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VALDIR CARLOS DA SILVA CONTRIBUIÇÕES PARA A CIÊNCIA BRASILEIRA: MARCELLO DAMY DE SOUZA SANTOS . Mestrado em História da Ciência PUC-SP São Paulo 2006

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VALDIR CARLOS DA SILVA

CONTRIBUIÇÕES PARA A CIÊNCIA BRASILEIRA:

MARCELLO DAMY DE SOUZA SANTOS.

Mestrado em História da Ciência

PUC-SP

São Paulo

2006

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VALDIR CARLOS DA SILVA

CONTRIBUIÇÕES PARA A CIÊNCIA BRASILEIRA:

MARCELLO DAMY DE SOUZA SANTOS.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título

de MESTRE em História da Ciência, sob a

orientação do Professor Doutor Ubiratan

D’Ambrosio.

PUC-SP

SÃO PAULO

2006

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BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Drª Ivana Conte Consentino

Prof. Dr. Luiz Carlos de Campos

Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, reprodução

total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou

eletrônicos.

__________________________

São Paulo, 31/08/2006.

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RESUMO

Apresentamos neste trabalho, uma breve história da Física durante o século

XIX e as três primeiras décadas do século XX. Relacionamos os principais

acontecimentos da Física neste período e suas influências no surgimento dos

primeiros Físicos brasileiros e as primeiras pesquisas Físicas entre 1920 e 1950

nas Universidades brasileiras.

Reverenciamos aqui o Físico Prof. Marcello Damy de Souza Santos, suas

contribuições para a Ciência Física no Brasil, principalmente na Segunda Guerra

Mundial com a construção do sonar para a Marinha brasileira. O reconhecimento

internacional que propiciou ao Brasil e às Universidades brasileiras investimentos em

equipamentos e pesquisas.

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ABSTRACT

We present on the work, a soon Physics's history during the century XIX and

the three first decade of century XX. We relate the principal Physics's Happenings

on this time and her influence in the arising of first Brazilian Physicols and the first

Phisycs reserches between 1920 and 1950 at the Brazilian Universities.

We treat with reverence here the Phisicol Teacher Marcello Damy de Souza

Santos, for his contribution to Phisics Science at Brazil, essentialy on Second World

War with the construction of the Sonar for the Brazilian Naval Force. The internatinal

recognition that he provided to the Brazil and the Brazilian Universities, investments

in equipments and researchs.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio, pela paciência,

dedicação e profissionalismo a este trabalho, com informações e correções, sempre

incentivando e acreditando na idéia, com indicações preciosas durante toda a

jornada deste trabalho.

Ao Prof. Marcello Damy de Souza Santos pelas horas em que

permitiu que bebêssemos de sua fonte inesgotável de ensinamentos, apoio e

alegria, alegria esta de poder transmitir mais uma vez o conhecimento e poder

demonstrar a paixão por sua profissão.

A Srª Lúcia Toledo de Souza Santos, que nos recebeu tão

gentilmente em sua residência, uma pessoa de uma doçura inigualável.

Em especial, à Profª. Drª. Ana Maria Haddad Baptista, com quem

pude contar com o apoio e incentivos em todos os momentos necessários.

Ao CESIMA, com seu importante acervo histórico, pelo fornecimento

de material e realização de pesquisas.

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Aos meus pais José Maria e Maria Teresa pela força, paciência e

incentivos durante a realização desse trabalho.

Em especial, aos amigos Cláudio Márcio Ribeiro Magalhães, Célia

Ap. Fudaba Cúrcio, Roberto Pepi Contieri e Sônia Regina Coelho, por participarem

ativamente das idéias, com opiniões, sugestões, leituras, e apoio na realização

deste trabalho.

Aos professores e amigos do Colégio Nove de Julho – UNINOVE,

pelo apoio e incentivo.

A todos os colegas que, de maneira direta ou indireta, participaram

com suas opiniões, leitura, apoio e incentivo na dissertação.

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DEDICATÓRIA

Aos meus filhos

Samantha e Rodrigo

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INTRODUÇÃO...........................................................................................................11

CAPÍTULOS

1. BREVE HISTÓRIA DA FÍSICA DURANTE O SÉCULO XIX E AS TRÊS

PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX...........................................................14

1.1. O Surgimento dos Primeiros Físicos no Brasil.........................................32

1.2. A Universidade Brasileira e as Pesquisas no Campo da Física de 1920 a

1950................................................................................................................36

1.3. A Física no Brasil – 1950-1970....................................................................57

2. PERFIL BIOGRÁFICO DE MARCELLO DAMY DE SOUZA SANTOS...............76

2.1. Experiências Antes da Graduação.............................................................78

2.2. A Vida Acadêmica........................................................................................79

2.3. A Vida Profissional.......................................................................................85

2.3.1. Formação Acadêmica.........................................................................85

2.3.2. Atuação Profissional/Títulos.............................................................85

3. SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA CIÊNCIA BRASILEIRA ..................................88

3.1. O Sonar..........................................................................................................88

3.2. Crescimento de Cristais Sintéticos............................................................92

3.3. Bétatron.......................................................................................................100

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................104

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INTRODUÇÃO

Nosso estudo procura relatar os principais fatos históricos da Física no mundo

entre o início do século XIX e as três primeiras décadas do século XX, relacionando-

os com a história da Física no Brasil. Destacamos aqui o ensino, o surgimento dos

primeiros Físicos brasileiros e as pesquisas iniciais em Física nas Universidades,

finalizando com o estudo da Física no Brasil entre 1950 e 1970.

Neste estudo ressaltamos também a contribuição e a participação do

Professor Marcello Damy de Souza Santos na História da Ciência Física o Brasil.

Inicialmente nossa pesquisa era voltada para Segunda Grande Guerra, nesse

tema pretendíamos relacionar os equipamentos utilizados nos conflitos diretos e

indiretos, ou seja, nos campos de concentrações onde sem justificativas relevantes

eram feitas pesquisas em cobaias humanas, em quando no campo de batalha os

equipamentos eram utilizados de forma eficaz para o aniquilamento de vidas.

Partindo deste ponto, nossa primeira intenção foi relacionar esses

equipamentos utilizados para o extermínio humano com os equipamentos utilizados

hoje na medicina. Nesse objeto de estudo, percebemos que os investimentos

gerados para os conflitos são inúmeros, que as pesquisas científicas para produção

de equipamentos bélicos eram quase que totalmente Físicas, utilizando-se da

Matemática, Química e Biologia para este fim. Não deixando dúvidas que a Segunda

Grande Guerra não foi decidida por homens e sim por tecnologia, tecnologia

baseada nos conhecimentos científicos puramente Físicos.

Percebemos também que no pós-guerra esses investimentos não foram

simplesmente deixados de lado e que a indústria mundial se beneficiou direta ou

indiretamente desses investimentos. A industria percebendo que o produto

tecnológico de guerra poderia ser industrializado para benefício, conforto, agilização

dos serviços, conquistas, e muitas outras coisas que serviriam ao bem da

humanidade tratou de colocar pesquisadores para transformar, criar, ou adaptar os

equipamentos e as pesquisas utilizadas nos conflitos.

Dessa pesquisas surgiram muitos benefícios para o nosso dia-a-dia,

principalmente na medicina, nas comunicações, nas conquistas espaciais, etc.

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Em reunião com o Prof. Ubiratan D’Ambrósio, percebemos que esta pesquisa

necessitaria de muito mais tempo do que dispúnhamos, pois o nível de pesquisa e

aprofundamento seria muito grande. Então começamos a pesquisar e algumas

alternativas surgiram sobre a Segunda Grande Guerra no Brasil, poderíamos falar

sobre os efeitos da guerra na industria, no transporte marítimo, o reflexo da

propaganda de guerra em nosso povo; poderíamos também, falar dos heróis da

guerra, soldados que foram defender nossos ideais no campo de batalha.

Mas ainda não tínhamos nada relacionado ao que realmente pretendíamos,

que era de todo esse conflito, mortes e destruições, situações benéficas à Nação

brasileira e à Nação mundial num todo.

Foi então que conseguimos relacionar, uma situação que gerou benefícios

científicos para o Brasil. Chegamos ao nome do Professor Dr. Marcello Damy de

Souza Santos, formado na primeira turma de Física da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade de São Paulo – USP.

Esse notável pesquisador, no período da Segunda Grande Guerra recém

chegado da Inglaterra foi convidado a trabalhar no esforço de guerra pela Marinha

Brasileira. É partindo deste ponto que evolui nosso trabalho.

Primeiramente coletei informações de todas as bases para ter conhecimento

desse notável pesquisador e ficamos curiosos em saber um pouco sobre a infância e

o que o motivou nessa linha pesquisa, percebemos então que suas habilidades com

os equipamentos e a construção dos mesmos não tiveram origem na sua graduação,

pois, as curiosidades sobre o funcionamento das coisas e da natureza eram de

épocas anteriores.

Passamos então a pesquisar sua formação acadêmica, sua carreira

profissional, suas publicações, os títulos e as áreas de atuação. Chegamos então

nas suas contribuições para a ciência brasileira, neste ponto, procuramos colocar

suas pesquisas, suas parcerias com as instituições brasileiras e internacionais, mas

principalmente seu trabalho com o desenvolvimento do sonar para a marinha

brasileira. Nesse trabalho do sonar, embora sem nenhum conhecimento prévio, o

Prof. Marcello Damy, conseguiu com muito trabalho e dedicação sua conclusão.

No desenvolvimento do sonar, apareceram inúmeros problemas que

precisaram ser solucionados ao longo do caminho, dentre eles foi a produção de

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cristais sintéticos, sistema anti-corrosão para resistência de material a ser

introduzido no mar, detectores de contenção e por fim ruídos que não eram os dos

submarinos.

Pesquisamos também sobre o Bétatron, equipamento doado pela Fundação

Rockefeller em reconhecimento aos trabalhos do Prof. Marcelo Damy na construção

do sonar.

E destacamos também em sua maior linha de pesquisa, que é na área de

radiações os benefícios na área médica.

Por fim, pudemos te r o prazer de ser recebidos pelo Prof. Marcello Damy e

sua esposa Srª Lúcia, da qual nos banharam com muitas alegria e informações

substanciais para o andamento da pesquisa.

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1. BREVE HISTÓRIA DA FÍSICA DURANTE O SÉCULO XIX E AS

TRÊS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX.

Na segunda metade do século XIX foi instalado o Laboratório de Física e

Química no Museu Nacional do Rio de Janeiro, onde foram ministradas as primeiras

aulas práticas de Física e Química nas escolas médicas e militares. Porém, como

disciplina independente, a Física foi ensinada somente a partir de 1832, nos cursos

médicos.

Em 3 de outubro desse mesmo ano, foi aprovada a lei, que deu as academias

médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro e da Bahia o título de Faculdades de Medicina,

permitindo-lhes o direito de conceder títulos de doutor em Medicina, de farmacêutico

e de parteiro.

A partir dessa lei, o curso de Medicina contaria com catorze cadeiras, entre as

quais incluíram-se a Física, a Química e a Botânica, além da valorização do ensino

de Higiene.

Neste contexto de expansão cultural, as escolas militares também tiveram

grande espaço.

Dois anos após a criação da Academia Real da Marinha por D. João VI, em

1808, no Rio de Janeiro, foi criada a Academia Real Militar, também no Rio, para

formar oficiais de artilharia, engenheiros geógrafos e topógrafos. Estes cursos

tinham sete anos de duração, sendo que no terceiro, ministrava-se Mecânica,

enfocando Estatística, Dinâmica, Hidrostática e Hidrodinâmica.

Em 1839, a Academia Real Militar passou a chamar-se Escola Militar e em

1858, Escola Central, ano em que a Física surgiu como cadeira autônoma nessa

instituição de Ensino Superior.

Dezesseis anos mais tarde, ou seja, em 1874, surgiu a Escola Politécnica do

Rio de Janeiro, oferecendo o curso de Engenharia para civis, paralelo ao curso de

Ciências Físicas e Matemáticas. Já em Ciências Físicas e Naturais, foram incluídas

as cadeiras de Mecânica Celeste e Física Matemática.

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Além do título de engenheiro, esta Instituição de ensino superior concedia

também os títulos de bacharel e doutor em Ciências Físicas e Matemáticas e de

bacharel e doutor em Ciências Físicas e Naturais.

Um outro pormenor que merece destaque no ensino da Física superior no

Brasil é o de sua centralização, sobretudo de 1808 a 1889, que compreende o

período da chegada da família real portuguesa e a proclamação da república. D.

João VI, por exemplo, nomeava por si só os professores, e os critérios para a

escolha eram muito mais de cunho político do que científicos. Praticamente não

havia rigor no controle do andamento do curso. A assiduidade não era observada

por aluno nem por professores, constatando-se, inclusive fraudes nos exames.

A bibliografia utilizada nos cursos também constituía-se em problema, pois

não existiam livros nacionais, e as ciências físicas em particular eram ensinadas por

meio de compêndios franceses, pré-estabelecidos pela carta de Lei datada de 4 de

dezembro de 1810.

Nas escolas imperiais, a Física era tratada com limitado formalismo

matemático. Nos compêndios didáticos havia uma detalhada descrição qualitativa de

aparelhagem de laboratório a ser utilizada durante as aulas e suas respectivas

técnicas de uso, mas no tocante aos conceitos físicos deixava muito a desejar. Em

alguns casos não eram sequer discutidos.

A instabilidade política reinante no país interrompe o desenvolvimento do

ensino como um todo devido à Independência em 1822, à aclamação de D. Pedro I

(1798-1834) como imperador, a seu retorno para Portugal em 1831 e ao período de

regências, decorrentes da pouca idade do então príncipe herdeiro e futuro imperador

D. Pedro II.

Com a coroação de D. Pedro II (1925-1891) em 1841, embora se mantivesse

a centralização do ensino, houve o interesse pessoal de sua parte para com a

Ciência do país. Até 1889, ano da Proclamação da República , o imperador deu

proteção e patrocínio a estudiosos dentro e fora do Brasil, para que pudessem atuar

em episódios marcantes da época, segundo seus próprios desejos.

Exemplo positivo desses fatos foi a vinda do físico-matemático francês Claude

Henri Gorceix (1842-?) em 1874, por interferência direta do imperador. Gorceix

permaneceu por dezessete anos no Brasil, tendo organizado a Escola de Minas de

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Ouro Preto, escolhendo até mesmo o local de sua instalação e promovendo

pesquisas sobre propriedades químicas de rochas minerais. Gorceix esmerou sua

administração em exigir tempo integral de dedicação para professores e alunos,

além de bem remunerar os docentes. Enfatizou a pesquisa, a criatividade e a

qualidade na escola mineira, promovendo a seleção dos alunos por concurso e suas

promoções através de exames periódicos durante o curso de dois anos. Deste

modo, a Escola de Minas constituiu-se em exceção, no contexto educacional

brasileiro, entrando em conflito direto com a política centralizadora do ministério,

aceita pela Escola Politécnica de Rio de Janeiro.

Em outras situações, entretanto, a interferência de D. Pedro II mostrou-se

desastrosa, como na escolha de professores que lecionariam nas escolas, mediante

a análise pessoal das provas por ele realizadas.

Exceto a Escola de Minas, a educação imperial brasileira enfatizou a simples

transmissão e memorização do conhecimento. Com isto, não se constituíram

comunidades profissionais que poderiam promover o desenvolvimento nos diversos

setores ou que ao menos lutassem por reformulações nos moldes educacionais. Só

assim, poderia haver um verdadeiro desenvolvimento de ciências inovadoras no

país, o qual se mantinha praticamente isolado dos investimentos científicos do Velho

Mundo.

Contudo, no cenário externo o período vivido era o de grandes trabalhos

científicos, que não só se perpetuariam pela originalidade, mas sobretudo pela

qualidade e pelas características revolucionárias em termos de conceitos. O século

XIX foi bastante profícuo para as ciências e em particular a Física.

Embora não nos revele tudo o que foi feito neste século, alguns exemplos,

nos dão uma pequena mostra do que se fazia na Europa nesta época.

Na primeira década, com as experiências de Jean Baptiste Biot (1774-1862),

na França, determinaria-se a velocidade de propagação do som e o modelo atômico

proposto pelo inglês John Dalton (1766-1844), em 1803, daria novo impulso ao

estudo da estrutura da matéria.

Na segunda década, temos os registros de vários estudos acerca dos

fenômenos luminosos, como os do físico irlandês David Brewster (1781-1868),

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inventor do caleidoscópio e os do francês Augustim Jean Fresnel (1788-1827), que

construiu um bi-prisma, para analisar a interferência da luz.

Através de estudos como estes, passamos a ter um novo conceito da

natureza da luz, fazendo com que as idéias de Newton (1643-1727) sobre ela

fossem abandonadas, sendo substituídas pelas de Fresnel.

O físico dinamarquês Hans Christian Oersted (1777-1851), no ano de 1820,

demonstrou experimentalmente a existência da força de interação entre um fio

condutor sujeito a uma corrente elétrica, e um imã; tal força, obedece à lei de ação e

reação newtoniana.

Nos anos seguintes, vários pesquisadores deram grandes contribuições às

ciências da natureza, como o Teorema de Liouville, demonstrado pelo francês

Joseph Liouville (1809-1882), primordial para o estudo de agregados de partículas

microscópicas e o Teorema Fundamental da Hidrodinâmica Clássica, com o conceito

de circulação em torno de um sistema de partículas fluidas, demonstrado por William

Thomson (Lord Kelvin) (1824-1907), o qual comprovaria também que o Zero

Absoluto seria quando a energia cinética molecular se anulasse.

A publicação de A origem das Espécies, em 1859, pelo naturalista inglês

Charles Robert Darwin (1809-1882), revolucionou o conceito de evolução biológica e

causou enorme impacto no meio científico, mesmo com poucas alusões à espécie

humana, pois nessa obra a abordagem foi dirigida com ênfase a fatores da fauna e

da flora. Este trabalho provocou grande reação por parte de alguns estudiosos e

sobretudo pelos religiosos, geralmente de tradição judaico-cristã.

Doze anos mais tarde, em 1871, Darwin publicaria uma obra de maior

impacto ainda, A descendência do Homem e a Seleção Sexual, sobre a origem e o

desenvolvimento humano.

Inúmeras pesquisas nos mais diversos ramos da Física e da Química,

desenvolvidas no final do século XIX, culminaram com teorias contundentes, já nos

primeiros anos do século XX, as quais marcariam época, por se tratarem sobretudo

de novos modelos teóricos que em muito contribuíram com o avanço das ciências

Físicas e da tecnologia no novo século.

Dois desses trabalhos seguramente foram a Teoria Quântica desenvolvida

pelo físico alemão Max Karl Ernest Planck (1858-1947) e a Teoria da Relatividade

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Restrita, desenvolvida pelo também alemão, mas de origem judaica e

posteriormente naturalizado norte -americano, Albert Einstein (1879-1955).

A Teoria da Relatividade Restrita deu-nos nova concepção de espaço e de

tempo para os fenômenos naturais, a qual aliado à Teoria Quântica, trouxe-nos

novos modelos para a molécula, átomo e partículas elementares.

Até então, os estudiosos da estrutura da matéria formulavam modelos

baseados na Física Clássica com a suposição feita pelo físico alemão Rudolf Julius

Emmanuel Clausius (1822-1888), no ano de 1858, acerca das moléculas

gasosas. Segundo ele, estas moléculas teriam a forma esférica, apresentando

continuamente um movimento de agitação, durante a qual se chocariam umas contra

as outras. Clausius conseguiu determinar o valor médio da distância percorrida por

uma molécula entre um choque e outro. E, a partir destas constatações de Clausius,

o físico-químico austríaco Johann Joseph Loschmidt (1821-1895) calculou o

diâmetro médio da molécula gasosa, em condições normais de pressão e

temperatura, obtendo a medida de um Angström.

A tese de doutoramento do físico-químico sueco Svante August Arrhenius

(1859-1927), defendida em 1884 na Universidade de Upsala, explica a dissociação

eletrolítica, apresentando a hipótese de que os eletrólitos são constituídos por

partículas carregadas de eletricidade, como é o caso do íon Cloro e do íon Sódio, na

eletrólise da água. Na época, a banca examinadora da principal Universidade sueca

não aceitou a hipótese de Arrhenius, negando-lhe o título de Livre-Docente e

concedendo-lhe apenas o grau de nom sine laude approbatur, de “status” inferior.

Posteriormente, em 1903, Arrhenius ganhou o prêmio Nobel de Química.

As experiências do físico norte-americano Robert Andrews Millikan (1868-

1953) e do físico francês Jean Baptiste Perrin (1870-1942), ganhador do prêmio

Nobel de Física de 1926, realizadas entre 1905 e 1913, permitiam confirmar a teroria

publicada em 1811, no Journal de Phisique 73, pelo químico italiano Amedeo

Avogrado, Conde de Quaregma e de Cerreto (1776-1856), conhecida como

Hipótese de Avogrado; permitiu também calcular o número invariável de moléculas

contidas na molécula-grama de uma gás, em condições normais de pressão e

temperatura, chamado de número de avogrado (6,022.1023 mol-1).

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Jean Perrin em 1895, mostrou experimentalmente que os raios catódicos são

na realidade partículas eletrizadas negativamente, comprovado em 1897 por Joseph

John Thomson (1856-1940), acrescentando a razão me

, entre sua carga elétrica e

sua massa.

Os trabalhos do pesquisador holandês, Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928),

desenvolvidos a partir de 1875, deram a ele o prêmio Nobel de Física em 1902.

Lorentz associou a natureza de partículas eletrizadas com a teoria eletromagnética,

sugerindo um modelo atômico no qual as partículas eletrizadas estariam em

movimento.

No final do século XIX, embora com modelos futuramente contestados, a

Física do átomo era um dos maiores assuntos em desenvolvimento.

A descoberta dos raios X pelo físico alemão William Conrad Röentgen (1845-

1923) em 1895, a partir da incidência de feixes de raios catódicos em alvos sólidos;

a descoberta de raios provenientes de cristais de sal de urânio, semelhante aos

raios X, pelo físico francês Antoine Henri Becquerel (1852-1908) e a descoberta dos

elementos químicos radioativos, Polônio e Radio, pelo casal Pierre Curie (1859-

1906) e Marie Sklodowska Curie (1867-1934), praticamente coroam este século,

marcado não somente pelos grandes avanços nas ciências naturais e em especial

na Física, com o surgimento da Física Atômica, mas também por grandes avanços

tecnológicos e descobertas de novas fontes de energia.

O ano de 1859 merece destaque, não apenas pela publicação impactante da

obra de Darwin, mas também como o do nascimento da industria petrolífera: nesse

ano foi realizada a perfuração de um poço de petróleo na Pensilvânia, Estados

Unidos, cercada de sucesso. Dois anos depois, os norte-americanos fariam a

primeira exportação do produto para a Inglaterra, tendo dominado sua

comercialização mundial até o final do século XIX.

A propósito desses avanços, o professor Marcello Damy de Souza Santos,

formado pela primeira turma de físicos do Brasil, em 1936 da Universidade de São

Paulo, comenta que após a descoberta do petróleo, os EUA divergiram e o Brasil

continuou rastejante, no ritmo que lhe permitia o tratado de Methuen (entre Portugal

e Inglaterra), que nos deixou a margem da industrialização e do processo. A

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descoberta de novas fontes de energia, substituindo com maior eficiência o trabalho

escravo pela máquina foi o fator primordial do seu rápido desenvolvimento científico

e tecnológico, ao fixarmos nossa atenção sobre alguns grandes países dos séculos

passados, constatamos que todos foram perdendo seu prestígio e importância, na

medida em que novas fontes de energia para substituir o trabalho escravo iam

sendo descobertas1.”

Enquanto isso, os estudos realizados no Brasil, geralmente por observadores

do velho mundo eram relativos à ciência descritiva sobre a natureza, como em sua

fauna, flora, minerais e habitantes. Muitos desses estudos foram feitos com a

finalidade prática de se aproveitarem melhor os recursos naturais.

Em 1819, a preocupação com a decadência da mineração, por exemplo,

colocou os irmãos brasileiros José Bonifácio e Martim Francisco a percorrerem o

interior do estado de São Paulo, para observações mineralógicas. Neste período não

se viu nenhuma comunidade brasileira que ligasse a necessidade de progresso ao

desenvolvimento educacional e da ciência.

A prática educacional vigente no período imperial brasileiro não se mostrava

consonante com o processo constatado em países como a Itália, França, Inglaterra e

Alemanha. A educação brasileira era mantida à margem da pesquisa e buscava

formar pessoas apenas para as atividades burocráticas da elite mais abastada.

Algumas poucas amostras de iniciativas científicas eram na sua grande maioria

desenvolvidas por estrangeiros europeus em atenção a convites feitos pelo

imperador.

