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58 Usos alternativos para a glicerina proveniente da produção de biodiesel: Parte 2 - Geração de biogás ROBRA, Sabine * (PG); SANTOS, João Victor da Silva (IC); OLIVEIRA, Ana Maria de (PQ); da CRUZ, Rosenira Serpa (PQ). Universidade Estadual de Santa Cruz, Grupo Bioenergia e Meio Ambiente, Rodovia Ilhéus – Itabuna, km 16, Ilhéus – BA 45662-00. *[email protected] 1 Introdução Com o lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel pelo Governo Fe- deral, espera-se um aumento da oferta da glicerina, que é um co-produto originado do processo de transesterificação dos óleos vegetais e animais na produção de biodiesel. Nesse sentido, a deter- minação da viabilidade econômica de instalação de uma fábrica de biodiesel deve levar em con- sideração a receita obtida com a venda da glicerina residual. Atualmente, porém, os preços dessa glicerina originada da produção de biodiesel vêm sofrendo forte pressão de queda em função da elevação da oferta, especialmente nos mercados europeu e americano, o que, muitas vezes, torna o seu processo de refino economicamente inviável, particularmente quando essas unidades são de pequena escala e estão localizadas distantes dos centros de refino e do mercado consumidor dessa matéria-prima (JANZING, 2004). Assim, uma das alternativas para o aproveitamento desse resíduo é a produção de biogás, com vistas à geração de energia. Graças ao seu alto teor de carbono facilmente degradável, a glicerina possui propriedades favoráveis à digestão anaeróbica em biodigestores, quando associada a resí- duos orgânicos com alto teor de nitrogênio (AMON et al., 2004). Partindo-se desse contexto, este trabalho objetiva avaliar qualitativa e quantitativamente a introdução da glicerina residual como co-substrato no processo da biodigestão, junto com estrume de gado, e seu potencial para produção de biogás em escala de laboratório. 2 Materiais e métodos Para avaliar o uso da glicerina residual na produção de energia, utilizaram-se dois biodiges- tores laboratoriais tipo UASB 1 modificados e adaptados para tal finalidade. Esses biodigestores são de matéria plástica transparente, com capacidade de 3000 mL e espaço livre de 1.500 mL. Nesse processo, manteve-se uma temperatura de 37°C em banho-maria e sem sistema de agitação (Figura 1). Uma vez por dia, os biodigestores eram agitados levemente para que, assim, se evitasse a for- mação de camadas flutuantes. 1 Upstream Anaerobic Sludge Bed – Reator anaeróbico de fluxo ascendente com manta de lodo.

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Biogás

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Usos alternativos para a glicerina proveniente da produção de biodiesel:

Parte 2 - Geração de biogásROBRA, Sabine* (PG); SANTOS, João Victor da Silva (IC); OLIVEIRA,

Ana Maria de (PQ); da CRUZ, Rosenira Serpa (PQ). Universidade Estadual de Santa Cruz, Grupo Bioenergia e Meio Ambiente, Rodovia Ilhéus – Itabuna, km 16, Ilhéus – BA 45662-00. *[email protected]

1 IntroduçãoCom o lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel pelo Governo Fe-

deral, espera-se um aumento da oferta da glicerina, que é um co-produto originado do processo de transesterificação dos óleos vegetais e animais na produção de biodiesel. Nesse sentido, a deter-minação da viabilidade econômica de instalação de uma fábrica de biodiesel deve levar em con-sideração a receita obtida com a venda da glicerina residual. Atualmente, porém, os preços dessa glicerina originada da produção de biodiesel vêm sofrendo forte pressão de queda em função da elevação da oferta, especialmente nos mercados europeu e americano, o que, muitas vezes, torna o seu processo de refino economicamente inviável, particularmente quando essas unidades são de pequena escala e estão localizadas distantes dos centros de refino e do mercado consumidor dessa matéria-prima (JANZING, 2004).

