o patrocínio conseguido junto ao governo da Bahia para o congresso. Essas

críticas renderam um debate entre os organizadores dos dois congressos afro-brasileiros.

Carneiro responde a elas na introdução do volume organizado com as comunicações do

congresso, O negro no Brasil, e em um artigo publicado anos mais tarde (Carneiro, 1964).

Mais que uma cisão, me parece que ele está buscando estabelecer um diálogo intelectual

com um pesquisador já consagrado. Este é um traço que pode ser surpreendido em outras

situações. Carneiro está participando da criação de um campo de estudos e, ao mesmo tempo,

marcando seu lugar dentro dele, ao provocar debates e colocar-se em permanente movimento.

Nessa discussão, está marcando uma posição. O congresso da Bahia é uma vitrine dos seus dois

projetos, um “científico”, a criação de uma entidade que acolhesse os estudos africanistas do

estado, e outro “político”, a criação da União das Seitas Afro-Brasileiras (ao longo de sua

curtíssima vida útil a instituição teve três nomes: Conselho Africano da Bahia, Liga das Seitas

Afro-Brasileiras e União das Seitas Afro-Brasileiras).

Sendo o objetivo desta última “conseguir a liberdade religiosa dos negros”, a associação

com o governo da Bahia parecia se fazer necessária.

A colaboração de Arthur Ramos, para a qual Edison insistia em suas cartas se devia

também às relações políticas que este poderia mobilizar, principalmente junto ao governador da

Bahia à época, Juracy Magalhães, inimigo político declarado de seu irmão, Nelson de Souza

Carneiro.

Meu caro Arthur Ramos,

Acho que já lhe escrevi que estou vendo si consigo a liberdade religiosa

dos negros. No dia 3 de agosto, vários ògans, paes-de-santo e gente de

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candomblé, convocados por mim, vão fundar o Conselho Africano da Bahia

(um representante de cada candomblé) que se proporá a substituir a polícia na

direcção das seitas africanas. No mesmo dia, todos assignaremos um memorial

ao governador, pedindo a liberdade religiosa e o reconhecimento do Conselho

como a autoridade suprema dos candomblés. Acho que conseguiremos tudo,

pois o governador tem uma bruta admiração por você e por Nina (que eu, aliás,

invoco no memorial) e, como você sabe, prestigiou efficientemente o

Congresso.

Não sei as suas relações com o governador, mas calcúlo que você

poderia, no dia 3 de agosto, escrever algo para elle, reforçando o pedido dos

negros. Isso seria excellente para todos nós, principalmente porque a commissão

encarregada de organizar o Instituto Afro-Brasileiro da Bahia (idéia que se fará

realidade depois de conseguida a liberdade religiosa) também reforçará o

memorial do Conselho, enviando um outro no mesmo sentido. Assim, atacando

por todos os lados, podemos ficar certos de que a boa vontade do governador

entregará aos negros essa coisa por que elles tanto lutam – a liberdade religiosa.

Tal a questão. Como sei que você não fará objecções, posso parar por

aqui.

Pegue os abraços do velho amigo

Edison (Carta de 19/07/1937 de Edison Carneiro para Arthur Ramos.

Oliveira e Lima, 1987)

Este Edison Carneiro mais “político” procurava mobilizar todas as influências que

estivessem ao seu alcance. É assim que consegue a cessão dos espaços do Instituto Histórico e

Geográfico e do Clube de Regatas Itapagipe para sediar as atividades do congresso, a subvenção

financeira do governo da Bahia e o apoio à iniciativa da União das Seitas Afro-Brasileiras26

.

A instituição teve vida curtíssima (consegui localizar reuniões entre agosto e outubro de

1937, todas anunciadas no jornal O Estado da Bahia), e precária, nunca teve sede própria27

.

26

Juracy Magalhães era simpático ao candomblé e amigo pessoal de um importante pai-de-santo, Manoel

Bernardino da Paixão, o Bernardino do Bate-Folha. Há na Bahia toda uma tradição oral, em parte certamente

exagerada, sobre o nível de relacionamento do pai-de-santo com o Governador Juracy. Algumas pessoas afirmam

que ele era ogã do terreiro do Bate-Folha, o que parece certo; outras o dizem simplesmente cliente e outros ainda,

filho-de-santo (com “bori feito e assentado”) de Bernardino (Oliveira e Lima, 1987).

Este pai de santo, Manoel Bernardino da Paixão, é um dos principais informantes de Carneiro. Mas, além disso, e de

sua notabilidade com um dos pais de santo mais procurados da Bahia de então, esta sua proximidade com o

governador pode ter sido um dos motivos que levaram Carneiro a convidá-lo para participar do congresso.

27

Uma dessas convocações anunciava:

A tesouraria da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia pede aos chefes de seitas ou a quem possa interessar, o

favor de se dirigirem à Ervanária São Roque, na entrada do mercado de Santa Bárbara, à Rua Seabra, das 12 às

12:40 horas e das 17 às 19:30 nos dias úteis, sempre que desejem satisfazer os seus compromissos com a União.

Bahia, 29 de setembro de 1937. – Marcelino Oliveira, tesoureiro.

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Não encontrei nenhum registro em que fique muito claro como se daria essa direção da

União das Seitas Afro-Brasileiras em relação aos candomblés. Em conversa com Ruth Landes,

Edison sugere que ela seria guiada pelo discurso da pureza nagô: “Eis porque organizamos a

União com os templos de boa reputação – para proscrever essa charlatanice” (Landes, 2002). Ele

é o secretário geral da instituição e o presidente é o babalaô Martiniano do Bonfim ‒ figura

respeitada da Bahia e defensor fervoroso do discurso da pureza da tradição nagô. Mas, ainda que

esse seja o projeto da instituição, ele não parece guiar sua trajetória. Edison lista, em 1937, cerca

de 100 terreiros de candomblé na Bahia, declarando que 67 deles estão inscritos na União. E

classifica-os “de acordo com as declarações dos seus respectivos chefes” como: Angola – 15;

Caboclo – 15; Kêto – 10; Jêje – 8; Ijexá – 4; Congo – 3; Ilú- Ijexá – 2; Alakêto – 1; Muçurumim-

1; Nagô- 1; Africano- 1; Dahoméa- 1; Yôrubá- 1; Môxe-Congo- 1; Angola-Congo- 1; Congo-

Caboclo- 1; Angolinha- 1 (Carneiro, 1948). Faz parte dessa lista o terreiro da mãe de santo

Sabina, curiosamente a quem Edison se referia, na conversa citada acima, como “charlatã”.

Ainda que eu não tenha encontrado registros do discurso oficial da União, sua prática me

parece ter sido mais abrangente, seguindo a proposta de “conseguir um lugar ao sol para o negro

banto da Bahia” (Carneiro, 1937), que já tinha também orientado a organização do congresso.

Esse, provavelmente, foi o motivo do rompimento entre o pesquisador e Mãe Menininha, do

terreiro do Gantois, considerado outro desses lugares privilegiados da “tradição nagô”: Édison

disse que Menininha se agastara com ele por motivos ligados com a União dos Candomblés, em

que ele e Martiniano se haviam empenhado, e à qual pertencera o Gantois; e por isso achou

aconselhável que eu lhe fosse apresentada por outra pessoa (Citado em Landes, 2002). Na

edição americana do livro Landes dizia Menininha se agastara com ele por motivos políticos

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ligados com a União dos Candomblés. A palavra “políticos” foi retirada da edição brasileira,

cuja tradução foi Edison que revisou.

Na primeira sessão a animosidade entre as seitas mais ortodoxas e as de caboclo

era tão grande que qualquer acordo substancial parecia difícil (Pierson, 1971).

Essa proposta abrangente vai ser formalizada textualmente anos mais tarde, em artigos

publicados em veículos tão diversos como um jornal do movimento negro, em 1950, um jornal

de grande circulação, em 1960, e um parecer solicitado pelo governo de Alagoas, por conta da

IV Semana Nacional de Folclore, posteriormente reunidos por Carneiro em livro. Todos foram

escritos depois de experiências que provocaram uma transformação significativa de sua

concepção inicial de religião: o encontro em campo com os pais e mães de santo de terreiros

“bantos” e “caboclos” e médiuns de “sessões de caboclo”, na pesquisa para o livro Negros

Bantos; a intensificação da relação com esses pais de santo e da escuta ao ponto de vista nativo

nas entrevistas para o jornal, nas mesas do congresso e à frente da União das Seitas Afro-

Brasileiras. Uma atitude cara à sensibilidade modernista está presente nesses textos: a

contestação dos valores de sua própria sociedade em um argumento fundado na relativização

antropológica.

O macumbeiro que fuma o charuto do Velho Lourenço, engole brasas ou

esmaga cacos de vidro com os pés nus, não está prejudicando “os bons

costumes”. Isso não impede que seja espancado, metido no tintureiro, atirado na

enxovia, ultrajado e vilipendiado pelos escribas da imprensa venal. Nem o

médium espírita, servindo de veículo para os mortos, conduzindo para o seio

dos vivos os irmãos do espaço, está pondo em perigo “a ordem pública”. Com

efeito, que “ordem pública”, que “bons costumes” serão esses? Todos sabem

que é a intervenção policial que subverte a ordem. E, quanto aos costumes, será

possível que os “bons”costumes sejam apenas o pif-paf, as corridas do Jockey, a

vagabundagem nas praias de Copacabana e de Guarujá ou as especulações da

Bôlsa? (Carneiro, 1964)

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Construindo-se de forma estruturalmente ambígua, Edison Carneiro também não se mostra

identificado aos valores hegemônicos da sociedade de então. Sua proposta abrangente da defesa

da liberdade religiosa passa a incluir “as macumbas do Rio, os batuques de Porto Alegre, os

xangôs de Maceió e do Recife, a pajelança e o catimbó, o tambor-de-mina, as sessões espíritas, ‒

todas as instituições religiosas existentes no país” (Carneiro, 1964).

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Figura 12:

Mapa 5: Lugares de Realização dos Eventos que fizeram parte do Segundo Congresso Afro-

Brasileiro:

1)Instituto Histórico e Geográfico - Av. Sete de Setembro no 94, no bairro da Piedade/ 2 – Faculdade de

Medicina e Instituto Médico Legal Nina Rodrigues – Terreiro de Jesus – Pelourinho/ 3 – Terreiro do Pai-

de-Santo Procópio – Matatú Grande/ 4 – Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho - Travessa Joaquim

dos Couros – Acupe de Brotas (Antigo Engenho Velho do Rio Vermelho de Baixo/ 5 – Clube de Regatas

Itapagipe – Rua General Justo 5 – Ribeira/ 6- Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá – São Gonçalo do Retiro/ 7-

São Bartolomeu/ 8 – Terreiro do Gantois – Alto do Gantois 33 – Federação/ 9 - Terreiro do Pai-de-Santo

João da Pedra Preta ou Joãozinho da Goméia - Candomblé da Goméia – Estrada de rodagem Bahia-Feira

na altura do Km 2 , na Goméa - São Caetano/ 10 - Terreiro de Bernardino da Paixão – candomblé do

Bate-Folha - Travessa de São Jorge 65 - Mata Escura do Retiro/ 11 – Terreiro do Alaketu - Rua Luiz

Ancelmo 67 - Matatu

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Capítulo 3

Edison Carneiro em campo

3.1 - Dos “nagôs” para os “bantos”, dos “bantos” para os “caboclos”, dos “candomblés de

caboclo” para as “sessões de caboclo”:

Neste capítulo procuro lançar um olhar mais atento para os sentidos dados por Edison

Carneiro às categorias que são caras à sua reflexão: “nagô”, “banto” e “caboclo”. Partindo da

leitura de seus dois primeiros livros ‒ ou primeiros cadernos de notas, como ele prefere

considerá-los ‒ busco afinal entender de que forma ele efetivamente participou do tão polêmico

debate da chamada “pureza nagô”. Meu objetivo aqui é refletir sobre se é possível, rentável, ou

mesmo desejável, responder em que medida ele partilhava dessa tese, ou seja, se suas ideias

teóricas e sua etnografia foram ou não desenvolvidas nessa direção.

Se de alguma forma podemos dizer que Edison Carneiro entra em campo como

etnógrafo, não há dúvidas de que esta entrada parte do enquadramento do campo a partir da

divisão entre “negros sudaneses” e “negros bantos”. Estas categorias seriam definidas pela

procedência destes “africanos”: os primeiros “da zona do Niger na África Ocidental”, vindos das

nações “nagô (ioruba), jeje (ewe), mina (tshis e gás), haussá, galinha (grúnci), tapa, bornus, e

ainda fulas mandês (mandingas), carregados de forte influência muçulmana” (Carneiro, 1936), e

os segundos “do sul da África, Angola, Congo, Benguela, Cabinda, Mossamedes, na África

Ocidental e Moçambique e Quelimane, na Contra-Costa” (Carneiro, 1937). Ainda que ele chame

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atenção para o risco da arbitrariedade dessa classificação ‒ “Não havia, naturalmente, método

algum a seguir na localização desses negros. Assim, muito negro jeje, muito negro nagô, muito

negro haussá, confundia a sua nação com seu porto de origem, passou por negro banto”

(Carneiro, 1937) ‒ a divisão entre nagô e banto, a princípio dada como uma divisão entre dois

grandes grupos linguísticos ou grupos de origem, vai muito além, colocando em relação de

oposição categorias dotadas de alta carga simbólica, formuladas como categorias totais na

argumentação teórica do autor. Com isso, elas envolveriam dimensões tão fundantes da vida

social e simbólica como religião, rituais, técnicas corporais, música, culinária, estética,

economia.

Esse esquema analítico vai ao encontro daquele consagrado por uma determinada escola

de estudiosos da qual o jovem etnógrafo em fase de formação procurava se colocar como

“continuador”, ainda que inicialmente na condição de discípulo. Refiro-me, sobretudo, aos

“médicos-antropólogos” Nina Rodrigues e Arthur Ramos.

Antes de tudo, devo dizer que a própria ideia de uma linhagem formada a partir desses

dois últimos autores e estendendo-se a Edison Carneiro, não deve ser naturalizada. Esta linhagem

‒ a escola Nina Rodrigues ou escola baiana ‒ seria mais um mito de origem criado e

obsessivamente reatualizado por alguns antropólogos e médicos-legais, conforme argumenta

Mariza Corrêa. A autora destaca o papel ativo de Arthur Ramos, no lado dos primeiros, e

Afrânio Peixoto, no lado dos segundos ao reclamar a prioridade dos estudos da questão racial,

dos africanos e de seus descendentes para Nina Rodrigues, editar ou reeditar seus livros e,

principalmente, traçar uma genealogia que partia do “médico- antropólogo” maranhense e à qual

se filiavam. Para a historiadora da antropologia trata-se mais de uma utilização quase ritual deste

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nome que de uma necessária continuidade teórica ou metodológica em relação às suas

perspectivas (Corrêa, 1998).

