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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Fábio Izidoro ENTRE LÁPIDES E JAZIGOS: MORTE E MEMÓRIA NO CEMITÉRIO SÃO FRANCISCO DE PAULA, CURITIBA. CURITIBA 2014

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Fábio Izidoro · Faculdade de Ciências Humanas, ... vou me esquecer de tudo que aprendi e levo pra minha vida o que me ... informações sobre como

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Fábio Izidoro

ENTRE LÁPIDES E JAZIGOS: MORTE E MEMÓRIA NO CEMITÉRIO

SÃO FRANCISCO DE PAULA, CURITIBA.

CURITIBA

2014

ENTRE LÁPIDES E JAZIGOS: MORTE E MEMÓRIA NO CEMITÉRIO

SÃO FRANCISCO DE PAULA, CURITIBA.

Curitiba

2014

Fábio Izidoro

ENTRE LÁPIDES E JAZIGOS: MORTE E MEMÓRIA NO CEMITÉRIO

SÃO FRANCISCO DE PAULA, CURITIBA.

Monografia apresentada a Pós Graduação de

Patrimônio, Memória e Gestão Documental –

Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes

da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito

parcial para a obtenção do grau de especialista.

Orientadora: Profª. Drª. Maria da Graça

Rodrigues dos Santos

CURITIBA

2014

Dedicado a minha avó amada

Apparecida Paes Leite

(In Memoriam)

“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.” Obrigado meu Deus,

eu agradeço primeiramente a Ele, meu Rei e Salvador Jesus Cristo. Ele sabe as alegrias

e tristezas que se passaram pelo meu coração e sempre esteve ao meu lado, ele enxugou

cada lágrima dos meus olhos e se alegrou comigo. Deus, te amo. Muito obrigado.

Agradeço aos meus pais, Juramir C. Izidoro e M. Regina Leite Izidoro por todo

apoio dado nessa etapa que chegou ao fim. Me faltam palavras para expressar todo amor

que eu sinto, vocês ainda não sabem como eu os amo. Sei o quanto vocês se alegraram

comigo, e o quanto sofreram comigo, mas Deus enxugou nossas lágrimas. Felizes são

os filhos que honram seus pais, e que grande orgulho tenho de ser filho de vocês dois.

Muito obrigado mesmo, que a benção de vocês me persiga para sempre. Agradeço

também aos meus amados irmãos: Flávia Izidoro e Fabrício Izidoro que estiveram ao

meu lado e que me deram sobrinhos lindos e que me arrancaram sorrisos, e os que estão

crescendo... nossa! Como o tempo passou, já estão a porta da Faculdade, que alegria!

Vocês são abençoados pela família linda que cada um tem. Sou um abençoado pela

minha família.

Quero agradecer imensamente a minha orientadora, a Doutora Maria da Graça

Rodrigues dos Santos, que aceitou me orientar, pela paciência, pela compreensão, pelas

conversas e pelas sugestões e correções sempre precisas. Se eu me interessei pelo tema

do patrimônio, foi devido as suas aulas e conversas desde a época da graduação. Jamais

vou me esquecer de tudo que aprendi e levo pra minha vida o que me ensinou. Quero

que saiba que lhe admiro como pessoa e profissional. Meu muito obrigado.

Agradeço também a professora Ieda, que sempre atendeu minhas necessidades

médicas quando necessárias, tornando viável que eu chegasse até aqui. Muito obrigado

por me compreender e fazer com que esse sonho para mim fosse possível. Agradeço

também a todos os professores do programa de Pós-Graduação, foi sem dúvida um

período que cresci muito como pessoa e sem dúvida como profissional.

Deixo também meu agradecimento a pesquisadora Clarissa Grassi que contribuiu

com suas visitas guiadas, informações sobre como pesquisar no cemitério e dicas

bibliográficas, além de me inspirar e incentivar na pesquisa cemiterial.

Não posso deixar de agradecer as minhas amigas e colegas de curso, que foram

peça chave para eu seguir em frente durante todo o curso. Sem elas (e posso falar elas

com propriedade, pois eram todas inteligentes e competentes moças) não teria chegado

até aqui. Aprendi muito com elas. Quero deixar um muito obrigado especial a minha

amiga Talita Lichoveski, que foi minha colega desde a época da graduação de História

e agora me acompanhou na Pós-Graduação. Tali, muito obrigado por tudo, pelas

conversas, caronas e todo apoio que você me deu, principalmente quando mais precisei.

Você é uma ótima profissional e tenho um orgulho enorme de ter sido seu colega de

turma e seu amigo. Muito obrigado e muito sucesso, você merece!

Não posso deixar de agradecer aos meus pastores Pipe e Kátia e todo pessoal da

Comunidade Golgota (Igreja que eu frequento desde que cheguei a Curitiba) que me deu

o maior apoio durante todo o processo da pós-graduação, estiveram comigo nos altos e

baixos da vida, obrigado pessoal!

Agradeço a Dra. Maria Aldina, minha médica, que cuida e auxilia na minha saúde

e que me deu também muito apoio para que eu chegasse até o fim, muito obrigado pelas

palavras de incentivo para eu nunca desistir.

Há muitas pessoas que fizeram parte deste trajeto e gostaria de citar cada um, mas

que infelizmente o espaço é curto para citar os nomes, mas eu sou extremamente

agradecido. Quem acompanhou minha trajetória sabe como foi difícil, que houve uma

pedra enorme no caminho, mas cheguei até aqui, com lagrimas nos olhos e um sorriso

no rosto. Valeu a pena. Essa é a minha história, esse é meu patrimônio mais valioso, a

minha vida. Obrigado.

“Combati o bom combate,

acabei a carreira, guardei a fé.

