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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola de Enfermagem Anna Nery
Coordenação Geral de Pós-Graduação
Programa de Pós-graduação em Enfermagem
Curso de Mestrado em Enfermagem
ELETROCONVULSOTERAPIA NO INSTITUTO MUNICIPAL NISE DA
SILVEIRA: DESVELANDO O CUIDADO DE ENFERMAGEM (1978-1990)
Juliana Cabral da Silva Guimarães
Rio de Janeiro
2018
JULIANA CABRAL DA SILVA GUIMARÃES
Eletroconvulsoterapia no Instituto Municipal Nise da Silveira: desvelando o
cuidado de enfermagem (1978-1990)
Dissertação de Mestrado a ser apresentada à banca
examinadora no Curso de Mestrado em
Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna
Nery/UFRJ como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
Linha de pesquisa: História da Enfermagem
Brasileira.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Angélica Almeida
Per
Rio de Janeiro
2018
FICHA CATALOGRAFICA
Juliana Cabral da Silva Guimarães
ELETROCONVULSOTERAPIA NO INSTITUTO MUNICIPAL NISE DA
SILVEIRA: DESVELANDO O CUIDADO DE ENFERMAGEM (1978-1990)
Dissertação de Mestrado a ser apresentada à
banca examinadora no Curso de Mestrado em
Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna
Nery/UFRJ como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
Aprovada em 25 de Junho de 2018.
Prof. Dra. Maria Angélica de Almeida Peres – Escola de Enfermagem Anna Nery
Prof. Dr. Luiz Otávio Ferreira – Casa Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz
Prof. Dr. Antonio José de Almeida Filho – Escola de Enfermagem Anna Nerry
Dedico este trabalho a minha mãe, Monica, que hoje não pode estar fisicamente ao meu
lado, mas está sempre presente. Devo a memória dela a contínua busca pela minha
felicidade e minhas realizações. Ela, que sempre me criou para conquistar o mundo,
hoje me vê conquistando-o um pouquinho mais.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a minha orientadora, Prof. Dra. Maria
Angélica de Almeida Peres. Sem ela, a realização desta dissertação não seria possível.
Sou grata pela dedicação que empenhou na minha formação profissional, pelos
conhecimentos compartilhados, pela paciência e tolerância para compreender minhas
dificuldades e me motivar a supera-las. Espero ter atendido a suas expectativas e, de
alguma forma, ter conseguido orgulha-la do meu desempenho e dedicação.
Agradeço a toda a minha família que sempre esteve ao meu lado, comemorando
minhas vitórias e me acolhendo nas derrotas. Agradeço em especial ao meu pai, Jaime,
e a minha madrinha, Fernanda, que hoje são meu alicerce e meu ponto de equilíbrio. Sem
o apoio e a força de vocês, talvez não tivesse conseguido chegar aonde cheguei.
Agradeço ao meu namorado, Diogo, que não só compreendeu quando eu precisei
abdicar de alguns momentos juntos em prol do estudo, mas me deu incentivo para
continuar, mesmo quando eu não estava muito afim de ouvir palavras de incentivo.
Agradeço ainda por ser meu lar em momentos que me vi sozinha e triste. Te amo.
Agradeço ainda aos meus amigos, que são minha fonte de energia boa e são
quem me mantém para cima e motivada. Agradeço em especial a Thamires, Raissa e
Bárbara por reforçarem os prazos e a importância desta pesquisa para mim, por me
incentivarem a escrever quando e me ajudarem no que foi possível.
A Prof. Dr. Francimar, a quem hoje gostaria de agradecer como amiga
Francimar. Num difícil momento, você se fez presente mais do que uma professora e
exemplo de enfermeira que sempre foi para mim. Se mostrou minha amiga e uma pessoa
de muita luz, que me renova a esperança de um mundo melhor, com pessoas melhores.
Obrigada pela ajuda, pelas mensagens de carinho e pelo ombro amigo.
Agradeço ainda aos colaboradores da pesquisa que se despuseram a contribuir,
sem eles esse estudo não seria possível.
Por fim, agradeço ao meu núcleo de pesquisa, NUPHEBRAS, e a todos os seus
membros, que partilharam conhecimento e fortaleceram o amor pela pesquisa em mim.
Muito obrigada a todos.
RESUMO
GUIMARÃES, Juliana Cabral da Silva. Eletroconvulsoterapia no Instituto
Municipal Nise da Silveira: desvelando o cuidado de enfermagem (1978-1990). Rio
de Janeiro, 2018. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem
Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
Resumo: Pesquisa sócio-histórica, de natureza qualitativa, tendo como objeto os
cuidados de enfermagem prestados aos portadores de transtornos mentais submetidos à
eletroconvulsoterapia (ECT) no Instituto Municipal Nise da Silveira (IMNS), no
período de 1978 até 1990. O recorte temporal corresponde, respectivamente, ao ano de
consolidação do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) e ao ano da
criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir da promulgação da Lei nº 8080/90,
fatos que marcam rupturas importantes no curso das políticas de saúde mental. Oriundo
do primeiro hospício do Brasil, o IMNS representa o berço da construção e
desenvolvimento de saberes e práticas de saúde mental, sendo uma instituição relevante
para a memória da trajetória da psiquiatria no país. A ECT foi introduzida no tratamento
em psiquiatria por oferecer maior segurança para o paciente, quando comparada às
demais terapias convulsivas. Sua aplicação contava com a equipe de enfermagem para
prestar cuidados pré, trans e pós terapia. Objetivos: Descrever a aplicação da ECT no
IMNS na década de 1980 e analisar os cuidados de enfermagem prestados às pessoas
submetidas à ECT. Metodologia: As fontes escritas foram documentos escritos do
Acervo de História e Memória do IMNS, como livros de ordem e ocorrências do período
do estudo, e as fontes orais foram produzidas na perspectiva da História Oral Temática,
a partir de entrevista com nove colaboradores, sendo 1 auxiliar de enfermagem, 4
técnicos de enfermagem e 4 enfermeiros que prestaram cuidados às pessoas submetidas
à ECT no cenário estudado. Foi aplicada a crítica interna e externa aos documentos e os
dados foram triangulados e organizados de forma cronológica e temática. Como
embasamento teórico utilizou-se os conceitos de desinstitucionalização, pelos autores
que escrevem na lógica do movimento de Reforma Psiquiátrica e de saber e poder
disciplinar, estes de Michel Foucault. A pesquisa foi aprovada em Comitê de Ética em
Pesquisa das instituições proponente e coparticipante. Resultados: Os resultados do
estudo demonstram a aplicação da ECT era formalmente indicada e realizada pelo
médico, sem que o paciente passasse por uma avaliação clínica minuciosa;
Informalmente ocorria o uso da ECT, aplicada pelos profissionais da enfermagem e
“guardas” como forma punitiva, em caso de desobediência das normas institucionais
pelos pacientes, contribuindo para estigmatização da técnica e mantendo as relações de
poder disciplinar no hospício. A equipe de enfermagem demonstrou dificuldade em
reconhecer um saber próprio em psiquiatria relacionando-a com a ausência de ensino
sobre a temática durante a formação profissional. Evidenciou-se também que a equipe
de enfermagem realizava cuidados historicamente específicos da categoria, como
higiene e alimentação do paciente, administração de medicamentos e contenções. Tais
atividades se relacionam com a manutenção da ordem asilar, também de
responsabilidade da enfermagem. Os resultados também apontaram cuidados de
enfermagem relacionados a ECT nos momentos pré, trans e pós aplicação da técnica,
realizados empiricamente, aprendidos através da observação e repetição no
acompanhamento dos pacientes. Os cuidados de enfermagem ao paciente submetido à
ECT tinham a função de preparo e proteção para que a técnica fosse realizada com
menos risco possível, no entanto, não era registrada a participação da enfermagem nessa
terapêutica. A técnica da história oral permitiu registrar que a atuação da equipe de
enfermagem no IMNS em sua prática cotidiana na ECT era responsável pelo jejum do
paciente e pela proteção na cavidade oral na fase pré-ECT; pela observação do paciente
e contenção física na fase trans-ECT e pela verificação de sinais vitais, alimentação,
higiene e observação na fase pós-ECT. Considerações finais: Este estudo apresenta
resultados que descrevem como era na visão da equipe de enfermagem e aplicação da
ECT no IMNS e quais os cuidados de enfermagem realizados pelos colaboradores da
pesquisa nas fases aqui denominadas de pré, trans e pós ECT. Destacou-se no período
estudado o modelo manicomial, no qual o poder-saber médico era preponderante no
espaço asilar, e a ECT era usada como tratamento e como exercício do poder disciplinar,
sendo o médico e a equipe de enfermagem profissionais indispensáveis para a realização
essa técnica. Houve, pela prática, a construção de saberes específicos de enfermagem
psiquiátrica em ECT.
Palavras-Chave: Convulsoterapia. Enfermagem Psiquiátrica. História da Enfermagem.
Hospitais Psiquiátricos. Cuidados de Enfermagem.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 8
1.1 APRESENTAÇÃO DO OBEJTO DO ESTUDO 8
1.2 AS TÉCNICAS CONVULSIVAS E A ECT 11
1.3 CONTEXTO HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA NO
BRASIL: DO HOSPÍCIO DE PEDRO II AO INSTITUTO MUNICIPAL DE
ASSISTÊNCIA A SAÚDE NISE DA SILVEIRA 14
1.4 QUESTÕES NORTEADORAS E OBJEITOS DA PESQUISA 21
1.5 INTERESSE, JUSTIFICATIVA, RELEVÂNCIA E CONTRIBUIÇÕES
DO ESTUDO 21
1.6 REFERENCIAL TEÓRICO 23
2 METODOLOGIA 30
2.1 CARACTERIZAÇÃO DO CENÁRIO DE PESQUISA 37
2.2 ASPÉCTOS ÉTICOS DA PESQUISA 39
2.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO 40
3 CAPÍTULO I: ELETROCONVULSOTERAPIA PELA EQUIPE DE
ENFERMAGEM DO INSTITUTO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA A SAÚDE
NISE DA SILVEIRA 42
3.1 EQUIPE DE DO INSTITUTO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA A
SAÚDE NISE DA SILVEIRA: ROTINA E (DES)PREPARO PARA O CUIDADO EM
SAÚDE MENTAL 43
3.2 EQUIPE DE DO INSTITUTO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA A
SAÚDE NISE DA SILVEIRA: CONSTRUINDO-SE SABERES 51
3.3 ELETROCONVULSOTERAPIA: UMA FACE DO EXERCÍCIO DO
PODER DISCIPLINAR DA EQUIPE MÉDICA E DE ENFERMAGEM 56
4 CAPÍTULO II: CUIDADO DE ENFERMAGEM AO PACIENTE
SUBMETIDO A ELETROCONVULSOTERAPIA 69
4.1 CUIDADOS DE ENFERMAGEM PRÉ
ELETROCONVULSOTERAPIA 75
4.2 CUIDADOS DE ENFERMAGEM TRANS
ELETROCONVULSOTERAPIA 79
4.3 CUIDADOS DE ENFERMAGEM PÓS
ELETROCONVULSOTERAPIA 81
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 86
REFERÊNCIAS 89
APÊNDICE A 97
APÊNDICE B 98
APÊNDICE C 99
APÊNCIDE D 101
APÊNDICE E 102
8
1. INTRODUÇÃO
1.1.Apresentação do objeto de estudo
A pesquisa tem como objeto de estudo os cuidados de enfermagem prestados aos
portadores de transtornos mentais submetidos à eletroconvulsoterapia (ECT) no Instituto
Municipal Nise da Silveira (IMNS) no período de 1978 até 1990.
A década de 1980 foi marcada pelo fortalecimento do movimento de Reforma
Psiquiátrica brasileira após consolidação do Movimento dos Trabalhadores de Saúde
Mental (MTSM), no ano de 1978. O MTSM é considerado o marco inicial do movimento
de Reforma Psiquiátrica principalmente por ser, a partir deste movimento, que as críticas
às péssimas qualidades da assistência prestada, à violência manicomial e ao saber
psiquiátrico instituído ganharam força e visibilidade (BRASIL, 2005) e, portanto, o ano
de 1978 foi definido como marco inicial da pesquisa.
Como marco final elegeu-se o ano de 1990 quando ocorreu a implantação de um
novo sistema de saúde no Brasil, que veio a influenciar de forma abrangente a sociedade.
Isso se deu pela sanção da Lei n. 8080/90 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Esta lei demarca
o resultado vitorioso do movimento sanitarista iniciado na década de 1960, que visava
reorganizar a política pública de saúde brasileira, tendo em vista as péssimas condições
que os serviços se encontravam, bem como a crescente ocorrência de doenças de massa,
como febre amarela e tifo, por exemplo (BARBOSA et al, 2016).
Tal marco final se justifica devido a relação histórica entre o movimento
sanitarista e o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira, posto que ambos lutaram
por melhoria dos serviços de saúde, humanização da assistência e dos direitos da
população, como cidadania e autonomia. A sanção da Lei n. 8080/90 fortalece o
movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira no âmbito legislativo também, visto que a
Lei n. 10.216, considerada lei da Reforma Psiquiátrica, foi promulgada em 2001, após o
surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
A ECT, trazida em estudo nesta dissertação, é uma prática cercada de preconceito
justificado pela sua utilização descontrolada para inibir sintomas e comportamentos dos
portadores de transtornos mentais, de forma que passou a representar uma prática
9
desumana e contrária aos direitos das mesmas. Portanto, as mudanças no sistema de saúde
e o MTSM somaram vozes contra ECT no Brasil, o que reduziu sua utilização,
principalmente nas instituições que incorporaram os ideais reformistas, pautados na
reforma psiquiátrica italianos, ocorridos sob liderança de Franco Baságlia.
Sabe-se que no IMNS a ECT foi extinta, no entanto, a inexistência de fontes
históricas que contextualizem ou expliquem esse fato ocorrido no período em que se
desenvolvia o movimento de Reforma Psiquiátrica sugerem uma associação entre os
marcos pelo contexto histórico-social relativo à saúde mental no país. Além disso, o
IMNS foi palco de reuniões importantes durante todo o movimento e, após o início da
Reforma Psiquiátrica, continuou sendo uma instituição de grande importância no
processo de atualização e transformação de saberes e práticas na área da psiquiatria/saúde
mental.
Durante a década de 1960 emergiram discussões em âmbito internacional e
nacional acerca de um novo modelo de assistência psiquiátrica, ganhando visibilidade e
força a partir da década de 1970, quando ocorreram denúncias, por parte dos trabalhadores
da área, da péssima qualidade dos hospitais psiquiátricos e da assistência até então
prestada ao portador de transtorno mental, que representam o início do Movimento
Nacional da Luta Antimanicomial. A escolha do recorte temporal da pesquisa se pauta na
provável relação entre o fim da prática de ECT no IMNS, essencialmente vinculada ao
modelo manicomial, com o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira.
A ECT, também conhecida como eletrochoque, teve seu uso reduzido na década
de 1960 devido ao surgimento dos medicamentos antidepressivos (WOOD JR E
CALDAS, 1995). Além disso, o MTSM considerou esta prática como um dos símbolos
do tratamento manicomial, devido às variadas formas improvisadas e condições pouco
esclarecidas em que era aplicada aos portadores de transtornos mentais. Em cartazes,
filmes, jornais, ainda hoje, quando se quer ilustrar o manicômio, a imagem da prática da
ECT é utilizada, o que amplia a associação da mesma como terapia desumana e
reprovável, tema bastante controverso na literatura mundial, que não será abordado nessa
perspectiva no estudo em tela, voltado ao cuidado de enfermagem em ECT em um
determinado período histórico.
10
Assim, durante a luta antimanicomial, as manifestações contra a ECT foram
intensas, reduzindo seu uso, mas não o extinguindo. Os argumentos prós e contra esta
forma de tratamento se mantiveram durante todo o período que antecedeu a implantação
da reforma psiquiátrica, sempre acompanhados pelos avanços tecnológicos e científicos
que influenciaram a prática psiquiátrica ao longo do tempo.
Diante disso, o tema ECT traz à tona questões complexas e enredadas que surgem
no tempo histórico como fatos marcantes para o desenvolvimento da assistência em saúde
mental, o que implica no cuidado prestado pela equipe de enfermagem em sua prática nas
instituições psiquiátricas. A enfermagem tem a responsabilidade de cuidar integralmente
dos portadores de transtornos mentais internados, sendo assim, pode revelar aspectos
ainda não conhecidos sobre a ECT.
A construção de um projeto de pesquisa histórico requer a apresentação de um
fato que mereça registro e interpretação. Aspira-se “entender os mecanismos que
explicam as concordâncias e discordâncias existentes entre os diversos níveis de uma
determinada sociedade” (CARDOSO E BRIGNOLI, 1983, p.28-29).
Neste estudo, a problemática de pesquisa se relaciona com a necessidade de
prestação de cuidados de enfermagem aos portadores de transtornos mentais submetidos
à ECT, procedimento muito utilizado na prática psiquiátrica, que entrou em declínio com
o surgimento do movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira, defendendo sua extinção,
no entanto, nunca se chegou a um consenso sobre isso. Tanto assim, que foi normatizada
pela Resolução nº 1.640/02, do Conselho Federal de Medicina (CFM), como terapia em
casos de transtornos mentais relacionados a diagnósticos e quadros específicos, a despeito
das mudanças acerca do modelo de assistência em saúde mental.
Desta forma, os aspectos que envolvem os cuidados de enfermagem em ECT, em
determinado período e instituição, interessam para historicizar a prática da enfermagem
psiquiátrica, desenvolvendo conhecimento capaz de demonstrar quais saberes foram
construídos pela equipe de enfermagem durante seu exercício profissional na área.
1.2.As técnicas convulsivas e a ECT
Durante as décadas de 1920 e 1930 emergiram internacionalmente técnicas
convulsivas biológicas para tratamento e cura do transtorno mental, como, por exemplo,
a Malarioterapia, o Choque Cardiazólico e a Insulinoterapia. A Malarioterapia consistia
11
na transmissão intencional de malária ao portador de transtorno mental, desencadeando
febres de alta temperatura; o Choque Cardiazólico consistia na aplicação do medicamento
cardiazol ou metrazol; a Insulinoterapia consistia na aplicação de altas dosagens de
insulina para causar um quadro de hipoglicemia nos indivíduos (BORENSTEIN et al,
2007).
Todas as técnicas supracitadas tinham como objetivo o desencadeamento de crises
convulsivas, a partir de diferentes técnicas, com base na proposição de que indivíduos
epiléticos tendiam a ter menos sintomas psicóticos que outros. Vale salientar que as crises
convulsivas desencadeadas eram, em geral, muito violentas, causando fraturas. Também
eram de difícil controle, uma vez que não se sabia exatamente o momento de início da
convulsão nem quando a mesma cessaria (MANKAD et al, 2010; BORENSTEIN et al,
2007).
No final da década de 1930, dois psiquiatras italianos, Ugo Cerletti e Lucio Bini,
utilizaram pela primeira vez eletricidade para induzir a crise convulsiva, o que passou a
ser chamado de ECT ou eletrochoque. Similarmente a uma crise convulsiva clássica, com
a aplicação da ECT se observa espasmos musculares, que desencadeiam as fases clônica
e tônica e, posteriormente, a perda da consciência, ou seja, o indivíduo entra em estado
de coma, do qual, após alguns minutos, desperta espontaneamente, na maioria das vezes,
tranquilo e sem lembrança do procedimento (MANKAD et al, 2010; BORENSTEIN et
al, 2007).
A enfermagem sempre teve papel fundamental na manutenção da vida e da
vigilância dos indivíduos internados nos hospitais psiquiátricos, bem como na execução
de cuidados relacionados às práticas manicomiais, nas quais se insere a ECT. O cuidar
em psiquiatria para a enfermagem foi, durante anos, relacionado ao processo de impor
disciplina ao portador de transtorno mental internado, seja para restaurar sua saúde
mental, sua “utilidade” para a sociedade ou para a manutenção da ordem hospitalar. Desta
forma, a enfermagem se mostra presente de forma contínua na assistência ao portador de
transtorno mental que é submetido a ECT.
Antes da aplicação da ECT, um dos cuidados evidenciados pela literatura é o
jejum da pessoa na qual se vai realizar o procedimento. Contudo, mantê-lo nunca foi uma
tarefa simples, pois a prescrição desta técnica, na maioria das vezes, gerava angústia e
12
medo no portador de transtorno mental, tornando necessário, em algumas situações, que
a equipe de enfermagem designasse um profissional para acompanhar continuamente essa
pessoa ou realizasse contenção mecânica para que a mesma permanecesse sem se
alimentar (CAMPOS, HIGA; 1997; GUIMARÃES, 2015).
A equipe de enfermagem realizava ainda cuidados de proteção do tronco e das
principais articulações da pessoa com transtorno mental durante a realização da ECT, tais
como ombros, quadris e pernas. Este fato embasa a necessidade de mais de um
profissional de enfermagem para realizar-se o procedimento, devido a demanda de
trabalho. Além disso, colocava-se um rolo de gaze na boca da pessoa submetida à técnica,
para prevenir mordedura de boca e língua (GUIMARÃES, 2015; LIMA, 2005).
Em continuidade, ao término da aplicação, cabia a enfermagem encaminhar o
indivíduo ao leito e manter atenção no seu processo de recuperação, registrando as
alterações de comportamento, se ocorressem. A equipe de enfermagem também era
responsável por outros cuidados pós ECT, como ajudar a pessoa a ela submetida a
recuperar sua orientação auto e alopsíquica, informando-lhe onde estava, data e hora, bem
como sobre o que ocorreu, uma vez que os pacientes apresentam falhas de memória no
período de recuperação. Contudo, tais cuidados são pouco valorizados pelos próprios
profissionais de enfermagem, uma vez que não usam tecnologia dura e se configuram
como cuidados preventivos (GUIMARÃES, 2015).
Nessa breve exposição de resultados de estudos anteriores que evidenciam
cuidados de enfermagem antes, trans e pós ECT, entende-se que muito conhecimento foi
construído pela equipe de enfermagem na sua prática cotidiana junto aos portadores de
transtornos mentais, ainda mais quando se leva em conta esta prática dentro de
instituições disciplinares, com base no modelo de tratamento biomédico, excludente, sem
nenhuma participação do sujeito nem da família nas decisões para a sua realização.
A ECT, descrita na literatura como uma tortura praticada também pela
enfermagem dentro dos manicômios, tem outro lado ainda pouco observado, no qual a
equipe de enfermagem se coloca como atenuadora do sofrimento por ela causado. Isso é
evidenciado na participação da enfermagem nas lutas pelo movimento de Reforma
Psiquiátrica brasileira que tem como um de seus objetivos dar autonomia aos portadores
de transtornos mentais para decidir sobre seu tratamento e construir com a equipe o seu
13
plano terapêutico. Além disso, a enfermagem juntou- se ao movimento pelo fim do
manicômio e da ECT no Brasil.
Em 2002, reconhecida a eficácia da ECT como método terapêutico em casos
específicos de transtornos mentais, decidiu-se por regulamentar sua aplicação e o CFM
aprovou a Resolução nº 1.640. É importante ressaltar que, apesar do histórico negativo
da ECT supracitado, encontram-se estudos que comprovam a eficácia e a importância
terapêutica da mesma (VALENTE, 1991; ZISSELMAN et al, 2001; HICK E BLACK,
1999) desde que seja realizada a partir de um regulamento, seguindo normas de segurança
para diminuir riscos para o paciente. Assim, a enfermagem pode e deve estar preparada
para cuidar dos portadores de transtornos mentais submetidos à ECT, contribuindo com
os demais membros da equipe de saúde, sendo vigilante no cumprimento da legislação
que visa a proteção dos direitos dos mesmos e garantindo a sua segurança.