Feita a reserva de que se deve sempre atentar para as particularidades da obra e da

trajetória de cada um dos autores em questão (o que, no entanto, no que diz respeito a Nina

Rodrigues e a Arthur Ramos, fugiria dos objetivos desta dissertação), volto a enfatizar que

quando escreve seu primeiro livro Edison Carneiro está buscando se colocar como parte deste

campo dos estudos afro-brasileiros que está se formando na década de 1930, ou um pouco antes

disso, e que há certas abordagens de alguma forma partilhadas por estes autores. Seja pelo

paradigma da raça ou pelo paradigma da cultura, “nagôs” e “bantos” são alocados pelos três

africanistas num esquema evolucionista: no polo positivo, o que é “jeje-nagô” e, gradativamente,

em direção ao polo negativo, o que é “banto”, “caboclo”, “espírita”. É com este quadro de

referência teórica que Edison Carneiro está em diálogo (ao menos num momento inicial), são

nesses termos que as discussões estão sendo colocadas e com essas categorias que os intelectuais

neste momento estão pensando. Carneiro não poderia, nem pretenderia fugir a essa regra, se

estava querendo justamente se afirmar com um continuador desses estudos.

Partilhando das categorias de análise desses autores, escreve o seu “primeiro caderno de

notas de etnografia religiosa”, o livro Religiões Negras. A partir das categorias desse vocabulário

evolucionista, ainda que não exatamente as qualifique teoricamente, Edison produz textualmente

polaridades bem demarcadas: de um lado a “superioridade”, a “importância”, a “cultura muito

mais adiantada”, a “complexidade” dos “nagô” (mesmo a mítica dos “jejes” teria sido absorvida

pelos “nagô”, provando assim sua “importância”); do outro, a “inferioridade”, a “mítica

pobríssima”, a “forma atrasada de religião”, a “cultura atrasadíssima”, a “simplicidade” dos

“banto”, sobre quem se faz sentir mais fortemente os processos de “decomposição”,

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“degradação”, “deturpação”, “perda”, “esquecimento”, “absorção”, “fusão”, “simbiose” e

“sincretismo”.

Algumas palavras e expressões como “antigamente” ou “nos bons tempos” fazem

demarcações entre a “tradição”, discursivamente construída e valorizada, que é contraposta ao

tempo de “hoje”. As fronteiras estabelecidas entre o que está dentro dessa tradição e o que está

fora dela são as relações com “a África”. No livro Religiões Negras não aparece nenhuma vez a

ideia de alguma coisa que seria “afro-brasileira”. Ele fala em religiões, origens, sacerdócio,

canções, sempre “africanos”. Este tempo no qual seria encontrada a pureza é desenhado a partir

de festas que não acontecem mais, orixás que foram esquecidos, lendas que não são mais

contadas, palavras que não são mais ouvidas, instrumentos musicais que não são mais fabricados,

velhas canções não mais cantadas, ebós, feitiços ou despachos que não são mais vistos pelas ruas

da cidade. Edison Carneiro conhece esse tempo, essas histórias, através de “velhos africanos”,

“pessoas fidedignas”, “que conheceram a escravidão”. Os marcos temporais são construídos

mais em torno de certos personagens que delimitados cronologicamente. Ele descreve esses

personagens como sendo alguns poucos remanescentes deste outro tempo, difíceis de encontrar e

que insiste em perseguir pela cidade: além do próprio Martiniano do Bonfim, personagem

principal entre esses guardiões da tradição, o “velho Macário, único por lá que sabia sobre o

batuque”, uma “negra haussá” de quem “ainda conseguiu ouvir o muçulmi”, o “velho Alibá”,

que tem um terreiro em que encontrou o culto aos ègúns. É interessante atentar para o dado de

que outro desses “velhos” é o “velho Nina”. O tempo da pureza, da tradição é também “o tempo

de Nina Rodrigues”, que funciona, mais que como uma referência teórica, como alguém através

de quem se pode ter um contato com esse tempo, por fazer parte dele. Outra dessas marcas de

tempo, que ganha de forma simultânea toda importância na narrativa de si e na narrativa do

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outro, é a sua própria experiência infantil. Ao contar suas memórias de infância, ele também se

coloca como parte desse tempo e como um desses personagens, contando histórias sobre outros

personagens.

Na Bahia, parece que o samba já há muitos anos que se conhece (...) eu mesmo

desde garoto que o conheço, da Ribeira, da Conceição da Praia, do Largo da

Piedade (Carneiro, 1937).

Em menino, era fato banal ver, nas ruas da velha Bahia, caixas de sapatos

contendo bonecas de pano picadas de alfinetes (Carneiro, 1936).

Se com o primeiro livro Carneiro marca sua estreia no grupo dos “continuadores dos

estudos iniciados por Nina Rodrigues”, com o segundo parece importante firmar-se como um

autor dentro deste grupo, valorizando sua “revisão na etnografia religiosa”, sua contribuição

original, que teria sido possibilitada por sua experiência singular. Seu campo de observação se

expande, afastando-se daquele legitimado por seus mestres, mas ele continua buscando organizar

a sua reflexão a partir do escopo analítico que dá coerência à construção de si como parte do

grupo de estudiosos do negro brasileiro, considerados “os mais notáveis cientistas do Brasil”.

Como ele próprio poderia se autofragmentar? Ele não abandona o sistema de categorias com que

articula sua reflexão, com base numa concepção evolucionária da história, que iria da pureza

para a perda.

Cada jogo de linguagem de que se lança mão para dar conta do que seria a cultura oferece

possibilidades, mas também contém em si seus próprios limites, determinando as perguntas que

se faz, porém, igualmente as que se deixa de fazer. As possibilidades oferecidas por essa escolha

teórica ‒ justificar a “importância do material” que vinha reunindo e, com isso, o interesse

etnográfico de sua descoberta – vão determinar ao mesmo tempo os seus limites: Edison

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continua a procurar em campo as sobrevivências, o que foi degradado, deturpado, esquecido,

absorvido. O seu modelo de autenticidade passa a ser uma própria “pureza” original banto

perdida e o lugar da mistura – ou da “contaminação”, da “mescla”‒ desloca-se para os

candomblés de caboclo. Ao desenhar este “tempo da pureza”, ou “tempo da tradição”, como o

tempo de sua infância, o autor produz a sensação de que não só ele, como também os negros

bantos “sempre estiveram aqui”.

Convém notar, de início, que a designação geral “candomblés de caboclo”,

empregada para indicar aqueles candomblés onde se nota, mesmo à primeira

vista, pronunciadas influências bantas, é uma designação arbitrária, que só se

justifica por visar a maior facilidade possível de estudo. Há a distinguir, com

efeito, entre os candomblés puramente bantos e os chamados “de caboclo”, onde

a mítica banta se encontra mesclada com a ameríndia. Talvez só haja, na Bahia,

um candomblé afro-banto, não-caboclo, - o candomblé de Santa Bárbara, do

pai-de-santo Manuel Bernardino da Paixão, no Bate-Folha. (Carneiro, 1937).

Mais à frente desloca-a ainda desses candomblés ‒ agora valorizados por serem “tão ricos

de sugestões para o estudioso da etnografia religiosa afro-brasileira” (Carneiro, 1937) e também

dotados por ele de uma pureza original ‒ para as chamadas “sessões de caboclo”:

Os candomblés de caboclo provieram da fusão da mitologia banta,

naturalmente já impregnada de elementos estranhos (sudaneses – jeje-nagôs e

malês), com a mitologia dos selvagens brasileiros, como provou Arthur Ramos.

Pessoas que assistiram aos candomblés de caboclo “nos bons tempos”,

quer dizer, quando eles estavam em todo o seu esplendor e em toda a sua

“pureza” (se é possível...), me garantiram que, então, ao contrário do que

acontece hoje, a orquestra era constituída por ganzá, berimbau e chocalho, não

se tocando tabaque nas festas da “aldeia”. (Carneiro, 1937)

Estes candomblés de caboclo são formas religiosas em franca

decomposição.

Parecerá paradoxal, mas a verdade é que esses candomblés, aceitando a

intromissão de vários elementos estranhos, embora de fundo igualmente

mágico, em vez de se revitalizarem, vão se degradando, perdendo a sua precária

independência. Muito provável será, portanto, a afirmação de que esses

candomblés só se mantenham à custa, à sombra dos candomblés jeje-nagôs,

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aproveitando a sua mítica, o seu ritual fetichista, nada mais. Até mesmo as

largas facilidades que se permitem os negros bantos concorrem, enormemente

para a difusão do charlatanismo. Por isso tudo, torna-se provável que esses

candomblés de caboclo estejam sobre o caminho do desaparecimento

principalmente se se resolverem – como tem acontecido - em cópias servis das

sessões espíritas. (Carneiro, 1937).

Ao narrar seu encontro com os “banto” e os “caboclos” em campo, no qual teria entrado

pelos “nagô”, ainda que tente manter de pé seu ponto de partida, produz ressignificações e

deslocamentos destes dois polos dentro de seu esquema teórico. Suas teorias iniciais vão sendo

sucessivamente desestabilizadas e reformuladas, de modo a ir incluindo os “banto” e até os

“caboclos” em sua concepção, cada vez mais abrangente, de religião. Neste jogo ele vai dando às

categorias “cultura”, “tradição”, “africano”, “negro”, “brasileiro” suas próprias tintas e elas vão

ganhando outras cores. No livro Negros Bantos passará a usar a palavra afro-brasileiras para

falar dessas religiões (até então classificadas como africanas), palavra que intitulou também os

dois congressos, de que já se falou. Ao longo do período em que está escrevendo o livro ele

muda o nome do que seria o “Conselho africano da Bahia” para “Liga das Seitas Afro-

Brasileiras” e depois para “União das Seitas Afro-Brasileiras”. O processo de mudança da

conceituação e, principalmente, da valorização de alguma coisa que é africana para outra que é

afro-brasileira tem importância central, não só na passagem entre a escrita do primeiro livro para

a do segundo, como na marcação das escolhas e posicionamentos teóricos e políticos que

Carneiro vai assumir desde esse momento e que vão se consolidando ao longo de toda a sua vida.

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Figura 13: Desenho de Edison Carneiro, publicada no livro Negros Bantos com a legenda “Mappa do sul

da Africa, vendo-se assignalados os principaes pontos de partida dos negros bantus para o Brasil”.

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3.2 - As diversas maneiras, formas inesperadas, particularidades interessantes:

Da teoria para a etnografia

Penso que a descrição dos orixás é uma boa entrada para acompanhar o relevo que o afro-

brasileiro vai ganhando em relação ao africano nesta etnografia, entrada sugerida pela

organização dos capítulos de Negros Bantos, cada um deles centrado em torno de um orixá. No

primeiro dos capítulos do livro que posso chamar de etnográficos ou descritivos, quero dizer, o

primeiro dos capítulos que o autor organiza em torno de suas “observações diretas”, a entrada é

feita por Olorum, “o criador de tudo que existe” no mito nagô sobre o nascimento dos orixás. Os

candomblés nagô, os primeiros que Edison Carneiro conheceu, que eram dirigidos por aqueles

que foram seus primeiros informantes e também aqueles sobre os quais leu em sua bibliografia

de referência, funcionam em sua escrita como um modelo de comparação que atravessa o seu

olhar sobre os outros candomblés que vai conhecendo. Ele procura nestes candomblés banto ou

de caboclo os orixás e suas características, mitos, lendas, cores, poderes, roupas, cânticos,

palavras, cultos e festas que já conhecia dos candomblés nagô. Onde não encontra essas

semelhanças, vê caracterizada a perda.

Os orixás legitimamente bantos, que os negros sul-africanos trouxeram

de suas terras de origem (...) perderam-se, ninguém mais sabe deles, tão

esquecidos estão...

Não tendo orixás a adorar os negros sul-africanos ladearam a dificuldade

adaptando, às suas práticas fetichistas, os orixás dos cultos jeje-nagôs,

sudaneses em geral, e os “espíritos familiares” às matas brasileiras. E isso eles o

fizeram de diversas maneiras. (Carneiro, 1937)

Xangô, o poderoso orixá dos raios e das tempestades, tem o seu lugar de

honra nos candomblés afro-bantos da Bahia. Nada, aliás, torna distinta, nesses

candomblés a sua figura, muito conhecida já dos candomblés jeje-nagôs

(Carneiro, 1937).

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Oxóssi continua a ser, aqui, o mesmo caçador idealizado pelos jeje-

nagôs. (Carneiro, 1937)

Acho importante destacar aqui que Edison está sempre pensando na comparação com um

modelo, seja um modelo nagô, seja um modelo banto esquecido. Ao procurar por Olorum, ainda

que vá encontrá-lo nos candomblés banto e de caboclo de Manuel Paim, Bernardino do Bate-

Folha e Joãozinho da Goméia, ele continua afirmando-o como “natural da Costa dos Escravos” e

procurando, mesmo nesses terreiros de outras tradições, inscrições nas paredes, palavras,

expressões e cânticos em nagô. Essa operação insistente de comparação com um modelo

repercute nas categorias com as quais entra em campo e vai produzir um texto organizado de

forma singular e por vezes confusa. A etnografia dos banto é introduzida por capítulos mais

teóricos, ou mesmo cada capítulo é introduzido por parágrafos mais teóricos, baseados em

generalizações que colocam numa escala de pureza e impureza os nagôs no polo positivo e os

banto no negativo. Ele procura traços cuja presença ou ausência indicaria pureza e autenticidade

ou impureza e inautenticidade, mistura, perigo. Foi para essas passagens que estou chamando de

mais teóricas que olharam as leituras correntes de Edison Carneiro da literatura antropológica

sobre as religiões afro-brasileiras.

Mas algumas categorias encontradas em seus textos me chamaram a atenção para a

complexidade da relação entre as formulações teóricas de que ele partia, que determinavam o

que ele procurava em campo, e a sua etnografia, em que elaborava o que efetivamente

encontrava. Em sua escrita fica dramatizada uma tensão entre o que anuncia fazer e o que faz, o

que procura e o que encontra, o lugar de que parte e o lugar em que chega. É paradoxalmente

quando ele está tomando por base o modelo nagô para falar dos banto, preocupado em

demonstrar as adaptações, indistinções, semelhanças, apropriações, imitações, que descobre que

as aparentes incoerências desses banto, que não faziam sentido quando olhadas a partir do

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modelo nagô, têm uma lógica própria, ganham sentido dentro de um outro sistema. Em sua

etnografia eles não aparecem assim tão desagregados.

