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Psicologia: Teoria e Prática – 2010, 12(1):71‑84 Saúde mental da criança e do adolescente: a experiência do Capsi da cidade de Vitória‑ES Juliana Peterle Ronchi Luziane Zacché Avellar Universidade Federal do Espírito Santo Resumo: O Centro de Atenção Psicossocial Infanto‑Juvenil (Capsi), ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS), mostra‑se como um redirecionamento na assistência em saúde mental para crianças e adolescentes. Esta pesquisa teve como objetivo conhecer e descrever o serviço do Capsi da cidade de vitória‑ES em seu primeiro ano de funcionamento, por meio de ob‑ servação da instituição, consulta aos dados dos prontuários dos pacientes e entrevista com os profissionais. No Capsi, receberam atendimento 162 crianças e adolescentes, dos quais 51 permaneceram em atendimento no primeiro ano do serviço. Nestes, os diagnósticos mais frequentes foram: transtornos emocionais e do comportamento. Em sua maioria, os profissionais que atuam no Capsi chegaram por meio de concurso público e não conheciam o funcionamento do serviço previamente, destacam a importância do que fazem e apontam a necessidade de buscar recursos e capacitação para o trabalho cotidiano. Palavras‑chave: saúde mental; serviços de saúde mental; criança; adolescente; saúde pública. MENTAL HEALTH OF CHILDREN AND ADOLESCENTS: THE EXPERIENCE OF CAPSI IN THE CITY OF vITORIA‑ES Abstract: The Psychosocial Care Center for Children and Adolescents (Capsi), connected to SUS, has shown itself as a redirection in mental health care for children and adolescents. This study aimed to get to know and describe the service Capsi of vitória‑ES in its first year of operation, by observing the institution, getting information from patient files and interviewing professionals. 162 children and adolescents received treatment at Capsi, of which 51 remained under treatment in the first year. Among these, the most common diagnosis were: emotional and behavior disorders. Professionals working in Capsi, who had to take exams to be admitted and did not know how it worked before, highlighted the importance of what they do and pointed out the need to seek resources and training for everyday work. Keywords: mental health; mental health services; child; adolescent; public health. SALUD MENTAL DEL NIñO Y DEL ADOLESCENTE: LA EXPERIENCIA DEL CAPSI DE LA CIUDAD DE vITORIA‑ES Resumen: El Centro de Atención Psicosocial Infanto‑Juvenil (Capsi), relacionado al Sistema Único de Salud (SUS), se presenta como un redireccionamiento en la asistencia de la salud mental para niños y adolescentes. Esta investigación tuvo como objetivo conocer y describir el servicio del Capsi de la ciudad de vitória‑ES en su primer año de funcionamiento, por médio de observación de la institución, consulta de los datos en los prontuários de los pa‑ cientes y entrevista a los profesionales. En la intitución Capsi, 162 niños y adolescentes reci‑ bieron atendimiento, de los cuales 51 permanecieron en atendimiento en el primer año de funcionamiento. En estos, los diagnósticos más frecuentes fueron: trastornos emocionales y de comportamiento. Los profesionales que actuan en el Capsi, en su gran mayoría llegaron por intermédio de concurso público y no conocían el funcionamiento del servicio previa‑ mente, destacan la importância de lo que realizan y apuntan la necesidad de buscar recursos y especialización para el trabajo del dia‑día. Palabras clave: salud mental; servicios de salud mental; niño; adolescente; salud pública.

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  • Psicologia: Teoria e Prtica 2010, 12(1):7184

    Sade mental da criana e do adolescente: a experincia do Capsi da cidade de VitriaES

    Juliana Peterle RonchiLuziane Zacch Avellar

    Universidade Federal do Esprito Santo

    Resumo: O Centro de Ateno Psicossocial InfantoJuvenil (Capsi), ligado ao Sistema nico de Sade (SUS), mostrase como um redirecionamento na assistncia em sade mental para crianas e adolescentes. Esta pesquisa teve como objetivo conhecer e descrever o servio do Capsi da cidade de vitriaES em seu primeiro ano de funcionamento, por meio de observao da instituio, consulta aos dados dos pronturios dos pacientes e entrevista com os profissionais. No Capsi, receberam atendimento 162 crianas e adolescentes, dos quais 51 permaneceram em atendimento no primeiro ano do servio. Nestes, os diagnsticos mais frequentes foram: transtornos emocionais e do comportamento. Em sua maioria, os profissionais que atuam no Capsi chegaram por meio de concurso pblico e no conheciam o funcionamento do servio previamente, destacam a importncia do que fazem e apontam a necessidade de buscar recursos e capacitao para o trabalho cotidiano.

    Palavraschave: sade mental; servios de sade mental; criana; adolescente; sade pblica.

