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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
A PERCEPÇÃO DO JOGADOR
NA REALIDADE VIRTUAL DOS VIDEOGAMES DE GUERRA: UM OLHAR FENOMENOLÓGICO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP para a obtenção do título de mestre
MARCELO CARLOS FALCÃO MENEGHETTI
SÃO PAULO
2007
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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP
A PERCEPÇÃO DO JOGADOR
NA REALIDADE VIRTUAL
DOS VIDEOGAMES DE GUERRA:
UM OLHAR FENOMENOLÓGICO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista – UNIP para a obtenção do título de mestre. Área de Concentração: Comunicação e Cultura Midiática Orientador: Profa. Dra. Eunice Vaz Yoshiura
SÃO PAULO
2007
Ao Fábio, inspiração deste trabalho e da minha vida.
À Suzana, minha razão de ser.
Agradecimentos
À minha orientadora, Eunice Vaz Yoshiura, pela dedicação, incentivo e
preciosas contribuições, que fizeram toda a diferença neste trabalho.
Aos amigos e colegas da M51, pelo apoio e compreensão durante
minhas ausências semanais nesses dois anos.
Aos professores do mestrado da Universidade Paulista, pelo
conhecimento transmitido e, em especial, à Profa. Janette Brunstein,
pelas sugestões metodológicas.
À Profa Dra. Haydée Dourado F. Cardoso, pelo auxílio na redação do
pré-projeto de pesquisa.
Ao Edgard Bohn, pelas caronas a um colega sempre sonolento.
Aos colegas de mestrado, pela amizade e convívio enriquecedor.
À minha família, pela compreensão, carinho, apoio, incentivo e,
principalmente, paciência.
Aos funcionários e secretárias do mestrado da UNIP, pela atenção
simpática e profissional.
Resumo
MENEGHETTI, M. C. F. A percepção do jogador na realidade virtual dos videogames de guerra: um olhar fenomenológico [The player perception in virtual reality of the shooter vídeo games: a phenomenological approach]. Dissertação (Mestrado em comunicação) – Instituto de Comunicação Social, Universidade Paulista, 2007.
O trabalho relata a investigação da percepção do jogador de videogames de guerra em primeira pessoa – jogados num ambiente de vivência intensa, repleta de armas, tiros, matar e morrer, e que tem características de tridimensionalidade comuns à experiência proporcionada pelo ambiente de realidade virtual – a partir de uma abordagem com base na Fenomenologia da Percepção de Maurice Merleau-Ponty (1999). A questão que o suscitou envolve a relação que essa experiência do jogo possa, ou não, ter com o real, considerando a subjetividade com que fenomenologia da percepção conceitua o termo. Outras questões formulam-se em decorrência desta: como atua a percepção na experiência de jogar videogames de guerra; como ocorre a percepção de si e do espaço no ambiente do jogo; como essa experiência afeta o sujeito; e indaga-se se ela equivale à vivência da realidade. O objetivo do trabalho é explicitar a experiência daquele que joga videogame de guerra em primeira pessoa, na perspectiva do próprio jogador, e também a percepção de si mesmo, do espaço virtual do jogo, do uso das armas e outros objetos situados no espaço do jogo, da relação do corpo físico com o corpo virtual por meio dos dispositivos periféricos do computador — mouse, teclado, monitor e fones de ouvido, do próprio pensamento quando em equipe e das suas reações durante o jogo. Além de Merleau-Ponty, a abordagem teórica apóia-se no conceito de realidade virtual, a partir dos estudos de Cláudio Kirner (2007), e no conceito de polissensorialidade, a partir da pesquisa sobre as interações biomecânicas entre usuário e computador, desenvolvido por Lúcia Santaella (2004). O corpus escolhido para a pesquisa é o videogame Counter Strike, com temática de terrorismo e contraterrorismo, por sua popularidade em todo o mundo. Para levar a cabo a pesquisa, utilizou-se o método fenomenológico de Giorgi e o pesquisador fez-se sujeito da mesma, jogando no mínimo três vezes por semana durante dois meses. Da experiência, foram extraídos relatos descritivos e procedeu-se à redução fenomenológica, com a escolha de termos e expressões-chave, que deram origem às unidades de significado de cada experiência. Os resultados mostram que a vivência no universo dos videogames de guerra se processa da mesma forma que na realidade física, tanto pelas reações de ordem psíquica e fisiológica
observadas no jogador, quanto pela forma como a subjetividade do jogador preside sua construção do real. A percepção de si mesmo no espaço virtual ocorre de forma ambígua: limitada às partes de si mesmo visíveis na tela, porém integrada ao corpo fenomenal, que reage e comanda a situação de jogo. A percepção do espaço ocorre com noção de tridimensionalidade, limitada às dimensões da tela, porém mais dinâmica quanto à movimentação. O jogador compara espontaneamente os espaços representados no ambiente virtual com os espaços existentes na realidade física. Paradoxalmente, o domínio do corpo virtual, das armas de jogo e da movimentação no espaço virtual ocorrem quando se deixa de pensar racionalmente. É o corpo fenomenal que toma posse da realidade virtual. Nas experiência realizadas, a curto prazo, o jogador foi afetado com irritação e mau humor. A médio prazo, tais sintomas desapareceram e o jogador manifestou mais agilidade e controle em situações que exigem respostas rápidas, no dia-a-dia.
A experiência evidenciou o potencial da vivência na realidade virtual como forma de aquisição de informação para a experiência da realidade, dada a similaridade entre ambas. Por outro lado, pelo fato de o jogador não sofrer sinestesicamente as conseqüências de seus atos durante o jogo, a experiência dos jogos de guerra em primeira pessoa fornece noções distorcidas da relação do mesmo com a realidade física.
Palavras-chave. Videogames, guerra, realidade virtual, fenomenologia, percepção
Abstract
This study reports the investigation of the player’s perception as to first-person shooter video games – played within an intense living up environment, replete of guns, shoots, kill and death, with features of tridimensionality common to experience provided by a virtual reality environment – from the approach based on Perception Phenomenology of Maurice Merleau-Ponty (1999). Issue behind it involves relation this game experience may have or not with real world, considering subjectiveness adopted by perception phenomenology for term concept. Other issues are formulated from this issue: how perception acts in war video games playing experience; how oneself and game environment perception occurs; how this perception affects subject and if it corresponds to reality experiencing. Study purpose is to explain experience of someone playing first-person war videogame, from the player’s perspective and also how he perceives himself, game virtual space, use of weapons and other objects available in game space, relation between physical body and virtual body through computer peripheral devices — mouse, keyboard, monitor and earphones, his own thinking in teamwork and his reactions during the game. Besides Merleau-Ponty, theoretical approach is also supported by virtual reality concept, from Cláudio Kirner (2007) studies , and polysensoriality concept from the research concerning bio-mechanical interactions between user and computer, developed by Lúcia Santaella (2004). Corpus selected for research is Counter Strike a very popular videogame worldwide, whose theme is terrorism and counter-terrorism. Giorgi phenomenological method has been applied to carry out research and researcher participated of it, playing at least three times a week, during two months. Descriptive reports have been extracted from experience and phenomenological reduction was performed, with key words and expressions, which originate meaning units of each experience. Results show that living up in the universe of shooter video games proceeds as in virtual reality, both for player’s psychical and physiological reactions and the mode as player’s subjectiveness manages his construction of real. Oneself perception within virtual space occurs in an ambiguous way: limited to oneself parts visible on the screen, but also integrated to phenomenal body, which reacts and commands game situation. Space perception takes place with three-dimensionality notion, limited to screen dimensions, but more dynamics as to motions. The player spontaneously compares spaces in virtual and physical reality. Paradoxically, mastering of virtual body, game weapons and motions within virtual space only occurs when you stop thinking rationally about it. This is the phenomenal body that appropriates virtual reality. Experience
negatively affected subject, at short-term, provoking irritation and bad mood. At medium-term, such symptoms disappear and player is positively affected, showing more agility and control in situations requiring fast answers in daily activities. The experience showed the potential of living in virtual reality, as a way to acquire information to physical reality, due their similarity. On the other hand, due the fact of there is no synestesic effect related to his acts consequences during the game, the experience of first-person shooter video games gives distorted notions of relations with physical reality.
Key words. Video games, war, virtual reality, phenomenology, perception
Sumário
Agradecimentos Resumo Abstract Introdução...................................................................................................... 8 CAPÍTULO 1 - Delineando a trajetória.........................................................16
O ser humano ocupa o espaço físico .....................................................16 No espaço físico, abre-se a possibilidade da interação.........................17 O ser humano ocupa o espaço não-físico............................................. 18 O espaço virtual abre-se à possibilidade da interação..........................19 O que é realidade virtual e como o corpo interage biomecanicamente com o computador................................................................................ 26
CAPÍTULO 2 - Da realidade para o virtual ................................................. 37 Afinal, o que é a realidade virtual?....................................................... 37 A interação biomecânica entre usuário e computador ........................ 46 Da questão Videogames e Violência..................................................... 54 A história dos videogames e do jogo Counter Strike ........................... 59
CAPÍTULO 3 - Diário da minha experiência virtual ................................... 72 CAPÍTULO 4 - O virtual na relação com o real ............................................91
Da posse do corpo virtual ......................................................................91 Da noção de terceira dimensão ............................................................ 93 Dos estímulos sensoriais ...................................................................... 96 Da percepção do próprio corpo virtual ................................................ 97 Da apreensão de objetos no espaço virtual ........................................ 100 Do corpo virtual enquanto executor de tarefas do jogo......................101 Do corpo presente no espaço virtual.................................................. 102 Da percepção do movimento.............................................................. 104 Dos estímulos sonoros........................................................................ 105 Da consciência corporal e da consciência intelectual ........................ 106 Do modo de olhar o jogo ..................................................................... 111 Do ato de raciocinar em relação ao jogo ............................................. 112 Da explicitação da minha experiência no espaço físico...................... 113 Da imersão no jogo e dos sentidos ...................................................... 119 Das inversões de perspectiva ............................................................. 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................134 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 144
Introdução
Desde a Pré-História, a humanidade procura representar visualmente
seus momentos importantes e dramáticos para revivê-los na memória.
Foi assim com a representação rupestre da luta pela caça no Paleolítico
e tem sido assim com os quadros e as esculturas de guerras e batalhas
ao longo da História.
Na Era Moderna, a representação visual das batalhas evoluiu com a
tecnologia: adquiriu movimento com a arte cinematográfica, que tem
na guerra um gênero específico de cinema. Nas últimas décadas, passou
a ter sincronia com o tempo presente, graças à transmissão de TV ao
vivo, e nos últimos anos ganhou a interatividade nos videogames de
guerra em terceira dimensão.
O fascínio pelos jogos da guerra, à medida que estes evoluíram
tecnologicamente, transformou-se de contemplação visual em
entretenimento multimídia1; já não mais se contempla a guerra, nem se
assiste a ela passivamente, mas se-lhe vivencia virtualmente por
intermédio do jogo.
Este novo meio de representar a guerra, não mais apenas visual, mas
também sonora e interativamente, tem despertado grande interesse das
1 Multimídia é a exibição combinada de diferentes meios (texto, gráfico, fotografia, vídeo, áudio, animação, etc.), geralmente controlada por um computador pessoal.
8
novas gerações em fase adolescente, e, por conseqüência, dos
pesquisadores da comunicação midiática.
As razões que me levaram a este tema tão novo quanto específico
advêm, em primeiro lugar, da observação em casa e nas lan houses2,
presencio meu filho horas seguidas entretido pela tela do computador,
“imerso” na realidade do jogo. Por meio dela, tanto meu filho quanto
seus colegas de jogo entram e saem de salas, castelos e edificações,
vivenciando os ambientes como se de fato estivessem neles. Executam
ações, “plantam” bombas em lugares determinados ou as desarmam,
dependendo do objetivo a cumprir. Seqüestram ou libertam reféns,
determinam táticas de guerrilha, realizam emboscadas. Fazem isso
virtualmente armados e, aparentemente, conhecem e dominam o uso
das armas, o ato de carregar a munição e as reações que cada tipo de
armamento acarreta ao ser manipulado. Conforme descreve Lynn
Alves, os armamentos desse tipo de jogo comportam-se, virtualmente,
de forma muito semelhante à realidade física:
Quase todas as armas já utilizadas pelos exércitos, policiais de elite e traficantes trafegam no CS, e os jogadores precisam conhecer a funcionalidade de cada uma delas para poderem utilizá-las no momento preciso. É exatamente essa proximidade com o real que atrai os gamers para o jogo. (2005, p. 128)
Surpreenderam-me o grau de conhecimento e a quantidade de detalhes
que tem este espaço, a destreza e habilidade com que se manipulam
2 Lan Houses são estabelecimentos equipados com computadores ligados em rede, onde são oferecidos serviços como acesso à internet e entretenimento de videogame
9
objetos e executam táticas de guerrilha, e ainda o desenvolvimento de
atividades com níveis consideráveis de complexidade – coisas que
exigiriam, na realidade física, intenso treinamento. O espaço está lá.
Trata-se tão somente de representações por pixels.
A primeira questão que me mobilizou não foi propriamente o espaço
virtual, mas a temática dos jogos eletrônicos, voltada para violência,
guerra, guerrilha e terrorismo. Ocorreram perguntas como as que se
seguem: Será que esse tipo de jogo não incita a um comportamento
violento? Será que um jogo tão “real” não contribui para formar
soldados prematuros? De qualquer forma, trata-se de um assunto que
preocupa pais e educadores, ao verem seus filhos e alunos entretidos
em jogos de guerra que parecem ultrapassar a fronteira do lúdico e
expõem os jovens jogadores a cenas de matar e morrer, em que são
sujeitos, soldados, terroristas e vítimas virtuais. Em busca da percepção
no mundo virtual, enveredei então pela questão da violência nos
videogames, buscando livros e artigos que respondessem a essa
indagação. Constatei, no decorrer dessas leituras, alguns aspectos que
me levaram a mudar o modo de ver o assunto:
1) A discussão em torno do assunto “jovens, videogames de violência e
comportamento violento” não só existe há tempo como está longe de se
encerrar. Ela envolve comunicadores, psicólogos, educadores,
sociólogos, filósofos, médicos e outros cientistas, ora apresentando
10
resultados positivos com relação ao comportamento violento motivado
pelos jogos, ora negativo, cada qual com argumentos e contra-
argumentos em favor ou contra esse tipo de jogo. Num determinado
momento, concluí que uma pesquisa com esse foco teria pouco a
contribuir para abreviar essa questão, já tão debatida.
2) “Adentrar” o espaço virtual é algo fascinante, independente da
questão da violência nos videogames. Meu filho e seus amigos
conversam sobre lugares e coisas do espaço virtual dos videogames
como se, de fato, lá tivessem estado. Concluí ser mais desafiador e
produtivo tentar desvelar esse mundo, explicitando a experiência no
espaço virtual.
3) A forma de contribuir com o assunto seria vivenciar o espaço virtual
dos videogames de guerra a partir da minha própria percepção, durante
dois meses, de três a quatro vezes por semana, sempre mais de uma
hora por dia, e relatar essa vivência, essa percepção e minhas reações.
Além da experiência próxima e particular, proporcionada por meu
próprio filho de 10 anos e por muitos dos seus colegas e amigos, meu
interesse foi despertado também pelo fato de esse tipo de
entretenimento ser generalizado entre os adolescentes. A “febre” dos
jogos de guerra ou de outros que proporcionam esta qualidade de
imersão na realidade virtual parece ter contagiado uma geração inteira
11
de forma ampla, entre aqueles que têm possibilidade financeira de
adquirir o equipamento ou freqüentar uma lan house.
Para descobrir de que forma o universo virtual de guerra, presente
nesse tipo de entretenimento, pode afetar e influenciar aqueles que
vivenciam diariamente tais jogos, imersos nesse mundo, fez-se
necessário, antes, buscar um melhor entendimento de como, e se, a
realidade virtual pode afetar ou influenciar nossa percepção do mundo.
O grau de envolvimento subjetivo é diferente daquele frente a uma
pintura e mesmo ante a representação audiovisual ou fílmica. A
interatividade dos videogames e especialmente os de guerra suscita
uma nova questão. Qual a sua relação com o real? Ou seja, com o que
entendo por real fenomenologicamente falando, o mundo sob minha
perspectiva, submetido à minha subjetividade.
Tal questionamento deu origem à investigação aqui relatada. Por se
tratar de percepção de espaço e subjetividade, fui buscar sustentação
teórico-metodológica na fenomenologia da percepção, de Maurice
Merleau-Ponty, para explicitar a percepção do sujeito no espaço virtual
dos videogames de guerra. Assim, fiz-me sujeito da experiência,
incursionando pelo corpus escolhido – o jogo Counter Strike – e
participando das batalhas entre terroristas e contraterroristas. Desta
experiência, extraí relatos descritivos de minha percepção, e deles, a
12
redução a unidades de significado conforme o método fenomenológico
de Giorgi (1985).
No Capítulo 1, exponho a proposta da pesquisa, sua problemática,
objetivos gerais e específicos, faço uma revisão bibliográfica, apresento
os referenciais teóricos e a metodologia de pesquisa utilizada.
Na primeira parte do Capítulo 2, Da realidade para o virtual,
introduzo o conceito de “realidade virtual”, a partir do artigo publicado
pelo Prof. Dr. Cláudio Kirner, do Grupo de Pesquisa em Realidade
Virtual da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), intitulado
Realidade virtual e aumentada (2007). Explico o que é realidade
virtual, quando foi desenvolvida, as categorias de realidade virtual
imersiva e não-imersiva, e apresentar alguns modelos de interação do
usuário associados a ambientes virtuais. Apresentarei também como se
constituem os sistemas de realidade virtual: usuário, computador e os
dispositivos sensoriais de percepção e controle que compõem a
interface homem-máquina.
Na segunda parte, exponho, de forma concisa, dois conceitos auxiliares
importantes para se entender o ambiente onde ocorre o jogo. O
primeiro conceito procurará familiarizar o leitor a respeito de como
ocorre a interação entre o usuário e o computador, a partir do
pensamento de Lúcia Santaella. Vou expor o conceito do “leitor
imersivo”, no qual melhor se encaixa o jogador de videogame, e o
13
conceito de “polissensorialidade”, quando o usuário utiliza todo o seu
conjunto perceptivo de forma sinérgica e sincronizada.
No Capitulo 3, Diário da minha experiência virtual, relato livremente
minha experiência inicial com o jogo Counter Strike e seu
aprofundamento, à medida que me familiarizo com a realidade virtual e
as impressões que ela me suscita.
No Capítulo 4, O virtual na relação com o real, com base em Merleau-
Ponty, são examinados os relatos da experiência participativa no espaço
virtual, bem como minha percepção do espaço do jogo, sempre
identificando termos e expressões-chave e definindo as unidades de
significado. Da mesma forma, exponho a experiência que tenho do uso
das armas e de outros objetos situados no espaço do jogo. Como o jogo
ocorre entre duas equipes, “terroristas” e “contraterroristas”, descrevo
ainda a experiência que tenho de raciocinar em equipe no espaço
virtual. Em seguida, busco confrontar a vivência em espaço virtual
inspirada em local existente na realidade física com o próprio. Por fim,
submeto-me à experiência de vivenciar o espaço virtual invertendo a
perspectiva normal do vídeo, assim como Merleau-Ponty fez com o
espelho inclinado: primeiramente, jogo com o monitor inclinado em 45
graus com relação aos meus olhos. Em seguida, inverto a perspectiva
horizontalmente por espelhamento, ou seja, tudo o que está à direita
14
fica à esquerda e vice-versa. Finalmente, inverto a perspectiva vertical,
jogando com a imagem de ponta-cabeça.
Nas Considerações Finais, concluo reunindo as unidades de significado
elencadas ao longo do Capítulo 4, refletindo a respeito da pesquisa
realizada e redigindo as constatações do trabalho.
15
CAPÍTULO 1 Delineando a trajetória
Assim como fiz no início do texto de Introdução, situando o videogame
de guerra como uma representação criativa desta, entre outras
representações artísticas no decorrer da História, aqui também
entendo ser necessário situar a percepção do espaço virtual dentro do
conceito de espaço.
O ser humano ocupa o espaço físico
O espaço físico sempre foi o ambiente de manifestação da existência do
ser humano, palco de suas percepções, emoções, vivências, do seu agir
e interagir. Desde o primeiro choro após o nascimento, até o último
suspiro antes da morte, é por meio dele, espaço físico, e de seu corpo
material, que o ser humano se constrói e reconstrói em todos os
momentos. Não por acaso, “ser” e “estar”, em línguas de origem
anglicana, são expressos pelo mesmo verbo. Somos alguém, entre
outras coisas, porque estamos a cada instante em algum lugar,
percebendo-o e percebendo-nos nele, modificando-o e sendo
modificados por ele.
O espaço físico também é a sala de aula, o laboratório de pesquisa
daqueles que buscam o saber a respeito do ser humano e do próprio
16
mundo. Mesmo em áreas de conhecimento voltadas à psicologia ou
filosofia, ainda assim o espaço físico é a principal referência dos fatos, o
lugar dos sentimentos, o solvente que mistura de forma mais ou menos
homogênea emoções, sentimentos e pensamentos humanos,
constituindo o que chamamos de realidade.
No espaço físico, abre-se a possibilidade da interação
Para Peter Berger e Thomas Luckmann (1986), a realidade é construída
pela presença social. Esta, por sua vez, sustenta-se em um mundo
objetivo e subjetivo, que dá coerência e significado aos seus membros.
Nesse mundo, a experiência torna-se fator preponderante na criação da
realidade, que é criada pela interatividade entre sujeito e sujeito, e
sujeito e objeto(s).
Para esses autores, a possibilidade de interação só existe havendo
encontro pessoal com o outro, por meio do uso da linguagem –
fundamental na objetivação da vida – sustentando e dando significado
à nossa existência. Sem interação não há linguagem e, sem esta, a vida
não tem significado nem plausibilidade, ou seja, a capacidade de tornar
o mundo algo possível e compreensivel. Procuramos evidenciar, nesta
pesquisa, outras possibilidades de interação sem o encontro pessoal, do
ponto de vista fenomenológico: aquela que pode dar-se no espaço
virtual.
17
O ser humano ocupa o espaço não-físico
Na ultima década do século XX e neste início de século, o mundo viu –
e vê – as atenções do ser humano voltarem-se para um novo tipo de
espaço e de realidade, menos físico, mas não, necessariamente, menos
efetivo como meio de interações: o hiperespaço, espaço do computador
e de suas diferentes manifestações, como, por exemplo, os videogames.
O vertiginoso desenvolvimento tecnológico, a convergência das mídias,
com produtos inéditos como TV com internet, celular que filma e
fotografa, computador de mão com GPS, entre outros, permite-nos
testemunhar a dinâmica de adaptação da sociedade a essa revolução
tecnológica, por meio de sua própria revolução comportamental. O
computador pessoal multimídia potencializou a mania dos videogames,
antes restrita à TV acoplada a um console, acrescentado mais
proximidade da tela, mais movimento, maior nível de interatividade
entre jogador e máquina e, na esteira de seu desenvolvimento,
apropriando-se do conceito de realidade virtual3 no ato de jogar. Com
os novos videogames, há um novo espaço, não-físico, por onde se
percebe, se experimentam emoções, se interage e se manifesta. Um
novo espaço que, mesmo não sendo fisicamente real, possivelmente
influencia o indivíduo, assim como o espaço físico o faz.