Ao dizer que essas religiões africanas ou afro-brasileiras não têm um corpo doutrinário e

dependem mais da autoridade de cada pai ou mãe de santo, das relações dentro de cada terreiro e

principalmente de cada relação pessoal com o orixá, ele sabe que esses modelos acabados não

funcionam muito bem e que os sentidos e significados dessas relações devem ser procurados em

cada terreiro, em cada contexto, em cada fala. É aos sistemas nativos e a como eles demarcam

fronteiras entre si que sua etnografia vai estar atenta, bastante consciente de que as fronteiras

nativas nem sempre coincidem, nem são tão simples como o quer a divisão entre nagô e banto.

Assim, depois de começar a etnografia dos negros bantos por Olorum, no capítulo

seguinte ele vai falar de Exu, entidade pela qual deve-se começar qualquer cerimônia, rito ou

festa no candomblé. Os capítulos seguintes descrevem os vários Exus que ele viu sendo

festejados ou sobre quem ouviu contar, os muito xangôs, Oxóssis, Erês, todos os orixás das

águas, Oguns até chegar ao capítulo sobre os orixás nascidos no Brasil. Essa indexação dos

capítulos no livro parece querer criar a impressão de que vai sendo escrito conforme mesmo o

autor vai avançando em sua pesquisa de campo e intensificando sua relação com novos

informantes.

Se a África, a autenticidade, a pureza ou a tradição vão estar nos terreiros do Engenho

Velho, do Axé de Opô Afonjá e do Gantois, identificados como nagô, ou no “único terreiro

puramente banto” de Bernardino, nos vários outros que ele vai encontrar em seu trabalho de

campo, há “particularidades”, “singularidades” e “curiosidades”, que são “interessantes” e, mais

que isso, “importantes” de serem observadas e descritas. Depois das introduções mais teóricas ou

mais comparativas de cada capítulo está sua etnografia, que é bastante minuciosa, rica em

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detalhes, de como nestes novos terreiros ele está conhecendo os outros nomes para os orixás,

objetos, e cerimônias, as outras palavras, as outras músicas, as outras entidades, as diferentes

roupas, maneiras de dançar, as singularidades do ritual. Essa descrição, que é o que de fato toma

a maior parte dos capítulos de negros bantos, vai privilegiar as “diversas maneiras”, “formas

inesperadas”, “não sei quantos nomes”.

A dúvida que você teve sobre os orixás gêge-nagôs é explicável. Mas,

como você sabe, os bantus, aqui, se apropriaram desses orixás, incorporando-os

à sua mythica. Eu, num livro sobre os candomblés bantus, não poderia esquecê-

los. Principalmente porque, aqui, elles assumem fórmas inesperadas, se

dividem, têm não sei quantos nomes, o diabo. (Carta de 28/04/1937 de Edison

Carneiro para Arthur Ramos. Oliveira e Lima, 1987)

Os negros bantos dão, a Ogum, altas funções guerreiras, que os jeje-

nagôs nunca lhe deram. Este orixá, sem dúvida nenhuma está bancando uma

importância única nos candomblés de caboclo.

Ogum da Pedra Preta, o mais popular de todos, é o patrono do

candomblé da Goméia, onde a sua figura, esculpida no barro, é de uma beleza

sem par.

Ogum ocupa um grande lugar, não só nos candomblés afro-bantos em

geral, mas ainda em cada coração de negro em particular.

Ventura que nem sempre alcançam os demais Ministros da Guerra...

(Carneiro, 1937)

Ao acompanhar as palavras usadas para descrever o espaço, o ritual, os informantes e,

principalmente, os cânticos e as técnicas corporais da dança e da possessão, que são o que mais

prende sua atenção, eu pude perceber que há uma outra leitura possível dos textos de Edison

Carneiro. Quando está em campo, ou escrevendo textos etnográficos, a comparação perde a

importância em benefício da descrição. A etnografia parece transbordar de sua teoria.

A dança dos candomblés nagôs e jêjes, e em menor escala Angola e

Congo, é pesada, desgraciosa e monótona, quase senhorial, exigindo

movimentos apenas de braços e pernas, exceto em determinadas ocasiões,

enquanto a dança dos candomblés de caboclo é animada, vivaz e decorativa,

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permitindo muito de iniciativa pessoal, com flexões do tronco e dos joelhos e

súbitas reviravoltas do corpo. (Carneiro, 1948).

Caboclo refere-se aos índios do Brasil e esses cultos veneram espíritos

indígenas que acrescentam ao rol das divindades africanas. Segundo os altos

padrões da tradição ioruba, os caboclos são blasfemos porque são ignorantes e

indisciplinados, porque inventaram novos deuses à vontade e porque admitem

homens aos mistérios... Pessoalmente, acho que a música deles é bonita e

alegre! Você verá que as cerimônias ioruba são muito solenes. (Edison Carneiro

citado em Landes, 2002).

A liturgia de influência banta, no Brasil, não difere muito da jeje-nagô,

de que é, mesmo, uma imitação servil. Apenas, aqui, os negros se permitem

certas liberdades maiores, certas fugas ao estabelecido pelas religiões sudanesas.

Para dizer numa palavra, os negros bantos se permitem certa dose de rebeldia.

(Carneiro, 1937).

O espiritismo, principalmente o chamado baixo espiritismo, também

contribuiu, e grandemente, para a obra do sincretismo, melhor, para a obra de

aclimação das religiões negras ao meio social do Brasil. Na Bahia, esta

influência está patente, antes de tudo, nas sessões de caboclo, deturpação dos

candomblés propriamente caboclos em benefício da doutrina de Allan Kardec.

O ritual dessas sessões em nada se diferenciaria do das sessões espíritas se,

nelas, não houvesse maior colorido e maior movimento, os negros, de tanga e

cocar, dançando ao redor da sala e entoando cânticos por todos os aspectos

interessantíssimos (Carneiro, 1937).

Estas festas públicas a Iemanjá, se não tiveram origem banta, ao menos

estão hoje por assim dizer monopolizadas pelos negros bantos. Nos fins do

século XIX, era comum ser a rua o teatro das mais belas festas fetichistas jeje-

nagôs, procissões de penitência, a “lavagem”da Igreja do Bonfim, o batismo na

antiga fonte de São Pedro, etc. Não me consta, porém, que os negros sudaneses

alguma vez houvessem, publicamente, festejado a Rainha do Mar. O fato é

significativo, pois, na época, eles dominavam, de modo incontestável, a massa

de negros da Cidade, principalmente em matéria religiosa. Mesmo que o

tivessem feito não importa, já não o fazem hoje. Tudo indica, pois, que os

negros bantos da Bahia, não tendo, na sua mítica, um orixá que governasse as

águas, o destino inconstante das ondas, a fúria da tempestade marinha, tivessem

adotado, da mítica jeje-nagô, o culto a Iemanjá, adaptando-o, transformando-o,

de culto entre quatro paredes, como soem ser, em geral, os cultos jeje-nagôs, em

culto vivo, au grand air, com a participação mesmo de estranhos. Tipo da

procissão fetichista, semi-bárbara, com demoras injustificáveis, cânticos, sons

de tabaque e agogô,bate-boca, às vezes barulho, muita gente mandando, muita

cachaça, muito amor.... Ora, tudo isso – “coisas que juntas se acham

raramente...”- dá às festas bantas em louvor a Iemanjá um característico todo

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especial, “diferente”, qualquer coisa de absolutamente grandioso, que escapa a

qualquer tentativa de descrição (Carneiro, 1937).

A escolha da categoria rebeldia por este autor, integrante de um grupo de intelectuais que

identificava sua atividade literária como fundadora de uma Academia dos Rebeldes, numa crítica

ao formalismo das academias de letras, é particularmente reveladora dessa complexidade. Nesta

escolha, Carneiro não estaria de alguma forma valorizando essa dose de rebeldia dos negros

bantos em relação aos seus próprios modelos de cultos?

A etnografia dos banto desestabiliza suas teses da “pureza nagô”. Mas o texto é cheio de

idas e vindas e na conclusão de muitos capítulos ele volta a se preocupar com as perdas e

deturpações sofridas pelos negros bantos no Brasil, fazendo referências negativas ou “juízos de

valor” como ele vai chamar mais tarde. A imagem que sai daí é a de um autor dividido contra si

mesmo, que desconfia de suas próprias teses, ainda que pareça não querer fazê-lo. Talvez a razão

disso seja o fato de que essas outras pistas tenham sido trazidas, como nos diz, “pelo seu sexto

sentido”. Ele postula um certo caráter de precariedade, de permanente construção e reconstrução

deste livro, como já havia feito para o anterior, ao apresentá-lo como “simples caderno de notas”.

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3.3 – África no Brasil

O deslocamento do objeto de pesquisa dos “nagôs” para os “bantos”, que ele opera entre

a escrita do primeiro e a do segundo livro, corresponde a um deslocamento do lugar privilegiado

que dá às referências bibliográficas para as referências ao trabalho de campo; da ênfase nas

citações dos textos de Nina Rodrigues e Arthur Ramos, para a ênfase no ponto de vista nativo.

No livro Religiões Negras as suas observações de campo já aparecem. Mas Negros Bantos é

muito mais fortemente organizado em torno da sua experiência como pesquisador de campo.

Esses candomblés de banto e de caboclo sobre os quais Edison Carneiro lança um olhar

ambivalente vão ser justamente a substância dessa “proeza audaciosa” que permite que ele se

diferencie e encontre seu lugar como um autor entre os autores com quem está dialogando, o

lugar daquele que encontrou alguma coisa “interessante” e descobriu que era “importante” olhar

para aqueles que eram considerados até então “os candomblés menos importantes daqui”. Se eles

têm sua importância diluída no seu esquema teórico, são, ao mesmo tempo, a substância da sua

autoridade etnográfica, retirada justamente dessa observação. A oscilação entre, ora um maior,

ora um menor controle de sua etnografia é resultado de um jogo de forças que fica dramatizado

em sua escrita: de um lado os diferentes usos que faz de suas referências teóricas, de outro, as

suas relações com cada um dos seus informantes. Quanto mais se aprofunda em suas descrições,

mais valoriza seu trabalho em relação aos anteriores, pois este seria fruto de sua inédita

“observação direta” em terreiros de candomblés de caboclos, lugares que não teriam sido

visitados por nenhum outro etnógrafo antes dele.

O diálogo com aqueles dois autores persiste ao longo de toda a obra de Carneiro, mas o

que muda é o lugar a partir do qual ele se coloca no diálogo. Em Negros Bantos ao valorizar o

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seu próprio trabalho de campo e a sua autoria, ele se permite fazer uma leitura crítica dessas

fontes, quer seja apenas para acrescentar dados às pesquisas que agora vê como incompletas,

quer seja para contestá-las ao afirmar estar num campo no qual esses autores nunca estiveram, ou

ainda para marcar sua independência ao trazer os seus dados sem estar comparando-os aos desses

autores, sem fazer nenhuma referência a eles.

Aqui interessa-me, mais que apontar a escola, os autores ou as teorias aos quais seu

pensamento se alinharia, entender porque essas ideias se fizeram importantes em suas reflexões,

os caminhos pelos quais ele foi dando corpo a elas em sua escrita e dentro de que projeto autoral

elas ganharam sentido. Como seus mestres, o que Edison Carneiro procura em campo são

“totens”, “fetiches”, “sobrevivências”. Ele faz uso das categorias de análise que aprende nas

leituras dos livros de Nina Rodrigues e Arthur Ramos (sem desenvolver nenhuma teoria

sistemática relativa ao que entende por essas categorias), cita-os exaustivamente, e também

escreve ao longo de sua carreira uma série de textos fazendo homenagens ao legado do primeiro

ou resenhas elogiosas das publicações recentes do segundo. Ao mesmo tempo, em outros textos,

que publica desde o ano de 1935 até meados dos anos 1960, ou seja, frutos de contínuas revisões

de suas perspectivas, a partir das quais critica a “despersonalização do negro”, que para Arthur

Ramos “valeria apenas como objeto de estudo” (Carneiro, 1935), e as perspectivas psicanalíticas

deste autor (Carneiro, 1935) ou as teorias científicas racistas de Nina Rodrigues (Carneiro,

1964). O autor vai repensar ainda o uso das mesmas palavras, ou conceitos, de fetichismo,

animismo, sobrevivência, totemismo (Carneiro, 1940 e 1964). A alternância entre críticas e

elogios por parte de Edison Carneiro seria explicada por Mariza Corrêa (ainda sobre a “escola

Nina Rodrigues) pela relação ambígua que Carneiro teria estabelecido com a ideia dessa escola,

ao se desvincular explicitamente dela afirmando-a como uma invenção de Arthur Ramos. Penso

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que participam desse processo de contínua revisão não só os crescentes contatos de Carneiro com

outros autores que se tornariam influências importantes para ele, principalmente através de Ruth

Landes, mas a progressiva valorização do “ponto de vista nativo” que aparece na fala de seus

informantes, e que vai sendo incorporado à sua análise.

É na corrente desses movimentos de revisão dos arcabouços teóricos e analíticos que o

orientam que Edison Carneiro vai fazer e refazer suas reflexões sobre uma questão que é

fundamental em seu pensamento: o lugar da África nos estudos sobre o negro brasileiro. O

deslocamento para a ênfase no trabalho de campo que é operado em Negros Bantos representa

também um deslocamento gradual da valorização da autenticidade, da pureza, da tradição que

estariam localizadas numa relação com a África e com o que seria africano para a preocupação

com os usos, a criatividade, as formas atuais, a realidade presente dessas religiões. Vendo que

elas permanecem, apesar de seus próprios vaticínios, ele vai se interessando em descrever como

e porque permanecem e novamente encontra este sentido na relação dos adeptos com seus orixás

protetores.

Outros orixás, sobre todos os pontos de vista, importantes, nasceram no

Brasil: Sultão das Matas; Rei das Matas; Ossonhe; Dono do Mato; Tupinambá

(com o seu cachimbinho e a sua volubilidade se faz imprescindível para a

alegria das festas negro-fetichistas; Caipora; Salavá.

No candomblé de Paim, notei a presença do Caboclo da Laje Preta

Pude registrar, nos candomblés afro-bantos, a presença de vários outros

orixás caboclos, como o Chefe Cunha, Peixe Marinho, Martim Pescador,

Angoroméia, Vumbe.

Estes orixás são o consolo e o apoio dos negros bantos da Bahia.

(Carneiro, 1937).