    MENTAL HEALTH OF CHILDREN AND ADOLESCENTS: THE EXPERIENCE OF CAPSI IN THE CITY OF vITORIAES

    Abstract: The Psychosocial Care Center for Children and Adolescents (Capsi), connected to SUS, has shown itself as a redirection in mental health care for children and adolescents. This study aimed to get to know and describe the service Capsi of vitriaES in its first year of operation, by observing the institution, getting information from patient files and interviewing professionals. 162 children and adolescents received treatment at Capsi, of which 51 remained under treatment in the first year. Among these, the most common diagnosis were: emotional and behavior disorders. Professionals working in Capsi, who had to take exams to be admitted and did not know how it worked before, highlighted the importance of what they do and pointed out the need to seek resources and training for everyday work.

    Keywords: mental health; mental health services; child; adolescent; public health.

    SALUD MENTAL DEL NIO Y DEL ADOLESCENTE: LA EXPERIENCIA DEL CAPSI DE LA CIUDAD DE vITORIAES

    Resumen: El Centro de Atencin Psicosocial InfantoJuvenil (Capsi), relacionado al Sistema nico de Salud (SUS), se presenta como un redireccionamiento en la asistencia de la salud mental para nios y adolescentes. Esta investigacin tuvo como objetivo conocer y describir el servicio del Capsi de la ciudad de vitriaES en su primer ao de funcionamiento, por mdio de observacin de la institucin, consulta de los datos en los pronturios de los pacientes y entrevista a los profesionales. En la intitucin Capsi, 162 nios y adolescentes recibieron atendimiento, de los cuales 51 permanecieron en atendimiento en el primer ao de funcionamiento. En estos, los diagnsticos ms frecuentes fueron: trastornos emocionales y de comportamiento. Los profesionales que actuan en el Capsi, en su gran mayora llegaron por intermdio de concurso pblico y no conocan el funcionamiento del servicio previamente, destacan la importncia de lo que realizan y apuntan la necesidad de buscar recursos y especializacin para el trabajo del diada.

    Palabras clave: salud mental; servicios de salud mental; nio; adolescente; salud pblica.

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    Introduo

    No Brasil, algumas pesquisas tm confirmado uma grande prevalncia de transtornos mentais em crianas e adolescentes (GUERRA, 2003; RIBEIRO, 2006; SANTOS, 2006; SPO-SITO; SAVOIA, 2006; HOFFMANN; SANTOS; MOTA, 2008). Ferrioli, Marturano e Puntel (2007), Paula, Duarte e Bordin (2007) e Fleitlich e Goodman (2002) apontam que de 12,7% a 23,3% do total de crianas e adolescentes no pas sofrem com algum tipo de transtorno mental. ndices prximos aos apresentados pela Organizao Mundial de Sade (2001), que aponta uma prevalncia variando de 10% a 20%. No entanto os oramentos desig-nados sade mental representam, na maioria dos pases, menos de 1% dos seus gastos totais com a sade, e ainda 90% dos pases no tm poltica de sade mental voltada para crianas e adolescentes.

    A reforma psiquitrica ocorrida no Brasil nos ltimos vinte anos aponta para a neces-sidade de constituir uma rede de servios substitutivos internao, de carter aberto e inclusivo. Santos (2006), Hoffmann, Santos e Mota (2008) e Couto, Duarte e Delgado (2008) indicam uma escassez de servios na assistncia em sade mental infanto-juvenil, de maneira que h maior incidncia para atendimento ao pblico adulto. Em geral, esse ti-po de atendimento se concentra nas grandes metrpoles, o que significa que o interior dos Estados e at do pas permanece s margens dos servios em sade mental. Couto Duarte e Delgado (2008) afirmam tambm certa desarticulao dos servios pblicos para infncia e adolescncia, e no ausncia absoluta de recursos.

    As iniciativas na assistncia a crianas e adolescentes que sofrem com transtorno men-tal grave so poucas e localizadas. Romper com a desinformao tcnico-poltica, promo-ver a intersetorialidade e particularizar o atendimento ao pblico infanto-juvenil, antes pautado na assistncia aos adultos ou deficientes, representa o desafio que se coloca ante as novas formas de lidar com a assistncia em sade mental, principalmente quando se fala de prticas profissionais (GUERRA, 2003; VICTAL E BASTOS, 2003; SANTOS, 2006; AVELLAR; BERTOLLO, 2008; HOFFMANN; SANTOS; MOTA, 2008).

    Guerra (2005) destaca ainda, como um dos desafios na assistncia em sade mental infanto-juvenil, traar o dilogo entre diferentes saberes que perpassam as crianas e os jovens, uma vez que esto diludos por diferentes reas, como pedagogia, psicologia e medicina, priorizando a construo e a reconstruo de projetos de vida. De acordo com Guerra (2005, p. 141):

    [...] pensar em proposta no mbito das polticas pblicas para assistncia a crianas e adolescentes com

    transtornos graves implica, no mnimo, em reescrever a histria da assistncia a partir de novos princpios

    ticos e polticos.

    Dessa forma, torna-se fundamental levar em considerao seus direitos como cidados e suas especificidades de atendimento, desconsideradas historicamente.