3 Segundo Cláudio Kirner, realidade virtual é uma técnica avançada de interface, pela qual o usuário pode realizar imersão, navegação e interação em um ambiente sintético tridimensional gerado por computador, utilizando canais multissensoriais.
18
O espaço virtual abre-se à possibilidade da interação
O desenvolvimento da tecnologia das placas gráficas “3D” nos
computadores propiciou o surgimento de um novo tipo de
entretenimento: os jogos de guerra em primeira pessoa. O termo auto-
explica-se, no sentido de que a tela do computador assume a posição do
olho humano (o monitor “é os olhos do jogador”) e o jogador-soldado,
enquanto imerge psiquicamente nos limites da tela, vai abstraindo-se
aos poucos do seu espaço físico e passa a vivenciar a “realidade virtual”
da guerra. Enquanto joga, ele “é” a tela. Lúcia Santaella (2004)
explicita essa interação psíquica e sensorial entre usuário e cibermídia,
a que chama de polissensorialidade. Este novo tipo de entretenimento
potencializa ainda mais o nível de imersão no espaço virtual, as
percepções e interações.
Quando se trata de “guerra”, porém, os jogos diferenciam-se pela
aproximação ou distanciamento da realidade. Assim como na
dramaturgia, eles se apropriam de recursos literários em sua narrativa,
distinguindo-se como jogos de realismo, ficção científica, épicos,
históricos, realismo fantástico, etc. O que focalizamos, no momento,
são os jogos com proximidade temática com a realidade, mais
especificamente com ambientação em terrorismo, principalmente pela
atualidade do tema.
19
Vale ressaltar que os cenários idealizados com softwares de desenho e
animação 3D, muitas vezes, imitam em detalhes os lugares verdadeiros
de batalhas ocorridas, ou de lugares potencialmente violentos, como
cidades do Oriente Médio, lugares da Europa ou mesmo favelas
brasileiras. As armas também são modeladas com base nas armas
verdadeiras, refletindo o mais fielmente possível suas reações, sons,
formas de recarregar a munição, velocidade de tiro, mira, etc. Alguns
desses jogos são antecedidos e intermediados por vídeos e clipes, nos
mesmos moldes utilizados para motivar, insuflar coragem e levantar o
moral das tropas verdadeiras.
São jogos extremamente populares entre crianças, adolescentes e até
adultos. Não existem, ainda, dados precisos, mas números na imprensa
indicam a dimensão do novo meio, se é que assim podemos chamá-lo.
O Estadão on-line publicou notícia, em 20054, sobre uma feira de jogos
eletrônicos, em que um dos organizadores estima em 18 milhões o
número de jogadores no Brasil. A Folha de S. Paulo5 (versão on-line),
em 2004, noticia que, conforme dados do distribuidor do jogo de
guerra mais popular entre os adolescentes (Counter Strike – CS), são
realizados 2 milhões de downloads desse jogo no mundo por mês e, em
horários de pico, 175 mil usuários enfrentam-se simultaneamente via
4 Disponível em: <http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=5964>. Acesso em: 15 dez. 2005. 5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u17224.shtml>. Acesso em: 15 dez. 2005.
20
internet, em milhares de miniconflitos bélicos, sempre com um
realismo visual e sonoro surpreendente. Em novembro de 2006,
segundo o jornal Gazeta Mercantil6, existiam 3 mil lan houses no
Brasil, oferecendo, como principal entretenimento, os jogos de guerra
em primeira pessoa.
O fenômeno do videogame é um negócio bilionário. Notícia publicada
pelo site Terra, em maio de 2006, a respeito da E3, uma importante
feira mundial de videogames, realizada anualmente nos Estados
Unidos, demonstra em números a importância desse negócio:
O estudo, chamado de “Videogames: negócio sério para a economia da América”, prevê que a venda de jogos eletrônicos irá alcançar a marca de US$ 15 bilhões, e que o mercado vai garantir o emprego de mais de 250 mil pessoas altamente qualificadas até 2010.
Os jogos de guerra em primeira pessoa estão entre os mais populares,
graças ao nível de envolvimento sensorial, emocional e psicológico que
proporcionam ao jogador. Além disso, a ambientação terrorista
acrescenta o realismo narrativo, que vem somar-se ao visual e sonoro.
As batalhas virtuais são jogadas durante horas seguidas, não raro noites
inteiras, proporcionando, virtualmente, uma das vivências mais
intensas que o ser humano poderia experimentar – a última fronteira
do limite social, moral e ético –, que é matar ou ter a própria vida
subtraída por alguém. Imersos nesse espaço virtual, interagem entre si
6 Disponível em: <http://www.gazetamercantil.com.br/integraNoticia.aspx?Param=8%2C0%2C1%2C317833%2
CUIOU>. Acesso em: 2 dez. 2007.
21
empunhando armas virtualmente reais. Resumindo, o desenvolvimento
tecnológico mais a temática de guerra possibilitaram à realidade virtual
condições de aproximar-se da realidade cotidiana, proporcionadas pela
qualidade da imagem e do som, o estilo de jogo eletrônico em primeira
pessoa, a narrativa realista e a proximidade do monitor junto aos olhos
do jogador – em média 50 cm.
Diante do realismo no tratamento da temática desses tipos de jogos e
das estratégias de matar e morrer, e da relação que isso possa ter com o
real – na perspectiva fenomenológica, subjetiva –, formulo as questões:
1) Como atua a percepção na experiência de jogar videogames de
guerra? 2) No ambiente do jogo, a percepção de si e do espaço ocorre
como na realidade física? 3) Como essa experiência afeta o sujeito? 4)
Ela equivale à vivência da realidade?
A partir destes questionamentos, definiu-se o objetivo operacional da
pesquisa, que é explicitar a experiência daquele que joga videogame de
guerra em primeira pessoa.
Especificamente, trata-se de explicitar, na perspectiva do sujeito que
joga, a percepção dos elementos que compõem a experiência de jogar
um videogame de guerra em primeira pessoa: 1) a percepção de si
mesmo; 2) do espaço do jogo; 3) do uso das armas e de outros objetos
situados no espaço do jogo; 4) da relação do corpo físico com o corpo
virtual por meio dos dispositivos periféricos do computador – mouse,
22
teclado, monitor e fones de ouvido; e, finalmente, 5) a percepção do
próprio pensamento quando em equipe.
A partir dessa decisão, seguiu-se a busca por referências que pudessem
auxiliar a compreensão de como funciona a percepção nos videogames,
o que é a realidade virtual e como ocorre a interação entre o homem e o
computador, o qual, afinal, é o meio que intermedeia o jogador e o jogo.
Reportagem da revista Mente e Cérebro relata o uso da realidade
virtual no tratamento de fobias e traumas das pessoas em geral, bem
como na análise das capacidades e debilidades cognitivas de crianças e
adolescentes.
Um dos primeiros pensadores do fenômeno da comunicação a escrever
a respeito dos jogos foi Marshall McLuhan (1969), para quem os jogos
são extensões do homem social e do corpo político. McLuhan vê os
jogos como modelos dramáticos de nossas vidas psicológicas, cuja
função seria liberar tensões particulares.
Diego Levis (1998), pesquisador de comunicação social na
Universidade de Barcelona, foi um dos primeiros a discutir
abertamente a questão dos videogames e seu impacto social como um
fenômeno de comunicação e a polêmica que suscitam entre diversos
setores da sociedade.
23
A pesquisa internacional mais recente encontra seu expoente em dois
grupos de pesquisa, formados por professores, cientistas e
pesquisadores, sendo um deles de origem norte-americana e outro de
origem espanhola. A revista eletrônica Game Studies7 concentra artigos
e pesquisas referentes a jogos eletrônicos, disponíveis para consulta via
internet. Laurie Taylor, pesquisadora Ph.D da Universidade da Flórida,
em seu artigo Video game space and the player8, afirma que, entre a
tela e o jogador, há muito mais do que uma interação de perspectivas
geométricas com simulações em 3D, propondo uma leitura do
fenômeno interativo – jogador, personagem e tela do computador – em
múltiplos níveis, a partir da psicanálise lacaniana.
Johannes Fromme, professor de pesquisa de mídia em ciência e
educação pela Universidade de Magdeburg, na Alemanha, estuda a
presença dos videogames na vida de crianças e adolescentes. Suas
pesquisas indicam que os videogames são parte da cultura dessa
geração, assim como outros tipos de lazer ou brincadeiras. No futuro,
prevê a tendência de os videogames se transformarem em lazer
familiar, na medida em que os adolescentes de hoje serão os pais de
amanhã.
Bushman & Andersen (2002) publicaram artigo relacionando a
exposição ao conteúdo violento dos videogames (entre outras mídias) e
7 Disponível em: <http://www.gamestudies.org>. 8 Disponível em: <http://www.gamestudies.org/0302/taylor/>. Acesso em: 2 ago. 2006.
24
comportamentos agressivos. O artigo não fecha questão sobre o
assunto, mantendo a conclusão em aberto.
Em 2005, a BBC Brasil publicou o resultado de um estudo
desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Aachen, na
Alemanha, que constatou, em imagens de ressonância magnética no
cérebro, o mesmo tipo de atividade observado quando as pessoas agem
com violência em situações reais. Conclui o estudo que jogadores
contumazes podem estar mais predispostos à agressão.
Gerard Jones (2004), psicólogo e autor norte-americano de histórias
em quadrinhos, pesquisa a presença dos videogames de guerra entre
crianças e adolescentes, a partir de entrevistas com pais, professores e
do acompanhamento de crianças e adolescentes. Para ele, os
videogames, inclusive os considerados violentos, podem contribuir
para um crescimento saudável.
A pesquisadora Lynn Alves defendeu tese de doutorado pela
Universidade Federal da Bahia, na área de educação, a respeito de
videogames de guerra e violência, posteriormente transformado no
livro Game over: jogos eletrônicos e violência (2005). Conclui a autora
que a violência contida nos videogames e vivenciada pelos jovens
termina por exercer um efeito terapêutico do tipo catarse, canalizando
medos, desejos e frustrações para o outro.
Alexander Galloway, professor da Universidade de Nova York, traça um
paralelo entre o realismo dos jogos de guerra atuais e o realismo como
25
movimento artístico, principalmente do cinema. Para ele, o conceito de
realismo passa pela ressonância social do espectador, que deve
vivenciar situações semelhantes às encenadas para entender o drama
encenado em toda a sua plenitude. Da mesma forma, um jogo não
poderia ser considerado realista, no sentido artístico do termo, apenas
por sua qualidade gráfica e sonora, mas também pela proximidade ou
pelo distanciamento de seus jogadores em relação ao tema do jogo.
Assim, adolescentes da cidade de Bagdá, no Iraque, vivenciariam todo o
realismo de um jogo baseado em guerrilha, como Counter Strike, em
detrimento de seus pares numa pequena cidade dos Estados Unidos,
para quem o jogo teria apenas seu aspecto lúdico.
A série de programas A Era do videogame veiculado no Discovery
Channel, no seu terceiro episódio, mostra a evolução da interface
tridimensional dos videogames de guerra e a importância do interesse
militar nessa tecnologia, que participou ativamente do seu
desenvolvimento.
O que é realidade virtual e como o corpo interage biomecanicamente
com o computador
Como se trata da percepção num ambiente específico e diferenciado,
nesta pesquisa conceitos teóricos auxiliares ajudaram a situar melhor o
contexto de estudo: é o caso dos conceitos de “realidade virtual” e
26
“interação com os computadores”, que serão expostos de modo
bastante breve.
Em artigo publicado eletronicamente pelo Prof. Dr. Cláudio Kirner, do
Grupo de Pesquisa em Realidade Virtual da Universidade Metodista de
Piracicaba (Unimep), intitulado Realidade virtual e aumentada, o
autor apresenta uma visão geral de realidade virtual. Esta é divida em
duas categorias: imersiva e não-imersiva. Ele apresenta ainda alguns
modelos de interação do usuário associados a ambientes virtuais.
Realidade virtual imersiva seria aquela baseada no uso de capacete ou
de salas de projeção nas paredes, ao passo que realidade virtual não-
imersiva baseia-se no uso de monitores, tal como os videogames aqui
estudados. Entretanto, o autor alerta para o fato de que, “de qualquer
maneira, os dispositivos baseados nos outros sentidos acabam dando
algum grau de imersão à realidade virtual, com o uso de monitores,
mantendo sua caracterização e importância” (KIRNER, 2007).
Os sistemas de realidade virtual, segundo o autor, consistiriam em um
usuário, uma interface homem-máquina e um computador. O usuário
participa de um mundo virtual gerado no computador, usando
dispositivos sensoriais de percepção e controle. Um ambiente virtual
pode ser projetado para simular tanto um ambiente imaginário quanto
um ambiente de realidade física, dos jogos focalizados neste estudo.
27
Lúcia Santaella oferece uma contribuição importante a respeito da
interação usuário-computador, com sua obra Navegar no ciberespaço
(2004). A autora explica os diferentes perfis de usuários, a quem chama
de leitores, e os diferentes níveis de imersão no ambiente do
ciberespaço. Santaella descreve a “separação” entre corpo e mente,
quando esta imerge no ambiente do ciberespaço. Mas ressalta a autora
que:
(…) por trás da aparente imobilidade corporal do usuário plugado no ciberespaço, há uma exuberância de estímulos sensórios e instantâneas reações perceptivas em sincronia com operações mentais. Estão em atividade mecanismos cognitivos dinâmicos, absorventes, extremamente velozes, frutos da conexão indissolúvel, inconsútil, do corpo sensório-perceptivo à mente, sem os quais o processo perceptivo-cognitivo inteiramente novo da navegação não seria possível. (2004 p. 132)
Quanto à percepção, procura explicar, por meio da teoria ecológica da
percepção de James Gibson, o estado de prontidão perceptiva do
usuário imersivo de computador, em que todos os órgãos sensoriais
atuam conjuntamente, a que chama de polissensorialidade.
Ao procurar explicar as habilidades do internauta, que são bastante
distintas do leitor comum, Santaella acaba por proporcionar a
compreensão do tipo de relação e das habilidades que se estabelecem
com o “leitor” de videogames, ainda mais intimamente ligado ao
computador que o usuário comum.
Esse “entrar e sair” dos espaços virtualmente criados, essa adaptação,
tanto perceptiva quanto motora, realizada pelo conjunto humano a
28
vivência proporcionada pela realidade virtual, suas dimensões e
objetos, encontrou acolhida para nossa compreensão teórica no
pensamento de Maurice Merleau-Ponty, especialmente em sua
Fenomenologia da percepção, um dos marcos do questionamento
existencialista à tendência racionalista que dominou o início do século
XX.
Discípulo de Husserl, filósofo considerado o “pai” da fenomenologia,
Merleau-Ponty contribuiu com a idéia da intencionalidade do ser
humano, com um caráter mais instintivo e menos transcendental do
que o idealizado pelo filósofo alemão. A idéia central da fenomenologia
da percepção é a de que o ato de perceber não está em acolher, com o
conjunto sensorial, um mundo preexistente, mas sim em construir uma
realidade a partir da subjetividade daquele que o percebe. No
pensamento do autor, a perspectiva desloca-se para o próprio corpo,
que constrói, a partir das sensações, o mundo percebido. É para esse
corpo que a percepção direciona primeiramente suas informações,
antes que o cérebro racional possa se dar conta. O corpo, segundo
Merleau-Ponty, tem sabedoria própria, organiza-se e adapta-se de
forma contínua ao ambiente à sua volta. Sentir, perceber, passa a ter
uma significação vital na relação com o mundo. Uma relação mais
plena e anterior ao “preconceito” que o mundo objetivo tem em relação
às coisas.
29
A primeira parte da Fenomenologia da percepção (1999) apresenta o
papel do corpo, da expressão corporal, da sexualidade e da fala. Na
segunda parte, a que mais nos interessa, focaliza o corpo no espaço, na
relação com as coisas e com as pessoas. É assim que desenvolve a sua
teoria geral da percepção: elevando o corpo à condição de protagonista
na apreensão deste mundo. Na parte final de sua obra, fala da natureza
da consciência e rejeita a idéia de que ela seria pura, transparente,
“consciente” de si mesma, mas, em contrapartida, recusa a
inconsciência. Novamente aí, o ser tem relação com o seu corpo e o faz
preservando a liberdade de o corpo tomar consciência do mundo.
Por essa razão a fenomenologia da percepção se oferece como o alicerce
de reflexão para a pesquisa desenvolvida. Antes de elaborar
julgamentos a respeito da realidade virtual dos videogames, é
necessário senti-la, apreendê-la nas informações que ela pode
transmitir ao nosso corpo físico – no caso desta pesquisa, focalizando
também o corpo virtual – nos diversos tipos de sinais que podem ser
captados pelo nosso conjunto perceptivo. Nas palavras de Merleau-
Ponty:
(...) se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda. A ciência não tem e não terá jamais o mesmo sentido de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que ela é uma determinação ou uma explicação dele. (1999, p. 3)
30
Ou seja, antes de buscar respostas a questões relacionadas ao
videogame e a sua influência, é necessário deixa-lo apresentar-se ao
estudo.
Em outra obra também utilizada como referência – O olho e o espírito
(2004) –,Merleau-Ponty, ao discorrer a respeito do uso do olhar como
“janela da alma”, critica a maneira superficial como a ciência aborda as
coisas e o mundo, menosprezando a sua verdadeira essência. Nas
palavras do autor, a ciência “renuncia habitá-las”. Propõe um outro
modo de ver, mais filosófico, menos racional e apegado à necessidade
de expressar opiniões e mais aberto ao sentido bruto das coisas à volta,
em que o olhar não funcione como a janela da razão, mas do corpo,
como aquele que verdadeiramente toma posse do mundo e da alma,
recriando uma visão original.
Essa forma de abordar o mundo, segundo Van Manen (1990), citado
por Godoi et al. (2006, p. 268), também pode ser transposta para o
campo da pesquisa qualitativa orientada para os significados da
existência humana. Ela, a fenomenologia, “é o estudo do mundo vivido
– o mundo como nós o experimentamos imediatamente, de uma
maneira pré-reflexiva” (GODOI et al., 2006, p. 274). Essa experiência,
segundo os autores, pode subsidiar o desenvolvimento de estudos que
envolvem a subjetividade humana. Porém, não se atém à rigidez
metodológica da pesquisa tradicionalmente conduzida na ciência e na
31
academia. Van Manen (1990, p. 28, apud GODOI et al., 2006, p. 275)
define o método como “modo de investigação, que muda de acordo com
as considerações e implicações de uma perspectiva filosófica ou
epistemológica particular”. Petrelli (2001, p. 35) lembra: “Um
fenomenólogo sabe que epistemologia e metodologia se adéquam às
exigências da natureza específica do objeto”. Com relação à hipótese, a
pesquisa fenomenológica tem um novo enfoque. Petrelli afirma:
A rigor, o método fenomenológico não rejeita as hipóteses, as suspende no momento inicial e as verifica a posteriori com as teorias que as justificam, em uma postura dialética de tese, antítese e síntese. É assim que o saber se vem construindo através da pesquisa: um saber autêntico, não dogmático da realidade em si. (2001, p. 25)
A condição essencial da fenomenologia – o olhar despido de
precondicionamentos – também está presente na pesquisa
fenomenológica. Godoi et al. atentam para o benefício em relação à
própria investigação:
(...) a compreensão do significado de redução fenomenológica, mesmo diante da dificuldade de sua transposição para o contexto da pesquisa, pode auxiliar o pesquisador a ser rigoroso no processo de investigação, ajudando-o a se concentrar no fenômeno em estudo a partir de um “olhar” despido de pressuposições, hipóteses ou fatos que indiquem relações causais. (2006, p. 281)
Segundo Daniel Augusto Moreira (2002, p. 123), o método
fenomenológico é bastante utilizado na área da psicologia, na busca do
conhecimento a partir dos relatos das experiências dos pacientes, seja
na forma verbal, escrita, ou da observação participante do pesquisador.
Embora se possa dizer que existe um só método fenomenológico, ele
admite muitas variantes, por outro lado, reconhecendo que, entre elas,
32
existem facetas comuns na estratégia de coleta de dados e na
apresentação dos resultados. Uma das formas mais conhecidas e
utilizadas, segundo esse autor (idem, ibid.), seria o assim chamado
Método Fenomenológico de Giorgi (1985 apud MOREIRA, 2002), que
objetiva a obtenção de “unidades de significado” contidas nas
descrições, cujos passos são os seguintes:
a) Leitura da descrição para se ter um senso geral do que foi escrito.
b) Nova leitura, com o objetivo de discriminar “unidades de
significado” dentro da perspectiva de interesse do pesquisador.
c) O pesquisador expressa as unidades de significado mais reveladoras,
segundo sua perspectiva.
d) Síntese das unidades de significado numa declaração consistente
com a experiência do sujeito – estrutura da experiência.
Mas como transpor o método fenomenológico para um contexto
empírico, no sentido da experiência concreta, como é o caso desta
pesquisa? Referindo-se a Husserl, Moreira alerta para a necessidade de
haver concessões de ambas as partes, mas também para o fato de que
há um fundamento filosófico a ser preservado:
A Fenomenologia deveria, isto sim, fornecer o caminho para o desenvolvimento das ciências eidéticas, as ciências das essências, que formariam a base racional das ciências positivas, como ele chamava as ciências físicas e naturais. A mera transposição do método fenomenológico para o contexto empírico, pois, não poderia fazer-se sem adaptações e concessões de rigor. Além disso,
33
conceitos fundamentais no método fenomenológico, enquanto no patamar filosófico, poderiam perder sentido ou, mais propriamente, poder explicativo quando se tratasse do referencial empírico. O assunto é por demais complexo e constitui o “ponto cego” que existe ao se tentar fazer comunicar os dois domínios: o filosófico e o empírico. (2002, p. 113)
Uma dessas concessões, segundo Moreira (idem, p. 103), seria o fato de
que a fenomenologia se propõe a ser um estudo direto dos fenômenos,
tais como são dados ao próprio fenomenólogo, sem intermediários de
qualquer tipo. Um método “pessoal”, em que o dado é apreendido
direta e unicamente pelo fenomenólogo, que deve então se libertar de
teorias, pressuposições ou hipóteses explicativas, que são pressupostos
tradicionais de pesquisa. “A apreensão do fenômeno deve dar-se em
primeira mão” (idem, ibid.).
Em Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty constitui uma base
filosófica de pensamento a respeito do mundo que o cerca, e ao qual
aplicou seu modo de ver. Tendo a subjetividade como princípio,
utilizou um método que respeitasse essa filosofia na sua essência
primeira. Ele mergulhou na vivência dos espaços, deixando que seu
próprio corpo fosse o sujeito da pesquisa.
Se, por um lado, uma coleta de dados que prestigiasse metodologias
não-interferentes permitiria uma informação mais isenta, por outro,
estaria privada do contato direto com sensações, emoções,
pensamentos imbricados a sentimentos carregados de subjetividade.
Para apreender a percepção mesma, como fenômeno, durante o jogo
34
eletrônico, faz-se necessário vivenciar tal processo e simultaneamente
explicitá-lo. Por essa razão, fiz-me sujeito da experiência. E para
proceder ao seu cotejamento com a percepção da realidade física, elegi
as constatações de Merleau-Ponty em Fenomenologia da percepção
(1999).