Dos contatos mantidos com a cultura européia, em especial com a da França,

dois conceitos são assimilados e propagados pela classe dominante brasileira, tanto

no campo militar, como no intelectual e político: o da evolução biológica e social de

Darwin, e o positivismo de Isidore Auguste Marie François Comte (1798-1857).

Entretanto, na própria França o Positivismo de Comte não obteve maiores

repercussões nas academias de ciências naturais. A idéia comtiana submete o

progresso à consolidação da ordem, estabelecendo leis absolutas e imutáveis, por

isso acarretou uma imobilização das ciências exatas e naturais, colocando-as num

dogmatismo resistente a variações na história e no pensamento. Desta forma,

1 Trecho de entrevista do Prof. Marcello Damy em 1994.

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dizemos que o Positivismo na Matemática teria parado em Joseph Louis, Conde de

Lagrange (1736-1813); na Astronomia, em Johanes Kepler (1571-1630); na Física,

em Galileu Galilei (1564-1642); na Química, em Antonie-Laurent Lavoisier (1743-

1794) e na Biologia, em Georges Cuvier (1769-1832), como que fixando em quadros

suas respectivas conclusões.

O modelo do pensamento científico desenvolvido na passagem do século XIX

para o século XX, com o átomo deixando de ser o constituinte elementar da matéria

e o avanço nos estudos sobre a estrutura, forçou o rompimento das academias de

ciências exatas e naturais com o Positivismo na França.

Rejeitado pela comunidade científica, o Positivismo passou a caminhar no

sentido da regeneração espiritual visando à reforma social, atingindo o povo com a

restauração da tradição católica e transformando a filosofia em religião. Muitos

filósofos franceses recusaram-se a aderir à religião de culto positivista, a qual

recuperava o fetichismo e fazia predominar a comunidade religiosa sob a forma de

instituição. Assim, essa vertente praticamente não foi propagada na França.

De forma diferente do que ocorreu na Europa, em alguns países da América

Latina, como México e Chile, além do Brasil, a combinação político-ideológica do

positivismo foi capaz de criar raízes.

No Brasil, em particular, o Colégio Pedro II, criado em 1837 no Rio de Janeiro,

de características técnico-educacionais, desenvolvia o ensino de Física, porém sob a

regência de professores que não eram físicos de formação. Estes professores, por

desconhecimento de uma conduta de ensino com linguagem científica utilizavam em

suas aulas manuais didáticos que transmitiam conceitos de aplicação prática e

imediata, consagrados até o século XVIII. Devido a isto, a escola se integrava aos

preceitos positivistas e minimizava a importância de novas indagações que

pudesses desencadear a pesquisa científica no Brasil.

No final do século XIX, o pensamento positivista tinha grande aceitação nos

meios político e intelectual brasileiro. O professor militar carioca Benjamim Constant

de Magalhães (1833-1891), por exemplo, foi um que divulgou intensamente o

Positivismo no Brasil, trabalhando pela campanha republicana e participado inclusive

da revolução brasileira de 1889, tida como obra das seitas positivistas.

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A Benjamim Constant deve-se a inscrição “Ordem e Progresso” da bandeira

brasileira e a reforma do ensino de 1890, baseada nos pontos de vista comtianos.

Nesse ano, já sob o regime republicano, ele ocupava a pasta de ministro da

Instrução Pública.

Embora o ensino no Brasil passasse a efetuar-se sob as novas regras,

assistiríamos à criação de instituições que praticariam o desenvolvimento da

pesquisa científica.

Em 1892, temos a criação do Instituto Vacinogênico de São Paulo; em 1893,

a criação do Instituto Bacteriológico de São Paulo, a criação do Museu Paulista, que

desenvolveria a pesquisa em História Natural, especialmente na Zoologia; e a

criação do Museu Paraense. Em 1899, a criação do Instituto Butantã e, em 1900 a

criação do Instituto Manguinhos.

Todavia, face aos interesses da época, apenas nos museus se praticava

ciência pela ciência, enquanto que nos institutos associava-se a pesquisa científica

às ciências aplicadas. Por isso, o governo deixou de investir nos museus.

Destacando o fato de a escola brasileira, recém formada, orientar-se segundo

a filosofia comtiana, ou seja, “a ciência é a soma das idéias definitivas que permitem

organizar um sistema estável de crenças para as multidões”, não fazia sentido o

governo investir nos museus, pois novas indagações e pesquisas não eram

necessárias num universo de conhecimentos fechados e fixos.

Paralelamente vimos o surgimento de instituições de ensino superior,

objetivando a formação profissional, como a Escola Politécnica de São Paulo, em

1893; a Escola de Engenharia Mackenzie e a Escola de Engenharia Porto Alegre,

em 1896; a Escola livre de Farmácia de São Paulo e a Escola Superior de

Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba – SP, em 1901; e duas escolas de

comércio, uma no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, em 1902.

A princípio, no entanto, por visarem à formação de profissionais em nível

técnico, estas escolas seguiam a mesma característica praticada no Colégio Pedro II

do Rio de Janeiro, sobretudo pelo uso de manuais, geralmente de origem francesa,

os quais apresentavam os conceitos tradicionais das ciências.

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Nas escolas de Engenharia, por exemplo, a Física estudada não apresentava

quase nada de contemporâneo, aceitando-se satisfatoriamente a Mecânica Clássica,

a Hidrostática e a Hidrodinâmica.

Contudo, o aumento do número dessas escolas, proporcionou também o

aumento do número de professores, fazendo com que entre eles aparecessem

pessoas mais interessadas no desenvolvimento científico. Assim, começaram a

surgir trabalhos inovadores no campo da pesquisa, como o do professor Otto de

Alencar Silva (1874-1912), no início do século XX.

O professor Otto de Alencar, um ex-positivista, como a maioria dos

engenheiros do seu tempo, corajosamente colocou-se contra a teoria comtiana, ao

perceber que a evolução da matemática forçosamente refutava a imobilidade

proposta pelo filósofo francês.

Seu rompimento com o positivismo tornou-se conhecido com a publicação do

artigo: Alguns erros de Matemática na Síntese Subjetiva de Augusto Comte,

publicado na Revista da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

Posteriormente publicou em Lisboa, no Jornal de Ciências Matemáticas, o

artigo Quelques erreurs de Comte, criticando a imobilidade da teoria positivista, que

impedia inovações na pesquisa científica.

No campo da Física o professor Otto de Alencar publicou em 1901 um

trabalho matemático sobre a propagação do som, com o título De l’action d’une force

accéleratrice sur la propagacion du son e, em 1906 publicou uma coletânea com

soluções para integrais elípticas da teoria da capilaridade, intitulada Física e

Eletrotécnica.

Vemos, portanto, que as publicações do Prof Otto de Alencar destacam-se

como exceções à linha de trabalho científico de sua época, pois, como dissemos

anteriormente, a Física ensinada nas escolas superiores se baseava nas teorias

clássicas, enquanto que na Europa se desenvolviam os conhecimentos da

Eletricidade, do Eletromagnetismo e, com especial destaque, da Física Atômica,

levando os pesquisadores a trabalhos cada vez mais inovadores2.

2 Na página 7 da edição e julho de 1918 da revista Didática da Escola Politécnica, Manoel Amoroso Costa (1885-1928) publicou sai Conferência sobre Otto de Alencar, reproduzida em 1971 pela editora da Universidade de São Paulo sob o título Amoroso Costa – As idéias fundamentais da Matemática e outros ensaios, onde avalia as críticas do professor Otto de Alencar ao positivismo:

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A mecânica de Galileu e de Newton não satisfazia integralmente as

expectativas de novos modelos teóricos e experimentais. Com ela as várias

questões apresentadas implicavam quase sempre contradições entre os modelos

propostos e os resultados de laboratório. Mas, mesmo assim, as discussões

continuavam, havendo inclusive quem tentasse explicar tais contradições.

Uma dessas pessoas foi Lord Kelvin:

“Nunca estou satisfeito, enquanto não tiver conseguido fazer um modelo mecânico do objeto; se posso fazer um modelo mecânico, compreendo; enquanto se não puder fazer esse modelo mecânico, não compreendendo, e é por isso que não compreendo a teoria eletromagnética da luz”.

Lord Kelvin (sem data)

O próprio modelo do éter como meio elástico hipotético, onde Newton

imaginava que a luz com sua natureza corpuscular se movia de modo oscilatório,

trouxe problemas de incompatibilidade a partir de constatações do físico escocês

James Clerk Maxwell (1831-1879).

Na tentativa de interpretar fenômenos eletromagnéticos a partir da Mecânica

Clássica, Maxwell não conseguiu uma imagem satisfatória para o éter, imaginando-o

numa estrutura constituída à maneira de um favo de mel.

Explicar a estrutura eletromagnética inserindo-a no contexto da Mecânica

Clássica, colocava em dúvida a existência do éter. Em 1982, o físico holandês

Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928) publicou no trabalho intitulado La theorie

“O seu artigo pareceu aos adeptos um sacrilégio e provocou críticas inspiradas talvez mais pela fé do que pela razão, mas tratava-se de geometria e as suas objeções eram irrefutáveis. ... Note-se que não aludo aqui se não aos progressos da ciência que contribuíram diretamente para quebrar os limites decretados pela síntese. Que diria Comte se pudesse imaginar o sucesso das geometria não-euclideanas e dos espaços a mais de três dimensões; das funções estranhas cujas singularidades parecem desafiar a intuição; da Mecânica da Relatividade; do monumento que já é hoje a Física-matemática, não falando da Astronomia estelar e de todas as questões, enfim, que vedou o método matemático, em nome de uma vaga sociologia. Aceitando integralmente a ciência moderna, Otto de Alencar afastou-se pois do positivismo; mas, conquanto tenha aludido ao que acaba de dizer em um trabalho posterior sob o título Quelques erreurs de Comte, publicado no jornal de Sciencias Mathematicas, Phisicas e Naturales de Lisboa, as observações que formulou sobre a síntese são de outra ordem e relativas propriamente a erros de Geometria. De qualquer modo, os trabalhos mencionados tiveram um grande interesse na vida da Escola, pois o ensino de Otto de Alencar marcou o início de uma reação contra o comtismo.”

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eletromagnétique de Maxwell et son apllication aux coups mouvants, uma teoria

sobre os elétrons a partir do eletromagnetismo maxwelliano.

Neste trabalho, Lorentz estabelece cinco postulados, o primeiro dos quais é o

seguinte:

- “Todas as ações eletromagnéticas acontecem por mediação de um éter

imóvel”.

Nos outros quatros temos as relações de transformação de Lorentz

substituindo as de Galileu facilitando com elas a passagem de um referencial para

outro.

A afirmação de Lorentz3 se baseava na experiência interferencial realizada

por Albert Abraham Michelson (1852-1931), publicada em 1881 no Americam

Journal of Science, do qual lhe valeria o Prêmio Nobel em 1907.

O resultado negativo da experiência de Michelson acabou desencadeando

uma crise no conceito e na própria existência do éter, que só foi resolvida com o

advento da teoria da relatividade. O éter jamais foi comprovado fisicamente.

Ainda nos últimos anos do século XIX, a teoria atômica científica também

avançou sobremaneira. As descobertas se sucederam nos diversos institutos de

pesquisas europeus e os resultados obtidos se complementaram, reforçando ainda

mais o positivismo comtiano nas ciências naturais, principalmente na Física e na

Química.

A descoberta de partículas eletrizadas e, com destaque, a descoberta da

existência independente do elétron, levaram J.J. Thomson (1856 – 1940) a propor

3 Como podemos ver nos trechos seguintes, extraídos do trabalho original de Lorentz, cujo título é Fenômenos eletromagnéticos num sistema que se move com qualquer velocidade inferior à da luz e publicado em 1904, ele apresenta nestes últimos postulados, uma fórmula para conservar a Mecânica Clássica dentro dos seus conceitos de espaço e tempo absolutos: “Quando se procura determinar, através de considerações teóricas, a influência que poderia exercer sobre os fenômenos elétricos e magnéticos uma translação, como por exemplo aquela a que todos os sistemas estão sujeitos, por virtude do movimento anual da Terra, chega-se à solução, de maneira relativamente simples quando apenas for necessário considerar aquelas grandezas que são proporcionais à primeira potência da relação entre a velocidade de translação w e a velocidade da luz c . Maiores dificuldades levantam, porém, os casos em que sejam detectáveis quantidades de

segunda ordem de 2

2

cw

. O primeiro exemplo desse gênero é a bem conhecida experiência

interferencial de Michelson, cujo resultado negativo nos levou, a mim e a Fitzgerald, à conclusão de que as dimensões dos corpos rígidos se modificam um pouco em conseqüência de seu movimento através do éter”.

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em 1898 um novo modelo atômico, popularmente conhecido no meio acadêmico

como “pudim de ameixas”, Este modelo, embora tenha mostrado-se inadequado

para poder justificar o fenômeno do espalhamento de partículas alfa, foi importante

como meio de passagem para um novo modelo proposto em 1911 pelo físico inglês

Lord Ernest Rutherford (1871-1937).

Registros históricos disponíveis dão conta de que o filósofo grego Demócrito

de Abdera (460 – 370 a.C.) já dispunha de uma concepção atômica, ou seja,

segundo ele, todos os corpos são constituídos de partículas muito pequenas e

indivisíveis, as quais denominou átomo: do grego tomo (teµ?? ) que significa divisão,

e o prefixo a (a) nesse idioma indica uma negação.

O conceito de átomo foi retomado e aprimorado por Epicuro de Samos (342 –

270 a.C.), sendo suas conclusões publicadas na obra do poeta romano Lucrécio Tito

Caro (98 – 55 a.C.), De Rerum Natura, no ano 56 a.C. Todavia, devemos ressaltar

que as afirmações de Demócrito e de Epicuro são decorrentes de argumentos e

conclusões filosóficas, diferentes, portanto, daquelas publicadas no século XIX e XX,

obtidas a partir de observações durante práticas científicas e experimentais.

Conceitualmente, o modelo de John Dalton (1766-1844) ainda considerava o

átomo como sendo indivisível, porém, trabalhos posteriores levaram outros

pesquisadores a modelos mais condizentes com as observações em laboratório.

Pioneiramente, em 1816, um pesquisador até então desconhecido, William

Prout (1785-1850), analisando as massas atômicas de alguns elementos, formulou a

hipótese de que essas são números inteiros, podendo ser representadas como

múltiplo da massa atômica do Hidrogênio.

A hipótese de Prout esteve temporariamente descartada, pois descobriu-se

que as massas atômicas de alguns elementos químicos eram fracionadas, como o

caso de cloro, com 35,46 u.m.a (unidade de massa atômica) e do cobre, com 64,54

u.m.a..Entretanto, pelo fato de se ter uma grande maioria de elementos com massas

atômicas próximas de números inteiros, essa hipótese ainda poderia ter algum

sentido.

A descoberta da radioatividade levaria, dentre outras coisas, à descoberta dos

isótopos, ou seja, de elementos quimicamente idênticos, diferindo apenas em sua

massa. Estes elementos, por terem o mesmo número atômico (quantidade de cargas

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elétricas elementares positivas), ocupariam o mesmo lugar na tabela periódica, por

isso Lord Frederick Soddy (1877-1956), em 1913, propôs que fossem chamados

isótopos (iso = mesmo e topos = lugar).

Desta forma, as massas fracionadas encontradas eram decorrentes de uma

mistura de isótopos de proporção balanceada. No caso do cloro tem-se uma mistura

de 75,4% do isótopo de massa 34,98 u.m.a e 24,6% de isótopo de massa 36,98

u.m.a..

Acrescentando-se a estas observações o fato de desenvolverem-se na época

várias experiências com os chamados raios positivos e de partículas positivas de

menor massa encontrada equivaler a um átomo de hidrogênio, Francis William Aston

(1877-1945) formula a regra do número inteiro, que na verdade é uma versão

ligeiramente modificada da regra de Prout. Por essa regra, com uma aproximação de

1 parte por 1000, todos os átomos seriam múltiplos inteiros do átomo de hidrogênio,

o qual, por ser o contribuinte fundamental, passaria a chamar-se próton, significando

o principal ou o primeiro.

Após as descobertas da partícula alfa (a), da partícula beta (ß), das radiações

X e gama (?), da descoberta dos elementos radioativos polônio e rádio e das

experiências realizadas em 1900 pelo físico inglês William Crookes (1832 – 1919),

com descargas elétricas através de gases em tubos de vácuo (ampolas de Crookes),

criados por ele próprio em 1875, Lord Rutherford (1871-1937) e Frederick Soddy

formularam uma teoria para as transformações radioativas, determinando a meia-

vida do elemento radônico (Rn) -220.

O estudo sobre espalhamento de partículas alfa levaram Lord Rutherford a

propor um novo modelo atômico, o qual consistia de duas regiões: uma central, de

grande massa e portadora de carga elétrica positiva, denominada núcleo, e outra

periférica, onde os elétrons estariam girando ao redor deste núcleo, de forma

semelhante ao sistema planetário. Neste estudo, Rutherford encontrou a medida

10-12 cm para o raio do núcleo e densidade nuclear da ordem de 1012 g/cm3.

O modelo do átomo nuclear também sofreu retoques posteriores por parte do

físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) e do alemão Arnold Somerffeld (1868-

1951), mas permanecia a dúvida sobre a constituição do núcleo.

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O modelo aceito para o núcleo baseava-se na hipótese de que este deveria

conter um certo número de prótons e de elétrons, coerentes com a massa atômica, a

carga elétrica nuclear e a natureza elétrica do próprio átomo; ou seja, se o isótopo

considerado tivesse uma carga nuclear Z (número atômico) e um número de massa

A (número inteiro mais próximo da massa atômica), estaríamos nos referindo a um

átomo com A prótons e (A – Z) elétrons no núcleo e Z elétrons girando ao redor

deste núcleo.

Essa hipótese parecia ser consistente para poder explicar algumas situações,

contudo, logo seria descartada devido à descoberta do momento angular do núcleo,

grandeza esta obtida a partir da teoria quântica e que implicava na violação de um

dos princípios básicos da física, o princípio da Conservação do Momento Angular.

Para resolver este impasse, em 1920, Lorde Rutherford sugeriu que poderia

existir no núcleo uma partícula eletricamente neutra e de massa praticamente igual

a de um próton, originada pela combinação peculiar de um próton com um elétron,

uma vez que a massa do elétron é praticamente desprezível quando comparada a

do próton. Essa partícula teórica recebeu o nome de nêutron.

Este nêutron, no entanto, não podia ser detectado pelos métodos até então

disponíveis, uma vez que todos eles se baseavam nas deflexões sofridas por uma

partícula eletrizada ao atravessar um campo elétrico ou um campo magnético.

Tal impasse foi superado apenas em 1932, pelo físico inglês Sir James

Chadwick (1891-1974) no laboratório Cavendish, da Universidade de Cambridge ma

Inglaterra. Enquanto estudava a desintegração de alguns elementos radiativos por

emissão de partículas alfa (a), conseguiu demonstrar a existência destas partículas

desprovidas de carga elétrica e de massa praticamente igual a do próton.

Com esta descoberta, não só adquiria consistência a hipótese próton-neutron

para o núcleo, satisfazendo as condições de seu momento angular (spin), como

também, estava-se abrindo um novo campo dentro da Física, conhecido por Física

Nuclear, que em breve revolucionaria o estudo dos elementos radioativos,

proporcionado também a descoberta de novas fontes de energia. Desta forma o

átomo teria um núcleo com Z prótons e (A – Z) nêutrons, partículas estas tidas como

fundamentais e chamadas de núcleons.

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O decaimento radiativo por emissão de uma partícula beta, responsável pela

transmutação de um núcleo XAZ em um núcleo YA

Z 1+ foi explicado como decorrente

da transformação de um nêutron do núcleo X em um próton, pela emissão de um

elétron (a partícula beta) e uma outra partícula denominada neutrino.

Quanto às contradições existentes nas afirmações de Lorentz, em 1905,

Albert Einstein resolveria o problema com sua nova teoria da relatividade4, retirando

o conceito de tempo absoluto e adotando um tempo que também depende de um

referencial.

Einstein postulou que a velocidade da luz independe do referencial adotado,

ou seja, tem o mesmo valor para um observador que “viaja num raio luminoso” como

para um outro, parado em relação à Terra, segundo o referencial de Galileu.

Os postulados de Einstein sobre a Relatividade Restrita afirmam, portanto,

que a velocidade da luz é a mesma para todos os referenciais de Galileu, bem como

as leis da Física devem ser as mesmas. Einstein sugeriu a necessidade de se

transmitirem sinais ópticos como parte das medidas de tempo, quando se trabalha

com observadores distintos, e edifica uma nova Mecânica, a Relativística, baseada

na associação espaço-tempo.

Na mesma época, Einstein estabeleceu o conceito relativo de massa,

associando-a com a medida da capacidade de energia de um corpo, na equação

E = m . c2, onde os termos correspondem respectivamente à energia de repouso do

corpo, à massa do corpo e ao quadrado da velocidade de propagação da luz no

vácuo.

4 No trabalho original, intitulado Os Fundamentos da Teoria da Relatividade Geral, publicado em 1916, Einstein discorre sobre as razões que sugerem a necessidade de uma extensão do postulado da relatividade afirmando: “A teoria da relatividade especial assenta no seguinte postulado, ao qual satisfaz também a mecânica de Galileu_Newton: se um sistema de coordenadas K for de tal maneira escolhido que as leis da física sejam nele válidas na sua forma mais simples, então as mesmas leis serão igualmente válidas em relação a qualquer outro sistema de coordenadas K’ que em relação a K esteja animado de um movimento de translação uniforme. Chamaremos a este postulado o “Princípio da Relatividade Especial”. ... “As leis gerais da física devem ter uma estrutura tal que sua validade permaneça em sistemas de referências animados de qualquer movimento”... As leis gerais da natureza devem ser representadas por equações que tenham validade em todos os sistemas de coordenadas, isto é, que sejam covariantes em relação a toda e qualquer substituição.” Coletamos esse trecho da publicação portuguesa Textos Fundamentais da Física Moderna 1º Volume, O Princípio da Relatividade, editada em 1971 pela Fundação Calouste Gulbemkian, Lisboa, nas p. 141,144.

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Nesse sentido, a revolução provocada pela nova mecânica Einsteniana difere

daquela provocada pela Mecânica de Galileu, que negou e substituiu a teoria

Aristotélica.

Einstein tinha consciência deste fato:

“O mais belo destino de uma teoria física é abrir o caminho a uma teoria mais vasta na qual ela continua a viver como caso particular”.

Einstein [s. d.]

Na metade da segunda década do século XX a Física na Europa passa por

um novo período de agitação, decorrente do princípio da causalidade, agora

colocada finalmente à prova. As controvérsias encontradas nas pesquisas levaram

ao surgimento da Mecânica Quântica, independente das Mecânicas de Galileu,

Newton.

Em 1925, o físico alemão Werner Karl Heisenberg (1901-1976) abriu caminho

para a teoria quântica, ao concluir que no mundo atômico não há possibilidade de se

conhecer com precisão simultaneamente a posição e a velocidade de uma partícula.

Paralelamente a estes acontecimentos de grande vulto nas ciências da

natureza, ocorridos principalmente na Europa por mais de um século, tínhamos no

Brasil um ensino de Física, nas escolas superiores, limitado às aplicações das

teorias clássicas, nas Engenharia e na Medicina.

Por isso, os conteúdos programáticos restringiam-se à Dinâmica, Estática,

Hidrostática e Hidrodinâmica.

O que impedia que as poucas informações provenientes dos maiores centros

mundiais de pesquisa em Física tivessem grande repercussão no meio acadêmico

científico brasileiro.

À título de ilustração, podemos destacar a telegrafia. A primeira demonstração

da telegrafia sem fio ocorreu em 1896, realizada pelo físico italiano Guglielmo

Marconi (1874-1937). Contudo, para chegar-se a ela, ocorreu todo um processo de

pesquisa científica.

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No ano de 1892, Crookes (1832-1919) havia sugerido a substituição da

telegrafia com fio, iniciada pelo norte-americano Samuel Finley Breese Morse (1791-

1872) em 1836, pela telegrafia sem fio, utilizando ondas hertzianas.

Ainda em 1892 e também em 1893, o engenheiro italiano Augusto Righi

(1850-1920) construiu, em Bolonha, um emissor de faíscas fracionada e conseguiu

reproduzir as experiências realizadas cinco anos antes pelo alemão Heinrich Rudolf

Hertz (1857-1894) sobre a produção de ondas eletromagnéticas.

Com a assistência de Righi, Marconi iniciou experiências para tornar prática a

telegrafia sem fio, utilizando a bobina de Rühmkorff, antenas bipolares com

refletores parabólicos e o coesor de Branly-Lodge. Utilizando antenas aéreas,

constituídas de placas verticais metálicas ligadas à Terra, transmitiu sinais Morse até

a uma distância de mais de dois quilômetros, em 1895.