Assim, uma das alternativas para o aproveitamento desse resíduo é a produção de biogás, com vistas à geração de energia. Graças ao seu alto teor de carbono facilmente degradável, a glicerina possui propriedades favoráveis à digestão anaeróbica em biodigestores, quando associada a resí-duos orgânicos com alto teor de nitrogênio (AMON et al., 2004). Partindo-se desse contexto, este trabalho objetiva avaliar qualitativa e quantitativamente a introdução da glicerina residual como co-substrato no processo da biodigestão, junto com estrume de gado, e seu potencial para produção de biogás em escala de laboratório.

2 Materiais e métodosPara avaliar o uso da glicerina residual na produção de energia, utilizaram-se dois biodiges-

tores laboratoriais tipo UASB1 modificados e adaptados para tal finalidade. Esses biodigestores são de matéria plástica transparente, com capacidade de 3000 mL e espaço livre de 1.500 mL. Nesse processo, manteve-se uma temperatura de 37°C em banho-maria e sem sistema de agitação (Figura 1). Uma vez por dia, os biodigestores eram agitados levemente para que, assim, se evitasse a for-mação de camadas flutuantes.

1 Upstream Anaerobic Sludge Bed – Reator anaeróbico de fluxo ascendente com manta de lodo.

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Usos alternativos para a glicerina proveniente da produção de biodiesel: Parte 2 - Geração de biogás

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Figura 1 - Biodigestor em escala de laboratório.

O inóculo utilizado foi obtido de um biodigestor rural à base de estrume de gado. Esse estrume foi analisado quanto ao teor de matéria seca (MS) (estufa 105°C até peso constante). A glicerina residual foi obtida da produção de biodiesel de mamona da planta piloto da UESC. Os valores para os teores de compostos voláteis (CV) do estrume e da glicerina foram obtidos da literatura (BAYLFU, 2004; AMON et al., 2004; LINKE, MÄHNERT, 2005; VTIGMBH, 2006), conforme Tabela 1.

Tabela 1 - Teores de MS e CV dos substratos

MS (%) CV* (%)

Estrume 10 80

Glicerina 80 90

* percentagem em relação à MS, valores da literatura (BayLfu, 2004; AMON et al., 2004; LINKE, MÄHNERT, 2005; VTI e.V., 2006).

Na fase inicial, os biodigestores receberam uma carga de 3.000 mL de inóculo e em seguida foram alimentados, diariamente, em um sistema semi-contínuo, com estrume de gado e 5 % m/m de glicerina residual em relação à quantidade diária de alimentação. O controle recebeu estrume de gado sem adição de glicerina (Tabela 2). Antes da adição de um novo substrato, foi retirada uma quantidade correspondente de substrato digerido.

Tabela 2 - Quantidades de matéria fresca (MF) e de CV adicionados diariamente aos biodigestores e tempo de residência (TR ) da matéria adicionada

GlicerinaMF (g) Concentração CV (g.L-1) TR médio (dias)

0 % 5 % 0 % 5 % 0 % 5 %

Estrume 106 93 2,5 1,932,9 42,8

Glicerina 0,0 4,7 0,0 0,9

Total 106 97,7 2,5 2,8

%* 100 92 100 112 100 130

* percentagem em relação ao controle (100 %).

O tempo de residência médio (TR) do controle foi de 32,9 dias, com a carga orgânica média de 2,5 g.L-1.d-1 de CV. O tempo de residência médio dos experimentos com adição de glicerina foi de 42,8 dias, com a carga orgânica média de 2,8 g.L-1.d-1 de CV (Tabela 2).

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A quantidade do biogás produzida foi medida diariamente pelo deslocamento do líquido de vedação. O teor de metano foi medido duas vezes por semana por cromatografia gasosa. A esta-bilidade do processo foi monitorada com base no pH e na concentração de ácidos graxos, que foi determinada por cromatografia gasosa.

3 Resultados e DiscussãoApós, aproximadamente, três semanas de incorporação da carga nos biodigestores, fez-se

a comparação da produção do biogás nos dois regimes de alimentação. Neste momento, os dois biodigestores chegaram a um estado de equilíbrio (steady state) visualizado pela estagnação da produção de biogás/dia.