    De acordo com a Portaria n 336/2002, com base na Lei n 10.216, de 6 de abril de 2001, o Centro de Ateno Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi), ligado ao Sistema nico de Sa-de (SUS) e pertencente gesto municipal, constitui-se como um ambulatrio dirio para

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    crianas e adolescentes com transtornos mentais graves, configurando o seu atendimento nos moldes do local em que est inserido, e visa ser substitutivo s internaes em hospi-tais psiquitricos (MINISTRIO DA SADE, 2009a). Concebido como um dispositivo aberto de assistncia a crianas e adolescentes, o Capsi conta com equipe multiprofissional e equi-pamentos variados, e possibilita no s atendimentos clnicos especializados, mas tambm tem como funo promover sade, inserir o usurio (crianas e adolescentes) no meio so-cial e reabilit-lo, rompendo com o estigma da loucura (GUERRA, 2005).

    No Brasil, de acordo com o Ministrio da Sade (2009b), existem 101 Capsi, de modo que, em alguns Estados, h mais de 20 e em outros nenhum servio para atender crianas e adolescentes. No Esprito Santo, o Capsi da cidade de Vitria o primeiro do Estado. Dessa forma, objetivamos com este estudo conhecer e descrever os servios prestados no primeiro ano de funcionamento do Centro de Ateno Psicossocial Infanto-Juvenil (Capsi) da cidade de Vitria-ES, que foi implantado em setembro de 2007. Diante da escassez de trabalhos que tratam da assistncia em sade mental para crianas e adolescentes, espe-ramos gerar conhecimento sobre a assistncia no campo da sade mental infanto-juvenil, visando agregar material ao pequeno nmero de estudos existentes na rea.

    Mtodo

    Participantes

    Entrevistou-se, segundo disponibilidade, pelo menos um profissional de cada rea que atuava no Capsi no momento da pesquisa. A amostra de convenincia contou com 16 profissionais dos 26 que estavam trabalhando no Capsi. Foram entrevistados 3 tcnicos de enfermagem de 5 que trabalhavam no Capsi; 2 assistentes sociais de 3; 1 enfermeiro de 2; 2 psiclogos de 4; 1 arteterapeuta de 2; 1 assistente administrativo de 2; 1 vigilante patrimonial de 2; 1 auxiliar de servios gerais de 2; havia 1 mdica pediatra e 1 mdica psiquiatra trabalhando no Capsi e ambas foram entrevistadas; havia ainda 1 musicotera-peuta e 1 terapeuta ocupacional, que tambm foram entrevistados. Alm disso, utiliza-ram-se dados obtidos dos pronturios dos 51 pacientes que estavam em atendimento regular no Capsi entre setembro de 2007 e setembro de 2008.

    Instrumentos

    Utilizaram-se fichas para o registro das observaes feitas pelo pesquisador na insti-tuio.

    Os dados dos pronturios dos pacientes do primeiro ano de funcionamento do Capsi foram coletados utilizando-se fichas individuais contendo os seguintes itens: idade; sexo; escolaridade; municpio e bairro de residncia; data de entrada no Capsi; fonte de enca-minhamento; queixa apresentada; diagnstico recebido antes de ingressar no Capsi; diagnstico recebido; modalidade de atendimento oferecido pela instituio; utilizao de medicamentos.

    Para as entrevistas com os profissionais, utilizou-se roteiro semiestruturado, em que, de acordo com Minayo et al. (1994), trabalha-se com perguntas estruturadas previamente,

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    mas que possibilitam ao entrevistado falar livremente dos assuntos abordados. O roteiro versou sobre os seguintes itens: tempo de atuao no Capsi, formao profissional, atua-o antes de trabalhar na instituio, por que escolheu atuar no Capsi e atividades de-sempenhadas.

    Procedimentos de coleta de dados

    O projeto de pesquisa foi apresentado ao coordenador do Centro de Ateno Psicos-social Infanto-Juvenil da cidade de Vitria-ES e Secretaria Municipal de Sade da Prefei-tura de Vitria, com a finalidade de informar-lhes acerca dos objetivos da pesquisa (Reso-luo n 196/96 do Conselho Nacional de Sade). Como o projeto cumpria todas as exigncias, obtivemos o consentimento para sua realizao. A presente pesquisa obteve aprovao no Comit de tica em Pesquisa do Centro de Cincias da Sade da Universi-dade Federal do Esprito Santo.

    Para atender aos objetivos propostos, foram utilizados trs procedimentos de coleta de dados:

    Numprimeiromomento,realizouseaobservaoparticipante(MINAYOetal.,1994)da instituio, o que permitiu obter informaes da dinmica de funcionamento do Capsi. Com esse procedimento, gerou-se um dirio de campo, em que consta o regis-tro sistemtico de todas as visitas realizadas nessa etapa da coleta de dados.

    Nasegundaetapadapesquisa,realizamosconsultaaospronturios,easinformaesobtidas foram transcritas em ficha apropriada, descrita no item anterior.

    Naterceiraetapadacoletadedados,entrevistamososprofissionais.Asentrevistasforam individuais e se realizaram de acordo com a disponibilidade de cada um. Cada entrevista teve durao de no mximo 60 minutos, e todas foram gravadas com a de-vida autorizao concedida pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e poste-riormente transcritas.