No livro L’ottica delle oscillazioni elettriche, publicado em 1897 por Righi,

foram registrados os resultados das experiências com as ondas eletromagnéticas

hertzianas, demonstrando suas possibilidades de reflexão, refração, interferência,

difração, ou absorção, da mesma forma que a luz visível.

Em 1897, Marconi fundou a companhia Wireless Telegraph and Signal

Company, que em 1900 se transformou definitivamente na Marconi’s Wireless

Telegraph Company Ltd. Em 1899, utilizando uma antena com quarenta e cinco

metros de altura, enviou mensagens pelo espaço, através do Canal da Mancha por

mais de cinqüenta quilômetros, fazendo assim a ligação sem fio entre a França e a

Inglaterra.

No Brasil as notícias que chegavam sobre as invenções do telégrafo sem fio,

do rádio e do automóvel, por exemplo, eram superficiais; assim, os mais

interessados ficavam sem entender por completo o processo de pesquisa científica e

tecnológica que conseguiram atingir.

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1.1. O Surgimento dos Primeiros Físicos no Brasil

O surgimento de cientistas com o conseqüente desenvolvimento de

pesquisas, não se deu de forma maciça numa determinada etapa da história

brasileira, mas de forma paulatina e interrompida.

A chegada da família real portuguesa ao Brasil e sua fixação na colônia

fizeram surgir à necessidade de geração de uma elite com vistas à formação dos

futuros dirigentes da nação.

A partir de 1808, com a criação das primeiras instituições de ensino superior,

que proporcionariam o início desta formação, ocorreu um fato interessante: apesar

de não se visar especificamente à promoção de investigações científicas inovadoras,

o estudo das ciências nessas instituições despertou o espírito da pesquisa em

algumas pessoas e, paralelamente ao caminho traçado inicialmente, essas

instituições acabaram por formar também indivíduos que viriam a ser os primeiros

pesquisadores brasileiros.

Como exemplo, citamos o maranhense Joaquim Gomes de Souza (1829-

1863), considerado o primeiro físico-matemático brasileiro, embora não de formação.

Os pais o enviaram ao Rio de Janeiro, a fim de ingressar na carreira militar.

Aos 14 anos passou a freqüentar a Escola Militar, onde permaneceu por pouco

tempo, matriculando-se em 1844 na Faculdade de Medicina.

Durante os três primeiros anos do curso de Medicina, dedicou-se não só aos

estudos da Biologia, como aos estudos da Física e Matemática, tanto que solicitou

ser examinado, em 1847, na Escola Central, preparatória dos engenheiros civis do

Brasil, em todas as disciplinas do curso de Engenharia. Seu êxito foi tão grande já

nos primeiros exames, que o próprio imperador D. Pedro II passou a assistir às

demais provas, e em 1848 Gomes de Souza foi graduado engenheiro e Bacharel em

ciências Matemáticas e Físicas.

Nesse mesmo ano disputou um cargo vago de lente 5 na própria Academia

Militar, conquistando-o. Desta forma, como professor, assumiu uma das cátedras da

Escola Paulista e recebeu por isso a patente de tenente-coronel do Exército.

5 Lente: Titular responsável por disciplina.

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Joaquim Gomes de Souza demonstrou, ao longo de sua vida, grande

dedicação ao estudo e à interpretação de fenômenos da natureza, deixando esta

característica explícita em seus trabalhos. Para reforçar seus conhecimentos,

dedicou-se ao estudo de Matemática, sempre com o objetivo de melhor entender as

ciências naturais.

Em 1854 partiu para a Europa e terminou seu curso de Medicina na França,

especializando-se em “moléstias de senhoras”, com a defesa de sua tese na

Faculdade de Paris.

Detentor de grande capacidade de aprendizagem e facilidade na

compreensão dos mais diversos temas, Gomes de Souza dedicou-se, durante sua

estada na Alemanha, a compilar e publicar a Anthologie Universelle, uma seleção de

poesias líricas de diversas nações, reproduzidas na língua de origem6.

Esse jovem estudante, não obstante seu curto tempo de vida, deixou

contribuições originais, no campo da Matemática e da Física teórica, como a

Determinação de funções incógnitas sob o sinal de integral definida, Teorema de

cálculo integral e Teoria da propagação do som , apresentando-as à Academia de

Ciências de Paris em 1855. Trouxe para o Brasil títulos conferidos por respeitáveis

corporações científicas de Londres, Berlim e Viena, às quais se associara.

Outras escolas superiores criadas já no final do século XIX apresentavam

características semelhantes, com destaque para a Escola Politécnica do Rio de

Janeiro, a Escola Politécnica de São Paulo e a Escola de Engenharia de Porto

Alegre.

Nomes como o dos professores Otto de Alencar Silva (1874-1912), Manoel

Amoroso Costa (1885-1828) e de Teodoro Augusto Ramos (1896-1936), dentre

outros, transpuseram as barreiras comtianas, das idéias positivistas em voga na

época, e inovaram com a publicação de trabalhos originais, especialmente na Física

e na Matemática.

O professor Amoroso Costa, por exemplo, catedrático de Astronomia da

Escola Politécnica do Rio de Janeiro, apesar de ter deixado seu nome destacado em

6 “Anthologie Universelle, choix des meilleurs poesies lyriques de divers nations dans lês langues originales” foi publicado por uma editora alemã em 1855, constando de 14 literaturas nas línguas de origem.

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vários trabalhos originais na Matemática e na Astronomia, dispensou também

significativa atenção à Física Moderna e à Astrofísica.

O professor Teodoro Ramos (1895-1935) da Escola Politécnica de São Paulo,

figura no movimento que resultaria na prática das atividades sistemáticas de

pesquisas em ciências físicas e, embora suas contribuições originais tenham sido no

campo da Matemática, tem seu nome destacado com pioneiro no uso da Álgebra

Vetorial e da Análise Vetorial nas escolas superiores brasileiras, assunto de extrema

importância no estudo da Mecânica. Em 1929, publicou A teoria da relatividade e as

raias espectrais do hidrogênio e, em 1933, Aplicações do cálculo vetorial ao estudo

do movimento de um ponto material sobre uma superfície rugosa e fixa em um meio

resistente.

A visita de Albert Einstein ao Brasil, em 6 de maio de 1925, foi fator

preponderante no aparecimento de um grande nome no estudo da relatividade no

país: o do professor Roberto Marinho de Azevedo (1878/1962), da Escola

Politécnica do Rio de Janeiro.

Porém, com relação a trabalhos de Física Experimental, bem como de sua

prática em sala de aula, poucos nomes se destacaram no Brasil nesse período.

Dentre os pioneiros desta área figuram os professores Henrique Morize

(1860-1930), da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e José Carneiro Felipe (1886-

1951), do Instituto Oswaldo Cruz.

O ambiente de pesquisa no campo da Física Teórica e Experimental iniciado

por esses professores cresceu com a Fundação da Sociedade Brasileira de

Ciências, em 1916, pois propiciou-se um local adequado para o diálogo entre

cientistas, estudiosos e inovadores. Nos anais dessa instituição estão registrados

simpósios e conferências para a divulgação e discussão de trabalhos originais

desenvolvidos no Brasil e na Europa.

A partir de 1922, a sociedade passou a chamar Academia Brasileira de

Ciências. Recebeu nesse mesmo ano o físico Emile Borel, trazendo em discussão A

Teoria da Relatividade e a Curvatura do Universo. Posteriormente tivemos a visita de

Albert Einstein.

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Nessa ocasião, Einstein proferiu a conferência intitulada “Observações sobre

a situação atual da teoria da luz”, publicada na revista da Academia Brasileira de

Ciências, em 1926.

Esse intercâmbio de conhecimentos científicos e principalmente a visita e o

pronunciamento de Einstein no Rio de Janeiro desencadearam discussões em torno

do positivismo.

Tais discussões levaram os pesquisadores ao combate do pensamento

comtiano, acabando por exaurir este pensamento filosófico nos círculos científicos

nacionais7.

Desta forma, por volta de 1930, encerra-se uma etapa na história da Física no

Brasil marcada por um desenvolvimento conseguido às custas da obstinação e de

interesses quase particulares por parte dos cientistas e professores que então se

destacaram.

Os trabalhos significativos, principalmente no campo da Física Teórica e da

Matemática, foram produto da insistência desses pesquisadores pioneiros, os quais,

mesmo isolados, foram seguidos posteriormente por outros professores dos cursos

superiores profissionalizantes, que passaram a dedicar-se, além da docência, a

investigações originais e ao estudo da Física de vanguarda desenvolvida na Europa.

A investigação sistemática nas ciências físicas e a formação acadêmica dos

físicos e professores de Física passaram a existir no Brasil a partir da criação da

Universidade de São Paulo, em 1934, e da Universidade do então Distrito Federal

(Rio de Janeiro), em 1935, transformada quatro anos mais tarde, na Faculdade

Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

7 O pensamento dominante nos círculos científicos da época era de crítica ao positivismo. Leia-se o pronunciamento de Alberto Menezes, na seção da Academia, de 24 de junho de 1926: “ Os que combatem as teorias de Einstein parecem desconhecer o verdadeiro papel de uma teoria física,.... o de coordenar as leis já conhecidas e prever novas leis.”

Menezes, 1926 Menezes respondia ao artigo de Licínio Cardoso “relatividade Imaginária”, publicado em 16 de maio no periódico O Jornal, refutando as idéias apresentadas por Einstein, em 6 de maio. Não se encontra sequer um depoimento nas Atas da Academia de Ciências, em favor de Licínio Cardoso.

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1.2. A Universidade Brasileira e as Pesquisas no Campo da Física de

1920 a 1950.

Diferentemente do que ocorreu em outras localidades do mundo, com

destaque para a Europa, onde as escolas de nível superior eram partes integrantes

de instituições que compunham diversos ramos do conhecimento atingido pelo

homem, distinguidas pelo nome de Universidades, no Brasil tais escolas

apareceram separadamente em algumas cidades do território nacional.

Segundo registro citado no livro A formação da comunidade científica no

Brasil, do Prof. Simon Schwartzman, a Universidade do Paraná teria sido a primeira

instituição brasileira a ser distinguida com tal denominação, em 1912. Porém,

também é aceita a informação de que tal distinção caberia a então Universidade do

Rio de Janeiro, constituída por uma determinação administrativa no ano de 1920.

Por ocasião da visita oficial que faria ao Brasil o Rei Alberto I da Bélgica, o

governo brasileiro planejou conferir-lhe o título de doutor honoris causa. Para tanto,

mesmo sem nenhum cunho de tradição acadêmica que norteia os objetivos

específicos de uma verdadeira Universidade, resolveu-se reunir três escolas

renomadas e constituir uma instituição que receberia tal denominação.

Assim, surgiu a Universidade do Rio de Janeiro, pela união da Faculdade de

Medicina, da Faculdade de Direito e da Escola Politécnica, todas funcionando no

então Distrito Federal8 desde o século XIX, porém, até então autônomas entre si.

No ano de 1931, com a Reforma Campos9, agrega-se outras escolas a esse

conjunto, e em 1937, esta Universidade passou a chamar-se Universidade do Brasil.

Após a queda do presidente Getúlio Dornelles Vargas (1883-1954), no ano de

1945, iniciou-se o processo de uma real integração de escolas para a construção de

uma unidade funcional. Desta forma, em 1947 surgiria a Universidade Federal do

Rio de Janeiro.

Todavia, paralelamente a estes acontecimentos, os diversos trabalhos

desenvolvidos, principalmente na Física e na Matemática, e os intercâmbios

8 Na ocasião o Distrito Federal era situado no Rio de Janeiro. 9 Reforma do Ensino Superior em 1931, implantada por Francisco Campos, o primeiro ministro da educação, do recente Ministério da Educação, criado em 1930.

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mantidos com diversos pesquisadores, sobretudo europeus, levaram a um

enfraquecimento das idéias positivistas no meio científico brasileiro.

Com isto, propiciou-se no ano de 1934 a criação do Instituto Nacional de

Tecnologia (INT), no Rio de Janeiro, e de outras Universidades, como a

Universidade de São Paulo (USP), nesse mesmo ano, e a Universidade do Distrito

Federal (UDF), em 1935.

Deve-se ressaltar o fato que a Universidade de São Paulo foi a primeira

Universidade brasileira criada verdadeiramente sob o aspecto aceito

academicamente no sentido estrito da palavra.

Estas instituições passaram a recrutar diversos professores estrangeiros,

vindos quase todos da Europa, e possuidores de grande reputação.

O INT teve como colaborador o físico alemão Bernhard Gross (1905), natural

de Stuttgart. Gross chegou ao Brasil em 1933, após ter defendido em 1931, na

Alemanha, sua tese de doutoramento sobre raios cósmicos. O trabalho realizado por

Gross10 no INT foi feito com a finalidade de determinar a resistência de isolamento

dos cabos telefônicos da empresa de serviços elétricos LIGHT. Durante o trabalho,

esses cabos apresentavam o fenômeno de absorção dielétrica e seu estudo

contribuiu para a compreensão dos eletretos11, os quais agiam através de correntes

e tensões elétricas termoestimuladas, assim como os radioeletretos, com seu

funcionamento baseado na acumulação de cargas em vidros e polímeros.

A corrente Compton produzida pela absorção de raios gama pela matéria foi

também descoberta por ele, o que permitiu a construção de dosímetros capazes de

medir e registrar doses de radiação.

A atuação de Gross no Rio de Janeiro, durante a formação de físicos

brasileiros, como Joaquim Costa Ribeiro (1906-1960), Lélio Gama e Sérgio

Mascarenhas resultou em incentivos às suas carreiras de pesquisadores e docentes.

10 Em entrevista concedida por Bernhard Gross a Ricardo Guedes e Tjerk Frankenm em 1976, no âmbito do projeto História da Ciência no Brasil, patrocinado pelo Centro de Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas e publicado em 19+88 na edição Cientistas do Brasil – Depoimentos, comemorativa dos 50 anos da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), nas p. 145 e 146 Gross esclarece ter iniciado seu trabalho numa sala vazia, pois a Divisão de Física do INT fora criada apenas no papel. A mesa e a escrivaninha, além de alguns instrumentos de medida, foram arranjados, outros emprestados do Observatório Nacional e outros comprados pelo físico francês Henrique Morise. 11 Eletretos: corpos possuidores de uma duradoura eletrização.

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A UDF, fundada no governo do prefeito Pedro Ernesto Batista, foi idealizada e

criada pelo filósofo e educador brasileiro Anísio Spinola Teixeira (1900-1971),

quando exercia o cargo de secretário geral da Educação do Distrito Federal. Centro

de excelência, contou com Cândido Portinari (1905-1962), na área de Artes e com

Bernard Gross e Lélio Gama nas Ciências.

Por razões de ideologia política, a intervenção do governo federal, logo após

o golpe de estado de novembro de 1937, motivou a dispensa de vários de seus

professores, acarretando assim em seu fechamento no ano de 1938.

Em 1939 criou-se a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do

Brasil (FNFUB), como uma espécie de transplantação da recém-extinta UDF, porém,

a mesma não recebeu os subsídios necessários para a implementação adequada de

laboratórios e bibliotecas.

Além disso, o fato de não oferecer aos professores o regime de tempo

integral, tão necessário para as atividades de pesquisa inovadora, prejudicou a

manutenção de um requisito indispensável para a continuidade da formação de uma

comunidade científica produtiva tão bem iniciada pelo grupo do Prof. Anísio Teixeira

nas ciências humanas e pelo grupo do Prof. Gross na Física.

Enquanto isso, em São Paulo, a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras da USP promovia a formação exemplar do Departamento de Física,

delineando uma supremacia na vanguarda da pesquisa científica e na formação de

professores. Com este objetivo, foram criadas condições satisfatórias de trabalho,

como a formação de bibliotecas, construção e instalação de laboratórios,

proporcionado condições adequadas para o desenvolvimento de pesquisas teóricas

e experimentais inovadoras12.

Um dos fundadores da Universidade de São Paulo, o professor Teodoro

Augusto Ramos, da antiga Escola Politécnica do Rio de Janeiro, conhecendo as

Universidades européias, convidou, através do Prof. Enrico Fermi (1901-1954), da

12 Um outro fator relevante a ser considerado foi o salário condizente, para que se pudesse instituir o regime de dedicação exclusiva dos professores e auxiliares. O físico José Leite Lopes destaca esse fato no artigo A Física Nuclear no Brasil, publicado em São Paulo, pela Editora Paz e Terra, em setembro de 1968. “Sem regime de tempo integral ou dedicação exclusiva fixados como o fazem as universidades dos países desenvolvidos, com base em salários adequados para os professores pesquisadores, é muito difícil, se não impossível, que estes se dediquem, com plenitude, às suas instituições , realizando trabalhos de pesquisas e criação, indissociáveis das atividades de ensino universitário.”

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Universidade de Roma, o Prof Greb Wataghin (1900-1986), procedente da

Universidade de Turim, para trabalhar na equipe da Escola de Física em São Paulo.

A juventude do físico Gleb Wataghin, nascido na Rússia, foi marcada em seu

país pela queda da dinastia Romanov, de praticamente três séculos (1613-1917),

em conseqüência da revolução de 1917, além dos efeitos da Primeira Guerra

Mundial13, ocorrida no intervalo de 1914 a 1918. As dificuldades de sobrevivência

encontradas pela família Wataghin fizeram com que emigrassem para Itália, em

busca de melhores condições de vida, concluindo ali seus estudos.

A vinda do Prof. Wataghin a São Paulo trouxe consigo uma nova metodologia

de aulas, estabelecendo uma notável correlação entre a Física Teórica e a Física

Experimental desenvolvidas naquela época na Europa; contrariou, pois, os métodos

da maioria dos professores da Escola Politécnica, que ainda desenvolviam uma

didática baseada na leitura de livros e traduções de artigos. Na USP, a partir de

1936, introduziram-se estudos sobre raios cósmicos; constituíram-se as primeiras

equipes formadas por jovens físicos brasileiros, essencialmente investigadores,

iniciando-se assim a pesquisa experimental e teórica no campo da Física Nuclear

nesta Universidade.

Destes jovens físicos, alguns acabaram adquirindo notoriedade no cenário

científico nacional e internacional, como o Prof. Mário Schenberg (1914-1990) e o

Prof. Marcello Damy de Souza Santos (1914).

O professor Mário Schenberg, natural de Recife, que desde 1931 cursava a

Escola de Engenharia de Pernambuco, transferiu-se em 1933 para a Escola

Politécnica de São Paulo e formou-se engenheiro eletricista em 1935. Um ano

depois bacharelou-se em Matemática na primeira turma da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

Ainda em 1936, o Prof. Mário Schenberg iniciou sua carreira na USP como

preparador na cadeira de Física Geral e Experimental da Escola Politécnica, sendo

13 Na palestra Tecnologia e Subdesenvolvimento, feita num seminário promovido pela União Cristã de Estudantes do Brasil, em 1968, e publicada no Rio de Janeiro, em setembro do mesmo ano, no periódico Paz e Terra, ano 2, número 8, o físico Mário Schenberg interpreta como final histórico do século XIX a Primeira Guerra Mundial, enfatizando a importância da Revolução russa, como exemplo de revolução anti-imperialista, emancipação nacional e desenvolvimento econômico. Coloca as dificuldades das primeiras interpretações sobre os acontecimentos da primeira metade do século XX, quando ainda se tentava compreendê-los sob a luz de conceitos herdados no século XIX, como os de tecnologia e evolução social.

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nomeado já no ano seguinte como professor assistente da Física Teórica na

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras desta mesma Universidade.

Podemos dizer que, como professor assistente no Departamento de Física da

Universidade de São Paulo, ao lado do Prof. Wataghin, o Prof. Schenberg foi um dos

renovadores da Física Teórica no Brasil.

Destacaram-se ainda nesse grupo, os nomes dos professores Abraão de

Morais (1916-1970), Paulus Aulus Pompéia (1911-1993), Oscar Sala (1922),

Yolande Monteux e Walter Schützer (? – 1963)14.

Em 1939, o Prof. Mário Schenberg partiu para a Europa, indo trabalhar no

instituto de Física da Universidade de Roma, junto ao Prof. Enrico Fermi. Em

seguida, transferiu-se para Zurique, para trabalhar com o Prof. Wolfgang Pauli

(1900-1958) e, com a aproximação da guerra, seguiu para Paris, onde trabalhou

com o Prof. Fréderic Joliot-Curie (1900-1958).

Voltou ao Brasil, em 1940. Em seguida foi para Washington, nos Estados

Unidos da América do Norte, após receber uma bolsa da Fundação Guggenheim, e

trabalhou com o Prof. George Gamow (1904-1968) na realização de pesquisas em

Astrofísica. Já como membro do Institute for Avanced Studies de Princenton,

trabalhou no Observatório Astronômico de Yerkes com o Prof. Subrehmanyan

Chandrasekhar (1910).

No ano de 1944, o Prof. Schenberg retornou ao Brasil, ficando na

Universidade de São Paulo até o ano de 1948. Retornou então à Europa, fixando-se

em Bruxelas na Bélgica por cinco anos, ali desenvolvendo trabalhos sobre raios

cósmicos e Mecânica Estatística. Neste tempo, trabalhou com o Prof. Cosnyns e

colaborou com o grupo do Prof. Giuseppe Occhialini (1908-1994), que chegara para

trabalhar na USP, em 1938.

De 1953 a 1961, o Prof. Schenberg exerceu o cargo de diretor do

departamento de Física da USP, instalando neste intervalo o laboratório de Estado

Sólido e o primeiro computador eletrônico da Universidade, criando assim os cursos

de computação.

14 Dado extraído do site da Academia Brasileira de Ciência, http://www.abc.org.br/historia/acadmemoletra.asp?letra=W

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O Prof. Mário Schenberg participou ainda ativamente da discussão de

problemas político-econômicos do Brasil entre os quais aqueles ligados aos recursos

energéticos do país, como o petróleo e o urânio.

Nos últimos anos de sua vida, além de ter-se destacado em trabalhos de

História da Ciência, participou da Bienal de Arte em São Paulo, tendo escrito,

inclusive, alguns ensaios sobre arte.

O outro notável brasileiro do grupo do Prof. Wataghin, o Prof. Marcello Damy

de Souza Santos, natural da cidade de Campinas, estado de São Paulo, destacou-

se no cenário nacional e internacional como grande Físico Experimental.

O Prof. Occhialini, visto pelo Prof. Marcello Damy como um dos melhores e

mais criativos físicos experimentais do século XX, trabalhara na Universidade de

Cambridge pesquisando sobre os raios cósmicos, com o físico Patrick Maynard

Satuart Blackett (1897-1974), no aperfeiçoamento da chamada Câmera de Wilson,

para registro fotográfico dos fenômenos da radiação cósmica.

Nessa ocasião, já desenvolviam-se no departamento de Física da

Universidade de São Paulo pesquisas de Física Nuclear de altas energias e os

métodos utilizados eram semelhantes aos utilizados em outras partes do mundo, ou

seja, o desenvolvimento das investigações dependia de aparelhos muitas vezes

construídos no próprio laboratório e de modo artesanal. Para isso, funcionavam ao

lado do laboratório, oficinas onde se desenvolviam técnicas como a de soprar vidro,

além de marcenaria e mecânica.

A partir dessa época, houve um significativo aumento o número de estudantes

e posteriores físicos de destaque, como os professores César Lattes,, Oscar Sala,

José Leite Lopes, Jayme Tiomno, dentre outros.

Em 1941, o grupo chefiado pelo Prof. Occhialini, no qual já se destacavam

César Lattes e Oscar Sala, descobriu pela primeira vez o fenômeno da produção de

mésons15 em grupos simultâneos emitidos em um processo nuclear único. Nos

15 Mésons são partículas elementares com massa de repouso entre a do elétron e do próton, instáveis e formadas em reações nucleares que envolvem energias elevadas. Conhecem-se vários tipos, como o méson µ - menos, de carga elétrica igual a do elétron, spin ½ e massa 105,66 MeV; o méson p, tripleto com os estados de carga nula, positiva (igual a do próton) e negativa (igual a do elétron), spin nulo, massa de 135 MeV para o p-zero, 139,6 MeV para o p - menos e o p – mais; o méson K , dubleto com os estados de carga nula e positiva, igual a do próton, spin nulo, sendo a carga do méson K – mais 494 Mev, a do K – zero 497,8 MeV. Os méson p são instáveis, sendo que o méson p-zero tem uma vida média de 10-16 s e desintegra-se em fótons; os dois outros

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trabalhos desenvolvidos para se fazer tal descoberta, o instrumento utilizado foi

construído totalmente no Brasil.