Essa revisão crítica, que de alguma forma se inicia no processo que estou identificando

entre a escrita de Religiões Negras e a de Negros Bantos, se torna cada vez mais clara quando

acompanhamos os textos de Edison Carneiro ao longo dos anos 1950 e 1960. Carneiro foi dando

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corpo ao processo que já sinalizava na década de 1930, processo este intimamente relacionado ao

lugar que vão ganhando aos olhos deste autor os candomblés bantos e os de caboclo, para ele

progressivamente menos africanos e mais brasileiros. De acordo com as lembranças de seus

amigos: “Carneiro, poucos anos antes de morrer, falou de sua vontade de rever, criticamente, os

Candomblés da Bahia para uma nova edição, em que pretendia dar um tratamento mais extenso

aos candomblés de caboclo”. (Oliveira e Lima, 1985).

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3.4 – Uma obra coletiva

A etnografia de Edison Carneiro resulta demasiadamente entrecortada na medida em que

o espaço dado de fato aos seus informantes se amplia. As teorias nativas e suas ideias sobre a

mistura e a separação nem sempre coincidem e partem dos mesmos pressupostos que as teorias

científicas que orientam as reflexões do autor. Conforme entrou em cada um desses terreiros de

candomblé para escrever sobre eles e começou a convidar esses pais e mães de santo para

participar do congresso que organizou, para dar entrevistas para sua coluna no jornal, também

passou a receber convites para freqentar suas casas e festas e participar de sua vida cotidiana,

chegando a ser honrado com o título de ogã de mais de um desses terreiros.

A imagem final do campo, dos informantes e da experiência de pesquisa de Carneiro

fixada pelos livros vai se desenhando a partir das perguntas que faz e das que deixa de fazer, mas

também a partir das respostas que ele recebe e das que deixa de receber. Cada novo encontro,

entrevista, festa, visita, almoço, reunião da União das Seitas Afro-Brasileiras resulta na

formulação de novas perguntas e em respostas que vão se aprofundando e se detalhando. As

respostas de algumas questões de Edison Carneiro surgiram de suas entrevistas jornalísticas, as

de outras ele foi conhecendo, aprendendo e entendendo aos poucos.

Conforme foi estreitando suas relações pessoais com chefes de culto, filhas e filhos de

santo, seus conceitos e suas categorias de análise foram se tornando abertas às teorias nativas. No

decorrer dessa aproximação, ao ouvir esses sujeitos falarem de si e se classificarem, Carneiro se

expõe a uma série de complexidades e fissuras.

Os variados níveis de relação e comprometimento que conseguiu estabelecer com cada

um de seus informantes parece ter papel determinante nos “juízos de valor” que ele formula e

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com os quais avalia essas “mesclas” ou “fusões”, classificando algumas negativamente,

preocupado em identificá-las e separá-las, e outras, positivamente, como “as mais curiosas

adaptações” ou “as mais singulares criações”. A oscilação entre, ora um maior, ora um menor

controle de sua etnografia ‒ submetida ou não a essas avaliações da pureza, da autenticidade e da

perda ‒ é criada não só pelos diferentes usos que faz de suas referências teóricas, mas pela

natureza das suas relações com cada um dos seus informantes. Seus textos são também um

espelho das negociações que estabelece em campo. As etnografias são uma parte residual (a

produção textual) de um encontro que envolve subjetividades, negociações, mediações e

contextos particulares. A experiência vivida, os desejos, interesses, redes de relação, trajetórias

de circulação, atravessam a escrita, ainda que nem sempre isso se mostre de forma explícita.

O retrato inicial que Carneiro faz da cultura, integrado, coerente e circunscrito, se

complexifica a partir desse contato mais aproximado. Suas classificações se tornam menos

estanques.

A experiência de organização da União das Seitas Afro-Brasileiras indica ser um dos

pontos altos desse diálogo que ele consegue estabelecer com o ponto-de-vista nativo. Pois a

preocupação fundadora dessa instituição é unir todos os terreiros de candomblé. Por conta disso,

o pesquisador irá procurar ativamente conhecer um número cada vez maior de terreiros da Bahia,

indo bem mais longe em relação àqueles em que concentrou o seu trabalho de campo para os

livros e consegue chegar a inscrever 67 terreiros na União. Afirmando partir das classificações

“de acordo com as declarações de seus respectivos chefes” aparecem nada menos que 17

denominações – Angola, Congo, Caboclo, Kêto, Jêje, Ijexá, Congo, Ilú-ijexá, Alakêto,

Muçurumim, Nagô, Africano, Dahoméa, Yorubá, Môxe-Congo, Angola-Congo, Congo-Caboclo,

Angolinha ‒ muito além da simples divisão entre nagô e banto.

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A não ser depois de algum tempo de atenta observação, torna-se muito difícil

determinar exatamente a nação a que pertence qualquer candomblé. Daí a

conveniência de designações gerais como nagô, banto e caboclo para uma

primeira grande divisão dessas seitas. Em seguida, é possível, dentro destas

classificações, obter outras, mais particulares, mais aproximadas da realidade.

Hoje muitos candomblés não mais se dedicam a uma só nação, como

antigamente, seja porque o chefe atual tem nação diferente do seu antecessor, e

naturalmente se dedica às duas, seja pela grande camaradagem (que entretanto

não deixa de supor certa irritação) existente entre as pessoas mais conhecidas de

todos os candomblés, o que faz com que se homenageiem tais pessoas, tocando

e dançando à maneira das suas respectivas nações. Já não é raro tocar-se para

qualquer nação em qualquer candomblé. Assim, no Engenho Velho e no

Gantois, duas casas onde a tradição kêto exerce uma verdadeira tirania, pude ver

cantar e dançar para encantados caboclos. É verdade que, nos candomblés

nagôs, isto raramente acontece, mas é uma deferência a que não podem fugir

nem mesmo esses candomblés. (Carneiro, 1948).

Buscando refletir sobre a experiência etnográfica de Edison Carneiro e os textos nos quais

a elabora, debruço-me menos sobre as falas desses personagens dos terreiros que na fala do autor

sobre estes personagens, em como ele os percebeu e os construiu. Através dos textos de alguma

forma entramos nesse universo religioso afro-brasileiro de Salvador dos anos 1930, mas pela

entrada que é guiada por este autor específico, ou seja, que fala um pouco desses personagens,

mas fala mais dos caminhos pelos quais Edison Carneiro os encontrou, os conheceu, os

construiu, pelas maneiras pelas quais ele imaginava que esses personagens e essas relações

deviam ser transpostas aos textos. Não é possível dizer, certamente, que os textos de Edison

Carneiro nos permitem chegar à fala dessas mães e pais de santo. O que temos aqui é a

elaboração desse discurso, ambos produzidos e, em diferentes níveis, negociados neste encontro.

Não há como separar a invenção nativa da invenção do etnógrafo. Mas ele não pretende negar

que sua etnografia é feita a partir dessa aliança, muito pelo contrário, é dela que retira sua

autoridade etnográfica. Sua assinatura, seu modo de fazer etnografia é colocar-se como um autor

que dá outro estatuto para seus informantes, que leva a sério a fala deles, publicando suas

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entrevistas, convidando-os a apresentar suas próprias teses em congressos, escrevendo seus

textos a partir das categorias nativas de pensamento. Carneiro constrói seu texto de forma que o

que pareça que está lá é o discurso nativo, como se essa etnografia fosse deles e não sua.

Para escrever este livro, obtive o mais eficiente concurso dos pais-de-

santo João da Pedra Preta, do candomblé da Goméia, e Manuel Paim, do Alto

do Abacaxi, e do casal Germina e Manuel Lupércio do Espírito Santo, do Forno,

no que se refere às sobrevivências religiosas; de Samuel “Querido de Deus”,

Barbosa e Zeppelin quanto à capoeira de Angola; de Sinhá Rita, do Mar Grande,

para o samba; do velho Macário, da Bahia, para o batuque; de Amor, para as

sessões de caboclo; e de vários elementos populares cuja solicitude me

comoveu.

Afora as notas que aponho à margem dos fatos, este livro, na verdade,

lhes pertence.

Está-se vendo, o trabalho de desbravar o mundo desconhecido do negro

banto, se foi grande, se foi difícil, também foi uma obra coletiva, por isso

mesmo muito mais importante. Apenas me coube o trabalho de coligir notas, de

classificar dados, e tentar uma sistematização do material recolhido. O resultado

foi este livro, que somente procura conseguir um lugar ao sol para o negro banto

da Bahia. (Carneiro, 1937)

As descrições desses textos partem das festas, rituais, roupas, despachos, comidas como

ele os vê e dos cânticos como ele os ouve. Mas quando “não consegue pescar o que se canta”,

“não consegue distinguir bem” ou só consegue “pegar palavras esparsas” ele vai recorrer aos

seus informantes e abre caminho pra que os pais e mães de santo ditem e traduzam cânticos,

apresentem os orixás e expliquem os complicados caminhos de suas relações com seus santos

protetores. A interpretação dos sujeitos sobre suas práticas, os significados dados por eles para o

que seriam consideradas por Carneiro como contradições e incoerências, entram no texto, vão

ganhando espaço cada vez maior e ganham uma coerência dada na própria fala nativa. Assim ele

traz para a escrita, experiências desordenadas, interpretações contraditórias, significados

variantes. Vão aparecendo então pais de santo que são “de Ijexá”, mas “gostam mais” de Angola

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ou que “trabalham” com Omolu, mas têm um “carrego de Santa Bárbara”, aparece um Ogum que

é do Cariri, porém “salienta sua ancestralidade africana” e caboclos que vêm de Angola. Para

esses pais de santo e seus orixás nada disso é contraditório, porque os arranjos e as fronteiras que

fazem sentido para eles são outros, que não os dos intelectuais e ainda que muitas vezes

continuem sendo classificados por Edison Carneiro como contradições ou incoerências, em

outras, essa fala nativa não vai vir acompanhada da análise, da interpretação ou dos “juízos de

valor negativos” de nosso autor, mais preocupado em valorizar as “particularidades”, e assim vão

sendo reveladas também as contradições e incoerências do próprio autor! São diferentes ritmos,

compassos, entonações e coloridos que vão modulando o texto.

O meu santo é Oxóssi, o deus da caça, o São Jorge do catolicismo. Agora

a minha nação é Angola. (Entrevista com o pai-de-santo João da Pedra Preta)28

- Eu não fui criado nisso, nem gostava de candomblé. Até ia aos terreiros

“anarquizar”... Numa viagem que fiz até Cachoeira, o santo me pegou. O

“zelador dos santos” me garantiu que era Santa Bárbara. Um outro camarada me

convidou para fazer parte da casa dele. Foi aí que “senti” o santo. Minha avó

tinha deixado pra mim, sem eu saber, o “carrêgo” de Santa Bárbara... .

O professor Pierson atalhou:

- Mas o seu santo não é Omolu?

- Pois é, mas só em Cachoeira “rodei” com Omolu. Omolu é o meu santo

predileto. Estou agora com trinta e dois anos e já sou pai-de-santo há quatro

anos. De Omolu.

A “nação” de Paim era Ijexá.

- Eu gosto mais do Angola, - disse ele, - mas minha “nação” é Ijexá.

O professor Pierson meteu-se no meio:

- Entretanto, o sr. tem aqui várias estatuetas de caboclos... Pode nos

explicar isso?

Ele sorriu:

- É fácil. Meu avô era gêge, mas a minha avó era índia, foi pegada no

mato a-dente-de-cachorro... (Entrevista com o pai-de-santo Manuel Paim)29

28

Carneiro, Edison. “O mundo religioso do negro da Bahia”, O Estado da Bahia, 07 de agosto de 1936.

29

Carneiro, Edison. “O mundo religioso do negro da Bahia”, O Estado da Bahia, 29 de agosto de 1936.

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Em estudo anterior, citei os versos do „despacho‟ de Exu nos candomblés

de caboclo da Bahia “Sai-te daqui, Aluviá, que aqui não é teu lugá. Eu não

quero ver-te aqui, na mesa de Apanaiá”. O pai-de-santo Manuel Paim, a quem

interroguei sobre esse „despacho‟, me garantiu que Aluviá é um Exu da „nação‟

Angola, enquanto que Apanaiá é um caboclo, um espírito superior. Perguntei-

lhe, mais, se havia mais de um Exu, ao que ele respondeu afirmativamente. O

Exu Pavená, por exemplo, era, segundo sua pitoresca expressão, um Exu

„destinado‟...(Carneiro, 1937)

Nagôs” e “Bantos” são construídos nas teses mais gerais de Edison Carneiro como

sistemas culturais integrados, coerentes, circunscritos e com continuidade no tempo, em um

trabalho seletivo no qual se esforça por estabilizar essas categorias, separar misturas e limpar as

contingências, as descontinuidades, os projetos opostos. Nos textos que estou chamando de

teóricos, analíticos, generalizantes, Carneiro elenca o que seriam os traços formadores de cada

um desses ou patrimônios culturais, o patrimônio nagô e o patrimônio banto. De um lado o que

seriam as lendas e mitos, orixás, festas, línguas, cânticos dos nagô, e de outro os dos banto. Mas

ele não encerra sua etnografia aí. A leitura que estou propondo da relação entre a teoria e a

etnografia de Edison Carneiro pode ser muito proveitosa pensada a partir da ideia da relação

entre dois gêneros de discurso, o “monumental” e o “cotidiano” (Gonçalves, 2002).

O discurso monumental seria aquele que guia seus textos mais gerais, que privilegiam o

contar, a partir de mitologias imemoriais, um passado acabado, absoluto, distante e inequívoco,

construindo este passado e o patrimônio que seria herdado dele como um objeto de representação

acabado. O discurso cotidiano de Edison Carneiro nós poderíamos encontrar nos textos em que

se mostra preocupado em trazer as experiências particulares de cada um desses pais e mães,

filhos e filhas de santo, formando assim uma narrativa polifônica, em que o passado é contado

através de experiências variadas e pessoais e em que se privilegia o presente e os também

variados processos de construção desse presente, transferindo, recolocando o centro da narrativa

para as ambiguidades, contingências, incertezas e acidentes.

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Não busco dessa forma encerrar os textos de Edison como divididos entre, ora um

registro monumental, ora um registro cotidiano, o que tento fazer aqui é chamar atenção para a

relação tensa e intensa entre, como se queira chamar, dois gêneros de discurso, princípios

classificatórios ou estratégias narrativas presentes em seus textos. Mais interessante que

classificar ou localizar dois „tipos‟ diferentes de registro é refletir sobre como ele construiu cada

um deles, lançando mão de quais estratégias narrativas e porque em cada momento cada um

deles se mostrou importante.