Diante do exposto, é perceptível uma dicotomia entre a prática e a teoria no que
tange a aplicação da ECT. Enquanto muitos profissionais de saúde lutaram pelo
movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira e se colocaram pelo fim da ECT, outros a
defendem como um procedimento terapêutico e eficaz, se realizado dentro dos padrões
de segurança já estipulados (PARTEKA E WADI, 2014; SILVA E CALDAS, 2008). A
enfermagem psiquiátrica, que tem papel de destaque no cuidado dos portadores de
transtornos mentais, necessita fazer parte dessa discussão para obter fundamentação
teórica a partir de conhecimento técnico-científico especializado.
O panorama de inserção, desenvolvimento e continuidade da ECT como
tratamento dos portadores de transtornos mentais é de suma importância para a condução
desta pesquisa e é melhor contextualizado a seguir.
1.3.Contexto histórico da assistência psiquiátrica no Brasil: do Hospício de Pedro
II ao Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira.
O século XIX trouxe para a medicina uma aproximação com a higiene e saúde
pública e as pessoas que apresentavam padrões de comportamento não compatíveis com
o desenvolvimento da sociedade planejado pelo Governo Imperial deveriam ser
internadas e “tratadas”, a fim de posteriormente retornarem ao convívio social (PERES e
BARREIRA, 2009).
14
Neste momento, as ideias de prevenção cresciam se comparadas a ideia de evitar
a morte e, por isso, a saúde passava a ser uma questão político-social. Esse contexto levou
o “louco” ao hospício, considerando este o ambiente para o qual deveriam ser
encaminhados para sua cura (ALVES, 2010). A criação do primeiro hospício do Brasil e
da América Latina data de 1841, a partir do Decreto nº 82, com o principal objetivo de
criar um ambiente para alocar estes portadores de transtornos mentais (BORENSTEIN et
al, 2007; PERES E BARREIRA, 2009).
Soma-se ao discurso de promover tratamento e cura aos portadores de transtornos
mentais, a intenção de livrar a cidade daquelas pessoas que perambulavam pelas ruas do
Rio de Janeiro, capital do país a época, para que se pudesse civilizar a mesma. A
inauguração do Hospício de Pedro II (HPII), entretanto, se deu apenas em 1852,
caracterizando uma nova fase da loucura no país, demarcada principalmente pelo
nascimento da psiquiatria a partir de ideias dos alienistas franceses (PERES, 2008;
GUIMARÃES et al, 2013).
A inauguração do hospício envolveu diversas instituições, sendo elas a Santa Casa
de Misericórdia do Rio de Janeiro, a Congregação das Filhas de Caridade São Vicente de
Paulo e a medicina alienista francesa. O HPII ficou por quase quatro décadas sob
administração das Irmãs de Caridade, que realizavam cuidados de enfermagem calcados
na caridade e religiosidade (PERES, 2008).
Primeiramente, a inauguração do hospício significava promover a exclusão dos
portadores de transtornos mentais da sociedade (PERES, 2008), mas também trazia outras
vantagens político-financeiro para o país:
Em segundo lugar, como unidade anexa à Santa Casa, e mediante contrato com
a Congregação das Irmãs de Caridade, o Hospício Pedro II (HPII) trazia
vantagens financeiras para a Santa Casa. E em terceiro lugar, o HPII
apresentava um ambiente propício ao desenvolvimento de uma ciência própria
da loucura, a partir do nascente saber sobre doenças mentais (PERES, 2008 p.
15).
Com a sanção da Lei nº 3.141/1882, que dentre outras determinações aprova a
criação da cadeira de Psiquiatria na Faculdade de Medicina, o saber médico ganha forças
desencadeando uma luta pela hegemonia do hospício tendo de um lado os médicos e de
outro a Santa Casa de Misericórdia e as Irmãs de Caridade. Os médicos, sob liderança de
João Carlos Teixeira Brandão, primeiro catedrático de psiquiatria da Faculdade de
15
Medicina do Rio de Janeiro, que assumiu o cargo de médico do HPII em 1884, declaram
o desejo de transformar o hospício em um local de tratamento científico e não mais de
cuidados primordialmente religiosos, pautados no argumento de que somente o poder
médico era capaz de intervir na doença mental (ALVES, 2010).
Assim, as Irmãs de Caridade francesas da Congregação de São Vicente de Paulo,
trazidas ao Brasil pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro em 1952, foram as
primeiras enfermeiras reconhecidas que se dedicaram ao cuidado psiquiátrico. Foram elas
que organizaram no primeiro momento a enfermagem no então único Hospício do Brasil,
o HPII. Com elas trabalhavam na equipe de enfermagem ajudantes de enfermaria, que
eram homens e mulheres de baixo nível social, que poderiam ser desde órfãs da Santa
Casa que atingiram a maioridade até imigrantes e ex-escravos (PERES E BARREIRA,
2009).
Apesar de o modelo religioso francês ser altamente disciplinador, os médicos
lutaram para tomar o poder no hospício, uma vez que estavam insatisfeitos pela delegação
de funções administrativas da instituição às Irmãs de Caridade (enfermeiras) que
ocupavam, na figura da Irmã Superiora, posição superior ao diretor médico na pirâmide
disciplinar. A luta médica teve sucesso após a proclamação da República, quando foi
criado o Serviço Nacional de Alienados que assumiu a administração do hospício e não
firmou contrato com a congregação religiosa, impedindo a permanência das Irmãs na
instituição (PERES E BARREIRA, 2009; PERES et al, 2011).
Em 1887, Teixeira Brandão assumiu o cargo de diretor do HPII e, em 1890, após
a proclamação da República, foi sancionado o Decreto nº 142-A, que desanexou o
hospício da Santa Casa de Misericórdia e criou a Assistência Médica e Legal de Alienados
para administrar o hospício, o qual passou a denominação de Hospício Nacional de
Alienados (HNA). Concatenado a isso, as Irmãs de Caridade saem do hospício, em
virtude da recusa do seu diretor em estabelecer convênio com a Ordem Vicentina em
Paris, única forma das religiosas continuarem atuando no HNA (PERES E BARREIRA,
2009; PERES et al, 2011).
Tais fatos desencadearam uma crise institucional local, no entanto, Teixeira
Brandão, que nesse momento acumulava os cargos de professor da Faculdade de
Medicina e diretor do HNA, já havia feito a contratação de enfermeiras leigas francesas,
16
que viriam atuar no hospício, subordinadas ao saber médico. Ainda no ano de 1890 criou-
se a Escola Profissional de Enfermeiros e Enfermeiras (EPEE), atual Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), visando sanar as demandas de profissionais para a
assistência de enfermagem no HNA, formando enfermeiros para auxiliarem os médicos
e eliminando, de uma vez por todas, a autoridade da enfermagem exercida pelas Irmãs de
Caridade, com a autorização da Santa Casa de Misericórdia, e finalizando dentro do
hospício a disputa entre medicina e religião (PERES E BARREIRA, 2009; ALVES 2010;
MOREIRA, PORTO e OGUISSO, 2002; PERES et al, 2011).
Também em 1890 foram criadas as Colônias São Bento e Conde de Mesquita, na
Ilha do Governador que, além de resolver os problemas de superlotação do HNA, inseria
os tratamentos com trabalho agropecuário e artesanal, de influência da medicina mental
europeia (VENÂNCIO, 2011). Tais colônias junto com o HNA formavam a Assistência
Médico-Legal de Alienados (VENÂNCIO, 2003).
No ano de 1893 foi inaugurado o Instituto de Psicopatologia para funcionar como
Pavilhão de Observação do HNA, com vistas a receber os portadores de transtornos
mentais de forma gratuita para a prática acadêmica (VENÂNCIO, 2003; FACCHINETTI
et al, 2010). Em 1903, Juliano Moreira, médico alienista e professor-assistente de Clínica
Psiquiátrica e Doenças Nervosas da Faculdade de Medicina da Bahia, assumiu a direção
da Assistência Médico-Legal de Alienados e do HNA, onde se manteve até 1930. Este
reconhecido médico seguia a escola psiquiátrica alemã, que buscava explicações
preponderantemente biológicas para a origem dos transtornos mentais (PERES e
BARREIRA, 2009; ALVES 2010; VENÂNCIO, 2003).
Na gestão de Juliano Moreira o modelo psiquiátrico alemão é inserido no Brasil,
bem como o modelo de colônias agrícolas. Também foi sob influência desse médico que
ocorreu a promulgação da Lei nº 1.132, de 1903, que dispõe sobre a reorganização da
assistência aos alienados (SOARES, 1997).
A adoção da ciência psiquiátrica de inspiração alemã coadunava-se assim com
uma política consistente, de caráter preventivista, em que a intervenção
ultrapassava a atenção para com o indivíduo, adentrando o espaço social para
sua normalização — uma normalização diferenciada, entretanto, daquela
produzida pela psiquiatria alienista (VENÂNCIO, 2003, p.891).
Juliano Moreira acreditava nas colônias agrícolas como uma excelente estratégia
de assistência psiquiátrica (MOREIRA, 1905 apud VENÂNCIO, 2011). Assim, no ano
17
de 1911 foi inaugurada uma Colônia de Alienadas no bairro do Engenho de Dentro para
receber o excedente de mulheres internadas no HNA, sob a direção do Dr. Simplício de
Lemos Braule Pinto.
Em 1918, o psiquiatra Gustavo Ridel assume a direção da colônia do Engenho de
Dentro e cria, no mesmo ano, o primeiro ambulatório psiquiátrico da América Latina, em
consonância com o ideário de Higiene Mental que vinha se desenvolvendo, tendo como
argumento o fato de que os serviços aos alienados não podiam permanecer apenas como
um estoque de doentes (FACCHINETTI et al, 2010). As ideias da Higiene Mental
promoveram a criação de ambulatórios e de outros serviços abertos de psiquiatria, como
a Assistência Hetero-Familiar, desenvolvida em 1921, na então denominada Colônia de
Alienadas do Engenho de Dentro (BOARINI, 2007).
Além disso, em 1923, Gustavo Ridel funda a Liga Brasileira de Higiene Mental
(LBHM) cujo objetivo era modificar a aperfeiçoar a assistência psiquiátrica, enfatizando
o modelo da Higiene Mental no Brasil, que propunha um tratamento de profilaxia
psíquica, prevenindo o sujeito dos “males da vida urbana” (VENÂNCIO, 2003).
Em 1927, a então Assistência Médico-Legal de Alienados passa a ser denominada
de Serviço de Assistência à Psicopatas (SAP) a integrar o Ministério da Educação e Saúde
Pública, criado pelo governo de Getúlio Vargas para centralizar e fortalecer o Estado,
integrando o Departamento Nacional de Saúde (DNS) (VENÂNCIO, 2011; 2003).
É importante ressaltar que o psiquiatra Adauto Botelho, nomeado diretor do SAP
em 1938, era favorável a mudança do modelo assistencial psiquiátrico, propondo
expansão dos serviços relacionados a higiene mental, como ambulatórios e serviços
abertos, bem como dos hospitais-colônias:
As colônias para psicopatas, com atividades agrícolas e industriais em moldes
vastos e boa aparelhagem técnica, para todos os serviços a elas inerentes.
Seriam construídas de preferência longe do centro urbano ou talvez fora do
perímetro urbano, pelas melhores condições econômicas. Nestes órgãos
haveria serviços médicos complementares, além de um centro de orientação
psicológica, da praxiterapia e do serviço de assistência heterofamiliar
(BOTELHO, 1937 p. 295 apud VENÂNCIO 2011).
Com o desenvolvimento urbano da cidade do Rio de Janeiro, em especial da zona
sul, a Praia da Saudade, posteriormente conhecida como Praia Vermelha, tornou-se local
de passeio e moradia, não sendo mais conveniente a presença de uma instituição
18
psiquiátrica nos seus arredores. Isto somado à proposta de reformulação da assistência
psiquiátrica proposta por Adauto Botelho, resultou na transferência, em 1938, do HNA
para o Engenho de Dentro, passando a funcionar junto a Colônia de Alienadas (PERES
et al, 2011).
Assim, inicia-se a reformulação do HNA, que incluía a desativação de todos os
seus prédios. Este processo só terminaria em 1943, quando o então Centro Psiquiátrico
Nacional (CPN), antigo HNA, passou a ser referência para o tratamento de transtornos
mentais no Rio de Janeiro. Em 1941 foi criado o Serviço Nacional de Doença Mental
(SNDM), em substituição do SAP (VENÂNCIO, 2011; FACCHINETTI et al, 2010).
Vale ressaltar que, na década de 1940, teve início no interior do CPN um diferente
método terapêutico pautado principalmente em conhecimentos de terapia ocupacional,
idealizado e implementado pela psiquiatra brasileira Nise da Silveira, visando a
humanização da assistência psiquiátrica e o fim de práticas violentas, dentre as quais
estava a ECT (CASTRO e LIMA, 2007).
Em consonância com esses fatos, surgia no mundo, na década de 1950, novos
conceitos psiquiátricos, tais como o de Comunidade Terapêutica, que preconizava
mudanças na gestão dos hospitais psiquiátricos para que se tornassem centros de
reabilitação mental; o de Antipsiquiatria, pautado na ideia de que a experiência patológica
existe na relação do sujeito para com a sociedade; o de Psiquiatria Democrática, de origem
italiana, que criticava as práticas manicomiais violentas e preconizava a
desinstitucionalização, principal influência para a Reforma Psiquiátrica brasileira
(AMARANTE, 2007).
Logo, no Brasil, na década de 1950, se fortalecia o conceito de “nova psiquiatria”,
sustentando a ideia de que os longos períodos de exclusão dos portadores de transtornos
mentais da sociedade acarretariam em uma maior cronicidade de sua doença (PAULIN E
TURATO, 2004).
Na década de 1960, o fortalecimento do capitalismo na sociedade brasileira
desencadeou um processo de privatização da saúde em geral, inclusive da psiquiatria. Os
hospitais psiquiátricos deixavam de ser apenas para indigentes e se expandiam para a
classe trabalhadora, acarretando a criação de hospitais psiquiátricos privados, tendo em
vista as péssimas condições dos públicos. Apesar de o discurso psiquiátrico caminhar
19
para uma assistência preventiva, com a expansão de serviços abertos e ambulatórios, o
número de hospitais e leitos psiquiátricos cresceram amplamente nesta década (PAULIN
E TURATO, 2004).
Somado a isso, em 1965, um ano após o golpe militar no Brasil, é sancionado um
decreto que retoma as origens do hospício, denominando o Centro Psiquiátrico Nacional
de Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII), evidenciando o rumo que a psiquiatria tomara
no país (PAULIN E TURATO, 2004).
No ano de 1968, uma comissão é criada para avaliar a assistência psiquiátrica no
estado do Rio de Janeiro - Comissão Permanente para Assuntos Psiquiátricos (CPAP).
Esta Comissão lança, em 1970, um relatório afirmando que os serviços de saúde mental
apresentavam-se em condições precárias e ineficientes e propõe mudanças no modelo
assistencial. Com bases neste relatório, em 1973, é criado um Manual de Serviço para
Assistência Psiquiátrica, pautado não mais na psiquiatria preventiva, mas sim no início
em um discurso de promoção da saúde mental, de origem americana, conforme se
apresenta a seguir.
A assistência psiquiátrica é oferecida sempre que possível na comunidade, com
uso de recursos extra-hospitalares. Seu intuito era recuperar rapidamente o
paciente para que ele voltasse às suas atividades normais. Nos casos em que
fosse necessária a internação, esta deveria ser feita próxima à residência do
indivíduo, com uma ampla e diversificada rede de serviços, evitando-se a
internação em hospitais com mais de 500 leitos. Na alta, o paciente seria
imediatamente encaminhado para atendimento ambulatorial (PAULIN E
TURATO, 2004 p. 250).
Concomitante às denúncias da péssima qualidade da assistência, em 1978 é
consolidado o MTSM, com o objetivo de impulsionar ainda mais a luta por uma
assistência mais humana e qualificada, com menos segregação e violência. A luta por
transformações no modelo vigente em saúde mental, tendo em foco garantir e assegurar
os direitos e autonomia dos portadores de transtornos mentais, oferecendo uma assistência
de qualidade e voltada para reinserção do mesmo na sociedade, marca o início do
movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira (AMARANTE, 2007).
A década de 1980 é marcada pela continuidade desse movimento, principalmente
pela realização da I e II Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1985 e 1987,
respectivamente, sendo a II marcada pela expansão efetiva do MTSM para usuários e
20
familiares e pela adoção do lema “Por Uma Sociedade Sem Manicômio”, que se mantém
vivo até os dias atuais (AMARANTE, 2007).
No ano de 1989 é encaminhado ao Congresso Nacional um projeto de lei que
dispunha sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros
recursos assistenciais, além da regulamentação da internação compulsória pelo Deputado
Paulo Delgado (BRASIL, 1989), sendo considerado este o primeiro marco legislativo e
normativo da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
Apesar de a lei supracitada só ser sancionada sob nº 10.216 em 6 de abril de 2001,
sofrendo algumas alterações e dispondo sobre a proteção e os direitos dos portadores de
transtornos mentais e redirecionando o modelo assistencial em saúde mental, a década de
1990 é marcada pela aprovação de diversas leis estaduais evidenciando o avanço, pelo
menos legislativo, do movimento de Reforma Psiquiátrica.
Falar de direitos e cidadania não basta, como não basta apenas aprovar leis,
pois não se determina que as pessoas sejam cidadãs e sujeitos de direitos por
decretos. A construção da cidadania diz respeito a um processo social e, tal
qual nos referimos no campo da saúde mental e atenção psicossocial, um
processo social complexo. É preciso mudar mentalidades, mudar atitudes,
mudar relações sociais (AMARANTE, 2007 p. 71).
Ao olhar-se para o atual IMNS, a história conta que a implementação supracitada
foi iniciada na instituição na década de 1940, pela Drª. Nise da Silveira, desencadeando
uma transformação na assistência ali prestada, valorizando a relação terapêutica e social
dos portadores de transtorno mental para além dos métodos classicamente manicomiais.
Assim, desde os tempos de Colônia para mulheres alienadas, o IMNS se colocou
como espaço de transformações da prática psiquiátrica, tornando-se uma instituição com
várias propostas de atendimento, oferecendo internação e tratamento ambulatorial para
homens, mulheres, adolescentes e crianças, em seus diversos pavilhões, cujo tratamento
variava de acordo com a população atendida e incluía, até a década de 1980, a ECT.
1.4.Questões Norteadoras e Objetivos da Pesquisa
Diante da revisão de literatura para contextualizar o objeto de estudo e das lacunas
presentes nos fatos históricos sobre saberes e práticas da enfermagem em ECT e da
mesma na instituição cenário da pesquisa, elaborou-se os seguintes questionamentos, que
21
se concentram no recorte temporal e espacial delimitado: Como ocorria a ECT no cenário
estudado? Quais os cuidados de enfermagem prestados às pessoas submetidas a ECT?
São objetivos do estudo:
(1) Descrever a aplicação da eletroconvulsoterapia no Instituto Municipal Nise
da Silveira no período do estudo;
(2) Analisar os cuidados de enfermagem prestados às pessoas
submetidas à eletroconvulsoterapia.
1.5.Interesse, justificativa, relevância e contribuição do estudo
A motivação principal para realização do estudo e meu interesse pela temática
parte da experiência como bolsista de iniciação científica do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no âmbito do Núcleo de Pesquisa de
História da Enfermagem Brasileira (NUPHEBRAS), durante a graduação e da
permanência no mesmo até hoje, o que desencadeou a paixão pelos estudos de História
da Enfermagem, especialmente, na temática de Enfermagem Psiquiátrica.
Além disso, foi elaborado o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado
“Portador de transtorno mental e a eletroconvulsoterapia: construção histórica do cuidado
de enfermagem (1989-2002)”, que versou sobre os cuidados de enfermagem às pessoas
submetidas à ECT, evidenciando os efeitos da Reforma Psiquiátrica brasileira neste
procedimento. A pesquisa desenvolvida no TCC provocou uma inquietação sobre o
processo de estigmatização da ECT, uma vez que atualmente continua a ser um
procedimento utilizado e defendido como terapêutico, mas que pesa sobre ele o discurso
de ser uma prática desumana, dolorosa e punitiva, apesar de pesquisas já terem
vislumbrado sua aplicação segura, sem dor e com consentimento do portador de
transtorno mental.
A História da Enfermagem Psiquiátrica se mostra estigmatizada e estigmatizante
ao passo que continua inexistente diante de certos temas como a ECT, de forma que se
faz necessário que sua trajetória seja exposta e discutida para revelar saberes e práticas
construídas e transformados durante a assistência em psiquiatria/saúde mental. Portanto,
este estudo se justifica pela necessidade de se historicizar os cuidados de enfermagem aos
22
portadores de transtornos mentais submetidas à ECT, bem como a evolução da assistência
ao portador de transtorno mental ao longo dos anos.
Também justifica o estudo o fato de constar na Agenda Nacional de Prioridades
de Pesquisa em Saúde, o tema Saúde Mental, que apresenta dentre seus subitens:
“Prejuízo, estigma, cidadania e direitos das pessoas com transtorno mental” e “Reforma
psiquiátrica: novos atores, suas metodologias e estratégias de participação, com os quais
esta pesquisa irá contribuir ao trazer novos elementos para a sua contextualização”
(BRASIL, 2008).
A pesquisa se faz relevante devido a escassez de estudo publicada acerca da
temática nas bases de dados. Em abril de 2016 foram realizadas pesquisas na MEDLINE
e LILACS, utilizando como frase booleana ("Electroshock" [Mesh] OR
"Electroconvulsive Therapy" [Mesh]) AND ("NursingCare" [Mesh] OR "Nursing"
[Mesh]). Na MEDLINE totalizaram 98 artigos e, ao adicionar os filtros de texto
completos e humanos, resultaram 32 artigos.
A escassez científica supracitada impulsiona e estimula o desenvolvimento da
pesquisa para subsidiar reflexões sobre a temática, além de analisar o discurso dos
profissionais de enfermagem que atuaram no período do estudo no cuidado oferecido aos
portadores de transtornos mentais em determinado cenário.
O estudo contribuirá para o ensino, a pesquisa e a assistência, pois seu
desenvolvimento ajudará no pensar sobre história da enfermagem e enfermagem
psiquiátrica, a partir do levantamento de dados referentes ao cuidado de enfermagem aos
portadores de transtornos mentais submetidos à ECT e da divulgação dos resultados para
a sociedade, principalmente para a comunidade científica. Os resultados poderão embasar
discussões sobre o cuidado atualmente oferecido em psiquiatria/saúde mental, enquanto
a ECT for uma realidade, uma vez que a identidade profissional é diretamente ligada à
prática profissional.
Além disso, poderá contribuir também para esclarecimento de possíveis lacunas
de conhecimentos sobre o processo de estigmatização da prática de ECT, bem como da
enfermagem psiquiátrica como um todo, já que o período de estudo se relaciona com o
período de maior utilização do mesmo nas instituições psiquiátricas.
23
Este estudo foi desenvolvido no âmbito do NUPHEBRAS, junto ao Grupo de
Pesquisa, cadastrado no CNPq: “Trajetória histórica da enfermagem nos espaços
especializados”.
1.6.Referencial teórico
Como referencial teórico, se utilizou autores que tratam do Movimento de
Reforma Psiquiátrica, tema que nos permite manter um olhar crítico sobre o contexto
histórico-social que circunda o fato histórico investigado. A Reforma Psiquiátrica
brasileira é um processo ainda em andamento com objetivo de desconstruir saberes,
discursos e práticas assistenciais psiquiátricas relacionadas diretamente ao modelo asilar,
tendo posto que o hospital se configurou como "dispositivo central da medicalização da
loucura" (BARBOSA et al, 2016 p. 179). Também foram usados os conceitos de saber e
poder disciplinar contidos, respectivamente, nas obras “Arqueologia do Saber” e “Vigiar
e Punir”, do filósofo Michel Foucault.