    Anlise dos dados

    Todos os dados obtidos dos pronturios dos pacientes foram submetidos anlise es-tatstica, utilizando o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), verso 13.0 para Windows, com objetivo de proceder s anlises preliminares e estatsticas. Por tratar-se de pesquisa descritiva, verificamos apenas a frequncia da ocorrncia das variveis, pos-teriormente complementada pela anlise qualitativa dos dados.

    As entrevistas foram submetidas ao software Analyse Lexicale par Contexte dum En-semble de Segments de Texte (Alceste), ferramenta informatizada de anlise de dados textuais. O Alceste trabalha com um corpus que pode ser entrevistas, textos de jornais ou ainda documentos, divididos em unidades de contexto inicial (UCIs) que so cada conjun-to de texto definido pelo pesquisador; nesta pesquisa, cada resposta de cada entrevistado. Aps reconhecer as UCIs, o programa faz a diviso do material em unidades de contexto elementar (UCEs), frases determinadas em funo do tamanho do corpus, sua pontuao e ordem de apario no texto. As UCEs, por sua vez, so classificadas em funo do vo-

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    cabulrio para comporem uma mesma classe lexical, e organizadas por meio da classi-ficao hierrquica descendente (CHD), considerando frequncia, porcentagem e fora de relao de cada palavra com o contexto em que foi inserida. O programa apresenta em um dendograma (Figura 1) o nmero de classes, suas estruturas e a relao entre elas (proximidade ou oposio) (CAMARGO, 1998; MENANDRO, 2004; CORTEZ; SOUZA, 2008). Por exemplo, de acordo com Menandro (2004), ndice de proximidade (r) menor que 0,5 pode ser sinal de oposio entre as classes. Dessa forma, palavras e expresses foram ca-tegorizadas de acordo com sua importncia semntica, de modo que foram identificados ncleos centrais das entrevistas dos profissionais do Capsi que geraram classes e eixos de temticas principais.

    O dirio de campo teve como objetivo detalhar os fatos do cotidiano do Capsi e foi utilizado como complemento s anlises anteriores, pois proporcionou o acesso a relatos sistemticos da realidade dos fatos, o que facilitou a caracterizao e discusso dos dados dos pronturios e das entrevistas.

    Resultados e discusses

    Anlise dos dados dos pronturios

    No primeiro ano de funcionamento, de acordo com os dados dos pronturios anali-sados, 162 crianas e adolescentes receberam algum tipo de atendimento no Capsi da cidade de Vitria-ES, dos quais 33 ainda estavam em avaliao e no possuam um pla-no de atendimento regular na instituio. O servio acolheu 60 pacientes, mas foram encami nha dos ou desligados por no serem, de acordo com a equipe tcnica, elegveis para atendimento no Capsi; e 13 pacientes foram acolhidos, mas no deram continuida-de avaliao ou ao atendimento. No momento da coleta de dados, 56 pacientes esta-vam em atendimento regular. Trabalhamos com 51 pronturios, que atendiam aos crit-rios de incluso da pesquisa, pacientes que estavam em atendimento no primeiro ano de funcionamento do Capsi com atividades regulares. Alm disso, esses 51 pronturios con-tinham todas as informaes requeridas nas fichas individuais da coleta de dados dos pronturios.

    Dos 51 pacientes, 31 eram do sexo masculino (60,8%) e 20 do sexo feminino (39,2%), o que est de acordo com literatura da rea. Hoffmann, Santos e Mota (2008), em seu estudo, por meio da consulta ao banco de dados do Ministrio da Sade, da Autorizao de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade (Apac), afirmam que 62,3% das crianas e dos adolescentes atendidos em Capsi eram do sexo masculino. Nos estudos rea-lizados por Santos (2006), Sposito e Savoia (2006) e Delfini et al. (2009), a incidncia tam-bm foi maior para o sexo masculino.

    Ainda de acordo com Hoffmann, Santos e Mota (2008), segundo as normas do Minis-trio da Sade, os Capsis atendem crianas, adolescentes e jovens at 21 anos. Em seu estudo, os autores classificaram o pblico atendido no Capsi baseando-se em publicao do Fundo de Populao das Naes Unidas (UNFPA), utilizando a mesma classificao desta pesquisa. Contabilizamos em atendimento 19 crianas (faixa etria: 0-9 anos), 22 adolescentes (faixa etria: 10-14) e 10 jovens (faixa etria: 15-21), observando no entanto

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    que nesse servio no h atendimento para pacientes com idade superior a 18 anos com-pletos. A mdia das idades dos pacientes foi de 10,9 anos.

    Destaca-se que, embora exista nmero maior de adolescentes usurios do servio, os profissionais ressaltam dificuldades no atendimento a esse pblico, uma vez que as estra-tgias de interveno precisam contemplar as particularidades dessa fase do desenvolvi-mento. Victal e Bastos (2003), em sua dissertao, tambm apontam que os adolescentes so citados como um grupo de difcil assistncia pela sade. Como h pouca procura pe-los servios, quando esse grupo populacional chega rede de assistncia, o caso apresen-ta-se, em geral, mais grave.