Destacamos o fato de que as investigações realizadas então pelas equipes

dos professores Wataghin e Occhialini eram consonantes com o que se praticava

nos maiores centros de pesquisas mundiais.

Desde de 1933, o físico japonês Hideki Yukawa (1907-1981), da Universidade

de Kyoto, analisando os estudos teóricos e experimentais sobre a Física Nuclear de

Altas Energias acumulados até então, tentava propor uma nova idéia relativa à

natureza das forças atuantes em curtas distâncias no interior de um núcleo atômico.

Tais forças estariam relacionadas com a existência de uma certa partícula

responsável pela forte interação entre prótons e nêutrons, independentemente de

suas cargas elétricas. E esta partícula ele denominou méson.

As análises de Yukawa geraram a Teoria Mesônica das Forças Nucleares, a

qual propunha quem um nucleon16 emitiria freqüentemente uma partícula de

considerável massa de repouso, posteriormente chamada de méson p ou p íon.

Após a emissão do méson p, durante um certo intervalo de tempo

extremamente pequeno, essa partícula orbita numa região próxima ao núcleon,

chamada campo mesônico p, sendo em seguida reabsorvida pelo mesmo.

Entretanto, neste curtíssimo intervalo de tempo, verifica-se um suposta

violação do Princípio da Conservação de Energia, uma vez que durante essas fases

o núcleon conserva sua massa de repouso inicial. Todavia, a explicação neste caso

é dada por um dos princípios básicos da Física Moderna, o chamado Princípio da

Incerteza.

Caso os campos mesônicos de dois núcleons superponham-se devido à

proximidade entre eles, pode ocorrer que um méson p passe de um desses campos

para outro. O fenômeno ocorre sem que haja variação permanente de energia total

do sistema formado pelos dois núcleons. Yukawa sugeriu que a transferência de

estados têm vida média de 2,6.10-8 s, desintegrando-se o méson – mais em méson p – mais e neutrino e o méson p – menos e anti-neutrino. 16 Núcleon é o nome genérico dado a duas partículas constituinte do núcleo atômico, denominadas individualmente de próton e nêutron. Estas partículas constituem um dubleto, que em Física Nuclear trata-se de um conjunto formado por duas partículas de massas quase iguais, mesmo spin, mesma estranheza, e que diferem pela carga elétrica e pelo spin isobárico. Os núcleons têm spin ½, número barônico igual a 1, estranheza nula e massa de repouso aproximadamente 1,67.10-27kg.

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momento do méson p de um núcleon para outro equivale ao efeito de uma força

atuando entre os núcleons, denominado força nucleônica.

Dois princípios gerais da Eletrodinâmica Quântica, Yukawa tinha as

explicações para a força de interação entre duas partículas eletrizadas, conhecida

por força coulombiana. Segundo estas leis, os campos elétricos existentes ao redor

destas partículas eletrizadas constituem campos de fótons e as forças coulombianas

entre elas, que atuam a grandes distâncias, decorrem da troca de fótons entre esses

campos, observando-se o fato de que esses fótons possuem massa de repouso nula

e movem-se com a velocidade da luz.

Desta forma, por analogia, Yukawa propôs, a partir da Mecânica Quântica,

que as forças nucleônicas, atuantes a curtas distâncias, entre dois núcleons, seriam

decorrentes da troca de partículas (os mésons p) com massa de repouso

inversamente proporcional ao seu raio de ação, tendo até mesmo estimado a massa

de repouso desses mésons p 17, através de cálculos, utilizando a lei de conservação

da energia, o princípio da incerteza energia-tempo e estabelecendo a relação entre o

alcance da força nucleônica e a massa de repouso do méson p. Contudo, as

previsões teóricas de Hideki Yukawa, prêmio Nobel de Física em 1949,

necessitavam de confirmação experimental, ou seja, o méson p deveria ser

detectado na prática.

Nesta época, os trabalhos desenvolvidos no Departamento de Física da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo poderiam

contribuir muito para essa busca. O laboratório estava estruturado para a

investigação de temas de fronteira, tendo sido montado nele um equipamento

composto por uma pequena câmara de Wilson conectada a dois contadores Geiger

Müler, acoplada de câmera fotográfica. O método para a construção desse

equipamento foi desenvolvido por Giuseppe Occhialini, durante sua estada na

Universidade de Cambridge, ao lado do físico Patrick Blacket.

17 A massa estimada do méson p foi da ordem aproximada de 100 MeV/c² e na década de 30, quando Yukawa fez essas suposições, não se conheciam partículas com massa de repouso entre o elétron (0,5 MeV/c²) e o próton (938 MeV/c²). Foram detectadas experimentalmente em 1947, por Powell, Occhialini e Lattes, na Universidade de Bristol. O termo méson é abreviatura de mésotron, do original grego que quer dizer meio, por possuir massa intermediária entre as partículas elementares conhecidas na época, o elétron e o próton.

1 MeV (um mega eletrovolt) é a energia adquirida por um elétron quando acelerado sob uma diferença de potencial elétrico de 1 MV (mega volt), ou seja 1 milhão de volts. [1 MeV = 3,83.1014 cal = 4,45.10-20 Kwh].

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O grupo de físicos teóricos e experimentais da Universidade de São Paulo,

interessado no estudo de raios cósmicos, desenvolviam suas pesquisas com

métodos similares aos do exterior e os resultados produzidos até 1939 foram

divulgados em artigos registrados na Academia Brasileira de Ciências e na revista

Physical review.

A divulgação desses artigos resultou num projeto único desenvolvido pela

Universidade de São Paulo, com a equipe do Prof. Wataghin e pela Universidade de

Chicago, através do físico norte-americano Arthur Holly Compton (1892-1962). O

grupo mediu radiações cósmicas no interior do Estado de São Paulo, através de

balões de hidrogênio carregados com contadores Geiger. A Academia Brasileira de

Ciências promoveu em 1941 o primeiro Simpósio Internacional de Raios Cósmicos,

evento pioneiro realizado no Rio de Janeiro, divulgando os resultados desse trabalho

conjunto.

No desenrolar desses acontecimentos, a Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras da Universidade de São Paulo recebera em 1939 ---- Ano do inicio da

Segunda Guerra Mundial ---- um novo aluno para o curso de bacharelado em Física,

o jovem César Lattes.

Curitibano, Cesare Mansueto Giulio Lattes freqüentou os primeiros anos de

estudo em escolas e lugares diversos. Iniciou a Escola Primária em Porto Alegre no

ano de 1929, indo em 1930 para a Itália, onde estudou numa escola pública na

cidade de Turim. No ano seguinte, novamente no Brasil, passou a freqüentar em sua

cidade natal a Escola Americana, concluindo o curso primário em 1933.

No ano de 1934, seguiu para São Paulo para cursar a Escola Secundária e

posteriormente a Universidade.

Depois de algumas conversas com seu pai, resolve fazer o curso de Física,

ingressando em 1939 no Departamento de Física da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCLUSP), bacharelando-se em

1943.

Inicialmente, seu objetivo era o de seguir a carreira de professor secundário,

mas, por sugestão do professor Gleb Wataghin, passou a dedicar-se à pesquisa,

iniciando assim uma trajetória que marcaria época no cenário da Física do século

XX.

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Logo depois de formado, o Prof. César Lattes foi trabalhar com o Prof. Gleb

Wataghin, como seu terceiro assistente, desenvolvendo um trabalho de pesquisa,

sobre a termodinâmica de altíssima temperatura e pressão, relacionada com a

abundância dos elementos do universo.

Depois sob a orientação do prof. Mário Schenberg e em companhia do Prof.

Walter Shützer, o Prof. Lattes foi incumbido de calcular o campo de uma carga

puntiforme com momento de dipolo, para o qual obtivera uma expressão com 27

termos. Este trabalho foi o suficiente para que tomasse a decisão de seguir os

caminhos da Física Experimental.

Durante seu curso na FFCLUSP, o Prof. Lattes foi aluno do Prof. Giuseppe

Occhialini em 1943 e, embora com pouco tempo de convivência, assimilou muito

bem seus ensinamentos.

O Prof. Occhialini de grande habilidade na Física Experimental, viajou para a

Inglaterra em 1944, deixando para o Prof. Lattes uma câmara de Wilson com

problemas de funcionamento, a qual ele consertaria com a ajuda de alguns colegas.

Utilizando esta câmara de Wilson, agora em perfeito estado de

funcionamento, o Prof. César Lattes obteve algumas chapas fotográficas que

posteriormente enviou ao Prof. Occhialini no H. H. Wills Physical Laboratory da

Universidade de Bristol, onde este trabalhava com o Prof. Cecil Franck Powell (1903-

1969).

Após ter sido terceiro professor assistente da cadeira de Física Teórica e

Física Matemática da FFCLUSP em 1944 e segundo professor assistente em 1945,

o Prof. Lattes seguiu para a Inglaterra, a convite do Prof. Powell, onde trabalhariam

juntamente com o Prof. Occhialini, em Bristol, formando aquele que viria a ser

chamado de Grupo de Bristol.

Em Bristol, o Prof. Lattes desenvolveu uma série de trabalhos na área da

Física Nuclear, publicando vários artigos em companhia de outros colegas e de seus

professores, destacando-se um deles em 1947, assinado também por Powell,

Occhialini e Murhead, sobre os então chamados méson-duplos.

Neste mesmo ano, o Prof. Cesar Lattes, sabendo que outros grupos de

cientistas trabalhavam na Europa com emulsões expostas em aviões viajou para a

Bolívia, com algumas chapas de emulsão carregadas com boro, expondo-as durante

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um mês à incidência de raios cósmicos no Monte Chacaltaya, situado a 5500 m

acima do nível do mar.

Antes de retornar para Inglaterra, o Prof. Lattes passou pelo Rio de Janeiro e,

utilizando o microscópio do Prof. Joaquim Costa Ribeiro, da Faculdade Nacional de

Filosofia, fez um rápido exame das chapas. Essas informações foram confidenciadas

aos professores José Leite Lopes e Guido Beck.

Chegando a Universidade de Bristol, as chapas foram mostradas ao Prof.

Powell e iniciaram-se novas investigações.

Os professores Powell, Lattes e Occhialini, convencidos de que haviam

descoberto um processo fundamental da natureza, após o cálculo das massas dos

méson duplos, interpretaram o fenômeno como sendo um processo de decaimento

do méson de Yukawa (méson primário), denominado méson p, no méson

secundário, conhecido teoricamente por mésotron e mais uma partícula de massa

aproximadamente nula, podendo ser provavelmente um neutrino.

Este trabalho foi publicado na revista Nature, em 1947, e nos Proceedings of

the Physical Society, em 1948.

Ainda no ano de 1947, o Prof. Celas Lattes foi ao Estados Unidos da América

do Norte e esteve na Universidade de Berkeley, onde começou a operar o sincro-

cicloton, que acelerava partículas alfa até 380 MeV. Embora soubesse desde o início

que esta energia ainda não seria suficiente para cumprir suas previsões, estas

seriam como base para mais tarde conseguir produzir o méson p artificialmente.

Após um trabalho teórico, o qual fez parte também o Prof. José Leite Lopes, o

Prof. Lattes acabou de produzir, juntamente com Eugene gardneer, os primeiros

mésons p negativos. Em 1949, contando inclusive com a companhia de um de seus

alunos, John Burfening, produziu méson V positivos.

A confirmação da existência dos mésons p deu o prêmio Nobel em 1949, ao

Prof. Hideki Yukawa e ao Prof. Powell em 1950.

Mesmo sob intensa atividade de pesquisa, o Prof. César Lattes participou de

decisões envolvidas com a política científica brasileira, como a da Fundação do

Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, em companhia do

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prof. José Leite Lopes, no ano de 1949, e da criação do CNPq (Conselho Nacional

de Pesquisa), em 1951.

O Prof. César Lattes foi um dos primeiros diretores do CBPF e membro do

Conselho Deliberativo do CNPq.

Em 1955, deixou o CBPF e o CNPq, viajando a convite, para os Estados

Unidos, onde passou a ser o responsável pelo grupo de Emulsões Nucleares da

Universidade de Chicago, até o ano de 1956, quando então se transferiu para a

Universidade de Minnesota, como professor associado do College of Science,

Literature and Arts, até o ano de 1957.

Retornando ao Brasil, a convite dos professores Mário Schenberg e José

Goldenberg (1928), o Prof. Lattes começou a trabalhar em tempo parcial na USP,

como professor de Física Superior do Departamento de Física da FFCL,

organizando o laboratório de emulsão fotográfica.

Após estes anos, foram inúmeros os trabalhos de pesquisa do prof. César

Lattes: participou de várias conferências e congressos na Europa, nos Estados

Unidos e no Japão; ministrou cursos, recebeu vários prêmios, títulos e homenagens,

justificando sua notoriedade como um dos maiores cientistas brasileiros de todos os

tempos.

Durante estas décadas marcantes na história da Física no Brasil, foram

muitos os nomes que se destacaram tanto pela capacidade e dedicação pessoal,

como pelo engajamento e posicionamento de alguns centros de pesquisas ao

mesmo espírito de investigação científica dos maiores institutos do mundo,

propiciando a formação de grupos destinados aos princípios de mesmo fim.

Outro personagem de destaque que traçou uma trajetória de trabalho

singular, criando uma história marcante, não só através de seus temas de pesquisa

científica, mas também pelo seu envolvimento na política científica nacional,

possibilitando a abertura de vários campos e com isto, o surgimento de novos físicos

foi o Prof. José Leite Lopes.

O Prof.José Leite Lopes, nascido na cidade de Recife, no ano de 1918, viveu

em sua cidade natal toda sua fase de estudante, até bacharelar-se em Química

Industrial na Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1939.

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Sua paixão pelas ciências da natureza, e de maneira especial a Química, tem

início na adolescência, quando ainda era aluno do Colégio Marista.

Teve a oportunidade de conviver com professores que o dirigiram de forma

magistral para o estudo da Física. Desta forma, logo após seu bacharelado em

Química seguiu para o Rio de Janeiro, ingressando em 1940 no curso de Física da

Faculdade Nacional de Filosofia.

Destacando-se pelo seu brilhantismo, o Prof. José Leite Lopes, embora não

fosse ainda formado em Física, mas por já ter grau de bacharel em Química, foi

convidado, em 1941, para assumir o cargo de assistente de Luigi Sobrero, italiano,

então professor de Física Teórica e Física Superior.

Todavia a falta de verbas para essa instituição impediu-o de assumir o posto.

Em 1942, ano em que concluiu o curso de Física, tendo recebido uma bolsa

Guilherme Guinle, trabalhou por alguns meses no Instituto de Biofísica do Rio de

Janeiro, a convite do Prof. Carlos Chagas Filho (1910-2000).

O Prof. José Leite Lopes também teve uma passagem por São Paulo, quando

em 1943, mediante uma bolsa da Fundação Zerrener, trabalhou na FFCLUSP como

assistente dos professores Gleb Wathaghin e Mário Schenberg, onde veio a

conhecer outros grandes pesquisadores do momento, dentre os quais destacavam-

se os Professores Marcello Damy de Souza Santos, César Lates, Walter Schultzer e

Sonja Ashauer.

Neste ano, juntamente com o Prof. Schenberg, realizou um trabalho de

pesquisa sobre o campo de radiação do elétron.

Nos dois anos seguintes, o Prof. Leite Lopes esteve nos Estados Unidos da

América do norte, trabalhando com o Prof. J. M. Jauch na Universidade de

Princenton, sob a orientação do Prof. Wolfgang Pauli (1900-1958) fez sua tese de

doutoramento.

No final de 1945, por indicação dos professores Joaquim Costa ribeiro e San

Tiago Dantas, diretor da Faculdade Nacional de Filosofia, foi nomeado professor

catedrático interino de Física Teórica e Física Superior nessa Instituição, tendo sido

empossado catedrático em 1946. Em 1948, recebeu o grau de Doutor em Ciências

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pala Universidade do Brasil, após ter concorrido à cátedra de Física Teórica e Física

Superior, exercendo este cargo até 1969.

O Prof. Leite Lopes participou também de trabalhos ligados ao

desenvolvimento da pesquisa Física no Brasil, a Fundação do CBPF, no mês de

janeiro de 1949, em companhia do Prof. César Lattes e com o apoio do Ministro

João Alberto Lins de Barros e seus irmãos Nelson Lins de Barros e Henry British

Lins de Barros.

Neste mesmo ano, a convite do Prof. J. Robert Oppenheimer (1904-1967),

com uma bolsa da Fundação Guggrnhrim, tornou-se membro do Instituto de Altos

Estudos de Princenton, nos Estados unidos.

No início da década de 1950, a pesquisa científica no Brasil tomou grande

impulso, proporcionando assim uma extensão dos trabalhos de excelência a outras

regiões do país, não somente em São Paulo e Rio de Janeiro.

Em 1951, com a criação do CNPq, após lei aprovada no Congresso Nacional

e sancionada pelo então Presidente da República, Dr. Getúlio Dornelles Vargas,

houve um significativo intercâmbio entre as instituições brasileiras e as dos países

detentores de tecnologia e laboratórios de pesquisas mais avançados.

Além das personalidades brasileiras e européias que já trabalhavam em São

Paulo e Rio de Janeiro, outros grandes nomes da Física aqui estiveram para

participar de conferências, ministrar palestras e cursos especiais, como por exemplo

J. R. Oppenheimer, Hideki Yukawa, Albert Einstein e Richard P. Feynman (1918-

1988).

Entre 1955 e 1964, o Prof. José Leite Lopes foi Diretor da Divisão de Ciências

Físicas do Conselho Nacional de Pesquisas e neste intervalo teve grande

participação na ampliação das pesquisas em Física no Brasil, merecendo destaque

sua participação entre os cientistas que defendiam a criação da Comissão Nacional

de Energia Atômica.

Entre junho e Setembro de 1955, participou como um dos secretários das

Nações Unidas, da primeira Conferência Internacional para o uso pacífico da energia

atômica; também contribuiu para a criação da Escola Latino-americana de Física,

em 1959, no México, quando teve ao seu lado os professores Moshinsky, do México

e J. J. Giambiagi, da Argentina. Em 1960, organizou no Rio de Janeiro a segunda

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Escola Latino-Americana de Física e entre 1960 e 1964, o Instituto de Física da

Universidade de Brasília, por onde passaria outro grande nome da Física, o Prof.

Roberto Antonio Salmeron.

De 1967 a 1969, o prof. Leite Lopes foi Diretor Pró-Tempore do Instituto de

Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, proporcionando sua instalação no

Campus da Ilha do Fundão, naquele Estado.

Mesmo após sua aposentadoria, por força de um decreto governamental, no

ano de 1969, o Prof. José Leite Lopes continuou a destacar-se no meio científico

brasileiro e mundial, merecedor de várias menções honrosas, homenagens e títulos

especiais.

O período do pós-guerra apresentou no cenário científico mundial pormenores

interessantes, porque, apesar da necessidade de reconstrução dos diversos países,

os quais tinham sido praticamente destruídos pelo grande conflito de 1939-1945, os

seus centros de pesquisa, sobretudo em Física, produziram obras que mudariam

significativamente o contexto de vida na segunda metade do século XX.

Neste clima, o Brasil é negativamente afetado, uma vez que a troca de

informações científicas passaram a ser, em muitos casos, segredo de Estado,

devido sobretudo às investigações sobre novas fontes de energia e em especial a de

origem nuclear.

A rigor, as mudanças no quadro científico mundial iniciaram-se desde o

agravamento da Segunda Guerra Mundial, por volta de 1943, quando os países

desenvolvidos da Europa e os Estados Unidos da América do Norte passaram a

direcionar suas pesquisas no desenvolvimento de tecnologias militares, dificultando

o intercâmbio científico com as Universidades brasileiras.

Conforme descrito em parte, as pesquisas sobre reações nucleares partiram

dos estudos de Marie Curie, na França, quando em 1897, a partir dos estudos de

Becquerel, ela descobriu o elemento Polônio e, em 1902, determinou a massa

atômica do elemento rádio.

Após as descobertas de Rutherford sobre transmutações nucleares e a do

nêutron, em 1932, por Chadwick, o bombardeamento da matéria com nêutrons,

estudado pelo físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) e sua equipe de

pesquisadores de início a uma nova frente de trabalho.

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Em 1934, Fermi concluiu que um isótopo de número atômico [ Z ], quando

bombardeado por nêutrons, poderia se transformar num nuclídeo18 de número

atômico [ Z + 1 ].

O último elemento de classificação de Dmitri Ivánovich Mendeléiev (1834-

1907) era Urânio, de número atômico 92, e Fermi conjecturou que caso este isótopo

sofresse irradiação por nêutrons, ocorreria a formação de novos elementos, devido

às seguintes reações nucleares:

Na primeira reação, o núcleo de urânio 238, após ser bombardeado por um

nêutron e capturá-lo, decairia por emissão de um raio gama, resultando no isótopo 239U. Este, por sua vez, decairia por emissão de beta e resultaria num isótopo de um

elemento até então desconhecido, de número atômico 93, o qual também decairia

por emissão beta e resultaria num outro isótopo desconhecido, de número atômico

94.

Estes elementos, por estarem além do urânio na tabela periódica de

Mendeléiev receberiam o nome de elementos transurânicos.

Ao longo dos anos seguintes, muitas tentativas foram feitas para produzir e

identificar tais elementos, todavia as dificuldades para identificá-los eram muitas.

Somente em 1940 conseguiu-se provar que ao se bombardear um núcleo de urânio

( )U23892 com nêutrons lentos, tais reações poderiam ser obtidas, confirmando-se

assim a hipótese de Fermi.

18 Nuclídeo é o átomo ou espécie nuclear caracterizado por um número atômico e número de massa, estável, ou com um tempo de vida suficientemente longo para identificar uma espécie química elementar. Às vezes o nuclídeo recebe a designação imprópria de isótopo, pelo fato de possuir o mesmo número atômico de determinado elemento químico, ocupando o mesmo lugar que este na tabela periódica.

[ ]

β

β

γ

01-

23994

01-

23993

23992

*23992

10

23892

u

+

+

+→→+

P

Np

UUnU

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O elemento de número atômico 93 ( )Np23993 recebeu o nome de Netúnio e o de

número 94 ( )Pu23994 , Plutônio.

A partir da hipótese de Fermi, outros pesquisadores se interessaram pelo

assunto e as investigações levaram a várias descobertas.

Em 1938, a filha de Pierre e Marie Curie, Irene Juliot Curie (1897-1956) e

Pavle Savitch anunciaram o aparecimento de elementos com as propriedades das

terras raras, localizados no centro da tabela de Mendeléiev, como produto do

bombardeamento de nêutron no Urânio.

Os pesquisadores alemães Otto Hahn (1879-1968) e Fritz Strassmann

detectaram os elementos Bário, Lantânio e Cério como produtos do

bombardeamento de Urânio.

Entretanto, tais resultados se mostravam intrigantes, uma vez que não

confirmavam a hipótese de Fermi.

Somente depois, em Copenhague, chegou-se propriamente a uma explicação

convincente para tais observações. Lise Meitner (1878-1968) e Otto Frish

detectaram como produtos do bombardeamento o Bário, elemento 56 da tabela e o

Kriptônio, elemento 36, verificando que a soma destes números é 92, ou seja, igual

ao número atômico do Urânio. Foi então levantada a hipótese de que um núcleo de

Urânio, após ser bombardeado por um nêutron, dividiria-se em dois outros núcleos,

emitidos com muita energia, descobrindo-se assim a chamada fissão nuclear.

A insistência nas pesquisas permitiu chegar-se a outras conclusões, como o

fato do isótopo U235 , correspondente a 1/138 da amostra de Urânio natural que ao

ser bombardeado por nêutrons, fissionaria em maior proporão, pois ocorreriam

reações em cadeia, uma vez que a fissão provocada por um nêutron dava origem a

vários outros nêutrons, os quais poderiam provocar novas fissões.

Cálculos simples mostravam que em cada fissão liberava-se 200 MeV de

energia e, por comparação, chegou-se a conclusão de que poderia extrair do Urânio

uma quantidade de energia 20 000 vezes maior que a extraída de uma mesma

massa de carvão.

Jornais norte americanos no início de 1939 noticiaram as novas descobertas

em manchetes, afirmando que os alemães tinham desintegrado o átomo. Com a

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ameaça de guerra, a possibilidade da produção de uma arma nuclear de incrível

poder destruidor pela Alemanha de Adolf Hitler (1888-1945?) seria terrível.

Físicos alemães como Léo Szilard (1898-1964), Eugene Wigner, Edward

Teller, Weiskopf e o italiano Enrico Fermi(1901-1954) emigraram para os Estados

Unidos da América nesse ano de 1939, fugindo do nazismo de Hitler e do fascismo

de Benito Mussolini (1883-1945). Esses cientistas temiam que a humanidade

corresse sério risco, se a Alemanha ou a Itália viessem a produzir a bomba atômica

e a entregassem à vontade destes ditadores.