É importante ressaltar que a mudança no modelo assistencial em psiquiatria já
alcançou diversas e significativas transformações, contudo ainda se tem um longo
caminho a se percorrer para completa reorientação do paradigma biomédico para o
psicossocial, proposto pelo movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira. Para se
compreender o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira é preciso primeiro
compreender o espaço que o asilo e o Tratamento Moral ocuparam do século XIX até
meados do século XX. Até o século XIX, o então denominado "louco" era apenas
excluído da sociedade, tendo em vista que, até então, o hospital não tinha acreditava na
cura dessas pessoas, sendo estes majoritariamente de caráter filantrópico.
A partir da obra de Philip Pinel, no início de 1800, na França, o hospital, assim
como outras instituições tais quais as escolas e as prisões, passou a ocupar um espaço
disciplinador, com objetivo de adestramento e cura das pessoas ali internadas para o
fortalecimento dos corpos e, assim, fortificar as eficiências (FOUCAULT, 2014). Os
portadores de transtornos mentais, bem como os cuidados a eles realizados, foram
portanto institucionalizados "por sua vinculação a uma instituição pavimentada por
relações disciplinares de hierarquização vertical" (BARBOSA et al, 2016 p.180). Os
cuidados realizados passam a se caracterizar enquanto poder disciplinar.
24
O cuidar com vistas ao Tratamento Moral e o crescente número de hospitais e
leitos psiquiátricos no século XIX consolidaram o modelo asilar como hegemonia na
psiquiatria mundial. No Brasil, observamos essa influência a partir da criação do primeiro
hospício da América Latina aqui no Rio de Janeiro, o então denominado Hospício Pedro
II (HPII). Criado em anexo a Santa Casa de Misericórdia e contando com as irmãs de
caridade como responsáveis pelo cuidado aos portadores de transtornos mentais, o HPII
logo despertou o interesse dos alienistas brasileiros, culminando em uma disputa pelo
poder do hospício e, por consequência, pelo poder do saber psiquiátrico. A partir da
admissão de um médico alienista enquanto diretor do HPII e da retirada das irmãs de
caridade do mesmo, observamos o transcorrer da soberania médica no saber psiquiátrico.
Apenas em meados do século XX, que se observou, mundialmente, movimentos
de questionamentos acerca da hegemonia asilar, do Tratamento Moral e do saber
psiquiátrico instituído. Nas décadas de 1950 e 1960 se constata movimentos como: as
comunidades terapêuticas, psiquiatria preventiva, antipsiquiatria e a psiquiatria
democrática italiana, sendo esta última a principal influência para o movimento de
Reforma Psiquiátrica brasileira.
No Brasil, a década de 1950 e 1960 é marcada pelo avanço da Reforma Sanitarista,
visando o combate às doenças de massa, a partir do saneamento das cidades de divisão
entre a saúde pública e a atenção médica. Entretanto, se faz necessário a expansão desse
modelo, tendo em vista a "baixa cobertura assistencial, direcionada a problemas e estratos
populacionais muito específicos" (ZAMBENEDETTI E SILVA, 2008 p. 135).
Com vistas a solucionar o problema supracitado, em 1963, durante a 3ª
Conferência Nacional de Saúde (CNS), se estabelece a expansão da rede de
atenção à saúde pública, com os denominados "serviços médicos-sanitários",
sendo estes serviços de saúde permanentes e descentralizados. Contudo, estes
são substituídos por uma rede básica de atenção mínima, devido ao menor
custo. Com relação da saúde mental, nesta Conferência já se estabelece a
necessidade da criação de ambulatórios e serviços praxiterápicos1, porém
"ainda não está presente a ideia de que a doença mental possa ser pensada na
atenção básica, por exemplo, em decorrência do predomínio do paradigma da
1 Técnica psiquiátrica de tratamento usada, geralmente, com pacientes crônicos hospitalizados, e que
consiste na utilização terapêutica do trabalho, distribuindo-se tarefas de complexidade crescente; terapia
ocupacional
25
doença e da separação das doenças mentais em relação às demais"
(ZAMBENEDETTI E SILVA, 2008 p. 136).
No entanto, o que de fato acabou ocorrendo durante a década de 1960 foi a
expansão do modelo privado de saúde, tendo em vista o caráter excludente que a ditadura
militar trouxe para o país após o golpe em 1964. Na saúde mental observa-se nesse
período a "indústria da loucura", na qual se tem a precariedade dos serviços, expansão
dos hospitais e leitos psiquiátricos privados, cronificação dos portadores de transtornos
mentais e a objetivação apenas do lucro da doença mental (ZAMBENEDETTI E SILVA,
2008)
No final da década de 1970 o MTSM empreendeu esforços visando a denúncia da
péssima qualidade que a saúde mental se encontrava no Brasil e a luta por melhorias, em
consonância às reivindicações feitas pelo movimento sanitarista. Em seu livro, Amarantes
(1995) define o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira como “um processo
histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o
questionamento e a elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do
paradigma da psiquiatria” (AMARANTES, 1995 p. 91).
Concatenado a isso, o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira tem na
desinstitucionalização seu principal pilar, podendo ser definida como “um trabalho
prático de transformação que pretende desmontar a lógica manicomial” (KYRILLOS
NETO, 2003, p. 75) retirando os portadores de transtornos mentais de dentro dos
hospícios para reinseri-los na sociedade a partir do fortalecimento de suas cidadanias,
liberdades, justiça social e respeito (COSTA et al, 2016).
Portanto, o modelo assistencial que tinha como caráter o modelo asilar, no qual o
portador de transtorno mental, que só tinha como opção terapêutica a cura a partir da
exclusão da sociedade, sendo posto dentro do manicômio, inicia uma transformação
visando a reinserção do mesmo na sociedade e, portanto, lhe garantindo direitos, como o
direito à cidadania, respeito e autonomia.
Somente em 1980, durante um cenário de abertura política, com vistas a
redemocratização brasileira, a 7ª CNS é realizada trazendo novamente o fortalecimento
do ideário de uma rede de saúde pública, com foco nas ações de saúde dos serviços
básicos de saúde e na hierarquização e regionalização desta rede. Concatenado a isso,
26
observa-se o discurso contrário ao incentivo da privatização, posto que neste modelo
interessava a doença, por ser mais lucrativa (ZAMBENEDETTI E SILVA, 2008).
A ideia de uma rede constituída de forma regionalizada e hierarquizada
consolida-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, que tem como
desdobramento a instituição o Sistema Único de Saúde – SUS através da lei
8.080/90. Assim, constata-se que existe uma continuidade no modo de
conceber a rede assistencial ao longo das Conferências Nacionais de Saúde até
a instituição do SUS. O princípio de hierarquização da rede assistencial não é
criticado em nenhuma das CNS, aparecendo sempre como uma proposição. O
que aparece como novidade na 8ª CNS e no SUS é a proposição do conceito
ampliado de saúde e do princípio de universalização do acesso e integralidade
da assistência (ZAMBENEDETTI E SILVA, 2008, p. 140).
O movimento de Reforma Psiquiátrica ressalta a necessidade de uma rede de
atenção extra-hospitalar, sendo esta substitutiva ao hospital psiquiátrico, ordenada
também de maneira regionalizada e hierarquizada, tal qual desejava o movimento
sanitário. Para tal, o conceito de desinstitucionalização se torna eixo central do
movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira. Para Amarantes (1996) a
desinstitucionalização é percebida de 3 formas: como desospitalização, como
desassistência e como desconstrução.
A desinstitucionalização enquanto desospitalização é "uma crítica ao sistema
psiquiátrico, na centralização da atenção na assistência hospitalar, mas não é questionado
o saber que o legitima" (HIRDES, 2008 p. 299), ou seja, visa-se a simples retirada do
portador de transtorno mental da infraestrutura hospitalar, mas não se vislumbra a
modificação da prática assistencial. Dessa forma, ao retirarmos o portador de transtorno
mental do hospício e não planejar para ele uma nova modalidade de assistência se pratica
a desassistência desse sujeito.
Já a desinstitucionalização como desconstrução está diretamente relacionado a
crítica ao saber médico psiquiatra, sendo a este modelo que o movimento de Reforma
Psiquiátrica brasileira se associa, buscando a reorientação do modelo de assistência à
saúde mental (HIRDES, 2008). Para tal, a sanção da Lei nº 8080/90 foi de suma
importância para o desenvolvimento do movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira,
tendo em vista que vai ao encontro de diversos conceitos que os reformistas objetivavam,
como: integralidade da assistência, preservação da autonomia das pessoas, igualdade da
assistência na saúde sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, direito a
informação, entre outros.
27
A necessidade de transformação conceitual, bem como das práticas assistenciais,
se torna evidente a partir do contexto supracitado e, para tal, é imprescindível que os
profissionais envolvidos no cuidado ao portador de transtorno mental se adequem a esse
novo modelo e “possam efetivar uma assistência pautada em uma ideologia de cidadania,
ética, humanização e uma assistência integral” (VILLELA E SCATENA, 2004 p. 738)
indo ao encontro do proposto pelo movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira e ao
previsto na Lei nº 8080/90.
Entretanto, é importante se ter em mente que a mudança paradigmática da prática
assistencial se mostra bem mais resistente do que no discurso teórico. Apesar do
movimento de Reforma Psiquiátrica brasileiro ter iniciado no final da década de 1970,
foram pequenas as mudanças ocorridas na rotina hospitalar e ainda era possível se
observar na prática uma assistência voltada para o modelo asilar até o recorte final do
estudo.
O portador de transtorno mental internado em ambiente asilar sofre um processo
de despersonalização do seu ser ao ser submetido a uma rotina de normas, recompensas
e castigos em detrimento das relações de forças do espaço disciplinar. O portador de
transtorno mental assume então a posição da base da pirâmide disciplinar descrita por
Foucault (2014) contendo o menor nível de poder-saber psiquiátrico. Assim sendo, é
submetido a disciplinas advindas da equipe de enfermagem e da equipe médica, que
atingem, respectivamente, o nível mais alto da pirâmide no espaço institucional
manicomial.
Essas disciplinas se referem ao controle asilar, podendo se manifestar através do
controle de horário para higiene, alimentação e medicação, bem como do controle da
comunicação, tendo em vista que o portador de transtorno mental não era ouvido sobre
seus desejos em relação ao seu tratamento, tampouco esclarecido quanto ao mesmo, por
exemplo. A ECT, no período do estudo, é utilizada como uma estratégia de controle dos
corpos no interior da instituição psiquiátrica por toda a equipe de saúde, para que os
portadores de transtornos mentais submetidos à prática obedecessem às demais
disciplinas implantadas no ambiente hospitalar como os exemplos supracitados,
facilitando o convívio social no ambiente.
28
A técnica de ECT, de acordo com o pensamento de poder disciplinar apresentado
por Foucault (2014), reflete um tipo de poder exercido pela equipe de saúde dentro da
instituição psiquiátrica através de uma técnica e/ou procedimento, a fim de adestrar e
tornar o indivíduo a ele submetido mais útil para a sociedade onde o mesmo se encontra.
É importante ressaltar que o poder aqui discutido não se enquadra numa figura concreta
de um rei, mas sim através dos corpos dos indivíduos que sofrem as técnicas disciplinares.
O conceito de poder disciplinar, presente no livro “Vigiar e punir”, é diretamente
relacionado com o nascimento da arte do corpo humano, a qual impõe a este uma utilidade
em demasia, ao mesmo passo que objetiva torná-lo mais obediente para assim alcançar
sua submissão (FOUCAULT, 2014).
A submissão dos corpos é um objetivo do manicômio, uma vez que a sociedade
espera que o “louco” seja controlado. As práticas disciplinares são elementos presentes
no interior de instituições como era o IMNS, uma instituição psiquiátrica antiga, na qual
diferentes discursos circulavam, portanto, diferentes saberes se enfrentavam.
Por conseguinte, a obra “Arqueologia do Saber” nos permite analisar os diferentes
discursos acerca do desenvolvimento dos cuidados de enfermagem aos pacientes
psiquiátricos submetidos a ECT, sabendo-se que discurso para Foucault (2012) se
relacionada com a materialização de práticas que se relacionam entre si e também com os
níveis não-discursivos. Portanto, o discurso se trata de um sistema de relações que o
caracterizam como prática. A articulação dos discursos e das formações não-discursivas
formam o que se chama de saber.
As condições de existência de um saber, sendo ele validado ou não com um status
científico, é “aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva”, ou seja, o domínio
constituído pelos diferentes objetos; o campo de coordenação e subordinação em que os
conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam; o conjunto de
possibilidades oferecidas pela apropriação de um discurso (FOUCAULT, 2012 p. 204).
A equipe de enfermagem em geral não detinha conhecimento teórico-científico
para realização de cuidados específicos para ECT, sendo este conhecimento adquirido em
sua maioria diante da experiência prática da realização da mesma. Para melhor
compreender o advento do saber de enfermagem psiquiátrica na prática da ECT, se faz
necessário correlacionar as práticas com as relações de poder envolvidas no ambiente
29
asilar, entre os portadores de transtornos mentais ali internados, a equipe de enfermagem
e os demais profissionais de saúde.
Tendo em vista a soberania do saber médico especializado, este profissional
assumia o topo da pirâmide disciplinar, cabendo às suas ordens a obediência máxima
dentro do espaço disciplinar que o hospício se configurava e, portanto, os profissionais
de enfermagem ocupavam o espaço intermediário entre portadores de transtornos mentais
e médicos psiquiatras. Essa configuração permitia que os médicos exercessem poder
disciplinar junto à equipe de enfermagem e aos portadores de transtornos mentais.
Consequentemente, os profissionais de enfermagem exerciam poder disciplinar junto aos
portadores de transtornos mentais, por ostentarem o menor nível de saber-poder dentro
do manicômio.
Diante disso, o referencial teórico subsidia uma análise das relações no cenário
institucional da pesquisa ao se descrever a técnica de ECT e os cuidados de enfermagem
desenvolvidos junto aos portadores de transtornos mentais submetidas à ECT, a partir do
contexto histórico social do recorte temporal do estudo.
2. METODOLOGIA
Estudo histórico-social de abordagem qualitativa, ou seja, o discurso produzido é
relacionado ao lugar de produção do qual o autor se insere. Por lugar de produção,
entende-se que:
Escreve ele mesmo a partir de um lugar, de uma inscrição em uma sociedade
e em uma comunidade historiográfica atualizada pela sua própria época, de um
enredamento que o situa em uma instituição (universitária, por exemplo), de
uma teia de intertextualidades que o influenciam de múltiplas maneiras
(BARROS, 2012 p. 409).
Cada pesquisa deve contar com fontes históricas específicas para o
desenvolvimento da prática historiográfica, se fazendo necessário o estabelecimento do
universo documental amplo essencialmente relacionado ao problema e aos objetivos da
pesquisa, previamente estabelecido (BARROS, 2012). O estudo contará com fontes
históricas escritas e orais que:
Como se sabe, é o elemento que assegura uma base científica à História; ou, caso
se queira evitar a interminável polêmica sobre a “cientificidade da História”, o que dá
legitimidade ao discurso do historiador e qualquer afirmação do historiador deve ser
30
proposta a partir de uma base documental (BARROS, 2012 p. 411).
Para tanto, as fontes escritas primárias foram selecionadas e analisadas a partir de
critérios específicos e procedeu a constituição do corpus documental, que se refere ao
conjunto de documentos selecionados para assim atender aos objetivos da pesquisa
desenvolvida. O corpus documental deve atender aos aspectos de pertinência e suficiência
e exaustividade, ou seja, ser adequado aos objetivos e envolver todos os lados do
problema de pesquisa. Deve atender ainda aos critérios de representatividade e
homogeneidade e, portanto, o universo documental deve ser igualmente representativo ao
universo geral. Além disso, é possível setorizar o corpus documental, casos encontre-se
universos diferentes dentro do universo geral da pesquisa, desde que sejam analisados de
forma distinta (BARROS, 2012). Os critérios supracitados são melhores expostos no
QUADRO 1 abaixo.
QUADRO 1. A constituição do corpus documental
Fonte: BARROS, J.D’A. A fonte histórica e seu lugar de produção. Cad. Pesq. Cdhis, Uberlândia, v.25,
n.2, jul./dez. 2012
31
As fontes escritas primárias foram documentos localizados no Acervo de História
e Memória do Instituto Municipal Nise da Silveira e se constituiu de relatórios de
enfermagem, livros de ocorrência e fichas de avaliação, que possuíam dados sobre o
objeto da pesquisa dentro do recorte temporal, coletados a partir do Instrumento de Exame
de Documentação Escrita (APÊNDICE A).
QUADRO 2. Tabela de documentos analisados e data.
LOCAL
ARQUIVO DATA DA
CONSULTA
CPPII Ocorrências internas enfermagem (1977-1978);
registro de entrada e saída das seções femininas do
Hospital Odilon G. (1978); livro de ocorrências
(1978); livro de ocorrências – unidade 3 (1978)
08 de junho de 2017
CPPII Livro de ocorrência (1979; livro de ocorrências
seção Mauricio Ribeiro (1979)
12 de junho de 2017
CPPII Livro de ocorrências – unidade 3 (1979) 26 de junho de 2017
CPPII Caixa 3458 – 29 pastas 03 de julho de 2017
CPPII Livro de ocorrências (1979); livro de ocorrências da
seção Palmira Guimarães (1979-1980)
17 de julho de 2017
CPPII Livro de ocorrências da unidade de emergência do
Hospital Gustavo Ridel (HGR) (1979); livro de
ocorrências da seção Cincito Magalhaes de Freitas
(1980); livro de registro de ocorrências da unidade 4
do HOG (1980); livro de ocorrências da seção
Palmira Guimarães (1980); livro de plantão da
unidade 4 (1980); livro de ocorrências da seção
Austrósilo (1980); livro de ocorrências do HOG
(1980); livro de ocorrências da unidade 4 (1981)
31 de julho de 2017
CPPII Livro de ordem e ocorrências da supervisão de
enfermagem (1980-1981), livro de ordens e
ocorrências do plantão (1981); livro de anotações de
ordens e ocorrências de enfermagem do Instituto
14 de agosto de 2017
32
Professor Adauto Botelho (IPAB) (1981); livro de
ocorrências da assistência de enfermagem dos
pacientes da unidade hospitalar (1981); livro de
relatório geral da enfermagem (1985); livro de
relatório feral da enfermagem da seção masculina do
HGR (1984).
CPPII Livro de relatório geral de enfermagem da seção
masculina do HGR (1984); relatos da supervisão de
enfermagem das ocorrências dos plantões (1985);
relatórios de enfermagem (1986); relatórios de
enfermagem (1987); relatório geral de ordens e
ocorrências da seção Manoel Novaes (1987);
relatório geral de enfermagem (1987)
28 de agosto de 2017
CPPII Caixa 3520 - 27 pastas 11 de setembro de 2017
CPPII Caixa 3457 - 29 pastas; Caixa 3456 - 16 pastas 28 de setembro de 2017
CPPII Caixa 3526 - 33 pastas 02 de outubro de 2017
Apesar lista de documentos escritos apresentada deve-se ressaltar a dificuldade de
acesso aos mesmos, tendo em vista o horário restrito imposto pelo IMNS para análise dos
documentos, bem como a organização dos mesmos. Com exceção dos livros de ordem e
ocorrência, os demais documentos não estavam organizados em ordem cronológica,
tampouco de acordo com os setores do IMNS, o que prejudicou bastante a coleta dos
dados, diante do fato dessa pesquisa ter um prazo para ser concluída.
Os documentos descritos como “Caixa” se referem a qualquer documento acerca
de “Relatório de enfermagem”, por exemplo. Assim, ao olhar o documento para a coleta
dos dados a pesquisadora se deparou com documentos datados fora do recorte temporal
do estudo, documentos que não aderiam à temática da pesquisa, por se tratarem de
documentos oriundos dos setores de gerência de enfermagem ou de âmbito ambulatorial,
locais nos quais não eram realizadas a ECT.
As fontes escritas secundárias foram artigos, dissertações, teses e livros acerca da
33
temática estudada, incluindo: História da Enfermagem, História da Psiquiatria,
Assistência de Enfermagem e Eletroconvulsoterapia.
As fontes primárias orais foram entrevistas que contaram com a técnica da
História Oral Temática para serem realizadas.
A História Oral é um método de pesquisa que utiliza técnica de entrevista e
outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da
experiência humana (...) tendo como principal finalidade criar fontes históricas
(FREITAS, 2006 p. 18- 19).
A História Oral trata especialmente da responsabilidade de se criar novas fontes
históricas a partir da gravação por intermédio de um ou mais gravadores digitais do
depoimento do colaborador com o objetivo de gerar um documento escrito a partir do
processo de transcrição realizado posteriormente. Sendo assim, a História Oral se
caracteriza como um método complexo e específico (MEIHY, 1994).
Especificamente na História Oral Temática, as entrevistas têm um foco, um
caráter temático, que não abrange todas as experiências do colaborador e, portanto,
comumente é realizado com um número maior de colaboradores, resultando em uma
quantidade maior de informações sobre o tema que se pesquisa, permitindo a comparação
entre eles. A História Oral Temática é, portanto, um recorte do todo que aborda questões
objetivas, factuais e temáticas (FREITAS, 2006; MEIHY, 1994).
Os participantes/colaboradores da pesquisa foram profissionais de enfermagem,
que atuaram no IMNS como enfermeiros, técnicos, auxiliares e atendentes de
enfermagem, categorias que formavam a equipe de enfermagem nas décadas que
compreendem este estudo. Os critérios de inclusão foram: ter integrado à equipe de
enfermagem do cenário da pesquisa em algum momento do período do estudo e ter
realizado cuidados de enfermagem aos portadores de transtornos mentais submetidos a
ECT. Os critérios de exclusão foram: estar impossibilitado de participar da pesquisa
durante o período de coleta de dados por algum motivo (doença, memória prejudicada),
ou por residir fora do estado do Rio de Janeiro.
Os colaboradores foram localizados através da constituição de uma rede de
possíveis colaboradores. Esta técnica acontece pela abordagem a um colaborador que
indica outros e, assim, sucessivamente, até chegar-se a um quantitativo que permita a
realização da pesquisa. Cabe ressaltar que na pesquisa histórica não há saturação, e sim a
34
busca pelos fatos que permitam atender aos objetivos da pesquisa (MEIHY, 2006;
PADILHA E BORENSTEIN, 2005).
O contato com os colaboradores foi previamente feito pela autora da pesquisa
pessoalmente, por telefone ou e-mail, no qual os mesmos foram informados sobre a
pesquisa (o objeto, os objetivos, metodologia, etc.), sendo convidados a participar. Após
a concordância dos mesmos, as entrevistas foram previamente marcadas, de acordo com
a disponibilidade e preferência de cada colaborador, no que se refere a data, horário e
local para a sua realização.
O instrumento de coleta de dados, um Roteiro de Entrevista Eemi-estruturado
(APÊNDICE B), foi desenvolvido para atender, dentro da técnica de História Oral
Temática, aos objetivos da pesquisa. Também foram utilizados dois gravadores e um
caderno de anotações. A recomendação de uso de dois gravadores é para prevenir
problemas de ordem técnica no momento da coleta de dados e o caderno de anotações
para a pesquisadora registrar reações não verbais importantes durante ou logo após a
entrevista.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE C) foi
apresentado aos colaboradores antes da realização das entrevistas e foram sanadas todas
as dúvidas que os mesmos apresentarem sobre a pesquisa e sobre sua participação. Por
tratar-se de pesquisa histórica, os colaboradores foram consultados quanto ao desejo de
doar sua entrevista para o acervo do Centro de Documentação (CDOC) da Escola de
Enfermagem Anna Nery (EEAN), o que foi viabilizado pelo preenchimento e assinatura
do Termo de Cessão de Direitos do Depoimento (APÊNDICE D), através do qual o
acervo institucional passa a deter os direitos autorais sobre a mesma, que se transforma
em registro histórico para consulta e utilização em outras pesquisas, o que é comum
ocorrer nas pesquisas históricas que produzem documentos orais.
Desta forma, outra contribuição possível desta pesquisa é ampliar o acervo de
história oral do CDOC/EEAN.