De outra forma, o fenômeno – do grego phainomenon (aquilo que se
mostra a partir de si mesmo) – seria mostrado não a partir de si
mesmo, mas a partir de outros. A fenomenologia “(...) é também um
relato do espaço, do tempo, do mundo vividos. É a tentativa de uma
descrição direta da nossa experiência, tal como ela é (...)” (MERLEAU-
PONTI, 1999, p. 1). Mais adiante: “Tudo aquilo que sei do mundo,
mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma
experiência do mundo (...)” (idem, p. 3).
Optei pelo método fenomenológico da forma como Merleau-Ponty o
fez, ao relatar a percepção do mundo à sua volta. Uma abordagem
menos idealista, como a de Husserl, e mais mundana, que procura
priorizar a experiência e seu significado. Esta é, assim, uma pesquisa
qualitativa, que tem como método de coleta de dados a experiência, a
vivência, seguida de relato descritivo.
Assim como Merleau-Ponty se autopesquisou quando descreveu os
fenômenos perceptivos, também adentrei o espaço virtual do jogo
Counter Strike durante dois meses, duas a três vezes por semana, 60
35
minutos por dia. Joguei sozinho e em rede, via Internet. Ao final de
cada período de jogo, descrevi o espaço a partir da minha
subjetividade: a de um homem adulto, com 40 anos de idade, casado,
classe média, nível superior completo, formado em comunicação social
e usuário de computador. Em um segundo momento, procurei
relacionar minhas percepções com o pensamento de Merleau-Ponty,
em textos descritivos e interpretativos, numa adaptação do Método
Fenomenológico de Giorgi (1985) que consiste nos seguintes passos:
a) Leitura das minhas descrições e relatos.
b) Redução fenomenológica – identificação dos termos e expressões-
chave, e extração do conteúdo de palavras, frases ou sentenças, também
chamada de “unidades de significado”9 a cada experiência perceptiva.
c) Síntese, dos elementos significativos extraídos numa declaração
consistente com minha experiência.
9 MOREIRA (p. 124, 2002) define as “unidades de significado” ou “de sentido” como discriminações espontaneamente percebidas dentro da descrição do sujeito, que o pesquisador considera como exemplos do fenômeno em questão. Como não se pode analisar um texto de uma só vez, ele é quebrado em pedaços, chamados de unidades de significado.
36
CAPÍTULO 2 Da realidade para o virtual
Afinal, o que é a realidade virtual?
Segundo Santaella4, a Virtual Reality Modelling Language (VRML) foi
apresentada pela primeira vez em Orlando, no SISGRAPH, e
implementado pela Silicon Graphics, uma importante empresa de
infografia.
Uma das definições mais aceitas para a expressão realidade virtual, é a
formulada pelo professor Cláudio Kirner no seu artigo “Realidade
virtual e aumentada”3:
uma técnica avançada de interface, onde o usuário pode realizar imersão, navegação e interação em um ambiente sintético tridimensional gerado por computador, utilizando canais multi-sensoriais (2007)
A definição responde parcialmente a nossa pergunta. Para que
cheguemos a uma resposta mais abrangente, é preciso olhar para cada
palavra do termo separadamente. A palavra realidade contida na
expressão não seria a “realidade” no sentido social, humano ou
contemporâneo, mas no sentido perceptivo. Neste caso, realidade
estaria ligada à noção do espaço tridimensional. O artigo prossegue:
A interface com realidade virtual envolve um controle tridimensional altamente interativo de processos computacionais. O usuário entra no espaço virtual das aplicações e visualiza, manipula e explora os dados da aplicação em tempo real, usando
37
seus sentidos, particularmente os movimentos naturais tridimensionais do corpo. (Idem, 2007)
A realidade virtual é então mais do que um meio ou mecanismo
artificial de simular a tridimensionalidade – principal característica da
realidade física aos nossos sentidos. Para o autor, o conceito não se
limita à questão do mecanismo. Um sistema de realidade virtual,
segundo ele, envolve estudos e recursos ligados com percepção,
hardware, software, interface do usuário, fatores humanos, e
aplicações.
A percepção é o foco principal deste trabalho e será assunto de um
capítulo específico. Mas podemos adiantar que os recursos que
acabamos de citar — hardware, software, interface do usuário e
aplicações — concorrem e trabalham em conjunto para que a percepção
“não se dê conta” da presença deles. A percepção é a causa e a
conseqüência dos sistemas de realidade virtual. É para ela que essa
tecnologia existe e tem sido desenvolvida há mais de 50 anos. Mas,
contraditoriamente, o objetivo desta tecnologia é que não se perceba,
conscientemente, quais são os recursos responsáveis por proporcionar
a experiência da realidade virtual, mesmo que, porventura, se saiba que
eles existam. A idéia é “driblar” a percepção e fazer pensar que se está
onde não se está.
Este ponto merece atenção, porque toca uma questão central da
Fenomenologia da percepção (1999), de Merleau-Ponty. Para ele, a
38
percepção ocorre antes que o sujeito se dê conta racionalmente.
Perceber, para Merleau-Ponty, não é um ato da consciência enquanto
razão, mas do corpo consciente. Quando o raciocínio começa a
deliberar sobre qualquer questão que tenha envolvido a percepção, esta
já ocorreu. Perceber, segundo Merleau-Ponty, não é o mesmo que
“pensar sobre o que se percebeu”. Ela seria fruto de um pensamento do
corpo, porque o corpo, enquanto conjunto perceptivo, teria sua própria
sabedoria. Acredito que muito da resistência em se compreender
melhor a Fenomenologia da Percepção e a subjetividade está no fato de
que o mundo percebido é o mundo físico. Ou pelo menos era, até antes
do desenvolvimento dos sistemas de realidade virtual. As
possibilidades proporcionadas por esta nova tecnologia permitem que
duas realidades se apresentem: a realidade virtual, percebida pelo
corpo, e a realidade dos sistemas que a produzem, compreendida
racionalmente pelo intelecto.
O equipamento físico por onde transitam as imagens e o som
proporcionam a sensação da realidade virtual. Pode ser desde um
equipamento especificamente desenvolvido para este fim, até um
videogame. O equipamento utilizado pelo corpus desta pesquisa é o
computador do tipo PC, dotado de placa de vídeo (equipamento de
aceleração gráfica que permite a simulação em 3D), leitor de CD-ROM,
monitor colorido, mouse, teclado e fones de ouvido.
39
Software é o programa de computador, desenvolvido para as mais
diversas aplicações. Cabe aqui esclarecer uma confusão bastante
comum quanto ao entendimento de software: não se trata de CDs ou
disquetes, mas de seu conteúdo. A rigor, software é um conjunto de
linguagens de programação, cuja finalidade é tornar o computador
capaz de executar diferentes tarefas. O software de edição de texto
permitiu ao computador cumprir a função de uma máquina de escrever
com características avançadas na edição deste trabalho – o software de
apresentação substitui a lousa com vantagens, o software de pintura
transforma o computador numa tela artística virtual e o software
videogame faz dele uma central de jogos e entretenimento. O software a
ser estudado é o jogo Counter Strike.
Interface com o usuário é constituída pela forma como o hardware está
organizado para interagir com o usuário, pelos dispositivos periféricos
que participam deste sistema interativo e pela função que cada um
executa. Os dispositivos dividem-se, basicamente, em: dispositivos
destinados a enviar informações para o usuário (monitor, caixas de
som, fone de ouvido etc) e dispositivos destinados a receber os
comandos do usuário e enviá-los à máquina (mouse, teclado, joystick,
etc). No caso dos jogos eletrônicos desta pesquisa, os dispositivos são
os normalmente utilizados por um computador com multimídia:
monitor colorido, mouse, teclado e fones de ouvido. Quanto às funções
40
de cada dispositivo, elas variam de acordo com a configuração do
software. No jogo Counter Strike, o mouse e o teclado acumulam
funções, dependendo do botão ou do movimento pretendido. Apertar o
botão esquerdo equivale a dar um tiro. Apertar a tecla “W” significa
andar para frente. Mantê-la apertada, movimentando o mouse para a
esquerda ou para a direita, muda o sentido da caminhada. Há uma
série de combinações que possibilitam dezenas de ações diferentes, e
alteram, além dos comandos do usuário, também a interface visual
(posição de câmera, informações do jogo, etc). Habituar-se às
combinações , ganhar mobilidade, agilidade e domínio da interface no
espaço virtual é tarefa árdua para o cérebro e para a atenção do
jogador. Seria como aprender a andar novamente, tomar posse do
espaço novamente, a partir das novas regras deste novo mundo. Mas
quando os dedos se habituam às combinações propostas e a atenção, a
consciência, não mais participam deste processo, quando o corpo reage
às situações de guerra sem esperar uma ordem consciente do cérebro,
ganhamos agilidade e desenvoltura. Isso vem reforçar a afirmação feita
anteriormente, de que a vivência no espaço virtual vem ao encontro do
pensamento de Merleau-Ponty: a inteligência que se apodera do espaço
seria a inteligência do corpo, e não a inteligência comandada pelo
cérebro consciente.
41
Ainda com relação à interface, se estabelece uma relação com a
abordagem de Merleau-Ponty na Fenomenologia da percepção:
O que importa para a orientação do espetáculo não é meu corpo tal como de fato ele é, enquanto coisa no espaço objetivo, mas meu corpo enquanto sistema de ações possíveis, um corpo virtual cujo “lugar” fenomenal é definido por sua tarefa e por sua situação. (1999, p. 336)
Ora, quando aprendemos as combinações de teclas necessárias para
jogar videogames, não estaríamos, na verdade, configurando nosso
corpo fenomenal para que ele possa transitar na realidade virtual? Não
estaríamos dando a ele, em função da sua nova situação e das tarefas a
desempenhar, um novo sistema de ações que torna possível cumprir
tais tarefas?
Quanto à configuração da interface, muitas vezes, o próprio usuário
pode interferir neste processo, adotando outros dispositivos, como por
exemplo, trocar o mouse por um joystick, por considerá-lo mais
adequado à performance do jogo. Mas essas mudanças não alteram a
configuração da interface, cujo esquema básico, mediado por
computador, seria este:
USUÁRIO
Sistemas de
percepção
Sistemas de músculos
sensação
ação
interface homem-máquina(visores, cursores etc)
Sinais sensoriais
Sinais de controle
Ambiente virtual
Figura 1 - Esquema de interface com o usuário; disponível em: <http://www.realidadevirtual.com.br> – redesenhado
42
Aplicações seriam as tarefas que o computador executa a partir dos
comandos do software, com finalidade de trabalho, lazer,
entretenimento etc. As aplicações clássicas são: edição de texto,
planilha de cálculo, apresentação de trabalhos, ilustrações, leitura de
documentos, leitura de páginas na internet etc, executadas a partir de
programas software. A aplicação a que se destina o corpus desta
pesquisa é o entretenimento do jogo.
Imersão, interação e envolvimento
Outra característica da realidade virtual, segundo Kirner, é que ela
pode ser considerada a junção de três idéias básicas: imersão,
interação e envolvimento.
A idéia de imersão estaria ligada com a sensação de se estar dentro do
ambiente. Para ser considerada imersiva, a realidade virtual estaria
baseada no uso de capacete ou de salas de projeção nas paredes,
enquanto a realidade virtual baseada no uso de monitores seria
considerada não-imersiva. Isso quer dizer, em princípio, que o corpus
da nossa investigação não seria considerado realidade virtual, no
conceito do autor, pelo fato do monitor não apresentar a mesma
condição de imersão proporcionada por dispositivos como o capacete
ou as salas com projeção lateral. Mas a experiência do jogo, a que nos
submetemos no decorrer da pesquisa, mostrou que a proximidade com
o monitor e o uso de fones de ouvido proporcionam a sensação de estar
43
vivenciando o ambiente virtual. O próprio autor, em determinado
momento, concorda com este raciocínio, quando afirma que
dispositivos baseados nos outros sentidos acabam dando algum grau de
imersão à realidade virtual com o uso de monitores, mantendo sua
caracterização e importância.
Interação é capacidade que o computador tem de detectar os comandos
do usuário e modificar instantaneamente o mundo virtual de forma
contínua (capacidade reativa). Ver as cenas mudarem em resposta aos
seus comandos agrada as pessoas. Esta é a característica mais marcante
nos videogames e uma das causas do seu sucesso. O conceito de
interação será aprofundado mais à frente, quando for discutida a
interatividade do usuário, à luz da obra Navegar no ciberespaço
(2004), de Lúcia Santaella. Mas é importante adiantar que a noção de
interação, no caso da realidade virtual e nos videogames difere um
pouco da definição de interatividade comumente aceita quando se fala
da navegação via Internet. Neste caso, a interação, ou interatividade,
pressupõe um intervalo de tempo entre o comando do usuário e a
resposta do sistema. Já a interação nos videogames e na realidade
virtual ocorre em tempo real, ou seja, o retorno do sistema acontece
imediatamente ao comando do usuário. A sensação é como se a reação
ocorresse no espaço da tela, obedecendo ao imediatismo das leis físicas
no espaço tridimensional:
44
Interação na Internet
12
COMANDO DOUSUÁRIO
Tempo perceptível
de processamento RESPOSTA DOSISTEMA
Interação nos games e R.V.
12
COMANDO DOUSUÁRIO
Tempo imperceptível
de processamento RESPOSTA DOSISTEMA
Sensação de “tempo real”
Figura 2 - Interação na internet e na realidade virtual disponível em: <http://www.realidadevirtual.com.br>
Envolvimento está ligado com o grau de motivação para o engajamento
de uma pessoa em relação a determinada atividade. O envolvimento
pode ser passivo, como ler um livro ou assistir televisão, ou ativo, ao
participar de um jogo com algum parceiro ou com a máquina.
Proporcionar graus mais intensos de envolvimento tem sido um dos
grandes desafios daqueles que desenvolvem sistemas de realidade
virtual. Envolvimento está ligado à arte dramática. Historicamente, o
envolvimento do receptor, seja ele leitor, platéia, telespectador,
ouvinte, jogador, é resultado do talento dramático-narrativo do
emissor, seja eles escritor, ator, diretor de cena, editor. Ver-se
envolvido por uma narrativa qualquer é deixar-se envolver pelo talento
de quem conta a história. Há um limiar da consciência que é rompido
no momento em que o receptor se deixa envolver pela narrativa, e só se
restabelece ao final da história. No caso da realidade virtual, ela tem
sido caracterizada mais pela questão tecnológica do envolvimento
sensorial do que narrativo. Viaja-se por universos, interage-se com
objetos, acessa-se conteúdos com fins educacionais, mas a consciência
do usuário, do “viajante”, mantêm-se aquém do limiar acima descrito.
45
Nos ambientes experimentais de realidade virtual, o usuário sabe que
está experimentando tal vivência.
Neste sentido, os videogames de guerra – e outros jogos em 1ª pessoa –
têm se mostrado mais competentes em possibilitar a condição de
envolvimento para o usuário, mesmo considerando que a tela do
computador é uma interface menos imersiva que os óculos ou capacetes
de realidade virtual.
A interação biomecânica entre usuário e computador
Em todos os momentos de vigília de nossas vidas, acionamos nosso
sistema perceptivo. Dependendo do ambiente em que nos
encontramos, este ou aquele sentido é mais acionado. Num estádio de
futebol, o sentido mais utilizado seria a visão, numa boate, a audição,
num restaurante, o paladar, no mercado de frutas, o olfato e assim por
diante.
E quando nos encontramos na realidade virtual? Quais funções do
nosso sistema bioperceptivo são acionadas?
Lúcia Santaella, em Navegar no ciberespaço4 (2004), apresenta o
referencial que mais se aproxima da compreensão de recepção do
usuário de hipermídia. Seu livro é resultado de uma pesquisa intitulada
“Fundamentos biocognitivos da comunicação. Aplicações nos processos
de navegação no ciberespaço”. A pesquisa buscou responder questões
46
relacionadas a percepções, cognições, operações mentais e sensoriais
envolvidas na interação entre o computador e o usuário de internet.
Numa referência ao filme Matrix, onde os corpos permanecem em
estado vegetativo enquanto suas mentes vivenciam intensas
experiências, a autora faz uma analogia com o usuário de Internet, cuja
postura se assemelha ao jogador de videogame. Santaella (2004, p. 132)
questiona a aparente imobilidade corporal do usuário, propondo que
há uma “exuberância de estímulos sensórios e instantâneas reações
perceptivas em sincronia com operações mentais” Para defender tal
proposição, Santaella se apega à Teoria ecológica da percepção de
Gibson10, segundo a qual, a percepção não seria algo computado pelo
cérebro como resultado do somatório de sensações. Os órgão
receptores não seriam, por sua vez, apenas canais de sensações. Seriam,
sim, sistemas complexos, ativos e que forneceriam ao organismo
informações de forma contínua, permitindo e possibilitando a vida
adaptativa. Olhos, ouvidos, nariz e boca seriam “modos de atenção”
atuando conjuntamente focados na mesma informação, para que ela
possa ser captada de forma combinada e mais completa possível.
Ainda com relação aos órgãos sensores, lembra que, hoje, os cinco
sentidos estabelecidos por Aristóteles são considerados incompletos.
Além dos órgãos sensores extereoreceptores, há também os
10 GIBSON, James J. The senses considered as perceptual systems. Boston: Mifflin, 1966.
47
proprioceptores (nos músculos, juntas e ouvido interno) e
interoceptores (terminações nervosas nos órgãos viscerais). Estes
sistemas provocam três tipos de sensações: as de origem externa, a que
chama de percepções; as sensações de movimento ou cinestesia e as
sensações mais vagas ou profundas, que seriam os sentimentos e as
emoções. Apesar de serem considerados receptores, os órgãos sensores
são, na realidade, móveis, exploradores, orientadores. Portanto, a chave
para se entender o sistema perceptivo estaria na inter-relação entre os
estímulos recebidos externamente e os produzidos pelo próprio
organismo.
O movimento, tanto dos órgãos sensores, quanto dos motores,
dependem dos conjuntos musculares que, segundo a autora, Gibson
propõe uma classificação baseada na ação propositada:
Sistema postural – Movimentos compensatórios para preservar o
equilíbrio e orientação com a terra.
Sistema investigativo – Ajustamentos da cabeça, olhos, boca, mãos e
outros, para obter informação externa.
Sistema de locomoção – Favorecem a colocação no ambiente, como
aproximação, perseguição, desvio, escape
Sistema de apetite – Movimentos de troca com o ambiente: respiração,
alimentação, eliminação e interação sexual.
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Sistema performativo – alteram o ambiente em benefício do
organismo: construir, armazenar, lutar, usar ferramentas.
Sistema expressivo – movimentos posturais, faciais, vocais que
identificam estados emocionais.
Sistema semântico – movimentos de todos os tipos, especialmente da
fala codificada.
Esta classificação é importante para compreendermos, através da
sutileza dos movimentos que ela demonstra, que por trás da
imobilidade aparente do mouse há intensa movimentação, porque ela
está “indissoluvelmente atada ao sistema muscular, que á acionado
mesmo quando não há movimento externo aparente” (p. 136)
Estes conjuntos musculares acionam os sistemas extereoreceptivos, que
para Gibson seriam “cinco modalidades de atenção” (p. 136): sistema
básico de orientação – que seria a atuação conjunta dos seguintes;
sistema auditivo – capta a vibração do ar e identifica a natureza e a
direção do evento; sistema olfativo-degustativo; sistema visual; e, por
fim, sistema háptico, responsável pelos mecanismos receptores
relacionados ao tato, e que recebe especial atenção da autora. Ele
consistiria de um complexo de subsistemas e não possui um órgão
específico de sentido, mas órgãos receptores distribuídos por todo o
corpo, que atuam em conjunto com as juntas e outros órgãos, também
49
responsáveis pela recepção. Compressão, estiramento, fricção, tração
levam estímulos aos terminais nervosos e informações ao indivíduo,
tanto a respeito do seu corpo, quanto a respeito do ambiente. Uma
característica que diferencia o sistema háptico dos outros é sua
capacidade de interagir com o ambiente. Enquanto os sistemas visual,
auditivo e olfativo têm apenas a capacidade de receber sinais do
ambiente, o sistema háptico tem a capacidade de transformá-lo.
As duas partes principais deste sistema são a pele, com suas extensões
cutâneas, como unhas e pelos, e o corpo movente, com sua hierarquia
baseada no esqueleto. Qualquer estímulo ou perturbação tátil ocorre de
forma indireta, atingindo primeiramente as extremidades das
extensões cutâneas, que mediam o contato entre o corpo e o objeto
causador do estímulo tátil. Essa questão, segundo a autora, é
importante para compreendermos o uso de extensões artificiais ou
outros objetos como auxiliares na percepção háptica do ambiente.
Como exemplo, ao segurar uma vara para tocar, com a ponta dela,
outro objeto, sentimos o toque na ponta da vara. Isso ocorreria porque
a informação da perturbação mecânica na extremidade da vara seria é
obtida pela mão como um orgão perceptivo, que inclui a informação
sobre o tamanho e a direção da vara. A conclusão é que os limites, a
fronteira entre o organismo e seu ambiente não é algo que possa ser
bem delimitado.
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A outra parte deste sistema, compreendida pelo corpo, organiza-se na
locomoção e na manipulação dos objetos a partir desses estímulos. É
importante entender que cada perturbação, por menor que seja, nas
pontas, irá refletir até na espinha dorsal por meio das juntas inter-
relacionadas e organizadas e forma hierárquica (p. 140-141). O osso
anterior afeta o seguinte e é afetado pelo precedente. A partir daí,
podemos tirar duas conclusões:
1- Os estímulos do ambiente orientam a organização e a postura do
corpo na locomoção e apreensão de objetos.
2- O primeiro sinal destes estímulos, no sistema háptico, se dá por
meio das extremidades do corpo: dedos, pés e língua.
3- Sentir um objeto é sentir também o nosso próprio corpo na
interação com o objeto.
Interagindo com o meio, exploramos os ambientes, colocamos em ação
os sistemas musculares e receptores, que atuam conjuntamente para
nos orientar, locomover e dar continuidade a este processo que se
renova a cada segundo. Santaella defende que isso ocorre de forma
semelhante no ciberespaço11, (p. 143) e a este conjunto sensorial dá o
nome de polissensorialidade.
11 Na página 45, a autora define ciberespaço como todo e qualquer espaço informacional multidimensional que, dependente da interação do usuário, permite a este o acesso, a manipulação, a transformação e o intercâmbio de seus fluxos codificados de informação. É o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede.
51
Polissensorialidade
Ao navegar pelo ciberespaço, interagindo com links, signos da internet
ou, no caso desta pesquisa, ao vivenciar a realidade dos videogames de
guerra, executando missões, plantando bombas, libertando reféns, o
usuário lança mão do seu equipamento cognitivo e sensorial,
acompanhado de movimentos físicos, para que a interatividade possa
ocorrer: ele digita o teclado ao mesmo tempo que clica e movimenta o
mouse.
À primeira vista, parece uma operação simples, monótona, repetitiva e
próxima da imobilidade. Santaella defende que não há nada mais
enganoso (p. 145)
Pesquisas em neurociência (Bizzi, 1995 apud Santaella, 2004)12
demonstram a série de processos que estão implicados com o
planejamento e execução dos movimentos dos braços, mãos e dedos.