Em 2 de agosto de 1939, o Prof. Albert Einstein escreveu uma carta 19 ao

então presidente norte -americano Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), alertando-

o sobre o perigo iminente de Hitler dispor da bomba atômica. Depois desse alerta, o

governo dos Estados Unidos passou a interessar-se pelos assuntos nucleares e pela

bomba atômica. Enrico Fermi e Léo Szilard (1898-1964) produziram em sigilo na

Universidade de Chicago, o primeira “pilha atômica”, inaugurando-a em 2 de

dezembro de 1942, proporcionando, assim, a primeira reação nuclear em série

provocada pelo homem.

A partir dessa demonstração coordenada por Fermi, o governo americano

acelera os trabalhos para a fabricação da bomba atômica, através do projeto

Manhattam, encarregando o Exército, na pessoa do General Leslie Groves, a chefiar

e supervisionar os cientistas nele envolvidos.

O laboratório utilizado foi o de Los Alamos, no Novo México, o qua l

trabalhavam renomados pesquisadores, como o físico britânico James Chadwik, o

físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), o italiano Enrico Fermi, além do norte

americano Robert Oppenheimer (1904-1967).

Com essa equipe extraordinária de cientistas constituindo o cérebro do

Projeto Manhattam, trabalhou-se incansavelmente na fabricação da primeira bomba

atômica, chamada “Homem Gordo”, tendo esta sido testada com pleno sucesso,

quando da sua explosão na superfície de Los Alamos, em 16 de julho de 1945.

A segunda bomba atômica construída, chamada “Little Boy”, tinha o Japão

como alvo, mas os cientistas do projeto Manhattam, após constatarem o poder

19 Cópia desta carta se encontra transcrita na Revista Mensal de Cultura Enciclopédia Block , ano 5, número 2, de agosto de 1971, no artigo de Joel Silveira intitulado “A Bomba Atômica faz 26 Anos – 1945-1971”.

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destrutivo da bomba-teste, dividiam-se ante o impacto destrutivo que poderia causar.

Léo Szilard liderava o grupo de cientistas contra o emprego da bomba, pedindo que

pelo menos fosse demonstrado à nação japonesa seu poder destrutivo, dando-lhes

a oportunidade de renderem-se antes; mas o novo presidente norte-americano Harry

S. Truman (1884-1972) não chegou a receber sequer um pedido desse grupo nesse

sentido.

No dia 6 de agosto de 1945, “Little Boy” foi lançada na cidade japonesa de

Hiroshima, exterminando 130 mil pessoas; sendo seguida , em 9 de agosto de 1945,

pelo lançamento de outra bomba sobre a cidade de Nagasaki, com pelo menos mais

70 mil mortes.

Seguramente, estes acontecimentos levaram o Japão a sua rendição

incondicional, em 14 de agosto de 1945, terminando assim a Segunda Guerra

Mundial.

No Brasil, durante a guerra, o Departamento de Física da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo sofreu ampliações para

atender aos novos encargos advindos do conflito para a defesa do país, acolhendo

de maneira especial aos pedidos das Forças Armadas, como a construção

equipamentos para detectar navios e submarinos inimigos, instrumentos para medir

a velocidade das balas, visando a adequação das tabelas de tiro, uma vez que o

Brasil passara a utilizar pólvora nacional, além de aparelhos portáteis para

comunicação.

As pesquisas que se desenvo lviam na época não foram suspensas, porém

foram realizadas num outro clima político.

Como o Brasil declarou guerra aos países do eixo, o Prof. Occhialini, por

exemplo, passou a temer a deportação, afastando-se da Universidade de São Paulo

e permanecendo incógnito no Rio de Janeiro, a princípio trabalhando como guia na

Floresta de Itatiaia e posteriormente no Instituto de Biofísica da Universidade do

Brasil. Num breve retorno a São Paulo, ministrou um curso sobre raios X,

oportunidade para César Lattes adquirir os conhecimentos necessários e operar com

filmes fotográficos nas experiências com raios cósmicos.

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Dessa forma, prosseguiram as investigações sobre raios cósmicos, passando

a fazer parte deste estudo outros físicos recém-formados, dentre os quais o Prof.

Oscar Sala.

Terminada a guerra, entretanto, face à nova realidade científica mundial, se

fazia necessário um intercâmbio de informações muito mais intenso, porém nem

sempre de fácil acesso.

Esta nova realidade, então, levou os físicos brasileiros a aprimorarem cada

vez mais os laboratórios em seu país, para que pudessem continuar participando

das pesquisas de ponta no cenário internacional.

Em 1948, o Prof. César Lattes esteve em Berkeley, na Califórnia, subsidiado

pela Fundação Rockefeller, para a detecção de méson produzidos no sincro-

sinclotron de 184 polegadas, construído pelo físico Ernest Orlando Lawrence (1901-

1958). Neste mesmo ano, o Prof. Oscar Sala, após ter pesquisado sobre radiação

cósmica em São Paulo, na equipe do Prof. Wataghin, também foi para os Estados

Unidos e desenvolveu estudos sobre reações nucleares induzidas por nêutron.

Durante 1948 e 1949, o Prof. Sala esboçou as primeiras idéias e projetos

sobre um gerador de Van de Graaf para estudos individuais de estados de excitação

de partículas nucleares, que viria a ser instalado por ele em 1954, na Universidade

de São Paulo.

Em 1951, o Prof. Marcello Damy de Souza Santos colocou em funcionamento

o primeiro acelerados de partículas do hemisfério sul, instalado também na

Universidade de São Paulo; tratava-se do bétatron para estudos de estados de

excitação coletivos de partículas nucleares, iniciado em 1946.

De maneira geral, até a década de quarenta, as pesquisas científicas

realizadas no Brasil, ou por físicos brasileiros no Exterior, foram custeadas na maior

parte por doações, em especial da Fundação Rockefeller20 e dos Fundos

20 Consultando o Anuário da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, volume II, 1939-1949, publicado em 1953, encontramos nas p. 803 a 805 o relatório da Fundação Rockefeller relativo ao decênio 1939-1949, do qual destacamos, dentre outras doações, aquelas destinadas à Física: 1942 – bolsa de estudos ao Dr. Simão Mathias para estágio de dois anos na Universidade de Wisconsin, em pesquisa de Físico-Química; 1946: - auxílio ao Departamento de cerca de 75 000 dólares (colaboração com o governo do Estado, que colaborou com 5 000 000 cruzeiros) para dotar a Faculdade de um Bétatron e um gerador de Van der Graff; ainda em 1946, proporcionou viagens aos professores Gleb Wataghin e Marcello Damy aos Estados Unidos para tratarem da construção do Bétatron; 1947 – Bolsa de estudo ao Dr. Oscar Sala para estagiar na Universidade de Illinois e na Universidade de Wisconsin, com o objetivo de pesquisar as técnicas necessárias para a construção

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Universitários de Pesquisa. Este último foi criado em decorrência do artigo 123, da

Constituição do Estado de 1947, o qual estabelecia que 0,5% da arrecadação

estadual teria como objetivo atender as necessidades de pesquisa21.

do gerador de Van der Graff; ainda em 1947; bolsa de estudos ao licenciado César Lattes para estagiar em Bristol, na Inglaterra, no H.H. Wills Physical Laboratory, para realizar estudos sobre os méson e depois nos Estados Unidos, para estagiar na Califórnia, em Berkeley, com o mesmo fim; 1948 - prorrogação da bolsa ao Dr. Jaime Tiomno, do Departamento de Física, para continuar seus estudos em Princeton. 21 Os Fundos Universitários de Pesquisa permaneceram sob a direção direta da reitoria da Universidade de São Paulo, auxiliando estudos e pesquisas. Nas p. 805 a 807 do anuário citado na nota anterior, encontramos os auxílios cedidos no decênio 1939-1949, dentre os quais destacamos: 1943 – três bolsas de estudos concedidas ao Departamento de Física, ao Prof. Oscar Sala (estudo sobre o comportamento de circuitos elétricos em freqüência ultra-elevada e sobre o emprego desses circuitos em Física Nuclear – radiação cósmica), à Yolanda Monteaux (pesquisa em espectroscopia no Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, sob a direção do Prof. Begtron Lourenço e ao Prof, José Leite Lopes (convidado para um curso de aperfeiçoamento em Ciências Físicas, curso de Mecânica Celeste e Física Celeste); 1944 – nova bolsa de estudos ao Prof. Oscar Sala para projetar e construir equipamento para estudos de radiação cósmica, utilizado por ele e pelo Prof Gleb Wataghin no estudo dos showers de mésotrons em Campos do Jordão. Para isso doou também 30 000 cruzeiros para a obtenção do material necessário. O fenômeno foi observado pela primeira vez em São Paulo, em 1939; 1946 – auxílio ao Departamento de Física para prosseguimento das atividades dos serviços de Cristais de Rochelle e bolsa de estudos ao Prof Jaime Tiomno para prosseguimento de estudos.

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1.3. A Física no Brasil de 1950 a 1970.

A existência de um órgão administrador e controlador da pesquisa científica

em nível nacional, era uma realidade em alguns países desde as primeiras décadas

do século XX. Nos Estados Unidos da América foi instituído um Conselho de

Pesquisa no ano de 1916 e na Itália, outra instituição similar passou a existir desde

1923.

A Segunda Guerra Mundial constituiu-se num marco, pois a partir dela

surgiram novas visões sobre as pesquisas científicas nas mais diversas nações,

tendo praticamente como causa quase que absoluta o lançamento das bombas

atômicas no território japonês.

Dessa forma, o que era a princípio uma questão estratégica para o domínio e

demonstração de poder durante o conflito, por razões econômicas e políticas,

ciência e tecnologia tornaram-se interesse do Estado.

Durante os debates ocorridos na ONU (Organização das Nações Unidas),

após a Segunda Grande Guerra, quando o mundo reagia atônito durante as

calamidades provocadas pelas bombas atômicas lançadas sobre o Japão, o

representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica era o Almirante Álvaro

Alberto da Mota e Silva 22.

A partir dessas reuniões, o Almirante Álvaro Alberto trabalhou pela criação de

um órgão oficial de apoio à pesquisa. A lei para esse fim foi sancionada por ato do

presidente Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), nos últimos dias de seu governo, sob

número 1310, em 15 de janeiro de 1951. Assim, criou-se o Conselho Nacional de

Pesquisas (CNPq) com a finalidade de promover e estimular o desenvolvimento da

investigação científica tecnológica em qualquer domínio do conhecimento. Seu

primeiro presidente foi o próprio Almirante Álvaro Alberto.

No relatório das atividades do CNPq, relativo ao ano de 1952, publicado em

28 de fevereiro de 1953, o Almirante Álvaro Alberto relata ao então presidente da

república Dr. Getúlio Dornelles Vargas, a encomenda de um sincrociclotron de 21

22 No livro Átomo e Força Atômica de Alfeu Diniz Gonçalves, publicado no rio de Janeiro pela Editora Fundo de Cultura, em dezembro de 1959, nas p. 467 a 469, a advogada Maria da Conceição Miragaia Pitanga comenta sobre a atuação do Almirante Álvaro Alberto na Comissão de Energia Nuclear da ONU, afirmando que, através de sua argumentação, tornou vitoriosa a proposta que defendia sobre a inviolabilidade dos depósitos naturais de material atômico de cada país e da garantia da propriedade exclusiva das matérias primas aos povos que as possuíssem em seu solo.

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polegadas nos Estados Unidos e o início da construção de outro no Brasil. Este

último, de 170 polegadas e energia de 450Mev. Nesse mesmo ano o CNPq criou o

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, além de contribuir para a instalação

do Instituto de Pesquisas Radioativas da Universidade de Minas Gerais, do Centro

de Pesquisas Entomológicas da Universidade Rural e do Centro de Pesquisas

Físicas e Matemáticas da Universidade de Pernambuco.

Esse mesmo relatório criava ainda o desenvolvimento de estudos, por parte

do Conselho do CNPq, no sentido de instituir uma rede de bibliotecas em todo o país

e criar um Centro Nacional de Bibliografia e Documentação, mais tarde

concretizados. O CNPq tentava criar uma política científica nacional, estabelecendo

ações no sentido do desenvolvimento científico do país.

As bibliotecas, por exemplo, eram deficitárias ou inexistentes na maior parte

dos Estados Brasileiros. No Rio de Janeiro nas décadas de 30 e 40, a biblioteca da

Escola de Engenharia possuía apenas livros antigos, de valor histórico, porém longe

de colocar os pesquisadores na vanguarda dos estudos realizados no exterior. A

única biblioteca que recebia revistas como a Physical Review e o Zeitschrift für

Physic era a do Instituto de Manguinhos, mas por iniciativa de José Carneiro Felipe

(1886-1951). Quanto a revistas científicas nacionais, havia a dos Anais da

Academia Brasileira de Ciências, que publicava, dentre outros, os trabalhos de

Física e Matemática.

Mais uma vez São Paulo se distinguia dos demais Estados, apresentando

diferença na estrutura e funcionamento de sua Universidade. Na USP existia o

regime de tempo integral, os professores podiam dedicar-se exclusivamente à

pesquisa e ao ensino, enquanto que nas Universidades Federais, os professores

desenvolviam atividades paralelas, por serem funcionários públicos com salários

fixos e estabelecidos pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP).

Estas e outras questões de apoio à ciência haviam sido levantadas e

debatidas nas Universidades e Institutos, principalmente pela iniciativa de José Leite

Lopes, então professor da Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro.

Uma iniciativa de solução ocorreu no final da década de 40, quando um

representante da Fundação Rockefeller propôs a implantação do regime de tempo

integral para alguns professores da Universidade do Rio de Janeiro. O projeto inicial

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deste regime sugeria a contratação de três professores, um de Física, um de

Biologia e um de Filosofia; seria implantado em três anos. No primeiro ano, a

Fundação daria o complemento necessário de salários, condizente para que

pudessem se dedicar somente à pesquisa e ao ensino na Universidade; no segundo

ano forneceria 75% desse complemento e no terceiro ano 25%. A partir do quarto

ano, a Universidade assumiria inteiramente a remuneração de tempo integral.

Esse acordo não obteve sucesso porque a verba da Fundação, embora fosse

entregue à Universidade, chegava com grande atraso aos professores,

desmoralizando o acordo e extinguindo a confiança no sistema.

Em dezembro de 1949, César Lattes retornou ao Brasil e paraninfou a turma

de formandos da Escola Nacional de Química. Nessa ocasião, juntamente com José

Leite Lopes, teve a oportunidade de expor ao ministro João Alberto Lins de Barros

as dificuldades encontradas no Rio de Janeiro para se desenvolver a pesquisa

Científica em Física.

Dessa conversa surgiu a idéia de criar uma Instituição privada que acolhesse

a pesquisa, dando condições de trabalho aos seus integrantes, uma vez que a

Universidade Pública Federal não era capaz de fazê-lo.

Com o apoio e a colaboração financeira do ministro João Alberto, de outras

personalidades do meio científico, político e empresarial, e de entidades como o

Sindicato de Engenheiros e a Confederação Nacional das Indústrias, foi criado e

fundado o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 15 de janeiro de

194923.

Nos dois primeiros anos de atividades o CBPF passou a contar com um

espaço físico de 600 m², numa área localizada junto à Praia Vermelha, cedida pela

Universidade do Brasil. Com verba doada pelo industrial e banqueiro Mário de

Almeida, foi construído neste local um prédio de dois pavimentos. Este edifício leva o

nome de Pavilhão Mário de Almeida em sua homenagem.

Com a existência do chamado mandato universitário, vigente na então

Universidade do Brasil, o CBPF passou a atuar em conjunto com essa Instituição de

Ensino. Assim os professores da Universidade passaram a ter livre acesso aos 23 A relação de pessoas que contribuíram para a constituição do CBPF encontra-se na obra César Lattes 70 anos: A nova Física Brasileira , Rio de Janeiro, CBPF, 1944, na p. 83, no artigo: César Lattes o CBPF e a Nova Física no Brasil, de José Leite Lopes.

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laboratórios do CBPF, e os pesquisadores do CBPF, que possuíam dedicação

exclusiva, ministrariam aulas na Universidade. Desta forma, pôde-se garantir o

surgimento de novos pesquisadores para integrar seus quadros e a criação de um

programa de cursos de pós-graduação em Física, em cooperação com a

Universidade.

A partir de 1951 o CBPF passou a contar com o apoio do CNPq e com isso foi

possível manter o regime de tempo integral a seus professores, uma vez que esta

característica se fazia necessária não só para a continuidade, mas também para o

avanço de seus projetos. Foi então que os professores José Leite Lopes e Joaquim

Costa Ribeiro propuseram ao governo federal a criação da cadeira de Física Nuclear

na Faculdade Nacional de Filosofia. A proposta foi aprovada pelo Congresso

Nacional e nomeou-se o professor César Lattes como seu titular.

Nessa época, o presidente do CNPq, Almirante Álvaro Alberto, manifestava

sua preocupação quanto ao surgimento de um projeto nuclear nacional e o avanço

da pesquisa na área, pois a legislação imposta pela Comissão de Energia Atômica

dos Estados unidos exigia que os contratos firmados para o intercâmbio de

conhecimentos sobre energia nuclear entre as nações que os possuíssem fossem

cumpridos sob sua rígida vigilância.

A Comissão de Energia Atômica da ONU passou a receber propostas para

instituir acordos visando à não proliferação de armas nucleares, vindas

principalmente dos EUA e da URSS. O primeiro, interessado em conservar seu

monopólio e o segundo , com o intuito de disputar um estágio de igual poder bélico,

sobretudo da natureza atômica.

Enquanto isso, as demais grandes potências mundiais interessavam-se pelas

reservas de material radioativo espalhadas pelo mundo, pois significavam um

estoque de matéria prima. Messe período vários países já tinham conhecimento

razoável de suas reservas.

No Brasil, a primeira jazida considerável de minério de urânio foi detectada

em 1911 em Minas Gerais. As análises introdutórias de amostras minerais24 foram

24 Nesse mesmo ano em que foi descoberta essa jazida de Urânio (1911), uma amostra da policrasita brasileira figurou numa exposição em Turim na Itália, acompanhada de fotografia tirada por Luiz Caetano Ferraz. Outra amostra foi enviada à Londres em 1912. Constam análise de policrasita brasileira na obra Brasil in 1912 de

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feitas no laboratório da Escola de Minas de Ouro Preto e posteriormente pelo

Serviço Geológico e pelo Museu Nacional no Rio de Janeiro.

O grande ciclo das descobertas de urânio em Minas Gerais, entretanto,

ocorreu nos anos 20, destacando-se Djalma Guimarães, de Belo Horizonte, como

investigador de mérito. Guimarães apresentou no Congresso Internacional de Madri,

em 1928, um retrato fiel do que se conhecia sobre minérios radioativos no Brasil até

aquela data.

Na década seguinte, previa-se a existência de minérios de urânio na Bahia,

Espírito Santo e Rio de Janeiro, destacando-se em 1938 pequenas ocorrências em

São Paulo. O físico Joaquim Costa Ribeiro, da Universidade do Brasil, publicou em

1940 dois trabalhos sobre teores de minérios de urânio nos Anais da Academia

Brasileira de Ciências. No primeiro, descreveu um método de mensuração radioativa

e no segundo descreveu a aplicação desse método no estudo dos minerais

radioativos brasileiros.

Durante a Segunda Grande Guerra praticamente não foram publicados

trabalhos sobre a ocorrência de urânio no Brasil, mas em 1947 R. Argentiere

publicou no Jornal São Paulo, na edição de 23 de novembro, o artigo Minérios

Radioativos no Brasil e Sua Importância na Era Atômica.

Embora essa busca de materiais radioativos tenha-se acentuado após a

segunda década do século XX, desde 1898 os irmãos Aníbal e Diclécio Pereira

Borges já exploravam comercialmente as areias monazíticas, após terem sido

descobertas no estado do Espírito Santo, na praia de Barreiras, município de

Guaraparí.

A partir de 1900 foram publicados vários resultados de estudos científicos

sobre areias monazíticas brasileiras, como os do geólogo norte-americano,

posteriormente radicado no Brasil, Orville Adelbert Derby (1851-1915) e os de

Banner-Agassiz, Description of Quartzmonazite from Minas Gerais – results of

Banner-Agassiz Expedition of Brasil, referindo-se à existência dessas areias no

Estado de Minas Gerais.

Oakenful, publicada em Londres em 1913. Esses dados constam na obra Urânio e Tório no Brasil, de R. Argentiere, publicada em São Paulo, no mês de março de 1954, pelas edições LEP Ltda.

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Em 1903, por exemplo, tem-se a pub licação de um relatório denominado As

Areias Monazíticas, assinado por Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa, que além de citar

as localizações de depósitos destas areias nos Estados da Bahia e Espírito Santo,

menciona a possibilidade de se encontrarem as chamadas areias amarelas em

qualquer ponto das praias brasileiras, ricas em rochas cristalinas, cobertas por

sedimentos mais recentes.

Uma comissão de exploração, a qual participou o físico Henrique Morise

(1860-1930), encontrou monazita 25 no interior de Goiás. Nos anos subseqüentes foi

encontrada também em outros Estados, como Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo.

Um fato que chamou a atenção do governo brasileiro, em 1904, foi a

exportação indiscriminada de monazita. Como se tratava de um produto com pouca

exploração cientifica no Brasil, quase nada se sabia a seu respeito. Desta forma,

instituiu-se uma comissão para estudar o assunto, chefiada pelo engenheiro João

Pandiá Calógeras (1870-1934), o qual, entre os anos de 1904 e 1905, publicou – em

três volumes – o relatório denominados As Minas no Brasil e sua Legislação.

Na Alemanha, a monazita proveniente do Brasil passava por um processo de

industrialização desconhecido pelos próprios brasileiros. Somente em 1915, com a

publicação da obra Monazit, thorium and Mesothorium de K. L. Kithil, em

Washington, E.U.A., passou-se a ter algum conhecimento sobre o beneficio da

monazita, mas mesmo assim, a primeira usina de beneficiamento instalada no Brasil

surgiu em 1948, no Estado de São Paulo.

Na turbulência da política inte rnacional vivida no pós-guerra, as recém-

surgidas potências bélicas queriam ter o controle da jazidas de minérios radioativas

espalhadas pelo mundo. Os Estados Unidos da América propuseram, na época, a

internacionalização da jazidas. Com isto, o Brasil, um dos países mais ricos em

materiais desta natureza, sairia muito prejudicado, pois perderia seu direito de

propriedade sobre elas.

Durante as discussões da Comissão de Energia Atômica da ONU, em 1951, o

representante brasileiro e presidente do CNPq, Almirante Álvaro Alberto, desejoso

25 Monazita é um mineral monoclínico, amarelado. Quimicamente é um fosfato de terras raras (cério, Lantânio, Prasidímio, Neodímio), com Óxido de Tório, que se encontra disseminado em rochas eruptivas ou como produto da desagregação, misturado nas areias. Raramente se apresenta como cristais individualizados. Marie Curie enviou em 1898 o trabalho Raios Emitidos por Urânio e Tório, à Academia de Ciência de Paris, reconhecendo ser o Tório radioativo, assim como o Urânio.

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de implantar no Brasil um programa de energia atômica, lutou contra essa proposta

norte-americana.

A proposta aprovada pela Comissão de Energia Atômica da ONU foi a do

Almirante Álvaro Alberto, conservando a inviolabilidade dos depósitos de cada país e

a garantia de propriedade exclusiva de matérias-primas aos povos que as

possuíssem em seu solo.

A partir daí, surgiram as tentativas de acordo entre os países, para a troca de

matéria prima por informação tecnológica, desde que o Conselho de Energia

Atômica dos Estados Unidos pudesse exercer fiscalização permanente para a

verificação do cumprimento de seus termos. Desta forma, seria garantido o uso

exclusivo destes recursos na sociedade civil, e não para fins bélicos.

A realidade da busca de segredos envolvendo as múltiplas aplicações dos

conhecimentos acerca da energia nuclear era um fator de preocupação por parte

dos países que já dispunham de uma certa tecnologia, sobretudo na área bélica.

Para os Estados Unidos as América, tal realidade era ainda mais

preocupante, pois estava surgindo no mundo uma política de disputa quase que bi-

nacional. Era o inicio da chamada guerra fria com a URSS.

Nos primeiros anos do pós-guerra, a URSS ainda não possuía a bomba

atômica, mas não faltaria muito tempo para tê-la. Em 1949, os soviéticos lançaram

seu primeiro artefato desta espécie.

Em função deste clima político de desconfianças e incertezas, o Brasil tinha

de adequar-se praticamente com recursos próprios.