Desde agora, a coroa da justiça

me está guardada, a qual o

Senhor, justo juiz, me dará

naquele dia; e não somente a

mim, mas também a todos os

que amarem a sua vinda.”

2 Timóteo 4:7-8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................7

1. O CEMITÉRIO E A MORTE...................................................................................9

1.1. O MORRER DO HOMEM......................................................................................9

1.2. O CEMITÉRIO COMO PATRIMÔNIO................................................................12

2. O CEMITÉRIO SÃO FRANCISCO DE PAULA.................................................15

2.1.ASPECTOS ARTÍSTICOS E SIMBÓLICOS.........................................................16

2.2. A PRESERVAÇÃO TUMULAR...........................................................................20

CONCLUSÃO.............................................................................................................23

FONTES E REFERÊNCIAS....................................... ..............................................25

7

INTRODUÇÃO

A morte e o processo post-mortem é um evento que causa sensações diversas no

ser humano, ao mesmo tempo que desperta curiosidade, a morte é igualmente evitada.

Evidenciamos essa contradição nos noticiários policiais, que para chamar a atenção do

público buscam fatos e detalhes da morte, do crime e da comoção em torno da família

que perdeu um ente querido. Porém, quando o contato com a morte é próximo ao

indivíduo, essa temática é resguardada a ponto de colocar-se um certo distanciamento,

não se comenta da morte de um parente ou de pessoas próximas em conversas informais,

mas sim de pessoas distantes.

Deseja-se então que a morte esteja distante, evitando-se falar dela, alguns creem

que, falando muito sobre a morte, pode-se atrair para si ou para pessoas próximas. Com

a mesma mística da morte, o cemitério e o cadáver sempre estiveram envolvidos por

histórias curiosas (muitas vezes de terror e aparições). Não são poucos os que não

frequentam o cemitério pelo medo de encurtar os seus dias na terra.

Assim, os espaços cemiteriais não possuem apenas a função de guarda e a

lembrança de uma pessoa que já se foi, mas preservam toda uma simbologia. O enterro,

segundo diversas crenças, remete a crença de que a vida não acaba na sepultura, mas

sim é o começo de uma etapa em outra dimensão.

Vários campos do saber procuram auxiliar na compreensão ou explicação da

morte, para confortar quem ficou: Medicina, Psicologia, Antropologia, Sociologia,

Filosofia, Religião, etc. Como observou o sociólogo alemão Nobert Elias: “A morte é

um problema dos vivos”.1 Os vivos então buscam mecanismos para lidar com este

fenômeno inevitável a todo ser humano. E entre as diversas áreas de estudo, a História

não ficou de fora nos estudos mortuários, já que as formas de encarar a morte se

modificaram com o passar do tempo e a mentalidade do homem.

O que norteia este trabalho é analisar, de modo breve, as formas como o homem

se relaciona com a morte através do tempo e como se dá a busca de um lugar para se

enterrar aqueles que já partiram, preservando sua memória e a história. Além de

evidenciar como o cemitério deixou de ser um espaço periférico para ocupar um lugar

1 ELIAS, Nobert. A Solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 10.

8

de importância cultural para a cidade e, num duplo discorrer como é a relação dos

habitantes com um lugar tão controverso que gera medo, inquietações, admirações e

descobertas. A metodologia utilizada para este trabalho foi o levantamento bibliográfico

e em arquivos acerca do cemitério e também realizadas visitas de campo (algumas delas

guiadas pela pesquisadora cemiterial Clarissa Grassi).

No primeiro capítulo se discute de forma breve como o homem se relacionou com

a morte através dos tempos, a maneira a qual enterrou seus mortos de forma segura e o

modo que se registrou a memória das pessoas que morreram. Faz-se ainda uma

discussão acerca dos motivos de se preservar túmulos e cemitérios enquanto patrimônio

e sua importância para uma comunidade.

O segundo capítulo tem como enfoque o Cemitério São Francisco de Paula,

localizado no bairro São Francisco na cidade de Curitiba, Paraná. A escolha deste

cemitério se dá pelo fato de ser o mais antigo da cidade (apesar de não ser o primeiro)2

e apresentar uma grande riqueza cultural e histórica. Neste cemitério encontramos

enterrados políticos paranaenses, escritores, religiosos, músicos, imigrantes, artistas,

etc. Os túmulos, mausoléus e epitáfios ajudam a contar a história de Curitiba e do Paraná.

Neste trabalho, além de contar a trajetória do cemitério e de alguns túmulos, abordam-

se algumas transformações que ocorreram no cemitério e os desafios para a preservação

dos túmulos, bem como o porquê preservar.

A morte e os espaços fúnebres ainda causam muita dor e inquietação, mas

justamente desta dor podemos observar nos cemitérios as obras de arte muitas vezes

realizadas ou encomendadas no momento mais triste da vida.

2 Informações apontam para a criação do cemitério do Sítio do Mato em 1815, localizado onde atualmente é a

região do bairro Cristo Rei. Encontra-se referências a esse cemitério como “cemitério dos bexiguentos”.

9

1.O CEMITÉRIO E A MORTE

As práticas de enterro e a forma Cemiterial tal como conhecemos é relativamente

recente e segue em processo de transformação. Uma das primeiras formas de se ocultar

um cadáver tinha como objetivo preservar os vivos da decomposição dos mortos que

eram inumados, queimados, canibalizados, embalsamados, expostos ao ar livre ou

colocados em leitos dos rios. Posteriormente surgem as relações afetivas com o morto,

vela-se o corpo e busca-se o cuidado para o seu enterro para que sua alma seja salva.3

O túmulo no cemitério, principalmente na cultura ocidental, tem como objetivo

preservar (ou guardar) elementos das pessoas que se foram. Isso se dá através de

grandiosas construções, desde a antiguidade até o ressurgimento dos monumentos

cemiteriais no século XIX com a era romântica. A simbologia presente nos túmulos se

modifica com o tempo, porém não perdeu o papel de representação do que o homem foi

em vida.