    Oitenta por cento das crianas e dos adolescentes pacientes do Capsi estudam, em sua maioria distribudos nas fases iniciais do ensino fundamental, dados que se aproximam dos encontrados por Santos (2006). No estudo desse autor, a maioria das crianas e dos adolescentes eram alunos de 1 a 4 srie.

    As crianas e os adolescentes chegaram ao Capsi encaminhados principalmente pelas unidades bsicas de sade (35%), pela Associao dos Amigos dos Autistas do Esprito Santo (13,7%), por demanda espontnea (11,8%), pela Associao dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) (9,8%) e pela escola (7,8%). Verificamos que a equipe do Capsi tem reunies frequentes com as unidades bsicas de sade do municpio, orientando sobre o servio prestado e a que populao dirigido, o que pode facilitar o encaminhamento expressivo de pacientes por meio das unidades bsicas de sade, como prev o modelo de assistncia do SUS. No entanto, encontramos entrada por outros tipos de encaminha-mento, o que nos leva hiptese de que, por ser um servio em constituio e o primeiro do tipo no Estado, os encaminhamentos e a porta de entrada ainda esto sendo defini-dos pelos profissionais e pela comunidade.

    As queixas mais relatadas pelos familiares sobre a criana ou o adolescente foram: agressividade, agitao e o fato de as crianas ou os adolescentes realizarem furtos. San-tos (2006) tambm aponta como principal queixa dos pais, em seu estudo, a agressividade.

    Ao chegar ao Capsi, a maioria das crianas e dos adolescentes j possua diagnsti-cos, e os mais frequentes eram: autismo ou espectro autista, distrbio de aprendizagem, agressividade, distrbio de comportamento, epilepsia, psicose, agitao e transtorno glo-bal no especificado do desenvolvimento.

    Os diagnsticos recebidos no Capsi diferiam dos anteriores. Dessa forma, em relao aos agrupamentos diagnsticos propostos pela CID-10, constatamos que, dos 51 pacien-tes, 7,8% no receberam nenhum tipo de diagnstico, 29,4% foram diagnosticados com transtornos do comportamento e transtornos emocionais que aparecem habitualmente na infncia e na adolescncia (F 90-F 99,9), 27,5% com transtornos do desenvolvimento psicolgico (F 80-F 89,9), 19,6% com esquizofrenia, transtornos esquizotpicos e deliran-tes (F 20-F 29,9), 13,7% com retardo mental (F 70-F 79,9) e 2% com transtornos da perso-nalidade e do comportamento adulto (F 60-F 69,9).

    Em concordncia com os dados citados por Hoffmann, Santos e Mota (2008), Couto, Duarte e Delgado (2008) e Delfini et al. (2009), verificamos a maior frequncia dos trans-tornos do comportamento e emocionais. Ainda salientamos a alta taxa de transtornos do desenvolvimento psicolgico, em concordncia com os dados de Delfini et al. (2009), alm

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    de esquizofrenia, transtornos esquizotpicos e delirantes, com frequncia consideravel-mente maior do que apresentam Couto, Duarte e Delgado (2008).

    Diante das dificuldades para identificao de transtornos mentais em crianas e ado-lescentes, como apontam Delfini e colaboradores (2009); desenvolvimento, definio de sade e doena para populaes em diferentes contextos socioculturais e as diferentes metodologias utilizadas para a determinao de diagnstico, verificamos que, em muitos pronturios, os diagnsticos iniciais diferiram dos diagnsticos recebidos no Capsi. Alm disso, a equipe de trabalho mostrava cuidado em diagnosticar as crianas e os adoles-centes em padres fixos de comportamento, optando, muitas vezes, por observar mais de perto interaes familiares e contexto sociocultural do desenvolvimento. Esse procedi-mento poderia levar a uma no definio de um diagnstico preciso, o que pode ser manifesto nos 7,8% de usurios que no haviam recebido, at o momento da pesquisa, diagnstico no Capsi.

    Dos 51 pacientes que estavam em atendimento, poca da pesquisa, 48 faziam uso de medicamento. De acordo com Guarido e Voltolini (2009), um fenmeno atual o au-mento de utilizao de medicamentos psicotrpicos, no entanto no ser realizada uma discusso dessa questo, porque o estudo de carter descritivo. Isto , apresentam-se apenas as ocorrncias relacionadas s classes de medicamentos utilizadas. Salienta-se, ain da, a importncia de estudos nacionais que abordem o tema de forma mais especfica, por causa da escassez de trabalhos na rea. Os medicamentos mais utilizados por crianas e adolescentes no Capsi eram: antipsicticos (86,3%), anticonvulsivantes (72,5%), antide-pressivos (43,1%) e anfetamnicos (21,6%).

    Um plano teraputico singular (PTS) era traado para cada paciente, o qual se refere s atividades desenvolvidas regularmente no servio. Destas, as com maior frequncia eram: psicologia (56,9%), arteterapia (45,1%), prticas corporais (39,2%), musicoterapia (31,4%), grupo de adolescentes (23,5%), terapia ocupacional (21,6%) e oficina de histrias (15,7%).