A Figura 2 mostra a produção de biogás, em mL.h-1, em biodigestores laboratoriais com e sem adição de glicerina ao substrato. O controle produziu em média 50,4 mL.h-1 de biogás. A adição de 5 % de glicerina residual produziu em média 233,9 mL.h-1 de biogás. Essas diferenças nas quanti-dades produzidas de biogás durante o processo da biodigestão podem ser atribuídas a perturbações durante o processo de alimentação e amostragem de gás e efluente.

Figura 2 – Produção de biogás em sistemas alimentados com 5 % de glicerina (�) e do controle (�).

Na Figura 3, tem-se a comparação da produção do biogás em mL.g-1 de CV adicionados (va-lores médios). O controle rendeu 166,2 mL.g-1 de CV adicionados. A variação de 5 % de glicerina produziu 838,2 mL.g-1 de CV adicionados. Calculado para L normalizado (LN, 237 K, 1013,25 hPa), o controle produziu 145,7 mLN.g

-1 e a adição de 5 % de glicerina produziu 734,8 mLN.g-1. Verificou-se

que no biodigestor alimentado com 5 % (m/m) de glicerina residual houve um aumento de 304 % na produção de biogás em relação ao controle.

Figura 3: Comparação da produção do biogás em mL.g-1 de CV adicionados no controle (�) e com a adição de 5 % de glicerina (�).

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Usos alternativos para a glicerina proveniente da produção de biodiesel: Parte 2 - Geração de biogás

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Os valores encontrados na literatura para o rendimento de biogás produzido a partir de estru-me de gado variam entre 170 mLN.g

-1 CV (LANDWIRTSCHAFTSKAMMER NORDRHEIN-WESTFA-LEN, 2004) e 400 mLN.g

-1 CV (KEYMER, 2005). O baixo valor encontrado neste estudo (145,7 mLN.g-1 CV) pode ser atribuído a teores menores de nutrientes no estrume utilizado, provavelmente em função da alimentação do gado.

Os valores medidos na produção do biodigestor alimentado com 5 % (m/m) de glicerina re-sidual concordam com os valores do estudo de Amon (2004), 617,03 mLN.g

-1 CV, em que a uma mistura de estrume de suínos foi adicionado 4 % (m/m) de glicerina residual de colza.

Em termos de matéria fresca adicionada, o biodigestor com 5 % (m/m) de glicerina residual produziu 74 mL.g-1 MF adicionada (64,7 mLN.g

-1 MF), enquanto o controle produziu 13 mL.g-1 MF adicionada (11,4 mLN.g

-1 MF), sendo a diferença de 369 %.A quantidade de matéria fresca adicionada ao biodigestor com glicerina foi 87,4 % da quanti-

dade da matéria fresca adicionada ao controle, resultando em um tempo de residência médio maior, o que significa um melhor aproveitamento do substrato ou uma melhor utilização do volume útil do biodigestor, por permitir a adição de quantidades maiores de substrato por unidade de tempo.

4 ConclusãoOs resultados parciais indicam que a glicerina residual apresenta um alto potencial para uso

como suplemento na produção de biogás, quando adicionada na biodigestão de resíduos orgânicos ricos em nitrogênio, como, por exemplo, o estrume de gado.

A adição de apenas 5 % de glicerina residual melhorou o desempenho do biodigestor, aumentan-do em mais de cinco vezes a produção de biogás e otimizando a capacidade útil do biodigestor.

É recomendável que o processo seja monitorado rigorosamente para que a alimentação e o tempo de residência sejam otimizados, evitando-se assim, o comprometimento do processo de bio-digestão pela acumulação de ácidos graxos voláteis no substrato.

5 AgradecimentosSabine Robra agradece à CAPES pela bolsa de mestrado concedida. João Victor da Silva San-

tos agradece ao PROIIC (UESC) pela bolsa da iniciação científica concedida. Os autores agradecem ao Assentamento Fazenda Cascata, Aurelino Leal/Bahia pelo apoio.