Por se tratar de uma pesquisa histórico-social, não é possível garantir o anonimato
dos colaboradores, o que está explícito no TCLE, contudo, foram utilizadas estratégias
para reduzir as possibilidades de sua identificação. Os colaboradores foram informados
previamente que, devido ao estudo ter recorte espacial e temporal, os mesmos tornam-se
35
identificáveis, no entanto, foram identificados a partir da letra referente ao cargo exercido,
seguido do número ordinal correspondente a ordem cronológica da realização das
entrevistas (Ex: E1= enfermeiro1; AE2 = auxiliar de enfermagem 2; TE3= técnico de
enfermagem 3). Ao todo o estudo contou com nove colaboradores.
QUADRO 3. Tabela de colaboradores e duração das entrevistas
Colaborador Categoria
Profissional
Local de
atuação
Período de
atuação
Duração da
Entrevista
1 Enfermeira Hospital de
Neuro-
psiquiatria
Infantil
1987 – atual 16min 46seg
2 Técnica de
Enfermagem
Hospital de
Neuro-
psiquiatria
Infantil
1980 – atual 22 min 04seg
3 Técnica de
Enfermagem
Instituto de
Psiquiatria
1987 – 2015 18min 11seg
4 Técnico de
Enfermagem
Instituto de
Psiquiatria
1984 – atual 16min 34seg
5 Técnica de
Enfermagem
Hospital de
Neuro-
psiquiatria
Infantil
1985 – 2007 15min 19seg
36
6 Enfermeiro Pronto Socorro
Psiquiátrico
1984 – 2017 1hora 7min
7 Enfermeiro Pronto Socorro
Psiquiátrico
1984 – 2010 42min 12seg
8 Enfermeira Instituto de
Psiquiatria
1984 – 2004 40min 23seg
9
Auxiliar de
Enfermagem
Instituto de
Psiquiatria
1984 – 2004 19min 52seg
Para facilitar a análise das entrevistas, estas foram transformadas em fonte escrita.
O processo para transposição do documento oral para o escrito é feito em 3 etapas:
transcrição, textualização e transcriação. A realização destas etapas demanda bastante
tempo devido ao processo dispendioso e ao cuidado que se precisa ter com esta fonte
(MEIHY e RIBEIRO, 2011). A etapa de transcriação é opcional e neste estudo não foi
realizada. A transcrição da entrevista foi entregue aos colaboradores para validação,
através da Carta de Validação do Conteúdo das Fontes Orais (APÊNDICE E).
A análise dos dados se deu a partir do método histórico de pesquisa, que tem como
um dos seus objetivos estudar o passado para que se possa analisar o presente, levantando
inclusive questões para o futuro. O processo de análise dos dados objetiva avaliar e validar
as fontes de informação a partir da crítica interna e externa dos dados (PADILHA E
BORENSTEIN, 2005).
37
A crítica externa verifica a autenticidade do dado histórico e, no caso da História
Oral Temática, a veracidade do depoimento e da transcrição do mesmo; no caso do
documento escrito, sua legitimidade. Já a crítica interna capta a significância dos dados
históricos coletados (PADILHA E BORENSTEIN, 2005). As fontes primárias e
secundárias foram comparadas de forma cronológica e temática, sendo os fatos
interpretados, sintetizados e correlacionados, resultando nas categorias temáticas a serem
apresentadas como resultados e discutidas.
2.1.Caracterização do cenário de pesquisa
A partir do Decreto nº 17.185 de 18 de Novembro de 1944, fica aprovado o
regimento do SNDM do Departamento Nacional de Saúde do Ministério da Educação e
Saúde que dispõe, entre outras providências, sobre a organização e competência dos
órgãos e serviços, dentre eles o até então denominado CPN.
Em 7 de Janeiro de 1965 é sancionado o Decreto nº 55.474 que altera a
denominação do CNP para Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII), mantendo as
providências relacionadas à organização e competência dos órgãos e serviços. O CPPII
passa então a compor a organização do SNDM em conjunto com outros órgãos, como a
Colônia Juliano Moreira, por exemplo. Seria competência do CPPII a assistência,
distribuição e internação de doentes mentais em território nacional, bem como a
realização de pesquisa acerca de psicopatias.
O CPPII passa a ser composto então dos seguintes setores:
Bloco Médico-Cirúrgico: tinha por finalidade receber e tratar os portadores de
transtornos mentais com intercorrências médico-cirúrgicas, portadores de doenças
infecto-contagiosas e de ordem odontológica;
Seção de Fisioterapia e Fisiodiagnóstico: tinha por finalidade realizar exames e
tratamento de processos físicos, bem como pesquisas relacionadas;
Laboratório;
Farmácia;
Instituto de Psiquiatria: tinha por finalidade receber, admitir, assistir os portadores
de transtornos mentais, bem como realizar estudos e pesquisas sobre as doenças
mentais, entre outras funções cooperativa com o SNDM;
Hospital Pedro II: tinha por finalidade receber e tratar portadores de transtornos
38
mentais agudos, realização de tratamentos especializados;
Hospital Gustavo Ridel: tinha por finalidade receber e tratar portadores de
transtornos mental subagudos, inclusive advindo das instituições de previdência;
Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil: tinha por finalidade receber e tratar
crianças e adolescentes portadoras de transtornos mentais sob o ponto de vista
neuro- psiquiátrico;
Hospital de Neuro-Sífilis: tinha por finalidade tratamento e profilaxia das doenças
nervosas e mentais que tenham como causa a sífilis;
Administração;
Secretaria.
Atualmente, em decorrência do processo de municipalização de diversos hospitais
do Rio de Janeiro, o hospício se denomina Instituto Municipal de Assistência à Saúde
Nise da Silveira (IMNS), tendo sido renomeado pelo Decreto nº 18.917 de 05 de Setembro
de 2000, e não apresenta mais as mesmas características organizacionais previamente
apresentadas. O nome é em reconhecimento ao trabalho da psiquiatra Nise da Silveira,
personalidade importante para a história da psiquiatria brasileira:
Em 1946, [Nise da Silveira] fundou a Seção de Terapêutica Ocupacional no
CPII. Em 1952, criou o Museu de Imagens do Inconsciente. Alguns anos mais
tarde, 1956 (...) daria vida a mais um projeto: a criação da Casa das Palmeiras
(...) suas pesquisas deram origem, ao longo dos anos, a exposições, filmes,
documentários, simpósios, publicações, conferências e cursos (...) Seu trabalho
e seus princípios inspiraram a criação de museus, centro culturais e instituições
psiquiátricas no Brasil e no exterior. Faleceu em 30 de outubro de 1999
(BRASIL, 2000 p. 2).
A psiquiatra Nise da Silveira recebeu muitas homenagens pelas suas investidas na
humanização da psiquiatria e defesa de um tratamento individualizado, considerando
atividades terapêuticas, além dos medicamentos, como forma de cuidar dos portadores de
transtornos mentais.
2.2.Aspectos éticos da Pesquisa
A pesquisa foi norteada pela Resolução 466/2012 e 510/16 do Conselho Nacional
de Saúde/Ministério da Saúde, que preconiza o respeito à dignidade humana e a proteção
devida aos participantes das pesquisas científicas que envolvem seres humanos. Foi
entregue o estudo impresso para o IMNS, cenário da pesquisa, para ser aprovado pelo seu
comitê interno de avaliação de pesquisas, para liberação da carta de anuência e posterior
submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna
39
Nery/Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis/ Universidade Federal do Rio
de Janeiro (CEP EEAN-HESFA/UFRJ) como instituição proponente.
Após aprovação no CEP, sob número de parecer 1.846.227/2016, o projeto
também foi submetido ao CEP da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-
RJ), enquanto instituição co-participante, sendo aprovado no dia 27 de Abril de 2017,
pelo parecer número 2.036.352.
A pesquisa oferecia riscos mínimos aos participantes e todos os cuidados para
diminuí- los foram tomados, a fim de que não houvesse dano emocional ou
constrangimento durante a realização da entrevista. A pesquisadora responsável se
comprometeu a promover um ambiente acolhedor e zelou pela integridade e pelo bem-
estar dos participantes, respeitando seus valores culturais, sociais, morais, religiosos e
éticos, bem como seus hábitos e costumes. Em nenhuma entrevista foi necessária
intervenção para minimizar riscos como previsto no TCLE: “Se necessário, a
pesquisadora suspenderá temporariamente ou definitivamente a entrevista de acordo com
a vontade do participante”.
Os benefícios da pesquisa serão oriundos da construção de uma versão histórica
de uma prática de enfermagem específica, que ao longo dos anos foi pouco registrada no
Brasil. A divulgação de seus resultados ajudará a subsidiar discussões atuais sobre a
aplicação da ECT, que carece de fundamentação acerca de sua trajetória, para uma
reflexão mais aprofundada sobre seus riscos e benefícios, e sobre como a enfermagem
contribui para que esta técnica seja realmente aplicada em circunstâncias terapêuticas, em
respeito aos direitos dos portadores de transtorno mental. Além disso, beneficiará o
levantamento de fontes históricas sobre a temática, permitindo ampliar o acervo histórico
sobre a ECT e sobre a história da psiquiatria/saúde mental como um todo, no
CDOC/EEAN.
2.3.Limitações do estudo
O presente estudo apresentou como limitação o fato da pesquisa permanecer em
análise no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição coparticipante por 4 meses,
prejudicando o cronograma previsto para o seu desenvolvimento - que, por ser uma
dissertação de mestrado acadêmico, tem prazo para conclusão de 24 meses.
Outra limitação foi a dificuldade ao acesso do documento escrito no Acervo de
40
História e Memória do IMNS. No período da coleta de dados, o acervo encontrava-se
com seus funcionários trabalhando em carga horária reduzida, devido à falta de pessoal
e, portanto, só estava aberto para pesquisadores às segundas e quintas-feiras, sendo
possível atender somente um pesquisador por dia. Além disso, não era permitido que o
mesmo pesquisador fosse duas vezes na mesma semana para realizar a coleta de dados,
ou seja, o pesquisador tinha que escolher entre a segunda ou a quinta-feira para realizar a
pesquisa.
Outra limitação do estudo se relaciona a ausência de registros sobre a aplicação
da ECT nos documentos pesquisados. Concatenado a isso, o setor no qual ficavam
arquivados os prontuários do recorte temporal relativo a pesquisa, o Arquivo Médico,
além de estar funcionando com redução de pessoal no período da coleta de dados, também
se encontrava em reforma e, portanto, a pesquisadora não foi liberada a analisar os
prontuários. Tal fato acarretou num prejuízo dos resultados tendo em vista que, em geral,
os cuidados de enfermagem e dados sobre os tratamentos realizados pelos portadores de
transtornos mentais são relatados em prontuário.
Salienta-se que as limitações descritas permitem não somente compreender o
caminho metodológico da pesquisa em todas as suas nuances, mas também registrar que
o tema não se esgota nesta dissertação, podendo ser objeto para outros pesquisadores.
41
3. CAPÍTULO I
Eletroconvulsoterapia pela equipe de enfermagem do Instituto Municipal Nise da
Silveira
O IMNS guarda a memória do primeiro hospício do Brasil. Sua trajetória histórica
lhe deixou heranças de práticas asilares que se transformaram ao longo do tempo, no
entanto, não se pode pensar que os profissionais que vivenciaram esta transição deixaram
de lado todas as formas de atuação para que a instituição funcionasse. A ECT, para além
do tratamento, foi instrumento utilizado para fins de manutenção da ordem na instituição
e de controle do comportamento das pessoas internadas.
Neste capítulo são apresentados os resultados que mostram como os modelos
assistenciais foram se sobrepondo e sendo reorganizados, sempre com a preocupação de
que a loucura precisava ser contida. Os portadores de transtornos mentais eram de alguma
forma obrigados a se adequarem ao espaço que a equipe de saúde a eles destinava, com
horários e tratamentos estipulados por esta equipe. Assim, a narrativa da enfermagem nos
permite refletir sobre a trajetória do cuidado na instituição e como a ECT fazia parte do
cotidiano de trabalho.
3.1.Equipe de enfermagem do Instituto Municipal Nise da Silveira: rotina e
(des)preparo para o cuidado em saúde mental
O modelo assistencial asilar era constituído por um conjunto de elementos com a
finalidade de levar o portador de transtorno mental a modificar seu comportamento,
resultando numa atitude de obediência e adaptação à organização do hospício. Para isso,
o hospício era meticulosamente organizado em relação ao tempo e ao espaço por sujeitos
hierarquicamente ordenados, responsáveis pela vigilância dos portadores de transtornos
mentais internados (KIRSCHBAUM, 1997), conforme se observa nas falas a seguir:
Tinha o banho de sol pros pacientes, o medicamento tinha horário, a forma de
alimentação [...] A vigilância de 24h desse paciente. (TE01)
A gente era muito alertado pra vigiar [...] então eu tinha que estar de olho,
vigiando mesmo. (TE02)
A enfermagem era responsável pelo olhar da vigilância e da punição. Não era um
trabalho tão prazeroso assim não. (E02)
42
A vida dos portadores de transtornos mentais no hospício era repartida de acordo
com um horário controlado, para higiene pessoal, refeições e medicamentos, sob uma
contínua vigília, em consonância com as formas de controle das atividades descritas por
Foucault (2014). Observa-se nas falas dos colaboradores acima apresentadas a utilização
do controle de tempo pelo qual os portadores de transtornos mentais tinham seu horário
todo repartido e controlado pela equipe de enfermagem: horário para alimentação, para
medicação e para o lazer.
A vigilância contínua era outra técnica disciplinar essencial para que a observação
fosse detalhada e diretamente relacionada com o tempo, de modo que fosse possível
sempre extrair cada vez mais tempo e ter corpos úteis e dóceis, o que facilita o controle
do espaço assistencial.
Os profissionais de enfermagem são, como os demais profissionais não médicos,
menos reconhecidos nos espaços medicalizados, tendo em vista que as instituições
psiquiátricas se caracterizam como espaços disciplinadores do portador de transtorno
mental, no qual o médico é o detentor do saber e, portanto, a soberania a ser obedecida.
Assim, a equipe de enfermagem trabalhava como executora desse poder disciplinar.
Os colaboradores do estudo mencionaram sua formação profissional
considerando a mesma pouco direcionada para o aprendizado voltado para o trabalho na
psiquiatria:
Eu me formei em 1987 [...] tive disciplina de Saúde Mental na época [...] mas não
teve o estágio no hospital. (E01)
Eu tive disciplina de saúde mental... Era horrível... a minha professora era uma
pessoa muito legal, mas passou 6 meses falando de transtorno da personalidade
bourderline e eu sai da minha faculdade sem entender o que era isso. Só vim a entender
quando passei a estudar por conta própria. (E03)
Então, na graduação tinha teórico e prático. Era o básico, aquela coisa mais
básica, né... Não tinha muita. Eu não acho que teve muito acréscimo em termos de
aprendizado. (E04)
Diante de tais comentários, cabe sublinhar aqui o fato do ensino de enfermagem
psiquiátrica também se relacionar com a trajetória do IMNS, pois a primeira escola de
43
enfermagem no Brasil era anexa a esta instituição, quando ainda era denominada HNA e
contava principalmente com a instrução de homens e mulheres de baixa renda, tendo em
vista que este grupo facilitava a subordinação aos médicos, evitando conflitos
anteriormente enfrentados com as irmãs de caridade (OLIVEIRA E ALESSI, 2003;
PERES E BARREIRA, 2009).
O modelo da citada escola também era francês e seguia a Escola de Salpetrière.
Na EPEE, a formação de enfermeiros leigos para a psiquiatria foi dando lugar a formação
de profissionais para atuação nos diferentes hospitais, não dando continuidade à formação
específica em psiquiatria (OLIVEIRA E ALESSI, 2003), o que não permitiu um avanço
formal dos saberes próprios da enfermagem na área.
Porém, no início da década de 1920, pelo Decreto nº 15.799/22 foi criada a Escola
de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, que posteriormente passaria
a se chamar Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN). Por seguir o modelo
nightingaleano, a escola sempre teve enfermeiras no cargo de direção da escola, além de
ser necessário o provimento de campos de estágio para as alunas. Para tal, a escola era
anexa ao Hospital Geral de Assistência do Departamento Nacional de Saúde Pública, e
contava com outros hospitais (KLETEMBERG et al, 2009).
No que tange ao campo psiquiátrico, nenhum dos hospitais de estágio tinham um
serviço de psiquiatria e, portanto, a escola se manteve fora do campo prático psiquiátrico
até meados do século XX e no campo teórico, a disciplina “Enfermagem Psiquiátrica” só
passou a ser ministrada em 1933, uma década após a inauguração da escola. Portanto, a
profissionalização de enfermeiros para cuidar em psiquiatria não estava inicialmente
relacionada a institucionalização da enfermagem como profissão, mas sim ao treinamento
mínimo de pessoal para manutenção do hospício enquanto lugar de tratamento do
portador de transtornos mentais (OLIVEIRA E ALESSI, 2003; SILVA et al, 2017;
CARVALHO et al, 2015).
Correlacionado a isso, é importante refletir sobre a formação de profissionais de
enfermagem em psiquiatria, que teve início no final do século XIX, por meio da criação
de escolas de enfermagem no Brasil, sob controle médico. A depender do modelo de
ensino adotado, estes profissionais ficavam responsáveis por dirigir as escolas, ministrar
disciplinas relacionadas com a psiquiatria e/ou ensinar técnicas no interior do próprio
44
hospício. Tal fato pode ser justificado pela lacuna de enfermeiros qualificados na época,
bem como pelo intuito de formar profissionais desta categoria submissos ao saber médico,
para que a hierarquização do poder fosse evidente dentro das instituições, servindo de
exemplo para os portadores de transtornos mentais ali internados (KIRSCHBAUM, 1997;
SILVA et al 2017).
Diante disso, o saber da enfermagem psiquiátrica foi construído a reboque da
prática médica, o que é comum na história do desenvolvimento das diferentes
especialidades da profissão. Em 15 de Junho de 1931 é sancionado o Decreto nº 20.109,
que torna a atual EEAN em escola oficial padrão e, portanto, as demais escolas de
enfermagem do Brasil, deveriam equiparar seus currículos a mesma, demarcando o
afastamento da enfermagem brasileira do interior do hospício. Tal fato acarretou num
prejuízo da prática de enfermagem, a partir da não construção de um saber especializado
em enfermagem psiquiátrica. O Decreto supracitado se absteve em relação ao ensino dos
profissionais de nível médio, caracterizando uma desvalorização ainda maior destes
profissionais.
Somente em 6 de Agosto de 1949 foi sancionada a Lei nº 775 que dispôs sobre o
ensino de enfermagem no país e deu outras providências, tornando obrigatório o estágio
em todos os campos de ensino, inclusive em psiquiatria, o que poderia favorecer a
formação de uma enfermagem psiquiátrica cientificamente desenvolvida. Contudo, a
ausência do saber especializado de enfermagem psiquiátrica que servisse de exemplo as
alunas dificultou o processo de transformação da prática na área
Até a década de 1960, a enfermeira diplomada se manteve afastada do hospício
por conta do estigma da loucura, que envolvia o medo do comportamento dos portadores
de transtornos mentais, tidos como potencialmente agressivas e imorais. Portanto, não era
um local propício para o ensino das enfermeiras no padrão nacional que vigorou no
período de 1931 até 1949 (CARVALHO et al, 2015). Uma das dificuldades no ensino de
enfermagem psiquiátrica era relacionada ao fato de que, dentro do hospício, se tinha
pouca ou nenhuma enfermeira diplomada realizando o cuidado ao portador de transtorno
mental, sendo este realizado por atendentes ou enfermeiros práticos (SILVA et al, 2017).
É possível perceber que no IMNS, a constituição da equipe de enfermagem era de
pessoas que não tinham preparo para atuar na área, que ascendiam internamente na
45
instituição, sem formação profissional, fato comum em hospícios:
Quando eu entrei aqui eu comecei como Auxiliar Operacional de Serviços
Diversos (AOSD)[...] Eu era o que se chamava de atendente, que na época tinha essa
função de atendente de enfermagem, [...] o pessoal antigo que estava para se aposentar,
mandava a gente separar o Haldol, Fenergan, Prometazina [medicamentos], sabe? Por
cor. (TE03)
Tinha as chamadas guardas, eram as AOSD [...]. Naquela época, as guardas
eram qualquer pessoa que soubesse pelo menos escrever o nome e conhecer as
medicações. Com isso, elas administravam, faziam os cuidados que tinha que fazer, como
se fosse um auxiliar ou técnico de enfermagem. Mas não tinha capacitação para isso.
(TE01)
Tinha uns que não eram técnicos nem auxiliares, tinha outro nome... AOSD! Não
tinha o curso técnico de enfermagem. Então, como eles vão fazer cuidados de
enfermagem, se não tem o curso técnico? (TE04)
Eram vários profissionais que trabalhavam na equipe de enfermagem, mas não
tinha formação nem em curso técnico. Eram agentes de vigilância, agentes
administrativos, agentes de portaria, tinha até agente penitenciário até, pra você ter uma
noção... (E02)
A equipe de enfermagem muitas vezes nem era qualificada. Quando eu cheguei
aqui tinham pouquíssimos auxiliares, uma média de 12, no máximo 20. O resto era tudo
de outras categorias: agente de portaria, agente de vigilância, AOSD, pessoas que não
estudaram para estar exercendo. (E04)
A equipe de enfermagem, no período do estudo, era composta por enfermeiros de
nível superior, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem e por atendentes de
enfermagem. Esta última categoria era formada por pessoas que ingressaram na
instituição como porteiros, vigilantes e também Auxiliar Operacional de Serviços
Diversos (AOSD), portanto, não tinham conhecimento técnico-científico da profissão,
sendo treinados pelos demais membros da equipe de enfermagem.
Esta configuração não era só no cenário desta pesquisa, outros estudos já
apresentaram que na psiquiatria a equipe de enfermagem não era constituída por pessoas
46
preparadas e sim por quem aceitasse trabalhar com os “loucos” (KIRSCHBAUM, 1997;
SILVA et al 2017). Dessa forma, o cuidado se mantinha na lógica manicomial, em que a
disciplina era o que importava, pois na visão desses trabalhadores, o portador de
transtorno mental deveria ter seu comportamento agitado contido e cumprir as regras
institucionais.
A organização hierarquizada entre os membros da equipe de enfermagem do
IMNS era marcada principalmente pelo saber individual de cada profissional,
fundamental para a manutenção da ordem dentro da enfermaria. Depreende-se que havia
a liderança daqueles que possuíam maior conhecimento e preparo o que poderia ser
adquirido pelo tempo de atuação na psiquiatria. Ou seja, o poder estava com quem tinha
mais saber. Nesse grupo, saber ler e escrever já se configurava como importante
instrumento de poder.
No que tange os profissionais de nível médio, em 14 de novembro de 1949 foi
sancionado o Decreto nº 27.426, aprovando o Regulamento básico para os cursos de
enfermagem e de auxiliar de enfermagem, dispondo sobre a composição do ensino. Em
relação aos cursos de auxiliares, é interessante observar que foram estipuladas disciplinas
de noções de ética, corpo humano e seu funcionamento, higiene em relação a saúde,
economia hospitalar, alimento e seu preparo e enfermagem elementar. Além disso, dispõe
sobre os estágios, sob forma de rodízio, nas áreas de clínica médica, clínica cirúrgica, sala
de operação e centro de material cirúrgico, berçário e cozinha geral. É interessante
observar que a psiquiatria não foi relacionada nem enquanto disciplina teórica obrigatória,
tampouco no que se refere a ensino prático.
Observa-se que os dados do estudo vão ao encontro do relatado pela literatura:
Eu me formei no técnico há mais ou menos 28 anos [...] Eu não tive nada de
psiquiatria no curso técnico. (TE03)
Eu me formei em... Acho que foi em 1982 [...] Eu não tive a disciplina específica
[...] Não existia a disciplina, não era obrigatório fazer esse estágio na saúde mental.
(TE02)
Eu me formei em 1984 [...] Nunca tinha entrado num hospital psiquiátrico antes...