    Os atendimentos prestados aos familiares eram: grupo de mulheres, psicoterapia para me, atendimento familiar, grupo familiar, atendimento do servio social me, atendi-mento psicolgico familiar e atendimento psicolgico me.

    Anlise das entrevistas realizadas com os profissionais do Capsi

    A classificao hierrquica descendente realizada pelo programa Alceste dividiu o contedos das entrevistas com os profissionais em 935 unidades de contexto elementares (UCEs), das quais analisou 795 (85,03%), indicando boa consistncia do material anali-sado. Dois eixos foram gerados aps a anlise: o primeiro compreendendo a classe 1 com 202 UCEs (25,41% do material textual analisado) e o segundo composto pelas classes 2 com 210 UCEs e 3 com 383 UCEs (74,60%). A Figura 1 apresenta o dendograma gerado pelo Alceste, com as nomeaes das classes e dos eixos, porcentagem do material anali-sado em cada classe, assim como os radicais das palavras que compem seus ncleos com seus respectivos valores de qui-quadrado (X), que sinalizam a importncia semntica de cada palavra dentro da classe, e os ndices de proximidade (r), que indicam a relao exis-tente entre as classes.

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    Dinmica de funcionamento do servio

    Classe 1 (25.41%): A chegada ao Capsi

    Palavra X

    Tava 51.76 Port+ 51.00 Noc+ 49.36 Fiz 47.94 Vaga+ 47.94 Escolh+ 43.27 Vim 38.80

    Palavra X

    Acolhi+ 54.22 Acompanh+ 49.65 Gente 49.04 Tcnico de Referncia 48.39 Regi+ 47.51 Os 46.32 Territrio+ 43.85 Atend+ 38.17 Dos+ 38.09 Casos 35.73 Atividade 35.28

    Classe 2 (26.42%): O fazer no Capsi

    Classe 3 (48.18%): A construo do fazer na

    assistncia em sade mental

    Palavra X

    Ach+ 82.04Cois+ Form+ 31.07Muita 23.43Sint+ 21.84Vez+ 19.87Importante+ 18.56Melhor+ 16.90Busc+ 15.46Sentido+ 15.46Sei 15.23Prepar+ 14.30Capacit+ 13.11Caminh+ 12.49

    r = 0,0

    r = 0,25

    Figura 1. Dendograma do contedo das entrevistas com os profissionais do Capsi

    Na Figura 1, apontamos a presena de radicais com o smbolo (+), denotando que variaes de uma mesma palavra foram reconhecidas e analisadas pelo programa, sen-do o valor do qui-quadrado correspondente a cada radical. O Alceste fornece um rela-trio da anlise efetuada, no qual pode-se verificar quais so as palavras analisadas e com que frequncia aparecem. Por exemplo: Noc+: noo (20), noes (1); vaga+: va-ga (16), vagas (6); acolhi+: acolhi (1), acolhimento (21), acolhimentos (5); acompanh+: acompanha (3), acompanhado (2), acompanhando (9), acompanhar (6), acompanho (2); ach+: acha (5), acham (1), achar (2), acharam (1), achava (4), ache i(5), acho (209), achou (1); form+: forma (49), formao (16), formada (3), formando (1), formar (1), formei (1); busc+: busca (3), buscando (3), buscar (13), buscaram (1), busco (3); capacit+: capacita-o (11), capacitada (1), capacitado (1), capacitar (1). Salientamos ainda que h indica-tivo de oposio entre as classes e os eixos, uma vez que os ndices de proximidade so inferiores a 0,5 (ndice de proximidade entre os eixos foi nulo, r = 0,0; e entre as classes 2 e 3, 0,25).

    A classe 1, denominada A chegada ao Capsi, compe o primeiro eixo e evidencia que os profissionais vieram, em sua maioria, de concurso pblico realizado pela prefei-tura. Em geral, no conheciam a dinmica de funcionamento do Capsi, apenas sabiam o que haviam lido para o concurso, uma vez que questes referentes instituio fa-ziam parte do material de estudo das portarias do Ministrio da Sade sobre a reforma psiquitrica.

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    [...] no, no conhecia, eu s sabia que atendia criana, n?, mas eu no sabia que tinha transtorno mental,

    e eu vim pra c, no sabia nem do que se tratava. No, no sabia, nem sabia como era o funcionamento

    de um Capsi. No tinha nem noo (Profissional 12).

    Os profissionais do Capsi tambm enfatizaram a falta de experincia no campo da sade mental infanto-juvenil, tanto de conhecimento pessoal-profissional quanto de re-gulamentaes sobre as especificidades do servio implantado. Hoffmann, Santos e Mota (2008) e Ribeiro (2006) salientam a falta de ateno e estruturao da assistncia no cam-po da sade mental infanto-juvenil. Essa lacuna existente na rea contribui com o no conhecimento dos servios e programas disponveis, uma vez que so restritos e esto por se constituir.