Podemos pensar que “nagô” e “banto” são categorias monumentalizadas, que nem

sempre funcionam no cotidiano dos terreiros ou dos discursos de seus adeptos ou, pelo menos,

nem sempre funcionam da forma como o queriam Nina Rodrigues, Arthur Ramos e mesmo

Edison Carneiro. Então ele próprio, ainda que tente unir todos os terreiros sob uma mesma

classificação, em muitos momentos constrói seus textos explicitando saber que as identidades

abraçadas e as fronteiras demarcadas pelos seus nativos são mais complicadas do que essa

simples divisão pode prever. Carneiro às vezes trabalha seguindo-a a risca, mas em outras passa

bem longe daí, parecendo consciente de que o alcance da eficácia dessa divisão é limitado. A

similaridade e a diferença entre as práticas rituais desses diversos sujeitos sociais e suas muitas

tradições religiosas nem sempre coincidem com a linha que separa o nagô do banto, o candomblé

da umbanda, a religião da magia. Quando se está em campo se vê que coisas de nomes diferentes

podem ser muito mais próximas do que parecem e que coisas do mesmo nome podem também

ser muito distantes, principalmente por se tratar de um universo religioso em que não há um

corpo doutrinário unificado e estabilizado.

O universo religioso afro-brasileiro é fortemente marcado por conflitos, demandas,

disputas de reconhecimento entre os chefes de culto. Diversas teorias nativas da mistura e da

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separação estão difundidas nele e são usadas como categorias de acusação entre os chefes de

culto. É preciso entender o que está sendo mobilizado quando cada interlocutor lança mão dessas

categorias. Quais os sentidos que assumem tais categorias em cada fala e quais os limites do

diálogo entre elas?

Os informantes de Edison Carneiro, sejam os apresentados como nagô, sejam os

apresentados como banto, Martiniano do Bonfim, Mãe Aninha, Joãozinho da Gomeía, Manuel

Paim, atuam fortemente na direção de produzir autenticidades e inautenticidades e sabem

aproveitar bem os espaços abertos pelo pesquisador para fazê-lo. Edison Carneiro tem

informantes bastante conscientes dos usos que podem fazer dos veículos para os quais o

jornalista e etnógrafo os convida a participar. As falas desses pais de santo que são trazidas por

Carneiro sugerem que eles vêem na relação com um pesquisador e na possibilidade de receberem

destaque em seus livros, e no caso específico da relação com o autor, não só nos livros, mas no

jornal, no congresso, nos cargos de direção da União das Seitas Afro-Brasileiras, uma forma de

conquistar prestígio e legitimidade. O interesse despertado pelos usos que se poderia fazer da

imagem que esses veículos públicos faria circular e os efeitos que poderiam ser conquistados, no

momento particular que esses pais e mães de santo atravessavam nestes anos de 1930, dado o

estatuto social e jurídico de sua prática religiosa, participa ativamente da modulação de suas

respostas, e dos modelos de cultos que se quer apresentar. Circunscrever uma experiência

complexa, fluida, formada de projetos opostos e ambiguidades, sob o rótulo de cultura, como

uma totalidade contínua e coerente, é resultado de um processo arbitrário de seleção. A partir daí

entende-se a cultura não mais como uma realidade dada, à espera de ser “descoberta” e descrita

pelo antropólogo que a “encontra”, mas como o resultado de uma invenção. Essa operação é

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realizada tanto pelo próprio “nativo”, como pelo antropólogo, nas diversas possibilidades de

construção de si e do outro, produzidas na situação do encontro.

Identificar-se como nagô ou banto, africano ou caboclo, ijexá ou angola, nas falas desses

pais de santo não passa apenas pelo sentimento de pertencimento a uma nação, pelos mitos de

origem que se conta, pela valorização da relação com a África, pelas entidades com que se

trabalha e pelas regras seguidas na preparação dos rituais. Estes critérios se misturam e se

sobrepõem e vão sendo acionados em diferentes momentos e com diferentes propósitos:

demarcar diferenças no campo religioso, mobilizar identidades para desvalorizar o outro, colocar

em jogo poderes de manipular forças e se comunicar com o sagrado. Carneiro percebe que se o

pertencimento a uma nação pode funcionar como um recurso político, identitário, no cotidiano

desses pais e mães de santo, mas observando-se de perto as entidades com que cada um

“trabalha”, as histórias que contam sobre a iniciação na religião, os objetos que colocam nos

altares, as oferendas espalhadas pelos terreiros, as festas que tomam lugar em suas casas, essas

demarcações não são tão evidentes, nem tão estáveis.

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Figura 14: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-de-santo

João da pedra Preta, do candomblé da Goméa”

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Figura 15: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “O pae-de-santo

Manuel Paim, do Alto do Abacaxi.

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Figura 16: Fotografia de Edison Carneiro publicada em Negros Bantos, com a legenda “A paramenta

official dos candomblés característicamente caboclos)

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3.5 - O eminente scholar (e candomblezeiro) dr. Édison Carneiro30

Como as teorias da pureza de Edison Carneiro são informadas em boa parte por esses

discursos, essas associações provocam, em certa medida, uma confusão entre os textos do

próprio Edison e os de seus informantes. Mas o etnógrafo circulou entre terreiros de tradições

diversas e foi se comprometendo com pessoas que estavam em lados opostos nessas acusações

mútuas. A disputa pela participação nesses veículos acaba envolvendo Edison Carneiro nas

disputas do próprio campo, entre pais e mães de santo dos terreiros com que estava

comprometido. Ele se envolve na defesa dos argumentos de Martiniano do Bonfim e de Mãe

Aninha da valorização das tradições africanas. Mas também se envolve com Joãozinho da

Goméia, Manuel Paim, Germina do Espírito Santo na busca da legitimação do culto aos

caboclos. O discurso de Carneiro privilegia ora um lado, ora outro. Ele está lidando com

informantes que lêem os seus livros, que estão atentos ao material que está fazendo circular e que

acompanham os usos que são feitos dessas representações sobre eles. Sua etnografia e suas

muitas formas de representar o outro voltam ao campo e o comprometem. Como será que isso

afeta sua narrativa final do trabalho de campo? Como será que ficam suas relações com seus

primeiros informantes, Martiniano do Bonfim e Mãe Aninha, defensores fervorosos da tradição

africana do culto nagô quando ele começa a frequentar e escrever sobre os terreiros de Angola e

de caboclo? A briga com Mãe Menininha do Gantois é exemplar desse comprometimento. Ela

não aceita a participação desses outros terreiros na União das Seitas Afro-Brasileiras e Edison

Carneiro deixa de frequentar seu terreiro e não escreve sobre ele. O encontro etnográfico e a

etnografia são arenas dessas disputas. Circulam neles memórias, narrativas, representações sobre

as quais nem o pesquisador nem o nativo têm total controle. Ele vai desestabilizando o regime de

30

Landes, 2002.

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autenticidade de seus informantes – e o seu próprio ‒ principalmente quando passa das

formulações nos livros para o cotidiano, de que nos aproximamos no livro/ diário de Ruth

Landes. É o que destaco contrastando os trechos a seguir, em que está falando das mesmas

pessoas, primeiro no livro Candomblés da Bahia, depois conversando com sua companheira em

campo. Ele se esforça por formar coleções, descoladas de sua experiência de pesquisa, apagando

vínculos e conexões. Contudo, os laços de natureza pessoal entre o etnógrafo e cada uma dessas

pessoas atravessam o texto.

A exigência antiga de sete anos, pelo menos, de iniciação, para poder

tomar sobre os ombros a tarefa de dirigir um candomblé, já hoje decaiu de

importância nos candomblés não nagôs. Com efeito, Zé Pequeno, Germina,

Idalice, outros pais e mães nunca passaram pelo processo de “fazer o santo”:

“Ninguém lhes pôs a mão na cabeça”. Para estes casos se criou uma tapeação –

os interessados afirmam que os seus respectivos orixás foram “feitos em pé”, ou

seja, eram tão evidentes e tão poderosos que dispensaram a intervenção de

terceiros. Daí o vasto número de pais e mães improvisados, que tanto têm

comprometido a pureza e a sinceridade dos candomblés. (Carneiro, 1948).

Em contraste com esta força interior que emana naturalmente das mães

nagôs e jêjes, os pais de Angola, do Congo ou caboclos são quase todos

improvisados, “feitos” por si mesmos “aprendendo uma cantiga aqui e outra

ali”, como dizem os chefes nagôs e jêjes. Vários desses pais jamais sofreram o

processo de feitura do santo. São pais sem treino, espontâneos, distantes da

orgânica tradição africana – os „clandestinos‟ do desprezo nagô. (Carneiro,

1948).

Zezé avistou Mãe Idalice, chefe de um templo que seguia a tradição de

Angola, e exclamou, numa censura: - Ô gente! Olhe pra ela! Passou ferro no

cabelo! Ô gente! Uma mãe põe ferro quente na cabeça, gente! Uma mãe tão

moça e tão leviana!

Édison, que era amigo de Idalice, defendeu-a. – Não é tão moça assim-

protestou, calmamente. – Tem mais de 30 anos e foi “feita” por Flaviana há

muito tempo. (Edison Carneiro citado em Landes, 2002).

Alguns homens têm realmente a paixão do sacerdócio e estabelecem

organizações de culto na linha das tradições das nações de Angola ou do Congo.

Há um sacerdote de Angola que dirige o seu próprio templo. É Bernardino; os

fiéis o respeitam porque o seu trabalho é bom. É um homem grande e forte, que

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dança maravilhosamente bem, mas em estilo feminino. Há um simpático e

jovem pai Congo chamado João, que quase nada sabe e que ninguém leva a

sério, nem mesmo as suas filhas-de-santo; mas é um excelente dançarino e tem

certo encanto. (Edison Carneiro citado em Landes, 2002).

Alguns não são tão maus assim. Pai Bernardino, que tem um templo de

Angola, é respeitado até por Menininha, que o chama de “irmão” quando ele a

visita. Você precisa vê-lo dançar. Rivaliza com as mulheres que melhor dançam,

embora seja um grandalhão. Dança no estilo das mulheres, sensual e distante, e

é tão competente no seu trabalho que as mães quase se esquecem do sexo dele.

Mas que temperamento tem! É o que sobra do seu complexo de inferioridade e

ele evidencia nos gritos que dá onde quer que se encontre. (Edison Carneiro

citado em Landes, 2002).

Toda coletividade opera com regras de autenticidade e no universo religioso afro-

brasileiro a noção de verdade ganha um especial relevo na estruturação de identidades e

oposições no discurso nativo. Autenticidade, verdade, pureza e impureza são problemas nativos,

categorias que circulam no cotidiano dessas pessoas. Estão em jogo brigas pela legitimidade de

seus cultos junto à sociedade baiana, à imprensa, às autoridades, pelo estatuto jurídico de sua

religião, que são brigas políticas em que evocam uma tradição africana como justificativa de sua

legitimidade. Mas estão em jogo também brigas pelo prestígio de seus terreiros, feitas de

acusações de charlatanismo, disputas de poderes de manipular forças sagradas e se comunicar

com entidades, que se difundem por todos os lados, em todas as direções no mundo dos terreiros.

Mães e filhas de santo adeptas do culto nagô acusam o charlatanismo dos transes e o despreparo

da iniciação dos cultos de caboclo. Adeptos destes últimos enfatizam a força espiritual das

entidades caboclas.

Em Itapoá, em junho de 1936, certo cavalo de Ogum do lado de Martim

Pescador me afirmou, em conversa sobre as diferentes espécies de candomblés

da Bahia:

- O jeje chega e arranca o talo. Vem o angola, tira a foia. O caboclo, mais

forte, leva logo a raiz... (Carneiro, 1937).

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É preciso ter em vista que nem todos os termos em diálogo no encontro etnográfico são

passíveis de tradução tanto para um como para o outro lado. Assim, ainda que as palavras

pureza, autenticidade, verdade e perda circulem entre universos e lógicas de pensamento

distintas, os significados que assumem em cada um deles não são os mesmos. No decorrer de seu

trabalho de campo, Edison Carneiro foi exposto à lógica religiosa, que é diferente daquela

prevista pelas teorias antropológicas que conhece. Classificar um pai ou mãe de santo como nagô

ou banto, mais ou menos evoluído, atestar a pureza ou impureza das tradições africanas nos

rituais que realiza, não dá por si só nenhuma garantia de que seu trabalho religioso vá ser eficaz.

Essas várias camadas de significado se sobrepõem. Não conseguimos distinguir, ao ler

seus textos, se “sinceridade”, “autenticidade”, “honestidade” são categorias nativas ou analíticas.

Essas noções são elaboradas a partir dos critérios dos seus informantes: a observação às regras

para a feitura do santo, as provas da verdade dos transes.

Há, aliás, muita simulação nesses estados de santo dos candomblés afro-

bantos.

Para prevenir abuso, os pais-de-santo, sempre que duvidem da

autenticidade da manifestação, podem pôr em prática as seguintes medidas: a)

mandar a filha-de-santo comer “acará”, isto é, pedaços de algodão molhados em

azeite, em chamas; b) mandá-la comer brasas; c) pôr-lhe punhados de pólvora

na mão, aproximando-lhes, em seguida, o lume; d) mandá-la meter a mão,

demoradamente, em azeite fervendo. Se, durante as provas, nada mais lhe

acontecer, então é mesmo o santo que ali está... (Carneiro, 1937)

Sabina tem tal controle sobre os seus deuses! Pode mandá-los ir e vir.

Com Menininha, com Flaviana, com Massi, a coisa é diferente – os deuses as

angustiam. Olhe só para Sabina. Ela me dá a impressão de apenas estar

trabalhando com afinco. Nos templos ioruba, a mulher, em transe honesto, se

locomove como uma sonâmbula, arrebatada e segura, e os seus olhos ficam

vidrados. Não creio que as mulheres daqui pudessem agüentar as agulhas que

Nina Rodrigues costumava espetar nas sacerdotisas de Mãe Pulquéria para

verificar o seu estado! (Edison Carneiro citado em Landes, 2002)

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Se em muitos momentos uma relação de distanciamento é construída, em outros o ponto de

vista nativo é levado tão a sério que Edison parece agir como um “nativo”. Seu discurso se

confunde com o de seus informantes, fazendo com que pareça estar ele mesmo confundido com

esse universo. Edison constrói uma relação de continuidade com o campo, assumindo as

categorias deste. Monta uma narrativa que não parte da premissa do estabelecimento de uma

distância entre aqueles que crêem e aqueles que sabem, naturalizando a relação com as entidades

sagradas.