1.1 O MORRER DO HOMEM

A morte do homem possui uma dicotomia: é um evento individual, mas que está

inserido numa esfera social. Antonio Motta sinaliza que “[...] a morte é percebida na

maioria das sociedades como a manifestação de uma desordem”4. A morte quebra o

ritmo da vida das sociedades, que se veem obrigadas a lidar com algo que não possui

muita compreensão: morrer. Cada sociedade representa de acordo com sua visão de

mundo (e identidade) os sentidos da morte e o post-mortem, fazendo com que haja uma

variedade nos processos ritualísticos e costumes mortuários.

Na sociedade ocidental as formas de enterro sofreram inúmeras mudanças. Com

a cristianização da Europa, os grandes monumentos dedicados à morte enfrentam uma

decadência. A morte, para a visão cristã, deixa de ser o fim da vida para ser o começo

de uma nova vida em Cristo. Com este peso, o processo mortuário ganha uma liturgia

para garantir a salvação do homem, que inclui o velório e o local do enterro. O

3 MOTTA, Antonio. À Flor da Pedra: Formas tumulares e processos sociais nos cemitérios brasileiros. Recife:

Massangana, 2009. p. 15. 4 id. ibid. p. 25.

10

historiador Philippe Ariès traça a mudança dos sarcófagos da antiguidade, passando

pelos túmulos de pedra, as placas com inscrições mortuárias, da morte “anônima” até o

reaparecimento dos túmulos individuais (“A morte de si”) e o desenvolvimento da arte

mortuária a partir do século XVIII, com a busca de artesãos em personalizar suas placas

mortuárias com o objetivo de se diferenciar das demais e sair do anonimato.5

Posteriormente, essa busca de diferenciação foi um desejo da então ascendente

burguesia.

Apesar de na Idade Média os cemitérios passarem a estar presentes nas Igrejas e

no entorno dela, posteriormente o cemitério foi visto como um local de poluição. Não

há uma relação de visitas ao morto por parte dos parentes no século XVIII. As sepulturas

individuais surgem em contrapartida ao enterro sobreposto, colocando os mortos lado a

lado. A identificação se dá através de imagens e inscrições que são signos da presença

dos mortos no além.6

Os túmulos então surgem com inscrições em que, ao mesmo tempo produz um

sentido, faz com que exista um processo de apropriação. O receptor constrói sentidos

que muitas vezes não estão ligados necessariamente com as intenções originais de quem

construiu a lápide. Apesar do enfoque maior em grandes monumentos mortuários, não

se deve esquecer os processos populares diante da morte. Canclini afirma que se

reconhece o patrimônio de uma nação por meio de produtos da cultura popular, se

opondo a uma seletividade que privilegia classes hegemônicas.7 Há uma apropriação

diferente nas classes mais populares da herança cultural da morte, que influência desde

o leito de morte até o enterro, passando pelo velório e cortejo.

As atitudes diante da morte na era contemporânea se tornaram cada vez mais

ocultas. A morte se tornou um assunto evitado e o processo mortuário cada vez mais

acelerado, influenciado pela rapidez e dinâmica do mundo (principalmente em

sociedades capitalistas). O processo do velório que durava dias e o luto após o enterro

que era guardado por muito tempo deu lugar a um processo unificado (o que não

necessariamente fez com que o homem contemporâneo lidasse melhor com a morte).

5 ARIÉS, Phillipe. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. p. 61-65 6 RODRIGUES, José Carlos. Tabu da morte. Rio de Janeiro: Achiamé, 1983. p. 179. 7 CANCLINI, Néstor García. O Patrimônio Cultural e a Construção Imaginária do Nacional. Revista do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: IPHAN, 1994. ISSN 0102-2571. p. 96.

11

Outra atitude do homem que influenciou na mudança e relação com a morte foi

a localização dos cemitérios. Na Idade Média se enterrava dentro da Igreja e no seu

entorno, posteriormente surge o processo de laicização dos cemitérios, que deixam de

estar presentes nas Igrejas e cidades, colocando o cemitério num local distante e fechado

da Igreja, mas ainda próximos às comunidades.

Os cemitérios mais próximos à comunidade no século XVII faziam com que a

população utilizasse o espaço para usos do cotidiano e até mesmo para fins de

entretenimento. A Igreja Católica condenava esse uso, considerando tais atitudes como

“pagãs, supersticiosas e indecentes”. Este uso do cemitério era uma forma como os vivos

entravam em contato com os mortos.8 Durante o século XVII e XVIII os cemitérios

começam a ganhar muros e possuir a ordenança da Igreja para estarem sempre fechados,

uma quebra com a “familiaridade” dos vivos para com os mortos, condenada pela Igreja

Católica.9

Os ideais higienistas (incentivado por médicos, que rompiam com a ideia e crença

medieval do mau cheiro ser resultado “do pecado humano”,) surgem nesta época devido

a insuportabilidade do cheiro que emanava dos corpos em decomposição e dos inúmeros

casos de doenças transmitidas pelos mortos. Isto faz com que se repense a cidade e os

processos de enterro. O mau cheiro e o perigo de possíveis doenças que o morto poderia

trazer ao homem afasta o cemitério da cidade. Os cemitérios passam a ser construídos

em locais ventilados e os cadáveres enterrados com profundidade, de forma individual

(e não mais coletiva como nas Igrejas). Isso muda as relações do homem com a morte.

Os cemitérios que surgem no século XIX reforçam a individualização do túmulo,

ao mesmo tempo que guarda um papel importante: a preservação da memória do

indivíduo (e posteriormente, das famílias). Muitas inscrições tumulares oitocentistas e

do começo do século XX traziam praticamente toda a genealogia e filiação. Os jazigos

então passaram a ser um instrumento para reforçar a classe social ao qual se pertencia.