Eu nunca fiz estágio em saúde mental. (TE04)
47
No curso técnico era só teórica. Na época na verdade ainda nem se falava em
psiquiatria, não se falava em saúde mental. Nós fizemos só algumas visitas na psiquiatria.
Fiz estágio na neurocirurgia e na neurologia, que tratava também os pacientes
psiquiátricos. Mas só isso. Não havia um tratamento específico, não era um hospital
específico para psiquiatria e nem a saúde mental. (E03)
Vale ressaltar que na década de 1970 o curso de auxiliar de enfermagem e técnico
de enfermagem passou a integrar o nível médio de ensino no país, pela Lei nº 5.692/71.
Devido a uma demanda desses profissionais que havia na década de 1970, relacionada à
expansão da iniciativa privada na década anterior, o curso de auxiliar de enfermagem
continuou classificado enquanto nível de 1º grau, ou seja, após aprender ler, escrever e
contar, já era possível iniciar o curso. É importante ressaltar também que tornava possível
realizar um exame de suplência profissionalizante que, obtendo aprovação no mesmo, se
recebia o título de Auxiliar de Enfermagem (OGUISSO, 1977).
Tenho o segundo grau completo, eu sou auxiliar de enfermagem. Eu passei em
todas as clínicas, mas não passei pela psiquiatria [...] eu não lembro direito o porque.
Eu só lembro que caí aqui [no IMNS] de paraquedas. (AE01)
Esse nível de titulação conferia ao profissional o direito de exercer a enfermagem
somente a nível regional e não dava o direito de prosseguir ao nível superior de ensino da
profissão, tendo em vista que não se caracterizava enquanto curso de 2º grau, pré-requisito
para se ingressar em uma graduação (OGUISSO, 1977). Portanto, a formação de pessoal
para o trabalho de enfermagem no Brasil tinha como principal objetivo a constituição de
forma rápida de mão de obra para atender a demanda dos serviços de saúde, não tendo
como principal preocupação o tipo de formação e de qualificação que esses profissionais
estariam recebendo.
Apesar da criação da EPEE do HNA representar um marco para enfermagem
brasileira, fica evidente o modelo biológico da formação desses profissionais, bem como
da manutenção de um ensino para atender o que interessava a medicina psiquiátrica, tendo
em vista que as disciplinas ministradas eram, em sua maioria, por médicos e a própria
escola dirigida por médicos (KLETEMBERG et al, 2009). Além disso, a enfermagem
nascida dentro do hospício não necessariamente significava a prestação de uma
assistência qualificada aos portadores de transtornos mentais ali internados, mas sim de
48
profissionais que atuassem de forma intermediária entre médicos e guardas.
O descaso com o cuidado psiquiátrico é visto na história como repercussão da
falta de sofrimento físico dos portadores de transtorno mental. O sofrimento psíquico
altera o comportamento, mas não abre ferida, não faz crescer tumores, não tem sinais e
sintomas mensuráveis pelos sinais vitais. Assim, bastava saber ver a cor do medicamento
para atuar como equipe de enfermagem. A sensibilidade para lidar com o portador de
transtorno mental existia e variava entre os membros da equipe, mas não foi relatada como
necessária ao cuidado.
Atenta-se então para o fato de que os profissionais de enfermagem colaboradores
desta pesquisa, em sua maioria, não tiveram disciplina específica de enfermagem
psiquiátrica e, portanto, também não tinham conhecimento teórico-prático em ECT. Isso
fica evidente na fala dos colaboradores abaixo:
Eu creio até que nenhum professor sabia explicar o que era ECT. Nem no curso
técnico nem na graduação. Em nenhum momento eu ouvi falar em ECT. Sabia que existia,
mas em nenhum momento foi citado. Não havia capacitação para isso; Era muito
empírica; Alguém falava “é assim que faz” e dava o choque. (E03)
Era assim, alguém falava “vai lá colocar um pano na boca dele, molha com
álcool a fronte do paciente, volta para o leito, fica observando para que ele não
broncoaspire. Aí quando voltar para o leito, tomar cuidado para deixar a cabeceira
elevada”. (TE02)
Eu particularmente não sabia, no início, o porquê daquilo [da realização de
cuidados relacionados à ECT]. A gente só tinha que fazer, a gente estava ali trabalhando
e tinha que fazer aquilo. (TE03)
Quem trabalhava na enfermagem e não tinha nenhum conhecimento de
enfermagem, o conhecimento, a prática da psiquiatria, eram adquiridos no trabalho. A
maioria não teve formação, não teve treinamento. No curso técnico de enfermagem eu
tive acesso durante o estágio a prática de ECT. Aí eu cheguei no curso, à noite, e abordei
o professor. Falei “professor a gente viu hoje ECT e gostaríamos de ter um pouco mais
de explicações” e aí ele deu uma aula para gente, uma aula fantástica. (E02)
Os profissionais antigos foram mostrando para gente como que eram os
49
procedimentos. (AE01)
O despreparo da equipe de enfermagem sobre qualquer tipo de cuidado
relacionado diretamente com a ECT levava à transmissão do saber de como realizar o
cuidado de enfermagem dos profissionais mais antigos e experientes para os mais novos
e inexperientes. Diversos são os fatores relacionados a esse despreparo, como, por
exemplo, o fato de que os enfermeiros nos hospitais eram, em geral, executores de tarefas
administrativas, enquanto que o cuidado de enfermagem era realizado pelos atendentes
de enfermagem, que apresentavam uma lacuna de conhecimento técnico-científico
(MACHADO et al, 2006; FILIZOLA, 1997). Isso era à época desse estudo uma
característica peculiar do cuidado psiquiátrico, até certo ponto desvalorizado em relação
a outras especialidades, uma vez que não se pauta em procedimento cirúrgico, tampouco
em terapêuticas de alta complexidade tecnológica voltados para a cura.
De acordo com a literatura, enfermeiros, em menor número na equipe e, na
psiquiatria, muitas vezes em número insuficiente, dedicam maior parte do seu tempo
realizando tarefas de caráter burocrático, tais como: elaboração de escalas de
funcionários, solicitação de manutenção e/ou conserto de materiais, organização do posto
de enfermagem, controle de material e preenchimento de papéis de autorizações, como
controle de internação e alta de paciente, por exemplo, e delegam aos técnicos e auxiliares
cuidados diretos ao paciente, como os de higiene, alimentação e medicação (OLIVEIRA
E ALESSI, 2003; BRUSAMARELLO et al, 2009).
3.2.Equipe de enfermagem do Instituto Municipal Nise da Silveira: construindo-
se saberes
A responsabilidade pelos aparelhos de ECT, sua manutenção e guarda era uma
das atividades da enfermagem no IMNS. Nos documentos escritos analisados, observa-
se que grande parte dos registros de enfermagem nos livros de ordem e ocorrência e nos
livros de supervisão de enfermagem relaciona-se ao controle de escala; controle interno
das enfermarias, no que se refere à internação e alta de pacientes; controle de material, no
que se refere à reposição, falta e manutenção dos mesmos. Como exemplo, extraiu-se o
seguinte relato do Livro de Ocorrências da Unidade 3 (1979):
Entregue 1 aparelho de ECT novo e portátil e 1 aparelho de ECT velho e usado.
(IMNS, 1979)
50
Entregue na Unidade 3 um biombo para pôr na enfermaria quando for fazer ECT.
(IMNS, 1979)
A documentação examinada para esta pesquisa não tem registro de detalhes sobre
a ECT no IMNS. Percebe-se que no final da década de 1970 havia a demanda de aparelhos
nas enfermarias e que, pela referência a aparelho “novo e portátil”, havia compra de
aparelhos para uso na instituição. A menção no documento a um biombo apresenta a
intenção de não expor o procedimento onde era realizado. No entanto, não foi encontrada
fonte que nos permita esclarecer se era realizado com biombo na enfermaria ou em outro
local.
Assim, importantes aspectos sobre a prática da ECT permanecem não ditos, não
registrados pelos documentos consultados na instituição pesquisada. A partir de indícios
apontados pelas fontes documentais pode-se contextualizar que na década de 1980 o
modelo psiquiátrico não acompanhava a base conceitual já existente na enfermagem.
Na prática, via-se uma assistência de enfermagem muito mais próxima da
perspectiva do descrito como Tratamento Moral, datado do século XVIII por Philippe
Pinel, pioneiro no tratamento de doentes mentais e um dos precursores da psiquiatria
moderna. Contudo, no âmbito acadêmico, no início da segunda metade do século XX,
nos Estados Unidos da América (EUA), a Teoria das Relações Interpessoais desenvolvida
pela enfermeira Hildegard Peplau, já ganha forças. A teoria desenvolvida por Peplau
indicava que a relação paciente-enfermeiro deveria ser de interação mútua entre ambos
Nesse entender, Peplau buscou valorizar a singularidade, a reciprocidade e a
ajuda mútua entre o enfermeiro e o paciente. Ela preconizava a utilização de
um plano para a assistência, que deveria reconhecer, definir e compreender o
que acontece quando estabelecem relações com o paciente (VILLELA E
SCATENA, 2004 p. 739).
Influi-se que as mudanças no âmbito político que vinham se desenvolvendo no
Brasil, principalmente a partir da década de 1960, com o fortalecimento de movimentos
que criticavam o modelo manicomial que estava estabelecido, iniciada na década de 1970
ganhando robustez no final da mesma, não influenciaram os profissionais de enfermagem
atuantes no IMNS a buscarem especialização profissional.
Além de Peplau, outras enfermeiras desenvolveram teorias de enfermagem
semelhantes. Na década de 1970, Joice Travelbee evidenciou a Teoria Pessoa-a-Pessoa.
51
Travelbee caracterizou quatro aspectos essenciais para o desenvolvimento de sua teoria,
sendo estes o homem, a enfermeira, a enfermagem e saúde e definiu a relação interpessoal
da enfermeira com o homem como uma relação de ajuda essencial para o alcance da saúde
(WAIDMAN, STEFANELLI E JOUCLAS, 1998).
Assim, as mudanças no que se refere à prática assistencial em enfermagem ao
portador de transtorno mental ficaram concentradas numa elite acadêmica, que realizou
pós-graduação nos EUA e Canadá, só chegando às instituições com os avanços do
movimento de Reforma Psiquiátrica. Um estudo acerca dos 33º primeiros Congressos
Brasileiros de Enfermagem (CBEn), corrobora com o exposto demonstrando que a
enfermagem participou das discussões referentes ao tema, uma vez que apresentava
nesses eventos trabalhos sobre a transformação do modelo assistencial em psiquiatria. Em
contrapartida, demonstrou também a bipartição entre o discutido na academia e o
encontrado no cuidado direto ao portador de transtorno mental (SANTOS et al, 2017).
Tal fato se relaciona com a dicotomia existente entre a prática de enfermagem
psiquiátrica e os novos ideais que surgiam no período. Apesar de atualmente já termos
uma política de saúde mental voltada para a valorização do sujeito, das relações humanas
e na reabilitação psicossocial, com foco na desinstitucionalização e desospitalização, no
início da década de 1980, esse discurso estava começando a ser debatido e, portanto,
estava dando seus passos iniciais na assistência direta ao portador de transtorno mental.
Começou a campanha de saúde mental, entrou mais enfermeira, mais técnica, as
coisas foram expandindo (...) mas aí demorou um pouco, a evolução. A quebra desse
muro demorou, foi muito difícil. Teve muita resistência dos próprios funcionários antigos
aqui dentro. Começaram a chegar pessoas novas, com cabeças novas, outros
pensamentos mais evoluídos, com outras formações. (TE01)
A enfermagem veio fazer parte da equipe de saúde mental quando veio um
movimento mais forte da reforma psiquiátrica, quando as equipes se estruturaram de
uma maneira muito diferente. (E02)
A reforma psiquiátrica em si já havia sido passada em lei, mas ainda estava sendo
aplicada aos poucos. (E03)
É importante ressaltar que, em meados da década de 1980, a mudança na lógica
52
da assistência psiquiátrica começou a dar os primeiros passos no IMNS, se adequando às
recentes normas para o exercício profissional da enfermagem e indo ao encontro do
movimento de Reforma Psiquiátrica que se iniciava. O processo de mudança
paradigmática, ou seja, as transformações das práticas levaram um tempo para acontecer,
sendo aos poucos introduzidas, especialmente pelos funcionários novos que chegavam
oriundos de formação recente e com outras ideias sobre o tratamento em psiquiatria.
Na época a reforma já estava começando a incentivar a conversação com o
paciente. Foi à época também que o uniforme de enfermeira, aquele uniforme branco, foi
abolido. Para não ter diferenciação de paciente e profissional, chegamos à conclusão
que não tinha nada a ver e a gente se misturava com eles. Tanto que até hoje ninguém
usa o uniforme tradicional. (AE01)
Destarte, compreende-se que o movimento de Reforma Psiquiátrica iniciado no
final da década de 1970, consolidado na década de 1980, alcançou um fortalecimento
ainda maior nas décadas de 1990 e 2000, tendo em vista que os processos de
desinstitucionalização e desospitalização ganharam força, principalmente no âmbito
legislativo, a partir da criação de novos serviços de saúde mental extra-hospitalares,
integrados aos demais serviços de saúde do SUS (RODRIGUES et al 2016).
Entretanto, o modelo hospitalocêntrico de assistência psiquiátrica, com foco na
cura da doença a partir de práticas coercitivas e agressivas, fortemente questionado pelo
movimento de Reforma Psiquiátrica, se mostra enraizado pelos membros da equipe de
enfermagem, tendo em vista que este se manteve vigente desde os primórdios do século
XX, quando os médicos assumem a direção do hospício transformando-o em um espaço
disciplinar de desenvolvimento de um saber médico especializado.
Quando eu cheguei aqui em 1980 acho que a única que tinha um registro de
Conselho Regional de Enfermagem (COREN) era eu (...) quando eu cheguei na unidade
começamos a implantar bandeja de medicação, os nomes nas medicações, os vidrinhos
que identificavam com o nome o paciente, o horário de medicação, começamos a colocar
rotina na enfermaria. Eu entrei em uma semana e 20 dias depois entrou uma enfermeira.
(TE01)
O Conselho Regional de Enfermagem (COREN), subordinados ao Conselho
Federal de Enfermagem (COFEN), consiste em seu conjunto uma autarquia, sendo ambos
53
os órgãos disciplinadores do exercício das profissões do serviço de enfermagem, criados
a partir da Lei nº 5.905 de 1973. De acordo com o Art. nº 5 compete ao COREN, entre
outras providências, “disciplinar e fiscalizar o exercício profissional observadas as
diretrizes gerais do Conselho Federal; conhecer e decidir os assuntos atinentes à ética
profissional, impondo as penalidades cabíveis”.
Entretanto, apesar da Lei ter sido sancionada em 12 de julho de 1973, o COFEN
só foi criado de fato em abril de 1975, quando foram nomeados os membros do primeiro
Conselho. A primeira diretoria tinha como principais objetivos:
Elaboração do orçamento, do regimento interno e do Código de Deontologia;
criação do Brasão; elaboração do anteprojeto de lei a ser encaminhado ao
Ministério do Trabalho - MTB para substituir a Lei no. 2.604/55, que regulava
o exercício da Enfermagem; instalação dos Conselhos Regionais de
Enfermagem (GARCIA, MOREIRA; 2009 p. 105).
Com relação a criação do COREN, ainda no ano de 1975 foram instaladas as
Juntas Especiais com o objetivo de realizar a primeira eleição para a instalação dos
Conselhos Regionais e, por conseguinte, a criação dos mesmos que se deu em outubro do
mesmo ano, com a criação de 22 Conselhos Regionais. É importante salientar que na
ocasião foram criadas chapas separadas para enfermeiros e demais membros da categoria,
dentre os quais se encontrava técnicos de enfermagem e os então denominados
enfermeiros práticos (GARCIA, MOREIRA; 2009).
Eu entrei em 1984 e aí a coisa melhorou um pouquinho. Os enfermeiros eram
muito poucos. E técnicos de enfermagem nem pensar, eram só auxiliares [...] muitos se
aposentaram logo assim que eu cheguei e algumas se aposentaram posteriormente. De
lá para cá não foi contratado mais ninguém que não tivesse formação, que não tivesse
registro no Conselho (E02).
Outra pauta considerada primordial a ser desenvolvida pela primeira gestão do
COFEN se relacionava com a substituição da então vigente Lei nº 2.604/55 que
regulamentava o exercício da enfermagem profissional, tendo em vista que nesta
constava, em seu Art. nº 9 que:
Ao Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina, órgão integrante do
Departamento Nacional de Saúde, cabe fiscalizar, em todo o território
nacional, diretamente ou por intermédio das repartições sanitárias
correspondentes nos Estados e Territórios, tudo que se relacione com o
exercício da enfermagem (BRASIL, 1955 p. 17738).
54
Fica evidente a submissão da enfermagem perante a classe médica, tendo em vista
que as demais profissões, como farmácia e odontologia, por exemplo, já tinham a sua
seção fiscalizadora dentro do Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina. A luta para
a criação e instalação do COFEN e dos CORENs deve ser considerada uma conquista em
prol da valorização da enfermagem enquanto profissão autônoma de caráter científico,
para além do campo prático-assistencial, que historicamente já vinha sendo desenvolvido
pelos enfermeiros práticos.
Demonstra-se que o processo de transformação de um modelo assistencial é feito
de forma paulatina, correlacionando-se com diversos fatores, como ensino, pesquisa e
assistência. O movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira trouxe mudanças diretas
para a ECT uma vez que, apesar de ser uma técnica utilizada desde o século XX, só foi
regulamentada no século XXI, a partir do questionamento das práticas realizadas de forma
indiscriminada dentro do hospício (ÁVILLA, 2010).
O Conselho Federal de Medicina (CFM) dispõe sobre a ECT e a reconhece
enquanto método terapêutico a partir da Resolução 1.640 de 10 de julho de 2002. Vale
ressaltar que o COFEN não se manifestou sobre o papel da enfermagem envolvido na
técnica, desvalorizando esse cuidado específico, uma vez que deixa apenas a cargo da
classe médica as recomendações acerca do cuidado em ECT.
A indicação, realização e acompanhamento da ECT são de responsabilidade
médica e se torna obrigatória sua realização em ambiente hospitalar, instalações físicas,
recursos humanos, aparelhagem e equipamentos tecnicamente adequados. O uso de
anestésico para aplicação da ECT se torna obrigatório, principalmente relacionado ao
bem-estar do portador de transtorno mental, tendo como objetivo reduzir a ansiedade
causada pelos preparativos, entre outras disposições.
Assim, a equipe médica detinha poder-saber sobre a equipe de enfermagem,
enquanto que o poder de controlar e empregar as disciplinas nos portadores de transtornos
mentais cabia aos profissionais de enfermagem, tornado visível a pirâmide disciplinar que
circulava no espaço asilar no período de estudo. Esta correlação de poderes e saberes
tornava possível a aplicação da ECT nos portadores de transtornos mentais, seja com
intuito terapêutico, para alívio dos sintomas, ou enquanto poder disciplinar, conforme
abordaremos no subcapítulo a seguir.
55
3.3.Eletroconvulsoterapia: uma face do exercício do poder disciplinar da equipe
médica e de enfermagem
A aplicação da ECT dentro da instituição seguia uma rotina própria, imposta
principalmente pela equipe médica e seguida pela equipe de enfermagem sem
questionamentos, como mostram os dados obtidos:
Era sempre de manhã que a médica fazia a ECT (...) ela chegava mais cedo para
fazer isso. (TE04)
A ECT [indicação] partia só dela [da médica], da autoridade dela. (TE01)
O médico passava o eletrochoque a gente preparava o paciente [...] a gente
levantava os pacientes às 5h para poder fazer a higiene deles. (AE01)
Na época [década de 1980], os médicos mandavam e desmandavam. Eram os
todos poderosos [...] A gente só tinha que fazer, a gente estava ali trabalhando e tinha
que fazer aquilo. (TE03)
Era muito centrado no médico, no modelo hegemônico que sempre foi e eles que
tomavam as decisões. A gente era só participada do que ia acontecer. (E02)
De acordo com a literatura, as principais indicações de ECT são relacionadas à
diagnósticos de depressão, principalmente nos quadros graves, com resistência aos
antidepressivos e/ou com tendências ao suicídio. Outros casos em que a ECT pode ser
uma opção de tratamento são quadros delirantes e esquizofrenias catatônicas, em especial
aos quadros resistentes à medicações (STEFANELLI, ARANTES, 1983; TASSIS, 2013).
A medicina indica a ECT como tratamento para quadros específicos de depressão
(CLEARY, HORSFALL, 2014; GASS, 2008; ROTHER, 2003), transtorno mental que
pode ser classificado, segundo o Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM), como um ou mais Episódios Depressivos Maiores, sendo esses:
Episódios de humor deprimido ou perda de interesse e prazer por quase todas
as atividades; alterações no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora;
diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa; dificuldade para
pensar, concentrar-se ou tomar decisões, ou pensamentos recorrentes sobre
morte ou ideação suicida, planos ou tentativas de suicídio (QUINTELA, 2010
p. 85).
O Código Internacional de Doenças (CID – 10) caracteriza os Episódios
56
Depressivos como “estados de rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição
da atividade. A perda de interesse, a diminuição da capacidade de concentração, fadiga
mesmo após um esforço mínimo, problemas do sono e diminuição do apetite”. Os
episódios podem ser classificados como leves, moderados ou graves (QUINTELA, 2010
p. 86).
Já na esquizofrenia, a indicação da ECT se dá principalmente para diminuir os
sintomas psicóticos. A esquizofrenia é definida pela presença de sintomas psicóticos
característicos, funcionamento inferior aos níveis alcançados anteriormente, perturbações
do afeto e do pensamento. É importante ressaltar que os sintomas psicóticos são “a
ocorrência dos sintomas de delírio, alucinação e comportamento amplamente
desorganizado ou catatônico” (TENÓRIO, 2016 p. 955).
Um estudo realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, única instituição
do município que realiza a ECT atualmente, corrobora com o exposto ao demonstrar que
a esquizofrenia se mostra como principal diagnóstico dos portadores de transtornos
mentais submetidos a esta técnica e que "a heteroagressividade, a tentativa de suicídio e
a auto- agressividade foram encontradas como indicações mais frequentes” para a sua
realização (PASTORE et al 2008 p. 180).
A literatura da época e a mais recente se alinham sobre esse tema, bem como as
informações dos colaboradores da pesquisa, que indicam uma avaliação positiva da ECT
nos casos especificados, nos dando indícios sobre a indicação da ECT no IMNS, sem nos
revelar quais sinais e sintomas eram mais ou menos indicativos para a sua aplicação:
Quando era feito para catatonia, eu via que ele saia daquele quadro catatônico...
Então eu via sim a melhora com a ECT. (TE02)
Eu me lembro de um paciente que ele não queria comer, não queria levantar da
cama, ali na cama ela fazia xixi (...). Com três sessões o paciente estava indo embora de
alta. Saía daquele quadro crítico, daquela depressão. (TE03)
Eu já vi uma menina que era catatônica mesmo, ela não fazia nada, ficava parada
e recebeu o ECT e ficou boa. (TE04)
Geralmente o paciente agitado, o paciente rebelde, era esse paciente que era
conduzido pelo pessoal da enfermaria para tomar o ECT [...] eu tive um paciente que
57
estava tão deprimido que não queria comer, ele fechava as bocas e olhos e dizia que não
ia comer porque ele ia morrer assim, já que não queríamos deixar ele se matar. E em um
determinado momento o médico disse que seria interessante ele fazer ECT e eu falei que
eu também concordava. E fez. O médico prescreveu seis sessões, mas na terceira ele já
estava ótimo. (E03)
Tem algumas indicações que não podem fugir que são pacientes que estão num
quadro de catatonia, não se alimenta, não aceita e em casos de agressividade muito
exacerbada. (E04)
Em contrapartida, autores relatam que seu uso nos dias atuais é bem inferior do
que se espera diante dos resultados positivos que a técnica apresenta e relacionam esse
fato, principalmente, ao estigma que recaiu sobre a ECT, justamente pelo seu histórico de
abuso e mau uso. Atualmente ainda causa impacto quando é discutida como hipótese
terapêutica, inclusive com implicações emocionais, sociais e jurídicas para o usuário, a
família e a equipe de saúde. Diante disso, tem-se ainda o surgimento e expansão do uso
dos psicofármacos e a má imagem da mídia para com a técnica e com a psiquiatria em
geral (PERIZZOLLO et al, 2003; MONSER, LOBATO E BELMONTE-DE-ABREU,
2005; ROSA, 2008; GUIMARÃES et al, 2013).