Nessa época, no entanto, estava surgindo um problema para os países que

desenvolviam em larga escala as pesquisas em energia atômica nuclear: a falta das

matérias-primas que manipulavam e industrializavam, pois em seus territórios não se

conheciam estoques naturais que pudessem supri-los. Dessa forma passaram a

procurar acordos com as nações menos fortes e pouco desenvolvidas

industrialmente, mas que possuíssem tais materiais em seus solos, uma vez que

necessitavam prosseguir no desenvolvimento dessa fonte de energia.

Foi assim que, em 20 de agosto de 1954, assinou-se um acordo entre o Brasil

e os Estados Unidos, estabelecendo a troca de tório brasileiro por trigo americano.

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Todavia, o objetivo do Almirante Álvaro Alberto era o de mudar a forma de

pagamento feita em trigo, por tecnologia nuclear e equipamentos destinados a esta

área de pesquisa.

Como os Estados Unidos não aceitaram a proposta, sempre com vista à

preservação do seu monopólio de conhecimento no campo nuclear, o almirante

tentou então iniciar um Programa Nuclear com a França e com a Alemanha. Essas

tentativas, entretanto, foram também frustradas, conservando-se a política do

segredo nuclear.

Cientificamente, tal preocupação era pertinente, pois a tecnologia para a

produção da bomba atômica é praticamente igual àquela utilizada para se produzir

uma reação nuclear controlada num reator atômico, mesmo para uso pacífico.

Sendo assim, os dados fundamentais sobre o funcionamento do processo de fissão

nuclear e o de controle da reação em cadeia não eram publicados. Os Estados

Unidos visavam firmemente a aumentar seus estoques de material radioativo, tendo

em vista as previsões sobre o esgotamento das reservas de combustíveis fósseis e

o conseqüente risco de ocorrerem crises energéticas no futuro, tornando imperativa

a utilização de energia nuclear. A política do segredo nuclear era mantida pelos

americanos, tanto com o objetivo de garantir suas próprias aplicações pacíficas,

como para conter o desenvolvimento de novas armas nucleares por outros países,

dentre os quais a URSS.

A revelação dos dados necessários para a construção de reatores nucleares

só viria a ocorrer em 1955, por ocasião da realização da Conferência Internacional

sobre Usos Pacíficos da Energia Atômica, realizada em Genebra, Suíça, que

versaria sobre a construção de reatores de potência para pesquisa e suas

aplicações de radioisótopos.

Nesta conferência houve a presença de uma delegação brasileira, chefiada

pelo General Bernardino Correia de Matos, a qual participaram diversos cientistas,

dentre eles o Prof. Joaquim da Costa Ribeiro e o Prof. Marcello Damy de Souza

Santos. O prof. José Leite Lopes acompanhou esta delegação como representante

do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e secretário científico da ONU.

Muitos foram os temas discorridos dentro do propósito da conferência,

registrando-se cerca de 1061 monografias. O grupo brasileiro apresentou 23 desses

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trabalhos, pertencentes a diversos pesquisadores, como A. Sales Fonseca, A. M.

Couceiro, Bernardino Correia de Matos, D. A. Mac Fadyen, C. V. Dutra, Djalma

Guimarães, E. Frota Pessoa, E. M. Rezende, F. J. Maffei, Joaquim da Costa Ribeiro,

José Goldenberg, K. J. Morata, Luciano Jacques de Moraes, Marcello Damy de

Souza Santos, M. G. White, Oton Henry Loenardos, P. Krumholz, S. V. Guedes e W.

O. Cruz.

Diante da realidade da época poder-se-ia estranhar o fato de os Estados

Unidos não se oporem à realização de uma conferência científica sobre este tema,

porém, tanto os norte-americanos, como os soviéticos não podiam ignorar o avanço

das pesquisas em outros países. França, Inglaterra, Alemanha, Holanda e Noruega,

já haviam conseguido desenvolver programas nucleares por conta própria.

Em se tratando do Brasil, a década de 1950 caracterizou-se como um período

de grandes decisões para o aprimoramento das investigações em Física. Não

obstante o fato de se enfatizar a área nuclear, o avanço acabava por abranger

praticamente todas as demais áreas de pesquisa.

Durante o segundo governo do presidente Getúlio Vargas, foram aprovados

importantes decretos sobre o desenvolvimento e o uso de energia atômica no Brasil.

Em 1 de dezembro de 1951, foi aprovado o decreto número 30230, regulamentando

a pesquisa e a lavra de minerais de interesse para a produção de energia atômica.

O primeiro artigo desse decreto , em seu parágrafo único determina que o CNPq

deveria instruir sobre o beneficiamento, transporte, tratamento químico, comércio e

exportação desses materiais.

A venda do urânio e tório, bem como seus compostos e minérios, passou a

ser competência da Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos, criada pelo

Decreto 30583, de 21 de fevereiro de 1952, da qual faziam parte um representante

do CNPq, outro do ministério da Agricultura, outro do Estado Maior das Forças

Armadas e outro da Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil.

Entretanto, após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, durante o breve

governo de João Café Filho (1899-1970), o Almirante Álvaro Alberto foi afastado do

CNPq e a política de energia atômica acaba sendo modificada26.

26 Em entrevista concedida a Ennio Candoti, do Instituto de Física da UFRJ, publicado na edição comemorativa dos 50 anos da SBPC, Cientistas do Brasil, p. 133, José Leite Lopes comenta que, a seu ver, a modificação da política de energia atômica no Brasil não foi positiva, pois o determinismo de Álvaro Alberto atendia aos

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Em 1955, firmou-se um documento por brasileiros e norte -americanos,

estabelecendo um pacto entre os dois governos, intitulado “Acordo Atômico Brasil –

Estados Unidos: Uso de Isótopos Radioativos na Agricultura e na Industria”. Este

acordo, que vigorou de 3 de agosto de 1955 a 2 de agosto de 1960, previa em seu

artigo VIII a entrega de todos os elementos com combustíveis nucleares arrendados

pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos em lugar indicado pela

mesma, às custas do governo brasileiro, assim que se expirasse este prazo de

vigência.

Dias depois da assinatura desse acordo, foi firmado entre esses dois países

um outro contrato, para reconhecimento e investigação do urânio no Brasil, com a

finalidade de estimar e avaliar esse recurso natural. Tal contrato, estabelecido para

viger por dois anos, previa em seu artigo III que o Brasil estaria disposto a fornecer

Urânio aos Estados Unidos, caso fossem encontrados depósitos desse elemento

com possibilidade de serem explorados comercialmente.

Esses dois acordos firmados em 1955 fizeram parte de um programa

intitulado “Átomo para a Paz”, quando os Estados Unidos cederam ao Brasil um

reator atômico que operava o urânio enriquecido em 30% e moderado com água

comum.

No ano seguinte, já na gestão do novo presidente da república, Fr. Juscelino

Kubitschek de Oliveira (1902-1976), foi assinado o decreto número 39872, de 31 de

agosto de 1956, criando em São Paulo, numa área cedida pela USP, o Instituto de

Energia Atômica (IEA).

Esse Instituto teria por objetivo desenvolver pesquisas sobre a energia

atômica para fins pacíficos; produzir radioisótopos; contribuir para a formação de

cientistas e técnicos provenientes de várias unidades da federação no ramo da

Física Nuclear e de suas respectivas tecnologias; e estabelecer bases, dados

construtivos e protótipos de reatores destinados ao aproveitamento da energia

atômica para fins industriais, de acordo com as necessidades do país.

A instalação do reator atômico no IEA, pela firma norte-americana Babcoc-

Wilknox, foi feita sob orientação e acompanhamento do Prof. Marcello Damy de

interesses nacionais, enquanto que “a nova política limitava-se à assinatura de acordos com países estrangeiros, principalmente os Estados Unidos, para a importação de reatores e equipamentos já prontos”.

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Souza Santos, o primeiro físico brasileiro a se dedicar à Física Nuclear

Experimental27.

Os trabalhos de instalação deste reator desenvolveram-se de forma

espetacular, proporcionando seu início de funcionamento em 30 de agosto de 1957,

estabelecendo desta forma um tempo recorde para tarefas desta natureza. Foi o

primeiro reator do Programa Átomos pela Paz a ser colocado em uso, inaugurado

oficialmente em 25 de janeiro de 1958, pelo presidente da república Dr. Juscelino

Kubitschek de Oliveira.

A capacidade dos físicos e engenheiros brasileiros era notória. Para tanto,

basta dizer que nesta mesma época estava sendo preparado um reator semelhante,

em Michigan, nos EUA e que sua inauguração se deu somente em 1961. A equipe

de técnicos e cientistas responsáveis por essa empreitada não conseguia resolver

os problemas surgidos na concretagem para isolamento radioativo.

A equipe brasileira, chefiada pelo Prof. Marcello Damy, conseguiu isolar

perfeitamente o meio-ambiente da radiação do núcleo do reator, através de concreto

com barita, retirada do Paraná, no lugar de pedra britada, num processo inédito no

Brasil, para essa época. Esse concreto com barita foi depositado sobre uma base

aço soldada na forma de piscina, garantindo assim o isolamento.

O trabalho desenvolvido em São Paulo transcorreu por etapas, algumas das

quais concomitantes entre si, devido à inexistência de um projeto inicial global. Para

cada parte a ser erguida havia um projeto específico.

Projetou-se e construiu o porão para as máquinas de circulação de água e

medição de quantidade de calor, enquanto projetava-se o primeiro pavimento para o

alojamento do material radioativo, sala de rádio-química e laboratórios. No mesmo

ritmo foram construídos o segundo e o terceiro pavimentos. Enfim, existia, de certa

forma, uma maneira singular de se fazer ciência no Brasil.

Ainda na década de cinqüenta, houve um incentivo destacável no tocante à

vinda de pesquisadores estrangeiros ao Brasil. A visita e permanência de físicos

estrangeiros nas Universidades brasileiras, além de abrir oportunidades para

27 Na série Depoimentos, publicada pelo IPEN em São Paulo – 1994 – Vol. 1, o Prof. Marcello Damy esclarece que o IEA foi equipado de forma a atender todas as linhas de pesquisa necessárias para que o Brasil pudesse desenvolver o seu programa nuclear de forma independente. Em 1956 havia dados nucleares ainda considerados secretos.

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estudantes brasileiros estagiarem em grandes centros de pesquisas no Exterior,

propiciaram a criação de ambiente fértil para o desenvolvimento de grupos de

pesquisa em Física, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Com isso, levou-

se à formação um bom número de novos pesquisadores. A partir de 1960 formaram-

se novos núcleos de pesquisa e ensino de Física em São Paulo, Rio de Janeiro e

outros Estados, como por exemplo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Entretanto, paralelamente aos fatos, as características dos países que

dispões de uma cultura científica secular fazem uma significativa diferença para o

desenvolvimento de pesquisa científica. Num país em desenvolvimento, como é o

caso do Brasil, com freqüentes instabilidades políticas e sociais, torna-se difícil a

manutenção de projetos de longo prazo. A cada mudança de governo, está-se

sujeito à alteração nos planos de trabalho, tanto no tocante a verbas, como nos

próprios objetivos dos projetos.

No governo do Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, por exemplo, um dos

grandes problemas citados para justificar a centralização do desenvolvimento

cultural, científico e econômico na faixa litorânea do território nacional e sobretudo

na região centro-sul, era o da escassa existência de pólos atrativos no interior do

país.

Desta forma, estruturou-se a construção de uma nova capital, numa área

praticamente eqüidistante dos pontos extremos das fronteiras nacionais. Porém,

mesmo após a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, o governo

Juscelino, como fora chamado, encerrava-se com grandes desequilíbrios regionais,

pois os investimentos de porte continuavam a se concentrar na região sudeste, além

de deixar a nação no convívio de uma séria crise econômica, registrando para a

época altos índices de inflação.

O sucessor do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, o Dr. Jânio da

Silva Quadros (1917-1992), na tentativa de conter a inflação, congelou salários,

retirou subsídios a determinados produtos e tentou estabelecer relações comerciais

com países socialistas, mesmo estando ciente da política internacional que envolvia

estes países, a chamada guerra-fria entre as superpotências.

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Alvo de críticas, devido principalmente à política externa adotada, Jânio

renunciou em 25 de agosto de 1961, após ter enviado uma carta ao Congresso

Nacional.

O então vice-presidente da república, Dr. João Belchior Marques Goulart

(1918-1976), tomou posse, após a aprovação pelo Congresso Nacional de uma

Emenda Constitucional que estabelecia o regime parlamentarista, restringindo os

poderes do novo presidente. A experiência parlamentarista, no entanto, vigorou

apenas de setembro de 1961 a janeiro de 1963, quando por meio de um plebiscito

popular restituiu-se à nação o regime presidencialista de governo.

Contudo, tais medidas não evitariam o agravamento da crise política que

estava por vir e, por conseguinte, seu mau reflexo nas diversas frentes de pesquisa

científica brasileira. Em face a exacerbação da crise econômico-social, mediante o

aumento do índice de inflação e da escassez de recursos, os Institutos de pesquisa

foram seriamente atingidos em seus orçamentos financeiros. As verbas que vinham

sendo a eles destinadas não foram reajustadas para acompanhar o ritmo

inflacionário, tornando-se difícil, desta forma, manter o regime de dedicação

exclusiva dos pesquisadores, vigente num bom número de Universidades..

O CBPF, por exemplo, após quatorze anos de trabalho, encontrava-se em

1963 com uma equipe de vinte físicos, sendo cinco deles professores titulares,

trabalhando para a formação de novos profissionais docentes e pesquisadores em

Física. Mas a inadequação aos níveis de inflação e o não reajuste do orçamento,

também nesta Instituição tornaram inviável a manutenção do tempo integral dos

membros dessa equipe. O grupo praticamente dissolveu-se, transferindo-se quase

por completo para o exterior28.

28 O Físico paulista Herch Moisés Nussenzveig apresentou no primeiro Congresso Latino-americano de Física em Oaxtepec, México, realizado de 29 de julho a 3 de agosto de 1968 o trabalho Êxodo de Cientistas: Suas Causas e Possíveis Soluções, comentando sobre esse período: “No Brasil, o primeiro êxodo de cientistas na escala pronunciada deu-se durante o governo Goulart. Foi a época em que a inflação anual chegou a 100%. Em vários institutos os orçamentos não foram reajustados para acompanhar, sequer de longe, esse ritmo inflacionário, sofrendo reduções vultosas em anos sucessivos. Tornou-se impossível manter a dedicação exclusiva ou tempo integral, o que levou à dissolução de vários grupos de pesquisa. ... A repercussão no país, inclusive nas Universidades e no Conselho Nacional de Pesquisas foi praticamente nula. Ao governo Goulart, que assistiu passivamente à destruição de institutos científicos, sucedeu o governo Castelo Branco que decidiu tomar parte ativa na mesmo. A falta de respeito ao trabalho científico se manifestou através de um elemento novo: as perseguições políticas” (Homem – Ciência – Tecnologia, São Paulo, Ed. Paz\ e Terra, ano 2, número 8, 1968, p. 118 e 119).

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O agravamento da crise nacional fazia sentir com greves e agitações

lideradas por sindicatos e partidos chamados de esquerda. Surgiram paralelamente

associações ditas de direita, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD)

e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) que apoiados pelos Estados

Unidos, passaram a pressionar contra o governo o Congresso Nacional, as Forças

Armadas, os meio de comunicação e a Igreja.

Nesta agitada situação, diversas outras manifestações sucederam-se,

havendo um duro estanque na noite de 31 de março de 1964, quando os militares

tomaram conta do governo, depondo o presidente João Goulart e puseram fim à

fase de democracia populista. O país passou, então, a ser administrado por uma

junta formada pela liderança das três armas brasileiras. Logo em seguida, foi

assinado o Ato Institucional número 1, dando ao Poder Executivo autonomia,

durante alguns meses, para cassar mandatos e direitos políticos, ou decretar estado

de sítio, independente do Congresso.

Alguns dias após a destituição do governo João Goulart, o Congresso

Nacional elegeu por voto indireto, sob orientação das Forças Armadas, o vigésimo

presidente do Brasil. Em 11 de abril de 1964, tomou posse na Presidência da

República o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1900-1967).

Uma das primeiras medidas administrativas do novo governo ocorreu no

âmbito da política externa, através da restauração do sistema de parceria com o

governo norte-americano, que qual recebeu pronto reconhecimento.

Com base no Ato Institucional número 1, o governo Castelo Branco promoveu

cassações e prisões de pessoas tidas como comunistas, subversivas ou mesmo

ligadas ao governo anterior. Houve perseguições também nas Universidades e

Institutos de pesquisa, com a instalação de comissões militares em suas

dependências. Físicos e outros cientistas foram submetidos a interrogatórios, sem

nenhum argumento prévio, sendo efetuadas várias prisões e demissões29.

29 No mesmo trabalho de Nussenzveig citado na nota anterior, o autor comenta na p. 119 que “cientistas na sua maioria inteiramente alheios à política foram vitimas de interrogatórios e prisão. Vários foram demitidos de seus lugares. “colegas”, a quem a presença de um pesquis ador sempre fora incômoda, se apressaram a denunciá-los como subversivos. Em diversos institutos o clima de suspeita e delação, acompanhado de intervenção de elementos militares anticientíficos com o apoio governamental, tornou impossível a continuação de atividades de pesquisa. Em conseqüência inúmeros cientistas deixaram o país.”

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Uma das primeiras Universidades a ser observada pelo novo governo e sofrer

uma intervenção Federal foi a Universidade de Brasília.

Esta Universidade, criada em 1962 sob um plano de trabalho do Prof. Darcy

Ribeiro (1922-1997), o qual viria a ser o primeiro reitor, foi desenvolvida sob uma

visão de vanguarda, tendo seus institutos sido idealizados como esruturas-modelo.

O físico brasileiro Prof. Roberto Antonio Salmeron, que na época trabalhava no

Laboratoire Europeen de Physique des Particules (CERN), em Genebra, Suiça, foi

convidado para coordenar os institutos científicos, mas esses não passaram do

período inicial de instalação. Com a decretação da intervenção da Universidade pelo

presidente Castelo Branco, seu Campus foi invadido por militares e as metas iniciais

totalmente frustradas. A repressão imposta a essa Universidade violou sua própria

autonomia.

Em 1965, a quase totalidade dos professores e assistentes pediu demissão. A

maioria de seus intelectuais e cientistas se mudou para outros países da América

Latina, Europa e estados unidos, inclusive o Prof. Roberto Salmeron, que viu

malogrado o plano de permanecer em sua pátria; retornou à Europa e lá fixou-se

novamente.

A cada decisão política do governo militar esfriava-se o ânimo daqueles que

ainda sonhavam com a possibilidade de um breve restabelecimento da democracia e

a conseqüente liberdade de expressão e retomada do desenvolvimento científico do

país, ou seja, à medida que eram assinados novos Atos Institucionais o sistema

político se fechava cada vez mais. O A.I.2 estabeleceu que a presidência continuaria

a ter poderes para cassar mandatos e direitos políticos; a próxima eleição

presidencial seria indireta e os partidos existentes, substituídos por apenas dois: o

do governo, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o partido das oposições o

Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

Não tardou muito e outras decisões contundentes foram tomadas e

publicadas com poderes de lei, através dos demais atos institucionais que se

sucederam. O Ato Institucional número 3, estabeleceu que os governadores também

seriam eleitos pelo voto indireto. Pelo Ato Institucional número 4, o governo elaborou

uma nova Constituição, promulgando-a em janeiro de 1967, a qual trazia em seus

artigos uma concentração ainda maior de poder governista nas mãos do executivo

federal. O poder dos Estados fora reduzido, limitando-se a decisões que não só os

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mantinham sob a tutela da Presidência da república, como também colocavam-se

como coadjuvantes do sistema em vigor.

Em 03 de outubro de 1966, foi eleito pelo Congresso Nacional o 21º

Presidente da República, o Marechal Artur Costa e Silva (1902-1969), tendo sido

empossado em 15 de março de 1967.

O início de seu governo foi marcado por um certo afrouxamento da então

“linha dura”; realizaram-se diversas manifestações públicas contra a repressão

inaugurada no país e ocorreram diversas contestações. O ano de 1968 ficaria

marcado pelas grandes manifestações estudantis em todo o país e sobretudo em

São Paulo.

Diante desta situação, o governo, numa ação extrema, recrudesceu o

autoritarismo e, em 13 de dezembro de 1968, apoiado pelas forças armadas fechou

o Congresso e promulgou o Ato Institucional número 5. Por meio deste novo ato,

reitera-se o poder da presidência para a decretação de estado de sítio, cassação de

mandatos e suspensão de direitos públicos, podendo, ainda, intervir nos Estados e

Municípios.

Aliada aos problemas ideológicos, que o governo utilizava como pretexto para

a repressão e argumentação sobre o divulgado restabelecimento da ordem

nacional, houve a estagnação nos grandes centros de ensino e de pesquisa do país,

pois foram muitas as pessoas que neles trabalhavam e foram imputadas por

diversas razões. Neste rol encontravam-se vários físicos, como os professores

Marcello Damy de Souza Santos, Mário Schenberg e Ernest Hamburger da

Universidade de São Paulo; e o Prof. José Leite Lopes, da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, dentre outros.

O Prof. Marcello Damy foi afastado de toda a atividade nuclear no Brasil; o

Prof. Schenberg foi preso durante dois meses, em 1964, e afastado

compulsoriamente de suas funções em 1969; o Prof. Hamburger foi preso em 1970 e

o Prof. Leite Lopes, além de ter sido aposentado compulsoriamente, por um decreto

governamental, foi demitido do CBPF por portaria do presidente desse centro.

O Prof. José Leite Lopes, em particular, viajou para o exterior e retornaria

temporariamente ao Brasil somente em 1981, voltando em definitivo no ano de 1986,

para dirigir o CBPF.

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As medidas tomadas contra estes professores, além de inibirem o debate

cultural nas Universidades e o desenvolvimento das pesquisas, dificultaram a

divulgação dos poucos resultados que, apesar de tudo, ainda se conseguiam. Não

foram poucas as publicações efetuadas no Exterior para evitarem-se problemas na

própria Instituição.

Apesar da situação acadêmica docente que envolvia as Universidades

Brasileiras e do clima de incertezas no meio estudantil, o governo militar, todavia,

não se manteve alienado aos fatos, mesmo porque ocorria nessa época uma grande

movimentação de estudantes na Europa, a qual também marcaria a história. Para

tanto, iniciou-se em 1968 uma ampla reforma do sistema universitário no país.

Esta reforma universitária, adequada ao momento público que se vivia, trazia

consigo a ênfase na pós-graduação, implantada na forma sistemática em 1965,

através do Parecer 977/65, do Conselho Federal de Educação, de autoria de

Newton Sucupira, inspirado no modelo vigente nos estados Unidos da América.

Essa ênfase deu-se com a reestruturação da carreira docente que visava

oficialmente à formação específica de professores universitários e à elevação da

qualidade do ensino superior.

Mesmo assim, a Universidade Brasileira carecia de um modelo próprio para a

pesquisa, em especial na Física.

Contudo, atingiu-se o ano de 1970 com uma nova perspectiva para o ensino

no Brasil, desde o básico regular e técnico, com a implantação dos exames

vestibulares classificatórios para o ingresso na Universidade, até a expansão das

escolas superiores particulares. No ano seguinte , seria promulgada uma nova lei de

diretrizes da educação, a 5692/71, que alteraria sobremaneira todo o ensino no país.

A pós-graduação, por sua vez, ainda estava restrita a poucas instituições,

como a Universidade de São Paulo, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA –

São José dos Campos) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O que se vê, no entanto é o fato da atividade científica no Brasil, assim como

nos demais países em desenvolvimento, depender diretamente da problemática

Gerald a nação. Com isso cria-se uma série de inconvenientes. Num plano

idealizado, diríamos que a Ciência deveria ser independente e a capacidade e

criatividade dos cientistas, respeitada.

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Paralelamente à pesquisa aplicada e à política científica, deveria sobreviver e

evoluir a pesquisa básica, cujo objetivo imediato é conhecer a natureza e o homem,

procurando compreender, respectivamente, seus fenômenos e comportamentos.

A pesquisa aplicada visaria ao desenvolvimento tecnológico, a política

científica refletiria a estratégia do governo na utilização do conhecimento científico

para o desenvolvimento em áreas de interesse e a pesquisa básica teria uma

importância fundamental para a atividade científica no país como um todo, por gerar

novos pesquisadores, além de proporcionar a evolução da educação científica e o

avanço do conhecimento nas demais áreas.

É interessante mencionar que no Brasil praticam-se pesquisas de toda

espécie, porém, temos a observar, em particular, o fato de que no início do século

XX a pesquisa aplicada correspondia à realidade nacional, como por exemplo, o

controle da peste, da febre amarela e de outras doenças tropicais; a defesa contra

pragas na agropecuária e a defesa contra picadas de cobras e insetos venenosos,

eram desenvolvidas no Instituto Biológico e Instituto Butantã em São Paulo.