Tocar o teclado, clicar e mover o mouse são reações táteis imediatas aos
estímulos visuais e sonoros produzidos pelo ambiente virtual, numa
dinâmica muito superior à da realidade física. O clique do mouse
representa um movimento duplamente sintonizado: tanto no mundo
físico através do sistema háptico, quanto no mundo virtual, através dos
receptores óptico e auditivo.
12 BIZI, Emilio (1995) “Strategies and planning: motor systems”. In GAZZANIGA, M. S. (ed.), The cogntitive neurosciences. Cambridge, Mass.: MIT Press, p. 491-494.
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Através da mão, que é o único órgão do corpo humano que acumula as
funções sensória, exploratória e, ao mesmo tempo, motora e
performativa (p. 147) o usuário reconhece o mundo pelo tato e o
modifica. Enquanto explora o ambiente, a sensibilidade da mão está
toda concentrada nas extremidades dos dedos, que têm uma
capacidade refinada de extrair informações detalhadas e alimentar as
funções cognitivas. A esta capacidade, a autora dá o nome de “toque
discriminatório” (p. 147).
Ao tocarem o mouse e o teclado, as pontas dos dedos acionam sistemas
musculares e postural, na busca de equilíbrio para o corpo (p. 148),
sistema investigativo, visual e auditivo para orientar o usuário no
ambiente virtual, e e sistema performático para buscar as posições mais
favoráveis dentro da “arena” de jogo. A cada clique ou movimento, toda
a situação muda, exigindo atualização constante de todos os sistemas
citados.
A autora conclui o raciocínio antevendo novas sensações ao que chama
de polissensorialidade:
O computador segue a trilha da posição da cabeça do participante e continuamente recomputa a visão da cena em uma perspectiva tridimensional correta. Isto cria a perspectiva, a tridimensionalidade e a constância do objeto para o observador. Por enquanto, a ilusão do toque, do cheiro, e do paladar ainda não foram simulativamente geradas. Mas a virtualização desses sentidos, mais viscerais do que a visão e a escuta, está em processo de evolução.. (2004)
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Da questão Videogames e Violência
Nos estágios iniciais da pesquisa, buscamos investigar a relação entre
videogames com temática de violência e sua possível influência no
comportamento dos jovens jogadores. Durante a leitura do referencial,
percebemos que a discussão em torno do assunto “jovens, videogames
de violência e comportamento violento” não só existe há tempo, quanto
está longe de se encerrar. Ela envolve comunicadores, psicólogos,
educadores, sociólogos, filósofos, médicos e outros cientistas, ora
apresentando resultados positivos com relação ao comportamento
violento motivado pelos jogos, ora negativo, cada qual com argumentos
e contra-argumentos a favor ou contra este tipo de jogo. Em
determinado momento, concluímos que a nossa pesquisa teria mais a
contribuir para abreviar essa questão, já tão debatida, oferecendo um
novo olhar sobre o tema. Decidimos escolher pela linha fenomenológica
e por explicitar a experiência perceptiva do jogador, do que enveredar,
também, na questão da violência. Apresentamos a seguir alguns
resultados da pesquisa.
Marshall McLuhan (1969) foi um dos principais teóricos da
comunicação a tratar do tema jogos, antes do advento dos videogames.
Para ele, os jogos são extensões do homem social e do corpo político,
assim como as tecnologias são extensão do organismo animal. O autor
exemplifica com um artigo da Life Magazine, que cita violentos jogos
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de guerra praticados entre algumas tribos, e que nada têm a ver com a
tradicional motivação política da guerra:
(...) este perpétuo derramamento de sangue não é praticado por nenhuma das razões habituais que promovem as guerras. Nenhum território é conquistado ou perdido; não há prisioneiros, nem pilhagem. Lutam porque gostam de luta, entusiasticamente; a luta é para eles uma função vital do homem integral e porque sentem que devem agradar aos espíritos dos companheiros assassinados. (1969, p. 265)
Para McLuhan, os jogos são modelos dramáticos da vida psicológica,
que cumprem a função de liberar tensões particulares. Do ponto de
vista da sociedade, argumenta que as práticas sociais de uma geração
tendem a ser codificadas sob as formas de “jogos” pela geração
seguinte, “despido de suas carnes”. Como que prevendo o advento dos
videogames, inexistentes na época em que escrevia sobre o assunto,
McLuhan vaticina: “Isto é particularmente verdadeiro nos períodos de
mudanças súbitas de atitudes, resultantes de alguma tecnologia
radicalmente nova” (idem, p. 268). Ao final do capítulo, corroborando a
própria premonição tecnológica, o autor se questiona, respondendo em
seguida: “Os jogos são meios de comunicação de massa? – a resposta
tem de ser: sim. Os jogos são situações arbitradas que permitem a
participação simultânea de muita gente em determinada estrutura de
sua própria vida corporativa ou social” (idem, p. 275). Quando
McLuhan diz que os jogos são extensões do homem social, assim como
as tecnologias são extensões do organismo animal, isso nos leva a
refletir que tipo de extensão do homem seriam os videogames, já que
são ao mesmo tempo jogo e tecnologia.
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Em artigo publicado, Maria Luiza Belloni (2004, p. 589) cita o trabalho
de Thierry Vedel, que identifica sete teorias a respeito do impacto das
mídias sobre a violência:
Teoria da catarse: a violência na tela permite uma realização
fantasmática das pulsões agressivas bem como a economia da
passagem ao ato.
Teoria do filobatismo: a televisão permite aos espectadores provar sem
risco o prazer da violência.
Teoria da inibição: as cenas de violência mostram as conseqüências que
decorrem dela e ensinam os espectadores a temerem sua própria
violência.
Teoria do vício (accoutumance): a repetição das cenas de violência
visionadas conduz a uma insensibilização progressiva com relação à
violência.
Teoria da incubação cultural: a televisão influi sobre a maneira pela
qual os indivíduos representam a realidade social.
Teoria da ativação: a violência vista na televisão ativa as predisposições
agressivas dos indivíduos.
Teoria da aprendizagem social: os comportamentos agressivos são
aprendidos com base em modelos de comportamentos vistos na
56
televisão; esses modelos, estocados em memória, podem ser
reproduzidos em certas circunstâncias.
Artigo de Bushman & Andersen (2002) relaciona a exposição ao
conteúdo violento dos videogames (entre outras mídias) a
comportamentos agressivos. O artigo não chega a fechar questão sobre
o assunto.
Estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Aachen, na
Alemanha Em 2005, e publicado pela BBC Brasil, constatou, em
imagens de ressonância magnética no cérebro, o mesmo tipo de
atividade observado quando as pessoas agem com violência em
situações reais. Conclui o estudo que jogadores contumazes podem
estar mais predispostos à agressão.
Psicólogo e autor de histórias em quadrinhos, o americano Gerard
Jones (2004) chega a conclusões diferentes sobre o mesmo tema, a
partir de entrevistas com pais, professores e do acompanhamento junto
a crianças e adolescentes. Os videogames, para ele, inclusive os
considerados violentos, podem contribuir para um crescimento
saudável.
Da mesma forma, chega a conclusões semelhantes a pesquisadora Lynn
Alves (2005), em tese de doutorado defendida na Universidade Federal
da Bahia, na área de educação, a respeito de videogames e violência,
57
trabalho posteriormente transformado em livro. A autora defende que a
violência contida nos videogames e vivenciada pelos jovens, exerce um
efeito terapêutico do tipo “catarse”, canalizando medos, desejos e
frustrações para o outro (o avatar – personagem vivido durante o jogo)
ao identificar-se ora com o vencedor, ora com o perdedor das batalhas.
Ela conclui que isso pode ser usado de maneira construtiva no
desenvolvimento afetivo e cognitivo dos sujeitos.
Diego Levis (1998), pesquisador de comunicação social na
Universidade de Barcelona, ilustra historicamente esta preocupação
dos estudiosos e da sociedade:
Muchos médicos no dudaban em confirmar públicamente el carácter perjudicial de los videojuegos, apoyándose e veces em el diagnóstico de la aparición de nuevos problemas físicos em las manos y em los dedos de los jovenes jugadores. Existía una gran inquietud y la falta de estudios sobre los verdaderos efectos de los juegos alimentaba los temores. El proprio ministro de Sanidad estadounidense de la época, el doctor E. Everett Koop, publicó uma declaración em la que acusaba a los videojuegos de producir comportamientos aberrantes em los niños y de crear dependencia. Sin enbargo, a pesar de la contundente acusación del ministro, no se adoptó ninguna medida de control o limitación de la venta de videojuegos. (p. 161)
Mais à frente, relata a evolução dessa discussão ao longo dos anos:
La virulenta campaña de descrédito contra nos videojuegos se perdia, aparentemente, em uma ruidosa y poco efectiva sucesión de acusaciones vociferanes cuya repercusión entre los consumidoresera casi inapreciable. (Idem, p. 162)
Contrariamente a la opinión hasta entonces generalizada, la mayoría de estos rabaos no solo desmentian los supostos efectos perjudiciales de los videojuegos sino que les atribuían una larga lista de cualidades positivas, apenas matizadas por algunos problemas funcionales de sencilla resolucion.
Lo sorpreendente es que más de diez años y millones de consolas después, el contenido básico del debate apenas se haya renovado.
Nadie niega la existencia de un alto número de juegos violentos, sexistas y racistas muy poco recomendables para la formación de un
58
niño. Y si enbargo, es curioso que al mismo tiempo no falten autores que consideren que muchas de las críticas que reciben este tipo de juegos están estructuradas alrededor de ideas estereotipadas, son los mismos que isnsiten en afirmar que la mayor parte de las acusaciones contra los videojuegos son injustificadas.
Las divergencias sobre la violência de los juegos surgen a la hora de estabelecer el alcance del fenómeno y de valorar las consecuencias de esta clase de contenidos sobre el comportamiento y la formación de los niños y los jóvenes jugadores. (Idem, p. 164)
Estes estudos e artigos geram discussões acadêmicas, jornalísticas e
sociais, principalmente no que diz respeito às influências deste novo
tipo de mídia junto às gerações que se prostram horas seguidas diante
de computadores. Discussões polarizadas, algumas vezes apaixonadas,
mas, pela própria característica do objeto de estudo, ainda novo,
carentes de melhor conhecimento do fenômeno, que possibilite, aos
interessados, tirarem conclusões mais seguras a respeito das
influências que os videogames de guerra possam, ou não, ter entre
adolescentes e pré-adolescentes.
A história dos videogames e do jogo Counter Strike
Não pretendo contar, neste trabalho, a história dos videogames, porque
não é este o foco da pesquisa. Mas a trajetória histórica deste tipo de
entretenimento é uma referência importante para o entendimento da
evolução dos sistemas de realidade virtual até chegarem ao que são
hoje. O videogame, hoje, é o grande consumidor da tecnologia de
interface gráfica em 3ª dimensão. Os primeiros videogames, devido ao
pouco desenvolvimento desta tecnologia, não apresentavam realismo
na tela. Eram jogos interativos, pois havia reciprocidade constante
59
entre o jogador e a máquina, mas muito da emoção dependia do senso
lúdico do jogador, para imaginar situações. Apresento a seguir a
evolução da interface gráfica dos jogos. A história completa dos
videogames pode ser encontrada no site
http://outerspace.ig.com.br/retrospace.
1958 – o físico Willy Higinbotham, em suas horas vagas, desenvolve um
jogo de tênis bastante simples, que era mostrado em um osciloscópio e
processado por um computador analógico, para entreter os visitantes
do Brookhaven National Laboratories. Mas não é consenso que este
seria um videogame.
Figura 3 - Tennis for Two, o primeiro videogame? Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1962 – Segundo o Massachusetts Institute of Technology (MIT), o
primeiro jogo da história foi Spacewar!, desenvolvido em 1961 por
Martin Graetz, Stephen Russell e Wayne Wiitanen, inspirados nos
livros de ficção científica do autor (já falecido) E. E. “Doc” Smith.
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Figura 4 - Spacewar! Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1968 – Ralph Baer cria o “chasing game”, um rudimentar jogo de
“pingue-pongue”, onde dois quadrados controlados pelo jogador
podiam ser movidos pela tela, e patenteia esse jogo, transformando-o
no primeiro videogame popular da História.
Figura 5 - Chasing Game Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1972 – Chega o primeiro console: o Odyssey 100. Os gráficos eram
obsoletos e não tinham capacidade de gerar todos os pontos
necessários para dar realismo ao jogo. Os usuários eram obrigados a
61
colocar cartões plásticos colorido na tela da TV para simular o campo
do jogo (em um jogo de tênis por exemplo, colocava-se uma cartão
verde para parecer grama).
Figura 6 - O primeiro console, Odyssey 100 – cartões plásticos transparentes eram colocados sobre a tela para dar colorido e temática
Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1977 – Chega o Atari, dando início a uma revolução gráfica e
mercadológica nos videogames domésticos Pela primeira vez, a
sensação de profundidade e perspectiva é explorada, mesmo que
precariamente.
Figura 7 - A temática dos jogos do Atari inspira os criadores de games até hoje
Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1983 – É lançado o MSX, e com ele, os primeiros jogos a considerar
perspectiva 3D na formulação dos cenários.
62
Figura 8 - O MSX; pela primeira vez, cenários pensados em 3D Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1987 – Atari lança o XEGS, e com ele o primeiro jogo com interface 3D.
Figura 9 - Flight Simulator, o primeiro jogo com interface 3D Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1988 – Chegam os jogos de 16 bits de processamento, que trazem um
importante avanço na qualidade gráfica dos jogos e da sensação de
imersão.
63
Figura 10 - Megadrive, com 16 bits, permite mais realismo na sensação de profundidade
Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1990 – Chega o Super Nintendo, console de 16 bits com aceleração
gráfica que possibilita a imersão em ambientes 3D em múltiplas
direções. Logo é lançado o primeiro jogo de tiros e violência,
considerado o precursor de uma geração de jogos de tiros em realidade
virtual: o Doom.
Figura 11 - Doom, o precursor dos jogos de tiro em primeira pessoa Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
1994 – Projetado para ser um videogame especializado em ambientes
3D, chega o Playstation, que impressionou o mundo com seus gráficos
superiores e ótima jogabilidade. Neste console, é lançado o primeiro
64
jogo de guerra em primeira pessoa, com tema da 2ª Guerra Mundial:
Medal of Honnor.
Figura 12 - Com gráficos de 64 bits, o Playstation representou um grande avanço na simulação da realidade virtual
Fonte: http://outerspace.ig.com.br/retrospace
Counter Strike
Final da década de 90 – As placas gráficas com aceleração 3D chegam
aos computadores, tornando-os concorrentes dos videogames tipo
console. A velocidade com que o dispositivo gráfico evolui, faz com que
o realismo dos jogos atinja rapidamente níveis semelhantes à visão
normal. Já não vemos os “pixels” nem a sensação de “pular” de um
quadro para outro. Imagem e movimento aproximam-se da perfeição
aos olhos. Mas a atração dos videogames não se limita à questão visual.
O fone de ouvido acrescenta, pela primeira vez, o som com a qualidade
estereofônica — que evoluiu posteriormente para o padrão digital 5.1.
65
Figura 13 - Counter Strike
Outra característica inovadora proporcionada pelos computadores foi o
fato de trabalharem em rede, recurso que foi aproveitado pelos
videogames, introduzindo o conceito de multiplayer games. Com todas
essas inovações, chega ao mercado o jogo que seria considerado o
grande sucesso na categoria dos multiplayer games de guerra jogados
em 1ª pessoa: o Counter Strike. Lançado oficialmente em 2000 — a
versão beta já circulava desde 1999 — Counter Strike (também
chamado de CS) reúne características que o diferenciaram dos
concorrentes. Em primeiro lugar, trata-se de um jogo democrático:
apesar da qualidade gráfica, CS não exige placas de aceleração gráfica
de custo elevado, podendo ser jogado em diversas configurações de
computadores. Outra característica é o preço: R$ 40,00.
Figura 14 - Cenas do Counter Strike
66
Descrição do jogo
Em 2004, o site Folha on-line relata que o jogo Counter Strike atingiu
8 milhões de cópias no mundo. Em 2005, a página de notícias da
GSLanHouse, site especializado em jogos, exemplifica a história de
sucesso deste jogo, contando que ele recebeu, entre 1999 e 2000 mais
de dez prêmios das revistas e sites voltados a videogames. E para dar
conta de tanta popularidade deste sucesso via rede, são necessários
mais de 30 mil servidores ativos no mundo. A revista PC Mania dá uma
descrição sucinta, porém abrangente do jogo Counter Strike:
Quando você inicia uma partida logo aparecem duas opções de time. São os Terrorists (Terroristas) ou Counter-Terrorists (Contra-Terroristas). E você pertencerá a uma delas. Com os “Terror” sua missão é causar a destruição, plantando uma bomba ou dando suporte para que um companheiro o faça. Só que a missão não será tão fácil quanto você pensa. Será necessário disparar muitos tiros se for sua vontade. Por outro lado você pode jogar com a “lei”. Na pele dos Contra-Terroristas (ou CTs), será preciso acabar com a escoria mundial na base do tiro ou desarmando a bomba, caso ela seja plantada. A cada vitória o time vencedor obtém dinheiro para comprar armas e equipamentos melhores os cenários são um atrativo à parte, pois são bem diversificados. Mas o melhor de tudo é que você pode criar seu próprio cenário; o trabalho é um pouquinho complicado, mas nada que um pouco de paciência e dedicação não consigam resolver. Exemplos de sucesso são os cenários do Rio de Janeiro e São Paulo. O ponto alto do game é o espírito de equipe, que afinal é indispensável no jogo. Mais de 25 armas estão à sua disposição, entre elas estão escopetas, metralhadoras, pistolas, rifles e, claro, os equipamentos de proteção como coletes e capacetes que aumentam consideravelmente a sua chance de permanecer vivo durante os combates. Entre tantas armas existem as mais clássicas para certas funções; por exemplo, há armas para os “Campers”, ou seja, aqueles que curtem ficar em um lugarzinho bem escondido apenas esperando sua próxima vítima passar e ser atingida sem nem saber de onde. Enfim, existem armas para todos os gostos e você só saberá qual é a melhor experimentando uma de cada. Vale lembrar que nem sempre a mais cara ou a mais chamativa é a melhor. A melhor arma é aquela na qual você vai se adaptar melhor. A princípio muita gente reclamou do fato de CS ser um game exclusivo para jogatinas on line, mas logo isso passou, ainda mais com a chegada de Counter Strike Condition Zero, mas vamos falar disso depois. CS apareceu em uma ópoca na qual
67
praticamente todos os MOD’s eram apenas um hobby para os fãs que criaram CS e acabaram tornando-o um dos ícones da indústria dos games em 1999. tudo começou pouco depois do lançamento de Half-Life em 1998, esses garotos não se conformaram em apenas ter aquele universo e decidiram ir mais longe, criando um mundo de “bandidos e mocinhos” e praticamente reinventaram a velha brincadeira de infância de “polícia e ladra”; com certeza eles não imaginavam a dimensão que o seu pequeno hobby alcançaria. (Revista PC Mania, n. 22, 2005)
Figura 15 - Tela inicial do Counter Strike
Figura 16 - Terroristas em início de missão no Counter Strike
O Counter Strike é ambientado com a temática da guerra pós-virada do
milênio: o Terrorismo. Pode-se jogar sozinho ou com adversários em
rede. No primeiro caso, se o jogador optar por jogar sozinho, o jogo se
encarrega de criar o restante da equipe e os adversários, em grupos de
até oito por equipe.
Origem do jogo
O Counter Strike nasceu como um “Mod” (modification) do jogo Half-
Life, distribuído originariamente pela Sierra, uma grande empresa de
Videogames. Como o próprio nome sugere, “mods” são modificações de
um jogo original, aproveitando sua plataforma e tecnologia, para
68
introduzir cenários e personagens diferentes. Ou seja, mantêm-se as
habilidades do jogo, mudando-se a narrativa. As modificações são
realizadas livremente pelo público usuário, nos cenários, roupas e
armas. No jogo original (Half-Life), um cientista enfrenta monstros
dentro de um laboratório subterrâneo recém explodido. O ambiente é
de ficção científica e as armas são futurísticas. Na modificação, grupos
de elite e terroristas se enfrentam em lugares diversos, como castelos,
desertos e cidades e as armas são as utilizadas hoje pelo terrorismo,
crime organizado, tráfico de drogas, grupos para-militares e
revolucionários. Hoje, há centenas de ambientes criados. O Counter
Strike é um jogo gratuito, podendo ser “baixado” via Internet na grande
maioria de portais de download e games. Mas, para poder jogar, é
necessário comprar o jogo Half-Life, ao custo de R$ 40,00 em média.
Figura 17 – Counter Strike: “Arenas”: “Dust” (deserto) – “Aztec” (México) – “Rio” (de Janeiro) – “Train” – “Havana” (Cuba) – “Office”
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Objetivo do jogo
Os objetivos variam de acordo com a “Arena” de jogo escolhida (ver
exemplos acima) em missões que duram 4 minutos, mas basicamente
dividem-se em:
Armar/Desarmar bombas – Os terroristas têm o objetivo de instalar
uma bomba em locais predeterminados (duas opções de lugar) e
garantir que ela não será desarmada até que detone. Os
contraterroristas têm o objetivo de impedir que ela seja instalada, ou
tentar desarmá-la antes que detone. A eliminação do time adversário,
em qualquer situação, constitui cumprimento do objetivo.
Libertar reféns – Os contraterroristas têm o objetivo de libertar reféns
em poder dos terroristas, que devem impedi-los.
Escoltar o VIP – Os contraterroristas devem escoltar uma pessoa
importante (VIP), para que chegue a salvo até um helicóptero. Os
terroristas devem interceptá-los e matarem a pessoa VIP.
Armas – Estão presentes as armas mais utilizadas pelos grupos
armados, sejam eles policiais, soldados, terroristas, traficantes ou
grupos para-militares. No início do jogo, cada jogador tem uma pistola.
À medida que acumula pontos, pode comprar outras armas de mais
calibre ou poder de tiro, sejam outras pistolas, ou ainda
submetralhadoras, metralhadoras, fuzis, snipers ou granadas.
70
Figura 18 - Armas do Counter Strike. Fonte: Revista PC Mania Game Over nº 22
Mapas ou Arenas
“Mapas” ou “Arenas” são os lugares virtuais onde ocorrem as batalhas.
Lynn Alves (2005, p. 127) destaca que o jogador pode criar seus
próprios “mapas” com o uso de editores gráficos distribuídos pelo
fabricante. Esta é uma característica de diversos jogos que, ao
permitirem que os usuários participem da criação de novas “arenas” de
jogo, acabam popularizando o próprio jogo e possibilitando que os
jogadores participem de batalhas virtuais em ambientes que conhecem
ou onde já estiveram. Em dezembro de 2006, o site FPSBanana
disponibilizava 7.307 “mapas” diferentes do Counter Strike, cujas
páginas foram visitadas quase 15 milhões de vezes.