Contudo, as reformulações por si mesmas não implicaram a eliminação radical
das inumeráveis formas de estigmatização do “doente mental”. Erradicar o estigma segue
sendo um objetivo difícil mesmo quando existam múltiplos documentos internacionais
que o promovam: a Recomendação sobre a Promoção e Proteção dos Direitos das Pessoas
com Deficiência Mental no Relatório Anual 2000, o Relatório sobre Saúde no Mundo
2001, o documento pela Saúde Mental no Mundo: Não à exclusão, sim aos cuidados, a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por nomear alguns
(MUREKIAN, 2012 p. 148).
Desde o início do movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira observou-se um
crescente debate, inclusive no meio científico, acerca da mudança no modelo assistencial
vigente, inclusive no que tange às práticas terapêuticas utilizadas, dentre as quais a ECT
se enquadra.
Foi todo um processo da gente mudar isso. Com o tempo foi feito uma retirada
desses aparelhos. Eu vi como evolução do nosso trabalho a retirada dos aparelhos que
58
ficava na farmácia. E aí quando o médico queria fazer, tinha um impresso que ele
solicitava e ele tinha que fazer. Na medida em que isso foi adotado, caiu drasticamente
o uso. (E04)
Desenvolvida na década de 1930, a ECT é o único tratamento biológico que se
mantém em uso nos dias de hoje enquanto prática interventiva do campo médico,
apresentando diversos aprimoramentos da técnica anteriormente realizada, tais como o
uso de relaxantes musculares, anestesias e necessidade de uma sala específica e
apropriadamente equipada para sua realização. Assim sendo, a ECT representa uma
técnica segura com eficácia terapêutica, conforme estudos (MONSER, LOBATO E
BELMONTE-DE-ABREU, 2005; KELLY E KELLY, 2013; MUNDAY, DEANS E
LITTLE, 2003; HICK E BLACK, 1999).
A avaliação individual de cada caso específico é de suma importância para
eficácia terapêutica da ECT, bem como dos demais tratamentos, buscando sempre o que
for melhor para aquele portador de transtorno mental. Entretanto, vale ressaltar que por
muitas vezes a técnica foi realizada de forma equivocada, tendo em vista a realidade
manicomial, sendo seu uso indiscriminado terapeuticamente, sendo inclusive utilizada
como forma punitiva (GUIMARÃES et al 2013; BORENSTEIN et al 2007).
Então comparando o hoje para 35 anos atrás eu creio que os critérios não eram
os mesmos. Até por conta dos recursos terapêuticos e farmacológicos que tinham muito
poucos. Então eu acho que isso acaba fazendo com que os critérios sejam diferentes.
(E02)
É interessante ressaltar que a equipe de enfermagem era a principal responsável
pela manutenção dessa ordem dentro da instituição, uma vez que são profissionais que se
mantém continuamente na assistência desses pacientes ao longo das 24 horas do dia,
tangenciando todos os espaços disciplinares a serem organizados e, portanto, realizando
a vigilância contínua dos pacientes. As disciplinas, quando organizadas, “criam espaços
complexos: arquiteturais, funcionais e hierarquizados [...] garantem obediência dos
indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos” (FOUCAULT,
2014 p. 145).
A partir do não cumprimento ou desobediência das disciplinas aplicadas pela
equipe de enfermagem para manutenção da ordem dentro da instituição, tais quais
59
horários controlados para medicamentos, higiene e alimentação, se tornava possível a
aplicação de punições como o uso de medicamentos, contenções e até da própria ECT.
Os mais agressivos, ficavam o tempo todo contido: 6h, 8h, 12h, o tempo que fosse
necessário. Era contido o tempo todo. Você só o soltava para dar comida e era
[novamente] amarrado [...] O que eu via na prática era violência, eu achava aquilo uma
violência com o ser humano [...] aqui, a ECT, chegou a ser feito como castigo. (TE01)
Era usada [a ECT] muito como punição, para deixar os pacientes com medo
daquilo ali. Se eles não ficassem de um jeito, não ficassem tranquilos na enfermaria, se
ficasse quebrando tudo... Eles iam pra ECT. (TE03)
Tinha uma questão que quando o paciente era muito bravo, batia em todo mundo,
brigava, tinha como castigo a ECT para ele dar uma acalmada. (TE02)
A gente ouvia infelizmente essa coisa “olha vou falar com o doutor para te dar
um choque porque você está muito agitado”. (E02)
Não participei, mas observei umas quatro ou cinco vezes a ECT na forma de
castigo e não na forma de terapia [...] por exemplo, digamos que um paciente tivesse
agredido um membro da equipe, digamos que ele agredisse outro paciente, digamos que
ele tentasse fugir ou tentasse estuprar dentro do âmbito do instituto uma outra mulher...
Então era na forma de castigo, de botar esses pacientes pra tomar choque [ECT]. (E03)
Restrições físicas ou mecânicas são práticas comuns na psiquiatria apesar de
representarem abuso do direito das pessoas de decidirem sobre sua vida. Resultados
controversos a respeito de seu uso são encontrados na produção científica sobre o tema,
tendo em vista seu uso excessivo e de cunho punitivo, bem como os efeitos colaterais. As
contenções físicas se caracterizam pela restrição do portador de transtorno mental por
integrantes da equipe (imobilizando o paciente com o próprio corpo) e a contenção
mecânica se caracteriza pela restrição, a partir do uso de faixas de tecido ou outro tipo de
objeto, para prender o paciente ao leito pelos braços e/ou pernas e/ou tronco. Somado a
isso, tem-se as contenções químicas que se caracterizam pela utilização de psicofármacos,
sendo esta utilizada de forma mais criteriosa (MONTOVANI et al 2010).
Os dados da pesquisa mostram a contenção como uma arma usada contra o
paciente com transtorno mental:
60
Porque as armas que a gente tinha ali [na enfermaria do IMNS] eram a contenção
e a medicação. (TE04)
Para Foucault (2014), punir trata de uma arte dos efeitos e para isso se faz
necessário que haja um órgão de vigilância que seja capaz de correr toda uma rede social
não sendo mais percebido como poder de uns sobre outros, mas sim a relação de um todo.
Assim, é possível formar uma cadeia para a organização do poder de punir, com penas
específicas e ajustadas formando em cada caso uma lição para todos, dentre as quais se
inclui a ECT.
Até então a gente só tomava conta dos pacientes. E, naturalmente, a discussão
sobre as terapêuticas a serem tomadas, a enfermagem tinha uma posição completamente
passiva. (E02)
Hoje é normal, mas há 30 anos não era comum questionar o médico. Era a palavra do
médico e acabou. (E03)
Para tanto, a equipe médica estabelecia a ordem em relação a aplicação da ECT
no que se refere ao horário de realização, escolha e preparo dos pacientes a serem
submetidos à mesma. Essa ordem era entendida e seguida por toda a equipe de
enfermagem. Diante disso, o poder disciplinar que a equipe médica exercia sob a equipe
de enfermagem dentro do IMNS tinha também como função servir de exemplo para os
portadores de transtornos mentais.
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que
realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação de docilidade-
utilidade, são o que podemos chamar as disciplinas (...) fabrica assim corpos submissos e
exercitados, corpos dóceis (FOUCAULT, 2014 p. 135).
Torna-se evidente que a equipe de enfermagem compunha uma rede de vigilância
em consenso com a equipe médica que era fundamental para a manutenção da ordem da
instituição, inclusive no que tange a aplicação da ECT. O hospício, por conseguinte, não
se tratava mais apenas de um meio de exclusão social, segundo seu objetivo quando criado
no Brasil em 1852, mas sim da formação de um saber, especialmente médico, sobre a
doença mental e formas de tratamento e cura das mesmas. Assim, a docilidade da equipe
de enfermagem era favorável ao exercício profissional do médico, que tinha menos
61
contato com os pacientes:
Ele [o médico] não fazia o dele e aceitava aquela avaliação do auxiliar [de
enfermagem]. Ficava como um porta-voz sem estar avaliando de fato. Era um trabalho
com menos esforço. Ele [o médico] não precisava se expor ao paciente, ser agredido.
(E04)
Ao analisar os documentos escritos, observou-se nos livros de ocorrências da
seção Palmira Guimarães a necessidade de se assegurar o poder-saber da equipe médica
sobre a equipe de enfermagem e os portadores de transtornos mentais, ao mesmo tempo
em que indica que a enfermagem realizava a ECT por conta própria:
Os pacientes abaixo relacionados deverão fazer ECT [...] os pacientes abaixo não
fizeram ECT, pois faltou parecer médico. (IMNS, 1979)
Não será permitido o uso de qualquer terapêutica (ECT e/ou psicotrópicos) sem
prescrição médica. (IMNS, 1980)
O paciente M.N.F. deverá fazer ECT. Encaminhar ao PSP para o clínico dar o
parecer. (IMNS, 1979)
O dado acima relacionado também é observado na fala dos colaboradores a seguir,
tanto no uso de fato da ECT, quanto pela ameaça de sua aplicação:
Os eletrochoques não eram feitos por um médico, era feito pelos agentes de
vigilância, agentes de portaria, AOSD, pessoas desqualificadas para dar qualquer
assistência. Então nas enfermarias, tinha a caixa preta. Ficava na enfermaria e muitas
vezes [a aplicação de ECT] era usada como ameaça. Fez isso, vinha lá um e fazia o
eletrochoque. Alguns comunicavam o médico, quando ele aparecia no dia seguinte e
outros não. (E04)
Todas [as aplicações de ECT] foram na forma de castigo praticadas por
auxiliares de enfermagem, guardas, AOSD [...] Era assim: “Você não vai ficar quieto
não? Então você vai levar choque”. Levava-se o paciente para sala de choque e dava
choque no paciente. (E03)
62
Percebe-se então que, apesar da equipe de enfermagem aplicar a ECT como forma
de poder disciplinar para com o portador de transtorno mental, essa se mostrava uma
prática velada nos registros institucionais, tendo em vista que o poder-saber de aplicação
da ECT era da autoridade do médico. No entanto, a pesquisa revela a conivência entre
toda a equipe de saúde com a aplicação da ECT pela equipe de enfermagem, que podia
ou não comunicar ao médico sua realização.
Nos relatos sobre a forma como a ECT era indicada no IMNS percebe-se a não
integração e falta de comunicação entre a equipe de saúde, de modo que a enfermagem
não questionava o saber médico, embora seus cuidados fossem necessários antes, durante
e após a aplicação da ECT, conforme se observa nas falas a seguir:
Aí ela [a médica] entrava na enfermaria, ia até o final do corredor e visualizava,
segundo algumas coisas dela lá, os pacientes que precisavam fazer ECT. (TE03)
A médica que fez tudo. Eu fiquei mais observando mesmo. Ela me chamou para
observar. (E01)
O médico decidia que ia fazer a ECT, fazia, relatava no prontuário que tinha feito
[...] Ele falava com a enfermeira do setor. Aí, a enfermeira do setor, que convocava o
membro da equipe que ia ficar lá auxiliando o médico. (TE02)
Essa coisa era muito da questão médica mesmo. (E02)
Os pacientes quando chegavam à enfermaria, vinham direto do pronto-socorro e
já vinham com a indicação do médico. (AE01)
Um estudo sobre o tratamento em ambiente manicomial trouxe a seguinte
afirmativa sobre a ECT:
Esse tratamento foi visto como um procedimento importante para a época
[1970], pois era um dos poucos recursos disponíveis que contribuíam para
diminuir a agitação e amenizar sintomas psicóticos. Contudo, a ECT
ocasionava medo e uma experiência traumatizante para o paciente e até mesmo
para quem a aplicava (GUIMARÃES et al, 2013, p.364).
Na década de 1980, Stefannelli e Arantes (1983) afirmaram que o tratamento com
ECT estava caindo em desuso, defendendo que, independente de apoiar-se ou não a sua
indicação, a pessoa a ele submetida deveria receber assistência adequada. Como
assistência de enfermagem ela destacou o preparo do paciente, o preparo do material e
63
ambiente, assistência durante o tratamento e assistência após o tratamento. Durante a
pesquisa para a presente dissertação percebeu-se que havia uma postura dos integrantes
da equipe de enfermagem voltada para a obediência à equipe médica, o que reflete o
contexto psiquiátrico em sua conjuntura disciplinadora.
Não há, portanto, compreensão por parte dos técnicos de enfermagem sobre os
critérios aplicados pela equipe médica ao indicar a ECT. Mesmo tendo vivenciado o
período em que esta prática era utilizada no IMNS, não era perceptível a este grupo os
motivos da indicação. Quando havia enfermeira no setor, esta era comunicada e lhe cabia
escalar um profissional da enfermagem para acompanhar. Esta análise é uma evidência
de que havia cuidados próprios para a enfermagem realizar, mas estes não estão anotados
na documentação pesquisada nem por médicos, nem por enfermeiros ou outros membros
da equipe.
Os registros ou anotações de enfermagem são instrumentos de poder que utilizam
a comunicação escrita para a troca de informações entre a equipe. Alguns estudos
mostraram que, por razões variadas, a enfermagem deixa de lado este importante ato do
cuidado ou o faz sumariamente, omitindo informações importantes para o cuidado ao
paciente (OCHOA-VIGO, PACE, SANTOS, 2003; MATSUDA et al, 2007).
A gente [da equipe de enfermagem] quase não participava dessas reuniões. Na
época não havia uma participação tão efetiva dos demais membros da equipe na tomada
de decisões dessas questões terapêuticas. (E02)
Entrei em 1987 e tinha muito pouco disso, tinha pouca reunião de equipe. (E03)
Embora nesta pesquisa não tenha sido possível acessar os prontuários de pacientes
do IMNS, os documentos pesquisados continham a “Folha de Avaliação” do paciente, na
qual os médicos faziam anotações diversas, tais como dados socioeconômicos, dados
relacionados à diagnósticos, aspectos gerais sobre apresentação e estado psíquico, e sobre
os tratamentos indicados, dentre os quais se incluía a ECT. Observou-se que 28 pacientes,
das 160 Folhas de Avaliação analisadas, tiveram prescrição da ECT registrada neste
documento, o que representa um percentual de 17,5 do total. A ECT teve seu papel
disciplinador, mas também era feita como opção terapêutica para alívio dos sintomas dos
transtornos mentais como depressão, agitação psicomotora, delírio e alucinações. É
importante ressaltar que não foi observada nenhuma outra informação qualitativa, tais
64
como: se foi realmente aplicada, quantas sessões, quem aplicou, se houve intercorrências
ou resultados
Entretanto, mesmo quando realizada para função terapêutica, a aplicação da ECT
apresentava características disciplinares intrínsecas. Segundo os dados coletados a partir
dos colaboradores, mesmo que houvesse a avaliação médica para indicação daquele
portador de transtorno mental para a técnica, esta era feita de maneira superficial, sem
uma discussão com os demais membros da equipe de saúde que também atuavam naquele
cenário e sem esclarecimento sobre os critérios que foram determinantes para a prescrição
da ECT:
Era uma coisa assim muito fria do médico. Ele entrava, fazia a ECT, virava as
costas e ia embora. (TE02)
Só ela [a médica] que podia resolver sobre a ECT. Ela avaliava sozinha o
paciente. (TE01)
Em consonância com a afirmativa anterior, muitas vezes os portadores de
transtornos mentais eram surpreendidos com a prescrição da ECT, sem que houve
esclarecimentos quanto a sua indicação, aplicação e dúvidas quanto a técnica. Um estudo
realizado em 1997 indicou que os participantes demonstraram pouco conhecimento
acerca da técnica e, apesar disso, emitiram opiniões favoráveis a mesma, fato que se
relaciona com o poder do médico de determinar o tratamento, por ser dono de um saber
inquestionável (CAMPOS E HIGA, 1997). Contudo, no período em estudo observa-se
que a própria equipe de enfermagem não era envolvida na prescrição da ECT, dificultando
seu processo de informação e compreensão para a construção de saberes.
A análise dos documentos escritos corrobora com o supramencionado, uma vez
que os relatos da equipe de enfermagem nos livros de ocorrências são, em geral,
afirmando que a ECT foi realizada naquele dia, sem menção anterior que demonstrasse
um planejamento para tal procedimento, como por exemplo:
Feito ECT por ordem médica. (IMNS, 1981)
Pacientes que fizeram ECT [...] (IMNS, 1980)
Feito ECT nos seguintes pacientes [...] por ordem médica. (IMNS, 1981)
65
Feito ECT no paciente M.C.G. (IMNS, 1981)
Feito ECT. (IMNS, 1982)
O controle da comunicação no hospício também representa a imposição de um
poder para com os portadores de transtorno mental tanto pela equipe médica quanto para
a de enfermagem, pela restrição de informações. A prescrição da ECT não era decidida
em conjunto entre a equipe médica e a de enfermagem, muito menos com o portador de
transtorno mental, sendo estes apenas comunicados que fariam o procedimento, sem
autonomia quanto ao tratamento. Outro ponto se relaciona ao fato dos pacientes
psiquiátricos serem vistos como incapazes de decidir sobre o seu tratamento, assim, não
houve nenhum relato de qualquer comunicação ou pedido de concordância dos mesmos
quando foi informado como era a decisão para aplicar ECT no IMNS.
Atualmente, de acordo com a Resolução 1.640/02 do CFM, é obrigatório a
obtenção do consentimento informado por escrito do portador de transtorno mental antes
do início do tratamento com ECT. Sendo os profissionais de enfermagem os mais
indicados para a educação em saúde, fica evidente a importância destes profissionais para
que os esclarecimentos acerca da técnica sejam feitos, visando aliviar o estresse envolvido
na prescrição e aplicação da ECT (CAMPOS E HIGA, 1997).
O saber médico estabelecia a doença mental como uma quebra do equilíbrio, da
normalidade padrão, que precisava ser reestabelecida e, cabia aos membros da equipe de
enfermagem, atuarem de forma a tornar possível essa manutenção da ordem, tendo em
vista que “o normal e patológico são categorias que implicam em julgamento de valor de
um fato em relação a uma norma, subordinada a interesses de quem as institui para
usufruir de um poder de regulação” (SILVA et al, 2004 p. 677; ALMEIDA FILHO,
MORAES E PERES, 2009).
O corpo do sujeito, neste caso, dos portadores de transtornos mentais, é visto como
objeto e alvo de poder, manipulando-se para se tornar hábil, dócil e ativo a partir de
limitações, proibições e obrigações e, portanto, não sendo capaz de escolher ou sequer
autorizar o melhor tratamento para si. Sendo assim, a aplicação da ECT se mostra um
exercício para a aquisição do bom comportamento, se fazendo necessária enquanto uma
técnica de coerção que era aplicada de acordo com um saber específico, o do médico
psiquiatra.
66
Assim, os dados parecem reforçar a utilização da ECT com base na subjetividade
da percepção do médico e sem indicação terapêutica resultante da anamnese do paciente,
contribuindo para o processo de estigmatização da técnica. Além disso, havia uma
vigilância imposta para e pela equipe de enfermagem dentro do hospício e a necessidade
de punição dos pacientes pelo seu comportamento fora das normas estabelecidas, o que
também era feito pela aplicação de ECT. O preconceito com a ECT se mantém até os dias
atuais, mas a sua trajetória histórica o coloca no centro de polêmicas no âmbito da
Reforma Psiquiátrica brasileira.
Os dados mostram também que a equipe era diversificada em relação à formação
em saúde, o que limitava seu poder dentro da instituição e a realização de mudanças
assistenciais. Essa divergência pode ser explicada se pensarmos na organização do
cenário de estudo. O IMNS era constituído por diversos setores de internação, cada um
com suas normas, pois, apesar de ter uma direção geral, cada setor também tinha seu
próprio diretor.
A discussão provocada neste capítulo, a partir da análise dos dados coletados,
reforça a dificuldade de reconhecer a enfermagem psiquiátrica como um saber autônomo
em relação ao saber médico, diretamente relacionada com o processo de formação dos
profissionais de enfermagem, tendo em vistas as características históricas que tangenciam
a formação profissional em enfermagem em consonância com o espaço disciplinar que o
interior do hospício apresenta por meio da aplicação de poderes disciplinares tanto pela
equipe médica quanto pela equipe de enfermagem, nos quais a ECT se enquadra.
67
4. CAPÍTULO II
Cuidado de enfermagem ao paciente submetido à eletroconvulsoterapia
O hospital psiquiátrico como lugar primordial de tratamento para os portadores de
transtornos mentais seguia como modelo assistencial a psiquiatria tradicional,
principalmente nas décadas de 1930 até 1980, quando começamos a ver avanços
legislativos no âmbito da Reforma Psiquiátrica brasileira. A psiquiatria tradicional não
tinha como prioridade a reabilitação do portador de transtorno mental, mas sim sua
exclusão da sociedade em longas ou definitivas internações. Uma das características desse
modelo era uma assistência de enfermagem pouco qualificada e em número reduzido
(RODRIGUES et al, 2016).
O IMNS era espaço de institucionalização e foi na década de 1990 que
desinstitucionalizar se tornou um objetivo do cuidado em saúde mental. A equipe de
enfermagem que participou desta pesquisa não se viu afetada pelo discurso de
desospitalização no período estudado, ao contrário, eram tão institucionalizadas quanto
os pacientes, de modo que reproduzia ações de controle ao tempo que agia sem críticas
para proteger as pessoas submetidas à ECT.
A enfermagem ao longo dos anos construiu seu cuidar de forma diretamente
relacionada às relações sociais de cada período histórico, portanto, no caminhar de sua
trajetória acumulou também conhecimentos empíricos, com práticas baseadas em normas
e rotinas pré- estabelecidas, principalmente, a rebote do saber médico, por vezes sem
reflexão de suas próprias ações (PEIXOTO, et al 2017; OLIVEIRA, et al 2016).
O profissional de enfermagem vem atuar na manutenção de uma assistência
questionável do ponto de vista ético, legal e moral. A instituição psiquiátrica
dispõe de um arsenal instrumental paradigmaticamente edificado que foi
determinado historicamente a partir da concepção de loucura; as formas de
reprimir, punir e controlar/disciplinar foram desenhadas a depender dos
constructos éticos e morais de uma sociedade (FURLAN E RIBEIRO, 2010
p.391).
Com o avanço do movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira durante os anos
de 1980, percebe-se um contraste entre dois diferentes modelos de assistência
psiquiátrica, o asilar e o psicossocial, sendo que no último a enfermeira passa a integrar
uma equipe multiprofissional e se torna um agente terapêutico. A ECT é uma técnica de
origem asilar que se mantém como opção de tratamento para quadros e situações
específicas ainda nos dias de hoje, demandando cuidados específicos para a sua
68
realização, com atribuições pertinentes à equipe de enfermagem, uma vez que muitos dos
cuidados necessários são de sua responsabilidade.
A equipe de enfermagem, muitas vezes em ausência do Enfermeiro, percorria todo
o espaço disciplinar que o asilo representava e integrava a rede de vigilância necessária
para a manutenção da ordem, inclusive para aplicação das disciplinas aos portadores de
transtornos mentais que apresentavam algum desvio de conduta, dentre as quais a ECT
também se inclui. Contudo, apesar de caber à equipe médica o poder da indicação da
aplicação da ECT, tendo em vista a soberania do saber médico nas instituições
psiquiátricas, a participação da enfermagem era necessária para dar o devido suporte para
que a aplicação da ECT fosse realizada:
Ela [a médica] pedia para gente arrumar a sala. (TE02)
Pediam [os médicos] para gente arrumar a sala, arrumava a caixinha [o
aparelho de ECT] [...] mantinha aquele jejum até 8h da manhã, que era a hora que ela
[médica]começava a fazer. (TE03)
Os cuidados [relacionados a ECT] eram feitos por nós da equipe de enfermagem.