    Se, por um lado, a falta de conhecimento pode levar o profissional a busc-lo e inves-tir em novas formas de atuao, por outro, a falta de um modelo sistematizado de inter-veno pode deix-lo sem referncias. Nota-se, como aponta Guerra (2003), a pouca ini-ciativa na assistncia em sade mental, que, se para os adultos est ampliando-se, para crianas e adolescentes est marcada pela falta de informao tcnico-poltica e investi-mentos, corroborando prticas segregacionistas que no levam em considerao as espe-cificidades do atendimento infantil, constituindo-se um campo com grandes desafios e descobertas em que o profissional coloca-se como um desbravador.

    A classe 2, denominada O fazer no Capsi, trata das atividades realizadas pelos pro-fissionais na instituio. Destaca-se o acolhimento, atividade desempenhada pelos espe-cialistas de nvel superior. Trata-se do primeiro contato que se estabelece com o paciente e seus familiares quando chegam ao Capsi.

    De acordo com Guerra (2003, p. 180):

    [...] acolher implica em escutar, diagnosticar a situao, ampliar o campo da queixa, buscando a implicao

    do sujeito e tomar, responsavelmente, a si, o encargo da conduo do caso. O que no quer dizer atender

    o que demandado, mas permitir uma escanso atravs da qual possa ser escutado o que est sendo dito

    atravs daquela queixa que se apresenta. Este modelo rompe com uma prtica desimplicada que caracte-

    riza ainda hoje alguns setores do sistema pblico de cuidados e inaugura uma clnica sustentada pela res-

    ponsabilidade e orientada pela singularidade do usurio atendido.

    Os acompanhamentos dos casos em avaliao ou dos pacientes so tarefas de todos os profissionais, de modo diferenciado para cada rea. Os profissionais destacam diferentes tipos de acompanhamento. Os acompanhamentos, a segunda atividade com maior ex-presso dentro do Capsi, podem ser: teraputicos individuais ou direcionados aos familia-res, feitos pelos tcnicos de enfermagem e do tcnico de referncia.

    Dentro da segunda categoria, a quarta expresso em valor semntico foi ser tcnico de referncia, atividade desempenhada por todos os profissionais de nvel superior, que se mostra um diferencial do servio. Cada tcnico de referncia est diretamente ligado a uma regio de sade do municpio, chamada territrio, em que o profissional estabele-ce maior contato com as unidades bsicas, disponibilizando maior ateno aos casos da-quele local.

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    Os atendimentos tambm se destacam como atividades realizadas no Capsi. Marcados pelos profissionais como diferentes de outras atividades desempenhadas com os pacien-tes, como oficinas, grupos e acompanhamentos.

    Os dados apontam para uma tentativa de criar novas formas de atuao, acoplando procedimentos abrangentes, como atendimento em duplas, acompanhamento direto ao paciente dentro dos espaos que utiliza na instituio, s prticas tradicionais, co-mo o atendimento clnico. Entendendo o Capsi como um servio que substitui um mo-delo hospitalocntrico, o atendimento, individual ou familiar, marcadamente distin-to de outras prticas, baliza diferenas na maneira de abordar o sujeito, de modo que, mesmo em busca de novas formas de atuao, os profissionais ainda no abandona-ram as prticas ditas tradicionais, conhecidas e reconhecidas, por exemplo, na assis-tncia clnica.

    A classe 3, denominada A construo do fazer na assistncia em sade mental, reme-te experincia dos profissionais, que pensam o servio tentando buscar um novo senti-do para a realidade que se mostra.

    [...] acho que isso que voc t me perguntando, n? Falando um pouco mais sobre o que um Capsi in-

    fantil. Se eu sabia o que era um Capsi infantil? Ainda no sei, mas t comeando a ver algumas coisas

    (Profissional 3).

    A palavra coisa, com alto ndice de significncia na classe 3, traduz a dificuldade dos profissionais de nomear a prtica. A pouca especificidade das atividades realizadas, a chegada com expectativas por constituir um servio do qual no se tinha muito conheci-mento, a falta de informao tcnico-poltica e a busca por legitimao do que fazem apontam para a relevncia da quantidade de vezes que a palavra coisa dita pelos pro-fissionais ao se referirem ao servio e sua prtica.

    Questionados se esto preparados para atuar no Capsi, os profissionais, de modo ge-ral, consideram que sim.

    [...] eu acho que no comeo eu no me sentia, no, agora eu acho que sim, eu acho que eu t preparada,

    claro que a gente pega casos que a gente nunca viu na vida, e a gente fica assim: qual, que ser que vai

    acontecer, o que ser que vai acontecer, n? (Profissional 12)

    Mesmo assim, os profissionais apontam para a necessidade de buscar recursos que os ajudem no trabalho e complementem sua formao.

    Os profissionais ressaltam a importncia do servio e do trabalho que fazem, salien-tam o valor das diferentes reas do conhecimento, enfatizam a necessidade de buscar mais leituras, capacitao, preparo para que o servio melhore cada vez mais. Ressaltam ainda que o servio est caminhando e que eles aprendem uns com os outros, com os casos que chegam, que os impulsionam a buscar todo dia mais informaes e formas de lidar com o que se apresenta.