O quanto Carneiro, que comparecia a festas religiosas frequentemente, que conversava

com essas pessoas cotidianamente, que passou uma temporada acolhido no terreiro do Axé de

Opô Afonjá, que foi levantado ogã deste mesmo terreiro, que assistiu a algumas cerimônias

secretas, estaria exposto à dimensão mágico-religiosa de seu objeto de pesquisa? Ele não se

identifica como religioso em lugar nenhum de seus escritos, mas parece partilhar da crença nos

rituais de feitura do santo, na sacralização conferida pelas etapas da iniciação, acreditando que há

transes verdadeiros e falsos.

Ele é o jornalista que os apresenta no jornal para a elite baiana, o antropólogo que os

convida para se apresentar na mesa de discussão de um congresso de intelectuais, o mediador

que promove festas e apresentações para estudiosos de outras partes do país e que leva

estrangeiros aos seus terreiros, o diretor de uma instituição política em que são chamados a se

organizar. Mas Edison Carneiro também é um jovem mulato que frequenta festas não religiosas e

nada solenes nos terreiros e que dança a noite inteira com as moças, um baiano que costuma

almoçar em suas casas sem “fazer farol”. Sua etnografia é articulada a partir dessas posições

particulares em que conseguiu se estabelecer e justamente por estar olhando a cada momento de

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lugares tão distintos uns dos outros é que produz textos que comportam lógicas que parecem tão

dissonantes.

Sua própria experiência etnográfica é múltipla e desordenada. Dela emerge seu texto, por

sua vez também múltiplo e desordenado, resultado dos variáveis níveis de intensidade com os

quais cada uma dessas alianças se estabeleceu.

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Considerações Finais

Roteiro Lírico e Sentimental da “Cidade da Bahia” (e outros lugares por onde passou e se

encantou o poeta)31

Acompanhando os personagens a que Edison Carneiro dá destaque em seus livros, que

escolhe para suas entrevistas no jornal, que convida para participar das mesas do congresso, dos

eventos que organiza, que ocupam cargos de importância na União das Seitas Afro-Brasileiras,

acompanhamos não só quais os critérios “legítimos” que orientam sua seleção, mas também os

imponderáveis que a atravessam, e tanto uns quanto os outros, vão fazendo com que “negros

nagôs” e “negros bantos” deixem de ser referências abstratas e ganhem rostos e nomes reais:

Martiniano do Bonfim, Mãe Aninha, Joãozinho da Goméia, Manuel Bernardino da Paixão,

Manuel Paim, Germina do Espírito Santo.

Acompanhando também as reclassificações que Edison Carneiro faz quando passa da

teoria para a etnografia, dos tipos para as pessoas, da generalização para a singularização, vemos

que o seu ir a eles borra as fronteiras que organizam seu pensamento, abrindo frestas. A tensão

entre esses dois princípios classificatórios leva a um texto entrecortado, controverso,

permanentemente dividido contra si mesmo.

Conforme aumenta a intensidade de suas relações, vai trazendo essas pessoas para o seu

texto. Ao ouvirmos as vozes dos seus informantes e acompanharmos o jogo que seleciona essas

vozes, nos aproximamos das movimentações do etnógrafo em campo. Sua fala sobre esse objeto

31

Moraes, Vinícius de. Roteiro Lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro e outros lugares por onde passou e

se encantou o poeta. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

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nos fala dele: por onde escolheu andar, com quem, o que viu e o que não viu. Ele não elaborou

nenhuma reflexão propriamente autobiográfica ou deixou registros de seus diários de campo.

Mas podemos nos aproximar de sua experiência etnográfica, que encharca o texto, a partir dos

rastros deixados por sua escrita. Nela nos é apresentado o seu mapa do mundo religioso afro-

brasileiro dos anos 1930 e o seu roteiro da Cidade da Bahia.

No caso dos terreiros “nagô”, ele se aproxima daqueles tidos como os lugares da tradição.

O Engenho Velho, que teria sido o primeiro terreiro de candomblé da Bahia, foi também o

primeiro de que ele se aproximou. Depois dele, o Axé de Opô Afonjá e o Gantois. Estes foram os

terreiros já consagrados pelos estudos de seus mestres. São também os lugares indicados por seu

primeiro informante, a partir de quem entrou em campo, Martiniano do Bonfim.

O primeiro contato de Carneiro com esse universo foi mediado pelo babalaô. Mas o

discurso de Martiniano, extremamente crítico às transformações em curso, e aos pais de santo de

terreiros de caboclo que as personificavam, leva a crer que não tenha sido ele que intermediou a

entrada do pesquisador nestes outros terreiros, como o havia feito para os “nagô”. De quem

Carneiro teria recebido a indicação para a escolha desses terreiros? Por qual motivo teria

considerado-os significativos?

No caso dos terreiros “de caboclo” me parece que essa seleção parte do próprio Edison

Carneiro, pois ele mesmo diz ser o primeiro a realizar trabalho de campo entre os “negros

bantos”, com o que concordam os outros autores que comentam sua obra. É ele quem “desbrava

o mundo desconhecido dos negros bantos”. O que teria atravessado essa seleção? Se em relação

aos terreiros “nagô” ele escolhe figuras já consagradas pelas etnografias das religiões afro-

brasileiras, em relação aos terreiros “de caboclo”, parece reconhecer os critérios nativos que os

tornam conceituados no mundo do candomblé – o “poder”, a “fama”, a “força”.

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As redes de relação pessoal com as quais Edison Carneiro estava envolvido, de um lado

os intelectuais que de alguma forma participaram do processo de institucionalização acadêmica

da disciplina antropológica brasileira, de outro, os chefes de culto de terreiros de candomblé de

Salvador, repercutem na escrita dos seus textos. São várias as ambiguidades, aparentes

incoerências e inevitáveis contingências que atravessam o projeto do pesquisador e acabam

resultando na ampliação de seu mapa e na escrita de sua própria história do candomblé da Bahia.

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Anexo I

Textos de Edison Carneiro

Onde Judas Perdeu as Botas32

Edison Carneiro

A lua, uma lua quase insignificante, objeto de luxo no manto preto da noite, - é a única

iluminação. A gente escancara os olhos mas não vê nada. A escuridão provoca-nos contínuos

frissons de medo. As silhuetas das casas recortam-se pequeninas, minúsculas. O chão é de barro

amassado, coberto por uma poeirazinha que nos enfeita a boca das calças civilizadas e dão

outra cor – uma cor indistinta – aos nossos sapatos de verniz. Fumamos. A fumaça vai para

onde a leva o vento. Nós vamos para onde nos levam as pernas. Estamos mudos. Os nossos

ouvidos, atentos, não perdem o menor ruído. Andamos, agora, por entre duas retas de

vegetação. Adivinhamos o arame farpado que as devem cercar. Uma árvore grossa, as folhas

farfalhando ao vento. É uma jaqueira. Detraz dela – quem sabe? – talvez esteja a morte, o

roubo... Passamos. Não há nada. Mas o silêncio da hora morta, a escuridão, tudo concorre para

o sobresalto.

- Os ladrões...

- Psiu!

Uma forma branca no caminho. Será uma alma? Eu rio do medo supersticioso do meu

amigo. Ele quer recuar, mas eu sinto a atração do mistério. Arrasto-o, caminho para a frente. A

forma branca está imóvel. Parece humana. Afinal, mexe-se. É um preto, forte, musculoso, à

última moda. Fita-nos sem azedume, segura o violão, começa a cantar:

32

Publicado em O Momento, outubro 1931

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Não há vida melhor

Vida melhor não há

O trabalho não é bom

Pomo-nos em marcha. Agora são dois namorados que conversam baixinho, abraçados.

Os nossos relógios marcam as doze menos um quarto, quando chegamos ao largo. Uma igreja,

oito ou nove casas, barro, capim. Uma lâmpada na esquina. Perto, numa casa grande – seis

janelas, jardim, luz elétrica – uma vitrola toca uma valsa triste. As coisas parecem-nos mais

tristes ainda. A luz da casa grande ilumina um trecho de rua através das janelas abertas. Uma

moreninha lá está, mão no queixo, a se deliciar no sentimentalismo ingênuo da valsa. Há um

piano, esquecido num canto, com uma rosa solitária e langue na tupila verde. Pensamos no

dono da casa rica do bairro pobre.

- Será o chefe políco da zona?

Na certa. Essa riqueza...

Vem-nos à boca um nome popular de pai-de-santo. Ali é que ele mora. Pelo menos, deve

ser... Mas vamos andando. Agora chega aos nossos ouvidos o som do violão e do pandeiro, num

samba sacudido. Seguimos para a frente. Já ouvimos vozes confusas que entoam, em côro, o

estribilho. E o cantor faz o solo, com uma expressão visivelmente canalha:

O carro é mesmo uma gracinha...

Oh! Deixa tirar minha lasquinha!

Na luz indecisa dos candieiros da sala insuficiente dançam quinze, vinte pares. Faz

calor. As axilas desprendem um suor fétido e insuportável. Mas todos parecem contentes. Riem,

cantam, dançam. Negras, mulatas, crioulas, roxinhas. Os homens cheiram a álcool, as mulheres

a suor misturado com pó-de-arroz de quinhentos réis a caixa. A festa está animada, alegre.

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Ficamos olhando da janela, uma vontade enorme de entrar. Acompanhamos, batendo com os

pés no passeio alto, o ritmo gostoso do samba. Afinal, vem o dono da casa conversar conosco,

sorrindo, afetuoso, quase feliz de nos ver – de gravata, roupas de casemira, atitude e gestos de

gente boa – a apreciar a sua festinha modesta... Tem o peito largo, uma cabeleira amansada

diariamente a brilhantina e a cosmético, umas mãos grossas de trabalhador.

E sorri outra vez:

- Os senhores não querem entrar? Não façam cerimônia... A casa é dos senhores...

Não podemos entrar. Não há mais bondes para a cidade, temos que pegar o auto, que

ficou lá em baixo por causa da ladeira... Ele nos convida para a sua festinha de São Cosme, no

outro sábado. Haverá missa, comedoria, fuzarca... Um forrobodó, como diz o meu amigo.

Prometemos. Ele nos diz o seu nome, damos-lhe o nosso cartão de visitas. E despedimo-nos,

voltamos sobre o caminho andado, desta vez sem susto, a conversar animadamente. Tomamos o

auto, rodamos sobre os trilhos do bonde, a fumar cigarros e a falar da gente dos bairros pobres

da velha Lixópolis. E com as primeiras luzes da Rua Dr. Seabra, sentimos estar de novo no

nosso mundo, - esse pobre mundo burguês da cidade que se orgulha de ser mãe de Rui Barbosa

e teatro das lutas da Independência, há mais de um século, em 1823.

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Presente à mãe d‟água33

O bonde pára.

Através da nuvem de mosquitos, que a luz e a algazarra inquietam, conseguimos ver o

farrancho, que vem para o nosso lado, precedido por um negro que agita um archote.

Saltamos.

A poeira nos envolve, os mosquitos nos atacam. Estamos mesmo nas margens do Dique...

O batecum das cabaças, dos agogôs e dos tabaques ensurdece-nos. A onda de gente, que toma

posição para ver, nos empurra, nos machuca.

Os saveiros se aproximam.

As filhas-de-santo, carregando o presente para a mãe-d‟água, embarcam. Os que podem

e querem pagar quinhentos réis embarcam tambémm noutros saveiros. Para chegar até um

saveiro, enchemos as calças de carrapicho. Embarcamos.

Tanta gente que ficou na praia...

Vamos andando. A procissão se mexe. O canto recomeça, acompanhado das palmas. São

mais de quinze os saveiros que acompanham as filhas-de-santo. Fazemos, morosamente, a volta

ao Dique. (Este Dique já teve uma tragédia. Houve um poeta que o “imortalizou” num poema

chamado „Dique, mar de amor...‟) Um dos saveiros começa a fazer água. Há uma balbúrdia

enorme. Afinal, os passageiros conseguem, com imenso esforço, passar para o nosso. Vemos a

hora de ir para o fundo, mas o perigo passa.

- Iemanjá taí mesmo...

Todo mundo acompanha, cantando, batendo palmas, o canto que o negro Manuel,

seguro no mastro, na proa do saveiro das filhas-de-santo, puxa seguido do batuque.

33

Publicado em Salvador, A Batalha, 25 de fevereiro 1934

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Não consigo pescar o que se canta. Pego palavras esparsas. „L‟ôní‟, a água... Este se

repete sempre. O canto, está visto, é dirigido a Iemanjá, a mãe-d‟água. O que se vai oferecer à

mãe-d‟água é um presente de Oxum. As filhas-de-santo têm santos diversos – Ogum, Xangô,

Iansã, Omolu...

No saveiro, as filhas-de-santo, sentadas, já „no santo‟, se sacodem no ritmo do batuque,

dando, às vezes, guinchos agudíssimos ou pequenos gritos de prazer. Nos outros saveiros,

muitas mulheres caem no santo. Uma delegação do candomblé do Engenho Velho ( da linha de

cima) viaja conosco no mesmo saveiro. São duas „feitas‟ e um ogã. Os outros candomblés mais

próximos também mandaram representações.

Estamos agora no meio do Dique. Deve ser o lugar mais fundo. A água está mansa e

escura, raiada de reflexos estranhos. As luzes da margem dançam na água. Fica longe a Usina

do Dique. Do outro lado está o Tororó, com as suas ladeiras íngremes e mal-iluminadas. A lua

ainda não saiu. Poucas estrelas brilham no céu. Os saveiros têm, todos, um candeeiro primitivo,

de torcida de pano, sem „manga‟. A luz desses candeeiros vacila. Colocada acima do telhado de

lona e madeira, impede-nos de ver muita coisa adiante do nariz. Lá longe, na linha do bonde,

que abandonamos há alguns minutos, há uma verdadeira muralha humana. Homens e mulheres,

quase todos vestem branco. São mais de cinqüenta metros de gente que espia.

Aqui, agora, vai ser entregue à mãe-d‟água o presente de Oxum. Os saveiros estão

parados. O negro Manuel, em pé na proa, alto e magro, canta sozinho. Invoca a mãe-d‟água. As

filhas-de-santo carregam o presente, - pó-de-arroz, pente, espelho, loção, brilhantina, todos os

apetrechos para uma toalete cuidadosa, - enquanto os rapazolas que constituem a orquestra

retomam o coro. O presente cai na água, ao clarão dos fogos de artifício, sob o estridor dos

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gritos e das palmas. Se a mãe-d‟água não o aceitar, o presente de Oxum não submergirá. O

presente desce.

- Viva Iemanjá!

As palmas não cessam. Várias mulheres, nos saveiros próximos, „caem no santo‟, dando

gritos, pinotando nos bancos. Ninguém as olha, sequer. O fato passou à categoria dos acidentes

ordinários...

Estamos voltando, depois de haver rodeado o Dique. O canto continua. O negro Manuel

segue puxando o cântico do orixá. Encostamos agora nas pontezinhas de madeira da margem.