(TE01)
[...] antigamente, o horário era muito cedo, fazia a ECT muito cedo. Aí tinham
médicos bem antigos que chegavam bem cedo e tinha isso [a ECT] como uma forma de
tratamento. Aí os auxiliares passavam a avaliação deles e eles [os médicos] aceitavam.
(E04)
Verifica-se a solicitação do trabalho da equipe de enfermagem pelos médicos para
a realização da técnica, incluindo o relatório verbal das condições dos pacientes,
organização do ambiente e manutenção do jejum. Como o poder tal como concebido por
Foucault circula no espaço, entende-se que era necessário que a equipe médica tivesse
confiança na de enfermagem para que a ECT fosse aplicada, uma vez que o relato da
enfermagem era suficiente para determinar as condições do paciente para receber o
choque. Isso demonstra o poder da enfermagem no seu lugar ocupado na pirâmide
disciplinar.
Assim, a enfermagem estava presente continuamente nos cuidados aos portadores
de transtornos mentais submetidos à ECT, por ser a equipe que se mantém 24 horas na
69
instituição e, de manhã cedo, quando a ECT era realizada. Entretanto, é importante
ressaltar que, muitas vezes, esse cuidado não era protocolado e nem cientificamente
compreendido pelos profissionais de enfermagem que os realizavam no recorte temporal
do estudo:
Não era uma coisa técnica, um protocolo né? Não tinha um protocolo técnico. Se
tinha, ninguém me mostrou [risos]. (TE02)
Você não via muita coisa prática de enfermagem em si. Algumas pessoas
chamavam a gente de guarda e tal. A gente conhecia por cores a medicação, não sabia
o porquê daquilo também e com a ECT foi à mesma coisa. (TE03)
Medicação a balde, uma caixa com muitas ampolas e que o pessoal que estava
ali, que muitos eram desqualificados e não eram nem auxiliares, davam sem controle de
quantidade e etc... (E04)
Conforme discutido anteriormente, a equipe de enfermagem no cenário e período
de estudo da pesquisa era composta, em sua maioria, por atendentes. Esse fato acarretava
em uma lacuna de conhecimento para a prática de enfermagem, desencadeando um cuidar
com base em um saber constituído na assistência, uma vez que estes profissionais eram
repetidores de técnicas ensinadas e aprendidas por eles mesmos na prática cotidiana.
Um estudo realizado em São Paulo cujo objetivo tratou de “caracterizar o perfil
sócio demográfico, profissional e educacional de enfermeiros que trabalham em serviços
de atendimento a urgência e emergência psiquiátrica” (VARGAS et al, 2017 p. 2)
demonstrou que, apesar da maioria dos enfermeiros apresentarem alguma especialização
a nível de pós- graduação, estas não eram relacionadas a psiquiatria. Os autores relatam
o estigma e o preconceito acerca do portador de transtorno mental e, inclusive, em relação
ao próprio saber psiquiátrico.
Concatenado a isso, o enfermeiro apresenta-se como fundamental para uma
assistência em saúde mental de qualidade, uma vez que demonstra maior facilidade em
avaliação do quadro clínico e psíquico do portador de transtorno mental, colaborando na
articulação da equipe multiprofissional e da própria rede de saúde mental. Contudo, para
tal, se torna essencial que o profissional esteja sempre atualizado, podendo então
desenvolver uma prática assistencial focada no conhecimento científico para que seja
70
eficaz. “A Enfermagem necessita incrementar a produção de conhecimentos, por meio
da pesquisa para maior visibilidade, reconhecimento, consolidação da profissão como
ciência, tecnologia e inovação” (RIBEIRO, POMPEO E SOUZA, 2016, p. 59).
É interessante também ressaltar que, desde a década de 1950, o conhecimento
científico no Brasil vem sendo estimulado a partir do incentivo à pesquisa feita pelo
CNPq. Tal produção, desde a década de 1970, é feita em equipe de pesquisadores
agrupados de acordo com temáticas específicas, visando o estudo e qualificação dos
profissionais por intermédio de pesquisas em Grupos de Pesquisa. Um estudo acerca dos
grupos de pesquisa de enfermagem brasileira em saúde mental demonstrou que, dos 622
grupos de pesquisa existentes no CNPq, apenas 15 são diretamente relacionados à saúde
mental (RIBEIRO, POMPEO E SOUZA, 2016).
A falta de conhecimento técnico-científico percebida na narrativa dos
colaboradores supracitados demonstra que a equipe de enfermagem ainda não tinha
domínio de um saber estruturado cientificamente no que tange os cuidados de
enfermagem em psiquiatria, muito menos em ECT, tornando seus membros submissos ao
saber médico, detentores do poder-saber reconhecido sobre a terapia. Esse fato contribuía
para a aplicação da técnica de forma não terapêutica, uma vez que não era acordada entre
a equipe nem entre equipe e paciente.
Apesar de se mostrar uma técnica importante para o período do estudo, foi
estigmatizada pela forma de aplicação (muitas vezes contra a vontade do paciente) e pela
reação do paciente ao choque (crise convulsiva), acarretando sentimento de medo e se
configurando em uma experiência traumatizante, tanto para os portadores de transtornos
mentais a ela submetidos, quanto para os profissionais de saúde, como os profissionais
de enfermagem (GUIMARÃES et al, 2013).
No início quando eu cheguei aqui eu achei aquilo horrível, uma violência, pior
que... sei lá... uma coisa traumatizante. (TE01)
Foi assustador. O paciente assim, convulsionando... a primeira vez que eu vi foi
bem assustador. (TE02)
Eu nunca tinha visto né, para mim foi assim muito chocante. (TE03)
Eu fiquei arrasada porque ver o cara se contorcendo todo, parece que está
71
morrendo. (TE04)
Foi muito traumático, senti como se estivesse assim nessa coisa nazista, essa
violência toda. Fiquei muito mexida com aquela cena. Porque é igual como se você
tivesse indo para forca... (E04)
Foi horrível e chocante, porque na primeira vez você se assusta muito, porque
não havia os cuidados que hoje tem. (E03)
A cena de uma ECT para quem está de fora é horrível né, porque o paciente tem
uma crise convulsiva, pela falta do preparo os pacientes acabam tendo uma convulsão
mais intensa. Realmente é uma situação muito degradante, horrível você ver como era
feito. (E02)
A primeira vez foi uma coisa assim que eu nunca tinha visto né... então a gente
fica um pouquinho abalada. (AE01)
Observa-se que os colaboradores descrevem o sentimento causado pela
observação da aplicação da ECT, principalmente na sua primeira participação, utilizando
palavras como “horrível”, “traumatizante”, “assustador”, “chocante”. Assim, se tem uma
noção do que representava para os pacientes ser tratado com ECT, tendo em vista a
angústia natural relacionada a técnica justamente pela ideia da aplicação de uma corrente
elétrica no cérebro, bem como a forma como era aplicada (geralmente a força, sem
consentimento do portador de transtorno mental, tampouco acompanhada da devida
explicação) (GASS, 1998).
A própria técnica da ECT, em comparação a realizada e regulamentada atualmente
pela Resolução 1.640/02 do CFM, se caracterizava de forma muito mais brutal e violenta,
tendo em vista que esta era realizada sem uso de anestésicos ou relaxantes musculares, o
que ficou denominado de "ECT a seco":
Não tinha nada, não tinha anestésico, não tinha sedação, nada... (E04)
Os profissionais de enfermagem atuantes no hospital psiquiátrico, em geral,
carregam consigo o estigma de violência, sendo de responsabilidade destes profissionais
a sedação, a contenção do portador de transtorno mental, conforme vemos no discurso
dos colaboradores abaixo:
72
O que a gente fazia era dar gravata neles para eles acalmarem [risos] uns 4, 5,
6 homens segurando o paciente e 1 ou 2 faziam a contenção, que era na gravata. Gravata
mesmo de luta [...] O corpo de enfermagem, não era treinado para psiquiatria. O corpo
de enfermagem era treinado para ser guarda. E eram pessoas muito violentas. (E03)
Contudo, é interessante ressaltar que a literatura aponta a equipe de enfermagem
como fundamental para o processo de aceitação da ECT pelos portadores de transtornos
mentais, sendo esses profissionais assim como os médicos responsáveis por explicar a
técnica para os pacientes e para os familiares, quando for o caso. Estudos indicam também
que uma informação acerca da técnica bem formulada e explicada é essencial para a
compreensão e aceitação da sua aplicação (CLEARY, HORSFALL, 2014; GASS, 1998;
CAMPOS E HIGA, 1997).
Não obstante, passado o impacto inicial, a compreensão da técnica por parte da
equipe de enfermagem foi fundamental para aceitação da ECT pelos próprios
profissionais de enfermagem envolvidos nesse cuidado a partir da prática:
Hoje eu vejo a ECT de outra forma... a ECT como um tratamento. (TE01)
Você vai se habituando, mas a formação técnica prejudica um pouco, porque a
gente vai aprendendo na prática, no dia a dia. (TE03)
Tudo na sua primeira vez a gente sente impacto e depois a gente vai
acostumando... os profissionais antigos foram mostrando para gente como que eram [as
aplicações de ECT]. (AE01)
Eu acabei aprendendo algumas coisas, aí eu não sou um defensor da ECT, mas
quando eu pego casos refratários, depressivos, mulheres grávidas que estão refratárias
à medicação eu penso duas vezes. (E02)
De acordo com cada época, a aplicação da técnica pode variar devido ao
desenvolvimento tecnológico do aparelho de ECT. Na década de 1980, no cenário
estudado, o mesmo era portátil e ficava em uma caixa preta, sendo a principal diferença
para os aparelhos atuais a passagem da corrente elétrica de forma constante, tendo em
vista que a voltagem pode variar de acordo com a resistência encontrada em cada
paciente, mas o fluxo da corrente elétrica se mantém o mesmo, não acarretando prejuízos
na eficácia terapêutica (ROSA E ROSA, 2015).
73
No que tange os cuidados de enfermagem, embora realizados em sua maioria sem
bagagem científica específica, os colaboradores do estudo apontam cuidados para impedir
e/ou diminuir danos ao portador de transtorno mental submetido a ECT. Esses cuidados
não estão presentes no Brasil na literatura normalmente utilizada para o ensino de
enfermagem. Um estudo ratifica o exposto ao apresentar resultados de uma pesquisa
bibliográfica que encontrou apenas 2 artigos tratando dos cuidados de enfermagem na
ECT (ÁVILA, 2010).
Classifica-se os cuidados de enfermagem psiquiátrica como pré, trans e pós ECT.
Cada fase se distingue pelo momento e pelos cuidados de enfermagem necessários para
atender às necessidades dos portadores de transtornos mentais submetidas a esta técnica
no IMNS.
Segundo a literatura sobre o tema, a ECT quando prescrita pelo médico se dá com
manutenção do paciente em jejum de 6 a 8 horas, bexiga vazia, cabelos limpos e secos,
encaminhamento do paciente para o local onde será realizada a técnica, aplicação da
técnica e encaminhamento do paciente para recuperação em seu leito hospitalar.
Atualmente, recomenda-se ainda uma equipe mínima composta por um médico
psiquiatra, um anestesista, uma enfermeira e um auxiliar de enfermagem (RIGONATTI,
ROSA, 2000). Tal exigência não existia no período estudado, mas foi evidenciado que a
um membro da equipe de enfermagem era chamado a participar.
4.1.Cuidados de enfermagem pré eletroconvulsoterapia
Apesar de ter sido ressaltado pelos colaboradores que, na maioria das vezes, não
acontecia um planejamento antecipado das sessões de ECT, ou seja, os médicos de
plantão resolviam após uma avaliação observacional quem seria submetido ao
procedimento, a equipe de enfermagem ainda assim realizava cuidados antes da
realização do mesmo, visando à preparação do portador de transtorno mental para que as
possibilidades de danos fossem minimizadas:
Fazia um preparo antes. (TE01)
A gente preparava o paciente (...) a gente, da enfermagem, já tinha esse cuidado.
Embora não fosse protocolado. (TE02)
Preparava o paciente. (TE04)
74
Eu vi o preparo muito rápido. (E03)
Tinha um preparo e cabia a enfermagem. (AE01)
A ECT se apresentava como instrumento de enquadramento do espaço disciplinar
do hospício visto que estabelecia uma rotina de tarefas e horários, os quais eram regulados
a partir do poder disciplinar médico e mantida pela equipe de enfermagem, tal qual um
aparelho de penalidade corretiva, tendo no corpo do sujeito o seu ponto de aplicação:
Quanto aos instrumentos utilizados, não são mais jogos de representação que
são reforçados e que se faz circular; mas formas de coerção, esquemas de
limitação aplicados e repetidos. Exercícios, e não sinais: horários, distribuição
do tempo, movimentos obrigatórios, atividades regulares, meditação solitária,
trabalho em comum, silêncio, aplicação, respeito, bons hábitos (FOUCAULT,
2014 p. 157).
Dos cuidados que antecipavam a aplicação da ECT, o jejum, à verificação dos
sinais vitais, o controle da medicação e a colocação de um protetor bucal foram citados
pelos colaboradores. Preconiza-se a manutenção do jejum, sendo este de responsabilidade
da enfermagem, visando a diminuição da probabilidade de vômitos e refluxos para as vias
respiratórias (STEFANELLI E ARANTES, 1983). Este cuidado foi relatado pelos
colaboradores da pesquisa, conforme se observa nos relatos abaixo:
A gente mantinha o jejum até 8h da manhã, que era a hora que ela [a médica]
começava a fazer [ECT]. (TE03)
O paciente ia ficar em jejum, a medicação era feita 1 hora ou 30 minutos antes
da ECT, eram verificados os sinais vitais. (TE01)
Era em jejum a ECT. (AE01)
Essa coisa do jejum era o que eles faziam muito de manhã sim. Faziam em geral
na parte da manhã. Porque senão o paciente pode broncoaspirar. (E04)
Tendo em vista que a prescrição da ECT poderia causar angústia e medo ao
portador de transtorno mental, por vezes se tornava necessária à presença de um membro
da equipe de enfermagem em acompanhamento direto para que o paciente não quebrasse
o jejum visando não fazer o procedimento. A aplicação da ECT o mais cedo possível,
diminuindo assim o tempo de manutenção do jejum e de ansiedade gerada pela espera foi
outra estratégia adotada nas instituições onde a técnica era realizada (STEFANELLI E
75
ARANTES, 1983).
O jejum, citado por todos os colaboradores deste estudo como um cuidado que
antecede a aplicação da técnica, nem sempre é uma tarefa simples. A prescrição da ECT
normalmente causa sentimento de apreensão no portador de transtorno mental, que reage
tentando burlar a norma do jejum se alimentando. Por esta razão é que a enfermagem
mantinha a vigilância contínua da pessoa, muitas vezes fazendo uso de contenções
mecânicas, caso julgasse necessário solicitar tal prescrição ao médico, o que era um
procedimento altamente polêmico, que demonstra a realização da ECT independente da
concordância do paciente (GUIMARÃES, 2015).
Com relação ao banho nos pacientes que seriam submetidos à ECT, o mesmo era
dado visando a diminuição da impedância tecidual, ou seja, da resistência que a
oleosidade da pele faz à corrente elétrica. Quanto mais limpa a pele, menor a resistência
à passagem da eletricidade para provocar o choque.
A gente dava um banho. (TE04)
O banho era a primeira coisa que a gente fazia sempre. (AE01)
É interessante ressaltar que a literatura relata que, apesar de haver um protetor
bucal específico, o mesmo não protege o aparelho dentário, portanto para a proteção bucal
é indicado a colocação de um pano ou de gaze na boca do portador de transtorno mental
a ser submetido à ECT, com vistas a evitar lesões dentárias, bucais, de língua e bochechas,
uma vez que “a mordedura da língua acontece logo no início da contração tônica e pode
prolongar-se por toda a fase clônica” (LIMA, 2005, p.294; ÁVILA, 2010; RIGONATTI
E ROSA, 2000) cuidado também observado nas falas dos colaboradores:
Você tinha que fazer rolinho com algum tecido... gaze, fronha... colocava na boca
do paciente para que ele não mordesse ali... também observávamos os sinais vitais antes
e depois da ECT. (TE02)
Deitávamos na maca, colocávamos um pano na boca dele e ela [a médica] ia com
a caixinha [aparelho de ECT] para região temporal. (TE03)
Colocava um pano na boca para ele não morder. (TE04)
76
Pegava um pedaço de pano, de borracha e colocava na boca, forçava a boca do
paciente e colocava ali no meio. Isso quando ele tinha dente... quando não tinha dente,
não colocava nada, por que aquele pedaço de pano era justamente para ele não morder
a língua, com a convulsão. (E03)
A enfermagem se restringia basicamente a colocar uma atadura entre os dentes
do paciente, um rolinho, para ele não machucar a boca. (E02)
Depois colocavam proteção na boca. (E04)
As descrições sobre a proteção bucal feita pela enfermagem nas pessoas
submetidas à ECT citam rolos de atadura, borrachas, pedaços de pano e fronhas. O
improviso de materiais sugere displicência com o cuidado e com as pessoas tratadas com
ECT. Uma fala destacou que essas “proteções” eram apenas para aqueles que tinham
dentes, o que mostra a precariedade da saúde bucal dos portadores de transtornos mentais
internadas no IMNS no período em estudo.
Apesar de não ter sido citado pelos colaboradores, a literatura aponta ainda para a
retirada dos adornos e de próteses dentárias/auditivas como cuidado de enfermagem pré
ECT, para favorecer intervenções de emergências, caso ocorra intercorrências no
procedimento, bem como o esvaziamento da bexiga, relacionado ao relaxamento do
esfíncter durante a contração tônico-clônica provocada pela ECT, na qual pode haver
eliminação vesical e/ou intestinal (STEFANELLI E ARANTES, 1983; GUIMARÃES,
2015). O colaborador E02 relata a necessidade de um forro impermeável no colchão
justamente relacionado ao supramencionado:
Eram colocados os colchões, forrados com algo impermeável, porque muitos
pacientes urinam durante a ECT. (E02)
Os cuidados pré ECT são todos preventivos e, por esta razão, a equipe de
enfermagem deveria se organizar para realizá-los. A prevenção de danos aos pacientes é
hoje um tema em expansão na comunidade científica mundial e, quando se estuda a
história, é possível evidenciar a presença da enfermagem na prática desse cuidado. Um
estudo realizado em 2009 acerca da técnica de ECT apresentou um modelo de checklist
para ser realizados nos momentos que antecedem a aplicação da técnica com vistas a
diminuir os riscos do procedimento nos moldes que atualmente é feito. Dentre os pontos
77
a serem observados é interessante observar que os cuidados relatados pelos colaboradores
ainda são contemplados no checklist, tal qual jejum e a higiene corporal do portador de
transtorno mental (KAVANAGH E MCLOUGHLIN, 2009).
4.2.Cuidados de enfermagem trans eletroconvulsoterapia
Nesta fase consideramos o momento durante a aplicação da ECT. É quando o
médico, através de um aparelho, passa uma corrente elétrica para o cérebro do paciente,
causando um choque que levava a uma crise convulsiva tônico-clônica.
Com relação à atuação da equipe de enfermagem durante o procedimento
propriamente dito, o principal cuidado relatado pelos colaboradores foi a contenção dos
membros superiores e inferiores dos pacientes:
Você tinha que segurar o paciente, uma contenção. (TE01)
Continha os membros inferiores e membros superiores do paciente. Geralmente
era numa maca com grade, não era na cama. Segurávamos o rosto do paciente quando
entrava em convulsão, quando começava a sair secreção, porque fazia uma sialorréia2
muito intensa. Aí colocávamos a cabeça para o lado para que ele não engolisse. (TE02)
Tinha que conter, colocava nas pernas a contenção e dava a ECT. (TE04)
Colocava cordas no punho, nos tornozelos. E via uma pessoa sendo amarrada,
amarrada mesmo sabe? Tinha umas cordas. Um cinto de couro, mas que já estava
desgastado pelo tempo de uso. (E03)
Sim, continha... porque tem risco de contratura. (E04)
Percebe-se que a contenção física e mecânica era um procedimento padrão para
realizar ECT. As descrições dos cuidados de enfermagem trans ECT apontam segurar e
lateralizar a cabeça do paciente e conter mecanicamente membros superiores e inferiores.
Para esse cuidado utilizavam cordas ou cintos, o que mais uma vez traz para a reflexão a
forma como a técnica era realizada naquele período.
2 A sialorréia é o aumento do fluxo salivar que ultrapassa a margem da boca, de forma involuntária e
passiva (CORSO et al, 2011)
78
Enquanto os cuidados antes da sessão de ECT estavam relacionados com a
prevenção de intercorrências clínicas, os cuidados durante a realização da ECT visavam
diminuir as chances de traumas e fraturas, uma vez que a equipe de enfermagem era
responsável por encaminhar e posicionar o paciente no leito ou maca. Na psiquiatria,
realizar contenção física e mecânica é um cuidado que precisa de técnica (STEFANELLI
E ARANTES, 1983).
As contenções são usadas devido a necessidade de prevenir danos de caráter
musculoesqueléticos, uma vez que pesquisas demonstram que as principais complicações
do “ECT a seco”, ou seja, sem uso de anestésico ou relaxantes musculares, consistem em
fraturas e lesões dessa ordem (GUIMARÃES, 2015; MATHIAS, 1945; NOVAES, 1947).
No que tange às contenções mecânicas, estas utilizam faixas ou tecidos para
manter o portador de transtorno mental preso ao leito, e é comumente utilizada nos
hospitais psiquiátricos ainda nos dias atuais, como forma de manejo do sujeito
agressivo/agitado. Atualmente, as contenções não são métodos reconhecidos pela
literatura como cuidado de enfermagem, justamente pela dificuldade de comprovar sua
eficácia, bem como pela sua característica restritiva e contrária a vontade do paciente
(PAES, MAFTUM E MANTOVANI, 2010).
Salienta-se o fato de que o portador de transtorno mental contido não devia
permanecer sem acompanhamento, uma vez que, além do trauma psicológico que a
contenção mecânica pode causar, se tem ainda riscos como desidratação, cianose,
vômitos, fraturas, entre outros (MANTOVANI et al 2010; KONDO et al, 2011).
Uma reflexão que se faz é a de que a contenção mecânica e física no período trans
ECT era mais uma ação que, embora visasse a prevenção de danos ao paciente,
representava em si amarras que ampliavam as características punitivas do tratamento.
Sendo assim, não é difícil entender a relação da ECT com o modelo manicomial,
uma vez que a instituição psiquiátrica funciona então como um mecanismo penal, onde
as disciplinas funcionam como repressoras do tempo, das atividades, da maneira de ser,
dos discursos e da sexualidade, e como punição do não-cumprimento das mesmas, a partir
de privações, humilhações e castigos físicos (FOUCAULT, 2014) como uso de
contenções e da própria aplicação de ECT.
79
4.3.Cuidados de enfermagem pós eletroconvulsoterapia
Terminada a aplicação da ECT, cabia aos profissionais de enfermagem realizar
cuidados de monitoramento do portador de transtorno mental submetido a técnica,
orientando-o adequadamente quanto ao tempo, local e sobre o acontecido, incluindo
intercorrências e intervenções, caso tenham ocorrido (TOWNSEND, 2002). A avaliação
permanente do paciente e o registro das alterações de comportamento nas primeiras horas
pós ECT contribuem para eficácia terapêutica da ECT.