8 ARIÈS, Philippe. O homem diante da morte – Volume 1. São Paulo: Francisco Alves, 1982. p. 67 9 RODRIGUES, op. cit. p. 165.

12

1.2 O CEMITÉRIO COMO PATRIMÔNIO

A reflexão do cemitério como patrimônio pode-se dar tanto através do viés

material (edificado) quanto do imaterial. Sob o espectro imaterial, as atitudes do ser

humano no momento da morte traduzem uma série de significados e hábitos do meio

que se vive: O vestir luto é uma demonstração da tristeza e melancolia perante a

sociedade, assim como as canções e orações no post-mortem, o lamento e como isso é

traduzido principalmente através da arte.

Um personagem imaterial que perdeu força no Brasil, mas que ainda existe são

as Carpideiras, mulheres que são pagas para chorar e lamentar a morte de uma pessoa.

É uma tradição que está ligada principalmente ao sertão nordestino brasileiro (mas que

está presente em outros locais do Brasil). Pois um velório com mais pessoas a lamentar

a morte de um indivíduo representa a sua importância enquanto era vivo.

Notamos então que a morte passa por um processo de mudanças e continuidades,

já que a prática das Carpideiras remete a demonstrações da era romântica acerca da

morte. Em meados do final do século XIX e começo do século XX, a ritualização da

morte ganha um grande exagero na esfera pública: com expressões de gritos, gemidos,

desmaios, etc., a expressão da dor que não era comum no Ocidente.10

No aspecto material do patrimônio, estas expressões da morte são representadas

nos cemitérios e em suas lápides e jazigos. Se antes os cemitérios foram afastados das

cidades, agora ele passa a ter uma importância na sociedade ocidental. Com a ciência

positivista a provar que não havia risco da presença dos cemitérios nos espaços

urbanos11, a necrópole passa a ganhar um uso diferente do medieval e passa a ser um

local de reflexão e culto aos antepassados. Os túmulos, sob o prisma do catecismo

positivista, lembram a temporalidade da existência humana e a morte como algo

inevitável, porém, não se impede que após a morte o ser humano continue presente com

reverências e recordações.12 Pensar o túmulo como monumento arquitetônico faz com

que ele transmita passados particulares de comunidades especificas. A Arquitetura, para

10 id. ibid. p. 171-174. 11 MOTTA, op. cit. p. 35. 12 id. ibid. p. 54.

13

Ruskin, é o único meio para se manter contato com um passado ao qual se deve nossa

identidade.13

Os cemitérios então se adaptam aos novos ritos de culto aos mortos, a nova forma

ritualística conta com a colocação de estátuas, bustos, fotografias, inscrições nas lápides

e demais signos. Estes cuidados buscavam evocar a presença do morto, assim como as

atitudes românticas perante a morte. Elementos românticos também se traduzem na

arquitetura tumular do final do século XIX e começo do XX.

Acerca da arte romântica, Françoise Choay afirma que a imagem pitoresca de

monumentos românticos podem gerar sentimentos de perturbação ou de angustia, na

qual a alma romântica se agradava. Da mesma maneira que edifícios receberam

caraterísticas românticas14, isso também acaba se refletindo nos túmulos e jazigos do

século XIX.

O campo santo passa a integrar o espaço urbano, mais do que enterrar os seus

mortos, o cemitério passa a ser um local de memórias, sejam elas individuais ou

coletivas. No caso de pensar a preservação do cemitério como patrimônio encontramos

alguns desafios, que é a escolha dos bens culturais e a afinidade que a comunidade local

possui para poder preservar.15

Os monumentos (do latim monere), em seu sentido original e clássico da palavra,

têm a função de lembrar e/ou advertir, trazer a lembrança de alguma coisa. Os túmulos

são um exemplo de monumentos, já que seu uso tem ligação com a evocação da

memória. Choay discorre:

A especificidade do monumento deve-se precisamente ao seu modo de

atuação sobre a memória. Não apenas ele a trabalha e a mobiliza pela

mediação da afetividade, de forma que lembre o passado fazendo-o vibrar

como se fosse presente. Mas esse passado invocado, convocado, de certa

forma encantado, não é um passado qualquer: ele é localizado e selecionado

para fins vitais, na medida em que pode, de forma direta, contribuir para

manter a identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional, tribal,

ou familiar.16

13 RUSKIN, ap. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. p. 139-141. 14 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2001. p. 133. 15 BARATA, Maria Filomena. Algumas reflexões sobre Património. PATRIMÓNIO ESTUDOS. Lisboa:

Instituto Português do Património Arquitetónico, n. 3. 2002. p. 100. Disponível em: <

http://www.patrimoniocultural.pt/media/uploads/revistaestudospatrimonio/n3/Estudospatrimonio3.pdf> Acesso

em: 25 jul. 2014. 16 CHOAY, op. cit. p. 18.

14

Porém o sentido de monumento se modificou nas sociedades ocidentais,

passando ter o seu direcionamento a valores estéticos e de prestigio. Atualmente o

monumento se apresenta sem ter, necessariamente, um contexto, uma ligação com o

local em que se encontra. Ele atua no instante, é uma substituição do significado (da

função do monumento) pelo sinal (pelo espanto ou proeza técnica) que causa. 17 Em

alguns cemitérios encontramos jazigos que não apresentam ligações memoriais, mas sim

estéticos, com o uso de materiais cada vez mais sofisticados e uso de novas tecnologias.