Saltamos. O cortejo se forma novamente. No alto do barranco aparecem umas mulheres que

pretendem iluminar a cena com um candeeiro de placa.

- Muito bem!

A rapaziada bate palmas, troçando.

Desta vez não temos archote. Vamos para a Mata Escura, pela linha do bonde, até o

candomblé do Oxumarê. Na frente vai a orquestra, precedida pelo negro Manuel, que se esforça

inutilmente por consertar a pronúncia dos outros. Vejo-o pronunciar um „gbê‟ que é

legitimamente africano. Apesar dos seus esforços, o povaréu vai corrompendo

despreocupadamente a pureza do dialeto. Depois da orquestra, vêm as filhas-de-santo,

completamente bêbadas, excitadas pelo ritmo sexual da música bárbara. Fechando a marcha, a

gente mais diversa do mundo. Negros, mulatos, soldado, mulheres-de-saia, cabrochas, o diabo.

Até um tipo de rua, que carrega um pedaço de pau como se fosse bengala e tem uma pose de

aristocrata antigo...

O canto agora é qualquer coisa parecida a uma marcha do „terno‟ de reis. E os meninos,

os rapazes, e mesmo as cabrochas e os homens semi-embriagados que acompanham a procissão

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pagã começam a andar dançando, tal qual como o menino do Arigofe. A poeira forma uma

nuvem espessa em torno de nós, sufocando-nos. A música produzida pelos instrumentos mágicos

nos enlouquece. Damos topadas nos montículos de barro do caminho. Não há quase luz. Suamos

por todos os poros. Os bondes passam. Os passageiros pensarão que formamos um „afoxé‟ que

se dirige para o Rio Vermelho. Há mesmo, no canto, uma palavra que, de envolta com „l‟ôní‟, se

repete sempre e que parece „afoxé‟. Não consigo distinguir bem, no meio de todo esse barulho.

Chegamos. Passado o abrigo da Mata Escura, é só um pulinho. Vamos subindo agora a

ladeira que leva ao candomblé. O declive é pronunciadíssimo. Os degraus praticados no barro,

em vez de facilitar, dificultam a marcha. Todos querem subir logo. A sala é pequena, um bom

lugar é difícil. Um soldado procura, usando da sua autoridade, fazer a onda avançar em coluna

um por um, mas não consegue. No alto, a dona da casa gasta o dialeto jeje para dar as boas-

vindas ao pessoal.

As filhas-de-santo entram de costas, sob as palmas dos negros. A casa está

completamente cheia. E a orquestra retoma o seu lugar no canto da sala.

As filhas-de-santo recomeçam a dança interrompida. A dona da casa, que também

dança, provoca o santo de uma negra alta, bonita e alegre. Vai para a frente da orquestra e

pula, danadamente, no ritmo veloz. Vem para a outra e esfrega-lhe na cara o suor que lhe

escorre pela testa. Torna a dançar. Torna a fazer os mesmos passes mágicos. A negra titubeia. A

outra insiste, puxando-a para o meio da sala. A nega cambaleia, de cabeça baixa, os braços

caídos, segura pela outra. A orquestra toca uma marcha guerreira. Vejo o fragor da batalha,

ouço o silvar das flechas... Sinto a aragem seca, a quentura equatorial dessa „ilu aiyê‟ dos

desterrados africanos... Ouço as vozes de comando do obá... Vejo os corpos lustrosos dos

combatentes que caem... E vejo, enfim, personificando tudo isso, Ogum, o deus da guerra, que

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possui agora a negra, altivo, enorme, dominador. A negra já não é mais a negra, mas Ogum.

Transfigurada, com esse ar senhorial que a presença do deus lhe dá, a negra toma um aspecto

ao mesmo tempo selvagem, heróico e sanguinário.

Ei-la agora saudando a assistência, sob as palmas frenéticas do povaréu.

Está tarde.

Precisamos deixar a África, regressar ao Brasil...

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Anexo II

Artigos de Edison Carneiro publicados em periódicos

Da primavera. Salvador, A Noite, 24/09/1928

Seios. Salvador, A Noite, 25/09/1928

Conto curto. Salvador, A Noite, 26/09/1928

Recordações. Salvador, A Noite, 27/091928

(Sem título). Salvador, A Noite, 28/09/1928

Desprendimento. Salvador, A Noite, 12/10/1928

Filosofia de Algibeira. Salvador, A Noite, 13/10/1928

O que falta a uns. Salvador, A Noite, 15/10/1928

Escultura ideal. Salvador, A Noite, 16/10/1928

Idiotas. Salvador, A Noite, 17/10/1928

Todos os santos. Salvador, A Noite, 18/10/1928

Papéis trocados. Salvador, A Noite, 19/10/1928

Ostracismo intelectual. Salvador, A Noite, 20/10/1928

Ameaça. Salvador, A Noite, 22/10/1928

Por um beijo. Salvador, A Noite, 23/10/1928

(Sem título). Salvador, A Noite, 24/10/1928

Amores. Salvador, A Noite, 27/10/1928

Ralhando. Salvador, A Noite, 29/10/1928

Confissão. Salvador, A Noite, 03/11/1928

Maria vai com as outras. Salvador, A Noite, 05/11/1928

Só assim! Salvador, A Noite, 06/11/1928

Horóscopo. Salvador, A Noite, 08/11/1928

Tu. Salvador, A Noite, 09/11/1928

Meu amor! Salvador, A Noite, 12/11/1928

A chuva e a Sé. Salvador, A Noite, 13/11/1928

Bucólica. Salvador, A Noite, 16/11/1928

Tédio. Salvador, A Noite, 17/11/1928

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Ontem e hoje. Salvador, A Noite, 20/11/1928

Impossibilidade. Salvador, A Noite, 21/11/1928

Meu amor. Salvador, A Noite, 23/11/1928

Adeus. Salvador, A Noite, 27/11/1928

Noturno de amor. Salvador, A Luva, 20/05/1929

Mãe Preta. Salvador, A Luva, 01/11/1929

Conta-Gotas. Salvador, A Luva, 07/11/1929

Cidade-Tradição. Salvador, O Jornal, 11/11/1929

História. Salvador, O Jornal, 16/11/1929

Aquarela. Salvador, O Jornal, 23/11/1929

A aventura alegre. Salvador, O Jornal, 27/11/1929

A esfinge de minha vida. Salvador, O Jornal, 28/12/1929

Tentação de Seios. Salvador, A Luva, 07/12/1929

Folha solta. Salvador, O Jornal, 12/04/1930

Morta. Salvador, O Jornal, 28/04/1930

Foot-Ball. Salvador, O Jornal, 19/05/1930

Fim da novela. Salvador, Etc. 15/04/1931

A Divina escultura. Salvador, Etc. 15/05/1931

Uma alma branca. Salvador, Etc. 31/05/1931

Para a glória do Brasil. Salvador, Etc. 15/06/1931

Santa Mamelina. Salvador, Etc. 30/06/1931

O último recurso. Salvador, O Momento, 15/07/1931

Sosígenes Costa. Salvador, Etc. 31/07/1931

A cidade da tradição. Salvador, O Momento, 15/08/1931

Lixópolis. Salvador, O Momento, 15/09/1931

Mosca na vidraça. Salvador, Etc. 15/09/1931

A alma do século. Salvador, Etc. 30/09/1931

Feminismo. Salvador, Etc. 15/10/1931

Onde Judas perdeu as botas. Salvador, O Momento, 15/10/1931

Uma história para senhorita. Salvador, Etc. 31/10/1931

O feiticeiro do Menlo-Park. Salvador, O Momento, 15/12/1931

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Fotografo amador. Salvador, Diário da Bahia, 22/12/1931

O conselho de Kanovalov. Ilhéus, Diário da Tarde, 05/01/1932

O País do carnaval. Salvador, O Momento, 15/01/1932

História de gente pobre. Ilhéus, Diário da Tarde, 24/02/1932

Velha Rua. Salvador, O Momento, 15/04/1932

Problemas da burguesia. Salvador, O Momento, jun/1932

Nota sobre Cobra Norato e Júlio Jurenito. Salvador, Diário da Bahia, 07/08/1932

Os corumbas. Salvador, AUB. 15/10/1933

Notas sobre “Três caminhos”. Ilhéus, Diário da Tarde, 04/01/1934

Corja. Rio de Janeiro, Literatura, 5/02/1934

Presente à mãe d‟água. Salvador, A Batalha, 25/02/1934

Gandhi, traidor das massas. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, mar/1934

Sinhá dona. Rio de Janeiro, Literatura, 05/04/1934

Konovaloff. Diário de Notícias, 08/04/1934

Adeus às armas. Salvador, AUB, 26/05/1934

Joaquim Ribeiro. Rio de Janeiro, Literatura, 20/06/1934

Aderbal Jurema e Odorico Tavares. Rio de Janeiro, Literatura, 20/06/1934

Caetés. Rio de janeiro, Boletim de Ariel, jun/1934

Extra-Real. Rumo, jul-ago/1934

Escritores da Bahia. Recife, Diário da Tarde, 08/08/1934

Monte Serrat. Rio de Janeiro, O Jornal, 26/08/1934

Evolução política do Brasil. Recife, Momento, ago/1934

Os Libertos. Rio de Janeiro. Boletim de Ariel, set/1934

Santa simplicidade. Salvador, A Bahia, 18/10/1934

Sobre dois livros novos. São Paulo, Hoje, nov/1934

As raças oprimidas no Brasil. Salvador, A Bahia, 12 e 13 /11/1934

Sancho Pança. Recife, Diário de Pernambuco, 02/12/1934

O Alambique, romance do Recôncavo Baiano. Salvador, A Bahia, 03/12/1934

O Alambique, romance do Recôncavo Baiano. Recife, Diário de Pernambuco, 16/12/1934

Deus lhe pague. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, 1934

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Fronteiras. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, fev/1935

Escritores da Bahia. Salvador, O Imparcial, 18/02/1935

Nota sobre “O Negro Brasileiro”. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, abr/1935

Dois romances do Sr. José Américo. Salvador, O Imparcial, 29/04/1935

O romance da Maleira. Rio de Janeiro, A Manhã, 7/05/1935

Cânticos do Mar. São Paulo, Hoje, ago/1935

Hegel, Feuerbach, Marx. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, set/1935

Omar Khayam, Navegador da vida. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, out/1935

A revolução no romance brasileiro. Rio de Janeiro, A Manhã, 6/10/1935

Possibilidades poéticas da raça negra. Rio de Janeiro, A Manhã, 10/11/1935

Exploração do negro. Rio de Janeiro, A Manhã, 14/12/1935

Amos. Revista Acadêmica, nov/1935

Jubiabá. Rio de Janeiro, O Jornal. 1935

Situação do negro no Brasil. Congresso Afro-Brasileiro (1:1934: Recife). Estudos Afro-

Brasileiros. Trabalhos apresentados ao 1º Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934.

1º volume, 1935

Xangô. Congresso Afro-Brasileiro (1:1934: Recife). Estudos Afro-Brasileiros. Trabalhos

apresentados ao 1º Congresso Afro-Brasileiro reunido no Recife em 1934. 1º volume, 1935

A influência africana no português do Brasil. Rio de Janeiro , Boletim de Ariel, mar/1936

Capoeira de Angola. Salvador, O Estado da Bahia, 9/03/1936

A rainha do mar, Rio de Janeiro , Boletim de Ariel, abr/1936

Martiniano, o famoso „babalaô‟ fez revelações interessantes. Salvador, O Estado da Bahia,

14/05/1936

Isadora Duncan conta sua vida. Salvador, O Estado da Bahia, 23/05/1936

O mito da mãe d‟água, Salvador, O Estado da Bahia, 19/06/1936

O mundo religioso do negro da Bahia, Salvador, O Estado da Bahia, 07/08/1936

O mundo religioso do negro da Bahia, Salvador, O Estado da Bahia, Salvador, 29/08/1936

Samba. Salvador, Estado da Bahia, 12/09/1936

Em torno do Segundo Congresso Afro-Brasileiro, Salvador, O Estado da Bahia, 13/11/1936

Uma noite africana na Rádio Comercial, Salvador, O Estado da Bahia, Salvador, 12/12/1936

A noite africana na Rádio Comercial da Bahia, Salvador, O Estado da Bahia, 17/12/1936

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San Michele. Salvador, O Estado da Bahia, 30/12/1936

O folclore negro no Brasil, Rio de Janeiro , Boletim de Ariel,5(4):104-106, 1936

Gilberto Freyre e a realidade dos fatos, Salvador, O Estado da Bahia 1936

Gilberto Freyre e a realidade dos fatos, Recife, Diário de Pernambuco 1936

O programa dos trabalhos deste importante certame científico. Salvador, O Estado da Bahia,

08/01/1937

A sessão preparatória de ontem e a colaboração de elementos populares ao Congresso da

Bahia. Salvador, O Estado da Bahia, 09/01/1937

O programa dos trabalhos deste importante certame científico. Salvador, O Estado da Bahia,

11/01/1937

Instala-se hoje o 2º Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 11/01/1937

Como decorreu a sua sessão de instalação. Salvador, O Estado da Bahia, 12/01/1937

O dia de ontem do Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 13/01/1937

O testamento do boi. Salvador, O Estado da Bahia,16/01/1937

As últimas reuniões do Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 18/01/1937

2º Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 21/01/1937

O canto dos escravos. Salvador, O Estado da Bahia,13/03/1937

Este boi dá... Bahia, Publicação Terra, 03/1937

Omolu. Rio de Janeiro, Boletim de Ariel, Abr/1937

Retrato do Fascismo. Salvador, O Estado da Bahia 01/04/1937

Homenagem ao Congresso Afro-Brasileiro. Salvador, O Estado da Bahia, 24/05/1937

As festas amanhã no terreiro do Gantois e do Engenho Velho. Salvador, O Estado da Bahia,

26/05/1937

A Saudade da África. Flamma, Jun/1937

Homenagem aos heróis anônimos. Salvador, O Estado da Bahia, 02/07/1937

O centenário da Sabinada. Salvador, Flama, No. 3, ago/1937

Criação do Conselho Africano da Bahia. Salvador, O Estado da Bahia, 04/08/1937

Liga das Seitas Afro-Brasileiras. Salvador, O Estado da Bahia, 28/08/1937

Convocação dos membros da diretoria da União das Seitas Afro-Brasileiras da Bahia. Salvador,

O Estado da Bahia, 04/09/1937

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Posse da primeira diretoria da União das Seitas Afro-Brasileiras. Salvador, O Estado da Bahia,

28/09/1937

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Vida Boemia de Paula Ney. Salvador. O Imparcial, 09/04/1944

Perdigão Malheiro. Rio de Janeiro, Diário de Noticias, 6/8/1944

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O Verdadeiro Zumbi. Leitura, mar/1945

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Destruição dos Palmares. Diário de Notícias (Suplemento) 13 /05/1945

O Batalhão dos Libertos. Revista do “O Jornal”, 08/07/1945

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O Artesanato Francês. Boletim do SENAI, mar1946

O caruru de Cosme e Damião. Porto Alegre, Província de São Pedro, 5:79-81, jun/1946

Quanto valia um escravo? Rio de Janeiro, Revista do Comercio, CNC, junho 1946

Os Comandantes dos Palmares. Revista do Comércio, nov/1946

Edison Carneiro opina sobre a obra prima da literatura brasileira – Jornal de Debates –

15/11/1946

Personagens dos candomblés da Bahia (folheto). Rio de Janeiro: [s.n], 1947, 10p. Separata de

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Judas, o de Karioth. Leitura, abr/1948

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O escritor e a paz. Leitura, 1948

Mães-de-Santo. Porto Alegre. Província de São Pedro, 11/;51-53, 1948

Lembrança do negro na Bahia. Salvador, A Tarde, 29/03/1949

O mestre das obras da Bahia.Resenha Literária, Recife, ago/1949

Liberdade de culto. Rio de Janeiro, Quilombo, janeiro 1950

Significação Nacional da Obra de Arthur Ramos. Fundamentos, jan/1950

A pernada carioca. Rio de Janeiro, Quilombo, maio 1950

Teogonia negra. Quilombo, jun a jul/1950

A Expedição de Jorge Pimentel à Bahia. A Tarde, 07/10/1950

A Planta da Bahia em 1950. Salvador, A Tarde , 02/12/1950

A abolição do tráfico. Rio de Janeiro, Congresso do Negro Brasileiro, 1950

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Yemanjá e a mãe-d‟água. Rio de Janeiro, Congresso do Negro Brasileiro, 1950

O interesse do folclore. Rio de Janeiro, O Jornal, 26/08/1951.