71
CAPÍTULO 3 Diário da minha experiência virtual
O texto a seguir é composto por um conjunto de relatos pessoal da
minha experiência vivencial da realidade virtual. Durante os meses
precedentes ao da redação deste trabalho, joguei o videogame Counter
Strike algumas noites por semana, o que me permitiu adentrar este
mundo do jogo e das ações de guerrilha que se descortinam na tela. É
importante ressaltar que já havia jogado videogames na adolescência,
bem como na fase adulta, com meu filho. Nunca, porém, um jogo com
interface em terceira dimensão, que simulasse realidade no plano
virtual.
Estes relatos, que chamo de “diário de jogo”, foram escritos
imediatamente após os períodos de jogo, que duravam em média 60
minutos. É o “material bruto” da minha experiência, do qual foram
extraídos os trechos avaliados à luz da fenomenologia da percepção de
Merleau-Ponty, apresentados no Capítulo 4.
Primeiro contato
Terminei de instalar o jogo, comprado em uma banca de revista e
acionei o ícone respectivo, na tela do computador. Após uns 30
segundo, aparece uma tela com imagem de lugar do jogo ao fundo, um
72
soldado com indumentária militar (ambas ilustrações) e menu em
inglês com opções para entrar em jogo via internet, lan (rede local) ou
criar um jogo. O mesmo menu exibe opções de configuração de vídeo,
áudio e uso de controles.
Após ler o manual, “clico” na opção de criar um jogo. A tela escurece e
começa a subir um letreiro. Lembro-me de colocar os fones de ouvido e
posto-me diante da mesa numa posição que considero confortável.
Após alguns segundos, começo a ouvir um som ambiente, como se
estivesse num galpão cheio de eco e uma voz masculina ecoa, em inglês.
Mais alguns segundos e a tela se descortina de cima para baixo. A cena
que se apresenta aos meus olhos é a de um local a céu aberto, porém
cercado por muros que, estimo, devem ter 4 ou 5 metros de altura. São
feitos de pedras beges, que me lembram paralelepípedos. Seguro o
mouse e a tela toda reage, movimentando-se. Repito o movimento e
percebo que a tela reage da forma inversa: se movo o mouse para a
esquerda, a cena segue para a direita e vice-versa. Se movimento o
mouse para frente a tela “desce” monitor abaixo e vejo o “céu” com
algumas nuvens. Ao movimentá-lo para trás, vejo o chão. Fico curioso
para olhar para meus “pés virtuais”, mas não é possível: a tela pára de
se mover antes. Ouço um barulho parecido com o “engatilhar” de uma
arma de fogo, seguido de uma pistola empunhada pela mão direita que
se projeta da lateral da tela. A impressão que tenho é de que eu mesmo
73
estou empunhando a pistola, como se meu próprio braço se
“virtualizasse” no interior da tela. Passados alguns segundos, o som da
arma sendo engatilhada se repete mais três vezes, seguido do
surgimento da figura de um indivíduo com indumentárias militares.
Movimento o mouse e vejo outros dois seres, próximos a mim cerca de
dois metros. Como sei que é esta distância? Talvez por um jogo de
proporções em relação ao segundo plano da cena. Ao realizar esta
comparação, percebo que há uma edificação do lado oposto ao muro.
Parece uma fortaleza, feita com o mesmo tipo de pedras. Não estamos
no chão plano, mas numa rampa com leve declive.
Ouço ordens em inglês, em timbre de rádio, e concluo que elas vêm de
algum dos outros. Entendo que estamos em um grupo militar ou
paramilitar e vamos executar uma missão. Dois saem correndo rampa
abaixo e o terceiro move-se em sentido contrário. Coloco os dedos no
teclado e decido “me mover” para algum lugar. Já havia lido as
instruções de uso do teclado e sei que as teclas A, S, D e F
movimentam-me nos quatro sentidos. Aperto “S” e “vou para frente”.
Conjugo este comando com o movimento do mouse e percebo que ele
altera o sentido da minha caminhada. Procuro seguir o terceiro
soldado, que já está a uns 30 metros em relação a mim. Entramos num
pátio maior, quando vejo que ele “pula” uma mureta, sumindo da
74
minha vista. Aproximo-me da mureta quando, de súbito, paro. Preciso
aprender a “pular”.
Após uma interrupção para leitura do manual de comandos, “pulo” a
mureta e caio num patamar dois ou três metros mais baixo. À minha
frente vejo uma entrada em forma de arco para o edifício e ouço um
som de tiroteio que se avoluma à medida que caminho para frente.
Entro num corredor escuro com uma bifurcação à frente. Olho para a
direita e vejo uma escada em espiral com acesso a um andar inferior.
Olho à esquerda e vejo a parede iluminada. Pelo barulho é de lá que
vem o tiroteio. Avanço cautelosamente em direção ao final do corredor.
Sinto-me tenso, as mãos suam, o coração palpita. Tento me esgueirar
pelo canto do corredor. O barulho cessa. O local, a céu aberto, tem
paredes de rocha. Ouço passos e, de repente, surge à minha frente
alguém com trajes diferentes dos meus. Meu batimento cardíaco
aumenta repentinamente e baqueio minha cabeça para trás, como se
meu corpo fenomenal, e não o virtual, estivesse jogando. Antes que
possa me dar conta de atirar – deveria fazê-lo clicando com o botão do
mouse – recebo tiros. A tela muda de plano e enxergo meu próprio
“corpo” estendido no chão. Ouço a voz no rádio: – Terrorist win.
Depois do jogo
Joguei cerca de uma hora e meia três missões diferentes, das quais
venci uma e perdi duas. Meu batimento cardíaco está acelerado,
75
minhas mãos tremem quase que imperceptivelmente, uma dor de
cabeça sobe do ombro direito até o topo, latejando. Percebo-me
irritadiço e sem espírito esportivo para brincar com meu filho. Sento-
me em frente à TV e sinto uma tontura misturada com náusea.
Espontaneamente, vem à minha mente a imagem do marinheiro que é
tomado por náuseas ao pisar em terra firma. Creio que comigo ocorre o
mesmo. Penso que estive “balançando no mar agitado” da tela de
computador, cuja perspectiva não pára um segundo sequer. Vou tomar
um banho e, após, sinto vontade de comer chocolate. Muito chocolate.
Terceiro dia – morrendo
Inicio o jogo em uma “arena” do tipo “fechada”. Neste tipo de “arena” o
espaço é predominantemente interior. Toda a batalha ocorre dentro de
uma edificação. Trata-se de um palacete, penso que europeu. O nome
da “Arena” é Piranesi, provavelmente em homenagem ao arquiteto
italiano13. A casa tem três andares e muitos cômodos pequenos. Sinto-
me incomodado no interior da edificação. A cada cômodo que entro, o
coração parece sair pela boca, ante a possibilidade de deparar com o
inimigo, que pode atirar antes de mim. Como tenho a pouca habilidade
de um iniciante, “morro” muito mais do que “mato”. Sei que minhas
chances são maiores quando estou em lugares amplos, a céu aberto.
Posso me esconder num canto, de onde, protegido por muretas ou
13 Giovani Piranesi, artista e arquiteto, foi um dos precursores do neoclassicismo. Suas gravuras de palácios romanos procuravam destacar os labirintos e masmorras.
76
frestas, tento acertar meus inimigos, que parecem ser muito mais
corajosos, além de habilidosos, do que eu. Mas não é o caso aqui. Não
há onde me esconder e meu instinto de sobrevivência, para evitar dizer
o termo covardia, aflora com toda sua força. Meus ombros fenomenais
estão tensos, recolhidos perto da orelha, a ponto de retesar também
minha nuca e pescoço. Tiro a mão do mouse por um instante para
enxugar na blusa, tal é a quantidade de suor em minhas mãos. O que
mais me incomoda é o momento exato de encontrar o adversário
virtual, e isso é apenas uma questão de tempo. “Comprei” – durante o
jogo, à medida que acumulo pontos, tenho a possibilidade de adquirir
armas mais potentes – uma submetralhadora que me permite atirar de
perto sem a necessidade de acertar o alvo já no primeiro tiro. Os
cômodos se sucedem, pequenos corredores, passagens, labirintos de
paredes e o som dos meus passos me deixam nervoso. O momento do
encontro é um disparar de tiros de ambos os lados e, em menos de três
segundos, “morri”. Esta fração de tempo é o momento que não desejo
encontrar. Ela desencadeia em mim uma descarga de adrenalina e uma
reação corporal – um momento de pânico – quando deveria estar
calmo – ou ao menos controlado – para ser mais rápido em apontar a
arma e atirar.
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Figura 19 – Um dos raros cômodos mais amplos no Counter Strike
Passados 50 minutos de tentativas frustradas, de estados de pânico e
descargas de adrenalina, sinto-me enjoado e com dor de cabeça que
sobe pela nuca e toma conta do lado direito. “Morri” incontáveis vezes e
resolvo aproveitar para conhecer a casa. Há um modo de jogo em que
sou apenas expectador e que me permite ficar voando pelo lugar como
um fantasma, atravessando paredes, observando as batalhas sem ser
visto, e sem o medo de me chocar com um adversário. É uma casa
bonita, agradável, circundada por um riacho. Posso sair da casa e
observa-la de fora.
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Figura 20 – Counter Strike. O palácio, ou castelo, visto de fora
Matando
Ligo o jogo, posto-me diante do conjunto teclado, mouse e monitor e
escolho uma “arena” chamada Tundra. O ambiente que me é
apresentado lembra realmente uma tundra gélida, escarpada e rochosa.
Há uma edificação estranha, de forma piramidal, construída na rocha e
mais uma outra, próxima a ela, em formato tradicional. Há
predominância de branco, que me dá a sensação de neve. Apesar de
estar calor, parece que “sinto” o frio do local. Estou decidido a “morrer”
menos e “matar” mais. Adquiro uma arma de longo alcance, com mira
telescópica e procuro reconhecer o lugar, ao mesmo tempo que evito as
batalhas. Isso me dá uma sensação de dor na consciência, pois a minha
“equipe” precisa da minha presença para evitar que o refém seja
libertado e fuja num helicóptero. Mas estou decidido a encontrar o
lugar de onde possa acertar meus adversários com a segurança de não
ser alvejado.
79
Após ter “morrido” algumas vezes – a arma de longo alcance tem pouca
agilidade a média distância – encontro uma torre em frente a um
tanque de guerra, por onde subo e de onde me posto para matar os
contra-terroristas que procuram libertar o refém.
Figura 21 – Tundra, alto da torre
Do alto da torre, sinto-me aliviado por atirar de uma distância segura.
Deste local, visualizo um caminho obrigatório por onde o inimigo tem
de passar para libertar o refém, caso tenha conseguido superar o
enfrentamento com os outros de minha equipe. Sou o último obstáculo
a ser ultrapassado. Porém, um obstáculo oculto. Resta aguardar.
Figura 22 – Tundra, vista do alto da torre
80
Após breve espera, surge o primeiro contra-terrorista, procurando
“abrir caminho” para a passagem do refém. Com o botão direito do
mouse, aciono a mira telescópica do rifle, que me fornece um alvo em
cruz a uma distância bem mais próxima. Não tenho qualquer
dificuldade em acertá-lo. O som do tiro impressiona pelo volume e pelo
“eco” que gera em todo o espaço virtual de jogo. Lembro-me do filme
Por um fio14, no qual um dos protagonistas é anônimo, e mata sem ser
visto. Poucos segundos depois, aparece o refém, aqui chamado de VIP,
protegido por um colete à prova de balas, mas com a cabeça
desprotegida. Acerto-o sem dificuldade. Sinto-me um franco atirador,
igual ao dos filmes e noticiários, invencível por alguns instantes. Um a
um, acerto os inimigos e passo, pela primeira vez, a ser o jogador com a
melhor pontuação da partida. Tal qual deve ocorrer com um rifle do
tipo sniper, a mira telescópica torna a sensibilidade dos movimentos do
mouse muito mais aguçada. O menor movimento com as mãos sobre o
mouse representa um grande desvio da marcação do alvo em relação ao
próprio. A mira possui dois níveis de aproximação, o que eleva ainda
mais a sensibilidade do dispositivo.
14 De Joel Schumacher (2003), com Forest Whitaker, em que um serial killer, escondido num prédio e com uma mira telescópica, aterroriza um homem numa cabine telefônica através de ligações para o telefone público, matando pessoas inocentes à sua volta.
81
Figura 23 – Counter Strike, sob a mira telescópica
A cada nova missão, busco o alto da torre, de onde aguardo a chegada
do inimigo no canto oposto do vale. A cada novo embate, porém, minha
condição de franco atirador vai se tornando mais exposta e começo a
receber tiros. O adversário passou a adotar a estratégia de invadir ao
mesmo tempo o local, para dificultar minha chance de abatê-lo. De
repente, sou surpreendido por um inimigo que subiu à torre e me
matou pelas costas.
Faço parte de uma equipe
Apesar da minha boa performance atuando escondido na torre, aquele
foi um evento isolado. Via de regra, devo atuar próximo aos meus
“companheiros” – personagens do jogo que fazem parte da minha
equipe, terrorista ou contraterrorista, controlados por outros jogadores,
via rede – em sintonia com o objetivo da equipe, procurando “fazer a
minha parte”. Por exemplo, é assim que deve ser jogando em uma
“arena” chamada Inferno, onde este pensamento coletivo é
fundamental para o sucesso da missão. Nosso objetivo é impedir que a
82
bomba seja “plantada” e minha equipe aguarda a chegada dos
terroristas pela rua principal. De repente, percebo que somos atacados
pelas costas por um terrorista. Morremos todos em poucos segundos.
Na vez seguinte, decido proteger a equipe, dirigindo-me à viela por
onde o inimigo veio escondido. Desta vez, pego-o de surpresa e ainda
consigo enfraquecer o restante dos adversários enquanto enfrentam
meus companheiros. Vencemos e me senti útil por isso.
Plantando a bomba
Inicio o jogo numa “arena” chamada Aztec, com visual de uma antiga
civilização sul ou centroamericana. Há uma pirâmide maia ou asteca,
construções e passagens envoltas por uma floresta fechada. Escolho
fazer parte dos terroristas e, logo na primeira missão, fico incumbido
de “plantar a bomba”. Aqui, a missão é acionar uma bomba num local
pré-determinado e assegurar sua explosão cerca de um minuto depois.
Para isso, é necessário impedir o adversário (contra-terroristas) de
tentarem desarmá-la.
83
Figura 24 – Counter Strike, lugar maia ou asteca
A bomba segue dentro da minha mochila. Não posso me ver
carregando-a, exceto por um pequeno ícone na tela. Entretanto,
quando outros da minha equipe portam a bomba, posso vê-los levando
um volume diferente nas costas.
O fato de ser o portador da bomba me torna o alvo mais suscetível da
missão. Para o inimigo, é mais fácil “matar” aquele que porta a bomba
antes que ela seja acionada, do que desarmá-la posteriormente. Isso me
torna ainda mais amedrontado, e procuro andar atrás dos meus
companheiros, protegido por eles.
84
Figura 25 - plantando a bomba
Chegamos ao local designado por um “X” para armar a bomba. O
processo é relativamente simples, mas mesmo assim me atrapalho.
Tenho que acionar um conjunto de teclas do mouse e teclado. Isso,
porém, faz com que eu tenha que abaixar minha cabeça e, com isso,
restrinjo o meu campo de visão. Nesta posição, fico muito vulnerável e,
durante os segundos necessários para plantar a bomba, estou à mercê
do ataque adversário, apesar de protegido pelos colegas de missão. Eu
mesmo, porém, não posso me defender.
Passados alguns segundos que pareceram uma eternidade, a bomba
está “plantada” e emitindo um sinal agudo e intermitente. Coloco-me
em um canto, escondido atrás de uma grande pedra, aguardando os
contra-terroristas que, pelo sinal sonoro, já sabem que a bomba foi
acionada e está prestes a explodir. Eles finalmente chegam e entram no
local por três diferentes lugares, o que dificulta bastante nossa missão
85
de defender a bomba. Após alguns segundos de tiroteio somos todos
mortos e o adversário tem poucos segundos para desarmar a bomba.
Felizmente ele não consegue: ela explode e nós, apesar de mortos,
vencemos.
Brincando com armas
Em cada “arena” (local) diferente do jogo, tenho a opção de “comprar”
algumas armas que são disponibilizadas à medida que ganho pontos,
seja vencendo as missões, seja “matando” meus inimigos. O arsenal
disponível é bastante variado e, para cada tipo de arma, posso escolher
entre marcas e nacionalidades diferentes. Os pontos conquistados
formam o meu “caixa” para adquirir meu arsenal. Além de armas,
posso comprar também outros dispositivos auxiliares, como granadas,
coletes à prova de bala, capacetes protetores, bombas de fumaça,
dispositivos auxiliares no desarmamento de bombas, etc.
No começo, percebia poucas diferenças na minha performance usando
armas semelhantes. Obviamente, um fuzil ou metralhadora oferece
muito mais possibilidade de êxito de que uma pistola. Mas com o
tempo, passei a perceber as sutis diferenças entre duas marcas
diferentes de pistolas, dois tipos metralhadoras, duas carabinas e assim
por diante. Uma pistola “Eagle” tem um tiro mais eficiente que a pistola
padrão do jogo, porém demora mais para disponibilizar um novo tiro.
Um fuzil AK-47 russo tem agilidade, confiabilidade e leveza, enquanto
86
um fuzil Sig é melhor em situações de pouca movimentação. A escopeta
de tiro simples é ótima em lugares fechados, enquanto a de tiro
contínuo tem melhor performance em espaços maiores. Não sinto o
peso, o impacto da explosão ao acionar o gatilho, mas “percebo”, por
uma série de indícios, como velocidade dos meus movimentos,
agilidade portando esta ou aquela arma, que elas têm pesos diferentes.
Em geral, as armas mais pesadas comportam-se melhor a longa
distância e as armas leves em operações “de assalto”.
Dominando os nervos
Passados mais de 100 dias do meu primeiro contato com o mundo
virtual, noto que meus “sintomas” durante e após o jogo diminuíram
bastante. Consigo manter-me controlado diante da aparição abrupta de
um inimigo e meu corpo fenomenal não mais “baqueia” como antes. O
suor nas mãos permanece. Mais controlado, consigo mirar durante o
movimento. O estado de tensão se transformou em estado de atenção.
Terminado o jogo, que durou pouco mais de uma hora, não sinto dor de
cabeça. A “náusea de marinheiro” se mantém como das primeiras
vezes. Sento-me na sala e converso com minha família normalmente. A
percepção que tenho é que o meu corpo tolera melhor as situações
extremas do jogo, em função da repetição quase diária.
Sonhando
87
Tenho sonhado freqüentemente com as batalhas virtuais. A diferença é
que, no sonho, não me vejo jogando no computador, mas atuando
como se fosse de verdade. Não sonho que estou jogando, mas sim que
estou realmente na batalha. Meu sonho mistura o virtual e o físico em
diversos aspectos: várias “arenas” de jogo se mesclam, separadas
apenas por portas ou passagens. Nos sonhos, nunca sou terrorista. Meu
objetivo é sempre impedir que uma bomba seja “plantada” ou libertar
um refém. Em todos eles, meu filho faz parte da minha equipe. Não
vejo o seu rosto – ele usa capacete e indumentária militar – mas sei que
é ele. Os sonhos terminam sempre antes das missões se completarem.
Medindo espaços
Dou um tempo nas batalhas e resolvo observar os espaços de jogo,
procurando dar palpites a respeito das medidas das coisas e objetos.
Não tenho como conseguir confirmar os palpites que dou, mas o faço
com segurança, porque há um jogo de angulações enquanto me
movimento, que me permite dizer que da porta até o muro a distância é
de aproximadamente 50 metros, que o muro tem entre 4 e 5 metros de
altura, que a mureta tem 1,60cm de altura e 5 ou 6 de comprimento,
que a bomba está a 3 passos de mim, e que o área total da “arena” deve
ter uns 10 mil metros quadrados.
88
Na lan house
Levo meu filho e seus amigos para jogar numa lan house.
Normalmente, tenho jogado em rede via internet. Desta vez, com a
proximidade física dos outros jogadores, sinto-me mais motivado, não
apenas a cumprir a missão e vencer, mas também trago a
competitividade para o mundo físico. Explicando melhor: conheço cada
um dos jogadores que “está por trás” do time adversário. Quando
encontro um soldado inimigo, identifico o jogador que o controla e
considero que é com ele que estou jogando e confrontando habilidades.
Numa lan house, a batalha dentro do espaço virtual sofre influência do
ambiente na sala. Sentados lado a lado, usando pesados fones de
ouvido, os jogadores deveriam estar isolados, relacionando-se, apenas
virtualmente. Entretanto, o que observei é que os jogadores se
comunicam uns com os outros todo o tempo, gritando – em função do
fone de ouvido, que os leva a aumentar o volume da voz – solicitando
ajuda, alertando sobre a presença do adversário que se aproxima,
dando ordens e, muitas vezes, broncas. Observei também, várias vezes,
jogadores “espiando” a tela do monitor adversário, a fim de saber onde
estavam. Tratava-se de uma norma de jogo quebrada ou estavam
dentro do que era permitido? Fiquei sem saber. O limite entre físico e
virtual, que já é difícil de ser definido devido à relação do corpo com os
dispositivos periféricos do computador, também se camufla na
89
confusão das relações entre os jogadores, que não hesitam em valer-se
da dimensão física para auxiliar no cumprimento dos objetivos virtuais.
Após o jogo, fomos tomar um lanche e observei o entusiasmo deles ao
relembrar os momentos vividos no virtual. Eu mesmo participei desta
conversa e compartilhei da animação coletiva. A linguagem utilizada
por eles – e também por mim – era a de alguém que relatava eventos
dos quais tivesse realmente participado: “eu entrei”, “você atirou”, “ele
fugiu”. Sempre relacionada ao jogador; nunca aos personagens.
Concluo que, apesar de o jogo na tela se dar de forma idêntica numa
rede via internet e numa lan house, jogar nesta última é mais
motivador e gratificante, em função da possibilidade de interação física.
90
CAPÍTULO 4 O virtual na relação com o real
Neste capítulo, dou continuidade à minha incursão no espaço virtual,
agora à luz da fenomenologia. Procuro refletir sobre cada experiência
vivenciada e relatada, traçando paralelos com trechos e experiências da
Fenomenologia da Percepção. Submeto-me, ainda, a experiências em
que confronto a vivência em espaço virtual inspirada em local existente
na realidade física com o próprio, e também à experiência de vivenciar
o espaço virtual invertendo a perspectiva normal do vídeo, assim como
Merleau-Ponty fez com o espelho inclinado: primeiramente, jogo com o
monitor inclinado em 45 graus com relação aos meus olhos. Em
seguida, inverto a perspectiva horizontalmente por espelhamento, ou
seja, tudo o que está à direita fica à esquerda e vice-versa. Finalmente,
inverto a perspectiva vertical, jogando com a imagem de ponta-cabeça.
Ao final de cada experiência, procuro extrair sua essência, aplicando o
método de redução fenomenológica, identificando termos e expressões-
chave e definindo as unidades de significado.