Ao contrário dos monumentos históricos, muitos dos monumentos encontrados

nos cemitérios foram concebidos a priori, muitas estátuas e modelos são réplicas de

obras famosas. Aqui o monumento realiza a função de reviver um passado mergulhado

no tempo. Já a visão do monumento histórico se dá a posteriori, por meio do olhar do

historiador e do crítico de arte que realizam um recorte de quais monumentos

representam um passado.18

17 id. ibid. p. 19-20. 18 id. ibid. p. 25-26.

15

2. O CEMITÉRIO SÃO FRANSCISCO DE PAULA

A história do Cemitério São Francisco de Paula, localizado no bairro São

Francisco, começou com a ser construído, em 1854, com influência dos ideais

higienistas do século XIX e com a nova política da instalação da Província. Benedito

Enéas de Paula foi encarregado pela construção. O terreno do cemitério foi comprado

do Padre Agostinho Machado Lima. Em 1854 iniciaram-se as obras do chamado

“Campo Novo”, também conhecido como Chácara do Padre Agostinho. A provável

origem do nome do cemitério se deve ao fato de que, segundo os antigos mapas de

Curitiba, o Caminho do Campo Novo partia das ruínas de São Francisco de Paula.19

Em 1855, o Presidente Zacarias aplica 600$000 Réis para a obra do cemitério.

Em 1856 o local já era utilizado para sepultamentos. Mesmo após a inauguração, as

obras do cemitério foram paralisadas por falta de verba, sendo retomadas somente em

1864.

Em 1878, o jornal Dezenove de Dezembro, de 19 de dezembro, publicou o ponto

de vista do Dr. Antônio Carlos Pires de Carvalho e Albuquerque, que realizou críticas

às obras do cemitério, alegando que o local de construção do mesmo era inadequado

(por ser muito próximo à cidade e estar colocado em local elevado e seco) o que

apresentava mais desvantagens do que vantagens, além de apontar a falta de arborização

e ausência de regras e métodos para aberturas de sepulturas.20

Atas da Câmara Municipal de 1897 apontam que a conclusão da Capela do

cemitério deveria ser concluída o quanto antes. As atas também mostram o processo de

construção dos muros. Além de obras no próprio cemitério, foram realizados orçamentos

e obras de melhoria no entorno (como nas ruas), visando facilitar o acesso. Constam

também as condições higiênicas e suas necessidades.

As medidas do Cemitério nos documentos é de 10.584m2, considerado pequeno

para a população presente, necessitando assim a sua ampliação.

19 BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v.

21, n. 104, abr. 1995. ISSN 0102-3268. p. 93. 20 id. ibid. p. 75.

16

Para as ampliações foram realizadas reformas significativas no Cemitério, que

visavam também melhoramentos e modificações. Em 1905 aparece a preocupação da

prefeitura com o embelezamento do espaço Cemiterial por meio de um decreto que

promovia a arborização e também a delimitação das alamedas. Em 1955/1956 foi

realizada a demolição da primeira capela do cemitério para abertura de um largo. Outras

construções realizadas foram o Mercado das Flores (sob a gestão do Prefeito Iberê de

Matos, na gestão 1958-1961) e inauguração de quatro capelas funerárias na Rua Quari

(na Gestão do Prefeito Ivo Arzua Pereira em 1962).

Em 1966 o portão de ferro é retirado e é inaugurado o pórtico com o mural do

italiano Franco Giglio. Além do pórtico, as obras da gestão de Ivo Arzua, em 1964,

previam rearborização interna; revestimento do muro frontal principal com pedra; a

colocação de um mural ornamental sacro, em pastilhas vitrificadas no portão principal;

calçadas; regularização do revestimento dos muros laterais; instalação de novas

torneiras; pavimentação dos passeios laterais; iluminação interna; recapeamento

asfáltico na via de acesso ao portão principal.21

O Cemitério, segundo levantamento feito em Maio de 2010, conta com 5.700

túmulos e 72.787 sepultamentos, numa área total de 51.414m2. Está sob os cuidados da

Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA).22

O mural de Franco Giglio (que mede aproximadamente 110m2 - 4,33/21,76m)

foi restaurado em 1985 pela Prefeitura Municipal por meio da Fundação Cultural de

Curitiba. A restauração foi realizada pela restauradora Maria Ester Teixeira Cruz. Uma

nova restauração do mural ocorreu em 1994, sob a gestão do prefeito Rafael Greca.

2.1. ASPECTOS ARTÍSTICOS E SIMBÓLICOS.

Podemos pensar o cemitério como um espaço urbano dividido em “bairros” ou

setores, com as ruas, avenidas, placas indicativas, túmulos individuais e os coletivos

(familiares), a administração e a capela.23 Nas divisões do cemitério ficam evidentes

21 id. ibid. p. 83. 22 CEMITÉRIO MUNICIPAL SÃO FRANCISCO, Portal de Serviços de Curitiba, Curitiba. Disponível em:

<http://www.curitiba.pr.gov.br/servicos/cidadao/equipamento/cemiterio-municipal-sao-francisco-de-

paula/1395> Acesso em: 03 mar. 2014. 23 id. ibid. p. 92.

17

túmulos mais luxuosos e outros mais simples, com materiais não tão sofisticados. Uma

tabela de 1897 apresenta os preços para o enterro de adultos, crianças e mulheres. Os

objetos levados em conta são o caixão, carro, altar, carneiro, sepultura rasa e certidão.

Os itens apresentados variam de acordo com as classes, indo da primeira classe até a

oitava. Na primeira classe encontramos modelos de caixão com alças douradas, veludo

ou cetim de qualidade para o caixão e o carneiro raso. Os mais simples têm caixão sem

muitos detalhes e a sepultura rasa, sem a presença do carneiro24.

Os primeiros estudos do Cemitério São Francisco de Paula o dividiram em quatro

setores, em que os limites foram feitos conforme o cemitério foi sendo construído. É

necessário lembrar que o traçado do cemitério foi refeito em suas reformas.