Este boi dá... Rio de Janeiro, APCE, 09/1951

Mutirão. Rio de Janeiro, Temário,setembro-outrubro, 1951

Singularidade dos Quilombos. Rio de Janeiro, O Jornal, 25/11/1951 e 09/12/1951

O culto nagô na África e na Bahia. Salvador, Diário da Bahia, 16 e 23/12/1951

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Vodún. Salvador, Diário da Bahia, 03/05/1952

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Xangôs de Maceió. Maceió, parecer ao governo de Alagoas, 1952

Etnologia . Belo Horizonte, Horizonte , jan a fev/1953

O quilombo da Carlota. Belo Horizonte, Horizonte, setembro 1953

Os 10 Maiores Santos de Todos os Tempos. Manchete. 03/10/1953

Folclore do negro. São Paulo, Folclore (órgão da comissão Paulista de Folclore e do Centro de

Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade), 2 (1): 28-37, 1953

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contribuição à I Reunião Brasileira de Antropologia, 1953

A Conceituação do fenômeno folclórico. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 12/09/1954

Resposta ou Confirmação? O Jornal, 17/10/1954

Os pássaros de Belém. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 24/10 e 7/11/1954

O Quilombo da Carlota. Porto Alegre,Província de São Pedro, No 19, 1954

Elementos Novos no Folclore Carioca. 23/01/1955

O Azeite de Dendê. O Jornal, 27/03/1955

Angú à Baiana. Diário de Notícias, 27/03/1955

Proteção e Restauração dos folguedos populares.Vitória, Folclore, 6 (34-36): 17, jan a jun/1955

Pesquisa de folclore (folheto). Rio de Janeiro: IBECC, CNFL, 1955

Proteção e Restauração dos folguedos populares. Florianópolis, Boletim Trimestral da

Comissão Catarinense de Folclore, 6(22): 55-64, jan/1956

Escolas de Samba, Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 25/03/1956

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O Folclore no Brasil. Rio Janeiro, O Jornal, 1/4/1956

Folclore. Rio de Janeiro e São Paulo, Para Todos, 2ª quinz. jul/1956

Natal: sugestões. O Jornal, Rio de Janeiro, 09/12/1956

O negro em Minas Gerais. Rio de Janeiro, Educação e Ciências Sociais, dezembro/1956

O Folclore na obra de Euclides. São José do Rio Pardo, Conferência de encerramento da

Semana Euclydeana, 1956

O Folclore no Brasil. Rio de Janeiro, Seminário Sul- Americano sobre o Ensino das Ciências

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O Folclore do Brasil. Vitória, Folclore (órgão da Comissão Espírito-Santense de Folclore), 7-8

(40-48): 12, jan/1956 a jun/1957.

Escolas de Samba. Rio de Janeiro, Manchete, 2/02/1957

O morro vem chorar suas mágoas no asfalto. Rio de Janeiro, Manchete, 251:20- 26/02/1957

Os trabalhadores da escravidão. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 12/5/1957

Folclore. Rio/ São Paulo, Para Todos, 2ª. Quinzena, jun/1957

O negro nas letras brasileiras. Rio de janeiro, Leitura No 1, Ano XV, jul/1957

O terceiro Congresso Brasileiro de Folclore.Vitória, Folclore, 8 (49-50):1-2, jul a out/1957

O folguedo popular. Rio de Janeiro, Para Todos, 1ª quinzena/08/1957

Os negros trazidos pelo tráfico. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 29/9/1957

Candomblé. Rio de Janeiro, Leitura, No 3, Ano XV, set/1957

Embaixada ao Daomé. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 2/11/1957

“Nego véio quando morre...”. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1/12/1957

Inteligência do Folclore. Rio de Janeiro, Revista do Livro- MEC, No 8, dez/1957

O negro em Minas Gerais. Belo Horizonte, Segundo Seminário de Estudos Mineiros, UMG,

1957

Uma pátria para o negro. Buenos Aires, Histonium, janeiro 1958

Nina Rodrigues. Belo Horizonte, Kriterion, Faculdade de Filosofia, UMG, janeiro-junho 1958

Maculelê. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 16/03/1958

A Costa da Mina. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 13/4/1958

Treze de Maio. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 11/5/1958

Norte- americanos opinam sobre a criação da “ciência total do homem”. Horizonte, jun/1958

O partido da praia (folheto). Separata de Estudos Sociais, n.2, jul a ago/1958

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Uma pátria para o negro. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 17/8/1958

No Culto Africano Orixá e Ministro de Olorum. Rio de Janeiro, Correio da Manhã, 28/10/1958

O Folguedo Popular. Porto Alegre, A Hora, 13/12/1958

São Jorge: contracapa do disco Columbia LPCB 22001 Viva São Jorge, 1958

Castro Alves- uma Interpretação Política, 1958

A sociologia e as ambições do folclore. São Paulo, Revista Brasiliense, 23:132-45, mai a jun/

1959

Os cultos de origem africana no Brasil (folheto). Nova Iguaçu: Biblioteca Nacional, 1959, 20p.

Separata de: Decimalia, Rio de Janeiro, 1959

Les cultes d‟origine africaine au Brésil (folheto). Nova Iguaçu: Biblioteca Nacional, 1959, 22p.

Separata de: Decimalia, RJ, 1959

Coco, uma síntese Folclórica.Rio de Janeiro, Diário de Noticias, 31/01/1960

O Folclore do Cotidiano.Vitória,Folclore (órgão da Comissão Espírito-Santense do Folclore), 9

(64-69):21, jan a dez/1960

O carnaval do Recife. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 28/02/1960

As Irmandades do Rosário: Rio de Janeiro, MEC, março-abril 1960

Comunidade folkculture e folclore. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 10/04/1960

Associação Nacional de Cultos Populares. Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, 8/1960

Os Cabloclos de Aruanda. Rio de Janeiro, Revista do Livro(MEC) 5. (19): 75-82, set/1960

Umbanda (folheto). Rio de Janeiro: MEC, 1960. 8p. Separata de MEC, v.5, n.25, set a dez/1960

Maioridade do Folclore. Rio de Janeiro, Hoje, 18-19/9/1960

O Ciriri de Cuiabá. Rio de Janeiro, Diário de Noticias, 11/11/1960

O Folclore do Cotidiano. Diário de Notícias, 18/12/1960

Classificação decimal do folclore brasileiro. Antonio José Dias e Rossini Tavares de Lima,

Estudos e Ensaios Folclóricos em homenagem a Renato de Almeida. Rio de Janeiro, Ministério

das Relações Exteriores/Serviços de Publicações, p. 563-70. 1960

Folclore Fenômeno Cultural. Diário de Notícias, 29/01/1961

Antropologia e Folclore. Jornal do Comércio, 23/07/1961

Samba de umbigada: tambor de crioula, bambelo, coco, samba de roda, partido alto, samba

lenço, batuque, jongo-caxambu (livro). Rio de Janeiro, CDFB, 1961

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Fala na Sessão de Encerramento do V Congresso de Folclore. Folclore 13/14 (75/78):7, jan/dez

1962/63

Formação de novos de novos quadros em Folclore. Vitória, Folclore(órgão da Comissão

Espírito-Santense de folclore), 13-14 (75-78):5, jan-dez/1962 a jan-dez/1963.

Evolução dos estudos de folclore no Brasil. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Folclore, 2

(3):47-62, mai a ago/1962

A Descoberta do Marido. Salvador, Diário da Bahia, 22/6/1962

Evolução dos estudos de folclore no Brasil: adendo e retificação. Rio de Janeiro, Revista

Brasileira de Folclore, 2(4): 39-42, set a dez/1962

Carta do samba, aprovada pelo I Congresso Nacional do Samba entre 28/11/62 e 02/12/62. Rio

de Janeiro, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1962

Nina Rodrigues. Rio de Janeiro, Jornal de letras, dezembro 1962

A Fortaleza de Ajudá. GB, Diário Carioca, 11/08/1963

Ainda há muito por fazer. Fortaleza, Correio do Ceará, 14/9/1963

Folklore in Brazil (folheto). Translated by John Knox, traduction de France Knox, Webersetzung

von Richard W. Brackmann. Nova Iguaçu: CDFB, 1963

Cerâmica do Nordeste. Folhinha da Willis Overland, 1963

Proteção à música folclórica. Vitória, Folclore(órgão da Comissão Espirito-Santense de

Folclore), 15( 79-80):13, jan a dez/1964

Uma “falseta” de Artur Ramos. Rio de Janeiro, Diário Carioca, 29/3/1964

Bambaré. Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 18/06/1964

Representações Populares. Rio de Janeiro, Revista Brasiliense No 12:131-137, mai a ago/1965

O jogo da capoeira. Rio de Janeiro, Jornal do Comercio, 11/07/1965

Folguedo Popular. A Província do Pará, 22/08/1965

O afoxé da Bahia. Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, 17/02/1966

A religião do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro, Jornal do Commercio, 29/05/1966

O problema do negro: visita à África. Cadernos Brasileiros, Rio de Janeiro, a.8, v.5, n.37, p.21-

28, set a out/1966

As pastoras do Natal. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Folclore No 16: 227-284, set a

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Danças folclóricas do Brasil. Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, 06/11/1966

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Religions of the negroes in Brazil (livro). Brasil. Ministério das Relações Exteriores. The African

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O Bocage do Brasil. Rio de Janeiro, Jornal do Commércio, 29/05/1967

Documentação do folclore brasileiro. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Folclore, 8 (18): 207-

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Danças folclóricas no Brasil, Rio de Janeiro, Brasil Açucareiro, 70 (2): 67-9. ago/1967

Literatura Oral. Correio da Manhã, 10/12/1967

Os Pares da França. Rio de Janeiro, Cadernos Brasileiros, 45: 73-83. jan a fev/1968

Resenha de Escolas de Samba de Luís.D.Gardel. Correio da Manhã, fev/1968

Madeira Podre. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 30/03/1968

A Divindade brasileira das águas. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Folclore, 8 (21): 143-

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O negro como objeto de ciência. Salvador, Afro-Ásia, 6-7: 91-100, jun a dez/1968

A umbigada em fileira. Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, 09/06/1968

Unidos do Salgueiro. Rio de Janeiro, Correio da Manhã, 14/09/1968

Berimbau. Rio de Janeiro, Correio da Manhã, 10/10/1968

As doze noites. Shell em Revista, nov a dez/1968

Partido Alto, Portela. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Folclore, n. 24, 209-213. mai a

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Desfiles e cortejos populares. Rio de Janeiro, O Brasil Açucareiro, 74 (2): 111-17, ago/1969

Arte Popular. Roberto Pontual. Rio de Janeiro, Dicionário de Artes Plásticas no Brasil, 1969

Os Bailes de Parati. Florianópolis, Boletim da Comissão Catarinense de Folclore, 2 (3): 3-4.

ago/1970

Os Índios do Posto Paraguassú. Diretrizes. 19/12/1970

As divindades de Angola. Rio de Janeiro, Brasil Açucareiro, 78 (2): 144-47. ago/1971

Crença Negra de Yoruba – em Jacarandá de Caribé. DI jornal/ revista, 12/09/1971

As pastoras do Natal. 25 Estudios Del Folklore. México, Universidad Nacional Autónoma del

México, p. 249-57, 1971

Capoeira (folheto). Rio de Janeiro: CDFB, (Cadernos de Folclore, 14), 1971

Os cultos de origem africana no Brasil (folheto). São Paulo: Editora Três, 1972, 12p. Separata

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Os Gêmeos. Rio de Janeiro, O Globo. 24/09/1972

Trabalhos fúnebres populares. O Globo, Rio de Janeiro, 29/10/1972

O General Madeira. Salvador, A Tarde, 08/11/1972

Elementos africanos na música e na dança brasileiras. Cadernos Brasileiro, Nova Iguaçu, v.4,

n.4 (especial), p.21-31, 1972

Uma revisão na etnografia religiosa afro-brasileira. São Paulo, Problemas, 1 (1): 48-53.

ago/1973

Os Bailes de Parati. Niterói (RJ), Boletim da Comissão Fluminense de Folclore, 5 (7): 16-7.

ago/1973

Capoeira (folheto). Rio de Janeiro: CDFB (Cadernos de Folclore 1), 1975

Os pares de França. Cadernos Brasileiros, Rio de Janeiro (45): 73-83, jan a fev/1978

A Lei do Ventre-Livre. Salvador, Afro-Ásia n.13, 1980

O jogo da capoeira (folheto). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1980

Três cronistas da Bahia. Salvador, Revista de Cultura da Bahia (Conselho Estadual de Cultura),

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Cultos Africanos no Brasil. Salvador, , Revista de Cultura da Bahia (Conselho Estadual de

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