Entretanto, no transcorrer dos anos, a não ser os trabalhos de pesquisa

científica básica, a pesquisa aplicada deixou de priorizar as necessidades da nação;

desviou-se boa parte das atenções para trabalhos que satisfaziam padrões

internacionais, contribuindo na maioria das vezes para o avanço de países

desenvolvidos e não necessariamente do próprio Brasil30.

Os primeiros programas oficiais de pós-graduação foram criados segundo os

padrões norte-americanos, criticados por valorizar a conquista do título, muitas

vezes em detrimento da própria pesquisa. Até então, algumas Universidades

Brasileiras, como a Universidade de São Paulo, concediam os graus de mestrado e

doutorado como partes da carreira acadêmica, após determinado período de estudo

independente do professor-pesquisador.

30 O Prof. Mário Schenberg, em 1982 fez uma palestra no Salão Nobre do Observatório Nacional, que gerou o texto A formação da mentalidade científica, publicado na revista Estudos Avançados, volume 12, de 1991, em que comenta, na p. 131 “o desenvolvimento de um espírito científico brasileiro sadio é muito importante. Pode ser mesmo uma questão de sobrevivência. É preciso estimular o desenvolvimento de grupos de pessoas que sejam capazes de enfrentar realisticamente os problemas sem copiar o que se faz em outros países. Nem sempre a cópia é adaptável ao Brasil.”

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A implantação do sistema norte-americano fez surgir os processos de

credenciamento, impostos pelo Conselho Federal de Educação, estabelecendo um

número mínimo de professores-doutor nos programas.

A necessidade imposta de publicarem-se os resultados dos trabalhos de

pesquisa no exterior forçou os pesquisadores a cumprirem os padrões

internacionais, muitas vezes partindo já da escolha do próprio tema de pesquisa,

quase sempre segundo o que se fazia no exterior, e não segundo as necessidades

do próprio país.

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2. PERFIL BIOGRÁFICO DE MARCELLO DAMY DE SOUZA SANTOS

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Figura 1•

Figura 2•

• Figura 1, Prof. Marcelo Damy e esposa Srª Lucia Toledo de Souza Santos em sua residência em Dezembro de 2005. • Figura 2, Prof. Marcelo Damy e Prof. Ubiratan D’Ambrosio num encontro em sua residência em Janeiro de 2006

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2.1. EXPERIÊNCIAS ANTES DA GRADUAÇÃO.

Nascido aos 14 de junho de 1914 em Campinas/SP, fez sua primeira

experiência ao pegar um fio de cabelo de sua Avó, desengordurá-lo com éter e fazer

um Higrômetro como tinha visto no “tesouro da juventude”, nesta época estava no

terceiro ano ginasial.

Fritz Kuhn, alemão, também residente em Campinas começou a construir

rádios. Marcello Damy por volta de 1928/1930 passou a freqüentar a oficina do

alemão e devido o seu interesse seus pais começaram a importar os kits, surgiram

então os primeiros rádios construídos por ele. Segundo o Prof. Marcello Damy os

rádios eram primitivos, necessitavam de antenas enormes de 30 a 40 metros de

comprimento que eram colocadas na frente ou em cima da casa, assim todos os

vizinhos sabiam quem tinha rádio e então em dia de futebol, os vizinhos batiam em

sua casa para ouvir a partida.

Em 1930, seu pai que era do “PRP” Partido Republicano Paulista e Tenente

da reserva, foi encarregado da convocação dos reservistas para enfrentar a

revolução, mas ninguém apareceu. Acabando a revolução, puseram fogo em tudo

que era de seu pai, inclusive a casa.

Partiram para Ribeirão Preto e depois para São Paulo. Com seu pai aprendeu

o francês e o inglês.

Em São Paulo,1931, fez o quinto ano ginasial no colégio do Estado no

período da manhã, a tarde trabalhava entregando escrituras para um cartório e a

noite em casa montou uma oficina e começou a consertar rádios, ficando conhecido

como “consertador de rádios” e alternava dando aulas particulares aos colegas.

Foi Capitão do corpo técnico na Revolução Constitucionalista de 1932,

tomava conta da produção de granadas para morteiros cilíndricos, na Escola

Politécnica. Por isso sua formação é meio bélica.

Em 1933, ingressou na Escola Politécnica e neste período ganhou muito

dinheiro com eletrônica e aulas particulares.

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2.2. A VIDA ACADÊMICA.

“Eu tinha feito vestibular na Politécnica. Naquele tempo os professores gostavam muito de estudar e demonstrar os aparelhos comerciais que eles podiam comprar de modo que foi muito divertido e agradável”.

Marcello Damy (Dez/2005)

Com o surgimento da física em São Paulo vieram os professores Gleb

Wataghin que era físico teórico e Occhialini que era físico experimental.

No segundo ano em 1934, Gleb Wataghin foi dar aulas de Física na

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, as seções de Física e Química

funcionavam na Escola Politécnica. O professor Marcello Damy de Souza Santos foi

aluno do professor Gleb Wataghin na Física e de Luigi Fontappie em Matemática.

Trabalhava-se muito todos os dias, justificando o grande progresso da física

em São Paulo.

Aprendeu o italiano, pois os professores contratados eram de fora, em 1935

juntamente com Occhialini, foi ao Rio de Janeiro encontrar com Gross que havia

demonstrado no lago Leman que a radiação cósmica penetrava 1500 m na água.

Formou-se Bacharel em Física pela USP, na primeira turma em 1936. Seus

companheiros de equipe eram Mário Schemberg, Fernando Furquim, Cândido da

Silva Dias e Benedito Casttruci.

A mudança da Escola Politécnica para Rua Três Rios, por conflitos devido a

introdução de um novo curso revolucionário para a época e a revolta de professores

antigos e de alunos com dificuldade em italiano.

Já no sótão da Escola Politécnica, na Rua Três Rios, Gleb Wataghin começou

as primeiras experiências para mediar os níveis de radiação em São Paulo,

juntamente com sua equipe que eram assistentes da Universidade. Wataghin

escolheu o tema raios cósmicos, que era o mais discutido da época e foi descoberto

por C. T. R. Wilson na Inglaterra e as observações eram feitas com câmaras de

ionização.

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Mesmo no sótão da Politécnica Wataghin conseguiu um grupo para tempo

integral. O relacionamento de Wataghin com Mario Schemberg, Paulus Pompéia e

Marcello Damy era muito bom. Na equipe não se permitiam discussões políticas, a

convivência era de um mundo puramente científico, a ciência era a única

preocupação.

O professor Marcello Damy de Souza Santos aprendeu a soprar vidros e fazer

resistências elevadas para superar as limitações instrumentais da época. Foi para

Inglaterra pelo Britisch Council e Schemberg para os Estados Unidos pela Fundação

Rockefeller.

Segundo o Prof. Marcello Damy31, a montagem, criação e adaptação de

aparelhos e equipamentos no início de sua carreira foi constante e que continua

desenvolvendo aparelhos e equipamentos até hoje e que em geral, numa pesquisa

procura-se alguma coisa não muito conhecida. Sem equipamentos adequados para

observá-la têm-se que adaptar, modificar os equipamentos que existem ou até

mesmo criar outros aparelhos, para que possamos enxergar e compreender bem o

que está acontecendo. De modo que foi muito divertido para ele trabalhar desta

forma. Disse também que na medida em que a pessoa vai trabalhando, descobre

novas maneiras de montar, encontrar novos aspectos não cogitados que são na sua

maioria de grande relevância e que a atividade de pesquisa é algo que os outros

também estão procurando, são os problemas atuais, são daquele momento “quando

ensinamos aos outros, o que está sendo ensinado já foi pesquisado pelo mundo

inteiro, existindo uma diferença de 10 a 20 anos entre a pesquisa em laboratório e a

sala de aula, de modo que essa diferença de fase custa a ser vencia”.

Estudou em Cambridge com 24 anos na época, com o trabalho de verificar

se existiam mésons nos chuveiros de raios cósmicos. De volta e com a tecnologia do

circuito multivibrador, criado pela sua equipe, foi feita em São Paulo a descoberta

dos chuveiros penetrantes.

Depois da publicação da descoberta dos chuveiros penetrantes em 1940,

César Lattes, Oscar Sala, André Wataghin, George Schawachein e João Alberto

Meyer continuaram com Wataghin. Essas novas descobertas com chuveiros de raios

cósmicos foram possíveis graças ao aparelho desenvolvido pelo professor Marcello

31 Entrevista com Prof. Marcello Damy em dezembro de 2005 em sua residência.

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Damy, quando esteve em Cambridge, na Inglaterra. Tinha construído o aparelho e

ao iniciar as pesquisas surgiu a guerra, então o laboratório fechou, o aparelho ficou

parado, mas o conselho britânico e o laboratório doaram o aparelho para a USP.

Voltando ao Brasil, o professor Marcello Damy trouxe o aparelho numa caixa

de aço, o transporte até o Brasil foi tudo bem, mas chegando na alfândega do Rio de

Janeiro, na vistoria as bagagens dos brasileiros desceram, o inspetor quando foi

olhar o aparelho, verificou que no mesmo haviam algumas válvulas de rádio, então

disse que o aparelho era um transmissor de rádio e que o professor Marcello Damy

estava preso. O aparelho ficou cerca de dois meses preso na alfândega, até provar

que o aparelho não transmitia nada, porque não tinha bobina de transmissão.

Após a liberação do aparelho, o mesmo foi utilizado para medir os chuveiros

penetrantes e após a publicação dos resultados os professores Marcello Damy de

Souza Santos e Paulus Pompéia foram trabalhar para a Marinha no

desenvolvimento de um sonar para captar a presença de submarinos alemães.

Em maio de 1941, sai com data de abril o volume de lançamento da revista

CLIMA, em que o professor Marcello Damy ficou responsável pela parte científica.

Foram num total de dezesseis volumes de 1941 a 1944.

Com a criação do contador Gêiger-Mülher após 1925, novos trabalhos

começaram a ser desenvolvidos e em 1936, já se faziam contadores que

funcionavam muito bem para a época e a maior dificuldade era a parte eletrônica

que no Brasil não era ensinada em lugar nenhum, foi quando recebeu duras críticas

por começar a ensinar eletrônica na Faculdade.

Segundo o Prof. Marcello Damy, era uma coisa engraçada, pois, havia um

certo desprezo na ordem dos fenômenos, eles achavam que uma coisa que já era

conhecida pela indústria, eram coisas para moleques aprenderem. Mas quando veio

a guerra, precisaram dos moleques “eu conseguia fazer uma série de coisas que

para eles eram impossível”.

Em 1945, terminou os trabalhos para Marinha e ele foi com Wataghin aos

Estados Unidos para escolher um acelerador de partículas, pois a Fundação

Rockefeller em reconhecimento à contribuição essencial das pesquisas em Física e

principalmente dos trabalhos para Marinha doou U$ 75.000,00 (Setenta e Cinco Mil

Dólares) para montar um acelerador de partículas no Brasil. Com a colaboração da

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Fundação Rockefeller e do College de France, juntamente com a vinda de Arthur

Compton (1892–1962) prêmio Nobel de 1927 e sua equipe, foi feito o estudo da

radiação cósmica do eclipse do sol, a primeira evidência de uma corrente de íons a

grandes distâncias, conhecida como a camada de Van Allen muitos anos depois.

Voltou ao Departamento de Física, entre 1945 e 1951, montou o Bétatron,

que começou a funcionar no dia 1º de maio de 1951. O professor Marcello Damy

ficou na USP até 1956.

Casou-se em 1947 com Lúcia Toledo de Souza Santos.

Foi responsável pelo IEA – Instituto de Energia Atômica “hoje IPEN – Instituto

de Pesquisas Energéticas e Nucleares”, de agosto de 1956 até 1961, quando então

foi nomeado presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, afastou-

se após a renúncia do Presidente Jânio da Silva Quadros e foi reconduzido ao cargo

pelo então Presidente João Goulart e após o afastamento do então presidente voltou

ao IEA, saindo em 1968.

Em 1955, juntamente com Costa Ribeiro, Cintra do Prado, Leite Lopes,

Goldenberg seu assistente na USP, foram chamados para escolher o tipo de reator

que seria montado em São Paulo, embasados no programa Átomos para Paz.

Tinham estado na conferência de Genebra, que pela primeira vez foi aberto ao

público grande parte dos segredos nucleares. Sendo assim foram elaboradas as

características do reator, a escolha foi um reator tipo piscina, mais barato, mais

seguro, produzia alto fluxo com pequena quantidade de urânio e segundo o

professor Marcello Damy nenhum reator deste tipo explodiu até hoje.

Procurado pelo professor Zéferino Vaz, em 1966, para criar o Instituto de

Física da Unicamp, foram definidas três linhas de pesquisas, para altas energias

convidou César Lattes, no estado sólido convidou Sérgio Porto e na Física Nuclear

Aplicada ficou com o próprio professor Marcello Damy.

O professor Marcello Damy, foi também testemunha do nascimento da bomba

atômica. Num seminário em Cambridge em setembro de 1939, foram apresentados

trabalhos sobre fissão nuclear, que poderia ser uma nova fonte de energia muito

grande; foi afirmado que aquilo poderia produzir um super-explosivo. Um dos lados

tentou provar que isto não funcionaria e todos se convenceram que fazer uma

bomba com aquilo não teria sentido. Mas curiosamente depois de analisado e

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estudado a história do Projeto Manhattam, verificou-se que alguns presente à

reunião já sabiam dessa possibilidade e estavam trabalhando no assunto, mas

precisavam desencorajar ao alemães.

Segundo o professor Marcello Damy, a resistência da alternativa para o

problema energético seria a energia atômica, mas a propaganda feita pelos EUA

que se supunham detentores dos segredos da energia atômica para fins militares e

energéticos, depararam-se com as bombas soviética, chinesa, inglesa e francesa,

perceberam que não detinham segredo algum. Então para resolver o problema

reuniram os países produtores de urânio com exceção da Índia, formando um grupo,

desencorajando qualquer país a desenvolver energia atômica mesmo para fins

pacíficos, usando também o pretexto que essa tecnologia é a mesma para fins

militares. Afirma o professor Marcello Damy: “É fácil confundir o leigo, dizendo que

a energia Atômica é perigosa, que mata gente, etc. Na realidade, ela cura câncer,

promove grandes progressos na medicina, na indústria e na física, e pode gerar

energia elétrica a preço de custo competitivo com grande parte dos métodos

convencionais, e sem os prejuízos à ecologia. Dos trabalhos com energia atômica é

que nasceram o transistor e o laser. De modo que a idéia é manter o país

subdesenvolvido, como um mero fornecedor de matéria-prima”.

Segundo o professor Marcello Damy antes da segunda guerra mundial havia

total liberdade de intercâmbio científico e os cientistas trabalhavam em descobertas

novas, fazendo ciência pela ciência, por este motivo a construção do sonar não foi

patenteada.

Essa situação alterou-se depois de 1945, pós-Segunda Guerra Mundial

porque a segunda guerra foi ganha basicamente pelos físicos, mostrando que a

pesquisa pode ter uma série de conseqüências e interesses industriais, surgindo

então o hábito de patentes, hoje inclusas nos órgão de financiamentos nacionais e

internacionais.

Afirma o professor Marcello Damy que isto desvirtuou completamente a

pesquisa na física e em outras ciências, porque o pesquisador ficou preocupado

com os benefícios futuros. Um dos males da USP e ainda mais intenso na UNICAMP

foi a permissão dos professores trabalharem para indústria recebendo um adicional.

No final, o pesquisador acabou trabalhando para grandes empresas estrangeiras,

isto foi e é um modo de sabotar nosso desenvolvimento científico. O plano de

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competitividade industrial, o qual o governo oferece empréstimo às indústrias que

financiam pesquisas nas Universidades e instituições de pesquisa é uma crítica ao

Governo brasileiro do professor Marcello Damy.

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2.3. A VIDA PROFISSIONAL.

2.3.1. Formação Acadêmica.

O professor Marcello Damy graduou-se em Física em 1936 na primeira turma

formada pela Universidade de São Paulo – USP; e em 1953, doutorou-se em Física

por esta mesma Universidade, sua tese teve como título Dispositivo de Controle de

Energia para Aceleradores de Partículas à Indução Magnética, seu orientador foi o

Prof. Gleb Wataghin e a área de conhecimento foi a de aceleradores de partículas

Bétatron.

Na Universidade de Illinois nos Estado unidos, como bolsista da Fundação

Rockefeller, Pós-doutorou-se em 1956, o trabalho desenvolvido foi com Reações

Nucleares e Espalhamento Geral, Métodos Experimentais e Instrumentação para

Partículas Elementares e Física Nuclear.

2.3.2. Atuação Profissional/Títulos

Segundo o Prof. Marcello Damy pesquisa é alguma coisa que os outros

também estão procurando, são os problemas atuais daquele momento 32.

O Prof. Marcello Damy iniciou suas atividades profissionais como professor

assistente, passando à professor catedrático e diretor de unidade da Universidade

de São Paulo – USP. Como professor ministrou aulas de Mecânica Racional, Física

para Ciências Naturais, Física Geral e Experimental, Física Atômica e Física

Nuclear.

Suas pesquisas foram direcionadas à aceleradores de partículas, reações

nucleares, desintegração radioativa, instrumentação nuclear, detectores de radiação

e energia atômica e nuclear.

32 Trecho de entrevista com o Prof. Marcello Damy em dezembro de 2005 em sua residência.

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Pelo empenho e esforço dedicados à esta instituição , recebeu o título de

Professor Emérito de Física do IF /USP, Prêmio Nami Jafet para Ciências e o Prêmio

Wanderley de Física, da Escola Politécnica33.

Na Universidade de Campinas – UNICAMP, foi diretor do Instituto de Física

Gleb Wataghin e do Departamento de Física Aplicada; foi professor da disciplina de

Física Nuclear e seguiu nas pesquisas com detectores de radiação e instrumentação

nuclear.

O Prof. Marcello Damy foi vice-diretor do Centro de Ciências Matemáticas,

Físicas e Tecnológicas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

Também foi membro do colegiado superior e coordenador geral da pós-graduação.

Segundo o Prof. Luiz Carlos de Campos atual diretor do Centro de Ciências

Matemáticas, Físicas e Tecnológicas, o Prof. Marcello Damy foi o precursor da pós-

graduação na PUC.

Após a criação do CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear. Da qual

foi diretor, criou o IEA – Instituto de Energia Nuclear, hoje IPEN – Instituto de

Pesquisas Energéticas e Nucleares, do qual foi seu primeiro diretor. Os trabalhos

desenvolvidos neste instituto foram no Departamento de Física Nuclear, com energia

nuclear, reatores nucleares, física de nêutrons e detecção de radiação.

Dedicou-se a estas atividades de 1956 a 1961, e recebeu do CNEN pelo

desempenho e dedicação ao trabalho a Medalha Carneiro Felipe.

A partir de 1989, continuou seus trabalhos de pesquisas no Centro

Tecnológico das Radiações, com detectores de radiação e instrumentação nuclear.

O professor Marcello Damy ainda desenvolve ativamente seus trabalhos no

IPEN e recebeu desta instituição o título de Pesquisador Emérito – IPEN –

CNEN/SP.

Seus esforços e atividades, sempre voltados ao ensino e pesquisas nas

diversas áreas em que trabalhou, proporcionou-lhe ainda o recebimento de outros

títulos, medalhas e prêmios, dentre eles o da Ordem Nacional do Mérito Científico,

conferido pela Presidência da República e Ministério da Ciência e Tecnologia;

prêmio IBM de Ciências e Tecnologia; Medalha Tamandaré conferida pelo Ministério

33 Título e prêmios, conferidos pela Universidade de São Paulo - USP

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da Marinha; Colaborador Emérito do Instituto de Pesquisas do Exército; Ordem do

Mérito Nacional do Paraguai, com grau de Comendador, proferida pelo governo

paraguaio; Ordem do Mérito Naval, grau de Comendador, proferida pelo ministério

da Marinha do Brasil e Cidadão Paulistano.

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3. SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA CIÊNCIA BRASILEIRA.

Inúmeras foram as contribuições feitas pelo Professor Marcello Damy,

contribuições essas que exaltaram a Ciência e a Física brasileira no contexto

internacional. Algumas em parcerias com entidades de pesquisas/educacionais

outras pela criação de aparelhos e equipamentos.

Uma de suas maiores contribuições e que merece destaque por ter gerado

reconhecimento externo, foram os trabalhos realizados no período da segunda

guerra mundial. Período de grandes pesquisas, criações e contribuições para a

ciência brasileira e mundial.

Informou o Prof Marcello Damy que na segunda guerra, grande parte dos

seus trabalhos em equipamentos, foram em primeiro lugar para ouvir ruídos das

hélices de navios e submarinos também. Deu muito trabalho para se fazer, mas fez-

se e em segundo, a comunicação pela superfície do mar em dois pontos diferentes,

comunicação em código interceptável, deu um trabalhão, mas foi muito divertido.

Muitos artigos e trabalhos publicados em favor da ciência Física, que até hoje

ainda trabalha pela ciência e pela sociedade num todo.

3.1. O SONAR.

Durante a Guerra, o Brasil perdeu parte de sua Marinha Mercante logo nos

primeiros meses. Os submarinos alemães impediam as viagens pelo Norte e Sul,

sendo assim a Marinha fez um apelo ao meio científico e técnico para a criação de

aparelhos que localizassem submarinos. O professor Marcello Damy juntamente

com Paulus Pompéia foi procurado pelo Departamento de Comunicação da

Marinha, recém chegado dos Estados Unidos onde o professor Marcello Damy

trabalhou com Norman Hillberry na Universidade de Chicago, sob direção de A. H.

Compton, prêmio Nobel de Física, num aparelho capaz de contar impulsos elétricos

por segundo e medir intervalos de tempo com cinco casas decimais. Media na

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ordem de 10 – 8 ns34 o multivibrador construído pelo professor Marcello Damy. Os

primeiros radares ingleses, construídos por W. B. Lewis e R. Watson-watt, usavam

esse sistema.

O professor Marcello Damy, foi convidado a participar do esforço de guerra

inglês, mas o Ministro do Exterior, Oswaldo Aranha, primo-irmão de seu pai disse

“Se esse sujeito serve para a Inglaterra, vai ser mais útil para o Brasil”.

Criado com recursos da indústria e do comércio, os fundos universitários hoje

conhecido como FAPESP, financiaram a pesquisa de guerra, criado por Jorge

Americano então Reitor da USP.

Funcionava no laboratório de Física da Faculdade de Filosofia, Ciência e

Letras o laboratório da Marinha. Os experimentos de propagação de som eram feitos

em uma banheira, foi construído um gerador de ruído acústico baseado no

fenômeno de cavitação, ocasião em que foi recebida a visita do presidente Getúlio

Vargas.

Segundo o Prof. Marcello Damy, o começo dos trabalhos foi na Brigadeiro

Luiz Antonio em detectores de contenção, ultra-som na água. Isso deu um pouco de

trabalho, mas funcionou bem. No fim pegava-se uma pia, enchia-se d’água, e assim

era feita a comunicação com os ferros dos canos e com o depósito de água, que iam

para dezenas de outras casas e apartamentos, de modo que desenvolveu-se a

técnica direcional de detecção e que com essa técnica ouvia-se do fundo do

laboratório todas as conversas de um grupo de apartamentos, uns 10, na Brigadeiro,

todos interligados aos encanamentos de água, que eram comuns à todos na rua.

Havia muita sensibilidade, ouviam-se as conversas por volta de 3 a 4

kilometros. Debaixo d’água, pegava-se tranqüilamente tudo que se conversava do

outro lado e essa técnica teve seu desenvolvimento e aperfeiçoamento na represa

de Santo Amaro35”.

Logo após, foi montado um laboratório flutuante na represa de Santo Amaro e

com a ajuda de Jorge Americano foram construídos e montados dois barcos com

geradores elétricos e buracos centrais, por onde os sonares ficavam em contato com

a água. Os experimentos eram feitos com barquinhos de brinquedos e de velas

34 ns = nanosegundos 35 Represa de Santo Amaro é atualmente conhecida como Represa Billings

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comuns, colocados na água a uma distância de 1 km um do outro, colocava-se um

pouco de álcool na vela, a água fervia e eles saiam propelidos por jatos de vapor,

fazendo barulho com a cavitação produzida por uma hélice. Conseguia-se detectar o

ruído dos barquinhos a uma distância de 2 km.