O primeiro conjunto contempla o local em que está a praça, onde ficava a antiga

capela, com túmulos de predominância vertical ou então estelas25 sobre o solo ou então

sobre um box-tomb26. Aqui encontramos túmulos de estrangeiros e de personalidades

políticas da Província.

O segundo conjunto é formado pelas capelas familiares. A semelhança do

cemitério com pequenas cidades é clara através das grandiosas capelas que foram

construídas por imigrantes e famílias tradicionais no começo do século XX. Encontra-

se em meio as capelas os túmulos luteranos, o qual acredita-se que ali deveria ser o final

do cemitério na época27.

O terceiro conjunto é formado por túmulos mais recentes, com gavetas

sobrepostas, com opções estilísticas da década de 70, com uma mistura de materiais

como azulejos ou lajotas, considerados menos nobres.

O quarto conjunto contempla túmulos mais simples situados atrás, após o

cruzeiro, o ponto alto do cemitério. Há ainda a presença dos ossários que ocupam parte

do muro direito.28

O cruzeiro (chamado também de Cruzeiro das Almas) fica na parte alta e central

do cemitério. É um local de oferendas, indicado por uma grande cruz fixa em um

24 Local nos túmulos onde é realizado o depósito das ossadas; a cripta. 25 Monumento/coluna que contem inscrições ou desenhos. 26 Uma pedra ou caixa de tijolo acima de um tumulo ou jazigo. 27 Para serem enterrados no Cemitério São Francisco de Paula, os protestantes (em sua maioria imigrantes)

deveriam se converter ao catolicismo; por não concordarem com isso, em 1857 a câmara de Curitiba recebe

reinvindicações por parte dos protestantes para conseguir terras para realizar os enterros com seus ritos. 28 BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS. op. cit. p. 92-98

18

quadrado protegido por muretas. Ali os devotos podem invocar as almas, interceder e

orar por elas. Acendem-se velas com a intenções de pedidos, homenagens,

agradecimentos e até mesmo com interesses maldosos.29

Em todas as regiões do cemitério podemos encontrar túmulos com características

particulares e que representam os pensamentos, filosofia e até mesmo a profissão da

pessoa em vida, indo além dos símbolos apenas da esfera religiosa de luto. Muitos destes

elementos podem estar presentes de forma explicita, outros se encontram de forma

implícita, necessitando uma atenção por parte de quem observa.

A presença de símbolos e signos representa também os anseios e o pensamento

de uma determinada época, além de perpetuar e eternizar feitos memoriais em vida,

sendo representados nos jazigos e lápides, e de evocar antepassados e familiares através

de placas nas quais constam o nome dos pais e o local de nascimento.

A arte Cemiterial tem um valor que vai além do estético. Ela possui uma função

para um determinado grupo que representa símbolos de acordo com a sua visão de

mundo e expressa seu pensamento. O uso de material nobre para a construção dos

túmulos e arquitetura imponente também reforça o status social e prestigio que algumas

famílias possuem ou possuíam.

Algumas manifestações ideológicas nem sempre foram bem vistas pela sociedade

e por esta razão alguns túmulos encontram-se com símbolos quase “escondidos” em

pequenos detalhes, seja na composição do nome ou no formato e dimensões do jazigo.

Uma exemplificação disto é a maçonaria. Sendo mal vista em determinada época, vários

maçônicos representaram seus ideais de forma sub-reptícia. Em um tumulo,

encontramos o símbolo do compasso maçônico formando a letra “A” do nome do

falecido.

As obras de arte do Cemitério geralmente são representadas com tristeza,

melancolia, luto, sofrimento, saudade e a esperança da ressureição. Isto está expressado

na face das esculturas, na sua posição e na utilização de objetos que remetem a

eternidade e ao luto. As placas também trazem imagens que remetem a estes

sentimentos. Cada estátua representa os sentimentos de uma maneira.

29 GRASSI, Clarissa. Um olhar... A arte do silêncio. Curitiba: C. Grassi, 2006. p. 77.

19

No Cemitério também é possível encontrar estatuas que homenageiam pessoas e

que possuem riqueza de detalhes. É o caso do túmulo de Pierino Riva, que faleceu

jovem, e que possui uma escultura em bronze de 1,88m de altura, uma homenagem dos

pais italianos ao filho. Foi uma forma de guardar a memória e feições do filho.

Encontramos também a representação do trabalho do dia a dia, como no túmulo do

ferreiro Berti, que apresenta engrenagens, martelo e o alicate, uma alusão ao seu trabalho

ligado à engenharia. Grassi sinaliza para a disposição dos elementos no túmulo: “A

forma como os elementos estão dispostos mostra um homem trabalhador numa cena

quotidiana, mas o martelo quebrando a bigorna surpreende e o impede de prosseguir.”30

Também encontramos a imagem de mártires e santos como Santa Cecília, Santa

Terezinha do Menino Jesus, São João Batista, Santa Bárbara, entre outros. A imagem

do Cristo também é recorrente, surge como Protetor, Redentor, Ressuscitado ou então

nos braços de Maria após a sua crucificação. Cristo aparece também com crianças, em

alusão à passagem bíblica de Mateus 19, 13 a 15. Os anjos são presentes no cemitério,

que se encontram em intercessão e súplicas pela alma que ali está ou em guarda pelas

almas que ali estão, com a presença de asas imponentes. As expressões dos anjos variam,

alguns apresentam doçura, outros apresentam feições mais serias e outros de

sofrimento.31

A Cruz, um elemento extremamente comum de se encontrar no Cemitério, recebe

diversos adornos e símbolos. Ao contrário do que se pensa, não se encontra somente a

cruz cristã, é possível encontrar no Cemitério outros tipos de cruz, como a cruz budista

(suástica).