    Mesmo com as dificuldades de um servio que comea no Estado, com a falta de recur-sos no campo da sade mental infanto-juvenil, tenta-se encontrar um caminho, com pe-

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    quenos passos, como afirmam os profissionais, como leitura de textos em equipe, discus-so dos casos e encontro com profissionais de outras instituies.

    Diante do exposto, os profissionais indicam a necessidade de buscar algo que falta ao servio. A falta de uma referncia para o que fazem parece permear a prtica profissional dentro do Capsi. Angstia que dita um movimento no sentido de buscar legitimao pa-ra o que se faz. Dificuldades tambm apontadas por psiclogas pertencentes a uma equi-pe de sade mental que participaram da pesquisa de Ferreira Neto (2008). De acordo com essas profissionais, h uma falha na rede de trabalho que, em geral, segue desarticula-da, no cumprindo com o propsito de subsidiar a implementao dos objetivos de cada programa de assistncia.

    Verificamos que o nico Centro de Ateno Psicossocial Infanto-Juvenil do Estado do Esprito Santo localiza-se na capital. Confirmando o que apontam Santos (2006), Hoff-mann, Santos e Mota (2008) e Couto, Duarte e Delgado (2008), o servio dirige-se a uma parcela da populao, residente na metrpole, e o interior do Estado ainda no conta com esse tipo de recurso. A escassez de programas de assistncia e investimentos na rea ratifica a falta de informao tcnica para os profissionais, que buscam ferramentas para ampliar suas possibilidades de atuao e, de fato, promover a constituio de uma rede slida na ateno sade mental de crianas e adolescentes.

    Concluses

    O Capsi da cidade de Vitria o nico servio do tipo no Estado e apresentou, em um ano de funcionamento, um nmero grande de crianas e adolescentes atendidos. Con-siderando que sua gesto municipal, os usurios, em sua grande maioria, eram munci-pes de Vitria, o que confirma a necessidade de mais servios que atendam crianas e adolescentes com transtornos mentais graves. Alm disso, um grande nmero de casos que chega ao Capsi encaminhado novamente para outro local nesta pesquisa 60 crian-as e adolescentes, o que indica a necessidade de maior investigao sobre as possibilida-des de atendimento oferecidas pelo Capsi e a populao que o procura.

    A populao que utiliza o servio, a maioria meninos e adolescentes, necessita de uma rede ampla que propicie espaos de acolhimento. As queixas de agressividade, dificulda-des escolares, transtornos do comportamento e emocionais e a medicalizao necessitam de maior investigao e sugerem a importncia de aes intersetoriais, conjugando, por exemplo, aspectos socioculturais, educacionais e na rea da sade. A falta de uma polti-ca articulada, em que diferentes setores possam fazer interlocuo, se apresenta no dis-curso dos profissionais no Capsi da cidade de Vitria, que buscam uma legitimao para o trabalho que fazem, na empreitada de conseguir, a cada dia, mais parcerias, com esco-la, governo, profissionais, para se construir a rede necessria que assegure a assistncia comprometida com aspectos ticos e polticos, valorizando as especificidades do atendi-mento infanto-juvenil.

    A novidade da experincia para os profissionais e a novidade do servio como progra-ma de sade mental para crianas e adolescentes so particularidades que permeiam o processo de trabalho. Dessa forma, torna-se necessrio, como afirmam Avellar e Bertollo

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    (2008) e Guerra (2003), construir novas formas de atuao, investir no rigor cientfico e buscar solues criativas para enfrentar os desafios, promovendo o resgate do direito da criana e do adolescente como cidados.

    Esta pesquisa indica a importncia de buscar novas formas de atuao na assistncia em sade mental no campo infanto-juvenil, com base na construo e reconstruo de projetos de vida, por meio de uma rede de servios slida, tica e politicamente compro-metida, em que subjetivar o sofrimento psquico, em vez de objetiv-lo, e dar voz s crianas e aos adolescentes com transtorno mental para que circulem nos espaos sociais, possibilitando trocas que propiciem acolhimento pela comunidade e pela famlia, tare-fa necessria para a efetivao da funo do Capsi: promover sade e inserir o usurio no meio social.

    Visando agregar material ao reduzido nmero de estudos na rea de sade mental infanto-juvenil, esta pesquisa evidenciou a necessidade de investimentos em servios e capacitao profissional. Pela condio de sujeito em desenvolvimento, promover sade e reabilitar crianas, adolescentes e jovens com transtornos mentais graves demanda es-foro recompensado na assistncia posterior, uma vez que proporciona a constituio de cidados adultos produtivos e colaborativos com a sociedade.

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    ContatoLuziane Zacch AvellarPrograma de Ps Graduao em Psicologia CEMUNI VI.Av. Fernando Ferrari, 514Vitria ESCEP 29075-910email: [email protected]

    TramitaoRecebido em outubro de 2009

    Aceito em maro de 2010