Da posse do corpo virtual
Após alguns dias de jogo, me apossei do corpo virtual, passando a
dominar o uso da arma por meio dos botões direito e esquerdo do
mouse, bem como do seu movimento em combinação com as teclas A,
91
S, D e W, que me deram o poder de movimentação e alcance dos
lugares nesta realidade virtual. Já não raciocino a respeito. Armo,
desarmo, atiro, corro, desvio, pego objetos sem me dar conta de que
não o estou fazendo na realidade. O mouse e o teclado atuam como
extensões do meu corpo, assim como a moldura da tela assumem o
lugar de minhas pálpebras e o écran, de meus olhos. Meu corpo tomou
posse dos seus apêndices virtuais, adaptando-se ao esquema deste
ambiente para alcançá-lo em sua espacialidade específica. Se por um
lado o domina, por outro é influenciado por ele. Sons e imagens que
representam a ameaça de ser “morto” pelos adversários repercutem em
suores nas mãos, rigidez e retesamento dos ombros, aceleração
cardiovascular, movimentos e desvios bruscos com a cabeça, como se
todo o corpo estivesse presente dentro da “arena” de guerrilha. Esta
posse que tomo do corpo virtual assemelha-se à que se refere Merleau-
Ponty (1999, p. 143), uma posse indivisa, quando diz que sabe a posição
de cada um dos seus membros, porém com uma noção ambígua, como
aliás todas as “que surgem nas reviravoltas da ciência” (idem, p. 144).
Trata-se de uma espacialidade do corpo diferente da dos objetos,
porque tenho, ao mesmo tempo, meu corpo fenomenal e meu corpo
virtual. Não uma espacialidade de posição, apenas na realidade física,
mas de situação, considerando também a realidade virtual. Explicando
melhor: a rigor, estou sentado em frente ao monitor, segurando o
mouse com a mão direita e com os dedos da mão esquerda postados
92
sobre o teclado. Mas há sutis diferenças na minha postura, que vai se
alterando à medida que se desenrolam as situações do jogo. É como se
o corpo, ao retesar ombros, apertar com mais força o mouse, ou ao
jogar repentinamente a cabeça para trás, quisesse “reagir” às situações,
como se elas estivessem ocorrendo realmente. E com isso, ocupar o
espaço fenomenal conforme as situações lhe solicitam.
Destaco os seguintes termos e expressões-chave desta experiência:
teclas A, S, D; mouse, teclado, parte do meu corpo, que me levam a
formular sua unidade de significado: Meu corpo toma posse dos
dispositivos periféricos, afetando o jogo e sendo afetado por ele.
Da noção de terceira dimensão
Inicio o jogo e escolho uma “arena” chamada Tundra. O lugar é gélido,
escarpado e minha missão é levar uma pessoa importante até um
helicóptero que a espera, já ligado, a cerca de 1 km. Entre a equipe de
escolta, da qual faço parte, e o helicóptero, há uma passagem estreita,
rodeada por escarpas elevadas e construções, onde se esconde a equipe
adversária (terroristas). Seu objetivo é matar aquele que escoltamos.
Atravessar este espaço em direção ao helicóptero é o mesmo que andar
por um labirinto de pedras.
93
Figura 26 - Labirinto de pedras, percepção de profundidade em Tundra
À medida que avanço em direção ao objetivo, a sobreposição das
pedras, mais próximas e mais distantes à minha frente, forma uma
espécie de caleidoscópio tridimensional e dinâmico. Mas a tela e
bidimensional. A terceira dimensão é apenas derivada dessas duas, que
me dão a percepção de um ambiente imersivo conforme as pedras e
muros vão se aproximando e desvelando outras do mesmo tipo, que
vem à frente. Merleau-Ponty (2004, p. 27) percebe esta mesma
bidimensionalidade ao discorrer sobre a noção de três dimensões na
pintura. Para ele, o quadro é uma coisa plana, já que tanto o horizonte
na pintura, quanto o primeiro plano estão à mesma distância de meus
olhos. O “primeiro plano” advém do fato de que, sendo primeiro plano,
oculta parcialmente os demais. Ao serem ocultadas, mas não por
inteiro, as coisas do plano intermediário estão escalonadas em
diferentes proporções, o que me permite a noção de profundidade.
Quanto a isto, Merleau-Ponty afirma (1999, p. 349) que “A grandeza
aparente vivida... é apenas uma maneira de exprimir nossa visão da
profundidade”. Mas a tela do computador não se limita ao jogo estático
de esconder e revelar. Ele é dinâmico. O que está “longe”, próximo ao
horizonte, em poucos segundos estará perto, chegará ao primeiro plano
94
e ficará para trás, abrindo espaço e revelando outras coisas que,
dinamicamente, vão aumentando de tamanho e se deixando revelar
pelos anteriores. Este jogo de revelação e aumento de tamanho tem
uma proporcionalidade e uma harmonia de movimentos análogas da
condição em que eu realmente estivesse me movendo para frente. A
imagem engana os olhos, que se deixam enganar pela imagem. Na tela
do computador, este “travelling de aproximação15” se dá de forma mais
dinâmica, mais rápida do que geralmente ocorre na realidade, o que me
obriga a ficar mais atento em meu avanço. Segundo Merleau-Ponty
(1999, p. 350), isso acontece porque o objeto da realidade física que se
distancia diminuiria menos rapidamente, assim como quando ela se
aproxima, aumentar menos rapidamente para percepção do observador
do que a projeção na retina. Ele cita como exemplo a ima gem do trem
na tela do cinema, que aumenta aos olhos da platéia mais rápido do que
o faria na realidade. Esta sensação de velocidade fica claramente
perceptível quando avanço pelo espaço do jogo.
Termos e expressões-chave desta experiência são caleidoscópio
tridimensional e dinâmico; representação bidimensional; percepção
de ambiente imersivo; escalonamento de proporções; abertura e
revelação de espaço; aumento gradual de tamanho; harmonia de
movimentos análogos; ilusão pela imagem; maior ou menor
15 Martin descreve o travelling de aproximação como um movimento de avanço realizado pela câmera de cinema.
95
dinamismo; e como unidade de significado A imagem em movimento
na tela bidimensional me dá uma noção de tridimensionalidade do
espaço virtual por meio do aumento ou diminuição gradual de
tamanho em diferentes velocidades.
Dos estímulos sensoriais
Quando sou atingido por um tiro adversário durante o jogo, pontos
específicos da tela – e portanto da minha “visão” – adquirem, por uma
fração de segundos, uma coloração vermelha, semi-transparente,
acompanhada de um retardamento nos “meus movimentos”.
Instintivamente, associo as manchas vermelhas a uma reação de cerrar
minhas pálpebras e franzir o rosto. Apesar de meu corpo real não ter
sido estimulado sinestesicamente de forma alguma, ele reage à cena em
que me encontro inserido como se tivesse sido atingido de alguma
maneira. Um mecanismo sensorial e fisiológico presente meu ato de
jogar, anterior ao meu raciocínio e a respeito do qual não me dou conta
– a não ser que o faça deliberadamente como agora – de certa forma
associa a visão e a audição dos tiros dirigidos a mim, aos “flashes”
avermelhados, que numa situação de perigo de vida poderiam ser
interpretados como sangue, ao retardamento nos movimentos, como se
eu tivesse perdido parte do controle sobre meus apêndices, o que, em
conjunto, me transmite a sensação de ter levado tiros e perder a
resistência. Meu corpo fenomenal desencadeia, numa fração de
96
segundos, esta série de reações fisiológicas nas pálpebras, no rosto, nos
ombros e no batimento cardíaco, o que me leva a supor que a sensação
de levar o tiro de alguma maneira antecede o próprio impacto do tiro.
Reajo, enfim, como o doente picado pelo mosquito que não precisa
procurar o ponto picado e o encontra à primeira tentativa, na descrição
de Merleau-Ponty (1999, p. 153). Assim como o doente não precisa
situar o ponto da picada em relação a eixos de coordenadas no espaço
objetivo, mas apenas atingir com sua mão fenomenal um certo lugar
doloroso de seu corpo fenomenal (a potência de coçar), também reajo
fenomenalmente, através de um sistema fisicamente artificial, porém
sensorialmente natural, porque é assim que me parece.
Elegi como termos e expressões-chave da experiência, pontos
específicos da tela; reage à cena; visão virtual; coloração vermelha;
“flashes” avermelhados; cerrar pálpebras; sangue; reações
fisiológicas; pálpebras; e como unidade de significado: O meu corpo
fenomenal reage a estímulos sensoriais direcionados ao meu corpo
virtual.
Da percepção do próprio corpo virtual
O que é meu corpo virtual? Instintivamente, movimento o mouse
procurando por ele e não encontro sequer os “meus pés”. Aperto o
botão direito do mouse procurando-os, mas não encontro ângulo
suficiente para visualizá-lo. Com a mão esquerda, uso o teclado para
97
caminhar beirando um muro à minha direita e uma mureta que dá para
um nível inferior, à esquerda. À medida que avanço escutando meus
passos, tudo vai sendo dragado pelos limites da tela, engolido por sua
moldura, exceto a mão esquerda à minha frente, segurando a arma.
Figura 27 - Meu corpo virtual
Este conjunto é a constante diante dos meus olhos. Não se alterna com
meu avanço, recuo ou mudança de sentido. Por outro lado, é o único
conjunto dentro do quadro que reage aos comandos dados aos botões
do mouse. Ao apertar o botão esquerdo, o gatilho é acionado e uma
rajada de tiros é disparada. Quando aciono o botão direito do mouse,
minha mão virtual esquerda sai do quadro da tela e retorna a ele
segurando algo que se atarraxa na ponta do cano. Concluo ser um
silenciador. Este conjunto – mão e arma – mantém sempre a mesma
perspectiva diante do quadro e reage a comandos dados pela minha
mão física. Este se apresenta como meu corpo virtual, segundo o que a
98
tela me oferece. Porém sinto que sou mais que apenas este conjunto,
assim como sou mais que as partes do meu corpo físico que me são
possíveis ver sem a ajuda de um espelho. Merlau-Ponty (1999, p. 207)
afirma que cada um de nós se vê com que por um olho interior que, de
alguns metros de distância, nos observa da cabeça aos joelhos. Segundo
ele, a conexão entre os segmentos de nosso corpo e aquela entre nossa
experiência visual e nossa experiência táctil não se realiza pouco a
pouco e por acumulação. Não estamos diante do nosso corpo, mas no
corpo, ou antes ainda, somos o nosso corpo:
O que reúne as “sensações táteis” de minha mão e as liga às percepções visuais da mesma mão, assim como às percepções dos outros segmentos do corpo, é um certo estilo dos gestos de minha mão , que implica um certo estilo dos movimentos de meus dedos e contribui, por outro lado, para uma certa configuração de meu corpo. Não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas antes à obra de arte. (1999, p. 207)
O jogo dá um estilo de movimento ao conjunto central, formado por
mão e arma, diferente do estilo de movimento do restante dos
elementos da tela.
Elenquei os seguintes termos e expressões-chave: mão esquerda à
minha frente, segurando a arma; ao toque do botão esquerdo, o
gatilho é acionado; ao toque do botão direito do mouse, minha mão
virtual esquerda sai de quadro; mão esquerda, uso do teclado para
caminhar; escutando meus passos. A unidade de significado da
experiência é: a imagem que faço do corpo virtual, para mim, é um
99
conjunto formado pela mão, ouvidos e olhos físicos, mais os
dispositivos periféricos mouse, teclado, monitor e fones de ouvido.
Da apreensão de objetos no espaço virtual
Ao caminhar pelo espaço virtual, onde ocorrem as ações de guerrilha,
são encontrados os “corpos dos guerrilheiros” que já foram mortos, ao
lado de suas armas. Por vezes, encontramos também o “corpo” do
terrorista que teria a função de “plantar” a bomba no alvo. Penso que,
caso já tenha sido morto, a mochila contendo a bomba estará próxima
do seu “corpo”. Mesmo não tendo lido as regras do jogo, passo por cima
destes objetos a fim de “pegá-los”. Se a arma que está no chão tiver
poder de fogo superior à que empunho no momento, ao passar por
cima, “jogo” minha arma no chão e pego a outra. Da mesma forma, se
eu estiver integrando o exército dos terroristas, é minha missão pegar a
bomba e levá-la até o alvo. Como sei que devo pegar ou jogar estes e
outros objetos, se não conheço as regras? O ato de pegar estes objetos,
ainda que previsto como regra, acontece naturalmente, sem se pense
nela. O simples fato de estarem dispostos pelo caminho, me leva a
pegá-los. Ou talvez a possibilidade de acumular pontos ao faze-lo. Uma
explicação possível é o fato de que, assim como os objetos, interferindo
na paisagem do jogo nos convidam a ir até lá para pegá-los, também o
corpo virtual busca espontaneamente por eles. Este se comporta como
um corpo fenomenal que busca relacionar-se naturalmente com mundo
100
à volta, como aquele que Merleau-Ponty aponta (1999, p. 153): “Não é
nunca o nosso corpo objetivo que movemos, mas nosso corpo
fenomenal, e isso sem mistério, porque já era nosso corpo, enquanto
potência de tais regiões do mundo, que se levantava em direção aos
objetos a pegar e que os percebia.”
Os termos e expressões-chave desta experiência são mochila contendo
a bomba; “jogo” minha arma no chão e pego a outra; pegar a bomba
e levá-la até o alvo; acontece naturalmente e a unidade de significado
é: interajo com os objetos dispostos no ambiente de jogo a fim de
cumprir objetivos e o faço de forma natural, “passando” sobre eles
virtualmente.
Do corpo virtual enquanto executor de tarefas do jogo
Merleau-Ponty afirma (1999, p. 154) que o corpo é apenas um elemento
no sistema do sujeito e de seu mundo, e a tarefa a ser executada obtém
dele os movimentos necessários por um tipo de atração à distância.
Quando estou jogando na condição de terrorista, um objetivo toma
conta de todo o meu sistema de movimentação e da mesma forma uma
atenção se apossa de todo o meu sistema sensorial o objetivo é
encontrar um certo lugar no espaço do jogo com uma cruz vermelha
marcada a tinta. A atenção esta toda voltada para o som dos possíveis
passos em sentido contrário, bem como na possibilidade de avistar um
soldado contraterrorista a qualquer momento. Não fui eu quem definiu
101
de forma consciente este objetivo e esta atenção para a qual meus
sentidos estão voltados. Isso foi estabelecido pelo espaço, pelos
objetivos do jogo, aos quais meu corpo apenas reflete com suas ações,
como responderia aos estímulos do espaço fenomenal em qualquer
outra situação.
Os termos e expressões-chave encontrados são um objetivo toma conta
de todo o meu sistema de movimentação; o objetivo é encontrar um
certo lugar no espaço do jogo; a atenção esta toda voltada; e a
unidade de significado é meus sentidos físicos estão voltados a fazer o
corpo virtual cumprir um objetivo dentro do espaço de jogo.
Do corpo presente no espaço virtual
Há um momento a partir do qual não mais me percebo
experimentando conscientemente os comandos do mouse e teclado.
Um automatismo toma conta de ambas as mãos e vejo-me numa
construção com características que me remetem à cultura asteca. Há
um corredor circular ascendente a ser vencido, por onde sigo, que exige
certa habilidade do uso do conjunto mouse-teclado, fazendo-me
lembrar da criança que, com certa dificuldade na locomoção, olha para
os pés ao ensaiar os primeiros passos. O automatismo conquistado
cessa por um momento. Resolvo olhar para os meus “pés”. Movo o
mouse para trás, que é o mesmo que olhar para baixo, porém não os
enxergo e dou-me conta de que não posso ver meu corpo virtual além
102
de meus punhos e mãos. Merleau Ponty (2004, p. 16) fala das trocas
que se dão entre o corpo do pintor e o mundo. Para compreendê-las, é
preciso reencontrar o corpo operante, que não é apenas uma porção no
espaço, que é um “trançado de visão e movimento”. A visão não seria
apenas uma operação do pensamento, mas o primeiro passo de uma
seqüência natural que se seguiria do movimento em direção ao objeto
visto. Ao nos movermos, passamos a ser igualmente videntes e visíveis
(p. 17), sensíveis para nós mesmos. Procuro “sentir-me” movendo ao
descer uma escada em frente a uma pirâmide asteca. Entro num fosso
raso, que presumo ter uns 40 cm de água. Ouço o barulho de minhas
pernas movendo-se na água, mas a sensação se resume ao barulho e à
visão da água pouco mais a frente, porque não consigo me enxergar
tocando-a com as pernas. Segundo Merleau-Ponty, a posse do espaço
virtual se dá pelo cruzamento entre ciente e sensível, pelo ato conjunto
de ver, tocar, ser visto e tocado. No espaço virtual esta experiência se dá
com prejuízos de ordem tátil e visual. Apesar de me encontrar
psicologicamente imerso na trama do jogo, no objetivo a ser cumprido,
na descoberta dos espaços e na interação com os outros jogadores-
personagens, não me vejo além de minhas mãos e não obtenho o
retorno tátil do uso de diferentes objetos. Na verdade tenho, se
considerarmos o toque no mouse e teclado. Mas ele é sempre o mesmo,
não me dá a sensação de diferenciar um ou outro objeto tocado.
103
Os termos e expressões-chave encontrados são vejo-me numa
construção; corredor; por onde sigo; Ouço o barulho de minhas
pernas movendo-se na água; sensação se resume ao barulho e à visão
da água, não consigo me enxergar tocando-a com as pernas e a
unidade de significado é a falta de sinestesia em relação aos objetos
virtuais e a limitação visual com relação ao meu próprio corpo virtual
causam prejuízo da minha percepção em relação a ele.
Da percepção do movimento
Os atos de reconhecer o adversário e atirar ocorrem quase que
simultaneamente, de forma impulsiva, assim como a reação de esguio e
defesa. É uma reação que se aprimora com o tempo de jogo, não pela
intencionalidade objetiva, mas de forma imperceptível, como uma
ordem dada pela minha fisiologia para a manutenção da minha
presença pelo maior tempo possível naquele espaço. Merleau-Ponty (p.
160) defende que não haveria uma percepção seguida de movimento
porque percepção e movimento formariam um sistema que se
modificaria como um todo. Esta minha reação ao adversário seria
semelhante ao exemplo do sinal para o amigo se aproximar. Para
Merleau-Ponty, a intenção de fazer o sinal não é um pensamento
preparado.
Os termos e expressões-chave elencados são reconhecer o adversário e
atirar; esguio e defesa; quase que simultaneamente; de forma
104
impulsiva; forma imperceptível; minha fisiologia; maior tempo
possível naquele espaço e a unidade de significado é meu corpo virtual
se movimenta por um instinto de sobrevivência, de forma impulsiva.
Dos estímulos sonoros
Corro pelo corredor estreito no interior da fortaleza. A presença em
lugar fechado me causa uma sensação de opressão. Mais à frente, o
corredor termina num outro corredor perpendicular, permitindo-me
seguir para a direita ou esquerda. Ao som dos meus passos, ecoando
pelas paredes do corredor, juntam-se o som de outros passos, vindo
pela direita, em volume crescente. Meu ombro direito reage
instintivamente ante a perspectiva de um encontro certo e próximo
chegando pela direita e a incerteza da identidade do que se aproxima:
amigo ou inimigo? Durante todo o jogo, é o som que me orienta pelos
labirintos, seguindo passos, fugindo de tiros, atendendo ao chamado do
grupo. O som me dirige, da mesma forma que, segundo Merleau-Ponty
(p. 163), o som nos dirige ao conteúdo e à sua significação para nós. É o
som que orienta meu avanço no espaço virtual, para onde a visão ainda
não pode alcançar.
Os termos e expressões chave desta experiência são som dos meus
passos; som de outros passo, vindo pela direita; seguindo passos;
fugindo de tiros; atendendo ao chamado e a unidade de significado é
105
os diversos sons do ambiente de jogo me orientam para onde ir e
também onde evitar.
Da consciência corporal e da consciência intelectual
MP faz uma reflexão e uma crítica à explicação fisiológica (p.173) que
diferencia o ato do doente de bater no ponto certo da pele para
proteger-se da picada de um mosquito, e o mesmo doente que não
conseguiria apontar para determinado ponto que lhe tenha sido
solicitado. Segundo esta explicação, a mão do doente iria ao encontro
do ponto porque circuitos nervosos preestabelecidos ajustariam a
reação ao lugar da excitação, enquanto os movimentos deliberados
dependeriam de reflexos condicionados solidamente estabelecidos.
Seriam, enfim, movimentos em si. MP sustenta que essa diferença não
seria suficiente para explicar por que o movimento de pegar é possível
enquanto o movimento deliberado conscientemente não o é.
Se o movimento de pegar ou o movimento concreto está assegurado por uma conexão de fato entre cada ponto da pele e os músculos motores que conduzem a mão , não se vê por que o mesmo circuito nervoso, ordenando aos mesmos músculos um movimento muito pouco diferente, não asseguraria o gesto do Ziegen tanto quanto o movimento do Greifen16. Entre o mosquito que pica a pele e a régua de madeira que o médico apóia no mesmo lugar, a diferença física não é suficiente para explicar que o movimento de pegar seja possível e o gesto de designação não o seja. Os dois “estímulos” só se distinguem verdadeiramente se se leva em conta seu valor afetivo ou seu sentido biológico; as duas respostas só deixam de se confundir se consideramos o Ziegen e o Greifen como duas maneiras de se referir ao objeto e dois tipos de ser no mundo.
16 Na experiência corpórea com o espaço, Greifen é considerado o movimento concreto, automático, reativo, enquanto que Ziegen é o movimento abstrato, o gesto intencional e deliberado em direção ao objeto, a sua designação formal.
106
Tanto o ato fisiológico, quanto o consciente, ambos têm as mesmas
contrações musculares participando de cada gesto, e por outro lado, o
estímulo pode deixar de ser causa da reação e tornar-se seu objeto
intencional. Para o autor, não haveria diferença nos movimentos, mas
diferentes maneiras de ser do corpo, diferentes formas de se comportar
diante do mundo. O corpo reage segundo um saber diferente da ação
consciente. A experiência da reação aos tiros e do domínio adquirido
dos movimentos na vivência da realidade virtual em ambiente de
guerra, nos sugere que, sob certas condições, que estas distinções entre
o movimento abstrato (consciente e intencional) e o movimento
concreto (reativo) poderiam se apresentar não tão distintas e poderiam
influenciar uma à outra, dado o nível de realismo e imersão psicológica
proporcionado pelo ambiente tridimensional do jogo, reforçado pelo
som estéreo que chega diretamente aos ouvidos, ambiente este em que
se desenrolam cenas de matar e morrer. Estas cenas são
protagonizadas por aquele que joga, numa forma que podemos chamar
— emprestando o termo da linguagem cinematográfica — de “câmera
subjetiva”17, gerando uma condição estressante. Lá estamos com nosso
corpo fenomenal-virtual, e com todos os nossos sentidos, para cumprir
um objetivo e, antes disso, não “morrer”. Nesta condição, o ato de atirar
17 O conceito de “câmera subjetiva” é exemplificado por Marcel Martin em A linguagem cinematográfica (p. 31 — São Paulo: Brasiliense, 2003), quando fala sobre o papel criador da câmera, em que ela “inicialmente estava a serviço de um estudo objetivo da ação ou do cenário”, mas logo passa “a exprimir pontos de vista cada vez mais subjetivos através de movimentos progressivamente audaciosos.” A câmera subjetiva procura assumir a condição de personagem participante da cena.