Encontramos também símbolos com significados não tão óbvios, como papoulas,

que simbolizam o sono e o esquecimento. As tochas com suas chamas simbolizam a luz

da purificação. É comum encontrar em vários túmulos detalhes em número ímpar,

geralmente em três, que pode simbolizar a trindade cristã.

No Cemitério São Francisco de Paula também encontramos túmulos com

referências paranistas. O escultor João Turin projetou diversos túmulos no paranismo,

um movimento forte na década de 20 do século XX, que buscou incorporar diversas

30 id. ibid. p. 46-51. 31 id. ibid. p. 104-136.

20

formas de manifestação artística relacionadas ao pinheiro e outros elementos, mas o

resultado do trabalho de Turin se encontra apenas no tumulo de André de Barros, datado

de 1922; e o túmulo da família Stenghel, de 1915, que representa uma junção de

elementos paranistas com art nouveau.32

As devoções encontram lugar no túmulo de Maria Bueno (falecida em 1893),

com uma história controversa33 e considerada milagreira por algumas pessoas, não

sendo reconhecida pela Igreja Católica. Seu túmulo atrai milhares de pessoas em busca

de pedidos e milagres, as quais acendem velas e lhe colocam flores vermelhas. Quando

atendidos, os fiéis voltam e colocam placas com agradecimentos pela graça alcançada.

Trata-se de um dos túmulos mais visitados do Cemitério São Francisco de Paula.

2.2. A PRESERVAÇÃO TUMULAR

A preocupação em preservar, ainda que de forma inconsciente, o cemitério pode

ser notada nos processos de reforma, mas sem ver ainda o espaço Cemiterial como

patrimônio. Muitas das modificações realizadas no espaço não foram pensadas em

proteger determinados túmulos, construções do cemitério e o traçado, mas sim em tornar

o cemitério mais funcional. Uma exemplificação disto é a demolição da primeira capela

nas reformas.

Em 1984, o então vereador Rafael Greca expressou sua preocupação com a

história e arte tumular no cemitério municipal em documento da Câmara Municipal de

Curitiba, direcionado ao Prefeito Mauricio Fruet. O vereador apresenta a proposta de

levantamento histórico e cultural, pois, segundo ele, “há outros jazigos que não tem

quem por eles responda mas são importantes para a história da cidade”.

Em obra publicada pelo IPPUC em 1985 há o Plano Reviver Curitiba, que tinha

como objetivo reavaliar o patrimônio da cidade, inventariar, instrumentalizar e detalhar.

Neste plano se encontra noções de preservação e conservação baseadas na Carta de

Veneza de 1964. A preservação é “o conjunto de ações direcionadas à salvaguarda e/ou

32 BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS. op. cit. p. 150-153 33 Considerada uma prostituta pela sociedade Curitibana da época, a história de sua morte possui versões

diferentes, sabendo-se muito pouco acerca da sua vida e a forma como morreu, já que os autos do processo de

sua morte desapareceram.

21

recuperação dos bens culturais, compreendendo a conservação, restauração e

revitalização”. Conservação é vista como “defesa preventiva contra a descaracterização”

e a restauração como “atividade corretora de deformidades introduzidos”.34

Em 1994, quando já prefeito, na gestão de Greca foi realizado o levantamento

por quadra, lote e rua (que havia sido proposto em 84, mas não foi levado adiante). Neste

levantamento e cadastramento informatizado foi possível tornar mais prático a

localização do túmulo, data de construção, área, quem está enterrado, responsável, entre

outras informações.

Durante a reforma de 1994 foram retiradas as capelas existentes e o depósito de

flores. No lugar foi construída uma escadaria. Também foi construído o novo portal, que

comporta a Administração do Cemitério, o Departamento de Serviços Especiais,

floriculturas e três capelas mortuárias (uma ecumênica e duas católicas).

No ano de 2013 houve uma tentativa de formulação de um projeto de lei de

tombamento municipal de bens históricos para os túmulos do Cemitério São Francisco

de Paula, com iniciativa do IPPUC e da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) em

pareceria com outros pesquisadores. A dificuldade reside em definir o que deve e o que

não deve ser preservado, fazendo com que o projeto ficasse paralisado.35

Em 2014 foram realizadas obras de revitalização e melhorias, como a substituição

de 25 metros quadrados de um dos muros do cemitério, pintura, instalação de coberturas

de policarbonato, poda e retirada de árvores comprometidas e melhorias na iluminação.

Também passou por reforma o setor de atendimento.36

Na contramão da preservação do cemitério, são cada vez mais comuns casos de

roubos, furtos e peças danificadas dos túmulos. São vários os casos de obras que foram

substituídas devido ao vandalismo ou então encontramos túmulos com peças quebradas

e roubadas. Peças em bronze e mármore têm chamado a atenção de ladrões que vendem

obras em um mercado negro de obras de arte, que envolve até mesmo colecionadores de

34 Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Preservação do patrimônio cultural – Reviver

Curitiba, Curitiba: IPPUC, 1985. 35 UM LUGAR bem longe do paraíso. Gazeta do povo. Curitiba, 03 nov. 2013. Disponível em: <

http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1422162&tit=Um-lugar-bem-longe-do-

paraiso> 36 CONCLUÍDA a reforma do Cemitério Municipal. Agência de Notícias da Prefeitura de Curitiba, Curitiba, 29

abr. 2014. Disponível em: <http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/concluida-a-reforma-do-cemiterio-

municipal/32742> Acesso em: 10 mai. 2014.

22

peças de arte. Os casos de vandalismo estamparam os jornais paranaenses e fizeram a

administração do cemitério reforçar a segurança (por meio da Guarda Municipal), além

de tomar outras atitudes.