O teste final da Marinha foi no arsenal da Ilha das Cobras, próximo a Niterói,

onde aviam estaleiros. O problema eram os ruídos dos estaleiros e das marolas; o

primeiro resolvido com as diretivas do sistema, calculadas pelo professor Abrahão

de Moraes, mas para resolver o segundo, o professor Marcello Damy ficou sabendo

que os americanos usavam um sistema parecido com o radar, com emissão de feixe

de som e recebia eco, foi descoberto na literatura que Langevin e Floresson

construíram um sistema desse tipo com cristais de quartzo durante a Primeira

Guerra Mundial, mas não havia na indústria paulista alguém que fizesse cristais com

espessura suficiente. Teve, então, a idéia de usar um oscilador magnetoestritivo

para emissão, eram necessários cristais de Rochelle, então passamos a produzi-los.

Foi a primeira vez que se conseguiu a produção de cristais sintéticos no Brasil e

tiveram a colaboração do grupo de Geologia da FFCL na orientação do corte de

cristais e depois do departamento de Química, no final o problema foi resolvido por

nós mesmos, pois eles construíam cristais muito pequenos e precisávamos de

cristais com pelo menos cinco centímetros de altura.

Esses cristais tinham uma propriedade interessante, o professor Marcello

Damy levou para casa um dos últimos que fizeram, ligou no lugar do alto-falante do

seu rádio e o pessoal ia até a sua casa para ouvir o cristal falar, segundo ele era

muito bonito, nessa ocasião os trabalhos com a Marinha já estavam encerrados e no

final da guerra.

“ Durante a guerra e fora da guerra, o meu primeiro interesse começou quando o pessoal de Cambridge disse para me preocupar com isso. Então comecei a mexer com ultra-som.... e quando mexemos com ultra-som precisamos de um laboratório para ouvir e o melhor laboratório foi a janela e a rua onde os outros passam conversando.

Eu pegava uma conversa a um kilometro do laboratório, depois se faz um aparelho que separa uma conversa das outras, amplifica, separa os ruídos e ouvi, como se estivesse ali junto das pessoas.

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Depois no submarino foi hipotético, porque o submarino esta na água, a água tem peixe, tem navio, tem onda, tem pedra, um background de ruídos que é uma coisa inacreditável, de forma que você tem que separar aquele de seu interesse, mas que você ainda não conhece. Então tive que fazer um varredor que vai varrendo a freqüência, até que você chegasse nele.

Deu muito trabalho, perdi muitas noites soldando fios para resolver problemas, mas valeu a pena....”.

Marcello Damy (Dez/2005)

Mas entre conseguir construir um aparelho que detectasse a presença de

submarinos alemães e a efetiva utilização do mesmo, tiveram outros problemas a

resolver. Precisavam de um material que resistisse a pressão da água e não

sofresse corrosão, surgiu assim a necessidade de produzir o aço inoxidável, pela

primeira vez o aço inoxidável foi feito no Brasil pelo IPT com apoio da Laminação

Nacional de Metais e uma empresa de Móveis de Aço dirigida pelo engenheiro Aldo

Magnelli, que trabalhou em Roma com física experimental sob orientação de Enrico

Fermi o criador da primeira reação em cadeia com urânio em Chicago.

Solucionados todos os problemas que poderiam colocar todo o serviço a

perder, o sonar do professor Marcello Damy de Souza Santos juntamente com

Paulus Pompéia pode ser utilizado pela Marinha Brasileira com muita segurança e

benefícios à Nação e aos Aliados.

Comenta o Prof. Marcello Damy que teve a sorte de estar na Inglaterra no

laboratório de pesquisas da Universidade de Cambridge quando a guerra começou a

estourar, países entraram em colisão, retiravam-se representantes, eram os

prelúdios da guerra. Teve a oportunidade de acompanhar muito bem os fatos e

como eram transmitidos às pessoas. Então desenvolveu os aparelhos e passou-se

alguns anos assim, iniciando em 1940 e terminando em 1958.

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3.2. Crescimento de Cristais Sintéticos

Segundo o Prof. Marcello Damy, a técnica de cultivo de cristais sintéticos era

muito pouco utilizada e difundida em todo o mundo. O Brasil foi um dos pioneiros

nessa técnica, pois, sendo o Brasil grande fornecedor desse material teve a

oportunidade de desenvolver e aperfeiçoar os trabalhos para o crescimento dos

cristais.

Durante a Segunda Grande Guerra, foi preciso utilizar técnicas para o

crescimento de cristais piezelétricos para dar andamento e resolver problemas na

construção do Sonar. Então, segundo o Prof. Marcello Damy foi criada uma técnica

para o crescimento de cristais com maior comprimento para sanar tais problemas .

O cristal é um sólido constituído de átomos, moléculas ou iões, organizados

num padrão tridimensional definido, que se repete no espaço, formando uma

estrutura geométrica específica.

Em mineralogia o cristal é uma forma de matéria. Suas partículas constituídas

estão agregadas regularmente, criando uma estrutura cristalina, assumindo

macrocosmicamente a forma de sólido de faces planas regularmente arranjadas,

com elevado grau de geometria tridimensional.

Em geral os cristais forma-se a partir de substâncias fluídas à medida que

estas vão se solidificando. A forma mais comum de cristalização consiste na

existência de uma solução, a partir do qual o material que forma o cristal vai

precipitando36 e, no processo, cada átomo ou molécula vai assumindo uma posição

que é determinada pelos átomos ou moléculas vizinha.

Outra forma de cristalização e mais utilizada em geologia, presente no

magma e nas soluções hidrotermais, é a precipitação a partir de uma solução. É o

caso, das soluções sobressaturadas de sal comum (cloreto de sódio): quando a

quantidade de sal em solução excede a que pode ser mantida àquela temperatura,

os iões de Sódio e Potássio começam a agregar-se de forma estruturada (em geral

em torno de impurezas ou de um cristal somente), crescendo rapidamente por

remoção de sal da solução. O mesmo acontece com a formação dos cristais no

36 A palavra precipitar nesse item foi utilizada no sentido de condensar-se.

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magma: a partir do material fundido vão sendo precipitados cristais que crescem por

agregação dos átomos que os constituem.

Há também os cristais que formam-se a parir de gás ou mistura gasosa.

Como é o caso do crescimento dos cristais de neve na atmosfera, ao ocorrer a

passagem de vapor de água (um gás) diretamente para sólido. O mesmo acontece

com a formação de cristais de enxofre.

Através de processos de processos de deposição controlada, é possível

crescer grandes monocristais, como os necessários para aplicações fotoelétricas.

Isto, devido às suas especiais propriedades e beleza.

A forma dos cristais, depende não só das características do material de que o

cristal é formado mas também das condições de formação, como é o caso do

carbono que a alta temperatura e pressão, forma o diamante e com alta temperatura

e baixa pressão, forma a grafite .

Os cristais apresentam propriedades37 ópticas e elétricas distintas de

quaisquer outros sólidos ou fluidos, tornando-os extremamente úteis em aplicações

eletro-ópticas e eletrônicas, as quais dependem da sua estrutura, do tipo de ligações

e das impurezas e defeitos na malha cristalina de que eventualmente padeçam.

Os efeitos mais conhecidos das estruturas cristalinas são os piezelétricos38,

os ferroelétricos, os piroelétricos e semicondutores.

Outra propriedade dos cristais estão à levar a utilização tecnológica da

supercondutividade a altas temperaturas e a crescentes desenvolvimento no campo

da Física da matéria condensada.

Os cristais de quartzo é o mineral mais abundante da Terra. A utilização

industrial deste cristal é na sua maioria sintético. São produzidos grandes e perfeitos

cristais não maclados em autocrave 39.

Segundo Rui Nogueira40, o quartzo natural de qualidade cristalográfica

elevada foi importante com o advento da indústria do rádio e de toda a eletrônica de

comunicações.

37 As propriedades dos cristais, a sua formação e interação com fatores físicos e químicos incluindo os ambientais, são estudos direcionados ao ramo da ciência conhecido como cristalografia. 38 Cristais piezelétricos, utilizados pelo Prof. Marcello Damy na construção do sonar. 39 Autoclave é um aparelho utilizado para esterilizar artigos através do calor úmido sob pressão.

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O Brasil durante muito tempo, foi o principal, senão o único, fornecedor de

quartzo natural piezelétrico. Até a Segunda Grande Guerra praticamente todos os

rádios do mundo funcionavam com cristais brasileiro. Atualmente o quartzo brasileiro

de alta qualidade cristalográfica é usado apenas como semente para a produção do

quartzo artificial.

Crescimento de cristais pelo método de soluções supersaturadas.

Cristais podem ser crescidos artificialmente por várias técnicas. Vamos

descrever, a seguir, como você pode crescer bons cristais pelo método de solução

supersaturada.

Soluções supersaturadas.

Um sal como o cloreto de sódio, nosso velho sal de cozinha, dissolve bem em

água e a solução é transparente. Mas, se adicionarmos sal em quantidade muito

grande, ultrapassando um certo valor dito "de saturação", a solução fica turva e o

excesso de sal se deposita no fundo do vidro. Uma solução nesse estado é dita

"supersaturada". O valor de saturação depende da temperatura da solução. Água

quente dissolve melhor que água fria. Uma solução supersaturada na temperatura

ambiente, pode voltar a ficar transparente se aquecida a 50ºC, por exemplo.

E aí, surge um fato novo. Deixando esta mesma solução resfriar lentamente, sem

nenhuma agitação, ela pode voltar à temperatura ambiente e continuar transparente,

sem precipitado. Nesse caso, a solução está a ponto de precipitar, em equilíbrio

instável. Qualquer perturbação pode quebrar esse equilíbrio e a solução se turvar

novamente. É exatamente essa instabilidade que se aproveita para o crescimento de

cristais. Colocando um pequeno cristalzinho do mesmo sal nessa solução

supersaturada, partículas do sal que estão prestes a se precipitar podem aderir às

paredes do cristal, fazendo-o crescer. Esse cristalzinho é a "semente" de

crescimento do cristal.

40 *Rui Nogueira, médico e escritor, autor de Servos da moeda, Petrobrás, orgulho de ser brasileira e Nação do sol

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Crescendo cristais em soluções supersaturadas.

Para crescer cristais você precisará dos sais, de recipientes adequados, de

água destilada, uma balança, um termômetro e um bocado de paciência. Os sais

podem ser adquiridos em lojas de produtos químicos ou obtidos, no queixo, de seu

professor de química ou de um professor da universidade mais próxima. Os

recipientes podem ser vidros de geléia ou doce, de boca larga e tampa de enroscar.

Consiga vários deles, de tamanhos diversos, e limpe-os com muito cuidado.

Daremos, a seguir, receitas para o crescimento de vários tipos de cristais pelo

método das soluções supersaturadas. Começaremos com o Alúmen que é um dos

mais fáceis de crescer. É bom começar por ele para não perder a paciência e

conseguir resultados encorajadores em pouco tempo. A receita para esse cristal

será dada com mais detalhe. As demais são semelhantes.

Alúmen (Sulfato de Alumínio e Potássio dodecahidratado).

• SOLUÇÃO SUPERSATURADA: 20 gramas por 100 mililitros de água.

(1 ml = 1 cc).

• SAL ADICIONADO: 4 gramas por 100 mililitros de água.

Preparando uma solução saturada.

A melhor forma de preparar uma solução saturada é deixar uma solução

supersaturada depositar seu excesso de sal no fundo do vidro. A quantidade de sal

dada acima produz uma solução supersaturada a temperatura ambiente (27ºC). Use,

por exemplo, 400 ml de água destilada em um de seus vidros e ponha 80 g do sal

nessa água, a temperatura ambiente. Mexa bem e observe que não consegue

dissolver o sal completamente. Espere algumas horas até que todo o excesso se

precipite e a solução fique clara. Essa solução está saturada pois seu excesso de sal

se precipitou. Passe a solução para outro vidro, com cuidado para que o sal do

fundo não vá junto. Cubra esse novo vidro para evitar evaporação. Retire o sal

depositado, ponha-o em um pires limpo, espere que ele seque e guarde-o para uso

futuro. Se algum cristalzinho bem formado aparecer nesse precipitado guarde-o para

usar como semente.

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Preparando uma semente.

Uma semente pode ser preparada pondo um pouquinho de sua solução

saturada em um vidro pequeno e deixando-a evaporar em um lugar seguro.

Pequenos cristais se formarão no fundo desse vidro. Esses são candidatos a

semente. Pegue-os com uma pinça e separe os melhores, sem defeitos e sem

incrustações. A semente escolhida será amarrada na ponta de uma linha fina e

resistente e pendurada em um cartão com 3 furinhos que deverá se ajustar

completamente à tampa do vidro onde o cristal será crescido. Ajuste o cartão com a

linha e a semente na parte interna da tampa e guarde para usar logo mais.

Crescendo o cristal.

Agora você tem uma solução saturada e uma semente. Está pronto para

crescer seu cristal.

Aqueça a solução saturada até uns 50ºC e dissolva nela a quantidade

adicional de sal mencionada acima (4 g para cada 100 ml). Deixe esfriar sem mexer

e, quando a solução estiver uns 3ºC acima da temperatura ambiente, enrosque a

tampa com a semente pendurada de modo que fique pelo meio do vidro.

Pronto. Agora basta ter paciência e não perturbar o cristal enquanto cresce. O vidro

de crescimento deve ficar em um lugar de temperatura constante e sem vibrações.

Um armário que não é usado, em local abrigado, é uma boa pedida. Todo dia você

pode dar uma olhadinha para ver como andam as coisas. Quando achar que o

tamanho do cristal está bom, tire-o do vidro e seque-o em uma toalha de papel. Não

é boa prática pegar o cristal com os dedos pois o suor pode corroer a superfície.

Outros cristais.

Damos, a seguir as receitas para outros cristais. O procedimento geral é o

mesmo que no caso do alúmen.

Tartrato de Sódio e Potássio (Sal de Rochelle).

• SOLUÇÃO SUPERSATURADA: 130 g por 100 ml de água.

• SAL ADICIONADO: 9 g por 100 ml de água.

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Esse é um cristal bem fácil de crescer. Como ele cresce muito ligeiro às vezes

fica difícil evitar aglomerações. Outro problema é que a solubilidade desse sal varia

muito com a temperatura. Tente manter a temperatura do crescedor o mais

constante possível. Um método que pode funcionar é colocar o vidro do crescedor

dentro de um grande depósito com água, uma bacia, por exemplo.

Ferricianeto de Potássio (Prussiato vermelho).

• SOLUÇÃO SUPERSATURADA: 46 g de sal por 100 ml de água.

• SAL ADICIONADO: alguns grãos.

Também é fácil de crescer. Não se preocupe com o nome cianeto. Esse

material não é tóxico. Mesmo assim, você não deve ingeri-lo, pois pode ter uma bela

indisposição estomacal.

Acetato de cobre monohidratado.

• SOLUÇÃO SUPERSATURADA: 10 g de sal por 100 ml de água.

• SAL ADICIONADO: alguns grãos.

Esse é um cristal um pouco mais difícil de crescer que os anteriores. Como é

muito bonito, vale a pena o esforço de crescê-lo.

Acetato de cálcio e cobre hexahidratado.

Esse cristal é formado com dois compostos: o óxido de cálcio e o acetato de

cobre monohidratado, usado no cristal anterior. Use o seguinte processo.

Ponha 22,5 g de óxido de cálcio em 200 ml de água, acrescente 48 g de ácido

acético glacial e misture até ficar transparente. Se necessário, filtre a solução. Em

outro vidro, dissolva 20 g de acetato de cobre em 150 ml de água quente. Misture as

duas soluções em outro vidro, cubra e deixe descansar por 1 dia. A partir desse

ponto, proceda como anteriormente.

Esse é um belo cristal e vale a pena o esforço de crescê-lo.

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Análise

O crescimento de cristais em solução supersaturada utiliza a dependência da

solubilidade dos sais com a temperatura. O diagrama ao lado ajuda a entender o

método usado. Ele representa uma curva de solubilidade típica para um sal. Na

parte de baixo da curva, a solução tem pouco sal e é subsaturada. Todo o sal se

dissolve, nesse caso. Na parte de cima, a solução é supersaturada: o sal não se

dissolve totalmente e parte dele se precipita. A curva entre as duas regiões indica o

estado de saturação.

No método de crescimento descrito acima, começamos com uma solução

subsaturada (ponto A). Aquecemos a solução levando-a para o ponto B, mais

subsaturada ainda. Nessa temperatura, adicionamos sal levando a solução ao ponto

C, ainda subsaturada. Deixando a temperatura cair gradualmente, a solução vai ao

ponto D, onde deve estar supersaturada. É aí que se dá o equilíbrio instável que

mencionamos acima. A solução está prenhe, no ponto certo de crescer um cristal.

Nesse ponto você planta sua semente e espera alguns dias pelo seu rebento (não

precisa esperar nove meses).

Material

Sais adquiridos em firmas de produtos químicos ou em algum laboratório de

química de seu colégio ou da universidade mais próxima. Balança que meça

gramas.

Termômetro.

Vários vidros de geléia ou doce, com tampas de enroscar.

Água destilada.

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Toalhas e filtros de papel.

Um aquecedor de algum tipo. O melhor mesmo é uma placa de aquecimento

própria para laboratório, mas, o velho fogão da cozinha de sua casa pode quebrar o

galho. Cuidado para não se queimar.

Dicas:

Não ingerir esses sais nem beba as soluções!

Durante todo a manipulação lave bem as mãos. Os sais costumam aderir à

pele e contaminar as sementes, comprometendo todo o processo. Às vezes, a

semente se dissolve na solução, em vez de crescer. Isso indica que a solução está

subsaturada. Comece tudo de novo, usando um pouco mais de sal adicionado.

Crescer cristais é como cultivar uma horta. Dá trabalho, exige paciência e uma boa

mão mas, quando se pega o jeito, costuma-se ficar viciado. Leve suas soluções com

cristais em crescimento para seu estande na Feira, além dos melhores cristais que

cresceu e dos sais utilizados. Leve também uma lupa para mostrar detalhes de seus

cristais.

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3.3. Bétatron

Conforme mencionado anteriormente, o primeiro acelerador de partículas da

América do Sul, foi construído no laboratório de Física da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da Universidade de São Paulo – USP.

O reconhecimento dos trabalhos realizados pelo Prof. Marcello Damy e

equipe no esforço de guerra brasileiro para as Forças Armadas, mais

especificamente a Marinha brasileira, pelo área científica internacional, ficou

evidente quando a Fundação Rockefeller doou uma quantia em dinheiro (US$

75.000,00) para o departamento de Física Nuclear, para que o mesmo construísse

um acelerador de partículas.

O Prof. Marcello Damy e o departamento de Física, após sua vindo dos EUA

em 1945, decidiram por adquirir o Bétatron41, por acharem mais adequado. Por este

motivo o prof Marcello Damy ficou trabalhando uma ano na Universidade de Illinois,

com o Prof. D. W. Kerst, construtor do primeiro bétatron e também trabalhando no

projeto e construção de vários outros.

Energia de 24 MeV e freqüência de 360 Hz, foi o feixe de elétrons pulsados

produzidos pelo acelerador em 1951.

Alguns dos materiais necessários à construção do Bétatron vieram da

Universidade de Illinois, mas toda eletrônica de controle e detecção, e as fontes de

alta tensão, foram produzidas pelo próprio Prof. Marcello Damy e equipe. Após

várias pesquisas com circuitos de controles de estabilidade permitiram o estudo de

fenômenos nucleares com grande precisão.

Após este período vieram novos equipamentos mais modernos e potentes,

fazendo com que fosse construído novo prédio capaz de conter a elevada radiação.

Podemos destacar o seu uso em áreas de reações fotonucleares com

emissão de nêutrons, nas áreas aplicadas, como nas irradiações de sementes, na

produção de isótopos para fins medicinais e radiografia.

41 Bétatron é um acelerador de elétrons baseado na variação de campos elétricos e magnéticos. Utiliza-se o mesmo para a obtenção de elétrons com energia da ordem de 100 MeV ou mais. Pode ser usado inclusive para a obtenção d e raio X. Este primeiro equipamento encontra-se em exposição na Estação Ciência em São Paulo.

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Na medicina podemos destacar a Radioterapia, com poderosa ação anti-

inflamatória, anti-dolorosa, esterilizante local pelo seu grande poder de destruição de

células malignas, tornando-se grande arma no combate aos tumores.

Em 1895 com o desenvolvimento de aparelhos emissores de irradiação, foi

descoberta a radiação artificial, os raios X. Esta radiação apresentava propriedades

Físicas e Biológicas.

A propriedade Física mais marcante estava na sobreposição de objetos entre

a fonte de irradiação e chapas fotográficas, obtendo a imagem deste objeto;

propriedade esta que permitiu o desenvolvimento da radiologia.

Estes novos raios, por apresentarem propriedades semelhantes a da luz

solar, foram rapidamente utilizados na medicina . Pela primeira vez, em janeiro de

1896, uma paciente foi submetida a exposição dos raios-X, obtendo resposta

positiva no tratamento e abrindo novos horizontes no tratamento de várias

patologias.

No quadro abaixo estão relacionadas as diversas fontes usadas na

radioterapia e os seus tipos de radiação gerada, energias e métodos de aplicação.

Fonte Tipo de radiação Energia Método de aplicação

Contatoterapia Raios X (superficial) 10 - 60 kV Terapia superficial

Roentgenterapia Raios X (ortovoltagem) 100 - 300 kV Terapia semiprofunda

Unidade de cobalto Raios gama 1,25 MeV Teleterapia profunda

Acelerador linear Raios X de alta energia e elétrons* 1,5 - 40 MeV Teleterapia

profunda

Isótopos radioativos Raios gama e/ou beta Variável conforme o isótopo utilizado Braquiterapia

* Os feixes de elétrons, na dependência de sua energia, podem ser utilizados também na terapia superficial

As unidades internacionalmente utilizadas para medir as quantidades de

radiação são o röentgen e o gray. O röentgen (R) é a unidade que mede o número

de ionizações desencadeadas no ar ambiental pela passagem de uma certa

quantidade de radiação. Já o gray expressa a dose de radiação absorvida por

qualquer material ou tecido humano. Um gray (Gy) corresponde a 100 centigrays

(cGy).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo sobre Física nos mostrou o imenso universo de segredos que é a

natureza. O Físico, procura entender a natureza e segundo o professor Marcello

Damy: é uma coisa bonita, que dá a sensação de poder sobre a natureza, poder

sobre as coisas naturais, mas não sobre a vida e que a Física é bonita porque ela

explica coisas que, para muitos, são misteriosas. Logo, estudar Física nos mostra o

grande universo de segredos à pesquisar sobre a natureza.

No percurso deste trabalho conseguimos reunir informações e fatos ligados à

História da Ciência Física e de outras Ciências no Brasil e no mundo. Informações

estas necessárias para começar a entender como funciona o pensamento cientifico

de um Físico e quais os caminhos necessários para um bom desenvolvimento desta

profissão.

Mas para entender como é o pensamento científico de um pesquisador Físico

brasileiro percorremos um pouco da história das Universidades no Brasil, verificamos

como ocorreram e como surgiram as primeiras pesquisas em Física nessas

Universidades e quais eram os primeiros Físicos formados no Brasil. Sendo assim,

pudemos entender um pouco mais sobre a estrutura de um Físico no Brasil.

Estudando o professor Marcello Damy de Souza Santos, percebemos que a

formação do espírito científico está caracterizada antes mesmo dos estudos de

graduação. Neste caso o ensino de Física e as indicações de leituras nos anos

anteriores ao da graduação foram essenciais para essa formação, pois, o professor

Marcello Damy foi aguçado em descobrir, criar equipamentos e experimentos em

seus locais habituais, sempre sendo incentivado pela família que desenvolveu papel

importantíssimo nessa formação de pesquisador e criador.

Nestas pesquisas, verificamos o acúmulo de informações com que armazena

o Prof. Marcello Damy; suas lembranças, seu acervo, suas atitudes que ficaram

caracterizadas na gentileza e no ótimo atendimento a mim nos vários “bate-papos”

como ele mesmo diz, em sua residência. Essas reuniões, traduziram-se em uma

inexplicável emoção ao me deparar com tanta grandeza interior tão raramente vista

hoje em dia. Pudemos perceber então, que o Prof. Marcello Damy de Souza Santos,

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ainda trabalhando ativamente no IPEN, doa-se à pesquisa, não só Física, mas

também nas áreas afins.

Concluídas as pesquisas, verificamos que no Brasil a história da ciência ainda

não é totalmente preservada, não se tem a preocupação de se fazer um registro dos

acontecimentos, ou seja, de geração à geração as informações vão se perdendo no

espaço e no tempo.

Procuramos aqui, resgatar um pouco da História da Ciência Física no Brasil,

bem como reverenciar um pesquisador de renome, que merece toda a consideração

e o respeito pelos seus serviços prestados para a nação brasileira, permitindo ao

público em geral que conheça um pouco dessa história e dessa personagem

singular que é o Prof. Marcello Damy de Souza Santos.

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