Os cuidados após a aplicação da ECT relatados pelos colaboradores reforçam que
a observação do paciente era o principal cuidado prestado pela equipe de enfermagem:
Depois que acabava aquilo tudo a gente levava de volta para o leito (...). Era
mais a observação mesmo, se o cara ia continuar naquela agressividade ou se acalmava.
Geralmente se acalmavam mesmo. (TE04)
A gente esperava melhorar e voltava com ele para a enfermaria. (TE03)
Depois que passava os tremores, ele voltava à consciência, nós levávamos a maca
para o lado do leito do paciente colocava no leito alto, com a cabeceira alta e continha
para que ele não caísse. (TE02)
Após também tinha cuidado, que era a vigilância 24h desse paciente. (TE01)
Depois que passava o procedimento, ele ia tomar o seu café, ou ia almoçar... fazer
sua refeição. (AE01)
De acordo com estudo de Stefanelli e Arantes (1983), após realizado o
procedimento, assim que o portador de transtorno mental recupera a consciência, deve-se
lateralizá-lo objetivando reduzir as chances de broncoaspiração, tendo em vista que crise
convulsiva provocada apresenta uma sialorréia intensa. Nos momentos subsequentes, a
equipe de enfermagem deve oferecer o desjejum sob observação para que o paciente não
se engasgue.
Outro cuidado de enfermagem de suma importância é atentar ao comportamento
do sujeito, uma vez que a ECT causa uma amnésia momentânea, registrando qualquer
alteração. A orientação auto e alopsíquica é um indicativo importante no exame físico da
enfermagem psiquiátrica, pois permite verificar se o paciente possui consciência sobre si
80
mesmo (autopsíquica) e sobre o seu entorno (alopsíquica) (STEFANELLI E ARANTES,
1983, KELLY E KELLY, 2014).
Depois da ECT o paciente ia para cama, ficava aquele período de perda de
consciência, depois perda de memória, dificuldade para deambular, [a enfermagem] só
acompanhando. (E02)
Assim, observar a evolução do portador de transtorno mental nas horas posteriores
à aplicação da ECT foi reconhecida pelos colaboradores como um cuidado, entretanto,
percebe- se uma desvalorização desse cuidado, ao passo que não descrevem os critérios
a serem observados nos momentos posteriores a aplicação da ECT. Outra percepção dos
colaboradores aponta para o resultado da ECT para a diminuição ou cura do sintoma,
como agressividade, conforme já relatado pelos colaboradores. Mesmo assim, um
colaborador citou a contenção pós ECT como preventiva, o que representa uma atitude
disciplinadora que submete ao portador de transtorno mental à uma restrição ao leito,
portanto, nada terapêutica.
Assim, é perceptível como o modelo manicomial se encontra embutido no cuidar
em psiquiatria e na prática de enfermagem, visto que se encontra na fala dos
colaboradores termos como “contenção”, “vigilância” e “segurar o paciente” utilizados
naturalmente.
Apesar de ter suas origens no interior do hospício, este saber de enfermagem não
foi desenvolvido com o intuito de melhorar a assistência prestada aos portadores de
transtorno mental, mas sim visando a sujeição dos mesmos aos membros da equipe de
enfermagem e, principalmente, da equipe médica, uma vez que estes detinham saber-
poder dentro do espaço disciplinar que o hospício representava. Sendo assim, a
enfermagem psiquiátrica historicamente se mostrava controladora e repressora dos
pacientes, tendo suas atividades realizadas inclusive por leigos, serventes do hospital e
até ex-pacientes (VILLELA E SCATENA, 2004).
O papel terapêutico atribuído às enfermeiras treinadas, na época, era o
desassistir o médico, manter as condições de higiene e utilizar medidas
hidroterápicas. Todavia o conhecimento de que se dispunha sobre os alienados
era o do senso comum, ou seja, entendidos como ameaçadores e, por isso,
sujeitos à reclusão (VILLELA E SCATENA, 2004 p. 739).
Somado a isso, tem-se o desconhecimento por parte dos profissionais de
81
enfermagem envolvidos no cuidado ao portador de transtorno mental submetido à ECT,
sobre a natureza dos riscos específicos do procedimento e da importância do cuidado
prestado para impedir danos que podem levar ao óbito.
Vi dois óbitos, logo assim que eu entrei. (TE01)
Soube de alguns óbitos sim... mas não presenciei não. (TE03)
Posteriormente, encontrar aquele paciente e saber que ele foi vítima de alguma
luxação por alguma coisa assim... ou por conta da ECT ou mesmo por conta da condução
daquele paciente até o local que era feito. (E03)
De acordo com a literatura, os principais efeitos colaterais causados pela ECT são
frequentemente de caráter transitório e benignos, como os distúrbios de memória e
confusão mental, bem como os relacionados a fraturas ou lesões osteoarticulares. No que
se refere a óbitos, estima-se que a maioria está relacionada ao sistema cardiovascular,
tendo em vista que a ECT provoca estímulos cardiovasculares a partir do Sistema Nervoso
Parassimpático, provocando uma queda na pressão e uma bradicardia; e do Sistema
Nervoso Simpático, causando efeitos contrários como elevação da pressão arterial e da
frequência cardíaca, acarretando em um aumento generalizado do débito cardíaco. Tais
condições provocam um consumo elevado de oxigênio, podendo acarretar inclusive em
infartos (PERIZZOLO et al 2003; MANKAD et al 2010; GAINES E REES, 1987).
Tendo em vista que os cuidados de enfermagem são de suma importância para a
eficácia e segurança terapêutica da ECT, é válido ressaltar que alguns colaboradores
demonstraram esse reconhecimento, apesar de se observar que muitas vezes a ECT não
era realizada com planejamento terapêutico, nem com o devido conhecimento técnico-
científico do cuidado prestado:
É um tratamento que pode levar a danos se não tiver todo o aparato necessário
de suporte. (E01)
Não vivenciei nenhum dano nem óbito porque nessa época que eu passei a gente
da enfermagem já tinha esse cuidado, embora não fosse protocolado. (TE02)
Não, pelo contrário, ficava sabendo que dava certo (...) antigamente também não
se fazia de qualquer jeito não. (TE04)
82
É interessante ressaltar que todas as três colaboradoras supracitadas atuaram no
Instituto de Neuro-psiquiatria Infantil, demonstrando a diferença de cuidar e de saber que
cada instituto do IMNS tinha, de acordo com a sua especificidade e com o espaço
disciplinar que apresentava, principalmente relacionada a crianças e adolescentes, tendo
em vista que o IMNS fazia uma fiscalização mais rigorosa do tratamento oferecido aos
mesmos do que em relação aos adultos, conforme relatam as colaboradoras:
Tinha muito conselho tutelar, juizado. Era muito diferente do tratamento para os
adultos. (TE04)
Eu acho que nas outras unidades ainda ocorre dessa forma, sem um cuidado com
o paciente. (E01)
De acordo com a literatura, pode-se dividir a história da psiquiatria infantil em
três períodos, sendo o primeiro dos séculos XVIII e XIX, o segundo a partir do
fortalecimento da psicologia do desenvolvimento e o terceiro a partir do desenvolvimento
das práticas psicanalíticas.
Durante os dois primeiros períodos [séc. XIX até primeiro terço do séc. XX],
a criança é essencialmente concebida como um adulto ‘em potência’, no
sentido aristotélico: o adulto não é somente o fim de seu desenvolvimento, mas
também seu único conteúdo e seu sentido último (GUARIDO, 2007, p. 155).
Depreende-se então que era de interesse médico o tratamento das desordens
infantis que resultassem em adultos integralmente capazes de realizar suas habilidades e,
por conseguinte, as principais patologias tratadas no período eram relacionadas ao retardo
mental. O tratamento era feito em setores especializados em psiquiatria infantil, anexo a
hospícios para adultos, sofrendo grande influência do campo da pedagogia, já
estabelecida no tratamento das crianças, implicado pela vigilância, disciplina e
segregação, tal qual o asilo (GUARIDO, 2007).
Não era um tratamento de grande aplicabilidade no setor de psiquiatria infantil,
visto que os principais focos de tratamento das crianças internadas nos institutos de
psiquiatria eram relacionados aos retardos mentais. Contudo, apesar das diferenças de
setor e de intuito na qual a ECT era aplicada, a equipe de enfermagem se mostrava
presente no cuidado ao portador de transtorno mental submetido a técnica.
A despeito da lacuna de conhecimento referida pelos colaboradores e encontrada
83
na literatura, bem como do poder médico na instituição psiquiátrica, fica perceptível a
partir dos resultados da pesquisa que os colaboradores realizavam cuidados
historicamente entendidos como inerentes da enfermagem, tal qual higiene, preparo de
ambiente e controle de medicações, bem como cuidados relacionados a manutenção da
ordem asilar, como controle do horário da alimentação e contenções.
Assim, tendo em vista a ausência de registros nos documentos escritos
pesquisados, a história oral temática usada nesta dissertação permitiu atingir os objetivos
propostos ao fazer surgir cuidados de enfermagem nos períodos pré, trans e pós ECT,
ainda pouco explorados, mas que nos ajudam a começar outros estudos para avançar neste
cuidado nos locais que ainda o realizam. Na história, uma ponta do iceberg permite saber
que debaixo d’água existe mais a ser conhecido. Essa foi a motivação que levou, apesar
das limitações do estudo, o desenvolvimento da pesquisa.
84
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização desta pesquisa de mestrado foi limitada pela dificuldade de acesso à
documentos históricos, um problema comum no Brasil. A instituição cenário possui um
acervo rico e importante para a história da saúde mental no país, mas problemas de ordem
financeira impedem que pesquisadores frequentem diariamente o acervo. Nesse sentido,
a história oral temática foi uma solução metodológica que tornou viável o
desenvolvimento da dissertação.
Este estudo apresenta resultados que descrevem como era na visão da equipe de
enfermagem e aplicação da ECT no IMNS e quais os cuidados de enfermagem realizados
pelos colaboradores da pesquisa nas fases aqui denominadas de pré, trans e pós ECT.
Destacou-se, enraizado nos resultados, o modelo manicomial, no qual o poder-saber
médico era preponderante no espaço asilar, no qual a ECT era usada como tratamento e
como exercício do poder disciplinar, tendo o médico e a equipe de enfermagem
profissionais indispensáveis para a realização essa técnica.
Ficou evidente que a formação profissional pouco qualificada da maioria dos
membros da equipe de enfermagem no período do estudo acarretou numa enfermagem
submissa e passiva mediante o poder-saber médico. Inclusive, demonstrou uma prática
assistencial de enfermagem psiquiátrica que era interessante na visão médica e do modelo
asilar. Os cuidados de enfermagem implementados e relatados pelos profissionais de
enfermagem eram, em suma, empíricos e realizados apenas por intermédio da repetição,
sem aprofundamento científico, tampouco questionamento por parte dos membros da
equipe.
A invisibilidade da enfermagem na realização da ECT é resultado de registros mal
elaborados e do não reconhecimento da importância dos cuidados de enfermagem ao
paciente submetido a esta técnica. A narrativa da própria equipe se deteve a contar sobre
os cuidados realizados sem dar destaque à sua necessidade e importância para a promoção
da saúde, prevenção de danos e recuperação dos portadores de transtornos mentais. Tal
fato corrobora com o encontrado na análise dos documentos escritos que, apesar de
muitos documentos terem sido consultados, pouco pode ter sido aproveitado devido ao
escasso relato encontrado acerca dos cuidados de enfermagem relacionados a ECT nestes
documentos.
85
Contudo, foi possível definir os cuidados pré ECT, sendo os mesmos o preparo do
ambiente e do paciente para ser submetido a técnica, que incluía acompanhamento
individualizado, manutenção de jejum, orientações para esvaziamento da bexiga, higiene,
verificação de sinais vitais, dentre outros cuidados preventivos. Os cuidados trans ECT
foram descritos como aqueles realizados no momento da aplicação da corrente elétrica,
voltados para prevenir danos referentes aos efeitos da convulsão provocada pelo choque
elétrico no corpo do paciente, incluindo proteção bucal e contenção dos membros
superiores e inferiores. Já os cuidados pós ECT citados foram o encaminhamento e
posicionamento do paciente ao leito, observação da orientação do mesmo e oferta de
alimento. Vale ressaltar que os cuidados pós ECT são apresentados pelos colaboradores
de forma desvalorizada, caracterizando mais uma vez a lacuna de conhecimento envolto
no cuidado prestado aos portadores de transtornos mentais submetidos a ECT pela equipe
de enfermagem.
A equipe de enfermagem não demonstrou nenhuma manifestação sobre o
posicionamento dos colaboradores a favor ou contra a ECT atualmente. No entanto, ao
narrarem a primeira experiência assistencial, todos manifestaram rejeição a esta técnica,
referindo-se a mesma como horrível e traumatizante, à título de exemplificação, mas a
repetição da técnica a tornava comum e justificada por trazer redução dos sintomas na
maioria dos casos. Tal fato aparenta estar relacionado a característica de realização da
técnica no recorte temporal do estudo, nomeada de “ECT a seco”, uma vez que não fazia
uso de anestésico nem de relaxante musculares.
Entretanto, o sentimento explicitado pela equipe de enfermagem relaciona-se também
a aplicabilidade que estes profissionais enxergavam na ECT, tendo em vista que, por
vezes, foi utilizada de forma indiscriminada, sem compreensão pelos mesmos da
indicação terapêutica da técnica e, inclusive, como forma de ameaça e punição dos
portadores de transtornos mentais, sendo de fato utilizada a lógica disciplinar do
manicômio para justificá-la: tornar corpos dóceis.
Uma importante questão que emerge da pesquisa e que a valida como precedente de
outros estudos acerca do tema é sobre a ECT como tratamento e como prática manicomial.
De fato, observou-se na história aqui contada a estreita relação das práticas manicomiais
com a técnica da ECT, mas também a eficácia da mesma para eliminar sintomas dos
transtornos mentais. Esta resposta não está dada e merece aprofundamentos que
86
considerem no tempo presente a regulamentação da ECT pelo Conselho Federal de
Medicina e as novas tecnologias para a técnica, bem como os avanços da ciência sobre a
sua indicação e eficácia terapêutica. O que se pode afirmar diante dos resultados obtidos
é que a enfermagem deve se preparar adequadamente para o cuidado das pessoas
submetidas à ECT, a fim de exercer uma prática pautada em saberes profissionais
embasados cientificamente.
Não se pode apagar da história da psiquiatria a realização de ECT, muito menos negar
a importância da enfermagem no cuidado aos portadores de transtornos mentais a ela
submetidas, seja com intenção punitiva ou terapêutica. Vimos nessa pesquisa que a equipe
de enfermagem estava lá e hoje pôde contar como atuavam para, dentro dos padrões
disciplinares da instituição, proteger os pacientes dos riscos comuns do procedimento.
Finalmente, a ECT foi parte da trajetória do cuidado de enfermagem psiquiátrica
e permitiu a realização de cuidados específicos aos portadores transtornos mentais
submetidas à ECT, em suas fases pré, trans e pós procedimento, sendo necessária para a
redução de danos provenientes da técnica, a despeito destes não estarem diretamente
relacionados a construção de saberes à enfermagem psiquiátrica. A partir da história oral
sobre esta técnica controversa foi possível evidenciar que a equipe de enfermagem
contém um valor próprio nas instituições psiquiátricas no período do movimento de
reforma psiquiátrica no Brasil, contudo este não é percebido pelos próprios profissionais
de enfermagem que compõe a equipe.
87
REFERÊNCIAS
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nos centros de atenção psicossocial: implicações históricas da enfermagem psiquiátrica.
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da Casa de Oswaldo Cruz, FIOCRUZ. Rio de Janeiro (2010).
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APÊNDICE A: Instrumento de exame de documentação escrita
Local
Ano
Autor
95
Tipo de documento
Assunto
Observações
96
APÊNDICE B: Roteiro de entrevista para subsidiar a técnica de História Oral
Temática
Gênero:
Idade:
Formação profissional: Ano de Formação:
Tempo de experiência profissional em Psiquiatria/saúde mental:
Tempo de experiência profissional no instituto:
Em quais categorias você atuou em instituição psiquiátrica ao longo de sua vida
profissional?
Quais cargos você já ocupou no instituto?
1) Como foi sua formação profissional em relação a psiquiatria e a ECT?
2) Como você se preparou para atuar em ECT?
3) Fale sobre sua primeira atuação no cuidado de enfermagem a uma pessoa com
transtorno mental submetida a ECT?
4) Descreva suas experiências em ECT, durante a prática profissional.
5) Como era feita a ECT no instituto e quem participava?
97
6) Você vivenciou intercorrências relacionadas a ECT?
7) Descreva os cuidados de enfermagem prestados a pessoas com transtornos mentais
submetidas a ECT.
8) Você notou ao longo de sua prática profissional mudanças nos cuidados as pessoas
com transtornos mentais submetidas a ECT? Descreva-as.
9) Relate suas impressões sobre o tratamento com ECT.
10) Você considera algum informação a mais relevante e gostaria de acrescentar algo?
98
APÊNDICE C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Resolução nº 466/2012 – Conselho Nacional de Saúde
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa
histórica intitulada: Construção histórica dos saberes e práticas da enfermagem no
cuidado em eletroconvulsoterapia (1978-1992), que tem como objetivos: (1) Descrever
a prática da ECT segundo a equipe de enfermagem do Instituto Municipal Nise da
Silveira; (2) Analisar os cuidados prestados pela equipe de enfermagem às pessoas
submetidas à ECT, antes, durante e após a sua aplicação; (3) Discutir os saberes e práticas
construídos pela enfermagem durante a prestação de cuidados às pessoas submetidas à
ECT.
A pesquisa terá duração de 2 anos, com o término previsto para
dezembro de 2017.
Sua participação não é obrigatória e consistirá em responder perguntas
realizadas sob a forma de entrevista, a qual será gravada para posterior transcrição
(transformação em texto escrito), que lhe será entregue para leitura e validação. A
qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua
recusa, desistência ou suspensão do seu consentimento não lhe trará nenhum prejuízo.
A pesquisa apresenta riscos mínimos aos participantes e todos os
cuidados para diminuí- losserão tomados, a fim de que não haja dano emocional ou
constrangimento durante a realização da entrevista. A pesquisadora responsável se
compromete a zelar pela sua integridade e pelo seu bem-estar, respeitando seus valores
culturais, sociais, morais, religiosos e éticos, bem como seus hábitos e costumes. Se
necessário, a pesquisadora suspenderá temporariamente ou definitivamente a entrevista
de acordo com a sua vontade.
Os benefícios da pesquisa serão oriundos da construção de uma versão
histórica de uma prática de enfermagem específica, que ao longo dos anos foi pouco
registrada no Brasil. A divulgação de seus resultados ajudará a subsidiar discussões atuais
sobre a aplicação da ECT, que carece de fundamentação acerca de sua trajetória, para
uma reflexão mais aprofundada sobre seus riscos e benefícios, e sobre como a
enfermagem contribui para que esta técnica seja realmente aplicada em circunstâncias
terapêuticas, em respeito aos direitos das pessoas com transtorno mental. Além disso,
beneficiará o levantamento de fontes históricas sobre a temática, permitindo ampliar o
acervo histórico sobre a ECT e sobre a história da psiquiatria/saúde mental como um todo,
no CDOC/EEAN.
Os dados coletados serão utilizados apenas nesta pesquisa e os
resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas. Suas respostas serão tratadas
de forma anônima e confidencial, isto é, através de códigos e em nenhum momento será
divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. No entanto, por ser uma pesquisa
histórico-social, os participantes tornam-se identificáveis, não sendo possível garantir o
total anonimato. O material coletado será guardado por cinco (05) anos e incinerado ou
deletado após esse período, exceto se concordar em fazer a doação do mesmo ao Centro
de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery.
__________________ (rubrica do participante)
99
Você recebera uma via deste termo onde consta os contatos do CEP e do
pesquisador responsável, podendo eliminar suas duvidas sobre a participação agora ou a
qualquer momento. Caso concorde em participar desta pesquisa, assine ao final do
documento, que possui duas vias, sendo uma sua e a outra do pesquisador responsável.
_______________________________________
Juliana Cabral da Silva Guimaraes
Pesquisador responsável – e-mail: [email protected] Cel (21) 99272-6602
CEP-EEAN/HESFA/UFRJ – Tel (21) 2293-8048 – e-mail: [email protected]
CEP-SMS/RJ – Rua Evaristo da Veiga, 16 – Sobreloja – Centro, RJ – CEP: 20031-040
Tel (21) 2215-1485 – e-mail: [email protected]
Declaro estar ciente do inteiro teor deste Termo de Consentimento e
estou de acordo em participar do estudo proposto, sabendo que poderei desistir a qualquer
momento, sem sofre qualquer punição ou constrangimento. Recebi uma via assinada
deste formulário de consentimento.
Rio de Janeiro, _____ de _______________________ de 20____.
Assinatura do (a) participante: ____________________________________________
APÊNDICE D: Termo de Cessão dos direitos de depoimentos
100
TERMO DE CESSAO DOS DIREITOS DE DEPOIMENTO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY
CENTRO DE DOCUMENTACAO
Pelo presente documento, eu ______________________________________________,
nacionalidade: , estado civil: , cargo/profissão: ,
inscrito(a) no CPF/MF sob______________________, portador da cédula de
identidade_________________, expedida por_____________________, residente e
domiciliado em
______________________________________________________________ cedo e
transfiro neste ato, gratuitamente, em caráter universal e definitivo ao Centro de
Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ para consulta pública, a
totalidade dos direitos patrimoniais de autor sobre a entrevista prestada no dia
_____/_____/_______ na cidade do ___________________ perante a pesquisadora
Juliana Cabral da Silva Guimarães intitulada “Construção histórica dos saberes e
práticas da enfermagem no cuidado em eletroconvulsoterapia (1978-1992)”.
Na forma preconizada pela legislação nacional e pelas convenções internacionais de que
o Brasil é signatário, o(a) entrevistado(a) , proprietário originário da entrevista de que
trata este termo, terá, indefinidamente, o direito ao exercício pelo dos seus direitos morais
sobre o referido material. Fica plenamente autorizada a utilização da voz e/ou imagem
realizado durante a execução e gravação da entrevista, no todo ou em parte, editado ou
integral sendo limitado aos seguintes fins: ensino, estudo e pesquisa; publicação e
divulgação; produção de obras novas e/ou derivadas; citação dramática em artes cênicas;
utilização radiofônica; utilização em televisão aberta ou fechada; utilização
cinematográfica; utilização audiovisual em geral, incluindo home-vídeo (videocassete
doméstico), CD-ROM, DVD, Internet e todas as tecnologias digitais existentes ou que
venham a ser desenvolvidas no futuro, aptas a portar sons e/ou imagens.
Sendo esta a forma legítima e eficaz que representa legalmente os nossos interesses,
assinam o presente documento em (02) duas vias de igual teor e para um só efeito.
Nome do cedente:
Nome da instituição:
Testemunhas:
Nome legível e CPF:
Nome legível e CPF:
APÊNDICE E: Carta de validação do conteúdo das fontes orais
Eu, _____________________________________________, portador(a) do Registro de
Identidade _____________________________ e participante, como respondente, na
101
pesquisa “Construção histórica dos saberes e práticas da enfermagem no cuidado em
eletroconvulsoterapia (1978-1992)”, após realizar a leitura da transcrição da entrevista
dada a pesquisadora Juliana Cabral da Silva Guimarães, valido o conteúdo por mim
informado, desde que obedecidas às sugestões de acréscimos e/ou modificações de itens.
Organizacão – acréscimo ( ) sim ( ) não
Sugestão:
Objetividade – acréscimo ( ) sim ( ) não
Sugestão:
Clareza – acréscimo ( ) sim ( ) não
Sugestão:
Facilidade da leitura – acréscimo ( ) sim ( ) não
Sugestão:
Compreensão do conteúdo – acréscimo ( ) sim ( ) não
Sugestão:
Fidedignidade do conteúdo – acréscimo ( ) sim ( ) não
Sugestão:
Data ___/________/_____
______________________________________________________________
Nome e assinatura do responsável pela validação das informações.