107
deliberadamente no “inimigo” e proteger-se, desviando dos tiros são
ações tão próximas, que poderíamos dizer que uma desencadeia a
outra. Não basta desviar dos tiros adversários, assim como não basta
atirar. É preciso o conjunto de ações que teriam, sob outras condições,
a qualificação de movimentos distintos, como afirma Merleau-Ponty:
Assim como a causalidade fisiológica, a tomada de consciência não pode começar em parte alguma. É preciso ou renunciar à explicação fisiológica, ou admitir que ela é total — ou negar a consciência ou admitir que ela é total; não se ode referir certos movimentos à mecânica corporal e outros à consciência, o corpo e a consciência não se limitam um ou outro, eles só podem ser paralelos. Toda explicação fisiológica se generaliza em fisiologia mecanicista ou a psicologia intelectualista nivelam o comportamento e apagam a distinção entre o movimento abstrato e o movimento concreto, entre o Ziegen e o Greifen. (1999, p. 174)
Com relação a esta diferenciação que tanto a fenomenologia quanto a
psicologia procuram enfatizar, entre o Ziegen e o Greifen, sinto que
houve um processo pelo qual o meu corpo passou, de conscientização
dos movimentos no espaço virtual. Assim como uma criança aprende a
andar, também tive que aprender como me locomover e realizar as
ações. O que percebo é que, no início, na fase de aprendizado, qualquer
dos movimentos que eu realizasse seria uma ação intencional,
deliberada. Era necessário que eu direcionasse minha atenção ao
mouse e ao teclado, buscando lembrar-me das combinações corretas de
teclas e botões para obter o movimento ou reação desejada ante as
situações proporcionadas a cada momento pelo jogo. Esta condição de
aprendizado parece ser um movimento Ziegen. Um mês após, tendo
jogado diariamente, não mais dependendo da memória para acionar as
108
inúmeras combinações de botões, meus gestos reativos assemelham-se
mais aos movimentos Greifen, automáticos e impulsivos. Os gestos de
um e de outro momento são os mesmos, rigorosamente. A diferença é
que antes, meu corpo não havia se apoderado do espaço com a
naturalidade que lhe é peculiar no mundo físico.
Adentrar no ambiente virtual da “arena” de jogo me desperta uma
consciência específica daquele espaço, com suas dimensões específicas,
seus sons, seus recursos de locomoção, de apreensão e manipulação
dos objetos nele contidos, de apreende-lo, domina-lo, possuí-lo
integralmente para que possa realizar o objetivo de vencer o jogo.
Trata-se de uma consciência que guarda certas analogias visuais e
sonoras com a consciência que tenho dos espaços ocupados no dia-a-
dia, mas diferente na forma de interagir. Esta diferença, explicada
conforme o pensamento de Merleau-Ponty (p. 203), ocorreria porque a
experiência do coro reconhece uma “imposição do sentido” que não
seria a consciência clássica, ou uma consciência constituinte universal,
mas a consciência de um sentido que seria aderente a certos conteúdos,
No caso, aos conteúdos específicos da “arena” de jogo.
O ambiente virtual não tem peso, não é tátil, não exige do nosso corpo
esforços físicos nem o uso da musculatura ou da capacidade aeróbica,
exceto um esforço mínimo de ambos os antebraços, da nossa mão
direita e de alguns dedos da mão esquerda. Vivenciar o ambiente
109
virtual é uma experiência mentalmente intensa, mas fisicamente sutil.
Por outro lado, devido às emoções provocadas pela temática do jogo, o
ambiente virtual de guerra é exigente quanto à utilização do sistema
nervoso, provocando suores, aceleração cardíaca, reações impulsivas e
tensão durante todo o tempo de jogo. Há aqui um paradoxo, já que o
sistema fisiológico pressupõe uma espécie de controle da demanda
muscular e aeróbica por parte do sistema nervoso. Nossos reflexos
instintivos deveriam, em princípio, serem acompanhados pelo corpo.
Este deveria ser o reflexo, no âmbito físico, das pulsões e intenções no
âmbito psíquico e emocional. À descarga de adrenalina, deveria seguir-
se um momento de intensa atividade física como correr, lutar, fugir ou
reagir. Mas a adrenalina não encontra seu destino. O que se percebe,
com o decorrer das horas, é um certo tipo de adaptabilidade a esta
situação paradoxal. À medida que se acumula a experiência de jogar, o
conjunto perceptivo parece adquirir uma certa frieza, um autocontrole
associado a uma ampliação da percepção visual e auditiva, enquanto o
corpo, antes preparado para uma guerra, passa a ficar num estado que,
à falta de outras qualificações, chamaríamos de “relaxamento alerta”.
Parece que o corpo “relaxa”, a fim de que seu estado de tensão não
atrapalhe o nível de atenção exigido para uma boa performance no
jogo.
110
Os termos e expressões-chave encontrados são no início; ação
intencional, deliberada; direcionasse minha atenção ao mouse e ao
teclado; lembrar-me das combinações; provocando suores,
aceleração cardíaca, reações impulsivas e tensão; acumula a
experiência de jogar; autocontrole; frieza; ampliação da percepção
visual e auditiva; relaxamento alerta; experiência mentalmente
intensa, mas fisicamente sutil e a unidade de significado é a
experiência mentalmente intensa, mas fisicamente sutil do jogo,
provoca inicialmente reações fisiológicas (sistema nervoso) relativas
à ação do jogo – existe apenas a consciência intelectual. Com o passar
do tempo, o conjunto perceptivo se adapta a esta situação e o corpo
deixa de apresentar tais reações fisiologias, mantendo-se alerta,
porém calmo – passa a existir a consciência corporal.
Do modo de olhar o jogo
O realidade virtual exige um certo modo de ver e de estar no jogo. Num
primeiro momento procuro entender a interface sinestésica, o mouse, a
combinação de botões, o uso simultâneo destes dois tipos de apêndices
tecnológicos, dos quais meu corpo deve se apoderar para adentrar no
mundo da realidade virtual. Neste momento ainda não estou jogando,
nem tampouco adentrei o espaço. Estou apenas “fora” sentado em
frente ao computador e procurando a melhor forma de com ele
interagir. O espaço virtual é sensorialmente imersivo e, para nele estar,
111
não pode haver consciência racional a respeito da interface de jogo
enquanto a utilizo. Ela deve ser ignorada, relegada à subconsciência,
deixar de existir. Para que eu vivencie o espaço virtual, não pode haver
atenção consciente ao mouse, teclado ou monitor. Não pode haver
interface para mim, porque na realidade, eu sou a interface, à medida
que minha percepção imerge no ambiente do jogo. O monitor, o teclado
e o mouse continuarão a ser o que são. O que muda é a minha
percepção. Ou, como diz Merleau-Ponty (1999 p. 301) “a visão não é
nada sem um certo uso do olhar.”
Os termos e expressões-chave que encontrei são sensorialmente
imersivo; estou apenas “fora” sentado em frente ao computador; não
pode haver... interface de jogo; ser ignorada; deixar de existir e a
unidade de significado da experiência é para imergir no jogo, o meu
olhar (do jogador) deve ignorar tudo que ocorre fora dos limites da
tela.
Do ato de raciocinar em relação ao jogo
O domínio sobre o mouse, o teclado, a “arena” de batalha, bem como o
domínio sobre a jogabilidade não ocorrem enquanto penso a respeito
deles. A intenção consciente, ao invés de ajudar, parece que interfere
negativamente na naturalidade com que navego pelo espaço virtual.
Naturalidade e desenvoltura nesse espaço não só não dependem do
meu raciocínio, como de certa forma pedem que não pense sobre ele,
112
mas me deixe imergir naturalmente. Quando debruço meu olhar sobre
as teclas ou o mouse, quebra-se o poder que os dedos e a mão
naturalmente exercem sobre eles. Mouse e teclado solicitam de meu
corpo um domínio tátil, que vai se encontrar com meu sentido visual lá
dentro da “arena” de jogo Visão, audição e tato estão separados aqui no
mundo físico, para se unirem no mundo virtual, sem a interferência do
meu raciocínio. Como afirma Merleau-Ponty (1999, p. 303):
Os sentidos são distintos uns dos outros e distintos da intelecção, já que cada um deles traz consigo uma estrutura de ser que nunca e exatamente transponível. Nós podemos reconhecê-lo porque rejeitamos o formalismo da consciência e fizemos do corpo o sujeito da percepção.
Encontrei os seguintes termos e expressões-chave: intenção consciente;
interfere negativamente; olhar sobre as teclas ou o mouse; quebra-se
o poder que os dedos e a mão naturalmente exercem sobre eles e a
seguinte unidade de significado: Não devo pensar racionalmente que
estou jogando. Isso interfere negativamente no jogo.
Da explicitação da minha experiência no espaço físico
Merleau-Ponty nos oferece a essência do seu pensamento a respeito da
percepção na frase escolhida para a capa de A Estrutura do
Comportamento, “Não é o mundo real que faz o mundo percebido”
(2006). Complementa-se a este pensamento uma frase escrita na
introdução do mesmo livro, por Alphonse de Waelhens (p. XI). “Ora, o
mundo não é nas coisas, mas no horizonte das coisas”. A ação que se
113
desenrola dentro dos limites da tela do monitor não se dá no mundo
físico, mas no espaço que percebo do mundo virtual, que é o horizonte
que se me apresenta. Caso houvesse um espaço virtual inspirado num
ambiente físico específico, o horizonte de ambos poderia ser
confrontado diante da minha percepção? Poderia haver algum tipo de
equivalência entre os dois horizontes, físico e virtual? Em busca de
resposta, decido procurar por um ambiente virtual, ou “mapa”18 de jogo
cuja criação tenha sido inspirada num lugar real, brasileiro e
geograficamente próximo, e que possibilite, posteriormente, ser
validado por minha presença real no mesmo lugar. Busco por “mapas”
brasileiros disponíveis na internet e encontro dois, um ambientado no
Rio de Janeiro, outro em São Paulo. Escolho este último, cuja ação de
guerrilha se passa num ambiente inspirado na estação Anhangabaú do
metrô. Por não residir na cidade de São Paulo, não conheço a região, o
que tornará mais interessante esta experiência. Meu intuito é explicitar,
a partir da perspectiva da virtualidade, a tese de Merleau-Ponty de que
o mundo real não constrói a percepção que tenho deste mundo.
Pretendo jogar durante alguns dias, até dominar mentalmente o
“mapa” do jogo, e posteriormente visitar o local, registrando meu
domínio deste espaço. Se a afirmação de Merleau-Ponty estiver correta,
18 Mapa de jogo, também chamado de Arena, é o nome do “lugar virtual” onde se dá a ação do jogo. No Counter Strike, existem centenas de mapas diferentes, inspirados em lugares de todo o mundo. A maior parte destes mapas foi criada e desenvolvida pelos próprios jogadores – os que tem habilidade em linguagem de programação e modelagem – e disponibilizados para internet em blogs e fóruns de discussão especializados.
114
ao visitá-lo pela primeira vez, será como se não o fosse, pois já teria
tomado posse deste espaço na minha percepção, o que de certa forma
viria ao encontro do que o autor defende.
É importante salientar que não tenho a pretensão de comprovar, nem
tampouco invalidar tal afirmativa do autor, uma vez que ele, ao fazê-lo,
não se referia à simulação da realidade física. Também não tenho a
expectativa de encontrar um lugar idêntico ao existente, visto que até o
registro fotográfico envolve o exercício da criatividade e os espaços a
serem criados devem se adaptar aos objetivos específicos de cada uma
das equipes – terroristas e contra-terroristas. Meu trabalho de pesquisa
tem a característica de fazer a transposição de um pensamento a
respeito da percepção, para um contexto que não existia na época, que
é o da realidade virtual. O pensamento do autor, porém, penso eu, está
acima dos limites contextuais e temporais.
O ambiente virtual é o de uma estação do Metrô de São Paulo, chamada
“Anhangabauru”, com saída por um dos lados dos trens. Após as
catracas, o caminho se divide, levando a duas ruas. Num deles, o
maior, há uma obra de
115
Figura 28 - Catracas e dois caminhos a seguir
Figura 29 - Seguindo pela saída principal
arte pendurada no teto. Toda a estrutura da edificação é cinzenta,
lembrando concreto armado, tal como a do metrô paulistano.
Figura 30 - Saída principal com obra de arte pendurada no teto
A sinalização indicativa é pintada em letras brancas sobre fundo
alaranjado, tal como na linha leste-oeste do metrô. O objetivo é plantar
uma bomba na sala de controle da estação. Além da área interna da
estação, o local possui uma área externa com ruas que ligam duas ou
116
mais estações. Percorro estas ruas a fim de me familiarizar com sua
geografia. Mesmo não conhecendo o Anhangabaú, percebo que a
construção desta “arena de jogo” não deve corresponder à realidade
física do local, visto que há algumas passagens suspensas ligando ruas e
atravessando por cima das quadras. Se assim fosse, acredito que fariam
parte do cartão-postal do centro da cidade e não me recordo de ter visto
nada semelhante em fotos.
Após alguns meses “flanando” pelos corredores e ruas, senti-me
dominando mentalmente o local e resolvi repetir a experiência in loco.
117
Figura 31 - Área externa sob diversos ângulos
Desço na estação Anhangabaú e tenho a primeira surpresa: a saída –
bem como a entrada – dos trens é feita na ilha central, ao paço que a
estação virtual tinha suas entradas e saídas em áreas de embarque
opostas: de um lado leste, do outro oeste. Ao subir a escada rolante,
deparo-me com sentido único de fluxo de pessoas, enquanto na estação
de metrô virtual, o alto da escada terminava em corredores para os dois
lados. Exceto pela sinalização em vermelho, característica da linha
leste-oeste, nada na estação, bem como das ruas adjacentes, lembrava o
118
metro “Anhangabauru” que eu conhecia tão bem. Segui em direção à
saída da Rua Líbero Badaró e tive a mesma sensação de
estranhamento.
Inicialmente frustrado, procurei rever minha experiência e percebi que
ela não foi invalida. Porque a sensação que tive não foi a de visitar uma
estação onde nunca tinha estado, mas sim a de estar num lugar que não
era igual à estação que eu conhecia. Eu levei uma expectativa que não
se confirmou – pelo contrário – criou uma sensação de estranhamento
em mim. O horizonte que se havia apresentado mudou e esta foi a
percepção que tive do evento.
Os termos e expressões-chave desta experiência são “flanando” pelos
corredores e ruas; dominando mentalmente o local; surpresa;
frustrado; horizonte que se havia apresentado mudou e a sua unidade
de significado é: jogar numa arena de jogo inspirada em local
verdadeiro cria expectativas de comparação entre o lugar virtual e o
da realidade física.
Da imersão no jogo e dos sentidos
A imersão total e a vivência plena da realidade virtual do jogo
dependem dos meus sentidos em conjunto: visão, audição e tato.
Quando eu tiro o fone de ouvido e jogo sem escutar o que ocorre na
“arena”, não percebo a aproximação de adversários, não me envolvo no
119
jogo nem sou envolvido por ele. Não estou impedido de jogar, mas por
outro lado minha percepção está impedida de vivenciar na plenitude a
experiência da realidade virtual do jogo. Se eu colocar o fone de ouvido
e fecho os olhos, os sons me chegam sem que façam sentido. Não me
envolvem, não provocam a tensão que eu costumo sentir quando escuto
os sons de olhos abertos. Se eu apenas assistir ao jogo sem comandá-lo,
não me considero ameaçado pelos tiros inimigos. É necessário que eu
comande, veja e ouça o jogo para que me sinta participando dele.
Destaco os seguintes termos e expressões-chave: sem que façam
sentido; não me considero ameaçado; e destaco também a seguinte
unidade de significado: a imersão exige a participação conjunta dos
sentidos visual, auditivo e do comando de jogo.
Das inversões de perspectiva
Incentivado pelas experiências relatadas no Capítulo II de
Fenomenologia da percepção, em que Merleau-Ponty descreve um
caso de inversão retiniana (p. 329) obtida pelo uso de óculos que
invertem verticalmente a perspectiva natural de visão, deixando as
imagens de ponta-cabeça, e mais à frente (p. 334), ao relatar a
experiência da sala com espelho a 45º, procuro estabelecer experiências
semelhantes no espaço virtual de jogo. Decido fazer três experiências:
primeiro, jogar com o monitor posicionado a 45% em relação aos meus
olhos. Segundo, jogar com o monitor invertido horizontalmente (tudo
120
que está à direita é visto como esquerdo, e vice-versa. E terceiro, jogar
com o monitor invertido verticalmente, ou seja, com as imagens de
ponta-cabeça. A primeira das experiências foi realizada com a
inclinação do próprio aparelho monitor. As outras duas, a partir de um
comando realizado internamente no computador, utilizado para exibir
as imagens em aparelhos de datashow em feiras e eventos que exigem o
recurso de retroprojeção. O objetivo desta experiência é investigar se as
inversões de perspectiva no espaço virtual também oferecem
oportunidades para a orientação espacial, assim como as relatadas pelo
autor. Merleau-Ponty afirma que a orientação espacial (alto-baixo,
esquerda-direita, perspectivas etc.) não é dada pelo corpo nem
tampouco pelo espaço físico, mas pelo espetáculo oferecido à percepção
pelo campo visual, sendo o corpo agente deste espetáculo. Ou seja, se
ao meu conjunto perceptivo é oferecido um espetáculo que não reflete a
orientação espacial real, mas um espetáculo com uma lógica diferente,
seja por inversão de perspectiva, seja por inversão de eixo, mais cedo
ou mais tarde, meu corpo deve adaptar-se a esta condição, passando a
me oferecer uma leitura lógica do espetáculo que me é apresentado e
onde atuo.
Na experiência da inversão retiniana, um paciente usa óculos que
alteram o eixo vertical de visão, deixando tudo o que ele vê aparecer de
121
ponta-cabeça Merleau-Ponty descreve a experiência conduzida por
Stratton19:
Se se faz um paciente usar óculos que viram para baixo as imagens retinianas, primeiramente a paisagem inteira parece irreal e invertida; no segundo dia da experiência, a percepção normal começa a se restabelece, à exceção de que o paciente tem o sentimento de que seu próprio corpo está invertido. No decorrer de uma segunda série de experiências, que dura oito dias, primeiramente os objetos parecem invertidos, mas menos irreais do que da primeira vez. No segundo dia, a paisagem não está mais invertida, mas é o corpo que é sentido em posição anormal, do terneiro ao sétimo dia, o corpo se apruma progressivamente e enfim parece estar em posição normal, sobretudo quando o paciente está ativo... ...no sétimo dia, a localização dos sons e correta se o objeto sonoro é viso ao mesmo tempo em que é ouvido. Ela permanece incerta, com dupla representação ou mesmo incorreta, se o objeto sonoro não aparece no campo visual. No final da experiência, quando se retiram os óculos, os objetos parecem sem dúvida não invertidos, mas “bizarros”, e as reações motoras estão invertidas: o paciente estende a mão direita quando s seria preciso estender a esquerda. (1999, p. 329-330)
Mais adiante (p. 334) relata a experiência do espelho posicionado a
45º:
Se se dispôs para que um sujeito só veja o quarto onde se encontra por intermédio de um espelho que o reflita inclinando-o a 45º em relação à vertical, primeiramente o sujeito vê o quarto “oblíquo”. Um homem que ali se desloca parece caminhar inclinado para o lado. Um pedaço de papelão que cai ao longo da guarnição da porta parece cair segundo uma direção oblíqua. O conjunto é “estranho”. Após alguns minutos, intervém uma mudança brusca: as paredes, o homem que se desloca no cômodo, a direção de queda do papelão tornam-se verticais.
Segue-se a primeira experiência, realizada com a tela inclinada.
Tela inclinada a 45º
Inicio a tela de jogo e inclino o monitor cerca de 45º em relação à
posição em que se encontra normalmente, esperando encontrar o
19 STRATTON, Some Preliminary Experiments on Vision without Inversion of Retinal Image, Psychological Review, vol. 3. pp. 611--617, 1896 apud MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
122
espaço virtual de jogo sob a perspectiva da obliqüidade. Sou obrigado a
fazer ajustes na luminosidade do monitor, que visto desta posição,
apresenta uma imagem escura e opaca.
Figura 32 - Monitor inclinado a 45º
Inicio o jogo sem qualquer dificuldade ou alteração da minha percepção
do espaço ou da posição dos meus oponentes. Jogo cerca de 15 minutos
nesta posição sem notar a sensação inicial, descrita na página 334.
Interrompo o jogo e pego um espelho de 30x50cm, posicionando-o a
45%, procurando enxergar-me e às outras coisas por intermédio dele.
Agora sim, tenho a sensação de obliqüidade, mesmo que numa área
pequena do espelho. Inclino o espelho por diversas vezes e observo
toda a profundidade do espaço movendo-se em ângulo, tendo o espelho
como vértice: os objetos mais distantes movem-se mais que os
próximos. Volto ao monitor e faço o mesmo movimento. Percebo que o
espaço de jogo da tela não se move em ângulo, mas apenas a tela se
123
inclina, como uma foto. Percebo que a tela do monitor é bidimensional.
A sensação de tridimensionalidade é dada pelo movimento da imagem
de jogo, e não da tela. A sensação de profundidade é resultado do
cálculo incessante dos algoritmos gráficos que me apresentam um
espetáculo de objetos que se deslocam mais que outros em meu campo
visual, tal qual ocorreria na experiência física. Meu corpo reage
perceptivamente ao espaço tridimensional que lhe é apresentado pelo
jogo de movimento das imagens na tela e se adapta a este espetáculo
como se ele existisse no mundo real. Concluo ter sido uma experiência
de ordem física que não modificou a percepção do espaço virtual.
Os termos e expressões-chave da experiência são apenas a tela se
inclina; como uma foto; bidimensional; movimento da imagem de
jogo; a unidade de significado: a sensação de tridimensionalidade não
depende da posição do monitor, mas apenas os movimentos
observados na tela.
Tela invertida horizontalmente
Inicio o jogo e aciono a chave inversora. A imagem se inverte
horizontalmente e parece que estou empunhando a arma com a mão
esquerda.
124
Figura 33 - Tela invertida horizontalmente
Movimento o mouse para a direita, a tela se desloca para a esquerda e
vice-versa. Movimento para frente e para trás e a imagem focaliza o alto
e o baixo, respectivamente, como era esperado. Procuro acionar os
botões de deslocamento: A, S, D e F. Vou “para frente” e “para trás”
como esperado, mas desloco-me lateralmente de forma inversa à minha
expectativa. Procuro seguir em direção ao objetivo do jogo, que é
“plantar” uma bomba em local determinado. Minha movimentação é
titubeante, porque sou traído pelo raciocínio vigente, em que esquerda
é esquerda e direita é direita. Mais à frente, ouço passos chegando pela
direita, mas procuro mover o mouse para a esquerda, finalmente. Sou
atingido, morro e percebo que o “inimigo” veio, na verdade, pela
esquerda. Como pode? Perco-me por um instante. Percebo em seguida
que os fones de ouvido continuam me fornecendo informações das
direções verdadeiras, não invertidas. Para que a experiência seja
completa, tenho que inverter os fones de ouvido também.