Outro fator que vai contra a preservação dos túmulos é o abandono dos jazigos

por parte dos familiares, que muitas vezes não possuem dinheiro para mantê-los limpos

e preservados. Em janeiro de 2014 uma empresa foi contratada, por meio de licitação,

para realizar a manutenção dos cemitérios de Curitiba, incluindo o São Francisco de

Paula. A limpeza e a manutenção dos túmulos e jazigos porém não são realizadas pela

empresa, esse serviço é de responsabilidade dos familiares.37

37 EMPRESA é contratada para manutenção de cemitérios municipais de Curitiba. Gazeta do Povo, Curitiba, 07

jan. 2014. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1438051>

Acesso em: 14 jul. 2014.

23

CONCLUSÃO

Os espaços cemiteriais deixaram de ser locais marginais ou vistos como locais

“malditos” e que atraem a morte. Uma prática muito comum em vários locais do mundo

e do Brasil e que chegou recentemente a Curitiba, são as visitas guiadas ao Cemitério

São Francisco de Paula, comandadas atualmente pela pesquisadora cemiterial Clarissa

Grassi. As visitas ganharam visibilidade e procura em Junho de 2013. As turmas, de

pequenos grupos, eram preenchidas rapidamente.38 Em 2014 o projeto das visitas

guiadas tornou-se mais frequente. O cemitério se torna então um local dinâmico e vivo

e pertencente ao cotidiano, fatores que vão de encontro com os ideais patrimoniais

atuais.

O projeto das visitas é uma forma de apropriação e identificação da sociedade

com o cemitério. Um patrimônio rico em símbolos possui uma identidade cultural e

fortalece a construção da memória coletiva e individual39. Personagens que fazem parte

da História local se encontram no cemitério e muitas vezes passam despercebidos. O

patrimônio preservado no cemitério auxilia a criar um laço de pertencimento mais forte

com a cidade. Seus habitantes não passam mais a ver o cemitério como um local ruim,

mas sim um lugar onde podem aprender sobre a sua própria história.

Preservar o cemitério também afasta interesses elitistas e econômicos, que visam

somente a um grupo ou indivíduo e não pensam no coletivo. Alguns túmulos antigos do

São Francisco de Paula foram demolidos para dar lugar a outros mais novos, ou a

ampliação de túmulos de famílias tradicionais, fazendo com que se percam detalhes que

contam a história de quem ali está enterrado.

Muitas obras de arte que se encontram ali poderiam perfeitamente serem expostas

em uma galeria ou um museu. Mesmo considerando que, muitas das obras presentes no

cemitério São Francisco de Paula são réplicas de estátuas de outros cemitérios no Brasil

e no mundo, a razão e o motivo a priori da sua presença devem ser levados em conta

38 CEMITÉRIO Municipal de Curitiba traz histórias e arte a céu aberto. Globo.com - G1 Paraná, Curitiba, 04

jun. 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2013/06/cemiterio-municipal-de-curitiba-traz-

historias-e-arte-ceu-aberto.html> Acesso em 10 mai. 2014. 39 ARAUJO, Thiago Nicolau. Túmulos Celebrativos de Porto Alegre: Múltiplos Olhares sobre o Espaço

Cemiterial (1889-1930). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 43.

24

pelo pesquisador e estudioso do cemitério, assim como o porquê da escolha, motivo

passional, religioso, estético, etc.

No caso de obras únicas presentes no cemitério, o desafio do pesquisador é ainda

maior. Encontramos no Cemitério Municipal os túmulos paranistas e outros jazigos que

refletem a nossa identidade e nossa história. Isso demanda uma pesquisa mais ampla e

mais atenta a detalhes dos túmulos que buscam homenagear de forma única quem partiu,

uma vez que nem sempre as inscrições nos epitáfios trazem muitas informações,

principalmente nos túmulos mais recentes, que preferem o silêncio, e escolhem as

esculturas e a arte para expressar as informações e gostos da pessoa que ali está

enterrada. E em um primeiro olhar muitas vezes não é possível realizar identificações.

É necessário realizar pesquisa em outras áreas do conhecimento e as vezes entrar em

contato com a família. É um trabalho que necessita respeito e acima de tudo

sensibilidade.

Os estudos cemiteriais têm aumentado cada vez mais entre estudiosos de diversas

áreas do conhecimento. Mesmo com este trabalho concluído, há muitas possiblidades

de pesquisa acerca da morte, do espaço cemiterial e dos seus ritos. Futuros

aprofundamentos acerca de investigações da temática cemiterial e mortuária são

necessários, com ênfase na preservação e valorização do Cemitério São Francisco de

Paula. Este estudo inicial sinalizou a abertura de futuras pesquisas desta temática, sob a

ótica da História e do Patrimônio, sempre com um diálogo multidisciplinar.

Ainda há muitas histórias presentes nos cemitérios, estando os pesquisadores

incumbidos de resgata-las. O silêncio presente no cemitério muitas vezes tem falado

muito e contado a nós, os vivos, contos de outros tempos e nos lembrado da nossa

finitude e da nossa próxima morada. Futuramente, nós estaremos “contando” essas

histórias em nossos epitáfios e jazigos nos cemitérios.

25

FONTES

BOLETIM INFORMATIVO DA CASA ROMÁRIO MARTINS. Curitiba: Fundação

Cultural de Curitiba, v. 21, n. 104, abr. 1995. ISSN 0102-3268.

CEMITÉRIO Municipal de Curitiba traz histórias e arte a céu aberto. Globo.com - G1

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<http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2013/06/cemiterio-municipal-de-curitiba-traz-

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<http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/concluida-a-reforma-do-cemiterio-

municipal/32742> Acesso em: 10 mai. 2014.

EMPRESA é contratada para manutenção de cemitérios municipais de Curitiba. Gazeta

do Povo, Curitiba, 07 jan. 2014. Disponível em:

<http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1438051>

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