125
Após uns 15 minutos de jogo, não sinto mais dificuldade em apontar as
armas utilizando o mouse. Ele se movimenta corretamente no sentido
inverso à imagem. Mas o que ocorreu não foi uma adaptabilidade de
ordem perceptiva, e sim funcional. Explicando melhor: antes, quanto
“apontava” utilizando o mouse, tinha uma imagem análoga, em minha
mente, da empunhadura de uma arma com os braços esticados. Ao
apontar para a esquerda, atirava para a esquerda e vice-versa. Meu
corpo real usava o mouse enquanto meu corpo virtual empunhava uma
arma. Quanto inverti a tela, aos poucos a imagem mental de meu corpo
virtual deixou de ser a de uma arma empunhada, e passou a ser a de
uma metralhadora fixada num tripé. Neste tipo de metralhadora, o
soldado segura a arma por trás de um eixo fixo e move-se inversamente
à direção horizontal que deseja atirar. Mesmo que a imagem na tela
fosse um revolver, senti-me empunhando uma arma presa a um eixo de
tripé, onde o mouse encontrava-se entre mim e o eixo. Considerei que
minha mente não se adaptou do ponto de vista da perspectiva espacial,
mas se utilizou e um “atalho mental” para conseguir realizar seu
objetivo, que era acertar o alvo.
Demorei uns dois dias para que a combinação de teclados se adaptasse
ao movimento pretendido, mas foi um processo irritante e frustrante,
porque minha performance de jogo caiu bruscamente e não consegui
manter a competitividade diante de meus adversários. Entretanto, em
126
momentos não estressantes, em que não havia tiroteios e ações
ocorrendo, pude locomover-me com certa facilidade. Os dedos
passaram a alternar a combinação de forma automática. Meu corpo
virtual tomou posse não definitiva do espetáculo invertido. Digo “não
definitiva” porque, durante os momentos de estresse, perdia este
controle automático e procurava assumir racionalmente os movimentos
invertidos, principalmente de deslocamento lateral com o teclado, sem
o mesmo sucesso. O pânico de ser atingido pela bala inimiga quebrava
a minha posse da nova condição de perspectiva invertida.
Após cinco dias de jogo nesta condição, considero ter dominado
satisfatoriamente a inversão horizontal, inclusive nos momentos
estressante, não mais raciocinando a respeito do controle de
deslocamento lateral. Tenho uma performance em momentos
estressantes que me permitem algumas vitórias e algum prazer em
jogar desta forma. Jogo durante 3 horas seguidas sem ter assumir
conscientemente nenhum controle, deixando o corpo virtual agir “no
automático”, o que é mais eficiente em termos de performance e
resultado. Ao parar de jogar, ocorre um processo estranho: o
movimento do meu olhar no espaço do escritório, por uma fração de
segundos, é “estranhamente correto”. Senti uma sensação de
estranhamento ao mover a cabeça para a direita e a imagem
corresponder.
127
No sexto dia, joguei 15 minutos e em seguida virei a chave para a
posição correta, com objetivo de verificar quanto tempo demoraria para
ma adaptar ao eixo não invertido. Foi necessário menos de um minuto
para continuar jogando normalmente , com os movimentos corretos.
Encontrei os seguintes termos e expressões-chave: se movimenta
corretamente no sentido inverso à imagem; mouse; senti-me
empunhando uma arma presa a um eixo de tripé; atalho mental;
teclados; performance de jogo caiu bruscamente; irritado e frustrado;
“estranhamente correto”; e a seguinte unidade de significado: o corpo
se adapta à perspectiva que se apresenta.
Tela invertida verticalmente
Ligo o jogo e aciono a chave na posição de inversão vertical e
horizontal, deixando a imagem de ponta-cabeça e espelhada ao mesmo
tempo.
Figura 34 - Tela de ponta-cabeça e invertida horizontalmente
128
Movimento o mouse, que não corresponde a nenhum dos controles
esperados. Como já havia realizado a experiência da inversão
horizontal, não senti dificuldade em movê-lo para a esquerda e para a
direita, utilizando o atalho mental da metralhadora “sobre o eixo”, da
mesma forma que o movimento para cima e para baixo foi beneficiado
por esta forma de perceber o uso da arma. Ao mover o mouse para
frente, a arma apontou para baixo (que na verdade é para cima em
relação ao espaço virtual). Entretanto, o atalho visual que utilizei com a
arma não resolve a sensação que sinto quando me movimento: pareço
estar voando próximo ao teto. Há um imenso vão livre sob meus pés
(não os enxergo) e percebo que ganhei o dom da flutuabilidade. Ao
clicar o botão para a esquerda vou para a direita e vice-versa, mas
imediatamente me adapto à situação, graças à experiência anterior. A
arma se encontra sobre a minha cabeça. Definitivamente, não parece
que estou invertido em meu eixo vertical, mas sim voando muito alto.
Ouço tiros vindo da esquerda e, intuitivamente, sei que devo buscar a
ação à direita, a fim de evitar que a bomba seja “plantada”. A
experiência realizada com a inversão de eixo horizontal me
proporcionou esta reação correta. Vislumbro uma área maior, onde
ocorre a ação. Todos estão “grudados” ao teto, como lagartixas. Minha
reação imediata é participar e cumprir minha missão, mas falho ao
“corrigir” o eixo de ação em relação à arma. Fujo, entrando num
edifício e minha sensação de “estar voando” muda: agora penso que eu
129
estou de ponta cabeça em relação à sala. Concluo que o teto sob meus
pés apresenta o elemento necessário para que o espetáculo da inversão
vertical se apresente à minha percepção.
Figura 35 - De ponta-cabeça no interior de um edificio
Volto para fora do edifício. Ao sair, o vão livre azul se apresenta
novamente sob meus pés, dando-me a sensação de estar voando. Vejo
meus companheiros de equipe correndo como lagartixas no teto e
dirijo-me a eles. Não me sinto uma das “lagartixas”. Percebo-me em
meu eixo vertical correto, voando próximo ao teto, segurando a arma
sobre a minha cabeça. A ausência do teto sob meus pés é determinante
na organização mental que me fornece a referência de estar de pé ou de
ponta cabeça. Minha posição no espaço, minha “espacialidade” não é de
posição, mas de situação (Fenomenologia, p.146).
130
Figura 36 - Voando “pouco abaixo” da área, de ponta-cabeça.
Sou repentinamente “morto por um tiro” e passo a sobrevoar meu
corpo. Sobrevoar não seria a palavra correta, pois estou abaixo dele e
ele está acima de mim, grudado ao teto, enquanto estou voando alguns
metros “sob” o mesmo. Observo a tentativa de desarmar uma bomba,
que explode (Figura 24) enquanto meus companheiros são
arremessados “para baixo”, para em seguida voltarem a grudar no teto.
Vale refletir brevemente a respeito desta seqüência de percepções sobre
meu corpo virtual sentindo-se “de pé” e voando no espaço aberto, e de
ponta cabeça em espaços fechados. Merleau-Ponty aborda esta
frustração seqüencial no capítulo “O mundo percebido”:
A pretensão à objetividade de cada ato perceptivo é retomada pelo seguinte, outra vez frustrada e novamente retomada. Este malogro perpétuo da consciência perceptiva era previsível desde o seu começo. Se só posso ver o objeto distanciando-o no passado é porque, assim como a primeira investida do objeto nos meus sentidos, a percepção que sucede ocupa e também oblitera minha consciência, é então porque por sua vez ela vai passar, porque o sujeito da percepção nunca é uma subjetividade absoluta, porque ele está destinado a tornar-se objeto para um Eu ulterior. (Fenomenologia da percepção, p. 322)
131
Após 2 dias de imersão no ambiente invertido vertical e
horizontalmente, domino meus movimentos, aponto “corretamente”,
ou seja, de forma invertida ao que seria o normal, porém acertando
com certa destreza meus inimigos. Locomovo-me “voando alto” (esta
sensação não deixou de ocorrer) nos ambientes abertos e de ponta
cabeça nos ambientes fechados. Mas o importante é que a sensação de
alto e baixo não faz diferença enquanto jogo. Tenho a meu favor o fato
de que a inversão de eixos ocorre apenas no campo visual e auditivo,
sem ter que se confrontar com a experiência tátil, onde a inversão não
ocorre. Merleau-Ponty (p. 330) diz que esta confrontação, entre mundo
visual (invertido) e tátil (direito) seriam duas representações
irreconciliáveis de seu corpo, que só desapareceriam se uma delas
desaparecesse. É o que ocorre no meu caso: não tenho a representação
tátil “direita” confrontando o mundo visual invertido. Porém, segundo
Merleau-Ponty, mais à frente, nem tampouco o contraponto tátil
bastaria para proporcionar uma sensação de correção à rotina invertida
pela lente dos óculos, no caso da experiência relatada por ele. Merleau-
Ponty lembra (p.332) que não estamos nas coisas, mas apenas temos
campos sensoriais, e que estes não são aglomerados de sensações, mas
sistemas de aparências que variam no decorrer da experiência, mesmo
em mudança nos estímulos. Não há alto e no baixo porque o espírito é o
constituinte das experiências, não há uma ancoragem externa que nos
dê o eixo correto das coisas. O espaço que me é dado, seja no eixo ou
132
posição que se apresentar, eu o utilizo e dele tomo posse, criando novas
relações perceptivas e adaptando-as ao meu objetivo.
Os termos e expressões chave desta experiência são não parece que
estou invertido; mas voando muito alto; teto; de pé ou de ponta-
cabeça; a unidade de significado é: a sensação de inversão vertical
depende de elementos visuais (teto embaixo) que corroborem o
espetáculo.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao propor esta pesquisa, levado pela intenso envolvimento subjetivo do
jogador com este tipo de jogo, averigüei sua relação com o real, a
percepção dessa experiência, do espaço virtual e de si mesmo nesse
espaço. Questionei ainda como essa experiência afeta o sujeito e a
possibilidade de ela equivaler à vivência da realidade. Na busca pela
resposta, conceituei realidade virtual e explicitei como ocorrem as
interações entre usuário e computador. Procurei compreender a
percepção do sujeito em relação a si mesmo e ao espaço, à luz da
fenomenologia de Merleau-Ponty. Lancei-me à pesquisa como sujeito
da mesma, fiel à sua filosofia fenomenológica. Redigi relatos descritivos
e deles extrai a essência, de acordo com o método fenomenológico na
abordagens, baseada em Merleau-Ponti e combinada com o chamado
método de Giorgi.
Durante os meses em que me lancei à condição de jogador do
videogame de guerra em primeira pessoa Counter Strike, fui sujeito e
objeto de minha própria pesquisa. Dediquei horas semanais, ao longo
da investigação “em campo”, no mundo virtual, a fim de explicitar a
minha percepção deste espaço de jogo. Voltando aos objetivos e lendo-
os novamente, rememoro as dúvidas quanto à utilização de uma
metodologia fenomenológica – um viés ousado, que envolveu a decisão
134
de me submeter ao jogo. Porém, revelou-se acertada. Ao abrir mão de
métodos tradicionais e mais exatos de coleta de informação, foram
afastados também os prejuízos inerentes aos registros por relatos de
terceiros, entrevista ou observação. Fui eu que percebi o mundo virtual
em primeira e única mão, podendo conhecer sensações, emoções e
pensamentos a que, de outra forma, não teria acesso..
Os resultados dessa incursão vieram na forma das experiências
relatadas ao longo destas páginas. Fornecem indicadores em relação à
percepção do espaço, da manipulação de objetos virtuais, do meu corpo
virtual e de como ele se relaciona com meu corpo fenomenal. Tais
experiências produziram unidades de significado que permitem
configurar o processo fenomênico do jogo eletrônico aqui focalizado.
Reúno-as aqui, em seqüência: Meu corpo toma posse dos dispositivos
periféricos, afetando o jogo e sendo afetado por ele – A imagem em
movimento na tela bidimensional me dá uma noção de
tridimensionalidade do espaço virtual por meio do aumento e
diminuição dos objetos em diferentes velocidades – O meu corpo
fenomenal reage a alguns estímulos sensoriais direcionados ao meu
corpo virtual – O corpo virtual, para mim, é um conjunto formado
pela mão, ouvidos e olhos físicos, mais os dispositivos periféricos
mouse, teclado, monitor e fones de ouvido – Interajo com os objetos
disposto no ambiente de jogo a fim de cumprir objetivos e o faço de
135
forma natural, “passando” sobre eles virtualmente – Meus sentidos
físicos estão voltados a fazer o corpo virtual cumprir um objetivo
dentro do espaço de jogo – A falta de sinestesia em relação aos objetos
virtuais e a limitação visual com relação ao meu próprio corpo virtual
causam prejuízo da minha percepção em relação a ele – Meu corpo
virtual se movimenta por um instinto de sobrevivência, de forma
impulsiva – Os diversos sons do ambiente de jogo me orientam para
onde ir e também onde evitar – A experiência mentalmente intensa,
mas fisicamente sutil do jogo, provoca inicialmente reações
fisiológicas (sistema nervoso) relativas à ação do jogo – existe apenas
a consciência intelectual. Com o passar do tempo, o conjunto
perceptivo se adapta a esta situação e o corpo deixa de apresentar tais
reações fisiologias, mantendo-se alerta, porém calmo; passa a existir
a consciência corporal – Para imergir no jogo, o meu olhar de jogador
deve ignorar tudo que ocorre fora dos limites da tela – Não devo
pensar racionalmente que estou jogando; isso interfere
negativamente no jogo – Jogar numa arena de jogo inspirada em
local verdadeiro cria expectativas de comparação entre o lugar
virtual e o da realidade física – A imersão exige a participação
conjunta dos sentidos visual, auditivo e do comando de jogo – A
sensação de tridimensionalidade não depende da posição do monitor,
mas apenas os movimentos observados na tela – O corpo se adapta à
perspectiva que se apresenta – A sensação de inversão vertical
136
depende de elementos visuais (teto embaixo) que corroborem a cena.
Sintetizando, percebo: o espaço tridimensionalmente; o meu corpo
virtual de forma limitada, porém integrada ao meu corpo fenomenal; o
ambiente virtual de guerra com intensidade psicológica e reações
fisiológicas do meu corpo físico; e a posse do espaço virtual de jogo
realizada pelo conjunto formado por meu corpo virtual e fenomenal, de
maneira espontânea.
Os videogames de guerra mostraram-se bons exemplos de mundo
virtual para estudo da percepção, à medida que, pela intensidade do
tema e pela consistência e dinâmica do jogo, provocavam a rápida
imersão da consciência no ambiente virtual. Isso, entretanto, não
ocorreu desde o primeiro momento. Inicialmente, foi necessário passar
por uma fase de adaptação ao jogo, acostumar o corpo fenomenal às
combinações de teclas para os diferentes procedimentos, como trocar
de armas, abaixar, acionar ou desarmar a bomba, recarregar as armas
etc. Após este período, ocorreu o que Merleau-Ponty (p. 337) chama de
“posse do mundo por meu corpo e poder do meu corpo sobre o
mundo”. De fato, o corpo fenomenal “tomou posse” do jogo e, por
conseguinte, do espaço virtual. Imersa na guerra, consciência se
abstraía por completo do entorno físico, deixando-se levar pelo
espetáculo visual e sonoro e nele se entregando com intensidade e
envolvimento. Compreendi que a percepção não é questionadora, nem
137
busca inspecionar a veracidade daquilo que se apresenta.
Evidentemente, em nenhum momento, deixei de saber tratar-se de um
jogo. Mesmo assim, quase imóvel na cadeira, apresentei um conjunto
de reações físicas e fisiológicas típicas de alguém que está vivenciando
um evento. Concluo que a vivência se dá em relação ao espetáculo
virtual percebido, e não em relação ao que ocorre ou deixa de ocorrer
no mundo físico, que parece – à minha percepção – ficar em estado de
suspensão durante o jogo.
Esse espetáculo do qual eu virtualmente fiz parte, na medida em que
afetei os eventos ocorridos, me permitiu-me perceber com um corpo
virtual próprio. Ele não tem peso, não se cansa, nem sente a dor dos
ferimentos causados pelas armas virtuais inimigas ou quedas de
grandes alturas, apesar de me sentir “enfraquecer” gradualmente com
eles, até morrer. Esta fraqueza se manifesta numa redução progressiva
da agilidade e dos movimentos. Enquanto está “vivo”, meu corpo
virtual se apresenta parcialmente a mim, até o antebraço apenas.
Depois de “morto”, posso vê-lo completamente, deitado, vestindo a
indumentária que escolhi para ele no início da partida. Mas isso não é
relevante na minha percepção. O que importa para mim é que,
enquanto vivo, vejo apenas até o antebraço virtual, enquanto em meu
corpo físico, posso ver – e tocar – braços, pernas e parte do tronco.
Meu corpo virtual tem apenas dois sentidos: audição e visão, sendo que
138
esta é limitada, desprovida da visão periférica e “inflexível” nos seus
movimentos, se comparada à visão física. Esta possui o movimento
combinado dos olhos e do pescoço, enquanto a visão do corpo virtual
depende do movimento do mouse, que funciona como meu “pescoço
virtual”. O ângulo focal da visão virtual é estreito, limitado pela tela do
computador. Essa limitação do ângulo de visão, combinada com a
temática de guerra do jogo, cria uma sensação de fragilidade, já que o
jogador vê apenas o que está à sua frente e depende do movimento do
mouse para poder ver o que se passa em volta. Apesar disso, é uma
visão nítida, tridimensional e com bom alcance de profundidade. Se por
um lado é limitada, por outro é “equipada” com recursos que os olhos
físicos não possuem, como por exemplo, a marcação do “centro de
visão” com uma pequena cruz que permite atirar com precisão à longa
distância. Para compensar o fato de o corpo virtual não sentir a dor das
balas que o atingem, a visão virtual é equipada com um sinal dinâmico
que me indica a origem dos tiros. Possui também indicador da “saúde”
– semelhante ao que indica o nível de combustível no automóvel – e da
munição disponível. Já a audição virtual é semelhante à física, límpida
e estereofônica. A única diferença a ser registrada é o timbre das vozes
dos companheiros de equipe, que chegam por meio de rádio. A audição
virtual tem boa noção espacial, permitindo perceber os passos que se
aproximam ou se afastam.
139
Durante a experiência realizada no campo virtual, fui submetido
algumas horas por semana a um mundo diferente do meu cotidiano em
dois aspectos. Primeiro, o ambiente virtual do jogo tem um ritmo mais
dinâmico que o físico. Os cenários se deslocam com mais velocidade, os
gestos com as mãos e a “cabeça” acontecem em fração de segundos,
assim como as corridas, perseguições, tiroteios, etc. Segundo, corre-se
risco de vida o tempo todo e se convive com a idéia de “matar” e
“morrer” de forma corriqueira.
Num primeiro momento, isso afetou meu comportamento no mundo
físico, com duração de algumas horas após o jogo. Passei a me
comportar com irritação, tensão e falta de paciência para pequenas
coisas. Passei a ter também dores de cabeça e enjôos após as seções de
jogo. Essa fase durou pouco menos de dois meses. Num segundo
momento, meu corpo físico passou a tolerar essa diferença de ritmo e a
se acostumar com o “dia-a-dia” da guerra. Deixei de ficar irritado e de
apresentar os sintomas de enjôo e dores de cabeça pós-jogo. Percebi
que isso afetou positivamente meu comportamento diante das – bem
mais raras –situações desafiadoras do cotidiano físico, como por
exemplo, ocorrências no trânsito, um objeto que cai repentinamente,
um acidente doméstico, etc. Nesses casos, passei a responder com mais
agilidade que anteriormente. Meu corpo físico ganhou um estado de
alerta natural e controlado.
140
A dinâmica dos reflexos e reações, durante o jogo é muito mais veloz do
que no cotidiano físico. Isso proporcionou um ganho de agilidade nas
minhas reações frente a situações inesperadas. Meu cérebro parece
estar mais alerta ao que se apresenta à minha volta e o exemplo mais
claro disso percebo no trânsito, enquanto estou dirigindo. Antes, diante
de um motoqueiro que atravessasse a minha frente, primeiro levava um
susto, depois reagia. Hoje, a fase do susto parece não existir. A reação
ganhou um status de automatismo. Percebo que meu corpo reage antes
que me dê conta da situação.
Por outro lado, não gosto de assistir a filmes de suspense e terror, por
causa dos sustos que tomo. Incomoda-me a sensação do susto
repentino em cenas de planos fechados. Nestes casos, viro os olhos,
cerro as pálpebras e aguardo a cena terminar. Mas assistir a esse tipo
de filme é uma constante, porque minha esposa gosta. Ultimamente,
entretanto, tenho percebido que estas cenas não me incomodam mais
como incomodavam. Penso que o convívio com a tensão do susto
repentino, proporcionada pelo jogo tenha me acostumado a este tipo de
cena. No começo, sentia o mesmo tipo de incômodo jogando. A
semelhança das cenas de plano fechado seguidas de um susto, parece
que “calejaram” meu sistema nervoso.
Não serão os videogames de guerra jogados em primeira pessoa um
eficiente meio para a conquista da inteligência emocional, a que se
141
refere Goleman (1997)? Novas pesquisas poderiam investigar essa
possibilidade.
Um dos aspectos mais gratificantes da experiência realizada foi a
oportunidade de exploração dos espaços construídos no mundo virtual.
Graças aos programas gráficos e à capacidade dos computadores, esses
ambientes se assemelham muito ao espaço físico e proporcionam uma
experiência interessante. A representação dos espaços guarda boa
semelhança com a realidade física, exceto quanto ao ângulo mais
estreito de visão comentado anteriormente. Isso compromete um
pouco o “domínio geográfico” das “arenas”, fazendo com que demore
um pouco mais para o jogador não se sentir perdido nelas. Mas uma
vez dominado o “mapa”, sinto que poderia andar pelos espaços físicos
de um lugar com as mesmas características – caso existisse – com a
mesma desenvoltura que tenho no espaço virtual.
Questionei qual a relação dessa experiência com o real. Retomo a frase
de capa da Estrutura do Comportamento: “Não é o mundo real que faz
o mundo percebido” (2006). O real de que fala Merleau-Ponty é o
mundo percebido. Neste sentido, para mim, foi uma vivência tão real
quanto a que ocorre no mundo físico. De fato, concluo, o corpo
fenomenal percebe e se adapta ao mundo que se apresenta, seja ele
físico ou virtual, esteja o corpo em sua condição original ou destituído ,
por exemplo, de um dos olhos, ou como no caso da experiência, de
142
parte do corpo e de alguns dos sentidos. Isso não diminui o real
percebido porque, repito, o real é o percebido.
Pergunto-me também se esta experiência equivale à vivência da
realidade. Concluo que em termos. De um lado, ela oferece um
conjunto de informações, transmitidas via multimídia e apreendidas
pela vivência. Oferece-se aí um potencial imenso a ser explorado. Da
mesma forma com que absorvi a informação prática, conteúdos
didáticos, como por exemplo a geografia, o uso de ferramentas médicas
ou ainda muitos outros campos de conhecimento poderiam se valer
desse tipo de mídia. Neste sentido, a vivência no mundo virtual pode
vir a ser considerada equivalente à do mundo físico. Por outro lado, não
oferece a interface sinestésica característica do universo físico, como a
dor, o frio, o cansaço, a sensação do ferimento, etc. Com isso, gera no
sujeito da vivência uma noção distorcida das suas próprias condições
diante do mundo, assim como das conseqüências dos seus atos. No
mundo virtual, matei e morri incontáveis vezes, e sobrevivi para contar.
Neste mundo só se morre uma vez, sem direito a uma narrativa
posterior...
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